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Ficha Técnica

Título original: One Kiss in Havana


Tradução: José Santos
Revisão: Silvina de Sousa
Capa: M aria M anuel Lacerda/Oficina do Livro, Lda.
ISBN: 9789897260193

QUINTA ESSÊNCIA
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uma empresa do grupo LeYa
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© M ichelle Jackson, 2010


Publicado originalmente por Poolbeg Press Ltd., 2010
e Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda.
Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor
E-mail: quintaessencia@oficinadolivro.leya.com
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Esta edição segue a grafia do novo acordo ortográfico.


Dedicado a Hemingway e a Che Guevara.
Dois homens inspiradores que foram tocados por Cuba!
Prólogo

«O Sol nasce e o Sol põe-se.»


Eclesiastes

3 DE SETEMBRO

Emma acordou quando o primeiro raio de luz espreitou pela abertura das cortinas do quarto.
Esfregou as pálpebras e levantou a cabeça com o cabelo preto-azulado da almofada – com cuidado,
para não acordar o marido. Procurava superar o bloqueio de escritora, e levantar-se muito cedo era a
última das suas tentativas para estabelecer uma nova rotina. Emma era por natureza noctívaga e
achava as seis da manhã um começo difícil. Desceu ao escritório, ligou o portátil e aguardou
enquanto os ícones surgiam um por um. Esperara toda a vida para escrever o seu primeiro romance –
naquele momento começava a interrogar-se se isso era tudo o que tinha para contribuir para o mundo
das letras. O marido, Paul, era muito paciente, e dava-lhe todo o apoio e espaço de que necessitava
para finalizar o seu segundo romance. Ela continuava a colaborar como jornalista a meio tempo,
apenas em revistas e periódicos que lhe interessavam, e tinha bastante disponibilidade para trabalhar
no seu romance como lhe aprouvesse. Percebeu que gozava de condições de liberdade com que a
maioria dos escritores apenas sonhava.
Organizou a sua pasta de documentos e foi verificar os e-mails. Depois escreveu algumas palavras
e, quando deu por isso, eram sete e meia e estava na hora de acordar os homens da casa.
Finn ressonava baixinho, mas ela entrou devagar no quarto para verificar se ele dormia
profundamente. Ficou a ver o seu peito subir e descer, e sorriu com a satisfação que só uma mãe pode
sentir ao assistir ao sono do filho. Ele não seria uma criança por muito mais tempo – já estava na
quarta classe.
Confiante em que o filho iria dormir pelo menos mais alguns minutos, foi acordar o marido. Nessa
manhã sentia-se desperta e sensual depois de escrever durante quase duas horas. Seria um mimo
agradável a meio da semana!
Colocou a mão sobre a testa dele, surpreendentemente fria ao toque. Muito devagar, encostou os
lábios à face dele – foi então que percebeu que havia algo de terrivelmente errado.

Louise encontrava-se a cortar a côdea das sandes e a colocar os pequenos quadrados de pão e
fiambre em sacos de plástico, tentando lembrar-se como conseguira fazer tudo quando costumava sair
de manhã a correr para o trabalho de professora de Música, bem como preparar as crianças para a
escola e creche.
Ainda estava de pijama, mas fora o segundo membro da família Scott a levantar-se. Donal já ia a
caminho do trabalho – gostava de chegar mais cedo, para poder terminar ao fim da tarde e estar fora
da cidade antes da hora de ponta. Durante o verão e início do outono, ele usava esse tempo extra para
ir até ao clube de iate e velejar enquanto havia luz.
De repente o telefone de casa tocou, assustando-a – quase nunca tocava de manhã. Quem
habitualmente ligava a essa hora eram as outras mães que conhecia através da escola, para combinar
boleias e datas de jogos, e contactavam-na sempre para o telemóvel. Levantou o auscultador e ouviu
a voz da irmã do outro lado da linha.
– Louise! – exclamou Emma. – Ajuda-me… é o Paul… ele não está a respirar!

Sophie passou pela rececionista com um aceno amigável, um copo de café Starbucks na mão. Ia
ser um ótimo dia – a maioria dos dias era ótima para Sophie. Ao sentar-se à secretária no seu
pequeno mas elegante gabinete, abriu a gaveta e tirou um espelho para verificar como estava após a
breve caminhada para o trabalho. Os seus caracóis ruivo-acobreados mantinham-se perfeitos e os
lábios estavam lustrosos e brilhantes. Clicou no rato do seu Apple Mac topo de gama e esperou que
os seus e-mails surgissem no monitor. Visualizou-os a correr, procurando algum dele, e verificou de
novo a lista – não querendo acreditar nos seus olhos –, ele enviava-lhe sempre um e-mail antes de
começar a trabalhar. De repente, o telemóvel tocou e ela procurou freneticamente na mala – ansiosa
por ouvir a sua voz.
Mas não era ele.
– Sophie, é a Louise.
Sophie sabia pelo tom da irmã mais velha que algo não estava bem e respirou fundo.
– Sim?
– É o Paul. Estou a caminho do hospital… ele teve um ataque cardíaco.
Sophie sentiu o sangue abandonar-lhe o rosto.
– Oh, meu Deus! É muito grave?
– É grave, Sophie.
– O quê? Ele vai ficar bem… não vai?
– Ele está numa ambulância… estão a tentar reanimá-lo.
– O que queres dizer com isso?
– Acho que ele está morto… ligo-te quando souber mais.
Sophie não foi capaz de responder. O seu estômago contraiu-se com o choque e sentiu-se prestes a
vomitar. Fechou os olhos, para não desmaiar. Não podia ser – não o seu amado Paul. Ele era o seu
cunhado favorito. Ele era o seu rochedo. Ele era o seu amante.
1

20 DE MARÇO

A Páscoa era mais cedo naquele ano e Louise queria estar preparada – da mesma forma que se
preparava para todas as festas e feriados. Quando trabalhava, costumava imaginar quão descansada
seria a sua vida se não tivesse de ir para a escola todos os dias e ficar em sentido de cada vez que a
campainha assinalava o fim de uma aula. Mas ficar em casa não era o mar de rosas que esperara.
Desde que desistira de trabalhar, Donal perguntava-lhe regularmente como passara o dia e ela nem
sempre era capaz de dar uma resposta satisfatória. A verdade é que muitas vezes dava por si a
complicar coisas triviais que antes costumava fazer sem pensar no caminho para o trabalho. Também
complicava as coisas, escolhendo a opção mais demorada na execução de uma tarefa. Por exemplo,
naquela manhã não precisava de ter ido a Dublin para comprar os ovos da Páscoa.
As portas do comboio abriram-se e Louise sentou-se imediatamente à direita. Pôs os sacos com os
ovos de chocolate aos pés – não olhando para o homem de blusão de cabedal sentado em frente. Ele
falou primeiro.
– Louise?
Ela olhou para cima, sobressaltada.
– É o Jack! – exclamou o jovem.
Louise ficou de boca aberta. Era ele. O seu cabelo loiro estava acastanhado, mas os olhos azuis
translúcidos eram inconfundíveis. Olhou para o nariz perfeitamente esculpido e a suave linha de
rosto – não conseguindo responder.

Emma abriu a caixa de correio. A maioria das cartas era dirigida a Paul – nunca se apercebera da
quantidade de correio que ele recebia, até ele morrer e ser ela a abrir a correspondência. Grande
parte eram contas ou coisas relacionadas com o trabalho – não era complicado lidar com elas, mas
quando viu uma carta pessoal de alguém que ainda não sabia da morte repentina, foi-lhe muito difícil.
Todavia, nada do que abrira até àquele momento iria deixá-la tão traumatizada como o envelope
liso e branco que tinha na mão.
Voltou ao corredor e à cozinha. Algo lhe dizia que precisaria de uma chávena de chá por perto
antes de abrir o envelope. Na frente estava o logótipo da Evans, a gráfica onde Paul trabalhara.
Seis meses tinham passado bem depressa. Após a morte do marido, ela dormira mal seis noites por
semana, mas lentamente, com o passar dos meses, as más noites haviam dado lugar às boas. Na noite
anterior, porém, acordara à uma e sete e saltara da cama para aliviar o tremor. Embrulhada no
roupão, entrara no quarto de Finn para verificar se ele respirava. Era algo que desistira de fazer
quando ele completara dois anos, mas depois de encontrar o pai dele sem respirar naquela brilhante
manhã de setembro, nada mais era um dado adquirido. Se ficava deitada na cama, a sua mente
começava a vaguear e torturava-se durante horas, perguntando-se porque decidira Paul deixá-la e ao
filho quando tinha tanto para viver.
Então fez o que costumava e ligou ao seu amigo David, em Sydney – ele era a única outra pessoa
além do cunhado que sabia que Paul havia morrido em circunstâncias tão sombrias. Era seguro
dasabafar com alguém que estava longe e que nunca iria contar a ninguém da sua família.
Quando a chamada terminou, foi navegar na internet – o YouTube conseguiu mantê-la ocupada até à
onda seguinte de sofrimento, por volta das três e quarenta e cinco. Era hora de voltar para os lençóis,
com um rolo de papel higiénico na mão para enxugar as lágrimas, até Finn ter de se levantar para a
escola.
O dia corria bem – até ter recebido o correio. Ligou a pequena chaleira de inox e esta gemeu um
pouco antes de começar a libertar vapor e desligar-se de novo. Perguntou-se quantas vezes por dia
fazia aquilo – a chaleira era sem dúvida o melhor trabalhador da casa. E era sempre chá que Emma
gostava de beber. Quente e forte, com uma gota de leite. Paul sabia exactamente como fazê-lo. Era
uma das muitas coisas de que sentia a falta dele.
Finn encontrava-se na escola e nunca tinha visto a mãe ficar alterada quando lia o correio. Estava
na idade em que preferia a companhia dos amigos. Embora ela percebesse que ele a adorava e era
seu feroz protetor, sabia também que não podia impedir o normal progresso nos ritos de passagem de
uma criança de nove anos. Em breve iria sentir todas as dificuldades de ser mãe solteira de um
adolescente e esperava ser capaz de as enfrentar quando chegasse a hora.
Emma pegou na chaleira e deitou água quente na caneca de porcelana. Puxou uma cadeira,
arrastando-a pela tijoleira, e sentou-se. Sem cerimónias, rasgou o envelope e tirou de lá um outro que
tinha um logótipo com um pôr do Sol de uma empresa de viagens no canto superior esquerdo.
Dobrado dentro deste havia três documentos cuidadosamente datilografados. Um folheto voou para
fora do envelope e aterrou em cima da mesa. Era brilhante e colorido, decorado nas extremidades e
com a palavra CUBA estampada no topo. Mais publicidade, pensou Emma, quase o atirando para o
lixo. Mas, ao invés, desdobrou as outras páginas e deu uma vista de olhos aos documentos. Uma série
de palavras-chave chamaram a sua atenção – obrigado – reservas – bilhetes – em anexo – viagem –
restrições – visto. Ela lia um itinerário de viagem para duas pessoas. Aquelas páginas eram tudo o
que era necessário para umas férias de dez dias na soalheira Cuba e a data da partida estava apenas a
seis dias de distância.
Emma pestanejou e leu de novo os documentos – desta vez com mais cuidado. Os nomes impressos
na parte superior da página eram Mr. P Condell e Mrs. S Owens. Tinham escrito incorretamente a sua
inicial. Desejou que dissesse Mr. e Mrs. Condell – ela devia ter mudado o nome no passaporte
aquando da renovação depois de Finn nascer –, era um pormenor, mas uma vez que perdera Paul
desejava ter o apelido dele em todos os documentos. Nunca importara até àquele momento. A reserva
fora feita havia sete meses – apenas alguns dias antes de Paul ser levado para longe dela tão de
repente. Pegou no envelope exterior – estava endereçado a Evans Graphics House. Se Paul lhes
dissera que enviasse para o trabalho era porque queria manter aquilo em segredo, para ser uma
surpresa – o tipo de atenção ao pormenor que Paul punha em tudo o que fazia. No seu trabalho como
designer gráfico, ele era mais exigente e preciso do que qualquer dos colegas, e essa era uma
característica que deixava Emma doida. Que feliz seria entretanto se pudesse juntar todas as vezes
em que ele fora exigente e minucioso e abraçá-lo e às suas doces maneiras, apenas para partilhar
mais algum tempo com ele.
Nos últimos anos, Emma desejara muito ir a Cuba para ver La Finca Vigía – a casa de Ernest
Hemingway fora de Havana, onde ele passara alguns dos anos mais felizes da sua vida. Que
maravilha Paul ter feito aquilo por ela! Mas ele jamais saberia o que ela sentia sobre aquele lindo
presente. Emma foi engolida por emoções que não experimentava desde aquela manhã de setembro,
quando o descobrira morto na cama.
De repente o telefone tocou e ela não teve coragem para atender. Tudo o que conseguiu fazer foi
segurar a caneca com as duas mãos, enquanto subia as escadas para o conforto da cama, antes de
Finn chegar a casa da escola.

Louise ouviu o telefone chamar uma, duas, três vezes antes de passar para o atendedor.
Olá, ligou para os Condell. Não podemos atender a sua chamada, mas se deixar o nome e
número, ligamos-lhe.
Louise estava familiarizada com o sotaque da Irlanda ocidental da voz do homem. Não tinha
sugerido a Emma que tirasse a voz de Paul do atendedor, mas perguntava-se se fazia parte do
processo de luto da irmã ou fora apenas um esquecimento. Talvez a irmã não fosse a melhor pessoa a
quem ligar – estava demasiado presa à sua própria dor para compreender como Louise se sentia
abalada após a curta viagem de comboio.
Desligou o telefone e tentou pensar na tarefa seguinte da sua lista para o dia. Tudo estava a ficar
entediante. Deixara de trabalhar após o nascimento do filho mais novo.
Ela e Donal tinham ficado felizes com dois filhos e duplamente emocionados por Molly ser uma
menina, por isso, a chegada de Tom, dois anos depois, não fora planeada. Era difícil para Louise
trabalhar a tempo inteiro e coordenar um bebé com uma criança de cinco anos que ia começar as
aulas. Já tentara dividir o trabalho durante algum tempo, mas finalmente fizera uma interrupção na
carreira para ser mãe a tempo inteiro. Porém, no seu novo papel, era difícil encher a cabeça com
coisas que alimentassem o seu cérebro. Compras e cozinhar e limpar nunca tinham sido prioridades
para Louise – não se adequavam ao estilo de vida de uma música boémia. Porém, já havia muito
tempo que não era tal coisa. A parte boémia da sua personalidade fora gradualmente sufocada pela
sala de aulas e o seu papel como professora. Já nem sequer tocava piano.
Jack Duggan. Tinha-se esquecido dele com o passar dos anos, quando os filhos vieram e ela
saboreara o papel de mãe, mas vê-lo umas horas antes no comboio levou-a de volta à primeira vez
que percebera que estava apaixonada por ele. Não se sentia tão angustiada desde o dia do seu
casamento.
Lembrou-se do seu reflexo frente ao grande espelho de moldura de carvalho na casa da mãe.
– Estás linda – dissera Emma, com tanta sinceridade que Louise quase acreditara nela. Mas não se
sentira linda e uma lágrima escorrera pelo seu rosto.
Emma tirara um lenço de papel e limpara-a.
– Não se pode estragar a maquilhagem no teu grande dia – dissera, com simpatia.
Louise suspirara de alívio – sabendo que havia alguém que entendia o que ela estava a passar.
Perguntou-se se teria sido tão compreensiva para com Emma se a situação fosse a inversa.
Não tivera intenção de ter um caso com Jack Duggan seis meses antes do dia do seu casamento –
começara como uma simples atração, bastante comum em qualquer local de trabalho. Mas isso
mudara subtilmente numa noite em maio, quando soubera que em breve Jack iria partir e podia nunca
mais voltar a vê-lo. Ambos sabiam que o que faziam era errado, mas não conseguiam evitá-lo.
Ela fizera o que estava certo ao deixá-lo ir-se embora. Agira corretamente com Donal, mantendo-
se fiel aos seus votos nos últimos catorze anos e dando-lhe três filhos lindos, que eram o centro dos
seus mundos. Então porque se sentia tão culpada por ter falado com Jack Duggan no comboio?
Raios, pensou Louise. Tremia por dentro. A cabeça estava tão cheia de imagens de si e Jack a fazer
amor que era difícil concentrar-se. O seu estômago contraiu-se quando se lembrou dos olhos dele –
da maneira como ele a olhara, fazendo-a sentir que tocava na sua alma. Se ficasse sozinha até à hora
de ir buscar as crianças, daria em doida.
Não havia mais ninguém com quem falar. Talvez Emma estivesse em casa, mas não atendera o
telefone. Agarrou na mala e nas chaves do carro e bateu com a porta atrás de si. Felizmente a irmã
morava apenas a dez minutos, e ela poderia dar-lhe a incrível notícia antes de ir buscar Tom à
escola. Abriu as portas do seu monovolume Opel Zafira e deslizou para o assento. O seu coração
bateu com força quando pensou em Jack e na maneira como ele sorrira para ela. Sentiu no bolso o
cartão de visita que ele lhe dera horas antes. Ele estava vivo e bem, e morava em Dublin – apenas a
alguns quilómetros dela. Sentiu-se inundada por emoções e teve de se obrigar a concentrar-se na
estrada. Sentia-se tão curiosa por saber mais sobre ele e onde teria passado os anos em que haviam
estado separados. Teria mulher? Filhos? Importaria isso? Claro que não – não tinha ela também
marido e três filhos? Precisava de falar com Emma rapidamente, ou iria sufocar com os seus
pensamentos.
As obras em Howth Road acrescentaram cinco minutos à viagem e ela praguejou durante todos os
segundos que demorou a chegar a Sutton.

Emma deixou as cortinas abertas na esperança de que os raios de sol da primavera pudessem
aquecer o quarto. Adorava o facto de o seu quarto ter vista para a baía de Dublin e para as grandes
chaminés da central elétrica que assinalavam a entrada do porto. Como pano de fundo, as montanhas
de Dublin mudavam de cor várias vezes ao dia e tinham-na ajudado e a Paul a decidir comprar a casa
anos antes.
– Mas não é muito cara? – perguntara Emma quando a vira a primeira vez: duzentas mil libras era
uma enorme quantia.
– Não tão cara como daqui a dois ou três anos – garantira Paul, e é claro que tivera razão, como na
maioria das coisas. Mesmo com a queda dos preços no mercado imobiliário, a casa era uma
pechincha.
Ela sentia falta das suas certezas e do seu faro para prever o que ia acontecer, e do seu controlo
das finanças domésticas.
Não era só disso que sentia falta. O cheiro dele na almofada desaparecera embora ela tivesse
adiado lavar a roupa da cama enquanto pudera.
De repente a campainha da porta tocou – um toque alto e longo significava que só podia ser uma
pessoa. Pelo menos Louise habituara-se a vê-la naquele estado sem se importar. Mas a sua
impaciente irmã mais nova tocou de novo, mesmo depois de ter visto o reflexo de Emma através da
porta de vidro.
– Louise! – exclamou Emma, com um suspiro. – Entra.
Louise passou por ela, indo direita à cozinha, onde ligou o interruptor da chaleira. Parecia prestes
a explodir. Apoiou-se contra a bancada, no meio da cozinha.
– Emma – suspirou ela, passando os dedos pelos longos cabelos castanhos. – Tinha de dizer a
alguém… vi-o… hoje, no comboio.
Emma suspirou, porque era típico de Louise esperar que a irmã soubesse instintivamente de quem
falava.
– Quem?
– Ao Jack Duggan, é claro!
A firmeza de Louise trouxe um sorriso ao rosto de Emma.
– Pelo amor de Deus, não falamos sobre ele há dez anos, como podia saber a quem te referias?
Louise levantou os braços e abanou os pulsos até as pulseiras começarem a tilintar.
– Quem mais me põe neste estado?
– Ei, já te vi assim quando te cortaram o cabelo mais do que querias!
Louise fechou os olhos e respirou fundo.
– Isso é diferente… estamos a falar do Jack.
Emma não estava com muita paciência para a irmã. Jack Duggan era alguém do seu passado muito
distante. Qual era o problema?
– Falaste com ele? – Emma sabia que o melhor era apenas ouvir Louise quando ela estava assim.
– Siiimmm!
Emma encolheu os ombros.
– Continua.
– Não vais acreditar, mas ele mora em Howth há dois anos e eu nunca soube!
– E como é que ele está? – Emma fez o chá enquanto a irmã falava.
– Igual… meu Deus, ele é tão lindo… o meu coração galopava enquanto falava com ele. O cabelo
está mais curto e mais escuro do que quando o vi pela última vez, e trazia um blusão de cabedal lindo
e calças de ganga.
– Ele é casado?
– Não tive oportunidade de perguntar… Ele entrou em Connolly e eu tive de sair em Killester.
– Pediu o teu número de telefone?
Louise abanou a cabeça.
– Mas deu-me o seu cartão. Sentíamo-nos em choque, não conseguimos falar muito… foi
constrangedor. Ele disse que esteve seis anos nos Estados Unidos e agora é jornalista do Times.
Louise começou a percorrer a tijoleira, da bancada para a mesa e da mesa para a bancada.
– Então ele sempre se tornou uma estrela de rock?
– Acho que não. Nunca pensei que ele iria acabar a escrever, como tu!
– Vem sentar-te. Tenho uma coisa para te contar. – Colocando as duas canecas de chá em cima da
mesa, Emma sentou-se.
Louise juntou-se a ela, parecendo um pouco impaciente pela novidade de Emma. Não conseguia
pensar em nada, apenas em Jack.
– Recebi um pequeno choque esta manhã, pelo correio – disse Emma.
Louise recebeu de Emma os documentos dobrados. «Cuba» foi a primeira palavra que leu e depois
viu os documentos de viagem, um por um.
Emma passou a Louise… foi tão querido da parte dele.
Emma acenou com a cabeça tristemente.
Louise leu em silêncio.
– Ei, diz aqui que as férias terminam com uma estada de três dias em Havana!
Emma anuiu.
– Eu vi… teria sido perfeito.
– O que queres dizer com «teria sido»? – retorquiu Louise, levantando a cabeça. – O que te impede
de ir?
Emma abanou a cabeça.
– Não gostaria de ir tão longe sozinha.
– Leva o Finn.
– Sabes como ele se queixa das viagens. Teve claustrofobia no avião no verão passado e só voou
para Bordéus.
Louise pensou por um momento.
– E eu? Adorava ir.
– Tu tens três filhos e eles estarão de férias escolares durante a viagem.
Louise ponderou por um instante. Conseguia ver a mente de Emma a fervilhar. Ela ficava sempre
calma quando cogitava algo e Louise sentiu instintivamente que sabia no que a irmã mais velha
pensava.
– Então suponho que gostarias que o Finn ficasse co-migo? – Louise questionou-se porque estaria a
perguntar isso; a resposta era óbvia e Finn preferia ficar com ela do que com outra pessoa.
Um sorriso de alívio tomou conta do rosto de Emma. O filho mais velho de Louise, tendo apenas
mais dois anos do que Finn, era o seu ídolo.
– Oh Louise, não te importas? Ele adora o Matt. Isso seria excelente! Agora só preciso de alguém
para ir comigo. Aposto que a Sophie seria pessoa para isso.
Louise sentiu as palavras como um golpe. Não ficou admirada com a sugestão… a vida tinha
tendência para seguir certos padrões e era geralmente Sophie que ficava na mó de cima. Nunca tivera
de trabalhar muito para obter aprovação ou conseguir qualquer coisa, e entretanto seria ela a passar
umas férias de sonho com Emma; a vida era injusta. Mas teria ela coragem de ir? Se tivesse, Louise
não sabia se seria capaz de não contar a verdade a Emma. Sophie teria um peso na consciência,
certamente?
– Porque não lhe ligas? – perguntou ela, mordendo o lábio.
– Tudo bem. Ela não está fora hoje? – Emma levantou-se e foi até ao telefone.
– Não. Não esta semana, tanto quanto sei! – exclamou Louise, tentando conter a ansiedade.
Viu Emma começar a falar.
– Sou eu… como estás? Sophie, hoje tive um pequeno choque. Recebi uma carta sobre uma viagem
a Cuba que o Paul reservou antes de morrer… Eu sei! Ainda tremo. Foi uma surpresa.
Louise assistia em silêncio enquanto a conversa unilateral continuava.
– A Louise está aqui e acha que devo ir… é daqui a seis dias e por dez dias. Ouve, Sophie, estarias
interessada em ir? Eu não ia usá-los, mas a Louise convenceu-me... vá lá, Sophie, és a única pessoa
que conheço que pode viajar de um momento para o outro… liga-me depois do trabalho e falamos
sobre isso… adeus.
– Suponho que isso é um sim da nossa irmãzinha? – inquiriu Louise, incapaz de esconder a deceção
na sua voz.
– Por alguma razão, tive de insistir muito, mas diria que ela vai. Tens a certeza de que não te
importas de ficar com o Finn?
Louise sorriu. Por muitos ciúmes que sentisse de Sophie por ela ir de férias, queria que Emma
desfrutasse da viagem – ela merecia depois de tudo o que passara e Louise iria manter as suas
reservas para si própria. Era uma estranha reviravolta Paul já não ir, mas a mulher e a amante iam
juntas.
– Desculpa não ter tido oportunidade de conversar contigo sobre o Jack… talvez noutro dia – disse
Emma. – Tenho de fazer umas coisas agora antes de ir buscar o Finn à escola.
– Está tudo bem. Não há problema. – Louise aproveitou a deixa para sair, ainda que muito
desapontada por não ter tido oportunidade de discutir o que deveria fazer com as novas informações
sobre Jack.
A imagem de Sophie com o marido de Emma trouxe-a de volta à realidade. Despediu-se de Emma
com um beijo e entrou no carro, sentindo o estômago embrulhar-se ao recordar o terrível momento da
revelação do caso da irmã com o cunhado.
Fora poucas semanas antes da morte de Paul que Louise os encontrara juntos. Tinha ido buscar um
vestido que havia emprestado a Emma e que precisava de usar naquela noite, enquanto Emma estava
num spa com uma amiga, durante o fim de semana. Louise entrou em casa com a chave que Emma lhe
dera. Devia ser usada apenas em caso de emergência, mas Louise achou que a casa se encontraria
vazia, visto o carro de Paul não estar lá fora. Nada poderia tê-la preparado para o que viu.
Ao princípio pensou que os grunhidos e gemidos vindos de cima eram de um ladrão, mas depois
viu um molho de chaves na mesa do vestíbulo e o casaco de Paul pendurado no fim do corrimão. A
imaginação tomou conta dela e pensou que o cunhado devia estar com dores, pelos sons que fazia.
Subiu as escadas a correr. Com a porta do quarto aberta, ela pôde ver o corpo do cunhado subir e
descer sob os lençóis. Sentiu-se atrapalhada quando percebeu que ele não estava sozinho e presumiu
que Emma viera para casa mais cedo. Mas em seguida os caracóis louro-arruivados na almofada
revelaram a identidade da mulher.
De repente, o casal parou de se mexer quando Sophie percebeu a presença de alguém. Soltou um
grito e puxou o lençol sobre o seu tronco nu.
Paul saltou e virou-se para ver o que assustara a amante.
– Louise! – gritou Paul.
Louise ficou tão chocada que se virou e desceu as escadas tão rapidamente quanto pôde. Saiu pela
porta da frente antes de Paul ou Sophie terem emergido do quarto. Ainda tremia de cada vez que se
lembrava daquele momento.

Sophie carregou em guardar no monitor do computador e fez deslizar a cadeira para longe da
mesa. Naquele dia não tinha vontade de fazer mais nenhum projeto – teria de dizer a Rod que
precisava de tirar uns dias. Ainda bem que as coleções primavera / verão estavam todas concluídas –
assim seria difícil ele não a deixar ir. Conseguira tantas encomendas como no ano anterior, e em
tempo de recessão isso era uma grande vitória. Decidiu almoçar mais cedo, pois precisava de
desanuviar as ideias.
Já se perguntara quando é que a irmã mais velha iria descobrir sobre a viagem a Cuba. Paul
consultara-a sobre cada pormenor quando a planeavam e no momento que se encontrava prestes a
gozar aquelas férias sentiu uma certa satisfação – uma espécie de compensação pela perda dele e da
futura vida com ele.
Era mais fácil para a irmã mais velha – podia chorá-lo abertamente –, enquanto ela tinha de
esconder todos os vestígios da sua angústia e carregar sozinha todo aquele peso desde a sua morte.
Decidiu agarrar o touro pelos cornos e ir ter diretamente com Rod para pedir os dias. Ele não
arriscaria perdê-la, dado que ela fizera tão bons contactos com os compradores do Reino Unido –
confiavam nela, e na última coleção as maiores lojas só quiseram lidar com ela; uma designer era
muito menos ameaçadora do que um vendedor. Se eles soubessem, pensou com arrogante satisfação.
Sophie era perita no jogo da manipulação subtil – tinha feito a sua aprendizagem antes de saber
andar. A chave do sucesso era o seu encanto – nunca ninguém se importara de ceder perante ela,
especialmente o pai e as irmãs.
Sophie afastou os longos caracóis louro-arruivados do rosto e caminhou para o corredor, passando
pelos colegas – ela fora a primeira designer da empresa a ter o próprio gabinete. Mas é claro que
Sophie merecia, porque assegurara a Rod que era especial e ele tinha sorte em tê-la a trabalhar para
a sua empresa – e ele, claro, acreditara. Agora seria convencido de que tinha simplesmente de deixar
a sua melhor funcionária tirar dez dias de férias. Mesmo naquele momento de recessão em que os
designers estavam desesperados por trabalho, Sophie não se sentia preocupada. Iria de férias,
porque ela era Sophie Owens e conseguia sempre o que queria.

– Estou?
– Louise… é o Donal.
– Olá. Jantas em casa?
– O Kevin quer que eu veja um barco… acha que pode ser indicado para nós.
Louise suspirou. A temporada de vela ainda não tinha começado, mas a preparação e as desculpas
estavam de volta.
– Pensei que não ias mudar este ano.
– Só andamos a ver.
Ele estava a fazer tempo antes de voltar para casa, e ambos sabiam disso.
– Então está bem… podes aquecer o jantar no micro-ondas.
– Sou capaz de comer alguma coisa aqui no clube.
Louise sentiu vontade de gritar. Qual era o propósito do seu dia? Tinha ido ao supermercado e
cozinhado o bife strogonoff a partir do zero – e ele nem o iria provar. Pelo menos quando estava na
escola tinha testes para corrigir e aulas para preparar, o que a deixava tão ocupada que nem tinha
tempo para se preocupar se Donal chegava a casa tarde do trabalho. Nos últimos tempos dava por si
à espera da hora das Donas de Casa Desesperadas ou de programas semelhantes assim que as
crianças estavam na cama.
– Então vejo-te mais tarde – disse Donal.
– Adeus – respondeu ela abruptamente e desligou.
Se ao menos pudesse encontrar um equilíbrio: apreço pela vida maravilhosa que tinha ao criar os
seus lindos filhos e um interesse que a fizesse sentir-se realizada no tempo livre.
Tinha a cabeça cheia de ideias do seu encontro com Jack. Enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno
e elegante cartão de visita que ele lhe dera naquele dia. Queria ser forte o suficiente para o deitar no
lixo – talvez rasgá-lo. Mas sabia que não podia fazer isso. Afinal de contas, Jack fora a gentileza em
pessoa durante todo o tempo que tinham passado juntos. Não fora ela a megera que destroçara o seu
coração, deixando-o irritado e magoado naquela triste tarde de outubro, catorze anos antes?
Enquanto as árvores adquiriam todos os tons de laranja, roxo e castanho, o frio no ar prenunciava o
fim do seu caso. Ele culpou-a – disse que ela era fria que tinha planeado o tempo todo aquele
resultado. As lágrimas não o convenceram do contrário, não conseguiram convencê-lo de que o
futuro dele era prioritário, mesmo sobre os sentimentos dela. Mas no fundo Louise esperava que Jack
não falasse a sério, porque ambos sabiam que o seu amor era o mais puro e maravilhoso que alguma
vez tinham sentido.
O que ia ela fazer com o cartão? A sua cabeça alertou-a para a caixa de Pandora que abriria se
ligasse para o número, mas o seu coração foi encorajado pela convicção de que tinha de o ver
novamente – e depressa!
Esperou até as crianças estarem na cama – ou pelo menos no seu quarto. Matt, o mais velho, com
onze anos, podia muitas vezes ser ouvido a andar no quarto até altas horas da madrugada. Molly
adorava dormir e muitas vezes tinha de ser sacudida para acordar de manhã. Tom tinha seis anos e
era quem mais protestava antes de ir para a cama, mas podia facilmente ser subornado com uma
embalagem de cromos Match Attack.
Com a casa só para ela, fechou a porta da cozinha e, usando o telemóvel, pressionou as teclas com
os números do cartão que Jack lhe dera. Esperou ansiosamente pelo sinal de chamada – cada toque
deixava-a cada vez mais apreensiva. Por fim o toque parou quando se ouviu a mensagem do correio
de voz:
– Aqui fala o Jack… deixe uma mensagem, que eu ligo de volta.
Louise perdeu a coragem e desligou o telefone. O seu coração batia com força. O que teria dito se
ele tivesse atendido? Havia tanta coisa que lhe queria dizer, tanta coisa que precisava de lhe dizer,
mas que não conseguia pôr em palavras – mal conseguia pôr tudo em pensamentos ordenados –, mas
tinha tanta necessidade de falar com ele como um viciado precisava de uma dose.
2

Seis dias depois, Emma estava numa longa fila, a tentar desesperadamente passar no controlo de
vistos do Aeroporto José Martí, de Havana.
Sophie mergulhara na leitura de um guia da Dorling Kindersley.
– Podemos esperar um atraso de, pelo menos, uma hora neste controlo – disse ela, agitando os
caracóis em sinal de consternação.
Emma queria dizer-lhe que não precisava de um guia para saber isso. Havia vinte postos e igual
número de pessoas em cada fila que se aproximava dos guardas da alfândega. Não entendia porque é
que as pessoas demoravam tanto para passar o posto, até ao momento em que ela própria se
aproximou. Foi solicitado a uma mulher corpulenta, com uma camisa de manga curta e uma saia que
parecia uma tenda, que tirasse os óculos de modo a que o guarda pudesse ter a certeza de que era a
pessoa da fotografia no passaporte. O guarda do controlo de passaportes abanou a cabeça e olhou
para o ecrã do computador durante cinco minutos sem falar. Por fim, devolveu o passaporte à mulher
e disse-lhe rudemente que se afastasse para o lado, sem lhe dar o visto de entrada. O passageiro
seguinte era um jovem de cabeça rapada e mochila ao ombro. Teve tratamento semelhante, até lhe ser
dito que se pusesse de lado. Tornava-se evidente que os procedimentos habituais dos aeroportos não
eram seguidos em Havana. Por um momento, Emma ficou preocupada, pensando que não
conseguiriam passar.
– Diz aqui que podemos esperar mais de uma hora antes que as nossas malas saiam do carrossel –
disse Sophie, olhando brevemente para o guia.
Os dois passageiros seguintes tiveram de pagar ao guarda antes de ter os passaportes carimbados
para entrar em Havana.
Emma olhou para os tornozelos inchados – era um perigo inerente a viajar na maioria dos voos de
longo curso. O stresse de assistir às palhaçadas da segurança não ajudava a situação. Desejou que
Paul estivesse com ela – ele era sempre tão calmo em situações difíceis.
– É a tua vez, Em – sussurrou Sophie ao ouvido de Emma.
Emma não ficou surpreendida de, chegada a hora de enfrentar uma situação stressante, Sophie
deixar que fosse a irmã mais velha a mergulhar em primeiro lugar. O guarda do controlo de
passaporte estava sentado de ombros curvados atrás do vidro da pequena caixa de madeira que o
separava do público. Vestia um uniforme caqui que parecia uma relíquia dos tempos em que os
russos equipavam o Estado. Olhou por cima dos óculos graduados e agarrou o passaporte de Emma
através da fenda na caixa. Olhou de relance para ela e depois de volta para a fotografia do
passaporte. Mesmo que quisesse, não conseguiria ter sido mais lento. Verificou duas vezes o visto de
turista e rabiscou uma página e, em seguida, olhou para a foto outra vez, antes de premir o botão para
abrir a porta entre ela e a entrada de Cuba.
Quando chegou ao outro lado, havia caixas e malas espalhadas por toda a parte. Não parecia haver
nenhum método específico para a ordem com que a bagagem fora lançada e nenhum dos dois longos
carrosséis trabalhava. Também não ajudava saber o número do voo. Emma calculou que, uma vez que
estivera uma hora e quinze minutos para passar o controlo de passaportes, a sua mala tinha de estar
ali algures.
– Preciso de um banho e depressa – gemeu Sophie, enquanto passava a porta do controlo de
passaportes.
A temperatura era de pelo menos trinta graus. Não havia ar condicionado e, mesmo depois de
localizarem a bagagem, tiveram de entrar noutra fila para passar pela alfândega, que era tão má
quanto a fila do controlo de passaportes. Emma não conseguia perceber o que acontecia às malas,
mas eram vistoriadas por algum tipo de equipamento de segurança, enquanto cada passageiro era
examinado antes de sair para a zona das chegadas. De vez em quando um passageiro da extremamente
desagradável fila era levado para uma sala privada com as malas. Mais tarde, Emma haveria de
descobrir que a polícia do aeroporto gostava de apreender determinados conteúdos encontrados nas
malas trazidas pelos seus compatriotas. Era tudo um pouco enervante e Emma ficou contente por
Sophie estar distraída com as manchas de suor debaixo dos seus braços e não se aperceber das
coisas assustadoras que aconteciam.
Haviam garantido a Emma que o operador turístico teria algum tipo de transporte organizado à sua
espera nas chegadas, mas pelas primeiras impressões de Cuba já dava para perceber que as coisas
funcionavam de forma muito diferente de qualquer outro lugar que já visitara, e ela estava
preocupada.
Não precisava de se ter preocupado, já que, encostado a um pilar, com um papel pouco legível na
mão onde estava rabiscado Owens x 2, estava um belo macho latino. Tinha camisa branca de manga
curta e óculos escuros. O seu cabelo era crespo e despenteado. Era magro e atlético e não parecia de
todo passar o dia sentado ao volante de um carro.
– Ali está o nosso homem – indicou Sophie – É jeitoso! Um pouco como o Che Guevara!
Foram ter com ele, carregadas de bagagem. Era bastante mais alto do que as raparigas irlandesas.
– Havana Tours? – perguntou Emma, num estranho sotaque espanhol que esperava que o ajudasse a
compreendê-la melhor.
– Señoras. Owens?
– Sí. – Emma sorriu, esperando que o seu curso intensivo de espanhol oferecido com um jornal
fosse suficiente para a viagem.
O motorista pegou nas malas e apontou na direção do parque de estacionamento. – Hotel Sol
Meliá? – perguntou, com voz rouca. – Sou o vosso motorista.
– Sí. Em Varadero – declarou Emma, enquanto o motorista fechava a porta do Renault, trancando-
as lá dentro.
Os puxadores haviam sido retirados da porta do carro. Talvez se tivessem partido e não tivessem
sido substituídos. Emma lera antes de vir que os cubanos não tinham acesso a peças sobressalentes
de automóveis. Também lera que não tinham lojas onde comprar os artigos de higiene mais básicos.
Então, seguindo os conselhos dos sites da internet, levava a mala cheia de sabonetes, pequenos
frascos de champô e caixas de tampões. Lera que as mulheres locais adoravam uma caixa de
tampões, porque não havia nenhum sítio onde os obter em toda a ilha. Pelo sim, pelo não, Emma
embalara doze caixas, mas ainda não sabia se teria a coragem de os dar a alguém.
Ao longo da estrada viam-se multidões, principalmente mulheres. – Do que estarão à espera? –
sussurrou Emma ao ouvido de Sophie.
– Estão à espera do autocarro – informou o motorista num inglês perfeito.
Emma adorou o som do seu sotaque – daria uma boa personagem num romance, com a sua beleza
latina e voz rouca. Pela primeira vez em meses, sentiu-se inspirada. Estavam há dez minutos na
estrada e só tinham passado por dois grandes prédios, árvores verdes e galinheiros. Os prédios, em
tempos pintados com cores vivas, estavam em ruínas, com a pintura descascada e roupa pendurada
nos estendais improvisados. Cães famintos corriam de prédio em prédio e crianças descalças
brincavam ao longo da berma da estrada empoeirada com bolas improvisadas e paus. Emma ficou
surpreendida com a satisfação que aparentavam naquele ambiente decadente e perguntou-se quanto
tempo aguentaria Finn ali sem a sua Play-Station e sem a sua bicicleta.
Passaram por algumas fábricas e pelo que devia ter sido um hospital. Pessoas de uniforme saíam
dos portões para os autocarros.
O cenário começou a mudar, mas ainda não havia muito trânsito nas estradas com pouco alcatrão.
As estradas mais pareciam largas pistas de terra batida com buracos aqui e ali. De repente, foram
ultrapassados por um Chevrolet de 1950, que parecia ter sido crivado de balas.
– Olha para aquele carro! – exclamou Emma.
– Belo carro? – O motorista sorriu para o espelho retrovisor.
Emma riu-se.
– Quanto tempo demoramos a chegar a Varadero? – perguntou Sophie, enquanto se agitava no
banco quente e peganhento que se tornava cada vez mais desconfortável.
– Duas horas, se tivermos sorte!
– Sabias que era assim tão longe? – Sophie olhou para a irmã com desânimo.
– Eu dei-te o programa no aeroporto. – Emma encolheu os ombros.
Sophie procurou freneticamente na sua mala e encontrou.
– Três horas! O tempo do transfer é de aproximadamente três horas! – suspirou enquanto voltava
a guardar os documentos no fino envelope branco.
– Temos de sorrir e aguentar – disse Emma.
– O que quer dizer Hasta la victoria siempre? – foi a pergunta seguinte de Sophie quando
passaram por um enorme cartaz na berma da estrada com uma imagem de Che Guevara pintada.
Emma olhou para onde Sophie apontava.
– Hasta quer dizer «até», siempre é «sempre» e suponho que la victoria seja «a vitória»?
O motorista anuiu com a cabeça pelo espelho retrovisor.
Sophie ficou satisfeita e voltou a mergulhar na leitura do guia.
– São de Inglaterra? – perguntou o motorista.
– Irlanda – respondeu Emma.
– O Che também tinha ascendência irlandesa – disse o motorista, sorrindo para Emma. – O nome
do pai dele era Ernesto Guevara Lynch. O Che visitou a Irlanda depois da Revolução.
Emma ficou impressionada com o conhecimento do motorista e voltou a reparar na fluência do seu
inglês.
– Sou grande fã de Os Diários de Motocicleta. Li-os quando era adolescente.
Um largo sorriso apareceu no rosto do motorista.
– Também gostei muito de os ler.
Emma inclinou-se para trás e deixou a estrada levá-la para lá do fumo das fábricas e dos poços de
petróleo dispersos ao longo da praia à sua esquerda. O Sol começou a descer e o cenário mudou.
Desfrutando a paz, ela assistiu à passagem da bela paisagem verde.
Fechou os olhos e tentou imaginar como se sentiria se Paul estivesse sentado ao lado dela em vez
de Sophie. Certamente seria diferente – ele contar-lhe-ia tudo sobre a aventura que os aguardava e
teria lido tudo o que havia para ler sobre a ilha. Tomaria conta de tudo, mas agora, ao invés, ela teria
de tratar de Sophie. A irmã mais nova era capaz de fazer o papel da coitadinha em qualquer situação.
Mesmo quando eram crianças, quando a mesa tinha de ser limpa depois do jantar, ela era a primeira
a dizer que levantava a mesa – o trabalho, de longe, mais fácil –, deixando os trabalhos mais duros,
como lavar, para as irmãs. Se Emma ou Louise protestavam, eram repreendidas pela mãe por não se
oferecerem para ajudar em primeiro lugar e era-lhes dito que seguissem o exemplo da irmã. Às
vezes, ela livrava-se dos trabalhos por se oferecer primeiro – estava sempre primeiro, e Emma
sempre lhe perdoara porque não conseguia evitar o instinto maternal que despertara em si após o
nascimento da irmã mais nova. Quando Louise nascera, Emma ficara magoada e ciumenta – a
prometida companheira de brincadeiras era uma chata e apenas tirara a Emma a atenção que estava
habituada a receber enquanto filha única. Mas quando Sophie apareceu, Emma ficou encantada – a
diferença de idades era maior e ela já estava farta de brincar com bonecas e queria um bebé a sério
seu.
Para Louise, a chegada da irmã mais nova foi devastadora – tinha Emma e a mãe só para si e então
passou a ter de as partilhar com Sophie. As coisas nunca mais voltariam a ser as mesmas para
qualquer uma delas.
– Estamos a entrar em Matanzas – afirmou Sophie, enquanto passavam por um sinal na berma da
estrada.
Os últimos raios de sol tinham desaparecido. Começaram a aperceber-se da profundidade da
pobreza em Cuba ao verificar que aquela era uma grande cidade – em termos de cidades cubanas – e
nem uma luz na rua iluminava a noite. Cuba era um país de Terceiro Mundo, com carências difíceis
de imaginar por quem vinha da Europa Ocidental.
Mais meia hora na parte de trás do táxi e o desconforto da longa viagem de Dublin, via Paris,
começava a cobrar o seu preço.
– Já estamos muito perto agora… isto é Varadero! – exclamou o motorista quando as luzes dos
hotéis distantes começaram a aparecer. Luzes de rua ladeavam o caminho longo e reto que passava
junto à praia de Varadero.
Sophie endireitou-se e espreguiçou-se.
– Estou com fome… espero que este lugar seja bom!
O motorista saiu da estrada longa e reta para um caminho de acesso ladeado por vegetação
exuberante que os levou à entrada de um hotel luxuoso. Holofotes iluminavam a vegetação tropical e
Emma perguntou-se se a eletricidade não seria mais bem gasta nas ruas de Matanzas. O motorista
parou em frente de uma fonte com uma estátua no meio que se assemelhava à Vénus de Botticelli – ao
lado lia-se num letreiro Hotel Sol Meliá.
– Isto já me parece bem – disse Sofia, quando o carro parou abruptamente e o motorista saiu para
abrir as suas portas.
– Tens trocos para a gorjeta? – sussurrou Emma.
– Já pagaste o transfer – respondeu Sophie, com um movimento dos caracóis, e saiu pela porta
aberta, dando ao motorista um sorriso quando ele a ajudou.
Um porteiro com um uniforme cor de vinho com guarnições de bronze apressou-se a levar as
bagagens.
– Bienvenidas a Varadero! – exclamou, com um largo sorriso.
À distância, ouvia-se o som da salsa no bar do hotel.
– Estás a ouvir? – perguntou Emma, com um pequeno suspiro.
– O meu estômago faz mais barulho! Espero bem que a sala de jantar esteja aberta! – rosnou
Sophie.
Emma virou-se para o motorista – foi a primeira vez que ela viu os seus olhos sem os óculos de
sol. Eram cor de avelã, e não castanhos como ela esperara, e pareciam sorrir.
– Espero que tenha umas boas férias, Señora Owens.
– Gracias – respondeu Emma.
Ele voltou para o táxi e sorriu-lhe antes de se afastar. Os seus olhos cor de avelã brilhavam e nesse
instante ela desejou que aquela não fosse a última vez que veria aquele homem.
3

– Uau! – exclamou Sophie, enquanto abria as longas e pesadas cortinas da suíte.


– A água azul das Caraíbas, praia de areia branca... anda alguém a velejar, olha!
Emma levantou a mão para proteger os olhos do sol escaldante, depois sentou-se na cama e olhou
para lá das grades da varanda. O mar tinha uma linha turquesa correndo ao longo do azul profundo e
pequenas ondas com espuma branca espraiavam-se. – Nem uma nuvem no céu! – proclamou Emma.
– Este é um dos melhores quartos do hotel, parece – disse Sophie, abrindo a porta e saindo para a
varanda.
Emma sentiu uma pontada no peito. Aquilo teria sido tão perfeito com Paul, pensou, com tristeza.
– Queres descer para o pequeno-almoço? – perguntou Sophie ao reentrar no quarto. – Estou a
morrer de fome.
– Está bem, embora não sinta a mínima fome.
– Veste o biquíni por baixo da roupa. Quero apanhar alguns raios de sol antes de o dia ficar muito
quente.
Sophie vestiu-se rapidamente e esperou enquanto a irmã fazia o mesmo. Emma meteu a toalha, o
romance e o iPod no saco de praia às riscas cor-de-rosa. O percurso para o bufê principal estava
protegido por palmeiras imponentes. Emma viu um casal de mãos dadas alguns metros à frente. Não
conseguiu evitar pensar em Paul e imaginar como seria se caminhassem juntos para o pequeno-
almoço; mas, por outro lado, eles nunca andavam de mãos dadas, não era uma coisa que Paul e Emma
fizessem. Aquilo fê-la sentir-se ainda pior e repreendeu-se por todas as férias que tinham passado
juntos, nas quais deviam ter andado de mãos dadas, mas não o tinham feito.
– Olha para isto! – exclamou Sophie quando entraram na espaçosa sala de jantar.
Frutas tropicais decoravam os centros de mesa e todas as delícias tentadoras possíveis e
imagináveis para um pequeno-almoço estavam à vista em grandes pratos. Havia carnes frias,
baguetes, doces em abundância e, a alguns metros, dois cozinheiros serviam quem preferisse pratos
quentes e panquecas.
– Acho que nunca vi tanta comida! – exclamou Emma.
Lera que os cubanos tinham cadernetas de racionamento e restrições em relação ao que lhes era
permitido comer. A julgar pelo que via, eram generosos com as rações de comida para a indústria
turística. De consciência pesada, levou um bolo, uma tigela com fruta e uma chávena de café e foi
sentar-se à mesa.
Sophie carregava uma bandeja com mais comida do que seria possível comer de uma só vez.
– Vais comer isso tudo? – perguntou Emma.
Sophie encolheu os ombros.
– Só estou a provar tudo para saber com o que posso contar pela manhã.
Emma começou a comer as frutas tropicais, enquanto Sophie tirava pequenos bocadinhos da
montanha de comida nos pratos à sua frente.
– Eles têm spa. Queres ir fazer uma massagem? – perguntou Sophie.
Emma abanou a cabeça.
– Estou cansada. Acho que hoje vou só explorar o local.
Sophie assentiu.
– Okay. Trouxeste algum bom livro?
– De momento estou a ler As Ilhas da Corrente, de Hemingway, mas não acho que seja o teu tipo
de literatura.
Sophie colocou um pedaço de panqueca a pingar xarope de ácer na boca e fez uma careta quando
Emma não estava a olhar. A irmã ainda tinha a capacidade de a fazer sentir como se tivesse seis
anos!
– Estou cheia – afirmou, por fim, Sophie, recostando-se na cadeira enquanto uma bonita empregada
de mesa com brilhantes olhos castanhos e pele morena amarelada começou a levantar a louça coberta
com alimentos semicomidos.
Emma ajudou a limpar o seu espaço e colocou a louça usada num monte arrumado para facilitar o
trabalho da mulher.
– Obrigada – disse a empregada, com um sorriso.
Sophie agarrou na mala antes de a mulher terminar o trabalho.
– Okay, vou andando, para conseguir um bom lugar à beira da piscina! – Levantou-se e deixou a
irmã a terminar o chá.
– Gracias – disse Emma à empregada, devolvendo o seu sorriso simpático.
Terminado o pequeno-almoço, Emma atravessou a sala de jantar. Sophie apenas pensava no que
queria e precisava de fazer e tinha de ser tudo imediato, mas Emma soubera no que se metia quando a
convidara para a acompanhar. Perguntou-se como seria se ali estivesse Louise. De certa forma,
poderia ser pior se Louise estivesse sempre a falar sobre Jack Duggan! Emma mal suportava pensar
no homem com quem a irmã tivera um caso semanas antes do casamento. Na ocasião, ela mostrara a
sua compaixão e simpatia à irmã, mas todos aqueles anos volvidos, sentia que Louise precisava de
regressar à realidade. Donal era seu marido e, embora pudesse ser picuinhas sobre coisas como a
pontualidade e o asseio e o facto de aproveitar todas as oportunidades que tinha para ir velejar, era
um bom marido para ela e um bom pai para os seus três filhos lindos. Adorava o papel de pai – ao
contrário de Paul, que demorara bastante a aceitar a ideia de ter uma família e, quando o fizera,
contentara-se com apenas uma criança.
Emma pôs os óculos escuros enquanto se dirigia ao sol escaldante. Tinha aquecido
consideravelmente no curto espaço de tempo em que tomaram o pequeno-almoço. Procurou nos
guarda-sóis e nas espreguiçadeiras à beira da piscina e encontrou a irmã a espalhar óleo bronzeador
sobre a sua pele clara.
Um assistente da piscina arrastou uma cama para Emma até ao local onde Sophie se encontrava.
– Olha como estamos perto do bar! – exclamou Sophie e apontou por cima do ombro de Emma
para o balcão afundado entre os empregados e a piscina. Bancos altos sobressaíam da água azul-
turquesa e um dos clientes do hotel saboreava o primeiro mojito do dia.
– Acho que estamos no paraíso! – disse Sophie, deslizando o corpo oleoso para baixo ao longo da
espreguiçadeira com um romance volumoso nas mãos.
Emma não sabia dizer exatamente o que estava errado, mas sentiu uma dor no estômago e um
desejo de ficar sozinha.
– Sou capaz de ir dar um passeio, se não te importares – disse ela e pousou o saco na cama ao lado
de Sophie. – Vou deixar as minhas coisas aqui.
– Demora o tempo que quiseres – retorquiu Sophie, afundando a cabeça no livro.
Emma tirou a T-shirt, mostrando o fato de banho, e meteu-a no saco. Espalhou um pouco de
protetor solar nos braços e rosto; em seguida, amarrou o sarong firmemente em torno da cintura e
partiu para descobrir a praia. O mapa que tinha visto por breves instantes na noite anterior mostrava
que era uma curta caminhada da piscina até à entrada da praia. Não estava com nenhuma pressa e
decidiu saborear a experiência da areia quente a rastejar entre os seus dedos quando o caminho
mudava de tábuas para dunas. Avistou uma abertura nas dunas em frente e um barco com velas
coloridas enfunadas pela brisa sobre o mar das Caraíbas. Era o mesmo tipo de embarcação que as
crianças navegavam às vezes no Sutton Dinghy Club e, pela primeira vez desde que chegara a Cuba,
sentiu uma conexão com o lar. Não podia dizer que já tivesse saudades de Finn. Desde a morte de
Paul desligara-se da maioria das pessoas da sua vida. Muitas vezes sentia-se como se nadasse no
meio de um oceano – havia terra a toda a volta e ela podia nadar confortavelmente para a costa se
quisesse, mas o facto de Paul não estar em nenhum desses locais fazia-a perguntar-se qual seria o
interesse. Às vezes via, nos seus sonhos, Finn nadar até ela numa jangada, mas ela dizia-lhe sempre
que voltasse para terra porque, embora ele entendesse como ela se sentia, não conseguiria sentir o
mesmo tipo de dor. Essa perda e o vazio que carregava desde há sete meses tornavam-se tão
confortáveis que já não se sentia triste – era assim que as coisas seriam dali em diante. A vida nunca
mais seria a mesma e tinha a certeza de que Finn estava livre para continuar e viver uma vida feliz e
normal e não carregar o luto da mesma forma que a mãe.
Caminhou graciosamente ao longo da praia, que se prolongava até perder de vista. A areia era
quase branca, e havia pequenos grupos de banhistas e marinheiros apenas nas saídas dos hotéis de
luxo que pontilhavam o litoral. Era bom estar sozinha, ali onde se encontrava. Interrogou-se se havia
tubarões no mar e, caso houvesse, quanto se aproximariam da costa. Aquele era o mesmo mar onde
Santiago devia ter lutado, corajoso, e com o seu peixe no romance de Hemingway O Velho e o Mar.
Muitos pensamentos sobre Paul e o seu livro encheram-lhe a cabeça no regresso da caminhada, e
ela atravessou o portão do hotel sem saber quanto tempo estivera a andar – a tonalidade rosa nos
braços e ombros indicou-lhe que deveria ter sido um passeio consideravelmente mais longo do que
pensara. Estava sedenta e refugiou-se na sombra do bar a caminho do hotel. O complexo tinha cinco
bares e sete restaurantes e todas as refeições e bebidas estavam incluídas no pacote. Ela só precisava
de dar o número do quarto para se refrescar com um copo de água fria com gás.
A empregada era a mesma que limpara a sua mesa ao pequeno-almoço. O seu cabelo preto estava
amarrado num rabo de cavalo, revelando-lhe o rosto, e ela sorriu mostrando os dentes perfeitamente
brancos e direitos. Uma corrente de ouro à volta do pescoço indicava que se chamava Dehannys.
– Hola – disse Dehannys, com um sorriso amigável –, o que deseja?
– Agua con gas, por favor – disse Emma, na esperança de não se ter tramado por pedir em
espanhol.
– Aah, habla español?
– No… poco – respondeu Emma. – Mas tenho tentado aprender.
– Sí, bueno. – Dehannys sorriu. – O meu inglês não muito bom.
– Talvez possamos ensinar-nos uma à outra?
Dehannys anuiu com veemência enquanto deitava água mineral num copo.
– Isso é bom.
– Gracias – acrescentou Emma, agarrando o copo de Dehannys. – Vive perto daqui?
– Matanzas… a cerca de meia hora.
– Penso que passámos por lá na noite passada; viemos do Aeroporto José Martí.
– Sí, eu moro com a minha mãe, o meu pai e o meu filho.
Não houvera referência a um marido, pensou Emma enquanto esvaziava o copo, sedenta. Sentiu
uma afinidade com a mulher e algo dentro de si disse-lhe que estivera destinada a conhecê-la.
– Gracias! Vou à procura da minha irmã.
– Adios! – despediu-se Dehannys, com um sorriso.
Emma sentia-se bem enquanto caminhava pelo passadiço de madeira até à piscina. A caminhada
dera-lhe energias e ela percebeu, pela primeira vez desde a morte de Paul, que podia sentir-se
realmente feliz sozinha a dar uma caminhada; é claro que o sol das Caraíbas e o luminoso azul-
turquesa do mar realmente ajudavam.
Sophie ergueu os olhos do romance quando Emma se aproximou.
– Como correu?
– A praia é fantástica; estende-se por quilómetros.
– Vou vê-la mais tarde – retorquiu Sophie, voltando a enfiar a cabeça no livro. – Ah... o Finn ligou
entretanto.
– Ele está bem?
– Claro, aposto que foi a Louise que o obrigou a ligar. Ela devia querer saber como é isto aqui.
Emma recordou o olhar de deceção no rosto de Louise quando fora deixar Finn lá em casa duas
noites antes. O filho estava radiante por ficar na companhia do primo, mas ela percebeu que
dececionara de novo a irmã e levara Sophie numa viagem que, provavelmente, Louise gostaria mais.
Emma sentiu uma compulsão de mergulhar na água azul da piscina. Deixou o sarong escorregar da
cintura e caminhou silenciosa até à borda da água. Sophie olhou para cima quando os salpicos do
mergulho de Emma lhe caíram nas canelas e nos pés. Podia ter-me avisado, pensou, enquanto se
virava de lado para garantir que o seu bronzeado estava uniforme.
Sentia-se zangada com Emma e tinha de esconder os seus sentimentos a todo o momento. Estava a
tornar-se insuportável. Tivera de aceitar vir de férias ou Emma desconfiaria – conhecia-a o
suficiente. A ironia de ir de férias com a mulher do amante quando ela devia estar a partilhá-las com
o Paul! Emma podia andar deprimida e a chorar – não tinha de suportar a dor no seu coração em
silêncio. Paul concordara, alguns dias antes da sua morte, contar a Emma que a ia deixar. Mudar-se-
iam, para a coisa se tornar mais fácil para Emma e para Finn. Emma acabaria por compreender,
Sophie tinha a certeza disso. Paul era a sua alma gémea e havian sido feitos para ficar juntos para
sempre. Agora teria de engolir os seus sentimentos e assistir à exibição da dor de Emma durante dez
dias.
4

Louise estava com dificuldade em funcionar normalmente. Duas imagens dançavam na sua mente –
a das irmãs deitadas sob o sol cubano e outra de Jack Duggan a caminho de Dublin no comboio.
Ainda era demasiado cedo para as irmãs estarem a fazer o que ela imaginara e Jack, provavelmente,
já estava sentado à sua secretária ou fora a pesquisar alguma história, mas ambas as opções soavam
melhor do que encher a máquina de lavar com uniformes da escola e roupa interior!
Quando fizera a primeira pausa na carreira de professora de Música sentira que fora um descanso
bem merecido e um alívio muito grande; o segundo ano fora apenas a continuação disso; no terceiro
começou a temer a ideia de regressar ao emprego e no último ano Donal nem sequer lhe perguntara
se ela ia voltar. Devia estar agradecida – poucas mulheres se podiam dar ao luxo de ter um marido
que trazia um bom salário e sustentava a família naquele clima económico. Perguntou-se se haveria
algum tipo de falha na sua estrutura, porque, no fundo, a sua imaginação refugiava-se muitas vezes no
mundo onde se encontrava quando estava apaixonada por Jack Duggan. Esse era o lugar para onde
ela mais gostava de fugir.
Como o vira recentemente, sentia-se anestesiada e desfeita. Estava como ela imaginara que ele
seria depois de tantos anos. Na verdade, era ainda mais bem-parecido em adulto do que em
adolescente. Passara uma semana desde que marcara o número de Jack e percebeu que, quanto mais
tempo demorasse a ligar novamente, mais difícil seria. O que lhe diria? O que teria dito se ele
tivesse atendido o telefone na outra noite? Já estava a ser de mais – a tornar-se uma obsessão.
Durante o primeiro ano de casamento, costumava conduzir por Griffith Avenue só para passar pela
casa dele, na esperança de o ver sair. Claro que ele o nunca fez, porque era estudante universitário e
encontrara alojamento no lado sul da cidade, mas mesmo assim ela fazia o desvio na esperança
remota de o apanhar numa visita à mãe. Donal nunca percebeu e, junto com o alívio, veio a frustração
pelo facto de o homem com quem se havia casado não conhecer de todo os seus pensamentos íntimos
e sentimentos. Como poderia ela passar o resto da vida com um homem que se contentava com
metade dela, porque a outra metade estava profundamente apaixonada por Jack?
Mas com o tempo a obsessão acalmara, a sua vida com Donal e as crianças e o ensino tinham
assumido o comando e o tempo que passara com Jack Duggan parecia um sonho distante e glorioso.
Agora, catorze anos depois, ela via o rosto dele no lava-loiças quando lavava os tachos depois do
jantar. Via o rosto dele nas fatias de pão branco enquanto tirava as crostas das sandes dos filhos. Até
conseguia sentir o cheiro da sua pele quando fechava os olhos. O cheiro dele era a única coisa que
não tinha mudado. As suas roupas refletiam a moda, a pele estava mais áspera, o cabelo estava
vários tons mais escuro, mas o cheiro era inegavelmente o mesmo. Frustrada, bateu com a porta da
máquina de lavar e irrompeu num dilúvio de lágrimas. O nariz começou a pingar, o que a levou a
pegar num pedaço de rolo de cozinha e a decidir que tinha de fazer alguma coisa.
Automaticamente tirou a caixa do café da prateleira e encheu duas colheres do aromático café
torrado colombiano. Tinha de se recompor. Em breve faria quarenta anos e não queria sentir que
deixara escapar a vida. Voltar a trabalhar assustava-a e a ideia de ficar em casa até que os filhos
atingissem a idade de ir para a faculdade assustava-a ainda mais. O que acontecera à despreocupada
Louise, sempre pronta a divertir-se, Louise, que amara tão apaixonada e profundamente aos vinte
anos? Como se transformara naquela enlouquecida e compulsiva mãe de três filhos sem verdadeira
identidade própria? Pegou na caneca e deitou água a ferver em cima do café moído, segurando a
caneca quente com as mãos em concha. Dirigiu-se à sala de estar. O piano estava abandonado num
canto e, pela primeira vez em anos, sentiu um desejo irresistível de tocar alguns acordes.
Quando trabalhava como professora nunca passava um dia sem tocar pelo menos uma vez. Em
certas épocas do ano, como durante os preparativos para o serviço de músicas natalícias ou para a
Batalha das Bandas, ficava frente ao teclado várias horas por dia.
Fora durante o concurso anual Batalha das Bandas que Jack Duggan fizera a sua primeira
aproximação. Não havia uma grande diferença de idades entre eles – ela com apenas vinte e quatro e
acabara de sair da faculdade; ele tinha dezoito anos e legalmente era um adulto –, mas havia uma
grande diferença no seu estatuto social.
Ela relembrou o momento de forma pormenorizada. Estavam na sala de aula depois de todos os
instrumentos musicais terem sido arrumados. A escola tinha um ambiente muito diferente quando o
Sol se punha e, embora tivesse sido no início do verão, havia um manto de escuridão a esconder o
que se passava na sala de música, que tinha apenas uma pequena janela e era insonorizada. No local
onde se encontravam, junto ao grande armário dos instrumentos, teria sido impossível alguém ver o
que quer que fosse de fora. Além disso, todos os participantes e espetadores ainda se encontravam no
salão da escola, que ficava um lanço de escadas acima e a várias centenas de metros de onde eles se
encontravam.
– Obrigada, Jack – dissera ela quando lhe entregara o amplificador e o microfone para colocar no
canto. Ainda se lembrava do instante em que os seus olhos se tinham encontrado e da transferência de
energia do corpo dela para o dele.
Jack avançara confiante em que Louise sentia o mesmo que ele. A tensão crescera lentamente nas
últimas semanas do ano letivo e, uma vez que maio chegara e em breve ele deixaria de ser um
estudante, sabia que o canto escuro da sala de música era o lugar ideal para se declarar.
O primeiro beijo foi muito terno e desajeitado na sua inocência. Só quando ela inspirou o seu
cheiro é que o desejo por ele a deixou louca. Ele aproximou-se e ela abriu os lábios, sedenta de o
beber. Tinha um gosto tão doce, tão novo – não que o seu noivo, Donal, fosse velho, mas tinha vinte e
oito anos, havendo dez anos de diferença entre ele e Jack.
Louise tentou não pensar em Donal enquanto deixava Jack agarrá-la com mais força e puxá-la para
o chão da sala. Os papéis inverteram-se. Ele controlava e ela era guiada por um caminho que poderia
transformar-se num desastre a qualquer momento, caso alguém entrasse. Louise teve de recorrer ao
autodomínio que lhe restava para evitar que o seu corpo deixasse aquele beijo ir mais longe naquela
noite.
Houvera outro momento, um par de semanas antes, quando ela estava sentada na bancada junto à
parede da sala de aula com os pés apoiados em cima do banquinho do piano. Ao seu lado havia uma
pilha de ensaios sobre Debussy e músicos impressionistas. Ainda não tinha dado o toque para o
início da aula.
– Chegaste cedo! – exclamara quando o primeiro aluno entrara na sala. Jack viera lentamente até
onde ela estava sentada e parara perto de mais, apenas a alguns centímetros dos joelhos dela.
– É a minha aula preferida. Estava cheio de vontade de cá chegar.
E de alguma forma ambos souberam que naquele momento ele não se referia ao que ela lecionava.
Louise estremeceu ao pensar naquilo e bebeu outro gole de café. Não podia voltar àquele
momento, mas podia fazer alguma coisa para trazer a paixão de volta à sua vida. Podia fazer algumas
coisas. Pousou a caneca sobre a base em cima do piano e sentou-se no banquinho pouco usado.
Levantou a tampa que escondia as teclas de ébano e marfim como um vampiro a remover a tampa de
um caixão. Já passara algum tempo desde que tocara Debussy pela última vez – perguntou-se se se
conseguiria lembrar. Quando «Clair de Lune» começou a soar suavemente das teclas do piano, sentiu
o seu coração e o seu espírito elevarem-se. Aquilo era algo que tinha que não pertencia a Jack, a
Donal nem a qualquer outra pessoa – talvez se tocasse conseguisse descobrir o que lhe faltava e por
que motivo a sua alma se sentia tão vazia?

– O que fizeste hoje? – perguntou Donal a Louise.


Ele gostava de receber a atenção da família nas noites em que não ia logo para o clube de iate, e
Louise irritava-se sempre com esse lado conservador da sua personalidade. Olhou para o marido à
cabeceira da mesa da cozinha ainda com a camisa e a gravata do trabalho. O seu cabelo castanho
estava a tornar-se ralo, mas a pele parecia incrivelmente jovem para alguém que passava tanto do seu
tempo livre a velejar.
– Lavei, sequei e engomei as roupas de todos e coloquei-as no armário! – respondeu Louise, de
mau humor.
Donal não tivera a intenção de soar acusador. Já não sabia como falar com ela sobre as coisas
importantes.
Matt e Finn estavam a devorar o peixe e as batatas fritas e ansiosos para ir lá para fora jogar
futebol.
– Já ligaste à tua mãe? – perguntou Louise ao sobrinho.
– Liguei quando vinha da escola, mas ela não estava lá, quem atendeu foi a Sophie. É provável que
ligue mais tarde.
Louise anuiu e começou a cortar a sua posta de peixe com delicadeza e tenacidade. Percebendo
que tinha sido um pouco dura com Donal, mudou de assunto e de tom.
– Na verdade, hoje passei algum tempo ao piano, algo que não fazia há anos.
– Isso é bom! – respondeu Donal, genuinamente satisfeito ao ouvir que ela estava a fazer algo de
que gostava. Afinal, ele tinha a vela. – Há muito que não te ouço tocar.
Louise concordou. Era verdade e com o fim da vontade de tocar chegara o fim do relacionamento
com Donal. Era raro fazerem amor e ele nunca reclamava. Às vezes, só queria que ele a agarrasse
com paixão e lhe dissesse que a desejava com loucura. Mas Donal nunca fizera isso, nem mesmo nos
primeiros anos do relacionamento, então porque havia de o fazer agora?
De repente, o telemóvel de Finn tocou e o rapaz agarrou-o desajeitadamente e segurou-o junto à
orelha.
– Mãe, olá! Estou a jantar com todos... Como é isso?
Louise viu Finn absorver todas as palavras da mãe. Desejou que ela e Matt tivessem um
relacionamento melhor. Culpava-se por o ter mandado para a creche quando ele era demasiado
pequeno, com apenas alguns meses. Mas naquele tempo a licença de parto era de catorze semanas e o
trabalho era tudo para ela. E estava determinada a não permitir que a chegada do primeiro filho
alterasse as coisas de forma alguma. Todavia, ter filhos mudara-a e com isso também as suas
prioridades e, no futuro próximo, os filhos seriam a prioridade, razão pela qual se sentia tão
torturada nos últimos dias ao pensar em Jack Duggan.
Finn desligou.
– A minha mãe manda beijinhos e diz que volta a ligar amanhã – disse ele à tia, e tornou a baixar a
cabeça para o peixe com batatas fritas.
Louise sorriu.
– Obrigada, Finn. Agora, alguém quer sobremesa?
– Sim, por favor! – disseram Molly e Tom em simultâneo.
Donal levantou a cabeça.
– Não é habitual sobremesa a meio da semana.
– É um miminho – disse Louise, dirigindo-se ao frigorífico.
Por dentro sentia-se desfeita pelo sentimento de culpa que o desejo de ver Jack novamente lhe
provocava a par da necessidade de ser uma boa esposa e mãe.

Ela tremia enquanto marcava os números impressos no cartão de visita no telefone. E se ele não
atendesse de novo? Deixaria uma mensagem desta vez? Não teve de esperar muito tempo para ouvir
a sua inconfundível voz no outro lado da linha.
– Está lá?
– Jack? Olá, é a Louise, Louise Scott... quero dizer Owens, da escola!
Raios, pensou, porque disse da escola? Sou uma idiota!
– Olá, Louise, como estás? – respondeu.
Louise engoliu em seco; sentia-se tola de todo por ter ligado.
– Estou bem, foi ótimo ver-te no outro dia no comboio.
– Sim, um verdadeiro regresso ao passado. Ainda estás na escola?
– Há anos que interrompi a carreira. Agora tenho filhos.
– Claro, quantos?
– Três, o mais velho tem onze e o mais novo, seis, por isso estou muito ocupada.
– Ótimo, parece-me bem.
Pelo seu tom, Louise percebeu que ele não considerava uma ninhada de filhos algo de bom.
– Disseste que agora moras em Howth? Onde? – perguntou ela.
– Num apartamento frente ao porto, excelente vista. É alugado. Ainda bem que não comprei, com o
estado do mercado imobiliário.
Louise concordou com um sonoro «hum!». Ele era, obviamente, livre como um pássaro e gostava.
– Há aqui um grande mercado de legumes ao fim de semana, já cá vieste? – perguntou ele.
Louise parou. Estaria a sugerir que ela fosse a Howth?
– Sim, a minha irmã mora em Sutton e levo aí muitas vezes os meus filhos ao domingo de manhã.
Eles adoram os crepes das bancas do mercado.
Porque falo constantemente dos meus filhos?, repreendeu-se. Conseguia sentir a inquietação de
Jack do outro lado da linha.
– Olha, temos de ficar por aqui. Preciso de ir a uma entrega de prémios em Burlington. Foi ótimo
falar contigo, Louise. Talvez nos possamos encontrar um dia destes? Temos muito para pôr em dia.
Louise sentiu que lhe tinham atirado um balde de água fria.
– Também foi ótimo falar contigo! – disse, enquanto a linha ficava silenciosa.
O que fora aquilo? Ele estava tão distraído e diferente da forma como tinha sido no comboio.
Talvez depois do choque de a encontrar se sentisse diferente e não quisesse ter mais nada que ver
com ela. De qualquer maneira, o telefonema deixou-a vazia e triste. Não o devia ter feito.
5

– O que queres fazer hoje? – perguntou Sophie.


– Estou mesmo a gostar do descanso. – Emma estendeu as pernas sobre a cama e deu um grande
bocejo.
– Estou a ficar um bocado entediada. Não me importava nada de ver um pouco as vistas.
Emma sentou-se na cama e sorriu.
Bateram à porta do quarto.
– É a empregada. Vou livrar-me dela! – exclamou Sophie.
Quando abriu a porta, a rapariga do outro lado disse:
– Peço desculpa. Volto mais tarde.
– Espere aí, Marina! – chamou Emma, lembrando-se da pilha de produtos de higiene que metera na
mala.
Pegou num tubo de pasta dentífrica e num pacote de pensos higiénicos e apressou-se a dá-los à
rapariga, que fora tão amável e cuidara tão bem delas, fazendo pequenas esculturas com as toalhas de
banho e espalhando pétalas de flores pelas camas.
Sophie bateu com a língua no céu da boca. Ter-se-ia sentido envergonhada pelo comportamento de
Emma caso se importasse com o que sentia ou pensava uma empregada cubana.
– Ouvi dizer que isto é difícil de arranjar aqui. É verdade? – perguntou Emma, colocando os
produtos nas mãos da rapariga.
– Sim, obrigada… muchas gracias! – respondeu a rapariga, anuindo com veemência.
Sophie atirou o biquíni, o livro e o protetor solar para dentro da mala de praia abanando a cabeça.
Emma fechou a porta e aproximou-se de Sophie.
– Qual é o teu problema? – perguntou na defensiva.
– A rapariga tem nas mãos produtos de higiene todos os dias. Trabalha no raio do hotel.
Aposto que não tem nenhum problema em conseguir qualquer coisa que queira.
Emma não sabia se Sophie tinha ou não razão, mas sentia-se melhor por ter tido uma boa atitude e
era muito desagradável da parte da irmã tentar diminuir as suas ações.
– Vou a Varadero depois do pequeno-almoço. Queres vir? Talvez possas trazer umas caixas de
tampões para distribuir ao público em geral? – sugeriu Sophie ironicamente.
Emma ignorou a observação e colocou o seu pequeno portátil branco Apple na mala.
– Sou capaz de, em vez disso, ir escrever um bocado à beira da piscina.
Sophie afastou o cabelo do rosto e saiu do quarto.
Estar em contacto tão próximo com a irmã mais velha durante dias, sem quase falar com mais
ninguém além dos empregados cubanos, começava a pesar-lhe. Pelo menos Emma não falava de Paul.
Decidiu que talvez devesse pôr os seus verdadeiros sentimentos de lado e encontrar um pouco de
diversão. Os homens costumavam ser uma fonte de diversão até ter conhecido Paul, o único que a
fizera querer assentar. Em Varadero, poderia investigar se havia uma discoteca ou uma boa
oportunidade de conhecer algumas pessoas interessantes e de ficar longe da irmã!

***

Emma surpreendeu-se com a facilidade com que as palavras foram aparecendo no ecrã do portátil.
Tinha demorado um bocado a pôr a espreguiçadeira à sombra na zona da piscina e a baixar o guarda-
sol até ficar com sombra suficiente para ver bem o ecrã, mas a seguir lançara-se a escrever. Era bom
estar longe de Sophie – precisava mesmo de solidão.
Não se sentia como quando escrevia em casa. Não era só o sol cubano ou o vento quente que vinha
da praia que a faziam sentir-se diferente. Emma experimentava uma outra força que a ajudava a
encontrar as palavras e a mostrar-lhe o que iria acontecer às suas personagens. Escrevia sobre
Martin, o herói do romance e, em todos os sentidos, um herói ao estilo de Hemingway. Macho e forte,
com tanta testosterona a envolvê-lo que deixava todas as personagens femininas loucas – duas
mulheres, Jill e Ruth, que costumavam ser amigas até Martin entrar nas vidas. Ele controlava todos
os seus destinos. Até àquele momento, tinha-lhe dado cabelo escuro, mas ainda não descrevera os
olhos. Pensou dar-lhe olhos cor de avelã, como os do motorista de táxi que as levara a Varadero.
Muitas vezes escolhia características ou traços de pessoas reais quando criava as suas personagens.
Martin começara a sua carreira como polícia de rua, mas rapidamente fora promovido a detetive
devido às suas marcantes proezas. Ele tinha de ter força, e Emma deu-se conta de estar novamente a
pensar no motorista de táxi – havia alguma força silenciosa no homem que as conduzira desde o
Aeroporto José Martí.
Emma adorava o controlo que detinha sobre as personagens do seu romance – como era diferente a
vida real, onde ela sentia que tinha tão pouco controlo. Até Finn se tornava difícil de controlar
quando queria fazer alguma coisa que ela achava perigosa ou arriscada.
A vida era muito mais segura a escrever no portátil e a deixar as personagens cometerem todos os
erros e tomarem todas as decisões erradas. Pelo menos quando alguém morria no romance não se
derramavam lágrimas verdadeiras; o funeral acabava num par de páginas e o resto das personagens
podia continuar em paz e até com alegria.
Quando atingiu as vinte e cinco mil palavras, que tinham levado quase oito meses a escrever,
pressionou a tecla guardar, deitou-se e descansou.
À distância, viu Dehannys subir rapidamente o caminho na sua direção com um saco pendurado ao
ombro.
Já se tratavam pelo primeiro nome e Dehannys ensinara Emma a pronunciar os dias da semana e os
meses do ano de forma correta. Já conseguia dizer dos cervezas com sotaque espanhol.
– Já acabou o trabalho por hoje? – perguntou Emma enquanto Dehannys se aproximava. – Hola,
Emma – disse ela, com um sorriso. – Agora estou na minha pausa.
– Sente-se aqui comigo – convidou Emma.
Dehannys parecia envergonhada.
– Acho que o gerente não gostaria. Não é permitido aos funcionários permanecer na piscina quando
não estão a trabalhar.
Emma repreendeu-se por ser tão descuidada.
– Como está o seu filho hoje? – Dehannys dissera-lhe que o seu menino não andava bem.
– Está mucho melhor, gracias.
– Está em casa?
– Sim, a minha mãe cuida dele. – Fez uma pausa – Gostaria de visitar a minha casa? Para conhecer
a minha família?
Emma sentou-se na espreguiçadeira ao ouvir a sugestão. Que ideia maravilhosa! Seria ótimo ver
como vivia uma família local.
– É uma oferta muito generosa, Dehannys. Tem a certeza de que não se importa?
– Por favor, gostaria muito. A minha mãe, às vezes, cozinha para os turistas. É permitido pelo
Governo. Chama-se paladar, um pequeno restaurante. Gostaria que fosse nossa convidada, mas, por
favor, não pode dizer ao meu chefe! – Dehannys olhou em volta enquanto falava com medo de que
alguém ouvisse.
Foi a primeira vez que Emma percebeu a vulnerabilidade da posição em que a sua nova amiga se
encontrava.
– Como posso ir até lá? O hotel arranja-me um táxi?
Dehannys assentiu com a cabeça.
– Claro. Dou-lhe a minha morada.
Emma procurou na mala um bloco de notas e uma caneta.
– Por favor, escreva aí. Importa-se que a minha irmã também vá?
Dehannys sorriu e abanou a cabeça.
– A sua irmã é muito bem-vinda em minha casa. Estou muito contente. Vai conhecer o meu rapaz.
– Já lhe mostrei uma fotografia do meu filho, Finn?
Dehannys abanou a cabeça.
– Por favor! Gostava muito de ver.
Emma mostrou-lhe, orgulhosamente, uma foto do filho sentado num barco na baía de Dublin, com
as montanhas à distância.
– Este é o sítio onde moro, em Dublin, na Irlanda.
– É muito bonito. Ele é um belo rapaz. Venha amanhã à noite, eu não trabalho às quartas-feiras.
Emma sorriu.
– Obrigada. A que horas?
– Venha às quatro horas para ver Matanzas.
– Okay. Até amanhã às quatro.
– Sim. Até amanhã, então.
Emma ficou a ver a amiga afastar-se lenta mas facilmente, com aquele ritmo inconfundível que ela
já havia notado nos cubanos enquanto caminhavam.
Na direção oposta, viu a irmã a aproximar-se, carregando dois sacos de plástico brancos. Mesmo à
distância, conseguia ver que Sophie vinha carrancuda, com a bonita testa franzida. Quando finalmente
alcançou Emma, soltou um suspiro alto.
– O autocarro é o demónio! E só há montes de lixo no mercado.
– Parece que compraste algum lixo!
Sophie sentou-se numa espreguiçadeira ao lado de Emma. Enfiou a mão no saco e tirou um carro
de brinquedo feito do alumínio de uma lata de Coca-Cola.
– Vou buscar um mojito – disse ela. – Queres um?
– Porque não? – Emma encolheu os ombros. Desde a chegada à praia de Varadero tinha tomado tal
gosto pelos cocktails locais que costumava tomar o primeiro antes do meio-dia.
Quando Sophie se afastou em direção ao bar, Emma dobrou-se sobre o portátil e continuou a
trabalhar. Mais tarde falaria com a irmã sobre a ida a casa de Dehannys.

– Não sei porque também tenho de ir – resmungou Sophie.


– Não tens… podes ficar aqui – retorquiu Emma enquanto subiam os degraus até à receção.
– Este lugar está cheio de casalinhos. Não vou ficar toda a noite sentada no piano-bar sozinha.
O facto de o hotel ser um retiro romântico só para adultos fora uma das razões pelas quais ela e
Paul o haviam escolhido. Agora a decisão que tinham tomado voltava para a assombrar.
– Bem, tu é que sabes. – Emma virou-se para falar com o porteiro. – Arranjava-nos um táxi para
nos levar a Matanzas?
O homem de fato cinzento brilhante com um bigode muito fino abriu um sorriso largo que dizia que
Emma pedia o impossível.
– Fez uma reserva?
– Não. Pensei que poderia simplesmente chamar um?
Ele mostrou os dentes com um sorriso ainda maior e abanou a cabeça.
– Sinto muito, señora, mas temos de usar os táxis oficiais do hotel. E devem ser reservados.
Emma ficou estupefacta.
– E alugar um automóvel, consigo alugar um?
– Já está fechado por hoje! Tenho muita pena.
De repente, uma voz rouca falou sobre a cabeça de Emma em espanhol e, uns segundos depois, ela
reconheceu o dono da voz. Ele falava rapidamente e com autoridade e, por fim, o porteiro encolheu
os ombros.
– Este homem irá levá-las a Matanzas – disse. – Tem de ir a Havana agora e pode deixá-las de
caminho.
– Olá – disse Emma, com um sorriso. – Foi você que nos foi buscar ao aeroporto, não foi?
O taxista sorriu de volta, e à luz do dia Emma pôde ver os seus dentes brancos e perfeitos com
maior clareza. Era surpreendente que numa nação com tantas dificuldades em arranjar pasta
dentífrica as pessoas tivessem tão notáveis dentaduras.
– Tem a certeza de que não terá de se desviar? – perguntou ela.
– Não, vou passar em Matanzas. E trago-as de volta esta noite, se quiserem.
– Muito obrigada – disse Emma.
Sophie rolou os olhos para o céu enquanto seguia a irmã até ao Renault do motorista.
– Quantas vezes viaja de e para Havana? – perguntou Emma, quando se sentaram confortavelmente
no táxi.
– Às vezes três, mas de uma forma geral duas vezes por dia. Tenho de ir buscar os clientes ao
aeroporto.
Emma percebeu que o taxímetro não estava ligado e perguntou-se se deveria mencionar o assunto.
Talvez ele tivesse outra forma de cálculo da tarifa? Decidiu que seria melhor dizer alguma coisa,
caso ele se tivesse esquecido.
– Desculpe, mas não tem o taxímetro ligado.
– Não há nada a cobrar. Vou passar por Matanzas de qualquer maneira.
Sophie inclinou-se e sussurrou no ouvido da irmã:
– Está a ver se ganha uma boa gorjeta, aposto!
Emma interiorizou a observação da irmã mais nova e de como devia soar ao homem que as tinha
ajudado quando não era obrigado a fazê-lo. Lançou-lhe um olhar para que se calasse. Pelo espelho
retrovisor podia ver o reflexo do motorista e os seus doces olhos cor de avelã – não tipicamente
cubanos, pensara ela, mas desde a chegada à ilha percebera que não havia nenhuma pessoa
tipicamente cubana. As cores de pele variavam entre a nata pálida à cor de chocolate escuro e os
cabelos entre loiro e preto como ébano. Mas o ritmo e uma natureza apaixonada era algo universal a
todos eles.
Quando se aproximaram de uma pequena ponte, um conjunto de grandes casas coloniais surgiu no
horizonte. Estavam a precisar de reparação e a pintura azul e rosa-pálido descascava em todos os
lados. À distância, surgiam várias outras pequenas pontes de design variado – algumas ladeadas por
colunas, outras feitas de metal e com um design mais industrial do que estético. Uma igreja colonial
erguia-se acima dos telhados baixos, lançando uma sombra romântica sobre a cidade. Emma nunca
estivera num sítio como aquele. Havia uma crueza no lugar que exalava personalidade e charme.
– Tem a morada? – perguntou o motorista.
Emma deu a volta à mala à procura do bloco de notas.
– Sim, tenho aqui. Desculpe, qual é mesmo o seu nome?
– Felipe – respondeu o motorista.
Que nome fabuloso, pensou Emma.
– Obrigada, Felipe. Eu sou a Emma e esta é a Sophie.
– Prazer em conhecê-las, Emma e Sophie – sorriu.
– A morada é Cavadonga y Carnet ou algo parecido.
Felipe anuiu.
– Conheço o sítio. O meu primo mora nessa rua.
Sophie soltou um grito quando Felipe parou o carro numa rua com haciendas simples mas muito
convidativas em ambos os lados.
– Estas são boas casas – disse Felipe e Emma pôde ver que ele falava a sério. – Foi difícil, depois
do furacão, arranjar cimento para reparar os danos, mas agora estão melhores.
A maioria tinha quintais minúsculos com portões de ferro forjado e flores silvestres na frente e a
pintura em todos os tons de verde, azul e creme davam um aspeto alegre aos edifícios.
Felipe parou subitamente o carro diante de uma porta verde-turquesa.
– Este paladar é muito bom. – Ele virou-se para olhar para trás, para as raparigas. – A que horas
venho buscá-las?
Emma olhou para Sophie e, pela sua expressão, percebeu que o seu tempo ali seria limitado.
– A que horas regressa de Havana?
– Daqui a umas três horas.
– Parece-me muito bem. Obrigada, Felipe.
Emma enfiou a mão no bolso e tirou vinte pesos conversíveis, a moeda turística em Cuba,
extremamente desejada pelos cubanos para comprar bens que apenas estavam disponíveis para os
turistas.
– Obrigado – disse Felipe, com um aceno de cabeça, enquanto saía do carro para abrir a porta.
– Até logo – disse Emma, com um sorriso.
Sophie observava-a com um misto de diversão e impaciência. Quando Felipe partiu, virou-se para
a irmã e fez uma careta.
– Percebes que acabaste de lhe dar de gorjeta dois meses de salário!
Foi a vez de Emma franzir a testa.
– Acho que ele merecia. Trouxe-nos até aqui quando não tinha de o fazer!
– Ficava em caminho!
– Sophie, quando alguém faz alguma coisa para ajudar, porque simplesmente não ficas grata? O
mundo não gira apenas à tua volta.
Sophie ergueu os olhos para o céu e deixou a irmã ir à frente. Devia ter ficado no hotel.

– Isto está delicioso – afirmou Emma, cortando uma fatia de carne de porco assada.
– É o chamado cerdo asado e o feijão e arroz são moros y cristianos – explicou Dehannys.
– O que quer dizer… moros y cristianos?
– É o feijão-preto para os mouros e o arroz branco para os cristãos!
Emma riu-se.
– Gosto disso!
– Cerveza? – perguntou o pai de Dehannys enquanto se levantava e pegava numa garrafa vazia.
Sorriu alegremente e esfregou o estômago coberto por uma camisa verde-viva. Estava alegre e
encantado por divertir as mulheres com a esposa e a filha.
– Não, gracias, Alberto – respondeu Emma, acariciando a barriga para mostrar o quão satisfeita e
cheia se sentia. Era difícil conversar com alguém que não sabia uma palavra de inglês, mas que fazia
os possíveis por ser simpático e hospitaleiro.
– Mama, puedo jugar ahora? – perguntou Fernando à mãe.
– Sí. – Dehannys ficou a ver o filho sair pela cozinha na parte de trás da casa.
– O seu filho é mucho guapo. É como o meu filho – disse Emma.
– Gracias, Emma – retorquiu Dehannys, com orgulho. – É um bom menino.
Emma estava morta por saber onde se encontrava o pai do rapaz, mas não sabia se devia perguntar
em frente da família. Talvez fosse melhor deixar para outro dia.
– Ah, o meu irmão! – exclamou Dehannys animadamente quando um bonito jovem com a pele cor
de café entrou na casa. – José, estas son mis amigas, Emma y Sophie.
Emma viu Sophie endireitar-se na cadeira pela primeira vez em toda a noite.
José tinha uma camisa vermelha e calças pretas com sapatos pretos brilhantes, e teria ficado
deslocado em Dublin, mas no paladar em Matanzas, com o calor do pôr do Sol ainda a entrar pela
porta da frente, parecia saído de um local de filmagens.
– José é, como dizem, um homem de música. Toca piano no Hotel Tryp, em Varadero – informou-as
Dehannys, com orgulho.
– Pode tocar para nós? – pediu Sophie, sedutora o suficiente para garantir que chamava a sua
atenção.
– Não temos piano em casa. Desculpe, mas também toco isto – afirmou ele, agarrando numa velha
guitarra acústica que estava encostada à parede impecavelmente caiada de branco, e começou a
dedilhar.
De repente, todos se animaram. Ele tocou e cantou com tanta emoção que toda a gente parou o que
fazia para ouvir. Uma suave balada cubana envolveu a sala numa atmosfera que deixou as irlandesas
numa espécie de transe.
– A Louise ia adorar isto – sussurrou Emma ao ouvido de Sophie, mas a irmã não estava a ouvir.
José caminhou até à mesa quando acabou de tocar e puxou um banquinho para se sentar ao lado de
Sophie.
– Ficam em Cuba por quanto tempo? – perguntou.
– Ficamos mais três dias em Varadero e depois vamos três dias para Havana.
– La Habana – disse ele melancolicamente. – É tão bonita.
– Vocês vão lá muito? – perguntou ela.
Ele abanou a cabeça.
– É difícil viajar. Trabalho em Varadero, logo não há necessidade de ir. Mas vivi lá durante três
anos, quando estudava na universidade.
– Onde mora, José?
– Vivo aqui com os meus pais. É difícil o Governo autorizar-nos a ter uma casa.
O Sol tinha finalmente desaparecido, dando lugar à noite, e a mãe de Dehannys ligara a única
lâmpada que pendia no centro da sala. Ao longo do parapeito da janela havia pequenas velinhas que
ela acendeu com um fósforo. Estas lançavam sombras trémulas nas paredes brancas e conferiam ao
aposento uma atmosfera acolhedora e íntima.
– Café ou ron? – ofereceu Dehannys aos convidados.
– O que é ron? – quis saber Emma.
– Rum… Havana Club… o meu pai trabalha na fábrica – respondeu ela, trazendo uma delgada e
longa garrafa castanha com o característico círculo vermelho no meio da etiqueta.
José deu um salto e foi buscar quatro copos de shot minúsculos que Dehannys começou a encher
até ao cimo. Foi o primeiro a agarrar num copo e bebeu-o de um trago.
Sophie ergueu o copo e tomou um gole que lhe trouxe lágrimas aos olhos e a fez tossir.
José sorriu e entregou-lhe o guardanapo de pano que estava sobre a mesa.
– Obrigada – disse ela e enxugou os lábios.
De repente a porta abriu-se e Felipe entrou, todo despenteado depois de um dia inteiro a conduzir.
Os olhos brilharam quando viu Emma sentada à mesa e lançou-lhe um sorriso gentil.
– Amigo! – resmungou José, levantando-se para ir buscar um copo vazio ao velho armário de
madeira no canto – Ron?
– Sí, gracias – respondeu Felipe com um aceno de cabeça e levou um banquinho para o lado de
Emma. – Gostou da refeição?
– Estava ótima, obrigada. Você voltou depressa.
Ele encolheu os ombros.
– Às vezes pode-se conduzir depressa quando não há polícia. – Agarrou no shot de rum e levantou-
o ao ar antes de o beber de um trago.
De repente, a luz fraca no centro da sala apagou-se. A mãe de Dehannys começou a gritar com a
lâmpada.
– Temos muitos cortes de energia em Cuba – sussurrou Felipe no ouvido de Emma.
Emma sorriu para Felipe. Estava contente por ele ter voltado e não tinha pressa em partir.
A escuridão não deteve José.
– Música! – declarou e levantou-se para tocar a sua guitarra.
A avó de Dehannys e duas outras mulheres surgiram vindas da copa e todos na sala começaram a
bater palmas enquanto José cantava e dedilhava.
A suave luz das velas intensificou a atmosfera e Emma percebeu que, pela primeira vez em muito
tempo, estava feliz com aqueles desconhecidos naquela terra estranha e não se sentia triste nem
pensava em Paul.
6

Louise arrumou as coisas das crianças mais pequenas e vestiu-lhes os casacos.


– Está muito calor – gemeu Molly.
– Está sempre frio no cais e hoje vem vento de norte! – ripostou Louise, fechando os botões do
casaco de Tom.
– Podem deixá-los no carro – retorquiu Donal, numa tentativa de apressar a mulher.
Donal estava junto à porta já aberta, com seis tacos de golfe e um saco de bolas nas mãos. Os dois
rapazes mais velhos começavam a ficar impacientes. Donal prometera a todos que os levaria no
domingo ao minigolfe em Deerpark.
Louise olhou-se uma última vez ao espelho para ver como estava antes de ligar o alarme da casa e
seguir a família para o carro. Dedicara-se mais à aparência do que era habitual para uma viagem de
domingo a Howth. Nos meandros da sua mente estava o desejo de encontrar Jack Duggan.
Ficou com uma sensação de vazio no estômago depois de lhe ter telefonado e precisava de ter a
certeza de que a sua aparência estava no seu melhor, não fosse encontrá-lo novamente. Donal parecia
alheado do facto de ela ter vestido um top decotado, apesar de ter insistido que os filhos usassem
roupas quentes.
A viagem de carro à beira-mar fora barulhenta, com as quatro crianças na parte de trás picando-se
umas às outras à mínima oportunidade. Felizmente, o trânsito não estava muito mau e tinham saído
cedo para evitar o engarrafamento depois da uma da tarde.
Enquanto atravessavam os portões do Castelo de Howth, Louise sentiu o coração bater com mais
força. E se encontrasse Jack? O que poderia dizer-lhe após aquele desagradável telefonema?
– Até daqui a cerca de duas horas. Depois podemos ir comer? – perguntou Donal enquanto saía do
carro com os dois rapazes mais velhos.
– Levamos os miúdos à Casa Pasta ou ao Brass Monkey – respondeu Louise enquanto se sentava
no lugar do condutor – Venho apanhar-vos antes das duas e meia.
– Okay – disse Donal, fechando a porta do carro com firmeza.
Louise observou o marido, o filho e o sobrinho a diminuírem à distância pelo espelho retrovisor.
– Temos direito a crepes? – perguntaram Molly e Tom em coro.
– Daqui a alguns minutos – suspirou Louise. Não tinha bem a certeza do que esperava alcançar com
aquela expedição, mas Jack dissera que gostava do mercado ao domingo. Uma longa fila de trânsito
aguardava-a à saída do castelo e o carro foi a passo de caracol até à estação de comboios.
– Está ali um lugar! – gritou Tom ao ver um carro sair do estacionamento.
– Obrigada, amor – disse Louise, e fez marcha atrás até ao lugar.
O céu estava limpo e fazia muito mais calor do que quando tinham saído de Clontarf. Com o bom
tempo vinham as multidões, e Louise sabia que demoraria mais do que o normal para conseguir os
crepes de chocolate e marshmallow para os miúdos.
– Podemos ir ver as focas depois dos crepes? – implorou Molly.
– Podemos sim… agora cuidado com o trânsito, temos de atravessar aqui – advertiu Louise
enquanto desfilavam junto às barracas enfeitadas com uma infinidade de guloseimas.
– Há as bolachas que o papá adora. Vamos levar umas para ele? – perguntou Molly.
– Está bem. – Louise suspirou; era um sítio tão bom para começar como qualquer outro.
O toldo vermelho e branco listrado protegeu-os do sol enquanto esperavam na fila para comprar o
que desejavam. A banca das bolachas estava um pouco afastada do resto do mercado e era um bom
lugar para ver o rebuliço de toda aquela gente.
Louise deixou os seus olhos percorrerem a área buliçosa e, de repente, viu um rosto conhecido,
mas à distância era difícil dizer se era ele. Esperou enquanto ele falava com a mulher ao seu lado.
Sentiu uma picada percorrer-lhe o corpo, observando o homem a abraçar e beijar a mulher. Sempre
fora mais do que óbvio. Não admirava que Jack a tivesse despachado ao telefone, estava num
relacionamento, talvez até fosse casado. As emoções que sentira no comboio haviam sido só dela e
ele não correspondera, claro que não estava interessado nela, senão ter-lhe-ia ligado. Como fora
estúpida!
– Também temos direito a chocolate? – perguntou Molly, dando um puxão no casaco de Louise.
– Sim. Quer dizer, não! – respondeu ela distraidamente.
Não sabia como se sentia. Talvez se tivesse iludido a si mesma. A jovem era bonita, até podia ser
modelo. Por que raio um jovem lindo como Jack, com um emprego prestigiante e o mundo a seus pés,
continuaria interessado na professora mais velha? Não podia sentir-se pior.
– Agora vamos aos crepes? – pediu Tom.
Louise olhou em volta.
– Está bem. E depois podemos ir lá abaixo ver as focas, se quiserem. – Pelo menos estaria longe
de Jack e da sua namorada.
A fila era bem mais longa do que o habitual e Louise desejou não ter concordado em vir a Howth.
As crianças podiam ter jogado minigolfe em St. Anne’s e ela podia ter ficado em casa. Por outro
lado, talvez fosse melhor ter descoberto a verdade.
– Marshmallows e Nutella! – indicou Molly ao vendedor de crepes que estava ao balcão.
– Se faz favor – acrescentou Louise, com firmeza. Era difícil continuar a desempenhar o seu papel
quando estava sempre a espreitar por cima do ombro.
– São cinco euros, por favor – disse educadamente o vendedor.
Louise entregou o dinheiro.
– Muito bem, meninos, vamos lá ver as focas – disse ela, conduzindo as crianças ao longo do cais
oeste, onde tinha a esperança de se conseguir esconder do outro lado do grande edifício com telhado
azul e evitar cruzar-se com Jack e a namorada.

– Grande jogada, Finn! – exclamou Donal, encorajador. – É a tua vez, companheiro.


Donal adorava o tempo que despendia com as crianças, possivelmente porque também passava
bastante tempo a fazer coisas de que gostava. Desejou que Louise se sentisse mais realizada. Ela
adorava crianças e era uma boa mãe, mas às vezes Donal sentia que ela tinha sacrificado as próprias
necessidades para manter a família unida e a funcionar bem. Quando a conhecera, ela era muito feliz
a dar aulas, mas a culpa de deixar os filhos com estranhos era de mais para os dois, por isso Louise
ficar em casa parecera a melhor opção.
– É a tua vez, papá – disse Matt, radiante, depois de enfiar a bola no buraco com duas rápidas
tacadas.
Donal concentrou-se na bola e depois no buraco apenas a três metros de distância. Olhou
novamente antes de dar a tacada e ficou a observá-la a rolar até à borda e baloiçar antes de se
decidir a não cair no buraco.
– Que azar, pai! – exclamou Matt, com um sorriso maroto. – Este é o nosso último buraco?
– Acho que sim. Já me ganhaste, filho – disse Donal, com orgulho. Os filhos eram importantes para
ele, mas o seu casamento também. Perdera toda a sensação de ligação com Louise. Ela parecia muito
distante dele.
Sabia que algo tinha de acontecer, mas sentia-se infeliz e impotente com o estado do seu
casamento. Pelo menos tinha o iate clube e a vela – talvez fosse por isso que se refugiava neles tantas
vezes.

Louise encostou-se a um corrimão e observou as crianças a rir com alegria enquanto alimentavam
as focas. As gaivotas não tinham muita sorte naquele dia, pois as focas eram demasiado rápidas.
– Olhem, há uma foca bebé! – gritou Molly.
Não há muito tempo também tu eras um bebé, pensou Louise. Era triste ver os vários estágios do
bebé passarem tão depressa, mas ficava um sentimento de realização ao ver os filhos crescerem
saudáveis e fortes. Por que motivo isso não é suficiente para mim? Repreendeu-se por se entregar à
autocomiseração e não viu um casal subir ao lado dos filhos para ver as focas.
– Louise!
Era Jack.
– É incrível encontrar-te de novo! – exclamou ele. O seu braço estava pousado em torno da cintura
da rapariga a seu lado e ele guiou-a até onde Louise se encontrava, perplexa e imóvel.
– Olá, Jack – disse ela, atrapalhada. – Vem mais para trás, Tom! – Fez um gesto em direção aos
filhos. – Estes são os meus filhos.
– Esta é a Aoife. A minha noiva.
Jack não mostrou qualquer constrangimento, o que fez Louise sentir-se ainda pior. – E esta é a
minha antiga professora de Música, a Louise.
A rapariga sorriu.
– Muito prazer em conhecê-la – disse Louise rapidamente, sem saber se considerava mais
insultuoso ser apresentada como «antiga» ou como «professora de Música». Mas, vendo bem, como
é que ele a apresentaria? A Louise foi minha amante quando eu era um puto da escola e ela era
minha professora! Não soava nada bem, mesmo passados tantos anos.
– Oh, o Jack falou-me de si. Não era a senhora que organizava a Batalha das Bandas?
Louise queria que o chão se abrisse.
– Sim, era eu. É um prazer conhecê-la. Quando se casam?
– No verão. Julho – respondeu Aoife. – Esperemos que o tempo esteja bom. Vamos casar-nos em
Dublin. É raro hoje em dia, mas, como queremos ambas as famílias e todos os nossos amigos
presentes, decidimos não ir para fora.
Louise anuiu com a cabeça.
– Boa ideia. Bem, boa sorte com tudo.
– Obrigada! – disse Aoife.
– Bem, então adeus – despediu-se Louise, um pouco abrupta de mais para o seu próprio gosto, mas
estava ansiosa que o casal se fosse embora e Jack demonstrava o mesmo desejo.
– Adeus, Louise – disse Jack, apressando a futura mulher ao longo do cais.
Louise sentia-se sem fôlego. Felizmente, os filhos tinham-se mantido alheados da farsa e ela
esperava que o mesmo tivesse acontecido com Aoife. Não conseguira conter-se, ao ver Jack ficara
nervosa. Talvez fossem todas as memórias que carregava dentro de si havia tanto tempo.

Lembrava-se com clareza da primeira vez que ela e Jack haviam consumado o seu romance.
Levaram dois anos como aluno e professora a saborear o amor mútuo pela música. Ele costumava
ficar para trás no final das aulas, para discutir a música mais moderna que o influenciava e não
estava no plano de estudos para exame. Louise adorara o tempo que tinham passado a discutir os
méritos dos Nirvana e dos Pearl Jam em relação aos Stone Roses. Habitualmente, aquelas discussões
ocupavam metade do intervalo para o almoço ou mais, mas nenhum se importava. Ele era muito mais
maduro a nível musical do que os outros alunos da turma e ela era a única professora de Música da
escola, tendo por isso dificuldade em falar de trabalho com os colegas. Ele trazia gravações da sua
banda e ela ficava feliz em ouvir as cassetes enquanto conduzia de e para o trabalho. Quando Donal
lhe perguntava sobre o barulho que vinha do rádio, ela apenas sorria, porque a fazia sentir-se jovem
e em contacto com a nova geração. Não sentia existir musicalmente uma grande barreira entre eles.
Apesar de ter estudado durante quatro anos na faculdade, Louise sentia que Jack tinha um talento
inato e um conhecimento do que a música na realidadae significava que não poderiam ser aprendidos
a ler os manuais e a praticar as escalas. O seu talento natural era uma dádiva, e ela invejava-o por
isso. Tinha trabalhado arduamente aplicando-se ao seu ofício, dando concertos e praticando horas a
fio. Jack só precisava de tocar na guitarra para a fazer soar de uma forma que ela nunca poderia
alcançar, independentemente da quantidade infinita de prática que lhe dedicasse.
Então, pouco depois de terminar o terceiro período, Louise oferecera-se para dar a Jack algumas
explicações para o exame final. Ambos sabiam que a oferta tinha um motivo oculto – era uma
maneira de coçar a comichão que se viera a tornar torturante para ambos desde a primeira vez que
ele ficara para trás na aula para falar sobre música.
Na altura, Louise vivia numa pequena casa alugada com terraço na zona antiga de Clontarf com
Emma e não fora fácil lidar com a limpeza, devido à exigência da irmã e à sua falta de
domesticidade.
Em geral chegavam a acordo, mas Louise enfiava frequentemente a roupa e a tralha em caixas ou
armários para esconder a desarrumação e Emma fazia vista grossa.
Naquele dia, quando Jack ligou, ela colocou flores numa jarra sobre a mesa da pequena cozinha e
pôs os Carmina Burana de Carl Orff a tocar no leitor de CD na sala da frente, onde iriam ter a aula.
Mudou de roupa várias vezes na meia hora anterior à chegada dele.
Não queria parecer velha e autoritária, mas também não sabia se voltariam a atravessar de novo a
barreira como tinham feito na sala de aula depois da Batalha de Bandas. Nunca se iriam tornar de
repente namorados – ela tinha um diamante no dedo que proclamava ao mundo que estava prestes a
casar-se e ele esperava concluir os exames para poder dizer que acabara o ensino secundário. Mas
ela não conseguia evitar preparar-se como se fosse para um primeiro encontro amoroso.
Quando ele tocou à campainha e ela abriu a porta, tudo o que viu foram os seus olhos azuis e a
sensação de uma profunda ligação entre eles. O cheiro da sua pele era poderoso e ela não conseguia
ignorá-lo enquanto o encaminhava para a sala e o dirigia ao sofá. Em frente estava uma pequena mesa
de café onde Louise havia colocado uma série de livros do programa que ele tinha de estudar.
– Queres beber alguma coisa?
– Tens 7UP?
De súbito tomara consciência de que havia algo de terrivelmente errado com aquilo que sentia. Ele
podia ter dezoito anos, mas ainda era apenas um miúdo!
– Deixa ver – respondeu ela, correndo para a cozinha e procurando, desesperada, uma bebida
gaseificada. Na parte de trás do armário havia uma garrafa de 7UP que sobrara de uma festa de
Natal; esperava que ainda tivesse gás. Despejou um pouco num copo e viu um par de bolhas flutuar
até ao cimo. É o que há, pensara ela.
Jack estava sentado muito direito no sofá quando ela voltou com a bebida. A sua pele mostrava os
sinais do barbeado recente e o cabelo brilhava de lavado.
– Como vão os estudos?
– Vão bem. – Jack encolheu os ombros. – Inglês e Música são as minhas melhores disciplinas, mas
isso é porque são as de que gosto mais.
– Ainda vais seguir Artes?
Jack assentiu.
– A minha mãe quer que eu siga Ciências. Acha que não vou conseguir um emprego como músico.
– Ela tem alguma razão! – brincou Louise. – Não, a sério, acho que tens muito talento e se
continuares nunca se sabe. A tua banda pode vir a ter sucesso.
– O resto do pessoal já desistiu de ensaiar.
– Provavelmente estão preocupados com os exames finais. Quando começarem a universidade
podem voltar à rotina.
Jack abanou a cabeça.
– Gostava que eles estivessem tão empenhados como eu. Espero que fiquemos juntos.
Louise sentira um silêncio constrangedor instalar-se.
– Certo… então por onde queres começar? – perguntou ela.
Jack parecia sem palavras. Estava fixado nos olhos cor de avelã de Louise.
A pausa deixara uma certa eletricidade estática entre eles. Nenhum queria ser o primeiro a mexer-
se, mas ambos desejavam que acontecesse. Até onde iriam e até onde esse beijo os levaria não
sabiam. Tinha naturalmente de acontecer.
Jack avançou primeiro, e depois parou quando os seus lábios estavam a um par de centímetros dos
de Louise. Ao ver o desejo nos olhos dela, aproximou-se um pouco mais até lhe tocar. Foi muito
diferente do beijo na sala de aula. Aqueles beijos eram mais calculados – mais meigos do que da
primeira vez. Jack estava mais confiante ao depositar os beijos nos lábios dela. Louise sentiu-se
invadida pelo desejo – naquele momento, a única coisa que queria era Jack. Ela afastou os lábios e,
com um olhar convidativo, agarrou na mão dele e encaminhou-o para fora da pequena sala de estar.
Não precisavam de palavras – ambos sabiam o que ia acontecer.
Ela conduziu-o escadas acima. Um pouco atrás dela, Jack dava cada passo com cautela. Quando
chegaram ao pequeno patamar, Louise parou frente a uma porta e, ainda sem falar, rodou a maçaneta e
abriu-a. Em frente deles estava a cama recém-feita com roupa lavada. Fora a primeira vez que Louise
fizera a sua cama de manhã desde que ela e Emma se tinham mudado para aquela casa. Secretamente,
fora aquilo que queria que acontecesse. Emma não estaria em casa até à noite e Donal nunca aparecia
sem telefonar primeiro. A única outra pessoa que tinha a chave era o seu pai e estava fora; ninguém
os perturbaria.
Ao chegar à beira da cama, Louise assumiu uma vez mais o controlo e colocou a mão no rosto de
Jack. A respiração dele estava pesada com a antecipação e ela sentia a ansiedade dele quando os
seus lábios se voltaram a tocar. Daquela vez, ele não se conteve. As emoções que refreara durante
dois anos na sala de aula de Louise estavam prestes a estourar.
Louise sentiu as pernas a tremer e o seu interior a derreter enquanto as suas línguas exploravam
impacientes as bocas um do outro.
Ele abraçou-a e empurrou-a para a cama, mas sentiu-se imediatamente constrangido.
– Oh, desculpa. Eu não queria...
– Está tudo bem – assegurou Louise. Muito consciente da sua apreensão, ela pediu-lhe que
continuasse.
Beijaram-se lenta e suavemente até que ela agarrou a bainha da camisa de râguebi dele e fê-la
deslizar pelo tronco acima até lha despir. Jack começou então a tirar a T-shirt, revelando um corpo
jovem e musculado – exatamente como ela imaginara.
Com dedos trémulos, estendeu a mão e começou a abrir os botões da camisa dela. Louise sentiu os
mamilos ficarem eretos através do sutiã de renda branco-lírio. As mãos dele escorregaram pelas suas
costas para encontrar a ausência de um fecho. Ela agarrou-lhe nas mãos e guiou-o para a parte da
frente.
– O fecho é aqui – disse ela, guiando os seus dedos para onde este se encontrava aninhado entre os
seus seios. Suspirou de prazer ao ver a expressão dele quando os seios se libertaram do sutiã. Os
sentimentos de poder e desejo eram diferentes de todos os que sentira até então com um homem. A
sua luxúria desenfreada era esmagadora e ela sentiu que atingiria o orgasmo mesmo antes de ele
colocar um dedo no seu corpo.
– Deita-te – pediu ela, enquanto agarrava habilmente a fivela do cinto e o abria. Desabotoou-lhe as
calças de ganga e puxou-as para baixo até às coxas e ele seguiu a sugestão e começou a abrir as
calças dela. Ambos tiraram as calças e ficaram deitados, apenas com a roupa interior a cobri-los e
sabendo que esta seria retirada em seguida.
Quando a mão dele em concha lhe tocou no peito ela estremeceu de prazer e beijaram-se.
Louise estremecia de cada vez que ele passava o dedo sobre o mamilo e soltou um grito quando a
mão dele deslizou sobre as suas cuecas. Queria desesperadamente que ele a tocasse ali. O facto de
ainda estar de roupa interior tornava, de alguma forma, a experiência mais emocionante.
– Por favor! – implorou.
Ele sabia o que fazer e deslizou a sua mão por entre as pernas dela e acariciou-a desajeitadamente.
Em segundos ela atingiu o clímax com gemidos e suspiros que encantaram Jack, dando-lhe confiança
para expor a sua ereção.
Louise queria-o mais do que alguma vez quisera alguém na vida e, mantendo-o deitado, montou-o.
Era de novo a professora e ia mostrar-lhe como fazer amor.
Ele queria que ela lhe mostrasse exatamente do que gostava. Cada estocada era nirvana para ele –
apenas possuíra uma outra rapariga e dessa vez usara preservativo. Louise estava tão molhada e
firme que ele tinha a sensação de que fazia amor pela primeira vez. Parecia bom de mais e ele não
sabia quanto tempo aguentaria até atingir o orgasmo.
– Está tudo bem. Liberta-te agora – sussurrou-lhe ela, enquanto se impulsionava e se inclinava
sobre o torso nu dele.
Ele soltou um grito quando atingiu o clímax e vieram-lhe lágrimas aos olhos.
– Meu Deus! – exclamou.
Louise beijou-lhe o pescoço e inspirou o seu cheiro. Ele era bem mais jovem e sensual do que
Donal. Era a primeira vez que pensara no noivo desde que Jack entrara em casa. Achava que não
seria capaz de o enfrentar quando ele ligasse mais tarde.

– Vamos ter com o pai e os outros? – perguntou Tom.


– Claro – respondeu Louise, distraída. Recordar aquelas memórias era inquietante na presença do
filho, mesmo que ele não tivesse qualquer ideia sobre o que a mãe estaria a pensar. – Vamos buscá-
los agora!
Enquanto conduzia através dos portões de Howth sentia-se nervosa. Iludira-se a si própria. Jack
podia ter sido um menino de escola quando se apaixonara por ela, mas, enquanto ela andara a criar
os filhos e a viver uma vida suburbana, ele viajara pelo mundo fora a viver aventuras com as quais
ela só podia sonhar. Sentiu tanta inveja dele. A sua namorada era linda, vivia num mundo muito
diferente do da desinteressante dona de casa em que ela sentia que se tornara.
7

– Ele é lindo! – arquejou Sophie ao pequeno-almoço.


Não precisou de dizer mais nada. Era uma característica das irmãs Owens. Raramente tinham
necessidade de explicar os pormenores sobre o que falavam e muitas vezes começavam uma
conversa no meio de uma frase e a outra percebia de imediato. Isto causara muito aborrecimento aos
homens nas suas vidas e era o hábito que Paul mais detestava. Quando estava com Sophie, ela
relembrava-o sempre da mulher, começando a falar sobre um assunto do nada e esperando que ele a
acompanhasse. Não era a única coisa que o incomodara no final do caso, mas Sophie não tinha
consciência de que poderia haver alguma coisa errada entre ela e o amante. Do seu ponto de vista,
ele fora-lhe roubado de forma cruel pelo mesmo destino que o roubara da irmã.
Pensar em Paul era muito diferente do sonhar acordada a que se entregou no terraço soalheiro do
hotel de cinco estrelas na praia de Varadero. José era um belo exemplo de masculinidade com
proporções de Adónis, mas os sentimentos por ele iriam permanecer a vários milhares de
quilómetros do outro lado do Atlântico quando voltasse para Dublin. Não havia qualquer hipótese de
futuro, razão pela qual não era um candidato a um relacionamento sério, mas um romance de férias
era uma possibilidade concreta. Uma pena tê-lo apenas conhecido quando estava prestes a sair de
Varadero. Merecia um pouco de diversão e sedução depois do luto em silêncio que tivera de suportar
após a morte de Paul.
– Eram uma família muito agradável – disse Emma, continuando os pensamentos de Sophie –,
bastante hospitaleira. Senti-me tão envergonhada quando a mãe da Dehannys não nos deixou pagar a
refeição.
Sophie acenou-lhe com o braço no ar.
– Ela sabe que vais dar à filha gorjetas chorudas no hotel, por isso o jantar foi um bom
investimento.
Emma olhou pasmada para a irmã.
– Tens mesmo de ver segundas intenções em tudo o que de simpático as pessoas fazem? – suspirou.
Era inútil discutir.
De olhos arregalados, Sophie brincou inocentemente com os caracóis.
– Só não és uma pessoa muito prevenida em relação aos outros, Emma! Nunca foste!
Emma decidiu que o melhor era não ligar. Ainda tinha algum tempo para passar com a irmã na
maior ilha das Caraíbas e de nada serviria discutir. Até ao momento as férias corriam bem e Sophie
andara surpreendentemente descontraída, mas depois de conhecerem o irmão de Dehannys, na noite
anterior, Emma percebeu que a irmã não descansaria enquanto não o adicionasse à sua lista de
conquistas.
– Disse ao José que éramos capazes de ir até ao hotel onde ele vai tocar esta noite... – declarou
Sophie, num tom que sugeria que fazia a Emma uma pergunta.
Emma anuiu. A decisão já estava tomada e não fazia sentido objetar. Cortou um pedaço da grande
fatia de ananás e colocou-o na boca. Fazia uma dieta bastante saudável desde que chegara a Cuba,
mas descobriu que gostava mais do sabor do rum cubano branco do que era aconselhável. Tomava o
seu primeiro mojito no bar da piscina ao meio-dia e continuava a beber ao longo do dia. Por muito
fortes que o barman os fizesse, nunca se sentia embriagada e começou a considerar que talvez
estivesse a desenvolver um tipo especial de tolerância ao álcool. A sua escrita fluía e já tinha
atingido as quarenta mil palavras. A mudança de ambiente era uma clara vantagem e ela percebeu que
era possível trabalhar alegremente sem pensar em Paul a cada quinze ou vinte minutos. Era um alívio
muito grande, mas como Sophie era a única pessoa conhecida por perto, nem sequer se sentia
culpada. Talvez devesse viajar mais. Finn decerto não se importaria de passar mais tempo na casa do
primo.
Sophie levantou-se.
– Bom, vou trabalhar para o bronze.
– Já lá vou ter daqui a pouco. Vou só dar um passeio antes de me instalar para escrever alguma
coisa.
Viu Sophie ir pelo passeio com o saco de praia a balançar por cima do ombro. Era na verdade a
própria imagem da beleza.
Emma amara tanto a irmãzinha mais nova quando ela era pequena. Estivera pronta para ter uma
boneca de verdade de quem tratar e alimentar quando a mãe deixava. Fora sua função protegê-la de
Louise e garantir que a irmã do meio não comprometia a sua segurança. Não percebera que a irmã
mais nova era a que menos precisava de atenção da família. Ela tinha o dom de se atirar para o chão
e conseguir tudo o que queria com facilidade, não importava o que tivesse feito. Louise acabara por
se revelar o membro que mais precisava de cuidados. Emma jamais esqueceria o dia em que entrara
na pequena casa que tinham alugado em Clontarf e encontrara Louise sentada numa cadeira na
cozinha, nua, ao colo de um homem muito mais novo – um homem que não era o seu noivo.
Porém, como era habitual nela, Emma não julgara o comportamento de Louise; em vez disso, fora o
ombro onde a irmã chorara quando já não aguentara mais a situação e terminara o relacionamento
proibido. Foi um grande alívio para Emma, porque sabia que os pais eram muito conservadores, e
estava tudo pronto para o casamento de Louise com Donal um ano antes de se casarem. Louise
também não era do género de partir e deixar a Irlanda, sempre fora demasiado ligada ao lar, e fugir
não era uma opção. Contas feitas, Emma achava que Louise fizera o correto, mas recentemente havia
dias em que as suas lamentações incessantes – em especial sobre Donal – lhe buliam com os nervos.
Emma adorava o cunhado. Donal era um pilar e, por um curto espaço de tempo após a morte de
Paul, fora a única pessoa em quem pudera confiar.
– Hola, Emma!
Emma virou-se para ver Dehannys começar a levantar da mesa a louça do pequeno-almoço.
– Hola! Muchas gracias por la cena.
– De nada – respondeu ela, com um sorriso. – O Fernando gostaria de escrever uma carta ao teu
filho. Gostaria muito de ter um amigo na Irlanda.
Emma assentiu com a cabeça.
– É claro, isso seria ótimo – afirmou, com entusiasmo. Seria bom para o filho aprender como
outras pessoas vivem no mundo e perceber que nem todos os meninos tinham uma PSP ou Wii com
que jogar.
Despediu-se de Dehannys, assegurou-se de que a iria ver à hora do almoço, e partiu para encontrar
um canto tranquilo na piscina onde não fosse perturbada. Estava à beira de escrever que o seu herói
Martin se apaixonara por uma mulher cujo caso investigava e sentia que aquela era uma altura tão
boa como outra qualquer para a sua personagem nutrir sentimentos por uma mulher – afinal, a esposa
estava morta havia cinco anos e ele merecia encontrar de novo o amor. Sentia-se muito próxima de
Martin. Ele tinha muitas características semelhantes e era alguém em quem ela realmente acreditava.
Tinha agora uma imagem clara dele, e Felipe, o taxista, ajudara-a a encontrar o seu rosto.

– Tens a certeza de que o hotel é o próximo? – perguntou Emma, enquanto caminhavam pela estrada
longa e reta, as luzes parecendo cada vez mais distantes.
– Sim, tenho.
Emma não tinha assim tanta certeza de que Sophie sabia para onde iam. A estrada era muito
sossegada e ela sentir-se-ia melhor se tivessem chamado um táxi para as levar ao Tryp.
– Vês, ali está ele! O Tryp. Bem te disse que dava para vir a pé!
Os jardins eram tão opulentos como os do Sol Meliá e os funcionários no balcão de receção
igualmente ansiosos por agradar aos europeus.
– Onde é o piano-bar? – perguntou Sophie à rapariga atrás do balcão.
– Lá em baixo, à sua direita, minha senhora – respondeu ela num inglês perfeito.
Sophie e Emma desceram a escada e olharam em volta até os tons sensuais do piano de José
servirem de guia o resto do caminho.
Emma parou e falou com a irmã, mantendo os ouvidos atentos às notas que vinham do piano-bar.
– Pensei que ele era bom na guitarra, mas no piano é que é!
– Ele é bom, não é? – comentou Sophie, com um sorriso, e continuou a orientar o caminho até José
e a sua camisa vermelha se tornarem visíveis.
José mudou logo o ritmo ao ver Sophie e passou a tocar o clássico de Cole Porter «I Got You
Under My Skin». Depois de algumas notas, começou a cantar. Sophie sabia que ele cantava para ela e
adorava cada minuto.
As irmãs sentaram-se perto de José e ele seguiu os seus movimentos com o olhar. Tornava-se ainda
mais bem-parecido do que no ambiente modesto da casa da sua mãe.
– Tem cuidado, Sophie – advertiu Emma.
– Já sou grandinha! – retorquiu Sophie.
José começara meia hora antes e teve de tocar mais uma hora e meia. Emma sentiu que teria sido
melhor para ela ficar no pequeno bar onde Dehannys trabalhava ou no quarto do hotel a escrever
sobre Martin Leon.
– Sou capaz de voltar ao hotel… importas-te? – perguntou.
Sophie fitou-a e rolou os olhos. Realmente não se importava nada! De qualquer modo, Emma
começava a irritá-la.
– Vai então. Eu fico para falar com o José quando ele terminar.
Emma sabia que não era falar que Sophie tinha em mente.
O porteiro chamou um táxi e ela estava de volta ao hotel em cinco minutos. A solidão era uma
bênção depois de passar tanto tempo com a irmã nos últimos dias. Precisava daquela paz para
descobrir como se sentia fora do seu ambiente confortável e de novo uma mulher solteira. Não se
importava com o facto de já não fazer parte de um casal. Finn era uma lembrança constante de que
tivera um relacionamento que produzira um ser humano maravilhoso. Mas ainda havia muitas
perguntas sem resposta. A autópsia só respondia a algumas. Teve sorte pelo facto de a patologista
nunca ter querido saber o estado de espírito do marido antes de morrer – era o tipo de circunstância
infeliz que poderia iniciar uma investigação de homicídio. Mas, sem uma razão determinante para a
sua morte, ela sentia-se a pairar numa espécie de limbo. Pensara que eram felizes. Havia muito
poucos casais com quem conviviam que tivessem tanto em comum ou que fossem capazes de
comunicar da maneira que ela e Paul. Pelo amor a Finn, era melhor não se debruçar demasiado sobre
os pormenores da sua morte. Era jovem e forte e tinha de andar para a frente com a vida.

José cantou a última música do seu reportório para Sophie.


– Got a Black Magic Woman... – começou ele, melodiosamente.
Depois de Emma sair, Sophie empoleirara-se num banco mesmo ao lado de José e ele gostara do
namorisco entre eles enquanto tocava. Ela escutou, ávida, devorando a atenção que recebia até ele ter
acabado.
José tomara mojitos ao ritmo de Sophie e juntos iam estabelecendo uma intimidade que não incluía
o resto do público no bar. Ele não se importava. Dali a poucos dias ir-se-iam todos embora, como
Sophie, e ele tinha de aproveitar a sua juventude e boa aparência para pescar as mulheres europeias
e canadianas que se hospedavam no hotel. Planeara tudo – até um quarto sempre livre que a sua
amiga camareira lhe indicava no final do turno de cada dia. Maria confiava nele para encontrar
mulheres que dessem boas gorjetas e, em seguida, entregar-lhe uma parte sempre que fosse bem-
sucedido. Era um relacionamento benéfico para ambos e não faziam mal a ninguém – desde que
nenhum dos gerentes do hotel descobrisse.
Sophie deu um gole no mojito e fitou os olhos castanho-chocolate de José.
– Podemos ir a algum lado depois de terminares? – perguntou ela.
– Sei de um quarto no hotel que está livre, se preferires que estejamos mais sozinhos.
– Excelente – sorriu Sophie. Precisava de estar a sós com um homem de novo… necessitava tanto.
Sentia tanta falta de fazer amor com Paul, e José era o tipo de homem para afastar da sua mente esse
pensamento – pelo menos por algumas horas.
Era a resposta que José queria ouvir.

***

– Não posso acreditar que ficaram num quarto livre. O que lhe teria acontecido se o gerente e a
polícia descobrissem? Não te esqueças de que estamos num país estrangeiro!
Sophie rolou os olhos.
– Descontrai-te, Em! Porque tens de ser tão paranoica? Estamos no país dele e o José sabe
exatamente como furar o sistema!
Emma estava preocupada porque sabia quão rigoroso era o regime naquele país e não queria que a
irmã se visse numa situação complicada nem que dificultasse a vida a alguém.
– Ele foi incrível!
– Poupa-me os pormenores – pediu Emma, enterrando o nariz na chávena de chá english breakfast.
– Até teres um amante latino não viveste na realidade – prosseguiu Sophie. – Ele não pregou olho.
Eram seis da manhã quando passou pelas brasas e levantámo-nos às sete.
– Como voltaste?
– Ele deu-me boleia na moto.
Emma tomou outro gole e fechou os olhos.
– Sabes, tens mesmo de seguir em frente. – Sophie sacudiu a cabeça.
Emma odiava a forma condescendente como ela dizia aquilo. Como podia ter ideia da dor e da
angústia que ela carregava dentro de si cada minuto de cada dia?
– Até o pai acha que devias – continuou Sophie.
Fora longe de mais. Emma não podia suportar a maneira como Sophie envolvia o pai nos seus
devaneios. O pensamento de que tinham discutido a sua reação à morte do marido era de mais para
ela.
– Vou dar uma caminhada.
Emma levantou-se abruptamente e deixou a irmã a devorar panquecas com xarope de ácer.
Caminhou de propósito em direção à entrada para a praia e soltou um suspiro de alívio ao ver o mar
azul. Na areia quase branca sentiu-se segura – segura para pensar em Paul e no pai e na família da
maneira que desejasse.
O pai sempre fora duro com ela. Esperava tanto de si e via-a como uma intelectual. Era a filha que
estudara Psicologia e Literatura Inglesa – as outras filhas haviam optado por disciplinas artísticas, o
que estava muito bem porque Emma liderara o caminho. Fazia-a sentir inveja das irmãs. Louise
lidava com isso sendo impertinente à mínima oportunidade e Sophie agarrara-se ao papel de bebé
para chamar a atenção e conseguir a simpatia do pai – e funcionara.
Quando Paul morreu, Emma pensou que os pais lhe dariam mais apoio, mas eles continuaram da
mesma maneira que haviam feito quando Misty morrera. Misty fora o único animal de estimação das
meninas. Era um cocker spaniel castanho e branco e toda a família o adorava. Fora o sexto membro
da família Owens – comprado no Natal, quando Emma fizera oito anos e a emoção de ter uma irmã
recém-nascida já diminuíra.
Larry Owens adorava o facto de Misty ser um macho e fazê-lo sentir-se menos deslocado entre o
elevado número de mulheres que enchiam a casa. Emma lembrava-se de ele ter comentado, durante a
produção da BBC de Orgulho e Preconceito, que sabia exatamente como Mr. Bennet se sentia e que
de certa forma ele era uma versão moderna da própria personagem.
A praia estava quase vazia naquele dia. Ela desejava falar com alguém, por isso fez o caminho de
regresso ao bar de praia do hotel, onde, esperando atrás do balcão, encontrou Dehannys.
– Emma, buenos días!
– Buenos días, Dehannys! Agua sin gas por favor.
– Está calor hoje?
Emma anuiu.
– Pues la playa esta linda.
Dehannys colocou o copo de água em cima do balcão.
– O teu irmão e a minha irmã ficaram acordados até tarde na noite passada! – disse Emma.
Dehannys inclinou a cabeça, sem saber se entendera a insinuação.
– José? Con Sophie?
– Sí.
Emma percebeu, pela reação, que aquela era uma notícia sobre o irmão que ela não queria ouvir.
Dehannys pegou num copo que estava no balcão e começou a esfregá-lo vigorosamente com um
pano.
– Dehannys, está tudo bem?
Dehannys abanou a cabeça.
– O meu irmão é um mau rapaz. Vai casar-se com a Gabriella, mas não é bom para ela.
– Quem é a Gabriella?
– É minha prima e uma mulher muito doce.
– Quando se casam?
– Dos meses.
– Em maio?
– Sí, mas... – Dehannys abanou a cabeça; não era preciso explicar.
Emma sentiu-se mal por ter mencionado o assunto.
– Olha, Dehannys, amanhã vamos para Havana e a Sophie nunca mais vai vê-lo.
Dehannys parou de limpar o copo e pousou as palmas das mãos sobre o balcão do bar.
– Mas amanhã mais mulheres virão… turistas. E ele vai levá-las para o seu quarto no Hotel Tryp. –
Suspirou. – Vou ficar triste quando fores, amiga! Ahora hablas mucho español!
– Gracias, eres una profesora muy buena. Escreves-me quando eu voltar? Posso enviar-te um e-
mail?
Dehannys encolheu os ombros.
– Eu tenho um endereço de e-mail, mas é muito difícil de usar.
– Seria possível ires à internet no hotel?
– Es difícil.
– Dou-te um cartão meu antes de partir e, se tiveres oportunidade, por favor, tenta mandar-me um
e-mail. Vou enviar-te alguns presentes para o Fernando quando voltar. Há alguma coisa de que ele
goste?
Dehannys assentiu.
– Ele precisa de roupa e sapatos.
Emma percebeu pela forma como os olhos da amiga se iluminaram que qualquer coisa seria muito
apreciada.
Como era difícil a vida de Dehannys, a trabalhar longas horas no hotel todos os dias e a passar tão
pouco tempo com o filho.
– Onde trabalhas esta noite?
– Aqui, neste bar.
– Bom, então vou passar a minha última noite aqui contigo e podemos ver o Sol pôr-se e ouvir a
música e quando não estiveres ocupada, falas comigo. Okay?
Dehannys sorriu.

– Não vais para o Tryp sozinha!


– Estás a pedir ou a dar-me ordens, Em?
Emma queria sacudir a irmã mais nova. Parecia ignorar o facto de que estavam num país
estrangeiro e tudo podia acontecer a uma jovem durante a longa e isolada caminhada para o Hotel
Tryp. Emma também sentiu que era sua função proteger a irmã contra o enganoso José, apesar de ela
ser capaz de tomar conta de si própria.
– Estive a falar com a Dehannys hoje e ela disse-me que o José é comprometido.
Sophie não se moveu por um instante e depois sorriu.
– Que diferença faz isso?
Era de mais para Emma.
– Vamos comer primeiro?
– Perdi o apetite – disse Sophie. – Como qualquer coisa mais tarde com o José.
Emma pegou na chave do quarto e na mala e saiu.
Partiu pelo caminho já familiar até ao bar da pequena praia, onde Dehannys estaria a limpar copos
e a preparar bebidas. O Sol já se punha em tons de vermelho vibrante, rosa e amarelo e Emma
desejou do fundo do coração que Paul estivesse com ela. A sua escolha de hotel fora impecável e ela
sentia que recebera um presente dele do além. O crepúsculo chegaria à praia em breve e as estrelas
surgiriam com clareza e brilho como diamantes de uma forma que ela nunca veria em Dublin. Desde
que chegara a Varadero estabelecera o ritual de ir à varanda todas as noites e olhar para cima a ver
quais as que reconhecia.
Naquela noite, a praia Port Royal estava mais cheia do que o habitual e Dehannys triturava,
frenética, gelo e hortelã para fazer mojitos para os clientes sentados ao balcão. Acenou a Emma
quando a viu.
Emma sentou-se no último espaço do balcão, perto de um trio de músicos que se preparava para
tocar guitarra. Não tinha pressa para ser servida e poderia pedir comida do bar. Fora pura
indulgência comer todas as noites nos muitos restaurantes do hotel e o seu estômago ficaria satisfeito
com um pouco de comida simples. Lagosta e carne de vaca transbordavam em todos os lugares e
Emma perguntava-se o que comeria um cubano médio à noite. Havia muito sobre aquele país que
nunca saberia ficando no oásis de Varadero e ansiava pela viagem a Havana e por uma hipótese de
ver mais da Cuba real, como tinha visto em Matanzas.
Dehannys fez deslizar um mojito ao longo do bar até onde Emma se sentara e piscou-lhe o olho.
– Onde está a tua irmã?
Emma engoliu em seco. Não queria dizer a verdade, mas não podia mentir à amiga.
Dehannys acabou por lhe facilitar a vida.
– Não há problema. Ela está com o José, acho.
Emma anuiu.
– Espero que ele não lhe esteja a pedir dinheiro.
Emma ficou chocada. Nunca lhe ocorrera que ele se vendesse como uma espécie de prostituto.
Definitivamente, não parecia o tipo de homem em que Sophie estivesse interessada. Emma soltou
uma risada.
– O que é engraçado?
– Não conheces a minha irmã! Ele teria sorte se ela lhe pagasse uma bebida!
– Bueno – disse Dehannys, sorrindo agora também.
Por fim houve uma calmaria no bar, a banda começou a tocar «Chan Chan» e Emma sentiu que
aquela era a sua oportunidade.
– Dehannys, importas-te se te perguntar sobre o pai do Fernando?
– Não há problema, ele já se foi há muito tempo.
– Está morto?
Dehannys assentiu.
– Sí. Éramos jovens e muito apaixonados. Ele trabalhou na fábrica do Havana Club com o meu
pai. Teve acidente numa grande máquina.
– Eram casados?
Dehannys abanou a cabeça.
– O Fernando veio três meses depois de o enterrar.
– Sinto muito ouvir isso. Pobre Fernando, nunca chegou a ver o pai!
De repente, sentiu-se tão aliviada e privilegiada por todas as fotos e vídeos que tinha de Paul com
Finn. Ainda precisava de ganhar coragem para ver o vídeo, mas as fotografias eram uma grande
ajuda à noite quando precisava de se lembrar de como ele era.
– Mas o Fernando tem o meu pai. Gosta muito dele… leva-o à pesca.
– E tem o José? – sugeriu Emma.
Dehannys riu-se.
– Ninguém tem o José. O José tem o José para o que ele quer.
– Espero que a Sophie fique bem! – exclamou Emma enquanto bebia um longo e descontraído gole
do seu mojito e se recostava para desfrutar de outra serenata clássica dos músicos.

– Mãe, só preciso que vás buscar a Molly e o Tom à escola. Não demoro muito.
Louise não pediria ajuda à mãe se tivesse outra solução. Em todos os anos que os filhos tinham
estado na escola primária, só pedira ajuda à mãe cinco ou seis vezes e em todas as ocasiões recebera
uma resposta semelhante.
Mesmo depois de Louise dar à luz os filhos, Maggie esperava que a filha cuidasse de si mesma e
da sua nova prole sem qualquer ajuda extra dela.
– Criei-vos às três sozinha – disse ela a Louise quando esta saíra havia poucos dias da
maternidade –, apenas o teu pai e eu. A minha mãe veio de Cork só por dois dias e a mãe do Larry
enviou-nos um casaco que bordara para a Emma com um pacote de manteiga de presente. Não a vi
até a Emma ter seis meses.
Louise ouvira tudo aquilo muitas vezes e, no final do discurso, dizia sempre à mãe que estava
muito grata por ela ter desistido de tantas coisas para cuidar das três filhas tão bem. Muitas vezes,
Emma também aplacava a mãe bajulando-a. No entanto, Sophie nunca a mimava, mas Sophie não
mimava ninguém.
Maggie fez uns estalidos com a língua e suspirou.
– Tudo bem! Posso mudar a hora da minha aula de golfe, mas não chegues depois das três, okay?
Era o melhor que Louise podia conseguir.
– Obrigada, mãe.
Louise suspirou e desligou o telefone. Perguntou-se como é que a mãe conseguia que o marido a
adorasse tanto quando ela era geralmente tão pouco razoável e exigente. Às vezes, temia tornar-se
como ela. Fora um pedido raro e não era normal alguém do grupo de amigos não estar disponível
para ajudar.
Pelo menos agora ela podia encontrar-se com Jack. Com o bem-estar das crianças assegurado,
voltou para o quarto e procurou alguma coisa para vestir. Conjuntos de blusa e casaco de malha
estavam pendurados ao lado das camisas elegantes com calças igualmente elegantes e o calçado. Nas
gavetas estavam as roupas confortáveis e os fatos de treino que usava durante as caminhadas pela
manhã e que eram o código de vestuário da mãe dona de casa. Sem se aperceber, o seu guarda-roupa
transformara-se no da mãe.
Era um dia ameno de primavera e, por isso, podia vestir-se como quisesse. Contas feitas, escolheu
o único par de calças de ganga que possuía e uma camisa justa às riscas, que ficaria bem com um
longo colar. E a gabardina, apesar de não haver previsão ou sinal de chuva.
O seu coração disparou quando aplicou a sua maquilhagem de olhos favorita.
O telefonema de Jack fora de todo inesperado. Depois do desagradável encontro no cais, ficara
chocada ao receber a mensagem de texto pedindo-lhe que se encontrasse de novo com ele no Café
Quay West, em Howth.
Aplicou um pouco do recentemente adquirido batom Benefit e colocou-o na mala.
Uma das amigas tinha-lhe assegurado que era a mais moderna maquilhagem entre a malta nova e, se
era jovem e moderno, então era isso que ela queria usar.
Enfiou-se no carro a tremer de antecipação. Por que raio quereria Jack vê-la? Obtivera uma
receção fria dele apenas alguns dias antes, mas aquele convite soava esperançoso.
Desejava não conduzir um monovolume que dizia tudo sobre sua vida e a pessoa em que se
transformara. O que acontecera às suas aspirações de se tornar música em tempo integral ou de
compor? Essas noções foram flutuando para longe a cada criança que nascia e ela submergia cada
vez mais na família.
O tráfego permitiu-lhe estacionar junto ao cais apenas quinze minutos depois. Olhou para o relógio
– era exatamente meio-dia e meia e ela não queria parecer muito ansiosa por ter chegado à hora
marcada. Louise achava muito deselegante chegar atrasada a algum lado; ser pontual era um hábito
que lhe ficara da disciplina do toque da escola durante tantos anos.
Pelo espelho retrovisor, viu-o a andar confiante à beira-mar. Escondeu-se atrás do volante e antes
de sair do carro verificou através dos espelhos laterais que ele entrara no restaurante.
O seu estômago estava embrulhado da mesma maneira que sempre estivera antes de se encontrar
com Jack tantos anos antes. Entrou no elegante café com confortáveis alcovas de couro, mesas com
tampo de mármore e chão de mosaicos. Na alcova de esquina, junto à cozinha, viu a parte de trás da
cabeça de Jack.
Louise respirou fundo enquanto fazia o caminho até onde ele estava sentado.
Ele virou-se quando ela se aproximou, sentindo a sua presença antes de a ver.
– Louise, obrigado por teres vindo – disse ele, de pé, dando-lhe um educado beijo na face.
Ela esboçou um largo sorriso, mas notou que não recebia reação semelhante. Jack parecia nervoso,
quase tímido.
– Este é um lugar agradável. Nunca aqui tinha estado – afirmou ela descontraidamente.
– É novo. É bom ter um sítio diferente aonde ir.
A sua voz estava ansiosa e não transmitia o mesmo ar de confiança que mostrara dias antes, quando
se tinham encontrado no cais.
– A tua noiva é linda – comentou ela.
– Ela é maravilhosa. A mulher mais porreira com quem já estive.
Louise sorriu nervosamente. O que esperava que ele dissesse?
– O tempo passou muito depressa, não passou? – observou enquanto se sentava na alcova.
Jack deslizou ao longo do assento à sua frente e apoiou os braços sobre a mesa.
– Não parecem ter passado quinze anos.
Louise concordou. Sabia exatamente o que ele queria dizer. Agora que estavam apenas os dois,
voltaram ao tipo de conversa normal entre pessoas que tinham sido íntimas.
– Foi na realidade um mau momento para te reencontrar; uma espécie de presságio – continuou ele.
Não parecia prestes a casar-se com a mulher dos seus sonhos. Em vez disso, Louise notou no seu
rosto a mesma angústia que ela carregara nos dias que tinham antecedido o seu casamento.
– Está tudo bem? – perguntou ela.
Ele anuiu, mas ela não ficou convencida. A sensação de que poderia falar com ele sobre o que quer
que fosse como costumavam fazer na cama dela em Clontarf invadiu-a e perguntou-lhe algo que de
imediato lamentou assim que as palavras saíram da sua boca.
– Estás com dúvidas quanto ao casamento?
Naquele momento, a empregada aproximou-se e entregou-lhes a ementa.
– Obrigada – disse Louise.
Quando a empregada se afastou, Jack olhou para Louise e perguntou:
– Foi isso que te aconteceu, tiveste dúvidas? Foi por isso que tivemos o nosso caso?
Louise ficou abalada. O tom dele era acusador e sentiu um peso desconfortável no espaço entre
eles.
– Jack, isso já foi há muito tempo, mas o que tivemos foi especial.
Jack franziu a testa. Os olhos dele estavam fixos nas palavras da ementa, mas no seu cérebro
corriam pensamentos de uma natureza diferente da do marisco ali listado. Olhou para cima, mas
voltou a baixar a cabeça, escondendo-a atrás da ementa, antes de dizer muito baixo:
– Mas puseste-lhe um fim com rapidez suficiente!
Louise respirou fundo. Aquela não era a reação que ela esperava – não o almoço que tinha em
mente.
– Já escolheram o vinho? – perguntou a empregada, aparecendo do nada.
– Só água para mim, por favor – disse Jack, ansioso, tentando escorraçá-la.
– Pode ser uma Pelegrino – pediu Louise.
Como iria responder àquele homem? Ele deixara definitivamente de ser um rapazinho, mas ainda
carregava emoções do tempo que tinham passado juntos em rapaz.
– Jack, não sei o que dizer. Mas lembras-te do dia em que te disse que tínhamos de parar de nos
ver? Estava tão perturbada como tu.
– Mas eu era apenas uma criança e tinha-te oferecido o meu coração. Tu sabias o que fazias desde
o início.
– Espera lá! Eu estava tão vulnerável como tu. Atravessei a nave da igreja no dia do meu
casamento a pensar em ti e estive horas a chorar antes disso.
Aquilo era novidade para Jack. Não sabia se acreditava nela ou não.
– Então porque te casaste?
– Porque era a coisa certa a fazer.
– Para ti.
– Para todos nós. Tu eras apenas um miúdo e eu já tinha acabado a faculdade e estava num
momento diferente da minha vida.
– Acabaste de me dar razão.
– Jack, não era assim tão simples. Sabes que não foi. O que nós tivemos foi incrível e, acredita,
tenho pensado muito em ti ao longo dos anos.
Jack acenou com a cabeça.
– Eu também, mas tenho de dizer que houve muitas vezes em que me senti furioso.
– Sentes-te furioso agora? – perguntou ela.
Ele abanou a cabeça.
– Apenas triste.
– Sinto muito – disse ela, mais suavemente desta vez, e colocou a mão por cima da dele.
Ele não se mexeu.
– Fiz o que achava correto – declarou ela. – Ninguém iria notar a diferença de idade agora, mas na
altura teria sido chocante. E depois havia as circunstâncias do nosso envolvimento.
– Acho difícil acreditar que te tenha encontrado justo quando estou prestes a casar-me com a
mulher mais perfeita do mundo... e parece a coisa errada.
Louise entendeu o que ele tentava dizer.
– Agora talvez compreendas a situação em que eu estava naquela altura. O Donal é um bom
homem, mas...
– Não me digas que agora desejas não te ter casado com ele!
– Não diria isso, mas é difícil saber se as escolhas que fazemos na vida são as mais acertadas.
– Como no filme Instantes Decisivos?
Louise sorriu e acenou com a cabeça.
– Qualquer coisa do género. Se nunca tivesse estado contigo antes de me casar, talvez não tivesse
dúvidas, mas, vendo bem, porque estive contigo?
– É o que tento descobrir! – exclamou Jack, pegando no copo que a empregada colocara na mesa e
bebendo um gole.
– Estão prontos para pedir? – perguntou ela.
– Eu quero os camarões.
Louise examinou a ementa.
– Um panino de queijo de cabra, por favor.
Jack bebeu mais um pouco.
– Preciso de saber o que sentias pelo Donal quando nos encontrávamos, porque achei que
romperias o noivado e que iríamos ficar juntos.
Louise olhou fixamente para a mesa. Não havia uma resposta certa.
– Para ser sincera, havia uma confusão tão grande na minha cabeça na altura que eu não sabia o que
iria fazer. Não queria parar de te ver e não tive a coragem de cancelar o casamento. Deixei-me
arrastar pelos preparativos e foi um pouco como estar na montanha-russa. Mas acredita, nunca te quis
magoar.
– Só para ficar registado, magoaste-me.
Louise engoliu em seco.
– Tinha de te dizer – disse ele. – Tem estado dentro de mim há anos, a borbulhar.
– Lamento imenso – sussurrou ela –, mas eu também sofri muito.
– Passei quatro anos na faculdade a dormir com todas as raparigas que pude e a livrar-me delas a
seguir com a mesma rapidez. Certifiquei-me de que ninguém tinha a oportunidade de acabar comigo
primeiro… achas normal? Quando morava nos Estados Unidos, ainda era pior, um caso de uma noite
era o relacionamento mais longo em que embarcava. Mas então conheci a Aoife e ela era diferente.
– Há quanto tempo estão juntos?
– Três anos. Encontrámo-nos em Nova Iorque e ela também é de Dublin, Malahide, de modo que
tínhamos coisas em comum. Ela era modelo e queria encontrar um trabalho de relações públicas, de
modo que estava pronta para regressar ao mesmo tempo que eu.
– Então não se safaram à grande crise económica!
– Não, mas felizmente só alugámos o apartamento e não comprámos, se o tivéssemos feito, seria no
auge da crise.
– E voltaste de vez?
Jack encolheu os ombros.
– Esse era o nosso plano, mas por aqui, de momento, as coisas estão tão mal que não sei se fizemos
a escolha certa ao ter vindo para casa.
– E quando começaste a ter dúvidas?
– Há dois meses. Por isso fiquei tão assustado quando te encontrei no comboio. Os preparativos
têm avançado… por vezes fora do nosso controlo… a mãe dela está muito empenhada nisto.
– É o trabalho da sogra – comentou Louise, com um sorriso.
– De qualquer forma, só queria saber que é normal.
– Jack, nada é normal, e todas as pessoas e cada relacionamento são diferentes. Eu não tinha
dúvidas até ter estado contigo.
– Será que o Donal teve dúvidas?
– Não faço ideia. Sou casada há quase catorze anos e há tantas coisas que não sei sobre o meu
marido. Acho que também há muita coisa que ele não sabe sobre mim.
Jack abanou a cabeça.
– Vês, é isso que eu não quero num relacionamento.
– Não há um príncipe ou princesa encantados, mas tens de fazer o melhor que puderes – disse ela,
mordendo a língua.
– Ainda a tentar falar comigo como professora, Louise? – sorriu ele.
Louise sacudiu a cabeça.
– Não quero ser dura, mas não sei de nenhum conto de fadas com final feliz, é só isso!
Jack suspirou.
– Pensei que ficaria melhor quando te dissesse como me sentia. Há anos que tenho ensaiado o que
te ia dizer, mas agora que o disse não sei como me sinto.
– Lamento mesmo muito. Nunca quis magoar-te… nem a mim.
– Acho que os dois sabíamos o que fazíamos – disse ele, com um sorriso. – É surreal, não é?
Louise concordou.
– Um pouco. Eu tentava imaginar onde nos encontraríamos, se o fizéssemos, mas não era assim!
– Achas que podemos ser amigos?
Louise sentiu o seu coração bater mais rápido. Que desfecho estranho!
– Gostavas? – perguntou.
– Acho que sim.
– Panino? – anunciou a empregada, colocando o grande prato branco frente a Louise.
– Obrigada.
– E os camarões – terminou ela, colocando o prato frente a Jack.
Quando ela se afastou, Louise levantou o seu copo.
– Não sei como vamos gerir isto, mas um brinde a sermos amigos!
Jack ergueu o seu copo e bateu no dela.
– A sermos amigos!

Com jovialidade no andar, Louise colocou a tigela de cereais frente a Finn.


– Apenas mais três dias. Estás ansioso por ver a tua mãe?
– Claro – disse ele, derramando o leite. – Pensei que ela chegava na terça-feira…
– É isso mesmo, eu devia ter dito quatro dias. Mas passa depressa. O que querem fazer hoje?
– Podemos ir ao Castelo de Malahide? – pediu Molly.
Estava um dia bonito e Louise sentia-se feliz com o segredo que carregava desde o encontro com
Jack. Ele tinha-lhe enviado duas mensagens de texto e ela sentia a emoção dos vinte anos outra vez.
– Sou capaz de também ir – disse Donal.
Louise não podia acreditar, não era nada dele perder um sábado sem ir ao clube de iate.
– Não queres colocar o barco na água?
Já tinha chegado outra vez aquela época do ano e havia um monte de trabalhos de manutenção a
serem realizados no barco.
– O Kevin não consegue tê-lo pronto até amanhã.
Louise concordou. A temporada de vela em breve estaria em curso e Donal chegaria tarde a casa
nas noites de terça, quarta e quinta-feira e estaria fora todas as tardes de sábado. Às vezes, aguentava
um frio de rachar só para aproveitar as manhãs de domingo durante o inverno.
– Está bem, só achei que o quisesses limpar ou assim.
– Assim podemos todos ter uma atividade em família.
Louise suspirou. Que excelente oportunidade! Ela tivera uma semana cheia de atividades
familiares com as crianças, mas era bom Donal oferecer-se.
– Talvez pudesses levar as crianças a Malahide e dar-me uma oportunidade para recuperar o atraso
nas coisas aqui da casa?
– Está bem – disse Donal calmamente. Esperara que fossem todos.
Emma dera a Louise um voucher para o Spa Pangaea Day, em Sutton, que ela ainda não conseguira
usar. Com um bocadinho de sorte, talvez a encaixassem para uma massagem tailandesa. Era uma
maravilha e Louise normalmente sentia-se nas nuvens durante uma semana depois da experiência.
– Ótimo – disse ela. – Aproveita e vê se consegues também cansá-los um bocadinho.
Louise foi para o corredor e levou o telemóvel. Estava prestes a carregar no botão dos endereços
quando chegou uma mensagem de texto de Jack:
Kers beber cafe? J
O coração de Louise disparou. Ela respondeu logo:
Ia fazer uma massagem! Louise
Ele respondeu com a mesma velocidade:
Sei onde podes obter uma boa!
Louise esboçou um grande sorriso. Não tinha a certeza se o percebia bem. Um sms podia mudar
tudo na vida, será que ela queria realmente deixar-se apaixonar por Jack mais uma vez? Estremeceu
de excitação e angústia enquanto escrevia a mensagem de resposta. Não conseguia resistir.
Como faço uma marcação?

– Onde está a Aoife?


Jack pegou no casaco de Louise e pendurou-o num cabide atrás da porta.
– Está a fazer uma promoção para a Coca-Cola.
Louise andou às voltas pelo apartamento, analisando as imagens que pendiam das paredes.
– Tens uma vista fantástica.
– Obrigado. Sim, foi por isso que escolhemos este sítio. Seria melhor para nós estarmos mais perto
da cidade, mas quando a Aoife viu o porto e a ilha, ficou apaixonada.
– Sempre adorei Howth.
– Lembras-te de vir aqui comigo?
É claro que se lembrava. Tinham subido Howth Head e feito amor nos campos de Upper Cliff.
Tinham tanto em comum naqueles tempos, as horas que haviam passado na sala de aula e depois da
escola a tocar juntos. Então, quando elevaram a relação a um nível físico, a emoção que tinham posto
na música transbordou e envolveu o ato de fazer amor. Mas agora o que tinham eles?, perguntou-se.
Talvez fossem apenas as memórias daqueles tempos apaixonados que os levavam ali naquele sábado
à tarde, quando não poderiam ser pessoas mais diferentes do que tinham sido.
Jack aproximou-se de Louise e pôs a mão no seu rosto.
Ela sentiu um desconforto súbito. Sabia o que fazia? Quais as implicações para o seu casamento?
Se se sentia insatisfeita antes, como se sentiria se se lançasse numa relação extraconjugal?
Jack baixou a mão, sentindo o seu desconforto.
– Gostavas de ir dar um passeio?
Louise não conseguia falar. Não devia estar ali. Aquele homem parado à sua frente não era o seu
Jack, com que costumava sonhar enquanto os anos passavam e os filhos cresciam. Aquele era um
homem com uma vida e um amor dele que ela não podia simplesmente retirar dos anais da memória.
– Sinto muito, Jack, acho que tenho de ir andando.
– Mas nem tomaste um café!
– Lembrei-me de uma coisa que preciso de fazer. Sinto muito, Jack. Talvez outro dia.
Pegou no casaco e atrapalhou-se com o trinco da porta. Estava à beira de cometer o maior erro da
sua vida e o seu instinto não lho permitia. Já causara danos suficientes às suas emoções e às de Jack
antes. A partir dali tinha de ser responsável.
Jack ficou perplexo, à porta, enquanto Louise tropeçava pelas escadas abaixo. Não conseguia
entendê-la. Achava suficientemente difícil perceber as próprias emoções desde que esbarrara nela
duas semanas antes. Talvez essas emoções não fossem reais. Eram torturadas por memórias do caso
que haviam tido. Seria tão fácil cair de novo nos seus braços e esquecer os anos em falta, mas talvez
também arruinasse as memórias maravilhosas. Ele desejava saber.
9

Emma olhou para o relógio. Era um comportamento típico de Sophie. O táxi estaria pronto para as
vir buscar às dez e eram então um quarto para as dez e ela ainda não tinha voltado da noite anterior,
quanto mais feito a mala.
Emma dissera adeus a Dehannys e ficou feliz por saber que, em algum momento no futuro, poderia
voltar a ver a amiga. Talvez quando Cuba deixasse de ser um Estado comunista e Dehannys
conseguisse sair facilmente ou até ela regressar a Varadero um dia.
Fechou a mala e verificou se não se esquecera de nada debaixo da cama. O seu humor desgastava-
se à medida que cada minuto passava. Cuba não era famosa pela sua pontualidade caribenha, mas ela
não queria deixar o motorista do táxi à espera, no caso de, por acaso, ter chegado a horas.
Perguntou-se se seria Felipe a fazer o transfer. Dissera-lhe que iria para Havana naquele dia, às
dez horas.
Ele fora tão cortês e simpático no paladar, mas nada dissera sobre a possibilidade de se verem de
novo quando a deixara no hotel naquela noite. Sentira-se culpada quando saíra com ele para a
varanda, para ver as estrelas – como se estivesse a trair Paul –, mas uma vozinha falara com ela
através da escuridão e dissera-lhe que estava tudo bem, que devia desfrutar da companhia de outra
pessoa. Isso não fazia dela uma pessoa má, nem diminuía o seu amor por Paul.
Emma voltou a olhar para o relógio e suspirou. Estava na hora de avisar o serviço de quartos e
pedir ao paquete que levasse a bagagem até à receção, mas não podia ir para Havana sozinha. Tirou
a mala de Sophie do armário e começou a arremessar a sua já desarrumada roupa aos montes lá para
dentro. Com uma passagem, varreu os produtos de higiene de Sophie para o grande saco de
maquilhagem cor-de-rosa. Felizmente a irmã não tinha levado a casa às costas como fazia quando
iam de férias em crianças.
Quando Emma fechava a mala da irmã ouviu a fechadura da porta do quarto a abrir-se.
Com um aspeto desgrenhado e alegre, Sophie entrou pela porta.
– Chegaste mesmo à tangente!
– Descontrai-te, Em, estamos de férias.
– Tive de fazer a tua mala, ou talvez fosse esse o teu plano.
Sophie correu até à mala e abriu-a.
– Podias tê-los dobrado enquanto os enfiavas cá dentro!
– Tens cá uma lata! Vai buscar o resto das tuas coisas antes que eu diga alguma coisa de que depois
me arrependa.
Sophie rolou os olhos. Queria dizer à irmã o quão picuinhas ela se tornara – ainda pior do que a
mãe –, mas isso poderia ser um insulto demasiado grande.
Era melhor ignorá-la e aguentar o silêncio na longa viagem de carro até Havana. Até podia
aproveitar para dormir um par de horas, bem precisava!
Emma acompanhou o paquete à receção.
Estava na portaria quando a silhueta familiar de Felipe lhe chamou a atenção.
– Buenos días, Emma.
Emma corou. Não era realmente uma surpresa vê-lo novamente. Tivera o pressentimento de que
seria ele a levá-las a Havana. Perguntou-se se poderia ter sido ele a orquestrar a coincidência.
– Felipe, é você que nos vai levar a Havana?
– Sim, é um bom dia para Havana.
– Todos os dias são um bom dia para Havana – acrescentou o porteiro, com uma gargalhada.
– Gostaria de se sentar à frente? – perguntou Felipe quando se aproximaram do carro.
– Sim, obrigada. Assim vejo mais.
– Posso ser o seu guia.
Sophie arrastou-se atrás deles, nada impressionada por Felipe ter aparecido de novo e ansiosa por
se aninhar confortavelmente no banco de trás do carro.
Partiram descendo a longa reta que os levou à estrada principal para Matanzas.
– Se quiser – sugeriu Felipe –, podemos parar para ver as aves de rapina a voar.
– Isso soa bem – disse Emma, olhando para trás, para a figura encolhida no banco.
Minutos depois, Sophie dormia de boca aberta. Talvez fosse melhor assim.
A viagem para Havana à luz do dia foi muito mais interessante do que a viagem após a chegada ao
Aeroporto José Martí. A vegetação verdejante em redor lembrava-a de casa.
Felipe descreveu uma curva apertada e subiu uma estrada íngreme e estreita até um miradouro.
Este marcava o ponto a meio caminho entre Varadero e Havana. Felipe parou no parque de
estacionamento. À verdadeira moda cubana, um grupo de moradores tocavam música junto de um
pequeno bar e loja e aceitavam doações dos turistas que tinham parado para ver a bela paisagem.
Aves de rapina com uma envergadura enorme subiam e mergulhavam no vale.
– Café? – perguntou Felipe.
Emma anuiu. Adorava a forma como a voz dele tinha soado quando dissera a palavra. O tufo de
cabelos negros e a barba por fazer davam-lhe um enorme sex appeal.
– Dos – disse Felipe, e a empregada atrás do balcão entregou-os sem estar à espera de pagamento.
Eles levaram os cafés.
– Venha ver as aves – convidou.
Ela caminhou com ele até ao gradeamento azul frente ao café enquanto uma das aves de rapina
girava no ar, exibindo-se. Outra juntou-se-lhe e, com o viaduto e a enorme ponte que tinham acabado
de cruzar por detrás, a vista era espetacular.
– Já percebi porque param tantas pessoas para ver isto.
– É bom para o Governo levar os turistas a comprar bebidas no café.
– O Governo é o dono?
Felipe deu um risinho.
– O Governo é o dono de tudo!
– O seu inglês é excelente, Felipe. Onde aprendeu?
Felipe encolheu os ombros modestamente.
– Na escola e... – ele hesitou. Não queria dizer a Emma demasiado sobre si próprio, ainda. – Vou
praticando enquanto falo com as pessoas que conduzo.
Ele bebeu a última gota do copo de café e fez sinal a Emma para que o seguisse até ao carro.
– A quanto estamos de Havana agora?
– Cerca de uma hora. Perguntou-me sobre Cojimar, gostaria de visitar?
Era como maná no deserto para Emma. Cojimar era a aldeia onde Hemingway costumava sair para
a pesca.
– Fica fora de mão?
Felipe encolheu os ombros.
– Cerca de vinte quilómetros.
– Não vai arranjar problemas?
Felipe riu.
– Posso dizer que o carro avariou, acontece muito!
Emma percebeu que ele se arriscava para lhe agradar, mas não podia deixar escapar aquela
oportunidade.
Sophie ainda dormia na parte de trás do carro; pelos vistos divertira-se bastante na noite anterior.
Talvez chegassem a Havana antes de ela acordar.
Felipe virou à direita, saindo da estrada principal ao fim de meia hora. A paisagem era de pobreza
suburbana. Emma começava a ver uma amostra do tipo de locais onde a maioria dos cubanos vivia.
Os blocos de apartamento estavam em ruínas, com tinta colorida a descascar das paredes.
Felipe parou numa bomba de gasolina e encheu o depósito. Ninguém lhe pediu dinheiro – fora o
mesmo no café de onde tinham vindo. Era estranho para um ocidental ver como funcionava o sistema,
mas, obviamente, no seu papel de motorista de táxi, a insígnia em forma de ave de lado no carro era
suficiente para abolir o pagamento.
– Esta estação é propriedade do...
– Governo! – terminou Emma. – Já estou a ver a ideia!
Mais dez minutos de viagem e o mar de novo à vista. Um suave declive na estrada levou-os através
de uma pequena e sonolenta aldeia muito parecida com as outras por que tinham passado no caminho.
Ali, no entanto, havia uma baía bonita com pequenos barcos de pesca amarrados e, na extremidade
do porto, uma fortaleza que ficara dos dias coloniais da ilha. A parte de cima do muro da fortaleza e
os pilares para amarrar os cabos dos barcos tinham sido pintados de azulão, uma tonalidade que
Felipe garantira que ela veria muito em Havana.
– Gostaria de ver a estátua de Hemingway?
– Por favor. Isso seria ótimo.
Deixaram as janelas um pouco abertas para que Sophie pudesse respirar na parte de trás. Emma
sentiu necessidade de verificar se ela ainda estava viva antes de a deixar e partir para um passeio até
ao memorial.
– Este é o lugar onde viveu Santiago, o velho do livro de Hemingway – explicou Felipe.
– Oh, O Velho e o Mar! Adoro esse livro. Li-o quando estava na escola.
– Os pescadores orgulhavam-se muito de Hemingway. Era amigo deles. Quando ele morreu,
montaram as peças de metal dos seus barcos… ganchos, âncoras… e fizeram esta estátua.
O busto aparecia finalmente e juntos caminharam até à estátua.
À distância, passou um velho Pontiac americano com um jovem casal aos vivas e a acenar no
banco traseiro. A rapariga estava vestida de branco com flores no cabelo. Era seguido por vários
outros carros a apitar.
– É um casamento cubano. Que boa sorte para si ver isto!
Emma viu como as crianças corriam atrás dos carros cantando e batendo palmas. Havia algo tão
bonito em todo o cenário que Emma se sentiu triste e feliz ao mesmo tempo. Desejou que Paul ali se
encontrasse; ele estaria a tirar fotografias. Ela queria desesperadamente recordar o momento, mas
não sabia como gravá-lo. Em seguida, Felipe colocou a mão com delicadeza no seu braço.
– Gostaria que eu tirasse uma fotografia? – perguntou ele, e Emma interrogou-se se conseguia ler a
sua mente.
– Deixei a máquina no carro.
– O telemóvel?
Emma tinha-se esquecido. Tirou-o da mala e entregou-o a Felipe. Ele captou o jovem casal e os
acompanhantes pouco antes de subirem uma estrada estreita e desaparecerem da vista para sempre.
– Vá até ao Hemingway e tiro-lhe uma fotografia.
Emma fez o que ele disse, mas sentiu-se tola. Quase não tinha recordações das férias registadas na
máquina fotográfica. Sempre que pensava em tirar uma foto lembrava-se que Paul não estava ali.
Tinha sido fácil não tirar nenhuma.
Ela inclinou a cabeça e sorriu enquanto ele disparava. Então aproximou-se e entregou-lhe o
telemóvel.
– Fique ao meu lado – pediu ela, segurando o telemóvel à distância do comprimento do braço, com
o castelo e o mar como pano de fundo. Disparou e virou o telemóvel para si, para ver a fotografia.
Felipe era fotogénico, e ela também! O contraste entre a sua pele irlandesa beijada pelo sol contra e
a escuridão bronzeada dele destacava-se no céu azul-claro.
Emma passou o telemóvel a Felipe para ele poder ver. Deu uma olhadela e olhou para Emma. Os
seus olhares encontraram-se. O momento era tenso – ambos pensavam o mesmo –, como ficavam bem
juntos.
– Talvez devêssemos ir andando? – sugeriu ele.
– Sim, acho que temos de ir ver da Sophie – disse Emma, sem jeito. Era a primeira vez em muito
tempo que se via numa fotografia com outro homem sem ser Paul e foi um choque… porque ela
gostou.
Regressaram ao carro em silêncio, enquanto Emma olhava, a cada passo, para o porto e os velhos
a reparar as redes na praia. A menos de um metro do carro, perceberam que algo estava errado, já
que todas as janelas se encontravam abertas.
«O meu portátil!», pensou Emma.
Sophie desaparecera.
Felipe praguejou em espanhol e foi rapidamente abrir o carro. Olhou para dentro e soltou um
suspiro alto de alívio.
– Pensei que as suas malas podiam ter desaparecido, mas está com sorte. E o seu portátil e a
máquina fotográfica também aqui estão.
– Mas onde está a Sophie?
– Não pode andar longe! – exclamou ele, fechando o porta-bagagens e trancando as portas e as
janelas. – Siga-me!
Começaram a subir a estrada até que chegaram a um edifício amarelo muito bem conservado com
estores de mogno, diferente de qualquer outro na aldeia.
– Este é o La Terraza – explicou ele, sabendo que Emma entenderia.
– Uau, é lindo! – exclamou ela, entrando no restaurante. – Portanto, este é o lugar onde Ernest
Hemingway se encontrava com os amigalhaços da pesca.
Sentada ao balcão de mogno estava Sophie, com um copo cheio de líquido claro na mão.
– Podia ter morrido, sabem! – gemeu ela e tomou um longo gole do copo.
– Deixámos as janelas abertas! Não há necessidade de seres tão melodramática – disse Emma. – E
tu deixaste o meu portátil e a nossa bagagem desprotegidos!
Sophie encolheu os ombros. Como de costume, não valia a pena discutir com ela.
– Acho que vou beber uma cerveja – disse Emma. – A menos que tenhamos tempo para comer
qualquer coisa?
Felipe abanou a cabeça em negação.
– Gostaria muito, mas preciso de voltar ao aeroporto para ir buscar mais pessoas e levá-las a
Varadero.
Emma compreendeu. Talvez uma cerveja já fosse perder demasiado tempo, mas Felipe queria um
café, por isso sentaram-se no bar ao lado de Sophie e beberam, desfrutando o ambiente.
– Quanto tempo ficam em Havana?
– Apenas duas noites. Sugere alguma coisa que devêssemos ver enquanto lá estamos?
– Amanhã é o meu dia de folga. Se quiserem, posso mostrar-vos algumas coisas.
Emma gostava da ideia e, juntamente com este pensamento, perguntou-se se Felipe seria solteiro.
Ele tinha dito que vivia com o pai, mas isso não significava que não houvesse uma mulher. Contudo,
ele parecia muito calmo e quando as trouxera a Matanzas não demonstrava pressa para regressar a
casa.
– É muito simpático da sua parte – respondeu ela. Podia ver pelo canto do olho que Sophie estava
prestes a meter-se, mas ignorou-a. – Adorava visitar a casa de Hemingway.
– Posso levá-la.
– Tem o táxi no seu dia de folga?
Felipe abanou a cabeça.
– Não, mas o meu pai tem um carro e podemos levá-lo.
– Podemos mas é ir para a maldita Havana? – gritou Sophie – Não faço ideia do que fazemos aqui!
O resto da viagem passou rápido, com Sophie de novo a dormitar no banco de trás.
Emma absorveu todos os locais por onde passava ao longo do caminho. Era totalmente diferente de
qualquer outro lugar que conhecia. Ao longo dos anos, ela e Paul haviam visitado a Tailândia e a
África do Sul, bem como outros destinos exóticos, mas nenhum como aquele. Não era bem o
contraste com a Irlanda que despertava o seu interesse, era a energia que emanava do povo. Enquanto
percorriam a periferia de Havana, Emma sentiu-se como se estivesse num local de filmagens.
Espantava a diferença de tons de pele. Os homens nas esquinas, as mulheres que passavam com sacos
pesados e as crianças que corriam com bolas improvisadas eram de uma surpreendente variedade de
tonalidades. Olhou para Felipe: ele tinha uma cor bronzeada, ao passo que muitos dos seus
conterrâneos eram negros. Pareceu-lhe que a cor da pele não era importante para ninguém em Cuba, e
sentiu uma espécie de liberdade muito agradável.
– Felipe, existe racismo em Cuba?
Felipe riu.
– Fidel tornou ilegal ser-se racista. Estava no seu manifesto da Revolução. O que ele não disse foi
que, qualquer que seja a cor da pele, todos serão pobres!
– Certamente há pessoas nesta sociedade que têm mais do que outras?
– Na verdade, não. Nesta cidade tenho o melhor trabalho; o meu salário são dez pesos
conversíveis por mês, mas pode-se fazer isso em gorjetas num dia se se tiver sorte.
– Quanto ganha um médico?
Felipe abanou a cabeça.
– Cerca de vinte e cinco pesos conversíveis. Já está a ver porque vão tantos para o Canadá ou para
os Estados Unidos. Um professor ganha vinte, mas um trabalhador numa fábrica pode começar com
dez, mais todas as coisas que consegue levar para casa nos bolsos, para vender no mercado negro. É
bom trabalhar na fábrica de rum.
Emma pensou em todas aquelas informações. Por isso Dehannys não vivia assim tão mal, tendo o
pai na fábrica de rum.
Avistou um edifício muito grande.
– Olhe para aquilo!
– Sim, é o Capitólio. Um museu muito grande. Tem de o visitar.
– Agora que estou aqui, tenho tão pouco tempo para ver tanta coisa! – Emma não tentou esconder a
excitação.
– Está muito mais quente aqui do que em Varadero – disse uma voz da parte de trás do carro.
Sophie acordara.
– Estamos quase no hotel – disse Felipe, olhando para ela.
E apenas estiveram mais dois minutos na estrada esburacada até que chegaram a um hotel alto que
tinha sido pintado recentemente de amarelo com janelas e portas azuis brilhantes.
Emma não queria que Felipe se fosse embora. Era tão bom ter um homem com quem conversar, e
ela adorava a companhia dele.
– Venho ter consigo amanhã – disse ele. – Dez horas?
– Isso seria ótimo. Obrigada por tudo, Felipe.
– Há alguma boa discoteca onde ir esta noite? – perguntou Sophie – Gostava de um pouco de ação
depois de Varadero.
– Quer dançar? – perguntou Felipe.
– Sim.
– Casa de la Musica. Pode ir a pé daqui. É a melhor.
– Muito obrigada pela ajuda, Felipe – agradeceu Emma de novo –, e especialmente por me levar a
Cojimar.
– Estou feliz por ter gostado – afirmou ele, com um sorriso.
Emma ia dar-lhe uma gorjeta, mas ele não aceitou.
– Por favor – disse ela –, é o mínimo que posso fazer por o ter desviado do seu caminho.
– O Governo pagou!
De seguida, rápido como um flache, Felipe saltou para o carro.
Emma acenou-lhe do cimo das escadas quando ele partiu. Era um bom homem e gostava da sua
companhia. Era, de certo modo, tímido, mas também muito seguro de si – um completo enigma
cubano. Pegou na mala e dirigiu-se à receção. O porteiro apressou-se a carregar as malas e acenou
para a equipa do hotel fazer o check-in às europeias.
O paquete do Hotel Telegrafo era muito diferente do jovem bem barbeado que carregara as malas
em Varadero. Este era mais sujo e mais ansioso com os clientes. Quando se certificou de que a porta
do elevador estava fechada, começou:
– Se quiser um bom charuto em Havana, venha ter comigo, que eu arranjo muito barato. Cohiba
autêntico, como Castro fuma. Havana Club… sete años… muito bom.
– Obrigada – disse Sophie, secamente. – Não fumamos, mas falo consigo a propósito do rum.
Os corredores eram escuros e os tetos extraordinariamente altos. Quando o paquete abriu a porta
do quarto, um raio de luz entrava pelas enormes portas envidraçadas.
Ele correu a puxar as cortinas e a mostrar a vista panorâmica do parque lá em baixo.
– Parque Central! Venham ver!
Elas juntaram-se a ele na pequena varanda.
Lá em baixo, toda a vida de Havana desfilava; alguns em ciclomotores, outros nos fantásticos
velhos carros americanos cujas peças pareciam colchas de retalhos. Na rua ao lado, um grande
veículo de aparência estranha com umas duas centenas de pessoas lá dentro passou a rugir. As irmãs
souberam mais tarde que aqueles veículos serviam de autocarros para o público em geral e eram
chamados camellos, devido ao atrelado de dezoito rodas, em forma de bossas, que era puxado atrás
do camião.
– Olha que engenhosa forma de transporte! – exclamou Emma, apontando para um rapaz sentado
num riquexó puxado por bicicleta, coberto com um velho quadrado de lona que já fora usado para
fazer propaganda de cerveja. Então, no meio de tudo aquilo, viu uma fila de táxis Renault, como o
que Felipe dirigia, que representava a Cuba moderna.
Emma sentiu que o destino levara Felipe a ir buscá-las ao aeroporto no primeiro dia e sabia que
ele estava destinado a mostrar-lhe todos os lugares que ela queria ver. Era um belo acaso ele estar de
folga no dia seguinte. Enquanto isso, tinha vinte e quatro horas para se ambientar e havia um sítio que
queria ver depois do almoço.
Emma entregou ao paquete dois pesos conversíveis de gorjeta e ele saiu da sala como se flutuasse.
Sophie atirou-se para a cama.
– Não nos arranjavas um pouco de água, Em? – gemeu ela.
Emma foi ao minibar, escondido num pequeno armário, e abriu a porta. Atirou uma garrafa de água
para a cama ao lado da irmã.
A viagem desde Varadero fora quente e suada. Tomou um banho rápido e vestiu uns confortáveis
calções e uma T-shirt.
– Aonde vais? – quis saber Sophie.
– Vou explorar a cidade velha. É apenas uma caminhada de dez minutos daqui.
– Sozinha?
– Bem, não me parece que estejas preparada para ir a lado nenhum.
– Dá-me vinte minutos...
– Vais demorar mais do que isso. Telefona-me quando estiveres pronta.
Sophie não estava disposta a discutir. Abriu a cama e enfiou-se nela.
Emma pôs os óculos escuros na cabeça, iria precisar deles.
Levou o seu pequeno mapa da cidade e começou a caminhada através do parque. Estava
consideravelmente mais húmido na cidade, com os edifícios a reter calor. Era incrível como os
locais, chamados habaneros, se juntavam em grandes grupos a ver o mundo passar. Jovens que ela
pensava que estariam ocupados àquela hora do dia abraçavam-se e bebiam limonada caseira vendida
em carroças. O preço era dois cêntimos do peso cubano, não da moeda turística.
Emma começava a perceber que certos itens só eram acessíveis aos turistas ou às pessoas que
deitassem mão a pesos conversíveis, e o resto da população só tinha de aceitar que estava excluído.
Não se tratava exatamente de luxos: certos cosméticos, produtos elétricos, todo o tipo de coisas
baratas e disponíveis em qualquer loja de Dublin eram proibidas ao cubano médio. Sim, pensou de
novo, se ainda fosse jornalista, teria muito a relatar. Conseguia entender porque tanta gente arriscava
a vida e fazia a viagem de noventa traiçoeiros quilómetros através do mar até à Florida. Mas, por
enquanto, ela estava numa viagem de descoberta para ver o que Cuba tinha para oferecer que o resto
do mundo não tinha.

***

Sophie gemeu e saiu da cama. Deixara Panadol no necessaire – tinha sempre por perto uma caixa
cheia. Estava feliz por ter saído de Varadero. José era um canalha. Tivera a lata de lhe perguntar se
poderia trocar-lhe algum dinheiro que ele depois lhe enviava os euros quando os ganhasse em
gorjetas. Não ia cair nessa. Ele esperara até estarem em cima da moto para voltar ao hotel dela antes
de perguntar. Sabia que era um pouco rebelde, fora o que a atraíra nele, mas nunca pensou que teria a
audácia de lhe falar de dinheiro.
Examinou o quarto e o chão de mosaicos brilhantes. A cabeceira da cama tinha uns bons três
metros de altura. Ela foi até à varanda e observou os carros, os camiões e as bicicletas a mover-se
livremente em todas as direções. Não havia muita ordem nas ruas e adivinhou que não havia muita
ordem em nenhum lugar naquela cidade.
Sentia que estava a ver a Cuba real, não os hotéis perfeitos e a praia paradisíaca de Varadero.
Estava pronta para ver a Havana real, aquela onde todos os músicos famosos, como os que haviam
tocado com o Buena Vista Social Club, tinham as suas raízes.
Era o que Paul planeara para eles. Afinal, ele ia trazê-la naquela viagem, não a Emma. Ainda bem
que a irmã lhe entregara os documentos das férias e não comentara a inicial da irmã Owens que era
para viajar: a inicial «S». Emma dera por isso, claro, mas pensara que era uma simples gralha.
Sophie pegara nos bilhetes e conseguira mudar o nome de Paul para Emma num deles, recorrendo ao
seu charme habitual com o empregado da agência de viagens, embora ele não devesse fazê-lo sem
cobrar uma enorme taxa. Louise também se apercebera do «S», o que deixara Sophie muito nervosa.
Louise podia ter estragado tudo. Ela estava sempre a tomar conta da Emma. Estremeceu quando
pensou como Emma reagiria se descobrisse que aquela não fora de todo uma surpresa planeada para
ela, mas sim a celebração do relacionamento de três anos que Sophie tivera com o cunhado.
Fora apenas dias antes do sétimo aniversário de casamento de Paul que ele havia encontrado
Sophie na cidade e a levara a almoçar ao Bistro Cooke. Sentados sob o sol de Dublin, protegidos
pelos toldos verde-escuros, poderiam muito bem estar em Paris ou em Roma. Ela terminara
recentemente um relacionamento com o dono de um clube noturno que era exuberante e impetuoso e
queria alguém com quem pudesse falar sobre arte, design e cultura. Com Emma ao lado, Sophie
nunca percebera o quão atraente Paul era. Foram ambos fulminados por um raio.
Às vezes, juntavam-se no escritório dele, às vezes no dela. Era fácil baixar as persianas e trancar a
porta por dentro. Às vezes, ela ficava com queimaduras da carpete, mas riam-se sempre sobre isso
depois.
Nas raras ocasiões em que Sophie se sentira mal pelo que ambos faziam nas costas de Emma, Paul
zombava: «Não vês como sou bom para a tua irmã? Eu era um sacana antes de começarmos a ter este
caso. Tu és responsável por me tornar uma pessoa muito mais agradável!»
Sophie não acreditava. Nunca usaria um adjetivo como «agradável» para o descrever. Picuinhas,
preciso, compulsivo, enérgico e talentoso, mas definitivamente não «agradável». O terrível é que
fora a palavra que Emma usara para descrever o marido no funeral. Mostrava quão pouco na
realidade o conhecia.
Sophie bebeu um gole da garrafa de água e engoliu o Panadol. Mais um par de horas na cama e
depois seria capaz de enfrentar Havana.

Quando Emma deixou a grande praça do Parque Central e os seus pés tocaram as pedras da Calle
Obispo, soube que não estava longe do seu destino. Os edifícios eram coloniais e encontravam-se em
ruínas e era a Habana Vieja que ela esperava. Os retoques aqui e ali com tinta rosa e azul amimavam
os envelhecidos edifícios. Algumas das portas eram esculpidas em metal, intrincadas e
ornamentadas, e deviam ter sido lindas no seu apogeu.
Alguns idosos espiavam a rua por trás de algumas das portas, protegidos do calor do Sol. Algumas
crianças atravessaram a correr o caminho, alheias à presença dela no seu jogo da apanhada. Dois
deles não tinham sapatos. O mau cheiro dos esgotos ou dos depósitos de lixo – Emma não tinha
certeza de onde – exalava das calçadas. De repente, a grande fachada rosa, descrita perfeitamente no
seu guia Dorling Kindersley, surgiu no final da rua e ela sabia que tinha chegado ao próximo destino
da sua peregrinação Hemingway.
Ernest Hemingway vivera no Hotel Ambos Mundos por algum tempo antes de se estabelecer em La
Finca Vigía, e ela queria desesperadamente sentir a sua presença enquanto entrava no hotel. Não
ficou desiludida.
Alguns passos vestíbulo adentro e viu-se numa área de bar iluminada. O barman tinha uma camisa
branca e um laço preto que o levava de volta a meados do século XX. Estores de tirinhas muito finas
deixavam entrar uma luz difusa pelas janelas altas e palmeiras ocasionais em grandes vasos de
cerâmica dividiam o espaço entre o bar e o vestíbulo.
Emma sorriu para o barman e caminhou até uma parede coberta com fotografias de Ernest
Hemingway. As imagens eram todas em tons de preto, cinza e sépia e estavam emolduradas sobre o
papel de parede verde-azeitona. Hemingway puxava um peixe com uma cana de pesca numa das
fotos, apertava a mão de Castro noutra e comia lagosta com um grupo de amigos; Emma sentiu inveja
da vida exótica e cultural que ele havia levado. Um pequeno quadro na parede explicava que, por
dois dólares, os turistas podiam visitar o quarto onde ele vivera durante algum tempo na década de
1930. Mas primeiro ela queria tomar uma bebida. Estava calor e pó lá fora, e o bar e o rosto
sorridente do barman eram aconchegantes.
– Buenas tardes, señorita – disse ele, com um sorriso, enquanto Emma se empoleirava num banco
alto. – O que deseja?
– Água mineral… con gas, por favor.
Ele verteu a água num copo e acrescentou gelo e lima.
– Gracias – disse ela, e bebeu um gole com prazer.
– Vem ver o quarto de Hemingway?
– Sí – anuiu ela.
Enquanto ela falava, uma figura alta e magra caminhou até ao bar. Vestia T-shirt branca larga, de
algodão, e a sua pele parecia um suave chocolate de leite. Os seus olhos castanho-escuros brilharam
e abriram-se mais quando um sorriso apareceu no seu rosto.
Era o homem mais bonito em que Emma alguma vez pusera a vista em cima.
– Buenas tardes, Marco! Una cerveza, por favor!
– Sí, Señor Adams... teve um bom dia?
– Muito bom, Marco. – O seu sotaque mudou quando falou inglês e havia ali com efeito um sotaque
americano.
O homem virou-se para Emma e acenou com cortesia antes de se sentar no banco ao lado do dela.
– O costume – disse ele ao barman, que fez deslizar uma garrafa de cerveja pelo balcão até ele.
Emma sentiu-se surpreendentemente confortável naquele ambiente desconhecido com dois
estranhos ao lado. O facto de o hotel estar tão vazio dava um ar caseiro ao encontro com aquele
homem e, em circunstâncias normais, ela poderia ter-se sentido pouco à vontade, mas naquele
momento sentia que estava no sítio certo.
– Sou a Emma – apresentou-se ela, estendendo a mão direita. – Venho da Irlanda.
– Bem, Emma da Irlanda – disse ele, tomando-lhe a mão –, muito prazer em conhecê-la. Sou o
Greg do Canadá, mas tenho muito sangue misturado, pelo que poderia considerar-me cidadão do
mundo!
Emma sentiu-se atraída por aquele homem. Não havia mal nenhum nisso. Estava fora da sua zona
de conforto, a milhares de quilómetros de casa. Não era a viúva de Paul – não era a mãe de Finn –,
sentia-se como a personagem num dos seus romances, e Mr. Greg Adams era tão delicioso que ela
pensou em colocá-lo no seu livro, junto com Felipe.
– Está de férias? – perguntou ela, num tom levemente sedutor.
– Chamo-lhes viagens de negócios, mas é impossível visitar Cuba sem sentir prazer. A minha mãe
é cubana, conheceu o meu pai aqui, mas ele levou-a para a Nova Escócia há mais de quarenta anos e
ela não voltou desde então.
Emma ficou intrigada, sentiu a sua curiosidade jornalística a assumir o controlo.
– Mas que grande história! Então tem parentes aqui?
Ele assentiu.
– Primos e tias. Vejo-os às vezes. O meu avô ainda está vivo, acredite ou não, mas vive em
Cárdenas e é difícil chegar lá. Em geral, as minhas visitas não duram o tempo suficiente para andar a
fazer caminhadas pelo país.
O homem era tão aberto e franco que ela gostou logo dele.
– O que faz, se não se importa que pergunte?
– Emma da Irlanda, pode perguntar-me o que quiser! – Ele sorriu descaradamente. – Compro arte e
vendo-a no Canadá. Há lá uma grande procura de artistas cubanos. Já foi a algum dos mercados
daqui?
Emma abanou a cabeça.
– Só cheguei a Havana esta manhã.
O sorriso de Greg alargou-se.
– Bem, então prepare-se para um tratamento muito especial. Já almoçou?
Emma abanou a cabeça.
– Detesto comer sozinho – disse ele. – Gostaria de se juntar a mim no La Bodegita del Medio? Sou
fã do Hemingway, por isso fico sempre aqui.
Emma começava a sentir-se um pouco nervosa. Greg parecia genuíno, mas não era boa ideia uma
estrangeira sair com um estranho em nenhuma cidade. Imaginava que Havana não fosse diferente.
Greg sentiu a sua reserva. Acenou para o barman:
– Marco, diga aqui à Emma da Irlanda que eu não mordo!
– Señor Adams costuma ficar aqui muitas vezes. É um cliente muito bom – disse Marco, esticando
a mão para Greg à espera de uma boa gorjeta em jeito de brincadeira.
Greg sorriu e plantou cinco pesos conversíveis na palma da sua mão.
O desejo de Emma descobrir mais sobre aquele homem lindo invadiu-a. Não tinha nada a perder.
Sophie provavelmente ainda dormia e ela, graças à pesquisa que fizera no seu guia, sabia que o
restaurante de que ele falava ficava apenas a dois quarteirões.
– Está bem, obrigada – respondeu ela e levantou-se para pagar a água a Marco.
– É por conta da casa – sorriu ele. Greg dar-lhe-ia outra gorjeta mais tarde!
Greg ofereceu-lhe o braço cavalheirescamente e Emma aceitou-o.
Caminharam com facilidade até à Calle Mercaderes e chegaram à Plaza de la Catedral. A fachada
barroca de San Cristóbal brilhava como um marco reluzente da arquitetura colonial. Uma velha
vestida com o traje tradicional – rendas brancas e uma rosa vermelha – fumava um charuto sentada
nas escadas. Encontrava-se cercada por turistas a tirar fotografias e um pequeno cão ladrava a seus
pés. Um homem velho ao seu lado vendia amendoins embrulhados em cones de papel branco.
– Isto é maravilhoso! – suspirou Emma.
– É bom para turistas, mas eu gosto. Nunca me canso da atmosfera em La Habana Vieja. Ali está
um bom lugar para jantar quando o Sol se põe – disse ele, apontando para um restaurante de estilo
muito europeu. – El Patio. O Governo é o proprietário, claro, como de tudo o resto. Deve ter sido
espetacular no seu auge há mais de um século.
– Sim. É estranha a forma como o Governo possui tudo. Mas eu estive na Europa de Leste antes de
a Cortina de Ferro cair e, apesar de serem comunistas, parecia tudo muito diferente disto.
– Não há lugar no mundo como Cuba. Castro transformou a maior ilha das Caraíbas na sua própria
ilha. Nem tudo o que ele fez foi bom, mas também não fez tudo mal. Simplesmente não posso deixar a
minha mãe ouvir-me dizer isto.
– Ela pensa em voltar alguma vez? Nem que seja para visitar?
– Ela detesta o facto de o poder fazer, enquanto tantas outras pessoas não têm essa escolha. Diz que
foi uma sorte ter conhecido o meu pai, um homem alto e branco do Canadá que a levou para uma vida
melhor. Secretamente, acho que a sua alma sente falta disto.
Emma adorava a forma de ele falar. Não havia muitos homens que fossem tão abertos com uma
mulher que tinham conhecido apenas alguns minutos antes. Mas, vendo bem, aquelas não eram
circunstâncias normais e ela já podia dizer que Greg não era um homem comum.
A placa amarela, com «Bodeguita del Medio» pintado em letras pretas ousadas, destacava-se na
Calle Emperado como uma visão.
– Este é o lugar onde Hemingway gostava de tomar o primeiro mojito do dia – explicou Greg.
Abriu as portas de tipo saloon que davam para o bar, cheio de turistas.
Inicialmente, Emma pensou que as paredes azuis estavam cobertas com um papel de parede
escrevinhado, mas numa inspeção mais próxima, viu que os autógrafos em azul-escuro com caneta de
feltro eram de clientes do restaurante.
– Venha – disse Greg, encaminhando-a para a área de restauração na parte de trás do edifício. –
Pode assinar o seu nome mais tarde.
A área de restauração parecia composta por várias pequenas salas, todas unidas por altos arcos
abertos. Os clientes tinham assinado o nome mesmo no ponto mais alto das paredes. Miguel da
Venezuela estivera lá em 2001. Maria Cruz de Madrid estivera em 2004 e muitos outros nomes
rabiscados em tantas línguas e camadas que se tinham fundido em padrões irregulares na parede.
Sentaram-se na única mesa para dois disponível e o empregado juntou-se a eles instantaneamente.
– Buenas tardes. Para beber?
– Dos mojitos, por favor – pediu Greg.
Emma olhou para o individual de papel que também servia de ementa. As letras B del M estavam
impressas na parte superior, no mesmo estilo naïf com que tinham sido pintadas sobre o bar por onde
passara à entrada. Havia uma mistura de madeiras escuras e tinta azul em todo o lado, com lustres
pendurados dos tetos abobadados.
– Adoro isto! – exclamou Emma, quando um trio no canto começou a tocar.
– Temos de assinar a parede antes de sairmos.
– Se houver espaço. – Emma passou os dedos sobre as centenas de assinaturas na parede ao lado
de onde estava sentada. – As pessoas devem ter usado escadas para chegar ao cimo!
Greg levantou um marcador azul do pote no meio da mesa.
– Aposto que consegue arranjar um espacinho algures para a Emma da Irlanda.
– Obrigada – retorquiu ela, levando o marcador na mão e procurando um espaço na parede para
rabiscar. – Nunca estive num lugar como este. Ainda bem que me cruzei consigo.
– Cuba é um ótimo lugar – disse Greg. – As pessoas são muito simpáticas… no Canadá, não
convidaria uma estranha num hotel para almoçar e ela provavelmente não aceitaria, mas em Havana
sinto-me dominado por algo estranho.
Emma sabia o que ele queria dizer, mas não conseguia imaginar uma mulher a recusar o convite de
Greg para almoçar ou qualquer outro convite dele. Sentia-se como se estivesse à beira de um
precipício; uma maneira diferente de se agarrar à vida da que adotara nos últimos sete meses.
Greg pesquisou o seu belo rosto, enquanto ela inscrevia o seu nome sobre as camadas de letras.
– Então, onde está o Senhor Emma da Irlanda, ou não há?
– Está na Irlanda – respondeu ela. Bem, fora parcialmente verdadeira. De qualquer forma, ela mal
conhecia Greg; não ia dizer-lhe que Paul estava no cemitério de Balgriffin.
Greg não ficou abalado. Não parecia incomodá-lo que ela tivesse um marido.
– E então a Senhora Greg do Canadá?
– Ambas estão no Canadá e são ex-senhoras Greg. Sou um excelente namorado. Tudo vai muito
bem com as mulheres na minha vida até ao casamento. E depois...
– Tem filhos?
– Uma filha do primeiro casamento. Nenhum com a minha segunda mulher. E você?
– Tenho um filho, Finn, de nove anos.
– Grande nome.
Emma acenou com a cabeça. Fora o único com que ela e Paul tinham concordado.
– Gosta de comida crioula? – perguntou ele.
– Nunca provei. O hotel em Varadero tinha todo o tipo de restaurantes diferentes e, além de uma
refeição em Matanzas, não tentámos muita comida típica.
– Nós? Não me diga que há duas Emmas da Irlanda?
Emma sorriu.
– Mais ou menos. Há uma Sophie da Irlanda. É minha irmã.
– E é parecida consigo? – perguntou ele, sorrindo, malicioso.
– Nem remotamente. Tem o cabelo louro-acobreado e olhos verdes… muito irlandesa.
– Mas você tem um fantástico aspeto celta, Emma da Irlanda. Visitei Dublin há muitos anos e perdi
várias vezes o meu coração, sempre para mulheres com olhos azuis e cabelos negros.
Emma corou. Era um elogio direto e ela sentiu-se lisonjeada que viesse de um homem tão divino.
– Quanto tempo estiveram em Varadero? – perguntou.
– Sete dias e estaremos três em Havana.
– Acho que teria feito ao contrário. Não me interprete mal, Varadero é porreiro, mas é o mesmo
que estar em qualquer outro sítio das Caraíbas. Já Havana é diferente. Não há outro sítio como ela no
mundo.
Emma já sentia que podia concordar com ele.
– Então, conte-me mais sobre arte cubana.
– Sim, toda a gente no mundo conhece os famosos músicos de Cuba, mas os seus artistas são
igualmente especiais. Tenho coordenado exposições de arte cubana em toda a Europa e nos Estados
Unidos. É barata e eles são mestres do figurativo. Uma boa notícia, agora que as pessoas reconhecem
os disparates do conceptual, que esteve em voga demasiado tempo.
– Na realidadae, acho que sempre associei Cuba a música e dança, agora que fala nisso.
– É um caldeirão de misturas para os artistas. E veja os escritores que tem inspirado,
especialmente o nosso amigo Hemingway, hem?
– Como sabe que sou fã de Hemingway?
– Por que outra razão se sentaria no Hotel Ambos Mundos sozinha, sem estar lá alojada?
– Talvez esteja lá alojada?
– Encontrava-me lá ao pequeno-almoço e se você lá estivesse, com certeza teria notado!
Emma abanou-se usando o mapa de Havana como leque. Com alívio, aceitou o mojito que o
empregado colocou à sua frente. Precisava de refrescar as ideias. Ele estava a tornar as suas
intenções claras com os seus elogios indiretos.
As feições de Greg eram elegantes e esculpidas, mais brancas do que africanas. Seria um modelo
perfeito para a roupa Armani. Mas isso era uma coisa agradável, ele próprio parecia não ter
consciência disso.
– Quanto tempo fica por cá?
– Só mais dois dias e depois o meu trabalho está terminado. Tenho artistas que me pintam quadros
encomendados entre as viagens, mas procuro sempre novos talentos.
– Passei por uma galeria na Calle Obispo no caminho para aqui, mas era mais como a sala de estar
de alguém com alguns quadros pendurados na parede.
– É bom, não é? – Greg sorriu. – Basta pensar, todo este talento à venda por alguns dólares. Se
quiser, podemos ir ao mercado depois do almoço. Fica ao lado da Plaza de la Catedral.
Emma bebeu um gole do seu mojito.
– Acho que seria agradável.

Sophie sentou-se na cama e olhou para fora, através das enormes janelas, para a chuva que caía
compacta do céu. Abriu as janelas para ver os habaneros, como um enxame de formigas, correr para
se abrigarem. Desde que não saísse para a varanda, permaneceria seca porque a chuva caía em linha
reta.
Um bicitáxi com passageiros passou pelo meio das poças, com o motorista encharcado devido aos
salpicos provocados por um Cadillac. Pedestres colocavam sacos de plástico por cima das cabeças
como guarda-chuvas improvisados. Um casal de habaneros não parecia incomodado com o
aguaceiro e continuou alegremente sob as palmeiras no meio do parque.
Perguntou-se até onde teria Emma chegado. Podia sempre tentar telefonar-lhe, mas outra parte dela
sentia-se feliz com a paz. Estivera sempre rodeada de pessoas à beira da piscina em Varadero. Às
vezes, Emma tinha-a incomodado com a conversa da perfeição do seu falecido marido. Queria tanto
dizer-lhe que também o amava muito, mas sabia que Louise a mataria se ela alguma vez dissesse a
verdade. Já para não falar no que Emma faria com ela.
O calor pegajoso do dia refrescou por momentos, graças à chuva. Decidiu tomar um banho rápido
antes de se aventurar lá fora.
Quando por fim se secava, a chuva tinha parado e o calor e a poeira de Havana estavam de volta.
Desceu as escadas até à receção e pegou num mapa da cidade velha. Não levava quase nada, apenas
uma mala ao ombro contendo uns poucos pesos conversíveis e o telemóvel. Alguns táxis do Governo,
como o que Felipe conduzia, encontravam-se estacionados no meio da praça.
Sentiu uma espécie de mal-estar enquanto cruzava o Parque Central e entrava na cidade velha. As
ruas estreitas estavam sujas e degradadas e Sophie não gostou da forma como os habitantes olhavam
para ela. Segurou firmemente a mala, não fossem tentar roubá-la. Já sentia as axilas a humedecer com
a transpiração. Parou num pequeno café numa esquina onde um grupo de turistas tomava uma bebida.
Achou que era seguro usar o telefone na companhia de pessoas que pareciam familiares.
Marcou o número de Emma e esperou.
– Estou?
– Emma, sou eu. Estou na cidade velha.
Emma olhou desiludida para Greg. O tempo privado juntos tinha acabado.
– Também eu. Em que rua estás?
– Deus, não sei! Estou rodeada por estes malditos edifícios horrorosos rosa e azul. O sítio está
prestes a desmoronar-se à minha volta.
– Consegues encontrar a Plaza de la Catedral?
Sophie abriu o pequeno mapa que o rececionista do hotel lhe dera.
– Sim, estou a ver… Igreja Cristóbal.
– Sim. Segue, pela esquina mais distante à direita da catedral, para a Calle Tacón. Atravessa a
estrada, em direção ao mar. Há um parque e vês bancas de artesanato. Estou no meio do mercado.
– Vou tentar.
Uma velha senhora parou e olhou para ela enquanto colocava o telefone na mala. Parecia dançar no
local e sorriu gentilmente para a estranha com uma cor de cabelo invulgar. Sophie passou por ela,
alheia ao ar hospitaleiro da mulher.
Encontrou a catedral com facilidade e virou à direita como Emma indicara. Andou até encontrar a
placa da Calle Tacón. Era menos assustadora do que as ruas laterais de onde tinha vindo.
As bancas do mercado começaram a ver-se enquanto ela atravessava a rua e esticava o pescoço em
busca da irmã. Mas não foi a figura de Emma que ela viu primeiro, mas sim a de um homem alto e
bonito com pele cor de café que se parecia com Barack Obama. Era lindo e ela sentiu-se compelida a
andar na sua direção, para o ver mais de perto.
Enquanto se aproximava, ficou mais do que chocada ao ver a irmã a caminhar com ar descontraído
ao seu lado. Riam e encostavam suavemente os braços um ao outro enquanto passeavam.
Era uma imagem tão fora de contexto que Sophie teve vontade de rir em voz alta. Apressou o passo
e chegou junto deles.
– Emma – chamou.
O casal parou e olhou em volta.
– Oi, Sophie! Este é o Greg. Greg, esta é a Sophie.
Greg estendeu a mão.
– Saudações, Sophie da Irlanda.
Emma e Greg riram-se em voz alta ao mesmo tempo.
Sophie não gostava de ser o foco de uma piada.
– Então, Greg? Como conheceu a minha irmã?
– No meu hotel. Vou ter de lhes dar uma gorjeta quando voltar. A sua irmã é muito boa companhia.
Tivemos um almoço bastante agradável.
Sophie fez uma careta. Não gostava de ver a irmã no centro das atenções. Esse era o seu papel.
Emma brilhava com tanta lisonja e Sophie podia ver que ela estava encantada.
– E onde estão as senhoras alojadas?
– No El Telegrafo – disse Emma.
– Tenho algum trabalho para fazer agora, mas posso acompanhá-las ao jantar? Detesto comer
sozinho e conheço alguns sítios bons em Havana.
– Parece-me muito bem, Greg – respondeu Emma. – Estamos ainda a conhecer o local e seria bom
ter um guia.
– Que tal sete e meia? Posso telefonar e ir-vos buscar, hem?
– Está bem – disse Emma, olhando para Sophie, que encolheu os ombros em aprovação.
– Aproveitem o resto da tarde, minhas senhoras – disse ele, piscando o olho a Emma enquanto se
afastava.
Emma estava visivelmente corada enquanto o observava a afastar-se.
– Oh, meu Deus, Emma. Poderias ser mais óbvia?
– O que queres dizer com isso?
– Estavas toda babada. E só perdeste o marido há uns meses!
Emma arquejou.
– Vai à merda, Sophie! – Sentiu-se como se tivesse recebido um soco. Apenas conversava com o
homem.
Sophie lançou-lhe um olhar que mostrava que sabia o que se passava na cabeça da irmã. Tivera os
mesmos pensamentos sobre o belo estranho.
Emma saiu disparada na direção da Plaza de la Catedral, tentando conter as lágrimas. Estava tão
confusa. Primeiro, a bondosa atenção que Felipe havia mostrado e agora a lisonja do canadiano.
Tinham-na ajudado a esquecer a dor dos últimos sete meses e a irmã mais nova não tinha necessidade
de a culpar.
Sophie seguiu-a a uma distância suficiente para não a perder de vista, mas ao mesmo tempo sem
estar muito perto. Sentia-se injustiçada. Emma podia ser a mulher de luto, enquanto ela tinha de fazer
o seu luto sozinha, e agora a Emma também se permitia andar a namoriscar!
Greg deu uma gorjeta generosa ao estafeta. Dois pesos conversíveis era um monte de dinheiro nas
mãos de um jovem.
Greg fizera algumas boas compras e sentia-se muito satisfeito com a forma como a viagem corria.
Era um verdadeiro prazer ter encontrado aquela irlandesa intrigante e a irmã. Poderia divertir-se
nessa noite. A vida não poderia melhorar muito mais. Realmente tinha o melhor dos dois mundos.
10

Donal pegou numa mangueira e virou o jorro para baixo do casco do seu barco. Esperava que
Emma se estivesse a divertir. Merecia uma pausa. Ele fora o único homem a quem ela pudera
recorrer depois de Paul morrer. Os pais dela estavam sempre muito fechados em si próprios e não
lhe haviam dado o menor apoio. Sentiam que depois de colocar as filhas na faculdade o seu trabalho
estava concluído e a família criada, e era hora de os filhos cuidarem de si próprios. Por isso, os
jantares no dia de Natal e noutras ocasiões festivas eram da responsabilidade de Emma e de Louise
e, agora que ele era o único cunhado, conseguia prever um aumento de exigências por parte dos pais
a Louise e a si próprio no futuro próximo.
Emma continuaria a agradar aos pais, como Louise fizera. Era injusto, mas era assim que as
responsabilidades funcionavam na família.
Ele não tinha muito tempo para Sophie. Sempre fora a causa das discussões entre as irmãs. Ela
sabia exatamente convencer Louise a seguir o caminho errado, o que tornava a sua vida ainda mais
difícil.
Mas fora ele a escolher a irmã mais tensa. O encontro dera-se por puro acaso, mas ele soubera,
assim que lhe pusera os olhos em cima, que ela viria a ser sua mulher. Uma contradição tão grande na
época, a vivaz professora de Música e o pragmático contabilista. Porém, sempre acreditara que o
destino os juntara. Ele era um jovem associado e fora enviado para fazer uma auditoria na escola
onde ela trabalhava. Lembrou-se de como ficara irritado, achando o projeto chato. Mais tarde,
naquela semana, quando começara o trabalho, entrara na sala dos professores e vira Louise sentada a
uma mesa a agitar os braços carregados de pulseiras, e agradecera à sua estrela da sorte.
No início, ela mal reparara nele, mas, quando estava a ter problemas com a fotocopiadora e a
refilar e a dar pontapés, ele correra em seu auxílio. Ajudara-a a retirar o papel encravado e a agrafar
os grupos de folhas. Ela ficara tão contente que o abraçara espontaneamente, correndo em seguida
para a aula.
Era desse tipo de impulsividade que ele sentia mais falta, depois de catorze anos de casados. Era
essa falta de espontaneidade que o levava a passar tanto tempo no clube de iate.
Kevin caminhou até onde Donal estava com a mangueira a lavar o barco.
– Desculpa o atraso!
Donal assentiu. Kevin estava sempre atrasado.
– Os rapazes estavam a dar-me uma ajuda, mas parece que fugiram para arranjar trocos para a
máquina de venda automática. Agarra na mangueira. Só temos a grua por mais vinte minutos.
Kevin escolhera Donal como parceiro pelas suas qualidades e confiança. Tinham-se conhecido na
faculdade e haviam perdido o contacto quando seguiram caminhos diferentes. Donal estava destinado
a obter um estágio profissional numa das grandes empresas graças às suas notas. Kevin, porém,
ficara feliz só por ter obtido o diploma e saíra para o mundo das vendas, tendo deixado a sua marca
durante o período do boom económico. No entanto, o negócio ultimamente já não era o mesmo e ele
estava feliz por ter Donal como parceiro. Ainda não lhe dissera que naquele ano estava com
problemas para pagar a sua metade das taxas da marina e a manutenção do barco.
– Já tens planos para a noite de sábado? A Judy queria saber se gostariam de experimentar o novo
menu do restaurante, e não vê a Louise desde o domingo de Natal.
O domingo de Natal fora um dia de família no Clube de Iate de Howth e os Scott e os Harley
reuniam-se sempre com os filhos, de idades similares. Mas Judy Harley era uma mãe velejadora que
adorava a vida ao ar livre, muito diferente de Louise, que não ligava nenhuma à vela e continuava a
participar na excursão anual à ilha frente a Howth, Irland’s Eye, de má vontade e apenas nos dias
soalheiros de verão.
– Vou perguntar-lhe. Isso era bom.
– Para começarmos o ano: aquele tipo, o Tony, está ansioso por fazer parte da tripulação e eu diria
que ele é de confiança.
– Então o Jeremy não vai velejar connosco este ano?
– Ele queria tripular um Etchell – informou Kevin. – Está ansioso por se fazer ao leme e o Frank
entrou com a outra metade.
– Oh!
Donal continuou a limpar. A maioria das decisões era tomada por Kevin e às vezes ele sentia-se
um empregado. Mas, vendo bem, era mais fácil não causar problemas. No entanto, ele não gostava do
Tony, era ousado e vistoso e tentaria tomar conta do leme na primeira oportunidade que surgisse.
– Há mais alguém, além do Tony, que ande à procura de um lugar?
Kevin não ficou surpreendido com a reação de Donal. Sabia como ele podia ser exigente quanto a
quem navegava no seu barco.
– Se estás com problemas, posso colocar um anúncio no site HYC, mas a temporada começa na
próxima semana e seríamos loucos de recusássemos alguém que sabe navegar.
Donal sabia que ele tinha razão. Pegou numa escova e começou a esfregar com mais força os
últimos pedaços de algas que estavam presos à quilha. Queria marcar a sua posição, mas talvez
aquele não fosse o momento.

Jack foi enviado para Stephen’s Green, para fazer a cobertura de um festival de Páscoa que
ocuparia a maior parte do dia. Realmente não queria estar ali. Aoife sentia-se feliz por ele estar tão
perto dela e tinham combinado encontrar-se para almoçar no restaurante Sixty Six, em George’s
Street, depois de ela terminar uma sessão fotográfica no Castelo de Dublin. Trabalhar ao fim de
semana era uma maçada, pois, apesar de não ter de o fazer muitas vezes, seria muito melhor ter o
tempo para si próprio.
Aoife, por outro lado, gostava tanto do que fazia que ficava radiante por aceitar qualquer trabalho
que lhe fosse oferecido.
Jack olhou para o relógio. Estava quase na hora de se encontrar com ela. Guardou o bloco de notas
e caminhou através do curto percurso de Grafton Street a George’s Street. Ela ia atrasar-se, acontecia
sempre. Mas ele estava com fome e queria sentar-se. O restaurante era elegante e Aoife adorava-o
porque a decoração a fazia lembrar Nova Iorque. Poderiam facilmente estar tanto no centro de SoHo
como em Dublin.
Escolheu uma mesa no canto e examinou o seu BlackBerry. Não havia mensagens. No fundo, tinha
esperança que Louise o contactasse após a fuga do dia anterior, mas o seu instinto dizia-lhe que ela
não telefonaria. Aoife estava a deixá-lo louco com amostras de tecidos, conversas de ementas e
brochuras de férias para a grande e romântica lua de mel. Desejou poder simplesmente fazer as malas
e voltar para Nova Iorque e esquecer casamentos e Louise.
Mas não conseguia esquecer Louise. Fora a sua primeira experiência sexual a sério. Fora muito
mais significativa do que aquilo que ele se apercebera na altura. Agora, ao vê-la, ansiava ter dezoito
anos de novo com a mesma sensação de deslumbramento pelo sexo que tivera quando estava com ela.
Tentara encontrar essa sensação com todas as mulheres desde então, mas sempre lhe escapava e
sabia que provavelmente nunca mais a sentiria.
– Olá, querido, desculpa, estou atrasada – disse Aoife enquanto se baixava para beijar o noivo. –
Já pediste uma bebida?
– Não estou aqui há muito tempo.
– Bebi tanto champanhe que estou enjoada. Acho que vou pedir um sumo de fruta.
Jack fez sinal à empregada.
– Dois sumos de laranja naturais, por favor.
– Não vais beber café? – perguntou Aoife.
– Tenho andado a beber café toda a manhã. A tentar aquecer. Estás com fome?
– Acho que vou comer uma sandes. Vão servir comida no castelo mais tarde. Porque não jantas?
Jack perdera o apetite.
– Só vou comer uma sandes também.
– Falava com a Monica e ela disse-me que foi para uma ilha tropical na Malásia na lua de mel,
onde as moradias são privativas, com quatro empregados para cada casal. Parece divino e podíamos
passar uns dias em Kuala Lumpur. Sempre quis lá ir.
Jack sorriu.
– Parece bom. Mas quanto custa esse lugar tão exclusivo?
– Não te preocupes com isso. Tenho dez por cento de desconto na Cassidy Travel.
– Depende do custo das férias. Os nossos trabalhos estão muito precários. Despediram cinco
funcionários do meu departamento. Gajos porreiros que estavam lá há mais tempo do que eu.
– Provavelmente era demasiado caro mantê-los. De qualquer maneira, não te preocupes, o meu pai
disse que nos ajudava com a lua de mel.
– Ele já pagava o casamento e os vestidos e os fotógrafos. Não podemos aceitar sempre a ajuda
dele quando estivermos casados.
Aoife agitou as mãos.
– Descontrai-te, Jack! Porque estás tão preocupado de repente?
A verdade era algo que ele não lhe podia contar.
– Acho que esses preparativos estão fora de controlo. Não podemos cortar um pouco na despesa?
Pensei que não te querias casar no estrangeiro por causa dos custos.
Aoife amuou. Não fazia a mínima ideia de onde vinha aquilo. Jack ficava geralmente feliz por
alinhar nas decisões dela. Os seus olhos encheram-se de lágrimas e estendeu a mão à procura de um
lenço de papel na mala.
– É um mau momento para te saíres com isto do corte de custos. – Levantou os olhos para lutar
contra as lágrimas. – Ainda nem comprámos casa.
– Concordámos que não era boa altura.
– O meu pai acha que é a altura perfeita. Quando os preços dos imóveis estão em baixa.
– Gostava que fosse uma decisão nossa e não do teu pai. Desde que voltámos dos Estados Unidos
parece que não conseguimos tomar uma decisão sem envolver a tua família. Pensei que éramos
espíritos livres. Éramos iguais quando nos conhecemos em Nova Iorque, mas de repente mudaste.
Aoife não podia lutar mais contra as lágrimas. Levantou-se.
– Não tenho de ficar aqui a ouvir-te falar assim! O que te deu de repente, Jack Duggan? Tu é que
mudaste, não eu!
Jack deixou-a sair do restaurante e enterrou a cabeça entre as mãos. Ela estava certa. A família era
excelente e até ao momento sempre apreciara o pai dela e os seus conselhos. Ele era o único que
estava a mudar. De repente, já não sabia o que queria.

Os pais de Louise vinham jantar. Ela colocou o grande lombo de vaca guarnecido no forno e
ajustou a temperatura. Podia ficar a cozinhar duas horas e seria tempo suficiente. A mesa estava posta
e os legumes picados, prontos a serem colocados ao lume daí a uma hora.
Como iria preencher o tempo enquanto a carne assava? As crianças mais novas estavam lá fora
com as crianças dos vizinhos, Matt e Finn encontravam-se no clube de iate com Donal e ela tinha de
ocupar o espaço e o tempo antes do jantar para evitar telefonar a Jack. Sentira-se tão tentada a ligar-
lhe depois de ter sido tão tola no seu apartamento, mas não saberia o que dizer.
De repente, tinha a solução perfeita.
Louise preparou-se antes de tocar nas teclas de ébano e de marfim. Não tocava Chopin havia muito
tempo, mas o Prelúdio em Lá Menor era perfeito para o que ela sentia. Precisava de se libertar um
pouco das emoções reprimidas que carregava dentro de si. Deixou-se envolver pela música. Foi
perfeito, uma sensação de paz e equilíbrio encheu-a. Não tinha a certeza de quanto tempo passara a
tocar, mas quando parou sentia-se exausta.
Foi à cozinha e colocou os legumes em lume brando, depois voltou para o piano. Pegou numa
partitura de Mozart, decidiu praticar mais um pouco, mas a sua concentração foi perturbada pela
porta da frente a bater.
– Chegámos!
Louise parou e levantou-se para ver Donal e os rapazes especados no corredor, molhados e
cobertos de lama.
– Olá. Divertiram-se?
– Foi fantástico, sim. Estivemos a jogar à bola – disse Matt e saiu pela porta da frente com Finn.
– Tiveste uma tarde agradável? – perguntou Donal.
– Estive a tocar piano.
– Isso é bom. Fico feliz por tocares novamente.
Louise sabia o que ele queria dizer. Tocar novamente tinha melhorado o seu humor.
– Queres sair com o Kevin e a Judy no sábado?
Louise fez uma careta.
Donal olhou para ela à espera dos protestos. Mas em vez disso ela surpreendeu-o.
– Okay, acho que sim.
O que era um jantar com os amigos da vela de Kevin quando ela tinha quase cometido adultério?
– Quando chegam os teus pais? – inquiriu Donal.
Louise olhou para o relógio.
– Só daqui a meia hora. – O aroma da carne flutuava vindo da cozinha.
– Vou lá acima trocar de roupa.
Com um suspiro, Louise abandonou Mozart e voltou para os legumes. Tirou a carne do forno e
deixou-a a repousar ao lado do fogão.
O telefone tocou e ela tirou as luvas de forno e levantou o auscultador.
– Estou?
– Louise. – A mãe chorava. – O teu pai... é horrível!
– Acalma-te, mãe. O que aconteceu?
– O teu pai foi atacado. Ladrões! Só saí para ir buscar os jornais e quando voltei ele estava... –
Maggie desfez-se em lágrimas incontroláveis.
– Chamaram a polícia?
– Não sei o número.
– Eu ligo-lhes. Fica aí. Estou a caminho.
– Pede ao Donal que venha. Tenho medo de que os ladrões ainda estejam em casa.
Louise marcou o serviço de emergência e desligou todos os eletrodomésticos na cozinha.
Donal foi posto ao corrente da situação enquanto vestia roupa lavada.
– Vamos – disse ela.
– Quem fica com as crianças?
– O Matt terá de tratar disso. Quando formos para o carro, ligo à Marie ali do lado para ficar de
olho neles.
Donal conduziu como se a estrada estivesse em chamas até chegar a Raheny. Maggie esperava à
porta, ainda com o casaco. Um carro da polícia encontrava-se estacionado em frente e uma
ambulância aproximava-se, ouvindo-se as sirenes à distância.
Louise subiu o caminho de acesso e abraçou a mãe, que se desfez em lágrimas de alívio ao ver a
filha.
– Como está o pai?
– Inconsciente. A polícia está com ele.
– Viste alguém?
Maggie abanou a cabeça.
– Achei estranho a porta estar aberta, mas conheces o teu pai, podia estar a fazer qualquer coisa no
jardim. Mas quando o chamei não houve resposta. Então fui à cozinha e encontrei-o deitado de
bruços no chão, com um lado do rosto cheio de sangue.
– Chegou a ambulância – disse Donal, enquanto os homens de coletes amarelo-fluorescentes
abriam caminho com uma série de apetrechos.
Seguiram-nos para o interior. Rolaram o Larry para o lado. O sangue continuava a fluir do corte no
lado da cabeça. A sua boca estava aberta e os olhos fechados.
– Oh, meu Deus, ele está morto! – soluçou Maggie.
– Ele vai ficar bem. Só levou uma pancada feia – assegurou o polícia que estava ao seu lado.
– Tem a certeza?
Os homens da ambulância colocaram Larry numa maca e levaram-no.
– Donal, vais com o meu pai? Sigo-vos com a minha mãe.
– Não vou para o Hospital de Beaumont – disse a mãe – Está cheio de germes, eles têm lá aquela
infeção bacteriana!
– Leva a tua mãe para casa e vai ver das crianças – sugeriu Donal. – Vou para o hospital e digo-te
alguma coisa assim que souber.
Louise sorriu para o marido, agradecida. Ele aparentava uma calma que tranquilizava todos em
redor.
– Obrigada – disse ela.
Donal entregou-lhe as chaves do carro e seguiu para a ambulância.

– Realmente acho que não consigo comer nada depois do que aconteceu com o teu pai, mas penso
que devo manter as minhas forças – disse Maggie, com pesar.
Louise não entendia como conseguia a mãe comer depois de ver o marido naquele estado, mas já a
conhecia o suficiente para saber que o melhor era cortar a carne e servir-lhe alguns alimentos.
– Não tens um pouco de molho de rábano para acompanhar? – perguntou Maggie quando ela
começou a cortar a carne em fatias finas.
– É claro – respondeu Louise, tirando o frasco do frigorífico antes de gritar para as crianças virem
para dentro.
– Meninos! O jantar está na mesa!
As quatro crianças reuniram-se à volta da avó, à mesa da cozinha.
– Estejam sossegadas, crianças. Tive um choque terrível – disse Maggie agressivamente.
Já para não falar no meu pobre pai!, pensou Louise, mas absteve-se de fazer comentários. Não
havia nada a ganhar piorando as coisas, e a mãe, quando queria, podia ser muito intolerante.
De repente o telemóvel de Louise tocou, com o nome do marido no ecrã.
– Donal, como é que ele está?
– A recuperar a consciência, mas eles disseram que teve muita sorte. Quem fez aquilo podia tê-lo
matado se o atingissem alguns centímetros mais atrás. Esperam que ele recupere completamente, mas
vai demorar algum tempo. Como está a tua mãe?
– Insuportável – sussurrou ela ao telefone.
– Vou voltar para casa, para poderes vir aqui. Suponho que a tua mãe vai ficar connosco?
Louise gostava tanto de ter a mãe em casa como o marido, mas sabia que teria de cuidar dela.
– Importas-te?
– Claro que não.
– Tens sido tão bom. Obrigada, Donal.
– Tudo bem. Até já.
Louise sentia-se tão grata ao marido. Ele podia ir velejar à mínima oportunidade, mas sempre que
era preciso, estava presente.
11

– Vou dar uma vista de olhos ao Malecón… podes vir ou ficar – disse Emma a Sophie.
– Porque simplesmente não relaxas antes do jantar?
Emma suspirou.
– Quero ver tudo, só isso.
– Esse teu humor… é por causa daquele tipo, o Greg, não é?
– Às vezes és tão insensível, Sophie. Eu apenas conversava com o Greg. É um bom homem e
convidou-me para almoçar, mas não gosto da maneira como te referiste ao Paul.
– Só brincava contigo no mercado!
Emma franziu o sobrolho. Ambas sabiam que ela não brincava.
– Se eu quiser almoçar com um desconhecido, almoço. Okay?
Sophie rolou os olhos.
– Anda, vamos dar um passeio!
Saíram para a rua. Sophie olhou para o mapa, enquanto Emma estava ao seu lado. – Se
continuarmos a caminhar até ao Paseo del Prado, vamos dar ao Malecón. Está quase na hora do pôr
do Sol e é aí que toda a gente vai passear.
Emma olhou para o relógio. Tinham uma hora e meia para matar antes de se encontrarem com Greg.
Atravessaram a rua para a pista pedestre protegida por árvores altas de ambos os lados. Havia, no
meio da rua, duas enormes esculturas de bronze de majestosos leões. Alguns jovens rapazes riam e
subiam às costas dos leões. Eram altos e magros e vestiam calças centímetros mais curtas do que
eles. Os sapatos estavam cortados na biqueira para acolherem os pés em crescimento. Outras
crianças divertiam-se a dançar ao som da música feita por um dos jovens com uma caixa e uma
colher.
Não havia vento quando chegaram ao passeio junto ao mar, mas a maré trazia ondas ferozes que
batiam contra o muro. Jovens com peitos nus e calções compridos estavam alinhados na parede.
Alguns bebiam rum, outros dançavam a uma música imaginária, outros ainda estavam na beira do
muro a debater se deviam ou não atirar-se num mergulho.
Um conjunto de edifícios atrativos guarnecia a estrada do outro lado. Cada edifício estava pintado
num tom pastel diferente que começava a desvanecer-se devido à luz direta do Sol a bater na
fachada. À distância, o Sol mergulhava cada vez mais baixo ao longo da linha de altos edifícios do
bairro Vedado.
– É exatamente como imaginei.
– Também acho! – suspirou Sophie.
Emma virou-se para ela de repente.
– Nunca percebera que tinhas um desejo tão ardente de visitar Havana!
– Sempre me imaginei a vir cá. O Paul sabia disso!
Emma abanou a cabeça.
– O que tem o Paul que ver com quereres vir aqui?
Sophie olhou para a irmã. Desejava contar-lhe. Mas não o faria, em vez disso mentiria.
– O Paul falou comigo quando planeava esta viagem. Queria ter a certeza de que irias gostar.
As palavras cortavam-lhe a garganta.
– Oh! – Emma virou-se para olhar para o Sol e viu-o tornar-se mais escuro enquanto o céu se
enchia de tons de laranja e amarelo, mas os seus pensamentos estavam noutro lugar.
Porque fizera Paul aquilo? Porque discutira os planos de viagem com a irmã mais nova? Não fazia
sentido. Mas, vendo bem, havia muitas coisas sobre as últimas semanas da vida de Paul que não
faziam sentido. Como a visita ao médico a queixar-se de depressão e a receita de comprimidos
extrafortes para dormir e os antidepressivos que ela encontrara no bolso do casaco.
– Vamos lá. Não queremos que o bonzão do canadiano nos escape – disse Sophie, dando uma
cotovelada no braço da irmã. – Podemos sempre tentar um daqueles táxis amarelos engraçados se
não quiseres voltar a pé.
Falava dos táxis-coco que andavam para cima e para baixo no Malecón.
– Parecem divertidos! – concordou Emma. Tinha de parar de se torturar. Se calhar nunca
descobriria a causa real da morte de Paul.
Sophie fez um sinal com a mão para uma das pequenas scooters em forma de ovo que tinham
apenas tamanho para transportar o condutor e dois passageiros. Acomodaram-se precariamente nos
assentos de plástico vermelho e deixaram o vento soprar em torno delas na viagem de regresso ao
hotel. Sentiram todos os solavancos da estrada ao longo do caminho.
Quando a noite caiu, o Parque Central voltou à vida. Os jovens que antes andavam por lá a
preguiçar multiplicaram-se e eram então muito mais do que o número de palmeiras e de decorações
da praça. Alguns faziam a sua própria música com instrumentos improvisados. Uma cacofonia de
vida e vibração soava em redor da praça. A percussão era fornecida pelas buzinas e pelos motores
dos automóveis.
Saíram do táxi-coco e, lentamente, subiram os degraus do hotel. Sentado no vestíbulo com chão de
mármore, com um jornal nas mãos, estava Greg. Vestia uma camisa cinzenta e calças cremes e teria
ficado bem nas páginas de uma revista de moda. Deu um salto quando as mulheres se aproximaram.
– Olá, Greg! Chegou cedo. Ainda não estamos prontas para o jantar – disse Emma.
– Não se preocupe. Estou a pôr-me a par das notícias do mundo. Sei que disse sete e meia, mas
queria ver o hotel. É muito agradável, mas tenho de admitir que prefiro o meu cantinho.
Sophie desfez-se em grandes sorrisos e brincou com os cabelos.
– Vamos ser o mais rápidas que pudermos – disse Emma.
– Não se apressem por minha causa, senhoras. Gosto de estar aqui sentado!
Quando entraram no elevador, Sophie não estabeleceu contacto visual com Emma. Era uma
situação difícil. Ambas se sentiam lisonjeadas e atraídas por aquele homem bonito. Emma achava
que Sophie estava constantemente a ver se ela fazia algo de errado. Seriam sete meses tempo e
distância suficientes para considerar um relacionamento com outro homem após a morte de Paul?
Não sabia dizer. O tempo tomara uma nova dimensão desde a morte de Paul e os dias pareciam horas
e os minutos semanas e às vezes, na verdade, não conseguia dizer a ninguém como se sentia por
dentro.
– Olha – falou Sophie –, sei que o viste primeiro, mas acho que não estás pronta para te
relacionares com alguém. Quer dizer, é muito cedo depois do Paul, não é?
Emma não queria acreditar que estava a ser puxada para aquela conversa.
– Claro. Se ele gostar de ti, então força – disse ela secamente.
Sophie sorriu. Sentia-se vingada. Precisava de compensação por ter perdido Paul. Era jovem,
necessitava de encontrar uma vida para si. Emma tinha o luxo do luto público, estava bem a nível
financeiro e tinha o filho como memória da sua união com Paul. Mas Sophie não tinha nada além de
sentimentos de perda após a morte de Paul. Iria desfrutar da companhia de Greg e Emma teria de
assistir, como ela costumava fazer nas ocasiões familiares e nas épocas festivas.

Greg abriu a porta do Floridita e as mulheres entraram, sentindo-se como se voltassem atrás no
tempo. Os empregados, usando os casacos escarlates com acabamentos em branco ao longo do
colarinho que eram a marca registada do local, andavam atarefados. Num canto, um trio tocava
guitarra, baixo e bateria. Emma podia sentir no ar o cheiro dos instrumentos antigos. Uma enorme
estátua de bronze de Hemingway enfeitava o bar, a cabeça era parecida com a que vira em Cojimar
mais cedo naquele dia.
– É quem eu penso?
– Sim. – Greg riu-se para Emma. – Vai descobrir que ele surge em muitos lugares, quanto mais
andar às voltas nesta cidade!
As letras La Cuna del Daiquiri, o berço do daiquiri, estavam gravadas no bar sob as decorações
de couro vermelho.
– Muito bem, minhas senhoras. Este é o lugar onde Hemingway criou a receita especial de daiquiri
na década de mil novecentos e trinta.
– O que leva? – perguntou Sophie, com um bater de pestanas. Seduzia Greg desde que tinham
deixado o El Telegrafo.
– É uma mistura de rum branco, é claro, e açúcar, limão e algumas gotas de marasquino com gelo
picado.
– Nham! Vou beber um – disse Sophie, lambendo os lábios sugestivamente.
– E você, Emma, não quer provar? – perguntou Greg.
– Pois sim, soa bem.
Greg conduziu-as a uma pequena mesa de plástico redonda que ficaria muito deslocada na
recentemente remodelada Irlanda do século XXI, mas em Havana parecia autêntica e perfeita.
Um empregado acorreu, com as calças cobertas por um longo avental branco, para combinar com a
camisa branca engomada. Tinha olhos azuis brilhantes que contrastavam com a pele cor de café.
– O que desejam? – perguntou ele, colocando pequenas bases de papel para copos frente a cada um
deles.
– Tres daiquiris, por favor – pediu Greg e recostou-se na cadeira de plástico, cruzando uma perna
sobre a outra. – Então, senhoras, parece-vos bem comer aqui? Está cheio de turistas, mas é bom.
– Agrada-me – respondeu Emma.
– Na verdade, tivemos uma Floridita em Dublin até há pouco tempo, mas não era nada assim –
disse Sophie.
– Verá isso com qualquer marca cubana que se encontre fora do país. Aposto que é tudo polido e
brilhante.
Sophie assentiu.
– Sim. Como em qualquer bar da moda de Dublin. Estive lá no lançamento de um produto a que o
meu namorado fazia publicidade e promoção.
– Qual dos teus namorados estava em publicidade? – atalhou Emma. Sophie nunca se referira a
ninguém em publicidade.
– Oh, nunca o conheceste – disse Sophie rapidamente. – Era apenas um rapaz com quem saí umas
semanas.
– Será que o Paul o conhecia? Ele mencionou algo sobre isso, alguma promoção que fez no
Floridita, de passagem. Tenho a certeza de que a Evans fez a cobertura do evento.
– Ele era muito jovem. Não me parece que tenha estado na Evans muito tempo.
O empregado colocou três copos na mesa.
Sophie agarrou o dela rapidamente e escondeu-se atrás dele.
– Tem uma ementa? Vamos comer aqui – disse ela para o empregado.
Emma franziu o sobrolho. Era a primeira vez que ouvia Sophie referir ter tido um namorado da
empresa de Paul. Porque nunca lhe dissera?
– Então, Emma da Irlanda, o que quer fazer a seguir?
Emma ainda pensava na irmã e no colega de Paul. Desejava preencher os espaços em branco e as
semanas que haviam levado à morte prematura de Paul. Mas Donal tinha-a advertido contra a ideia
de ir à procura de pistas e de coisas que não existiam. Dissera-lhe que provavelmente nunca se
saberia porque fizera Paul o que fizera.
– Tanto faz. – Ela encolheu os ombros. – Bem, quero ir dançar. Que tal a Casa de la Musica que o
nosso taxista Felipe nos aconselhou?
– Seja então a Casa de la Musica! – declarou Greg.

Quando tinham enchido a barriga com a enorme variedade de lagosta e marisco no menu do
Floridita, deram um pequeno passeio pelo Parque Central e pela Calle Neptuno em direção à Casa de
la Musica. À entrada, as duas irmãs entreolharam-se. Ambas pensaram a mesma coisa.
– Isto é como o salão em Longford que costumávamos visitar em crianças quando ficávamos com a
tia Joan.
Sophie tinha tirado as palavras da boca de Emma. O corredor sombrio com uma janelinha suja na
porta poderia tê-las levado a uma discoteca na Irlanda rural dos anos 80.
Greg pagou os quinze pesos conversíveis de entrada para os três e caminharam até um enorme par
de portas de vaivém. De trás delas vinha o ritmo de dança moderna em fusão com uma batida de
salsa.
– Uma renovação não fazia mal nenhum ao bar! – sussurrou Sophie ao ouvido de Emma.
Emma escrutinou o desolador balcão com cinco luzes fracas a iluminar as bebidas atrás do
empregado. Não havia uma vasta gama de marcas e bebidas, mas havia filas e filas de garrafas de
Havana Club. Não admirava que o menu tivesse tantos cocktails de rum para oferecer.
– Querem sentar-se, minhas senhoras, enquanto vou buscar bebidas? – perguntou Greg.
– Obrigada – respondeu Sophie, com um sorriso coquete, e levou a irmã para uma mesa perto da
pista de dança.
– A última vez que me sentei em bancos assim andava na escola – disse Emma, puxando para trás
uma cadeira de plástico cor de laranja. – É uma sensação agradável estar num sítio diferente das
casas noturnas do costume que se visitam nas férias.
– Este lugar é horrível. Tenho de ir à casa de banho. Aposto que é sombria.
– Oh, é simplesmente velho. Estamos habituadas a tudo ser brilhante e novo na Irlanda.
Sophie rolou os olhos pelo céu, enquanto ia à procura da casa de banho.
Greg voltou com três mojitos nas mãos fortes e colocou-os em cima da mesa.
– Obrigada, Greg – disse Emma, levantando o dela para tomar um gole.
– Onde está a Sophie?
– Vem já.
– A Sophie é divertida, Emma da Irlanda, mas não tem a sofisticação da irmã mais velha! – Ele
piscou um olho.
Emma corou e bebeu um gole do copo. Parecia menos sincero do que no início. A pista de dança
estava vazia e havia apenas um punhado de pessoas espalhadas pelo gradeamento e pelas cadeiras na
pista de dança.
– Há um cantor hoje à noite… é famoso em Cuba. Quando ele terminar, começa a verdadeira
dança.
Gabriel Martinez era um artista soberbo e cantou mais de hora e meia. Alguns dos locais
levantaram-se e dançaram enquanto ele cantava. Os turistas, principalmente sul-americanos e
canadianos, ficaram de lado a ver como se dançava a salsa.
Quando o DJ entrou no palco, houve uma corrida para a pista. Era diferente de qualquer outra
coisa que as irlandesas já tivessem visto. Um jovem casal cubano destacava-se da multidão. Ele
tinha um boné de basebol e uma camisa cor de vinho justa que combinava com a sua pele escura. Era
tão ágil e flexível como um elástico. A sua parceira de dança era exótica e usava uma minissaia cor-
de-rosa com uma blusa bastante decotada. As suas sandálias prateadas estavam constantemente no ar,
enquanto o parceiro a girava e largava ao ritmo da música. Movimentavam-se melhor do que
qualquer um dos participantes dos concursos de dança da televisão na Irlanda.
– Vamos lá, Greg. Aposto que sabe dançar! Vamos experimentar? – convidou Sophie, pondo-se de
pé.
Greg levantou-se e pegou-lhe na mão.
Emma viu com inveja como Greg, que era um bom dançarino, girava a sua irmã e efetuava um par
de movimentos de salsa. Riram e pareciam divertir-se.
Emma perguntou-se quão genuíno seria Greg. Dizia-lhe uma coisa e, em seguida, namoriscava com
Sophie. Será que precisava realmente que as suas emoções fossem assim remexidas? Sentia-se
confusa desde a morte de Paul. Não seria o mesmo se ele tivesse sido atropelado ou se se tivesse
afogado no mar ou morrido de doença prolongada. O inquérito fora angustiante e, embora não
passasse de uma formalidade e Donal lhe assegurasse de que não precisava de participar, ela odiava
as perguntas que pairavam sobre a morte do marido. Sim, ele sofrera um ataque cardíaco e fora isso
que o matara, mas o facto de haver dois frascos vazios, um de antidepressivos e outro de
comprimidos para dormir, levou ao abandono do inquérito, terminado como inconclusivo. Não fazia
ideia por que motivo o marido teria antidepressivos. E descobrir que ele os tomava na altura da sua
morte era ainda mais perturbador.
Tomou um gole e tentou esquecer tudo quando uma figura familiar lhe apareceu à frente.
– Emma!
Era Felipe. Ele vestia uma camisa branca e calças pretas – vinha direito do trabalho, sem dúvida –
e tinha um shot de rum na mão. O seu cabelo estava desgrenhado e a barba começava a aparecer, mas
estava lindo.
– Felipe! Como é bom vê-lo! – Emma ficou contente com a companhia. Havia algo de seguro nele
que ela não sentia na companhia de Greg. – Sabia que eu estaria aqui?
– Esperava que estivesse. Gosta?
– Sim. A música é ótima, tinha razão.
Felipe puxou uma cadeira de plástico e sentou-se ao lado dela.
– Teve um bom dia?
– Ótimo, obrigada. Encontrámos um canadiano e ele juntou-se a nós para o jantar.
Felipe olhou para a pista de dança, para Sophie e o seu parceiro. Ele não costumava tentar
conhecer turistas; perdera a mulher por travar amizade com um mexicano três anos antes. Agora, era
muito cuidadoso com as pessoas com quem fazia amizade. Mas gostava realmente de Emma. Fora
atraído pelos seus olhos azuis desde a primeira vez que a vira nas chegadas do aeroporto. Quando
voltara ao hotel no dia seguinte para fazer uma recolha, saíra para a varanda que dava para a piscina
e perscrutara as espreguiçadeiras até a encontrar sentada sob a sombra de um guarda-sol a trabalhar
no seu portátil. Fora o destino e a boa sorte que o haviam levado ao hotel na noite em que ela
precisava de um táxi, e ela não tinha saído dos seus pensamentos por um momento desde então. Mas
Felipe era, no fundo, uma pessoa tímida que mantinha os seus sentimentos para si próprio.
– Aonde foi hoje?
– Oh, andei às voltas por Havana velha e fui ver o Ambos Mundos e a catedral. Mas estou ansiosa
por amanhã.
– Sim, será muito bom. Gostaria de dançar?
Emma sentiu-se corar. No entanto, gostou da ideia de dançar com Felipe.
Felipe conduziu-a com tanta segurança que a fez sentir-se confiante com os seus movimentos.
Roçaram em Greg e Sophie.
Greg ficou surpreendido pela presença de outro homem, mas escondeu-o na perfeição.
– Greg Adams. – Estendeu a mão.
– Felipe – disse o cubano, apertando firmemente a mão do canadiano.
– Então, como conheceu as senhoras?
– Conduzi-as de Varadero até aqui.
Greg fez um sorriso aberto. Um motorista de táxi não era grande concorrência.
– E se eu fosse buscar umas bebidas? – sugeriu Emma. – Sophie, ajudas-me?
– Uma senhora não deve ir ao bar. Por favor, deixe-me tratar disso. O que gostaria de beber,
Felipe? – perguntou Greg.
– Eu estou bem.
As raparigas voltaram para os seus lugares com Felipe. Sophie não conseguia esconder o sorriso
no rosto. Felipe era a distração perfeita para a sua irmã e ela teria Greg só para ela.
– É ótimo você ter aparecido, Felipe! – disse ela, emocionada.
Felipe sentiu-se envergonhado com o seu entusiasmo. Sabia que ela não estava nada interessada na
sua companhia e percebia muito bem os planos dela.
Emma sorriu para Felipe. Os quatro organizaram-se, de repente, como casais e quando começou a
música de discoteca, Sophie utilizou todos os movimentos para marcar Greg como seu território.
Emma deixou Felipe conduzi-la na pista até precisar de se refrescar.
– Está cansada? Quer parar? – perguntou Felipe.
Emma pegou na bebida e abanou a cabeça.
– Não. Estava apenas a sonhar acordada! – respondeu ela, olhando para o relógio. – Oh! Não sabia
que eram quase três da manhã.
– Se quiser, posso acompanhá-la ao hotel?
– Porque não vamos todos? – sugeriu ela e chamou os outros. – Voltamos para o bar do El
Telegrafo? Eles hão de estar abertos para quem lá está hospedado.
– Parece-me bem! – exclamou Greg, levantando o seu mojito e terminando o conteúdo.
– Tudo bem – disse Sophie, voltando-se para Greg e lançando-lhe um olhar insuportavelmente
sedutor que irritou Emma.
Felipe conduziu-os alguns quarteirões de regresso ao Parque Central e quando chegaram à porta
parou de repente.
– Até amanhã, às dez horas?
– Não vem beber um copo? – perguntou Sophie.
Felipe abanou a cabeça.
– Não, vejo-vos amanhã.
Greg conduziu as duas mulheres para o bar enquanto Felipe desaparecia na noite.
– Pergunto-me porque não terá ele entrado? – suspirou Emma.
Greg encolheu os ombros. Ficou satisfeito por ter as duas mulheres só para si. Tivera um ménage à
trois maravilhoso com duas suecas em Miami uns anos antes e não se importaria de repetir a
experiência com duas irlandesas.
Emma desejou que Felipe ainda ali estivesse. Não conseguia olhar para Sophie a babar-se por
Greg por muito mais tempo.
– Acho que vou para o quarto. Estou cansada e tenho muita coisa para ver amanhã.
Os olhos de Sophie iluminaram-se.
– Okay, até logo. Não demoramos muito, pois não, Greg?
– De todo. Espero vê-la amanhã. – Entregou-lhe um cartão de visita. – O número de telemóvel está
aí se quiser ligar para passearmos.
– Obrigada – disse Emma, e foi até ao elevador sem olhar para trás. Boa sorte para Sophie. Podia
ficar com o Greg, podia ficar com quem quisesse. Já não se importava. O risco de se apaixonar por
outro homem era muito grande. O que ela fizera ao marido… que ainda tinha tanto para viver.
– Quer ir a algum lado? – sugeriu Greg a Sophie.
As sobrancelhas de Sophie elevaram-se.
– Okay. Gostava de ver o seu hotel.
Greg encolheu os ombros. Teria de se contentar com uma irmã.
Saíram para o Parque Central e para a colmeia de atividade que zumbia em seu redor.
– Fale-me do Canadá. Sempre quis lá ir.
– É um bom lugar para viver. Muito frio no inverno. Gosto de fazer as minhas viagens a Cuba
durante os meses de inverno.
– Mas provavelmente há neve?
– Abundância de neve. O que faz, Sophie?
– Sou designer. Desenho padrões de malha para uma empresa irlandesa, mas temos uma equipa
mínima agora que a maioria da nossa produção foi enviada para a China.
– É o mesmo em todo o mundo. Um momento difícil para o negócio de roupa.
Sophie não parecia perturbada.
– Sou muito boa designer!
Greg sorriu. Gostava da maneira sedutora da jovem irlandesa.
– Estamos quase lá. Vê aquele prédio na esquina?
Sophie assentiu. Subiram alguns degraus e entraram no átrio, que estava quase vazio para além de
um cliente muito velho e de Marco ao balcão.
– Turno longo hoje, Marco?
Marco sorriu, mas o cansaço abandonou o seu rosto quando viu a parceira de Greg. Era realmente
bela e exótica, os tons vermelhos no cabelo deixando-o boquiaberto. Estava habituado a ver Greg
entrar no hotel com diferentes mulheres bonitas.
– Tomamos uma bebida no meu quarto? – sussurrou-lhe Greg ao ouvido.
Sophie anuiu. Era o que ela queria.
O elevador era antigo e Greg dirigiu-a para as escadas.
– Estou no primeiro andar.
O quarto mostrou-se limpo e luminoso quando Greg acendeu a luz. Fizera do quarto um lar e os
seus objetos pessoais estavam espalhados por toda a parte.
Sophie foi atraída para uma pequena mesa de jogos de mogno num canto. O tampo tinha quadrados
de madeira mais clara.
– Pode-se jogar xadrez nesta mesa?
Greg aproximou-se e passou os longos dedos pela madeira lisa.
– Pode, se tivéssemos peças de xadrez. Mas podemos sempre brincar com outra coisa. E se forem
garrafas do minibar?
Sophie riu-se. A ideia agradou-lhe.
Greg pegou numa mistura de uísque, vodca, gim e rum e pô-los sobre a mesa.
– Como saberemos o que cada peça é?
– É complicado – concordou Greg. – Podemos sempre jogar às damas, hem?
– Com regras inglesas ou canadianas?
Greg encolheu os ombros.
– Podemos jogar com as regras do Canadá, mas isso pode envolver muitas garrafas. Portanto, seja
então damas inglesas. Quer ser uísque e gim?
– Não se importa que eu seja rum e gim?
– Claro que não, a escolha é da senhora. Então sou uísque e vodca. Porque não tornamos isto mais
interessante? Quando se comer uma peça do adversário temos de beber a garrafa, hem?
Sophie riu-se novamente.
– Muito bem. – Ficara bastante sóbria com toda aquela dança.
Greg aproximou as cadeiras da mesa. Em seguida, fez a primeira jogada. O jogo tinha começado.
Sophie estava muito ansiosa e comeu uma das peças de Greg logo que possível. Percebeu então
que teria de beber primeiro.
– Posso misturar Coca-Cola ou sumo?
– Isso é batota, não acha?
Sophie sorriu fracamente e bebeu a vodca num trago. Fez uma careta com a acidez na sua língua. O
calor do líquido alastrou-se pela sua garganta e ela começou a sentir o efeito do álcool.
Greg riu-se e preparou a jogada seguinte. Ele queria que ela comesse outra das suas peças.
– Oh, não – protestou ela. – Se for para aqui pode comer-me duas peças!
Greg fez como ela sugeriu e bebeu duas garrafas num ápice. Ele era alto e forte, conseguia aguentar
bem com o álcool.
– Esta é minha – disse Sophie, tirando outra garrafa de vodca e desenroscando a tampa.
Greg esboçou um sorriso deliciosamente suave enquanto observava Sophie. Quando ela fez a
jogada seguinte, ele colocou a mão em cima da dela.
– Deixe-me abri-la para si, hem?
– Eu consigo – disse ela. Mas o álcool estava a afetar a sua destreza. Entregou-lhe a garrafa e ele
tirou a tampa. Ela bebeu um gole e lambeu os lábios.
– Importa-se que me junte a si? – perguntou.
– Claro que não! – O jogo era apenas uma desculpa, um prelúdio para algo que ambos queriam.
Greg bebeu o rum de um só trago e levantou-se. Estendeu a mão e Sophie agarrou-a.
Caminharam até à cama, coberta com uma colcha branca. A ventoinha por cima das suas cabeças
girava, fazendo circular a humidade.
Greg levou a mão ao rosto dela e beijou-lhe a bochecha.
Sophie sentiu a tensão e a emoção a crescer entre eles. Estava ansiosa por ver a bonita cor da pele
dele escondida sob a camisa cinzenta.
Mas ele queria que ela estivesse pronta. Gentilmente, deitou-a sobre a cama e passou os dedos
escuros macios ao longo do seu corpo, desabotoando-lhe o top e fazendo-o descer pelos ombros. Os
seus olhos arregalaram-se quando viu o sutiã de abertura frontal – isso ficaria para mais tarde.
Deslizou os dedos sobre o elástico da saia e puxou-a para baixo com suavidade, levando também as
cuecas. De seguida, ajoelhado no chão, deslizou as mãos ao longo das suas coxas para lhe abrir as
pernas.
Sophie doía por dentro. Ansiava por sentir a língua dele a percorrer o seu ponto mais sensível.
Não teve de esperar. Ele era um especialista e sabia como levar uma mulher ao orgasmo
rapidamente, mas sem tirar o prazer da antecipação. Sophie gritou quando ele colocou os dedos
dentro dela para lhe aumentar o prazer.
Sophie pôs as mãos na nuca dele e puxou-o até aos seus seios. Ele abriu o fecho e passou por
momentos os lábios pelos mamilos e depois lambeu-os com a língua com sofreguidão. Teve de tirar a
camisa, húmida e peganhenta de suor.
Sophie ajudou-o a tirar as calças; não usava roupa interior e os olhos dela arregalaram-se quando
viu a ereção dele pela primeira vez. Não conseguiu conter o desejo de o agarrar e sentir o seu
tamanho. Não estava tão excitada desde a primeira vez que fizera amor com Paul no chão do seu
escritório. A fisicalidade do homem bonito à sua frente tinha-a deixado num frenesim. Sentiu-o
penetrá-la, o rosto refletia o prazer de cada estocada. Sophie gritou. Tinha finalmente encontrado o
homem para substituir Paul?
12

O despertador tocou e Donal saltou na cama. Desligou-o e lentamente deitou-se.


– Desculpa – disse a Louise. – Devo tê-lo ligado na noite passada. Estávamos tão distraídos
quando viemos para a cama.
– Não faz mal. Preciso de ir ver como está a minha mãe e quero voltar ao hospital.
Donal olhou a mulher de cima a baixo. Ela cheirava sempre tão bem ao acordar. Havia três meses
que tinham feito amor pela última vez.
Louise saiu da cama e vestiu o roupão, alheia às emoções que despertava no marido. Foi direita ao
quarto de hóspedes, onde a mãe estava prostrada na cama com a boca aberta e um ressonar alto.
Tivera um choque terrível, mas estava disposta o suficiente na noite anterior para telefonar a
Louise antes de ela sair do hospital e pedir-lhe que passasse em casa e lhe levasse o creme de rosto
e algumas outras coisas de que precisava para conseguir dormir.
Maggie Owens era uma mulher extraordinária, tão conservadora, tão religiosa e tão convencida da
sua retidão. Mas Louise admirava-a pela forma como se apresentava e comportava. Facilmente
passaria por uma mulher dez anos mais nova, mas havia uma razão para ela não ter muitas rugas no
rosto e não era botox nem o chapéu que usava para proteger a pele do Sol. Maggie deixava todas as
preocupações financeiras e emocionais para o marido. Ele era um homem e todos esses assuntos
eram com ele. Ela tinha um emprego só porque parecia bem e era um membro destacado ainda que
crítico da sociedade.
Louise sabia que ela iria transformar aquele acontecimento trágico, o espancamento do marido,
num ataque pessoal.
Considerou telefonar às irmãs em Havana, mas não havia razão nenhuma para lhes dizer. Para quê
encurtar as férias de Emma quando faltava só um dia? Ela merecia o intervalo. Louise não se
importaria de encurtar as férias de Sophie, mas também não serviria de nada.
Finn saiu do quarto a coçar a cabeça.
– Como está o avô?
– Ele vai ficar bem – assegurou-lhe Louise. Depois de perder o pai de forma tão trágica, ela
percebeu o quão importante os modelos masculinos eram na vida do jovem rapaz.
– Isso é bom – disse ele timidamente, e foi até à casa de banho.
Louise voltou ao quarto para se vestir.
– Vou ao hospital ver como está o meu pai – disse ela para Donal. – Dás o pequeno-almoço às
crianças e vês se está tudo bem com a minha mãe?
– Estava previsto eu ir para o clube.
Louise olhou para o marido em desespero.
– Okay – disse Donal. – São circunstâncias raras.
Louise pegou na mala e desceu as escadas. Tirou uma banana da fruteira e foi buscar as chaves do
carro ao gancho onde sempre repousavam ao lado do telefone. Então entrou no seu monovolume e
conduziu até ao Hospital Beaumont.
Não estava na estrada há muito tempo quando o telemóvel indicou a chegada de uma mensagem.
Decidiu que era melhor verificar no caso de haver algum problema em casa. Mas a mensagem não
era de Donal, era de Jack.
Preciso de te ver J
Estremeceu quando olhou para o ecrã. Andara a pensar sobre a figura de parva que fizera no
sábado anterior até que tudo aquilo acontecera. Ele era solteiro sem compromissos. Era normal que
esperasse que ela estivesse disponível para ele a qualquer momento. Mas aquele não era o momento.
Tinha de dar prioridade à família.
Conduziu com calma ao longo de Sybil Hill, tentando não pensar em Jack, mas ele invadiu a sua
cabeça o caminho até à rotunda de Artane.
Não conseguia resistir à tentação. Ligou a função Bluetooth no botão do volante e marcou o
número de Jack.
Ele atendeu rápido.
– Olá, Louise, és tu?
– Olá, Jack. Olha, tenho uma crise familiar de momento. O meu pai está no hospital. Foi espancado
por um assaltante.
– Isso é terrível. Sinto muito em ouvir isso. Ele vai ficar bem?
– Acho que sim. Mas descobriram mais qualquer coisa quando o levaram para observação. Estás
bem?
Jack, de repente, sentiu-se novamente um aluno a procurar segurança na sua professora, enquanto
ela lidava com uma verdadeira crise de adulto.
– Estou. Só precisava de falar contigo depois da maneira como te foste embora. Desculpa.
– Jack, não fizeste nada de errado. Sou casada e estou numa posição diferente da tua!
– De momento, tenho o dom de perturbar as pessoas. Especialmente a Aoife!
– O que aconteceu?
– Não fui muito simpático para ela. Suponho que é a tal coisa das dúvidas que discutimos.
– Jack, tens de fingir que não me encontraste novamente. Não é bom para nenhum de nós.
– Estou a tentar, mas não parece funcionar. Também lamento muito o que te disse no café naquele
dia.
– Olha, precisavas de tirar isso do peito. Eu estou bem, mas sou casada e tens de te lembrar que
são só dúvidas o que sentes.
Jack suspirou. O que estava ele à espera que ela fizesse?
– Obrigado por me ligares, Louise. Só queria ter a certeza de que tudo estava bem entre nós.
– É claro, Jack, mas vou estar ocupada por uns tempos com esta coisa horrível que aconteceu aos
meus pais.
– Compreendo. Vá, vai lá. E dá notícias.
– Fica bem, Jack. Depois ligo-te.
Louise desligou. Pela primeira vez desde que reencontrara Jack estava feliz por ter tido a força de
não se deixar arrastar para um caso amoroso. A sua vida já era suficientemente complicada.

Jack não se sentia muito melhor depois de ouvir a voz de Louise. Tinha esperança de que talvez se
pudessem encontrar e ela resolveria os seus sentimentos, mas as coisas eram muito diferentes agora
para ela.
Precisava de falar com Aoife. O que sentia? Porque estava tão confuso? Pegou no telemóvel e
marcou o número dela. Tinha de fazer alguma coisa.

Aoife passara a noite em Malahide. Telefonara à amiga Cathy, tinham descido até Gibneys, sempre
animado ao domingo à noite, e bebido garrafa após garrafa de Smirnoff Ice. Compraram um saco de
batatas fritas no Beachcomber e beberam chá na cozinha da mãe dela até às quatro da manhã. Mas,
quando acordou, não se sentia melhor. Embora tivesse namoriscado com muitos homens em Gibneys,
depois de a amiga lhe assegurar que ela tinha todo o direito de o fazer e de que Jack precisava de
aprender algumas lições, sentiu-se mal, mal por Jack e por si própria.
Porque estava ele assim de repente? Alguma coisa mudara!
Entrou na casa de banho e olhou para o seu reflexo. Normalmente retirava a maquilhagem antes de
ir para a cama, mas, vendo melhor, não se encontrava assim lá muito bem após a longa conversa com
Cathy e lembrava-se de ter derramado muitas lágrimas, enxugadas com papel de cozinha grosso.
Tinha de falar com Jack. Enxugou o rosto com um pano e voltou para o antigo quarto para se vestir.
Iria encará-lo. Nem teve de dar o primeiro passo. Subitamente, o telefone tocou. Reconheceu o
número e deixou tocar até quase ir para o correio de voz.
– Sim.
– Sou eu, preciso de te ver.
– Não sei se te quero ver.
– Aoife, lamento muito todas as coisas que te disse ontem.
– Porque as disseste se não as querias dizer?
– Eu queria, quer dizer, não queria era que saíssem daquela maneira.
– Tens muitas explicações a dar, Jack Duggan.
– Eu sei, podemos encontrar-nos?
Aoife suspirou.
– Eu vou a Howth. Quero mudar de roupa.
– Vamos dar uma caminhada nas falésias. Está um bom dia.
– Estou exausta. Fiquei acordada até tarde.
– Oh! – Jack perguntou-se com quem teria ela estado. – Okay. Podemos conversar aqui no
apartamento. Estou cá.
– Tudo bem – disse Aoife e desligou abruptamente.
Conduziu com a angústia a borbulhar dentro dela como numa panela de pressão. Não tivera
coragem de dizer aos pais o que acontecia. Tanto quanto eles sabiam, ela passara uma noite há muito
prometida com Cathy. Estava demasiado envergonhada para lhes contar as coisas dolorosas que Jack
lhe dissera.
Os portões dos Apartamentos St. Lawrence’s Quay abriram-se e ela estacionou o carro. Olhou para
as mãos e tremiam. E nem sequer era o efeito do álcool da noite anterior que causava aquilo.
A viagem de elevador foi breve. Parou à porta do apartamento e meteu a chave na fechadura. Antes
de a rodar, Jack abriu.
– Olá – disse ele timidamente.
Ela olhou para os olhos azuis de menino e para as belas feições e sentiu-se a derreter. Amava-o
tanto. Mas no momento tinha o dever de não o mostrar.
– Quero ir buscar uma coisa ao quarto. Já venho falar contigo.
Passou rente a ele e atirou a mala para o sofá. Bateu com a porta quando entrou no quarto e caiu
sobre a cama, escondendo o rosto nas mãos. A sua intuição disse-lhe que algo terrível estava para
acontecer. Não conseguia suportar a ideia de contar aos pais que o casamento tinha sido adiado ou,
pior ainda, cancelado.
Teve de se recompor. Trocou de roupa e deixou Jack apreensivo sentado no sofá da sala enquanto
aplicava a maquilhagem e escovava o cabelo. Verificou como estava no espelho e sentiu-se muito
mais capaz de enfrentar o noivo.
– Então. Queres falar sobre o quê? – perguntou ela, firmemente de pé no tapete felpudo. – Vem
sentar-te ao meu lado.
Ela manteve-se firme.
– Prefiro ficar de pé, obrigada.
– Aoife, esta é a coisa mais difícil que alguma vez tive de fazer.
– Bem, é muito difícil para mim também. Acho que o melhor é dizeres logo o que tens a dizer.
Jack levantou-se, para estar no nível dos olhos da noiva.
Ela deu alguns passos para trás.
Ele avançou e estendeu a mão para acariciar o seu rosto, mas ela fez uma careta.
– Acho que devemos adiar o casamento.
Aoife arquejou.
– Conheceste outra pessoa?
– Não há mais ninguém – afirmou ele, depressa de mais para soar convincente.
– É isso, não é? Estás a ter um caso?
Jack sacudiu a cabeça obstinadamente.
– Não estou a ter um caso. Por favor, acredita em mim. E quero que continuemos a viver juntos.
Mas está tudo fora de controlo. A tua família, os planos de casamento, a lua de mel... Preferia que
fizéssemos algo pequeno e simples. Só nós.
– Mas nunca disseste nada antes.
– Transformou-se numa bola de neve. Primeiro só íamos ter família e depois alguns amigos e
depois foram alguns colegas de trabalho e antes de termos dado conta estávamos a convidar toda a
gente que conhecemos e agora precisas de um vestido de noiva de marca e... a lista continua.
– Todas as raparigas sonham com o dia do casamento e eu quero que ele seja realmente especial.
– E eu também, mas tem de ser sobre o casamento. Não o dia do casamento.
Aoife olhou para ele com um ar sério.
– Eu pensava que era!
Jack não tinha feito um bom trabalho a explicar os seus verdadeiros sentimentos, porque não estava
a ser verdadeiro. O pensamento de uma vida com apenas uma mulher assustava-o. Ter encontrado
Louise e sentido algo que não sabia que ainda sentia assustavam-no e agora o pensamento de perder
Aoife também o assustava.
– Por favor, podemos apenas adiar o casamento e voltar tudo ao início? Não é bom andar a dar nas
vistas com tantas pessoas a perder os empregos e a economia neste estado.
Aoife respirou fundo.
– Vou fazer uma mala e vou para casa por alguns dias. Não sei como me sinto. Não estás a ser
muito justo a atirar isto para cima de mim assim de repente.
– Eu sei. Voltas?
Ela abanou a cabeça.
– Não sei.
Jack, de repente, percebeu o que tinha feito.
– Então não vás. Desculpa, Aoife. Não quero perder-te.
Aoife esforçou-se por conter as lágrimas.
– Sinto-me como se alguma coisa se tivesse quebrado entre nós. Amava-te tanto. Tinha tanta
certeza de que encontrara o meu par perfeito.
– Eu sou… tu és… nós somos – insistiu Jack.
– Se sentisses o mesmo que eu, não estaríamos a ter esta conversa.
Ela tinha razão e Jack provocara tudo aquilo.
– O que tenho de fazer para compensar isto?
– Não podes desfazer o que foi dito. Acho que é melhor eu voltar para casa da minha mãe. Pelo
menos por uns dias.
Jack assentiu. Ele precisava de tempo para digerir o que começara. Precisava de ter a certeza do
que realmente queria.

– Houve pelo menos três sacanas responsáveis por bater no pai – disse Louise, atirando a mala
para a mesa da cozinha.
– Estás bem? – perguntou Donal. – Descontrai-te e conta-me novamente, mas mais devagar.
Louise tremia, mas apreciou a preocupação calma de Donal.
– O meu pai já prestou declarações à polícia enquanto eu estava com ele e disse que tinham sido
rapazes jovens, com capuzes como o Matt usa. Não terão mais de quinze ou dezasseis anos.
– Ele tem a certeza? Parecem muito novos.
Louise concordou.
– A polícia confirmou. Andam à procura de um gangue de jovens de boas famílias em Raheny que
estão a aterrorizar os idosos, a roubá-los e depois a espancá-los. Nem sequer têm medo suficiente
para disfarçar a aparência. A polícia diz que é difícil apanhá-los e ainda mais difícil condená-los por
causa da idade. Em que está o mundo a transformar-se, Donal?
Donal coçou a cabeça.
– É bem desagradável.
– Podiam tê-lo matado e provavelmente tê-lo-iam feito se a mãe não tivesse aparecido.
– Decerto que não.
– Donal, eles usaram paus para lhe bater e parte da diversão é causar danos corporais às vítimas.
Quase mataram um rapaz que ia para casa com a namorada às oito da noite, há algumas semanas. Não
conseguia acreditar no que a polícia me dizia.
– Bem, pelo menos o teu pai vai ficar bem.
– Ele está muito abalado e estão preocupados com o coração dele. Disseram que estava muito
fraco.
– Por causa do ataque?
Louise encolheu os ombros.
– Não tenho a certeza. Pode ter sido induzido pelo ataque, mas já lá tinha uma fraqueza. Três das
válvulas estão bloqueadas.
– O que vão fazer?
– Parece que vai precisar de um bypass triplo.
– Isso não é nada bom. Sobretudo na idade dele.
Louise acenou com a cabeça – exatamente o que ela pensava.
– O que levaram?
– A carteira, só tinha vinte euros. Na realidade só as joias da minha mãe é que poderiam ter algum
valor para eles, mas não estiveram lá tempo suficiente para as encontrar.
– É tudo tão sem sentido.
– Eu sei, mas quando estava sentada lá dentro não pude deixar de perguntar a mim própria se isto
não é uma espécie de bênção disfarçada. Se algo de errado se passa com o coração dele, esta
operação pode salvar-lhe a vida e nunca seria marcada se ele não tivesse vindo parar ao hospital
para observação depois do roubo.
Donal ergueu as sobrancelhas.
– Isso seria uma estranha reviravolta do destino. – De repente, arvorou uma expressão de pânico. –
Espera aí. Se o teu pai vai ser operado, o que vai acontecer à tua mãe?
A cara de Louise entristeceu. Gostava tanto da ideia de ter de tratar da mãe como Donal.
– Pelo menos a Emma já volta na terça-feira e podemos partilhá-la!
13

A primeira coisa em que Emma reparou ao acordar foi na cama vazia ao lado dela. Não ficou
surpreendida. Sophie tinha ficado obcecada por Greg desde que lhe pusera os olhos em cima e ela
conseguia sempre o que queria.
Olhou para o relógio. Era uma boa altura para telefonar a Finn e ver como estavam as coisas.
Estendeu o braço para a mesa de cabeceira e pegou no telemóvel.
– Finn?
– Olá, mãe.
– Querido, como estás? Sinto tantas saudades tuas.
– Tem sido uma loucura por aqui. O avô foi espancado por um ladrão e a avó passou aqui a noite.
A Louise foi para o hospital e o Donal está a tentar manter a avó feliz!
Emma sentou-se na cama com o choque. Sentia o coração a bater.
– E o avô está bem?
– Acho que sim. A Louise ainda não voltou. Havia sangue na cabeça e tudo.
– Oh, meu Deus! Posso falar com o Donal?
– Claro, vou chamá-lo.
A mente de Emma não parava. O pai era um homem grande, mas tinha-se tornado frágil desde os
setenta e não estava ciente das restrições que o próprio corpo exigia.
– Emma, é o Donal.
– Olá, Donal. O Finn acaba de me contar sobre o pai. Como é que ele está?
– Louise, não te quisemos incomodar porque estavas de férias e, de qualquer maneira, amanhã já
vens para casa.
– Podia ter tentado chegar hoje.
– Sinceramente, não vale a pena. O teu pai vai ficar bem. Está abalado e no hospital para
observação. – Não havia necessidade de a preocupar com os pormenores da iminente cirurgia
cardíaca. – Acho que estavam preocupados com a idade dele e é por isso que o mantêm lá.
– Ela devia ter-me dito!
– Tens de me culpar por isso. Na verdade, Emma, nós estamos bem.
– Tenho muita sorte em ter-te como cunhado. Espero que a Louise também perceba a sorte que tem.
Não deve ser fácil acalmar a mãe.
– Tenho a tua mãe controlada. Ela está bem.
– Obrigada por tudo.
– Somos uma família, Emma.
Fora o que ele dissera quando a acompanhara durante o inquérito de Paul. Pedira ao seu bom
amigo John, um advogado, que tratasse do caso, que tinha sido encerrado com a maior sensibilidade.
Ninguém precisava de saber porque morrera ele. Não serviria qualquer propósito. E Finn nunca
precisaria de saber, nem qualquer outro membro da família Owens ou Condell, que tinha havido
sequer um inquérito. Emma sabia que se podia confiar em Donal acerca daquilo, então podia confiar
nele para qualquer outro assunto imaginável.
– Muito obrigada, Donal.
Donal, por vezes, perguntava-se se não teria casado com a irmã errada. Emma era tão calma e
estável – tudo o que Louise não era. Mas, vendo bem, talvez ele e Emma fossem demasiado
parecidos. Não fora a atração entre opostos que o atraíra para Louise?
– Vejo-te na terça-feira. Aproveita o resto das férias.
– Até lá então.
Emma desligou e contemplou a ideia de ligar a Sophie. Não, não queria que Greg pensasse que ela
queria saber o que se passara. Em vez disso, escreveu-lhe uma nota no papel timbrado do hotel.
Os pais foram assaltados. O pai está no hospital, mas está tudo bem.
Emma tomou um duche e decidiu que tinha muito tempo para o pequeno-almoço antes de se
encontrar com Felipe. Não queria ver Sophie, nem ouvir os pormenores da sua noite com o belo
Greg.

– Oh, meu Deus! És incrível! – gritou Sophie quando caiu ao lado de Greg e descansou a cabeça no
seu peito brilhante. Gotas de suor escorriam-lhe pelo rosto sardento beijado pelo sol e caíam na pele
cor de café dele. Queria lambê-las do peito dele! Ele despertara nela instintos animais que nem sabia
que tinha.
– Estará a tua irmã a interrogar-se onde tu andas? – perguntou ele tão friamente como se tivesse
tirado um café em vez de ter feito ginástica sexual alguns momentos antes.
– Ela sabe onde eu estou.
Greg também sabia disso e lamentava. Gostara mesmo mais de Emma, mas Sophie parecera mais
brincalhona. Acertara. Mas ligações como aquela com Sophie eram comuns para Greg e ele gostara
da maneira como a cabeça de Emma trabalhava. Provavelmente não devia ter seguido a opção mais
fácil. No entanto, elas ainda estariam na cidade mais uma noite. Podia sempre tentar a sua sorte com
Emma mais tarde.
– Quais são os vossos planos para hoje?
– A Emma vai encontrar-se com o motorista de táxi e vão visitar um sítio qualquer relacionado
com Hemingway. Por isso, estou livre! – Sophie sorriu. – Estou tão feliz por ter esta separação dela.
É pesado estar com a minha irmã todos os dias. Especialmente depois de todo o episódio de Paul.
– Paul é o marido?
– Foi. Está morto.
Greg perguntou-se porque é que a Emma omitira essa informação quando lhe contara sobre o
marido.
– Sinto muito em ouvir isso. Quando é que ele morreu?
– Em setembro passado. Emma não se consegue recompor desde então.
– Deve ser muito difícil. Como é que ele morreu?
– Ataque cardíaco.
– Mas ele ainda devia ser jovem?
– Quarenta. Era muito porreiro.
Greg ficou intrigado com o tom de voz e a expressão.
– Parece que gostavas bastante dele?
Sophie assentiu. Poderia dizer a Greg – não tinha nada a perder. Nunca mais o veria, afinal, e seria
bom poder dizer a alguém que ela também amara Paul.
– Eu amava-o e ele amava-me. Fomos amantes nos últimos três anos da sua vida.
Greg respirou fundo.
– Isso era brincar com o fogo, não achas?
– Nem sempre podemos escolher por quem nos apaixonamos.
– Poderia ter corrido muito mal se a tua irmã tivesse descoberto.
– Ele estava apenas a alguns dias de lhe contar sobre nós. Tínhamos marcado estas férias para
celebrar. Ele ia deixá-la ficar com a casa e vinha morar comigo.
– Uau! – Greg tinha-se envolvido em relações precárias ao longo dos anos, mas aquela rapariga
tinha tomates. – Então a Emma não faz a mínima ideia?
Sophie abanou a cabeça.
– E tu também não lhe vais dizer, pois não?
– Já fiz algumas coisas bem perigosas ao longo dos anos, mas não consigo competir com isso.
Acho que é melhor a Emma não saber. E se fosse a ti não contaria sequer a mais ninguém.
Sophie não gostou da mudança no tom de Greg. Não aceitava ter uma lição de moral de ninguém.
– Toma um comprimido para os nervos, Greg. Um homem como tu tem de certeza alguns segredos.
Onde está a tua mulher?
– Sou divorciado. Estou sozinho agora e por isso sou um espírito livre.
Os olhos de Sophie arregalaram-se. Lamentou ter revelado tanto. Talvez fosse alguém com quem
pudesse ter um futuro? Desde que perdera Paul, queria desesperadamente reencontrar o amor. Queria
uma família – a oportunidade de experimentar as coisas que as irmãs tinham.
Não voltaria a mencionar Paul. Talvez devesse ter uma abordagem diferente com Greg.

Emma estava no átrio do El Telegrafo, onde, na noite anterior, deixara Sophie e Greg. A receção
encontrava-se repleta de visitantes que procuravam ajuda e informações antes de partirem para as
explorações do dia. Olhou para o relógio – eram exatamente dez horas quando Felipe apareceu,
trazendo uma simples T-shirt preta e uns calções caqui – e uma pulseira de couro no pulso. Parecia
totalmente diferente sem o uniforme preto e branco habitual, mais como um rebelde do que um
motorista de táxi.
– Bom dia, Emma. Dormiu bem?
– Sim, obrigada, Felipe. – Hesitou por um momento. O stresse do telefonema para casa tinha-lhe
posto a cabeça à roda.
– Sente-se bem?
– Tive más notícias de casa. O meu pai foi atacado ontem por assaltantes. Sinto-me mal por não
poder fazer nada de tão longe.
– Isso não é bom. Ele está no hospital?
Emma assentiu com a cabeça.
– Acho que ele vai ficar bem e não posso fazer nada até chegar a casa. – Sorriu para ele. – Julgo
que devemos começar o nosso passeio. É muito simpático da sua parte levar-me a passear no seu dia
de folga.
Felipe sorriu.
– É agradável para mim.
E Emma sentiu que era bom ter alguém para desviar a sua mente das preocupações de casa.
– O que costuma fazer no dia de folga? – perguntou Emma.
Ele encolheu os ombros.
– Às vezes visito a minha mãe em Pinar del Río.
Ele conduziu-a pelas escadas abaixo até um Buick descapotável vermelho.
– É este o seu? – espantou-se ela.
Felipe anuiu.
– O meu pai e eu montámo-lo a partir de várias peças. O motor é Lada, mas funciona bem.
Emma deixou Felipe abrir-lhe a porta e sentou-se no banco de couro quente com emoção e
expetativa.
Felipe colocou um par de óculos escuros e ligou o motor. O fumo de um gigantesco autocarro
Camello envolveu o carro, mas Emma não ficou aborrecida – aquela era a maneira mais elegante de
viajar em Cuba.
A estrada não tinha sinais, como todas as estradas pelas quais viajara em Cuba. Era fantástico ver
a azáfama de Havana de dentro do romântico carro vintage. Olhou para Felipe e ele também parecia
diferente. Fora das roupas de taxista, parecia mais ele próprio. Emma sentiu que havia muita coisa
escondida sob a superfície da enigmática personagem que estava sentada a seu lado. Não era como
os cubanos que trabalhavam nos hotéis e bares e também era diferente da família de Dehannys. Não
conseguia descobrir o porquê, mas os silêncios dele deixavam-na curiosa.
– Veio de Matanzas esta manhã?
– Passei a noite com o meu primo em Vedado. O meu pai trouxe o carro hoje. Ele está de visita à
irmã.
– Fico feliz por ouvir isso. Não gostava nada de o ter obrigado a desviar-se do caminho.
– É bom passar um dia assim. Gosto de Hemingway.
Emma ficou surpreendida.
– Oh, já leu?
– Apenas dois romances. É difícil conseguir livros que não sejam sobre a Revolução!
– Posso enviar-lhe alguns em espanhol. Consigo comprá-los na internet na Amazon.
Felipe sorriu.
– Obrigado. Mas preferia em inglês. Assim posso praticar.
– Vou encomendar alguns livros de Hemingway e enviar-lhos assim que chegar a casa!
Viajaram para a periferia da cidade onde as estradas se tornaram ainda mais esburacadas do que
em Havana. O carro começou a subir quando chegaram a uma estrada mais estreita e à distância
Emma viu a placa para a Finca Vigía.
Subiram umas escadas que levaram até a entrada da casa e Emma sentiu-se como se recuasse no
tempo até 1960, à última vez que Hemingway ali estivera.
Havia garrafas meio vazias de bebidas espirituosas ao lado da cadeira favorita do escritor. Troféus
de caça cobriam as paredes e ela e Felipe pararam para olhar para a bonita gazela que tinha sido
morta em África e trazida através do Atlântico.
– É tão cruel, mas faz tanto parte de quem ele era – afirmou Emma.
– Venha. – Felipe fez-lhe sinal.
Passaram ao escritório, onde milhares de livros no idioma inglês cobriam as paredes. Emma
analisou as lombadas e desejou agarrá-los e sentir as próprias palavras que, em algum momento,
deviam ter inspirado o grande homem. O curador do museu observava-a atentamente. No escritório, a
gasta máquina de escrever preta de Hemingway repousava sobre um livro grosso de capa dura –
elevada, para que ele pudesse escrever em pé.
– Gostou? – questionou Felipe.
– Oh, é maravilhoso. Mais do que alguma vez imaginei que fosse. Muito obrigada por me ter
trazido cá.
– Gosto de vir aqui. Gosto de livros, mas durante algum tempo depois de terminar a universidade
não me apeteceu ler mais nada.
– O que estudou?
– Direito.
– E terminou?
– Sim. E pratiquei, mas parei há dois anos. Agora ganho mais dinheiro.
– Oh! Desistiu de ser advogado para conduzir um táxi?
Emma estava abismada com a ideia de Felipe desistir de uma boa profissão para conduzir turistas,
a fim de poder sustentar-se melhor. Sempre sentira que Felipe era mais do que aparentava e aquela
revelação confirmava-o.
Felipe evitara dizer demasiado sobre si próprio. Agora sentia que era o momento certo para lhe
fornecer dados pessoais. Tendo em consideração as experiências anteriores, demorava a confiar nas
pessoas – sobretudo de outros países. Mas realmente gostava de Emma e o facto de ela não o
questionar ou querer saber mais sobre a sua outra profissão agradava-lhe.
Visitaram o resto da residência, o que não demorou muito, e quando Emma olhou para o relógio
ainda eram só onze e trinta e tinham o dia inteiro pela frente.
– Gostaria de almoçar em La Habana? Posso mostrar-lhe um bom sítio.
– Obrigada, Felipe. Acho que já vimos tudo por aqui.
Ele abriu a porta do carro, que parecia um forno, depois de estar sob o sol quente. Uma brisa
quente soprou para dentro do carro enquanto faziam a viagem de regresso a Havana.
– A minha mulher adorava aquela casa. Sempre quis morar numa casa assim.
Emma ficou surpreendida.
– Foi casado?
– Fui durante quatro anos. O meu amigo do México gostava da minha mulher. Também era
advogado, mas no México um advogado pode fazer muito dinheiro. A minha mulher gostava de coisas
caras e também gostava dele. – Sorriu, irónico.
– Sinto muito em ouvir isso, Felipe. Deve ter sido horrível.
– Foi difícil, mas agora estou feliz. A minha mãe nunca gostou dela. A minha mulher não gostava de
crianças.
– Tem filhos?
– Não. Tenho muita pena.
– Eu tenho um filho. O nome dele é Finn e tem nove anos.
– E o seu marido?
– O meu marido está morto. – Emma respirou fundo. Até àquele momento fora horrível dar essa
informação. Era como se revelasse a alma. Contudo, sentiu-se bem ao dizê-lo a Felipe, ali no carro,
no caminho para Havana. – Morreu há sete meses.
Felipe abrandou e olhou para Emma.
– Lamento muito.
Ela sabia que ele sentia o que dizia.
– Obrigada.
– Como morreu? – Ele não teria perguntado se não sentisse que ela queria falar sobre isso.
– Teve um ataque cardíaco.
– Isso é muito mau.
– Sim, mas não foi um ataque cardíaco normal. Foi depois de tomar demasiados comprimidos.
Queria suicidar-se.
Felipe não sabia como reagir.
– Tem a certeza de que não os tomou por engano?
– A autópsia foi inconclusiva, mas acho que ele sabia exatamente o que fazia. A data no frasco dos
comprimidos era a do dia em que ele os tomou.
Felipe conduzia e tinha de manter os olhos na estrada, mas aquela era uma conversa que precisava
da sua atenção. Decidiu levá-la a um sítio onde pudessem conversar e ela dizer tudo o que precisava.
Emma não pestanejou. Olhava em frente para o trânsito em sentido contrário. Já estava, dissera-o e
a um desconhecido. Sentiu alívio. Até então Donal fora a única pessoa no mundo em quem podia
confiar. Mas agora tinha Felipe e depois do dia seguinte nunca o iria ver, por isso não fazia mal
contar-lhe a sua vergonha. Como é que alguém pode ser tão infeliz com a sua vida e a sua família
para querer suicidar-se? Perguntava-se a si própria várias vezes por dia e ainda não conseguira
encontrar uma resposta conclusiva.

– Temos mesmo de nos levantar – insistiu Greg. – O pequeno-almoço já acabou!


Sophie tinha seduzido Greg para mais uma sessão de amor e ele estava a ficar ansioso por ir
chegar atrasado ao encontro com um negociante de arte.
– Não conseguiria comer nada! – exclamou Sophie, sentando-se na cama com as almofadas fofas
atrás dela. – O que vamos fazer hoje?
– Tenho de visitar um negociante ao meio-dia, podes vir comigo e a seguir vamos comer qualquer
coisa, se te parecer bem, hem?
– Okay.
Greg saiu da cama e entrou na pequena, mas completa, casa de banho. O calor do exterior flutuava
pela janela aberta e a ventoinha no meio do quarto não estava a ser suficiente como na noite anterior.
Sophie infiltrou-se no chuveiro, mas o Greg insistiu com ela que, de facto, o espaço não era grande
o suficiente para os dois. Pegou na toalha e começou a secar-se, enquanto ela deixava a água esfriar
o corpo momentaneamente.
Sophie sentia-se entorpecida depois de fazer amor com Greg e de saber que ele era solteiro. Iria
ver que outras informações podia sacar-lhe ao longo do dia.
Olhou para a saia e a camisa amarrotadas da noite anterior, num monte no chão. Não tinha escova
de cabelo. Teria de ser criativa – era Sophie Owens e conseguiria ficar com um aspeto fabuloso.
Tirou um elástico de dentro da minúscula mala, virou a cabeça para baixo e amarrou o cabelo num
rabo de cavalo. Atou a camisa e puxou-a para cima até ao sutiã para a tornar mais casual e adequada
ao dia. A saia era de chiffon e os vincos desapareceriam quando a vestisse.
– Estamos prontos? – Greg tinha vestidos um pólo e calças creme com vincos à frente.
– Claro – afirmou Sophie, com um sorriso. Estava pronta para qualquer coisa com ele.
Saíram na Calle Obispo e Greg pegou na mão dela. Sophie sorriu para si mesma. Estava tão cheia
de desejo por aquele homem lindo que ia ao seu lado que se sentia inebriada de excitação.
Caminharam pela Calle Mercaderes e viraram à esquerda, para a Calle O’Reilly.
– Ei, esta rua tem um nome irlandês!
– Todos temos um pouco de irlandês em nós. O meu avô era de Belfast.
– A sério!
– Por aqui – encaminhou-a ele, levando-a até à entrada de um prédio.
– Hola, señor! – Uma velha acenou para Greg, que passava pela pequena e delgada sala de estar,
tendo como mobília apenas uma mesa e uma cadeira.
Continuaram pelas traseiras da casa e entraram noutro prédio com uma escada lateral.
– Tem cuidado… os degraus são manhosos.
Greg bateu na porta tão retorcida e gasta pelo tempo que quase já não desempenhava a função para
a qual fora construída. A parte inferior roçou no chão quando se abriu.
Por trás da porta, uma mulata sorriu para Greg. Ela conhecia-o bem.
– Hola, Señor Greg.
Começaram a conversar em espanhol e Sophie sentiu-se uma intrusa. Greg analisou pintura após
pintura que a mulher lhe ia mostrando e falaram de números durante uma boa hora. A paciência de
Sophie esgotava-se e começava a ficar com fome, depois de não ter tomado o pequeno-almoço.
Nunca antes tinha sido tratada assim por nenhum homem. Acabou por interrompê-los.
– Olha, Greg, estou a morrer de fome. Podemos ir?
– Desculpa, querida, mas estou a trabalhar. Podes voltar para trás, há um café turístico na esquina
entre a Calle Obispo e a rua de onde viemos. Vou lá ter assim que terminar. – Virou-se para a mulata
e continuou a falar com ela como se Sophie já se tivesse ido embora.
Ela ficou indignada com o tratamento, mas sabia que não tinha grandes opções a não ser ir ter com
a irmã.
Desceu os degraus instáveis e voltou pelo mesmo caminho que viera. A velha senhora estava agora
acompanhada por um velho a mastigar um enorme charuto. Ficaram imperturbáveis com a sua
presença e acenaram-lhe cordialmente enquanto ela passava.
Quando chegou à Calle Obispo, avistou um café que tinha um menu e moeda turísticos num cartão
na janela. Sentou-se perto da janela aberta. Ainda estava irritada com Greg por a deixar ali sentada
enquanto tratava de negócios. Mas ela queria-o e talvez pudessem ter algo mais do que um romance
de férias.

Felipe tencionava levar Emma a Vedado. Se pudesse distraí-la com passeios, ela podia
descontrair-se. Mas ela continuava a olhar para a estrada como se procurasse algum sítio específico.
– Gostaria de ver a Plaza de la Revolución?
– Obrigada, não me importo. É tudo novo para mim.
Estavam à beira de Vedado e não tinham de viajar muito.
Felipe estacionou na berma da estrada, fora da Praça da Revolução.
Emma abriu a porta e saiu do carro. Queria aproveitar a paisagem à sua frente, mas só conseguia
pensar em Paul e tentar adivinhar porque se suicidara.
– Está a ver ali, é o Che. – Felipe apontou para um edifício oficial de grandes dimensões com uma
escultura em arame de bronze de Che Guevara – tão grande que se estendia por todos os andares do
alto edifício. Hasta la victoria siempre estava escrito por baixo. – Este é o Ministerio del Interior.
– Vi este slogan num cartaz a caminho de Varadero. Era aqui que Fidel costumava falar ao povo?
– Vi-o aqui muitas vezes.
Felipe olhou para o bonito rosto de Emma enquanto ela, alheia à sua atenção, pesquisava a praça.
Ele adorava olhos azuis. Eram tão raros no seu país. Ela trazia uma T-shirt cor-de-rosa simples e
uma saia branca. O cabelo escuro estava puxado para trás, preso pelos óculos de sol, e, nesse
instante, ele desejou beijá-la.
– Espero não o ter chocado – disse ela de repente – com o que disse sobre o Paul.
Baixou a cabeça e pôs os óculos escuros para cobrir os olhos do sol intenso.
– A minha mulher abandonou-me por outro homem. O seu marido abandonou-a por si próprio.
Ninguém sabe o que se passa no coração dos outros.
Tinha acabado de descrever perfeitamente como ela se sentia e nunca fora capaz de colocar por
palavras. Queria abraçá-lo ali mesmo. Mas não o faria.
– Obrigada, Felipe.
Ele sorriu. Estabelecera-se uma ligação com a bonita irlandesa.
– Venha, vou levá-la a um sítio muito bom para almoçar.
Emma saltou para dentro do carro e deixou o vento soprar nos cabelos enquanto seguiam por La
Rampa. As ruas em Vedado formavam grelhas perfeitas que se estendiam até ao Malecón. À
distância, Emma viu um grande edifício que reconhecia das imagens que vira em Havana.
– É para ali que vamos?
– Sim. – Felipe sorriu.
Emma sentiu-se livre como nunca. Tinha-se emancipado depois de confiar a Felipe o que
acontecera a Paul e ele revelara-lhe a sua triste história de abandono pela esposa. De certa forma
eram semelhantes.
Quando seguiam pela estrada de palmeiras alinhadas que levava ao Hotel Nacional, Emma não
conseguia esconder o sorriso no rosto. Sentia-se como uma personagem num dos seus livros. Poderia
Felipe ter sido enviado para a inspirar a escrever e a viver de uma maneira nova? Sentiu-se tonta
quando ele abriu a porta do Buick. Felipe estendeu-lhe a mão para a ajudar a sair do carro.
– Obrigada. – Ela corou. – Este foi sem dúvida o melhor passeio de carro que já tive.
– Vai gostar deste sítio.
O hotel de cinco estrelas exalava excelência e opulência. O átrio apresentava um corredor de arcos
em estilo art déco clássico. O edifício tinha mudado pouco desde os dias de Frank Sinatra e Batista.
– Venha ver a vista – disse Felipe, levando gentilmente Emma pelo braço e guiando-a até ao jardim
onde os hóspedes se estendiam em poltronas de vime, e olharam para o Malecón e o mar das
Caraíbas.
– O que gostaria de beber?
– Adoraria uma bebida fria... Coca-Cola, por favor.
Felipe foi até ao barman que estava sob a sombra de um dossel de palha. Emma sentou-se numa
das confortáveis cadeiras e ficou a ver o mar a bater contra as paredes do Malecón. De repente o
telefone tocou. Ela tinha-se perguntado quando tocaria.
– Sophie – suspirou. – Tenho más notícias de casa.
– Eu sei. Acabei de ler a mensagem.
– Bem, não há nada que possamos fazer, segundo a Louise. O pai está bem, mas têm-no mantido no
hospital.
– Típico. Há sempre um drama qualquer com a mãe quando te vais embora.
Emma parou para tentar entender o que a irmã dizia.
– O que queres dizer com isso?
– Eu aposto que o alarido é todo sobre a mãe. Foi o pai que foi atacado.
Emma sabia que ela tinha razão. Desejou estar em casa para aliviar as tensões que certamente
deviam estar a aumentar entre a Louise e a mãe.
– Onde estás?
– No quarto do hotel.
– Sozinha?
– Deixei o Greg lá em baixo. Voltei para trocar de roupa. Vamos ao El Patio almoçar. O Greg
pediu-me que te convidasse, mas estamos a dar-nos tão bem que posso pedir-te que fiques bem longe
desse restaurante?
– Ora essa… está descansada que não te estrago o arranjinho!
– Não sei quando nos vemos.
– Só não te esqueças de estar no nosso hotel amanhã ao meio-dia com as malas feitas. Não quero
perder o voo.
Sophie fez estalar a língua no céu da boca.
– Por favor! Telefono ao pai mais tarde. Gostava que ele usasse o telemóvel que lhe dei no Natal.
– Até depois, Sophie – disse Emma e desligou. Realmente desejava que houvesse algo que pudesse
fazer pela família. Mais tarde ligaria à mãe e veria isso.
– O empregado já vai trazer as bebidas e pedi umas sandes.
– Obrigada, Felipe.
– Está tudo bem?
– Sim, obrigada. Era a Sophie ao telefone. Está ocupada o dia todo.
Felipe assentiu. Não era preciso explicar. Ele estava encantado que assim fosse, mas escondeu os
sentimentos de forma discreta.

– Já me desculpaste por ter demorado tanto tempo com a mulata?


– Quase. – Sophie pestanejou e empurrou o braço dele na brincadeira.
– Ando a negociar com ela um quadro já há algum tempo e hoje consegui finalmente um acordo.
Deves ser o meu amuleto da sorte, hem!
– Fico feliz por ser útil, mas este é o meu último dia em Cuba e agora quero um pouco de atenção!
Sobretudo porque não sei quando ou se alguma vez te volto a ver.
Greg observou-a com cuidado.
– Espero que nos possamos encontrar nalgum sítio. Costumas ir a Nova Iorque?
Sophie abanou a cabeça.
– Houve alturas em que a nossa empresa fazia coisas loucas como enviar-me lá para investigar,
mas atualmente temos a sorte de nos manter à tona e a única viagem autorizada é à China. Não sei por
quanto tempo essa continuará a ser a política.
– As coisas estão a mudar em todos os aspetos de negócios. Vem aí uma nova era. Está a ser difícil
para a arte, como para a maioria dos bens de luxo, manter algum valor.
– Nunca vais à Europa?
– A Londres, uma vez ou duas vezes por ano, mas a maioria do meu negócio está em Nova Iorque.
O Reino Unido tem sido duramente atingido pela recessão.
– E eu não sei! Adoraria abrir uma linha própria.
– Porque não? Se conseguires montar um negócio com os tempos difíceis, imagina o que pode
acontecer quando a economia melhorar.
– Tenho andado a brincar com a ideia de roupa de malha reciclada. Literalmente a desmanchar e
refazer de uma forma diferente, misturando lãs delicadas e grossas.
– Parece muito bem. Devias avançar com isso.
– Achas mesmo?
– Penso que todos deveriam seguir o seu sonho. Eu segui o meu.
– Sempre quiseste ser negociante de arte?
– Queria ser artista, mas o meu pai insistiu que eu fosse para uma profissão que tivesse um bom
ordenado. Não queria ser médico como ele, por isso escolhi a área financeira e odiei. Depois de ele
morrer, investi o dinheiro que deixou em arte e entrei no negócio. A minha mãe falou-me de todos os
maravilhosos artistas de Cuba, e quando aqui cheguei confirmei o que ela me tinha dito. Felizmente
vim cair na carreira perfeita.
Sophie olhava-o enquanto ele falava. Tão meigo e calmo e como a voz a tranquilizava! Corria
mesmo o perigo de se apaixonar por aquela criatura exótica.
Greg pôs o braço em volta da cintura de Sophie e guiou-a através das ruas estreitas de La Habana
Vieja. Ela sentiu-se como se pudesse respirá-lo no meio do calor e da poeira. Se ao menos tivesse
mais tempo com ele. Precisava de fazer com que a desejasse mais. Mas estava em território
desconhecido. Em todos os outros relacionamentos ela é que tinha o trunfo e mantinha os amantes na
linha. Com Greg, no entanto, sentia-se vulnerável e insegura quanto ao que ele sentia por ela.
Começou a ver-se a fachada da Catedral de San Cristóbal quando deixaram a Calle San Ignacio e
entraram na Plaza. Algumas mesas de ferro forjado e cadeiras estavam espalhadas à frente de um
antigo prédio colonial, onde os turistas se reuniam para saborear chá gelado e beber água para se
refrescar do calor do Sol vespertino.
– Este é o El Patio. Acho que vais ficar impressionada.
O chefe de sala correu para receber Greg. Falou em espanhol e com um respeito que Sophie ainda
não tinha visto em nenhum outro estabelecimento em Havana.
– Vamos comer al fresco?
– Absolutamente.
Greg sentou-se muito confiante em si próprio. Era um amante incrível. Sophie, de repente, sentiu-se
insegura e desejou algum tipo de garantia de que aquela não seria a última vez que o via.
– Porque não marcamos uma data para nos encontrarmos. Sei lá, daqui a seis semanas?
Greg sorriu.
– É difícil para mim adivinhar onde vou estar daqui a seis semanas. Tenho de ver a minha agenda.
– Tudo bem. Vê lá isso agora. Já te vi agarrado ao BlackBerry a ver e-mails.
– Às vezes tenho de mudar os planos rapidamente se uma obra de arte surgir de forma inesperada.
– Bem, podes dar-me uma data daqui a dois meses?
– Já te disse que estarei em Nova Iorque.
– Vai ser-me difícil conseguir mais dias depois desta viagem.
– Então porque não te mando um e-mail e depois vemos o que podemos fazer, hem?
Sophie percebeu que era o único compromisso que ele aceitaria. Precisava de entrar no jogo. A
sua cabeça estava desconcentrada; talvez fosse o calor de Havana a fazer com que ela se
comportasse com tanta carência, mas no fundo sabia que era a paixão e a força do homem bonito ao
seu lado e o desejo de o ter.
Sophie sempre estivera determinada a conseguir o que queria. Lembrou-se dos mesmos
sentimentos de carência e necessidade que sentira em criança quando Louise furara as orelhas. Emma
tinha furado as dela aos dez anos. Louise tinha apenas oito quando a mãe cedera aos pedidos. Sophie
tinha quatro e, apesar de ter metade da idade de Louise, sentia o direito a ter o mesmo que as irmãs
mais velhas. A mãe pensava de outra maneira. Independentemente do quanto Larry Owens suplicara a
Maggie em nome da filha mais nova, ela não mudou de ideias.
– Nunca deveria ter deixado a Louise furar as orelhas e muito menos se soubesse que tinha de
aturar esta lamentação toda! – gritara ela para Sophie. – Se não podes esperar até aos oito anos,
então podes ir viver com a avó Owens!
Sophie rompera num choro incontrolável. Tivera tais convulsões que acabara por ir mesmo para a
avó Owens, para que Maggie pudesse organizar a festa de aniversário de Louise com alguma
aparência de paz.
Contudo, as lágrimas não tinham parado e durante sete dias Sophie gemera e gritara pela casa fora
com tão forte temperamento que Maggie acabou por ir à joalharia comprar um par de pinos de ouro.
Fora nessa altura que Sophie descobrira que conseguia dar a volta aos pais. Não havia mais nada a
fazer depois disso.
Era tão jovem, mas conquistara exatamente aquilo que queria.
Também conseguiria com Greg. Só tinha mais algumas horas, mas sabia que conseguiria fazê-lo!

– Venha – convidou Felipe quando se levantou. – Vou mostrar-lhe o hotel.


Nas paredes do corredor havia fotografias de Sammy Davis Junior, Fred Astaire e de outros
artistas americanos.
– Hoje sinto-me como se tivesse sido transportada até ao passado. O seu carro é lindo, Felipe.
Deve saber muito bem tê-lo.
– É difícil possuir um carro. Se o herdámos e foi comprado antes da Revolução, então podemos tê-
lo. Existem muitas leis estranhas aqui. Desde que Raúl assumiu o lugar de Fidel tentou fazer algumas
mudanças, mas os ministros mais antigos não cedem. Por exemplo, agora não é tão difícil ter um
telefone.
– Tenho visto algumas pessoas nas ruas com telefones. Certamente que é um avanço bom?
– Há tanta coisa para fazer. E desde o furacão que os alimentos se tornaram um problema. Não são
suficientes para todas as pessoas no país, mais racionamento.
– Podia ter feito alguma coisa para ajudar se tivesse resolvido exercer advocacia?
Ele abanou a cabeça.
– É muito difícil andar para a frente neste país.
– Alguma vez considerou deixar Cuba?
– Gostava de ver o mundo. Talvez um dia.
– Se alguma vez visitar a Irlanda, terei muito gosto em recebê-lo em minha casa.
Felipe riu-se à gargalhada.
– Porque é assim tão engraçado?
– Não é fácil deixar Cuba. São precisos tantos documentos. Mucho dinero também.
Emma insistiu.
– Bem, deixo-lhe o meu endereço de e-mail e se alguma vez tiver a oportunidade de ir à Irlanda,
gostava de lhe mostrar a mesma hospitalidade que me mostrou aqui.
Felipe pareceu embaraçado.
– Gostaria de voltar à cidade velha? Ou talvez ir à praia?
– Adorava continuar na cidade. Já só tenho mais este dia.
Saíram do hotel e voltaram ao Buick, que brilhava à luz do Sol.
Enquanto ele conduzia ao longo do Malecón com o vento a bater-lhe no rosto, Emma sentiu-se
como se tivesse de novo saltado para dentro das páginas do seu livro. Talvez pudesse mudar o
enredo. Porque não escrever uma história romântica para variar? Vendo bem, não havia nada mais
romântico do que atravessar o Malecón num carro americano vintage desportivo com um cubano
atraente. Definitivamente, sentia-se mais com estado de espírito para escrever sobre amor do que
sobre morte. Tinha sido a morte a acompanhá-la nos últimos sete meses.
14

Jack estava sentado num canto do Café Quay West a saborear um cappuccino. Ali sozinho, sentia-
se muito diferente de quando estivera com Louise a almoçar. Desejava poder voltar ao momento em
que a encontrara pela primeira vez no comboio depois de catorze anos. Se o pudesse fazer,
assegurar-se-ia de que apanhava o comboio a seguir. Se não a tivesse encontrado por acaso, estaria
preocupado com os preparativos do casamento com Aoife e feliz, como haviam estado em Nova
Iorque. Mas, enquanto mexia o café quente com a colher, lembrou-se de um sentimento de dúvida
semelhante ao que sentira quando tinham comprado o anel de noivado. Ouvira bastantes vezes na sua
cabeça uma vozinha a bichanar, a perguntar-lhe se tinha a certeza de estar feliz com os
acontecimentos. Encontrar Louise apenas viera confirmar as dúvidas que tentara esconder.
O telefone tocou e ele atendeu.
– Estou?
– Jack, é o Peter.
Jack teve de pensar um bocadinho. Reconheceu a voz, mas não tinha a certeza de quem se tratava.
– Peter Kelly, dos tempos de escola.
– Peter! – Jack lembrou-se. – Como estás? Passaram-se anos! Como conseguiste o meu número?
– Encontrei a tua mãe em Killester e ela contou-me as novidades todas. Gostavas de te encontrar
comigo para bebermos uma cerveja?
– Claro que sim. Nem acredito. Onde vives?
– Estou em Glasnevin. Regressei a casa há três anos e não sabia que também tinhas voltado.
Queres encontrar-te no centro ou podemos ficar pelas redondezas e ir ao Harry Byrne?
Jack sorriu ao ouvir o nome. Não ia ao Harry havia anos, mas, quando eram miúdos, estavam
sempre a tentar ser ali atendidos.
– Parece-me bem ficar pelas redondezas. O que fazes hoje à noite?
– Não tenho planos. Hoje à noite era bom.
– Certo. Por volta das nove?
– Parece-me bem. Até lá, Jack.
Jack voltou à sua bebida com um sorriso. Passara bons momentos com o Peter. Eram muito
chegados no tempo de escola. Apesar de terem andado em universidades diferentes, tinham-se
mantido bons amigos. Só quando Jack fora para os Estados Unidos é que perderam o contacto, e os
homens não eram nada bons a manter contacto com postais de Natal e de aniversário como as
mulheres.
Ia ser agradável o reencontro com os velhos tempos.

Aoife foi para casa com o saco cheio de roupa e artigos de higiene. Soluçava, mas não sabia se e o
que diria aos pais. Não pensava conseguir esconder as emoções durante muito mais tempo. Talvez a
mãe tivesse algum bom conselho.
Estacionou no acesso e entrou em casa pela porta das traseiras. A mãe estava sentada à mesa da
cozinha com uma revista e uma caneca de chá à frente.
– Olá, amor. Vens passar cá mais uma noite?
Aoife anuiu, mas não conseguiu abrir a boca, com medo de se desfazer em lágrimas. A intuição da
mãe disse-lhe que alguma coisa não estava bem.
– Aoife, querida, está tudo bem?
Aoife abanou a cabeça.
A mãe levantou-se, chegou-se ao pé dela e suavemente encaminhou-a até uma cadeira.
– Senta-te e conta-me o que se passou.
Aoife desfez-se em lágrimas, cobrindo a face manchada com a palma das mãos. A mãe foi buscar
rolo de cozinha e ofereceu-lhe. Aoife soluçou para o papel.
– É o Jack. Aconteceu alguma coisa, mãe, mas não sei o quê. Ele está todo esquisito sobre o
casamento.
– Cancelou-o?
– Não, mas não quer uma grande festa. Acha que estamos a ficar demasiado envolvidos nisto tudo e
quer adiá-lo.
– Ele está com dúvidas?
– O quê?
– Às vezes os homens passam por esta fase. É bastante comum. O teu pai não estava de todo feliz
com os preparativos do casamento e apenas tivemos uma pequena cerimónia no Hotel North Star.
– Não sei o que se passa.
– O que quer ele fazer? – O tom de Eileen estava a ficar mais firme. Não conseguia esconder a
raiva que sentia pelo noivo da filha.
– Quer que continuemos a viver juntos e adiar o casamento.
– E o que lhe disseste?
– Que precisava de vir para casa para pensar.
– Linda menina! A lata dele! Há homens com sorte. Será que se apercebe da sorte de ter uma
rapariga tão bonita como tu? E tudo o que eu e o teu pai já fizemos para o ajudar! Eu deixava-o sofrer
um bocadinho. Ainda tens muitos amigos aqui em Malahide. Sai e diverte-te e dá-lhe razões para se
preocupar.
Aoife pegou noutro pedaço de papel de cozinha e assoou-se.
– Obrigada, mãe.
– Vai tudo correr bem, verás. Tudo correrá pelo melhor.
– Eu sei – assentiu Aoife.
Eillen levantou-se para desligar a chaleira e esconder a raiva que tinha marcada no rosto. Se
deitasse as mãos a Jack Duggan, matá-lo-ia com alegria.

Maggie Owens decidiu que queria que a levassem para casa.


– Obrigada por me aturarem, mas as crianças são muito barulhentas.
Louise sabia que os filhos não eram nenhuns santos, mas também não se portavam mal. Era a
maneira que a mãe arranjava para a fazer sentir-se mal.
– Ficas bem sozinha em casa?
– Esta noite ligo o alarme.
– Vocês deviam usá-lo todas as noites. Não sei porque o instalaram se não o usam.
– Vou passar a usá-lo. Sou capaz de ver se a Adele Harris, do cimo da rua, quer fazer-me
companhia. Ela gosta de jogar às cartas.
Louise suspirou de alívio. Era ótimo a mãe ir para casa. Fora uma tensão constante andar a correr
do hospital para casa e tomar conta dos miúdos e da mãe. Donal fora, de facto, uma grande ajuda.
Cada vez se sentia mais culpada pelos pensamentos que tinha sobre Jack. A sua vida era com a
família e cabia-lhe mantê-la unida. Contudo, era agradável saber que ele ainda a achava atraente.

***

Jack espreitou as traseiras do bar Harry Byrne. Estavam bastante cheias para uma segunda-feira,
mas tecnicamente ainda era Páscoa, logo o mais provável era que muitas pessoas prolongassem a
época festiva. Outros não tinham emprego para onde ir. Pediu uma Heineken enquanto dava uma vista
de olhos ao resto da sala.
Peter estava sentado a um canto num banco alto. Jack reconheceu-o imediatamente, mesmo com a
pequena pera e o cabelo ralo.
– Olá, que bom ver-te! – Jack estendeu-lhe a mão e deram um forte aperto.
– É ótimo ver-te, Jack. Não mudaste nada.
– Ia dizer o mesmo de ti. Passou muito tempo.
– Pensava no tempo que passou enquanto vinha para cá. Devem ter sido uns sete anos.
– Diria que tens razão. Houve aquele Natal em que nos encontrámos aqui e bebemos uns copos
com o Ray e o pessoal.
– Pois foi, sabes alguma coisa do Ray? – perguntou Peter.
– Não. Onde anda ele?
– Reformou-se. É um milionário graças à internet. Vive na Austrália.
– Bem, que bom para ele. Tiveste contacto com mais alguém?
– O Conor, da nossa banda, anda por aí, vive na zona sul e trabalha no comércio de automóveis.
Pelo menos tem trabalho.
– Não pensava nele há anos.
– Às vezes penso que foi um erro termos ido para a faculdade – afirmou Peter. – Devíamos ter-nos
mantido juntos e feito a nossa fortuna.
– Bem, só existem uns U2. Quantas outras bandas tentaram e nunca chegaram a lado nenhum?
– Isso nem parece do Jack Duggan que eu conheci na escola. Tentaste manter-nos unidos. Eras o
único que acreditava que chegaríamos a algum lado.
– Bem, às vezes a idade e algum bom senso acabam por se instalar.
– Uau, Jack, o que correu mal? Sempre contei contigo para seres o maestro e me dizeres que eu era
invencível.
– Ligaste-me num mau dia. Problemas de saias.
– A tua mãe disse-me que estavas noivo.
– Sim. Mas... na verdade é uma longa história.
– Tempo não me falta.
Jack perguntou-se se poderia contar a Peter, que pouco mais era agora do que um estranho para ele,
como se sentia. Não era uma coisa que ele fizesse habitualmente.
– Vamos falar dos bons velhos tempos. Tens visto o Niall?
– Não sei onde anda o Niall. Ele era doido por Miss Owens, lembras-te dela?
Jack deu um gole na cerveja.
– Hum… sim, ainda me cruzei com ela no outro dia.
– Estás a brincar! Como é que ela estava?
– Basicamente na mesma. – Jack encolheu os ombros.
– Lembro-me que tiveste uma gigantesca paixoneta por ela. Eu achava que ela gostava de ti. Era
sempre «Jack, ajudas-me com isto?» ou «Jack, podias ler aquilo?» ou a minha favorita, que era
«Jack, podias ir buscar o ponteiro?»
Peter riu-se com vontade, mas Jack apenas conseguiu soltar uma risada abafada.
– Às vezes parecia que eras o único aluno na sala!
Jack bebeu uma golada da cerveja.
– Pois, bem, ela interessava-se pela nossa banda e pela nossa música e acho que tentava encorajar-
nos.
– Então diz-me, onde a encontraste?
– No comboio. E depois em Howth, com os filhos, num domingo.
– Ela não seria muito mais velha do que nós, se pensarmos bem. Ainda dá aulas?
– Não.
– Que pena. Porque é que os professores mais porreiros desistem sempre? Lembras-te do velho
Hackett, aposto que ainda está aos berros e a afastar os miúdos da ciência para o resto da vida.
– Pois. Mas foram bons tempos, apesar de tudo. Então e tu… apanhado, divorciado ou à procura?
– Estou apenas feliz por ser solteiro… escapei por pouco. Estava a viver com uma rapariga há
cinco anos. Quase nos casámos, mas não resultou, sabes como é.
Jack percebeu que havia ali uma história, mas ainda era cedo de mais para ser informado.
– Ainda estás ligado à pintura e à decoração?
O Peter riu-se à gargalhada enquanto bebia a cerveja.
– Era isso que eu fazia a última vez que me viste? Não, já estou noutra, graças a Deus. Tirei um
curso de publicidade quando estive em Londres e tenho trabalhado para uma empresa de publicidade
desde que voltei. Neste momento, é o que considero interessante. A recessão tornou cada trabalho
ainda mais desafiante.
– Parece muito bem.
– E tu, o que andas a fazer?
– Escrevo. Consegui um lugar no Irish Times e tenho ficado por lá, enquanto muitos outros, com
mais experiência e mais bem pagos do que eu, parecem estar a levar a machadada.
– Aposto que és mesmo bom escritor. Ainda tocas guitarra?
O Jack riu-se e abanou a cabeça. Pensava que nunca iria parar, mas tinham-se passado três anos
desde a última vez que tocara um acorde.
– Já me deixei disso.
– Tenho tantas saudades. No ano passado até comprei uma bateria, mas quando me separei da
namorada fiquei sem ter onde a pôr, por isso foi parar ao barracão da minha mãe.
– És doido. E estás a viver de novo com a tua mãe?
– Pois. Teve de ser, após acabar com a Melanie. Ela ficou com o apartamento que comprámos,
graças a Deus que está desvalorizado agora.
– Se calhar devíamos começar a tocar na rua. Lembras-te que o fizemos ainda umas vezes depois
das aulas?
– Foram bons tempos, Jack.
Jack sorriu. Tinham sido bons tempos. Mas por razões diferentes das que levavam Peter a pensar o
mesmo.
– Olha, posso contar-te um segredo? Realmente não quero que digas isto a ninguém… nunca!
Peter ficou curioso. Teve de prometer guardar segredo para ouvir o resto.
– É uma loucura teres-me ligado assim vindo do nada – continuou Jack –, porque preciso mesmo
de falar com alguém. Acreditas no poder das coincidências?
Peter encolheu os ombros.
– Bem, já te disse que encontrei Miss Owens. A coincidência dos momentos tem sido uma chatice.
Não tenho a certeza, mas acho que estava com dúvidas em relação à Aoife, a minha noiva, e então
encontrei-me com Miss Owens para almoçarmos e a verdade é que... temos uma história.
– Define história.
– Isto parece uma loucura, mas antes do fim das aulas fui a casa dela para umas explicações. Só
que o tipo de explicações que praticámos não envolveu livros, percebes o que quero dizer?
O Peter abriu a boca.
– Não me digas que vocês...
– Sim – disse Jack, com a face inexpressiva.
– Meu animal! – exclamou Peter, com um grande sorriso. – Meu grande animal, e nunca disseste
nada?
– Exatamente por causa da reação que acabaste de ter!
– Uau, que porreiro!
– Foi e a verdade é que ela confundiu-me demasiado e estragou as minhas relações com as miúdas
da faculdade com quem andei depois de nos termos separado. Durante séculos não consegui confiar
numa mulher.
– Que treino. E quando não te saías bem, ela obrigava-te a repetir tudo uma vez e outra vez?
– Estava à espera que pudesses levar isto a sério! – exclamou Jack.
– Desculpa, estou só um bocado chocado. E cheio de inveja, não admira que estejas confuso
depois de a voltares a encontrar.
– Estou mesmo muito confuso.
– E como é a Aoife?
– É um borracho!
– Vou vomitar a cerveja. Não tenho relações há quatro meses. Já devia saber que não era boa ideia
vir aqui ter contigo.
– Desculpa, amigo. Tenho de dizer como as coisas são.
– Bem, vou começar a ir aos mesmos sítios onde costumas ir.
Jack deu uma gargalhada.
– Não sei o que fazer!
– Não podes andar com as duas, quer dizer, uma já está no papo e a outra para lá caminha.
Jack decidiu que não iria tentar explicar o que sentia a Peter.
– Esquece.
– Não vou conseguir dormir esta noite a pensar em ti e em Miss Owens. Ainda não acredito que
nunca contaste a nenhum de nós.
– Eu gostava mesmo dela.
Peter calou-se e deu um gole na cerveja. Não era bem aquele o tipo de conversa que costumava ter
com os amigos.
– Desculpa, Jack, não sou a melhor pessoa para dar conselhos. Nunca tive jeito com as mulheres,
não sou como tu.
Jack não concordou. Se tivesse jeito com as mulheres não estaria naquela situação.
15

Greg levantou-se e sacudiu a areia do corpo. O Sol estava a pôr-se e as ondas atacavam com mais
força a praia de Santa Maria.
– Então, com fome?
– Faminta – respondeu Sophie, olhando para o corpo esbelto e musculoso diante de si.
– Ótimo. Vou encontrar-me com um homem do Governo daqui a uma hora, num dos restaurantes
perto da Plaza de Armas.
Sophie apoiou-se nos cotovelos e franziu a testa. Presumira que tinha o belo canadiano só para ela.
Aquilo não se coadunava nada com os seus planos.
– Preciso de voltar para o hotel antes de sairmos para jantar – disse ela.
– Não temos muito tempo para isso. Porque não voltas ao hotel e vais ter comigo? Podias ver se a
Emma se quer juntar a nós, hein?
Sophie bufou. Aquele não era o plano que tinha em mente para a noite.
– Como regressamos ao Parque Central?
– Podemos apanhar um táxi. Deixas-me perto do meu hotel, que fica no caminho. Faço a barba e
mudo rapidamente de roupa.
Sophie vestiu-se e arrumou as toalhas e os objetos de praia. No táxi, foi em silêncio durante o
caminho e quando Greg saiu, na esquina da Plaza de Armas e da Obispo, ela conseguiu esboçar
apenas um sorriso falso.
– Até daqui a uma hora. O restaurante está pintado de verde. É um pouco mais à frente… – apontou
ele.
– Okay – respondeu ela, e deixou que o táxi a levasse de volta ao Telegrafo.
Ficou surpreendida ao ver que Emma ainda não tinha regressado. Questionou-se o que estaria a
irmã a fazer com o motorista de táxi. Para ela todos os cubanos estavam metidos em esquemas – tal
como José em Varadero, e ela esperava que a sua ingénua irmã não estivesse a ser enganada! Olhou
para o relógio. Era demasiado tarde para ligar ao pai, devia tê-lo feito antes. Mas não era tarde de
mais para ligar a Louise.
O sinal de chamada era mais alto e mais lento do que o habitual.
– Olá?
– Oh, olá, Sophie – disse Louise em voz baixa. – Que horas são? Estamos todos na cama!
– São seis e meia aqui. Como está o pai?
Louise vestiu o roupão e saiu para o patamar para não perturbar o marido, que dormia.
– Está bem. A mãe foi para casa esta noite.
– Aposto que é um alívio.
– Vai ser bom quando vocês as duas chegarem. É difícil fazer as visitas ao hospital sozinha.
– Vou andar muito ocupada quando voltar ao trabalho.
– Não abuses! Estiveste dez dias ao sol. Não tenho nada contra a Emma ter ido de férias, mas tu
está sempre a pirar-te.
– Ainda estás zangada comigo?
– Não posso acreditar que foste de férias com ela! Depois de tudo o que lhe fizeste!
– Isso vindo de ti é irónico! Como se fosses alguma santa.
– Eu não faria isso à minha irmã!
Sophie riu-se ao telefone.
– Descontrai-te, Louise. Só não te esqueças de dizer ao pai, quando o vires amanhã, que liguei para
saber como ele está. Tenho de ir.
Desligou, sem esperar por uma resposta. Louise tornara-se tão chata! Não era uma boa publicidade
ao casamento e à maternidade.
Pensou em Paul e doeu-lhe o coração. Os seus planos perfeitos de vida destruídos. Mas talvez
ainda pudesse ter um futuro preenchido. Um bom casamento com alguém que a encantasse, como
Greg. Tinham mais uma noite juntos, mas ela faria com que ele a adorasse o suficiente para querer
vê-la de novo.

– Foi um belo dia, Felipe – disse Emma. – Obrigada por me mostrar tantos lugares agradáveis.
– O Sol está a pôr-se. Este é o melhor momento em Havana.
– Já lhe tomei demasiado do seu dia.
– Gostei muito. Quero levá-la a um lugar especial para ver o pôr do Sol. É uma tradição dos
habaneros irem a La Cabaña.
– Ao lado do Castelo dos Mouros?
– Sim, está a aprender a movimentar-se em La Habana muito depressa.
Emma apreciava ter o seu próprio guia turístico, que era um cavalheiro. Não sabia o que ele sentia
a seu respeito. Ele era por natureza uma pessoa reservada, mas a intuição feminina dizia-lhe que não
a acompanharia desde as dez da manhã se não sentisse alguma atração.
– Obrigada por ficar comigo hoje e mostrar-me todos estes locais. Não seria a mesma coisa se
estivesse sozinha.
– Às vezes também me sinto só. Podemos comer algo e depois visitar o castelo para ver el
cañonazo.
– O que é isso?
– Todas as noites, às nove horas, alguns guardas da Revolução vestem-se de soldados ingleses e
disparam el cañón.
– Boa! Parece-me algo que eu deveria ver.
Depois de comerem saborosos crepes de caranguejo com arroz num pequeno restaurante caseiro
que Felipe sabia ser o melhor em Havana, percorreram de carro a curvilínea baía para verem a
cidade do outro lado e observarem o espetáculo do el cañonazo. Vários turistas e alguns locais
tiveram a mesma ideia e esperavam pacientemente em torno do perímetro de uma praça ampla com
vista panorâmica sobre a cidade. Sentaram-se entre as antigas muralhas do século XVIII e repararam
como a multidão crescia.
– Muito em breve o soldado vai gritar «silencio!», para dizer ao povo da cidade que as muralhas
estão fechadas para a noite – sussurrou Felipe no ouvido de Emma.
O soldado assim fez alguns segundos mais tarde, e foi seguido por outros seis. Um dos soldados
segurava uma bandeira e outro batia um compasso lento e estável num tambor. Os seus uniformes
vermelhos e chapéus tricornes pretos estavam velhos e gastos, ao contrário dos que Emma vira em
filmes e museus.
O guarda principal pegou numa tocha e acendeu uma fila de tochas atrás do canhão grande e preto.
A cerimónia foi breve, e quando o foguete saiu disparado e um grande estrondo irrompeu em torno da
baía, todos aplaudiram.
– Nunca tinha visto nada assim! Foi muito bom. Obrigada por me mostrar! – exclamou Emma, e
virou-se para ver o cintilar das tochas refletir-se nos olhos de Felipe.
– Ainda bem que gostou. – Ele sorriu e virou a cabeça para assistir ao fim do espetáculo.
Era tão romântico sentir a brisa da noite quente em seu redor. Felipe parecia tão diferente da noite
anterior. Emma estudou o seu perfil enquanto ele observava o espetáculo. Não conseguia perceber se
ele sabia que ela olhava para ele ou não. O advogado rebelde que desistira de tudo para conduzir um
táxi! Como desejava saber mais sobre ele. Queria conhecê-lo melhor e já só tinha mais algumas
horas em Havana. Na verdade, percebeu de repente que queria desesperadamente vê-lo de novo. Se
ao menos fosse dali a alguns meses! Ela necessitava de mais tempo para fazer o luto por Paul. Mas
mesmo assim, quando estava com Felipe sentia-se tão feliz; muito mais alegre do que se sentira com
Paul durante muito tempo antes da sua morte, para ser sincera.
Felipe virou-se e olhou para ela.
– Gostaria agora de ouvir jazz? Posso levá-la a um bom lugar.
Como ele é incrível, pensou Emma. Um clube de jazz acolhedor era exatamente o que ela desejava
no final de um dia perfeito.
– Parece-me ótimo.
A viagem de regresso pela baía e ao longo do Malecón foi eletrizante, com mais habaneros nas
ruas do que o costume.
Emma reconhecia o caminho.
– Agora estamos em Vedado?
– Sim. Em breve poderá fazer o meu trabalho.
Emma riu-se. Ia tentar lembrar-se daquele momento, como se sentia, e pôr algumas dessas boas
emoções no seu romance.
Felipe virou à esquerda na Calle 23 e abrandou. Procurou um espaço perto de uma esquina
policiada e estacionou o Buick.
A rua estava cheia de cubanos e turistas que rumavam a uma noite de entretenimento.
Felipe levou Emma ao que parecia uma antiga cabina telefónica pintada de vermelho, como ela
costumava ver em Londres na década de 1980. A cabina estava ao lado da entrada do clube
subterrâneo.
– É aqui que vamos entrar?
– Sim – respondeu Felipe, sorrindo ante o espanto de Emma. – Este é o La Zorra y el Cuervo. O
melhor clube de jazz em Havana.
Um homem alto com uma cabeça rapada e óculos de sol estava junto à cabina. Era bonito e
simpático de mais para ser um segurança em qualquer outra cidade do mundo. Conduziu-os através
de um corredor apertado, por um lanço de escadas, até ao clube que parecia uma caverna. O som de
um saxofone e de percussão encheu o ar antes de o casal chegar à zona acolhedora do bar. Imagens e
fotografias dos muitos músicos que haviam tocado ali forravam as paredes, e a habitual panóplia de
bebidas alcoólicas e de rum alinhava-se na parte de trás do bar. No canto, uma grande vitrina
publicitava a melhor variedade de charutos cubanos e o fumo dos Cohibas flutuava.
– O que gostaria de beber? – perguntou Felipe.
Emma estava constrangida pela bondade e generosidade de Felipe. Ele podia ter o trabalho mais
bem pago na cidade, mas nem mesmo as suas gorjetas poderiam cobrir o montante que gastara a
entretê-la como sua convidada.
– Por favor, deixe-me pagar.
– É um preço diferente para mim. Você paga mais porque é turista.
– Bem, já que insiste, mas deixe-me pagar alguma coisa. Cuidou de mim tão bem durante todo o
dia, levando-me de um lado para o outro.
– É tão bom ter a sua companhia.
Então Emma viu um brilho nos seus olhos que confirmou o que havia suspeitado. Ele sentia-se
atraído por ela, mas tentava esconder.
– Por favor, sente-se – disse ele.
Emma sentou-se a uma mesa ao lado de um pilar com uma boa visão do pequeno palco. Um mural
decorava a parede atrás dos músicos. Ela olhou para a mistura eclética de pessoas; algumas eram
locais. Tinha visto na noite anterior vários cubanos de camisa branca, calças e boina. O contraste
com a pele escura fazia-os destacar-se dos outros que preferiam vestir-se de forma mais colorida.
Felipe colocou dois mojitos na pequena mesa redonda. Puxou uma cadeira e sentou-se.
– Gosta de estar aqui?
– É muito bom. Tão diferente dos outros sítios que conheço.
– Tocam aqui muito bons músicos. Também alunos da escola de música de Havana.
– É a maneira perfeita de terminar o dia – disse Emma, levantando o copo para um brinde.
Felipe sorriu. Também ele gostara de todos os momentos do dia. Havia muito que não passava
tanto tempo com uma mulher. Ela não era uma mulher qualquer. Era tão exótica com os seus cabelos
negros e olhos azuis, tão diferente da sua mulher e da maioria das mulheres com quem tivera breves
encontros desde que ela partira. Sentiu o coração encher-se com uma imensa vontade de a beijar, mas
o medo da rejeição deteve-o. A mulher deixara algumas feridas no seu coração e ele teria de ter
cuidado porque existia a triste possibilidade de não poder voltar a ver Emma depois daquela noite.

Sophie avançou com cautela ao longo da Calle Obispo. Devia ter apanhado um táxi. Por alguma
razão, pensou que o caminho do seu hotel para o de Greg era mais curto. Fora-o na noite anterior,
mas estava na companhia dele.
Atravessou a multidão que se reunia à porta de um café onde o som da salsa se espalhava pela rua.
À distância, podia ver o restaurante que Greg indicara. Ele estava sentado a uma mesa cá fora com
um homem de fato cinzento-escuro, mais baixo do que Greg, e cujo ventre caía sobre o cinto das
calças. Tinha a cabeça rapada e mastigava o fim de um Cohiba.
Greg levantou-se quando Sophie chegou e apresentou-a ao seu companheiro, Don Carlos, com o
seu encanto inimitável.
– Estás linda, Sophie! – elogiou Greg.
Ela permitiu que ele a beijasse nas faces e sentou-se na cadeira mais próxima da dele. Queria estar
o mais longe possível de Don Carlos, que lhe dava arrepios.
– O Señor Adams disse-me que era irlandesa?
– Sim.
– Gosta do nosso país?
– É muito bonito.
– O que gostaria de beber?
– Um copo de vinho. Tinto, chileno, se tiver.
Don Carlos bateu palmas e o empregado veio a correr. Ele falou rápida e condescendentemente
com o jovem.
Sophie desejou que o horrível homenzinho não estivesse ali.
Don Carlos continuou a falar em espanhol com Greg. Cinco minutos depois ela sentiu-se invisível.
Não tolerava aquele tipo de desconsideração no seu país! Porque deveria fazê-lo nas férias?
O empregado voltou com o copo de vinho e colocou-o à sua frente.
Ela bebericou e decidiu que iria fazer alguma coisa quanto à situação. Tirou o telefone da bolsa e
levantou-se.
Greg olhou para cima.
– Aonde vais?
– Fazer uma chamada.
Greg voltou de imediato à conversa com Don Carlos, o que deixou Sophie irritada.
Marcou o número de Emma, mas não conseguiu ligação. Tentou várias vezes, mas praguejou
quando a mesma voz em espanhol lhe disse que o número estava indisponível. Onde poderia Emma
ter ido?

Emma bebeu três mojitos antes de a banda fazer um encore. O clube era descontraído e ninguém se
importava que os clientes conversassem enquanto os músicos atuavam.
– Tem sido tudo tão agradável. Obrigada por me trazer aqui.
– Que bom. Quer que a leve ao hotel?
Emma anuiu.
Ficara um pouco embriagada e tonta com os mojitos e tropeçou nos degraus quando chegaram a La
Rampa.
– Sabe, não me sinto cansada.
– Podemos dar uma volta de carro, se quiser?
Emma concordou. O Malecón estava cheio de vida com jovens a beber das garrafas de Havana
Club. Alguns tocavam música. Viram um homem sentado no muro com uma cana de pesca
improvisada. Emma olhou para o relógio. Não conseguia imaginar qualquer outra cidade do mundo
com tanta diversidade de pessoas na rua à uma da manhã.
Arrefecera consideravelmente, mas o Buick sem capota ainda era a melhor maneira de viajar.
– Gostaria de ver a praia?
– Pode ser.
Felipe fez inversão de marcha.
– Vamos a Miramar… há lá muitas casas bonitas. Vou mostrar-lhe onde os golfinhos nadam.
As ruas eram direitas como as de Vedado e havia várias embaixadas com as bandeiras de
diferentes nações desfraldadas. A orla marítima não era tão espetacular como o Malecón, mas era
mais isolada e havia poucos transeuntes.
Felipe estacionou num local tranquilo, na Avenida 1, onde tinham uma vista boa para o mar e
podiam ouvir as ondas na praia. A Lua parecia um disco no céu, lançando gotas de luz sobre as ondas
que rolavam como fitas de prata.
– Isto é lindo.
– Agrada-me. Matanzas não é como Havana.
– Tenho pena de partir, embora me sinta feliz por ir ver o meu pai… espero que ele esteja bem.
Felipe abriu o porta-luvas e tirou um papel. Em seguida, com o coto de um lápis que ele mantinha
no lado da porta, escreveu o seu número de telefone e endereço.
Entregou-o a Emma.
– Por favor, pode escrever-me do seu país?
Emma sorriu.
– É claro. Tem e-mail?
Felipe abanou a cabeça.
Emma pegou na mala e tirou um cartão de visita. Tinha imprimido dois mil, alguns anos antes, e até
ao momento só dera cerca de cinquenta.
– Por favor, escreva-me. Gostaria de manter o contacto. Partilhei mais coisas consigo nos últimos
dias do que poderia partilhar com a minha família. Os meus pais e as minhas irmãs não iriam
entender a dor que carrego pelo suicídio do meu marido.
– Não se deve culpar. Durante muito tempo carreguei a culpa de a minha mulher me ter deixado.
Você é uma boa mulher, Emma, e qualquer que fosse o problema, era algo que só o seu marido sabia.
Os olhos de Emma encheram-se de lágrimas. Ela sentia-se tocada com a emoção do belo cenário,
inebriada com os efeitos de três mojitos e comovida pela consideração e pelo cuidado de Felipe.
– Obrigada – disse ela, recostando-se no banco.
O luar iluminou o lado do rosto de Felipe e a beira do para-brisas.
Ele virou a cabeça e olhou para Emma. Não foi capaz de desviar o seu olhar dos olhos dela. Ela
estava a expor a sua alma e toda a mágoa que carregava dentro de si. Ele desejava avançar e beijar
os seus lábios, polvilhados pelo luar.
Emma sentiu-o ver através dela… sentiu-se exposta e nua. O seu cabelo negro e selvagem e as
sobrancelhas escuras que emolduravam os olhos castanhos foram transformados pelo luar. Em vez do
homem calmo e meigo que tinha sido tão gentil com ela, ela viu uma figura forte e cheia de paixão e
emoção. Foi dominada pela vontade de sentir os seus lábios nos dele.
Felipe inclinou-se até o seu rosto ficar a centímetros do de Emma. Fitaram-se intensamente, ambos
com medo de tomar a iniciativa.
E então aconteceu – os seus lábios encontraram-se, banhados pelo luar. O beijo foi mágico.
Ao mesmo tempo, puderam sentir todo o amor e mágoa que existia dentro de cada um. Os seus
lábios fundiram-se durante o que pareceu minutos, mas terá durado apenas alguns segundos.
De repente, Emma afastou-se de Felipe, e o rosto do belo homem foi substituído pelo do falecido
marido. A energia que ganhara do beijo foi-se dissipando e ficou com a sensação de frio e de vazio
no seu coração. A sua enorme dor irrompeu em lágrimas que caíram pelo rosto.
Felipe tomou-a nos braços e deixou-a descansar a cabeça no seu ombro forte e sólido. O seu
coração oscilava entre a dor de Emma e a sua. Segurou-a por alguns minutos, acariciando-lhe o
cabelo e o rosto, enquanto ela soltava toda a dor que conseguia.
– Talvez volte um dia? – sussurrou ele no seu ouvido.
Emma endireitou-se, afastando-se com relutância do abraço de Felipe.
– Talvez, Felipe. Gostaria de visitar Cuba de novo, vê-lo de novo. Mas sabe, talvez seja mais fácil
vir-me visitar à Irlanda.
Felipe riu.
– Porque é tão engraçado? Gostava que visse onde moro. É uma ilha também.
– É muito difícil sair do meu país. E muito caro, mesmo para um motorista de táxi.
Felipe girou a chave do carro.
Ela sentiu-se de súbito muito ingénua e odiou-se por ser tão insensível – realmente aprendera
muito pouco sobre Cuba, ou as restrições em que o seu povo vivia.
Conduziram em silêncio de volta ao Parque Central e Felipe parou à porta do Hotel Telegrafo.
– Gostaria que eu a levasse ao aeroporto?
Emma foi surpreendida pela simples pergunta. Não tinha pensado nisso.
– Não sei. Qual é o acordo? Será organizada pelo operador turístico, não será?
Felipe abanou a cabeça. A hesitação dela ferira-o. Ele tinha de se proteger. Não se queria
apaixonar e estava a pisar um território perigoso.
– Talvez seja melhor dizer adeus agora – disse ele.
Emma estava atormentada com a culpa do beijo, mas desejosa de o ver de novo. Saiu do carro e
parou no passeio.
– Muito obrigada por tudo o que fez.
Sentiu-se como uma menina perdida, de pé, ao lado da estrada.
– Eu não fiz nada. – Ele abanou a cabeça suavemente. – Diverti-me muito. Espero que tenha uma
boa viagem de regresso a casa, Emma.
Então ele virou-se e colocou o pé no acelerador, levando o Buick para a estrada sem olhar para
trás.
Emma sentiu que ele levava uma parte dela no carro. Não queria voltar para o quarto de hotel
sozinha. Olhou para o relógio. Eram quase duas da manhã. O tempo passara muito depressa na
companhia de Felipe. Virou-se e entrou no hotel, usando as escadas em vez do elevador. O seu
coração pesava a cada passo que dava. Dentro dela, uma mistura de emoções doía e fazia-a sentir-se
confusa. Não esperava encontrar Sophie no quarto quando chegasse, mas lá estava ela, enrolada
numa bola, com um lençol sobre o corpo a dormir profundamente. Estava curiosa para saber o que
acontecera com Greg, mas teria de esperar até de manhã para descobrir.

Sophie atirou a bagagem para o tapete do check-in com tal falta de jeito que Emma esteve tentada a
inclinar-se para a endireitar. Mas Sophie já era adulta e talvez fosse tempo de assumir as suas
responsabilidades.
Emma entregou os bilhetes à hospedeira da Air France, que verificou os passaportes e documentos
para o voo.
– Merci, mesdames. O vosso voo é na porta dois.
Emma sorriu e agradeceu à hospedeira e seguiu Sophie, que já se tinha ido embora.
– Espera! – chamou ela.
Sophie parou.
– Sophie, se não queres falar comigo, como vou saber qual é o problema?
– Já disse que não quero falar sobre isso. Só quero um sumo.
– Devias ter descido para o pequeno-almoço comigo.
– Eu disse-te que não estava de bom humor.
Passaram pela segurança e dirigiram-se ao duty free.
– O voo vai ser longo, e se vais estar amuada, mudo de lugar e podes ir sentada ao lado de outra
pessoa.
– Por mim tanto faz! – ripostou Sophie.
Entraram no avião e foram para os lugares em silêncio. Sophie enfiou a cabeça na revista de
bordo.
Já estavam sobre o Atlântico quando Emma iniciou a conversa.
– Então, o que aconteceu com o Greg?
– Ele foi tão egoísta! Arranjou um encontro com um homem rude, que era funcionário do Estado.
Aborreci-me de morte durante quase três horas. E onde estavas tu? Tentei ligar-te!
– Deixaste bem claro que só me querias voltar a ver a caminho do aeroporto.
– Provavelmente estavas com aquele motorista de táxi.
– O Felipe foi encantador e para de lhe chamar «aquele motorista de táxi». De qualquer maneira,
ele é advogado.
Sophie arrebitou as orelhas.
– Estás a brincar!
– O que interessa a profissão? Ele foi divertido e uma boa companhia.
– Sim, acho que já está na hora de seguires em frente. O Paul partiu e é altura de superares isso.
– Ele era meu marido! Não ias entender.
Sophie olhou para Emma. A lata dela! Sempre a deitá-la abaixo com frases daquelas.
– Lá por seres a mais velha de nós as duas – disse ela –, não significa que sejas agora o oráculo.
Sei mais sobre perda do que possas imaginar.
O chefe de cabina distribuía almofadas e cobertores aos passageiros que quisessem dormir. As
vozes das duas irmãs tornavam-se mais animadas e mais altas, e à medida que a conversa progrediu,
os que estavam sentados à volta começaram a prestar atenção.
– Qual a perda que já sentiste? Nem sequer foste ao enterro da avó porque estavas de fim de
semana marcado para Amesterdão, para ires fumar charros com os teus amigos! Esse é o teu tipo de
prioridades.
Uma senhora idosa sentada em frente das irmãs virou-se para ver quem fazia tanto barulho. As duas
continuaram a conversa.
Sophie ligou a luz por cima de si.
– Ela detestava funerais! Sempre disse isso! E eu não ia perder o voo e o hotel, que já estavam
pagos. De qualquer maneira, não tenho de me justificar a ti.
– Tu nunca tens de te justificar a ninguém! É só correres para o pai e ele cede sempre e safa-te
sempre! Não importa o que seja.
– Eu pago as minhas coisas!
– Então porque pagou o pai o seguro do teu carro este ano? A mãe disse-me, por isso não vale a
pena negares. Eu e a Louise temos família para sustentar, e tu sempre que podes aproveitas para lhe
pedir dinheiro! E ele agora já só tem a pensão.
– Estás com ciúmes. Sempre tivestes ciúmes de mim! Suponho que tenhas boas razões para isso.
Emma franziu as sobrancelhas e abanou a cabeça com desprezo.
– Poupa-me!!! Por que raio havia de ter ciúmes de ti?
– Porque consigo os homens que quero.
O desprezo de Emma transformou-se num sorriso.
– Porque conseguiste apanhar um canadiano de férias? Provavelmente só o quiseste porque ele
conversou primeiro comigo! Ele pagou-me o almoço.
– Mas dormiu comigo!
– E isso é motivo de orgulho?
Sophie ficou vermelha de raiva.
– Vai-te foder! – vociferou ela bastante alto para que uma hospedeira ouvisse e olhasse para ver
quem fazia aquele barulho.
– É hora de cresceres e encontrares um homem de verdade para teres um relacionamento maduro –
disse Emma friamente.
– Mas eu tinha um relacionamento maduro! Uma relação muito real que se ia tornar permanente!
Com quem achas que o teu marido andava a dormir de há três anos para cá?
A hospedeira identificara os culpados do barulho e percorreu o corredor até onde estavam
sentadas as duas irmãs.
Emma arregalou os olhos. Não podia acreditar no que ouvia! Sentiu-se prestes a vomitar.
– Diz-me que estás a mentir!
– Não, não estou! Eu dormia com o Paul! Éramos amantes e ele estava prestes a deixar-te quando
teve o ataque cardíaco!
Emma começou a tremer, incapaz de falar.
– Está tudo bem, minha senhora? – perguntou a hospedeira, sabendo muito bem que não estava.
– Preciso de outro lugar – exigiu Sophie.
– O avião vai cheio, minha senhora.
– Leve-me para longe dela! – exclamou Sophie, enquanto se levantava e retirava o seu saco do
compartimento superior.
Emma colocou a cabeça entre as mãos; tremia da cabeça aos pés.
– Venha comigo – disse a hospedeira, levando Sophie para um lugar na parte traseira do avião.
Emma estava ofegante e prestes a irromper numa cascata de lágrimas. Aquilo não podia ser
verdade. Como é que o marido fora tão mentiroso? Como é que nunca imaginara que ele andava com
outra mulher? E que essa mulher podia ser a irmã? A sua mente girava como um pião. Estava ansiosa
por aterrar em solo irlandês. Para poder estar em casa novamente, onde poderia tentar dar sentido
àquela revelação. Entretanto, precisava de um brande para acalmar os nervos. Estendeu o braço até
ao botão de chamada e pressionou-o.
16

Finn estava encostado às barreiras do Aeroporto de Dublin, ao lado da tia.


– O avião dela já chegou?
Louise olhou para o ecrã.
– Ela aterrou há cinco minutos por isso deve estar a sair dentro de vinte.
Finn saltava de um lado para o outro, cheio de expetativa. Louise nunca o vira tão excitado.
– Queres sentar-te um pouco enquanto esperamos? – perguntou ela.
Ele fez que não com a cabeça.
Primeiro apareceu Sophie. Empurrava um carrinho, mas não havia sinal de Emma.
Louise correu para a beijar. Sophie deixou que os lábios de Louise mal tocassem a sua face.
– Onde está a Emma?
– Ainda está lá dentro. Não vou no mesmo carro que ela, não a suporto nem mais um minuto. Vou
apanhar um táxi.
Louise sentiu um frio no estômago. Raramente Emma e Sophie se desentendiam, mas quando o
faziam, era em proporções bíblicas.
– O que aconteceu?
– Não quero falar sobre isso. Vou-me embora agora.
Sophie saiu apressada à procura de um táxi, deixando Louise confusa e sem palavras.
Louise olhou em volta e viu Emma a abraçar ternamente o seu filho. Correu para a irmã e, quando
esta acabou de abraçar Finn, lançou os braços à sua volta.
– Emma! Divertiste-te?
Emma beijou a irmã. Ainda tremia devido à troca de palavras com Sophie, mas tentou esconder a
angústia.
– Louise! Obrigada por teres tomado tão bem conta do Finn. Foste um amor, obrigada. Como está o
pai?
– Ele está bem. O que se passa com a Sophie?
– Preciso de falar contigo sobre isso, mas mais tarde. – Com a cabeça indicou que a conversa não
era apropriada para os ouvidos do filho.
– Queres que te leve diretamente para casa?
– Por favor! Estou exausta, não consegui dormir no avião.
– Não te preocupes com o pai. Ele encontra-se estável e disse que não te incomodasses, que o
fosses visitar apenas amanhã.
– Aposto que ele quer ver a Sophie.
Louise não disse nada. O pai tinha perguntado por Sophie, mas iria provavelmente ter de esperar
até que ela o decidisse visitar.
– Estou tão contente por teres chegado. És a única que consegue lidar com a mãe. Ela está a dar
com os vizinhos em doidos. Sabes como consegue ser exigente.
– Vou mudar de roupa e fazer algumas coisas e depois vou vê-la. E a seguir tenho de falar contigo.
– Tenho no carro um saco com algumas coisas; pão, leite, carnes frias e fruta.
– Obrigada, Louise. É muito gentil da tua parte. – Emma ficou sensibilizada.
– Vamos estar bastante ocupadas por algum tempo. O pai vai ter de fazer um bypass triplo.
Emma olhou para ela com assertividade. Desejava que o pai ficasse bem, mas sabia que tinha de
ser positiva. Era o seu papel como filha mais velha ser o suporte do resto da família.
– Bestial! – Emma suspirou profundamente ao ouvir as notícias. – Acho que devemos estar
satisfeitos por ele não ter tido um ataque cardíaco. Ao menos essa operação hoje em dia é
corriqueira.
– Eu não estou preocupada com o pai.
– Eu sei – respondeu Emma. Iria ser difícil lidar com a mãe. Era como se existissem dois
inválidos.
– Finn, querido – disse Louise –, queres ir ao iate clube com o Donal e o Matt enquanto eu e a tua
mãe vamos visitar a avó?
– Sim – anuiu Finn. Agora que a mãe voltara, sentia-se feliz por poder estar outra vez com o primo.
– Boa – disse Louise. Tinha a terrível sensação de que o que quer que Emma tinha para lhe dizer
era sério.

Louise dirigiu-se a Raheny depois de deixar Finn com o tio e o primo no iate clube.
– Vá, sou toda ouvidos – disse ela a Emma.
– A Sophie disse uma coisa no avião, e eu não sei se ela não está apenas a ser uma cabra, mas acho
que não ia inventar uma coisa destas.
Louise respirou fundo e preparou-se.
– Sim, continua.
Emma estava quase a chorar.
– Ela disse que dormira com o Paul! Não, melhor ainda, que tinha um caso com ele.
Louise manteve o olhar na estrada. Tremia. Desejara que Emma nunca descobrisse.
– Diz alguma coisa! – exigiu Emma.
Louise estava dividida. Deveria dizer a Emma que já sabia de tudo? Talvez não, senão Emma iria
querer saber porque não lhe contara.
– Não acredito. Tens a certeza de que ela não está a disparatar?
– Porque havia ela de dizer uma coisa destas?
– Para te desmoralizar?
– Normalmente ela usa outras táticas quando quer fazer isso.
Louise puxou do travão de mão quando pararam nos semáforos. Virou-se para Emma.
– Não sei o que dizer.
Emma explodiu em lágrimas.
– Eu tinha começado a aceitar a morte do Paul. Diverti-me tanto em Cuba. Havia lá um homem
mesmo bonito. Ele conduz um táxi e parece-se um pouco com o Che Guevara. Foi tão atencioso
comigo. Chama-se Felipe.
– Tiveste um romance de férias? – perguntou Louise, surpreendida.
– Eu não chamaria a um beijo em Havana um grande romance, mas gostei muito dele.
– Onde andava a Sophie enquanto estavas com o Felipe?
– Com um negociante de arte canadiano, também muito atraente. Conheci-o primeiro, mas quando a
Sophie o viu nunca mais o largou.
– Ela quer sempre o que tu tens.
– Exato! O que me faz pensar que se calhar teve um caso com o Paul.
Louise arrancou com o carro e seguiu ao longo da estrada – estavam perto de Raheny.
Quando se aproximaram da casa da mãe, Louise parou o carro e virou-se para Emma.
– Sabes, provavelmente nunca saberemos a verdade; quer dizer, o Paul já não está cá para se
defender.
Emma suspirou.
– Eu sei, mas isso explica porque andava tão estranho antes de morrer.
– Ele andava estranho? Nunca tinhas dito isso antes.
Emma não o quisera admitir. Nem para ela, nem para ninguém.
– Não faz sentido ele ter marcado estas férias e depois… – Parou. Não podia continuar sem
explicar outros pormenores. – Vamos lá acabar com isto, a mãe está à nossa espera.

Maggie Owens estava sentada num cadeirão com uma manta sobre o colo, sentindo-se muito
desconsolada.
– Mãe, como estás? – perguntou Emma, dirigindo-se à mãe para a abraçar.
– Emma, graças a Deus estás em casa. Tem sido terrível. Tenho passado muito mal e tenho medo de
estar aqui nesta casa sozinha.
– Vou fazer chá – disse Louise, sem que ninguém a ouvisse. A mãe podia ter ficado na sua casa se
fosse mais tolerante com as crianças. Fora ela que escolhera ir-se embora.
– O choque do roubo deve ter sido terrível – disse Emma. – Queres ficar na minha casa?
– Acho que sim. Esta casa é muito grande e ando a ouvir ruídos à noite.
Louise pôs os saquinhos de chá no bule e procurou café para si no armário da cozinha.
Estava entre a espada e a parede. Por um lado achava que tinha de dizer a Emma que já sabia do
caso, não fosse Sophie contar-lhe primeiro. Por outro, sentia que Emma iria ficar destroçada ao
saber que ela não lhe dissera.
Não tinha escapatória.

***

Sophie ligou o aquecimento do seu apartamento em Custom House Square. Não estava
particularmente frio, mas habituara-se ao calor de Cuba. Sentia-se cheia de pena de si própria
enquanto procurava comida nos armários da cozinha. Teria de ir ao café italiano da esquina comer
qualquer coisa.
O jet lag começava a fazer-se sentir e ela tinha de ir trabalhar. Agora que percebera o que fizera
estava maldisposta. Por que razão falara a Emma de Paul? Talvez necessitasse que a sua perda fosse
também reconhecida. Mas tudo o que fizera era com que Emma a odiasse – Emma, que sempre a
protegera e olhara por ela quando era pequena, e traíra a irmã da maneira mais horrível possível.
Trocou de roupa, vestindo umas calças de ganga e um blusão antes de sair para ir comer um prato
de pasta.
O complexo habitacional nas margens do rio Liffey estava mais sossegado do que quando Sophie
se mudara para lá, e muitos dos apartamentos encontravam-se vazios. As coisas estavam a mudar
demasiado depressa para o seu gosto. A queda da economia começava a afetar a sua vida.
De repente o telemóvel tocou e não ficou surpreendida por ver o número de Louise no ecrã.
– Olá. Estava a pensar quando me ligavas.
– É só isso que tens para me dizer?
– Não comeces! Chateias-me tanto com os teus dois pesos e duas medidas – disse Sophie,
claramente na defensiva. – Eu amava o Paul! Também estou a sofrer e já era tempo de a Emma saber
isso.
– E como achas que ela ficou? Não conseguiste nada a não ser mostrares a cabra que és. Tiveste
oportunidade de evitar isto tudo e deixares a Emma com uma boa recordação do marido.
– Ele era o meu amante!
– Deixa-te de coisas! Eras o biscate dele.
– Ele ia deixar a Emma! Tinha planeado levar-me a Cuba, não a Emma.
– Eu não sei no que esse sacana pensava! Mas preocupo-me com a Emma. Não sei como te vais
livrar desta. Não te admires se a Emma nunca mais falar contigo.
– Não me importo!
Mas importava-se.
– E os pais? Como achas que vão ficar?
– Não lhes vou dizer e aposto que a Emma também não.
Louise odiava quando Sophie tinha razão. De maneira alguma Emma iria incomodar os pais.
– Tem cuidado, Sophie… fizeste-a boa desta vez.
Sophie desligou. Não queria saber de quem não estivesse do seu lado.
Pensou em Greg e na forma como o deixara duas noites antes. Ele era tão atraente e ela realmente
achava que o poderia amar.
Mas Greg não se mostrara muito desejoso de passar com ela a sua última noite em Havana.
Deixou-a ir, para poder continuar a conversar com um pequeno e aborrecido cubano, e nem passou
pelo hotel dela, depois de ter terminado, tal como lhe sugerira. A maneira como olhou para o cartão
de visita dela quando lho entregou antes de se vir embora deixou-a furiosa consigo própria. Greg e
José! Dois homens em Cuba que a trataram como ela nunca fora tratada na vida! E como nunca mais
seria se dependesse dela.
De repente queria sair de Dublin e tentar algo de novo. Talvez estivesse a fugir, mas sentiu que não
teria alternativa assim que a realidade do que dissera a Emma assentasse.

Jack tentava acabar um artigo antes do prazo das seis da tarde. Pensava em Aoife. Depois de ter
ido beber um copo com Peter na noite anterior, percebera que tinha de tirar Louise da cabeça de uma
vez por todas. Mas falar era fácil.
O seu chefe, Gerry, aproximou-se da sua secretária e deixou-lhe um memorando.
– Quero que vás ao Hospital Beaumont e cubras os casos do vírus MRSA1. Consegues fazer isso
de manhã?
– Claro. – Um vírus era como ele se sentia nesse momento.
– Quero que entrevistes William Fitzmaurice. Ele é o responsável pela Higiene.
Aquilo ia ser excitante. Jack anuiu e voltou-se para o portátil. Um ícone piscou avisando-o de que
tinha uma mensagem. Era de Aoife:
Estive a pensar e não te quero ver nem falar contigo durante uma semana.
Por favor não me contactes. Ligo-te quando a semana tiver terminado.
Aoife
Jack ficou surpreendido com a frieza da mensagem. Não tinha conhecimento de ela alguma vez ter
sido assim com alguém. E não podia responder, tinha de respeitar a sua vontade. Também sentiu que
não podia falar com Louise, ela estava cheia de problemas da última vez que ele ligara. Também não
queria que a sua família soubesse que ele e Aoife tinham problemas. Precisava de se concentrar e
voltar ao trabalho.

Sophie chegou felicíssima ao trabalho, com a pele beijada pelo sol. Ainda só se encontrava no
edifício há alguns segundos quando reparou que alguma coisa não estava bem. Geraldine, da receção,
não se encontrava no seu lugar e a máquina de café fora desligada da parede. Harry retirava da
secretária todos os papéis e bens pessoais. Sophie caminhou até lá, mas ele continuou diligentemente
a arrumar.

– O que se passa? – inquiriu ela.


Harry levantou a cabeça.
– Sophie! Então, divertiste-te?
– Sim, foi ótimo. O que se passa?
– Ainda não sabes? Falimos. O Rod fugiu com o dinheiro que a empresa ainda tinha. Nem vamos
receber indemnizações.
– Espera aí! Isso é alguma piada?
– Não estou a rir-me. Recebemos todos um e-mail na quinta-feira a avisar do fim. A empresa
entrou em falência e o Rod deixou o país.
Sophie foi para o seu escritório e ligou o computador. Aquilo não podia estar a acontecer.
Como é que tudo se podia desintegrar tão depressa? Viu as mensagens e encontrou a de Rod. Ficou
agoniada quando pensou nas horas de trabalho que dedicara à empresa e quão arduamente trabalhara
para conseguir bons contratos, contratos que agora não iriam ser cumpridos. Verificou o resto das
mensagens. A maioria vinha de lojas e compradores descontentes com a situação. Foi então que viu
uma mensagem que a fez tornar a olhar. Era de Greg Adams.

Desculpa a maneira como as coisas correram. Estou à mercê da burocracia cubana. Espero
encontrar-te daqui a 6 semanas????? Greg x

A mensagem trouxe um sorriso ao seu rosto, embora se odiasse por ceder àquele mau rapaz. Mas
como poderia ir a algum lado em seis semanas? Tinha uma dívida enorme no cartão de crédito –
ainda bem que a prestação da casa não era muito alta, mas iria ter problemas em pagar o seu pequeno
Mazda desportivo. Ela nunca vivera sem um ordenado; até durante a escola trabalhara para pagar os
CD e a maquilhagem. Tinha de contar aquelas notícias terríveis a alguém, mas pensou que nem Emma
nem Louise a iriam ouvir naquele momento. Saiu bruscamente do escritório.
– Adeus, Sophie! – gritou Harry. Mas ela ignorou-o.
Correu escadas abaixo e meteu-se no carro. Iria ao Hospital Beaumont ver o pai. O pai sempre
esteve presente para a ajudar.

Louise aproximou-se do balcão da receção e da senhora bem-posta com os óculos na ponta do


nariz.
– Desculpe, pode dizer-me se o Larry Owens ainda está na ala cardíaca?
A mulher não levantou a cabeça. Digitou umas teclas e aguardou.
– Ele está em St. Bridget… no pré-operatório.
– Obrigada – disse Louise. Emma estivera ali e tinha-lhe assegurado que o pai se sentia melhor.
– Louise?
Ela voltou-se surpreendida por ouvir o seu nome.
Era Jack e a visão dele trouxe um sorriso ao seu rosto.
– Estava a pensar que se calhar iria dar contigo. Enviaram-me para cobrir um caso hospitalar. Tens
tempo para um café?
– Claro. Como tens passado? Tenho pensado em ti.
– Já estive melhor. Tu lembras-te do Peter Kelly, da escola?
Louise teve de pensar um pouco.
– O nome diz-me qualquer coisa. Era teu amigo?
– Sim. Bem, bebemos um copo no outro dia, e estivemos a falar de ti.
Louise corou.
– Vamos até ao refeitório.
– Como está o teu pai?
– Ia agora vê-lo. Afinal de contas, o roubo até foi um mal menor! Ele necessita de um bypass triplo
e podia ter morrido a qualquer momento se não tivesse sido diagnosticado.
– Que loucura.
Continuaram pelo corredor até chegarem ao refeitório.
Louise ouviu o seu nome novamente e desta vez soube quem a chamava antes de se virar.
– Sophie! Só agora vens ver o pai?
Sophie abanou os seus caracóis.
– Tive uma manhã horrível. Fui trabalhar e descobri que já não tenho emprego. – Lançou o olhar
sobre Jack e Louise leu-lhe os pensamentos. – Sophie Owens. Sou irmã da Louise. Prazer em
conhecê-lo – disse ela, com um largo sorriso.
– Eu sou o Jack.
Ela meneou a cabeça em reconhecimento.
– É um prazer conhecê-lo.
Louise sentiu-se desconfortável. Era Sophie em modo predatório.
– Então o que aconteceu no trabalho? – perguntou Louise, embora depois do que Sophie tinha feito
a Emma no voo para casa ainda sentisse dificuldade em olhá-la de frente.
– O meu patrão fechou a loja e enviou um e-mail a todos na semana passada a dizer que ia sair do
país. É bizarro. Não sei o que vou fazer! Há tanta gente sem emprego.
– Queres juntar-te a nós? Vamos beber um café – disse Jack.
– Já bebia um, obrigada.
Louise estava furiosa. Como é que Sophie conseguia estragar tudo, até um inocente café com Jack?
Percebeu logo que ele se sentia atraído por ela. Não interessava onde estava, Sophie tinha um íman
biológico que atraía os homens. Não tinha de fazer nada e eles ficavam pelo beicinho.
Puseram-se na fila e esperaram.
– Queres comer alguma coisa? – perguntou Louise a Jack.
– Não, obrigado.
– Eu quero um queque de chocolate – disse Sophie, apontando para o prato em cima do balcão.
Louise pôs um no tabuleiro e pediu três cafés.
– Sophie, podias ir arranjar uma mesa para nós? – perguntou Louise, com um ar zangado.
Sophie encolheu os ombros e foi à procura de um sítio para se sentar.
Louise sorriu para Jack.
– Peço desculpa por isto. Estava com esperança de que pudéssemos falar.
– Nunca me disseste que tinhas uma irmã tão jeitosa – disse Jack, enquanto seguia Sophie com o
olhar.
– Ela é uma arma mortífera! Sarilhos com S grande.
– Até eu consigo perceber isso. Mas é muito atraente.
– É muito divertido tê-la como irmã – ironizou Louise.
Mas Jack estava obviamente cativado pela personalidade volátil e sensual de Sophie.
– Antes de irmos ter com ela, fala-me da Aoife – pediu Louise.
– Ela não me quer ver durante uma semana. Disse que me telefona depois.
Louise ficou preocupada com Jack. Por um lado, achava que ele devia voltar atrás e pedir desculpa
a Aoife e tentar consertar tudo, mas, por outro, queria que ele se afastasse de Aoife e se apaixonasse
por ela.
– Eu levo isso – disse Jack, levantando o tabuleiro dos cafés.
Quando chegaram à mesa, Sophie estava radiosa e em modo de engate total.
– E então Jack, onde trabalhas? – perguntou ela, dando uma dentada no queque.
– Sou jornalista. No Irish Times.
– Achas que eles podem precisar de uma estilista?
– Não sei nada das páginas de moda. Posso perguntar à Brenda. Ela é a editora de moda.
– Fazias isso? Era tão bom. – Sophie lançou-lhe o seu olhar triste, que Louise já tinha visto muitas
vezes.
Louise levantou a caneca e bebeu um gole de café. Só mesmo Sophie para ter sorte em conseguir
emprego horas depois de perder o anterior.
– E então, Jack? Qual é a história que estás a cobrir? – perguntou ela.
– Tenho der ir falar com o chefe da Higiene acerca da bactéria que está a infestar os hospitais
irlandeses. Como se já não houvesse más notícias suficientes.
– Não me apercebi de que as coisas estivessem tão mal na minha empresa – disse Sophie. – Quer
dizer, havia sempre encomendas a chegar e tínhamos um grande stock. O que será que lhe vai
acontecer?
– É melhor não dizeres nada ao pai quando estiveres com ele – sugeriu Louise. – Ele vai levar
anestesia geral e não quero que se preocupe com nada. Já está preocupado com a mãe.
Sophie rolou os olhos.
– Ele vai ficar animado quando me vir. Podes emprestar-me vinte euros? Não tenho nada na minha
conta e queria comprar-lhe qualquer coisa para ele ler.
Jack tirou uma cópia do The Irish Times da sua sacola.
– Toma, dá-lhe isto.
– Obrigada! – exclamou ela, com um sorriso.
Louise abriu a mala e tirou uma nota de dez euros.
– É tudo o que tenho. Preciso dos trocos para o estacionamento. Vais vê-lo agora?
Sophie percebeu que estava na hora de ser ir embora e virou-se para Jack.
– Foi um prazer conhecer-te. Obrigada pelo jornal.
– De nada.
Louise observou a irmã enquanto esta deslizava por entre as mesas, aproveitando para abanar o
traseiro para que Jack ficasse a olhar.
– Ela tem muito que se lhe diga – disse Jack, dando um gole no seu café.
– Bem podes dizê-lo! O que vais fazer em relação à Aoife?
– Não posso fazer nada enquanto ela não me ligar.
– Tem cuidado, Jack. Não deites tudo a perder.
– Isto é irónico, não é?
Louise fechou os lábios e levantou a sua caneca de café.
– Só não quero que cometas um erro.
– Será que é um erro? Talvez não devamos ficar juntos e ter-te encontrado me tenha feito ver
isso…
Louise sentiu-se desconfortável com a analogia de Jack. Isso implicava que ela cometera um erro
ao prosseguir com o seu casamento, mas os seus três filhos eram prova suficiente de que tomara o
rumo certo em relação ao seu destino. Porém, ter encontrado Jack novamente fizera-a repensar, e
embora tentasse convencê-lo a agir de forma correta, ela própria não estava certa disso mesmo.
– Vai com calma. Não faças nada de que te arrependas.
Jack olhou para a sua caneca.
– Não podemos alterar o passado. Por alguma razão os nossos caminhos voltaram a cruzar-se.
Louise olhou para Jack.
– Só gostava de saber porquê.

Sophie percorreu o corredor espreitando para todos os quartos enquanto ia andando. Num quarto
com quatro camas viu Larry, deitado de lado com os olhos fechados. Uma garrafa de Lucozade
estava em cima do cacifo ao pé da cama.
Ela entrou, puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dele.
Ele abriu os olhos ao ouvir o ruído.
– Sophie, estás de volta!
– Olá pai, em que sarilho andaste metido enquanto estive fora? A bater em rapazes novos, segundo
ouvi dizer?
– Oh, Sophie, que bom voltar a ver-te.
Sophie inclinou-se e beijou o pai na testa.
– Então, quando vais à faca? Ouvi dizer que vão fazer de ti um novo homem.
– Não sei o que andam para aí a fazer. Este lugar está cheio de gente esquisita. Estava melhor na
minha cama, em casa.
Tinha o rosto pálido e inchado, parecia ter envelhecido no curto tempo em que Sophie estivera
fora. Ela nunca se apercebera de como o cabelo branco no cimo da cabeça dele ficara ralo.
– Vais ficar bem. A mãe tem vindo cá?
– Não. Está tão transtornada. Estou preocupado com ela! Além do mais, agora ainda tem esta
operação com que se preocupar.
– Papá, és tu que vais ser operado, não te preocupes com ela. Ela vai ter a Emma às suas ordens.
– Graças a Deus que chegaram bem.
– Pai, precisas de descansar. Vai tudo correr bem.
– Espero que sim. Nunca recebi uma anestesia antes.
– Vais ser um homem novo quando saíres daqui. Mas, pai, nem vais acreditar no que me aconteceu.
Cheguei a casa para descobrir que o meu emprego desapareceu! A empresa inteira fechou.
– Oh, Sophie, isso é terrível.
– Eu sei! Nem consigo acreditar.
– Tenho umas poupanças no Credit Union, se estiveres encalhada. A caderneta está na última
gaveta do meu armário, em casa. A tua mãe não sabe disto, e se o pior vier a acontecer e eu não
acordar desta operação, tu recebes o dobro do que lá está.
– Não sejas assim, pai! É claro que vais acordar! Eu disse-te que eles te vão transformar num
homem novo.
– Assim espero, fofinha.
E pela primeira vez na vida Sophie viu um medo real desenhado nos olhos do pai.
1 Bactéria multirresistente a antibióticos, que se propaga em ambientes hospitalares. (N. do T.)
17

Felipe encontrou-se com um casal em lua de mel que veio no voo de Paris. Pegou nas malas deles
e pô-las na bagageira do seu Renault. Trabalhava em piloto automático desde que deixara Emma à
porta do seu hotel duas noites antes. Não a conseguia tirar da cabeça. Não era próprio dele deixar
que alguém o tocasse assim tão profundamente, e desejava não se ter ido embora tão depressa na
última noite dela em Havana. Podia ter tentado mudar de turno e levá-la ao aeroporto, mas tinha
medo de que se ela o visse outra vez fosse agir de forma diferente depois do beijo, e não quis
arriscar.
Felipe preparou-se para a longa viagem até Varadero enquanto o casal se apalpava no banco
traseiro do carro, ignorando a sua presença. Estava contente por poder continuar com os seus
pensamentos e não ter de dar informações sobre o seu país aos recém-chegados.
Pensou se deveria escrever a Emma. O correio normal demorava tanto tempo, mas ele já não tinha
acesso a nenhum computador e não tinha endereço de correio eletrónico. Tocou no bolso da camisa.
Pusera ali o cartão dela nas duas últimas manhãs. Podia sempre tentar e pedir a alguém que
trabalhasse num hotel para lhe enviar um e-mail… pensou em Dehannys.
No hotel, tirou as malas para fora do carro e entregou-as ao bagageiro. O jovem casal estava tão
entretido que nem se deu ao trabalho de se despedir dele. Trancou o carro e atravessou o majestoso
átrio do hotel. A piscina e os jardins funcionavam como cenário para a escadaria ampla por detrás da
receção.
Ainda era uma boa caminhada até ao bar na praia onde Dehannys trabalhava. Pôs-se a caminho
para a encontrar e durante o tempo todo só pensava em Emma.
Dehannys limpava uns copos quando o avistou.
– Hola!
– Dehannys… como estás? E a tua família?
– Bem. E o teu pai?
– Ele está bem. – Ele hesitou – Dehannys, preciso de ajuda e lembrei-me de ti. Podes usar o e-mail
do hotel?
O rosto de Dehannys demonstrou que não seria uma tarefa fácil.
– Tenho um endereço, mas o Diego não deixa os empregados entrarem na sala do computador. Pôs
a Estella a trabalhar lá o tempo todo, e ela faz queixa.
– Quando é a folga dela?
– Penso que às sextas.
– Quem é que lá está, então?
– Às vezes o Pedro, às vezes o Raphael.
– Está bem. Podemos tentar na sexta, se eu cá vier?
– Podemos. A quem queres mandar a mensagem?
– À irlandesa… Emma.
– Ela era muito boa pessoa.
Felipe concordou. Talvez fosse uma busca infrutífera, mas não podia deixar de tentar. Afinal, não
tinha nada a perder.

Emma abriu a mala e começou a tirar de lá a roupa. Ainda não tivera oportunidade para o fazer
desde que chegara a casa nem para pensar nas implicações da discussão com Sophie no avião. Não
sabia como iria olhar para a cara dela outra vez. De repente, a campainha tocou. Já não ia ter
oportunidade de arrumar as suas roupas.
À porta estavam Louise e a mãe, com um saco grande ao lado dela.
– Olá – disse Emma, beijando a mãe na face.
Louise entregou-lhe o saco e a responsabilidade de tomar conta da mãe.
– Anda, mãe, vamos instalar-te frente à televisão! – exclamou Louise.
Maggie entrou na sala. Emma e Louise olharam uma para a outra e não foi necessário dizer nada.
Maggie tinha desenvolvido um coxear psicossomático desde o incidente.
– Vou ligar a chaleira para fazer chá – disse Emma, com um sorriso.
Louise seguiu-a até à cozinha depois de ter sentado a mãe.
– Como tens passado?
– Bem. Já falaste com a Sophie?
– Liguei-lhe.
– O que disse ela?
Aquela era difícil. Louise não sabia qual a resposta certa a dar.
– Bem, ela disse que não sentia remorsos. Acho que está aliviada por te ter dito.
Emma suspirou ruidosamente.
– Queres café?
– Sim, obrigada.
– Não sei como vou lidar com ela quando a voltar a ver.
– Tens de resolver isto. Não me parece que se possam evitar para o resto das vossas vidas.
– Posso tentar.
– E depois os pais descobrem!
– Não me interessa o que eles pensam! Tem havido demasiados assuntos encobertos na nossa
família! Temo-lo feito a vida toda, proteger a mãe disto, encobrir a Sophie por causa daquilo! Estou
farta de todas as mentiras e enganos.
– Nada é simples – disse Louise, mordendo o lábio. Também ela tinha o seu próprio segredo bem
escondido.
– De agora em diante não protejo mais ninguém a não ser o Finn! E não vou ser julgada pelo que
disser ou fizer. Prò diabo com o Paul, prò diabo com a Sophie! Não quero saber de
responsabilidades!
– Queres, sim. Senão não tinhas aceitado que a mãe ficasse contigo.
– Se ela me der chatices, vai de volta para casa.
Louise estava espantada. Aquela era uma nova Emma.
– O homem que conheceste em Cuba causou-te uma grande mudança, Emma.
Emma levantou a sua chávena de chá do balcão.
– Atravessei uma ponte. Sair daqui não podia ter acontecido em melhor altura. Já não tenho medo!
De que vale ter medo?
– Do que tinhas medo?
– Agora que penso nisso, de tudo! Pelo amor de Deus, nem consegui escrever outro livro! Estive
tão ocupada a viver a minha vida de acordo com aqueles que estavam à minha volta que nem pensei
nas minhas necessidades. E em relação ao Paul, bem, neste momento nem existem palavras para
descrever o que sinto em relação a ele.
Louise ficou assustada com a nova Emma. Parecia perigosa e Louise precisava de ter cuidado a
lidar com a irmã dali por diante.

Apenas passara um dia quando Louise recebeu uma mensagem de texto de Jack. Não era a que ela
esperava, mas também não ficou surpreendida.
Podes enviar o número da tua irmã? J
Louise esteve tentada a ignorar a mensagem, mas isso seria infantil. Fez o que lhe pediram e ficou à
espera da resposta. Mas Jack não respondeu.
Donal estava de volta ao trabalho e dali a uns dias as crianças regressariam às aulas. Já se sentia
tão vazia. O que fazia com a sua vida? Refugiou-se no piano e começou a tocar. Era novamente
Debussy. Sentia-se segura com ele. Enquanto tocava, o pai estava a ser submetido a uma grande
intervenção cirúrgica e ela esperava que tudo corresse bem. A família passava por uma grande
mudança e preocupava-a o resultado final.
De repente o telefone tocou. Era a última pessoa no mundo com quem queria falar. No entanto, teria
de fazer as vontades a Sophie enquanto não lhe passasse aquela fase de criar confusão.
– Louise?
– Sim, Sophie.
– Nem vais acreditar! Aquele teu amigo Jack acabou de me ligar. Ele é um borracho. Onde o
conheceste?
Louise hesitou. Tinha de se certificar de que Sophie nunca iria descobrir quem ele era na
realidade.
– Oh, acho que ele escreveu uns artigos sobre a escola, ou qualquer coisa assim.
– Bem, ele disse-me que a editora de moda precisa de alguém para fazer umas coisas em regime
livre, produção de moda e tal, e que me vai entrevistar amanhã.
– Que boas notícias, Sophie. – Louise tentava soar entusiasmada, mas não queria Sophie perto de
Jack Duggan. Especialmente no trabalho.
Louise telefonou a Jack assim que Sophie desligou.
– Olá, Jack.
– Louise! Como estás?
– Já estive melhor, para ser sincera. Olha, Jack, espero que não te importes por eu te dizer isto,
mas a minha irmã é sinónimo de problemas! Por isso tem cuidado.
– Ela só vai substituir alguém que está ausente.
– Conheço a minha irmã. Mantém-te longe.
Jack não gostou que Louise lhe estivesse assim a dar ordens. Sophie parecia simpática e ele só lhe
estava a dar uma oportunidade porque era a irmã dela.
– Olha, provavelmente nem a vou ver! Estou sempre na rua.
– Ela é perigosa! Por favor, não lhe contes sobre nós e o nosso passado.
– Porque haveria de fazer isso?
– Tem cuidado.
– Esquece isso. Não a vou ver. De qualquer forma, como estás? Como está o teu pai?
– Está a ser operado neste preciso momento. Vou vê-lo mais tarde.
– Bom, espero que esteja bem.
– Obrigada. Tens notícias da Aoife?
– Ela disse uma semana e acho que vai manter o prazo. Vou sair novamente com o Peter logo à
noite.
– Bem, manda-lhe cumprimentos… ou se calhar é melhor não lhe dizeres nada.
– Fica bem, Louise.
– Adeus, Jack.
Quando ele desligou, ela sentiu-se triste. Regressou às suas teclas de ébano e marfim até ser tempo
de ir buscar Tom e Molly à casa dos amigos. Estava ansiosa em relação ao pai e preocupada com
Emma. Tudo mudara tão de repente e questionava-se o que a vida ainda reservaria para ela.

***

Emma respirou fundo diante do portátil. Não escrevera uma palavra desde que saíra de Varadero.
Mas agora estava em casa e pronta. A mãe dormia no quarto de hóspedes e o Finn via um DVD com o
seu amigo Gavin no andar de baixo. Ele sentia falta dos primos desde que voltara para casa e por
isso ela arranjara maneira de Gavin dormir lá. Não queria saber se a mãe não gostara da ideia!
Estava em sua casa e iria atender tanto às necessidades do filho como às da mãe.
Depois de ter cuidado de todos, preparou-se para a tranquilidade do seu escritório. Sentia-se muito
diferente agora que sabia a razão por que Paul se matara. Claro que apenas supunha que ele se
suicidara porque tinha ficado encalhado numa situação da qual não sabia sair, mas ela conhecia-o tão
bem que sentiu que compreendia porque o fizera. A revelação levantara um enorme peso dos seus
ombros. A responsabilidade de ter levado alguém a suicidar-se era demasiadamente grande para
aguentar. Mas agora tinha uma atitude diferente em relação a Paul e à irmã e decidira seguir em frente
com a vida.
Antes de começar, imaginou o cabelo preto de Felipe e os seus olhos profundos no monitor. O
tempo que tinham passado juntos em Havana teria sido muito diferente se ela soubesse o que sabia
naquele momento.
Felipe fora protetor e forte naquele último dia que tinham passado juntos, e a memória do beijo ao
luar permanecia nos seus lábios. Retirou da mala o papel onde ele escrevera a morada e o número de
telefone. Ela adoraria ouvir a sua voz. A maneira como ele dizia Emma ainda soava aos seus
ouvidos.
Deu uma vista de olhos pelos capítulos que já escrevera. Martin era um bom homem, mas a vida
complicara-se sem que ele tivesse culpa. Ela precisava de alterar as circunstâncias da personagem e
então talvez ele pudesse ficar com a mulher que lhe estava destinada. De alguma forma, achava que
era Martin que ia modificar o enredo do romance, mas ainda não sabia como. Alguma coisa tinha de
acontecer, ela necessitava de um sinal, algo monumental que a ajudasse a tomar as decisões certas
para as suas personagens.
De repente o telefone tocou. Procurou-o imediatamente, não fossem ser notícias do pai.
A voz de Louise surgiu no outro lado da linha.
– Emma.
– Olá, Louise! Alguma novidade?
– Tenho boas notícias. A operação foi um êxito, mas ele ainda não acordou da anestesia.
– Graças a Deus. Quando vais vê-lo?
– Estou aqui agora. Disseram-me para ir para casa e voltar de manhã.
– Ótimo!
– Como está a mãe?
– Na cama, com uma dor de cabeça.
– Claro que está!
– Vou escrever um pouco esta noite.
– Fico contente em ouvir isso! Dou-te um toque de manhã.
– Obrigada, Louise.
Emma voltou ao computador. Queria evadir-se. Queria estar no mundo imaginário onde Martin, o
seu fictício herói com as feições de Felipe, fizesse tudo o que ela queria.

Donal reclinou-se na poltrona da sala e fechou os olhos. A casa estava silenciosa, com as crianças
finalmente deitadas. Esperava que Louise chegasse a casa em breve. Não gostava que ela andasse de
carro sozinha à noite. Ela ligara do hospital para dizer que o pai se encontrava estável depois da
operação e que não iria demorar.
Apeteceu-lhe de repente uma bebida. Não era habitual nele quando tinha de trabalhar no dia
seguinte, mas decidiu ir atrás do desejo. Foi ao bar e tirou uma garrafa ainda fechada de Connemara
Malt Whiskey que recebera de um cliente pelo Natal. Quando a garrafa de vidro tilintou no copo que
segurava, ele ouviu a mulher entrar pela porta da frente.
– Olá – disse ela, da entrada. – Estou morta. Preparas-me um gim tónico?
– Claro – respondeu ele enquanto abria a garrafa de gim. Pegou na garrafa de água tónica e
chocalhou-a para saber se ainda tinha gás. – Como está o teu pai?
– Está bem.
Louise foi buscar gelo ao frigorífico, antes de se juntar ao marido na sala.
– Têm sido uns dias loucos! Obrigada pela ajuda e apoio.
– Sou o teu marido, não sou? – Ele agarrou no copo com gelo e encheu-o com gim.
– Não sei o que teria feito sem ti! – exclamou ela. – Pela primeira vez na vida senti-me filha única.
– Agora sabes o que passei! – afirmou ele.
– Desculpa ter-te chateado todas as vezes que ias ver a tua mãe antes de ela ter morrido. Nunca
senti essa responsabilidade! A Emma estava sempre presente quando havia uma crise. Graças a Deus
que ela já chegou.
Donal encheu o copo e reclinou-se na sua poltrona.
– As coisas não têm sido fáceis para a Emma.
– Eu sei. Nem imagino como é que ela tem aguentado estes últimos meses.
– Ela teve de suportar muita coisa.
– Pelo menos teve-te a ti para a ajudares com o testamento e toda a papelada.
Donal respirou fundo. Aquela era uma altura tão boa como outra qualquer para lhe dizer; tinha de
comunicar mais com ela, ser franco acerca dos seus sentimentos. Evitavam demasiado certos
assuntos e ele queria falar com ela de coração aberto.
– Ser o executor do testamento não foi só lidar com a papelada. Ainda bem que ele escreveu um
testamento, mas houve outras complicações que nunca te contei, porque a Emma implorou-me que
não o fizesse.
Louise endireitou-se na cadeira.
– O que não queria ela que eu soubesse?
– Se te disser, prometes que nunca lhe vais dizer?
– Claro que prometo. – Sentiu-se extremamente posta de parte por a irmã ter confidenciado ao
marido algo que não lhe dissera a ela.
– O Paul não morreu de causas naturais.
– Eu sei. Morreu de ataque cardíaco.
– Ataque cardíaco autoinduzido.
– O que estás a dizer? – Louise estava de boca aberta.
– Ele sabia que não ia acordar daquela última noite! Tomou uma dose enorme de comprimidos para
dormir e antidepressivos que causaram o ataque cardíaco.
– Estás a dizer que ele se matou!
Donal confirmou.
– Não é totalmente conclusivo, ele podia ter tomado dois frascos inteiros por engano, mas o que
achas?
Louise deu um grande gole no seu gim.
– Não acredito nisso – disse ela, abanando a cabeça.
– O mais difícil para a Emma é continuar a pensar no porquê – disse Donal. – Ela tem um terrível
sentimento de culpa que ele se matou para fugir dela.
O cérebro de Louise começou a fervilhar. Estava a juntar factos e a conseguir respostas para uma
série de perguntas que tinham ficado por responder após a morte de Paul. Tinha quase todo o quebra-
cabeças montado. Isto explicava muita coisa acerca da falta de alguns elementos na sucessão de
eventos que tinham levado à sua morte.
– Porque é que a Emma não confiou em nós? Na sua família?
– Ela tinha medo de que o seguro não pagasse se se soubesse que ele se suicidara, e tinha razão! Eu
disse-lhe que não contasse a ninguém.
– Não posso acreditar que não me tenhas dito antes.
– Era demasiado cedo, muito próximo do acontecimento. Foi melhor assim. Não te quis pressionar
para guardares um segredo com tudo o que estava a acontecer.
Subitamente, Louise sentiu-se muito culpada. Guardava tantos segredos do marido. Já o fazia antes
de se terem casado.
– Ficaste muito calada de repente.
– Estou apenas a tentar perceber uma coisa.
– A razão por que o fez?
Louise anuiu.
– Também tenho pensado nisso. Ele tinha tudo! A Emma é fantástica.
Louise não gostava de ouvir o marido falar assim da irmã. Fazia-a sentir-se menos boa.
– Ninguém é perfeito! Não te esqueças de que a conheço há mais tempo do que tu.
– Não estou a fazer comparações! Que raio se passa entre vocês as três? Estão sempre em luta por
atenção. Tu és a minha mulher! És aquela com quem me casei.
Louise levantou-se e foi ao bar encher o copo.
– Desculpa. É a maneira como sempre agimos.
– Talvez se a Maggie se tivesse preocupado mais com vocês enquanto cresciam, e menos com ela
própria, não estivessem sempre em competição.
– Tu não entendes! És filho único.
– Eu sei, mas tenho três filhos e sei como ajo com eles! São tratados por igual. Não penses que
nunca notei como o teu pai se preocupa com a Sophie e como a tua mãe exige tanto da Emma.
Louise raramente falava assim com Donal. Era mais habitual contornarem os assuntos de família.
Ela perguntou-se porque estaria Donal de repente assim tão franco. Era doloroso ouvir a verdade
pelo marido.
– Agora que crescemos é diferente. Bem, pelo menos eu e a Emma crescemos.
– Nunca se cresce em relação à própria família! Cai-se sempre no mesmo padrão de
comportamento quando se reúnem.
Ela sabia que ele tinha razão e decidiu não contestar.
– Só quero que o pai fique bem.
– Só quero que nós fiquemos bem.
Louise estremeceu quando ele disse aquelas palavras.
– Nós estamos bem – disse ela.
– Há anos que não estamos bem! Nem me consigo lembrar de quando estivemos bem.
Louise ficou assustada com aquele «novo» Donal.
– Não percebo o que estás a dizer.
– Podes sinceramente dizer que és feliz comigo?
– Claro que sim. O que queres dizer com isso?
– Quero dizer que, já que começámos por revelar certas verdades sobre a tua irmã, não era má
ideia dizermos algumas sobre nós. Nunca sentiste que parecemos uns ratos numa passadeira rolante?
Louise deu um grande gole.
– Acho que estamos bem.
– Sim claro, estamos bem, mas onde é que há vida na nossa relação? Costumávamos estar mais
vivos juntos.
– Mas isso foi antes de os miúdos tomarem conta de tudo.
– Não podemos culpar os miúdos constantemente. Não me leves a mal, temos uma boa vida e eu
sou feliz contigo, mas falta chama, faísca! E eu nunca o tinha admitido antes.
Louise sentiu que ia começar a chorar. De onde vinha aquilo tudo?
– O meu pai está no hospital e eu tive umas semanas difíceis! Meses! Não é altura para falar assim.
– Se não agora, quando?
Louise deu um novo gole. Não tinha resposta para aquilo, e o facto de o seu normalmente calmo
marido estar a puxar um assunto daqueles assim, do nada, assustava-a.
– Vou para a cama – declarou ela.
– Ótimo, mas vamos ter de encarar o estado das coisas de manhã, ou na manhã seguinte. A não ser
que queiras fazer alguma coisa sobre isso?
Louise não respondeu. Foi à cozinha beber um copo de água. Subiu as escadas, meteu-se na cama e
apagou a luz.
Quando acordou na manhã seguinte, o lado de Donal estava arrumado. Ele passara a noite no
quarto de hóspedes.

Achando que era publicidade, Emma ia apagar o e-mail escrito em espanhol quando viu o assunto:
Para cliente de Sol Meliá Varadero. Ao princípio achou que era de Dehannys, até que leu o nome no
fim e o seu coração disparou.

Emma, tenho pena de não a ter visto no dia em que se foi embora. Espero que tenha gostado
do tempo que passou em Cuba.
Talvez um dia volte a vê-la. Não é fácil para mim enviar esta mensagem.
Dehannys está aqui e manda cumprimentos.
O seu amigo, Felipe.

Emma leu e releu a curta mensagem. Também ela tinha pena de ter ido embora tão subitamente.
Queria falar com ele naquele momento. Olhou para o relógio. Em Cuba era meio da noite. Se ao
menos tivesse sabido em Cuba a razão pela qual Paul se matara! Um véu fora levantado desde que
descobrira o que ele andara a fazer nos anos anteriores à sua morte.
Tinha de falar com alguém! Alguém que não a julgasse, alguém que a ouvisse. Pegou no telefone.

Duas horas depois estava sentada num banco, no bar Ely. Donal atravessou a porta precisamente ao
meio-dia, tal como dissera. Era uma boa altura do dia para se conseguir uma mesa antes de começar
a azáfama da hora de almoço.
Ele chegou em passadas largas até à mesa dela.
Ela ofereceu-lhe a face direita e ele roçou os lábios nela.
– Como foram as férias? Estás com uma ótima cor.
– Boas! Bem, tirando um percalço no fim em relação à Sophie.
Donal anuiu com conhecimento de causa.
– É sobre isso que queres falar comigo?
– Oh, Donal, estou tão confusa. Tenho mesmo de falar contigo! És a única pessoa sã que conheço.
– Estou sempre disponível para ti, Emma.
– E depois ainda há isso. Tens sido mais um irmão do que um cunhado para mim.
Donal sorriu.
– Espero que sim.
– Bem, estás preparado?
– Diz lá.
– O Paul tinha um caso com a Sophie! Pelo que consegui saber já durava há algum tempo antes de
ele morrer.
– A sério? – Era necessário muito para chocar Donal, mas aquilo fora suficiente.
– Estou apenas a conjeturar, mas acho que ela o pressionou para me deixar e ele foi demasiado
cobarde para o fazer.
– Se calhar ele amava-te demasiado para tomar essa decisão.
– Se ele realmente me tivesse amado, não tinha andado a dormir com a minha irmã.
O empregado chegou com a ementa.
– Obrigado – disse Donal. – Dê-nos alguns minutos.
Assim que o empregado se retirou, Donal voltou-se novamente para Emma.
– Emma, talvez ele vos amasse às duas.
– Isso é possível? – perguntou Emma, com sérias dúvidas. – Não creio.
– Acho que é possível.
– Bom, o que quer que o Paul tenha sentido, estou virada do avesso! Andei a martirizar-me durante
meses e agora estou tão furiosa por ele me ter enganado.
– O Paul partiu. Carregou a sua cruz… e devia estar muito mal para fazer o que fez.
Emma concordou.
– Mas porque sentiu agora a Sophie a necessidade de contar?
– Para limpar a consciência?
– Às vezes pergunto-me se ela tem consciência!
– Bom, talvez te tenha ajudado a compreender o que ia dentro da cabeça do Paul antes de ele ter
morrido.
– Quem me dera saber o que ia dentro da cabeça dele. Será que foi por desespero, ou por culpa?
Talvez não tivesse coragem para me deixar e ao Finn, mas amava tanto a Sophie que não podia viver
sem ela?
Donal desejou não ter dito nada a Louise do suicídio do Paul. Esperava que ela fosse merecedora
da sua confiança. Aquele súbito desenrolar de acontecimentos era perigosamente desestabilizador.
Todos os membros da família Owens estavam tão interligados que corriam o risco de implodir.
– O mais provável é nunca sabermos porque o fez, mas o mais importante é que seguiste em frente
com a tua vida, de uma forma positiva.
– Ter ido a Cuba foi uma experiência positiva, apesar de como terminou. Afinal de contas acabei
por conhecer pessoas adoráveis enquanto lá estive. Não fazes ideia da pobreza em que vivem. Havia
lá um homem que era taxista e tinha deixado a sua profissão de advogado porque ganhava mais a
conduzir turistas de um lado para o outro.
Donal apercebeu-se, pela maneira como Emma falou, de que ela sentia alguma coisa por aquele
taxista.
– E qual era o nome dele?
– Felipe. Na verdade, ele enviou-me hoje um e-mail.
– Gostaste realmente dele?
– Sim, adorava vê-lo de novo.
– Isso não deve ser fácil, se o que ouvi é verdade… Cuba é comunista, certo?
– Socialista, mas já não é a mesma coisa do que no tempo da Cortina de Ferro, antes de mil
novecentos e noventa. As pessoas podem sair, mas é caro e difícil. Na verdade, acima das suas
posses.
– Emma, não estás a pensar em pagar a viagem para que ele te venha visitar?
Emma mordeu o lábio. Louise tinha o mesmo tique e Donal adivinhou.
– Emma, não me parece uma boa ideia.
– Porque não? Demo-nos muito bem e ele levou-me a todo o lado em Havana. Era bom poder
retribuir.
– Acho que te deixaste entusiasmar com a ideia de um romance de férias e bebeste demasiado rum!
Emma prestou atenção a Donal; tinha aprendido que os seus conselhos eram geralmente bons.
– É de loucos, não é? – disse ela. – Lembrei-me de te perguntar primeiro e ainda bem que o fiz.
Também tinha de te contar da Sophie.
– Emma, o mais certo é teres de aprender a ficar calada em relação a essa informação… pelo
menos enquanto a Maggie e o Larry forem vivos.
– Tenho vontade de matar a Sophie! Isso é que me apetece fazer! E ainda bem que o Paul já morreu,
porque matava-o também.
Donal pôs a sua mão sobre a dela.
– Detesto dizer isto, mas se calhar o Paul não conseguiu resistir à Sophie… ela tem aquele encanto
dos Owens.
– Obrigada, Donal – disse ela secamente. – Não sei se é encanto, mas sei que ela consegue sempre
ter o homem que quer quando lhe põe a vista em cima. – Ela suspirou. – Sinto-me confusa e
baralhada! Precisava mesmo de falar contigo.
– Bem, sinto-me lisonjeado e grato por o teres feito. Estou sempre disponível para ti, Emma.
Emma sorriu.
– Obrigada, Donal. Depois do almoço, tenho de ir ver o meu pai. Sabes, ele disse à Louise que não
era preciso eu apressar-me… mas que queria ver a Sophie assim que ela chegasse de Cuba.
– As famílias são assim. Não é nada pessoal.
– Aí é que está! Somos uma família e por isso é pessoal! E não me responsabilizo pelo que vier a
fazer à Sophie da próxima vez que a voltar a ver.

O estado de ansiedade de Louise era enorme. Donal tinha sido muito duro, frio até, na maneira
como falara sobre o relacionamento deles na noite anterior. E o facto de ser tudo verdade era o mais
difícil de aceitar. Ela conduziu depressa, com os olhos postos na estrada. O telemóvel tocou e ela
carregou no botão, no volante.
– Estou?
– Louise! Onde está a Emma? Ela disse que ia sair por uns minutos, mas isso foi há duas horas.
– Não sei, mãe! Hoje ainda não falei com ela.
– Pedi-lhe que me comprasse o Independent quando voltasse.
– Vou a caminho do hospital para ir ver o pai. Posso-lhe telefonar se quiseres.
– Não podias comprar o jornal e trazer-mo no regresso?
Louise fez cara feia. Sutton não ficava a caminho do Hospital Beaumont. Iria acrescentar meia hora
de caminho à sua viagem e a vizinha do lado tomava conta dos filhos enquanto ia visitar o pai.
– Mãe, eu estou com o tempo contado!
Maggie não respondeu. Parecia ter-se esquecido completamente de como era ter filhos desde que
os seus tinham crescido.
– Eu ligo à Emma. Mãe, tenho mesmo de me despachar. Adeus.
Eram assim as coisas na casa dos Owens! Mas nem parecia de Emma fugir das suas
responsabilidades. Perguntou-se onde andaria ela.

A última pessoa que Sophie encontrou no escritório do Irish Times ao fim do seu primeiro dia foi
Jack Duggan.
– Já te mostraram tudo?
Sophie anuiu.
– A Brenda é muito simpática, disse que eu podia começar na segunda-feira e tem quatro dias de
trabalho para mim na próxima semana.
– Apetece-te um café? Vou fazer uma pausa.
– Parece-me bem, obrigada.
Viraram a esquina e chegaram a Pearse Street.
– Geralmente venho aqui – disse Jack quando chegaram a um pequeno café.
As mesas estavam muito juntas e eles sentaram-se num canto à janela.
– O que vais querer?
– Café simples.
Jack chamou a empregada e pediu dois cafés.
– Foi uma sorte termo-nos cruzado em Beaumont – disse ele. – Admiro-me sempre com a lei das
coincidências.
Sophie sorriu. Ela não pensou que fosse invulgar, era assim que a sua vida fluía.
– Como está o teu pai?
– Acho que está bem, vou vê-lo a seguir.
Sophie afastou o cabelo da nuca e debruçou-se sobre a mesa.
– Onde moras, Jack?
– Em Howth.
– Gosto de Howth. Só é pena ser tão longe da cidade.
– É por isso que gosto.
– És demasiado novo para estares encalhado nos subúrbios.
– Que idade pensas que tenho?
Sophie recostou-se e olhou-o de alto a baixo.
– Cerca de trinta e três?
– Perto. Tenho trinta e dois. Sou mais velho do que tu, mas não te vou perguntar a idade.
Sophie não respondeu. Era dois anos mais velha do que ele e não seria ela a explicar-lhe esse
pormenor.
– Alguma malta do jornal vai ao Café en Seine amanhã, apetece-te vir conhecer outros colegas?
– Soa-me bem.
– Onde estás a viver, Sophie?
– Tenho um apartamento perto do Liffey.
– Dá jeito.
– Dá muito jeito por causa do trabalho, mas vamos ver o que acontece agora. A Brenda disse que
este trabalho é apenas temporário.
– Trabalho temporário é o que todos nós temos nesta cidade, neste momento.
A empregada chegou com os cafés e a conta. Jack tirou dinheiro do bolso e pagou.
– Obrigada! – disse Sophie, bebendo um pouco de café.
– Porque não perguntas à Louise se ela quer vir connosco ao Café en Seine?
– Nunca saio com a minha irmã, especialmente num sábado à noite! Ela está sempre tão envolvida
com a sua família que me põem doida. – Sophie pousou o copo e abanou a cabeça. Porque tinha Jack
interesse em ver Louise outra vez? Não podia gostar dela! Ele era mais novo e mais interessante do
que ela! – Como conheceste a Louise?
Jack percebeu o que fizera assim que as palavras saíram da sua boca. Agora tentava encobrir o seu
erro.
– Conheci-a no Ginásio Westwood
– A sério? – Sophie não conseguia imaginar a irmã num ginásio. A Louise odiava aquele género de
coisas.
– A sério. Não a conheço há muito tempo.
– Certo! – disse Sophie com um menear de cabeça, e bebeu mais um gole. Louise dissera que se
tinham conhecido no trabalho. Ali havia história. Ela era bem capaz de ir ao Café en Seine para
descobrir mais.
18

Emma não era pessoa para ignorar um conselho de Donal, mas naquele caso o seu instinto era mais
forte. Precisava de ver Felipe outra vez. Talvez a culpa fosse do problema com Sophie. A sua
inspiração desaparecera e todas as maravilhosas recordações que tinha de La Finca Vigía e Havana
estavam interligadas com Felipe. A única objeção era Finn. Não sabia o que ele ia sentir em relação
a um desconhecido, de outro país, ficar lá em casa com eles, mas tinha de pôr as suas necessidades
em primeiro plano. Ligara à embaixada cubana e sabia o que era necessário para patrocinar a vinda
de um cidadão cubano à Irlanda em férias.
Ela abriu o Outlook Express e decidiu responder ao e-mail dele. Tinha saudades de Cuba, era de
tal maneira um oásis! Desde que voltara para casa os seus dias eram preenchidos com exigências da
mãe e de Louise e ela queria sentir-se livre outra vez.

Caro Felipe,
Foi muito bom ter recebido o seu e-mail. Sei que isto vai parecer estranho, mas gostava muito
que me viesse visitar a Dublin. Antes de dizer mais alguma coisa, não quero que se sinta
pressionado. Enquanto estive em Cuba, cuidou muito bem de mim e gostaria de retribuir a sua
hospitalidade.
Não sei o que é necessário do seu lado, mas liguei para a embaixada cubana e disseram que
era possível organizar a visita. Vai demorar algumas semanas para conseguir o visto.
Está a ficar bom tempo aqui na Irlanda e gostaria mesmo de o ver novamente. Posso ligar-lhe
para falarmos sobre isto se me enviar um e-mail a dizer que gostaria de vir.
Dê cumprimentos meus à Dehannys, por favor, e diga-lhe que fiz um pacote para o filho dela:
sapatos, um jogo de computador e um leitor de música MP3. Enviei-o ontem, mas não sei
quanto tempo vai demorar para aí chegar.
Um abraço,
Emma

Esperava que ele o recebesse. Dependendo da resposta, iria telefonar-lhe. Não havia necessidade
de contar a Donal nem a ninguém o que tinha feito. A sua relação com Felipe era especial.

Larry levantou o braço direito e contorceu-se com dores.


– Louise! – gemeu ele.
– Pai, estás bem?
– Porque ainda não me visitou a Sophie desde a operação?
Louise queria ter perguntado porque não tinha ido ainda a mãe vê-lo.
– Não tenho falado com ela. Não te preocupes, as coisas andam um pouco caóticas, ela ainda deve
estar a organizar-se desde que veio de Cuba.
– A Emma esteve cá, mas não ficou muito tempo.
– Queres que te traga alguma coisa?
– Gostava de ler uma revista de carros. Quero comprar um carro novo quando sair daqui.
– Boa ideia. Assim tens algo em que pensar.
– Como está a tua mãe?
– Está em casa da Emma.
– Eu sei disso, mas a Emma anda tão distraída, já não é o que era, aquelas férias também não lhe
fizeram muito bem.
– É onde a mãe quer estar!
– Vai ver como é que ela está, fazes isso por mim?
De repente, Louise ficou farta!
– Olha, pai, não achas que já é a altura de a Sophie assumir algumas responsabilidades? Não sou
filha única e tenho três filhos! A Emma só tem um e a Sophie é livre como um passarinho! Não te
quero chatear, mas estou farta de tudo me cair em cima dos ombros neste momento!
Larry estava boquiaberto. Sabia que a Louise era volátil, mas não vira uma explosão assim sobre
as suas irmãs desde que ela tinha doze anos.
– Pensei que como não trabalhas...
– Eu trabalho! Sou uma dona de casa! Livra, estou farta da minha vida! – De súbito os seus olhos
encheram-se de lágrimas.
Larry não era o tipo de homem que conseguia lidar com demonstrações emocionais das filhas; já
tinha demasiado trabalho a lidar com a mulher.
– O Donal sabe que és assim tão infeliz?
Louise não queria acreditar que estava a ter aquela conversa com o pai. Nunca haviam tido uma
conversa franca antes. Normalmente ele só confidenciava e só se preocupava com Sophie.
– O Donal também está infeliz. Disse-mo no outro dia à noite e não consigo tirar isso da cabeça.
– Infeliz de que maneira?
– Entrámos numa rotina e suponho que na realidade não falamos sobre o que sentimos.
Larry pareceu entender perfeitamente o que ela dizia.
– É no que os casamentos se tornam. A tua mãe queixou-se ao longo dos anos e eu sempre achei
boa ideia ignorar o assunto.
Louise sentiu pena do pai. Maggie raramente estava satisfeita com alguma coisa. Ela lembrava-se
da carga de trabalhos que ele tinha sempre que a família ia de férias e eram obrigados a mudar de
apartamento quando chegavam ao local, porque havia sempre algo de errado com o que lhes tinham
atribuído. Sempre que a família ia comer fora, Maggie sentia-se desconfortável com o primeiro lugar
onde escolhia sentar-se; tinham sempre de trocar de lugares até ela ficar feliz com o sítio certo.
– Como a aguentaste estes anos todos?
– Ela é a minha mulher! É o que se tem de fazer – disse Larry, num tom resignado.
– Pai, acho que os casais hoje em dia não se contentam com isso.
– Por isso é que há tantos divórcios. Não importa com quem estás, acontece sempre o mesmo. As
relações caem num certo padrão e cada parceiro cumpre o seu papel.
Louise sorriu para o pai. Ele era de outra geração. Se calhar estava certo.
– Não sei o que fazer em relação ao Donal. Sempre achei que sabia o que ele pensava.
– E ele sabe o que tu estás a pensar?
Louise abanou a cabeça, convicta de que não.
– Bem, sendo assim… é como são a maioria dos casamentos.
Louise percebeu bem o que o pai dizia, mas isso já não era suficiente para ela e claramente
também não era suficiente para Donal.

***

Dehannys estava habituada a aproveitar as oportunidades quando estas surgiam. Tinha de ser
desenrascada para sobreviver no sistema cubano. Emma prometera enviar roupa para o seu filho e
ele necessitava de toda a ajuda que ela conseguisse, de qualquer lugar.
– Olá, Pedro, onde estás a trabalhar hoje?
– Olá, Dehannys. Estou na sala dos computadores. – Ele abanou a cabeça, aquele não era um bom
dia, Diego estava de serviço.
– Podes ver se tenho algum e-mail?
– Com certeza, vou fazer o que posso, mas se for apanhado vou ter de dizer que me pediste.
– Claro!
– O que ganho com isso?
– O meu pai tem algum rum para ti. Trago-o amanhã.
Pedro concordou. Valia a pena arriscar.
Dehannys estava habituada à troca de favores, todos os colegas estavam. Ela tinha a sorte de o pai
trabalhar na fábrica de rum. O tio possuía uma quinta que cultivava legumes para o mercado; era um
grande alívio para a família e significava que a mãe podia continuar a manter aberto o paladar.
Aquele ano ia ser mais difícil do que o habitual devido à devastação causada pelos furacões. A ração
de arroz já fora diminuída para quatro quilos por pessoa por mês, e as coisas só podiam piorar.
Esperou pacientemente durante o dia, limpando copos e servindo bebidas.
Quando, no final do seu turno, Pedro chegou com uma folha de papel, o seu espírito animou-se
– Obrigada! Isto é tão bom!
– Uma garrafa de rum, amanhã! Não te esqueças.
Dehannys confirmou. Estava com a cabeça enfiada na folha de papel, a tentar perceber a
mensagem, e desejou ter-se esforçado mais nas aulas de Inglês da escola de turismo. A mensagem era
para Felipe, mas ela encontrou frases dirigidas a ela.
Reconheceu a palavra «sapatos», mas teria de perguntar a Felipe o que queria dizer «pacote».
Felipe também ia ficar contente por ter notícias de Emma. Dobrou a folha e escondeu-a discretamente
na sua bolsa. Estaria metida em sarilhos se descobrissem que andava a enviar e-mails pessoais.
Apenas algumas profissões estavam autorizadas a utilizar o correio eletrónico livremente. Ficou a
pensar quanto tempo demorariam os sapatos a chegar.

Jack estava sentado ao balcão do Café en Seine e olhou para o relógio. Eram quase dez horas.
Sentiu o telemóvel vibrar no bolso e tirou-o para ver de quem era a mensagem.
Onde estás? Aoife
Foi um choque ver o nome dela. Tinham-se passado cinco dias desde que recebera a sua mensagem
e estava surpreendido por ela o ter contactado antes do fim da semana.
No Café en Seine. Estás na cidade? J
Ela respondeu imediatamente.
Em Malahide. Encontramo-nos amanhã em Gibneys às quatro?
Jack sentiu o coração bater.
OK.
Pôs o telefone no bolso e pediu mais uma bebida.
Sophie chegou às dez e meia ao Café en Seine.
Jack viu-a primeiro e dirigiu-se logo para onde ela estava.
– Ainda bem que pudeste vir.
Ela observou o grupo de pessoas junto ao bar.
– Achei que era bom conhecer todas as pessoas. Obrigada por me teres convidado. – Ela
pestanejou e fez um ar-de-Sophie que excitava os homens.
– O que vais querer?
– Vinho branco. Sauvignon Blanc.
Jack fez sinal ao empregado do bar e pediu. De repente uma mão tocou-lhe no ombro direito. Jack
virou-se para ver a quem pertencia.
– Peter! – exclamou ele. – Não pensei que viesses.
– O concerto aonde ia estava cheio e a banda não era nada de especial. Quando disseste que ias
estar por aqui lembrei-me de vir. Não sabia se já tinhas companhia! – Peter cumprimentou Sophie,
acenando com a cabeça.
Ela olhou para a cara sardenta tipicamente irlandesa e para o desalinhado cabelo ruivo e acenou de
volta.
– Ah, Peter, esta é a Sophie.
– Prazer – disse Peter, estendendo a mão direita.
Sophie apertou-a com pouca força.
– O que vais beber? – perguntou Jack.
– Uma caneca de cerveja. – Peter virou-se para Sophie, observando-a. – Não te conheço de algum
lado?
Sophie abanou a cabeça.
– Não me és familiar.
– Normalmente sou bom com caras e lembro-me sempre das bonitas. Onde trabalhas?
– Estou a fazer produção de moda no Times, mas é temporário. Estava no negócio dos trapos.
Peter não conseguia lembrar-se de onde a vira antes.
– Aqui tens, companheiro – disse Jack, entregando-lhe a caneca.
– Trabalho numa agência de publicidade – disse Peter. – Se calhar estivemos envolvidos nalgum
trabalho de promoção para a tua empresa?
Sophie deu um gole no vinho. Talvez ele tivesse trabalhado com Paul.
– Qual agência?
– Evans Graphics House.
Sophie levantou o copo de novo. Desejou poder esconder-se atrás dele.
– Nunca os utilizámos – disse ela, secamente.
Peter continuou a observá-la, fazendo Sophie sentir-se incomodada. Sabia que era apenas uma
questão de tempo até se lembrar onde a tinha visto antes.
– Passas-me o comando? – pediu Donal.
Louise entregou-lho.
– Queres beber alguma coisa? – perguntou ela. – Vou tomar um gim tónico.
– Não, obrigado.
– Tive um dia horrível – suspirou ela.
– A sério?
– Não fazes ideia de como me tenho sentido mal desde…
– Desde que eu disse algumas verdades?
Louise anuiu.
– Sei que esta não é a melhor altura, com o teu pai no hospital – disse ele –, mas parece nunca
haver uma boa altura.
– E isso é tão culpa minha como tua. Não sei quando deixámos de falar.
– Não sei quando começámos.
– Tenho medo.
– Do quê?
– De nós.
– Não vou a lado nenhum, Louise. Só precisava de te dizer e na outra noite saiu-me!
– Donal, o que vamos fazer?
Donal subiu o volume da televisão e virou-se para o ecrã. Abanou a cabeça e encolheu os ombros.
– Não sei.

***

Jack acordou com o corpo nu e quente de Sophie ao lado. Odiava-se por ter feito o que fizera, era
regressar ao seu antigo comportamento, mas não conseguira controlar-se. Ela fora completamente
irresistível.
Quando Peter se lembrara que a conhecia de um evento onde ela estivera com Paul, que tinha
trabalhado na sua agência, ela não quis ali continuar. Jack questionou-se porque se comportara ela de
forma tão estranha.
Nada disso interessava agora. Ele fora para o apartamento dela sabendo o que iriam fazer, e a
culpa era toda dele. Olhou para o relógio. Eram cinco para o meio-dia e ele tinha de estar às quatro
em Malahide.
Sophie esticou-se e deu um grande bocejo. Olhou para Jack e sorriu.
– Bom dia.
– Olá, Sophie. Importas-te se eu tomar um banho?
– Força.
Ela sentou-se na cama cobrindo os seios com o lençol. Jack não era nenhum Greg Adams e decerto
não era nenhum Paul. Não se sentiria tentada a dormir com ele outra vez.
Jack foi para o duche e cobriu o cabelo de champô. Tinha de tirar o cheiro de Sophie do corpo. O
que lhe passara pela cabeça? Louise avisara-o de que ela era perigosa. Também era irresistível.
Não sabia como encarar Aoife.
– Queres café? – perguntou Sophie, da cozinha.
– Sim, por favor! – gritou ele.
Ele vestiu-se rapidamente e verificou o telefone à procura de alguma mensagem antes de voltar
para o quarto.
Seu sacana!!! Peter
Jack apagou a mensagem. Era o género de coisas que ele não queria que Aoife visse.
Sophie colocou duas canecas na mesa e puxou de uma cadeira.
– Obrigado! – disse Jack, levantando a caneca e dando goles rápidos. – Tenho de ir andando.
Sophie enrolou um dos seus caracóis à volta do dedo.
– Vejo-te provavelmente no trabalho. Podemos fazer de conta que isto nunca aconteceu.
Jack suspirou e depois desejou não o ter feito tão alto.
– Sim, boa. Foi uma boa noite.
– Já tive melhores! – disse Sophie, piscando o olho.
Ele sentiu-se a ruborizar. Merecera aquela.
– Está bem, então vemo-nos na segunda.
– Adeus – disse ela. Não se levantou para o acompanhar à porta, ele sabia o caminho!

– Queres que te leve a ver o pai?


Maggie deu um pequeno gemido e virou-se na cama.
– Já é de manhã?
– Sim, mãe – respondeu Emma. – Quero ir vê-lo o mais cedo possível. Vou tentar escrever hoje.
– Mas é domingo.
– Isso não me faz diferença.
– Não gosto muito de hospitais.
– Ninguém gosta, mãe, mas o pai já lá está há uma semana. Não queres ir vê-lo?
Maggie encolheu-se.
– Não me tenho sentido bem desde o terrível choque com os ladrões. Pensei que tu mais do que
ninguém compreendesses.
– Compreendo, mas sabes que o pai é que foi operado ao coração. Vem lá desta vez, mãe, por
favor. Ele vai ter alta no fim da próxima semana.
– E depois tenho de ficar eu a tomar conta dele!
Emma rolou os olhos. A mãe nunca tinha de fazer nada porque ela e Louise carregavam sempre o
fardo. Ia parar de lhe fazer as vontades. Durante anos alimentara as suas idiossincrasias, mas não
estava disposta a ouvi-las novamente.

Aoife encontrava-se sentada num banco junto à lareira. Estava lindíssima e Jack sentiu a sua culpa
como um peso.
– Olá.
– Olá. – Ela sorriu. – Não aguentei muito tempo sem falar contigo, pois não?
Jack sentou-se ao seu lado.
– Ainda bem que não.
– Como vai o trabalho?
– O trabalho vai bem, a mesma história de sempre.
Uma lágrima começou a rolar pela sua face.
O coração dele acelerou; odiava vê-la assim.
– Senti tanto a tua falta – disse ela. – Senti falta de nós. Oh, Jack, tem sido tão difícil!
Jack pôs o braço à volta dela para a confortar.
– Também senti a tua falta.
– O que vamos fazer?
Jack beijou-lhe a face. Desejava abraçá-la com força.
– Eu não quis esta separação. Sabes que quero estar contigo.
– Mas não queres casar-te tão cedo?
Jack encolheu os ombros.
– Não sei, podemos falar sobre isso.
– Já não quero saber do casamento! Senti tanto a tua falta.
– Podemos ir para casa, se quiseres?
Aoife anuiu.
– Por favor, para casa.

Felipe apareceu no bar Port Royal na esperança de ver Dehannys. Sentia saudades do tempo em
que tinha e-mail e um computador enquanto advogado, mas havia-os trocado por pesos conversíveis
e nunca se arrependera até àquele momento. Por outro lado, se não estivesse a conduzir um táxi nunca
teria conhecido Emma. Sentia-se pateta e infantil a pensar naquela mulher que estava tão longe, do
outro lado do oceano, e com quem era tão difícil comunicar, quanto mais manter qualquer tipo de
relação.
Descobriu Dehannys a atender um casal. Ela acenou quando o viu.
Ele soube pelo ar dela que tinha alguma coisa para lhe mostrar, mas tinham de ser discretos.
Ela tirou da mala a folha de papel que recebera do Pedro no dia anterior.
– Consegues perceber? – perguntou ela.
Felipe leu avidamente. Formou-se um sorriso na sua face.
– O que vai a Emma fazer? – perguntou Dehannys.
– Ela diz que te enviou um pacote com sapatos e um leitor de MP3 para o teu filho, para que ele
possa pôr música lá dentro, e um jogo de computador.
Dehannys estremeceu de excitação.
– Felipe, isso são boas notícias.
– Sim, e diz que gostava que eu fosse visitar a Irlanda.
– Que maravilha! E tu vais?
Felipe encolheu os ombros.
– Não sei se vai ser possível. Espero que sim.
– Seria uma grande aventura!
– Quem te conseguiu isto, Dehannys?
– O Pedro.
– Ele pode mandar uma mensagem de volta?
– Não sei quando volta a fazer aquele turno.
Felipe coçou a cabeça.
– Tenho de arranjar outro contacto.
– Não tens nenhum amigo dos tempos de advogado que ainda tenha computador?
Felipe não queria acreditar. Como não pensara ainda nisso? Abraçou Dehannys fortemente.
– Sim, o meu amigo Miguel! Queres que diga alguma coisa à Emma por ti?
– Diz-lhe que agradeço e manda-lhe beijos e abraços meus e do Fernando.
Felipe mal podia esperar por apanhar os seus hóspedes e levá-los a Havana. Era um casal francês
muito mal-educado. Ele não queria saber. Quando os largou na entrada do Hotel Nacional, também
não quis saber. Só queria ir o mais depressa possível ao escritório de Miguel. Miguel devia-lhe
muito. Tinha mandriado durante a universidade e nunca passaria no exame se não fosse com a ajuda
de Felipe. O mínimo que podia fazer era agora ser o intermediário entre ele e Emma.
O escritório de Miguel era numa rua lateral, perto de La Rampa. Felipe estacionou o táxi e subiu os
degraus dois a dois até às salas pouco iluminadas. A mesa onde a secretária de Miguel se sentava
estava atulhada de papéis.
– Hola! O Señor Estafan está?
– Sí – disse ela, apontando para a outra porta.
Miguel era corpulento com uma pelada no meio do cabelo preto. Ergueu-se quando viu o seu velho
amigo.
– Felipe Blanco Garcia, é tão bom ver-te, meu amigo! – Abraçou-o calorosamente.
– E é bom ver-te! – respondeu Felipe.
– Como estás, agora que ganhas todos aqueles pesos com os quais nós apenas podemos sonhar?
Felipe riu.
– Conduzir turistas o dia todo não é o que parece.
– Hoje está calor. Queres uma bebida?
– Talvez um café, obrigado.
– Então, amigo, o que te traz por cá? Devem ter passado três anos desde a última visita.
Felipe hesitou. Sabia que o que ia pedir era ilegal, mas era o que tinha de ser feito.
– Tenho um favor para te pedir.
– Ah! Só vejo os meus amigos quando necessitam de alguma coisa. – Miguel riu-se enquanto
falava.
– Ainda tens acesso à internet? – perguntou Felipe. – Preciso de mandar um e-mail.
– Tenho o computador dos infernos! Avaria duas vezes por dia! Mas sim, tenho e-mail. Queres usá-
lo?
– Sim, conheci uma europeia e ela quer contactar-me. Posso usar o teu endereço?
– À vontade! És um sortudo por teres conhecido uma mulher com dinheiro!
Felipe não quis dar mais informações. Confiava em Miguel, mas era melhor dizer o menos
possível, até aos amigos. As paredes tinham ouvidos em Cuba.
Miguel saiu para falar com a secretária, deixando Felipe em paz para escrever a Emma.
Felipe observou a fila de livros sobre a sua cabeça. Toda a tralha que tivera de ler quando andara
na universidade. Um pequeno dicionário de inglês-espanhol que estava no fim da prateleira chamou-
lhe a atenção. Tirou-o, não fosse precisar de ajuda com alguma palavra.

Querida Emma.
Foi bom ter recebido o seu e-mail. Este endereço é de um amigo, pode escrever para ele se
quiser. Pensei em si muitas vezes desde que deixou Cuba. Quem me dera que tivéssemos tido
mais tempo. Há tanto do meu país que gostaria de lhe ter mostrado. Espero que um dia possa
voltar a vê-la. Não é fácil deixar o meu país. Se me disser qual é o preço do visto e da
viagem, verei se consigo viajar.
Espero que me responda rapidamente. Significa muito para mim receber a sua
correspondência.
Dehannys manda beijos e cumprimentos da família e do filho.
O seu amigo,
Felipe

Felipe foi ter com Miguel, que namoriscava a secretária.


– Como és a obter vistos? Eu lembro-me quão desmotivante era enquanto estudávamos.
Miguel encolheu os ombros.
– Meu amigo, nada mudou.

Emma observava diligentemente a sua caixa de correio eletrónico, e carregou no ícone quando viu
uma mensagem de Miguel Estafan. O assunto dizia Do Felipe e isso era tudo o que ela queria saber.
Sentiu borboletas no estômago enquanto lia a mensagem. Pelo tom, apercebeu-se das dificuldades
de Felipe em deixar o país e arranjar o dinheiro, mas esperava que isso não o impedisse de fazer a
viagem até à Irlanda.
19

Jack ficou radiante por acordar com os braços à volta do corpo quente de Aoife. As últimas três
semanas tinham sido maravilhosas. Era de novo como que um período louco de lua de mel.
– Desculpa ter-te magoado – disse ele.
Aoife olhou para os olhos de Jack e sorriu. Não precisava de dizer nada. A relação deles voltara à
zona segura de conforto que ela adorara anteriormente.
– É pena eu ter de ir trabalhar – disse ele.
– Também tenho de ir, mas hoje podíamos deitar-nos mais cedo – disse ela, com um sorriso.
Jack foi tomar duche primeiro e Aoife foi à cozinha ligar a chaleira e fazer torradas.
O telefone de Jack apitou.
– Jack, tens uma mensagem!
Jack não conseguia ouvir com o barulho da água a correr.
Aoife pegou no telefone e tocou na tecla verde sem querer. A mensagem surgiu no ecrã.
Era de uma mulher chamada Louise.
Posso ver-te hoje? Louise.
Não havia nada de sinistro na mensagem. Até há algumas semanas, Aoife teria achado que era de
algum colega de trabalho. Mas agora tinha a desconfortável sensação de que não conhecia tão bem
Jack como pensara. Quando ele saiu do duche, pôs a chávena de café e algumas torradas na mesa.
– Recebeste uma mensagem da Louise. Ela quer ver-te.
Jack reagiu da maneira como ela esperava que ele não reagisse.
Ele ficou chocado e depois perguntou num tom acusador:
– Andas a ler as minhas mensagens?
– Ia levar-te o telemóvel ao duche. E qual é o problema de ler as tuas mensagens? Sou a tua noiva!
Não devias receber mensagens que eu não possa ver!
– Não se trata disso! Nunca olharia para o teu telefone.
– Eu não estava a controlar-te, carreguei por acidente. Porque estás tão transtornado? Eu devia
estar a controlar-te?
Jack sentiu-se encurralado.
– Claro que não! É perfeitamente normal, a Louise é a minha antiga professora de Música, aquela
que encontrámos no pontão, lembras-te?
– Porque te quer ela ver?
– Eu ajudei a irmã a arranjar emprego, deve ter alguma coisa que ver com isso.
– Isso não tem nada de mal, porque não querias que eu soubesse disso?
– É que… nada! Deixa estar, não é nada.
Aoife decidiu largar o assunto, mas a mensagem tinha alterado a sua disposição.
– Vou tomar o meu duche – disse ela secamente. – Não posso chegar tarde.
Jack olhou para o seu telefone. Não queria ter mais nada que ver com Louise Owens nem com a
irmã. Agora que tinha Aoife de volta, ia fazer o possível para emendar as coisas. Iria casar-se em
julho se ela quisesse. Não ia arriscar perdê-la de novo. Foi à lista de contactos e encontrou o número
de Louise. E depois carregou na tecla apagar.

Os auxiliares sentaram Larry na cadeira de rodas.


– Pai, está tudo bem? – perguntou Louise.
– Não preciso de uma cadeira de rodas, consigo andar!
Larry Owens tinha passado três semanas no recobro do hospital porque Maggie não conseguia
tomar conta do marido após a operação. Emma e Louise concordaram que se calhar era o melhor,
embora isso implicasse darem maiores voltas de carro, o que iria sempre acabar por acontecer.
Emma segurou nas pegas nas costas da cadeira.
– Nós damos conta do recado – disse ela. – Já vos trazemos a cadeira.
Emma empurrou enquanto Louise levava as malas do pai para o carro. Abriu a porta e juntas
fizeram deslizar o pai para o banco. Emma ajudou-o a pôr o cinto enquanto Louise ia devolver a
cadeira.
Quando Louise apareceu, Emma pediu ajuda à irmã para pôr as malas na bagageira; queria falar
com ela em privado.
– O Donal disse mais alguma coisa? – sussurrou Emma.
– Ele tem dito muito pouco desde aquelas conversas que te contei – respondeu Louise. – Nem
acredito que me está a fazer isto, tendo eu o pai doente e a mãe a fazer fitas!
– Bem, tens de resolver isso. Não permitas que continue. Ignorei os silêncios entre mim e o Paul e
ele teve um caso!
Louise riu-se.
– Qual é a graça?
– Não me parece que o Donal seja do tipo de ter casos, não achas?
– Ele é homem, não é?
– Essa é forte vinda de ti, Emma.
– Eu sei. Desculpa. Ainda estou danada com o Paul e a Sophie. Graças a Deus ela tem-se mantido
longe. Quero matá-la!
– Alguma vez vão ter de se encontrar. Queres que eu faça de intermediária?
– Não tenho nada para lhe dizer! – disse Emma com determinação.
– Quase não a tenho visto, sei que tem um trabalho temporário no Irish Times e pouco mais.
– Ela não deve estar satisfeita. Quem vai pagar-lhe a vida social?
– Não sei, ela não me conta muito. Sabe que falo contigo.
– É melhor irmos para dentro do carro, o pai começa a ficar inquieto por estar sozinho.
A viagem de Clontarf até Raheny era curta e a conversa manteve-se ligeira entre os três até que
chegaram às portas do número 42 de Foxfield.
Emma parou. Um ar de horror surgiu-lhe no rosto e ficou incapaz de falar.
Quando Louise olhou pela janela percebeu porquê. O carro da Sophie estava estacionado no
passeio. Louise saltou do carro e abriu a porta do lado do pai.
– Vamos, pai, eu levo-te para dentro, não há necessidade de a Emma perder mais tempo. Tenho a
tarde livre.
Emma estava a tremer e com dificuldade em engolir.
– Não sou um inválido! – protestou Larry. – Não sei porque insistiram na porcaria da cadeira de
rodas à saída. Eu consigo andar.
Louise segurou no braço do pai.
– Eu ajeito-me melhor sozinho – refilou ele. Mas o ar zangado não durou muito quando viu o carro
da filha estacionado. – A Sophie deve estar cá. Sabias que ela ia estar cá para me receber?
Pobre pai, pensou Louise. Quando é que ele ia acordar? Provavelmente nunca, tal como a maioria
dos homens que se atravessavam no caminho de Sophie.
– Tenho de ir andando – disse Emma, saindo do carro para ir buscar as malas do pai.– Louise,
estás a segurar o pai?
– A tua mãe deve querer ver-te! – exclamou Larry.
– Pai, ela viu-me demasiadas vezes nas últimas três semanas. É altura de a teres só para ti.
Larry pareceu um pouco assustado com o comentário. Nunca vira Emma ser tão direta em relação à
mãe.
– Pai, deixa a Emma ir-se embora, ela tem muitas coisas para fazer – disse Louise, piscando o olho
a Emma enquanto esta entrava no carro e arrancava.
Louise perguntou-se quantas vezes teria de esconder dos pais as zangas das irmãs.

Emma não fazia ideia da quantidade de papelada que era necessária para conseguir um visto para
um cidadão cubano. Era algo no qual se podia concentrar. Aguardava com expetativa os e-mails que
recebia dia sim, dia não do Señor Miguel Estafan. Cada vez que se correspondia com Felipe sentia
que era mais um passo para estarem novamente juntos. Tinha de ter o passaporte dele para o
carimbar, mas como Dehannys ainda não recebera a encomenda para o filho, Emma apercebeu-se de
que o processo seria mais demorado do que pensara.
Felipe dera o seu passaporte a uma canadiana que prometera pô-lo no correio assim que chegasse
a Toronto. Emma achou que ele corria um grande risco, mas quando recebeu o passaporte viu que
assim tinham ganhado quase duas semanas. O valor também era superior ao esperado; até ao
momento ela já pagara mais de cento e oitenta euros em custos e taxas, e isso na Irlanda. Felipe tinha
de pagar quinze pesos conversíveis só do seu lado, o que era um ordenado médio para muitos
cubanos. Ela ainda não fora ao advogado. Era necessário uma carta de convite para demonstrar que
eram realmente amigos, que a sua relação não tinha nada de suspeito, nem tinha como objetivo ajudar
Felipe a fugir do país. Também tinha de se responsabilizar legal e financeiramente por ele, caso
surgisse algum problema enquanto ele fosse seu hóspede.
Gostaria de ter a ajuda de Donal. Ele seria fantástico com toda a papelada e os pormenores, mas
não queria que ele soubesse o que ela andava a fazer. Obrigou Louise a guardar segredo. Não queria
que ninguém soubesse, não fosse alguma coisa correr mal. Tinha medo que Felipe não viesse quando
tivessem o visto na mão e não queria parecer tonta. Porém, à medida que as semanas passavam, o seu
desejo de rever Felipe aumentava. Haviam falado quatro vezes ao telefone, e ela conseguia lembrar-
se da pronúncia dele sempre que queria.

Dehannys tremia de antecipação e expetativa quando o grande pacote castanho chegou da Irlanda.
Abriu o fio e removeu a fita adesiva, mas o embrulho já tinha sido aberto antes e fechado
apressadamente.
Uma bota de correr número 34 foi a primeira coisa que retirou da caixa. A outra seguiu-se, e ela
respirou de alívio. Um par de calções às flores, iguais aos dos surfistas americanos e que Fernando
iria ficar muito feliz por usar, veio a seguir. Depois uma camisola de futebol do Barcelona; Fernando
adorava futebol. Procurou o jogo de computador, mas não o encontrou. Então encontrou uma caixa
com maquilhagem e alguma joalharia escondida no fundo da caixa. Procurou o leitor de MP3 e
encontrou-o escondido num dos ténis. Mais alguns tecidos e camisolas que iriam ficar muito bem em
Fernando surgiram da caixa e Dehannys agradeceu aos seus anjos da guarda. O jogo teria sido bom
para o miúdo, mas o filho de algum oficial ou carteiro iria agora brincar com ele.
Esperava que Felipe a visitasse em breve. Queria tanto agradecer a Emma. Iria comprar algum
artesanato cubano e dar-lhe para ele levar para a Irlanda. Ele tinha tanta sorte em ter aquela
oportunidade de visitar outro país e ver como as outras pessoas viviam. Ela podia apenas sonhar e
imaginar.

As coisas estavam a ficar tensas no lar dos Scott cada dia que passava e Louise preocupava-se que
atingissem um ponto de rutura. Havia três semanas que Jack não lhe respondia aos sms. Não
conseguia compreender porque estava ele a ignorá-la. Iria telefonar-lhe e assim ele tinha de falar
com ela. Usou o telefone de casa, que não estava listado, e o número era incógnito.
Ele atendeu.
– Olá, Jack, é a Louise.
– Louise, olá – disse ele, e ela conseguiu detetar a ansiedade na sua voz. – Como estás?
– Estou bem. Vou à cidade hoje e estava a pensar se querias encontrar-te comigo para um café?
Houve uma pausa e ele disse:
– Está bem. Perto das onze? Conheces o café na esquina de Pearse Street?
– Sim, está ótimo. Até logo.
O tom dele tinha sido brusco, mas Louise achou que podia ser por estar no trabalho. Entrou no
comboio e esperou enquanto os pensamentos invadiam a sua mente a cada paragem.
Afinal, porque se ia encontrar com ele? Era apenas o seu ego que necessitava de ser massajado?
Donal ficara distante desde que revelara os seus sentimentos. Era um comportamento tão inconstante.
Faltavam cinco minutos para as onze quando chegou ao café. Pediu um latte e sentou-se à janela. O
café estava vazio; um reflexo da diminuição da força de trabalho na cidade.
Jack entrou exatamente às onze. O cabelo estava despenteado e a barba por fazer, mas ficava-lhe
bem.
– Louise – disse ele num tom formal.
– Olá, Jack. – Ela sorriu ligeiramente.
Ele chamou a empregada e pediu um café grande.
– Então Louise, em que te posso ajudar?
O seu tom de voz era maduro e sério; tão diferente da maneira como ele costumava falar com ela.
Desarmou-a de imediato e ela ficou sem saber como responder.
– Estava apenas a pensar como estarias e… – Sentiu-se tola, mas tinha de saber. – … porque tens
ignorado as minhas mensagens de telemóvel.
Jack agitou-se na cadeira. Não queria lidar com a verdade, mas também talvez não houvesse outra
maneira de explicar porque já não a podia ver mais.
– Louise, foi bom voltar a ver-te, e tenho de admitir que por vezes não consigo evitar pensar nos
momentos especiais que vivemos; sobretudo a partilha do nosso amor pela música.
Louise assentiu.
– É algo de que tenho saudades e foi por isso que tentei por momentos voltar a tocar… antes dos
problemas com o meu pai e a operação.
– Essa é outra razão por que não tenho estado em contacto. Tu própria disseste-me que tinhas
compromissos e andavas muito ocupada.
Isto era verdade. Louise deixara claro que estava sob muita pressão.
– Eu sei que disse. Só que tenho passado um mau bocado e necessitava de falar com alguém.
Jack sentiu pena da mulher que estava sentada à sua frente. Ele era uma pessoa muito diferente do
rapaz que fora quando terminaram o caso amoroso.
– E há outra razão… – continuou ele.
Louise olhou-o nos olhos. Estava presa a cada palavra.
– Não queria dizer-te isto mas talvez explique porque tenho de me manter afastado de ti…
– O que queres dizer?
A expressão de Jack era tão culposa que já não havia como voltar atrás.
– Talvez sermos amigos não seja uma boa ideia. Cometi um erro terrível quando eu e a Aoife
estivemos separados. Eu… – ele hesitou. – Eu dormi com a Sophie.
Pela cara de Louise, ela estava prestes a explodir a qualquer momento.
– Eu avisei-te de que não devias ter arranjado trabalho à Sophie! – Louise tremia.
Ele tentou acalmá-la.
– Olha, cometi um erro: uma noite com a Sophie, mas estava novamente com a Aoife no dia
seguinte. É muito importante que isto fique entre nós. – Já se tinha arrependido da confissão.
Louise engoliu em seco. Não sabia se ia chorar ou vomitar. Sophie passara das marcas pela última
vez! Sentiu-se capaz de a matar com as próprias mãos se ela estivesse por perto.
Jack ficou aliviado quando o café trazido pela empregada serviu de distração.
– Obrigado – disse ele e deu um gole.
Enquanto a empregada se retirava, o silêncio entre eles pairou pesadamente no ar. Louise estava
tão chocada que era incapaz de falar, por isso Jack disse primeiro:
– Foi apenas uma noite! Não foi nada de mais.
– Porquê?
– Como porquê? A tua irmã é muito atraente.
Louise fechou os olhos e abanou a cabeça.
– Não acredito que me fizeste isto.
– A ti? Essa é boa! Estás casada, és casada há vários anos! Aliás, estavas quase casada quando
tivemos o nosso caso.
– Ela é minha irmã!
– Se calhar isto vai chocar-te, mas não interessa de quem ela é irmã! Aoife é a minha noiva e é
pessoa que mais conta para mim.
Louise tremia. Agora conseguia compreender os sentimentos que Emma carregava dentro de si em
relação à irmã mais nova desde que tinha voltado de Cuba.
– Sabes que ela fez isto de propósito, não sabes?
– Ela não sabe que estivemos juntos! Eu disse-lhe que nos conhecemos num ginásio.
Louise abanou a cabeça.
– Essa foi muito boa, Jack! Como se alguma vez na minha vida eu tivesse posto os pés num ginásio.
– Ela não quer saber! Nem de ti, nem de mim, nem de ninguém! Só dela!
– Aí concordo contigo, mas, Jack, porque o fizeste?
– Foi uma daquelas coisas… na verdade um desastre.
– Eu espero que a Aoife nunca venha a saber.
– A Brenda vai para o Reino Unido e vão instalar uma nova equipa dentro de duas semanas. A
Sophie ainda não sabe, mas o emprego no jornal está a acabar.
Era um pequeno consolo para Louise. Queria magoar a irmã, mas nem conseguia dizer-lhe que
estava transtornada.
– Desculpa se te perturbei, Louise, mas tinhas razão. Eu era apenas um miúdo parvo naquela altura
e ter-te encontrado outra vez fez com que me apercebesse disso. E ter quase perdido a Aoife fez-me
ainda mais perceber o que realmente sinto. Amo-a! Nunca amei tanto ninguém e vou fazer tudo o que
puder para a tornar feliz!
Louise controlou as emoções. Aquilo não era o que ela queria ouvir. Tinha esperança de que a
conversa com Jack a animasse, mas a sua autoestima nunca estivera tão em baixo. Ele tinha reduzido
o caso deles a um ridículo ritual de crescimento e o grande amor dela era apenas uma ilusão.
Apetecia-lhe chorar, mas aguentou-se.
– Agora sabes porque apaguei o teu número e não tenho respondido às tuas mensagens. Acho
melhor não termos contacto, não concordas?
Ele estava tão frio. Conseguira atingi-la quando ela já estava quase em baixo.
– Acho melhor ir andando. – Ele pôs uma nota de cinco euros na mesa. – É para o café. –
Levantou-se e estendeu a mão. – Obrigado por teres aceitado as coisas tão bem. Sabia que ias
compreender.
Falava como um vendedor de vidros duplos.
Louise apertou-lhe a mão sem firmeza e ficou a vê-lo sair. Não devia ter-lhe telefonado. Teria
continuado feliz para o resto da vida sem saber que Jack dormira com Sophie, mas agora teria de
viver com essa informação.
Todos pareciam estar a encontrar o amor e a continuarem com as suas vidas: Emma estava prestes
a receber a visita do seu amigo cubano, apesar da enorme quantidade de papelada e burocracia de
que ainda faltava tratar. Caminhou triste o curto passeio até à estação de Tara Street, tentando conter
as emoções.
Minutos depois desejou estar noutro sítio mais privado que o cheio comboio verde. Sentiu-se uma
parva. Tinha albergado sentimentos por Jack durante catorze anos, protegendo-os cuidadosamente em
conjunto com as muitas memórias do tempo que tinham passado juntos. Ele estava numa espécie de
pedestal. Aquilo fora muito pior do que daquela vez no Café Quay West, quando ele a acusara de lhe
ter destroçado o coração: agora já não tinha lá lugar de todo, e gastara tantas emoções ao longo dos
anos quando devia ter-se concentrado no seu casamento e na sua relação com Donal. Nesse processo
deixara a relação descair ao perigoso ponto de rutura, e quase não tinha ninguém que a amasse.
Quando o comboio parou na estação de Killester, ela saiu para a plataforma. Apercebeu-se de que
não queria ir para casa. Tinha de falar com a Emma.

***
Emma estava frustrada. Os requisitos necessários para conseguir um visto pareciam fazer parte de
uma espécie de plano maléfico. Mas com cada vitória vinha uma tarefa ainda maior para ser
completada.
Já percebia como o rei Artur se sentira na sua demanda do Santo Graal.
O toque súbito da campainha fê-la saltar da cadeira. Abriu a porta rapidamente quando viu que era
a irmã. A vermelhidão à volta dos olhos foi a primeira coisa em que reparou.
– Louise, estás bem?
– Aquela cabra de merda! – soluçou ela.
– Entra e senta-te na cozinha – disse Emma, seguindo a irmã enquanto esta irrompia pelo corredor.
Ligou a chaleira. – O que fez ela agora? – Devia referir-se a Sophie. Mais ninguém as punha naquele
estado.
– Ela dormiu com o Jack!
– O quê? – Emma ficou deveras chocada. – Quando?
– Há duas semanas.
– Livra, ela salta de cama em cama – disse Emma amargamente. – Como fez ela isso?
– Ele não entrou em pormenores. Encontrei-me com ele para um café no centro, e ele contou-me.
Agora diz que não quer nada comigo nem com a Sophie, só pretende fazer com que as coisas resultem
com a Aoife.
Emma pôs uma colher com café numa caneca e uma saqueta de chá na outra.
– Mas é bom que ele queira consertar as coisas com a noiva, não é?
– Sim, acho que sim. Só não imaginei como é que isso me ia fazer sentir. É que… sabes, há umas
semanas ele queria ter um caso comigo.
Emma despejou a água a ferver da chaleira.
– Isso teria sido estúpido.
De repente Louise sentiu-se muito idiota. Claro que a irmã mais velha estava certa e, ao ouvir o
que dissera naquele contexto, percebeu como agira de maneira ridícula. O que estaria Jack a pensar
dela, desesperada pela atenção dele?
– Sei que teria sido estúpido, mas foi agradável sentir que alguém gostava de mim.
– O Donal ama-te. É teu marido, e ao menos não andou a dar voltas como o Paul.
Louise aceitou a caneca de café da Emma e bebericou.
– Claro, tens razão. Só não aguento imaginar a Sophie com ele. Estou capaz de a matar!
Emma sentou-se frente a Louise. Sabia exatamente como ela se sentia.
– Tens de acabar com isto. Esta coisa do Jack Duggan tem de acabar. Andas a torturar-te estes anos
todos em vão.
– Porque tem ela de ser nossa irmã?
– Não sei. Mas claramente tem queda para atrair os nossos homens, mesmo quando não se
apercebe disso.
– O Jack disse que ela vai ficar em breve sem trabalho, mas um canadiano vem visitá-la na
próxima semana.
Emma endireitou-se.
– O Greg?
– Sim, é esse. O que ela conheceu em Cuba.
Emma levantou a caneca e pô-la junto aos lábios. Enfurecia-a pensar na maneira fácil como as
coisas caíam no colo da Sophie. Greg era lindo, rico e vinha a Dublin; e ainda não havia certeza de
que Felipe conseguia sair de Cuba para a visitar.
20

Quase seis semanas. Estás pronta para mim? Gx

Sophie estava mais do que pronta para ver Greg. A sua vida amorosa era escassa desde que
começara a trabalhar no Irish Times. O e-mail de Greg não podia ter chegado em melhor altura.

Olá Greg.
Onde vais ficar? Queres ligar-me durante a semana para combinarmos alguma coisa?
Sophiexxx

Ele respondeu umas horas depois.

Vou ficar num hotel chamado Merrion, já ouviste falar? Pertence a um amigo meu que
coleciona arte e que me pediu que o visitasse se fosse aí.
Estou desejoso de ver Dublin outra vez, o meu amigo disse que está diferente.
Chego às oito da manhã na quinta-feira. Ligo-te quando chegar ao hotel, está bem?
Gx

Sophie estava excitada. Mal podia esperar para o ver novamente e sentir-se amada. Desde que
regressara de Cuba tinha mais saudades de Paul do que nunca. Também não se apercebera de quão
vazia era a sua vida sem Emma. As coisas haviam mudado tanto em Dublin e ela não sabia se ia
aguentar. Greg chegava na altura certa para servir de distração perfeita e talvez as coisas se
tornassem mais permanentes. Estava pronta para um compromisso; era o que ela e o Paul haviam
tencionado fazer.

Felipe estava a perder a paciência com o sistema. O Governo queria provas do seu relacionamento
com Emma. Tudo o que tinham era uma fotografia tirada com um telemóvel no porto em Cojimar.
Como é que ele ia dizer às autoridades que apenas tinham dado um beijo? Era a esperança de poder
voltar a ver aquela bela morena de pele clara que o sustentava. Pensou no resto do mundo, onde as
pessoas livres viajavam de país para país, sem medo dos comentários maliciosos dos vizinhos.

O porteiro cumprimentou Sophie no alto da escadaria de pedra do discreto hotel, escondido sob
uma excecional fachada georgiana.
– Bom dia, minha senhora.
– Bom dia.
Sophie deu uma vista de olhos pelas fantásticas pinturas de Jack B Yeats enquanto atravessava a
receção em direção à sala de estar. O Hotel Merrion lembrava-lhe mais uma casa nobre privada do
que um espaço público. A lareira era acolhedora mas demasiado quente para o início do verão.
Viu-o sentado num dos sofás a ler o Herald Tribune. Estava ainda mais bem-parecido do que ela
se lembrava.
Greg levantou momentaneamente a cabeça, como se tivesse detetado a sua presença. Ao ver a farta
cabeleira de caracóis que haviam crescido desde que se tinham visto em Havana, levantou-se e logo
se dirigiu a ela.
– Sophie da Irlanda! Como estás?
Ele pronunciou cada palavra com tanta clareza que Sophie não conseguiu detetar o sotaque
canadiano que recordava.
– É tão bom ver-te, Greg. – Ela sorriu quando ele se inclinou e colocou os seus lábios grandes e
macios nos dela. – Como foi a viagem?
– Muito boa. Estás linda!
Sophie sorriu. Tinha demorado uma hora a escolher o que ia usar, decidindo-se por um vestido de
verão azul-turquesa e uns saltos altíssimos.
– O meu amigo estragou-me com mimos, deu-me a suíte do último andar. Pelo que ouvi dizer, é
onde o Bruce Springsteen costuma ficar, por isso estou em boa companhia, não achas?
– Ele costuma ficar aqui, assim como outras celebridades.
– O meu amigo foi muito modesto, disse-me que tinha um pequeno hotel na Irlanda. Estou deveras
impressionado!
– E como é a suíte?
Sophie não estava muito interessada na decoração, pois ficara desesperada por ter Greg só para
ela assim que o vira de novo.
– Vamos então espreitar – disse Greg, tirando a chave do bolso e atirando-a ao ar. – O elevador é
por ali.
Caminharam por um corredor envidraçado em direção à nova ala do edifício, atravessando o
jardim perfeitamente cuidado.
Quando as portas do elevador se fecharam, Greg colocou a chave na ranhura acima do botão do
último andar, girando-a.
– Impressionante! – exclamou Sophie, com um sorriso.
– Gosto da suíte. É escondida.
As portas do elevador abriram-se, revelando uma luz brilhante e uma vista sobre os telhados mais
próximos.
– É por aqui – disse Greg, abrindo uma porta ao lado deles.
Segurou a porta para ela. Sophie entrou para o átrio decorado com bons exemplos de mobiliário
clássico e gravuras de cavalos de corrida.
– Queres uma visita guiada?
– Prefiro uma bebida.
Greg esboçou um sorriso.
– Por aqui – disse ele, conduzindo-a à sala de estar com os seus luxuosos sofás e um enorme
sistema audiovisual de entretenimento.
– Trago-te alguma coisa da cozinha. O rececionista disse que tem os eletrodomésticos menos
utilizados da cidade!
Sophie seguiu-o até à cozinha, que tinha uma vista espetacular sobre os telhados de Dublin.
– Chá, café, algo mais forte?
– Água, com gás. É suficiente.
– Isso temos. E muito generosamente deixaram alguns bolos e scones – disse Greg, levantando um
tabuleiro cheio de coisas apetitosas e coloridas.
– A água chega, obrigada.
– Então como tens passado, Sophie da Irlanda?
Sophie odiava a maneira como ele lhe chamava, mas sorriu.
– As coisas já estiveram melhores. Tu sabes que perdi o meu emprego quando regressei; bem,
parece que o jornal para onde trabalhava já não precisa de mim, por isso estou desempregada outra
vez.
Greg serviu-se da garrafa de Ballygowan.
– Pensava que ias começar a tua própria empresa de moda. E em relação àquela tua ideia de
reciclar roupa de malha?
Sophie abanou a cabeça. Era uma ideia que tinha de explorar, mas com o pai doente e com a
hostilidade entre ela e Emma, não estava tão eficiente como habitualmente.
– Tenho de pensar nisso. Não sei se ainda há alguém na Irlanda com dinheiro para comprar roupa
de tricô exclusiva.
– Há sempre pessoas com dinheiro, podem é escondê-lo durante uma recessão. De qualquer
maneira, esquece o mercado irlandês. Há um mundo enorme lá fora.
– E uma recessão ainda maior!
– Não podes pensar assim. Os pintores continuaram a trabalhar durante a grande recessão mundial
dos anos trinta. Algumas das melhores obras modernas foram produzidas nessa altura. Até na moda!
Olha o caso da Chanel!
É claro que ele tinha razão. Mas ultimamente as coisas tinham sido tão difíceis para ela.
– Vou fazer alguma coisa a respeito disso na segunda-feira. – prometeu ela. – Ficas por quanto
tempo?
– Vou-me embora na manhã de terça. Tenho de me encontrar com um negociante de arte na segunda,
mas estou livre até lá para apreciar as vistas de Dublin, se mas quiseres mostrar.
Sophie queria. O Hotel Merrion transmitia-lhe uma sensação de alívio. Lembrava-lhe os tempos
em que Paul a acompanhava aos locais que estavam na berra na cidade. Tudo mudara e ela desejava
voltar a sentir os prazeres decadentes que tanto apreciara com ele.

Jack queria estar no seu melhor. Ia conhecer os familiares de Aoife no restaurante The Cellar, dali
a meia hora. Foi à casa de banho do escritório pôr desodorizante e uma camisa lavada. Odiava
aquelas reuniões de família dos Cullen. Sabia que Eileen e Harry Cullen achavam a filha boa de mais
para ele, e aquilo era uma oportunidade para lançarem pequenas farpas. Especialmente desde que
tinham estado separados por um curto período. Aoife perdoara-o e voltara a ser a pessoa
maravilhosa que era, mas os pais estavam mais cautelosos do que nunca.
Jack passou a mão pelo cabelo e notou alguns brancos sob a luz artificial. Tinha de amadurecer, e o
quase devaneio com Louise e a irmã fora suficiente para perceber o que quase tinha perdido.
Disse adeus aos colegas e saiu para Pearse Street. Era um passeio curto até Merrion Square e ao
Hotel Merrion.

Sophie ergueu o copo de champanhe enquanto Greg o enchia de novo. O Sol ainda ia alto no céu,
mas aproximava-se o fim da tarde.
– Não é fantástica esta banheira quente? – exclamou Sophie, bebendo um gole do seu copo.
Deitada no terraço coberto, rodeada de água quente a borbulhar, era precisamente onde queria estar.
Sobretudo acompanhada de um delicioso homem moreno a servir-lhe champanhe.
– Dublin é fixe.
– E ainda não saíste do hotel! – retorquiu Sophie, com uma risada. O champanhe estava a subir-lhe
à cabeça.
– Tens fome?
– Estou esfomeada. Pedimos serviço de quarto?
– Porque não experimentamos o restaurante lá de baixo?
Sophie olhou para ele amuada.
– Não quero sair desta banheira quente.
Não queria mostrar quão tocada já estava desde que começara a beber champanhe.
– Podemos voltar para a banheira depois do jantar. Mas não quero que enrugues como uma passa
de uva, certo?
Sophie tinha de concordar. Já ali estavam há mais de uma hora, embora devido aos copiosos copos
de champanhe lhe parecessem apenas uns minutos.
– Está bem, deixa-me vestir – disse ela, apanhando o roupão de banho que Greg lhe estendeu e
tropeçando ao sair da banheira. Enrolou o roupão à volta do seu corpo molhado. – Estou pronta em
dois minutos.
Quando chegou ao quarto onde deixara as roupas, as paredes começaram a rodopiar. Apanhou e
vestiu o sutiã, mas não conseguiu apertar o fecho. Estava muito mais bêbeda do que tinha imaginado
quando se encontrava na banheira.
Greg caminhou até ao parapeito e olhou para o jardim lá em baixo. As cúpulas dos edifícios
governamentais erguiam-se sobre os telhados à sua direita. Era um bom começo de fim de semana.

Emma colocou o jantar de Finn na mesa de cozinha.


– Obrigado, mãe.
Tinha-se habituado a comerem os dois juntos e era agradável agora que a mãe dela voltara para
casa. Achou que talvez fosse a altura de falar a Finn sobre a possibilidade de uma visita de Cuba.
Uma vez que já tinha devolvido o passaporte a Felipe juntamente com a prova de que se conheciam e
um extrato bancário para a embaixada da Irlanda no México, não devia faltar muito para conseguirem
marcar as datas da sua visita.
Emma queria pagar-lhe o voo, mas não sabia como dizê-lo a Felipe sem o fazer sentir-se
desconfortável. Até à data despendera quatrocentos euros e isso eram vários meses de salário para
ele. O que ele gastara com ela em Havana era proporcionalmente mais do que o custo de um voo. A
cada dia que passava ela sentia ainda mais que o queria ver. Sentia saudades do companheirismo e
da intimidade. Havia muito tempo que não fazia amor; até com Paul os intervalos entre esses
momentos tinham sido demasiado longos e necessitava de se sentir jovem e viva outra vez como no
primeiro amor.
Estava na altura de dizer a Finn. Viu-o atacar o monte de puré de batata e o frango frito e sorriu. O
filho crescera tanto desde a morte do pai. Tinha assumido o papel de homem da casa. Até já colocava
o caixote do lixo na rua e recolhia-o sem ter de se lhe pedir.
– Sabes, Finn, quando estava em Cuba travei amizade com uma pessoa que é capaz de nos vir
visitar por um tempo. Achas que pode ser?
Finn encolheu os ombros.
– Pode. Ela não há de ser pior do que a avó!
– Pois, não é uma senhora, é um homem.
Finn encolheu novamente os ombros.
– Se ele vier só de férias, tudo bem. Quanto tempo fica?
– Ainda não está nada decidido, nem tenho a certeza de que vem; precisa de arranjar um visto.
– O que é isso?
– É uma autorização para deixar o país e entrar na Irlanda. Lembras-te quanto te pedi a tua velha
camisola do Barcelona para aquele rapazinho que mora em Cuba? Sabes, as pessoas lá são muito
pobres e é difícil para elas fazer algumas coisas que para nós são um dado adquirido.
– Isso é estranho. – Ele voltou-se para o seu jantar. – Depois vou ter com o Gavin, pode ser?
– Podes ficar na rua até às nove e a seguir cama. Tens aulas de manhã.
Finn concordou e deu um trago no copo de leite.
– Obrigado, mãe – disse ele, levantando o prato e colocando-o no lava-louça.
Enquanto ele corria pela porta das traseiras Emma apercebeu-se de que em breve ele se afastaria.
Seria um adolescente antes que ela desse por isso, tão envolvido na sua própria vida social que não
teria espaço para ela. Fazia o que era certo ao permitir a visita de Felipe. E se era apenas um caso
amoroso de férias, que fosse! Podia ser um primeiro passo para construir uma vida para si própria.
Tinha de o fazer, porque algum dia ficaria sozinha se não fizesse entretanto alguma coisa.

***

Jack chegou cedo. Desceu as escadas de Merrion Square e entrou no restaurante The Cellar. Era
discreto e de bom gosto na forma como as toalhas de linho branco engomadas combinavam com o
teto e as paredes de pedra. Cadeiras antigas com estofos cremes estavam elegantemente espalhadas
por todo o lado e uma simples rosa vermelha decorava o centro de cada mesa.
Viu a mesa do canto que Harry e Eileen costumavam reservar. O chefe de sala veio ao seu encontro
e ofereceu-se para lhe levar a mala e conduzi-lo à sua mesa. Queria uma cerveja, mas os pais de
Aoife não iriam gostar. Era um pequeno preço a pagar; ele estava tão contente por ter Aoife de volta
e iria fazer tudo para a manter feliz. Aquele jantar era mais uma charada, um prelúdio antes do envio
oficial dos convites de casamento e da forma como os pais de Aoife quereriam que o evento
acontecesse.
Olhou para o relógio. Aoife tinha um trabalho em Dun Laoghaire antes, mas já teria terminado. De
repente viu-a, usando um vestido cor de laranja claro, destacando-se como um farol no meio do
branco do restaurante. Apressou-se a ir ter com ela e beijou-a nos lábios.
– Obrigada por teres vindo mais cedo – sussurrou ela.
– Os teus pais estão contigo?
– O pai está a estacionar o carro. – Ela sorriu e deu-lhe a mão enquanto caminhavam para a mesa
do canto.
– Dá uma vista de olhos ao menu. Não quis escolher o vinho enquanto os teus pais não chegassem.
– Boa ideia. Já sabes como o meu pai é esquisito em relação às suas uvas!
Sorriram um para o outro e aproximaram-se. Jack só tinha olhos para a noiva.
– Jack, o que estás aqui a fazer?
Jack olhou para cima, sem saber a quem a voz pertencia.
Ali estava, a abanar os seus caracóis, Sophie.
Jack olhou para o homem alto e moreno ao seu lado. Ele parecia muito mais velho do que ela.
– Ah, Sophie, olá. – Jack tropeçou nas palavras com a surpresa de a ver ali. Lembrou-se das boas
maneiras a tempo antes de Aoife se aperceber do incómodo que ele sentiu. – Esta é a Aoife.
Aoife estendeu a mão de sorriso aberto.
– Sou a noiva do Jack.
Sophie ignorou o cumprimento, lançou a cabeça para trás e deu uma pequena gargalhada.
– Foste rápido, Jack. Ficaste noivo em poucas semanas depois de termos estado juntos.
Se não tivesse bebido uma garrafa de champanhe de estômago vazio, talvez não tivesse achado
tanta graça à situação, ou talvez tivesse o bom senso de não dizer nada.
– Vamos, Sophie, a nossa mesa é ali – disse Greg, agarrando e guiando Sophie pelo cotovelo para
outra mesa.
– Adeus, Jack. Espero que sejas muito feliz! – disse Sophie, com outra gargalhada.
Aoife estava de olhos esbugalhados e a tremer.
– O que quis ela dizer com depois de termos estado juntos? Por favor diz-me que não estiveste
com aquela mulher. – Os seus olhos começavam a encher-se de lágrimas enquanto ela tentava
controlar as emoções.
– Aoife, posso explicar tudo.
– Diz-me que não tiveste sexo com aquela mulher! – A sua voz subia de tom e mesmo a três mesas
de distância Greg conseguia ouvi-la na perfeição.
Jack engoliu em seco. Não podia mentir a Aoife. Tinha de lhe dizer a verdade; afinal de contas, não
significara absolutamente nada.
– Foi um terrível engano. Foi quando tu disseste que querias uma semana de separação.
– Não era esse tipo de separação, era um do outro e não uma oportunidade para irmos para a cama
com quem nos apetecesse. E mais, nem durou uma semana!
Jack sentiu a boca a ficar seca.
– Desculpa, Aoife! Eu estava magoado e confuso. Tudo tem sido tão perfeito desde que
recomeçámos.
– Mas nós nunca acabámos! Eu não andei a dormir com outros homens!
A sua voz estava cada vez mais alta e até o chefe de sala já demonstrava alguma ansiedade,
andando de um lado para o outro no seu posto. Aquele tipo de comportamento não era tolerado.
– Desculpa, Aoife, não havia razão para teres sabido disto.
– Agora a culpa é minha por ter ficado a saber? Se calhar foi bom termos encontrado a tua
amiguinha. É melhor descobrir agora do que depois de casados! Os divórcios irlandeses são
complicados!
– Por favor, Aoife, não há necessidade disso. Eu posso explicar, a sério! Vamos para casa falar.
A voz de Aoife estava quase estridente.
– Não há nada para explicar!
De repente, a presença de Harry Cullen e da mulher ensombrou a discussão.
– O que se passa? – interrogou Eileen Cullen.
– Levem-me para casa – pediu Aoife, levantando-se e tirando a mala da mesa. – Não é preciso
falarmos dos convites porque não vai haver casamento nenhum.
Aoife embateu no ombro do pai e saiu a correr do restaurante.
Harry levantou o braço e impediu Jack de ir atrás dela, enquanto a mulher a seguia para a
reconfortar.
– Porque está a minha filha tão perturbada?
– Foi um mal-entendido, só isso!
Harry apertou os seus dedos longos e fortes à volta do colarinho da camisa de Jack.
– Se fizeste alguma coisa para magoar a minha filha, sugiro que te mantenhas longe de mim.
Conheço muita gente nesta cidade! Não te esqueças de como conseguiste aquele emprego no Times.
Ele desfez o aperto e empurrou Jack para baixo, sentando-o na cadeira. Depois deu meia volta e
saiu.
Jack levantou-se. Olhou para Sophie e Greg. Ela estava a rir e a beber um novo copo de
champanhe. Caminhou até eles cheio de raiva. Estacou frente à mesa e olhou fixamente para Sophie.
– Ajudei-te a arranjar trabalho quando perdeste o teu emprego, e é assim que me pagas? A tua irmã
tem razão, és perigosa, Sophie Owens!
– Tem calma, Jack – disse Greg, descontraído. – Bebes um copo connosco?
– Não, obrigado! Adeus Sophie, e se nunca mais te voltar a ver, já vai ser tarde!
Quando ele saiu, Greg observou Sophie. Estava a bebericar champanhe e parecia impávida.
– Gostas de criar confusão na vida dos outros? – perguntou Greg, com um sorriso.
– As pessoas é que dramatizam tudo! – suspirou ela.
– Talvez, ou talvez sejas uma rapariga mazinha!
Sophie encolheu os ombros. Estava tão anestesiada do champanhe que tinha pouco controlo sobre
as palavras que lhe saíam da boca.
– Tenho de pensar em mim. Não te esqueças de que nesta altura era para estar feliz com o Paul.
– Mas ele não era o marido da tua irmã?
– Era o marido dela, mas a minha alma gémea!
Greg achou que ela se iludia a si própria. Emma também era uma mulher linda e embora ele nunca
tivesse conhecido Paul, imaginou que ele estaria apaixonado pelas duas. Era melhor mudar de
assunto.
– Vamos planear o que fazer amanhã. Gostava de voltar a ver a Emma!
Sophie arregalou os olhos.
– A última pessoa que neste momento quero ver é a Emma. Aliás, ainda nem a vi desde que viemos
de Cuba.
– Porque não?
– Eu, eu… enfim. – Ela não queria parecer uma grande cabra; depois de já ter arruinado uma
relação naquela noite, não lhe queria dizer que contara a Emma que dormira com o marido dela. – É
uma longa história. Queres ir ao O’Donoghue depois do jantar? É um bar tipicamente irlandês, e
mesmo ali na esquina de Baggot Street.
Greg deu um gole do seu copo. Sophie escondia alguma coisa. Mas não se importava. Estava em
Dublin a tratar de negócios e apenas a preencher o tempo livre com ela.

Louise ligou a máquina da roupa. Detestava deixar as tarefas domésticas para o fim do dia. A sua
vida parecia tão vazia desde que a sua pequena fantasia tinha sido destruída. Jack Duggan não podia
mais fazer parte das suas memórias; teria de continuar a viver o futuro com um marido que não
parecia muito interessado nela.
Tinha de telefonar para saber se os seus pais estavam bem antes de sair para as compras. A vida
estava novamente mundana.
Pegou nas chaves do carro e seguiu para Foxfield. Como Emma andava tão preocupada em
conseguir trazer para a Irlanda o seu cubano, não se importou de delegar a responsabilidade pelos
pais em Louise. Escusado será dizer que não podia contar com a ajuda de Sophie para nada.
Louise estacionou em Foxfield e remexeu a mala à procura das chaves da casa.
Desde o assalto que nenhum dos pais estava ansioso por vir abrir a porta de casa e tinham insistido
que cada uma das filhas entrasse por si.
O som dos programas da manhã na televisão vinha da sala de estar e foi para lá que Louise se
dirigiu primeiro.
Larry estava sentado com um jornal no colo e um par de óculos na ponta do nariz.
– Olá, pai!
– Louise! Não te ouvi entrar.
– A mãe está?
– Não, foi às compras. Ainda bem que vieste, queria falar contigo sobre o aniversário dela.
Louise parou para pensar.
– Que idade é que ela tem?
– Vai fazer setenta. Acho que devíamos fazer alguma coisa bonita para ela, especialmente depois
de tudo o que passou.
– Não tinha noção de que ela já ia fazer setenta. Bem, temos ainda quatro semanas, é a vinte de
Junho.
– Achas que ela ia gostar de ir a um restaurante? – perguntou Larry.
Louise arqueou as sobrancelhas.
– Porque não fazemos qualquer coisa aqui em casa?
– Sabes como é a tua mãe, não vai querer confusões aqui. Farias na tua casa?
Louise pensou por um momento.
– A casa da Emma é maior e ela só tem lá o Finn.
– Perguntas à Emma o que acha?
De repente ocorreu-lhe que Emma e Sophie teriam de estar juntas no mesmo espaço para a ocasião
e entrou em pânico.
– Deixa que eu trato de tudo, pai. Penso alguma coisa e depois digo-te.
– É melhor tratarmos de tudo depressa. Podemos sempre alugar uma sala no Castelo Clontarf e
fazer uma grande festa, convidando os primos e os vizinhos.
Se fosse um grande evento, ela teria mais hipóteses de manter Sophie e Emma afastadas uma da
outra. Ainda não vira Sophie desde que falara com Jack e não sabia se tinha estômago para olhar
para ela.
– Eu ligo para o Castelo Clontarf para saber o que eles têm, ou então podíamos sempre utilizar o
Iate Clube, se preferires.
– Não tinha pensado nisso; vê essa possibilidade.
– Vou ao supermercado, queres que te traga alguma coisa?
– Não, obrigado. Ligo-te amanhã para saber o que já arranjaste.
Louise saiu pela porta da frente, com a cabeça cheia de preocupações.

Greg caminhava por Grafton Street com tanta confiança e segurança que várias cabeças se viraram
quando passava.
Sophie estava satisfeita com a reação que o belo canadiano provocava e orgulhosa de caminhar ao
seu lado.
– Gostaste do O’Donoghue ontem à noite? – perguntou ela.
– A música era excelente, e a Guinness também.
– Queres ires almoçar a algum pub?
Greg encolheu os ombros.
– A Emma vive perto da cidade?
– Ela vive em Sutton, a quilómetros de distância. É melhor ficares pelo centro da cidade, onde as
coisas acontecem.
– Tu é que sabes!
Sophie levou-o através de Hibernian Way até Dawson Street.
– Conheço um bom lugar, acho que vais gostar.
Sentaram-se a uma mesa de canto na Marco Pierre White Steakhouse e Sophie viu as cabeças
virarem-se para o seu belo acompanhante.
De repente o seu telefone tocou. Quando viu o nome de Louise no ecrã desligou-o. Não queria ser
incomodada durante o resto do fim de semana.

Louise conduziu até casa de Emma. Não ficou surpreendida por Sophie não ter atendido. Sabia que
ela estaria a esconder o seu visitante canadiano durante o fim de semana.
Emma abriu a porta com um sorriso na cara.
– Alguém está feliz! – Louise gostou de ver a irmã assim.
– Parece que a embaixada irlandesa aceitou o pedido de visto do Felipe.
– Estou muito feliz por ti! Quando soubeste?
– O Felipe telefonou ontem à noite. Recebeu uma carta. Ainda não está tudo tratado, ele ainda tem
de conseguir alguns carimbos de aprovação do lado dele.
Louise seguiu a irmã até à cozinha. Seria mais fácil dar-lhe as más notícias estando ela assim tão
animada.
– Ainda bem que as coisas estão a avançar. Tens alguma ideia de quando chega?
– Estive à procura na Internet de voos e há um a bom preço da Virgin Atlantic por Heathrow.
Escolhi um no dia dezasseis de Junho, estou a fazer figas para que toda a papelada esteja pronta.
– Isso é ótimo. Vim agora da casa do pai e ele lembrou-me que o aniversário da mãe está perto.
– É só no próximo mês!
– Sim, mas são setenta anos!
– Meu Deus! Esqueci-me completamente de que era um número importante.
– Exato! E ele quer que organizemos uma festa para ela.
– Estás a brincar!
Emma sentou-se à mesa e pôs a cabeça entre as mãos.
– Eu não tenho estômago para ver a nossa irmãzinha. E temos de organizar esta festa juntas.
– E é mesmo a meio da visita do teu amigo também.
– Que porcaria! Acho que não consigo mudar o voo, é uma oferta especial.
– Talvez seja giro para ele ver uma festa irlandesa.
– Onde é que o pai quer fazer a festa?
– Primeiro queria fazer em casa e depois sugeriu o Castelo Clontarf, mas acho que o Iate Clube é o
melhor em termos de preço.
– Santo Deus, acho que não consigo fazer isso.
– Emma, também não me agrada pensar nisso! Mas com alguma sorte vão lá estar tantas pessoas
que nem teremos de falar com a Sophie a noite toda.
– Não preciso da pressão da visita do Felipe no meio disto.
– Mas talvez ele seja uma boa distração para ti.
Emma concordou.
– Talvez tenhas razão. Vais então falar com a Sophie?
– Vou tentar. E tentar não vomitar para cima dela. Eu e o Donal vamos jantar ao Iate Clube amanhã
com os Harley, por isso aproveito para perguntar sobre a festa no dia vinte.
– Obrigada, Louise, és uma querida.
Louise sorriu. Tinha ficado com o cargo da Emma, de organizadora familiar, e isso fazia-a sentir-se
bem. Precisava de se sentir bem consigo própria, porque desde que falara com Jack andava muito em
baixo.
21

Greg estava aborrecido. Queria ver mais de Dublin do que o interior da suíte, mas Sophie estava
determinada em mantê-lo na cama o mais tempo possível todos os dias.
– Porque não vamos ver o mar?
Sophie sentia a necessidade de representar para Greg. Os seus truques habituais não estavam a
funcionar. Tinha de fazer o que ele sugerisse.
– Está bem, vamos de táxi. Eu levo-te a Howth.
Tomaram um duche e vestiram-se rapidamente. O pequeno-almoço estava disposto em cima da
mesa grande da sala de estar da suíte. Sophie foi buscar a mala e o casaco onde os tinha atirado na
noite anterior e foi na frente para o elevador.
– Quanto tempo vamos demorar a chegar lá? – pergun-tou ele.
– Cerca de hora e meia se o trânsito for ligeiro. Podemos ir de comboio, provavelmente é mais
rápido.
Greg sorriu.
– Vamos então.
Entraram num comboio que dizia Howth por cima da janela do maquinista e ocuparam um banco na
ponta da carruagem.
Sophie aninhou-se sob o braço dele. Queria desesperadamente fazer aquele homem apaixonar-se
por ela, mas, embora estivessem a passar bons momentos, sentia que não estava a consegui-lo e não
se sentia bem por ser ela a ter de impressionar o outro.
O comboio parou na estação de Sutton e as ilhas de Lambay e Ireland’s Eye ficaram à vista.
– É muito bonito.
– Suponho que sim – respondeu Sophie.
– A Emma não vive em Sutton?
– Sim. Estamos quase em Howth.
Greg não ia perguntar mais por Emma. Secretamente desejava vê-la outra vez. Era uma pena tão
grande ter vindo de longe e não a ver.

Emma olhou para o relógio. Estivera tão ocupada a ler os e-mails de Felipe que quase se esquecia
de ir buscar Finn. Ele estava a disputar um jogo de hurling2 em Howth e ela teria ficado a ver, mas
tinha de trabalhar o máximo possível antes de Felipe chegar. Em vez disso, conseguira cerca de
quarenta palavras e muitos sonhos acordados.
Agarrou na mala e nas chaves do carro e saltou para dentro do seu Mini verde. Estava um dia
soalheiro e suficientemente quente para baixar a capota do carro. Sentia-se extasiada enquanto subia
a colina, depois de passar o cemitério, em direção ao cimo, onde a vista sobre a baía de Dublin era a
melhor.
Tinha tanta sorte em viver num sítio tão bonito! Virou para o Clube GAA3, onde havia pessoas de
pé junto às linhas laterais a aplaudir.
Sentiu-se terrivelmente culpada enquanto a multidão aplaudia a equipa da casa pela espetacular
vitória sobre os seus rivais.
Finn viu o pequeno e distintivo descapotável e correu para ele com a vitória espelhada na cara.
– Olá, mãe! Ganhámos e eu marquei três pontos!
– Muito bem, meu amor. Isso é excelente!
– Podemos ir comer um gelado ao Anne’s, a caminho de casa?
– Claro que sim. – Ela sorriu. Não havia nada que Finn gostasse mais do que um cone, e estava um
dia extraordinário para irem até à beira-mar comer um.
Atravessaram a aldeia e Emma estacionou frente ao pub Pier House. Deixou Finn correr até ao
Anne’s para ir comprar o gelado enquanto observava os locais e os visitantes a passear no molhe em
direção ao farol. Era na verdade um belo sítio para se viver, com os mastros dos iates na marina e os
coloridos barcos de pesca alinhados na parede do molhe ocidental.
Sentia-se em paz com a vida. Ainda pensava em Paul, mas já lhe era possível conter as emoções e
analisar todo o infortunado episódio que levara à sua ainda mais infortunada morte. Tinha Finn e
saúde e, ao contrário de tantas pessoas atoladas em empréstimos e dívidas, conseguia
confortavelmente sustentar-se a si e ao filho.
Finn saiu da loja com dois grandes cones, lambendo um deles com ar faminto.
– Obrigada, Finn – disse Emma, agarrando num dos cones e no troco, enquanto o filho se sentava
no banco do passageiro.
– Mãe, adoro quando baixas a capota do carro.
– Também eu, amor. É pena não termos este tempo todos os dias.
Ela voltou à estrada e conduziu devagar à beira-mar.
– Olha! Está ali a Sophie! – gritou Finn.
Emma olhou para onde o seu filho apontava e guinou o carro com o choque de ver Sophie ao lado
de Greg.
Um jipe Land Rover que vinha em sentido contrário curvou rapidamente para evitar o pequeno
Mini, abalroando um Fiesta que estava estacionado na berma da estrada.
Emma gritou com o choque de ser quase atingida por um carro tão grande.
– Mãe! Ele quase nos matou!
Emma estacionou no passeio para evitar os destroços e recompôs-se.
– Temos de ligar à polícia! Foi tudo culpa minha.
O trânsito acumulou-se ao longo da marginal e Greg e Sophie continuaram a caminhar,
inconscientes da colisão que a sua presença causara.

Jack tentou ligar a Aoife, mas a chamada foi direta, outra vez, para o voicemail. Tinham-se
passado dois dias e duas longas noites desde o desastroso encontro com Sophie no restaurante The
Cellar e ele ainda não acreditava como tudo se desmoronara tão facilmente.
De repente o telefone tocou e ele apressou-se a atender, na esperança de que fosse Aoife.
– Jack, é a Eileen, a mãe da Aoife.
– Oh, olá, Eileen.
– Estou à porta, podias deixar-me entrar? A Aoife pediu-me que viesse buscar as suas roupas e
pertences.
– É só empurrar – disse Jack. Sentiu um desconfortável nó a formar-se na garganta. Além do
marido dela, Eileen era a última pessoa com quem ele queria falar.
Ela chegou à porta com o semblante carregado e uma mala vazia.
Jack agarrou na mala e seguiu Eileen enquanto esta entrava de rompante no apartamento.
– Isto é o quarto? – perguntou ela, com desdém, abrindo a porta à sua esquerda.
A cama estava coberta de roupa. Vestígios de Aoife ocupavam a pequena cómoda e saíam dos
armários semiabertos.
– Quer que a ajude?
– Não me parece que a Aoife queira que mexas nas roupas ou pertences dela, e eu como mãe
certamente também não!
Jack recuou para a pequena cozinha e apoiou a cabeça no balcão enquanto a mulher que poderia ter
sido sua sogra apagava todos os vestígios da sua amada do quarto deles.
Ela emergiu do quarto como um gladiador, triunfante e carregada de despojos.
– A Aoife pediu-me que te perguntasse qual é o dia da próxima semana em que não vais estar em
casa, para ela poder levar as fotografias e outras decorações.
– Não vou cá estar na segunda-feira.
– Perfeito. Não posso dizer que esteja contente com isto, Jack, mas ainda bem que a minha filha
teve a sorte de não se casar contigo.
Jack fitou Eileen com um olhar vazio. Havia tantas coisas que ele queria dizer, mas as palavras
falharam-lhe. Não tinha onde se agarrar.
– Diga a Aoife que a amo.
Eileen fez um sorriso trocista e abanou a cabeça.
– Deves estar a brincar! Não sabes o significado dessa palavra! – Ela saiu do apartamento,
puxando a mala atrás.
Jack atirou-se para o sofá e tremeu. Desde miúdo, aquela era a primeira vez que tinha vontade de
chorar. Queria que a mãe o confortasse e lhe dissesse que tudo ia ficar bem. Mas sabia que o que
fizera não tinha emenda possível.

***

Finn ligou à tia.


– Louise, eu e a mãe tivemos um acidente de carro. Quer dizer, não batemos em nada, mas um jipe
guinou para nos evitar e bateu num carro estacionado.
– Vocês estão bem? – A voz de Louise estava cheia de ansiedade.
– Sim, estamos bem.
– Onde estão?
– Em Howth. Vimos a Sophie e depois a mãe guinou. Ela está a tremer e não quer conduzir.
– Onde estão exatamente?
– À porta do Casa Pasta.
– O Donal está no Iate Clube a tratar do barco, fiquem aí, vou pedir que ele vá aí ajudar.
– Obrigado, Louise.
Finn já não via a mãe naquele estado desde a manhã em que tinham encontrado o pai morto na
cama. O condutor do Land Rover estava ocupado a falar com o dono do Fiesta, que entretanto
chegara. Parecia irado e apontava para o pequeno Mini.
Emma tinha o olhar fixo no volante, como que em transe, agora que interiorizava o acontecimento –
quase provocara a sua morte e a do filho. Levantou a cabeça com rapidez e olhou para Finn, que
estava visivelmente perturbado.
– Estás bem?
– Estou. Não batemos em ninguém. E tu?
De súbito abateu-se sobre o carro a sombra de um homem grande que parecia prestes a explodir.
– Tem de ver para onde vai! Eu podia tê-la matado! E tem muita sorte porque não havia ninguém no
carro onde bati!
Emma levantou o olhar em direção ao homem, que estaria nos cinquenta e exibia o corpo de quem
tivera demasiada boa vida.
– Eu… peço desculpa! Não o vi!
– Pois, convém manter os olhos na porcaria da estrada!
Finn sentiu-se desconfortável. Queria defender a mãe, mas o homem era tão grande e forte que ele
teve medo.
– O que se passa? – perguntou uma voz e a figura alta de Donal apareceu.
O condutor virou-se e olhou Donal de alto a baixo.
– Conhece esta mulher?
– É a minha cunhada.
– Bom, ela não devia andar na estrada. Quase foi direita a mim. Tive de guinar de repente e bati
naquele carro ali. Quem vai pagar os estragos?
– Eu – disse Emma a medo.
Finn ficou aliviado por ouvir a mãe falar.
– Calma, Emma. Temos de saber exatamente o que aconteceu. – Donal foi protetor e embora
compreendesse o ponto de visto do condutor, estava mais preocupado com a cunhada.
– Deixa estar. Eu não vi para onde ia.
– Está a ver! – exclamou o condutor do Land Rover.
– Dê-me o seu nome e morada e farei com que tudo seja tratado como deve ser – disse Donal,
tirando uma caneta e a carteira do bolso.
– Quero o contacto e a morada dessa senhora, e as informações do seguro.
A polícia chegou e começou a desviar o tráfego que se acumulara. Um deles foi ter com o condutor
do jipe e pediu que este o removesse. Ninguém ficara ferido na colisão e a principal prioridade era
desimpedir o caminho para que as pessoas pudessem continuar a circular.
Donal deu uma nota de cinco euros a Finn.
– Porque não vais ali ao Beshoff’s comprar umas batatas fritas?
Finn pegou no dinheiro e saiu do carro.
Donal sentou-se no banco do passageiro ao lado de Emma e pôs o braço à volta dos seus ombros.
– Estás bem?
Emma assentiu.
– Graças a Deus, vieste na altura certa. Acho que não teria conseguido lidar com aquele homem
sozinha.
– Estás bem e isso é o mais importante. O que aconteceu?
– Ia a conduzir e a comer o meu gelado quando o Finn gritou que viu a Sophie. Tirei os olhos da
estrada e fui parar ao meio da rua e o condutor do jipe embateu no carro estacionado.
– A Sophie viu-te?
Emma abanou a cabeça.
– Aquela rapariga causa problemas mesmo quando não faz nada por isso! – exclamou Donal.
– Isto foi totalmente culpa minha.
Donal beijou Emma na testa.
– Já estás bem. Vem, muda para este lugar. Quando o Finn vier com as batatas, levo-vos a casa.
– Obrigada, Donal, és tão bom para mim.
Donal sorriu. Emma fazia-o sempre sentir-se apreciado. Era uma pena que a sua mulher não o
fizesse sentir-se assim.

– Queres tomar um café? – perguntou Sophie. – Há um café pequeno e muito giro ali na marginal.
Chama-se Il Panorama e têm os melhores cappuccini de Dublin.
– Parece-me bem, podemos até comer qualquer coisa.
– O que achas de Howth?
– Muito bonito, mas os condutores irlandeses são doidos. Ouviste aquele choque ali atrás?
Sophie encolheu os ombros.
– Não estava a olhar.
– Tu velejas?
– A minha irmã Louise e o marido têm um barco na marina, mas eu não saio com eles. Gosto de
ficar na cidade, acontecem mais coisas. Vamos atravessar aqui, o trânsito está parado.
Abriram a porta do pequeno mas convidativo café. Os bancos altos frente ao balcão e à janela
estavam ocupados. Sophie viu dois bancos vazios contra a parede e apressou-se para ficar com eles.
– O que vão desejar? – perguntou o afável italiano que estava atrás do balcão.
– Eu quero um panino Melbourne4e um cappuccino, por favor.
Greg pediu o mesmo. Empoleirou-se no banco alto ao lado de Sophie e sorriu.
– Então, Sophie, o que vais fazer quando acabar o teu contrato com o jornal?
– Tentar de novo trabalhar em design.
– E começares a tua própria etiqueta, não?
– Esta recessão é pior do que eu pensava. Não me parece uma boa altura.
Subitamente o telefone de Greg apitou. Tirou-o e leu a mensagem.
– Está tudo bem? – questionou Sophie.
– Era o negociante de arte. Afinal quer encontrar-se comigo amanhã, diz que tem uns negócios em
Londres na segunda-feira, e que vai valer a pena ir lá com ele.
Sophie arregalou os olhos de desapontamento.
– Isso quer dizer que te vais embora um dia mais cedo?
Greg abanou a cabeça.
– Não, dois dias!
Sophie teve de suster a respiração para conter o seu transtorno.
– Passámos um bom bocado, não passámos, Sophie da Irlanda?
Sophie assentiu enquanto o amável italiano trazia os dois cappuccini. Tinha de se recompor.
Estava a perder qualidades e aquele belo homem obviamente não nutria por ela nem metade do
interesse que ela tinha por ele.

Louise fora esticar o seu cabelo castanho. Ficava sempre mais brilhante quando era feito pelo
cabeleireiro. Queria estar o melhor possível. O Iate Clube era um sítio bonito e era um mimo pelo
qual ela ansiava, embora por vezes se sentisse desconfortável quando a conversa se virava para as
táticas e o jargão da vela.
– Estás pronta? – perguntou Donal.
Louise virou-se. Esperava que as ações falassem mais alto do que as palavras.
– Estás linda.
– Obrigada – disse ela. Aquela era a reação mais positiva que tinha do marido em duas semanas.
Enquanto seguiam no confortável Volvo dele, falaram de assuntos triviais e práticos que diziam
respeito às crianças e ao dia a dia da gestão da casa.
– O meu pai quer fazer uma festa de aniversário nos setenta anos da mãe, em Junho.
Donal anuiu.
– Muito bem. Onde?
– Eu sugeri o Iate Clube.
– Eles ficam contentes com o negócio e é um bom sítio.
– Foi isso que pensei. A Emma vai trazer o namorado cubano, certamente que isso irá animar a
noite.
Donal parou nuns semáforos, travando mais a fundo do que o costume. Falou num tom alto e
zangado, o que fez Louise perguntar-se o que teria aquilo que ver com ele.
– Ela vai trazer aquele tipo para cá? Ele vai tentar arranjar uma maneira de fugir de Cuba, está a
pôr-se a jeito para uma série de problemas. Pensei que fosse mais sensata.
– Calma, Donal, não podemos fazer nada. É adulta e a sua vida privada é da responsabilidade
dela.
– É uma mulher vulnerável que perdeu o marido há menos de um ano. Se não formos nós a olhar
por ela, quem o vai fazer? Vê a confusão em que se meteu hoje com o condutor daquele jipe!
Louise ficou perturbada com a resposta do marido.
– Não somos nós a decidir, e tu hoje fizeste o que podias.
– Ela só nos tem a nós. A Sophie só lhe causa sofrimento, primeiro com o caso amoroso e depois
atirando-lho à cara quando vieram de Cuba.
Louise ficou de boca aberta.
– Tu sabes do caso da Sophie com o Paul?
– A Emma disse-me.
– Quando?
– Isso não interessa. Claramente também sabias, mas não achaste que eu ou a tua irmã fôssemos
importantes o suficiente para nos contares!
Louise respirou fundo. Era melhor não dizer nada. Emma devia ter-se encontrado com o marido
quando viera de Cuba e contara-lhe. Sentiu-se furiosa!
Fizeram o resto da viagem em silêncio até Donal ter estacionado o carro num lugar perto do Clube.
Ele trancou o carro e caminharam solenemente para a porta.
Louise não conseguia entender o que acontecia ao marido e ao seu antes seguro casamento.
Enquanto subiam a escada para o bar, teve de conter as lágrimas. Ao cimo das escadas, virou à
direita e deixou o marido prosseguir sem ela. Tinha de encontrar um espelho na casa de banho para
retocar a maquilhagem e esconder a agonia que fervilhava dentro dela. Respirou fundo várias vezes e
voltou-se para sair.
Judy Harley entrou na casa de banho enquanto ela saía.
– Louise, olá! Como está o teu pai? O Kevin contou-me o que aconteceu.
– Ele está bem, obrigada.
Judy era muito exuberante e a sua camisa vermelha era claramente de marca.
– Ainda bem. Fiquei tão preocupada quando cancelaste o nosso último encontro. Coitados dos teus
pais. Foi tudo tão horrível.
Caminharam até ao bar onde Donal e Kevin estavam com duas canecas de Guinness na mão.
Louise perguntou-se por que motivo o seu anteriormente adorável marido se preocupava mais com a
sua irmã do que com ela.

Sophie levantou-se para atender o telefone. Nunca antes odiara as segundas-feiras. Greg fora-se
embora na noite anterior, despedindo-se com um beijo na cara e sem mencionar futuros contactos ou
mesmo voltar a vê-la. Quem quer que estivesse do outro lado da linha era melhor ter boas notícias ou
ela desligava a chamada.
– Sophie, sou eu!
– Louise, o que queres?
– Também gosto muito de falar contigo!
– Tive um mau fim de semana e a Brenda do Irish Times enviou-me um sms a dizer que já não
precisa de mim.
– Pensei que tinhas o teu canadiano jeitoso de visita.
– Foi-se embora mais cedo. E não é nem jeitoso nem meu.
– Muito bem. Temos de falar sobre o aniversário da mãe. Ela faz setenta este ano. Vamos organizar
uma festa para ela no Iate Clube.
– Quando estão a pensar fazer a festa?
– A vinte de Junho, no dia do aniversário.
– A Emma vai lá estar?
– Claro que vai! E está tão contente como tu com a ideia de passar uma noite ao teu lado.
Sophie ficou magoada.
– Eu não vou.
– Vais sim senhora! E mais do que isso, vais ajudar-me a organizar a festa. Já nem tens o trabalho
como desculpa.
– Porque vamos fazer essa palhaçada?
– O pai quer fazer isto para ela, é o mínimo que podemos fazer.
– Eu convenço-o do contrário.
– Não vais fazer nada disso! Já fiz a lista e podes escrever os convites à mão, é uma coisa que
fazes bem!
Sophie bufou.
– Podes vir ter comigo esta tarde e ajudar-me – continuou Louise.
Sophie percebeu que não valia a pena discutir.
– A que horas?
– Depois das duas e meia. Tenho de ir buscar os miúdos à escola.
– Está bem! – Sophie desligou o telefone à bruta.
Enterrou com frustração a cabeça na almofada. Odiava as irmãs e não tinha tempo para a mãe.
Odiava o patrão, por ter fugido e ter ficado sem emprego, e odiava Greg. De momento, odiava o
mundo! No caminho decidiu visitar o médico de família; necessitava de ajuda para aguentar os dias
seguintes e especialmente os preparativos para a festa da mãe.
Foi ao consultório, mas o doutor Lowe estava fora – no seu lugar havia um substituto, que era novo
ali. Sophie sabia o que queria; algo que a relaxasse, que a ajudasse a descontrair. Sentou-se frente ao
indiano bem-parecido, que ficou de imediato impressionado com a sua beleza.
Ela confidenciou-lhe como o seu antigo patrão a desapontara terrivelmente quando voltara de
Cuba, e como o novo emprego não era mais do que um tapa-buracos, e que necessitava de algo para
lhe restaurar a confiança. O médico não queria receitar Xanax, mas Sophie sabia o que queria. Já os
tomara antes e gostava do efeito que causavam. Antes que desse por isso, o médico preenchia uma
nova receita. O doutor Lowe era um pau-mandado, mas aquele era ainda mais fácil. Pelo menos não
perdera totalmente o jeito com os homens.

Os estalidos das teclas do portátil pararam quando Emma carregou com orgulho no ponto final. Se
continuasse a trabalhar àquele ritmo, iria ter o romance pronto antes de Felipe chegar. De repente o
telefone tocou e soube instintivamente que era ele.
– Sim?
– Olá, Emma, como estás?
A linha estava cheia de estática.
– Felipe, tens boas notícias do teu visto?
– Tenho de… o escritório…
Foi interrompido. Acontecia com regularidade quando ele ligava. Os pesos conversíveis que os
cubanos gastavam nos telefones não lhes permitiam muito tempo de chamada.
Ela ligou o número dele e ele atendeu logo. A ligação era melhor, mas ainda ruidosa.
– Estão a pedir-te mais dinheiro?
– Não há problema, agora já tenho o bilhete de avião e eles compreendem.
– Imprimiste o bilhete! Isso é ótimo.
Felipe queria pagar o bilhete do seu bolso e só concordara com a ajuda de Emma desde que lhe
pudesse pagar assim que chegasse à Irlanda.
– O meu amigo Miguel pôs a impressora a funcionar, por isso tenho de imprimir agora tudo o que
precisar.
– Exato, antes que avarie outra vez!
Riram-se os dois.
– Como está a Dehannys?
– Bem. Também gostaria de ir à Irlanda.
Emma sentiu borboletas no estômago. Falar com ele significava que o sonho estava a tornar-se
realidade.
– Eu adoraria vê-la, mas estou contente por ir ter-te só para mim!
– Talvez possamos ter outro beijo como aquele em Havana?
O seu coração acelerou.
– Tenho revivido esse momento desde que me vim embora.
– Eu também.
Subitamente a chamada terminou. Já estavam habituados aos cortes sempre que tentavam
comunicar, mas de qualquer forma não importava; naquele momento, meia dúzia de palavras de
Felipe era melhor do que uma longa conversa com qualquer outra pessoa. A distância também não
importava. Emma estava a apaixonar-se!

Louise abriu a porta.


– São três e meia! O que estiveste a fazer o dia todo?
– Nada que te interesse – disse Sophie, passando pela irmã e indo direta para a cozinha. – Certo,
mostra-me o que é para fazer, não tenho o dia todo!
Louise passou ao trabalho. Entregou-lhe uma folha de papel e uma caneta de tinta permanente
dourada. Depois colocou à sua frente uma pilha de convites.
– Porque compraste estes? Têm tanto para preencher! Devias tê-los impresso com os pormenores e
eu só tinha de escrever nos envelopes.
– Não temos muito tempo. Já faltam menos de quatro semanas e alguns destes têm de ir para
Inglaterra e para os Estados Unidos.
– Achas que o Chris, o irmão dela, vem de Chicago?
– Tem de ser convidado. E o pai pediu que convidássemos a Alice. Não dês muita importância a
isso. Liguei a chaleira, queres um café?
– O que achas que a mãe vai fazer se a irmã aparecer no Iate Clube todos estes anos depois?
Louise encolheu os ombros. Tinha tanto medo da reunião entre a mãe e a tia como da inevitável
reunião entre Emma e Sophie.
– Vamos fazer o que nos pediram.
– Sabes que isto vai ser um fiasco?
Louise não queria concordar, mas tinha uma estranha sensação no fundo do estômago. Talvez fosse
haver duas gerações de irmãs rivais em confronto direto no Iate Clube de Howth, e ela não podia
fazer nada a não ser organizar o evento.
Sophie murmurou algo, tirou o primeiro cartão da pilha e começou relutantemente a escrever.
2 Um tipo de hóquei em campo, jogo tradicional irlandês. (N. do T.)

3 Associação Gaélica de Atletismo, entidade que promove os desportos tradicionais. (N. do T.)

4 Tosta de queijo feta, salame italiano e azeitonas pretas. (N. do T.)


22

Jack entrou no pub Harry Byrne para ir ter com Peter. Era o mais parecido com uma sessão de
aconselhamento que conseguia aguentar. Pediu uma caneca e levou-a para o canto onde Peter já se
encontrava.
– Tudo bem, Jack?
– Queres outra, Peter?
– Não. Estou de carro, não posso ficar muito tempo esta noite. Tenho um encontro.
– Quem é a sortuda?
– Uma colega de trabalho. É muito sensual, nem acredito que disse sim quando a convidei para
sair.
– Tu tens emprego! És uma raridade nas ruas de Dublin.
Peter assentiu.
– Temos andado muito ocupados, com novos clientes e tudo. Muitas empresas à procura de
anúncios criativos. Nem ias acreditar na quantidade de sítios de comida rápida que vem à nossa
procura.
– Tens sorte. Tenho medo de que o pai da Aoife diga alguma coisa ao meu patrão e eu fique na fila
para o desemprego.
– Ele não faria isso, pois não?
Jack abanou a cabeça.
– Não sei nada da Aoife há duas semanas e meia. Estou num buraco, amigo!
– Bem, continua a tentar. Tenho a certeza de que ela vai reconsiderar.
– Quem me dera ter a tua confiança.
– O que vais fazer?
– Não sei. Não me imagino com mais ninguém. Na realidade pensei que ela era a tal!
Peter deu um gole no seu copo já meio vazio.
– Tens de ir atrás dela. Sabes onde ela está?
Jack encolheu os ombros.
– Presumo que em casa dos pais.
– Então, só tens de ir lá atrás dela.
Jack deu um gole na sua cerveja, ficando com um pouco de espuma nos lábios.
– O pai dela disse que me matava.
– É claro que disse. O que esperavas que ele dissesse?
Jack concordou.
– Acho que posso apanhar o comboio até lá.
– Vai em frente, homem! Não há momento como o presente!
Jack sabia que ele tinha razão.
– Deixo-te na estação de Clontarf Road – disse Peter.
– Obrigado, companheiro.
Jack não sabia se estaria a agir corretamente mas tinha de fazer qualquer coisa.

O comboio chegou à estação de Malahide e Jack perguntou-se se conseguiria prosseguir com


aquilo. Só tinha de atravessar a aldeia de Malahide. Os pais de Aoife viviam numa das melhores
casas de Grove Street. Perguntou a si próprio várias vezes qual era a pior coisa que podia acontecer.
Harry Cullen podia enchê-lo de pancada, e de alguma forma ele sentia que o merecia. Talvez isso não
fizesse Aoife perdoá-lo, mas deixá-lo-ia a sentir-se muito melhor consigo próprio.
Estava uma tarde clara e o Sol ainda não se pusera. A praia parecia perfeita para um passeio
descontraído. Tentou pensar positivamente e imaginou Aoife a concordar dar um passeio pela areia
enquanto o Sol se punha. Isso seria de certeza o melhor resultado possível. Tinha de tentar. Ficar a
suspirar no seu apartamento em Howth não ia ajudá-lo a reconquistá-la.
A rua, cheia de árvores, estava muito bem cuidada, com grandes portões e colunas à entrada dos
jardins, atrás dos muros recém-pintados. Era um local privilegiado em Dublin, e Aoife era uma
rapariga especial que fora tratada como uma princesa desde o dia em que nascera. Ele não culpava
Harry e Eileen por o odiarem.
Quando estava a meio caminho parou, enquanto os portões elétricos da casa dos pais de Aoife se
abriam lentamente. Quis esconder-se atrás de uma árvore, mas não queria agir como um ladrão. O
barulho de passos no caminho de gravilha foi seguido por risos e a voz inconfundível de Aoife. Jack
sentiu o coração a palpitar e começou a andar mais depressa. Era a altura certa, podia vê-la sem ter
de se confrontar com os pais dela.
Aoife trazia um vestido cor-de-rosa choque e um casaco de malha branco dobrado no braço. O seu
cabelo louro estava brilhante e sedoso e usava umas sandálias de tiras. Mas não foi o aspeto atraente
que deixou Jack sem palavras e sim o homem alto e moreno que tinha o braço à volta da cintura dela.
Parecia saído das páginas de um catálogo Armani, e Jack desejou pelo menos ter feito a barba.
Aoife hesitou quando percebeu quem estava no caminho à sua frente.
– Jack, o que estás aqui a fazer?
– Eu… vim ver-te.
O modelo Armani apercebeu-se rapidamente da identidade da desgrenhada personagem, que era
uns bons vinte centímetros mais baixo do que ele.
– Sou o Karl – disse ele, estendendo a mão.
Jack olhou para a mão e para Aoife. Começou a recuar.
Aoife manteve-se imóvel. Desatou a tremer e deixou que Karl pusesse o braço protetoramente à
volta dos seus ombros.
Jack virou-se e começou a correr. Correu como se fosse um miúdo apanhado a roubar maçãs da
árvore do vizinho. Não olhou para trás até à estação e quando o primeiro comboio chegou, saltou
para dentro dele, sentou-se a um canto e escondeu a face entre as mãos. Nunca se sentira tão mal na
vida.

Sophie abriu o roupeiro para decidir o que iria usar naquele dia. Era difícil quando não havia
nenhum sítio em especial onde ir. Tinha tantas roupas aborrecidas que nunca mais ia usar.
O Greg fora para Londres e nem um sms enviara a dizer se tinha ou não gostado do tempo que
haviam passado juntos. Sentia-se maldisposta.
Nem sequer tinha dinheiro para comprar um vestido especial para o estúpido aniversário da mãe!
Começou a tirar peças de roupa que nunca mais ia usar e a atirá-las para o chão. À medida que o
roupeiro ia ficando vazio e a pilha no chão cada vez maior, começou a rasgar as roupas até que
algumas ficaram em tiras.
Atirou-se para a cama e soluçou ruidosamente. Nunca sentira pena de si própria. Como se tornara a
sua vida naquilo? Havia um ano, ela era um exemplo de sucesso. Tinha uma conta recheada no banco,
um estilo de vida fabuloso, um amante maravilhoso e uma carreira com que muitas pessoas apenas
podiam sonhar. Entretanto ficara com um apartamento para o qual não tinha posses, com um carro
desportivo para o qual não tinha gasolina e nenhum homem que a amasse. Perguntava-se onde tudo
correra tão mal.
Sentou-se e, agarrando numas elegantes calças cinzentas, começou a descosê-las. Estavam tão bem
confecionadas que Sophie teve dificuldade em desmanchá-las só com as mãos. Começou a usar os
dentes para puxar as linhas e os pés para segurar o tecido. Quando a peça se desmanchou, sentiu-se
aliviada. As calças eram um símbolo da vida que tinha de deixar para trás. Aconteciam coisas para
lá da sua porta numa escala tão catastrófica que a sua pequena tragédia não era diferente da dos
milhares de pessoas que engrossavam as fileiras dos desempregados.
Nunca ficaria destituída, ou na rua, podia sempre voltar para Foxfield se tivesse de ser. Mas a
ideia de partilhar espaço com a mãe não era apelativa.
Sophie estava assustada. Sentia saudades de Emma e da segurança que tinha quando era criança,
quando esta estava sempre pronta a defendê-la, no recreio ou nas ruas de Foxfield. Ela fechara essa
porta! E dentro de uma semana teria de a enfrentar e ao resto da família na festa da mãe.
Agarrou num casaco de caxemira cor-de-rosa que costumava usar com Paul e encostou o tecido
macio ao rosto. Ele adorava-o. Tocava-lhe gentilmente no braço e esfregava o rosto no seu ombro.
Tinham partilhado muitos bons momentos juntos. Ela não quisera magoar Emma quando lhe contara
sobre Paul. Desejara apenas o reconhecimento de que também o amara. Afastou o casaco esticando
os braços e olhou para ele objetiva. Depois arrancou as mangas com fúria e desfez os pedaços de lã.
Estava magoada e confusa. Se destruísse todas aquelas roupas, estaria ocupada o resto do dia.
23

Emma verificou o calendário pendurado ao lado do frigorífico. Era definitivamente 16 de Junho.


Ligou a chaleira e pôs pão na torradeira. Eram oito e um quarto e Finn tinha de se levantar depressa
ou chegaria tarde ao campo de golfe.
Gritou das escadas e ele grunhiu qualquer coisa que ela não conseguiu compreender. Dali a duas
horas estaria por fim no aeroporto de Dublin com Felipe. Perguntou-se se o reconheceria de
imediato. Era tão difícil lembrar-se exatamente da sua cara tendo apenas uma fotografia como
referência.
À medida que as semanas haviam passado enquanto aguardava pela sua vinda ficara a conhecê-lo
melhor através dos e-mails e das curtas conversas telefónicas. A sua conta de telefone era gigantesca,
mas valera a pena. Aprendera tanto sobre a sua família e a sua vida. Obter um visto fora por si só
uma experiência, e tal como na maioria dos países, não obstante quão idealistas parecessem no
exterior, o Governo cubano era movido a vil metal.
Finn entrou na cozinha curvado e a arrastar os pés.
– Amor, queres umas torradas?
– Não, obrigado. Vou comer cereais.
Alcançou sem esforço a prateleira de cima do armário onde Emma costumava esconder os doces
quando ele era pequeno.
– Lembras-te de te ter falado sobre o nosso convidado de Cuba? Ele chega hoje.
– Sim, já me disseste isso dez vezes esta semana.
Emma tirou o leite do frigorífico e pô-lo no meio da mesa.
– É apenas uma visita, um amigo.
– Olha, mãe, está tudo bem. Vou estar ocupado, o Gavin convidou-me para jogar ténis com ele esta
noite, por isso não te vou atrapalhar.
– Não há necessidade disso. Quero que o conheças.
– Ele é teu amigo, e a Louise disse que eu podia ficar lá em casa se quisesse.
– Era bom se jantasses connosco esta noite.
– Janto na casa do Gavin e, se não te importares, durmo lá.
O filho e os amigos agora organizavam dormidas em casa uns dos outros. Onde estava o seu
menino? Desde a semana anterior, quando fizera dez anos, que estava a caminho de ser um
adolescente.
– Mas eu gostava que conhecesses o Felipe.
– Vejo-o amanhã.
Finn levantou-se e pôs a taça dos cereais na máquina de lavar. Foi ter com a mãe e deu-lhe um
beijo na cara.
– Descontrai-te.
Emma estava estupefacta. Agarrou nas chaves do carro e na mala e seguiu Finn e o seu saco de
golfe até ao carro.

As rodas do avião fizeram um grande estrondo quando tocaram na pista do aeroporto de Dublin.
– Fáilte romhaibh, a chairde, go Baile Átha Cliath – disse a hospedeira.
Era a primeira vez que Felipe ouvia falar gaélico. Quando o avião fez a aproximação, constatou
que os campos lá em baixo eram verdejantes, e os edifícios pareciam tão arrumados e limpos quando
comparados com a paisagem que ele deixara para trás em Havana.
Os passageiros estavam com pressa de sair e os estalidos dos cintos de segurança pareciam peças
de dominó a cair.
Felipe deixou passar a mulher que se sentara silenciosamente ao seu lado no voo de uma hora
desde o Aeroporto de Heathrow e todos os passageiros fizeram fila. Tirou da bagageira acima do
banco o seu saco preto usado.
A primeira coisa que notou quando desceu os degraus do avião foi o frio. Surpreendia-o o facto de
a maioria das pessoas à sua volta não parecer senti-lo. Não estavam mais de dezoito graus. Emma
assegurara-lhe que o tempo estava bom e que não iria chover. Tirou a camisola do saco e vestiu-a.
Com o passaporte e o cartão de embarque na mão, caminhou para o terminal. Quase não conseguira
sair de Havana. O visto irlandês era um simples carimbo na última página do seu passaporte. Não
tinha nenhuma identificação fotográfica e Felipe estivera em vias de pagar um chorudo suborno ao
maldisposto oficial de emigração em Havana. Felizmente surgira outro oficial e deixara-o passar
para as partidas uns minutos antes de o avião descolar.
Felipe estava habituado a estes inconvenientes e conseguia perceber, olhando para as pessoas bem
vestidas que tinham viajado com ele de Londres, que o modo de vida dele era-lhes tão estranho como
se ele fosse de outro planeta. Não se importava com isso. Assim que estivesse à espera da bagagem,
era apenas uma questão de minutos antes de voltar a ver Emma.

Emma encontrava-se junto à barreira de corda vermelha que separava os que estavam à espera dos
que chegavam. Sentia a boca a ficar seca e o coração a acelerar. O avião aterrara vinte minutos antes;
podia ficar ali mais outros vinte se a bagagem chegasse atrasada. Suava das palmas das mãos e
estava sem fôlego da excitação.
De repente viu-o. Trazia um saco ao ombro e uma mala velha na mão direita. O cabelo estava bem
mais curto e parecia mais um poeta do que um rebelde. Por debaixo das suas sobrancelhas escuras,
os seus olhos pretos perscrutavam nervosamente o átrio das chegadas.
Ela quis correr para o abraçar, mas as pessoas à sua volta bloqueavam o caminho.
Ele viu-a no meio da multidão e sorriu. Ela tinha um vestido cor-de-rosa às riscas com o pescoço e
os ombros à mostra. O cabelo preto estava preso num rabo de cavalo e trazia os óculos de sol na
cabeça.
Ela acenou e começou a andar rapidamente até estarem juntos. E depois pôs os seus braços à volta
do pescoço dele, abraçando-o com força.
Ele deixou cair a mala no chão e devolveu o abraço.
– Conseguiste! – disse Emma. Os seus olhos abriram-se de contentamento e olhou amorosamente
para ele, enquanto ele retribuía o olhar.
– Sim. Muito obrigado, Emma!
O olhar prolongou-se, estavam tão assoberbados com o prazer de se verem de novo que só olhar
bastava.
– Vamos – disse Emma, dando-lhe o braço. – Está um dia lindo. Conta-me sobre a viagem, correu
tudo bem?
Saíram para o sol como dois adolescentes excitados em direção à grande aventura e falaram
durante o trajeto pelas autoestradas enquanto Emma conduzia o seu pequeno Mini verde.
– A estrada é muito boa.
– Teriam a vida facilitada em Cuba se tivessem autoestradas como as nossas!
– E este país é tão limpo.
Emma encolheu os ombros.
– Suponho que agora seja, mas não foi sempre assim.
– É fantástico.
– Deves estar cansado.
– Não, dormi bastante no avião.
Emma subiu, orgulhosa, o caminho que dava acesso à sua modesta casa e observou enquanto os
olhos de Felipe se arregalavam.
– Emma, tens uma grande casa. É só para ti e para o teu filho?
Emma tomara o seu nível de vida como certo antes da viagem a Cuba, mas agora apreciava
devidamente todos os luxos a que estava habituada.
– Sim, Felipe, só para nós os dois.
Estacionou o carro e observou-o a admirar tudo em seu redor.
Ele seguiu-a até à cozinha e ela ligou a chaleira.
– Queres café?
– Sim, obrigado.
Emma preparara-se. Lembrava-se do número de cafés que ele bebera durante o pouco que tinham
estados juntos.
– Onde está o teu miúdo?
– Oh, ele saiu com um amigo.
– Espero que não ache que estou a intrometer-me.
– Claro que não, Felipe, ele está ansioso por te conhecer – disse ela da maneira mais convincente
que conseguiu. – Vais vê-lo esta noite. Mas, durante a tarde, gostarias de conhecer as redondezas? Há
um pub muito simpático que se chama Summit Inn e está um dia perfeito para nos sentarmos cá fora a
ver o mundo passar!
Felipe encolheu os ombros.
– Parece-me bem. Fico contente por irmos sair, mas importas-te que tome primeiro um duche?
– Claro que não, que falta de educação a minha! Deixa-me mostrar-te onde é a casa de banho
enquanto a chaleira não ferve. – Ela levou-o ao andar de cima. – Este é o meu quarto – disse ela,
enquanto passavam pelo primeiro quarto à esquerda. Ficaram parados à porta. Não tinham
conversado onde é que ele iria dormir, mas ambos sabiam que era no quarto dela que ele ia ficar.
Emma tirou do secador uma toalha e deu-a a Felipe.
– Aqui tens. A casa de banho é já ali, eu estou lá em baixo.
– Obrigado – respondeu ele, e ficaram-se a olhar por uns momentos.
A emoção de se reverem estava a ser de mais para Felipe. Ele ansiava por agarrá-la e tomá-la da
maneira com que sonhara quando estava em Cuba, mas agora sentia que, quando isso acontecesse,
teria de ser da maneira certa. Ela era uma viúva e tinha de ser tratada com respeito.
Emma sorriu para ele e foi para o andar de baixo. Felipe juntou-se a ela pouco tempo depois, com
um aspeto delicioso, vestindo uma camisola de manga curta preta e umas calças de ganga.
Assim que beberam o café saltaram para dentro do carro e Emma deu-lhe uma lição de geografia
das redondezas enquanto conduzia ao longo da Carrickbrack Road. Mostrou-lhe as montanhas de
Dublin e falou-lhe das atrações da baía.
Felipe ouvia e observava. As suas vidas eram ainda mais distantes do que ele alguma vez
imaginara.
Emma estacionou na berma da estrada ao lado do Summit Inn e saiu.
– O que queres beber? Queres experimentar uma Guinness?
Felipe assentiu.
– Sim, era bom.
As mesas e cadeiras de madeira fora do pub estavam meio cheias e havia um cão prostrado à
frente delas.
Lá dentro, o pub estava quase vazio, mas tinha uma pequena lareira acesa ao canto do balcão e uma
mesa de bilhar e uma jukebox no canto oposto.
– Um copo de Bulmers e uma caneca de Guinness, por favor – pediu Emma, ficando a ver a
empregada russa a abrir a torneira. – Felipe, queres alguma coisa para comer? Aqui fazem uma ótima
sandes de carne de vaca.
Felipe começou a salivar quando ouviu a palavra vaca. Era raro em Cuba encontrar qualquer
comida feita de vaca, e era um crime matar esse animal: a sentença podia ser mais longa do que se se
matasse um homem.
Ele assentiu.
– Queria também duas sandes de carne de vaca, por favor. – Emma pegou no copo e pediu a Felipe
que a seguisse.
Sentaram-se lá fora na mesa mais perto da porta, onde a vista sobre as copas das árvores do Norte
do condado de Dublin era espetacular.
– À nossa – disse Emma, batendo com o seu copo no dele. – Espero que passes uns bons momentos
em Dublin!
Felipe levantou a caneca, deu um gole e olhou-a intensamente por sobre a cremosa espuma branca.
– Acho que gosto muito da Irlanda!
Ela esperava que ele dissesse o mesmo dali a uns dias, quando o levasse ao Iate Clube para o
aniversário da mãe.

Donal irrompeu pela porta da frente e atirou a mala para o chão do vestíbulo.
Pelo barulho, Louise soube que alguma coisa estava mal.
Ele entrou na cozinha, onde Louise cortava cenouras.
– O que se passa?
Donal aproximou-se e ligou a chaleira.
– Passei o dia todo maldisposto assim que recebi o teu sms.
– Sei que é estranho, mas nunca pensei que te importasse de dar dormida à tia Alice e ao Dick por
uma noite. Nunca te importaste antes.
– A tua mãe não fala com a irmã há anos! Não achas que lidar com o mal-estar entre a Sophie e a
Emma vai ser suficiente na festa de anos da tua mãe? Talvez esteja farto de desculpar as tuas irmãs!
Porque não ficam eles com a Emma? Ela tem quatro quartos e só usa dois!
– Tu sabes porquê! A Emma tem lá o seu amigo cubano.
– Sobra sempre para nós, e ultimamente não estamos em grande forma.
O tom de Donal assustou-a.
– Olha, pergunto à Sophie se pode ficar com eles – disse ela.
– A tua tia não vai querer ficar na cidade.
– Bem, vou ver. Peço desculpa se esta festa te está a causar muitos problemas, também não estou
propriamente desejosa que ela aconteça.
Donal fechou os olhos.
– Vou trocar de roupa lá acima. Não vou querer chá.
– Aonde vais?
– O Kevin quer dar um passeio de barco, está uma noite agradável.
Louise atirou a faca contra a tábua. Donal já não era o mesmo. Uma incómoda sensação no fundo
do estômago dizia-lhe que não era a tia a razão do mau humor de Donal, mas sim o estado do
casamento. Ele tinha identificado os problemas, mas não haviam feito nada para os corrigir. Não
devia ter deixado as coisas chegarem àquele ponto. Ela falava sempre com Emma quando
necessitava de ajuda e conselhos, mas Emma estava no seu próprio mundo desde que voltara de
Cuba. Tinha de pôr o seu casamento a funcionar, só não sabia por onde começar.

Emma saiu de Strand Road e passou a Torre Martello, que fora construída, tal como muitas outras
ao longo da linha costeira irlandesa, durante a era napoleónica. O caminho que trilhavam era
partilhado por transeuntes e crianças que sabiam que os campos circundantes eram ótimos lugares
para brincar.
Felipe estava a ajustar-se à temperatura e sentia-se bem com a fresca brisa marítima que soprava
para terra vinda da baía de Dublin. Tal como dois adolescentes nervosos, sentaram-se e viram a
corrida de barcos de dois cascos ao longo da entrada da baía e subindo o rio Liffey. Era bom estarem
juntos. Duas pessoas que não amantes, ainda!
Felipe passara muitas noites suadas a pensar em Emma e a tentar imaginar como seria fazer amor
com ela. Agora, que ela estava tão perto que até podia sentir o seu perfume, temia que tocar na linda
mulher com que sonhara fosse demasiado e destruísse a ilusão que tinha dela.
Mas até ao momento estavam felizes, e isso era suficiente.
Quando voltaram para casa, ele bebeu vinho enquanto ela descascava e cortava legumes. Ele
ofereceu-se para ajudar, mas ela nem queria saber. Em vez disso pediu-lhe que provasse os nachos e
o guacamole que preparara para a sua chegada.
Ele gostava de assistir aos movimentos dela e fez questão de controlar a ingestão de álcool,
embora o vinho fosse um dos melhores que já tinha provado.
Por fim, a refeição ficou pronta.
– Deixa-me ajudar-te com isso – disse Felipe, tirando os dois pratos de legumes frescos cozidos e
frango das mãos de Emma.
– Obrigada – disse ela, com um sorriso que lhe derreteu o coração.
Sentaram-se à mesa da cozinha e brindaram com os seus copos. Felipe estava particularmente
bonito à última luz do dia que entrava pela janela.
Emma observava cada movimento que ele fazia com a faca e o garfo, desfrutando a familiaridade
do companheirismo. Era tão diferente dos últimos anos com Paul. Paul que a enganara e a deixara a
sentir-se tão culpada. Perguntou-se se seria capaz de confiar plenamente naquele novo homem da sua
vida.
– Estava tudo muito bom, Emma. És uma grande cozinheira. – Ele colocou as mãos em torno das
dela.
– Gostarias de ir para a sala? – perguntou ela.
Ele respondeu-lhe com um desejo nos olhos que disse mais do que palavras.
Estavam juntos há quase doze horas.
– Abrimos outra garrafa? – perguntou ela.
Felipe encolheu os ombros, sorrindo.
– Tu é que mandas!
Era algo que Paul nunca diria, e foi libertador.
Emma levou o saca-rolhas e uma nova garrafa de vinho para a sala. Sentaram-se juntos no sofá de
couro creme, saboreando o vinho tinto e ouvindo temas de guitarra cubana de um CD que Felipe lhe
dera. Espontaneamente, ele colocou o braço em volta dos seus ombros e ela tremeu de emoção. Todo
o trabalho e esforço despendidos a organizar a viagem valera a pena. Era aquilo que ela tinha
perdido, era o que ela precisava na vida.
– Obrigada, Felipe – disse ela.
– O que fiz eu?
– Não tens ideia de quanto me ajudaste. Em Cuba, deixaste-me ver que havia um futuro para mim.
Lá, não tive a coragem de te seguir, mas agora sinto-me pronta.
– O que mudou?
– No voo para casa, a Sophie disse-me uma coisa; algo que foi muito difícil de ouvir.
Felipe permaneceu em silêncio. Cabia a Emma dizer-lhe quando quisesse.
– Mudou a forma como vejo a vida. Percebo que o meu casamento com Paul foi uma mentira.
Pensei que éramos felizes; estávamos bem juntos, mas ele devia ter precisado de algo mais. Ou
melhor, de alguém mais.
Felipe nem assim a pressionou. Estava ali para ouvir o que ela tinha para dizer.
– Parece que ele teve um caso com a Sophie durante três anos antes de se ter suicidado.
Felipe ficou visivelmente chocado.
– No que estás a pensar? – perguntou ela.
– Não é agradável ouvir isso. Não sei o que posso dizer, Emma. É entre ti e a tua irmã.
– Sinto-me tão dividida. Consumiu-me durante tanto tempo a tentar entender porque se matara ele e
esta nova informação é tão dolorosa. Não quero ser a razão por que se matou. Estaria ele tão ansioso
para esconder a sua infidelidade que faria uma coisa daquelas?
– O teu marido tinha um problema. Matou-se porque não estava feliz consigo próprio.
– Devia ter-te dado ouvidos. De alguma forma, agora, que sei o que acontecia na sua vida, as
coisas são mais claras. Percebo porque estava ele tão confuso. Mas à Sophie não posso perdoar.
Fazer isto à própria irmã!
Felipe aproximou-se e acariciou o seu rosto com suavidade.
– Não sejas assim, essa não é a verdadeira Emma.
– Não posso evitar a raiva que sinto cá dentro por ela.
– Não a guardes, vai fazer-te infeliz. Mas agora és livre, no?
Emma anuiu. Adorava a sensação dos dedos fortes dele contra a sua face.
– Acho que agora sou livre.
– Ainda bem – disse Felipe, e inclinou-se para colocar os seus lábios nos dela.
Souberam tão bem como sob o luar na praia de Miramar.

Pela primeira vez desde que tinha perdido Paul, Emma acordou com a sensação de que não estava
sozinha na cama. Olhou para o belo perfil esculpido de Felipe enquanto ele dormia. Havia muito
tempo que não se sentia tão feliz e segura.
De repente, o telefone tocou na sua mesa de cabeceira.
– Estou?
– Emma, sou eu!
– Olá, Louise – suspirou Emma.
Louise sabia que aquela era primeira noite de Felipe e Emma não podia acreditar que ela estava a
ligar tão cedo.
– Ouve, a tia Alice vem à festa da mãe.
– Estás a brincar? Convidaste-a?
– Tive de convidar. Achei que ela não vinha.
– E o Dick?
– Sim, ele também vem.
– O pai sabe?
– Mostrei-lhe a lista, mas sabes como ele é. Duvido que tenha sequer olhado para ela. Eu não
queria que a tia Alice soubesse da festa e se sentisse deixada de fora. Ela ainda está a falar com o
Chris em Chicago.
– Ele vem?
– Não. Disse que não fora avisado a tempo.
– Quando é que ela chega?
– Na sexta-feira. Perguntou se podia ficar cá em casa. Eu disse-lhe que ia pôr uma cama no quarto
de brincar das crianças!
– Aposto que ela não gostou da sugestão!
– Não gostou nada. Mas não quero saber. Já tenho trabalho suficiente. E o Donal está-se a passar
porque eles vão ficar cá. Como é típico dela, a nossa irmãzinha parece ter desaparecido!
Felipe começou a mexer-se. Abriu os olhos e olhou para Emma.
– Ouve, Louise, tenho de ir – disse Emma apressadamente. – Ligo-te mais tarde.
Emma pousou o telefone na mesa de cabeceira e deslizou mais para baixo na cama.
Felipe não falou. Colocou a palma da mão no rosto dela e acariciou-o suavemente. Depois
inclinou-se para a frente e beijou-a nos lábios. As suas bocas fundiram-se e eles recomeçaram onde
haviam parado na noite anterior.

Sophie atendeu o telefone.


– Onde tens andado? – perguntou Louise. – Há dias que ando a tentar falar contigo.
– Olá. Tenho estado a trabalhar.
– Arranjaste emprego?
– Não, tenho estado a desenhar as minhas próprias coisas.
– Estiveste em casa este tempo todo?
– Qual é o problema?
– Sabes que a festa é amanhã à noite?
Sophie bufou.
– Claro que sei, mas isso é amanhã. Não é esta noite.
– E os preparativos?
– Disseste que o Iate Clube ia tratar da comida.
– Sim, mas existem as decorações e as ementas e isso!
– Descontrai-te, adoras inventar trabalho para ti e para o resto das pessoas.
– Não é só isso! A Alice e o Dick estão a chegar e querem ficar connosco.
– E então?
– Bem, eu esperava que ela pudesse ficar contigo.
– O meu apartamento é muito pequeno!
– Mas só estás aí tu. Aqui somos cinco e o Finn quer ficar cá, agora que o Felipe chegou.
– Portanto, a nossa irmã finalmente trouxe o seu homem! – Sophie não conseguiu esconder o
sarcasmo da sua voz. Tivera ciúmes porque Emma podia sofrer de uma forma que ela não podia e
agora ressentia-se da maneira como a irmã seguira em frente, com facilidade.
– Sim. E como és a única pessoa que o conhece, o mínimo que podes fazer é ser educada com ele
amanhã à noite.
– Não tenho nenhum problema com ele. Só não esperes que eu fale com a Emma.
– Tens de te portar o melhor possível! Não quero uma cena. Esta festa é do pai e ele quer que tudo
corra bem para a mãe.
– A que horas me queres lá? – perguntou Sophie, com um suspiro.

Emma e Felipe foram a Dublin. Era o dia antes da festa e Felipe tinha em mente comprar algumas
roupas novas.
Os seus olhos demonstravam espanto e contentamento enquanto entrava em loja após loja, ao longo
de Grafton Street. Pouco habituado àquele tipo de compras, assim que adquiriu uma camisa e um par
de calças sentiu-se ansioso por deixar a azáfama das lojas e ir almoçar, e então Emma levou-o ao
Bewleys.
A empregada aproximou-se e entregou a ementa a Emma.
Emma lançou-lhe uma olhadela.
– Um café grande e um chá, por favor. O que gostarias de comer, Felipe?
– Não estou com fome, obrigado.
– É só isso – disse Emma, devolvendo a ementa.
Emma adivinhou que Felipe tolerava comer em sua casa, mas tinha dificuldade em aceitar que ela
pagasse as coisas quando saíam.
– Tenho um presente para a tua mãe. Um golfinho esculpido em madeira.
– Não havia necessidade. Ela não está à espera de nada.
– Também tenho um para ti. – Felipe enfiou a mão no bolso e tirou uma pequena caixa coberta de
veludo. Abriu-a revelando uma corrente de ouro fino com uma pérola pendurada. – Queria dar-to
ontem, mas agora parece ser uma melhor altura.
Emma ergueu-a contra as costas da mão.
– É lindo!
– É… como vocês dizem… antica?
– É uma antiguidade. É muito bonito.
Ela perguntou-se que história o colar lhe poderia contar. Onde tinha andado e quem o dera antes a
alguma outra mulher. Ela colocou-o ao pescoço e apertou-o contra o peito.
– Obrigada. Adoro-o.
– Sabes, Emma, não sabia quando saí de Cuba quão difícil seria ver tantas coisas que se podem
comprar. As pessoas neste país têm tanto.
Emma não sabia bem o que dizer. Eles tinham muito, mas muitos não davam o devido valor. E o
que a era de prosperidade demonstrara era que a riqueza material não fizera o país e o seu povo mais
felizes. Se alguma coisa tinha feito, fora torná-los mais infelizes, especialmente desde que a
economia mudara.
– Pode parecer assim para ti – disse ela –, mas estamos a atravessar uma recessão e para muita
gente não vai ser fácil.
– Emma, conheces um pouco da vida em Cuba. Se os meus compatriotas pudessem ter uma pequena
parte das coisas que vocês têm na Irlanda, seriam muito felizes.
Emma sorriu.
– Mas a riqueza material é apenas superficial; não te faz feliz e não tem feito os irlandeses felizes.
As pessoas no teu país têm música e dançam melhor do que em qualquer outro lugar onde eu já
estive.
Felipe pegou na mão dela e colocou-a no meio das suas, como fizera na noite anterior.
– A música é importante, as coisas boas são importantes, mas o amor é o mais importante, não
concordas?
Emma corou. Claro que sim. Era a única coisa que importava e depois de ter partilhado as últimas
vinte e quatro horas com Felipe, começava a lembrar-se de como era amar alguém.
24

– Como é que estou?


Louise voltou-se para mostrar a roda do seu vestido preto de chiffon com o decote em forma de
coração.
– Muito bem! – Donal assentiu e apertou a gravata do Iate Clube firmemente sob o colarinho da
camisa.
– Louise, tens um ferro de engomar? – perguntou uma voz estridente vinda do átrio.
Donal virou-se e olhou para a mulher sem dizer nada. A tia ainda só estava em casa há três horas e
já conseguira perturbar a rotina das crianças e a ordem geral da casa.
– Ela é como a tua mãe, e isso já quer dizer alguma coisa – murmurou ele entre dentes.
– Chiu! Ela vai ouvir-te.
– Não me importo!
Louise saiu a correr para o patamar.
– Eu faço isso. Do que precisa?
– A camisa do Dick tem vincos! – Alice entregou-lha com um sorriso. – Obrigada, querida. Vocês
são tão prestáveis. Espero que a tua mãe perceba a sorte dela em ter-te ao pé da porta.
Louise não se perguntou por que motivo as duas filhas de Alice tinham emigrado para a Austrália
antes dos vinte anos.

***

Felipe saiu do banho e correu para o quarto de hóspedes.


Emma teve um vislumbre dele e soprou-lhe um beijo enquanto ele passava. Finn estava de volta a
casa e teriam de dormir em quartos separados nessa noite.
– Estás pronto? – gritou ela a Finn.
O rapaz saiu do seu quarto visivelmente desconfortável com a camisa de colarinho engomado e as
calças cremes.
– Tenho de usar isto?
– Os teus primos também vão estar bem vestidos. Vai ser ótimo quando chegarmos lá. – Tentou
soar convincente, mas, no fundo, estava com medo do que podia acontecer durante a noite. Não
falava com Sophie havia tanto tempo e questionava-se como se iria sentir quando a visse. Felipe não
poderia ter vindo em melhor altura. Ele era mais do que uma distração; agora era um apoio e ela iria
aceitar toda a ajuda que pudesse para a noite passar.

Sophie tirou o vestido vermelho curto estilo Jackie-O que se salvara da destruição realizada no seu
roupeiro alguns dias antes. Teria de servir. Deixara o cabelo secar naturalmente e os bonitos caracóis
iam surgindo.
Não queria ser a primeira a chegar, mas sabia que se não estivesse lá por volta das sete e quarenta
e cinco o pai nunca lhe perdoaria.

Larry abriu a porta do lado do condutor à mulher.


Maggie passou por ele parecendo uma versão elegante mais velha de Sophie. Continuava a ter tons
de ruivo-acobreado nos cabelos e para uma mulher de setenta anos mantinha-se com estilo. Usava um
vestido prateado e umas sandálias de tiras com que uma mulher com metade de sua idade teria
dificuldade em andar.
– Afinal aonde vamos? – perguntou ela quando entrou.
– Ao Aqua. É o restaurante no final do cais.
– Oh, bem, pelo menos é um lugar agradável. Fiquei muito magoada por nenhuma das meninas ter
ligado hoje a dar-me os parabéns.
– Há muitas coisas a acontecer nas suas vidas, querida – disse Larry quando entrou no lado do
passageiro. – Enfim, vamos vê-las assim que chegarmos a Howth.
– A Emma nem sequer me telefonou.
– Ela tem cá aquele amigo cubano.
– Não sei o que lhe aconteceu. Devia estar de luto! O Paul ainda não morreu há um ano.
– Hoje em dia as coisas são diferentes – disse Larry, apertando o cinto de segurança enquanto a
mulher ligava o motor.
– Certamente que são – disse Maggie. – Não há nenhuma gratidão nesta fase das nossas vidas,
Larry.
– Eu sei, querida!
Larry pôs música para distrair a mulher durante o caminho para Howth.
– O Donal disse que ia ter connosco primeiro ao Iate Clube, para uma bebida – disse ele.
– Porque temos de lá ir? Não podíamos tomar uma bebida no restaurante?
– É onde eles querem encontrar-se.
– Pensei que isto era o meu aniversário.
Maggie conduziu até ao cais oeste e virou à direita no parque de estacionamento. Quando parou, o
zumbido do motor de um carro desportivo fez-se ouvir e o carro de Sophie parou ao lado deles.
Sophie saiu e ligou o alarme.
– Olá, mãe. Parabéns!
– Obrigada, querida – disse Maggie. – É muito inconveniente arrastarem-nos primeiro para aqui.
Ignorando o comentário, Sophie abraçou a mãe. Depois entrou no Iate Clube e os pais seguiram-na.

– Estão a chegar! – disse Louise a Emma e correu a dizer ao DJ que parasse de tocar música. As
luzes foram diminuídas e os convidados, mais de cinquenta, permaneceram em silêncio ao redor da
sala.
Sophie apareceu em primeiro lugar e ao entrar recebeu um olhar fulminante de Louise.
– Estás atrasada! – vociferou Louise.
Em seguida, apareceram Maggie e Larry.
– Surpresa! – gritou a multidão em coro.
O DJ começou a tocar os «Parabéns a você» e todos cantaram enquanto Maggie Owens exibia um
grande sorriso no rosto.
Emma tinha de admirar a perspicácia do pai. Aquilo era exatamente o que Maggie queria. Ela
adorava ser o centro das atenções. Emma ficou perto de Felipe a observar se Sophie já a vira. Os
olhares encontraram-se e ficou visível a traição e a dor que Emma sentia.
Sophie virou a cabeça e tirou uma taça de champanhe da bandeja no balcão.
Os seus olhares provocantes em redor da sala perturbavam Emma mais do que tudo.
– Queres champanhe? Emma voltou o seu olhar para o bonito homem ao seu lado.
– Obrigada, Felipe, seria bom. É melhor eu ir ter com a minha mãe.
Emma foi ter com ela, que estava rodeada de amigas do clube de brídege.
– Parabéns, mãe!
Maggie abraçou a filha.
– Obrigada, querida. Acho que tenho de te agradecer por tudo isto!
– Na verdade, mãe, foi ideia do pai. A Louise fez a maior parte do trabalho com o local e os
convites. Não posso ficar com o crédito.
– Oh! – disse Maggie, quando uma das vizinhas se aproximou para ser a seguinte a dar-lhe um
beijo de congratulações.
Emma esquivou-se de Sophie no caminho de regresso para junto Felipe e deu de caras com a sua
tia Alice.
– Emma. Apresenta-me o teu belo rapaz. Não perdeste tempo a encontrar um borracho! – exclamou
Alice, com o seu sotaque inglês culto, que escondia todos os vestígios das suas raízes irlandesas.
– Venha conhecê-lo.
– De onde é que ele é?
– Ele é cubano.
– Meu Deu, hoje em dia as pessoas vêm para a Irlanda de toda a parte.
– Ele não mora cá, Alice. Está de férias.
Felipe estava com dois copos de champanhe na mão. Entregou um a Emma e ofereceu o outro à
senhora que a acompanhava.
– Felipe, esta é a minha tia Alice. Vive em Inglaterra.
– Prazer em conhecê-la – disse ele, estendendo a mão.
– E onde conheceu a Emma? – perguntou ela, apertando-lhe a mão.
– Em Cuba.
– Quando é que lá foste? – perguntou Alice a Emma.
– Na Páscoa.
– Que lindo! Sempre quis lá ir.
– Alice, já falou com a minha mãe?
Alice deu um gole na taça de champanhe.
– Estou a guardar-me para isso. Mantenho-me discreta enquanto a multidão a adora!
Havia algo desagradável no seu tom que assustou Emma. Porque decidira ela, depois de todos
aqueles anos de silêncio, quebrar o impasse e vir falar com a sua mãe cara a cara? Maggie nunca
contara às filhas a razão por que se tinham zangado.

– Vejo a forma como olhas para a Emma e não me agrada. Lembra-te que isto é a festa da mãe e
não quero que faças cenas! – disse Louise, nervosamente.
– Não precisas de te preocupar comigo. Não pretendo ficar muito tempo.
– Vais ficar aqui até ao fim e ajudar-me também a arrumar as coisas!
Sophie suspirou e bebeu um gole de champanhe.
– A média de idades aqui é oitenta.
– São todos amigos da mãe. Só tens de aturar isto esta noite, certo?
O olhar de Sophie vagueou em torno do salão. Viu um homem bonito no canto e olhou duas vezes
antes de reconhecer Felipe. Ele estava delicioso com o seu novo corte de cabelo curto e roupas
giras. Lembrou-se de que ele também sabia dançar.
Afastou-se da Louise, foi até ao DJ e pegou em dois CD.
– Tens alguma coisa do século vinte e um?
– Ei, foi esta música que me pediram para tocar. Anos cinquenta e sessenta.
– Bem, esse tema do Frank Sinatra é definitivamente dos anos quarenta! Não podias animar isto um
pouco?
– Só estou a tocar o que me pediram.
– Olha, não ligues à minha irmã, ela não tem gosto. Que tal algo latino, uma salsa ou algo assim?
O DJ encolheu os ombros e mudou a faixa. O ritmo era mais rápido e a música mais alta. Sophie
fixou o olhar em Felipe e começou a andar na sua direção. Estava a meio da sala quando Louise a
agarrou.
– Não te atrevas a chegar perto do namorado da Emma!
– Só vou cumprimentá-lo.
– Já fizeste bastantes estragos!
– Tenho a certeza de que a Emma gostaria de ser informada de que sabias do meu caso com o Paul
e que nunca lhe disseste!
Louise olhou para ela.
– Quão rancorosa e baixa consegues ser, Sophie? Começo a pensar que não tens nada de bom
dentro de ti.
– Vocês é que têm problemas. Podem andar a chorar pelos cantos e com os sentimentos à flor da
pele. E aquilo por que eu passei? Também tenho saudades do Paul, sabes. E, pelos vistos, mais do
que a Emma.
Para alívio de Louise, Larry apareceu e segurou a mão da filha mais nova.
– Danças com o teu velho pai?
Sophie não podia recusar. Iria necessitar de um grande empréstimo nos próximos dias. A sua conta
bancária estava lisa e os seus cartões de crédito tinham atingido o limite. Não tinha a coragem de
dizer-lhe que também não pagara o empréstimo da casa naquele mês.

Felipe agarrou na mão de Emma antes que ela fosse falar com mais alguém.
– Por favor, podemos ir lá fora?
– Claro. Desculpa, tenho estado a negligenciar-te.
Ela deixou-se levar através das portas de vidro para a varanda onde a vista sobre o porto e
Ireland’s Eye eram impressionantes. O Sol estava-se a pôr a oeste, lançando tons rosa sobre os iates
brancos na marina.
– Vives num lugar tão bonito.
– Suponho que sim. Costumo dar um passeio pelo cais de manhã para arejar as ideias.
– Agora em Havana está tanto calor. O ar na Irlanda é tão límpido e frio.
– Estamos no verão e normalmente faz muito mais frio do que isto!
Felipe pareceu horrorizado.
– Tens de vir cá no meio do inverno; tivemos este fevereiro neve em Howth pela primeira vez em
sete anos!
– Gostava de ver neve.
Emma olhou para oeste e para o Sol, que se transformava numa grande bola vermelha a deslizar
por trás dos restaurantes e lojas de peixe ao longo do cais oeste.
– O sol está a refletir-se nos teus olhos – disse Felipe, com um sorriso. Estendeu a mão e
acariciou-lhe a face direita. – Emma...
– Felipe, que bom ver-te de novo!
Felipe baixou rapidamente a mão e deu um passo atrás.
Sophie ficou entre eles, agitando a taça de champanhe.
– Pensei que ias ter o bom senso de ficar longe de mim esta noite! – Emma olhou furiosamente para
Sophie.
– Eu não falava contigo! – disse Sophie.
– Mas eu estou a falar contigo! Porque não te vais embora e entreténs a Alice?
– Algumas pessoas ficam tão agitadas, não concordas, Felipe? Têm dificuldade em deixar o
passado para trás!
Felipe escondeu-se atrás do copo e bebeu um gole.
– Desculpa-nos, Felipe – disse Emma, agarrando na irmã mais nova pelo cotovelo e levando-a
para o outro lado do clube, onde estariam fora da vista dos convidados. – Evitei-te, caso não tenhas
notado, porque não suporto olhar para ti, mas, sabes, agora percebo que me fizeste um favor. O meu
marido, o teu querido amante, era uma desgraça de homem!
– Ele era um homem maravilhoso e tudo teria sido muito melhor se te tivesse deixado, como ia
fazer, e tido uma nova vida comigo!
Emma ouvira o suficiente; precisava de dizer a verdade a Sophie.
– Sua cabra ingénua e estúpida!
Sophie arquejou, ergueu a mão e bateu com a palma da mão direita no rosto de Emma.
– Sentes-te melhor agora, é? – perguntou Emma.
Sophie arregalou os olhos.
– Se aqui alguém é uma cabra, és tu! E nenhum deles percebe isso. Sei que andas por aí como a
mulher fatal perfeita, mas entediavas o teu marido!
– Pelo menos não sou responsável pela sua morte! Isso é algo inteiramente da tua
responsabilidade.
Sophie franziu a testa.
– Do que estás a falar?
– O Paul não morreu de causas naturais! O Paul matou-se!
Sophie ficou de queixo caído. Os seus olhos arregalaram-se de incredulidade.
– O Paul teve um ataque cardíaco.
– Sim, por tomar demasiados comprimidos. O Paul matou-se porque o pressionaste para ele me
deixar. Obviamente ele não me queria magoar, tanto que se matou! Foi a única maneira que encontrou
para sair da situação em que o colocaste!
– Estás a mentir!
– A verdade dói, Sophie? Foste uma criança mimada durante toda a vida, agora é hora de cresceres
e viveres com as consequências dos teus atos. Vives num mundo de sonho desde que foste pela
primeira vez embrulhada em algodão! Mas sabes que mais, maninha, é hora de acordares!
O som de passos não as fez desviar o entreolhar.
– O que estão aqui a fazer? O pai está à vossa procura para trazer o bolo. – Louise desejou poder
esgueirar-se quando viu o ar das irmãs.
– A Sophie está a ter uma pequena lição de vida, não é, Sophie?
– Vamos – pediu Louise. – Não podem deixar isso para depois da festa?
Os olhos de Sophie começaram a encher-se de lágrimas.
– Como se fosses a merda da perfeição. Sabias sobre o Paul e eu, e nunca contaste à Emma! Toma,
Emma! Espero que gostes! Achas que podes agora confiar na Louise? Ela esforça-se tanto para ser
como tu, que talvez também aborreça o marido de morte! – Virou-se e fugiu pelas escadas em direção
ao portão de trás.
– Aonde é que ela vai?
Emma abanou a cabeça.
– Não sei.
– O que lhe disseste?
– Disse-lhe a verdade sobre o Paul.
Louise ficou de boca aberta.
Emma olhou acusadoramente para ela.
– Tu sabias do caso com o Paul?
Louise abanou a cabeça.
– Emma, sinto muito não te ter dito. Não queria que a família se desmoronasse...
– Como se desmoronou agora?
– Achei que não faria nenhum bem.
– Mesmo depois de ele ter morrido?
– Principalmente depois de ele ter morrido. Não achei que ajudasse na tua dor. Acredita em mim,
Emma, se soubesse que te ajudaria, teria dito alguma coisa.
Emma suspirou alto.
– Pensei que podia confiar em ti, mais do que em qualquer pessoa.
– Por favor, perdoa-me. Eu estava realmente a pensar em ti.
Emma sentia-se exausta após a explosão com Sophie e, olhando para a sucessão de eventos, o
segredo de Louise já não era importante.
– Vamos só tentar acabar a noite, está bem?
– O que faço em relação ao bolo?
– Diz ao pai que espere um pouco. Preciso de uma bebida e de algum tempo. Finalmente foi-me
tirado um grande peso dos ombros.
– Talvez o Paul possa agora descansar em paz.
– Talvez todos possamos. Preciso de seguir em frente com a minha vida, Louise.
– Acho que todos precisamos.
Louise e Emma voltaram para perto dos convidados, que dançavam ao som de Michael Jackson
«Can You Feel It?»
– A mãe e a Alice estão a dançar e a rir? – perguntou Louise, com descrença.
– Parece que sim – respondeu Emma, abanando a cabeça, com espanto.
Felipe aproximou-se e colocou os braços em torno de Emma, confortando-a. Beijou-lhe a face
onde minutos antes Sophie batera.
– Estás bem? – perguntou ele.
– Agora estou.

Sophie saiu a correr do Iate Clube, subindo o caminho para o parque infantil. Mal conseguia ver
através das lágrimas que lhe escorriam dos olhos. Os seus soluços eram tão altos que um casal a
passear o cão ao longo da avenida parou para ver se ela estava bem. Ela afastou-os e foi descansar
num dos baloiços. O céu estava-se a tornar num azul profundo e a leste algumas estrelas já
brilhavam.
Segurou na corrente de um dos baloiços e começou a empurrar com os pés. Enquanto o ímpeto a
empurrava para a frente e para trás, tentou esquecer o quão mal se sentia. Como poderia o Paul ter-se
matado quando ela o amava tanto? Pensou que o seu amor seria suficiente para qualquer um. Pensou
que poderia ter qualquer pessoa que queria. Mas a forma como Greg deixara Dublin sem a ter
contactado depois mostrou-lhe que talvez a vida não fosse sempre jogada pelas suas regras. Era
suficientemente mau estar desempregada e sem dinheiro. Estremeceu quando pensou na sua vida.
Precisava de um café e olhou para a loja de batatas fritas Beshoff do outro lado da estrada. Tinha de
se recompor. Envolveu o tronco com os braços nus e arrepiados.
A fila era curta e Sophie ficou atrás de um jovem casal adolescente. A sua inocência e o amor
aparente um pelo outro fizeram Sophie tremer. O cliente na frente da fila pegou no seu pacote
castanho de comida e virou-se. Dera apenas dois passos antes de ficar a olhar para a rapariga de
vestido vermelho.
– Sophie?
– Jack! O que fazes aqui?
– Vivo nos apartamentos umas portas acima. O que estás a fazer na rua, dessa maneira?
– Estou na festa da minha mãe, ali no Iate Clube.
– O que vai ser? – perguntou o empregado a Sophie.
– Só um café, por favor.
– Então o que estás aqui a fazer a pedir um café?
– Tive uma pequena discussão...
Jack levantou o sobrolho. Ainda estava com raiva dela depois do que ela dissera a Aoife, mas
parecia digna de pena. Poderia facilmente ter-se ido embora e ignorá-la, mas a curiosidade fê-lo
ficar.
– Com quem foi agora a discussão?
– Emma. E é mesmo tudo culpa minha.
O empregado colocou o copo de plástico em cima do balcão.
– São dois euros, por favor.
Sofia tirou a pequena mala do ombro e abriu-a.
– Deixa, eu trato disso – disse Jack, tirando o dinheiro do bolso das calças de ganga.
– Obrigada – disse Sophie, com gratidão, pegando no copo. – Eu estava no parque infantil. – Jack
era obviamente um tipo genuíno e ela havia-o tratado bastante mal.
– Queres voltar para lá? – perguntou ele.
Sophie assentiu e começou a andar. Jack seguiu-a – sem saber bem porque o fazia. As suas noites
eram aborrecidas desde que Aoife o deixara. Estava em maré de azar e secretamente satisfeito por
ter companhia.
– Apetece-te comer as tuas batatas no parque infantil?
– Claro, porque não?
– Na realidade sinto muito, Jack. Fui uma cabra naquela noite no Hotel Merrion.
– O que fiz também não foi correto. Não devia ter dormido contigo quando ainda estava com a
Aoife. Tenho andando a tentar resolver isso na minha cabeça nas últimas semanas e cheguei à
conclusão de que preciso de sofrer as consequências das minhas ações.
Sophie respirou fundo. Isso era algo que ela nunca tivera de fazer antes. As coisas costumavam ir
ao lugar facilmente.
– Não te queria magoar, nem à Aoife. Não estava a pensar. Tinha bebido imenso naquela tarde.
Está tudo bem agora?
Jack abanou a cabeça.
– Ela conheceu outra pessoa.
– Não levou muito tempo!
Jack assentiu.
– Foi isso que pensei. Talvez eu não tenha sido feito para me casar.
– Percebo-te. Também não acho que seja. Quais são os teus planos?
– Perdi o meu emprego no Times e vou voltar para Nova Iorque.
– Quem me dera ir para Nova Iorque – disse Sophie. E queria mesmo.
– É diferente daqui. Preciso de distância entre mim e a Aoife. Não consigo suportar a ideia de ela
estar com outra pessoa.
– Ela foi a tal?
– Pensava que sim. E depois encontrei novamente a tua irmã Louise e fiquei baralhado.
Sophie inclinou a cabeça.
– O que queres dizer com isso?
– Eu fui a sua aventura pré-casamento.
– Tu e a Louise foram amantes?
Jack assentiu.
– Antes de ela ser casada.
Sophie ficou chocada; e era preciso muito para a chocar.
– Não posso acreditar. Devias ser muito novo…
– A Louise foi minha professora, mas esperámos até eu acabar a escola.
– Não é irónico eu ter sido a tua aventura pré-casamento?
Jack deu uma pequena gargalhada.
– Nunca pensei nisso dessa forma, mas é. Só que tivemos resultados diferentes. Eu não fui para a
frente com o meu. Achas que a Louise fez bem em casar-se com Donal?
Sophie lançou a cabeça para trás e riu.
– Oh, meu Deus, absolutamente! Eles são perfeitos um para o outro. Não sei é se já se aperceberam
disso. Talvez não até que um deles morra.
– Isso é muito mórbido.
– É a maneira como alguns casais são. Quando perdem o outro é que dão valor ao que tinham, mas
aí é tarde de mais.
Jack levou uma batata à boca. Sentia-se como uma criança de dez anos, sentada num baloiço, num
parque infantil deserto.
– Ainda bem que dei de caras contigo – disse Sophie, olhando, distraída para a frente. – Sabes,
acho que estás destinado a ir atrás da Aoife. Não desistas.
– Isso é para te fazer sentir melhor?
Talvez fosse. Sophie tinha deixado um rasto de destruição ao seu redor e estava sozinha, sem
emprego, sem nada de bom no futuro próximo.
– Sim! Absolutamente. Tens de reconquistar a tua noiva por mim! – Depois riu-se. – Na verdade
estou-me nas tintas para a Aoife, mas tu não és mau de todo. Olha, é melhor eu voltar para a festa.
Obrigada pelo café.
– De nada! Obrigado pelo conselho. Dá cumprimentos meus à Louise!
Sophie voltou ao Iate Clube, olhando de vez em quando por cima do ombro para o homem no
baloiço. Não podia remediar as coisas com Paul nem com Emma, mas havia a esperança de que o
problema do Jack ficasse resolvido. Quando chegou à porta do clube, percebeu que não podia entrar.
Olhou para o carro; estava suficientemente sóbria para conduzir. Aquela era a sua oportunidade de
uma fuga rápida. De repente lembrou-se que tinha a mala, mas que as chaves do carro estavam no
casaco. Esgueirou-se escada acima e duas senhoras do clube de brídege da mãe saíram do vestiário,
deixando a porta aberta para ela.
– Aquela música está muito alta. Vai ficar surda aos trinta anos, querida!
Sophie não lhes respondeu. Pegou no casaco. Se fosse rápida, poderia escapar do clube antes que
outra pessoa saísse da festa.

***

– Onde está a Sophie? – perguntou Larry.


– Não sei, pai. – Louise estava também a ficar preocupada.
– Já está na altura de acender as velas. São onze e meia! Daqui a pouco muitas pessoas vão querer
ir para casa.
– Vou buscar a Emma.
– E a Sophie...
Louise viu Emma na varanda com Felipe e saiu para ir ter com eles.
– O pai quer despachar-se. Algum sinal da Sophie?
Emma suspirou.
– Não vou sair à procura dela. Vamos mas é em frente com o bolo.
Louise fez sinal para que diminuíssem as luzes e avançou para o centro da sala com o bolo à luz
das velas. Ouviram-se os acordes de «Parabéns a você» e todos cantaram.
Maggie corou sob a maquilhagem e pestanejou. Soprou as velas com grande delicadeza.
Larry pegou no microfone e tossiu para ele, enquanto a música parava subitamente.
– Obrigado a todos por terem vindo aqui esta noite ajudar a partilhar esta ocasião especial com a
minha linda mulher e filhas.
Todos na sala gritaram vivas. Até ao momento, ninguém parecia ter dado pela ausência de Sophie.
– Tenho muita sorte por estar aqui. Foi preciso algo como ter a vida em risco com uma operação ao
coração para me aperceber disso. Enquanto estive aquelas horas todas no Hospital Beaumont, a
pensar que nunca mais ia sair dali, uma coisa manteve-me a esperança: saber que a Maggie estava em
casa à minha espera. Ela tem sido uma maravilhosa mulher e mãe para as raparigas… e esta é uma
grande oportunidade para lhe dizer o quanto todos gostamos dela.
As pessoas irromperam em aplausos enquanto Louise puxava Emma para o lado.
– O que vamos fazer?
– Não digas nada e vamos esperar que ninguém note. Bolas, pode ser tarde de mais para isso. A
Alice está frenética com uma máquina fotográfica.
– Emma, onde está a Sophie? Quero tirar uma fotografia às três com a vossa mãe!
– Acho que ela está lá fora a apanhar ar – disse Louise, ao tirar educadamente a máquina da mão
da tia. – Porque não vamos ter com a mãe e deixa-me tirar uma fotografia às duas?
Alice fez o que Louise sugeriu e colocou a sua mão direita no braço esquerdo de Maggie.
– Sorriam! – pediu Louise quando o flache disparou.
Maggie estava deliciada com a atenção dos amigos. Não dera pela ausência de Sophie e Louise
perguntou-se porque se preocupara tanto. Já devia conhecer a mãe.

Sophie conduzia como se o carro estivesse a arder. Queria desesperadamente ir para a cama em
paz e tranquilidade, o mais longe possível da família. Não conseguia entender porque tomara Paul
comprimidos. Talvez tivesse cometido um erro e não se pretendesse matar. Havia tanto por que
tinham de viver; tanto futuro pela frente.
Fez a curva junto à esquadra de Clontarf com os olhos cheios de tantas lágrimas que quase
arrancou um canto ao carro com o passeio.
East Wall não era uma zona agradável para atravessar àquela hora da noite. Sophie virou na
esquina de Seabank House onde um grupo de jovens se reunia. O carro começou a fazer ruídos, mas
ela não se apercebeu. Subiu a ponte curva e quando começou a descer para o outro lado notou que o
motor não funcionava. O pequeno MX5 chegou a New Wapping Street antes de parar. Sophie olhou
para o tabliê. O ponteiro da gasolina estava em baixo. Não se encontrava perto de nenhuma bomba.
Não gostava de deixar o carro na rua a noite toda, mas não tinha escolha. A sua vida estava a
desfazer-se. Trancou-o e caminhou nervosamente em direção a Sherrif Street. Apalpou a mala para
ver quanto dinheiro tinha. Vinte euros. Já era alguma coisa e esperava que algum táxi passasse em
breve. Se não, pelo menos eram só alguns minutos a pé antes de chegar a casa. Reinava um enorme
silêncio e ela já tinha ido a pé para casa muitas vezes antes, mas geralmente era a partir do lado sul
do rio Liffey, e sempre sob as luzes brilhantes dos candeeiros. Aquela não era uma zona para uma
jovem andar sozinha, e Sophie sabia disso.
Ouviu um som de passos atrás dela. Virou-se para ver um jovem de camisola com capuz, ténis e
calças de ganga largas.
– Ouve? Quézuma cena? – gritou ele.
Não havia necessidade de gritar, ele estava mesmo ao seu lado. Mas ele vira-a abrir a mala e,
claro necessitava de dinheiro rapidamente.
Sophie olhou em volta. Não havia mais ninguém na estrada.
– Eu perguntei se quézalguma cena!
Sophie estava com medo de falar com o jovem de aparência rude e com medo de ignorá-lo.
– Não tenho muito dinheiro.
– Esta é uma ganda cena. Mas curto o teu ar. Dou-ta por vinte euros!
Sophie olhou para ele nervosamente.
– O que é isso?
– Vão-tajudar a dormir, sabes, relaxar!
Sophie abriu a mala e entregou-lhe os vinte euros. Talvez agora ele se fosse embora.
O jovem sorriu e atirou-lhe um pequeno frasco de comprimidos.
– Fixe fazer negócio contigo! – E então, para alívio de Sophie, afastou-se por uma rua lateral.
Ela estugou o passo e em breve chegou a Lower Mayor Street. Estaria em Custom House Square e
no seu aconchegante apartamento em poucos minutos. Tinha a chave na mão e correu os últimos
metros quando surgiu o seu apartamento. Nunca antes ficara tão feliz por estar em casa. Fora uma das
piores noites de sua vida. Juntamente com a noite que passara depois de saber que Paul havia
morrido.

Maggie Owens fez sinal a Larry e ele soube que estava na hora de ir embora. Sentia-se cansada, tal
como a maioria dos convidados. Viu Louise num canto e chamou-a.
– Onde está a Sophie?
– Acho que ela foi para casa.
– Quero agradecer-vos a todos. Tive uma noite maravilhosa.
– Que bom. Convidámos todas as pessoas que querias?
– Sim, e até mesmo algumas que não queria, mas ainda bem que o fizeram.
– Ah, estás a falar da Alice?
– Estou contente por ela estar aqui. Suponho que tenha sido ideia da Emma.
– Não, mãe. – Louise suspirou. – Na verdade foi ideia do pai.
Maggie vestiu o casaco e colocou a mala debaixo do braço. Era novamente a mulher pragmática do
costume e foi como se a festa nunca tivesse acontecido.
– Ainda bem que tive a oportunidade de resolver as coisas. Agora, onde anda o teu pai? Quero ir
para casa.
25

Jack não conseguia dormir. As palavras de Sophie ecoavam na sua cabeça. Não queria ir-se
embora sem se despedir de Aoife. Foi até ao portátil e começou a escrever um e-mail. Tinha de dar o
seu melhor.

Querida Aoife
Compreendo se apagares este e-mail, mas se o leres ficarei realmente muito agradecido.
Decidi ir-me embora de Dublin. Não vejo aqui um futuro para mim. É muito difícil saber que
te encontras tão perto e não comigo. Eu estava bastante errado e tu mereces melhor. Não vou
fingir que não foi difícil ver-te com aquele outro tipo, mas se ele te faz feliz e é bom para ti,
então desejo-te as maiores felicidades com ele.
O meu voo está marcado para quarta-feira e se achares que te podes encontrar comigo antes
de eu ir, já é mais do que possa desejar. Obrigado por leres isto, e se já leste até aqui, espero
que tenhas a vida maravilhosa que mereces.
Com amor
Jack

Queria ter escrito «beijos» a seguir ao nome, mas achou que isso já era demasiada confiança.

Sophie despejou uma dose generosa de vodca num copo e adicionou gelo. Encheu-o com sumo de
laranja e foi para o quarto, onde ligou o iPod às colunas. Deitou-se na cama, fechou os olhos e
deixou que a mágoa e as chatices que trouxera da festa lhe passassem ao lado. Queria realmente
sentir-se melhor mas quanto mais depressa bebia a vodca mais maldisposta ficava.
Foi para a sua pequena cozinha e procurou alguma coisa para comer. No armário tinha apenas
bolachas moles; comera a última lata de feijões na véspera. Fazendo-a sentir-se mais infeliz,
lembrou-se do tempo em que ela e Paul telefonavam para o Il Fornaio e encomendavam deliciosos
pratos de massa ou pizas. Ele levava-a a lugares tão bonitos. O que lhe iria acontecer agora? Trincou
uma das bolachas e rapidamente a cuspiu para o lava-louça. Foi para a casa de banho e começou a
retirar a maquilhagem. O rímel preto escorria-lhe pela cara. O creme de limpeza dos olhos estava no
fundo do armário, mesmo ao lado do frasco de Xanax que ela deixara de tomar. Tirou o frasco e
abanou-o. Ainda tinha dez comprimidos. Ao lado estava uma caixa cheia de Panadol. Fariam uma
mistura letal com o que quer que tinha comprado ao tipo na rua. A vodca deixava-a tonta e fervilhava
de raiva por causa da conversa que tivera com Emma. Pegou nas duas caixas e levou-as consigo. Não
era necessário tirar a maquilhagem, não precisava de ter bom aspeto para onde ia.
De volta ao quarto, foi buscar o álbum de fotografias que fizera com Paul. Aqueles tinham sido os
momentos mais felizes da sua vida. Agora poderia ser feliz outra vez. Poderia ficar com Paul para
sempre. Encheu o copo com sumo, iria necessitar de muito.

***

Felipe acordou Emma aos beijos.


– Bom dia – disse ela, com um largo sorriso na cara. – Obrigada pela noite de ontem.
– Foi agradável conhecer a tua família.
Emma suspirou.
– Eles são péssimos, não são?
Felipe acariciou a sua face.
– Foi uma boa festa.
– Vamos ter um dia só para nós. Ainda bem que o Finn ficou com a Louise e o Donal depois da
festa.
– Espero que não tenha sido por minha causa.
– Claro que não. Ele está numa idade complicada.
– É difícil para ele.
Emma olhou para os olhos de Felipe. Que homem maravilhoso, sensível e compreensivo tinha
encontrado!
– Esta casa é do Finn – disse ela. – Mas nós só temos mais duas semanas juntos. Tenho a certeza de
que ele vai compreender quando for mais velho.
– Mas agora é que ele precisa de ti.
Ela detestava quando ele era tão sensato. Claro que tinha razão. Quão atencioso era!
– Mas, Felipe, eu preciso de ti!
Isso soava-lhe bem. Inclinou-se e beijou-a outra vez.

Donal estava de pé e vestido antes de Louise se mexer. A cabeça dela latejava e desejou não ter
bebido tanto.
– Aonde vais?
– Velejar.
– Pensei que agora velejavas ao domingo…
– Começou uma nova série ao sábado.
– Passamos cada vez menos tempo juntos. Até parece que nos andamos a evitar.
Donal olhou para a mulher.
– Estive ontem contigo a noite inteira.
– Quando não estavas especado a olhar para a Emma e o Felipe!
– Estás a sonhar! Estou preocupado com a Emma. Quem te ouvisse falar, ia achar que tenho uma
paixoneta juvenil pela Emma.
– E tens?
Donal abriu o roupeiro e tirou uma camisola polar.
– Isso nem merece resposta.
Louise não podia deixar de se sentir insegura. Deu um murro na almofada. Donal era um bom
cunhado para Emma, apenas isso; porque dizia ela coisas estúpidas quando estava zangada? Esperou
que a porta da frente se fechasse antes de se aventurar lá em baixo.
Alice estava sentada na cozinha com uma das camisas de noite de Louise. Tinha feito chá e punha
manteiga na torrada.
– Não sabia que estava acordada – disse Louise. – Tinha-lhe preparado alguma coisa.
– Não te preocupes, querida. Espero que não te importes por me ter adiantado.
Louise caminhou até à chaleira e ligou-a. A sua tia estava radiante e parecia diferente. Mais feliz.
– Divertiu-se ontem à noite? – perguntou Louise.
– Foi uma festa maravilhosa. Achas que o teu pai gostou?
– Tenho a certeza. Ele viu como a mãe ficou contente e era tudo o que ele queria.
– A Maggie sempre foi a mais sortuda, ficou com o melhor homem!
– Não deixe que o Dick a oiça!
– Ele sabe. Passo a vida a dizer-lhe! És tão sortuda como ela.
Louise foi surpreendida pelo comentário.
– Não acho. A Sophie é a mais sortuda.
– Mas a Sophie não tem um bom homem ao lado dela. O Larry sempre amou muito a Maggie.
– Acho que quando crescemos pensamos que todos os pais são como os nossos. – Ela olhou para a
tia. – Ainda bem que se entendeu tão bem com a mãe.
– Senti alguma ansiedade em relação a vir, tenho de admitir. Mas estou muito feliz por ter vindo.
Não caminhamos para novas e pode ter sido a nossa última oportunidade de fazer as pazes.
– Porque se chatearam? Desculpe, não se importa que pergunte?
Alice abanou a cabeça.
– Olhando para trás, parece uma coisa tão parva, mas acho que são assim as zangas em família.
Normalmente começam com algo muito pequeno. Foi quando passámos um verão na Cornualha,
lembras-te dessas férias?
– Sim, o tempo estava tão quente que passámos todos os dias na praia.
– Vocês, crianças, passaram momentos maravilhosos. As nossas duas famílias divertiram-se
tanto… até à penúltima noite. Bem, os adultos tinham bebido muito e eu e o teu pai fomos as últimas
pessoas a ficar acordadas. Na verdade, foi tudo muito inocente. Ele deu-me um abraço e disse que
era uma cunhada maravilhosa, estávamos na brincadeira. Mas quando a tua mãe desceu até à cozinha
e nos viu abraçados, ficou com a ideia errada.
– Foi por isso que viemos embora um dia mais cedo!
– Temo que sim. Quando contei ao Dick na manhã seguinte, ele riu-se. A tua mãe estava fora de si e
nem sequer me enviou um postal de Natal naquele ano.
Louise riu-se. Não tinha sequer ideia.
– Que desperdício de tempo.
– Concordo, mas é para veres como são as famílias. Pelo menos foi bom ter mantido contacto com
vocês. A Emma foi fantástica por tentar remediar as coisas, mas a tua mãe não queria ouvir falar do
assunto.
– A Emma é assim. Mas está mudada.
– E alguém pode culpá-la? Deve ser traumático perder o marido numa idade tão jovem. Acho que
teve um profundo efeito sobre a tua mãe. Ela agora percebe a sua própria longevidade e a dos outros.
– Tem planos para hoje?
– Vou à cidade fazer compras com a tua mãe. Vamos recuperar o tempo perdido!
– Parece-me bem. – Louise desejou poder fazer algo pelas suas irmãs. Mas a zanga entre Emma e
Sophie era muito mais grave do que a que tinha existido entre a sua mãe e a tia, e que durara trinta
anos.

Os olhos de Aoife encheram-se de lágrimas quando leu o e-mail. Com que então ele ia fugir. Desde
que voltara a viver com os pais, as coisas estavam difíceis. Eles tratavam-na como se ela fosse uma
menina pequena outra vez. Ultimamente só pensava nas manhãs maravilhosas que passara com Jack
em Greenwich Village. Tinham uma vida ideal. Porque teriam arruinado tudo ao voltarem para
Dublin e tentarem viver como os seus pais?
Karl era tão vaidoso e obcecado pela própria carreira que a via como um troféu. Ela também
detestava a maneira como ele dava graxa ao seu pai. Se ela ao menos tivesse ficado em Nova Iorque.
Ela mudava de ideias a cada dia que passava. Ficara intimamente transtornada ao vê-lo em Grove
Road, quando estava com Karl. Quisera desesperadamente correr atrás dele naquela tarde. Mas
voltar para Jack significaria virar as costas aos pais e ela não podia fazer isso. Mas talvez pudesse
vê-lo. Se não contasse aos pais que estava em contacto com ele, não havia problema, certo?
Aoife tinha de sair de Malahide, disso estava certa. Mas poderia confiar novamente em Jack? Não
sabia dizer, mas também não suportava a ideia de viver sem ele. Carregou em «nova mensagem» na
sua caixa de correio eletrónico e começou a escrever a resposta.

Emma e Felipe seguiam pela estrada costeira em torno de Clontarf. Estava um dia brilhante e
ensolarado e Emma queria mostrar a cidade a Felipe e desfrutar da vida de café.
Virou à esquerda junto à esquadra, indo para a cidade por East Wall.
Enquanto avançavam por New Wapping Street, avistaram um carro vandalizado, mas levou alguns
segundos para Emma reconhecer de quem era.
– Acho que é o carro da Sophie!
– Está alguém lá dentro?
– Não me parece. Admira-me que ainda não tenha sido rebocado, visto que está a causar
obstrução. Espero que não lhe tenha acontecido nada!
– Devias telefonar-lhe.
Emma estava preocupada. Ainda não vira Sophie desde que ela saíra da festa, depois da discussão.
– Vou ligar à Louise.

Louise atendeu o telefone. Não queria interromper a conversa com Alice. Era fascinante aprender
tanto sobre a sua mãe.
– Louise, é a Emma. Qual é a matrícula do carro da Sophie?
– É zero quatro dê dois qualquer coisa…
– Acho que foi roubado.
Louise sentiu um nó na garganta.
– O que queres dizer com isso? O que aconteceu? Onde estás?
– Estou numa destas pequenas ruas em East Wall. Sabes, aquelas que parecem todas iguais. O carro
da Sophie está aqui estacionado. Acabei de parar atrás dele e está vazio.
Felipe saiu do carro e contornou-o. Tinha sido pontapeado no lado do passageiro, mas não parecia
haver nenhum outro dano. Tentou abrir a porta, mas estava trancada.
– Não a vejo desde que ela saiu a correr da festa, a noite passada – disse Louise a Emma.
– Realmente não quero falar com ela, mas, se o carro foi roubado, ela tem de saber onde ele está.
– Envia-lhe uma mensagem.
– Peço ao pai que envie.
– Ele vai ficar preocupado. Deixa estar. Eu ligo-lhe.
Felipe abriu a porta do passageiro e sentou-se ao lado de Emma.
– Está trancado, mas talvez alguém tenha tentado arrombá-lo – disse ele.
Emma assentiu.
– Ouve, Louise, o Felipe diz que alguém tentou vandalizá-lo, mas está trancado, por isso não pode
ter sido roubado.
– Aonde vais?
– Estou a caminho da cidade com o Felipe.
– Vou telefonar para ela – disse Louise, com um suspiro. – E depois ligo-te para te contar o que ela
disse.
Quando desligou, Emma sentiu-se culpada. Ultimamente todos os assuntos desagradáveis tinham
ficado a cargo de Louise. Ela, por outro lado, passava belos momentos com o seu namorado cubano.
– Porque não ligaste à Sophie? – perguntou Felipe.
– Felipe! Estiveste lá ontem à noite! Sabes algumas das coisas que a Sophie fez.
– Sim, mas ela é tua irmã.
– Isso não é desculpa para o seu comportamento.
Felipe olhou pela janela do carro; tinha de ter o cuidado de manter as suas opiniões para si
próprio.
Emma continuou a conduzir em silêncio ao longo do cais com o rio Liffey à esquerda. Sentiu-se
mal por demonstrar a sua falta de preocupação. Felipe tinha tanta compaixão e ela estava consumida
apenas pelos próprios sentimentos de orgulho e mágoa. De repente o telefone tocou.
– Não atende o móvel nem o telefone fixo. Onde estás agora?
– A chegar ao Centro Financeiro Internacional.
– Estás ao pé dela. Porque não lhe vais tocar à porta?
– Acho que não consigo olhar para ela.
– Pois, mas eu estou em Clontarf e tenho visitas! Por favor, Emma!
Emma olhou para Felipe. A sua expressão era vazia, mas ela conseguia saber no que ele pensava.
– Está bem. Ligo-te quando a vir.
Emma fez uma curva apertada à direita, para fora do cais e entrou no parque de estacionamento do
Centro Financeiro Internacional. Provavelmente Sophie estaria de ressaca ou mau humor depois de
ter fugido da festa. Estacionou e levou Felipe para Lower Mayor Street.
– Isto é muito agradável. – Felipe arregalava os olhos enquanto olhava para os pequenos cafés
chiques e outros símbolos da vida urbana. – A Sophie vive num sítio bonito.
Ao lembrar-se dos prédios e dos cheiros de Havana, Emma sentiu-se mal. O que pensaria Felipe
das desavenças da sua família? Dehannys e a família eram tão unidos e acolhedores e no entanto
tinham tão pouco. Na Irlanda, onde tantas pessoas viviam vidas confortáveis e limpas, servidos de
todos os bens materiais, lutavam e desentendiam-se desnecessariamente.
Emma e Felipe chegaram à porta do prédio de Sophie e, felizmente, um jovem estava a sair,
segurando-lhes a porta.
– Ela vive no segundo andar – disse Emma a Felipe, agarrando-lhe na mão.
Emma tocou à campainha. Após alguns segundos, tocou de novo. Mas não houve resposta.
– Deve ter saído – disse ela.
Felipe olhou para Emma. Tinha a sensação de que algo estava terrivelmente errado e Emma
também.
– Tenta outra vez.
Emma tocou à campainha e bateu à porta. A porta do apartamento ao lado de Sophie abriu-se.
– Eh, podem fazer menos barulho? É sábado! – A vizinha, uma rapariga na casa dos vinte que
parecia ter estado a festejar durante toda a noite, agarrava-se ao roupão e à cabeça como se estivesse
com dores.
– Sinto muito, mas sabe se Sophie está?
A rapariga encolheu os ombros.
– Tenho uma chave se quiserem dar uma vista de olhos. Nós temos as chaves uma da outra, passo a
vida a ficar trancada na rua.
– Obrigada – disse Emma. Seguiu a rapariga por um corredor imundo com latas de cerveja e copos
espalhados por todo o lado. O apartamento tinha sido muito bem decorado, mas parecia vandalizado.
– Aqui tem – disse a rapariga, entregando a chave a Emma.
Emma girou a chave na fechadura. As luzes estavam acesas em todas as divisões. Soube que algo
estava terrivelmente errado antes de entrar no quarto. Com um copo de sumo de laranja ao lado da
cama e ainda com o vestido vermelho da noite anterior, Sophie estava esparramada em cima da
colcha.
Felipe correu a acordá-la, mas ela permaneceu imóvel. Tentou encontrar a pulsação, mas não
conseguiu.
– Liga para o hospital.
Emma ficou bloqueada. Revivia o agosto anterior. Não conseguia tocar-lhe para ver se ela estava
fria. Recordava-se vividamente da sensação pegajosa da pele de Paul.
– Rápido, Emma! – gritou Felipe.
Emma pegou no seu telemóvel e marcou o 112.
– Serviços de emergência. Em que posso ajudar?
– Uma ambulância, por favor… Custom House Square.
Felipe não tinha experiência naquilo, mas tentou acordar Sophie. Ela não reagia, mas o facto de a
sua testa estar morna deu-lhe alguma esperança de que ela voltaria a si.
– Segura-lhe na mão e fala com ela. Ela precisa de ouvir vozes! – insistiu ele.
Emma sentou-se na cama ao lado de Sophie. Como pudera ela fazer aquilo agora? Sentiu a mão
gelada de Sophie e apertou-a bem.
– Sophie, fica connosco! Não te vás! Ela está a respirar?
– Sim.
Emma sentia-se maldisposta. Os segundos passavam como minutos e ela tinha a certeza de que
Sophie estava a morrer.
– Por favor, Sophie… fica connosco!
– Que drogas há ao lado da cama?
Emma olhou para os dois frascos e para a caixa de Panadol.
De repente, a campainha tocou.
– Na cozinha! – disse ela. – Há um interruptor perto da porta. Abre-lhes a porta!
Felipe fez o que lhe foi pedido enquanto Emma segurava firmemente a mão da irmã.
O pessoal da ambulância entrou a correr e começou a trabalhar para a ressuscitar de imediato.
– O que tomou ela? – perguntou um deles.
Emma entregou os dois frascos e a caixa de Panadol vazia.
– Vamos precisar de alguém que vá atrás com ela! – disse o paramédico ao pessoal da ambulância.
Colocou Sophie numa maca e um ventilador manual na boca para receber oxigénio.
– Ela vai ficar bem? – perguntou Emma.
– Vamos fazer o possível. Vem connosco na ambulância?
– Claro.
Felipe aproximou-se e segurou com força na mão de Emma. Pelo menos daquela vez não teria de ir
sozinha para o hospital.

– Eu estarei lá em poucos minutos – disse Louise, desligando o telefone.


– Está tudo bem? – perguntou Alice.
– A Sophie. Tomou comprimidos! A Emma foi com ela para o hospital.
– Oh, meu Deus, isso é terrível!
– Importa-se de ficar a tomar conta das crianças, Alice?
– Não, não. Ligo à Maggie?
– Não! Não faça nada.
– Acho que devo – disse Alice, com firmeza. – Vocês não podem continuar a proteger a vossa mãe
toda a vida. Ela tem setenta anos, não é uma criança.
Louise suspirou.
– Está bem, pode ligar e dizer-lhe, mas eu vou direta para o hospital.
Louise saiu a correr com a mala e as chaves na mão. O seu coração palpitava. A imagem de Sophie
prostrada e inconsciente era tão vívida na sua mente que ela teve de travar as lágrimas. Lamentou ter
sido tão dura com ela. Talvez ela estivesse realmente em frangalhos após a morte de Paul. Ela
também estava virada do avesso e a necessitar de pôr a sua vida familiar em ordem. Todos à sua
volta sofriam e desta vez podia ser tarde de mais para endireitar as coisas.

***

Jack não tinha muito que empacotar. Havia algumas fotografias e lembranças que Aoife comprara e
que levaria com ele. Não queria acreditar que estaria de volta a Nova Iorque tão cedo. Atirou para o
lixo a maior parte da tralha que estava sobre a mesa, onde mantinha o portátil. O computador estava
ligado e mostrava duas mensagens na caixa de correio. Olhou duas vezes quando viu o nome Aoife
anexado a uma delas.

Querido Jack
Lamento como as coisas terminaram entre nós. Acho que estás a fazer a mudança certa. Nova
Iorque é mais adequada para ti do que Dublin. Fico contente que me tenhas dito que te vais
embora. Se quiseres, podemo-nos encontrar em Howth, na terça-feira à tarde. Gostava de me
despedir de ti.
Aoife

Jack sentiu um nó na garganta quando engoliu em seco. Queria desesperadamente vê-la, mesmo que
fosse apenas para dizer adeus.
Respondeu-lhe de imediato. Iria contar as horas até terça-feira.

Louise passou pela receção a correr e virou à esquerda, tal como Emma lhe dissera. O cheiro a
lixívia e desinfetante não ajudava a ressaca. Desejou que Donal estivesse com ela. Ele era bom em
alturas daquelas.
Viu Emma no fim do corredor. Ao lado estava Felipe, calmo e consolador.
– O que se passa?
– Estão a fazer-lhe uma lavagem ao estômago.
– Oh, graças a Deus, ela ainda está viva!
– Está, mas por um fio.
– Vou buscar-te um chá, Emma – disse Felipe. – Louise, queres um?
– Não, Felipe, obrigada.
Louise afundou-se na cadeira à porta do quarto.
– Não posso acreditar que ela tenha feito aquilo.
Emma sentou-se a olhar para o vazio. Custava-lhe a crer que voltara às urgências, mas desta vez
com a irmã. A dor fazia-a sentir-se dormente por dentro.
– Talvez ela se tenha querido suicidar num grande gesto tipo Romeu e Julieta – disse ela.
– Achas?
– Não acreditámos quando ela disse que amava o Paul. Talvez ela o amasse e nos quisesse mostrar.
– Meu Deus, e se não a tivesses encontrado?
– Não acho que ela se achasse no seu estado normal quando fez isto, e tu?
Louise abanou a cabeça.
– O que tomou ela?
– Havia dois frascos vazios de comprimidos e uma caixa de Panadol ao lado da cama.
Uma médica saiu pelas portas do bloco e tirou a máscara.
– São as irmãs da Sophie Owens?
– Sim! – disseram em uníssono.
– Conseguimos limpar a maioria do conteúdo do estômago, Xanax e um tranquilizante forte, mas os
maiores danos foram feitos pelo paracetamol. Teve sorte de a senhora ter chegado quando chegou,
mas o fígado está em péssimo estado.
– O que significa isso? – Emma sentia-se mal pelo que tinha dito anteriormente.
– Significa que ela pode precisar de um transplante de fígado para sobreviver. É um procedimento
complicado e difícil de conseguir dadores.
Louise soltou um pequeno grito e começou a chorar.
Emma colocou o braço em torno da irmã, ainda sem acreditar no que acontecia à família.
– Podemos vê-la? – soluçou Louise.
– Por pouco tempo. É bom ela ouvir vozes familiares. Ainda está inconsciente, mas esperamos que
venha a si brevemente.
26

Larry andava de um lado para o outro na cozinha. A campainha tocou e ele correu para a porta.
Abriu-a a Alice.
– Vim o mais depressa que pude. Um dos vizinhos está a tomar conta das crianças.
– Ela está lá dentro. – Ele apontou para a sala.
– Estás bem?
– Estou. Quero ir ao hospital ter com elas.
– Já podes conduzir?
Larry ainda não tinha o consentimento do seu médico após a cirurgia, mas não queria saber. Sabia
onde tinha de estar. Pegou nas chaves do carro e deu um beijo a Maggie antes de sair porta fora.
Maggie irrompeu em lágrimas ao ver Alice.
Alice sentou-se ao lado dela no sofá e colocou o braço em torno dela.
– Calma, ela vai ficar bem.
– Por amor de Deus, o que lhe passou pela cabeça? Ela é demasiado mimada. A culpa é do Larry,
sempre lhe deu tudo. É porque ela é a mais nova.
– A culpa não é de ninguém. Vamos rezar para que fique bem.
– Porque é que todas estas coisas terríveis estão a acontecer connosco? Primeiro o marido da
Emma, em seguida o roubo e agora isto. Somos boas pessoas. O que fizemos para merecer tudo isto?
Alice levantou-se. Não tinha nenhuma resposta, mas de alguma forma perguntava-se se não havia
ali um padrão nos acontecimentos.
– Deixa-me ir fazer-te um chá e tudo vai parecer muito melhor.
Maggie não respondeu. Chorou, encharcando o lenço de papel. A noite anterior fora perfeita.
Agora estava tudo arruinado e ela não conseguia entender porquê.

Larry tremia enquanto tentava inverter para estacionar num espaço apertado em Eccles Street. A
sua caixa torácica ainda estava dorida após a operação. Tinha de ver Sophie.
O seu telefone tocou. Era Louise. Ele seguiu o caminho que ela lhe indicou.
– Pai, já cá estás?
– Estou a entrar no corredor.
– Certo. Vou ver se te encontro.
Larry estava exausto de percorrer os corredores. Ficou aliviado quando viu Louise à distância.
Ela correu para o ajudar e levou-o para o quarto onde Sophie estava ligada a vários aparelhos
complexos. Por muito difícil que tivesse sido para ela, devia ser bem mais difícil para o pai vê-la
daquela maneira.
– Onde está a Emma? – perguntou Larry.
– Ela saiu há poucos minutos.
– Claro! Ela tem aquele tipo com ela.
– Não é nada disso! Apenas não há realmente nada que possamos fazer até que ela acorde.
Larry abanou a cabeça.
– O que terá acontecido de tão mau para ela ter feito isso?
Louise não tinha coragem de lhe dizer. Não lhe competia. Era entre Emma, Sophie e Paul. E os pais
saberem os pormenores também não ia ajudar. Larry ficaria desgostoso com Sophie e isso iria
destruir o relacionamento deles. Louise sentiu-se feliz por ser a do meio. Já não tinha nada a
esconder.

Felipe e Emma iam sentados em silêncio na parte de trás do táxi. Saíram no parque de
estacionamento do Centro Financeiro.
– Queres ir almoçar? – perguntou Felipe.
Emma abanou a cabeça.
– Não tenho fome.
Ela olhou para o relógio. Eram duas da tarde e percebeu que Felipe devia estar esfomeado.
– Bem, talvez devêssemos comer alguma coisa. Podemos ir a um sítio além, têm bons almoços.
A Capitania do Porto estava geralmente cheia durante a semana, mas já era tarde para almoços e
era sábado, por isso puderam escolher a mesa e ficaram com uma que dava para o canal.
– O que achas do povo irlandês, Felipe?
Felipe sorriu.
– As pessoas são as mesmas em todo o mundo. As mesmas coisas interessam a todos. Família,
filhos, saúde e felicidade.
– Mas não há muitas famílias como a minha!
– Vocês não são assim tão diferentes. Temos muitos casos semelhantes em Cuba. Podemos não ter
liberdade nem dinheiro, mas temos os mesmos problemas.
– Sinto muito que tenhas de estar aqui a presenciar isto tudo.
Felipe esticou o braço e pôs a mão sobre a dela.
– Estou feliz por ter vindo à Irlanda agora. Queria ver a tua família, queria conhecê-los.
– Estás a vê-los e bem! Verrugas e tudo!
Felipe olhou interrogativamente para ela.
– Quero dizer, com todos os seus defeitos – explicou ela. – Agrada-me que estejas agora aqui
também. Tem sido tão bom ter a tua ajuda e apoio e nunca teria passado por casa da Sophie se não
estivéssemos a caminho da cidade, por isso, é a ti que ela tem de agradecer por a termos encontrado.
– Espero que ela me agradeça!
Emma sorriu.
– Também espero que recupere e que seja capaz de te agradecer.
– Mas quero que me prometas que vais perdoar a tua irmã. Hoje disseste-lhe que se mantivesse
viva. Agora tens de ser uma irmã para ela.
– Felipe, podes estar a pedir de mais.
– Por favor, por mim. Temo-nos um ao outro, temos tanta sorte.
Emma teve de concordar. Ela sentia-se verdadeiramente com muita sorte.

Donal estava na marina quando ouviu o telefone apitar. Enfiou a mão no saco e tirou-o.
Sophie no hospital – overdose. Podes ir para casa e olhar pelas crianças Louise

Donal teve de voltar a ler a mensagem. Era difícil digerir as poucas palavras que diziam tanto.
– Vens beber uma cerveja, Donal? – perguntou Kevin, com um largo sorriso. Tinham chegado em
primeiro lugar. Era um grande começo para a série.
– Não posso. Problemas em casa.
– Céus, não conheço ninguém que cuide tanto como tu dos filhos aos fins de semana, depois de uma
semana de trabalho.
– É uma emergência de família. Vejo-te na terça-feira.
– É justo. Espero que esteja tudo bem. – Kevin não queria saber.
Donal ligou para Louise. A mensagem era de há três horas.
– Olá, Louise?
– Donal! Graças a Deus estás aí!
– O que aconteceu?
– A Sophie está inconsciente e ligada a um ventilador no Hospital Mater após tomar uma dose
excessiva de comprimidos quando chegou a casa da festa a noite passada.
Donal não respondeu.
– No que estás a pensar? – perguntou Louise.
– Já esperava que acontecesse uma coisa destas. Tive um mau pressentimento durante toda a
semana.
– Porque não me disseste nada?
– Tu ficas nervosa com as mais pequenas coisas! Era de esperar que acontecesse algum tipo de
comoção. Nunca pensei que conseguíssemos acabar a festa sem algumas consequências.
– Vais voltar para casa e cuidar das crianças?
– Estou a caminho de lá agora.
– A Alice estava a tomar conta delas, mas foram para casa dos vizinhos enquanto ela está a
consolar a mãe.
– Acho que a tua mãe devia estar no hospital com a filha. Onde está o teu pai?
– Aqui comigo.
Donal suspirou.
– O homem acabou de fazer uma cirurgia complicada! Isso é muita pressão sobre ele.
– Eu sei. Mas sabes como é a minha mãe.
Ele sabia bem. Tinha de a aturar com se fosse filho.
– Olha, fica aí o tempo que for preciso. Eu resolvo as coisas por aqui – disse ele.
Virou à direita na curva em «S» em Raheny. Não ia direito a casa. Conduziu até Foxfield e parou
junto à casa dos Owens. Foi até à porta e tocou à campainha com muita força.
Alice abriu-lhe a porta.
– Posso ver a Maggie?
– Ela está muito perturbada.
Donal passou bruscamente por ela e foi até à cozinha, onde a sogra estava sentada. Não era do seu
caráter nem a melhor altura, mas alguém tinha de o fazer.
– Donal, estou tão contente por estares aqui. Preciso de enviar algumas mensagens.
– Não estou aqui para fazer recados, Maggie! Vim para a levar ao hospital. Alice, importa-se de
voltar para nossa casa e para as crianças?
Falou com tanta autoridade e compostura que Alice não pôde discordar.
– Estou demasiado perturbada para ir lá! – soluçou Maggie.
– Se a Sophie não recuperar, vai arrepender-se para sempre. Mas, mais importante do que isso, ela
pode precisar de si para recuperar. Precisa de ouvir a voz da mãe.
– Posso ligar para a Louise e falar com ela.
Donal olhou duramente para ela. Ela nunca o tinha visto assim antes.
– Deixa-me ir buscar o meu casaco – disse ela, mansamente.
Donal acompanhou-a ao carro e ajudou-a a apertar o cinto de segurança.
Alice sentou-se na parte de trás. Foi deixada sem a menor cerimónia em Clontarf, e Donal e
Maggie continuaram a sua viagem para o Hospital Mater em silêncio.
Donal ligou a Louise quando chegaram à receção.
Louise ficou tão feliz por ver Donal. Detestava a forma como ele saíra de manhã para ir velejar.
Ficou ainda mais surpreendida ao ver quem vinha com ele.
– Mãe, tu vieste!
Maggie olhou para Donal e depois para a filha.
– Claro que vim! Onde está ela?
Louise lançou a Donal um olhar interrogativo, mas ele não deixou transparecer nada. Tinha-se
incumbido da tarefa de arrastar Maggie para assumir as suas responsabilidades familiares. A tensão
sobre Larry ao longo dos anos manifestara-se numa condição cardíaca de que nem ele sabia que
sofria. Estava na altura de Maggie enfrentar que havia criado três filhas e ainda era uma influência
sobre a maneira como elas se comportavam. Fora necessário que Emma quebrasse o molde para que
os outros começassem a mudar. Para que Sophie alguma vez aprendesse a ser adulta, a mãe teria de
começar por dar o exemplo e até Larry teria também de mudar.
De algum modo, Donal esperava que ao mudar os outros membros do clã Owens pudesse acudir à
sua mulher e curar algumas das inseguranças que a levavam a ser como era.
Larry aproximou-se a coxear pelo corredor e o seu rosto iluminou-se ao ver Maggie à distância.
Maggie começou a andar na sua direção e ele colocou o braço em torno dela assim que ficou
suficientemente perto.
– O que fizeste para ela vir? – perguntou Louise, espantada.
– Disse-lhe que se sentasse no carro e colocasse o cinto.
Louise abanou a cabeça.
– Não posso acreditar que fizeste isso.
– Ela é tão mimada. Tenho pena do Larry.
– Tens medo de que nós sejamos assim daqui a trinta anos?
Donal abanou a cabeça.
– Não vamos ser assim.
Louise não gostou da certeza na sua voz.
– O que quer isso dizer?
– Temos de mudar, Louise. Não sei como vamos fazê-lo, talvez precisemos de aconselhamento.
Mas não tens sido feliz e ultimamente eu também não. Precisamos de conversar. – Ele suspirou. –
Mas qual é o prognóstico da Sophie?
– Ela danificou o fígado e pode vir a precisar de um transplante.
Donal cerrou os lábios gravemente.
– Essa rapariga é um desastre à espera de acontecer! É um produto de toda a decadência que temos
visto ao longo dos últimos anos.
Ter dormido com Paul foi a última gota. Não sei como é que a Emma alguma vez lhe vai perdoar.
– A médica disse que ela estaria morta se a Emma não tivesse aparecido lá em casa quando
apareceu.
– Porque foi ela lá? – perguntou Donal, genuinamente intrigado.
– É uma longa história. A Sophie tinha abandonado o carro e a Emma vi-o. Conto-te pelo caminho.
Vamos ver como estão os meus pais.

Maggie estremecia e chorava, com o lenço na mão.


– Não posso acreditar que a nossa menina fez isto a si própria.
Larry tinha a voz embargada, mal conseguia responder.
– Ela lembra-me tanto de ti.
– De mim?
– Sim. Tinhas o mesmo cabelo quando eras da idade dela. A mesma confiança e maneira de ser.
Não é à toa que a mimei de mais.
– Ela era uma rapariga tão bonita, sempre brilhou mais do que os outros, com tanto talento. Porque
fez isto?
– Talvez a Emma saiba? – sugeriu Larry.
– Ela anda tão absorta com aquele estrangeiro. Não sei o que lhe deu.
– Talvez esteja cansada de ser sempre a menina boa.
Maggie assentiu com a cabeça lentamente.
– Talvez.
– Mas a Louise tem sido maravilhosa ultimamente.
– Sim.
– O médico esteve aqui há minutos e disse que ela precisa de um transplante de fígado.
– Oh, meu Deus. O que tomou ela?
– Panadol. Pelos vistos faz mais danos quando tomado em grandes quantidades do que qualquer
das drogas pesadas.
Maggie tapou a boca com a mão.
– Oh, Larry, isto é tudo culpa nossa!
Larry não discutiu. Também se sentia responsável.

Emma foi com Felipe a casa de Louise em Clontarf.


– Alice, ainda bem que cá estava – disse ela. – Não fazíamos ideia de que iria ser necessário um
par de mãos extras.
A tia sorriu.
– Ainda bem que pude ajudar. Na verdade, estou a gostar de estar aqui. Com os meus netos na
Austrália, só os vejo quando o rei faz anos.
Emma olhou para a irmã da mãe com novos olhos. Retomar relações fora o melhor resultado
possível da festa da mãe. Se ao menos ela pudesse fazer o mesmo com a irmã! Mas tinha mais a
perdoar.
– Vou levar o Finn para casa, está bem?
– Ele está lá fora a jogar à bola.
– Alguma coisa que eu possa fazer?
– Absolutamente nada! Acho que o Dick está lá fora a reviver a juventude com os miúdos. E tenho
a certeza de que há comida suficiente no congelador para o lanche, se for necessário.
Emma beijou o rosto da tia.
– Aproveite bem o resto do seu tempo na Irlanda – disse Alice a Felipe.
Felipe esboçou um pequeno sorriso, e depois foi para o carro com Finn.
Quando ele se afastou, Alice sussurrou ao ouvido da sobrinha:
– Ele é tão jeitoso! Se fosse a ti ficava com ele!
Emma seguiu o filho e Felipe para o pequeno Mini. Finn colocou-se protetoramente no lado do
passageiro, esperando ficar com o banco da frente.
– Deixas hoje o Felipe sentar-se à frente, amor? Ele tem pernas mais compridas.
Finn olhou para Felipe e, relutante, sentou-se na parte de trás.
Não ajudou em nada a incutir confiança em Felipe. Ele lembrava-se de como se sentira quando os
pais se tinham separado e a mãe encontrara um novo parceiro. Devia ser muito ameaçador para o
rapaz perder o pai tão de repente e depois ver a mãe com outro homem.
– Gostas de jogar futebol?
– Eu gosto de muitos desportos – respondeu Finn de forma abrupta.
– Talvez possamos jogar em tua casa?
Finn encolheu os ombros. Era algo que só fazia em casa do Donal ou de algum amigo. O pai não
gostava de desporto.
– Está bem.
Um pouco mais tarde, Emma viu com alívio como Finn e Felipe marcavam grandes penalidades no
quintal. Ela preparou um bule de chá e ficou contente a olhar pela porta das traseiras enquanto os
dois jogavam, alheios à sua presença.
Nessa noite, Finn não quis ficar em casa de Gavin nem de Louise e Felipe não dormiu no quarto de
hóspedes.

***

– Ainda bem que a Sophie acordou quando os teus pais estavam lá – disse Donal, entregando um
gim tónico à mulher.
– Fizeste bem em levar a minha mãe. Era o que tinha de ser feito.
Donal sorriu.
– Às vezes é bom seguir o nosso instinto, mesmo quando sabemos que vamos perturbar as pessoas
à nossa volta.
– Estás a falar também de nós?
Donal encolheu os ombros.
– Sabes que falo a sério sobre o aconselhamento.
Louise concordou.
– Eu vou, se quiseres.
Donal sentou-se na poltrona e colocou o seu copo de uísque Killbeggan na mesinha ao lado.
– Só acho que podemos fazer melhor. Lembras-te quando voltaste a tocar piano recentemente?
Parecias tão feliz.
Louise concordou. Ficara feliz por reencontrar Jack, mas não tardou a perceber que não era ele que
queria, mas sim os sentimentos de desejo e paixão que ele despertara nela. Tocar piano ajudara e
fizera-a pensar no seu trabalho e no quanto sentia a falta dele.
– Donal, estava a pensar em voltar para a escola.
– Isso não é má ideia, mas não tens de voltar para a escola para ensinares. Porque não dar aulas de
música em casa? Deus sabe que há muitas crianças por aqui.
Louise deu um gole na sua bebida.
– Isso até pode ser mais fácil de encaixar com a nossa vida familiar.
– As crianças dão cada vez menos trabalho, tu própria o disseste, e era algo interessante para
fazeres.
Louise assentiu.
– Desculpa se fui uma chata! Passámos por tantas coisas nestes últimos meses.
– É apenas uma sugestão. Quero que nos aproximemos, e não sei como.
– Para começar, podias vir sentar-te no sofá ao meu lado!
Donal levantou-se prontamente e levou o copo com ele.
– Sabes, isso é ótimo. A Alice e o Dick com os teus pais, os teus pais a comportarem-se como tal e
a tua mãe a deixar de ser uma criança mimada. Talvez a Sophie tenha feito um favor a todos.
Louise não conseguia ver as coisas exatamente da mesma maneira, mas queria paz para a sua
família a todo custo. E Sophie ainda não estava fora de perigo.
– Sabes, senti-me tão perdida hoje quando não estavas ao meu lado! Sempre estiveste presente
para ajudar em qualquer catástrofe da família. Na realidade, preciso de ti.
– Ainda bem! – exclamou Donal, e tirou o copo da mão da mulher, pousando-o no chão ao lado do
dele. Colocou o braço à volta dos seus ombros. – Agora mostra-me o quanto precisas de mim!
Era aquela a maneira como Louise queria que o marido falasse. Sorriu quando os lábios dele se
aproximaram e tocaram nos dela. Não estava pensar em Jack nem na sua família nem em qualquer
outra pessoa.
27

Emma ia a tremer enquanto percorria o longo corredor até à ala St Teresa. Sophie mantivera-se
estável durante a noite e o pai garantira-lhe que ela queria ver a irmã mais velha. Felipe estava ao
seu lado, com o braço protetoramente à sua volta.
– Não sei o que lhe vou dizer – disse ela, com voz trémula.
– Vais saber quando a vires.
– Sinto-me muito feliz por estares aqui comigo.
Felipe parou e olhou carinhosamente para ela com os seus sonhadores olhos cor de avelã.
– Eu também.
Ele inclinou-se e beijou os seus lábios com suavidade. Deu-lhe a força de que ela precisava antes
de enfrentar a irmã.
Felipe hesitou à porta da enfermaria.
– Espero aqui?
Emma assentiu.
– Falo com ela primeiro, obrigada.
Sophie dormia, com as faces anteriormente rosadas agora pálidas. Emma olhou para a irmã mais
nova, ligada a tantas máquinas; nunca a vira tão vulnerável desde que ela era criança. Caminhou
lentamente para o lado da cama e sentou-se.
Sophie abriu os olhos.
Emma viu neles dor e mágoa. Sentiu-se mal, mas não conseguiu abraçá-la.
Sophie abriu os lábios, mas não sorriu.
– Emma!
– Está tudo bem, Sophie, não precisas de falar.
Uma lágrima deslizou pela face de Sophie.
– Desculpa!
– Agora não é altura para te preocupares com isso.
– Tem sido horrível, tenho andado num estado deplorável. – Várias lágrimas começaram a escorrer
pelo rosto de Sophie. – Obrigada por me teres vindo visitar.
– Vais ficar bem – reconfortou Emma.
– Onde está o Felipe?
– Lá fora.
– Ele é um bom homem, estou contente que o tenhas encontrado.
– Obrigada. Tu também vais encontrar alguém.
Sophie conseguiu esboçar um sorriso. Não tinha essa certeza.
– Quem me dera ter o teu otimismo.
– Não podes desistir.
– Como o Paul desistiu? – perguntou Sophie, agitando-se depois de ter falado. A menção do nome
do seu amante morto provocou-lhe um calafrio.
– Não quero falar dele. – O rosto de Emma endureceu. – Preocupa-te contigo, para recuperares.
Levantou-se e afastou-se da cama. Já tinham falado o suficiente por um dia.
– Vais-te embora?
Emma anuiu.
– Voltas? – perguntou Sophie, com olhos suplicantes.
– Sim, volto.
Emma não conseguia dizer mais nada. Precisara de muita força para vir ver a irmã mais nova, com
uma série de emoções dolorosas a agitarem-na.
Sophie levantou a mão e fez um pequeno aceno quando Emma saía do quarto. Enquanto a irmã
desaparecia, uma sensação de arrependimento invadiu-a. Não apenas pelo estrago que causara na
relação com ela, mas pelo rasto de destruição que deixara à sua volta enquanto irrompia pela vida,
pisando tudo e todos para chegar aos trinta e quatro anos. Com a pouca probabilidade de um
transplante de fígado ficar disponível nos tempos mais próximos, preocupava-a o facto de talvez não
chegar aos trinta e cinco. Soluçou descontroladamente. Aquilo era o significado da solidão e do
desespero, e ela sentia que era merecido.

Louise foi acordada por um longo e quente beijo de Donal.


– Bom dia! – disse ela, com um largo sorriso estampado na cara. Estava tonta do sexo excitante da
noite anterior. Donal não era assim tão ardente desde os primeiros tempos da relação, quando tentara
fazer amor com ela num elevador em Amesterdão. O mesmo desejo consumidor estava escrito na
face dele e era como se as preocupações e pressões dos últimos quinze anos tivessem desaparecido.
– Pensei que ias acordar os miúdos ontem à noite com os teus gritos!
Os olhos de Louise humedeceram.
– Estou tão feliz por termos feito amor como costumávamos fazer. Aliás, acho que nunca tínhamos
feito desta maneira; foi muito melhor do que antes.
Donal beijou-lhe a ponta do nariz.
– Também acho. Mas temos de resolver muitas coisas em nós próprios. Nunca achei que valesse a
pena antes, mas agora que estamos a tentar salvar o nosso casamento não posso negá-lo.
Louise estava aturdida. Não fazia a menor ideia do que o marido ia dizer a seguir.
– Foi há muito tempo e não vejo a necessidade de continuar agarrado ao passado. Fiz vista grossa
a uma coisa que vi uma noite quando estávamos ainda noivos. Tinha tanto medo de te perder que não
te confrontei na altura com isso.
– Mas o quê? – Louise estava aterrorizada com o que ele pudesse dizer.
– Consegui pôr isso para trás das costas durante anos, mas tenho de te contar, agora que estamos a
começar de novo. Uma noite fui a tua casa, em Clontarf, e tu estavas no portão do lado a beijar um
tipo, um tipo muito novo, que podia passar por teu aluno. Nunca mais o vi, mas tive medo de te dizer.
Tu estavas nervosa com o casamento e eu achei que querias desistir.
Louise ficou branca. Pensou que ia vomitar.
– Não sei o que te dizer – sussurrou.
Donal fechou os olhos.
– Não quero que digas nada. Só quero que saibas que durante quinze anos tive tanto medo de te
perder que nunca disse nada, mas tenho de começar a falar das coisas. Não te quero condicionada;
para este casamento resultar temos de ser sempre sinceros um com o outro. Quero-te inteira, para o
resto das nossas vidas.
– Eu também! – declarou Louise. Tremia por dentro.
– Ótimo. Só queria que soubesses.
– E agora?
– Agora começamos de novo! Este é o nosso novo início, está bem?
Louise assentiu enquanto Donal se inclinava e a beijava com firmeza.
Os lábios dele sabiam tão bem, tão doces. Donal era o único homem para ela, e arrependia-se de
ter demorado tanto a descobrir isso. Iria trancar bem no fundo da memória todos os pensamentos
sobre Jack. Tinha de viver o presente, o agora, com o homem com que ia ficar para o resto da vida.

***

Jack sentia o coração a palpitar no peito. Já passara por isso antes com Aoife e deitara tudo a
perder. Sabia que aquela era a sua última oportunidade. Estava ao lado do monumento no pontão este
tal como combinara por telefone no dia anterior. O som do comboio a deslizar pelos carris e a chegar
à estação de Howth fez o seu coração bater ainda mais depressa. Ela falara tão pouco ao telefone.
Ele tinha medo de estar a criar falsas esperanças.
Ao longe surgiu a figura alta e elegante de Aoife, e ele começou a tremer. Ela vestia um lindo
vestido cor-de-rosa com um casaco de malha branco e parecia um anjo enquanto pisava a relva para
ir ter com ele.
Aquele era talvez o momento decisor da sua vida e ele não queria estragar tudo.
– Jack – disse Aoife, com um sorriso, quando estava suficientemente próxima para lhe ver a cara.
– Obrigado por teres vindo. Vamos passear?
Aoife assentiu. Partiram cautelosos e sentindo-se desconfortáveis com a ausência de um beijo de
cumprimento.
– Como tens passado?
– Bem. Tenho um novo contrato. É por pouco tempo, mas é um bom dinheiro.
– Tens bastante talento. Nunca vais ter problemas em encontrar trabalho.
– Quando decidiste voltar para Nova Iorque?
– A decisão ficou tomada quando perdi o emprego.
– Foi por culpa do meu pai?
Jack abanou a cabeça.
– Não interessa quem teve a culpa. De qualquer forma, eles estão a despedir pessoas.
– Tens alguma coisa já planeada para o teu regresso?
– De momento, nada.
As gaivotas cantavam no alto enquanto eles passavam por restaurantes e peixarias. O Sol estava
alto no céu e o mar era de um azul profundo. Era um belo cenário para duas pessoas que precisavam
de estar sozinhas.
– Estás ansioso por voltar? – perguntou ela.
– Acho que sim. Não aguento isto aqui... – Ele fez uma pausa. Não queria parecer demasiado
intenso assim tão cedo. – Acho que é melhor ficar longe de ti. É difícil saber que estás tão perto e
que não posso ficar contigo.
Jack parou de andar, virou-se e olhou para ela.
Aoife não conseguiu conter as lágrimas que se tinham acumulado durante o caminho.
Jack não sabia o que fazer; queria tocar-lhe, mas estava com medo.
– Por favor, não chores.
– Sou tão infeliz, Jack.
– Também eu. Se soubesses como estou arrependido.
– Estou furiosa contigo, Jack! Porque tiveste de fazer aquilo? – Ela levantou os braços e começou a
bater-lhe no peito, mas sem forças.
– Mereço tudo o que pensares de mim, Aoife! Sinto muito. Tinha de te dizer que me ia embora e
como estou triste.
Aoife fechou os olhos para segurar as lágrimas.
Jack agarrou-lhe os punhos cerrados e puxou-os contra o seu peito. Inclinou-se e beijou-a
suavemente na testa.
Ela deixou escapar um gemido alto e encostou a cabeça ao ombro dele, enquanto o seu corpo se
espalmava no dele.
– Aoife, porque estamos separados? Ainda me amas?
Ela levantou a cabeça.
– Claro que sim! Nunca deixei de te amar, a partir do momento em que te conheci.
– Então vem comigo! Vamos voltar para Nova Iorque. Precisamos apenas um do outro.
Aoife baixou os olhos para o chão.
– Voltar para casa não foi a grande ideia que pensei que seria. Tínhamos tudo em Nova Iorque.
– Pois tínhamos. E podemos recuperá-lo… mas e os teus pais?
Aoife engoliu as lágrimas.
– Não posso viver a minha vida segundo as regras dos meus pais. Preciso de viver por mim
própria. Tenho tentado fazer as coisas à maneira deles, mas não é justo para mim.
Jack não conseguiu controlar as emoções. Envolveu-a com força, e teve medo de a esmagar.
Soltou-a por breves instantes e olhou nos seus olhos.
– E o teu namorado?
– Eu já não tenho namorado. Era apenas alguém para passar o tempo. Sempre foste tu, Jack. Para
mim.
Ele colocou novamente os braços em torno dela e apertou-a contra si.
– Vens comigo? Vens para casa em Nova Iorque?
– Vou. – Ela pousou a cabeça no ombro dele e ele colocou o braço em volta da cintura dela.
Continuaram a andar devagar, passando pelos barcos de pesca e as focas. Nenhum falou. Tinham
dito tudo o que havia para dizer. Iam para casa.

Louise foi a casa de Emma para uma chávena de chá. Sabia que Emma se encontraria sozinha. Era
o último domingo de Felipe em Dublin e ele fora com Finn assistir a um jogo em Croke Park. Louise
tocou à campainha e esperou. Naquele dia, a Emma que abriu a porta foi diferente da que ela fora
visitar após ter esbarrado em Jack Duggan, havia alguns meses. Tanta coisa acontecera na vida de
todos. Louise também se sentia uma nova pessoa por dentro.
– Olá, não sabia a que horas vinhas! – Emma cumprimentou a irmã com um beijo terno. – Estou
mesmo a terminar o romance.
– Não posso acreditar! E com o Felipe cá. Muito bem!
– Ele realmente faz sobressair o melhor em mim. Já foste ao hospital?
Louise anuiu.
– Ela está com bom aspeto, Em.
Emma seguiu a irmã para a cozinha e sentaram-se à mesa.
– Espero que apareça um dador – disse Emma. – Não suporto a ideia de ela lá deitada.
– Queres que ligue a chaleira?
– Desculpa! – Emma levantou-se. – Ando com a cabeça nas nuvens. Vou ter tantas saudades do
Felipe. E o Finn também! Ele gostou tanto de ter outro homem em casa, ainda que apenas por algumas
semanas.
Ela ligou o interruptor da chaleira e sentou-se de novo.
– Então, como achas que o teu relacionamento com o Felipe vai continuar? – perguntou Louise.
– Para ser sincera, foi o período mais maravilhoso e terrível da minha vida. Antes de ir para Cuba
só pensava no luto. Não era à toa que não conseguia escrever. Mas ter conhecido o Felipe mudou a
forma como vejo o mundo. Ele ensinou-me a viver no presente, e é engraçado, mas, quando fazemos
isso, temos uma melhor hipótese de perdoar o passado.
Louise concordou.
– Isso é tão verdade! Como eu própria descobri a meu custo!
– Sim, e contigo? Como estás? Novidades do Jack?
– Ele enviou-me um sms a dizer que vai voltar para Nova Iorque com a Aoife.
– Isso é bom, não é?
Louise concordou.
– Para ser sincera, acho que o Jack vai ser mais feliz do outro lado do Atlântico. Ele é uma
personagem demasiado exótica para assentar na vida suburbana de Dublin.
Emma olhou atentamente para a irmã.
– E os teus sentimentos sobre a vida suburbana?
Louise sabia que a questão de Emma era pertinente e não conseguia esconder o facto de ter havido
uma mudança drástica no seu próprio casamento.
– O Donal e eu vamos começar o aconselhamento na próxima semana.
– Ótimo! Isso vai ajudar.
– É engraçado, mas agora que sabemos que vamos lidar com a nossa relação, temos falado todas as
noites. E não só falado!
Emma esboçou um sorriso.
– Fico tão contente. Estava à espera do dia em que irias reconhecer o grande homem que tens,
Louise.
– Conheces-me melhor do que eu própria! – exclamou Louise, com um sorriso.
Emma levantou-se para fazer o chá. As coisas estavam a tomar um rumo positivo para as irmãs
mais velhas.
– Disseste que a Sophie parecia bem, hoje?
– Ela estava sentada na cama e... – Louise hesitou. – Só falava sobre ti e ela quando eram crianças.
Emma despejou a água no bule e colocou a tampa.
– Nos últimos dias andei a pensar e consigo perceber porque teve ela um caso com o Paul.
Louise assentiu.
– Todos nós percebemos.
– Foi uma chamada de atenção. Ela precisa de ser o centro das atenções.
– Ela é apenas uma criança mimada!
– Todos nós a mimámos. Mas é mais do que isso. A Sophie nunca foi feliz por dentro. Sempre
insaciável e à procura da próxima coisa para a excitar. Esta provação é uma terrível descida à
realidade para ela.
– Bem, acho que ela agora está com bom aspeto, mas isso não é tudo. Está animada e calma de uma
maneira que nunca esteve antes.
Emma colocou o bule de chá sobre a mesa e duas canecas ao lado.
– Talvez esta seja a provação por que ela precisava de passar para ver como se comportava mal.
– E o que achas dela agora? – questionou Louise enquanto servia o chá.
– Sinto-me triste por as coisas terem chegado a este ponto. Ela causou esta insuficiência hepática a
si própria. Mas espero que seja a sua redenção e que a ajude a encontrar uma melhor imagem de si
própria.
– Chega de filosofia, Emma! Tens alguns biscoitos?
Emma sorriu. Ela estava-se a sentir filosófica. Felipe ajudara-a a chegar às suas verdadeiras
emoções e a encontrar-se.
– Bolachas de chocolate?
Louise assentiu.
– Vou buscá-las.

Emma entregou a Felipe um grande pacote castanho com coisas para Dehannys e Fernando.
– Obrigado por este tempo maravilhoso, Emma.
– Não consigo acreditar que te vais embora! Passou tudo tão depressa. Não sei como vou viver
sem ti.
Felipe assentiu.
– E eu vou sentir a tua falta, mas tu és forte, Emma. E eu não estou longe. Vais ver-me em breve.
Os olhos de Emma arregalaram-se.
– Prometo. Estou ansioso para que isso aconteça.
As últimas três semanas haviam mostrado o quão diferentes eram as suas vidas. Dois mundos mais
distantes do que a amplitude do Atlântico.
– Talvez um dia, em breve, não seja tão difícil para mim viajar.
– Se o regime acabar, vai haver uma grande procura de advogados!
Felipe concordou. Mas ele, como tantos outros, não acreditava que isso fosse acontecer em breve.
– Eu vou ficar muito feliz nesse dia – disse ele.
– Obrigada por todo o apoio.
– A Sophie é tua irmã. Ela vai precisar da tua ajuda agora.
– Eu sei. Não vai ser fácil para ela.
Felipe pôs os braços à volta de Emma e apertou-a com força.
– Amo-te.
O coração de Emma encheu-se. Ele aguardara até ao último minuto para lhe dizer. Mas ela já
sabia.
– E eu amo…
Ele colocou os dedos nos lábios dela.
– Eu sei.

Larry atendeu o telefone.


– Mister Owens?
– Sim.
– Tenho boas notícias.
Se havia uma coisa de que Larry Owens precisava era de boas notícias.
– A sua filha Sophie. O fígado tem mostrado sinais de recuperação. Achamos que afinal ela pode
não precisar de transplante.
Larry começou a chorar. As duas últimas semanas tinham sido horríveis. Ele e Maggie tinham
visitado Sophie todos os dias e ficado até tarde.
– Mister Owens, sente-se bem?
– Sim, obrigado, senhor doutor.
– Lamento não o ter visto na visita. Só pudemos concluir o diagnóstico ao fim do dia. Pensámos
que gostaria de saber o mais depressa possível
Maggie correu para o corredor. Não tinha nenhuma maquilhagem. O seu cabelo estava caído e ela
vestira o roupão ao regressar do hospital.
– O que foi? A Sophie está bem?
Larry desligou o telefone e abraçou a mulher.
– Ela melhorou. Não vai precisar de transplante.
Maggie acompanhou o marido nas lágrimas. Colocou a cabeça entre as mãos e soluçou.
– Graças a Deus!
– Tudo vai ficar bem de agora em diante. Sinto isso – assegurou Larry e ela acreditou nele.

Emma sentia-se ansiosa ao ir para o hospital, mas não da mesma forma como antes.
A cura do fígado da Sophie coincidira com a cicatrização da ferida que Emma carregara dentro de
si desde que descobrira a traição da irmã.
Sophie já conseguia sentar-se na cama e uma cor saudável voltara ao seu rosto.
Emma entrou no quarto e sentiu o alívio e a ternura entre elas.
Quando se sentou ao lado da cama, Sophie estendeu a mão. Emma apertou-a entre as dela.
– Boas notícias, Sophie.
Sophie assentiu.
– Sou uma rapariga muito sortuda.
Emma sorriu.
– Passaste por muita coisa nestas últimas semanas.
– Tive muito tempo para pensar, aqui deitada nesta cama. – Uma lágrima caiu pelo seu rosto. –
Tenho sido tão horrível, Emma. Podes alguma vez perdoar-me?
– Deixa lá isso. Temos de seguir em frente.
– Tive saudades tuas – admitiu Sophie.
Foi a vez de Emma derramar uma lágrima. Tivera saudades da irmã mais nova, aquela com quem
brincara com tanto carinho quando era criança. O último ano fora terrível, mas Paul partira e era
altura de seguir em frente. Ela desejava que para bem de Sophie ela fosse capaz de fazer o mesmo.
– Temos de colocar o passado para trás – disse ela suavemente. – Não vai ser fácil.
Sophie assentiu com a cabeça muito lentamente.
– Eu sei. Mas sinto que posso fazê-lo. Eu mudei.
– Todos nós mudámos! E o Paul tem de descansar em paz.
Sophie sentiu o peso do mundo a ser-lhe retirado dos ombros. Tinha uma irmã maravilhosa. Fizera
algo tão terrível que quase havia destruído toda a sua família. Nos últimos dias, deitada na cama,
desejara estar morta, mas, naquele momento, com a perspetiva de uma recuperação completa e o
perdão da irmã, sentiu que poderia tentar ser a pessoa que tinha potencial para ser.
– Olá, meninas! – exclamou Louise ao entrar no quarto.
Emma virou-se quando Louise se aproximou e se sentou na beira da cama, entre as duas irmãs.
Louise olhou para as mãos entrelaçadas das duas mulheres e sorriu. Passara pelo próprio processo
de descoberta ao longo dos últimos meses, reconciliando o passado e o futuro. O mesmo acontecera
às irmãs. As três estavam ligadas espiritualmente, por laços de sangue desde o nascimento e uma
constante na vida umas das outras. Tinham atravessado juntas o Rubicão.
Emma olhou para Louise.
– No que estás a pensar?
– Estou a fazer o que tu fazes, querida mana, o meu próprio filosofar!
Emma riu.
– Sou assim tão chata?
– És a mais velha, é a tua função – intrometeu-se Sophie.
– Isso faz de ti a pirralha? – perguntou Louise, olhando para Sophie.
As três começaram a rir. Risos fortes que vinham lá bem de dentro delas. Cada uma podia ter o seu
papel e lugar na família, mas naquele momento estavam mais unidas do que nunca.
– Vá, Emma, conta-nos lá sobre o Felipe! Como é que o classificas na cama? – perguntou Sophie
descaradamente.
Rápida como um relâmpago, Emma lançou um olhar que dizia muito, até um sorriso começar a
surgir dos cantos dos lábios.
– Uma coisa te posso garantir, minha pequena e doce maninha: tu nunca vais descobrir!
Epílogo

UM ANO DEPOIS

Emma saiu pelas portas do La Terraza. Queria ficar sozinha por alguns momentos e admirar o belo
reflexo da Lua na água calma.
Fora a noite mais perfeita da sua vida. Um final perfeito para um dia ainda mais maravilhoso. De
repente, sentiu um forte par de braços em volta da sua cintura e não precisou de se virar para saber a
quem pertenciam.
– Estás feliz, mi mujer? – sussurrou ele ao seu ouvido.
Ela inclinou-se para trás de encontro ao torso do homem maravilhoso a quem no futuro chamaria
marido.
– Muito! – respondeu ela, com os olhos fixos na refração bruxuleante da Lua sobre a água.
– Eu disse-te naquele dia que tivemos sorte quando vimos o casamento, a primeira vez que vieste
aqui a Cojimar.
Emma voltou-se e deu um beijo quente e suave na boca do seu novo marido.
– Foi maravilhoso. Somos um casal muito afortunado. Obrigada por teres organizado isto. Cada
pormenor foi mais do que eu poderia alguma vez ter desejado.
E fora. Desde a cerimónia na praia ao copo-d’água perfeito no La Terraza. O balcão de mogno fora
enfeitado com flores tropicais, as mesas cobertas com toalhas bonitas de xadrez e uma abundância de
deliciosos frutos do mar e criações exóticas que seriam difíceis de encontrar no melhor restaurante
de Dublin.
As notas do trompete e saxofone escapavam pelas janelas escancaradas do bar para a varanda
onde eles estavam. Ambos se viraram para olhar através das janelas que mostravam os muitos
convidados do casamento feliz a dançar salsa. Ela sorriu para a tia Alice e a mãe, que conversavam
num canto. Eram agora tão próximas, compensando o tempo perdido. Sophie estava sentada a beber
um mojito com um belo e jovem cubano a seu lado. Emma fora muito protetora em relação a Sophie
depois do calvário por que ela passara e agora ela mostrava um lado completamente diferente. E
depois havia Louise a dançar com Donal de uma maneira íntima e sensual, como ela nunca vira antes.
Jack Duggan voltara a entrar na vida dela no momento mais perfeito. Ficara contente quando Louise a
informara de que ele vivia em Nova Iorque.
Ela nem sempre acreditava em finais felizes; a sua vida não seria fácil, dividida entre Havana e
Dublin, mas fora uma escolha que tivera de fazer a fim de estar com o homem que esperara a vida
inteira para conhecer. Agora eram um casal e ela estava o mais feliz possível.
Agradecimentos

Como sempre, esta é a parte mais difícil de escrever num livro. Há tantas pessoas a quem tenho de
agradecer, que nomear todas iria ocupar demasiadas páginas. Vou então dizer um enorme obrigada
aos meus amigos e, se me esqueci de alguém nestes poucos parágrafos, continuo profundamente grata
e não me esqueci de quem me ajudou nesta viagem.
Para a pessoa que me ajudou mais do que alguém alguma vez pode imaginar – obrigada, Gaye
Shortland minha FGE (sabemos o que isso significa!). Para Paula e Sarah, Kieran, David e todos na
Poolbeg: tem sido maravilhoso trabalhar convosco e estou ansiosa pelos próximos três romances!
Muito obrigada às minhas leitoras Clodagh Hoey e Suzanne Barry, que têm estado presentes desde
os meus primeiros rabiscos. Também às minhas novas leitoras, que com tanta paciência e diligência
passaram isto a pente fino – Maressa O’Brien-Raleigh, Tryphavana Cross, Suzie Murphy et al. Não
imaginam quão importante é o vosso papel neste livro.
À Emma Heatherington e a todos os meus amigos no Facebook, cujo constante apoio e incentivo
têm ajudado imenso – nunca me sinto sozinha sentada frente ao meu portátil!
Obrigada a Rachel Targett e Susan O’Conor, pela vossa inspiração e sugestões sobre irmãs. Aos
meus amigos cubanos, especialmente Dehannys, que me falou sobre o seu país e me deu grandes
ideias enquanto eu fazia a pesquisa para este livro.
Obrigada a todos os anjos na minha vida – em particular aos vivos: Angela, Joy e Philip.
A Juliet Bressan, que tem vivido esta montanha-russa comigo desde que nos conhecemos e sem a
qual eu estaria perdida. Pela tua paciência, sentido de humor, compreensão e por aturares os meus
desabafos, obrigada.
Aos meus pais, Pauline e Jim Walsh, por me mandarem para Cuba quando fiz quarenta anos. Vocês
estragam-me com mimos e sou uma sortuda por vos ter. Agradeço-vos todos os outros dons e talentos
que passaram para mim.
Ao Brian, por segurar a minha mão enquanto caminhávamos pelas ruas de Havana e por todas as
outras aventuras que temos tido como marido e mulher.
Finalmente, à Nicole e ao Mark, por serem tão maravilhosos, e lindos e inspiradores – sou uma
mãe muito sortuda.

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