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BAILE À FANTASIA

Just the way you aren’t


Lynda Simmons

Julia nº 1285

Ela era perfeita para ele... mas ele ainda não sabia!
As coisas estavam definitivamente dando certo para Emily Anderson. Fora
contratada para pintar sua obra no teto do saião de baile de um dos mais
requintados hotéis de Nova York e apaixonou-se por Michael Wolfe, o
arquiteto mais sexy que já conhecera na vida. O problema era que Michael a
considerava apenas como uma pessoa de sua equipe. Mas esse detalhe não
atrapalhava os planos de Emily, que ia participar em segredo do baile de
máscaras e provaria a Michael que sob a fantasia estava a mulher que ele
desejava!

Disponibilizado por Fabiane C. da Silva


Digitalização e Revisão: Nelma
Copyright © 2001 by Lynda Simmons
Originalmente publicado em 2001 pela Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY,
NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

Título original: Just the Way You Aren't

Tradução: Dorothy Sobhie


Editora e Publisher: Janice Florido
Editora: Fernanda Cardoso
Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mônica Maldonado
Paginação: Dany Editora Ltda.
Ilustração de Capa: Hankins + Tegenborg, Ltd.

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.


Rua Paes Leme, 524 - 10° andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 2004
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Impressão e acabamento: RR DONNELLEY Tel.: (55 11) 4166-3500


Capítulo I

Que boca maravilhosa! Lábios carnudos e macios, sempre úmidos e


convidativos. Ele se apoiou em um dos cotovelos e beijou-a, devagar, enquanto
baixava o lençol, descobrindo ombros alvos e estreitos, pequenos seios
arredondados de mamilos rosados. Sorriu e mordiscou seus seios, a barriga,
inalando seu perfume à medida que percorria aquelas curvas, empurrando o lençol
mais para baixo, afastando-lhe as pernas, provocando-a com seus dedos e com seus
lábios, sem pressa.
Ela engoliu em seco quando seu parceiro a fez aproximar-se do clímax mais
uma vez.
Uma suave brisa atravessou as portas do terraço ao lado do leito, trazendo os
sons distantes da rua: o caminhão do lixo, o alarme distante de um carro, impondo
as primeiras barreiras ao tráfego do dia.
O amanhecer em Manhattan. Nunca silencioso, jamais monótono. Como o
sexo com Trisha.
Trisha Dale e Michael Wolfe partilhavam risos e cama toda vez que estavam
na mesma cidade, arranjo ideal para duas pessoas magoadas no passado e sem
ilusões sobre o futuro. Sem promessas, sem expectativas, sem necessidade de
querer saber onde iriam passar o Natal ou outra coisa qualquer. Apenas diversão.
Trisha beijou seus lábios, introduzindo a língua na boca de Michael.
— Venha... — sussurrou.
— Sr. Wolfe?
Os dois se assustaram e viraram as cabeças para a porta, na segunda batida.
— Sr. Wolfe? É Duane Nugent, seu novo assistente. O escritório central me
mandou. Estou aqui para ajudá-lo.
Michael respirou fundo, pensando no que dizer. Trisha deu risada.
Duane Nugent. O nome não lhe disse nada, mas não era surpresa. O último
secretário de Michael saíra havia uma semana, alegando que não pagavam o
suficiente por um trabalho de escravo.
Michael dissera no escritório central que dessa vez ele mesmo arranjaria um
substituto, mas um novo diretor assumira o cargo e com ele novas regras, nova
política, novos procedimentos e... Duane.
— Sr. Wolfe? O senhor está aí?
— É claro que estou. Chegou adiantado, Nugent.
— Os arquivos indicaram que o senhor acorda cedo, e não quis me atrasar.
Ainda mais hoje. Tenho também um envelope do escritório central.
— Começou tudo de novo. — Trisha deu-lhe um beijinho, levantou-se e
pegou seu vestido do chão. — Bem, de qualquer modo tenho uma reunião dentro
de poucas horas.
Michael apanhou seu jeans.
Nada de reclamações ou recriminações. Apenas compreensão. A mulher
perfeita!
Não era a primeira vez que eram interrompidos. Michael era gerente dos
Hotéis Concord, o faz-tudo da companhia. Coordenava as transações comerciais e
averiguava se tudo caminhava a contento e dentro do orçamento previsto.
Uma terceira batida.
— Sr. Wolfe, devo voltar mais tarde?
— Espere um pouco. — Michael olhava ao redor em busca da camisa.
— Na sala de visitas — Trisha informou-lhe. — Junto com minhas roupas
íntimas.
Ele sorriu, lembrando-se.
— Por que não volta depois da reunião? Venha à inauguração comigo, esta
noite — Michael convidou-a.
A proprietária dos Hotéis Concord sempre fazia com que suas inaugurações
fossem inesquecíveis. Trajes de gala, pessoas de sangue azul e celebridades
garantiam um bom espetáculo.
O pessoal do escritório central e os convidados começariam a chegar
naquela manhã, e às oito horas da noite as bandas tocariam, os champanhes
estourariam e o velho Hotel Brighton se tornaria oficialmente o novo Brighton
Concord.
Michael escolheu uma camisa limpa do closet.
— Então, o que me diz? Tomaremos champanhe e voltaremos para cá a fim
de terminar o que começamos.
— Eu adoraria, mas não posso.
Michael ocupava a suíte fazia um ano, mas quase nada lhe pertencia. Nem a
mobília, nem os quadros e os objetos de decoração. Apenas o laptop, alguns livros
e a escrivaninha.
Não queria ter muitas coisas para poder se mudar com facilidade. Possuía
pouca bagagem, poucos bens e nenhum compromisso. Apenas Trisha, de vez em
quando.
— Sr. Wolfe? Já trabalhei com o senhor no passado e estou satisfeito em
fazer parte de seu time outra vez.
— Então, que tal começar trazendo-nos o desjejum?
— Quer que eu traga o café?
Michael não pôde deixar de achar graça, ao ligar o computador. Aquele
rapaz não duraria uma semana.
— Para dois, por favor. Preto para mim e duplo com creme para a srta. Dale.
— Quero o meu com leite. — No quarto, Trisha escovava os cabelos.
— Certo. Nugent, traga um preto e o duplo com leite. E dois pãezinhos com
requeijão. E se apresse, sim?
— Pois não.
Michael olhou para o monitor, checando e-mails. Gostou de ler uma
mensagem dos filhos de seu irmão, com fotografias. Não via os garotos havia
quase dois anos.
— Estou cansado dos assistentes que arranjam para mim, Trisha. Gostaria de
escolhê-los eu mesmo. Tem certeza de que não quer vir esta noite? Posso mandar
Duane comprar uma roupa.
— Sim, tenho certeza. — Sentou-se na beirada da escrivaninha. — Diga-me
uma coisa, Michael. Somos um casal?
— Não como outros casais. Acho que...
— Onde você nos vê daqui a um ano?
— Os chefes assumiram uma propriedade em Sunridge, perto de San
Francisco, portanto...
— Estou perguntando sobre nós daqui a um ano.
Michael a encarou, com os pêlos da nuca se arrepiando.
— Não tenho tempo para isso neste momento.
— Esse é sempre o problema, não é? Tempo.
— É o jeito como sempre fui. Nós nos vemos quando podemos. Adoro que
tudo seja assim.
— Mas você me ama?
— Não é justo perguntar isso, Trisha, sabe muito bem.
— Tem razão. É que tenho pensado em me casar de novo. E em filhos. —
Hesitou e lutou para continuar: — Acho que o que temos não é mais suficiente.
Quero mais.
Michael deslizou a cadeira para longe do computador e levantou-se.
— Já tive mais, Trisha. E tudo o que desejo agora é menos.
O sorriso dela era triste, e sua voz, suave:
— E decerto é o que tem.
— Nunca menti para você.
— Randy disse isso quando me convidou para morar com ele. Você se
lembra de Randy Baker, não lembra?
— É claro. Um rapaz baixo que toca flauta. Ele não parou de flertar com
você, naquela vez em que estivemos em... — Michael parou na frente dela. —
Randy quer que você viva com ele?
— Sente ciúme? Não, não responda. Apenas diga-me se devo aceitar a
oferta.
Ele a abraçou.
— Se isso a fizer feliz...
Trisha suspirou, apoiando a cabeça no ombro dele.
— Randy achou que você diria isso.
— Sr. Wolfe? Estou com o café. Posso entrar agora?
Trisha fez menção de se afastar, mas Michael a prendeu entre seus braços.
— Fique.
— Para quê? — Trisha se dirigiu à saída e girou a maçaneta. — Desculpe-
me por tê-lo feito esperar, Duane. Obrigada.
— Por nada, senhorita. — O assistente sorriu para Michael, entrando na
suíte carregando sua maleta. — É um prazer reencontrá-lo, senhor.
O rapaz era alto e magro, com mais ou menos vinte e três anos, cabelos
espetados, mais por acidente do que de propósito. E quem, em nome de Deus, o
vestira daquela maneira?!
Duane entregou a xícara a Michael, colocou a bandeja com os pãezinhos
sobre a escrivaninha e abriu o zíper da maleta.
— Tenho meu relatório aqui. E o envelope do escritório central. — O jovem
pegou dois envelopes. — Disseram-me que era urgente.
— Sempre é — resmungou Michael.
Procurava o abridor de envelopes quando viu Duane acenar para Trisha,
parada à soleira.
— Muito prazer, senhorita.
Sorrindo também, ela se despediu:
— Adeus, Michael.
Ele a alcançou próximo do elevador.
— Trisha...
— Boa sorte, Michael. E não seja muito duro com Duane.
Michael a viu entrar no ascensor e apertar o botão. A mulher perfeita, saindo
de sua vida.
Por um breve momento, foi tentado a chamá-la e dizer as palavras que
Trisha queria ouvir. Mas nunca fora um bom mentiroso, e não pôde ignorar a súbita
sensação de alívio quando tudo acabou.
Voltou para a suíte, onde Duane o esperava.
— Mulheres... — disse o rapaz, um tanto agitado. — Não podemos viver
com elas, nem sem elas. Mas há muito peixe no mar. É só procurar.
— Se pensa assim, gostará do baile desta noite, — Michael foi até a janela
para olhar uma limusine estacionada na calçada, mas se afastou ao avistar Trisha.
— Antes, pegue um smoking na Silver para mim, e o que quiser para você.
O telefone tocou. Duane atendeu no segundo toque.
— O decorador está no vestíbulo, sr. Wolfe. Há um problema com a cornija
da lareira. Devo chamar a equipe de manutenção?
— Ainda não. Apenas por curiosidade, você esteve no serviço militar,
Nugent?
— Como reserva, senhor.
— Faça-me um favor. Trate-me por Michael. — Entregou um convite ao
funcionário. — Este é seu. Não o perca. A segurança estará reforçada esta noite e,
acredite-me, ninguém entrará sem convite.
— Você está me dizendo que não há problema para entrar? — Emily
Anderson colocou a caixa de ferramentas no chão, perto da porta e voltou ao
andaime no centro do salão de baile. — Andou vendo filmes de James Bond outra
vez?
Valerie Conan-Smythe, loira por opção e insistente por natureza, a seguia de
perto.
— James Bond não entraria pela cozinha. Mas é uma possibilidade. Pode me
escutar por um minuto?
Emily fitou a bem intencionada camareira.
As duas se conheceram um ano atrás, na Galeria Cobble Hill, no Brooklyn,
onde Emily lecionava.
Quando o decorador de interiores do Brighton decidiu que queria uma
pintura no teto em forma de abóbada do salão de baile, Valerie sugeriu Emily,
expondo seu nome como se fosse uma bandeira. E não sossegou desde então.
Valerie apontou para cima.
— Este é o melhor trabalho que você já fez, mas se não houver alguma
ajuda, ninguém irá reparar nele.
Emily sorriu. Trabalhara muito, tomando vários bules de café à noite. Seus
dedos doíam e seus braços e ombros estavam entorpecidos. Mas valera a pena.
— Eles olharão para o bar, para o bufê e para os próprios umbigos.
Acrescente os engolidores de fogo, os ilusionistas e Deus sabe o que mais que se
planejou para entreter os convidados. Você terá sorte se ao menos uma pessoa notar
o teto.
Val subiu no andaime ao lado de Emily.
— Será necessário um pequeno incentivo.
Emily lhe deu a garrafa térmica.
— Preciso de mais cafeína.
— Logo este salão estará lotado pela imprensa e clientes em potencial. É sua
chance de fazer alguns contatos, divulgar seu nome. Começará a fazer o trabalho
de que gosta em tempo integral. E, para variar, ganhará algum dinheiro.
Trabalho e dinheiro. Era uma tentação. Poderia pagar a caminhonete e fazer
uma poupança para a faculdade da filha. E se mudar da casa de seus pais para um
lugar só delas. Nunca mais serviria mesas no estabelecimento de sua mãe.
— É pegar ou largar, entende?
— Você viu o tamanho dos seguranças que eles contrataram, Val? E é lógico
que estarão vigiando a cozinha também. Além do mais, não conheço etiqueta. Não
sei sequer segurar um prato e um copo de vinho ao mesmo tempo.
— Circule pelo salão antes de comer.
— Mas nunca sei o que dizer.
— Eu a treinarei.
Emily suspirou.
— Val, seja razoável. Esta noite é para os ricos e poderosos. Gente
importante, bonita e elegante. Você é alta e magra, tudo lhe cai bem. Mas, olhe
para mim. Sou baixa e redonda...
— É curvilínea, isso sim. E ouvi dizer que garotas com curvas voltaram à
moda.
— Não esta noite. Além do mais, não tenho unhas compridas, estou com
olheiras, e meu último corte de cabelos foi feito em meu banheiro com uma tesoura
quase cega.
— Tudo que precisa é de um dia em um salão de beleza. Manicure, pedicure,
cabeleireiro...
— Mas hoje tenho compromisso com Jess.
— Emily, pare. Você sabe que seus irmãos poderão acompanhá-la.
Val tinha razão. Os irmãos de Emily, Sean e Hugh, não deixariam sua caçula
sem companhia. E Val poderia ensinar-lhe como se comportar em um lugar tão
seleto.
— A resposta continua sendo "não". Não irei a um lugar no qual não seja
bem-vinda. E Michael Wolfe deixou bem claro que colaboradores não estão na
lista de convidados.
Val respirou fundo.
— É um baile de máscara, menina! Ele não saberá quem você é.
— Nem poderia, pois não me conhece.
Emily o vira várias vezes, de longe, mas Michael nunca olhara para ela.
Mantinha o nariz empinado, mirando em frente. Determinado, concentrado e
altivo.
Para Michael, Emily era apenas mais uma pessoa no andaime, como os
lavadores de janelas e os eletricistas, todos com um único objetivo: terminar o
serviço tão rápido quanto possível, com eficiência, e sair bem antes de o baile de
gala começar.
Pelo mesmo motivo o contrato proibia assinatura sob o serviço.
As duas amigas terminaram de desmontar a última parte do andaime e
carregaram os suportes para a saída.
— O trabalho falará por mim.

Capítulo II

O Salão de Chá Lord of the Isles pertencia à família Anderson fazia quase
trinta anos. Com dez mesas, uma acolhedora cozinha e um cardápio cheio de
guloseimas, o Isles sobrevivera a vários cafés e bistrôs, e era tradicional naquela
rua.
Moyra e Jack Anderson o decoraram de acordo com o gosto de Moyra, e o
lugar ligava-se por uma escada aos andares superiores, onde a família morava.
Desde a inauguração, poucas mudanças ocorreram no salão de chá. Não havia
máquinas de cappuccino e nada estrangeiro no cardápio.
Moyra se achava na cozinha quando Emily chegou e pôs a mochila no
balcão do caixa.
— Jess está aqui, mamãe?
— Ainda não chegou. Está com Hugh. E eu estou a ponto de matar seu pai.
Moyra era uma mulher pequena e severa. Seu sotaque escocês era forte, seus
bolos, macios, e qualquer um que pisasse em seus calos corria risco de vida.
— Sua mãe é exagerada... — Jack disse, do fundo do salão. — Estive
explicando como precisamos de um novo aparador e de uma televisão grande para
atrairmos os torcedores de futebol. E de uma autorização para vendermos bebidas
alcoólicas.
— Nada de bebidas, nem futebol. Isto é um salão de chá, não um bar.
— Temos de nos adequar à realidade, querida.
Emily meneou a cabeça e abriu o zíper da mochila.
Ao contrário da esposa, Jack Anderson era alto, orgulhoso e sempre disposto
a salvar seu próprio pescoço.
— Poderia ser salão de chá e bar ao mesmo tempo — ele continuava,
persuasivo.
Moyra resmungou, Jack ergueu os braços, e Emily ignorou a ambos.
Com quase quarenta anos de casados, não era a primeira vez que brigavam.
Emily tirou da mochila um par de sandálias de saltos altíssimos, que Val
garantira combinar com qualquer traje que escolhesse. Descalçou as botas e as
meias, e calçou as sandálias. Olhou para as unhas pintadas e apoiou-se numa
cadeira para manter o equilíbrio.
— Pediremos a opinião de Emily. — Jack se aproximou da filha. — Você
consegue ver um bar, aqui?
— Não, ela não vê — Moyra respondeu. — Este salão de chá é meu. Emily,
o que fez com seus cabelos?
— Fui ao cabeleireiro. — Ela deu um rodopio. — O que acham?
— Deve ter custado uma fortuna. — E Moyra voltou a sua massa.
Era a resposta tradicional de sua mãe a qualquer coisa nova: corte de
cabelos, roupas, amigos.
— Está adorável, meu amor! — elogiou-a Jack.
Emily sorriu e abraçou o pai.
Moyra estudou a filha, quando ela entrou na cozinha.
— Juro que um de nós não sobreviverá à aposentadoria dele.
— É ainda recente. — Emily deu um beijo na mãe. — Dê-lhe tempo.
— Já faz um mês! — Moyra franziu as sobrancelhas, enquanto polvilhava a
massa com farinha. — Vou ficar louca, tendo Jack por perto o dia todo.
— Considere-se uma mulher de sorte. Seu marido ainda quer ficar perto de
você. Ele apenas precisa alguma coisa para fazer, mamãe. Talvez um bar não seja
uma má idéia, mas não aqui no salão.
— Não irei comprar outra propriedade.
— Não precisaria fazer isso, se eu e Jess nos mudássemos. — Emily tentou
parecer casual, como se estivessem falando do clima, e não de seu futuro. — Você
e papai poderiam se mudar para o terceiro andar e abrir o bar no segundo.
— Aqui é seu lar, pelo amor de Deus! Não quero você e Jess indo embora
por causa das idéias malucas do seu pai. Se Jack quer alguma coisa para fazer, que
arranje outro lugar.
Os irmãos mais velhos de Emily, Sean e Hugh, trabalhavam com Jack na
Elétrica Anderson, e tomaram as rédeas da companhia um mês atrás. Moyra ainda
não pretendia se aposentar, mas não era segredo que esperava que a filha assumisse
o salão de chá.
Mas Emily não queria seguir os passos dela. E, se tivesse sucesso nessa
noite, não teria de fazer isso.
— Não quer me ajudar um pouco com esta massa, filha?
— Lamento, mas não posso estragar as unhas.
— Vai perder tempo em uma daquelas festas cheia de gente rica, onde
acabará sendo barrada na entrada.
— Não serei barrada, e será muito bom para minha carreira. Farei contatos
que não poderia conseguir em outro lugar. Obterei o reconhecimento que meu
trabalho merece.

Às quatro horas da tarde, Michael finalmente sentou-se à escrivaninha.


Passara a maior parte do dia com sua equipe para assegurar que tudo, desde o ar
condicionado até o sistema de segurança, funcionasse à perfeição. Como resultado,
tinha dez telefonemas para retornar e vários e-mails, e o envelope que Duane
trouxera do escritório central ainda fechado sobre a mesa.
Em ordem de prioridades, abriu primeiro o e-mail dos sobrinhos.
O assunto tinha o título "Adivinhe" e a mensagem era pequena: "Temos uma
surpresa para você! Nicholas e Ben".
Tinham cinco e oito anos e já sabiam o valor de ser breve. Michael previa
um grande futuro para os dois.
Clicou no primeiro anexo e viu a família do irmão aparecer na tela do
computador: Andy, sua mulher, Jill, e os dois garotos loiros e sorridentes. Por um
momento, sentiu inveja daquela bela família. Ele nunca teria filhos.
Durante muito tempo imaginara as crianças que poderia ter com Kate. Mas
sempre adiavam, como se tivessem anos e anos para se tornarem pais. No entanto,
Michael já conseguia conviver com isso. Afinal de contas, já fazia três anos.
Clicou no segundo anexo. Havia três fotografias.
Na primeira, eles estavam na frente de um terreno vazio, segurando um
cartaz que dizia: "Precisamos de uma casa". No segundo, olhavam para seus
relógios e o cartaz dizia: "Precisamos logo". E no terceiro: "Você pode nos
ajudar?". Michael digitou a resposta: "Não. Chamem Bill Johnson". E enviou o e-
mail.
A família de seu irmão sempre o convidava para ir a Toronto, mas Michael
nunca encontrava espaço na agenda. Assim, se Andy e Jill já tinham o terreno e
queriam construir uma casa, ninguém melhor do que Bill para dar-lhes uma mão.
A porta se abriu e Duane entrou.
— Pegou meu smoking? — Michael perguntou.
— Afirmativo. — E o rapaz colocou o traje e uma caixa sobre o sofá.
— Então, pode se retirar para se aprontar para o baile.
— Se não se importa, eu gostaria de saber o que o escritório central enviou.
Estou ansioso para arregaçar as mangas para trabalhar com o senhor. Já fiz uma
lista de fornecedores que podem nos ser úteis.
— Duane, já lhe informaram que costumo trabalhar sozinho?
— Há algumas menções a esse respeito em seu arquivo.
— Portanto, você entende quando digo que o chamarei se precisar de ajuda
certo? Tranque a porta quando sair.
Michael lembrou-se da abóbada do salão de baile pintada pela garota que
vira aquela tarde. Parecia ter dezesseis anos de idade, com aquele boné de beisebol
na cabeça, o rosto sardento, cabelos castanho-claros e um corpo curvilíneo demais
para uma adolescente.
Onde sua equipe a teria encontrado? Teria a jovem deixado seus cartões
sobre as mesas?
Michael lembrou-se da firma de arquitetura que tivera em Washington, a
Capitol, nome dado por Kate.
— Kate...
Kate Shaw, rosto delicado, cabelos negros e olhos castanhos-escuros. Sua
esposa, melhor amiga, seu único amor. Ela se fora, junto com a companhia, o
cachorro e todos os seus tolos planos. Nada sobrara além de alguns livros e uma
casa no Maine.
Michael se levantou, de repente inquieto, precisando movimentar-se,
respirar.

O sol da tarde filtrava-se pela janela do quarto que Emily partilhava com
Jess. Seu apartamento, no terceiro andar, não era grande, mas bem iluminado, e
Jess adorava morar perto dos avós. Seria difícil convencê-la a se mudar para outro
lugar.
— Linda! — Jess olhava dentro da caixa.
— Fabulosa — Hugh acrescentou.
— Você tem base? — Val quis saber. — Precisamos esconder suas sardas.
— Gosto muito delas.
— Precisa de uma pele de alabastro para combinar com os cabelos loiros,
Emily.
— Cabelos loiros... — Ela abriu a caixa da peruca loira. Ficou extasiada ao
ver a fantasia. O traje era de cetim verde-jade, mangas curtas bufantes e o corpete
tão decotado que a fez corar.
Jess pulava na cama.
— Eu não disse?! Eu não disse?!
— Você tem razão, querida. Sua mãe ficará divina. Agora, se nos dão
licença... — Val empurrou Emily para o banheiro, para ajudá-la a se vestir, e
fechou a porta.
Ela mirou-se no espelho da pia e sentiu-se encantadora. Seus olhos verdes
brilhavam. Fazia muito tempo que usava apenas jeans.
Sentia-se ansiosa para pôr a peruca loira, o que Val fez logo em seguida,
escondendo todos os fios macios e lustrosos de sua cabeleira castanho-clara.
A mulher que olhava para ela no reflexo era uma estranha. Uma estranha
belíssima, sensual. Sem saber o motivo, pensou em Michael Wolfe. Ele não a
reconheceria.
— Falta só a máscara — Val finalizou.
Emily voltou ao quarto. Jess e Hugh a olharam admirados, e, entusiasmada,
a menina bateu palmas.
Hugh tirou do bolso uma caixa de veludo. Dela tirou a imitação de um colar
de esmeraldas, com um par de brincos combinando.
— Você está fantasiada de quê? — Jess sussurrava, tocando o traje com as
pontas dos dedos.
— Sua mãe é uma loira fatal — Hugh disse. — Grace Kelly, Jean Harlow...
— Grace Kelly — Emily decidiu.
— Isso, Grace tinha classe. — Val sorria. — Agora precisamos ensaiar outra
parte. Peça para a vovó emprestar uma taça de vinho e um pratinho, Jess. Emily,
continue caminhando.
— Vai se divertir esta noite, minha irmã.
— Esta noite não é para diversão, Hugh, mas para minha carreira.
— Emily, você se deu conta de quanto tempo faz que não se diverte, não se
distrai um pouco?
— Séculos. — Pensativa, Emily olhou pela janela.

Capítulo III

Michael foi buscar um drinque. Já dançara com várias mulheres e tratara de


negócios com Judith Hill, a secretária executiva da Concord, e naquele raro
momento de quietude no salão apinhado, olhou ao redor. Naquele instante, viu uma
moça estonteante numa fantasia verde, sozinha, no centro do recinto, fitando o teto.
Do que estaria fantasiada?
Mas isso não tinha a mínima importância. Não via uma mulher tão atraente
quanto aquela fazia muito tempo. Cabelos loiros, pele clara, usando uma máscara
de borboleta. O que mais chamou sua atenção foi a boca suave e rosada.
Vários casais dançavam perto dela, que continuava a observar o teto,
imperturbável.
Um casal parou perto dela e também olhou para cima. Logo mais um casal
fez o mesmo, e vários outros os imitaram, enquanto um repórter do Times se
aproximava.
A garota que pintara a obra ia ficar satisfeita. Judith se aproximou de
Michael sorridente, e eles se dirigiram ao centro do salão, onde um repórter tirava
uma foto da beldade em verde. Quando chegou mais perto, Michael a ou viu falar.
Tinha uma entonação suave e refinada com um leve sotaque irlandês que ele achou
absurdamente sensual.
— Tudo o que sei do artista é o que vejo, mas tenho certeza de que deve
haver alguém por aqui que pode responder a sua pergunta.
Uma moça apareceu do lado do repórter.
— Sou Valerie Conan-Smythe, camareira do hotel. Talvez possa ajudá-lo.
— Imagino que sim. — O repórter sorriu-lhe.
A banda iniciou um swing, e um cantor subiu ao palco. Michael deixou
Judith, pegou duas taças de champanhe e seguiu em direção de Emily.
— Quem é você? — ele inquiriu.
— Como? — Emily engoliu em seco.
— Sua fantasia... Não sei do que é.
Emily não tirou a máscara, mas esboçou um sorriso... sutil.
— Achei que estivesse óbvio. Sou Grace Kelly, depois de se tornar princesa.
E você?
— James Bond. Antes de Roger Moore.
Emily pegou a taça que Michael se esquecera de entregar e tomou um gole
da bebida.
— Pena... Prefiro o novo.
Michael deu risada. Aquilo parecia meio estranho num homem que não tinha
muito senso de humor.
— Quem é você, na realidade?
Seus olhares se encontraram, e ela mentiu, dizendo o primeiro nome que lhe
veio à cabeça:
— Simone.
Ele olhou bem para os lábios dela e começou a descer o olhar pelo pescoço e
colo.
Emily apanhou um prato e começou a se servir. Simone estava começando
uma coisa que Emily não seria capaz de terminar, mas era incapaz de conter.
— E você? Quem é, na vida real?
— Michael Wolfe, gerente-geral dos Hotéis Concord.
— Que impressionante!
— Na verdade, não. Porém, pude perceber seu interesse pela pintura do teto.
Também é artista?
— Eu tento. Trabalho em uma galeria, em Boston, e estou procurando por
novos talentos. A busca sempre me deixa excitada, porque nunca sei onde acharei
um novo artista. Claro que viajo muito. Um dia Moscou, outro dia Rio...
— Onde mora?
— Onde eu estiver. Mas estou muito contente por estar em Manhattan, caso
contrário nunca teria visto aquela obra.
— Então, nossa artista estará em sua lista de revelações?
— Sem dúvida. Você a conhece?
— Apenas sei que é jovem, mas não sei quem é.
— O nome dela é Emily — alguém disse.
Eles se viraram e depararam com Bonnie e Clyde sorrindo.
— Emily Anderson. — Bonnie apontava para Val, no bar. — Aquela garota
deixou cartões com o nome e o número do telefone da artista, no balcão de
aperitivos. Disse que os trabalhos dela podem ser vistos em uma galeria do
Brooklyn. Estou pensando em chamá-la na segunda-feira para pedir que dê
sugestões para o banheiro do nosso chalé.
Emily suspirou. Banheiro... Chalé. Bem, já era um começo.
— Tenho certeza de que ficarão satisfeitos — Michael garantiu.
— Mal podemos esperar! — concluiu Bonnie.
— Quer dizer que gostou do que viu, Michael?
— Sim, até agora — ele afirmou, cheio de charme.
— Estou me referindo à pintura. Qual sua opinião?
— Muito bonita.
Emily pôs o prato sobre o balcão e foi até o centro do salão, seguida por
Michael.
Olhando para a abóbada, indagou:
— O que você vê?
— Cinco casais dançando — ele disse, sem olhar para cima.
— Mais alguma coisa?
— Um dos rapazes parece feliz.
— Acha que ela irá embora com ele?
Michael apertou os lábios, observando o arfar dos seios de Emily.
— Simone, isso é apenas um trabalho artístico.
— Algo assim é como uma pessoa, Michael. Com personalidade, um
passado, um presente e emoções conflitantes. Quando se olha para ele sabe-se que
alguma coisa está para acontecer, mas não se sabe o que é. E, como os seres
humanos, muitos deles têm segredos.
Michael inclinou a cabeça.
— E você vê esse segredo?
— Vejo, sem dúvida. Olhe para os sapatos dela.
Michael inclinou novamente a cabeça para o lado direito, depois para o
esquerdo, fazendo com que Emily risse.
— Não se esforce tanto. Apenas relaxe e você enxergará.
— Parece... Cinderela?!
— Você viu!
Michael pegou-lhe o braço e a conduziu à pista.
— Sabe que nunca entendi por que Cinderela fugiu?
— Porque seu tempo havia terminado. A mágica se desfez. O que ela
poderia fazer?
— Ignorar o relógio e divertir-se.
— Mas e se o príncipe não gostasse da realidade?
— Ele foi atrás dela, não foi?
— Certo. Mas isso é apenas um conto de fadas.
A música terminou, e Emily se flagrou parada, com a mão sobre o ombro
dele.
— Quanto tempo ficará na cidade?
— Partirei pela manhã. O que nos dá o mesmo tempo de Cinderela e o
príncipe.
A música recomeçou. Emily encarava Michael.
Não se encontrava pronta para partir. Estava gostando e se divertindo muito.
Apreciava o fato de que, como Simone, podia dizer ou fazer o que quer que fosse,
como ser bela e sensual e conseguir que Michael Wolfe prestasse atenção a ela.
Michael a olhava fixo, e seu desejo era evidente.
— Para onde você vai?
— Nova Jersey. Há um grupo de teatro lá que eu aprecio. Depois, não sei.
Nunca me demoro em um mesmo lugar. Mas não estou pensando nisso agora.
— E em que pensa? Problemas. Sexo. Confusão.
Na verdade, Emily não era o tipo de mulher de ter aventura de uma só noite.
Era conservadora e precavida. Era Emily, a boa moça: equilibrada, amiga e
previsível.
Mas e Simone?
Simone era uma mulher que viajava pelo mundo, enfrentava riscos todos os
dias e não tinha nada de convencional. Seria uma lástima fazê-la desperdiçar uma
noite como aquela, já que partiria na manhã seguinte. E Emily... Bem, teria o resto
da vida para ser boazinha.
Talvez Hugh tivesse razão. Tinha o direito de se divertir, de ter um momento
de loucura.
— Estou pensando que deveríamos ir para sua casa — ela afirmou, sem
vacilar.

Capítulo IV

O vestíbulo do hotel estava repleto de convidados fantasiados indo e vindo,


empregados entrando e saindo e o recepcionista atendendo a dois telefones de uma
só vez.
Michael e Emily eram apenas um casal a mais, por isso ninguém notou
quando ele pôs a mão nas costas dela, ao passarem pela recepção.
Apenas quando chegaram aos elevadores foi que Emily teve a exata
percepção do que estava para fazer, e estremeceu ao sentir Michael acariciando
suas costas.
O elevador parou no último andar.
— É aqui — ele disse com uma voz tão sensual que fez o coração de Emily
disparar e um calafrio lhe percorrer a espinha.
— Já era tempo — respondeu, desejando parecer sedutora. Mas os pés de
Emily estavam congelados, e ela não conseguia dar um passo para sair do ascensor.
Olhou para eles, sem saber o que fazer.
— Algum problema, Simone?
— Estou apenas verificando meus sapatos. Nunca se sabe quando se vai
perder um deles...
Saíram do elevador.
— Para que lado? — Emily indagou.
Michael observou o caminhar leve e rápido dela. Mal a conhecia e, na
verdade, nem era preciso. Não precisava saber de que lado dormia, se tinha gatos
ou cachorros, se a chamavam por algum apelido. Nem lhe importava seu
sobrenome. A única coisa que necessitava era ter certeza de que se divertiriam,
pois esse era o único objetivo dos dois.
— Em frente. — Michael pegou o cartão magnético e o inseriu na
fechadura. Sobre a porta lia-se: suíte imperial.
— Agora, estou mesmo impressionada.
— Não fique. — Ele abriu a porta para ela entrar. — Não é minha.
O apartamento estava escuro e silencioso, e os olhos de Emily logo foram
atraídos por uma fileira de altas janelas de onde se avistavam as luzes feéricas da
cidade.
— Que vista fabulosa!
— Por isso é chamada de suíte imperial. — Michael afrouxou a gravata,
tirou o paletó, ligou o som e acendendo alguns abajures.
— Espero que goste de vinho tinto. É o único que tenho.
— Gosto, sim. — Aceitou a taça que ele lhe oferecia e brindou:
— Saúde!
Afastou-se até a escrivaninha, ficando de costas para Michael, tomando
pequenos goles.
Notou os livros da estante, sentindo a atenção de Michael sobre si. Seu
sangue fervia mesmo sem ser tocada por ele.
— Do que você não gosta nesta cobertura? — ela quis saber, admirando os
objetos de decoração.
— Prefiro cores mais suaves.
Michael estava apoiado no bar, segurando a taça, já vazia.
— Nada aqui é seu?
— Apenas o computador e alguns livros. — Tornou a se servir e foi até
Emily, carregando a garrafa de vinho. — Viajo muito e considero meu lar todos os
lugares onde fico. Assim como você.
Simone era assim. Emily, ao contrário, não podia imaginar uma vida sem
pertences materiais, sem raízes.
— Mas você deve ter uma casa que lhe sirva de base, onde pode guardar o
que é seu — afirmou, enquanto ele se aproximava.
— Não tenho muitas coisas e nunca paro de trabalhar.
— No entanto, o pouco que possui deve ficar em algum lugar.
— Por quê?
— Porque sempre é assim.
Michael pôs a garrafa sobre a escrivaninha e a encarou.
— Desculpe-me, não quis parecer...
— Maine. Na costa do Maine.
Emily se pôs a imaginá-lo à beira-mar, de pé sobre um penhasco, o rosto ao
sol.
Espantou os pensamentos e observou os títulos dos livros na estante. Vários
eram de terror. Havia também alguns sobre jardinagem.
— Tem um gosto eletrizante para livros, sabia?
— Os de terror são meus, mas os de jardinagem, não. — Ele correu a ponta
dos dedos pelo braço dela. — Meu irmão acha que eu deveria relaxar de vez em
quando.
— E você?
— Nem sempre. — Beijou-lhe o ombro.
— Então... sempre lê livros de terror?
— Você sempre fala demais?
— Apenas quando estou nervosa.
— Eu a deixo nervosa? — Continuou a beijar-lhe o ombro.
— E curiosa. Preciso perguntar: você pratica mesmo jardinagem?
— Minha mulher costumava praticá-la.
— Você é casado?
— Ela morreu.
— Sinto muito.
— Eu também. Quer saber mais alguma coisa? — Michael voltou para o bar.
— Não.
Tudo o que Emily sabia sobre Michael eram rumores, a maioria
provenientes das pessoas que trabalhavam com ele. Diziam que Michael era um
tirano, mas nada sobre ele como pessoa, como ser humano.
Ele foi até a janela, bebendo a terceira taça de vinho, e Emily continuou
observando a estante, interessada em saber mais a respeito da mulher dele. Seu
nome, como era, que tipo de marido ele fora, se haviam sido felizes.
Não que ainda acreditasse em contos de fada. Ouvira muitas histórias sem
finais felizes, no salão de chá.
Fitou Michael, dando-se conta de que ele não devia ser aquela fera que
pintavam.
— Precisa saber que não estou procurando nada permanente, Simone. Se
você ficar esta noite, não seremos um casal pela manhã.
Simone, não Emily, tirou os brincos com toda a calma, colocando-os sobre a
mesa.
— Você se esqueceu de uma coisa: eu partirei amanhã cedo.
— Para Nova Jersey — murmurou, observando-a caminhar pela sala.
Ela apagou um abajur.
— Será apenas um momento de loucura... você e eu. — E Emily ficou
felicíssima quando o viu sorrir.
Michael tinha um sorriso lindo. Pena que não o usasse com freqüência.
Apagou as luzes que iluminavam o piso.
— Se conseguirmos encontrar um ao outro nesta escuridão... — ele brincou,
quando ela apagou outro abajur.
— Achei! — Emily estava perto o suficiente para sentir o calor do peito dele
e constatar o desejo estampado em seus olhos. — Quase como se fosse o destino,
não acha?
— Se acredita nesse tipo de coisa...
— No que você acredita?
— Que preciso beijá-la.
Michael segurou o rosto dela e beijou-lhe os lábios com delicadeza, com
ternura.
Emily cerrou as pálpebras, enlaçou os ombros dele e entreabriu a boca para
corresponder.
E Michael continuou até ela sentir as pernas fracas e o coração disparado.
Ele se afastou um pouco e deslizou o polegar pelos lábios dela.
— Tem certeza de querer isso, Simone?
Pela primeira vez, Emily não precisou de Simone para decidir:
— Nunca estive mais segura em toda minha vida.
Michael a conduziu até o sofá e a fez sentar-se e recostar-se nas almofadas.
Ajoelhou-se perto dela para tirar suas sandálias, uma de cada vez.
Em seguida, sentou-se a seu lado, e os dois ficaram face a face.
A pele de Emily era alva em contraste com a cor das almofadas, iluminada
apenas pela claridade que vinha da janela e, através da máscara, ela pôde ver que
ele a analisava sem pudor.
Michael fez menção de tirar a máscara, mas foi impedido.
— Não, por favor.
Michael meneou a cabeça, concordando. Para ele não fazia diferença.
Achava até interessante e misterioso. Afastou uma mecha da testa dela.
— Você tem medo de mim, Simone?
— Não. Sim... — Sorriu, apoiando as mãos no tórax dele, com timidez. —
Beije-me.
Michael experimentou uma estranha sensação ao se inclinar para beijá-la.
Pensou uma, duas vezes, que ela não parecia uma mulher experiente, que tem por
costume dormir com homens que mal conhece. Porém, com aquela boca colada na
dele e a volúpia tomando conta de seu corpo, tudo o que podia fazer era acariciar-
lhe os seios e o corpo.
O corpo do vestido era fácil de tirar e Michael logo se livrou dele para que
pudesse lamber os mamilos de Emily. Enfiou a mão sob o tecido, acariciando-lhe
as coxas e chegando ao elástico da calcinha.
Esperou que ela o ajudasse, e Emily enrubesceu, grata por estarem na
penumbra e ele não poder notar. Fechou os olhos e ergueu os quadris, sentindo a
calcinha deslizar para baixo. Mal conseguiu respirar quando Michael começou a
erguer sua saia.
Ele não demonstrava pressa. Pôs-se a beijar-lhe os joelhos e as pernas sem
pressa, satisfazendo seus próprios anseios, mas assegurando-se de que também ela
ficasse excitadíssima.
Naquele momento, Emily concluiu que Michael devia ter sido um ótimo
marido.
Fazia tempo que Michael não via uma mulher tremer a cada toque, suspirar a
cada beijo e excitá-lo dessa maneira. Teve outra vez a impressão de que ela não
tinha uma experiência como aquela fazia muito tempo. E decidiu ir ainda mais
devagar, fazendo, se possível, com que aquilo durasse toda a noite.
A saia estava na altura da cintura dela, e Emily, sentindo-se bela e corajosa,
abandonou-se àquelas carícias.
Emily tivera poucas experiências sexuais. Na adolescência, com Brad, e
relações fortuitas com Vince. Mas queria que Michael soubesse que estava
gostando muito e que poderia ficar ali para sempre.
Michael sorriu, desabotoou a camisa, desceu e zíper da calça e estava pronto
para possuí-la. Queria vê-la gemer de prazer e murmurar seu nome.
Enterrou a cabeça no pescoço de Emily e se posicionou entre as coxas dela.
— Simone...
Quem quer que ela fosse, mesmo que estivesse em Nova Jersey no dia
seguinte, agora era dele e ansiava por ele. O que mais poderia querer?
— Simone... — ele murmurou mais uma vez, mas ficou quieto quando ouviu
o cartão ser inserido na fechadura, e sentou-se rápido quando ouviu a maçaneta
girar.
— Sr. Wolfe?
Emily deslizou começou a se recompor.
Michael se pôs na frente dela, para que não fosse vista, esperando que seu
próprio corpo entendesse que a festa tinha acabado e ele pudesse colocar a calça.
— Sr. Wolfe, o senhor... — A mão de Duane parou no interruptor. — Oh,
desculpe-me!
— Apague a luz, Nugent.
— Vim apenas para...
— A luz, Nugent.
A sala tomou a ficar às escuras. Emily, de joelhos, procurava as sandálias.
— Estão precisando do senhor lá embaixo. Vão anunciar alguma coisa. A
srta. Hill mencionou seu nome e...
— Saia daqui — Michael ordenou, com os dentes cerrados.
Duane assentiu e caminhou para a saída.
— Posso dizer que o senhor já vai?
— Diga qualquer coisa. — Michael sentou-se ao lado dela, que calçava os
sapatos. — Simone, sinto muito.
— Não se preocupe. — Erguendo-se, ela ajeitou os cabelos, alisou a roupa e
teve o cuidado de não encará-lo. — De qualquer modo, já é meia-noite.
— Ainda não. — Tentou segurar-lhe a mão, mas Emily se afastou.
— Adeus, Michael. — E passou por ele com o mesmo andar gracioso que
admirara no salão de baile.
— Quando poderei vê-la?
— Não poderá.
— Sendo assim, me telefone. — Michael apanhou um pedaço de papel do
bloco sobre a escrivaninha. — É meu telefone particular. Apenas eu o atendo.
Emily aceitou o papel e virou a cabeça, ao passar por Duane. Michael
suspirou e acendeu um abajur. Duas mulheres perfeitas em um só dia. Fora um
recorde.
— Senhor?
— Por que ainda está aqui, Nugent? E por que não acende essa droga de
luz?!
Duane atendeu ao patrão.
— Tenho de ter certeza de que o senhor voltará para o salão. A srta. Hill foi
muito clara a esse respeito.
De soslaio, Michael viu o brilho das esmeraldas sobre a mesa.
— Nugent, saia!
— O senhor descerá?
— Irei já. Agora, vá!
Duane meneou a cabeça e disse, da soleira:
— Sr. Wolfe, não esqueça o paletó.
— Mais uma palavra e eu ficarei aqui pelo resto da noite. Quando Duane se
foi, Michael se dirigiu à janela, a tempo de vê-la entrando em um táxi.
Uma linda mulher fugindo dentro da noite.
Ao olhar para os brincos, entendeu muito bem como o príncipe de Cinderela
se sentiu.

Capítulo V

Emily ajeitava algumas caixas sobre o balcão. Olhou para a caminhonete de


Hugh estacionava na frente do salão de chá. As luzes da rua estavam acesas, e o sol
ainda não havia nascido. Em poucas horas, Sean chegaria, e os três tomariam conta
do estabelecimento enquanto Moyra e Jack iam para a casa dos amigos Dave e
Hazel.
Hugh estava dormindo quando Emily ligara para seu apartamento, e viera
sem perguntar nada. Agora estava na porta com um pacote de biscoitos
contrabandeados que eles iriam comer enquanto Moyra ainda dormia. Seus irmãos
sempre a apoiaram, em qualquer circunstância. E fora Hugh quem escutara seus
desabafos e seus prantos, porque ele sabia o que era sofrer uma desilusão.
— Chocolate e amêndoa — Hugh sussurrou, olhando para a escada. — Se
formos pegos, direi que foi culpa sua.
Emily riu, apontando uma mesa no canto do salão. Hugh sentou-se na frente
dela e lhe passou o pacote de biscoitos. .— Diga-me o que há de errado, irmãzinha.
— O Hotel Brighton quer outro trabalho. — Serviu-se. — Judith deixou um recado
em minha secretária eletrônica, ontem à noite.
— Parece-me uma boa notícia. — Hugh apanhou o bule de chá.
— Seria, se ela quisesse um mural para o vestíbulo, ou para o spa, ou
mesmo para o banheiro. Porém, decidiram que precisam de uma pintura na
cobertura.
— E por que isso é ruim?
— Porque Michael mora lá.
— Espere um pouco. Quem é Michael?
Apenas um homem com os olhos mais escuros e o toque mais suave que ela
já conhecera. Um toque que a virara do avesso, pusera bambos seus joelhos e a
fizera querer coisas que a faziam corar.
— Michael foi meu momento de loucura.
— Ah...
Emily foi até a janela.
— Por que fui escutar você?
— Pelo jeito, deduzo que a noite passada foi boa, e não vejo nada de errado
nisso.
Ela olhou para o próprio reflexo na vidraça.
— Hugh, eu agi como uma à toa.
— Duvido. — Deu risada.
— Você não estava lá.
— Certo, falemos com franqueza. Vocês fizeram sexo?
— Tecnicamente, não.
— Nesse caso, não agiu como uma à toa, pois alguém assim teria feito sexo
tecnicamente.
Emily voltou para a mesa.
— Não está entendendo, Hugh. Se não tivéssemos sido interrompidos, eu
teria feito. No sofá.
Hugh molhou o biscoito no chá.
— Emily, acredite em mim, o sofá não é um lugar impróprio para se fazer
sexo.
— Para mim, é. — Sentou-se. — Foi aquele vestido. Ele deve estar
possuído. E eu perdi os brincos!
— Bem, agora é sério. Vai precisará devolver tudo às cinco.
— Não estou preocupada com isso. Ele me deu seu número de telefone
particular. Ligarei como se fosse Simone. Foi esse o nome que dei a Michael.
Telefonarei como se fosse ela e pedirei que deixe os brincos na recepção.
— Vocês têm um encontro?
— Michael deixou uma mensagem logo depois de Judith. Para Emily, claro.
Quer que o encontre na cobertura, às nove da manhã. Nem perguntou se posso ou
não. Apenas deu a ordem como se eu não tivesse minha própria vida. É o que ele
faz: dá ordens. É o homem mais irritante que já conheci!
— Mas... você gosta dele, não é?
— Diz isso porque não o conhece. Michael Wolfe nunca poderia ser meu
tipo. É intenso demais, autoritário demais, másculo demais.
— Preferia que ele fosse afeminado?
Emily bateu no irmão com o guardanapo.
— Prefiro alguém que não me deixe descontrolada. Que não me beije até me
fazer ficar fora de mim, que não me vire de cabeça para baixo.
— E ele fez tudo isso?
— E muito mais. Por isso não posso ir à cobertura. Estarei perdida se
Michael me reconhecer.
Hugh se inclinou sobre o tampo e segurou-lhe a mão.
— Se o camarada gostou de tê-la conhecido, ficará satisfeito de tornar a vê-
la.
— Hugh, não fui eu quem ele conheceu ontem à noite, mas Simone. Terei de
dizer a Judith para encontrar outro artista.
— Não pode fazer isso se quer mesmo sair do salão de chá.
— Mas o que farei com Michael?
— O que você quer fazer?
— Não tenho a mínima idéia.
— Se eu tivesse gostado tanto do que aconteceu, iria querer repetir a dose.
— Hugh ergueu os olhos ao ouvir o andar de Moyra na escada. — Apresse-se, mas
lembre-se do que eu falei.
Emily o seguiu até a porta.
— Eu ouvi você, e veja o que me aconteceu.
Hugh parou, com a mão na maçaneta.
— Um momento de loucura com um homem de que você gostou, algo que
não tinha há muito tempo.
— Não é verdade. Houve Vince... Bem, ele não conta.
— E antes de Vince? Apenas Brad, e isso já faz seis anos. — Hugh fez um
carinho no rosto da irmã. — Emily, escute-me. Você tem sido tão boa desde que
Jess nasceu, como se estivesse expiando um pecado. Não tem de se sentir culpada
pelo que houve. É uma moça tão bonita, tem o direito de se divertir de vez em
quando.
Ele meneou a cabeça quando Emily começou a protestar.
— Não tente me dizer que não gostou dele, porque é óbvio, está em seus
olhos. — Hugh fitou a escadaria e falou mais baixo: — Olhe, sei que há homens
imbecis. E se esse rapaz a levou para o sofá, é sinal de que também gostou de você.
Antes de decidir se tomar celibatária, pense bem. Pode ser que Michael a queira
também.
— E o que eu farei quando ele se for, depois de algumas semanas? E,
mesmo que não vá, Michael já deixou bem claro que não quer nenhum
compromisso.
Hugh ergueu o queixo da irmã e sorriu.
— Todo relacionamento tem de ter um objetivo? Você não pode apenas se
distrair um pouco? Não vê o que tem perdido em todos esses anos?
— Você é uma má influência, Hugh Anderson.
— Eu tento.
— Mesmo que ouça o que você está me dizendo, posso não ser o tipo dele.
Michael namora mulheres como Simone.
— Mas Simone não voltará. E, se o sujeito não perceber que você é melhor
do que ela, então não a merece.
— Hugh? — Moyra chamou-o. — Você está aí?
— Estou saindo, mamãe.
Emily escondeu o pacote de biscoito e limpou as migalhas da mesa.
— Você voltará? — Emily perguntou ao irmão. — Papai e mamãe vão ao
aniversário de casamento Dave e Hazel, lembra?
— Como poderia esquecer? — Empurrou a porta e ainda se voltou para ela.
— Pegue o serviço. E Michael também.
Pegar Michael. Divertir-se...
Emily suspirou e mirou seu reflexo no vidro da janela.
— Por que Hugh veio tão cedo?
— Veio tomar o desjejum.
Moyra pegou as xícaras da mesa.
— Afinal de contas, quem é Michael?
Emily não se espantou. Os ouvidos aguçados de Moyra eram famosos.
— Um cliente. Fiz uma pintura para o baile, e eles querem outra. Vou me
encontrar com ele esta manhã, no Brighton. — Foi até a escada. — Sairei em
quarenta minutos. Creio que Jess já estará acordada, mas se não estiver, pode
lembrá-la de ir à aula de dança? Sean a pegará às oito. Quer alguma coisa do
mercado?
— Talvez um pouco de presunto. Emily, espere.
Ela se virou. Moyra analisou o semblante da filha.
— Esse cliente... Não está envolvida com ele, está? Não é de minha conta,
afinal é adulta e pode fazer suas escolhas. Mas me preocupo com você. E com Jess.
Tenha cuidado.
— Não se preocupe. Não há nada entre Michael e mim.

A porta do elevador se abriu, e Emily deparou com Michael pegando o


jornal.
— Pensei que tivéssemos dito nove horas.
— O senhor disse às nove. Eu, não. E, como tenho planos para o resto do
dia, terá de ser agora ou na segunda-feira.
— Acho melhor agora, então.
Michael ainda não entendia por que Judith insistira em fazer outro trabalho
artístico e por que não consultara o decorador do hotel primeiro. Mas, desde que a
pintora não ficasse em seu caminho, poderiam ter quantos quisessem.
— Entre. — Ele lhe deu passagem. — Você é Emily, certo?
Ela era engraçadinha. Vestia jeans e camiseta, e agora ele via que não era tão
jovem como imaginara. Aqueles curvas não tinham nada de infantis.
Tomou um gole de café e a levou até a escrivaninha.
— Presumo que Judith lhe tenha dito que a sua obra fez muito sucesso.
— Ela comentou que algumas pessoas a notaram.
— Algumas? — Michael riu. — Acredite-me. Ele fez sucesso. Até eu gostei.
— Estou lisonjeada.
— Não fique. Falei com honestidade. E, como o decorador não foi chamado,
eu, como gerente-geral, dou-lhe carta branca. Judith apenas pede que seja
original...
— ...combinando com o ambiente e sem assinatura — ela completou,
sorridente. — Ela mencionou isso no recado. Você não tem idéia do que gostaria
que fosse pintado?
— Nenhuma. — Sentou-se ao computador. — Mas você, sim, o que torna
minha tarefa mais fácil. Quer um pouco de café? — E apontou a cafeteira no bar.
— Não, obrigada. Mas o senhor está se arriscando. Como sabe que não
ficará frustrado?
— Porque olhei bem a pintura que você fez no salão de baile. E uma mulher
que entende de arte me mostrou o que eu não havia reparado.
— E o que era?
— Cinderela. Não havia notado que ela estava lá.
— Nunca se sabe o que se encontrará quando se chega perto de um trabalho
como aquele. E quem era essa mulher que entende de arte?
— Uma convidada. Simone. Ela ficou sua fã. Estou surpreso por não tê-la
chamado. Acho que também irá querer um mural.
— Acho que vou aceitar um pouco de café — Emily disfarçou.
Michael voltou a atenção para a tela do computador.
— Pode me servir mais café, já que está perto da cafeteira? Preto e sem
açúcar. Obrigado.
Michael leu um e-mail de Judith: "Todos no hall, às dez".
— Tem alguma coisa que eu deva saber sobre essa fã? Como é, a cor de seus
olhos, alguma marca particular? Para o caso de ela me telefonar. Não quero
enfrentar um completo estranho.
— Simone é linda, tem olhos verdes e, que eu me lembre, não possui
nenhuma marca. Bem, precisamos combinar preço e quanto tempo levará para
fazer o serviço. Quanto mais rápido, melhor, para que eu tenha meu escritório de
volta.
Michael olhava para o jornal, boquiaberto. Na primeira página havia um
retrato dele, e atrás, desfocada, mas bela, Simone.
— Esta é Simone.
— Bonita. Tenho uma coisa para mostrar que tornará tudo mais simples para
nós.
— Ótimo.
Michael abriu a gaveta de uma cômoda e de lá tirou um par de brincos de
esmeraldas que apertou na palma da mão. Um momento de loucura, ela dissera.
Nunca perdoaria Nugent por tê-los interrompido.
— Tem certeza de que não quer nada específico? — ela perguntou, olhando
para o teto.
— Sim, tenho. Ah, desculpe-me! A parede atrás da escrivaninha é que
deverá ser pintada, não o teto. Desta vez será um mural. O que quer me mostrar?
— Pôs os brincos sobre a escrivaninha.
— Meu porta-fólio.
Nunca deveria ter dado ouvidos a Hugh. Ele era um romântico incurável.
Acreditava no poder do amor.
Emily suspirou quando Michael dobrou o jornal, com a foto de Simone
virada para cima.
— Já tem algo em mente?
— Deverá ser uma coisa que incorpore a vista. — Ela levou o porta-fólio até
a ele e o abriu. — As janelas e a cidade fazem parte do ambiente, e acho que o
tema deve continuar a ser o mesmo: um mundo de fantasia.
— Parece bom. Qual o segredo deste desenho aqui?
— Você terá de descobrir sozinho.
Emily olhou para o par de brincos.
— São jóias antigas?
— Pertencem a Simone. Ela os esqueceu ontem.
— Posso vê-los? Não consigo resistir a um formato interessante. E esses
brincos são uma beleza, não acha?
— Não, não acho. Para mim, são de um padrão comum.
— São iguais aos que o príncipe Albert deu à rainha Vitória no dia do
casamento. Não são tão grandes, lógico, mas muito semelhantes.
Michael continuou a folhear o livro até que chegou a uma paisagem
africana. Tudo o que ele queria estava lá: montanhas, árvores e animais. Mas não
era uma paisagem comum. Havia tensão, como se alguma coisa estivesse para
acontecer.
Fitou Emily. Ela era uma moça estranha. Bem natural, olhos verdes e muito
talento. Fechou o porta-fólio e se dirigiu ao bar.
— Como sabe tanta coisa sobre Albert e Vitória?
— Você se admiraria com o que se pode aprender quando se é criada em
uma genuína casa de chá escocesa.
Michael viu que em seu celular havia uma mensagem.
— Foi isso o que aconteceu com você?
— Já ouviu falar do Lord of the Isles?
— Lamento, mas não.
— Por onde tem andado? Todos em Manhattan atravessam a ponte para
comer nossas tortas e nossos pães.
— Vou me lembrar disso. Há uma mensagem. É de Simone. Michael sorriu
ao ouvir o recado que ela deixara mais cedo.
Dizia que se divertira muito e que gostaria que tivesse durado mais. De
súbito, ele ficou sério.
— Ela precisa dos brincos. Alguém virá pegá-los.
— Bem, tenho de voltar ao Isles. Já que estou descendo, posso levar os
brincos até a recepção.
— Tudo bem. — Michael os colocou em um envelope e os deu a ela, no
momento em que Duane entrava na suíte.
— Sr. Wolfe... — Ao deparar com Emily e Michael, ele se virou. —
Desculpem-me, posso voltar mais tarde.
— Nugent, fique. — Indicou Emily. — Já se conhecem?
— Sim. Adorei seu trabalho no salão de baile, srta. Anderson, e anseio por
ver o mural que irá pintar na cobertura.
— Obrigada. — Emily o brindou com um lindo sorriso.
Michael meneou a cabeça. Ela era mesmo estranha.
— Até segunda-feira, sr. Wolfe.
— Pensei que fosse começar amanhã. — Ele a acompanhou até o elevador.
— E me trate por Michael.
— Não trabalho aos domingos.
— Mas não combinamos o preço, nem o tempo que demorará.
Ela apertou o botão.
— Segunda-feira trarei um orçamento. Acho que precisarei de duas semanas.
— Você foi tão rápida no salão de baile...
— Estamos no verão. Pretendo aproveitar um pouco.
— Três dias e tudo estará acertado.
— Duas semanas ou nada. — Emily entrou no ascensor, acenando com os
dedos, enquanto a porta fechava.
Só naquele momento Michael percebeu que não tinha colocado nenhum
bilhete no envelope.
— Os brincos... — ainda conseguiu dizer.
— Não se preocupe. Eu os deixarei na portaria.
Michael retomou à suíte e pegou o telefone.
— Sim, aqui é Michael Wolfe. A srta. Anderson deixará um envelope na
portaria. Quando alguém vier buscá-lo, avise-me. — Fez uma pausa. — Como
assim, ela não parou aí? Chame-a, por favor... Certo, obrigado.
Ele passou os dedos pelos cabelos.
— Ela se esqueceu de deixar o envelope.
— Como, senhor?
— Emily se esqueceu de deixar o envelope — repetiu e foi até a janela. — O
que significa que não farei o tour com Judith.
— Aonde o sr. vai?
— Ao Brooklyn. — Michael a viu atravessar a rua e desaparecer no metrô.
Olhou para Duane, sorrindo.
— Que tal comer uma deliciosa torta, Nugent?

Capítulo VI
— Estamos saindo... — Moyra disse, ainda na cozinha, a bolsa em um dos
braços e um belo pacote no outro, parecendo uma mãe nervosa por ter de deixar o
filho com a babá.
— Eles renovarão os votos às dez horas, e depois haverá um almoço. Tudo
bem, Emily?
— Tudo ótimo. Esse vestido é mais bonito que o último, não é Hugh?
— Uma beleza. — Hugh pôs uma colherada de doce de coco na torta. —
Azul sempre foi sua cor favorita, e é bom ver que tem pernas.
— Por sinal, pernas fabulosas — Jack declarou. — Por isso me casei com
ela.
— Você se casou comigo por causa de minha comida — Moyra retrucou,
olhando Emily, que abria a massa. — Com delicadeza, menina.
Emily diminui a pressão e continuou trabalhando. Fazia vários meses que os
pais não saíam, e ela queria Moyra feliz. No entanto, quanto mais abria a massa,
menos a mãe sorria.
— Eu deveria ficar para fazer isso e... — Moyra colocou a bolsa sobre o
balcão.
— Deus do céu! — Hugh murmurou, pondo as tortas no forno.
— Dave e Hazel não os perdoarão se chegarem atrasados.
— É verdade. — Moyra se afastou do balcão da cozinha. Jack a esperava à
soleira, assobiando e agitando as chaves do carro, gesto que deixou Emily
desconfiada.
— Prometa que não falará de bares, nem de discos voadores — Moyra
pediu, fingindo ajeitar a gravata do marido.
— Prometo.
O pai concordou com tanta facilidade que Emily ficou ainda mais
desconfiada. Estaria Jack tramando alguma coisa?
— Por que não tiram o dia de folga? — Hugh sugeriu, acompanhando-os até
a saída. — Jantem e vão a um cinema.
— Cinema? — Moyra fitou Jack. — Que filme veríamos?
O marido deu de ombros.
— Contanto que não seja um dramalhão...
— E contanto que não tenha perseguição de carros. Hugh, você terá tudo
pronto quando os fregueses chegarem?
— Tem minha palavra. — E empurrou-os para fora.
— Telefonarei assim que puder.
— Certo. — Hugh acenou-lhes, quando entraram no carro e partiram. —
Ainda bem que eles não têm um celular...
— É muito bom sabermos que aqueles dois se amam.
— Adivinhe o que eu trouxe comigo. — Hugh abriu a mochila. — Minha
máquina de cappuccino!
— Graças a Deus que mamãe não viu!
— É preciso ter visão do futuro. — Hugh retirou também uma placa com os
dizeres: "Café expresso, leite e cappuccino". — Onde acha que eu devo colocar
isto? Na vitrine ou no balcão de sanduíches?
— Em sua mochila.
Hugh chegou bem perto da irmã e lhe tocou o ombro.
— Quando irá dizer para mamãe que não quer o salão?
— Já dei algumas dicas.
— Aposto que ela não entendeu. Não sei por que resiste a mudanças, Emily.
— Porque o Isles tem tradição.
Emily sabia que o Isles era como um filho para Moyra, e uma continuação
da sala de visitas, onde os fregueses podiam relaxar e sentir-se em casa. Era a
herança que sua mãe deixava para a filha, e Emily tinha de descobrir um modo de
não magoá-la.
— Em minha opinião, existe uma tênue diferença entre tradição e
estagnação. Não há necessidade de muitas mudanças, querida. Apenas algo novo
no cardápio, menos franjas nos abajures e um novo mural. Talvez um nu.
— Mamãe ficaria chocada. Mas as senhoras escocesas adorariam.
— Sendo assim, comece amanhã. Faça modificações e talvez ela chute você
para fora do salão. É o melhor que pode acontecer, acredite no que digo.
— Não, obrigada. Prefiro agir com mais lentidão.
A família Anderson era muito unida, mas havia certas coisas que não se
discutiam, como mudanças e o fato de Hugh ser gay. Ele ergueu a tabuleta e a
entregou à irmã.
— Bem, se não quiser pintar o nu, pelo menos pendure isto. Vamos fazer
uma experiência. Aliás, como foi a ida à cobertura?
— Boa e má. Michael ainda pensa em Simone, não percebeu que somos a
mesma pessoa, mas consegui apanhar os brincos.
— Ótimo! Por que não confessa a verdade a ele?
— Michael não tem o mínimo interesse por mim.
O telefone começou a tocar. Emily pôs a tabuleta na vitrine, tentando se
convencer de que não era uma traidora; apenas uma cientista fazendo uma
experiência.
— Quero esquecer que aquela noite existiu e continuar com minha vida de
celibatária.
— Covarde! — Hugh exclamou.
Emily foi atender ao chamado, esperando que não fosse a mãe.
— Lord of the Isles. — Olhou para a porta, por onde Val entrava com o
jornal na mão.
— Foi uma noite de sucesso ou não?
— Sim, é Emily — ela respondeu no telefone, erguendo o polegar para a
amiga.
Sorridente, Val falou com Hugh:
— Ela estava um luxo. Nós deveríamos ser sócios, Hugh.
— “Transforme-se sob os cuidados de Val e Hugh”. Gostei!
Emily acenava e apontava o aparelho.
— Uma entrevista?
— Quem é? — Vai quis saber.
— O jornal — Emily respondeu, tapando o bocal. — Sim, amanhã estará
bem. Não, não me importo que haja fotógrafo. No Hotel Brighton. Às oito da
manhã... Na cobertura. Sim.
Vai agarrou o braço de Hugh, encarando-o.
— Cobertura? Que cobertura?
— A de Michael Wolfe. Emily esteve lá ontem à noite e hoje de manhã.
— Emily esteve com Michael Wolfe?! Por quê?
— Nossa garota cresceu, meu bem.
E Hugh fez um resumo da véspera, incluindo a perda dos brincos. Quando
terminou, Emily desligou.
— Por que você não me contou?! — Val quase gritou.
— Não há nada para contar. — Emily, franziu as sobrancelhas.
— Outro trabalho no Brighton não é nada?
— Eu ia lhe dizer. — Emily foi até o caixa e pegou o envelope onde estavam
os brincos, entregando-os à amiga.
— Você tem muita sorte, amiga.
— Nem tanto. Michael Wolfe não está interessado em mim.
— Ah, sei... E por que ele está aqui? — Val apontou para a janela.
Emily congelou, e Hugh apertou o braço de Val.
— Qual dos dois?
— O alto e moreno...
— Ora! É um moço bonito, embora aquela ruga entre as sobrancelhas o
deixe com uma expressão ameaçadora. Quem está com ele e por que se veste
daquela maneira?
— É Duane, seu assistente — informou Emily. — O rapaz é um tanto
eclético no que se refere a roupas.
— Pobrezinho... — Val meneou a cabeça. — Duane precisa de orientação.
— O que será que trouxe o sr. Wolfe até aqui, irmãzinha?
— Nossas tortas — Emily falou por entre os dentes.

Assim que entrou, Michael pediu a Hugh café expresso para dois e, ao ver
Emily entrando na cozinha, seguiu-a.
— Oh, céus, você me assustou! Podia ao menos ter tossido.
— Desculpe-me.
— Tudo bem... Então, o que o traz aqui?
Michael se curvou sobre o caldeirão de sopa sobre o fogão e aspirou o
aroma. "Delicioso."
— O orçamento do mural.
— Espere até segunda-feira que o preço será melhor. — Ela foi até a
geladeira para pegar o salmão, e ao se abaixar a saia curta exibiu suas pernas
perfeitas.
— Sabe que não deveria trabalhar com uma saia dessas?
Foram interrompidos pelos gritos de uma menina que entrava correndo.
— Mamãe! Mamãe!
Emily deixou o salmão na bancada e foi receber a garota.
Michael encostou-se no balcão, observando uma criança de uns cinco anos
de idade, vestida com roupa de balé, se jogar nos braços de Emily.
— Como foi a aula de dança, amor?
— Ela foi a melhor — afirmou Sean, que entrou junto com a sobrinha.
Michael passou a mão pelos lábios secos. Como não pensara que Emily
poderia ser casada e ter filhos? Talvez por parecer tão jovem e não usar aliança.
— Tio Sean falou que você trouxe sua máquina de cappuccino, tio Hugh.
"Os dois homens são irmãos de Emily..." Não que isso tivesse alguma
relevância para Michael. Era apenas um fato. Como era fato também a garota ser
muito parecida com a mãe, inclusive as sardas e o belo sorriso.
— Fiz tortas especiais para você — Hugh disse à garota.
De súbito, Michael sentiu-se estranho. Não pertencia àquele lugar. Assim,
retornou ao salão.
Duane conversava com Valerie Conan-Smythe. Michael, então, pôs-se a
observar um mural em uma das paredes. Claro que deveria ter sido pintado por
Emily.
Não pôde deixar de perguntar-se onde estaria o pai da garota e por que não
havia fotografias de Emily em companhia de um homem.

Capítulo VII

— Estou lhe dizendo, Emily, o homem não lhe é indiferente.


— Você está louco, Hugh.
— Alguém está interessando em você? — Sean quis saber.
— Quem é? — Jess se intrometeu conversa.
— Ninguém — Emily disse.
— Mostre-me quem é, Hugh.
— Não faça isso... — Emily murmurou.
— Aquele que está examinando o mural — Hugh informou ao irmão.
— Qual? — Jess continuava interessada.
— Ninguém! — Emily repetiu.
— Ele sempre tem aquele jeito de bravo? — Sean torceu o nariz.
— Quem? — Jess tornou a perguntar.
— Ninguém! Vamos voltar a trabalhar, por favor. — Emily quis dar fim
àquilo tudo.
— Ela gosta dele, mas pensa que o camarada não está interessado — Hugh
continuou.
— Quer que eu bata nele? — Sean se ofereceu.
— Ainda não. — Emily não conseguiu deixar de rir. — Primeiro vamos ver
o que ele quer.
— Quem quer o quê? — Jess insistia.
— Ninguém! — disseram os três em uníssono.
Hugh apanhou o salmão.
— Achei que o sanduíche especial fosse com presunto, Emily.
— E é. Esqueci-me de comprar. Mas não se preocupe, irei às compras ainda
hoje.
— É claro. — Hugh guardou o peixe na geladeira e se dirigiu ao irmão: —
Ela esteve com ele esta manhã. Assunto estritamente comercial.
— Ah... entendo...
Cansada daquela conversa que não fazia o menor sentido para ela, Jess foi se
sentar com a sra. Dempster e a sra. Fitzhenry, que tinham acabado de chegar.
Emily retornou ao salão, e Michael se aproximou, sorrindo.
— Sua filha se parece muito com você.
— Não é mesmo? Gostou do café expresso?
— É muito bom, mas não era o que eu esperava de um salão de chá.
— Oh, há muita coisa inesperada por aqui...
— Mas não consigo descobrir o segredo. — Ele indicou o mural.
— É porque nesse não há segredo. Esse mural foi pintado há anos, com uma
técnica simples e sem sofisticação. Se você entrar em alguns estabelecimentos
desta rua, verá murais bem melhores do que o meu.
— Então esta rua é como se fosse uma galeria particular de seus trabalhos?
— Mais ou menos. Mas pararam de encomendar murais quando comecei a
cobrar.
— Você pode parar um pouco de trabalhar? — Michael perguntou. Emily
fitou a cozinha, onde seus irmãos, atarefados, fingiam não estar prestando atenção
a eles.
— Na verdade, tenho de ir à mercearia. Quer me acompanhar?
— Por que não?
— Vou pegar minha bolsa e ver se Jess quer ir junto. Mas... diga-me uma
coisa: por que veio até aqui?
— Vim buscar os brincos de Simone. Você se esqueceu de deixá-los na
recepção.
Emily gelou.
— Não! Tem certeza? — Ela enrubesceu.
— Sim, tenho. Perguntei logo depois de você sair, pois queria pôr um bilhete
no envelope.
— Céus, acho que estava tão distraída que não me lembrei deles!
— É compreensível.
— Pedirei a Val que os leve de volta, para poupar trabalho a você.
— Prefiro levá-los comigo, para o caso de Simone aparecer esta noite.
— Tem razão. Então você os quer agora?
— Acho que seria melhor.
— Só um minuto.
Hugh havia se juntado a Val e Duane, e os três conversavam, animados.
— Val? Posso falar com você, por um instante?
— Claro. — Ela foi até Emily. — Sabe que Duane é um rapaz interessante?
Um pouco estranho, mas interessante.
— Tenho certeza de que sim. — Emily subiu a escada de dois em dois
degraus até o terceiro andar.
— O que houve?
— Preciso dos brincos de volta.
— Por quê?
— Michael sabe que não os deixei na recepção. Quis pôr um bilhete para
Simone, e o envelope com os brincos não estava lá. Por isso veio até aqui.
— Mamãe?
As duas se voltaram para Jess, que vinha vindo.
— O que vocês estão fazendo?
— Conversando, filha. Vá se trocar para ir comigo à mercearia, certo?
— Posso chamar Natalie?
— Sim, pode.
— Nós podemos brincar, na volta?
— Sim.
— Podemos...
— Vá se trocar, Jess.
Jess a obedeceu.
— Preciso dos brincos. Val!
— Emily, você não está entendendo. Se eu não devolver tudo até o horário
marcado, meu nome ficará sujo. E sabe muito bem
O que acontece a uma camareira que tem nome sujo: ela fica sem emprego.
— Não preciso deles por muito tempo. Michael tem apenas de levá-los, pôr
um bilhete no envelope e deixá-los na recepção. Juro que os trarei de volta a
tempo.
Val pôs a mão no bolso.
— Não posso correr esse risco.
— E o que eu digo a ele?
— Que os perdeu. Ou melhor, diga que foi assaltada.
— Não posso. Ele pensará que quero ficar com os brincos.
— Nesses caso, conte a verdade.
Emily pensou em descer, ficar na frente dele e dizer: "Michael, ontem fui eu
que fiquei seminua em seu sofá. Então, pode escrever o bilhete para mim".
Não... não conseguiria.
— Val, dê-me os brincos!
A amiga meneou a cabeça e deu um passo para trás.
— Dê-me... — Emily tentou enfiar a mão no bolso dela.
— Você está louca? Pare com isso!
Mas os dedos de Emily eram pequenos e ágeis, conseguiu pegá-los.
— Eu os devolverei a tempo, prometo. Agora preciso de um envelope.
Foi até a escrivaninha, pegou um, pôs os brincos dentro e se dirigiu à escada.
Val ficou estática.
— E se você não os trouxer?
— Eu os trarei. — Emily entrou no salão, aparentando uma calma que não
sentia. — Você tinha razão, lógico. Não posso acreditar que fiz isso!
— Não tem problema.
— Creio que agora deve ter pressa em voltar ao hotel.
— Na verdade, não. Ainda não provei a torta.
— Posso mandar embrulhar para você levar.
— Emily? — Val a chamou de longe, mostrando o celular. — Telefonema
para você. De alguém chamada Simone.
Emily arregalou os olhos, esperando que ninguém tivesse escutado. Mas
Hugh ergueu a cabeça e Michael pôs-se de pé.
— Simone está na linha? — Ele olhou para Emily. — Eu lhe disse que ela
telefonaria.
— E acertou. — Emily enviou um olhar cheio de significados para Val. —
Pegue o número e diga que ligarei assim que puder.
— Não dá. — Vai vinha trazendo o aparelho. — Ela está em um avião para
Wisconsin e quer marcar um encontro com você. É melhor se apressar, pois esse
tipo de ligação é muito cara.
Emily tomou o telefone da mão da amiga e foi para a cozinha.
— O que devo fazer agora?
— Marque um encontro.
— Para quando?
— Que importância isso tem?
— Simone? — Emily pôs o telefone no ouvido e sorriu.
— Diga alô por mim — Michael pediu, da mesa.
— Michael Wolfe manda um alô. Sim, está aqui.
— Deixe-me falar com ela — ele pediu.
— Simone? Michael quer falar com você. Como? Ah, sei... entendo. —
Tapou o bocal. — Ela diz que quer falar com você, mas precisa marcar o encontro
primeiro.
— Oh, meu Deus... — Val gemeu.
Hugh deu risada, e Sean quis saber o que estava acontecendo.
Emily olhava para o calendário da cozinha.
— Quando seria um bom dia para você? — Emily indagou, pegando uma
caneta. — Sinto muito, Simone. Nesse dia estarei ocupada. Mas na terça-feira eu
posso. Almoço? No Plaza? Eu adoraria!
Val estava perto de Michael, esfregando o lóbulo da orelha.
— Sim, seus brincos estão aqui. Um momento. Michael, Simone diz que
você não deve deixar os brincos na recepção. Basta entregá-los a mim.
— Tudo bem. Deixe-me falar com ela.
— Certo, Simone, foi bom falar com você. Michael vai falar... O quê? Eles
vão servir bebidas e querem que você desligue? — Deu de ombros.
— Apenas descubra onde ela vai ficar. Alguém pode me dar um pedaço de
papel?
Hugh lhe entregou uma folha, e Val, uma caneta.
— Michael quer saber onde ficará. — Emily meneou a cabeça. — Ela não
sabe.
— Então, pegue o número dela.
— O número... Simone? Sua voz está longe...
— Ou dos amigos dela. Simone não tem um celular, pelo amor de Deus?!
— Sim. — Emily anotou seu próprio número.
Michael pegou o papel e olhou para ela.
— Este código é de Nova York.
— Bem, ela é uma artista — Val interveio, rápido. — Qual é a capital da
arte?
— Certo. — Michael guardou o papel no bolso do paletó. — Simone ainda
está na linha, Emily?
— Não, já desligou.
— Mas a boa notícia é que Emily a verá na terça, não é? — Val logo falou.
— E isso significa...
— ...um novo mural — Michael completou, sorrindo. — Parabéns.
— Obrigada.
Val fez um sinal para Emily.
— E isso quer dizer que você não precisa levar os brincos. — Emily
acompanhou Michael até a mesa onde estava Duane. Ele se sentou, e ela pegou o
envelope. — Eu os levarei. Mas... o que está fazendo?
— Ligando para Simone — ele disse, com o celular não mão.
— Ainda não pode fazer isso.
— Como?
— Ela está no avião. Não se pode usar celular no avião.
— Deixarei uma mensagem.
Michael começou a digitar o número, e Emily ergueu o braço, pedindo
socorro a Hugh, que foi sentar-se à mesa de Michael.
— Ei, Michael, com toda a sinceridade, o que achou de meu expresso?
Emily foi para a cozinha, entregou os brincos a Val e pegou seu aparelho.
— O que vai fazer?!
— E o que importa. Val? Você já tem os brincos.
— Olhe, desculpe-me, mas não consegui pensar em mais nada. E eu não
mandei você dar seu número para ele. O que pretende fazer?
Emily recostou-se na geladeira.
— Não sei. Tudo aconteceu depressa demais, e Michael pareceu tão triste
por não poder falar com Simone... Ela não podia negar seu número.
— Do que está falando?!
— Simone gosta dele, Val. E eu não podia deixá-lo sair daqui pensando o
contrário. Já imaginou como ficaria magoado?
Val pôs um braço ao redor dos ombros da amiga.
— Emily... Simone não existe.
— Mas Michael, sim, e eu não podia feri-lo.
Val suspirou, derrotada.
— Ele é uma boa pessoa — Emily acrescentou.
— Uma boa pessoa que vai telefonar logo.
— Eu não atenderei.
— E quando ele quiser deixar uma mensagem e escutar sua gravação?
— Preciso de uma nova gravação.
— Que seja impessoal e rápida.
Emily olhou para o salão de chá. Michael comia a torta e meneava a cabeça,
ouvindo Hugh falar.
Ela suspirou e digitou o próprio número. Sem demora, mudou a gravação
para: "Este número não está disponível". Ainda bem que apenas seus familiares
sabiam o número de seu celular. E agora, Michael.
— Pronto, Val. Michael pode ligar quando quiser. Eu nunca responderei.
Jess apareceu à porta.
— Ainda vamos sair, mamãe?
— Acho... — Emily começou a falar quando ouviu a voz de Moyra no salão.
— Estamos chegando e... Mas o que é isso?! — Moyra apontava com as
duas mãos para a máquina de café expresso, de olhos arregalados.
— Acho que estamos em apuros, filha.
— O que está acontecendo aqui?! — Moyra exigiu, indignada.
Emily e Jess dirigiram-se para a saída, Hugh sorriu e Sean entrou na cozinha
carregando várias xícaras.
— O que há, Emily? — Michael ficou confuso.
— Sairemos agora. Vem conosco?

Capítulo VIII

Jack estava do lado de fora do salão de chá assobiando, quando Emily


apareceu.
A tabuleta de Hugh desaparecera, mas ainda se ouvia a voz dele e de Moyra.
— Você vai sair? — ele perguntou à filha.
— Vamos até a mercearia. Não devemos demorar.
— Foi apenas um cappuccino, mãe! — Hugh gritava.
A mochila dele foi atirada na calçada.
Jack riu.
— Não se apresse e não se preocupe com Hugh. Ele adora isso.
Era verdade. Hugh não desprezava uma boa briga.
Jess surgiu, seguida por Michael.
— Vovô! — Ela correu para os braços de Jack, que se abaixou para abraçá-
la, mas olhando para Michael. — Quem é o rapaz, filha?
— Michael Wolfe. Vou pintar outro mural para ele no Brighton.
— Prazer. — Jack estendeu-lhe a mão. — Os clientes de Emily não
costumam vir a nossa casa.
"Deus do céu, por que eu tinha de ter três homens em minha vida?!"
— O prazer é meu — Michael retribuiu o cumprimento.
— E agora, vamos à mercearia? — Jess estava impaciente.
— Espere um pouco, querida, quero falar com o vovô. — Emily se achegou
ao pai. — Você discutiu alguma coisa com mamãe na frente de Dave e Hazel?
— De modo algum!
— Papai, é melhor esquecer aquilo.
— Eu sei, mas queria encontrar alguma coisa que pudéssemos fazer juntos.
— Por que não a auxilia na cozinha? Veja como o salão de chá funciona,
faça parte dele junto com ela.
— Mamãe... Por favor! — Jess gemeu.
— Vá, Emily, depois conversamos — Jack pediu-lhe. — Se Moyra não
atirar mais nada para fora, estará tudo bem.
— Esqueci-me de Nugent — disse Michael.
— Aquele rapaz com roupas estranhas?
Michael fez que sim para Jack.
— Não se preocupe. Ele não é da família. Está seguro.
— Desculpe-nos. — Emily meneou a cabeça. — Minha família é
superprotetora, às vezes.
Emily estava feliz e pretendia desfrutar da presença de Michael sem querer
analisar a situação.
— Mamãe, me deu vontade de mostrar a Natalie meu novo videogame.
Importa-se se eu não for com vocês?
Ela sorriu para a menina. Jess, com sua energia inesgotável, típica das
crianças, a cada momento queria uma coisa diferente.
— Sem problemas, meu amor. Telefone para sua amiguinha e divirtam-se.
A garota saiu correndo de volta ao Isle, e Emily e Michael puseram-se a
caminhar.
— Perdoe-me pela indiscrição, Emily, mas... onde está o pai de Jess?
— Nem imagino. Ele nunca se interessou em conhecer a filha.
— Céus... Não consigo me imaginar tendo um filho e não tendo o menor
interesse em conhecê-lo. O sujeito deve ser um grande idiota.
— Pode apostar que sim.
Ao ver Jess acenar da porta do salão de chá, Michael comentou:
— É engraçado. Moro em Manhattan há quase um ano e nunca tinha
atravessado a ponte.
— É um mundo diferente do lado de cá.
— E você faz parte disso, não é mesmo?
— Gosto muito daqui. Nem sonho em morar em outro lugar. Michael, talvez
eu me demore nas compras. Sei que Duane está a sua espera, portanto, se você
preferir voltar eu entenderei, pois terei de fazer algo antes.
— O que seria?
— Terei de ir a um prédio, perto daqui.
— Vou junto.

Ao entrarem no edifício, foram recebidos por uma senhora de meia-idade.


— Nossa, faz tempo que não a vejo, Emily! Como está sua mãe?
— Ainda não se acostumou a ter papai por perto o dia todo.
— Homens... O apartamento fica no terceiro andar. Está vazio, e você pode
olhar à vontade. — Ela olhou curiosa para Michael. — Ele é algum arquiteto?
— Não, é um cliente.
— Certo. Bem, podem ir, eu os espero aqui.
Ao subirem, Michael quis saber:
— Quem é ela?
— Rona McCloskey. Ela e minha mãe são amigas. Rona é corretora de
imóveis. Sabe que não posso comprar, mas me deixa ver os apartamentos. E para
ela todo homem é um marido em potencial.
O imóvel era ventilado e com pé-direito alto, grandes janelas e uma lareira
que funcionava. Tudo o que Emily gostaria de ter.
— Fiquei curioso. Depois de ter sofrido uma decepção com o pai de Jess,
você ainda pensa em se casar?
— Sim. Só porque Brad era um cretino, não significa que todos os homens o
sejam. Faz tempo que não tenho um namorado, mas acho que um dia ainda serei
uma feliz dona-de-casa, com um ou dois irmãos para Jess.
— Você pararia de pintar?
— De forma alguma. Sempre pintarei. — Emily entrou em um quarto. — Eu
trabalharia à noite, e as crianças ficariam por conta de meu marido.
— Parece que já tem tudo planejado.
— Sei o que quero.
— Gosto de sua segurança. Este lugar tem um bom tamanho, e é cheio de
charme, embora a escadaria seja grande.
— Estou acostumada. Servirá para me manter em forma. Além disso, do que
mais preciso? O prédio fica perto do parque, da escola e do salão de chá.
Resumindo, é perfeito.
Michael meneou a cabeça. Acabara de ter certeza de que ela era uma mulher
romântica e confiante no futuro. Mas ele aprendera de uma maneira terrível que
todos os sonhos podem desmoronar de uma hora para outra. Esperava que Emily
não se decepcionasse mais uma vez.
— Sabe, já trabalhei com construção, e gostava de imaginar o que as pessoas
achavam que precisavam. Por exemplo, se eu fosse construir uma casa para você,
teria de lhe perguntar se cozinha ou come fora.
— Eu cozinho. E Jess ajuda.
— Comida simples ou mais elaborada?
— Simples.
— Serve-se à mesa ou prefere ficar na frente da televisão?
— À mesa. E sempre com uma ou duas crianças a mais. O que isso lhe diz?
— Há muitas outras perguntas, mas essas já deixa claro que necessita de
materiais duráveis, uma área de alimentação e uma boa cozinha. É preciso saber os
hábitos da família para planejar a moradia.
— Está bem. Agora é minha vez de perguntar. Que tipo de casa seria perfeita
para você?
— Uma que fosse pequena, com uma lareira e uma varanda.
— Quer dizer que já a planejou.
— Eu já a construí.
— E onde é?
— No Maine.
— Em que lugar exatamente?
— Numa cidade pesqueira, chamada Hailey.
— Mas você vive em Manhattan.
Ele ergueu os ombros.
— É onde trabalho, e na realidade nunca moramos lá. Era o local para onde
nós corríamos toda vez que podíamos, depois de uma semana de trabalho intenso.
Emily não podia se trair, pois apenas Simone sabia que ele fora casado.
— Nós?
— Fui casado e construí a casa para minha esposa.
— Qual o nome dela?
— Kate... Katherine.
— O que houve?
— Ela morreu em um acidente de carro, há três anos.
— Você deve sentir muita falta dela.
— Não há um só dia em que não pense em Kate. Aquela casa foi tudo o que
sobrou.
— Vai lá com freqüência?
— Nunca mais fui.
— Por quê?
— Há recordações demais. Não mexi em nada, apenas dei as plantas, e o
resto ficou como estava. Pago uma pessoa para cortar a grama e olhar a casa, para
que os guaxinins não tomem conta dela. Os corretores dizem que há sempre
pessoas interessadas em comprá-la.
— Mas você não está interessado em vendê-la.
— Nem leio mais os e-mails e não retorno os telefonemas. Algum dia
decidirei o que fazer, mas não agora. Nem sei por que estou falando tudo isso.
— Pode falar comigo sempre que quiser, Michael. Sou uma boa ouvinte. —
Sorriu. — Acho na encarnação passada fui dono de bar ou então padre.
— Prefiro o dono de bar.
— Eu também. Como dizem, o dono de bar é companheiro de todos por
algum tempo.
— É isso o que você é para mim? Meu companheiro?
— Posso ser.
Michael se surpreendeu querendo abraçá-la e beijá-la, para conhecer o gosto
daqueles lábios e a maciez dos seios contra seu peito.
— Companheiros, então — ela disse, sorrindo, um tanto nervosa.
— Companheiros. "Por enquanto."

Capítulo IX

— Você está atrasada — Michael admoestou Emily, assim que ela apareceu.
Ele já mandara afastar a escrivaninha e o computador para um canto, a fim de
deixar espaço livre para que Emily pudesse trabalhar.
— Podem pôr tudo aqui — ela instruiu as pessoas que a acompanhavam.
Um jovem entrou carregando uma escada, seguido por uma mulher mais
velha com uma caixa repleta de pedaços de pano e, logo atrás, Emily, carregando
uma caixa cheia de pincéis, esponjas, escovas, tintas e um rolo de toalha de papel.
— Aqui está o orçamento que eu havia prometido. Você se lembrou de que
os repórteres do Brooklyn Banner virão?
— Sim. — Michael pôs o envelope com o orçamento sobre a escrivaninha.
Michael, de onde estava, observava as idas e vindas de Emily e de seus
companheiros, fato raro para um homem que vivia mergulhado no trabalho. Emily
fora a única mulher que se oferecera para ser sua amiga.
— Chegamos! — anunciou a repórter sorridente que colocou a cabeça para
dentro da porta.
— Entrem, entrem... — Emily respondeu.
Duane vinha vindo.
— Senhor, posso falar uma coisa?
— Se for para me lembrar da reunião...
— Não, sr. Wolfe. — Duane pegou um envelope de dentro do bolso do
paletó e baixou a voz: — É sobre o projeto do novo hotel na Califórnia.
— O que quer saber?
— Tenho de dizer que fiquei desapontadíssimo com o projeto do novo hotel.
Vi seu projeto original...
— ...que Judith recusou. O que importa é o que ela quer agora.
— Mas não está certo, sr. Wolfe.
— Sua nobreza é louvável, Nugent. E já lhe pedi que me trate por Michael.
De soslaio, Michael via Emily andando de um lado para o outro em frente da
parede branca, as mãos erguidas, fazendo gestos, falando com a jornalista.
— Talvez se nós dois falássemos com Judith...
— Não faremos isso. Eu vou fazer meu trabalho e, se você for esperto, fará o
seu da melhor maneira possível.
A se porta abriu, e Judith se aproximou dos dois.
— Vinte minutos para a reunião. — Judith olhou de um para o outro. — Não
se esqueça de vestir o paletó do uniforme, Michael. Ah, a pintora está aqui?
— Sim, está sendo entrevistada pelo jornal.
— O Times?
— O Banner.
— Certo. Bem, espero vocês lá embaixo.
Emily, a repórter e o fotógrafo saíram da suíte para pegar o elevador.
Quando ela voltou para a cobertura, só viu Duane.
— Onde está Michael?
— Telefonando para Simone.
Naquele exato momento, o celular de Emily começou a tocar. Uma, duas
vezes.
— Não vai atender? — Duane estranhou.
— Nunca atendo quando estou trabalhando. Esqueci-me de desligá-lo.
Três, quatro.
Era o número de Michael. Cinco, seis.
— E se for um cliente?
— Tornará a ligar.
Emily ouviu a voz de Michael vinda do quarto, e tentou não prestar atenção
à mensagem que ele estava deixando na caixa postal.
— Sempre gostei de pintura e fiz muitos cursos, mas não sou um artista e
sim um técnico.
— Sabe que você é diferente quando Michael não está por perto, Duane?
— Val me disse a mesma coisa. Mas Michael não é tão ruim, e eu sabia o
que estava fazendo quando peguei este emprego. A fama dele é terrível, mas se me
mantiver como seu assistente, aprenderei muito.
— Ele é assim tão bom?
— Michael é o que se chama de arquiteto-mestre. Um visionário. O que fez
no Concord é excelente, fabuloso. No entanto, seus trabalhos mais antigos é que
contam. Foi um pioneiro, um revolucionário. Usa os melhores materiais e os
melhores profissionais. — Duane abriu um envelope e tirou alguns papéis. — Ele
costumava fazer conferências em faculdades de arquitetura e, para ser honesto,
essas conferências e seu livro são em parte responsáveis por eu querer cursar
arquitetura.
— Michael escreveu um livro?!
— Sim, e foi considerado subversivo em algumas esferas. Por isso, acho que
ele não vai concordar com o planejamento que fizeram para o Sunridge.
— O que é o Sunridge?
— Nosso próximo projeto. É um castelo muito bonito com um salão de baile
recoberto por espelhos e pintura dourada, como que retirado de um conto de fadas.
— Duane lhe entregou algumas folhas. — Mas esse é o desenho do escritório
central.
Emily examinou os esboços e achou que era um hotel semelhante a todos os
outros da cadeia Concord. Entendeu o comentário de Duane. Michael transformara
o Brighton em uma jóia rara com charme e personalidade, e os desenhos que ela
olhava eram comuns.
Pôs as folhas sobre a escrivaninha.
— Por que ele está fazendo isso?
— Diga-lhe o motivo, Duane. — Michael entrou na sala. Emily e Duane
olharam para ele ao mesmo tempo. Duane permaneceu calado.
— Há coisas que não se ensinam. — Michael deu um tapinha no ombro do
assistente. — Por que não desce e guarda dois lugares para nós na reunião? Irei em
alguns minutos. E pegue uma xícara de café para mim.
Quando ele se foi, Michael se dirigiu a Emily:
— Se tiver curiosidade sobre o que faço, pergunte para mim, certo? Pode
arrumar confusão dando ouvidos a boatos.
Ela cruzou os braços, recusando-se a ser intimidada.
— Está certo. Sendo assim, vou perguntar: por que é tão duro com Duane?
— Isso é tudo o que quer saber?
— Não, mas é um começo. Então? Por que é tão severo com alguém que
apenas quer aprender com você?
— Talvez porque eu nada tenha a ensinar. — Ele afastou o boné de Emily
para trás e olhou fixo, como se tivesse contando suas sardas.
Emily franziu as sobrancelhas e afastou a mão dele.
— Ou talvez não queira ensinar.
Michael suspirou e foi o primeiro a dar um passo para trás, desistindo de
confrontá-la. Porém, de algum modo Emily sentiu que dessa vez ele não vencera.
— Eu já disse a Duane o que precisa saber. Ele está impressionado, acha que
a arquitetura é uma espécie de cruzada. A arquitetura é um negócio. Há dinheiro
em jogo, e é preciso deixar o cliente feliz. — Pegou os esboços. — Neste caso, a
cliente é Judith Hill. E se é isto que a agrada, quem sou eu para discutir? Ao
contrário de Duane, não nado contra a corrente. Danço conforme,a música. Você se
preocupa demais.
— Do que está falando?
— Do mural. — Apanhou o paletó do uniforme. — A pintura não é apenas
uma profissão para você, o que a torna vulnerável. Se Judith mandar cobrir seu
mural com tinta, ficará arrasada.
— Você é feliz desse jeito?
— Sem sombra de dúvida. Faça-me um favor, Emily. Se você conversar com
Simone, dê-lhe o número de meu telefone comercial também.
— Certo.
— Boa sorte com o mural.
— Obrigada...
Capítulo X

Val parou à porta da cobertura e olhou ao redor.


— Você está sozinha?
— Por enquanto. — Emily passava o pincel na parede. — Michael e Duane
estão na reunião, e os repórteres acabaram de sair. Por falar em Duane, ele me
parece um ótimo rapaz.
— Concordo. É uma pessoa especial. Articulado, interessante e bem-
humorado. Esta noite Hugh e eu vamos levá-lo para comprar artigos de couro e
algumas roupas. — Val perguntou, pondo o pager sobre a mesinha de centro,
jogando-se no sofá e tirando os sapatos. — Se o pager tocar terei de sair correndo.
Vou acompanhar um hóspede ao Estádio Yankee, para ele treinar arremesso. Como
foi a entrevista?
— Tudo bem. Será publicada no jornal de sábado.
— E o telefone já está tocando para novos pedidos?
— Ainda não. Michael deixou mensagem para Simone, perguntando para
que ela tem um telefone celular se nunca o atende.
— Ele está frustrado.
— E não é o único. Num minuto, acho que ele está interessado em mim, e
no seguinte, que não está. Michael parece ter medo de mim.
— Até que isso é bom. Um dos melhores relacionamentos que eu tive foi
com aquele rapaz da Venezuela. Lembra-se dele? Ele pulava toda vez que eu o
tocava, no escuro. — Val sorriu. — Bons tempos...
— Do jeito como as coisas andam, não me divertirei com Michael nem no
escuro, nem no claro.
Emily pegou um recipiente e foi à pia do banheiro enchê-lo com água.
— E o que pretende fazer?
— Desistir.
— Você desiste fácil. — Suspirando, Val se levantou. — Qual foi a lição
mais importante que aprendeu com Simone?
— Que tudo é mais simples para mulheres bonitas.
— Bem, eu estava pensando mais à frente. Em se arriscar, fazer as coisas
acontecerem.
— E como devo agir para que algo aconteça com Michael? — Emily voltou
do banheiro.
— Para começar, deve eliminar a competição.
— Quer que eu mate Simone?
— Não, mas que a torne uma aliada. Toda vez que deixar uma mensagem
para Michael, faça Simone mencionar seu nome, falar um pouco de você. Se isso
não funcionar, aí sim, mate-a.
Emily riu.
— Estou começando a achar que Simone não é rival. A mulher, sim.
— Michael é casado?
— Foi.
Emily contou à amiga tudo o que tinha acontecido entre eles até aquele
momento.
— A pergunta é: como posso competir com uma recordação?
— Comece provocando-o.
— Esse é o problema. Simone é desinibida, mas Emily... Acho que ele nunca
me beijará.
— E quem foi que disse que você precisa esperar pela iniciativa dele?
Simone esperaria?
— Não, mas...
— Mas o quê? Não pode fazer isso? Emily você foi Simone uma vez, por
que não pode ser de novo? Mostre o que ele está perdendo. Dê-lhe algo novo para
pensar.
Ela tentava imaginar-se como Simone, sensual e extrovertida. Mas ainda
raciocinava e se vestia como Emily.
— Está bem. E se eu me atirasse para cima de Michael e...
— Nada disso. Você deve ser sedutora.
— E se mesmo assim ele não me quiser?
— Nesse caso, pode ser um tolo e não merece você. Mas se agir e pensar
como Simone, garanto que Michael não resistirá.
O pager de Val bipou, e ela foi para a porta.
— Deseje-me sorte.
— Boa sorte... Val?
— Sim?
— Seja sincera. Estou fazendo a coisa certa?
— Eu precisaria vê-la em ação para ter certeza...
— Não é isso. Estou certa em perseguir Michael?
— De onde tirou isso?
— Não sei. Às vezes acho que deve haver algum motivo para a situação não
progredir. Talvez o universo esteja querendo me mandar um recado: seja honesta e
conte-lhe sobre Simone.
— Bobagem... Simone está a milhas de distância e não deve voltar. Se fizer
tudo direitinho, ele perderá o telefone dela e nem se importará com isso. E daqui a
vinte anos vocês poderão dar boas risadas. Confie em mim. Será ótimo.
— Mas e se não for? E se isso for um aviso para que eu me afaste antes de
fazer alguma coisa estúpida?
— Emily, pare de lutar contra você mesma! Não há nada de estúpido ou
errado no que está fazendo. E, se o universo tem alguma opinião, o que não
acredito, estará meneando a cabeça e perguntando: por que demorou tanto? Mas
existem duas coisas de que precisa se lembrar em um relacionamento como esse:
sempre usar belas roupas íntimas e nunca se apaixonar.
— Belas roupas íntimas e nada de amor.
Val franziu as sobrancelhas quando o pager tornou a tocar.
— Tenho de ir, mas passarei aqui mais tarde.
Talvez Val tivesse razão. Para que complicar?
Quanto ao amor, Emily sabia muito bem que Michael não estava a procura
de relacionamentos permanentes e tudo o que ela queria era um pouco da
experiência que Simone quase conseguira no sofá, naquela ocasião.
— Precisarei comprar belas lingeries! — perguntou-se, voltando à parede do
mural.

Capítulo XI
Michael entrou na suíte com o paletó sobre os ombros. Emily não estava por
perto, mas as coisas dela se achavam espalhadas por toda a sala.
Jogou o paletó no sofá e foi olhar o mural. Emily começara com um esboço.
Sua caixa de ferramentas se encontrava aberta, a escada, armada, e uma pilha de
CDs fora erguida ao lado do aparelho de som, como se ela apenas tivesse saído por
instantes e fosse aparecer a qualquer momento.
Contudo, já passava das quatro horas, e Michael sabia que Emily tinha
outros afazeres, além de pintar.
Ajoelhou-se para ver os CDs e pressionou o eject para ver o que ela estivera
ouvindo. Em seguida, avistou uma caixa ao lado, cheia de pincéis, esponjas e tubos
de tinta.
Gostaria que Emily estivesse ali. Sentia vontade de falar com alguém.
Suspirou e se ergueu. Havia ocasiões, como aquela, em que sentia ainda
mais a falta de Kate. Seria tão bom sentar-se à mesa da cozinha para conversarem
sobre os acontecimentos do dia...
Uma psicóloga lhe aconselhara a continuar falando com Kate, como se ela
ainda estivesse presente. Michael tentara, mas parara depois de alguns dias, porque
o som da própria voz o fazia sentir-se ainda mais solitário.
Ligou o computador. Havia e-mails, e a luz vermelha da secretária eletrônica
também o avisava sobre mensagens.
Preferiu abrir o envelope do orçamento do mural. Emily era rápida não
apenas para pintar. Sorriu ao ver a quantia e decidiu escutar as mensagens da
secretária eletrônica.
A primeira dizia que a cornija sobre a lareira do salão de baile tinha sido
consertada. A segunda o pôs em alerta.
— Michael? É Simone. E, acredite-me, estou tão frustrada quanto você por
tantos desencontros entre nós. Não sei quando voltarei para Nova York. Avisarei
quando puder ir. E... Michael, dê um alô para Emily. Ela é uma pessoa muito
interessante.
Os e-mails: um de Judith, outro do agente imobiliário que sempre tinha
oferta para a casa do Maine e um de Andy, que dizia: "Visita iminente da família".
Os dois irmãos passaram a maior parte da manhã de domingo trocando
mensagens. "Por favor, desenhe a casa." "Não." "Pelo menos pensará a respeito?"
"Não." "Sabe que você está me irritando?" "Sim."
Andy era insistente. Era uma qualidade que o fizera insuperável quando
criança, e agora era muito útil como jornalista. Por esse motivo, Michael ficou
surpreso quando ele capitulou: "Está bem, você venceu. Esqueça a casa. Mas
queremos vê-lo. Se não nos der uma data para vir até aqui, nós o visitaremos aí. E
isso inclui também o cachorro. E, como um incentivo adicional, a prima de Jill
estará na cidade durante as próximas semanas".
Michael suspirou, sabendo que esse era um assunto que Andy jamais
abandonaria. Feliz em um casamento de dez anos, ele acreditava que o irmão
deveria voltar a amar. Não entrava em sua cabeça que Michael pudesse gostar de
ser solteiro.
E Michael achava que nunca mais amaria outra mulher.
Releu o e-mail, contente por eles não terem desistido de querer vê-lo, mas
consciente de que Andy atacaria de novo com o assunto da casa. Para evitar que
isso acontecesse, escreveu: "Quero que venham, mas não farei promessas. Estou de
partida para um novo projeto de hotel".
Releu seu e-mail e apagou as últimas linhas, substituindo-a por: "Tenho
ótimas notícias. Estou trabalhando em um novo projeto de hotel. Tentarei ir visitá-
los. Mas nada de primas".
Michael afastou a cadeira e olhou para o teto.
Como o novo hotel teria muito lazer, ele precisava de alguns conselhos sobre
diversão e sobre crianças. Alguém que não tivesse medo de rir alto, pintar paredes
ou jogar-se no chão para brincar. Se chamasse Andy, seu irmão acharia um modo
de desviar a conversa para o assunto "casa". E para que antecipar isso se teriam
bastante tempo quando fosse visitá-los? Olhou para o mural.
Lógico, havia Emily. Ela sabia como pôr um aposento de cabeça para baixo
em alguns minutos.
Apertou os lábios e lançou mão da agenda de telefones. Não seria nada de
mais telefonar para o salão de chá para fazer-lhe algumas perguntas. Talvez até
Jess pudesse dar algumas idéias.
— Lord of the Isles. Boa tarde.
A voz que atendeu era alegre e familiar, e Michael sentiu-se relaxar pela
primeira vez nessa tarde.
— Como vão as coisas, Emily?
— Em ordem.
Michael não precisava vê-la para saber que ela sorria.
— Então, como foi sua reunião?
— O de sempre. Emily, pensei em conversar com Jess para assimilar suas
idéias de criança a respeito de campos de minigolfe e outras diversões. Preciso de
algumas diretrizes para um trabalho que tenho de fazer. Também gostaria de saber
o que a mãe dela fará esta noite.
— A mãe dela? Bem, hoje é dia de pizza e cinema com Jess.
— Acha que a mãe dela se importaria de ter um companheiro fazendo parte
disso? Apenas com objetivos de pesquisa.
— Depende. O companheiro gosta dos filmes Disney?
— Bem, faz algum tempo, mas acho que gostava. A que horas as meninas
costumam sair?
— Logo mais.
— Esperará por mim se eu prometer comprar a pipoca?
— Você sabe como tentar uma garota! — Emily riu com vontade.
— Eu me esforço.
— Bem, acho que esperaremos.
— Vejo vocês daqui a pouco.
Emily estava exultante. Michael ia sair com elas! E não falara de Simone!

— O que está fazendo aí na porta? — Moyra perguntou para a filha.


— Jess deve estar chegando.
Naquele momento, a mãe de Natalie encostou o carro na frente do salão de
chá. As duas meninas lutavam, e Emily viu que estavam enlameadas.
— Não a deixe entrar suja desse jeito! — Moyra olhava pela janela. — Não
sei por que gasta dinheiro nesse acampamento quando Jess poderia muito bem
passar o dia aqui comigo.
Emily acenou para a mãe de Natalie, e Jess desceu do carro carregando sua
mochila.
— Divertiu-se bastante, querida?
— Muito, mamãe. Estava ótimo!
— Sente-se para eu tirar seus tênis.
Jess bocejou e sentou-se no degrau.
— Ainda está disposta para sair à noite?
— É claro que estou!
— Olá, meu bem! — a sra. Dempster a cumprimentou assim que entrou no
Isle, acompanhada de sua irmã.
Jess sorriu para as duas.
— Quem era no telefone?
— Um amigo, mamãe. — Emily fez um sinal para que Jess a acompanhasse.
— Teremos companhia esta noite.
— Quem? — Jess quis saber.
— Lembra-se de Michael?
Jess fez que sim e Moyra franziu as sobrancelhas.
— Não é aquele homem bonito que sentou-se perto da janela, com um
companheiro esquisito? — indagou a sra. Fitzhenry.
A sra. Dempster sorriu para Emily.
— Soube que ele estava atrás de você no momento em que o vi atravessando
aquela soleira.
— Mas fui eu — interrompeu-a a sra. Fitzhenry — que reparei no modo
como o rapaz olhava para Emily. E disse: "Nossa, há quanto tempo ninguém olha
para nós desse jeito?" Lembra?
Ela se virou para Emily.
— E então, querida, quando ele virá?
— Logo mais.
Emily abriu a porta para a filha.
— Você não se importa, não é, Jess?
— Por que me importaria? Mas isso é um tipo de encontro?
— Não, não é. Michael é apenas um amigo.
— E... ontem ele era apenas um cliente. O que será amanhã? — Moyra não
perdeu a oportunidade para criticar.
— Você será a última a saber — murmurou Emily. E levou Jess para cima.

Capítulo XII
Emily pendurou a bolsa no ombro e se olhou no espelho da cômoda para se
certificar se a leve maquiagem estava boa. Hugh fazia esse serviço bem melhor do
que ela.
Seus cabelos estavam quase lisos, vestira um jeans justo, e o top era
sugestivo sem ser vulgar.
Estava perfeita para um encontro com um amigo. Gostaria de pensar como
Simone, sem expectativas, nem decepções. Aceitar apenas o que a ocasião lhe
oferecesse. E quando a oportunidade surgisse, ser corajosa, beijar Michael e ver o
que aconteceria.
E se ele não a quisesse? Bem, pelo menos pararia de se importar com o
assunto.
— Jess, você está pronta?
A menina, sentada na frente da televisão, jogava videogame. Seus cabelos
ainda estavam úmidos do banho, e o nariz um pouco rosado do sol que tomara
durante o dia.
— Vamos, Jess...
— Estou acabando a partida. Oh, não acredito que errei!
— Eu a chamarei quando Michael chegar.
Jess recomeçou a jogar.
— Tem certeza de que não se importa de Michael ir junto?
— Sim, tenho. Mas é um pouco esquisito. A mãe de Natalie sempre sai com
homens, mas você nunca saiu. Vovó diz que é porque é uma moça inteligente, e tio
Hugh diz que é porque nunca encontrou alguém de que gostasse. Quem está certo?
Emily sempre fora sincera com a filha, e não seria agora que deixaria de ser.
— Tio Hugh. Nunca gostei de ninguém depois do seu pai.
— Isso deve significar que gosta de Michael.
— Creio que sim.
— E você gostaria que esse fosse um encontro de verdade?
— Sim, mas vamos manter isso apenas entre nós, certo?
A garota olhava para a mãe, séria demais para sua idade. Por fim, voltou-se
para a tevê.
— Certo, desço em um minuto.
A cena no salão era familiar: Sean estava sentado a uma mesa, com o celular
na mão e um copo de cerveja a sua frente, enquanto Moyra mexia uma panela na
cozinha, com Hugh a seu lado.
Após o incidente com o café expresso, ninguém tocou mais no assunto, mas
Moyra havia lhe tirado a chave da porta.
— Onde está Jess, Emily?
— Jogando videogame, mamãe.
— Perda de tempo — Moyra resmungou.
Naquele momento, Jack entrou na cozinha usando um avental com os
dizeres "Beije-me, sou escocês" e uma colher de pau na mão.
— O que é isso? — Emily ria.
— A última tentativa dele de deixar-me maluca. — Moyra meneou a cabeça.
— Esta sopa está fraca — Jack reclamou, após experimentar.
— Entende o que quero dizer? — Moyra respirou fundo, olhando para a
filha. — É um caldo, Jack, não tem de ser forte.
— Dê-me cinco minutos sozinho com essa panela e você verá essa sopa se
transformar.
— Não chegue perto de meu fogão! Emily, seu pai meteu na cabeça que
preciso de ajuda. Na cozinha! Pode acreditar nisso?
Jack se afastou um pouco.
— Bem, acho que não seria má idéia. Vocês dois trabalhando juntos como
quando se casaram... Poderia ser divertido, mamãe. — Emily sorriu.
— Divertido para quem? Desde sábado Jack pôs minha prateleira de
temperos em ordem alfabética, reorganizou meus utensílios de plástico e Deus sabe
que sistema usou para organizar meu freezer. Não consigo achar nada! Além do
mais, para que preciso dele se tenho você?
Emily poderia listar doze bons motivos, mas Jack tornou a entrar,
carregando uma garrafa de sherry.
— Você poderia usar um pouco disto, Moyra.
— Engano seu, papai — interveio Hugh. — O licor de apricot vai melhor.
— Não quero nenhum dos dois! E pare de pôr idéias na cabeça dele, Hugh.
Digo-lhe uma coisa, Emily, não vejo a hora de você terminar o serviço no hotel
para voltar a ficar aqui em tempo integral.
— Ainda vai demorar, mãe. Depois desse trabalho tenho um mural na casa
dos Hampton.
— No banheiro. Quanto tempo isso pode levar?
— Se você for esperta levará muito tempo — Hugh sussurrou para a irmã.
Sean puxou uma cadeira para que Emily se sentasse a seu lado.
— Por que não diz logo à mamãe que não quer mais trabalhar aqui?
— Eu direi. Só não sei como. A propósito, o que vocês vieram fazer aqui a
esta hora?
Sean lhe passou o copo de cerveja.
— Preciso conversar com papai a respeito de um freguês com o qual ele
negociou alguns anos atrás.
— E eu, para irritar Moyra. — Hugh sorria para a mãe, que resmungava no
caixa. — Mas acho que papai ganhou de mim.
Emily suspirou.
— Desta vez a culpa é minha. Sugeri a papai que se tornasse indispensável.
— Eles apenas precisam ficar mais juntos. Vou encontrar Duane e Val mais
tarde, Emily. O que acha de eu levar papai comigo para dar uma folga à mamãe?
— Ela adorará, Hugh. — Devolveu o copo a Sean.
— Mas ele terá de voltar sozinho, porque tenho um encontro em Manhattan
mais tarde.
Emily se levantou, e Hugh observou a irmã.
— Você está muito bonita. Qual o motivo?
— Vou sair com Jess. Michael Wolfe irá também.
— Michael Wolfe?! — Hugh quase gritou. — Eu sabia! — Mostrou a palma
da mão para o irmão. — Você me deve cinco dólares.
— O quê?! Não acredito que vocês dois fizeram uma aposta! — Ela franziu
o cenho, enquanto Sean abria a carteira. — E eu fui a vítima.
— Tem de admitir que o homem era um pouco difícil. — Hugh deu de
ombros.
— E ainda é. Mas espero que as coisas mudem esta noite.
Sean entregou o dinheiro ao irmão.
Emily sentiu os pêlos da nuca arrepiarem. Michael acabara de chegar.
— Michael... Que bom vê-lo de novo.
— Obrigado, Hugh. É muito bom ver vocês também.
Emily gritou para a filha, com o coração acelerado:
— Jess? Michael chegou! — E corou quando ele olhou para ela.
Aquela noite iria beijar aqueles lábios, acariciar os cabelos macios, e
esperava, por tudo o que havia de mais sagrado, que Simone não a abandonasse no
meio do caminho.
— Ouvi dizer que você vai sair com as garotas — Sean disse.
Michael deu risada, fitando Emily.
— Tenho certeza de que será uma nova experiência.
O pai e os irmãos de Emily lhe enviaram olhares encorajadores.
— Jess está demorando. Vou até o quarto dela.
Naquele momento, a menina apareceu no topo da escadaria.
— Conseguiu matar o monstro? — Emily indagou à filha.
— Sim, consegui.
— Que bom! Michael já está aqui. Vamos?

A Pizzaria Dante era o tipo de lugar que os turistas nunca achavam e que os
habitantes locais adoravam. Fazia-se o pedido no balcão e eles serviam na mesa. E
nada de bebida alcoólica.
Para passar o tempo até a pizza ficar pronta, a mesa era coberta por um papel
branco e vários lápis de cor eram postos à disposição para que o pessoal pudesse
desenhar.
Emily entregou o cardápio a Michael.
— Aprecio qualquer pizza, com exceção da de anchova. Jess só come de
queijo. Escolha a que você quiser. Todo pedido inclui pão de queijo, mas costumo
dispensá-lo. — Emily sorriu para ele.
— Acho que faz algum tempo que você não vem a um lugar como esse.
Acertei?
— Por que diz isso?
— Pelo modo como olhou para o cardápio e franziu as sobrancelhas. Apenas
por curiosidade, que pizza costuma comer?
— O hotel serve uma pizza muito boa de mussarela de búfala e tomate seco.
— Céus! — Jess exclamou.
— Nós somos mais conservadores. — Emily se inclinou para ele e baixou a
entonação: — Se você deixar que eu escolha, garanto-lhe que não se arrependerá.
— Estou em suas mãos, irmã Emily.
— Amém!
Risadas, provocações, tudo o que uma noite com um amigo podia oferecer.
Embora Michael tivesse de admitir que nunca tivera um amigo igual a ela.
Adorava o modo como Emily ria, como seus olhos brilhavam e como seus
cabelos encaracolados emolduravam seu rosto. Naquele exato momento, gostaria
muito de beijá-la.
Mas Jess não perdia um só movimento dele. Desde que saíram do Isle,
Michael se sentia observado pela garota.
— Está bem. Uma pizza a moda da casa.
Michael tirou a carteira para pagar.
— Brigaremos para ver quem vai pagar, quando trouxerem a conta. Vamos
para a mesa, Jess?
Quando o pedido chegou, Emily desenhava um cisne, e Jess e Michael
brincavam de forca.
— Quem está ganhando? — Emily quis saber.
— Eu! — Jess fez a corda ao redor do pescoço do homenzinho.
— Quero revanche — Michael disse. — E da próxima vez o assunto será
sobre filmes. Chega de desenho animado.
— Sinto muito, mas a regra diz que o vencedor escolhe o tema. — Jess
gargalhou.
— Sua filha é cruel!
— É mesmo. — Emily passou-lhe um copo de refrigerante. — Espero que
você goste. E uma tradição.
— Quem sou eu para discutir?
— Está se divertindo, Michael?
— Muito. Meu irmão tem me ameaçado de vir me visitar trazendo até o
cachorro. Se ele vier, sairemos todos juntos. Que tal?
— Quantos ele são, sem o cachorro?
— Quatro. Andrew, sua mulher, Jill, e os garotos Nicholas e Ben. Nick tem
mais ou menos a idade de Jess, e Ben, oito anos.
— Você os vê sempre?
— Eu costumava. Nós alternávamos os feriados. Natal em Toronto, Páscoa
aqui, e no verão, duas semanas em um bangalô na praia. Mas tudo acabou quando
comecei a trabalhar para a rede Concord. Viajo muito e sobra pouco tempo. Para
ser honesto, há dois anos só tenho visto os garotos por fotografias.
— Deve ser difícil ficar sem ver a família por um período tão longo.
— A gente se acostuma. E às vezes é mais fácil, pois é complicado pensar
em outra coisa quando se tem tanto trabalho. Só espero que os garotos se lembrem
de mim. Dois anos é muito para crianças. Os diretores da Concord vêm estudando
minha transferência para a Califórnia, para cuidar de um projeto. Apesar de a
distância, nesse caso, se tornar bem maior, talvez eles passem a ir me ver com mais
freqüência, porque a praia é um atrativo e tanto. A companhia parece ter grandes
planos para mim.
Michael recostou-se no espaldar e olhou sério para Emily, que viu em sua
expressão um homem resignado e sem esperança, que dera as costas para tudo:
família, lar, amigos. Alguém a quem mais nada importava e que apenas vivia o dia-
a-dia.
— Há quanto tempo não se distrai, Michael?
— Por que está me perguntando isso?
— Jess, acho que o cinema terá de esperar, não acha?
— La Dome? — Jess perguntou.
— La Dome.
— Mas do que vocês estão falando? — Michael olhava para as duas, sem
entender nada.
— Você vai ter a noite mais excitante do mundo! — E Emily sorriu-lhe,
enigmática.

Capítulo XIII

A La Dome tinha sido uma grande loja de eletrodomésticos, mas a mulher


do dono o trocara por outro homem, e Harry, o proprietário, vendera tudo e
desaparecera. O espaço, que era muito grande, fora transformado em um centro de
diversão, com todos os tipos de brinquedos e jogos eletrônicos.
Os três se postaram na frente de um minigolfe e começaram a jogar. Jess fez
seis pontos, Emily, cinco, e Michael perdeu logo no início.
— Ela sempre ganha? — Michael indagou a Emily.
— Não quando Hugh está conosco.
Michael e Jess iniciaram uma competição.
— Não tão rápido, mocinha. Eu ainda não desisti.
Jess prestava toda a atenção ao adversário e continuava ganhando. Emily se
aproximou dos dois, satisfeita por ver Michael sorrindo.
— O que está fazendo, Michael?
— Atacando — ele respondeu para a menina, conseguindo colocar a bola no
canto esquerdo do campo de minigolfe. — Quatro pontos! Acho que estou em
primeiro lugar.
— Ele pode fazer isso, mãe?
— Já fez, meu bem. — Emily riu.
Mas Jess acabou vencendo, e Emily caiu na gargalhada.
— Não precisava ter feito aquilo — ela disse, baixinho. — Jess sabe que não
pode vencer sempre.
— Talvez. Mas não quis vê-la perder.
— Você é bom no minigolfe. Eu sou péssima.
Os dois seguiram Jess, que era incansável, como toda criança.
— Mamãe, olhe... a máquina fotográfica está funcionando.
— Que bom! — Emily seguiu a filha até a cabine de foto instantânea perto
da escada rolante.
Jess pegou a mão de Emily e olhou para Michael.
— Hoje podemos tirar fotografia. Da última vez a máquina estava quebrada.
— Então, aproveitem antes que se forme uma fila.
— Você tem de vir junto, Michael. Todos que jogam tiram um retrato..
— Mas se ele não quiser... — Emily tentou dizer.
— Ei, quem sou eu para romper uma tradição? — Michael retrucou.
Jess caminhou até a cabine, abrindo a cortina preta.
— Michael, sente-se no banquinho. Mamãe ficará atrás, e eu me agacho na
frente. Sairemos todos juntos.
— Ela parece saber o que está fazendo — observou Michael.
— Jess conhece estas máquinas melhor do que ninguém. Os três se
colocaram do jeito indicado pela garota. Quando seus corpos se tocaram, Michael
lembrou a si mesmo que Emily era apenas uma amiga. Uma linda mulher, mas
nada mais que amiga.
Ela era uma beleza, e o fizera apreciar uma pizza tradicional e jogar
minigolfe como se fosse um garoto.
Divertir-se na La Dome era muito diferente dos concertos a que assistia com
Trisha e mais diferente ainda das noites de teatro que ele e Kate adoravam. Mas, se
fosse honesto, tinha de admitir que gostara muito de tudo o que haviam feito. Até
do barulho e da multidão.
— Todos prontos?
— Sim, senhora — Michael confirmou.
— Então, lá vai... — Jess gritou, colocando as moedas na abertura própria.
Quando o flash espocou, Michael se aproximou de Emily. O contato com
seu calor foi agradável demais para uma simples amiga.

O Isle estava às escuras, e Jess dormia nos braços de Michael. Ele


atravessou o salão em direção da escada.
— É no terceiro andar, certo?
Ela fez que sim e fechou a porta.
— Não faça barulho. — E que Deus os ajudasse para que Moyra não
acordasse.
Emily os seguiu e, quando estavam no topo da escadaria, Moyra perguntou:
— Emily, é você?
— Sim, mamãe.
— Ele está junto?
— Não — mentiu, enrubescendo.
— Quer uma xícara de chá?
— Não, obrigada. Tenho de pôr Jess na cama. Boa noite, mãe.
— Telefonaram para você. Rona McCloskey. Foi ver algum imóvel?
— Você me conhece, não resisto a ver uma casa vazia. — Emily sorriu.
— Pensei que estivesse tendo alguma idéia maluca outra vez.
— Fui apenas dar uma olhada.
— Foi o que eu disse quando ela sugeriu mandar-lhe alguns folhetos.
— Moyra, ainda não dormiu? — Jack perguntou.
— Para você, já! Nem pense em vir até aqui.
Michael e Jess olhavam para Emily. A menina Jess desceu do colo de
Michael esfregando os olhos. Os três entraram na sala de visitas, e ele perguntou a
Jess:
— Não gostaria de ter um lugar só de vocês para morarem?
— Às vezes.
— Fique à vontade, Michael, mas por favor, não faça barulho. Vou pôr Jess
para dormir.
Jess afirmou, entre dois bocejos:
— Também gosto dele, mamãe.
— Ótimo. — Emily fez um carinho na cabeça da filha. — Talvez Michael
queira sair conosco outra vez.
— Então é um namoro?
— Eu avisarei quando isso acontecer.
Emily ouvia os passos de Michael na sala. Ele parecia não fazer o mínimo
esforço para não causar ruídos. O que diria se Moyra o flagrasse ali?
Decidiu telefonar para Rona no dia seguinte.
Jess escovou os dentes e deitou-se.
— Durma bem, anjinho. — Emily a beijou.
— Espere. — Jess se levantou para ir até a cômoda pegar as fotografias. —
Fique com uma e dê esta para Michael.
Os três pareciam felizes e muito à vontade no retrato. Mas nunca seriam uma
família. Emily não queria se iludir. Apenas divertiram-se como dois bons amigos.
Jess tornou a se deitar e fechou os olhos, murmurando:
— Diga-lhe que poderemos ir ao Arts Night na sexta-feira, se ele quiser.
Você gostaria, não é?
— Sem dúvida. Agora durma.
— Eu sabia...
Emily saiu do aposento decidida a ter uma conversa com Jess a respeito de
relacionamento entre adultos e sobre o fato de que nem todas as histórias tinham
finais felizes.
— Não feche a porta, mamãe.
— Eu nunca fecho.
Emily sabia que, provavelmente mais tarde, Jess acabaria na cama dela.
Suspirou e foi até o banheiro para retocar a maquiagem e pentear os cabelos.
O celibato era muito mais fácil para uma mãe solteira. E muito mais seguro.
Retomou à sala. Michael estava perto do aparelho de som, verificando os
CDs.
— Quando sua mãe disse que haviam lhe telefonado, pensei em Simone.
Sabia que ela não voltará na terça-feira?
— Sim. — Emily olhou para a secretária eletrônica. — Ela me ligou.
Esqueci-me de mencionar.
— Ela mandou-lhe um alô e mencionou que acha você muito interessante.
— Não estou surpresa. Parece que temos muito em comum. Jess pediu que
eu lhe entregasse uma das fotos.
— A danadinha deve ter ficado com a melhor. — Ele sorriu.
— Sem sombra de dúvida.
— Gostei muito de Jess. — Apontou para a secretária eletrônica. — Você
tem mensagens. Verifique. — E voltou a analisar os CDs. — Eu o faria.
Sim, era verdade. Para Michael, os negócios vinham sempre em primeiro
lugar.
Mas ela e Jess conseguiram fazê-lo rir. Quem sabe poderia fazer com que a
beijasse?
O apartamento de Emily refletia bem seu temperamento. Poucos móveis,
muitas pinturas nas paredes e, é claro, um mural perto da janela.
Curioso, Michael se aproximou para vê-lo melhor. Era uma vila à beira-mar,
com o oceano de um lado e um rochedo do outro.
— Olá, Emily, é Val...
Michael se voltou quando Emily pulou a mensagem da amiga, passando para
a seguinte. Depois de alguns segundos, ela desligou a máquina.
—Nada de importante. Gostaria de tomar café? Ou prefere uma cerveja?
Michael sabia que devia ir embora. Tinha serviço por fazer, uma
apresentação para preparar. Mas ainda era cedo e, pela primeira vez em anos, não
tinha pressa de voltar a sua escrivaninha.
— Aceito uma cerveja, por favor.
Emily foi à cozinha e tomou a subir.
— Jess pediu-me para convidá-lo para ir no Arts Night na sexta-feira. Ela
costuma dançar nesse festival da escola.
— Conte comigo. Mas acho que antes devo falar com sua mãe.
— Será melhor em um lugar público, acredite-me.
— Acho que Moyra não gosta de homens em seu quarto.
—Nunca tenho homens em meu quarto. Desde que Jess nasceu.
— E como distrai seus namorados?
— Não tenho namorados. Posso dizer que levo uma vida monástica.
Michael ficava encantado com o jeito que Emily meneava os quadris,
incapaz de acreditar que nem um só homem a tivera naqueles anos todos.
— Esperava pela volta do pai de Jess?
— Admito que o esperei por algum tempo. Mas, para ser honesta, estava
ocupada demais aprendendo a ser uma boa mãe para pensar em outra coisa.
— E agora?
Ela parou na frente dele, entregando-lhe a cerveja.
— Estou pronta para continuar a viver.
— Fazendo o quê?
— Ainda não decidi.
— Estava deixando que o destino decidisse?
— Pode ser. — Emily sorriu.
— E... não está mais?
— Agora estou fazendo meu próprio destino.
— E sabe o que quer?
— Neste momento... — Chegou mais perto e segurou o rosto dele entre as
mãos. — ...estou tentando beijá-lo. Mas se você não me ajudar, ficará difícil.
Michael deu risada, e a tensão foi quebrada, como só Emily conseguia fazer.
Pôs a garrafa sobre a mesinha e a abraçou.
— Você é a mulher mais estranha que já conheci.
— Isso é um elogio? — Emily esboçava aquele sorriso que ele tanto
apreciava.
— Acho que sim. — Michael a estreitou mais em seus braços, sentindo os
seios dela roçando seu peito.
Os movimentos de Emily eram destemidos, mas depois de seis anos tudo
parecia-lhe novo. E Michael sabia que ela não era tão desinibida como queria
demonstrar.
— Sabe que se nos beijarmos não seremos mais apenas amigos?
— Tenho outros amigos. — Hesitante, ela encostou os lábios nos dele, e
Michael achou difícil manter coerência de raciocínio.
Mas ele queria que Emily soubesse o que tinha para oferecer.
— Sabe também que, se fizermos amor, nós não seremos...
— ...um casal — completou, com impaciência. — Sei disso.
— Como?
— Ouvi comentários a respeito. — E o beijou outra vez. Michael beijou-a
com mais intensidade, e Emily entreabriu os lábios para recebê-lo.
— Mas e a sua vida particular?
— Terei tudo o que quero, mas não com você. Sei que partilharemos apenas
momentos de magia. Um relacionamento rápido. E, quando for embora, vou
esquecê-lo.
"Mentirosa!", sua consciência acusou, mas Emily a mandou calar-se, quando
Michael tornou a beijá-la.
Porém, quando Michael a carregou para o sofá, a consciência de Emily a
alertou de novo.
— Espere — ela sussurrou.
— Não se preocupe, serei cuidadoso.
— Não é isso. É Jess.
— Ela está dormindo. — Michael acariciava-lhe os seios.
— Não sei...
— Mamãe?
Emily se levantou, ajeitando os cabelos. Graças a Deus, Jess não viera a sua
procura.
Michael recostou-se, passando as mãos pelo rosto, achando que devia existir
alguma maldição lançada contra sexo e sofás.
— Isso nunca poderá acontecer aqui.
— Como?
— Nunca aqui, Michael. Nesta casa.
— Mamãe? — Jess a chamou mais uma vez.
— Já vou, querida. Acho melhor você ir, Michael.
— Ir aonde?
A menina apareceu na porta da sala.
— Posso dormir em sua cama?
— É claro, querida, pode, sim.
— Deu a fotografia para Michael?
— Sim, ela deu. Obrigado, Jess.
— Eu fiquei com a melhor — balbuciou entre bocejos e se foi. Emily se
virou para Michael.
— Você tem de ir.
— Por quê?
— Porque é melhor. Mas não faça barulho. — E o conduziu até o corredor e
a escada.
— Acho que eu deveria dizer boa noite a seus pais.
— Não brinque. Isso já foi humilhante demais.
Os dois atravessaram o salão às escuras até a porta principal.
— Até amanhã, Michael.
Mas ele a puxou e beijou-a com ardor. Quando, enfim, a soltou, Emily teve
de se apoiar no batente para não perder o equilíbrio.

Os dois se encaravam, ambos frustrados, quando ouviram que alguém


destrancava a fechadura. Ao vê-los, Hugh estacou.
— Bem... — Pela primeira vez Emily via o irmão sem saber o que dizer.
— Estou de saída. — Michael foi para a calçada. — Até amanhã, Emily.
Ela acenou, trancou a porta e se encostou a ela.
— E então, irmãzinha?
— Como você entrou, Hugh?
— O papai devolveu minha chave depois de alguns copos de cerveja. E vou
fazer aquele caldo para ele tomar.
— Sozinho?
— Que outra escolha tenho. Só espero que nosso Jack tenha paciência de
esperar. Mas diga-me uma coisa: você está bem?
— Pergunte-me amanhã. — Sorrindo, Emily foi para cima.
Capítulo XIV

Sam, o marceneiro, sorriu para Michael.


— E então, ficou boa a nova cornija da lareira?
Michael indicou o decorador de interiores.
— Você tem de perguntar a Yanka.
— Não, desta vez não fiquei satisfeito — Yanka respondeu. — Queria uma
polegada, e você fez três quartos. Achou que eu não fosse perceber?
— Você queria rapidez — Sam justificou-se, erguendo as mãos.
Michael suspirou, olhando para Emily, que trabalhava no mural.
Ela já fizera todo o esboço com um pincel grosso, e agora trabalhava com
um pincel fino fazendo os primeiros detalhes e cantando baixinho, acompanhando
uma melodia que apenas ela ouvia, pelos fones do walkman.
Emily chegara às oito da manhã, seguida por Judith, que viera lembrar a
Michael da reunião que teriam mais tarde.
Naquele momento, entraram na suíte o encanador e o eletricista.
Todos estavam acostumados a adentrar a cobertura, mas nunca tinham visto
Emily, que a cada movimento recordava Michael o que haviam começado na noite
anterior.
Yanka e o marceneiro se puseram a discutir, mas Michael nem ouvia o que
os dois homens falavam. Queria ficar sozinho com Emily, para sentir-lhe a pele,
beijar seus lábios e fazer amor com ela.
— Michael, deveríamos descer e consertar aquilo — disse Yanka.
— Como? — Michael ainda fitava Emily, que, debruçada sobre uma caixa,
acompanhava o ritmo da música com os quadris e sorria para ele.
Ela soprou um beijo para Michael, que lhe deu as costas, sorrindo.
— É o único modo — Yanka insistia.
Relutante, Michael tentava responder a eles:
— Eu acho que...
— Desculpe-me, estou atrasado! — Duane entrou, atabalhoado,
equilibrando quatro xícaras de café em uma bandeja e uma pasta de papel sob um
dos braços. — Dormi demais e tinha fila para pegar café. Definitivamente, esta não
é minha manhã.
— Não se preocupe. — Michael tentou acalmar o rapaz, que parecia muito
nervoso. — Seu corte de cabelos está ótimo, Nugent.
— Obrigado. Tenho endereço de quatro especialistas em minigolfe. Sei que
o pessoal do Concord já tem profissional, mas creio que seria bom verificarmos
outras opções.
Duane entregou o café para Emily, murmurando:
— Trouxe-lhe o livro.
Ela pôs o café sobre a escada e pegou a publicação de Michael.
— Obrigada, Duane.
— Coloque-o debaixo do boné.
— Claro — Emily concordou, mesmo sem saber por que isso tinha de ficar
em segredo.
Decerto, Michael ficaria satisfeito em saber que as pessoas tinham interesse
em ler seu livro.
— Seus cabelos estão ótimos.
— Hugh levou-me ao cabeleireiro dele. Depois fomos comprar sapatos.
— E o que será depois?
— VaL e Hugh me levarão para comprar um terno. Acredita que nunca fiz
um terno sob medida?
— Tenho certeza de que você gostará.
— Imagino que sim.
— Duane? — Michael chamou-o. — Pode vir até aqui?
Quando o rapaz se afastou, Yanka aproximou-se de Emily, sorridente.
— Tenho de admitir que fiquei contrariado por não ter sido consultado a
respeito do mural, mas vejo que não tinha razão. Existe uma cadeia de restaurantes
que quer fazer uma entrevista com você para saber sobre pintura com giz.
— Tenho bastante experiência com giz. Quer ver meu porta-fólio?
— Não. Um dos executivos está no salão de baile e ficou impressionado
com o teto.
Ponto para Val, que a incentivara.
— Será um serviço fixo, Emily. Interessada?
— Está brincando?! Claro que sim! Apenas diga-me onde e quando.
Serviço fixo, renda fixa. Logo, teria possibilidade de mudar-se com Jess.
— Marcarei uma reunião. Este mural também vai ficar espetacular. Isso é
mais do que Judith Hill merece.
— Não se preocupe, vou cobrar caro.
— Sabia que havia um motivo para eu gostar de trabalhar com você.
Yanka e Sam se puseram a discutir de novo.
Emily sentou-se para descansar e apanhou o livro. Logo que o abriu, leu a
dedicatória: "Para Kate, sempre". E seu coração se apertou ao ver uma fotografia
dos dois com os dizeres: “Michael Wolfe e Kate Shaw em sua casa de verão, no
Maine”.
A casa que Michael construíra para Kate, um bangalô de pedras com uma
bela varanda. No retrato eles se encontravam sentados em um degrau, olhando
direto para a câmera, sorridentes e confiantes, prontos para conquistar o mundo.
Kate era adorável. Cabelos escuros, magra, uma beleza clássica. Michael,
lindo como sempre, mas sem o olhar triste e a linha entre as sobrancelhas que
agora o marcavam. Era o guerreiro, o herói lutando pelas coisas em que acreditava.
Emily sentiu uma ponta de inveja. Nunca fora amada desse jeito.
Olhou para Michael e eles se encararam. Por um momento, ele notou uma
expressão melancólica no semblante de Emily, mas foi apenas por um momento.
Logo em seguida, ela lhe sorriu.
Emily ficou de pé e guardou o livro.
Michael se dirigiu ao assistente:
— Nugent, acho que você está pronto para uma responsabilidade verdadeira.
Quero que leia estes papéis, analise-os e assine-os.
— Mas não tenho autoridade para isso, Michael.
— Agora tem. — Michael entregou-lhe os documentos. — E, para garantir
um bom desempenho, colocarei um aviso na porta para que todos os profissionais
se dirijam a você pelo resto do dia.
— Sério?
— E da noite também — Michael completou, piscando para Emily.
Ela engoliu em seco e olhou ao redor. Michael sorriu e escreveu o aviso.
— A cornija da lareira também ficará a cargo de Nugent.
Sam abriu a boca para reclamar, mas Michael ergueu uma mão.
— Nugent é meu braço direito. Confio nele.
— Não o decepcionarei. — Duane virou-se para Sam e Yanka.
— Mostrem-me a cornija.
Michael entregou-lhe também seu celular.
— Atenda. Serão apenas chamadas sobre negócios.
— Cuidarei dele como se fosse meu. Mas... e se houver chamada de
Simone?
— Anote o recado.
Michael abriu a porta para os três rapazes saírem.
— Boa sorte, Nugent. Sei que posso contar com você. Ponha o aviso na
porta de entrada.
— Eu o manterei informado.
— Não tenha pressa. — E Michael trancou a fechadura, para ter certeza de
que ninguém entraria sem ser anunciado.
Emily, parada perto da escada, molhava o pincel na paleta. Michael retornou
à escrivaninha para pegar o telefone.
— Aqui é Michael Wolfe. Passe todas as minhas chamadas para Duane
Nugent. Não sei o número, veja em sua lista. — E desligou.
— Emily, largue o pincel.
Ela cerrou os dedos ao redor do pincel, cada nervo de seu corpo tenso.
Sentia-se excitada e temerosa.
Mas por que temer? Não era o que queria tanto, depois daquela noite no
sofá? Não era esse o motivo de estar usando roupas íntimas desconfortáveis, e
bonitas?
Sim, seu corpo ansiava por Michael. Então, qual era o problema?
De súbito, Emily percebeu que não queria apenas um momento de loucura.
Queria que fosse um momento real. E fazer parte de um casal, ser amada e
admirada. Seria tão bom ter alguém que construísse uma casa para ela que se
transformaria em um lar! E esse alguém tinha de ser Michael Wolfe, porque, apesar
de seus esforços, estava se apaixonando por ele.
Emily não se apaixonava havia anos, e esse sentimento era bom demais para
ser ignorado.
Desse modo, largou o pincel, encarou-o e decidiu não pensar no amanhã.
Aproveitaria o que o momento lhe oferecia.
— Por um instante, achei que você tivesse mudado de idéia. — Michael
chegou mais perto.
— De jeito nenhum. — Emily passou os braços ao redor do pescoço dele. —
Bem, é quase hora do almoço. Se quiser comer um sanduíche ou tomar mais um
café...
— Tudo que quero é você.
Não houve preâmbulos. Os dois se abraçaram e se beijaram com paixão, do
jeito exato como Emily precisava para afastar toda dúvida ou receio que ainda
pudesse sentir.
Michael sentiu o sangue ferver nas veias, o coração disparar e, em um
segundo, estava pronto para deitá-la sobre o tapete e possuí-la. Entretanto,
recordou que Emily não fazia amor havia algum tempo e decidiu ir com mais
calma. Mas Emily tinha pressa e se pôs a desabotoar a camisa dele.
— Por que roupa de homem tem os botões do lado contrário? — ela
indagou, impaciente.
Ela começou a afagar o tórax desnudo, enquanto Michael continuava a beijá-
la, até que a pegou no colo e a levou para o quarto.
Lá chegando, colocou-a de pé e ela terminou de tirar sua camisa.
Logo em seguida, Emily tirou a calça, ficando apenas com a camiseta e uma
calcinha minúscula e escandalosa.
Michael tirou-lhe a camiseta, revelando um sutiã tão ousado e sensual
quanto a calcinha.
Percebeu que eram roupas novas e que ela as pusera especialmente para ele.
— Deixe-me olhar para você — Michael sussurrou, afastando-se um pouco.
— Não tem idéia de como é bonita, tem?
Emily ficou um pouco envergonhada, mas a sinceridade que viu na
expressão de Michael foi suficiente para estimulá-la. Ele tornou a se aproximar e
tirou-lhe o sutiã, enquanto beijava-lhe a boca, o pescoço e passava as costas das
mãos em seus mamilos.
Michael a levou para a cama sem parar de afagá-la. Lambia-lhe os seios,
sugava-os.
Emily estava exultante por sentir-se desejada e teve a certeza de estar
fazendo a coisa certa.
Michael começou a descer-lhe a calcinha. Naquele instante, Emily decidiu
não pensar em mais nada. Queria apenas usufruir cada momento.
Michael ficou de pé e de uma só vez tirou a calça e a cueca. Em seguida,
voltou a se deitar, e Emily se pôs a beijar-lhe o abdome, o peito, os ombros e os
lábios.
— Chega — Michael sussurrou, acomodando-a e se posicionando entre as
coxas dela.
Michael a possuiu em um só movimento e temeu ter sido rápido demais.
Mas Emily puxou-lhe as nádegas e começou a movimentar-se em uma cadência
sensual e cadenciada.
Ele a acompanhou, penetrando mais e mais, adorando o modo como Emily o
envolvia com as pernas, pronta para receber cada investida dele com paixão e
intensidade.
O ritmo se acelerou e, por fim, o clímax chegou para os dois. Michael
mergulhou o rosto nos cabelos dela, lutando para se controlar e se acalmar. Quando
Emily abriu os olhos e sorriu, ele concluiu que ainda não estava satisfeito.
Deitou-se de costas, apoiando-se nos cotovelos, observando-a espreguiçar-se
com luxúria, sem sinal de arrependimento ou timidez.
— De novo? — Emily murmurou, surpreendendo-o.
Michael deu-lhe um beijo profundo, afastou-lhe as pernas, e os carinhos se
tomaram enlouquecedores. Sentiu suas mãos tremerem e percebeu que havia muito
tempo não reagia daquela maneira.
E concluiu que Emily era uma mulher perigosa. Mas seu corpo não se
importou com isso.

Emily sentou-se no colchão, devagar, e afastou os cabelos da testa.


— Isto foi... pecaminoso.
— Sim. Mas pensei que tivesse gostado. — Michael sorria.
— E gostei. Agora tenho de encontrar alguma coisa de que você goste.
Michael passou os dedos pelo pescoço de Emily.
— Neste momento, tenho de me alimentar — ela afirmou, com o cenho
franzido.
— Há refrigerante no frigobar, e a cozinha do hotel pode nos preparar o que
quisermos. Ou podemos sair.
— Almoço na cama é mais um pecado... Você cuida da comida, e eu apanho
os refrigerantes.
Emily vestiu a camisa dele, mas deixou abertos os botões superiores.
— Teremos que ser rápidos, porque preciso estar em casa às três. O dever
me chama.
— Não pode incumbir outra pessoa? Hugh, talvez, ou Sean. Ou sua mãe.
— Meus irmãos estão trabalhando em outro lugar. E você pode me imaginar
tentando dar explicações para minha mãe?
Michael deu de ombros.
— Que tal pegarmos Jess e sairmos os três?
— Você não tem uma apresentação para preparar?
— Farei isso amanhã. — Pegou o cardápio. — O que você quer comer?
— Qualquer coisa. Mas não poderemos sair. Jess irá para o acampamento e
precisará se trocar, fazer um lanche e...
— Certo. Nesse caso, vamos para sua casa, você ajeita Jess e depois saímos.
— Sabe que Moyra estará no Isle.
— Emily, não se preocupe com isso. Sei como lidar com ela. E, mais tarde,
poderemos voltar para cá...
— Não posso deixar Jess sozinha.
— Sendo assim, ficaremos em sua casa. Levarei a escova de dentes.
Emily cruzou os braços.
— Você se esqueceu de que não levo namorados para dormir em minha
casa?
— Espero mudar isso.
— Não conseguirá.
Emily sentia-se desejável, sensual e tão poderosa como Simone.
De súbito, seu celular tocou, assustando-a. Olhou o mostrador e viu que era
Rona. Atendeu a ligação.
— Rona, obrigada por ligar.
Examinando o mural, Emily ouvia a corretora de imóveis descrever um
apartamento que, segundo Rona, ela teria condições de pagar.
— Você pode vê-lo quando quiser, meu bem.
Emily agradeceu e desligou. O dia estava sendo muito proveitoso. Em todos
os sentidos.

Capítulo XV

Michael encostou-se no bar, observando Emily trabalhar, muito concentrada


no que fazia. Vestia apenas a camisa dele, e Michael não conseguia afastar os olhos
dela. Não era mais a amante sensual de alguns minutos atrás, e sim a artista
absorvida pela obra que criava.
Emily se sentiu observada e se virou. Sorriu, daquele seu jeito encantador.
Michael teve vontade de voltar para a cama, onde tudo era mais simples e direto.
— Sabe, uma vez você me disse que se eu quisesse saber qualquer coisa,
bastaria perguntar. Bem, eu quero saber sobre Kate.
— Por quê?
— Porque quero entendê-lo.
— Por quê?
— Porque gosto de você.
— Não faça isso.
— É tarde demais. E então, é um homem de palavra ou não?
Michael hesitou e caminhou até ela devagar.
— Está bem. Kate não era apenas uma mulher adorável. Era uma pessoa
rara. Mas, acima de tudo, era parte de tudo o que eu tinha, de tudo que eu era.
Éramos muito felizes. E um dia ela saiu para fazer compras e nunca mais voltou.
Um BMW avançou o sinal vermelho e a pegou. Disseram-me que Kate não sentiu
nada, e sempre nutri esperança de que isso tenha sido verdade.
— O que fez depois disso?
— Saí de casa, porque vivia ouvindo seu carro se aproximar e achava que ia
vê-la a meu lado toda vez que acordava. Levei muito tempo para perdoar sua falta
de cuidado, por deixar-me sozinho com todos os nossos sonhos e com uma firma
que não significava mais nada sem ela.
— Mas você amava seu trabalho.
— Amava minha esposa. E comecei a odiar os parentes que vinham me ver,
por estarem ainda juntos quando eu estava sozinho. Comecei a cometer erros, mas
tive sorte, pois minha equipe era muito boa. Desse modo, saí antes que pudesse
cometer algum engano muito grave e prometi a mim mesmo nunca mais passar por
aquilo de novo.
— Ter uma firma?
— Amar. — Dirigiu-se à janela. — Entende agora por que não quero nada
permanente? Por que nunca seremos um casal?
— Acho que sim.
— Ótimo. A última coisa que eu quero é magoar você.
— Agradeço por sua sinceridade, mas acho que está sendo tolo. Sei o que é
ser traída e abandonada e morrer de medo de voltar a entregar o coração. Porém,
surpresas acontecem, e já sei que irei sofrer quando você partir. Não... não me
interrompa. — Emily sorriu, caminhou até ele e apoiou a mão em seu peito. — Eu
te amo. Se isso o incomoda, diga-me e eu irei embora agora mesmo.
— Não. Não quero que se vá.
— Então, ficarei e não mencionarei isso outra vez. Não chorarei, nem
reclamarei quando chegar a hora de você me deixar. Entretanto, se mudar de idéia
e quiser falar, fique sabendo que sou boa ouvinte. — Fez uma pausa. — Acho que
esse serviço de quarto está demorando demais, e eu tenho de ir para casa. Mas
antes quero tomar um banho. Vem comigo espontaneamente ou terei de usar a
força?
— Acho que gostaria de ser levado à força.

Val estava encostada na geladeira, com uma xícara de chá em uma das mãos
e um folheto de imóveis, que Rona deixara para Emily, na outra.
— Este apartamento é fabuloso.
— Você acha? — Emily olhava para o lado, ansiosa, para ver se Moyra
estava chegando. Queria sair com Michael e Jess antes que a mãe retomasse.
Observou o folheto e constatou que Val tinha razão. O apartamento era
incrível, e o aluguel, acessível.
Guardou o papel na bolsa.
— Ainda é cedo demais para decidir.
— Se está preocupada com dinheiro, meu bem, lembre-se de que no sábado
sua foto estará no Banner, bem como suas obras.
— Fotografia é uma coisa, trabalho é outra. — Emily se aproximou da
amiga. — O que quero falar com você é um pouco mais pessoal.
— Sou toda ouvidos.
— Eu preciso de... — Emily fez uma pausa. — Preciso de alguma coisa que
deixe Michael enlouquecido. Você sabe...
— Na cama. — Vai deu risada.
— Fale baixo! Jess vai ouvir.
— Ela está no terceiro andar.
— Mas Michael está perto. — Olhou na direção dele, no salão de chá. —
Quero alguma coisa que o surpreenda.
— Entendo. — Vai encolheu os ombros. — Bem, costumo começar com
plumas ou uma echarpe transparente.
— Não, não é isso que eu quero. Tem de ser uma coisa simples, mas
devastadora.
— Deixe-me pensar.
Quando Emily, Jess e Michael chegaram ao Isle havia uma tabuleta de
"Fechado" na porta.
As sras. Dempster e Fitzhenry acomodavam pedaços de torta em uma caixa,
e explicaram que Moyra havia ido ao banco e à mercearia, trancando a porta
porque não confiava em Jack e Hugh para atender aos fregueses.
Mas Jack tinha permitido que elas entrassem, é claro.
O pai de Emily saíra logo depois, e Hugh se achava no fundo do
estabelecimento com um amigo esquisito e uma linda loira.
As duas irmãs haviam posto Jess a par das últimas novidades do casamento
de Lilli e André. Pelo jeito, a mãe de Lilli tinha achado o dia negativo, mas André
não acreditava nessas coisas, e a avó estava sendo aguardada, para ajudar a
resolver o dilema.
As duas senhoras pegaram a caixa e foram para a saída, dizendo a Michael
como fora bom vê-lo outra vez e que Moyra iria ficar muito satisfeita quando
chegasse.
Emily sabia que a mãe não ficaria nada contente e, ansiosa, olhou para o
salão, perguntando-se quando Jess iria descer.
— Já sei! — Val exclamou. — Dê-me uma caneta e uma folha de papel. Vou
escrever, porque você terá de fazer isso seguindo passo a passo a ordem que eu
indicarei. Certo?
Emily assentiu e deu o que a amiga pediu.
Michael sentara-se a uma mesa com Duane e Hugh e uma pilha de revistas
com roupas masculinas. Mas não prestava atenção à discussão dos dois homens.
Apenas tomava chá e comia um pedaço de torta.
De vez em quando, olhava para a cozinha e sorria para Emily, que corava
lembrando-se do banho que tomaram juntos.
— Pronto! Mas cuidado, pois pode viciar.
— Ótimo! — Emily sorria.
— Antes de fazer isso, olhe-me nos olhos e diga-me que está sendo
cuidadosa.
— Evidente que sim.
— Refiro-me a seu coração — Val afirmou, muito séria.
— Não se preocupe comigo. Conheço as regras. — Tirou o papel da mão da
amiga. — Agora, explique tudo.
Michael observava as amigas debruçadas sobre uma folha. Emily arregalava
os olhos enquanto Val falava. Não pôde evitar ficar curioso, mas permaneceu onde
estava, ouvindo Hugh tentar passar suas opiniões para Nugent.
Naquele momento, Jack entrou, com um saco de compras nos braços.
— Hugh, estou pronto para começar. — Fitou Michael. — É bom revê-lo,
companheiro.
Michael sorriu, e Hugh pôs-se de pé.
— Papai quer preparar um jantar à luz de velas para minha mãe, e eu vou
ajudá-lo.
— Que romântico! — Duane exclamou.
— Na realidade, é um ato de masoquismo. — Hugh suspirou. — Mas não
diga nada a Jack. Ele comprou uma garrafa de um vinho caríssimo. — E se foi.
— E então, Nugent, como foi o dia? — Michael quis saber.
— Ótimo, chefe. A cornija será recolocada na próxima semana e quase
terminei aquelas faturas. — Fechou a revista e a pôs de lado. — Sei que você
verifica todos os trabalhos e que é exigente.
— Confio em você.
— Obrigado. Acha que o projeto será aprovado?
— Creio que sim. Não há motivo para que não seja.
— Também acho. Se bem que não entendi por que se livraram das fontes.
— Pura questão de economia.
Os dois continuaram a discutir o projeto do novo hotel até que Duane
lembrou-se de devolver o celular para o patrão.
— A srta. Hill se espantou por eu atender ao telefone, mas achou ótimo que
assumisse certas responsabilidades. Ela disse que estará de volta na sexta-feira, às
dez horas.
— Preciso anotar em meu calendário.
Naquele momento, Emily gargalhou na cozinha, e Michael olhou. Viu-a
encostada no fogão, abanando o rosto com a folha de papel.
Quando dirigiu seu olhar a ele, esboçou um sorriso tão sensual que foi difícil
para Michael manter-se afastado dela.
— Por que não fica com o celular pelo resto do dia, Duane? Pode haver
alguma emergência.
— Você manda. Mas creio que há pouca oportunidade de Simone telefonar.
— Por quê? Ouviu alguma coisa?
— Nada. É que ela está longe, e você e Emily parecem... — O rapaz parou
de falar, ruborizando ao ver as sobrancelhas arqueadas do patrão. — Bem, o que
quero dizer é que... parece que isso não importa mais, não é?
Michael viu Jess descendo a escada e Emily se aproximar dele. A menina
não estava sorrindo, e pela primeira vez arrastava os pés ao caminhar.
— Alguma coisa errada? — Emily quis saber.
— Conversei com Natalie. Ela e a mãe irão ao Arts Night e vão levar o novo
namorado.
— Mas isso é bom. Haverá mais pessoas para torcer por você.
— E se eu errar meus passos de dança? E se tropeçar? E se der vexame?
— Por que erraria? — Michael abraçou a garota. — Você é muito parecida
com sua mãe. Bonita e talentosa. Todos vão amá-la. Na realidade, acho que jogarão
rosas a seus pés.
— Isso seria bom. Você também vai, não é?
— Eu não perderia isso por nada no mundo. — E tomou a mão de Emily.
— Boa sorte com o terno, Duane — Michael disse ao assistente, antes de
sair. — E você está certíssimo. Não importa mais.

Capítulo XVI

Michael bocejou. Emily entrou e fechou a porta da suíte atrás de si. Vestia
jeans e uma camiseta regata. Ao vê-la caminhar, ele não pôde deixar de imaginar
sua roupa íntima. Seria preta enfeitada de renda?
Tentou concentrar-se na tela do computador, e começava a segunda linha de
sua apresentação quando apareceu o aviso de mensagem. Era um e-mail de Andy
intitulado: "Não estou feliz com Bill".
Andy só podia estar se referindo a Bill Johnson, o homem a quem Michael
vendera a firma. Curioso, abriu a mensagem.

“Não estou satisfeito com Bill. Você tem outros nomes? Iremos até aí na
próxima semana, se não marcar uma data para vier até nós. Abraços, Andy”.

Michael sorriu e respondeu:

"Não me lembro de outro arquiteto. Dê-me um tempo. Vou decidir quando


irei visitá-los. Beijos, Mike".

Michael desejou rever o bangalô. Teve vontade de comer a comida de Jill e


abraçar os sobrinhos antes de eles se tomarem adultos. E... queria muito ver Andy.
Olhou para Emily, que sorria.
— O que quer que seja deve ser boa uma notícia.
— Apenas Andy ameaçando de novo visitar-me.
— Família é assim mesmo. — Emily colocou um CD nó aparelho de som.
— Como está Jess? Ainda nervosa?
— Sim, um pouco. Mas excitada. Você vai comigo ou nos encontraremos lá?
— Tenho de terminar isto. — Ele apontou para o computador.
— Tudo bem. — Ela apertou a tecla play.
A música iniciou com notas de flauta, e Michael sentiu-se muito bem por ter
Emily ali perto.
Olhou para o mural com atenção, percebendo que ela não demoraria muito
tempo para terminá-lo.
Afastou a cadeira da escrivaninha, e Emily sentou-se em seu colo.
— Jess pediu-me para ter certeza de que você sabe o local e o horário para
esta noite.
— Sete horas, na Lloyd Elgin Elementary. Escrevi o endereço. E não
costumo me atrasar.
Emily segurou o rosto dele com as duas mãos e deu-lhe um beijinho nos
lábios.
— Acho a pontualidade muito atraente em um homem.
Michael sorriu e a abraçou, beijando-a também.
Ainda não se acostumara com a idéia de não poder passar a noite com
Emily, mas tinha de admitir que as manhãs valiam a pena. Instruíra a recepção a
não passar chamadas até as nove horas, pendurara a placa de "Não perturbe" na
porta, e Duane já aprendera a bater antes de entrar.
Enfiou a mão embaixo da regata de Emily, adorando o modo como se mexia
ao contato de seus dedos, recebendo suas carícias e desejando-o tanto quanto ele a
desejava.
Passavam as noites com Jess, iam um cinema, ao parque e jantavam juntos.
Mas os dias eram só para os dois.
Tinham ido ver o apartamento que Emily queria alugar, e Jess concordara
em morar ali desde que pudesse ter um cachorro. Tudo o que Emily precisava fazer
era assinar os papéis. Mas ainda não se decidira.
Endireitou a coluna, com o pulso acelerado pelos afagos dele.
— Tem muito trabalho por fazer, Michael?
— Não muito. — Relutava em parar as carícias.
— Quer ajuda?
— Você também tem serviço, não tem?
Emily levantou-se e colocou a regata no lugar.
— Posso terminar o mural enquanto você estiver na reunião.
— Vai terminá-lo hoje?
— Creio que sim.
Michael não estava surpreso. Emily trabalhava com muita concentração.
— E não vai me dizer onde está o segredo nele?
— De jeito nenhum. — Ela se sentou na ponta da escrivaninha. — E então,
como posso ajudá-lo?
Michael tomou as anotações de Duane.
— Dite-me estes dados.
Enquanto ele digitava, Emily olhava para os papéis e para os desenhos sobre
a mesa. A maioria era sobre o novo hotel.
— Este projeto não o aborrece, Michael?
— O mínimo possível.
— Você ainda não se interessa por nada.
— Interesso-me por você. E por Jess.
Emily sentiu a pulsação acelerar.
— E não permitirei que ninguém as prejudique. — Ele ergueu a cabeça. —
O próximo item.
Ela suspirou e continuou a ditar.
Seu trabalho naquele hotel terminara, e a suíte ia ser usada para hóspedes.
Michael iria para outro lugar e continuaria a viajar bastante, embora fossem
viagens curtas. Eles ainda poderiam continuar a se ver.
Emily concluíra que ele era um homem capaz de viver um amor real, como
também um compromisso. Era alguém talhado para constituir uma família, e doía
ver a vida que decidira levar.
A única coisa que Emily podia fazer era mostrar a Michael o outro lado do
amor. Aquele que o faria rir e deixar a solidão de lado. Isso, se ele permitisse.
Desceu da escrivaninha quando Michael digitou a última linha.
— Terminado?
Ele assentiu, e ela sorriu-lhe.
— Como Judith não chegará antes das dez, temos tempo suficiente. Venha.
Michael a seguiu, impedindo-a de chegar ao sofá. Agarrou-a e levou-a para a
cama. Despiu-a, admirando sua lingeríe.
— Quantos conjuntos destes você ainda tem?
— Apenas um.
— E quando vou vê-lo? — quis saber, fazendo-a deitar-se sobre ele.
— Estou reservando-o para uma ocasião especial.
Emily se ajoelhou e se pôs a beijar-lhe o peito e o abdome. Em seguida, as
coxas.
Não era o que ele esperava, o que planejara, mas não ia fazê-la parar. Fechou
os olhos e se deixou levar, enquanto ela trabalhava com a boca.
— Esta ocasião parece especial... — ele murmurou.
— Achei que você gostaria.

— Certo. Tudo me parece muito bem. — Judith deu uma rápida olhada ao
redor da sala de conferência. — Nossos convidados chegarão em alguns minutos.
— Arqueou as sobrancelhas. — Do que está rindo, Michael?
— Ahn? Oh... — Ele abanou a mão. — Estou me lembrando de uma coisa
que aconteceu esta manhã. — Olhou para o projeto do novo hotel. — Tudo me
parece muito bem.
— Acabei de dizer isso. — Judith foi até a porta. — Pegue os papéis,
Michael. Esta reunião é muito importante.
— Eu estava mesmo sorrindo? — Michael perguntou a Duane.
— Estava sim.
Tornou a sorrir. Depois daquela manhã, não podia deixar de sorrir de
felicidade.
— Duane, vamos nos sentar.
Mas Duane não se mexeu.
— Michael, se não se importa gostaria de falar uma coisa antes.
— Alguma coisa errada?
Duane suspirou, acertou a gravata, e pôs a mão dentro do bolso do paletó.
De lá, tirou um envelope, dando-o ao chefe.
— Estou lhe entregando minha demissão — ele declarou, olhando para o
chão.
— Do que está falando?! — Michael olhava para o envelope.
— O novo hotel, Michael. Eu tentei, mas não agüento ver o que estão
fazendo com o pobrezinho. Entendo as razões econômicas e o alvo do mercado,
mas, para ser franco, acho que a propriedade deveria ser restaurada. Aquilo é um
tesouro. E a história... — Parou de falar e sentou-se em uma cadeira. — Não posso,
em sã consciência, fazer parte desse planejamento. Ficarei na reunião e o
assessorarei, como havíamos combinado, mas partirei na próxima semana.
Michael pegou o envelope e o colocou no bolso.
— Entendo, e aceitarei sua demissão. — Avistou Judith, que entrava no
salão com os convidados.
Não sabia quais eram os banqueiros e quais os empresários, mas reconheceu
o presidente do Sunridge, George Lutyk. Era um homem respeitado, que Michael
admirava.
George acenou para Michael, gesto que não passou despercebido a Judith.
— Foi um prazer trabalhar com você, Nugent.
— Para mim também.
— Michael? — Judith chamou-o, sorrindo, com entonação afável. — Estou
certa de que se lembra de George.

— Senhoras e senhores — Judith dizia, com um sorriso —, o Hotel Sunridge


não é apenas mais um hotel. Ele é parte da comunidade. E quero apresentar-lhes
nosso arquiteto: Michael Wolfe.
Todos se voltaram para olhar para Michael. Cabia a ele convencê-los de que
o Sunridge era a idéia mais original do conjunto de Hotéis Concord. Levantou-se e
pegou a maleta, achando que poderia precisar de algumas anotações.
Caminhou até a frente da sala e pôs a maleta sobre a mesa, abrindo a
fechadura.
— Bem, é uma honra estar aqui. Os Hotéis Concord são líderes no grupo de
resorts, e eu...
Parou de falar, pois ao enfiar a mão na maleta para apanhar algumas
anotações, sentiu alguma coisa lisa e peluda. Deu uma olhada e viu uma calcinha
rosa-choque enfeitada de plumas com um bilhete preso por um alfinete: "No que
está pensando neste exato momento?"
Em ocasiões especiais, lingeríe com plumas e uma linda mulher. Fechou a
maleta, olhou ao redor e abriu um sorriso escancarado.
— Acho que as possibilidades são inúmeras.

Judith levou a xícara de café aos lábios.


— Foi fabuloso, Michael! Acho que o negócio será fechado.
— A intenção era essa.
Depois de a reunião ser encerrada foi servido um lanche. Era a oportunidade
para uma conversa informal entre os participantes.
Duane se postou ao lado de Michael, servindo-se também de uma xícara de
café.
— Você foi brilhante. Muito convincente.
— Convenci você?
— Não. Eu sou muito teimoso.
— Não há nada de errado com isso. — Michael tocou o ombro do assistente
demissionário.
— Brilhante exposição, Michael. — George se aproximava. — Era disso
mesmo que precisávamos depois de tantos gráficos e estatísticas.
— Fico contente que tenha gostado.
— Foi mais do que isso. Apreciei ouvir sua opinião. Sempre desejei
restaurar o antigo castelo, mas agora estou começando a achar que estava errado.
Creio que é hora de mudar. Esquecer o que a propriedade é e pensar no que poderá
ser. E, olhando com objetividade, o que eles têm em mente não é tão ruim. Mas...
seja sincero comigo. Acha mesmo a idéia boa?
Michael viu Duane se afastar e Judith olhar para ele do outro lado do
recinto. Sabia o que tinha de dizer: cumprir sua parte. Seria silenciado mais uma
vez.
No entanto, estudando a expressão séria de George, tornava-se muito difícil
mentir.
Como Duane e George, Michael não queria descaracterizar o antigo castelo,
e essa era sua última oportunidade de impedir que isso acontecesse.
— Quer saber o que eu realmente penso? — Suspirou, depositando a xícara
sobre a mesa. — Acho que você deveria manter seu voto contra nós.
George piscou duas vezes, sorriu e deu um tapinha no braço dele.
— Obrigado. Você salvou meu dia.
Michael observou-o caminhar com passos leves e os ombros retos. Aquele
era um homem com uma missão. Michael o invejou.
— Estou muito orgulhoso! — Duane abraçou Michael, ali mesmo na sala de
conferências.
Ao se dar conta do que fizera, afastou-se e se desculpou:
— Perdoe-me....
— Nugent, está tudo bem.
Michael respirou fundo ao ver George se aproximar de Judith e dos
empresários.
— Ela vai me matar — comentou, vendo Judith franzir as sobrancelhas.
— É triste, mas é verdade, Michael.
— E meu nome ficará sujo na indústria de hotéis.
— Durante vários anos.
— Terei de fazer outra coisa. — Michael olhou para o assistente. — Já
pensou em construir casas, Nugent?
— O tempo todo. O tempo todo! — Duane afirmou, sorrindo.
— Nesse caso, será meu assistente. Não há de ser fácil. Teremos de formar
uma equipe, arranjar financiamento e conseguir clientes.
— Tirou o paletó do uniforme, jogou-o sobre uma cadeira e atravessou o
salão. — Começaremos com meu irmão. Ele é maçante, mas o que fazer? Seremos
uma grande equipe, você e eu.
Chegaram ao elevador e entraram.
— Precisamos de um nome para a companhia, alguma coisa pequena e fácil
de lembrar. E de um logotipo. Talvez Emily tenha alguma idéia. Pense em um
nome e eu enviarei um e-mail para meu irmão.
Michael olhava os números no visor do elevador que subia.
— Direi a Andy que estarei lá este final de semana para uma primeira
entrevista. É bom começarmos logo. E talvez Emily possa ir comigo. Jill e Andy
gostarão dela, e tenho certeza de que Jess e os meninos se darão muito bem.
O elevador parou e aporta se abriu para a cobertura. Michael ouviu música e
Emily cantando. Sabia que ela estava misturando tinta ou lavando os pincéis, pois
nunca cantava quando pintava.
Ao vê-lo, Emily se aproximou sorridente e perguntou como tinha sido a
reunião.
Michael lhe contou tudo. Em seguida, pegou-a nos braços e disse-lhe que
adorara a calcinha de plumas. Emily tomou a sorrir, e os dois se beijaram. Quando
ele cerrou as pálpebras, não foi mais o rosto de Kate que viu, nem sua voz que
escutou. Era Emily.
— Você precisa de alguma coisa, Michael? — Duane quis saber.
— Esqueci minha maleta. Pode buscá-la para mim? E passe um e-mail para
meu irmão, dizendo que estarei lá amanhã.
— Mas, Michael...
— Agora, Nugent. Vá enviar o e-mail.

Capítulo XVII

O Arts Night sempre fora tradição e orgulho para a Lloyd Elgin Elementary,
e aquela era uma noite dedicada à arte, música e dança. Pinturas, desenhos e
esculturas dos alunos estavam expostos no vestíbulo, e histórias e poemas eram
lidos em voz alta na biblioteca. Nas portas principais, um coral recebia os
visitantes. Mas tudo isso era apenas um aquecimento para a parte principal do
programa, que aconteceria no auditório.
Emily estava de pé no final da terceira fileira de cadeiras guardando lugares
e se abanando com o prospecto, tentando não pensar em Jess, que andava de um
lado para o outro no vestiário.
— Estes lugares estão reservados — Emily disse a uma mulher parada na
outra extremidade da fileira.
Para seu alívio, as duas irmãs escocesas e o resto da torcida de Jess: Moyra,
Sean. Hugh, Jack, Val e Duane acabavam de chegar. Faltava apenas Michael.
Emily tinha esperança de que ele estivesse atrasado devido ao trânsito, e não
por alguma discussão com Judith.
— Isto é muito excitante — dizia a sra. Dempster.
— As crianças estão adoráveis — acrescentou a sra. Fitzhenry. — Se você
está guardando lugar para Lilli e André, não se preocupe. Eles não virão. Lilli
devolveu a aliança esta manhã.
— Foi uma lástima... — A sra. Dempster suspirou.
— Melhor assim. — Moyra acomodou-se. — Não teria durado uma semana.
Emily, guardou lugares demais. Precisamos de apenas nove. Trudy, avance uma
cadeira.
— Fique onde está, sra. Dempster. Precisamos de dez lugares.
— Quem...
— Para aquele simpático rapaz com quem ela está saindo, é claro. — Trudy
Dempster sorriu para Emily. — Quando ele chegará?
— A qualquer momento.
Moyra meneou a cabeça.
— Não acredito que você o convidou. Mas eu deveria ter percebido, pois
andou agitada a semana toda.
— Eu não estava agitada, mamãe.
— Chame como quiser, mas eu não sou boba.
— Mamãe, venha sentar-se perto de mim — sugeriu Hugh. — A
apresentação começará logo.
Emily não queria discutir com Moyra, pois aquela era uma noite especial.
— Sentarei quando quiser, e se esse Michael chegar atrasado e passar na
frente de todos antes de se acomodar...
—Por que não reservamos um lugar para ele na ponta da fileira? — Hugh a
interrompeu. — Emily ficará ao lado dele, e papai... — Sinalizou para que Jack se
aproximasse. — Venha para cá.
Emily sorriu para Jack, mas ele permaneceu sério. Achou-o estranho.
— Moyra...
— Não quero ouvir nada, Jack. Pegue seu lugar e deixe-me em paz.
Jack passou por ela e foi sentar-se ao lado da sra. Dempster, que lhe aplicou
um tapinha no braço.
— Tolo! — Moyra resmungou, sentando-se onde Hugh indicara. — Sente-
se, filho, por favor.
— O que está acontecendo? — Emily perguntou ao irmão.
— Estão brigados, como sempre. Onde está Michael?
— A caminho. — Emily achou graça ao vê-lo olhando para todo lado. —
Algum encontro, Hugh?
— Ele disse que viria. — Deu de ombros. — Mas acho que está cansado de
ter de se esconder o tempo todo. Paciência tem limite.
— Você nem sabe o que tenho aqui — Val murmurou ao passar por Emily,
acompanhada por Duane.
— Ingressos para um novo espetáculo?
— Melhor. — Val tirou um jornal da bolsa. — Uma cópia da edição de
amanhã do Banner, com você na primeira página.
— A foto ficou ótima — Duane acrescentou.
— Esplêndida! — Vai não cabia em si de contentamento. — E o artigo,
então? Nem pagando você conseguiria um melhor.
— E você tem um plano, é claro.
— Eu sempre tenho, não tenho, Emily?
— O que vocês têm aí? — Moyra quis saber.
— Emily na página principal. — Vai passou o jornal a ela, mas Hugh o
pegou primeiro.
— Muito bom! Ela não está adorável?
— Sim, está — confirmou a sra. Fitzhenry.
Moyra cruzou os braços e encarou a filha.
— Não fique muito orgulhosa. Amanhã esse jornal estará forrando gaiolas
de passarinhos.
— Estatisticamente falando — Duane interveio —, pequenos jornais como o
Banner ficam mais tempo nas casas do que os jornais diários. Uma semana ou
mais.
— Estatísticas não pagam contas. Agora, sente-se. Você também, Val.
— Você tem de ligar para Rona, Emily.
— Eu ligarei. Val.
— Sabe onde Michael está? — indagou Duane.
— Eu esperava que você soubesse.
O rapaz meneou a cabeça.
— Ele chegará logo, sem dúvida.
— Lógico que sim. Michael jamais decepcionaria Jess.
As luzes piscaram, e Duane se apressou a sentar-se entre Val e Hugh. Emily
olhou para a porta mais uma vez e se acomodou ao lado da mãe, colocando uma
bolsa na cadeira vazia a seu lado.
As iluminação foi diminuindo, e Moyra murmurou:
— Para sua informação, deixei seu pai.
— O quê?! — Emily virou-se para ela.
— Deixei-o para sempre. Comuniquei a Jack no carro, vindo para cá.
— Mas por quê?
— Porque não temos mais nada em comum. Passei minhas coisas para seu
apartamento e...
— Mas não há lugar.
— Não seja boba. Nós três estaremos bem lá, até que ele se mude. Aí,
deixaremos o lugar do modo como nós queremos.
— Por que "nós"?
— Você, eu e Jess. Será bom, você verá. Aí já terá retornado ao salão de
chá...
— Senhoras e senhores — o apresentador falou ao microfone. — Sejam
bem-vindos ao Arts Night.
— Conversaremos mais tarde. — Assim, Emily encerrou o assunto.
Tornou a fitar a entrada. Onde estaria Michael?
Tentava prestar atenção às palavras do apresentador, mas não conseguia tirar
os olhos de Jack. O que ele iria fazer agora? Para onde iria?
Mas não havia nada que pudesse fazer no momento. Não com o número de
Jess no quarto lugar do programa, entre uma representação de Hamlet e uma dupla
de irmãs cantoras.
— Pare de olhar para a porta. Ele não virá.
— Michael não decepcionaria Jess, mamãe.
O apresentador anunciou o número de Jess, e Sean e Hugh levantaram-se de
seus lugares para aplaudir.
Jess apareceu no palco, o sorriso amplo, um tanto embaraçada e orgulhosa
ao mesmo tempo.
— Essa é nossa garota! — Jack exclamou várias vezes.
Emily olhou para a porta uma vez mais e suspirou. Michael vinha vindo,
com o programa na mão e os olhos no palco.
— Ele chegou — Emily disse à mãe.
Flautas soaram, e Jess parou de sorrir. Compenetrada, começou a dançar.
Emily conteve as lágrimas quando os aplausos iniciaram, sobretudo na
terceira fileira. Naquele momento, um garotinho aproximou-se do palco e atirou
uma rosa aos pés de Jess.
Jess abaixou-se para pegar a flor e fitou a platéia, procurando ver quem lhe
enviara a rosa. Se bem que tanto ela como Emily sabiam de quem se tratava.
Emily virou-se, certa de que naquele instante, entre um número e outro,
Michael viria sentar-se a seu lado. Mas não havia mais ninguém na entrada.
Hugh e Sean olharam para ela, bem como Duane.
Emily não sabia o que pensar. Sentia-se humilhada e com raiva, e mal podia
respirar.
— O que você esperava? — Moyra a admoestou, quando Jess deixou o
palco.
— Nada.
Os dois nunca formariam um casal. E se esse era o fim, teria de aceitar.
Prometera nada exigir e nada esperar. Prometera a si mesma que, dessa vez, sairia
de cabeça erguida e com a altivez intacta. E, acima de tudo, sem lágrimas.
Imaginara um final diferente, mais civilizado. Talvez um brinde com
champanhe e um beijo apaixonado. Merecia esse beijo ou, no mínimo, a cortesia
de um aperto de mão.
As irmãs cantoras entraram no palco, e Emily olhou mais uma vez para a
porta. Seria agora ou nunca. Pegou a bolsa na cadeira ao lado e levantou-se.
— Pelo amor de Deus, não vá atrás dele!
— Não estou indo atrás de ninguém, mamãe.
Moyra fez menção de se erguer, mas Hugh a segurou pela barra da blusa.
— O espetáculo é no palco, mamãe.
Emily passou pela platéia, balançando a cabeça para cumprimentar Natalie,
a mãe e o novo namorado. Viu também um jovem na última fileira, que devia ser o
namorado de Hugh. O rapaz lhe sorriu, erguendo os dois polegares.
O vestíbulo estava vazio. Ela saiu para a cálida noite de verão e o viu de
imediato.
Michael estava no meio do estacionamento, andando devagar em direção de
seu carro, com o celular na mão.
Emily moveu-se com rapidez para alcançá-lo antes que ele entrasse no
veículo, e assustou-se quando seu celular começou a tocar.
— Michael querido, como você está? — ela atendeu.
— Como sabia que era eu?
— Reconheci o toque. — Emily diminuiu o passo quando ele parou ao lado
do automóvel. — Por que está me ligando agora?
Ele deu de ombros e passou a mão pelos cabelos.
— Para falar com você, ouvir sua voz e descobrir quando estará na cidade,
porque gostaria muito de vê-la.
— Quer me ver? E o que fará quando me vir?
— O que eu farei? — Michael pegou as chaves do carro do bolso. —
Qualquer coisa que você goste.
— Irá me pegar em seus braços e me beijar como na primeira noite?
— Sem dúvida.
Emily parou a uma certa distância.
— Fará amor comigo?
— Simone...
Emily continuou a caminhar com lentidão para que ele não notasse sua
presença.
— Responda-me, Michael. Quer fazer amor comigo?
— O que acha?
— Acho que você é um imbecil.
Ele se virou e empalideceu, o telefone ainda na orelha. Emily continuou se
aproximando.
— Por quê, Michael querido, você parece ter visto um fantasma?
— O que está acontecendo? — Ele ainda falava ao telefone.
— Estou deixando que você fale com Simone. Não é isso o que quer?
— Não estou entendendo...
— Oh, vamos, não é tão difícil! Agora sou Simone. — Desligou o telefone.
— E agora não sou.
— Você está dizendo que era Simone?
—É incrível o que se pode fazer com uma peruca e uma máscara.
— Do que está falando?
— Era um baile de máscaras, lembra?
— Não acredito!
— Precisa de uma prova? Tudo bem. — Guardou o celular na bolsa. — Que
tal eu descrever seu sofá? Ou o que senti quando Duane nos interrompeu?
— Emily, pare com isso. Por que não me contou?
Ela hesitou, insegura pela primeira vez desde que deixou o auditório.
— No início fiquei embaraçada. Não sabia como você iria reagir. Depois,
quando o conheci, me pareceu impróprio. Simone não ia voltar.
— E quantas pessoas sabem disso?
— Hugh, Sean e, é claro. Val.
— E Duane.
— Não tenho certeza se Duane sabe.
— Eu, sim. Portanto, você me fez de idiota a semana toda, não é?
— Não se faça de ofendido, Michael Wolfe. Não depois do que fez agora há
pouco.
— Vamos, Emily... Não compare as duas atitudes.
— Tem razão. Nunca pretendi embaraçá-lo. Mas o que você fez esta noite
foi intencional.
Ele ergueu o celular.
— E acha mesmo que isto não foi? Mentiu para mim desde o início. Fez-me
de tolo desde o baile. E me diz que não foi intencional?!
Emily deu mais um passo.
— Não vim atrás de você para isso. Não poderia saber que você ia telefonar
para Simone outra vez. Agi sem pensar. Acredite, não planejei nada. Quis ir ao
baile apenas para promover o mural. Não tive intenção de conhecer você, e muito
menos de subir até seu apartamento. E também não pretendia me apaixonar por
você. Mas aconteceu, e sinto muito. Não por ter me apaixonado, mas por ter
mantido Simone em segredo.
— E isso deve consertar tudo? Acho que não. Mas estou curioso. Se não
veio se passar por Simone, por que está aqui?
— Para dizer adeus.
— Como assim?
— Em minha cabeça, tudo tinha de terminar de maneira civilizada, com
maturidade. Um último beijo e a separação. — Encostou-se no pára-lama do carro
e olhou para a escola. — Parece tolice agora, mas não parecia lá dentro, quando eu
estava sentada ao lado de uma cadeira vazia.
— Está bem. Devo-lhe desculpas. Mas eu lhe disse desde o começo que não
queria nada permanente. Não quero que reserve lugares para mim, nem pretendo
fazer parte da família. E quando a vi lá...
— ...foi mais fácil fugir.
— Acho que sim.
— E suponho que será mais fácil continuar fugindo, com raiva por eu ter me
feito passar por Simone.
Ele encostou-se no pára-lama, ao lado dela.
— Estou bravo. Mas superarei.
— E então?
— Vou partir.
— Para onde?
— De volta ao Maine. Pensei muito e acho que chegou a hora.
— Duane ficará decepcionado. Ele gosta muito daqui.
— Eu também.
— Em quanto tempo partirá?
— Judith me deu vinte e quatro horas para sair do hotel. Esta noite estarei
juntando minhas coisas.
— Não demorará muito.
— Não. Tenho poucos pertences.
Emily sorriu com tristeza.
— O homem que não carrega muita coisa, para se mudar com facilidade.
— É a única maneira que conheço.
— Então é isso. — Desencostou-se do veículo e se posicionou à frente dele.
— Mas, antes que se vá, quero que olhe em meus olhos e diga que não me ama.
— Não posso fazer isso, porque eu te amo.
— Mas não quer me amar.
— Não, não quero. Não vou começar a sonhar com você e fazer planos.
Nem viver com você e com Jess. Não posso passar por isso outra vez.
— E como sabe que não envelheceremos juntos?
Michael sorriu. Tudo parecia muito simples nas palavras dela. No entanto,
tivera uma dura lição. Era melhor ser cauteloso. Devia partir já, antes que seu
coração o traísse.
— Sinto muito, Emily. Não quero tomar a me arriscar.
— Nesse caso, só há uma coisa a fazer.
— E o que é?
— Um civilizado adeus.
Michael a viu endireitar os ombros. Nada de lágrimas, nem recriminações.
— Você primeiro.
— Adeus, Emily. Sentirei saudade.
— Sim, sentirá. — Ela se aproximou e enlaçou o pescoço dele. Sem pensar,
Michael a agarrou, estreitando-a.
— Esta é a parte em que me beija. Apenas uma vez, e depois entrará no
carro e partirá. Não ficarei olhando você se afastar e não telefonarei mais tarde.
Adeus, Michael.
Ele não tinha percebido até aquele momento como a queria, como precisava
dela.
Beijou-a várias vezes até que Emily deu um passo atrás.
— Agora, desapareça. — Emily deu-lhe as costas e seguiu em direção da
escola.
Michael suspirou e entrou no automóvel, com o gosto dela ainda nos seus
lábios.
Quando se afastou, Emily manteve a palavra. Não olhou para trás.

Capítulo XVIII

Emily tinha quase chegado à escola quando Moyra apareceu na porta da


frente. Ao ver a filha, cruzou os braços.
— Então, ele deixou você.
A garganta de Emily doía, no esforço de conter o choro. Tinha o peito
apertado, e fazia esforço para respirar. Mas conseguiu encarar a mãe e continuar
andando.
— Não quero falar nisso agora. O espetáculo não terminou, e Jess ainda tem
o final para se apresentar.
Mas Moyra bloqueou-lhe a passagem.
— Certamente, você não vai voltar para lá. Não há uma só pessoa que não
tenha visto o que aconteceu.
— Eu deveria ficar aqui, é isso? Andar pelo estacionamento até a
apresentação terminar?
— De modo algum. Pegamos Jess e voltamos para casa apenas nós três.
Deixaremos tudo isso para trás, você retoma o trabalho no Isle e faremos planos
para o futuro. — Moyra sorriu pela primeira vez em muitas semanas e afastou uma
mecha do rosto da filha. — Ficaremos bem e você acabará vendo que o melhor
aconteceu.
Emily empurrou a mão da mãe.
— Melhor para você.
— Emily, volte aqui!
Mas foi só a aparição de Hugh que a fez parar.
— Você está bem? — ele perguntou à irmã.
— É claro que ela está bem — Moyra respondeu. — Volte para dentro. Não
precisamos de você aqui.
— Fique, Hugh. Preciso de você, sim. Não estou bem. Michael está partindo
para o Maine.
— Oh, céus! Como os homens são tolos!
— Eu sempre soube que ele não servia para ela.
— E isso a faz feliz, não é, mamãe?
— Como pode dizer isso? Eu estava apenas tentando salvá-la de você
mesma. Apenas quero sua felicidade.
— Mesmo? Nesse caso, gostará de saber que fui mais feliz esta semana do
que nos últimos seis anos.
— Não fale bobagem! Isso é patético!
— Sabe o que é patético, mamãe? Esquecer o que é se apaixonar e ficar
ouvindo você dizer, com toda a sutileza, como fui tola. Isso é patético. Mas se eu
permitir que você continue, será trágico.
— O que quer dizer com isso? — Moyra arregalou os olhos.
— Que vou me mudar.
— Você está nervosa. Não irá a lugar nenhum. Ambas sabemos disso.
Em outra ocasião, Moyra podia estar certa, mas agora que Emily tinha
conseguido dizer o que queria, não iria retroceder.
— Lamento, mamãe, você está enganada. — Emily sorriu. — Jess e eu
estamos nos mudando.
— Você não tem dinheiro para morar sozinha.
— Tenho condições de alugar um pequeno apartamento, e amanhã mesmo
irei procurar.
— Amém! — Val sussurrou.
Emily e Moyra se viraram e depararam com Val e Duane ao lado de Hugh e
Sean, bem como as duas irmãs escocesas.
— Está no intervalo? — Emily quis saber.
— Ainda não, mas é um número de que não gosto — Val esclareceu.
— Nem eu — concordou Duane.
— Não me importo se... — Sean tentou falar.
— Quietos todos vocês! — Moyra tomou a fitar Emily. — Então é esse seu
plano? Pretende ir embora, levando Jess e deixando o salão de chá para eu cuidar
sozinha? Nunca pensei que pudesse ser tão ingrata!
Emily se aproximou da mãe, falando com delicadeza, mas firme:
— Não sou ingrata, estou sendo apenas realista. O salão de chá nunca foi
meu sonho. É seu sonho. E você não tem de administrá-lo sozinha, se não quiser.
— Não contratarei estranhos.
— Não será preciso. Hugh faz massa tão bem quanto você, mas insiste em
afastá-lo há anos. E agora afasta papai também.
— Seu pai está impossível! — Moyra empinou o queixo, orgulhosa como
todos os Anderson.
— Ele cometeu alguns erros, sim, mas tudo o que quer é fazer parte de sua
vida de novo e reconstruir o que vocês tinham no passado. Mas você quer viver
comigo e com Jess, e não posso deixá-la fazer isso. E digo-lhe mais: se continuar a
agir desse modo, terminará uma mulher amarga e sozinha.
— Terminou?
— Sim, terminei.
— Graças a Deus. — Moyra passou a mão pelo pescoço. — Ainda bem.
Emily nunca vira a mãe tão subjugada, sem saber como agir, perdida e
confusa. Arrependeu-se de não ter esperado uma oportunidade de falar, de
conversarem a sós. Olhou para Hugh, que lhe sorriu, dando-lhe força.
Moyra ergueu a cabeça e começou a se afastar, mas Jack a chamou, e ela se
virou.
— Os bailarinos vão voltar ao palco. É melhor entrarmos.
— Sim, é claro. Obrigada por me lembrar, Jack. Odiaria perder esse número.
— Dirigiu-se a Emily. — Seria bom você entrar também. O número final será em
breve.
— Eu irei, mamãe. Vá na frente.
Moyra subiu a escada e parou perto de Hugh.
— Você é mesmo bom com as massas?
— "Incrível" me descreveria melhor.
— Acho difícil de acreditar. Vamos logo, Jack, antes que acabe.
— Moyra? — chamou-a Trudy Dempster. — Se precisar de alguma ajuda no
Isle, temos muita disponibilidade.
— O que acha, Jack?
O marido lhe deu o braço.
— Como você quiser, meu amor.
O casal entrou no auditório de braços dados, seguido por Sean.
— Quer que eu bata em Michael agora, Emily?
— Seria bom — Emily assentiu, sorrindo.
— O sujeito é um idiota, mas tenho ótima notícia para você, querida. — Val
lhe mostrou um pedaço de papel. — Sei onde podemos encontrar um apartamento
ótimo.
— Vocês vêm ou não?
— Sim, Sean. — Emily fitou mais uma vez o estacionamento. — Estamos
indo.

Os cabelos de Michael estavam úmidos do banho quando ele sentou-se à


escrivaninha, tomando a segunda xícara de café, após mais uma aspirina. Sua
cabeça doía como nunca.
Já havia feito suas malas e juntado seus pertences. Iria deixar tudo no hotel
até voltar de sua viagem a Toronto, para visitar o irmão.
Olhava absorto para o mural, quando ouviu abrirem a porta. Duane entrou
sorrindo.
— Exatamente o homem que eu queria ver. Recebeu a mensagem a respeito
de minha mudança para o Maine?
— Sim. — Duane hesitou. — Você está bem?
— Estou. É que passei a noite fazendo malas.
Duane olhou para o bar e viu a garrafa de vinho vazia.
— A respeito da mudança...
— Não se preocupe, já resolvi tudo. Seu vôo está reservado, e deixei
orientações em um envelope sobre a escrivaninha, bem como uma lista de coisas
que quero que cuide para mim enquanto eu estiver no Canadá. Passarei uma
semana com meu irmão e sua família, e irei também até o bangalô antes de voltar.
— Michael fechou o zíper da mala.
— Ótimo. Posso carregar isso para você?
— Já lhe disse que estou bem, Duane. Enquanto eu estiver fora, procure
preços de cartazes e cartões de negócios. Estou pensando no nome Wolfe, Desenho
e Construção, o que acha?
— Muito bom, mas eu...
— Judith me enviou um e-mail dizendo que o projeto foi aprovado. Ao que
tudo indica, o que eu disse não foi o suficiente para um final feliz.
— Ao menos nós tentamos. E às vezes nós mesmos temos de escrever o
final feliz.
— Isso é muito profundo — Michael comentou, rindo.
— É apenas a verdade. O que me leva ao motivo de eu estar aqui. — Duane
respirou fundo. — Não irei com você para o Maine. Agradeço muito por sua
oferta, mas sou obrigado a declinar.
— E por quê?
— Fazia muito tempo que eu não me sentia em casa e não tinha amigos
verdadeiros. E até que enfim encontrei as duas coisas. Embora saiba que você está
me ofertando uma oportunidade ímpar, sei que me arrependerei se for embora
agora, porque talvez nunca mais encontre o que tenho aqui.
Talvez fosse a bebida ou a enxaqueca, mas Michael não pôde evitar se sentir
tocado pela expressão do rapaz. Duane era tão jovem e tão otimista... Pronto para
obedecer seu coração em vez de seguir a razão, convencido de que fazia a coisa
certa.
Michael estendeu-lhe a mão.
— Sendo assim, só me resta desejar-lhe boa sorte. Quais são seus planos?
— Estamos procurando apartamento. Val encontrou alguns, mas Emily quis
passar aqui para pegar as coisas dela.
— Emily está aqui?
— Sim, lá embaixo, na van.
— Ela vai subir? — Michael foi até a janela.
Lá estava Emily, de pé ao lado da van, com Jess e Val, conversando e rindo.
— Emily não achou boa idéia subir, Michael. E eu me ofereci para levar-lhe
seus objetos.
Michael sentiu um aperto no peito. Mas fizera sua escolha, e achava ter
agido certo.
— Melhor assim. — Michael voltou à escrivaninha, olhou para Duane e
sentou-se. — Acho que você sabia que ela era Simone, não?
— Não o tempo todo. Mas uma vez a olhei com mais atenção, e foi fácil
perceber que eram a mesma pessoa.
— Bem, cumprimente-a por mim.
— Se você descesse, talvez...
— Nugent, apenas diga "olá".
— Certo.
Naquele momento, bateram na porta.
— Talvez ela tenha mudado de idéia.
— Emily tem a chave, não precisaria bater.
Mas Michael não pôde esconder sua decepção ao ouvir uma voz masculina:
— Estou procurando por Michael Wolfe. — Era um rapaz de cabelos longos,
presos em um rabo-de-cavalo. — Estou aqui a mando de Judith Hill para repintar
uma parede. Sabem qual é?
— Espero que não. Deixe-me ver a ordem.
O jovem tirou um pedaço de papel do bolso.
— Ela disse que havia algumas marcas...
Michael relaxou. Não era o mural de Emily que Judith queria desfazer.
Apontou para uma parede atrás da escrivaninha.
— Deve ser aquela.
O pintor olhou ao redor.
— Posso ver por que ela estava preocupada. Esta suíte é linda. E o mural,
estupendo. Posso dar uma olhada?
— À vontade.
Duane foi apanhar o material de Emily.
— É uma obra muito bonita. Se o senhor assinar isto, poderei pintar a parede
hoje mesmo.
— Ótimo. — Michael assinou o papel.
O rapaz não tirava os olhos do mural.
— Para o caso de o senhor precisar de meus serviços... — O pintor entregou
um cartão a Michael.
— Não será necessário, visto que estou de mudança.
— Vai começar outro hotel em outro lugar?
— Eles vão, mas eu não. Eu projeto casas. Casas pequenas.
— Está brincando! Então me dê seu cartão. Meu pai quer construir uma
casinha em Connecticut. O senhor iria tão longe?
— Vou aonde tem trabalho.
Enquanto isso, Duane juntou as coisas de Emily em uma grande caixa,
assobiando baixinho.
Quando ele saiu, Michael não pôde deixar de pensar que aquele era um
moço feliz.
— Ainda não tenho cartão comercial, mas escreverei meu telefone. Diga a
seu pai para me ligar quando quiser.
— Mas eu não deveria pelo menos subir para agradecer-lhe pela rosa,
mamãe?
— Não, Jess. — Emily entrou na van para pôr o material que Duane trazia.
— É melhor mandar-lhe um bilhete. Quando um homem e uma mulher param de
se ver, é esquisito se encontrarem. Entende o que quero dizer?
— Acho que sim. — Jess olhou para Val. — Mas é tão bobo! Quando eu e
Natalie brigamos, nós gritamos uma com a outra e pronto, acabou. A gente não se
esconde.
— Não estou me escondendo, mas apenas passando por um momento de
transição.
— Ela está se escondendo, sim — Val retrucou. — Mas faz parte do
processo. É uma arte fazer isso de maneira correta.
— Então acho que Michael não está fazendo isso.
— É claro que está, filha. — Emily sorriu para a criança, dentro da van.
— Se é assim, por que ele está correndo pelo vestíbulo e acaba de trombar
em um homem?
— Do que está falando?!
Emily se virou para a porta principal do Brighton. Jess tinha razão. Michael
dera um encontrão em um senhor de meia-idade enquanto corria para a saída do
hotel.
Ela entrou rápido no veículo. Não queria ser vista.
— Vamos embora — ordenou, pegando as chaves.
— Agora ela está fugindo mesmo — Jess disse.
— Não estou, não. Quem falou que Michael está vindo para cá?
— Emily! — Michael chamou-a. — Tenho de falar...
O resto da frase foi encoberta por um grupo de mulheres que entravam no
Brighton.
— Espere! — ele gritou.
— Michael! — Jess acenava.
Michael abraçou a garota com força.
— Adorei a rosa! — a menina agradeceu, passando os braços ao redor do
pescoço dele, que a tinha pego no colo.
— Tenho sido um idiota.
— Essa é a opinião geral — Val resmungou. — Jess, venha comigo.
Michael pôs Jess no chão, que deu a mão a Val, e as duas se afastaram.
— Você está com um aspecto péssimo. — Emily cruzou os braços.
— Mas estou bem.
— O que quer?
— É uma longa história. Podemos ir a algum lugar?
— Não posso abandonar a van. Fale aqui mesmo.
— Está bem. Eu estava conversando com um pintor, e ele me pediu um
cartão. Ao abrir a carteira vi esta foto.
Era a fotografia que os três haviam tirado na cabine do La Dome.
— Ele perguntou se era minha família. Tive vontade de dizer que sim, que
era minha mulher, a pintora do mural. E que a garota era nossa filha, uma futura
bailarina promissora. Mas não pude dizer uma mentira. Comecei a suar e a ficar
com raiva da alegria de Duane, que assobiava baixinho. Ele tão feliz e eu tão triste!
Foi então que entendi que quero fazer parte de um casal outra vez. Quero ter uma
família.
Michael pegou a mão de Emily.
— Estou indo bem? — Sorriu, tímido.
— Sim, até agora. — Ela retribuiu o sorriso. — Mas preciso ouvir o resto.
— Eu te amo e não posso suportar a idéia de ficar sem você. Case-se
comigo, ou se preferir, podemos morar juntos.
— Casamento é uma coisa boa. — Emily beijou os lábios dele com ternura.
— Também quero adotar Jess e ter outros filhos. Compraremos uma casa.
Mas antes vocês duas irão conhecer minha família. Quero que eles saibam que me
apaixonei outra vez e que estou feliz, depois de muitos anos.
— Quando partiremos? — Emily tomou a beijá-lo.
— Hoje, amanhã... Não importa.
— Hoje. Logo depois de irmos ao Isle para que eu o apresente formalmente
a Moyra.
Jess se aproximou, correndo.
— Vocês reataram?
Michael a pegou no colo mais uma vez.
— Oh, sim! E temos algumas novidades para você.
— É? Acabei de saber que Lilli e André fugiram. Quem iria imaginar?!
Os três riam, caminhando em direção do hotel.
— Espere até ver o que vai acontecer conosco — Michael declarou,
gargalhando.
Lynda Simmons, com 23 anos de casada, duas filhas
adolescentes e vários gatas, sabe que os finais felizes podem
acontecer - desde que você tenha senso de humor. Ela tem
um escritório reservado, que é onde escreve suas comédias
românticas. Histórias em que a emoção e o humor se
mesclam.
Momentos inesquecíveis esperam por você nas bancas!
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PEÇA DE NOVO
Wendy Morgan

Não foram os gritos que fizeram John Hoffman acordar. Foram as batidas na
porta, que ficaram mais e mais violentas.
Ele pegou os óculos, assegurou-se de que o pijama de flanela estava
abotoado e saiu da cama. Contornou no escuro a cama vazia do colega de quarto,
as duas mesas e os armários.
Acendeu a luz e abriu a porta. Patrícia Magee estava se arremessando contra
ele mais uma vez, naquele exato momento.
John não teve tempo de reagir. Viu-se no chão com Patrícia caída por cima.
— Onde ele está? — bradou ela, agarrando o colarinho de John. — E diga a
verdade! Onde ele está?
John apenas balbuciou palavras incompreensíveis.
— Vamos, John, diga! Onde está Bryan?
— Se você sair de cima de mim... eu posso contar.
— O quê? Contar o quê? — Com um movimento ágil. Patrícia ficou de pé,
colocando as mãos nos quadris. — Onde está ele?
— Não tenho idéia.
— Mas ele é seu colega de quarto. E seu melhor amigo. Claro que você
sabe.
— Não sei.
— Você está mentindo.
— Não estou. Você está com folhas de pinheiro nos cabelos. E tem terra no
seu rosto.
Patrícia passou a mão pelos cachos negros. Folhas de pinheiro caíram no
carpete cinzento do dormitório. Ela não deixou de fitar John.
— Você ainda está com terra no rosto.
Ela suspirou e passou a mão com impaciência pelo rosto. John reparou em
outra expressão nos olhos dela, além da irritação.
Dor? Vulnerabilidade? Não... não Patrícia Magee. Todos sabiam que ela era
absolutamente atrevida e forte.
John notou a mancha na ponta do nariz dela. O que era aquilo, fuligem? Por
algum motivo estranho, sentiu um forte desejo de estender a mão e limpar a
mancha.
Deus sabia que ele não ia correr o risco de tocar em Patrícia Magee.
Considerando o estado em que ela estava, provavelmente arrancaria seus dedos
com uma mordida.
— Limpe seu nariz — disse ele.
Sem desviar os olhos dele, Patrícia pegou um lenço no bolso do casaco azul.
John ficou surpreso. Não esperava que ela carregasse um lenço. Ainda mais um
lenço rendado e bordado com flores.
Patrícia molhou o lenço na língua e o passou no nariz. Então o enfiou no
bolso outra vez.
— Estou esperando — disse ela.
— Eu já disse, Patrícia, não tenho idéia de onde Bryan... Você está com um
rasgo enorme no joelho, sabia?
Ela olhou para o joelho da calça. O rasgão estava sujo com o que parecia ser
lama. Patrícia deu de ombros.
— Puxa, onde você esteve? Rastejando no mato?
— Foi exatamente isso que eu fiz — disse ela. — E você quer saber por que
eu estava rastejando no mato?
— Por quê?
— Porque o seu colega de quarto saiu da biblioteca com outra garota, foi por
isso!
John recuou assustado.
Tivemos uma briguinha hoje no refeitório — contou ela. — E o que ele fez?
Saiu com uma garota da Brown.
— Depois de quatro anos, era de se esperar que Bryan soubesse que, quando
estou brava, falo coisas que não são necessariamente verdadeiras. Como se eu
fosse mesmo concordar com ele sair com outras garotas!

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