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Julia nº 1285
Ela era perfeita para ele... mas ele ainda não sabia!
As coisas estavam definitivamente dando certo para Emily Anderson. Fora
contratada para pintar sua obra no teto do saião de baile de um dos mais
requintados hotéis de Nova York e apaixonou-se por Michael Wolfe, o
arquiteto mais sexy que já conhecera na vida. O problema era que Michael a
considerava apenas como uma pessoa de sua equipe. Mas esse detalhe não
atrapalhava os planos de Emily, que ia participar em segredo do baile de
máscaras e provaria a Michael que sob a fantasia estava a mulher que ele
desejava!
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Capítulo II
O Salão de Chá Lord of the Isles pertencia à família Anderson fazia quase
trinta anos. Com dez mesas, uma acolhedora cozinha e um cardápio cheio de
guloseimas, o Isles sobrevivera a vários cafés e bistrôs, e era tradicional naquela
rua.
Moyra e Jack Anderson o decoraram de acordo com o gosto de Moyra, e o
lugar ligava-se por uma escada aos andares superiores, onde a família morava.
Desde a inauguração, poucas mudanças ocorreram no salão de chá. Não havia
máquinas de cappuccino e nada estrangeiro no cardápio.
Moyra se achava na cozinha quando Emily chegou e pôs a mochila no
balcão do caixa.
— Jess está aqui, mamãe?
— Ainda não chegou. Está com Hugh. E eu estou a ponto de matar seu pai.
Moyra era uma mulher pequena e severa. Seu sotaque escocês era forte, seus
bolos, macios, e qualquer um que pisasse em seus calos corria risco de vida.
— Sua mãe é exagerada... — Jack disse, do fundo do salão. — Estive
explicando como precisamos de um novo aparador e de uma televisão grande para
atrairmos os torcedores de futebol. E de uma autorização para vendermos bebidas
alcoólicas.
— Nada de bebidas, nem futebol. Isto é um salão de chá, não um bar.
— Temos de nos adequar à realidade, querida.
Emily meneou a cabeça e abriu o zíper da mochila.
Ao contrário da esposa, Jack Anderson era alto, orgulhoso e sempre disposto
a salvar seu próprio pescoço.
— Poderia ser salão de chá e bar ao mesmo tempo — ele continuava,
persuasivo.
Moyra resmungou, Jack ergueu os braços, e Emily ignorou a ambos.
Com quase quarenta anos de casados, não era a primeira vez que brigavam.
Emily tirou da mochila um par de sandálias de saltos altíssimos, que Val
garantira combinar com qualquer traje que escolhesse. Descalçou as botas e as
meias, e calçou as sandálias. Olhou para as unhas pintadas e apoiou-se numa
cadeira para manter o equilíbrio.
— Pediremos a opinião de Emily. — Jack se aproximou da filha. — Você
consegue ver um bar, aqui?
— Não, ela não vê — Moyra respondeu. — Este salão de chá é meu. Emily,
o que fez com seus cabelos?
— Fui ao cabeleireiro. — Ela deu um rodopio. — O que acham?
— Deve ter custado uma fortuna. — E Moyra voltou a sua massa.
Era a resposta tradicional de sua mãe a qualquer coisa nova: corte de
cabelos, roupas, amigos.
— Está adorável, meu amor! — elogiou-a Jack.
Emily sorriu e abraçou o pai.
Moyra estudou a filha, quando ela entrou na cozinha.
— Juro que um de nós não sobreviverá à aposentadoria dele.
— É ainda recente. — Emily deu um beijo na mãe. — Dê-lhe tempo.
— Já faz um mês! — Moyra franziu as sobrancelhas, enquanto polvilhava a
massa com farinha. — Vou ficar louca, tendo Jack por perto o dia todo.
— Considere-se uma mulher de sorte. Seu marido ainda quer ficar perto de
você. Ele apenas precisa alguma coisa para fazer, mamãe. Talvez um bar não seja
uma má idéia, mas não aqui no salão.
— Não irei comprar outra propriedade.
— Não precisaria fazer isso, se eu e Jess nos mudássemos. — Emily tentou
parecer casual, como se estivessem falando do clima, e não de seu futuro. — Você
e papai poderiam se mudar para o terceiro andar e abrir o bar no segundo.
— Aqui é seu lar, pelo amor de Deus! Não quero você e Jess indo embora
por causa das idéias malucas do seu pai. Se Jack quer alguma coisa para fazer, que
arranje outro lugar.
Os irmãos mais velhos de Emily, Sean e Hugh, trabalhavam com Jack na
Elétrica Anderson, e tomaram as rédeas da companhia um mês atrás. Moyra ainda
não pretendia se aposentar, mas não era segredo que esperava que a filha assumisse
o salão de chá.
Mas Emily não queria seguir os passos dela. E, se tivesse sucesso nessa
noite, não teria de fazer isso.
— Não quer me ajudar um pouco com esta massa, filha?
— Lamento, mas não posso estragar as unhas.
— Vai perder tempo em uma daquelas festas cheia de gente rica, onde
acabará sendo barrada na entrada.
— Não serei barrada, e será muito bom para minha carreira. Farei contatos
que não poderia conseguir em outro lugar. Obterei o reconhecimento que meu
trabalho merece.
O sol da tarde filtrava-se pela janela do quarto que Emily partilhava com
Jess. Seu apartamento, no terceiro andar, não era grande, mas bem iluminado, e
Jess adorava morar perto dos avós. Seria difícil convencê-la a se mudar para outro
lugar.
— Linda! — Jess olhava dentro da caixa.
— Fabulosa — Hugh acrescentou.
— Você tem base? — Val quis saber. — Precisamos esconder suas sardas.
— Gosto muito delas.
— Precisa de uma pele de alabastro para combinar com os cabelos loiros,
Emily.
— Cabelos loiros... — Ela abriu a caixa da peruca loira. Ficou extasiada ao
ver a fantasia. O traje era de cetim verde-jade, mangas curtas bufantes e o corpete
tão decotado que a fez corar.
Jess pulava na cama.
— Eu não disse?! Eu não disse?!
— Você tem razão, querida. Sua mãe ficará divina. Agora, se nos dão
licença... — Val empurrou Emily para o banheiro, para ajudá-la a se vestir, e
fechou a porta.
Ela mirou-se no espelho da pia e sentiu-se encantadora. Seus olhos verdes
brilhavam. Fazia muito tempo que usava apenas jeans.
Sentia-se ansiosa para pôr a peruca loira, o que Val fez logo em seguida,
escondendo todos os fios macios e lustrosos de sua cabeleira castanho-clara.
A mulher que olhava para ela no reflexo era uma estranha. Uma estranha
belíssima, sensual. Sem saber o motivo, pensou em Michael Wolfe. Ele não a
reconheceria.
— Falta só a máscara — Val finalizou.
Emily voltou ao quarto. Jess e Hugh a olharam admirados, e, entusiasmada,
a menina bateu palmas.
Hugh tirou do bolso uma caixa de veludo. Dela tirou a imitação de um colar
de esmeraldas, com um par de brincos combinando.
— Você está fantasiada de quê? — Jess sussurrava, tocando o traje com as
pontas dos dedos.
— Sua mãe é uma loira fatal — Hugh disse. — Grace Kelly, Jean Harlow...
— Grace Kelly — Emily decidiu.
— Isso, Grace tinha classe. — Val sorria. — Agora precisamos ensaiar outra
parte. Peça para a vovó emprestar uma taça de vinho e um pratinho, Jess. Emily,
continue caminhando.
— Vai se divertir esta noite, minha irmã.
— Esta noite não é para diversão, Hugh, mas para minha carreira.
— Emily, você se deu conta de quanto tempo faz que não se diverte, não se
distrai um pouco?
— Séculos. — Pensativa, Emily olhou pela janela.
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
— Estamos saindo... — Moyra disse, ainda na cozinha, a bolsa em um dos
braços e um belo pacote no outro, parecendo uma mãe nervosa por ter de deixar o
filho com a babá.
— Eles renovarão os votos às dez horas, e depois haverá um almoço. Tudo
bem, Emily?
— Tudo ótimo. Esse vestido é mais bonito que o último, não é Hugh?
— Uma beleza. — Hugh pôs uma colherada de doce de coco na torta. —
Azul sempre foi sua cor favorita, e é bom ver que tem pernas.
— Por sinal, pernas fabulosas — Jack declarou. — Por isso me casei com
ela.
— Você se casou comigo por causa de minha comida — Moyra retrucou,
olhando Emily, que abria a massa. — Com delicadeza, menina.
Emily diminui a pressão e continuou trabalhando. Fazia vários meses que os
pais não saíam, e ela queria Moyra feliz. No entanto, quanto mais abria a massa,
menos a mãe sorria.
— Eu deveria ficar para fazer isso e... — Moyra colocou a bolsa sobre o
balcão.
— Deus do céu! — Hugh murmurou, pondo as tortas no forno.
— Dave e Hazel não os perdoarão se chegarem atrasados.
— É verdade. — Moyra se afastou do balcão da cozinha. Jack a esperava à
soleira, assobiando e agitando as chaves do carro, gesto que deixou Emily
desconfiada.
— Prometa que não falará de bares, nem de discos voadores — Moyra
pediu, fingindo ajeitar a gravata do marido.
— Prometo.
O pai concordou com tanta facilidade que Emily ficou ainda mais
desconfiada. Estaria Jack tramando alguma coisa?
— Por que não tiram o dia de folga? — Hugh sugeriu, acompanhando-os até
a saída. — Jantem e vão a um cinema.
— Cinema? — Moyra fitou Jack. — Que filme veríamos?
O marido deu de ombros.
— Contanto que não seja um dramalhão...
— E contanto que não tenha perseguição de carros. Hugh, você terá tudo
pronto quando os fregueses chegarem?
— Tem minha palavra. — E empurrou-os para fora.
— Telefonarei assim que puder.
— Certo. — Hugh acenou-lhes, quando entraram no carro e partiram. —
Ainda bem que eles não têm um celular...
— É muito bom sabermos que aqueles dois se amam.
— Adivinhe o que eu trouxe comigo. — Hugh abriu a mochila. — Minha
máquina de cappuccino!
— Graças a Deus que mamãe não viu!
— É preciso ter visão do futuro. — Hugh retirou também uma placa com os
dizeres: "Café expresso, leite e cappuccino". — Onde acha que eu devo colocar
isto? Na vitrine ou no balcão de sanduíches?
— Em sua mochila.
Hugh chegou bem perto da irmã e lhe tocou o ombro.
— Quando irá dizer para mamãe que não quer o salão?
— Já dei algumas dicas.
— Aposto que ela não entendeu. Não sei por que resiste a mudanças, Emily.
— Porque o Isles tem tradição.
Emily sabia que o Isles era como um filho para Moyra, e uma continuação
da sala de visitas, onde os fregueses podiam relaxar e sentir-se em casa. Era a
herança que sua mãe deixava para a filha, e Emily tinha de descobrir um modo de
não magoá-la.
— Em minha opinião, existe uma tênue diferença entre tradição e
estagnação. Não há necessidade de muitas mudanças, querida. Apenas algo novo
no cardápio, menos franjas nos abajures e um novo mural. Talvez um nu.
— Mamãe ficaria chocada. Mas as senhoras escocesas adorariam.
— Sendo assim, comece amanhã. Faça modificações e talvez ela chute você
para fora do salão. É o melhor que pode acontecer, acredite no que digo.
— Não, obrigada. Prefiro agir com mais lentidão.
A família Anderson era muito unida, mas havia certas coisas que não se
discutiam, como mudanças e o fato de Hugh ser gay. Ele ergueu a tabuleta e a
entregou à irmã.
— Bem, se não quiser pintar o nu, pelo menos pendure isto. Vamos fazer
uma experiência. Aliás, como foi a ida à cobertura?
— Boa e má. Michael ainda pensa em Simone, não percebeu que somos a
mesma pessoa, mas consegui apanhar os brincos.
— Ótimo! Por que não confessa a verdade a ele?
— Michael não tem o mínimo interesse por mim.
O telefone começou a tocar. Emily pôs a tabuleta na vitrine, tentando se
convencer de que não era uma traidora; apenas uma cientista fazendo uma
experiência.
— Quero esquecer que aquela noite existiu e continuar com minha vida de
celibatária.
— Covarde! — Hugh exclamou.
Emily foi atender ao chamado, esperando que não fosse a mãe.
— Lord of the Isles. — Olhou para a porta, por onde Val entrava com o
jornal na mão.
— Foi uma noite de sucesso ou não?
— Sim, é Emily — ela respondeu no telefone, erguendo o polegar para a
amiga.
Sorridente, Val falou com Hugh:
— Ela estava um luxo. Nós deveríamos ser sócios, Hugh.
— “Transforme-se sob os cuidados de Val e Hugh”. Gostei!
Emily acenava e apontava o aparelho.
— Uma entrevista?
— Quem é? — Vai quis saber.
— O jornal — Emily respondeu, tapando o bocal. — Sim, amanhã estará
bem. Não, não me importo que haja fotógrafo. No Hotel Brighton. Às oito da
manhã... Na cobertura. Sim.
Vai agarrou o braço de Hugh, encarando-o.
— Cobertura? Que cobertura?
— A de Michael Wolfe. Emily esteve lá ontem à noite e hoje de manhã.
— Emily esteve com Michael Wolfe?! Por quê?
— Nossa garota cresceu, meu bem.
E Hugh fez um resumo da véspera, incluindo a perda dos brincos. Quando
terminou, Emily desligou.
— Por que você não me contou?! — Val quase gritou.
— Não há nada para contar. — Emily, franziu as sobrancelhas.
— Outro trabalho no Brighton não é nada?
— Eu ia lhe dizer. — Emily foi até o caixa e pegou o envelope onde estavam
os brincos, entregando-os à amiga.
— Você tem muita sorte, amiga.
— Nem tanto. Michael Wolfe não está interessado em mim.
— Ah, sei... E por que ele está aqui? — Val apontou para a janela.
Emily congelou, e Hugh apertou o braço de Val.
— Qual dos dois?
— O alto e moreno...
— Ora! É um moço bonito, embora aquela ruga entre as sobrancelhas o
deixe com uma expressão ameaçadora. Quem está com ele e por que se veste
daquela maneira?
— É Duane, seu assistente — informou Emily. — O rapaz é um tanto
eclético no que se refere a roupas.
— Pobrezinho... — Val meneou a cabeça. — Duane precisa de orientação.
— O que será que trouxe o sr. Wolfe até aqui, irmãzinha?
— Nossas tortas — Emily falou por entre os dentes.
Assim que entrou, Michael pediu a Hugh café expresso para dois e, ao ver
Emily entrando na cozinha, seguiu-a.
— Oh, céus, você me assustou! Podia ao menos ter tossido.
— Desculpe-me.
— Tudo bem... Então, o que o traz aqui?
Michael se curvou sobre o caldeirão de sopa sobre o fogão e aspirou o
aroma. "Delicioso."
— O orçamento do mural.
— Espere até segunda-feira que o preço será melhor. — Ela foi até a
geladeira para pegar o salmão, e ao se abaixar a saia curta exibiu suas pernas
perfeitas.
— Sabe que não deveria trabalhar com uma saia dessas?
Foram interrompidos pelos gritos de uma menina que entrava correndo.
— Mamãe! Mamãe!
Emily deixou o salmão na bancada e foi receber a garota.
Michael encostou-se no balcão, observando uma criança de uns cinco anos
de idade, vestida com roupa de balé, se jogar nos braços de Emily.
— Como foi a aula de dança, amor?
— Ela foi a melhor — afirmou Sean, que entrou junto com a sobrinha.
Michael passou a mão pelos lábios secos. Como não pensara que Emily
poderia ser casada e ter filhos? Talvez por parecer tão jovem e não usar aliança.
— Tio Sean falou que você trouxe sua máquina de cappuccino, tio Hugh.
"Os dois homens são irmãos de Emily..." Não que isso tivesse alguma
relevância para Michael. Era apenas um fato. Como era fato também a garota ser
muito parecida com a mãe, inclusive as sardas e o belo sorriso.
— Fiz tortas especiais para você — Hugh disse à garota.
De súbito, Michael sentiu-se estranho. Não pertencia àquele lugar. Assim,
retornou ao salão.
Duane conversava com Valerie Conan-Smythe. Michael, então, pôs-se a
observar um mural em uma das paredes. Claro que deveria ter sido pintado por
Emily.
Não pôde deixar de perguntar-se onde estaria o pai da garota e por que não
havia fotografias de Emily em companhia de um homem.
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
— Você está atrasada — Michael admoestou Emily, assim que ela apareceu.
Ele já mandara afastar a escrivaninha e o computador para um canto, a fim de
deixar espaço livre para que Emily pudesse trabalhar.
— Podem pôr tudo aqui — ela instruiu as pessoas que a acompanhavam.
Um jovem entrou carregando uma escada, seguido por uma mulher mais
velha com uma caixa repleta de pedaços de pano e, logo atrás, Emily, carregando
uma caixa cheia de pincéis, esponjas, escovas, tintas e um rolo de toalha de papel.
— Aqui está o orçamento que eu havia prometido. Você se lembrou de que
os repórteres do Brooklyn Banner virão?
— Sim. — Michael pôs o envelope com o orçamento sobre a escrivaninha.
Michael, de onde estava, observava as idas e vindas de Emily e de seus
companheiros, fato raro para um homem que vivia mergulhado no trabalho. Emily
fora a única mulher que se oferecera para ser sua amiga.
— Chegamos! — anunciou a repórter sorridente que colocou a cabeça para
dentro da porta.
— Entrem, entrem... — Emily respondeu.
Duane vinha vindo.
— Senhor, posso falar uma coisa?
— Se for para me lembrar da reunião...
— Não, sr. Wolfe. — Duane pegou um envelope de dentro do bolso do
paletó e baixou a voz: — É sobre o projeto do novo hotel na Califórnia.
— O que quer saber?
— Tenho de dizer que fiquei desapontadíssimo com o projeto do novo hotel.
Vi seu projeto original...
— ...que Judith recusou. O que importa é o que ela quer agora.
— Mas não está certo, sr. Wolfe.
— Sua nobreza é louvável, Nugent. E já lhe pedi que me trate por Michael.
De soslaio, Michael via Emily andando de um lado para o outro em frente da
parede branca, as mãos erguidas, fazendo gestos, falando com a jornalista.
— Talvez se nós dois falássemos com Judith...
— Não faremos isso. Eu vou fazer meu trabalho e, se você for esperto, fará o
seu da melhor maneira possível.
A se porta abriu, e Judith se aproximou dos dois.
— Vinte minutos para a reunião. — Judith olhou de um para o outro. — Não
se esqueça de vestir o paletó do uniforme, Michael. Ah, a pintora está aqui?
— Sim, está sendo entrevistada pelo jornal.
— O Times?
— O Banner.
— Certo. Bem, espero vocês lá embaixo.
Emily, a repórter e o fotógrafo saíram da suíte para pegar o elevador.
Quando ela voltou para a cobertura, só viu Duane.
— Onde está Michael?
— Telefonando para Simone.
Naquele exato momento, o celular de Emily começou a tocar. Uma, duas
vezes.
— Não vai atender? — Duane estranhou.
— Nunca atendo quando estou trabalhando. Esqueci-me de desligá-lo.
Três, quatro.
Era o número de Michael. Cinco, seis.
— E se for um cliente?
— Tornará a ligar.
Emily ouviu a voz de Michael vinda do quarto, e tentou não prestar atenção
à mensagem que ele estava deixando na caixa postal.
— Sempre gostei de pintura e fiz muitos cursos, mas não sou um artista e
sim um técnico.
— Sabe que você é diferente quando Michael não está por perto, Duane?
— Val me disse a mesma coisa. Mas Michael não é tão ruim, e eu sabia o
que estava fazendo quando peguei este emprego. A fama dele é terrível, mas se me
mantiver como seu assistente, aprenderei muito.
— Ele é assim tão bom?
— Michael é o que se chama de arquiteto-mestre. Um visionário. O que fez
no Concord é excelente, fabuloso. No entanto, seus trabalhos mais antigos é que
contam. Foi um pioneiro, um revolucionário. Usa os melhores materiais e os
melhores profissionais. — Duane abriu um envelope e tirou alguns papéis. — Ele
costumava fazer conferências em faculdades de arquitetura e, para ser honesto,
essas conferências e seu livro são em parte responsáveis por eu querer cursar
arquitetura.
— Michael escreveu um livro?!
— Sim, e foi considerado subversivo em algumas esferas. Por isso, acho que
ele não vai concordar com o planejamento que fizeram para o Sunridge.
— O que é o Sunridge?
— Nosso próximo projeto. É um castelo muito bonito com um salão de baile
recoberto por espelhos e pintura dourada, como que retirado de um conto de fadas.
— Duane lhe entregou algumas folhas. — Mas esse é o desenho do escritório
central.
Emily examinou os esboços e achou que era um hotel semelhante a todos os
outros da cadeia Concord. Entendeu o comentário de Duane. Michael transformara
o Brighton em uma jóia rara com charme e personalidade, e os desenhos que ela
olhava eram comuns.
Pôs as folhas sobre a escrivaninha.
— Por que ele está fazendo isso?
— Diga-lhe o motivo, Duane. — Michael entrou na sala. Emily e Duane
olharam para ele ao mesmo tempo. Duane permaneceu calado.
— Há coisas que não se ensinam. — Michael deu um tapinha no ombro do
assistente. — Por que não desce e guarda dois lugares para nós na reunião? Irei em
alguns minutos. E pegue uma xícara de café para mim.
Quando ele se foi, Michael se dirigiu a Emily:
— Se tiver curiosidade sobre o que faço, pergunte para mim, certo? Pode
arrumar confusão dando ouvidos a boatos.
Ela cruzou os braços, recusando-se a ser intimidada.
— Está certo. Sendo assim, vou perguntar: por que é tão duro com Duane?
— Isso é tudo o que quer saber?
— Não, mas é um começo. Então? Por que é tão severo com alguém que
apenas quer aprender com você?
— Talvez porque eu nada tenha a ensinar. — Ele afastou o boné de Emily
para trás e olhou fixo, como se tivesse contando suas sardas.
Emily franziu as sobrancelhas e afastou a mão dele.
— Ou talvez não queira ensinar.
Michael suspirou e foi o primeiro a dar um passo para trás, desistindo de
confrontá-la. Porém, de algum modo Emily sentiu que dessa vez ele não vencera.
— Eu já disse a Duane o que precisa saber. Ele está impressionado, acha que
a arquitetura é uma espécie de cruzada. A arquitetura é um negócio. Há dinheiro
em jogo, e é preciso deixar o cliente feliz. — Pegou os esboços. — Neste caso, a
cliente é Judith Hill. E se é isto que a agrada, quem sou eu para discutir? Ao
contrário de Duane, não nado contra a corrente. Danço conforme,a música. Você se
preocupa demais.
— Do que está falando?
— Do mural. — Apanhou o paletó do uniforme. — A pintura não é apenas
uma profissão para você, o que a torna vulnerável. Se Judith mandar cobrir seu
mural com tinta, ficará arrasada.
— Você é feliz desse jeito?
— Sem sombra de dúvida. Faça-me um favor, Emily. Se você conversar com
Simone, dê-lhe o número de meu telefone comercial também.
— Certo.
— Boa sorte com o mural.
— Obrigada...
Capítulo X
Capítulo XI
Michael entrou na suíte com o paletó sobre os ombros. Emily não estava por
perto, mas as coisas dela se achavam espalhadas por toda a sala.
Jogou o paletó no sofá e foi olhar o mural. Emily começara com um esboço.
Sua caixa de ferramentas se encontrava aberta, a escada, armada, e uma pilha de
CDs fora erguida ao lado do aparelho de som, como se ela apenas tivesse saído por
instantes e fosse aparecer a qualquer momento.
Contudo, já passava das quatro horas, e Michael sabia que Emily tinha
outros afazeres, além de pintar.
Ajoelhou-se para ver os CDs e pressionou o eject para ver o que ela estivera
ouvindo. Em seguida, avistou uma caixa ao lado, cheia de pincéis, esponjas e tubos
de tinta.
Gostaria que Emily estivesse ali. Sentia vontade de falar com alguém.
Suspirou e se ergueu. Havia ocasiões, como aquela, em que sentia ainda
mais a falta de Kate. Seria tão bom sentar-se à mesa da cozinha para conversarem
sobre os acontecimentos do dia...
Uma psicóloga lhe aconselhara a continuar falando com Kate, como se ela
ainda estivesse presente. Michael tentara, mas parara depois de alguns dias, porque
o som da própria voz o fazia sentir-se ainda mais solitário.
Ligou o computador. Havia e-mails, e a luz vermelha da secretária eletrônica
também o avisava sobre mensagens.
Preferiu abrir o envelope do orçamento do mural. Emily era rápida não
apenas para pintar. Sorriu ao ver a quantia e decidiu escutar as mensagens da
secretária eletrônica.
A primeira dizia que a cornija sobre a lareira do salão de baile tinha sido
consertada. A segunda o pôs em alerta.
— Michael? É Simone. E, acredite-me, estou tão frustrada quanto você por
tantos desencontros entre nós. Não sei quando voltarei para Nova York. Avisarei
quando puder ir. E... Michael, dê um alô para Emily. Ela é uma pessoa muito
interessante.
Os e-mails: um de Judith, outro do agente imobiliário que sempre tinha
oferta para a casa do Maine e um de Andy, que dizia: "Visita iminente da família".
Os dois irmãos passaram a maior parte da manhã de domingo trocando
mensagens. "Por favor, desenhe a casa." "Não." "Pelo menos pensará a respeito?"
"Não." "Sabe que você está me irritando?" "Sim."
Andy era insistente. Era uma qualidade que o fizera insuperável quando
criança, e agora era muito útil como jornalista. Por esse motivo, Michael ficou
surpreso quando ele capitulou: "Está bem, você venceu. Esqueça a casa. Mas
queremos vê-lo. Se não nos der uma data para vir até aqui, nós o visitaremos aí. E
isso inclui também o cachorro. E, como um incentivo adicional, a prima de Jill
estará na cidade durante as próximas semanas".
Michael suspirou, sabendo que esse era um assunto que Andy jamais
abandonaria. Feliz em um casamento de dez anos, ele acreditava que o irmão
deveria voltar a amar. Não entrava em sua cabeça que Michael pudesse gostar de
ser solteiro.
E Michael achava que nunca mais amaria outra mulher.
Releu o e-mail, contente por eles não terem desistido de querer vê-lo, mas
consciente de que Andy atacaria de novo com o assunto da casa. Para evitar que
isso acontecesse, escreveu: "Quero que venham, mas não farei promessas. Estou de
partida para um novo projeto de hotel".
Releu seu e-mail e apagou as últimas linhas, substituindo-a por: "Tenho
ótimas notícias. Estou trabalhando em um novo projeto de hotel. Tentarei ir visitá-
los. Mas nada de primas".
Michael afastou a cadeira e olhou para o teto.
Como o novo hotel teria muito lazer, ele precisava de alguns conselhos sobre
diversão e sobre crianças. Alguém que não tivesse medo de rir alto, pintar paredes
ou jogar-se no chão para brincar. Se chamasse Andy, seu irmão acharia um modo
de desviar a conversa para o assunto "casa". E para que antecipar isso se teriam
bastante tempo quando fosse visitá-los? Olhou para o mural.
Lógico, havia Emily. Ela sabia como pôr um aposento de cabeça para baixo
em alguns minutos.
Apertou os lábios e lançou mão da agenda de telefones. Não seria nada de
mais telefonar para o salão de chá para fazer-lhe algumas perguntas. Talvez até
Jess pudesse dar algumas idéias.
— Lord of the Isles. Boa tarde.
A voz que atendeu era alegre e familiar, e Michael sentiu-se relaxar pela
primeira vez nessa tarde.
— Como vão as coisas, Emily?
— Em ordem.
Michael não precisava vê-la para saber que ela sorria.
— Então, como foi sua reunião?
— O de sempre. Emily, pensei em conversar com Jess para assimilar suas
idéias de criança a respeito de campos de minigolfe e outras diversões. Preciso de
algumas diretrizes para um trabalho que tenho de fazer. Também gostaria de saber
o que a mãe dela fará esta noite.
— A mãe dela? Bem, hoje é dia de pizza e cinema com Jess.
— Acha que a mãe dela se importaria de ter um companheiro fazendo parte
disso? Apenas com objetivos de pesquisa.
— Depende. O companheiro gosta dos filmes Disney?
— Bem, faz algum tempo, mas acho que gostava. A que horas as meninas
costumam sair?
— Logo mais.
— Esperará por mim se eu prometer comprar a pipoca?
— Você sabe como tentar uma garota! — Emily riu com vontade.
— Eu me esforço.
— Bem, acho que esperaremos.
— Vejo vocês daqui a pouco.
Emily estava exultante. Michael ia sair com elas! E não falara de Simone!
Capítulo XII
Emily pendurou a bolsa no ombro e se olhou no espelho da cômoda para se
certificar se a leve maquiagem estava boa. Hugh fazia esse serviço bem melhor do
que ela.
Seus cabelos estavam quase lisos, vestira um jeans justo, e o top era
sugestivo sem ser vulgar.
Estava perfeita para um encontro com um amigo. Gostaria de pensar como
Simone, sem expectativas, nem decepções. Aceitar apenas o que a ocasião lhe
oferecesse. E quando a oportunidade surgisse, ser corajosa, beijar Michael e ver o
que aconteceria.
E se ele não a quisesse? Bem, pelo menos pararia de se importar com o
assunto.
— Jess, você está pronta?
A menina, sentada na frente da televisão, jogava videogame. Seus cabelos
ainda estavam úmidos do banho, e o nariz um pouco rosado do sol que tomara
durante o dia.
— Vamos, Jess...
— Estou acabando a partida. Oh, não acredito que errei!
— Eu a chamarei quando Michael chegar.
Jess recomeçou a jogar.
— Tem certeza de que não se importa de Michael ir junto?
— Sim, tenho. Mas é um pouco esquisito. A mãe de Natalie sempre sai com
homens, mas você nunca saiu. Vovó diz que é porque é uma moça inteligente, e tio
Hugh diz que é porque nunca encontrou alguém de que gostasse. Quem está certo?
Emily sempre fora sincera com a filha, e não seria agora que deixaria de ser.
— Tio Hugh. Nunca gostei de ninguém depois do seu pai.
— Isso deve significar que gosta de Michael.
— Creio que sim.
— E você gostaria que esse fosse um encontro de verdade?
— Sim, mas vamos manter isso apenas entre nós, certo?
A garota olhava para a mãe, séria demais para sua idade. Por fim, voltou-se
para a tevê.
— Certo, desço em um minuto.
A cena no salão era familiar: Sean estava sentado a uma mesa, com o celular
na mão e um copo de cerveja a sua frente, enquanto Moyra mexia uma panela na
cozinha, com Hugh a seu lado.
Após o incidente com o café expresso, ninguém tocou mais no assunto, mas
Moyra havia lhe tirado a chave da porta.
— Onde está Jess, Emily?
— Jogando videogame, mamãe.
— Perda de tempo — Moyra resmungou.
Naquele momento, Jack entrou na cozinha usando um avental com os
dizeres "Beije-me, sou escocês" e uma colher de pau na mão.
— O que é isso? — Emily ria.
— A última tentativa dele de deixar-me maluca. — Moyra meneou a cabeça.
— Esta sopa está fraca — Jack reclamou, após experimentar.
— Entende o que quero dizer? — Moyra respirou fundo, olhando para a
filha. — É um caldo, Jack, não tem de ser forte.
— Dê-me cinco minutos sozinho com essa panela e você verá essa sopa se
transformar.
— Não chegue perto de meu fogão! Emily, seu pai meteu na cabeça que
preciso de ajuda. Na cozinha! Pode acreditar nisso?
Jack se afastou um pouco.
— Bem, acho que não seria má idéia. Vocês dois trabalhando juntos como
quando se casaram... Poderia ser divertido, mamãe. — Emily sorriu.
— Divertido para quem? Desde sábado Jack pôs minha prateleira de
temperos em ordem alfabética, reorganizou meus utensílios de plástico e Deus sabe
que sistema usou para organizar meu freezer. Não consigo achar nada! Além do
mais, para que preciso dele se tenho você?
Emily poderia listar doze bons motivos, mas Jack tornou a entrar,
carregando uma garrafa de sherry.
— Você poderia usar um pouco disto, Moyra.
— Engano seu, papai — interveio Hugh. — O licor de apricot vai melhor.
— Não quero nenhum dos dois! E pare de pôr idéias na cabeça dele, Hugh.
Digo-lhe uma coisa, Emily, não vejo a hora de você terminar o serviço no hotel
para voltar a ficar aqui em tempo integral.
— Ainda vai demorar, mãe. Depois desse trabalho tenho um mural na casa
dos Hampton.
— No banheiro. Quanto tempo isso pode levar?
— Se você for esperta levará muito tempo — Hugh sussurrou para a irmã.
Sean puxou uma cadeira para que Emily se sentasse a seu lado.
— Por que não diz logo à mamãe que não quer mais trabalhar aqui?
— Eu direi. Só não sei como. A propósito, o que vocês vieram fazer aqui a
esta hora?
Sean lhe passou o copo de cerveja.
— Preciso conversar com papai a respeito de um freguês com o qual ele
negociou alguns anos atrás.
— E eu, para irritar Moyra. — Hugh sorria para a mãe, que resmungava no
caixa. — Mas acho que papai ganhou de mim.
Emily suspirou.
— Desta vez a culpa é minha. Sugeri a papai que se tornasse indispensável.
— Eles apenas precisam ficar mais juntos. Vou encontrar Duane e Val mais
tarde, Emily. O que acha de eu levar papai comigo para dar uma folga à mamãe?
— Ela adorará, Hugh. — Devolveu o copo a Sean.
— Mas ele terá de voltar sozinho, porque tenho um encontro em Manhattan
mais tarde.
Emily se levantou, e Hugh observou a irmã.
— Você está muito bonita. Qual o motivo?
— Vou sair com Jess. Michael Wolfe irá também.
— Michael Wolfe?! — Hugh quase gritou. — Eu sabia! — Mostrou a palma
da mão para o irmão. — Você me deve cinco dólares.
— O quê?! Não acredito que vocês dois fizeram uma aposta! — Ela franziu
o cenho, enquanto Sean abria a carteira. — E eu fui a vítima.
— Tem de admitir que o homem era um pouco difícil. — Hugh deu de
ombros.
— E ainda é. Mas espero que as coisas mudem esta noite.
Sean entregou o dinheiro ao irmão.
Emily sentiu os pêlos da nuca arrepiarem. Michael acabara de chegar.
— Michael... Que bom vê-lo de novo.
— Obrigado, Hugh. É muito bom ver vocês também.
Emily gritou para a filha, com o coração acelerado:
— Jess? Michael chegou! — E corou quando ele olhou para ela.
Aquela noite iria beijar aqueles lábios, acariciar os cabelos macios, e
esperava, por tudo o que havia de mais sagrado, que Simone não a abandonasse no
meio do caminho.
— Ouvi dizer que você vai sair com as garotas — Sean disse.
Michael deu risada, fitando Emily.
— Tenho certeza de que será uma nova experiência.
O pai e os irmãos de Emily lhe enviaram olhares encorajadores.
— Jess está demorando. Vou até o quarto dela.
Naquele momento, a menina apareceu no topo da escadaria.
— Conseguiu matar o monstro? — Emily indagou à filha.
— Sim, consegui.
— Que bom! Michael já está aqui. Vamos?
A Pizzaria Dante era o tipo de lugar que os turistas nunca achavam e que os
habitantes locais adoravam. Fazia-se o pedido no balcão e eles serviam na mesa. E
nada de bebida alcoólica.
Para passar o tempo até a pizza ficar pronta, a mesa era coberta por um papel
branco e vários lápis de cor eram postos à disposição para que o pessoal pudesse
desenhar.
Emily entregou o cardápio a Michael.
— Aprecio qualquer pizza, com exceção da de anchova. Jess só come de
queijo. Escolha a que você quiser. Todo pedido inclui pão de queijo, mas costumo
dispensá-lo. — Emily sorriu para ele.
— Acho que faz algum tempo que você não vem a um lugar como esse.
Acertei?
— Por que diz isso?
— Pelo modo como olhou para o cardápio e franziu as sobrancelhas. Apenas
por curiosidade, que pizza costuma comer?
— O hotel serve uma pizza muito boa de mussarela de búfala e tomate seco.
— Céus! — Jess exclamou.
— Nós somos mais conservadores. — Emily se inclinou para ele e baixou a
entonação: — Se você deixar que eu escolha, garanto-lhe que não se arrependerá.
— Estou em suas mãos, irmã Emily.
— Amém!
Risadas, provocações, tudo o que uma noite com um amigo podia oferecer.
Embora Michael tivesse de admitir que nunca tivera um amigo igual a ela.
Adorava o modo como Emily ria, como seus olhos brilhavam e como seus
cabelos encaracolados emolduravam seu rosto. Naquele exato momento, gostaria
muito de beijá-la.
Mas Jess não perdia um só movimento dele. Desde que saíram do Isle,
Michael se sentia observado pela garota.
— Está bem. Uma pizza a moda da casa.
Michael tirou a carteira para pagar.
— Brigaremos para ver quem vai pagar, quando trouxerem a conta. Vamos
para a mesa, Jess?
Quando o pedido chegou, Emily desenhava um cisne, e Jess e Michael
brincavam de forca.
— Quem está ganhando? — Emily quis saber.
— Eu! — Jess fez a corda ao redor do pescoço do homenzinho.
— Quero revanche — Michael disse. — E da próxima vez o assunto será
sobre filmes. Chega de desenho animado.
— Sinto muito, mas a regra diz que o vencedor escolhe o tema. — Jess
gargalhou.
— Sua filha é cruel!
— É mesmo. — Emily passou-lhe um copo de refrigerante. — Espero que
você goste. E uma tradição.
— Quem sou eu para discutir?
— Está se divertindo, Michael?
— Muito. Meu irmão tem me ameaçado de vir me visitar trazendo até o
cachorro. Se ele vier, sairemos todos juntos. Que tal?
— Quantos ele são, sem o cachorro?
— Quatro. Andrew, sua mulher, Jill, e os garotos Nicholas e Ben. Nick tem
mais ou menos a idade de Jess, e Ben, oito anos.
— Você os vê sempre?
— Eu costumava. Nós alternávamos os feriados. Natal em Toronto, Páscoa
aqui, e no verão, duas semanas em um bangalô na praia. Mas tudo acabou quando
comecei a trabalhar para a rede Concord. Viajo muito e sobra pouco tempo. Para
ser honesto, há dois anos só tenho visto os garotos por fotografias.
— Deve ser difícil ficar sem ver a família por um período tão longo.
— A gente se acostuma. E às vezes é mais fácil, pois é complicado pensar
em outra coisa quando se tem tanto trabalho. Só espero que os garotos se lembrem
de mim. Dois anos é muito para crianças. Os diretores da Concord vêm estudando
minha transferência para a Califórnia, para cuidar de um projeto. Apesar de a
distância, nesse caso, se tornar bem maior, talvez eles passem a ir me ver com mais
freqüência, porque a praia é um atrativo e tanto. A companhia parece ter grandes
planos para mim.
Michael recostou-se no espaldar e olhou sério para Emily, que viu em sua
expressão um homem resignado e sem esperança, que dera as costas para tudo:
família, lar, amigos. Alguém a quem mais nada importava e que apenas vivia o dia-
a-dia.
— Há quanto tempo não se distrai, Michael?
— Por que está me perguntando isso?
— Jess, acho que o cinema terá de esperar, não acha?
— La Dome? — Jess perguntou.
— La Dome.
— Mas do que vocês estão falando? — Michael olhava para as duas, sem
entender nada.
— Você vai ter a noite mais excitante do mundo! — E Emily sorriu-lhe,
enigmática.
Capítulo XIII
Capítulo XV
Val estava encostada na geladeira, com uma xícara de chá em uma das mãos
e um folheto de imóveis, que Rona deixara para Emily, na outra.
— Este apartamento é fabuloso.
— Você acha? — Emily olhava para o lado, ansiosa, para ver se Moyra
estava chegando. Queria sair com Michael e Jess antes que a mãe retomasse.
Observou o folheto e constatou que Val tinha razão. O apartamento era
incrível, e o aluguel, acessível.
Guardou o papel na bolsa.
— Ainda é cedo demais para decidir.
— Se está preocupada com dinheiro, meu bem, lembre-se de que no sábado
sua foto estará no Banner, bem como suas obras.
— Fotografia é uma coisa, trabalho é outra. — Emily se aproximou da
amiga. — O que quero falar com você é um pouco mais pessoal.
— Sou toda ouvidos.
— Eu preciso de... — Emily fez uma pausa. — Preciso de alguma coisa que
deixe Michael enlouquecido. Você sabe...
— Na cama. — Vai deu risada.
— Fale baixo! Jess vai ouvir.
— Ela está no terceiro andar.
— Mas Michael está perto. — Olhou na direção dele, no salão de chá. —
Quero alguma coisa que o surpreenda.
— Entendo. — Vai encolheu os ombros. — Bem, costumo começar com
plumas ou uma echarpe transparente.
— Não, não é isso que eu quero. Tem de ser uma coisa simples, mas
devastadora.
— Deixe-me pensar.
Quando Emily, Jess e Michael chegaram ao Isle havia uma tabuleta de
"Fechado" na porta.
As sras. Dempster e Fitzhenry acomodavam pedaços de torta em uma caixa,
e explicaram que Moyra havia ido ao banco e à mercearia, trancando a porta
porque não confiava em Jack e Hugh para atender aos fregueses.
Mas Jack tinha permitido que elas entrassem, é claro.
O pai de Emily saíra logo depois, e Hugh se achava no fundo do
estabelecimento com um amigo esquisito e uma linda loira.
As duas irmãs haviam posto Jess a par das últimas novidades do casamento
de Lilli e André. Pelo jeito, a mãe de Lilli tinha achado o dia negativo, mas André
não acreditava nessas coisas, e a avó estava sendo aguardada, para ajudar a
resolver o dilema.
As duas senhoras pegaram a caixa e foram para a saída, dizendo a Michael
como fora bom vê-lo outra vez e que Moyra iria ficar muito satisfeita quando
chegasse.
Emily sabia que a mãe não ficaria nada contente e, ansiosa, olhou para o
salão, perguntando-se quando Jess iria descer.
— Já sei! — Val exclamou. — Dê-me uma caneta e uma folha de papel. Vou
escrever, porque você terá de fazer isso seguindo passo a passo a ordem que eu
indicarei. Certo?
Emily assentiu e deu o que a amiga pediu.
Michael sentara-se a uma mesa com Duane e Hugh e uma pilha de revistas
com roupas masculinas. Mas não prestava atenção à discussão dos dois homens.
Apenas tomava chá e comia um pedaço de torta.
De vez em quando, olhava para a cozinha e sorria para Emily, que corava
lembrando-se do banho que tomaram juntos.
— Pronto! Mas cuidado, pois pode viciar.
— Ótimo! — Emily sorria.
— Antes de fazer isso, olhe-me nos olhos e diga-me que está sendo
cuidadosa.
— Evidente que sim.
— Refiro-me a seu coração — Val afirmou, muito séria.
— Não se preocupe comigo. Conheço as regras. — Tirou o papel da mão da
amiga. — Agora, explique tudo.
Michael observava as amigas debruçadas sobre uma folha. Emily arregalava
os olhos enquanto Val falava. Não pôde evitar ficar curioso, mas permaneceu onde
estava, ouvindo Hugh tentar passar suas opiniões para Nugent.
Naquele momento, Jack entrou, com um saco de compras nos braços.
— Hugh, estou pronto para começar. — Fitou Michael. — É bom revê-lo,
companheiro.
Michael sorriu, e Hugh pôs-se de pé.
— Papai quer preparar um jantar à luz de velas para minha mãe, e eu vou
ajudá-lo.
— Que romântico! — Duane exclamou.
— Na realidade, é um ato de masoquismo. — Hugh suspirou. — Mas não
diga nada a Jack. Ele comprou uma garrafa de um vinho caríssimo. — E se foi.
— E então, Nugent, como foi o dia? — Michael quis saber.
— Ótimo, chefe. A cornija será recolocada na próxima semana e quase
terminei aquelas faturas. — Fechou a revista e a pôs de lado. — Sei que você
verifica todos os trabalhos e que é exigente.
— Confio em você.
— Obrigado. Acha que o projeto será aprovado?
— Creio que sim. Não há motivo para que não seja.
— Também acho. Se bem que não entendi por que se livraram das fontes.
— Pura questão de economia.
Os dois continuaram a discutir o projeto do novo hotel até que Duane
lembrou-se de devolver o celular para o patrão.
— A srta. Hill se espantou por eu atender ao telefone, mas achou ótimo que
assumisse certas responsabilidades. Ela disse que estará de volta na sexta-feira, às
dez horas.
— Preciso anotar em meu calendário.
Naquele momento, Emily gargalhou na cozinha, e Michael olhou. Viu-a
encostada no fogão, abanando o rosto com a folha de papel.
Quando dirigiu seu olhar a ele, esboçou um sorriso tão sensual que foi difícil
para Michael manter-se afastado dela.
— Por que não fica com o celular pelo resto do dia, Duane? Pode haver
alguma emergência.
— Você manda. Mas creio que há pouca oportunidade de Simone telefonar.
— Por quê? Ouviu alguma coisa?
— Nada. É que ela está longe, e você e Emily parecem... — O rapaz parou
de falar, ruborizando ao ver as sobrancelhas arqueadas do patrão. — Bem, o que
quero dizer é que... parece que isso não importa mais, não é?
Michael viu Jess descendo a escada e Emily se aproximar dele. A menina
não estava sorrindo, e pela primeira vez arrastava os pés ao caminhar.
— Alguma coisa errada? — Emily quis saber.
— Conversei com Natalie. Ela e a mãe irão ao Arts Night e vão levar o novo
namorado.
— Mas isso é bom. Haverá mais pessoas para torcer por você.
— E se eu errar meus passos de dança? E se tropeçar? E se der vexame?
— Por que erraria? — Michael abraçou a garota. — Você é muito parecida
com sua mãe. Bonita e talentosa. Todos vão amá-la. Na realidade, acho que jogarão
rosas a seus pés.
— Isso seria bom. Você também vai, não é?
— Eu não perderia isso por nada no mundo. — E tomou a mão de Emily.
— Boa sorte com o terno, Duane — Michael disse ao assistente, antes de
sair. — E você está certíssimo. Não importa mais.
Capítulo XVI
Michael bocejou. Emily entrou e fechou a porta da suíte atrás de si. Vestia
jeans e uma camiseta regata. Ao vê-la caminhar, ele não pôde deixar de imaginar
sua roupa íntima. Seria preta enfeitada de renda?
Tentou concentrar-se na tela do computador, e começava a segunda linha de
sua apresentação quando apareceu o aviso de mensagem. Era um e-mail de Andy
intitulado: "Não estou feliz com Bill".
Andy só podia estar se referindo a Bill Johnson, o homem a quem Michael
vendera a firma. Curioso, abriu a mensagem.
“Não estou satisfeito com Bill. Você tem outros nomes? Iremos até aí na
próxima semana, se não marcar uma data para vier até nós. Abraços, Andy”.
— Certo. Tudo me parece muito bem. — Judith deu uma rápida olhada ao
redor da sala de conferência. — Nossos convidados chegarão em alguns minutos.
— Arqueou as sobrancelhas. — Do que está rindo, Michael?
— Ahn? Oh... — Ele abanou a mão. — Estou me lembrando de uma coisa
que aconteceu esta manhã. — Olhou para o projeto do novo hotel. — Tudo me
parece muito bem.
— Acabei de dizer isso. — Judith foi até a porta. — Pegue os papéis,
Michael. Esta reunião é muito importante.
— Eu estava mesmo sorrindo? — Michael perguntou a Duane.
— Estava sim.
Tornou a sorrir. Depois daquela manhã, não podia deixar de sorrir de
felicidade.
— Duane, vamos nos sentar.
Mas Duane não se mexeu.
— Michael, se não se importa gostaria de falar uma coisa antes.
— Alguma coisa errada?
Duane suspirou, acertou a gravata, e pôs a mão dentro do bolso do paletó.
De lá, tirou um envelope, dando-o ao chefe.
— Estou lhe entregando minha demissão — ele declarou, olhando para o
chão.
— Do que está falando?! — Michael olhava para o envelope.
— O novo hotel, Michael. Eu tentei, mas não agüento ver o que estão
fazendo com o pobrezinho. Entendo as razões econômicas e o alvo do mercado,
mas, para ser franco, acho que a propriedade deveria ser restaurada. Aquilo é um
tesouro. E a história... — Parou de falar e sentou-se em uma cadeira. — Não posso,
em sã consciência, fazer parte desse planejamento. Ficarei na reunião e o
assessorarei, como havíamos combinado, mas partirei na próxima semana.
Michael pegou o envelope e o colocou no bolso.
— Entendo, e aceitarei sua demissão. — Avistou Judith, que entrava no
salão com os convidados.
Não sabia quais eram os banqueiros e quais os empresários, mas reconheceu
o presidente do Sunridge, George Lutyk. Era um homem respeitado, que Michael
admirava.
George acenou para Michael, gesto que não passou despercebido a Judith.
— Foi um prazer trabalhar com você, Nugent.
— Para mim também.
— Michael? — Judith chamou-o, sorrindo, com entonação afável. — Estou
certa de que se lembra de George.
Capítulo XVII
O Arts Night sempre fora tradição e orgulho para a Lloyd Elgin Elementary,
e aquela era uma noite dedicada à arte, música e dança. Pinturas, desenhos e
esculturas dos alunos estavam expostos no vestíbulo, e histórias e poemas eram
lidos em voz alta na biblioteca. Nas portas principais, um coral recebia os
visitantes. Mas tudo isso era apenas um aquecimento para a parte principal do
programa, que aconteceria no auditório.
Emily estava de pé no final da terceira fileira de cadeiras guardando lugares
e se abanando com o prospecto, tentando não pensar em Jess, que andava de um
lado para o outro no vestiário.
— Estes lugares estão reservados — Emily disse a uma mulher parada na
outra extremidade da fileira.
Para seu alívio, as duas irmãs escocesas e o resto da torcida de Jess: Moyra,
Sean. Hugh, Jack, Val e Duane acabavam de chegar. Faltava apenas Michael.
Emily tinha esperança de que ele estivesse atrasado devido ao trânsito, e não
por alguma discussão com Judith.
— Isto é muito excitante — dizia a sra. Dempster.
— As crianças estão adoráveis — acrescentou a sra. Fitzhenry. — Se você
está guardando lugar para Lilli e André, não se preocupe. Eles não virão. Lilli
devolveu a aliança esta manhã.
— Foi uma lástima... — A sra. Dempster suspirou.
— Melhor assim. — Moyra acomodou-se. — Não teria durado uma semana.
Emily, guardou lugares demais. Precisamos de apenas nove. Trudy, avance uma
cadeira.
— Fique onde está, sra. Dempster. Precisamos de dez lugares.
— Quem...
— Para aquele simpático rapaz com quem ela está saindo, é claro. — Trudy
Dempster sorriu para Emily. — Quando ele chegará?
— A qualquer momento.
Moyra meneou a cabeça.
— Não acredito que você o convidou. Mas eu deveria ter percebido, pois
andou agitada a semana toda.
— Eu não estava agitada, mamãe.
— Chame como quiser, mas eu não sou boba.
— Mamãe, venha sentar-se perto de mim — sugeriu Hugh. — A
apresentação começará logo.
Emily não queria discutir com Moyra, pois aquela era uma noite especial.
— Sentarei quando quiser, e se esse Michael chegar atrasado e passar na
frente de todos antes de se acomodar...
—Por que não reservamos um lugar para ele na ponta da fileira? — Hugh a
interrompeu. — Emily ficará ao lado dele, e papai... — Sinalizou para que Jack se
aproximasse. — Venha para cá.
Emily sorriu para Jack, mas ele permaneceu sério. Achou-o estranho.
— Moyra...
— Não quero ouvir nada, Jack. Pegue seu lugar e deixe-me em paz.
Jack passou por ela e foi sentar-se ao lado da sra. Dempster, que lhe aplicou
um tapinha no braço.
— Tolo! — Moyra resmungou, sentando-se onde Hugh indicara. — Sente-
se, filho, por favor.
— O que está acontecendo? — Emily perguntou ao irmão.
— Estão brigados, como sempre. Onde está Michael?
— A caminho. — Emily achou graça ao vê-lo olhando para todo lado. —
Algum encontro, Hugh?
— Ele disse que viria. — Deu de ombros. — Mas acho que está cansado de
ter de se esconder o tempo todo. Paciência tem limite.
— Você nem sabe o que tenho aqui — Val murmurou ao passar por Emily,
acompanhada por Duane.
— Ingressos para um novo espetáculo?
— Melhor. — Val tirou um jornal da bolsa. — Uma cópia da edição de
amanhã do Banner, com você na primeira página.
— A foto ficou ótima — Duane acrescentou.
— Esplêndida! — Vai não cabia em si de contentamento. — E o artigo,
então? Nem pagando você conseguiria um melhor.
— E você tem um plano, é claro.
— Eu sempre tenho, não tenho, Emily?
— O que vocês têm aí? — Moyra quis saber.
— Emily na página principal. — Vai passou o jornal a ela, mas Hugh o
pegou primeiro.
— Muito bom! Ela não está adorável?
— Sim, está — confirmou a sra. Fitzhenry.
Moyra cruzou os braços e encarou a filha.
— Não fique muito orgulhosa. Amanhã esse jornal estará forrando gaiolas
de passarinhos.
— Estatisticamente falando — Duane interveio —, pequenos jornais como o
Banner ficam mais tempo nas casas do que os jornais diários. Uma semana ou
mais.
— Estatísticas não pagam contas. Agora, sente-se. Você também, Val.
— Você tem de ligar para Rona, Emily.
— Eu ligarei. Val.
— Sabe onde Michael está? — indagou Duane.
— Eu esperava que você soubesse.
O rapaz meneou a cabeça.
— Ele chegará logo, sem dúvida.
— Lógico que sim. Michael jamais decepcionaria Jess.
As luzes piscaram, e Duane se apressou a sentar-se entre Val e Hugh. Emily
olhou para a porta mais uma vez e se acomodou ao lado da mãe, colocando uma
bolsa na cadeira vazia a seu lado.
As iluminação foi diminuindo, e Moyra murmurou:
— Para sua informação, deixei seu pai.
— O quê?! — Emily virou-se para ela.
— Deixei-o para sempre. Comuniquei a Jack no carro, vindo para cá.
— Mas por quê?
— Porque não temos mais nada em comum. Passei minhas coisas para seu
apartamento e...
— Mas não há lugar.
— Não seja boba. Nós três estaremos bem lá, até que ele se mude. Aí,
deixaremos o lugar do modo como nós queremos.
— Por que "nós"?
— Você, eu e Jess. Será bom, você verá. Aí já terá retornado ao salão de
chá...
— Senhoras e senhores — o apresentador falou ao microfone. — Sejam
bem-vindos ao Arts Night.
— Conversaremos mais tarde. — Assim, Emily encerrou o assunto.
Tornou a fitar a entrada. Onde estaria Michael?
Tentava prestar atenção às palavras do apresentador, mas não conseguia tirar
os olhos de Jack. O que ele iria fazer agora? Para onde iria?
Mas não havia nada que pudesse fazer no momento. Não com o número de
Jess no quarto lugar do programa, entre uma representação de Hamlet e uma dupla
de irmãs cantoras.
— Pare de olhar para a porta. Ele não virá.
— Michael não decepcionaria Jess, mamãe.
O apresentador anunciou o número de Jess, e Sean e Hugh levantaram-se de
seus lugares para aplaudir.
Jess apareceu no palco, o sorriso amplo, um tanto embaraçada e orgulhosa
ao mesmo tempo.
— Essa é nossa garota! — Jack exclamou várias vezes.
Emily olhou para a porta uma vez mais e suspirou. Michael vinha vindo,
com o programa na mão e os olhos no palco.
— Ele chegou — Emily disse à mãe.
Flautas soaram, e Jess parou de sorrir. Compenetrada, começou a dançar.
Emily conteve as lágrimas quando os aplausos iniciaram, sobretudo na
terceira fileira. Naquele momento, um garotinho aproximou-se do palco e atirou
uma rosa aos pés de Jess.
Jess abaixou-se para pegar a flor e fitou a platéia, procurando ver quem lhe
enviara a rosa. Se bem que tanto ela como Emily sabiam de quem se tratava.
Emily virou-se, certa de que naquele instante, entre um número e outro,
Michael viria sentar-se a seu lado. Mas não havia mais ninguém na entrada.
Hugh e Sean olharam para ela, bem como Duane.
Emily não sabia o que pensar. Sentia-se humilhada e com raiva, e mal podia
respirar.
— O que você esperava? — Moyra a admoestou, quando Jess deixou o
palco.
— Nada.
Os dois nunca formariam um casal. E se esse era o fim, teria de aceitar.
Prometera nada exigir e nada esperar. Prometera a si mesma que, dessa vez, sairia
de cabeça erguida e com a altivez intacta. E, acima de tudo, sem lágrimas.
Imaginara um final diferente, mais civilizado. Talvez um brinde com
champanhe e um beijo apaixonado. Merecia esse beijo ou, no mínimo, a cortesia
de um aperto de mão.
As irmãs cantoras entraram no palco, e Emily olhou mais uma vez para a
porta. Seria agora ou nunca. Pegou a bolsa na cadeira ao lado e levantou-se.
— Pelo amor de Deus, não vá atrás dele!
— Não estou indo atrás de ninguém, mamãe.
Moyra fez menção de se erguer, mas Hugh a segurou pela barra da blusa.
— O espetáculo é no palco, mamãe.
Emily passou pela platéia, balançando a cabeça para cumprimentar Natalie,
a mãe e o novo namorado. Viu também um jovem na última fileira, que devia ser o
namorado de Hugh. O rapaz lhe sorriu, erguendo os dois polegares.
O vestíbulo estava vazio. Ela saiu para a cálida noite de verão e o viu de
imediato.
Michael estava no meio do estacionamento, andando devagar em direção de
seu carro, com o celular na mão.
Emily moveu-se com rapidez para alcançá-lo antes que ele entrasse no
veículo, e assustou-se quando seu celular começou a tocar.
— Michael querido, como você está? — ela atendeu.
— Como sabia que era eu?
— Reconheci o toque. — Emily diminuiu o passo quando ele parou ao lado
do automóvel. — Por que está me ligando agora?
Ele deu de ombros e passou a mão pelos cabelos.
— Para falar com você, ouvir sua voz e descobrir quando estará na cidade,
porque gostaria muito de vê-la.
— Quer me ver? E o que fará quando me vir?
— O que eu farei? — Michael pegou as chaves do carro do bolso. —
Qualquer coisa que você goste.
— Irá me pegar em seus braços e me beijar como na primeira noite?
— Sem dúvida.
Emily parou a uma certa distância.
— Fará amor comigo?
— Simone...
Emily continuou a caminhar com lentidão para que ele não notasse sua
presença.
— Responda-me, Michael. Quer fazer amor comigo?
— O que acha?
— Acho que você é um imbecil.
Ele se virou e empalideceu, o telefone ainda na orelha. Emily continuou se
aproximando.
— Por quê, Michael querido, você parece ter visto um fantasma?
— O que está acontecendo? — Ele ainda falava ao telefone.
— Estou deixando que você fale com Simone. Não é isso o que quer?
— Não estou entendendo...
— Oh, vamos, não é tão difícil! Agora sou Simone. — Desligou o telefone.
— E agora não sou.
— Você está dizendo que era Simone?
—É incrível o que se pode fazer com uma peruca e uma máscara.
— Do que está falando?
— Era um baile de máscaras, lembra?
— Não acredito!
— Precisa de uma prova? Tudo bem. — Guardou o celular na bolsa. — Que
tal eu descrever seu sofá? Ou o que senti quando Duane nos interrompeu?
— Emily, pare com isso. Por que não me contou?
Ela hesitou, insegura pela primeira vez desde que deixou o auditório.
— No início fiquei embaraçada. Não sabia como você iria reagir. Depois,
quando o conheci, me pareceu impróprio. Simone não ia voltar.
— E quantas pessoas sabem disso?
— Hugh, Sean e, é claro. Val.
— E Duane.
— Não tenho certeza se Duane sabe.
— Eu, sim. Portanto, você me fez de idiota a semana toda, não é?
— Não se faça de ofendido, Michael Wolfe. Não depois do que fez agora há
pouco.
— Vamos, Emily... Não compare as duas atitudes.
— Tem razão. Nunca pretendi embaraçá-lo. Mas o que você fez esta noite
foi intencional.
Ele ergueu o celular.
— E acha mesmo que isto não foi? Mentiu para mim desde o início. Fez-me
de tolo desde o baile. E me diz que não foi intencional?!
Emily deu mais um passo.
— Não vim atrás de você para isso. Não poderia saber que você ia telefonar
para Simone outra vez. Agi sem pensar. Acredite, não planejei nada. Quis ir ao
baile apenas para promover o mural. Não tive intenção de conhecer você, e muito
menos de subir até seu apartamento. E também não pretendia me apaixonar por
você. Mas aconteceu, e sinto muito. Não por ter me apaixonado, mas por ter
mantido Simone em segredo.
— E isso deve consertar tudo? Acho que não. Mas estou curioso. Se não
veio se passar por Simone, por que está aqui?
— Para dizer adeus.
— Como assim?
— Em minha cabeça, tudo tinha de terminar de maneira civilizada, com
maturidade. Um último beijo e a separação. — Encostou-se no pára-lama do carro
e olhou para a escola. — Parece tolice agora, mas não parecia lá dentro, quando eu
estava sentada ao lado de uma cadeira vazia.
— Está bem. Devo-lhe desculpas. Mas eu lhe disse desde o começo que não
queria nada permanente. Não quero que reserve lugares para mim, nem pretendo
fazer parte da família. E quando a vi lá...
— ...foi mais fácil fugir.
— Acho que sim.
— E suponho que será mais fácil continuar fugindo, com raiva por eu ter me
feito passar por Simone.
Ele encostou-se no pára-lama, ao lado dela.
— Estou bravo. Mas superarei.
— E então?
— Vou partir.
— Para onde?
— De volta ao Maine. Pensei muito e acho que chegou a hora.
— Duane ficará decepcionado. Ele gosta muito daqui.
— Eu também.
— Em quanto tempo partirá?
— Judith me deu vinte e quatro horas para sair do hotel. Esta noite estarei
juntando minhas coisas.
— Não demorará muito.
— Não. Tenho poucos pertences.
Emily sorriu com tristeza.
— O homem que não carrega muita coisa, para se mudar com facilidade.
— É a única maneira que conheço.
— Então é isso. — Desencostou-se do veículo e se posicionou à frente dele.
— Mas, antes que se vá, quero que olhe em meus olhos e diga que não me ama.
— Não posso fazer isso, porque eu te amo.
— Mas não quer me amar.
— Não, não quero. Não vou começar a sonhar com você e fazer planos.
Nem viver com você e com Jess. Não posso passar por isso outra vez.
— E como sabe que não envelheceremos juntos?
Michael sorriu. Tudo parecia muito simples nas palavras dela. No entanto,
tivera uma dura lição. Era melhor ser cauteloso. Devia partir já, antes que seu
coração o traísse.
— Sinto muito, Emily. Não quero tomar a me arriscar.
— Nesse caso, só há uma coisa a fazer.
— E o que é?
— Um civilizado adeus.
Michael a viu endireitar os ombros. Nada de lágrimas, nem recriminações.
— Você primeiro.
— Adeus, Emily. Sentirei saudade.
— Sim, sentirá. — Ela se aproximou e enlaçou o pescoço dele. Sem pensar,
Michael a agarrou, estreitando-a.
— Esta é a parte em que me beija. Apenas uma vez, e depois entrará no
carro e partirá. Não ficarei olhando você se afastar e não telefonarei mais tarde.
Adeus, Michael.
Ele não tinha percebido até aquele momento como a queria, como precisava
dela.
Beijou-a várias vezes até que Emily deu um passo atrás.
— Agora, desapareça. — Emily deu-lhe as costas e seguiu em direção da
escola.
Michael suspirou e entrou no automóvel, com o gosto dela ainda nos seus
lábios.
Quando se afastou, Emily manteve a palavra. Não olhou para trás.
Capítulo XVIII
PEÇA DE NOVO
Wendy Morgan
Não foram os gritos que fizeram John Hoffman acordar. Foram as batidas na
porta, que ficaram mais e mais violentas.
Ele pegou os óculos, assegurou-se de que o pijama de flanela estava
abotoado e saiu da cama. Contornou no escuro a cama vazia do colega de quarto,
as duas mesas e os armários.
Acendeu a luz e abriu a porta. Patrícia Magee estava se arremessando contra
ele mais uma vez, naquele exato momento.
John não teve tempo de reagir. Viu-se no chão com Patrícia caída por cima.
— Onde ele está? — bradou ela, agarrando o colarinho de John. — E diga a
verdade! Onde ele está?
John apenas balbuciou palavras incompreensíveis.
— Vamos, John, diga! Onde está Bryan?
— Se você sair de cima de mim... eu posso contar.
— O quê? Contar o quê? — Com um movimento ágil. Patrícia ficou de pé,
colocando as mãos nos quadris. — Onde está ele?
— Não tenho idéia.
— Mas ele é seu colega de quarto. E seu melhor amigo. Claro que você
sabe.
— Não sei.
— Você está mentindo.
— Não estou. Você está com folhas de pinheiro nos cabelos. E tem terra no
seu rosto.
Patrícia passou a mão pelos cachos negros. Folhas de pinheiro caíram no
carpete cinzento do dormitório. Ela não deixou de fitar John.
— Você ainda está com terra no rosto.
Ela suspirou e passou a mão com impaciência pelo rosto. John reparou em
outra expressão nos olhos dela, além da irritação.
Dor? Vulnerabilidade? Não... não Patrícia Magee. Todos sabiam que ela era
absolutamente atrevida e forte.
John notou a mancha na ponta do nariz dela. O que era aquilo, fuligem? Por
algum motivo estranho, sentiu um forte desejo de estender a mão e limpar a
mancha.
Deus sabia que ele não ia correr o risco de tocar em Patrícia Magee.
Considerando o estado em que ela estava, provavelmente arrancaria seus dedos
com uma mordida.
— Limpe seu nariz — disse ele.
Sem desviar os olhos dele, Patrícia pegou um lenço no bolso do casaco azul.
John ficou surpreso. Não esperava que ela carregasse um lenço. Ainda mais um
lenço rendado e bordado com flores.
Patrícia molhou o lenço na língua e o passou no nariz. Então o enfiou no
bolso outra vez.
— Estou esperando — disse ela.
— Eu já disse, Patrícia, não tenho idéia de onde Bryan... Você está com um
rasgo enorme no joelho, sabia?
Ela olhou para o joelho da calça. O rasgão estava sujo com o que parecia ser
lama. Patrícia deu de ombros.
— Puxa, onde você esteve? Rastejando no mato?
— Foi exatamente isso que eu fiz — disse ela. — E você quer saber por que
eu estava rastejando no mato?
— Por quê?
— Porque o seu colega de quarto saiu da biblioteca com outra garota, foi por
isso!
John recuou assustado.
Tivemos uma briguinha hoje no refeitório — contou ela. — E o que ele fez?
Saiu com uma garota da Brown.
— Depois de quatro anos, era de se esperar que Bryan soubesse que, quando
estou brava, falo coisas que não são necessariamente verdadeiras. Como se eu
fosse mesmo concordar com ele sair com outras garotas!