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I❤

I❤

A falta que você faz


Título original: Wife-to-be

Bianca Duplo – 625

Michelle Reid

“Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos e


de fã para fãs de romances. A comercialização deste produto é
estritamente proibida.”

Digitalizado por: ILNETE


I❤R.B.&…

Resumo

Eu nunca pretendi fazer isso... ela apenas estava lá quando precisei de alguém...

Rachel e Daniel tinham três filhos adoráveis e um casamento sólido... ou, pelo
menos, Rachel sempre acreditara nisso. Mas sua feliz existência foi destruída
quando lhe contaram que Daniel tivera um caso amoroso. Então, ela percebeu que
eles estiveram distantes durante vários anos. Rachel queria salvar seu
casamento, mas não seria tarde demais?
Será que ela conseguiria perdoar Daniel, apesar dele ter cometido a pior traição?
CAPÍTULO I

O telefone começou a tocar. Rachel, que descia a escada, resmungou em


voz baixa e, segurando firme o pequeno Michael de apenas seis meses, desceu
rápido os últimos degraus. Quando viu seu reflexo no espelho atrás da mesa do
telefone, assustou-se.
O cabelo loiro claro estivera “preso” num coque, agora, mechas caíam pela
testa e pescoço.
A camisa azul respingada da água do banho das três crianças não
melhorava sua aparência. Michael colaborava, puxando os botões da camisa para
expor-lhe o seio. Apesar de ser uma criança dócil, no momento estava cansado e
impaciente.
—Não — ela disse firme, afastando a mãozinha dos botões. — Logo vai
jantar.
Atendeu ao telefone.
—Alô?
Rachel não percebeu a pequena pausa tensa, antes que a pessoa do outro
lado da linha falasse com cuidado.
—Rachel? É Amanda.
—Oi, como vai Mandy? — Pelo espelho, reparou que seu rosto suavizou a
expressão ao escutar a voz da melhor amiga. Michael, por favor, espere mais um
pouco! disse ao garotinho que insistia em puxar-lhe os botões.
Ele olhou-a bravo, e Rachel sorriu divertida. Michael era o mais genioso e
exigente dos filhos, mas ela o adorava. Ele era a cara de Daniel, seu marido.
—As crianças ainda não estão dormindo? — Amanda perguntou.
Não era segredo que crianças a irritavam. Mandy, executiva sofisticada,
não tinha tempo a perder. Rachel levava uma vida diferente.
Além de ser sua melhor amiga, Amanda era a única quem ainda mantinha
contato depois de deixar o colégio.
—Dois já dormiram, só falta o caçula. Michael está fome, mas pode
esperar.
—Daniel já chegou para o jantar?
Rachel percebeu a desaprovação no tom de voz da amiga e sorriu. Amanda
e Daniel não se entendiam bem.
—Ainda não, por isso pode xingar à vontade que ele não vai ouvir.
Não se importava que a amiga criticasse Daniel quando ele não estava
presente.
Desta vez, um silêncio estranho pesou entre as duas.
—Alguma coisa errada, Mandy?
—Escute Rachel, vou me sentir péssima, mas você o direito de saber.
Naquele momento, um dos gêmeos desceu a escada, fingindo atirar com
um revólver. Michael mexeu-se inquieto os olhos brilhando ao ver o irmão que se
aproximava.
—Quero tomar água — o atirador respondeu à pergunta muda da mãe e foi
para a cozinha.
—Escute —Mandy parecia impaciente, —sei que ocupada. Ligo mais tarde,
talvez amanhã. Eu...
—Não ouse desligar. Espere um momento que já volto.
Rachel percebeu que o que Mandy tinha para dizer era importante.
Colocou o fone na mesa e foi atrás do filho mais velho, As pernas longas e
bem torneadas eram realçadas pela calça fuseau branca, que usava com meia
soquete e tênis. Mesmo não sendo alta, sua figura era atraente devido ao tipo
longilíneo e o corpo bem-feito apesar das gravidezes. Quando tinha tempo,
Rachel sempre se exercitava fazendo ginástica, nadando ou jogando badminton,
um jogo parecido com tênis, só que, em vez de bola, jogado com uma peteca sobre
uma rede alta.
—Peguei você, pequeno bandido! — disse para Sammy, o filho de seis anos,
que estava com a mão no pote de biscoitos.
O garoto corou e ela continuou. —Tudo bem, leve um para Kate e nada de
migalhas na cama!
A cozinha era grande e confortável. Rachel colocou o bebê no carrinho
encostado no canto e deu-lhe um biscoito para se distrair, enquanto voltava ao
telefone.
—Ainda está aí Mandy?
—Por que você não arruma alguém para ajudar com as crianças? As vezes
elas são insuportáveis!
—Eu tenho uma ajudante mas, à noite, gosto de ter a casa só para mim.
Fico mais à vontade.
—Mais à vontade e sonolenta. Pelo amor de Deus, Rachel! Pare de bancar
a Gata Borralheira e trate de acordar.
—Acordar para quê?
—Rachel, onde está Daniel?
—Trabalhando até mais tarde.
—Ultimamente, ele tem trabalhado muitas vezes além do expediente, não
é?
—Sim. Está muito ocupado com o caso Harvey. Você sabe, ouvi vocês
discutindo o caso na última vez que veio jantar aqui.
—O caso Harvey terminou há séculos!
Será que Mandy viera jantar havia tanto tempo? Sim, Michael estava com
três meses. Puxa, isto fora havia noventa dias!
—Mandy, você precisa aparecer logo para jantar. Não nos vemos há tanto
tempo! Vou perguntar a Daniel quando ele terá uma noite livre...
—Rachel! Por favor, não liguei com o intuito de me convidar para um jantar,
apesar de sempre valer a pena. Não sei como encontra tempo para cozinhar tão
bem, com o trabalho de casa e essas três crianças levadas, sem mencionar que
egoísta...
Mandy reprovava o modo como a amiga se dedicava à casa, fazendo quase
todo serviço. Achava que Daniel não ajudava em nada. Não tinha idéia de como
ele era ocupado e como fora difícil subir na carreira e sustentar a família do
mesmo tempo. Ele trabalhava muito pela família, para lhes garantir segurança no
futuro
—Não posso mais me conter, Rachel. Você é minha amiga, não ele. Já é
hora de alguém alertá-la para o que está acontecendo bem debaixo do seu nariz!
—Um momento, o que quer dizer com isso?
—Que está fazendo papel de tola, amiga. Daniel não fica trabalhando até
tarde. Ele está com outra mulher!
As palavras soaram tão fortes, que Rachel pensou que fosse cair.
—O quê? Ele saiu com uma mulher esta noite?
—Não, não hoje em particular. Algumas noites. Não sei quando
exatamente. Só sei que ele está tendo um caso, e parece que todos em Londres
já sabem, menos você!
Silêncio. Rachel não conseguia coordenar o pensamento.
—Sinto muito Rachel — Mandy percebeu o choque da amiga. —Não pense
que fico contente. Só estou contando porque me certifiquei antes de que é tudo
verdade. Eles foram vistos em lugares públicos, em atitudes íntimas. —Eu mesma
os vi. Meu namorado tem um apartamento no mesmo prédio que Lydia Marsden,
e cruzei com os dois saindo de lá.
Rachel se recusava a ouvir mais. Começava a se conscientizar de pequenas
coisas que deveria ter notado há mais tempo, e às quais não dera atenção,
envolvida pela rotina do dia-a-dia. Confiara demais no homem cujo amor por ela
e pelas crianças jamais questionara.
Mas enxergava agora. A sutil mudança no humor, a maneira de tratar a
família, e as muitas vezes em que ele ficara embaixo, no escritório, em vez de
subir para o quarto com ela, para fazerem amor.
Um suor frio percorreu-lhe o corpo e Rachel ficou nauseada. Lembrou-se
de outras vezes, quando Daniel quis fazer amor e ela sentia-se cansada ou sem
vontade. Semanas, meses de amarga frustração e desencontros, quando ela o
procurou, e então, ele é que não estava disposto.
Acreditou que fosse apenas uma fase. Há duas ou três semanas, quando
Michael começou a dormir a noite toda, sentiu-se mais descansada e pensou que
tudo entraria nos eixos.
E havia apenas algumas noites, fizeram amor de forma tão intensa como
antigamente.
—Deus...
—Rachel!
Não, ela não queria ouvir mais nada.
—Preciso desligar Mandy, Michael está chorando.
Lembrou-se de outro fato ainda mais dolorido que as fracas performances
sexuais. Um perfume que sentiu um dia de manhã, ao lavar uma camisa de Daniel.
O mesmo perfume que sentia quando ele chegava tarde do trabalho.
Tola! Só conseguia enxergar Daniel com outra mulher.
Tendo um caso, fazendo amor...
O telefone começou a tocar outra vez. Um choro cansado veio da cozinha.
Com inesperada calma para quem sofrera um choque, Rachel tirou o fone do
gancho, desligou e em seguida tirou novamente e colocou sobre a mesa. Depois
foi para a cozinha.
Alimentou Michael e colocou-o para dormir, ficando um longo tempo
parada na porta do quarto, com o olhar perdido. Sentia a cabeça vazia. Devagar,
andou na direção dos quartos dos gêmeos.
Sammy, como sempre, dormia com as cobertas atiradas para fora da cama.
Beijou o rosto querido e cobriu-o. Sam era o filho mais parecido com o pai,
possuía o mesmo cabelo escuro e o queixo determinado. Era alto e robusto. Pelas
fotografias que vira no álbum da sogra, Daniel e Sam eram muito parecidos
quando tinham a mesma idade. Aos seis anos, o garoto já mostrava obstinação,
como o pai.
Depois, entrou no quarto de Kate. Ela era o oposto do irmão. Quando ia
acordá-la de manhã, quase sempre estava na mesma posição que dormira. Seu
cabelo brilhava como os raios do sol. Era a paixão do pai e conseguia mais dele
que todos na casa, e ele adorava sua princesa de olhos azuis. Kate sabia disso e
o explorava ao máximo.
Como Daniel tivera coragem de fazer algo que pudesse magoar seus filhos
queridos? Como ousara destruir tudo por sexo?
Sexo? Talvez fosse mais. E se fosse amor? Paixão? Uma paixão
enlouquecida pela qual um homem trairia tudo?
Talvez fosse apenas uma mentira suja. Mas lembrou-se do perfume e das
noites que ele passara fora, culpando o caso Harvey.
Saiu do quarto de Kate e foi para o deles, onde, na semana anterior, se
encontraram novamente e fizeram amor pela primeira vez em meses.
O que acontecera para que ele a procurasse outra vez? Ela havia se
esforçado. Preocupada com o rumo que o relacionamento estava tomando,
resolvera mandar as crianças para dormir na casa de sua mãe. Fizera o jantar
predileto de Daniel e servira na sala de jantar, à luz de velas, com a prataria e
os cristais, e o recebera na porta com um vestido sedutor e um beijo cheio de
promessas.
Naquela noite, não notara a veia que pulsava em seu pescoço e que sempre
era um indício de que ele estava sob tensão. Agora conseguia lembrar. Fechou os
olhos e viu o rosto contraído, a pele pálida e a veia pulsando quando ela o abraçara
de modo provocante.
Nauseada, saiu do quarto e desceu para a sala de estar, enxergando os
fatos com clareza e percebendo que fora uma tola, sem consciência do que fazia.
Lembrou a tensão com que ele segurara seus ombros, tentando manter
certa distância. O brilho sofrido dos olhos cinzentos, e como ele ficara imóvel
diante dos lábios convidativos. O tremor que passara por ele quando ela disse:
“Eu te amo, Daniel. Desculpe por ter estado tão difícil de conviver.”
Ele fechara os olhos, engolindo em seco e apertara as mãos em seus
ombros até quase machucar. Depois, puxara-a para junto do corpo, mergulhara o
rosto em seu pescoço e não disse uma única palavra. Nem que a desculpava nem
que a amava. Nada.
Mas fizeram amor com intensidade e paixão, sem fingimento. Ou não?
O que entendia da sexualidade dos homens?
Conhecera Daniel quando tinha dezessete anos e ele fora seu primeiro e
único namorado. Não sabia absolutamente nada sobre os homens e, pelo jeito,
nem sobre seu próprio marido.
Olhou-se no espelho sobre a lareira. Apesar da palidez e da tensão em
torno da boca, era a mesma Rachel Masterson. Apenas vinte quatro anos. Mãe e
esposa, nesta ordem. Sorriu com amargura, enfrentando a verdade como nunca
se permitira antes.

Você o queria e conseguiu em poucos meses. Nada mal para uma


adolescente ingênua de dezessete anos. Daniel tinha vinte quatro na época, e
caiu no truque mais antigo.
Conhecera Daniel em sua primeira ida a uma boate de verdade,
acompanhada de um grupo de amigas do colégio, que se divertiram com seu medo
de ser barrada na porta por ser menor de idade.
—Vamos lá, Rachel — elas disseram. —Se perguntarem sua idade, é só
mentir como fazemos sempre.
As amigas fizeram-na decorar uma nova data de nascimento, que repetiu
até estar a salvo dentro da boate. Mesmo lá dentro, assustavam-se cada vez que
alguém esbarrava, demorando um bom tempo para começar a relaxar. Aos poucos,
o efeito do vinho branco que tomavam se fez sentir e ela dançou com o grupo e
aproveitou a música.
Estava consciente da presença de Daniel desde o momento que entrara na
boate. Um homem carismático, forte, com cabelo escuro, parecendo um ator de
cinema. As amigas também o notaram e ficavam excitadas cada vez que ele dava
atenção ao grupo que dançava.
Mas ele olhava para o lindo rosto de Rachel, emoldurado pelas mechas do
longo cabelo loiro claro. O corpo perfeito, comprimido numa saia preta curta e
mini blusa vermelha, era uma visão tentadora. Se seus pais a vissem com aquela
roupa ficariam horrorizados. Mas todas haviam se arrumado na casa de Julie,
cujos pais estavam viajando, e nenhuma contara em casa sobre a ida à boate.
O ritmo da música ficou lento e Daniel tirou-a para dançar. Ainda
conseguia lembrar a timidez que sentiu quando ele a tocou, sua masculinidade
despertando sensações adolescentes.
Dançaram muito tempo em silêncio, até ele falar.
—Qual é seu nome?
—Rachel. Rachel James.
—Olá, Rachel James, sou Daniel Masterson — ele apresentou-se e passou
a mão na pele nua das costas, entre a saia e a mini blusa, puxando-a mais perto e
provocando uma inesperada sensação de prazer.
Não tentou beijá-la nem a convidou para ir embora sem esperar as amigas.
Anotou seu telefone e prometeu ligar logo, e ela passou a semana seguinte ao
lado do aparelho, esperando ansiosa que Daniel a procurasse.
No primeiro encontro, ele levou-a para passear.
—É o carro da firma — explicou com um sorriso gentil.
Convidou-a a falar sobre si, a família, os amigos. Ela contou do que gostava
e da vontade que tinha de fazer a faculdade de artes e trabalhar com
propaganda. Daniel perguntou sua idade e, ao escutar a resposta, pareceu
chocado.
Depois do jantar, deixou-a em casa com um seco boa-noite e não ligou mais.
Rachel ficou arrasada. Por vários dias não conseguiu comer nem dormir
direito. Estava a ponto de adoecer, quando ele telefonou-lhe na semana seguinte.
Foram ao cinema, mas não conseguiu concentrar-se no filme, consciente
da masculinidade que exalava de Daniel. Tensa e apavorada de fazer algo que o
afastasse novamente, gritou assustada quando ele esticou o braço e pegou sua
mão.
—Relaxe — ele murmurou, — não vou te morder.
O problema é que ela queria que ele a mordesse, queria aquele homem.
Mesmo sendo ingênua, a paixão estava em seu rosto e Daniel apertou sua mão
com força, tentando desesperadamente fixar a atenção no filme. Naquela noite,
ao deixá-la em casa, beijaram-se com paixão, consumidos por um desejo violento,
até que ele afastou-a e pediu que saísse do carro.
Na próxima vez que saíram, foram a um restaurante calmo e romântico e
ele contou a Rachel sobre sua vida. Disse que era vendedor de uma grande firma
de computadores e pela natureza do trabalho, viajava por todo o país, ficando
fora da cidade durante vários dias. Falou também de sua ambição de ter sua
própria firma, de como aplicava todo o dinheiro que ganhava em ações, sempre
olhando-a com intensidade crescente.
Ao chegarem na porta da casa dela, estavam a ponto de explodir com a
tensão sexual que os envolvia. Ainda assim, foi apenas outro beijo devastador e
ele pediu que entrasse.
Continuaram a sair por mais algumas semanas, quando finalmente ele
perdeu o controle e, em vez de irem ao cinema, foram para seu apartamento e
fizeram amor.
Depois disso, raramente procuravam outro programa. Ficar junto dele
tornou-se o mais importante na vida de Rachel. O amor por Daniel suplantou suas
ambições, as amigas, os estudos e as recomendações preocupadas de seus pais.
Três meses mais tarde, Daniel voltou de uma viagem de duas semanas em
Londres, e Rachel o esperava na porta do apartamento.
—O que está fazendo aqui? — perguntara e, apenas agora, depois de sete
anos, percebia que ele não ficara nada contente ao encontrá-la. Parecia cansado
e tenso, exatamente como nos últimos meses.
—Preciso falar com você.
Fizeram amor e enquanto ele tomava banho, ela preparou café. Beberam
em silêncio, Daniel sentado na velha cadeira de balanço, vestindo apenas o
roupão, e Rachel sentada no chão, entre seus joelhos, como sempre fazia. Foi
então que contou que estava grávida. Ele não se moveu ou disse qualquer coisa,
apenas a mão dele acariciava seu cabelo de modo distraído.
Depois de um longo tempo, Daniel sorriu e puxou-a para seu colo, e ela
aconchegou-se como uma criança, pensou desconsolada. Do mesmo modo como
Kate costuma fazer quando senta no colo do pai.
—Você tem certeza? — ele perguntou.
—Absoluta. Comprei um teste de gravidez na farmácia e deu positivo.
Acha que pode haver erro? Será que devo consultar um médico antes de
decidirmos o que fazer?
—Não! Então, está grávida. Como poderia ter acontecido? —ele indagou,
pensativo.
—Nós deveríamos ter tomado mais cuidados.
—Tem razão. Bem, pelo menos, temos tempo de casar antes que toda
cidade saiba o motivo.
E assim aconteceu. A decisão foi tomada como Rachel acreditava que
deveria ser. Daniel providenciou tudo, livrando-a dos aborrecimentos, até
conversando com seus pais, pois ela não tinha coragem.
E agora, depois de sete anos, entendeu que Daniel se casara apenas por
causa da gravidez.
Ela o envolvera com sua juventude, inocência, confiança e adoração cega.
Daniel se casara por obrigação.
Amor não teve nada a ver com o casamento.

O som da chave na porta de entrada tirou-a do devaneio. Estava calma.


Olhou o relógio, apenas oito e meia. Daniel não era esperado em casa. Dissera
que participaria de um jantar de negócios.
Foi até a porta. Daniel estava de costas e ela percebeu sua tensão pela
postura do corpo.
Ele virou-se devagar e encarou-a. Depois, desviou o olhar pela sala e viu o
telefone fora do gancho. Dirigiu-se ao móvel e colocou a pasta no chão antes de
voltar o aparelho no lugar. Rachel notou que a mão dele tremia.
Mandy devia ter lhe telefonado. Com certeza entrara em pânico quando a
amiga não atendeu e resolveu contar a Daniel o que havia feito. Rachel pensou
que gostaria de ter ouvido a conversa. As acusações e confissões, condenação e
defesa.
Permitiu que ele a olhasse de alto a baixo e, sem uma palavra, virou-se e
foi para a sala de estar.
Ele era culpado. Trazia estampado em seu rosto e corpo.
Culpado!

CAPÍTULO II

Daniel preparou-se para enfrentar a esposa, que o esperava com paciência.


Rachel sentia-se estranhamente calma, o coração batia compassado e as
mãos repousavam no colo.
Daniel entrou na sala. Estava sem o paletó e afrouxara a gravata. Sem
olhar para ela, seguiu direto para o bar onde, entre várias bebidas, estava uma
garrafa de seu uísque preferido.
—Quer uma dose? — ele perguntou.
Rachel negou com a cabeça. Daniel percebeu a negativa mesmo sem virar-
se e não insistiu. Serviu-se de uma dose dupla e sentou-se numa cadeira na frente
dela.
—Que amiga leal você tem — foi como começou o assunto.
“Pena que não possa dizer o mesmo do meu marido”, ela pensou.
Os olhos dele estavam fechados. Não conseguia encará-la. Estendeu as
pernas fortes na frente do corpo e manteve o copo de bebida seguro no meio
das duas mãos. Os dedos eram longos e fortes e as unhas absolutamente limpas.
Aliás, tudo nele era limpo e elegante. Tanto o corpo como seus objetos pessoais.
Bons ternos, sapatos finos, camisas feitas sob medida e caras gravatas de seda.
A palidez do rosto não diminuiu sua beleza e charme. Daniel ia fazer trinta
e dois anos. O amadurecimento dera-lhe uma expressão de força e auto-
suficiência. Era um homem bem-sucedido e controlado. Sempre tivera
autocontrole, raramente perdia a paciência ou se irritava quando as coisas não
aconteciam a seu modo. Possuía a rara virtude de encarar um problema, colocar
os pontos negativos de lado e lidar com os positivos.
Provavelmente era o que fazia no momento, procurando descobrir os
estragos que o telefonema poderia ter feito a seu casamento e tentando
encontrar os aspectos positivos do acontecido.
Esta habilidade fizera com que Daniel Masterson chegasse à presidência
das Empresas Masterson, uma organização que ele criara e que se expandira nos
últimos anos, englobando companhias menores, ajustando-as ao mercado para
torná-las mais rentáveis e depois vendendo-as com lucro.
Construíra seu império, mantendo os negócios na linha divisória entre o
sucesso e o prejuízo, sem, no entanto, colocar sua família e o que conseguira para
eles sob qualquer risco. Cercara a família de luxo e mimo.
—E agora? — ele perguntou subitamente.
—Você é quem deve falar.
Com certeza, Mandy ficara apavorada com a reação que a amiga pudesse
ter. Talvez imaginasse suicídio ou qualquer outra tragédia. Só o medo a forçaria
a contar tudo a Daniel.
—Aquela imbecil! Se não se intrometesse, você seria poupada disso. Já
tinha acabado — disse Daniel, muito tenso, enquanto apertava o copo nas mãos.
— Se ela ficasse quieta, logo saberia que estava tudo terminado! Mas não, ela
sempre quis acabar comigo, só não imaginei que fosse jogar tão sujo e envolver
você! Pelo amor de Deus, diga alguma coisa!
Rachel assustou-se. Daniel raramente erguia a voz com ela. Percebeu que
estivera ali, sentada, como se estivesse em outro mundo.
—Quero o divórcio — disse e surpreendeu-se tanto quanto Daniel, porque
tal idéia nunca lhe passara pela mente.
—Pode sair da casa. Fico aqui com as crianças. Você está rico o suficiente
para nos sustentar.
—Isto é tolice e não uma resposta! — ele gritou.
—Não grite! Vai acordar as crianças.
Daniel levantou-se e encarou Rachel, mas não conseguiu sustentar seu
olhar.
—Escute... — ele disse, um momento depois, tentando manter o controle
— não aconteceu nada do que imagina ou do que sua “amiga” falou! Foi só uma
escapada tola, que terminou antes mesmo de começar. Eu estava sob pressão no
trabalho, o caso Harvey poderia pôr a perder tudo o que consegui. Precisava
trabalhar dia e noite para ficar na frente dos concorrentes. Você estava se
recuperando do parto e, de repente, eu estava passando mais tempo com ela do
que em casa. Então os gêmeos tiveram sarampo e você não quis uma enfermeira
para ajudar. Estávamos longe a maior parte do tempo. Fiquei preocupado com seu
cansaço, com a doença dos gêmeos, com Michael que não dormia mais que meia
hora seguida. Não quis sobrecarregá-la com problemas de trabalho...
Daniel falava de meses atrás, quando tudo que ela achou que poderia dar
errado realmente deu. Jamais imaginou que um caso de seu marido com outra
mulher também fosse fazer parte de sua lista de problemas!
—Rachel... — ele sussurrou — nunca pensei em trair você! Mas ela estava
lá quando precisei de uma companhia e você não...
—Ah! Chega, pare de falar!
Daniel tentou aproximar-se e foi impedido. Apesar de não beber, Rachel
foi até o bar e, com as mãos trêmulas, preparou um uísque. Virou o copo e fechou
os olhos, numa tentativa de não perder o controle.
O coração disparou e não conseguiu respirar direito, o corpo ficou
paralisado enquanto o cérebro absorvia a dor e a angústia, e devagar espalhava
por todo seu ser, até que ela pensou que fosse morrer.
—Terminou Rachel! — ele repetiu angustiado. — Pelo amor de Deus,
acabou!
—E quando foi que acabou? Depois daquela maravilhosa noite de amor?
Pobre Lydia, não sei qual de nós duas foi mais idiota.
—Apenas aconteceu. Eu daria tudo para que não tivesse acontecido, mas
não posso fazer o tempo voltar. Se ajudar, quero dizer que estou profun-
damente envergonhado. Juro por Deus que isto nunca mais vai acontecer.
—Até a próxima vez. ela murmurou e saiu da sala.
—Não! Daniel puxou-a pelo braço e apertou-a contra o corpo enquanto
Rachel tentava escapar. —Vamos conversar até o fim. —Sei que está muito
magoada, mas temos de esclarecer tudo.
—Quantas vezes? — ela gritou descontrolada. — Quantas vezes você
chegou em casa impregnado com o perfume dela?
—Quantas vezes sentiu-se obrigado a fazer amor comigo depois de ter se
deitado com ela?
—Nunca! — ele foi veemente e apertou o abraço. —Não, Rachel! Nunca!
Jamais cheguei a esse ponto. — O sorriso sarcástico dela deixou-o lívido. — Eu
te amo, Rachel! Adoro você!
Por algum motivo a declaração de amor foi a gota d’água, e ela atingiu o
rosto dele com uma bofetada.
Surpreso, Daniel afrouxou o abraço e Rachel escapou. O olhar que ela
lançou foi tão cheio de rancor que transformou seu rosto em uma máscara de
dor e ódio.
Sem mais uma palavra, saiu da sala e subiu. Na porta do quarto hesitou um
momento e foi na direção do quarto de Michael. Ficou imóvel, olhando a criança
no berço, imaginando se a dor intolerável que sentia poderia adoecê-la
fisicamente.
Finalmente, atirou-se na cama ao lado, escondeu o rosto no urso de pelúcia
e chorou até mergulhar num sono causado pela exaustão.

O dia raiou com os sons alegres de Michael brincando no berço. Rachel


demorou alguns minutos até se lembrar do motivo pelo qual estava ali. Sentia-se
mais calma, como se o choro descontrolado da véspera tivesse lavado suas
emoções.
Levantou-se e notou que ainda estava com a mesma roupa da noite
anterior. Levou a mão ao cabelo e tirou o elástico que teimava em segurar alguns
fios, e o longo cabelo loiro caiu sobre suas costas.
Sentia-se mal, dormira até de tênis. Sentou-se na beirada da cama e ficou
descalça. Michael notou a presença da mãe e sorriu alegre. O sorriso foi como
um bálsamo para seu coração ferido. Por alguns instantes, Rachel esqueceu o
mundo e deliciou-se brincando com a criança.
Não importava o que mais a vida lhe tirasse. Sempre teria o amor de seus
filhos.
O pequeno Michael estava transpirando e com a fralda molhada. Ela levou-
o para um banho. Enrolou-o em uma toalha e voltou ao quarto para vesti-lo.
Normalmente descia para preparar o café da manhã da família e só subia
para se vestir depois que saíssem para o colégio e o trabalho.
Naquele dia seria impossível. Os gêmeos eram muito observadores e
perguntariam por que estava descabelada e usando a mesma roupa da noite
anterior.
Precisou de muita coragem para entrar no quarto onde Daniel estaria
quase acordando. Entrou devagar e olhou para a cama vazia. Escutou então sons
vindos do banheiro. Ele apareceu logo e se olharam ao mesmo tempo.
Em todos os anos de conhecimento nunca se sentira tão vulnerável na
presença dele, e tão consciente da própria aparência: os olhos inchados de tanto
chorar, o cabelo solto e despenteado.
Também estava absolutamente consciente da aparência de Daniel: a
altura, os músculos fortes no corpo atlético, o peito largo, as pernas longas e
robustas...
Com a boca seca, desviou os olhos.
Daniel parecia cansado, como se tivesse dormido pouco. Provavelmente
passara a noite pensando, racionalizando, a fim de encontrar uma solução correta
para uma situação impossível. Era sua especialidade: transformar um desastre
em sucesso.
Olhou-a de modo defensivo. Acabara de sair do banho e seu cheiro
excitou-a.
Magnetismo sexual não tem barreiras, pensou Rachel. Mesmo sentindo
raiva e desprezo, a paixão dominava seu ser.
Desviou a atenção e colocou Michael no meio da cama de casal, que não
fora desfeita. Notava-se que fora usada apenas pela marca do corpo de Daniel
sobre a colcha.
Michael tentava de todas as maneiras chamar a atenção do pai, que só
tinha olhos para Rachel. O bebê ficou vermelho e gritou querendo sentar-se. Ela
sorriu e estendeu a mão, Daniel reclinou-se do outro lado da cama e pegou na
outra mãozinha: era tudo que Michael precisava para conseguir sentar.
— Da! — ele disse em triunfo.
Rachel não desviou os olhos do filho ao perceber que o olhar de Daniel
procurava o seu.
—Por favor, Rachel, olhe para mim.
—Não!
Daniel ergueu Michael para beijar a bochecha gorducha e colocou-o de
volta na cama.
Alerta, Rachel quis levantar-se, mas ele agiu mais rápido, segurou seu
pulso e puxou-a gentilmente para si, trazendo-a para o calor de seus braços.
O conforto que ofereceu emocionou-a, e ela não conseguiu segurar o
choro. Apertando o abraço, Daniel abaixou a cabeça e só conseguia dizer:
—Desculpe, desculpe.
Mas não era o suficiente, nunca seria. Amor, confiança, respeito não
existiam mais e desculpas não trariam de volta.
—Eu estou bem — ela disse.
—Querida, sei que te magoei muito, mas não tome nenhuma decisão ainda.
Temos tudo a nosso favor se você der outra chance. Não jogue nossa vida fora
por causa de um erro idiota que cometi.
—Quem jogou nossa vida fora foi você!
Afastou-se e não foi impedida. Daniel ficou olhando da cama, enquanto ela
andava do guarda-roupa para as gavetas, sem saber que roupa vestir.
Durante anos ela tivera confiança cega nele, enquanto o marido caminhava
rumo ao sucesso. Ficara em casa como um animal de estimação, e ele alimentara-
a e preenchera suas necessidades. Que situação patética!

Michael começou a chorar de fome e Rachel ficou parada no meio do


quarto, as roupas nas mãos sem saber o que fazer.
Por fim, Daniel pegou o bebê no colo e saiu do quarto dizendo:
—Pode deixar que dou comida para ele. Arrume-se com calma, ainda é
cedo.
O café da manhã foi terrível. Impaciente com os gêmeos, Rachel reclamou
de tudo que fizeram, colocou pó em excesso na cafeteira e o café ficou forte
demais. Sam e Kate estavam assustados com seu comportamento e, aliviados,
deixaram a copa em busca do material escolar.
—Não havia o menor motivo para você repreender Sam daquele modo —
disse Daniel, assim que os gêmeos saíram.
—Ele é ordeiro a maior parte do tempo. Só porque esqueceu os jogos
espalhados não merecia um sermão. As crianças são sempre comportadas, não
permitirei que desconte nelas a raiva que sente por mim!
—E desde quando está em casa tempo suficiente para saber como as
crianças se comportam? Você as vê no café da manhã por trás do seu precioso
jornal! A maior parte do tempo nem lembra que tem três filhos. Você os ama
como eu amo... aquele quadro moderno que você comprou: quando lembra que eles
são seus, é isso aí. Então, não ouse me dizer como tratar as minhas crianças,
quando é um inútil como pai!
Meu Deus! O que estava acontecendo? A sensação de Rachel é que ia se
quebrar em mil pedaços sem ter como evitar. Daniel olhava horrorizado.
—Pode me acusar de muitas coisas que provavelmente mereço, mas não
pode me acusar de não amar as nossas crianças!
—É mesmo? Então não casou comigo só porque eu estava grávida?
Daniel deu um soco na mesa e avançou na direção dela como se quisesse
bater-lhe, só no último momento desistiu e afastou-se com esforço.
—Michael é muito pequeno para entender, mas se der aos gêmeos o menor
motivo para pensarem que não os amo, vou...
Não terminou a frase, nem precisava. Rachel entendeu a ameaça. Daniel
olhou-a por um longo momento e saiu da cozinha.
Ela ficou envergonhada e irritada. Dera a Daniel um motivo para atacá-la
quando, até aquele momento, todos os trunfos eram a seu favor.
CAPÍTULO III

No domingo de manhã, estavam todos reunidos tomando o café da manhã


quando Kate perguntou:
—Mamãe, por que está dormindo no quarto de Michael?
A pergunta se deu porque Michael dormira até mais tarde e Rachel
perdera a hora. Depois de várias noites insones na pequena cama, estava exausta.
Na noite anterior, aconchegara-se ao urso de pelúcia e dormira profundamente
até ser acordada por Sam.
Sentia-se cansada, pois as horas de sono aliviaram o corpo, mas não o
espírito. Apesar de ter dormido sem pesadelos, acordara com a mesma angústia
e depressão, incapaz de resolver a situação.
O pedido de Daniel para que não tomasse nenhuma decisão até estar mais
estável emocionalmente servira como desculpa para sua falta de ação; a vida
passava por ela como se fosse um filme fora de foco.
Daniel, abatido, não parecia muito melhor. Desde o telefonema de Amanda,
voltara a chegar em casa às seis e meia da tarde. Rachel suspeitava que o motivo
fosse sua crítica ao comportamento dele como pai, mais do que uma tentativa de
provar que o caso havia terminado.
Sempre estava presente para ajudar no banho das crianças, enquanto ela
preparava o jantar. A vida da família parecia normal, devido ao esforço do casal
em esconder das crianças seus enormes problemas.
Jantavam em silêncio, e as poucas tentativas de Daniel de manter algum
tipo de conversa eram ignoradas por Rachel. Logo ele desaparecia em seu
escritório e ela lavava a louça e ia para o quarto de Michael, sentindo aumentar
a solidão e a tristeza a cada dia.
Surpreendida pela pergunta da filha, tentou encontrar uma resposta
aceitável.
—Os dentinhos de Michael estão nascendo — respondeu, consciente de
que Daniel a observava por trás do jornal dominical, mas não lhe dirigiu o olhar.
No momento, não se importava com a reação dele.
A pequena Kate, satisfeita com a resposta, voltou a atenção para seu
adorado pai. Saindo da cadeira, aconchegou-se em seu colo.
—Papai, aposto que deve estar sentindo falta da mamãe na sua cama. Se
tivesse me falado antes, eu teria ido fazer companhia para você.
A tensão estava no ar, apesar de não ser percebida pelas crianças. Daniel
deixou o jornal de lado para dar total atenção à filha.
—Você é muito gentil, minha princesa. Acho que posso agüentar mais uns
dias sem me sentir completamente rejeitado.
Se a resposta era uma indireta para Rachel, ela ignorou e sentou-se para
tomar o café, concentrando no ato toda sua atenção.
Daniel estava sentado em frente, vestindo apenas o roupão de banho que
cobria parcialmente seu peito forte. Abaixou-se para beijar a cabeça da filha e
seu sorriso amoroso provocou um ciúme doentio em Rachel. Levantou-se, chocada
por sentir inveja da própria filha.
O desespero fez com que começasse a tirar a mesa. Daniel ergueu o olhar
para ela, que não conseguiu desviar o seu, mostrando uma expressão tão amarga,
que deixou-o intrigado. De propósito, ela acabou com a atmosfera calma que
reinava, fazendo barulho ao começar a lavar a louça.
A tentativa de fazê-los sair da cozinha foi ignorada. Sam conversava
animado com Kate e Daniel e até Michael, tirado de seu cadeirão para o outro
joelho do pai, participava feliz da atividade dos irmãos.

Para Rachel, a cena familiar era insuportável. Lydia aparecera em seu


caminho, separando-a da família como uma parede alta, impedindo que
partilhasse o amor e afeição que sempre imaginara garantidos.
Desistiu de terminar a limpeza, pois ainda poderia quebrar alguma coisa.
—Vou arrumar as camas —murmurou, sabendo que ninguém a ouvira e
sentindo-se ainda mais rejeitada.
Parou no meio do quarto, com o olhar vazio, e logo Daniel entrou.
Apressada, entrou no banheiro da suíte, fingindo que era o que estava para fazer
quando ele abriu a porta.
Ao sair, viu Daniel na frente da janela, com as mãos nos bolsos do roupão.
Sua figura era tão atraente que sentiu vontade de jogar alguma coisa nele,
qualquer coisa que ajudasse a aliviar seu sofrimento.
Forçou-se a ignorá-lo e começou a guardar as roupas.
Queria arrumar a cama, mas não na presença dele. Desde o telefonema de
Mandy era um sacrifício ter de afofar os travesseiros e alisar a colcha. O cheiro
familiar de Daniel despertava sensações que desejava adormecidas,
principalmente por querer acreditar que haviam sido destruídas por ele.
Infelizmente, seu desejo só aumentava.
Virando-se, ele observou-a movimentar-se pelo quarto.
Depois de um tempo, quando o silêncio dominava o ambiente, Daniel
aproximou-se e ficou na frente dela.
—Rachel — disse gentil, querendo que ela o encarasse em vez de ficar
olhando o chão. — Está lembrada que vou passar a semana que vem em
Birmingham?
Não, ela não se lembrava. Irritada com a ousadia dele em colocar os
negócios em primeiro plano quando a vida particular estava em crise, perguntou
de modo gélido.
—Que roupas quer que eu coloque na mala?
Será que Lydia iria junto? Será que passariam uma semana livres de
qualquer amolação?
Com o coração descompassado, manteve-se firme no lugar. Desde a noite
da revelação, era o mais próximo que estavam fisicamente, e a consciência da
masculinidade do marido perturbou-a.
—O que quiser — ele disse, impaciente.
Sempre que viajava, a mala dele era carinhosamente arrumada. Mesmo
agora, esperando ansiosa que se afastasse para uma distância segura, e com
vontade de mandar que ele mesmo arrumasse a mala, Rachel fazia uma lista
mental de tudo que deveria colocar na mala. Riu de si mesma. Você já está
condicionada!
Daniel não se moveu, e a tensão entre eles ficou insuportável.
—Será que você vai ficar bem? — perguntou, receoso que ela pudesse se
irritar. Fora cuidadoso a semana inteira para não lhe dar oportunidade de
desencadear um desentendimento. — Eu... eu posso chamar minha mãe para ficar,
se sentir necessidade de companhia ou...
—E por que eu necessitaria de uma companhia? Sempre me virei bem na
sua ausência e não falharei agora.
—Não estou questionando sua capacidade. Mas está cansada, e acho que
com tudo o que aconteceu, seria melhor ter alguém para ajudar, é só isto.
Cansada? Não, estava exausta!
—Sua secretária vai junto?
Droga, não queria fazer a pergunta, mas não se conteve.
—Sim, mas...
—Então não preciso me preocupar com seu conforto, não é?
—Rachel, Lydia não...
—Eu não quero saber.
Magoada, ela empurrou-o e afastou-se.
—Então, por que perguntou? — ele falou, com a voz alterada. Depois, fez
um esforço para se controlar. — Rachel, nós precisamos falar sobre este
assunto!
Ela começou a arrumar a cama e tentava manter-se ocupada.
—Meu Deus, isto não pode continuar assim. Precisa entender. Kate já
notou e em pouco tempo vai estar calculando há quanto tempo você está no quarto
de Michael.
—E não podemos magoar nossa querida Kate, não é? —ela perguntou,
deixando o ciúme transparecer.
A cama estava pronta, já podia sair do quarto...
—Deixe-me explicar sobre Lydia — Daniel falou, cauteloso. — Ela não...
—Está planejando passar o resto do dia em casa?
—Sim, por quê?
—Porque quero sair e, se vai ficar aqui, me poupa o trabalho de pedir para
minha mãe vir e tomar conta das crianças.
Não fora uma decisão consciente, nem sabia por que havia dito aquilo, mas
a idéia de ter um tempo só para si era vital para sua sanidade.
Procurou no guarda-roupa sem saber o que vestir, até decidir-se por um
conjunto confortável. Daniel estava chocado e ficou imóvel até ela terminar de
se arrumar. Só então pareceu acordar.
—Se estava querendo ir a algum lugar, era só falar. Em dez minutos me
visto e podemos sair todos juntos.
Apressada, ela calçou os tênis, deixando-o ainda mais confuso.
—Rachel, não faça isto!
A voz dele estava embargada. Finalmente entendera que ela queria sair
sozinha.
—Você nunca saiu sem a gente antes. Espere um pouco e todos nós...

Era verdade. Nunca havia saído sozinha antes. Ou estava com Daniel ou
com as crianças ou com a mãe dele. Pelo amor de Deus, logo faria vinte cinco anos
e era uma dona de casa com três filhos e um marido que...
—Vou sair sozinha. Não vai morrer se ficar com as crianças pelo menos
uma vez na vida!
—Sei disso, é que você nunca...
—Exatamente. Enquanto esteve ocupado, aumentando sua fortuna e tendo
seus casos, fiquei quieta, estagnada nesta droga de casa!
—Não seja tola — ele segurou-a pelo pulso. — Isto é ridículo, está agindo
como criança!
—Mas é justamente isto Daniel, será que não percebe? É exatamente o
que eu sou. Uma criança super protegida. Não amadureci porque não tive chance.
Lembre-se de que casamos quando eu tinha dezessete anos! Eu ainda estava no
colégio! E, antes de você, meus pais me mantiveram numa redoma! Meu Deus, que
choque deve ter sido para eles descobrir que sua pequena e inocente filha dormia
com o grande lobo mau, sem que eles soubessem.
A descrição era para rir ou chorar, e ele riu.
—Então fiquei grávida e arranjei outros pais: você e sua mãe!
—Isto não é verdade, Rachel! Nunca encarei você como uma criança. Eu...
—Mentira! E sabe por que é mentira, Daniel? Porque já está começando a
entrar em pânico só de me ouvir dizer que quero passar algum tempo sozinha!
Pela sua reação, parece que é Kate quem quer sair.
—Isto é loucura!
—Loucura? Como pensa que me sinto por ter permitido que me magoasse?
Na verdade, eu parei no tempo e permiti que me tratasse assim. Veja o que
aconteceu, está cansado de mim! Por favor, deixe-me sair.
Com um soluço, livrou-se da mão que a segurava e saiu do quarto. Desceu
a escada e lembrou-se de pegar a bolsa na mesa do hall antes de sair para a rua.
Como o carro de Daniel impedia a saída do seu, simplesmente saiu andando para
longe da casa moderna que compraram havia cinco anos. A casa era nova e fora
construída num bairro distante do centro. Assim que entrara no imóvel,
apaixonara-se pelo tamanho e pelo espaço que oferecia, muito maior que o
apartamento no centro de Londres, que alugavam desde o casamento.
No momento, queria estar longe o mais rápido possível. Atravessou a rua
arborizada na direção da avenida principal. Sumiria antes que Daniel fosse
procurá-la. Levaria algum tempo até que ele conseguisse vestir as três crianças,
se arrumar e sair de carro atrás dela.
Rachel entrou no primeiro ônibus que passou. A condução ia até o centro
de Londres. Encostou-se na janela e olhou para fora com tristeza.
Chegando ao centro, desceu e andou pelas ruas silenciosas no domingo,
cortadas pelo ar frio de setembro.
Gostaria de descobrir quem ela era de verdade. Jamais questionara o amor
de Daniel. Mas questionava agora e admirou o modo tranqüilo com que ele
aceitara a responsabilidade, quando ela engravidara.
Daniel pagou o preço por ter se envolvido com uma jovem inocente. E se
tinha uma vida paralela à que levava com ela, era porque considerava um direito
seu. Rachel percebeu que ele nunca compartilhara a vida excitante que levava,
além dos limites do casamento bem-comportado. Um casamento que ele criara
para ela brincar de esposa e mãe, porque era exatamente o que desejava ser.
Andou durante horas sem perceber. Só quando estava exausta decidiu
voltar para casa. Tomou um táxi porque sentia frio, fome e porque, de repente,
sua casa era o único lugar onde queria estar.

CAPÍTULO IV

Daniel estava sentado no sofá da sala quando Rachel entrou. Segurava um


livro na frente do rosto, dando a impressão de ter ficado na mesma posição
durante horas. Como não deu o menor sinal de vida, ela ficou na defensiva,
esperando por uma explosão que não aconteceu, então fechou a porta e foi para
a cozinha.
Rindo consigo mesma ao entrar, pela primeira vez em muito tempo sentiu
preocupação por parte dele. Observara o movimento na cortina da sala enquanto
pagava o motorista do táxi.
Rachel jogou o casaco em uma cadeira e começou a preparar um café.
Daniel entrou de mansinho, descalço, vestindo calça de abrigo e uma camiseta.
—É melhor telefonar para Mandy —disse, ao puxar uma cadeira e deixar-
se cair sentado.
—Por quê?
—Porque eu a amolei o dia todo. Pensei que estivesse lá e ela não quisesse
me contar.
—E como sabe que não foi exatamente isto que aconteceu?
Houve uma pausa antes que ele respondesse relutante.
—Porque pedi para minha mãe ficar com as crianças e fui até o
apartamento dela, para me certificar.
—E agora as duas sabem que passei o dia fora.
O café ficou pronto e Rachel colocou-o na garrafa térmica.
— Não pode me culpar por ter ficado preocupado com esta sua saída
maluca — ele disse, sem graça.
Bom! Isto o ensinaria a não tratá-la mais como criança.
De qualquer modo, era interessante Daniel ficar sabendo que a esposa
previsível havia mudado.
Sentou-se na frente dele, aquecendo as mãos na fumaça que saía da xícara
de café. Ele apoiou os braços na mesa e tamborilou os dedos como se quisesse
dizer alguma coisa e não tivesse coragem. A expressão estava tensa, o cabelo
despenteado. Nunca o vira naquela postura abatida antes.
—Seus pais também sabem — ele falou de repente. —Telefonei para eles
quando não imaginei outro lugar onde você pudesse estar. Esperaram por você
durante toda a tarde. E melhor ligar e dizer que chegou bem.
Então, depois de procurar em três lugares, ele esgotara a possibilidade de
encontrá-la. O que tal atitude lhe dizia sobre si mesma? Decidiu deixar de lado,
já fizera muita auto-análise para um dia. Em vez disso, sugeriu:
—Vou lhe dizer uma coisa, Daniel. Por que não liga para eles você mesmo,
uma vez que foi você quem os deixou preocupados? Ligue para sua mãe e para
Mandy também. Eu não estou com a menor vontade de falar com ela.
—Com a minha mãe?
—Não, com Mandy. Você colocou-a no rolo depois de ter dito que ela não
deveria ter se intrometido, então, se pensa que está preocupada, telefone!
—Todos nós ficamos preocupados! — ele respondeu, irritado.
—Eu não faço o gênero suicida, você sabe muito bem — ela disse, tomando
um gole do café. Quanto mais tenso Daniel ficava, mais à vontade Rachel se
sentia. — Tenho sido uma tola no que se refere a você, mas não pense que vou
destruir minha vida.
—Jamais a considerei tola.
—É claro que sim. Quantas vezes pensou em desperdiçar seu precioso
tempo comigo?
Daniel inspirou profundamente para se acalmar.
—Afinal, aonde você foi?
—Até o centro de Londres.
—O que foi fazer por lá? Está fora de casa desde as dez horas da manhã.
Que diabos achou para fazer num domingo, com todas as lojas fechadas, durante
quase doze horas?
—Talvez eu tenha encontrado um homem! — ela provocou. —Afinal, não é
difícil encontrar um.
O rosto de Daniel ficou pálido. Era a primeira vez que ela o enfrentava.
—Ou talvez eu tenha decidido procurar conforto fora, porque não estou
encontrando muito aqui em casa.
Ele levantou-se com raiva e derrubou a cadeira.
—Pare! Pare de tentar me agredir, Rachel! Nem parece você, com esse
prazer em magoar os outros!
Não parecia mesmo. Era engraçado como a natureza das pessoas podia
mudar de um dia para o outro. Sempre fora gentil e agora sentia um impulso
incontrolável de ferir! Nem mesmo se importava com a preocupação dos pais ou
de sua sogra.
—Então vá fazer os telefonemas — ela falou, olhando para a xícara que
tinha nas mãos. — Assim não precisa ouvir mais nada.
Daniel encarou-a, pronto para reagir à provocação, mas sacudiu a cabeça
e saiu da cozinha. Ao escutar a porta do escritório ser fechada com violência,
ela deu um sorriso.
Subiu para o quarto e tomou um banho. Vestiu o roupão para sair rápido
do aposento antes que ele entrasse, quando lembrou que não havia feito a mala.
Apressada, pegou a valise de couro preto e colocou aberta sobre a cama.
—Não se preocupe com a mala. Cancelei a viagem esta tarde — a voz dele
informou-a da porta.
—Oh, querido —- ela disse sarcástica. — Lydia vai ficar desapontada.
Bem feito! As palavras dela atingiram-no como um soco. Daniel fechou a
porta e em duas passadas alcançou-a, segurando-a com força pelo ombro.
—Não agüento mais — ele murmurou. — Nada que eu faça ou fale vai mudar
a idéia que faz de mim?
—Mas eu mudei minha idéia sobre você! — ela disse, desafiante, com um
leve medo ao ver o brilho que ardia nos olhos de Daniel. — Sempre pensei que
fosse um santo, agora sei que não presta!
—Eu vou mostrar como não presto! — ele disse, alterado, e beijou-a com
violência.
Rachel gemeu em protesto, mas foi em vão. Daniel apertou-a contra seu
corpo, beijando-a com paixão enquanto ela lutava para se desvencilhar. Ele
mergulhou a língua em sua boca e ela sentiu uma onda de desejo percorrendo seu
corpo. Por mais que quisesse odiá-lo, era vulnerável ao seu magnetismo. Tentou
chutá-lo, mas não adiantou.
O corpo dela fervia de desejo, e não conteve um gemido quando sentiu o
membro rígido dele através do roupão.
“Não é justo! Ele não pode me usar assim!” Odiou-se e desprezou-o por
torná-la consciente da própria fragilidade.
—Eu te odeio! — ela gritou.
—É verdade. Mas você também me quer, Rachel. Está tão desesperada de
desejo que posso sentir sem tocá-la.
A amarga verdade despertou nela uma raiva descontrolada, e atacou-o com
as unhas. Só o reflexo rápido salvou o rosto de Daniel, que ficou com um vergão
enorme no pescoço.
—Sua gata danada!
—Detesto você!
—Bom — ele rosnou e, segurando-a com força, colocou-a de costas para si.
— O modo como vou fazer amor com você não vai mudar em nada seus
sentimentos.
—Tudo bem, assim pode acrescentar violação ao adultério.
—Violação? E desde quando preciso violentar você? Em toda minha vida
nunca conheci uma mulher tão ávida por sexo!
—Nem Lydia?
Daniel virou-a de frente e ela percebeu seu olhar atormentado.
—Pare com isso, Rachel! Não me provoque mais ou vou acabar agindo de
um modo que nós dois vamos nos arrepender depois!
Era o que estava fazendo? Estaria sendo demoníaca, induzindo-o a possuí-
la com raiva, apenas para provar que Daniel era tudo que pensava sobre ele?
Sim, estava provocando-o quando o mais sensato seria sair rápido do
quarto. Queria alimentar o ódio e a angústia que sentia desde que Mandy ligara.
Rachel ouviu a própria voz.
—Então dê o fora daqui! Por que não age com dignidade e vai embora?
Ninguém o obriga a ficar! Nada aqui impede que vá para os braços de sua preciosa
Lydia!
—Não pode parar de mencionar este nome?
—Lydia — ela provocou. — Lydia, Lydia, Lydia!
Um brilho de dor passou pelos olhos dele. Daniel agarrou-a, trazendo-a
bem perto de seu corpo e falou com a voz rouca:
—Não! Você, você, você!
Num movimento brusco, ele puxou-a e, juntos, caíram na cama. O que
aconteceu a seguir foi menos amor e mais uma batalha. Uma guerra para ver
quem excitava mais o outro, onde cada carícia era respondida por outra mais
sedutora. Quanto mais excitado um deles ficava, mais o outro acariciava,
afundando-os numa onda de emoções fragmentadas.
Houve um momento em que Daniel pareceu tomar consciência e ameaçou
afastar-se, mas Rachel percebeu e, em pânico, com medo de perdê-lo, beijou-o
tão profundamente que ele gemeu seu nome com se fosse uma súplica.
Era Rachel a sedutora, que conduzia o ato desde um começo desesperado
a um fim tumultuoso, onde o homem sob seu corpo tremia e ela frustrava-se pelo
alívio que lhe fora negado.
Concluiu que nenhum dos dois vencera a batalha. Sentia-se péssima com
seu comportamento, consciente de ter agido por medo de perdê-lo, apesar do
que ele havia feito, e por uma necessidade de tê-lo completamente para si.
Ao enlouquecê-lo de desejo, sentia segurança e poder, não importava
quantas Lydias houvessem.
Finalmente reconheceu que queria Daniel acima de tudo, acima de seu
orgulho e amor-próprio. Mas não fora o suficiente para aliviá-la do desejo
reprimido na última semana. Era como se sua alma ferida se recusasse a permitir
que o corpo desse a ele a conquista final.
Não conteve as lágrimas. Vencera ao provar seu poder de sedução e
perdera com o fracasso em corresponder. A confiança cega que nutria por ele
se fora, levando junto o direito de amar e corresponder com liberdade.
Se Daniel simplesmente a tivesse abandonado, sairia menos ferida e
magoada, porque sabia que nunca mais seria a mesma com ele.
—Rachel?
Ela virou a cabeça no travesseiro e encontrou seu olhar sombrio.
—Desculpe — ele disse, com um tom de voz triste. Estaria se desculpando
por não ter conseguido que ela chegasse ao clímax? Ou pela loucura que haviam
cometido? Não importava, nada parecia importar. A amargura inundou-a, e
pedidos de desculpas não a fariam sentir-se melhor. Começou a chorar outra vez.
—Estou tão envergonhada.
Com o olhar marejado ele disse:
—Venha cá — puxou-a para perto, encaixando o corpo no dela. —Este é o
juramento de um homem que nunca se sentiu tão miserável na vida. Rachel, juro
para você que jamais farei qualquer coisa que possa te magoar outra vez.

Seria fácil perdoar e tentar esquecer todo sofrimento?


—Eu te amo Rachel!
—Não! — Ela acreditara nele uma vez e não queria sofrer mais. — Não fale
mais de amor. —Amor não tem nada a ver com o que acabou de acontecer ou com
a razão de você ter se casado comigo!
O café da manhã no dia seguinte foi horrível. Os gêmeos lançavam olhares
curiosos, mas Daniel devia tê-los instruído para não fazerem perguntas.
Kate ameaçou falar, mas foi impedida pela expressão do pai. O olhar de Sam, tão
parecido com o de Daniel, fixou-se nela, e ele perguntou de chofre, ao mesmo
tempo que olhava assustado para o pai.
—Aonde foi ontem?
Rachel sorriu para ele.
—Resolvi tirar o dia só para mim. Você se importou?
Ela sentiu o coração apertado. Sam era de natureza quieta, e o fato de
ter conseguido falar significava que sentira muito sua ausência.
—Mas aonde você foi? — ele insistiu.
—Eu estava cansada. Então resolvi passear um pouco sozinha, foi isso que
aconteceu.
—Mas nunca saiu sem um de nós para cuidar de você!
—Quem disse? — ela brincou, chocada ao perceber que até seu filho de
seis anos a considerava incapaz de se cuidar.
—Já estou bem crescida e posso me virar sozinha!
—Mas o papai falou que não — Kate interrompeu. —Ele falou para a vovó.
E fez uma tempestade pela casa. Subia e descia, saía e entrava. E também ficou
gritando no telefone com a tia Mandy.
—Chega Kate — Daniel disse, em voz baixa.
—Mas é verdade! Você estava agindo como um leão enjaulado!
—O quê?
—É como a professora fala quando a gente fica andando de um lado para
o outro na classe. E você ficou assim ontem, não ficou? E veja: — Ela lançou seu
sorriso devastador ao pai. — a mamãe voltou sã e salva como eu disse que voltaria!
Rachel pensou que pelo menos alguém na casa a considerava capaz.
—Como viram, cheguei sã e salva, então vamos esquecer o dia de ontem e
tomar o café.
Assim que as crianças saíram em busca do material escolar, ela disse para
Daniel:
—Pode ir para Birmingham se quiser.
Ele parou de arrumar a pasta de couro e encarou-a. A aparência de
executivo bem-sucedido destoava da família e da casa, e Rachel percebeu que,
enquanto estacionara durante os últimos sete anos, Daniel se desenvolvera cada
vez mais para longe.
—Não preciso ir. Jack Brice pode resolver tudo por mim.
Então por que Jack não fora antes? Quis perguntar, mas o assunto recairia
em Lydia.
—Está achando que vou deixá-lo se viajar?
—Estou. — Pelo menos, ele admitia seu medo.
—Não tenho motivo para sair de casa, sabe muito bem que a prerrogativa
é sua.
—Sei. E se eu tivesse um mínimo de amor-próprio já teria feito as malas
e partido. Mas não quero sair. Não quero perder tudo que construímos. Quero a
chance de provar meu amor para você. Sei que vai demorar, mas não vou deixá-
la.
—Tenho como pedir a separação de corpos.
—O que é que você entende disso?
A incerteza dele alegrou-a. Talvez pensasse que ela consultara algum
advogado. Respondeu com sarcasmo.
—Eu passo muito tempo vendo televisão.
—Está pensando em pedir a separação?
Ele era inteligente e colocou a responsabilidade nas mãos dela.
—Apesar de você ter estragado nosso casamento, ainda não pensei em
separação.
—Posso saber por quê?
Daniel pegou o paletó e vestiu, e ela observou a aliança na mão dele.
Usavam uma aliança simples e barata que era a que puderam pagar na época do
casamento.
Anos mais tarde, ela ganhara um pequeno solitário de brilhante, com uma
declaração de amor. Ele dissera que sem ela e os gêmeos todo o trabalho duro
não teria sentido. Errado! Sem eles, Daniel teria o dobro do sucesso.
—Não sei com certeza, mas acho que quero te ver sangrar —ela respondeu
com honestidade.
Com um sorriso, ele levou a mão ao arranhão no pescoço.
—Achei que já havia começado.
—Ainda não é o suficiente — ela disse, corando, sem se desculpar.
—Ah.. então creio que devo retribuir. — Ele sorriu e beijou a cabeça
dourada de Michael. — Que seja assim. —E saiu da sala de modo arrogante.

Nos dias que se seguiram, em vez de enfrentá-lo com palavras ácidas,


Rachel descobriu-se evitando ao máximo qualquer motivo para briga. Ao longo
das outras semanas o relacionamento pareceu entrar em coma, como se
necessitassem do tempo para se recompor e enfrentar o futuro.
Rachel voltou a dormir em seu quarto. Nas noites em que Daniel a
procurava, não recusava seu amor, mas ambos não encontravam satisfação plena.
No auge das carícias, sempre colocava Lydia em seu lugar e esfriava. Ficavam
então deitados em silêncio, com o fantasma dela entre os dois.
Os dias passavam e a preocupação de Rachel aumentava, sabia que, se não
conseguisse mudar o comportamento, terminaria por mandar Daniel direto para
os braços da outra.
Ficava mais tensa a cada dia, mais consciente de que seu amor-próprio
sofria com as tentativas frustradas de se realizar no amor. Mesmo assim, o amor
dele era vital e queria que Daniel necessitasse dela com desespero.
CAPITULO V

A mãe de Daniel começou a passar mais tempo companhia de Rachel. Ela


nunca mencionou o domingo fatídico, mas mudou seu modo de agir e falar.
Jenny Masterson orgulhava-se do filho. Apesar de ainda ser jovem, era
um homem de sucesso, e ela sabia que tentações não faltavam para uma pessoa
do calibre de Daniel.
As mulheres se interessavam tanto pelos olhos escuros e porte atlético,
como por sua habilidade de transformar em dinheiro tudo que tocava.
Jenny não era tola, e, mesmo sem saber o que pusera em perigo o
casamento do filho, podia imaginar muito bem. Decidiu então passar mais tempo
com a nora, oferecendo apoio moral, e Rachel agradeceu, pois sabia que ela era
sua única amiga no novo tipo de vida que levava.
Alias, sentia-se fraca e insatisfeita como a pessoa vazia na qual se
transformara. A casa, que já havia sido motivo de orgulho e prazer, transformou-
se num lugar passível de criticas em cada canto. Era boa o suficiente para ela,
mas não para Daniel. A ascensão social trazia como conseqüência uma demanda
por coisas que refletissem o homem poderoso no qual se transformara.
Rachel lembrou-se da insistência dele em mudar para um lugar maior e
melhor e entendeu o motivo. Nunca trazia seus amigos de negócios porque,
provavelmente, tinha vergonha da própria casa.
Irritou-se por ele não ter permitido que o acompanhasse no novo tipo de
vida. Admitia o próprio erro. Fora infantil e não amadurecera em sete anos, mas
Daniel também tinha sua parcela de culpa ao mantê-la afastada, como se fosse
um pecado secreto que não combinava com sua imagem de sucesso!
A raiva transformou-se em ressentimento, tornando Rachel irritada e
imprevisível a ponto de preocupar a família, e não havia nada que ela pudesse
fazer.
Uma noite, depois de manter por muito tempo a regularidade de horário,
chegando sempre às seis e meia, Daniel ficou trabalhando até tarde, e ela sentiu-
se mais impotente, porque a presença dele por perto lhe dava um pouco de paz.
Foi dormir angustiada e triste.

No dia seguinte, não conseguia concentrar-se. Resolveu não culpar apenas


Daniel. Passara muito tempo dentro do seu pequeno mundo sem se importar com
o que ele fazia fora de casa. Sabia que jantares de negócios eram importantes e
que o marido precisava freqüentar a sociedade, mas nunca se preocupara em
acompanhá-lo, em lhe dar apoio!
Nem sabia que o caso Harvey havia terminado, até Mandy lhe contar. Aliás,
só soube da existência porque um dia reclamou da ausência do marido e a sogra
defendeu-o, dizendo:
—Ele está muito ocupado com o caso Harvey. Não percebe como é
importante que Daniel vença esta disputa?
Não sabia e continuava sem saber, porque nunca se preocupara a respeito.
Em seu casamento, ela e Daniel partilhavam apenas a casa, sexo e três crianças.
Olhou-se no espelho e se deu conta de que, apesar de ter um corpo bonito,
o rosto infantil não combinava com a mulher que deveria ser companheira de
Daniel. Usava o mesmo cabelo comprido desde que tinha a idade de Kate, e suas
roupas eram sempre juvenis!
A solução era mudar tudo.
—Sabe o que vou fazer, Mike? — disse ao bebê, que brincava no chão. —
Vou pedir para vovó ficar com você e vou sair e renovar meu guarda-roupa! E, se
ela não puder, levo você até o escritório de Daniel e ele que se vire.
Mas Jenny podia ficar com Michael e, assim que ela chegou, Rachel pegou
um táxi para o centro de Londres. Vibrara com a idéia de entrar no moderno
escritório de Daniel e deixar a criança nos braços dele, mesmo sabendo que
jamais teria coragem.
A suave Rachel era feliz sendo boa esposa e mãe. Não tinha ambição
pessoal. Sua realização era na casa, com as crianças e o marido.
A tensão desaparecia do rosto de Daniel quando chegava sobrecarregado
e encontrava um lar confortável e a família toda à sua espera. Adorava brincar
com os gêmeos e o pequeno Michael, e Rachel sabia que a casa era o refúgio para
as tensões do dia-a-dia.
Será que o inverso era verdadeiro? Ou seria um alívio deixar de lado o
papel de pai e marido, para assumir o papel do empresário poderoso, cercado de
pessoas sofisticadas e de alto nível intelectual?
Mais uma vez lamentou ter ficado estagnada enquanto Daniel crescia.

Ao chegar depois das seis horas, Rachel ficou feliz, pois não viu o carro
dele em casa. Carregada de pacotes, tocou a campainha.
—Meu Deus do Céu! — a mãe de Daniel exclamou, ao abrir a porta. Olhou
todos os pacotes e principalmente o rosto da nora.
—O que achou? — Rachel perguntou.
A mulher que saíra de casa cedo era completamente diferente da que
esperava ansiosa pela opinião da sogra.
O cabelo fora cortado na altura do queixo e repicado nas laterais. O rosto
recebera uma maquiagem tão natural que era quase impossível saber o que havia
de diferente, mas Jenny percebeu que a mudança era perturbadora. Não era
tudo. Rachel saíra vestida com calça jeans e moletom. Voltara com um conjunto
de minissaia e blazer acinturado, de lã risca-de-giz cinza e preto, meia-calça
preta e sapatos de salto alto.
—Eu acho — Jenny Masterson finalmente murmurou —que é melhor
termos um uísque duplo pronto para quando meu filho chegar.
Era a melhor resposta que Rachel poderia desejar. Sentia-se preparada
para um desafio.
Sam entrou correndo na sala e gritou ao ver a mãe.
—Uau! — E continuou como se a nova Rachel não fosse diferente da que
ele estava acostumado a ver. — Ei, o que é que tem nestes pacotes?
Em menos de dez minutos, o chão da sala encheu-se com a metade dos
pacotes abertos. Sam correu para seu quarto com um novo jogo para o
computador e Kate ficou entretida com os presentes que Rachel comprara por
impulso quando Daniel entrou.
Ele ficou imóvel, assim como todos na sala. Kate parou de lidar com o
brinquedo, Jenny parou de tentar arrumar a bagunça e Rachel levantou-se com
as pernas tremendo e encarou Daniel com uma mistura de desafio e desamparo.
Foi a mãe dele quem quebrou o encanto, carregando Michael e chamando Kate
para fora da sala. Jenny dissera a Rachel que as crianças ouvem e sentem mais
do que percebemos e ela recebera a mensagem. Provavelmente andaram dizendo
coisas à avó que não poderiam dizer aos pais.
No momento, sua atenção não estava nos filhos, mas em Daniel, que a
encarava sem demonstrar emoção. Começou a ficar nervosa ao perceber o
sorriso que se desenhava nos lábios dele, o mesmo sorriso de anos atrás, quando
ele a vira na discoteca.
—Bem, bem. Posso ver que o segundo estágio começou. Vai a algum lugar
especial? Desculpe-me Rachel, mas se me avisou de planos para esta noite, creio
que esqueci completamente.
O modo como ele disse “especial”, irritou-a. Daniel sabia muito bem que
ela não ia a lugar algum, então o que queria dizer com “segundo estágio”? Também
ficou óbvio que ele não diria nada a respeito de sua nova aparência. Talvez não
tivesse gostado, talvez preferisse a versão simples e sem graça que não lhe
causaria problemas.
Ou talvez estivesse inseguro quanto a esta Rachel! E se a pergunta fosse
séria e ele pensasse mesmo que ela ia a algum lugar?
—Se eu estiver pensando em sair, o que vai dizer? — ela perguntou.

—Acho que perguntaria com quem pretende ir — ele respondeu, muito


melhor que ela nesta espécie de jogo.
—Para julgar se ele ou ela é a companhia certa para sua jovem esposa?
—Ele? E quem é ele? — Daniel perguntou, com uma suavidade que escondia
a apreensão.
—Eu não me lembro de você me contar com quem sai para seus programas
— respondeu, seca.
O rosto dele ficou sério e os olhos cinzentos lhe enviaram uma breve
advertência.
—Diga um nome, isto é tudo, apenas um nome!
Desde que não ia a lugar algum, a conversa esta sendo absurda.
—Não há um nome — ela disse triste, e toda a excitação do dia se fora. —
Estou chegando em casa e não saindo.
Daniel andou pela sala até uma caixa ainda intocada pelas mãos curiosas
das crianças.
—O que tem aqui?
—Um conjunto.
—E ali? — ele apontou outra caixa fechada.
—Lingerie. — Corou porque a caixa estava lotada de caros conjuntos de
seda e renda.
—E esta?
—Alguns vestidos novos! Por quê? Não vai me passar um sermão, não é?
Você me deu todos aqueles cartões de crédito!
Ele ignorou o comentário e perguntou casualmente:
—Tem algum vestido que possa usar num dos restaurantes mais finos de
Londres e depois talvez dançar em algum lugar?
Rachel já ia sair da sala, mas o convite pegou-a de surpresa.
—Está me convidando para sair? — ela perguntou tão direta que o sorriso
de Daniel apagou.
—Sim — ele concordou sarcástico.
Rachel teve certeza de que ele se divertia com sua falta de charme. Corou
e quis desaparecer. Nada que fizesse seria suficiente para mudar sua imagem de
garota ingênua!
—Sim, Rachel — ele repetiu mais gentil, percebendo a apreensão dela e
sentindo-se culpado. —Estou convidando você para sair e jantar comigo esta
noite.
—Oh — ela disse, insegura do que responder, e ficou aliviada quando Sam
entrou correndo na sala e atirou-se no colo do pai.
—Oi, sabe que a mamãe comprou um jogo novo para o computador? Posso
trazer aqui para baixo e jogar na televisão grande’? E um simulador de vôo!
—É claro que pode. Daniel sorriu para o filho, sem deixar de olhar para a
esposa. Se sua avó não se importar, porque vou pedir para ela ficar com vocês
enquanto saio para jantar fora com sua mãe.
—Vai sair com a mamãe?
O garoto parecia tão surpreso quanto ela, e Daniel sorriu. Sam gritou para
a mãe.
—Que legal! O papai vai sair com você, então não precisa mais sair sozinha
como...
—Sam — O tom de voz de Daniel calou o garoto.
—Talvez sua mãe não possa ficar — Rachel disse, sem graça, achando que
fora convidada por obrigação. — Ela já passou o dia todo aqui. Não é justo...
—Fico com prazer — disse Jenny, entrando na sala. —Daniel, leve-a a um
lugar agradável.
—Eu ainda não disse se quero sair — respondeu impaciente, sentindo-se
manipulada.
—É lógico que quer, minha querida! — Jenny insistiu. —Agora suba se
arrumar e leve estes pacotes. Kate, Sam, venham ajudar sua mãe.
Os três subiram a escada carregados com as compras. Rachel escutou a
voz da sogra dizer baixinho:
—Sabe, meu filho, esta noite fora vai fazer bem a vocês. E seria muito
bom se Rachel começasse a participar de sua vida social também!
Rachel parou no alto da escada, curiosa de ouvir a resposta de Daniel, mas
ele falou muito baixo. Ao contrário, a voz de Jenny era bem audível.
—Bobagem. Como sabe que ela vai odiar se nunca lhe deu a oportunidade
de saber? O problema com você Daniel, é que manteve sua mulher tão protegida,
que ela nunca pôde saber o que quer da vida!
Será que Jenny acreditava que ela quisesse ser algo mais, além de boa mãe
e esposa?
—E tem mais uma coisa Jenny continuou, com a voz ríspida, — não descobri
o que aconteceu por aqui que entristeceu as crianças, só sei que elas perceberam
alguma coisa desagradável, e sei muito bem de quem é a culpa!
Uma pontada atravessou o coração de Rachel, a mesma sensação que tinha
cada vez que se lembrava do telefonema de Mandy.
—Aceite meu conselho, filho —Jenny acrescentou, —e aja com muito
cuidado daqui em diante, porque se algum dia Rachel...
Ela correu para o quarto. Não queria saber o futuro. O que estava
acontecendo aquela noite já era o suficiente.

CAPÍTULO VI

Se algum dia Rachel o quê? Confusa com as palavras da sogra, foi para o
banheiro se arrumar.
Se algum dia Rachel descobrisse sobre a outra mulher? Bem, já
descobrira.
Se algum dia ela decidisse mudar? Com cinismo, olhou-se no espelho, e foi
como ver uma total estranha.
Lá estava ela, escondida. Sem coragem de tomar banho, com medo de
estragar o cabelo e a maquiagem. Tolice. Daniel sairia com ela só para acalmar a
consciência culpada. Além do mais, ele achava que ia sair com a nova mulher que
vira na sala e que era apenas uma ilusão atrás da qual Rachel queria se esconder!
Ouviu a porta do seu quarto abrir e fechar e o som dos passos de Daniel
indo para a escada. Com um suspiro, estendeu um dos vestidos novos sobre a
cama para decidir se ousaria vesti-lo. Era um vestido sexy, de renda cor de vinho
e o forro de seda negra. Colo e ombros ficariam expostos, bem como as costas,
porque o modelo tomara-que-caia era bem decotado atrás. Ao experimentá-lo na
loja, a vendedora percebera sua indecisão por causa do decote e trouxera um
bolero negro de veludo, de mangas longas, aberto na frente, deixando a curva
sedutora dos seios exposta.
Não sabia se devia colocar o vestido novo ou o antigo pretinho que sempre
usava quando saía com Daniel.
Kate entrou no quarto e parou na frente do vestido com um brilho no olhar.
—Vai usar este vestido, mamãe? — perguntou com doçura.
—Ainda não decidi querida, talvez eu deva usar o meu vestido preto...
—Não, mamãe! O papai vestiu smoking e está lindo demais. E depois, o
vestido preto é tão sem graça!
—Que seja o novo, então.
A antiga Rachel também era sem graça, e a nova decidiu mudar. Arrumou-
se e desceu.
Kate estava com a razão. A figura de Daniel era fascinante, não só pela
roupa, mas pelo homem maduro e sensual que a vestia.
Ele estava de costas, servindo-se de um aperitivo, e não percebeu sua
entrada na sala, deixando-a aliviada em ter algum tempo sozinha para acalmar o
desejo que ele lhe provocava.
A imagem que Daniel projetava sempre impressionava as pessoas. Um
homem confiante que também intimidava, pois não gostava de expor sua
personalidade.
Rachel ficou intimidada pela primeira vez na vida. Na verdade, sempre
pensara nele como o marido que amava. Agora, estava apreensiva na presença do
homem com quem vivia há sete anos. Daniel era um estranho que ela amara e com
quem se casara.
Será que ele tinha consciência de que ela não o conhecia de verdade? Que
não sabia quem ele era, além das paredes seguras da casa?
Ele virou-se e viu Rachel, que sentiu uma pontada no coração ao perceber
o olhar sem emoção que percorreu seu corpo e rosto. Reparou que Daniel
escondia seus sentimentos ao correr o olhar desde o novo corte do cabelo,
passando pelo rosto cuja beleza era realçada pela maquiagem e detendo-se no
corpo. O modelo do vestido acentuava suas formas perfeitas e graciosas.
Então, sem aviso, ela notou um brilho de emoção antes que ele se fechasse
outra vez. Surpreendeu-se ao perceber dor no olhar. Por que um olhar triste ao
ver a esposa vestida para sair com ele? Talvez fosse apenas culpa. Ele sabia que
Rachel jamais teria ido ao extremo de querer mudar tanto, se não a tivesse
deixado insegura!
—Quer um drinque antes da sairmos?
Daniel não ia fazer nenhum comentário sobre sua aparência. Rachel sentiu-
se apagar.
—Não, obrigada. Você reservou mesa em algum restaurante?
O sorriso enviesado parecia zombar dela por algum motivo.
—Reservei. Vamos então?
Sentiu-se estranha sentada ao lado dele na BMW esportiva. Sempre saíam
com a família no carro dela, uma perua equipada para a segurança das crianças.
—Aonde vamos? — perguntou, desanimada. Daniel mencionou o
restaurante de um dos clubes mais exclusivos de Londres como se fosse um lugar
banal.
—A comida é ótima. Até para quem está sem apetite...
—Então já esteve lá?
—Umas duas vezes.
Com Lydia? O simples pensamento deixou-a retraída. Se Daniel percebeu,
não demonstrou. Seu humor também não era dos melhores.
Chegaram ao clube e ele conduziu-a até o hall luxuoso.
—Boa noite, sr. Masterson.
Um homem apareceu do nada e inclinou-se para Rachel que lhe sorriu.
—Boa noite, Claude — Daniel falava com familiaridade. —Obrigado por ter
conseguido a mesa de última hora.
—O senhor sabe como é. Para certas pessoas, sempre temos lugar. Por
aqui, por favor...
Daniel conduziu-a pela cintura, num gesto íntimo. Rachel tentou não se
impressionar com a elegância do local e entraram num restaurante diferente de
tudo que ela já conhecera.
Nas ocasiões em que saíam para jantar, sempre freqüentavam
restaurantes locais, vestindo roupas informais para dividir um prato e uma
garrafa de vinho com intimidade.
No clube em que se encontravam, era impossível imaginar um jantar íntimo
e informal.
—Você não gostou do lugar.
Ela ergueu o olhar para Daniel.
—Parece ser bem agradável.
—Agradável — ele repetiu com ironia. — Este é um dos restaurantes mais
famosos de Londres e você chama de agradável.
—Desculpe. Acha que eu deveria estar impressionada com o local?
—Não.
—Ou com sua facilidade em conseguir um lugar sem reserva antecipada?
—Cuidado Daniel, ou posso pensar que tentando chamar minha atenção. E
seria ridículo só de pensar, não é?
Ela relanceou o olhar pelo ambiente requintado, repleto de pessoas
elegantes, e encarou-o.
—Francamente, seria. Pensei que soubéssemos que você nunca precisou
fazer nada para me impressionar.
Ele estava impaciente.
—Rachel, eu não a trouxe aqui para discutir. Só queria...
—Um tratamento especial para mim? — ela perguntou, irônica.
—Não! Eu só queria te agradar, mimar você!
—Mostrando como é sua outra vida?
—Que outra vida? O que quer dizer?
—A vida da qual não sei nada. Na qual você se sente perfeitamente à
vontade.
—Você queria ir a uma cantina vestida assim? Teve muito trabalho para
criar uma nova imagem, Rachel. Este ambiente é ideal para ela. Você decide se
quer ficar ou não.
Apesar de querer sair, percebeu, com tristeza, que o local combinava
perfeitamente com Daniel.
—E você prefere a nova imagem? — perguntou, curiosa.
—Gostei do novo corte do cabelo, mas não sei se gosto do motivo que a
levou a cortar. Gostei do vestido. É lindo, como deve saber, mas não gosto do que
ele faz à mulher que eu...
A chegada de um garçom interrompeu-o. Ele colocou uma taça de aperitivo
para cada um e ofereceu os cardápios.
Daniel agradeceu e dispensou-o de modo seco.
—Você foi rude com ele. Por que agiu assim?
—Porque ele me interrompeu quando eu tentava te elogiar.
—Se acha que foi elogio...
Ele sorriu, um pouco irritado.
—Muito bem, está difícil acertar o assunto com você, Rachel. — Ele
inclinou-se depressa e pegou a mão dela. —Você é linda e não precisa que eu lhe
diga. Por favor, não deixe de ser a mulher adorável que sempre foi, antes de
resolver provar alguma coisa para mim!
—Eu não mudei para você, Daniel. Fiz por mim. Já estava mais que na hora
de crescer.
—Oh, não, querida! Está errada! Eu...
—Que surpresa! Daniel Masterson em carne e osso! —Uma voz sardônica
falou atrás da mesa.
—Droga! — Daniel sussurrou e apertou com mais força a mão de Rachel,
antes de soltá-la. Com o rosto transformado numa máscara sem expressão, virou-
se para o intruso.
—Zac! ele levantou-se —, pensei que estivesse nos Estados Unidos.
Daniel afastou a cadeira para cumprimentar o outro homem. Rachel notou
que ele devia ter a mesma idade de Daniel. Era atraente, loiro, com olhos verdes
sagazes.
—Voltei há algum tempo. Parece que é você que está fora de circulação. —
O olhar curioso e interessado pousou em Rachel. — Esta linda jovem seria a
razão? O que aconteceu com a adorável L?...
—Minha esposa —Daniel interrompeu, antes que ele completasse o nome
— Rachel.
Ela percebeu que Daniel relutou em liberar o espaço para que Zac a
cumprimentasse.
—Este é Zac Callum. Usamos os serviços do mesmo escritório jurídico.
Zac lançou um olhar especulativo para Daniel e Rachel pensou tê-lo ouvido
murmurar alguma coisa ao passar e abaixar-se para cumprimentá-la.
Não deu muita atenção, pois estava concentrada em lembrar-se de onde
conhecia o nome. Ele era o cartunista político, mordaz e cruel, do jornal Sunday
Globe. Era hábil em descobrir o ponto fraco das pessoas e transformá-las em
motivos de chacota.
—Não me admira que Daniel tenha desaparecido nos últimos tempos. —
Zac tomou a mão de Rachel nas suas e disse com voz sedutora: — Com certeza,
seu gosto apurou muito, Daniel.
Ele se referia a Lydia. Rachel respondeu por Daniel, sem condições de
falar, de tão tenso que estava.
—Obrigada. Conheço e aprecio seu trabalho, Sr. Callum.
—Uma fã? Fale mais...
Ele ia puxar uma cadeira vazia quando uma voz seca interrompeu:
—Zac, querido, não está se esquecendo de nada?
Mostrando uma expressão de pesar para Rachel, ele virou-se para a
mulher.
—Desculpe, mas precisa entender. Este é um momento para ser saboreado.
Este homem, entre todos os homens, rendeu-se ao casamento. —Passou a mão
pela cintura da mulher, puxando-a para mais perto. — Claire, apresento Daniel
Masterson, de quem já ouviu falar, com certeza.
—E quem não ouviu? Todos nós esperamos em suspense pelo desfecho do
caso Harvey.
O caso Harvey. Rachel baixou os olhos, pensando ser a única pessoa no
mundo que não sabia como o caso era importante.
—Prazer em conhecê-lo — disse Claire.
Daniel cumprimentou-a com um sorriso distraído. Sua atenção estava
concentrada em Zac Cailum, que continuava a olhar para Rachel, sem disfarçar o
interesse.
—Gostaríamos de sua companhia, mas, infelizmente, já fizemos o pedido
— mentiu Daniel. —E... — ele não continuou, e ficou óbvio que não desejava
intromissão.
—Não se preocupe. — Zac deu um sorriso malicioso. —Não queremos
interromper os recém-casados.
Daniel abriu a boca para contestar, então percebeu o olhar de Rachel e
calou-se.
Não! Os olhos dela imploraram. Não diga a verdade. Zac sabe a respeito
de Lydia. Não permita que eu faça papel de tola, dizendo que é casado há sete
anos, que tem filhos, quando ele sabe sobre sua amante!
Ele sorriu sem graça e desviou o olhar. Engoliu em seco, frustrado com a
cena inesperada.
Então Daniel teve uma atitude estranha. Aproximou-se dela, segurou seu
rosto nas mãos e, na frente da melhor e mais esnobe sociedade londrina, inclinou
a cabeça e beijou-a com paixão.
Quando se afastou, aparentava tanto pesar, que ela ficou com os olhos
marejados.
—A lua-de-mel ainda não terminou — zombou Zac. —Vamos, Claire, creio
que devemos deixar os dois pombinhos a sós.
—O que quer comer?
Sentindo-se desnorteada pelo beijo inesperado e a expressão reveladora
nos olhos de Daniel, Rachel forçou-se a prestar atenção nas palavras dele. Ele
voltara a sentar e olhava-a de modo intenso.
—Eu... — Olhou para o cardápio na sua frente, sem conseguir enxergar. O
coração batia descompassado e seus lábios ansiavam por outro beijo. — Eu... não
sei, peça para mim.
Com um sorriso, ele chamou o garçom e fez o pedido.
Rachel olhou pelo salão, mas as pessoas em volta estavam entretidas na
própria conversa. Ninguém notara o beijo.
Controlou-se para falar sem emoção.
—De onde conhece Zac Callum?
—Ele herdou algumas empresas pequenas do pai. Como não queria
trabalhar no ramo, vendeu-as para mim.
—Gosto do trabalho dele. Eu era muito boa em desenho e posso apreciar
o dom que ele tem.
—Também gostou do charme dele, não é?
Rachel surpreendeu-se com o tom de ciúme na voz de Daniel.
—Foi por isso que me beijou daquele modo?
—Ele olhou para você com cobiça. Só quis deixar bem claro a quem você
pertencia.
Ela era propriedade de Daniel, mas, aparentemente, ele não lhe pertencia.
—Neste seu mundo social existe alguém que saiba sobre mim e as
crianças?
—Minha vida particular não é da conta de ninguém. Meu envolvimento com
estas pessoas é puramente profissional. Agora vamos mudar de assunto? A não
ser que tenha achado o charmoso Zac Callum mais agradável que minha
companhia. Neste caso, posso chamá-lo de volta e vocês dois vão se deliciar
alimentando o ego um do outro!
Oh! Ele estava doente de ciúme! Rachel sentiu-se mais confiante.
—Bem, pelo menos ele não criticou a companheira cada vez que ela abriu a
boca — reprovou-o docemente, satisfeita ao ver que ele corava.
A entrada foi servida, acalmando o impulso de discussão que os dominava.
Daniel pedira uma mousse de salmão que Rachel comia deliciada, esquecida da
falta de apetite. Quase no fim do prato, ele tocou gentilmente em sua mão.
—Rachel, vamos tentar fazer com que esta seja uma noite agradável para
nós dois? Não quero discutir mais. Eu só desejo...
—Daniel, que prazer encontrá-lo aqui!
A expressão dele ficou irritada, e ela sentiu-se desapontada com a
interrupção, pois era com prazer que percebia urgência em seu olhar.
Desta vez, ele nem se levantou para falar com o casal de meia-idade que
parou ao lado da mesa. Também não apresentou Rachel. Apenas cumprimentou-
os com fria educação e eles se afastarem depressa.
—Entende agora por que não gosto de trazer você a lugares como este?
Ficamos sujeitos a interrupção a noite toda.
—E qual é o problema?
—Quando saio com você, quero tê-la só para mim. No fundo, ele tinha
razão. Foram interrompidos pelo menos mais três vezes durante a refeição.
Depois do café, Daniel levantou-se e estendeu a mão para ela.
—Venha. Vamos até a boate do clube. Pelo menos enquanto dançamos
ninguém vai interromper.
Entraram em uma sala escura. Da entrada, Rachel enxergou apenas o outro
lado, o bar e um pequeno palco onde um grupo de músicos tocava jazz.
Daniel conduziu-a até a pista e tomou-a nos braços. Na mesma hora foi
assaltada pelo sentimento de estar nos braços de um estranho. Não evitou um
suspiro. Ele percebeu a tristeza e fez mais pressão na mão que segurava. A outra
mão dele subiu da cintura para as costas, por dentro do bolero, para aproximá-
la mais e então parou. Ambos ficaram imóveis quando os dedos entraram em
contato com a pele nua e quente.
Rachel esquecera o modelo do vestido até aquele momento. Tentou
afastar-se, mas ele não permitiu e puxou-a ainda mais perto.
—Déjà vu — sussurrou em seu ouvido, e ela engasgou ao perceber o
significado.
A primeira vez que dançaram, usava uma mini blusa sob a qual ele também
enfiara os dedos, provocando o mesmo frêmito de desejo.
Dançaram colados, a mão de Daniel acariciando suas costas num movimento
sensual.
Ela quase podia escutar-lhe as batidas do coração enquanto uma onda de
calor e desejo inundava seu corpo. Percebeu o sexo de Daniel contra o ventre e
suspirou. A cabeça morena inclinou-se e ele roçou os lábios em seu pescoço.
—Nada mudou entre nós. Depois de tantos anos, ainda temos este incrível
efeito um sobre o outro.
Ele tinha razão. Com um suspiro, Rachel permitiu-se fazer o que mais
ansiava e ergueu os lábios para beijá-lo.
Pela primeira vez, depois de várias semanas, fazia um movimento
voluntário na direção dele. Daniel tremia.
—Vamos para casa — ele disse com a voz rouca de desejo. —Quero muito
mais que dançar com você.
Então uma voz familiar e cruel se intrometeu, e Rachel sentiu o coração
fraquejar.
—Ora, ora, se não é o dom-juan em pessoa, com uma nova conquista...
Rachel fechou os olhos ao reconhecer a voz e baixou a cabeça no ombro
de um Daniel, estático.
—Ei, querida, não sabe que ele é casado? — provocou a voz cruel.
Sem dúvida, Mandy não a reconhecera.
—Há sete longos anos — ela continuou, sem piedade.
—Com uma mocinha bonita, mas sem graça, que está em casa cuidando dos
três filhos, enquanto o marido faz charme para qualquer mulher que se ofereça.
—Ah, qualquer uma não, Amanda — Daniel interrompeu cínico. — Afinal de
contas, sempre desprezei você.
Então Mandy tentara seduzir Daniel? Rachel encarou o olhar sarcástico
do marido e entendeu por que os dois se detestavam.
—Os homens devem tomar cuidado com mulheres repudiadas, Daniel.
Afinal, o desprezo transforma-se em nossa arma mais destrutiva.
—Que você usou com perícia, direto no alvo mais fraco!
—E, por falar nisso, como está a pobre Rachel? Ela sabe que você já
arranjou uma substituta para Lydia?
Rachel ouvira o suficiente. Livrando-se do abraço apertado de Daniel,
virou-se e encarou a ex-melhor amiga com frieza. O rosto de Mandy ficou pálido
e, sem mais uma palavra, ela virou as costas e foi embora.
O fim da noite revelou-se um desastre. Em silêncio, o casal deixou o clube
e andou até o carro.
No caminho, Rachel não se conteve.
—Quanto tempo?
—Anos.
—Chegou a ter alguma coisa com ela? — perguntou, observando as mãos
dele crispadas na direção, sentindo-se ofendido, mas aceitando o direito que ela
tinha de saber.
—Não, nem em pensamento.
— Por quê?
—Ela me deixa gelado.
—Então, por que não me contou nada?
—Para arruinar a confiança que depositava na sua melhor amiga? Rachel,
sempre deixei bem claro que nunca suportei Mandy.
—Eu sei, mas também nunca desencorajou nossa amizade. Uma palavra que
me dissesse a respeito de como ela estava me usando para te abordar, e esta
cena ridícula teria sido evitada.
—Acha que eu teria coragem de contar, sabendo como você ficaria
magoada? — A expressão dele era preocupada.
—Seria muita maldade da minha parte.

Sem ao menos falar com Jenny, Rachel subiu para o quarto assim que
chegou em casa.
—Estou com dor de cabeça, por favor, desculpe-se com sua mãe por mim.
Na verdade, não era só a cabeça que doía. Quando Daniel entrou no quarto depois
de ter levado a mãe para casa, ela ainda estava acordada, mas fingiu dormir e
concentrou a atenção nos movimentos dele.
Ele foi para a cama nu, como sempre dormia. Deitou de costas, com as
mãos servindo de apoio para a cabeça, e ficou olhando o teto escuro, enquanto
Rachel ficava imóvel a seu lado. No fundo de seu coração ferido, ela desejava
que o destino mudasse e desaparecesse com as últimas semanas.
Ficaram muito tempo imóveis, em silêncio, até que a tensão tornou-se
insuportável. Daniel deu um suspiro e virou-se para alcançá-la. Rachel se
entregou com avidez, e fizeram um amor desesperado e silencioso.
Lydia apareceu como um fantasma, esfriando seu corpo quando acreditava
estar chegando ao clímax. Daniel percebeu a mudança e ficou imóvel,
observando-a lutar com a assombração que a magoava.
Rachel lutou com todas as suas forças, os olhos apertados contra as
lágrimas, os lábios insaciáveis e as mãos travadas nos ombros de Daniel. Sentiu
o corpo pronto e percebeu que conseguira afastar Lydia. Com um tremor, puxou-
o pelo quadril.
—Rachel —ele sussurrou ao penetrá-la. Apenas Rachel, inúmeras vezes,
compreendendo que ela lutara e vencera a batalha por causa dele.
Quando acabou, ela sentiu-se solitária e vazia.

Daniel ficou muito ocupado com outro caso e precisou passar algumas
noites fora de casa. Estava negociando com uma pequena construtora perto de
Huddersfield.
Apesar de acreditar, Rachel atormentou-se com idéias que sabia serem
injustas. Ele não fez comentários, compreendendo o que se passava em sua
mente. Queria a confiança que ela não conseguia mais ter, o que contribuiu para
que o casamento continuasse em crise durante semanas.
Uma tarde, leu uma notícia no jornal que deixou-a inquieta. Zac Callum
faria uma palestra aquela noite sobre seu trabalho, na escola de Artes, e a
entrada era aberta a todos os interessados.
Como Daniel estava fora, decidiu pedir para a mãe ficar com as crianças e
participar. No fundo, compreendia que a necessidade de ferir o marido era maior
que a vontade de assistir à palestra.
Culpa dele, Rachel pensou ao estacionar o carro. O fato de saber que ele
sentia ciúme de alguém como Zac Callum a incentivara a sair de casa.
Sentou-se no fundo da sala, sem esperar que Zac a reconhecesse ou
lembrasse ela. O encontro entre eles fora breve. Mas ele reconheceu-a e
lembrou-se na hora. Caminhava para o palco, relanceando o olhar sorridente pela
platéia, quando a viu. Parou, encarou-a, e Rachel corou ao ser alvo do sorriso de
reconhecimento na frente de todos. Sorriu de volta com timidez e afundou-se
na poltrona.

A palestra começou, e logo se sentiu relaxada, a atenção fixa no modo


inteligente e sutil como Zac conduzia o assunto. Várias vezes, ele notou que ela
acompanhava as risadas com a platéia e lançou-lhe olhares de reconhecimento,
que fizeram bem ao seu ego tão magoado nas últimas semanas.
A palestra terminou e, antes que tivesse tempo de se levantar, Zac
aproximou-se.
—Rachel, que gentileza ter vindo!
—Adorei a palestra — disse com um sorriso tímido. —Foi empolgante.
—Você estuda aqui?
—Não!
Ela corou. Não lhe ocorrera que ele pudesse supor que fosse uma
estudante. Lembrou-se então que vestia calça jeans desbotada e um suéter de
linha, além de estar sem maquiagem.
—Moramos aqui perto. Li sobre a palestra no jornal e decidi vir em cima
da hora.
—Veio sozinha?
—Sim. Daniel está viajando a negócios.
—Ah! Está interessada em política? — ele perguntou, com um sorriso
estranho.
—Em arte, caricatura. Eu desenhava bem, acredite ou não, quando tinha
tempo, antes de ser esposa e mãe.
Droga! Zac acreditava que era recém-casada. Agora olhava para ela com
expressão confusa. Por sorte, foram interrompidos por um estudante que queria
fazer algumas perguntas.
Rachel decidiu aproveitar a oportunidade e ir embora. Virou-se, mas seu
braço foi seguro por Zac.
—Não vá. Preciso me despedir dos organizadores e, se puder me esperar,
gostaria de tomar um drinque com você, num pub que aqui perto.
Rachel hesitou. Sair com um homem que não era seu marido para tomar um
aperitivo? As pessoas achavam normal. Daniel fazia isso o tempo todo! Queria
saber mais sobre o trabalho que ele desenvolvia e resolveu aceitar o convite.
—Obrigada, vou esperar na porta.
Para sua surpresa, foi Zac que hesitou, e o mesmo olhar especulativo da
primeira vez que se encontraram passou pelos olhos dele. Logo concordou e
soltou seu braço.
—Encontro você em cinco minutos.

Passaram uma hora agradável. O lugar estava lotado com os participantes


da palestra, e sentaram-se nas banquetas do bar.
A conversa fluiu de modo agradável e interessante. Zac permitiu que
Rachel falasse sem interrompê-la, e ela, que estava tímida em princípio, colocou
as idéias com facilidade.
O nome de Daniel só foi mencionado na hora de partirem.
—Há quanto tempo está casada? — Zac perguntou.
—Sete anos. Temos três filhos, dois garotos e uma menina. E não pense
que é só o que fazemos. Sammy e Kate são gêmeos.
Ele sorriu com o gracejo.
—Quero me desculpar pela primeira vez que nos encontramos.
Zac falava de sua menção à outra mulher com Daniel. Rachel sentiu uma
pontada no peito, e não aceitou as desculpas.
—Não é preciso. Você foi apenas franco. Eu e Daniel e que agimos errado.
Boa noite, Zac — ela acrescentou, antes que ele pudesse falar. Não queria
conversar sobre aquela noite, nem saber a opinião dele. — Gostei muito da
companhia, obrigada.
Caminharam até o estacionamento..
—Escute, estou pensando em ministrar um curso de caricatura aqui na
escola, durante doze semanas, uma noite por semana. Estaria interessada em
participar? — ele perguntou.
—Não sei. Acredita que haja interesse suficiente na escola, para valer a
pena para você?
Ele riu da ingenuidade dela. Sendo uma celebridade, o interesse das
pessoas em seu trabalho era o de menos. Fariam o curso porque Zac Callum seria
o professor.
—Tenho certeza de que vai gostar, Rachel — disse com suavidade. —
Prometo para você.
Com uma sensação estranha no estômago, percebeu outra intenção nas
palavras de Zac, que não escondeu a atração que sentia.
Encorajaria o relacionamento mesmo sabendo do perigo potencial que
havia? Não, sua vida já estava bem complicada. Era uma pena, pois, apesar de o
professor não atraí-ia, a idéia do curso de caricatura era tentadora.
—Pode me avisar quando decidir e pensarei a respeito.

—Zac Callum dando um curso na Escola de Artes? Por que ele haveria de
se importar com os estudantes daqui?
Daniel perguntou, com um sorriso de escárnio.
—Talvez porque ele se importe com as pessoas — Rachel respondeu,
ofendida com o tom de voz.
O fato de ter saído uma noite sem seu conhecimento, ainda mais para ver
Zac Callum, irritou Daniel.
—E como soube que ele faria a palestra?
—Li no jornal. Você já comeu? — ela perguntou, para mudar de assunto. —
Quer que eu prepare um lanche?
—Não! Quero falar sobre sua saída com Zac Callum —ele rosnou.
—Eu não saí com ele! Apenas assisti a uma palestra! O que está tentando
dizer, Daniel? Que foi um meio que arrumamos para nos encontrar?
Era exatamente o que ele estava pensando.
– Ele é bem capaz disso! Não disfarçou o interesse desde o primeiro
momento que a viu!
Meu Deus! O poderoso Daniel Masterson demonstrava receio que sua
jovem esposa quisesse outro homem!
—Você é a pessoa não confiável neste casamento, Daniel —ela lembrou-o
com rispidez. — Não eu!
—Mas você pode querer se vingar.
—Eu acho que sua consciência culpada está te deixando paranóico. Não
faça comparação entre nós.
Deliberadamente, ignorou a voz em sua mente, dizendo que não estava
sendo sincera.
—Não estou comparando — ele disse, a caminho do bar para se servir de
um uísque.
—Então o que estava fazendo?
—Na verdade, na verdade eu não tenho a menor idéia. Está mesmo
decidida a fazer o curso?
—Não vai querei bancar o marido dominador e me impedir se eu decidir
fazer, não é?
—Se eu tentar convencê-la a não fazer, vai me dar ouvidos?
—Não.
Ele baixou a cabeça
—Então não vale a pena tentar, não é mesmo?
Daniel saiu da sala deixando-a num turbilhão de emoções. Mágoa. Qualquer
que fosse o relacionamento com ele: brigando, fazendo amor ou até ignorando,
cada vez que ele se afastava só conseguia sentir mágoa.
Passara tantos anos vivendo para ele, que não sabia viver para si mesma.
Por isso, decidiu fazer o curso quando Zac ligou, avisando que estava tudo
resolvido.

Algumas semanas mais tarde, ela saiu de casa para a primeira aula. Daniel
não disse urna palavra, mas ela sabia sua opinião. Quando voltou, ele nem esperou
pela escuridão do quarto para procurá-la. Tão logo entrou em casa, tomou-a nos
braços e levou-a para cama e, apesar de estarem famintos de desejo, mais uma
vez ela não chegou ao clímax.

O dom de Rachel para a caricatura desabrochou com as aulas, e até Daniel


se divertia com os desenhos que ela fazia das crianças.
Zac era sempre encorajador. Durante as aulas não fazia referências
pessoais. Só quando iam até o pub para um aperitivo depois do curso é que dava
um jeito de sentar a seu lado e mostrar o interesse crescente. A maior parte do
tempo, Rachel tentava ignorar, queria apenas aprender tudo que ele tinha para
ensinar sobre desenho. Seu medo era ter de desistir se ele se tornasse
inconveniente.
O Natal estava próximo e Rachel ficou ocupada com os preparativos.
Compras, decoração e a ceia que fez aos poucos e congelou, enchendo a casa com
aromas tentadores a cada dia.
Daniel estava mais ocupado e preocupado. A única concessão que fazia era
saírem algumas noites. Iam ao cinema, teatro, clube e restaurantes. Ela manteve
o corte de cabelo, mas usava as roupas sofisticadas só para algum programa
especial.
A vida corria normal, mas a tensão no casamento afetou o comportamento
de Rachel. Cansava-se facilmente, irritava-se com pequenas bobagens e chorava
sem motivo aparente. A família se preocupava e ansiava pela antiga e calorosa
pessoa que conheciam.
Uma noite, quando ia sair para o curso, o carro não quis pegar. Daniel
trabalhava em Huddersfield e só voltaria tarde. Jenny ficara com as crianças.
Uma chuva de granizo caía, e Rachel olhou relutante para a casa. O certo seria
entrar e chamar um táxi, mas estranhamente não queria voltar agora que tinha
escapado. Percebeu que estava vendo seu próprio lar como uma prisão emocional.
Com um suspiro, colocou o capuz do pesado casaco e andou até a pista para
tomar um ônibus. Chegou no curso molhada até os ossos, o cabelo encharcado e
o rosto branco de frio. Os amigos de classe começaram a ajudá-la. Uma enxugou
seu cabelo com uma toalha de papel enquanto outro tirou suas botas e as meias
molhadas.
—Meias de homem — alguém gritou, fingindo estar horrorizado. — A bela
dama usa meias grossas de homem por dentro das botas femininas!
Todos riram e Rachel também, sentindo-se solta e livre pela primeira vez
em semanas. Sua blusa estava molhada e Zac tirou o próprio suéter de lã preta
para ela vestir. As garotas da classe fizeram uma barreira protetora contra os
olhares masculinos.
Quando ficou pronta, as roupas molhadas foram colocadas na frente do
aquecedor e Rachel não vestia nada além da lingerie, sob o suéter que batia em
seus joelhos.
A aula acabou e as roupas continuavam úmidas. Zac ofereceu uma carona
direta para sua casa em vez de irem ao pub, e Rachel aceitou, apesar de ficar
alerta com a expressão dele.
Entraram no carro esportivo e ela relaxou, confortada pelo ar quente.
—Está melhor? — ele perguntou.
—Sim, desculpe fazê-lo perder o aperitivo.
—Não tem problema, prefiro ficar aqui com você — ele disse com a voz
rouca.
Um calafrio percorreu seu corpo.
—Na próxima pode virar à esquerda. — Ela mudou de assunto.
—O que Daniel acha de você estar comigo toda quarta-feira à noite?

Rachel engoliu em seco. Não queria falar sobre Daniel, nem baixar sua guarda.
—Ele me dá o maior apoio — disse, rindo da mentira. Daniel detestava que
ela fizesse o curso e detestava vê-la sempre com o caderno de desenho na mão,
lembrando-o quem era o responsável por sua volta às artes.
—Mas ainda não fez nenhuma caricatura dele. Já desenhou todos da
família, menos Daniel.
—Ele não é um bom modelo —ela disse. — Agora pode seguir reto até a
próxima bifurcação.
—Daniel? Pois acho que ele é o modelo ideal, um demônio nos negócios e
um homem comum em casa. Um ótimo tema para uma caricatura misturando os
dois.
Não concordou. No momento, não via nada de engraçado em Daniel. Há
algum tempo teria se deliciado fazendo a caricatura dele, agora não mais.
—Um dia desses vou fazer.
—Chegamos. Minha casa é aquela branca com a BMW preta na frente.
Daniel já estava em casa. Sentiu um arrepio que não era de frio.
Zac parou e desligou o carro. Podiam escutar o barulho da chuva nos
vidros. Ele virou-se no banco para olhar Rachel e ela encarou-o.
—Bem, obrigada pela carona — disse, sem fazer nenhum movimento para
sair do carro. Sentia-se presa numa armadilha pela expressão de Zac, pelo calor
do carro e pela própria sensação de desejo.
—Foi um prazer — ele disse, ausente.
A mente dele estava longe, procurando no rosto de Rachel um sentimento
que ela não sabia se aparentava ou não. Logo percebeu que sim, pois Zac inclinou-
se e beijou seus lábios com suavidade. Não correspondeu nem se afastou. A mão
dele acariciou seu rosto, o polegar tocando seus lábios para que abrissem.
Subitamente, ela teve certeza que não era o que queria e afastou-se. Ele deixou-
a ir, encostando-se no assento e olhando-a através dos olhos semicerrados.
—Desculpe — ela murmurou, confusa.
—Do quê?
Rachel não conseguiu responder, só queria estar fora do carro e começou
a abrir a porta.
—Você quis ser beijada, Rachel — Zac disse com suavidade. —Não importa
o que pense, lembre-se de que desejou o beijo tanto quanto eu.
Ele tinha razão, e ela corou de culpa. Quisera o beijo para sentir como
seriam outros lábios que não os de Daniel sobre os seus.
Agora sentia-se infantil e irritada por ter deixado acontecer. Não queria
que Zac pensasse que haveria lugar para ele em sua vida. Daniel era o único
homem que amava. Que droga! Amava-o com mais paixão a cada dia!
Correu para a casa debaixo da chuva e só então pensou se Daniel vira sua
chegada. Olhou para as janelas e não viu movimento atrás das cortinas. Com
certeza, ele esperava que ela viesse de ônibus e não deu atenção ao barulho do
carro de Zac.
Daniel não estava na sala. A porta de escritório permanecia aberta e nem
sinal dele. Rachel encontrou-o na cozinha.
—Chegou mais cedo do que eu esperava — ela disse casualmente ao entrar.
Charmoso, vestindo jeans e uma camiseta preta, ele ignorou o comentário
dela e suas mãos tremeram um pouco ao colocar água na chaleira.
—Chamei um táxi para levar minha mãe. Ela ficou preocupada ao ver seu
carro na porta e você desaparecida. Poderia ter avisado que mudou de idéia.
—O carro não pegava, então decidi ir de ônibus. Não imaginei que Jenny
fosse ficar preocupada. —Amanhã ligo para me desculpar.
Silêncio.
Daniel parecia concentrado na preparação do chá e nem lhe dirigiu o olhar.
Rachel percebeu que ele estava bravo por algum motivo. Teria visto algo?
—Estou ensopada — disse num esforço para parecer normal e corando de
culpa. —Vou subir e tomar um banho quente. Você já comeu? Posso fazer seu
jantar...
—Não! — falou com tanta violência que ela afastou-se.
Observou-o recuperar o controle e respirar fundo.
—Não — repetiu devagar. —Eu já jantei, obrigado.
Ela sentiu um frio na espinha, sem saber se era medo ou culpa. Subiu e
deitou-se, preparada para enfrentar Daniel quando subisse para o quarto. Ele
não subiu. Daniel não entrou no quarto aquela noite.

CAPÍTULO VIII

A partir daquela noite a vida do casal transformou-se num inferno. Não


sabendo como contornar a situação sem confessar o que acontecera entre ela e
Zac, Rachel sentia-se perdida. Daniel mal conversava e nunca mais fizeram amor.
As crianças, afetadas também pela desestruturação do casamento,
estavam impossíveis. Rachel afirmava que a agitação devia-se à chegada das
festas, mas no fundo, sabia que a culpa era sua e de Daniel.
Um dia, na semana anterior ao Natal, acordou doente. Passou o dia enjoada
e atordoada, com a cabeça explodindo. A noite, em meio a algazarra da crianças,
ouviu Daniel entrar e ficou feliz por passar-lhe a responsabilidade e atirar-se na
cama.
—Por que não me telefonou? — ele perguntou, enquanto ela subia para o
quarto. —Eu teria vindo na hora se me avisasse que não se sentia bem.
Rachel murmurou qualquer resposta e foi para a cama. Nem ao menos
pensara em chamá-lo. Em sete anos de casamento, jamais ligara para seu
escritório. Ele ligava com freqüência para saber como estavam, mas Rachel nunca
quis incomodá-lo. Mais uma vez, percebeu a barreira entre marido e pai e o
homem de negócios, e não lembrou ao menos um dia que Daniel a tivesse cruzado
voluntariamente.
No escuro do quarto, notou que ele acalmara as crianças. A casa estava
silenciosa, sem um ruído que perturbasse seu repouso.

Acordou no dia seguinte com Daniel a seu lado, segurando uma xícara
fumegante.
—Achei que poderia fazer bem... Como está se sentindo hoje?
—Melhor — ela disse, erguendo o corpo com cuidado. Afastou o cabelo do
rosto pálido antes de pegar a xícara e murmurou: —Obrigada.
—Posso tirar o dia de folga e trabalhar aqui de casa se você quiser...
—Não é necessário. Estou um pouco fraca, mas dou conta da casa.
Daniel parecia relutante em continuar.
—Sabe... acho que é melhor não ir ao curso esta noite, pelo menos até
melhorar...
—Planejamos uma festa de Natal esta noite — ela informou da maneira
mais natural possível. —Depois da aula, Zac vai nos levar ao clube e não quero
perder a comemoração.

Conseguiu desafiá-lo mais uma vez e notou o esforço que Daniel fez para
se acalmar. Por fim, ele falou.
—Vamos ver como se sente mais tarde.
Subitamente, Rachel quis que ele ficasse por perto. Inventou logo um
assunto.
—Meus pais vêm para o Natal, como sempre, mas temos um problema este
ano. Eles sempre ficavam no quarto de Michael, não sei como vamos fazer agora.
—O que quer que eu faça? Perdi a conta das vezes que sugeri mudarmos
para uma casa maior e você nem quis discutir o assunto. Agora quem tem de
resolver o assunto é você. Eu não tenho nada a ver com isso.
Rachel olhou desapontada enquanto ele saía do quarto.
Mesmo sem vontade e indisposta, ela foi para o curso. Estava tão brava
com Daniel, que não quis lhe dar a satisfação de ficar em casa.
Não aproveitou a noite. O estômago ainda incomodava e a cabeça
concentrava-se em milhões de providências para tomar na casa. Sentia-se
cansada e tensa e, para completar, Zac passou a aula inteira encarando-a de
modo perturbador.
Desde a primeira noite em que se encontraram, ele só a via com roupa
esportiva. Para a comemoração da turma, usou um vestido preto justo e curto,
provocando comentários dos amigos brincalhões. Zac ficou mais elegante vestido
com um terno escuro e uma bela gravata de seda.
Seus olhares eram provocantes, como se lembrassem o beijo no carro.
Rachel só queria esquecer, o que não era difícil. O pior era a culpa que sentia,
não o beijo.
Depois da aula, foram à discoteca do clube. Ficaram no mezanino de onde
se via toda a pista de dança. A música alta impedia a conversa, mas Rachel teria
adorado a noitada em outra ocasião. Há tempos Daniel só a levava a lugares
calmos, com música suave, e ela gostava de danceterias.
Seu estado físico não contribuiu para que aproveitasse. O enjôo
continuava e a música feria seus ouvidos. Zac encostou a cadeira bem perto e
monopolizou sua atenção. Com o som alto, ela inclinava-se para ouvir o que ele
dizia, ficando com o corpo muito perto dele.
Ele começou a tocá-la esporadicamente. Nada muito acintoso. Um toque
no braço, no cabelo. Sem saber como livrar-se da situação, aceitou a sugestão
para dançar. Pelo menos a música era rápida o suficiente para ficarem separados.
Desceram e, na pista, ele tomou-a nos braços.
—Não, Zac!
—Que tolice Rachel, é apenas uma dança.
Ambos sabiam que não era e, se não colocasse um ponto final nas
pretensões dele, seria mesmo culpada de trair Daniel.
—Não! — ela repetiu firme.
Foi loucura ter continuado o curso depois do beijo. Desde o dia da palestra,
soube que ele a queria. E Rachel só queria Daniel. Ela o amava tanto e estava tão
ferida, que sentiu vontade de chorar.
Zac a seguiu quando se dirigiu ao hall de entrada. Foi até os telefones e
ligou para vários pontos de táxi, sem conseguir nenhum. Desesperada, ligou para
casa e sentiu um nó no estômago ao ouvir a voz impaciente de Daniel.
—Sou eu — ela murmurou.
Houve uma longa pausa até Daniel resolver falar.
—Qual é o problema?
—Não posso ir para casa, não consigo achar um táxi nos pontos... O que
devo fazer?
Simples assim. Voltou a fazer o papel da antiga Rachel. Qualquer problema,
fale com Daniel; ele tem a solução. Depois de um silêncio demorado, ele
finalmente disse:
—O seu Romeu não pode lhe dar uma carona?
—Ele não é meu Romeu e... de qualquer modo, eu... —mudou as palavras para
que Daniel não soubesse que queria evitar Zac. —Não posso pedir que deixe uma
festa tão animada só porque cansei. Será que pode vir me pegar, Daniel?
—E as crianças? Quer que fiquem aqui sozinhas enquanto vou te buscar?
— ele perguntou com sarcasmo.
—Oh! — Sentiu-se tola outra vez. Nem pensara no problema, apenas o
jogara nas mãos de quem sempre resolvia tudo.
—Tudo bem, peço para Zac me levar.
—Espere, ligarei para minha mãe vir para casa e vou te buscar. Ela já deve
estar dormindo, o que sem dúvida vai deixá-la chateada, mas...
—Não! Não quero dar tanto trabalho. Pode deixar que Zac me leva com
prazer. — Ela bateu o telefone antes que Daniel pudesse responder.
—Não teve sorte? — Zac estava perto, olhando-a curioso.
Rachel não sabia se ele ouvira a conversa e também não se importava.
—Não. —Vou chamar novamente um dos pontos e entrar na fila de espera.
—Eu te levo — ele ofereceu.
Apesar de não querer a companhia dele, também não queria ficar no clube
mais uma hora, que era o tempo de espera para os táxis. Zac tomou a decisão,
segurando-a pelo pulso.
—Vamos lá, Rachel, vou levar você.
Abatida pelo stress emocional que já durava meses, ela não resistiu.
Pegaram os casacos e foram para o estacionamento. O carro deslizava pela
pista coberta de gelo.
—Por que ainda está com aquele egoísta? — ele perguntou de chofre.
—E vocês homens não são todos iguais? — Rachel provocou.
—Não como Daniel. Ainda me custa a acreditar que é casado com você! Ele
combina mais com uma Lydia Marsden qualquer.
Mesmo sem saber como era Lydia para poder julgar, Rachel reconheceu a
verdade com um suspiro de tristeza. O fantasma dela entrava em seu quarto
todas as noites, e já era difícil de lidar, não queria ver nunca o rosto da mulher.
—E Mandy Saies também — ele continuou. — Foi uma revelação e tanto
naquele encontro que tiveram na boate do clube.
—Você ouviu o que ela disse?
—Querida, metade da boate ouviu, e ficamos todos chocados ao saber que
o jovem e bem-sucedido empresário tinha uma esposa e três filhos. Aposto que
Lydia ficou abalada ao descobrir. Ela estava a fim de se casar com Daniel.
Ninguém faria par mais perfeito para uma advogada em ascensão como ela.
Então Lydia era uma advogada e não a secretária de Daniel como
presumira. A novidade surpreendeu-a. Uma coisa era imaginar uma simples
secretária como rival, mas competir com uma advogada?
Como se estivesse pensando sobre o mesmo assunto, Zac perguntou,
curioso:
—Se está casada há sete anos, quer dizer que conheceu Daniel antes do
sucesso meteórico que alcançou. E no que se transformou, Rachel? Numa parasita
sem vida própria?
O insulto era merecido, mas doeu em seu coração, pois tocou direto na
verdade que começava a compreender.
—É melhor parar o carro. Vou descer antes que diga alguma coisa que me
faça perder a cabeça — ela falou, ríspida.
Para sua consternação, foi o que ele fez. Estacionou no meio-fio e virou-
se para ela com expressão irritada.
—E o que me diz do jogo que tem feito comigo nessas últimas semanas?
Meu Deus, nunca tive a menor chance com você, não é?
—Não — ela respondeu com honestidade.
—Que droga, por que não me impediu de chegarmos a esse ponto?
—Que ponto? Não houve nada entre nós além de um simples beijo numa
noite chuvosa!
—O que estava havendo entre nós era muito mais que um simples beijo, e
você sabe muito bem! Mas, para você, era apenas um jogo. Percebeu meu
interesse e resolveu se divertir por um tempo. Por quê? Seu ego estava muito
em baixa?
Rachel tentou abrir o cinto de segurança e sair depressa. Zac apertou seu
braço, impedindo-a.
—Ah, não! Não pense que vai escapar assim tão fácil. Beijou-a com
violência. Assim que se viu livre, ela saiu do carro e bateu a porta com força. Zac
saiu cantando os pneus, deixando-a imóvel na calçada gelada.
Rachel levou a mão ao lábio inferior, cortado pela brutalidade do beijo. Ao
inferno com ele! Queria apenas voltar para sua vida de conto de fadas sem
acontecimentos desagradáveis. Odiava todos eles: Mandy por ter contado,
Daniel por ter traído, Lydia por ter seduzido e principalmente a si mesma, por
ter sido ingênua.
Como já estava perto, resolveu ir andando. Chegou em casa sentindo
agulhadas de frio e dor nos pés. Assim que entrou, tirou os sapatos de salto alto,
grata pelo calor e conforto.
Já era uma hora da manhã. Entrou no quarto e nem se importou em
procurar Daniel. Estava deprimida o suficiente para evitar começar uma nova
discussão e ele também nem se preocupara em ir a seu encontro quando chegou.
Mas Rachel errou em seu julgamento de que Daniel iria ignorá-la. Vestia a
camisola quando ele entrou no quarto com os sapatos de salto alto pendurados
nos dedos.
—Você esqueceu de trazer — ele disse, e soltou os sapatos no chão.
—Não esqueci! Apenas ficaram no mesmo lugar onde foram tirados.
Ela sentou-se na beirada da cama para massagear os pés doloridos, a
cabeça baixa e o cabelo cobrindo seu rosto.
—Ele não trouxe você até a porta de casa.
Fora espionada por trás das cortinas mais uma vez?
—E quem disse que ele me trouxe, afinal?
—Não daria tempo de andar todo o caminho. Tiveram uma discussão
amorosa?
Daniel começou a perder o controle.
—Pode ter sido —Rachel falou a caminho do banheiro.
Ele que pensasse o que quisesse, não se importava com mais nada!
Dominado pela fúria, agarrou-a pelo ombro e virou-a de frente.
—E qual foi o assunto da discussão? Você não quis ir ao apartamento dele?
O que houve Rachel, não estava disposta?
Tudo que ela conseguia sentir era angústia e amargura contra os homens
em geral.
—Quem disse que não estive lá até agora? Eu poderia ter ligado de
qualquer lugar, como é que você saberia?
O rosto dele ficou lívido e as mãos apertaram-na com força. Seus olhos
percorreram Rachel como se procurassem uma prova do que ela sugeria.
—Ele feriu seu lábio!
—E você está machucando meus braços! — ela gritou, sem conseguir se
desvencilhar.
—Rachel, como teve coragem de fazer isto?
Finalmente, depois de meses, as emoções de ambos explodiram.
—Quer mesmo saber? Então vamos trocar. Você me conta como foi com
Lydia e eu conto como foi com Zac!
—Meu Deus! Pare com isso! — Ele fechou os olhos e seu rosto
transformou-se com a dor.
—Eu te desprezo, sabia? — ela murmurou com amargura e entrou no
banheiro.
Saiu mais calma, e viu Daniel sentado na beirada da cama, com a cabeça
enterrada nas mãos. Uma visão triste como tudo que acontecia nos últimos
meses. Não se lembrava de um dia alegre, cheio de risos dentro de casa.
—Quero me deitar —ela disse, recusando-se a sentir pena. Daniel não se
moveu. Depois de um longo minuto, porque ele estava magoado e ela o amava
tanto, Rachel deu um gemido e ajoelhou-se na frente dele.
—Quer mesmo saber o que aconteceu esta noite? Zac quis ficar comigo e
eu o rejeitei, em troca, ele me atormentou falando de Lydia. Lydia — ela repetiu,
arrasada. —A famosa advogada que combina mais com Daniel Masterson do que
a patética Rachel!
—Isto não é verdade — ele murmurou, tenso.
—Não? Os olhos dela ficaram marejados. Pois eu acho que é. Você
deslanchou e tomou um caminho, Daniel, enquanto eu fiquei para trás. Estamos
nos distanciando, e por isso acredito que as Lydias da vida combinam com você
muito mais do que eu!
Para sua surpresa, ele riu, sacudindo a cabeça como se não acreditasse no
que dissera.
—Parece que eu quero combinar com outra pessoa? Minhas malas estão
prontas? Rachel, por pior que seja meu erro, não quero sair de casa, não quero
deixar você!
—Lydia — ela sussurrou — ela é...
—Ao inferno com Lydia! O problema não é ela. É um assunto entre nós dois
saber se ainda podemos ficar juntos.
- Eu sei que só está comigo porque tem a consciência culpada, Daniel.
—Com certeza, tenho — ele disse, com amargura. —Mas não pense que sou
alguma espécie de mártir para viver sofrendo. Se eu não achasse que nosso
casamento vale a pena, já teria ido embora há muito tempo: Pode estar certa! Se
quer saber por que ainda estou aqui...
Daniel segurou o rosto de Rachel e beijou-a com paixão, depois continuou
com a voz embargada.
—Eu te quero. —Para mim, estar com você nunca é o suficiente. Mesmo
depois de sete anos, meu corpo enrijece de desejo só de olhar para você. —Meu
Deus, eu nem mesmo consigo me controlar, faço amor sabendo que não te
satisfaço mais!
Ele sacudiu a cabeça desgostoso e continuou:
—Mas por que você não me mandou embora, Rachel? Eu te magoei, destruí
sua confiança na vida, por que ainda está comigo?
—Eu... — Não, a resposta iria deixá-la ainda mais humilhada.
—Então, é o que deseja? Quer que eu vá embora?
—Não — ela disse baixinho, com vontade de chorar.
—E por que não? Como consegue conviver comigo na mesma casa, na mesma
cama, fazendo amor com você? Como?
“Porque eu te amo, seu bobo”, ela pensou e não conseguiu mais controlar
as lágrimas.
Daniel deu um suspiro e abraçou-a com força, apertando-a de encontro ao
corpo e falou em seu ouvido.
—Ainda pensa que estamos nos distanciando? — disse com voz sensual.
Beijou-a com ardor, sem lhe dar chance de pensar ou retrucar, até que ela
sentiu-se derreter de desejo. A voz dele tirou-a do sonho no qual mergulhara.
—Deixou que aquele sem-vergonha tocasse em você? Deixou? — ele
repetiu, quando ela ficou muda. — Eu quero saber! Preciso saber!
Os olhos azuis brilhavam furiosos, sem acreditar no que ele dissera.
Rachel encarou-o e disse com raiva:
—Vá para o inferno!
Ele foi e levou-a junto. Arrancou sua camisola e as próprias roupas e amou-
a com violência e desespero. Quando terminou, ela virou-se para o lado e Daniel
foi para o banheiro. Depois de muito tempo, voltou para a cama, e Rachel já
estava dormindo.

Na noite seguinte, o telefone tocou no momento que Rachel preparava o


jantar das crianças. Ela foi atender na extensão do hall, porque a televisão na
cozinha estava com o som muito alto.
—Alô, aqui é Rachel Masterson —disse, distraída, esticando o fio do
aparelho no limite, para enxergar o outro aposento.
Depois de uma pausa, uma voz fria perguntou por Daniel.
—Ele ainda não chegou em casa. —Quer deixar recado? Mais uma pausa, e
Rachel olhou preocupada para o forno elétrico. Se a ligação demorasse, os bifes
acabariam queimando.
—Aqui é Lydia Marsden.

APITULO IX

Daniel chegou logo depois e encontrou Rachel ao lado do telefone. Ela


parecia em estado de choque.
—O que aconteceu?
—Lydia acabou de telefonar — disse, inexpressiva. —Pediu para você ligar
de volta.
Continuou imóvel, sem saber se desmaiava ou simplesmente desaparecia e
notou o rosto de Daniel avermelhar-se de cólera, e um som que nunca escutara
saiu da garganta dele, dando a impressão de que explodiria.
Contraindo o maxilar, ele deixou cair a pasta com um estrondo e respirou
fundo, soltando o ar com um assobio. Empurrou-a para o lado, entrou em seu
escritório e bateu a porta com força.
Chocada, ela não sabia o que fazer. A simples menção ao nome de Lydia
poderia provocar tal reação em Daniel?
Ao seu chamado, ele correu como um homem possuído!

Rachel embalava Michael no sofá quando Daniel entrou na sala. Estava


pálido e mais controlado, mas ela ainda notou emoção no brilho do olhar. Kate
correu para o pai e, em vez do abraço costumeiro, recebeu apenas um afago na
cabeça dourada. Sam esticara as pernas na frente da televisão e mal se moveu
para lhe dar paisagem, pois estava entretido com o filme. O pequeno Michael,
sonolento, lançou um olhar carinhoso e mergulhou no conforto dos braços da mãe.
Daniel olhava fixamente para ela.
—Quero que me desculpe. Ela já havia sido instruída para nunca ligar aqui.
—Não tem importância.
—É claro que tem! — ele disse com a voz alterada, e as três crianças
olharam surpresas para o pai. Daniel passou a mão no cabelo, num gesto
impaciente, se esforçando para se acalmar. —Sammy, Kate, por favor, brinquem
um pouco com Michael enquanto converso com sua mãe.
Sem esperar resposta, Daniel carregou o bebê e colocou-o sentado no
chão, entre as pernas de Sam. Espalhou brinquedos ao lado dele e sorriu para os
três que continuavam estáticos.
Levou Rachel pela mão até o escritório, soltando só quando já estavam com
a porta fechada.
—Ela foi avisada para mandar outra pessoa ligar se fosse urgente! Nunca
poderia ter telefonado!
—Como eu já disse antes, não tem importância.
—Eu tinha prometido que nunca mais você seria magoada!
—Então você deveria... — engoliu as palavras acusadoras e andou pela sala.
— Se diz que terminou tudo, como ela ainda trabalha para você?
—Ela não é minha funcionária, trabalha para a consultoria jurídica que me
assessora — ele explicou. —Transferi todos os casos para outro advogado há
semanas.
Rachel não acreditou. Ainda via a expressão no rosto dele quando contou
que Lydia ligara. Ainda sentia como ele a empurrara para o lado.
—Então por que ela ligou aqui em casa?
Daniel tomou fôlego para explicar.
—Acontece que ela era a única pessoa que ainda estava no escritório
quando chegou uma informação urgente pelo fax. —Eu precisava ser avisado o
mais depressa possível, e só havia ela na sala!
—Por favor, eu gostaria que isto não voltasse a acontecer — acrescentou,
num tom impessoal que encerrava o assunto.
O silêncio a seguir era indício de confusão.
—O problema é — ele começou com cautela — que preciso sair já. Houve
uma questão legal com o contrato de Huddersfield e tenho de voltar ao
escritório para resolver pessoalmente.
O caso Harvey, o caso Huddersfield, não havia diferença!
—Mas é lógico que precisa ir! — ela concordou tão irônica, que foi como
um tapa no rosto dele. —E eu preciso colocar as crianças para dormir.

Passou por ele decidida a sair do aposento, mas Daniel interrompeu-a.


—Não pense bobagem. Vou direto ao meu escritório. Lydia já mandou o fax
para lá. Não vou nem quero vê-la, entende?
Sim, ela entendia. Ele queria um voto de confiança que não sabia se lhe
daria outra vez.

Daniel iria para Huddersfield na segunda-feira, tentar acertar o contrato


antes dos feriados do Natal. Depois de um fim de semana horrível, durante o
qual trocaram poucas palavras, Rachel sentia-se aliviada com a viagem.
Na noite do domingo, ele procurou-a e, na desesperada tentativa de
encontrarem algum nível de satisfação, quebrou uma das regras que ela impusera
e lhe dirigiu a palavra. Nem seu pedido de perdão acalmou-a e, furiosa, acusou-o
de estragar o pouco que compartilhavam. Ele procurou-a com uma urgência tão
desesperada que, quando terminou, Rachel sentiu impulso de confortá-lo ao ver
que mergulhara o rosto no travesseiro.
Mas não conseguiu ceder e lhe dar o que era mais importante. E o problema
era que ela não sabia o que era o mais importante! Já não reconhecia mais o que
estava causando a distância entre eles.
Lydia, lembrou a si mesma. Lydia. Mesmo assim, o nome já estava perdendo
o poder de ferir profundamente como há algum tempo.

Nos dias seguintes, Rachel entrou numa correria com os preparativos para
o Natal. Ignorou o estômago que incomodava até que um dia à noite, perto da
hora de Daniel chegar de viagem, sentia-se tão mal que resolveu desistir do que
fazia e ir para a cama.
Estavam todos na sala, tentando erguer a árvore de Natal que acabara de
ser entregue, quando Daniel entrou. Um sorriso suavizou-lhe a expressão ao ver
o esforço deles no meio dos galhos.
—Vejo que ainda sou necessário para uns pequenos serviços por aqui — ele
brincou, fazendo quatro rostos se virarem com surpresa.
As crianças abandonaram Rachel e correram para o pai. Ele despencou no
carpete, sufocado pelos gêmeos que riam e gritavam, enquanto Michael
engatinhava depressa para alcançá-los.
Ela sorriu ao ver a guerra no chão da sala. E foi então que enxergou, de
verdade, por que valia a pena manter o casamento.
“Família”. Amor familiar. Uma conexão ao mesmo tempo simples e
complicada, que os ligava de tal modo que mesmo quando um parecia escapar, não
conseguia, porque os outros o puxavam de volta.
Ver Daniel no chão com os filhos era ver o antigo Daniel, e não o
empresário apressado e sem tempo para aproveitar o amor que as crianças
ofereciam,
Ele estava deitado no chão com os três em cima, Michael entre os gêmeos
que lhe seguravam os braços e pernas.
—Eu me rendo! — Daniel gritou. — Ajude-me, Rachel! Socorro!
Com cuidado, para não cair em cima deles, ela pegou Michael em um braço
e, com o outro, puxou Kate, deixando Daniel livrar-se de Sam. Ele levantou-se
com o filho agarrado a seu pescoço e encheu-o de beijos estalados.
Sam protestou, na verdade, adorando cada minuto. A única maneira de dar a
garotos de seis anos os beijos e carinhos que precisam, e não admitem, era
brincando como Daniel fazia. Ao ser colocado no chão, Sam estava corado de
alegria, mas fingiu não gostar. Logo riu, vendo o pai atrás de Kate. Ela era mais
fácil de ser apanhada. Fingiu relutar, mas o que mais queria era ser carregada
pelos braços fortes e receber muitos beijos.
O pequeno Michael olhava divertido. Rachel abraçou-o com força,
lembrando que também tinha sua vez, antigamente.
Daniel pensava a mesma coisa ao colocar Kate no chão e olhar incerto para
Rachel. Sentindo-se tímida, estendeu Michael e baixou os olhos. Daniel
compreendeu e deitou-se no sofá para brincar com o bebê.
Naquele momento, a árvore de Natal ameaçou cair. Rachel correu para
segurar e ficou presa nos galhos. Daniel levantou-se depressa, alcançou-a e
colocou a árvore no lugar. Ela foi desembaraçada dos galhos, por mãos gentis e
firmes.
—Você arranhou o queixo — ele observou e abaixou a cabeça para pousar
os lábios na pequena marca no canto da boca de Rachel. Passou a língua com
suavidade e ela sentiu um arrepio de desejo.
—Olá — murmurou com suavidade, reparando que ela corava.
—Oi— ela respondeu, sem coragem de enfrentar seu olhar. Então a boca
de Daniel procurou a dela outra vez, para um beijo mais profundo e íntimo. O
calor dos corpos envolveu-os e se entregaram sem reservas.
A campainha tocou, forçando uma separação relutante, e os gêmeos foram
abrir a porta para a avó, que já era esperada.
—Sua mãe vai levá-los a uma celebração de Natal —Rachel explicou.
—Vai mesmo? — ele respondeu, olhando-a com intensidade. — Bom —
murmurou e beijou-a outra vez, devagar, suave, brincando com a língua em seus
lábios.
Jenny entrou na sala e parou ao perceber o que se passava. Rachel nem
escutou-a entrar. Absorvida pelo amor que pensara perdido para sempre, sentiu
um calor sensual que se espalhava pelo corpo, abraçou Daniel e se beijaram com
paixão. Finalmente se separaram, sem fôlego. Jenny Masterson sorria para eles,
com um brilho de esperança no olhar ansioso.
Rachel ajudou a colocar o agasalho nas crianças e Daniel fixou a árvore no
lugar Só então ela lembrou da reorganização que fizera no andar superior e
mordeu os lábios pensando numa boa explicação.
Despediram-se de Jenny e das crianças e subiram de mãos dadas até o
quarto. Daniel começou a afrouxar a gravata Rachel o olhava nervosa.
—Daniel.., eu...
Ele não pareceu ouvir e foi para o banheiro. Então...
—O que foi que aconteceu?...
Daniel saiu para a porta, olhando-a, incrédulo.
—Eu precisava colocar meus pais em algum lugar. Era a única solução.
Estendeu a mão agitada pelo quarto, onde o banheiro brilhante e limpo, ostentava
a pia vazia. Também esvaziara uma parte de seu armário e colocara as roupas no
de Daniel.
—E nós dois vamos dormir em que quarto? — ele perguntou bravo.
Rachel fez um gesto na direção da porta.
—Vai dar tudo certo — ela disse nervosa. — Comprei duas camas novas
para os quartos de Sam e Kate. Sua mãe pode dormir no quarto com Kate. —
Jenny sempre dormia lá na noite do Natal para ver as crianças abrirem os
presentes logo cedo. —Vou dormir com Michael e você pode dormir no quarto de
Sam. São só duas noites, Daniel. —Você sabe que se colocarmos os gêmeos no
mesmo quarto nunca vão dormir.
—Que droga! — ele explodiu. — O que houve com você, Rachel? Por que
tenho de oferecer minha cama para os seus pais? Por que eles não podem dormir
nas outras camas? Ou fez isto só para me irritar? Porque, se foi de propósito,
vou avisar que estou no limite!
Rachel sentiu-se injustiçada.
—Desde quando meus pais causaram algum problema? Você os agüenta aqui
só uma vez por ano. Pelo amor de Deus, tenha um pouco de consideração. Amanhã
vão dirigir até aqui depois de trabalhar o dia todo. Eles estão envelhecendo,
Daniel, não ficarão confortáveis com os gêmeos!
Daniel sacudiu a cabeça muito bravo para conseguir escutá-la.
—Eu ainda não acredito no que você fez. Chego depois de uma semana
infernal em Huddersfield, procurando um pouco de consolo em minha própria
casa e o que encontro? Uma esposa vingativa que me expulsou do quarto. O que
eu sei é que você não quis mudar para uma casa maior, por que então eu devo
perder meu conforto?
O olhar acusador dele fixou o rosto de Rachel.
—Que droga, droga, droga!
—Por que não vai ficar com Lydia, então? Quem sabe ela te acomoda
melhor? — ela disse, irritada, e saiu do quarto sem dar tempo para ele responder.
Desceu para a cozinha e, em vez de colocar a louça na máquina, resolveu
lavar tudo na tentativa de se acalmar. Duas mãos apareceram ao lado de sua
cintura, prendendo-a contra a pia e uma boca cálida beijou-lhe a nuca.
—Desculpe — Daniel murmurou, —eu não queria dizer nada daquilo.
Ela esfregou o prato com mais força.
—Então por que falou?
—Porque... — ele não terminou a frase, preferindo beijar seu pescoço.
—Por que o quê? — ela insistiu, empurrando-o com o ombro.
—Porque fiquei desapontado. Só pensei em você naquela cama durante a
semana inteira. Porque esqueci que seus pais viriam, porque não quero dormir no
quarto de Sam. —Quero dormir com você. Quero acordar na manhã do Natal com
seu rosto ao meu lado. Existe mais um milhão de porquês, mas o mais importante
é que está me tirando o único lugar onde me sinto próximo de você. Eu preciso
daquela cama, Rachel!
Com um movimento brusco, ela deixou o prato cair na pia e chorando, virou-
se para abraçá-lo.
—Desculpe, Daniel, estou tão infeliz!
—Eu sei — ele concordou, abraçando-a com carinho.
Finalmente, ela parou de chorar e acalmou-se. Daniel ergueu seu queixo
com a mão.
—Minha mãe vai me matar se vir você assim. Basta um olhar e ela vai me
culpar sem ouvir explicações.
Rachel sorriu porque ele estava certo. Jenny ficava sempre do seu lado,
mesmo se não tivesse razão.
—Você me desculpa? — ele perguntou e afastando uma mecha do cabelo
loiro do queixo molhado. — Vamos fazer uma trégua e ter um Natal gostoso? Até
desisto da minha cama, se te deixar feliz!
—E quem disse que isso me deixa feliz?
Abaixou a cabeça para procurar um lenço no bolso dele e não evitou um
sorriso quando seus dedos tocaram de leve o sexo de Daniel.
—Sua pequena provocadora! — acusou, divertido com o lampejo de humor
da antiga e brincalhona Rachel. — Uma trégua, por favor.
—Está bem.
Ele empurrou-a para fora da cozinha.
—Venha conversar comigo enquanto me troco.
Subiram, e Daniel lançou um olhar cobiçoso para a cama.
—E claro que esta noite ainda podemos ficar no quarto —ela disse
casualmente, e recebeu um beijo.

O Natal foi ótimo, mas passou depressa. Logo chegou a hora de Rachel
decidir se continuava o curso com Zac. Daniel não comentou o assunto, mas sua
opinião estava estampada no rosto sempre que a via desenhando. Por sua vez, ela
queria tomar a decisão sem interferências.
Aos poucos, voltaram a ser estranhos na mesma casa. Rachel sabia que
noventa por cento da culpa era dela. Daniel era um homem muito sensual e sentia
sua virilidade ameaçada porque ela não se satisfazia. Ele detestava as restrições
que ela impusera: escuridão, silêncio e relutância em ceder aos instintos sexuais.
Ao acordar, depois de uma noite particularmente desastrosa, decidiu que
precisava fazer alguma coisa para salvar o casamento. Temia que, se Daniel
ficasse sob pressão outra vez, fosse procurar satisfação completa fora de casa.
Isto lhe dava uma insegurança tremenda, mexendo com seus nervos a
ponto de estar sempre com o estômago enjoado, sem nenhuma melhora, havia
semanas.
Ao pensar em quantas semanas, sentiu o sangue congelar.

CAPÍTULO X
Duas horas da tarde de uma quarta-feira, Daniel trabalhava na minuta de
um contrato, quando o telefone tocou.
—Uma pessoa na linha para o senhor. Ela diz que é a sra. Masterson.
Um arrepio gelado percorreu sua coluna. Rachel nunca telefonava para o
escritório. Um acidente com uma das crianças? Alarmado, atendeu a ligação.
Ficou tão preocupado com o que poderia ter acontecido, que não entendeu a voz
urgente, que não era a de Rachel.
—Mamãe, será que pode repetir? Acho que não compreendi uma só palavra
do que disse.
Deixou o escritório e dirigiu apressado para casa. Sua mãe abriu a porta,
antes mesmo que ele parasse o carro.
—Ela está lá dentro. Está tão triste, meu filho.
Daniel entrou na sala e encontrou Rachel enrolada em um cobertor no
canto do sofá, aos prantos. Aproximou-se com cuidado e tocou seu ombro.
—Rachel?
—Vá embora! — ela soluçou.
Ele ficou intrigado. Nunca vira a esposa naquele estado, tão abatida que
nem conseguia dizer qual era o problema. Acariciou-a, tentando imaginar o que
poderia ter acontecido.
O nome de Zac Cailum passou por sua mente e sentiu ódio.
—Rachel... — Ele passou a mão pelo cabelo dela e assustou-se com o estado
febril. — Pelo amor de Deus, fale comigo! O que está acontecendo?
Sem saber o que fazer, pegou-a no colo e sentou-se no sofá.
—Foi tudo sua culpa — ela soluçou de repente. Culpa dele. Daniel tentou
lembrar-se dos últimos dias, querendo descobrir o motivo de tanto desespero.
Não conseguia pensar em nada. Fora muito diplomático. Não fizera comentários
a respeito das aulas de arte, nem a procurara com insistência.
—Você deveria ter tomado as providências — ela disse, triste.
—Providências do quê? Os soluços ficaram mais fortes e Daniel tomou o
controle da situação, colocando-a sentada, afastando o cobertor e acariciando o
rosto fervente.
—Fique calma, agora!
O tom de voz aumentou seu choro. Ele puxou o lenço do bolso e enxugou
as lágrimas. Assustado com a febre alta, tirou-lhe o suéter de lã e ela tremeu
quando o ar frio atingiu-a através da camiseta.
—Agora — ele disse, —vamos conversar com calma.
—Pelo que entendi, você disse que eu sou culpado de alguma coisa. O que
é, Rachel? Se não falar, como vou poder ajudar?
As lágrimas voltaram a cair.
—Você não pode ajudar, Daniel! —Estou grávida e a culpa é sua. —Prometeu
que cuidaria do assunto.
Ele deveria ter tomado cuidado e ela engravidou dos gêmeos. Depois,
Rachel tomou pílula por cinco anos e precisou parar, pois estava lhe fazendo mal.
Daniel voltou a cuidar do assunto e veio Michael!
—Você é um inútil! Serve para ganhar milhões em suas empresas, mas não
presta para mais nada! Pelo amor de Deus, eu só tenho vinte cinco anos! Se
continuar assim, vou morrer antes dos trinta.
Daniel escondeu o rosto no pescoço dela, para esconder o sorriso.
—Psiu, ainda estou tentando absorver a novidade. Rachel estava brava e
sentou-se ereta.
—Sabe no que me transformei? Numa máquina parideira! Não é à toa que
me mantém escondida dentro de casa, Daniel! O que diriam seus amigos de
negócios se soubessem a eficiente linha de produção que instalou na própria
casa?
—Chega, Rachel! — Desta vez ele não disfarçou a risada.
— Não posso pensar enquanto fica com estas acusações doidas!
—Mas estou grávida e não quero estar!
—De quanto tempo? — ele perguntou.
—Três meses.
—Meu Deus! — Só então a compreensão atingiu-o como atingira Rachel
quando o médico lhe dera a notícia naquela manhã. — Isto quer dizer que...
—Sim. —Ela não precisava dizer mais nada. Engravidara na relação
enlouquecida que tiveram depois da discussão sobre Lydia.
Ficaram em silêncio, pensativos. Ela se encostou em Daniel, que acariciava
seu cabelo com expressão ausente. Rachel lembrou-se da outra vez que sentara
assim, recebendo o mesmo carinho enquanto ele pensava. Não houve raiva naquela
época e não havia agora. —Bem — ele disse subitamente — então é isto. — Virou
o rosto e beijou os lábios dela. — Querendo ou não, vamos comprar uma casa
maior. Não há mais quartos disponíveis aqui!
Com os gêmeos, ele usara uma frase parecida para anunciar sua
concordância. Daniel tinha esta capacidade de aceitar o inevitável.

Rachel tomou a decisão de não voltar ao curso de arte. As aulas lhe


trouxeram de volta o prazer de desenhar, mas achou que não valia a pena
recomeçar enquanto Zac fosse o professor.
Embora nenhum dos dois mencionasse o assunto, Daniel a levava para
jantar fora toda quarta-feira, como se fosse uma compensação pelo que perdera.
Mas Rachel não parou de desenhar e enchia vários cadernos com caricaturas
divertidas.
Começaram a procurar outra casa. Depois de um fim de semana
infrutífero, nenhuma das casas tinha tudo que queriam, ela perguntou a Daniel:
—Afinal, por que quer uma casa tão grande? Não precisamos de tantas
salas para receber seus amigos de negócios.
Ele continuava a manter uma separação entre a casa e o escritório e isto
ainda a magoava.
—Esta casa não é grande o suficiente para receber ninguém. —Eu acho,
Rachel, que, depois de tudo que trabalhei, temos dinheiro para comprar qualquer
casa. Por que então não escolher uma que nos dê prazer?
Finalmente acharam a casa ideal. Uma construção antiga de tijolos
vermelhos com portas e altas janelas brancas, que enchiam de luz os cômodos de
teto altíssimo. A casa ficava no meio de um enorme gramado, cercada por um
muro de tijolos aparentes atrás do qual alinhavam-se árvores altas. Preenchia a
idéia de prestígio para Daniel, e a idéia de um lar para Rachel. Os gêmeos
adoraram porque havia uma piscina coberta e um estábulo. E, para completar, na
entrada, ao lado do portão eletrônico, havia um chalé para hóspedes, pelo qual a
mãe de Daniel apaixonou-se à primeira vista.
Também havia uma casa para os caseiros que estavam lá há vinte anos e
ansiosos para saber o que lhes aconteceria com a venda da casa. Rachel gostou
do casal e Daniel decidiu mantê-los. Contratariam uma arrumadeira e um
jardineiro que ajudaria como motorista para levar e trazer as crianças do
colégio.
Rachel começou a comprar móveis e decorar a casa e descobriu que tinha
muito jeito. Estava passando melhor nesta gravidez que na de Michael. A
primavera chegou e as obras adiantaram o suficiente para permitir a mudança.
Daniel trabalhava muito em outro contrato em Manchester e passava mais tempo
no norte que em Londres.
Para Rachel, o fantasma de Lydia quase desaparecera. Não assombrava
mais suas noites de amor, embora ainda precisasse da escuridão para se
esconder quando se entregava. Pelo menos parecia estar superando a traição que
por pouco não destruiu seu casamento.

A crise dos sete anos, era como se referia com cinismo na privacidade de
sua mente. Se outra traição não ocorresse nos próximos sete anos, então talvez
pudesse superar. Sabia com certeza que nunca deixaria Daniel. O amor da família
era mais importante, principalmente com a nova criança que logo viria. Mas amor
de Daniel? Ela duvidava. Fora um sonho da Rachel romântica e infantil.
Uma tarde estava sentada no chão do quarto, separando algumas roupas
velhas para doar antes da mudança, quando Daniel chegou inesperadamente de
uma das viagens a Manchester. Ele parecia cansado e olhou com irritação para
as roupas espalhadas.
—Por que não contrata alguém para fazer este trabalho? — disse
impaciente, tirando o paletó e a gravata e andando com cuidado para não pisar
na bagunça que estava em seu caminho para o banheiro.
—Não quero estranhos mexendo em nossas coisas pessoais e, além disso,
só eu sei o que é para ficar e o que é para ser doado.
Sem responder, ele bateu a porta do banheiro. Saiu do banho com uma
toalha enrolada no quadril e foi deitar-se ao lado de Rachel que já estava na
cama, desenhando.
—O que está fazendo? — ele perguntou e inclinou-se para ver o caderno.
—Sua bruxa! — exclamou, ao ver o que ela tinha desenhado.
Daniel riu ao se reconhecer desenhado nu, como um diabo com chifres e
rabo, embaixo do chuveiro. Em vez de água caindo, labaredas subiam ao seu
redor. Puxou o caderno das mãos dela. Rachel esticou-se para pegar mas foi
impedida. Daniel passou o braço sobre a barriga redonda, prendendo-a no lugar.
Abriu o caderno na primeira página e começou a olhar devagar.
Ela ficou imóvel, o coração disparado de ansiedade enquanto ele estudava
cada página com atenção. Não sorriu ao ver os desenhos. O caderno que folheava
não tinha caricaturas a não ser a que acabara de ser feita. Era seu trabalho mais
sério, até então mantido longe de olhares curiosos.
O retrato de Sam refletia seus traços com perfeição, tão parecido com
Daniel. Kate aparecia com o longo cabelo loiro emoldurando o rosto satisfeito.
Captara sua expressão quando pediu ao pai para comprar um pônei para a nova
casa.
Havia muitos desenhos de Michael, pois era o que passava mais tempo a
seu lado.
—Os desenhos são bons —Daniel disse, sério.
Rachel inspirou fundo, pois sabia o que havia na próxima página.
—Obrigada — ela disse e fez menção de pegar o caderno. Daniel não
permitiu e assim que virou a folha ficou chocado. Ele esperava se ver desenhado,
ela percebeu depois. Parecia lógico depois dos filhos, mas não era Daniel.
O desenho mostrava o rosto de uma jovem Rachel, que mudara pouco ao
longo dos anos. A boca cheia e suave, o nariz delicado. Mas os olhos, sempre
expressivos, mostravam uma tristeza que tocava a alma. Para Rachel, era como
olhar uma estranha. Odiou o desenho ao terminar. Captara a criatura triste que
as pessoas viam quando a olhavam nos dias atuais. Fizera uma cruz atravessando
a página.
—Por que fez isto? — Daniel perguntou e percorreu com o dedo uma das
linhas da cruz que cruzava o canto da boca.
Rachel sentou-se na cama e afastou-se dele.
—Ela não é como eu. Não gosto dela!
Sem comentários, ele estudou o desenho por um longo tempo e Rachel
levantou da cama, fingindo interesse nas roupas jogadas no chão.
—Nem de mim — ele finalmente falou ao virar a página e dar de cara com
o demônio.
O sorriso de Rachel foi forçado.
—Como pode dizer isto? — zombou. — É assim que eu te enxergo.
Sabia o motivo, mas não conseguia explicar por que nunca desenhava
Daniel. Ele era diferente. Apesar de ser parte da família, de certo modo não era.
Os outros rostos no caderno eram parte dela. Daniel costumava ser a sua parte
mais importante; mas não era mais. Desaparecia no lugar de seu coração de onde
brotavam os desenhos.
Ele não a amava como os outros. Era o elo quebrado da corrente familiar.
Pegou o caderno e guardou dentro do armário, só então encarou Daniel,
que continuava deitado na cama.
—Onde está Michael?
—Foi passar o dia com sua mãe — ela respondeu, com um frio ria barriga.
Seus olhos se encontraram e percebeu o desejo começando a queimar dentro
dele. Ficou parada ao lado da cama, nervosa e insegura, sentindo ondas que
percorriam seu corpo, ansiosa por tocar Daniel.
Mesmo longe, sentia a masculinidade dele invadindo-a e olhou o corpo
forte e sensual.
O sol entrava pela janela, e Rachel notou feliz que, pela primeira vez em
meses, conseguia olhar o corpo dele abertamente. Sua necessidade da escuridão
negava-lhe este prazer e o de ver os olhos dele brilhando de paixão. Ele estendeu
a mão num convite mudo e ela aceitou, incapaz de resistir. Os dedos dele
apertaram-lhe a mão com cuidado para não quebrar o contato hipnótico dos
olhares e puxou-a com carinho para seu corpo.
Rachel usava apenas um vestido leve de malha. Ele passou a mão pela sua
barriga depois pelo quadril e coxa até encontrar a barra do vestido, e ela segurou
a respiração. As mãos carinhosas pararam, o olhar inquisitivo esperando sua
resposta. Deixou escapar o ar com um suspiro de prazer e inclinou a cabeça para
beijá-lo.
Daniel deitou de costas, trazendo-a com ele ao mesmo tempo que a despia.
Logo estavam dominados pela paixão, famintos, carentes, abertos para os jogos
sensuais do amor.
Rachel estava pronta, há muito tempo não sentia tal urgência de ser
penetrada e puxou-o pelo quadril. Amou-o com todos os sentidos e abriu os olhos
para ver o homem adorado, seus traços bonitos e apaixonados. Então o fantasma
apareceu e ela fechou os olhos com força, frustrada ao perceber a rejeição
paralisando seu corpo.
—Não! —Daniel disse com violência ao perceber o que se passava. — Que
droga Rachel, vamos olhe para mim!
Ela lutou com todas as forças agarrada em Daniel.
—Rachel, pelo amor de Deus, abra os olhos!
Devagar, seus olhos abriram e ela focalizou o rosto tenso a sua frente.
Podia ser que Daniel não a amasse, mas ele a desejava com furor, mesmo depois
do que passaram nos últimos seis meses. O desejo de Daniel ainda era tão
urgente que o fazia tremer contra seu corpo, e talvez fosse o suficiente...
—Não! — ele disse assim que ela ameaçou fechar os olhos. — Desta vez
não vai me rejeitar!
Ele segurou o rosto dela com suavidade, obrigando-a a ouvir.
—Escute, você me quer, mas não vai dar certo até que olhe para mim e me
aceite como o homem que deseja. Com todos meus erros. Eu, o homem que era
antes de te magoar profundamente e o homem que sou neste momento!
—E se eu não conseguir aceitar o que fez ao nosso relacionamento?
—Você nunca mais vai me ter. Não posso continuar fazendo amor com uma
mulher que se esconde no escuro antes de me aceitar dentro dela.
Daniel afastou-se enquanto ela pensava. Recebera um ultimato. Ele queria
que ela voltasse a confiar ou não teria mais o relacionamento físico no casamento.
Não acreditava que ele pudesse ter jogado a decisão em suas mãos. Se não
fizesse concessões, não haveria um futuro para eles.
Uma sombra de ressentimento atormentou-a, mas sabia que ele estava
com a razão. Se não o aceitasse completamente o casamento acabaria. Confusa,
não sabia que decisão tomar.
Ainda pensava no assunto quando uma semana mais tarde um fato
aconteceu, transformando seus problemas anteriores em fumaça.
Os gêmeos desapareceram.
CAPÍTULO XI

Ao perceber o desaparecimento dos gêmeos, Rachel assumiu a culpa. Fora


a semana mais tensa dos últimos tempos.
Daniel agia de modo frio, sem esconder a irritação com ela, e todos na
casa ficaram aliviados quando ele viajou para Manchester.
Devido aos feriados da Páscoa, os gêmeos não tiveram aula e ficaram o dia
todo em casa. Excitados com a proximidade da mudança, importunavam a mãe,
cujos nervos estavam em frangalhos.
Rachel empacotava algumas louças quando ouviu o telefone. Reclamou
baixo, levantou-se e atravessou a sala para atender, mas assim que chegou no
hall já havia parado de tocar.
—Era o papai no telefone —ele informou, seco. Ainda não perdoara a mãe
por ter gritado ao ver que derrubara suco de laranja no chão da cozinha. Sentia-
se injustiçado, pois o suco era para o Michel, queria poupá-la do traba-lho. Rachel
não reconheceu a ajuda, só enxergou a sujeira que teria de limpar e perdeu a
paciência. —Ele mandou avisar que está saindo de Manchester. Antes de vir para
casa vai passar no escritório, por isso chegará tarde.
—Eu tinha pedido para ele chegar mais cedo e jogar com a gente —
informou Kate.
—Suponho que ele desligou depressa, tremendo de medo! —Rachel falou
com intenção de ser sarcástica com Daniel, mas os gêmeos entenderam errado e
Kate corou de raiva.
—Não, ele não desligou —ela gritou. —Ele disse que preferia jogar com a
gente, em vez de fazer aquele trabalho chato! E você está uma mamãe muito
chata!
Com lágrimas nos olhos, Kate desceu correndo e Sam foi atrás dela. Rachel
apoiou uma mão na barriga e a outra na cabeça que estourava de dor. As crianças
não mereciam sua irritação. Desceu para se desculpar, mas eles a ignoraram,
fingindo ver televisão.
Pegou Michael do chão onde brincava contente com os blocos coloridos e
encarou os gêmeos na esperança de que eles a olhassem. Como não se moveram,
sentiu a irritação de volta e saiu da sala com o bebê no colo.
Uma hora mais tarde, quase enlouqueceu. Procurou por todos os lugares,
mas os gêmeos haviam sumido.
Rachel guiou em volta dos parques vizinhos. Depois foi até a casa de Jenny,
ela passaria o dia fora com uma amiga, mas as crianças não sabiam e poderiam
ter ido até lá. Revirou a casa e até ligou para a nova, numa falsa esperança que
de algum modo eles soubessem o caminho. Os caseiros não sabiam de nada, e já
pensava em chamar a polícia quando o telefone tocou.
Atendeu com a mão tremendo.
—Sra. Masterson? — uma voz incerta perguntou.
—Sim.
—Aqui é a secretária do seu marido...
Sentiu o coração disparar.
—Ele já chegou? — ela perguntou.
—Ainda não. Mas seus filhos estão aqui à procura do pai e eu...
—Eles estão aí com você? Sim, senhora.
—Ah, meu Deus! Eles estão bem?
—Sim, estão ótimos.
Rachel deixou-se cair sentada no último degrau de escada, aliviada, mas
levantou-se logo.
—Por favor, poderia tomar conta deles? Já estou indo buscá-los —
sussurrou.
Com um soluço, desligou o telefone e correu para pegar Michael. Chegou
às Empresas Masterson no fim do horário de almoço. A moderna área da entrada
estava lotada de pessoas circulando para os respectivos escritórios.
Chocada com o movimento, envergonhou-se por vestir uma calça fuseau
antiga e uma das camisetas de Daniel, e ficou olhando aturdida. Sem enxergar
as crianças, decidiu perguntar na recepção. Caminhou através do enorme hall até
uma jovem recepcionista, que flertava com um dos funcionários sentado na
beirada da sua mesa.
—Desculpe — ela interrompeu o idílio. — Sou Rachel Masterson, minhas
crianças...
—Sra. Masterson! — A garota levantou-se e olhou-a incrédula. O
companheiro afastou-se e encarou-a, e Rachel não os culpou por ficarem
chocados com sua aparência, só queria saber dos filhos.
—Sabe onde estão meus filhos? — perguntou, sem perceber que a
alteração de voz da recepcionista atraíra a atenção das pessoas no hall, que a
olhavam com curiosidade.
—Oh, o sr. Masterson chegou há pouco e está com eles no escritório, ele
pediu para a senhora...
—Se quiser eu a levo — o jovem ofereceu.
Atordoada, Rachel virou-se para ele e concordou com um aceno.
—Obrigada — murmurou, e seguiu-o através de corredores.
O elevador parou e deixou-os num corredor largo, cujo carpete macio
amortecia seus passos enquanto andavam até uma enorme porta de carvalho. O
jovem bateu, esperou um momento e abriu, afastando-se para lhe passagem.
Rachel parou na entrada. Olhou para Daniel, que se apoiava numa
escrivaninha de madeira, os braços cruzados no peito, o olhar severo para as
duas pequenas figuras sentadas juntas, num sofá de couro e teve vontade de
chorar. Colocou Michael no chão e sussurrou:
—Oh, Sammy, Kate!
Com um gemido, caiu desmaiada. Ao acordar, percebeu que estava deitada
no sofá, com algo gelado na testa e quatro rostos ansiosos encarando-a. Deu um
sorriso fraco, e em troca recebeu outros quatro.
Daniel sentava-se a seu lado, com Michael no colo, segurando sua mão com
firmeza. Sammy e Kate, o ladeavam, cada um inclinado sobre um dos ombros. Era
uma cena bonita e ela desejou ter papel e lápis por perto, para captar a imagem
para sempre.
—Como está se sentindo? — perguntou Daniel.
—Um pouco confusa. —Sorriu e voltou a atenção para os dois fugitivos. —
Vocês me desculpam?
Sammy e Kate abraçaram a mãe, se desculparam e reafirmaram seu amor
e preocupação com o desmaio. Depois, se entusiasmaram contando a aventura: o
telefonema para o táxi, a contagem das moedas nos cofrinhos, a chegada ao
escritório e a descoberta que o pai não se encontrava, deixando todos em pânico.
—E apavorando sua mãe até quase a loucura — Daniel completou.
Ele olhou sério para Kate, que baixou a cabeça envergonhada.
—Eles planejaram tudo. — Daniel explicou os fatos. —Telefonaram para o
ponto que você costuma chamar. Deram a desculpa da mãe doente, na cama,
enviando os filhos para o pai tomar conta. Apresentaram até um dos meus
cartões de visita com o endereço da firma. Um serviço profissional.
—Oh, Kate! — Rachel exclamou, lembrando o orgulho da garota ao receber
a tarefa de ligar para o ponto de táxi quando Daniel viajava e não podia levá-los
ao colégio. —Você abusou da minha confiança!
A criança escondeu o rosto no ombro da mãe.
—Mas fui eu que tive a idéia de usar o cartão do papai —Sammy falou,
compartilhando a culpa.
Porém, todos sabiam que a precoce Kate era a mentora do plano.
—Desculpe — a garota sussurrou, enxugando as lágrimas.
O fato de Kate não procurar o colo do pai para consolo era um indício claro
das reprimendas que os gêmeos ouviram antes da chegada da mãe.
Daniel, pálido e abatido, segurava Michael com força, acariciando o bebê
como se necessitasse sentir o conforto de um dos filhos, porque estava muito
zangado para fazer o que tinha vontade: abraçar os gêmeos bem apertado.
Percebeu que Rachel o olhava e sorriu.
—Minha secretária vai trazer um café. Assim que chegar, vou pedir que
leve as crianças até a lanchonete e poderemos conversar.
Seria uma conversa difícil. Rachel sentou-se no sofá e logo uma moça
bonita entrou e colocou a bandeja sobre a escrivaninha.
Daniel explicou aos gêmeos que a secretária os levaria para almoçar e ela
saiu da sala com as crianças e o pequeno Michael nos braços. Ele serviu uma
xícara para Rachel e sentou ao lado dela no sofá.
—Vamos lá, conte o que aconteceu.
—Tenho estado impaciente com eles — admitiu. — Hoje, mais que o normal.
Com certeza, sentiram-se negligenciados e vieram à procura de conforto. Pensei
que tinham ido até a casa de sua mãe... Procurei em todos os lugares, jamais
passou pela minha cabeça que eles pudessem vir aqui!
—Agora já acabou. Não fique preocupada, você viu que eles estão bem.
Ela concordou, lutando para não chorar.
—Você me desculpa?
—Por quê?
—Por ser uma péssima mãe... e por nos intrometermos aqui.
Daniel mostrou impaciência.
—Rachel, algumas vezes eu não entendo o que você tem em mente!
—Bateu neles?
—Não, consegui controlar a mão. Em compensação, falei que o que fizeram
foi estúpido, perigoso e intencional. Sam ouviu em silêncio, mas Kate ficou
chocada. Acho que nunca havia gritado assim com eles.
—Kate vai te perdoar — Rachel assegurou.
—Se ela puxou a mãe, não vai não!
—O meu caso não é perdão. É tentar esquecer e não estou conseguindo.
Você virou minha vida pelo avesso, Daniel!
—Eu sei. —A minha também, só que eu merecia sofrer e você, nunca.
—Então por que isto aconteceu?
Daniel inspirou profundamente e passou a mão no cabelo.
—Porque ela estava perto — ele respondeu, ríspido.
—Acho que a magoou muito.
—Eu magoei? Ela não é do mesmo tipo que você, Rachel. Mulheres como
Lydia não se deixam magoar com facilidade.
—Isto resolve parte do problema, não?
—De jeito nenhum. Mas não me sinto culpado por magoar os sentimentos
dela quando não deu a mínima para os meus.
Rachel não entendeu a colocação e olhou para ele com expressão confusa.
—Se eu tentar te explicar tudo, promete que me escuta?
Não sabia. Agüentaria escutar uma história sórdida? Desviou o olhar,
incerta do que responder. A mão de Daniel cobriu a dela com carinho.
—Por favor, Rachel. Você foi e sempre será a única mulher que eu amo. Se
não quer ouvir mais nada, pelo menos escute esta verdade.
—Por que, então, Lydia?
—Porque, por um curto período no ano passado, eu perdi o controle, não
apenas do nosso relacionamento, mas aqui na empresa também. Lydia foi uma
válvula de escape, pura e simples. — Ele encarou a esposa com um sorriso
desapontado. —Eu estava sob terrível pressão e usei-a para ter algum alívio.
O que aquela confissão significava? Rachel encarou-o rancor.
—Então devo esquecer e perdoar? E esperar sentada a próxima vez que
se sentir pressionado e procurar alívio com qualquer outra disponível?
—Não, isto nunca mais vai acontecer, porque não funcionou na primeira
vez.
Daniel estudou o rosto sério e magoado para ver se ela ia entendida aonde
ele queria chegar, mas percebeu não,
—Você e sua eterna inocência!
—Tirou minha inocência quando eu estava com dezessete anos, Daniel!
—Não, Rachel, você se entregou de livre e espontânea vontade. E, acredite
ou não, minha intenção era outra. Não — ele segurou as mãos dela com firmeza,
— não me entenda mal. Eu sempre te quis, sempre fui louco por você. Eu sabia
que era muito nova, que deveria me afastar, mas foi impossível. Decidi então
manter um namoro sem intimidade, e nem isso eu consegui. Eu estava tão
apaixonado e obcecado, que até meu trabalho começou a piorar. O seu também.
Você era primeira aluna da classe e relaxou nos estudos para ficar comigo. Seus
pais me procuraram...
Ela surpreendeu-se com a novidade. Os pais eram secos em relação ao
namoro, mas nunca imaginou...
—Eles desaprovavam nosso relacionamento — ele continuou. — Com toda
razão. Eu colocava em risco seus anos de estudo. Por sua causa, deixei de lado os
planos para minha carreira.
—Não parece — ela disse, mostrando o escritório luxuoso com um amplo
gesto. —Apesar de mim, conseguiu realizar seus sonhos.
—Sim, mas à custa dos seus.
—Como sabe que eu tinha sonhos, se nunca se incomodou em perguntar?
—Eu sei que queria ir para a faculdade de Artes. Seu sonho era trabalhar
com propaganda, criação.
—Era mesmo? Isto mostra como você me conhece pouco.
—Então, o que é que você deseja? — ele perguntou, tenso, como se na
verdade não quisesse saber a resposta.
Rachel queria dizer que ele era tudo que sempre quis na vida, mas, na
defensiva, zombou com palavras ferinas.
—Vamos dizer que eu tive o que mereci.
—Eu estava a ponto de deixá-la quando me contou sobre a gravidez.
Lembra-se que eu estava aqui em Londres e cheguei de viagem naquele dia? O
que não sabe é que eu havia feito uma série de entrevistas para um emprego fora
do país, longe de você.
Rachel suspeitara que sua gravidez fora um transtorno, quando soubera
de Lydia. Daniel não queria casar, simplesmente não tivera outra escolha.
Sentiu que ele acariciava suas mãos.
—Não, está me interpretando mal. Eu não queria deixá-la, mas me preparei
para sair de sua vida pelo seu bem! Você era muito jovem para ficar presa.
Aceitei o emprego porque achei que era o melhor para nós dois! Foi uma decisão
difícil, e eu me sentia péssimo quando cheguei de Londres preparado para me
despedir.
Ele parou de falar, o olhar turvo de tristeza.
—Então lá estava você, na minha frente, com todo aquele... e eu fiquei
morrendo por dentro porque ia perder tudo. A próxima coisa que me lembro —
ele engoliu em seco —é de termos feito amor quando não devíamos. Só piorou as
coisas. Como dizer para a mulher que você ama que vai deixá-la?
Daniel estava perdido nas reminiscências e não reparou que Rachel ficou
imóvel e pálida.
—Então, enquanto eu lutava para achar as palavras certas, você encostou
a cabeça no meu joelho e disse com a maior calma que estava grávida.
Ele sacudiu a cabeça e riu com ternura.
—Foi como ter uma corda no pescoço para ser enforcado e no próximo
minuto estar livre! Tão livre, que tudo que consegui fazer foi ficar sentado e
deixar a adrenalina se espalhar por meu corpo. Eu não tinha mais de me afastar,
porque você precisava de mim. Fiquei livre para descartar seus sonhos de ter
uma carreira, sua juventude. Pude fazer que realmente queria, ficar com você
sempre junto de mim, para ninguém descobrir o maravilhoso tesouro que eu
possuía.
Ele parou um instante e depois continuou, emocionado.
—Nos casamos e viemos morar aqui em Londres, no pequeno apartamento
de Camden Town. Nosso dinheiro era pouco, e nunca fui tão feliz! Então os
gêmeos nasceram e tive um lance de sorte que permitiu que eu tentasse realizar
meu sonho. Lembra como eu aplicava meu dinheiro em ações? — Ela concordou.
— Bem, logo depois, um lote teve grande valorização. Foi minha primeira aplicação
correta no mercado financeiro. Com o lucro eu poderia comprar uma casa ou
reinvestir, e foi o que eu fiz — confessou, como se fosse um pecado mortal.
Talvez naquela época até fosse, Rachel pensou. Ele nem se preocupara em
discutir com ela o que fazer. Mas talvez Daniel não fosse o homem bem-sucedido
de hoje, se precisasse pedir a opinião dos outros para tomar decisões de risco.
—Passei os meses seguintes com sensação de culpa, quando o apartamento
revelou-se mínimo para suportar a parafernália requerida por dois bebês. Então,
o investimento começou a pagar dividendos e bonificações e arrisquei mais uma
vez e reinvesti tudo. Depois disso, não parei mais. Eu tinha dom para o negócio.
Compramos a casa. Fundei minha própria empresa; comprei, saneei e vendi
pequenas firmas com lucro e cresci até a estabilidade de hoje. E sempre com
sacrifício. Quanto mais a empresa crescia, mais eu trabalhava, e naturalmente
minha presença nos círculos sociais era significativa para saber o que se passava
no mundo dos negócios.
Daniel sorriu e acariciou o rosto de Rachel, que ouvia com atenção.
—Entretanto, quanto mais eu convivia com as pessoas, mais determinado
ficava em proteger você da selva que é o mundo. Você era a única verdade da
minha vida. Eu chegava em casa e encontrava a doce garota por quem me
apaixonara e sabia que lutaria contra tudo para mantê-la igual!
Ele inspirou profundamente, aliviado por estar revelando tanto sobre o
homem que Rachel queria conhecer e jamais conseguira.
—De repente, você ficou grávida de Michael e uma das pequenas empresas
que comprei estava envolvida em fraude fiscal. Eu passava mais tempo fora de
casa do que deveria e quis facilitar sua vida. Mas você, querida Rachel, é teimosa
como não sei o quê — ele acrescentou sorrindo.
—Tínhamos dinheiro sobrando, e não me deixou contratar alguém para
ajudar.
Rachel ergueu o queixo em desafio.
—Se pode dirigir esta empresa sozinho Daniel, certamente eu também
posso dirigir uma pequena casa e três crianças!
—Acontece que cada pessoa tem o seu limite de resistência. Depois do
nascimento de Michael, você quase ultrapassou o seu. O garoto não dormiu por
quatro meses, bem na época do sarampo dos gêmeos.
E eu descobri seu caso com Lydia — ela acrescentou seca. Daniel sacudiu
a cabeça.
—Não, foi o resultado por eu ter ultrapassado meu limite, Rachel. Quase
perdi todo nosso patrimônio no processo contra a Harvey. Eles são maiores e
mais fortes e me queriam fora do caminho. Aproveitaram o processo de fraude
para me acusar. Tive de lutar com todas as armas para provar minha inocência.

CAPÍTULO XII

—Então Harvey queria tomar seu lugar?


Sempre pensara que a Empresa Harvey é que fosse pequena e não o
contrário!
—Foi uma verdadeira guerra — ele disse. — Ainda hoje, só de pensar nos
riscos que corri. E, naquela época, procurei conforto na sua companhia como
sempre fazia nos períodos difíceis, e você estava cansada e fraca, cuidando das
crianças. Senti ciúme, eu te queria Rachel, mas você estava fora de alcance, e
Lydia, não. Com a ajuda brilhante dela, venci a batalha judicial. E, por alguma
razão que só Deus sabe, com o alívio da vitória, extrapolei meu limite de
resistência, direto para os braços de Lydia.
—Quanto tempo?
—Quanto tempo, o quê?
—Durante quanto tempo ela foi sua amante?
Uma expressão estranha passou pelo rosto de Daniel.
—Ela nunca foi. Pelo menos, não como supõe. Tentei contar umas duas
vezes, e você nem quis escutar. Sei que a culpa é minha, afinal, traí você de todos
os modos, menos no sexo. Em vez de voltar para casa, saía com Lydia, levei-a para
jantar...
—Mandy me contou que viu você saindo do apartamento dela.
—Depois da disputa com a Harvey, fiquei desorientado —ele confessou,
relutante. —No fim do expediente, sentei aqui e bebi até não poder dirigir para
casa. Lydia me levou de carro ao apartamento dela, para curar a bebedeira. Ela
sabia muito bem o que fazia, e eu também sabia sua intenção, mas no fim não
consegui. Lydia não era você e, bêbado ou não, repudiei a simples idéia de tocá-
la. Ela deve ter percebido, pois virou as costas e me deixou sozinho na sala.
Apaguei de tão bêbado e, no dia seguinte, acordei numa cama estranha. Não sei
onde ela passou a noite. Só sei que quando acordei e tentei colocar uma ordem
nos pensamentos, Lydia entrou no quarto. Eu estava desgostoso e enver-gonhado
do meu comportamento, tentando lembrar a noite anterior, quando ela me disse
com um sorriso que, para um homem alcoolizado, até que eu não havia me saído
mal.
Ele fez uma pausa e Rachel ficou pálida, com um nó dentro do peito.
—Lydia deixou que eu sofresse com o remorso durante meses, até resolver
me contar a verdade. Quando avisei que iria tirar todos os casos das mãos dela,
resolveu se vingar. Era uma conta lucrativa, e o seu escritório perderia muito
dinheiro. Sem saber que eu passaria os casos para outro advogado de sua própria
firma, ficou com medo de ser despedida. Tivemos uma discussão terrível,
trocamos insultos e ela deixou escapar que eu nunca a tocara. Não disse para me
agradar e sim para me agredir. Falou da maneira que as mulheres usam para
humilhar um homem. O insulto foi uma alegria para mim! Finalmente ela disse a
verdade que eu sentia no íntimo.

—E esta — Daniel virou-se e enfrentou olhar de Rachel — é a pura


verdade. Se não quiser acreditar, não posso culpá-la.
Rachel abaixou a cabeça. Queria e precisava acreditar mas...
—Dinheiro e poder só têm valor se eu tiver o seu perdão, Rachel.
—Você já teve — ela respondeu, ainda em dúvida se acreditar ou não na
história que ele contara.
—O que mais quer que eu diga? Não posso tirar da sua cabeça. Só você
pode fazer isto!
Impaciente, Rachel levantou-se. Daniel deixara em suas mãos resolução do
problema que estavam tendo no casamento.
A revelação do que ele pensava e sentia não ajudou-a a revelar. Andou pela
sala, com a cabeça baixa, e percebeu que também era culpada. Assim como
Daniel, mantiver a uma parte de sua personalidade escondida. Como ele poderia
adivinhar que seus sonhos eram relacionados ao casamento e à maternidade, se
nunca dissera uma palavra a respeito?
Depois de tantos meses de sofrimento, conseguiria ser tão honesta quanto
ele? Era o único modo de salvar o que restara do casamento.
Reunindo coragem, virou-se para enfrentá-lo. Foi então que os viu na parede
atrás da cabeça de Daniel, e seu coração disparou. Os desenhos que fizera de si
e dos filhos estavam emoldurados e pendurados.
—Eu roubei de você — Daniel confessou. — Quis tê-los por perto para
olhar quando sentisse saudades. Ficou brava?
Rachel surpreendeu-se por não ter dado falta, mas com a proximidade da
mudança, nem pegara mais no caderno.
—Você conseguiu que tirassem a cruz. —Sentiu-se estranhamente
exposta. — Não se parece muito comigo.
Não queria aceitar o que seus olhos viam.
—Esta é você — Daniel insistiu. — E seu eu verdadeiro. Uma bela galeria
familiar — disse com orgulho.
—Só falta você.
—Pode me dizer por quê? Por que nunca desenhou meu retrato?
Rachel hesitou para responder. Era a hora da verdade, decidiu.
—As crianças me amam. Eu não tinha mais certeza do seu amor. Tentei
desenhá-lo, mas os traços ficaram distorcidos e desisti.
—Callum viu estes desenhos?
—Não, além de você, ninguém mais viu o caderno.
—O caso entre vocês foi sério?
—Não houve nada entre nós.
—Eu vi quando se beijaram!
—Um pequeno beijo no banco do carro? — ela zombou do ciúme dele e
disse com doçura. — Foi tudo que aconteceu entre nós dois!
Daniel não parecia acreditar, com o rosto crispado de angústia segurou o
ombro de Rachel. Ela riu da situação ridícula.
—Você parece aquele diabo outra vez. O que desenhei tomando banho no
meio das labaredas.
—Vou te beijar — ele disse, com voz rouca.
—Aqui no seu escritório? Acho que errou de lugar, querido. Esqueceu que
pertenço ao seu outro mundo?
Ele beijou-a com furor e paixão até ela desfalecer em seus braços e os
corpos queimarem de urgência.
—Eu te amo — ele sussurrou.
—Eu sei, acho que já consigo acreditar em você outra vez. Um dos
telefones começou a tocar e Daniel puxou-a pela mão até a escrivaninha. Atendeu
e seu rosto transformou-se. As feições endureceram e a voz mudou. O olhar
ficou frio, mesmo sem desviar-se dela. Enquanto ele falava, Rachel resolveu
descobrir se rompia a armadura profissional e correu a mão por sua coxa.
Deliciou-se com a cena, pois ele quase engasgou e segurou a mão dela com
força. Os olhos brilharam e a voz falhou.
—Ligo para você mais tarde. — Ele desligou o telefone.
—Era um cliente importante! Você fez de propósito!
—Eu te amo, Daniel.
—Fale outra vez.
Rachel beijou-o na boca e repetiu as palavras.
—Já não lembrava mais a luz em seu rosto ao dizer que me ama.
—Eu me apaixonei aos dezessete anos e nunca mais deixei de amá-lo.
Passei este período confusa, mas acabou.
—Nem quero lembrar as noites horríveis de amor silencioso e escuro.
—Vamos para casa — ela murmurou, com vontade de abraçá-lo nu, à luz do
dia. —Será que pode sair assim no meio da tarde?
—Posso fazer o que quiser. Eu sou o chefe!
—Puxa, esqueci que o chefe é um milionário. Quer dizer que, se nos
separarmos, a metade dos seus pertences é meu. Será que vale a pena...
Daniel empurrou-a para a porta e disse ameaçador:
—Vamos para a casa nova. As crianças ficarão com a caseira e nós
subiremos para um dos quartos que estiver pronto. Então mostrarei qual dos
meus pertences é o mais importante para você!
—A proposta é interessante.
—Vai ser muito mais que interessante!
—Não se esqueça que estou grávida.
—Isto nunca foi problema antes, aliás, pelo que me lembro das
experiências anteriores, você fica mais sensível nessas ocasiões.
A porta do escritório abriu-se, dando passagem às três crianças. Daniel
pegou Michael, que estava caindo de sono. O bebê deitou a cabeça no ombro do
pai e dormiu. Desceram até o estacionamento, Daniel carregando Michael num
braço e o outro colocado possessivamente no ombro de Rachel. Sam corria em
círculos e Kate segurava firme na mão da mãe. Ao chegar do almoço, dera-lhe um
beijo, prometendo:
—Mamãe, nunca mais vou judiar de você.

Era uma tarde ensolarada e metade dos funcionários das Empresas


Masterson olhava pelas janelas, observando o chefe e sua família no caminho
para o estacionamento.
—Não posso acreditar — um deles disse. —Eu sabia que ele era casado,
mas três, quase quatro filhos!
—Trabalho para ele há anos e nunca soube que era casado — um outro
falou. — Como uma moça doce como aquela casou com alguém tão rude e seco?
—Se bem que ele não parece nada rude agora, olhe o carinho com que fala
com a família — o primeiro continuou.
—Talvez ele seja diferente em casa.
—Ou talvez ela não seja suave e inocente como parece. Afinal são quatro
filhos!
Daniel levou-os para seu carro e Rachel perguntou o que faria com o dela.
Ele disse que mandaria alguém levar. Abriu a porta, colocou as crianças no banco
de trás e acomodou Rachel na frente.
Os rostos pressionados contra as janelas viram que ele voltou ao prédio e
logo depois saiu, seguido do jovem Archer,o mesmo que acompanhara Rachel ao
seu escritório. Daniel entregou-lhe as chaves e apontou para o carro dela. Entrou
na BMW e logo saiu. Abriu a porta traseira para os gêmeos, pegou Michael no
colo e ajudou Rachel a descer. Foram então na direção da perua onde trocaram
as chaves com Archer. A razão da mudança logo ficou clara. O bebê adormecido
foi colocado na cadeira apropriada.
Archer andou em direção à BMW e Kate o chamou. A garota olhou
suplicante para o pai. Este concordou com um aceno, e Archer, sorrindo,
estendeu-lhe a mão. Kate beijou o pai em agradecimento e correu para o jovem
funcionário.
Os outros membros da família entraram na perna e partiram.
—Meu Deus! — alguém exclamou. —Eles fazem o que querem do chefe! Se
eu soubesse a fórmula, juro que ficaria rico!
—Acho que sei — um outro falou. — Olhos azuis, cabelo loiro e um corpo
maravilhoso, mesmo grávida.
—Parece que ouvi sobre um caso dele com Lydia Marsden há pouco tempo.
—Imagine só. Que idéia ridícula!
—Belos filhos.
—Bela esposa.
—Belo carro.
—Bela casa? — A brincadeira continuou pela sala.
—Bela empresa.
—E um belo chute no traseiro se não voltarem já ao trabalho! — gritou o
chefe do departamento.
Daniel ajustou o banco para o seu tamanho e disse:
—Vou comprar uma cadeira para Michael e deixar no meu carro.
—E arranhar sua imagem de machão insensível?
—Ah, é? Você reparou nas janelas do prédio?
—Não, por quê?
Rachel olhou para fora, notou uma multidão de rostos nas janelas e corou.
—Será que vão zombar de você por nossa causa? — ela perguntou, ansiosa.
—Não na minha frente, se tiverem um mínimo senso de auto preservação.
Mas só Deus sabe o que estão falando agora.
—Não se preocupe. — Rachel colocou a mão sobre a coxa de Daniel. — Nós
te amamos, machão insensível ou não.
—Se continuar com a mão aí, dirão que sou um maníaco sexual!
—O que quer dizer isso? — uma jovem voz perguntou de trás.
—Quando for um pouco mais velho, eu explico, filho —Daniel respondeu.
Rachel tirou a mão da perna dele e ajeitou-se no banco.
—Quando eu for mais velha, explica para mim também? —perguntou,
zombeteira.
—Vou fazer melhor. —Assim que ficarmos sozinhos, mostro com todos os
detalhes!
—Com a luz acesa assim eu...
Daniel deu um suspiro e apertou os olhos.
—Não pode imaginar há quanto tempo espero por esse momento.
—Eu posso, sim — ela respondeu, e seus olhos lhe disseram o porquê.
—Agüente firme, então! — E acelerou o carro.

FIM

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