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I❤
Michelle Reid
Resumo
Eu nunca pretendi fazer isso... ela apenas estava lá quando precisei de alguém...
Rachel e Daniel tinham três filhos adoráveis e um casamento sólido... ou, pelo
menos, Rachel sempre acreditara nisso. Mas sua feliz existência foi destruída
quando lhe contaram que Daniel tivera um caso amoroso. Então, ela percebeu que
eles estiveram distantes durante vários anos. Rachel queria salvar seu
casamento, mas não seria tarde demais?
Será que ela conseguiria perdoar Daniel, apesar dele ter cometido a pior traição?
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
Era verdade. Nunca havia saído sozinha antes. Ou estava com Daniel ou
com as crianças ou com a mãe dele. Pelo amor de Deus, logo faria vinte cinco anos
e era uma dona de casa com três filhos e um marido que...
—Vou sair sozinha. Não vai morrer se ficar com as crianças pelo menos
uma vez na vida!
—Sei disso, é que você nunca...
—Exatamente. Enquanto esteve ocupado, aumentando sua fortuna e tendo
seus casos, fiquei quieta, estagnada nesta droga de casa!
—Não seja tola — ele segurou-a pelo pulso. — Isto é ridículo, está agindo
como criança!
—Mas é justamente isto Daniel, será que não percebe? É exatamente o
que eu sou. Uma criança super protegida. Não amadureci porque não tive chance.
Lembre-se de que casamos quando eu tinha dezessete anos! Eu ainda estava no
colégio! E, antes de você, meus pais me mantiveram numa redoma! Meu Deus, que
choque deve ter sido para eles descobrir que sua pequena e inocente filha dormia
com o grande lobo mau, sem que eles soubessem.
A descrição era para rir ou chorar, e ele riu.
—Então fiquei grávida e arranjei outros pais: você e sua mãe!
—Isto não é verdade, Rachel! Nunca encarei você como uma criança. Eu...
—Mentira! E sabe por que é mentira, Daniel? Porque já está começando a
entrar em pânico só de me ouvir dizer que quero passar algum tempo sozinha!
Pela sua reação, parece que é Kate quem quer sair.
—Isto é loucura!
—Loucura? Como pensa que me sinto por ter permitido que me magoasse?
Na verdade, eu parei no tempo e permiti que me tratasse assim. Veja o que
aconteceu, está cansado de mim! Por favor, deixe-me sair.
Com um soluço, livrou-se da mão que a segurava e saiu do quarto. Desceu
a escada e lembrou-se de pegar a bolsa na mesa do hall antes de sair para a rua.
Como o carro de Daniel impedia a saída do seu, simplesmente saiu andando para
longe da casa moderna que compraram havia cinco anos. A casa era nova e fora
construída num bairro distante do centro. Assim que entrara no imóvel,
apaixonara-se pelo tamanho e pelo espaço que oferecia, muito maior que o
apartamento no centro de Londres, que alugavam desde o casamento.
No momento, queria estar longe o mais rápido possível. Atravessou a rua
arborizada na direção da avenida principal. Sumiria antes que Daniel fosse
procurá-la. Levaria algum tempo até que ele conseguisse vestir as três crianças,
se arrumar e sair de carro atrás dela.
Rachel entrou no primeiro ônibus que passou. A condução ia até o centro
de Londres. Encostou-se na janela e olhou para fora com tristeza.
Chegando ao centro, desceu e andou pelas ruas silenciosas no domingo,
cortadas pelo ar frio de setembro.
Gostaria de descobrir quem ela era de verdade. Jamais questionara o amor
de Daniel. Mas questionava agora e admirou o modo tranqüilo com que ele
aceitara a responsabilidade, quando ela engravidara.
Daniel pagou o preço por ter se envolvido com uma jovem inocente. E se
tinha uma vida paralela à que levava com ela, era porque considerava um direito
seu. Rachel percebeu que ele nunca compartilhara a vida excitante que levava,
além dos limites do casamento bem-comportado. Um casamento que ele criara
para ela brincar de esposa e mãe, porque era exatamente o que desejava ser.
Andou durante horas sem perceber. Só quando estava exausta decidiu
voltar para casa. Tomou um táxi porque sentia frio, fome e porque, de repente,
sua casa era o único lugar onde queria estar.
CAPÍTULO IV
Ao chegar depois das seis horas, Rachel ficou feliz, pois não viu o carro
dele em casa. Carregada de pacotes, tocou a campainha.
—Meu Deus do Céu! — a mãe de Daniel exclamou, ao abrir a porta. Olhou
todos os pacotes e principalmente o rosto da nora.
—O que achou? — Rachel perguntou.
A mulher que saíra de casa cedo era completamente diferente da que
esperava ansiosa pela opinião da sogra.
O cabelo fora cortado na altura do queixo e repicado nas laterais. O rosto
recebera uma maquiagem tão natural que era quase impossível saber o que havia
de diferente, mas Jenny percebeu que a mudança era perturbadora. Não era
tudo. Rachel saíra vestida com calça jeans e moletom. Voltara com um conjunto
de minissaia e blazer acinturado, de lã risca-de-giz cinza e preto, meia-calça
preta e sapatos de salto alto.
—Eu acho — Jenny Masterson finalmente murmurou —que é melhor
termos um uísque duplo pronto para quando meu filho chegar.
Era a melhor resposta que Rachel poderia desejar. Sentia-se preparada
para um desafio.
Sam entrou correndo na sala e gritou ao ver a mãe.
—Uau! — E continuou como se a nova Rachel não fosse diferente da que
ele estava acostumado a ver. — Ei, o que é que tem nestes pacotes?
Em menos de dez minutos, o chão da sala encheu-se com a metade dos
pacotes abertos. Sam correu para seu quarto com um novo jogo para o
computador e Kate ficou entretida com os presentes que Rachel comprara por
impulso quando Daniel entrou.
Ele ficou imóvel, assim como todos na sala. Kate parou de lidar com o
brinquedo, Jenny parou de tentar arrumar a bagunça e Rachel levantou-se com
as pernas tremendo e encarou Daniel com uma mistura de desafio e desamparo.
Foi a mãe dele quem quebrou o encanto, carregando Michael e chamando Kate
para fora da sala. Jenny dissera a Rachel que as crianças ouvem e sentem mais
do que percebemos e ela recebera a mensagem. Provavelmente andaram dizendo
coisas à avó que não poderiam dizer aos pais.
No momento, sua atenção não estava nos filhos, mas em Daniel, que a
encarava sem demonstrar emoção. Começou a ficar nervosa ao perceber o
sorriso que se desenhava nos lábios dele, o mesmo sorriso de anos atrás, quando
ele a vira na discoteca.
—Bem, bem. Posso ver que o segundo estágio começou. Vai a algum lugar
especial? Desculpe-me Rachel, mas se me avisou de planos para esta noite, creio
que esqueci completamente.
O modo como ele disse “especial”, irritou-a. Daniel sabia muito bem que
ela não ia a lugar algum, então o que queria dizer com “segundo estágio”? Também
ficou óbvio que ele não diria nada a respeito de sua nova aparência. Talvez não
tivesse gostado, talvez preferisse a versão simples e sem graça que não lhe
causaria problemas.
Ou talvez estivesse inseguro quanto a esta Rachel! E se a pergunta fosse
séria e ele pensasse mesmo que ela ia a algum lugar?
—Se eu estiver pensando em sair, o que vai dizer? — ela perguntou.
CAPÍTULO VI
Se algum dia Rachel o quê? Confusa com as palavras da sogra, foi para o
banheiro se arrumar.
Se algum dia Rachel descobrisse sobre a outra mulher? Bem, já
descobrira.
Se algum dia ela decidisse mudar? Com cinismo, olhou-se no espelho, e foi
como ver uma total estranha.
Lá estava ela, escondida. Sem coragem de tomar banho, com medo de
estragar o cabelo e a maquiagem. Tolice. Daniel sairia com ela só para acalmar a
consciência culpada. Além do mais, ele achava que ia sair com a nova mulher que
vira na sala e que era apenas uma ilusão atrás da qual Rachel queria se esconder!
Ouviu a porta do seu quarto abrir e fechar e o som dos passos de Daniel
indo para a escada. Com um suspiro, estendeu um dos vestidos novos sobre a
cama para decidir se ousaria vesti-lo. Era um vestido sexy, de renda cor de vinho
e o forro de seda negra. Colo e ombros ficariam expostos, bem como as costas,
porque o modelo tomara-que-caia era bem decotado atrás. Ao experimentá-lo na
loja, a vendedora percebera sua indecisão por causa do decote e trouxera um
bolero negro de veludo, de mangas longas, aberto na frente, deixando a curva
sedutora dos seios exposta.
Não sabia se devia colocar o vestido novo ou o antigo pretinho que sempre
usava quando saía com Daniel.
Kate entrou no quarto e parou na frente do vestido com um brilho no olhar.
—Vai usar este vestido, mamãe? — perguntou com doçura.
—Ainda não decidi querida, talvez eu deva usar o meu vestido preto...
—Não, mamãe! O papai vestiu smoking e está lindo demais. E depois, o
vestido preto é tão sem graça!
—Que seja o novo, então.
A antiga Rachel também era sem graça, e a nova decidiu mudar. Arrumou-
se e desceu.
Kate estava com a razão. A figura de Daniel era fascinante, não só pela
roupa, mas pelo homem maduro e sensual que a vestia.
Ele estava de costas, servindo-se de um aperitivo, e não percebeu sua
entrada na sala, deixando-a aliviada em ter algum tempo sozinha para acalmar o
desejo que ele lhe provocava.
A imagem que Daniel projetava sempre impressionava as pessoas. Um
homem confiante que também intimidava, pois não gostava de expor sua
personalidade.
Rachel ficou intimidada pela primeira vez na vida. Na verdade, sempre
pensara nele como o marido que amava. Agora, estava apreensiva na presença do
homem com quem vivia há sete anos. Daniel era um estranho que ela amara e com
quem se casara.
Será que ele tinha consciência de que ela não o conhecia de verdade? Que
não sabia quem ele era, além das paredes seguras da casa?
Ele virou-se e viu Rachel, que sentiu uma pontada no coração ao perceber
o olhar sem emoção que percorreu seu corpo e rosto. Reparou que Daniel
escondia seus sentimentos ao correr o olhar desde o novo corte do cabelo,
passando pelo rosto cuja beleza era realçada pela maquiagem e detendo-se no
corpo. O modelo do vestido acentuava suas formas perfeitas e graciosas.
Então, sem aviso, ela notou um brilho de emoção antes que ele se fechasse
outra vez. Surpreendeu-se ao perceber dor no olhar. Por que um olhar triste ao
ver a esposa vestida para sair com ele? Talvez fosse apenas culpa. Ele sabia que
Rachel jamais teria ido ao extremo de querer mudar tanto, se não a tivesse
deixado insegura!
—Quer um drinque antes da sairmos?
Daniel não ia fazer nenhum comentário sobre sua aparência. Rachel sentiu-
se apagar.
—Não, obrigada. Você reservou mesa em algum restaurante?
O sorriso enviesado parecia zombar dela por algum motivo.
—Reservei. Vamos então?
Sentiu-se estranha sentada ao lado dele na BMW esportiva. Sempre saíam
com a família no carro dela, uma perua equipada para a segurança das crianças.
—Aonde vamos? — perguntou, desanimada. Daniel mencionou o
restaurante de um dos clubes mais exclusivos de Londres como se fosse um lugar
banal.
—A comida é ótima. Até para quem está sem apetite...
—Então já esteve lá?
—Umas duas vezes.
Com Lydia? O simples pensamento deixou-a retraída. Se Daniel percebeu,
não demonstrou. Seu humor também não era dos melhores.
Chegaram ao clube e ele conduziu-a até o hall luxuoso.
—Boa noite, sr. Masterson.
Um homem apareceu do nada e inclinou-se para Rachel que lhe sorriu.
—Boa noite, Claude — Daniel falava com familiaridade. —Obrigado por ter
conseguido a mesa de última hora.
—O senhor sabe como é. Para certas pessoas, sempre temos lugar. Por
aqui, por favor...
Daniel conduziu-a pela cintura, num gesto íntimo. Rachel tentou não se
impressionar com a elegância do local e entraram num restaurante diferente de
tudo que ela já conhecera.
Nas ocasiões em que saíam para jantar, sempre freqüentavam
restaurantes locais, vestindo roupas informais para dividir um prato e uma
garrafa de vinho com intimidade.
No clube em que se encontravam, era impossível imaginar um jantar íntimo
e informal.
—Você não gostou do lugar.
Ela ergueu o olhar para Daniel.
—Parece ser bem agradável.
—Agradável — ele repetiu com ironia. — Este é um dos restaurantes mais
famosos de Londres e você chama de agradável.
—Desculpe. Acha que eu deveria estar impressionada com o local?
—Não.
—Ou com sua facilidade em conseguir um lugar sem reserva antecipada?
—Cuidado Daniel, ou posso pensar que tentando chamar minha atenção. E
seria ridículo só de pensar, não é?
Ela relanceou o olhar pelo ambiente requintado, repleto de pessoas
elegantes, e encarou-o.
—Francamente, seria. Pensei que soubéssemos que você nunca precisou
fazer nada para me impressionar.
Ele estava impaciente.
—Rachel, eu não a trouxe aqui para discutir. Só queria...
—Um tratamento especial para mim? — ela perguntou, irônica.
—Não! Eu só queria te agradar, mimar você!
—Mostrando como é sua outra vida?
—Que outra vida? O que quer dizer?
—A vida da qual não sei nada. Na qual você se sente perfeitamente à
vontade.
—Você queria ir a uma cantina vestida assim? Teve muito trabalho para
criar uma nova imagem, Rachel. Este ambiente é ideal para ela. Você decide se
quer ficar ou não.
Apesar de querer sair, percebeu, com tristeza, que o local combinava
perfeitamente com Daniel.
—E você prefere a nova imagem? — perguntou, curiosa.
—Gostei do novo corte do cabelo, mas não sei se gosto do motivo que a
levou a cortar. Gostei do vestido. É lindo, como deve saber, mas não gosto do que
ele faz à mulher que eu...
A chegada de um garçom interrompeu-o. Ele colocou uma taça de aperitivo
para cada um e ofereceu os cardápios.
Daniel agradeceu e dispensou-o de modo seco.
—Você foi rude com ele. Por que agiu assim?
—Porque ele me interrompeu quando eu tentava te elogiar.
—Se acha que foi elogio...
Ele sorriu, um pouco irritado.
—Muito bem, está difícil acertar o assunto com você, Rachel. — Ele
inclinou-se depressa e pegou a mão dela. —Você é linda e não precisa que eu lhe
diga. Por favor, não deixe de ser a mulher adorável que sempre foi, antes de
resolver provar alguma coisa para mim!
—Eu não mudei para você, Daniel. Fiz por mim. Já estava mais que na hora
de crescer.
—Oh, não, querida! Está errada! Eu...
—Que surpresa! Daniel Masterson em carne e osso! —Uma voz sardônica
falou atrás da mesa.
—Droga! — Daniel sussurrou e apertou com mais força a mão de Rachel,
antes de soltá-la. Com o rosto transformado numa máscara sem expressão, virou-
se para o intruso.
—Zac! ele levantou-se —, pensei que estivesse nos Estados Unidos.
Daniel afastou a cadeira para cumprimentar o outro homem. Rachel notou
que ele devia ter a mesma idade de Daniel. Era atraente, loiro, com olhos verdes
sagazes.
—Voltei há algum tempo. Parece que é você que está fora de circulação. —
O olhar curioso e interessado pousou em Rachel. — Esta linda jovem seria a
razão? O que aconteceu com a adorável L?...
—Minha esposa —Daniel interrompeu, antes que ele completasse o nome
— Rachel.
Ela percebeu que Daniel relutou em liberar o espaço para que Zac a
cumprimentasse.
—Este é Zac Callum. Usamos os serviços do mesmo escritório jurídico.
Zac lançou um olhar especulativo para Daniel e Rachel pensou tê-lo ouvido
murmurar alguma coisa ao passar e abaixar-se para cumprimentá-la.
Não deu muita atenção, pois estava concentrada em lembrar-se de onde
conhecia o nome. Ele era o cartunista político, mordaz e cruel, do jornal Sunday
Globe. Era hábil em descobrir o ponto fraco das pessoas e transformá-las em
motivos de chacota.
—Não me admira que Daniel tenha desaparecido nos últimos tempos. —
Zac tomou a mão de Rachel nas suas e disse com voz sedutora: — Com certeza,
seu gosto apurou muito, Daniel.
Ele se referia a Lydia. Rachel respondeu por Daniel, sem condições de
falar, de tão tenso que estava.
—Obrigada. Conheço e aprecio seu trabalho, Sr. Callum.
—Uma fã? Fale mais...
Ele ia puxar uma cadeira vazia quando uma voz seca interrompeu:
—Zac, querido, não está se esquecendo de nada?
Mostrando uma expressão de pesar para Rachel, ele virou-se para a
mulher.
—Desculpe, mas precisa entender. Este é um momento para ser saboreado.
Este homem, entre todos os homens, rendeu-se ao casamento. —Passou a mão
pela cintura da mulher, puxando-a para mais perto. — Claire, apresento Daniel
Masterson, de quem já ouviu falar, com certeza.
—E quem não ouviu? Todos nós esperamos em suspense pelo desfecho do
caso Harvey.
O caso Harvey. Rachel baixou os olhos, pensando ser a única pessoa no
mundo que não sabia como o caso era importante.
—Prazer em conhecê-lo — disse Claire.
Daniel cumprimentou-a com um sorriso distraído. Sua atenção estava
concentrada em Zac Cailum, que continuava a olhar para Rachel, sem disfarçar o
interesse.
—Gostaríamos de sua companhia, mas, infelizmente, já fizemos o pedido
— mentiu Daniel. —E... — ele não continuou, e ficou óbvio que não desejava
intromissão.
—Não se preocupe. — Zac deu um sorriso malicioso. —Não queremos
interromper os recém-casados.
Daniel abriu a boca para contestar, então percebeu o olhar de Rachel e
calou-se.
Não! Os olhos dela imploraram. Não diga a verdade. Zac sabe a respeito
de Lydia. Não permita que eu faça papel de tola, dizendo que é casado há sete
anos, que tem filhos, quando ele sabe sobre sua amante!
Ele sorriu sem graça e desviou o olhar. Engoliu em seco, frustrado com a
cena inesperada.
Então Daniel teve uma atitude estranha. Aproximou-se dela, segurou seu
rosto nas mãos e, na frente da melhor e mais esnobe sociedade londrina, inclinou
a cabeça e beijou-a com paixão.
Quando se afastou, aparentava tanto pesar, que ela ficou com os olhos
marejados.
—A lua-de-mel ainda não terminou — zombou Zac. —Vamos, Claire, creio
que devemos deixar os dois pombinhos a sós.
—O que quer comer?
Sentindo-se desnorteada pelo beijo inesperado e a expressão reveladora
nos olhos de Daniel, Rachel forçou-se a prestar atenção nas palavras dele. Ele
voltara a sentar e olhava-a de modo intenso.
—Eu... — Olhou para o cardápio na sua frente, sem conseguir enxergar. O
coração batia descompassado e seus lábios ansiavam por outro beijo. — Eu... não
sei, peça para mim.
Com um sorriso, ele chamou o garçom e fez o pedido.
Rachel olhou pelo salão, mas as pessoas em volta estavam entretidas na
própria conversa. Ninguém notara o beijo.
Controlou-se para falar sem emoção.
—De onde conhece Zac Callum?
—Ele herdou algumas empresas pequenas do pai. Como não queria
trabalhar no ramo, vendeu-as para mim.
—Gosto do trabalho dele. Eu era muito boa em desenho e posso apreciar
o dom que ele tem.
—Também gostou do charme dele, não é?
Rachel surpreendeu-se com o tom de ciúme na voz de Daniel.
—Foi por isso que me beijou daquele modo?
—Ele olhou para você com cobiça. Só quis deixar bem claro a quem você
pertencia.
Ela era propriedade de Daniel, mas, aparentemente, ele não lhe pertencia.
—Neste seu mundo social existe alguém que saiba sobre mim e as
crianças?
—Minha vida particular não é da conta de ninguém. Meu envolvimento com
estas pessoas é puramente profissional. Agora vamos mudar de assunto? A não
ser que tenha achado o charmoso Zac Callum mais agradável que minha
companhia. Neste caso, posso chamá-lo de volta e vocês dois vão se deliciar
alimentando o ego um do outro!
Oh! Ele estava doente de ciúme! Rachel sentiu-se mais confiante.
—Bem, pelo menos ele não criticou a companheira cada vez que ela abriu a
boca — reprovou-o docemente, satisfeita ao ver que ele corava.
A entrada foi servida, acalmando o impulso de discussão que os dominava.
Daniel pedira uma mousse de salmão que Rachel comia deliciada, esquecida da
falta de apetite. Quase no fim do prato, ele tocou gentilmente em sua mão.
—Rachel, vamos tentar fazer com que esta seja uma noite agradável para
nós dois? Não quero discutir mais. Eu só desejo...
—Daniel, que prazer encontrá-lo aqui!
A expressão dele ficou irritada, e ela sentiu-se desapontada com a
interrupção, pois era com prazer que percebia urgência em seu olhar.
Desta vez, ele nem se levantou para falar com o casal de meia-idade que
parou ao lado da mesa. Também não apresentou Rachel. Apenas cumprimentou-
os com fria educação e eles se afastarem depressa.
—Entende agora por que não gosto de trazer você a lugares como este?
Ficamos sujeitos a interrupção a noite toda.
—E qual é o problema?
—Quando saio com você, quero tê-la só para mim. No fundo, ele tinha
razão. Foram interrompidos pelo menos mais três vezes durante a refeição.
Depois do café, Daniel levantou-se e estendeu a mão para ela.
—Venha. Vamos até a boate do clube. Pelo menos enquanto dançamos
ninguém vai interromper.
Entraram em uma sala escura. Da entrada, Rachel enxergou apenas o outro
lado, o bar e um pequeno palco onde um grupo de músicos tocava jazz.
Daniel conduziu-a até a pista e tomou-a nos braços. Na mesma hora foi
assaltada pelo sentimento de estar nos braços de um estranho. Não evitou um
suspiro. Ele percebeu a tristeza e fez mais pressão na mão que segurava. A outra
mão dele subiu da cintura para as costas, por dentro do bolero, para aproximá-
la mais e então parou. Ambos ficaram imóveis quando os dedos entraram em
contato com a pele nua e quente.
Rachel esquecera o modelo do vestido até aquele momento. Tentou
afastar-se, mas ele não permitiu e puxou-a ainda mais perto.
—Déjà vu — sussurrou em seu ouvido, e ela engasgou ao perceber o
significado.
A primeira vez que dançaram, usava uma mini blusa sob a qual ele também
enfiara os dedos, provocando o mesmo frêmito de desejo.
Dançaram colados, a mão de Daniel acariciando suas costas num movimento
sensual.
Ela quase podia escutar-lhe as batidas do coração enquanto uma onda de
calor e desejo inundava seu corpo. Percebeu o sexo de Daniel contra o ventre e
suspirou. A cabeça morena inclinou-se e ele roçou os lábios em seu pescoço.
—Nada mudou entre nós. Depois de tantos anos, ainda temos este incrível
efeito um sobre o outro.
Ele tinha razão. Com um suspiro, Rachel permitiu-se fazer o que mais
ansiava e ergueu os lábios para beijá-lo.
Pela primeira vez, depois de várias semanas, fazia um movimento
voluntário na direção dele. Daniel tremia.
—Vamos para casa — ele disse com a voz rouca de desejo. —Quero muito
mais que dançar com você.
Então uma voz familiar e cruel se intrometeu, e Rachel sentiu o coração
fraquejar.
—Ora, ora, se não é o dom-juan em pessoa, com uma nova conquista...
Rachel fechou os olhos ao reconhecer a voz e baixou a cabeça no ombro
de um Daniel, estático.
—Ei, querida, não sabe que ele é casado? — provocou a voz cruel.
Sem dúvida, Mandy não a reconhecera.
—Há sete longos anos — ela continuou, sem piedade.
—Com uma mocinha bonita, mas sem graça, que está em casa cuidando dos
três filhos, enquanto o marido faz charme para qualquer mulher que se ofereça.
—Ah, qualquer uma não, Amanda — Daniel interrompeu cínico. — Afinal de
contas, sempre desprezei você.
Então Mandy tentara seduzir Daniel? Rachel encarou o olhar sarcástico
do marido e entendeu por que os dois se detestavam.
—Os homens devem tomar cuidado com mulheres repudiadas, Daniel.
Afinal, o desprezo transforma-se em nossa arma mais destrutiva.
—Que você usou com perícia, direto no alvo mais fraco!
—E, por falar nisso, como está a pobre Rachel? Ela sabe que você já
arranjou uma substituta para Lydia?
Rachel ouvira o suficiente. Livrando-se do abraço apertado de Daniel,
virou-se e encarou a ex-melhor amiga com frieza. O rosto de Mandy ficou pálido
e, sem mais uma palavra, ela virou as costas e foi embora.
O fim da noite revelou-se um desastre. Em silêncio, o casal deixou o clube
e andou até o carro.
No caminho, Rachel não se conteve.
—Quanto tempo?
—Anos.
—Chegou a ter alguma coisa com ela? — perguntou, observando as mãos
dele crispadas na direção, sentindo-se ofendido, mas aceitando o direito que ela
tinha de saber.
—Não, nem em pensamento.
— Por quê?
—Ela me deixa gelado.
—Então, por que não me contou nada?
—Para arruinar a confiança que depositava na sua melhor amiga? Rachel,
sempre deixei bem claro que nunca suportei Mandy.
—Eu sei, mas também nunca desencorajou nossa amizade. Uma palavra que
me dissesse a respeito de como ela estava me usando para te abordar, e esta
cena ridícula teria sido evitada.
—Acha que eu teria coragem de contar, sabendo como você ficaria
magoada? — A expressão dele era preocupada.
—Seria muita maldade da minha parte.
Sem ao menos falar com Jenny, Rachel subiu para o quarto assim que
chegou em casa.
—Estou com dor de cabeça, por favor, desculpe-se com sua mãe por mim.
Na verdade, não era só a cabeça que doía. Quando Daniel entrou no quarto depois
de ter levado a mãe para casa, ela ainda estava acordada, mas fingiu dormir e
concentrou a atenção nos movimentos dele.
Ele foi para a cama nu, como sempre dormia. Deitou de costas, com as
mãos servindo de apoio para a cabeça, e ficou olhando o teto escuro, enquanto
Rachel ficava imóvel a seu lado. No fundo de seu coração ferido, ela desejava
que o destino mudasse e desaparecesse com as últimas semanas.
Ficaram muito tempo imóveis, em silêncio, até que a tensão tornou-se
insuportável. Daniel deu um suspiro e virou-se para alcançá-la. Rachel se
entregou com avidez, e fizeram um amor desesperado e silencioso.
Lydia apareceu como um fantasma, esfriando seu corpo quando acreditava
estar chegando ao clímax. Daniel percebeu a mudança e ficou imóvel,
observando-a lutar com a assombração que a magoava.
Rachel lutou com todas as suas forças, os olhos apertados contra as
lágrimas, os lábios insaciáveis e as mãos travadas nos ombros de Daniel. Sentiu
o corpo pronto e percebeu que conseguira afastar Lydia. Com um tremor, puxou-
o pelo quadril.
—Rachel —ele sussurrou ao penetrá-la. Apenas Rachel, inúmeras vezes,
compreendendo que ela lutara e vencera a batalha por causa dele.
Quando acabou, ela sentiu-se solitária e vazia.
Daniel ficou muito ocupado com outro caso e precisou passar algumas
noites fora de casa. Estava negociando com uma pequena construtora perto de
Huddersfield.
Apesar de acreditar, Rachel atormentou-se com idéias que sabia serem
injustas. Ele não fez comentários, compreendendo o que se passava em sua
mente. Queria a confiança que ela não conseguia mais ter, o que contribuiu para
que o casamento continuasse em crise durante semanas.
Uma tarde, leu uma notícia no jornal que deixou-a inquieta. Zac Callum
faria uma palestra aquela noite sobre seu trabalho, na escola de Artes, e a
entrada era aberta a todos os interessados.
Como Daniel estava fora, decidiu pedir para a mãe ficar com as crianças e
participar. No fundo, compreendia que a necessidade de ferir o marido era maior
que a vontade de assistir à palestra.
Culpa dele, Rachel pensou ao estacionar o carro. O fato de saber que ele
sentia ciúme de alguém como Zac Callum a incentivara a sair de casa.
Sentou-se no fundo da sala, sem esperar que Zac a reconhecesse ou
lembrasse ela. O encontro entre eles fora breve. Mas ele reconheceu-a e
lembrou-se na hora. Caminhava para o palco, relanceando o olhar sorridente pela
platéia, quando a viu. Parou, encarou-a, e Rachel corou ao ser alvo do sorriso de
reconhecimento na frente de todos. Sorriu de volta com timidez e afundou-se
na poltrona.
—Zac Callum dando um curso na Escola de Artes? Por que ele haveria de
se importar com os estudantes daqui?
Daniel perguntou, com um sorriso de escárnio.
—Talvez porque ele se importe com as pessoas — Rachel respondeu,
ofendida com o tom de voz.
O fato de ter saído uma noite sem seu conhecimento, ainda mais para ver
Zac Callum, irritou Daniel.
—E como soube que ele faria a palestra?
—Li no jornal. Você já comeu? — ela perguntou, para mudar de assunto. —
Quer que eu prepare um lanche?
—Não! Quero falar sobre sua saída com Zac Callum —ele rosnou.
—Eu não saí com ele! Apenas assisti a uma palestra! O que está tentando
dizer, Daniel? Que foi um meio que arrumamos para nos encontrar?
Era exatamente o que ele estava pensando.
– Ele é bem capaz disso! Não disfarçou o interesse desde o primeiro
momento que a viu!
Meu Deus! O poderoso Daniel Masterson demonstrava receio que sua
jovem esposa quisesse outro homem!
—Você é a pessoa não confiável neste casamento, Daniel —ela lembrou-o
com rispidez. — Não eu!
—Mas você pode querer se vingar.
—Eu acho que sua consciência culpada está te deixando paranóico. Não
faça comparação entre nós.
Deliberadamente, ignorou a voz em sua mente, dizendo que não estava
sendo sincera.
—Não estou comparando — ele disse, a caminho do bar para se servir de
um uísque.
—Então o que estava fazendo?
—Na verdade, na verdade eu não tenho a menor idéia. Está mesmo
decidida a fazer o curso?
—Não vai querei bancar o marido dominador e me impedir se eu decidir
fazer, não é?
—Se eu tentar convencê-la a não fazer, vai me dar ouvidos?
—Não.
Ele baixou a cabeça
—Então não vale a pena tentar, não é mesmo?
Daniel saiu da sala deixando-a num turbilhão de emoções. Mágoa. Qualquer
que fosse o relacionamento com ele: brigando, fazendo amor ou até ignorando,
cada vez que ele se afastava só conseguia sentir mágoa.
Passara tantos anos vivendo para ele, que não sabia viver para si mesma.
Por isso, decidiu fazer o curso quando Zac ligou, avisando que estava tudo
resolvido.
Algumas semanas mais tarde, ela saiu de casa para a primeira aula. Daniel
não disse urna palavra, mas ela sabia sua opinião. Quando voltou, ele nem esperou
pela escuridão do quarto para procurá-la. Tão logo entrou em casa, tomou-a nos
braços e levou-a para cama e, apesar de estarem famintos de desejo, mais uma
vez ela não chegou ao clímax.
Rachel engoliu em seco. Não queria falar sobre Daniel, nem baixar sua guarda.
—Ele me dá o maior apoio — disse, rindo da mentira. Daniel detestava que
ela fizesse o curso e detestava vê-la sempre com o caderno de desenho na mão,
lembrando-o quem era o responsável por sua volta às artes.
—Mas ainda não fez nenhuma caricatura dele. Já desenhou todos da
família, menos Daniel.
—Ele não é um bom modelo —ela disse. — Agora pode seguir reto até a
próxima bifurcação.
—Daniel? Pois acho que ele é o modelo ideal, um demônio nos negócios e
um homem comum em casa. Um ótimo tema para uma caricatura misturando os
dois.
Não concordou. No momento, não via nada de engraçado em Daniel. Há
algum tempo teria se deliciado fazendo a caricatura dele, agora não mais.
—Um dia desses vou fazer.
—Chegamos. Minha casa é aquela branca com a BMW preta na frente.
Daniel já estava em casa. Sentiu um arrepio que não era de frio.
Zac parou e desligou o carro. Podiam escutar o barulho da chuva nos
vidros. Ele virou-se no banco para olhar Rachel e ela encarou-o.
—Bem, obrigada pela carona — disse, sem fazer nenhum movimento para
sair do carro. Sentia-se presa numa armadilha pela expressão de Zac, pelo calor
do carro e pela própria sensação de desejo.
—Foi um prazer — ele disse, ausente.
A mente dele estava longe, procurando no rosto de Rachel um sentimento
que ela não sabia se aparentava ou não. Logo percebeu que sim, pois Zac inclinou-
se e beijou seus lábios com suavidade. Não correspondeu nem se afastou. A mão
dele acariciou seu rosto, o polegar tocando seus lábios para que abrissem.
Subitamente, ela teve certeza que não era o que queria e afastou-se. Ele deixou-
a ir, encostando-se no assento e olhando-a através dos olhos semicerrados.
—Desculpe — ela murmurou, confusa.
—Do quê?
Rachel não conseguiu responder, só queria estar fora do carro e começou
a abrir a porta.
—Você quis ser beijada, Rachel — Zac disse com suavidade. —Não importa
o que pense, lembre-se de que desejou o beijo tanto quanto eu.
Ele tinha razão, e ela corou de culpa. Quisera o beijo para sentir como
seriam outros lábios que não os de Daniel sobre os seus.
Agora sentia-se infantil e irritada por ter deixado acontecer. Não queria
que Zac pensasse que haveria lugar para ele em sua vida. Daniel era o único
homem que amava. Que droga! Amava-o com mais paixão a cada dia!
Correu para a casa debaixo da chuva e só então pensou se Daniel vira sua
chegada. Olhou para as janelas e não viu movimento atrás das cortinas. Com
certeza, ele esperava que ela viesse de ônibus e não deu atenção ao barulho do
carro de Zac.
Daniel não estava na sala. A porta de escritório permanecia aberta e nem
sinal dele. Rachel encontrou-o na cozinha.
—Chegou mais cedo do que eu esperava — ela disse casualmente ao entrar.
Charmoso, vestindo jeans e uma camiseta preta, ele ignorou o comentário
dela e suas mãos tremeram um pouco ao colocar água na chaleira.
—Chamei um táxi para levar minha mãe. Ela ficou preocupada ao ver seu
carro na porta e você desaparecida. Poderia ter avisado que mudou de idéia.
—O carro não pegava, então decidi ir de ônibus. Não imaginei que Jenny
fosse ficar preocupada. —Amanhã ligo para me desculpar.
Silêncio.
Daniel parecia concentrado na preparação do chá e nem lhe dirigiu o olhar.
Rachel percebeu que ele estava bravo por algum motivo. Teria visto algo?
—Estou ensopada — disse num esforço para parecer normal e corando de
culpa. —Vou subir e tomar um banho quente. Você já comeu? Posso fazer seu
jantar...
—Não! — falou com tanta violência que ela afastou-se.
Observou-o recuperar o controle e respirar fundo.
—Não — repetiu devagar. —Eu já jantei, obrigado.
Ela sentiu um frio na espinha, sem saber se era medo ou culpa. Subiu e
deitou-se, preparada para enfrentar Daniel quando subisse para o quarto. Ele
não subiu. Daniel não entrou no quarto aquela noite.
CAPÍTULO VIII
Acordou no dia seguinte com Daniel a seu lado, segurando uma xícara
fumegante.
—Achei que poderia fazer bem... Como está se sentindo hoje?
—Melhor — ela disse, erguendo o corpo com cuidado. Afastou o cabelo do
rosto pálido antes de pegar a xícara e murmurou: —Obrigada.
—Posso tirar o dia de folga e trabalhar aqui de casa se você quiser...
—Não é necessário. Estou um pouco fraca, mas dou conta da casa.
Daniel parecia relutante em continuar.
—Sabe... acho que é melhor não ir ao curso esta noite, pelo menos até
melhorar...
—Planejamos uma festa de Natal esta noite — ela informou da maneira
mais natural possível. —Depois da aula, Zac vai nos levar ao clube e não quero
perder a comemoração.
Conseguiu desafiá-lo mais uma vez e notou o esforço que Daniel fez para
se acalmar. Por fim, ele falou.
—Vamos ver como se sente mais tarde.
Subitamente, Rachel quis que ele ficasse por perto. Inventou logo um
assunto.
—Meus pais vêm para o Natal, como sempre, mas temos um problema este
ano. Eles sempre ficavam no quarto de Michael, não sei como vamos fazer agora.
—O que quer que eu faça? Perdi a conta das vezes que sugeri mudarmos
para uma casa maior e você nem quis discutir o assunto. Agora quem tem de
resolver o assunto é você. Eu não tenho nada a ver com isso.
Rachel olhou desapontada enquanto ele saía do quarto.
Mesmo sem vontade e indisposta, ela foi para o curso. Estava tão brava
com Daniel, que não quis lhe dar a satisfação de ficar em casa.
Não aproveitou a noite. O estômago ainda incomodava e a cabeça
concentrava-se em milhões de providências para tomar na casa. Sentia-se
cansada e tensa e, para completar, Zac passou a aula inteira encarando-a de
modo perturbador.
Desde a primeira noite em que se encontraram, ele só a via com roupa
esportiva. Para a comemoração da turma, usou um vestido preto justo e curto,
provocando comentários dos amigos brincalhões. Zac ficou mais elegante vestido
com um terno escuro e uma bela gravata de seda.
Seus olhares eram provocantes, como se lembrassem o beijo no carro.
Rachel só queria esquecer, o que não era difícil. O pior era a culpa que sentia,
não o beijo.
Depois da aula, foram à discoteca do clube. Ficaram no mezanino de onde
se via toda a pista de dança. A música alta impedia a conversa, mas Rachel teria
adorado a noitada em outra ocasião. Há tempos Daniel só a levava a lugares
calmos, com música suave, e ela gostava de danceterias.
Seu estado físico não contribuiu para que aproveitasse. O enjôo
continuava e a música feria seus ouvidos. Zac encostou a cadeira bem perto e
monopolizou sua atenção. Com o som alto, ela inclinava-se para ouvir o que ele
dizia, ficando com o corpo muito perto dele.
Ele começou a tocá-la esporadicamente. Nada muito acintoso. Um toque
no braço, no cabelo. Sem saber como livrar-se da situação, aceitou a sugestão
para dançar. Pelo menos a música era rápida o suficiente para ficarem separados.
Desceram e, na pista, ele tomou-a nos braços.
—Não, Zac!
—Que tolice Rachel, é apenas uma dança.
Ambos sabiam que não era e, se não colocasse um ponto final nas
pretensões dele, seria mesmo culpada de trair Daniel.
—Não! — ela repetiu firme.
Foi loucura ter continuado o curso depois do beijo. Desde o dia da palestra,
soube que ele a queria. E Rachel só queria Daniel. Ela o amava tanto e estava tão
ferida, que sentiu vontade de chorar.
Zac a seguiu quando se dirigiu ao hall de entrada. Foi até os telefones e
ligou para vários pontos de táxi, sem conseguir nenhum. Desesperada, ligou para
casa e sentiu um nó no estômago ao ouvir a voz impaciente de Daniel.
—Sou eu — ela murmurou.
Houve uma longa pausa até Daniel resolver falar.
—Qual é o problema?
—Não posso ir para casa, não consigo achar um táxi nos pontos... O que
devo fazer?
Simples assim. Voltou a fazer o papel da antiga Rachel. Qualquer problema,
fale com Daniel; ele tem a solução. Depois de um silêncio demorado, ele
finalmente disse:
—O seu Romeu não pode lhe dar uma carona?
—Ele não é meu Romeu e... de qualquer modo, eu... —mudou as palavras para
que Daniel não soubesse que queria evitar Zac. —Não posso pedir que deixe uma
festa tão animada só porque cansei. Será que pode vir me pegar, Daniel?
—E as crianças? Quer que fiquem aqui sozinhas enquanto vou te buscar?
— ele perguntou com sarcasmo.
—Oh! — Sentiu-se tola outra vez. Nem pensara no problema, apenas o
jogara nas mãos de quem sempre resolvia tudo.
—Tudo bem, peço para Zac me levar.
—Espere, ligarei para minha mãe vir para casa e vou te buscar. Ela já deve
estar dormindo, o que sem dúvida vai deixá-la chateada, mas...
—Não! Não quero dar tanto trabalho. Pode deixar que Zac me leva com
prazer. — Ela bateu o telefone antes que Daniel pudesse responder.
—Não teve sorte? — Zac estava perto, olhando-a curioso.
Rachel não sabia se ele ouvira a conversa e também não se importava.
—Não. —Vou chamar novamente um dos pontos e entrar na fila de espera.
—Eu te levo — ele ofereceu.
Apesar de não querer a companhia dele, também não queria ficar no clube
mais uma hora, que era o tempo de espera para os táxis. Zac tomou a decisão,
segurando-a pelo pulso.
—Vamos lá, Rachel, vou levar você.
Abatida pelo stress emocional que já durava meses, ela não resistiu.
Pegaram os casacos e foram para o estacionamento. O carro deslizava pela
pista coberta de gelo.
—Por que ainda está com aquele egoísta? — ele perguntou de chofre.
—E vocês homens não são todos iguais? — Rachel provocou.
—Não como Daniel. Ainda me custa a acreditar que é casado com você! Ele
combina mais com uma Lydia Marsden qualquer.
Mesmo sem saber como era Lydia para poder julgar, Rachel reconheceu a
verdade com um suspiro de tristeza. O fantasma dela entrava em seu quarto
todas as noites, e já era difícil de lidar, não queria ver nunca o rosto da mulher.
—E Mandy Saies também — ele continuou. — Foi uma revelação e tanto
naquele encontro que tiveram na boate do clube.
—Você ouviu o que ela disse?
—Querida, metade da boate ouviu, e ficamos todos chocados ao saber que
o jovem e bem-sucedido empresário tinha uma esposa e três filhos. Aposto que
Lydia ficou abalada ao descobrir. Ela estava a fim de se casar com Daniel.
Ninguém faria par mais perfeito para uma advogada em ascensão como ela.
Então Lydia era uma advogada e não a secretária de Daniel como
presumira. A novidade surpreendeu-a. Uma coisa era imaginar uma simples
secretária como rival, mas competir com uma advogada?
Como se estivesse pensando sobre o mesmo assunto, Zac perguntou,
curioso:
—Se está casada há sete anos, quer dizer que conheceu Daniel antes do
sucesso meteórico que alcançou. E no que se transformou, Rachel? Numa parasita
sem vida própria?
O insulto era merecido, mas doeu em seu coração, pois tocou direto na
verdade que começava a compreender.
—É melhor parar o carro. Vou descer antes que diga alguma coisa que me
faça perder a cabeça — ela falou, ríspida.
Para sua consternação, foi o que ele fez. Estacionou no meio-fio e virou-
se para ela com expressão irritada.
—E o que me diz do jogo que tem feito comigo nessas últimas semanas?
Meu Deus, nunca tive a menor chance com você, não é?
—Não — ela respondeu com honestidade.
—Que droga, por que não me impediu de chegarmos a esse ponto?
—Que ponto? Não houve nada entre nós além de um simples beijo numa
noite chuvosa!
—O que estava havendo entre nós era muito mais que um simples beijo, e
você sabe muito bem! Mas, para você, era apenas um jogo. Percebeu meu
interesse e resolveu se divertir por um tempo. Por quê? Seu ego estava muito
em baixa?
Rachel tentou abrir o cinto de segurança e sair depressa. Zac apertou seu
braço, impedindo-a.
—Ah, não! Não pense que vai escapar assim tão fácil. Beijou-a com
violência. Assim que se viu livre, ela saiu do carro e bateu a porta com força. Zac
saiu cantando os pneus, deixando-a imóvel na calçada gelada.
Rachel levou a mão ao lábio inferior, cortado pela brutalidade do beijo. Ao
inferno com ele! Queria apenas voltar para sua vida de conto de fadas sem
acontecimentos desagradáveis. Odiava todos eles: Mandy por ter contado,
Daniel por ter traído, Lydia por ter seduzido e principalmente a si mesma, por
ter sido ingênua.
Como já estava perto, resolveu ir andando. Chegou em casa sentindo
agulhadas de frio e dor nos pés. Assim que entrou, tirou os sapatos de salto alto,
grata pelo calor e conforto.
Já era uma hora da manhã. Entrou no quarto e nem se importou em
procurar Daniel. Estava deprimida o suficiente para evitar começar uma nova
discussão e ele também nem se preocupara em ir a seu encontro quando chegou.
Mas Rachel errou em seu julgamento de que Daniel iria ignorá-la. Vestia a
camisola quando ele entrou no quarto com os sapatos de salto alto pendurados
nos dedos.
—Você esqueceu de trazer — ele disse, e soltou os sapatos no chão.
—Não esqueci! Apenas ficaram no mesmo lugar onde foram tirados.
Ela sentou-se na beirada da cama para massagear os pés doloridos, a
cabeça baixa e o cabelo cobrindo seu rosto.
—Ele não trouxe você até a porta de casa.
Fora espionada por trás das cortinas mais uma vez?
—E quem disse que ele me trouxe, afinal?
—Não daria tempo de andar todo o caminho. Tiveram uma discussão
amorosa?
Daniel começou a perder o controle.
—Pode ter sido —Rachel falou a caminho do banheiro.
Ele que pensasse o que quisesse, não se importava com mais nada!
Dominado pela fúria, agarrou-a pelo ombro e virou-a de frente.
—E qual foi o assunto da discussão? Você não quis ir ao apartamento dele?
O que houve Rachel, não estava disposta?
Tudo que ela conseguia sentir era angústia e amargura contra os homens
em geral.
—Quem disse que não estive lá até agora? Eu poderia ter ligado de
qualquer lugar, como é que você saberia?
O rosto dele ficou lívido e as mãos apertaram-na com força. Seus olhos
percorreram Rachel como se procurassem uma prova do que ela sugeria.
—Ele feriu seu lábio!
—E você está machucando meus braços! — ela gritou, sem conseguir se
desvencilhar.
—Rachel, como teve coragem de fazer isto?
Finalmente, depois de meses, as emoções de ambos explodiram.
—Quer mesmo saber? Então vamos trocar. Você me conta como foi com
Lydia e eu conto como foi com Zac!
—Meu Deus! Pare com isso! — Ele fechou os olhos e seu rosto
transformou-se com a dor.
—Eu te desprezo, sabia? — ela murmurou com amargura e entrou no
banheiro.
Saiu mais calma, e viu Daniel sentado na beirada da cama, com a cabeça
enterrada nas mãos. Uma visão triste como tudo que acontecia nos últimos
meses. Não se lembrava de um dia alegre, cheio de risos dentro de casa.
—Quero me deitar —ela disse, recusando-se a sentir pena. Daniel não se
moveu. Depois de um longo minuto, porque ele estava magoado e ela o amava
tanto, Rachel deu um gemido e ajoelhou-se na frente dele.
—Quer mesmo saber o que aconteceu esta noite? Zac quis ficar comigo e
eu o rejeitei, em troca, ele me atormentou falando de Lydia. Lydia — ela repetiu,
arrasada. —A famosa advogada que combina mais com Daniel Masterson do que
a patética Rachel!
—Isto não é verdade — ele murmurou, tenso.
—Não? Os olhos dela ficaram marejados. Pois eu acho que é. Você
deslanchou e tomou um caminho, Daniel, enquanto eu fiquei para trás. Estamos
nos distanciando, e por isso acredito que as Lydias da vida combinam com você
muito mais do que eu!
Para sua surpresa, ele riu, sacudindo a cabeça como se não acreditasse no
que dissera.
—Parece que eu quero combinar com outra pessoa? Minhas malas estão
prontas? Rachel, por pior que seja meu erro, não quero sair de casa, não quero
deixar você!
—Lydia — ela sussurrou — ela é...
—Ao inferno com Lydia! O problema não é ela. É um assunto entre nós dois
saber se ainda podemos ficar juntos.
- Eu sei que só está comigo porque tem a consciência culpada, Daniel.
—Com certeza, tenho — ele disse, com amargura. —Mas não pense que sou
alguma espécie de mártir para viver sofrendo. Se eu não achasse que nosso
casamento vale a pena, já teria ido embora há muito tempo: Pode estar certa! Se
quer saber por que ainda estou aqui...
Daniel segurou o rosto de Rachel e beijou-a com paixão, depois continuou
com a voz embargada.
—Eu te quero. —Para mim, estar com você nunca é o suficiente. Mesmo
depois de sete anos, meu corpo enrijece de desejo só de olhar para você. —Meu
Deus, eu nem mesmo consigo me controlar, faço amor sabendo que não te
satisfaço mais!
Ele sacudiu a cabeça desgostoso e continuou:
—Mas por que você não me mandou embora, Rachel? Eu te magoei, destruí
sua confiança na vida, por que ainda está comigo?
—Eu... — Não, a resposta iria deixá-la ainda mais humilhada.
—Então, é o que deseja? Quer que eu vá embora?
—Não — ela disse baixinho, com vontade de chorar.
—E por que não? Como consegue conviver comigo na mesma casa, na mesma
cama, fazendo amor com você? Como?
“Porque eu te amo, seu bobo”, ela pensou e não conseguiu mais controlar
as lágrimas.
Daniel deu um suspiro e abraçou-a com força, apertando-a de encontro ao
corpo e falou em seu ouvido.
—Ainda pensa que estamos nos distanciando? — disse com voz sensual.
Beijou-a com ardor, sem lhe dar chance de pensar ou retrucar, até que ela
sentiu-se derreter de desejo. A voz dele tirou-a do sonho no qual mergulhara.
—Deixou que aquele sem-vergonha tocasse em você? Deixou? — ele
repetiu, quando ela ficou muda. — Eu quero saber! Preciso saber!
Os olhos azuis brilhavam furiosos, sem acreditar no que ele dissera.
Rachel encarou-o e disse com raiva:
—Vá para o inferno!
Ele foi e levou-a junto. Arrancou sua camisola e as próprias roupas e amou-
a com violência e desespero. Quando terminou, ela virou-se para o lado e Daniel
foi para o banheiro. Depois de muito tempo, voltou para a cama, e Rachel já
estava dormindo.
APITULO IX
Nos dias seguintes, Rachel entrou numa correria com os preparativos para
o Natal. Ignorou o estômago que incomodava até que um dia à noite, perto da
hora de Daniel chegar de viagem, sentia-se tão mal que resolveu desistir do que
fazia e ir para a cama.
Estavam todos na sala, tentando erguer a árvore de Natal que acabara de
ser entregue, quando Daniel entrou. Um sorriso suavizou-lhe a expressão ao ver
o esforço deles no meio dos galhos.
—Vejo que ainda sou necessário para uns pequenos serviços por aqui — ele
brincou, fazendo quatro rostos se virarem com surpresa.
As crianças abandonaram Rachel e correram para o pai. Ele despencou no
carpete, sufocado pelos gêmeos que riam e gritavam, enquanto Michael
engatinhava depressa para alcançá-los.
Ela sorriu ao ver a guerra no chão da sala. E foi então que enxergou, de
verdade, por que valia a pena manter o casamento.
“Família”. Amor familiar. Uma conexão ao mesmo tempo simples e
complicada, que os ligava de tal modo que mesmo quando um parecia escapar, não
conseguia, porque os outros o puxavam de volta.
Ver Daniel no chão com os filhos era ver o antigo Daniel, e não o
empresário apressado e sem tempo para aproveitar o amor que as crianças
ofereciam,
Ele estava deitado no chão com os três em cima, Michael entre os gêmeos
que lhe seguravam os braços e pernas.
—Eu me rendo! — Daniel gritou. — Ajude-me, Rachel! Socorro!
Com cuidado, para não cair em cima deles, ela pegou Michael em um braço
e, com o outro, puxou Kate, deixando Daniel livrar-se de Sam. Ele levantou-se
com o filho agarrado a seu pescoço e encheu-o de beijos estalados.
Sam protestou, na verdade, adorando cada minuto. A única maneira de dar a
garotos de seis anos os beijos e carinhos que precisam, e não admitem, era
brincando como Daniel fazia. Ao ser colocado no chão, Sam estava corado de
alegria, mas fingiu não gostar. Logo riu, vendo o pai atrás de Kate. Ela era mais
fácil de ser apanhada. Fingiu relutar, mas o que mais queria era ser carregada
pelos braços fortes e receber muitos beijos.
O pequeno Michael olhava divertido. Rachel abraçou-o com força,
lembrando que também tinha sua vez, antigamente.
Daniel pensava a mesma coisa ao colocar Kate no chão e olhar incerto para
Rachel. Sentindo-se tímida, estendeu Michael e baixou os olhos. Daniel
compreendeu e deitou-se no sofá para brincar com o bebê.
Naquele momento, a árvore de Natal ameaçou cair. Rachel correu para
segurar e ficou presa nos galhos. Daniel levantou-se depressa, alcançou-a e
colocou a árvore no lugar. Ela foi desembaraçada dos galhos, por mãos gentis e
firmes.
—Você arranhou o queixo — ele observou e abaixou a cabeça para pousar
os lábios na pequena marca no canto da boca de Rachel. Passou a língua com
suavidade e ela sentiu um arrepio de desejo.
—Olá — murmurou com suavidade, reparando que ela corava.
—Oi— ela respondeu, sem coragem de enfrentar seu olhar. Então a boca
de Daniel procurou a dela outra vez, para um beijo mais profundo e íntimo. O
calor dos corpos envolveu-os e se entregaram sem reservas.
A campainha tocou, forçando uma separação relutante, e os gêmeos foram
abrir a porta para a avó, que já era esperada.
—Sua mãe vai levá-los a uma celebração de Natal —Rachel explicou.
—Vai mesmo? — ele respondeu, olhando-a com intensidade. — Bom —
murmurou e beijou-a outra vez, devagar, suave, brincando com a língua em seus
lábios.
Jenny entrou na sala e parou ao perceber o que se passava. Rachel nem
escutou-a entrar. Absorvida pelo amor que pensara perdido para sempre, sentiu
um calor sensual que se espalhava pelo corpo, abraçou Daniel e se beijaram com
paixão. Finalmente se separaram, sem fôlego. Jenny Masterson sorria para eles,
com um brilho de esperança no olhar ansioso.
Rachel ajudou a colocar o agasalho nas crianças e Daniel fixou a árvore no
lugar Só então ela lembrou da reorganização que fizera no andar superior e
mordeu os lábios pensando numa boa explicação.
Despediram-se de Jenny e das crianças e subiram de mãos dadas até o
quarto. Daniel começou a afrouxar a gravata Rachel o olhava nervosa.
—Daniel.., eu...
Ele não pareceu ouvir e foi para o banheiro. Então...
—O que foi que aconteceu?...
Daniel saiu para a porta, olhando-a, incrédulo.
—Eu precisava colocar meus pais em algum lugar. Era a única solução.
Estendeu a mão agitada pelo quarto, onde o banheiro brilhante e limpo, ostentava
a pia vazia. Também esvaziara uma parte de seu armário e colocara as roupas no
de Daniel.
—E nós dois vamos dormir em que quarto? — ele perguntou bravo.
Rachel fez um gesto na direção da porta.
—Vai dar tudo certo — ela disse nervosa. — Comprei duas camas novas
para os quartos de Sam e Kate. Sua mãe pode dormir no quarto com Kate. —
Jenny sempre dormia lá na noite do Natal para ver as crianças abrirem os
presentes logo cedo. —Vou dormir com Michael e você pode dormir no quarto de
Sam. São só duas noites, Daniel. —Você sabe que se colocarmos os gêmeos no
mesmo quarto nunca vão dormir.
—Que droga! — ele explodiu. — O que houve com você, Rachel? Por que
tenho de oferecer minha cama para os seus pais? Por que eles não podem dormir
nas outras camas? Ou fez isto só para me irritar? Porque, se foi de propósito,
vou avisar que estou no limite!
Rachel sentiu-se injustiçada.
—Desde quando meus pais causaram algum problema? Você os agüenta aqui
só uma vez por ano. Pelo amor de Deus, tenha um pouco de consideração. Amanhã
vão dirigir até aqui depois de trabalhar o dia todo. Eles estão envelhecendo,
Daniel, não ficarão confortáveis com os gêmeos!
Daniel sacudiu a cabeça muito bravo para conseguir escutá-la.
—Eu ainda não acredito no que você fez. Chego depois de uma semana
infernal em Huddersfield, procurando um pouco de consolo em minha própria
casa e o que encontro? Uma esposa vingativa que me expulsou do quarto. O que
eu sei é que você não quis mudar para uma casa maior, por que então eu devo
perder meu conforto?
O olhar acusador dele fixou o rosto de Rachel.
—Que droga, droga, droga!
—Por que não vai ficar com Lydia, então? Quem sabe ela te acomoda
melhor? — ela disse, irritada, e saiu do quarto sem dar tempo para ele responder.
Desceu para a cozinha e, em vez de colocar a louça na máquina, resolveu
lavar tudo na tentativa de se acalmar. Duas mãos apareceram ao lado de sua
cintura, prendendo-a contra a pia e uma boca cálida beijou-lhe a nuca.
—Desculpe — Daniel murmurou, —eu não queria dizer nada daquilo.
Ela esfregou o prato com mais força.
—Então por que falou?
—Porque... — ele não terminou a frase, preferindo beijar seu pescoço.
—Por que o quê? — ela insistiu, empurrando-o com o ombro.
—Porque fiquei desapontado. Só pensei em você naquela cama durante a
semana inteira. Porque esqueci que seus pais viriam, porque não quero dormir no
quarto de Sam. —Quero dormir com você. Quero acordar na manhã do Natal com
seu rosto ao meu lado. Existe mais um milhão de porquês, mas o mais importante
é que está me tirando o único lugar onde me sinto próximo de você. Eu preciso
daquela cama, Rachel!
Com um movimento brusco, ela deixou o prato cair na pia e chorando, virou-
se para abraçá-lo.
—Desculpe, Daniel, estou tão infeliz!
—Eu sei — ele concordou, abraçando-a com carinho.
Finalmente, ela parou de chorar e acalmou-se. Daniel ergueu seu queixo
com a mão.
—Minha mãe vai me matar se vir você assim. Basta um olhar e ela vai me
culpar sem ouvir explicações.
Rachel sorriu porque ele estava certo. Jenny ficava sempre do seu lado,
mesmo se não tivesse razão.
—Você me desculpa? — ele perguntou e afastando uma mecha do cabelo
loiro do queixo molhado. — Vamos fazer uma trégua e ter um Natal gostoso? Até
desisto da minha cama, se te deixar feliz!
—E quem disse que isso me deixa feliz?
Abaixou a cabeça para procurar um lenço no bolso dele e não evitou um
sorriso quando seus dedos tocaram de leve o sexo de Daniel.
—Sua pequena provocadora! — acusou, divertido com o lampejo de humor
da antiga e brincalhona Rachel. — Uma trégua, por favor.
—Está bem.
Ele empurrou-a para fora da cozinha.
—Venha conversar comigo enquanto me troco.
Subiram, e Daniel lançou um olhar cobiçoso para a cama.
—E claro que esta noite ainda podemos ficar no quarto —ela disse
casualmente, e recebeu um beijo.
O Natal foi ótimo, mas passou depressa. Logo chegou a hora de Rachel
decidir se continuava o curso com Zac. Daniel não comentou o assunto, mas sua
opinião estava estampada no rosto sempre que a via desenhando. Por sua vez, ela
queria tomar a decisão sem interferências.
Aos poucos, voltaram a ser estranhos na mesma casa. Rachel sabia que
noventa por cento da culpa era dela. Daniel era um homem muito sensual e sentia
sua virilidade ameaçada porque ela não se satisfazia. Ele detestava as restrições
que ela impusera: escuridão, silêncio e relutância em ceder aos instintos sexuais.
Ao acordar, depois de uma noite particularmente desastrosa, decidiu que
precisava fazer alguma coisa para salvar o casamento. Temia que, se Daniel
ficasse sob pressão outra vez, fosse procurar satisfação completa fora de casa.
Isto lhe dava uma insegurança tremenda, mexendo com seus nervos a
ponto de estar sempre com o estômago enjoado, sem nenhuma melhora, havia
semanas.
Ao pensar em quantas semanas, sentiu o sangue congelar.
CAPÍTULO X
Duas horas da tarde de uma quarta-feira, Daniel trabalhava na minuta de
um contrato, quando o telefone tocou.
—Uma pessoa na linha para o senhor. Ela diz que é a sra. Masterson.
Um arrepio gelado percorreu sua coluna. Rachel nunca telefonava para o
escritório. Um acidente com uma das crianças? Alarmado, atendeu a ligação.
Ficou tão preocupado com o que poderia ter acontecido, que não entendeu a voz
urgente, que não era a de Rachel.
—Mamãe, será que pode repetir? Acho que não compreendi uma só palavra
do que disse.
Deixou o escritório e dirigiu apressado para casa. Sua mãe abriu a porta,
antes mesmo que ele parasse o carro.
—Ela está lá dentro. Está tão triste, meu filho.
Daniel entrou na sala e encontrou Rachel enrolada em um cobertor no
canto do sofá, aos prantos. Aproximou-se com cuidado e tocou seu ombro.
—Rachel?
—Vá embora! — ela soluçou.
Ele ficou intrigado. Nunca vira a esposa naquele estado, tão abatida que
nem conseguia dizer qual era o problema. Acariciou-a, tentando imaginar o que
poderia ter acontecido.
O nome de Zac Cailum passou por sua mente e sentiu ódio.
—Rachel... — Ele passou a mão pelo cabelo dela e assustou-se com o estado
febril. — Pelo amor de Deus, fale comigo! O que está acontecendo?
Sem saber o que fazer, pegou-a no colo e sentou-se no sofá.
—Foi tudo sua culpa — ela soluçou de repente. Culpa dele. Daniel tentou
lembrar-se dos últimos dias, querendo descobrir o motivo de tanto desespero.
Não conseguia pensar em nada. Fora muito diplomático. Não fizera comentários
a respeito das aulas de arte, nem a procurara com insistência.
—Você deveria ter tomado as providências — ela disse, triste.
—Providências do quê? Os soluços ficaram mais fortes e Daniel tomou o
controle da situação, colocando-a sentada, afastando o cobertor e acariciando o
rosto fervente.
—Fique calma, agora!
O tom de voz aumentou seu choro. Ele puxou o lenço do bolso e enxugou
as lágrimas. Assustado com a febre alta, tirou-lhe o suéter de lã e ela tremeu
quando o ar frio atingiu-a através da camiseta.
—Agora — ele disse, —vamos conversar com calma.
—Pelo que entendi, você disse que eu sou culpado de alguma coisa. O que
é, Rachel? Se não falar, como vou poder ajudar?
As lágrimas voltaram a cair.
—Você não pode ajudar, Daniel! —Estou grávida e a culpa é sua. —Prometeu
que cuidaria do assunto.
Ele deveria ter tomado cuidado e ela engravidou dos gêmeos. Depois,
Rachel tomou pílula por cinco anos e precisou parar, pois estava lhe fazendo mal.
Daniel voltou a cuidar do assunto e veio Michael!
—Você é um inútil! Serve para ganhar milhões em suas empresas, mas não
presta para mais nada! Pelo amor de Deus, eu só tenho vinte cinco anos! Se
continuar assim, vou morrer antes dos trinta.
Daniel escondeu o rosto no pescoço dela, para esconder o sorriso.
—Psiu, ainda estou tentando absorver a novidade. Rachel estava brava e
sentou-se ereta.
—Sabe no que me transformei? Numa máquina parideira! Não é à toa que
me mantém escondida dentro de casa, Daniel! O que diriam seus amigos de
negócios se soubessem a eficiente linha de produção que instalou na própria
casa?
—Chega, Rachel! — Desta vez ele não disfarçou a risada.
— Não posso pensar enquanto fica com estas acusações doidas!
—Mas estou grávida e não quero estar!
—De quanto tempo? — ele perguntou.
—Três meses.
—Meu Deus! — Só então a compreensão atingiu-o como atingira Rachel
quando o médico lhe dera a notícia naquela manhã. — Isto quer dizer que...
—Sim. —Ela não precisava dizer mais nada. Engravidara na relação
enlouquecida que tiveram depois da discussão sobre Lydia.
Ficaram em silêncio, pensativos. Ela se encostou em Daniel, que acariciava
seu cabelo com expressão ausente. Rachel lembrou-se da outra vez que sentara
assim, recebendo o mesmo carinho enquanto ele pensava. Não houve raiva naquela
época e não havia agora. —Bem — ele disse subitamente — então é isto. — Virou
o rosto e beijou os lábios dela. — Querendo ou não, vamos comprar uma casa
maior. Não há mais quartos disponíveis aqui!
Com os gêmeos, ele usara uma frase parecida para anunciar sua
concordância. Daniel tinha esta capacidade de aceitar o inevitável.
A crise dos sete anos, era como se referia com cinismo na privacidade de
sua mente. Se outra traição não ocorresse nos próximos sete anos, então talvez
pudesse superar. Sabia com certeza que nunca deixaria Daniel. O amor da família
era mais importante, principalmente com a nova criança que logo viria. Mas amor
de Daniel? Ela duvidava. Fora um sonho da Rachel romântica e infantil.
Uma tarde estava sentada no chão do quarto, separando algumas roupas
velhas para doar antes da mudança, quando Daniel chegou inesperadamente de
uma das viagens a Manchester. Ele parecia cansado e olhou com irritação para
as roupas espalhadas.
—Por que não contrata alguém para fazer este trabalho? — disse
impaciente, tirando o paletó e a gravata e andando com cuidado para não pisar
na bagunça que estava em seu caminho para o banheiro.
—Não quero estranhos mexendo em nossas coisas pessoais e, além disso,
só eu sei o que é para ficar e o que é para ser doado.
Sem responder, ele bateu a porta do banheiro. Saiu do banho com uma
toalha enrolada no quadril e foi deitar-se ao lado de Rachel que já estava na
cama, desenhando.
—O que está fazendo? — ele perguntou e inclinou-se para ver o caderno.
—Sua bruxa! — exclamou, ao ver o que ela tinha desenhado.
Daniel riu ao se reconhecer desenhado nu, como um diabo com chifres e
rabo, embaixo do chuveiro. Em vez de água caindo, labaredas subiam ao seu
redor. Puxou o caderno das mãos dela. Rachel esticou-se para pegar mas foi
impedida. Daniel passou o braço sobre a barriga redonda, prendendo-a no lugar.
Abriu o caderno na primeira página e começou a olhar devagar.
Ela ficou imóvel, o coração disparado de ansiedade enquanto ele estudava
cada página com atenção. Não sorriu ao ver os desenhos. O caderno que folheava
não tinha caricaturas a não ser a que acabara de ser feita. Era seu trabalho mais
sério, até então mantido longe de olhares curiosos.
O retrato de Sam refletia seus traços com perfeição, tão parecido com
Daniel. Kate aparecia com o longo cabelo loiro emoldurando o rosto satisfeito.
Captara sua expressão quando pediu ao pai para comprar um pônei para a nova
casa.
Havia muitos desenhos de Michael, pois era o que passava mais tempo a
seu lado.
—Os desenhos são bons —Daniel disse, sério.
Rachel inspirou fundo, pois sabia o que havia na próxima página.
—Obrigada — ela disse e fez menção de pegar o caderno. Daniel não
permitiu e assim que virou a folha ficou chocado. Ele esperava se ver desenhado,
ela percebeu depois. Parecia lógico depois dos filhos, mas não era Daniel.
O desenho mostrava o rosto de uma jovem Rachel, que mudara pouco ao
longo dos anos. A boca cheia e suave, o nariz delicado. Mas os olhos, sempre
expressivos, mostravam uma tristeza que tocava a alma. Para Rachel, era como
olhar uma estranha. Odiou o desenho ao terminar. Captara a criatura triste que
as pessoas viam quando a olhavam nos dias atuais. Fizera uma cruz atravessando
a página.
—Por que fez isto? — Daniel perguntou e percorreu com o dedo uma das
linhas da cruz que cruzava o canto da boca.
Rachel sentou-se na cama e afastou-se dele.
—Ela não é como eu. Não gosto dela!
Sem comentários, ele estudou o desenho por um longo tempo e Rachel
levantou da cama, fingindo interesse nas roupas jogadas no chão.
—Nem de mim — ele finalmente falou ao virar a página e dar de cara com
o demônio.
O sorriso de Rachel foi forçado.
—Como pode dizer isto? — zombou. — É assim que eu te enxergo.
Sabia o motivo, mas não conseguia explicar por que nunca desenhava
Daniel. Ele era diferente. Apesar de ser parte da família, de certo modo não era.
Os outros rostos no caderno eram parte dela. Daniel costumava ser a sua parte
mais importante; mas não era mais. Desaparecia no lugar de seu coração de onde
brotavam os desenhos.
Ele não a amava como os outros. Era o elo quebrado da corrente familiar.
Pegou o caderno e guardou dentro do armário, só então encarou Daniel,
que continuava deitado na cama.
—Onde está Michael?
—Foi passar o dia com sua mãe — ela respondeu, com um frio ria barriga.
Seus olhos se encontraram e percebeu o desejo começando a queimar dentro
dele. Ficou parada ao lado da cama, nervosa e insegura, sentindo ondas que
percorriam seu corpo, ansiosa por tocar Daniel.
Mesmo longe, sentia a masculinidade dele invadindo-a e olhou o corpo
forte e sensual.
O sol entrava pela janela, e Rachel notou feliz que, pela primeira vez em
meses, conseguia olhar o corpo dele abertamente. Sua necessidade da escuridão
negava-lhe este prazer e o de ver os olhos dele brilhando de paixão. Ele estendeu
a mão num convite mudo e ela aceitou, incapaz de resistir. Os dedos dele
apertaram-lhe a mão com cuidado para não quebrar o contato hipnótico dos
olhares e puxou-a com carinho para seu corpo.
Rachel usava apenas um vestido leve de malha. Ele passou a mão pela sua
barriga depois pelo quadril e coxa até encontrar a barra do vestido, e ela segurou
a respiração. As mãos carinhosas pararam, o olhar inquisitivo esperando sua
resposta. Deixou escapar o ar com um suspiro de prazer e inclinou a cabeça para
beijá-lo.
Daniel deitou de costas, trazendo-a com ele ao mesmo tempo que a despia.
Logo estavam dominados pela paixão, famintos, carentes, abertos para os jogos
sensuais do amor.
Rachel estava pronta, há muito tempo não sentia tal urgência de ser
penetrada e puxou-o pelo quadril. Amou-o com todos os sentidos e abriu os olhos
para ver o homem adorado, seus traços bonitos e apaixonados. Então o fantasma
apareceu e ela fechou os olhos com força, frustrada ao perceber a rejeição
paralisando seu corpo.
—Não! —Daniel disse com violência ao perceber o que se passava. — Que
droga Rachel, vamos olhe para mim!
Ela lutou com todas as forças agarrada em Daniel.
—Rachel, pelo amor de Deus, abra os olhos!
Devagar, seus olhos abriram e ela focalizou o rosto tenso a sua frente.
Podia ser que Daniel não a amasse, mas ele a desejava com furor, mesmo depois
do que passaram nos últimos seis meses. O desejo de Daniel ainda era tão
urgente que o fazia tremer contra seu corpo, e talvez fosse o suficiente...
—Não! — ele disse assim que ela ameaçou fechar os olhos. — Desta vez
não vai me rejeitar!
Ele segurou o rosto dela com suavidade, obrigando-a a ouvir.
—Escute, você me quer, mas não vai dar certo até que olhe para mim e me
aceite como o homem que deseja. Com todos meus erros. Eu, o homem que era
antes de te magoar profundamente e o homem que sou neste momento!
—E se eu não conseguir aceitar o que fez ao nosso relacionamento?
—Você nunca mais vai me ter. Não posso continuar fazendo amor com uma
mulher que se esconde no escuro antes de me aceitar dentro dela.
Daniel afastou-se enquanto ela pensava. Recebera um ultimato. Ele queria
que ela voltasse a confiar ou não teria mais o relacionamento físico no casamento.
Não acreditava que ele pudesse ter jogado a decisão em suas mãos. Se não
fizesse concessões, não haveria um futuro para eles.
Uma sombra de ressentimento atormentou-a, mas sabia que ele estava
com a razão. Se não o aceitasse completamente o casamento acabaria. Confusa,
não sabia que decisão tomar.
Ainda pensava no assunto quando uma semana mais tarde um fato
aconteceu, transformando seus problemas anteriores em fumaça.
Os gêmeos desapareceram.
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
FIM