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Projeto Romances

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Digitalizado por Ilnete
A falta que você faz
(Título original: Wife-to-be)
Michelle Reid

A Falta Que Você Faz

Rachel e Daniel tinham três filhos adoráveis e um casamento sólido o; pelo menos,
Rachel sempre acreditara nisso. Mas sua feliz existência foi destruída quando lhe
contaram que Daniel tivera um caso amoroso. Então, ela percebeu que eles
estiveram distantes durante vários anos. Rachel queria salvar seu casamento, mas
não seria tarde demais Será que ela conseguiria perdoar Daniel, apesar de ele ter
cometido, a pior traição?
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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

CAPÍTULO I

O telefone começou a tocar. Rachel, que descia a escada,


resmungou em voz baixa e, segurando firme o pequeno Michael de apenas seis
meses, desceu rápido os últimos degraus. Quando viu seu reflexo no espelho
atrás da mesa do telefone, assustou-se.
O cabelo loiro claro estivera “preso” num coque, agora, mechas
caíam pela testa e pescoço.
A camisa azul respingada da água do banho das três crianças não
melhorava sua aparência. Michael colaborava, puxando os botões da camisa
para expor-lhe o seio. Apesar de ser uma criança dócil, no momento estava
cansado e impaciente.
—Não — ela disse firme, afastando a mãozinha dos botões. —
Logo vai jantar.
Atendeu ao telefone.
—Alô?
Rachel não percebeu a pequena pausa tensa, antes que a pessoa do
outro lado da linha falasse com cuidado.
—Rachel? É Amanda.
—Oi, como vai Mandy? — Pelo espelho, reparou que seu rosto
suavizou a expressão ao escutar a voz da melhor amiga. Michael, por favor,
espere mais um pouco! disse ao garotinho que insistia em puxar-lhe os botões.
Ele olhou-a bravo, e Rachel sorriu divertida. Michael era o mais
genioso e exigente dos filhos, mas ela o adorava. Ele era a cara de Daniel, seu
marido.
—As crianças ainda não estão dormindo? — Amanda perguntou.
Não era segredo que crianças a irritavam. Mandy, executiva
sofisticada, não tinha tempo a perder. Rachel levava uma vida diferente.
Além de ser sua melhor amiga, Amanda era a única quem ainda
mantinha contato depois de deixar o colégio.
—Dois já dormiram, só falta o caçula. Michael está fome, mas
pode esperar.
—Daniel já chegou para o jantar?
Rachel percebeu a desaprovação no tom de voz da amiga e sorriu.
Amanda e Daniel não se entendiam bem.
—Ainda não, por isso pode xingar à vontade que ele não vai ouvir.
Não se importava que a amiga criticasse Daniel quando ele não
estava presente.

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Desta vez, um silêncio estranho pesou entre as duas.


—Alguma coisa errada, Mandy?
—Escute Rachel, vou me sentir péssima, mas você o direito de
saber.
Naquele momento, um dos gêmeos desceu a escada, fingindo atirar
com um revólver. Michael mexeu-se inquieto os olhos brilhando ao ver o irmão
que se aproximava.
—Quero tomar água — o atirador respondeu à pergunta muda da
mãe e foi para a cozinha.
—Escute —Mandy parecia impaciente, —sei que ocupada. Ligo mais
tarde, talvez amanhã. Eu...
—Não ouse desligar. Espere um momento que já volto.
Rachel percebeu que o que Mandy tinha para dizer era importante.
Colocou o fone na mesa e foi atrás do filho mais velho, As pernas
longas e bem torneadas eram realçadas pela calça fuseau branca, que usava
com meia soquete e tênis. Mesmo não sendo alta, sua figura era atraente
devido ao tipo longilíneo e o corpo bem-feito apesar das gravidezes. Quando
tinha tempo, Rachel sempre se exercitava fazendo ginástica, nadando ou
jogando badminton, um jogo parecido com tênis, só que, em vez de bola, jogado
com uma peteca sobre uma rede alta.
—Peguei você, pequeno bandido! — disse para Sammy, o filho de
seis anos, que estava com a mão no pote de biscoitos.
O garoto corou e ela continuou. —Tudo bem, leve um para Kate e
nada de migalhas na cama!
A cozinha era grande e confortável. Rachel colocou o bebê no
carrinho encostado no canto e deu-lhe um biscoito para se distrair, enquanto
voltava ao telefone.
—Ainda está aí Mandy?
—Por que você não arruma alguém para ajudar com as crianças? As
vezes elas são insuportáveis!
—Eu tenho uma ajudante mas, à noite, gosto de ter a casa só para
mim. Fico mais à vontade.
—Mais à vontade e sonolenta. Pelo amor de Deus, Rachel! Pare de
bancar a Gata Borralheira e trate de acordar.
—Acordar para quê?
—Rachel, onde está Daniel?
—Trabalhando até mais tarde.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Ultimamente, ele tem trabalhado muitas vezes além do


expediente, não é?
—Sim. Está muito ocupado com o caso Harvey. Você sabe, ouvi
vocês discutindo o caso na última vez que veio jantar aqui.
—O caso Harvey terminou há séculos!
Será que Mandy viera jantar havia tanto tempo? Sim, Michael
estava com três meses. Puxa, isto fora havia noventa dias!
—Mandy, você precisa aparecer logo para jantar. Não nos vemos
há tanto tempo! Vou perguntar a Daniel quando ele terá uma noite livre...
—Rachel! Por favor, não liguei com o intuito de me convidar para
um jantar, apesar de sempre valer a pena. Não sei como encontra tempo para
cozinhar tão bem, com o trabalho de casa e essas três crianças levadas, sem
mencionar que egoísta...
Mandy reprovava o modo como a amiga se dedicava à casa,
fazendo quase todo serviço. Achava que Daniel não ajudava em nada. Não tinha
idéia de como ele era ocupado e como fora difícil subir na carreira e sustentar
a família do mesmo tempo. Ele trabalhava muito pela família, para lhes garantir
segurança no futuro
—Não posso mais me conter, Rachel. Você é minha amiga, não ele.
Já é hora de alguém alertá-la para o que está acontecendo bem debaixo do seu
nariz!
—Um momento, o que quer dizer com isso?
—Que está fazendo papel de tola, amiga. Daniel não fica
trabalhando até tarde. Ele está com outra mulher!
As palavras soaram tão forte, que Rachel pensou que fosse cair.
—O quê? Ele saiu com uma mulher esta noite?
—Não, não hoje em particular. Algumas noites. Não sei quando
exatamente. Só sei que ele está tendo um caso, e parece que todos em Londres
já sabem, menos você!
Silêncio. Rachel não conseguia coordenar o pensamento.
—Sinto muito Rachel — Mandy percebeu o choque da amiga. —Não
pense que fico contente. Só estou contando porque me certifiquei antes de que
é tudo verdade. Eles foram vistos em lugares públicos, em atitudes íntimas. —
Eu mesma os vi. Meu namorado tem um apartamento no mesmo prédio que Lydia
Marsden, e cruzei com os dois saindo de lá.
Rachel se recusava a ouvir mais. Começava a se conscientizar de
pequenas coisas que deveria ter notado há mais tempo, e às quais não dera

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atenção, envolvida pela rotina do dia-a-dia. Confiara demais no homem cujo


amor por ela e pelas crianças jamais questionara.
Mas enxergava agora. A sutil mudança no humor, a maneira de
tratar a família, e as muitas vezes em que ele ficara embaixo, no escritório, em
vez de subir para o quarto com ela, para fazerem amor.
Um suor frio percorreu-lhe o corpo e Rachel ficou nauseada.
Lembrou-se de outras vezes, quando Daniel quis fazer amor e ela sentia-se
cansada ou sem vontade. Semanas, meses de amarga frustração e
desencontros, quando ela o procurou, e então, ele é que não estava disposto.
Acreditou que fosse apenas uma fase. Há duas ou três semanas,
quando Michael começou a dormir a noite toda, sentiu-se mais descansada e
pensou que tudo entraria nos eixos.
E havia apenas algumas noites, fizeram amor de forma tão intensa
como antigamente.
—Deus...
—Rachel!
Não, ela não queria ouvir mais nada.
—Preciso desligar Mandy, Michael está chorando.
Lembrou-se de outro fato ainda mais dolorido que as fracas
performances sexuais. Um perfume que sentiu um dia de manhã, ao lavar uma
camisa de Daniel. O mesmo perfume que sentia quando ele chegava tarde do
trabalho.
Tola Só conseguia enxergar Daniel com outra mulher.
Tendo um caso, fazendo amor...
O telefone começou a tocar outra vez. Um choro cansado veio da
cozinha. Com inesperada calma para quem sofrera um choque, Rachel tirou o
fone do gancho, desligou e em seguida tirou novamente e colocou sobre a mesa.
Depois foi para a cozinha.
Alimentou Michael e colocou-o para dormir, ficando um longo
tempo parada na porta do quarto, com o olhar perdido. Sentia a cabeça vazia.
Devagar, andou na direção dos quartos dos gêmeos.
Sammy, como sempre, dormia com as cobertas atiradas para fora
da cama. Beijou o rosto querido e cobriu-o. Sam era o filho mais parecido com o
pai, possuía o mesmo cabelo escuro e o queixo determinado. Era alto e robusto.
Pelas fotografias que vira no álbum da sogra, Daniel e Sam eram muito
parecidos quando tinham a mesma idade. Aos seis anos, o garoto já mostrava
obstinação, como o pai.

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Depois, entrou no quarto de Kate. Ela era o oposto do irmão.


Quando ia acordá-la de manhã, quase sempre estava na mesma posição que
dormira. Seu cabelo brilhava como os raios do sol. Era a paixão do pai e
conseguia mais dele que todos na casa, e ele adorava sua princesa de olhos
azuis. Kate sabia disso e o explorava ao máximo.
Como Daniel tivera coragem de fazer algo que pudesse magoar
seus filhos queridos? Como ousara destruir tudo por sexo?
Sexo? Talvez fosse mais. E se fosse amor? Paixão? Uma paixão
enlouquecida pela qual um homem trairia tudo?
Talvez fosse apenas uma mentira suja. Mas lembrou-se do
perfume e das noites que ele passara fora, culpando o caso Harvey.
Saiu do quarto de Kate e foi para o deles, onde, na semana
anterior, se encontraram novamente e fizeram amor pela primeira vez em
meses.
O que acontecera para que ele a procurasse outra vez? Ela havia
se esforçado. Preocupada com o rumo que o relacionamento estava tomando,
resolvera mandar as crianças para dormir na casa de sua mãe. Fizera o jantar
predileto de Daniel e servira na sala da jantar, à luz de velas, com a prataria e
os cristais, e o recebera na porta com um vestido sedutor e um beijo cheio de
promessas.
Naquela noite, não notara a veia que pulsava em seu pescoço e que
sempre era um indício de que ele estava sob tensão. Agora conseguia lembrar.
Fechou os olhos e viu o rosto contraído, a pele pálida e a veia pulsando quando
ela o abraçara de modo provocante.
Nauseada, saiu do quarto e desceu para a sala de estar,
enxergando os fatos com clareza e percebendo que fora uma tola, sem
consciência do que fazia.
Lembrou a tensão com que ele segurara seus ombros, tentando
manter certa distância. O brilho sofrido dos olhos cinzentos, e como ele ficara
imóvel diante dos lábios convidativos. O tremor que passara por ele quando ela
disse:
“Eu te amo, Daniel. Desculpe por ter estado tão difícil de se
conviver.
Ele fechara os olhos, engolindo em seco e apertara as mãos em
seus ombros até quase machucar. Depois, puxara-a para junto do corpo,
mergulhara o rosto em seu pescoço e não disse uma única palavra. Nem que a
desculpava nem que a amava. Nada.

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Mas fizeram amor com intensidade e paixão, sem fingimento. Ou


não?
O que entendia da sexualidade dos homens?
Conhecera Daniel quando tinha dezessete anos e ele fora seu
primeiro e único namorado. Não sabia absolutamente nada sobre os homens e,
pelo jeito, nem sobre seu próprio marido.
Olhou-se no espelho sobre a lareira. Apesar da palidez e da
tensão em torno da boca, era a mesma Rachel Masterson. Apenas vinte quatro
anos. Mãe e esposa, nesta ordem. Sorriu com amargura, enfrentando a verdade
como nunca se permitira antes.

Você o queria e conseguiu em poucos meses. Nada mal para uma


adolescente ingênua de dezessete anos. Daniel tinha vinte quatro na época, e
caiu no truque mais antigo.
Conhecera Daniel em sua primeira ida a uma boate de verdade,
acompanhada de um grupo de amigas do colégio, que se divertiram com seu
medo de ser barrada na porta por ser menor de idade.
—Vamos lá, Rachel —elas disseram. —Se perguntarem sua idade, é
só mentir como fazemos sempre.
As amigas fizeram-na decorar uma nova data de nascimento, que
repetiu até estar a salvo dentro da boate. Mesmo lá dentro, assustava-se cada
vez que alguém esbarrava, demorando um bom tempo para começar a relaxar.
Aos poucos, o efeito do vinho branco que tomavam se fez sentir e ela dançou
com o grupo e aproveitou a música.
Estava consciente da presença de Daniel desde o momento que
entrara na boate. Um homem carismático, forte, com cabelo escuro, parecendo
um ator de cinema. As amigas também o notaram e ficavam excitadas cada vez
que ele dava atenção ao grupo que dançava.
Mas ele olhava para o lindo rosto de Rachel, emoldurado pelas
mechas do longo cabelo loiro claro. O corpo perfeito, comprimido numa saia
preta curta e mini blusa vermelha, era uma visão tentadora. Se seus pais a
vissem com aquela roupa ficariam horrorizados. Mas todas haviam se arrumado
na casa de Julie, cujos pais estavam viajando, e nenhuma contara em casa
sobre a ida à boate.
O ritmo da música ficou lento e Daniel tirou-a para dançar. Ainda
conseguia lembrar a timidez que sentiu quando ele a tocou, sua masculinidade
despertando sensações adolescentes.
Dançaram muito tempo em silêncio, até ele falar.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Qual é seu nome?


—Rachel. Rachel James.
—Olá, Rachel James, sou Daniel Masterson — ele apresentou-se e
passou a mão na pele nua das costas, entre a saia e a mini blusa, puxando-a mais
perto e provocando uma
inesperada sensação de prazer.
Não tentou beijá-la nem convidou-a para ir embora sem esperar as
amigas. Anotou seu telefone e prometeu ligar logo, e ela passou a semana
seguinte ao lado do aparelho, esperando ansiosa que Daniel a procurasse.
No primeiro encontro, ele levou-a para passear.
—É o carro da firma — explicou com um sorriso gentil.
Convidou-a a falar sobre si, a família, os amigos. Ela contou do que
gostava e da vontade que tinha de fazer a faculdade de artes e trabalhar com
propaganda. Daniel perguntou sua idade e, ao escutar a resposta, pareceu
chocado.
Depois do jantar, deixou-a em casa com um seco boa-noite e não
ligou mais.
Rachel ficou arrasada. Por vários dias não conseguiu comer nem
dormir direito. Estava a ponto de adoecer, quando ele telefonou-lhe na semana
seguinte.
Foram ao cinema, mas não conseguiu concentrar-se no filme,
consciente da masculinidade que exalava de Daniel. Tensa e apavorada de fazer
algo que o afastasse novamente, gritou assustada quando ele esticou o braço e
pegou sua mão.
—Relaxe — ele murmurou, — não vou te morder.
O problema é que ela queria que ele a mordesse, queria aquele
homem. Mesmo sendo ingênua, a paixão estava em seu rosto e Daniel apertou
sua mão com força, tentando desesperadamente fixar a atenção no filme.
Naquela noite, ao deixá-la em casa, beijaram-se com paixão, consumidos por um
desejo violento, até que ele afastou-a e pediu que saísse do carro.
Na próxima vez que saíram, foram a um restaurante calmo e
romântico e ele contou a Rachel sobre sua vida. Disse que era vendedor de uma
grande firma de computadores &, pela natureza do trabalho, viajava por todo o
país, ficando fora da cidade durante vários dias. Falou também de sua ambição
de ter sua própria firma, de como aplicava todo o dinheiro que ganhava em
ações, sempre olhando-a com intensidade crescente.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Ao chegarem na porta da casa dela, estavam a ponto de explodir


com a tensão sexual que os envolvia. Ainda assim, foi apenas outro beijo
devastador e ele pediu que entrasse.
Continuaram a sair por mais algumas semanas, quando finalmente
ele perdeu o controle e, em vez de irem ao cinema, foram para seu
apartamento e fizeram amor.
Depois disso, raramente procuravam outro programa. Ficar junto
dele tornou-se o mais importante na vida de Rachel. O amor por Daniel
suplantou suas ambições, as amigas, os estudos e as recomendações
preocupadas de seus pais.
Três meses mais tarde, Daniel voltou de uma viagem de duas
semanas em Londres, e Rachel o esperava na porta do apartamento.
—O que está fazendo aqui? — perguntara e, apenas agora, depois
de sete anos, percebia que ele não ficara nada contente ao encontrá-la. Parecia
cansado e tenso, exatamente como nos últimos meses.
—Preciso falar com você.
Fizeram amor e enquanto ele tomava banho, ela preparou café.
Beberam em silêncio, Daniel sentado na velha cadeira de balanço, vestindo
apenas o roupão, e Rachel sentada no chão, entre seus joelhos, como sempre
fazia.
Foi então que contou que estava grávida. Ele não se moveu ou disse
qualquer coisa, apenas a mão dele acariciava seu cabelo de modo distraído.
Depois de um longo tempo, Daniel sorriu e puxou-a para seu colo, e
ela aconchegou-se como uma criança, pensou desconsolada. Do mesmo modo
como Kate costuma fazer quando senta no colo do pai.
—Você tem certeza? — ele perguntou.
—Absoluta. Comprei um teste de gravidez na farmácia e deu
positivo. Acha que pode haver erro? Será que devo consultar um médico antes
de decidirmos o que fazer?
—Não! Então, está grávida. Como poderia ter acontecido? —ele
indagou, pensativo.
—Nós deveríamos ter tomado mais cuidado.
—Tem razão. Bem, pelo menos, temos tempo de casar antes que
toda cidade saiba o motivo.
E assim aconteceu. A decisão foi tomada como Rachel
acreditava que deveria ser. Daniel providenciou tudo, livrando-a
dos aborrecimentos, até conversando com seus pais, pois ela não tinha
coragem.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

E agora, depois de sete anos, entendeu que Daniel se casara


apenas por causa da gravidez.
Ela o envolvera com sua juventude, inocência, confiança e
adoração cega. Daniel se casara por obrigação.
Amor não teve nada a ver com o casamento.

O som da chave na porta de entrada tirou-a do devaneio. Estava


calma. Olhou o relógio, apenas oito e meia. Daniel não era esperado em casa.
Dissera que participaria de um jantar de negócios.
Foi até a porta. Daniel estava de costas e ela percebeu sua tensão
pela postura do corpo.
Ele virou-se devagar e encarou-a. Depois, desviou o olhar pela sala
e viu o telefone fora do gancho. Dirigiu-se ao móvel e colocou a pasta no chão
antes de voltar o aparelho no lugar. Rachel notou que a mão dele tremia.
Mandy devia ter lhe telefonado. Com certeza entrara em pânico
quando a amiga não atendeu e resolveu contar a Daniel o que havia feito. Rachel
pensou que gostaria de ter ouvido a conversa. As acusações e confissões,
condenação e defesa.
Permitiu que ele a olhasse de alto a baixo e, sem uma palavra,
virou-se e foi para a sala de estar.
Ele era culpado. Trazia estampado em seu rosto e corpo.
Culpado!

CAPÍTULO II

Daniel preparou-se para enfrentar a esposa, que o esperava com


paciência.
Rachel sentia-se estranhamente calma, o coração batia
compassado e as mãos repousavam no colo.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Daniel entrou na sala. Estava sem o paletó e afrouxara a gravata.


Sem olhar para ela, seguiu direto para o bar onde, entre várias bebidas, estava
uma garrafa de seu uísque preferido.
—Quer uma dose? — ele perguntou.
Rachel negou com a cabeça. Daniel percebeu a negativa mesmo
sem virar-se e não insistiu. Serviu-se de uma dose dupla e sentou-se numa
cadeira na frente dela.
—Que amiga leal você tem — foi como começou o assunto.
“Pena que não possa dizer o mesmo do meu marido”, ela pensou.
Os olhos dele estavam fechados. Não conseguia encará-la.
Estendeu as pernas fortes na frente do corpo e manteve o copo de bebida
seguro no meio das duas mãos. Os dedos eram longos e fortes e as unhas
absolutamente limpas. Aliás, tudo nele era limpo e elegante. Tanto o corpo
como seus objetos pessoais. Bons ternos, sapatos finos, camisas feitas sob
medida e caras gravatas de seda.
A palidez do rosto não diminuiu sua beleza e charme. Daniel ia
fazer trinta e dois anos. O amadurecimento dera-lhe uma expressão de força e
auto-suficiência. Era um homem bem-sucedido e controlado. Sempre tivera
autocontrole, raramente perdia a paciência ou se irritava quando as coisas não
aconteciam a seu modo. Possuía a rara virtude de encarar um problema, colocar
os pontos negativos de lado e lidar com os positivos.
Provavelmente era o que fazia no momento, procurando descobrir
os estragos que o telefonema poderia ter feito a seu casamento e tentando
encontrar os aspectos positivos do acontecido.
Esta habilidade fizera com que Daniel Masterson chegasse à
presidência das Empresas Masterson, uma organização que ele criara e que se
expandira nos últimos anos, englobando companhias menores, ajustando-as ao
mercado para torná-las mais rentáveis e depois vendendo-as com lucro.
Construíra seu império, mantendo os negócios na linha divisória
entre o sucesso e o prejuízo, sem, no entanto, colocar sua família e o que
conseguira para eles sob qualquer risco. Cercara a família de luxo e mimo.
—E agora? — ele perguntou subitamente.
—Você é quem deve falar.
Com certeza, Mandy ficara apavorada com a reação que a amiga
pudesse ter. Talvez imaginasse suicídio ou qualquer outra tragédia. Só o medo a
forçaria a contar tudo a Daniel.
—Aquela imbecil! Se não se intrometesse, você seria poupada
disso. Já tinha acabado — disse Daniel, muito tenso, enquanto apertava o copo

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

nas mãos. — Se ela ficasse quieta, logo saberia que estava tudo terminado! Mas
não, ela sempre quis acabar comigo, só não imaginei que fosse jogar tão sujo e
envolver você! Pelo amor de Deus, diga alguma coisa!
Rachel assustou-se. Daniel raramente erguia a voz com ela.
Percebeu que estivera ali, sentada, como se estivesse em outro mundo.
—Quero o divórcio — disse e surpreendeu-se tanto quanto Daniel,
porque tal idéia nunca lhe passara pela mente.
—Pode sair da casa. Fico aqui com as crianças. Você está rico o
suficiente para nos sustentar.
—Isto é tolice e não uma resposta! — ele gritou.
—Não grite! Vai acordar as crianças.
Daniel levantou-se e encarou Rachel, mas não conseguiu sustentar
seu olhar.
—Escute... — ele disse, um momento depois, tentando manter o
controle — não aconteceu nada do que imagina ou do que sua “amiga” falou! Foi
só uma escapada tola, que terminou antes mesmo de começar. Eu estava sob
pressão no trabalho, o caso Harvey poderia pôr a perder tudo o que consegui.
Precisava trabalhar dia e noite para ficar na frente dos concorrentes. Você
estava se recuperando do parto e, de repente, eu estava passando mais tempo
com ela do que em casa. Então os gêmeos tiveram sarampo e você não quis uma
enfermeira para ajudar. Estávamos longe a maior parte do tempo. Fiquei
preocupado com seu cansaço, com a doença dos gêmeos, com Michael que não
dormia mais que meia hora seguida. Não quis sobrecarregá-la com problemas de
trabalho...
Daniel falava de meses atrás, quando tudo que ela achou que
poderia dar errado realmente deu. Jamais imaginou que um caso de seu marido
com outra mulher também fosse fazer parte de sua lista de problemas!
—Rachel... — ele sussurrou — nunca pensei em trair você! Mas ela
estava lá quando precisei de uma companhia e você não...
—Ah! Chega, pare de falar!
Daniel tentou aproximar-se e foi impedido. Apesar de não beber,
Rachel foi até o bar e, com as mãos trêmulas, preparou um uísque. Virou o copo
e fechou os olhos, numa tentativa de não perder o controle.
O coração disparou e não conseguiu respirar direito, o corpo ficou
paralisado enquanto o cérebro absorvia a dor e a angústia, e devagar espalhava
por todo seu ser, até que ela pensou que fosse morrer.
—Terminou Rachel! — ele repetiu angustiado. — Pelo amor de
Deus, acabou!

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—E quando foi que acabou? Depois daquela maravilhosa noite de


amor? Pobre Lydia, não sei qual de nós duas foi mais idiota.
—Apenas aconteceu. Eu daria tudo para que não tivesse
acontecido, mas não posso fazer o tempo voltar. Se ajudar, quero dizer que
estou profundamente envergonhado. Juro por Deus que isto nunca mais vai
acontecer.
—Até a próxima vez ela murmurou e saiu da sala.
—Não! Daniel puxou-a pelo braço e apertou-a contra o corpo
enquanto Rachel tentava escapar. —Vamos conversar até o fim. —Sei que está
muito magoada, mas temos de esclarecer tudo.
—Quantas vezes? — ela gritou descontrolada. — Quantas vezes
você chegou em casa impregnado com o perfume dela?
—Quantas vezes sentiu-se obrigado a fazer amor comigo depois
de ter se deitado com ela?
—Nunca! — ele foi veemente e apertou o abraço. —Não, Rachel!
Nunca! Jamais cheguei a esse ponto. — O sorriso sarcástico dela deixou-o
lívido. — Eu te amo, Rachel! Adoro você!
Por algum motivo a declaração de amor foi a gota d’água, e ela
atingiu o rosto dele com uma bofetada.
Surpreso, Daniel afrouxou o abraço e Rachel escapou. O olhar que
ela lançou foi tão cheio de rancor que transformou seu rosto em uma máscara
de dor e ódio.
Sem mais uma palavra, saiu da saia e subiu. Na porta do quarto
hesitou um momento e foi na direção do quarto de Michael. Ficou imóvel,
olhando a criança no berço, imaginando se a dor intolerável que sentia poderia
adoecê-la fisicamente.
Finalmente, atirou-se na cama ao lado, escondeu o rosto no urso
de pelúcia e chorou até mergulhar num sono causado pela exaustão.

O dia raiou com os sons alegres de Michael brincando no berço.


Rachel demorou alguns minutos até se lembrar do motivo pelo qual estava ali.
Sentia-se mais calma, como se o choro descontrolado da véspera tivesse lavado
suas emoções.
Levantou-se e notou que ainda estava com a mesma roupa da noite
anterior. Levou a mão ao cabelo e tirou o elástico que teimava em segurar
alguns fios, e o longo cabelo loiro caiu sobre suas costas.
Sentia-se mal, dormira até de tênis. Sentou-se na beirada da
cama e ficou descalça. Michael notou a presença da mãe e sorriu alegre. O

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sorriso foi como um bálsamo para seu coração ferido. Por alguns instantes,
Rachel esqueceu o mundo e deliciou-se brincando com a criança.
Não importava o que mais a vida lhe tirasse. Sempre teria o amor
de seus filhos.
O pequeno Michael estava transpirando e com a fralda molhada.
Ela levou-o para um banho. Enrolou-o em uma toalha e voltou ao quarto para
vesti-lo.
Normalmente descia para preparar o café da manhã da família e
só subia para se vestir depois que saíssem para o colégio e o trabalho.
Naquele dia seria impossível. Os gêmeos eram muito observadores
e perguntariam por que estava descabelada e usando a mesma roupa da noite
anterior.
Precisou de muita coragem para entrar no quarto onde Daniel
estaria quase acordando. Entrou devagar e olhou para a cama vazia. Escutou
então sons vindos do banheiro. Ele apareceu logo e se olharam ao mesmo tempo.
Em todos os anos de conhecimento nunca se sentira tão vulnerável
na presença dele, e tão consciente da própria aparência: os olhos inchados de
tanto chorar, o cabelo solto e despenteado.
Também estava absolutamente consciente da aparência de Daniel:
a altura, os músculos fortes no corpo atlético, o peito largo, as pernas longas e
robustas...
Com a boca seca, desviou os olhos.
Daniel parecia cansado, como se tivesse dormido pouco.
Provavelmente passara a noite pensando, racionalizando, a fim de encontrar
uma solução correta para uma situação impossível. Era sua especialidade:
transformar um desastre em sucesso.
Olhou-a de modo defensivo. Acabara de sair do banho e seu
cheiro excitou-a.
Magnetismo sexual não tem barreiras, pensou Rachel. Mesmo
sentindo raiva e desprezo, a paixão dominava seu ser.
Desviou a atenção e colocou Michael no meio da cama de casal, que
não fora desfeita. Notava-se que fora usada apenas pela marca do corpo de
Daniel sobre a colcha.
Michael tentava de todas as maneiras chamar a atenção do pai,
que só tinha olhos para Rachel. O bebê ficou vermelho e gritou querendo
sentar-se. Ela sorriu e estendeu a mão, Daniel reclinou-se do outro lado da
cama e pegou na outra mãozinha: era tudo que Michael precisava para conseguir
sentar.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

— Da! — ele disse em triunfo.


Rachel não desviou os olhos do filho ao perceber que o olhar de
Daniel procurava o seu.
—Por favor, Rachel, olhe para mim.
—Não!
Daniel ergueu Michael para beijar a bochecha gorducha e colocou-
o de volta na cama.
Alerta, Rachel quis levantar-se, mas ele agiu mais rápido, segurou
seu pulso e puxou-a gentilmente para si, trazendo-a para o calor de seus
braços.
O conforto que ofereceu emocionou-a, e ela não conseguiu segurar
o choro. Apertando o abraço, Daniel abaixou a cabeça e só conseguia dizer:
—Desculpe, desculpe.
Mas não era o suficiente, nunca seria. Amor, confiança, respeito
não existiam mais e desculpas não trariam de volta.
—Eu estou bem — ela disse.
—Querida, sei que te magoei muito, mas não tome nenhuma
decisão ainda. Temos tudo a nosso favor se você der outra chance. Não jogue
nossa vida fora por causa de um erro idiota que cometi.
—Quem jogou nossa vida fora foi você!
Afastou-se e não foi impedida. Daniel ficou olhando da cama,
enquanto ela andava do guarda-roupa para as gavetas, sem saber que roupa
vestir.
Durante anos ela tivera confiança cega nele, enquanto o marido
caminhava rumo ao sucesso. Ficara em casa como um animal de estimação, e ele
alimentara-a e preenchera suas necessidades. Que situação patética!

Michael começou a chorar de fome e Rachel ficou parada no meio


do quarto, as roupas nas mãos sem saber o que fazer.
Por fim, Daniel pegou o bebê no colo e saiu do quarto dizendo:
—Pode deixar que dou comida para ele. Arrume-se com calma,
ainda é cedo.
O café da manhã foi terrível. Impaciente com os gêmeos, Rachel
reclamou de tudo que fizeram, colocou pó em excesso na cafeteira e o café
ficou forte demais. Sam e Kate estavam assustados com seu comportamento e,
aliviados, deixaram a copa em busca do material escolar.
—Não havia o menor motivo para você repreender Sam daquele
modo — disse Daniel, assim que os gêmeos saíram.

14
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Ele é ordeiro a maior parte do tempo. —Só porque esqueceu os


jogos espalhados não merecia um sermão. As crianças são sempre comportadas,
não permitirei que desconte nelas a raiva que sente por mim!
—E desde quando está em casa tempo suficiente para saber como
as crianças se comportam? Você as vê no café da manhã por trás do seu
precioso jornal! A maior parte do tempo nem lembra que tem três filhos. Você
os ama como eu amo... aquele quadro moderno que você comprou: quando lembra
que eles são seus, é isso aí. Então, não ouse me dizer como tratar as minhas
crianças, quando é um inútil como pai!
Meus Deus! O que estava acontecendo? A sensação de Rachel é
que ia se quebrar em mil pedaços sem ter como evitar. Daniel olhava
horrorizado.
—Pode me acusar de muitas coisas que provavelmente mereço,
mas não pode me acusar de não amar as nossas crianças!
—É mesmo? Então não casou comigo só porque eu estava grávida?
Daniel deu um soco na mesa e avançou na direção dela como se
quisesse bater-lhe, só no último momento desistiu e afastou-se com esforço.
—Michael é muito pequeno para entender, mas se der aos gêmeos
o menor motivo para pensarem que não os amo, vou...
Não terminou a frase, nem precisava. Rachel entendeu a ameaça.
Daniel olhou-a por um longo momento e saiu da cozinha.
Ela ficou envergonhada e irritada. Dera a Daniel um motivo para
atacá-la quando, até aquele momento, todos os trunfos eram a seu favor.

CAPÍTULO III

No domingo de manhã, estavam todos reunidos tomando o café da


manhã quando
Kate perguntou:

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Mamãe, por que está dormindo no quarto de Michael?


A pergunta se deu porque Michael dormira até mais tarde e
Rachel perdera a hora. Depois de várias noites insones na pequena cama, estava
exausta. Na noite anterior, aconchegara-se ao urso de pelúcia e dormira
profundamente até ser acordada por Sam.
Sentia-se cansada, pois as horas de sono aliviaram o corpo, mas
não o espírito. Apesar de ter dormido sem pesadelos, acordara com a mesma
angústia e depressão, incapaz de resolver a situação.
O pedido de Daniel para que não tomasse nenhuma decisão até
estar mais estável emocionalmente servira como desculpa para sua falta de
ação; a vida passava por ela como se fosse um filme fora de foco.
Daniel, abatido, não parecia muito melhor. Desde o telefonema de
Amanda, voltara a chegar em casa às seis e meia da tarde. Rachel suspeitava
que o motivo fosse sua crítica ao comportamento dele como pai, mais do que
uma tentativa de provar que o caso havia terminado.
Sempre estava presente para ajudar no banho das crianças,
enquanto ela preparava o jantar. A vida da família parecia normal, devido ao
esforço do casal em esconder das crianças seus enormes problemas.
Jantavam em silêncio, e as poucas tentativas de Daniel de manter
algum tipo de conversa eram ignoradas por Rachel. Logo ele desaparecia em seu
escritório e ela lavava a louça e ia para o quarto de Michael, sentindo aumentar
a solidão e a tristeza a cada dia.
Surpreendida pela pergunta da filha, tentou encontrar uma
resposta aceitável.
—Os dentinhos de Michael estão nascendo — respondeu,
consciente de que Daniel a observava por trás do jornal dominical, mas não lhe
dirigiu o olhar. No momento, não se importava com a reação dele.
A pequena Kate, satisfeita com a resposta, voltou a atenção para
seu adorado pai. Saindo da cadeira, aconchegou-se em seu colo.
—Papai, aposto que deve estar sentindo falta da mamãe na sua
cama. Se tivesse me falado antes, eu teria ido fazer companhia para você.
A tensão estava no ar, apesar de não ser percebida pelas crianças.
Daniel deixou o jornal de lado para dar total atenção à filha.
—Você é muito gentil, minha princesa. Acho que posso agüentar
mais uns dias sem me sentir completamente rejeitado.
Se a resposta era uma indireta para Rachel, ela ignorou e sentou-
se para tomar o café, concentrando no ato toda sua atenção.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Daniel estava sentado em frente, vestindo apenas o roupão de


banho que cobria parcialmente seu peito forte. Abaixou-se para beijar a
cabeça da filha e seu sorriso amoroso provocou um ciúme doentio em Rachel.
Levantou-se, chocada por sentir inveja da própria filha.
O desespero fez com que começasse a tirar a mesa. Daniel ergueu
o olhar para ela, que não conseguiu desviar o seu, mostrando uma expressão tão
amarga, que deixou-o intrigado. De propósito, ela acabou com a atmosfera
calma que reinava, fazendo barulho ao começar a lavar a louça.
A tentativa de fazê-los sair da cozinha foi ignorada. Sam
conversava animado com Kate e Daniel e até Michael, tirado de seu cadeirão
para o outro joelho do pai, participava feliz da atividade dos irmãos.

Para Rachel, a cena familiar era insuportável. Lydia aparecera em


seu caminho, separando-a da família como uma parede alta, impedindo que
partilhasse o amor e afeição que sempre imaginara garantidos.
Desistiu de terminar a limpeza, pois ainda poderia quebrar alguma
coisa.
—Vou arrumar as camas —murmurou, sabendo que ninguém a
ouvira e sentindo-se ainda mais rejeitada.
Parou no meio do quarto, com o olhar vazio, e logo Daniel entrou.
Apressada, entrou no banheiro da suíte, fingindo que era o que estava para
fazer quando ele abriu a porta.
Ao sair, viu Daniel na frente da janela, com as mãos nos bolsos do
roupão. Sua figura era tão atraente que sentiu vontade de jogar alguma coisa
nele, qualquer coisa que ajudasse a aliviar seu sofrimento.
Forçou-se a ignorá-lo e começou a guardar as roupas.
Queria arrumar a cama, mas não na presença dele. Desde o
telefonema de Mandy era um sacrifício ter de afofar os travesseiros e alisar a
colcha. O cheiro familiar de Daniel despertava sensações que desejava
adormecidas, principalmente por querer acreditar que haviam sido destruídas
por ele. Infelizmente, seu desejo só aumentava.
Virando-se, ele observou-a movimentar-se pelo quarto.
Depois de um tempo, quando o silêncio dominava o ambiente,
Daniel aproximou-se e ficou na frente dela.
—Rachel — disse gentil, querendo que ela o encarasse em vez de
ficar olhando o chão. — Está lembrada que vou passar a semana que vem em
Birmingham?

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Não, ela não se lembrava. Irritada com a ousadia dele em colocar


os negócios em primeiro plano quando a vida particular estava em crise,
perguntou de modo gélido.
—Que roupas quer que eu coloque na mala?
Será que Lydia iria junto? Será que passariam uma semana livres
de qualquer amolação?
Com o coração descompassado, manteve-se firme no lugar. Desde
a noite da revelação, era o mais próximo que estavam fisicamente, e a
consciência da masculinidade do marido perturbou-a.
—O que quiser — ele disse, impaciente.
Sempre que viajava, a mala dele era carinhosamente arrumada.
Mesmo agora, esperando ansiosa que se afastasse para uma distância segura, e
com vontade de mandar que ele mesmo arrumasse a mala, Rachel fazia uma
lista mental de tudo que deveria colocar na mala. Riu de si mesma. Você já está
condicionada!
Daniel não se moveu, e a tensão entre eles ficou insuportável.
—Será que você vai ficar bem? — perguntou, receoso que ela
pudesse se irritar. Fora cuidadoso a semana inteira para não lhe dar
oportunidade de desencadear um desentendimento. — Eu... eu posso chamar
minha mãe para ficar, se sentir necessidade de companhia ou...
—E por que eu necessitaria de uma companhia? Sempre me virei
bem na sua ausência e não falharei agora.
—Não estou questionando sua capacidade. Mas está cansada, e
acho que com tudo o que aconteceu, seria melhor ter alguém para ajudar, é só
isto.
Cansada? Não, estava exausta!
—Sua secretária vai junto?
Droga, não queria fazer a pergunta, mas não se conteve.
—Sim, mas...
—Então não preciso me preocupar com seu conforto, não é?
—Rachel, Lydia não...
—Eu não quero saber.
Magoada, ela empurrou-o e afastou-se.
—Então, por que perguntou? — ele falou, com a voz alterada.
Depois, fez um esforço para se controlar. — Rachel, nós precisamos falar
sobre este assunto!
Ela começou a arrumar a cama e tentava manter-se ocupada.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Meu Deus, isto não pode continuar assim. Precisa entender. Kate
já notou e em pouco tempo vai estar calculando há quanto tempo você está no
quarto de Michael.
—E não podemos magoar nossa querida Kate, não é? —ela
perguntou, deixando o ciúme transparecer.
A cama estava pronta, já podia sair do quarto...
—Deixe-me explicar sobre Lydia — Daniel falou, cauteloso. — Ela
não...
—Está planejando passar o resto do dia em casa?
—Sim, por quê?
—Porque quero sair e, se vai ficar aqui, me poupa o trabalho de
pedir para minha mãe vir e tomar conta das crianças.
Não fora uma decisão consciente, nem sabia por que havia dito
aquilo, mas a idéia de ter um tempo só para si era vital para sua sanidade.
Procurou no guarda-roupa sem saber o que vestir, até decidir-se
por um conjunto confortável. Daniel estava chocado e ficou imóvel até ela
terminar de se arrumar. Só então pareceu acordar.
—Se estava querendo ir a algum lugar, era só falar. Em dez
minutos me visto e podemos sair todos juntos.
Apressada, ela calçou os tênis, deixando-o ainda mais confuso.
—Rachel, não faça isto!
A voz dele estava embargada. Finalmente entendera que ela
queria sair sozinha.
—Você nunca saiu sem a gente antes. Espere um pouco e todos
nós...
Era verdade. Nunca havia saído sozinha antes. Ou estava com
Daniel ou com as crianças ou com a mãe dele. Pelo amor de Deus, logo faria
vinte cinco anos e era uma dona de casa com três filhos e um marido que...
—Vou sair sozinha. Não vai morrer se ficar com as crianças pelo
menos uma vez na vida!
—Sei disso, é que você nunca...
—Exatamente. Enquanto esteve ocupado, aumentando sua fortuna
e tendo seus casos, fiquei quieta, estagnada nesta droga de casa!
—Não seja tola — ele segurou-a pelo pulso. — Isto é ridículo, está
agindo como criança!
—Mas é justamente isto Daniel, será que não percebe? É
exatamente o que eu sou. Uma criança super protegida. Não amadureci porque
não tive chance. Lembre-se de que casamos quando eu tinha dezessete anos! Eu

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

ainda estava no colégio! E, antes de você, meus país me mantiveram numa


redoma! Meu Deus, que choque deve ter sido para eles descobrir que sua
pequena e inocente filha dormia com o grande lobo mau, sem que eles
soubessem.
A descrição era para rir ou chorar, e ele riu.
—Então fiquei grávida e arranjei outros pais: você e sua mãe!
—Isto não é verdade, Rachel! Nunca encarei você como uma
criança. Eu...
—Mentira! E sabe por que é mentira, Daniel? Porque já está
começando a entrar em pânico só de me ouvir dizer que quero passar algum
tempo sozinha! Pela sua reação, parece que é Kate quem quer sair.
—Isto é loucura!
—Loucura? Como pensa que me sinto por ter permitido que me
magoasse? Na verdade, eu parei no tempo e permiti que me tratasse assim.
Veja o que aconteceu, está cansado de mim! Por favor, deixe-me sair.
Com um soluço, livrou-se da mão que a segurava e saiu do quarto.
Desceu a escada e lembrou-se de pegar a bolsa na mesa do hall antes de sair
para a rua. Como o carro de Daniel impedia a saída do seu, simplesmente saiu
andando para longe da casa moderna que compraram havia cinco anos. A casa
era nova e fora construída num bairro distante do centro. Assim que entrara
no imóvel, apaixonara-se pelo tamanho e pelo espaço que oferecia, muito maior
que o apartamento no centro de Londres, que alugavam desde o casamento.
No momento, queria estar longe o mais rápido possível. Atravessou
a rua arborizada na direção da avenida principal. Sumiria antes que Daniel
fosse procurá-la. Levaria algum tempo até que ele conseguisse vestir as três
crianças, se arrumar e sair de carro atrás dela.
Rachel entrou no primeiro ônibus que passou. A condução ia até o
centro de Londres. Encostou-se na janela e olhou para fora com tristeza.
Chegando ao centro, desceu e andou pelas ruas silenciosas no
domingo, cortadas pelo ar frio de setembro.
Gostaria de descobrir quem ela era de verdade. Jamais
questionara o amor de Daniel. Mas questionava agora e admirou o modo
tranqüilo com que ele aceitara a responsabilidade, quando ela engravidara.
Daniel pagou o preço por ter se envolvido com uma jovem inocente.
E se tinha uma vida paralela à que levava com ela, era porque considerava um
direito seu. Rachel percebeu que ele nunca compartilhara a vida excitante que
levava, além dos limites do casamento bem-comportado. Um casamento que ele

20
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

criara para ela brincar de esposa e mãe, porque era exatamente o que desejava
ser.
Andou durante horas sem perceber. Só quando estava exausta
decidiu voltar para casa. Tomou um táxi porque sentia frio, fome e porque, de
repente, sua casa era o único lugar onde queria estar.

CAPÍTULO IV

Daniel estava sentado no sofá da sala quando Rachel entrou.


Segurava um livro na frente do rosto, dando a impressão de ter ficado na
mesma posição durante horas. Como não deu o menor sinal de vida, ela ficou na
defensiva, esperando por uma explosão que não aconteceu, então fechou a
porta e foi para a cozinha.
Rindo consigo mesma ao entrar, pela primeira vez em muito tempo
sentiu preocupação por parte dele. Observara o movimento na cortina da sala
enquanto pagava o motorista do táxi.
Rachel jogou o casaco em uma cadeira e começou a preparar um
café. Daniel entrou de mansinho, descalço, vestindo calça de abrigo e uma
camiseta.
—É melhor telefonar para Mandy —disse, ao puxar uma cadeira e
deixar-se cair sentado.
—Por quê?
—Porque eu a amolei o dia todo. Pensei que estivesse lá e ela não
quisesse me contar.
—E como sabe que não foi exatamente isto que aconteceu?
Houve urna pausa antes que ele respondesse relutante.
—Porque pedi para minha mãe ficar com as crianças e fui até o
apartamento dela, para me certificar.
—E agora as duas sabem que passei o dia fora.

21
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

O café ficou pronto e Rachel colocou-o na garrafa térmica.


— Não pode me culpar por ter ficado preocupado com esta sua
saída maluca — ele disse, sem graça.
Bom! Isto o ensinaria a não tratá-la mais corno criança.
De qualquer modo, era interessante Daniel ficar sabendo que a
esposa previsível havia mudado.
Sentou-se na frente dele, aquecendo as mãos na fumaça que saía
da xícara de café. Ele apoiou os braços na mesa e tamborilou os dedos como se
quisesse dizer alguma coisa e não tivesse coragem. A expressão estava tensa, o
cabelo despenteado. Nunca o vira naquela postura abatida antes.
—Seus pais também sabem — ele falou de repente. —Telefonei
para eles quando não imaginei outro lugar onde você pudesse estar. Esperaram
por você durante toda a tarde. E melhor ligar e dizer que chegou bem.
Então, depois de procurar em três lugares, ele esgotara a
possibilidade de encontrá-la. O que tal atitude lhe dizia sobre si mesma?
Decidiu deixar de lado, já fizera muita auto-análise para um dia. Em vez disso,
sugeriu:
—Vou lhe dizer uma coisa, Daniel. Por que não liga para eles você
mesmo, uma vez que foi você quem os deixou preocupados? Ligue para sua mãe
e para Mandy também. Eu não estou com a menor vontade de falar com ela.
—Com quem? Com a minha mãe?
—Não, com Mandy. Você colocou-a no rolo depois de ter dito que
ela não deveria ter se intrometido, então, se pensa que está preocupada,
telefone!
—Todos nós ficamos preocupados! — ele respondeu, irritado.
—Eu não faço o gênero suicida, você sabe muito bem —ela disse,
tomando um gole do café. Quanto mais tenso Daniel ficava, mais à vontade
Rachel se sentia. — Tenho sido uma tola no que se refere a você, mas não pense
que vou destruir minha vida.
—Jamais a considerei tola.
—É claro que sim. Quantas vezes pensou em desperdiçar seu
precioso tempo comigo?
Daniel inspirou profundamente para se acalmar.
—Afinal, aonde você foi?
—Até o centro de Londres.
—O que foi fazer por lá? Está fora de casa desde as dez horas da
manhã. Que diabos achou para fazer num domingo, com todas as lojas
fechadas, durante quase doze horas?

22
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Talvez eu tenha encontrado um homem! — ela provocou. —


Afinal, não é difícil encontrar um.
O rosto de Daniel ficou pálido. Era a primeira vez que ela o
enfrentava.
—Ou talvez eu tenha decidido procurar conforto fora, porque não
estou encontrando muito aqui em casa.
Ele levantou-se com raiva e derrubou a cadeira.
—Pare! Pare de tentar me agredir, Rachel! Nem parece você, com
esse prazer em magoar os outros!
Não parecia mesmo. Era engraçado como a natureza das pessoas
podia mudar de um dia para o outro. Sempre fora gentil e agora sentia um
impulso incontrolável de ferir! Nem mesmo se importava com a preocupação dos
pais ou de sua sogra.
—Então vá fazer os telefonemas — ela falou, olhando para a
xícara que tinha nas mãos. — Assim não precisa ouvir mais nada.
Daniel encarou-a, pronto para reagir à provocação, mas sacudiu a
cabeça e saiu da cozinha. Ao escutar a porta do escritório ser fechada com
violência, ela deu um sorriso.
Subiu para o quarto e tomou um banho. Vestiu o roupão para sair
rápido do aposento antes que ele entrasse, quando lembrou que não havia feito
a mala. Apressada, pegou a valise de couro preto e colocou aberta sobre a
cama.
—Não se preocupe com a mala. Cancelei a viagem esta tarde — a
voz dele informou-a da porta.
—Oh, querido —- ela disse sarcástica. — Lydia vai ficar
desapontada.
Bem feito! As palavras dela atingiram-no como um soco. Daniel
fechou a porta e em duas passadas alcançou-a, segurando-a com força pelo
ombro.
—Não agüento mais — ele murmurou. — Nada que eu faça ou fale
vai mudar a idéia que faz de mim?
—Mas eu mudei minha idéia sobre você! — ela disse, desafiante,
com um leve medo ao ver o brilho que ardia nos olhos de Daniel. — Sempre
pensei que fosse um santo, agora sei que não presta!
—Eu vou mostrar como não presto! — ele disse, alterado, e beijou-
a com violência.
Rachel gemeu em protesto, mas foi em vão. Daniel apertou-a
contra seu corpo, beijando-a com paixão enquanto ela lutava para se

23
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

desvencilhar. Ele mergulhou a língua em sua boca e ela sentiu uma onda de
desejo percorrendo seu corpo. Por mais que quisesse odiá-lo, era vulnerável ao
seu magnetismo. Tentou chutá-lo, mas não adiantou.
O corpo dela fervia de desejo, e não conteve um gemido quando
sentiu o membro rígido dele através do roupão.
“Não é justo! Ele não pode me usar assim!” Odiou-se e desprezou-
o por torná-la consciente da própria fragilidade.
—Eu te odeio! — ela gritou.
—É verdade. Mas você também me quer, Rachel. Está tão
desesperada de desejo que posso sentir sem tocá-la.
A amarga verdade despertou nela uma raiva descontrolada, e
atacou-o com as unhas. Só o reflexo rápido salvou o rosto de Daniel, que ficou
com um vergão enorme no pescoço.
—Sua gata danada!
—Detesto você!
—Bom — ele rosnou e, segurando-a com força, colocou-a de costas
para si. — O modo como vou fazer amor com você não vai mudar em nada seus
sentimentos.
—Tudo bem, assim pode acrescentar violação ao adultério.
—Violação? E desde quando preciso violentar você?
Em toda minha vida nunca conheci uma mulher tão ávida por sexo!
—Nem Lydia?
Daniel virou-a de frente e ela percebeu seu olhar atormentado.
—Pare com isso, Rachel! Não me provoque mais ou vou acabar
agindo de um modo que nós dois vamos nos arrepender depois!
Era o que estava fazendo? Estaria sendo demoníaca, induzindo-o a
possuí-la com raiva, apenas para provar que Daniel era tudo que pensava sobre
ele?
Sim, estava provocando-o quando o mais sensato seria sair rápido
do quarto. Queria alimentar o ódio e a angústia que sentia desde que Mandy
ligara. Rachel ouviu a própria voz.
—Então dê o fora daqui! Por que não age com dignidade e vai
embora? Ninguém o obriga a ficar! Nada aqui impede que vá para os braços de
sua preciosa Lydia!
—Não pode parar de mencionar este nome?
—Lydia — ela provocou. — Lydia, Lydia, Lydia!
Um brilho de dor passou pelos olhos dele. Daniel agarrou-a,
trazendo-a bem perto de seu corpo e falou com a voz rouca:

24
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Não! Você, você, você!


Num movimento brusco, ele puxou-a e, juntos, caíram na cama.
O que aconteceu a seguir foi menos amor e mais uma batalha. Uma
guerra para ver quem excitava mais o outro, onde cada carícia era respondida
por outra mais sedutora. Quanto mais excitado um deles ficava, mais o outro
acariciava, afundando-os numa onda de emoções fragmentadas.
Houve um momento em que Daniel pareceu tomar consciência e
ameaçou afastar-se, mas Rachel percebeu e, em pânico, com medo de perdê-lo,
beijou-o tão profundamente que ele gemeu seu nome com se fosse uma súplica.
Era Rachel a sedutora, que conduzia o ato desde um começo
desesperado a um fim tumultuoso, onde o homem sob seu corpo tremia e ela
frustrava-se pelo alívio que lhe fora negado.
Concluiu que nenhum dos dois vencera a batalha. Sentia-se
péssima com seu comportamento, consciente de ter agido por medo de perdê-
lo, apesar do que ele havia feito, e por uma necessidade de tê-lo
completamente para si.
Ao enlouquecê-lo de desejo, sentia segurança e poder, não
importava quantas Lydias houvessem.
Finalmente reconheceu que queria Daniel acima de tudo, acima de
seu orgulho e amor-próprio. Mas não fora o suficiente para aliviá-la do desejo
reprimido na última semana. Era como se sua alma ferida se recusasse a
permitir que o corpo desse a ele a conquista final.
Não conteve as lágrimas. Vencera ao provar seu poder de sedução
e perdera com o fracasso em corresponder. A confiança cega que nutria por
ele se fora, levando junto o direito de amar e corresponder com liberdade.
Se Daniel simplesmente a tivesse abandonado, sairia menos ferida
e magoada, porque sabia que nunca mais seria a mesma com ele.
—Rachel?
Ela virou a cabeça no travesseiro e encontrou seu olhar sombrio.
—Desculpe — ele disse, com um tom de voz triste. Estaria se
desculpando por não ter conseguido que ela chegasse ao clímax? Ou pela
loucura que haviam cometido? Não importava, nada parecia importar. A
amargura inundou-a, e pedidos de desculpas não a fariam sentir-se melhor.
Começou a chorar outra vez.
—Estou tão envergonhada.
Com o olhar marejado ele disse:
—Venha cá — puxou-a para perto, encaixando o corpo no dela. —
Este é o juramento de um homem que nunca se sentiu tão miserável na vida.

25
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Rachel, juro para você que jamais farei qualquer coisa que possa te magoar
outra vez.
Seria fácil perdoar e tentar esquecer todo sofrimento?
—Eu te amo Rachel!
—Não! — Ela acreditara nele uma vez e não queria sofrer mais. —
Não fale mais de amor. —Amor não tem nada a ver com o que acabou de
acontecer ou com a razão de você ter se casado comigo!

O café da manhã no dia seguinte foi horrível. Os gêmeos lançavam


olhares curiosos, mas Daniel devia tê-los instruído para não fazerem perguntas.
Kate ameaçou falar, mas foi impedida pela expressão do pai. O
olhar de Sam, tão parecido com o de Daniel, fixou-se nela, e ele perguntou de
chofre, ao mesmo tempo que olhava assustado para o pai.
—Aonde foi ontem?
Rachel sorriu para ele.
—Resolvi tirar o dia só para mim. Você se importou?
Ela sentiu o coração apertado. Sam era de natureza quieta, e o
fato de ter conseguido falar significava que sentira muito sua ausência.
—Mas aonde você foi? — ele insistiu.
—Eu estava cansada. Então resolvi passear um pouco sozinha, foi
isso que aconteceu.
—Mas nunca saiu sem um de nós para cuidar de você!
—Quem disse? — ela brincou, chocada ao perceber que até seu
filho de seis anos a considerava incapaz de se cuidar.
—Já estou bem crescida e posso me virar sozinha!
—Mas o papai falou que não — Kate interrompeu. —Ele falou para
a vovó. E fez uma tempestade pela casa. Subia e descia, saía e entrava. E
também ficou gritando no telefone com a tia Mandy.
—Chega Kate — Daniel disse, em voz baixa.
—Mas é verdade! Você estava agindo como um leão enjaulado!
—O quê?
—É como a professora fala quando a gente fica andando de um
lado para o outro na classe. E você ficou assim ontem, não ficou? E veja: — Ela
lançou seu sorriso devastador ao pai. — a mamãe voltou sã e salva como eu
disse que voltaria!
Rachel pensou que pelo menos alguém na casa a considerava capaz.
—Como viram, cheguei sã e salva, então vamos esquecer o dia de
ontem e tomar o café.

26
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Assim que as crianças saíram em busca do material escolar, ela


disse para Daniel:
—Pode ir para Birmingham se quiser.
Ele parou de arrumar a pasta de couro e encarou-a. A aparência
de executivo bem-sucedido destoava da família e da casa, e Rachel percebeu
que, enquanto estacionara durante os últimos sete anos, Daniel se desenvolvera
cada vez mais para longe.
—Não preciso ir. Jack Brice pode resolver tudo por mim. Então
por que Jack não fora antes? Quis perguntar, mas o assunto recairia em Lydia.
—Está achando que vou deixá-lo se viajar?
—Estou. — Pelo menos, ele admitia seu medo.
—Não tenho motivo para sair de casa, sabe muito bem que a
prerrogativa é sua.
—Sei. E se eu tivesse um mínimo de amor-próprio já teria feito as
malas e partido. Mas não quero sair. Não quero perder tudo que construímos.
Quero a chance de provar meu amor para você. Sei que vai demorar, mas não
vou deixá-la.
—Tenho como pedir a separação de corpos.
—O que é que você entende disso?
A incerteza dele alegrou-a. Talvez pensasse que ela consultara
algum advogado. Respondeu com sarcasmo.
—Eu passo muito tempo vendo televisão.
—Está pensando em pedir a separação?
Ele era inteligente e colocou a responsabilidade nas mãos dela.
—Apesar de você ter estragado nosso casamento, ainda não pensei
em separação.
—Posso saber por quê?
Daniel pegou o paletó e vestiu, e ela observou a aliança na mão
dele. Usavam uma aliança simples e barata que era a que puderam pagar na
época do casamento.
Anos mais tarde, ela ganhara um pequeno solitário de brilhante,
com uma declaração de amor. Ele dissera que sem ela e os gêmeos todo o
trabalho duro não teria sentido. Errado! Sem eles, Daniel teria o dobro do
sucesso.
—Não sei com certeza, mas acho que quero te ver sangrar —ela
respondeu com honestidade.
Com um sorriso, ele levou a mão ao arranhão no pescoço.
—Achei que já havia começado.

27
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Ainda não é o suficiente — ela disse, corando, sem se desculpar.


—Ah.. então creio que devo retribuir. — Ele sorriu e beijou a
cabeça dourada de Michael. — Que seja assim. —E saiu da sala de modo
arrogante.

Nos dias que se seguiram, em vez de enfrentá-lo com palavras


ácidas, Rachel descobriu-se evitando ao máximo qualquer motivo para briga. Ao
longo das outras semanas o relacionamento pareceu entrar em coma, como se
necessitassem do tempo para se recompor e enfrentar o futuro.
Rachel voltou a dormir em seu quarto. Nas noites em que Daniel a
procurava, não recusava seu amor, mas ambos não encontravam satisfação
plena. No auge das carícias, sempre colocava Lydia em seu lugar e esfriava.
Ficavam então deitados em silêncio, com o fantasma dela entre os dois.
Os dias passavam e a preocupação de Rachel aumentava, sabia que,
se não conseguisse mudar o comportamento, terminaria por mandar Daniel
direto para os braços da outra.
Ficava mais tensa a cada dia, mais consciente de que seu amor-
próprio sofria com as tentativas frustradas de se realizar no amor. Mesmo
assim, o amor dele era vital e queria que Daniel necessitasse dela com
desespero.

CAPITULO V

A mãe de Daniel começou a passar mais tempo companhia de


Rachel. Ela nunca mencionou o domingo fatídico, mas mudou seu modo de agir e
falar.
Jenny Masterson orgulhava-se do filho. Apesar de ainda ser
jovem, era um homem de sucesso, e ela sabia que tentações não faltavam para
uma pessoa do calibre de Daniel.

28
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

As mulheres se interessavam tanto pelos olhos escuros e porte


atlético, como por sua habilidade de transformar em dinheiro tudo que tocava.
Jenny não era tola, e, mesmo sem saber o que pusera em perigo o
casamento do filho, podia imaginar muito bem. Decidiu então passar mais tempo
com a nora, oferecendo apoio morai, e Rachel agradeceu, pois sabia que ela era
sua única amiga no novo tipo de vida que levava.
Alias, sentia-se fraca e insatisfeita com a pessoa vazia na qual se
transformara. A casa, que já havia sido motivo de orgulho e prazer,
transformou-se num lugar passível de criticas em cada canto. Era boa o
suficiente para ela, mas não para Daniel. A ascensão social trazia como
conseqüência uma demanda por coisas que refletissem o homem poderoso no
qual se transformara.
Rachel lembrou-se da insistência dele em mudar para um lugar
maior e melhor e entendeu o motivo. Nunca trazia seus amigos de negócios
porque, provavel-mente, tinha vergonha da própria casa.
Irritou-se por ele não ter permitido que o acompanhasse no novo
tipo de vida. Admitia o próprio erro. Fora infantil e não amadurecera em sete
anos, mas Daniel também tinha sua parcela de culpa ao mantê-la afastada, como
se fosse um pecado secreto que não combinava com sua imagem de sucesso!
A raiva transformou-se em ressentimento, tornando Rachel
irritada e impre-visível a ponto de preocupar a família, e não havia nada que ela
pudesse fazer.
Uma noite, depois de manter por muito tempo a regularidade de
horário, chegando sempre às seis e meia, Daniel ficou trabalhando até tarde, e
ela sentiu-se mais impotente, porque a presença dele por perto lhe dava um
pouco de paz. Foi dormir angustiada e triste.

No dia seguinte, não conseguia concentrar-se. Resolveu não culpar


apenas Daniel. Passara muito tempo dentro do seu pequeno mundo sem se
importar com o que ele fazia fora de casa. Sabia que jantares de negócios
eram importantes e que o marido precisava freqüentar a sociedade, mas nunca
se preocupara em acompanhá-lo, em lhe dar apoio!
Nem sabia que o caso Harvey havia terminado, até Mandy lhe
contar. Aliás, só soube da existência porque um dia reclamou da ausência do
marido e a sogra defendeu-o, dizendo:
—Ele está muito ocupado com o caso Harvey. Não percebe como é
importante que Daniel vença esta disputa?

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Não sabia e continuava sem saber, porque nunca se preocupara a


respeito. Em seu casamento, ela e Daniel partilhavam apenas a casa, sexo e
três crianças.
Olhou-se no espelho e se deu conta de que, apesar de ter um
corpo bonito, o rosto infantil não combinava com a mulher que deveria ser
companheira de Daniel. Usava o mesmo cabelo comprido desde que tinha a
idade de Kate, e suas roupas eram sempre juvenis!
A solução era mudar tudo.
—Sabe o que vou fazer, Mike? — disse ao bebê, que brincava no
chão. — Vou pedir para vovó ficar com você e vou sair e renovar meu guarda-
roupa! E, se ela não puder, levo você até o escritório de Daniel e ele que se vire.
Mas Jenny podia ficar com Michael e, assim que ela chegou,
Rachel pegou um táxi para o centro de Londres. Vibrara com a idéia de entrar
no moderno escritório de Daniel e deixar a criança nos braços dele, mesmo
sabendo que jamais teria coragem.
A suave Rachel era feliz sendo boa esposa e mãe. Não tinha
ambição pessoal. Sua realização era na casa, com as crianças e o marido.
A tensão desaparecia do rosto de Daniel quando chegava
sobrecarregado e encontrava um lar confortável e a família toda à sua espera.
Adorava brincar com os gêmeos e o pequeno Michael, e Rachel sabia que a casa
era o refúgio para as tensões do dia-a-dia.
Será que o inverso era verdadeiro? Ou seria um alívio deixar de
lado o papei de pai e marido, para assumir o papel do empresário poderoso,
cercado de pessoas sofisticadas e de alto nível intelectual?
Mais uma vez lamentou ter ficado estagnada enquanto Daniel
crescia.

Ao chegar depois das seis horas, Rachel ficou feliz, pois não viu o
carro dele em casa. Carregada de pacotes, tocou a campainha.
—Meu Deus do Céu! — a mãe de Daniel exclamou, ao abrir a porta.
Olhou todos os pacotes e principalmente o rosto da nora.
—O que achou? — Rachel perguntou.
A mulher que saíra de casa cedo era completamente diferente da
que esperava ansiosa pela opinião da sogra.
O cabelo fora cortado na altura do queixo e repicado nas laterais.
O rosto recebera uma maquiagem tão natural que era quase impossível saber o
que havia de diferente, mas Jenny percebeu que a mudança era perturbadora.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Não era tudo. Rachel saíra vestida com calça jeans e moletom.
Voltara com um conjunto de minissaia e blazer acinturado, de lã risca-de-giz
cinza e preto, meia-calça preta e sapatos de salto alto.
—Eu acho — Jenny Masterson finalmente murmurou —que é
melhor termos um uísque duplo pronto para quando meu filho chegar.
Era a melhor resposta que Rachel poderia desejar. Sentia-se
preparada para um desafio.
Sam entrou correndo na sala e gritou ao ver a mãe.
—Uau! — E continuou como se a nova Rachel não fosse diferente
da que ele estava acostumado a ver. — Ei, o que é que tem nestes pacotes?
Em menos de dez minutos, o chão da sala encheu-se com a metade
dos pacotes abertos. Sam correu para seu quarto com um novo jogo para o
computador e Kate ficou entretida com os presentes que Rachel comprara por
impulso quando Daniel entrou.
Ele ficou imóvel, assim como todos na sala. Kate parou de lidar
com o brinquedo, Jenny parou de tentar arrumar a bagunça e Rachel levantou-
se com as pernas tremendo e encarou Daniel com uma mistura de desafio e
desamparo.
Foi a mãe dele quem quebrou o encanto, carregando Michael e
chamando Kate para fora da sala. Jenny dissera a Rachel que as crianças ouvem
e sentem mais do que percebemos e ela recebera a mensagem. Provavelmente
andaram dizendo coisas à avó que não poderiam dizer aos pais.
No momento, sua atenção não estava nos filhos, mas em Daniel,
que a encarava sem demonstrar emoção. Começou a ficar nervosa ao perceber o
sorriso que se desenhava nos lábios dele, o mesmo sorriso de anos atrás,
quando ele a vira na discoteca.
—Bem, bem. Posso ver que o segundo estágio começou. Vai a algum
lugar especial? Desculpe-me Rachel, mas se me avisou de planos para esta
noite, creio que esqueci completamente.
O modo como ele disse “especial”, irritou-a. Daniel sabia muito
bem que ela não ia a lugar algum, então o que queria dizer com “segundo
estágio”? Também ficou óbvio que ele não diria nada a respeito de sua nova
aparência. Talvez não tivesse gostado, talvez preferisse a versão simples e sem
graça que não lhe causaria problemas.
Ou talvez estivesse inseguro quanto a esta Rachel! E se a
pergunta fosse séria e ele pensasse mesmo que ela ia a algum lugar?
—Se eu estiver pensando em sair, o que vai dizer? — ela
perguntou.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Acho que perguntaria com quem pretende ir — ele respondeu,


muito melhor que ela nesta espécie de jogo.
—Para julgar se ele ou ela é a companhia certa para sua jovem
esposa?
—Ele? E quem é ele? — Daniel perguntou, com uma suavidade que
escondia a apreensão.
—Eu não me lembro de você me contar com quem sai para seus
programas — respondeu, seca.
O rosto dele ficou sério e os olhos cinzentos lhe enviaram uma
breve advertência.
—Diga um nome, isto é tudo, apenas um nome!
Desde que não ia a lugar algum, a conversa esta sendo absurda.
—Não há um nome — ela disse triste, e toda a excitação do dia se
fora. — Estou chegando em casa e não saindo.
Daniel andou pela sala até uma caixa ainda intocada pelas mãos
curiosas das crianças.
—O que tem aqui?
—Um conjunto.
—E ali? — ele apontou outra caixa fechada.
—Lingerie. — Corou porque a caixa estava lotada de caros
conjuntos de seda e renda.
—E esta?
—Alguns vestidos novos! Por quê? Não vai me passar um sermão,
não é? Você me deu todos aqueles cartões de crédito!
Ele ignorou o comentário e perguntou casualmente:
—Tem algum vestido que possa usar num dos restaurantes mais
finos de Londres e depois talvez dançar em algum lugar?
Rachel já ia sair da sala, mas o convite pegou-a de surpresa.
—Está me convidando para sair? — ela perguntou tão direta que o
sorriso de Daniel apagou.
—Sim — ele concordou sarcástico.
Rachel teve certeza de que ele se divertia com sua falta de
charme. Corou e quis desaparecer. Nada que fizesse seria suficiente para
mudar sua imagem de garota ingênua!
—Sim, Rachel — ele repetiu mais gentil, percebendo a apreensão
dela e sentindo-se culpado. —Estou convidando você para sair e jantar comigo
esta noite.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Oh — ela disse, insegura do que responder, e ficou aliviada


quando Sam entrou correndo na sala e atirou-se no colo do pai.
—Oi. sabe que a mamãe comprou um jogo novo para o
computador? Posso trazer aqui para baixo e jogar na televisão grande’? E um
simulador de vôo!
—É claro que pode. Daniel sorriu para o filho, sem deixar de olhar
para a esposa. Se sua avó não se importar, porque vou pedir para ela ficar com
vocês enquanto saio para jantar fora com sua mãe.
—Vai sair com a mamãe?
O garoto parecia tão surpreso quanto ela, e Daniel sorriu. Sam
gritou para a mãe.
—Que legal! O papai vai sair com você, então não precisa mais sair
sozinha como...
—Sam — O tom de voz de Daniel calou o garoto.
—Talvez sua mãe não possa ficar — Rachel disse, sem graça,
achando que fora convidada por obrigação. — Ela já passou o dia todo aqui. Não
é justo...
—Fico com prazer — disse Jenny, entrando na sala. —Daniel, leve-
a a um lugar agradável.
—Eu ainda não disse se quero sair — respondeu impaciente,
sentindo-se manipulada.
—É lógico que quer, minha querida! — Jenny insistiu. —Agora suba
se arrumar e leve estes pacotes. Kate, Sam, venham ajudar sua mãe.
Os três subiram a escada carregados c Rachel escutou a voz da
sogra dizer baixinho:
—Sabe, meu filho, esta noite fora vai fazer bem a vocês. E seria
muito bom se Rachel começasse a participar de sua vida social também!
Rachel parou no alto da escada, curiosa de ouvir a resposta de
Daniel, mas ele falou muito baixo. Ao contrário, a voz de Jenny era bem
audível.
—Bobagem. Como sabe que ela vai odiar se nunca lhe deu a
oportunidade de saber? O problema com você Daniel, é que manteve sua mulher
tão protegida, que ela nunca pôde saber o que quer da vida!
Será que Jenny acreditava que ela quisesse ser algo mais, além de
boa mãe e esposa?
—E tem mais uma coisa Jenny continuou, com a voz ríspida, — não
descobri o que aconteceu por aqui que entristeceu as crianças, só sei que elas
perceberam alguma coisa desagradável, e sei muito bem de quem é a culpa!

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Uma pontada atravessou o coração de Rachel, a mesma sensação


que tinha cada vez que se lembrava do telefonema de Mandy.
—Aceite meu conselho, filho —Jenny acrescentou, —e aja com
muito cuidado daqui em diante, porque se algum dia Rachel...
Ela correu para o quarto. Não queria saber o futuro. O que estava
acontecendo aquela noite já era o suficiente.

CAPÍTULO VI

Se algum dia Rachel o quê? Confusa com as palavras da sogra, foi


para o banheiro se arrumar.
Se algum dia Rachel descobrisse sobre a outra mulher? Bem, já
descobrira.
Se algum dia ela decidisse mudar? Com cinismo, olhou-se no
espelho, e foi como ver uma total estranha.
Lá estava ela, escondida. Sem coragem de tomar banho, com medo
de estragar o cabelo e a maquiagem. Tolice. Daniel sairia com ela só para
acalmar a consciência culpada. Além do mais, ele achava que ia sair com a nova
mulher que vira na sala e que era apenas uma ilusão atrás da qual Rachel queria
se esconder!
Ouviu a porta do seu quarto abrir e fechar e o som dos passos de
Daniel indo para a escada. Com um suspiro, estendeu um dos vestidos novos
sobre a cama para decidir se ousaria vesti-lo. Era um vestido sexy, de renda
cor de vinho e o forro de seda negra. Colo e ombros ficariam expostos, bem
como as costas, porque o modelo tomara-que-caia era bem decotado atrás. Ao
experimentá-lo na loja, a vendedora percebera sua indecisão por causa do
decote e trouxera um bolero negro de veludo, de mangas longas, aberto na
frente, deixando a curva sedutora dos seios exposta.
Não sabia se devia colocar o vestido novo ou o antigo pretinho que
sempre usava quando saía com Daniel.

34
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Kate entrou no quarto e parou na frente do vestido com um brilho


no olhar.
—Vai usar este vestido, mamãe? — perguntou com doçura.
—Ainda não decidi querida, talvez eu deva usar o meu vestido
preto...
—Não, mamãe! O papai vestiu smoking e está lindo demais. E
depois, o vestido preto é tão sem graça!
—Que seja o novo, então.
A antiga Rachel também era sem graça, e a nova decidiu mudar.
Arrumou-se e desceu.
Kate estava com a razão. A figura de Daniel era fascinante, não só
pela roupa, mas pelo homem maduro e sensual que a vestia.
Ele estava de costas, servindo-se de um aperitivo, e não percebeu
sua entrada na sala, deixando-a aliviada em ter algum tempo sozinha para
acalmar o desejo que ele lhe provocava.
A imagem que Daniel projetava sempre impressionava as pessoas.
Um homem confiante que também intimidava, pois não gostava de expor sua
personalidade.
Rachel ficou intimidada pela primeira vez na vida. Na verdade,
sempre pensara nele como o marido que amava. Agora, estava apreensiva na
presença do homem com quem vivia há sete anos. Daniel era um estranho que
ela amara e com quem se casara.
Será que ele tinha consciência de que ela não o conhecia de
verdade? Que não sabia quem ele era, além das paredes seguras da casa?
Ele virou-se e viu Rachel, que sentiu uma pontada no coração ao
perceber o olhar sem emoção que percorreu seu corpo e rosto. Reparou que
Daniel escondia seus sentimentos ao correr o olhar desde o novo corte do
cabelo, passando pelo rosto cuja beleza era realçada pela maquiagem e
detendo-se no corpo. O modelo do vestido acentuava suas formas perfeitas e
graciosas.
Então. sem aviso, ela notou um brilho de emoção antes que ele se
fechasse outra vez. Surpreendeu-se ao perceber dor no olhar. Por que um
olhar triste ao ver a esposa vestida para sair com ele? Talvez fosse apenas
culpa. Ele sabia que Rachel jamais teria ido ao extremo de querer mudar tanto,
se não a tivesse deixado insegura!
—Quer um drinque antes da sairmos?
Daniel não ia fazer nenhum comentário sobre sua aparência.
Rachel sentiu-se apagar.

35
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Não, obrigada. Você.., reservou mesa em algum restaurante?


O sorriso enviesado parecia zombar dela por algum motivo.
—Reservei, Vamos então?
Sentiu-se estranha sentada ao lado dele na BMW esportiva.
Sempre saíam com a família no carro dela, uma perua equipada para a
segurança das crianças.
—Aonde vamos? — perguntou, desanimada. Daniel mencionou o
restaurante de um dos clubes mais exclusivos de Londres como se fosse um
lugar banal.
—A comida é ótima. Até para quem está sem apetite...
—Então já esteve lá?
—Umas duas vezes.
Com Lydia? O simples pensamento deixou-a retraída. Se Daniel
percebeu, não demonstrou. Seu humor também não era dos melhores.
Chegaram ao clube e ele conduziu-a até o hall luxuoso.
—Boa noite, sr. Masterson.
Um homem apareceu do nada e inclinou-se para Rachel que lhe
sorriu.
Boa noite, Claude — Daniel falava com familiaridade.
—Obrigado por ter conseguido a mesa de última hora.
—O senhor sabe como é. Para certas pessoas, sempre temos lugar.
Por aqui, por favor...
Daniel conduziu-a pela cintura, num gesto íntimo. Rachel tentou
não se impressionar com a elegância do local e entraram num restaurante
diferente de tudo que ela já conhecera.
Nas ocasiões em que saíam para jantar, sempre freqüentavam
restaurantes locais, vestindo roupas informais para dividir um prato e uma
garrafa de vinho com intimidade.
No clube em que se encontravam, era impossível imaginar um
jantar íntimo e informal.
—Você não gostou do lugar.
Ela ergueu o olhar para Daniel.
—Parece ser bem agradável.
—Agradável — ele repetiu com ironia. — Este é um dos
restaurantes mais famosos de Londres e você chama de agradável.
—Desculpe. Acha que eu deveria estar impressionada com o local?
—Não.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Ou com sua facilidade em conseguir um lugar sem reserva


antecipada? Cuidado Daniel, ou posso pensar que tentando chamar minha
atenção.
E seria ridículo só de pensar, não é?
Ela relanceou o olhar pelo ambiente requintado, repleto de
pessoas elegantes, e encarou-o.
—Francamente, seria. Pensei que soubéssemos que você nunca
precisou fazer nada para me impressionar.
Ele estava impaciente.
—Rachel, eu não a trouxe aqui para discutir. Só queria...
—Um tratamento especial para mim? — ela perguntou, irônica.
—Não! Eu só queria te agradar, mimar você!
—Mostrando como é sua outra vida?
—Que outra vida? O que quer dizer?
—A vida da qual não sei nada. Na qual você se sente perfeitamente
à vontade.
—Você queria ir a uma cantina vestida assim? Teve muito trabalho
para criar uma nova imagem, Rachel. Este ambiente é ideal para ela. Você
decide se quer ficar ou não.
Apesar de querer sair, percebeu, com tristeza, que o local
combinava perfeitamente com Daniel.
—E você prefere a nova imagem? — perguntou, curiosa.
—Gostei do novo corte do cabelo, mas não sei se gosto do motivo
que a levou a cortar. Gostei do vestido. É lindo, como deve saber, mas não gosto
do que ele faz à mulher que eu...
A chegada de um garçom interrompeu-o. Ele colocou uma taça de
aperitivo para cada um e ofereceu os cardápios.
Daniel agradeceu e dispensou-o de modo seco.
—Você foi rude com ele. Por que agiu assim?
—Porque ele me interrompeu quando eu tentava te elogiar.
—Se acha que foi elogio...
Ele sorriu, um pouco irritado.
—Muito bem, está difícil acertar o assunto com você, Rachel. —
Ele inclinou-se depressa e pegou a mão dela. —Você é linda e não precisa que eu
lhe diga. Por favor, não deixe de ser a mulher adorável que sempre foi, antes
de resolver provar alguma coisa para mim!
—Eu não mudei para você, Daniel. Fiz por mim. Já estava mais que
na hora de crescer.

37
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Oh, não, querida! Está errada! Eu...


—Que surpresa! Daniel Masterson em carne e osso! —Uma voz
sardônica falou atrás da mesa.
—Droga! — Daniel sussurrou e apertou com mais força a mão de
Rachel, antes de soltá-La. Com o rosto transformado numa máscara sem
expressão, virou-se para o intruso.
—Zac ele levantou-se —, pensei que estivesse nos Estados Unidos.
Daniel afastou a cadeira para cumprimentar o outro homem.
Rachel notou que ele devia ter a mesma idade de Daniel. Era atraente, loiro,
com olhos verdes sagazes.
—Voltei há algum tempo. Parece que é você que está fora de
circulação. —O olhar curioso e interessado pousou em Rachel. — Esta linda
jovem seria a razão? O que aconteceu com a adorável L?...
—Minha esposa —Daniel interrompeu, antes que ele completasse o
nome — Rachel.
Ela percebeu que Daniel relutou em liberar o espaço para que Zac
a cumprimentasse.
—Este é Zac Callum. Usamos os serviços do mesmo escritório
jurídico.
Zac lançou um olhar especulativo para Daniel e Rachel pensou tê-lo
ouvido murmurar alguma coisa ao passar e abaixar-se para cumprimentá-la.
Não deu muita atenção, pois estava concentrada em lembrar de
onde conhecia o nome. Ele era o cartunista político, mordaz e cruel, do jornal
Sunday Globe. Era hábil em descobrir o ponto fraco das pessoas e transformá-
las em motivos de chacota.
—Não me admira que Daniel tenha desaparecido nos últimos
tempos. — Zac tomou a mão de Rachel nas suas e disse com voz sedutora: —
Com certeza, seu gosto apurou muito, Daniel.
Ele se referia a Lydia. Rachel respondeu por Daniel, sem
condições de falar, de tão tenso que estava.
—Obrigada. Conheço e aprecio seu trabalho, sr. Callum.
—Uma fã? Fale mais...
Ele ia puxar uma cadeira vazia quando uma voz seca interrompeu:
—Zac, querido, não está se esquecendo de nada?
Mostrando uma expressão de pesar para Rachel, ele virou-se para
a mulher.
—Desculpe, mas precisa entender. Este é um momento para ser
saboreado. Este homem, entre todos os homens, rendeu-se ao casamento. —

38
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Passou a mão pela cintura da mulher, puxando-a para mais perto. —Claire,
apresento Daniel Masterson, de quem já ouviu falar, com certeza.
—E quem não ouviu? Todos nós esperamos em suspense pelo
desfecho do caso Harvey.
O caso Harvey. Rachel baixou os olhos, pensando ser a única
pessoa no mundo que não sabia como o caso era importante.
—Prazer em conhecê-lo — disse Claire.
Daniel cumprimentou-a com um sorriso distraído. Sua atenção
estava concen-trada em Zac Cailum, que continuava a olhar para Rachel, sem
disfarçar o interesse.
—Gostaríamos de sua companhia, mas, infelizmente, já fizemos o
pedido — mentiu Daniel. —E... — ele não continuou, e ficou óbvio que não
desejava intromissão.
—Não se preocupe. — Zac deu um sorriso malicioso. —Não
queremos interromper os recém-casados.
Daniel abriu a boca para contestar, então percebeu o olhar de
Rachel e calou-se.
Não! Os olhos dela imploraram. Não diga a verdade. Zac sabe a
respeito de Lydia. Não permita que eu faça papel de tola, dizendo que é casado
há sete anos, que tem filhos, quando ele sabe sobre sua amante!
Ele sorriu sem graça e desviou o olhar. Engoliu em seco, frustrado
com a cena inesperada.
Então Daniel teve uma atitude estranha. Aproximou-se dela,
segurou seu rosto nas mãos e, na frente da melhor e mais esnobe sociedade
londrina, inclinou a cabeça e beijou-a com paixão.
Quando afastou-se, aparentava tanto pesar, que ela ficou com os
olhos marejados.
—A lua-de-mel ainda não terminou — zombou Zac. —Vamos, Claire,
creio que devemos deixar os dois pombinhos a sós.
—O que quer comer?
Sentindo-se desnorteada pelo beijo inesperado e a expressão
reveladora nos olhos de Daniel, Rachel forçou-se a prestar atenção nas
palavras dele. Ele voltara a sentar e olhava-a de modo intenso.
—Eu... — Olhou para o cardápio na sua frente, sem conseguir
enxergar. O coração batia descompassado e seus lábios ansiavam por outro
beijo. — Eu... não sei, peça para mim.
Com um sorriso, ele chamou o garçom e fez o pedido.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Rachel olhou pelo salão, mas as pessoas em volta estavam


entretidas na própria conversa. Ninguém notara o beijo.
Controlou-se para falar sem emoção.
—De onde conhece Zac Callum?
—Ele herdou algumas empresas pequenas do pai. Como não queria
trabalhar no ramo, vendeu-as para mim.
—Gosto do trabalho dele. Eu era muito boa em desenho e posso
apreciar o dom que ele tem.
—Também gostou do charme dele, não é?
Rachel surpreendeu-se com o tom de ciúme na voz de Daniel.
—Foi por isso que me beijou daquele modo?
—Ele olhou para você com cobiça. Só quis deixar bem claro a quem
você pertencia.
Ela era propriedade de Daniel, mas, aparentemente, ele não lhe
pertencia.
—Neste seu mundo social existe alguém que saiba sobre mim e as
crianças?
—Minha vida particular não é da conta de ninguém. Meu
envolvimento com estas pessoas é puramente profissional. Agora vamos mudar
de assunto? A não ser que tenha achado o charmoso Zac Callum mais agradável
que minha companhia. Neste caso, posso chamá-lo de volta e vocês dois vão se
deliciar alimentando o ego um do outro!
Oh! Ele estava doente de ciúme! Rachel sentiu-se mais confiante.
—Bem, pelo menos ele não criticou a companheira cada vez que ela
abriu a boca — reprovou-o docemente, satisfeita ao ver que ele corava.
A entrada foi servida, acalmando o impulso de discussão que os
dominava.
Daniel pedira uma mousse de salmão que Rachel comia deliciada,
esquecida da falta de apetite. Quase no fim do prato, ele tocou gentilmente em
sua mão.
—Rachel, vamos tentar fazer com que esta seja uma noite
agradável para nós dois? Não quero discutir mais. Eu só desejo...
—Daniel, que prazer encontrá-lo aqui!
A expressão dele ficou irritada, e ela sentiu-se desapontada com
a interrupção, pois era com prazer que percebia urgência em seu olhar.
Desta vez, ele nem se levantou para falar com o casal de meia-
idade que parou ao lado da mesa. Também não apresentou Rachel. Apenas
cumprimentou-os com fria educação e eles se afastarem depressa.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Entende agora por que não gosto de trazer você a lugares como
este? Ficamos sujeitos a interrupção a noite toda.
—E qual é o problema?
—Quando saio com você, quero tê-la só para mim. No fundo, ele
tinha razão. Foram interrompidos pelo menos mais três vezes durante a
refeição. Depois do café, Daniel levantou-se e estendeu a mão para ela.
—Venha. Vamos até a boate do clube. Pelo menos enquanto
dançamos ninguém vai interromper.
Entraram em uma sala escura. Da entrada, Rachel enxergou
apenas o outro lado, o bar e um pequeno palco onde um grupo de músicos tocava
jazz.
Daniel conduziu-a até a pista e tomou-a nos braços. Na mesma
hora foi assaltada pelo sentimento de estar nos braços de um estranho. Não
evitou um suspiro. Eh; percebeu a tristeza e fez mais pressão na mão que
segurava. A outra mão dele subiu da cintura para as costas, por dentro do
bolero, para aproximá-la mais e então parou. Ambos ficaram imóveis quando os
dedos entraram em contato com a pele nua e quente.
Rachel esquecera o modelo do vestido até aquele momento. Tentou
afastar-se, mas ele não permitiu e puxou-a ainda mais perto.
—Déjà vu — sussurrou em seu ouvido, e ela engasgou ao perceber
o significado.
A primeira vez que dançaram, usava uma mini blusa sob a qual ele
também enfiara os dedos, provocando o mesmo frêmito de desejo.
Dançaram colados, a mão de Daniel acariciando suas costas num
movimento sensual.
Ela quase podia escutar-lhe as batidas do coração enquanto uma
onda de calor e desejo inundava seu corpo. Percebeu o sexo de Daniel contra o
ventre e suspirou. A cabeça morena inclinou-se e ele roçou os lábios em seu
pescoço.
—Nada mudou entre nós. Depois de tantos anos, ainda temos este
incrível efeito um sobre o outro.
Ele tinha razão. Com um suspiro, Rachel permitiu-se fazer o que
mais ansiava e ergueu os lábios para beijá-lo.
Pela primeira vez, depois de várias semanas, fazia um movimento
voluntário na direção dele. Daniel tremia.
—Vamos para casa — ele disse com a voz rouca de desejo. —
Quero muito mais que dançar com você.

41
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Então uma voz familiar e cruel se intrometeu, e Rachel sentiu o


coração fraquejar.
—Ora, ora, se não é o dom-juan em pessoa, com uma nova
conquista...
Rachel fechou os olhos ao reconhecer a voz e baixou a cabeça no
ombro de um Daniel, estático.
—Ei, querida, não sabe que ele é casado? — provocou a voz cruel.
Sem dúvida, Mandy não a reconhecera.
—Há sete longos anos — ela continuou, sem piedade.
—Com uma mocinha bonita, mas sem graça, que está em casa
cuidando dos três filhos, enquanto o marido faz charme para qualquer mulher
que se ofereça.
—Ah, qualquer uma não, Amanda — Daniel interrompeu cínico. —
Afinal de contas, sempre desprezei você.
Então Mandy tentara seduzir Daniel? Rachel encarou o olhar
sarcástico do marido e entendeu por que os dois se detestavam.
—Os homens devem tomar cuidado com mulheres repudiadas,
Daniel. Afinal, o desprezo transforma-se em nossa arma mais destrutiva.
—Que você usou com perícia, direto no alvo mais fraco!
—E, por falar nisso, como está a pobre Rachel? Ela sabe que você
já arranjou uma substituta para Lydia?
Rachel ouvira o suficiente. Livrando-se do abraço apertado de
Daniel, virou-se e encarou a ex-melhor amiga com frieza. O rosto de Mandy
ficou pálido e, sem mais uma palavra, ela virou as costas e foi embora.
O fim da noite revelou-se um desastre. Em silêncio, o casal deixou
o clube e andou até o carro.
No caminho, Rachel não se conteve.
—Quanto tempo?
—Anos.
—Chegou a ter alguma coisa com ela? — perguntou, observando as
mãos dele crispadas na direção, sentindo-se ofendido, mas aceitando o direito
que ela tinha de saber.
—Não, nem em pensamento.
— Por quê?
—Ela me deixa gelado.
—Então, por que não me contou nada?
—Para arruinar a confiança que depositava na sua melhor amiga?
Rachel, sempre deixei bem claro que nunca suportei Mandy.

42
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Eu sei, mas também nunca desencorajou nossa amizade. Uma


palavra que me dissesse a respeito de como ela estava me usando para te
abordar, e esta cena ridícula teria sido evitada.
—Acha que eu teria coragem de contar, sabendo como você ficaria
magoada? — A expressão dele era preocupada.
—Seria muita maldade da minha parte.

Sem ao menos falar com Jenny, Rachel subiu para o quarto assim
que chegou em casa.
—Estou com dor de cabeça, por favor, desculpe-se com sua mãe
por mim.
Na verdade, não era só a cabeça que doía. Quando Daniel entrou
no quarto depois de ter levado a mãe para casa, ela ainda estava acordada, mas
fingiu dormir e concentrou a atenção nos movimentos dele.
Ele foi para a cama nu, como sempre dormia. Deitou de costas,
com as mãos servindo de apoio para a cabeça, e ficou olhando o teto escuro,
enquanto Rachel ficava imóvel a seu lado. No fundo de seu coração ferido, ela
desejava que o destino mudasse e desaparecesse com as últimas semanas.
Ficaram muito tempo imóveis, em silêncio, até que a tensão
tornou-se insuportável. Daniel deu um suspiro e virou-se para alcançá-la. Rachel
se entregou com avidez, e fizeram um amor desesperado e silencioso.
Lydia apareceu como um fantasma, esfriando seu corpo quando
acreditava estar chegando ao clímax. Daniel percebeu a mudança e ficou
imóvel, obser-vando-a lutar com a assombração que a magoava.
Rachel lutou com todas as suas forças, os olhos apertados contra
as lágrimas, os lábios insaciáveis e as mãos travadas nos ombros de Daniel.
Sentiu o corpo pronto e percebeu que conseguira afastar Lydia. Com um
tremor, puxou-o pelo
quadril.
—Rachel —ele sussurrou ao penetrá-la. Apenas Rachel, inúmeras
vezes, compreendendo que ela lutara e vencera a batalha por causa dele.
Quando acabou, ela sentiu-se solitária e vazia.

Daniel ficou muito ocupado com outro caso e precisou passar


algumas noite fora de casa. Estava negociando com uma pequena construtora
perto de Huddersfield.
Apesar de acreditar, Rachel atormentou-se com idéias que sabia
serem injustas. Ele não fez comentários, compreendendo o que se passava em

43
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

sua mente. Queria a confiança que ela não conseguia mais ter, o que contribuiu
para que o casamento continuasse em crise durante semanas.
Uma tarde, leu uma notícia no jornal que deixou-a inquieta. Zac
Callum faria uma palestra aquela noite sobre seu trabalho, na escola de Artes,
e a entrada era aberta a todos os interessados.
Como Daniel estava fora, decidiu pedir para a mãe ficar com as
crianças e participar. No fundo, compreendia que a necessidade de ferir o
marido era maior que a vontade de assistir à palestra.
Culpa dele, Rachel pensou ao estacionar o carro. O fato de saber
que ele sentia ciúme de alguém como Zac Callum a incentivara a sair de casa.
Sentou-se no fundo da sala, sem esperar que Zac a reconhecesse
ou lembrasse dela. O encontro entre eles fora breve. Mas ele reconheceu-a e
lembrou-se na hora. Caminhava para o palco, relanceando o olhar sorridente
pela platéia, quando a viu. Parou, encarou-a, e Rachel corou ao ser alvo do
sorriso de reconhecimento na frente de todos. Sorriu de volta com timidez e
afundou-se na poltrona.

A palestra começou, e logo sentiu-se relaxada, a atenção fixa no


modo inteligente e sutil como Zac conduzia o assunto. Várias vezes, ele notou
que ela acompanhava as risadas com a platéia e lançou-lhe olhares de
reconhecimento, que fizeram bem ao seu ego tão magoado nas últimas semanas.
A palestra terminou e, antes que tivesse tempo de se levantar,
Zac aproximou-se.
—Rachel, que gentileza ter vindo!
—Adorei a palestra — disse com um sorriso tímido. —Foi
empolgante.
—Você estuda aqui?
—Não!
Ela corou. Não lhe ocorrera que ele pudesse supor que fosse uma
estudante. Lembrou-se então que vestia calça jeans desbotada e um suéter de
linha, além de estar sem maquiagem.
—Moramos aqui perto. Li sobre a palestra no jornal e decidi vir em
cima da hora.
—Veio sozinha?
—Sim, Daniel está viajando a negócios.
—Ah! Está interessada em política? — ele perguntou, com um
sorriso estranho.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Em arte, caricatura. Eu desenhava bem, acredite ou não, quando


tinha tempo, antes de ser esposa e mãe.
Droga! Zac acreditava que era recém-casada. Agora olhava para
ela com expressão confusa. Por sorte, foram interrompidos por um estudante
que queria fazer algumas perguntas.
Rachel decidiu aproveitar a oportunidade e ir embora.
Virou-se, mas seu braço foi seguro por Zac.
—Não vá. Preciso me despedir dos organizadores e, se puder me
esperar, gostaria de tomar um drinque com você,
num pub que aqui perto.
Rachel hesitou. Sair com um homem que não era seu marido para
tomar um aperitivo? As pessoas achavam normal. Daniel fazia isso o tempo
todo! Queria saber mais sobre o trabalho que ele desenvolvia e resolveu
aceitar o convite.
—Obrigada, vou esperar na porta.
Para sua surpresa, foi Zac que hesitou, e o mesmo olhar
especulativo da primeira vez que se encontraram passou pelos olhos dele. Logo
concordou e soltou seu braço.
—Encontro você em cinco minutos.

Passaram uma hora agradável. O lugar estava lotado com os


participantes da palestra, e sentaram-se nas banquetas do bar.
A conversa fluiu de modo agradável e interessante. Zac permitiu
que Rachel falasse sem interrompê-la, e ela, que estava tímida em princípio,
colocou as idéias com facilidade.
O nome de Daniel só foi mencionado na hora de partirem.
—Há quanto tempo está casada? — Zac perguntou.
—Sete anos. Temos três filhos, dois garotos e uma menina. E não
pense que é só o que fazemos. Sammy e Kate são gêmeos.
Ele sorriu com o gracejo.
—Quero me desculpar pela primeira vez que nos encontramos.
Zac falava de sua menção à outra mulher com Daniel. Rachel
sentiu uma pontada no peito, e não aceitou as desculpas.
—Não é preciso. Você foi apenas franco. Eu e Daniel e que agimos
errado. Boa noite, Zac — ela acrescentou, antes que ele pudesse falar. Não
queria conversar sobre aquela noite, nem saber a opinião dele. — Gostei muito
da companhia, obrigada.
Caminharam até o estacionamento..

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Escute, estou pensando em ministrar um curso de caricatura


aqui na escola, durante doze semanas, uma noite por semana. Estaria
interessada em participar? — ele perguntou.
—Não sei. Acredita que haja interesse suficiente na escola, para
valer a pena para você?
Ele riu da ingenuidade dela. Sendo uma celebridade, o interesse
das pessoas em seu trabalho era o de menos. Fariam o curso porque Zac Callum
seria o professor.
—Tenho certeza de que vai gostar, Rachel — disse com suavidade.
—Prometo para você.
Com uma sensação estranha no estômago, percebeu outra intenção
nas palavras de Zac, que não escondeu a atração que sentia.
Encorajaria o relacionamento mesmo sabendo do perigo potencial
que havia? Não, sua vida já estava bem complicada. Era uma pena, pois, apesar
de o professor não atraí-ia, a idéia do curso de caricatura era tentadora.
—Pode me avisar quando decidir e pensarei a respeito.

—Zac Callum dando um curso na Escola de Artes? Por que ele


haveria de se importar com os estudantes daqui?
—Daniel perguntou, com um sorriso de escárnio.
—Talvez porque ele se importe com as pessoas — Rachel
respondeu, ofendida com o tom de voz.
O fato de ter saído uma noite sem seu conhecimento, ainda mais
para ver Zac Callum, irritou Daniel.
—E como soube que ele faria a palestra?
—Li no jornal. Você já comeu? — ela perguntou, para mudar de
assunto. — Quer que eu prepare um lanche?
—Não! Quero falar sobre sua saída com Zac Callum —ele rosnou.
—Eu não saí com ele! Apenas assisti a uma palestra! O que está
tentando dizer, Daniel? Que foi um meio que arrumamos para nos encontrar?
Era exatamente o que ele estava pensando.
Ele é bem capaz disso! Não disfarçou o interesse desde o
primeiro momento que a viu!
Meu Deus! O poderoso Daniel Masterson demonstrava receio que
sua jovem esposa quisesse outro homem!
—Você é a pessoa não confiável neste casamento, Daniel —ela
lembrou-o com rispidez. — Não eu!
—Mas você pode querer se vingar.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Eu acho que sua consciência culpada está te deixando paranóico.


Não faça comparação entre nós.
Deliberadamente, ignorou a voz em sua mente, dizendo que não
estava sendo sincera.
—Não estou comparando — ele disse, a caminho do bar para se
servir de um uísque.
—Então o que estava fazendo?
—Na verdade.., na verdade eu não tenho a menor idéia. Está
mesmo decidida a fazer o curso?
—Não vai querei bancar o marido dominador e me impedir se eu
decidir fazer, não é?
—Se eu tentar convencê-la a não fazer, vai me dar ouvidos?
—Não.
Ele baixou a cabeça
—Então não vale a pena tentar, não é mesmo?
Daniel saiu da sala deixando-a num turbilhão de emoções. Mágoa.
Qualquer que fosse o relacionamento com ele: brigando, fazendo amor ou até
ignorando, cada vez que ele se afastava só conseguia sentir mágoa.
Passara tantos anos vivendo para ele, que não sabia viver para si
mesma.
Por isso, decidiu fazer o curso quando Zac ligou, avisando que
estava tudo resolvido.

Algumas semanas mais tarde, ela saiu de casa para a primeira aula.
Daniel não disse urna palavra, mas ela sabia sua opinião. Quando voltou, ele nem
esperou pela escuridão do quarto para procurá-la. Tão logo entrou em casa,
tomou-a nos braços e levou-a para cama e, apesar de estarem famintos de
desejo, mais uma vez ela não chegou ao clímax.

O dom de Rachel para a caricatura desabrochou com as aulas, e


até Daniel se divertia com os desenhos que ela fazia das crianças.
Zac era sempre encorajador. Durante as aulas não fazia
referências pessoais. Só quando iam até o pub para um aperitivo depois do
curso é que dava um jeito de sentar a seu lado e mostrar o interesse
crescente. A maior parte do tempo, Rachel tentava ignorar, queria apenas
aprender tudo que ele tinha para ensinar sobre desenho. Seu medo era ter de
desistir se ele se tornasse inconveniente.

47
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

O Natal estava próximo e Rachel ficou ocupada com os


preparativos. Compras, decoração e a ceia que fez aos poucos e congelou,
enchendo a casa com aromas tentadores a cada dia.
Daniel estava mais ocupado e preocupado. A única concessão que
fazia era saírem algumas noites. Iam ao cinema, teatro, clube e restaurantes.
Ela manteve o corte de cabelo, mas usava as roupas sofisticadas só para algum
programa especial.
A vida corria normal, mas a tensão no casamento afetou o
comportamento de Rachel. Cansava-se facilmente, irritava-se com pequenas
bobagens e chorava sem motivo aparente. A família se preocupava e ansiava
pela antiga e calorosa pessoa que conheciam.
Uma noite, quando ia sair para o curso, o carro não quis pegar.
Daniel trabalhava em Huddersfield e só voltaria tarde. Jenny ficara com as
crianças. Uma chuva de granizo caía, e Rachel olhou relutante para a casa, O
certo seria entrar e chamar um táxi, mas estranhamente não queria voltar
agora que tinha escapado. Percebeu que estava vendo seu próprio lar como uma
prisão emocional.
Com um suspiro, colocou o capuz do pesado casaco e andou até a
pista para tomar um ônibus. Chegou no curso molhada até os ossos, o cabelo
encharcado e o rosto branco de frio. Os amigos de classe começaram a ajudá-
la. Uma enxugou seu cabelo com uma toalha de papel enquanto outro tirou suas
botas e as meias molhadas.
—Meias de homem — alguém gritou, fingindo estar horrorizado. —
A bela dama usa meias grossas de homem por dentro das botas femininas!
Todos riram e Rachel também, sentindo-se solta e livre pela
primeira vez em semanas. Sua blusa estava molhada e Zac tirou o próprio
suéter de lã preta para ela vestir. As garotas da classe fizeram uma barreira
protetora contra os olhares masculinos.
Quando ficou pronta, as roupas molhadas foram colocadas na
frente do aquecedor e Rachel não vestia nada além da lingerie, sob o suéter
que batia em seus joelhos.
A aula acabou e as roupas continuavam úmidas. Zac ofereceu uma
carona direto para sua casa em vez de irem ao pub, e Rachel aceitou, apesar de
ficar alerta com a expressão dele.
Entraram no carro esportivo e ela relaxou, confortada pelo ar
quente.
—Está melhor? — ele perguntou.
—Sim, desculpe fazê-lo perder o aperitivo.

48
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Não tem problema, prefiro ficar aqui com você — ele disse com
a voz rouca.
Um calafrio percorreu seu corpo.
—Na próxima pode virar à esquerda. — Ela mudou de assunto.
—O que Daniel acha de você estar comigo toda quarta-feira à
noite?
Rachel engoliu em seco. Não queria falar sobre Daniel, nem baixar
sua guarda.
—Ele me dá o maior apoio — disse, rindo da mentira. Daniel
detestava que ela fizesse o curso e detestava vê-la sempre com o caderno de
desenho na mão, lembrando-o quem era o responsável por sua volta às artes.
—Mas ainda não fez nenhuma caricatura dele. Já desenhou todos
da família, menos Daniel.
—Ele não é um bom modelo —ela disse. — Agora pode seguir reto
até a próxima bifurcação.
—Daniel? Pois acho que ele é o modelo ideal, um demônio nos
negócios e um homem comum em casa. Um ótimo tema para uma caricatura
misturando os dois.
Não concordou. No momento, não via nada de engraçado em Daniel.
Há algum tempo teria se deliciado fazendo a caricatura dele, agora não mais.
—Um dia desses vou fazer. —Chegamos. Minha casa é aquela
branca com a BMW preta na frente.
Daniel já estava em casa. Sentiu um arrepio que não era de frio.
Zac parou e desligou o carro. Podiam escutar o barulho da chuva
nos vidros. Ele virou-se no banco para olhar Rachel e ela encarou-o.
—Bem, obrigada pela carona — disse, sem fazer nenhum
movimento para sair do carro. Sentia-se presa numa armadilha pela expressão
de Zac, pelo calor do carro e pela própria sensação de desejo.
—Foi um prazer — ele disse, ausente.
A mente dele estava longe, procurando no rosto de Rachel um
sentimento que ela não sabia se aparentava ou não. Logo percebeu que sim, pois
Zac inclinou-se e beijou seus lábios com suavidade. Não correspondeu nem se
afastou. A mão dele acariciou seu rosto, o polegar tocando seus lábios para que
abrissem. Subitamente, ela teve certeza que não era o que queria e afastou-se.
Ele deixou-a ir, encostando-se no assento e olhando-a através dos olhos
semicerrados.
—Desculpe — ela murmurou, confusa.
—Do quê?

49
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Rachel não conseguiu responder, só queria estar fora do carro e


começou a abrir a porta.
—Você quis ser beijada, Rachel — Zac disse com suavidade. —Não
importa o que pense, lembre-se de que desejou o beijo tanto quanto eu.
Ele tinha razão, e ela corou de culpa. Quisera o beijo para sentir
como seriam outros lábios que não os de Daniel sobre os seus.
Agora sentia-se infantil e irritada por ter deixado acontecer. Não
queria que Zac pensasse que haveria lugar para ele em sua vida. Daniel era o
único homem que amava. Que droga! Amava-o com mais paixão a cada dia!
Correu para a casa debaixo da chuva e só então pensou se Daniel
vira sua chegada. Olhou para as janelas e não viu movimento atrás das cortinas.
Com certeza, ele esperava que ela viesse de ônibus e não deu atenção ao
barulho do carro de Zac.
Daniel não estava na sala. A porta de escritório permanecia aberta
e nem sinal dele. Rachel encontrou-o na cozinha.
—Chegou mais cedo do que eu esperava — ela disse casualmente
ao entrar.
Charmoso, vestindo jeans e uma camiseta preta, ele ignorou o
comentário dela e suas mãos tremeram um pouco ao colocar água na chaleira.
—Chamei um táxi para levar minha mãe. Ela ficou preocupada ao
ver seu carro na porta e você desaparecida. Poderia ter avisado que mudou de
idéia.
—O carro não pegava, então decidi ir de ônibus. Não imaginei que
Jenny fosse ficar preocupada. —Amanhã ligo para me desculpar.
Silêncio. Daniel parecia concentrado na preparação do chá e nem
lhe dirigiu o olhar. Rachel percebeu que ele estava bravo por algum motivo.
Teria visto algo?
—Estou ensopada — disse num esforço para parecer normal e
corando de culpa. —Vou subir e tomar um banho quente. Você já comeu? Posso
fazer seu jantar...
—Não! — falou com tanta violência que ela afastou-se.
Observou-o recuperar o controle e respirar fundo.
—Não — repetiu devagar. —Eu já jantei, obrigado.
Ela sentiu um frio na espinha, sem saber se era medo ou culpa.
Subiu e deitou-se, preparada para enfrentar Daniel quando
subisse para o quarto. Ele não subiu. Daniel não entrou no quarto aquela noite.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

CAPÍTULO VIII

A partir daquela noite a vida do casal transformou-se num inferno.


Não sabendo como contornar a situação sem confessar o que acontecera entre
ela e Zac, Rachel sentia-se perdida. Daniel mal conversava e nunca mais
fizeram amor.
As crianças, afetadas também pela desestruturação do
casamento, estavam impossíveis. Rachel afirmava que a agitação devia-se à
chegada das festas, mas, no fundo, sabia que a culpa era sua e de Daniel.
Um dia, na semana anterior ao Natal, acordou doente. Passou o dia
enjoada e atordoada, com a cabeça explodindo. A noite, em meio a algazarra da
crianças, ouviu Daniel entrar e ficou feliz por passar-lhe a responsabilidade e
atirar-se na cama.
—Por que não me telefonou? — ele perguntou, enquanto ela subia
para o quarto. —Eu teria vindo na hora se me avisasse que não se sentia bem.
Rachel murmurou qualquer resposta e foi para a cama. Nem ao
menos pensara em chamá-lo. Em sete anos de casamento, jamais ligara para seu
escritório. Ele ligava com freqüência para saber como estavam, mas Rachel
nunca quis incomodá-lo. Mais uma vez, percebeu a barreira entre marido e pai e
o homem de negócios, e não lembrou ao menos um dia que Daniel a tivesse
cruzado voluntariamente.
No escuro do quarto, notou que ele acalmara as crianças.
A casa estava silenciosa, sem um ruído que perturbasse seu
repouso.

Acordou no dia seguinte com Daniel a seu lado, segurando uma


xícara fumegante.
—Achei que poderia fazer bem... Como está se sentindo hoje?
—Melhor — ela disse, erguendo o corpo com cuidado. Afastou o
cabelo do rosto pálido antes de pegar a xícara e murmurou: —Obrigada.

51
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Posso tirar o dia de folga e trabalhar aqui de casa se você


quiser...
—Não é necessário. Estou um pouco fraca, mas dou conta da casa.
Daniel parecia relutante em continuar.
—Sabe... acho que é melhor não ir ao curso esta noite, pelo menos
até melhorar...
—Planejamos uma festa de Natal esta noite — ela informou da
maneira mais natural possível. —Depois da aula, Zac vai nos levar ao clube e não
quero perder a comemoração.

Conseguiu desafiá-lo mais uma vez e notou o esforço que Daniel


fez para se acalmar. Por fim, ele falou.
—Vamos ver como se sente mais tarde.
Subitamente, Rachel quis que ele ficasse por perto. Inventou logo
um assunto.
Meus pais vêm para o Natal, como sempre, mas temos um
problema este ano. Eles sempre ficavam no quarto de Michael, não sei como
vamos fazer agora.
—O que quer que eu faça? Perdi a conta das vezes que sugeri
mudarmos para uma casa maior e você nem quis discutir o assunto. Agora quem
tem de resolver o assunto é você. Eu não tenho nada a ver com isso.
Rachel olhou desapontada enquanto ele saía do quarto.
Mesmo sem vontade e indisposta, ela foi para o curso. Estava tão
brava com Daniel, que não quis lhe dar a satisfação de ficar em casa.
Não aproveitou a noite. O estômago ainda incomodava e a cabeça
concentrava-se em milhões de providências para tomar na casa. Sentia-se
cansada e tensa e, para completar, Zac passou a aula inteira encarando-a de
modo perturbador.
Desde a primeira noite em que se encontraram, ele só a via com
roupa esportiva. Para a comemoração da turma, usou um vestido preto,justo e
curto, provocando comentários dos amigos brincalhões. Zac ficou mais elegante
vestido com um terno escuro e uma bela gravata de seda.
Seus olhares eram provocantes, como se lembrassem o beijo no
carro. Rachel só queria esquecer, o que não era difícil. O pior era a culpa que
sentia, não o beijo.
Depois da aula, foram à discoteca do clube. Ficaram no mezanino
de onde se via toda a pista de dança. A música alta impedia a conversa, mas

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Rachel teria adorado a noitada em outra ocasião. Há tempos Daniel só a levava


a lugares calmos, com música suave, e ela gostava de danceterias.
Seu estado físico não contribuiu para que aproveitasse. O enjôo
continuava e a música feria seus ouvidos. Zac encostou a cadeira bem perto e
monopolizou sua atenção. Com o som alto, ela inclinava-se para ouvir o que ele
dizia, ficando com o corpo muito perto dele.
Ele começou a tocá-la esporadicamente. Nada muito acintoso. Um
toque no braço, no cabelo. Sem saber como livrar-se da situação, aceitou a
sugestão para dançar. Pelo menos a música era rápida o suficiente para ficarem
separados.
Desceram e, na pista, ele tomou-a nos braços.
—Não, Zac!
—Que tolice Rachel, é apenas uma dança.
Ambos sabiam que não era e, se não colocasse um ponto final nas
pretensões dele, seria mesmo culpada de trair Daniel.
—Não! — ela repetiu firme.
Foi loucura ter continuado o curso depois do beijo. Desde o dia da
palestra, soube que ele a queria. E Rachel só queria Daniel. Ela o amava tanto e
estava tão ferida, que sentiu vontade de chorar.
Zac a seguiu quando se dirigiu ao hall de entrada. Foi até os
telefones e ligou para vários pontos de táxi, sem conseguir nenhum.
Desesperada, ligou para casa e sentiu um nó no estômago ao ouvir a voz
impaciente de Daniel.
—Sou eu — ela murmurou.
Houve uma longa pausa até Daniel resolver falar.
—Qual é o problema?
—Não posso ir para casa, não consigo achar um táxi nos pontos... O
que devo fazer?
Simples assim. Voltou a fazer o papel da antiga Rachel. Qualquer
problema, fale com Daniel; ele tem a solução. Depois de um silêncio demorado,
ele finalmente disse:
—O seu Romeu não pode lhe dar uma carona?
—Ele não é meu Romeu e... de qualquer modo, eu... —mudou as
palavras para que Daniel não soubesse que queria evitar Zac. —Não posso pedir
que deixe uma festa tão animada só porque cansei. Será que pode vir me pegar,
Daniel?
—E as crianças? Quer que fiquem aqui sozinhas enquanto vou te
buscar? — ele perguntou com sarcasmo.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Oh! — Sentiu-se tola outra vez. Nem pensara no problema,


apenas o jogara nas mãos de quem sempre resolvia tudo.
—Tudo bem, peço para Zac me levar.
—Espere, ligarei para minha mãe vir para casa e vou te buscar. Ela
já deve estar dormindo, o que sem dúvida vai deixá-la chateada, mas...
—Não! Não quero dar tanto trabalho. Pode deixar que Zac me leva
com prazer. — Ela bateu o telefone antes que Daniel pudesse responder.
—Não teve sorte? — Zac estava perto, olhando-a curioso.
Rachel não sabia se ele ouvira a conversa e também não se
importava.
—Não. —Vou chamar novamente um dos pontos e entrar na fila de
espera.
—Eu te levo — ele ofereceu.
Apesar de não querer a companhia dele, também não queria ficar
no clube mais uma hora, que era o tempo de espera para os táxis. Zac tomou a
decisão, segurando-a pelo pulso.
—Vamos lá, Rachel, vou levar você.
Abatida pelo stress emocional que já durava meses, ela não
resistiu.
Pegaram os casacos e foram para o estacionamento. O carro
deslizava pela pista coberta de gelo.
—Por que ainda está com aquele egoísta? — ele perguntou de
chofre.
—E vocês homens não são todos iguais? — Rachel provocou.
—Não como Daniel. Ainda me custa a acreditar que é casado com
você! Ele combina mais com uma Lydia Marsden qualquer.
Mesmo sem saber como era Lydia para poder julgar, Rachel
reconheceu a verdade com um suspiro de tristeza. O fantasma dela entrava em
seu quarto todas as noites, e já era difícil de lidar, não queria ver nunca o
rosto da mulher.
—E Mandy Saies também — ele continuou. — Foi uma revelação e
tanto naquele encontro que tiveram na boate do clube.
—Você ouviu o que ela disse?
—Querida, metade da boate ouviu, e ficamos todos chocados ao
saber que o jovem e bem-sucedido empresário tinha uma esposa e três filhos.
Aposto que Lydia ficou abalada ao descobrir. Ela estava a fim de se casar com
Daniel. Ninguém faria par mais perfeito para uma advogada em ascensão como
ela.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Então Lydia era uma advogada e não a secretária de Daniel como


presumira. A novidade surpreendeu-a. Uma coisa era imaginar uma simples
secretária como rival, mas competir com uma advogada?
Como se estivesse pensando sobre o mesmo assunto, Zac
perguntou, curioso:
—Se está casada há sete anos, quer dizer que conheceu Daniel
antes do sucesso meteórico que alcançou. E no que se transformou, Rachel?
Numa parasita sem vida própria?
O insulto era merecido, mas doeu em seu coração, pois tocou
direto na verdade que começava a compreender.
—E melhor parar o carro. Vou descer antes que diga alguma coisa
que me faça perder a cabeça — ela falou, ríspida.
Para sua consternação, foi o que ele fez. Estacionou no meio-fio e
virou-se para ela com expressão irritada.
—E o que me diz do jogo que tem feito comigo nessas últimas
semanas? Meu Deus, nunca tive a menor chance com você, não é?
—Não — ela respondeu com honestidade.
—Que droga, por que não me impediu de chegarmos a esse ponto?
—Que ponto? Não houve nada entre nós além de um simples beijo
numa noite chuvosa!
—O que estava havendo entre nós era muito mais que um simples
beijo, e você sabe muito bem! Mas, para você, era apenas um jogo. Percebeu
meu interesse e resolveu se divertir por um tempo. Por quê? Seu ego estava
muito em baixa?
Rachel tentou abrir o cinto de segurança e sair depressa. Zac
apertou seu braço, impedindo-a.
—Ah, não! Não pense que vai escapar assim tão fácil. Beijou-a com
violência. Assim que se viu livre, ela saiu do carro e bateu a porta com força.
Zac saiu cantando os pneus, deixando-a imóvel na calçada gelada.
Rachel levou a mão ao lábio inferior, cortado pela brutalidade do
beijo. Ao inferno com ele! Queria apenas voltar para sua vida de conto de fadas
sem acontecimentos desagradáveis. Odiava todos eles: Mandy por ter contado,
Daniel por ter traído, Lydia por ter seduzido e principalmente a si mesma, por
ter sido ingênua.
Como já estava perto, resolveu ir andando. Chegou em casa
sentindo agulhadas de frio e dor nos pés. Assim que entrou, tirou os sapatos de
salto alto, grata pelo calor e conforto.

55
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Já era uma hora da manhã. Entrou no quarto e nem se importou


em procurar Daniel. Estava deprimida o suficiente para evitar começar uma
nova discussão e ele também nem se preocupara em ir a seu encontro quando
chegou.
Mas Rachel errou em seu julgamento de que Daniel iria ignorá-la.
Vestia a camisola quando ele entrou no quarto com os sapatos de salto alto
pendurados nos dedos.
—Você esqueceu de trazer — ele disse, e soltou os sapatos no
chão.
—Não esqueci! Apenas ficaram no mesmo lugar onde foram
tirados.
Ela sentou-se na beirada da cama para massagear os pés
doloridos, a cabeça baixa e o cabelo cobrindo seu rosto.
—Ele não trouxe você até a porta de casa.
Fora espionada por trás das cortinas mais uma vez?
—E quem disse que ele me trouxe, afinal?
—Não daria tempo de andar todo o caminho. Tiveram uma
discussão amorosa?
Daniel começou a perder o controle.
—Pode ter sido —Rachel falou a caminho do banheiro.
Ele que pensasse o que quisesse, não se importava com mais nada!
Dominado pela fúria, agarrou-a pelo ombro e virou-a de frente.
—E qual foi o assunto da discussão? Você não quis ir ao
apartamento dele? O que houve Rachel, não estava disposta?
Tudo que ela conseguia sentir era angústia e amargura contra os
homens em geral.
—Quem disse que não estive lá até agora? Eu poderia ter ligado
de qualquer lugar, como é que você saberia?
O rosto dele ficou lívido e as mãos apertaram-na com força. Seus
olhos percorreram Rachel como se procurassem uma prova do que ela sugeria.
—Ele feriu seu lábio!
—E você está machucando meus braços! — ela gritou, sem
conseguir se desvencilhar.
—Rachel, como teve coragem de fazer isto?
Finalmente, depois de meses, as emoções de ambos explodiram.
—Quer mesmo saber? Então vamos trocar. Você me conta como
foi com Lydia e eu conto como foi com Zac!

56
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Meu Deus! Pare com isso! — Ele fechou os olhos e seu rosto
transformou-se com a dor.
—Eu te desprezo, sabia? — ela murmurou com amargura e entrou
no banheiro.
Saiu mais calma, e viu Daniel sentado na beirada da cama, com a
cabeça enterrada nas mãos. Uma visão triste como tudo que acontecia nos
últimos meses. Não se lembrava de um dia alegre, cheio de risos dentro de
casa.
—Quero me deitar —ela disse, recusando-se a sentir pena. Daniel
não se moveu. Depois de um longo minuto, porque ele estava magoado e ela o
amava tanto, Rachel deu um gemido e ajoelhou-se na frente dele.
—Quer mesmo saber o que aconteceu esta noite? Zac quis ficar
comigo e eu o rejeitei, em troca, ele me atormentou falando de Lydia. Lydia —
ela repetiu, arrasada. —A famosa advogada que combina mais com Daniel
Masterson do que a patética Rachel!
—Isto não é verdade — ele murmurou, tenso.
Não? — Os olhos dela ficaram marejados. Pois eu acho que é. Você
deslanchou e tomou um caminho, Daniel, enquanto eu fiquei para trás. Estamos
nos distanciando, e por isso acredito que as Lydias da vida combinam com você
muito mais do que eu!
Para sua surpresa, ele riu, sacudindo a cabeça como se não
acreditasse no que dissera.
—Parece que eu quero combinar com outra pessoa? Minhas malas
estão prontas? Rachel, por pior que seja meu erro, não quero sair de casa, não
quero deixar você!
—Lydia — ela sussurrou — ela é...
—Ao inferno com Lydia! O problema não é ela. É um assunto entre
nós dois saber se ainda podemos ficar juntos.
Eu sei que só está comigo porque tem a consciência culpada,
Daniel.
—Com certeza, tenho — ele disse, com amargura. —Mas não pense
que sou alguma espécie de mártir para viver sofrendo. Se eu não achasse que
nosso casamento vale a pena, já teria ido embora há mu e tempo: Pode estar
certa! Se quer saber por que ainda estou aqui...
Daniel segurou o rosto de Rachel e beijou-a com paixão, depois
continuou com a voz embargada.
—Eu te quero. —Para mim, estar com você nunca é o suficiente.
Mesmo depois de sete anos, meu corpo enrijece de desejo só de olhar para

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

você. —Meu Deus, eu nem mesmo consigo me controlar, faço amor sabendo que
não te satisfaço mais!
Ele sacudiu a cabeça desgostoso e continuou:
—Mas por que você não me mandou embora, Rachel? Eu te magoei,
destruí sua confiança na vida, por que ainda está comigo?
—Eu... — Não, a resposta iria deixá-la ainda mais humilhada.
—Então, é o que deseja? Quer que eu vá embora?
—Não — ela disse baixinho, com vontade de chorar.
—E por que não? Como consegue conviver comigo na mesma casa,
na mesma cama, fazendo amor com você? Como?
“Porque eu te amo, seu bobo”, ela pensou e não conseguiu mais
controlar as lágrimas.
Daniel deu um suspiro e abraçou-a com força, apertando-a de
encontro ao corpo e falou em seu ouvido.
—Ainda pensa que estamos nos distanciando? — disse com voz
sensual.
Beijou-a com ardor, sem lhe dar chance de pensar ou retrucar,
até que ela sentiu-se derreter de desejo. A voz dele tirou-a do sonho no qual
mergulhara.
—Deixou que aquele sem-vergonha tocasse em você? Deixou? —
ele repetiu, quando ela ficou muda. — Eu quero saber! Preciso saber!
Os olhos azuis brilhavam furiosos, sem acreditar no que ele
dissera. Rachel encarou-o e disse com raiva:
—Vá para o inferno!
Ele foi e levou-a junto. Arrancou sua camisola e as próprias roupas
e amou-a com violência e desespero. Quando terminou, ela virou-se para o lado
e Daniel foi para o banheiro. Depois de muito tempo, voltou para a cama, e
Rachel já estava dormindo.

Na noite seguinte, o telefone tocou no momento que Rachel


preparava o jantar das crianças. Ela foi atender na extensão do hall, porque a
televisão na cozinha estava com o som muito alto.
—Alô, aqui é Rachel Masterson —disse, distraída, esticando o fio
do aparelho no limite, para enxergar o outro aposento.
Depois de uma pausa, uma voz fria perguntou por Daniel.
—Ele ainda não chegou em casa. —Quer deixar recado? Mais uma
pausa, e Rachel olhou preocupada para o forno elétrico. Se a ligação
demorasse, os bifes acabariam queimando.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Aqui é Lydia Marsden.

CAPITULO IX

Daniel chegou logo depois e encontrou Rachel ao lado do telefone.


Ela parecia em estado de choque.
—O que aconteceu?
—Lydia acabou de telefonar — disse, inexpressiva. —Pediu para
você ligar de volta.
Continuou imóvel, sem saber se desmaiava ou simplesmente
desaparecia e notou o rosto de Daniel avermelhar-se de cólera, e um som que
nunca escutara saiu da garganta dele, dando a impressão de que explodiria.
Contraindo o maxilar, ele deixou cair a pasta com um estrondo e
respirou fundo, soltando o ar com um assobio. Empurrou-a para o lado, entrou
em seu escritório e bateu a porta com força.
Chocada, ela não sabia o que fazer. A simples menção ao nome de
Lydia poderia provocar tal reação em Daniel?
Ao seu chamado, ele correu como um homem possuído!

Rachel embalava Michael no sofá quando Daniel entrou na sala.


Estava pálido e mais controlado, mas ela ainda notou emoção no brilho do olhar.
Kate correu para o pai e, em vez do abraço costumeiro, recebeu apenas um
afago na cabeça dourada. Sam esticara as pernas na frente da televisão e mal
se moveu para lhe dar paisagem, pois estava entretido com o filme. O pequeno
Michael, sonolento, lançou um olhar carinhoso e mergulhou no conforto dos
braços da mãe.
Daniel olhava fixamente para ela.
—Quero que me desculpe. Ela já havia sido instruída para nunca
ligar aqui.
—Não tem importância.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—É claro que tem! — ele disse com a voz alterada, e as três


crianças olharam surpresas para o pai. Daniel passou a mão no cabelo, num
gesto impaciente, se esforçando para se acalmar. —Sammy, Kate, por favor,
brinquem um pouco com Michael enquanto converso com sua mãe.
Sem esperar resposta, Daniel carregou o bebê e colocou-o
sentado no chão, entre as pernas de Sam. Espalhou brinquedos ao lado dele e
sorriu para os três que continuavam estáticos.
Levou Rachel pela mão até o escritório, soltando só quando já
estavam com a porta fechada.
—Ela foi avisada para mandar outra pessoa ligar se fosse urgente!
Nunca poderia ter telefonado!
—Como eu já disse antes, não tem importância.
—Eu tinha prometido que nunca mais você seria magoada!
—Então você deveria... — engoliu as palavras acusadoras e andou
pela sala. — Se diz que terminou tudo, como ela ainda trabalha para você?
—Ela não é minha funcionária, trabalha para a consultoria jurídica
que me assessora — ele explicou. —Transferi todos os casos para um outro
advogado há semanas.
Rachel não acreditou. Ainda via a expressão no rosto dele quando
contou que Lydia ligara. Ainda sentia como ele a empurrara para o lado.
—Então por que ela ligou aqui em casa? Daniel tomou fôlego para
explicar.
—Acontece que ela era a única pessoa que ainda estava no
escritório quando chegou uma informação urgente pelo fax. —Eu precisava ser
avisado o mais depressa possível, e só havia ela na sala!
—Por favor, eu gostaria que isto não voltasse a acontecer —
acrescentou, num tom impessoal que encerrava o assunto.
O silêncio a seguir era indício de confusão.
—O problema é — ele começou com cautela — que preciso sair já.
Houve uma questão legal com o contrato de Huddersfield e tenho de voltar ao
escritório para resolver pessoalmente.
O caso Harvey, o caso Huddersfield, não havia diferença!
—Mas é lógico que precisa ir! — ela concordou tão irônica, que foi
como um tapa no rosto dele. —E eu preciso colocar as crianças para dormir.
Passou por ele decidida a sair do aposento, mas Daniel
interrompeu-a.
—Não pense bobagem. Vou direto ao meu escritório. Lydia já
mandou o fax para lá. Não vou nem quero vê-la, entende?

60
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Sim, ela entendia. Ele queria um voto de confiança que não sabia
se lhe daria outra vez.

Daniel iria para Huddersfield na segunda-feira, tentar acertar o


contrato antes dos feriados do Natal. Depois de um fim de semana horrível,
durante o qual trocaram poucas palavras, Rachel sentia-se aliviada com a
viagem.
Na noite do domingo, ele procurou-a e, na desesperada tentativa
de encontrarem algum nível de satisfação, quebrou uma das regras que ela
impusera e lhe dirigiu a palavra. Nem seu pedido de perdão acalmou-a e,
furiosa, acusou-o de estragar o pouco que compartilhavam. Ele procurou-a com
uma urgência tão desesperada que, quando terminou, Rachel sentiu impulso de
confortá-lo ao ver que mergulhara o rosto no travesseiro.
Mas não conseguiu ceder e lhe dar o que era mais importante. E o
problema era que ela não sabia o que era o mais importante! Já não reconhecia
mais o que estava causando a distância entre eles.
Lydia, lembrou a si mesma. Lydia. Mesmo assim, o nome já estava
perdendo o poder de ferir profundamente como há algum tempo.

Nos dias seguintes, Rachel entrou numa correria com os


preparativos para o Natal. Ignorou o estômago que incomodava até que um dia à
noite, perto da hora de Daniel chegar de viagem, sentia-se tão mal que resolveu
desistir do que fazia e ir para a cama.
Estavam todos na sala, tentando erguer a árvore de Natal que
acabara de ser entregue, quando Daniel entrou. Um sorriso suavizou-lhe a
expressão ao ver o esforço deles no meio dos galhos.
—Vejo que ainda sou necessário para uns pequenos serviços por
aqui — ele brincou, fazendo quatro rostos se virarem com surpresa.
As crianças abandonaram Rachel e correram para o pai. Ele
despencou no carpete, sufocado pelos gêmeos que riam e gritavam, enquanto
Michael engatinhava depressa para alcançá-los.
Ela sorriu ao ver a guerra no chão da sala. E foi então que
enxergou, de verdade, por que valia a pena manter o casamento.
Família. Amor familiar. Uma conexão ao mesmo tempo simples e
complicada, que os ligava de tal modo que mesmo quando um parecia escapar,
não conseguia, porque os outros o puxavam de volta.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Ver Daniel no chão com os filhos era ver o antigo Daniel, e não o
empresário apressado e sem tempo para aproveitar o amor que as crianças
ofereciam,
Ele estava deitado no chão com os três em cima, Michael entre os
gêmeos que lhe seguravam os braços e pernas.
—Eu me rendo! — Daniel gritou. — Ajude-me, Rachel! Socorro!
Com cuidado, para não cair em cima deles, ela pegou Michael em
um braço e, com o outro, puxou Kate, deixando Daniel livrar-se de Sam. Ele
levantou-se com o filho agarrado a seu pescoço e encheu-o de beijos estalados.
Sam protestou, na verdade, adorando cada minuto. A única
maneira de dar a garotos de seis anos os beijos e carinhos que precisam, e não
admitem, era brincando corno Daniel fazia. Ao ser colocado no chão, Sam
estava corado de alegria, mas fingiu não gostar. Logo riu, vendo o pai atrás de
Kate. Ela era mais fácil de ser apanhada. Fingiu relutar, mas o que mais queria
era ser carregada pelos braços fortes e receber muitos beijos.
O pequeno Michael olhava divertido. Rachel abraçou-o com força,
lembrando que também tinha sua vez, antigamente.
Daniel pensava a mesma coisa ao colocar Kate no chão e olhar
incerto para Rachel. Sentindo-se tímida, estendeu Michael e baixou os olhos.
Daniel compreendeu e deitou-se no sofá para brincar com o bebê.
Naquele momento, a árvore de Natal ameaçou cair. Rachel correu
para segurar e ficou presa nos galhos. Daniel levanto-se depressa, alcançou-a e
colocou a árvore no lugar. Ela foi desembaraçada dos galhos, por mãos gentis e
firmes.
—Você arranhou o queixo — ele observou e abaixou a cabeça para
pousar os lábios na pequena marca no canto da boca de Rachel. Passou a língua
com suavidade e ela sentiu um arrepio de desejo.
—Olá — murmurou com suavidade, reparando que ela corava.
—Oi— ela respondeu, sem coragem de enfrentar seu olhar. Então
a boca de Daniel procurou a dela outra vez, para um beijo mais profundo e
íntimo. O calor dos corpos envolveu-os e se entregaram sem reservas.
A campainha tocou, forçando uma separação relutante, e os
gêmeos foram abrir a porta para a avó, que já era esperada.
—Sua mãe vai levá-los a uma celebração de Natal —Rachel
explicou.
—Vai mesmo? — ele respondeu, olhando-a com intensidade. — Bom
— murmurou e beijou-a outra vez, devagar, suave, brincando com a língua em
seus lábios.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Jenny entrou na sala e parou ao perceber o que se passava. Rachel


nem escutou-a entrar. Absorvida pelo amor que pensara perdido para sempre,
sentiu um calor sensual que se espalhava pelo corpo, abraçou Daniel e se
beijaram com paixão. Finalmente se separaram, sem fôlego. Jenny Masterson
sorria para eles, com um brilho de esperança no olhar ansioso.
Rachel ajudou a colocar o agasalho nas crianças e Daniel fixou a
árvore no lugar Só então ela lembrou da reorganização que fizera no andar
superior e mordeu os lábios pensando numa boa explicação.
Despediram-se de Jenny e das crianças e subiram de mãos dadas
até o quarto. Daniel começou a afrouxar a gravata Rachel o olhava nervosa.
—Daniel.., eu...
Ele não pareceu ouvir e foi para o banheiro. Então...
—O que foi que aconteceu?...
Daniel saiu para a porta, olhando-a, incrédulo.
—Eu precisava colocar meus pais em algum lugar. Era a única
solução.
Estendeu a mão agitada pelo quarto, onde o banheiro brilhante e
limpo, ostentava a pia vazia. Também esvaziara uma parte de seu armário e
colocara as roupas no de Daniel.
—E nós dois vamos dormir em que quarto? — ele perguntou bravo.
Rachel fez um gesto na direção da porta.
—Vai dar tudo certo — ela disse nervosa. — Comprei duas camas
novas para os quartos de Sam e Kate. Sua mãe pode dormir no quarto com Kate.
— Jenny sempre dormia lá na noite do Natal para ver as crianças abrirem os
presentes logo cedo. —Vou dormir com Michael e você pode dormir no quarto
de Sam. São só duas noites, Daniel. —Você sabe que se colocarmos os gêmeos
no mesmo quarto nunca vão dormir.
—Que droga! — ele explodiu. — O que houve com você, Rachel?
Por que tenho de oferecer minha cama para os seus pais? Por que eles não
podem dormir nas outras camas? Ou fez isto só para me irritar? Porque, se foi
de propósito, vou avisar que estou no limite!
Rachel sentiu-se injustiçada.
—Desde quando meus pais causaram algum problema? Você os
agüenta aqui só uma vez por ano. Pelo amor de Deus, tenha um pouco de
consideração. Amanhã vão dirigir até aqui depois de trabalhar o dia todo. Eles
estão envelhecendo, Daniel, não ficarão confortáveis com os gêmeos!
Daniel sacudiu a cabeça muito bravo para conseguir escutá-la.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Eu ainda não acredito no que você fez. Chego depois de uma
semana infernal em Huddersfield, procurando um pouco de consolo em minha
própria casa e o que encontro? Uma esposa vingativa que me expulsou do
quarto. O que eu sei é que você não quis mudar para uma casa maior, por que
então eu devo perder meu conforto?
O olhar acusador dele fixou o rosto de Rachel.
—Que droga, droga, droga!
—Por que não vai ficar com Lydia, então? Quem sabe ela te
acomoda melhor? — ela disse, irritada, e saiu do quarto sem dar tempo para ele
responder.
Desceu para a cozinha e, em vez de colocar a louça na máquina,
resolveu lavar tudo na tentativa de se acalmar.
Duas mãos apareceram ao lado de sua cintura, prendendo-a contra
a pia e uma boca cálida beijou-lhe a nuca.
—Desculpe — Daniel murmurou, —eu não queria dizer nada daquilo.
Ela esfregou o prato com mais força.
—Então por que falou?
—Porque... — ele não terminou a frase, preferindo beijar seu
pescoço.
—Por que o quê? — ela insistiu, empurrando-o com o ombro.
—Porque fiquei desapontado. Só pensei em você naquela cama
durante a semana inteira. Porque esqueci que seus pais viriam, porque não quero
dormir no quarto de Sam. —Quero dormir com você. Quero acordar na manhã
do Natal com seu rosto ao meu lado. Existe mais um milhão de porquês, mas o
mais importante é que está me tirando o único lugar onde me sinto próximo de
você. Eu preciso daquela cama, Rachel!
Com um movimento brusco, ela deixou o prato cair na pia e
chorando, virou-se para abraçá-lo.
—Desculpe, Daniel, estou tão infeliz!
—Eu sei — ele concordou, abraçando-a com carinho.
Finalmente, ela parou de chorar e acalmou-se. Daniel ergueu seu
queixo com a mão.
—Minha mãe vai me matar se vir você assim. Basta um olhar e ela
vai me culpar sem ouvir explicações.
Rachel sorriu porque ele estava certo. Jenny ficava sempre do seu
lado, mesmo se não tivesse razão.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Você me desculpa? — ele perguntou e afastando uma mecha do


cabelo loiro do queixo molhado. — Vamos fazer urna trégua e ter um Natal
gostoso? Até desisto da minha cama, se te deixar feliz!
—E quem disse que isso me deixa feliz?
AbaIxou a cabeça para procurar um lenço no bolso dele e não
evitou um sorriso quando seus dedos tocaram de leve o sexo de Daniel.
—Sua pequena provocadora! — acusou, divertido com o lampejo de
humor da antiga e brincalhona Rachel. — Uma trégua, por favor.
—Está bem.
Ele empurrou-a para fora da cozinha.
—Venha conversar comigo enquanto me troco.
Subiram, e Daniel lançou um olhar cobiçoso para a cama.
—E claro que esta noite ainda podemos ficar no quarto —ela disse
casualmente, e recebeu um beijo.

O Natal foi ótimo, mas passou depressa. Logo chegou a hora de


Rachel decidir se continuava o curso com Zac. Daniel não comentou o assunto,
mas sua opinião estava estampada no rosto sempre que a via desenhando. Por
sua vez, ela queria tomar a decisão sem interferências.
Aos poucos, voltaram a ser estranhos na mesma casa. Rachel sabia
que noventa por cento da culpa era dela. Daniel era um homem muito sensual e
sentia sua virilidade ameaçada porque ela não se satisfazia. Ele detestava as
restrições que ela impusera: escuridão, silêncio e relutância em ceder aos
instintos sexuais.
Ao acordar, depois de uma noite particularmente desastrosa,
decidiu que precisava fazer alguma coisa para salvar o casamento. Temia que,
se Daniel ficasse sob pressão outra vez, fosse procurar satisfação completa
fora de casa.
Isto lhe dava uma insegurança tremenda, mexendo com seus
nervos a ponto de estar sempre com o estômago enjoado, sem nenhuma
melhora, havia semanas.
Ao pensar em quantas semanas, sentiu o sangue congelar.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

CAPÍTULO X

Duas horas da tarde de uma quarta-feira, Daniel trabalhava na


minuta de um contrato, quando o telefone tocou.
—Uma pessoa na linha para o senhor. Ela diz que é a sra.
Masterson.
Um arrepio gelado percorreu sua coluna. Rache nunca telefonava
para o escritório. Um acidente com uma das crianças? Alarmado, atendeu a
ligação.
Ficou tão preocupado com o que poderia ter acontecido, que não
entendeu a voz urgente, que não era a de Rachel.
—Mamãe, será que pode repetir? Acho que não compreendi uma só
palavra do que disse.
Deixou o escritório e dirigiu apressado para casa. Sua mãe abriu a
porta, antes mesmo que ele parasse o carro.
—Ela está lá dentro. Está tão triste, meu filho.
Daniel entrou na saia e encontrou Rachel enrolada em um cobertor
no canto do sofá, aos prantos. Aproximou-se com cuidado e tocou seu ombro.
—Rachel?
—Vá embora! — ela soluçou.
Ele ficou intrigado. Nunca vira a esposa naquele estado, tão
abatida que nem conseguia dizer qual era o problema. Acariciou-a, tentando
imaginar o que poderia ter acontecido.
O nome de Zac Cailum passou por sua mente e sentiu ódio.
—Rachel... — Ele passou a mão pelo cabelo dela e assustou-se com
o estado febril. — Pelo amor de Deus, fale comigo! O que está acontecendo?
Sem saber o que fazer, pegou-a no colo e sentou-se no sofá.
—Foi tudo sua culpa — ela soluçou de repente. Culpa dele. Daniel
tentou lembrar-se dos últimos dias, querendo descobrir o motivo de tanto
desespero. Não conseguia pensar em nada. Fora muito diplomático. Não fizera
comentários a respeito das aulas de arte, nem a procurara com insistência.
—Você deveria ter tomado as providências — ela disse, triste.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Providências do quê? Os soluços ficaram mais fortes e Daniel


tomou o controle da situação, colocando-a sentada, afastando o cobertor e
acariciando o rosto fervente.
—Fique calma, agora!
O tom de voz aumentou seu choro. Ele puxou o lenço do bolso e
enxugou as lágrimas. Assustado com a febre alta, tirou-lhe o suéter de lã e ela
tremeu quando o ar frio atingiu-a através da camiseta.
—Agora — ele disse, —vamos conversar com calma.
—Pelo que entendi, você disse que eu sou culpado de alguma coisa.
O que é, Rachel? Se não falar, como vou poder ajudar?
As lágrimas voltaram a cair.
—Você não pode ajudar, Daniel! —Estou grávida e a culpa é sua. —
Prometeu que cuidaria do assunto.
Ele deveria ter tomado cuidado e ela engravidou dos gêmeos.
Depois, Rachel tomou pílula por cinco anos e precisou parar pois estava lhe
fazendo mal. Daniel voltou a cuidar do assunto e veio Michael!
—Você é um inútil! Serve para ganhar milhões em suas empresas,
mas não presta para mais nada! Pelo amor de Deus, eu só tenho vinte cinco
anos! Se continuar assim, vou morrer antes dos trinta.
Daniel escondeu o rosto no pescoço dela, para esconder o sorriso.
—Psiu, ainda estou tentando absorver a novidade. Rachel estava
brava e sentou-se ereta.
—Sabe no que me transformei? Numa máquina parideira! Não é à
toa que me mantém escondida dentro de casa, Daniel! O que diriam seus amigos
de negócios se soubessem que eficiente linha de produção que instalou na
própria casa?
—Chega, Rachel! — Desta vez ele não disfarçou a risada.
— Não posso pensar enquanto fica com estas acusações doidas!
—Mas estou grávida e não quero estar!
—De quanto tempo? — ele perguntou.
—Três meses.
—Meu Deus! — Só então a compreensão atingiu-o como atingira
Rachel quando o médico lhe dera a notícia naquela manhã. — Isto quer dizer
que...
—Sim. —Ela não precisava dizer mais nada. Engravidara na relação
enlouquecida que tiveram depois da discussão sobre Lydia.
Ficaram em silêncio, pensativos. Ela se encostou em Daniel, que
acariciava seu cabelo com expressão ausente. Rachel lembrou-se da outra vez

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

que sentara assim, recebendo o mesmo carinho enquanto ele pensava. Não
houve raiva naquela época e não havia agora.
—Bem — ele disse subitamente — então é isto. — Virou o rosto e beijou os
lábios dela. — Querendo ou não, vamos comprar uma casa maior. Não há mais
quartos disponíveis aqui!
Com os gêmeos, ele usara uma frase parecida para anunciar sua
concordância. Daniel tinha esta capacidade de aceitar o inevitável.

Rachel tomou a decisão de não voltar ao curso de arte. As aulas


lhe trouxeram de volta o prazer de desenhar, mas achou que não valia a pena
recomeçar enquanto Zac fosse o professor.
Embora nenhum dos dois mencionasse o assunto, Daniel a levava
para jantar fora toda quarta-feira, como se fosse uma compensação pelo que
perdera. Mas Rachel não parou de desenhar e enchia vários cadernos com
caricaturas divertidas.
Começaram a procurar outra casa. Depois de um fim de semana
infrutífero, nenhuma das casas tinha tudo que queriam, ela perguntou a Daniel:
—Afinal, por que quer uma casa tão grande? Não precisamos de
tantas salas para receber seus amigos de negócios.
Ele continuava a manter uma separação entre a casa e o escritório
e isto ainda a magoava.
—Esta casa não é grande o suficiente para receber ninguém. —Eu
acho, Rachel, que, depois de tudo que trabalhei, temos dinheiro para comprar
qualquer casa. Por que então não escolher uma que nos dê prazer?
Finalmente acharam a casa ideal. Uma construção antiga de tijolos
vermelhos com portas e altas janelas brancas, que enchiam de luz os cômodos
de teto altíssimo. A casa ficava no meio de um enorme gramado, cercada por
um muro de tijolos aparentes atrás do qual alinhavam-se árvores altas.
Preenchia a idéia de prestígio para Daniel, e a idéia de um lar para Rachel. Os
gêmeos adoraram porque havia uma piscina coberta e um estábulo. E, para
completar, na entrada, ao lado do portão eletrônico, havia um chalé para
hóspedes, pelo qual a mãe de Daniel apaixonou-se à primeira vista.
Também havia uma casa para os caseiros que estavam lá há vinte
anos e ansiosos para saber o que lhes aconteceria com a venda da casa. Rachel
gostou do casal e Daniel decidiu mantê-los. Contratariam uma arrumadeira e um
jardineiro que ajudaria como motorista para levar e trazer as crianças do
colégio.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Rachel começou a comprar móveis e decorar a casa e descobriu


que tinha muito jeito. Estava passando melhor nesta gravidez que na de
Michael. A primavera chegou e as obras adiantaram o suficiente para permitir
a mudança.
Daniel trabalhava muito em um outro contrato em Manchester e
passava mais tempo no norte que em Londres.
Para Rachel, o fantasma de Lydia quase desaparecera. Não
assombrava mais suas noites de amor, embora ainda precisasse da escuridão
para se esconder quando se entregava. Pelo menos parecia estar superando a
traição que por pouco não destruiu seu casamento.

A crise dos sete anos, era como se referia com cinismo na


privacidade de sua mente. Se outra traição não ocorresse nos próximos sete
anos, então talvez pudesse superar. Sabia com certeza que nunca deixaria
Daniel. O amor da família era mais importante, principalmente com a nova
criança que logo viria. Mas amor de Daniel? Ela duvidava. Fora um sonho da
Rachel romântica e infantil.
Uma tarde, estava sentada no chão do quarto, separando algumas
roupas velhas para doar antes da mudança, quando Daniel chegou
inesperadamente de uma das viagens a Manchester. Ele parecia cansado e
olhou com irritação para as roupas espalhadas.
—Por que não contrata alguém para fazer este trabalho? — disse
impaciente, tirando o paletó e a gravata e andando com cuidado para não pisar
na bagunça que estava em seu caminho para o banheiro.
—Não quero estranhos mexendo em nossas coisas pessoais e, além
disso, só eu sei o que é para ficar e o que é para ser doado.
Sem responder, ele bateu a porta do banheiro. Saiu do banho com
uma toalha enrolada no quadril e foi deitar-se ao lado de Rachel que já estava
na cama, desenhando.
—O que está fazendo? — ele perguntou e inclinou-se para ver o
caderno. —Sua bruxa! — exclamou, ao ver o que ela tinha desenhado.
Daniel riu ao se reconhecer desenhado nu, como um diabo com
chifres e rabo, embaixo do chuveiro. Em vez de água caindo, labaredas subiam
ao seu redor. Puxou o caderno das mãos dela. Rachel esticou-se para pegar mas
foi impedida. Daniel passou o braço sobre a barriga redonda, prendendo-a no
lugar. Abriu o caderno na primeira página e começou a olhar devagar.
Ela ficou imóvel, o coração disparado de ansiedade enquanto ele
estudava cada página com atenção. Não sorriu ao ver os desenhos. O caderno

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

que folheava não tinha caricaturas a não ser a que acabara de ser feita. Era
seu trabalho mais sério, até então mantido longe de olhares curiosos.
O retrato de Sam refletia seus traços com perfeição, tão
parecido com Daniel. Kate aparecia com o longo cabelo loiro emoldurando o
rosto satisfeito. Captara sua expressão quando pediu ao pai para comprar um
pônei para a nova casa.
Havia muitos desenhos de Michael, pois era o que passava mais
tempo a seu lado.
—Os desenhos são bons —Daniel disse, sério.
Rachel inspirou fundo, pois sabia o que havia na próxima página.
—Obrigada — ela disse e fez menção de pegar o caderno. Daniel
não permitiu e assim que virou a folha ficou chocado. Ele esperava se ver
desenhado, ela percebeu depois. Parecia lógico depois dos filhos, mas não era
Daniel.
O desenho mostrava o rosto de uma jovem Rachel, que mudara
pouco ao longo dos anos. A boca cheia e suave, o nariz delicado. Mas os olhos,
sempre expressivos, mostravam uma tristeza que tocava a alma. Para Rachel,
era como olhar uma estranha. Odiou o desenho ao terminar. Captara a criatura
triste que as pessoas viam quando a olhavam nos dias atuais. Fizera uma cruz
atravessando a página.
—Por que fez isto? — Daniel perguntou e percorreu com o dedo
uma das linhas da cruz que ~cruzava o canto da boca.
Rachel sentou-se na cama e afastou-se dele.
—Ela não é como eu. Não gosto dela!
Sem comentários, ele estudou o desenho por um longo tempo e
Rachel levantou da cama, fingindo interesse nas roupas jogadas no chão.
—Nem de mim — ele finalmente falou ao virar a página e dar de
cara com o demônio.
O sorriso de Rachel foi forçado.
—Como pode dizer isto? — zombou. — É assim que eu te enxergo.
Sabia o motivo, mas não conseguia explicar por que nunca
desenhava Daniel. Ele era diferente. Apesar de ser parte da família, de certo
modo não era. Os outros rostos no caderno eram parte dela. Daniel costumava
ser a sua parte mais importante; mas não era mais. Desaparecia no lugar de seu
coração de onde brotavam os desenhos.
Ele não a amava como os outros. Era o elo quebrado da corrente
familiar.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Pegou o caderno e guardou dentro do armário, só então encarou


Daniel, que continuava deitado na cama.
—Onde está Michael?
—Foi passar o dia com sua mãe — ela respondeu, com um frio ria
barriga.
Seus olhos se encontraram e percebeu o desejo começando a
queimar dentro dele. Ficou parada ao lado da cama, nervosa e insegura,
sentindo ondas que percorriam seu corpo, ansiosa por tocar Daniel.
Mesmo longe, sentia a masculinidade dele invadindo-a e olhou o
corpo forte e sensual.
O sol entrava pela janela, e Rachel notou feliz que, pela primeira
vez em meses, conseguia olhar o corpo dele abertamente. Sua necessidade da
escuridão negava-lhe este prazer e o de ver os olhos dele brilhando de paixão.
Ele estendeu a mão num convite mudo e ela aceitou, incapaz de
resistir. Os dedos dele apertaram-lhe a mão com cuidado para não quebrar o
contato hipnótico dos olhares e puxou-a com carinho para seu corpo.
Rachel usava apenas um vestido leve de malha. Ele passou a mão
pela sua barriga depois pelo quadril e coxa até encontrar a barra do vestido, e
ela segurou a respiração. As mãos carinhosas pararam, o olhar inquisitivo
esperando sua resposta. Deixou escapar o ar com um suspiro de prazer e
inclinou a cabeça para beijá-lo.
Daniel deitou de costas, trazendo-a com ele ao mesmo tempo que
a despia. Logo estavam dominados pela paixão, famintos, carentes, abertos
para os jogos sensuais do amor.
Rachel estava pronta, há muito tempo não sentia tal urgência de
ser penetrada e puxou-o pelo quadril. Amou-o com todos os sentidos e abriu os
olhos para ver o homem adorado, seus traços bonitos e apaixonados.
Então o fantasma apareceu e ela fechou os olhos com força,
frustrada ao perceber a rejeição paralisando seu corpo.
—Não! —Daniel disse com violência ao perceber o que se passava.
— Que droga Rachel, vamos olhe para mim!
Ela lutou com todas as forças agarrada em Daniel.
—Rachel, pelo amor de Deus, abra os olhos!
Devagar, seus olhos abriram e ela focalizou o rosto tenso a sua
frente. Podia ser que Daniel não a amasse, mas ele a desejava com furor,
mesmo depois do que passaram nos últimos seis meses. O desejo de Daniel
ainda era tão urgente que o fazia tremer contra seu corpo, e talvez fosse o
suficiente...

71
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Não! — ele disse assim que ela ameaçou fechar os olhos. —


Desta vez não vai me rejeitar!
Ele segurou o rosto dela com suavidade, obrigando-a a ouvir.
—Escute, você me quer, mas não vai dar certo até que olhe para
mim e me aceite como o homem que deseja. Com todos meus erros. Eu, o homem
que era antes de te magoar profundamente e o homem que sou neste momento!
—E se eu não conseguir aceitar o que fez ao nosso
relacionamento?
—Você nunca mais vai me ter. Não posso continuar fazendo amor
com uma mulher que se esconde no escuro antes de me aceitar dentro dela.
Daniel afastou-se enquanto ela pensava. Recebera um ultimato. Ele
queria que ela voltasse a confiar ou não teria mais o relacionamento físico no
casamento. Não acreditava que ele pudesse ter jogado a decisão em suas mãos.
Se não fizesse concessões, não haveria um futuro para eles.
Uma sombra de ressentimento atormentou-a, mas sabia que ele
estava com a razão. Se não o aceitasse completamente o casamento acabaria.
Confusa, não sabia que decisão tomar.

Ainda pensava no assunto quando uma semana mais tarde um fato


aconteceu, transformando seus problemas anteriores em fumaça.
Os gêmeos desapareceram.

CAPÍTULO XI

Ao perceber o desaparecimento dos gêmeos, Rachel assumiu a


culpa. Fora a semana mais tensa dos últimos tempos.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Daniel agia de modo frio, sem esconder a irritação com ela, e


todos na casa ficaram aliviados quando ele viajou para Manchester.
Devido aos feriados da Páscoa. os gêmeos não tiveram aula e
ficaram o dia todo em casa. Excitados com a proximidade da mudança,
importunavam a mãe, cujos nervos estavam em frangalhos.
Rachel empacotava algumas louças quando ouviu O telefone.
Reclamou baixo, levantou-se e atravessou a sala para atender, mas assim que
chegou no hall já havia parado de tocar.
—Era o papai no telefone —ele informou, seco. Ainda não perdoara
a mãe por ter gritado ao ver que derrubara suco de laranja no chão da cozinha.
Sentia-se injustiçado, pois o suco era para o Michel, queria poupá-la do
trabalho. Rachel não reconheceu a ajuda, só enxergou a sujeira que teria de
limpar e perdeu a paciência. —Ele mandou avisar que está saindo de
Manchester. Antes de vir para casa vai passar no escritório, por isso chegará
tarde.
—Eu tinha pedido para ele chegar mais cedo e jogar com a gente
—informou Kate.
—Suponho que ele desligou depressa,tremendo de medo! —Rachel
falou com intenção de ser sarcástica com Daniel, mas os gêmeos entenderam
errado e Kate corou de raiva.
—Não, ele não desligou —ela gritou. —Ele disse que preferia jogar
com a gente, em vez de fazer aquele trabalho chato! E você está uma mamãe
muito chata!
Com lágrimas nos olhos, Kate desceu correndo e Sammy foi atrás
dela.
Rachel apoiou uma mão na barriga e a outra na cabeça que
estourava de dor. As crianças não mereciam sua irritação. Desceu para se
desculpar, mas eles a ignoraram, fingindo ver televisão.
Pegou Michael do chão onde brincava contente com os blocos
coloridos e encarou os gêmeos na esperança de que eles a olhassem. Como não
se moveram, sentiu a irritação de volta e saiu da sala com o bebê no colo.
Uma hora mais tarde, quase enlouqueceu. Procurou por todos os
lugares, mas os gêmeos haviam sumido.
Rachel guiou em volta dos parques vizinhos. Depois foi até a casa
de Jenny, ela passaria o dia fora com uma amiga, mas as crianças não sabiam e
poderiam ter ido até lá. Revirou a casa e até ligou para a nova, numa falsa
esperança que de algum modo eles soubessem o caminho. Os caseiros não
sabiam de nada, e já pensava em chamar a polícia quando o telefone tocou.

73
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Atendeu com a mão tremendo.


—Sra. Masterson? — uma voz incerta perguntou.
—Sim.
—Aqui é a secretária do seu marido...
Sentiu o coração disparar.
—Ele.., já chegou? — ela perguntou.
—Ainda não. Mas seus filhos estão aqui à procura do pai e eu...
—Eles estão aí com você? Sim, senhora.
—Ah, meu Deus! Eles estão bem?
—Sim, estão ótimos.
Rachel deixou-se cair sentada no último degrau de escada,
aliviada, mas levantou-se logo.
—Por favor, poderia tomar conta deles? Já estou indo buscá-los —
sussurrou.
Com um soluço, desligou o telefone e correu para pegar Michael.
Chegou às Empresas Masterson no fim do horário de almoço. A
moderna área da entrada estava lotada de pessoas circulando para os
respectivos escritórios.
Chocada com o movimento, envergonhou-se por vestir uma calça
fuseau antiga e uma das camisetas de Daniel, e ficou olhando aturdida. Sem
enxergar as crianças, decidiu perguntar na recepção. Caminhou através do
enorme hall até uma jovem recepcionista, que flertava com um dos funcionários
sentado na beirada da sua mesa.
—Desculpe — ela interrompeu o idílio. — Sou Rachel Masterson,
minhas crianças...
—Sra. Masterson! — A garota levantou-se e olhou-a incrédula. O
companheiro afastou-se e encarou-a, e Rachel não os culpou por ficarem
chocados com sua aparência, só queria saber dos filhos.
—Sabe onde estão meus filhos? — perguntou, sem perceber que a
alteração de voz da recepcionista atraíra a atenção das pessoas no hall, que a
olhavam com curiosidade.
—Oh, o sr. Masterson chegou há pouco e está com eles no
escritório, ele pediu para a senhora...
—Se quiser eu a levo — o jovem ofereceu.
Atordoada, Rachel virou-se para ele e concordou com um aceno.
—Obrigada — murmurou, e seguiu-o através de corredores.
O elevador parou e deixou-os num corredor largo, cujo carpete
macio amortecia seus passos enquanto andavam até uma enorme porta de

74
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

carvalho. O jovem bateu, esperou um momento e abriu, afastando-se para lhe


passagem.
Rachel parou na entrada. Olhou para Daniel, que se apoiava numa
escrivaninha de madeira, os braços cruzados no peito, o olhar severo para as
duas pequenas figuras sentadas juntas, num sofá de couro e teve vontade de
chorar. Colocou Michael no chão e sussurrou:
—Oh, Sammy, Kate!
Com um gemido, caiu desmaiada.
Ao acordar, percebeu que estava deitada no sofá, com algo gelado
na testa e quatro rostos ansiosos encarando-a. Deu um sorriso fraco, e em
troca recebeu outros quatro.
Daniel sentava-se a seu lado, com Michael no colo, segurando sua
mão com firmeza. Sammy e Kate, o ladeavam, cada um inclinado sobre um dos
ombros. Era uma cena bonita e ela desejou ter papel e lápis por perto, para
captar a imagem para sempre.
—Como está se sentindo? — perguntou Daniel.
—Um pouco confusa. —Sorriu e voltou a atenção para os dois
fugitivos. — Vocês me desculpam?
Sammy e Kate abraçaram a mãe, se desculparam e reafirmaram
seu amor e preocupação com o desmaio. Depois, se entusiasmaram contando a
aventura: o telefonema para o táxi, a contagem das moedas nos cofrinhos, a
chegada ao escritório e a descoberta que o pai não se encontrava, deixando
todos em pânico.
—E apavorando sua mãe até quase a loucura — Daniel completou.
Ele olhou sério para Kate, que baixou a cabeça envergonhada.
—Eles planejaram tudo. — Daniel explicou os fatos. —Telefonaram
para o ponto que você costuma chamar. Deram a desculpa da mãe doente, na
cama, enviando os filhos para o pai tomar conta. Apresentaram até um dos
meus cartões de visita com o endereço da firma. Um serviço profissional.
—Oh, Kate! — Rachel exclamou, lembrando o orgulho da garota ao
receber a tarefa de ligar para o ponto de táxi quando Daniel viajava e não
podia levá-los ao colégio. —Você abusou da minha confiança!
A criança escondeu o rosto no ombro da mãe.
—Mas fui eu que tive a idéia de usar o cartão do papai —Sammy
falou, compartilhando a culpa.
Porém, todos sabiam que a precoce Kate era a mentora do plano.
—Desculpe — a garota sussurrou, enxugando as lágrimas.

75
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

O fato de Kate não procurar o colo do pai para consolo era um


indício claro das reprimendas que os gêmeos ouviram antes da chegada da mãe.
Daniel, pálido e abatido, segurava Michael com força, acariciando
o bebê como se necessitasse sentir o conforto de um dos filhos, porque estava
muito zangado para fazer o que tinha vontade: abraçar os gêmeos bem
apertado. Percebeu que Rachel o olhava e sorriu.
—Minha secretária vai trazer um café. Assim que chegar, vou
pedir que leve as crianças até a lanchonete e poderemos conversar.
Seria uma conversa difícil. Rachel sentou-se no sofá e logo uma
moça bonita entrou e colocou a bandeja sobre a escrivaninha.
Daniel explicou aos gêmeos que a secretária os levaria para
almoçar e ela saiu da sala com as crianças e o pequeno Michael nos braços. Ele
serviu uma xícara para Rachel e sentou ao lado dela no sofá.
—Vamos lá, conte o que aconteceu.
—Tenho estado impaciente com eles — admitiu. — Hoje, mais que
o normal. Com certeza, sentiram-se negligenciados e vieram à procura de
conforto. Pensei que tinham ido até a casa de sua mãe... Procurei em todos os
lugares, jamais passou pela minha cabeça que eles pudessem vir aqui!
—Agora já acabou. Não fique preocupada, você viu que eles estão
bem.
Ela concordou, lutando para não chorar.
—Você me desculpa?
—Por quê?
—Por ser uma péssima mãe... e por nos intrometermos aqui.
Daniel mostrou impaciência.
—Rachel, algumas vezes eu não entendo o que você tem em mente!
—Bateu neles?
—Não, consegui controlar a mão. Em compensação, falei que o que
fizeram foi estúpido, perigoso e intencional. Sam ouviu em silêncio, mas Kate
ficou chocada. Acho que nunca havia gritado assim com eles.
—Kate vai te perdoar — Rachel assegurou.
—Se ela puxou a mãe, não vai não!
—O meu caso não é perdão. É tentar esquecer e não estou
conseguindo. Você virou minha vida pelo avesso, Daniel!
—Eu sei. —A minha também, só que eu merecia sofrer e você,
nunca.
—Então por que isto aconteceu?
Daniel inspirou profundamente e passou a mão no cabelo.

76
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Porque ela estava perto — ele respondeu, ríspido.


—Acho que a magoou muito.
—Eu magoei? Ela não é do mesmo tipo que você, Rachel. Mulheres
como Lydia não se deixam magoar com facilidade.
—Isto resolve parte do problema, não?
—De jeito nenhum. Mas não me sinto culpado por magoar os
sentimentos dela quando não deu a mínima para os meus.
Rachel não entendeu a colocação e olhou para ele com expressão
confusa.
—Se eu tentar te explicar tudo, promete que me escuta?
Não sabia. Agüentaria escutar uma história sórdida? Desviou o
olhar, incerta do que responder. A mão de Daniel cobriu a dela com carinho.
—Por favor, Rachel. Você foi e sempre será a única mulher que eu
amo. Se não quer ouvir mais nada, pelo menos escute esta verdade.
—Por que, então, Lydia?
—Porque, por um curto período no ano passado, eu perdi o
controle, não apenas do nosso relacionamento, mas aqui na empresa também.
Lydia foi urna válvula de escape, pura e simples. — Ele encarou a esposa com um
sorriso desapontado. —Eu estava sob terrível pressão e usei-a para ter algum
alívio.
O que aquela confissão significava? Rachel encarou-o rancor.
—Então devo esquecer e perdoar? E esperar sentada a próxima
vez que se sentir pressionado e procurar alívio com qualquer outra disponível?
—Não, isto nunca mais vai acontecer, porque não funcionou na
primeira vez.
Daniel estudou o rasto sério e magoado para ver se ela ia
entendida aonde ele queria chegar, mas percebeu não,
—Você e sua eterna inocência!
—Tirou minha inocência quando eu estava com dezessete anos,
Daniel!
—Não, Rachel, você se entregou de livre e espontânea vontade. E,
acredite ou não, minha intenção era outra. Não — ele segurou as mãos dela com
firmeza, — não me entenda mal. Eu sempre te quis, sempre fui louco por você.
Eu sabia que era muito nova, que deveria me afastar, mas foi impossível. Decidi
então manter um namoro sem intimidade, e nem isso eu consegui. Eu estava tão
apaixonado e obcecado, que até meu trabalho começou a piorar. O seu também.
Você era primeira aluna da classe e relaxou nos estudos para ficar comigo.
Seus pais me procuraram...

77
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Ela surpreendeu-se com a novidade. Os pais eram secos em


relação ao namoro, mas nunca imaginou...
—Eles desaprovavam nosso relacionamento — ele continuou. —
Com toda razão. Eu colocava em risco seus anos de estudo. Por sua causa,
deixei de lado os planos para minha carreira.
—Não parece — ela disse, mostrando o escritório luxuoso com um
amplo gesto. —Apesar de mim, conseguiu realizar seus sonhos.
—Sim, mas à custa dos seus.
—Como sabe que eu tinha sonhos, se nunca se incomodou em
perguntar?
—Eu sei que queria ir para a faculdade de Artes. Seu sonho era
trabalhar com propaganda, criação.
—Era mesmo? Isto mostra como você me conhece pouco.
—Então, o que é que você deseja? — ele perguntou, tenso, como se
na verdade não quisesse saber a resposta.
Rachel queria dizer que ele era tudo que sempre quis na vida, mas,
na defensiva, zombou com palavras ferinas.
—Vamos dizer que eu tive o que mereci.
—Eu estava a ponto de deixá-la quando me contou sobre a
gravidez. Lembra-se que eu estava aqui em Londres e cheguei de viagem
naquele dia? O que não sabe é que eu havia feito uma série de entrevistas para
um emprego fora do país, longe de você.
Rachel suspeitara que sua gravidez fora um transtorno, quando
soubera de Lydia. Daniel não queria casar, simplesmente não tivera outra
escolha.
Sentiu que ele acariciava suas mãos.
—Não, está me interpretando mal. Eu não queria deixá-la, mas me
preparei para sair de sua vida pelo seu bem! Você era muito jovem para ficar
presa. Aceitei o emprego porque achei que era o melhor para nós dois! Foi uma
decisão difícil, e eu me sentia péssimo quando cheguei de Londres preparado
para me despedir.
Ele parou de falar, o olhar turvo de tristeza.
—Então lá estava você, na minha frente, com todo aquele... e eu
fiquei morrendo por dentro porque ia perder tudo. A próxima coisa que me
lembro — ele engoliu em seco —é de termos feito amor quando não devíamos.
Só piorou as coisas. Como dizer para a mulher que você ama que vai deixá-la?
Daniel estava perdido nas reminiscências e não reparou que Rachel
ficou imóvel e pálida.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Então, enquanto eu lutava para achar as palavras certas, você


encostou a cabeça no meu joelho e disse com a maior calma que estava grávida.
Ele sacudiu a cabeça e riu com ternura.
—Foi como ter uma corda no pescoço para ser enforcado e no
próximo minuto estar livre! Tão livre, que tudo que consegui fazer foi ficar
sentado e deixar a adrenalina se espalhar por meu corpo. Eu não tinha mais de
me afastar, porque você precisava de mim. Fiquei livre para descartar seus
sonhos de ter uma carreira, sua juventude. Pude fazer que realmente queria,
ficar com você sempre junto de mim, para ninguém descobrir o maravilhoso
tesouro que eu possuía.
Ele parou um instante e depois continuou, emocionado.
—Nos casamos e viemos morar aqui em Londres, no pequeno
apartamento de Camden Town. Nosso dinheiro era pouco, e nunca fui tão feliz!
Então os gêmeos nasceram e tive um lance de sorte que permitiu que eu
tentasse realizar meu sonho. Lembra como eu aplicava meu dinheiro em ações?
— Ela concordou. — Bem, logo depois, um lote teve ande valorização. Foi minha
primeira aplicação correta no mercado financeiro. Com o lucro eu poderia
comprar uma casa ou reinvestir, e foi o que eu fiz — confessou, como se fosse
um pecado mortal.
Talvez naquela época até fosse, Rachel pensou. Ele nem se
preocupara em discutir com ela o que fazer. Mas talvez Daniel não fosse o
homem bem-sucedido de hoje, se precisasse pedir a opinião dos outros para
tomar decisões de risco.
—Passei os meses seguintes com sensação de culpa, quando o
apartamento revelou-se mínimo para suportar a parafernália requerida por dois
bebês. Então, o investimento começou a pagar dividendos e bonificações e
arrisquei mais uma vez e reinvesti tudo. Depois disso, não parei mais. Eu tinha
dom para o negócio. Compramos a casa. Fundei minha própria empresa; comprei,
saneei e vendi pequenas firmas com lucro e cresci até a estabilidade de hoje. E
sempre com sacrifício. Quanto mais a empresa crescia, mais eu trabalhava, e
naturalmente minha presença nos círculos sociais era significativa para saber o
que se passava no mundo dos negócios.
Daniel sorriu e acariciou o rosto de Rachel, que ouvia com atenção.
—Entretanto, quanto mais eu convivia com as pessoas, mais
determinado ficava em proteger você da selva que é o mundo. Você era a única
verdade da minha vida. Eu chegava em casa e encontrava a doce garota por
quem me apaixonara e sabia que lutaria contra tudo para mantê-la igual!

79
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Ele inspirou profundamente, aliviado por estar revelando tanto


sobre o homem que Rachel queria conhecer e jamais conseguira.
—De repente, você ficou grávida de Michael e uma das pequenas
empresas que comprei estava envolvida em fraude fiscal. Eu passava mais
tempo fora de casa do que deveria e quis facilitar sua vida. Mas você, querida
Rachel, é teimosa como não sei o quê — ele acrescentou sorrindo.
—Tínhamos dinheiro sobrando, e não me deixou contratar alguém
para ajudar.
Rachel ergueu o queixo em desafio.
—Se pode dirigir esta empresa sozinho Daniel, certamente eu
também posso dirigir uma pequena casa e três crianças!
—Acontece que cada pessoa tem o seu limite de resistência.
Depois do nascimento de Michael, você quase ultrapassou o seu. O garoto não
dormiu por quatro meses, bem na época do sarampo dos gêmeos.
E eu descobri seu caso com Lydia — ela acrescentou seca.
Daniel sacudiu a cabeça.
—Não, foi o resultado por eu ter ultrapassado meu limite, Rachel.
Quase perdi todo nosso patrimônio no processo contra a Harvey. Eles são
maiores e mais fortes e me queriam fora do caminho. Aproveitaram o processo
de fraude para me acusar. Tive de lutar com todas as armas para provar minha
inocência.

CAPÍTULO XII

—Então Harvey queria tomar seu lugar?


Sempre pensara que a Empresa Harvey é que fosse pequena e não
o contrário!

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—Foi uma verdadeira guerra — ele disse. — Ainda hoje, só de


pensar nos riscos que corri. E, naquela época, procurei conforto na sua
companhia como sempre fazia nos períodos difíceis, e você estava cansada e
fraca, cuidando das crianças. Senti ciúme, eu te queria Rachel, mas você estava
fora de alcance, e Lydia, não. Com a ajuda brilhante dela, venci a batalha
judicial. E, por alguma razão que só Deus sabe, com o alívio da vitória,
extrapolei meu limite de resistência, direto para os braços de Lydia.
—Quanto tempo?
—Quanto tempo, o quê?
—Durante quanto tempo ela foi sua amante?
Uma expressão estranha passou pelo rosto de Daniel.
—Ela nunca foi. Pelo menos, não como supõe. Tentei contar umas
duas vezes, e você nem quis escutar. Sei que a culpa é minha, afinal, traí você
de todos os modos, menos no sexo. Em vez de voltar para casa, saía com Lydia,
levei-a para jantar...
—Mandy me contou que viu você saindo do apartamento dela.
—Depois da disputa com a Harvey, fiquei desorientado —ele
confessou, relutante. —No fim do expediente, sentei aqui e bebi até não poder
dirigir para casa. Lydia me levou de carro ao apartamento dela, para curar a
bebedeira. Ela
sabia muito bem o que fazia, e eu também sabia sua intenção, mas
no fim não consegui. Lydia não era você e, bêbado ou não, repudiei a simples
idéia de tocá-la. Ela deve ter percebido, pois virou as costas e me deixou
sozinho na sala. Apaguei de tão bêbado e, no dia seguinte, acordei numa cama
estranha. Não sei onde ela passou a noite. Só sei que quando acordei e tentei
colocar uma ordem nos pensamentos, Lydia entrou no quarto. Eu estava
desgostoso e enver-gonhado do meu comportamento, tentando lembrar a noite
anterior, quando ela me disse com um sorriso que, para um homem alcoolizado,
até que eu não havia me saído mal.
Ele fez uma pausa e Rachel ficou pálida, com um nó dentro do
peito.
—Lydia deixou que eu sofresse com o remorso durante meses, até
resolver me contar a verdade. Quando avisei que iria tirar todos os casos das
mãos dela, resolveu se vingar. Era uma conta lucrativa, e o seu escritório
perderia muito dinheiro. Sem saber que eu passaria os casos para outro
advogado de sua própria firma, ficou com medo de ser despedida. Tivemos uma
discussão terrível, trocamos insultos e ela deixou escapar que eu nunca a
tocara. Não disse para me agradar e sim para me agredir. Falou da maneira que

81
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

as mulheres usam para humilhar um homem. O insulto foi uma alegria para mim!
Finalmente ela disse a verdade que eu sentia no íntimo. —E esta — Daniel
virou-se e enfrentou olhar de Rachel — é a pura verdade. Se não quiser
acreditar, não posso culpá-la.
Rachel abaixou a cabeça. Queria e precisava acreditar mas...
—Dinheiro e poder só têm valor se eu tiver o seu perdão, Rachel.
—Você já teve — ela respondeu, ainda em dúvida se acreditar ou
não na história que ele contara.
—O que mais quer que eu diga? Não posso tirar da sua só você
pode fazer isto!
Impaciente, Rachel levantou-se. Daniel deixara em suas mãos
resolução do problema que estavam tendo no casamento.
A revelação do que ele pensava e sentia não ajudou-a a revelar.
Andou pela sala, com a cabeça baixa, e percebeu que também era culpada.
Assim como Daniel, mantiver a uma parte de sua personalidade escondida. Como
ele poderia adivinhar que seus sonhos eram relacionados ao casamento e à
maternidade, se nunca dissera uma palavra a respeito?
Depois de tantos meses de sofrimento, conseguiria ser tão
honesta quanto ele? Era o único modo de salvar o que restara do casamento.
Reunindo coragem, virou-se para enfrentá-lo. Foi então que os viu
na parede atrás da cabeça de Daniel, e seu coração disparou. Os desenhos que
fizera de si e dos filhos estavam emoldurados e pendurados.
—Eu roubei de você — Daniel confessou. — Quis tê-los por perto
para olhar quando sentisse saudades. Ficou brava?
Rachel surpreendeu-se por não ter dado falta, mas com a
proximidade da mudança, nem pegara mais no caderno.
—Você conseguiu que tirassem a cruz. —Sentiu-se estranhamente
exposta. — Não se parece muito comigo.
Não queria aceitar o que seus olhos viam.
—Esta é você — Daniel insistiu. — E seu eu verdadeiro. Uma bela
galeria familiar — disse com orgulho.
—Só falta você.
—Pode me dizer por quê? Por que nunca desenhou meu retrato?
Rachel hesitou para responder. Era a hora da verdade, decidiu.
—As crianças me amam. Eu não tinha mais certeza do seu amor.
Tentei desenhá-lo, mas os traços ficaram distorcidos e desisti.
—Callum viu estes desenhos?
—Não, além de você, ninguém mais viu o caderno.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

—O caso entre vocês foi sério?


—Não houve nada entre nos.
—Eu vi quando se beijaram!
—Um pequeno beijo no banco do carro? — ela zombou do ciúme
dele e disse com doçura. — Foi tudo que aconteceu entre nós dois!
Daniel não parecia acreditar, com o rosto crispado de angústia
segurou o ombro de Rachel. Ela riu da situação ridícula.
—Você parece aquele diabo outra vez. O que desenhei tomando
banho no meio das labaredas.
—Vou te beijar — ele disse, com voz rouca.
—Aqui no seu escritório? Acho que errou de lugar, querido.
Esqueceu que pertenço ao seu outro mundo?
Ele beijou-a com furor e paixão até ela desfalecer em seus braços
e os corpos queimarem de urgência.
—Eu te amo — ele sussurrou.
—Eu sei, acho que já consigo acreditar em você outra vez. Um dos
telefones começou a tocar e Daniel puxou-a pela mão até a escrivaninha.
Atendeu e seu rosto transformou-se. As feições endureceram e a voz mudou.
O olhar ficou frio, mesmo sem desviar-se dela. Enquanto ele falava, Rachel
resolveu descobrir se rompia a armadura profissional e correu a mão por sua
coxa.
Deliciou-se com a cena, pois ele quase engasgou e segurou a mão
dela com força. Os olhos brilharam e a voz falhou.
—Ligo para você mais tarde. — Ele desligou o telefone.
—Era um cliente importante! Você fez de propósito!
—Eu te amo, Daniel.
—Fale outra vez.
Rachel beijou-o na boca e repetiu as palavras.
—Já não lembrava mais a luz em seu rosto ao dizer que me ama.
—Eu me apaixonei aos dezessete anos e nunca mais deixei de amá-
lo. Passei este período confusa, mas acabou.
—Nem quero lembrar as noites horríveis de amor silencioso e
escuro.
—Vamos para casa — ela murmurou, com vontade de abraçá-lo nu,
à luz do dia. —Será que pode sair assim no meio da tarde?
—Posso fazer o que quiser. Eu sou o chefe!
—Puxa, esqueci que o chefe é um milionário. Quer dizer que, se
nos separarmos, a metade dos seus pertences é meu. Será que vale a pena...

83
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Daniel empurrou-a para a porta e disse ameaçador:


—Vamos para a casa nova. As crianças ficarão com a caseira e nós
subiremos para um dos quartos que estiver pronto. Então mostrarei qual dos
meus pertences é o mais importante para você!
—A proposta é interessante.
—Vai ser muito mais que interessante!
—Não se esqueça que estou grávida.
—Isto nunca foi problema antes, aliás, pelo que me lembro das
experiências anteriores, você fica mais sensível nessas ocasiões.
A porta do escritório abriu-se, dando passagem às três crianças.
Daniel pegou Michael, que estava caindo de sono. O bebê deitou a cabeça no
ombro do pai e dormiu. Desceram até o estacionamento, Daniel carregando
Michael num braço e o outro colocado possessivamente no ombro de Rachel.
Sam corria em círculos e Kate segurava firme na mão da mãe. Ao chegar do
almoço, dera-lhe um beijo, prometendo:
—Mamãe, nunca mais vou judiar de você.
Era uma tarde ensolarada e metade dos funcionários das
Empresas Masterson olhava pelas janelas, observando o chefe e sua família no
caminho para o estacionamento.
—Não posso acreditar — um deles disse. —Eu sabia que ele era
casado, mas três, quase quatro filhos!
—Trabalho para ele há anos e nunca soube que era casado — um
outro falou. — Como uma moça doce como aquela casou com alguém tão rude e
seco?
—Se bem que ele não parece nada rude agora, olhe o carinho com
que fala com a família — o primeiro continuou.
—Talvez ele seja diferente em casa.
—Ou talvez ela não seja suave e inocente como parece. Afinal são
quatro filhos!
Daniel levou-os para seu carro e Rachel perguntou o que faria com
o dela. Ele disse que mandaria alguém levar. Abriu a porta, colocou as crianças
no banco de trás e acomodou Rachel na frente.
Os rostos pressionados contra as janelas viram que ele voltou ao
prédio e logo depois saiu, seguido do jovem Archer,o mesmo que acompanhara
Rachel ao seu escritório. Daniel entregou-lhe as chaves e apontou para o carro
dela. Entrou na BMW e logo saiu. Abriu a porta traseira para os gêmeos, pegou
Michael no colo e ajudou Rachel a descer. Foram então na direção da perua

84
A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

onde trocaram as chaves com Archer. A razão da mudança logo ficou clara. O
bebê adormecido foi colocado na cadeira apropriada.
Archer andou em direção à BMW e Kate o chamou. A garota olhou
suplicante para o pai. Este concordou com um aceno, e Archer, sorrindo,
estendeu-lhe a mão. Kate beijou o pai em agradecimento e correu para o jovem
funcionário.
Os outros membros da família entraram na perna e partiram.
—Meu Deus! — alguém exclamou. —Eles fazem o que querem do
chefe! Se eu soubesse a fórmula, juro que ficaria rico!
—Acho que sei — um outro falou. — Olhos azuis, cabelo loiro e um
corpo maravilhoso, mesmo grávida.
—Parece que ouvi sobre um caso dele com Lydia Marsden há pouco
tempo.
—Imagine só. Que idéia ridícula!
—Belos filhos.
—Bela esposa.
—Belo carro.
—Bela casa? — A brincadeira continuou pela sala.
—Bela empresa.
—E um belo chute no traseiro se não voltarem já ao trabalho! —
gritou o chefe do departamento.
Daniel ajustou o banco para o seu tamanho e disse:
—Vou comprar uma cadeira para Michael e deixar no meu carro.
—E arranhar sua imagem de machão insensível?
—Ah, é? Você reparou nas janelas do prédio?
—Não, por quê?
Rachel olhou para fora, notou uma multidão de rostos nas janelas
e corou.
—Será que vão zombar de você por nossa causa? — ela perguntou,
ansiosa.
—Não na minha frente, se tiverem um mínimo senso de auto
preservação. Mas só Deus sabe o que estão falando agora.
—Não se preocupe. — Rachel colocou a mão sobre a coxa de
Daniel. — Nós te amamos, machão insensível ou não.
—Se continuar com a mão aí, dirão que sou um maníaco sexual!
—O que quer dizer isso? — uma jovem voz perguntou de trás.
—Quando for um pouco mais velho, eu explico, filho —Daniel
respondeu.

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A Falta Que Você Me Faz Michelle Reid

Rachel tirou a mão da perna dele e ajeitou-se no banco.


—Quando eu for mais velha, explica para mim também? —
perguntou, zombeteira.
—Vou fazer melhor. —Assim que ficarmos sozinhos, mostro com
todos os detalhes!
—Com a luz acesa assim eu...
Daniel deu um suspiro e apertou os olhos.
—Não pode imaginar há quanto tempo espero por esse momento.
—Eu posso, sim — ela respondeu, e seus olhos lhe disseram o
porquê.
—Agüente firme, então! — E acelerou o carro.

***FIM***

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