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Contents

Uma fábula contada pela Morte


Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Epílogo
Uma fábula contada pela Morte
Existia um mercador em Bagdá que um dia mandou o seu criado
ao mercado comprar provisões, depois de um certo tempo o criado
volta branco e tremendo dizendo: — Mestre, eu estava agora no
mercado quando levei um esbarrão de uma mulher na multidão e
quando eu me virei eu vi que era a própria Morte que havia
esbarrado em mim. Ela olhou para mim e fez um gesto ameaçador.
Agora, me empreste seu cavalo que vou fugir desta cidade para
evitar o meu destino. Vou para Samarra e lá a Morte não irá me
encontrar.

O mercador emprestou o seu cavalo e o criado montou e


cravando as suas esporras nos flancos do cavalo foi galopando o
mais rápido possível.

Então o mercador veio ao mercado e me vendo na multidão veio


até mim e falou: — Por que você fez um gesto ameaçador ao meu
criado quando você o viu essa manhã?

Aquilo não foi um gesto ameaçador, eu disse: — Foi apenas um


momento de surpresa. Eu fiquei espantado em vê-lo em Bagdá, já
que tenho um encontro com ele essa noite em Samarra.

Tradução da versão de W. Somerset Maugham


Prólogo
30 anos antes

A noite já ia alta na pequena vila. O clima ameno denotava a


calmaria do lugar, onde os moradores descansavam na quietude. O
grupo armado seguia a pé: conheciam o homem que buscavam e
sabiam da sua periculosidade. Era uma máquina de matar, treinado
desde a infância a entrar sem ser visto e sair sem ser notado,
habilidades que o tinham levado a galgar até o mais alto patamar
dentro da organização criminosa da família Millar. Mas Nolan havia
cometido o erro de se apaixonar, de querer constituir família, e
agora sua existência era um risco que Patrício não estava disposto
a correr. Nolan sabia demais e, se não estava na organização, teria
que ser eliminado.
A calmaria que rodeava a residência foi quebrada pelos leves
passos dos soldados de Patrício. Se posicionaram nos pontos
estratégicos e esperaram a ordem. Um bebê, dentro da casa,
começou a chorar.
— Agora! – a ordem foi ouvida através dos rádios.
Nolan terminou de ajeitar o protetor auricular na filha, tentando
não acordá-la, mas Mirela despertou com seu movimento, abrindo a
boca em um choro profundo, por ter sido incomodada em seu sono.
Nolan se debruçou sobre a filha e deu um beijo demorado em sua
testa.
— Papai te ama, sempre estarei com você, sempre!
Mirela continuou com o choro como resposta. A inocente criança
não via a insegurança estampada nos olhos de seu pai, que se virou
para a esposa.
— Eu te amo! – falou beijando seus lábios em seguida. – Cuida
da nossa filha!
A mulher consentiu com um aceno e viu o marido sair com duas
armas, uma em cada mão. Pegou a filha no berço, se escondeu
dentro de um armário e se debruçou sobre ela, com pavor absoluto
do que estava por vir.
Não demorou para que sons de tiros ecoassem, quebrando a
quietude do lugar. Fechou os olhos com o rosto banhado em
lágrimas. Sabia que o marido era muito eficiente, mas ele já havia
notado a aproximação dos homens e, pela quantidade que supôs,
seria quase impossível sair dali com vida.
O tiroteio cessou e o que restou de barulho era o próprio lamurio
e o choro da filha em seus braços, assustada com o ocorrido.
Tentou, de todas as formas, fazer o bebê se acalmar, mas os passos
dentro do quarto, foram ouvidos com nitidez, indicando mais que
uma pessoa. Seu marido estava morto, tinha certeza, e seus
algozes estavam próximos.
Patrício parou no meio do quarto e indicou o armário, de onde
vinha o barulho de choro de criança. Acenou para que seus homens
seguissem na frente e abriram as portas. De imediato enxergaram a
mulher com a criança no colo.
— Por favor! Poupem meu bebê! É só uma criança!
Sem dizer uma palavra, Patrício se aproximou do armário e se
abaixou para pegar a menina. Ignorou os protestos da mãe e saiu
do quarto, acenando para seus homens. Quando já estava na porta
da frente, escutou a derradeira rajada de tiros, cortando o silêncio
da noite.
Capítulo 01
Dias atuais

Helena levantou da cama e olhou para a ruiva adormecida entre


os lençóis. Recolheu as roupas deixada de lado e se vestiu em
silêncio. Pegou a carteira do bolso da calça e tirou algumas notas de
dinheiro, deixando sobre a mesinha de cabeceira. Olhou, uma última
vez para a mulher, antes de sair.
Em casa o silêncio reinava. Subiu as escadas e intentou ir para o
quarto, mas foi detida pela voz do pai.
— Onde você estava, Helena? – perguntou Patrício encarando a
filha.
— Fora – respondeu somente.
— Precisei de você essa noite. Tivemos um problema com um
cliente. Atende, pelo menos, a merda desse celular!
— Não queria ser incomodada. Deram um jeito no cliente?
— Sim.
— O que fizeram com o corpo?
— Jogamos no rio, em uma ponte depois da saída da cidade.
— É época de cheia, a correnteza vai levar o corpo para longe –
avaliou. – Precisa de mim agora?
— Não. Vai tomar um banho, tirar esse cheiro de puta barata do
corpo. Quero você no café da manhã daqui quatro horas.
— Não me atrasarei – Helena fez menção de entrar no quarto,
mas parou com a mão na maçaneta. Respirou fundo e se virou para
Patrício. – Boa noite, pai. Amanhã estarei à sua disposição.
— Boa noite.
Helena entrou no quarto e tirou o casaco durante o trajeto para o
banheiro. Entrou debaixo do jato de água e fechou os olhos,
relaxando os músculos do corpo.
Daniela olhou para a fachada da imensa casa da família,
enquanto o carro parava na frente da porta de entrada. Já tinha oito
anos que tinha saído dali, para ir estudar no exterior. Por mais que
tivesse gostado do tempo que havia passado nos Estados Unidos,
especificamente em Nova Iorque, estava ansiosa em voltar. Ali era
sua casa e, por mais que as atividades do pai a assustasse, os
amavam mais que tudo.
A porta da frente abriu e enxergou sua mãe, saindo para recebê-
la. Abriu um sorriso e se adiantou para abraçá-la apertado. Já fazia
sete meses desde a última vez que ela fora visitá-la no exterior.
— Que saudade, mãe! – exclamou ao receber um beijo
carinhoso no rosto. – Onde estão todos?
— Seu pai já está vindo! Olha pra você! Está ótima!
— Dani! – exclamou Patrício aparecendo na porta. – Seja bem-
vinda de volta!
— Obrigada pai! Onde está Helena?
— Provavelmente dormindo. Chegou tarde ontem.
— Na verdade ela chegou hoje, não é? – emendou Rose. – Eu
escutei a conversa dos dois no corredor às quatro da manhã.
— Helena é uma alma livre – riu Patrício despreocupado. –
Entra, os rapazes vão levar suas coisas para seu quarto.
— Obrigada.
Daniela entrou na imponente propriedade reparando que nada
havia mudado ali. A grande sala, ornamentada com móveis estilo
colonial, continuava do mesmo jeito que se lembrava. Seguiu para a
sala, onde o café da manhã estava servido. Se sentou, junto com os
pais, e começou a narrar o que tinha vivido nos últimos meses em
que não haviam se visto. Parou com a narrativa quando enxergou a
irmã entrando na sala. Abriu um sorriso espontâneo ao ver Helena.
— Lena! Que saudade! – exclamou se levantando para abraçá-
la.
— Oi pequena! – sorriu Helena apertando-a em seus braços. –
Faz muito tempo!
— Nem me fala! Você nem se dignou em ir me visitar!
— Você está de volta e isso é o que importa.
Daniela concordou com um aceno, ainda encarando os olhos
verdes da irmã. Helena sempre fora uma mulher de poucas
palavras, mesmo na adolescência. Tinham uma diferença de idade
de sete anos, mas parecia que eram bem mais. Havia saído de casa
quando tinha quinze anos e, na ocasião, Helena já morava na
Europa. Não tinham muito em comum, pouco se falavam, pois, a
irmã também havia passado anos fora estudando. A última vez que
haviam, de fato, morado sob o mesmo teto, acontecera num curto
período da infância, visto que a irmã tinha saído de casa aos
quatorze anos. Se falavam por telefone, pois, Helena não tinha
sequer uma rede social, mas sentia um carinho imenso pela irmã.
Sabia que mesmo com seu jeito mais fechado e distante, Helena
também possuía um carinho enorme por ela.
Observou a irmã se sentar à mesa e se servir com café puro. Ela
estava mais bonita do que nas fotos que havia recebido. Os cabelos
negros estavam presos em um rabo de cavalo, deixando à mostra
suas mandíbulas quadradas, desenhando seu rosto simétrico. Os
olhos verdes, intensos, fixos no pedaço de torrada à sua frente,
enquanto as ágeis mãos passavam manteiga, com destreza. Sabia
que a irmã era excelente no manejo com facas, habilidade que ela
achava bem incomum.
— Algum problema, pequena? – perguntou Helena, ciente do
olhar fixo da irmã.
— Não – sorriu Daniela, com as faces rubras. – As fotos que me
mandou não fazem jus a mulher bonita que você é. Aposto que já
tem uma lista de namorados, não é?
— Não – Helena respondeu, encarando o pai.
— Qual é? Nem um namorado? Você é uma mulher linda, tenho
certeza que...
— Você deve ter, não é, Dani? E aquele cara que estava saindo
com você? – perguntou Patrício desviando o assunto.
— Ah, não deu certo. A verdade é que nunca gostei dele,
realmente. Muito grudento e...
Helena se limitou a ficar em silêncio, escutando a narrativa da
irmã sobre o ex namorado. O pai e a mãe sabiam da sua orientação
sexual, havia falado a eles quando ainda era adolescente. O pai
ficou furioso quando lhe disse que tinha uma namorada. Na época
contava apenas com quatorze anos e estava vivendo seu primeiro
amor. Ficou de castigo durante uma semana, presa dentro de casa.
Só saiu para ir para um colégio na Europa, longe o suficiente de
Kelly. Ainda havia tentado contato, mas soube que ela tinha sofrido
um acidente de carro e falecido, informação passado por seus
sogros. Conhecia o pai que tinha para apostar que havia sido obra
dele e tentou de todas as formas provar isso, mas os pais de Kelly
insistiram no acidente de carro. Segundo eles, Kelly havia ido para
uma balada, escondida, com um garoto e na volta, o rapaz
alcoolizado tinha perdido o controle do veículo. Encontrou uma
reportagem do acidente, corroborando tudo o que haviam lhe falado
e, a partir daquele momento, se fechou em seu mundo. Se tornou
uma pessoa de poucas palavras e grandes muralhas ao seu redor.
Sua orientação sexual passou a ser escondida, pois sabia que
quando arrumasse uma namorada, ela morreria por sua causa.
— Eu vou para o escritório – anunciou se levantando. – Qualquer
coisa vocês me encontram no celular.
— Resolve aquele assunto que te falei ontem, durante o dia.
Hoje vou ficar em casa – anunciou Patrício.
— Sim senhor – concordou Helena.
A morena deu a volta na mesa, depositando um beijo no rosto da
mãe, um na mão do pai e, por último, um beijo no rosto de Daniela.
— Seja bem-vinda de volta, pequena.
Daniela respirou fundo, sentindo o perfume da irmã, antes de
pronunciar uma onomatopeia. Observou-a sair da sala, antes de
voltar os olhos para os pais e retomar o assunto da sua estadia no
exterior.
Helena saiu de casa e já encontrou o carro parado na frente da
porta com o motorista, que também era um dos “homens de
confiança” de Patrício. Entrou e, sem que precisasse expressar uma
ordem, tomaram o caminho do escritório.
A mente de Helena voltou para Daniela. Lembrava-se dela como
uma menina de sete anos, magricela e descabelada, correndo pela
casa atrás dela, para brincarem juntas. Quando havia sido mandada
para a Europa, ocasião em que perdera o convívio com a irmã por
conta do seu namoro com Kelly, não tinha tido mais um contato
contínuo, pouco se falavam e depois foi a vez de Daniela ir estudar
fora. Foram anos de separação que não lhe permitiram perceber
como a irmã havia se transformado em uma bela mulher.
Certamente teria que dar muito susto em caras folgados que
resolvessem se meter com ela.
Abriu um sorriso com o próprio pensamento, para ser escondido
em seguida. Depois de tantos anos tinha a oportunidade de ser a
irmã mais velha, que a separação não havia permitido. Daniela
ainda era sua pequena, sua irmãzinha.
No escritório encontrou os homens de seu pai posicionados na
entrada do andar e por todo ele. Os cumprimentou, polidamente
antes de ir para a sala de Patrício.
— Bom dia, Giovanna – cumprimentou a secretária, sentada à
sua mesa.
— Bom dia, Helena. Tem uma mulher querendo falar com você –
falou apontando com a cabeça.
Helena se virou para o local para ver a ruiva com quem havia
passado a noite. Deu um meio sorriso na sua direção e indicou a
porta do escritório para que ela entrasse. Michelle seguiu na frente
e, depois de fechada a porta, encarou a ruiva.
— Você acha que eu sou alguma das suas putas? – perguntou
Michelle, extremamente calma.
— Não – respondeu Helena parada no meio da sala, olhando
para a ruiva que se sentou em uma poltrona. – Por que a pergunta?
— Que merda é essa? – Michelle mostrou o dinheiro que havia
deixado na noite anterior. – Você me come e depois me paga, é
isso?
— Não quis lhe acordar de madrugada para lhe falar que esse
dinheiro é para a mensalidade da escolinha do seu filho. Você me
disse que estava atrasada e que precisava ir lá hoje – explicou
tirando o casaco que compunha o terno preto.
— Sim, eu lhe disse exatamente isso. Que a escolinha do meu
filho está atrasada e que tenho que ir lá hoje. Por acaso pedi
dinheiro?
— Me desculpe. Interpretei de forma errada. De qualquer forma,
fique com o dinheiro e compre algo bem bonito pra você.
— Da próxima vez que me tratar como uma puta qualquer, nós
nunca mais vamos nos encontrar novamente.
— Me desculpe, Chelly, realmente interpretei de forma errada –
contemporizou Helena ao se aproximar da poltrona. – Prometo que
não vai se repetir.
— Acho bom – respondeu a ruiva encaixando a mão na
mandíbula de Helena. – Eu vou comprar uma bela lingerie com esse
dinheiro. Passa em casa à noite para conferir.
— Com certeza irei – confirmou Helena com um sorrisinho.
Buscou os lábios da ruiva em um beijo lascivo, antes de
empurrá-la contra a parede ao lado da porta. Passou o trinco
percebendo que Michelle subia a própria saia. Deixou a mão se
alojar no sexo, já molhado de excitação. A ruiva gemeu no seu
ouvido.
— Me come, está em dívida comigo! Quero uma bem rapidinha
porque estou atrasada.
Michelle saiu do escritório depois de quinze minutos e Helena
seguiu para o banheiro se recompor. Tinha conhecido Michelle dois
dias antes, durante uma reunião de negócios. Ela era filha de um
grande parceiro de seu pai, no ramo de jogos. Haviam ficado no
primeiro dia, dentro do banheiro do escritório e, depois, no dia
anterior, em seu apartamento. Era arriscado um terceiro encontro,
poderia desenvolver afeto e afeto por alguém que não fosse sua
família estava fora de cogitação naquele momento.
Terminou de ajeitar a camisa de seda preta e refez o rabo de
cavalo, antes de retornar para a sala e se sentar na cadeira de seu
pai. Acionou a secretária em seguida.
— Giovanna pede para Pietro e Gabriel entrar, por favor.
— Sim senhora.
Helena voltou o telefone para o gancho e se encostou contra a
cadeira, olhando para a porta. Em questão de segundos os dois
homens apareceram.
— Vamos fazer uma visita a um cliente – anunciou. – É só um
primeiro aviso de dívida atrasada.
— Sim, senhora.
Helena pegou o casaco do conjunto e tornou a vestir. Saiu da
sala acompanhada dos dois homens e tomou a direção do elevador.
Daniela se jogou contra os confortáveis travesseiros que
ornamentavam a cama. Pegou o celular e acessou as páginas
sociais, para conversar com alguns amigos que havia deixado nos
Estados Unidos, mas nenhum estava disponível. Ficou fuçando no
celular até cair na sua galeria de fotos. Abriu um sorriso ao ver a
última foto que Helena havia lhe mandado: sempre sisuda usando
preto e sem sorrir. Colocou a foto para preencher a tela inteira,
pensando em como a irmã havia se tornado a cópia do pai, sempre
sério e envolvido nos assuntos da família. Tinha curiosidade de
saber se ela tinha alguém. Com toda a certeza tinha algum
namorado. Bonita do jeito que era, homens era a última coisa que
faltaria a ela. Alisou a tela do celular com a ponta dos dedos, antes
de desligar o aparelho e deixá-lo sobre a cama. Seguiu para um
banho demorado e se vestiu para o jantar.
Na sala encontrou a mãe conversando no telefone com alguma
amiga e o pai, falando com um dos vários seguranças da casa.
Seguiu direto para a cozinha, onde Joanna estava. Ela havia sido
babá de Helena e depois sua. Trabalhava na casa há trinta anos, e
era como um membro da família. Agora ocupava o cargo de
governanta.
— Oi Joanna – Daniela chamou sua atenção. – O que vamos ter
hoje para o jantar?
— Pela sua volta pedi para Lia fazer um Carbonara, que sei que
gosta, e um filé com molho madeira.
— Hum! Já estou com fome! – sorriu Daniela ao abraçar Joanna.
– Saudade de uma boa comida.
— Já vou pedir para servirem. Só estavam esperando você
descer.
— Helena já chegou? Não escutei barulho de carro.
— Raramente Helena aparece para o jantar.
— Ah, mas ela vai vim jantar comigo! Ela não vai me fazer essa
desfeita! Espera um minuto.
Daniela pegou o celular do bolso do short e discou para a irmã.
— Oi Lena! Já está chegando para o jantar?
— Oi pequena, não vou jantar em casa.
— Ah Helena! Que desfeita! Minha primeira noite aqui e já vai
passar fora?! Não senhora! Estou lhe esperando para o jantar!
— Dani, não...
— Não quero desculpas, Lena, vem pra casa? Por favor?
Daniela ouviu um suspiro do outro lado da linha, antes que a
irmã concordasse.
— Ok, estou indo.
— Estamos te esperando – finalizou com um sorriso. – Espera
meia hora, Joanna? Lena está vindo!
— Claro que espero! Muito bom ver que vocês duas vão se dar
bem.
A jovem concordou com um meneio de cabeça, antes de sair da
cozinha, saltitante. Aproveitaria aquela noite para colocar a
conversa em dia com a irmã.
Capítulo 02
Helena entrou na sala, já topando com toda a família reunida,
entretida com copos de bebidas. Os cumprimentou, sem se
aproximar, e pediu alguns minutos para ir até o quarto. O pai olhou-a
com desaprovação e a mãe fingiu não perceber. A única que
evidenciava felicidade pelo seu retorno era Daniela. Subiu as
escadas rapidamente para o segundo piso e entrou no quarto, já se
livrando das roupas. Prendeu o cabelo e entrou em um banho
rápido. Assim que retornou ao quarto, enxergou a irmã sentada
sobre sua cama.
— Obrigada por ter vindo – falou Daniela encarando-a. – É bom
ter você aqui na minha primeira noite em casa.
— Não tive muito tato quanto a isso. Me desculpe. Prometo que
já desço, é o tempo de me vestir.
— Pode se trocar. Ou tem vergonha de ficar nua na frente de
outras pessoas? Pelo que me lembro, você nunca deu
demonstrações disso. Também nem tem como me lembrar, éramos
tão pequenas quando ainda morávamos sob o mesmo teto.
— Não, acho que não – respondeu Helena com um sorriso. –
Tirou a toalha e jogou sobre uma poltrona antes de ir para o closet.
— Caramba! Que tatuagem enorme! – exclamou Daniela assim
que viu a costa da irmã. – Quando você fez ela?! – finalizou se
levantando e seguindo Helena.
— Já tem uns três anos.
— É um dragão lindo! – exclamou tocando-a com a ponta dos
dedos. – Nem isso você me conta, não é?!
— Ah pequena, é só uma tatuagem, não tinha por que te falar –
respondeu pegando a lingerie em uma gaveta para vestir em
seguida.
— Isso são coisas que irmãs compartilham! É assim que
acontece: você me liga, pergunta como eu estou, eu pergunto como
você está, aí você diz que está bem, só um pouco dolorida porque
fez uma tatuagem de costa inteira!
— Nós nunca fomos boas irmãs nesse quesito – sorriu Helena.
— Você fica linda sorrindo. Devia fazer mais isso – brincou
Daniela. – Nós vamos recuperar todos esses anos perdidos. Agora,
querendo ou não, você será minha irmã mais velha.
— Posso colocar bastante culpa em você – retrucou com um
riso.
— Besta! Vamos, estão só nos esperando!
Helena terminou de se vestir sob o olhar da irmã e saiu do
quarto, em direção às escadas e, depois, a sala de jantar. Os pais já
estavam acomodados e antes mesmo que pudesse beber algo, o
pai já lhe perguntou sobre o dia de trabalho. Conversaram sobre o
que havia feito, mas sempre sentia os olhos de Daniela voltados
para si. Sabia que a irmã estava encantada com seu jeito, uma
admiração comum de irmã mais nova.
Depois do jantar, seguiram para a sala, onde se reuniram
conversando amenidades. Não demonstrou tédio durante a pequena
reunião familiar. Havia sido treinada para não demonstrar emoções
e fazia isso muito bem. Escutou, pacientemente, a mãe discorrer
sobre as aulas de piano e o estado lastimável de suas roseiras que
o jardineiro não sabia podar. O pai falou sobre o tempo que estava
passando depressa demais, que as duas filhas eram bebês e agora
já eram duas mulheres adultas. Sempre com essas reclamações ele
falava que ia se aposentar, algo que Helena sabia que não
aconteceria tão cedo. Tinha certeza que seu pai morreria de velhice
sobre a mesa de seu escritório.
— E você, Helena? Conta um pouco da sua vida! – pediu
Daniela.
— Nada muito entusiasmante – desconversou.
— Helena é simplória – falou a mãe, sorrindo. – É poliglota, fala
cinco idiomas fluente e entende mais dois. É uma excelente em
lutas além de manejar armas brancas e de fogo como ninguém!
— Vocês estavam criando uma arma de guerra ou uma filha? –
perguntou Daniela com um sorriso.
— Fez até o curso da Esint, conhece coisas como disfarce,
espionagem eletrônica, criptografia e até um bom interrogatório –
completou o pai.
— Como eu nunca soube dessas coisas? – espantou Daniela. –
Só sabia que era formada em direito.
— Helena foi criada desde pequena para ser minha sucessora
nos negócios e ela manterá o escritório funcionando com primor –
explicou Patrício. – Já você, será sempre minha princesinha, mas
saiba que ela sempre estará presente para lhe proteger.
— Farei o que estiver ao meu alcance – concordou a morena. –
Se me derem licença, eu vou subir para o meu quarto. Quero
descansar um pouco.
— Amanhã sairemos às sete da manhã, esteja em pé.
— Sim senhor.
Helena se despediu dos pais e da irmã e subiu para o quarto.
Tirou a roupa e se deitou, mirando o teto. A mente resvalou para o
passado, quando ainda era uma criança. Desde pequena os pais
sempre haviam sido incisivos com seus estudos, colocando-a em
diversos cursos. Reclamava da rotina forçada, mas o pai sempre
havia exortado que ela tinha que aprender, desde criança, ser a
melhor em tudo o que fazia, para que pudesse assumir os negócios
da família. Antes do namoro com Kelly, o admirava e queria ser
como ele. Depois da morte de Kelly, só queria ser como ele: a
admiração havia se perdido no processo.
Escutou passos no corredor e, pelo som, julgou ser sua mãe ou
sua irmã. Se virou para o lado e fingiu que dormia, quando escutou
a batida na porta. Não estava disposta a escutar alguma reclamação
da mãe e, menos ainda, aguentar o grude que Daniela estava
demonstrando ser.
A porta foi aberta e Daniela enxergou Helena dormindo, com a
respiração pesada. Se aproximou da cama e se abaixou rente ao
seu rosto, analisando-a. Olhou para o edredom desajeitado e o
puxou para que ficasse bem coberta. Segurou os cabelos com uma
mão e se abaixou, dando um leve beijo no rosto da irmã, antes de
sair do quarto.
Helena se virou na cama, após escutar sua saída. Tirou o
edredom que ela havia coberto, pois estava com calor. Acendeu a
luz de cabeceira e pegou um livro para ler.

— Bom dia, Joanna! – cumprimentou Daniela no café da manhã.


– Onde estão todos?
— Seu pai saiu com sua irmã logo cedo. Já sua mãe está no
jardim, com o personal. Acho que está tendo aulas de pilates.
— Ok. Eu vou dar uma saída, caso perguntem de mim. Marquei
de passar na casa de Vivian e depois vamos dar uma volta no
shopping. Preciso comprar algumas coisas.
— Tudo bem. Volta que horas?
— Até a noite. Estarei presente no jantar.
Daniela tomou café enquanto conversava com Vivian, por
mensagem, sobre o dia que teriam. Primeiro iria passar em sua
casa, para pegá-la, e depois iriam para o shopping. Não havia
trazido muitas coisas da sua antiga casa e sentia falta de algumas
peças de roupas, além de itens pessoais. Assim que saiu, já
encontrou um carro à sua disposição, assim como o motorista lhe
aguardando.
— Meu nome é Javier – cumprimentou o homem com pesado
sotaque. – Helena me escalou para ser seu segurança.
— Sério? – perguntou com um princípio de careta. – Nada contra
você, é claro, mas não acho que precise de um segurança.
— Tenho que seguir as ordens de Helena.
— Tudo bem. Depois eu falo com ela.
Daniela seguiu à risca a programação que havia feito com a
prima. Andaram pelo shopping a procura dos itens que havia listado
na cabeça e, de posse de várias sacolas, seguiram para um
restaurante.
— Por que você tem que andar com segurança? – perguntou
Vivian, mirando Javier mais afastado.
— Coisa da Helena. Ainda não falei com ela sobre isso. Só
acordei de manhã e já o encontrei a minha espera.
— Faz tempo que não vejo Helena. Acho que a última vez foi no
Natal passado, quando todos nos reunimos na casa da Nona.
— Ela é bem discreta.
— Igualzinho ao tio! Apesar que eu acho que seu pai é bem mais
aberto que ela. Ninguém sabe nada da vida de Helena.
— Nem me fala! Pouco conversávamos durante o tempo que
fiquei fora. E olha que sou irmã! Sangue do mesmo sangue!
— Eh...
— É o que?
— Você sabe que todo mundo fala da gravidez da sua mãe, né?
Que ninguém viu ela grávida de Helena.
— Não viram porque ela ficou na Europa com a mãe. Tanto que
na certidão de Helena, ela nasceu em Londres.
— Verdade.
— Vou passar no escritório depois daqui. Vamos?
— Não posso! Tenho que ir para casa fazer algumas coisas.
Amanhã tem uma festa bacana, na Anezi. Vamos?
— Que festa é?
— Black and White. Um DJ foda da cena, gente bonita!
— Provavelmente eu vá. Tem convite?
— Conheço o promoter. Ele te arruma, só me confirma.
— Pega dois pra mim. Vou ver se consigo levar Helena.
— Tá bom. Depois me passa o dinheiro.
— Transfiro para sua conta.

Helena olhou para o homem que tremia na frente de seu pai. Os


olhos nervosos, passeavam dela para ele, prevendo a retaliação
que estava por vir. Todos sabiam que quem roubava de Patrício
Millar assinava uma sentença de morte. Com o homem não seria
diferente.
As explicações para o desvio de dinheiro não despertavam
nenhuma compaixão no pai e Helena percebeu isso ao observar seu
rosto. A agiotagem era um dos ramos dos Millar, que mantinham um
império com negócios escusos. Helena sabia como conduzir cada
passo das gigantescas operações da família, assim como sabia
exatamente quanto o homem à sua frente havia roubado.
— Posso? – perguntou assim que o pai se deu por satisfeito com
sua tortura psicológica.
— Não deixe vestígios.
Helena anuiu em concordância e pediu que seus homens
pegassem o ladrão. Em completo desespero, o homem ainda tentou
argumentar, mas sabia que havia caído nas mãos da pessoa mais
inumana ali. A mulher morena nunca o ouviria.
Patrício se encostou na cadeira e ficou assistindo a saída da filha
pela porta lateral com os homens. Os gritos foram abafados na sala
à prova de som, que estrategicamente havia pedido que fizessem
ali. Nada mais era como nos velhos tempos. Antes podia dar uma
lição em alguém e ninguém se atreveria a interferir, mas agora, com
câmeras e celulares para todos os lados, essa prática ficava um
pouco complicado: tinham que saber o que fazer e onde fazer.
A concentração do trabalho foi tirada pela secretária, que
informava a chegada de Daniela no escritório. Pediu que ela
entrasse e se levantou para receber a filha com um caloroso abraço.
— O que está fazendo aqui, Dani? Algum problema?
— Não. Estava fazendo compras com Vivian e resolvi dar uma
passada aqui, já que não vi você e nem Helena no café da manhã.
— Fez bem – respondeu Patrício dando a volta na mesa.
Apertou o discreto botão, informando a Helena que ela não deveria
sair por sua sala. – Comprou bastante coisa?
— Um pouco. Ainda faltam alguns itens, mas depois eu compro.
— Está certo. Toma um café comigo?
— Claro. Onde está Helena?
— Resolvendo um assunto de trabalho – Patrício saiu
rapidamente da sala, apenas para pedir café para a secretária. –
Bom, vamos ao prático que ainda não conversamos. O que vai fazer
agora? Está de volta, já deve ter pensado em algo.
— Quero abrir um ateliê de alta costura. Não sei bem como
funciona as coisas por aqui, ainda terei que estudar o mercado, mas
quero trabalhar com moda.
— Está certo. Qualquer investimento que precisar, pode falar
comigo, ou sua mãe e vamos lhe arrumar, não se preocupe.
— Obrigada pai.
Rose levantou da cama, olhando para o homem jogado entre os
lençóis. Consultou o relógio, que já marcava três e meia da tarde.
Por mais que quisesse prolongar a tarde, não queria chegar depois
de Patrício e das filhas. Não podia deixar que notassem o cheiro de
outro homem em seu corpo, principalmente Helena.
— Amanhã vamos voltar pra cá? – perguntou Henrique, também
se vestindo.
— Acredito que sim. Só tenho que ver se Daniela vai querer
fazer algo, o que eu acho meio difícil, mas do contrário, passamos a
tarde aqui – respondeu Rose, envolvendo os braços no pescoço do
amante.
— Você não desistiu da ideia de ir embora comigo, não é? –
perguntou Henrique, beijando seus lábios. – Podemos nos esconder
em algum país da Europa, Patrício nunca nos encontrará lá.
— Não desisti, é claro que não. Só alguns meses, até Daniela se
ajeitar aqui. Depois nós vamos embora. Minhas filhas irão entender.
— E onde você estava hoje?
— Fui dar uma volta para espairecer. Você me levou até o
Museu de arte contemporânea.
— Perfeito! Eu vou sair na frente. Aguarde três minutos.
Rose concordou com um aceno e beijou os lábios de Henrique
novamente, abraçando-o apertado. Assim que ele saiu, terminou de
recolher os brincos e colocar na orelha. Calçou os sapatos e seguiu
para a sala, atrás da bolsa deixada sobre o sofá. Na rua, o
encontrou de frente ao carro, lhe dispensando a atenção devida ao
abrir a porta do veículo.
— Para casa, senhora? – ele perguntou com um sorriso.
— Infelizmente – concordou Rose, pesarosa.
Helena saiu da sala privativa pelo acesso de seu próprio
escritório. Seguiu direto para o banheiro e se limpou, antes de pegar
uma camisa limpa, dentro do pequeno armário que mantinha para
aquelas eventualidades. Ajeitou a peça dentro da calça, antes de
sair para a sala do pai.
— Oi pequena – cumprimentou, assim que viu a irmã
conversando animadamente com o pai. – O que está fazendo aqui
essa hora?
— Vim visitar vocês, ué, parecem tão espantados com isso! –
sorriu Daniela.
— Deve ser porque nunca passamos por isso antes – respondeu
Helena se abaixando para beijar o rosto da irmã. – O problema foi
sanado, pai. Já está tudo certo.
— Ok. Preciso que vá no Guilhermo acertar aquela negociação.
Já vou para casa com Daniela.
— Está certo.
— Você vai chegar para o jantar, não é? – perguntou Daniela
encarando a irmã.
— Não sei, pequena. Isso é trabalho. Até mais tarde.
Helena novamente se inclinou e deu um beijo no rosto de
Daniela antes de sair da sala. Pegou o celular no bolso da calça e
discou para Michelle.
— Está livre hoje? Vou passar aí.
Daniela se encostou contra os travesseiros e olhou através da
grande janela que cobria a parede de seu quarto. Ela estava
parcialmente coberta com cortina, mas conseguia ver, através da
fresta, a noite que ia alta do lado de fora. Depois do jantar com os
pais, e levemente decepcionada com a ausência da irmã, subira
para o quarto, onde havia tirado um cochilo até a meia noite. Depois
de desperta, foi conferir se Helena havia chego e retornou ao
próprio aposento, com o celular na mão, conferindo redes sociais.
O relógio já marcava duas da manhã quando escutou o carro
parar na frente da casa. Esperou ouvir passos no corredor, mas
depois de aguardar por dez minutos, resolveu ir até o quarto de
Helena. A irmã estava no banho e se sentou sobre a cama,
aguardando-a.
— O que está fazendo aqui, pequena? – perguntou Helena
assim que enxergou a irmã.
— Estava esperando você chegar. Sempre chega esses horários
em casa?
— Já tenho Patrício e Rose para me fazer esse tipo de pergunta
– respondeu Helena deixando a toalha de lado para andar até o
closet e pegar uma calcinha e uma camiseta.
— Só me preocupei, Lena – justificou Daniela, parando na
entrada.
— Não se preocupe, eu estou bem.
— Onde você estava?
— Fui resolver um assunto de trabalho, depois jantei com uma
amiga.
— Você é sempre tão misteriosa assim, Lena? – perguntou
Daniela com pesar, indo se sentar sobre a cama da irmã. – Achei
que poderíamos ter uma convivência mais próxima, agora que
voltei.
— Minha pequena, eu não sou o tipo de irmã que você espera
que eu seja – disse Helena, sentando-se de frente à Daniela. – Não
vamos falar sobre namorados, certamente não sei lhe passar o
nome de uma marca de batom, nem lhe orientar sobre a melhor
forma de prender o cabelo. Esse não é meu estilo e nunca será. Me
desculpe por isso, mas não sou o que deseja.
— Ah, Lena, não é isso! Não precisa ser a irmã do ano, mas me
dá um pouco mais de brecha para me aproximar. Hoje tem dois dias
que cheguei e nem conversamos direito!
Helena sorriu para a irmã e a puxou para se encostar contra o
travesseiro. Talvez pudesse relaxar um pouco com ela, afinal, se
tratava de alguém que pouco a conhecia.
Daniela se encostou ao lado de Helena e deixou a cabeça
repousar sobre seu ombro, enquanto fazia delicados carinhos em
seu braço. Sabia que não eram todos os irmãos que se davam bem,
mas queria ser diferente com a irmã: sentia um enorme carinho por
ela, que não sabia explicar, era sua metade, uma continuação de si
mesma, que viera primeiro. Ou talvez fosse o contrário? Sorriu com
o próprio pensamento.
— O que você quer saber? – perguntou Helena virando o rosto
para enxergar os olhos castanhos da irmã.
— Por que só você tem olhos verdes na família? Isso é muito
injusto!
— Sério? – Helena riu. – Os genes do vô Petruchio pularam uma
geração. E seus olhos são lindos! Não é a cor que define beleza.
— Hum, estamos indo bem, já me fez um elogio! Eu tinha um
namorado até três semanas atrás. Seu nome é Nolan,
— Eu gosto desse nome, não sei por quê. Soa como se fosse
reconfortante. Por que vocês terminaram?
— Eu já falei isso no café de ontem. Não gostava mesmo dele. A
verdade é que nunca amei de verdade nenhum dos caras que fiquei.
— E já amou garotas?
— Não, né?! – riu. – Mas já fiquei com uma. Não conta pro pai,
não sei como ele iria reagir.
“Da pior forma possível” pensou Helena.
— Ela era da minha turma – continuou Daniela. – Era uma graça,
mas não deu certo, se mudou para Seatle antes que pudesse
chegar a qualquer conclusão.
— Pode ser só curiosidade, ou bissexualidade.
— Ou posso ser lésbica. Ainda não encontrei a mulher certa – riu
Daniela pegando a mão da irmã.
— Não conte nada para o pai, se for realmente, ou bi. Ele é
extremamente preconceituoso.
— Eu sei. Amo meu pai, mas sei bem disso. Mas me fala de
você. Tem namorado?
— Não. Tenho um relacionamento com o trabalho.
— Ah, para! Se você sempre chega tarde, é porque tem alguém!
Helena sorriu para a irmã e tirou uma mecha de cabelo do seu
rosto. Pensou, por um momento, em Michelle. Ela não era um
relacionamento. Era uma transa só isso.
— Meu último namorado se chamava Marcelo – mentiu, por fim.
– Ficamos juntos por três anos, mas não deu certo. Ele não admitia
que estivesse envolvida com os negócios da família.
— Um idiota – resmungou Daniela escorregando na cama,
puxando a irmã para que pudessem se deitar. – E atualmente?
— Fico com um e com outro. Não mantenho relacionamentos
fixos.
— Posso te falar uma coisa? Não vai ficar brava!
— Fala, depois eu decido.
— Você tem jeito de quem gosta de mulher – Daniela fez uma
caretinha em meio a um sorriso.
— E tem jeito, quem gosta de mulher?
— Tem. Não quero levantar um estereótipo, mas seu jeito de
vestir, sempre de terninho preto e camisa preta, suas unhas sempre
curtas, o jeito que anda, sei lá. Bettany, a garota que fiquei, disse
que dá pra perceber uma lésbica por essas características.
— Você não tem essas características – sorriu Helena se
acomodando e tirando novamente a mecha de cabelo do rosto de
Daniela. – E mesmo assim já ficou com mulher.
— Besteira isso?
— Não sei – suspirou. – Sinceramente nunca pensei sobre isso,
até porque...
— Você não é – cortou Daniela.
— Como foi sua estadia fora? – Helena mudou de assunto.
Helena se concentrou na irmã, focando sua atenção em seu
rosto, demonstrando interesse no que estava falando. Não estava
escutando metade do que Daniela dizia, mas concordava com
onomatopeias. Observou seu rosto ovalado e queixo afilado,
característica dos Millar que ela própria não tinha herdado. Os olhos
castanhos escuros, ornamentados com grandes cílios, os cabelos
em tom de chocolate, com luzes no comprimento. Não tinha dúvidas
da mulher bonita que a irmã tinha se tornado. Um corpo bem
desenhado, seios médios revelados no decote do penhoar que ela
usava e os quadris arredondados, demarcados com o fino tecido.
Suspirou fundo, parando com suas observações. Não era o tipo de
coisa que podia observar na própria irmã, eram atributos que
sempre via em mulheres que queria levar para a cama, não sua
pequena.
— Acho que já é hora de dormimos – falou Helena, assim que
Daniela terminou sua narrativa. – Já é quase quatro da manhã.
— Já?! Nossa, nem percebi o tempo passando! – sorriu Daniela
levantando-se. Tirou o robe, revelando a Helena tudo o que já tinha
observado por cima do tecido. A irmã usava apenas uma pequena
calcinha.
— O que você está fazendo? – perguntou Helena confusa.
— Me arrumando para dormir.
— No seu quarto, né, pequena. Não gosto de dormir com
ninguém.
— Como você é chata, Lena! Jesus! Boa noite!
— Boa noite!
— Ah, tem outra coisa: falei com Vivian hoje, tem uma festa,
Black and White acontecendo em uma balada, não sei qual. Pedi
dois convites pra gente.
— Eu não vou. Não gosto de baladas.
— Tenho minhas dúvidas que goste de você mesma! Boa noite,
Lena!
Helena sorriu ao ver a irmã, irritada, pegar o robe e sair do
quarto. Se jogou contra o travesseiro, mirando o teto. A imagem de
Daniela permaneceu na cabeça e tentou, de todas as formas,
afastá-la de seus pensamentos. Era impuro que enxergasse, na
própria irmã, os atributos que desejava em outras mulheres.
Capítulo 03
Helena entrou na sala, onde o café da manhã estava servido, já
enxergando a família reunida. Deu um baixo bom dia e se sentou no
seu lugar, pegando uma xicara para colocar café. Evitou olhar para
Daniela, pois tivera uma noite atribulada depois que a irmã saíra do
quarto. Conseguiu pegar no sono, mas teve um sonho erótico com
ela, amando-a com intensidade, enroscadas sob o lençol de sua
cama. A face ruborizou por ainda estar com as imagens daquele
sonho, tão nítido, frescas na memória, como se tivesse acontecido
minutos antes, como se fosse real.
— O que vai fazer hoje, Dani? – escutou o pai perguntando.
— Hoje tem uma festa que vou com Vivian. É em uma balada.
— Vai só vocês duas? – perguntou Rose.
— Sim. Eu chamei Lena, mas ela não curte festas, não é?
Helena levantou os olhos do prato para enxergar os pais e a irmã
encarando-a.
— Não gosto de baladas. Muito barulho, bêbados e caras
folgados.
— Por isso que você vai – respondeu Patrício. – Você não vai
deixar sua irmã sozinha em um lugar como esse.
— É só ela não ir – deu ombros.
— Você vai, Helena. Que horas é a festa, Dani?
— Não, pai, se ela não quer ir, não vale a pena forçar. Ficar com
alguém de bico atrás de mim também não quero.
— Helena parece uma velha – sorriu Rose. – Você vai se divertir,
filha.
— Tudo bem, eu vou. Qual o horário da festa?
— À meia noite. Tem que descansar um pouco antes para que
tenha pique para uma noite inteira comigo – Daniela respondeu,
feliz.
— Eu vou ficar bem – respondeu Helena se levantando da mesa,
sem terminar o café. – Espero o senhor lá fora.
— Come direito, Lena! – ralhou Rose. – Nem terminou de tomar
seu café!
— Estou bem, mãe – respondeu se abaixando para dar um beijo
em sua cabeça. – Até mais tarde, pequena.
Daniela observou a irmã se afastar, até sumir do seu ponto de
vista. Voltou a se concentrar no café da manhã, mas a mente
começou a planejar a noite que teriam. Vivian iria com o namorado e
se encontrariam na frente da casa noturna. Torcia para que ela não
tivesse esquecido dos ingressos. “E se ela esqueceu?” pensou.
Pegou o celular e mandou uma mensagem para o número da prima,
confirmando a festa e a ida de Helena, para total surpresa de Vivian.
— Você vai fazer alguma coisa durante o dia, Dani? – perguntou
Rose, passando naturalidade na pergunta.
— Vou no salão na parte da tarde, quero fazer o cabelo, as
unhas. Acho que vou com Vivian. Vou esperar ela me responder. A
senhora vai fazer alguma coisa? Podia ir com a gente.
— Quero ir visitar uma amiga, do clube de leitura. Ela não está
passando por um momento muito bom.
— Bom, decidam o dia de vocês – se pronunciou Patrício. – Eu
vou para o escritório e volto só a noite. Qualquer coisa vocês me
encontram no celular. Ou Helena. Tenham um bom dia.
— Bom dia, pai.
Rose esperou que o marido tivesse saído, antes de se virar para
a filha, que brincava com os farelos de pão no prato, pensativa.
— Algum problema, Dani?
— Não. Helena sempre foi assim? Meia distante de todo mundo?
— Sim, é que não se lembra, mas desde pequena ela sempre foi
quietinha.
— Ela é misteriosa – sorriu Daniela. – Ontem conversamos
quando ela chegou. Ela me falou do Marcelo, o último cara que
namorou. Vocês conheceram ele?
Rose olhou demoradamente para a filha, antes de dar um
sorriso.
— Sim. Não era o homem certo para ela.
— Ela me disse. Ele queria que ela se afastasse dos negócios
da família.
— Sim. O escritório é a vida dela.
— Eu sei que ela não advoga. Sei que os negócios da família
são... Um tanto... Diferentes.
— E é melhor não se envolver nisso. Seu pai quer que mantenha
distância do escritório.
— Foi uma escolha de Helena participar?
— Não. Seu pai treinou ela desde pequena, digamos que foi
para substituir um funcionário que ele teve antes dela.
— Como assim?
— Nada com que se preocupar, meu amor. Você vai sair que
horas?
— Estou esperando Vivian responder.
— Ok. Quando falar com ela, diga para avisar Lilian que vou
encontrá-la amanhã para visitarmos sua avó.
— Tudo bem – assentiu Daniela, vendo a mãe se afastar.
Voltou a se concentrar no aparelho e sorriu assim que viu a
resposta da prima, confirmando a festa.
Patrício saiu da casa e já enxergou Helena ao lado dos
seguranças, conversando animadamente. Chamou Henrique, um
dos seus homens de mais confiança e segurança da sua esposa,
para uma conversa reservada em um canto.
— Pois não, senhor Millar – assentiu, seguindo-o.
— Minha esposa parece dispersa nos últimos dias – falou
Patrício, chutando uma folha seca no chão. – Sabe me dizer se ela
tem feito algo fora do comum?
— Não que eu tenha percebido, senhor. Ela sempre me pede
para levá-la aos lugares, encontrar amigas ou ver alguma
exposição.
— Acho que tem algo preocupando-a. Fique de olho por mim,
ok?
— Sim, senhor.
Patrício deu um leve tapa no braço do segurança, antes de voltar
para o lugar onde Helena o aguardava. Entrou no carro e a filha se
sentou ao seu lado, logo em seguida. Durante todo o trajeto para o
escritório foram discutindo o que seria feito naquele dia: não era
muita coisa, uma vez que todo o serviço da semana estava em
ordem e não havia surgido nada na noite anterior.
Helena se despediu do pai assim que saiu do elevador e tomou o
rumo da própria sala. Tirou o casaco do terninho e jogou sobre o
sofá, que ornamentava o ambiente, antes de ir até a mesa e pedir
que a secretária lhe providenciasse café. Sentou-se na cadeira e se
virou para a paisagem que tinha da cidade. O sol já ia alto,
banhando os prédios a perder de vista. A mente voltou para Daniela.
Como não tinha tido um relacionamento estreito com a irmã, tinha
ficado impressionada com a mulher que tinha voltado. Obvio que
não podia vê-la além do que sua pequena irmã. Era abominável
qualquer coisa além disso. Só que, diferente das suas convicções, o
sonho, que não conseguia classificar como pesadelo, não saia de
sua cabeça.
— É só cansaço – suspirou. – Foco.
Simoni entrou com o seu pedido e se concentrou na xicara
fumegante e na tela do computador. Durante uma boa parte da
manhã, sua atenção permaneceu no trabalho.
— Preciso de um favor – pediu para Simoni. – Compre uma
camisa branca pra mim, sem nenhum adereço.
— Sim senhora.
Rose desceu as escadas da casa, olhando ao redor, procurando
por algum funcionário. Daniela já havia saído para encontrar a prima
e só voltaria a noite. De Helena e Patrício já conhecia a rotina:
Patrício iria para um jogo de cartas com os amigos e prostitutas, e
Helena voltaria somente de madrugada.
Na frente da casa, Henrique já a esperava ao lado do seu carro.
Deu um discreto sorriso na sua direção, antes de se acomodar no
banco traseiro.
— Para onde, madame? – ele perguntou encarando-a através do
retrovisor.
— Para o paraíso – sussurrou em resposta.
Henrique deu partida e saiu, guiando em direção ao seu
apartamento. Assim que chegaram, Rose o acompanhou até o
andar e antes mesmo que ele fechasse a porta de casa, já estava
em seus braços.
— Temos que tomar cuidado – falou Henrique ao beijar Rose.
— Algum problema?
— Patrício veio me dizer que está muito dispersa, perguntou se
tem feito algo diferente.
— Será que ele está desconfiado de alguma coisa? – perguntou
Rose com uma leve preocupação.
— Provavelmente. Tenha cuidado, não deixe que ele perceba
nada.
— Fique tranquilo, Patrício só se preocupa com o próprio
umbigo.
— Me preocupo com você. Se ele desconfiar de algo é perigoso
pra você. E se ele conta para Helena, ela descobre qualquer coisa.
— Helena vai vim falar comigo. Conheço a filha que tenho.
— Tem certeza?
— Vamos ficar de olho. Não é bom arriscarmos demais. Posso
conhecer Helena, mas também conheço Patrício. Ele é capaz de
muita coisa por bem menos que isso.
— Eu te espero o tempo que for necessário.
Rose sorriu em resposta e tornou a beijar Henrique, tomaram a
direção do quarto e se amaram, uma despedida momentânea. O
tempo de ficarem juntos estava chegando e não podia arriscar: se
Patrício descobrisse, era certeza que morreria junto com o amante.

Helena chegou em casa quando o relógio já marcava cinco


horas da tarde. Procurou pela mãe e irmã, mas ambas estavam
fora, informação passada por um segurança. Seguiu para a cozinha
e, depois, a área dos funcionários, onde encontrou Joanna na sala
de descanso, assistindo televisão.
— Ué, já em casa? – a governanta ficou surpresa.
— Hoje tem uma festa que Dani está me fazendo ir. Quero lhe
pedir um favor: pede pra uma das meninas lavar e passar essa
camisa pra mim?
— Claro – concordou Joanna, pegando o pacote que lhe era
estendido.
— Pra onde minha mãe foi?
— Visitar uma amiga que está com algum problema. Logo ela
chega.
— Eu vou para o meu quarto descansar um pouco. Qualquer
coisa é só me chamar.
— Pode deixar. Quer algo para comer? Um lanche, um suco?
— Não, obrigada.
— Estou percebendo que não tem se alimentado bem, Lena.
Você tem que que comer melhor!
Helena sorriu para a mulher, antes de se abaixar e dar um
afetuoso beijo em seus cabelos.
— Estou bem mesmo, sem nenhuma fome. Mais tarde, prometo
que vou jantar bem.
Joanna observou Helena sair da sala e deu um discreto sorriso.
Havia criado Helena desde que ela era apenas um bebê e tinha um
carinho de filha pela mulher independente e bem resolvida que ela
havia se tornado. Se lembrava bem de como ela era, quando
criança. Um bebê que chorava a todo tempo com Rose, mas que
bastava pegá-la para que ficasse calma. No começo havia cogitado
que o fato da mãe não ter leite, era o que a irritava, mas depois da
confidência de sua patroa sob a origem de Helena, entendeu a
pequena e fez de tudo para que ela ficasse o mais confortável
possível.
Helena alcançou a sala principal da casa e de imediato enxergou
a mãe entrando pela porta. Ela possuía um leve sorriso no rosto que
foi escondido imediatamente, assim que a viu.
— Chegou mais cedo, Helena?
— Sim – respondeu se aproximando, percebendo a fuga da mãe
para outro lado do cômodo. – Tem a festa da Dani, que vocês me
fizeram acompanhá-la. Onde estava, mãe?
— Na casa de uma amiga – Rose sentou-se no confortável sofá.
– Seu pai já veio também?
— Não, ele ficou no escritório – explicou indo para o lado da
mãe. – Eu vou descansar um pouco, quando Daniela chegar, não
deixa ela ir para o meu quarto.
— Por quê? – perguntou Rose, incomodada com a proximidade
da filha.
— Porque eu quero dormir. Desço para o jantar – finalizou
Helena dando um beijo nos cabelos da mãe.
A morena se afastou para as escadas com o instinto martelando
na cabeça: o cheiro que sua mãe exalava era de homem e não era
do seu pai. O nervosismo que tentou esconder ao vê-la mais cedo
em casa. “Um amante” conjecturou. “Isso não é um problema seu”
pensou, em seguida. Seu problema daquele dia, e que tinha que se
concentrar, era aguentar uma balada a noite toda com Daniela.
Helena despertou com uma batida em seu quarto. Esfregou os
olhos, e pegou o celular ao lado da cama, conferindo as horas. Nove
e meia da noite.
— Entra.
Esperou um segundo para ver a irmã aparecer na porta.
— A mãe pediu para te acordar. O jantar já está servido.
— Já vou descer.
— Você não está com cara de quem vai aguentar a noite toda
em uma balada – riu Daniela se aproximando da cama e pulando
em cima da irmã. – Um pouco mais de ânimo!
— Ai, Dani! – reclamou Helena. – Caralho! Não me lembrava que
ter uma irmã caçula fosse tão irritante!
— Você me ama, eu sei – respondeu Daniela girando na cama.
Os olhos foram puxados para uma arma automática na mesa de
cabeceira. – Pra que isso, Lena?
— Para minha segurança. Não mexe – respondeu Helena ao ver
a irmã esticar a mão.
— Não vai levar isso para a festa hoje.
— Não vou precisar. Eu te encontro lá embaixo.
— Estou te esperando.
Helena esperou que a irmã saísse do quarto, antes de se
levantar. Seguiu para o banheiro e, depois, escadas. A mãe e a irmã
estavam em uma conversa animada e se acomodou em seu lugar
em silêncio. Jantou rapidamente antes de avisar que iria subir para
se arrumar.
Já era onze e meia, quando olhou para o relógio pela milésima
vez. Já estava pronta bem antes que Daniela, mas a irmã ainda se
dedicava a arrumar qualquer coisa com vestido e maquiagem.
Suspirou fundo e estava a caminho de colocar outra dose de uísque
quando a viu descer a escada.
— Já estou pronta. Desculpe a demora – sorriu Daniela.
Helena se manteve calada, observando a mulher à sua frente.
Ela usava um vestido branco, de alcinhas, realçando as curvas do
seu corpo. Desviou os olhos da irmã e balançou a cabeça em
sentido negativo ao pegar mais bebida.
— Esse vestido não ficou bom? – perguntou Daniela alisando o
tecido colado no corpo.
— Você está linda. Estou pensando no trabalho que vou ter em
deixar caras folgados longe de você – sorriu Helena.
— Obrigada! Você devia ir com uma roupa menos sisuda.
Parece que está indo em uma reunião de negócios com esse
terninho.
— Se achar ruim, podemos ficar em casa.
— Não, vamos. Vivian já está nos esperando na frente da Anezi.
Helena concordou com um aceno e terminou de virar a bebida.
Seguiu ao seu lado para fora, onde o carro já estava esperando.
— Eu vou dirigir – informou ao homem que as aguardava. –
Fique atento ao celular, qualquer coisa eu ligo.
— Sim, senhora.
Helena tomou a direção do carro, enquanto Daniela se sentava
ao seu lado. Durante todo o caminho foi escutando a irmã narrar o
tempo na faculdade e amigos que havia deixado lá. Fez um esforço
hercúleo para não olhar para o seu decote, mas parecia um imã. “Eu
preciso parar com isso” pensou em meio a um suspiro. Tinha
consciência de que não podia nem listar quantas coisas erradas
cabiam naqueles pensamentos estranhos que tinha em relação à
Daniela.
Na frente da casa noturna encontrou Vivian, prima que não via
há alguns meses. Cumprimentou ela e seu namorado, que
trabalhava em um braço das operações da família, mas não tinham
um contato direto.
— Que surpresa te ver em uma balada, Helena! – exclamou a
prima com genuína surpresa. Não tinha acreditado em Daniela
quando disse que levaria a irmã. – Como vai tia Rose e tio Patrício?
— Estão bem, obrigada. Você é Fabrício, trabalha com o tio
Peter, não é?
— Isso mesmo. Faço parte de uma pequena operação.
— Alguém para conversar, se a música permitir.
— Para com isso, Helena – ralhou Daniela. – Não vai passar a
noite inteira reclamando, não é?
— Não. Vamos entrar?
— Temos que pegar a fila. Acho que já está virando o quarteirão
– explicou Vivian.
Helena apenas sorriu para a prima e pegou a mão de Daniela,
puxando-a delicadamente para a entrada. Cumprimentou os
seguranças, que logo liberaram a entrada do grupo.
— Ah, vem me dizer que você frequenta aqui?! – espantou a
irmã.
— Não, mantenho negócios aqui.
Daniela encarou os olhos verdes da irmã. Ponderou que era
melhor nem saber do que se tratava os negócios que ela mantinha
ali.
— Ok. Bom, vamos à diversão!
Helena coçou a cabeça e ficou observando enquanto a irmã e a
prima tiravam selfies no hall de entrada. Se recusou em tirar fotos e
as acompanhou para a pista principal que já estava lotada de
pessoas que dançavam sob o som frenético que saia das pick’ups
do dj. Se sentiu completamente deslocada e a primeira coisa que
fez foi conferir a hora e calcular, mentalmente, quanto tempo teria
que aguentar aquele inferninho.
— Vou pegar bebida – falou no ouvido de Daniela.
Daniela assentiu e ficou olhando para onde Helena ia. Ela se
encostou no balcão e cumprimentou o barman, que lhe serviu um
drinque. Questionou Fabrício sobre o trabalho que ela fazia ali, mas
ele também não sabia. Possivelmente era um dos pontos de
lavagem de dinheiro da família. Não era inocente a ponto de não
entender que a relação comercial era escusa.
Voltou a se concentrar na pista de dança, mas seus olhos
sempre verificaram se Helena ainda estava no mesmo lugar. Viu a
irmã conversando com uma mulher, que não fazia ideia de quem era
e ficou prestando atenção nas duas. O jeito como a irmã sorria para
ela e tocava seu braço, em uma leve carícia, a incomodou mais do
que julgou. Ficou boquiaberta quando viu Helena indicar o banheiro
e sair do bar, segurando a mão da loira.
— Já venho – falou para a prima e o rapaz com quem dançava.
Seguiu rapidamente para o lugar onde tinha visto elas irem e
parou, assim que as viu encostadas contra uma parede e a irmã
beijando-a com evidente desejo. Se aproximou sentindo as faces
queimarem.
— Vai usar o banheiro, Helena? – perguntou tocando o braço da
irmã.
Helena se afastou da loira e se virou para Daniela, que mantinha
os braços cruzados na frente do corpo e praticamente fuzilava a
mulher com o olhar.
— Não. Você vai?
— É sua namorada? – perguntou a loira. – Ela me disse que
não...
— Sou irmã dela – respondeu Daniela pouco cortês.
— Ah, irmã mais nova com ciúmes da irmã mais velha? –
deduziu a mulher com um sorriso.
— Mais ou menos isso – concordou Helena. – Foi bom te
conhecer.
— Digo o mesmo. Depois eu te dou meu telefone... E o que mais
quiser.
A mulher se afastou com uma piscadinha e Daniela continuou
encarando a irmã, com as faces rubras de raiva.
— Não é, né? Imagina se fosse!
— É só diversão, Dani.
— Você mentiu pra mim! Você disse que nunca tinha ficado com
mulher!
— Que diferença isso faz? É só um beijo. Não vem bancar a
irmã ciumenta, ok?
— Você podia ter me contado, né? Poxa! Será que tudo eu tenho
que arrancar de você?!
— Relaxa, pequena! Já te disse que não vou ser a irmã do ano.
Vamos ter que construir nossa convivência.
— Eu sei que não tivemos uma convivência como todo mundo,
mas me ajuda um pouco, ok?
— Ok, pequena – sorriu Helena. – Já lhe digo, irmãzinha, você
acabou com a minha diversão da noite!
— Ai, aquela loira sem graça?! Me poupe, Lena! Vai atrás dela
de novo.
— Com você na minha cola? Nem pensar. Vamos voltar pra
pista. Vai usar o banheiro ou só veio me vigiar mesmo?
— Só te vigiar.
Helena sorriu para a irmã e pegou sua mão, voltando juntas para
a pista de dança. Ficou junto com o grupo, sempre com um copo de
bebida abastecido. Daniela ficou lhe despejando atenções,
queimando qualquer possibilidade de uma paquera com outra
mulher. Sentiu-se retesar quando Daniela passou a dançar contra
seu corpo, acompanhando a sensualidade das batidas da música.
Inconscientemente passou a mão por sua cintura, deixando-a mais
próximo.
— Hum, até que você dança bem – sussurrou Daniela no seu
ouvido, ao passar os braços por seu pescoço. – Achei que era uma
porta também.
— Tenho muitas habilidades, Dani – sorriu como resposta.
— E vai me mostrar quais são?
Helena perscrutou todo o rosto de Daniela, antes de se
concentrar em seus olhos. Por um segundo pode ver um vestígio de
desejo neles. Balançou a cabeça, afastando o pensamento e a irmã
girou em seus braços, continuando a dançar. Decidiu se afastar
quando o corpo começou a ter reações confusas, ao sentir seu
quadril encaixado no seu corpo, rebolando lentamente.
— Eu vou embora – anunciou. – Fabrício, você leva Dani para
casa?
— Já? Mas ainda são três da manhã! Espera um pouquinho,
vai?! – pediu Dani com voz manhosa.
— Eu...
— Qual é, Helena?! – emendou Vivian. – Fica mais um pouco.
Helena concordou sob os apelos e mirou os olhos da irmã.
— Vou ficar no bar.
A morena intentou ir para o local mencionado, mas enxergou a
loira, com quem tinha ficado, sorrindo na sua direção. Mudou a rota
e foi falar com ela, puxando-a, em seguida, para o banheiro sob o
olhar da irmã. Dentro do reservado, entre beijos lascivos, subiu seu
vestido e a mão afastou a calcinha para o lado, penetrando-a em
seguida. Tentaram abafar os gemidos com as bocas, mas, mesmo
assim, Daniela, parada do lado de fora do reservado, escutou o
barulho que Helena fazia. Mordeu o lábio inferior e entrou no
reservado ao lado, encostando contra a fina parede que separava
os cubículos. Não conseguiu deixar de ficar excitada ao pensar no
que estava acontecendo ao lado. Suspirou fundo quando o barulho
de sexo acabou, restando apenas risinhos. Acompanhou a
movimentação e pelo som e identificou quando saíram de volta a
pista. Abriu o reservado e parou na frente do espelho, encarando os
próprios olhos. Se não fossem castanhos escuros, conseguiria ver,
com clareza, a pupila dilatada de tesão.
“O que está acontecendo comigo?” Se perguntou.
Capítulo 04
O caminho de volta a casa foi silencioso. Helena agradeceu em
pensamentos o fato de a irmã não querer entabular nenhuma
conversa. Percebia o tanto que ela estava distraída, imersa em
algum pensamento que não fez questão de saber. Já em casa,
Daniela desceu do carro e entrou na propriedade, sem esperá-la.
— Tudo certo por aqui? – perguntou para o segurança que fora
buscar o carro.
— Sim, senhora.
— Amanhã vou sair só na parte da tarde. Diga para não
trazerem meu carro para a frente.
— Pode deixar.
Helena se despediu do segurança e entrou na casa.
Aparentemente Daniela já havia subido para o seu quarto e seguiu
para a cozinha, atrás de algo para comer. Assim que abriu a
geladeira, escutou o barulho da funcionária que ficava acordada
durante o período da noite.
— Boa noite, Helena. Joanna deixou um lanche preparado para
você e Daniela. Quer comer agora?
— Boa noite, Josie. Quero sim, obrigada. Meus pais estão em
casa?
— Sim, senhora. Estão dormindo.
— Obrigada. Você leva para o meu quarto?
— Sim. Em vinte minutos.
— Obrigada.
Helena saiu da cozinha e subiu as escadas, em direção ao
próprio aposento, mas, ao passar pela porta de Daniela, ficou
curiosa com o súbito silêncio da irmã. Certamente era por causa da
garota com quem tinha ficado. Suspirou fundo, antes de bater na
sua porta. Tinha que amenizar a situação para que ela não
reclamasse com o pai, o que poderia gerar uma confusão
desnecessária.
— Entra – ouviu a autorização.
Helena entrou no quarto e fechou a madeira atrás de si. Daniela
já havia se livrado do vestido e usava um roupão, enquanto passava
um algodão no rosto, tirando a maquiagem.
— O que foi, pequena? – perguntou indo se sentar em uma
poltrona.
— Não sei, Helena – Daniela foi sincera. – Eu fiquei morrendo de
ódio quando vi você com aquela loira lambisgoia! Como se não
bastasse, ainda transou com ela em um banheiro de balada!
— Como você sabe que eu transei com ela?
— Eu... Eu fui atrás de vocês – assumiu com a voz sumindo.
Helena deu um sorriso, observando as faces avermelhadas da
irmã.
— Você está com ciúmes, por isso que está assim – esclareceu
Helena. – Como disse a mulher que fiquei: ciúmes de irmã mais
nova.
— Você vai ver ela de novo?
— Foi uma transa de balada, pequena. Não sei nem o nome
dela.
— Isso é promiscuidade!
— Não. Isso é uma mulher livre e desimpedida, de trinta anos
com vontade de transar com alguém. Não tem problema nenhum
nisso – respondeu Helena seguindo Daniela para o banheiro. – Eu
não sei bem como lidar com isso, mas acho que não precisa ter
ciúmes de mim, não é?
— Fiquei com vontade de te dar uns tapas! – assumiu com um
sorriso. – É estranho te ver com outra mulher, sei lá.
— Isso é preconceito? Se fosse com um homem seria diferente?
— Não, nada disso. Mesmo se fosse com um homem... –
suspirou dando ombros. – Não quero te ver com ninguém.
— Definitivamente temos que aprender a ser irmãs – riu Helena.
– Fato que vou sair com outras pessoas, assim como você.
— Eu sei, é que... Ah, sei lá! Foi estranho. Muito estranho. E teve
algo mais estranho...
— O que foi?
— Deixa quieto – desconversou encarando Helena. – Vem tomar
um banho? – finalizou tirando o roupão, revelando a pequena
lingerie.
— Eu vou tomar um banho no meu quarto – respondeu, tentando
em vão, controlar os olhos que desceram para o corpo de Daniela. –
Josie está trazendo um lanche para nós. Eu vou pedir que ela traga
para o seu quarto.
— Eu vou pegar no seu. Daqui a pouco eu vou lá.
Helena apenas assentiu com um aceno e saiu do quarto. Entrou
no seu aposento e se encostou contra a madeira da porta, passando
a mão no cabelo. “Talvez seja a hora de voltar a ocupar meu
apartamento” conjecturou.
O banho foi rápido. Manteve a temperatura da água quase fria e
se enfiou embaixo na ducha, lavando-se desde o corpo até seus
pensamentos. Ouviu a voz de Josie informando que o lanche já
estava servido e agradeceu, antes de escutá-la sair. Secou-se e
colocou uma regata e uma bermuda de algodão para dormir. Assim
que entrou no quarto, já enxergou Daniela sentada à pequena
mesa, esperando-a.
— Estava pensando, quero fazer alguma coisa aqui no domingo.
Chamar Vivian e algumas pessoas. Preciso me ressocializar.
— Acho que o pai não fará objeções – respondeu Helena indo se
sentar próxima à irmã. – É bom que tenha amigos, assim não vai
ficar um grude comigo.
— Sua besta! Não sou um grude! Só quero ter mais convivência
com você! É pedir muito?
— Eu sou lésbica – falou Helena encarando a irmã. – É uma
coisa que deixo em segundo plano porque a mãe e o pai reagiram
muito mal quando eu contei.
— Eles sabem?! – espantou Daniela.
— Sim. Lembra quando fui pra Europa? Você tinha sete anos e
eu quatorze. Eu tinha uma namorada na época, Kelly. O pai me
mandou para longe para não ficar com ela. Por isso que não falo
com ninguém sobre isso. Não comente você também.
— É claro, não vou falar nada. Mas, e o Marcelo?
— É uma mentira boba que inventamos para quem fica
perguntando demais – sorriu. – Eu não deixo de ficar com as
garotas que quero, mas esse assunto é um tabu aqui dentro.
— Guarde o meu segredo e eu guardarei o seu. Estou feliz por
esse avanço. Me conte sobre ela.
Helena passou a narrar o namoro que havia tido com Kelly e
eventuais ficantes, enquanto comiam. Depois de um tempo se
acomodaram na cama, e o amanhecer começou a despertar a
cidade. Daniela se aconchegou contra os travesseiros e Helena,
sem coragem de acordá-la, também resvalou para o sono profundo.
Daniela acordou primeiro, observando o quarto onde estava.
Abriu um sorriso ao constatar que havia adormecido na cama de
Helena. Tentou se virar na cama, mas sentiu o braço que envolvia
sua cintura e o corpo atrás do seu. Se mexeu devagar, colando os
corpos e fechou os olhos ao sentir-se excitada, quando sua bunda
se encaixou em Helena. Automaticamente a mente trouxe a
lembrança dos gemidos escutados na noite anterior, quando ela
estava transando com a mulher. Se mexeu devagar, se esfregando
contra ela. A respiração ficou alterada e um resquício de razão
trouxe a luz do que estava fazendo: estava extremamente excitada
com sua irmã. Parou de movimentar o quadril e abriu os olhos,
suspirando fundo, tentando conter o corpo. Por mais que a razão
martelasse em sua cabeça que era extremamente errado, a
emoção, naquele momento dominado completamente pelo tesão,
falava o contrário. Tornou a grudar o quadril na irmã e a própria mão
desceu para o sexo.
Helena havia despertado com o movimento de Daniela, mas
permaneceu quieta, fingindo que dormia, enquanto controlava seu
corpo e respiração. Ficou extremamente acesa ao perceber que
Daniela estava se tocando, roçando em seu braço enquanto fazia
isso. Desistiu de fingir quando sua vontade tomou vida própria e o
braço apertou mais Daniela contra seu corpo. A irmã pareceu
surpresa, mas enfiou a cabeça nos seus cabelos e a mente entrou
em pane, quando começou a se mexer, acompanhando seus
movimentos, instigando-a a continuar. Enfiou a coxa no meio das
suas pernas e logo sentiu Daniela rebolando contra ela. A mão que
envolvia sua cintura desceu para o quadril e a prendeu contra seu
corpo, enquanto se virava, se debruçando parcialmente sobre ela. A
mão livre afastou o cabelo do seu pescoço e os lábios encontraram
a pele com cheiro de hidratante de pêssego.
Daniela deu um baixo gemido, abafado contra o travesseiro,
rebolando mais intensamente na perna de Helena. O corpo atrás do
seu acompanhava o ritmo que impunha e a boca, grudada na sua
pele, deu um leve beijo, fazendo com que se arrepiasse inteira. A
mão voltou a entrar dentro do pijama e tornou a tocar o clitóris
inchado de tesão. Tirou a mão e pegou a de Helena, conduzindo
para dentro do short.
Helena saiu da cama em um pulo, antes que Daniela
conseguisse colocar sua mão em seu sexo. Ficou observando a
irmã que passava a mão no rosto, respirando fundo.
— Isso é errado – falou Helena tensa. – Muito, muito errado!
— É claro que é errado! – concordou Daniela saindo da cama
também. – Você é minha irmã, eu... Eu não posso ficar tão excitada
com você desse jeito, eu...
— Isso nunca aconteceu.
— Foi só uma travessura de irmãs – concordou Daniela. – Isso
nunca aconteceu.
Helena ficou em silêncio, observando Daniela sair do quarto.
Andou de um lado para o outro, pensando no que tinha acabado de
fazer. Não conseguiu encontrar nenhum adjetivo para aquilo. Era
nojento e repugnante que tivesse tocado sua própria irmã com
desejo de mulher, repetia para si mesma. Era repulsivo, mas seu
corpo, ainda fervendo de tesão, não via isso. Seguiu para o
banheiro e entrou embaixo do chuveiro, ainda vestida, esperando
que a água gelada levasse aqueles desejos embora.
No quarto ao lado, Daniela passou o trinco na porta e foi para a
própria cama, entrando embaixo dos lençóis. Tirou o short do pijama
e tocou o sexo, ainda ensopado de tesão. Ainda sentia o calor de
Helena contra seu corpo, sua respiração no seu pescoço. Se
masturbou pensando nela, querendo ela ali, naquele momento.
Daniela suspirou fundo e saiu da cama, parando na frente de um
espelho, encarando seus próprios olhos. Vários pensamentos
passaram por sua cabeça, mas em nenhum deles se sentiu suja.
A casa estava deserta, quando Helena desceu. O relógio já
marcava duas horas da tarde e, segundo informação passada por
Joanna, sua mãe tinha saído com seu pai para visitar sua avó. Sua
antiga babá também informou que Daniela continuava dormindo,
mas essa parte tratou de ignorar.
— Eu não vou voltar para casa hoje. Não precisa se preocupar
comigo – falou dando um beijo nos cabelos de Joanna.
Saiu da casa e pediu que um dos seguranças fosse buscar seu
carro. Enquanto esperava, viu Henrique, segurança de sua mãe,
conversando com um dos seguranças da casa. Se aproximou
intentando saber sobre o comportamento estranho da mãe, no dia
anterior.
— Oi Henrique – cumprimentou. No momento em que se
aproximou, a memória olfativa trouxe o perfume que sua mãe
exalava no dia anterior.
— Pois não, senhora.
Helena o encarou por um longo segundo. Podia estar errada.
Henrique não era amante de sua mãe.
— Avise minha mãe, quando chegar, que ficarei o restante do
final de semana fora. Qualquer problema de suma importância, ela
me encontra no celular.
— Sim, senhora.
Helena ainda manteve o olhar por mais um segundo que o
necessário, antes de se afastar para o carro que acabava de chegar.
Dispensou seu segurança e, antes de sair, conferiu a arma que
mantinha guardada rente ao banco. Precisava espairecer longe dali.
Da casa dos pais guiou para um sítio, que mantinha em segredo
da família, no interior. Avisou o casal de caseiros que estava a
caminho, para que deixassem tudo pronto para sua chegada. Já
fazia dois anos que possuía aquele lugar e era sempre para lá que
ia, quando precisava limpar a mente. Naquele momento, sua
perturbação tinha nome e sobrenome, Daniela Millar, sua irmã.
Helena suspirou fundo, mantendo o olhar fixo na estrada a sua
frente. Tinha poucas lembranças de Daniela, quando eram crianças.
Se lembrava da mãe carregando-a dentro de casa, Joanna dizendo
que seu amor não ia mudar por causa da chegada da irmã. Com
cinco anos o pai já passou a moldá-la para trabalhar no escritório:
depois do colégio regular passou a ter aulas de idiomas e lutas.
Helena não gostava daquilo, queria ir para casa assistir tevê ou
brincar como qualquer criança, mas o pai sempre falava que era sua
responsabilidade manter o escritório funcionando e para isso,
precisava aprender de pequena. Não fora uma e nem duas vezes
que pensara que não passava de uma funcionária do pai, alguém
que ele estava moldando para ser sua imagem e semelhança.
Durante o período da infância, enquanto estivera afundada em
estudos, Daniela era cuidada como uma princesinha. Não sentia
ciúmes ou inveja do cuidado diferenciado que os pais dispensavam
a ela: era indiferente a isso, pois a diferença de idade de sete anos
não lhes permitia ter qualquer afinidade. Ao entrar na pré-
adolescência, já considerou Daniela muito criança e fútil: enquanto
ela já falava dois idiomas diferentes e arranhava em um terceiro, a
irmã queria saber de bonecas. Quando passou a ter um professor
particular para lhe ensinar técnicas de domínio das emoções e
psicologia, com treze anos, a irmã, com seis, estava sendo coberta
por Rose com brinquedos e uma infinidade de mimos. Sempre
chegava à conclusão de que havia sido criada para ser o general no
castelo de seu pai. Daniela, era a princesa do palácio.
Helena parou o carro na entrada da casa no sítio e logo o filho
do casal de caseiros apareceu, correndo ao lado de um pequeno
cachorro. Se abaixou e o pegou no colo, recebendo nas pernas os
pulos do pequeno virá-latas.
— Como você está, rapazinho? – perguntou, beijando seu rosto.
— Com fome! A mãe ta fazendo bolo! – comemorou, feliz.
— Hum! Acho que vai ficar uma delícia!
— Eu vou pegar a bacia – disse, balançando o corpo para baixo,
para sair dos braços de Helena.
A morena o soltou e fez carinho no pequeno cachorro, que saiu
correndo ao lado da criança. Na sequência, um homem de
aproximadamente trinta e cinco anos, apareceu para recebê-la.
— Para de correr, João Vitor! – gritou para o filho. – Bem-vinda,
Helena. Fez boa viagem?
— Fiz sim, obrigada. Vou ficar aqui até segunda, de madrugada.
Por aqui está tudo bem?
— Sim, tudo tranquilo. Mariana fez um lanche, já quer que sirva?
— Sim, obrigada. Qualquer coisa, me chamem.
O homem concordou com um aceno e saiu pela lateral da casa.
Helena entrou na sala e deixou a chave do carro em cima de uma
mesinha. Andou até o quarto e se jogou na cama, olhando
demoradamente para o teto. Tinha exatamente trinta e três horas
para esquecer o que tinha acontecido com Daniela.
Durante seu período de reclusão, Helena praticou todas as
atividades que gostava: tinha paixão por arco e flecha e praticava
sempre que podia. Mantinha um arco na casa dos pais e outro no
sítio. Ali também mantinha um cavalo para suas cavalgadas e o fez,
na tarde dos dois dias. Daniela ligou cinco vezes no seu celular e
das cinco vezes ignorou as chamadas. Precisava, mais que tudo,
ficar sozinha.
Na madrugada da segunda saiu direto para o escritório. Chegou
no prédio com o dia já amanhecendo e entrou na sua sala, se
concentrando nas atividades que haviam acontecido no final de
semana.
Patrício estava inquieto, encarando os homens à sua frente. O
grupo que lhe procurava era especializado em contrabando na
fronteira e queriam um financiamento dos Millar para expandir os
negócios para o porto. Conhecia o poder de fogo que possuíam,
eram conhecidos por serem impiedosos com seus inimigos e
Patrício não estava disposto a se tornar um deles. Olhou aliviado
para porta, ao ver Helena entrar.
— Me desculpe o atraso – falou a morena indo para o lado do
pai atrás da mesa. – Estava em uma ligação importante.
— Desde que nossa espera valha a pena – respondeu Victor, um
dos chefes. – Já adiantei o assunto com seu pai, agora vim apenas
passar o meu valor: preciso de trinta milhões e mantenho a fronteira
aberta para vocês. Quero expandir meus negócios pelo mar.
— Não.
Victor olhou para Helena que mantinha o rosto impassível.
— Não?
— Não. Sua postura, pra começar não é adequada para a
circunstância. – respondeu a morena, — Você vem aqui, pede uma
soma expressiva como essa e sua garantia é deixar a fronteira
aberta? Não é o suficiente. Faça uma proposta melhor.
— Vocês movimentam muita mercadoria pela minha área. É
bom repensar sobre sua resposta.
— Sugiro que procure outro investidor, já que sua garantia são
apenas as rotas. Agora, os termos podem ser negociados: a taxa da
fronteira terrestre pode ser reduzida para sete por cento e livre
tráfego pelo porto no primeiro ano. A taxa de juros do empréstimo é
de vinte e um por cento. Se estiverem de acordo, o valor será
liberado.
— Patrício, creio que podemos conversar sobre uma proposta
melhor que não vai causar dano para nenhum dos lados...
— Se concentra em mim, Victor – interrompeu Helena. – O
acordo é esse, sem uma virgula a mais ou a menos. A família fica a
sua disposição, caso queira efetivar um contrato.
— Essa é sua proposta final, Patrício?
— Você ouviu Helena. Ficamos à sua disposição, caso queira
fechar contrato. O dinheiro será entregue num prazo de quarenta e
oito horas.
´— Vocês terão notícias minhas, podem ter certeza.
Helena se manteve imóvel, enquanto os homens saiam da sala.
Assim que a porta foi fechada, se sentou na cadeira, antes ocupada
por Victor.
— Eles farão uma retaliação, Helena.
— Sim. Já movimentei as cargas que passarão pela fronteira nos
próximos dias. Vamos seguir uma rota alternativa pelo norte. Vai
demorar um pouco mais para chegar, mas estaremos prevenidos.
— Ótimo. Você agiu bem – elogiou Patrício. – Quando eu
completar setenta anos, essa mesa será sua: sempre mantenha a
mesma postura que teve hoje.
— Sim senhor.
— Preciso de outra coisa: investigue sua mãe. Quero saber o
que ela anda fazendo.
Helena encarou o pai por alguns segundos, antes de coçar a
cabeça.
— Está desconfiado de algo?
— Ela está estranha. Nossa convivência está estranha. Desde
nossa intimidade e conversas ela está distante.
— Verei o que consigo.
— Se ela estiver com um amante, atraia os dois para o escritório.
Eu mesmo darei um jeito.
Daniela estava impaciente. Desde que tinha dado vazão a um
desejo insano, Helena havia sumido sem dar notícias. Tentou falar
com ela por telefone, mas a irmã estava irredutível em não atendê-
la. A mãe havia dito que era normal seus sumiços por alguns dias,
mas Daniela sabia que não era algo comum, era uma fuga de uma
volição que haviam escancarado.
O sol começou a baixar com o fim da tarde e resolveu tomar um
banho de piscina. Pediu para que uma das empregadas lhe levasse
um drinque e ficou mergulhando de um lado a outro, torcendo para
que Helena aparecesse para o jantar. Parou no meio da piscina
quando escutou o barulho do portão e a movimentação de carro
entrando na casa. Com um sorriso, conteve a ansiedade de conferir
se era a irmã que tinha chegado.
Helena entrou na sala e enxergou o espaço vazio. Joanna
apareceu e informou que a mãe estava no escritório e a irmã na
piscina. Agradeceu com um beijo no seu rosto e seguiu atrás da sua
progenitora.
Rose estava concentrada na leitura quando escutou a batida em
sua porta. Autorizou a entrada e logo Helena apareceu.
— Oi filha, Já veio com seu pai?
— Não – respondeu Helena se aproximando da mãe. Deu um
beijo nos seus cabelos e os olhos foram puxados para a vidraça,
onde conseguia enxergar Daniela na piscina, encostada na borda e
com um copo de uma bebida colorida na mão.
— Algum problema, Helena? – perguntou Rose, acompanhando
o olhar da filha.
— Sim – concordou, ainda olhando para Daniela. – Termine
qualquer relacionamento que tenha com Henrique. Tem dez dias
para isso.
Helena encarou a mãe, vendo o sangue sumir do seu rosto.
— Dez dias, ou ele vai acabar se machucando muito, sabe disso
– finalizou saindo do escritório.
Capítulo 05
Helena fez menção de ir para o quarto, mas parou no pé da
escada, com a imagem de Daniela na cabeça. Coçou os olhos e
mudou o rumo para o jardim do fundo, onde ficava a piscina.
Precisava conversar com a irmã, pedir desculpas por ter deixado
que seu corpo ter falado mais alto que a razão. Assim que entrou no
espaço, enxergou sua silhueta sob a água, em um mergulho.
Sentou-se em uma cadeira e ficou observando-a até emergir no
meio da piscina, com os cabelos boiando ao redor do seu rosto. Não
conteve um sorriso ao constatar como aquela visão era linda.
— Oi pequena – cumprimentou encarando-a.
Daniela sorriu em resposta e nadou para a borda, se apoiando
no azulejo da beirada.
— Resolveu dar o ar da graça em casa novamente?
— De vez em quando eu apareço. Como foi seu final de
semana?
— Um saco.
— Não chamou o pessoal que queria?
Daniela encarou a irmã por alguns segundos, antes de dar
ombros. Não podia dizer que não havia chamado ninguém porque a
única pessoa que queria presente era ela.
— Mudei de ideia. Fiquei sem pique para uma reuniãozinha.
— Vem aqui – Helena apontou a cadeira ao seu lado.
A irmã concordou com um aceno e saiu da piscina. Helena
acompanhou, com os olhos, o caminho da água que escorria pelo
seu corpo. Desviou a visão para o lado, esperando que Daniela se
sentasse.
— Algum problema, Lena? – perguntou a morena secando o
cabelo.
— Sim. Sobre sábado, eu queria falar com você.
Daniela olhou demoradamente para a irmã e desviou os olhos
para a água. Deu um pigarro antes de voltar a encarar os olhos
verdes.
— O que aconteceu sábado? – perguntou com um sorrisinho.
— Não finge que nada aconteceu – pediu Helena se inclinando
para frente. – Nós sentimos tesão uma pela outra, desejamos algo
que é errado. Eu te desejei como mulher.
— Adoro suas piadas, sabia?! – Daniela forçou um riso. – É
sério, Lena, não aconteceu nada.
— Se prefere assim, tudo bem. Se algum dia quiser conversar
sobre isso, é só me chamar.
— Ok. Quer dizer então que sou o tipo de mulher que se encaixa
no seu padrão de beleza? – perguntou Daniela cruzando as pernas
de modo sensual.
— Você é linda, pequena. Qualquer homem ou mulher que lhe
conquistar terá muita sorte – respondeu Helena olhando para as
pernas de Daniela, antes de se levantar. – Eu vou para o meu
quarto. Desço para o jantar.
— Eu vou com você. Chega de água por hoje.
Helena saiu na frente, enquanto Daniela recolhia o celular e
vestia o camisão. Subiram as escadas em silêncio e ganharam o
corredor dos quartos. Daniela parou na frente do aposento e abriu a
porta. Notou que a irmã seguiu em passos vagarosos até o quarto
ao lado e ergueu os olhos para vê-la. Seus olhos se encontraram
com os de Helena e pode ver, com clareza, que ela estava em uma
batalha interna, assim como ela própria. Soltou a maçaneta e seguiu
até ela, ainda encarando-a e parou na sua frente.
— Eu não sei o que está acontecendo, Helena – falou usando
um tom de voz mais sério. – Eu vou tentar controlar isso, tá bom?
Acho que é só uma besteira nossa, não é?
— Sim, é só uma besteira nossa. Acho que pelo fato de não
termos convivência, sei lá. Vamos mudar isso agora.
— Vamos sim.
Daniela deu um abraço em Helena, sentindo seus braços
envolverem seu corpo. Enfiou a cabeça em seu pescoço, aspirando
seu perfume misturado com o cheiro de sua pele. As mãos da
morena passearam por suas costas, parando na curva da cintura.
Se afastou e a irmã pegou sua cabeça, depositando um beijo na sua
testa. O coração estava reconfortado por aquele afeto.
— Até a hora do jantar – falou em um sussurro.
Helena não expressou resposta em voz alta. Deu outro beijo
demorado na mandíbula de Daniela, ao mesmo tempo em que
percebia a entrada da mãe no corredor.
— Está tudo bem? – perguntou Rose ao ver as filhas num gesto
tão íntimo.
Daniela deu um pequeno pulo de susto com a voz da mãe.
— Sim – quem respondeu foi Helena. – Te vejo lá embaixo,
pequena.
Daniela concordou com as faces vermelhas e se virou para a
mãe. Pensou em falar algo, mas desistiu ao ver o olhar curioso que
ela lhe lançava. Balançou a cabeça em sentido negativo e seguiu
para o quarto.
Helena encarou a mãe, que acompanhava os passos de Daniela.
Abriu a porta e gesticulou para que Rose pudesse entrar.
— O que foi isso entre você e Daniela? – perguntou Rose, assim
que a filha fechou a porta.
— Nada.
— Nada? – forçou.
— Nada. Um gesto de carinho entre irmãs. Você precisa de
algo? – perguntou tirando a arma que carregava na parte detrás da
calça e colocando sobre a mesa de cabeceira.
— Sobre o que me disse mais cedo... Eu não sei de onde tirou...
— Mãe, não. Eu, sinceramente, estou pouco me importando com
quem você dorme, isso não é um assunto que eu tenha interesse. O
problema é que o pai me pediu para investigar e eu tenho que dar
uma resposta a ele. Se ama Henrique, é melhor que termine, assim
posso dizer que você não tem ninguém. O que não vou fazer é
mentir para o pai. E sabemos que se eu der qualquer resposta
diferente da verdade, nós três iremos sofrer as consequências.
Rose suspirou fundo e se sentou na cama da filha. Não conteve
uma lágrima que inundou seus olhos.
— Não faça nada com Henrique, é só o que estou lhe pedindo.
Eu o amo, não suportaria que algo acontecesse a ele.
— Não vou, por isso que estou falando com você primeiro. Se
fosse o contrário já teria levado ele para o escritório – respondeu
Helena parando na sua frente. – Eu vou segurar por dez dias, terá
tempo de falar com Henrique. Não mude seu comportamento com o
pai nesse meio tempo ou ele vai perceber.
— Tudo bem. Você me avisa se souber de alguma coisa? Quero
dar a Henrique a chance de se defender.
— Aviso.
Rose secou a lágrima que havia escorrido pelo rosto e se
aproximou da filha, dando um beijo no seu rosto.
— Obrigada por ter falado comigo.
Helena apenas anuiu e assistiu a mãe sair do quarto. Sentou na
poltrona e passou a mão no cabelo, pensando naquele problema.
Henrique trabalhava com a família desde que era pequena, primeiro
no escritório, com os outros seguranças e, depois, como segurança
de sua mãe. Ele já tinha cinquenta e dois anos, trinta deles dedicado
a família. Por mais que estivesse tendo um caso com sua mãe,
assunto que realmente não era do seu interesse, não podia
simplesmente mandá-lo para a morte e era o que aconteceria, caso
seu pai soubesse da verdade.
Rose saiu do quarto da filha e seguiu direto para o aposento que
dividia com o marido. Lavou o rosto para esconder a feição abatida
e se encarou no espelho, pensando no que faria. Caso Henrique
concordasse, ficariam afastados por um mês. Iria conversar com
Daniela e Helena depois disso e iria embora. Saiu do quarto no
encalço do amante e o encontrou na cozinha, conversando com
Joanna.
— Henrique, me acompanhe, por favor – pediu já se afastando
pelo corredor.
O homem concordou e a seguiu para o jardim dos fundos.
— Helena sabe – Rose disse sem preâmbulos, — Ela veio falar
comigo, como havia lhe dito.
— Quanto tempo eu tenho?
— Ela não falou nada para Patrício. Pediu que terminássemos
para que ela possa falar ao pai que eu não tenho ninguém.
Henrique deu um sorriso, antes de encarar Rose.
— Nolan agiria da mesma forma. Ela não fugiu ao pai.
— Não torne a falar esse nome, por favor! Helena é minha filha e
de Patrício, assim como Daniela!
— Me desculpe. Precisamos conversar sobre isso.
— Precisamos. Amanhã nós vamos ao seu apartamento. Quero
que já fique claro que não passa pela minha cabeça ficar longe de
você mais que o tempo de nos arrumarmos para irmos para longe
de Patrício.
— Você tem suas filhas, Rose, não posso fazer que se afaste
delas.
— Vamos conversar sobre isso amanhã – cortou Rose ao
escutar o barulho de um carro chegando. – Eu te amo.
— Também te amo.
Rose deu um discreto aperto na mão de Henrique, antes de
votar para a cozinha e conversar com Joanna sobre o jantar. A
mente não estava concentrada no que a funcionária dizia e sim no
que iria fazer. Estava chegando o tempo de ficar com o homem que
amava: ninguém iria impedir isso.
Durante os dias seguintes a família, aparentemente voltou ao
normal. Rose e Henrique haviam combinado de não manter o
relacionamento durante o mês seguinte, para que Helena
acreditasse que haviam terminado, mas sempre davam um jeito de
se encontrarem, não mais com a mesma frequência, mas com a
mesma intensidade.
Daniela tentou controlar o que estava sentindo por Helena, mas
não conseguia evitar o olhar cobiçoso para a irmã. Por mais
arbitrário que a situação fosse, não conseguia enxergá-la como
irmã: não era normal que a desejasse tanto, que tivesse
sentimentos que não eram nem um pouco fraternal. Não era
somente tesão, desejo carnal: era um leve aperto o coração quando
a via passar, borboletas no estômago quando sentia seu perfume,
preocupação com que ela chegasse em casa bem todos os dias,
dado o trabalho que tinha e, o pior deles, ciúmes ao imaginar que
Helena estava com alguma mulher quando chegava tarde ou
passava a noite fora. Por diversas vezes tentou nomear o que
estava sentindo, mas sempre que chegava a um nome, tinha pavor
de admitir, pois lhe geraria uns dois anos de terapia. Não podia estar
apaixonada pela própria irmã.
Depois dos dez dias, Helena informou ao pai que sua mãe não
tinha nenhum amante, mas que realmente estava mais dispersa,
talvez por alguma preocupação ou estresse. Sugeriu ao pai que
seria se bom tom se ela fosse viajar para distrair a mente, longe dos
problemas da família, sugestão que foi acatada por Patrício. Durante
duas semanas preparou tudo para que ela ficasse na Europa por
dois meses, junto com sua tia Lilian, longe o suficiente de Henrique.
— Você armou tudo isso para me separar dele, não é? –
perguntou Rose nervosa, ao entrar no quarto de Helena.
— Sim – respondeu calmamente. – Ficarei fora em uma viagem
a trabalho por alguns dias e quero me certificar de que quando
voltar, você e Henrique estejam vivos.
— Pra onde você vai?
— Resolver algumas questões na China e depois vou esticar
quinze dias no Nepal.
— O que você vai fazer no Nepal? E que negócios são esses na
China?
“Fugir” pensou Helena.
— Pensar – respondeu em voz alta. – E na China vou fazer
alguns contatos comerciais para o escritório. Viajo na sexta à noite.
Rose olhou, demoradamente para a filha, antes de concordar
com um aceno e sair do quarto. Helena seguiu para um banho e
entrou embaixo do chuveiro: precisava ficar afastada da casa por
mais tempo que apenas um final de semana e a viagem a trabalho
tinha vindo em boa hora. Havia se entregado ao trabalho e
encontros escusos com Michelle e outras mulheres, mas nenhuma
delas tinha conseguido apagar o momento que havia tido com a
irmã e, menos ainda, fazer com que seu coração batesse acelerado,
da mesma forma como ficava quando via Daniela. Se o período que
ficasse fora não fosse o suficiente, iria se mudar da casa, mesmo à
revelia de seu pai.
Estavam na mesa de jantar, reunidos, quando anunciou a
viagem. Mascarou suas feições ao fazer isso, sem olhar diretamente
para a irmã. Ficaria fora um total de trinta dias.
— Como assim, Helena? – perguntou Daniela sem esconder sua
frustração. – Trinta dias fora e vai amanhã?
— Sim, pequena. Tenho que resolver uma questão do escritório
e vou esticar alguns dias a mais para mim.
— Eu... Você poderia ter me falado antes!
— Não quer mais se desgrudar da sua irmã? – brincou Patrício.
– Em breve Helena volta. É um assunto importante para mim que eu
quero que ela resolva.
Daniela desviou os olhos de Helena para encarar o pai por
poucos segundos. Baixou os olhos para o prato, tentando conter a
decepção que estava estampada em seu rosto.
— Eu terminei de jantar Vou... Vou subir para o meu quarto.
Helena observou a irmã sair da mesa e da sala de jantar. Virou a
comida por mais alguns minutos antes de sair também. Pediu
licença para os pais e seguiu para o andar superior, parando na
porta de Daniela. Deu uma leve batida e escutou sua voz
autorizando sua entrada.
— Oi Dani – falou assim que enxergou a irmã sobre a cama.
— Oi Helena – respondeu friamente.
— Me desculpe não falar antes, decidi isso com o pai
recentemente.
— Você não me conta nada mesmo, não tem nenhuma novidade
nisso – disse Daniela, magoada.
— Não fala assim, pequena – pediu Helena se sentando ao seu
lado. – Eu estou trabalhando isso com você...
— Como? Entrando e saindo dessa casa sem falar comigo
direito, me evitando sempre que pode? É assim que está
trabalhando isso?
— O melhor, tanto pra mim, quanto pra você, é nos afastarmos
um pouco. Não começamos de uma forma correta.
— E qual é a forma correta? – perguntou Daniela se
acomodando em seu colo para encarar seus olhos. – Eu tenho vinte
e três anos, Lena, eu sei que...
— A questão é que tudo isso é confuso demais, Dani. Eu não...
— Não consegue me ver como irmã, não é? Da mesma forma
como não consigo -interrompeu, enfiando a cabeça em seu
pescoço.
Helena fechou os olhos ao sentir a boca da irmã roçando em seu
pescoço, em leves beijos. As mãos foram para sua cintura quando
sentiu os lábios na mandíbula e a tirou de seu colo quando
intentaram ir para sua boca.
— Isso é loucura, Daniela! – exclamou ao se levantar. – O que...
Eu...
— Eu não posso estar maluca sozinha, Lena! Eu sei que você
também sente algo por mim e não é cuidado de irmã! Me diz que eu
não estou pirando em algo que não existe!
— É errado, Daniela! Temos o mesmo pai, mesma mãe! Mesmo
que ainda fosse meia irmã, é errado! Somos unidas pelo sangue!
— Nega! Fala que você não sente nada por mim!
— Eu não posso sentir nada por você, porque isso nunca dará
em nada – respondeu Helena com pesar, indo para a porta. Parou
por um tempo, observando a irmã parada no meio do quarto, com
uma lágrima escorrendo pela face: Não havia absolutamente nada
que pudesse fazer.
Naquela noite Helena não dormiu. Ficou a noite inteira acordada,
olhando para o teto, pensando na avalanche de sentimentos pelos
quais estava passando. Entendia que não era nada normal o que
estava direcionando à irmã. Mesmo que não tivessem tido um
convívio durante o crescimento, não podia esquecer o laço de
sangue que as uniam e era esse que deveria falar mais alto. Tinha
que estar preocupada em cuidar de Daniela, ter um carinho fraternal
por ela e fazer com que nada lhe faltasse, não desejá-la da forma
como desejava. Era insano demais, por qualquer ângulo.
Na manhã do dia seguinte saiu cedo em direção ao escritório,
apenas para passar algumas orientações aos funcionários e pegar
alguns documentos que precisaria nas reuniões que teria em
Pequim. A família cuidava de uma parte expressiva de importações
que entravam no país sem impostos, o que gerava lucros altíssimos
para os Millar. Helena estava indo para expandir aquela área:
precisavam de pessoas de peso em todos os ramos, desde as
fábricas em Pequim, transportadoras e máfia que controlavam a
saída das mercadorias da China. Cada passo da gigantesca
operação de contrabando era vigiado de perto e Helena conhecia
cada etapa.
O voo estava marcado para a uma e quarenta e cinco da manhã,
com uma conexão de cinco horas em Dubai. A longa viagem, antes
muito rechaçada por Helena, agora era reconfortante. Estava indo
para o outro lado do mundo na esperança de que aquele
distanciamento lhe trouxesse a calmaria emocional que precisava.
Depois do jantar conversou com todos os funcionários da casa,
especialmente com Javier, segurança de sua irmã e Henrique, um
dos seus pontos de preocupação.
— Minha mãe ficará na cidade até segunda-feira, depois ela irá
para Paris. Cuide para que nesse tempo nada aconteça – pediu
para Henrique. – Daniela ficará praticamente sozinha nessa casa
durante vinte e cinco dias. Quero relatórios diários do que acontecer,
caso saia, se trouxer alguém. Nada pode passar.
— Sim, senhora – concordou Javier.
— Podem ir – falou se encostando contra a cadeira do escritório.
— Posso falar com você um momento, Helena? – pediu
Henrique.
A morena anuiu com um gesto e acenou para Javier sair. Assim
que ele fechou a porta, voltou a encarar Henrique.
— Sei que está a par do que tem acontecido, quero deixar algo
esclarecido.
Helena continuou em silêncio, encarando-o. Henrique prosseguiu
diante da sua taciturnidade.
— Eu amo Rose, se for para o bem dela, eu deixo a família.
— Seria uma decisão sensata para os dois – respondeu ao coçar
o pescoço. – Mas sei que não poderia dar certo pois passariam a se
encontrar fora. Não sei quem meu pai colocaria como segurança
dela, mas é fato que seria alguém que iria falar a ele desses
encontros. Por mais arbitrário que seja, prefiro que esteja
trabalhando para ela. Dei a ideia de mandá-la para longe durante
esse tempo que ficarei na Ásia porque não quero que algo aconteça
sem que eu possa interferir.
— Entendo sua preocupação. Obrigado por isso.
— Não me agradeça. Não sei por quanto tempo estou disposta a
ficar acobertando o relacionamento de vocês. Conhecemos meu pai:
quando isso vier à tona, será um derramamento de sangue. O ideal
era que tivessem o mínimo de juízo a respeito do homem letal que
estão enganando e se afastassem – Helena fez uma pausa
suspirando. – Isso também não é do meu interesse. Saiba apenas
que não ficarei contra Patrício Millar.
— Está certo. Com licença.
Helena anuiu e viu Henrique sair do escritório. Se levantou e
pegou uma dose de uísque, virando em apenas um gole. Conferiu
as horas no relógio de pulso e tomou a direção das escadas. Parou
na frente do quarto da irmã e encostou a cabeça contra a madeira
da porta, mordendo o lábio inferior. Não podia partir sem se despedir
dela.
Daniela ainda não havia saído do quarto naquele dia. Estava
chateada com a viagem de Helena, confusa pelo que estava
sentindo em relação a irmã, brava por saber que ela também sentia
o mesmo, mas estava fugindo ao invés de pensarem juntas em uma
solução para aquela confusão. Era um mistifório de pensamentos
que lhe sugavam a energia do corpo. Não estava disposta a ser
sociável com ninguém. A batida na porta desviou sua atenção do
celular e da foto da irmã que enchia a tela. O desligou e ajeitou o
cabelo e as roupas antes de ir abrir.
— Oi Helena.
— Oi pequena. Daqui a pouco vou para o aeroporto, meu voo
está marcado para a uma da manhã, mas tenho que ir mais cedo,
enfim, vim me despedir.
Daniela encarou os olhos da irmã. Pode notar que o verde
estava mais escuro, mais intenso. Sabia que ali também se
escondia uma guerra.
— Espero que faça boa viagem – respondeu se afastando até
uma janela.
— Obrigada. Eu... eu vou indo. Até a volta.
Helena encarou a irmã ainda por alguns segundos, antes de dar
um passo para trás. Se virou em direção a porta, mas as pernas
travaram para sair do quarto. O coração parecia uma bateria dentro
do peito, num ritmo intenso e sufocante. Tornou a se virar para
Daniela que ainda estava parada no mesmo lugar. Andou até ela e a
abraçou apertado, enfiando o nariz em seus cabelos. Uma solitária
lágrima escorreu pelo seu rosto ao se afastar o suficiente para
depositar um beijo demorado no seu rosto. Deu outro passo para
trás, desfazendo o contato e segurou sua mão, antes de soltá-la e
sair do quarto sem olhar para trás. Era uma despedida de seu
desejo mais insano.
Capítulo 06
Daniela ficou parada rente a janela, olhando para Helena, que
esperava as malas serem colocadas no carro. A irmã, como que
percebendo seu olhar insistente, se virou e seus olhos se
encontraram uma última vez antes dela embarcar no banco detrás
do veículo. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto e tratou de secar
em seguida. Não teve controle sobre outra lágrima que escorreu até
seu lábio, enquanto via o carro sair pelo portão. As outras lágrimas
que se seguiram, foram abafadas contra o travesseiro, em um choro
silencioso.
A noite foi longa para a jovem. A todo momento a imagem de
Helena estava presente em sua memória, em cada canto daquele
quarto, sua voz ecoando na sua cabeça. Sabia que ela tinha ido
trabalhar e que voltaria em um mês, mas tinha a sensação de que a
tinha perdido. Remoeu aquele sentimento de perda, chegando à
conclusão de que ele era infundado: Não podia perder algo que
nunca tivera. Antes do dia amanhecer, foi para o quarto da irmã e se
deitou em sua cama. Pegou o travesseiro e aspirou seu cheiro
impregnado ali: só assim conseguiu pegar no sono.
— Dani – chamou Joanna tocando seu rosto, delicadamente.
Daniela acordou com o toque suave e abriu os olhos devagar,
olhando ao redor até focalizar Joanna. Passou as mãos no cabelo,
sentando-se em seguida.
— Oi Joanna.
— Por que está no quarto de Helena? Fiquei te procurando por
um longo tempo nessa casa.
— Eu... Eu quis dormir aqui, é... A cama é confortável.
— Está tudo bem? – perguntou a governanta, preocupada.
— Sim. Eu... Eu vou para o meu quarto.
— Já é onze horas da manhã. Já quer tomar café da manhã?
— Helena já deu notícias?
— Sua irmã não é uma mulher de dar notícias. Ela está bem,
Dani – respondeu Joanna se levantando. – Eu vou pedir para as
meninas arrumarem esse quarto agora, tirar o lençol de cama...
— Eu vou ficar com o travesseiro – interrompeu Daniela se
levantando.
— Deixa eu trocar a fronha dele...
— Não – respondeu a jovem pegando o travesseiro. – Assim
está bom, está... Está limpo ainda.
— É o cheiro dela, não é? – concluiu Joanna com um sorriso. –
Não precisa ficar com vergonha por admirar sua irmã.
— É bom. É... Enfim, eu vou para o meu quarto. Obrigada por
me acordar, Joanna. Daqui a pouco desço.
— Tudo bem.
Joanna ficou observando Daniela sair do quarto de Helena ainda
agarrada ao travesseiro. Deu um sorriso, ao pensar nas duas
meninas que tanto amava. Mesmo sendo tão diferentes e distantes
tinha certeza que cuidariam uma da outra.
Durante todo o sábado, Daniela ficou no quarto, sem coragem de
sair ou falar com alguém. A mãe saiu para fazer compras com a tia,
para a viagem que fariam na segunda e o pai estava em um campo
de golfe com alguns amigos. Colocou filmes para assistir, mas não
conseguia se concentrar nas imagens na tela da tevê. Falou com os
amigos pelo whatsapp, mas nenhuma conversa prendeu sua
atenção. Tentou colocar no papel a ideia que tinha de fazer sua
própria marca de roupas, mas não conseguiu desenhar nada, que
não fosse um esboço do rosto de Helena. Mandou mensagem a ela,
mas não foi recebida. Não fazia a menor ideia de onde ela estava
naquele momento e deu um suspiro, deixando o aparelho de lado.
Tudo o que podia fazer era dormir, talvez pudesse sonhar com ela,
mas era certeza de que somente assim o tempo passaria.
No domingo de manhã recebeu uma mensagem da irmã. Não
conteve o enorme sorriso no rosto ao ver seu nome na notificação.
Abriu rapidamente para ver o conteúdo.
“Oi pequena, já estou em Pequim. Se cuida, beijos”.
Ainda sorrindo, releu a simples mensagem inúmeras vezes,
antes de digitar uma resposta.
“Que bom que chegou bem! Já estou com saudades”
Esperou a resposta por cinco minutos, sem desviar os olhos do
aparelho. Com a ausência da mensagem, foi para o banheiro e
depois desceu as escadas, ainda grudada com o celular, em direção
a sala onde o café da manhã estava servido. Cumprimentou os pais
com um beijo em cada.
— Helena já chegou em Pequim – anunciou sentando-se à
mesa.
— Ela mandou mensagem pra você? – perguntou Patrício.
— Mandou. Não mandou pra vocês?
— Sua irmã não é muito de dar satisfações da vida dela – Rose
deu ombros. – Já estamos até acostumados.
— Ela não precisa dar satisfações – esclareceu Patrício. – É
uma mulher adulta e independente desde seus dezoito anos.
— O que ela disse? – perguntou Rose ignorando o marido.
— Que já chegou em Pequim. Foi uma mensagem bem curta –
respondeu vendo a tela do celular acender com outra mensagem de
Helena. Abriu um sorriso, antes de abrir a mensagem. – É ela.
“Fica bem, ok? Até a volta, pequena”.
Daniela deixou o celular de lado, com um suspiro resignado. Se
serviu de café antes de pegar o aparelho novamente.
— Realmente ela é uma mulher de poucas palavras, né? Só
disse para ficar bem e se despediu – falou para os pais enquanto
digitava a mensagem de resposta.
“Você tbm fica bem. Até a volta”.
— Vai passar rápido, você vai ver – incentivou Patrício.
Daniela olhou demoradamente para o pai, assentindo com a
cabeça. Duvidava que passaria tão rápido como ele dizia.
Rose anunciou que iria sair na tarde daquele domingo para
terminar de arrumar as coisas para sua viagem no dia seguinte.
Patrício concordou com um aceno e Daniela se limitou a dar
ombros. Assim que terminou de tomar café, saiu para a frente da
casa, já encontrando Henrique esperando-a. Entrou no carro, na
parte detrás, e seguiram direto para o apartamento do amante, onde
viviam os momentos do amor que partilhavam. Rose se entregou de
corpo e alma naquele dia, afinal se tratava de uma despedida
momentânea. Sabia que demoraria para que estivesse nos braços
do homem que amava novamente e aproveitou cada minuto ao seu
lado.
Na segunda de manhã, Daniela se despediu da mãe. Vivian
tinha ido até a casa junto com Lilian, pois as duas sairiam de lá para
o aeroporto. Assim que ficaram sozinhas, foram para a piscina,
aproveitar a tarde ensolarada.
— Você tem que sair mais, Dani – falou Vivian passando protetor
solar. – Desde que chegou só fica dentro dessa casa, saímos
apenas uma vez. Agora que está só com o tio Patrício, pode
aproveitar mais, sem Helena por perto.
Daniela olhou para a prima, entretida em espalhar o creme nas
pernas. Deu um sorriso, ao colocar os óculos escuros.
— Preciso – respondeu, por fim. – É que conheço tão pouco por
aqui, estava acostumada com Nova Iorque.
— Vou te apresentar a uns amigos. Quero que conheça Marcos,
ele é amigo do Fabrício, é um gato! Tenho uma foto dele aqui, acho
que vai gostar. Dar uns beijos na boca é importante. Uma boa
gozada também ajuda muito a deixar a pele radiante.
— Estou precisando, viu? Faz tempo que não transo com
ninguém.
— Vou falar com Fabrício, vamos marcar uma balada essa
semana.
Daniela pensou por um minuto inteiro no que era proposto. Não
podia dizer a prima que a única pessoa capaz de deixar sua pele
radiante estava do outro lado do mundo, em Pequim, exatamente.
— Quero te perguntar uma coisa – falou, escolhendo as
palavras. – Eu tenho uma amiga em Nova Iorque, Lindsay, ela me
disse esse final de semana que ela e o irmão... Eles...
— Eles o que?
— Eles transaram.
— Isso é doentio – respondeu Vivian. – Isso é incesto! Que nojo!
— Foi o que ela disse, não com essas palavras, mas que é
errado.
— É claro que é errado! Imagina, transar com o próprio irmão?!
Aliás, é bom nem imaginar!
— Até porque nem tenho irmão – Daniela forçou um sorriso. –
Isso que eu ia te perguntar, é estranho, não é? Mesmo que eles se
gostem...
— Precisam de uma boa terapia, isso sim. Imagina você
apaixonada por Helena e indo pra cama com ela?
— Não é certo. Quero dizer... É repugnante.
— Muito! Não consigo nem imaginar algo do tipo!
Daniela desviou os olhos da prima que continuava a condenar o
falso relacionamento e deixou a visão se perder na água da piscina.
Não era só a prima que condenava aquele tipo de relação: qualquer
um condenaria.
Naquela noite ficou zanzando pela casa silenciosa. Tentou
distrair a mente com livros, televisão e celular, mas sempre era
puxada pela imagem de Helena. Jantou com o pai e subiu para o
quarto, se jogando na cama, abraçada ao travesseiro da irmã.
Conferiu a hora, e buscou a diferença de fuso horário de Pequim.
Eram onze horas de diferença. Calculou, rapidamente, que lá já era
dez horas da manhã da terça, certamente a irmã estava envolvida
nas reuniões que falou que teria. Tomou um banho demorado na
banheira e seguiu para o closet, secando o cabelo. Abriu a gaveta
de roupas para dormir, mas seus olhos foram puxados para o outro
lado, onde estavam suas lingeries. Escolheu uma que julgou mais
sensual e vestiu, antes de ir para a cama de posse do celular.

Helena estava se preparando para a primeira reunião que teria


em Pequim quando o celular vibrou com uma mensagem.
Reconheceu o número de Daniela e ponderou se devia abrir ou não.
Se queria tirar a confusão que estava na sua cabeça, o melhor era
não ter contato, mas a curiosidade foi maior que sua decisão. Assim
que abriu a mensagem de texto, deu um suspiro em meio a um
sorriso: a irmã havia mandado uma foto na qual estava de frente a
um espelho e usava apenas um body de renda transparente, com os
cabelos soltos, deixando-a extremamente sensual. A mensagem
que acompanhava a foto era simples, porém cheia de significado:
“Para quando sentir saudades”. Passou a mão no cabelo, preso em
um rabo de cavalo, e coçou os olhos, ao mesmo tempo em que
colocava o celular em cima da mesa, ainda aberto na foto. “E ainda
tem que ser linda desse jeito” pensou com um sorriso se
desenhando na face. Ainda ficou admirando a foto por mais alguns
minutos, antes de desligar o aparelho sem digitar nenhuma
resposta.
Os dias em Pequim passaram com a morena mergulhada no
trabalho. Havia estudado mandarim desde os dezoito anos, para
que pudesse coordenar as operações de contrabando sem a
necessidade de outra pessoa de fora da família estar envolvida,
coisa que acontecia quando estava sendo preparada para ocupar a
posição de braço direito de seu pai. Já fazia um ano e meio que ela
mesma coordenava cada etapa junto com os chineses e sempre
obtivera sucesso nas suas operações. Com dez dias fechou todos
os contratos e acordos que havia planejado, sempre apoiada pelo
escritório de Chang, parceiro de muitos anos de Patrício, e ficou
livre para se dedicar ao seu motivo pessoal ali: tentar controlar o
que sentia por Daniela.
Helena passou o restante dos dias em Pequim meditando sobre
aquele sentimento. Foi para o Yonghe Temple, em busca da paz e
harmonia que ele trazia em seu significado. A única coisa que
encontrou foram as imagens da irmã, nítidas em sua memória como
a foto armazenada no seu celular, visualizada todas as noites.
De Pequim seguiu para Katmandu, mas ficou na cidade apenas
o tempo de descansar para seguir viagem até Pokhara. Se
hospedou perto do lago Phewa, para deixar suas bagagens, e as
montanhas do Himalaia foram sua estadia durante a maior parte do
tempo. Estava em uma jornada de autoconhecimento e a calmaria
das belas paisagens a ajudaram a relaxar da tormenta que a
cercava. Tentava buscar, em suas lembranças, momentos que havia
tido com Daniela, quando ainda eram crianças. Alguma brincadeira,
situações passadas juntas, mas sempre chegava à conclusão de
que os pais haviam mantido as duas afastadas desde pequenas.
Conseguia enxergar a clara divisão da criação que Rose havia dado
a Daniela e Patrício a ela própria. Não havia tido tempo e
convivência para amá-la como sua irmã. Não tinham tido brigas por
causa de brinquedos, discussões por causa da televisão, não
haviam tido amigos em comum, menos comemorado aniversários
juntas. Eram duas desconhecidas, até a sua volta, um mês antes: a
única coisa que as ligava, mais forte que tudo, era o laço sanguíneo.
Helena retornou para Pokhara e fez sua última parada, antes de
voltar para Katmandu. Foi até o Bahari Mandir, templo dedicado ao
deus Vishnu, e ficou observando, com respeito, as pujas dos
nepaleses. Não era uma pessoa ligada a crenças, mas ali fez sua
prece: precisava, mais que tudo, enxergar Daniela como sua irmã,
nada mais que isso.
Daniela desistiu de tentar contato com Helena. Mandava
mensagens, mas ela não respondia mais. Não sabia se estava
vendo ou não, mas depois percebeu que ela nem mais recebia as
mensagens. Muito provável que já estava no Nepal, possivelmente
em algum lugar isolado nas cordilheiras.
Decidida a colocar um ponto final naquilo tudo, combinou com
Vivian de sair com Marcos e Fabrício. Foram para uma balada e
ficaram a primeira vez. Um segundo encontro partiu de um pedido
de Marcos e saíram para jantar. Pediu ao pai que dispensasse
Javier, pois não queria um segurança na sua sombra o tempo todo,
pedido que foi acatado por Patrício. O terceiro encontro com Marcos
aconteceu no seu apartamento e transaram pela primeira vez. Havia
curtido o rapaz, dois anos mais velho que ela, mas não estava
dispensando grandes expectativas com a relação: estava com ele
na esperança de esquecer Helena.
A volta da irmã aconteceu exatamente trinta dias depois de sua
partida. Daniela estava tomando café da manhã com o pai quando
ele anunciou que Helena havia lhe mandado uma mensagem.
— Helena já está no escritório – falou Patrício com um sorriso
satisfeito. – Disse que vem para o jantar.
— Helena chegou? Ela... Ela já desembarcou? – perguntou
atônita.
— Já. Está no escritório.
— Como ela chega e nem fala nada?! Nem deu tempo de
preparar algo especial! – exclamou com certo pesar. – Nem estou
arrumada, não sei...
— Não precisa de nada disso, Daniela. Helena não dá a mínima
para essas coisas.
— Mas ela chegou de uma viagem longa! Devia vim pra casa
descansar, não ir direto para o escritório...
— De tarde ela vem – respondeu Patrício sem se atentar à
inquietação da filha. – Eu vou pra lá agora, qualquer coisa você me
encontra no celular.
— Eu vou com você...
— Não. Já disse que não quero você ligada com as coisas do
escritório.
Daniela apoiou as mãos na mesa, bufando. Não queria saber de
nada do escritório, só queria ver Helena, mas isso era algo que não
podia explicar ao pai sem levantar suspeitas. Observou ele sair da
sala, depois de se despedir, e ponderou sobre sua própria
empolgação: Já havia decidido parar com aquela loucura acerca da
irmã e tinha até mesmo arrumado um pretendente a namorado. Não
podia ficar tão mexida com o seu retorno, daquele jeito.
Durante todo o dia. Daniela tentou se concentrar em outras
coisas, para não acabar indo parar no escritório. Foi no salão com
Vivian, fizeram compras no shopping, encontrou com Marcos no fim
da tarde, mas o tempo parecia não querer passar. Chegou em casa
já era seis da tarde, mas Helena ainda não tinha voltado do
escritório. Por um momento ficou temerosa de que ela tinha ido
encontrar com alguma mulher, para matar a saudade, mas o
pensamento sumiu na mesma hora em que apareceu. “Não pira,
Daniela, não pira” repetia.
Tomou um banho demorado, atenta aos barulhos da casa e
estava terminando de secar o cabelo quando escutou o barulho do
carro entrando na propriedade. Foi apressada para a janela e
enxergou Helena desembarcando. Não conseguiu conter o sorriso
no rosto ao vê-la. O sorriso se tornou maior quando a irmã se virou
para sua janela e seus olhos se cruzaram.
Helena mascarou suas emoções, mas estava feliz por ver
Daniela. Pediu que levassem as malas para o seu quarto e entrou
na casa, já enxergando a irmã descendo as escadas. Sem
precisarem de palavras se abraçaram apertado, por tempo maior
que o necessário.
— Eu senti tanto a sua falta – falou Daniela em um sussurro,
fazendo carinho nas costas da irmã. – Parece que esse mês foi tão
longo!
— Eu também, pequena – respondeu depositando um beijo na
sua mandíbula. – Senti muito a sua falta.
— O importante é que está de volta – emendou a jovem. –
Joanna preparou um jantar especial para você.
Helena acariciou os cabelos da irmã em resposta, antes que a
voz do pai fizesse com que se separassem.
— Pronto! Agora pode matar a saudade! Joanna me disse que
essa menina até dormiu no seu quarto, sentindo sua falta.
Helena voltou a encarar Daniela com um sorriso se desenhando
em seu rosto. Tratou de escondê-lo em seguida. Deu um último
beijo em sua testa antes de ir para a escada.
— Eu vou tomar um banho, daqui a pouco desço para o jantar.
— Vai sim. Hoje nós temos um convidado – respondeu Patrício
enigmático.
— Quem pai? – perguntou Daniela, curiosa.
— Marcos, seu namorado. Eu o chamei para jantar aqui.
Helena parou petrificada ao escutar o pai. Olhou
demoradamente para Daniela e depois para Patrício novamente.
— Como assim, namorado?
— Daniela não lhe contou? Ela está namorando.
Capítulo 07
Helena não soube definir qual foi a emoção que predominou em
seu rosto. Voltou a olhar para Daniela, que falava com o pai.
— Não é namoro, pai. Ficamos cinco dias só...
Helena não parou para escutar o que a irmã dizia. Desceu os
dois degraus que havia subido e saiu em direção à parte externa.
No trajeto pegou um galho da pequena arvore na entrada da casa e
quebrou no meio, deixando uma ponta afiada.
— Javier! – chamou deixando sua voz transparecer sua irritação.
— Sim senhora...
Javier não terminou de falar pois Helena desferiu um soco contra
seu rosto, fazendo com que cambaleasse para trás. Antes que
pudesse se estabilizar, a morena o agarrou pela nuca e colocou a
ponta do galho contra seu pescoço, na jugular.
— Eu não disse que queria relatórios diários do que acontecia
com Daniela? – perguntou encarando seus olhos com raiva. – Como
eu chego aqui e encontro ela até com um namorado?!
— O senhor Millar disse...
— Larga isso, Helena – falou Patrício mais atrás. – Javier estava
obedecendo minhas ordens.
Daniela ficou afastada, vendo a irmã tomada pela raiva, ainda
segurando seu segurança. Ficou assustada, pois nunca tinha visto
Helena atacando alguém, muito menos com tanta rapidez e precisão
como havia feito.
Helena ainda encarou o segurança por alguns segundos antes
de soltar sua cabeça e jogar o galho no chão. Se virou para o pai e
enxergou a irmã um pouco mais atrás.
— É só um namoro bobo de adolescentes, Helena. Pedi para
que Javier não lhe incomodasse com uma besteira dessa. Você vai
cuidar disso agora, por isso que chamei ele para jantar conosco.
Helena suspirou fundo para controlar a raiva que estava
sentindo. Encarou o pai e a irmã por alguns segundos, antes de
concordar com a cabeça.
— Sim senhor.
— Vai se arrumar. Ele chega às oito, ou seja, daqui meia hora.
A morena concordou com um aceno e entrou na casa, se
dirigindo rapidamente para as escadas. Seguiu em direção ao
quarto e entrou, fechando a porta com força. Andou de um lado para
o outro, respirando fundo. “Controle, Helena” pensou, “você precisa
se controlar”. Abriu e fechou as mãos, esticando os dedos,
inspirando pelo nariz e soltando pela boca com os olhos fechados.
Uma batida na porta fez com que voltasse a abri-los, mas antes que
pudesse falar qualquer coisa, viu a irmã entrar no quarto.
— Não precisava ter feito aquilo com Javier. Ele estava
obedecendo um pedido do pai – falou Daniela se encostando contra
a porta, encarando Helena parada no meio do quarto.
— Ele não obedeceu a uma ordem minha. Não tolero esse tipo
de atitude.
— Eu não estou namorando... Eu... Vivian me apresentou
Marcos. Eu achei melhor que... Eu preciso te tirar da minha cabeça,
Lena.
— Eu não vou interferir no seu namoro, Daniela, pode ficar
despreocupada. Só vou fazer algo se eu desconfiar de que ele não
é um cara legal.
— Se você tivesse me respondido, eu... eu teria te contado.
Talvez nem estivesse namorando agora.
— Ficarei feliz por você, se ele for um homem à sua altura –
respondeu Helena finalizando a conversa. – Mais alguma coisa,
pequena? Preciso me arrumar.
— Não fique com tanta indiferença, Lena. Eu sei que em um mês
você não pode ter esquecido o que... O que não tivemos.
— Eu vou tomar um banho, Dani. Já eu desço.
Daniela avançou na irmã que ia em direção ao banheiro,
segurando sua mão e puxando-a para si. Automaticamente sentiu
os braços de Helena envolvendo seu corpo, levando-a até a parede
no lado oposto da cama. Beijou seu pescoço e deixou a língua
deslizar por sua pele até a orelha. Helena deu um baixo gemido e se
limitou a apoiar a cabeça no ombro da irmã. “Minha irmã”. Fez
menção de se afastar, mas Daniela a segurou forte, evitando sua
fuga. Encarou os olhos castanhos e deu um beijo demorado no seu
rosto, ao lado da boca.
— A minha alma já está condenada, Dani. Não posso fazer isso
com você.
Daniela não conteve a lágrima que escorreu pelo seu rosto.
— Nunca desejei tanto que não fosse minha irmã – falou num
sussurro. – Se não podemos ficar juntas, por que sentimos isso?
Helena balançou a cabeça em sentido negativo, sem uma
resposta. Se limitou a dar outro beijo no rosto de Daniela, por onde
a lágrima havia escorrido.
— Eu não sei. Eu achei que ficando longe eu não voltaria... Eu
poderia tirar isso da minha cabeça, mas não contei com o fato de
que ia sentir tanta saudade sua.
— Talvez não esteja mais na cabeça. Talvez já tenha descido pra
cá – falou tocando o tórax, na altura do coração.
— Talvez – concordou Helena tornando a apertá-la contra seu
corpo. – Vai se arrumar. Não podemos aparecer com essa cara de
enterro. Seu namorado também já chegou – finalizou ao escutar o
barulho de um carro entrando na propriedade.
Daniela deu um último beijo no pescoço de Helena, antes que
ela se afastasse. Se desprendeu da parede e passou a mão no
rosto, tomando a direção da porta. Antes de sair se virou para a
morena parada no meio do quarto e jogou um beijo na sua direção.
Helena sentou em uma poltrona e passou as mãos nos cabelos.
Não havia a menor condição de ficar na mesma casa que Daniela.

Patrício abriu a porta para receber Marcos. Havia pedido que


Javier mantivesse uma discreta vigilância na filha e, depois que ele
havia lhe passado que o rapaz com que Daniela saia era amigo de
Fabrício, que trabalhava diretamente com Peter, seu irmão, pediu
que lhe desse seu telefone para convidá-lo para um jantar. Não
aprovava que sua filha se envolvesse com quem não conhecia e a
melhor maneira daquilo acontecer, era durante uma conversa
descontraída. Havia esperado a volta de Helena, pois sabia que se
tivesse algo de errado, ela perceberia bem antes que ele.
— É um prazer conhecê-lo, Marcos – cumprimentou ao estender
a mão. – Seja bem-vindo à minha casa.
— Obrigado, Patrício. É uma honra conhecê-lo.
— Senhor Patrício, vamos manter a formalidade por algum
tempo – corrigiu ao indicar a passagem. – Helena chegou de viagem
hoje e Daniela está com ela. Logo ela desce.
— Me desculpe, senhor – tratou de se corrigir Marcos. Havia
sido alertado por todos sobre o pai de Daniela. – Obrigado por me
receber em sua casa.
— Vamos, sente-se – pediu Patrício indicando um sofá. – Aceita
uma bebida?
— Não bebo, senhor.
Patrício olhou intrigado para o rapaz à sua frente.
— Não bebe nada de álcool?
— Não senhor.
— Pode falar a verdade. Uma bebida não vai fazer com que eu
fique contra o namoro de você e Daniela.
— Realmente não bebo. Não gosto de nada alcoólico.
— Tudo bem, então. Um suco? Água?
— Não, obrigado.
Patrício concordou com um aceno e se levantou para pegar uma
dose de uísque. Voltou a se sentar, analisando Marcos.
— Como você e Daniela se conheceram?
— Em uma balada. Fomos apresentados por Vivian – respondeu
tendo a certeza de que Patrício já sabia daquela informação.
— Amigo de Fabrício, não é?
— Isso mesmo. Nos conhecemos no colégio, quando ainda
éramos garotos.
— Você ainda é um garoto – sorriu Patrício. – Qual sua idade?
— Vinte e cinco anos.
— E o que você faz da vida?
— Estou me formado em medicina. Atualmente estou no
internato do sexto ano.
— Seu pai?
— Ele é cardiologista. É professor na mesma faculdade onde
estudo, além de possuir sua própria clínica.
— Excelente. Isso explica porque não bebe. Ele sabe que você
está saindo com uma Millar?
— Ai, ai! Já vi que está em uma sabatina – falou Daniela do meio
da escada. – Pai, pega leve!
Marcos sorriu e se levantou quando Daniela se aproximou. Deu
um beijo rápido nos seus lábios, antes de encarar Patrício
novamente.
— Não estou fazendo uma sabatina, Dani, quero apenas
conhecê-lo.
— O senhor? Sei bem – Daniela deu um risinho. – Encontrou
fácil o endereço aqui? – perguntou para Marcos.
— Sim, foi bem fácil. Coloquei no GPS.
— Bom, como vocês dois armaram isso pelas minhas costas,
nem preparei algo diferente. Minha mãe está em uma viagem pela
Europa, Helena chegou da Ásia hoje, tudo ficou na minha
responsabilidade – explicou Daniela. – Apesar que Joanna, nossa
governanta, já conhece tudo.
— Não precisa se preocupar com nada.
Daniela ainda ficou um tempo na sala com o pai e Marcos,
aguardando a descida de Helena. Assim que a irmã desceu as
escadas, manteve seus olhos nela, que foi até o aparador de
bebidas para se servir de uma dose de uísque. A morena virou em
um gole e tornou a colocar mais bebida no copo, antes de se virar
para encará-los.
— Podemos jantar – disse, somente, tomando a direção da sala
de jantar.
Daniela olhou para o chão e, depois, para Marcos.
— Lena é uma mulher de poucas palavras – repetiu o que tanto
ouvira antes.
Helena se sentou à mesa de jantar e deu mais um gole na
bebida, esperando que seu pai, irmã e Marcos também se
sentassem. Olhou demoradamente para o rapaz loiro e de olhos
azuis que despejava atenção para Daniela, tocando sua mão e
braço a todo momento. Fechou os olhos rapidamente, respirando
fundo: teria que aprender a conviver com o fato de que a irmã
arrumaria alguém, da mesma forma como poderia acontecer com
ela. De qualquer forma, ponderou que ter a consciência de que
Daniela se envolveria com outras pessoas, era bem diferente de ter
um babaca sentado ao lado da irmã.
— Daniela me disse que estava na Ásia, Helena – falou Marcos
tentando ser educado. – Onde esteve?
— Na Ásia – respondeu, encarando-o. – Você sabe manusear
algum tipo de arma?
— Armas? Não. Só bisturi.
— Daniela ficará sempre com um segurança, já que não pode
garantir a integridade dela. Algum problema com isso?
— Helena, não preciso de segurança, já falei com o pai...
— Helena tem razão – interferiu Patrício. – Alguém pode querer
me atingir através de você. Com Helena não me preocupo, sabe se
defender sozinha, mas você e sua mãe precisam de seguranças.
— Eu não vejo problema nisso, desde que não fique dentro do
quarto – brincou Marcos.
Um silêncio tomou conta da mesa, enquanto Helena e Patrício o
encarava.
— Me desculpe, foi uma piada infeliz.
Helena segurou a vontade de torcer seu pescoço. Tomou todo o
restante do uísque ainda o encarando.
— Não quero Daniela grávida por tão cedo. Se isso acontecer,
vou falar para Helena te matar.
Marcos deu um sorriso sem graça, olhando para Helena, que
também sorria na sua direção.
— Nossa, vocês dois são ótimos para receber alguém aqui!
Vamos mudar de assunto, por favor? – interferiu Daniela. – Helena
fala cinco idiomas, aliás nunca fiquei sabendo quais são. Que
línguas você fala, Lena?
— Isso não é uma informação importante – respondeu Helena
voltando a se concentrar na refeição.
— Ué, mas vocês são irmãs. Como não sabe?
— Acho que já deu para perceber que Helena é a pessoa mais
fechada que existe, não é?
— Inglês, espanhol, mandarim, francês e Russo – respondeu
Patrício. – Arranha em mais dois. Aliás é bom que volte a estudar
árabe.
— Sim senhor – concordou Helena.
— Mandarim e russo são línguas bem diferentes. Por que
escolheu estudá-las? – Marcos insistiu uma interação com Helena.
— Por causa dos negócios da família.
— Entendo.
— E o que você faz?
Helena não se interessou, genuinamente, pela resposta. Já tinha
percebido, pela postura e nervosismo de Marcos que era apenas um
rapaz interessado em impressionar o futuro sogro. Olhou para
Daniela que mantinha o olhar na sua direção e suspirou fundo,
enquanto o escutava falar sobre medicina, e deu um discreto aceno
na sua direção: iria tentar suportar por ela. Com a irmã namorando
talvez se tornasse mais fácil tirá-la da sua cabeça, afinal, ela
dedicaria mais tempo a ele e toda aquela loucura que sentiam ficaria
em segundo plano.
Depois da sobremesa chamou o pai para conversarem no
escritório. Assim que fechou a porta, Patrício foi para sua cadeira,
enquanto ia até a janela na parede oposta.
— O que achou desse menino? – perguntou o pai, pegando um
charuto na gaveta, junto com o cortador.
— Um homem normal. Todas as baboseiras que falou foi na
esperança de lhe despertar simpatia – respondeu se virando para o
pai. – Não dará trabalho algum, mas é alguém que não vai participar
de nada da família, a não ser para uma emergência médica.
— Eles podem terminar na próxima semana também. De
qualquer forma, vamos ficar de olho.
— Espero que não – suspirou Helena. – É bom que Daniela
tenha alguém. Pode se concentrar nas suas próprias coisas. Eu
quero fazer um pedido, pai.
— Faça.
— Quero voltar a ocupar meu apartamento. Ter o meu próprio
espaço.
— Pra você fazer seu antro de putaria lá? Eu sei que está saindo
com Michelle, filha de Theodoro. Se você inventar de oficializar
qualquer relação com ela, pode ter certeza que teremos um grande
impasse. Você não vai manchar o nome da família com essa pouca
vergonha.
— Não tenho interesse de levá-la para morar comigo, se essa é
a sua preocupação. Só quero ter o meu próprio espaço. Já tenho
trinta anos, é só...
— Arrume um babaca qualquer, case com ele, assim terá sua
própria casa. Até lá, viverá sob esse teto – interrompeu Patrício.
— Daniela já está aqui, pai, continuarei meu trabalho no
escritório da mesma forma...
— Encerramos esse assunto, Helena. Você não vai morar
sozinha porque não quero ninguém comentando sobre o tanto de
mulher que levará para lá. Você só sai dessa casa se casar com um
homem, estamos entendidos?
Helena baixou a cabeça, coçando os olhos.
— Sim senhor.
— Temos que falar com Victor. As mercadorias estão demorando
demais para chegar aqui. Podemos tentar um novo acordo.
— Ou podemos tomar a fronteira. Ele não vai mais liberar a
passagem para nossas operações e, nesse caso, a retaliação tem
que ser nossa.
— Como sugere? Um confronto direto?
— Eu cuido disso, não se preocupe. Vou passar um plano de
ação amanhã.
— Me fale mais sobre isso agora.
Helena ainda ficou mais um tempo com o pai no escritório,
discutindo o plano de ação que tinha para retomar os negócios da
família pela fronteira sul. Quando voltaram para a sala, encontraram
Daniela e Marcos conversando, sentados em um sofá. Assim que os
viram, se levantaram.
— Estávamos esperando seu retorno, senhor Millar. Estou indo,
obrigado pela noite – se adiantou Marcos.
— Será sempre bem-vindo nessa casa – respondeu Patrício. –
Quando tornarem essa relação oficial, quero que chame seu pai
para um jantar.
— Com certeza. Foi um prazer conhecê-la, Helena.
A morena apenas anuiu, ao esticar a mão em um cumprimento
formal. Ficou observando enquanto Marcos se despedia de seu pai
e tomava o caminho da porta com Daniela ao seu lado. Assim que
saíram para a área externa, subiu para o quarto e parou rente a uma
janela, olhando para fora. Percebia a distância que a irmã mantinha
do namorado, dando apenas um rápido beijo em seus lábios, antes
dele entrar no carro. Andou até o closet e tirou toda roupa,
colocando uma bermuda e uma regata. Voltou para o quarto e se
sentou sobre a cama, olhando para a porta.
Daniela entrou na casa, já tomando a direção do quarto de
Helena. Parou a subida da escada, ao escutar a voz do pai.
— Não entendi, pai.
— Gostei desse Marcos. Tem minha aprovação para namorar
com ele.
— Pai, não estamos mais no século vinte. Capaz que ele nem
volte mais depois dessa intimação.
— Você é uma Millar, Daniela, acha que qualquer um pode entrar
nessa casa?
— Se Marcos ao menos me ligar de volta, eu falo sobre o
privilégio que ele tem de entrar aqui.
— Boa noite, minha princesa.
— Boa noite, pai.
Daniela terminou de subir as escadas e intentou ir para o quarto
de Helena, mas mudou de ideia no meio do caminho. Entrou no
próprio aposento e seguiu para um banho rápido, para tirar o cheiro
do perfume de Marcos. Vestiu uma camisola para dormir e colocou
um robe por cima, antes de ir para o quarto da irmã. Assim que
entrou, enxergou-a sobre a cama, encostada contra os travesseiros
e com um livro na mão.
— Oi pequena. Algum problema?
— Como você está com isso? – perguntou indo se sentar ao lado
da irmã.
— Não estou contente, mas sabemos que é o melhor que pode
fazer. Seguir a vida.
— É sério Helena, olha pra mim.
Helena virou o rosto para encarar os olhos castanhos da irmã.
Acariciou seu rosto lentamente, tirando uma mecha de cabelo que
caia acima de seus olhos.
— Eu quero que fique bem, Dani. Se você estiver bem, eu estou
bem.
— Eu não estou bem, sabe disso. Estou saindo com um cara
que não gosto porquê... Porque quem eu gosto é proibida pra mim.

— Eu vou me acostumar com a ideia de que tem um namorado,


você vai se acostumar com ele, pode acabar gostando dele, ou
encontrando outro cara, não sei. Por mais que eu tenha tido vontade
de matá-lo toda vez que ele te tocou, eu sei que é o melhor pra
você.
— E o melhor pra você, Lena?
— Eu vou ficar bem, não se preocupe comigo.
— Tem certeza?
— Vem aqui, pequena – sorriu Helena puxando a irmã para se
apoiar contra seu corpo. – Criamos uma confusão com esses
sentimentos, talvez pelo fato de termos ficado impressionadas uma
com a outra, mas vai passar.
— Você... Você não sente algo mais forte? É tão difícil me
controlar perto de você! Como consegue fazer tudo ser mais
simples?
— Não é. Definitivamente não é nada simples, mas eu sei como
me controlar.
— Sabe mesmo? – provocou Daniela com um risinho. – E se eu
dormir assim, do seu lado? – perguntou tirando o robe.
Helena não controlou os olhos que desceram para conferir a
peça de roupa que Daniela mostrava. Uma curta e fina camisola,
deixando muito pouco para sua imaginação.
— Dani... Eu não...
A morena se calou quando a irmã tirou o livro repousado em seu
colo e montou sobre suas pernas.
— Eu sei que é errado, Lena, mas eu quero ficar com você.
Ninguém vai desconfiar de nada agora que estou saindo com
Marcos...
— Você está se escutando, Dani? Em uma única frase você
reuniu traição, incesto, mentiras.
— Eu não sei mais como controlar isso. Eu disse que preciso te
tirar da minha cabeça, mas a verdade é que quero você –
respondeu colando o corpo na irmã. – Eu quero ter você, nem que
seja uma vez. Preciso ter você.
Helena deixou as mãos passearem pelas coxas de Daniela,
sucumbida por suas palavras e caricias, ao mesmo tempo em que
sentia sua boca em seu pescoço novamente. O tesão começou a
falar mais alto que a razão quando sentiu ela erguer sua regata. A
respiração ficou alterada quando levantou os braços para fazer a
peça sair por sua cabeça. As mãos voltaram para o corpo de
Daniela, subindo pelo seu bumbum e tronco, enquanto beijava seu
colo. Fez a camisola subir para a cintura e a virou na cama,
descendo pelo seu corpo em delicados beijos. Sentiu os pés macios
em suas coxas, enquanto a mente outra vez entrava em pane.
Daniela tirou a camisola e sorriu ao ver Helena olhando para
todo seu corpo com evidente desejo no olhar. A puxou para ficar
frente a frente com seu rosto e umedeceu os lábios, antes de beijar
seu queixo, deixando a língua deslizar para seus lábios.
Uma batida na porta fez com que Helena saísse da cama em
menos de um segundo. Respirou fundo, olhando para a irmã,
praticamente nua na sua cama, e passou a mão no cabelo, antes de
responder à batida.
— Quem é?
— Posso entrar, Helena? – ouviu a voz de Patrício.
Daniela procurou rapidamente a camisola e o robe, assim que
escutou a voz do pai. Helena também vestiu a regata, antes de ir
para a porta. Se certificou que a irmã tinha terminado de se vestir e
a abriu para o pai.
— Ah, uma reunião de garotas – falou Patrício ao enxergar
Daniela sobre a cama de Helena.
— Estamos conversando sobre Marcos.
— Depois vocês continuam esse assunto. Quero falar com você
sobre o que vai fazer amanhã. Acabei de receber uma mensagem
de Peter, estão com um grande problema lá. Quero que vá resolver
isso primeiro.
— Sim senhor.
— Saia bem cedo. Quero resolvido até o meio dia.
— Tudo bem.
— Boa noite, Lena, boa noite Dani. Deixe sua irmã descansar.
Amanhã vocês conversam.
— Sim senhor – respondeu Daniela saindo da cama.
Esperou que o pai saísse e se virou para Helena. Se aproximou
da irmã, que fugiu ao contato.
— Consegue entender como isso é loucura? – perguntou Helena
se afastando. – Isso termina hoje.
Capítulo 08
Helena passou a noite em claro, se martirizando pela cena que
havia protagonizado com a irmã. Cada vez que se permitia levar
pelo desejo que sentia, estimulado pelos avanços de Daniela, se
sentia perdendo uma batalha interna. Suas defesas estavam
seriamente comprometidas com ela e se não tomasse uma decisão
drástica, perderia a guerra. Não podia desacatar a ordem do pai e
sair de casa, então teria que apelar para outros meios. Não
importava de que forma fosse, tinha que ficar longe da irmã.
Era seis horas da manhã quando saiu com dois seguranças em
direção ao escritório do tio, localizado do outro lado da cidade.
Desceu ladeada pelos seus homens e entraram no prédio, seguindo
diretamente para o andar onde funcionava uma parte importante de
agiotagem dos Millar. Assim que entrou no escritório, enxergou a
recepcionista, uma mulher de aproximadamente quarenta anos,
concentrada em uma xícara de café e em uma conversa paralela
com uma colega do trabalho.
— Bom dia – cumprimentou ao se aproximar da mesa.
— Só abrimos as oito da manhã – respondeu a mulher com
aparente displicência, voltando a atenção para a colega ao seu lado.
— Peter já chegou?
— Somente às oito horas.
Helena a encarou por poucos segundos, antes de concordar com
um aceno. Pegou o celular no bolso da calça e discou para o tio.
— Bom dia, Peter. Estou aqui no escritório e sua funcionária não
está colaborando com minha entrada. Preciso do acesso a sua
sala... Ok. Ligue para ela e fale para abrir para mim. Já providencie
a demissão dela também. Obrigada, nos vemos daqui a pouco.
A mulher olhou confusa para Helena e logo o telefone da sua
mesa começou a tocar. Apenas observou em silêncio enquanto a
mulher perdia a cor ao escutar Peter. Em questão de segundos ela
colocou o telefone no gancho, voltando os olhos na sua direção.
— Me desculpe, senhora, não sabia que é Helena Millar, sou
nova aqui e não conheço todos os rostos...
Helena não a respondeu; deu as costas e seguiu em direção à
sala de Peter. A nervosa recepcionista se adiantou com a chave em
mãos, liberando sua passagem. Pediu que um segurança ficasse do
lado de fora e outro dentro da sala. Foi direto para o computador e
abriu a bolsa de lona para pegar o aparelho que lhe permitiria
invadir o sistema do escritório. Estava em busca de um invasor que
havia coletado dados sigilosos sobre as operações que efetuavam.
Precisava descobrir se era algum acesso do governo ou de inimigos
que colecionavam.
O trabalho no computador foi interrompido com a chegada do tio.
Se levantou para cumprimentá-lo e retornou ao trabalho, procurando
a origem da invasão.
— Bom dia, Helena – cumprimentou Fabrício, também entrando
na sala.
Helena não se deu ao trabalho de se levantar, apenas respondeu
seu cumprimento de onde estava.
— Se precisar de alguma coisa é só me dizer – continuou
Fabrício, solicito.
— Preciso – respondeu sem desviar os olhos da tela. – Quero o
endereço de Marcos.
— Marcos? Por que?
Helena apenas o olhou por cima do computador. O rapaz
entendeu que não precisava daquela resposta.
— Eu vou anotar pra você.
— Não comente com ninguém.
— Tudo bem.
Helena recebeu o papel com a anotação alguns minutos depois.
Apenas olhou e gravou o endereço na cabeça. A atenção voltou a
se concentrar na busca do invasor, e a origem apareceu no meio da
manhã. Pegou o celular e discou para o pai.
— Encontrei a invasão. É de um computador do governo. Vou
fechar o escritório.
— Destrua todas as informações que tem aí. Encontre quem
permitiu o acesso, com certeza Peter tem alguma fruta podre
trabalhando para ele.
— Sim senhor.
Helena desligou a chamada e saiu da sala em busca do tio. O
encontrou na sala de reuniões com alguns homens.
— Cliente? – perguntou apontando para os dois homens ao
redor da mesa.
— Sim – respondeu Peter. – Algum problema grave, Helena?
— Dispense-os. Te espero na sua sala.
Peter acenou com a cabeça e fez o ordenado. Em minutos já
estava diante da sobrinha.
— Seu computador foi invadido pelo governo. Vamos fechar o
escritório agora. Quero que reúna todos os funcionários na sala de
reuniões.
— Um acesso do governo? Como?! – perguntou espantado.
— Isso que vou descobrir. Reúna os funcionários. Vou destruir as
informações da rede enquanto isso. Tudo o que tiver impresso
também será destruído.
— Tudo bem – concordou Peter balançando a cabeça em
sentido positivo.
Helena se concentrou em instalar um vírus para infectar e
destruir os dados dos computadores em rede. Deixou ele rodando e
foi para a sala de reuniões, onde os funcionários já aguardavam.
— O escritório será fechado – anunciou sem preâmbulos. –
Estão todos dispensados.
— Como assim, fechado? – perguntou a recepcionista. –
Fechado hoje, ou fechado, fechado?
— Fechado. Teve uma invasão nos computadores, porém eu já
identifiquei a origem. Um e-mail foi recebido no endereço da Camila.
Quem é Camila?
— Sou eu – se adiantou uma garota na casa dos vinte e três a
vinte e cinco anos. – Eu recebi um e-mail?
— Um e-mail que permitiu o acesso. Não posso deixar isso
passar nas operações dos Millar. Levem ela para o carro e arranque
a informação – pediu para os seguranças.
— Eu não sei de onde partiu isso, mas eu não passei nenhum
tipo de informação que, sei lá, seja comprometedora... Eu... Me
escuta, por favor!
Helena permaneceu olhando para os outros funcionários,
detectando feições de medo, repulsa, nojo, mas apenas um
apresentou traços de preocupação.
— Ninguém sai do escritório até que tudo seja destruído –
anunciou ao sair da sala.
Todos entraram em profundo silêncio ao verem a morena sair
pela porta acompanhada de Peter. Helena seguiu para fora com o
tio, até onde a mulher era mantida, amedrontada, no banco traseiro
do carro.
— Eu não fiz nada! Por favor, acredite em mim! – pediu Camila
chorosa. – Se você mexer no meu computador você vai ver que...
— Eu sei que não fez nada – interrompeu Helena. – Quem é o
rapaz ruivo de olhos claros? Ele tem contato direto com você?
— Roberto? Ele me ajuda com algumas coisas quando tenho
dificuldade de entender as informações que o senhor me passa –
falou se dirigindo a Peter.
— Quem é esse cara, tio?
— Não tem muito tempo que ele trabalha com a gente. Precisava
de alguém para cuidar do administrativo e ele apresentou um bom
currículo. Inclusive ajuda o pessoal quando... Filho da puta! Ele
arrumou meu computador semana passada!
— Sério, Peter? Passa os seus dados para qualquer
funcionário?!
— Que merda!
Helena não respondeu nada, apenas saiu do carro,
acompanhada de um segurança e do tio, voltando para o escritório.
Conferiu o vírus em todas as máquinas e a destruição dos arquivos
impressos, antes pedir que levassem as cpus, notebooks e hd
externos para o carro do tio. Assim que o escritório foi esvaziado,
voltou a reunir os funcionários.
— Alguém entrará em contato com vocês para passar
informações do que será feito. No máximo até amanhã à tarde.
Estão todos dispensados – anunciou Helena sentando-se em uma
cadeira. – Você aguarde um pouco, Roberto.
O rapaz ruivo assentiu, sob o olhar da morena, enquanto o
escritório ficava vazio. Depois que os seguranças confirmaram que
haviam deixado o andar, fechou a porta do escritório mantendo os
dois seguranças e o tio dentro.
— Pra quem você trabalha, Roberto? – perguntou mantendo a
voz em tom baixo.
— Não sei do que está falando, Helena, eu trabalho aqui tem
dois meses, direto com Peter.
Helena concordou com a cabeça, antes de se levantar e tirar o
casaco do terninho. Arregaçou as mangas da camisa até o cotovelo
e andou na sua direção.
— Eu vou perguntar de novo: pra quem você trabalha? Há
quanto tempo passa as informações do escritório para fora?
— Eu não trabalho com ninguém! Eu não sei...
— Vigie do lado de fora – pediu se virando para um segurança. –
Tio, se não quiser participar, pode sair agora. Depois meu pai
conversará com você. Providencie sacos de lixo grandes.
Peter saiu do escritório sem responder a sobrinha. Parou do lado
de fora e passou a mão na cabeça, pensando no que falaria para
Patrício. O fechamento do escritório iria causar um dano grande nas
contas dos Millar e não estava disposto a bater de frente com o
irmão mais velho, menos ainda sofrer uma retaliação sua. Se
assustou quando escutou o primeiro grito de dor, vindo de dentro da
sala de reuniões. Decidiu que o melhor que poderia fazer naquele
momento era ir para sua sala e tomar um copo de uísque.
Daniela levantou preguiçosa naquela manhã. Havia dormido
pouco durante a noite e conseguira pegar no sono, efetivamente,
quando o dia já estava quase amanhecendo. Abriu as cortinas da
janela do quarto e enxergou o céu nublado e o dia cinza que
prometia chuvas. Passou as mãos nos braços, contento um leve frio
e fechou os olhos. Estava tentando não pensar em Helena, mas
toda vez que tentava desviar a cabeça para qualquer outra coisa,
era a imagem dela que predominava, seus toques em seu corpo,
seu hálito quente no seu pescoço, sua boca beijando sua pele.
Naquela noite havia pesquisado sobre incesto. Ao colocar a
palavra no buscador, a primeira coisa que apareceu foi uma
infinidade de pornografia que a deixou enojada. Quando refinou a
busca, encontrou apenas matérias de pessoas que haviam
enfrentado tal condição por amor, sempre com enxurradas de
comentários negativos. O que havia encontrado mais perto de algo
plausível era a pratica de incesto para manter a linhagem e os bens
em família, tornando-as mais poderosas: tudo isso no século XVI,
XVII, o que definitivamente não era o caso. Estavam no século XXI
e ali não havia linhagem a ser resguardada, menos manutenção de
patrimônio na família. Talvez fosse uma opção procurar um
psicólogo. Marcos estava se formando em medicina, talvez pudesse
lhe indicar um. Desistiu da ideia na mesma hora em que surgiu: não
podia pedir ajuda a ele, visto que não iria explicar o motivo e tinha
que ter segurança que ninguém nunca contaria nada daquela
loucura a alguém conhecido. “O que faço com você, Helena?” Se
perguntou baixinho.
— Bom dia, Dani! – cumprimentou Joanna ao ver a jovem descer
as escadas. – Já vai tomar café? Vou pedir para as meninas lhe
servirem.
— Eu como na cozinha. Não precisa preparar a mesa por minha
causa.
— Não se incomoda com isso?
— De maneira nenhuma. Meu pai e Helena saíram cedo, não é?
— Sim, seu pai foi para o escritório e Helena resolver algum
problema fora, não sei. Saiu mais cedo que ele. Pretende fazer
alguma coisa hoje?
— Vou começar a colocar no papel a ideia que tenho de fazer
minha marca de roupas. Preciso ver bastante coisas.
— Achei que ia trabalhar no escritório, não sei, formada em
administração.
— Meu pai não me quer no escritório. Também prefiro ficar de
fora. Sei bem que... Os negócios da família não se encaixam no
meu perfil.
— Está certa.
— Bom, vou comer, depois vou ficar no escritório. Quando
Helena chegar, se ela chegar mais cedo, me avise?
— Aviso.
Daniela apenas anuiu e tomou a direção da cozinha. Tomou café
rapidamente e seguiu para o escritório do pai. Se sentou ao
computador, pegou um bloco de notas e uma caneta, antes de ligar
a tela. Durante todo o restante da manhã fez a pesquisa sobre a
criação da sua marca de roupas. Havia estudado um pouco de
moda, mas isso não era o ponto principal: poderia contratar uma
estilista para desenhar suas peças, tinha como contratar um time de
costureiras competentes e podia abrir a loja, tudo pela facilidade do
dinheiro da família. O pai poderia lhe arrumar a quantia que pedisse,
sabia que ele não faria qualquer objeção. Só tinha que arquitetar
todo o plano de ação e por onde começaria. Por alguns momentos,
conseguiu deixar Helena em segundo plano.
Uma ligação de Marcos desviou sua atenção do trabalho perto
do horário do almoço. Foi para a janela observar a fina garoa que já
começava a cair enquanto o ouvia falar sobre um caso que havia
pegado na emergência e resolvido sozinho. Tentou passar
entusiasmo na voz, mas na maior parte da conversa apenas
concordou com onomatopeias, estimulando que ele continuasse a
falar sem precisar de uma interação de sua parte. Sua atenção foi
totalmente tirada da ligação quando escutou um carro chegar na
casa. Cortou Marcos com uma desculpa e saiu do escritório, para
ver quem havia chegado. Assim que alcançou a sala viu apenas as
pernas que terminavam de subir as escadas.
— Helena? – perguntou para Joanna que também entrava na
sala.
— Sim.
Sorriu na direção da mulher e subiu atrás da irmã. Caminhou
direto para o quarto de Helena e entrou sem bater. Pelo barulho
percebeu que ela estava no banheiro. Seguiu direto para a porta,
enxergando-a de costas para a entrada.
— Lena, eu quero falar com você...
Helena ficou paralisada ao ouvir a voz da irmã à suas costas.
— Você tem que bater na porta antes de entrar, Dani – falou sem
se virar. – Você pode me dar licença? Depois conversamos.
— Helena, fala comigo! Eu não quero que fique estranha comigo
por causa de ontem – insistiu Daniela adiantando um passo para
tocar o ombro da irmã.
— Eu vou tomar um banho primeiro, pequena – falou Helena se
virando.
A primeira reação de Daniela foi uma expressão de surpresa,
seguida de espanto e preocupação. Helena estava toda suja de
sangue, visto claramente na camisa que ela já tinha aberto.
— Você se machucou? – perguntou expressando toda sua
preocupação. – O que aconteceu, Helena? Te feriram?! – finalizou
se adiantando, tentando tocar Helena, que fugiu ao contato.
— Eu estou bem. Eu preciso tomar um banho agora.
— Esse... Esse foi o assunto que foi resolver de manhã? Tem
certeza que não está machucada?
— Me espera no quarto, pequena, por favor – insistiu Helena.
Daniela ainda a encarou por alguns segundos antes de sair do
banheiro. Parou no meio do quarto, passando a mão no cabelo,
ainda assustada por ter visto Helena daquela forma. Havia escutado
rumores, pelos familiares, que a irmã era extremamente perigosa e
impiedosa com os inimigos da família, mas, de rumores a vê-la
coberta de sangue, era uma distância muito grande. Se sentou na
cama, com os olhos grudados na porta do banheiro e a mente ainda
em choque pela cena que tinha visto: era impensável que Helena
fosse igual ao pai, não conseguia ver maldade nela, por mais que
tudo indicasse isso.
A porta do banheiro abriu e Helena saiu, enxergando a irmã
sentada na ponta da sua cama. Deu um olhar demorado na sua
direção antes de ir para o closet. Pegou uma calça e camisa pretos,
e se vestiu pensando em Daniela esperando-a no quarto. Queria
poupar a irmã, mas, mais cedo ou mais tarde, ela veria quem era,
de fato.
— Você... Você matou alguém? – perguntou Daniela em tom de
voz baixo, olhando para Helena que saia do closet.
— Você precisa de alguma coisa, pequena? – tornou outra
pergunta, se desviando do assunto. – Eu tenho que voltar para o
escritório.
— De respostas. Você matou alguém?
— Não creio que esse seja um assunto do seu interesse, Dani.
Meu trabalho é algo com que não deve se preocupar.
— O pai tinha razão. Você foi criada para tomar conta daquele
escritório, fazer todas as coisas que ele faz – Daniela não conseguiu
conter a lágrima que escorreu sobre seu rosto. – Você pode
escolher outra coisa, Helena. Podemos fazer outra coisa.
— Não precisa se preocupar comigo, pequena. Eu sei me cuidar.
— Eu... Eu tenho medo que algo aconteça a você! Eu não sei o
que aconteceu, mas e se algo te atinge?! Não sei, um tiro!
— É a primeira vez que me vê assim e ficou impressionada –
respondeu Helena se adiantando para acariciar o rosto da irmã.
Secou a lágrima que havia descido até sua mandíbula.
— Isso é normal pra você? Chegar em casa coberta de sangue?!
— Eu te prometo que nada vai acontecer. Eu tenho que
continuar o trabalho agora. Acumulou algumas coisas com a minha
viagem.
Daniela inclinou o rosto para a mão da irmã, ainda repousada em
sua pele. Deu um beijo nela, antes de erguer os olhos para encará-
la. A outra mão de Helena foi para sua cabeça, levando uma mecha
de cabelo para detrás da sua orelha. Se prendeu no olhar verde que
a encarava com intensidade e concordou com um aceno
imperceptível de cabeça.
— Volte, sã e salva, todos os dias para casa – pediu Daniela
pousando a mão na perna de Helena. – Volte pra mim sempre bem.
Helena não se conteve diante da ternura que Daniela
expressava em seu olhar. Se abaixou lentamente perscrutando seu
rosto. A mão da irmã foi para o seu braço, acariciando-o ao mesmo
tempo em que a puxava delicadamente. Deixou seu rosto encostar
no da jovem e roçou com leveza, sentindo a maciez e o perfume de
sua pele. Tornou a se afastar para encarar os olhos castanhos, tão
próximos aos seus, a boca entreaberta, a respiração fora de
controle. Não havia nada que pudesse fazer, a não ser fechar os
olhos e buscar sua boca em um leve roçar de lábios. Tornou a dar
outro leve beijo antes de se afastar e beijar sua testa.
— Hoje eu não volto para casa – anunciou sem olhar para a
irmã. – Se cuida, Dani.
— Você também, por favor.
Helena parou na porta do quarto e a abriu. Antes de sair olhou
demoradamente para Daniela e apenas concordou com um aceno,
antes de tomar a direção das escadas.
Daniela deixou o corpo cair na cama e mirou o teto, ao mesmo
tempo em que tocava seus lábios com as pontas dos dedos. Abriu
um sorriso, ainda sentindo, nitidamente, a boca de Helena na sua.
Se virou sobre o edredom que forrava a cama e pegou o travesseiro
da irmã, aspirando, profundamente seu cheiro. “Por que não me
parece tão errado? Por quê?!”
Capítulo 09
Helena saiu da casa e entrou no carro que já a esperava. Se
encostou contra o banco e olhou para a mão, que mantinha fechada
com força. Respirou fundo e esticou os dedos para que o sangue
voltasse a circular por ela. Durante todo o trajeto até o escritório, a
única pessoa que predominava em sua mente era Daniela. Sabia
que a irmã estava sofrendo com o que estava sentindo, isso era
bem nítido em seu rosto, na forma como falava. Cabia a ela, como
irmã mais velha, a responsabilidade de cuidar dela, mas como fazer
isso se era ela própria que estava causando aquilo? Se sentia a
mesma coisa? Tentava, de todas as formas, achar uma resposta,
mas não conseguia chegar a nenhuma. Não havia caminhos a
seguir.
Durante todo o restante da tarde, manteve sua atenção no
trabalho do escritório. Peter havia ido para lá, e se reuniram para
contornar a situação que a invasão do sistema havia causado.
— O que Roberto falou, Helena? – perguntou Patrício encarando
a filha.
— Que ele trabalhava para a polícia federal. A movimentação
financeira da família levantou suspeitas e ele foi colocado lá para
investigar. Ele abriu o acesso do nosso sistema para que pudessem
pegar arquivos. Não tinham como fazer se não tivessem acesso de
um computador do escritório – respondeu Helena. – Ele falou o que
sabia, mas tenho certeza que ele não sabia de tudo. Foi um ataque
muito especifico. Se a polícia federal estivesse investigando nossa
movimentação, certamente nosso contato teria passado. Acredito
que tenha alguma coisa por trás, algo que ainda não consegui
enxergar.
— Vou deixar que tome conta disso. Preciso de respostas. O
corpo desse rapaz não pode ser encontrado.
— Não será. Colocamos em uma solução para dissolver o corpo
– respondeu indiferente. Em três horas decidiram que retomariam as
atividades em outro endereço, com novos funcionários.
— Excelente. Bom, encerramos por hoje – anunciou Patrício. –
Amanhã damos continuidade nisso. Quero esse escritório aberto até
o início da próxima semana.
Helena concordou com um aceno e esperou que o tio se
despedisse do pai. Quando ficaram sozinhos, conversaram sobre a
operação de contrabando que estava com problemas. Alguns
homens já faziam todo o reconhecimento da rotina de Victor: iria
resolver aquele problema no fim de semana.
Depois de uma hora, Helena saiu do escritório e desceu para a
frente do prédio, onde um carro já a esperava. Passou o endereço
de Michelle e tratou de bloquear a mente tanto de trabalho, como de
Daniela.
— Nossa, resolveu dar o ar da graça, Helena Millar? – ironizou
Michelle ao abrir a porta do apartamento.
— Estava viajando e sabia disso – respondeu ao enlaçar a
cintura da ruiva, depois de fechar a porta.
— Eu sei, mas chegou ontem. Estava esperando sua vinda
ontem – falou já sentindo a boca de Helena no seu pescoço, ao
mesmo tempo em que abria o botão e o zíper do seu short. –
Chegou toda cheia de tesão?
— Muito – Helena enfiou a mão por dentro da peça, fazendo-a
deslizar por suas pernas. – Foram trinta dias longe.
— E não ficou com nenhuma mulher por lá? Conta outra! Não
estava se guardando pra mim.
— Não fiquei. Estava concentrada em outra coisa.
Michelle se virou, encarando os olhos verdes. Sorriu para
Helena, buscando sua boca em um beijo luxurioso, ao mesmo
tempo em que desabotoava sua camisa. A morena conduziu-a até o
sofá e fez com que se deitasse, parcialmente, já sentindo seu peso
sobre seu corpo.
— Seu filho não está em casa, não é? – Helena perguntou para
se certificar da liberdade que teria.
— Não, está com o pai.
Helena sorriu em resposta e terminou de tirar sua camisa, antes
de volta sua atenção para Michelle. A despiu enquanto a boca
explorava seus lábios, pescoço e colo. Tirou seu sutiã e tomou seu
seio, beijando-os, sugando com desejo. Os gemidos de Michelle
começaram a tomar conta do apartamento enquanto sua exploração
ficava mais intensa. Terminou de despi-la e se ajoelhou no chão,
puxando suas pernas para seus ombros. Deu um sorriso na direção
da ruiva, antes que sua boca a tomasse em um oral.
O dia amanheceu com as duas mulheres enroscadas entre os
lençóis. Helena esticou a mão e pegou o celular ao lado da cama,
para conferir as horas. Enxergou uma mensagem de Daniela, mas
optou por não abrir naquele momento. Tornou a deixar o aparelho
de lado e enlaçou a ruiva, beijando seu pescoço.
— Bom dia – sussurrou quando percebeu que Michelle havia
acordado. – Eu tenho que ir.
— Já? Que horas já são?
— Seis e meia da manhã. Ainda está cedo. Volte a dormir se não
tiver nenhum compromisso.
— Vou voltar – anuiu Michelle se virando para enxergar Helena.
– Vai se arrumar, vou preparar um café.
— Não precisa. Eu tomo no escritório.
— Será rápido.
Helena concordou com um aceno e beijou os lábios da ruiva,
antes de sair da cama e ir para o banheiro. Michelle também
levantou, colocou um roupão e seguiu para a cozinha. Ao passar
pela sala, enxergou as roupas esparramadas e deu um sorriso ao se
lembrar do tesão com que Helena havia chegado: era um bom sinal.
Estava, genuinamente, envolvida pela morena e queria mais do que
apenas pegação com ela. Talvez aquilo já fosse um começo.
Depois de meia hora, Helena já estava arrumada para sair para
o escritório. Tomou o café que Michelle havia preparado, reuniu
seus pertences e seguiu para a porta da sala ao lado da ruiva.
— Quando estiver com aquele tesão incontrolável novamente,
basta vim aqui – sorriu Michelle ao enlaçar seu pescoço com os
braços. – Só me mandar uma mensagem antes. Adorei a noite que
tivemos.
Helena encarou seus olhos azuis por poucos segundos, antes de
buscar seus lábios para um beijo.
— Quer sair para jantar hoje?
Michelle perscrutou o rosto de Helena, que esperava uma
resposta. Deu um sorriso, beijando-a outra vez.
— Será ótimo.
— Passo para lhe pegar as nove da noite.
— Estarei te esperando.
Helena anuiu e a beijou uma última vez, saindo do apartamento.
Na frente do prédio, o carro já a aguardava e entrou, pensando na
ruiva que havia acabado de deixar. Talvez fosse de bom tom ter um
contato maior com ela: não havia pensado tanto em Daniela
enquanto estivera com ela, logo se tivessem um contato maior, a
probabilidade de acabar esquecendo a forma como via a irmã, era
grande.
O celular vibrou e abriu para enxergar uma mensagem do pai.
Ele estava questionando sua ausência e queria saber que horas
chegaria no escritório. Apenas respondeu que estava a caminho. A
outra mensagem, ainda sem abrir, era a que Daniela havia lhe
mandado durante a noite.
“Espero que tenha uma boa noite” leu. “Entendo o que está
fazendo e mesmo que isso me doa, de saber que está com alguma
mulher, sei que é o melhor para nós. Te adoro”.
Helena deu um suspiro e leu a mensagem, uma segunda vez,
antes de guardar o celular. Era o melhor para as duas: ela com
Michelle, Daniela com Marcos, nada de laços sanguíneos e desejos
proibidos.
Naquela semana Helena voltou pouco para casa, passando mais
tempo no apartamento de Michelle. Às vezes em que ia, era
somente para pegar roupas e poucas vezes tinha visto Daniela.
Soube, por Joanna, que a irmã estava cuidando da abertura da sua
marca e passando algumas noites fora. Helena sabia onde ela
estava nessas noites, sempre acompanhada de Marcos, segundo o
homem que vigiava o apartamento do médico e Javier, que cuidava
da segurança da irmã. O pai, por duas vezes, havia dito que sabia
que estava passando as noites com a ruiva. Tinha certeza que tinha
alguém vigiando seus passos, mas era algo que não a incomodava.
Sabia que o pai não faria nada contra Michelle, uma vez que era
filha de Theodoro, parceiro da família no ramo de jogos: seu
escritório também era forte e nenhum dos dois estava disposto a
começar uma guerra.
No final de semana, como havia dito ao pai, foi resolver o
problema com Victor. Não haveria acordos entre eles e o melhor era
eliminar o chefe do comando. Já com a rotina dele estabelecida,
analisou por todo o sábado, onde seria melhor atacá-lo. Sua brecha
surgiu no domingo, quando ele foi correr no parque pela manhã. Os
seus seguranças sempre ficavam mais afastados e se vestiu, com
boné e óculos escuros, fingindo que também estava praticando
exercícios físicos. O seguiu discretamente e, quando já estavam
mais afastados dos seus homens, apertou a corrida, para se
aproximar.
— Bom dia, Victor – cumprimentou ao tocar seu braço.
O homem se virou e Helena agiu rapidamente ao pegar uma
seringa do bolso do casaco e injetar no seu pescoço.
— Com os cumprimentos de Patrício Millar.
— Helena... – balbuciou o homem, antes de começar a
cambalear.
Helena seguiu o caminho, atenta aos seguranças que já
observavam o chefe cair. Correu com mais vigor em direção à saída,
onde um carro já a esperava. Assim que entrou, se abaixou sobre o
banco, respirando fundo. Tirou o boné e os óculos escuros,
enquanto se afastavam em velocidade, e discou para o pai.
— Está feito, pai – disse somente, desligando em seguida.

Mais uma semana se passou sem que Daniela visse Helena.


Olhou, resignada, pela milésima vez para o relógio que já marcava
oito horas da noite e nada da irmã voltar para casa. Estava na sala
de jantar com o pai e ele falava, empolgado da volta de Rose, que
aconteceria na semana seguinte. Por algum motivo, não conseguia
ver uma genuína empolgação em sua voz. Talvez o fato se desse de
que sua mente estava concentrada na irmã, na ausência que sentia,
dia após dia, que ela passava fora. No começo achou que poderia
se acostumar, mas as noites sempre eram uma tortura. Imaginava
aonde ela estaria, com quem estaria e o pior: se já estava mudando
a forma como a via.
— Onde Helena tem passado as noites, pai? – cortou o assunto.
Patrício olhou demoradamente para a filha enquanto levava a
taça de vinho à boca para ganhar tempo. Deu um gole pensando em
qual resposta daria a Daniela. Não podia dizer que Helena estava
passando noites seguidas na casa de Michelle e outras em hotéis e
no apartamento que mantinha no centro da cidade.
— Não sei – respondeu ao limpar a garganta. – Talvez com
algum namorado por aí.
Daniela apenas concordou com um aceno, encarando o pai.
Sabia que aquilo era uma mentira, percebera sua hesitação ao falar.
Patrício Millar sempre sabia de tudo e era impossível que não
soubesse do paradeiro de Helena. Ele sabia que ela estava com
alguma mulher.
— Eu vou subir para o quarto, estou com uma dor de cabeça
forte. Vou falar com Marcos e tentar dormir um pouco.
— Está certo. Eu vou resolver um problema do escritório essa
noite, acredito que volte bem tarde. Qualquer coisa, fale com
Joanna.
— Pode deixar. Tenha uma boa noite, pai.
Patrício correspondeu ao cumprimento de despedida da filha
com vontade de torcer o pescoço de Helena, sempre desafiando-o
sobre suas ordens. “A fruta nunca cai longe do pé” pensou irônico.
Nolan era um dos seus soldados mais leais, e também o mais
rebelde. Sabia que àquela hora ela estava com Michelle, sabia
exatamente em qual restaurante estavam naquele momento. Pegou
o celular e mandou uma mensagem para a filha.
“Quero você em casa, no máximo até a meia noite. Terá
consequências se não aparecer”.
Daniela entrou no quarto e seguiu até o closet, para colocar uma
confortável camiseta para dormir. Tentaria, ao menos, já que dormir
era algo que pouco estava fazendo nas duas últimas semanas,
desde que havia beijado Helena. “Aquilo nem foi um beijo, Dani” se
exorcizou “apenas um selinho”.
O telefonema para Marcos foi rápido: ele estava fazendo plantão
no pronto-socorro atendido pela faculdade onde estudava e não
podia ficar muito tempo no telefone com ela. Não era algo que
queria também. Falou a mesma coisa que havia dito ao pai sobre a
dor de cabeça e se despediram, com a promessa de saírem na noite
seguinte.
Daniela colocou o celular para carregar e ficou perambulando
pelo quarto, com a cabeça funcionando de forma desordenada.
Estava com saudades de Helena: a irmã pouco havia ficado na casa
depois da viagem. Entendia o afastamento dela, era algo que
também devia fazer, mas se via, cada vez mais, mais saudosa e
angustiada ao pensar na irmã mais velha. “Talvez eu realmente
tenha que procurar um psicólogo” ponderou “Isso não é nada
normal”.
Depois de vagar sem fim pelo quarto, passou a explorar a casa.
O pai já havia saído, pois escutara o barulho de carro e, como já
tinha perdido a esperança de Helena ir para casa, só podia ser ele
saindo. Parou no escritório e ficou observando a quantidade de fotos
esparramadas pelo local, na maioria dela, quando criança, e dos
pais. Tinha apenas uma da irmã, provavelmente tirada em alguma
festa, junto com o pai e a mãe. Sorriu para a pose sisuda que ela
apresentava: realmente era uma mulher de pouca interação social.
Alisou a foto com a ponta dos dedos e deu um suspiro demorado
encarando os olhos verdes. Pegou o portá-retrato e subiu para o
corredor dos quartos, mas ao invés de entrar, seguiu direto para o
quarto de Helena. Deixou a fotografia sobre a cama e foi até o
closet, pegou o perfume que ela costumava usar e uma camisa
pendurada em um cabide. Espirrou na peça, antes de voltar para a
cama e se enfiar embaixo do edredom. Posicionou o portá-retrato na
mesinha de cabeceira e ficou olhando para a irmã, ao mesmo tempo
em que sentia seu perfume, até cair no sono.
Helena entrou na casa e seguiu direto para o quarto. O relógio já
marcava duas e meia da manhã e torcia para que Daniela já
estivesse dormindo. Javier havia lhe dito que ela estava em casa,
visto que Marcos tinha plantão naquela noite. Entrou no seu
aposento e ficou travada, já na porta: a irmã estava deitada em sua
cama e a fraca luz do abajur delineava seu corpo na escuridão.
Andou devagar e enxergou o portá-retratos que ficava no escritório.
Não pode deixar de abrir um sorriso ao ver uma de suas camisas
junto a ela, enrolada em sua mão. “O que faço com você, pequena?”
se perguntou enquanto conferia sua respiração pesada, indicando
que estava profundamente adormecida. Seguiu para o banheiro e
tomou um rápido banho, antes de ir para o closet e colocar uma
roupa confortável para dormir. Voltou para o quarto e se sentou na
poltrona, observando a irmã. Por mais que tentasse fugir, sentira
sua falta naqueles dias em que havia passado fora. Estava
chegando à conclusão que, independentemente do tempo que
passasse longe, o que sentia por Daniela parecia cada vez mais
intenso e sólido.
Helena levantou da poltrona e seguiu em passos leves para a
cama. Puxou uma ponta do edredom e deitou devagar, tentando não
fazer barulho e nem movimentos bruscos para acordá-la. Deu um
leve beijo no seu ombro, ao mesmo tempo em que o braço enlaçava
sua cintura, puxando-a mais para si. Suspirou fundo, inalando o
cheiro da irmã como um entorpecente que tirava toda a noção do
que estava fazendo. Apoiou a cabeça contra sua nuca e passou
parte da noite velando seu sono.
Daniela acordou e a primeira coisa que sentiu foi o corpo
grudado no seu. Se virou e enxergou Helena adormecida ao seu
lado. Não conseguiu conter o enorme sorriso que permeou seus
lábios. A abraçou, sem se preocupar que a acordaria, e deu um
beijo no seu rosto e pescoço ao mesmo tempo em que subia sobre
seu corpo.
— Bom dia também, pequena – sussurrou Helena.
— Você voltou!
— Eu moro aqui. Inclusive está fazendo uso do quarto errado.
— Estou no lugar certo hoje – respondeu Daniela dando um leve
beijo nos seus lábios, por puro impulso.
Helena ficou completamente desperta no mesmo instante.
Afastou a cabeça para enxergar o rosto de Daniela, parcialmente
escuro por causa da cascata de cabelos castanhos que caia como
um véu entre as duas.
— Dani...
— Desculpa – pediu ainda montada em seu corpo. – Me
empolguei.
Helena ficou encarando-a e afastou seus cabelos para que a luz
do amanhecer pudesse clarear suas feições.
— Não se desculpe – sorriu ao sentir-se aquecida com o olhar
que ela lhe direcionava. – Só não... Não podemos...
— Você está certa – concordou Daniela. – Não podemos.
Helena concordou com um aceno, mas não desgrudou os olhos
do rosto da irmã. As mãos, apoiadas em sua cintura começaram a
acariciar lentamente seu corpo, subindo para as costas e descendo
até abaixo a linha do quadril. Como se fosse um imã, não conseguia
ter forças para tirar Daniela de cima, da mesma forma que ela não
se movimentava para sair, pelo contrário, os movimentos do seu
corpo começaram tímidos, rebolando o quadril lentamente sobre seu
sexo, enquanto mantinha um olhar intenso. Tentou manter as mãos
nas suas costas, mas desobedientemente, elas desceram para o
seu bumbum, acompanhando o ritmo lento, mas vigoroso que ela
mantinha. Daniela ergueu o tronco, apoiando a mão esquerda em
sua barriga, ao mesmo tempo em que a direita foi levantar a
camiseta, fazendo ela se amontoar na cintura. Helena umedeceu os
lábios ao enxergar a pequena calcinha que ela usava.
— Dani... Por favor, Dani, eu não vou conseguir me controlar...
— Eu não quero que se controle. Eu penso tanta coisa quando
está longe, até penso em consultas com psicólogos, mas é só você
estar perto e eu esqueço tudo. Eu tento, Lena, mas não posso
evitar. Não quero evitar.
— Você sabe que isso...
— Schiii... Não precisa fazer nada, eu faço.
Helena se calou ao sentir Daniela se movimentar com mais
entusiasmo, mais forte contra seu corpo. As mãos criaram vida
própria ao apertar seu bumbum, estimulando-a a continuar. Não fez
objeção quando a morena puxou sua camiseta para cima e a ajudou
a tirá-la pelos braços. Jogou a peça de lado e as mãos voltaram
para o corpo sobre o seu. Daniela tirou a própria peça e Helena
pode contemplar seus seios redondos, em um tamanho perfeito e já
tesos. O último resquício de sanidade foi embora quando levou a
mão direita até eles, acariciando-os.
Helena virou Daniela na cama, colocando-a de costas a ela. A
boca passou a explorar seu pescoço e ombro, enquanto os gemidos
baixos tomavam conta do quarto. Não podia conter a própria
excitação ao sentir a bunda encaixada no seu quadril,
enlouquecendo-a com o rebolado. Percebeu quando Daniela
começou a se masturbar, com a mão dentro da calcinha e deixou
que a sua própria se juntasse a dela, acompanhando os
movimentos que seus dedos faziam sobre o clitóris. Não conteve os
próprios gemidos de prazer ao sentir o quanto ela estava molhada,
minando desejo e tesão. Daniela tirou a mão para que somente a
sua ficasse em seu sexo e pressionando-a mais contra seu corpo,
deixou dois dedos penetrá-la. O gemido mais alto foi acompanhado
com a satisfação de senti-la completamente entregue daquela
forma. Os movimentos dentro do seu corpo ficaram mais intensos
quando ela apoiou a perna na sua, ficando totalmente aberta para
que sua exploração fosse completa. Os beijos no ombro e pescoço
continuaram intensos, acompanhando toda a excitação que sentia.
Quando sentiu o corpo de Daniela dar sinais do gozo iminente,
grudou a boca na sua pele, provando, com pura satisfação ela
apertando seus dedos com a vagina em um gozo forte, guardado
para ela por muito tempo.
Daniela deixou a cabeça tombar no travesseiro, respirando
fundo. Não ficou muito tempo inerte: logo sentiu Helena sobre seu
corpo, deixando-a de bruços. A irmã posicionou uma perna no meio
das suas e encaixou o sexo contra sua bunda. Se empinou para ela,
sentindo-a se esfregar com vigor. Gemeu contra o travesseiro,
sentindo todo o peso de Helena investindo contra ela. Não demorou
para ela também chegasse ao gozo e nem mesmo havia terminado
de tirar suas roupas.
Helena deixou o corpo cair sobre Daniela, respirando fundo
contra sua nuca. A acariciou lentamente, antes de rolar para o lado
e encarar o teto. Ficaram em silêncio durante um longo tempo e o
único som no quarto, era a respiração das duas.
— O que fizemos, pequena? – perguntou Helena com profundo
pesar.
Capítulo 10
— Lena, não...
— O que nós fizemos?! – Helena tornou a perguntar ao sair da
cama, olhando para as próprias mãos. – O que eu fiz?!
— Você não fez nada de errado! Nós quisemos o que aconteceu!
– respondeu a jovem saindo da cama. – Será que não consegue ver
que não conseguimos controlar o que sentimos?!
— Se veste. Sai daqui, por favor, se veste e sai desse quarto,
Daniela!
— Helena...
Helena se afastou quando Daniela tentou tocar seu braço. Não
conseguia olhar para a irmã depois do que tinha feito: havia
sucumbido ao desejo e a arrastado para ele.
Daniela recolheu a camiseta e a vestiu, olhando para a morena
que continuava a andar pelo quarto, desordenadamente. Caminhou
para a porta e antes de sair parou, respirando fundo.
— Saiba de uma coisa, Lena, eu adorei o que tivemos aqui.
Helena se virou para encarar a irmã e a observou sair do quarto
depois de alguns segundos. Deu vazão a raiva que estava sentindo
de si mesma e jogou um vaso contra a parede, fazendo ele se
estilhaçar. Não conteve a onda de choro que a acometeu pelo que
tinha feito a Daniela. Se sentou em um canto e deixou as lágrimas
saírem em profusão. Não havia sido forte o bastante para conter o
que estava sentindo, não havia conseguido resistir ao seu próprio
desejo. Se odiava por aquilo de uma forma que nunca havia se
odiado. Estava enojada, sentia-se suja, não pelo fato de ter tocado a
própria irmã, mas sim porque não conseguia ter a consciência de
quão errado era seu ato.
— Eu vou enlouquecer se não sair daqui – repetiu a si mesma. –
Eu preciso sair daqui.
Respirou fundo, tentando controlar a turbulência de emoções e
foi para o banheiro. Entrou embaixo do jato com a temperatura fria,
ainda parcialmente vestida, e torceu para que a água levasse seu
pior pecado embora. Se torturou por meia hora antes de tomar uma
decisão drástica. O pai poderia falar ou fazer o que quisesse: não
iria mais ficar sob o mesmo teto que Daniela.
Helena saiu do banheiro e foi para o closet. Se vestiu com a
primeira troca que roupas que enxergou e saiu para o quarto. Parou
na frente da cama e respirou fundo, enquanto revia e sentia Daniela
em seus braços. Balançou a cabeça em sentido negativo e
mascarou suas feições para sair do quarto em seguida.
— Joanna – chamou ao entrar na cozinha.
— Oi Lena. Precisa de algo? O café já está servido.
— Preciso. Embale todas as minhas coisas, por favor? Eu venho
buscar na parte da tarde.
— Aconteceu alguma coisa, Helena? – perguntou Joanna
preocupada. – Você brigou com seu pai?
— Não, está tudo bem. Vou para o meu apartamento.
— O que aconteceu, Helena? Eu sei que seu pai é contra sua
saída dessa casa. Alguma coisa de muito grave aconteceu, o que
foi?
— Não aconteceu nada, Joanna. Eu vou me mudar para o meu
apartamento.
— Seu pai sabe disso?
— Só faz o que estou pedindo, Joanna, por favor?
A mulher de meiá-idade concordou com um aceno e observou
Helena sair da cozinha. Seguiu seus passos para vê-la passar direto
pela sala onde o café estava servido e sair da casa. Sempre faria
tudo o que Helena quisesse, mas desacatar uma ordem de Patrício
não era algo que faria, nem mesmo pela menina por quem tinha
tanto carinho.
Joanna subiu as escadas em direção ao quarto de Patrício.
Bateu na porta e aguardou sua ordem para entrar. O encontrou de
frente a um espelho, arrumando o nó da gravata.
— Algum problema, Joanna?
— Helena me pediu para arrumar suas coisas. Disse que vai se
mudar para o apartamento. O senhor está sabendo de algo sobre
isso?
— Eu não dei autorização para Helena sair dessa casa. Não é
para mexer em nada dela – respondeu Patrício terminando de
ajeitar a gravata. – Onde ela está?
— Já saiu da casa. Deve ter ido para o escritório.
— Ah, Helena! – resmungou ao sair do quarto. – Eu vou ter uma
conversa séria com ela! Ela não vai sair daqui sem meu
consentimento!
— O que foi, pai? – perguntou Daniela que também saia do
quarto.
— Sua irmã me dando trabalho, pra variar!
Daniela continuou com um ponto de interrogação no rosto. Se
virou para Joanna, que seguia o pai, e apressou o passo para
acompanhá-la.
— Algum problema, Joanna?
— Helena disse que vai se mudar daqui. Seu pai está nervoso,
melhor deixar ele quieto.
— Quando ela falou isso?
— Agora de manhã. Alguma coisa aconteceu entre os dois. Ela
não tomaria essa decisão assim, do nada.
Daniela parou de andar e ficou olhando a mulher se afastar até a
escada, com o coração disparado. Helena não podia simplesmente
ir embora. Voltou para o quarto e pegou o celular, discando para a
irmã, mas o telefone apenas chamava até cair na caixa postal.
Deixou o aparelho de lado e trocou de roupa para sair em seguida.
— Onde você vai, Daniela? – escutou a voz do pai, assim que
passou pela sala.
— Eu... Eu vou dar uma saída. Volto mais tarde.
Patrício apenas anuiu e Daniela seguiu o caminho para a área
externa da casa. Javier a cumprimentou polidamente e logo um
segurança trouxe um carro para a frente.
— Para onde?
— Para o escritório.
— Senhora Daniela...
— Sem obedecer a ordens de Helena ou meu pai, hoje, por
favor. Ou você me leva ou pego um táxi aí na frente. É um assunto
extremamente grave.
— Tudo bem.
Daniela agradeceu e entrou no carro, enquanto Javier tomava
conta da direção. A mente trabalhava rapidamente. Sabia que
Helena havia tomado aquela decisão por causa do que haviam tido.
Nem poderia considerar que haviam transado, tinha sido mais uma
pegação que qualquer outra coisa, porém conseguia entender que
aquilo abalava a irmã mais que ela própria. Tinha que impedir que
Helena tomasse uma decisão drástica, não podia permitir que ela
criasse uma barreira que seria impossível transpor depois.
No escritório seguiu direto para a secretária de sua irmã.
Cumprimentou-a polidamente antes de perguntar se Helena estava
em sua sala.
— Ela não veio para o escritório ainda – respondeu Simoni. –
Ligou avisando que só vem na parte da tarde.
— Onde ela está agora?
Simoni encarou a jovem à sua frente: Helena havia pedido que
nunca falasse com ninguém a respeito do apartamento e certamente
a irmã não tinha o endereço de lá, todavia estava diante de uma
Millar e contrariá-los, qualquer um, era um erro.
— Senhora Millar, sua irmã pediu...
— Daniela apenas – corrigiu. – Minha irmã está com problemas
sérios e eu preciso ajudá-la. Por favor, me diga onde posso
encontrá-la!
— Isso não vai me trazer problemas?
— Eu prometo que não.
Daniela saiu do escritório já de posse do endereço de Helena.
Passou para Javier que guiou para ele e em menos de vinte minutos
já estava de frente ao prédio de apartamentos. Pensou por alguns
segundos em como faria para entrar sem precisar que o porteiro a
anunciasse e resolveu fazer uso da própria influência que Helena
possuía.
— Bom dia – cumprimentou o porteiro. – Precisamos buscar uma
documentação do apartamento de Helena Millar.
— Bom dia. Seu nome é?
— Giovanna – respondeu fazendo uso do nome da secretária do
pai. – Giovanna e Javier.
— Vou anunciá-los.
— Helena está no prédio?
— Sim, só um momento.
Daniela sorriu com certo alivio, enquanto o homem ficou em
silêncio, dentro da guarita. Torceu, baixinho, para que ela ficasse ao
menos curiosa para saber o que a secretária de seu pai e seu
segurança estavam fazendo ali. Depois de um minuto inteiro, ele
retornou ao interfone.
— O telefone do apartamento só chama.
— Droga! Patrício Millar vai me comer viva se não levar esse
documento a ele. Eu preciso mesmo falar com Helena. Talvez algum
funcionário do prédio pode me acompanhar até o apartamento, é de
suma importância mesmo!
— Nós não... Só um minuto.
Daniela se calou e esperou enquanto, o porteiro falava com o
zelador que acabava de entrar na guarita. O homem conhecia a
reputação dos Millar: contrariar Patrício nunca era uma boa coisa.
— Bom dia, jovem, meu nome é Carlos, sou zelador do prédio.
Eu posso subir com você até o apartamento, mas só você. O rapaz
fica esperando aqui.
— Sem problemas – concordou Daniela. – Obrigada por sua
cooperação, Carlos.
Helena estava sentada sobre o tapete da sala, com a cabeça
encostada no sofá, quando escutou o barulho da porta. Ignorou por
duas vezes as batidas, mas a terceira a irritou. Se levantou e seguiu
para a entrada para dispensar quem estava perturbando sua
privacidade. Olhou pelo olho mágico e viu Daniela parada na frente
de sua porta. Deu um suspiro profundo, apoiando a cabeça contra a
madeira.
— Eu sei que está aí, Helena, não vou embora se não abrir para
mim.
A jovem aguardou mais meio minuto, até que a morena
aparecesse na sua frente.
— Pode ir, Carlos, obrigada por sua ajuda – agradeceu Daniela.
— Mas não é... Você não...
— Eu sou irmã de Helena.
— Me desculpe, senhora Helena...
Helena apenas balançou a cabeça em sentido negativo e voltou
para dentro do apartamento, deixando a porta aberta. Daniela
agradeceu, mais uma vez, ao zelador e entrou na sala, fechando a
porta atrás de si. A irmã estava rente a um aparador servindo-se de
bebida.
— Quer dizer que aqui é sua segunda casa – Daniela comentou
ao olhar ao redor.
— Quem te passou o endereço daqui?
— Não culpe nenhum dos funcionários. Eu que fui insistente
para que me passassem. Até inventei umas mentirinhas.
— O que está fazendo aqui, Dani?
— Que história é essa de sair de casa? Por que está fazendo
isso, Lena?
— Que pergunta! – exclamou ao tomar um gole da bebida. – Eu
não posso ficar perto de você, Dani, e se não consigo, o melhor é
me afastar de vez.
— Você está fugindo!
— É claro que estou fugindo! Será que não consegue ver o
tamanho do erro que cometemos? Que eu cometi? É minha
responsabilidade cuidar de você, não... Não ir pra cama com você –
respondeu com a voz sumindo.
— Será que não percebe que não conseguimos controlar isso?!
Helena, eu gosto de você, eu sei também que gosta de mim e não
tem nada de fraternal nesses sentimentos que nutrimos.
— Eu já te falei tantas vezes como isso é errado. Você já
concordou comigo que é errado! Nós somos irmãs!
— Nós nem tivemos convívio e...
— E o que muda? Nós temos o mesmo pai, mesma mãe, nós
temos laços sanguíneos!
— Será que temos mesmo? – perguntou Daniela se sentando no
sofá.
— Do que você está falando?
— Que eu não deveria sentir o que sinto por você, que isso não
deveria ser recíproco, porque eu sei que é, por isso está fugindo.
Não nega isso, Lena.
— Eu não vou negar – Helena se ajoelhou na frente de Daniela.
– Eu não posso, Dani, eu não consigo... É tão errado estar
apaixonada por você! Eu não consigo nem expressar o tanto que
isso é errado!
— Não me deixa sozinha naquela casa, Lena, vamos tentar
juntas uma solução para isso!
— Já tentamos, Dani. Você já arrumou um namorado, eu já
arrumei alguém, passei semanas longe, um mês inteiro do outro
lado do mundo... É forte demais, é... Um imã. Eu não posso ficar
perto. Por ora vou ficar aqui e se mesmo assim não der resultados,
eu vou embora para a Ásia, vou cuidar de uma parte dos negócios
da família em Pequim.
— Não faz isso comigo, Lena – pediu Daniela já sem conter as
lágrimas. – O que eu vou fazer com todas as lembranças que tenho
de você lá? O que vou fazer toda vez que olhar seu lugar vazio no
café da manhã? Você pode fugir para qualquer lugar do mundo e
eu?
Helena também não conteve a lágrima que inundou seus olhos.
Era doído demais que a vida tivesse pregado aquela peça com elas.
Por que tinha que se apaixonar pela única mulher no mundo que lhe
era proibida? A abraçou apertado, sentindo seu coração bater
apressado contra o seu. Se afastou para fitar os olhos castanhos
que carregavam uma tristeza profunda.
— Me perdoa? – pediu ao secar o rosto da irmã. – Eu não vou
voltar atrás com minha decisão.
— Me beija – pediu Daniela. – Eu não importo que seja errado.
Pelo menos uma única vez eu quero sentir como é seu beijo de
verdade.
Helena perscrutou o rosto de Daniela e intentou se afastar, mas
a morena segurou seu rosto, puxando-a para si. Lutava com seus
princípios diante do seu pedido: tinha um desejo insano de provar
seus lábios, mas também tinha consciência da culpa que a
acometeria depois. Foi naquele momento que seu anjo mal pousou
em seu ombro: Já havia feito coisa bem maior naquela manhã. O
anjo bom rebateu que um beijo era algo bem mais íntimo que uma
pegação inconsequente.
Daniela tomou a iniciativa do beijo, diante da imobilidade de
Helena. Buscou sua boca lentamente, provando o sabor dos seus
lábios. Enlaçou o pescoço da morena com os braços, ao mesmo
tempo em que também buscava espaço no chão, se ajoelhando
para deixar os corpos colados. Ainda enfrentando a pequena
resistência de Helena, forçou a passagem da língua para a boca
que tanto desejava. Lentamente sentiu suas defesas caírem quando
os braços envolveram seu corpo, ao passo que as mãos passaram
a acariciar suas costas.
Helena começou a corresponder o avanço de Daniela,
totalmente consciente do beijo perfeito que ela possuía, movimentos
precisos e sincronizados, que por diversas vezes imaginara. Deixou
que suas línguas se encontrassem, se explorando com desejo. O
gosto estonteante, entorpecendo sua mente. Era mais uma coisa
que teria para se martirizar: ter encontrado o beijo que se encaixava
perfeitamente no seu e que não poderia ter.
O beijo se tornou mais intenso, tirando-as completamente de
orbita. Daniela deu uma leve mordida no seu lábio inferior, ao
mesmo tempo em que deixou a mão ir para a camisa de Helena,
puxando-a de dentro da calça para começar a desabotoar em
seguida. A morena se afastou, deu um meio sorriso enquanto
continha seu avanço.
— Não, Dani, precisamos mesmo parar com isso. Você não tem
ideia de como estou resistindo nesse momento.
Daniela concordou com um aceno, antes de tornar a abraçá-la
apertado, sem conter outra solitária lágrima. Secou-a antes de voltar
a fitar a irmã.
— Obrigada por não me deixar apenas imaginando isso, é
perfeito – sorriu com uma grande carga de tristeza. – Se essa é sua
decisão eu vou respeitar. Eu não quero que vá embora para Ásia.
Com certeza se tornaria mais uns dezesseis anos sem te ver direito.
— Nós vamos conseguir superar esse sentimento.
— Tenho minhas dúvidas – respondeu Daniela buscando seus
lábios para outro beijo demorado.
Helena se levantou devagar, sem se desgrudar de Daniela. A
apertou em seus braços para soltá-la em seguida.
— É melhor você ir.
— Eu vou. Reconsidere sua ideia de sair de casa...
— Não vou fazer isso. Realmente o melhor é ficar o mais longe o
possível de você. Eu vou fazer de tudo para matar isso que sinto por
você. É o melhor que faça o mesmo. Uma viagem com Marcos pode
ajudar nesse processo.
— Não posso viajar com ele. Mês que vem é meu aniversário,
vou organizar uma festa em casa. Espero que vá.
— É claro que vou. Estarei lá.
— Fica bem, Helena. Eu vou tentar fazer o mesmo.
— Pode deixar.
Helena ficou observando enquanto a irmã tomava a direção da
porta. Passou a mão no cabelo, suspirando fundo.
— Dani – chamou, vendo a morena se virar na sequência. – Seu
beijo é sensacional.
Daniela apenas deu um sorrisinho e jogou um beijo a distância,
antes de sair do apartamento. Parou no corredor, ao lado do
elevador e passou a mão no rosto, tentando em vão conter a
quantidade de lágrimas que invadiram seus olhos. Dentro do
apartamento, Helena pegou outra dose de bebida, misturando o
álcool com o salgado das lágrimas que também escorriam pelo seu
rosto. Olhou pela janela pensando em como tudo aquilo era injusto
demais. Se não podia ficar com Daniela, porque tinha que se
apaixonar por ela?
— Que senso de humor, hein? – falou, irônica, olhando para o
teto.
Capítulo 11
Helena entrou no escritório já ia dar duas horas da tarde. Depois
que a irmã saiu de seu apartamento, ainda ficou um longo tempo,
mentalmente se punindo, por ter deixado a situação chegar aonde
tinha chegado. A culpa era totalmente sua já que era sua
responsabilidade, como irmã mais velha, cuidar de Daniela. Tinha
falhado no ponto mais importante que era sua própria família.
A mente se desligou de Daniela, momentaneamente ao escutar
a porta se abrir. O pai entrou na sua sala e sabia que a conversa
não seria fácil. Sua feição nervosa já lhe dizia isso.
— Joanna me falou que pediu para arrumar suas coisas – falou
Patrício ao apoiar as mãos em sua mesa. – Você não vai sair
daquela casa, Helena, eu não estou lhe dando permissão para isso!
Você conhece exatamente a regra para se mudar de lá.
— Desculpa, pai, mas não pedi sua autorização. Eu vou sair de
lá, sendo a favor ou não – respondeu, mantendo o tom de voz baixo,
porém firme.
— Está me desafiando, Helena?
— Não. Estou lhe dizendo que vou para o meu apartamento. Já
tenho trinta anos, quero meu espaço.
— Você só sai daquela casa de duas formas: casada ou morta.
Não vou permitir...
— Patrício, eu não vou me casar com alguém só para satisfazer
seu desejo de manter as aparências. Também não tenho pretensão
de morrer tão cedo. Eu vou para o meu apartamento, você goste ou
não. Me desculpe, mas desta vez vou lhe desobedecer. Não posso
ficar embaixo da sua asa para sempre!
— Patrício, é assim que me trata agora?
— Me desculpe, pai, mas você não pode me manter dentro
daquela casa contra minha vontade! E no meu apartamento também
é provisório: estou pensando, seriamente, em assumir um escritório
na China, manter a operação de lá.
— Pois eu prefiro que vá para a China! Lá ninguém vai ficar
sabendo dessa pouca vergonha! É por causa da Michelle que está
tomando essa decisão, não é? As coisas entre vocês estão mais
sérias do que julguei!
— Michelle não tem nada a ver com isso! Nenhuma mulher tem
a ver com isso! Eu quero meu espaço, eu quero minha privacidade!
Eu vou manter meu trabalho aqui exatamente como tenho feito! Eu
só quero ir para casa de tarde, colocar uma música em volume alto,
andar nos trajes que quiser enquanto como qualquer porcaria de
fast-food. Eu quero minha liberdade, é por isso que estou saindo da
sua casa!
— É assim que vai ser, Helena?
— Não vou voltar atrás da minha decisão. Podemos manter
nosso relacionamento da mesma forma como está, meu trabalho
aqui não vai mudar em nada, não vou contrariar suas ordens no
cunho profissional, mas na minha vida pessoal, eu quero controle
total.
— Pois bem, se é assim que deseja... Não volte mais para
aquela casa. A partir de hoje está proibida de entrar lá.
— Sejamos razoáveis, pai! Por que te incomoda tanto o fato de
eu sair de casa?!
— Porque eu não quero sujar o nome da família com essa
putaria que você vive! – esbravejou. – Eu não quero sujar meu
nome com isso! Não tenho uma filha sapatão e sinceramente, se eu
soubesse, você teria morrido dentro daquele armário junto com
aquela vagabunda!
Helena ficou em silêncio, encarando o pai. Mascarou todas as
suas feições enquanto tentava encaixar a palavra armário dentro do
contexto da conversa e nas lembranças de infância. Não conseguiu
encontrar nenhuma memória que remetesse ao que fora dito.
— Que armário, pai?
— Nada! É você que me deixa de cabeça quente desse jeito! –
exclamou Patrício se afastando da mesa. – Você é uma decepção,
Helena!
Patrício saiu da sala, batendo sua porta. Helena ainda continuou
em pé, olhando para o espaço vazio com uma leve curiosidade. O
pai não era do tipo que falava coisas aleatórias quando estava
nervoso. Com toda a certeza aquilo tinha algum significado. O
pensamento da morena foi desviado do pai quando o celular tocou.
Sentou-se para atender o funcionário que ligava da fronteira
dominada, até então, pela quadrilha de Victor.
— Algum problema, Rogério? – perguntou concentrando sua
atenção no trabalho.
— Sim e não. Já está bem palpável a tensão formada pela morte
de Victor. Estão mais atentos, mas também mais nervosos. Uma
equipe grande aqui já toma controle de tudo.
— E Claiton? – referiu-se ao sócio de Victor.
— Não apareceu por aqui, mas soube que está escondido, com
medo e armado até os dentes. Estão conjecturando que foi você
quem matou Victor. Essa suspeita chegou ao meu conhecimento
agora a pouco.
— Ok. Obrigada pelas informações. Se puder, me liga a noite.
— Tudo bem. Até mais, Helena.
Helena desligou o celular e se encostou na cadeira, pensando
naquela situação por cinco minutos. Já com um plano de ação pré-
definido na cabeça, se levantou e seguiu para a sala do pai,
entrando sem bater. Ele estava com um copo de bebida em uma
mão enquanto a outra acariciava a bunda de Giovanna, sua
secretária.
— Esqueceu boas maneiras, Helena? – perguntou irritado. –
Primeiro se bate na porta antes de entrar.
— Me desculpe, pai – pediu por mera formalidade. – Preciso
falar com o senhor. Rogério me ligou.
Patrício dispensou Giovanna com um leve tapa em suas
nádegas. Helena esperou, pacientemente a secretária sair, e
sentou-se em uma cadeira, esperando ter atenção do pai.
— O que aconteceu?
— A morte de Victor já está movimentando o pessoal de lá.
Quero carta branca para agir e tomar o controle da fronteira.
— Como pretende fazer isso?
Patrício escutou, durante alguns minutos o que Helena estava
propondo. Se encostou na cadeira, pensando em como ela era
igualzinha a Nolan. Ele nunca falava com ele se não estivesse já
com um plano de ação formado e nunca era qualquer plano de
ação. Era preciso, coeso. Mesmo depois de trinta anos, ainda
lamentava o caminho que seu antigo funcionário tinha tomado. Se
estivesse vivo, era ele que estaria ali, na sua frente, encarando-o
com um brilho de satisfação no olhar verde pela ação que alvitraria,
tal qual sua filha fazia naquele momento. Se tivesse Nolan e Helena
juntos, seriam imbatíveis.
— Do que você precisa?
— Sua autorização para levar alguns homens daqui comigo.
— Siga em frente. Me mantenha informado sobre o que fizer.
— Sim, senhor – concordou Helena levantando-se e intentando ir
para a porta.
— Helena, eu quero saber o motivo pelo qual está saindo
daquela casa – insistiu Patrício. – É por causa de Michelle? Vocês
pretendem... Tornar essa aberração oficial?
A morena suspirou fundo, já acostumada com a forma pejorativa
com a qual o pai se referia a sua orientação sexual. Passou a mão
no cabelo, ao mesmo tempo em que se virava para ele.
— Não, pai – respondeu sem cair na provocação. – Eu já lhe
expliquei os motivos da minha mudança.
— Você brigou com Daniela? Sua decisão foi muito repentina, é
obvio que algo aconteceu.
“Sim, estou apaixonada pela sua filha, minha irmã” pensou.
— Não aconteceu nada, pai. Dani nada tem a ver com isso. Já
faz algumas semanas que mal durmo em casa. Estou, realmente,
em busca do meu espaço, minha independência.
— Se você inventar de criar uma família com Michelle e aquele
filho dela, eu lhe garanto Helena, eu te mato.
— Se essa fosse minha intenção, o senhor teria muito trabalho
para conseguir me pegar.
Helena saiu da sala sem esperar uma resposta do pai.
Caminhou para a sala, já acenando para seus homens próximos
para acompanhá-la. O primeiro passo que tinha que dar para
colocar a tomada em ação era tirar Claiton da jogada. Teria que
fazer aquilo o mais breve possível e assim que o comando ficasse
defasado, era a hora de atacar o grupo na fronteira. Passou aos
seus homens exatamente o que fariam e os dispensou, pegando um
copo de bebida em seguida. Tratou de concentrar toda sua atenção
no trabalho e a irmã foi devidamente depositada na gaveta de suas
loucuras impronunciáveis.
Daniela subiu para o quarto com a feição abatida. Se jogou na
cama e ficou fitando o teto por um longo tempo, enquanto a mente
se perdia no momento em que havia tido com Helena no seu
apartamento. Voltou, sistematicamente, a ordenar todos os
momentos de intimidade que havia tido com a irmã e tentava
convencer a si mesma o quão doentio era aquele sentimento
intenso que dedicava a ela. As lágrimas novamente lhe fizeram
companhia: simplesmente não conseguia entender porque não
direcionava carinho de irmã para Helena. Não havia outra saída,
teria realmente que conversar com um psicólogo.
Depois de horas saiu do quarto. Desceu para a cozinha,
encontrando Joanna passando diligências aos funcionários da casa.
Se sentou em uma cadeira e esperou que ela estivesse livre para
conversar qualquer bobagem que lhe fizesse tirar a irmã da cabeça.
— Algum problema, Dani? Você parece abatida – comentou
Joanna, observadora.
— Achei que minha volta para casa seria mais fácil – comentou
om um meio sorriso. – Tem quase quatro meses que voltei e ainda
não fiz nada para me tirar daqui de dentro. Estou me sentindo
derrotada.
— Oh, minha querida, mas para isso acontecer, basta querer!
Cadê as pesquisas que fez, coloque-as em ação.
— Não tenho ânimo para isso, sinto como se algo estivesse me
corroendo. Acho que tenho que falar com um psicólogo. Amanhã
vou procurar por um.
— Você está estranhando o retorno, o afastamento dos amigos,
deve ser isso.
— Provavelmente.
— Conversa com Helena, quem sabe ela não lhe dá alguma
dica.
Daniela sorriu para a governanta. Helena era a última pessoa
que poderia orientá-la sobre seus sentimentos.
— Talvez. Ela vai sair mesmo da casa?
— Já arrumei as coisas dela. Seu pai me deu autorização essa
tarde. É bom que ela tenha o espaço dela, já é uma mulher adulta,
independente.
— Pois é, preciso fazer a mesma coisa. Me conta uma história,
Joanna? Tem tantos anos que não faz isso!
— Uma história?! – sorriu a senhora se sentando ao lado da
jovem. Puxou sua cabeça, apoiando-a nos braços. – Qual história
quer ouvir?
— Como veio trabalhar aqui? Já faz bastante tempo!
— Eu tinha vinte anos na época, mesma idade de sua mãe. Ela
tinha acabado de ter Helena, precisava de uma babá. Ainda
convalescia do parto.
— Ela veio rápido da Europa depois que teve Helena, não é?
— Sim. Patrício não queria que ela ficasse muito tempo longe
com a filha.
— Ai você veio parar no meio dos Millar!
— Sim! Me apaixonei por Helena, uma menina tão frágil,
pequena! Nem daria para falar que se tornaria a mulher que é hoje.
— Minha mãe casou tão cedo!
— Com dezoito anos.
— Que idade meu pai tinha?
— Ah, seu pai é mais velho que ela. Na época em que tiveram
Helena ele tinha trinta e cinco. A diferença deles é de quinze anos.
— Ele já fazia essas coisas que faz hoje com o vô, não é?
— Seu avô começou, ele expandiu, montou um verdadeiro
império ao eliminar os concorrentes. Jamais repita isso que acabei
de te falar!
— Não sou inocente, Joanna, sei bem como funciona o escritório
e no que eles trabalham. Helena é do mesmo jeito que ele. Dias
atrás chegou toda suja de sangue e sei que ela não estava
trabalhando num açougue.
— Não se mete nos assuntos deles. Helena não teve opção, já
você, sei que não vai mexer com essas coisas.
— É tão estranho isso, de ele ter treinado Lena pra ficar no lugar
dele. Por que ela não teve opção?
— Não sei – mentiu a governanta. – E é bom que não se
preocupe com isso. Vou me ocupar com o jantar agora. Vai fazer
alguma coisa?
— Vou ver se Marcos quer sair. Preciso espairecer a cabeça.
— Faça isso.
Joanna deu um beijo nos cabelos de Daniela e se afastou para
conversar com um funcionário. A jovem tomou a direção da sala e
depois escritório. Sentou-se com o celular na mão e mandou uma
mensagem para o namorado, perguntando sobre seu trabalho.
Marcos respondeu que iria dar plantão e a ela restou perambular
pela casa até que o sono a vencesse.
Helena pediu para que um segurança levasse as coisas que
Joanna já havia arrumado para o seu apartamento. Pegou uma
mala e a abriu, jogando algumas peças de roupa sobre uma
poltrona e, depois de escolher as que usaria, tomou um banho
demorado. Havia marcado de jantar com Michelle e já tinha feito a
reserva em um bom restaurante. Pegou a ruiva no horário
combinado e deu um beijo demorado em seus lábios. A mente
traiçoeira trouxe a comparação com o beijo de Daniela. Nenhum era
igual ao dela, mas tratou de concentrar seus pensamentos no
presente, com a ruiva. Assim que chegaram ao local escolhido, uma
hostess indicou a mesa reservada a elas e outra aos seguranças
que lhe acompanhava. Depois do que Rogério havia passado, era
bom cuidar da própria integridade em lugares públicos, onde se
tornava um alvo fácil.
Estavam discorrendo sobre o dia da ruiva quando um casal, que
chegava ao local, chamou sua atenção. Marcos estava com uma
mulher loira, não estavam de mãos dadas, mas a postura dos dois
indicava uma aproximação bem intima. Prestou atenção por alguns
minutos, notando a discreta caricia que ele fazia em sua mão.
— Algum problema, linda? – perguntou Michelle ao notar que a
atenção de sua acompanhante estava em outro ponto do
restaurante.
— Não sei, vou conferir. Só um minuto.
Helena se levantou do local onde estava e acenou para que seus
homens a acompanhassem. Seguiu até a mesa de Marcos e pegou
uma cadeira de uma mesa ao lado sentando-se junto aos dois, com
os seguranças pareados um de cada lado. A cara de surpresa do
médico era genuína.
— Helena!
— Boa noite, Marcos – cumprimentou ao encará-lo por alguns
segundos, antes de desviar sua atenção para a mulher loira. – Meu
nome é Helena Millar.
— Boa noite – respondeu a mulher com evidente confusão ao
olhar para Marcos.
— Essa é Gisele – explicou o médico. – Ela estuda comigo,
estamos terminando a formação em medicina.
— Uma confraternização? – perguntou Helena ao pegar a taça
de vinho sobre a mesa e beber um gole.
— Não é o que está pensando, Helena, ela é minha amiga.
— É sua namorada? – perguntou a loira, intimidada pela
presença dos seguranças.
— Não, ela é...
— Quem eu sou, Marcos?
— Irmã da... Minha...
Marcos titubeou, olhando para os seguranças. Fez menção de
se levantar, mas Helena segurou seu braço.
— Sentado – ordenou com a voz baixa.
— O que está acontecendo? – perguntou Gisele já assustada.
— Eu nunca sai com ela antes, Helena...
— Eu sei que não. Tem um homem na sua cola que teria me
falado se tivessem se encontrado antes. Bom, tenham um bom
jantar – respondeu Helena se levantando. – Não esquece de
explicar a Gisele quem é Daniela Millar, sua namorada.
Helena saiu da mesa e seguiu até onde Michelle estava. Sentou-
se no lugar que ocupava anteriormente e ficou observando o casal
em uma discussão mais acalorada. Em questão de minutos a loira
se levantou e saiu do restaurante. Na sequência, Marcos também
deixou o local.
— O que aconteceu, Helena? – insistiu Michelle.
— Nada com que se preocupar, linda – respondeu tentando
amenizar o clima. – Infelizmente tenho que resolver um problema
agora. Me perdoe por isso. Eu passo no seu apartamento mais
tarde, pode ser?
— Pode ser. Se cuida, ok?
— Pode deixar – respondeu colocando algumas notas de
dinheiro sobre a mesa. – É para o jantar.
Helena deu um beijo nos lábios de Michelle e saiu do restaurante
acompanhada dos seguranças. Em pouco tempo trouxeram o carro
e seguiram para a casa de Marcos. O prédio em que ele residia
possuía um descuidado porteiro que liberou a passagem do trio. Em
questão de minutos já estava dentro do apartamento. Marcos ainda
não havia chegado, certamente havia ido atrás de Gisele. Só tinha
que esperar.
Duas horas depois o som de chaves na porta indicou a chegada
do médico. Aprumou a postura e esperou sua entrada. Junto a ele
estava Fabrício. Deu um meio sorriso ao ver que ele já havia ido
atrás de apoio.
— Helena, podemos resolver isso de uma forma mais sensata.
Marcos cometeu um erro...
— Meu assunto não é com você, Fabrício. Sugiro que saia –
cortou a morena.
— Eu não estava traindo Daniela – se pronunciou o médico. –
Gisele é minha amiga!
— Então porque trouxe Fabricio com você?
— Eu...
— Fabrício, é melhor sair. Depois você volta, ele vai precisar de
um ombro amigo – respondeu Helena se levantando ao mesmo
tempo em que desabotoava os botões da manga da camisa.
Fabricio não esperou uma segunda ordem. O amigo havia
cometido um grave vacilo e não seria ele a pagar uma bronca que
não era sua. Helena pegou uma cadeira da área de jantar e colocou
no meio da sala, indicando que Marcos se sentasse. Ele ainda
tentava argumentar, mas já não escutava o que dizia.
— Só uma pergunta: se você já não estava tão afim de Daniela,
por que se envolveu com ela? Manteve um relacionamento?
— Eu estou afim de Daniela, mas eu... Eu...
— Não passou pela sua cabeça saber o que significa ela ser
uma Millar?
— Eu não fiz nada de errado, Helena! Nem fiquei com Gisele!
— Mantenha ele sentado – pediu aos seguranças, antes de sair
em busca do quarto. Vasculhou gavetas e armários até encontrar
uma gravata. – Eu não vou te matar hoje, mas se eu sonhar que
você chegou perto de Daniela outra vez, eu vou te desmembrar
ainda vivo e te jogar em um tanque de ácido.
Marcos ainda tentou gritar e se soltar, mas os dois homens que o
segurava eram muito fortes. Helena amarrou a gravata em sua boca
para abafar os gritos e suspirou fundo, antes de encarar o rapaz
loiro mais uma vez. Deixou que sua mente se concentrasse apenas
no que já havia aprendido e deixou que o corpo tomasse conta de
suas ações. O primeiro urro de dor foi abafado contra o tecido de
seda.
Capítulo 12
Daniela entrou no consultório e suspirou fundo, antes de
caminhar em direção a recepção. Sorriu para o simpático rapaz
atrás do balcão e deu seu nome. Já havia marcado a avaliação com
o psicólogo na manhã daquele dia e estava apreensiva por aquele
momento. Já fazia três dias que a irmã tinha saído de casa e a falta
que ela fazia era assoladora. Não que contasse muito com sua
presença antes, mas sentia como se estivesse perdendo-a, o que
considerava uma tremenda loucura. “Por isso estou aqui” pensou ao
aguardar ser chamada. “Para tratar essa loucura”.
A psicóloga que a recebeu era uma mulher de trinta e nove anos,
bem vestida e extremamente simpática que a deixou confortável
logo no primeiro minuto. Sentaram-se em confortáveis poltronas e
Daniela deixou a bolsa de lado para passar a mão no cabelo.
— Bom, é só uma primeira avaliação para determinar que
caminho podemos seguir – explicou Susana. – Preciso de algumas
informações suas.
— Estou apaixonada pela minha irmã – Daniela foi direta. – Nem
sei mais se posso chamar isso de paixão. Eu a amo.
— Certo. Já conversou com sua irmã a respeito disso?
— Já. Ela sabe. Ela... Ela também gosta de mim, é apaixonada
por mim, ela me falou.
— Vocês já tiveram algum envolvimento carnal?
— Já. Já ficamos algumas vezes. Algumas eu que tomei a
iniciativa, a maioria delas, mas Helena correspondeu. Eu sei que o
que ela sente também é intenso. Até saiu de casa por causa disso.
— Existe uma confusão de sentimentos aí. Será o que o que
sente por ela não é um amor fraternal, uma admiração e vocês
estão confundindo isso?
— Eu preciso que me diga que estou confundindo isso. Sozinha
não estou conseguindo me convencer de que é errado.

Helena entrou no telhado do prédio, junto com um segurança e


foi para a beirada onde outro homem a esperava. O cumprimentou
rapidamente, antes de pedir informações sobre Claiton, homem que
teria que eliminar para conseguir o controle da fronteira por onde
passava as mercadorias dos Millar.
— Ele está trancado aí desde sábado passado – explicou
Ricardo, que prestava serviço de vigilância. – Não saiu para nada.
Deu para perceber, nas poucas vezes que apareceu na janela, que
está bem alerta. Tudo o que ele recebe é entregue pelo segurança
que fica na portaria.
— Se ele está se escondendo, o que faz aparecendo na janela?
— Ele sempre olha para os telhados dos prédios. Com toda a
certeza está esperando que faça esse ataque de longa distância.
— Provavelmente os vidros são blindados. Bom, se ele não sai,
terei que entrar.
— O prédio está cheio de homens, é impossível fazer uma
incursão sem sair um tiroteio.
— Não vou precisar de armas de fogo – respondeu Helena, se
afastando da beirada.
Do prédio, Helena seguiu direto para o escritório. Na sua sala
pegou a chave de um abrigo mantido pela família, e que
armazenava o arsenal dos Millar, e saiu novamente. Estava a
caminho do local quando recebeu uma mensagem de Javier,
passando um relatório de Daniela. Naquele momento ela estava em
um psicólogo. Suspirou fundo e deixou o celular de lado. Era bom
que ela procurasse orientação, mas sabia também que o pai iria
querer saber o porquê de ela estar indo em um. “Um problema por
vez” pensou enquanto concentrava a mente no que iria fazer.
Helena passou o restante da tarde e início da noite concentrada
na confecção do presente que iria tirar a vida de Claiton. Conhecia
seu apreço por um bom uísque e iria se aproveitar disso, colocando
arsênico nos itens que mandaria a ele. Já era meia noite quando
terminou de montar seu kit fatal. O levou para o apartamento e
deixou dentro do cofre que mantinha ali. No dia seguinte, àquela
hora, Claiton estaria morto.
Depois de uma refeição leve, Helena pegou o celular e foi se
deitar. Abriu as mensagens e visualizou a foto de Daniela, mandada
quase dois meses antes quando ainda estava na China. Sorriu para
o aparelho com espontaneidade, antes de discar para o número da
irmã.
— Oi Dani – cumprimentou ao ouvir sua voz depois do terceiro
toque. – Já estava dormindo?
— Não. Estava vendo algumas coisas da minha marca.
— Já está certo de abrir?
— Estou vendo os últimos detalhes, amanhã vou começar a
conversar com empresas para prestação de serviço.
— Está certa. Qualquer coisa que precisar é só me falar.
— Você não ligou para ser amistosa – observou Daniela. –
Aconteceu alguma coisa?
— Eu sei que foi em um psicólogo hoje. Quero saber se está
tudo bem e o motivo da sua ida.
— Você sabe o motivo. Eu estou apaixonada por você, preciso
trabalhar isso. Não quero surtar de vez e nem sofrer com esse
sentimento. A melhor coisa é começar um tratamento. Fiquei de
passar uma vez por semana com ela. A psicóloga sugeriu conversar
com você também, mas sei que se recusaria a ir, não é?
— Não posso. O pai iria querer saber o motivo da minha ida. Iria
tirar isso dela.
— Ele não precisa saber, Lena.
— Ele sabe de tudo. Além dos seguranças com quem ando, tem
alguém que vigia meus passos.
— O pai não faria isso.
— Ele faz. Ele sabe de cada movimento meu.
— Como suporta isso?
— É indiferente. Não estou fazendo nada que vá despertar sua
fúria.
— Isso tudo é tão estranho! Não consigo entender como suporta
tudo o que o pai faz.
— É um assunto que não deve se preocupar. Estou bem assim.
Não me incomoda mesmo. O que vai dizer quando perguntarem o
porquê estar indo a um psicólogo?
— Que estou confusa com a mudança, foram muitos anos nos
Estados Unidos, preciso me reencontrar novamente.
— Ok. Qualquer problema me liga, certo?
— Pode deixar. A mãe chega essa semana, não é?
— Na quinta-feira.
— Vai vim pra casa para receber ela?
— Não sei. Muito provável que não, mas se for, lhe aviso. Falou
com Marcos nos últimos dias?
— Não, ele não me atende. Sinceramente acho que isso é até
bom. Nós estávamos bem distantes. Por que?
— Por nada. Vou tentar dormir agora, boa noite pequena.
— Boa noite, Lena. Sinto sua falta.
Helena suspirou fundo, olhando para o teto.
— Eu também pequena.
Helena tirou o celular da orelha e o repousou sobre a barriga.
Passou o braço no entorno do rosto e fechou os olhos, controlando
o coração disparado. Daniela não fazia ideia do tanto que sentia sua
falta.
Naquela noite o sono demorou a visitá-la. Já era quase três
horas da manhã quando conseguiu dormir e acordou às sete.
Durante toda a noite, a irmã lhe fez companhia nos pensamentos e
sonhos, único lugar onde podia tê-la sem que tivesse controle, mas
a culpa que carregava depois era imensa. Quanto mais pensasse
nela, pior era, mas não tinha aprendido como controlar seus
sentimentos. Era algo que não tinha como aprender em curso
nenhum no mundo inteiro.
Na manhã seguinte, entregou o pacote, preparado no dia
anterior, para um motoboy levar até Claiton. Do apartamento,
Helena seguiu para o escritório. Assim que entrou, Simoni lhe
informou que seu pai estava esperando-a em sua sala.
— Bom dia, pai – cumprimentou assim que o viu atrás de sua
mesa. – Quer falar comigo?
— Quero. Peter veio falar comigo, segundo Fabrício, você deixou
Marcos quase inconsciente dias atrás. Por que não me disse nada?
— Estou cuidando do bem de Daniela.
— O que ele fez?
— Estava saindo com outra mulher.
— Filho da puta! Devia tê-lo matado!
— Daniela não me perdoaria.
— Você sabe que possui carta branca aqui, Helena, mas quero
sempre que me passe quando algo acontecer e que tenha relação à
Daniela. Pegou a mulher também?
— Não. Ela nem sabia que Marcos tinha uma namorada. Era
uma inocente na história.
— Se isso voltar a se repetir, quero que mate os dois.
— Sim senhor.
— É só isso – falou Patrício, dispensando-a.
— Tem mais uma coisa, pai – Helena ignorou o gesto indo
sentar-se em uma poltrona. – Mandei uma encomenda para Claiton.
Assim que receber a confirmação de sua morte, vou para a fronteira.
Vamos atacar com seis horas do pós morte.
— O que mandou para ele?
— Um kit com uísque.
— Muito provável que ele não vá beber um uísque enviado por
um desconhecido, agora que está se escondendo. Vai passar para
algum segurança provar antes. Você não passou tanto tempo
estudando para fazer algo tão amador, não é?
— Não, por isso que não coloquei na bebida. O veneno está nos
copos e em um charuto, junto com a caixa. É um uísque, dois copos
e um charuto. No remetente coloquei o nome da mulher de Victor.
— E se não der resultado?
— Vou explodir o apartamento onde ele está.
— Prefiro a segunda opção – respondeu Patrício se encostando
contra a cadeira.
— A primeira dará certo – afirmou Helena. – Assim que tiver a
confirmação, já vou para a fronteira.
— Me mantenha informado. Leve Peter e Fabrício para assumir
os negócios por lá.
Helena assentiu e levantou-se, tomando a direção da porta.
Antes que pudesse sair, ouviu a voz do pai chamando-a de volta.
— Daniela passou com uma psicóloga ontem. Sabe de alguma
coisa?
Helena suspirou fundo e o encarou por um segundo, antes de
responder.
— Disse a mudança está deixando-a confusa, ainda não
conseguiu desenvolver nada. Precisa se adaptar.
— Falou com ela quando?
— Ontem à noite. Nos falamos por telefone.
— Cuide da sua irmã, ok? Fale com essa psicóloga para saber
se ela está nos contando a verdade.
— Sim senhor.
Helena saiu da sala do pai e seguiu direto para o seu banheiro.
“Uma coisa por vez” suspirou.
Era duas horas da tarde quando seu celular tocou com a
informação de que a movimentação no apartamento de Claiton era
intensa. Desviou sua atenção dos relatórios que haviam lhe
mandado e fez uma chamada para mobilizar os homens que a
acompanharia até a fronteira. A segunda chamada foi para Peter,
passando a decisão de seu pai e uma última para Rogério, para
saber de novidades do local.
— Por aqui ainda nenhuma novidade – informou o homem.
— Pode sair daí. Reúna nossos homens próximos e elabore um
relatório atualizado das posições de hoje à noite. Vamos atacar
nessa madrugada. Estou indo aí.
Daniela escutou o barulho de carro entrando na propriedade e foi
até a janela para se certificar de que tinha sido o pai que havia
chegado em casa. Abriu um sorriso, surpresa por ver Helena
desembarcando. Correu para o banheiro e verificou sua aparência
na frente do espelho antes de soltar o cabelo e escová-lo
rapidamente. Saiu do quarto em direção às escadas, já enxergando
a irmã dando um abraço afetuoso em Joanna.
— Olha, veio visitar os familiares? – perguntou com um risinho,
chamando sua atenção.
— Oi pequena – cumprimentou Helena ao soltar Joanna. – Vou
me ausentar uns dias da cidade, vim te avisar.
— Vai pra onde?
— Vamos no escritório e te falo – respondeu apontando a porta.
– Depois eu vou pegar o bolo, Joanna,
Daniela seguiu curiosa para o escritório. A irmã não era uma
mulher de dar satisfações, já havia aprendido isso quase quatro
meses antes, quando chegara de viagem. Assim que entraram no
cômodo, se virou para a morena, contendo a vontade que tinha de
abraçá-la.
— Vai para Pequim novamente? Vai perder meu aniversário?
— Não – respondeu Helena indo até a janela para fechá-la. – Eu
vou para as três divisas daqui a pouco. Se tudo correr bem, volto em
cinco dias.
— E se nem tudo correr bem? – perguntou Daniela preocupada.
Sabia que a fronteira e o porto eram os principais pontos de entrada
do contrabando controlado pela família.
— Vai tudo correr bem, pequena. Só não... Não queria ir sem
falar com você antes.
— É arriscado, não é?
— Não pense nisso, ok? A mãe chega nesse meio tempo e seria
bom...
— Me manda mensagem toda noite? – pediu se adiantando para
abraçá-la. – Promete que vai me mandar mensagem toda noite?
— Eu mando. Não precisa ficar preocupada. Estou indo com
uma equipe grande e muito boa. Vamos conseguir resolver tudo
nessa madrugada. O restante dos dias é só para colocar a
administração em ordem – respondeu envolvendo-a nos seus
braços e depositando um beijo nos seus cabelos.
— Obrigada por ter vindo me avisar pessoalmente – agradeceu
Daniela se afastando para encarar os olhos verdes. – Gostei desse
cuidado.
— Preciso te falar outra coisa também – Helena se afastou,
desfazendo o contato. – Eu fiz uma visita para Marcos. Ele... Na
sexta passada ele estava com uma mulher em um restaurante. Pedi,
de forma um tanto incisiva, que ele não lhe procure mais.
— Que filho da puta! Ele disse que estava num plantão! Por isso
que não está nem me atendendo mais!
— Ele não vai mais te procurar.
— Isso é um sinal de que... Você não fez nada com ele, não é?
— Ele está vivo.
— Helena... Eu...
— Não se preocupe, Dani, está tudo bem. Ficará tudo bem. Só
queria que soubesse por mim.
Daniela tornou a se aproximar de Helena e enlaçou sua cintura.
Enfiou a cabeça no seu pescoço, respirando fundo para absorver o
perfume natural de sua pele. Não se conteve e depositou um beijo,
enxergando os pelinhos se arrepiarem. Se afastou para encarar os
olhos verdes novamente e deu um beijo no seu queixo. Foi Helena
que baixou mais o rosto, dando um leve beijo nos seus lábios.
— Eu nunca me preocupei em me despedir de alguém antes de
sair para fazer algum trabalho – falou colando a testa na de Daniela.
– Só que não podia ir fazer esse sem falar com você.
— Obrigada por isso – sussurrou a jovem ao acariciar seu rosto.
— O que a psicóloga disse?
— Nada relevante ainda. Que é muito provável que estamos
confundindo nosso sentimento. Disse que vamos trabalhar isso de
acordo com as consultas.
— Eu vou falar com ela. Quando voltar da fronteira eu vou em
uma consulta.
— Vai mesmo?
— Vou. O pai pediu que eu fosse verificar se está falando a
verdade a respeito das suas consultas – sorriu. – Me abriu uma boa
brecha, mas é apenas uma consulta.
— Já é alguma coisa – respondeu Daniela tornando dar outro
beijo em seus lábios. – Eu não me sinto confundindo nada. Eu falei
pra ela que não me sinto confundindo nada.
— Mas estamos. Não tem outra explicação para isso. Eu sei que
é errado, sei que não posso sentir o que sinto. Dependendo da
conversa com ela, vou procurar um para mim também. Diferente do
convencional, muito provável que vou ter que pedir que converse
comigo em lugares públicos ou no meu apartamento. Não sei ainda.
Vou dar um jeito.
— Vamos ficar bem, não é?
— Vamos sim.
Outra vez Daniela buscou os lábios de Helena, desta vez deixou
que suas bocas se explorassem por mais tempo, o que não foi
repelido pela morena. As caricias que acompanharam o beijo eram
intensas, sôfregas. Se afastaram com relutância, suspirando fundo.
— Até a volta, pequena.
— Se cuida, me manda mensagem para dizer que está tudo bem
e não se esqueça: volta inteira pra mim.
Helena concordou com um sorriso e tomou a direção da porta,
saindo do escritório em seguida. Daniela se encostou contra a mesa
e passou a mão no rosto, sentindo um bolo se formar na sua
garganta, que foi colocado para fora em forma de lágrimas
infindáveis. Tinha certeza que para Helena ter tido o cuidado de ir
falar com ela, era porque estava indo para algum lugar onde
arriscaria a própria vida. Temia, não pela irmã, mas pela mulher que
amava. A queria de volta, intacta.
Daniela subiu para o quarto quando conseguiu se controlar para
que nenhum funcionário da casa a visse chorando. Seguiu direto
para a cama e se jogou nos lençóis apreensiva. Não viu a noite cair
enquanto pensava que Helena estava viajando naquele momento.
Não desceu para jantar e disse a Joanna, que fora chamá-la, que
estava com uma forte dor de cabeça e que iria dormir cedo. O sono
não a visitou em momento algum durante a madrugada, enquanto a
mente estava concentrada no que estava acontecendo na fronteira.
Era certo que a irmã já estava lá, sabe-se-Deus fazendo o quê, mas
torcia, com todas as suas forças, para que ela lhe enviasse uma
mensagem, por isso o celular foi seu companheiro durante as
longas horas insones.
Somente às oito horas da manhã que recebeu uma mensagem
de Helena, dizendo que o trabalho havia sido concluído e que ela
estava bem e em um hotel afastado de onde a ação havia ocorrido.
Daniela abriu um sorriso e mandou, em forma de mensagem, o
alivio que estava sentindo por ela estar bem. A mensagem seguinte
foi Helena informando que iria dormir e que retornaria em cinco dias.
Sabia que aquela era a última mensagem que receberia dela.
Nos dias seguintes se dedicou a cuidar da abertura da sua
marca. Foi até um advogado e um contador para colher as
informações necessárias para que pudesse abrir a empresa e a
contratação de terceirizadas que lhe prestariam serviços. Nessa
parte, o curso de administração ajudava para que entendesse
melhor o processo.
Na quinta-feira a mãe chegou de viagem. Saiu para recebe-la
com um afetuoso abraço.
— Nossa! Dois meses já! Como passa rápido!
— Quer dizer que nem sentiu minha falta, não é?!
— Ah, claro que senti! Tenho algumas coisas para te contar.
Helena saiu de casa, tive um namorado de poucas semanas, já
estou com quase tudo certo para abrir a marca. Já dei entrada na
papelada! Mas me fala! Como foi a viagem?
— Calma, Dani! Não estou acostumada a chegar de uma viagem
e ser bombardeada de perguntas, a não ser quando ia te visitar! –
respondeu Rose com um sorriso. – Como assim Helena saiu de
casa?
— Se mudou para o apartamento dela. Agora está em uma
viagem na fronteira, volta amanhã.
— Entendo – anuiu a mulher, enxergando Henrique mais
afastado. – Eu preciso falar com você no meu quarto. Me
acompanha?
— Tá bom.
Daniela esperou que a mãe cumprimentasse os funcionários da
casa, antes de ir para o quarto. Assim que ficou sozinha com a filha,
foi até uma mala, abrindo para pegar um pacote de presente.
— Algumas maquiagens que comprei em Amsterdam e em
Berlim. Todas lindas, como você!
— Obrigada, mãe! – agradeceu ao abrir o pacote e conferir o
conteúdo. – Estava mesmo precisando! Depois eu vejo tudo
direitinho! Sobre o que quer falar?
— Como você e Helena estão?
Daniela pensou por alguns segundos na pergunta da mãe. Se
ajeitou na cama, visivelmente desconfortável, mexendo no pacote.
— Ah... Helena é Helena, não é? – respondeu, por fim. – Por
que?
— Eu vou te contar um segredo. Me promete que vai guardar
segredo?
— Nossa, parece ser grave!
— Um pouco. Depende do ponto de vista. Você não pode falar
nada para seu pai.
— Ok, eu guardarei segredo. O que foi?
— Eu e Henrique, meu segurança, nós nos amamos.
A primeira reação de Daniela foi arregalar os olhos boquiaberta.
Deixou o pacote de lado, concentrando toda a sua atenção na mãe.
— Vocês estão juntos?
— Sim. Tem dois anos que voltamos a nos encontrar. Antes ele
trabalhava só no escritório, não tinha muito contato com ele, enfim.
Eu vou embora com ele daqui um mês, não pense que estou lhe
abandonando, estou apenas seguindo minha vida.
— Como assim, voltaram a se encontrar? Você já saiu com ele
antes?
— Sim. Quando eu... Eu ganhei Helena, nós já tínhamos um
caso, íamos embora naquela época, mas Helena chegou, não podia
abandoná-la ainda bebê só com Patrício. Ele não entendeu bem,
acabamos nos separando. Quando sua irmã completou seis anos,
nos programamos de ir embora outra vez, mas aí fiquei grávida de
você. Nos separamos por anos. Ele se casou, foi trabalhar no
escritório, depois seu pai colocou justo ele como meu segurança.
Voltamos a nos encontrar novamente, agora já maduros e livres
para viver o que sentimos. E vamos viver isso. Quero prepará-la: eu
vou embora dessa casa.
— Helena pode ser filha dele? – perguntou num impulso.
— Não. Helena é minha filha e de Patrício, assim como você.
— Como pode ter certeza que uma de nós duas não é filha dele?
Você estava transando com os dois, não é?
— Eu sei, Daniela, e posso te afirmar que você e Helena tem o
mesmo pai. Patrício.
— Tudo bem. Mas me explica isso melhor! Eu quero saber de
tudo!
— Não é para contar isso para Helena ou seu pai, ok?
— Eu prometo! Será nosso segredo.
Capítulo 13
Daniela concentrou toda a atenção na mãe. Rose suspirou
fundo, revivendo as lembranças do passado.
— Quando eu conheci Henrique, eu tinha acabado de me casar
com seu pai. Eu tinha dezoito anos, prestes a completar dezenove.
Ele era um jovem impetuoso, sedutor. Tinha um estilo muito próprio.
Me encantei com ele quando o vi junto com os seguranças. Ele
percebeu meu interesse e começou a me enxergar também.
Acabamos ficando uma vez, quando seu pai saiu para resolver um
problema junto com seu avô. Depois da primeira vez foi impossível
controlar o que sentíamos.
— Caramba, mãe! Isso tem mais de trinta anos!
— Sim. Quando o amor é verdadeiro, o tempo não apaga. Nosso
amor é verdadeiro.
— Percebi. Por que não foi embora com ele quando eram
jovens?
— Helena chegou. Eu não podia deixar aquela menina tão
pequena e frágil só com seu pai. Eu tinha que cuidar dela, jamais
me perdoaria se algo acontecesse a ela.
— Por que você sempre diz que “Helena chegou”? E como pode
ter certeza que ela não é filha de Henrique?
Rose encarou a filha por um segundo, deliberando se devia
contar a verdade sobre a chegada de Helena na casa. A mente, por
um momento foi para o passado, para uma madrugada de clima
ameno, há trinta anos. Se lembrava perfeitamente, da criança que
chorava nos braços de Patrício, ao entrar no quarto. Ao questioná-lo
sobre a menina, sua resposta foi “essa será minha sucessora, já
que você não pode me dar filhos. Faça as suas malas. Você vai
para a Europa com ela e lá um dos meus homens vai providenciar a
documentação dela.” Ainda tiveram uma longa discussão a respeito
da menina, mas no começo da manhã fez exatamente o que o
marido havia mandado, causando a primeira ruptura com Henrique.
A mente voltou para o presente, para Daniela que esperava uma
resposta.
— Helena foi um presente na minha vida – respondeu somente.
— Mãe, me responde a verdade, Helena é adotada? – perguntou
Daniela, cheia de esperança.
— Claro que não, Dani!
— Ela é tão diferente! Começa por aqueles olhos verdes que
ninguém mais tem na família, o porte dela, eu sei que ninguém da
família te viu grávida. Não tem fotos da sua gravidez!
— Helena puxou as características do avô, Petrucchio, que não
chegou a conhecer, sabe disso. Quando fui para a Europa estava
grávida de três meses dela, ninguém sabia e naquela época não era
como hoje que é só pegar o celular e tirar fotos.
— Mas você estava com a vó, num tour pela Europa! O mínimo
que tinham que ter nas malas era uma polaroid ou uma Kodak que
eu sei que já existia naquela época. Não é como se fosse nos anos
quarenta. Já era anos oitenta!
— Eu não preciso de provas de que fiquei grávida porque
vivenciei a gravidez por nove meses.
— E como pode ter certeza que ela não é filha de Henrique?
— Porque não transávamos com tanta frequência como está
imaginando – respondeu Rose incomodada com as perguntas da
filha. – Dani, ponha uma coisa na sua cabeça, Helena é minha filha
e de Patrício. Parece até que está procurando alguma prova de que
ela não é sua irmã!
Daniela suspirou fundo e mordeu o lábio inferior encarando a
mãe. Naquele momento queria, de forma desesperada, que Helena
não fosse sua irmã.
— Só estou colocando os fatos. Enfim, continua. Você teve
Helena e como ficou Henrique?
— Ele continuou trabalhando no escritório. Arrumou uma
namorada, ficaram um bom tempo juntos, mas acabaram se
separando. Eu também me concentrei em Helena, cuidei para que
nada lhe faltasse e me fiz uma mãe presente. Quando ela já tinha
cinco anos, seu pai começou a educação dela, colocando-a em
escolas. Eu passei a ter mais tempo e Henrique foi nosso segurança
fora da casa. Voltamos a nos encontrar escondidos. Enquanto
Helena estava na escola, íamos para algum lugar.
— Motel, mãe. Sou bem grandinha – riu Daniela.
— É – concordou com as faces rubras. – Enfim, relutei em deixar
Helena no começo, mas eu queria viver minha vida. Eu já sabia qual
seria o destino dela, e não podia fazer nada. Quando arrumamos
tudo para ir embora novamente, Patrício descobriu que eu estava
grávida de você.
— Como o pai descobriu primeiro?
— Pelos detalhes que meu corpo estava mostrando e eu não
estava vendo. Meus seios que ficaram sensíveis, menstruação que
achava que estava atrasada só por estar, nunca fui regulada, enfim,
ele fez questão de me acompanhar no médico e foi confirmado. Tive
que me separar de Henrique novamente e ele abriu mão,
definitivamente de mim. Casou...
— Espera. Você estava transando com os dois. Como tem
certeza que não sou filha dele?
— Eu sei, Daniela, uma mulher sabe. Não tem como explicar.
— Você se convenceu disso – deduziu a jovem. – O pai jamais
permitiria sua partida estando grávida e recomeçar com um bebê
era complicado... Mãe... Henrique pode ser meu pai, não pode?
Rose ficou muda, olhando para Daniela. Esboçou um leve
sorriso, acariciando o rosto da jovem.
— Seu pai é Patrício.
Daniela tornou a emudecer, com a mente trabalhando rápido.
Sua mãe não estava contando toda a verdade, tinha certeza
daquilo. Toda mulher tira fotos da gravidez, principalmente sendo a
primeira. E ainda havia a possibilidade de ser filha de Henrique. Por
mais remota que fosse, existia a possibilidade de Helena não ter
nenhum laço sanguíneo com ela. A mãe não lhe falaria toda a
verdade, teria que descobrir por si só.
— E depois? O que aconteceu?
— Henrique casou, continuou trabalhando no escritório sem
contato direto comigo. Foram anos de separação até que seu pai o
colocou como meu segurança novamente. Tem dois anos isso.
Sempre fomos apaixonados, Dani. Não é um romance que começou
recente e estamos agindo por impulso. Eu quero viver o que me
resta da vida ao lado de Henrique, que sempre foi meu verdadeiro
amor.
— Eu não sei nem o que dizer. Preciso processar isso. Helena
sabe?
— Não. Ela sabe que estou saindo com Henrique agora, mas
não conhece nossa história do passado. Me promete que não vai
falar para ela?
— Ela vai acabar sabendo...
— Eu quero estar longe quando ela saber. Sua irmã é uma cega
fiel de Patrício, fará qualquer coisa que seu pai mandar. Não quero
colocar Henrique em risco.
— Você contou pra ela que estão juntos ou ela descobriu?
— Ela descobriu. Seu pai falou para ela me investigar – Rose
suspirou fundo, pegando as mãos da filha. – Entenda uma coisa,
Dani, eu não estou te abandonando. Você já uma mulher adulta,
sabe se cuidar sozinha. Eu só quero viver minha vida.
— Eu não vou ficar contra você, mãe, jamais faria isso. Mesmo
que esteja traindo meu pai, eu acredito que quem ama realmente é
Henrique. Eu só preciso processar isso. E não se preocupe:
ninguém ficará sabendo.
— Obrigada.
— Quando vocês vão embora?
— Depois do seu aniversário.
— Tá bom. Eu... Eu vou para o meu quarto. Vou digerir tudo o
que me disse.
Rose consentiu com um aceno e Daniela saiu do quarto,
carregando seu pacote de presente. Entrou no próprio aposento e o
deixou sobre a cama, andando de um lado para outro. Pegou o
celular e discou para a irmã.
Helena viu o celular tocando, com o nome de Daniela na tela.
Suspirou fundo e atendeu a ligação. Fechou os olhos, com o
coração acelerado, somente de ouvi-la falando seu nome.
— Oi pequena.
— Lena, eu preciso te ver. Quando vem embora?
— Dani, você sabe que...
— Não, Lena. Por mais que eu queira te ver só pra... Pra te ver e
ficar com você, tem um assunto maior e mais importante. Eu preciso
mesmo te encontrar.
— É algo grave? – Helena sentiu a urgência em sua voz.
— Não sei. Você tem que me ajudar a descobrir.
— Eu chego hoje à noite. Estou saindo daqui agora, tenho que
passar no escritório para fazer um relatório para o pai do que fiz
aqui e depois eu vou para casa. Dou uma desculpa que estou indo
ver a mãe.
— Se eu não estivesse aqui, você viria para dar um beijo de
boas-vindas na mãe?
— Não, de certo que não.
— Então não venha. Eu vou te encontrar no apartamento. Não
quero que ela desconfie.
— Acho que já imagino o assunto – Helena deduziu. Pela forma
como Daniela falava, se referindo à mãe, certamente devia ter
descoberto sobre seu caso extraconjugal, e se esse fosse o caso,
Rose e Henrique tinham dado na cara. – Oito horas da noite já
estarei em casa. Vou te deixar autorizada na portaria.
— Obrigada, Lena. Até mais tarde.
Helena se despediu da irmã e fez uma ligação para Simoni, para
que contratasse uma equipe de limpeza para o seu apartamento.
Também pediu que a secretária acompanhasse o trabalho dos
profissionais pessoalmente, antes de guardar o celular no bolso.
Pegou a mochila com as poucas coisas que havia levado e seguiu
para a recepção do hotel e, em seguida, o carro que a aguardava
para levá-la até onde o avião estava esperando. Com três horas e
meia, já adentrava o escritório do pai.
— Como foi lá, Helena?
— Tudo certo. Conseguimos tomar o controle com sucesso.
Nenhuma baixa do nosso lado, o que foi muito bom. Não fizemos
nenhum refém e não deixamos ninguém escapar.
— Isso é ótimo. Peter?
— Está se familiarizando com o processo, mas rapidamente irá
se inteirar de tudo. Já contratou até uma corretora para ver um
apartamento por lá para que possa se instalar de forma adequada.
Fabrício me pareceu um tanto relutante, mas ele sempre fará de
tudo para agradar o sogro.
— Bom, ele que se arrume com Vivian e Peter. Me mantenha
atualizado de tudo o que acontecer por lá. Temos que acompanhar
de perto esse começo de operação.
— Fique tranquilo. Rogério está lá, conhece todo o processo,
também acompanharei todos os passos.
— Está certo. Como aconteceu tudo muito rápido antes de viajar,
não tive tempo de falar com você. Não quero que vá para a China.
Seu lugar é aqui no escritório, mantendo tudo funcionando de forma
perfeita como tem feito. Sair de casa, ok, já não posso mais
controlar, mas o seu trabalho, quero que seja feito aqui.
— Está certo, pai. Algo mais?
— Sua mãe voltou de viagem hoje e já inventou de ir visitar uma
amiga. Sabemos que isso é mentira, não é? Quero que descubra
quem é o amante dela. Traga-os para cá. Eu mesmo vou enfiar uma
bala na cabeça dos dois.
Helena manteve o olhar neutro, enquanto encarava o pai.
Suspirou fundo, escolhendo suas próximas palavras.
— Tudo bem matar o amante dela, mas não ela. Dani ficaria
desestabilizada. Sabemos o tanto que ela gosta da mãe. E,
também, por mim. Por mais que não sejamos mãe e filha do ano,
não posso permitir e participar de sua morte. Pegue o amante, ela
pode ser mantida em algum lugar afastado.
— Antes de ser sua mãe, ela é minha mulher, eu decido o que
fazer com ela. Cace os dois, quero os dois aqui, na minha frente.
— Sim senhor.
— Você vai cumprir com esse trabalho, Helena? Ou tenho que
pedir para outro segurança?
— Eu faço, pai. Não consegui descobrir da outra vez, mas agora
não vai escapar. Porém ainda lhe peço que mantenha ela viva,
coloque na fazenda, com seguranças e funcionários de sua
confiança. Daniela não lhe perdoaria se matá-la.
— Veremos. Pode ir.
— Eu vou para casa. Amanhã já começo a investigar isso.
— Michelle vai para lá? Vai matar a saudades da viagem? –
perguntou com desdém.
— Não, Daniela vai.
— Sua irmã? O que ela vai fazer lá?
— Disse que quer conversar comigo. Algo que a mãe não pode
saber. Talvez seja alguma coisa relacionado ao amante dela. Pode
ser que tenha descoberto algo. Tenho que esperar até a noite para
saber.
— Assim que ela sair de lá quero que me ligue. Se até Daniela já
saber que ela tem um amante... – Patrício sorriu. – Eu ficarei ao seu
lado enquanto o mata lentamente na frente dela.
Helena apenas consentiu com um aceno e saiu da sala. Seguiu
direto para a própria sala pegar alguns documentos que iria estudar
aquela noite. Saiu do prédio e parou na calçada, esperando o carro
se aproximar. Assim que se acomodou, pensou no que poderia pedir
para o jantar com Daniela. Estava indecisa, pensando em dois bons
restaurantes: um italiano e outro francês. Abriu um sorriso ao se dar
conta que não fazia a mínima ideia da comida preferida da morena.
“Da minha irmã” se corrigiu em meio a um suspiro. “Não faço ideia
do prato preferido da minha própria irmã”.
O carro parou no farol e seus olhos foram puxados para uma
adega. Pediu para o motorista parar e desceu do veículo, já
enxergando seus seguranças também desembarcarem. Dentro do
estabelecimento escolheu três vinhos diferentes, para diferentes
pratos, e uma garrafa do seu uísque preferido.
No apartamento, a vistoria do trabalho da empresa de limpeza foi
rápido: tudo estava impecavelmente limpo e organizado. Levou a
mochila da viagem para o quarto, depois de guardar as bebidas, e
entrou em um banho demorado. De forma pouco consistente se
exorcizava de que era apenas a irmã que estava indo lá a noite.
Poderiam comer qualquer lanche, poderia estar vestindo qualquer
pijama, com o cabelo de qualquer jeito, não precisava de um ritual
suntuoso para recebê-la, mas diferente do que pensava ser o certo,
queria que fosse especial, que ela visse que havia pensado em
cada detalhe para ela.
Já era sete horas da noite quando se decidiu por comida
francesa. Entrou no site do restaurante e anotou o que queria. Em
seguida, pediu para que um segurança fosse buscar e foi para o
quarto, se vestir. Optou por uma calça branca e uma camisa
também branca. Somente o relógio, o cinto e os sapatos eram
beges.
Daniela chegou ao prédio dez minutos depois das oito horas.
Havia pego trânsito e não havia uma rota alternativa que Javier
pudesse fazer. Pediu para o segurança ficar no carro e entrou,
seguindo direto para o apartamento de Helena. Deu uma leve batida
na porta e em menos de um minuto viu a morena aparecer na sua
frente.
— Uau, Helena – falou com um sorriso espontâneo. – Você está
linda!
Helena apenas apresentou um sorriso satisfeito ao dar
passagem a Daniela. Enquanto fechava a porta, não pode deixar de
notar o vestido preto que ela usava, marcando todas as suas
generosas curvas.
— Você disse que tem algo importante para falar comigo. O que
foi?
Daniela parou no meio da sala, olhando toda a arrumação e a
mesa de jantar, na outra extremidade, já posta. Com a urgência da
pergunta da irmã, deduziu que ela estava esperando alguém.
— Eu serei breve – respondeu sem ocultar sua decepção. – Não
quero atrapalhar sua noite.
— Não estou esperando ninguém – Helena esclareceu. – Alias,
estava, mas você já chegou.
— Ah... Eu... Eu achei que estava esperando outra pessoa para
o jantar – novamente deixou um sorriso permear seus lábios. – Eu
gosto tanto desse seu perfume – se adiantou, abraçando a morena.
Helena acariciou as costas de Daniela, deixando as mãos irem
da nuca até a cintura. Deu um beijo demorado em seu rosto e se
afastou para enxergar seus olhos.
— Você está linda, Dani.
A jovem mirou os olhos verdes, intensos. Se adiantou e buscou
sua boca em um leve roçar de lábios, correspondido por Helena,
que se afastou seguida.
— Eu comprei vinho, não sabia bem qual seu preferido, trouxe
três opções. E para o jantar pedi comida francesa. Também não sei
se gosta, pedi algo mais tradicional.
Daniela sorriu diante do embaraço da irmã. Sentia-se aquecida
com aquele cuidado.
— Obrigada. Eu gosto de comida francesa. Aliás, só não como
pedra porque pode quebrar meus dentes.
Helena riu da graça da jovem e foi pegar a garrafa de vinho.
Junto trouxe duas taças, colocando-as sobre a pequena mesa de
vidro, na sala. Daniela se acomodou enquanto a morena as servia e
pegou a taça estendida na sua direção.
— Você disse que tinha algo importante. O que foi? – Helena
retomou o assunto.
— Eu conversei com a mãe, ela... Ela me disse que você já
sabe.
— De Henrique? – Daniela concordou com a cabeça. – Sim, eu
já sei dele. Eles andaram dando bandeira por aí?
— Não. Ela veio me falar dele. Ela disse que vai embora com
ele.
— O que?! – Helena balançou a cabeça em sentido negativo,
tomando um gole do vinho. – Você sabe que não posso deixar isso
acontecer.
— Me promete que não vai interferir nisso, Lena?
— Não posso, Dani. O pai já me pediu, hoje de novo, para levar
ela e o amante até ele. Não posso fazer nada por Henrique. Por ela
posso até tentar interferir, mas ele sabia que estava assinando uma
sentença de morte ao se envolver com ela.
— Eu vou te contar tudo o que ela me disse, eu preciso que me
ajude a descobrir algumas coisas porque ela não está me contando
tudo.
— Ela tem um amante, o que tem para se descobrir nisso?
— Eles saem juntos já tem trinta anos.
Helena parou com a taça a meio caminho da boca. Olhou
demoradamente para Daniela, antes de voltar a colocar a louça
sobre a mesa.
— Que história é essa, Daniela?
— Quando a mãe era novinha, ela casou com o pai, já sabe
disso. Tinha dezoito anos na época. Logo depois Henrique começou
a trabalhar na família como segurança. Eles começaram a ter um
caso. Eles já iam fugir naquela época, mas você chegou e ela não
foi.
— Eu posso ser filha de Henrique, é isso que está me dizendo?
– perguntou, incrédula.
— Não, Helena. Presta atenção. Você chegou. Nunca estranhou
o fato de não ter nenhuma foto da mãe grávida de você? Ninguém
da família viu a mãe grávida. Vivian me falou isso.
— Eu sou adotada?
— Ela diz que não, que você é filha dela e do pai, mas e se não
for? Se você foi adotada mesmo, justifica ela ter viajado enquanto
estava “supostamente grávida,” – fez um sinal de aspas com as
mãos – justifica também porque seu registro é de Londres.
— Isso... Isso é loucura – falou Helena se levantando. – Eu fui
adotada na Europa?
— Não sei. Isso é o que precisamos descobrir.
— Podemos fazer um exame de DNA, isso é o mais simples.
Podemos ir juntas até uma clínica – Helena andou de um lado para
o outro, com os pensamentos desordenados.
— Pode não ser tão simples. A mãe e o Henrique se separaram,
depois que você chegou. Ai alguns anos depois, quando você
começou a estudar, eles voltaram a se encontrar. Mais uma vez
planejaram de ir embora, mas ela ficou grávida de mim. Ela não teve
tempo de confirmar a gravidez antes do pai desconfiar também. Foi
quando ela se separou de vez de Henrique, no passado.
— Você pode ser filha dele?
— Ela se convenceu que sou filha do pai, mas acho que nunca
fez nenhum teste para saber quem era meu pai mesmo. Ela
transava com os dois. Eu posso sim, ser filha de Henrique.
Helena parou no meio da sala pensando sobre o que Daniela lhe
falava. De fato, nunca tinha visto uma foto sequer da mãe quando
estava grávida dela, mas nunca havia questionado isso, dado a sua
própria aversão a fotografias. Não era uma prova, mas cabia
perfeitamente como uma evidência.
— Ok, vamos ordenar isso. A mãe não foi embora da primeira
vez porque eu cheguei.
— Sim. Sempre quando ela fala de você, perceba que ela usa
termos como ganhei Helena ou Helena chegou. Ela nunca fala, com
todas as letras que ficou grávida de você. Por mais que ela diga que
seus olhos verdes é herança genética do avô, por que ninguém
mais tem? Alguém mais da família também tinha que ter, sem contar
que seu porte é diferente. O formato do seu rosto, sua altura, não é
possível que nunca prestou atenção nesses detalhes.
— Uma vez o pai me explicou isso, ainda era pequena quando
perguntei por que meus olhos eram diferentes do dele. Ele me
respondeu que puxei o vô. Sinceramente depois nem me preocupei
mais com isso.
— E você nunca precisou de nenhum procedimento médico que
tivesse que fazer algum teste de parentalidade, da mesma forma
como nunca precisei, não é?
— Não, nunca precisei.
— Eu acho isso tudo muito estranho, Lena. Já achava estranho
antes, mas depois do que a mãe me falou, tenho quase certeza que
você é adotada.
— Eu vou descobrir isso. Pode ter certeza que vou descobrir. E
tem sua questão também. Você pode ser filha de Henrique.
— Posso. Tudo o que a gente vive pode ser uma grande mentira
– sorriu Daniela. – Explica o fato de que não conseguimos nos
enxergar como irmãs, porque realmente podemos não ser. Não
tivemos convivência, não temos laços sanguíneos.
— Primeira coisa que temos que fazer é um exame de DNA.
Podemos ir em uma clínica amanhã mesmo. Segundo passo é outro
exame seu com o pai.
— Isso é mais complicado.
— Nem tanto. Consigo uma amostra no escritório ou em casa
mesmo. Qualquer coisa dele em que tenha deixado o DNA.
— E temos que descobrir se realmente é adotada. Eu vou
apertar mais a mãe, quem sabe ela não solta alguma coisa.
Helena sorriu, coçando a cabeça. Olhou para a morena sentada
na ponta do sofá, com os olhos grandes e expressivos, atenta ao
seu rosto. Afastou a garrafa de vinho e as duas taças, sentando-se
na mesinha de centro de frente a Daniela.
— Você pode não ser minha irmã – falou com o coração
disparado. – Isso muda tudo.
— Muda – respondeu Daniela com um sorriso. – Significa que
toda essa tortura foi em vão. Não estamos quebrando nenhum
código moral com o que sentimos.
— Testes de DNA demoram para sair resultados. Não é como
um exame de sangue.
— Não importa o tempo, desde que exista essa mínima
possibilidade...
Daniela não terminou de falar. Automaticamente sentiu o avanço
de Helena e correspondeu o beijo apressado e intenso que ela lhe
dava, sentindo sua mão se encaixar na sua nuca, prendendo seus
cabelos. Diferente de todos os outros beijos que já haviam trocado,
esse era sem medo, sem receios. Puxou Helena para o sofá, sem
se desgrudar da boca que explorava a sua com paixão, sentindo a
morena se encaixar sobre seu corpo. Se afastaram para se
encararem, com as respirações ofegantes.
— Oi, Daniela Millar, talvez eu não saiba meu nome real, mas é
um prazer te conhecer.
Capítulo 14
— Oi desconhecida – sorriu Daniela beijando-a mais uma vez.
As mãos foram para a camisa, tirando-a de dentro da calça. – Com
toda a certeza será um imenso prazer te conhecer...
— Calma, Dani – pediu Helena deixando a boca passear pelo
seu rosto. – É só uma suspeita ainda... Não podemos...
— Podemos...
— Vamos jantar, é melhor...
— Só se no seu cardápio eu estiver nua. Não quero mais
esperar, Lena! Eu quero você!
Helena soltou um baixo gemido, em meio a um sorriso, ao ouvir
as palavras de Daniela. Voltou a beijá-la com tesão, sem fazer
resistência a jovem que desabotoava sua camisa. Ajudou-a a se
livrar da peça e saboreou a palma da mão acariciando suas costas.
Deixou a boca correr para o pescoço perfumado, dando beijos e
leves mordidas, arrancando gemidos da morena que chegavam até
seus ouvidos como música. Devagar se levantou, puxando-a para
ficar de pé.
— Você sabe que esse exame... – tentou falar enquanto a boca
de Daniela continuava a explorar seu pescoço e colo. – Ele pode...
Nós ainda temos isso no caminho...
— Eu tenho certeza que dará negativo. Eu sei que não somos
irmãs, passamos longe disso, Lena.
— Mesmo assim...
— Se por acaso a mãe estiver falando a verdade, o que duvido
muito, resolvemos isso com a psicóloga depois – respondeu subindo
o próprio vestido. Se afastou o suficiente apenas para fazê-lo sair
pela cabeça e o jogou em cima do sofá, voltando a passar os braços
ao redor do pescoço da morena. – Pra que lado é seu quarto?
Helena sorriu para Daniela, antes de voltar a enlaçá-la e beijá-la.
Fez a morena se virar e em passos lentos seguiram em direção ao
seu quarto, enquanto suas mãos percorriam seu corpo inteiro, sem
impedimentos. Fez ela se sentar na cama e tirou os sapatos com os
próprios pés. As bocas se exploravam ávidas enquanto as mãos de
Daniela iam para a sua calça, soltando o cinto e abrindo o fecho. A
peça de roupa desceu por suas pernas, e terminou de tirá-las com
os pés. Se abaixou em seguida, para ficar ajoelhada na frente da
morena, encarando seus olhos que transbordavam desejo.
— Você é tão linda, Dani! – falou ao deixar os olhos correrem
pelo corpo seminu da jovem. Se abaixou beijando suas coxas. –
Gostosa...
Daniela enfiou as mãos nos cabelos de Helena, enquanto ela
descia por suas pernas entre beijos. Sua sandália foi tirada de seus
pés e a morena retomou o caminho por sua pele. Se deitou
lentamente, vendo-a subir em seu corpo, acariciando-a inteira com
mãos e boca. Outra vez os lábios se encontraram, sedentos,
ansiosos em extinguir o tempo em que apenas se desejaram.
Completamente entregue, e sem receios, curtiu a boca de Helena
descer para o seu pescoço, colo. Deu um gemido mais alto quando
sentiu a massagem no seio esquerdo e arqueou o corpo, para que
ela pudesse abrir seu sutiã.
Os seios, já tesos, foram expostos e as pernas envolveram o
corpo moreno ao mesmo tempo em que a via retomar o percurso
com a boca. Os gemidos se tornaram mais intensos quando Helena
passou a língua por eles, contornando as aureolas amarronzadas,
antes de chupá-los com absoluto prazer. As caricias desceram para
o seu bumbum, junto com a mão esquerda de Helena, que entrou
por dentro da sua calcinha, apertando-a. Desviou sua mão para a
única peça de roupa que usava e a fez deslizar pelas pernas. A
morena ajudou a tirá-la e se concentrou em beijar suas coxas
novamente. Daniela deu um sorriso safado, ao vê-la acariciar seu
sexo, admirando-a.
Por um momento seus olhos se cruzaram e o que pode ver era
somente o tesão estampado no rosto de Helena, o desejo
transbordando por todos os seus poros. Deixou a cabeça tombar
para trás quando sentiu sua boca tomá-la em um oral. Os gemidos
se tornaram incontrolavelmente altos enquanto sentia a exploração
em seu sexo. Já havia imaginado, diversas vezes, como devia ser
transar com Helena, mas em nenhuma das vezes havia chegado
perto do que estava sentindo. A boca experiente a chupava com
maestria, alternando entre o clitóris e a entrada da vagina, tirando-a
completamente de orbita. Enfiou a mão nos cabelos negros, ainda
presos em um rabo de cavalo, e rebolou contra sua boca, ansiosa
em senti-la completamente. As mãos que apertavam suas coxas e
bumbum eram ansiosas, demonstrando em toques a urgência que
sentiam. Por mais que quisesse ficar sentindo aquelas deliciosas
sensações a noite inteira, o corpo começou a dar sinais do ápice o
prazer e sem nenhum controle, permitiu-se ser conduzida a um gozo
intenso.
Helena sorriu contra a pele de Daniela e ainda continuou
chupando-a lentamente, até que ela relaxasse do gozo. Escalou seu
corpo novamente entre beijos, até ficar por cima da morena,
encarando seu rosto corado e respiração alterada pelo prazer
sentido. Enxergava o desejo latente que seus olhos carregavam e a
beijou demoradamente, saboreando com prazer os lábios macios e
carnudos. Deixou que a mão acariciasse seu corpo inteiro, indo
parar em seu sexo novamente. Soltou um gemido alto de prazer ao
sentir as unhas compridas cravar em suas costas, no exato instante
em que começou a penetrá-la com dedos. O corpo embaixo do seu
se movimentava no mesmo ritmo que impunha, numa sincronia
perfeita. As bocas se encontravam desordenadamente, e inclinou o
corpo para chupar o seio esquerdo, sem diminuir o ritmo no sexo.
Outra vez curtiu, com prazer absoluto, o corpo de Daniela se
contrair em um orgasmo perfeito.
Os corpos repousaram, um contra o outro, enquanto se
acariciavam mutuamente, com calma, sem pressa alguma de
conhecerem cada curva uma da outra. As respirações alteradas
denunciavam que havia sido real. Depois de tanto tempo, somente
desejando Daniela em pensamentos, ela estava ali, nua na sua
cama, completamente sua, sem medos de ambas as partes, sem
receios do que poderia vir. Naquele momento, a única coisa que
importava era o desejo das duas, fruto de um sentimento que lhe
aquecia o coração.
— Isso é bem melhor do que tinha imaginado – sorriu Daniela. –
Como consegui me segurar por tanto tempo?!
— Porque tínhamos que nos segurar – respondeu, também
sorrindo. – Eu não sei como vai ficar o depois, mas agora eu não
poderia querer qualquer outra coisa no mundo que não fosse você.
Daniela virou o rosto para enxergar os olhos verdes intensos na
sua direção. Deu um beijo demorado em seus lábios, ao mesmo
tempo em que soltava seu cabelo.
— Não existe outro lugar onde deveríamos estar que não fosse
aqui, uma nos braços da outra.
— Não mesmo.
Helena, percebendo a respiração de Daniela se normalizar, tirou
a calcinha que ainda usava e a dispensou ao lado da cama, antes
de se encaixar no meio das pernas da morena. A respiração voltou
a ficar alterada quando sentiu o contado dos sexos.
— Nosso encaixe é perfeito – continuou ao mesmo tempo em
que erguia uma de suas pernas, grudando a coxa de Daniela contra
sua barriga. – Eu deveria ter ido te visitar em Nova Iorque.
— Talvez não me achasse tão interessante como agora – a
jovem respondeu ao acariciar o corpo de Helena. Não conteve um
gemido mais alto ao sentir o atrito do sexo aumentar. – Esse era o
momento certo de nos encontrarmos.
— O momento perfeito – gemeu Helena aumentando os
movimentos do corpo.
Daniela novamente se entregou ao prazer ao ver o corpo moreno
encaixado no seu, se movendo com vigor. O tesão a acometeu com
intensidade enquanto assistia Helena suar em busca de prazer.
Acompanhou os movimentos cadenciados, em busca da satisfação
total que veio forte para ambas. Antes que pudesse ter controle da
respiração novamente, sentiu Helena puxá-la para se sentar em seu
colo. Fato que não sairia daquele apartamento tão cedo.
O relógio já marcava meia noite e quarenta quando foram tomar
um banho rápido. Vestidas em roupões, voltaram para a sala,
recolhendo as roupas que haviam ficado espalhadas pelo cômodo.
— Eu tenho que fazer uma ligação, Dani – anunciou Helena. –
Preciso que fique em silêncio.
— Você quer que eu saia? – perguntou a jovem incomodada. Em
seu íntimo, julgou que Helena ia ligar para alguma mulher.
— Não.
Helena pegou o celular e discou para o pai. Esperou três toques
até ouvir sua voz do outro lado.
— Oi pai, Daniela ainda está aqui, vai passar a noite aqui.
— Algum problema, Helena? – perguntou Patrício, desconfiado.
— Mais ou menos. Já conversamos sobre o que veio falar
comigo, segundo ela, também acha que a mãe pode ter um amante.
Daniela se sentou no sofá, ao lado de Helena, apreensiva ao
perceber que ela estava falando com Patrício. Mordeu o lábio
inferior e pegou a mão da morena que foi em direção a sua.
— O que ela disse, exatamente? – tornou a perguntar o homem.
— Que a mãe voltou distante, já saiu a tarde ao invés de ficar
com ela. Aquilo que já sabe.
— Isso não pode passar dessa semana. Quero tudo às claras o
quanto antes.
— Sim, senhor.
— Por que Daniela vai dormir aí?
— Comprei um jantar para nós, assistimos um filme. Preciso
criar um laço de confiança com ela para que me conte tudo o que
descobrir.
— Isso é bom. Não está com nenhuma vagabunda aí, não é?
Não quero sua irmã perto dessa sujeira que gosta tanto.
Helena deu um sorriso, antes de responder.
— Não pai. Está só nos duas aqui.
— Tudo bem. Amanhã, já quero que comece a ver isso. Eu
seguro o trabalho no escritório.
— Cedo eu já vou para casa com ela. Vou começar a descobrir
isso tudo.
— Ótimo, Helena. Me mantenha informado.
— Sim senhor.
Helena desligou o celular e o colocou sobre a mesinha de centro.
Se virou para Daniela, que mantinha um olhar apreensivo sobre seu
rosto e se adiantou para dar um beijo em seus lábios.
— Por que você ligou para o pai?
— Porque ele me pediu que o mantivesse informado. Não quero
criar desconfianças nele.
— Você não vai fazer nada contra a mãe, não é? – perguntou
Daniela se aconchegando contra a morena. – Não conta pro pai
tudo o que conversamos. Eu... eu tenho medo do que ele pode
fazer.
— Não vou falar nada para ele e nem fazer nada contra a mãe,
não se preocupe. O pai não faz nada, ele me manda fazer. Javier
ainda está aí embaixo?
— Ai, meu Deus! Esqueci do Javier! – exclamou Daniela levando
a mão na boca. – Coitado! Nem jantou!
— Pode ter certeza que ele não passou fome. Deve ter
comprado alguma coisa. Eu vou dispensá-lo.
Helena voltou a pegar o celular e mandou uma mensagem para
o número do segurança, informando que Daniela passaria a noite no
apartamento e que acompanharia ela para casa na manhã seguinte.
Depois de voltar o aparelho para mesa, tornou a enlaçar a jovem,
dando um beijo demorado em sua boca, curtindo sem pressa, o
sabor dos seus lábios e a carícia delicada que ela fazia em seu
pescoço.
— Bom, Javier com certeza já comeu algo, mas nós ainda não.
Estou com fome – falou ao dar uma leve mordida no seu lábio
inferior. – Temos que esquentar tudo.
— Também estou com fome – Daniela respondeu em meio a
uma caretinha. – Vem, vamos para a cozinha.
Helena se levantou e puxou Daniela, guiando-a para sua
cozinha. Pegou o jantar que havia deixado no forno e colocou um
prato no microondas, enquanto Daniela abria seus armários. Ficou
curiosa com a procura da morena, até enxergá-la pegar um copo e
uma garrafa de água na geladeira.
— O que vamos fazer amanhã?
— Logo cedo vamos para uma clínica para fazer o teste de DNA.
Depois eu vou para a casa do pai, vou conversar com a mãe...
— Não vai falar pra ela que já sabe de tudo, hein?!
— Não, vou falar que o pai pediu novamente para investigá-la.
Quero ver se consigo alguma amostra do Henrique e da mãe
também. Tanto para fazer um teste para ter certeza que você é ou
não filha de Henrique, como para determinar se... Se realmente sou
filha dela ou não. Temos que fechar todos os pontos com os testes.
Com os resultados em mão e sendo realmente comprovado que não
sou filha de nenhum dos dois, vou atrás da minha origem, onde
nasci e quem são meus pais de verdade.
— Como você está com isso, Lena? Com essa possibilidade de
ser adotiva?
— Torcendo para que eu seja realmente adotiva – respondeu
com sorriso, beijando Daniela. – Não quero ficar sem você e não sei
se conseguiria levar uma relação incestuosa adiante.
— Eu tenho certeza que é. É algo quase enraizado, não sei
explicar, mas tenho certeza de que não é minha irmã – respondeu
enlaçando o pescoço de Helena. – É a mulher que estou
apaixonada, extremamente gostosa, que me fez gozar muito hoje!
Helena sorriu contra os lábios de Daniela, voltando a beijá-la
intensamente. As mãos foram desamarrar o cinto do roupão,
deixando o corpo da jovem à mostra para que pudesse tocá-la por
inteiro. Se afastou para enxergar os olhos castanhos que
transbordavam ternura e desejo.
— Eu sou completamente apaixonada por você – confessou,
pela primeira vez, diretamente e sem amarras. – Completamente
louca por você!
— Eu também, Lena, mais do que pode imaginar!
Helena voltou a deixar os lábios se encontrarem outra vez,
explorando-se, tornando a acender todo seu corpo, mas o apito do
forno fez com que se afastasse com um risinho. Daniela fechou o
roupão e suspirou fundo, contendo a vontade que tinha de tê-la a
todo momento. “Temos a noite inteira hoje” pensou ao se concentrar
a ajudar a morena a terminar de preparar a refeição.
Durante todo o jantar discorreram sobre o que fariam no dia
seguinte. Helena pediu que ela não mudasse em nada sua rotina e
que continuasse com a abertura da empresa e os preparativos para
sua festa de aniversário, dali duas semanas. Daniela concordou
com o que era proposto: não podiam dar nenhuma bandeira de que
estavam investigando o passado para não causar nenhuma
interferência no curso das coisas.
Após a refeição voltaram para o quarto e tirou o roupão de
Helena, virando-a na cama para ver a tatuagem que ela tinha nas
costas. Contornou, com os dedos, toda a extensão do desenho,
causando arrepios na morena. Beijou sua pele delicadamente e deu
um gritinho de susto quando Helena se virou abruptamente,
pegando-a para que voltasse a se encostar contra o colchão e
travesseiros. Depois de outro beijo demorado, se afastou para
enxergar os olhos verdes. Foi naquele momento que soube que
sempre faria de tudo pela morena.
Os corpos amanheceram enroscados um no outro. Helena
acordou primeiro e ficou acariciando a cabeça e cabelos de Daniela,
que estava apoiada contra seu corpo, repousada em seu ombro.
Conferiu a hora no relógio, que já marcava oito horas da manhã e
deu leves beijos, acordando-a delicadamente.
— Bom dia, linda!
— Bom dia – respondeu Daniela manhosa, se aconchegando
mais contra o corpo moreno. – Já amanheceu?
— Já. É oito horas da manhã.
— Tão cedo! Podemos passar a manhã toda aqui?
— Adoraria, mas temos que ir à clínica agora cedo. O quanto
antes descobrirmos se tudo isso é verdade ou não, é melhor.
— Sim – concordou montando no corpo moreno deu um leve
beijo nos seus lábios, se esfregando na pele quente. – Me
acompanha no banho?
— Com toda a certeza – concordou Helena com um sorriso.
Já era nove e meia da manhã quando terminaram de se arrumar.
Antes de saírem do apartamento deram um beijo demorado, certas
de que voltariam a se encontrar em breve.
Do lado de fora os seguranças de Helena já estavam de
prontidão. Saíram para a garagem do prédio, mas a morena parou,
pedindo as chaves do carro.
— Preciso que vão para o escritório. Simoni irá passar a
informação de um cliente que está em atraso no pagamento de
mercadorias. É uma primeira visita de cobrança. Eu vou para casa
do meu pai, estejam lá às seis da tarde.
— Sim, senhora.
Os seguranças se afastaram sem discutir sua ordem. Apontou a
porta para Daniela e ela entrou, se acomodando no banco do
carona. A jovem se dedicou a procurar uma clínica para teste de
DNA enquanto Helena guiava o veículo para fora.
— Tem uma aqui perto, aqui nesse endereço – falou virando o
celular para que a morena pudesse ver a tela.
— Muito perto. Precisa ser algo mais afastado – respondeu
tornando a se concentrar no trânsito e no retrovisor.
Daniela concordou com um aceno e tornou a pesquisar outras
clínicas. Depois de dez minutos que foi perceber que estavam
dando voltas, que para ela não fazia sentido.
— Por que está andando em zigue-zague? Já passamos por
essa rua duas vezes.
— Quero me certificar que não estamos sendo seguidas por
alguém a pedido do pai – respondeu Helena conseguindo, por fim,
enxergar uma moto seguindo-a.
— O homem que fica na sua sombra?
— Sim.
Helena não deu mais detalhes, apenas deu outra volta aleatória,
vendo a moto também fazer a mesma curva. Parou o carro no meio
fio e viu quando ela passou direto, parando em um comercio, três
imóveis a frente.
— Espera aqui, linda – pediu ao pegar a arma ao lado do banco.
Daniela olhou apreensiva, enquanto Helena descia do carro com
a arma ao lado do corpo. Seguindo em passos rápidos, a morena
alcançou o homem que mexia na moto, fingindo consertar alguma
coisa. Se abaixou ao seu lado e percebeu sua feição forçada de
surpresa.
— Se você continuar me seguindo, eu apenas aviso meu pai que
lhe matei.
— Do que você...
— Schiii – silenciou com um gesto. – Você é bom, demorei
muitos minutos para te notar. Leve em consideração que não vou
fazer nada agora porque minha irmã está nos vendo daqui. Se eu te
notar na minha cola mais uma vez, eu peço para ela fechar os
olhos.
Helena se afastou e retornou para o carro sob o olhar do
homem. Viu quando ela entrou e deu partida, passando por ele.
Apenas pegou o celular e discou para Patrício.
— Helena me enxergou, senhor Millar. Estou deixando a
vigilância.
Daniela ainda ficou um tempo muda, alternando o olhar do
celular para Helena. Percebia que ela ainda estava atenta, vendo se
a moto ainda estava seguindo-a.
— Era ele?
— Sim.
— Como não notou a presença dele antes? De todas as outras
vezes?
— Porque nunca me importei. Não tinha nada para esconder do
pai, até então. Só um sítio que mantenho no interior, mas vou
poucas vezes e nunca fui seguida até lá.
— Não sei como suporta o que o pai faz.
— Não se preocupe com isso, linda. Achou uma clínica?
— Sim. Essa daqui é mais afastada do centro. Segundo o site, o
resultado fica pronto em três semanas.
— Vamos ver se conseguimos apressar um pouco o resultado.
Helena guiou para o endereço que Daniela lhe passava e em
meia hora entraram na clínica. Foram recepcionadas por uma
simpática moça que lhes explicou todo o processo. Helena pediu
que o resultado fosse o mais rápido possível, mesmo que isso o
tornasse mais caro. Depois de acertado os trâmites, foram
encaminhadas para uma sala onde fariam a coleta do material.
Esperaram por mais quarenta minutos, tempo de preparo para a
coleta bucal e saíram da clínica, depois de uma hora.
— Agora temos que esperar – suspirou Daniela ao se virar para
Helena. – Não vejo a hora de já ter isso nas mãos. Cinco dias. Vai
passar rápido.
— Vai sim – respondeu Helena puxando-a para um beijo. –
Independente do resultado que for, eu adorei o que tivemos. Foi
especial.
— E ainda teremos mais – respondeu Daniela com um risinho. –
Ou você acha que vou deixar você escapar, senhorita Millar? Ou
senhorita desconhecida – completou com um risinho.
Helena acompanhou o riso e puxou Daniela para outro beijo
demorado. Não precisava falar a Daniela, mas não tinha nenhuma
pretensão mais de fugir.
Capítulo 15
Helena chegou à casa já ia dar meio dia. Deu um discreto aperto
na mão de Daniela, antes de entrar na residência, já encontrando
com a mãe falando ao celular com alguém. Deu um rápido beijo em
seus cabelos e sentou-se em uma poltrona, esperando ela terminar
a ligação. Daniela subiu direto para o quarto, para trocar de roupa.
— O que faz aqui uma hora dessas, Helena? – perguntou Rose
ao deixar o celular de lado. – Daniela estava com você?
— Sim, ela passou a noite no meu apartamento – respondeu
sem desviar os olhos da mulher à sua frente. – E estou aqui para lhe
dar as boas-vindas e um aviso. Vamos até o escritório?
Rose balançou a cabeça em sentido negativo e levantou-se em
meio a um suspiro. Seguiu para o escritório, ouvindo os passos da
filha atrás de si. Seguiu direto para uma poltrona e sentou-se vendo
a morena fechar a porta.
— Daniela já foi lhe contar o que disse a ela? – perguntou,
resignada.
Helena ficou encarando a mulher, que poderia não ser sua
progenitora, com o rosto impassível. Pegou uma cadeira, puxando
para próximo a ela.
— O que Daniela teria para me contar?
— Não se faça de sonsa, Helena! Eu tinha que ter imaginado
que ela lhe contaria!
— Me contar o quê, mãe? – tornou a perguntar, franzindo o
cenho. – Eu preciso saber de algo que quer esconder?
— Não, você não precisa saber de nada!
— Então quer dizer, realmente, que tem algo escondido – sorriu
Helena. – Quer me falar?
— O que você quer aqui, Helena? – Rose desviou o assunto,
impaciente.
— Te dar um aviso: o pai quer a cabeça de Henrique – falou
analisando as feições da mãe. Primeiro a surpresa, depois o medo.
– Que ideia de você chegar de viagem e a primeira coisa que faz é ir
ficar com ele! O que tinha na cabeça? Achou mesmo que essa
conversa de visitar amiga doente iria colar?! Seu marido é Patrício
Millar! Você acha que ele construiu tudo isso sendo enganado por
outras pessoas?!
— Não faz nada contra Henrique, Helena! Eu estou lhe pedindo,
por favor, por mim, não faz nada contra ele!
— Eu não quero fazer nada contra ele, mas vocês não estão me
dando opções! Eu pedi que se separasse dele, falei pro pai que
você não tinha ninguém, mas no primeiro dia aqui você já planta a
desconfiança nele novamente? Por enquanto o pai está pedindo
para eu fazer isso, mas e se ele desconfiar que estou protegendo
vocês dois e colocar outra pessoa para fazer isso?
— Nós vamos embora. Depois do aniversário de Daniela nós
vamos embora do país – respondeu Rose aflita, se aproximando da
filha. – Eu pesquisei, de forma bem superficial, algumas cidades
pequenas na França. Nós vamos nos instalar em uma dessas, seu
pai jamais vai nos encontrar.
— Esse era seu segredo com Daniela?
— Sim. Eu falei para ela que vou embora. Vou repetir a mesma
coisa que falei pra ela. Eu não estou abandonando vocês, eu só
quero ser feliz com o homem que amo.
— Eu vou tentar segurar por esses dias, são só mais duas
semanas, mas parem de se encontrar! Eu estou pedindo, por favor,
para de dar motivos para o pai! Ele pode colocar alguém para fazer
isso e eu não vou poder interferir porque não irei contra meu pai.
Rose enxugou a lágrima que rolava pela face ao encarar a filha.
Duas semanas era pouco tempo se comparasse com a
possibilidade de passar o resto da vida com Henrique.
— Eu vou conversar com Henrique. Obrigada por isso, te
prometo que nada mais vai aparecer.
— É o que espero.
— O que Daniela foi fazer na sua casa? Por que passou a noite
lá?
— Ela foi falar a respeito dos projetos dela, da psicóloga em que
ela está indo. Já sabia disso ou está tão concentrada no seu amante
que nem sabe que sua filha está começando um acompanhamento
psicológico?
Outra vez Rose se calou. Não fazia a menor ideia de que
Daniela estava passando com um psicólogo. Da mesma forma que
se lembrou, de forma automática, do namorado que ela havia
mencionado e nem sequer perguntara dele.
— Não – respondeu, por fim. – Ela não me falou nada. Só me
disse que estava namorando.
— Um filho da puta que já dei um jeito nele.
— Por que Helena?
— Ele estava traindo-a. Dei apenas um susto nele.
— Ela sabe disso?
— Não dos detalhes. Toma cuidado, mãe, por favor – pediu
Helena ao se inclinar para ela e pegar suas mãos. – Eu não quero
ser obrigada a fazer algo que eu não queira.
— Vou tomar. Já vou falar com Henrique.
Helena apenas deu um leve aperto nas suas mãos e levantou os
olhos para ver Daniela entrar no escritório. Se afastou, voltando a se
encostar contra a cadeira, enquanto a morena ia se sentar no braço
da poltrona que Rose ocupava.
— Está tudo bem?
— A mãe me falou que vai embora com Henrique.
— Você não vai fazer nada contra isso, não é? – perguntou a
jovem, apenas para corroborar com a ideia de que a informação era
novidade para Helena.
— Não, não vou fazer. Mas o pai está desconfiado, pediu para
eu investigar. Estou dando o prazo de eles irem embora.
— Minhas meninas – falou Rose pegando as mãos de Helena e
Daniela simultaneamente. – Eu sempre vou procurar saber notícias
de vocês. Não vou abandoná-las.
— Nós vamos ficar bem, mãe, não se preocupe – respondeu
Helena encarando Daniela. – Só faz o que estou pedindo. Se o pai
levantar outra suspeita ele pode colocar outra pessoa para
investigar. Aproveite essas duas semanas para ajudar Daniela com
a festa. É um bom tempo que passarão juntas, depois terá todo o
tempo do mundo com Henrique.

Patrício desligou o telefone e ficou olhando para a mesa do


escritório. Helena estava com Daniela e fez questão de tirar o
homem que sempre a seguia. Não era inocente a ponto de imaginar
que Helena não desconfiava de sua vigilância e o fato de tê-lo
afrontado já dizia muito. Ela estava escondendo algo, alguma coisa
que queria que ele não soubesse. Tornou a pegar o telefone e
chamou Giovanna para sua sala. Em menos de um minuto a
secretária entrou.
— Preciso que contate o Lucas. Quero ele aqui no escritório o
quanto antes.
— Algo específico que eu deva falar a ele?
— Quero que ele descubra onde Helena foi essa manhã. O
segurança falou que ela o afrontou, para parar de segui-la. Quero
saber onde ela foi com Daniela. Talvez haqueando o celular dela ou
de Dani, o sistema de navegação do carro, preciso dessa
informação para ontem.
— Sim senhor. Algo mais?
— Uma boa chupada! To precisando relaxar!
Giovanna saiu da sala depois de vinte minutos, seguiu para o
banheiro retocar a maquiagem e, depois, foi fazer o que Patrício
havia lhe ordenado. Lucas, hacker responsável por monitorar as
redes de comunicações dos Millar, foi acionado e já se prontificou
em fazer uma varredura no celular de Helena, mas não conseguiu
localizar nenhuma informação do seu paradeiro. O número da jovem
Daniela lhe deu a informação que Patrício havia pedido, no seu
histórico de pesquisas. Com duas horas entrou no escritório do
poderoso homem.
— Boa tarde, senhor Millar. Já tenho a informação que me pediu.
Está aqui.
Patrício pegou o papel que era estendido em sua direção.
— Uma clínica de biomedicina?
— Sim. Fui além e pesquisei o que foram fazer lá. Consta um
pedido de teste de DNA no nome das duas.
Patrício se encostou na cadeira e ficou encarando o rapaz à sua
frente. Deu um suspiro e pegou um charuto na gaveta.
— Obrigada pelas informações, Lucas. Pode ir.
— Quer que faça alguma coisa através do computador?
— Não, não precisa. Vou resolver isso nos velhos moldes.
O rapaz anuiu e saiu da sala. Patrício pegou o telefone e
chamou seus seguranças.
— Nós vamos dar uma saída. Vamos ser incisivos nessa visita.
Já ia dar quatro horas da tarde quando entrou na clínica que
suas filhas haviam ido. Enxergou a recepcionista e se dirigiu a ela,
pedindo informações do diretor da clínica.
— Eu vou ver se ele pode atendê-lo – respondeu a simpática
recepcionista ao pegar o telefone. – Doutor Carlos, eu estou aqui
com Patrício...
A recepcionista não terminou de falar. Patrício pegou o telefone
de sua mão, levando a orelha. Ainda tentou protestar, mas o
segurança ao lado do homem fez um sinal para não interferir.
— Preciso que me receba agora – falou Patrício ao telefone. –
Não estou com muito tempo, então se puder fazer a gentileza de me
receber será bem melhor do que eu descobrir onde fica sua sala.
— Eu vou até a recepção – informou o médico, desconfiado pela
abordagem. Com toda a certeza era algum pai querendo um teste
de paternidade. Muito provável que estava desesperado pelo
resultado negativo. – Cinco minutos.
Patrício nada respondeu. Voltou o telefone para a recepcionista e
se afastou, ladeado pelos seus seguranças. Como havia dito, o
médico apareceu em pouco tempo.
— Sou Carlos Godoy, diretor clínico – se apresentou. Observou
o homem de certa idade: certamente não estava ali por causa de um
teste de paternidade. – Como posso ajudá-lo?
— Sou Patrício Millar. Podemos conversar em um lugar mais
reservado?
— Claro!
O médico mudou a postura ao ouvir o sobrenome. Sabia das
duas mulheres mais jovens que haviam ido fazer o teste mais cedo,
pagando, inclusive, um valor bem expressivo para que os resultados
saíssem o quanto antes. Apontou o corredor e seguiu com Patrício
até o consultório. Fechou a porta, enquanto os seguranças ficaram
pelo lado de fora.
— Como posso ajudá-lo, senhor Patrício?
— Minhas filhas vieram fazer um exame aqui mais cedo. Helena
e Daniela Millar. Quero saber o que pediram.
— Nós não podemos passar informações de nossos pacientes.
Mesmo que seja o pai delas é...
— Eu quero saber o que pediram – insistiu Patrício, tirando uma
arma de dentro do paletó. Apenas a colocou sobre a mesa e
começou a mexer nos bolsos atrás de um cigarro. Acendeu e tornou
a se encostar na cadeira, encarando o médico. – O que elas
pediram?
— O senhor disse Helena e Daniela Millar? – o médico
perguntou temeroso.
— Exatamente.
Depois de acessar o sistema, Carlos logo tinha o pedido das
duas mulheres na tela. Um pedido de DNA para atestar a
parentalidade.
— Um teste de parentalidade através do DNA. Colheram
material essa manhã.
— Eu preciso que faça uma alteração para mim. Quero saber
quanto isso vai me custar.
Helena assistiu Rose sair do escritório para falar com Henrique.
Assim que a porta foi fechada, se levantou, indo parar na frente de
Daniela.
— Eu preciso que me ajude com a mãe. Eu disse a verdade
quando falei que o pai pode colocar outra pessoa para investigar. Eu
mesma já vou sugerir uma vigilância constante.
— Pode deixar. Vou grudar nela. O que vai fazer?
— Vou para o escritório agora a tarde para passar um relatório
para o pai. Não deixa ela sair da casa.
— Tudo bem. E o exame com ela e Henrique? Quando vamos
fazer?
— Assim que sair o nosso. Se for comprovado que não somos,
de fato irmãs, já vou fazer o pedido dos outros. Teremos tudo
resolvido até seu aniversário.
— Tudo bem. Se cuida, ok?
— Pode deixar – respondeu Helena fazendo carinho no rosto de
Daniela. – Quando vai passar com a psicóloga novamente?
— Segunda. Mas nessa altura eu nem sei se devo ir. As coisas
mudaram completamente.
— Pula essa próxima semana. Com o resultado em mãos você
pode decidir de forma mais clara se quer continuar passando com
ela, de qualquer forma será uma tremenda mudança, é bom que
tenha um acompanhamento.
— Vamos ver – respondeu puxando Helena para dar um beijo
em seus lábios. – O que vai fazer esses dias?
— Vou enrolar. Segurar o pai de um lado, a mãe do outro...
— E nós? Eu quero te ver novamente, Lena – Daniela enlaçou
os braços nas pernas da morena, encostando a cabeça contra sua
cintura.
— Nós vamos. Você pode ir para o meu apartamento, nos
encontramos em algum lugar – respondeu acariciando os cabelos
da jovem. – Também não quero ficar longe.
Daniela outra vez tornou a erguer a cabeça e Helena se abaixou,
buscando os lábios da morena em um beijo demorado. Se afastou
para encarar os olhos castanhos e deu um sorriso, seguido de
vários beijos em seu rosto. Daniela riu enquanto as mãos
continuavam a acariciar as coxas e bumbum da morena, sobre a
calça social.
— O que vocês estão fazendo?!
Helena se afastou e olhou para a porta, enxergando Joanna.
Daniela foi quem tomou um susto maior, se levantando da poltrona
onde estava sentada.
— Nada, Joanna – respondeu a jovem desconcertada. – Eu...
Nós...
— O que você quer, Joanna? – perguntou Helena encarando-a.
— Eu... Eu vi sua mãe passando pela cozinha, parecia nervosa...
O que está acontecendo?
— Assunto de família – respondeu sem desviar o olhar. – Não se
preocupe com isso.
— Eu... Tudo bem. Com licença.
Daniela viu a mulher sair do escritório e fechar a porta. Se virou
para Helena que passava a mão no cabelo.
— Temos que tomar cuidado – falou com um suspiro. – Se ela
contar pro pai...
— Ela não vai contar. Vai ficar pensando uns dois dias no que viu
e depois vai vim me perguntar – respondeu Helena. – Eu tenho que
ir agora. Mais tarde eu te ligo.
— Tem certeza que Joanna não vai falar nada?
— Tenho. Conheço ela. Não se preocupe. Até mais tarde, linda.
Daniela acenou em despedida enquanto via Helena sair do
escritório. Respirou fundo, tentando conter o coração disparado e
subiu para o quarto, pensativa. Esperava, com ansiedade o
resultado do exame, a resolução do caso da mãe. Ponderava no
tamanho do problema quando pudesse provar que Helena não era
filha biológica de Patrício e Rose. Com toda a certeza abalariam as
estruturas familiares, fundada em cima de um monte de mentiras e
segredos que estava disposta a esclarecer cada um.
Helena entrou na cozinha já enxergando Joanna com um copo
de água na mão, claramente pensativa. Se aproximou dela e deu
um beijo em seus cabelos, apertando-a em seus braços.
— Não se preocupe com nada, ok? – amenizou com a voz
branda. – Se prepare porque está vindo uma tempestade por aí, que
está prometendo não ser das mais rápidas a passar.
— Você vai tomar cuidado com tudo isso, Helena? Vai cuidar da
sua irmã?
— Vou. Pode ficar tranquila que vou cuidar de tudo.
— Principalmente de você. Não deixe que nada aconteça.
— Eu te prometo, eu vou ficar bem.
Joanna recebeu outro beijo nos cabelos e viu a morena se
afastar pelo mesmo caminho por onde a mãe havia passado. Com
trinta anos trabalhando com os Millar havia aprendido a não
questionar, mas sabia exatamente o que estava acontecendo com
Rose, dado as palavras de Helena. Haviam descoberto seu caso
com Henrique. Não era nem uma e nem duas vezes que já tinha
visto a sua empregadora aos cantos com o segurança, mas aquilo
não era da sua conta. O que mais a intrigava, no entanto, era o
clima de intimidade que havia visto entre Daniela e Helena. “Minha
mente está cansada” suspirou. Tentou se convencer de que era
apenas um gesto de carinho entre irmãs.
Helena encontrou Rose conversando com Henrique em um
canto mais afastado do jardim. Repetiu tudo o que havia falado a
mãe, pedindo que mantivessem o máximo de discrição para não
levantar as suspeitas do pai. Era apenas duas semanas, depois
poderiam ter o tempo que quisessem.
Da casa, Helena seguiu para o escritório. Perguntou pelo pai a
Giovanna, mas ela apenas informou que ele havia saído com alguns
seguranças. Dando ombros foi para a própria sala e acessou sua
máquina, pegando o aparelho codificação em seguida. Acessou o e-
mail de Rose e se dedicou a pesquisar qualquer coisa que fosse
suspeita. Ficou aliviada ao ver que pelo menos ela não havia
deixado nenhum rastro digital. O próximo passo foi apagar o registro
de localização do seu celular, apagando o endereço de Henrique
que ali constava e colocar outro de uma amiga. Estava finalizando o
processo quando viu o pai entrar na sua sala.
— Como foi, Helena? – perguntou Patrício sentando-se na sua
frente.
— Passei em casa, conversei com a mãe, mas não consegui
nada. Acessei seus registros online e também não localizei algo que
possa ser útil. Vou colocar um homem para segui-la. Talvez o
mesmo que mandou me seguir – finalizou encarando o pai.
— Alexandre me ligou, disse que você ameaçou ele com uma
arma. Tem alguma coisa para esconder, Helena?
— Se eu tivesse não te falaria, não é? – respondeu sem deixar
que emoções aflorassem em seu rosto. – Está desconfiado de algo
a meu respeito?
— Seu não. Acho que está encobrindo algo que Daniela está
fazendo. Falou com a psicóloga dela?
— Ainda não. Vou lá na segunda-feira. Não interfira no que estou
criando com Dani, pai. Eu preciso ganhar a confiança dela. Demos
um grande passo essa noite, não vou te esconder nada, como não
tenho escondido durante todos esses anos.
Patrício se limitou a encarar Helena. Por mais que estivesse com
mórbida curiosidade de saber o que a filha estava fazendo, decidiu
que aguardaria até que elas fossem pegar o resultado do exame
que haviam feito. Queria saber exatamente até onde Helena iria
com suas mentiras.
— Tudo bem – respondeu em meio a um suspiro. – Só toma
conta da Daniela, não quero que nada aconteça com minha filha.
— Eu vou tomar, não se preocupe. Vou tirá-la da casa esse final
de semana, inclusive. Quero ver se ela concorda em fazer uma
pequena viagem comigo, dar espaço para que a mãe possa chamar
seu amante ou sair com ele. Henrique me parece muito suspeito. Ou
ele está acobertando ela, ou é ele o amante.
— Conheço Henrique há trinta e um anos. Ele não seria capaz
de fazer algo desse tipo! É meu homem de confiança.
Helena manteve o rosto impassível diante da cegueira do pai.
— E por que ele não desconfiou de nada? Conversei com ele
hoje. Repetiu tudo o que a mãe falou. Verifique as joias dela,
dinheiro, ela pode estar pagando ele para ficar em silêncio.
— Das contas dela não tem saído dinheiro alto que aponte um
pagamento. Quando chegar em casa hoje vou verificar suas joias no
cofre.
— Ok. Qualquer coisa me avise. Um bom incentivo aqui na sala
do escritório e ele começa a falar.
— Vamos resolver isso o quanto antes. Se perceber que está
faltando joias já traremos os dois amanhã para o escritório.
Helena apenas concordou com a cabeça e viu o pai levantar-se
para sair. Antes que ele pudesse abrir a porta, tornou a olhá-la.
— Para onde vai com Daniela esse fim de semana?
— Vou ver se ela está disposta a ir para alguma pousada no
interior ou litoral. Se ela concordar, eu te passo o endereço depois
que decidirmos o local.
— Uma viagem entre irmãs, pode ser bom pra ela, conhecer
outras pessoas. Me mantenha informado.
— Sim, senhor.
Helena assistiu o pai sair da sala e respirou fundo, voltando a
olhar para o computador. Deu um meio sorriso ao pegar o celular e
mandar uma mensagem para Daniela.
“Quer passar o final de semana comigo em uma pousada no
interior?”
Capítulo 16
Naquele dia Helena não voltou para a casa dos pais. Por mais
que quisesse ver Daniela, tinha que resolver outro assunto, um que
havia negligenciado desde a ida para a fronteira: Michelle. Assim
que chegou no apartamento, ligou para a ruiva.
— Oi linda – ouviu sua voz. – Já voltou de viagem?
— Cheguei ontem à tarde. Podemos nos ver hoje?
— Não consigo, desculpe. Meu filho não está muito bem, passou
o dia todo no hospital, vou ficar com ele esse final de semana,
assistindo desenhos e cuidando dele. Desempenhando meu papel
de mãe.
— Está certo. Me liga se precisar de alguma coisa.
— Pode deixar. Foi tudo bem na viagem?
— Tudo bem.
— Eu tenho que desligar, deixei ele no banho. Até mais, linda.
Helena desligou o celular e passou a mão na cabeça. Deixaria
para falar com Michelle quando ela estivesse num bom momento.
Seguiu para o quarto e parou rente a cama, olhando para os lençóis,
ainda bagunçados. Abriu um sorriso ao se recordar, com perfeição
da sensação de ter Daniela em seus braços. Sabia que estava
brincando de roleta-russa e o tiro poderia estourar sua cabeça, mas
estava disposta a puxar o gatilho.
Depois de um banho demorado, pediu uma refeição e discou
para Daniela, confirmando o final de semana ao seu lado. Por uma
hora ficaram ao telefone e decidiram por uma pousada no interior.
Fez a reserva para o dia seguinte e se despediu da morena, indo
arrumar uma mochila para o final de semana. A segunda ligação,
antes de dormir, partiu de Daniela e não viu passar outra hora
completa ao conversar amenidades com a jovem.
Na manhã seguinte, Helena saiu do apartamento, junto com os
seguranças, guiando para a casa dos pais. Assim que
desembarcou, já enxergou Daniela na janela de seu quarto. Deu
uma piscada na direção da jovem que retribuiu com um sorriso.
Entrou na sala, já se deparando com a mãe e o pai.
— Bom dia – cumprimentou, dando beijos em ambos. – Daniela
já está pronta?
— Daqui a pouco ela desce – informou Rose. – Já tomou café?
— Comi alguma coisa quando sai de casa – respondeu vendo
Daniela aparecer nas escadas.
— Oi Lena! Daqui a pouco desço, só estou terminando de
guardar algumas coisas.
— Tudo bem – concordou com um aceno.
— Vamos ao escritório – chamou Patrício, se levantando.
Helena seguiu atrás do pai, enquanto Daniela voltava para o
quarto. Assim que ele fechou a porta, seguiu para uma poltrona,
sentando-se e assistindo Patrício ir para detrás da mesa.
— Eu fiz o que sugeriu ontem. Não está faltando joias. Pensei
em interrogar Henrique, mas ele não vai falar nada. Conheço o
homem com quem trabalho. Temos que pegá-los em um flagrante.
— Deixa passar esse final de semana – pediu Helena. – Muito
provável que a mãe vai relaxar por não ter Dani em casa. Seria bom
também que invente alguma atividade para fazer. Com o tempo livre
e sozinha ela pode ver uma oportunidade de ir ficar com ele, ou seja
lá quem for que ela está se encontrando. Alexandre já está na
vigilância dela?
— Sim. Está esperando qualquer movimentação dela.
— Ótimo. Assim que surgir algo ele já lhe passa – falou ao pegar
um papel no bolso. – Esse é o endereço da pousada onde ficarei
com Daniela, para que não tenha o trabalho de mandar alguém me
seguir.
Patrício pegou o papel e leu o nome da cidade e o endereço ali
listado. Levantou os olhos para Helena, com a curiosidade
retornando forte sobre o segredo que mantinha com a irmã. Era
obvio que estavam desconfiadas da filiação de Helena, mas outra
vez se controlou e guardou a curiosidade para quando saísse o
exame. Tinha que descobrir de onde havia surgido aquela
desconfiança e o melhor era esperar com calma. Uma hora saberia
exatamente o que estava acontecendo.
— Não vou mandar alguém as seguir. Vou dar o espaço que me
pediu.
— Ok. Voltamos amanhã à noite.
Patrício concordou com um aceno e ficou observando Helena
sair do escritório. Assim que ela fechou a porta, pegou o celular,
mandando uma mensagem.
“Daniela e Helena ficarão hospedadas nessa pousada. Se
hospede lá com alguma mulher e me passe tudo o que ver”. Em
seguida tirou uma foto do endereço, mandando para o homem que
seria seus olhos naquele final de semana.
Helena seguiu para a sala e depois cozinha, enxergando a mãe
conversando com uma funcionária. Chamou-a para a sala de café e
sentou-se servindo-se de suco.
— Você terá vigilância vinte e quatro horas. Cuidado com o que
vai fazer para não levantar suspeitas. O pai quer um flagrante.
— Não vou sair da casa – respondeu Rose. – Eu vi que ontem
ele mexeu nas minhas joias.
— Eu estou ganhando tempo. Me ajuda, ok?
Rose apenas assentiu enxergando Daniela entrar na sala
carregando uma mochila. A jovem se sentou e também tomou um
suco, enquanto o assunto se concentrava nos preparativos da sua
festa de aniversário. Meia hora depois já estavam prontas para irem.
— Quando chegarem na cidade manda mensagem pra dizer que
está tudo bem – pediu Rose ao se despedir de Daniela. – Eu sei que
não dá satisfação, Helena, mas eu quero saber se chegaram bem.
— Daniela mandará – respondeu ao lançar um olhar para o pai.
– Amanhã à noite estaremos de volta.
— Boa viagem, minha princesa – Patrício se despediu de
Daniela. – Cuidado com sua irmã, Helena.
A morena apenas deu aceno e saiu em direção ao carro. Como
sempre, antes de dar partida, conferiu a arma armazenada ao lado
do banco. Por mais que estivesse em um carro blindado, estava
indo sem seguranças e todo cuidado era pouco.
— Quanto tempo até a pousada? – perguntou Daniela, animada
com a pequena viagem.
— Três horas.
— Vamos chegar lá umas onze da manhã – calculou
rapidamente. – Tempo de ainda dar uma relaxada com você no
quarto antes de irmos almoçar – finalizou acariciando sua perna.
— Teremos trinta horas só nossas – concordou Helena se
inclinando para dar um rápido beijo nos lábios de Daniela, segura
pelo tom escuro dos vidros.
Durante toda a viagem foram trocando discretas carícias e
conversando sobre os passos que dariam depois que saísse o
resultado do exame. Assim que chegaram no endereço, seguiram
para a recepção, se apresentando para a simpática recepcionista
que pediu os documentos.
— Ah, vocês são irmãs! O quarto reservado para vocês é de
casal, como foi feito a reserva apenas no nome de Helena... –
exclamou pensativa. – Podemos mudar, mas temos que esperar...
— Ah, não se preocupe! – cortou Daniela com um sorriso. –
Podemos dormir na mesma cama. Não será a primeira vez.
Helena se limitou a dar um risinho enquanto a recepcionista
terminava de fazer o check-in. Pegaram as chaves do bangalô e
seguiram o funcionário que mostrava as dependências. Assim que
ficaram sozinhas, Daniela deixou a mochila sobre uma poltrona e se
virou para Helena que também deixava a mochila em um canto.
— Enfim sós – sorriu ao enlaçar seu pescoço e dar um beijo
demorado em seus lábios. – É tão bom ficar assim com você, sem
se preocupar com nada!
— Nem tanto – respondeu Helena dando alguns passos, ainda
abraçada a Daniela, fazendo-a se deitar na cama. – Eu passei o
endereço daqui para o pai. Muito provável que já tenha alguém
hospedado aqui também.
— Por que fez isso?
— Porque não quero levantar mais desconfianças nele. Ninguém
vai entrar no quarto, mas é bom mantermos uma certa discrição
fora.
— Então podemos ficar o tempo todo no quarto – Daniela
começou a puxar a camiseta de Helena. A morena se afastou
apenas para fazer sair por sua cabeça.
— Podemos até pedir as refeições aqui – concordou acariciando
o corpo da jovem. – Será o nosso final de semana antes da
turbulência que virá.
— E vamos aproveitar ao máximo!
Helena se dedicou a explorar Daniela, concordando, com mãos e
boca o que era proposto. Iriam aproveitar tudo o que podiam porque
depois que saísse o resultado do exame, não conseguiriam, por tão
cedo, um momento como aquele. Já tinha uma certeza enraizada de
que Daniela não era sua irmã, mesmo sem ter a confirmação ainda.
Talvez fosse a ansiedade e o profundo desejo que estivessem
sugestionando seu julgamento, pois tudo o que queria era ter a
jovem, que gemia sob seu toque, sempre, sem pensar em estar
cometendo um erro.
Depois de um gozo demorado, Daniela aninhou Helena em seus
braços, acariciando seu corpo nu. Depositou beijos delicados em
seu rosto e pescoço, enquanto falava sobre sua festa, sobre a
marca. A morena, por sua vez, contou várias coisas que, até então
desconhecia, como seus estudos na Europa, as escolas por onde
havia passado. Estava feliz por compartilhar aquele momento: como
qualquer casal apaixonado, estavam de fato se conhecendo.
Quando as caricias se tornaram mais intensas, voltaram a se amar,
e prostrada sobre a cama, sentia Helena grudada em seu corpo, por
trás, levando-a a emoções e sensações que jamais julgou sentir
com uma mulher.
Já era tarde quando saíram do bangalô e foram aproveitar o pôr
do sol na piscina. Helena ficou em uma cadeira, enquanto assistia
Daniela em um mergulho. Observava suas curvas perfeitas,
deslizando de um lado para o outro com graciosidade, lhe
arrancando suspiros apaixonados. Sorriu quando ela emergiu
próximo a borda onde estava.
— Não vai entrar? – perguntou Daniela se apoiando no azulejo.
— Vou. Quer comer alguma coisa? Eles servem aqui.
— Agora não. O jantar começa as sete. Vou perder a fome
depois. Só um drinque sem álcool.
— Ok – concordou Helena acenando para o garçom à postos
para atender os hospedes. Fez o pedido e em pouco tempo o rapaz
saiu.
Daniela sorriu ao ver a morena se levantar e tirar o camisão que
usava. Logo se juntou a ela em um mergulho, vindo à toda do outro
lado da piscina.
— Acha que nosso vigilante está por aqui? – perguntou Daniela.
— Muito provável. Vou conseguir identificar durante o jantar.
— Como?
— Eu gravei todos os rostos que já estavam aqui e os que
chegaram com um prazo de dez minutos depois de nós. Foram
apenas algumas pessoas, duas senhoras, dois casais sem filhos e
uma moça sozinha.
— E como vai saber quem é?
— O homem mais em potencial chegou acompanhado.
— Pode ser qualquer um desses dois, ou a moça.
— A moça não é porque está preocupada em tirar e postar fotos
no celular. Em um dos casais, o homem usa óculos e não nos olhou
nenhuma vez.
— Temos um vencedor – sorriu Daniela.
— Muito provável. Se ele chegar no restaurante no momento em
que descermos, confirma minha suspeita.
— E você vai mandá-lo ir embora?
— Não, não precisa. Como disse, ele não vai entrar no nosso
bangalô.
— Então deixa ele fazer o trabalho dele.
— Exato. E o pai fica satisfeito e alivia mais para nós.
Daniela sorriu e acariciou o quadril de Helena, discretamente.
Sempre havia algo a mais para se apaixonar nela.
O sol já se punha por completo quando voltaram para o bangalô.
Helena preparou um banho na hidro e chamou Daniela para se
juntar a ela. Durante uma hora ficaram namorando na água, com a
morena encaixada em seus braços. Desceram para o jantar quando
o relógio já marcava oito e meia da noite e teve suas suspeitas
confirmadas ao ver o mesmo homem entrar no restaurante, poucos
minutos depois. Pegou a taça de vinho e ergueu em sua direção,
assim que seus olhos se cruzaram.
O homem deu um meio sorriso, balançando a cabeça em sentido
negativo. Já havia passado a Patrício que as filhas estavam, de fato,
na pousada e permaneceu apenas para se certificar de que elas não
sairiam para ir para outro lugar. Voltou a olhar para Helena que
mantinha uma conversa com a irmã e se levantou, indo até a mesa
delas.
— Boa noite, Helena – cumprimentou ao puxar uma cadeira se
sentar junto a elas. – Me desculpe a intromissão, mas já não
precisamos fingir nada, uma vez que já me viu.
— Qual seu nome? – perguntou a morena.
— Cléber. Seu pai falou para me hospedar aqui, apenas para
garantir que realmente viriam para cá e que não sairiam.
— Bom, ganhou uma estadia em uma excelente pousada –
respondeu colocando a mão sobre a faca na mesa.
— Você trabalha no escritório? – perguntou Daniela curiosa.
— Não. Presto alguns serviços para o senhor Millar, assim como
Alexandre.
— Alexandre? – tornou Helena apenas para confirmar a
veracidade da informação.
— O cara que estava te seguindo, até então.
— Creio que não teremos problemas, não é?
— Nenhum. Na verdade, achei que seria quase impossível que
não me notasse, mas não posso dizer isso ao meu empregador, não
é? Você é muito boa, Helena. Se precisar de meus serviços em
algum momento, fico à sua disposição.
— Obrigada, Cléber. Vou me lembrar disso. Já passou relatório
para meu pai?
— Já. Ele está ciente do seu horário de chegada. Bom,
aproveitem o jantar.
— Cléber, me responda uma coisa – pediu Helena. – Às dez da
noite vai tocar uma banda, no jardim atrás da entrada principal.
Quem são os membros?
— Flávio no vocal, Guilherme na bateria, Paulinho no violão e
Natanael no teclado – respondeu colocando a cadeira de volta ao
local de onde havia tirado. – Eu vi o anúncio quando fiz o check-in.
— Excelente – falou Helena estreitando os olhos. – Me passa
seu contato.
Cléber assentiu e pegou uma caneta com um garçom. Depois de
anotar o número, deixou o guardanapo sobre a mesa, pois Helena
ainda não havia tirado a mão da faca.
— Tenham um excelente jantar.
Cléber se afastou e Helena ainda ficou observando até que ele
estivesse de volta à mesa com sua acompanhante. Tirou a mão de
cima da faca, voltando os olhos para Daniela que a olhava curiosa.
— O que foi isso?
— Um contato que pode ser muito útil – respondeu Helena
relaxando. Pegou o papel e guardou no bolso da bermuda que
usava. – Gostei dele.
— Por quê?
— Demonstrou respeito e interesse. Quem sabe não posso usá-
lo para algum trabalho, não é?
— Nem quero saber que trabalho é esse!
Helena sorriu para a jovem e apertou sua mão, discretamente,
sobre a mesa. Depois do jantar voltaram para o bangalô e ficaram
durante um tempo sentadas na pequena varanda, admirando a noite
enquanto tomavam vinho. O restante da noite foi dedicado a se
amarem, apenas com pequenas pausas para retomarem o fôlego.
Já era quase manhã quando se renderam ao sono, nos braços uma
da outra.
O domingo passou preguiçoso para ambas. Acordaram quando o
relógio já marcava onze da manhã. Depois de um banho demorado,
pediram o café no quarto e ainda ficaram curtindo por toda a tarde,
sem coragem de se levantarem da cama. No finalzinho do dia que
decidiram tomar um drinque ao lado da piscina. Somente depois do
jantar é que fizeram o check-out, despedindo-se daquele final de
semana que julgaram perfeito.
— Quando passar a tormenta da revelação da verdade,
podemos voltar ou ir para uma viagem mais longa.
— Podemos sim. Só tenho que ver como ficará as coisas no
escritório. Patrício não sendo meu pai, complica um pouco mais pra
mim – respondeu acariciando a mão de Daniela que ia unida na sua.
— Sim. Mas tenho certeza que ele não será muito radical.
— Veremos – suspirou Helena.
Antes de chegar na casa dos pais, Helena parou o carro em uma
rua deserta, puxando Daniela para outro beijo quente. Já era uma
da manhã quando parou o veículo dentro da propriedade.
— Me liga quando chegar em casa? – pediu Daniela ainda com a
porta aberta.
— Ligo, pode deixar.
A jovem jogou um beijo na sua direção antes de ir para a
entrada. Ficou observando enquanto a morena fazia a manobra e
saia, portão afora. Com um suspiro apaixonado e um sorriso
permanente no rosto, entrou em casa, já topando com o pai no pé
da escada.
— Pelo visto gostou da viagem com sua irmã – falou Patrício
atento ao sorriso de Daniela.
— Foi excelente! – exclamou dando um beijo no seu rosto. –
Amanhã conto mais detalhes. Estou exausta!
Patrício concordou com um aceno e ficou observando a filha
subir as escadas. Sua felicidade estava suspeita demais. Por um
momento lembrou-se da orientação sexual de Helena. “Ela não seria
capaz de arrastar a própria irmã para uma sujeira dessa”. Apesar de
achar que seria imundo demais até para Helena, decidiu que teria
que levar em consideração a possibilidade de que Helena estava
aliciando a própria irmã.
A semana, aparentemente, devolveu os membros da família
Millar à normalidade. Daniela ficou saindo com a mãe e Joanna para
cuidar dos preparativos do seu aniversário, Rose manteve sua
palavra e não se encontrou mais com Henrique e Helena se dedicou
a ganhar tempo para o aniversário de Daniela. Falou ao pai que
estava investigando a mãe, mas que nada de suspeito ainda tinha
aparecido. A ideia de falar com Henrique, foi por terra para Patrício,
quando o segurança pediu vinte dias afastado das atividades da
família para levar uma mulher, que havia conhecido, para uma
pequena viagem. A sugestão havia partido de Helena e tanto a mãe
como o segurança haviam concordado. Era uma forma a mais de
manter o pai afastado pelo restante dos dias. Era só mais uma
semana, praticamente.
Na quarta-feira, Helena falou ao pai que ia à clínica psicológica
onde Daniela estava passando e saiu com a jovem para pegar o
resultado do exame de DNA. Se lembrava, a ponto de contar nos
dedos, quantas vezes havia ficado apreensiva e ansiosa, mas em
nenhuma delas chegava ao que estava sentindo naquele dia. Assim
que pararam no estacionamento, se virou para Daniela.
— Preparada?
— Nervosa! Não vejo a hora de ter isso nas mãos.
— Vamos só pegar e podemos ver aqui no carro.
— Tudo bem.
Helena suspirou fundo e saiu com Daniela. Entraram na clínica e
logo a recepcionista entregou o envelope lacrado. Voltaram ao
veículo e Helena guiou para uma rua de pouco movimento. Encarou
os olhos castanhos, que também expressavam toda a ansiedade.
— Bom, vamos parar de mistério – sorriu Daniela ao romper o
lacre.
Helena ficou apreensiva enquanto via Daniela pegar os papeis
de dentro do envelope. Sentiu suas entranhas virarem água
enquanto via a cor fugir do rosto da morena e uma lágrima escapar
de seus olhos.
— Positivo – deduziu ao analisar toda a feição de decepção que
Daniela expressava. – Somos irmãs.
Daniela apenas esticou o papel em sua direção, levando a mão a
boca. Não conteve a onda de frustração que tomou conta do seu
corpo, sendo expressado em lágrimas que molhavam seu rosto.
Helena leu o resultado: 98,99% de compatibilidade. Encostou a
cabeça contra o banco do carro, sentindo um bolo se formar em sua
garganta.
— Deve ter algum erro, Helena, podemos fazer em outro lugar,
não pode ser conclusivo.
Helena balançou a cabeça em sentido negativo, sem forças para
um argumento. Virou a cabeça em direção à Daniela, agora
comprovadamente sua irmã. Por um momento acreditou que não
eram; por um breve momento quis, com todas as suas forças, que
não fossem irmãs.
— É conclusivo, Dani. Mesmo que não tenha dado cem por
cento. Temos os mesmos genes.
— Isso está errado! Eu sei que está errado! Você não é minha
irmã, não é!
Helena não conteve as próprias lágrimas que saíram em
profusão ao abraçar Daniela, tentando acalmá-la. Tentava passar a
ela um conforto que não tinha. Haviam transado diversas vezes e
isso não era o pior que martelava em sua mente. O que lhe sugava
a alma era a certeza de que a amava, mas que jamais poderiam
viver o amor que sentiam.
Capítulo 17
Helena se afastou de Daniela, encarando seus olhos castanhos,
agora vermelhos por causa do choro. Secou o próprio rosto com
uma das mãos, antes de voltar a se encostar no banco.
— Bom, agora acho que podemos continuar... Não sei de que
maneira, mas temos que continuar...
— Vamos fazer outro? Por favor, vamos fazer outro!
— Pra que, Dani? Para passar por toda essa tortura novamente?
Eu quis acreditar que não era minha irmã, acreditei no que me falou,
mas temos uma prova de que estávamos erradas. Fomos
sugestionadas pelo que sentimos, é isso.
— Eu não acredito nisso, Helena, eu senti nas palavras da mãe
que ela estava me escondendo algo!
Helena suspirou fundo, olhando para a frente. Tornou a secar
outra lágrima que escorria pelo seu rosto e balançou a cabeça em
sentido negativo.
— Você quer que eu te deixe em casa ou em outro lugar? –
perguntou ao dar partida no veículo.
— Você vai desistir assim? Fácil desse jeito?!
— Você é minha irmã, Dani, não há nada que possamos fazer...
— Não abre mão de nós, Helena, não faz isso!
— Eu não sei se consigo levar um relacionamento incestuoso
adiante. Eu havia lhe falado isso. Ficar com você com a
possibilidade de não ser minha irmã é uma coisa, ficar com você
com a certeza que é minha irmã é outra totalmente diferente.
Daniela balançou a cabeça em sentido negativo, ainda não
aceitando o resultado do exame e menos a postura de Helena. Não
tinha se enganado no julgamento do que tinha escutado da mãe,
tinha certeza que alguma coisa havia acontecido no passado e que
talvez pudesse ter tido alguma intervenção no presente.
— O pai conseguiria acesso a esse exame? – perguntou em
uma última tentativa.
— Não. Se ele soubesse teria me confrontado para saber o
porquê do pedido do teste.
— Mas se ele soubesse, ele teria como pedir para fazer alguma
alteração?
— Linda, põe uma coisa na sua cabeça: somos irmãs. Por mais
que a gente se ame, que já... Que já tenha ido para cama, nós
temos o mesmo pai e mesma mãe. Temos que conviver com isso!
Daniela balançou a cabeça em sentido negativo. Não
conseguiria conviver com o fato de que amava Helena e que ela era
sua irmã. Tinha certeza que algo havia acontecido durante o exame.
Iria esperar que ela estivesse menos frustrada e tentaria a conversa
novamente.
— Me deixa em casa – pediu, por fim, ao passar a mão no rosto,
secando as lágrimas. – Depois conversamos.
— Como eu já tinha lhe falado antes, e torno a repetir, o que
tivemos foi incrível. Nunca vou esquecer, mas é melhor darmos um
tempo afastadas para conseguir digerir isso.
— Você e seus tempos! Que droga, Helena!
Helena apenas balançou a cabeça em sentido negativo e guiou
para a casa dos pais em absoluto silêncio. Assim que estacionou o
carro na frente da entrada, Daniela saiu rapidamente, entrando na
casa sem olhar para trás. Deu um murro no volante, frustrada por
aquilo tudo estar acontecendo. Suspirou fundo ao fechar os olhos e
recordar as palavras de Daniela: “eu senti nas palavras da mãe que
ela estava me escondendo algo”. Era uma última tentativa
desesperada. A morena ainda conferiu os olhos no espelho
retrovisor antes de sair também, encontrando a mãe na sala,
olhando para a escada.
— Aconteceu alguma coisa com Daniela? – perguntou Rose
assim que viu Helena. – Vocês brigaram?
— De certa forma. Vamos conversar no escritório.
Rose seguiu a filha mais velha e fechou a porta depois da
passagem. Helena se encostou contra a mesa, encarando a mãe.
— O que aconteceu, Helena?
— Você tem alguma coisa para me contar do passado?
— Como assim?
— Eu fiz um teste de DNA com Daniela – revelou. Observou o
rosto da mãe ficar branco e a boca abrir e fechar duas vezes. O
passo seguinte foi o desvio de olhar e a forma nervosa com a qual
arrumou o cabelo.
— Por que vocês fizeram um exame de DNA? Você está
escondendo algo? – perguntou Rose, sondando a intenção de
Helena.
— Não. Fiz o exame porque como vai embora, preciso de
alguém compatível comigo, caso aconteça alguma emergência.
Uma precaução apenas.
— E qual foi o resultado?
— Noventa e oito por cento de compatibilidade. Ainda
precisamos fazer um outro exame apenas para verificar tecido, caso
precise de algum transplante, o mesmo que fez quando eu era
criança. Tenho que estar prevenida. Por isso que estou te
perguntando: tem alguma coisa do passado para me dizer, alguma
doença de infância que eu não me recorde, preciso dessas
informações para passar na clínica.
— Não, não estou te escondendo nada – Rose deu um suspiro
que Helena só pode classificar como alívio. – Deu noventa e oito de
compatibilidade, é isso?
— Sim.
— Seu pai sabe disso?
— Obvio que não, não é? Como vou explicar pra ele que estou
colocando Daniela na lista clínica de parente compatível porque
minha mãe vai embora? – sorriu Helena. – Não tenho como explicar
isso.
— Como deu noventa e oito por cento de compatibilidade? –
Rose perguntou mais para si mesma que para Helena.
— É o normal, não é? Ela é minha irmã.
— Sim... É claro que sim. Eu vou indicar uma clínica onde
podem fazer o teste patológico. Achei que isso já era feito junto.
— Tem que fazer retirada de uma pequena amostra de tecido,
coisa boba, só uma raspadinha na pele. Vou ver se Dani vai comigo
amanhã ver isso. E já temos uma clínica.
— Está certo. Mais alguma coisa? Quero ficar sozinha.
— É só isso, mãe, com licença – respondeu Helena assentindo
com a cabeça e saindo do escritório em seguida.
A morena tomou a direção das escadas e em pouco tempo
estava na porta do quarto de Daniela. Testou a fechadura e a
descobriu trancada.
— Abre pra mim, Dani? – pediu ao dar uma leve batida na
madeira.
O silêncio se prolongou por quase um minuto inteiro até escutar
a porta ser destrancada. Assim que Daniela abriu, pode ver seus
olhos vermelhos de chorar. Deu um meio sorriso, envolvendo-a em
seus braços, enquanto fechava a porta com o pé para se encostar
na madeira. Depositou um beijo demorado em seu rosto e, em
seguida, enxergou os olhos curiosos de Daniela na sua direção.
— O que foi?
Helena apenas sorriu, buscando sua boca em um beijo
demorado. Encaixou a mão direita nos seus cabelos, enquanto a
esquerda passeava pelo corpo que adorava. Daniela correspondeu
à altura, apertando-a contra seu corpo, enfiando a mão por dentro
do seu casaco do terninho. Se afastou para respirar fundo,
encarando os olhos castanhos.
— O que aconteceu, Helena?
— Nós não somos irmãs – sorriu. – Você não é minha irmã!
— Como... Como descobriu isso? A mãe falou?
— Não, não falou. Eu disse a ela que fizemos o teste de DNA,
ela se perguntou de como havia dado noventa e oito de
compatibilidade, não foi uma pergunta pra mim, ela já sabia que
seria impossível uma compatibilidade, enfim... A noite nos falamos
por telefone e eu te explico melhor. Vamos refazer esse exame, eu
só preciso saber de onde veio a interferência. Com toda a certeza
foi o pai.
— Eu sabia! Sabia que você não é minha irmã! – exclamou
Daniela pulando em seu colo. A expressão apática automaticamente
se transformou em felicidade, voltando a beijar seus lábios com
impetuosidade.
Helena segurou Daniela pelos quadris, se virando para a porta e
encostando o corpo da jovem contra a madeira, enquanto as bocas
continuavam com a exploração intensa. A excitação que se seguiu
foi automática. Desviou uma mão do corpo da morena apenas para
trancar a porta e abrir sua calça, fazendo ela deslizar por suas
pernas junto com a calcinha. Sorriu contra seus lábios ao sentir o
tanto que ela estava molhada, denunciando seu tesão. Bloqueou os
gemidos com a própria boca ao deixar que seus dedos penetrassem
seu sexo. Daniela rebolou contra sua mão, enquanto sugava a
língua que ela lhe oferecia. Em pouco sentiu o gozo se aproximando
e intensificou seus movimentos, grudando os lábios para que o
gemido alto de prazer não ecoasse pelo aposento.
Daniela fechou os olhos, respirando fundo, se recuperando do
gozo intenso. Helena deu delicados beijos em seu rosto,
acariciando-a lentamente. Quando seus olhos voltaram a se
encontrar, enxergou todo o amor ali presente. Tinha certeza que
seus próprios olhos também brilhavam na mesma intensidade.
— Eu te amo, Dani, eu estou me comprometendo com você: eu
vou descobrir tudo isso, quero saber exatamente o que estão
escondendo de nós. Tanto Patrício quanto Rose.
— No que eu puder te ajudar, é só me falar – respondeu a jovem
abraçando-a apertado. – Eu te amo, Helena, tenho certeza que
vamos tirar tudo isso a limpo.
— Vamos – sorriu Helena tornando a beijá-la com intensidade.
Daniela terminou de tirar a calça e puxou Helena pela mão até o
banheiro, onde poderiam fazer barulho sem medo de serem pegas
por alguém. Outra vez se entregaram ao prazer fugaz entregando-
se ao sentimento que as unia. Respiraram fundo, recuperando o
fôlego com os corpos colados e sorrisos bobos, estampando a
felicidade que sentiam.
— Eu vou no seu apartamento hoje – sussurrou Daniela.
— Não. Acho melhor não dar na cara. Como a mãe já sabe, é
bom mantermos uma boa discrição para que nada venha à tona
antes do tempo. Pra ela apenas estamos fazendo esses testes para
que entre na minha lista de compatibilidade clínica.
— Como assim?
— Caso eu precise de transfusão de sangue ou algum
transplante.
— Por causa do que faz?
— Sim.
— E você já tem alguém nessa lista?
— Rose.
— Não vou nem questionar como colocaram seu nome já que
nem filha mesmo você pode ser. Me diga o que fazer.
— Eu quero uma amostra sua. Vou mandar para outro
laboratório amanhã com uma identidade falsa de nós duas. Vou
descobrir também se o pai alterou nosso resultado. Isso já vou ficar
sabendo hoje.
— Como?
— Não se preocupe com os detalhes. Evite falar com o pai ou
com a mãe hoje. Finja uma dor de cabeça, uma cólica, não sei, algo
que te tire da mesa do jantar. Vou pensar em uma estratégia hoje e
amanhã alinhamos tudo.
— Se cuida, tá bom? Não sei que segredo é esse, mas se cuide.
— Pode deixar.
Helena deu outro beijo nos lábios de Daniela, antes de pegar um
lenço e colocar alguns fios do seu cabelo nele. Tinha se tornado
uma questão pessoal: iria descobrir todo e qualquer segredo do seu
passado.
Rose estava pensativa no escritório quando escutou o barulho
do carro que saia da propriedade. Levantou-se e foi até a sala para
enxergar Joanna que conversava com a funcionária que fazia a
limpeza ali.
— Foi Helena que saiu? – perguntou sem esconder o tanto que
estava tensa.
— Sim senhora.
— Daniela está no quarto dela?
— Sim.
Rose apenas balançou a cabeça e seguiu para as escadas,
rumando para o quarto da filha. Deu uma leve batida antes de abrir
e enxergá-la rente a janela, usando apenas um roupão.
— Oi Dani, preciso falar com você.
— Pode falar, mãe – respondeu a jovem se afastando da
vidraça. – Eu sei que tínhamos marcado para ir ver nossos vestidos
da festa hoje, mas Lena me pediu para fazer um exame. Amanhã
podemos ver isso.
— Não tem problema. Esse exame que fez com Helena, foi só
para ver a compatibilidade caso ela precise de alguma coisa, caso
seja machucada, é isso?
— É – concordou a jovem indo se sentar na cama. – Bizarro, não
é? Como que alguém já mantém uma lista, caso precise de algum
procedimento médico?! Só na nossa família mesmo, com esses
negócios estranhos!
— Seu pai faz questão. É importante também, caso Helena se
machuque de forma grave. Amanhã vocês vão fazer o patológico,
não é?
— Sim.
— Ok. Eu... Eu vou para o meu quarto, estou com uma forte dor
de cabeça. Talvez eu não desça para o jantar.
— Tudo bem.
Daniela observou a mãe sair. Era nítido o quanto estava nervosa
por causa daquele exame.
Helena saiu da casa dos pais e pegou o celular no bolso da
calça. Procurou o nome na agenda e colocou para discar. Dois
toques depois, escutou a voz do homem entrar na linha.
— Oi Cléber, Helena Millar. Preciso dos seus serviços essa
tarde. Está livre?
— Sim. O que precisa que eu faça?
— Me encontre na rua do Rosário, daqui meia hora. Vamos fazer
uma visita.
No horário combinado, Helena avistou o homem que havia
conhecido na pousada, encostado em um poste, enquanto folheava
uma revista. Assim que parou o carro, ele abriu a porta, sentando-se
ao seu lado.
— Como vai, Cléber? – perguntou ao travar as portas.
— Bem, Helena. Como posso te ajudar?
— Primeiro quero saber se está aliado ao meu pai. Se estiver,
não pode me ajudar em nada.
— Não estou. Você pode verificar meu telefone – respondeu ao
pegar o aparelho e colocar no console do veículo. – Atendo apenas
quando ele precisa de algum favor que os seguranças não podem
fazer, como seguir Giovanna para certificar que ela não tem outra
pessoa além dele. E você, no final de semana. Foi a primeira vez.
— Eu vou conferir essas informações depois. Espero mesmo
não encontrar nada relacionado seu. Preciso de um serviço básico:
Que retire alguns exames em uma clínica.
— É só me dizer qual a clínica.
— Eu vou com você até lá. Você vai entrar, ficarei te esperando
no carro. Você vai pedir para falar com o chefe da clínica em nome
de Patrício Millar. Diga que veio pegar o resultado do exame,
conforme o falado na semana passada. Se ele lhe entregar alguma
coisa, pergunte se tem o resultado original e traga-o junto.
— Certo.
Helena assentiu e guiou para a clínica de biomedicina. Parou
dois imóveis antes e ficou esperando enquanto Cléber foi fazer o
que havia dito. Esperou por quinze minutos, até vê-lo voltar para o
carro. Assim que viu o envelope em suas mãos, teve certeza que
Patrício havia feito alteração no resultado.
— Aqui – falou Cléber estendendo o envelope. – Carlos disse
que descartou o seu material mantendo apenas o de Daniela, por
isso não existe um teste real.
— Perfeito. Ele está saindo – falou Helena olhando para frente e
enxergando o diretor da clínica. – Vamos abordá-lo.
Cléber concordou e saiu do veículo ao lado da morena. Helena
seguiu em passos rápidos, vendo o homem destravar a porta de um
carro. Assistiu Cléber imobilizá-lo com uma chave de braço,
fazendo-o entrar no automóvel. Deu a volta e abriu a porta do
passageiro sentando-se ao seu lado com a arma apontada para o
seu corpo.
— Oi doutor Carlos – cumprimentou mantendo as feições
neutras. – Já quero adiantar que não vou fazer nada contra você a
não ser que me dê um motivo. A situação está clara?
— Você é...
— Helena Millar. Semana passada minha suposta irmã e eu
viemos fazer um exame. Acredito que tenha recebido a visita do
meu suposto pai ou ele pediu para que seus homens o levassem até
ele. Preciso que me elucide disso. Patrício Millar: como ele chegou
até você?
— Eu não posso...
Helena concordou com um aceno e tirou um silenciador do bolso
do casaco, colocando na arma.
— Vou perguntar de novo: Como Patrício Millar chegou até
você?
— Eu não quero me meter nisso, eu...
O homem não terminou de falar. Um tiro foi disparado na sua
perna, causando uma onda intensa de dor, fazendo com que
soltasse um grito ao mesmo tempo em que se debruçava sobre o
volante. Helena o puxou de volta, fazendo com que encarasse seus
olhos.
— Eu posso fazer você virar uma peneira antes que a polícia
chegue aqui. É melhor começar a falar. Como Patrício chegou até
você?
— Ele veio na clínica, no mesmo dia que você e sua irmã vieram.
Ele disse que não poderia, de forma alguma, aparecer que vocês
não eram irmãs. Ele me ameaçou, disse que se não fizesse isso ele
me matava, por favor, eu não tenho nada a ver com isso!
— Vocês chegaram a analisar o verdadeiro material que colhi
com Daniela?
— Não. Eu mexi nas amostras antes de ir para o laboratório.
Helena apenas balançou a cabeça em sentido positivo.
— E eu vou ter algum problema com algum tipo de acusação de
sua parte?
— Eu só quero ficar livre disso.
— Excelente. Se aparecer qualquer coisa vinculada ao meu
nome, eu te mato. Não vamos deixar isso acontecer, não é?
— Não, é claro que não.
Helena novamente balançou a cabeça antes de sair do veículo.
Andou apressada até seu próprio carro, com Cléber em seu
encalço.
— O que vamos fazer agora? – perguntou o homem.
— Por enquanto nada. Amanhã você vai levar duas amostras
para outra clínica, para fazer o teste de DNA. Agora preciso
descobrir como Patrício descobriu que eu vim nessa clínica com
Daniela. Ninguém me seguiu, eu peguei Alexandre nesse dia, não
teve outra pessoa seguindo.
— Celular?
— Não, meu celular é bloqueado para.... Droga! É claro! Daniela
pesquisou o endereço da clínica pelo celular dela! Como não me dei
conta de um erro tão amador assim?!
— Alguém pode ter invadido o celular dela e visto o histórico de
pesquisa.
— E já até sei quem foi. Vamos fazer outra visita e não seremos
gentis, se é que me entende.
Cléber concordou com um aceno e novamente acompanhou
Helena em um novo endereço. Assim que chegaram ao prédio
residencial, rapidamente seguiram até o apartamento, onde a
morena estourou a fechadura com um tiro. Deu um chute na porta,
fazendo com que ela abrisse abruptamente, e se manteve em alerta,
apontando a arma para todas as direções, fazendo uma varredura
minuciosa.
Helena entrou atrás de Cléber, prestando atenção no
apartamento que parecia vazio. Parou ao lado de um computador,
colocando a mão na CPU, descobrindo-a quente.
— Ele está aqui – falou em voz alta. – Sou eu, Lucas, Helena
Millar. Pode aparecer.
— Tem certeza que ele vai aparecer? – perguntou Cleber vendo
Helena se sentar em um sofá. – Posso revirar esse apartamento em
dois minutos.
— Não será necessário.
Lucas suspirou fundo, apoiando a cabeça contra o fundo falso do
armário. Conhecia Helena, tinha certeza que ela não tinha ido ali
para solicitar algum serviço, se fosse o caso, teria mandado apenas
uma mensagem ou pedido para a secretária entrar em contato. O
melhor era sair em um ato de paz ou tinha certeza que ela passaria
a noite no apartamento esperando e quando aparecesse, seria bem
pior. Relaxou os músculos e saiu da parte falsa, abrindo um pouco
do armário.
— Helena? – perguntou tentando passar desconfiança na voz. –
Quem é o cara com você?
— Ah, aí está você – sorriu. – Esse é o Cleber, está trabalhando
comigo. Pode sair, está tudo tranquilo.
— Eu me assustei – forçou um sorriso. – Você nunca chega
nessa abordagem.
— É porque você nunca fuçou minha vida antes. Não tinha
porquê chegar nessa abordagem, mas as coisas mudaram um
pouco de direção. Você rastreou o celular de Daniela?
— Eu... Seu pai me pediu semana passada. Queria saber aonde
ela tinha ido com você.
— E onde nós fomos?
— Em uma clínica de biomedicina. Passei o endereço e foi todo
esse o meu trabalho.
— Você mexeu em algum dado na clínica, fez alguma alteração
nos computadores deles?
— Não.
Helena pensou por um minuto inteiro, olhando para Lucas. Sabia
o quanto ele era leal à Patrício e assim que tivesse uma
oportunidade, iria falar a ele de sua visita.
— Infelizmente vou ter que sumir com você – suspirou. – Não
posso dar a oportunidade que fale a Patrício que descobri a
pequena intervenção dele.
Capítulo18
Rose esperou que toda a casa estivesse silenciosa antes de se
levantar. Patrício dormia profundamente e se certificou disso, antes
de ir até o closet e pegar a pequena mala que havia preparado.
Pegou as joias, colocando-as na bolsa e depois os sapatos,
levando-os para fora na mão. Colocou no corredor e voltou para o
quarto, se certificando que o marido continuava dormindo. Ainda
deu um suspiro ao observá-lo e saiu do quarto, em direção às
escadas.
Na área dos funcionários, Henrique já a esperava apreensivo.
Depois que Rose o procurara na parte da tarde, completamente
transtornada, havia concordado em fugir com ela, mesmo que fosse
extremamente arriscado, visto que não tinham um bom plano. Ao
avistar a mulher, abriu um sorriso, se adiantando para pegar a
pequena mala.
— Tudo certo?
— Sim, Patrício ainda está dormindo – respondeu Rose ao dar
um leve beijo em seus lábios. – Temos que ser rápidos. Não
podemos correr nenhum risco.
— Nem guardei o carro, como falou, já está aí na frente da casa
nos esperando.
Rose concordou com um aceno e pegou sua mão, caminhando
em passos apressados para a área externa. Assim que alcançaram
o portão, viu três seguranças parados na entrada.
— Nós vamos sair, tenho que ir no médico, não estou muito bem.
Os seguranças não se moveram do lugar. Rose trocou um olhar
com Henrique, mas foi a luz da frente da casa se acendendo que fez
seu coração gelar.
— Parece que minha esposa não está passando muito bem, é
isso? – perguntou Patrício amarrando o roupão ao caminhar em
direção ao casal. – É o meu dever interferir nisso.
— Patrício, eu...
— E já está até com uma mala para ficar internada! Você é muito
prevenida!
— Senhor Patrício, nós... – Henrique tentou falar.
— Quem diria que o homem que coloquei para cuidar do que é
meu, teve a ousadia de tomá-la para si. Vocês quase conseguiram,
meus parabéns. Não é à toa que você é um dos meus melhores
homens, Henrique. Conseguiu esconder isso tão bem que nem faço
ideia de quanto tempo estão me enganando, o que é péssimo para
minha reputação.
— Nos deixe ir embora, Patrício, é tudo que eu te peço! Você
tem as mulheres que quer, eu sei que há anos vem cultivando
amantes atrás de amantes. Só me liberte dessa vida! – implorou
Rose já entregue às lágrimas.
— Vou libertá-los dessa vida, pode apostar que sim. Levem-nos
para o escritório – ordenou aos seguranças.
— Não! Patrício, me escuta, Patrício!

Daniela acordou com os gritos que vinha de fora. Levantou-se


com o coração acelerado e correu para a janela a ponto de ver a
mãe e Henrique serem segurados pelos seguranças. Pegou o
celular e discou para Helena, ao mesmo tempo em que saia
apressadamente do quarto.
— Algum problema, linda? – ouviu a voz sonolenta de Helena.
— O pai pegou a mãe e o Henrique! Ele vai matar eles! –
exclamou nervosa sem conter as lágrimas. – Vem pra cá agora,
Helena! Vem rápido!
— Mantenha a ligação ativa e se aproxime de onde estão –
pediu Helena já em alerta.
Daniela concordou com um aceno, como se a morena pudesse
vê-la através do celular e se aproximou do local onde o pai estava,
vendo Rose ser colocada em um carro.
— Para com isso, pai! – gritou ao mesmo tempo em que corria
para o lado da mãe. – O que você está fazendo?!
— Volta para o seu quarto, Daniela. Isso não é um assunto para
você! – respondeu Patrício com rispidez.
— Não faz nada com minha mãe, por favor, pai! Não faz nada
com ela!
— Levem Daniela para dentro.
— Não, pai! – a jovem tornou a gritar ao se abraçar com a mãe,
já dentro do veículo. – Você não vai fazer nada com ela!
— É melhor você sair, filha, antes que ele faça alguma coisa com
você – interferiu Rose chorando. – Vai ficar tudo bem, eu vou ficar
bem.
— Não vai, mãe! Eu sei que não vai! Helena está vindo, ela vai
dar um jeito em tudo!
— Faz o que seu pai está falando, por favor! Eu não vou suportar
se algo acontecer com você por minha causa!
— Não vou sair daqui! Não vou pra lugar nenhum! – respondeu
Daniela olhando para o pai ao lado do carro. – Se você fizer alguma
coisa com a minha mãe, eu jamais vou te perdoar!
Patrício deu um murro na lataria do carro, com raiva por Daniela
ter interferido. Olhou para os homens que seguravam Henrique e
acenou, indicando o fundo da casa.
— Não é para matar ele agora. Quero uma lição bem dada.
Rose entrou em desespero ao escutar as palavras de Patrício.
Daniela a apertou ainda mais em seus braços, torcendo para que
Helena chegasse antes que fosse tarde demais.
Helena colocou apenas um blusão por cima do pijama, antes de
correr para a sala e depois elevador. Enquanto escutava o barulho
do outro lado da ligação, xingou a demora de chegar na garagem.
Já dentro do veículo, guiou rapidamente entre os poucos carros
àquela hora da noite, em uma velocidade acima do permitido. A
ligação de Daniela caiu antes que pudesse chegar na metade do
caminho e não fazia ideia do que estava acontecendo na casa. Deu
um murro no volante ao pensar no que Rose e Henrique tinham
feito. Era muita ingenuidade de ambos se encontrarem na própria
casa. A mente maquinou três saídas possíveis para Rose, mas para
Henrique, todos que via era a morte.
O percurso de vinte minutos foi feito em dez. Assim que embicou
o carro na propriedade enxergou a movimentação anormal dos
seguranças, mas o que fez sua mente ficar em alerta foi o grito de
dor que escutou, assim que desceu do carro.
— Onde está meu pai? – perguntou para um dos seguranças.
— Nos fundos.
Helena seguiu para o local indicado sem expressar nenhuma
resposta. Pelo caminho encontrou Joanna, tremendo de medo pela
situação que acontecia.
— Não deixa seu pai matar nenhum dos dois, Helena, por favor!
A morena apenas balançou a cabeça em sentido negativo
continuando o caminho. Os sons de alguém apanhando se
tornavam mais nítidos conforme se aproximava. Assim que chegou
no pequeno galpão no fundo, enxergou Henrique praticamente
desfigurado de tanto apanhar e Patrício no meio de dois homens.
— Pai – chamou ao camuflar todas as emoções em seu rosto. –
O que está acontecendo aqui?
— Você tinha razão, é esse filho da puta que estava saindo com
sua mãe – respondeu Patrício ao se aproximar da morena. – Vamos
levá-lo para o escritório. Sua mãe também. Esses desgraçados não
vão me passar a perna e ficar impunes.
— Dê um tempo a ele. Daqui a pouco vai entrar em colapso aqui.
Não é de bom tom que Daniela veja isso.
Patrício pareceu voltar à razão com as palavras de Helena.
Falou para os seguranças parar de agredir o homem e parou na
frente da filha.
— Você sabia que ela iria embora com esse filho da puta?
— Vamos conversar lá fora.
Helena saiu primeiro, seguido de Patrício. Parou no meio do
jardim, ao lado da piscina.
— Eu sabia que ela ia fugir, cheguei a fazer um exame de
parentalidade com Daniela para colocá-la no lugar da mãe, caso me
aconteça alguma emergência.
— Por que não me disse isso, Helena?! Você estava
acobertando os dois?! – Patrício voltou a ficar exaltado.
— Não – respondeu a morena sem se alterar. – Eu não falei
nada porque em poucos dias é o aniversário da Daniela e a mãe
falou que ia embora somente depois da festa. Não sabia que ela
havia antecipado o prazo. Se você soubesse antes, iria acabar com
a festa da Dani, exatamente como está acontecendo no momento.
— O que eu te disse, Helena?! Ela pode ser sua mãe, mas é
minha mulher! As decisões quem tem que tomar sou eu!
— Ok. Você mata a mãe e perde Daniela. É isso que quer?
— Aquela filha da puta! Até isso ela conseguiu interferir!
— O senhor está de cabeça quente, pai, me deixa cuidar disso.
Eu coloco a mãe na fazenda, ou em um lugar onde ninguém vai
encontrá-la. Daniela poderá visitá-la quando quiser. Ela vai ficar
chateada com o senhor de início, mas depois vai passar. Se matá-
la, a raiva dela será eterna.
— E você vai cuidar disso, Helena? Você anda me escondendo
coisas demais. Será que devo confiar que vai fazer o trabalho que
tem que ser feito?
— Eu já lhe expliquei o motivo de não ter falado antes. É uma
escolha sua. Pode cuidar disso da maneira que achar melhor, mas
sugiro que leve em consideração se quer ter ou não Daniela ao seu
lado.
Patrício ainda analisou o rosto de Helena por alguns segundos
antes de suspirar fundo.
— Se você não cumprir com o que deve ser feito, eu mesmo vou
cuidar disso e pode ter certeza que estará incluída no pacote. Leve
sua mãe para a fazenda. Henrique eu quero morto e ele vai morrer.
— Será como determinar – assentiu Helena. – Só não vou fazer
aqui para não deixar Daniela traumatizada. Onde a mãe está?
— No quarto com Daniela.
Helena assentiu e saiu de perto de Patrício, entrando na casa.
Andou em passos apressados até o andar superior e entrou no
quarto onde Rose estava, junto com Daniela e Joanna. Ela chorava
copiosamente, com medo do seu destino, mas, principalmente por
imaginar que naquele momento, o homem que amava poderia já
estar morto.
— Vamos, mãe – chamou Helena se aproximando das mulheres.
– Eu preciso que venha comigo.
— Onde você vai levar a mãe, Helena? – perguntou Daniela se
aproximando da morena.
— Para um lugar isolado. O melhor agora é tirar ela daqui.
— Henrique? – perguntou Rose em meio a um soluço. Havia
sido convulsionada pelo próprio choro.
— O melhor que pode fazer agora é se preocupar com a sua
própria pele – respondeu Helena em meio a um suspiro. – Eu vou
trocar de roupa. Tem dez minutos para se despedir de Daniela.
— Helena, você não pode ser tão fria em relação a isso tudo! –
exclamou Daniela. – Você não pode concordar com tudo o que o pai
fala, ele nem...
— Vem no meu quarto – interrompeu Helena, antes que Daniela
pudesse falar algo que comprometesse as duas.
Daniela concordou com um aceno. Antes de seguir a morena, foi
até a mãe, se abaixando na sua frente.
— Vai dar tudo certo, mãe. Não vou deixar o pai fazer nada com
você – falou dando um beijo na sua mão. – Depois que eu sair,
tranca a porta, Joanna, só abre pra mim.
Joanna anuiu e trancou a porta após a passagem de ambas.
Helena seguiu para o quarto, e esperou a passagem de Daniela,
antes de trancá-la também. Abraçou a morena apertado,
depositando um beijo rápido nos seus lábios. A jovem apoiou a
cabeça contra seu ombro, suspirando fundo.
— Você não vai fazer nada contra minha mãe, não é?
— Não – tranquilizou Helena acariciando seus cabelos. – Não
vou deixar também que o pai... Patrício, faça. Vou levar ela para um
lugar seguro onde nem mesmo ele vai encontrá-la.
— E Henrique?
— Não posso fazer muita coisa por ele, linda. Lembra do que lhe
falei no apartamento? Ele sabia que estava assinando uma
sentença de morte ao se envolver com ela.
— Eles se amam, Lena! Não puderam ficar juntos antes, agora a
mãe pode viver com ele! Isso não é errado! Não é errado ela querer
ir embora e mudar de vida.
— Errado foi a forma como ela fez isso! Ela já deveria ter ido
embora na primeira oportunidade. Ou esperado o que havia dito, de
ir depois do seu aniversário!
— Ela deve ter mudado de planos, ou esse já era o plano dela
mesmo...
— Não, foi uma atitude desesperada. Quem esperou por tantos
anos, esperaria mais uma semana – respondeu Helena se
afastando para o closet. – Eu vou tentar descobrir o que aconteceu,
ver se ela me fala algo.
— Não faz nada com Henrique, por favor! Ele pode ser meu pai!
Helena suspirou fundo, olhando para as poucas peças de roupas
que havia ficado ali. Pegou uma calça e uma camiseta, vestindo-se
enquanto as palavras de Daniela ecoavam na sua mente. Sim, ele
poderia ser o pai dela, mas mesmo analisando todos os ângulos,
não via uma salvação para ele.
— Tudo vai dar certo, ok? – se limitou a responder. – Eu vou
cuidar de tudo.
Daniela balançou a cabeça em sentido positivo, encarando os
olhos verdes. Se adiantou e deu outro beijo em seus lábios, antes
de voltarem para o quarto onde a mãe estava. Ela continuava
abatida, jogada sobre a cama, abraçada a um travesseiro.
— Vamos, mãe – chamou Helena.
Rose concordou com a cabeça. Não havia saída da situação em
que tinha se colocado e o melhor era confiar que Helena poderia
deixá-la viva. Levantou-se praticamente se arrastando e parou
frente a Daniela.
— Nós vamos nos ver em breve, tá bom? – falou forçando um
sorriso em meio as poucas lágrimas. – Helena vai te levar até mim.
— Essa situação não é definitiva, mãe – respondeu a jovem ao
abraçá-la. – É só o tempo do pai esfriar a cabeça e eu conseguir
falar com ele.
Rose sorriu. Daniela era uma garota que não conhecia tamanho
da maldade que habitava o coração de Patrício. Nunca fora
presente nos negócios da família, sempre permanecendo afastada.
Sabia qual era o seu destino e o de Henrique e, mesmo que não
fosse Patrício a acabar com sua vida, sabia que não seria mais
capaz de viver daquela forma. Abraçou a filha demoradamente, em
uma despedida final, travestida de um até breve.
Helena saiu do quarto ao lado de Rose e desceu as escadas
atenta a movimentação dos seguranças e Patrício. O homem já
estava na sala, com um copo de uísque na mão. Assim que a viu,
andou na direção da esposa, parando na sua frente.
— Adeus minha esposinha infiel – falou segurando seu queixo.
Rose desviou a cabeça e Helena adiantou um passo, se
colocando rente a Patrício.
— Aqui não – falou em tom baixo, porém firme.
— Eu vou te visitar na fazenda – sorriu Patrício. – Será uma boa
visita.
Helena puxou Rose para fora, para que Daniela não
presenciasse tudo aquilo. Intentou ir para o próprio carro, mas
Patrício interferiu.
— É naquele – cortou Patrício apontando para outro veículo. –
Eu vou acompanhar o sistema de navegação do carro.
Helena olhou para Patrício por um segundo apenas, antes de dar
ombros. Seguiu para o carro e abriu a porta para que Rose pudesse
embarcar. Antes de entrar, se virou para Daniela, que acompanhava
tudo a distância, abraçada com Joanna e deu um discreto aceno na
sua direção. Sua atenção foi desviada para a voz nervosa de Rose,
que vinha de dentro do carro. Se abaixou para ver Henrique jogado
no banco detrás, desacordado.
Rose automaticamente passou para o banco traseiro,
acomodando a cabeça de Henrique em seu colo, depois de conferir
a pulsação. As lágrimas voltaram em profusão, enquanto conferia os
machucados em seu corpo.
— Nós temos que levar ele para um hospital, Helena! Por favor!
Vamos para um hospital.
A morena apenas olhou pelo retrovisor, encarando Rose. Um
segurança sentou-se ao seu lado, no banco do carona, e saíram da
propriedade com outro veículo os seguindo. A mente trabalhava
rapidamente, pensando num modo de contornar aquela situação,
mas não enxergou nenhuma saída com o segurança do lado.
O único barulho dentro do carro era a voz de Rose, conversando
com Henrique, tentando acordá-lo, nem que fosse apenas para dizer
adeus. Ainda tentava argumentar com Helena, para levá-lo a um
hospital, mas sabia que era perda de tempo. Mesmo se a morena
quisesse, o que duvidava, visto sua fé cega em Patrício, ainda tinha
mais alguns seguranças os seguindo para garantir que ele seria
morto. Deu um suspiro aliviada, seguido de novas lágrimas, quando
a mão de Henrique levantou lentamente, em uma tentativa de tocar
seu rosto.
— Me perdoa, Rose – pediu Henrique ao compreender a
situação. – Eu nunca quis te colocar em risco assim!
— Não fala nada, poupe suas energias, meu amor. Você vai ficar
bem, ok?!
— Nós sempre soubemos que nosso destino era esse. Eu não
fui capaz de te proteger dele...
Helena fechou os olhos rapidamente enquanto escutava a
conversa do casal no banco detrás. Fez o carro embicar em uma
estrada de terra, percorrendo mais um quilômetro, antes de parar.
Olhou para o segurança ao seu lado e, depois, o espelho retrovisor.
— Onde nós estamos, Helena? – perguntou Rose aflita, olhando
ao redor. – O que você vai fazer, filha?! Pelo amor de Deus, não faz
isso!
Os pedidos desesperados de Rose, fez um bolo se formar na
sua garganta. Por mais que estivesse com todas as emoções sob
controle, não pode deixar de sentir pela mulher que até então
chamava de mãe. O destino deles havia sido traçado, um Romeu e
Julieta que jamais teria um final feliz.
— Eu quero fazer isso sozinha – pediu Helena para o segurança.
– Depois você pode conferir para passar ao meu pai.
O segurança anuiu e se afastou até o outro automóvel. Helena
suspirou fundo e abriu a porta detrás do carro, vendo Rose
debruçada sobre Henrique. Esperou que ela ainda desse um beijo
em seus lábios, antes de o puxar para fora do carro, ignorando os
gritos da mulher. Tirou a arma da cintura e se abaixou ao lado de
Henrique.
— Eu não queria que tivesse chegado a esse ponto. Eu tentei
acobertar vocês, mas não consegui. Não há muito que eu possa
fazer agora.
— Antes de me matar, eu quero te falar uma coisa... – pediu
Henrique em meio a um gemido de dor. – Seu pai... Seu pai era um
homem bom. O nome dele era Nolan, ele era um dos soldados mais
leais de Patrício. Você se tornou exatamente o que ele era.
Helena sentiu um arrepio correr pelo seu corpo. Encarou
Henrique atentamente, enquanto ele continuava a falar.
— Vá até o litoral. Na rua Joaquim Gonzales, 51, encontrará
todas as respostas que precisa. Sua mãe está viva.
Capítulo 19
Helena olhou atentamente para o rosto de Henrique, absorvendo
as palavras que ele havia dito, ainda sem conseguir ter algum tipo
de reação.
— Seu verdadeiro nome é Mirela. Me perdoa por nunca ter te
falado a verdade antes, mas você ia acabar descobrindo com os
testes que está fazendo com Daniela. Você precisa cuidar da Stella,
sua mãe, eu já não vou mais conseguir fazer isso.
Helena apoiou um joelho no chão, sentindo como se estivesse
andando embaixo da água. Por um breve momento sentiu o mundo
ficar em silêncio, compactuando com a confusão que se formava em
sua mente. Muitas perguntas invadiram sua cabeça e somente o
homem, que estava prestes a matar, tinha todas as respostas que
precisava.
— Está jogando para que eu lhe deixe vivo? – perguntou, sem
muita convicção em sua própria voz.
— Não. Só quero morrer com a consciência tranquila de que
você vai investigar isso que estou lhe falando e quando descobrir a
verdade, vai cuidar de Stella.
Helena suspirou fundo e voltou os olhos para o segurança
parado ao lado do veículo mais adiante. No carro que dirigia, Rose
estava ao lado da porta, ajoelhada no chão, chorando desesperada.
A decisão tinha que ser rápida, a ação mais ainda.
— Entra no carro, mãe – pediu ao encarar seus olhos.
— Helena, por favor...
— Entra no carro, mãe.
Rose permaneceu no mesmo lugar onde estava. Helena
balançou a cabeça em sentido negativo e se levantou, indo até ela.
Pegou-a pelo braço e a colocou dentro do veículo sob seus
protestos. Voltou a olhar para o segurança, antes de ir se abaixar ao
lado de Henrique novamente.
— Consegue aguentar um pouco?
— Consigo.
Helena concordou com um aceno e pegou o celular no bolso da
calça.
— Oi Cléber. Preciso dos seus serviços agora – falou assim que
escutou a voz sonolenta. – Pegue a rodovia sentido interior. Te
encontro na saída norte em quarenta minutos.
— Estou a caminho.
Rose se abaixou no banco completamente transtornada ao
escutar o som de um tiro, julgando que Helena, sua própria filha,
tinha matado o homem que amava. O segundo tiro ecoou fazendo
com que se levantasse para ver o que estava acontecendo. Se
abaixou assustada quando viu os seguranças descerem do carro da
frente, atirando contra o automóvel. Tornou a se abaixar, colocando
as mãos na cabeça, enquanto as balas continuavam a acertar na
lataria e vidros do veículo. Em meio ao barulho do tiroteio se deu
conta de que o carro era blindado. Ergueu a cabeça o suficiente
para ver Helena atirando contra os homens, usando o veículo como
proteção. O coração parecia querer sair pela boca, por não saber
exatamente o que estava acontecendo. Um suspiro de alívio em
meio a um novo nervosismo, totalmente ressignificado, tomou conta
do seu corpo, ao ver a cabeça de Henrique aparecer ao lado de
Helena.
A porta de trás do carro foi aberta e Henrique se arrastou para
dentro, com Helena dando proteção contra os seguranças. Em
segundos, a morena também pulou para dentro, já passando para o
banco da frente e travando as portas. Manobrou o carro com pressa,
atenta aos três homens que ainda atiravam e saiu, passando por
eles em alta velocidade. Deu um cavalo de pau, voltando de frente
ao carro que começava a persegui-los.
— Coloquem os cintos de segurança.
Rose mal teve tempo de prender os cintos antes de sentir a
pancada da colisão. Henrique gemeu de dor ao sentir o impacto e
dividiu sua atenção com Helena, que abria a porta do veículo para
atirar contra o carro da frente. A morena voltou a se sentar no banco
do motorista quando tudo o que restou foi o silêncio.
— Vocês estão bem? – perguntou olhando pelo retrovisor.
— O que está acontecendo, Helena? – perguntou Rose nervosa.
— Eu quero respostas, mas não agora. Vou levar vocês para um
local seguro.
Helena manteve a atenção na estrada, até cair na rodovia
novamente. Guiou rapidamente até o ponto de encontro com Cléber.
A mente elaborava um monte de perguntas, mas controlou a
ansiedade para não fazer nada antes do tempo. Queria saber da
verdade olhando nos olhos de cada um, para detectar qualquer
mentira que resolvessem lhe contar. Assim que entrou no posto de
parada, estacionou em um ponto mais afastado e se virou para trás,
enxergando Rose que cuidava de Henrique.
— Eu vou buscar algumas coisas pra gente. Não saiam daqui,
ok? Quero o celular dos dois.
— Traz água, algum analgésico, por favor – pediu Rose ao
entregar os aparelhos.
A morena apenas anuiu e saiu do carro em direção a loja. Teve o
cuidado de tirar os chips dos celulares, antes de descartá-los em um
balde de água, perto da entrada. Comprou alguns pacotes de
salgados e água. Antes de ir para o caixa, pegou um kit de primeiros
socorros.
Munida das poucas compras, sentiu o celular vibrar no bolso.
Assim que identificou uma chamada de Patrício, deixou que caísse
na caixa postal. Enquanto caminhava em direção ao carro, uma
mensagem de Cléber informava que já havia chegado e que estava
na entrada da parada. Abriu a porta e tornou a se sentar no banco,
dando partida novamente.
— Helena, Henrique me disse que te contou, eu...
— Agora não, Rose. No momento certo. E também não mexa
nas sacolas; vamos mudar de carro.
Rose concordou com a cabeça e se abaixou sobre Henrique,
acariciando seu rosto. Não teve tempo de fazer nada, antes que
sentisse o carro parando novamente e Helena descendo.
— Ela não vai fazer nada contra você, Rose, fique tranquila –
falou Henrique, tentando tranquilizá-la. – Helena saberá ser racional.
— Foi muito tempo escondendo essa mentira, ela pode ficar
transtornada e sabemos como ela é leal a Patrício. Ou talvez
aconteça o pior, ela não acredite em nada justamente por causa da
sua lealdade a Patrício.
— Se ela fosse tão cega assim não teria me deixado vivo, já é
um começo.
A porta do carro se abrindo fez com que Rose não verbalizasse
uma resposta. Enxergou o homem ao lado de Helena, um moreno,
alto, cabeça raspada e um rosto que transparecia dureza.
— Vamos.
Rose desceu temerosa e se virou para puxar Henrique
delicadamente. Helena deu um suspiro pela demora e o puxou com
mais força, fazendo um gemido de dor escapar de seus lábios. Com
mais agilidade foi colocado no outro veículo, e depois de se
acomodarem, a morena digitou o endereço da chácara no GPS.
Cléber seguiu no volante, enquanto Helena se encostava contra o
banco do carro, fechando os olhos.
— Filha...
Helena permaneceu em silêncio, sem responder a mulher.
— Lena, por favor, isso...
— Eu quero que os dois tenha uma coisa bem clara em mente –
falou sem virar para trás. – Eu só estou fazendo isso porque eu
quero saber da verdade. Eu não estou do lado de vocês, só estou
levando vocês para um lugar seguro porque, antes de que Patrício
tenha a chance de matá-los, eu vou extrair todas as informações
que preciso e não medirei esforços para isso. Está claro?
O silêncio voltou a reinar dentro do carro. Rose preferiu não
responder nada, uma vez que poderia macular qualquer mínima
chance que teriam de sobreviver àquela noite. Se concentrou em
dar água para Henrique e cuidar dos seus ferimentos. O carro
percorreu por mais uma hora e meia até embicar em uma estrada
de terra e novamente sentiu o corpo ficar tenso. Olhou ao redor,
enxergando a casa iluminada e o outro homem que os aguardava
na frente da propriedade.
— Esperem um minuto.
Helena desceu do carro e se aproximou de Thiago, estendo a
mão para um cumprimento.
— Eu vou precisar de um favor – pediu ao olhar para o carro. –
Eu vou resolver um problema familiar aqui, preciso que você e sua
família fiquem dentro de casa e não se assustem com algum
barulho alto que possam vim a escutar. Não quero interferência,
tudo bem? Depois eu vou falar com você para passar algumas
informações que ainda estão nebulosas para mim.
— Tudo bem, Helena, se precisar de algo é só chamar.
— Obrigada, Thiago.
Helena esperou o caseiro sumir pela lateral da casa e acenou
para o carro, indicando para Cléber descer.
— Nós vamos resolver uma questão familiar aqui – tornou a
explicar. – Não mediremos forças para ter essas respostas, apesar
de que me parecem favoráveis a colaborar. De qualquer forma, já
fica o aviso: não seremos gentis.
— Tudo bem.
— Vamos levá-los para dentro.
O desembarque foi rápido. Henrique já estava melhor da surra
que havia levado e conseguiu descer com maior firmeza. Rose
seguiu ao lado do amante, olhando ao redor, para a propriedade
mergulhada no breu que era cortado apenas pela claridade que
vinha da casa. Helena seguiu na frente e abriu a porta, dando
passagem ao grupo. Apontou os sofás para que se acomodassem e
pegou uma cadeira mais afastada, sentando-se na frente de ambos
com Cléber em pé, ao seu lado.
— Bom, vamos conversar. Quero respostas clara e objetivas. O
primeiro ponto que quero saber: por que fizeram essa idiotice?
— Foi minha culpa – Rose respondeu. – Quando você falou que
estava fazendo os exames com Daniela eu fiquei desesperada, eu
sabia que iria descobrir que ela não é sua irmã. Patrício com toda a
certeza já sabia porque era impossível dar compatibilidade, com
certeza ele interferiu. Eu... Eu participei do que aconteceu no
passado, eu sei que vai me odiar para sempre, mas eu não queria
que descobrisse tudo comigo por perto. Eu falei com Henrique para
irmos embora, praticamente implorei... Me desculpe,
Helena...
— Eu concordei com ela – emendou Henrique. – Eu não
suportava mais ver Rose se sujeitando a tudo de Patrício, e com
você do lado dele seria bem pior.
— E aí, só porque tinha certeza que eu iria lhe matar resolveu
jogar toda a merda no ventilador. O que imaginou que eu faria com
Rose, com toda essa mentira?
— Não. Eu te contei porque alguém tem que tomar conta de
Stella. Se eu não poderia mais fazer isso, você faria. Eu tenho
certeza que você é exatamente como Nolan, você não deixaria isso
passar sem investigar. E quanto a Rose, eu tenho certeza que não
fará nada contra ela. Daniela jamais lhe perdoaria. Ela acredita que
você, como irmã mais velha, vai proteger a mãe.
Helena deu um meio sorriso, ainda encarando Henrique.
— Isso que está me falando não tem lógica. Você não
abandonaria essa Stella indo embora com Rose, de qualquer
forma?
— Não. Eu sou um provedor financeiro. Ela possuiu três
enfermeiras que intercalam os turnos. Continuaria da mesma forma.
— Eu quero saber a minha história. Como eu vim parar como
sua filha e filha de Patrício?
— Nolan era um segurança de seu pai – começou Henrique. –
Ele começou muito novo na organização, tinha só dezessete anos
quando seu avô recrutou ele depois de vê-lo em uma briga de rua.
Em pouco tempo ele cresceu dentro da organização: era inteligente,
aprendia tudo muito rápido, sabia manusear armas como nenhum
outro. Patrício logo percebeu também a sua agilidade e passou a
delegar trabalho para ele, até ter um amplo conhecimento da
organização. Numa noite, estávamos em um bar quando chegou um
grupo de garotas e ele se encantou com Stella. Eu tinha
pouquíssimo tempo trabalhando na organização, mas criamos uma
boa amizade. Ele apresentou Stella a todos, Patrício conheceu ela.
Ele também a queria, mas Stella amava Nolan, nunca deu nenhuma
brecha pra Patrício. Ele chegou a ir atrás dela, quando mandava
Nolan cuidar de alguma operação fora, mas ela sempre o rejeitava.
Eu era um dos seguranças de Patrício, por isso sabia disso. Enfim,
eles se casaram, Stella ficou grávida de você e seu verdadeiro pai
resolveu deixar a organização para não colocar a esposa e você em
risco. Patrício fingiu aceitar de início, mas a intenção dele era matar
Nolan. Eu o avisei e ele sumiu por um bom tempo, mas Patrício
colocou todos para encontrá-lo. Quando isso aconteceu, ele
determinou o ataque à sua família. Eu não sabia o dia, menos o
horário do ataque. Patrício me escalou para ir, mas não podia, não
teria coragem de fazer nada contra meu amigo. Inventei que estava
passando mal. Tentei avisar a ele, mas ele já tinha mudado todos os
seus contatos, como uma forma de se proteger. Eu os segui com
uma moto, eu vi tudo acontecer. Vi quando Patrício saiu com você
nos braços. Depois que foram embora eu fui até a casa. Encontrei
seu pai morto do lado de fora, sua mãe estava inconsciente dentro
de um armário. Puxei ela para fora e a escondi. Quando fui buscar
um carro para levá-la até um hospital, vi outro veículo se
aproximando. Apenas colocaram Nolan dentro da casa e atearam
fogo. Não conferiram sua mãe. Foi onde eu optei por deixá-los
acreditar que ela tinha morrido também e sido incinerada no
incêndio.
Helena escutava a narrativa sem emitir nenhum som. O rosto
estava impassível enquanto assimilava o que Patrício havia lhe dito
semanas antes, que teria morrido dentro do armário com aquela
vagabunda. No fim tinha um sentido, a tentativa de assassinato de
sua mãe. A mente agitada arrostava com a postura e feição
completamente imóvel.
— E depois?
— Eu deixei Stella em um hospital. Ela ficou em coma por quatro
meses. Quando acordou, as sequelas que ficaram não permitiam
que ela tivesse qualquer movimento. Ela ficou tetraplégica. Foram
anos de tratamento enquanto ela se recuperava. Hoje ela está em
uma cadeira de rodas, mas não fala. O médico já falou que pode ser
um bloqueio por causa do trauma.
— E você sabia disso tudo? – perguntou Helena olhando para
Rose, já sem conter a garganta apertada e os olhos marejados. –
Você participou de toda essa sujeira e nunca teve a decência de me
falar nada?! – explodiu com raiva.
— Seu pai... Patrício me mataria se eu te contasse alguma coisa!
Quando ele me entregou você, dizendo que era sua sucessora, eu
questionei de onde estava vindo, o que ele tinha feito. Discutimos
muito, foi a primeira vez que senti o peso da mão de Patrício.
Quando por fim eu concordei, ele me fez ir para a Europa, falsificou
documentos, pagou pessoas... Eu nunca te contei nada porque eu
fui cumplice, sim, meu medo de Patrício foi maior que meu senso
ético de fazer alguma coisa.
Helena se levantou transtornada, andando de um lado para o
outro, com os pensamentos completamente desordenados. Não
havia sido adotada, tinha sido sequestrada, tivera o pai morto e a
mãe presa em um sofrimento miserável por anos.
— Daniela é filha dele? – perguntou apontando para Henrique.
Rose não respondeu. Caiu em um choro profundo. Era outro
ponto em que não podia mais mentir.
— Eu não sei – respondeu em meio às lágrimas. – Eu menti...
Me desculpe, Henrique, eu nunca cheguei a fazer um teste para
saber a paternidade de Daniela. Eu não sei quem é o pai dela...
— Dani... Dani pode ser minha filha?
— Sabe por que eu fiz um teste de DNA com Daniela? –
perguntou Helena balançando a cabeça em sentido negativo. –
Porque durante meses eu achei que estava apaixonada pela minha
própria irmã! Por meses eu me torturei por ter beijado ela, por ter
tocado ela, quando na verdade tudo, absolutamente tudo, era uma
grande mentira! Quando você falou com ela, ela me disse que eu
poderia ser adotada, que podia ser filha de Henrique, que não
estávamos tendo um sentimento incestuoso como eu acreditava que
estava! Foi por isso que fiz o exame com ela!
— Você e Daniela... Vocês... – balbuciou Rose.
— Nós estamos juntas. Como um casal. E a grande ironia disso
tudo é que posso estar diante dos meus sogros nesse momento
deliberando se devo matá-los ou não!
— Me perdoa, Helena, eu nunca quis...
— Para, pode parar! Vocês quiseram e me engaram! Vocês me
esconderam a verdade, me fazendo acreditar que era sua filha e de
Patrício quando na verdade meus pais foram massacrados!
— Você e Daniela... A quanto tempo estão juntas?
— Isso é o que menos importa agora, Rose. Se preocupe com a
sua própria pele porque você pode ter saído das garras de Patrício,
mas caiu nas minhas.
Helena saiu da casa batendo a porta com força. Andou de um
lado para o outro respirando fundo, tentando controlar a raiva que
estava sentindo naquele momento. Pegou o celular do bolso e
discou para Daniela. Foi o tempo de apenas um toque para que
pudesse ouvir sua voz.
— Como está tudo, Helena? – perguntou aflita.
— Eles me contaram toda a verdade... É tudo muito podre, Dani,
muito, muito podre – respondeu permitindo-se desabar. – Patrício
matou meu pai, minha mãe está tetraplégica, Rose e Henrique
esconderam tudo isso por anos... Minha vontade é de enfiar uma
bala na cabeça dos dois!
— Mas você não vai fazer isso. Tenho certeza que tiveram os
motivos deles. Eu sei que é difícil, mas você tem que tentar esfriar a
cabeça agora, saber onde sua mãe está.
— Henrique também pode ser seu pai. Rose confessou que
nunca fez um exame para comprovar se era ou não filha dele. Eu
vou tirar tudo isso a limpo. Só precisava ouvir sua voz para me
acalmar um pouco. Eles estão em um lugar seguro.
— Então conversa um pouco comigo, depois você volta a falar
com eles.
— Patrício, onde ele está?
— A última vez que vi ele foi na hora que saíram. Eu subi para o
meu quarto sem falar com ele e nem sei onde se enfiou.
— Eu quero que saia da casa amanhã cedo. Eu vou te orientar
em como despistar Javier e quero que se encontre comigo. Eu sei
onde minha verdadeira mãe está, você vai lá comigo?
— É claro, meu amor, eu vou sim. Assim que amanhecer eu já
vou sair. Posso ir agora também...
— Não, agora não. Patrício não pode desconfiar de nada.
— Quer me falar o que lhe contaram?
Helena passou a narrar tudo o que tinha escutado aquela noite.
Daniela escutou em silêncio por cinco minutos, interrompendo
apenas com poucas palavras. Assim que se despediram, olhou para
a porta da casa e suspirou fundo, controlando suas emoções. Era
hora de voltar e arrancar os detalhes.
Patrício estava parado ao lado da porta de Daniela escutando a
conversa. Tinha ido até o quarto da filha para sondar se ela sabia de
alguma coisa, mas nem precisou entrar para descobrir que ela
estava mancomunada com Helena. A lealdade entre as irmãs tinha
crescido mais do que ele tinha julgado. Ficou em alerta quando
escutou ela falando o nome Nolan. Discou para todos os telefones
dos seguranças que haviam ido com Helena, mas nenhum atendia.
Não precisava forçar a mente para saber que ela certamente devia
ter tirado eles de sua cola, mas o que mais o perturbava era o nome
Nolan. Outra certeza era a que Henrique e Rose tinham contado
alguma a ela. Percebeu o modo carinhoso com que se despediram,
a ponto de Daniela dizer um “eu te amo”. Entrou no quarto,
assustando-a.
— Estava falando com Helena? – perguntou ao apontar o celular.
— Sim, queria saber se ela tinha feito alguma coisa para a mãe.
— E Henrique?
— Eu... Eu... Ela matou ele – respondeu sem firmeza na própria
voz.
— E Nolan?
Daniela ficou muda por um segundo inteiro, antes de esboçar um
sorriso.
— Quem é Nolan?
— Você deve saber, não é? Você estava conversando com
Helena, foi ela que lhe passou esse nome...
— Pai, não é...
— E que amor de irmã é esse que você se despede com um “eu
te amo”?
Daniela não respondeu nada. Ficou muda encarando Patrício,
que avançava lentamente na sua direção. Com o coração disparado
pegou o celular e intentou correr para o banheiro, mas Patrício foi
mais rápido, segurando seu braço e prendendo-a firmemente.
— O que você está me escondendo, Daniela?!
— Helena já sabe que não é sua filha! – respondeu com raiva,
tomada de uma súbita coragem. – Mirela o nome dela, não é?! Ela
me contou que você matou os pais dela!
— E o que ela vai fazer? Me matar? – riu Patrício. – Por que
você disse que a ama?
— Porque eu a amo. Ela não pode ser sua filha, mas com toda
certeza é sua nora! Eu estou com ela...
O tapa que Patrício desferiu contra Daniela não permitiu que ela
continuasse a falar. Automaticamente a jovem foi ao chão, surpresa
e assustada pelo gesto do pai, sempre tão carinhoso com ela. Se
virou para encará-lo e não o reconheceu em meio a máscara de
raiva que estampava seu rosto. Tentou se afastar, mas novamente
sentiu um golpe contra seu corpo, jogando-a de encontro a cama.
Foi naquele momento em que descobriu porquê o pai perpetrava
tanto medo nas outras pessoas.
Capítulo 20
— O que você me disse, Daniela?! – perguntou Patrício
entredentes. – Você está me desafiando, é isso?!
— Você está louco! – reagiu a jovem aos gritos. – Enlouqueceu
de vez!
— Com quem você acha que está falando, Daniela? – perguntou
ao pegar seu braço outra vez, apertando-a.
— Me solta! Você está me machucando!
— Eu quero saber que história é essa entre você e Helena! Ela
te levou para essa sujeira em que vive? A própria irmã?!
— Você sabe melhor que eu que Helena não é minha irmã e
menos sua filha! Nunca foi! Agora faz todo o sentido o fato de tê-la
criado apenas para te servir! Ela sempre foi uma funcionária aos
seus olhos, alguém que você podia manipular como bem
entendesse porque foi moldada, desde que era apenas um bebê,
para obedecer somente suas ordens!
— Helena te tocou?
— Não, pai, nós nos amamos!

Outra vez Joanna ficou em alerta por causa dos gritos que
escutou. Saiu da cozinha apressada, correndo para as escadas e,
em seguida, o quarto de Daniela, de onde vinha o barulho. Entrou
sem bater, se deparando com a cena de Patrício agredindo a própria
filha. Tomada de uma súbita coragem e força o empurrou para o
lado, fazendo com que saísse de cima da jovem. Patrício cambaleou
para o lado, mas Joanna foi mais rápida em abraçar Daniela,
colocando-se como um escudo humano protegendo-a.
— Sai daqui, Joanna! – gritou Patrício puxando-a. – Você não
tem que se meter em nada dessa família!
— Você está descontrolado, Patrício! É sua filha! – gritou
tentando traze-lo de volta a realidade.
Patrício se afastou, encarando as duas mulheres jogadas no
chão. O choro de Daniela estava abafado contra Joanna, que
acariciava seus cabelos, também sem conter as lágrimas. Pegou o
celular da jovem jogado no chão e saiu do quarto, trancando a porta
por fora.
— Você está bem Dani? Deixa eu te ver...
Daniela se afastou o suficiente para que Joanna pudesse ver seu
rosto. A feição preocupada dela lhe dizia que algo estava de errado.
Levou a mão a boca, onde sentia o maior dolorido, e esticou os
dedos para ver o sangue presente nele.
— Eu vou pegar uma toalha úmida, espera.
Daniela voltou a chorar encolhida no chão, desacreditada que
seu próprio pai havia feito aquilo. Jamais passara pela sua cabeça
que um dia ele seria capaz de levantar a mão para ela. Por um
breve momento pensou em quantas vezes ele já havia feito aquilo
com sua mãe.
— Vem aqui – Joanna pegou-a pelo braço, fazendo ela sentar-se
na cama. – Seu pai perdeu a cabeça! Perdeu completamente a
cabeça!
— Ele já fez isso com minha mãe?
Joanna apenas balançou a cabeça em sentido positivo.
— Seu pai não é um homem que possa ser controlado. Quando
ele perde a cabeça, ele não vê o que está fazendo.
— Por que minha mãe nunca denunciou ele? Por que ela
aguentou calada isso?!
— Porque ela tinha medo de perder vocês. Isso acontecia mais
quando você e Helena eram crianças. Já fazia muitos anos que não
via ele tão transtornado como agora.
— Minha mãe tinha que ter ido embora a primeira vez que ele
bateu nela. Fugido com Henrique logo que teve a primeira
oportunidade. Ninguém é obrigado a passar por isso!
— Seu pai a encontraria aonde quer que fosse – suspirou
Joanna deixando a toalha de lado. – Isso vai ficar um roxo enorme.
Vou pegar gelo.
— Não me deixa aqui sozinha, por favor! – pediu Daniela aflita
segurando seu braço.
— Tudo bem, está tudo bem. Por que ele estava bravo com
você?
— Helena já sabe que não é filha dele. Já sabe que os pais
foram mortos, que foi sequestrada.
— Meu Deus! Como ela descobriu?
— Minha mãe e Henrique contaram pra ela. Eu estava no
telefone com ela e o pai escutou a conversa. Você já sabia, não
sabia?
— Sabia. Eu não... Nunca poderia revelar esse segredo. Ele me
mataria.
— Eu acredito. Até ontem eu falaria que é tudo exagero, mas
agora eu sei que ele mataria. Todos têm medo dele, parece que a
única que pode bater de frente é Helena.
— Se eu não soubesse que ela já conhece a verdade, eu diria
que nem ela mesmo iria contra Patrício. Sua irmã sempre foi fiel a
ele.
— Helena não é minha irmã.
— O fato de não terem os mesmos pais não muda o carinho que
tem por ela, muda?
— Helena e eu estamos juntas.
— Juntas? Como assim juntas? – perguntou Joanna confusa.
— Eu amo Helena. Desde a primeira vez que a vi quando
cheguei de Nova Iorque, foi uma atração imediata. Nós tentamos
tanto controlar o que sentíamos porque pensávamos que éramos
irmãs.
— Mas vocês estão juntas como se fosse um casal?
— É um casal, Joanna, independente das pessoas envolvidas.
Nós chegamos a fazer um teste de DNA, mas o pai interferiu, deu
positivo.
— Mas vocês foram criadas como irmãs! Como que ficaram
juntas? Eu vi... Aquele dia no escritório eu percebi, mas achei que
era um carinho de irmãs.
— Eu nunca vi Helena como minha irmã, como de fato ela não é.
Nem quando crianças. Ela sempre com o pai, sendo treinada por ele
e a mãe me mantendo sempre afastada de tudo. Nunca nem
brincamos juntas, você sabe disso.
— Seu pai vai matar Helena quando souber. Ele nunca aprovou
que ela ficasse com mulheres e agora... Ele vai matar Helena!
— Ele já sabe. Por isso que ele estava descontrolado. Eu falei
pra ele que estamos juntas.
— Helena não pode, nunca mais, voltar para essa casa. Patrício
vai matá-la!
— Ele vai ter que me matar também.
Joanna balançou a cabeça em sentido negativo, com um sorriso
surgindo em seus lábios.
— Não se pode mexer no destino. Se era pra vocês ficarem
juntas, nem a interferência de Patrício, colocando vocês como
irmãs, poderia impedir.
— É o que penso. Se Nolan não tivesse sido morto, tivesse
continuado a trabalhar com a família, encontraria Helena, como
Mirela, de qualquer forma.
— Mas ainda assim é estranho. Por mais que eu saiba que
Helena não é filha biológica de Rose e Patrício, eu sempre vi vocês
como irmãs, desde que eram pequenas. É estranho tentar ver de
outra forma.
— Acho bom tentar porque nós...
Daniela parou de falar ao escutar o barulho da porta se abrindo.
Ficou temerosa ao ver o pai retornar com mais três seguranças.
— Você vai sair dessa casa, Daniela – anunciou Patrício. – Você
vai para um lugar onde Helena nunca mais vai te encontrar.

Helena voltou para dentro da casa encontrando Rose e Henrique


ainda sentados no sofá com Cléber na frente de ambos. Suspirou
fundo e voltou a ocupar a cadeira posicionada na frente do casal.
Olhou-os atentamente, procurando indícios de medo ou desafio,
mas tudo o que viu estampado nas suas feições foi alívio e cansaço.
— Quando vocês começaram a ter um caso?
— Helena, deixa eu cuidar de Henrique, ele precisa de...
— Não. Vocês só vão sair desse sofá depois que eu tiver todas
as respostas. Quanto antes falarem, melhor.
— Quando eu entrei na organização eu conheci Rose –
respondeu Henrique. – Fiquei fascinado por ela, mas também já
sabia que ela era a esposa de Patrício.
— Mas mesmo assim ainda me jogou charme – sorriu Rose ao
dar um leve aperto na sua mão. – Eu correspondi. Acabamos
ficando uma vez, duas. Sempre que Patrício viajava a trabalho ou
chegava tarde, dávamos um jeito de nos encontrar. Eu tinha medo
de ir embora porque era jovem, assustada com todo aquele poder
de Patrício. Eu não casei com ele por amor, Helena. Eu casei com
Patrício porque meu pai me perdeu no jogo.
— Te perdeu no jogo? – repetiu a morena confusa.
— Não literalmente. Meu pai devia muito dinheiro a família Millar,
contas que ele acumulou com jogos. Perdia no jogo para os Millar e
pedia dinheiro emprestado para os Millar para pagar as dívidas de
jogo. Virou uma bola de neve. Patrício disse que perdoava a dívida
do meu pai se eu casasse com ele. Eu tonta, dezoito anos,
querendo salvar um pai fadado ao fracasso, concordei. Nunca fui
feliz com Patrício, nunca o amei. Ele também nunca me amou, tinha
uma obsessão doentia por mim.
— E meu pai verdadeiro?
— Nolan trabalhava no escritório, não tinha muito contato com
ele.
— Por que não foi embora com ele ainda jovens? – perguntou ao
apontar para Henrique.
— Nós íamos, mas você chegou. Patrício disse que eu tinha que
ir cuidar de você, que era nossa filha. Chegou ao ponto de ser
violento. Fiquei com medo, medo do que poderia acontecer comigo,
medo do que poderia acontecer com você sozinha com ele. Eu
fiquei porque temi por nós duas. Foi quando Henrique e eu nos
separamos. Eu fui para a Europa sem nem ao menos me despedir.
— E aí se separaram por anos até voltarem a se encontrar e
você ficar grávida de Daniela.
— Sim.
— Quero os detalhes.
Helena passou a hora seguinte escutando o que Rose e
Henrique tinham para falar. Analisou, por todos os ângulos, a
narrativa do que haviam passado e os medos que tiveram que
superar para que pudessem ficar juntos. Tinha fundamento os
receios que possuíam: se Patrício tivesse descoberto antes o
relacionamento dos dois, sem que pudesse fazer aquela
intervenção, estariam mortos. Pediu um momento quando celular
começou a tocar, indicando uma chamada da casa onde crescera.
Ignorou a chamada voltado sua atenção para o casal, mas uma
segunda tentativa em seguida fez com que hesitasse para atender.
— Helena.
— Helena, pelo amor de Deus! – exclamou Joanna do outro lado
da linha, — Você precisa vim pra casa! Seu pai enlouqueceu! Ele vai
matar Daniela, você precisa fazer alguma coisa!
— Calma, Joanna! Me explica com calma o que aconteceu.
— A Dani, seu pai sabe que você já sabe que é filha do Nolan,
Dani contou que estão namorando, ele perdeu completamente o
juízo!
— O que ele fez?
— Ele bateu nela, levou ela com alguns seguranças para um
lugar que não faço ideia! Você precisa fazer alguma coisa! Ele vai
matá-la!
— Eu vou resolver isso. Se acalme. Saia da casa o mais rápido
possível e vá para o meu apartamento.
— Cuidado, Helena, por favor, cuidado minha menina!
Helena emitiu uma onomatopeia como resposta e desligou o
celular respirando fundo. Olhou para o casal à sua frente e, depois,
Cléber ao seu lado.
— Vocês têm absoluta certeza que eu não tenho nenhum laço
com Patrício, não é? – perguntou mantendo a voz calma.
— Tudo o que lhe contamos é a verdade. O que aconteceu?
— Eu vou matá-lo – respondeu ao se levantar. – Eu vou deixar
vocês aqui, Patrício nem desconfia que tenho esse lugar. Vocês
podem esperar até Henrique estar bem, ou fugir com medo, não terá
ninguém vigiando. A decisão é de vocês. Vamos, Cléber, temos que
voltar para a capital.
— Helena...
Helena não deu ouvidos a Rose. Andou até o quarto e afastou a
cama de lugar para ter acesso ao alçapão que tinha ali. Se abaixou
e pegou uma bolsa, entregando para Cléber. Em seguida pegou
outras duas pistolas automáticas e um coldre axilar. Outros itens
que foram acrescentados foi seu kit de facas e munições. Fechou o
compartimento e fez menção de sair do quarto, mas parou ao
enxergar seu arco e flechas em um saco, no canto. Também o
pegou, apoiando-o no ombro.
— Está indo para a guerra? – perguntou Cléber com um meio
sorriso.
— Estou – concordou ao parar de andar. – Patrício Millar não
construiu um império do nada. Eu sei exatamente tudo o que ele já
fez para chegar até onde chegou, já matei pessoas em seu nome e
já o vi matar apenas pelo prazer de mostrar seu poder. Hoje temos
trinta seguranças trabalhando diretamente para ele, além de
contratados que ele chama quando precisa resolver alguma questão
grande. Todos são aliados dele. Estou declarando guerra a todas
essas pessoas para chegar até Daniela. Se estiver comigo, saiba
que vamos enfrentar muitos caras bons.
— Bom, se eu estivesse no seu lugar, depois de tudo o que
escutei, também abrira fogo. Percebi na pousada que você e
Daniela eram... Um tipo de irmãs diferentes. Confesso que não
entendi muito bem o fato de transarem, mas agora tem sentido.
— Isso não vem ao caso agora.
— Estou contigo, Helena. Pode contar com meu apoio. Nunca fui
com a cara do seu pai, mesmo. Na minha opinião quem deveria
comandar toda aquela operação de contrabando é você. Tem mais
ideias, mais atitude. Patrício está ultrapassado.
— Mantenha sua lealdade e terá um lugar ao meu lado quando
eu assumir. Patrício nunca deveria ter me poupado, menos me
treinado depois de matar meu pai e acabar com a vida da minha
mãe. Menos ainda ter encostado em Daniela. Vou reduzir seu
império ao pó.
Cléber sorriu para a morena e voltou para a sala ao seu lado.
Passou direto para fora quando Henrique chamou Helena.
— Quero te mostrar uma coisa – falou ao pegar a carteira. –
Essa foto nós tiramos no dia em que seu pai conheceu sua mãe.
Nolan é esse aqui, do meu lado, e essa mais afastada é sua mãe.
Você é a cara dele. Literalmente.
Helena pegou a fotografia estendida na sua direção. Analisou o
rosto do homem sorridente que olhava para a câmera. Mesmo que
já estivesse desgastada pelo tempo, pode ver seus olhos verdes,
iguais aos seus, brilhando num momento de felicidade, suas feições
tão parecidas com ela própria. Através da foto reconheceu que era
mesmo filha de Nolan. Seu DNA fora impresso em seu rosto.
— Eu vou ficar com ela.
Henrique assentiu, vendo a morena se afastar. Rose se
aproximou dele e deu um beijo em seu ombro.
— Oi pai – Helena falou baixinho para a foto. – Eu vou vingar
sua morte. Patrício não ficará impune.
Helena entrou no carro e rapidamente ganharam a rodovia.
Permaneceu calada, pensando em tudo o que faria dali em diante.
Conhecia, exatamente, a periculosidade de Patrício: fizera parte de
tudo aquilo, como uma arma que ele possuía nas mãos. Respirou
fundo e pegou o celular, discando para o homem que acreditara ser
seu pai.
— Fez o que lhe mandei, Helena? – perguntou Patrício ao
atender.
— Você sabe que não. Os homens que estavam comigo estão
mortos. Rose e Henrique estão em um lugar seguro.
— Está se rebelando contra mim?
— Pode se dizer que sim. Eu conheço minha história de
verdade, não as mentiras que me contou.
— E você vai acreditar em um homem desesperado para não
morrer do que no seu próprio pai?
— Não. Vou acreditar no exame de DNA que fiz com Daniela e
que pediu ao diretor da clínica para mudar o resultado. Vou acreditar
quando me disse que se soubesse o que seria, teria me matado
dentro daquele armário. Vou acreditar na foto de Nolan, que é muito
parecido comigo. Devia ser uma tortura, não é? Olhar para o meu
rosto todos os dias e ver o homem que mandou matar.
— Eu te salvei, Helena, te dei uma vida, te transformei em
alguém que é respeitada!
— E esse foi seu erro. Você não devia ter me treinado, você não
devia ter mexido com minha família.
— Vamos conversar pessoalmente. Eu vou te explicar o que
aconteceu: a verdade, não o que esses mentirosos andaram te
contando.
— Poupe seu tempo, Patrício. Eu quero saber de Daniela. Pra
onde você a levou?
— Já foram dar com a língua nos dentes? Daniela está segura,
em um lugar onde não encontrarão ela. Nem mesmo você.
— Eu vou encontrá-la. Pode ter certeza que vou encontrá-la.
— Pra você aliciar ela nessa vida nojenta em que vive?! Como
pode ter coragem de tocar sua própria irmã?! Você é uma doente!
Devia ter imaginado que não respeitaria nem ela!
— Não vou cair na sua conversa, me estressar com isso. Quero
que fique uma coisa bem clara: quando eu a encontrar, é bom que
você esteja muito bem escondido.
— Está declarando guerra?
— Estou lhe dizendo que vou te destruir. Pelo meu pai, pela
minha mãe, por ter tido a ousadia de encostar em Daniela. Eu vou te
esfolar vivo.
Patrício jogou o celular no chão, com raiva, quando a ligação foi
encerrada. Se virou para os seguranças presente dentro do
escritório, que esperavam sua ordem.
— Nós vamos sair da cidade. Se Helena chegar a cem metros
desse escritório ou da casa, atirem para matar. Ela agora é a
inimiga.
Os homens concordaram com a ordem e Patrício seguiu até a
sala a prova de som. Olhou para Daniela encolhida em um canto e
pediu para os seguranças levarem-na para o carro. A jovem não
ofereceu resistência: estava apavorada com tudo o que estava
acontecendo naquela noite. Apenas torcia para que Helena pudesse
se salvar de Patrício.
Capítulo 21
O sol já havia nascido por completo quando Helena e Cléber
chegaram à capital. A primeira providência da morena foi dar uma
volta no quarteirão, onde ficava o prédio que morava. Identificou
alguns seguranças próximos, à sua espera. O passo seguinte foi ir
até o prédio onde funcionava o escritório e, da mesma forma,
enxergou homens à paisana. Na casa onde havia residido, a
segurança parecia maior ainda. Pediu para Cléber guiar até uma rua
mais isolada e se encostou contra o banco, com a mente
funcionando rapidamente.
— Precisamos de uma estratégia – Cléber pensou em voz alta.
— Precisamos. Vamos tomar café da manhã.
— Sua estratégia é tomar café da manhã?
— Temos que nos alimentar em algum momento. Não
conseguiremos nada chegando e chutando algumas portas. Tenho
que fazer Patrício aparecer, principalmente resgatar Daniela em
segurança. Eu preciso acabar com as bases dele.
— Tudo bem, vamos tomar café.
O local escolhido por ambos foi uma padaria, igual a outras
centenas espalhadas pela cidade para não chamar a atenção.
Enquanto comia, Helena ficou em silêncio, articulando um plano
para tirar Daniela de Patrício, assim não lhe dar chance de fazer
qualquer coisa mais grave com ela. Sabia que quando ele estivesse
totalmente acuado, poderia usá-la para se vingar. A única coisa com
a qual podia contar era sua crença que Daniela era sua filha.
Helena seguiu para o banheiro e olhou para sua aparência no
espelho. Havia dormido muito pouco aquela noite e isso não era um
problema naquele momento. Poderia ficar até quarenta e oito horas
com privação total de sono sem afetar sua atenção e raciocínio.
Aguentava até cento e sessenta e oito horas com pequenos tempos
de descanso de até três horas e, num caso crítico, com baixa perca
de atenção. Não havia chegado a testar ficar mais que esse tempo
sem dormir, mas tinha certeza que naquele momento só
descansaria quando liquidasse Patrício.
— Vamos? – chamou Cléber ao voltar para o salão da padaria.
– Temos que buscar alguns aliados.
— O que vamos fazer? – perguntou o homem acompanhando-a
para fora.
— Preciso de um computador e um bom acesso à internet.
Vamos à casa de uma amiga.
Michelle estava terminando de preparar o café quando escutou a
batida na porta. Ajeitou o roupão e foi abrir, enxergando Helena. Sua
primeira impressão foi surpresa: já fazia duas semanas que não
tivera mais notícias da morena. Olhou, curiosa, para o homem ao
seu lado.
— Helena, oi!
— Oi linda – cumprimentou com sorriso. – Preciso da sua ajuda.
— Claro, no que eu puder. Entre.
— Esse é Cléber, está me ajudando em um problema grande.
— Fiquem à vontade.
Helena entrou na sala e parou ao ver outra mulher sair do
corredor dos quartos. Morena, alta, com os braços tatuados e
cabelo curto, estilo tomboy. Era obvio que ela havia passado a noite
ali, visto que usava um roupão de Michelle.
— Eu... Essa é Giza, Helena Millar – Michelle apresentou,
visivelmente desconfortável.
Helena apenas balançou a cabeça em sentido positivo. Giza
também se limitou a cumprimentar à distância.
— Ela trabalha em uma das casas de jogos do meu pai e...
— Me desculpe por interromper. Infelizmente isso não é uma
visita social. Talvez tenhamos uma chance de nos conhecermos
melhor em uma próxima oportunidade. Preciso usar seu
computador.
— Claro. Está tudo bem?
— Não, mas vai ficar. Onde seu pai está no momento?
— Uruguai.
— Quem está tomando conta dos negócios dele aqui?
— Matheus.
— Preciso falar com seu pai. Acha que consegue esse contato
pra mim?
— Só ligar para ele.
— Me ajuda com isso daqui a pouco? Antes preciso acessar
algumas coisas.
— Claro. Meu computador está aqui. Não tem senha, fique à
vontade.
Helena concordou com a cabeça e ainda deu uma última olhada
para Giza, antes de pegar o computador e ir até a mesa de jantar.
Pela visão periférica viu Michelle indo até ela e conversar algo em
tom de voz baixo e a morena voltar para o corredor. Concentrou sua
atenção no que era prioridade naquele momento: tinha que
movimentar suas contas antes que Patrício tivesse chance de
bloquear seus recursos. Pediu a Cléber o número de sua conta e fez
uma transferência expressiva para ele, outra parte para uma conta
fora do país e o restante para uma conta fria, mantida com uma das
suas identidades falsas. O passo seguinte foi acessar as contas da
organização e tirar tudo o que estava disponível, transformando em
bitcoins. Era um desfalque grande para o lado de Patrício, mas
ainda assim lhe restaria recursos. O principal dinheiro da
organização girava ilegalmente no submundo do contrabando.
Helena levou uma hora para fazer o que precisava. Apagou os
rastros digitais que levariam até o computador de Michelle e se virou
para a ruiva, vinha da cozinha com uma caneca de café.
— Sem açúcar, como gosta.
— Obrigada.
— Sobre Giza, eu... Nós...
— Vocês já ficaram antes?
— Já. Conheci ela quando estava em viagem para a China.
Quando voltou e me procurou, achei que podia rolar algo mais sério
entre nós, parei de ficar com ela, mas você sumiu de novo. Não vou
ficar à sua disposição esperando seus momentos. Ela gosta mesmo
de mim, se dá bem com meu filho.
— Está tudo bem, linda, não se preocupe. Muitas coisas
aconteceram nas últimas semanas, falhei em não lhe dar uma
satisfação, mas estava muito confuso pra mim também.
— O que aconteceu?
— Eu não sou filha de Patrício e Rose.
— Sério?! Puta merda! Você foi adotada?
— Fui sequestrada. Meus pais foram massacrados por ele.
— Que barra, Helena! – suspirou a ruiva ao pegar sua mão. –
Como você está com isso?
— Eu vou matar Patrício, acabar com seu império.
— Você quer meu pai como seu aliado?
— Se ele estiver disposto a comprar uma briga grande.
— Se tivesse me dito, eu teria ficado do seu lado, lhe dado
algum apoio. Como descobriu isso?
— É uma história longa, eu te conto em outro momento. Agora
preciso me fortalecer para um confronto direto. Só não posso fazer
nada arriscado porque ele está com Daniela.
— Sua irmã não consegue se afastar dele?
— Ela não é minha irmã.
— Não de sangue, não é? Isso...
— Em outro momento eu te explico melhor. Consegue ligar para
o seu pai?
— Vou ligar.
Helena bebericou o café enquanto via Michelle ligar para
Theodoro. Ele era um grande aliado nos negócios do Millar, mas
assim como Patrício, também era extremamente ambicioso. Estava
contando com uma aliança que pudesse ser proveitoso para ambos.
— Oi pai – cumprimentou Michelle. – Helena Millar está aqui, vai
falar com você.
Helena agradeceu com um aceno, antes de pegar o telefone.
— Olá Theodoro.
— Como está Helena?
— Bem. Quero lhe propor uma parceria de negócios.
— Estou lhe ouvindo.
— Eu vou matar Patrício Millar. Preciso de aliados e quebrar
algumas de suas fontes e parcerias. Você sempre manteve
negócios com a família e estou lhe propondo ficar com toda a parte
de jogo que controlamos desde que me forneça homens e
armamento necessário para essa ação.
— O que o papai lhe fez?
— Não sou filha dele.
— Não?
— Não. Sou filha de Nolan. Chegou a conhecer?
— Sim, sim. Um cara que dominava toda a segurança de
Patrício. Soube que ele mandou matá-lo por sair da organização...
Entendi. Uma vingança.
— Patrício me criou como filha dele, escondeu isso de mim por
anos.
— Você não está mais do lado do Millar então?
— Não. Eu vou desmantelar a organização. A parte que lhe
interessa, as casas de jogos, são suas.
— Você ainda tá comendo minha filha?
— Não.
— Ok, então vamos nos encontrar para conversar sobre isso. Se
for uma emboscada, eu te mato.
Helena desligou o telefone depois de escutar Theodoro lhe
passar o local de encontro naquela noite. Era tempo de ele voltar do
Uruguai e ela organizar algumas coisas para continuar com seu
avanço contra Patrício.
— Obrigada por tudo, linda. Eu apaguei os registros do seu
computador, ninguém saberá que acessei daqui, pode ficar
tranquila.
— Espero que tenha sucesso em tudo o que planeja –
respondeu Michelle lhe dando um afetuoso abraço. – O que
precisar, pode contar comigo, tá bom?
— Obrigada. Quanto a Giza, se ela é uma pessoa bacana,
espero que seja feliz com ela, se virar algo mais sério. E diga a ela
que ficarei de olho: se ela vacilar vai se ver comigo.
— Pode deixar.
Helena se despediu de Michelle e saiu com Cléber ao seu lado.
Já no carro decidiu que o primeiro ponto de tomada seria a casa
onde crescera, visto que Joanna ainda estava por lá, já que não
havia lhe ligado mais, e precisava deixá-la segura. Outro ponto que
também contribuiu para sua decisão foi o fato do cofre de Patrício
estar lá, junto com documentações e o computador de onde
conseguiria acessar toda a rede Millar.
O plano desenhado por Helena começou a tomar forma quando
viu o carro do jardineiro entrar na rua paralela que daria acesso a
casa. Havia ligado a ele, pedindo que fosse urgente remover uma
arvore que havia caído rente à entrada. Desceu do próprio veículo e
entrou no meio da rua, fazendo com que o carro parasse.
— Helena, algum problema? – perguntou o homem assim que a
morena foi até a janela do motorista.
— Por enquanto não. Preciso de uma entrada na casa.
— Como assim?
— Quanto menos souber é melhor. Deixe seu carro comigo. Na
parte da tarde eu lhe transfiro o dinheiro do valor dele e mais um
bônus por seus préstimos.
— Isso... Eu não...
— Ou eu posso pegar ele e você não recebe nada – completou
ao sacar a arma, diante da titubeação do jardineiro.
Sem nenhum questionamento o homem desceu do carro junto
com seu ajudante e entregou a chave. Helena agradeceu com um
aceno e o guiou para o lado do carro de Cléber.
— Os seguranças conhecem exatamente o rosto dos
funcionários que prestam serviços na casa – explicou. – Não temos
como fazer um cavalo de troia com ele, vamos usar como uma
distração.
— Como assim?
— A rua tem um ângulo de quarenta graus de inclinação e dá de
frente para o portão principal. Se soltarmos o veículo no começo da
rua, ele vai colidir com o portão numa velocidade suficiente para
alertar os seguranças que já vão determinar o ataque. Seis
permanecerão dentro da propriedade: dois nos fundos e dois em
cada lateral enquanto uma equipe de três vai para a frente. Assim
que identificarem a distração, esses três vão se dividir: um ficará na
frente e cada um tomará uma lateral em apoio aos outros.
— E se não sair assim?
— Sairá. Eu que determinei essa ação em um caso de ataque
desse tipo. A diferença é que se eu e Patrício estivéssemos dentro
da casa, teríamos mais quatro seguranças dentro, como não
estamos, apenas os de fora é que vão agir. Na lateral direita
faremos a incursão: tem um ponto de vulnerabilidade ali onde
podemos fazer a desativação do sistema eletrônico. É onde os
circuitos se encontram e nos dá a chance de cortá-los. Os
seguranças que ficarão nesse lado também conhecem essa falha e
são os melhores, se Patrício não os levou com ele.
— Patrício foi uma besta mesmo – sorriu Cléber. – Olha só quem
ele foi arrumar de inimigo!
— Não foi uma boa escolha.
— E como vamos soltar o carro e já estarmos posicionados na
lateral direita ao mesmo tempo?
— Eu sei onde encontrar alguém para isso.
Cléber concordou com um aceno e se sentou ao lado de Helena,
que tomou a direção do carro. Em poucos minutos pararam ao lado
de uma quadra repleto de garotos e a morena desceu para falar
com dois deles. Ofereceu dinheiro a eles, para que fizesse o serviço
e diante das notas novas, os dois concordaram. Sincronizaram o
horário nos celulares e trocaram os números. De volta ao local onde
haviam deixado o carro do jardineiro, Helena explicou como fariam
para posicionar o carro no lugar certo e deu metade do dinheiro
oferecido. O restante eles iriam buscar na casa depois.
O passo seguinte foi se aproximar da casa sem serem notados e
isso Helena sabia exatamente como fazer. Havia passado, anos
após anos, estudando ataques que poderiam acontecer àquela
propriedade e conhecia, de cor, a planta de todo o quarteirão e das
casas vizinhas. Todas as propriedades eram enormes, com grande
extensão de terreno e pontos de esconderijos. Guiou para a rua que
dava fundos e colocou o coldre, junto com duas armas e pentes
extras, além da mochila que Cléber carregava.
— Vamos entrar por essa casa – apontou. – Nos fundos vamos
pular para a lateral, que dará acesso à de Patrício.
— E esse cachorro aí? Vamos ter que matar ele pra não
denunciar nossa presença.
— Claro que não! Rufos é bonzinho!
— Não vem me dizer que você fez amizade com o cachorro do
seu vizinho!
— Não. Transei com a mulher dele algum tempo atrás.
Cléber balançou a cabeça em sentido negativo e deu ombros.
De posse de todas as coisas que precisariam, seguiram para a casa
e logo Helena estava fazendo carinho em Rufos, para que ele não
ficasse nervoso com a presença de Cléber. Notou que não havia
ninguém em casa e seguiram para o propósito: alcançar o muro e a
casa vizinha. Entrou na propriedade apenas para desligar os
sistemas de segurança da casa: Roberta, a mulher com quem havia
tido um caso, havia lhe passado aquelas informações, depois de
alguma persuasão na cama. Assim que ultrapassaram o muro, o
obstáculo seguinte era mais fácil: havia uma arvore que conectava
as duas propriedades laterais e foi por lá que alcançaram a casa
rente a dos Millar. Olhou para o relógio e calculou que tinham
apenas três minutos para cortar a cerca. A funcionária da casa onde
estavam apareceu, mas Cléber a imobilizou, pedindo silêncio.
Helena pegou o telefone e discou para os garotos, dando a ordem
do começo da invasão.
O carro de paisagismo foi avistado pelos seguranças que logo
foram confirmar a identidade do condutor. Automaticamente ficaram
em alerta quando o carro não diminuiu a velocidade e já
determinaram o ataque quando não enxergaram ninguém no
volante. Cléber soltou a funcionária e correu para o lado de Helena,
que já estava no muro, terminando de cortar a rede. Disparou contra
os seguranças que estavam ali, dando cobertura para a morena,
que pulou para dentro da casa, já alvejando o segurança que
apareceu pela frente. O grito que o segurança deu chamou a
atenção dos seguranças do fundo que vieram no encalço. Atirou
contra eles enquanto Cléber também pulava para dentro.
Arrebentou a vidraça do jardim de inverno, e em segundos estavam
dentro da casa.
A primeira providência de Helena foi ir para o escritório. Se tinha
uma vantagem por conhecer todo o terreno ao redor, ali sua
vantagem era maior ainda, pois havia crescido dentro daquele lugar,
conhecia cada metro quadrado ali dentro, onde poderiam se
esconder, de onde poderiam atacar. Se posicionou contra uma
parede de concreto e alvejou outro segurança. Agora só restavam
cinco.
Joanna estava no seu quarto quando escutou o barulho de
tiroteio. Logo concluiu que Helena estava lá, pois Patrício já tinha
partido há tempos com Daniela. O pavor tomou conta do seu corpo
enquanto os sons de tiros não paravam. Ficou nervosa quando o
silêncio reinou e tornou ficar apreensiva quando voltou a escutar
tiros. Foram longos e angustiantes quinze minutos até que ouviu sua
porta ser arrombada e Helena aparecer na sua frente. Se levantou
de onde estava e correu para a menina que considerava uma filha.
— Como você está, Helena?! Você sofreu alguma coisa?
— Não, está tudo bem, se acalme.
— Eu não consegui ir para o seu apartamento. Quando estava
saindo um segurança me segurou, disse que seu pai mandou que
ninguém saísse...
— Está tudo, bem, se acalme.
— Você encontrou Daniela? Ela não pode ficar perto do seu
pai...
— Ainda não, mas vou encontrá-la. Onde estão as outras
funcionárias?
— Não sei. Acho que não deixaram ninguém entrar na casa hoje.
— Vem, precisamos conversar.
Joanna seguiu ao lado de Helena até a cozinha, onde tomou um
copo de água com açúcar para controlar a tremedeira. Se assustou
quando enxergou um homem entrar com as mãos sujas de sangue.
— Calma, Joanna – pediu Helena. – Esse é Cléber, está comigo.
— Me desculpe, eu devia ter me limpado lá fora.
— Onde estão os seguranças? – a senhora perguntou, voltando
a tremer.
— Infelizmente eles tinham ordem para atirar para matar. Era eu
ou eles – respondeu Helena abraçando-a. – Eu vou te mandar para
um lugar seguro, longe de tudo isso que está acontecendo.
— Eu vou para o seu apartamento...
— Não, lá não. Já estão esperando que eu apareça por lá. Eu
quero que vá para a casa dos seus familiares no Nordeste. Estará
bem longe disso tudo. Patrício não poderá alcançá-la lá.
— Seu pai pode me alcançar aonde eu for.
— Não vai. Ele não terá dinheiro e nem homens para isso. Vou
acabar com tudo isso antes.
— Me promete que vai tomar cuidado? Por favor, Helena!
— Eu vou. Prometo. Vai arrumar suas coisas. Enquanto isso vou
pegar algumas coisas necessárias e limpar tudo o que estiver aqui.
Eu vou te deixar no aeroporto com uma passagem já acertada no
primeiro voo e com um bom dinheiro pra reconstruir sua vida e não
precisar trabalhar mais.
— Isso não importa. O importante é que tome cuidado. Por favor.
Helena apenas assentiu com um gesto de cabeça e tomou a
direção do escritório. Acessou o computador de onde tinha mais
abrangência nos negócios da família e entrou em contato com
Chang, responsável pelo escritório parceiro de Patrício na China. O
recado foi rápido: ele não deveria mais despachar mercadorias pois
Patrício não teria como pagá-lo.
O passo seguinte foi arrombar o cofre, mas sabia que Patrício
deveria ter levado o que era de mais importante e, de fato, metade
das coisas haviam sumido, inclusive o dinheiro que mantinham ali.
Pegou o restante dos documentos, guardando em uma bolsa e
novamente acessou o computador. Transferiu o que julgou
importante para um e-mail onde somente ela tinha acesso e jogou
um vírus no programa que controlava as finanças dos Millar. Agora
já era o suficiente para causar um grande rombo em qualquer
paraquedas que Patrício estivesse disposto a usar.
Joanna apareceu e Helena seguiu para os fundos, buscar seu
próprio carro. Enquanto Cléber guardava as coisas no veículo,
pegou uma mangueira e tirou combustível do automóvel do
jardineiro. De posse com o galão, passou por todo andar inferior,
espalhando gasolina por todos os cômodos. Parou na porta de
entrada e deu uma última olhada para o interior, pensando
rapidamente em tudo o que vivera ali dentro. Riscou um fosforo e
assistiu a trilha de fogo tomar conta de todo andar inferior. Deu as
costas e foi para o carro, tomando a direção da rua, olhando pelo
espelho retrovisor a casa arder em chamas.
Capítulo 22
Daniela se assustou com o estrondo vindo de fora. O pai estava
visivelmente transtornado enquanto gritava com um segurança, mas
de pronto não conseguiu entender o que dizia. Ficou tensa quando o
escutou dizendo que Helena precisava ser eliminada o quanto
antes. Se levantou da cama e foi para a porta, mas antes que
alcançasse a maçaneta, ela se abriu, com Patrício entrando,
extremamente nervoso.
— Você vai falar para Helena parar com isso – Patrício jogou o
celular na direção da jovem. – Se ela não parar com a sangria, as
consequências serão graves!
— O que aconteceu, pai?
— A pervertida da sua irmã está tentando colocar meus
parceiros comerciais contra mim! Acabei de receber uma ligação de
Chang e ele me disse que Helena o alertou quanto ao envio das
minhas mercadorias! O dinheiro das contas da organização sumiu
assim como o acesso às finanças.
— Você arrumou uma péssima inimiga.
— Que logo estará morta! Pode apostar nisso! Liga agora!
Daniela pegou o celular e discou para Helena. Esperou apenas
um toque até ouvir sua voz.
— Oi Lena.
— Dani! Oi linda! Como você está?
— Fisicamente bem.
— Onde você está?
— Não sei ao certo. Viajamos quatro horas até chegar...
Daniela não terminou de falar, pois o telefone foi tirado da sua
mão bruscamente.
— Onde está meu dinheiro, Helena?!
— Estão convertidos em bitcoins na deep web. Onde vocês
estão?
— Eu quero meu dinheiro de volta em duas horas ou as
consequências serão graves!
— E quais seriam essas consequências? Você não pode me
atingir, Patrício, a única coisa que tinha a perder você já levou para
longe de mim que é Daniela. Eu não tenho nada a perder. Já você
tem bastante.
— Eu quero que pare com a sangria!
— Eu paro. Me entregue Daniela e paro agora o meu avanço.
— Você nunca mais chegará perto da minha filha outra vez! Já
que estamos num momento de sinceridade serei claro: você não é
nada para mim, não passou de uma funcionária, muito boa por sinal,
como seu pai foi, mas como ele, você também é descartável. Eu vou
te matar, Helena!
— Pra isso você terá que me encontrar primeiro. Mantemos
como está. Quando quiser fazer um acordo, basta me ligar.
— Helena! Toma cuidado... – Daniela gritou para ser ouvida.
A jovem não terminou de falar, pois Patrício desligou a ligação e
a empurrou de volta a cama, antes de sair batendo a porta com
fúria. Daniela se encolheu na cama, abraçando o travesseiro e
torcendo para que Helena conseguisse sair ilesa de tudo aquilo.

Helena voltou a guardar o telefone no bolso e suspirou fundo,


passando as mãos nos cabelos. Voltou para o lugar onde Joanna e
Cléber aguardavam o voo. Já haviam despachado a pequena mala
com suas poucas coisas pessoais e o embarque seria liberado em
vinte minutos.
— Conseguiu falar com Daniela?
— Sim, ela está bem, não se preocupe. Assim que estiver com
ela, eu lhe aviso.
— Espero que tudo isso termine bem. Se cuida, tá bom?
— Eu vou me cuidar, pode deixar. É melhor já entrar para a área
de embarque. Nós temos que ir agora.
Joanna se despediu de Helena com um afetuoso abraço e uma
lágrima solitária escorrendo pelo rosto. Pela primeira vez, em trinta
anos, se despedia dela sem ter certeza de que voltaria a vê-la
novamente. Era um adeus de mãe para filha, pois era assim que via
Helena: como sua menina.
Depois que Joanna sumiu dentro da área de embarque, Helena
suspirou fundo e tomou a direção do estacionamento. O relógio já
marcava quatro horas da tarde e o encontro com Theodoro era
somente às dez da noite. Precisava tomar um banho, comer algo de
forma descente e conseguiria isso somente do seu apartamento.
— Vamos para minha casa – determinou ao dar partida no
veículo.
— Já tem um plano para entrar lá também?
— Sim. Com toda a certeza os seguranças de lá já sabem que
tomei a casa. Se forem bastante espertos não vão bancar os
salvadores da pátria.
— Veremos. O que planeja fazer?
— Torná-los meus aliados.
Helena parou em uma rua próxima do prédio e seguiu a pé com
Cleber ao seu lado. De longe identificou os seguranças à paisana.
Olhou para os prédios ao redor, buscando uma melhor forma de
fazer com que seu plano funcionasse. Com a estratégia toda na
cabeça, pediu que Cléber levasse o telefone até eles enquanto
entrava no prédio. Montou o rifle de longo alcance em um minuto e o
apoiou no parapeito do telhado. Ficou observando, através da mira,
Cléber se aproximar e discou para o numero assim que o segurança
recebeu o aparelho.
— Eu sei que está me esperando, Cláudio – disse com controle
absoluto do tom de voz calmo. – Sei também que já sabe que tomei
a casa. Minha pergunta é: você quer tentar a sorte como meu
inimigo ou podemos resolver tudo de uma forma mais pacifica?
— Seu pai nos passou ordens, Helena.
— Eu estou tomando a organização. Nesse momento Patrício
não possui dinheiro ou parceiros para ficar ao lado dele. Eu estou
trazendo esses aliados para o meu lado. O seu lado é perdedor e,
mais ainda, porque você está sob a mira de um rifle.
— Um blefe.
Helena deu um suspiro e mirou no muro atrás do segurança,
disparando um tiro.
— Acha que isso é blefe? Se alguém se mexer eu atiro para
matar.
O segurança praguejou ao tirar o telefone da orelha. Helena
sorriu ao ver ele pegar uma arma da cintura e entregar para Cléber.
— A arma do coldre atrás e a arma da perna também, por favor.
E chame os outros. Eu vou me reunir a vocês, mas Henrique
permanece com vocês na mira. Não façam nada estupido.
Outra vez o segurança fez o ordenado e Helena viu o trio se
reunir junto a Cléber. As armas foram depositadas em uma bolsa e
esperaram, sob a mira da arma que discretamente Cléber apontava
a eles. Desmontou o rifle e tornou a guardá-lo, antes de tomar a
direção das escadas de incêndio. Em minutos se reuniu ao grupo.
— Vamos para o meu apartamento – disse somente.
A entrada no prédio foi liberada por um tenso porteiro. Ele já
havia notado os homens rodando o prédio e ver Helena Millar se
juntando a eles, era um problema. Achou que poderia ser alguma
estratégia para assaltar o prédio, mas com a morena junto a eles,
sabia que a coisa era bem pior. Um Millar não perderia tempo
assaltando apartamentos, mas poderia formar um QG ali e não era
nada bom para os outros moradores: todos estavam em risco.
Helena entrou no apartamento e apontou o sofá para os três
seguranças. Com a arma em punho, puxou uma cadeira para a
frente deles.
— Eu sei que Patrício passou ordens de me eliminar, porém
antes de fazer uma proposta a vocês, quero que saibam da verdade
e do porquê que estou tomando posse do controle da organização.
Eu não quero mais mortes desnecessárias, mas se for preciso, não
hesitarei em puxar o gatilho.
— O que está acontecendo, Helena? – Cláudio foi direto.
— Ele me mandou matar Henrique. Todos vocês o conhecem,
eram parceiros de trabalho, até então, até ele se tornar o segurança
de Rose.
— Ele tem um relacionamento com ela, não é?
— Tem. E não é de hoje. Tem anos que eles se encontram e se
separam. Trinta no total.
— Você é filha de Henrique?
— Não. Sou filha de Nolan. Ele era chefe de segurança da
organização.
— Já ouvi falar dele. Patrício eliminou porque ele deixou a
organização. Corre rumores também que Patrício era apaixonado
pela mulher dele – disse outro segurança.
— Eu acredito que Patrício não matou Nolan, meu pai, só porque
ele saiu da organização. Vários já saíram. O problema foi que com
ele saindo, ficaria longe de Stella, minha mãe. Isso é apenas uma
suposição – explicou Helena. – Mas o que quero falar a vocês, e
aqui é minha proposta, é que eu estou tomando a organização.
Patrício massacrou meus pais, me criou como filha dele me
transformando em uma funcionária que ele tinha a disposição vinte
e quatro horas. Eu já tomei a casa, já bloqueei os recursos
financeiros dele e essa noite tenho uma reunião com Theodoro
Latorel para firmar uma parceria. Meu próximo ponto de tomada
será o escritório e depois as bases do contrabando, que são o porto
e a fronteira. A minha proposta é simples: vocês continuam
trabalhando na organização, agora sob meu comando ou podem se
juntar a Patrício. Mas já fiquem cientes: Patrício é o lado perdedor.
— E o que você pode nos oferecer contra Patrício?
— Primeiro, a vida de vocês. Já é uma boa barganha. Segundo,
vocês me conhecem a bastante tempo. Cláudio tem seis anos na
organização, Pedro tem sete, Hector tem quatro anos. Vocês já me
viram não cumprir minha função? – os seguranças balançaram a
cabeça negativamente. – Vocês estavam comigo na última ação,
que foi a tomada da fronteira, do controle de Victor. Minhas ações já
dizem o quanto sou empenhada quando tenho um trabalho a fazer.
Somem a isso o desejo de vingança. Eu vou reduzir o império de
Patrício ao pó.
— Acho que não nos sobra muita opção, não é?
— Há uma terceira opção: vocês vão embora sem interferir em
nada do que vou fazer. E se eu tornar a vê-los, atirarei para matar.
— Eu tenho uma filha pequena – falou Pedro. – Se eu puder ter
a opção de sair agora, eu prefiro sair.
— Tudo bem – consentiu Helena. – Obrigada pelos seus
serviços. Deixe o número da sua conta anotado aqui. Vou transferir
um pagamento com base no tempo em que trabalhou para a
organização.
— Eu vou ficar do seu lado, Helena – se pronunciou Hector. –
Tenho certeza que a organização vai crescer com você no comando.

— Cláudio?
— Eu não sei, Helena. Isso será um derramamento de sangue.
Não vou atirar contra meus colegas.
Helena apenas olhou para Cléber, dando ombros.
— A opção de sair ainda está em aberto.
— Eu vou sair.
— Ok. Bem-vindo, Hector.
Helena observou os dois seguranças saírem do apartamento,
ainda com a arma em punho. Somente quando ficou a sós com
Cléber e Hector, é que voltou a falar.
— Por que resolveu permanecer, Hector?
— Acredito mais no seu potencial para destruir a organização do
que em Patrício para conseguir te pegar. Eu sei o tanto que é
treinada, seu conhecimento dentro, até porque era você que cuidava
da maior parte dos negócios. Seria burrice minha ir contra você.
— Está certo. Esse é Cléber, ele está conosco nessa.
Helena observou os homens trocarem um aperto de mão e
novamente se sentaram, para discutir o que seria feito naquela
noite. Depois do encontro com Theodoro, e de acordo com seus
desdobramentos, iria tomar posse dos armazéns de mercadorias. O
passo seguinte era a tomada da fronteira.
Depois de acertado o que fariam, foi para o quarto, não antes de
pedir a Cléber que ficasse de olho em Hector. Por mais que ele
tivesse demonstrado boa vontade, ainda assim era muito recente
sua mudança de lado. Naquele ponto, todo cuidado era pouco.
Pediram comida e depois da refeição, saíram ao encontro de
Theodoro. O lugar marcado por ele era um prédio abandonado na
zona industrial da cidade. Assim que se aproximaram, já notou a
quantidade de homens armados ao redor e atiradores no andar
superior. Cléber que expressou sua preocupação primeiro.
— É uma emboscada.
— Não é – respondeu Helena analisando as posições. – Eles
que estavam esperando uma emboscada de nossa parte. Eu vou
descer e falar com Theodoro. Permaneçam aqui. O carro é blindado.
Cléber assentiu e assistiu Helena descer. A morena levantou as
mãos para os homens que lhe apontavam armas e ergueu a camisa,
mostrando que não estava armada. Um dos seguranças de
Theodoro se aproximou, escoltando-a até o carro parado mais à
frente. A porta foi aberta e ela convidada a entrar. Se sentou ao lado
de Theodoro, analisando, rapidamente, o segurança no banco da
frente, apontando uma arma na sua direção.
— Me perdoe a precaução, mas nunca confiei cem por cento em
Patrício. Sei também que você pode me matar sem nem tocar em
uma arma de fogo – disse Theodoro com um sorriso.
— Conheço minhas habilidades, mas lhe asseguro que nesse
momento meu interesse é ter você como um parceiro de negócios e
não como um inimigo.
— Fiquei sabendo que colocou fogo na casa do Millar. Está
disposta mesmo a acabar com ele?
— Sim. Patrício passou muito tempo me enganando, fui criada
como filha dele quando na verdade meus pais foram mortos por ele.
— E o que mais aconteceu? Você não faria tudo isso por causa
de uma vingança que poderia ser resolvida com um simples tiro na
cabeça dele enquanto dormia. O que mais tem por trás?
— Rose estava com um dos seguranças, são amantes. Patrício
descobriu isso e me mandou matá-lo. Ele que me disse o nome do
meu verdadeiro pai. Porém já sabia que Patrício não era meu pai.
— Como desconfiou?
— Estou namorando com Daniela.
— Sua irmã? – perguntou Theodoro, desconfiado. – Tua irmã,
Helena?
— Não vou discutir moralidade. O que importa é que foi por
causa do que sentimos que Daniela começou a desconfiar. Fizemos
um teste de DNA, mas descobri que Patrício interferiu para dar
positivo. Antes que fizesse outro, Rose inventou de fugir com
Henrique, Patrício os pegou, o resto já sabe.
— Você tava comendo sua irmã?!
— Ela não é minha irmã, Theodoro, e só fiquei com Daniela
porque o que sentimos foi mais forte que meu senso de que ela
poderia ser minha irmã. E nem tivemos convivência na infância
também, passamos anos longe uma da outra, eu na Europa, ela nos
Estados Unidos. Enfim, o que importa é que por causa disso é que
fomos confirmar se éramos mesmo irmãs. Falei para Rose que
estava fazendo os testes, disse que estava colocando Daniela na
minha lista de compatibilidade clínica, ela se apavorou porque
Patrício também já sabia, pois o resultado deu positivo e seria
impossível, resolveu fugir com Henrique, o que nos traz ao momento
atual. Eu destruindo a organização.
— Daniela está com Patrício?
— Sim. Ele pode usá-la para me atingir.
— Entendi. Uma bela reviravolta para Patrício. Sua arma de
guerra, como ele já se referiu a você, se virando contra ele – sorriu
Theodoro. – Como posso ter certeza que não vai me passar a perna
quando tiver o controle da organização?
— Seus homens estarão comigo. Basta uma ordem sua e eles
me matam.
— Como posso fazer isso agora, não é?
— É uma opção. Patrício fica livre e você continua atuando por
fora, dentro das áreas que ele permitir. Eu estou lhe propondo um
controle total.
— Está certo. Do que precisa, Helena?
— Cinco homens direto comigo. Amanhã à noite precisarei de
um grupo maior, vinte exatamente, para tomarmos o controle da
fronteira.
— Me mande notícias. Estarei em meu escritório com uma taça
de champanhe. Os rapazes irão lhe acompanhar.
— Te mantenho informado.
Helena se despediu de Theodoro e saiu do carro. O segurança
que estava na frente também desceu e acenou para o grupo que
estava no alto para descer. A morena foi até o veículo onde Cléber
esperava com Hector e em pouco tempo, um grupo de cinco
homens se apresentaram. A morena os cumprimentou rapidamente,
antes de embarcar no carro e sair, seguida pelo outro veículo.
O primeiro passo foi voltar para o apartamento, onde explicou
exatamente o que fariam para tomar posse do escritório. Assim
como a casa, Helena conhecia cada metro quadrado do prédio e
com a planta gravada na mente, passou as entradas por onde
fariam a incursão. A ordem de tiro era somente para revidar. Iria dar
a todos a chance de sair com vida ou se aliar a ela.
Eram duas da manhã quando o grupo chegou no prédio onde
funcionava a operação dos Millar. Helena ficou em alerta ao ver
todos os seguranças na rua.
— O que está acontecendo? – perguntou Cléber ao seu lado.
— Eles já sabem da tomada. Pedro ou Cláudio deve ter falado a
eles.
— Uma rendição?
— Vamos descobrir.
Helena pediu que Hector lhe entregasse o colete a prova de
balas que carregava no banco detrás. Depois de vesti-lo, carregou
uma submetralhadora e saiu, acompanhada de Cléber, para a rua
ainda usando o veículo como escudo. Acenou para o carro com os
outros homens para aguardar. Um dos homens de Patrício, do outro
lado da rua, ergueu as mãos, mostrando que não estava armado.
Helena gesticulou para que ele se aproximasse, ainda o mantendo
na mira.
— Nós já sabemos o que está acontecendo. Não vamos lhe
impedir de entrar no prédio.
— E porque fariam isso?
— Não vamos ficar contra você. Antes de ir, Patrício passou aqui
com sua irmã, disse que precisava ir porque você iria atrás dele.
— Ele disse para onde iria?
— Não. Saiu acompanhado de seis seguranças. Provavelmente
para a fazenda.
— Daniela me disse que viajaram por quatro horas, não é o
tempo de chegar à fazenda – respondeu pensativa. – Recolha as
armas de todos.
O segurança obedeceu a ordem e passou recolhendo o
armamento dos outros quatro colegas. Cléber se aproximou para
pegá-las e, somente quando percebeu que estavam realmente se
rendendo, é que tirou os homens de mira. Acenou para que os
outros seguranças se juntassem a ela.
— Vamos subir.
Helena subiu para o escritório acompanhada dos doze homens.
Ao entrar na sala, notou o cofre aberto e vazio, assim como gavetas
remexidas. Olhou para o grupo que aguardava suas ordens e deu a
volta na mesa analisando o que aquilo significava. Sentou na
cadeira, antes ocupada por Patrício, com a consciência de que tinha
tomado o lugar para o qual fora tanto treinada.
— Nós vamos alinhar algumas coisas. Vamos tomar os
armazéns de mercadorias pela manhã e, na parte da tarde,
viajaremos para a fronteira. Vamos tomar o comando de lá.
Capítulo 23
Helena passou as três horas seguintes conversando com os
homens, explicando o que fariam para tomar os armazéns de
contrabando naquela manhã. Ela própria havia aprovado a
segurança do lugar e sabia que não seria tão fácil atacá-los, como
também sabia que Patrício deveria ter reforçado todas as suas
defesas com o seu avanço. Depois de tudo alinhado, seguiram para
buscar o armamento que precisariam, pois não iriam ter sucesso
apenas portando automáticas com vinte tiros.
O local onde os Millar guardavam o arsenal era uma casa que
parecia comum aos olhos de pessoas que não tinham conhecimento
do que se passava ali. A propriedade, classe média, estava
localizada em um bairro comum, e possuía dois andares, uma
grande garagem e vasos com plantas ornamentando a entrada.
Helena observou, de longe, a casa silenciosa. Dentro deveria ter
dois homens fazendo a proteção, com ordem de evacuar caso a
polícia ou um grupo rival se aproximasse do lugar. Pegou o celular e
discou para o segurança responsável do local.
— Lucas, Helena.
— Pois não, senhora.
— Preciso pegar algumas coisas aí. Está tudo tranquilo na
redondeza?
— Está sim. Já quer que separe algo?
— Não precisa. Vou montar um presente com alguns venenos.
Quero a sala livre.
— Sim senhora.
Helena desligou o telefone e ficou rodando-o na mão. Estava
fácil demais. Era obvio que àquela altura qualquer um dentro da
organização já sabia dos ataques que estava orquestrando contra
Patrício.
— Me dá essa mochila – pediu para Hector, acomodado no
banco detrás.
Ao receber a mochila, Helena a apoiou nas pernas e abriu para
tirar duas facas, acomodando-as no antebraço, por dentro da manga
do casaco.
— Algum problema, Helena? – perguntou Cléber, diante do seu
silêncio.
— Está fácil demais.
— O que vamos fazer?
— Vamos entrar no jogo deles. Coloque o colete por baixo da
camisa. Me dê cobertura. Certamente irão tentar me pegar viva para
entregar para Patrício. Vou entrar demonstrando uma leve boa fé.
— É arriscado. Já podem atirar de longe.
— Então é bom ficar atento.
Cléber deu ombros, balançando a cabeça em sentido negativo.
Rapidamente colocou o colete enquanto Helena ligava para os
outros seguranças, pedindo para esperar.
A dupla desceu do carro depois de alguns minutos. Caminharam,
atentos, até o portão e Helena o abriu, entrando na garagem. De
imediato viu o segurança aparecendo na porta, aparentemente
solicito. A morena manteve a desculpa para sua presença, entrando
na casa. Assim que atravessaram a soleira, Helena sentiu o
segundo segurança prendendo-a pelo pescoço em um gesto rápido,
enquanto o primeiro atirava contra Cléber, na altura do peito, que
caiu de bruços.
— O senhor Millar está esperando por você, Helena.
— Onde? – perguntou segurando o braço, que apertava seu
pescoço, com as duas mãos.
— Ele virá buscá-la – informou Lucas.
— Vocês não sabem onde ele está, não é? – concluiu com um
suspiro.
— Não precisa ter pressa.
Helena olhou para Cléber, ainda no chão e para o segurança que
se aproximava dele. Abaixou os braços e puxou as facas da manga,
cravando nas duas pernas do homem que a segurava. Cléber se
virou com o grito de dor do segurança e, aproveitando o momento
de distração, atirou contra o outro. Helena se afastou, assistindo
Cléber se levantar.
— Está tudo bem?
— Tudo tranquilo.
Helena balançou a cabeça em sentido positivo, antes de se virar
para Lucas, que segurava ambas as pernas.
— Agora nós, Lucas – falou se abaixando na sua frente. –
Cléber, vá chamar os rapazes. Vamos levar todo o armamento e
munição. Estão no chão da cozinha e do quarto. Temos que ser
rápidos. Alguém pode ter chamado a polícia por causa do disparo
que deu.
Cléber concordou com um aceno e logo saiu para o portão,
acenando para que os outros entrassem. Ao passar pela sala, ainda
enxergou Helena retirando a faca, cravada no peito de Lucas. A
morena pegou o celular e discou para Patrício.
— Oi Patrício.
— Resolveu acabar com sua insignificante guerrinha, Helena?
— Depende. Me entregue Daniela e eu paro.
— Nunca pensei que fosse tão demente! Pra que me ligou?
— Pra dizer que tomei posse do principal arsenal da família. Meu
próximo passo é o Armazém do distrito industrial. Tem mais duas
horas, caso queira mudar de ideia.
Helena desligou o telefone e olhou para os homens que
carregava grandes bolsas para fora. A partir daquele momento,
todos os avanços seriam confrontos diretos.
Patrício desligou o telefone e olhou para Javier ao seu lado e
seus seguranças particulares. Batucou os dedos na madeira da
mesa por alguns segundos antes de pegar o celular novamente.
— Carlos, preciso de um favor. Quero homens fazendo a
segurança dos armazéns. Mande quantos precisar. Qualquer coisa
que se aproximar, pode atirar para matar.
— Você vai mesmo matar Helena? – perguntou Daniela, que
havia escutado a conversa ao lado da porta.
— O que você acha? Quando eu pegar aquela filha da puta vou
fatiar ela inteira listando todos os motivos que tenho para fazer isso,
começando por ter tocado você!
Daniela saiu da sala, observando o segurança na porta da frente.
Sabia que em cada local ali tinha um, garantindo que não sairia de
forma alguma. Voltou para o quarto e abriu a janela, olhando para o
quintal e mais seguranças em todos os cantos. Precisava, de
qualquer forma, falar com Helena.
Helena voltou para o carro e embarcou para rapidamente saírem
dali. Seguiram para o escritório, onde deu um tempo de três horas
para que os homens descansassem, antes de partirem para o
próximo ataque. Voltou a ocupar a sala principal e pegou um papel,
começando a desenhar, de lembrança, o lugar onde fariam a
incursão naquela noite. Sua atenção foi desviada do plano que
traçava quando Cléber bateu na porta.
— O que foi?
— Sua secretária está aqui. Disse que quer falar com você.
— Reviste ela e deixe entrar.
Cléber consentiu com um aceno e poucos minutos depois,
Simoni entrava em sua sala.
— Oi Simoni, como posso te ajudar?
— Está correndo rumores que está tomando conta do escritório
agora. Vim lhe dizer que se precisar dos meus serviços, estou à sua
disposição.
— Por que faria isso? – perguntou, desconfiada.
— Porque seu pai sempre foi um grande filho da puta com todas
nós aqui. Sempre com assédios morais e sexuais. Se está disposta
a acabar com ele, eu terei imenso prazer em lhe ajudar.
— É perigoso. Estou derrubando todas as bases de Patrício e,
quando ele vier para cima, vai matar qualquer um tenha me
ajudado. Não quero deixar chegar nesse ponto, porém tenho que
contar com tudo o que pode acontecer.
— Eu sei bem quem é Patrício. Eu tenho todos os arquivos que
ele mandou Giovanna guardar. Ela me fez prometer que manteria
em segredo.
— Onde ela está agora?
— Escondida. Não vou lhe falar o local, eu prometi a ela que
nunca lhe falaria, dado o relacionamento que ela mantinha com seu
pai, mas posso lhe entregar essas documentações desde que
garanta que ela não sofrerá nenhuma represália sua.
— Não tenho interesse em Giovanna. O que quero é acabar com
o império Millar.
— Eles estão em um guarda-volumes em um aeroporto.
— Que aeroporto?
— Giovanna não sofrerá nada com isso?
— Lhe garanto que não. Por minha causa ela não precisa nem
se esconder. O único que quero atingir é Patrício.
— Armário vinte e cinco no aeroporto internacional – respondeu
a secretária ao jogar a chave na mesa. – O que eu faço agora?

— Você vai comigo e um segurança buscar essas


documentações. De acordo com o que tiver neles, lhe passo novas
orientações.
— Tudo bem.
Helena chamou Cléber e o incumbiu da segurança do escritório
enquanto estivesse fora. Hector iria acompanhá-la para qualquer
eventualidade.
O caminho até o aeroporto mencionado levou uma hora. Helena
parou o carro na entrada do embarque e pediu que Hector tomasse
a direção, circulando no estacionamento para que já estivesse a
postos no momento em que retornasse. Entrou rapidamente com
Simoni, se garantindo com a segurança do local. Nenhum dos
homens de Patrício atacaria ali dentro, com a segurança reforçada e
agentes da polícia federal. Andou até o guarda-volumes e Simoni
pegou uma mochila. Colocou-a nos ombros e novamente tomou a
direção da saída. Parou ao ver Alexandre indo em sua direção.
Segurou Simoni pelo braço e andou até um segurança, perguntando
onde ficava o posto da polícia federal. Observou, pela visão
periférica, o homem parar em um quiosque de doces. Agradeceu ao
segurança e novamente pegou o braço de Simoni, puxando-a para o
banheiro feminino, a frente. Assim que entraram, tirou a arma do
coldre, preso na cintura por debaixo do casaco e colocou um
silenciador. Abriu meia porta do banheiro e enxergou Alexandre no
mesmo lugar.
— Preciso que abra a porta totalmente para mim e se abaixe em
seguida – pediu para Simoni.
A secretária concordou e com um sinal de Helena abriu a porta,
se jogando no chão em seguida. Helena teve o tempo de segundos
para determinar seu alvo e atirar contra. Rapidamente tornou a
guardar a arma sob o casaco e levantou Simoni, arrastando-a para
fora, desviando da gritaria e confusão que se formava no quiosque
de doces. Na porta de saída, Hector já enxergou as duas e
rapidamente embarcaram.
De volta ao escritório, se debruçou sobre todas as
documentações que Giovanna guardava. Alguns estavam em pen-
drive e conectou no computador, procurando brechas e meios de
desestabilizar ainda mais Patrício. Uma relação de nomes e
telefones lhe chamou a atenção.
— Quero que entre em contato com essas pessoas – pediu para
Simoni. – Marque uma reunião em meu nome para amanhã à noite.
— Está certo. O que vai fazer agora?
— Tomar a fronteira – respondeu ao pegar o celular e discar para
Theodoro. – Oi Theodoro, Helena. Preciso dos homens para o
ataque hoje à noite. Preciso também de um avião, se não for pedir
muito.
— Não íamos pegar os armazéns? – questionou Cléber que
escutava a conversa em um canto.
— Mudança de planos. Mandei os homens de Patrício para lá,
uma distração apenas.
— A fronteira está mais vulnerável – sorriu o moreno.
— É o que espero.
Fabrício estava cansado. Havia tido um intenso dia ao cuidar de
uma apreensão de mercadorias pela polícia federal e ainda tinha ido
na casa de Vivian, já que Peter havia proibido a filha de sair de casa
por causa do ataque que Helena estava promovendo contra a
organização. Já tinha dito que aquilo não chegaria até eles na
fronteira, visto que o interesse dela era Patrício, mas para não
contrariar o sogro, seguiria suas ordens até que já estivessem
seguros novamente.
A cidade estava tranquila, por conta do horário. Já se passava
de uma hora da manhã e, diferente da capital, ali tudo fechava cedo.
Parou o carro na entrada do prédio e esperou o portão ser aberto.
Guiou para a vaga na garagem e estacionou, recolhendo sua bolsa
no banco traseiro em seguida.
— Oi Fabrício – cumprimentou Helena ao parar na porta do
motorista.
O rapaz de assustou. Olhou ao redor e enxergou outros cinco
homens rodeando o carro. Apenas levantou as mãos e indicou a
maçaneta, no qual a morena concordou com um aceno de cabeça.
— Helena eu não tenho nada a ver com o que Patrício tenha
feito pra você. Não sei o que aconteceu exatamente, mas...
— Eu sei, eu sei – Helena amenizou. – Não vim fazer nada com
você. Eu sei exatamente que não tem nada a ver com isso, visto
que nem tem idade para saber dos detalhes do passado que me
fizeram tomar essa atitude agora.
— O que está acontecendo, Helena?
— Estou com um problema com Daniela. Patrício tem mantido
ela sob proteção.
— O que aconteceu com ela?
— Estamos juntas.
— Juntas... Juntas, namoradas?
— Sim.
— Puta merda! Por isso que Patrício está pistola! Ela é sua irmã!
— Não, não é. Essa é a parte que desconhece. Nem filha de
Patrício eu sou.
— Não?
— Não. Vamos para o seu apartamento. O restante dos homens
está esperando por nós lá. Eu vou tomar o controle da fronteira
novamente. Da mesma forma como fizemos com Victor.
Fabrício concordou com a cabeça e iria fazer uma pergunta, mas
Helena saiu na frente, andando até o elevador. Seguiu-a em silêncio
e ao chegarem no apartamento, enxergou a quantidade de homens
dentro de sua sala. Por cima contou doze.
— O que pretende fazer, Helena? – perguntou ainda perdido.
— Já lhe disse, vou tomar o controle da fronteira – respondeu
indo até a mesa para pegar um pedaço de pizza. – Só que antes
quero lhe dar opções: primeiro, você fica contra mim e serei
obrigada a lhe matar. Segundo, você fica do meu lado e passamos a
trabalhar juntos. Terceiro, você pode sair. Não farei represálias
contra quem quiser deixar a organização nesse momento. O único
que não possui opções é Patrício.
— E o que lhe assegura que esses homens que estão saindo
“pacificamente,” – fez o gesto de aspas com os dedos – não estão
indo falar a Patrício o que está fazendo?
— Eles podem até ir, vão morrer do mesmo jeito – Helena deu
ombros. – Aí não terão mais opções. A oferta é única.
— O que vai acontecer com a organização depois?
— Eu farei uma nova organização. Novos moldes de atuação,
novos parceiros. A parte de jogos ficará com Theodoro, que está
sendo um grande aliado no momento.
— Me conta essa história de não ser filha de Patrício. E como
começou a namorar Daniela?
— Depois. Primeiro eu quero saber sua resposta. Eu vou atacar
as bases às três e meia da manhã. Quero que me diga a quantidade
de homens que vamos enfrentar, suas posições, casas de pessoas
envolvidas e que não estão trabalhando no momento. Você tem uma
hora e meia para me deixar a par de tudo. Trate de não se esquecer
de nenhum detalhe.

O telefone tocou, insistentemente, despertando a mulher


levemente. Ainda num estado transitório de meio acordada e
dormindo, ela esticou a mão e pegou o celular, guiando-o até o rumo
dos olhos, para descobrir que não era o seu. O deixou de lado e
tornou a fechar os olhos, ao mesmo tempo em que cutucava o
homem ao seu lado.
— Atende essa merda, Peter! – resmungou.
Peter acordou de supetão, assustado com o cutucão e o barulho
do celular. Sentou-se na cama e pegou o celular, indicando uma
ligação de um dos seus funcionários.
— Alô.
— Estamos sob ataque! – a voz falou, em tom abafado, do outro
lado. – Helena e mais um monte de caras tomaram posse do
escritório.
— Helena está aqui?! – perguntou completamente em alerta.
— Vários caras já foram abatidos. Não...
O som de uma arma de fogo sendo disparada interrompeu a
ligação.
— Toledo! Toledo!
— Oi Peter – Helena tomou a ligação. – Provavelmente seu
funcionário já lhe disse que estou no escritório, não é?
— O que você está fazendo, Helena?
— Assumindo o controle. Eu tenho uma pergunta: eu tenho que
ir te buscar ou você vem até mim?
— Eu não sei o que está acontecendo, mas você está
completamente descontrolada.
— Você sabe o que está acontecendo. Você sabe muito bem o
que aconteceu no passado com meu pai.
— Patrício não lhe fez nada que merecesse esse tipo de
retaliação!
— Meu verdadeiro pai. Nolan.
Peter suspirou fundo com a menção do nome. Se Helena já
sabia a verdade, tinha certeza que sua sentença de morte também
estava assinada.
— Bom, seu silêncio já me responde algumas coisas – Helena
continuou. – Quero saber: você vem até mim, ou tenho que ir lhe
buscar?
— Eu vou até você.
— Estou te esperando.
Helena desligou o telefone e olhou para Fabrício e Cléber ao seu
lado.
— Ele vai fugir – previu Cléber.
— Muito provável. Peter sempre foi um covarde, se escondendo
na sombra de Patrício – suspirou olhando ao redor e enxergando os
corpos no chão. – Precisamos de uma equipe de limpeza.
— Vou providenciar – se prontificou Cléber, já saindo da sala.
— E você, Fabrício? – quis saber Helena. – O que vai fazer?
— Quero me desvincular. Já lhe passei tudo o que queria, então
se eu tiver a chance de ir embora, prefiro. Com essa tomada
Patrício vai vim pra cima com tudo. Não quero estar no meio disso.
— Sugiro que saia do país. Encontre Vivian e vão viver em
algum lugar por aí. O dinheiro que tem acesso aqui é seu.
— Mesmo?
— Mesmo. Inclusive se tiver algum cofre por aqui, já pode fazer
a limpeza. Só deixe as documentações. Isso é importante para mim.
— Está certo.
Helena ficou observando o jovem se afastar e foi até a janela,
olhar para a cidade que começava a clarear com o amanhecer.
Pegou o celular do bolso da calça e abriu a galeria de fotos,
enxergando algumas fotos de Daniela. Abriu uma que haviam tirado
no último final de semana passado juntas e ficou contemplando seu
sorriso para a câmera. Acariciou a tela lentamente em meio a um
longo suspiro.
— Eu vou te encontrar, linda. Logo tudo isso acaba – sussurrou.
Capítulo 24
Daniela esperou até a madrugada para colocar seu plano em
ação. Saiu do quarto, em silêncio, olhando ao redor atentamente.
Seguiu na ponta dos pés até a sala, mas parou, decepcionada, por
ver um segurança já em alerta. Com um suspiro profundo, foi até a
cozinha, onde se serviu de um copo de água.
— Deseja alguma coisa, Daniela? – perguntou Paloma, mulher
que estava responsável pela casa.
— Vim apenas pegar um copo de água.
— No seu quarto tem.
— Preferi vim aqui, assim já estico um pouco as pernas. Meu pai
está dormindo?
— Sim, senhora.
— Obrigada Paloma.
Daniela bebeu, vagarosamente, a água sob o olhar de Paloma.
Deixou o copo sobre a mesa e foi até a geladeira, olhando para
dentro, apenas para ganhar tempo.
— Se quiser alguma coisa, eu preparo...
— Você está me vigiando? – perguntou a jovem já perdendo a
paciência. – Pode ir deitar, se precisar de algo, eu mesma preparo.
— Sim, senhora.
Daniela observou a saída da mulher, antes de se desencostar da
pia e sair em direção aos fundos da casa. Não conhecia o local, mas
já tinha percebido que se tratava de uma propriedade perto de uma
floresta. Possivelmente alguma chácara que Helena não conhecia.
Assim como ela, era possível que o pai também tivesse um local
que ninguém desconfiava, nem mesmo Helena.
Nos fundos da casa encontrou uma vasta área e apenas um
segurança cuidava dali e logo entendeu o porquê: a vegetação era
densa e a vizinhança mais próxima deveria estar a quilômetros de
distância. Retornou para dentro da casa e, ao passar pela cozinha,
enxergou Paloma de costas para a porta, enquanto mexia em
alguma coisa em cima da pia. Seus olhos foram desviados
automaticamente para o celular repousado, displicente, sobre a
mesa. A jovem não titubeou em pegá-lo e sair correndo para o
corredor. Logo percebeu que Paloma estava atrás dela e desviou o
caminho para um corredor lateral. Não foi muito longe, antes de ser
interceptada por um segurança.
— Me solta! – vociferou enquanto tentava se soltar do homem
que havia enlaçado sua cintura. – Me solta! Eu...
— Me dá meu celular, Daniela – pediu Paloma parando na sua
frente.
— Eu só quero fazer uma ligação! Meu pai não precisa saber...
— O que eu não preciso saber, Daniela? – perguntou Patrício se
aproximando dos três. Havia acordado com sua movimentação.

— Você não pode me manter prisioneira aqui, pai! Sem nem ao


menos poder fazer uma mísera ligação!
— Quer ligar para quem? Me diga e eu te dou meu telefone para
isso – respondeu Patrício ao estender o celular na sua direção. –
Pode soltar ela.
Daniela foi solta pelo segurança, ainda encarando Patrício. Se
alguém, no passado, lhe dissesse que seu pai seria capaz de fazer
algo contra ela, riria dessa pessoa, mas vendo com seus próprios
olhos, soube que o pai seria capaz de passar por cima de qualquer
um para alcançar o queria. E o que ele queria naquele momento era
Helena. Jamais poderia colocá-la em risco.
— Quero falar com a mãe – respondeu, por fim. – Quero saber
se ela está bem.
— Ela está bem. Helena descumpriu minha ordem de matá-la.
— Você é um monstro! Se algo acontecer com minha mãe eu
nunca vou lhe perdoar, ouviu?! Nunca! – gritou, enraivecida.
Daniela saiu pisando firme em direção ao quarto. Antes que
pudesse entrar, escutou o celular do pai tocando e se escondeu
para escutar a ligação e saber se era alguma notícia de Helena.
Abriu um sorriso quando escutou a voz alterada de Patrício falando
com seu tio Peter. Pelo que conseguiu escutar, deduziu que Helena
havia tomado a fronteira. Voltou para a sala a tempo de ver Patrício
jogando o celular no sofá, com raiva.
— O que Helena fez? – perguntou, apenas para ter certeza.
— Assinou sua sentença de morte, foi isso que ela fez! –
respondeu Patrício, completamente transtornado.
— Parece que ela está bem disposta a acabar com você. É
melhor começar a se proteger.
— Você tem razão – disse encarando a filha. – Está na hora de
começar a me proteger, mas principalmente, está na hora de
começar a atacar. Vai para o seu quarto.
— Pai, não...
— Agora, Daniela! – explodiu, furioso.
Daniela deu meia volta e seguiu para o quarto, resignada. Sabia
que se tentasse qualquer coisa, do jeito que o pai estava,
possivelmente seria até agredida. A única coisa que poderia fazer
naquele momento era torcer para que Helena conseguisse fazer
tudo o que pretendia, sem sair ferida.

Helena olhou para o aparelho que acendeu a tela ao receber


uma mensagem. Abriu para conferir uma mensagem de Patrício.
“Eu vou pegar a fronteira de volta e tudo o que tirou de mim. É
bom que comece a se esconder, porque estou indo pra cima de
você”.
A morena suprimiu a vontade de dar um riso para o aparelho ao
ler a mensagem de Patrício. Em seu íntimo, desejava ter visto a
cara de Patrício quando soube que havia pegado a fronteira. Optou
por não responder: ao invés disso, conferiu a hora no relógio de
pulso, calculando, mentalmente o fuso horário para Pequim. Lá já
era cinco horas da tarde. Procurou na agenda o número de Chang.
— Olá Chang, Helena Millar – se apresentou em mandarim. –
Quero te dar um presente.
— O que está acontecendo, Helena? Já foi resolvido o problema
com Patrício?
— Ainda não. Eu tomei posse da fronteira, as mercadorias de
Patrício não passarão mais por ela. Porém estou com um problema
de pessoal. Não tenho homens, tempo e nem interesse de manter o
mercado funcionando por lá, mas tenho que garantir que Patrício
também não o controle. Se quiser, mande uma equipe da capital pra
lá.
— Eu serei bem claro, Helena: você está me dando, de bandeja,
um dos principais acessos do contrabando aí?
— Sim. Minha intenção é destruir Patrício e, para isso, preciso
assegurar que os pontos que estou tomando sejam cuidados por
pessoas que irão garantir que ele não retome. Vocês têm uma
grande atuação em vários locais e sei que aqui a parceria foi mais
vantajosa quando fizeram o acordo. Mas agora as coisas mudaram:
é um ponto que tem meu controle, mas que não estou disposta a
levar adiante. Estou lhe informando primeiro porque sei que tem
homens que podem fazer a segurança, e também porque você
sempre foi muito agradável.
— O que você quer em troca?
— Que garanta que Patrício não pegue a fronteira novamente.
Já consegui tomá-la por duas vezes. Numa terceira não sei se seria
bem-sucedida.
— Você não vai tentar me atacar, não é?
— Não. Primeiro porque não ganharia nada com isso, pelo
contrário, apenas perderia tempo, munições e homens. O efetivo
que disponho no momento não é grande e temos um alvo diferente,
Patrício. Segundo, porque eu não sou louca. Sei bem o poder de
fogo que possui. Não iria me arriscar. Terceiro porque eu não quero
criar nenhuma distração do que estou fazendo. Depois que terminar
com Patrício, minha intenção é ir para um lugar onde ninguém irá
me encontrar.
— Vou mandar alguém averiguar se o que me diz é verdade.
Depois alguém irá encontrá-la.
— Hoje à noite vou me encontrar com os principais compradores
da organização. Já vou passar o contato do seu escritório daqui
para que possam negociar diretamente com vocês. Como disse,
apenas quero passar o controle adiante sem ter que me preocupar
com a possibilidade de Patrício se tornar forte novamente.
— Vamos conversar sobre isso na hora que acordar, amanhã. Já
terei toda informação que preciso para lhe dar uma resposta.
— Fico aguardando seu contato, Chang.
Helena se despediu do homem e andou até a janela, observando
o nascer do sol. Precisava descansar por algumas horas, antes de
voltar para a capital.
O avião pousou já ia dar quatro horas da tarde. Helena havia
orientado um grupo de quinze homens a ficar na fronteira até que
tivesse a resposta de Chang. Havia voltado para a capital com
metade dos homens que Theodoro havia disponibilizado, o que era
muito pouco, caso sofresse alguma retaliação. Seguiu diretamente
para o escritório, para concluir aquela parte dos ataques
coordenados contra Patrício.
Assim que entrou no andar, já enxergou Simoni conversando
com um dos seguranças que haviam ficado para tomar conta do
escritório.
— O que está fazendo aqui, Simoni?
— Vim terminar de acertar os detalhes que me pediu da reunião.
Estão todos confirmados para as vinte horas.
— Não fica se expondo aqui, Simoni – aconselhou Helena em
meio a um suspiro. – Pode ser perigoso. Se Patrício manda alguém
pra cá, você fica no meio de um fogo cruzado.
— Não se preocupe comigo. Se acontecer qualquer coisa eu
corro para a sala especial – contemporizou. – Falei com os cinco
principais compradores. Todos estarão aqui às oito horas da noite.
— Fizeram alguma pergunta?
— Queriam saber o motivo da reunião, o que estava
acontecendo, os rumores. Disse que explicaria tudo depois.
— Ótimo. Vai para sua casa, não quero mesmo que se arrisque.
— Tudo bem. As sete eu volto para recebe-los.
— Simoni...
— A não ser que me diga que realmente não me quer por aqui,
eu quero ajudar, Helena. Eu quero ver Patrício no chão e quero
poder dizer que ajudei em algo.
Helena deu um meio sorriso ao encarar sua secretária. Não
imaginava que ela tivesse tanta raiva de Patrício.
— Tudo bem. Mas só entre no prédio depois de ter certeza que
já estou por aqui.
Simoni concordou com um aceno e se despediu. Helena
suspirou fundo, olhando ao redor, e seguiu para sua sala. Reuniu
todos os documentos que precisaria e saiu acompanhada de Cléber
e Hector, até o apartamento. Tomou um banho demorado e vestiu
uma calça e camisa pretos. Se mirou no espelho, contemplando o
visual sisudo: era uma criação de Patrício, exatamente como ele
havia planejado, uma pessoa sem uma identidade própria,
programada apenas para servir. Balançou a cabeça em sentido
negativo, ainda analisando-se. Sua primeira providência, quando
tudo acabasse, seria abolir o preto de seu guarda-roupas.
Helena voltou para o escritório quando o relógio já marcava sete
e quinze. Assim que parou na frente do prédio, enxergou Simoni
encostada em um comércio à frente. Juntas subiram para o andar,
que fora o principal ponto das operações Millar, e se concentraram
em arrumar os documentos necessários para a reunião daquela
noite. Pontualmente as oito horas, os homens que aguardava
chegaram. Pediu que Simoni os conduzisse para a sala de reuniões
e tomou um gole de uísque antes de ir encontrá-los.
— Boa noite, senhores – cumprimentou, ao mesmo tempo em
que anunciava sua presença. – Obrigada por virem para esta
reunião.
— Por que estamos aqui, Helena? – perguntou Jacques, um
homem de cinquenta anos e aparência jovial. – Há rumores de que
está em pé de guerra com seu pai.
— Eu estou tomando conta da organização agora. Patrício não
pode mais abastece-los com mercadorias.
— Devemos fazer os pedidos com você agora? E como fica
Patrício? Não sou maluco de ir contra ele! – respondeu outro
homem, com uma generosa barriga saltando por cima da calça.
— Simoni irá entregar alguns documentos aos senhores –
Helena ignorou o comentário. – Nesses papéis estão registradas
todas as movimentações que fizeram no último ano e o valor que
cada um deve a organização. Essa dívida está quitada a partir de
hoje.
— Como assim, Helena?
— Vocês não devem mais nada a organização. Porém a
quitação dessa dívida só vai acontecer sob uma circunstância:
ninguém mais fará pedidos com Patrício. Se eu souber que fizeram,
e eu saberei se isso acontecer, eu mesma irei atrás de quem fez o
pedido. Mais ainda, entregarei uma cópia dessas movimentações
para a polícia federal.
— Nós temos alguma opção? – perguntou Jonas, um dos mais
novos grandes compradores. Não tinha mais que trinta anos.
— Tem – assentiu Helena com um sorriso. – Vocês podem
comprar diretamente com o escritório chinês, sem um intermediário.
— E você vai nos passar esse contato?
— Sim. Seu nome é Chang – respondeu ao mesmo tempo em
que acenava para Simoni, que passou entregando outra folha. – Aí
estão todos os contatos do escritório. Eles que passarão a controlar
a entrada das mercadorias.
— Patrício estará liquidado com isso.
— Sim. Estou contando com isso, com o apoio de vocês para
que todas as fontes financeiras de Patrício sejam fechadas.
— Posso pensar sobre isso?
— Claro. Só que enquanto pensa, não caia na besteira de entrar
em contato com Patrício. Se isso acontecer, minha oferta é
automaticamente invalidada e a polícia federal receberá o relatório
detalhado de compra e armazenamento das suas mercadorias.
— Onde eu assino? – Jonas tomou a frente. – Pra mim está
fechado.
— Com sua palavra.
— Tem minha palavra que nenhuma outra compra será feita com
Patrício.
Helena assistiu, satisfeita, outros três homens concordarem.
Somente Jacques titubeou, mas ao fim da reunião informou que
deixaria a parceria com Patrício de lado, até que a discrepância
entre ele e Helena fosse resolvida. A morena concordou: quando
aquele assunto chegasse ao fim, não sobraria pedra sobre pedra do
que um dia tinha sido o império Millar.
As dez horas da noite se despediu dos compradores e caminhou
para a sala. O telefone tocou com uma ligação de Chang.
— Meus homens passaram o dia analisando as bases da
fronteira – informou Chang, indo direto ao ponto. – Do que você
precisa para firmarmos esse acordo?
— Somente que mantenha a fronteira protegida contra qualquer
ataque de Patrício. Já fiz uma reunião com nossos principais
compradores. A partir de amanhã, horário daqui, começarão a fazer
os pedidos diretamente com vocês.
— Como eu gosto muito de você, vou lhe perguntar, uma única
vez: Você está certa do que está fazendo, não é? Uma vez que eu
já tiver investido qualquer Renminbi lá, não vou voltar atrás.
— A fronteira é sua Chang.
— E como nós dois ficamos?
— Foi um imenso prazer trabalhar com você durante esses anos,
mas de agora em diante, seguiremos caminhos distintos. Depois
que terminar com Patrício, vou sumir.
— Ok. Apenas suma depois de brindarmos com um Huangjiu.
— Será como quiser. Quando seus homens podem tomar o
controle?
— Quando tirar os seus de lá.
— Se a equipe já estiver por lá, já trarei meus homens de volta.
Preciso deles aqui.
— Só dar um telefonema.
— Obrigada Chang. Nos encontraremos para um Huangjiu final.
— Ficarei lhe esperando em Pequim.
Helena se despediu de Chang e discou para o homem
responsável pela segurança da fronteira, pedindo que todos
voltassem para a capital, o que foi concordado sem
questionamentos. Esperava, de fato, que os homens de Chang já
estivessem a postos para tomar o controle. Não queria tomar a
fronteira uma terceira vez, não tinha tempo e nem homens para
isso.
De volta a sua sala, Helena dispensou Simoni para que ela fosse
para casa. Serviu-se de uma dose de uísque e sentou na cadeira,
se virando para a janela, observando as luzes da cidade. Não soube
precisar quanto tempo ficou ali, mas seu momento de introspecção
foi interrompido por um estampido. Pegou a arma, alojada no coldre
em cima da mesa e foi para a porta, conferir a movimentação. De
imediato enxergou os seguranças se posicionarem nas entradas.
Voltou correndo para a mesa e pegou mais uma arma, além de
pentes extras. Saiu novamente, encontrando com Cléber no
corredor.
— Estamos cercados – anunciou, nervoso. – Tem homens em
todo o prédio o cercando.
Helena deu um sorriso. Finalmente Patrício se mostrava.
— Por que está feliz, Helena? Nossos homens não são capazes
de detê-los! São muitos!
— Fica tranquilo. Eu trabalhei aqui minha vida inteira. Eu sei o
que fazer caso o escritório fosse cercado. Chame os homens para a
parte leste.
Cléber consentiu e já passou a ordem pelo comunicador. Em
segundos, o grupo já estava todo no local.
— Logos eles conseguirão passar pela barreira de entrada –
orientou Helena. – Me sigam, rápidos!
Helena guiou os homens para a sala especial e se trancaram por
dentro. Em seguida, pediu ajuda para afastar um armário do canto,
que dava acesso a uma passagem que somente os seguranças
próximos, ela e Patrício tinham conhecimento. Antes de descerem,
verificou o andar inferior e, após se certificar que estava vazio,
desceram rapidamente.
— Voem pelas escadas de incêndio. Eu já encontro vocês lá
embaixo. O que estiver na rua, atire para matar.
— O que vai fazer, Helena? – perguntou Cléber, preocupado.
— Vou explodir todo o andar.
Cléber balançou a cabeça em sentido positivo e saiu com os
outros homens em seu encalço. Helena esperou que sumissem pela
porta, antes de correr pelo andar inferior, ativando todos os
explosivos instalados estrategicamente. Havia colocado aquele
sistema como um último recurso, caso Patrício e ela ficassem
encurralados na sala especial ou se a polícia federal entrasse no
local. Ironicamente, agora o usaria contra Patrício. Calculou os três
minutos regressivos e correu para as escadas de incêndio. Desceu
correndo, pulando os degraus e alguns corpos que, certamente seus
homens haviam derrubado na própria fuga. Assim que chegou no
térreo, escutou a explosão, fazendo todo o prédio tremer. Correu
para a saída e enxergou outros homens caídos na calçada e Cleber
ao volante do carro. Hector acenava pela porta traseira e entrou.
Ainda respirando fundo, observou Cléber sair cantando pneu pela
rua e sirenes de polícia indo para o prédio.
— Ficou alguma coisa importante lá, Helena? – perguntou
Cléber virando-se para trás.
— Pouca coisa. Nada que será importante agora.
— E o que faremos?
— Vou ligar para Patrício – respondeu com um sorriso.
Cléber balançou a cabeça em sentido negativo enquanto a
morena pegava o celular no bolso da calça.
— Você não consegue rastrear um número de telefone de quem
está com Patrício? – perguntou Hector, ciente das habilidades de
Helena com um computador. – Seria mais rápido já fazermos uma
investida direta.
— Não. Eu protegi o celular de Patrício para rastreamento e,
com certeza, nenhum outro está ligado. Todos os seguranças são
orientados a desligar, em caso de uma evasão para não ter nenhum
tipo de rastreamento.
— Ok.
Helena voltou a se concentrar no aparelho e discou o número de
Patrício. Esperou dois toques até que sua voz entrasse na linha.
— Alô?
— Ainda sou eu, Patrício. O escritório acabou de ser destruído.
— Filha da puta! Suponho que meus homens estão mortos?
— Se eles conseguiram sobreviver a explosão do andar debaixo.
Você esqueceu dessa rota de fuga? Anda relapso, Patrício!
— Vai se fuder, Helena! Eu vou...
— Você não vai, Patrício! A fronteira passou para as mãos de
Chang. São os homens dele que controlam lá agora. Theodoro está
controlando as casas de jogos, seu dinheiro está comigo e seus
compradores já tem os contatos de Chang como fornecedor. Eu não
sei quem eram seus parceiros de hoje, mas posso assegurar que
depois do massacre que acabei de fazer, nenhum deles irá lhe
apoiar. É hora de acabar com essa história: deixe Daniela livre. Eu
paro agora com tudo o que estou fazendo e você se vira para
reconstruir seu patrimônio.
— Nossa história só será finalizada com um dos dois num
caixão!
Helena não teve tempo de responder antes que Patrício
interrompesse a chamada. Deu um suspiro audível, encostando-se
contra o banco do carro. Depois de dez minutos, o telefone voltou a
tocar.
— Eu quero uma troca – falou Patrício do outro lado da linha. –
Eu deixo Daniela ir para onde ela quiser, mas eu quero você. Se
tiver coragem de se colocar nas minhas mãos, ela ficará livre.
Capítulo 25
— O que me diz, Helena?
— Você deveria deixar Daniela livre pelo simples fato de ser sua
filha! Eu sei que nunca foi amoroso, pude comprovar isso durante
todos esses anos em que acreditava ser sua filha também, mas
você não precisa colocar Daniela como sua prisioneira. Esse
assunto é entre nós dois!
— Você nunca foi minha filha, Helena, era uma funcionária em
quem investia muito dinheiro para me servir, não se dê tanto valor! –
desdenhou Patrício. – Você é quem decide. Mas eu tenho uma
notícia que ainda não se deu conta: eu ainda tenho dinheiro. Eu
posso sumir com Daniela e nunca mais verá ela.
Helena emudeceu. A mente começou a trabalhar rapidamente.
De fato, ele possuía dinheiro para sair do país, o que dificultaria sua
caçada um pouco mais, mas isso também significava que Daniela
passaria mais tempo com ele, exposta ao perigo que Patrício
representava.
— O gato comeu sua língua, Helena? – insistiu em meio a um
riso. – Você tem duas horas, caso queira mudar de ideia. Não foi
esse o tempo que me deu?
O telefone foi desligado antes que a morena pudesse dar alguma
resposta. Cléber, atento, notou a falta de ação de Helena.
— O que ele disse?
— Ele quer uma troca. Ele me pega e deixa Daniela livre.
— Suicídio. Assim que te ver, ele vai enfiar uma bala na sua
cabeça.
Helena sabia que aquilo era uma verdade. Não com tanta
rapidez como Cléber havia dito: Patrício, certamente, iria torturá-la
por um longo tempo antes de permitir que morresse.
— Eu vou aceitar.
— Isso é loucura, Helena!
— Ele pode tirá-la do país. Acabou de me falar isso e ele está
acuado. A única coisa que ele pode fazer para ficar livre de mim é
tentar fugir. Ele pode fazer isso enquanto estiver com Daniela.
— Tem que ter outra maneira! Continuamos os avanços! Mesmo
fora, ele não vai conseguir se manter por muito tempo. Você minou
todo o financeiro dele, não minou?
— Os principais pontos para que ele não tenha dinheiro para
contratação de pessoal, mas Patrício não é burro. Com toda a
certeza ele deve ter alguma reserva que nem mesmo eu tinha
conhecimento. Da mesma forma como eu também possuo a minha
reserva.
— Reconsidere, Helena! Isso não é...
— Eu preciso pensar.
— Helena...
— Não vou me entregar de bandeja, fique tranquilo, mas preciso
pensar em algo para fazer. Agora vamos para o meu apartamento.
Precisamos tirar tudo de lá antes que Patrício resolva invadir e
colocar os moradores em perigo.
Cléber apenas consentiu com um aceno e guiou para o endereço
da morena. Durante todo o tempo, Helena foi quieta, encostada
contra o banco e pensando sobre seus próximos passos. Fato que
teria que fazer alguma coisa diante da ameaça de Patrício, mas
tinha que ser algo elaborado para que tivesse chance de sobreviver.
No prédio onde residia, a entrada e saída foi rápida: se
certificaram de que não estavam sendo vigiados e subiram para o
apartamento, recolhendo tudo o que julgou importante. De volta ao
carro, pediu que Cléber guiasse para um bairro afastado da capital.
Precisava se estabelecer em outro endereço, por poucos dias.
Assim que entraram na vila escolhida por Cléber, Helena foi
analisando as casas. Uma em especifico chamou sua atenção: de
um lado havia um terreno sem construção e do outro, um comércio.
— Pare aqui.
Cléber obedeceu a ordem e estacionou rente a calçada. Helena
pegou uma bolsa de dinheiro e contou o que tinha, antes de descer
e ir para a casa. Apertou a campainha e esperou, pacientemente,
por três minutos.
— Pois não? – um jovem atendeu. Não devia ter mais que vinte
anos.
— Boa noite. Meu nome é Helena Millar. Você é o proprietário da
casa?
— Já é mais de meia noite-noite, moça. Algum problema?
— Não, não tem problema. Quero fazer uma proposta ao
proprietário da casa.
— Ok, boa noite.
O rapaz fechou a porta, retornando para dentro da casa. Helena
deu um suspiro, ao mesmo tempo em que balançava a cabeça em
sentido negativo. Voltou para o carro e pegou uma arma, acoplando
um silenciador antes de voltar para o portão.
O barulho da fechadura sendo arrombada chamou a atenção do
rapaz. Pela janela enxergou a mulher que entrava na garagem,
acompanhada de mais quatro homens. Correu para pegar o celular,
mas antes que conseguisse discar para a polícia, enxergou o grupo
entrando na casa, após arrombar a porta.
— Eu não tenho nada de valor para ser roubado! Minha esposa
e filha estão dormindo no quarto...
— Eu não quero te roubar – explicou Helena, mantendo a arma
apontada para ele. – Quero apenas lhe fazer uma proposta. Sente-
se.
— Minha família...
— Rodrigo, o que... – a mulher jovem, que apareceu no corredor
se calou assim que enxergou o grupo na sala e o marido sob a mira
de uma arma.
— Senta aqui – orientou Helena apontando o lugar ao lado do
marido.
Automaticamente a jovem começou a chorar, mas ficou
paralisada pelo medo. Helena deu um suspiro e a puxou para se
sentar ao lado do rapaz.
— Eu não vou assaltar vocês, não vou fazer nenhuma maldade
com vocês. Só preciso de um lugar para montar meu ponto
operacional – explicou ao baixar a arma. – Não será por muito
tempo, no máximo três dias.
— Do que está falando? – perguntou Rodrigo, confuso.
— A casa é de vocês ou é alugada?
— É alugada. É do meu sogro.
— Certo. Nessa bolsa tem oitenta mil. Se me permitirem ficar na
casa por três dias é de vocês. Ao final do período, eu transfiro mais
oitenta. Acho que dá para comprar um terreno por aqui e construir
uma casa pra vocês – disse ao entregar a bolsa ao jovem.
Rodrigo olhou para a esposa e depois abriu a bolsa. Pode ver,
por alto, a quantidade de notas ali e levantou os olhos para Helena,
que esperava uma resposta.
— Vocês não farão nada contra nós?
— Não. Só preciso de um lugar para fazer uma reunião e
conversar com meus homens sem precisar ficar me expondo por aí.
Mas posso garantir aos dois que não serão prejudicados em nada.
— Com um dinheiro desse pode se hospedar em qualquer lugar
por três dias junto com seu pessoal.
— Sim, mas não vou entrar muito em detalhes, até mesmo pela
segurança de vocês. Não posso simplesmente me registrar em um
hotel com a quantidade de coisas que preciso carregar.
— E se não aceitarmos? Vocês vão nos matar?
— Não. Eu vou embora. Deixo o dinheiro para consertar as
fechaduras.
— Minha esposa pode levar nossa filha para minha mãe?
— Pode. Não tenho interesse em vocês. Só preciso que não
chamem a polícia. Isso é fundamental para que nosso acordo fique
de pé!
— Rodrigo, você não pode...
— Vamos conversar, Jaque.
— Levem o tempo que quiserem. Só peço que deixem o celular
aqui.
Rodrigo apenas apontou para o próprio celular em cima do sofá
e Jaqueline indicou o outro aparelho em cima de um móvel,
acoplado no carregador. Helena assentiu e assistiu o casal sair em
direção ao quarto. Pediu que Hector ficasse na garagem, caso
decidissem fugir pela janela. Sentou-se no sofá e esperou por dez
minutos até ver o jovem casal retornar à sala com um bebê no colo.
— Jaqueline vai levar nossa filha...
— Agora não – interrompeu Helena. – Está muito tarde, vai
chamar a atenção. Se tranquem no quarto, mas somente amanhã
ela pode levar a criança.
— Rodrigo...
— Se tranca no quarto com ela – pediu, virando-se para a
mulher. – Vai ficar tudo bem.
A jovem concordou com um aceno e voltou para o quarto com a
criança. Helena apenas abriu um sorriso e apontou a bolsa para que
Rodrigo pegasse.
— Cléber, chama o pessoal para entrar. Estacionem os carros
mais afastados um do outro e tragam todas as bolsas para dentro.
Peça para que um deles encontre algum lugar aberto para comprar
alguma coisa de comer. Vou pensar a respeito do que faremos
amanhã. Você tem um computador com acesso à internet, Rodrigo?
O rapaz concordou com a cabeça e foi para o corredor. Retornou
a sala com um notebook nas mãos e um carregador apoiado em
cima. Helena agradeceu e pegou o aparelho, colocando-o sobre a
mesinha de centro. Rodrigo lhe passou a senha do computador e
logo acessou sua conta, liberando dinheiro para que pudesse sacar,
além de verificar se tinha entrado algum valor nas contas da
organização. Depois de se certificar dos processos financeiros,
relaxou de encontro ao sofá, fechou os olhos, mas não dormiu. A
mente não pararia de trabalhar enquanto não colocasse Daniela em
um lugar seguro.
O telefone tocou exatamente no fim do prazo estipulado por
Patrício. Helena olhou para a tela e deu um suspiro antes de
atender.
— Já tem sua resposta, Helena?
— Eu quero falar com Daniela.
— Ela está dormindo.
— Então não temos acordo. Só vou te responder qualquer coisa
depois que falar com ela. Quando ela acordar, me ligue.
Helena desligou o telefone e ficou olhando, fixamente, para um
televisor desligado à sua frente. Levou dois minutos para que o
telefone voltasse a tocar.
— Helena! – exclamou Daniela do outro lado da linha.
— Oi linda! Como você está?
— Assustada com tudo isso! Vai embora, Helena, sai do país
para algum lugar onde meu pai não consiga te encontrar!
— Não vou fazer isso, me desculpe. Só vou sair do país quando
tudo isso acabar e se quiser ir comigo.
— Não faz o que meu pai quer! Ele vai te matar!
— Ficarei bem, Dani. Você está bem? Ele te fez alguma coisa?
— Não. Eu estou bem. Helena...
— Eu te amo, linda. Eu te prometo que tudo vai terminar bem.
— Eu também te amo. Se cuida Helena...
Helena intentou responder, mas a voz de Patrício invadiu a
ligação.
— Isso é tão doentio! Nojento! Não promete o que não pode
cumprir, Helena.
— Eu aceito a troca – a morena ignorou os comentários. – Me
passe o local.
— Quando já estiver na capital eu te ligo. Você terá meia hora
para chegar até o local que eu escolher.
— Você acha mesmo que vou cair na sua conversa, Patrício?
Quero o local três horas antes. Essa é minha imposição. Se não
quiser aceitar, é melhor começar a fazer suas malas!
Helena desligou o telefone e jogou sobre o sofá, olhando para
Cléber que a observava preocupado. Os próximos passos seriam
cruciais.

Daniela ainda tentou pegar o telefone, mas Patrício a empurrou


para que um segurança a mantivesse afastada. Assim que a
chamada foi interrompida, suspirou fundo, olhando para a filha.
— Você nunca mais vai chegar perto de Helena. Eu vou me
certificar de que aquela vagabunda nunca mais encoste um dedo
em você!
— Não faz nada com ela, eu estou te implorando! – exclamou a
jovem com lágrimas banhando seu rosto.
— Filha minha não vive nessa pouca vergonha!
— Isso se eu for sua filha mesmo! – explodiu, com raiva. – Se
acha tão dono de todos que não faz ideia do que acontece a sua
própria volta!
— Do que está falando?
— Não sabia, não é pai? A mãe sai com Henrique desde que se
conheceram, pouco depois do seu casamento! Ela não faz ideia de
quem é o meu pai!
Patrício emudeceu ao encarar a filha. Tentou falar algo, mas as
palavras fugiram da sua boca. Se aproximou, tentando notar alguma
familiaridade de Daniela com Henrique, mas ela havia puxado os
traços da mãe.
— Se isso for uma verdade, me facilita para te matar também –
respondeu ao se afastar.

Rose estava em um sono profundo quando foi despertada pelas


batidas na porta. Henrique, ao seu lado, também se mexeu e em
seguida sentou-se na cama.
— Quem é? – perguntou com a voz rouca de sono.
— Thiago. Helena entrou em contato, disse que precisa falar
com você e Rose, imediatamente.
Henrique se levantou da cama, vendo Rose fazer o mesmo.
Seguiu até a porta e abriu, enxergando o caseiro do sitio.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não sei, senhor. Ela pediu apenas que retornasse a ligação o
quanto antes – respondeu ao estender o celular na direção do casal.
— Obrigada, Thiago.
Rose discou o número de telefone de Helena e esperou apenas
por um toque antes que sua voz entrasse na linha.
— Algum problema, Lena?
— Preciso que venham para a capital. Patrício vai liberar
Daniela, e eu preciso que vocês tirem ela do país.
— Você não vai com ela? O que você está fazendo, Helena?
— Vamos fazer uma troca. Não sei quando vou conseguir me
livrar de Patrício e se vou conseguir. Porém ele está quebrado.
Desmantelei parte do império que ele mantinha.
— Não faz isso, Helena! Seu pai vai te matar.
— Ele não é meu pai, Rose.
— É o costume, desculpe! Patrício vai acabar com você! Tem
que ter outro jeito de tirar Daniela de perto dele!
— Não se preocupe comigo. Eu sei o que estou fazendo. Eu
posso contar com vocês aqui?
— Claro – quem respondeu foi Henrique. – Sairemos daqui o
quanto antes.
— Helena, eu sei que não me vê mais como sua mãe, —
emendou Rose – mas eu sempre vou te ver como minha filha. Toma
cuidado, filha. Patrício é um homem muito perigoso!
— Fique tranquila. Patrício é perigoso, mas ele me fez igual a ele
e eu vou superá-lo. Aguardo vocês aqui o quanto antes.
Rose e Henrique se despediram de Helena, antes de desligar o
telefone e devolver para Thiago.
— Ele vai matá-la. Patrício vai matar minha filha!
— Patrício está bem fora de si – comentou Henrique ao abraçá-
la. – Se ele estivesse em sã consciência, não ia permitir Helena de
chegar nem a cem metros dele. Ela sabe se cuidar. Patrício criou
uma perfeita arma pensante.
— Eu espero que essa coisa que ela sente pela Daniela não a
deixe cega!
— Vai não. Tenha confiança.
Rose o abraçou apertado. Deu um beijo em seus lábios e
retornou para o quarto, para arrumar suas coisas. Precisavam sair o
mais rápido possível.

Helena desligou o celular e o deixou sobre o braço do sofá.


Pediu para que para que dois seguranças ficassem de vigia e se
encostou para descansar. Por mais que tivesse um grande problema
para resolver, precisava de todas as energias para o que viria a
seguir. Sabia que daquele ponto em diante, seu treinamento com
sobrevivência seria fundamental.
O dia já havia clareado por completo quando Helena acordou
com o barulho vindo da cozinha. Pegou o celular e conferiu a hora,
que já marcava sete e meia da manhã. Se levantou do sofá e
espreguiçou sonolenta. Ao redor enxergou seus aliados encostados
pelos cantos, também repousando. Os dois homens que ficaram de
segurança já haviam se revezado e quem estava de pé e fumava
um cigarro na garagem, era Hector. Andou até ele e trocou poucas
palavras, liberando-o para descansar. Um outro segurança recebeu
a incumbência de buscar o café da manhã de todos.
Helena conectou o celular no carregador e outra vez escutou o
barulho de água vindo da cozinha. Pegou a arma, deixada em um
canto, e colocou na cintura, por baixo da camisa, antes de ir até o
cômodo. No local enxergou Jaqueline fazendo algo no fogão e
Rodrigo sentado em uma cadeira.
— Bom dia – anunciou sua presença.
— Bom dia – responderam juntos.
— Se quiserem levar a filha de vocês para outro lugar, podem
levar. Só não digam a ninguém o que está acontecendo. É
importante que ninguém mais saiba, por uma questão de segurança
de vocês mesmo.
— E se... Se a pessoa de quem estão se escondendo encontrá-
los aqui? – perguntou Rodrigo. – O que pode acontecer?
— Ele não vai me encontrar. Ele também está se escondendo de
mim. Como pode perceber, eu tenho um grupo grande e, posso lhe
dizer, que são muito bons. Porém, se por um acaso inimaginável ele
conseguir me encontrar, eu levo a briga para fora. Não vou colocá-
los em perigo.
— Você vai mesmo deixar aquele dinheiro e não vai nos
machucar? – perguntou Jaqueline.
— Já é de vocês. O restante do nosso acordo só garantirá os
outros oitenta mil.
Jaqueline apenas balançou a cabeça em sentido positivo, antes
de voltar a passar a água quente em um coador de café. O aroma
invadiu o ambiente automaticamente.
— Bom, por oitenta mil o café está incluído – sorriu, se virando
para Helena.
Helena sorriu de volta e pegou a caneca que a jovem estendia
na sua direção. Depois de dez minutos, o segurança retornou com
algumas sacolas para o café da manhã. Depois de comer, retornou
para a sala e pegou o celular, conferindo a hora. Só precisava
esperar a chegada de Rose e Henrique, e o endereço que Patrício
escolheria.
Era nove horas quando Rose ligou informando que já estavam
na capital. Helena pediu que Cléber fosse buscá-los e, em menos
de meia hora, já estavam frente a frente, novamente.
— Oi Rose – cumprimentou assim que a viu entrar na casa.
— Lena – exclamou a mulher indo abraçá-la. – Tudo isso que
está acontecendo é uma loucura!
— E ainda vai ficar pior. Como está, Henrique?
— Um pouco melhor.
Helena apenas balançou a cabeça em sentido positivo. As
marcas da surra que havia levado, dias antes, ainda era visíveis em
seu rosto, mas estava se recuperando bem. Helena apresentou
Rodrigo e Jaqueline, antes de irem conversar na sala.
— O que pretende fazer, Helena?
— Eu vou afastar Daniela de Patrício, só que para isso vou me
usar na troca.
— Patrício...
— Eu tenho um plano Rose.
Helena relatou exatamente o que estava pensando durante uma
hora. Rose ainda ficou preocupada, mas sabia que nada do que
falasse iria mudar a opinião da morena. Com toda a equipe reunida,
Helena passou o que fariam naquele dia, que prometia ser crucial:
só precisava esperar que Patrício lhe informasse o local e a hora.
Capítulo 26
Helena já estava a ponto de ligar para Patrício quando recebeu
sua mensagem informando que a troca seria feita no galpão
principal de armazenamento das mercadorias dos Millar, às vinte e
duas horas daquela noite. O relógio marcava seis e meia da tarde.
Conferiu que tinha pouco tempo para arquitetar seu plano. Chamou
todos os seus seguranças para a sala e Jaqueline e Rodrigo foram
para o quarto com Isabelle, visto que a jovem havia desistido de
levar a criança para a sogra ao perceber que Helena não lhes faria
mal. Havia ficado completamente confiante da palavra da morena,
quando a mulher de mais idade havia chegado na casa, sempre
educada e muito atenciosa, lhe transmitindo total confiança.
— Esse galpão é mais isolado – explicou Helena transferindo o
mapa mental para um quadro rosa, de desenho, da pequena
Isabelle. – Existem quatro saídas: a principal, que já dá entrada na
rodovia. A dos fundos, que faz a divisa com o terreno da companhia
de energia e as laterais, para pequenas ruas paralelas, entre as
fábricas, ponto principal de descarregamento. É muito provável que
Patrício já organizou os seguranças lá, não temos como fazer uma
emboscada para ele.
— Com toda a certeza já tem algum esquema montado lá –
concordou Henrique. – Ele levou muito tempo para lhe falar o local.
— Sim, por isso não vamos criar nenhuma entrada mirabolante.
Vamos chegar pela entrada da frente e esperar qualquer reação de
Patrício. Ele está louco para me pegar, não fará nada impulsivo para
estragar essa chance.
— E você vai com ele?
— Vou. Ele não vai me matar de imediato, ele vai me torturar
primeiro, ter o prazer de sua vingança contra tudo o que fiz. Eu
aguento por seis horas. Esse é o tempo que terão para me
encontrar e me resgatar. Qualquer coisa depois disso já será um
risco.
— Tem que ter outro jeito! – resmungou Rose, que, até então,
apenas assistia o desenrolar da reunião.
— A outra maneira é chegar atacando, mas não vou colocar a
vida de ninguém em risco. Nem a de vocês, menos a de Daniela.
— Como vamos te localizar? – Henrique deu continuidade ao
que estava sendo discutido.
— Vamos nos assegurar de três maneiras: eu coloquei um
rastreamento do meu celular nesse computador – informou
apontando para o aparelho. – Segundo, vou colocar um rastreador
em mim, e terceiro, Cléber irá seguir os carros, alternando com um
dos homens de Theodoro. Quando me localizarem, não ataquem de
imediato: estudem o local, as posições dos seguranças de Patrício e
entrem discretamente, derrubando um a um. Quando perceberem o
avanço, já estarão acuados.
— Isso ainda é um problema com você dentro – comentou
Hector. – Ao perceber o ataque, Patrício pode, simplesmente, enfiar
uma bala na sua cabeça.
— Dentro eu me viro. Consigo me esquivar de Patrício.
— Você estará amarrada, Helena, provavelmente toda
machucada.
— Então é bom que me encontrem antes que eu chegue nesse
estado.
Hector e Cléber apenas balançaram a cabeça em sentido
positivo. Henrique, por sua vez, sabia exatamente o que Helena
estava fazendo: era uma roleta russa. Existia apenas uma chance
de escapar com vida e era nisso que ela estava se apegando.
— Henrique, Rose, assim que estiverem com Daniela, já vão
para o aeroporto. Peguem o primeiro voo doméstico para qualquer
lugar e, de lá, para fora do país. Quero Daniela o mais longe
possível, caso algo dê errado e Patrício ainda continue no poder.
— Nada vai dar errado, Helena. Confio em você – falou Rose, a
única que parecia mais otimista.
— Vamos repassar tudo.
Durante a hora seguinte, Helena repassou o que fariam naquela
noite. Depois foram conferir as armas e munições que tinham
disponíveis. Estava quase finalizando tudo quando seu telefone
tocou.
— Oi Helena, Theodoro. Fiquei sabendo que fará uma troca
estupida com Patrício por causa da sua irmã.
— Não será por muito tempo. Já tenho um plano de resgate
traçado.
— Você é uma boa parceira comercial, não quero lhe perder por
causa de uma estupidez. Vou mandar oito atiradores pra você. São
os melhores e únicos que disponho com habilidades de tiro de longo
alcance. Cuide bem dos meus meninos.
— Obrigada, Theodoro, mas não tenho como aceitá-los. Não
tenho armas de longo alcance suficiente para mais homens.
— Eles irão levar. Só se assegure de que eles retornem para
mim.
— Certo. Eles retornarão. Tem minha palavra.
— Vê se mata aquele filho da puta.
— Eu vou. Pode ter certeza.
Helena desligou o telefone depois de passar o endereço onde os
outros homens de Theodoro os encontrariam. Deixou o restante do
dinheiro com Rodrigo e Jaqueline, que deram a palavra de que
poderiam voltar, caso fosse necessário. Quando o relógio marcou
nove horas da noite, terminaram os últimos preparativos e saíram
em direção ao local combinado. No meio do caminho encontraram o
restante do grupo e seguiram para o armazém. Helena seguia
tensa, imersa em seus próprios pensamentos, prevendo tudo o que
passaria e concentrando a mente para o corpo aguentar o que
estava por vir.
Na frente do local já identificou vários carros. Analisou, ainda
dentro do veículo, a disposição de cada um. Patrício já estava lá
dentro, visto a segurança reforçada. Se não fosse por Daniela, seria
simples acabar com tudo aquilo: um lançador e cinco disparos já
colocariam aquele lugar no chão com quem quer que estivesse
dentro, mas não podia arriscar a segurança. Tudo o que estava
traçando era em prol da integridade física da mulher que amava.
Com um sinal de Helena todos desceram do carro, seguindo em
direção a entrada principal. Rose ia aflita, atrás de Henrique, se
camuflando entre os seguranças. O grupo parou com um gesto da
morena e esperaram que Patrício aparecesse. Mesmo com a
quantidade de homens espalhados pelo perímetro, o silêncio era
sepulcral: os únicos sons que se ouviam eram dos carros na rodovia
e pequenos insetos ao redor.
Helena ficou apreensiva ao ver Patrício descer do carro e se
posicionar ao lado dos seus próprios seguranças. Por um momento
a mente viajou para o passado recente, quando, por diversas vezes,
estivera ao lado do homem que até então chamava de pai,
atendendo suas ordens como um cão treinado. Em outrora estaria
do seu lado direito, sentada sobre o próprio rabo esperando a ordem
de ataque.
— Que séquito patético, Helena – comentou Patrício com um
sorriso. – Você acha mesmo que vai conseguir me vencer?
— Onde está Daniela? – a morena perguntou, ignorando suas
palavras.
— Ela está aqui – respondeu, acenando para Javier, parado do
outro lado do carro.
Helena manteve suas feições neutras enquanto assistia a porta
ser aberta e Daniela sair. Olhou para a jovem, o rosto assustado
com tudo o que estava acontecendo. Quando ela fez menção de ir
ao seu encontro, foi segurada por Javier.
— Vejo que trouxe minha linda esposa infiel e seu amante –
comentou Patrício caminhando na sua direção. – Eu tenho uma
pergunta, Rose: é verdade que não faz ideia de quem é o pai de
Daniela?
Rose ficou petrificada com a pergunta. Com toda a certeza,
Daniela devia ter falado algo. Helena, por sua vez, sentiu todos os
músculos do seu corpo ficarem tensos. Se Patrício soubesse a
verdade, seria pior para Daniela, vez que estava segura na
informação de que ele era seu pai. Resolveu interferir para que
aquilo não se prolongasse, para que a jovem ficasse segura, o
quanto antes, ao lado dos seus aliados.
— Quer um teste de paternidade agora, Patrício? – perguntou
também adiantando alguns passos. – Que tal terminarmos logo com
isso? Não tenho a noite toda.
— Ah, você tem! Você tem a noite inteira comigo!
— Deixe Daniela ir com Rose. Eu vou com você.
— Está desarmada?
Helena se limitou a erguer a barra da camisa, assim como as
pernas da calça, provando que estava desarmada. Patrício apenas
deu um sorriso na sua direção e acenou para Javier.
— Pode soltar.
Daniela saiu correndo em direção a Helena. Abraçou-a apertado,
ainda temerosa do que estava por vir.
— Não faz isso, Helena – pediu com lágrimas banhando seu
rosto. – Ele vai te matar! Ele me disse várias vezes que vai te matar.
— Eu vou ficar bem, linda. Vai com Rose – pediu Helena já
notando a presença da outra mulher, acompanhada de Henrique. –
Você vai ficar bem.
— E você?! Ele não fará nada contra mim, mas...
— Não se preocupe comigo. Eu ainda tenho algumas contas a
acertar com Patrício.
— Helena! Helena...
Daniela ainda tentou argumentar, mas Rose puxou-a para o lado
dos homens de Helena, junto com Henrique, ao passo que Patrício
pegou o braço de Helena, já apontando uma arma para a sua
cabeça.
— Hora de nos acertamos.
Helena seguiu Patrício até o carro, escutando os gritos de
Daniela chegarem até seus ouvidos. Queria tranquilizá-la, dizer que
tudo acabaria bem, mesmo que ela própria não tivesse certeza
daquilo. A única coisa que tinha absoluta convicção que aconteceria
era que, durante algumas horas, iria provar uma dor nunca sentida.
Patrício parou ao lado do carro com Helena e a fez se encostar
na lataria. O grupo que acompanhava a morena ainda estava ali,
assistindo o desenrolar da cena, inclusive Daniela que chorava sem
parar e Henrique que mantinha os braços envolta dos ombros da
jovem, tentando, em vão, acalmá-la. Ao ver os dois juntos,
conseguia enxergar pai e filha: de fato não era o progenitor da
jovem, como havia acreditado a vida inteira.
— Acho que podemos acabar com tudo agora – falou Patrício ao
encarar Helena. – Melhor se despedir dos seus amigos.
Patrício fez menção de erguer a mão, mas Helena o deteve,
agarrando-o pelo pescoço. Não precisou que expressasse alguma
ordem: rapidamente seus homens começaram a atirar contra os que
acompanhavam Patrício. Henrique empurrou Daniela para dentro do
carro blindado, enquanto Rose também entrava apressada. A jovem
gritava em desespero ao ver a ação que se desenrolava, mas sabia
que não conseguiria interferir de modo positivo em nada.
Completamente rendida à sua falta experiência em uma situação
crítica, viu Helena cair no chão junto com Patrício, enquanto
Henrique manobrava com agilidade para sair de lá.
Os tiros ainda ecoavam por todo o armazém quando Helena
sentiu a queimação na perna. Com o tiroteio, se jogou no chão junto
com Patrício, mas Javier a imobilizou, afastando-a do chefe. Helena
ainda conseguiu ver, no meio da confusão, Henrique sair com o
carro. Relaxou contra o chão, aliviando a pressão que Javier fazia
sobre seu corpo. Precisava poupar suas forças, visto que o tiro que
havia pego em sua perna era apenas o começo do que ainda estava
por vir. Qualquer energia poupada seria de grande valia.
— Coloquem ela no carro! – ouviu a ordem de Patrício.
Sem nenhuma palavra, Helena foi puxada para dentro do
veículo. Patrício já estava dentro do carro, se protegendo contra os
tiros e se encostou contra o banco, vendo os homens que
começavam a se movimentar para a retirada. Seus próprios aliados
continuavam bem posicionados e, assim como Patrício, tinha
consciência de que eles estavam bem melhor instruídos. Viu Javier
pegar um par de algemas e esticar na sua direção. Apenas
estendeu os pulsos a frente e sentiu o frio no metal prendendo-a.
Rapidamente saíram do lugar e um tecido preto foi jogado sobre sua
cabeça.
Rodaram por meia hora em absoluto silêncio. Não ouviu a voz de
ninguém durante esse tempo e conseguia perceber que Patrício
estava tenso. Por sua vez, Helena fechou os olhos, concentrando o
corpo. Só voltou a abri-los quando sentiu o veículo ser desligado.
— Tragam ela para cá – ouviu a voz de Patrício.
Helena foi guiada para dentro de uma propriedade e o tecido
tirado do seu rosto. Foi posta em uma cadeira e devidamente
amarrada para que Patrício pudesse entrar em segurança. Não
demorou para que o homem estivesse em pé, na sua frente,
analisando-a atentamente. Seu primeiro gesto foi um violento tapa
contra seu rosto.
— Bom, sua vagabunda, vamos terminar nossa história.
Capítulo 27
Daniela estava inconsolada enquanto Rose tentava acalmá-la. A
jovem temia pela vida de Helena, pois não fora nem uma e nem
duas vezes que escutara o pai falando que ia matá-la. Agora,
completamente entregue em suas mãos e sem ninguém para
resgatá-la, tinha certeza de seu futuro. Patrício jamais permitiria que
ela saísse com vida.
— Nós precisamos voltar! Precisamos ir atrás do pai! Ele vai me
escutar, eu sei que ele...
— Dani, não podemos fazer isso! Seu pai está completamente
fora de controle! Ainda mais com tudo o que Helena fez... Não há
nada que possamos fazer!
— Eu não posso deixar ela morrer, mãe! Helena é... Eu não
posso perdê-la!
— Ela me disse que vocês estão juntas. Que nutrem sentimentos
uma pela outra... Eu não sei o que dizer a respeito disso porque
ainda as vejo como irmãs, mas esse nem é o momento de tentar
fazer isso. Apenas saiba que se tiver uma oportunidade, Helena vai
aproveitar, ela vai conseguir sair bem!
— O pai...
— Helena sabe se cuidar, Daniela – falou Henrique concentrado
na direção. – Ela era a melhor soldada do Patrício. Se teve uma
coisa que ele soube fazer muito bem foi treiná-la. Pode ter certeza
que ela vai conseguir sair dessa.
— Como pode ter tanta certeza, Henrique?
— Eu vi Helena matar sem uma arma ou faca na mão. Eu vi
Helena ficar três dias acordada, vigiando um inimigo de Patrício e
totalmente concentrada. Sua... Helena é muito boa. Ela tem o
sangue de Nolan nas veias, pode ter certeza que ela fará jus a
genética que carrega.
— Eu sei o que vi naquela casa. Os seguranças do pai
obedecendo cegamente cada ordem dele! Nós precisamos resgatá-
la! Ela nunca deveria ter aceitado essa troca!
— Ela aceitou essa troca porque te ama – falou Rose
abraçando-a, ao mesmo tempo em que secava suas lágrimas. – Ela
está com rastreadores, os aliados dela estão seguindo os carros.
Pode ter certeza de que ela não está sozinha.
— Quem está com ela?
— Um rapaz chamado Cléber. Se tornou o braço direito dela e
não fazia parte da organização antes, eu acho. Não lembro de tê-lo
visto.
— Acho que sei quem é. Ele nos seguiu até a pousada, no fim
de semana que passei com Helena. Espero que ele consiga
encontrar Helena o quanto antes! Quanto mais tempo ela passar
com o pai, maior é a chance dele matá-la. Pra onde estamos indo?
– perguntou ao ver a placa do aeroporto.
— Helena pediu para te tirar do país. Ela quer você longe de
Patrício, o que concordo totalmente – respondeu Rose. – Assim que
ela conseguir se livrar de Patrício, ela irá nos encontrar.
— Não! Eu não vou sair da cidade enquanto Helena não estiver
com a gente! Pode esquecer!
— Nós temos que ir, filha! Você não pode ficar...
— Não, mãe! Não vou entrar em um aeroporto enquanto não
estiver com Helena!
Henrique parou no estacionamento do aeroporto e ainda tentou
argumentar com Daniela, mas a jovem estava irredutível. Rose
também tentou convencê-la que o melhor era saírem do estado,
mas Daniela foi enfática: não entraria em um avião enquanto Helena
ainda estivesse com Patrício. Sem muito o que pudesse fazer,
tomaram o caminho da casa de Rodrigo e Jaqueline. O jovem casal
ajudaria, mais uma vez, cedendo um lugar para que pudessem ficar.

Helena voltou a se arrumar na cadeira, sentido o rosto arder.


Havia aprendido, durante um longo treinamento a como controlar
sua dor e era o que fazia naquele momento. Encarou Patrício
percebendo o quanto ele estava descontrolado. Quando isso
acontecia no passado, era ela quem tomava conta da situação, mas
agora estava do outro lado: tinha certeza que Patrício não teria
estrutura emocional para pensar em algo detalhado.
— Por que me manteve viva, Patrício? – perguntou com genuína
curiosidade da resposta.
— Para te transformar no meu cão de guarda. Pena que não
passou de uma vira-lata!
— Vamos pular essa parte das ofensas gratuitas. Isso não me
atinge, sabe disso. Vamos ganhar tempo: por que me manteve viva?
Você poderia ter arrumado algum garoto bom e treinado ele. Seria
menos arriscado e mais rápido do que pegar um bebê e criar como
sua filha.
— Nolan era muito bom. Falo a verdade quando digo que seu pai
era um dos meus melhores homens, quem sabe o melhor. Foi
inadmissível ele sair da organização e, como o lugar já estava vago,
melhor ocupar com alguém que pudesse ser tão boa quanto ele.
— Não teve nada a ver com Stella?
Helena sentiu Patrício titubear com a menção do nome da sua
mãe. Ele se afastou alguns passos, ligeiramente perdido em alguma
lembrança do passado.
— Sua mãe era gostosa, não vou mentir, mas ela preferiu Nolan.
Não tive o mínimo problema em matá-la.
Helena concordou com a cabeça. De fato, Patrício não fazia
ideia que sua mãe ainda estava viva.
— Você ficou comigo para ter uma parte dela por perto, não é? A
mulher que amou, verdadeiramente.
— Não seja ridícula!
— Você nunca amou Rose, era obcecado por ela, por alguma
razão que não consigo entender, talvez ela seja parecida com minha
mãe, mas amor mesmo era por Stella, não era?
— Rose foi apenas um acordo comercial. O pai dela era um
babaca que devia muito dinheiro. Foi fácil perdoar a dívida dele,
desde que me entregasse a filha.
— E por que não se livrou de Rose depois? Eu sei que para o
seu estilo de vida ela apenas atrapalha. Não teria sido mais fácil
mandar ela embora quando se enjoou do que ficar em um
casamento de anos?
— Não, porque alguém precisava tomar conta de você, ter uma
figura materna por perto – respondeu Patrício parando na sua
frente. – Agora nós vamos parar de enrolar porque, claramente está
buscando ganhar tempo. Não vamos desperdiçar nenhum minuto a
mais com conversas sem sentido.
Helena virou o rosto para ver o segurança que carregava uma
bolsa. Não fazia ideia do que tinha dentro da bolsa, mas sabia o que
ele poderia fazer: ela própria havia aprovado seus métodos de
tortura no passado, que agora seria usado contra ela.
— Eu quero ter o prazer de arrancar seus dedos. E isso será por
ter tocado em Daniela.
Outra vez Helena se manteve impassível, olhando para o
homem que foi até o segurança e voltou para o seu lado om um
alicate. Respirou fundo, já se preparando psicologicamente para a
onda de dor que beiraria o insuportável. Quando Patrício deu a
volta, para detrás da cadeira, fechou os olhos e logo sentiu o frio do
metal no seu polegar. O grito de dor foi automático.
Cléber seguiu os carros até uma parte do caminho, deixando o
restante para uma moto, ocupada por um dos soldados de
Theodoro. Sempre mantendo a comunicação por celular,
descobriram o local para onde haviam levado Helena rapidamente.
Passou a localização para o restante do grupo e em uma hora todos
estavam reunidos próximos a propriedade, uma casa bem protegida
por câmeras e seguranças.
— Nós vamos ter que nos alinhar daqui – falou ao grupo, atento
as suas palavras. – As casas são afastadas uma das outras, o que
nos permite cercar também pela parte detrás. Vocês arrumem
posições de onde possam atirar para derrubar os caras de fora –
finalizou apontando para os atiradores.
— Ali tem um prédio pequeno e bom – falou um deles apontando
para o prédio uma quadra a frente. – Dá uns oitocentos metros até a
casa, mais ou menos. Vai me dar uma boa visão do quintal e
garagem.
— Ótimo, já pode ir para lá.
— Na frente da casa tem uma arvore boa do outro lado da rua.
Dá para se camuflar bem e pegar toda a frente – informou outro.
— Acho que das casas laterais também conseguimos alguma
coisa – Cléber completou ao se lembrar dos sobrados vizinhos. Só
vamos ter que entrar sem chamar a atenção dos moradores.
— Conseguimos isso. Inclusive o fundo também tem que ser
coberto.
— Ótimo! Eu vou por terra, assim que derrubarem os principais
seguranças de fora, já faremos a incursão, frente e fundos,
simultaneamente. Eu não sei quantos homens Patrício possui dentro
da casa, mas nós somos em maior quantidade. Ficarão como
baratas tontas.
— Vai ser tranquilo. A casa não me parece uma fortaleza.
— Se posicionem: em meia hora atacamos.

Helena respirou fundo, tentando controlar as ondas de dor que


percorriam seu braço. Fechou os olhos, momentaneamente, mas
Patrício parou na sua frente, segurando seu rosto.
— É ruim estar do outro lado, não é?! Antes era você quem
estava aqui, orientada por mim, claro, mas ainda assim era quem
tinha o controle. Olhe pra você agora? A grande e temida Helena!
Você é uma decepção, como seu pai foi.
Helena se limitou a olhar para o homem à sua frente. Quanto
mais ele falasse asneiras, melhor pra ela, visto que não sofreria
lesões. O silêncio era um bom aliado naquele momento.
— Não vai falar nada, Helena? Quem cala consente. Já ouviu
isso, não é? Eu quero saber: onde está meu dinheiro?
— Convertidos em bitcoins em um local onde apenas eu tenho
acesso. Você tem uma escolha: Pode me matar e perder todo o seu
dinheiro ou me mantenha viva e pensarei se vou lhe devolver.
Outra vez Helena sentiu o peso da mão de Patrício. Ele se
afastou, xingando-a enquanto apontava para que um segurança
continuasse com as agressões. Soltou um alto gemido de dor
quando sentiu uma costela quebrar. Patrício indicou para que o
segurança parasse e retornou para sua frente.
— Eu tenho uma outra opção pra você: Você me entrega o meu
dinheiro ou eu posso ficar o resto da vida te fazendo como meu
saco de pancada.
— Ainda bem que já tem quase setenta anos – sorriu Helena ao
cuspir sangue.
Patrício tornou a pegar o alicate e foi para trás novamente. Outro
grito de dor ecoou pelo espaço ao ter mais um dedo arrancado.
O início da incursão se deu após uma ordem de Cléber. Os
atiradores, já posicionados, começaram a derrubar os seguranças
externos. Não levou mais que dois minutos para perceberem o
ataque. Rapidamente os seguranças de Patrício já estavam cientes
da tentativa de resgate que estava prestes a acontecer. Javier foi
até a sala onde estava o chefe, colocá-lo a par do que estava
acontecendo.
— Avise para seus homens parar, Helena!
— Mesmo se eu quisesse, coisa que não quero, não consigo
pará-los. Nós dois vamos para o inferno hoje, Patrício.
O homem deu um murro em seu rosto antes de sair da sala
acompanhado do segurança. Helena aproveitou os poucos minutos
e espremeu a mão machucada contra as cordas. A dor lancinante
não era algo que poderia levar em consideração naquele momento.
Assim que conseguiu se desprender, soltou as amarras dos pés e
pegou seus dedos, olhando ao redor, atentamente. Pegou o alicate
e se posicionou contra a parede quando escutou passos de alguém
se aproximando e assim que a porta foi aberta, acertou Javier na
cabeça. O segurança cambaleou, dando tempo para Helena pegar
sua arma e disparar contra sua cabeça.
O corredor estava deserto, visto que provavelmente todos tinham
ido para fora, para tentar conter o ataque. Escutou o barulho de
explosão e abriu um sorriso aliviada. De fato, sua tropa havia
chegado. Esgueirando-se pelo corredor, alcançou a escada para
enxergar Patrício com mais três seguranças, completamente
alarmado. Mantendo os passos leves chegou mais próxima, para ter
um melhor alvo dos quatro e derrubou dois seguranças. O terceiro
se jogou sobre Patrício, fazendo sua proteção.
— Não vale a pena morrer por ele, Fábio – falou Helena ainda do
topo da escada. – Eu posso te deixar vivo, é só limpar minha visão.
Se não fizer isso, morrerá com ele.
O segurança pensou em sair, mas antes que o fizesse, Patrício
atirou contra ele. Helena aproveitou para disparar contra o corpo,
mas percebeu que Patrício conseguiu se arrastar para um local fora
do seu alcance visual. Desceu as escadas e olhou ao redor,
atentamente, antes de ir até o aparador de bebidas e colocar os
dedos dentro de um balde de gelo. O barulho de tiros continuava
pelo lado de fora, estilhaçando as janelas, e se virou rápida quando
a porta foi aberta, mas parou ao ver Cléber. No seu segundo de
distração, foi alvejada por Patrício que se escondia dentro de um
armário. Apoiou-se contra o aparador enquanto assistia Cléber atirar
na direção do móvel.
Helena se arrastou até o armário, para abri-lo em seguida.
Patrício tinha levado um tiro no braço e outro no abdômen e se
encostava contra o móvel, tentando respirar.
— Oi Patrício – falou ao esticar a mão e Cléber depositar uma
arma sobre ela. – Sabe por que eu sou melhor que você? Eu não
vou cometer o mesmo erro que cometeu trinta anos atrás. Eu vou
conferir se está morto mesmo – completou se abaixando, rente ao
seu ouvido. – Minha mãe está viva.
Os últimos tiros ecoaram pela casa e tudo o que restou foi o
silêncio da noite.
Capítulo 28
Helena olhou para o corpo de Patrício, caído no armário, e
cambaleou para trás, enquanto sentia toda a dor da tortura a qual
fora submetida, tomar conta do seu corpo. Hector e o restante dos
homens entraram, ao passo que Cléber foi ampará-la.
— Temos que te levar para um hospital!
— Hospital, não. Não posso entrar em um sem sair presa de lá.
Vou te passar um endereço, nós vamos até ele.
— Temos que estancar o sangue da sua mão – continuou Cléber
ao olhar ao redor.
Helena concordou com a cabeça e começou a tirar a camisa,
sendo ajudada por Cléber. Enrolou a mão e olhou para seus aliados,
esperando alguma ordem.
— Coloquem os corpos para dentro e ateiem fogo em tudo.
Meus dedos estão ali naquele balde, Cléber, pega pra mim, por
favor.
— Tem como reimplantar? – perguntou o homem com uma
careta.
— Sim. Só não podemos demorar muito. Pode ser reimplantado
em até quinze horas.
Cléber foi até o local indicado e pegou o balde. Helena deu as
costas para sair da casa, mas retornou para o armário,
descarregando o pente em Patrício. Deu um meio sorriso
informando que apenas estava se certificando de que ele estava de
fato morto. Já do lado de fora, entrou no carro junto com Hector e
Cléber jogou no GPS o endereço informado pela morena.
— Levaremos vinte minutos até lá. Aguenta firme.
Helena concordou com um aceno e se encostou contra o banco,
tentando respirar fundo, mas a costela quebrada não lhe permitia
realizar o ato sem sentir dor. Pediu o celular para Hector e entrou
em contato com Henrique.
— Como você está Helena? – perguntou aflito.
— Meio ferrada, mas Patrício está morto. Acabou. Vocês já
embarcaram?
— Não. Daniela se recusou entrar no aeroporto. Voltamos para a
casa do Rodrigo. Onde você está?
— Sendo levada para cuidados médicos. Permaneçam aí, sem
sair. Vou mandar dois homens apenas para qualquer eventualidade,
mas o principal foco já passou. Patrício está morto.
— Você... O que ele...
— Eu vou ficar bem,
— Vou avisar sua mãe e Daniela.
— Não. Primeiro eu tenho que ser cuidada, não quero que elas
me vejam desse jeito, principalmente Daniela. Apenas avise que
Patrício está morto e que estou bem. Daqui umas duas horas eu
passo o endereço de onde estiver.
— Ok. Vou aguardar.
Dentro do tempo estipulado, o carro parou em frente ao prédio e
Helena pediu para embicar direto na garagem. Abriu o vidro o
suficiente para anunciar seu nome para o porteiro que liberou a
entrada. Pararam perto do elevador e rapidamente foi levada até o
andar solicitado. Diante da porta, Cléber tirou a arma com
silenciador apoiada no coldre e atirou contra a fechadura.
Hector entrou na sala apontando armas para todos os lados,
fazendo uma varredura enquanto Helena era guiada para um sofá.
Não demorou para que o rapaz sonolento aparecesse no corredor e
já estancasse, assustado.
— Helena!
— Oi Marcos – cumprimentou a morena, mirando seus olhos. –
Preciso dos seus cuidados.
Hector se aproximou do jovem e o empurrou em direção ao
centro da sala. Se virou rápido quando passos no corredor chamou
sua atenção. A loira se assustou quando viu a arma virada na sua
direção. Crente de estar em um assalto, automaticamente levantou
as mãos.
— Oi Gisele – cumprimentou Helena, acenando para que ela se
juntasse a Marcos. A jovem automaticamente mudou sua feição de
medo para preocupação ao ver os machucados da morena.
— Você precisa ir para um hospital! – exclamou ao se aproximar,
ignorando completamente a arma apontada na sua direção.
— Preciso, mas não posso – respondeu Helena. – Vocês vão
cuidar de mim.
— Helena...
— Marcos, é o seguinte: eu não posso entrar em um hospital
porque será necessário registros e eu não posso aparecer no
sistema. Vocês irão cuidar de mim. Se não fizerem um bom
trabalho, Hector e Cléber cuidarão dos dois. Não teremos
problemas, não é?
— Vamos ver o que tem – foi Gisele quem tomou a frente. – Faz
quanto tempo que seus dedos foram decepados?
— Duas horas. Eles estão naquele balde de gelo. Já devem
estar só na água.
— Perdeu muito sangue?
— Difícil determinar. Me sinto mais fraca.
— Temos que te levar para alguma clínica particular. Tem que
ser feito raio x para verificar fraturas, uma cirurgia de reimplante na
mão, outra para retirada das balas.
— Você não vai me bater? – perguntou Marcos, ainda afastado.
— Eu não, mas meus colegas vão se não se mexer – respondeu
Helena o encarando.
O rapaz assentiu com um aceno e se aproximou, fazendo com
que se deitasse no sofá. Analisou seu corpo, junto com Gisele,
conferindo seu rosto, suas costelas, os tiros e a mão.
— O tiro do abdômen não pegou em nenhum local vital –
informou. – Não parece ter nenhuma hemorragia interna. Meu pai
tem um pequeno hospital, vamos para lá e podemos lhe dar um
tratamento adequado.
— Eu não vou fazer nada contra vocês e pagarei bem pelo
empenho que tiverem.
— Depois falamos disso – informou Gisele. – Marcos, tem gelo
na sua geladeira, não tem? Pegue para colocar os dedos. Vou só
colocar um casaco e já saímos.
Helena concordou com um aceno e viu os jovens se afastarem
apressados. Marcos voltou alguns minutos depois com um
recipiente de vidro, cheio de gelo, e transferiu seus dedos para ele.
Hector voltou a apontar a arma para o médico, assim que viu ele
pegar o celular.
— Só vou pedir para deixarem uma equipe pronta – falou
olhando para Helena. – Nós temos atendimento vinte e quatro horas
lá. Preciso de enfermeiros, medicamentos e equipamentos
esperando por ela para começarmos os procedimentos o quanto
antes.
Helena apenas balançou a cabeça, informando que estava tudo
bem. Hector baixou a arma e a morena assistiu o médico coordenar
a equipe por telefone. Gisele voltou para a sala com uma jaqueta
sobre o pijama, dois travesseiros e a bolsa em uma das mãos.
— Vamos? Levantem ela com cuidado, sem movimentos
bruscos.
Marcos pegou a bacia que continha os dedos e Hector e Cléber
ajudaram Helena se levantar e seguiram para o estacionamento do
prédio. Gisele entrou primeiro na parte detrás e arrumou os
travesseiros contra o seu corpo. Em seguida, Helena foi colocada
dentro do automóvel e seguiram em direção ao hospital. A médica
foi controlando a respiração da morena e medindo sua pulsação
enquanto olhava para o celular.
— Você é bem forte. Não resistiria muito tempo se não tivesse
uma boa resistência física e psicológica. Não consigo mensurar sua
dor nesse momento.
— Tive um bom treinamento – respondeu Helena com a voz
baixa. Aos poucos começava a definhar, conforme a adrenalina ia
baixando em seu corpo.
— Nós vamos chegar logo. Aguente firme.
Como Gisele havia previsto, chegaram no hospital depois de
quinze minutos. Hector que acompanhava Marcos no seu carro,
desceu e já correu para ajudar a tirar Helena do veículo. Uma
equipe de enfermeiros já estava na entrada, esperando a chegada
do grupo. Automaticamente Marcos começou a passar as ordens.
Helena apenas balançou o braço, chamando Cléber para perto.
— Passe o endereço de onde estou para Henrique. Qualquer
coisa que esses médicos fizerem que lhe soar estranho, chame a
equipe. Eu já estourei a cara do Marcos uma vez, ele pode querer
se vingar.
— Fique tranquila, Helena. Vou vigiar tudo de perto.
Helena assentiu e relaxou contra a maca, sentindo toda a dor
que a castigava aumentar exponencialmente. As coisas começaram
a ficar confusas ao seu redor, enquanto via uma enfermeira pegar
seu braço para colocar um acesso. Ouvia Marcos pedir coisas, mas
não conseguia determinar o que era e logo a escuridão tomou conta
dos seus olhos.
Daniela estava sentada no tapete da sala de Jaqueline, com a
pequena Isabelle no colo, quando o telefone tocou a segunda vez.
Estava completamente aliviada por saber que Helena tinha saído
com vida, mas ansiosa, pois não sabia em quais condições ou onde
ela estava. Se concentrou em escutar a conversa de Henrique,
tentando extrair algo.
— Ok, nós já iremos aí – concordou o homem.
— O que foi? – perguntou ao se levantar com a criança.
— Helena foi levada ao hospital. Estão no SanFabrini.
— No hospital do pai do Marcos? – estranhou a jovem. – Vamos
pra lá agora! – finalizou, devolvendo a criança para Jaqueline.
Rose que havia escutado a curta conversa já havia se adiantado
para a garagem e em questão de segundos todos embarcaram,
seguindo para o endereço informado por Cléber. Com o pouco
trânsito daquela hora da madrugada, chegaram rapidamente ao
hospital.
Daniela desceu rapidamente e já correu para a recepção. Foi
indicado o andar onde Helena estava em cirurgia, mas não
encontrou nenhum dos seguranças. Olhou ao redor, ansiosa em
encontrar algum profissional. Foi Rose que parou a enfermeira que
vinha pelo corredor.
— Como está minha filha? – perguntou aflita.
— Quem é sua filha? – tornou a confusa enfermeira.
— Helena Millar. Marcos está com ela!
— Ah sim! A amiga do doutor que chegou em emergência. Ela
está sendo operada no momento. Doutor Marcos e Doutora Gisele
estão com ele, além do nosso cirurgião de plantão.
— Consegue informação do centro cirúrgico pra nós? –
perguntou Henrique. – E os seguranças que estavam com Helena?
— Um está dentro da sala de cirurgia. Não sei o porquê, se é
médico, mas ele está com a equipe. O outro está do lado de fora.
— Peça para o que está fora vir falar conosco – pediu Daniela. –
E, por favor, tente alguma informação do que está acontecendo!
— Vou verificar o que posso. Aguardem aqui, por favor. Ali tem
água, no final desse corredor tem outra recepção onde tem água
quente e alguns chás. Se acalmem que ela está com bons
profissionais.
A enfermeira se afastou e Daniela abraçou a mãe, com lágrimas
escorrendo pelo rosto. Para que Helena estivesse em cirurgia, era
sinal de que o pai havia conseguido fazer algo muito grave com ela.
Henrique aproveitou o momento e foi até o local informado pela
enfermeira e pegou dois copos de chá para as duas. Ainda ficaram
esperando por quinze minutos antes que Hector aparecesse com a
enfermeira.
— Eu tenho que voltar pra lá – falou assim que os viu. – Helena
pediu para ficar de vigia o tempo todo. Só está Cléber dentro do
centro cirúrgico.
— O que aconteceu, Hector? – perguntou Daniela tomando a
frente.
— Um resumo? Dois tiros, dois dedos decepados, uma costela
quebrada e lesões no rosto. Marcos e Gisele já estão cuidando dela,
não se preocupem: parece que é ruim, mas ela aguentou bem.
Nenhum dos tiros pegou em um lugar vital. Helena se manteve o
tempo todo acordada até chegar no hospital, extremamente
concentrada no que estava fazendo. Ela vai ficar bem.
Daniela não respondeu, apenas caiu no choro, abraçando a
mãe. Henrique que quis saber mais detalhes junto com a
enfermeira.
— Estão fazendo a retirada da segunda bala no momento. A da
perna foi rápido, mas a do abdômen é mais delicada. O próximo
passo é o reimplante dos dedos: foi o polegar e o indicador. Essa
cirurgia também demora um pouco mais.
— Venha nos avisar quando puder – pediu Henrique.
Hector assentiu com um gesto de cabeça e tomou a direção do
centro cirúrgico novamente. A enfermeira também informou que
retornaria quando tivesse informações e restou a Daniela e ao casal,
esperarem por mais notícias.
A cirurgia terminou depois de duas horas. Daniela, que não havia
desgrudado os olhos do corredor que levava ao centro cirúrgico, se
levantou rapidamente assim que viu Marcos. Andou apressada até
ele, abraçando-o.
— Obrigada por cuidar de Helena!
— Digamos que fui coagido a isso. Sua irmã não é uma pessoa
que se pode falar não – respondeu o médico afastando Daniela
delicadamente. – Ela já foi para a UTI somente para passar o efeito
da anestesia e depois já será transferida para o quarto.
— Eu sei que ela não foi... Gentil com você no passado, mas
obrigada!
— Esse é Gisele, médica que me acompanhou durante o
processo – apresentou Marcos. – Minha namorada também.
— Ah, obrigada, Gisele!
— Helena vai ficar bem. Sua irmã é forte! – sorriu a loira com
simpatia. – Doutor Eustácio, que nos acompanhou na cirurgia, já foi
tratar de uma emergência, mas ele também está muito positivo com
a recuperação plena dela. Fizemos quatro intervenções agora: A
retirada das balas e reimplante dos dedos. Acreditamos que ela terá
uma recuperação rápida: ela tem uma boa resposta, visto o tempo
que levou até receber um tratamento adequado.
— Ela vai sim! – Daniela retribuiu o sorriso e um abraço na
médica. – E pra que não fique tudo muito maluco, Helena não é
minha irmã.
— Não? – perguntou Marcos franzindo o cenho.
— Não. Ela foi raptada quando criança. Descobriu a verdade e
virou tudo isso. Depois eu explico com calma, se quiser saber. E
quando podemos vê-la?
— Assim que ela for para o quarto. Cléber está com ela, não
consegui convencê-lo de que não ia matá-la enquanto estava
sedada.
— Tá bom. Obrigada, mais uma vez!
Daniela observou o casal de médicos se afastarem e abraçou
Henrique e Rose ao mesmo tempo, completamente aliviada. Tudo o
que poderia fazer, naquele momento, era esperar.
Helena abriu os olhos e tentou localizar onde estava. Estava
sentindo-se completamente dopada, seus movimentos
completamente comprometidos e a respiração pesada. Até mesmo
o ato de girar a cabeça parecia impossível. “Eu vou matar Marcos”
pensou enquanto tentava levantar uma das mãos.
— Oi Helena – falou Cléber ao perceber que a morena havia
acordado.
— O que aconteceu depois que apaguei? Por que estou assim?
– perguntou com a voz fraca, mas aliviada em ver seu aliado.
— É o efeito da anestesia. Logo passa. A cirurgia foi bem. Foi
removido as balas e seus dedos foram reimplantados.
— Marcos cumpriu com sua palavra?
— Sim. Ele fez um bom trabalho. Ele, Gisele e um outro médico.
— Por que teve outro médico?
— Os dois ainda são estudantes, mesmo que seja último ano.
Segundo eles não poderiam te operar sozinhos porque possuem
somente a residência em cirurgia, mas seu caso era mais complexo,
no caso da retirada da bala do abdômen, enfim, me explicaram, mas
não entendi. Só sei que precisavam de um profissional já formado
dentro da cirurgia. Eu fiquei com você o tempo todo.
— Deixaram você entrar?
— Tive que ser um pouco insistente, mas não saí do seu lado do
começo ao fim da cirurgia e aqui, na UTI.
— Por que estou na UTI?
— Até passar o efeito da anestesia. Descanse agora. Depois eu
te explico tudo o que aconteceu.
— Certo. Dani?
— Já está aqui. Hector me passou que chegaram quando estava
em cirurgia. Logo poderá vê-la.
— Obrigada, Cléber.
O segurança se afastou quando a enfermeira se aproximou para
verificar Helena. Em pouco tempo a morena novamente dormiu e foi
acordada pela enfermeira às onze horas da manhã. Outra vez foi
verificada de dessa vez, Marcos e Gisele também foram vê-la.
— Oi Helena! – sorriu o médico. – Como está se sentido?
— Menos lesada de quando acordei antes.
— O efeito da anestesia já passou. Alguma dor, desconforto?
— Desconforto sim. A dor, um pouco, mas nada que não consiga
aguentar.
— Você está segura, Helena, em um hospital. Não tem que
aguentar nenhum tipo de dor, e pelo que vi ontem, você é muito
resistente a dor – falou Gisele. – Vou prescrever um tramadol. Na
segunda avaliação podemos ver se já será possível baixar a dose.
— Tudo bem. Quando eu vou para o quarto? Quero ver Daniela.
— Daqui uns vinte minutos. Já vou fazer a sua liberação.
Helena saiu da UTI exatamente meia hora depois da avaliação
médica. Ainda se sentia lenta, por conta do efeito da medicação
forte, mas tentava manter-se acordada, pois queria ver Daniela mais
que tudo.
Daniela já havia perdido as contas de quantos copos de chá
havia tomado desde que chegara no hospital. Ia intercalando com
café, para que ficasse acordada e seus picos de ansiedade estavam
no limite. Marcos e Gisele apareciam vez ou outra para falar do
estado de Helena e ficou contente ao ver como o casal se
completava: falavam a mesma língua, pareciam unidos, mas acima
de tudo, percebeu como Gisele era apaixonada por ele. Torcia pelo
ex namorado de poucas semanas. Tinha certeza de que ele era um
cara bacana.
— Daniela? – chamou Gisele ao aparecer no corredor. – Vamos?
Helena já foi transferida para o quarto.
A jovem não respondeu nada. Levantou de um pulo e seguiu
atrás da médica pelo corredor até chegar ao elevador e depois o
andar superior onde ficavam os quartos. Ficou apreensiva quando
Gisele abriu a porta.
Helena conversava com Cléber, mas sua visão foi
automaticamente desviada para a porta quando escutou-a
abrir. O sorriso foi automático ao enxergar Daniela.
— Lena! – exclamou a jovem, correndo para a cama. – Oi meu
amor!
Daniela buscou os lábios de Helena em um beijo delicado,
preocupada em não lhe causar dor, já que estava com o lábio
machucado. Gisele franziu o cenho e olhou para Cléber, que deu
ombros. Marcos também entrou no quarto e olhou confuso para o
momento de carinho entre as duas.
— Ah ok. Estou confuso. Vocês não eram irmãs até semanas
atrás?
— Teoricamente – sorriu Daniela.
— Acho que não precisamos entender essa parte, Marcos –
falou Gisele. – Vamos deixá-las.
— Pode ir também, Cléber – falou Helena ao olhar para o
homem. – Fique aqui na porta.
Depois da saída das três pessoas, Helena puxou Daniela para
outro beijo. A jovem acariciou seu rosto lentamente e depois
analisou seu corpo, todo enfaixado, assim como sua mão.
— Eu não consigo nem imaginar pelo que que teve que passar.
Eu fiquei tão desesperada quando se colocou nas mãos do meu pai!
— Eu tive que matá-lo. Eu...
— Sinceramente eu nem consegui ficar triste quando Henrique
me falou. Meu pai não era esse cara que se mostrou nos últimos
dias. Ele morreu no dia em que me agrediu no meu quarto.
— Isso tudo acabou agora.
— Acabou. Como veio parar no hospital do pai do Marcos?
— Não podia usar o médico da família, não podia confiar, visto
que era aliado de Patrício. O único nome que me veio à cabeça foi
ele. De brinde veio Gisele também.
— Era com ela que ele estava quando deu uma surra nele?
— Era.
— Bom, pelo menos ele não quis te matar durante a cirurgia –
sorriu a jovem. – Marcos é um homem bacana. Não sei o que deu
nele para me trair.
— Isso é uma página virada agora. Não é mais importante, não
é?
— Nunca foi, sabe disso.
— Eu te amo, pequena. Tudo vai ficar bem agora.
— Vai sim. Eu vou cuidar de você!
Helena outra vez beijou Daniela e a jovem apoiou,
delicadamente sua testa contra a da morena. Uma nova fase
começaria na vida das duas.
Capítulo 29
Helena ainda ficou um tempo com Daniela antes que Rose e
Henrique entrassem no quarto. A morena fitou o casal por poucos
segundos, antes que Rose se adiantasse para dar um beijo em seu
rosto.
— Estou tão aliviada! Graças a Deus você está viva!
— Eu disse que ficaria. Obrigada pelo apoio que me deram.
— Você não tem que agradecer. Faria isso de novo e quantas
vezes for necessário. Mesmo... Mesmo que eu não tenha lhe
colocado no mundo, você é minha filha no meu coração e isso
nunca vai mudar.
— E não será necessário outras vezes – emendou Henrique. –
Patrício está morto. Isso tudo acabou.
— Acabou – concordou Helena. – Porém ainda temos que ficar
atentos. Peter sumiu, Patrício ainda tinha aliados. Acredito que não
farão nada, uma vez que já matei Patrício, mas todo cuidado é
pouco.
— Em breve você tem alta – Falou Daniela. – Assim que estiver
bem, vamos embora daqui. Podemos nos fixar em outro lugar, outro
país. Recomeçar uma nova vida.
— Podemos. Só tenho que resolver algumas coisas antes, mas
iremos para um lugar onde viveremos em paz.
— Não vejo a hora disso acontecer – sorriu Rose. – Viver em
paz. Tenho sonhado com isso há tantos anos!
— Nós vamos ficar bem, mãe – respondeu Daniela. – Todos nós.
Rose passou o braço na cintura de Henrique e apoiou a cabeça
contra seu ombro, observando Helena e Daniela. Lhe era estranho
as mãos unidas e os carinhos e olhares apaixonados que trocavam,
mas iria se acostumar com o tempo. O mais importante era que as
duas estavam vivas, bem e que a pior fase de sua vida havia
passado. Finalmente poderia viver ao lado do homem que seu
coração escolheu para amar.
Naquele restante de dia, Helena ainda contou com a presença
de Henrique e Rose. Com o cair da noite, os dois foram embora,
mas Daniela se recusou a sair do lado da morena. Cléber aproveitou
o momento das duas e foi para casa tomar um banho e dormir.
Também precisava descansar, pois não tinha sido fácil acompanhar
o ritmo de Helena. Hector ainda ficou no hospital junto com mais
dois homens que seriam substituídos quando fosse dispensá-los.
A noite passou tranquila para as duas mulheres. Helena se
manteve desperta a maior parte do tempo, trocando carinhos e
conversando com Daniela. Explicou a ela o que ainda teria que fazer
e, juntas, decidiram que depois de tudo acertado, iriam para a
Europa e se fixariam em alguma cidade no interior da Espanha. A
intenção era, literalmente, sumir do mapa, onde ninguém mais
poderia encontrá-las.
No dia seguinte Helena passou por mais uma avaliação médica.
Marcos informou que já poderia ter alta no dia seguinte, mas a
morena sabia que não podia mais continuar no hospital. Era muito
arriscado sua permanência pois algum aliado de Patrício poderia
descobrir seu paradeiro e colocar todos os pacientes e funcionários
do local em perigo.
— Eu não posso ficar mais, Marcos – esclareceu. – Minha
permanência é um risco.
— Você passou por quatro procedimentos de uma única vez. Se
fosse pela mão ou o tiro na perna, tudo bem, mas temos que ter
uma atenção maior à cirurgia do abdômen.
— Eu entendo a sua preocupação e agradeço, mas finalizamos
aqui. Farei a transferência do dinheiro essa noite.
— Helena...
— Eu não vou me esforçar, ficarei de repouso, mas preciso
mesmo sair daqui. Não vou te colocar em risco, menos outras
pessoas que nem conheço.
Marcos se limitou a encarar a morena. Nos poucos encontros
que haviam tido, aprendera que nunca era uma boa ideia contrariá-
la.
— Eu não posso assinar a alta – respondeu, por fim. – Não
posso colocar meu registro em risco.
— Apenas informe que eu evadi do hospital.
— Está certo.
Daniela, que assistia a conversa de um canto, apenas balançou
a cabeça em sentido positivo quando seus olhos se encontraram
com os de Helena. Já haviam discutido aquilo na noite anterior e
concordava com ela, por mais arbitrário que fosse. Não sabiam se
algum funcionário revoltado com os ataques ou algum aliado de
Patrício poderiam atacar e o melhor era se precaverem. Quando o
médico saiu do quarto, apenas deu um leve aperto não mão de
Helena e saiu atrás dele.
— Marcos – chamou, já no corredor. – Obrigada por tudo o que
fez.
— Não precisa agradecer. Estaria morto se tivesse negado, não
tive muita escolha.
— Eu sei que Helena é bem difícil, perigosa, por assim dizer,
mas você poderia simplesmente ter saído do hospital e denunciado
ela, ou pior, tê-la matado durante a cirurgia.
— Eu vou fazer um juramento, no começo do ano que vem, para
salvar vidas, não tirar. Eu estou num time totalmente contrário do de
Helena.
— Eu acredito. Você é um cara muito especial. Espero, de
verdade, que seja feliz com Gisele. Eu não sabia de nada. Helena
me contou depois de... Conversar com você.
— Não conversamos. Ela me espancou, é diferente.
— Me desculpe!
— Eu não quero que pense que eu fui um filho da puta com
você. Eu saí sim com Gisele, mas nunca tivemos nada até três
semanas atrás. Éramos grandes amigos de estudos e ainda somos.
Eu saí com ela naquela noite para jantar, para nos conhecermos
melhor, porque eu já sentia uma certa atração por ela sim, não vou
mentir. Eu me assustei quando percebi quem de fato você é, seu
sobrenome, os negócios da sua família com contrabando e pessoas
da pior espécie. Eu não quis fazer parte disso.
— E você está certo, completamente com a razão. Eu não fazia
parte dos negócios da família, digo, eu não me envolvia nos
assuntos do meu pai e de Helena. Teria o mesmo pensamento que
você, certamente iria fugir.
— Mas aí está você beijando sua irmã. Aliás uma coisa bem
estranha!
— Helena não é minha irmã. Os pais dela foram mortos pelo
meu pai quando ela era uma recém-nascida ainda. Foi criada como
filha, nunca soube da verdade até dias atrás.
— Algo me diz que quanto menos eu souber, é melhor.
— Sim.
— Faz tempo que está com ela? Ela me bateu por causa de
ciúmes?
— Não sei se foi por ciúmes. E não, não estamos juntas a muito
tempo. Foi depois que paramos de nos falar, mas confesso que já
tinha ficado com ela antes, quando pensava que ainda era minha
irmã. Quase enlouqueci com isso.
— Eu acho isso tudo muito esquisito, Dani, mas não sou
ninguém para julgar. Eu espero que também seja feliz, independente
das suas escolhas. Só tenha cuidado com Helena. Ela é uma
pessoa muito perigosa.
— Obrigada pelo conselho – sorriu a jovem. – Nós ficaremos
bem. Todos nós.
Marcos apenas assentiu com um gesto de cabeça e deu um
abraço em Daniela, depositando um beijo carinhoso em seu rosto. A
jovem observou o médico se afastar pelo corredor do hospital e
abriu um sorriso: sempre lhe desejaria o melhor.
Na parte da tarde, do mesmo dia, Helena retirou o acesso do
braço e vestiu-se com uma roupa que Rose havia levado. Cléber já
estava de volta e a escoltou, junto com Hector, até o carro na frente
do hospital. A morena percebeu outros dois carros e mais homens
fazendo sua segurança, enquanto o veículo arrancava do local.
Daniela, ao seu lado, ajudou-a para que ficasse confortável durante
a pequena viagem até a chácara.
— Agora você precisa de muito repouso – falou Rose ao ajudar
Daniela a acomodar Helena na cama. – Você passou por
procedimentos delicados,
— Isso mesmo – concordou a jovem. – Você precisa descansar,
tomar as medicações exatamente como Marcos falou. Você ainda
não pode fazer nada que vá te comprometer. Em uma situação
diferente, ainda ficaria uns quatro dias internada.
— Possivelmente. Mas não podia ficar.
— Eu sei. Eu vou cuidar de você – respondeu Daniela se
inclinando para dar um leve beijo em seus lábios.
Rose olhou a cena desconcertada. Balançou a cabeça em
sentido negativo e se virou para a janela, olhando o entardecer
alaranjado. Ainda via as duas mulheres como suas filhas e não
como um casal. Demoraria até que se acostumasse com a ideia.
— Eu vou pedir para Henrique ir até a cidade próxima comprar
os medicamentos que precisa e as coisas para fazer os curativos.
Helena concordou com um aceno e assistiu Rose sair do quarto.
Voltou a encarar Daniela com um sorriso nos lábios.
— Ainda vai demorar um pouco para ela entender nossa relação.
Temos que ter paciência com ela.
— Uma hora ela vai – respondeu Daniela ao pegar a mão
enfaixada. – Nunca mais faça isso, nunca mais me assuste dessa
forma.
— Não terá uma próxima vez. Acabou com Patrício.
— Acabou – sorriu Daniela, feliz. – Eu vou preparar algo para
comer. Marcos me disse que tem que ser algo leve. Não sai daí,
viu?!
— Sim, senhora.
Helena deu um beijo em Daniela, antes que ela saísse do quarto.
Se encostou contra o travesseiro e virou o rosto em direção à janela,
relaxando com o barulho das arvores que circundavam a
propriedade. Enfim poderia descansar.
Foi acordada, delicadamente, por Daniela depois de três horas.
Tomou a medicação indicada por Marcos e a sopa que a morena
havia feito. Ainda ficaram um tempo na cama conversando
amenidades, antes que Rose aparecesse para fazer a troca dos
seus curativos. Daniela se acomodou do seu lado e, trocando
carinhos carregados de promessas, adormeceu ao seu lado.
Nos três dias seguintes, Helena foi coberta de cuidados, tanto de
Daniela, quanto de Rose. Cléber e Hector ficaram o tempo todo na
chácara, apenas como garantia. Os cinco garantiram que ela tivesse
uma boa recuperação e todos os assuntos, que ainda estavam
pendentes, ficaram em stand-by para que pudessem ter aquela
conversa num momento mais oportuno. Helena aproveitou o
máximo que pode para descansar, tendo longas horas de sono para
que seu corpo se recuperasse bem.
No quinto dia, voltaram para a capital e seguiram direto para o
apartamento de Marcos, para que ele pudesse fazer uma avaliação
da sua recuperação. Gisele também estava presente e garantiu,
junto com o namorado, que Helena havia tendo uma satisfatória
recuperação.
— Bom, acho que agora podemos nos coordenar de como
ficaremos de agora em diante – falou Helena ao se sentar no sofá.
Haviam acabado de retornar da capital.
— O que pretende fazer, Helena? – perguntou Rose sentando-se
numa poltrona próxima.
— Vou conhecer minha mãe – respondeu olhando para
Henrique. – Depois tenho que acabar com os últimos pontos das
operações da família. Ainda tem os armazéns que contem
mercadorias, os pontos de operação. Não posso deixar esses
lugares em aberto.
— Você não pode pedir para que um dos seus aliados arrume
isso? – perguntou Daniela apreensiva. – Você não pode se arriscar
novamente. Ainda nem está perto de uma total recuperação.
— Não é arriscado, linda. Não vou me colocar em risco
novamente.
— Depois disso nós vamos embora?
— Vamos. Assim que fechar todas essas brechas, nós vamos
embora para nunca mais voltar.
— Não vejo a hora disso acontecer – suspirou a jovem.
— Reúna a equipe amanhã, Cléber. Não precisa chamar os
homens de Theodoro. Só os que ficaram ao meu lado da
organização.
— Pode deixar, farei isso.
— Obrigada. Eu vou conversar com eles agora, depois lhe passo
as coordenadas do que iremos fazer.
— Ok – assentiu o homem, entendendo o recado e saindo da
sala junto com Hector.
Helena voltou os olhos para Rose e Henrique. Se encostou
contra o estofado, sentido a mão de Daniela pegar a sua. Suspirou
fundo, deliberando o que fazer dali pra frente com eles.
— Bom, acho que precisamos dessa conversa, colocar as coisas
em ordem.
— Precisamos – concordou Rose.
— Depois que terminar o que preciso fazer aqui, Dani e eu
iremos nos fixar na Espanha. Se quiser nos acompanhar, serão
muito bem-vindos.
— Ela havia dito. Não quero ficar longe de vocês, Helena. Eu
vou para o país que forem.
— O dinheiro que tirei da organização... Eu tenho que pagar os
homens que ficaram ao meu lado, cada um deles arriscou a vida
para me proteger. Eu vou dar uma generosa retribuição para cada
um, principalmente para Cléber que se manteve fiel o tempo todo.
— É o justo. Sei que tomaria essa atitude.
— Do que sobrar, um terço é seu, Rose.
— Helena, eu...
— É o certo a se fazer. Patrício tinha muito dinheiro na
organização, vocês terão uma vida confortável daqui em diante.
Uma parte fica com você, outra com Daniela e outra comigo. Hoje
esse dinheiro está convertido em bitcoins, mas vou transferir para
Euro quando já estivermos na Europa, gradativamente. Não é um
dinheiro que possa ser declarado, logo não posso fazer uma
transferência direta. Só uma parte, usando a empresa de fachada
com a qual negociávamos.
— Está tudo bem. Eu tenho minhas reservas também.
— Eu tenho algum dinheiro guardado também – emendou
Henrique. – Era o que usaríamos para recomeçar.
— Vocês não terão que se preocupar com nada. Vou cuidar para
que nada falte ao dois. Tem outro ponto que vocês também
precisam discutir em algum momento: saber se Daniela é sua filha –
falou olhando para Henrique.
— Isso...
— Podemos ver isso assim que estivermos na Espanha – falou
Daniela com um sorriso. – Eu quero saber se é meu pai.
Henrique apenas concordou com um aceno, sentindo a mão de
Rose pegar a sua, carinhosamente.
— Nós faremos um teste de DNA – concordou.
— Bom, outro ponto que acho que temos como conversar agora
é o fato de ter mudado de figura de minha mãe para minha sogra –
Helena sorriu de canto de lábio para Rose. – Eu sei que não tem
como entender isso agora, mas eu amo Daniela.
— É estranho ainda, – confessou a mulher – mas eu vou tentar
enxergar isso de outra maneira. Como começaram a se apaixonar?
— Eu nunca consegui ver Helena como minha irmã. Nossa
criação foi tão diferente uma da outra, nunca tivemos uma
convivência, nada que fizesse eu ver nela a figura de uma irmã mais
velha. Quando cheguei de Nova Iorque, Helena era apenas uma
desconhecida com quem acreditava ter laços sanguíneos.
— Eu ainda tentei fugir do que sentia – emendou a morena. –
Aquela viagem para o Nepal foi uma fuga do que estava sentindo.
Me culpava sempre de enxergar Daniela como mulher e não como
minha irmã. Saí com outras, mas não consegui conter.
— Não se pode mudar o destino – Henrique comentou. – Se
nada disso tivesse acontecido, se Nolan estivesse vivo e ainda na
organização, vocês iriam se encontrar, ou em algum acaso da vida.
Se é para ficarem juntas, nada iria impedir isso.
— É o que penso – concordou Daniela.
— Bom, como disse, vou tentar mudar minha visão sobre isso.
De qualquer forma você faz parte dessa família, Helena. Uma
família que foi destruída por nossas próprias mentiras e segredos,
mas que iremos reconstruir novamente de outra forma. Da forma
certa dessa fez.
Helena apenas balançou a cabeça em sentido positivo olhando
para Rose e, depois, Daniela. Deu um leve beijo em seus lábios e
tornou a encarar o casal à sua frente.
— Amanhã eu quero ir conhecer minha mãe. Você vai comigo,
Henrique?
— É claro. Eu vou sim.
— Vou descansar um pouco agora. Viajamos cedo amanhã.
Rose concordou com a cabeça e viu Daniela seguir com Helena
para o quarto. Apenas se virou para Henrique e foi sentar-se no seu
colo. Deu um beijo demorado em seus lábios, apertando-o em seus
braços. Pela primeira vez, em toda sua vida, sentia-se amada e
segura.
Helena deitou na cama e se ajeitou contra os travesseiros,
enxergando Daniela se acomodar ao seu lado. Puxou-a para um
beijo demorado, curtindo sem pressa os lábios sincronizados com
os seus. Se afastou para enxergar os olhos castanhos que tanto lhe
transmitiam paz e carinho.
— Tranca a porta – pediu com um meio sorriso.
— Amor, você não está bem. Podemos esperar mais um pouco...
— Minha boca está muito boa, lhe garanto. E sou ambidestra –
completou com um sorrisinho cheio de promessas.
— Só que não é só isso. Você passou por uma cirurgia delicada.
Teremos o resto de nossas vidas para isso.
— Teremos – suspirou Helena ao abraçar Daniela. – Eu te amo.
Eu te prometo que sempre darei meu melhor pra você.
— Eu sei. Eu também te amo e tudo o que quero é uma vida
com você, sem nada de errado, nada ilícito ou perigoso. Uma vida
chata, comum e entediante como duas pessoas extremante
comuns. E um cachorro.
— Ok. Teremos um cachorro – concordou Helena com um
sorriso. – O nome dele será Zeus.
— Não teremos um cachorro de grande porte, já vou avisando.
Zeus não combina com um Shih Tzu ou Chihuahua.
— Não sendo um Pinscher, pode ser qualquer um.
— São bonitinhos! Bem pequenos e um pouco temperamentais.
— Um pouco?! Voltamos ao meu cachorro de grande porte.
— Besta! Ele vai nos escolher.
— Ou ela.
— Ou ela – concordou Daniela. – Nós seremos felizes, tenho
certeza.
— Pelo tempo que me aguentar – riu Helena. – Não sei se ainda
vai gostar de mim quando não tiver mais o porte de um Dobermann.
— Ah! Você quer um Dobermann! Helena esses cachorros são
enormes!
— São lindos, Dani! Sempre quis ter um desses, Patrício nunca
deixou.
— Helena...
Daniela não terminou de falar. Helena avançou sobre seu corpo,
beijando sua boca. Acariciou-a inteira antes de se afastar para fitar
seus olhos.
— Você é quem vai catar o cocô dele, que fique ciente – falou a
jovem, depois de morder seu lábio inferior.
Helena concordou com um sorriso e acomodou Daniela em seus
braços, curtindo o corpo colado no seu. Em breve poderia viver
aquela nova vida que se desenhava a sua frente.
Na manhã seguinte, bem cedo, saíram em direção ao litoral. A
viagem demorou quatro horas, mas não viu o tempo passar,
apreensiva em conhecer sua mãe. Cléber seguia no volante ao lado
de Hector e Henrique e Rose seguiram em outro veículo, guiando-os
pelo caminho. Assim que o carro entrou em um bairro simples,
Helena sentiu seu coração virar uma bateria. Estava apreensiva,
mas somente a mão suada era que denunciava o turbilhão de
emoções que tomavam conta do seu corpo. Henrique estacionou
em frente a uma casa de portão verde e desceu, indo até o carro
detrás.
— É aqui – falou quando Helena baixou o vidro.
A morena concordou com um aceno e também desceu do
veículo em seguida. Daniela se juntou a mãe e ficaram mais
afastadas, enquanto Henrique tocava a campainha. Não demorou
para que uma mulher, beirando os cinquenta anos, aparecesse.
— Oi Henrique! Quanto tempo!
— Alguns meses – concordou. – Como vai, Lucinda?
— Bem, obrigada – respondeu voltando os olhos para Helena.
— Essa é Mirela.
Helena olhou para Henrique, curiosa com o fato dele ter falado
seu nome real. Tornou a olhar para a mulher que a cumprimentava,
sem ter ideia do que significava.
— Vamos entrar. Stella está do mesmo jeito, nada mudou.
Helena fez menção de entrar, mas se virou para ver Daniela.
Esticou a mão, convidando-a para entrar ao seu lado. A jovem não
contestou, saiu de onde estava e seguiu ao lado da morena.
— Como é a situação dela? – Helena quis saber.
— Ela tem paralisia, não anda, não fala. O médico diz que pode
ser trauma, pois não conseguiram chegar a um diagnóstico
conclusivo.
Helena balançou a cabeça em sentido positivo e entrou na
simples propriedade. Respirou fundo quando viu a mulher sentada
de frente a tv e de costas para ela.
— Temos visitas, Stella – anunciou Lucinda. – Henrique veio te
ver.
Lucinda virou a cadeira e Helena pode ver, pela primeira vez, o
rosto de sua mãe ao vivo. Ficou encarando-a por um longo tempo
enquanto sentia um bolo se formar na sua garganta. Stella também
a olhava, sem expressar nenhuma reação.
— Ela está assim desde que comecei a trabalhar aqui...
Helena não escutou o que Lucinda explicava. Soltou a mão de
Daniela e se aproximou da cadeira, abaixando-se na sua frente. Não
conteve uma lágrima ao pegar a mão inerte apoiada sobre o colo.
Deu um beijo nela, antes de levantar os olhos para fitá-la.
— Mi...Mirela... – sussurrou Stella. – Mirela...
— Sou eu, mãe. Sua filha.
Capítulo 30
Helena caiu sobre os joelhos enquanto outra lágrima escorria
pelo seu rosto. Deu outro beijo na mão de sua mãe, voltando a
encará-la. Sorriu ao ver uma lágrima escorrendo dos seus olhos e
levantou a mão para secá-la.
— Não precisa chorar mais, mãe, eu estou aqui.
— Mirela...
Helena sentiu a tentativa de Stella para levantar a mão. Ajudou-a
em seu gesto, levando para o seu rosto. Rose chorava ao
presenciar a cena, sentindo toda a carga de culpa que carregava
por ter sido parte da destruição da vida da mulher na cadeira de
rodas. Havia sido cumplice para que ela não tivesse qualquer
participação na criação da filha, para que ela perdesse todo o
crescimento de Helena e, principalmente, perdesse a fé.
— Ela nunca fez isso! – Lucinda exclamou espantada. – Ela
nunca pronunciou uma palavra antes! Quem é essa moça?
— É a filha dela, que ela achou que estava morta.
— Meu Deus! – a mulher exclamou ao levar a mão à boca.
O silêncio reinou enquanto assistiam a interação de mãe e filha.
Stella virou a cabeça lentamente, com toda a força que lhe restava,
olhando para Helena com um novo brilho no olhar antes apático.
Esticou a visão e conseguiu enxergar Rose mais afastada. O terror
que lhe assombrava aos longos dos anos, voltou com força.
— Ro... Rose... Patrí... Patrício...
Helena percebeu a imediata agitação. Se virou para trás, fitando
Rose por poucos segundos antes de voltar para a mãe e passar a
mão em seu rosto.
— Calma, mãe, Patrício não pode fazer mais nada. Está morto.
— Patrício...
Helena tentou acalmá-la, tocando seu rosto, mas Stella havia
ficado muito agitada, mexendo os olhos de um lado para o outro,
soltando sons incompreensíveis. Lucinda e Henrique se adiantaram,
conversando com ela, mas Helena sabia exatamente o gatilho da
agitação de sua mãe.
— Rose, por favor, espere lá fora.
Sem contestar, Rose apenas assentiu com a cabeça e saiu da
sala. Helena voltou a fitar Stella que aos poucos foi se acalmando.
Mantinha a voz branda ao dizer que ninguém ia machucá-la, que
estava segura, que estava ali para cuidar dela e que não sairia mais
do seu lado. Aos poucos Stella foi se acalmando novamente.
— Eu preciso falar com o médico dela – disse Helena ao se
levantar, depois de alguns minutos. – Eu quero saber qual a real
situação dela e o que pode ser feito para ajudar a melhorá-la.
— Bom, diante das reações que ela está tendo, é importante
falar com o médico dela – concordou Lucinda. – Eu tenho o telefone
da clínica, vou ligar para que ele venha até aqui.
— Eu vou buscá-lo. Qual o endereço? – Helena perguntou a
enfermeira. – Vou com Cléber até a clínica, Henrique. Você fique
aqui com...
— Helena, essa não é mais sua realidade. Você não precisa
mais ir buscar alguém sob ameaças ou chantagem.
Helena ficou parada por alguns segundos observando Henrique.
Realmente não podia mais sair pegando pessoas sob ameaça.
Suspirou fundo e passou a mão no cabelo, resignada.
— O que vamos fazer, então?
— Vamos ligar para ele, falar que ela teve uma reação positiva.
Ao saber disso ele logo irá se prontificar em atende-la.
Helena concordou com um aceno e gesticulou para Lucinda,
para que fizesse o que Henrique havia dito. Voltou a se abaixar na
frente de sua mãe, com um sorriso permeando seus lábios.
— Tudo vai ficar bem, mãe. Eu prometo isso.
Rose ficou na cozinha da casa, enquanto esperavam o médico.
Daniela se juntou a Helena na sala, enquanto os minutos pareciam
se arrastar no relógio. Com uma hora e dez minutos, o médico
chegou na residência e pode observar o comportamento de Stella
com a presença de Helena. Depois de examiná-la, chamou a
morena para um canto.
— É impressionante como ela reagiu a você. Sempre tive
certeza que o problema dela é mais emocional que físico. Os
exames físicos não apontam nenhuma anomalia para sua
recuperação. O trauma que ela passou deve ter sido bem grande!
— Meu pai foi morto e eu fui levada, além dos tiros contra ela.
Com toda a certeza é um trauma muito grande.
— Sim. Como foi reaparecer agora?
— Não vou entrar em detalhes acerca disso, apenas saiba que
eu nem sabia que tinha outra mãe até semanas atrás.
— É por isso que está machucada?
— Sim. Se eu soubesse da existência de Stella, jamais teria
deixado ela sem nenhum auxilio. Eu vou cuidar dela de agora em
diante.
— Eu vou reunir a equipe para um tratamento adequado a ela.
Fisioterapia, fono...
— Não. Eu vou levá-la para a Europa. Quero que avalie ela para
uma viagem como essa. Vamos em um avião particular, posso ter
qualquer tipo de equipamento e atendimento a bordo que seja
necessário. Preciso que me diga como fazer isso. Lá eu começo um
tratamento com ela, de acordo com o que me falar.
— Helena, isso...
— Mirela. Na frente dela sempre me chame de Mirela. É meu
nome real.
— Ok, Mirela. Não é recomendado que ela entre em um avião
agora. Não sabemos exatamente como ela está. É preciso algum
acompanhamento, exames...
— E você tem duas semanas para isso. Tenho dois médicos que
são meus conhecidos, eles também irão dar uma olhada nela. São
eles que ficarão responsáveis pelo seu translado. Me ajude com
isso.
— Tudo bem. Eu vou examiná-la completamente, observá-la
durante esses dias. Eu lhe dou uma resposta na próxima semana.
— Obrigada, doutor.
Helena ainda esperou por mais meia hora, enquanto o médico
finalizava os procedimentos com Stella, antes de voltar a se
posicionar na sua frente.
— Mãe, eu tenho que ir resolver algumas coisas, mas você ficará
bem aqui. Como disse, Patrício está morto e Rose não é uma
ameaça, ela está do nosso lado – explicou Helena ao se abaixar na
sua frente. – Esse é Hector, meu segurança e meu homem de
confiança. Ele ficará aqui para garantir que nada vá lhe acontecer.
Estarei com outros seguranças também. Nós vamos ficar bem, ok?
Stella pronunciou algo que Helena não entendeu, mas
compreendeu a mão que tentava fazer carinho na sua cabeça.
Apoiou-a nas pernas de sua mãe, sentindo a mão bagunçar seu
cabelo, antes de voltar a fitá-la.
— Em breve estaremos juntas. Agora ninguém irá mais nos
separar.
Helena se despediu da mãe e deixou Hector como segurança do
lugar. Não que fosse necessário, mas queria que ela sentisse que
estava protegida, que não precisava mais ter medo de nada.
Chamou Lucinda a um canto e informou que iria tirá-la do país e
caso quisesse acompanhá-la, seria bem-vinda. Lucinda recusou,
visto que tinha filhos e familiares ali.
A volta para chácara aconteceu com uma renovada Helena. A
cabeça ia funcionando em velocidade rápida, articulando tudo o que
deveria fazer. Assim que entrou na casa, já chamou Henrique e
Rose para uma conversa.
— Eu preciso que vocês vão para a Espanha na frente. Preciso
que comprem a casa, ajeitem tudo para a nossa chegada.
— Você e Daniela...
— Eu vou ficar com Helena – informou Daniela. – Só vou quando
ela for.
— Será por pouco tempo, Rose. Menos de duas semanas.
Comprem a casa de vocês e a minha perto uma da outra. Quero
algo em uma zona rural, porém não muito afastada da cidade. Não
pode ser em Madrid, Barcelona ou Sevilha. Mantivemos alguns
contatos por lá, anos atrás, e não quero correr nenhum risco.
— Valladolid, Saragoça ou Pamplona são algumas opções –
falou Henrique. – São mais distantes e são grandes. Pesquisei
algumas dessas cidades com Rose.
— O que acharem melhor. Preciso de um bom lugar para ficar
com minha mãe.
— Sobre isso, Helena, eu... Eu sinto muito.
— Já viramos essa página Rose. Melhor não voltar ao mesmo
texto.
— Ok.
— Eu vou descansar agora, to sentido uma dor bem chata no
abdômen. Se programem para viajar o quanto antes.
— Pode deixar. Já vou ver algo para amanhã ou no máximo para
o fim de semana.
— Seu passaporte está em dia, Henrique?
— Sim. Mas como vamos morar lá sem o visto?
— Uma coisa por vez. Primeiro vamos nos fixar lá. Depois eu
consigo o visto de permanência para todos.
— Como, Helena?
— Tenho meus meios.
Helena se levantou para sair da sala e Daniela se prontificou
para ajudá-la. Depois de um banho com os cuidados que requeria,
deitou na cama, acompanhada da jovem.
— Tudo vai dar certo, não é, Lena? – perguntou Daniela
acariciando seu rosto.
— Vai sim. O pior já passou. Só vou ficar esses dias a mais para
fechar os últimos pontos e para que minha mãe seja devidamente
examinada para poder viajar com segurança. Aliás, preciso fazer
uma ligação.
Daniela se adiantou e pegou o celular na mesa de cabeceira ao
lado. Helena discou o número e aguardou dois toques até que a voz
de Marcos entrasse na linha.
— Olá, Marcos. Helena.
— O que você quer, Helena? Aconteceu alguma coisa?
— Sim. Encontrei minha mãe hoje, ela está em uma cadeira de
rodas, segundo médico dela, pode ser fruto do trauma. Quero que
você e Gisele examinem ela para dar aval para uma viagem para a
Europa.
— Eu não sou seu médico particular, Helena!
— O valor de trinta mil será depositado na conta de Gisele
depois que eu receber um relatório detalhado. O médico dela se
chama Gilberto Gonzales, tem um consultório no litoral.
— Onde podemos encontrá-la? – a voz de Gisele entrou na
linha.
— Vou mandar o endereço por mensagem.
— Ok. E como está sua recuperação, Helena? Tem sentido
dores, febre?
— Não, estou com uma boa recuperação. Tenho seguido à risca
o que me falou.
— Certo, qualquer coisa, ligue.
— Obrigada, Gisele. Obrigado Marcos.
Helena desligou o telefone e fitou Daniela, que a olhava com um
risinho no canto dos lábios.
— O que foi?
— Parece que Gisele realmente quer ser sua médica particular.
— Ela gosta do dinheiro. Já percebi isso nela.
— Espero que seja só isso mesmo.
— É só isso mesmo – respondeu Helena puxando-a para um
beijo. – Eu já estou me sentindo bem melhor que ontem. Que tal
começarmos com outro tipo de tratamento?
— De ontem pra hoje não teve muita mudança – respondeu
Daniela acariciando seu rosto. – E você também está com dor. Só
uma semaninha, vai passar rápido.
— Que fique registrado que estou subindo pelas paredes! –
resmungou Helena antes de aconchegar Daniela em seus braços.
No dia seguinte, Rose e Henrique arrumaram tudo para a viagem
e no outro, se despediram com a promessa de se encontrarem na
Europa. Helena se manteve reclusa durante os três dias seguintes,
para que seu corpo se recuperasse bem. No começo do sexto dia,
chamou Daniela para uma conversa.
— Está na hora de começar a me movimentar. Vamos sair da
chácara, nos hospedar em algum hotel da capital enquanto resolvo
as arestas e depois na casa da minha mãe.
— Essas coisas que tem que fazer, não é nada perigoso, não é,
Helena?
— Não, não é. Vou conversar com Theodoro, entregar os
armazéns que nem sei como estão. Pegar algumas coisas no meu
apartamento e fechar essa porta.
— Por que não podemos ficar no seu apartamento?
— Porque serão apenas dois dias. Quero me certificar que
nenhum aliado de Patrício ficou nervoso o suficiente para me atacar.
Já reserve um avião particular para a próxima semana.
— Tudo bem, já vou fazer isso.
— Vamos voltar hoje à tarde. Se quiser levar alguma coisa daqui,
já comece a arrumar.
Daniela concordou com um aceno e deu um beijo nos lábios de
Helena, antes de se levantar e ir em direção ao quarto para fazer a
mala. A morena se levantou e seguiu até um móvel e pegar uma
pasta. Saiu da casa e seguiu direto para a residência do caseiro,
nos fundos da propriedade.
— Oi Thiago, quero falar com você.
— Pois não, Helena.
— Nessa pasta tem a documentação da chácara. A escritura e o
contrato de compra e venda. Eu já assinei, preciso que me faça um
favor.
— Você vai vender aqui?
— Não. Ela é sua. Cuida bem do meu cavalo, como sempre tem
feito nesses anos.
— Por que está fazendo isso, Helena?
— Eu vou embora. Vou para a Europa e não vou voltar mais. Se
quiser vender, fica a seu critério. Eu depositei um dinheiro na sua
conta essa manhã. É para os estudos do João Vitor. Garanta que
ele tenha um bom futuro. Também está nossa rescisão trabalhista.
— Helena... Eu nem sei o que dizer.
— Não tem o que dizer. Eu que tenho somente a agradecer por
ter tido seu trabalho por esses anos.
Helena agradeceu a Thiago o empenho que havia tido e voltou
para casa. Passou o restante do dia com Daniela e às cinco se
despediram, para voltarem para a capital. Depois de instaladas em
um hotel, receberam a visita de Gisele e Marcos, que tinha ido
avaliá-la. Com a alta médica para poder se mover com maior
tranquilidade, fez um plano mental das últimas coisas que tinha que
resolver.
— Não via a hora de escutar Marcos dizendo que está bem! Só a
mão que ainda vai demorar um tempinho para se recuperar
totalmente.
— É uma questão de tempo – respondeu Helena encostada nos
travesseiros. – Não vai mais me deixar de castigo, não é?
— Bom, você ouviu Marcos: exercício lhe fará bem – sorriu
Daniela com malícia, ao tirar o roupão.
Helena admirou o corpo à sua frente, revelado sensualmente por
uma lingerie. Salivou quando viu Daniela subir na cama e no seu
corpo e no seu corpo. Buscou sua boca em um beijo intenso,
deixando todo o tesão que sentia vir à tona.
Na manhã seguinte, Helena saiu acompanhada de Cléber para
fazer uma visita a Theodoro. Foi recepcionada no seu escritório e
recebeu um sorriso, ao entrar em sua sala.
— Você matou mesmo o filho da puta! Não tinha dúvidas disso!
— Obrigada por todo seu apoio, Theodoro. Não teria conseguido
se não fosse por seus homens.
— Acredito que teria sido mais difícil, mas tenho certeza que
encontraria um jeito de matar o desgraçado. Seja lá o que for fazer
de agora em diante, tem meu apoio total.
— Eu vou sumir do mapa. Cléber vai lhe entregar o armamento
que possuo, assim como um bom pagamento pelos seus préstimos.
Também vou pedir que alguns homens lhe procurem. Foram
fundamentais para que eu tivesse sucesso.
— Está certo, Helena, pode falar para conversarem comigo.
Meus homens me disseram que seus parceiros são muito bons.
Qualquer coisa me procure!
— Peter sumiu do radar, mas acredito que não lhe trará
problemas. Sempre foi um grande capacho de Patrício, certamente
irá se esconder pelo resto da vida.
— Não me preocupo com aquele bosta. Se ele aparecer por
aqui, coloco a cabeça dele numa estaca.
Helena sorriu em resposta. Realmente Peter não era alguém
com quem devia se preocupar.
O passo seguinte foi o escritório de Chang. Conversou com o
asiático por videoconferência, junto com o responsável de suas
operações no país. Reafirmou o compromisso de passar todas as
operações de contrabando para ele e entregou os armazéns com as
mercadorias. A ela não interessava mais nada que tivesse sido
parte de sua antiga vida.
No fim do dia pediu para que Cléber reunisse os homens que
havia apoiado sua tomada contra Patrício. Passou o contato de
Theodoro, caso quisessem continuar a trabalhar como seguranças.
A eles deu uma parte expressiva de dinheiro. Cada um havia
arriscado a própria vida para protege-la e era o mínimo que podia
fazer.
— Bom, temos que nos acertar, Cléber – sorriu Helena assim
que ficaram a sós. – Eu tenho uma eterna dívida com você.
— Ainda vou ficar com você até que saia do país. Depois vou ver
como me viro por aí.
— Theodoro ficaria muito feliz em te ter como parte de sua
equipe.
— Não, não quero mais me arriscar assim, sem um propósito
concreto. É muito provável que eu vá sair do país também.
— Dinheiro pra isso você terá – respondeu Helena esticando um
papel em sua direção.
— Obrigado Helena – agradeceu ao conferir o valor. – Vou
mudar minha vida completamente.
— É um novo milionário. Saiba como usar esse dinheiro para dar
um novo rumo na sua história.
— Eu vou, com toda a certeza eu vou.
Helena sorriu em sua direção: tinha certeza que a vida de ambos
havia mudado para sempre.
No dia seguinte, Helena colocou seu apartamento para venda
em uma imobiliária e desceu para o litoral com Daniela, Marcos e
Gisele. Ao chegar no endereço, os médicos avaliaram-na e não
identificaram qualquer impedimento para que ela pudesse viajar.
Helena abraçou Daniela e deu um beijo em seus cabelos: o avião já
havia sido reservado e tudo o que tinham que fazer era embarcar
para uma nova vida.
Epílogo
3 anos depois.

Marcos terminou de fazer a sutura e pediu que a enfermeira se


encarregasse de limpar o paciente. Saiu do quarto improvisado,
avistando Theodoro bebendo e rindo na sala de seu apartamento.
Gisele, ao seu lado, apenas deu ombros.
— A bala já foi retirada e a hemorragia contida, senhor
Theodoro. Seu homem ficará bem.
— Maravilha! Pagar o seguro da família é bem mais caro – riu
estrondosamente. – Michel está com o dinheiro de vocês.
Gisele assentiu com a cabeça e se adiantou até o homem que
segurava uma pequena bolsa. Pegou e abriu, conferindo a
quantidade de dinheiro ali dentro. Sorriu para Theodoro e saiu do
apartamento com Marcos ao seu lado. Alcançaram o
estacionamento e entraram no carro do marido.
— Nada mal para uma noite de trabalho! – falou Marcos ao guiar
para fora do prédio. – Amanhã começo a dar plantão às seis da
manhã. To exausto!
— É só clínica, não é? Não vai demandar tanta pressão.
— Sim, é tranquilo! Só preciso dormir por umas três horas.
— Bom, isso significa que pode ir dormir às duas da manhã, não
é? – perguntou Gisele acariciando seu pênis por cima da calça.
— Com toda a certeza – respondeu Marcos, puxando-a para um
beijo.
Durante todo o percurso, o casal foi trocando carinhos e
intimidade. Ao chegarem no apartamento, seguiram direto para um
banho, mas um estrondo na porta, chamou a atenção de Marcos.
— Espere aqui – pediu alarmado.
Gisele ficou apreensiva enquanto se enrolava em um roupão.
Marcos seguiu a passos cautelosos até a sala. Parou assustado, ao
se deparar com Helena toda ensanguentada, caída em seu tapete.
Correu para auxiliá-la sentindo a presença de Gisele ao seu lado.
— O que aconteceu, Helena?!
— Daniela... Mataram Daniela.

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