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Escuridão.

Isso era tudo que se fazia presente naquele momento. Estava com os
pulsos amarrados atrás das costas, o coração batia acelerado no peito e uma
venda sobre os olhos.
No meio da angústia foi possível escutar uma voz ao longe.
-Laila. -Ela chamou. -Laila. -Era possível escutar com clareza apesar da
aparente distância. -Laila, venha até mim. -A voz se aproximava cada vez mais.
Por um segundo o silêncio voltou a reinar, porém, era possível sentir
uma respiração próxima a seu rosto. Chegou perto do ouvido e sussurrou:
-Apenas eu quero você, então, venha até mim!
A venda que cobria seus olhos foi lentamente retirada por dedos
extremamente finos, porém, antes que pudesse ver o rosto da pessoa que
tanto lhe desejava, um barulho a despertou.
Abriu os olhos lentamente ainda se acostumando com a luz da manhã
que entrava no quarto pela janela. Sentou-se na cama e passou as mãos pelos
cabelos em uma falha tentativa de arrumá-los.
Escutou o barulho novamente, eram batidas na porta. Não demorou
muito para abri-la, afinal, não queria deixar a pessoa esperando. Não era
comum receber visitas, por isso tinha uma certa ideia de quem seria.
Assim que abriu a porta um lindo sorriso iluminou o local que sempre
parecia tão sóbrio e triste.
-Bom dia Laila, acordou agora? -Aurora estava animada como de
costume. Tinha os lindos cabelos ruivos presos em uma trança e, trazia
consigo, uma grande cesta.
-Diferente de você, eu não sou a maior fã de acordar cedo. -Tentou dar
um sorriso doce. Odiava acordar pelas manhãs, apesar disso adorava a
companhia da amiga, pois ela sempre a animava.
-De qualquer forma é melhor se arrumar, vamos até a feira.
Laila nem questionou, apenas seguiu para seu quarto para se preparar
para sair. Sabia que a amiga não a deixaria ficar em casa. Pouco tempo depois
as duas seguiram caminho para a feira. Elas passaram o dia todo no local, se
divertiram muito, o que era normal quando estavam juntas, afinal, como num
bom clichê, os opostos se atraem.
No final da tarde, pouco antes do pôr do sol, as garotas passaram em
frente a uma barraca cheia de bolos e tortas, a fome falou mais alto e elas
pararam para comer. Separam-se apenas para que Aurora pudesse pegar uma
mesa para se sentarem, enquanto Laila espera na fila para comprar os
alimentos. Estava distraída em pensamentos, quando duas senhoras se
aproximaram dela, ficando atrás de si na fila enquanto cochichavam algo.
-É melhor ficarmos mais para trás, não é bom ficar muito perto desta
menina. -A primeira senhora disse enquanto se afastava um pouco.
-Por quê? O que há com ela? -A segunda perguntou confusa.
-Você não sabe quem é ela? Essa garota é muito famosa por aqui.
-Jura? -Disse surpresa. -Então me conte, quem é ela?
A garota sabia o que seria dito sobre si, por isso apenas apertou mais
forte as mãos umas nas outras e esperou o que viria a seguir.
-Ela é perseguida pela morte. -A primeira senhora tornou a falar. –
Todos que se aproximam dela acabam morrendo, é quase como uma
maldição.
-Sério? Que Deus nos proteja. -Assustada, a mulher fez o sinal da cruz
com as mãos.
-Só o Senhor mesmo para nos proteger. -Acompanhou o gesto da
amiga. -Mas voltando para a garota. Sua mãe morreu durante o parto, talvez já
fosse um sinal da desgraça dessa menina. -Balançou a cabeça negativamente.
-O pai morreu quando ela tinha dez anos de uma misteriosa doença. Ela ficou
sendo cuidada pelo irmão mais velho, mas no ano passado, adivinhe. -Seu tom
era quase de suspense.
-Não me diga que o pobre coitado morreu também.
-Morreu sim, uma morte misteriosa. Até hoje ninguém sabe a causa da
morte.
A senhora que ouvia tudo atentamente parecia extremamente
assustada.
-Coitado da pobre alma penada que se casar com ela.
-Duvido que alguém iria querer ficar com alguém como ela, a única que
é apaixonada por ela é a morte.
A garota não aguentou ficar ali mais nenhum segundo, apenas se retirou
da fila e avisou para a amiga que estava indo para casa, nem esperou uma
resposta, apenas foi embora.
Como aquelas rudes senhoras poderiam falar assim dela e de sua
família como se não fosse nada? Apesar de realmente parecer que a morte a
perseguia, ela ainda era humana, sofrera muito com a morte do pai e do irmão.
Que direito aquelas duas velhas tinham para falarem disso assim?
Mas, parando para pensar, era verdade, a morte realmente a seguia.
Quem iria se apaixonar por ela assim? Nem o rei dos tolos viveria um romance
com ela. As senhoras tinham razão; a única que parecia lhe amar era a morte.
Será que era isso? A morte estava apaixonada por si? Não, isso não era
possível, afinal, ela tirou toda sua família. Mas e se não tivesse tirado? E se
apenas tivesse os levado para que quando fosse sua vez não se sentisse tão
sozinha?
Estava tão perdida em pensamentos que mal percebeu quando chegou
em frente a sua casa. Entrou e logo seguiu para seu quarto, onde sentou-se na
cama. Estava se sentindo perdida, será mesmo que a morte a queria tanto
assim?
Foi tirada de seus pensamentos por batidas na porta e uma voz abafada.
-Laila, sou eu, está tudo bem? Por favor, me deixa entrar. -Reconheceu
a voz da amiga, por isso não demorou muito para abrir a porta.
-Desculpa por ter saído assim. Eu sei que não foi legal da minha parte. -
Mal teve tempo de terminar as desculpas quando foi abraçada por Aurora.
-Está tudo bem, eu não sei o que aconteceu para você ter saído daquele
jeito e tudo bem se não quiser me contar, mas eu quero que saiba que estou
aqui com você se precisar.
Elas se afastaram e se encaram por um tempo.
-Obrigada por ficar comigo. -Agradeceu com um sorriso triste nos lábios.
-Não precisa agradecer, sabe que te amo, certo? -Aurora disse sincera,
tentando confortar a amiga, pois sabia que ela não acreditaria em suas
palavras. Tinha a estranha mania de achar que não podia ser amada.
-Já está tarde, acho que é melhor você dormir aqui hoje.
Aurora sorriu triste, pois sabia que Laila ignorou suas palavras por não
acreditar nelas.
As garotas não foram dormir tão tarde, afinal, tiveram um dia longo e
extremamente cansativo. Ressonavam lado a lado, quando Laila entrou no
mundo dos sonhos.
Novamente estava vendada e amarrada, enquanto aquela voz lhe
chamava.
-Laila... Laila -A voz se aproximou de seu ouvido novamente. -Eu quero
você, eu preciso de você, quero que venha até mim por vontade própria. Vou
trazer mais um presente para você minha amada.
A venda foi retirada de seus olhos, mas novamente, antes que pudesse
ver a dona da voz, acordou com o coração batendo rápido. Deu um pulo na
cama pelo susto, mas logo se acalmou.
Virou-se para o lado e viu que Aurora a encarava.
-Bom dia, dormiu bem? -Não obteve resposta. Ficou um pouco confusa,
não entendeu o porquê de estar sendo ignorada pela amiga. -Aurora, está tudo
bem? -Tocou-lhe no rosto, mas se desesperou ao perceber o quão gelada ela
estava. -Aurora! – Gritou e a chacoalhou, mas ela não fez nenhum movimento
sequer.
Abraçou o corpo gelado caindo em um choro sentido.
-Não, por favor, você é tudo o que eu tenho, não me deixa, por favor... -
Ficou ali, chorando abraçada ao corpo sem vida da pessoa que mais lhe amou
nessa vida. Não sabe por quanto tempo ficou assim, mas acabou por dormir
novamente após suas forças irem embora junto com as lágrimas.
Lá estava ela, naquele lugar que conhecia bem, apesar de nunca ter o
visto antes.
-Gostou do meu presente, meu amor? -A voz lhe perguntou de trás de si
enquanto tirava sua venda.
Pela primeira vez ela viu aquele lugar com clareza. O céu era escuro
como a noite. O solo era rochoso e ao longe pode avistar quatro silhuetas.
-Eu trouxe todos eles apenas para você meu amor. -Seus pulsos foram
soltos, porém não se mexeu. -Trouxe eles para te receberem quando vier ficar
comigo. -Sentiu um beijo ser deixado em sua nuca e sentiu um arrepio passar
por todo seu corpo. -Tirei ela de nosso caminho para que pudéssemos ficar
juntas de uma vez por todas.
As silhuetas se aproximaram e pode ver com nitidez seus rostos.
Estavam todos ali.
Seus pais, seu irmão e Aurora, todos que um dia amou e foram tirados
de si.
-Eles estão te esperando, eu estou de esperando. -Mais beijos vieram.
Sua cintura foi segurada com força por mão que eram pouco maiores que as
suas. -Venha para mim meu amor.
Tomou coragem e se virou, viu pela primeira vez a dona daquela voz tão
doce e suave que sempre lhe chamava.
Era uma mulher bonita, pouco mais alta que ela, seus olhos tinham um
tom escarlate sedutores como nenhum outro. Ela usava um manto preto sobre
os cabelos loiros.
Ela segurou seu rosto e lhe trouxe para perto. Aproximou seus lábios,
porém parou antes que eles se encostassem.
-Venha até mim Laila, apenas eu quero você, então venha até mim, seja
minha.
Se aproximou ainda mais, entretanto, antes que selassem seus lábios
em um beijo, seus olhos se abriram e ela já não estava mais no lugar sombrio
de antes.
Se encontrava novamente deitada em cima do corpo desfalecido da
amiga.
Se levantou atordoada. Precisava encontrar novamente aquela mulher
que tanto lhe queria e que pela primeira vez, era teve seus desejos retribuídos.
Seguiu em direção a cozinha onde pegou a faca mais afiada que encontrou.
Abriu a porta de casa e parou em frente a um lago que ficava ali
próximo. Entrou sem se importar com a baixa temperatura da água. Parou ao
chegar em uma profundidade que achou adequada.
Olhou ao redor uma última vez e levou a faca em direção ao pescoço.
-Eu estou indo meu amor. -Forçou um pouco mais o objeto na garganta. -Estou
indo ficar com você.
Fechou os olhos e deslizou a lâmina fria sobre a pele quente.
Acordou nos braços de sua amada, nada mais as impediam de ficarem
juntas. Finalmente, depois de tanto tempo, estava com quem sempre a
desejou.

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