Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2
3
4
Inferno Helheim
5
vizinho, ela atendeu a porta. Ao abrir, uma rajada
de vento bateu contra seu corpo, fazendo-a segu-
rar seu filho com mais força. O vento baixou e ela
olhou para a figura que estava em sua frente: uma
mulher com roupa de freira, encarando seu rosto.
Olhar para o rosto da mulher misteriosa foi
um desafio, pois seu rosto era translúcido, não
se prendia a uma só face. Era como um fantasma
triste. Em outro olhar, viu que a entidade segurava
uma foice roçadeira em sua mão. De algum modo,
isso combinava com sua aparência cinzenta. De
repente, um sentimento de desespero passou por
seu peito, como uma flecha congelada que conta-
giou todo seu corpo. Encarar os olhos brilhantes
da mulher era como ser cortada por mil facas. En-
quanto estava congelada, sentiu seus braços fica-
rem mais leves; seu precioso bebê já não estava
mais em seu colo, mas sim nos braços da mulher.
Enquanto o ambiente ao redor ficava cada
vez mais escuro e fantasmagórico, a entidade se-
gurava seu filho e saía andando em direção à pró-
xima casa.
6
Dois
7
cial. Pelo menos, não tão especial quanto seu belo
Sol.
Assim, a ingênua Lua começou a escutar os
poemas de seu novo admirador. Em todos, se fa-
lava do Sol, e a Lua não pôde entender como o ho-
mem passava o tempo ao seu lado, mas escrevia
tão arduamente sobre seu companheiro. Enciu-
mada, ela decidiu que não apareceria no dia se-
guinte. E, mergulhados na escuridão profunda de
sua raiva, os humanos tiveram tempo suficiente
para pensar em seus atos. E o pobre Sol, coitadi-
nho, sentia uma falta tamanha de sua amada. Os
poemas dedicados a ele e ao amor já não faziam
sentido. E, aos poucos, seu brilho e sua alvorada
perdiam o vermelho, alaranjado e rosa tão vívidos
e davam espaço a um cinza tão melancólico quan-
to seu coração.
No dia em que voltou ao céu, sim, ainda dia,
a Lua disputou seu lugar ao lado do Sol. Queria
brilhar assim como o grande astro brilhava. E seu
Sol, mesmo sem ter certeza se a Lua ainda era sua,
continuava pertencendo a ela. Vendo sua amada
assim tão temerosa, o Sol, confuso, perguntou
o que tão de repente estava errado. E, ainda tão
cheia de medo e tão escura como jamais foi, a po-
bre Lua lhe disse que nunca esteve completamen-
te satisfeita com sua posição. Queria ser admirada
assim como o Sol era. Ele, demasiadamente tris-
te com o final que seu amor teve, como seu úl-
timo poema, proferiu: “Hoje, em minha aurora,
me declararam um verso qualquer e, em vez de
apenas calado escutar, de volta declarei um sobre
você”.
8
O mistério da floresta
mágica
9
sentindo uma energia mágica fluir por seu corpo.
De repente, uma figura apareceu diante dela.
Era um ser mágico com uma aparência etérea e
olhos brilhantes. A criatura se apresentou como
Aria, a guardiã da floresta, e revelou a Catarina
que a floresta era, na verdade, um lugar mágico
onde criaturas encantadas viviam em harmonia.
Catarina ficou maravilhada com a beleza e
magia da floresta. Ela aprendeu que as histórias
de criaturas perigosas eram apenas lendas criadas
pelos moradores da vila para afastar os curiosos.
Aria explicou que a floresta estava em perigo, com
rios cada vez mais poluídos devido à quantidade
de lixo jogada no local, florestas devastadas com
queimadas e desmatamentos precoces, e animais
da região desaparecendo cada vez mais, afetando
assim a harmonia do local.
Determinada a ajudar, Catarina se ofereceu
para ser a defensora da floresta e proteger suas
criaturas mágicas. Aria a instruiu em antigos ri-
tuais mágicos, e Catarina se tornou uma poderosa
feiticeira, capaz de controlar os elementos e curar
a terra ferida pela poluição.
Catarina retornou à sua vila como uma ver-
dadeira heroína e compartilhou suas descobertas
e aprendizados com os moradores. Com o tempo,
eles aprenderam a valorizar e proteger a floresta,
e a vila e a floresta passaram a conviver em har-
monia.
Com o passar dos anos, a menina foi se
agregando cada vez mais à floresta e se afastando
de sua vila. Moradores do local até hoje comen-
tam que aquela linda menina, forte e determina-
da, nunca mais foi vista pela redondeza. O que não
se sabe é se Catarina foi realmente uma jovem que
salvou sua floresta, ou se essa é mais uma lenda
da vila Madalena.
10
Amargo
11
Foi culpa minha. Despejava em seu ombro
todos meus lamentos e não percebia as coisas às
quais ela resistia: dor, horror, amargura.
Morgana mudou o meu mundo. Sua mão
forte me dava forças para seguir. Percebo agora
que não fui nada, nem ouvinte para seus tormen-
tos.
Seu padrasto a despia e, aos poucos, sufo-
cava sua vida. Sua mãe negligente nada fazia, seu
irmão, o único que a protegia, não residia mais
naquelas paredes. Eu era a única pessoa que ela
tinha.
Quando foi necessário despedir-me, sen-
ti meu rosto molhado. A dor em meu âmago es-
correu, mas sabia que não seria apagada. Não era
ódio, apenas o puro amargor do arrependimento
que me perfurava.
Não era apenas pequeno, como também um
ignorante, mais do que aqueles que costumava
julgar nas manhãs de sábado. Beijei seu caixão fe-
chado, assim como ela beijava minha testa depois
de um desterro.
12
A novidade
13
A novidade se desgastou e as coisas que an-
tes eram tão encantadoras se tornaram comuns
e até mesmo incômodas. Hoje, a sua vista rara-
mente muda. São sempre pessoas que vêm e vão,
e de vez em quando um desejo de ‘tenha um bom
dia!’ é ouvido. À medida que ela se acostumou
com isso, foi fácil perder a conexão com as coisas
simples da vida.
Um dia, uma jovem moça lhe disse que a be-
leza está nos olhos de quem vê. Foi aí que ela per-
cebeu que mesmo as coisas mais comuns podem
ser extraordinárias quando vistas com a mente
e o coração abertos. Ela se levantou da cadeira
desconfortável, esticou as costas e sorriu para si
mesma. Olhou ao redor e, apesar de tudo conti-
nuar igual, agora ela conseguia enxergar a beleza
nas coisas simples.
14
Sequestro de crianças
15
parecia estar tenso, acho que por não entender
o que o homem falava. O policial começou a agir
estranho, fazendo muitas perguntas. Não sabia o
que estava errado, mas fiquei com medo.
Me deparei em uma sala, longe da fila e com
medo de ser deportado. Ainda conseguia escutar
os barulhos caóticos que o aeroporto normal-
mente possui. Um dos coordenadores da nossa
viagem brutalmente abriu a porta. O barulho as-
sustou a todos e fez o policial colocar a mão na
arma. Isso só me deixou mais nervoso. O nosso
coordenador, careca e pálido, começou a passar
suas informações ao policial e tentar compreen-
der o porquê de tudo isso. A tensão estava no ar.
Engolia minha saliva com dificuldade, ela descia
arranhando. Gab estava com os olhos arrega-
lados. Lena tremia. Seu avô respirava ofegante.
Até que ele descobriu. Os policiais achavam que
aquele casal de velhinhos estava fazendo tráfico
de crianças, e dessa vez, nós éramos as vítimas.
16
O portal secreto
17
Os demônios falavam entre si enquanto eu
estava no ar. Eu lembrei que tinha verbena da ca-
minhada - ‘Toda a paz e proteção surgirão, aque-
les que me atacarem ou atacarem Salem serão
punidos.’ Com a verbena na mão, eu repetia esse
verso várias vezes, enquanto Salem encontrava
uma saída. Com isso, os demônios se enfraque-
ceram. Antes de irmos embora, fui ver o que eles
protegiam - era um portal que viajava no espa-
ço-tempo. Apesar de ser muito intrigante, saímos
correndo o mais rápido possível antes de nos tor-
narmos iscas dos demônios. Admito que essa não
será nossa última visita. Ainda estou muito curio-
sa para entrar no portal, mas essa é uma história
para outro dia.
18
Vozes
Hunter Jacone
19
vez mais adentro.
Foi então, quando minha sanidade já estava
esgotada, que ouvi uma voz pela primeira vez em
horas, que não vinha do walkie-talkie. Confesso
antes de tudo que, a esse ponto, minhas forças já
tinham esgotado e eu já não tinha mais voz para
falar, então a única coisa que fiz foi reunir cora-
gem e ir atrás do que pensava serem meus com-
panheiros no mais profundo silêncio. Estou certo
de que isso foi o que me salvou. E oh, Deus, antes
que eu tivesse morrido de exaustão!
Após uma ou duas curvas, finalmente che-
guei até a fonte das vozes. Meu coração nunca ba-
teu tão forte por alegria. Alegria essa que não du-
rou três segundos antes de ser esmagada, quando
iluminei uma coisa, uma coisa que não pertencia
a esse mundo, a coisa que vi durante todo o cami-
nho... Quando iluminei o próprio demônio e des-
cobri, enfim, o que eram todas aquelas gravuras
e quem esteve conversando comigo durante todo
esse tempo.
Depois disso, meu corpo horrorizado ce-
deu ao estresse e ao cansaço. Não consigo me
lembrar de nada após esse ponto, sequer como
saí daquela caverna. Meus colegas estão dados
como desaparecidos e a pesquisa em que estáva-
mos trabalhando foi adiada. Ninguém acredita no
que conto, mas até hoje, quando passo por perto
daquela cratera, eu consigo vê-la perfeitamente,
aquela criatura rindo de mim, abrindo e fechando
sua boca e imitando as vozes de meus amigos. As
vozes que me atormentam à noite, as vozes que
aquele maldito demônio gravou em minha vida.
20
Um conto previsto
21
O que vou te contar agora talvez mude o jei-
to que você pensa sobre o mundo. Do outro lado
da cidade onde Daphne vivia, existia um povo que
dizia saber mais sobre o futuro do que todas as
pessoas na Terra. O que ela teria que fazer era ir
até eles e pedir para lhe contarem sobre os acon-
tecimentos do futuro. Em troca, isso nunca seria
revelado, pois o mundo correria graves perigos.
Assim, Daphne escreveu a história que co-
nhecemos, como as mudanças na sociedade, as
novas invenções, e conseguiu o que queria. Mas
cuidado, caro leitor, esse povo não pode ser des-
coberto. Talvez eu esteja te observando também,
e esbarre em você numa loja qualquer...
22
Um dia sem café
23
olhos e agora o mundo muda e de novo não vejo
mais nada.
De volta à minha gaiola, uma moça passa
em todas as mesas enchendo o copinho de todos.
Como eu nunca a tinha visto aqui? Eu e Brenda so-
mos as únicas mulheres do local. Eu me lembraria
se tivesse outra de nós. Guardo toda a substância
debaixo da minha língua. O sabor desse café não
se parecia nada com o que eu via tomado de ma-
nhã.
Com meus pés já para fora do escritório, eu
escuto:
— Com ou sem café, amanhã você vem para
o trabalho.
Meus batimentos aceleraram ao ouvir a voz
do chefe enquanto voltava para o carro. Ele tinha
que olhar para cima para falar comigo, mas ainda
assim seu olhar ameaçador me caçava.
24
Fantasma amigo
25
você. Não só como amigo, me entende, Laurinha?
— Ah, para ser sincera, eu não entendo mui-
to bem. Você tá dizendo que está a fim de mim?!
Isso não é possível, Arthur. Você nem sabe dizer
se sou real, se estou morta ou se sou algo de sua
imaginação. Ninguém consegue me ver, ninguém
me nota, você ainda não percebeu? - Laura fala,
indignada com a situação.
— Eu gosto muito de você, Laura. Faria de
tudo para ficar com você, até morrer. Consegue
me entender?
Antes que Laura consiga responder, o sinal
para voltar à aula toca. Arthur volta à sua rotina
normal até chegar em seu apartamento. Quando
ele chega em seu apartamento, dá de cara com sua
mãe. Ela chega cheia de perguntas, irritando Ar-
thur, que vai logo para seu quarto.
Arthur mora no décimo quinto andar. Antes
mesmo de conversar com Laura, ou até com sua
mãe, Arthur parte em direção à sacada.
— Você não vai fazer isso, né?! Sai daí ago-
ra! - Laura começa a falar apavorada.
Sem responder Laura, Arthur continua se
aproximando mais da beirada e logo se joga. Sem
pensar muito, sem se despedir de ninguém, ele
pula acreditando ficar com Laura.
26
Terra à vista
27
dou de meu sono raso que mal começara e já ha-
via sido interrompido. Prontamente me levantei
e fui checar o que havia acontecido. Perguntei ao
timoneiro e ele disse que nada havia visto. Estra-
nho, algo que pudesse produzir um som tão alto
deveria ser visível mesmo com a luminosidade
reduzida de nossas lanternas a gás. Alguns minu-
tos depois, novamente, um som de rastejo, cruel,
indomável, rápido e amedrontador. Agora, já com
mais da metade da tripulação trajados com suas
roupas de dormir, alguns quase despidos.
O barco tremia, e Giuseppe falou que nada
de importante acontecia e que poderíamos voltar
a dormir. Mas eu já o conheço há mais tempo que a
maioria deles e vi medo em sua voz e em sua face,
um medo que só havia visto uma vez em minha
vida. E estava certo: aquele som podia ser a últi-
ma sinfonia que ouviríamos. E sem nem dar tem-
po de voltarmos a nossos aposentos, na escuridão
imensa e infinda do mar, pude ver algo que previa
nosso fim. Tentáculos, longos, grossos, cheios de
marcas de arranhões, e que a cada piscar de olhos
se aproximavam mais do casco.
28
Um gato na guerra
29
tamente treinado dos alemães e, quando teve a
oportunidade, voltou para o lado nazista. Kyle ti-
nha sido treinado para desenhar coordenadas no
chão lamacento. Esse ataque fez com que os ale-
mães conseguissem avançar e vencer a guerra, e
então o mundo era dominado pelos nazistas.
30
Marcas e arranhões
31
Aquilo almejava a atenção de Dafine. Ela sentia
que aquilo não iria apenas passar como os outros.
Ela sabia que não iria ser um daqueles sentimen-
tos diários.
Em uma crise, Dafine surta e foge do hos-
pício, assim acreditava que conseguiria encerrar
essa fase de sua vida. Caminhando por uma flo-
resta com seus pés descalços, já não estava onde
tinha costume de passar. Encontramos seu corpo
algumas semanas depois. A causa de sua morte
não foi descoberta ainda, mas acreditam que al-
gum animal a tenha atacado. Mas isso não entra
na minha cabeça. Que animal deixaria o corpo
dela desse jeito, esses roxos, essas marcas e ar-
ranhões?
32
Campo de camélias
33
tendia por quilômetros, que representava a divi-
sa entre a liberdade e os jaqueta cruz de 4 pontas.
Arya sobe na mureta e vislumbra o nascer do sol
iluminando milhares de camélias, um verdadeiro
jardim de liberdade. Aquela foi a visão mais bonita
e pura de toda sua vida, pela primeira vez em anos
a criança dá um sorriso sincero. Já se colocando
para frente com o pé esquerdo pronto para pisar
no jardim da liberdade, ela ouve um barulho que
faz seus tímpanos arderem. Ainda com o sorriso
no rosto, mas agora com um buraco no peito, vê
as lindas camélias ficarem vermelhas e sua visão
ficar preta.
34
Embaixo daquele
sol quente, em cima
daquela areia fervendo
Yuri Oliveira
35
— Eu o que?
— Não tem número dela? não conversou
nada com a linda?
— Aquelas coisa sabe.
— Sei. Salada de fruta!
— E sanduíche natural!
Quatro da tarde e ela nada. Já foi isopor e
voltou, foi frango, atum, foi tudo. Última caixa, 20
frango 10 atum. 30 saladas de fruta. Última volta.
Olhava cada centímetro daquela praia, céu
azul, areia amarela, água meio esverdeada, mas
nada daquela ruiva de cabelo laranja ardente.
Sol nas costas e areia nos pés. E ela nada.
— Esse ano tá cheio de turista linda, né não?
— Deve ser.
— Qual foi que tu só pensa nela?
Chegando na ponta norte, se não for agora
não é nunca mais.
— Salada de fruta!
— Sanduíche natural!
— Aqui ó!
— Fala, ruiva, dois de frango e três saladas?
— Isso.
— Ruiva, me faz um favor?
— Fala?
— Me dá o último beijo do verão.
36
Animais de palavra
37
— Claro, querida, todos aqui falamos. Os
novatos raramente permanecem depois de nos-
sa primeira conversa, mas você não parece igual
a eles.
Sinceramente, não sei nem que tipo de rea-
ção expressar.
— Eu preciso alimentar os lobos.
— Me leve com você.
Depois de muita discordância, resolvo levar
Tersay comigo, e quando chego ao habitat dos lo-
bos e sinto a neve queimar meus pés por baixo das
botas.
— Bom dia! — Os lobos me cumprimentam
em um coro, vendo Tersay em meu ombro.
Meu Deus, estou mesmo enlouquecen-
do. Passo o dia com a jiboia, indo de mundos em
mundos, falando com diferentes raças e tipos de
animais.
Retorno ao habitat dos répteis e deixo a co-
bra calmamente ao chão e me sento ao seu lado.
— Eu nunca vou me acostumar com isso.
— Korsica, todos aqui têm um passado
sombrio, inclusive eu, minha ruivinha.
Sinto meu corpo todo falhar ao ouvir meu
apelido de infância, dado por minha mãe.
38
A menina e o labirinto
39
o caminho até sua liberdade.
A borboleta parou de voar, voltou-se para a
garota, que a seguia, e lhe disse para continuar o
caminho à frente. A criança congelou e, com uma
voz trêmula, afirmou:
— Este é o caminho cujas trevas me opri-
mem, sua feiura me assombra como pesadelos. Se
eu o cruzar, morrerei. - retrucou a garotinha.
A borboleta respondeu:
— Morrer? Você já não vive desde o mo-
mento em que chegou a este labirinto. Nem ao
menos sabes o valor que carregas. Às vezes, a
mesma escuridão que te fez cair é capaz de fazer
com que renasças.
Então, ela continuou:
— Você andará ao meu lado para iluminar a
obscuridade com seu brilho?
A borboleta informou:
— Eu pude te ajudar a encontrar sua di-
reção, como tanto pediste, mas apenas em suas
próprias mãos está o poder de vencer as trevas.
Assim, a garotinha desafiou o que todos jul-
gavam ser invencível. Ela correu pela estrada que
despertava seus piores infortúnios e encarou o
mal diretamente nos olhos. Quando menos espe-
rava, pôde sentir o ar puro agraciar suas narinas,
o calor recobrir sua pele gelada, e esperou a visita
de sua amiga para poder agradecer-lhe.
A borboleta apareceu e a moça exclamou:
— Muito obrigada, senhora borboleta. Você
abriu meus olhos, agora recordo-me de quem
sou.
A borboleta disse:
— Sempre lembre-se de que uma alma não
pode florescer se for feita refém da insegurança. É
preciso lutar por suas transformações. Adeus, até
um futuro incerto.
40
Maçãs do amor
41
já existia, isso era óbvio. Então, por que precisa-
vam da magia do amor que se encontrava no doce
que lambuzava suas mãos? Olhando ao redor,
percebi a presença de duas mulheres os obser-
vando com um rosto que expressava raiva e hor-
ror aos dois. Talvez suas mães, que não aceitavam
um amor jovem.
Voltei a vender os doces e observei os casais
que se formavam. O festival agora tinha uma nova
cara. Rostos felizes, contagiados pela música ale-
gre e reconfortante. Mas nem todos se encontra-
vam felizes.
Depois de vender todas as maçãs, me sen-
tei em um banco de madeira e os pensamentos
vieram à minha cabeça. Eu espalhava amor para
aqueles camponeses no festival da colheita por
5 anos seguidos. Mesmo assim, depois de todos
esses anos, eu continuava sozinha, com o vazio
em meu gelado coração. Eu espalhei amor por to-
dos esses anos, mas o amor não chegou até mim,
nunca. E hoje eu percebo que ele nunca mais virá.
42
Vicente
43
Eu acabo falando dos meus demônios também.
Sinceramente, essas duas noites na semana me
fazem bem. Fazia muito tempo que não me sen-
tia humana, sem ter meu corpo sexualizado e mi-
nha etnia fetichizada para manter a barriga cheia
durante o mês. É como sentir afeto pela primeira
vez.
Durante a noite, ouvi berros vindos do an-
dar de baixo. Nem dei bola, até porque eram nor-
mais as confusões e brigas naquele buraco sujo
onde eu trabalho e vivo. Porém, os berros pare-
ciam estar chegando cada vez mais perto de mim,
a velocidade da chegada daquela voz se intensifi-
cava. Quando resolvi abrir a porta, dei de cara com
Márcia.
44
Estou exausto
45
a boca. Parece que não se viram por meses. Por
outro lado, me deixam informado, mas o ruim é
que elas falam tanto que esquecem de se secarem.
Para isso, é preciso concentração, e pode ter cer-
teza, elas não têm nem um pingo. Quando chega o
sábado, eu já estou exausto, mas ainda tenho que
aguentar as meias, tão chatas que chegam a feder
mesmo lavadas. Não conseguem ficar um minuto
sem reclamar. Eu entendo que a vida delas não é
fácil, mas pelo menos existe talco de pé, né? Aos
domingos, eu tiro meu dia de folga, mas mesmo
assim, não compensa a rotina maçante.
Até que o clima mudou, e eu fiquei uma se-
mana inteirinha na chuva e sozinho. Mas pelo
menos tive minha sonhada folga, o que tanto que-
ria. Na segunda-feira seguinte, o sol raiou como
nunca, e as roupas acumuladas da semana pas-
sada foram lavadas todas de uma vez, e eu fiquei
sobrecarregado. Eram as camisetas preguiçosas,
os casacos grossos, as calças jeans debochadas, as
roupas de passeio tagarelas e as meias chatas que,
juntas, começaram a fazer um grande barulho. Eu
não aguentei, enlouqueci, e decidi dar um basta
nessa confusão. Arrebentei as minhas cinco cor-
das, e as roupas caíram no chão.
46
O falso acampamento
sombrio
47
Eles entraram no cemitério, iluminando o
caminho com suas lanternas. Mas logo percebe-
ram que estavam sendo perseguidos por criaturas
sinistras. Eles correram para fora do cemitério,
mas a porta estava trancada. Eles se abraçaram,
preparando-se para o pior, quando de repente
as criaturas desapareceram. Eles ficaram assus-
tados, mas sabiam que haviam enfrentado seus
medos e venceram a competição.
Mais tarde, descobriram que a equipe de
monitores tinha organizado tudo para criar uma
gincana assustadora para o último dia de acam-
pamento. Embora tenham passado por um gran-
de susto, Lucas e seus amigos sempre se lembra-
riam dessa aventura sombria e se orgulhariam de
terem enfrentado seus medos juntos.
48
Não-me-esqueças, meu
amor
49
no rio, impedido de se salvar das fortes corren-
tezas por sua pesada armadura de aço, dedicando
suas últimas palavras à sua amada. Pietro adorou
a história, questionando se um dia teria a opor-
tunidade de sentir a pequena flor em suas mãos.
Ao anoitecer, quando o casal estava em
sua cama, Pietro disse algo tão inusitado quanto
emocionante: “Não-me-esqueças, meu amor”,
enquanto tocava, com esforço, sua mão trêmula
na de sua amada. Sorrindo, ambos dormiram pa-
cificamente.
No amanhecer do primeiro dia de primave-
ra, Cecília voltava para casa após comprar frutas
na feira local, quando se deparou com um campo
florido de Não-me-esqueças. Estranhando a pai-
sagem, uma vez que a flor era considerada míti-
ca de tão rara, ela colheu uma das flores antes de
entrar na casa, para mostrá-la a Pietro. Ao cha-
má-lo e não obter resposta, Cecília foi até o quar-
to verificar, encontrando-o totalmente imóvel.
Pietro havia morrido naquele dia. Enquanto se-
gurava a pequena flor, Cecília caiu em lágrimas,
lembrando-se dos momentos felizes com Pietro.
A “Não-me-esqueças” simboliza o amor verda-
deiro e eterno que termina em tragédia.
50
Companheiros
51
avistaram uma flor reluzente de cristal. Anne se
viu maravilhada e correu em disparada com Max
em direção a um grande campo florido e ensola-
rado. Ao chegar ao final da colina e recolher a flor,
depararam-se com um caminho íngreme que se-
guia até a casa de sua avó.
Antes que fosse tarde demais, Anne e Max
correram rapidamente em direção à casa. Ao che-
gar lá, sua avó não estava mais na cama. Ao olhar
pela janela, Anne conseguiu ver sua avó do lado de
fora. Ela foi acolhida por sua avó com um abraço
aconchegante, e ambas seguiram de mãos dadas
por um caminho tortuoso. Max ficou para trás e,
ao olhar em direção ao horizonte, percebeu que
elas haviam desaparecido para sempre.
52
O Fantasma da
madrasta
53
acabou com o terror de Katrynah.
A partir daquele dia, ela começou a ter vi-
sões da madrasta morta, assombrando-a inces-
santemente. Ela se sentia culpada pelo que havia
feito, mas não sabia como se livrar da presença
maligna que a aterrorizava. Katrynah, então, aca-
bou sendo internada em um hospital psiquiátrico,
onde passou o resto de sua vida em um estado ca-
tatônico, assombrada pelo fantasma de sua ma-
drasta e pelos demônios de sua própria mente.
54
De novo
55
minha filha. Certifique-se de fazer isso por você
mesma, sem esperar a aprovação dos outros,
porque hoje em dia as pessoas não dão valor às
nossas conquistas. Se você for movida apenas por
essa aposta, sem realmente aproveitar o momen-
to, tudo será em vão. — Ele riu com um toque de
tristeza.
A última vez que realmente me desconectei
do piloto automático, nem consigo me lembrar.
— Ai! - resmunguei quando um galho qual-
quer me atingiu...
— Ei, você aí em cima! Falta muito para
chegar? — gritei imediatamente ao avistar um pé
lá no topo da montanha, que inclusive usava belos
tênis esportivos semelhantes aos meus.
Mas não recebi resposta, talvez ela não te-
nha me ouvido. Meu coração batia aceleradamen-
te quando finalmente percebi que estava quase lá.
Apenas mais uma esticada de pernas... Alívio, era
o que eu sentia. Finalmente, parecia que nunca
chegaria ao fim.
Assim que firmei meus pés no chão, escor-
reguei em algum maldito galho, e ele saiu voando
montanha abaixo. Por um único segundo, fechei
meus olhos, sentindo todo o cansaço tomar conta
do meu corpo. Quando os abri, vi a mesma árvore
contra a qual estava apoiada antes de começar a
escalada. Onde estou? O que está acontecendo?
Percebi que estava de volta ao começo. No
início da escalada. Como se tudo o que eu tivesse
feito não valesse a pena. De novo.
56
O segredo
57
pedaços de carpaccio gentilmente oferecido pelo
convidado. Eu nunca me lembro o que acontecia
no restante das noitadas, apenas com a vaga lem-
brança de adormecer e acordar no dia seguinte.
Sinto o pelo de Puby nos meus dedos e saio
da inércia de meus pensamentos, lembro de olhar
o que ele tinha na boca nesse dia, o terror assola
minha mente, uma orelha com brincos, quem te-
ria feito isso? E então, quando abro meus olhos,
vejo grades.
58
Três amores
59
tarde”, ela se foi. Bianca se foi para não voltar.
Agora cá estou eu, dentro do meu quarto,
escrevendo sobre meus antigos amores. E meu
terceiro amor? Nunca chegou, pelo menos não em
uma forma física. Me dei conta de que não preciso
de alguém que me complete ou de algo como uma
“alma gêmea”, mas sim de mim. Percebi que meu
maior amor sou eu. É claro que sinto falta delas,
entretanto ninguém me amaria mais do que eu.
60
Todo dia
61
Abro meus olhos e o abajur está aceso e mi-
nha poltrona no lugar errado. Desço já sabendo o
cheiro que me espera. Algo em mim fala que devo
me sentar na mesa para tomar café, mas antes
que eu mesma soubesse, eu estava com o gato
na mão, o segurando para não pular da janela do
apartamento. Mas como eu sabia disso?
— Calma, está tudo bem, Theodor, vai ficar
tudo bem... tem algo errado, não é, amigo?!
Em um instante estou com ele na mão e
no outro estou abrindo meus olhos e vendo meu
abajur aceso, mas minha poltrona no lado certo.
Seria todo dia a mesma coisa. Mas que droga está
acontecendo?!
62
O começo do fim
63
de dúvida para pavor.
— Como você... nunca imaginei te encon-
trar aqui — soltei as palavras presas à minha gar-
ganta.
— Estou te esperando desde o dia em que
decidiu brutalmente rasgar meu pescoço e o que
sobrou de mim com a faca ritualística de seu pai.
Flashbacks daquela noite voltam à minha
memória. A noite em que destruí completamente
nossas vidas.
— Você não sabe como eu estava ansiosa
para que seu transtorno se agravasse e te levasse
à beira da morte. Este é o seu destino final, seu
inferno. Aqui pagarás por tudo o que fizeste e não
escaparás. Este é o começo do seu fim, Elliot —
anunciou a ruiva, implacavelmente.
A delicada Maxine, que fez minha alma
dançar alegremente, agora a condena impetuo-
samente ao mais profundo inferno.
64
Para os céus eu vou
65
Já possuímos automóveis suficientes para andar
por aí.
Mas, de repente, barulhos e mais barulhos
consigo escutar, de pessoas gritando por causa do
trânsito, perto da minha residência. Indignada,
falei comigo mesma:
— Que merda, eles não conseguem fazer
menos barulho?
Até que, simplesmente, tudo fez sentido.
Qual seria a melhor forma de diminuir esse trân-
sito? Se não existisse mais trânsito, não existiria
mais esses barulhos e gritos que tanto me atrapa-
lham para pensar.
Diminuir os automóveis não seria uma ideia
ideal. Ninguém iria apoiar essa ideia já que todos
adoram possuir um. Nem criar novas vias seria
possível, já que isso nem seria original e já que
possuímos muitos habitantes com muitas casas.
Qual seria o lugar mais livre que temos para
desbravar? Os céus! Lógico! Como é que eu demo-
rei tanto para pensar nisso antes? Talvez eu até
consiga construir algum meio de transporte pelos
céus!
Não acho que alguém teria pensado nisso,
todos já ficaram acostumados com o transpor-
te atual, que é apenas no chão. Temos que parar
de ficar atrelado nesse pensamento que limita a
gente, afinal, o céu é o limite. Se eu conseguir au-
mentar a área de transporte para os céus, tudo se-
ria simplesmente muito mais fácil!
Preciso me organizar. Eu acho que em pelo
menos uma semana já consigo desenhar a planta
do projeto. Preciso começar o mais cedo possível!
66
Desfilar
67
arrepiar um sorriso, explodindo em simpatia. Mi-
randa só não tinha os dentes mais perfeitos pois
esses eram os meus. Seu diferencial? Todas as
modelos exibem feição séria, já a humana não. Ela
fez a pura leveza, até o milésimo final. Ao descer
do último degrau, desligaram-se todas as luzes. A
noite voltou à tona, mas refém dos aplausos.
“Acabou, Sra. Miranda”. Nós enfim con-
seguimos! Alternar do maior evento da década
para o nosso apartamento apertado foi rápido.
Vi a musa da noite receber infinitas ligações te-
lefônicas a parabenizando, derramar lágrimas de
vitória. Enfim, sua atenção dirige-se a mim. Mas
ao sentir seu toque sedoso, percebi que se tratava
de uma despedida. Sem poder pronunciar minhas
últimas palavras, a vejo guardar-me no armário
velho.
Me vi reduzido, melancolicamente, de es-
trela do desfile a um par de botas cano alto. Couro
de jacaré, número 37.
68
A sobrevivência do
amor
69
— NÃO! Mas eu fui convocado para jogar na
Austrália, por dois anos — gagueja Léo.
Meu corpo se congela por inteiro, fico sem
reação e percebo o pesar em seu rosto. Tento me
recompor, mas sinto meu olho marejar. Mesmo
assim, dou-lhe um sorriso desajeitado, porque
apesar do sentimento de desamparo, fico extre-
mamente feliz em vê-lo conquistando seus so-
nhos, mas nunca imaginei que isso tivesse que
acontecer tão longe de mim. E eu sei que não será
bom para nenhum de nós um relacionamento à
distância. Ficamos conversando até o restaurante
fechar, depois de muitos abraços e lágrimas. Per-
cebi que não teríamos um “felizes para sempre”
como eu acreditava.
70
Tempo invisível e o
envelope azul cobalto
71
sara, exatamente? Quando foi que o papel novo e
reluzente que Aya escolheu com tanto cuidado se
tornara amarelado e farelento? Mais importan-
te ainda: por que ela só se dava conta disso agora?
Estivera Aya tão absorta em suas insanidades a
ponto de perder a passagem de uma década?
Antes que se arrependesse, com a mente to-
mada por um crescente e atordoante horror, Aya
rasgou o envelope azul cobalto e... Não havia carta
alguma. O coração dela despencou.
Aya revirou pilhas de anotações, arrancou
cadernos de suas prateleiras e bagunçou o estú-
dio até, finalmente, encontrar um bloco de notas
meio amassado no fundo de um armário.
A carta nunca passara do rascunho. Ao fim
da página, lia-se: Quero que saib
Aya sequer terminara a curva do “a” e, mui-
to menos, pingara o ponto final.
72
Talvez em outra vida
73
— Quem sabe, talvez eu apareça...
Quando ela finalmente se despediu, percebi
o quanto era linda... olhos verdes, cabelos doura-
dos e sorriso encantador.
Passei o dia na praia, mas não conseguia
parar de pensar naquela moça misteriosa. À noi-
te, eu esperava que ela aparecesse, mas as horas
foram passando e nada. Quando ouvi uma batida
na porta, fui rapidamente abrir e vi um policial.
— Você é o Jorge Moraes, amigo da Amanda
Mendes?
— Sim, acredito que sim. O que está acon-
tecendo?
— Sua amiga se suicidou, faz aproximada-
mente uma hora. Ela deixou um recado pra você
- disse o policial, entregando-lhe um papel.
Não conseguia acreditar naquilo. A moça
que eu havia conhecido na praia, tão jovem, ha-
via tirado a própria vida. Li o papel e então per-
cebi que ela havia pedido ajuda, mas eu não tinha
entendido.
Senti uma culpa imensa. Me arrependi de
não ter prestado mais atenção. Talvez se eu tives-
se, ela ainda estaria viva.
74
A geladeira
75
Olhando para cima, eles viram a geladei-
ra do escritório brilhando com uma luz cósmica.
Eles sabiam que tinham testemunhado algo terrí-
vel, uma força que nunca deveria ter sido liberada
neste mundo.
Desde então, o escritório foi abandonado e
a geladeira permaneceu intocada. Mas, em noites
de céu limpo, algumas pessoas dizem que ainda
podem ouvir o som estranho vindo de dentro do
escritório, um som que nunca deve ser ignorado.
76
Sem rastros
77
tranquilo. — Vou descobrir se é isso mesmo que
estamos pensando.
— Está louco?! Não irei deixar você ir até lá
sem nenhuma proteção — disse Helena.
— Eu não preciso de nada, apenas de uma
vela — disse Miguel.
Assim, Helena entregou a única vela que
eles haviam levado e Miguel desceu até lá. Com
passos lentos, o som estava ficando mais alto e
tenebroso.
— Oi?! Tem alguém aqui? — disse Miguel,
meio assustado.
E de repente tudo ficou em silêncio, e Miguel
só pôde ouvir Helena perguntando se estava tudo
bem, mas não teve tempo de dizer uma palavra,
apenas um grito de socorro. Após Helena ouvir o
grito, ficou muito assustada, mas também preo-
cupada com seu melhor amigo. Então ela desceu
até lá e não conseguia ver nada, só uma sombra
que parecia tudo, menos seu amigo. Foi aí que ela
percebeu que já era tarde demais.
78
As chamas vão te guiar
Isadora Alves
79
seus cabelos estavam se mexendo e que a íris de um
de seus olhos tinha mudado de coloração, estava
roxa. Saiu correndo de sua casa e foi chorando em
direção à floresta.
A garota, sem saber o que fazer, sentou-se
debaixo de uma árvore e chorou compulsivamente.
Se sentindo confusa, assustada e perdida, Mabila
sentiu seu cabelo a cutucar e levantou a cabeça. Na
sua frente, havia um caminho de mini chamas de
fogo roxa, a guiando para algum lugar. Por algum
motivo, ela sentia que precisava seguir aquilo, e,
então, ela foi.
Mabila agora se deparava com uma casinha
no meio da floresta e a única coisa que passava
em sua cabeça era “por que elas me guiaram até
aqui?”. Ela deu 3 toques na porta e uma mulher de
olhos roxos atendeu. Na hora, a menina congelou,
pois sabia que a tal mulher era a moça que ela tanto
escutava nas histórias.
— Filha? — disse a mulher. Mabila desmaiou.
A menina, durante lapsos de lucidez, escutou
a mulher desabafando ao seu lado.
— Oh, meu pobre bebê, eu não queria que
isso tivesse sido passado a você. Quando eu tinha 12
anos, isso aconteceu comigo também... Você deve
estar tão assustada... Mamãe vai dar um jeito nisso.
A garota retoma a consciência já em sua casa.
Levanta-se assustada e com as memórias bagun-
çadas.
“Use isso, vai ajudar. Caso queira me pro-
curar, siga as chamas que elas irão te guiar. Você
nunca esteve sozinha. Beijos, mamãe.” Havia esse
bilhete, lentes de contato e um lenço para seus ca-
belos em sua cômoda. Ali então, a menina desceu
as escadas e deu um forte abraço em sua avó. Mes-
mo sem falar nada, as duas já estavam cientes do
assunto que estava por vir.
80
O noivo
Isadora da Luz
81
vanta e entrelaça nossas mãos, me guiando.
Mais tarde no dia, vou lavar a louça en-
quanto ele descansa antes de ir trabalhar, e en-
tre talheres e copos, a anta aqui corta o dedo. E
não só isso, aquela droga de dor de cabeça volta,
enquanto o sangue escorre entre os meus dedos.
Chamo meu noivo e ele não responde, percebo
que ele não está em casa, achando estranho, vou
ao banheiro para tratar do corte.
Já estava tarde, e nada dele chegar. Ele nun-
ca demorou tanto... Fui esperar pela janela quan-
do avisto meu noivo no meio da rua. No impul-
so, desço rapidamente, e na calçada, fico frente a
frente com ele.
— O que está fazendo? – pergunto.
— Nina, acorda!
— Am?
— Já passamos por isso, Nina, me deixa ir...
— O qu...
E antes que eu pudesse responder, um car-
ro vermelho passa por cima dele, sem mais nem
menos. Ninguém faz nada, ninguém se importa. E
quando percebo, já perdi todos os meus sentidos,
tudo escurece, tudo muda, e só consigo ouvir as
batidas de um coração em um monitor cardíaco,
parando...
82
Entre os ladrilhos do
banheiro
Primeiro dia:
Estava no teto hoje. Primeira vez que o vejo,
creio que o outro morador se mudou. Tomou ba-
nho apático e quieto, parece ser mais frio que a
água gelada por conta da falta do gás.
Segundo dia:
Hoje escolhi observá-lo da parede. Tomou
novamente seu banho gelado.
Terceiro dia:
Ele veio hoje, parece um tanto quanto in-
quieto. Havia um pouco de sangue, acho que se
machucou. Tomou seu banho gelado.
Quarto dia:
Mesmo ele sendo quieto, não me expulsou
daqui. Ele está sendo uma boa visita, vem aqui
todo dia e mantém o banheiro úmido para meus
filhotes. Obrigada, moço.
Oitavo dia:
Como todos os dias desde sua chegada, to-
mou seu banho gelado.
83
Nono dia:
Hoje ele não apareceu, mas o ouvi brigando
com um homem. Ouvi também móveis quebrando
e parece que algo pesado caiu.
Décimo dia:
Seu banho foi demorado hoje, tinha gritos
e muito sangue. Deve ter se acidentado. Ele é um
bom cidadão.
84
Um coração valente
85
para tentar alcançar um pedaço de osso que estava
ao lado dele. Usando a ponta do dedo, puxou para
perto e usou como uma arma, fincando na barriga
do bicho. Lucas estava ensanguentado e com uma
cicatriz na face que nunca irá abandoná-lo.
Ele, cansado, saiu da caverna. Ao chegar na
vila, foi recebido com admiração pelos morado-
res. Após contar o que ocorreu, a felicidade tomou
conta de todos.
Na semana seguinte, Lucas se recuperou e
decidiu seguir seu sonho de se tornar um caçador.
Sua coragem possibilitou que os moradores an-
dem com liberdade ao sair nas ruas, com a prote-
ção do grandioso caçador Lucas.
86
Parabéns pra você
87
família. Aí veio a surpresa. Aquele casal que vi na
minha festa era muito parecido com meus faleci-
dos avós, se não iguais.
Como eram avós por parte de mãe, fui per-
guntar a ela sobre, e ela me disse que, antes de eu
nascer, meus avós falaram a ela que iriam dançar
juntos na minha festa de 15 anos. Porém, eles in-
felizmente faleceram antes mesmo que eu tivesse
a chance de conhecê-los, mas hoje essa história é
um pouco diferente.
88
Seu Valdo, Feijão e a
árvore no fim da rua
89
ser?
O porteiro acena com a cabeça e agradece.
Se demora no passeio, não só por Seu Val-
do e Feijão serem ambos senhores de idade, mas
também para aproveitar as paisagens e cumpri-
mentar os vizinhos. Quando chegam na árvore, se
senta no banco ao lado e tira do bolso um bloco de
notas e uma caneta.
Passado um tempo, Feijão sobe na árvo-
re, instigado com a animação dos passarinhos. A
árvore não era muito alta, porém forte e antiga.
“Ela também brincava ali”, pensou, se lembran-
do de sua amada. Deixou de lado seus rabiscos e
se aproximou de Feijão, deitado num galho baixo.
— Você sente sua falta também, né amigo?
— Acaricia o gato, que ronrona em resposta.
E então viu: Gravadas no tronco, alto sufi-
ciente para que tivesse de inclinar a cabeça para
ver, as iniciais “V+L”, contornadas por um cora-
ção malfeito. “Valdo e Laura”, pensou automati-
camente. Sentiu as lágrimas quentes molharem
suas bochechas, ainda perseguido pela saudade
que ela deixara.
Suspirou e, abraçado com Feijão, deixou o
lugar. Empolgado, e muito mais inspirado, para
começar a pintura.
90
Revivendo o passado
91
das correntes da preocupação, chegando a esque-
cer que não fazia mais parte daquilo, algo o in-
comodava. Dentro dele, memórias que ele mesmo
reprimia gritavam, o agitavam por dentro, como
se um furacão ventasse em suas entranhas. Era
ela, a pessoa que ele queria esquecer.
Ele jurou esquecê-la, a pessoa que ele tanto
amou e que, por sua ignorância, perdeu, que por
tantas vezes desejou consertar tudo, porém nun-
ca o fez. Tudo naquele colégio lembrava dela. Li-
vio não conseguiu contê-las e as memórias volta-
ram, todos os abraços, toda a implicância e todas
as zombarias, a forma como ela e só ela o deixava
sem jeito. Ele sabia que estava fadado a conviver
com este arrependimento para sempre.
Então, escorrendo lágrimas de seu rosto,
Livio rumava em direção à saída, tomando a ideia
de ir ali como estúpida. Perdido em seus pensa-
mentos, esbarra abruptamente em uma garota,
fazendo o som da batida ecoar.
— Livio?!
92
A corrida
93
por 5 segundos até anunciarem para os pilotos se
prepararem para a corrida.
Os carros estão aquecendo o motor, cada
um na sua devida posição. Estou logo atrás de Lu-
cas, somos os dois últimos dos 25 pilotos.
Vermelho, laranja e...
Um barulho agonizante começa a tocar, um
som insuportável que me faz querer arrancar mi-
nhas orelhas. Olho para os lados com a visão tur-
va. Não vejo nada. Sinto minha respiração fican-
do fraca, como se estivessem me sufocando. Meu
corpo parece estar cada vez mais pesado e quente,
sinto que vou derreter. Isso não pode acontecer,
não agora, não na última etapa dos Jogos do Lim-
bo, ela não pode me levar agora.
Vejo um borrão se aproximando. É ela. De-
pois que ela ficou cara a cara comigo, eu posso
te dar uma certeza... que essa foi a minha última
corrida da morte.
94
A quadra 3
95
pode ser bem tóxica às vezes — sussurrei.
Finalmente consegui avistar nosso destino,
no qual ficava de olho de cinco em cinco minu-
tos no Google Maps. Saí do ônibus tremendo de
frio misturado com ansiedade e fui correndo para
o alojamento. Enquanto estava me preparando
para a primeira luta, ainda com aquele gosto in-
suportável de sangue em minha boca (dessa vez
sem manteiga de cacau) que só me deixava mais
nervosa e me trazia uma sensação de perigo, es-
cutava minha música favorita do Shawn Mendes
para dar uma animada. A minha era a primeira
luta da equipe! Que azar do cão! Saí do vestiário
e vi meu nome em caixa alta no telão da quadra
3. Aquela era a hora de colocar tudo o que treinei
por dez anos em prática. Enquanto andava até lá,
sentia cada pedacinho do meu corpo tremer. Subi
no tatame e encarei minha rival. Ela era maior do
que eu estava esperando, tinha o rosto todo tatu-
ado e me dava muito medo, mas eu não podia de-
monstrar, mesmo com aquela vontade imensa de
vomitar. O tremelique que incluía até os dentes e
aquele gosto de sangue forte que vinha dos meus
lábios há horas se intensificaram.
— Sijag! — gritou o árbitro, dando sinal de
início à luta.
Aquela era a luta decisiva mais importante
da minha vida, e minha adversária era uma das
melhores lutadoras do mundo. Ficamos em po-
sição, até que as duas começaram a chutar. Pas-
saram-se sessenta minutos e estávamos em-
patadas. Era tudo ou nada. Entre as centenas de
chutes que demos uma na outra, senti algo muito
forte acertando minha mandíbula. A partir dali,
era como se tudo estivesse em câmera lenta e
meu cérebro permanecesse rodopiando sem pa-
rar, já não estava mais em mim. Conseguia ver
96
pequenos takes dos socorristas à minha volta,
como se aquilo tudo fosse um sonho. A única coi-
sa que sentia era como se estivesse flutuando nas
nuvens com aquele maldito gosto de sangue em
minha boca, que não saía por nada nesse mundo.
Será que vou poder terminar a luta? O que exata-
mente estava acontecendo comigo? Acredito que
minha maior rival era eu mesma.
97
98
O vinho da descoberta
99
Entretanto, a mulher não se lembrava de ter der-
ramado vinho, muito menos no seu ilustre sofá
branco, mas ignorou o esquecimento, até por-
que depois de algumas taças de vinho é comum
esquecer uma simples ação estabanada. Em se-
guida, ela foi até a cozinha buscar o pano para
limpar, ouviu um barulho, assustada olhou para
trás e viu seu marido, porém, ele estava diferente.
Antes mesmo de alguma palavra soar da boca de
Laura, uma desconhecida saiu do quarto do casal.
A desconhecida estava ensanguentada e foi nesse
momento que Laura entendeu a mancha bordô.
Não era apenas vinho, mas sim sangue. O deses-
perador silêncio foi baleado por uma arma calibre
38 e Laura sentiu um líquido quente escorrer pelo
seu pescoço.
100
Unidos
101
atentar a isso, pelo menos nunca demonstrou no-
tar minha presença, mas de certo modo, também
não a nega.
Ainda assim, este não é meu lar, meu lar se
abriga longe daqui, é mais calmo, manso e liberto.
Já com ela, me vejo em tumulto metade do tempo.
E, se sequer me movimento, minha sobrevivência
há de ser sempre da conta dela. É cogitando me
soltar que observo um escape perfeito. Sem chan-
ces de haver falhas, e minha única opção restante.
A jubarte calmamente passa por uma es-
treita e longa via, formada inteiramente de co-
rais, pálidos, mas ainda vivos e afiados. Para mi-
nha sorte, localizo-me perto de suas guelras, na
lateral. E cada vez mais, o objetivo fica ao meu al-
cance. Nem mesmo tenho que aguardar muito até
que, acidentalmente, uma pancada forte me faça
bater de frente com um deles. Meu corpo, que an-
tes grudado, agora afunda, solto pela imensidão
do mar.
Percebo então que não consigo sair da mi-
nha rota ou tentar aderir a um novo ser. A turbu-
lência para de vez, e por todo o meu caminho até
o chão, me faz falta o agito. O que antes me fazia
preso, agora me ata a um novo destino. A morte é
inevitável, e agora, é também solitária.
102
O dia após a morte da
vovó
103
é quase indecifrável. A mensagem dela era para
mim.
“Você tem que se forçar a gostar de chá.”
Era a última frase. Você se foi cedo demais para
me ensinar a gostar desse líquido desagradável.
Toques na porta. Minha mãe chegou sem eu
nem reparar.
— Você está aí ainda? — suspirou e sorriu.
— Ela está em um lugar melhor agora.
Aquelas palavras pesaram, chegando até a
embrulhar meu estômago. Como ela superou tão
rápido a morte da própria mãe? É muito recente
para se superar, não faz nem 24 horas que ela se
foi.
Minha mãe se dirige em minha direção,
vendo-me com lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Já faz 3 anos, meu amor.
Meu pijama azul não me serve mais, mas
essa dor cresce acompanhando meu corpo.
104
Meu grande amigo
Julia Nagel
105
recia bem mais forte, escura e brilhante, além de
cobrir mais seu corpo. Depois de notar isso, me
senti feliz e ainda mais encorajado em tentar me
comunicar.
Dias após esses fatos, decidi entrar em seu
caminho, de maneira segura, claro. Já que sempre
seguia seu caminho de maneira meticulosamente
igual, eu não sabia como ele iria reagir e eu não
queria irritar meu futuro amigo. Tinha a impres-
são de que ele corria infinitamente.
Ao sentir sua chegada, subi em cima do ca-
minho traçado por onde ele corria, aguardando
nosso encontro. E de longe avistei-o, meu futuro
gigante amigo, vindo a toda velocidade. Minhas
expectativas foram se esvaindo ao mesmo tem-
po em que a ansiedade vinha. Me frustrei quando
sua velocidade não diminuiu e não houve sinal de
apresentações de sua parte. Até que aquele sopro
gritante e amigável e uma grande nuvem foram
emitidos. Saí rapidamente (e muito feliz) de seu
caminho com uma corridinha, antes de ser atin-
gido, e me pus a comemorar. Ele finalmente falou
comigo, mesmo que tenha sido uma das raras ve-
zes.
106
O muro verde
107
dade para entrar aqui? Eu, aparentemente.
21:45. O ar era gélido e cheirava a crisânte-
mos. Tantas histórias acabadas aqui, tantos finais
ruins. Um túmulo me chamou atenção: Lia Schä-
ffer. “Se você não luta por nada, pelo que cairá?”
“Pelo que você cairá, Alice? Se é que és sig-
nificante ao ponto de alguém te derrubar”. Uma
voz cruzou minha alma e escorreu o resto pra
longe.
— Não cairei, não antes de ser alguém! —
disse, quase rindo. Minha voz interna até parecia
real hoje.
— Já não és alguém? Digo, comes, bebes e
andas. Não seria isso um alguém? — disse a fi-
gura esbranquiçada sorridente saindo do túmulo
com os dizeres.
Corri o mais rápido que pude. Três segun-
dos depois eu estava em casa, sem fôlego algum.
Eu estava louca, entrando sorrateiramente em
cemitérios e falando com mulheres mortas.
O peso venceu; a mochila naturalmente pe-
sada, o fracasso, a rotina, o medo, a parede de
vidro que me separa deles e agora a loucura. Eles
venceram. Eu me sentei no chão da pequena sala.
É por isso que eu cairei, fardo de nunca ter sido
alguém.
Atravessei a rua, olhei o relógio: 19:37. Sem
mais muros verdes, eu mudei de caminho. Mas a
mochila pesada continuava lá.
108
Amor e amizade na
mesma pessoa
Kailani Clementino
109
Larissa ficou radiante de felicidade. Ela
nunca se sentira tão feliz e completa antes. Gui
era seu melhor amigo, mas agora ele era muito
mais do que isso. Eles começaram a namorar e
Lari sentiu que o mundo inteiro parecia mais bri-
lhante e cheio de possibilidades.
No entanto, a relação deles mudou. Eles se
tornaram mais tímidos e reservados em torno um
do outro, e Lari, que sempre foi tão ela mesma e
não fazia esforço pra agradar seu melhor amigo,
sentiu que havia perdido um pouco de sua cone-
xão com Guilherme. Eles tentaram trabalhar nis-
so, mas acabaram se separando alguns meses de-
pois.
Larissa ficou triste por um tempo, mas ela
sabia que tinha feito a coisa certa ao dizer a Gui-
lherme como se sentia. Ela sempre seria grata
pela amizade que compartilhavam, mesmo que
não pudessem ser um casal. E ela sabia que, um
dia, encontraria alguém que a amasse do jeito que
ela merecia.
Eles sempre foram tão próximos e se deram
tão bem, mas o sentimento estragou tudo. Guar-
davam as coisas para si mesmos, para não mago-
ar um ao outro e acabar sendo chato, e aos poucos
foram se afastando e perdendo o brilho. É uma
pena, mas é só mais uma história de amor entre
milhões.
110
O encanamento
111
parede da casa. Na mesma semana foi encontra-
do um encanador conhecido na cidade para final-
mente arrumá-la. Meio preocupado, o encanador
falou:
— Vamos precisar quebrar a parede...
— Desde que você tire essa coisa horrível da
parede, pode fazer o que precisar!
Conforme o encanador quebrava a pare-
de, o cheiro aumentava e Larissa estava cada vez
mais agitada, confusa, e Pedro estava na mesma.
Decidiram terminar a mudança para se distrair,
quando em um momento escutam um grito. Era o
encanador. Foram correndo ver o que aconteceu e
se deparam com toda família desaparecida, todos
mortos dentro da parede da própria casa. Aqui-
lo foi assustador... Larissa foi correndo chamar a
polícia e em questão de minutos, o achado da an-
tiga família estava sendo comentado por todo o
país. Pedro e Larissa receberam milhares de pro-
postas de compra para a casa. Além da família que
fazia parte da história da Argentina, pertences
raros como moedas e roupas também interessa-
vam o governo e museus argentinos. Quem diria
que uma grande infiltração causaria tanto alvo-
roço na vida do casal.
112
Debate da minha vida
113
de uma mulher passando por essa situação. Bom,
agora me coloquei. Literalmente.
Hoje na aula contei para Jack e pela pri-
meira vez concordamos em algo: não saber o
que fazer. Sinto minha carreira de advogada indo
pro ralo. Não quero construir uma família ago-
ra, ainda mais com alguém que eu não gosto. Por
outro lado, sentirei uma culpa eterna se abando-
nar a criança que sinto estar crescendo dentro de
mim. Entrei em um grande debate e minha vida
que está em jogo. A conclusão desses argumen-
tos, gerados por mim mesma, vai afetar o futuro
de outras pessoas também. Que comece a batalha.
114
Mudanças
115
do.
Cansada, depois de uma semana, fui até sua
casa tirar todas as minhas dúvidas, acabar com
todos aqueles pensamentos e sentimentos de
culpa, mesmo sem ter feito nada.
No caminho para sua casa comecei a ques-
tionar se aquilo era realmente uma boa ideia. Ha-
via passado três anos, eu também mudei, não sa-
bia se eu seguia minha vida ou iria atrás dele.
Mas quando eu vi suas flores favoritas sen-
do vendidas em uma floricultura, tive certeza de
que estava fazendo a coisa certa, afinal, eu o ama-
va e precisava dele de novo.
Comprei suas flores e segui o caminho até
sua casa. Na frente dela estava sua família, todos
vestidos de preto e com semblantes tristes. Esta-
vam de luto, mas por quem?
A mãe de Ben me viu e veio me abraçar pe-
dindo desculpas. E então ela me disse:
— O Ben estava muito doente, ele não que-
ria te prender e nem magoar você, por isso ele se
afastou de todos nos últimos três anos.
— Como assim? Onde ele está agora? —
perguntei, eu estava em choque.
— Ele faleceu esta manhã, Lina. — sua mãe
disse, chorando.
Depois de ouvir isso, algo dentro de mim
morreu naquele dia.
116
A caçada de Jorge
117
em inglês perfeito:
— Desculpe-me, amigo, mas eu não pos-
so ser capturado. Tenho uma reunião importante
hoje à tarde, e não quero me atrasar.
Jorge ficou perplexo, sem saber o que dizer.
O ornitorrinco agradeceu a comida e saiu da jaula,
deixando Jorge sozinho e confuso. Jorge percebeu
que ele havia passado todos esses dias procuran-
do por um animal que era muito mais inteligente
do que ele imaginava.
Ele riu de si mesmo e decidiu desistir da caça
ao ornitorrinco. Jorge voltou para casa com uma
nova perspectiva e a lembrança de um encontro
muito estranho com um animal ainda mais estra-
nho.
118
Sinfonia do abismo
azul
119
facilmente apanhado pelo homem. Ele agarrou o
braço dela, como um marinheiro agarrando uma
corda em uma tempestade, e arrastou-a de volta
para a cozinha.
O homem a apertou contra a parede e sus-
surrou em seu ouvido:
— Fique quieta e faça o que eu digo. Se você
não quer se machucar, não tente nada estúpido.
Lilly começou a tremer, como num furacão.
Seu coração batia descompassado, como se esti-
vesse sendo arrastado pela corrente. Não sabia o
que o homem queria, mas sabia que corria perigo,
como um barco em águas traiçoeiras.
— O que você quer de mim? — ela pergun-
tou, tentando manter a voz firme, como um farol
ainda sinalizando por socorro. O homem zombou,
como um tubarão atacando sua presa.
— Quero seu dinheiro, suas joias, qualquer
coisa de valor para você. Se você fizer algo errado,
eu vou matar você.
Lilly fechou os olhos e respirou fundo, como
se estivesse se preparando para sobreviver. Ela
precisa manter a calma e encontrar a saída, como
um barco tentando escapar de um vórtice mortal.
Ela vira seu pescoço lentamente até uma janela
com uma brecha aberta e fria, ela precisa escapar.
Lilly, então, chuta as genitálias do homem e tenta
escapar.
Ou o peixe sai do aquário, ou o tubarão exe-
cuta a presa.
120
Histórias que deixei de
contar
23/02/1963:
Diariamente, o jovem escritor Miguel vai
para a calçada de sua casa. E quando seus ágeis
olhos pousam sobre alguém, ideias surgem com
tanta rapidez que acaba sendo difícil acompanhar
o ritmo de suas ideias com o virar de páginas de
seu bloquinho.
Então, a garotinha que ele vê regularmente
começa a andar em sua direção. Quando chega, o
faz uma pergunta:
— Moço, o que é tão interessante que você
não para de anotar nesse bloquinho?
— Exercício. Gosto de criar histórias para as
pessoas que passam por aqui. — Miguel afirma.
— Só observo e crio. Por exemplo, aquela senhora
passa por aqui todas as quartas às 9:30 da manhã.
Eu a chamo de Neuza, ela tem 65 anos e está indo
para seu curso de crochê. Tá vendo aquele rapazi-
nho? Ele se chama Pablo, tem 12 anos e está sem-
pre atrasado para o futebol porque seu pai sempre
sai tarde do trabalho.
A garotinha o encara e logo em seguida diz:
— Então se você cria histórias para quem
passa por aqui, qual é a minha história?
— Por que eu contaria? A parte instigante é
121
criar histórias mirabolantes com a consciência de
que alguém que me inspirou não irá descobrir. É
um segredo que eu guardo de um estranho.
— Justo — diz a garotinha — Quem sabe
um dia você publica uma dessas histórias!
A garota solta uma leve risada e sai saltitan-
do de volta para casa. E Miguel continuou ali, ob-
servando o mundo acontecer ao seu redor.
??/??/2023:
O jovem criativo que habitava aquele cor-
po se foi junto do dia em que foi reconhecido que
lembranças iriam fugir das gavetas de sua mente,
para sempre.
Os dias passam e ele continua estagnado em
um mesmo ponto: a calçada em frente à sua casa.
O homem que vemos agora não vê as horas
passarem e acaba esquecendo o propósito de es-
tar ali. A cadeira em que ele se senta criou longas
raízes no asfalto e seu oportuno bloquinho se en-
contra em branco, apenas com rabiscos feitos em
momentos de pouca lucidez que ainda lhe resta.
E sua vida se torna apenas uma história,
sendo observada e esquecida por ele e todos à sua
volta.
122
O chalé
123
doce de alguém que já estava morto há um bom
tempo, mas que ainda não tinha encontrado sua
paz. Barry estava com medo e paralisado. Mas sua
esposa não estava lá para confortá-lo, ela não es-
tava dormindo, ela sequer estava no chalé.
Lia estava em sua frente, do outro lado da
janela, sussurrando em seu ouvido. O vulto era
ela, Lia, seu amor. Saía todas as noites de trás
daqueles galhos, onde tinha sido assassinada,
morta pelo seu amor. Alta e esquelética, seis me-
ses atrás, buscava vingança contra ele, seu amor,
Barry.
124
A menina que engolia
o choro
125
Quando percebeu que as gotas que escorriam de
seus olhos não eram engolidas por sua boca gran-
de, chorou ainda mais de alegria e, quando acabou
suas lágrimas, percebeu que seu corpo já não pe-
sava tanto. A mulher sorriu e devolveu uma boca
menor para a garotinha.
— Chore, mas não até secar por dentro — a
bruxa disse e saiu pela janela.
126
Espectro de medo
127
Em um instante, a sombra desapareceu em
um breu, e Marcela se viu só em seu quarto. Ela
buscou algo que explicasse o que havia aconte-
cido, mas não havia nada que esclarecesse aque-
la situação. Marcela não conseguia digerir o que
ocorreu, mas ela sabia que algo inédito tinha
acontecido naquela noite.
A partir desse momento, Marcela passou a
buscar alguma companhia nas noites escuras de
sua vida. Ela ficou perturbada pela lembrança da
sombra por semanas, mas nunca mais foi visi-
tada por tal. Alguma parte de seu corpo indicava
que a sombra ainda estava lá, esperando no breu,
pronta para voltar a qualquer momento. E aque-
la visita ficou marcada em suas lembranças para
sempre, a terrível noite em que seu mundo foi in-
vadido por algum fantasma do passado.
128
Vinho na parede
129
a porta e, quando a abro, não há ninguém. Olho
para os lados, mas nenhum sinal de nada. Até que
olho para baixo, e me deparo com uma mancha de
sangue, do exato formato de meu salto, em dire-
ção ao interior de minha casa.
Entro em pânico instantaneamente quando
percebo o que fiz, como um lapso de consciên-
cia. Aquele sangue de meus sapatos, que agora eu
percebia em meus braços, era o sangue de Tom.
130
O vazio
131
esperaria que outra nave viesse resgatá-lo. Ele
sabia que não sairia vivo dessa situação, mas não
queria arriscar a vida de seus colegas.
Enquanto esperava, pensou em tudo o que
gostaria de ter feito na vida. Arrependeu-se de
não ter passado mais tempo com a família e ami-
gos, de não ter feito viagens e experiências incrí-
veis. Mas ficou satisfeito por ter tido a coragem
de tomar a difícil decisão de não colocar em risco
a vida de seus colegas.
Então, Augusto infelizmente faleceu sozi-
nho em seu módulo, mas com a consciência tran-
quila de que havia feito a escolha certa. Sua vida
pode não ter sido perfeita, mas ele estava feliz
com o que era capaz de fazer. E assim, seu espíri-
to juntou-se às estrelas, onde sempre quis estar.
132
A cabana
133
fechada se entreabriu novamente, como se eu ti-
vesse me tornado um desconhecido pela cabana,
a familiaridade se tornou estranheza.
Olhei para meus pés e vi neve congelando,
recordando que precisava sair dali o mais rápido
possível, mas não havia como encontrar o cami-
nho para casa. Cansado e sem esperanças, a porta
entreaberta agora estava fechada. Eu estava per-
dido na nevasca e na minha própria mente con-
fusa.
134
O último olhar
135
E ela foi. Eu estava quase babando vendo-a
passar com seus longos cabelos enrolados. Faria
de tudo para tê-la. Já era tarde e resolvi ir dormir,
mas não a tirava de minha cabeça. Resolvi dar
uma volta pela margem do rio.
Perambulando no meio do céu estrelado,
me vi indo longe, o pensamento corria livremen-
te, esquecia até dos problemas com a empresa.
Esse tempo longe da cidade me fez bem.
— Estás aí me observando de novo, é? —
Uma sereia falava comigo. Era Iara.
— Vim dar uma volta, mas acabei me dando
bem.
Em meio a aqueles belos olhos, fui me afo-
gando, sentia a dor forte da paixão... na verdade,
acho que era a faca que o noivo enfiara em mim.
Minha última memória foi a mais bela possível,
era ela, só ela.
Foquei na noiva e esqueci que ela tinha noi-
vo.
136
O crime na fazenda da
família Annendberg
137
argumentar dizendo que a pessoa podia ter fugido
pela janela, mas ninguém acreditou em mim. De-
pois desse rebuliço todo, fui demitida. Eu tenho
certeza que tinha alguém lá, mas agora apenas
me resta procurar outro emprego para viver.
138
Um nome
Luiza Müller
139
com certeza.
— Bruno? — perguntou a alma intrigada.
Correu desesperadamente em direção àque-
la pessoa, porém ela se perdeu em meio às tantas
palmeiras que pertenciam àquela praia paradisí-
aca. Apesar de tê-la perdido de vista, a alma não
desistia. Caminhou por horas atrás dela.
140
O fim da era de velas
141
de seu pulmão para fora, e ele caiu morto. Então,
na poça de seu sangue, vi um brilho de uma igre-
ja qualquer e estremeci de corpo e alma, sentindo
como se algo me guiasse até lá. E lá estava uma
jovem mulher negra, a 3 km de distância da igre-
ja. Seminua, com nítidas cicatrizes de chicote em
suas costas e com um olhar vazio. Me aproximei
dela em passos barulhentos, para que ela me no-
tasse ou reagisse, mas mesmo me ouvindo, per-
maneceu imóvel como se não existisse.
— Olhe para mim — eu disse, levantando
sua cabeça com minha navalha, fazendo com que
ela me encarasse.
Meu corpo estremeceu e meu coração dis-
parou quando a lua sussurrou e o vento assoviou
em meu ouvido que meu tempo havia chegado ao
fim. Seus olhos secos e sem vida confirmaram que
era isso que o que habita em mim procurava e que
eu já não seria mais seu portador. Então, sem ne-
nhuma palavra, recuei sem dar as costas a ela e
me afastei, sabendo que este seria meu último dia.
142
O canto da sereia
143
do na loucura que estava fazendo e no possível
perigo a que estava se expondo.
— Me chamo Alana — ela fala com a voz
trêmula.
— Muito prazer, Alana. Vou pegar alguma
coisa para você comer. Enquanto isso, você pode
me contar o que aconteceu? — disse Pedro.
— Aconteceu no momento em que estava
nadando pelo coral para pegar conchas e fazer
mais pulseiras, quando um grupo de mergulha-
dores me viu. Fiquei assustada e tentei fugir, mas
bati nos corais e me machuquei muito. Então de-
cidi vir para cá.
Pedro deu um peixe para ela e foi pegar o kit
de primeiros socorros. Limpou os machucados e
foi guardar as coisas. Nesse meio tempo, quando
Pedro voltou, Alana já estava dormindo. Ele então
decidiu deixá-la descansar.
Ficou andando de um lado para outro pen-
sando no que estava fazendo. Uma criatura que
só via em livros e diziam ser apenas ficção, ago-
ra está dormindo no sofá de sua casa. O que seria
melhor fazer? Apenas falar para ela ir embora? Ou
ficar até melhorar? Ficou nessa dúvida até decidir
pesquisar mais sobre essa criatura. Ele viu que o
costume das sereias é atrair pescadores e cantar o
“canto encantador” que tem o poder de hipnoti-
zá-los e afogá-los no mar. Pedro ficou abismado
e se sentindo muito imprudente de sua parte com
o que estava em sua casa.
— Merda! — disse ele ao perceber que ela
acordou cantarolando.
144
Em casa
145
distante de tudo e todos para poder viver aque-
le amor não ajudava muito. A cada segundo tudo
desmoronava, já não aguentava mais, não queria
mais. Tudo que precisava fazer era uma ligação e
acabaria. Porém, não achava que seria agora que
teria coragem.
Depois de todos esses dias, vivendo as mes-
mas coisas o tempo todo, ela não conhecia mais
outra vida e não sabia se queria conhecer. A luz
da casa não voltava, ela nem se lembrava quan-
do havia ficado tudo escuro. Parou e olhou ao seu
redor. Um par de olhos, um carrinho de bebê, sua
cozinha cheia de velas. Seu filho deveria estar no
quarto nesse momento, mas ela não queria entrar
lá.
146
Habitante de mim
147
— Os bebês não choram iguais porque são
diferentes — completei.
Percebi, então, que na verdade ela nasceu
comigo. Ela chegou quando eu cheguei, sua pri-
meira aparição foi no meu nascimento. Ela esta-
va no meu choro, que foi único, sem referência e
sincero, e por isso criativo. A criatividade habita
em mim e, de vez em quando, faz ilustres apari-
ções. Ela não chega, mas aparece.
Onze e meia da noite. Ela apareceu, me
trouxe coisas magníficas e continuou me fazendo
de morada. Ela se fez e se faz presente todos os
dias da minha vida.
148
2054
149
tra um laboratório abandonado. O local tinha um
forte cheiro de remédio antigo e várias máscaras
velhas jogadas no chão. A moça olha os papéis e
jornais antigos, até que no fundo da sala encontra
um computador cinza. Sua tela tinha um fundo
verde com algumas letras escritas: “terceira pan-
demia global”.
150
Acabo com tudo
151
gem tem sido cada vez mais longa, parece que o
tempo congelou. Vejo o sol, pela primeira vez ele
está aí, sempre acordo muito cedo e, por conse-
quência, o dia vira noite. E novamente, tudo me
traz para o mesmo pensamento. Quero acabar
com tudo. Percebo que isso não está funcionan-
do, tento revirar meus pensamentos. Hoje acor-
dei atrasada, tive que me arrumar às pressas. Fico
pensando sobre minha aparência por um tempo,
nunca gostei dela. Odeio meu corpo, sempre falo
que vou começar a academia e mudar, mas nun-
ca consigo. Queria acabar com tudo, assim nunca
teria que suportar viver nesse corpo. Tenho que
me distrair.
Uma gota. Uma gota escorre na janela. Chu-
va. Fico me concentrando nela. Ela se acumu-
la com outras gotas presentes na janela, ficando
mais rápida, até que some. Enquanto isso, mais
gotas caem no céu. Sempre gostei de dias chu-
vosos, eles me dão um sentimento de aconche-
go, sinto vontade de voltar pra casa. Queria ir pra
casa, queria arrumar minha vida, queria me arru-
mar. Queria acabar... De repente, a Van para. Che-
gamos. Me levanto e vou até a porta, esperando as
pessoas na minha frente saírem. Estou na esco-
la, último lugar que queria estar. O único pensa-
mento que tenho é de que quero voltar, quero que
acabe o dia, quero acabar com tudo. Tento seguir
em frente mesmo assim, evitando esse constan-
te problema. Escola é o lugar onde mais me sinto
exausta. Todos os trabalhos, provas, tarefas, tudo
me faz sentir tão exausta. Me sinto inútil, que-
brada. E consequentemente, deixa os pensamen-
tos mais intensos.
— Acabe com tudo. Acabe com tudo. Acabe
com tudo.
Tento pensar em outra coisa. Começo a re-
152
parar nas roupas das pessoas, especificamente
garotas. Por mais que não queira, meu cérebro
automaticamente faz a comparação. Fico obceca-
da vendo os corpos delas e desejando que o meu
fosse igual. Eu comi muito ontem, que merda. Eu
nem estava com fome. Odeio isso. Odeio meu cor-
po. Odeio a escola.
Por que eu simplesmente não...
— Acabo com tudo?
153
154
O medalhão
155
Pensou no que poderia ter mudado. Novamente
nada. A dúvida o atormentava.
Agarrado ao leme, desbravou os mares. A
vara arqueou com força, registrando a captura de
um peixe. Quase virou o barco. O pescador, mar-
cado pelo sol e pela idade, puxou. Com toda a sua
força. Mas o peixe não deu descanso. Pensou que
não veria o rosto da mulher novamente.
Arrancou o peixe da água. Caindo sentado,
olhou a criatura diante de si, espantado. Sentindo
o ódio correr-lhe o corpo, talhou o estômago do
animal, encontrando um medalhão antigo e pe-
sado.
Na joia, uma bússola entalhada. O Norte
apontava para a prainha invisível àquela distân-
cia.
Atrás, um número: 30.
ISSO. Resolveu o mistério. Fazia 30 anos de
casados naquele dia. Ele esqueceu. Explicava a
frustração. Desta vez desembarcou na praia pró-
xima à feira, vendeu o medalhão para um meni-
no-músico, em troca do choro da sua viola. Vol-
tou com o garoto para casa e, chegando, pôs-se a
bailar com sua cigana como faziam antes mesmo
da solitária prainha existir.
156
A quinta carta
157
A faculdade tem sido cansativa, mas fiz
bons amigos, um mais diferente que o outro, e os
professores conseguem me dar medo, principal-
mente o professor Kayn, mas seus quadros de na-
tureza morta são perfeitos. E, junto com essa car-
ta, mandei um livro que roubei de uma biblioteca,
se chama A GRANDE ARTE, tem sido meu prefe-
rido. Já digo que vai odiar o final. Sinto sua falta,
principalmente nas manhãs de domingo, quando
íamos à praia, dos bares que íamos, e das conver-
sas de madrugada. Espero que me responda...
— De Cesar B.”
158
Poltrona 15
159
dou nada mesmo, continua com a língua afiada!
— Que engraçado, e você pelo jeito continua
o mesmo menino atrevido!
— Desculpa também, estava atrasado.
Quando me dei conta, já tinha esbarrado em você.
— Não, tudo bem. Eu estava distraída, mas
foi bom encontrar você! — Saio andando em di-
reção à escada, afobada.
— Ao chegar dentro do avião, encontro mi-
nha poltrona número 15, ao lado da janela. Me ar-
rumo para passar as próximas horas confortável
e aviso meu irmão que estamos prestes a decolar
quando sinto uma sombra ao meu lado. Era Noah!
— Não acredito! — digo, chocada.
— Só pode ser brincadeira! Parece que va-
mos passar a viagem toda juntos.
— Ah, jura? Nem reparei.
— Grossa, que mal humor!
Talvez eu esteja porque encontrei o cara por
quem eu era apaixonada na minha adolescência
inteira e vou passar a viagem ao lado dele? Penso.
Ignoro ele.
Ele percebe e não insiste em conversar co-
migo. O clima fica desconfortável.
Depois de horas no voo e um clima pesado,
finalmente cheguei ao destino final!
Noah sequer olhou na minha cara. Quando o
avião pousou, ele levantou e simplesmente saiu,
quase atropelando todo mundo.
Logo que passei a alfândega, aviso meu ir-
mão que tinha dado tudo certo. Porém, ele me
manda uma bomba em forma de mensagem:
“Maninha, esqueci de te avisar. Sabe o
Noah? Loirinho, meu melhor amigo de infância?
Chegou em Nova York hoje e irá ficar um tempo
no meu apartamento”.
160
A carta
161
Um dia, Evelyn decidiu investigar por con-
ta própria. Ela analisou cada detalhe das cartas e
percebeu que o remetente parecia ter um conhe-
cimento profundo sobre sua família. Ela passou
horas vasculhando as fotos de sua família e ami-
gos nas redes sociais, procurando por qualquer
conexão possível.
Finalmente, depois de uma semana de in-
vestigação, Evelyn descobriu quem estava por
trás das cartas misteriosas: era seu pai que havia
a abandonado. Seu pai, que nunca fez questão de
vê-la ou simplesmente saber dela, estava tentan-
do chantageá-la com informações pessoais, pe-
dindo dinheiro em troca, caso contrário ele vaza-
ria suas informações.
Evelyn ficou indignada e decepcionada. Ela
confrontou seu pai e exigiu que ele parasse de en-
viar as cartas imediatamente. Seu pai tentou se
desculpar, mas Evelyn estava determinada a cor-
tar todos os laços com ele, antes que a situação
piorasse. Evelyn mudou-se para a sua cidade na-
tal, na casa de sua mãe, para ficar longe do seu pai
tóxico, e assim começou uma nova vida.
Embora aliviada por finalmente ter desco-
berto a verdade, Evelyn ficou abalada pelo fato de
que seu próprio pai tentou chantageá-la e roubá-
-la.
162
Pânico
163
Seu olhar morto me atinge como se fossem facas.
Ele gosta do que vê. Se diverte fazendo o que faz.
O pouco ar que consigo puxar invade meus pul-
mões. Tento correr, mas meus pés estão fixados
no chão. Começo a enjoar, vou vomitar a qualquer
momento. Minha cabeça começa a latejar, bato
nela com os punhos. Minhas unhas se fincam em
minha pele sem que eu perceba. Feridas se abrem
em meu braço. Quando estou a ponto de me jo-
gar contra a parede, ele percebe que atingi meu
limite, então se cansa e me liberta. Olho em meu
relógio outra vez e vejo, 8 horas e 53 minutos.
164
Boogie
165
conheçam minha cara Amelie: minha “cuidado-
ra” — e que marquem bem essas aspas, porque
disso ela não tem nada. É extremamente mima-
da e desengonçada, e, quando ela tem chance, ela
bota a culpa em mim quando faz uma idiotice.
Seus pais são extremamente ocupados e não nos
dão muita atenção. Por essa razão, sou eu que te-
nho que lidar com ela todo santo dia.
Ela iria me matar se eu dissesse: mas Ame-
lie é uma bruxa! Se é maldade que você quer, é
com ela que deve falar. Pode amaldiçoar qualquer
um que fique no seu caminho, mas felizmente ela
sempre tem a mim para tudo ir água abaixo. Dis-
cutimos tanto! Mas a culpa não é minha que ela é
um mal para a sociedade.
Hoje mesmo, estava tentando descobrir
onde aquela pirralha tinha enfiado a minha má-
quina de escrever e, sem muita indignação, me
deparo com um grande pentagrama no chão, ve-
las perfumadas e uma foto no meio do ritual. Era
a nossa vizinha Margaret, um anjinho de pessoa,
mas não me admiro que o santo de Amelie não
bateu com o dela. É óbvio: anjo e capeta não se
combinam! E claro que acabei com aquele assas-
sinato. Amelie chega e dá o seu chilique:
— MAS O QUE É ISSO!? O MEU QUARTO!
ESTÁ UMA NOJEIRA!!!
— Que eu esteja certo, o seu quarto é sem-
pre uma nojeira, Dona Amelie.
— Cachorro idiota!
— Não venha me insultar! Onde você botou
a minha maquininha?
— E eu lá com isso? Vem cá, você não fez
essa merda toda por conta daquela sua geringon-
ça não, né? Quantas vezes vou ter que te ensinar
que...
— Que eu devo chorar e quebrar tudo para
166
conseguir o que eu quero? — E assim, Amelie fica
toda embaraçada. Digamos que tenho uma habi-
lidade de pegar no ponto fraco. Ela muda de as-
sunto:
— Aí, Boogie, sua máquina deve estar na
minha estante. Agora vê se me deixa em paz?
— Olha, até que seu quarto nojento dá gran-
de inspiração. Vou ficar aqui para as ideias fluírem
— digo, com outras óbvias intenções. Amelie não
deixou de resmungar, mas assim eu parei com
que o demônio mandasse mais uma alma para o
inferno. Deveriam me declarar como herói.
167
168
Ouço o som de sinos
169
Andei sem rumo por muito tempo. Não sa-
bia onde estava ou que horas eram. Se o almoço
já tinha passado, se já era quase noite ou se ainda
era meio dia. Será que ninguém sentiu minha fal-
ta?
De repente, ouvi alguma coisa, pareciam si-
nos. Mas estava muito longe. Tentei seguir o som,
porém eu não sabia a direção. Aos poucos, o volu-
me foi aumentando. Levei um susto e caí para trás
quando alguns animais pequenos passaram cor-
rendo por mim; pássaros bateram suas asas como
se fugissem de algo. Um silêncio se instalou, nada
se mexia, toda a floresta silenciou, mas eu ain-
da ouvia o som de sinos. Eu podia sentir a tensão
no ar. Meu coração disparou. Corri, desviando das
árvores. Uma perna, depois outra. Mais e mais
rápido. Alguém me seguia! Rápido! Mais rápido!
Estava me alcançando! Agora eu pude jurar que
estava dentro de uma igreja, tão alto era o bater
dos sinos... Algo voou sobre mim e bati o rosto no
chão. Apenas senti a faca rasgando meu corpo. Só
haviam as árvores como testemunhas.
Eu ainda ouvia o som de sinos.
170
O melhor pior
encontro
171
algo de vidro ou... PERA, NÃO! — exclamei e saí
correndo em direção à porta, mas ao chegar já es-
tava trancada.
— Não é possível que em menos de 15 mi-
nutos aqui ficamos presos. — Era visível que es-
tava inconformada através de suas sobrancelhas
perfeitamente desenhadas, que estavam arquea-
das.
— Não querendo cortar sua frustração, MAS
PORRA, A GENTE TEM UM MERCADO INTEI-
RO PRA GENTE! — berrei com a alegria de uma
criança de 5 anos.
Ela deu um enorme sorriso e começou a
correr em direção aos congelados, bebidas e de-
pois, TVs.
E graças a um guarda desatento eu tinha
uma pizza congelada, que já estava aquecida, uma
garrafa de 2L de guaraná ao meu lado, um filme
da Barbie na TV, e uma linda mulher, só faltava
uma coisa...
— Vou pegar cobertores, já volto. — Ela
disse, enquanto se afastava com um sorriso lindo.
Seu celular começou a tocar.
— ESPERA, seu celular... — Bom, eu tentei!
Atendi o celular e...
— Alô?
— Oi, pode passar pra Jú? Diz que é o namo-
rado dela!
172
Um momento nada
convencional
Mariana Baptista
173
prestar atenção no padre para olhar para mim.
Justo eu, que era a pessoa mais invisível daquela
igreja.
E como se não fosse pouco euzinha, o se-
nhor e o restante da igreja começaram em pran-
tos a rir.
Se achei a risada do senhorzinho estranha
foi porque não tinha ouvido a do padre, que pa-
recia com a da Peppa Pig. De fato, nunca tinha
presenciado o Pe. Josué rindo, ainda mais rindo
de chorar. O coroinha, de tão chocado que ficou,
chegou a bater sem querer no sino, que assustou
o outro coroinha que estava dormindo.
O padre riu tanto que não conseguia mais
parar, nem água com açúcar serviu para acalmar.
Hoje entendo o que minha mãe dizia: “Se
tem uma coisa muito contagiante é uma risada”.
De fato, aquilo se espalhou mais que o COVID-19.
Aos poucos, fomos nos acalmando. Mesmo
sérios, percebia o sorriso no rosto por trás dos fi-
éis. Padre Josué até citou uma frase de Santa Te-
resa de Calcutá que dizia: “A paz começa com um
sorriso”.
174
A mente criadora
175
eu me sentir vivo?”, ele pensava.
As palavras foram sumindo de sua mente,
mas o peso delas continuava em seu corpo, como
se fossem uma prova de que um Ícaro antigo real-
mente tinha deixado de existir. Dia após dia, ele ia
se sentindo mais pesado, mais arrependido, com
mais vontade de criar.
Ícaro, ainda preso em sua mente, permitiu-
-se conhecer a sua própria consciência. Ele per-
cebeu, naquele espaço, caixas brancas que lhe da-
vam a impressão de tanto vazio. “O que será que
tem dentro delas?”, ele pensou enquanto andava
em direção a uma das caixas. Ele a abriu e den-
tro dela encontrou lembranças, lembranças dele
mesmo aproveitando o prazer da solitude, ele co-
nectado com o mundo. E foi aí que ele descobriu
que o que realmente o fazia criar era a própria es-
sência, que havia se perdido com o tempo. Ícaro
tinha entendido o que realmente era: um artista
insaciável.
176
Viagem ao nada
177
ora Derrek, ora eu. Ele gritou nos mantendo em
distância de um queima-roupa:
— Você acha que pode só matar a gente e
ficar com a comida? A se eu vou deixar —
— Isso é só um mal-entendido Morgan. –
Eu intervi. — Nós não vai matar ninguém —
— Porque tu é um doce de pessoa, num é?
— Ele parou e apontou seu revólver direto para
mim e continuou. — Tu acha que me engana?
Ele pegou a outra arma em seu coldre e deu
para sua esposa, Glinda. Nisso, Will ouviu a grita-
ria e parou a carroça repentinamente, mandando
todos para trás com uma força estrondosa. Arthur
e Morgan caíram no chão com o impacto. Morgan
deixando sua arma cair no chão. Aproveitei minha
oportunidade e corri na direção da arma assim
que recuperei meu equilíbrio e fui como um ani-
mal, lutando por sobrevivência. Nisso, agarrei a
arma e disputei-a com Morgan. A arma disparou
em nosso esforço, acertando Glinda, em seguida
Arthur, depois Will e finalmente Derrek, fazendo
buracos na carroça entre cada tiro. O sangue ago-
ra nas minhas mãos. Ele finalmente conseguiu a
arma e acabou com Morgan, mas não sei se so-
breviver sozinho é o que eu quero. Com isso, me
livrei deste dilema de sobreviventes.
178
Apesar disso eu
gostava dele
179
cookies só porque você está com medinho de uma
casa. Eles sempre compram vários. Sem eles nós
não vamos conseguir vender o quanto precisa-
mos.
Martin tornou-se a mim com um olhar de-
plorável, mas concordando com a cabeça. Nós fo-
mos até a casa, precisávamos vender. Martin teve
de tocar a campainha, pois eu não a alcançava.
Esperamos algum tempo, mas ninguém a aten-
dia. Dei um passo para trás, fui chamar o Martin:
— Martin...
Não consegui nem acabar de falar, foi tudo
muito rápido. A porta abriu, o puxou para dentro e
a porta bateu. Naquele instante eu não sabia o que
fazer. Eu que forcei aquela zebra a ir até lá e agora
onde ela foi parar?
180
Durma
Nathaly Vieira
181
voltar para o quarto. Quando volto, Liz está dor-
mindo. Meu corpo treme. Vou para minha cama e
fico pensativa. Como não era ela? Quem era a pes-
soa? E sangue? Até cair no sono.
Uma ventania barulhenta me acorda. Um
frio gela o quarto. São 3:40 e meu sono some no-
vamente. Liz está dormindo e toda aquela cena
repassa na minha cabeça. E a curiosidade foi
maior. Tive de acordá-la. Eu preciso tirar essa an-
gústia, saber o que aconteceu. Eu tento chamá-la,
mas parece que está em um sono profundo. Tento
sacudi-la, mas ela está congelada e os lábios ro-
xos. Grito por ajuda. Um tempo depois foi dado o
óbito da Liz. Três dias depois, fui convocada, fi-
nalmente, a voltar para minha casa. Fiquei trau-
matizada com tudo que aconteceu. Meus pais me
buscaram. Já era noite, estava sonâmbula de tão
cansada. Então vou para meu quarto, mas quando
abro a porta, na parede está escrito de sangue as
seguintes palavras: “durma, sonhe e descanse”.
182
Um café
Nathaly Vieira
183
gurava o café: meu ex-namorado, que não via
há oito anos, porque, segundo ele, roubei o lugar
dele na faculdade e acabamos brigando feio e ter-
minando. Estava ali a passos de distância, me en-
carando com cara de “se soubesse que era assim
eu nem vinha”.
Nos encaramos por alguns segundos e ele
disse:
— Não imaginei que você realmente iria se
formar, Jessica, mas com sorte qualquer um pas-
sa ou até mesmo rouba o lugar de quem merece.
Naquele momento, segurei meu café com
força e lancei um olhar de fúria para Roberto e fa-
lei:
— Se você realmente merecesse, teria pas-
sado no meu lugar, mas não passou.
Nós dois nos encaramos novamente e, com
o copo de café frio em sua mão, Roberto descon-
tou sua amargura do passado no meu jaleco.
Quando vi as gotas de café caírem no meu
jaleco, imediatamente também descontei minha
raiva nele, mas não no jaleco e sim na fuça de Ro-
berto.
184
A pasta “x_.9”
185
eu decidi falar com ela. Quando cheguei para fa-
lar com ela, o olhar doce aos poucos se tornou um
olhar sinistro, tão rapidamente quanto um drible
do Messi.
— Pelo amor de Deus, o que aquela pasta tá
fazendo lá, vovó?
186
O casaco
Sofia de Jesus
187
Maria se vira, olha para minha mesa, esta-
va vazia. Olha nos meus olhos. Tira. Tentei fazer
com que não parecesse pessoal, porque definiti-
vamente era, mas me sinto um pouco intimidado
pela ideia de ser odiado por ela. Fim da classe. Ela
veste o casaco chamativo, calça as luvas em suas
finas mãos, sai pela porta, pisoteando a bota preta
na neve, indo pelo caminho sem calçada, apres-
sada. Usando movimentos rápidos para fugir do
frio, o pontinho vermelho ia sumindo na imensi-
dão leitosa do inverno europeu.
Me percebo como um bastardo na porta fi-
tando-a se afastando. Esfrego os olhos e volto pra
dentro para buscar minhas coisas. Do lado do meu
casaco, vejo a boina da Maria. Pego. Espero que as
pegadas da Maria não sejam apagadas.
188
Não perturbe os
mortos
189
— Posso ajudá-la — disse Abigail com um
olhar marcante. — Mas é preciso um sacrifício
para se comunicar com os mortos.
Liz hesitou por um instante, mas logo deci-
diu que faria qualquer coisa para ver seu filho no-
vamente. Abigail realizou um ritual misterioso, e
então uma voz estranha ressoou no ar.
— Mamãe, estou aqui — disse a voz do filho
de Liz.
Ao ouvir a voz do seu amado filho, Liz cho-
rou de alegria e desespero ao retirar o véu negro
que repousava sobre seu rosto e revelar sua apa-
rência jovem e bela. Algo aparentava estar erra-
do. Quando ela olhou para Abigail, percebeu que
a figura sombria estava sorrindo maliciosamente.
De repente, Liz desapareceu diante dos
olhos de Albert e Abigail.
— O que acabou de acontecer? — perguntou
Albert com medo.
— Estava na hora de cobrar o sacrifício por
ter se comunicado com o outro lado — disse Abi-
gail, em êxtase.
Em choque e aflito com o que acabara de ou-
vir, Albert caiu em choro ao perceber o que acaba-
ra de acontecer com sua amiga.
Um silêncio havia surgido naquele triste
e sombrio salão. Albert se encontrava sozinho e
atormentado, ansiando por respostas sobre o que
acabara de acontecer com sua amiga, respostas
que só poderão ser respondidas pela bruxa Abi-
gail, que agora se encontra ausente.
190
A receita do mistério
191
Ele assente com a cabeça.
O pavor começa a me subir como água bor-
bulhando em uma chaleira. Então, abrimos o
portão da escola. Corremos até onde precisáva-
mos chegar e lá estava aquilo que procurávamos
há tanto tempo. De uma forma tão simples de ser
acessada. Caio olha para mim, eu olho para ele.
— Talvez essa seja a nossa única chance de
conseguir isso. – Ele estava ofegante por causa da
corrida. – Tenho certeza de que não vai fazer fal-
ta.
— Se não for agora, não vai ser nunca. Pega
logo, Caio!
Ele pegou. Então, tomados pelo desespero,
saímos numa velocidade tão grande que superou
todas as aulas de atletismo em educação física.
Nós dois com aquilo que mais desejamos duran-
te todo o ensino fundamental, em mãos. A grande
obra-prima que faria toda a diferença em nossas
vidas. Provavelmente aquilo marcaria nossas fu-
turas gerações. A receita da merenda das terças-
-feiras. A tão famosa e amada almôndega da tia
Helena.
192
A carne
193
Quando cheguei em casa à noite, depois de
um longo dia de trabalho, tomei logo um banho e
coloquei o pijama mais confortável que eu tinha.
Como sempre, liguei a TV, mas antes de mudar
para o meu programa favorito, o rosto da dona da
lanchonete apareceu naquela telinha chuviscada,
era um canal de jornal. Embaixo de sua foto tinha
uma grande faixa branca onde se lia: “Apreendida
mulher canibal que vendia carne de suas vítimas
em lanchonete”. Fiquei paralisado, não conse-
guia acreditar no que acabei de ver, suava frio en-
quanto meu estômago se revirava. Fui cambale-
ando até o banheiro, mas não conseguia vomitar.
Eu sabia que só havia uma coisa que iria melhorar
meu ânimo, então saí de casa. Mais tarde, estava
cozinhando. Coloquei os temperos na panela, fiz
a massa e assistia à TV enquanto cortava aquele
braço humano apetitoso.
194
Sexta-feira, 14 de abril
de 2023
195
tranquila. Quinta tortuosa, cansado já da mesma
coisa, sonhando com um fim e, enfim, a Sexta-
-feira e fim de semana, recarregando sua alma
com o que realmente importa, alegria, e seguindo
esse ciclo inquebrável de bons e maus momentos.
Afinal, isso é viver a vida.
196
O mar
197
com as suas palavras. — Confie, filha, e caminhe
até encontrar o caminho de casa.
Enxugando as lágrimas me levanto, o mar
se despede me presenteando com um colar de
conchas brancas. Coloco-o e caminho em meu
rumo à saída da praia, esperando ansiosamente
até o momento em que poderei mergulhar e viver
no fundo mar. Até lá, viverei em silêncio, mas es-
perançosa, apenas me contentando com a indes-
critível dor de passear na orla da praia e não poder
passar da porta de areia, somente observando a
grandiosidade da minha casa, o mar.
198
Amizade ou o amor?
Thamires Pieritz
199
sorrindo forçada e virou novamente para frente.
Não sabia o que expressar, porém me senti apai-
xonada como nunca antes por um exibido que
passou ao meu lado e depois fez uma dedicatória
de gol.
Após o jogo, ele veio falar comigo. Começa-
mos a conversar e percebi que ele não era como
parecia ser. Era engraçado, gentil, tinha um sor-
riso lindo. Mas de longe vi minha amiga super
brava, como se estivesse saindo faíscas de sua ca-
beça.
A partir daí percebi que teria que escolher
entre uma história de amor e uma amizade se
desfazendo por conta dele. Acho que não posso
mais julgar o livro pela capa!
200
Quem será?
201
“E se for ela? E se eu conseguir mudar?”
Quando chego à festa, um pouco atrasada,
Jéssica está completamente bêbada sentada no
parapeito do prédio. Vou apressada com o cora-
ção batendo pela boca. Subo também implorando:
— Precisamos sair daqui, é muito perigoso.
— Ela acena concordando.
Talvez eu tenha subestimado meu poder de
persuasão ou ela esteja passando mal, já que ela
aceita rapidamente. Ajudando-a a descer, meu
coração desacelera. “Consegui mudar o destino”,
mas ela se desequilibra. Vejo a mesma imagem
passando pelos meus olhos. O terror me toma no-
vamente, pois quem está caindo sou eu, já que ela
me empurrou acidentalmente do parapeito.
202
203
204
205
206