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Um Libertino à Meia-Noite

Gail Ranstrom
4 - Série Entrelaçada dos
Irmãos Hunter e Irmãs O’Rourke
(James “Jamie” Hunter e Eugenia “Gina” O’Rourke)
Sinopse
Seu desejo é mantê-la como sua amante!

James Hunter não pode esquecer a noite em que resgatou


Eugenia O'Rourke de uma provação terrível, de como a sentiu em
seus braços, quente e vulnerável. Agora trabalhando no Ministério do
Interior durante o dia, ele não acha difícil assumir o papel de seu
protetor libertino à noite...

Gina está dolorosamente ciente de que James testemunhou sua


mais profunda humilhação. Seu maior medo era o retorno de seu
captor, mas à meia-noite ela tem mais medo de ser o objeto da pena
de James.
No entanto pena não é o que James sente...
Prólogo
Londres, Inglaterra
13 de julho de 1821
Sua primeira percepção foi de frio nas costas, depois a
incessante cadência de vozes abafadas. Ela piscou na escuridão
bruxuleante avermelhada, mas a fumaça pungente ardeu em seus
olhos, de modo que ela os fechou novamente, esperando que o odor
desaparecesse. Incenso? Não. Algo acre que entupiu e queimou a
parte de trás de sua garganta. Algo mais intoxicante?
Ela tentou se concentrar, para se orientar, mas achou a tarefa
impossível. Procurando em sua mente por sua última lembrança
lúcida, teve uma vaga noção de beber uma taça de vinho, vinho
amargo dado a ela por um homem bonito e louro. Senhor Henley?
Seu estômago se agitou e temeu vomitar.
Ela sofria. Cada músculo, cada parte dela gritou de indignação,
mas não sabia por quê. Sua memória estava incerta, borrada. Ela não
conseguia se lembrar. Por que não se lembrava?
O canto parou e uma única voz se elevou acima dela. Alguém
estava em pé sobre ela. As sombras se fecharam, depois se
inclinaram sobre ela, transformando-se em rostos e contornos vagos.
Sim. Ela estava em cima de algo, deitada em uma mesa de pedra. O
homem acima dela parou de falar e estendeu a mão para abrir o que
quer que a estivesse cobrindo.
Nua! Estava sendo exposta a todos aqueles rostos que a
cercavam. Tentou se mover, para se cobrir, mas seus membros não
responderam. Por que ela não podia se mexer?
Um terror inominável apertou seu peito, interrompendo sua
respiração. Tentou gritar, mas só conseguiu soltar um gritinho quase
inaudível acima do canto de dezenas de vozes. Tudo estava
terrivelmente errado, mas ela não conseguia entender.
Outro homem apareceu, ajoelhado entre as pernas dela.
Levantando suas vestes. Ela sabia. Oh, agora ela sabia. Ela sofreria o
destino de Cora.
Agora o terror tinha um nome. A Irmandade.
— Não! — Uma voz distante gritou. A voz da irmã dela? Querido
Senhor! Tudo estava perdido se eles tivessem Bella também.
Mas de repente a noite era um caos e nada fazia sentido para
sua mente confusa. O choque de lâminas, gritos, assobios estridentes
e, de repente, uma lâmina em sua garganta. Dor abrasadora. A
gosma morna de sangue que escoava de sua ferida. Ela virou a
cabeça e fechou os olhos, esperando pelo inevitável, rezando para
que fosse rápido.
No entanto a morte não veio. Em vez disso, registrou o som de
pés correndo e gritos distantes. Um manto quente cobriu sua nudez
quando ela foi erguida da mesa de pedra e embalada em braços
fortes. O cheiro enjoativo de incenso ainda pesado no ar permeava
seu manto, mas havia um cheiro subjacente de masculinidade limpa.
Algo aquecido e forte. Ela se agarrou a ele, seus dedos cravando em
seu ombro, aterrorizada de que a deixasse ali. Aterrorizada também,
de que não estivesse ali para salvá-la. Abriu os olhos, sabendo que
era tarde demais para lutar de qualquer maneira.
James Hunter. Oh, por que tem que ser ele?
Capítulo Um
12 de setembro de 1821
Noite novamente. Ruas escuras, movimentos inconstantes nas
sombras, sons abafados, sussurros no vento, o frio úmido de um
nevoeiro sufocante. E sempre, a ameaça iminente de desastre nas
costas dela. Gina O'Rourke odiava a noite, embora tivesse começado
a viver sua vida nas horas entre o crepúsculo e o amanhecer, como se
nada de mal pudesse acontecer com ela se apenas vigiasse. Se
encheu de alívio ao ver acender o poste de luz do lado de fora da sua
janela da sala de estar. Ela poderia jurar que havia sombras no
parque do outro lado.
Afastando-se da janela, pegou o bordado e sentou-se perto da
lareira, onde a luz era melhor. Enquanto empurrava a agulha através
do linho fino, tentou direcionar seus pensamentos para o futuro, algo
que ela não era capaz de fazer desde aquela noite.
Amanhã, talvez, falaria com seu cunhado sobre achar, para ela e
sua mãe, um lugar só delas. Andrew e Bella deveriam ter a chance de
ficar sozinhos e nutrir o casamento sem a interferência da mãe. Nada
tão distante quanto St. Albans, mas talvez um chalé em St. John's
Woods funcionasse muito bem. Lá, mamãe poderia reclamar e se
preocupar com seu coração, sem incomodar a ninguém. Exceto Gina.
Mas havia algo... seguro nesse tipo de vida. Seguro e reconfortante,
como só o familiar poderia ser.
Sim, uma vida tranquila sem drama ou perigo era o que queria.
Ninguém teria que saber sobre o passado dela, sobre aquela noite.
Ela poderia parar de se atormentar, tentando lembrar os trechos
horríveis, antes de se ver carregada da mesa, embalada nos braços de
James Hunter. Apenas seu perfume, amadeirado e aquecido, a
acalmou então. Agora a lembrança disso a incomodava de um modo
muito perturbador.
O sino da frente tocou, seguido pelo som de botas e uma voz
baixa falando com o mordomo de Andrew no vestíbulo. Ela olhou para
o relógio. Quase meia-noite. A reunião de Andrew se estendeu até
muito tarde e ele ainda estava na biblioteca com Lorde Wycliffe, mas
quem viria à meia-noite? Ela se levantou, pronta para fazer uma
retirada rápida, mas não foi rápida o suficiente. James Hunter
apareceu na porta e tirou o chapéu.
— Imploro seu perdão, Senhorita O’Rourke. Eu vim para ver meu
irmão e Edwards me pediu para esperar enquanto informa a Drew
que estou aqui. Ele não sabia que você estava usando a sala.
Gina se esforçou para pensar em algo para dizer, mas se
encontrou com a língua presa. Ela afundou-se no sofá, com o coração
disparado, e se perguntou se seus simples pensamentos haviam sido
suficientes para convocá-lo. Coisas mais estranhas que essa tinham
acontecido com ela ultimamente.
Sair agora seria rude. E revelador. Recuperou o bordado
novamente e o colocou no colo, rezando para que os dedos não
tremessem quando ela pegasse a agulha.
— Acredito que ele esteja em algum tipo de reunião tardia,
Senhor Hunter. — Ela disse a ele. — Eu duvido que você tenha que
esperar muito tempo.
— Com uma companhia tão encantadora, rezo para que ele
atrase.
Ela encontrou seu olhar e percebeu que ele estava apenas sendo
gentil, e só porque sua irmã era casada com o irmão dele. Todos os
irmãos Hunter eram extremamente educados. Ainda assim, nunca
poderia encontrá-lo sem ver a lembrança daquela noite miserável nas
profundezas de seus olhos azul-violeta. Também viu pena e abominou
o pensamento de que ele sentia pena. Não podia deixar de se
perguntar se ele ainda a via como estava naquela noite, nua até que a
cobrisse com sua capa. O calor a atravessou e ela engoliu um
pequeno gemido ao simples pensamento.
Ele deixou cair o chapéu numa cadeira e foi até um aparador
para se servir de uma garrafa de xerez de lá. Olhou para ela por cima
do ombro e levantou uma sobrancelha a convite.
— Não, obrigada. — Ela murmurou, olhando para a porta da
sala de estar. Onde estava Edwards? E por que James, de todas as
pessoas, tinha que encontrá-la sozinha?
— Como tem passado, Senhorita O’Rourke?
— Bem, obrigada. — Ela olhou para o bordado, mas a mão
direita ergueu-se para tocar a garganta e a ferida que cicatrizara ali.
Encontrou o olhar dele, engoliu em seco e tirou a mão rapidamente.
Por que ele tinha que ser tão diabolicamente bonito? Ela poderia
suportá-lo se fosse velho ou feio ou grosseiro em vez de alto e
invulgarmente bonito!
— Fico feliz em ouvir isso. — Ele murmurou.
Ela se levantou, segurando o bastidor na mão esquerda.
— Estou um pouco cansada. Se você me der licença. — E deu
vários passos em direção à porta.
Seus olhos se estreitaram e ele se moveu para bloquear seu
caminho.
— Não.
Certamente ela não ouvira corretamente.
— O quê?
— Não, não vou lhe dar licença. Eu já bebi demais hoje para não
dar a mínima para sutilezas sociais. Já passou da hora de termos uma
conversa, Senhorita O’Rourke. Nós não podemos continuar como
estamos.
Um frio lento penetrou através dela. Certamente ele não queria
discutir aquela noite?
— Eu não sei o que você quer dizer.
— Sim, você sabe. Precisamos chegar a um entendimento para o
bem de nossas famílias.
— Não estamos em desacordo.
Ele tomou um gole de seu xerez e a estudou com os olhos
escuros.
— Estar em desacordo exigiria um mal-entendido. Infelizmente,
isso exigiria conversação. E nós, Senhorita O'Rourke, tivemos muito
pouco disso. Meras sutilezas trocadas em público são o nosso forte.
Esta é a primeira vez que estamos sozinhos desde... bem, de sempre,
e pretendo fazer uso disso. Só Deus sabe quando a oportunidade
pode surgir novamente.
— E o que eu desejo?
Ele balançou sua cabeça.
— Sempre fui cauteloso com seus desejos, Senhorita O'Rourke, e
poderia continuar a fazê-lo pelo próximo milênio, se dependesse de
você.
Ele estava certo. Ela nunca teria escolhido ter essa conversa.
Nunca falaria sobre isso em voz alta. A Irmandade de Sangue do
Dragão havia roubado seu respeito próprio e dignidade. Os homens
naquele ritual estavam camuflados e encapuzados. Ela não havia visto
seus rostos, mas eles a tinham visto. Tinham visto tudo dela. E agora,
quando um homem olhava para ela e sorria, se perguntava se ele
havia sido um deles, um dos vilões que pretendiam estuprá-la e matá-
la naquela noite.
— Eu… eu realmente acho…
— Sua irmã é casada com meu irmão. Só por essa razão, haverá
inúmeras vezes no futuro que estaremos na companhia um do outro.
Seria mais fácil se pudéssemos chegar a um entendimento, em vez
desse constrangimento de agora.
Gina olhou para seus sapatos, apenas espiando por baixo da
bainha de seu vestido amarelo.
— Aquela noite... você...
Um minuto inteiro se passou antes que James finalmente
preenchesse o silêncio.
— Não consigo pensar em nada que fiz naquela noite para
provocar sua ira. Fiz tudo o que pude para proteger seu decoro e
parar o sangramento...
Ela estava agradecida. Verdadeiramente grata. Mas por que não
podia entender que, em seu momento mais fraco, sem nada para
esconder sua modéstia, ele testemunhara sua mais profunda
humilhação. Ele nunca iria esquecer isso, ela tinha visto tanto em seus
olhos. Cada vez que a olhava ou lhe falava, ele se lembrava de como
ela estava naquela noite.
O pânico e a raiva agora familiar começaram a borbulhar. Ela
precisava fugir antes de dizer ou fazer algo imperdoável.
Ele ficou entre ela e a porta, e tentou passar por ele. Ele
estendeu a mão para detê-la segurando o seu braço. Ela engasgou
com o calor de seu toque e as sensações enjoativas que se agitaram
em seu estômago.
Ele baixou a voz quando se aproximou, e o calor de sua
respiração fez cócegas no ouvido dela enquanto se inclinava.
— Acho que você e Isabella foram tão corajosas naquela noite,
em caçar os assassinos de sua irmã. Eu não senti nada além de
admiração por você. E por isso me evita?
Não por isso, mas pelo conhecimento em seus olhos e as horas
antes de seu resgate. Horas que ainda estavam em branco para ela.
Não podia seguir adiante até saber o que aconteceu durante aquele
período. Ela foi agredida? Ainda era uma donzela? Ela olhou em seus
olhos interrogativos e estremeceu, tentando desesperadamente
pensar em algo para dizer.
— Apesar de qualquer sentimento pessoal, para o bem de
nossas famílias, Senhorita O'Rourke, vamos declarar uma trégua?
Sentimento pessoal? A noção de que ele poderia não querer vê-
la também não lhe ocorrera antes. Conseguiu dar um leve aceno de
cabeça. Ela concordaria com qualquer coisa se ele simplesmente a
deixasse ir.
— O Senhor Hunter vai ver você agora.
Eles giraram para encontrar Edwards de pé na porta.
Um músculo saltou ao longo do queixo de James. Ele soltou o
braço dela sem outra palavra, recuou e fez uma reverência.
— Senhorita O'Rourke, foi um prazer, como sempre.
Gina observou-o partir, depois foi até o aparador para servir
xerez em uma taça e quase engasgou enquanto bebia de um só gole.
Ela tinha que encontrar essas respostas. Precisava preencher essas
horas perdidas. Nunca poderia ser ela mesma novamente até que
fizesse isso. E precisava saber que aqueles homens nunca
machucariam outra mulher.
Ela colocou a taça vazia ao lado da do Senhor Hunter e
endireitou os ombros. Não mais se encolhendo no escuro. Recuperaria
sua vida, nem que fosse a última coisa que faria!

Jamie estudou o fogo através do conteúdo vermelho-escuro de


sua taça, achando difícil manter sua mente na conversa depois de seu
encontro com a Senhorita Eugenia. A lembrança dela permanecia com
ele. Esta noite, foi a cor avermelhada do conhaque que desencadeou
as memórias? Foi a frustração? Luxúria? Raiva? Isso importava?
Desde o primeiro encontro no parque no início de julho, até aquela
noite, ele não conseguia afastar a lembrança dela. Acordando,
dormindo, em uma sala lotada ou em um momento solitário, o
pensamento dela surgia nele como uma obsessão profana,
inquietando-o, provocando uma profunda queimação em sua alma.
Sua silhueta, com suas curvas suaves e exuberantes, prometia
deleite. Seu cabelo, castanho-escuro, brilhava com fios multicoloridos
de chocolate, castanho, caramelo e cobre quando a luz o tocava. Seus
olhos, de uma avelã esverdeado, reminiscente das florestas de verão,
o cativaram. Sua boca, ah essa boca! Lábios convidativos e carnudos
se curvavam nos cantos como se um sorriso perpétuo estivesse à
espreita, esperando para florescer com a menor provocação e, pelos
céus, como ele queria provocá-la. Beijá-la. Explorar as profundezas de
seda além dessas pétalas rosadas. Perder-se nela.
Mas a Senhorita Eugenia não se importava com ele. Ou, pelo
menos, não ficava confortável em sua presença. O pior de tudo era
que ela o escolhera para essa honra duvidosa. Seus modos com Drew
e Charlie eram bastante cordiais. Claramente era de James que ela
desdenhava.
— Tão imerso em pensamentos, Jamie?
Ele voltou para o momento e olhou para seu irmão mais velho e
Lorde Marcus Wycliffe, seu superior no Ministério do Interior.
— Eu tenho muitas coisas para pensar, e é por isso que você me
chamou esta noite.
Drew se recostou na cadeira, uma expressão branda no rosto,
um sinal seguro de que ele esperava problemas de uma forma ou de
outra. Jamie levou a taça para a lareira, ficou de pé com o cotovelo
apoiado no consolo da lareira e olhou para o irmão mais novo,
Charles, que andava pela sala com energia inquieta.
— Eu acho que a presença de Charlie e Wycliffe aqui te entrega.
Algo sobre a Irmandade, não é?
A Irmandade de Sangue do Dragão, eles se auto denominavam.
Como membros da sociedade, se consideravam acima das leis da
decência e de Deus. Apenas uma semana havia se passado desde que
a última tentativa da seção secreta do Ministério do Interior havia
falhado no ataque surpresa aos remanescentes do culto ritualista.
Bem, havia falhado parcialmente. Eles trouxeram todos, exceto alguns
amadores sem importância e o único homem no topo, o mais maligno
de todos eles, Cyril Henley.
Drew assentiu com a confirmação.
— Queríamos esperar até que as mulheres se recolhessem esta
noite.
Jamie pensou na Senhorita Eugenia, pronta para fugir com o
bordado na mão. Mas não iria expô-la. Se ela não conseguia dormir,
pelo menos eles tinham muito em comum.
— Wycliffe quer mandar vocês dois para o exterior. — Disse
Drew.
— Ao exterior? Eu e o Charlie? — Jamie se virou para o superior.
Por que Wycliffe os mandaria embora no meio de uma investigação?
— Não houve mais sinal da Irmandade. — Wycliffe disse a eles.
— Não há sussurros. Nenhum avistamento. E mulheres não mais
desapareceram. Com seu bando capturado, a Secretaria suspeita que
Henley tenha deixado o país. Ou talvez outra pessoa tenha se livrado
dele para nós.
Na experiência de Jamie, que era prodigiosa, o Ministério do
Interior não teria essa sorte. Homens como Cyril Henley eram como
baratas. Eles sobreviviam a todas as tentativas de erradicá-los, depois
voltavam para infestar o mundo com seu próprio tipo de imundície.
Wycliffe interpretou o silêncio de Jamie por ceticismo e assentiu.
— Duvido também, Hunter. Mas o secretário está convencido de
que ele deixou a Inglaterra. Foi para a França, Alemanha, Itália ou
talvez até para as Américas. Ele se obrigará a encontrar seguidores e
vítimas o suficiente onde quer que vá, desde que não cometa o erro
de brincar com a sociedade novamente. Mas esse cachorro louco é
nossa responsabilidade. — Wycliffe fez uma pausa para tomar outro
gole da taça. — E é por isso que te recomendei ao Ministério das
Relações Exteriores. — Jamie abriu a boca para falar, mas Wycliffe
ergueu uma das mãos para detê-lo. — Você quer que essa maldição
acabe tanto quanto eu, Jamie. Você, Charlie e Andrew sabem mais do
que ninguém sobre esse caso. Andrew é casado e não trabalha para o
Ministério do Interior. Você e Charlie são tudo o que restou dos
homens que estiveram neste caso desde o começo. Se Henley foi
embora e a Irmandade se quebrou, quem melhor para enviar atrás
dele?
Charlie parou de andar.
— Transferência para o Ministério das Relações Exteriores? Muito
intrigante. Em outra situação eu poderia ser tentado por esta
proposta. Mas não no momento. Há muitas pontas soltas aqui. E eu
estou atrasado com minha papelada.
Jamie quase riu. Quando Charlie se importou com papelada?
— O que você diz, Jamie? — Wycliffe perguntou.
— Eu acho que é altamente improvável que Henley tenha ido a
algum l — Não, ele estaria se julgando imune ao Ministério do
Interior. Era muito mais provável que estivesse aguardando,
esperando que o Ministério do Interior deixasse o caso de lado em
favor de assuntos mais urgentes. Encontrou o olhar escuro de
Wycliffe. — Eu acho que vou passar.
Wycliffe suspirou.
— Eu acredito que o secretário está esperando sua aceitação.
Ele fez arranjos.
— Diga a ele para arrumar outra pessoa.
— Pensei que você queria avançar na carreira.
— Não à custa deste caso. Henley não foi a lugar nenhum. —
Jamie notou o sofrimento de Drew e a expressão no rosto de Wycliffe
e percebeu que havia mais nisso do que eles estavam dizendo. — Por
que você está tão ansioso para nos tirar do país?
Drew suspirou e sentou-se na cadeira.
— Há um preço por sua cabeça.
— Henley?
Wycliffe terminou seu conhaque e ficou de pé.
— Ele, ou qualquer um dos outros casos que você levou à justiça
recentemente. Pensei que você estaria melhor fora de alcance por um
tempo. Tire um tempo para pensar sobre isso, Jamie. Faça-se
invisível. Vou protelar a resposta enquanto você reconsidera.
Jamie não era covarde, mas o pensamento de que alguém o
queria morto a ponto de pagar por isso era decepcionante. Henley
estaria procurando por qualquer maneira de impedir Jamie de ir atrás
dele.
— Me dê outra semana, Wycliffe. Tomarei minha decisão então.
Seu superior assentiu.
— Tome cuidado nesse meio tempo.
Charlie assobiou baixinho enquanto observavam Wycliffe se
despedir.
— Eu me pergunto quantas pessoas te querem morto, Jamie.
Jamie riu.
— Posso imaginar uma fila do Parlamento até St. Paul., mas não
tenho intenção de sair do país. O bastardo está aqui. Em Londres. Eu
sinto isso nos meus ossos. Henley nunca abandonaria seus campos de
caça. Aposto tudo o que possuo que alguém está escondendo-o. Sua
família talvez, ou amigos. Cada vez que recebemos uma pista, ou
pensamos que estamos nos aproximando, ele desaparece em uma
nuvem de fumaça.
Drew parecia duvidoso.
— Como você pensa encontrá-lo?
— Atraindo-o. Há uma recompensa pela minha cabeça? Bom. Eu
me tornarei visível. E quando ele vier atrás de mim...
— Estabelecer-se como alvo é uma ideia fraca, Jamie. Ele
mesmo não virá por você. Contratará assassinos. E eu não quero você
morto.
Charlie começou a andar de cabeça baixa.
— Podemos dissuadi-lo sobre isso?
Jamie apontou para os ouvidos.
— Surdo.
— Fale com Lockwood sobre isso, Jamie. Ele ainda tem conexões
nos Escritórios Internos e Estrangeiros, e pode ter conhecimento ou
estar a par da informação...
Jamie respirou fundo. Não queria envolver seu irmão mais
velho, Lorde Lockwood, nesse pântano. Ele tinha uma esposa e um
novo filho para pensar, para não mencionar os deveres ligados ao seu
título.
— Não, a menos que estejamos desesperados. Mas isso tem que
acabar agora. Dois meses atrás nós pensamos que tudo estava
acabado, mas eles se levantaram novamente. Na semana passada,
pegamos o resto, mas não o Henley. Eu juro, o homem é tão
escorregadio quanto uma enguia. Tão certo como estou sentado aqui,
Henley vai encontrar outros corações tão escuros quanto o seu e
reconstruir seu culto. Ele tem um gosto por matar agora. — E reze a
Deus para que ele não venha atrás de Eugenia para terminar o
trabalho.
Drew passou os dedos pelos cabelos e suspirou.
— Há uma recompensa pela sua cabeça. Vá, Jamie. Aceite a
transferência para o Ministério das Relações Exteriores. Pegue umas
férias. Deixe outra pessoa lidar com isso.
Jamie olhou para a taça de novo. Bom senso e razão lhe diziam
que Drew estava certo. Ainda assim.
— Estive neste caso desde o começo, Drew. Eu pretendo ficar
até o fim.
— Parece que é mais pessoal que isso.
Jamie tomou o restante de seu conhaque e ficou de pé. Maldita
percepção do Drew!
— Eu quero aquela maldita escória pendurada em uma corda
pelo que eles fizeram, e justiça por... — Ele parou a si mesmo ante de
dizer Eugenia e substituiu — ... por todas as suas vítimas. E quero
muito acabar com todos esses segredos e mentiras.
— Tudo se resume a isso para você, não é? Saber todos os
detalhes, todas as verdades? Por que, Jamie? O que te leva a isso?
— A verdade nunca falha. Não há argumento contra isso. É a
única parede que permanece quando todo o resto está
desmoronando. A verdade doma o caos. É justa, honesta e correta.
Se eu não defender a verdade, o que mais importa?
— Tenho pena quando você finalmente descobrir que é melhor
deixar algumas perguntas sem resposta e que a verdade nem sempre
lhe será melhor. — Andrew empurrou a taça e balançou a cabeça. —
O mundo não é tão preto e branco quanto você pensa, irmão, e a
verdade é uma faca de dois gumes. Se você a perseguir, esteja certo
de que pode ser cortado.
— Viver com mentiras nunca poderia ser melhor. — Ele disse
com certeza inabalável. — Vamos, Charlie. Parece que vou precisar de
você para cuidar das minhas costas.
Capítulo Dois
Gina esperava choque, talvez até protestos indignados, mas não
o silêncio tortuoso. Além da chuva forte do lado de fora das janelas e
do tique-taque decisivo do alto relógio da parede em frente à lareira,
a biblioteca ficou em silêncio. Nem mesmo o tilintar de uma xícara de
chá descansando em seu pires quebrou o feitiço.
Ela olhou ao redor do círculo para os rostos de suas amigas. Sua
irmã Isabella parecia estar sentada no topo de uma mola, pronta para
sair do sofá e contê-la. Lady Annica, uma mulher sombria e bonita,
usava uma expressão intrigada; A expressão de lady Sarah era curiosa
com um toque de simpatia em seus olhos violeta, assim como seus
irmãos, o que sempre pegava Gina de surpresa. Grace Hawthorne,
que ela acabara de conhecer hoje, era mais difícil de ler, mas Gina
achou que poderia haver uma pequena rachadura em seu rosto
sereno.
Gina limpou a garganta e rezou para manter a voz firme.
— Fui levada a acreditar que este grupo poderia ser de alguma
ajuda no assunto. Se não for assim, peço desculpas por abordar o
assunto.
Um suspiro coletivo foi expulso e Isabella se levantou.
— Gina! Você está louca? — Ela correu para a porta da
biblioteca, testou a fechadura e voltou para a cadeira.
— Quase isso. — Admitiu Gina. De fato, havia pouca diferença
entre a verdadeira loucura e o que ela vinha sentindo nos últimos dois
meses. — Mas eu passei a acreditar que encontrar o Senhor Henley é
a única maneira de mudar isso.
— Como você propõe fazer isso, querida? — Grace Hawthorne
perguntou enquanto baixava a xícara de chá e alisava as saias azul-
celeste.
— Eu não sei o quanto você pode ter ouvido falar sobre os
problemas recentes da minha família, Senhora Hawthorne, mas eles
têm sido extraordinários. A poeira se acalmou um pouco, visto que
Isabella e Lilly se casaram, mas eu ainda estou... — Gina parou para
limpar a garganta novamente, o que ocorria frequentemente, já que
Lorde Daschel havia a cortado com uma faca. — Ainda estou em
desacordo.
Grace, que estivera fora do país com o marido, deu um
sorrisinho de encorajamento e Isabella se apressou em terminar a
explicação de Gina.
— Quase tão logo nossa família chegou em Londres em maio,
nossa irmã mais velha, Cora, foi sequestrada e assassinada. Gina e eu
nos comprometemos a encontrar o assassino quando as autoridades
desistiram. Cora viveu o suficiente para nos dizer que seu assassino
era um membro da sociedade. Com nossa única pista, procuramos
homens que se encaixassem nessa descrição e que tivessem interesse
em rituais sombrios e autoindulgência. Gina chegou perto o suficiente
para ser sequestrada pelo Senhor Henley como o próximo sacrifício
ritual. Mas houve complicações.
Gina baixou os olhos para as mãos e apertou com força no colo.
— A maioria dos homens foi presa e Lorde Daschel, o homem
que assassinou Cora, foi morto. Então, quinze dias atrás, todos os
outros foram encontrados e presos, exceto por seu líder, Cyril Henley.
Eu tenho me sentido... perturbada. Tão vulnerável. E pior ainda, com
raiva. Quando saio de casa, não consigo parar de olhar por cima do
ombro ou segurar a náusea no estômago. Não posso suportar a ideia
de passar o resto da minha vida assim. Eu devo fazer algo para
acabar com isso. E temo que nada acabe até que o vilão seja pego. —
Através do silêncio pensativo que seguiu sua declaração, Gina ouviu
lady Annica suspirar.
— Nós entendemos mais do que você imagina, Eugenia. Você
veio ao lugar certo. A Liga da Quarta-feira está preparada para ajudar
as mulheres nas suas circunstâncias. Temos certos recursos e
podemos trabalhar de maneiras que o Ministério do Interior não pode.
Mas diga-nos, o mais precisamente possível, o que você quer realizar.
— Imediatamente depois daquela noite, não me lembrei de
nada. Em poucos dias, as lembranças começaram a voltar, mas
algumas ainda me escapam. Duvido que voltem completamente
algum dia, e talvez seja uma bênção. Mas eu quero... — Não podia
dizer a elas que queria as respostas para o que havia acontecido com
ela. Que queria a verdade, toda ela, fosse boa ou ruim. Elas diriam
para deixar como está. Mas havia algo mais que queria também. —
Eu quero justiça.
Lady Annica sorriu.
— Tentaremos conseguir isso, Eugenia, de um jeito ou de outro.
— Eu devo fazer parte disso. — Gina falou rapidamente. — Não
posso ficar de braços cruzados, esperando que alguém me liberte
desse sentimento venenoso. Por duas vezes, as autoridades não
conseguiram capturá-lo. Como vocês podem me ajudar a ter sucesso
quando os outros não?
Lady Sarah se levantou e veio descansar a mão no ombro de
Gina.
— Nos dê uma chance, Gina. Tivemos sucesso em circunstâncias
igualmente difíceis. E o que você faria? Caçar nas ruas de Whitechapel
sozinha? Espreitar os cortiços depois de escurecer? Isso seria perigoso
demais. É claro que estará envolvida em todos os aspectos da
investigação, mas certamente verá o sentido de permitir que outra
pessoa aja em seu lugar.
— Por favor, Gina. — Bella pediu. — E se algo acontecer com
você também?
Se algo acontecer? Uma dor aguda perfurou o cérebro de Gina.
E se? Oh, por que ela não se lembrava? Pequenos pedaços e
fragmentos fugazes eram tudo o que tinha. Ela respirou fundo e
afastou a incerteza dos últimos dois meses.
— Eu não quero perder mais tempo me sentindo assim.
— Nos dê um tempo, Gina. — Grace pediu. — Se não formos
bem-sucedidas dentro de um mês, encontraremos alguma maneira de
envolvê-la ainda mais.
Isso era mais do que Gina esperava, embora não tanto quanto
pretendia. Não, ela pretendia confrontar esses homens e pretendia ter
suas respostas. Respirou fundo e assentiu. Pelo menos estaria se
movendo para frente.
Lady Annica ficou de pé.
— Excelente! Vamos para a La Meilleure Robe? Vou mandar
alguém na frente, pedindo a Madame Marie que providencie para que
o Senhor Renquist esteja lá.
— Nós estamos indo a uma costureira? — Gina perguntou,
incrédula.
Grace se inclinou e deu um tapinha nas mãos cerradas.
— O marido da Madame Marie é um detetive da Bow Street,
querida. O melhor que há. Se ele não pode nos ajudar, ninguém
pode.
Madame Marie, a imigrante francesa dona de La Meilleure Robe,
era conhecida por recusar clientes por capricho. Considerava-se muito
afortunada quem pudesse ter um vestido criado pela modista. As
garotas O'Rourke tiveram o privilégio de ter vários de seus vestidos
feitos por ela quando chegaram a Londres, vestidos que tinham sido
feitos para lançá-las na sociedade, mas permaneceram não usados
em seus guarda-roupas.
Gina foi tratada de uma forma muito diferente nesta visita. Ela e
Bella foram levadas para um camarim confortável, que lembrava
quase uma sala de estar onde as outras senhoras estavam esperando.
Havia mesas laterais e cadeiras confortáveis dispostas em semicírculo,
de frente para uma pequena plataforma de costura com espelhos
atrás.
Quando elas estavam sentadas, Madame Marie entrou pela
porta lateral e abriu bem os braços.
— La! Quanto tempo passou, senhoras? Muitos meses, sim? Eu
rezo para que vocês não tenham mais problemas.
Lady Annica tirou as luvas e a touca.
— Não nós, madame. Uma amiga nossa precisa de ajuda.
O olhar de Marie atravessou os rostos reunidos, Lady Sarah,
Grace Hawthorne, Charity MacGregor, Lady Annica, Bella e Gina. O
olhar de Madame se fixou em Gina, e ela sentiu um rubor subir em
suas bochechas. Era tão óbvio?
— François estará aqui daqui a pouco. E vai querer saber a
história desde o começo, oui? Fiquem à vontade e direi às garotas que
tragam chá. Devemos conversar depois — E com isso, a bela francesa
desapareceu pela porta lateral novamente.
Gina sentou-se em uma cadeira ao lado de Lady Sarah. Estava
tendo dúvidas sobre recontar sua história, ou pelo menos o que ela
poderia lembrar, para um homem. Já foi difícil o suficiente
compartilhar com outra mulher.
Bella veio até ela e pegou sua mão.
— Você é muito corajosa por estar fazendo isso, Gina. Não deixe
que essa coragem falhe agora.
Corajosa? Graças a Deus elas não conheciam o medo que ela
vivia diariamente. O medo de que Henley viesse atrás dela
novamente. Mas iria derrubar esse medo por sua justiça nua e crua.
— Mamãe não deve suspeitar.
Bella riu.
— Você pode ter certeza disso. Eu não posso nem imaginar o
que ela faria, depois que se recuperasse de seu desmaio, é claro.
— Você pode confiar em todas nós. — Lady Sarah disse a ela,
deslizando um braço ao redor da cintura de Bella quando ela se
inclinou para perto. — Tudo o que acontece nesta sala é totalmente
confidencial.
Lady Sarah era a irmã de Lorde Lockwood, Andrew, James e
Charles, e ficou tranquila ao saber que nada do que foi revelado aqui
seria repetido para nenhum deles. O alívio trouxe um sorriso aos
lábios dela.
— Além disso, — Lady Sarah continuou — como disse que
deseja se envolver, você terá que entrar na sociedade, Gina. É a única
maneira de obter acesso à informação que procuramos. Devemos
providenciar para que participe de todos os eventos, das festas mais
extravagantes e de quaisquer outras reuniões que pareçam
apropriadas.
— Eu...
— Você conheceu as gêmeas Thayer na casa do meu irmão mais
velho antes de... bem, antes. Elas acabaram de chegar na cidade
depois de suas férias de verão. Hortense e Harriet são bastante
animadas e conhecem simplesmente todos e tudo o que acontece. Em
sua companhia, você teria entrada em qualquer lugar que desejasse
ir.
Gina também lembrou que as gêmeas Thayer eram
singularmente bonitas com sua combinação de cabelos de cobre e
olhos verdes surpreendentes. Mas elas eram discretas?
A ideia de entrar na sociedade deixou-a sem fôlego, mas não
teve tempo de protestar quando a porta lateral se abriu e uma
empregada carregando uma bandeja de chá entrou, seguida por um
homem de aparência agradável e estatura média. Este seria Francis
Renquist, marido da Madame Marie. Seu cabelo era castanho arenoso
e seus olhos azuis tinham rugas nos cantos. Instintivamente, Gina
sabia que podia confiar nele.
— Senhoras. — Cumprimentou-as com um pequeno arco e,
quando se endireitou, esfregou as mãos. — Entendo que vocês têm
algo para mim?
A empregada deixou a bandeja em uma mesa lateral e fechou a
porta atrás dela, depois da qual Lady Annica falou.
— Precisamos encontrar alguns homens, Senhor Renquist.
Alguns homens particularmente esquivos.
Suas sobrancelhas grossas se levantaram.
— O que eles fizeram, minha senhora?
— Você já ouviu falar da Irmandade de Sangue do Dragão,
senhor?
A cor sumiu do rosto dele.
— Como você está envolvida com esses homens?
— Nós não estamos envolvidas. — Lady Sarah o acalmou. —
Nem queremos estar. Nós apenas desejamos localizar o último deles,
após o que informaremos as autoridades onde encontrá-lo.
— Mesmo assim…
Lady Annica se ocupou de despejar nas xícaras de chá e trazê-
las para as senhoras, falando ao mesmo tempo.
— A Senhorita O’Rourke... — ela indicou Gina com uma
inclinação de cabeça... — e sua irmã, a Senhora Hunter, tiveram
algum contato com eles há alguns meses. Elas estão cientes dos
perigos e não pretendem encontrar ou confrontar o homem envolvido.
Elas simplesmente têm interesse em ver que os perpetradores
estejam trancados em segurança.
Gina piscou e reprimiu uma pontada de culpa. Ela pretendia
confrontar o Senhor Henley. De que outra foram ela conseguiria suas
respostas? Mas temia que as senhoras retirassem seu apoio se lhes
contasse isso.
Renquist pareceu duvidoso.
— O que, exatamente, você espera realizar?
— Localização, Senhor Renquist. Isso é tudo o que exigiremos
de você. — Disse Grace Hawthorne. — Não queremos que o prenda
ou fale com ele. Apenas encontre-o.
— Como você sabe, essas questões raramente são tão simples.
— Esta será, Senhor Renquist. — Lady Sarah assegurou-lhe.
— O Ministério do Interior está gastando todos os recursos à sua
disposição para levar este homem à justiça. Por que vocês querem
correr o risco de se envolver...
Lady Annica baixou a voz.
— É uma questão pessoal. — Disse ela com uma nota de
finalização.
O Senhor Renquist se virou para olhar para Gina por um longo
momento. Ela prendeu a respiração, vendo que queria recusar e
estava medindo sua resolução. Ele deve ter lido a determinação em
seu coração porque soltou um longo suspiro e assentiu.
— Vou investigar senhoras, mas não posso fazer promessas. Eu
as encontrarei aqui para relatar minhas descobertas duas vezes por
semana, a menos que haja necessidade de mais urgência. Se
permitirem que minha esposa conheça os dias e horários mais
convenientes para vocês, eu estarei aqui.
— Excelente! — Lady Sarah sorriu e tocou o braço do Senhor
Renquist quando ele se virou para ir embora. — Você poderia, por
favor, enviar Madame Marie para nós? A Senhorita O’Rourke precisará
encomendar um vestido para dar conta de suas visitas frequentes
aqui.
Um momento depois, Madame Marie apareceu na porta, um
dedo tocando sua bochecha pensativamente enquanto estudava a
forma de Gina.
— Humm. Algo baixo e provocativo, hein? Garantia de fazer um
homem ficar de joelhos, sim? Eles estarão tão distraídos que quando
você fizer as perguntas, chéri, serão obrigados a lhe dar a verdade.
Gina suspeitava que poderia usar pano de saco se com isso
chegasse à verdade.
Quando ela e Bella chegaram em casa, Gina mal teve tempo de
se preparar para o chá da tarde. Desceu apressadamente as escadas
a caminho da sala de estar, mas o som de vozes abafadas na
biblioteca a deteve. Irmandade, ela escutou, e Henley. Não dava para
ouvir, no entanto, hesitou do lado de fora da porta. O som da voz de
Andrew, James e Charles era mais do que ela podia resistir. Foi esse o
negócio que reuniu os irmãos na biblioteca tantas vezes? O negócio
dela?
— Mas as pistas estão sumindo. — A voz de Charles chegou até
ela.
— … olhando nos lugares errados. — Andrew respondeu.
— Onde você olharia? — Perguntou James. — Salões de baile e
salas de estar?
Uma risada cortada no meio, respondeu a essa pergunta.
— Volte para os infernos e tavernas de Whitefriar. Farrell
ajudará. Ele é da família agora.
Gina estremeceu. O novo marido de sua irmã Lilly era um pouco
assustador para todos, menos para Lilly. Mesmo que ele fosse da
família agora, ela suspeitava que não seria uma boa coisa estar em
dívida com Devlin Farrell. Mas as próximas palavras de James a
retrataram dessa ideia.
— Ele se ofereceu para ajudar, e provavelmente encontrarei
utilidade para seus talentos particulares. Com ele cobrindo esse lado
das investigações, Charlie e eu vamos olhar para outros caminhos.
Mas, como Charlie disse, as pistas estão sumindo.
— Posso ver que você tem suas próprias suspeitas. — Disse
Andrew.
Houve uma longa pausa antes de James falar de novo, quase
como se estivesse pesando as palavras com cuidado.
— A única fonte que não exploramos em profundidade é a
família de Henley e conhecidos próximos. Eles relutaram em falar
conosco e negaram qualquer conhecimento do caso. Mas droga,
Drew, eles precisam se envolver de alguma forma. Henley é esperto o
suficiente, mas ele não pode nos iludir com tanta agilidade sem a
ajuda de alguém da sociedade, e quem tem mais chances de ajudá-lo
do que sua família ou amigos? Deus sabe como sua família gostaria
de manter o segredo sobre seu envolvimento o máximo possível. Suas
próprias reputações estão em jogo. E um homem como Henley não
hesitaria em convencer os amigos.
Gina franziu a testa. Se a família de Henley estava cautelosa com
James e o Ministério do Interior, ela se perguntou se o Senhor
Renquist seria capaz de superar suas defesas. Oh! Ela se lembrou de
que havia uma mulher em uma das duas encenações que Cyril Henley
a levara antes daquela última noite fatídica que ficara quase tão
horrorizada quanto ela. A mulher estava familiarizada com todos ali,
mas suas sensibilidades eram mais parecidas com as de Gina. Ambas
coraram e estudaram o chão quando uma das encenações
apresentava uma mulher nua reclinada em um sofá sem encosto, com
nada além de um xale leve sobre um quadril e suas regiões inferiores.
Essa era uma mulher da família Henley? Ou uma amiga? Ela poderia
saber o paradeiro de Henley? Ou estava de alguma forma conectada
com um dos outros homens?
Ah, se ela pudesse lembrar o nome da mulher!
O tilintar de xícaras e pires alertou Gina de que alguém estava
trazendo o serviço de chá, e ela correu em direção à sala de estar.
Nunca seria pega à espreita do lado de fora da porta da biblioteca.
Bella levantou os olhos de sua leitura e deu um tapinha no sofá
ao lado dela quando Gina entrou correndo.
— Mamãe pegou Nancy e foi fazer compras. Venha se sentar,
Gina. Nós raramente temos algum tempo sozinhas nos dias de hoje.
Gina pegou o bordado de uma mesinha e sentou-se ao lado da
irmã.
— Nós teremos que acumular todos os momentos que
pudermos.
— Eu sei. Mamãe tem suspirado e se preocupado com as cartas
de suas amigas recentemente. Eu temia que ela pudesse querer ir
para casa, parece que está com muita saudade de casa.
— Rezo para que possamos encontrar um lugar nosso por perto.
Eu adoraria estar próxima de você e da Lilly.
— Mesmo quando a mamãe finalmente voltar para a Irlanda,
você deveria ficar comigo. Ou a Lilly. Há uma escassez de homens
elegíveis em Belfast.
Gina colocou a agulha no linho fino.
— Sabe como vai ser, Bella. O dado foi lançado. Cora se foi.
Você e Lilly estão casadas. Eu sou a última irmã, então cabe a mim
tornar-me a companheira de mamãe em sua velhice.
Bella colocou seu livro de lado e estudou o rosto de Gina.
— Sempre achei que todas nos casaríamos e manteríamos
mamãe entre nós. Daqui a alguns anos, ela não vai querer viver
sozinha e, entre nós, poderíamos nos revezar.
— O céu nos livre! — Gina deu uma risada. — Andrew se casaria
com você, ou o Senhor Farrell teria se casado com Lilly, se soubessem
que mamãe estava no trato?
— Andrew está lidando muito bem. — Bella riu. — Ele não acha
que você e mamãe devam ficar sem proteção. E tenho certeza de que
o marido da Lilly sente o mesmo.
Gina mordeu a língua para não lembrar Bella de que o marido
dela, e o de Lilly, era o tipo de quem elas precisavam ser protegidas.
Em vez disso, encolheu os ombros e guiou a agulha e o fio de seda
pelo linho novamente.
A porta da sala abriu e Edwards trouxe o serviço de chá, seguido
por Andrew e seus irmãos. Ela e Bella se levantaram para
cumprimentá-los.
— Podemos nos juntar a vocês? Parece uma eternidade desde
que fizemos algo tão doméstico como tomar chá com as mulheres.
— Claro, por favor. — Bella disse, e seu olhar segurou o do
marido, uma cor suave inundando suas bochechas. A sala encolheu
para os dois.
Era assim que o amor parecia? Gina desviou o olhar, sentindo-se
como se estivesse se intrometendo e notou que James também
estava observando-os. Seu olhar se deslocou para ela e ela piscou. Ele
lhe deu um sorriso torto, como se compartilhassem algum segredo
que escapara aos outros. Ela retribuiu o sorriso, sentindo uma timidez
de colegial.
— Espero que vocês não se importem com a nossa interrupção,
senhoras. — Disse Charles. — Nós encontramos Edwards no corredor
e ele avisou que eram apenas vocês duas.
— De jeito nenhum. — Bella disse. Ela apontou para um
aparador que continha várias jarras e taças. — Posso oferecer-lhes
um refresco mais forte?
Charles sorriu e foi até a mesa.
— Não se importa que eu sirva.
Gina sentou-se no sofá. Se perguntou se sua culpa pela escuta
poderia ser lida em seu rosto. Ela pegou o bordado e o colocou no
colo, fingindo estudar seu trabalho, enquanto Bella se encarregava do
bule.
— Onde está a adorável Senhora O'Rourke? — James perguntou
enquanto pegava uma xícara de chá que Bella lhe oferecia.
— Está fazendo compras. — Bella disse. — Eu acho que ela está
tramando alguma coisa. Tem estado bastante alvoroçada nos últimos
dias.
Andrew levantou uma sobrancelha e Gina reprimiu uma
risadinha. Bella estava certa, ele tinha se mantido muito bem-
humorado sobre a invasão dos O'Rourke, estava, sem dúvida,
tentando imaginar a mamãe alvoroçada. Estridente, talvez, fingindo
desamparo ou exigente. Mas alvoroçada?
A conversa continuou em sua volta e ela sentiu-se retirar
novamente, como tantas vezes acontecia desde aquela noite. Embora
seus olhos permanecessem em seu bordado, sua mão direita foi para
a cicatriz perto da cavidade de sua garganta enquanto pensava em
como James tinha enfaixado o corte. A tinha visto em seu pior
momento. Se ele não tivesse visto, talvez ela não se importasse tanto
de estar perto dele.
A voz de Bella cortou seus pensamentos.
— Gina! — Ela voltou e olhou para cima novamente, a pergunta
em seus olhos. — James perguntou se você está bem. — Bella disse a
ela.
Quando percebeu que estava tentando cobrir a cicatriz, ela
baixou a mão rapidamente e assentiu. Encontrou o olhar dele e
engoliu em seco. Lembrando-se de sua oferta de trégua, ela deu-lhe
um sorriso fraco.
— Muito bem, obrigada.
O conjunto rígido de seus ombros relaxou um pouco.
— Bom. — Ele murmurou, como se esperasse que ela desse uma
resposta diferente.
Um silêncio constrangedor se estendeu quando Bella e Charles
se olharam entre eles. Seu desconforto era tão óbvio?
Ela ficou aliviada quando todos se viraram para a porta da sala
de estar, num barulho no vestíbulo, acompanhado por vozes
femininas altas. Um momento depois, mamãe atravessou a porta da
sala de estar sem nenhum reconhecimento, pedido de desculpas ou
explicação.
— Oh! — Exclamou ela, tirando a touca de palha com uma fita
de seda preta e abanando-se com a aba. — Condutores públicos são
tão rudes! Ora, esse nem queria me ajudar com meus pacotes! Nancy
e eu tivemos que buscá-los todos.
Gina tentou imaginar sua pobre empregada carregando o lote
inteiro pelas escadas até o quarto de mamãe.
— O que você comprou mamãe?
— Muito pouca coisa, querida. Vários pedaços de pano, logo
estarei fora do luto... — ela gesticulou para seu vestido preto de
veludo. — E algumas belas rendas belgas, acabamentos e
aviamentos. Depois fui a Fortnum e Mason comprar latas de frutas
secas, chás exóticos e conservas.
Bella franziu a testa.
— Eu tenho certeza que na cozinha tem o suficiente.
— Essas não são para cozinharmos, menina boba. — Mamãe
suspirou quando afundou em uma cadeira confortável. — São para
nós levarmos para casa. Tão difícil encontrar as coisas boas em
Belfast, você sabe. Ora, a renda belga custa o dobro nas lojas de lá!
Confesso, tenho prazer em saber que serei a inveja de todas as
minhas amigas.
Gina sorriu. Esses eram os sinais certos de que mamãe estava
começando a se curar da morte de Cora.
— Com certeza haverá tempo suficiente para encontrar tudo o
que você deseja.
— Tempo suficiente? Ora, quase não resta tempo algum!
Voltaremos à Irlanda dentro de quinze dias.
Gina só conseguia olhar para a mãe, incrédula. Ela não disse
nada sobre voltar para a Irlanda tão cedo! Nem uma dica!
Bella interveio.
— Pensei que você ficaria mais tempo. Lilly acabou de se casar,
ela pode precisar de você.
Mamãe deu-lhe um olhar cansado.
— Eu acredito que os Farrell não precisam de mim. O Senhor
Farrell parece ter a Lilly bem na mão. — Ela se virou para dar um
vislumbre a Andrew. — Como o Senhor Hunter parece se adequar
bem a você. Não, você e Lilly não precisam de mim. Eugenia e eu
partiremos dentro de quinze dias.
Uma quinzena? Ela não poderia estar pronta tão cedo! Renquist
havia indicado que levaria meses para encontrar o Senhor Henley. Ela
ficou em pé, agitada, consciente de que James Hunter a estava
observando com uma curiosidade marcante.
— Não podemos ficar até o Natal?
— Natal? Bom Deus, Eugenia! — Mamãe pôs o chapéu de lado e
aceitou uma xícara de chá de Bella. — Não podemos deixar nossa
casa em Belfast sozinha por tanto tempo. Não era a nossa intenção
dar a vocês garotas uma temporada e ir para casa depois? Você deve
se lembrar que originalmente voltaríamos para casa até setembro. Só
porque nós mudamos para cá e estivemos de luto não significa que eu
mudei nossos planos.
— Senhora O'Rourke, você é bem-vinda aqui enquanto quiser
ficar. — Disse Andrew. Gina se perguntou o quanto essa oferta lhe
custara.
— Muito bem, tenho certeza que sim. — Disse mamãe. — Mas
eu já fiz arranjos. Eu decidi que viajar por terra é muito tedioso e
reservei nossas passagens ontem, e hoje eu ordenei que as caixas
fossem entregues para empacotar nossas coisas. — Ela abriu os
braços como se ousasse alguém discutir. — É um fato consumado.
— Com licença. — Gina rezou para que ela pudesse manter a
compostura até sair da sala de estar.
Capítulo Três
Gina respirou profundamente o ar fresco, sua mente girando
com a notícia. Então era por isso que mamãe parecia alvoroçada, era
a perspectiva de voltar para a Irlanda! Ela precisava pensar. Planejar.
Este novo desenvolvimento mudava tudo.
Se quisesse alguma chance de descobrir o que aconteceu
naquelas horas perdidas, de finalmente estar livre do passado, teria
que agir rapidamente. De fato, ela não poderia esperar que Renquist
fizesse progressos. Por mais que temesse se misturar na sociedade,
ela teria que entrar na busca, assim como Lady Sarah havia sugerido.
Encontrou um lugar tranquilo no jardim e sentou-se em um
banco equilibrado entre dois leões de pedra. A brisa do final da tarde
a fez estremecer, uma lembrança do outono que se aproximava, e ela
se abraçou enquanto se concentrava nas pontas dos pés, tentando
desvendar o problema em questão.
Lady Sarah já tinha feito arranjos para chamá-la amanhã à noite
e acompanhá-la ao baile dos Auberville. As gêmeas Thayer estariam
presentes e, se tudo corresse bem, Lady Sarah providenciaria mais
convites e Gina se juntaria ao círculo deles.
Não pediria ao Senhor Renquist para investigar o que ouviu na
biblioteca. Ela o deixaria com as fontes dele e ela procuraria a família
e os amigos do Senhor Henley na sociedade. A única coisa que não
podia fazer era voltar a Belfast sem resolver esse assunto. Nunca
saber a verdade. Nunca mais se sentiria segura enquanto o Senhor
Henley vagasse pela terra.
Um par de botas Wellingtons altamente polidas apareceu na
vista dela.
— Frio, Senhorita O’Rourke?
Olhou para cima e viu James Hunter parado diante dela. O
familiar calor desconfortável subiu nela, mas controlou com uma
respiração profunda antes de falar.
— Um pouco, Senhor Hunter. Não deveria ter saído sem meu
xale.
— Devo ir buscá-lo?
Ela balançou a cabeça. Não pretendia ficar mais tempo do que o
necessário. Ele sentou ao lado dela, perto o suficiente para ela sentir
seu calor, mas não perto o suficiente para tocar.
— Eu imagino que o anúncio da sua mãe foi uma surpresa para
você?
— Completamente. Não tinha ideia de que ela queria ir embora
tão cedo.
— E você não?
— Sim. Não! Quer dizer, eu quero ir para casa, mas isso é tão
repentino, e há coisas que eu ainda queria fazer.
— Coisas, Senhorita O’Rourke? Por exemplo?
— Eu... eu não tenho saído muito em sociedade devido a... bem,
circunstâncias. Gostaria de experimentar um pouco da emoção de
Londres.
Ele deu uma gargalhada que a fez estremecer.
— Acho que você já teve emoção suficiente para durar uma
temporada.
Ela olhou de lado para ele. Não havia nada de sarcástico em seu
semblante e nada de repreensão. Apenas uma simples declaração de
fatos.
— Um tipo diferente de excitação do que ser sequestrada,
Senhor Hunter.
Seus olhos encontraram os dela e os seguraram.
— Compreendo. Ficarei triste em vê-la partir. Eu teria gostado
de valsar apenas uma vez com você. Já esteve em Vauxhall ou nos
museus?
Ela balançou a cabeça.
— Cora morreu pouco depois de chegarmos. E tudo desde então
tem conspirado para nos manter ocupadas de outra forma.
Ele riu abertamente desta vez.
— Isso seria um pouco de eufemismo, Senhorita O’Rourke. Sua
família tem sido a conversa da cidade. Devo dizer que as O’Rourke
colidiram com Londres da maneira mais contundente.
— E ainda assim sua irmã se ofereceu para me apresentar. Com
grande risco para a reputação dela, suponho.
— Ofereceu? — Ele pareceu surpreso, e Gina percebeu que
estava pensando que tal patrocínio era arriscado. — Bem, Sarah sabe
melhor. É uma excelente juíza de caráter. Com ela como sua
madrinha, seu sucesso está garantido.
Ela não se importava nem um pouco com o sucesso social. Só
queria conhecer as pessoas que poderiam levá-la ao Senhor Henley,
mas dada a conversa que ouvira anteriormente na biblioteca,
imaginou que todos os irmãos proibiriam tal coisa. Graças a Deus eles
estariam muito ocupados com seus próprios negócios para se
intrometerem com ela.
Ela estremeceu de novo e o Senhor Hunter tirou a jaqueta para
colocá-la sobre seus ombros. Ainda quente de seu corpo, cheirava a
sabão de barbear e algo limpo. Goma? Muito reconfortante, mas
provocativo. E mais uma vez, conjurou lembranças daquela noite.
— Obrigada. — Ela conseguiu dizer, suspeitando que devesse ter
recusado e entrado.
— É um prazer, Senhorita O’Rourke. — Ele esticou as pernas e
cruzou os tornozelos. — Nunca se sabe como se vestir para o clima
nesta época do ano.
— É... existe uma razão pela qual você me seguiu, Senhor
Hunter?
— Eu queria te agradecer por não correr no momento em que
me viu, como é de seu costume. Na verdade, acho que nossa trégua
funcionará bem.
— Minha objeção a você não é nada pessoal, Senhor Hunter.
— Você não gosta de mim?
Mortificada por seu embaraço, Gina estremeceu.
— Me perdoe. Eu não quis dizer isso do jeito que soou. O que
quis dizer é que você me deixa desconfortável... quero dizer...
— Por favor, não explique mais, Senhorita O'Rourke. Não acho
que o meu tenro ego seja capaz de suportar. — Ele sorriu e seu
estômago deu um estranho saltinho.
O som do riso precedeu a chegada dos outros, e Gina tirou a
jaqueta de James dos ombros e estremeceu no frio repentino. Ela
devolveu e viu quando ele se levantou e encolheu os ombros
momentos antes de Bella e Charles aparecerem ao redor da sebe. Por
que ela se sentiu como se tivesse feito algo errado?
Charles inclinou-se para Gina antes de se virar para o irmão.
— Aqui está você, Jamie. Estamos atrasados para o nosso
compromisso, e devemos liberar essas pessoas boas para a noite
deles.
Bella balançou a cabeça fingindo descrença.
— Eu tentei persuadi-lo de que eram bem-vindos para jantar,
mas Charles não quis saber disso.
— Muito bem. Nós somos esperados em outro lugar. — James
confirmou quando se afastou do banco.
Os homens se curvaram, mas antes de partirem, James olhou
para ela, algo ilegível em seus olhos antes de se virar e desaparecer
ao longo do caminho do jardim. Uma vaga sensação de decepção
encheu Gina com sua partida.
Bella a levou através das portas da biblioteca e foi até o
aparador para derramar xerez em um taça e trazê-lo para ela.
— Eu não fazia ideia!
Gina aceitou o taça e tomou um gole considerável.
— Sobre o que?
— Que você estava apaixonada por James.
Ela engasgou, o xerez queimando sua garganta. Apaixonada?
Ah, ao contrário. Ela mal podia suportar sua companhia.
— Você está enganada, Bella. Não estou apaixonada pelo Senhor
Hunter. Se sou desajeitada na presença dele, é porque não gosto de
ficar na sua companhia. Ele… ele… me viu. — Na verdade, ele era um
lembrete de tudo o que ela sofreu. De tudo que perdeu. E isso era o
que estava tentando explicar a ele poucos momentos atrás.
Bella deu a ela um sábio sorriso de irmã mais velha.
— Talvez seja por isso que ele está tão atraído por você. É
quase doloroso vê-lo quando estão na mesma sala. Ele não consegue
tirar os olhos de você.
— Porque ele me imagina nua! É… é lascívia, Bella e nada mais.
— Verdadeiramente? — Mas Bella parecia em dúvida. — Ele
parecia genuinamente perturbado quando a mamãe anunciou que
estava levando você para a Irlanda.
Porque ele teria gostado de dançar com ela? Prendeu a
respiração ante a repentina dor em seu peito ao perceber que, se as
coisas tivessem sido diferentes, se aquela noite nunca tivesse
ocorrido, ela teria gostado de dançar com ele também.

Naquela noite, na taverna Crown and Bear, Jamie Hunter revirou


os olhos em desgosto.
— Meu Deus, Charlie, você não bebeu tanto. Concentre-se, cara!
Charlie sorriu, um olhar sagaz no rosto.
— Não estou longe, Jamie. Estou pensando em outra coisa.
— Alguém mais, provavelmente. Quem é desta vez?
— A coisinha doce que você acabou de abandonar. Suzette.
— Isso foi há dois meses. — Jamie recostou-se na cadeira e
cruzou os braços sobre o peito. — Mas Suzette pode fazer o sangue
ferver, não pode?
— Aliás, o que ela fará quando você passar para outra
protegida? Ela quase fez uma carreira com os irmãos Hunter.
— Você é o único solitário, Charlie.
— Bem, eu não estou aguentando mais. Suzette estava
guardando o melhor para o final. Ela gosta do tipo alto, moreno e
bonito. — Ele balançou as sobrancelhas para Jamie e riu. — Vi o
patrimônio que ela adquiriu através de Lockwood, Drew e você. Eu
estaria disposto a apostar que ela poderia se aposentar se vendesse
essas joias.
— Por que ela se aposentaria quando ainda tem outro irmão
Hunter?
— Eu diria que esse dinheiro valeu a pena para todos vocês. Sei
que para mim vale.
Jamie encolheu os ombros. Ele não sabia dizer por que estava
cansado de Suzette Lamont, só que estava. No entanto, quando parou
para pensar sobre isso, percebeu que chegou a essa decisão logo
depois que sua família se envolveu com as O’Rourke. Ele reprimiu um
arrepio e voltou para a conversa.
— Apenas seja um cavalheiro quando sair, Charlie. Suzette
merece muito.
— Sim, ficou tão arrasada quando você partiu que se envolveu
com um alemão menos de uma semana depois. Ah, mas ela terminou
com ele, e é a minha vez.
— Fez dele um pobre, muito provavelmente. Cuidado com sua
carteira, irmão.
— Com ciúmes?
Ele estava? Talvez apenas uma pontada. Suzette era habilidosa e
lhe ensinara muito sobre como agradar uma mulher. E ele estava
começando a sentir os efeitos do celibato prolongado. O pensamento
fugaz de que talvez precisasse de uma mulher para aliviar sua luxúria
por Eugenia fez com que sacudisse a cabeça em desgosto. Ele bebeu
seu uísque em um único gole.
Esta abstenção de amantes era o resultado de estar em torno de
seus irmãos mais velhos. Eles se tornaram domesticados tão
rapidamente que ele dificilmente acreditava. Lockwood aceitou o
casamento como um pato corre para a água. Andrew, um libertino
que rivalizava com o pior, agora era um gato doméstico feliz, enrolado
em sua lareira com seu novo brinquedo favorito, Bella.
Ah, sim, e aqui vinha o mais recente de uma longa lista de novos
gatos domesticados. Devlin Farrell. Um homem cuja menor contração
provocava terror em criminosos experientes era agora um recém-
casado bem-satisfeito que literalmente adorava sua esposa.
— Cavalheiros. — Ele os cumprimentou. — Vejo que vocês
começaram sem mim.
Charlie riu.
— Não tenho dúvidas de que você vai se atualizar, Farrell.
Devlin fez sinal para o dono do bar e uma caneca de cerveja
magicamente apareceu.
— Não tenho intenção de recuperar o atraso. Lilly está
esperando em casa. Não quero desapontá-la.
Jamie bufou. Duvidava muito que Lilly ficaria desapontada hoje à
noite, ou em qualquer outra noite, se ele fosse algum juiz. Não existia
ninguém mais santo do que um pecador reformado, Devlin Farrell
logo teria seu próprio altar na St. Paul.
Depois de um longo gole, Devlin respondeu à pergunta não
formulada.
— Nenhum sinal deles, mas eu confirmei que ainda estão nas
proximidades. Diga à Secretaria que a informação deles está errada.
— Nós suspeitávamos disso. — Charlie sentou-se um pouco mais
reto, como se de repente tivesse sacudido os efeitos do uísque. — E
há, de fato, um preço pela cabeça de Jamie?
— Um bastante alto.
Jamie sorriu.
— Quanto eu valho?
— Dez mil libras.
Charlie assobiou e revirou os olhos.
— Deve haver pelo menos uma dúzia de captores por esse
preço.
— Pelo menos. — Devlin concordou. — Mas os assassinos
comuns não têm a experiência para pegar nosso Jamie de surpresa.
Dez mil libras, no entanto, era uma soma assustadora. Jamie se
mexeu desconfortavelmente na cadeira, levando a ameaça a sério
pela primeira vez. Quem viria atrás dele primeiro? Ele segurou o olhar
de Devlin.
— Serão os irmãos Gibbons?
Os cantos da boca de Devlin se curvaram.
— Eles são como cobras e virão atrás de você em um instante,
mas que se exploda se os canalhas não são úteis de vez em quando.
Farão qualquer coisa por dinheiro, embora eu não saiba o que eles
fazem com ele quando o tem em mãos.
— Gostaria que eles tomassem um banho. — Charlie resmungou.
— Ou comprassem algumas boas maneiras.
— É um mistério. — Devlin encolheu os ombros. — Eles vivem
em um casebre, nunca investem em uma barra de sabão, suas roupas
são trapos, comem lixo e até dividem suas prostitutas para pagarem
apenas uma. Eles devem ter uma fortuna acumulada em algum lugar.
— As duas criaturas mais patéticas que já vi.
— Eu não sei… — A sobrancelha direita de Devlin se ergueu
quando ele olhou entre Jamie e Charlie.
Jamie e Charlie desataram a rir e brindaram um ao outro como
se quisessem confirmar a análise de Devlin.
Devlin se recostou na cadeira e sua expressão ficou sóbria.
— Em vista do risco que você corre Jamie, eu gostaria que
aceitasse um guarda-costas ou dois. Eu conheço alguns homens e...
— Eles ficariam no caminho. Far-me-iam notável. E não pense
em colocá-los atrás de mim sem o meu conhecimento. Posso
confundi-los com os caçadores de recompensa e poderei matá-los.
Devlin não parecia feliz.
— Eu posso ter uma vantagem para você. Se manuseá-lo com a
sua habilidade habitual, pode acabar com isso rapidamente.
Jamie sentou-se para frente e baixou a voz.
— O que você tem na manga, Devlin?
— Naquela noite no ritual, quando as moças chegaram e a
fraternidade se espalhou pelos túneis, reconheci alguns homens.
Alguns vocês já conhecem. Não mencionei que vi Stanley Metcalfe e
Adam Booth. Eles pareciam confusos e amedrontados e, a menos que
eu esteja errado, aquela era a primeira vez deles em um ritual, e é a
razão pela qual não os persegui. Eles se mantiveram longe de
problemas desde então. — Devlin manteve essa informação para si
mesmo até que fosse necessário. Até que Metcalfe ou Booth
pudessem ser úteis.
— E?
— Como são os últimos homens na periferia da Irmandade que
ainda estão livres, eles podem ser úteis para você. Podem ter alguma
informação. Um deles poderia estar em contato com Henley. Eles
podem conhecer sua família e ter conhecimento de... Bem, você pode
imaginar como eles podem ser úteis.
Se eles pudessem ser confiáveis. E se ainda estivessem vivos.
Jamie deixou cair algumas moedas na mesa e se levantou.
— Vá para casa e para a Lilly. E obrigado pela dica. Vou procurá-
los amanhã.

Lustres de cristal maciços cintilavam pedaços multicoloridos de


luz através do salão, o riso era estridente e o vinho estava fluindo
livremente. A noite prometia ser um enorme sucesso. Infelizmente,
Lorde Auberville não tinha sido capaz de dizer a ele quem,
precisamente, tinha sido convidado para o baile, então Jamie concluiu
que ele teria que ver por si mesmo. Charlie o deixou na porta para
encontrar a sala de jogos e um jogo de whist, deixando Jamie livre
para vagar pelo perímetro da pista de dança. Com um aceno de
cabeça aqui e um sorriso ali, ele reconheceu alguns amigos e
conhecidos, mas nenhum sinal de Stanley Metcalfe ou Adam Booth.
Será que alguém os avisou?
Ele estava pensando em pegar qualquer Metcalfe neste
momento, e lá, em resposta à sua oração, estava a irmã de Stanley
Metcalfe, Missy. Vestida de branco, estava rodeada de rapazes. Ele se
perguntou se percebia que sua popularidade era atribuível ao segredo
mal guardado que ela concedia certas... liberdades, se alguém
pudesse levá-la sozinha em um jardim.
Avançou sobre o grupo, sabendo que a maioria dos homens
partiria quando a música parasse. O resto... bem, teria que ser mais
rápido. Ele cumprimentou os homens, pegou a mão de Missy e
curvou-se sobre ela.
— Senhorita Metcalfe, você está especialmente linda hoje à
noite.
Ela piscou para ele e riu.
— Que gentileza sua, Senhor Hunter.
— Apenas falando a verdade, Senhorita Metcalfe.
A orquestra terminou a música e um jovem deu um passo à
frente.
— Eu digo, Senhorita Metcalfe, você me faria a honra?
Jamie sorriu desculpando-se para o jovem.
— Ocupada. Eu a devolverei diretamente a você depois. — Ele
pegou a mão de Missy e levou-a enquanto ela abafava outra
risadinha.
— Que impróprio da sua parte, Senhor Hunter. — Ela disse
quando a próxima dança, um carretel lento, começou. — Não me
lembro de te conceder uma dança.
— Então devo agradecer por não me entregar. — Havia um risco
inevitável em continuar a conversa enquanto se encontravam entre os
degraus, então ele a conduziu para o baile, esperou um turno da
música e depois a puxou para as portas do terraço.
— Oh! — Ela apertou uma mão delicada contra o peito quando
estavam do lado de fora e a porta do terraço se fechou atrás deles.
Seus olhos se arregalaram em inocência fingida. — Nós realmente não
deveríamos...
Ele realmente não faria isso. Mas Missy não precisava saber
disso.
— Você quebra o coração de um homem, minha querida.
Ela deu a ele um bonito beicinho.
— O que mais eu devo fazer? Você dança com uma garota de
vez em quando e a ignora o resto do tempo. Isto é Justo?
— Justo? Oh, minha querida, mais justo do que você pode saber.
Se eu fosse me submeter aos seus encantos com muita frequência,
não há como dizer o que poderia acontecer. Talvez eu deva conversar
com seu irmão.
— Não há necessidade disso, Senhor Hunter. Ele provavelmente
apenas recusaria você.
— Ou poderia me dar sua bênção. Ele está aqui?
— Não. Ele... ele está meio recluso esses dias.
— Você sabe onde eu poderia encontrá-lo? No clube, talvez?
— Seria melhor fazer uma petição ao meu pai, mas ele está
doente no momento e não está recebendo.
Que coincidência que todos os homens da família dela estavam
atualmente indisponíveis. Muito suspeito. Alguma coisa estava sendo
encoberta, disso ele tinha certeza.
— Não há alternativa para mim?
Ela se aproximou até que seus seios foram pressionados contra
o peito dele, e olhou para ele com um calor de olhos esbugalhados.
— Você pode pegar o que quiser. Gosto de homens que pegam
o que querem.
Ele gemeu. Qual seria o dano em pegar o que lhe foi oferecido
gratuitamente? Ele mediu sua cintura com as mãos e segurou-a
enquanto inclinava a cabeça para a dela.
— Você é muito tentadora, Senhorita Metcalfe. — Disse ele
contra os lábios dela.
Quando aprofundou o contato e ela gemeu, ele esperou pela
excitação, o ímpeto de prazer e antecipação. Em vão. Tudo o que
podia pensar era que a água de rosas que ela exalava era irresistível,
mas não era como o aroma da pele de Senhorita O’Rourke.
Felizmente, já tinha conseguido o que precisava de Missy, ela
não sabia onde estava seu irmão. E não era o que ele queria. Então
se afastou dela.
— Precisamos voltar antes que alguém perceba que sumiu. Eu
não gostaria que as pessoas falassem sobre você.
Ela bateu o pé em frustração e estava prestes a protestar
quando as portas do terraço se abriram e seu pretendente anterior
apareceu. Graças a Deus eles romperam o contato ou Jamie suspeitou
de que estaria em um duelo ao amanhecer.
— A Senhorita Metcalfe ficou superaquecida. — Explicou ele. —
Fique em sua companhia enquanto ela se refresca.
Ele passou pelo jovem e entrou no salão de baile. Quando olhou
para trás, Missy Metcalfe observava-o com consternação. Ele piscou
para ela, pensando que poderia ser útil no futuro.
Lá dentro, ele examinou o salão antes de sair, mas parou
quando encontrou olhos castanhos profundos à distância. Poderia ser?
Sim. A Senhorita O’Rourke estava de pé entre Hortense e Harriett
Thayer, parecendo um pouco confusa enquanto uma das gêmeas, ele
não conseguia distingui-las, contava uma história. Eugenia estava
vestida com um vestido rosa que complementava perfeitamente sua
pele. Seu lustroso cabelo castanho-dourado estava arrematado em
um coque perfeito do qual caíam cachos até seus ombros. Ele tentou
imaginar como seriam esses cachos emaranhados entre os dedos.
Que diabos a Senhorita O’Rourke estava fazendo aqui? Ela não
percebia que estava em risco enquanto um único membro da
Irmandade estivesse à solta? Ela era uma das poucas pessoas que
sobreviveram e que poderia reconhecê-los.

O som da conversa era quase ensurdecedor, mas Gina podia


ouvir o som do próprio batimento cardíaco. Mesmo apoiada pelas
gêmeas Thayer, ela se perguntou o que a fez pensar que estava
preparada para isso.
De pé no salão de baile, ela não podia banir o pensamento de
que um dos homens presentes hoje pudesse estar na capela naquela
noite. Alguém que poderia ter feito parte de seu sequestro, alguém
que esperava fazer parte de sua última vergonha e morte.
Ela estremeceu e forçou os pensamentos de sua mente. Ela
sabia que entrar na sociedade não seria fácil. Não podia deixar que
isso a impedisse. Estava ficando sem tempo se pretendia ter sua
justiça.
Assim que endireitou os ombros e ergueu o queixo, seus medos
se materializaram. Ela vislumbrou James Hunter em um grupo de
foliões. James, que esteve lá. Que a viu como a natureza a fez. Mas
ele, pelo menos, não quisera fazer mal a ela.
— Veja! Missy Metcalfe. — Hortense cutucou Gina nas costelas
quando ela se aproximou de seu ouvido. — Aquela pequena coquete.
Gina sacudiu seu vago aborrecimento e riu ao pensar na panela
e na chaleira. Missy Metcalfe, quem quer que fosse, certamente ficaria
muito aquém das habilidades de Hortense.
Harriett, no entanto, era um pouco mais composta. Só um
pouquinho.
— Ela prefere a companhia dos homens, Hortense. Isso não faz
dela uma coquete.
— Não, Harri. Isso faz dela uma...
— Silêncio! Você quer que alguém ouça? — Harriett colou um
sorriso no rosto bonito e acenou para a jovem em questão.
— Ela é muito linda. — Gina disse.
Hortense se virou e olhou para Gina da cabeça aos pés
avaliando.
— Você não precisa se preocupar, Eugenia. Ela não chega aos
seus pés.
— Oh, mas ela é boa e animada enquanto eu sou...
— Escura e misteriosa. — Harriett terminou. — Eu posso
imaginar jovens fazendo fila por você. E esse vestido! Rosa é sua cor.
Deve tornar essa cor a sua assinatura.
Gina alisou a seda rosa pálida sobre seus quadris. O vestido fora
feito para ela pouco depois de sua chegada a Londres, e perdera peso
desde então. Não pendia sobre ela, mas tinha uma pequena folga no
decote profundo e Nancy havia colocado um ramalhete de violetas ali
para preencher a lacuna e salvar sua modéstia.
Hortense beliscou o braço dela.
— Por favor! O Senhor Hunter está caminhando em nossa
direção. Senhor James Hunter. Você está de alguma forma
relacionada a ele, Eugenia?
— O irmão dele é casado com a minha irmã. — Confessou ela,
procurando na multidão um sinal dele enquanto experimentava uma
pontada de pânico.
— Como é divino. — Hortênsia declarou com uma piscadela. —
O que eu não daria para ter um homem assim entrando e saindo da
minha casa. Você costuma encontrá-lo?
— Raramente. — Tão raramente quanto ela conseguia.
— Pena. — Harriett se aventurou. — Ele tem uma reputação de
ser desejado entre as senhoras da sociedade. São poucas as que não
tenham conseguido uma caminhada nos jardins com ele.
— Por quê? — Ela perguntou.
As gêmeas riram e Hortense respondeu.
— Você não pode ter deixado de notar o quão bonito ele é. Oh,
aqueles olhos enfraquecem meus joelhos! E eu ouvi, não vou te dizer
por quem, que ele beija como um anjo caído. Celestial e desobediente
ao mesmo tempo. Como gostaria de saber como isso é. — Disse
sussurrando.
Gina fechou os olhos, lembrando-se de como se sentira quando
ele a carregara do altar. Aliviada. Segura. Mortificada. Mas como teria
sido deixá-lo beijá-la?
Ela levantou a mão até a garganta, onde a cicatriz estava
escondida sob uma larga fita rosa na qual um camafeu havia sido
preso. Calor fluiu através dela, aquecendo seu sangue e disparando
sua imaginação.
— Ah, bem. — Continuou Harriett — Eu aproveitaria ao máximo
sua conexão. Se você é vista em sua companhia, sua reputação como
"desejável" está feita.
Gina balançou a cabeça, não querendo decepcionar as gêmeas.
— O Senhor Hunter tem muito mais coisas importantes para
tratar do que "fazer" minha reputação. — Seu estômago revirou
quando um sorriso torto sacudiu sua boca quando ele encontrou seus
olhos.
Ele chegou diante delas, curvou-se para Hortense e Harriett,
depois voltou sua atenção para ela quando a música começou.
— Nossa primeira valsa, Senhorita O’Rourke. — Ele murmurou
em uma voz profunda e íntima quando pegou a mão dela.
Ela ficou surpresa que seus joelhos não cedessem quando ele a
levou para a pista de dança.
Capítulo Quatro
Ela detectou uma corrente de raiva na maneira como James
Hunter pegou a mão dela e a levou para a pista de dança. Não era ela
quem deveria estar indignada com a maneira como ele a reivindicou e
não lhe deu espaço para recusar? Com o menor puxão, ele a girou e a
puxou contra o peito assim que a música começou.
— Agradável encontrá-la aqui, Senhorita O'Rourke. — Disse
enquanto a conduzia aos primeiros passos da valsa.
Gina levantou as sobrancelhas para o tom de sua voz.
— Não me lembro de lhe consentir uma dança, Senhor Hunter.
Ele olhou para ela através daqueles olhos azul-violeta, um tanto
gelados agora, em vez de manter seu calor habitual. Todo o seu
comportamento havia mudado desde que a afastara das gêmeas.
— Eu na verdade não estou pedindo.
Decepção fluiu através dela. Imaginou como seria se sentir em
seus braços, caso valsassem, mas não assim. Agora só queria fugir. O
que ela fez para provocá-lo? Enquanto tentava se afastar, a mão dele
apertou sua cintura.
— Cuidado, Senhorita O’Rourke, ou todos saberão dos nossos
negócios.
Ela lutou para manter seu rosto impassível e seus modos tão
frios quanto os dele, mas seu comportamento a incomodou mais do
que ela ousava deixá-lo saber.
— Nós temos negócios? Se assim for, não tenho conhecimento
disso, senhor. Na verdade, pensei que tínhamos uma trégua.
— Nós temos. Corrija-me se estiver errado, mas não me recordo
de imprudência ser permitida.
Ela recuperou seu juízo quando ele a girou em um amplo círculo.
— Eu... imprudente? Não tenho a menor noção do que você
quer dizer.
— Você não tem? — O progresso deles em torno da pista de
dança os tinha trazido para perto de uma porta aberta do terraço e
ele a conduziu para fora sem perder um passo. — Então me permita
te esclarecer.
Ele parou de repente e soltou-a no brilho suave de uma lanterna
pendurada, deixando-a sozinha para pegar seu próprio equilíbrio.
Nunca o tinha visto assim antes, bravo e desafiador, e ela não gostou.
Ergueu o queixo e olhou para ele, desafiando-o a repreendê-la por
qualquer coisa.
Mas isso não o impediu.
— Há pessoas por perto que... que podem te fazer mal. E aqui
está você, se exibindo para todo o mundo ver. Está desafiando Henley
a vir atrás de você, Senhorita O’Rourke?
Ela piscou. Estava certo, é claro, mas ela mal podia lhe dizer que
encontrar Henley era, de fato, seu objetivo. Em seu humor atual, ele
provavelmente a jogaria por cima do ombro e a levaria para casa. Ela
ergueu o queixo um pouco mais alto.
— Não consigo ver como isso é da sua conta, Senhor Hunter.
A expressão em seu rosto era dura e quebradiça, como se
pudesse rachar a qualquer momento e revelar seus verdadeiros
sentimentos.
— Não? Então permita-me relembrar. Um, — ele levantou um
dedo — você é a cunhada do meu irmão. Dois, — outro dedo subiu.
— Eu já te tirei do alcance de Henley uma vez. Três, estou
trabalhando atualmente para que Henley seja punido, e quatro... —
Sua voz sumiu, como se ele tivesse pensado melhor em continuar.
— Quatro? — Ela desafiou.
Ele riu, mas não havia o menor indício de humor.
— Você não gostaria de ouvir isso, Senhorita O'Rourke, acredite
em mim. Mas podemos dizer que minhas razões são legítimas e que
sua presença é uma distração e um impedimento?
O que poderia ser tão terrível que ela não pudesse ouvir? Ela
respirou fundo e soltou lentamente, recuperando um pouco de
compostura.
— Muito bem. Mas suas razões não são minha preocupação.
Estou cansada de ser uma prisioneira em minha casa. Estou cansada
de ser punida por algo que não é minha culpa. Já tive o suficiente ao
permitir que o medo ditasse minha vida. Não mais, Senhor Hunter.
Você me ouve? Não mais.
Ele agarrou seus braços e se inclinou para ela. O cheiro dele
enfraqueceu seus joelhos e por um momento a possibilidade de um
beijo pairou no ar entre eles. Ela estava sem fôlego, dilacerada pela
esperança e pelo medo. Então, em voz muito baixa, ele disse:
— Eu ouço claramente, Senhorita O'Rourke, e por mais que
admire sua coragem e determinação, abomino sua tolice em insultar
um homem perigoso.
Ela finalmente exalou, tentando encontrar sua voz. Como ela
poderia dizer a ele que tinha dúvidas também? Pelo menos uma dúzia
de vezes por dia e duas vezes já esta noite.
— Mesmo assim.
Ele parecia completamente desconcertado por sua recusa em ver
o assunto do jeito dele. E sua promessa de absoluta confidencialidade
impediu-a de mencionar que havia ganho coragem e apoio de sua
própria irmã e de várias das senhoras mais importantes da sociedade,
de modo que ela apenas se manteve firme.
Ele a soltou e recuou.
— Muito bem, Senhorita O’Rourke. Faça do seu jeito, então. Mas
você não pode me impedir de seguir seus passos.
— Você logo ficará muito entediado. — Advertiu ela. — A menos
que tenha um interesse secreto por uma das gêmeas Thayer.
A sugestão de um sorriso contraiu seus lábios.
— Ruivas espevitadas. Problema, sempre que haja oportunidade,
e certamente incapazes de a manterem fora disso. Seria como colocar
a raposa para proteger o galinheiro.
— Eu não preciso de ninguém para me manter longe de
problemas. Sou bem capaz disso, eu mesma.
Seu olhar varreu-a da cabeça aos pés.
— Mesmo?
Um flash de calor passou por ela. Estava pensando naquela noite
nas catacumbas sob a capela? Ele estava certo, ela já esteve em
apuros antes.
Ela se endireitou e girou nos calcanhares para voltar ao salão de
baile. Não vai me humilhar para eu fazer o que ele quer, e não vai me
intimidar também!

Jamie a observou partir, metade querendo ir atrás dela, e


metade querendo trancá-la em algum lugar seguro até que esse
negócio com Henley terminasse. Por que ele nunca notou aquela
teimosia?
Arrancou uma rosa de um arbusto que subia no caramanchão
que ele passou a caminho dos estábulos e segurou-a até o nariz. Doce
e florescente, como a própria Senhorita Eugenia. Seu corpo se mexeu
com o pensamento de sua carne macia aquecida debaixo dele, seu
cabelo escuro espalhado sobre o travesseiro e aqueles lábios
exuberantes se separando com um suspiro quando entrasse nela. Ele
gemeu e balançou a cabeça. Não tinha o direito de pensar nela dessa
maneira. Ela deixou claro que não gostava dele.
Felizmente, havia muitas que gostavam e ele procuraria outra
opção já que sua primeira escolha não estava disponível. Encontraria
com Devlin, veria se havia alguma novidade, e depois procuraria
companhia feminina. Talvez isso diminuísse seu desejo adolescente
pela Senhorita O’Rourke. E Charlie? Bem, Charlie o encontraria
quando pudesse. Sim, Charlie sempre sabia onde encontrá-lo, tinha
algum tipo de instinto fraternal.
Ele jogou uma moeda para o garoto no estábulo que trouxe seu
cavalo, depois montou, virando para sudeste em direção a Whitefriar
e à Crown and Bear. Se Devlin não estivesse lá, Jamie tomaria uma
bebida ou duas e encontraria facilidade em Alice. Suas meninas eram
conhecidas por seu entusiasmo e pela natureza amável. Deus sabe
que ele estava precisando de um pouco disso.
Nuvens se reuniram, obscurecendo a lua e provocando um
calafrio. Esta foi uma noite feita para coisas obscuras e ainda era cedo
em Whitefriar. Qualquer um que tivesse uma vida honesta estaria em
casa, e os outros... bem, os outros nunca dormiam. Quando chegou à
Crown and Bear, o lugar estava vivo com barulho e riso. Em algum
lugar de um beco, escutou vozes em uma briga quando deixou seu
cavalo no estábulo atrás da taverna e jogou outra moeda para Cox, o
homem desdentado e careca que cuidava dos cavalos.
Alguns rostos se viraram para olhar quando ele entrou, depois
voltaram para suas canecas. Uma rápida olhada na sala disse a ele
que Farrell não estava lá. Ele foi até o bar e esperou enquanto Mick
Haddon, o dono do bar, servia uma dose de seu uísque de centeio
favorito e o levava até ele. Haddon era um bom homem em tempos
difíceis e o melhor homem da Crown and Bear.
— Farrell está lá atrás? — Ele perguntou.
— Em casa. Raramente o vejo nos dias de hoje. — Haddon
respondeu.
Jamie levantou o copo.
— Pela felicidade doméstica. — Ele disse antes de engolir o
conteúdo.
Mick bufou em resposta.
— Algo que eu possa fazer por você?
— O que Farrell te contou?
— Ficar de olho e ouvido em Henley.
— E?
— Nada, embora esse seja o tipo de lugar que Henley viria se
estivesse com vontade de beber, ele já não teria cruzado com Farrell?
Silenciosamente, Jamie concordou. Henley não iria ao seu clube
ou a qualquer taverna respeitável ou de jogos de azar. Ele
frequentava apenas os resíduos de Londres. Lugares onde ele
dificilmente encontraria seus velhos amigos ou novos inimigos. Mas
alguém, em algum lugar, sabia onde ele estava e o ajudava. Mais
cedo ou mais tarde, Jamie iria encontrá-lo. Era um homem muito
paciente.
— Alguma atividade incomum? Rumores... — ele perguntou.
— Apenas o usual. — Haddon disse enquanto servia outra dose
para Jamie. — Uma mulher apareceu morta em um beco não muito
longe daqui ontem à noite. As mulheres estavam perguntando, mas
parece que ela e o marido tiveram uma briga, e você pode adivinhar o
resto. Acredito que o marido foi levado preso.
— Felicidade doméstica. — Jamie repetiu enquanto terminava
sua bebida.
Haddon riu dessa vez e assentiu.
Jamie deixou o copo no bar e voltou para o pátio do estábulo. O
velho Cox entregou-lhe as rédeas e abaixou a cabeça, como se
evitasse os olhos de Jamie. Seu cavalo dançou de lado, nervoso com
alguma coisa. Em vez de montar, conduziu o cavalo para fora do pátio
até os paralelepípedos, uma sensação desconfortável erguendo os
cabelos finos de sua nuca. Algo não estava certo.
Abaixou-se para tirar a adaga da bota no exato momento em
que um tiro passou próximo à sua mão. Tijolos e argamassas se
espalharam atrás dele e seu cavalo se assustou com o barulho. Ele
soltou as rédeas, sabendo que o animal bem treinado não fugiria.
Rolou para o lado, levantando-se novamente perto de uma porta, com
a adaga na mão.
De repente, o preço por sua cabeça não parecia nem um pouco
divertido. Ele deixou sua pistola de bolso em casa, não prevendo que
estaria visitando espeluncas hoje à noite. O som de passos correndo
por um beco adjacente disse-lhe que o assassino havia dado o melhor
de si e agora estava fugindo.
Estava em plena perseguição pelo beco, seguindo o culpado,
quando lhe ocorreu que tudo tinha saído bem demais. Ele conhecia
essas ruas bem o suficiente para saber que o assassino o levava a um
beco sem saída. Uma emboscada? Mas quem estaria esperando por
ele? Henley? Os irmãos Gibbons? Estava sozinho. Deveria aproveitar a
chance?

— Oh! Eu quase desmaiei quando o vi valsar até te levar pela


porta do terraço!
Gina deu a Hortense um sorriso suave.
— Nada aconteceu. Ele estava apenas perguntando sobre a
saúde da minha mãe.
— Estava mesmo? — Harriett brincou. — E por que a saúde da
sua mãe deve ser uma preocupação dele?
Gina riu.
— A saúde da minha mãe é uma preocupação de todos. Ela faz
isso em todos os encontros.
— Então você não pode confirmar ou negar os rumores sobre as
habilidades do Senhor Hunter...
— Infelizmente. — De fato. A lembrança daquele breve
momento de promessa trouxe um pequeno sorriso aos lábios dela.
— Ah! Vejo que você está ganhando confiança, Gina. — Harriett
apertou a mão dela e piscou para a irmã. — Nossa pequena protegida
está florescendo.
Sim, estava ganhando confiança, mas estava longe de estar à
vontade. Ela estava ciente de que poderia haver homens presentes
que tivessem ouvido falar de sua provação. Talvez até alguns que
estiveram lá, que a viram. Embora fosse improvável que
mencionassem isso, sentiu o peso dos olhos clandestinos sobre ela.
Olhou ao redor do salão de baile enquanto caminhavam em
direção à tigela de ponche, imaginando se James Hunter ainda estava
lá, observando-a. Quando seus olhos captaram a Senhorita Metcalfe
dançando uma animada roda com um jovem ansioso, de repente ela
ficou impressionada com uma lembrança. Metcalfe! Não era um nome
que já tinha ouvido antes? Um homem que fora amigo do Senhor
Henley e que estivera naquela encenação escandalosa?
— Harriett, o que você pode me dizer sobre a Senhorita
Metcalfe? — Ela perguntou. — Ela tem família?
— Deus, sim! Um irmão bonito com o nome de Stanley.
— Ele está aqui esta noite?
Hortense esticou o pescoço para olhar em uma direção enquanto
Harriett examinava a outra.
— Eu não o vejo. Pensando nisso, Harri, já o vimos nas últimas
semanas?
Harriett deu uma risadinha.
— Não, mas isso não importa. Não acho que ele se adequaria a
você, Gina.
— Oh.
— Ele está noivo de uma querida amiga nossa. Senhorita
Christina Race. Você a conheceu?
Gina sacudiu a cabeça. Na verdade, ela conheceu poucas
pessoas desde que chegou a Londres.
— Ela e Missy têm sido quase inseparáveis desde o noivado, não
têm, Hortense?
Hortense assentiu.
— Como ervilhas em uma vagem. Você gostaria de conhecê-las?
A dança está quase no fim e acredito que vi Christina perto da lareira.
Seu coração bateu mais forte, Gina colocou um sorriso arejado.
— Isso seria maravilhoso. Quanto mais pessoas eu conhecer,
menos vocês terão que me escoltar.
— Imagina! — Harriett riu. — Nós adoramos te mimar, Gina.
Porque apresentar uma recém-chegada nos dá um certo mistério e
importância que não possuímos por conta própria.
Gina riu. Ela havia anotado quantas cabeças as gêmeas haviam
virado e não apenas porque eram idênticas. Elas certamente não
precisavam de uma recém-chegada desconhecida para ganhar
atenção.
As gêmeas a flanquearam enquanto se dirigiam para a lareira
em uma extremidade do salão de baile, acenando para os conhecidos
enquanto passavam. Seu progresso foi lento e perfeitamente
sincronizado para coincidir com o final da dança.
Gina estava assistindo os dançarinos e quando pararam ela
voltou sua atenção para o grupo na lareira. Surpresa combinada com
uma torção de seu estômago a atravessou. Ali estava uma mulher
adorável de estatura média, com cabelos negros brilhantes e olhos
quase tão escuros quanto. Sua pele clara se aprofundou com o rosa
de um rubor quando reconheceu o rosto de Gina. A mulher da
encenação, e ela estava noiva do Senhor Metcalfe!
Hortense realizou a apresentação.
— Senhorita Eugenia O'Rourke, tenho o prazer de apresentar a
nossa querida amiga, a Senhorita Christina Race. Senhorita Race, por
favor, conheça a Senhorita O’Rourke.
Gina notou o pequeno apelo naqueles olhos. Claramente, a
mulher não queria revelar que a conhecia. Como elas poderiam
explicar isso? Ela respirou fundo.
— Senhorita Race, que bom conhecê-la. Rezo para que você não
use essas duas contra mim. — Disse ela com um aceno de cabeça
para as gêmeas.
A mulher sorriu e apertou a mão de Gina em gratidão.
— Se você fizer o mesmo, Senhorita O’Rourke.
Harriett arqueou uma sobrancelha elegante.
— Vamos. Nossas reputações não são tão ruins assim.
Rindo e brincando com um rapaz por cima do ombro, a
Senhorita Metcalfe voltou da pista de dança e foi rapidamente
apresentada.
— O'Rourke? É sua irmã quem finalmente domou o Lorde
Libertino?
Gina franziu a testa, não familiarizada com o título.
Hortense riu.
— Ela quer dizer Andrew Hunter, Gina. Esse foi o nosso apelido
para ele até que sua irmã o domesticou.
Ela sorriu.
— Sim, então. Isabella casou com o Senhor Hunter e eles
parecem muito felizes.
A Senhorita Metcalfe suspirou enquanto se abanava.
— Isso dá ao resto de nós esperança, então. Se ele sucumbiu à
ratoeira do pároco, pode haver esperança de que uma de nós possa
ainda capturar James ou Charles Hunter.
— Eu... eu não saberia, Senhorita Metcalfe.
— No entanto, eu vi você dançar com James. — Ela disse quase
como uma acusação. — Isto é, até ele te roubar para o jardim.
Gina ficou surpresa com a franqueza da mulher.
— Ele estava cumprindo seu dever comigo, Senhorita Metcalfe. E
me lembrando dos meus modos.
A Senhorita Metcalfe ficou em silêncio depois da resposta de
Gina e Hortense apresentou seu companheiro.
— Senhorita O'Rourke, posso apresentar o Senhor Adam Booth?
Mr. Booth, por favor, conheça a Senhorita O’Rourke.
O homem se inclinou sobre a mão dela e um lampejo de algo
passou por seus olhos quando ele se endireitou e encontrou seu
olhar.
— Nós nos conhecemos, Senhorita O'Rourke? Eu poderia jurar
que já vi esses olhos notáveis antes.
Ele estava na encenação. Tinha estado no ritual? Ela lentamente
retirou a mão da dele e forçou um sorriso.
— Você é muito gentil, Senhor Booth. Eu duvido que tenhamos
nos encontrado desde que não tenho estado muito em sociedade. De
qualquer forma, tenho certeza de que teria me lembrado de um
cavalheiro tão bonito.
Ele sorriu e a tensão saiu de sua postura.
— Bem, eu não vou esquecer de você novamente, Senhorita
O’Rourke. Devo ir para me encontrar com alguns amigos, mas eu rezo
para que você me guarde uma dança na próxima vez em que nos
encontrarmos. — Ele se curvou sobre a mão dela.
Ela deu-lhe um sorriso duro. Havia algo familiar em seu pedido,
ou ela estava sendo excessivamente sensível?
— Eu esperarei ansiosamente, Senhor Booth.
Sozinhas agora, as senhoras começaram a discutir o Senhor
Booth e seus vários atributos, a largura de seus ombros, a cor de seus
olhos azul-acinzentados, o tamanho de sua... conta bancária. Gina
relaxou, a conversa era tão parecida com as que ela teve com suas
irmãs muito antes de qualquer delas se casar.
— E você, Senhorita O’Rourke? Quem você prefere? — Senhorita
Race perguntou.
— Sou muito nova na sociedade para ter uma preferência. —
Disse ela, embora o rosto de Jamie Hunter tenha vindo à mente.
— Minha querida... — disse Harriett — ... sei exatamente o que
você quer dizer. Por que, se a Senhorita Race não tivesse levado o
Senhor Metcalfe, eu poderia virar minha preferência naquela direção.
Gina aproveitou essa oportunidade.
— Quando vou conhecer o Senhor Metcalfe?
Missy Metcalfe revirou os olhos para o céu.
— Eu não posso imaginar onde ele está se mantendo. Entre seus
amigos e seu clube, mal o vemos em casa. Ora, Christina o vê mais
do que nós.
Todos se voltaram para a Senhorita Race para confirmação.
— Eu o vi mais cedo nesta noite. Acredito que ele disse que
estava jogando com alguns de seus amigos.
— Homens. — Disse Hortense, como se isso explicasse tudo.
A Senhorita Race se levantou como se tivesse tomado uma
decisão repentina.
— Me acompanha até a sala das mulheres, Senhorita O’Rourke?
Eu adoraria ouvir sobre sua terra natal. Nunca estive na Irlanda,
embora Stanley e eu tenhamos discutido a nossa viagem de
casamento para lá. — Ela colocou os braços nos de Gina, levando-a
para longe do grupo.
Quando elas estavam fora do grupo, a Senhorita Race puxou
Gina para um canto particular.
— Eu devo agradecê-la por não me entregar. Vi que você
também me reconheceu e rezei para que não mencionasse isso às
outras.
Gina deu uma risada autodepreciativa.
— Eu teria que me entregar, Senhorita Race, e não ia fazer isso.
— Me chame de Christina. — Disse ela antes de continuar. — E
quero lhe garantir que não frequento lugares como aquele em que
nos conhecemos. Stanley havia sido convidado por alguns de seus
amigos e não entendia o tipo de assunto que deveria ser, ou ele jura
que nunca teria me levado. E eu… bem, pude ver que você não
estava acostumada com essas coisas também.
— Eu nunca tinha visto um estranho completo sem roupa antes.
Mas fazê-lo de maneira tão pública, e em tal pose, foi uma grande
surpresa para mim.
— Londres perversa. — Murmurou Christina. — Há um mundo
bem diferente do que aquele em que vivemos, Senhorita O'Rourke.
Ela ponderou o risco de mencionar o Senhor Henley tão cedo,
mas ela mesma não tinha muito tempo.
— Deve me chamar de Gina, então. Conhecê-la foi bastante
fortuito. Você vê, eu estou realmente procurando algumas das
pessoas do nosso grupo daquela noite.
A mulher estremeceu.
— Por quê?
— Perdi algo naquela noite, e acredito que um deles pode ter ou
saber onde está.
— Não me lembro de alguém encontrar algo naquela noite. Mas
desejo-lhe boa sorte Gina, e devo dizer que admiro sua coragem.
Quanto a mim, espero nunca mais ver nenhum deles.
— Oh. Compreendo. — Gina se virou.
— Eu não quis dizer você! — Christina ficou com uma mão no
braço dela. — Há algo que eu possa fazer para ajudar?
— Você conhecia todos eles, as pessoas do nosso grupo?
Ela balançou a cabeça e olhou para o chão como se estivesse
procurando em sua mente.
— Foi a primeira vez que saí para ir a qualquer lugar em
particular com o Stanley. Não conhecia muitos de seus amigos, então,
e eu não vi aqueles em particular desde então. A maioria era como
você, completos estranhos.
— Você perguntaria ao Senhor Metcalfe se ele se lembra daquela
noite e quem estava lá? Se ele estivesse disposto a se encontrar
comigo, talvez eu conseguisse persuadi-lo a ajudar.
Christina parecia duvidosa.
— Devo perguntar a ele, é claro, mas acho que ele prefere
deixar aquela noite em um passado distante.
— Diga a ele que eu preciso urgente e desesperadamente de sua
ajuda. Diga-lhe que todo o meu futuro depende disso.
Christina procurou seu rosto e depois assentiu.
— Meu Deus! O que você perdeu?
— Algo insubstituível. Algo que devo recuperar.
— Mas claro que direi a ele, minha querida. A próxima vez que
eu o vir.
— Amanhã? — Ela insistiu.
— Eu... sim. Você está indo para Albermarle na próxima terça-
feira?
Ela se lembrou de ter visto aquele nome no calendário e na pilha
de convites que Lady Sarah lhe dera e assentiu.
— Vou pedir-lhe para me acompanhar lá.
— Obrigada. — Gina apertou seu braço em sinal de gratidão.
Capítulo Cinco
Jamie agarrou as rédeas novamente e subiu em sua sela. Ele
não queria perturbar Devlin Farrell esta noite, mas agora precisaria. O
ataque descarado à sua vida levantara muitas questões que só Farrell
poderia responder.
O mordomo deixou Jamie esperar no escritório de Farrell, então
ele serviu-se de uma pequena taça de xerez e tomou a liberdade de
servir um para Devlin. Seus nervos precisavam se estabilizar. O calor
do álcool apenas começara a desfazer os nós em seu estômago
quando Devlin entrou no escritório, descalço, com os cabelos
despenteados e ainda segurando o robe.
Jamie se divertiu ao notar a falta de uma camisa de dormir onde
o roupão estava aberto. Pela expressão no rosto corado de Devlin, ele
percebeu que não estava exatamente dormindo.
— Desculpe. — Ele disse enquanto Devlin tomava o conteúdo da
taça e o encarava.
— Devo entender que isso é mais importante do que eu estava
fazendo?
Jamie sorriu.
— Isso dependeria de suas prioridades, suponho. Minha vida?
Devlin o olhou de cima a baixo.
— Você não parece machucado.
— Tive sorte. Mesmo assim, eu mal me abaixei a tempo.
— Abaixou? Uma pistola?
— Um tiro muito bom.
— Não bom o suficiente. — Devlin disse, enchendo a taça de
Jamie.
— Foi bom o suficiente. Mas havia algo que não parecia tão
certo que me colocou em guarda bem a tempo.
— Graças a Deus pelos seus instintos, — murmurou Devlin.
— Então, parece que sua informação estava certa. Há realmente
um preço pela minha cabeça. Embora eu ache que nós dois sabemos
a resposta, gostaria de confirmar quem está por trás disso. E, se
possível, quem foi imprudente o suficiente para tentar.
— Os irmãos Gibbons?
Jamie sacudiu a cabeça.
— Eu não acho que foram eles. — Mas estava incerto o
suficiente para não seguir o atirador pelo beco onde um cúmplice
poderia estar esperando. Em algum lugar no fundo de sua mente, ele
deve ter suspeitado de algo do tipo.
Devlin ficou em silêncio por alguns momentos, uma expressão
de concentração no rosto.
— Eu posso pensar em mais alguns que tentariam, Hunter. Mas
duvido que eles fossem mandantes disso. Conheço seus princípios, e
sei que você precisaria de provas antes de agir, e não haverá provas
de tal ação. Se o homem tivesse um parceiro, poderíamos convencer
seu parceiro a conversar. Mas se ele está agindo sozinho...
— Dadas as circunstâncias, duvido que alguém possa agir
sozinho. — Jamie rosnou. — Tenha uma palavra com o velho Cox,
você pode? Alguém chegou a ele. Não sei se foi suborno ou ameaça,
mas apostaria minha vida que ele sabia o que estava acontecendo.
— Cox? — Devlin endureceu e Jamie sabia que ele estava com
raiva. Cox era empregado de Devlin e ficaria furioso porque o homem
comprometeria sua posição. — O que te faz pensar isso?
— Quando fui pegar meu cavalo, ele estava se comportando de
maneira estranha. Não olhou em meus olhos. Foi uma das coisas que
me avisou que algo estava errado.
Devlin deu um aceno sombrio.
— Fique tranquilo, Cox e eu vamos conversar logo de manhã.
Tenho certeza de que ele terá prazer em compartilhar qualquer
informação que tenha.
Jamie podia adivinhar como satisfeito Cox estaria no momento
em que Devlin terminasse com ele.
— E você, Dev? Você já ouviu alguma coisa?
— Nada de útil. Um dos rapazes relatou ter visto Henley nos
prostibulos. Disse que ele parecia ter dinheiro e estava vestido como o
que ele é. O rapaz o perdeu antes que ele pudesse descobrir onde
eram seus alojamentos.
— Nada útil? Ao contrário. Essa informação confirma minhas
suspeitas. Henley não saiu do país e tem alguém que o ajuda a ter
acesso a dinheiro e estar bem preparado. Isso significa que ele tem
acomodações decentes em algum lugar. E se escapou de seus
rapazes, significa que ele não baixou a guarda. — Ele hesitou a
caminho da porta. O próximo pedaço de negócio era delicado, para
dizer o mínimo. — Dev, se você tivesse uma irmã...
— Pelo amor de Deus! Você colocou uma pobre garota em
apuros?
Jamie riu.
— Nunca. Mas sua esposa tem irmãs, hein? E se você tivesse
razão para pensar que uma delas poderia estar em perigo, o que você
faria?
Ele estudou Jamie por um longo momento.
— Senhorita Eugenia?
— Possivelmente.
— Quem mais? Sua outra irmã é casada com um homem mais
do que capaz de cuidar bem dela. Drew cortaria as mãos de qualquer
um que tocasse em Isabella, e eu agiria muito pior, acredite em mim,
para qualquer um que levantasse a voz para Lilly. A única irmã que
resta é Eugenia.
— Depois de meses como reclusa, ela decidiu de repente que é
hora de entrar na sociedade.
— Senhorita Eugenia? A tímida ratinha?
Jamie suspirou.
— Você não a conhece bem, se pensa isso dela Devlin. Antes
daquela noite na capela, ela estava cheia de fogo e brilho. Eu pensei
em... bem, não importa. Qualquer chance disso é passado. Mas agora
ela está se aventurando na mesma sociedade a que Henley e o resto
pertenciam. Você mencionou Metcalfe e Booth. Eu rezo para que você
esteja certo sobre eles, que não eram parte da Irmandade, mas que
só foram convidados para o ritual naquela noite. Mas me preocupo
que outra pessoa, alguém que não conhecemos, possa reconhecê-la.
— Eu vejo o problema. Eles gostariam de colocá-la fora do
caminho para que não pudesse identificá-los. Você falou com ela?
— Está determinada. Não vai ouvir a razão. Você a viu, Dev.
Sabe a beleza que é. Ela não pode deixar de chamar atenção. Não há,
literalmente, nenhuma maneira de mantê-la contida.
— Existe uma maneira. Mas isso cai para você ou para Charlie.
Jamie assentiu, já sabendo o que ele ia dizer. Esperava que
Devlin soubesse de outra maneira, um caminho mais seguro.
— Persiga seus passos. Onde quer que ela vá, esteja lá também.
Não deve demorar muito tempo. Lilly me contou que a mãe está
voltando a Belfast em uma quinzena e a Senhorita Eugenia irá com
ela.
— Como posso mantê-la segura quando alguém está atirando
em mim?
Devlin gargalhou.
— Eu duvido que a estará seguindo para as partes de Londres
em que você esteve hoje à noite. E quando ela estiver em segurança,
você estará livre para seguir suas pistas. Algumas horas por noite,
durante uma quinzena. Isso não pode ser muito complicado.
— Talvez eu pudesse trocar com Charlie para evitar que ela
suspeite. Não gosto de pensar no que ela faria se suspeitasse que
estamos vigiando-a.
— Charlie? — Devlin riu. — Se você transferir uma mulher como
a Senhorita Eugenia para seu irmão, você não é o homem que eu
pensei que fosse.

Na noite seguinte, Jamie abençoou sua irmã e sua propensão


para escrever as coisas. Tomando a sugestão de Devlin, tudo que ele
tinha que fazer era visitá-la esta tarde, pedir-lhe um tônico para tosse,
e então dar uma rápida olhada nos papéis em sua pequena
escrivaninha enquanto ela estava na cozinha inventando a bebida.
Seu palpite estava certo. Sarah estava facilitando o caminho de
Eugenia para a sociedade, usando as gêmeas Thayer como suas
companheiras para conhecer as pessoas certas.
Agora, lá no meio do salão de baile de Albermarle, brilhando
mais do que qualquer lustre de cristal, e exatamente onde as
anotações de sua irmã diziam que ela estaria, estava a Senhorita
Eugenia. Apesar da multidão de pessoas, ele a viu logo após entrar.
Sim, ele tinha a programação completa de Eugenia para a
próxima quinzena. Conveniente. E isso dificilmente incomodou sua
consciência. Sarah nunca saberia. E não era como se quisesse a
informação para fins nefastos. Muito pelo contrário. Ele não podia
mantê-la em casa, nem poderia deixá-la entrar em algum desastre,
então segui-la era a única maneira de protegê-la. E não havia sentido
em escondê-lo, já que ela logo suspeitaria de algo do tipo. Ele poderia
muito bem entrar no desafio.
Quando se aproximou do grupo dela, povoado pelo crème de la
crème da cidade, ele notou que ela estava mais deslumbrante hoje à
noite do que na noite anterior. Seu vestido era de seda violeta
profunda. Uma fileira de pequenas folhas havia sido bordada na
bainha e no decote. Uma faixa no pescoço combinando exibindo uma
ametista oval perfeita escondia sua cicatriz, e ela parecia tão intocada
e serena quanto uma Madona. Como era possível que se tornasse
mais adorável a cada vez que ele a visse?
Como se ela pudesse sentir o peso dos olhos dele, se virou para
ele. Um sorriso fugaz curvou seus lábios, depois morreu como se
tivesse se lembrado de algo desagradável. Ele escondeu sua decepção
quando se aproximou do grupo.
Harriett Thayer foi a primeira a reconhecê-lo.
— Senhor Hunter! Que agradável. Nós raramente vemos você, e
aqui, duas noites seguidas, temos a sorte de encontrá-lo. Pelo que
devemos este prazer raro? — Seu sorriso foi tímido e seus olhos
deslizaram em direção a Senhorita Eugenia. Harriett pelo menos,
suspeitava do verdadeiro motivo de ele estar ali.
Ele sorriu quando alguns dos jovens se curvaram e se afastaram,
sem saber qual de suas variadas reputações era responsável.
— Para aproveitar suas charmosas companhia, senhoras. O que
mais poderia atrair um cavalheiro em uma noite fria?
— Então vamos exigir que você se aqueça dançando com todas
nós. — Brincou Hortense. — Há uma escandalosa falta de homens
elegíveis aqui esta noite.
— Então você primeiro, Senhorita... Hortense?
Ela pegou a mão dele.
— Como você é inteligente, Senhor Hunter. A maioria das
pessoas não pode nos distinguir.
— Eu sou observador, querida. Em circunstâncias normais, não
posso diferenciá-las, mas sei, por exemplo, que você tem uma
pequena mania de levantar a sobrancelha direita. Quando a Senhorita
Harriet o faz, a sobrancelha esquerda é que se ergue.
— O efeito de espelho. — Disse ela com uma risadinha. — Puxa!
Nós fomos descobertas, Harri.
Ele a levou para a pista de dança onde uma animada dança
estava em progresso. Ambas as Senhoritas Thayer eram excelentes
parceiras, rápidas, flexíveis e habilidosas. O ritmo os separou um
pouco e poupou-o da necessidade de conversas mundanas. Quando
ele voltou para seus amigos, ele reivindicou a Senhorita Harriett para
uma marcha imponente.
— Eu acho que você tem interesse em nossa Senhorita
O’Rourke, não é? — Ela perguntou quando eles se encontraram para
um arco.
— Sim, tenho. Ela é da família agora, você sabe.
— Quero dizer, além disso, Senhor Hunter. Você não olha para
ela como um irmão faria.
A negação era inútil, mas talvez ele pudesse administrar suas
suspeitas sobre suas razões.
— Sua percepção me surpreende, Senhorita Harriett. Você vai
me expor?
— Ao contrário! — Ela deu-lhe uma piscadela picante. — Farei
tudo o que puder para encorajá-la. Não por você, Senhor Hunter, mas
pelo bem de todas as mulheres.
— Como poderia tal arranjo fazer o bem a todas as mulheres?
— A flecha do Cupido já derrubou seus irmãos Lockwood e
Andrew. Se você os seguir, eu juro que as mulheres da sociedade se
sentiriam muito encorajadas. Sim, mulheres em todos os lugares
gostariam que qualquer homem pudesse ser pego.
Ele riu de sua análise ultrajante da situação, embora percebesse
que havia um grão de verdade nela. Ele e seus irmãos tinham sido
solteiros por tempo demais, e ele permaneceria assim por muito mais
tempo do que a Senhorita Harriet suspeitava.
Quando devolveu a Senhorita Harriett a seus companheiros,
havia outra jovem que ele não conhecera. Senhorita Hortense fez a
apresentação da Senhorita Christina Race. Ela era uma mulher sóbria
e etérea, tão quieta e composta quanto o vestido verde profundo que
usava. Quando se curvou sobre a mão dela, ela retribuiu o sorriso
dele.
Observou a Senhorita Eugenia pelo canto do olho, notando que
parecia ansiosa. Estava preocupada que ele não se lembraria de suas
boas maneiras? Não. Ela o conhecia bem o suficiente agora para
saber que não envergonharia a Senhorita Race.
Ele a levou para a pista de dança para uma quadrilha e tentou
uma conversa educada quando se encontraram, se separaram e se
encontraram novamente.
— Acredito que já fomos apresentados, Senhorita Race?
— Acredito que não, Senhor Hunter. Tenho certeza de que teria
me lembrado.
— Então como me parece seu rosto familiar?
— Não seria tão estranho, senhor, afinal frequentamos os
mesmos eventos. Talvez você tenha me visto do outro lado do salão?
Talvez na sala de ponche? Ou talvez tenhamos passado ao lado na
rua?
Ele admitiu o ponto, embora ainda suspeitasse que se conheciam
de uma maneira ou de outra.
— Como você caiu em tão má companhia como as Thayer e a
Senhorita O’Rourke?
Ela riu baixinho e ele ficou encantado com o som.
— Conheço Hortense e Harriett há algum tempo. Nossas famílias
estão conectadas. Eu acabei de conhecer a Senhorita O'Rourke.
— Me diga o que você pensa dela.
Sentiu um leve enrijecimento em sua postura enquanto passava
por baixo de seu braço.
— Ela é muito simpática. Na verdade, pediu para me juntar ao
grupo delas hoje à noite. Acho que nos daremos bem.
Senhorita Eugenia solicitou? Uma maneira inocente de conhecer
e se familiarizar com novas pessoas, embora ele não pudesse deixar
de pensar que ela estava tramando algo. Senhorita Eugenia não era
aleatória em suas ações.
A dança terminou e a raiva de Jamie aumentou quando ele
voltou com a Senhorita Race apenas para descobrir que a Senhorita
Eugenia havia desaparecido. Ela sabia que era a próxima e tentara
ludibriá-lo. Quão pouco ela sabia da sua determinação! Levaria mais
do que ela era capaz para mantê-lo longe de seu propósito.
— A Senhorita O'Rourke pede desculpas, mas ela estava... ah,
cansada e foi para o banheiro feminino. — Explicou a Senhorita
Harriet.
Harriett Thayer não era uma boa mentirosa. Ele sorriu, fez uma
reverência e pediu licença para entrar no corredor que levava à sala
das mulheres.
Não demorou muito e, pensando que agora estava a salvo, a
Senhorita Eugenia dobrou a esquina no caminho de volta para as
amigas. Ele deu um passo ao lado dela e pegou seu braço, guiando-a
de volta para o salão de baile.
— Ah, minha paciência me recompensou. Como eu poderia sair
sem a nossa dança?
Gina cobriu seu espanto o melhor que pôde. Ela tinha tanta
certeza que tinha escapado dele. Ele era mais paciente do que ela
pensava.
— Confesso uma certa curiosidade, senhor Hunter. Você sempre
foi assim... sociável? Ou isso é um novo hábito?
Ele riu.
— Você me pegou, embora eu seja mais sociável que meus
irmãos. E quando há algo para me interessar, sou positivamente
inabalável.
— Humm. Então, devo pensar que você está testando os limites
da nossa trégua? Ou está interessado em alguém aqui?
— Ambos, para ser honesto. E, como é meu feitio adular quem
me odeia, se você me recusar, ficarei inconsolável.
Ele levou-a para as tensões de uma valsa e Gina suspirou.
Estava feliz por ele ter deixado a dança deles por último. Ah, ela
temia, e até tentara evitá-lo, mas agora que o inevitável havia
acontecido, ela sentiu sua excitação aumentar. James Hunter sempre
a fazia se sentir como se estivesse prestes a embarcar em uma
aventura emocionante.
— Tão pensativa, Senhorita O'Rourke? Ou você está ansiosa
para voltar para suas amigas?
— Elas são bastante divertidas. — Confessou, mas estava mais
preocupada em afastá-lo da Senhorita Race. Se ele fizesse a conexão
entre a garota e a Irmandade, saberia instantaneamente o que ela
estava fazendo. E, no entanto, não pôde deixar de perguntar:
— Você não conheceu a Senhorita Race antes?
Um breve olhar de incerteza passou por suas feições.
— Eu não tive esse prazer. Devo dizer que ela é muito amável.
Acho difícil acreditar que não a tenha notado antes.
— Conhecedor de mulheres adoráveis que você é?
Ele riu e a girou em um amplo círculo. — Você está me
chamando de vaidoso, Senhorita O'Rourke?
— O Céu me livre! Inconstante, talvez...
— Para que conste, eu classifico você entre as mais bonitas,
Senhorita O'Rourke. E pelo que pude perceber está gerando muito
interesse.
O cabelo levantou na nuca de Gina. Ela sentiu os olhares, mas
suspeitava que fossem por um motivo diferente, e provavelmente de
homens que a viram nua em um altar de pedra. E esse interesse não
era o que ela queria gerar. Preferiria misturar-se, no mínimo para
ouvir trechos de conversa que poderiam ser de ajuda para ela.
— Tem aquele olhar de novo. — O Senhor Hunter disse. — O
que me diz que eu falei algo errado.
— Não está errado, Senhor Hunter. É só que... bem, eu não
quero gerar interesse.
— Então, por que você saiu na sociedade?
— Eu... eu pensei que deveria conhecer Londres antes de voltar
para a Irlanda.
Seus olhos se estreitaram e ele a tirou da pista de dança.
— Essa é uma mentira descarada, Senhorita O'Rourke. Foi uma
mentira a primeira vez que você contou, e é agora. Eu arriscaria dizer
que você experimentou mais do que o suficiente de Londres.
Ela engasgou com a sua súbita ferocidade.
— A Londres errada. Eu queria levar uma lembrança mais feliz
para casa comigo.
Ele pegou a mão dela e levou-a para os famosos jardins
Albermarle entre dezenas de casais que passeavam. Ainda assim, era
mais privado que o salão de baile. Ele encontrou um banco cercado
por pinheiros esculpidos e fez um gesto para ela se sentar. Por mais
que gostasse de voltar ao salão de baile, seguiu a direção dele.
— Agora, Senhorita O'Rourke — ele começou quando ficou na
frente dela, com um pé apoiado no banco ao lado de seu quadril,
como se para impedir que ela fugisse. — Eu sei que você está
tramando alguma coisa. Não se preocupe em negar isso.
— Realmente senhor. Eu não preciso me explicar para você.
— Você vai explicar para alguém. Eu ou o Andrew. Ou melhor
ainda, sua mãe.
Gina estremeceu. Sua mãe ficaria histérica e em seguida
trancaria Gina em seu quarto até o retorno delas à Irlanda.
— Já te disse a verdade antes. Estou cansada de me esconder
com medo. Não vou viver o resto da minha vida trancada ou me
afastar da sociedade. Eu não fiz nada de errado.
— Além de se esgueirar e se juntar rapidamente com certa
companhias para ir a lugares onde uma mulher jovem e decente
nunca deveria ir? Além de manter como companhia os próximos de
Henley? Além disso, até mesmo de quase ser morta?
Ela subestimou sua raiva. E ele subestimara a dela. Ele a havia
recuado para um canto e ia pagar as consequências disso.
— Você está dizendo que sou culpada pelo que aconteceu
comigo?
— Só que você tomou uma série de decisões erradas por todos
os motivos certos. Mas não pode ignorar o fato de que você é uma
mulher, com todas as vulnerabilidades desse sexo.
— Eu não estou ignorando isso, mas não vou permitir que isso
me impeça de fazer o que devo.
— E o que seria isso, Senhorita O'Rourke?
— Conversar com as pessoas, descobrir se alguém sabe o que
aconteceu com o Senhor Henley. Ter certeza de que ele seja
capturado e punido.
— Mesmo que isso signifique expor sua...
O estômago de Gina se virou. Expor sua vergonha? O fato de ela
ter estado espalhada em um altar de pedra? Que ela poderia ter sido
estuprada e morta pela excitação de homens dissolutos? Não! Por
Deus, não. Ela não queria que nada disso fosse tornado público. Mas
se não estivesse disposta a arriscar, Henley conseguiria se safar do
que ele fizera com ela e inúmeras outras pessoas.
— Mesmo assim — ela confirmou, mantendo a voz firme e
determinada.
Ele olhou nos olhos dela, medindo sua determinação.
— Senhorita O’Rourke, o Ministério do Interior está fazendo tudo
o que pode. Como você pode pensar que terá sucesso onde eles não
têm?
— Precisamente por esse motivo. Eles não conseguiram. Como
posso fazer pior? E como posso voltar para a Irlanda sabendo que
esse homem vil ainda está livre? Livre para vir atrás de mim. Livre
para debochar de outras mulheres inocentes.
— Você acha que nós falhamos com você. — Raiva juntamente
com algo mais escuro cruzou suas feições bonitas. — Então,
certamente você pode ver a loucura em se colocar em perigo.
— O Senhor Henley está escondido. Não é uma ameaça para
mim enquanto eu estiver na sociedade, porque ele não arriscará ser
visto. Eu só quero descobrir se alguém sabe onde ele pode ser
encontrado. Prometo a você, Senhor Hunter, eu vou te dar essa
informação no momento em que a tiver.
— Você vai... — Ele olhou para ela, incrédulo, e passou os dedos
pelos cabelos escuros. — Droga, a única coisa que você deve fazer é
ir para a Irlanda!
Ela se levantou e se virou para as portas do terraço e para o
salão de baile. Não deu mais do que um único passo quando agarrou
o braço dela e a girou quando ele deu um passo à frente. O impulso
levou-a diretamente contra seu peito e ela foi forçada a olhar para
cima para ver sua expressão, fúria e frustração.
— Não dou a mínima para onde você acha que eu deveria ir! —
Exclamou ela.
— Não vê o perigo? Não sabe o que a simples visão de você faz
para um homem?
Ela abriu a boca para perguntar o que ele queria dizer, mas já
era tarde demais. O braço esquerdo dele a envolveu para mantê-la
cativa, enquanto a mão direita segurava a parte de trás de sua
cabeça, impedindo-a de se afastar.
Sua boca desceu sobre a dela com um desespero que ela podia
sentir em cada linha do seu corpo. Seus lábios eram desafiadores, não
punitivos. Eles eram firmes, quentes e tingidos de vinho doce. Sua
língua deslizou ao longo da costura de seus lábios, instando os dela a
se abrirem. Não sabendo por que, ela fez, e seu gemido foi a
resposta. Ergueu os punhos, pretendendo afastá-lo, mas suas mãos
se abriram e escorregaram ao redor de seu pescoço. Ela nunca sentiu
nada tão excitante quanto isso antes e estava tonta com a sensação
inebriante.
Sem dúvida agora, mais confiante, ele suavizou seu ataque para
persuadir um gemido de resposta dela. Ela mal reconheceu sua
própria voz naquele suspiro. Ele puxou-a para mais perto,
pressionando-a ao longo do comprimento dele até que ela pudesse
sentir algo tão firme e inflexível quanto o peito dela pressionando
contra seu tórax. Oh, como ela queria mais dessa sensação!
Encorajado, ele aprofundou o beijo e Gina sabia que estava sendo
marcada, reivindicada, como propriedade exclusiva desse homem.
Apenas James Hunter poderia tê-la roubado da vontade de resistir.
Celestial e perverso ao mesmo tempo. Agora ela entendeu. Não
conseguia se mover, não podia quebrar o feitiço de seus braços, e
não queria. Não, ela nunca quis que esse beijo acabasse. Ela estava
sem fôlego na maneira como seus seios formigavam enquanto
estavam sendo pressionados contra seu peito e a forma como uma
dor crescia dentro dela onde sua ereção tocava. Ela o queria.
Precisava dele.
Ele a soltou com um gemido sufocado e recuou, deixando-a
cambaleando sem o apoio dele.
— Você... você aceite minhas desculpas, Senhorita O’Rourke.
Ela se virou e correu para a porta do terraço. Ele nunca deveria
saber o que aquele beijo fez com ela. Nunca veria em seus olhos ou
leria em seu rosto. Estava pronta para lhe entregar tudo enquanto ele
só a beijou para calá-la ou ensiná-la uma lição. Bem, ele nunca mais
teria essa oportunidade!
Capítulo Seis
Gina tinha certeza de que havia algum traço visível daquele beijo
para os convidados no salão de baile. Ela havia mudado de alguma
forma, e teria que haver um sinal disso. Olhou para Hortense e
Harriett, que estavam rindo e abanando-se, flertando enquanto
conversavam com pelo menos cinco rapazes. Como ela poderia se
juntar a eles quando seu coração ainda estava disparado assim?
Ela olhou ao redor em busca de um rosto familiar, alguém com
quem pudesse conversar. Para onde a Senhorita Race tinha ido? Ela
prometeu trazer o Senhor Metcalfe. Uma rápida olhada ao redor do
salão de baile revelou que a garota não estava dançando. Na verdade,
não conseguia encontrar nenhum vestígio dela. Certamente ela não
teria saído sem uma palavra?
Um lampejo de verde chamou sua atenção e viu quando a
Senhorita Race entrou no salão de baile por uma porta do terraço. Ela
fez uma pausa para ajeitar o cabelo no lugar e dar uma olhada no
salão. Quando viu Gina, ela deu um pequeno sorriso e um aceno de
cabeça enquanto vinha em sua direção.
Ela ficou vermelha quando pegou a mão de Gina e a conduziu ao
corredor.
— Eu procurei por você, Gina, mas você desapareceu. Stanley
estava aqui, mas ele não podia ficar.
Ela tentou esconder seu desânimo.
— Eu... eu o perdi?
— Ele disse que sabia quem você era e estava disposto a ajudá-
la, mas não gosta de ficar muito tempo em qualquer lugar.
— Ele sempre foi assim, Christina?
A garota franziu a testa.
— Só a partir… do meio do verão. É como se temesse que algo
acontecesse se ele ficasse muito tempo.
Metcalfe poderia estar tentando evitar o Senhor Henley também?
Mas o Senhor Henley nunca iria a um baile, seria muito descarado, e
muitas pessoas o conheciam. Ou o Senhor Metcalfe temia que as
autoridades o perseguissem? Que confusão sem esperança.
Gina apertou as mãos de Christina.
— Ele disse como poderia me ajudar?
— Ah sim. — Ela vasculhou sua pequena bolsa de contas, puxou
um pequeno objeto e o pressionou na mão de Gina. — Ele me pediu
para lhe dar isto, e lhe dizer que a encontrará em um momento mais
oportuno. Tomei a liberdade de lhe dizer que fui convidada para ir ao
baile de máscaras de Morris daqui a três dias e que você estará lá
com Hortense e Harriett. Ele disse que deveríamos procurar por um
leproso.
Leproso? Isso significaria um manto preto com capuz e um sino
no pescoço. Ele deve ser fácil de encontrar.
— Três dias? Eu não poderia falar com ele mais cedo?
— Temo que não. Ele disse que tinha muito a fazer. Agora você
deve me desculpar. Eu deveria voltar para a festa.
Gina tentou esconder sua impaciência enquanto Christina se
apressava para se juntar a um grupo de jovens que estavam se
preparando para sair. Quase esquecida em sua decepção, ela olhou
para baixo e abriu a mão. Uma chave? Ora, o que isso abriria?

Aceitar o desafio? Que boa ideia que acabou sendo!


Em vez de se aquecer em triunfo com a pequena Senhorita
Eugenia fazendo as malas para casa, Jamie foi derrotado com um
beijo e ficou à mercê de uma ninfa de cheiro doce. Foi melhor, na
verdade. E sua acusação de que o Ministério do Interior, quer dizer
ele, falhou com ela rasgou seu coração. Já era ruim o bastante ele
mesmo temer isso, mas ouvi-la dizer era uma confirmação de todos
os seus piores medos.
Vasculhou os papéis em sua escrivaninha no Ministério do
Interior procurando suas anotações, certo de que haveria algo para
reforçar seu caso ou lhe dizer onde Henley estava se escondendo.
Rápido. Ele tinha que acabar com isso antes que Henley viesse atrás
de Eugenia. Tinha que haver algo que ele tinha ignorado. Algo tão
sutil que lhe escapara.
— Bom Deus! Você me abandona no baile e eu acho você
trabalhando até altas horas! O que aconteceu com você, Jamie? Só
trabalho e nenhuma diversão não parece você.
Ele olhou para cima para ver Charlie encostado no batente da
porta, os braços cruzados sobre o peito.
— Não parece você. — Corrigiu Jamie. — O que está fazendo
aqui? E não me diga que você estava tentando me encontrar.
Charlie encolheu os ombros e sentou-se na cadeira do outro
lado da mesa.
— Minha mente vagueia. Você sabe o quão facilmente entediado
fico. E estou procurando companhia. Eu odeio ficar sozinho.
Jamie finalmente empurrou seus papéis de lado e deu sua
atenção ao irmão.
— Você não tem se divertido, Charlie. Seja claro.
Ele sorriu.
— Não precisamente. Eu encontrei Devlin na Crown and Bear.
— Lilly ficará brava com você por tê-lo desviado.
— Eu? Esqueça isso. Estou apenas aprendendo com o mestre.
— Mestre de quê? Você está tomando uma vida de crime?
Seu sorriso desapareceu quando ele se sentou em sua cadeira.
— Estou tentando decifrar as fontes de Devlin, sua rede de
informantes. Infelizmente, falta-me sua reputação para dar força aos
meus pedidos, mas estou ganhando terreno lá.
— Me questiono se deveria perguntar o que é necessário para se
tornar confiável para esse monte de canalhas.
— Eu não faria isso. — Charlie arqueou uma sobrancelha.
— Eu também devo avisá-lo para estar preparado para os
rumores sobre a Senhorita O’Rourke e eu.
Charlie piscou e balançou a cabeça.
— Você me teve lá por um minuto. Quase pensei que você,
entre todas as pessoas, havia encontrado a "pessoa". Bem, não
importa. Então você quer que a sociedade pense que está flertando?
A Senhorita O'Rourke está concordando com isso?
— Ela provavelmente ficará bastante angustiada quando souber
disso. Mas meus pedidos para que ela fique em casa e seja protegida
caíram em ouvidos mocos. Ela pretende fazer suas próprias perguntas
e interferir nos negócios do Ministério do Interior. Henley estará
procurando uma maneira de chegar até ela. Ela é uma das últimas
que poderia testemunhar contra ele, ele a drogou e sequestrou.
— Então você pretende grudar nela? Desencorajar outros
pretendentes? Tornar impossível para ela localizar Henley?
— Precisamente.
— E se ela mandar você embora?
— Eu ficarei firme.
— Sabe o que a sociedade vai dizer sobre esse assunto, não
sabe? Que está além de apaixonado e que a Senhorita O'Rourke fez
de você um pateta.
Jamie riu.
— Não na minha cara, eles não vão.
— Ah, — disse Charlie. — E isso funcionará bem em seu
esquema habitual, não é? Nas temporadas que estão por vir, será
sussurrado que seu coração está partido e que nenhuma pessoa
procurando casamento deve tentar nada com você. Condenadamente
inteligente.
— Meu esquema habitual?
— Sua reputação na sociedade, Jamie. Nem uma ingênua, nem
uma cortesã prendeu sua atenção por muito tempo. É só uma questão
de tempo antes que você se mude para o próximo entretenimento.
Ele forçou um sorriso e encolheu os ombros.
— Você não vai me entregar?
— Nunca! Além disso, vou acompanhá-lo em seu jogo. Não
pretendo deixá-lo sozinho à noite novamente. Quem deseja que você
morra não terá um tempo fácil.
— Ou Henley receberá dois Hunter pelo preço de um.

— Estou tão feliz por vocês deixarem os cavalheiros saírem para


o clube depois da igreja — anunciou mamãe, sentando-se à mesa e
sacudindo o guardanapo para colocá-lo no colo. — Agora sou só eu e
todas as minhas garotas. Bem, as que me restaram. — Ela fungou e
tocou o lenço nos cantos dos olhos.
Gina lançou um rápido olhar para as irmãs e notou que Bella e
Lilly faziam o mesmo. Por suas expressões tensas, ela percebeu que
todas temiam que mamãe terminasse tendo um surto de histeria.
— Mas chega disso, — mamãe continuou colocando seus medos
de lado. — Todas nós sentimos a falta de Cora, mas devemos aceitar
a vontade de Deus. Sou simplesmente grata pela oportunidade de ter
minha pequena família só para mim. Existem coisas que devemos
discutir. Planos para fazer e decisões a serem tomadas.
— Há tempo para isso, mamãe. — Bella disse enquanto uma
empregada servia um prato de carne fatiada.
— Não há muito tempo, querida. Menos de quinze dias. Seria
mais cedo se eu pudesse organizá-lo.
Dez dias, pelo cálculo de Gina, contando este. Sim, ela estava
dolorosamente ciente do tique-taque do relógio. Dez dias para
encontrar Henley. Dez dias para vingar Cora e recuperar seu próprio
futuro.
— E devemos olhar para o futuro. Eu dificilmente terei resolvido
tudo em casa quando tiver que voltar aqui. Março, não é, Bella?
— M-Março? — Sua irmã ruborizou em um tom muito
interessante de fúcsia.
— Oh, não negue — a mãe delas sorriu. — Conheço minhas
filhas. Seu marido não perdeu muito tempo em conseguir um
herdeiro. Você deve ter um bebê na primavera. E sei que uma garota
quer sua mãe nesse momento. Nunca tenha medo, Bella. Eu estarei
aqui por você.
Bella olhou para Gina e Lilly em busca de ajuda, mas como Bella
não negou a conclusão da mãe, não havia nada que pudessem dizer.
— E Lilly, você não ficará muito atrás, eu acho. Pelo olhar
daquele seu marido, não ficaria surpresa em receber gêmeos no
verão.
— Mãe, nos casamos há pouco mais de uma semana!
— Sim, não demora muito. Minhas meninas não serão menos
férteis do que eu. E seu marido não parece menos viril que o de Bella.
Garotos, eu garanto. Uma grande pena que seu pai não esteja aqui
para ver isso. Ele sempre quis filhos.
— Então talvez devesse ficar em vez de ir e ter que voltar tão
cedo. — Bella ofereceu. — Andrew sempre disse que você é bem-
vinda para ficar o tempo que quiser.
— Sim, mas não podemos deixar a nossa casa em Belfast tão
vazia. Os servos estão sozinhos. Não, devemos retornar o mais
depressa possível, e Gina terá que ficar lá quando eu voltar na
primavera. Alguém deve vigiar a casa.
Lilly levantou as sobrancelhas e se inclinou para frente enquanto
falava.
— Mas você não pode deixar Gina sozinha, mamãe. Uma mulher
solteira...
— Augh! Gina é uma solteirona agora. Tanto a irmã mais velha
quanto a mais nova são casadas. Ninguém irá lhe propor agora. Ela
pode se tornar útil de outras formas.
Gina ficou surpresa. Nunca lhe ocorrera que sua mãe a
considerasse um pouco melhor do que uma companheira não
remunerada.
— E está com cicatrizes, além disso. — Continuou mamãe. Ela se
virou para olhar para Gina com uma carranca. — Você nunca foi
desajeitada antes, criança. Caindo nas escadas e se cortando com um
vidro quebrado, eu nunca ouvi falar de tal coisa acontecendo antes
para qualquer uma das minhas garotas. E agora você deve cobri-la
sempre que for em público. Tenho certeza de que preferiria não sair
de casa. Sim, você ficará mais confortável em casa. Em Belfast.
A mão de Gina foi para sua garganta como sempre fazia em
qualquer menção à sua cicatriz. A história que contaram à mãe sobre
como isso aconteceu era um pouco frágil, mas ela acreditou, apesar
de tudo.
— Mamãe! — Protestou Lilly. — Gina está no auge, e o médico
disse que a cicatriz vai desaparecer com o tempo.
Bella assentiu.
— Lady Sarah disse que Gina é um grande sucesso na
sociedade. Ora, alguns jovens perguntaram por ela. Se você precisar
voltar a Belfast, deve deixar Gina aqui conosco.
Ela se sentiu aquecida pela defesa de suas irmãs, embora
duvidasse da veracidade de Bella. Quem teria perguntado por ela? Só
dançou com um punhado de jovens.
Mamãe deu de ombros.
— O quê? Deixá-la com você? E ninguém para guiá-la? Ora, o
Senhor Hunter e o Senhor Farrell dificilmente são do tipo que cuidam
de uma jovem garota.
Uma jovem garota? Momentos atrás ela tinha sido uma
solteirona. Gina suspirou quando a simples verdade se apoderou dela.
Mamãe não queria ficar sozinha. Não queria que a última de suas
filhas estivesse fora de alcance. E mamãe provavelmente faria o que
pudesse para manter Gina ao seu lado e à sua disposição.
— Mamãe... — Começou Lilly.
— Gina voltará para casa comigo, e ponto final. — Mamãe
acenou com uma das mãos, descartando o assunto.
O restante do almoço foi interrompido por suspiros e conversas
desagradáveis, enquanto Gina sentia como se pudesse pular fora de
sua pele. O futuro que sua mãe mapeou para ela nunca foi um que
teria escolhido. De fato, achava repugnante e, à sua maneira,
aterrorizante. Mas dadas as circunstâncias dela, e se não pudesse
encontrar as respostas que procurava, seria o único caminho aberto
para ela.
Não desistiria ainda, no entanto. Ela ainda tinha dez dias e
aproveitaria ao máximo. Independentemente do Senhor Renquist e do
Ministério do Interior, teria que resolver o assunto com suas próprias
mãos.
Sua mãe se desculpou, declarando que estava bastante cansada
e precisava de um cochilo. A mesa ficou em silêncio até que elas
ouviram uma porta se fechar em algum lugar acima.
— Gina, você sabia dos planos dela? — Perguntou Lilly.
Ela balançou a cabeça, ainda um pouco atordoada.
— Temos que achar um jeito de salvá-la. — Bella murmurou.
— Não há esperança e vocês sabem disso. Quando a mãe
decide, nada pode mudar. Nada a fará mudar seu caminho.
— Mas você não pode...
— Aceitar? — Gina sorriu e olhou para o prato, praticamente
intocado. — Talvez eu possa aprender a suportar isso, mas não posso
me resignar ao pensamento de que o Senhor Henley não pagará pelo
que fez. Essa é a única tarefa que não posso deixar de fazer.
Os olhos de Bella escureceram quando ela se inclinou para
frente.
— Eu já vi esse olhar antes. O que você está planejando, Gina?
— Eu não sei. Fiz alguns progressos, mas são lentos. Vou me
encontrar com o Senhor Renquist amanhã para o seu relatório. E... —
ela hesitou, relutante em contar a elas sobre a pequena chave — ... e
tem que haver algo mais que eu possa fazer. Outras maneiras de
descobrir o que preciso.
Lilly deixou cair o guardanapo no prato e olhou por cima do
ombro antes de baixar a voz para um sussurro.
— Se você quer mesmo, Gina, posso ter uma ideia. Havia alguns
rapazes de rua, como Devlin os chamou, que ajudaram a encontrar as
provas contra a Irmandade. Eles são pequenos batedores de carteira
e, por algumas moedas, poderiam descobrir qualquer coisa.
— Eu juro que não vou recusar nenhuma fonte.
Lilly assentiu e ficou de pé, com determinação em sua voz.
— Eu sei exatamente onde encontrá-los em uma tarde de
domingo. Bella, você fica aqui e se os homens retornarem, diga a eles
que Gina e eu saímos para passear pelo parque e voltaremos logo.
Gina, pegue sua touca e xale.

Gina olhou ao redor da praça em Covent Garden, quase tão


cheia quanto o Hyde Park em uma tarde de verão, incapaz de deixar
de lado a sensação de que estava sendo observada.
— Como vamos encontrá-los? — Ela perguntou a Lilly.
— Apenas balance sua bolsa no seu pulso e eles virão. Caminhe
devagar e sorria como se não tivesse mais nada em mente do que
encontrar amigos. Ned nos encontrará.
— O que seu marido vai dizer?
Lilly riu.
— Ele provavelmente perguntaria quanto pagamos e depois me
diria que foi muito.
— Ele não vai ficar com raiva?
— Não. Mas não pretendo contar a ele.
— Por quê?
— Porque não sei se posso confiar nele para não contar a
Andrew ou a Jamie. Estou correta em pensar que você não gostaria
que eles soubessem?
Gina sorriu.
— Ah sim. Andrew assumiria seu dever como meu parente mais
próximo e proibiria que eu fizesse mais do que tomar chá e bordar.
Acho que Devlin poderia fazer o mesmo.
Os olhos de Lilly brilharam.
— Devlin é muito protetor, mas admira mulheres que pensam
por si mesmas. Ainda assim, ele não gostaria que se colocasse em
perigo. Ah, mas como a contratação de alguns rapazes pode colocar
você em perigo? Não, acho que estamos seguras nisso.
Gina não estava tão preocupada com o que Andrew ou Devlin
fariam tanto quanto estava com outro homem.
— Mais importante, eu não quero que James Hunter saiba. Me
disse ontem à noite que, se fosse por ele, eu voltaria para Belfast
imediatamente.
As sobrancelhas de Lilly se ergueram.
— Não! Ele não seria tão deselegante.
— Ele não estava com um humor cavalheiresco. Receio que
saiba que estou procurando pelo Senhor Henley. E eu poderia ter
sugerido que dificilmente poderia fazer pior do que o Ministério do
Interior.
— Oh meu! — Lilly fez o melhor que pôde para conter o riso. —
Eu posso imaginar como ele levou isso. O que te possuiu para fazer
essa acusação?
— Não me lembro. Nossas conversas tendem a se deteriorar
depois de um momento ou dois. Seria melhor que simplesmente
evitássemos um ao outro o máximo possível, mas ele decidiu tomar
minha segurança para si mesmo. Muito exasperante.
— Desejo-lhe boa sorte, Gina. Conhecendo os Hunter, você
precisará.
Gina sentiu um puxão no braço e se virou a tempo de ver uma
criança esfarrapada tentando cortar as cordas da bolsa.
— Aqui agora!
Lilly olhou em volta dela.
— Solte, Ned.
— Senhora Lilly! Ela é sua amiga?
— Minha irmã.
O rapaz soltou a bolsa de Gina, tirou o boné e fez uma
reverência exagerada.
— Ao seu serviço, Senhorita irmã.
— Senhorita Eugenia. — Corrigiu Lilly. — E estávamos
procurando por você, Ned, e alguns de seus companheiros.
— Conseguiu um trabalho para nós, Senhora Lilly?
— Na verdade sim. Mas deixarei minha irmã contar o que
precisa. O que quer que ela te pague, Ned, eu vou dobrar se você
conseguir.
O menino sorriu de orelha a orelha.
— Sabe que eu vou, senhora. — Ele se virou para Gina. — O que
você precisa, Senhorita Eugenia?
— A localização de um homem chamado Cyril Henley.
— Puxa! Já o procuramos antes, patroa.
— Ele escapou da rede que lançamos, Ned. Mas seus
companheiros foram presos. Ele é o último que falta pegar.
Ned assentiu.
— Eu já sabia que ele tinha fugido, patroa. Vi ele há alguns dias
e disse ao Senhor Farrell. E agora está procurando por ele, mas eu
não sabia que mais alguém estava procurando também.
Gina prendeu a respiração.
— Você sabe onde ele está?
— Perdi ele, Senhorita Eugenia. Nunca conheci uma pessoa tão
escorregadia. Eu o reconheci da última vez, mas fugiu antes que eu
pudesse seguir ele. Posso trabalhar para vocês dois?
— Não me oponho ao Senhor Farrell ter a informação, Ned, mas
ele não deve saber que eu também te contratei.
Ned pareceu considerar isso por um momento.
— Bem, desde que você não está me pedindo para manter a
informação só para você, eu suponho que não há problema.
Ignorando o que um batedor de carteira cobraria por tal serviço,
ela retirou uma coroa de sua bolsa e a colocou na mão encardida.
— E outra quando você me trouxer a informação.
O rapaz olhou para a palma da mão e sorriu.
— Sim, Senhorita. E onde eu vou encontrar você?
— Você não deve vir para minha casa. Eu te encontrarei
diariamente em St. Mary.
Ned olhou para a igreja de um lado da praça e assentiu.
— Meio-dia não é cedo demais para você?
— De modo algum.
Ele inclinou o boné gasto e fez uma reverência desajeitada.
— Não se preocupe, Senhorita. Nós conhecemos o subúrbio
como ninguém mais. Nós nos veremos em breve. Oh, e você sabia
que estava sendo seguida?
Um frio profundo invadiu seu corpo. Ela examinou a multidão,
procurando algum sinal de alguém a olhando, mas nada parecia
errado. Ninguém traiu o menor interesse em sua irmã. Ned poderia
estar errado?
Capítulo Sete
Jamie tomou um gole de vinho e permitiu que a conversa o
acompanhasse enquanto observava as senhoras do outro lado da sala
de visitas. Mais cedo na mesa de jantar, sentado em frente à
Senhorita Eugenia, havia sido uma doce agonia de desejo. Cada vez
que ela trazia uma colher para aqueles lábios deliciosos, lembrava-se
de seu gosto, como ele os sentia esmagados sob os seus. Embora
doesse admitir sua própria falta de autocontrole, sabia que faria isso
de novo, a menor chance. E sabia também que aquele beijo tinha sido
o maior erro que já havia cometido. Seria melhor imaginar isso do que
experimentá-lo e desejar para o resto de sua vida.
As senhoras riram de algo que Bella disse, e então a Senhorita
Eugenia olhou em sua direção. Seus olhos se encontraram por um
momento e ele segurou um gemido. Ele a queria de uma maneira que
nunca quis outra mulher, e com uma intensidade que o deixava sem
fôlego.
Após refletir, ele percebeu que era verdade o que Charlie
dissera. Ele passou sua vida adulta evitando complicações sérias.
Chegara a ponto de evitar a companhia de mulheres que esperariam
mais dele, mas a Senhorita Eugenia não, ela era diferente. Mesmo
enquanto a observava agora, sua mão foi para sua garganta, e ele
sabia que estava se lembrando daquela noite. Ele era um lembrete de
tudo o que ela sofrera, de sua dor e humilhação. Nunca poderia haver
um futuro com ela.
Ah, ainda haveria mais uma semana, até que ela seria levada de
volta para a Irlanda. E, apesar de ser torturante, ele aproveitaria
todas as oportunidades para estar perto dela até então.
— ... Cox.
Jamie voltou sua atenção para sua própria conversa com a
menção desse nome.
— Cox?
Charlie sorriu, como se soubesse onde Jamie estava.
— Você não estava prestando atenção, Jamie? Devlin acabou de
nos dizer que seu cavalariço, o velho Cox, está morto.
— Morto? — Jamie franziu a testa. — Acidente?
— Assassinato. Nós o encontramos em uma baia. Ele tinha sido
coberto com feno, mas o cheiro o entregou.
Jamie estudou o rosto de Devlin. Devlin havia tentado vingar a
tentativa de acabar com a vida de Jamie? Como de costume, Devlin
era inescrutável.
— Coincidência? Ou você acha que teve algo a ver com a outra
noite?
Os lábios de Devlin se contraíram, como se ele pudesse sorrir.
— Não fui eu, se é isso que você está pensando, Hunter. Se
fosse apostar, diria que foi silenciado por qualquer papel que tenha
desempenhado naquele desastre. Se foi pago para ajudar em um
assassino, não foi por mim. Ele foi degolado como um ganso de Natal.
Não foi bonito.
Punhal, não uma pistola? Uma pistola era mais o estilo de um
assassino de aluguel, mas um punhal era mais... pessoal. Mais
familiar. Henley era bastante proficiente com um punhal. Mas então,
também eram os irmãos Gibbons.
Ele olhou de volta para a Senhorita Eugenia e uma visão de seu
sofrimento o gelou até o osso. Ela poderia identificar Henley. Poderia
testemunhar contra ele. Seria a próxima? Ou ele seria?
Mas que droga! Ela se recusou a ficar em segurança em casa, e
ele não podia deixá-la vagar pela sociedade indiferente ao perigo para
ela. Ele não deixaria nada acontecer. Teria que a seguir a cada passo.
Ele teria que desempenhar o papel de seu pretendente mais ardente
para mantê-la perto. Não a deixaria morrer como Cox.

Era hora de fazer uma visita aos irmãos Gibbons. Gina estaria
segura o suficiente esta noite, desde que a Senhora O'Rourke proibiu
suas garotas de entretenimentos nas noites de domingo.
Os irmãos Gibbons não tinham um endereço conhecido. Quando
Devlin queria vê-los, ele simplesmente comentava e, mais cedo ou
mais tarde, os irmãos apareciam na Crown and Bear. Considerando o
que Jamie suspeitava, eles provavelmente não responderiam dessa
vez.
Felizmente, ele descobrira que eram conhecidos por frequentar
uma casa infestada de pulgas na Petticoat Lane, chamada Pata dos
Gatos. Ele deu uma cotovelada na porta e entrou, dando aos olhos
um momento para se ajustar à escuridão. O odor de corpos não
lavados e anos de cerveja e gin derramados era nocivo. Atrás dele,
Charlie tossiu para cobrir seu desgosto e eles se mudaram para uma
seção do bar mais próxima da porta.
— O que diabos vamos pedir? — Charlie murmurou baixinho.
Jamie sacudiu a cabeça. O gin os deixaria cegos e a cerveja
provavelmente era a mais pobre e diluída com água imunda da chuva.
O taverneiro, um homem com um olho bom e outro vesgo,
perguntou:
— O que vão querer, senhores?
— Garrafa de uísque. — Jamie disse. — Traga sem abrir.
Notou que eles estavam chamando a atenção e estava indeciso
se isso era bom ou ruim. A Pata dos Gatos não atraía homens da
classe dos Hunter, mas a maioria dos garotos brigões no local não
pensaria duas vezes antes de agredir um cavalheiro em público.
Quando o taverneiro trouxe o uísque, Jamie segurou-o contra a
luz. Ele estava selado e parecia claro, não nublado com a falta de
água por aqui. Ele acenou para o taberneiro, que abriu a garrafa e
entregou a ele. Jamie arqueou uma sobrancelha, tomou um gole e
estremeceu quando queimou sua garganta. Ele passou a garrafa para
Charlie, que fez o mesmo.
Jamie jogou algumas moedas ao taverneiro e dispensou os
copos sujos oferecidos.
Charlie sorriu quando o taverneiro se virou para atender a outros
clientes.
— Me perguntava o que poderíamos beber aqui que não nos
envenenaria.
— Bem, veremos como nossas cabeças estarão amanhã pela
manhã.
Uma figura alta emergiu das sombras no fundo da sala. Uma
figura menor seguiu em seus calcanhares. Eles se aproximaram de
Jamie com cautela.
— Eu te conheço. — Disse o homem mais alto. — Um dos
amigos do Farrell, não é?
— Hunter é o nome. — Jamie inclinou a cabeça para Charlie. —
E este é meu irmão, Charlie.
— Vocês estão procurando por nós?
— Sim. — Ele pegou a garrafa de uísque. — Nós queremos uma
conversa privada.
Richard “Dick” Gibbons, o mais alto e mais velho dos irmãos,
liderou o caminho para uma mesa em um canto distante. Ele e seu
irmão silencioso, Artie, estavam sentados contra a parede, deixando
Jamie e Charlie sentados de costas, uma posição perigosa nesse tipo
de lugar. Jamie deslizou a cadeira para um lado, ficando de frente
para o salão, e Charlie fez o mesmo, formando um semicírculo. Artie
sorriu com o estratagema.
Dick Gibbons estendeu um copo de latão e Jamie obrigou-se a
derramar um pouco de uísque, depois fez o mesmo com o copo de
Artie.
— Você se lembra do que queríamos da última vez? — Jamie
perguntou.
Dick assentiu.
— Eu quero de novo.
O sorriso do mais velho Gibbon deixou Jamie cauteloso, e
suspeitou que Henley pudesse ter escapado das autoridades há
algumas semanas porque os irmãos Gibbons o alertaram. A venda
dessa informação a duas partes, tanto Devlin Farrell quanto Henley,
teria gerado duplo lucro. Os Gibbons eram traiçoeiros o suficiente
para tal movimento e gananciosos o suficiente para arriscar a ira de
Devlin.
— Pensei que você tinha pegado todos.
— Sabe que não — Jamie respondeu, executando seu próprio
blefe. — E você sabe quem eu quero.
Dick parecia pensar se negava ou não.
— Henley, é isso?
Charlie tomou um gole da garrafa e olhou para os irmãos
Gibbons cautelosamente. Seu olhar para Jamie alertou para a cautela,
mas ele estava além disso. Havia apenas uma maneira de lidar com
homens como esses, claramente.
— Henley. — Confirmou.
— É perigoso. — Disse Dick. — Ele ofereceu uma recompensa
por você, não é?
— Sabe que ele sim. — Jamie confirmou. — Foi você quem
atirou em mim duas noites atrás?
Os ombros de Artie tremiam, mas sua risada parecia mais um
chiado. Seu sorriso se dividiu para revelar duas fileiras de dentes
podres. Dick encolheu os ombros, mas não respondeu à pergunta de
Jamie.
— Eu pensei que punhal fosse mais do seu estilo. — Disse
Charlie. — Foi você quem acabou com o velho Cox?
— Um homem inteligente usa o que for preciso para ter o
trabalho feito. Nós ouvimos que os Hunter são perigosos também.
Não fui pago para chegar muito perto.
— Eu não sabia que isso importava para você e seu irmão.
— Não. — Dick se recostou na cadeira e deu uma olhada para
Jamie. — Se houver dinheiro suficiente.
Aqui estava a confirmação de que os irmãos Gibbons jogariam
um jogo duplo sem o menor escrúpulo.
— Diga seu preço.
Os irmãos Gibbons uniram suas cabeças e se comunicaram de
qualquer maneira que fossem capazes, dada a relutância de Artie ou
sua incapacidade de falar. Quando Dick o encarou novamente, ele riu,
expelindo uma nuvem de mau hálito que quase enjoou Jamie.
— Considerando o risco, cem libras. — Disse ele.
Jamie manteve a expressão neutra. A soma era suficiente para
manter uma pequena família por um ano. O Ministério do Interior
nunca pagaria tanto, mas Jamie podia reunir de suas contas pessoais.
E capturar Henley tornou-se um assunto muito pessoal.
— Feito. — Disse ele. — Na entrega.
— Não é nosso jeito habitual de fazer negócios. — Disse Dick,
seus olhos apagados se estreitando.
— Se você conhece a reputação dos Hunter, sabe que honramos
nossas dívidas. E você sabe que não seria sábio nos trapacear. Vocês
já estão vivendo um tempo emprestado, tanto quanto Devlin Farrell
ainda permite.
Ambos os irmãos Gibbons pareciam nervosos pela primeira vez.
Seja devido à ira de Devlin ou dos Hunter, isso não importava. Tudo o
que importava era que os irmãos Gibbons provavelmente não os
trapaceariam novamente.
— Como os achamos quando tivermos a informação?
— No Crown and Bear depois da meia-noite. Se eu não estiver
lá, deixe uma mensagem com Mick Haddon e eu os encontrarei.

— Que adorável o Vauxhall é nesta época do ano. — Lady


Annica suspirou, gesticulando para as rosas enquanto as senhoras
passeavam por um dos caminhos. Ela olhou por cima do ombro e o
sorriso insípido desapareceu de seus lábios. — Finalmente estamos
sozinhas. Agora, conte-nos o que o Senhor Renquist informou a você
esta tarde, Eugenia.
O dia estava quente e o sol mergulhava no horizonte quando o
grupo parou e se reuniu em círculo para ouvir as notícias. Gina
respirou fundo antes de começar.
— Não está particularmente esperançoso. Diz que fez perguntas
em todos os lugares mais prováveis, tudo sem sucesso. Ele não
desistiu, no entanto, e me informa que há várias fontes que ainda não
utilizou.
Grace Hawthorne apertou a mão dela.
— Você parece desanimada, querida. Mas Renquist provou seu
valor dez vezes. Nós temos muita fé nele.
— Sim, mas minha mãe disse que está procurando maneiras
pelas quais podemos partir para a Irlanda mais cedo. Eu não sei
quanto tempo mais tenho.
— De modo algum se preocupe. — Os olhos violeta de Lady
Sarah se estreitaram, lembrando Gina dos olhos de seus irmãos e
fazendo um pequeno arrepio percorrer sua espinha. — Se for
necessário que parta antes que encontremos o canalha,
continuaremos. Nenhum homem irá nos iludir por muito tempo.
A garantia era reconfortante, mas Gina queria estar presente
para a captura de Henley. Ela queria testemunhar sua humilhação.
— Obrigada, lady Sarah. Eu aprecio tudo o que a Liga das
mulheres fez por mim. — Ela hesitou e olhou para sua irmã, Lilly. As
senhoras ficariam com raiva? Castigá-la-iam? Mesmo assim, elas
foram francas com ela, e não podia ser menos. — Eu também
empreguei alguns moleques de rua para vigiar qualquer sinal do
Senhor Henley. E para reunir qualquer informação que pudessem.
Elas ficaram em silêncio por um momento quando os
maquinistas chegaram, iluminando os caminhos para a noite. O
marido de Lady Annica, Lorde Auberville, providenciara para que
todos ficassem para o jantar e para ver os fogos de artifício, um dos
últimos da temporada.
Lady Sarah retomou a conversa como se nunca tivesse sido
interrompida.
— Excelente. Empreguei dois, quando precisei. Eu poderia lhe
dar seus nomes e talvez eles também pudessem ser contratados.
Gina exalou um longo suspiro.
— Obrigada.
Lady Annica fechou o guarda-sol.
— Ah, aqui vem os cavalheiros. Eu juro, Sarah, seus irmãos
fazem um grupo adorável. Eu teria pensado que eles prefeririam estar
se divertindo ou aproveitando um jogo de cartas. O que você acha
que poderia explicar sua devotada atenção ultimamente?
Lady Sarah riu e atirou uma piscadela para Gina.
— Eu não posso imaginar, embora tenha sido sugerido que um
dos meus irmãos possa ter sido atingido.
Gina se impediu de virar para ver quem estava vindo e Lilly lhe
deu uma cutucada.
— Você vê? — Ela sussurrou. — James ou Charles Hunter estão
vindo por você. Talvez ambos. E qualquer um deles daria um bom
marido.
Marido? Queridos céus! Lilly realmente não tinha ideia da
natureza de seu relacionamento com James. Mesmo que estivesse
inclinada a se casar, ele seria o último homem que ela consideraria.
— Senhoras. — Lorde Auberville as cumprimentou. — Vocês
parecem estar planejando algum esquema ou surpresa. É um jogo
que todos podemos jogar?
Lady Annica sorriu quando pegou o braço dele.
— É só para mulheres, Auberville. Garanto-lhe que você não
gostaria de fazer parte dessa conversa.
Ele olhou para ela e seu sorriso era apenas um pouco suspeito.
— Ah, entendo. Negócio de senhoras, é isso? — Ele se virou
para os outros e arqueou uma sobrancelha. — Aprendi a não fazer
muitas perguntas para não ter acesso a informações que nenhum
homem deveria saber.
James Hunter estava estudando Gina muito de perto. Um sorriso
sardônico pairou nos cantos de sua boca, dizendo a ela que ele
suspeitava sobre o que a conversa realmente tinha sido. Ela desviou o
olhar, com medo de revelar demais.
Lorde Auberville e Lady Annica lideraram o caminho de volta ao
pavilhão.
— Nós viemos buscá-las, pois nossa mesa está pronta. Vou pedir
desculpas antecipadamente pela comida, mas o vinho é tolerável.
O riso dissipou a tensão e eles seguiram para o jantar. Jantar
para uma quantidade tão grande de pessoas levava várias horas e a
noite ficou mais fria quando terminaram.
Quando saíram da área de jantar, Andrew olhou para o relógio
de bolso.
— Ainda temos mais de uma hora antes dos fogos de artifício.
Vamos assistir à performance musical?
Rapidamente todos concordaram, mas antes que eles fossem
longe, Gina teve James segurando seu cotovelo.
— Você consentiria em caminhar até o rio comigo, Senhorita
O'Rourke?
— Eu...
— As luzes refletidas na água são lindas essa hora da noite.
— Vão em frente, então. — Lady Sarah disse. — Mas voltem
para os fogos de artifício. E cuide de seus modos, Jamie.
Ele pegou o braço dela e virou-a para um dos passeios que
levavam ao Tamisa. Gina olhou para ele e suspirou.
— Eu teria imaginado que sua irmã, de todas as pessoas, saberia
que você não tem nenhum.
— Modos? — Ele riu. — Sim. Infelizmente, ela acha que seus
irmãos são perfeitos, um mito que tendemos a perpetuar. Você vai
nos entregar?
— Isso depende, Senhor Hunter.
— Do que, Senhorita O'Rourke?
— Sobre como você escolhe lidar comigo.
— Eu não posso prever nenhuma mudança no futuro próximo.
— Então a sua reputação está em perigo.
— Você ainda está descontente com o beijo? Eu diria que me
arrependo e peço perdão, mas não me arrependo nem um pouco. Na
verdade, está entre os meus momentos mais memoráveis.
Ela estremeceu, lembrando-se do desejo amargo de algo mais, e
olhou para o caminho de cascalho em vez de se trair. Infelizmente,
um pequeno arrepio a traiu e ele riu conscientemente enquanto se
inclinava para perto de seu ouvido.
— Eu acho que você não vai esquecer tão cedo também.
— Você me pediu para andar com você com o propósito
expresso de me insultar, Senhor Hunter?
Ele suspirou profundamente e virou-a por um caminho que se
ramificava para a direita.
— Nós já passamos das formalidades, Eugenia. Quando
estivermos sozinhos, pelo menos, você me chama de Jamie? Ou
James, se você quiser.
Ele fizera o nome dela soar como uma carícia ou um suspiro. Ela
nunca se importou com o nome dela até aquele momento.
— Como preferir. Mas se não quer falar comigo sobre o que
aconteceu nos jardins Albermarle, por que você pediu para caminhar
comigo? Agora sua irmã pensa...
— Que eu estou cortejando você? Precisamente. Como todo
mundo nessa festa. E, com sorte, as notícias se espalharão como fogo
pela cidade.
— Você quer que as pessoas pensem isso? Mas por quê?
— Você se recusou a ficar em casa e evitar lugares e situações
em que possa encontrar problemas. Desde que eu não posso te parar,
esta é a minha melhor chance de proteger você.
Ela parou debaixo de uma lanterna em uma bifurcação no
caminho e retirou a mão do braço dele.
— Não me lembro de pedir sua proteção, Senhor Hunter. E, se
você tivesse perguntado, eu teria recusado.
Sua voz ficou levemente fria quando ele respondeu.
— Não é uma opção, Eugenia.
Ele havia se colocado diretamente no caminho dela. As pessoas
falariam tão livremente com ela agora se achassem que ela estava
intimamente ligada a James Hunter? Ela preferia não pensar. Essa
pequena farsa dele a tornaria completamente ineficaz.
— Nós devemos parar esse rumor ridículo de uma vez!
Ela voltou para o caminho que tinham vindo, mas não havia
dado mais que alguns passos quando ele a segurou pelo braço e a
puxou para um caminho não iluminado à direita. Quando estavam
sozinhos e não podiam ser ouvidos, ele parou e se virou para encará-
la.
— Nós não vamos fazer isso, Eugenia. Pelo contrário, você
apoiará a fábula. Não há como fugir disso. Eu pretendo perseguir
todos os seus passos até voltar para Belfast.
— Você não tem esse direito!
Seu belo rosto se estabeleceu em linhas duras.
— Você prefere que eu leve este assunto para alguém que tem o
direito? Acredito que meu irmão Andrew e talvez Devlin Farrell sejam
seus parentes mais próximos do sexo masculino. Você realmente acha
que eles seriam mais gentis com suas atividades do que eu?
— Você não faria isso!
— Quer apostar nisso, Eugenia?
Bom céu, ele faria! Pela expressão em seu rosto, o argumento
seria inútil. Ela respirou fundo e se acalmou. Uma demonstração de
desafio não lhe renderia nada, mas talvez pudessem chegar a um
acordo.
— Eu não farei nada para contradizê-lo, então, mas quando você
não estiver presente...
— Você, Eugenia, não vai me contradizer. E sempre estarei
presente.
— O que você está dizendo?
— Que pretendo estar em todos os lugares que você frequenta.
Além disso, vou acompanhá-la todas as noites.
— Você está louco? As pessoas estarão esperando um
casamento. No mínimo, um anúncio. Um de nós parecerá culpado
quando eu voltar para a Irlanda.
— Eu assumirei a culpa. Não tenho intenção de causar dano a
você ou à sua reputação. Mas você deve ver que não me deixou
nenhum outro recurso para mantê-la segura de sua própria
imprudência.
Presa. Ela estava presa e agora seria duramente pressionada a
fazer qualquer progresso para encontrar o Senhor Henley. Com James
em seu rastro toda vez que saísse de casa, quem confiaria nela?
Como ela se encontraria com a Senhorita Race e o Senhor Metcalfe no
baile de máscaras de Morris? Isso era intolerável.
Ela olhou para ele ao luar, ciente pela primeira vez que eles se
aventuraram por um dos caminhos escuros. Em algum lugar ao longe,
ela podia ouvir as tensões de uma orquestra tocando uma valsa. Mais
perto, o chamado de um pássaro perturbado em seu ninho a
assustou. Se James queria encontrar privacidade, tinha conseguido.
Ele olhou para ela e passou o braço em volta de sua cintura.
— Eugenia, não vai ser tão ruim. Eu prometo.
Como ela poderia fazê-lo entender? Frustração surgiu quando
ela olhou em seus olhos e seu medo mais profundo escapou
espontaneamente.
— Talvez já seja tarde demais para me salvar.
— Não enquanto você ainda respirar, Gina. — Seus lábios eram
suaves e suplicantes quando tocaram os dela, como se fizessem um
pedido ou esperassem permissão para fazer mais.
Ela respondeu de uma maneira que não sabia que podia, e
percebeu o quanto queria essa proximidade, essa intimidade, esse
desejo profundo e pungente. Ela se rendeu, afundando-se contra ele
com um pequeno gemido.
Seus braços se apertaram ao redor dela, uma mão passando
pelos cabelos e fechando em punho, segurando-a imóvel e incapaz de
se virar. Desnecessário, já que perdeu a vontade de resistência há
muito tempo. Ela queria encontrar o que havia no final disso.
Capítulo Oito
Deus o ajudasse. Gina não queria nada com ele, tinha deixado
isso claro o suficiente. Mas quando ela o olhou com aqueles olhos de
corça, quando ele viu a faísca, metade pergunta, metade apelo, nos
seus olhos, ele respondeu sem pensar. Quando se acomodou contra o
corpo dele, ele se endureceu com a necessidade há muito suprimida.
Seus lábios se separaram com um suspiro e ele brincou com sua
língua, apreciando sua ousadia misturada com a timidez na maneira
como ela o saboreava e na doçura de seu gemido. Tinha medo que
ela se afastasse, então a abraçou com força, impedindo-a de se
afastar dele.
Desde o momento em que a viu hoje à noite em seu vestido de
marfim com o ousado decote, ele estava ansioso para fazer
exatamente isso. Seus dedos estavam emaranhados em seus cabelos
e ele puxou a cabeça para trás, para melhor beijá-la. O melhor para
acariciar o caminho do lóbulo da orelha até o oco de sua garganta. Ele
cutucou a fita de marfim em torno de seu pescoço e beijou a pequena
linha de tecido espesso onde ela havia sido cortada pela adaga de
Daschel. Ele não podia ver aquela cicatriz sem recordar aquele
momento horrível, antes que a tivesse tirado do altar, em que temia
que ela estivesse morta.
Estava com medo de que ela protestasse pelo reconhecimento
de sua ferida, mas a doce vibração de seu suspiro contra seus lábios
quase o deixou louco de desejo. Onde? Onde ele poderia levá-la? Ele
não podia sujar seu vestido na grama e tinha que devolvê-la aos
fogos de artifício. Nem podia tirá-la dos jardins e levá-la a uma
hospedaria particular, por mais que quisesse. Mas ele não podia
deixá-la ir sem provar um pouco mais porque, quando ela voltasse a
si, nunca deixaria que algo assim acontecesse novamente.
Ele desceu os beijos, dessa vez tirando a renda do corpete do
caminho e libertando um botão de bico rosado. Ela estremeceu, mas
não teve pena dela ainda. Em vez disso, capturou aquele pequeno
broto entre os lábios e circulou com a língua. Ele endureceu e formou
uma pérola esticada que tinha gosto de creme açucarado e o fez
desejar mais.
Ela fez um som choramingado e segurou a parte de trás de sua
cabeça, pressionando-o mais perto e sussurrando algo que soava
como seu nome. Que música selvagem fez em sua mente! Ele
beliscou suavemente em resposta e sua mão apertou o cabelo dele.
Saboreou suas respostas inexperientes, sabendo que nunca
tinha feito nada assim antes. O que quer que tenha sido feito com ela
na noite do ritual, o que quer que ela tenha sentido naquela noite,
não poderia ser nada disso. Ela estava muito surpresa. Muito presa na
loucura que possuía os dois.
Seu peito subiu e caiu rapidamente e seu batimento cardíaco
martelou contra seus lábios. Conhecia os sinais. Ela era sua para
tomá-la, e ele era dolorosamente capaz de fazer exatamente isso.
Estava desesperado para fazer isso, na verdade. Mas esta era
Eugenia. Eugenia deslumbrante, corajosa e com princípios. Como ele
poderia desconsiderar seus desejos ou saciar-se às custas dela? Como
poderia arriscar amá-la, conhecê-la, apenas para que ela o deixasse?
Um calafrio passou por ele e lentamente se separou dela,
endireitando-a e firmando-a até que ela pudesse se sustentar
novamente.
— Peço desculpas, Eugenia. Eu não deveria ter feito isso. Sei
que já disse isso antes, mas você tem meu juramento, isso não
acontecerá novamente.
Ela piscou, como se tentasse lembrar onde estava ou o que
haviam feito, felizmente inconsciente de que o rosa profundo de uma
aréola ainda espiava acima de seu decote, uma tentação que quase
desfez suas boas intenções. Ela estremeceu quando ele suspirou e
estendeu a mão para puxar o tecido para cima.
Mesmo através do crepúsculo profundo, ele pôde ver a mancha
de um rubor nas bochechas quando ela se afastou dele e lutou para
se colocar em ordem.
— Você não deve começar algo que não pretende terminar,
Senhor Hunter.
Terminar? Tudo dentro dele implorou para terminar o que tinha
começado. Mas sua acusação foi uma repreensão por parar? Ou por
começar? Ele queria tranquilizá-la, e tocou o ombro dela no que ele
esperava que interpretasse como apoio.
— Eugenia, minha preocupação era por você. Não pode saber o
que um homem...
Ela afastou a mão dele e se virou para encará-lo, seus olhos
queimando como brasas escuras.
— Este é precisamente o ponto, não é? Eu não posso, mas
deveria.
— O que...
— Não importa, Senhor Hunter. É problema meu e não tem nada
a ver com você. — Ela alisou o cabelo que estava emaranhado e o
colocou de volta nas fitas.
Queria lhe dizer que qualquer coisa relacionada com ela era sua
preocupação, mas ele sabia que só iria deixá-la mais irritada. Foi salvo
da necessidade de uma resposta pelo primeiro fogos de artifício.
Ela pulou, assustada com o som.
— Devemos voltar antes que sua irmã venha nos procurar.
— Eugenia, sobre o assunto que discutimos...
Ela deu vários passos para trás em direção ao caminho.
— Nosso namoro, Senhor Hunter?
— Sim. Talvez eu devesse ter perguntado se você está
procurando marido. — Ele seguiu de perto seus saltos, mal ousando
respirar até que tivesse a resposta para essa pergunta.
Ela riu.
— Essa é a última coisa em minha mente no momento.
Ele exalou com alívio.
— Então não posso ver que objeção você poderia ter em relação
à nossa farsa.
— Sua farsa. — Ela corrigiu quando pegou o braço que ele
ofereceu.
— Pode fazer isso tão difícil quanto quiser Eugenia, ou você
pode cooperar. O que não pode fazer é me impedir. Meu curso está
definido. E você pode querer considerar os benefícios.
— Existem benefícios? Para quem?
— Se a sociedade achar que estou prestes a fazer uma oferta
por você, meu nome pode te dar alguma medida de proteção.
Ela olhou para ele através do crepúsculo profundo.
— Por que você está tão determinado a realizar esse esquema,
James?
— Eu sou responsável por você. Se eu tivesse conseguido
capturar Henley...
Ela considerou isso quando eles entraram na clareira e viram um
aceno de Lady Sarah.
— Certamente não é responsável por mim, mas eu suponho que
não pode haver mal algum em fingir, desde que você tente usar um
pouco de discrição. Quanto menos você exibir, menos haverá para
explicar quando terminar.
— Acordado.
Gina olhou para o decote para ter certeza de que tudo havia sido
colocado de volta no lugar. Ela já estava humilhada o suficiente e não
queria se juntar à festa deles traindo qualquer sinal de impropriedade.
Aquele beijo, mais sedutor que o anterior, avisou-a para não se
enredar ainda mais com James Hunter. De fato, como ela conseguiria
obter informações de jovens se James estivesse sempre à espreita?
Como ela poderia rastrear a única pista que tinha?
Ela soltou a mão do braço dele para alisar o tecido de seu
vestido, tentando afastar qualquer traço restante de sua indiscrição.
Seus dedos roçaram um pequeno pedaço de metal pendurado nas
cordas do corpete sob o vestido. A forma parecia queimar sua
impressão em sua pele. Graças aos céus, James não tinha ido mais
longe, ou poderia ter encontrado a chave que Christina Race lhe dera.
Ela tinha que encontrar a fechadura adequada.

De pé nos degraus da St. Mary Church, quando o sino tocou às


doze horas, Gina examinou a multidão em busca de qualquer sinal dos
moleques de rua que Lilly lhe apresentara. Ao longe, ela podia ver
Nancy entre as barracas de vendedores de vegetais. Logo ela se
juntaria a Gina e elas voltariam para casa.
Ela se sentia exposta e percebeu que um encontro tão
abertamente com uma criança de rua seria notado por qualquer um
dos amigos e conhecidos da família. Ela teria que pensar em um lugar
diferente. Em algum lugar mais privado e menos aberto.
Uma pequena cabeça ostentando um boné azul sujo atravessou
a multidão em uma linha direta para ela. Quando se aproximou, ele
acenou e finalmente se juntou a ela nos degraus.
— Bom dia, Senhorita Eugenia.
— Bom dia, Ned. Você tem alguma coisa para mim?
— Ainda não, Senhorita. Eu estive procurando. Arrebanhei
alguns dos rapazes e disse-lhes para ficarem de olho. Prometi um
xelim para quem trouxer novidades.
Ned era um rapaz esperto. Quanto mais olhos abertos, mais
provável que Henley fosse avistado.
— Obrigada, Ned. Existe alguma maneira de você me comunicar
imediatamente quando tiver notícias?
— Em vez de esperar até o meio-dia, quer dizer? Não sei.
Poderia bater na porta da cozinha, suponho.
— Não! — Gina podia imaginar as perguntas que teria que
enfrentar se uma criança de rua aparecesse perguntando por ela. —
Eu poderia encontrá-lo duas vezes por dia.
O garoto tirou o boné e passou a mão na parte de trás do braço.
— Não deveríamos demorar muito para detectar ele, mas Henley
é um astuto. Nós temos problemas, Senhorita. Se você quer que seja
realmente rápido, eu vou precisar de ajuda. Um de meus amigos acha
que viu o cavalheiro entrando em uma casa de jogos. Eu não posso
entrar em alguns lugares. Eu sei que é uma garota, e não pode entrar
nesses lugares também.
A mente de Gina rodopiou. Não podia perguntar a nenhum dos
colegas de Henley sem alertar James. E ele provavelmente a estava
seguindo. Afora isso, ela não poderia saber se eles tinham estado em
aliança com Henley, o que só a levaria diretamente a mais problemas.
E não ousaria contratar uma mulher por medo do perigo que podia
acontecer a ela.
Não, além de suas próprias investigações, sua melhor chance de
encontrar Henley estava com o Senhor Renquist e este moleque
experiente. Mas a ameaça de James observá-la a cada minuto a
impediria de perseguir o assunto. A menos que ela pudesse encontrar
uma maneira de contorná-lo.
Ele declarara sua intenção de acompanhá-la até em casa todas
as noites. Mas e se ela não ficasse em casa? E se ela se encontrasse
com Ned? Ela fugiu na noite anterior e conseguiu se sair bem antes
de entrar em conflito com o Senhor Henley. E aprendeu a lição de que
nunca mais iria a algum lugar com alguém que não conhecesse muito,
muito bem.
— Ned, até que horas você está aqui à noite?
— Normalmente não durmo até o amanhecer, Senhorita. Alguns
dos meus melhores roubos acontecem nas primeiras horas, quando os
senhores estão profundos em suas taças e não prestam atenção.
— Então você me encontraria depois da meia-noite? Eu poderia
ajudá-lo. Talvez possa me disfarçar e entrar nos lugares que você não
pode. Reembolsarei você por suas perdas e pagarei a qualquer outra
pessoa que ache que possa ajudar. Mas não devemos envolver muitas
pessoas. Quanto menos gente souber, mais chance de sucesso
teremos.
Ele pareceu considerar o assunto por um momento, depois se
iluminou.
— Sim. Há alguns que eu sei que poderia ajudar. E eles não
dirão, nenhum deles. Quando você quer começar, Senhorita?
O baile de máscaras de Morris seria hoje à noite. Estaria com as
gêmeas Thayer, mas ela poderia inventar uma dor de cabeça um
pouco antes da meia-noite, permitir que James a acompanhasse até
em casa, e depois fugir assim que sua carruagem desaparecesse na
esquina. Esta noite ela tinha negócios importantes. Se a sorte a
favorecesse, uma vez que falasse com o Senhor Metcalfe, não
precisaria dos serviços de Ned. Ela teria todas as respostas que
precisava.
Mas Gina não aprendera outra coisa que não fosse a ser
cautelosa.
— Amanhã de noite, Ned? Quarta-feira à meia-noite? — Onde
quer que ela se encontrasse amanhã, ela já estaria em casa.
— Sim, Senhorita. Eu vou esperar por você na rua.
— Fique escondido, Ned. Os vizinhos são um pouco
intrometidos.

A atmosfera do salão de baile Morris era contagiante, em todos


os cômodos o baile de máscaras transbordava de maneira animada e
alegre. Mais da metade dos participantes usavam trajes elaborados.
Outros, como Gina, usavam cores brilhantes em vez de um traje e
apenas ostentavam uma máscara. Sua máscara foi trabalhada a partir
de seda costurada com penas amarelas e joias cintilantes para
complementar seu vestido amarelo brilhante e tinha várias penas
amarelas presas em seu pulso esquerdo. Hortense se vestira de
pastora, enquanto Harriett usava um hábito de freira. E James, que
havia chegado para escoltá-las, fiel à sua ameaça, usava uma
máscara com seu traje habitual de noite. Quando as deixou em
segurança no salão de baile, ele se desculpou e saiu para saudar
alguns de seus amigos na sala de bilhar.
Sob a proteção do disfarce, e aliviada da habitual restrição de
decoro, a reunião era repleta de alegria e espontaneidade. E se Gina
pudesse dar um palpite, todos estavam bebendo mais do que a
quantidade habitual de ponche misturado com álcool, junto com vinho
e cerveja.
Ficou imaginando como poderia encontrar a Senhorita Race na
aglomeração, mas tirou a máscara com a frequência suficiente para
ter certeza de que Christina poderia encontrá-la. E até agora, nem um
único traço de um leproso. Com certeza, o Senhor Metcalfe não
deixaria de vir. Christina lhe contara como estava ansioso por falar
com ela. Sentiu a chave escondida em seu corpete e fez uma rápida e
silenciosa prece para que seu longo pesadelo terminasse hoje à noite.
— Eu amo baile de máscaras — disse Hortense, deslocando o
bastão para a outra mão. — Embora eu me pergunte como dançarei
com essa coisa.
O Senhor Booth, outro convidado que se dignou a usar uma
máscara em vez de um traje completo, aproximou-se delas com um
sorriso despreocupado.
— Eu sempre tive a fantasia de dançar com uma freira. Você
deve ter pena de mim, Senhorita Thayer, e finalmente realizar meu
sonho.
Harriett riu de uma maneira que nenhuma freira jamais riria,
tanto sedutora como satisfeita.
— Concedido, Senhor Booth. Mas lembre-se dos seus modos,
senhor. Eu tenho amigos no alto escalão.
Hortense riu enquanto o Senhor Booth levava sua irmã embora.
— E Harri sempre teve fantasias sobre o Senhor Booth. Dois
desejos satisfeitos com uma dança.
— Vamos esperar que o desejo de todos se torne realidade hoje
à noite.
— O que você quer dizer, Gina? O que você deseja?
Respostas, a verdade.
— Finais felizes. — Ela murmurou.
— Amém. — Hortênsia concordou. — E quanto antes, melhor.
Mas eu acho que não precisa se preocupar com isso. James Hunter
obviamente definiu suas intenções em você. Qualquer garota estaria
louca se o recusasse. Encanto, aparência, riqueza. O que mais você
poderia querer?
O que mais, de fato?
— Ele ainda não propôs, Hortensia, e pode não o fazer. E se
fizer, ainda não decidi qual será minha resposta. — Pronto. Isso deve
interromper as línguas ferinas e não criar expectativas irrealistas.
— Escreva, ele estará de volta para reivindicar uma valsa. Você
vai vê-lo muitas vezes antes que seja hora de ir.
— Espero que ele não fique pairando a minha volta — ela disse.
Ela não queria que o senhor Metcalfe hesitasse em se aproximar dela.
Avistou Christina, em uma elaborada máscara de pavão,
entrando no salão de baile. Ela estava no braço de um homem que
Gina não havia encontrado e ela se perguntou se esse era o
indescritível Senhor Metcalfe. Mas onde estava seu disfarce de
leproso? Ela acenou e Christina a olhou.
Hortense seguiu seu olhar e sorriu largamente.
— Oh! Christina e seu primo, o Senhor Marley. Ele conhece
todas as danças e tem a mais diabólica sagacidade. Quase tão
diabólico quanto Charles Hunter. Que amável, eles estão vindo em
nossa direção.
O homem em questão curvou-se profundamente para elas
quando Christina fez as apresentações e, em seguida, ele
prontamente tirou Hortense para uma dança, dando espaço a Gina
para cuidar de seus negócios. Quando estavam sozinhas, ela
perguntou:
— Onde está o Senhor Metcalfe?
— Ele disse que nos encontraria aqui. — Christina disse a ela.
O Senhor Metcalfe estava claramente com medo de alguma
coisa. Até mesmo seu traje provavelmente foi escolhido para velar sua
identidade. Ela tomou um gole de ponche, imaginando o que poderia
fazer com que ele fosse tão cauteloso.
Quando a dança terminou, o Senhor Marley voltou com Hortense
e reivindicou Christina com uma promessa de que Gina seria a
próxima. Um rápido olhar para a tigela de ponche lhe disse que
Harriett ainda estava ocupada com o Senhor Booth. Quando uma
figura vestida com um longo manto e capuz preto e um pequeno sino
em torno do pescoço se aproximou dela, seu batimento cardíaco
acelerou. Senhor Metcalfe, finalmente!
Ele estendeu a mão para ela sem falar e a levou. Uma vez na
pista de dança, o leproso se virou e levantou o capuz apenas o
suficiente para poder ver seu rosto. Sim, este era o homem que
estivera na encenação com Christina. A dança era uma valsa que lhes
permitia falar sem as interrupções. Muito sábio do Senhor Metcalfe.
— Senhorita O'Rourke, peço-lhe que abandone este assunto
imediatamente.
Qualquer coisa que ela esperava ouvir, estava longe desse
pedido sincero.
— Eu não posso, senhor. Estou comprometida.
— Está mal preparada para o que está por vir. Você não pode
ter sucesso.
— Você nem sabe o que eu planejo, senhor. Como pode
presumir isso?
— Porque eu conheço Henley. Muito bem.
Gina quase entrou em pânico quando notou James à margem,
observando-a. Ele veio dançar com ela? Ou alguém o alertou?
— Não posso deixá-lo fugir pelo que ele fez com a minha família.
— E com você, Senhorita O'Rourke?
Suas bochechas queimaram.
— Você estava naquela noite?
— Para minha vergonha, sim. — Ela tentou se afastar e quase o
fez tropeçar, mas ele segurou firme e retomou o passo. — Você deve
acreditar em mim, Senhorita O'Rourke. Aquela foi a primeira noite em
que assisti a uma das peças de paixão de Daschel e Henley. Fiquei
chocado quando percebi o que iria acontecer. Mas havia tantos, que
eu não podia me expor indo contra eles.
— No entanto, você estava disposto a permitir que eles me
deflorassem e me matassem?
— Assassinato? Eu não sabia dos assassinatos até o dia
seguinte, quando as notícias se espalharam como fogo pelos clubes
da cidade.
Ah, como ela temia a resposta, mas não conseguia se impedir de
perguntar.
— Quantos? Quantos postulantes sabiam quem eu era?
— Talvez um punhado. Talvez menos. Eu não tinha certeza até
que a vi aqui hoje à noite. A maioria deles estava tão longe com a
bebida e com o haxixe que Daschel queimava nas tigelas de incenso
que não reconheceriam suas próprias mães. Henley misturou ópio no
vinho, você sabe.
Ópio, isso explicaria ter estado drogada e sua incapacidade de
lembrar o que lhe acontecera nas horas antes do ritual começar. Isso,
pelo menos, poderia ser a resposta para uma de suas perguntas.
— Ainda assim, não posso deixá-lo escapar — murmurou mais
para si do que para o Senhor Metcalfe.
— Acredite em mim, eu entendo. Mas você deve deixar isso para
os outros. Outros mais implacáveis.
— Eu posso ser tão implacável quanto devo, Senhor Metcalfe.
Ele balançou a cabeça em descrença.
— Você não é páreo para um homem como Henley. Não tem
ideia...
— Então, diga, ilumine-me para que eu não vá para a batalha
despreparada.
Houve uma longa hesitação enquanto o Senhor Metcalfe
evidentemente lutava com sua consciência, depois continuava com
uma voz baixa.
— Henley é um homem paciente. Ele esteve esperando.
Esperando por uma oportunidade para acabar com seus inimigos. Sou
uma das suas pontas soltas. Sei demais. Eu sei quem... — Parou
como se estivesse com medo de ter falado demais. Mas quando ele
continuou, suas palavras a surpreenderam. — E você, Senhorita
O'Rourke, está no topo da lista. Londres não é segura para nenhum
de nós, a menos que, ou até que Henley tenha sido capturado.
— Por quem? Quem ficou para lidar com ele, Senhor Metcalfe? O
Ministério do Interior falhou duas vezes. Se não for eu, se não for
você, então quem?
Ele balançou a cabeça como se negasse suas palavras.
— Estou apenas tentando permanecer vivo até que ele seja
pego. E aconselho você a fazer o mesmo.
Ela apertou-lhe o braço tentando fazê-lo entender.
— Preciso da sua ajuda, Senhor Metcalfe. Diga-me o que você
sabe, que faz você temer por sua vida. Diga-me qualquer coisa que
saiba que possa derrubá-lo. Diga-me o que tranca essa chave
pequena e o que vou encontrar lá.
— Eu já falei demais.
A dança terminou e o Senhor Metcalfe a soltou, olhando por
cima do ombro com um olhar atormentado. Antes que ela pudesse
protestar, ele sumiu, desaparecendo no meio da multidão quase
instantaneamente.
Pelo menos ela finalmente teve uma resposta para uma de suas
perguntas. Agora sabia por que não conseguia se lembrar dos
acontecimentos daquela noite. Mas ainda havia muito mais que
precisava saber. Se não conseguisse lembrar o que aconteceu a si
mesma, certamente havia alguém, em algum lugar, que poderia
preencher as horas perdidas.
Sua cabeça girou com as implicações dos avisos do Senhor
Metcalfe. Ela precisava de um momento para pensar, reunir a
compostura e planejar o que deveria fazer em seguida. Quando a
dança seguinte começou, atravessou a pista de dança até as portas
largas do terraço e se esgueirou, ignorando os casais reunidos ali e
outros caminhando. Precisava encontrar apenas um único momento
em um lugar calmo.
Ela parou em um caramanchão coberto de hera e segurou a
trama até que os nós dos dedos ficassem brancos. Gradualmente,
percebeu que havia apertado o polegar em um espinho escondido. Ela
apertou a mão.
— Ai!
O Senhor Metcalfe surgiu das sombras e aproximou-se dela. Ele
havia decidido contar a ela sobre a chave?
Ele pegou a mão dela e levou-a até a boca. Ele lambeu a gotinha
de sangue. Chocada, ela afastou a mão.
— Senhor!
Ele tirou um lenço das dobras de seu manto negro e ela aceitou
com relutância.
— Deliciosa. — Disse ele.
Um calafrio subiu pela espinha dela. Essa não era a voz do
Senhor Metcalfe! Instintivamente, ela virou-se para correr para as
portas do terraço, mas a mão do leproso apertou sua boca e foi
puxada de volta contra um peito rígido.
— Que bom te ver de novo, minha querida. Você parece um
pequeno canário. Eu me pergunto se o seu pescoço será tão fácil de
quebrar.
Henley! Querido Deus!
Ele começou a arrastá-la para trás.
— Mas você e eu somos como a fênix, minha querida. Nós dois
nos levantamos das cinzas, hein? Embora apenas eu me levante
enquanto você deve queimar novamente. Pobre passarinho.
Um som, meio gemido, meio grito silenciado, levantou-se de sua
garganta e ele apertou a mão com mais força, esmagando os lábios
contra os dentes e fechando as narinas. A respiração de Henley
estava quente e suja em sua bochecha.
— Ah, e aqui vem o seu antigo salvador. Que sorte para mim.
Agora, se eu tivesse uma pistola. Sim, uma faca terá que fazer o
serviço novamente.
James estava procurando por ela, virando em todas as direções,
mas ele não podia vê-las nas sombras do caramanchão. Henley
poderia cortá-lo quando ele passasse!
— Eugenia? Senhorita O'Rourke?
Henley deu uma gargalhada.
— Tão apropriado? Você não é sua prostituta ainda? — Ele
perguntou com uma voz rouca.
Ela baixou o calcanhar no pé dele e se afastou ao mesmo tempo.
— Jamie! — Ela gritou.
Ele se virou para a voz dela e veio correndo a toda velocidade.
Henley soltou uma maldição e correu na direção oposta.
Jamie a alcançou e segurou os braços dela enquanto olhava em
seus olhos.
— Você está bem?
Ela segurou as lágrimas, balançou a cabeça e apontou na
direção oposta, sua garganta doendo.
— Henley!
— Corra para a casa. Não pare até que você esteja lá. Encontre
Charlie e diga a ele o que aconteceu. — Ele saiu em perseguição e ela
achou que o ouviu pronunciar uma maldição igualmente repulsiva.
Capítulo Nove
Os jardins estavam vazios perto das cavalariças dos fundos.
Nenhum sinal de Henley, droga! O homem não poderia ter voltado ou
Jamie o teria visto. Ele chegou nos estábulos e ouviu uma discussão.
— ... apenas pegou o garanhão de sua senhoria e partiu. — Um
cavalariço estava dizendo para outro.
Jamie ainda podia ouvir os cascos ao longe.
— Quem? — Ele gritou.
Os cavalariços se voltaram para ele.
— Um leproso, senhor. Vestido como um leproso. Eu estava
apenas selando o garanhão de Lorde Grenleigh quando o homem
chegou, me bateu, pegou as rédeas e partiu. O que direi a sua
senhoria?
Jamie não conseguia pensar nisso agora. Só que Henley tinha
fugido de novo e, quando sua carruagem estivesse pronta, Henley
estaria desfrutando de uma cerveja em qualquer buraco em que se
escondesse.
— Mande meu condutor preparar minha carruagem e levá-la à
frente. Eu darei a Grenleigh a notícia.
— Obrigado, senhor. — O mestre dos estábulos inclinou o boné
com um olhar de profundo alívio.
Maldito Henley, aquele filho desvalido de Satanás! Jamie
caminhou de volta pelos jardins, a cabeça baixa, na esperança de
encontrar alguma pista, alguma sugestão da presença de Henley ou
uma indicação de onde ele estava. Nas sombras do caramanchão, a
ponta do sapato roçou algo macio e maleável. Ele olhou para baixo,
surpreso ao ver algo que parecia suspeitosamente com uma mão.
Ele se ajoelhou e separou os arbustos. O corpo de um homem,
coberto parcialmente pela folhagem, estava escondido sob os galhos.
Temendo o que ele poderia encontrar, rolou o corpo. Inferno
sangrento, Stanley Metcalfe. O mesmo homem que Jamie estava
procurando na semana passada. Henley tinha chegado primeiro a ele.
Os olhos azuis pálidos de Metcalfe ainda estavam abertos e sua
boca se abria em um grito silencioso. Uma rápida inspeção do corpo
ainda quente revelou que o colete manchado de vermelho tinha um
corte limpo na carne. A morte de Metcalfe não foi fácil. Eugenia tinha
visto o corpo?
— Santa Mãe de Deus. — Charlie sussurrou sobre o ombro de
Jamie. — O que aconteceu?
Um frio gelado penetrou seu coração.
— Onde está Eugenia?
— Dentro. Acalmei-a, disse-lhe para não falar nada e levei-a as
Thayer com instruções para não sair do salão de baile. Então eu vim
te encontrar.
— Ela disse a você sobre Henley.
Charlie assentiu e se ajoelhou ao lado dele.
— Devo supor que ele desapareceu na noite como é seu
costume?
Deu a seu irmão um sorriso triste.
— Não só isso. Ele roubou o garanhão premiado de Grenleigh.
— Não foi muito razoável da parte dele, foi?
Ele ignorou a tentativa de leveza.
— Ele a pegou, Charlie. Só Deus sabe o que teria acontecido. —
Ele olhou para o corpo de Metcalfe novamente, sabendo que Henley
planejara algo do mesmo tipo para ela.
— Mas ele não a tem agora. — Disse Charlie em uma voz calma
e mortal. — E vamos fazer com que ele nunca tenha essa chance
novamente. Enquanto isso, teremos que informar a Wycliffe e nosso
anfitrião. Parece que a festa acabou.
— Ainda não. — Jamie passou a mão sobre o rosto de Metcalfe
para fechar os olhos antes de se levantar. — Deixe-me levar Eugenia
e as garotas Thayer primeiro. Preciso falar com ela antes que o
Ministério do Interior a interrogue. E as Thayer não precisam fazer
parte disso. Minha carruagem deve estar esperando na frente. Assim
que eu as tiver deixado em casa, voltarei e trataremos disso o mais
discretamente possível. Ah, e diga ao Grenleigh que tem que
encontrar outro transporte hoje à noite, certo?
Charlie o ajudou a arrumar os galhos novamente para proteger o
corpo de Metcalfe da descoberta imediata.
— Você sabe o que isso significa, não sabe?
— Que Henley está ficando mais ousado. E essa ousadia deve
ser uma medida de seu desespero.
— Ele só vai se intensificar. Vai ficar descuidado e, cedo ou
tarde, vamos pegá-lo.
Jamie cerrou os punhos.
— Ele virá atrás de Eugenia novamente.
— E você, Jamie. Ele já tentou impedi-lo, e não vai desistir
agora.

Gina se escondeu atrás de sua máscara amarela vívida, tomando


cuidado para não trair nenhum sinal externo de aflição, embora
estivesse fervendo de ansiedade reprimida. Onde estava James?
Henley usou sua faca? James estava morto em algum beco? E como
Henley sabia onde encontrá-la?
Hortense e Harriett estavam cheias de perguntas quando viram
como ela estava abalada. Decidiu por uma versão da verdade,
dizendo-lhes apenas que fora abordada nos jardins por um homem
fantasiado. Elas a flanqueavam desde aquele momento, recusando
danças e mantendo conversas sem importância para cobrir a falta de
atenção de Gina. Ela só podia vigiar as portas do terraço e rezar para
que James estivesse a salvo.
Ela quase desmaiou de alívio quando o viu atravessar as portas
do terraço e vasculhar o salão de baile até avistá-la. Mas a expressão
em seu rosto não era reconfortante quando ele chegou diretamente
ao seu grupo. Ela conseguiu um sorriso quando ele se aproximou,
certamente não esperaria que ela deixasse esse assunto.
Hortense suspirou quando ele fez uma leve reverência.
— Aqui está você! Pegou ele?
Ele olhou para Gina e ela sabia que estava se perguntando o
quanto ela havia dito a elas.
— Eu disse a Hortense e Harriett sobre o estranho que me
abordou nos jardins antes de você chegar a tempo de derrotá-lo.
— Ser abordada de tal maneira por um completo estranho! —
Harriett disse com um olhar indignado em seu rosto bonito. — Eu
disse a Gina que deveríamos relatar o incidente ao Senhor Morris de
uma vez, mas ela não quis saber disso até você voltar.
Ele deu a Gina um leve aceno de aprovação, claramente aliviado
por ter impedido as gêmeas de espalharem o alarme pelo baile.
— Vou cuidar disso agora — disse ele. — Mas primeiro acho que
devo levá-las para casa. Eu seria negligente em meu dever como sua
escolta se permitir que vocês continuem presentes se houver mais
algum problema.
— Você realmente acha que haverá problemas? Poderia aquele
homem terrível ainda estar escondido nos jardins? — Hortense
perguntou.
— Eu acredito que o amedrontei. — Ele lançou um olhar
reconfortante na direção de Gina. — Mas não devemos nos arriscar.
Eu trouxe minha carruagem.
Harriett suspirou, quer estivesse aliviada ou desapontada, ela
não podia adivinhar.
— Você é muito gentil, senhor. — Disse ela.
Eles fizeram uma saída silenciosa e estavam a caminho de casa
com segurança antes que qualquer confusão pudesse ser feita. A casa
das Thayer foi a primeira parada deles, e James entregou as gêmeas
com um floreio cortês. As duas meninas agradeceram-lhe
graciosamente e prometeram-lhe uma dança na noite seguinte.
Ele se acomodou ao lado de Gina quando a carruagem começou
a se mover de novo. Antes que ela pudesse perguntar, ele fez uma
pergunta.
— Ele te machucou?
Ela tirou a máscara e suspirou. Uma vez ela já se sentiu
desconfortável com James, agora estava aliviada por estar sozinha
com ele. Não tinha percebido a tensão que mantinha sob controle até
aquele momento.
— Ele ia quebrar meu pescoço. Quando te viu, disse que tinha
uma faca. O que aconteceu quando você foi atrás dele? Eu estava
com tanto medo que... — Ela começou a tremer, sem vontade de
sequer pensar na ideia de que James poderia não ter voltado para ela.
— ...que Henley pudesse tê-lo matado.
Ele pegou a mão dela entre as suas para impedi-la de tremer.
— Ele roubou um cavalo e fugiu antes de eu chegar aos
estábulos.
Ela franziu a testa.
— Mas você esteve fora por tanto tempo.
— Há mais, Eugenia. Tenho procurado por um homem que
poderia ter nos ajudado a encontrar Henley. Stanley Metcalfe. Eu o
encontrei morto embaixo de alguns arbustos quando estava voltando
para a casa.
Morto? Mas ela dançou com ele há poucos minutos atrás. Deve
haver algum engano.
— Tem certeza de que foi o Senhor Metcalfe?
— Ele foi esfaqueado. Eu a queria em segurança antes que
alguém pudesse questionar algo. Alguém deve perguntar, você não
sabe nada sobre o caso inteiro.
Seus olhos ardiam com lágrimas não derramadas.
— Eu dancei com ele. Ele me avisou que Henley queria me
matar.
— Metcalfe? — Ele perguntou, uma nota de descrença em sua
voz. — Isso tem algo a ver com a sua busca por Henley?
— Eu ia encontrá-lo esta noite. Para persuadi-lo a me ajudar. Ele
estava se escondendo do Senhor Henley, com medo de aparecer em
público. Oh, eu gostaria que nunca tivesse vindo me encontrar.
— Eu não vi você dançar com ele, Eugenia.
O tom de sua voz deveria tê-la alertado.
— Ele estava vestido de leproso. Mas ele desapareceu tão
rapidamente depois da nossa dança que eu não pude questioná-lo
ainda mais.
— Leproso? Não era esse o traje que Henley usava quando
atacou você?
Ela assentiu.
— Eu pensei que ele era o Senhor Metcalfe. Pensei que ele tinha
voltado.
James gemeu.
— Que se exploda! Henley matou Metcalfe e roubou sua fantasia
para se aproximar de você antes de descobrir quem ele era. Mas o
que Metcalfe tinha para lhe dizer?
A chave oculta queimou sua impressão na carne macia de seu
peito. Se ela contasse a James sobre isso, ele iria tirar isso dela.
Estava tão teimosamente determinado a protegê-la de si mesma que
não podia confiar nele.
— Algo mais — ela improvisou. — Talvez onde encontrar o
Senhor Henley. Ou onde ele está morando.
— Como você o tirou do esconderijo?
— A Senhorita Race. Sua noiva. Ela intercedeu por mim. Ele
estava terrivelmente com medo do Senhor Henley. Disse que sabia de
algo e que o Senhor Henley iria matá-lo. — De repente, o horror da
situação a atingiu. — Oh! Senhorita Race! Ficará arrasada. Eu deveria
ir até ela. Estar com ela quando ouvir a notícia terrível.
— Ela veio com ele?
— Ela veio com amigos. O Senhor Metcalfe tinha o hábito de
encontrá-la onde quer que fosse.
— Então seria melhor ouvir as notícias amanhã na privacidade
de sua própria casa. Mas pense com cuidado, Eugenia. Metcalfe disse
o que sabia?
— Esse não é o tipo de coisa que eu esqueceria, senhor. Não.
Ele não me disse o que era.
Ele segurou sua bochecha e virou seu rosto para ele.
— Agora eu te deixei brava. Essa não foi minha intenção.
Ela se encolheu ao toque dele.
— Eu não gosto de ser interrogada como se tivesse feito algo
errado.
— Errado não, Eugenia. Mas você fez algo imprudente e
perigoso. Você se colocou em risco quando prometeu que não faria.
Fazer perguntas. Foi o que você disse que ia fazer.
A consciência de Gina a beliscou. Isso foi tudo o que ela fez. Tão
longe. Mas planejava fazer mais com Ned. Ela teria que encontrá-lo
amanhã à noite e perguntar. O incidente com Henley a abalara mais
do que queria admitir.
James passou o polegar sobre o lábio inferior dela, sua voz
mortalmente calma.
— Está inchado, Eugenia. Henley roubou um beijo?
— Colocou a mão na minha boca. Ele estava me arrastando para
longe do caramanchão. — Para matá-la e deixar seu corpo ao lado do
Senhor Metcalfe, sem dúvida.
Ele se inclinou para frente lentamente, dando a ela tempo para
se afastar. Mas ela não podia. Sua boca era suave e gentil enquanto
ele acariciava seu lábio inferior antes de tomar sua boca inteira em
um beijo não menos excitante do que aqueles que tinham vindo
antes, mas de alguma forma mais reconfortante, tranquilizador.
A carruagem parou na frente da casa de Andrew, sacudindo-a
para fora do aperto hipnótico que James tinha sobre ela. Lentamente,
e com um suspiro pesado, ele a soltou momentos antes que o
condutor abrisse a porta. Ele saiu e ofereceu sua mão para ajudá-la a
descer.
— Você está voltando para o baile?
— Sim. Charlie está esperando e precisaremos informar ao
Senhor Morris que há um cadáver em seu jardim. Ele provavelmente
já notificou Wycliffe.
— Você vai me contar o que acontecer?
— Amanhã. — Ele pegou o braço dela, levou-a até a porta e
esperou enquanto ela procurava a chave em sua bolsa. Ele pegou e
abriu a porta. — Boa noite, Eugenia — disse ele ao abrir a porta.
Ela entrou no vestíbulo e parou. Pelo menos oito caixas estavam
empilhadas do chão ao teto, logo dentro, perto da porta. De repente,
ela não conseguia respirar. Mamãe tinha encontrado passagem
antecipada?
— Eugenia? O que...
Alertado por sua parada repentina, ele a seguiu até o vestíbulo.
— Você não mencionou que estava partindo — disse ele depois
de um momento.
— Eu não sabia. — Ela se virou e olhou para ele. — Mamãe deve
ter encontrado uma passagem antes da data.
— Quando?
Ela balançou a cabeça.
— Ela não disse uma palavra para mim. A passagem deve ter
ficado disponível de repente.
Ele olhou-a e ela sabia que havia algo que ele queria dizer, mas
simplesmente fez uma reverência, virou-se e fechou a porta atrás de
si enquanto se afastava.
O pensamento do Senhor Henley escapando da justiça a
assombrou, mas a percepção de que ela nunca poderia ver James
novamente rasgou seu coração. Como ela deixou as coisas irem tão
longe? Como ela se deixou apaixonar por James?
Ela não podia mudar um fato, mas poderia fazer algo sobre o
outro. Não havia mais tempo para medo ou hesitação. Amanhã
encontraria Ned como planejado, e faria o que fosse necessário para
pôr fim ao reinado de terror de Henley.

Quando ele subiu de volta em sua carruagem e deu ao condutor


instruções para voltar ao baile de máscaras, a fúria fria tomou as
vísceras de James. Mais uma vez, Henley havia machucado Eugenia.
Mais uma vez, Jamie não conseguiu protegê-la. Mas qualquer dúvida
que tinha sobre matar Henley para impedir um julgamento público
desapareceu no instante em que viu seu lábio inchado e a pequena
contusão de um lado da garganta dela. O conhecimento de que
Eugenia esteve tão perto da morte o horrorizou e o enfureceu. Henley
pagaria por isso.
Ainda mais inquietante foi a constatação de que seu tempo com
Eugenia havia acabado. Ela iria embora de Londres e da vida dele. E o
vazio retornaria, os assuntos sem sentido, os intermináveis dias e
noites, a solidão profunda da alma que nenhuma quantidade de
amigos ou familiares poderia preencher. Desde que a conheceu, o
vazio recuou e foi preenchido com memórias de sua voz, seus olhos, o
calor de sua pele, a exuberância de sua boca e a doçura de seus
suspiros.
Sem dúvida, era melhor assim. Ele aceitaria o posto na
Secretaria de Assuntos Exteriores. Se perderia a serviço do rei. Em
algum lugar, encontraria um significado para sua vida até então
desperdiçada.
Na sua chegada de volta ao baile de máscaras, Lorde Marcus
Wycliffe estava esperando por ele no vestíbulo.
— Charlie está com o Senhor Morris em seu escritório particular.
Eu disse que nos juntaríamos a eles assim que você chegasse.
Jamie assentiu, notando que a orquestra ainda tocava e que os
convidados ainda estavam passeando pelas salas.
— Ele lhe contou o que está acontecendo?
Wycliffe revirou os olhos para o céu enquanto conduzia Jamie
pelo corredor até o escritório de Morris.
— Só que há um corpo no jardim.
Jamie assentiu quando Wycliffe bateu e abriu a porta do
escritório. Charlie e o Senhor Morris se viraram para eles, e Jamie
notou o olhar tenso no rosto de Morris. Sem perguntar, Charlie foi até
um aparador e pegou uma garrafa de conhaque para servir mais duas
taças.
— Agora que todos estão aqui, alguém pode me dizer o que está
acontecendo. — Disse Morris.
Jamie pegou a taça oferecido pelo irmão.
— Suponho que Charlie contou que houve um incidente nos
jardins?
— E é tudo o que ele disse até você e Wycliffe chegarem. Eu
pensei tê-lo visto mais cedo.
— Eu levei a jovem em questão para casa. Pensei que você
gostaria de manter isso o mais silencioso possível.
— Isso o quê? O que devo manter em silencio?
— Um de seus convidados foi agredido.
— O quê? Quem?
— A Senhorita O'Rourke. Me assegurei, que ela chegasse bem e
em segurança em casa. Eu não posso dizer o mesmo sobre o outro
convidado.
— Maldito enigmático é você, Hunter.
— Primeiro, queria ver sua lista de convidados e perguntar se
você falou com Cyril Henley hoje à noite?
Morris relutantemente revirou a gaveta da escrivaninha, trouxe
uma lista de nomes com três páginas.
— Henley? Eu não o vejo há meses. Não acho que ele foi
convidado hoje à noite.
Como Morris não parecia disposto a entregar a lista de
convidados, Jamie se inclinou para frente e pegou. Ele examinou os
nomes até encontrar um que estivesse procurando. Estranhamente,
Henley havia sido convidado, mas Metcalfe também. E isso levantou a
questão: por que Morris tinha mentido? Ele teria sido o único a
fornecer a sua esposa os nomes específicos de amigos que queria
convidar.
— Eu encontrei Henley no jardim. — Ele disse. — Ele foi o
homem que agrediu a Senhorita O'Rourke.
— Henley... — Morris corou com um olhar meio irritado, meio
incrédulo. — Por que ele atacaria a Senhorita O'Rourke?
Morris tinha que estar ciente da reputação de Henley com as
mulheres.
— Suas razões à parte, a Senhorita O'Rourke o reconheceu. Ele
usava uma fantasia de leproso para mascarar sua identidade. E
quanto a Stanley Metcalfe?
— Sim. Eu acredito que Metcalfe foi convidado.
— Ele também usava uma fantasia de leproso. A Senhorita
O'Rourke dançou com ele. Quando Henley se aproximou dela no
jardim, pensou que fosse Metcalfe.
— Mas o que isso tem a ver com alguma coisa?
— Eu persegui Henley nos estábulos, onde ele roubou o
garanhão de Grenleigh e fugiu.
— Grenleigh? Inferno e danação!
Charlie deu uma risada sombria.
— Ele não está muito satisfeito, mas eu lhe emprestei o meu.
Garanto que o cavalo vai aparecer em um dia ou dois. Henley não
guardará nada que possa revelar sua identidade ou localização.
Morris bebeu todo o conteúdo de sua taça em um único gole.
— Então é isso? Henley agrediu uma garota que está em
segurança em casa e levou o garanhão premiado de Grenleigh, que
aparecerá em um dia ou dois?
— Infelizmente, há mais do que isso. Quando voltei pelo jardim
depois de perseguir Henley, tropecei no Senhor Metcalfe. Ele tinha
sido esfaqueado no peito e escondido nos arbustos atrás do
caramanchão.
— Ele está bem?
— Receio que não, Morris. Ele está morto. A questão é, como
vamos lidar com esse evento infeliz?
A boca de Morris se mexeu, mas não formou nenhuma palavra
inteligível.
Wycliffe terminou seu conhaque e bateu a taça no aparador com
um baque surdo.
— Metcalfe. Condenação! Outro que foi silenciado.
— Então a minha pergunta é... — Jamie continuou, determinado
a chegar ao fundo do assunto. — Para onde você enviou o convite de
Henley, e quando falou com ele pela última vez?
— Ele veio até mim. Aqui. Tinha ouvido falar do baile de
máscaras e queria participar. Foi ele quem me pediu para colocar
Stanley Metcalfe na lista de convidados. Eu não o vi hoje à noite.
Então Henley tinha arquitetado esse plano para chegar a
Metcalfe. Pobre coitado. Nunca teve chance. Mas ainda havia outra
questão.
— Por que você favoreceria um homem como Henley? Com
certeza já ouviu os rumores.
Se Morris parecia desconfortável antes, agora ele parecia prestes
a fugir.
— Ele estava me chantageando. Estava presente na peça de
paixão do Daschel. Ou isso é o que eu pensava que era. Na verdade,
foi um...
— Nós sabemos o que foi. — Wycliffe interrompeu. — Então
estava ameaçando expor o senhor se você não fizesse o que ele
pediu?
Morris reconheceu com um breve aceno de cabeça.
— Tem mais... — Jamie adivinhou.
— Eu tenho pagado a ele. Grandes somas de dinheiro.
— Como?
— Ele me espera do lado de fora do clube. Exige dinheiro.
Dinheiro. Grandes somas disso. Por que Henley precisaria de
grandes somas de dinheiro enquanto estivesse morando em
Whitefriar? E Morris seria o único de quem ele estava extorquindo
fundos?
Morris era um membro da Brooks, um estabelecimento elegante
na St. James Street. Henley teria que se esconder nas sombras para
evitar ser reconhecido, mas poderia ser útil colocar um espião no
local. Uma olhada em Wycliffe e Charlie disse a ele que estavam
pensando a mesma coisa.
— Você vai me prender? — Morris perguntou a Wycliffe.
— Se você não estiver envolvido com a Irmandade além do que
diz, Morris, você não precisa se preocupar. Se estiver... eu voltarei. No
momento, precisamos lidar com o estrago feito hoje à noite.
— Os convidados estão começando a sair. Nós vamos manter
isso em segredo até amanhã. Charlie, vá até o caramanchão e
certifique-se de que ninguém tropece em Metcalfe. Morris, encoraje
os convidados a não se demorarem. Retire a poncheira e feche as
garrafas de vinho.
— Eles vão pensar que eu estou na penúria! — Morris grunhiu.
— Você prefere que eles entrem em pânico quando descobrirem
que há um cadáver em seu jardim ou o escárnio quando descobrirem
que você está pagando uma chantagem e por quê?
O homem afundou pesadamente em sua cadeira.
— Nós temos uso para você, Morris. Mantenha sua boca fechada
e sua cabeça para baixo e você ainda pode sair dessa não
prejudicado.
Capítulo Dez
Gina ficou parada, enraizada no banquinho enquanto Madame
Marie prendia a bainha de seu novo vestido. Mas não era a bainha
que a preocupava. Era o decote provocante. Fiel à sua palavra,
Madame Marie tinha criado um vestido que certamente chamaria a
atenção. Estilos estavam mudando, mas Gina ainda não usara um
vestido com um decote que curvava seus seios e deixava um vão
entre eles. Ela traçou a curva da seda francesa azul com um dedo,
estudando seu reflexo no espelho.
— Você... você tem certeza que eu não vou causar um
escândalo?
— Mais non! O modelo é perfeito para sua figura, chéri. Seios
menores não serviriam. Maiores fariam você parecer uma leviana,
hein? Ah, mas isso vai provocar os sentidos e desarmar seus
pretendentes. Os homens... irão apreciar a excitação, sim? Eles vão
dizer-lhe qualquer coisa que perguntar.
— Você está certa de que eu não serei banida da sociedade
educada?
Marie, uma mulher adorável, deu uma gargalhada completa.
— Você deve me dizer quando planeja usar este vestido, chéri.
As senhoras da alta sociedade estarão à minha porta na manhã
seguinte, exigindo um vestido do mesmo corte.
— Se você tem certeza... — ela disse, nem um pouco segura de
si mesma. Ela estava contente que Nancy estava no quarto externo e
não podia ver o vestido. Se a criada dissesse a mamãe, seria o fim.
Madame Marie deu uma batida suave na porta privada e o
Senhor Renquist entrou, então parou, piscando várias vezes. Madame
estava certa. Seus olhos foram diretamente para o decote dela.
Estranhamente, depois de um momento de constrangimento, Gina
sentiu-se fortalecida, como se estivesse no controle da situação.
— Eu interrompo?
— Mais non, monamour. O que você acha da nossa pequena
Gina agora?
— Que bom que ela tenha a proteção da família Hunter.
— Você aprecia a nuance? — Madame perguntou, com a língua
na bochecha.
— Talvez um pouco demais? — Ele se aventurou.
— Oh! Você é tão bom, François. A pequena Gina vai ter metade
da sociedade comendo na mão dela.
Gina sorriu, suspeitando que a modista tivesse tido bastante
experiência antes de se casar com Renquist.
— A metade masculina... — Senhor Renquist murmurou
enquanto se sentava em uma pequena cadeira em um canto
enquanto Madame continuava a fixar sua bainha.
— Você descobriu alguma coisa, senhor? — Ela perguntou.
— O progresso é lento, Senhorita O'Rourke. Eu descobri que, até
recentemente, o Senhor Henley ocupava aposentos acima de uma
casa pública em Whitefriar. Mas, para dormir, ele raramente estava lá.
Após o ataque há duas semanas, ele desapareceu, levando a maioria
de seus pertences.
— Desde então, ele tem sido visto de tempos em tempos em
vários estabelecimentos em Whitefriar, nunca ficando em um lugar
por muito tempo. Eu entendo que essa é a razão de seu sucesso em
escapar da captura. Especula-se que esteja em outro bairro, mas que
ainda frequenta os pubs de Whitefriar.
— Minhas fontes foram menos precisas quando perguntei sobre
as companhias do Senhor Henley. Além de várias prosti... pombas
sujas, ele tem sido ocasionalmente visto com a pior escória que
Whitefriar tem para oferecer, os irmãos Gibbons entre eles. Em raras
ocasiões, ele foi visto com senhores e, ainda mais raras, damas
gentis.
— Estou planejando algo com que eu possa cruzar seu caminho,
Senhorita O'Rourke. Se for esse o caso, vou segui-lo e enviar-lhe
imediatamente a localização dele, mas você deve saber que eu
também devo notificar o Ministério do Interior.
Ela assentiu. Não fazia objeção ao Ministério do Interior se
beneficiando das investigações do Senhor Renquist. De fato, se eles
conseguissem administrá-lo por conta própria, não teria se envolvido.
Mas, era provável que ela o encontrasse primeiro.
O Senhor Renquist limpou a garganta e continuou.
— O Senhor Henley partiu de suas últimas acomodações
rapidamente, e o proprietário tem uma pequena caixa de itens que ele
deixou para trás. Se você concordar, vou comprá-la dele pelo valor do
aluguel não pago.
— Você viu o que continha?
— O proprietário queria que eu pagasse primeiro.
— Então sim, por favor. Adquira-a por qualquer meio. Se
contiver mesmo a menor pista
— Sim, Senhorita O'Rourke. Considere isso feito.

Nancy puxou sua manga, querendo sair.


— Oh, Senhorita, deveríamos estar realmente aqui? Parece que
não tem ninguém em casa...
Gina se manteve firme na varanda da Casa Race em Russell
Square.
— Então eu devo deixar meu cartão. Como não posso oferecer
minhas condolências? Christina foi muito boa para mim quando eu
tinha poucos amigos na sociedade.
— Sim, Senhorita, mas...
A porta se abriu e uma empregada em um avental branco
engomado atendeu.
— A Senhorita Race está em casa? — Perguntou Gina.
— Ela está, mas não está recebendo esta tarde, Senhorita.
Gina pegou um cartão de sua bolsa e passou para a empregada.
— Por favor, diga-lhe que a Senhorita O'Rourke está aqui? Eu
acho que ela pode querer me ver.
A empregada assentiu e se afastou apressadamente, deixando a
porta aberta, mas nenhum convite para entrar.
Nancy puxou sua manga novamente e sussurrou:
— Não é um bom momento, Senhorita. Ela era somente sua
noiva, mas ainda assim está enlutada.
James não lhe dera detalhes do que acontecera na noite anterior
e Gina estava desesperada para se assegurar da segurança de
Christina. Rezava para que ela não tivesse estado presente no
momento da morte, ou que Henley não tivesse ido atrás dela quando
seu ataque a Gina falhou.
A empregada estava de volta e abriu a porta para deixá-las
entrar. Nancy olhou para o chão e foi se sentar em uma pequena
cadeira no vestíbulo, onde os criados estavam acostumados a esperar,
enquanto Gina seguia a criada por um lance de escadas e descia um
corredor.
Depois de uma batida suave, a empregada abriu a porta para
que Gina entrasse e fechou atrás dela. As cortinas haviam sido
puxadas e a sala estava sombria. Ela piscou para se ajustar à
escuridão.
— Christina?
Um suspiro profundo e melancólico a respondeu.
— Obrigada por ter vindo, Gina. Eu me perguntei se você viria.
Ela seguiu o som da voz e encontrou Cristina, ainda em seu
robe, enrolada em uma cadeira, pelo menos uma dúzia de lenços
abandonados no chão perto dela. Ela se ajoelhou ao lado da cadeira e
pegou uma das mãos de Christina.
— Eu sinto muito, Christina. E me culpo. Se eu não tivesse
pedido a ajuda dele...
— Isso teria acontecido de qualquer maneira. — A garota olhou
para ela com infinita tristeza em seus olhos vazios. Seu rosto estava
vermelho e inchado de chorar.
— Mas eu o forcei a sair do esconderijo. Se ele tivesse ficado
longe...
— Stanley estava escondido há semanas, Gina. O Senhor Henley
estava chantageando-o. Não começou com você.
— Chantagem? Mas o que o Senhor Henley poderia ter sobre o
Senhor Metcalfe?
— Eu não posso dizer. Além de sua participação em um evento
que deu terrivelmente errado, Stanley não era do tipo que se envolvia
em transgressões. Acredito que ele se sentiu cúmplice por alguma
coisa, embora tenha jurado que não sabia a medida completa das
consequências.
A Irmandade. Claro. O Senhor Metcalfe havia dito isso para ela
em seu curto encontro. Henley tinha ameaçado entregá-lo às
autoridades se ele não lhe pagasse em dinheiro? Mas tinha que haver
mais. O Senhor Metcalfe admitiu prontamente seu envolvimento com
a Irmandade para ela. Ele disse que sabia das coisas. Coisas pelas
quais o Senhor Henley mataria.
— Ele alguma vez falou sobre aquela noite, Christina? Alguma
vez lhe contou algo que pudesse prejudicar o Senhor Henley?
Ela assentiu com a cabeça, e seu cabelo escuro e solto caiu
sobre o rosto, protegendo-a quando ela começou a chorar
novamente.
— Não posso dizer a você sem prejudicar a reputação de
Stanley.
— Disse a você o que a chave abriria? Ele se afastou antes que
eu pudesse...
— Ele só me disse para lhe entregar, e que você saberia o que
abrir.
Mas ela não sabia. A menos que isso também fosse algo que
havia esquecido daquela noite. Mas ela só podia pressionar Christina
pela única coisa que poderia salvar sua vida.
— Por favor, reconsidere, Christina. Se o Senhor Henley matou o
Senhor Metcalfe por causa do conhecimento que ele tinha, e depois
suspeitar que você também pode saber, ele pode querer silenciá-la.
Ela engasgou e afastou o cabelo do rosto para olhar para Gina.
— Certamente não!
— Eu não posso ter certeza, mas será que não deixamos nada
para trás neste momento? Tudo o que sei com certeza é que o Senhor
Henley deve ser detido, por todos os meios possíveis. Stanley não iria
querer que você morresse, e sua melhor proteção é dizer às
autoridades, ao Ministério do Interior e a quem mais quiser ouvir.
Quanto mais pessoas conhecerem o segredo, menos motivo o Senhor
Henley teria que matar por isso.
— Eu não vou sair de casa por vários meses, Gina. Posso ficar
em segurança na minha própria casa?
Gina desejou que ela pudesse tranquilizá-la. Desejou que nada
disso tivesse acontecido. Desejava, também, que nunca tivesse
solicitado a ajuda de Cristina. Ela encolheu os ombros.
— Eu não sei.
Christina fungou.
— Seria uma traição se eu contasse agora.
Uma nova tempestade de choro abalou os ombros de Cristina.
Ela enterrou o rosto nas mãos e Gina não podia imaginar a
profundidade da tristeza de Christina até pensar em perder James.
Oh, ela estava preparada para ir para a Irlanda e nunca mais o ver.
Mas saber que ele não respirava mais, não sorria mais? Intolerável,
insuportável.
— Se eu pudesse voltar no tempo, preferiria morrer do que ser a
causa da morte do Senhor Metcalfe ou da sua dor. E, embora eu
nunca mais peça, não posso agradecer o suficiente por sua ajuda e
tudo o que você fez. Eu vou deixá-la agora, mas se mudar de ideia e
decidir me contar o segredo do Senhor Metcalfe, mande uma nota
para mim e eu virei imediatamente.
Gina fechou a porta atrás de si mesma, pegando um último
vislumbre de Christina, a cabeça escura ainda curvada sobre as
mãos.
Uma névoa pesada desceu, obscurecendo a luz do único poste
de luz no final da rua. Um denso nevoeiro se seguiria e Gina
estremeceu.
Ela desistiu do compromisso que tinha programado para
comparecer mais cedo, justificando com uma dor de cabeça
esmagadora. James fingira decepção, embora ela tivesse lido o alívio
em seus profundos olhos violeta. E quando a família se retirou para a
noite, ela desceu as escadas para pegar algumas roupas na
lavanderia. Agora vestida com um vestido de lã cinza, botas marrons
de um tamanho muito grande e um xale marrom gasto sobre a
cabeça, ela estava praticamente irreconhecível.
— Senhorita Gina?
Ou então pensou.
— É você, Ned?
O menino saiu da névoa e tirou o boné da cabeça despenteada.
— Sim, Senhorita. Eu pensei que era você, mas eu não podia ter
certeza.
— Eu não sabia como me vestir. Isso será adequado?
Ele sorriu.
— Acredito que sim, Senhorita. Não estou te levando a nenhum
lugar elegante esta noite. Um dos rapazes disse e que viu o Senhor H
entrar na Pata de Gato. Isso é uma casa de gim perto da Petticoat
Lane. — Ele se afastou e olhou para ela através da escuridão. — Eles
não vão me deixar entrar lá, Senhorita. Dizem que tenho que ter
barba primeiro. Mas parece que você pertence ao local, Senhorita.
Ninguém te incomodará se você ficar de cabeça baixa.
— O que devo fazer?
— Escute, Senhorita. — Ele colocou o boné e abaixou a aba na
testa. — Você pede algo para beber, e então se esgueira nas paredes
e ouve, se sabe o que quero dizer. Talvez você veja o Senhor H,
talvez não. Talvez você escute algo sobre onde ele está.
Sim, ela pensou que poderia fazer isso. Mas o que se pedia em
uma casa de gin? Ela ponderou isso quando Ned começou a andar em
um ritmo acelerado, levando-a mais e mais longe do ambiente
familiar. Ela se perguntou se seria capaz de encontrar seu próprio
caminho de casa.
— Você vai esperar por mim, Ned?
— Sim, Senhorita. Do lado de fora.
Ela se confortou com isso, pelo menos, quando os arredores se
tornaram mais pobres e mais desanimadores. Eles passavam por
tavernas e casas públicas onde conversas barulhentas eram levadas
para as ruas e os bêbados ficavam onde eles haviam sido jogados. As
mulheres que foram vistas eram certamente decaídas, uma vez que
todas as mulheres que tivessem em mente suas reputações estariam
seguras em casa depois de escurecer nessa área.
— Onde estamos, Ned?
— Whitechapel, Senhorita. Virando a esquina.
E, fiel à sua palavra, ele parou em uma placa com um gato preto
pintado levantando uma pata. Embaixo havia uma porta baixa com
um degrau de pedra para passar por cima, e ela se perguntou se era
para segurar o esgoto durante uma chuva forte. Uma luz fraca
lançava um brilho amarelo em uma janela logo acima da porta. Ela
ficou aliviada que a névoa crescente a impedisse de ver mais
claramente. O fedor era ruim o suficiente sem ter que ver o que
causava isso.
Ela tirou seis pences de sua bota. Isso seria o suficiente? Ela
deveria tirar a bota e sacudir um xelim? Sentindo sua hesitação, Ned
deu-lhe um pequeno empurrão no limiar.
Gina nunca esteve em um estabelecimento como este. Era sujo,
fedorento e escuro; ela teve que parar uma vez dentro da porta para
se preparar e se orientar. Um longo balcão contra uma parede servia
de bar e tinha prateleiras atrás dela com garrafas de vários tamanhos
e cores. Eram todos gim? Pelo menos dez mesas estavam espalhadas
em cada lado da porta, mas apenas algumas estavam ocupadas a
essa hora da noite. Outra porta oposta à entrada estava fechada, e
ela se perguntou se isso levava aos aposentos ou apartamentos onde
a luz brilhara logo acima da porta da taverna.
Um homem sentado em uma mesa estava olhando para ela e
rapidamente foi até o bar e colocou o dinheiro na superfície
encardida. O dono do bar, um homem barbado com poucos dentes e
mãos sujas, arrastou-se para ela, olhou para a moeda, pegou um
copo de latão no balcão atrás de si e foi até um barril. Ele puxou a
torneira, pareceu medir a quantidade com um olho apertado e trouxe
o copo para Gina.
Ela manteve a cabeça baixa e nenhum dos dois falou. Enquanto
se afastava, respirou aliviada e levou o copo a uma mesa perto da
porta. Ela passou no primeiro teste. Agora, de acordo com Ned, tudo
o que precisava fazer era se tornar discreta.
Depois de um momento, todo o interesse por ela cessou e os
tons baixos da conversa recomeçaram. Uma vez que se acostumou
com o zumbido de vozes, ela conseguiu distinguir algumas palavras.
Seus olhos se ajustaram à luz das poucas velas e da lamparina a óleo
suja no bar, e ela notou quatro homens em uma mesa nos fundos.
Embora não conseguisse vê-los ou captar a conversa, havia algo
assombrosamente familiar no tom.
Enquanto se esforçava para ouvir, ela levou a taça à boca e
tomou um gole. Ela quase engasgou. Lutando para recuperar o fôlego
e não cuspir de volta no copo, ela forçou o líquido a descer pela
garganta.
Gim? Isso era gim? Terrível! Como alguém podia beber isso? Ela
tossiu e tomou outro gole para forçar o primeiro a descer. Seus olhos
lacrimejaram e os enxugou com as costas da manga.
Quando ela olhou para cima novamente, ficou surpresa ao ver
que a atenção estava novamente focada nela. Tarde demais, se
lembrou de manter a cabeça baixa. O xale marrom mantido sobre a
cabeça tinha caído quando tossiu e ela se apressou para puxá-lo de
volta ao lugar.
Um voz irrompeu na mesa dos fundos e Gina congelou. Conhecia
aquela voz agora. E ela nunca poderia esquecer a inflexão de sua voz.
James Hunter. Mas o que ele estava fazendo aqui? Procurando pelo
Senhor Henley?
Ela puxou o xale ainda mais baixo sobre a cabeça, tomou outro
gole do gim e se levantou. Tinha que sair dali antes de ser
reconhecida. Três passos e ela estava saindo porta a fora, mal
parando para recuperar o fôlego. O nevoeiro tinha engrossado e a
desorientado, mas ela virou na direção que pensou ter vindo e deu
vários passos. Uma mão agarrou seu cotovelo e a girou.
— Bom Deus! É você! O que diabos pensa que está fazendo?
Ned apareceu no nevoeiro, com os olhos arregalados e a boca
aberta. Ela acenou para ele rapidamente, sabendo que, não importava
o quanto Jamie estivesse com raiva, ele não iria machucá-la. O
menino desapareceu no nevoeiro antes que James o notasse.
Para piorar as coisas, Charles estava rapidamente atrás de
James, um olhar de puro espanto em seu rosto.
— Senhorita Eugenia! O que te possuiu?
James virou-a para a Whitechapel Street e deu passos largos
naquela direção, empurrando-a mais a sua frente, como se tivesse
medo que ela fugisse se não a mantivesse à vista a cada segundo.
Com razão.
— Charlie, corra na frente e pare um coche. Vou levar a
Senhorita Eugenia para casa.
Charles desapareceu no nevoeiro sem mais perguntas.
— É melhor você ter uma explicação boa para isso, Eugenia.
Além da sua reputação, você arriscou a vida e os membros chegando
a esta parte da cidade à noite. Noite? Inferno, a qualquer hora do dia
que fosse.
— Eu... — Mas ela não conseguiu responder. Estava tão sem
fôlego do ritmo que ele impôs que ela não podia dizer duas palavras
juntas.
— Eu não posso nem imaginar o que sua mãe e Andrew dirão
quando dissermos o quão fora de controle você se tornou.
— Não! Você não pode!
— Não posso? Eu acho que posso, Eugenia. Na verdade,
considero que é minha obrigação moral para com você e meu dever
para com sua família.
— Obrigação moral? E onde estava, por favor, me diga, essa
obrigação moral há poucos dias atrás em Vauxhall Gardens?
James lançou-lhe um olhar sombrio, mas pressionou os lábios
quando chegaram à ampla rua. Charlie parou uma carruagem que
passava e a porta se abriu, esperando por eles. James não perdeu
tempo em levantá-la e colocá-la no assento. Ele se virou para o irmão.
— Eu encontro você na Crown, Charlie. — Ele se virou para ela
novamente, entrou na carruagem e falou o endereço ao condutor.
Sozinha no interior escuro, Gina só podia olhar para James,
sentado em frente a ela e olhando-a com tanta fúria que não
conseguia pensar no que dizer. Não havia como satisfazê-lo?
Ele cruzou os braços sobre o peito e esticou as longas pernas
para frente.
— Bem, Eugenia?
Ocorreu-lhe que ele realmente não tinha direitos de saber onde
ela estava, e decidiu tomar essa posição com ele.
— Devo dizer que me ressinto de seu tratamento despótico,
senhor.
Ele riu, embora ela não conseguisse detectar nenhum humor ali.
— Despótico? Bem, dê uma boa olhada, Eugenia. O que vê sou
eu agindo com toda a calma que posso reunir. Mas se você gostaria
de ver despotismo, eu vou ficar muito feliz em obedecer.
Ela espelhou sua ação e cruzou os braços sobre o peito.
— Além disso, você não dirá nada ao seu irmão ou à minha mãe.
Compreende?
— Se eu compreendo? — Um olhar de espanto passou por seu
rosto. — Não pode pensar seriamente que você vai sair dessa!
— Eu vou. Não tenha dúvidas disso.
— Você está louca me desafiando, Eugenia. Eu não estou no
meu amável estado de espírito.
— Amável? — Ela fungou. — É tudo o que não é. Não consigo
pensar em uma única vez em que você foi amável comigo. Desde
nosso falso namoro a... a...
— Eu entendi você quando confessou que estava indo para a
sociedade com o propósito expresso de fazer perguntas e tentar
desmascarar Cyril Henley. Mantive minha boca fechada e permiti seu
pequeno subterfúgio, e onde isso me levou? Aqui! Encontrando-a em
uma casa de gim em Whitechapel vestida como uma... — Ele
gesticulou para seu vestido de lã e xale surrado.
— Serva? — Ela complementou.
— Eu ia dizer uma lavadeira, mas se você descobrisse um pouco
das mamas...
Suas bochechas queimaram com essa comparação e ela olhou
para ele.
— Eu imagino que é um assunto sobre o qual você sabe muito.
De repente ele estava no banco ao lado dela, virando seu rosto
para o dele e se curvando.
— Eu nunca comprei os serviços de uma prostituta comum,
Eugenia.
Capítulo Onze
Eugenia levou-o a tais extremos que mal conseguia compreender
suas próprias reações. Se fosse alguma outra mulher, teria ido
embora. Inferno, qualquer outra mulher e ele a teria deixado naquela
taverna para se defender sozinha. Mas Eugenia? Olhou nos olhos dela
e não viu medo ou confusão, mas raiva e uma forte dose de
desespero.
Ele soltou-lhe o queixo e recostou-se contra as almofadas.
— O que é que você não está me dizendo, Eugenia?
Seu suspiro quase o fez se arrepender.
— Eu não sei o que você está querendo saber.
— Por quê? Por que você está se esforçando tanto? O que a leva
a esses esforços imprudentes? Eu acho que está se empenhado em se
autodestruir, e eu não sei como pará-la.
Ela baixou o olhar para as mãos, torcendo o tecido de lã cinza de
seu vestido.
— Você não pode me impedir James. Seria melhor para nós dois
se parasse de tentar.
— Você sabe que nós vamos pegar Henley eventualmente. Sabe
que a morte de Cora foi vingada naquela noite quando Daschel foi
morto nas catacumbas sob a capela. E ainda assim você continua com
uma determinação quase enlouquecida contra todo o bom senso,
contra todos os cuidados razoáveis para sua segurança. Tem que
haver algo mais que a motiva. O que é, Eugenia? Por que não pode
deixar isso para mim?
Pela primeira vez, ele viu um lampejo de medo nos olhos de
Eugenia e se lembrou da noite em Vauxhall Gardens, quando ela
sugeriu que já era tarde demais para salvá-la.
— Respostas, — ela disse tão baixinho que ele mal a ouviu
acima do barulho das rodas e dos arreios.
— Para quê?
— Aquela noite. Aquela noite nas catacumbas.
— Você sabe as respostas. Sabe quem matou Cora e quem a
sequestrou. Se está procurando uma resposta para o porquê, não há
resposta para isso, apenas a escuridão em algumas almas masculinas.
— Eu não posso continuar sem as respostas. Não há futuro para
mim sem elas.
— Gina...
— Toda a minha vida depende destas respostas, e não há vida
sem elas.
Uma pequena semente de dúvida começou a criar raízes.
Eugenia contou tudo o que aconteceu naquela noite? Eles tinham
deixado de fazer alguma pergunta? Alguma verdade não tinha sido
contada? Ou, Deus a ajude, ela mentiu? Estaria mais envolvida com a
Irmandade do que admitira? Ela mentiu sobre o que aconteceu? Ele
agarrou seus ombros e forçou-a a olhar em seus olhos.
— O que você esconde, Eugenia?
Aqueles gloriosos olhos se encheram de lágrimas não
derramadas.
— Isso eu não sei.
— O quê, droga?
— O que aconteceu comigo. Não me lembro. O Senhor Henley
me deu ópio e minha mente é um borrão.
— Mas o que você lembra?
— Nada até o ritual, quando estava deitada naquele altar. Eu me
lembro do Senhor Henley se abaixando sobre mim, e pensei que ele
estava indo... indo...
— Ele estava. Mas eu ainda...
— E então você me cobriu e me carregou do altar. Alguém me
perguntou depois se eu estava ilesa. Bella, eu acho. E eu disse a ela
que sim. Mas a verdade é que não consigo me lembrar. Apenas que
doía. Doíam todos os meus músculos. E minha cabeça estava
latejando. — As lágrimas contidas começaram a escorrer pelas suas
bochechas.
— Você não sabe se você estava ilesa? Mas aqui está você,
Eugenia, inteira e bem.
— Não isso...
Jamie gemeu quando o entendimento ocorreu a ele.
— Acha que as coisas podem ter sido feitas enquanto você
estava inconsciente. — Ela assentiu e ele percebeu que ela estava
segurando a compostura por um fio fino. — Por que você não nos
contou?
A raiva estava de volta, refinando sua dor e incerteza.
— E assim todos olharem para mim com pena? Para mamãe me
fechar em uma sala de solteironas? Ouvir sussurros nas minhas
costas? Eu não suportaria isso.
— Mas o que você quer fazer? Encontrar Henley e simplesmente
perguntar a ele?
— Sim! Que outra saída eu tenho? Sim, quero que ele me diga
tudo sobre essas horas perdidas.
— Bom Deus! E você acha que ele realmente diria a verdade?
Não seja ingênua, Eugenia. Ele mentiria só para ver a dor no seu
rosto. Ele mentiria por princípio.
— Que outra escolha eu tenho? Quem mais pode responder a
essa pergunta? Como posso construir um futuro ou uma família sem
saber se...
Ele queria sentir compaixão por ela, mas tudo o que sentiu foi
raiva por ela se colocar em perigo por uma coisa tão inconsequente.
— Que diferença isso faz? Eu me atrevo a dizer que uma boa
parte das noivas não é virgem em sua noite de núpcias.
Seus olhos se arregalaram e ela o olhou com espanto.
— Faz diferença para mim! Antes que eu me case, meu marido
tem o direito de saber se estou completa.
Ele ainda estava segurando os ombros dela e a sacudiu
asperamente, como se isso colocasse algum sentido em seu
pensamento confuso.
— Qualquer homem que a ame a aceitará como você é, sem
perguntas ou garantias. Qualquer homem que não a aceitasse não
valeria a sua consideração.
— Não posso suportar que perdi essa parte da minha vida. Não
posso tolerar o pensamento de que eu poderia passar pela vida sem
nunca saber.
Deus o ajude, ele não conseguia pensar em nada para persuadi-
la, nada para confortá-la, apenas em beijá-la. Para mostrar a ela o
que suas palavras nunca poderiam dizer sem repugná-la. Ele baixou
os lábios nos dela, apreciando o sal de suas lágrimas se misturando
com o sabor de gim que ela tinha bebido, redigindo seu desejo
reprimido, suas necessidades negadas. O medo de que ele estivesse
se aproveitando de seu estado vulnerável fez com que levantasse a
cabeça para murmurar um pedido de desculpas, mas ela levantou os
braços para circundar o pescoço dele e ofereceu aquelas pétalas
rosadas novamente.
— Sim. — Ela sussurrou com um lamento de saudade. — Sim,
Jamie.
Seria necessário um homem mais forte do que ele para recusar
esse convite. Ele aprofundou o beijo. E ela deixou. Seu calor, seu
gosto, a maneira docemente inocente que ela encontrou sua língua, o
arrastaram para uma maré de desejo.
Ele moveu a mão para o seio dela e ela gemeu profundamente
em sua garganta. Mesmo com o vestido de lã áspero, podia sentir o
broto esticado de seu seio contra a palma da mão. Agora o gemido
era dele.
Isso era loucura. Insanidade. Ele se afastou novamente.
— Gina, você não pode dizer...
— Não pare, Jamie. Não dessa vez.
Mas o coche cambaleou ao chegar ao final da rua. Seus olhos
clarearam como se estivesse dormido e ela segurou a maçaneta da
porta.
— Não conte a minha família, Jamie. Eu imploro.
E ela se foi subindo as escadas e desaparecendo pela porta.
Ficou ali por um momento, esperando até ver uma luz na janela de
cima. Rezando para que ela estivesse a salvo pela noite. Até que ele
pudesse decidir o que fazer a seguir.

Charlie estava esperando por ele no Crown and Bear. Ele já tinha
conseguido uma mesa nos fundos e havia uma garrafa do estoque
privado de Devlin e duas taças. E Deus sabia que Jamie precisava de
uma bebida.
— Ainda não há sinal dos irmãos Gibbons. — Relatou quando
Jamie sentou-se.
— Droga! Onde eles podem ter ido?
— Apenas sabemos onde eles não estão. Não na Pata de Gato, e
não aqui. — Charlie afirmou o óbvio.
— Preciso falar com eles. Eu acho que Henley matou Metcalfe e
roubou sua fantasia para atacar a Senhorita O'Rourke, mas sempre há
a possibilidade de ele pagar para outro fazer isso. O velho Cox está
morto e houve uma tentativa contra minha vida. Aposto uma fortuna
de que haverá outras. Se alguém souber alguma coisa sobre isso,
acho que seria Dick Gibbons.
— Sim — Charlie concordou. — Se ele não está por trás disso, o
inferno sabe quem está, mas estou pensando que devemos
simplesmente colocar esses vermes fora do caminho.
— Matá-los?
— Assassinato. — Charlie corrigiu. — Embora exterminar pode
ser mais adequado para a família Gibbons. Alguns homens precisam
morrer. Eles tentaram matar você, e esta noite, depois que eu
coloquei você e Gina no coche, alguém atirou em mim. Duas pessoas,
pelo som dos passos. É um método covarde, Gibbons não arriscaria
um ataque direto a qualquer um de nós.
Jamie rapidamente olhou para Charlie, assegurando-se do bem-
estar de seu irmão.
— Um tiro?
— Covardes. Se eles parassem para recarregar, eu os pegaria.
Houve apenas um tiro na noite em que ele foi atacado. Se
tivesse perseguido o atirador, provavelmente os irmãos estariam
esperando no final do beco sem saída, armados até os dentes.
Ele suspeitava que a ideia de eliminar os irmãos Gibbons tivesse
vindo de Marcus Wycliffe, mas ele sabia que seu irmão não estava
acima de tal coisa.
— A falha em seu plano de melhorar Londres, ao eliminar Dick e
Artie, é que nunca se saberia a verdade deles. Mas devo dizer que
admiro que você não seja impedido por princípios tão elevados como
provas. Se sabe em seu íntimo que alguém tentou matá-lo, isso é o
suficiente para você.
Charlie riu.
— Sim, bem, não podemos nos encaixar nessa pequena área de
alta moral em que você está, Jamie.
— Não tão alta, Charlie. Eu mataria Henley se pudesse colocar
as mãos nele. — Admitiu.
Charlie suspirou e endireitou-se em sua cadeira.
— Estou cansado de falar desse assunto. Só por um momento,
poderíamos falar de coisas mais agradáveis? Senhorita O'Rourke, por
exemplo?
— Ela está em segurança em casa, se é isso que você está
perguntando.
— Apenas metade do que estou perguntando. A outra metade é
o que diabos ela estava fazendo em uma fossa como a Pata de Gato?
— Procurando por Henley, ou por informações sobre ele.
— Bom Deus. — Charlie resmungou baixinho. — Então, você
acabou com isso, não é?
— Pensei que tinha colocado um fim nisso uma semana atrás.
Desde então, nós chegamos a um acordo. Eu ficaria de olho nela, e a
deixaria fazer perguntas para os avós, irmãs e amigos do bastardo.
Então iria escoltá-la para casa e ter certeza de que estaria em
segurança. Agora encontrou um guia para o subúrbio de Londres.
Acha que eu não vi aquele garoto esperando por ela nas sombras,
mas simplesmente não tive tempo de lidar com ele hoje à noite. Mas
eu vou. Acredite em mim, eu vou. Enquanto isso, você pode ver o
quão bem nosso acordo funcionou?
— Extremamente. — Sorrindo, Charlie se inclinou para frente e
colocou os antebraços na mesa em uma atitude de confidencialidade.
— O que confirma minha suspeita.
Certo de que se arrependeria, ele perguntou de qualquer
maneira.
— Que suspeita?
— De que a Senhorita Eugenia interessa a você. Embora tenha a
maioria das herdeiras da sociedade comendo de sua mão, ela resiste
aos seus encantos e você não pode suportar isso. Suspeito que isto
seja mais que uma questão de orgulho. Mais do que uma questão de
proteger a cunhada do nosso irmão. Você se importa com ela, não é?
— Charlie, não me pressione com isso. Eu não estou com
vontade de satisfazer você.
— Não mencionaria isso agora, mas ela faz parte da nossa
família. Você não iria brincar com ela, iria?
Brincar? Não. Ele suspeitava que fosse mais do que isso.
— Se você está perguntando se estou tentando seduzir Eugenia,
não estou.
— Você sempre manteve seus flertes dentro do submundo.
Muito discreto. Muito seguro. Mas acho que vi algo diferente
acontecendo com a Senhorita Eugenia. Algo um pouco mais perigoso.
— Perigoso? Do que diabos você está falando, Charlie? Como ela
poderia ser um perigo para mim?
— Você só esteve com mulheres pelas quais nunca se
apaixonaria, Jamie. Cortesãs, amantes. No momento em que alguma
como a Senhorita Eugenia se aproxima você recua. Nossa pequena
Suzette é um excelente exemplo. Ela pediu demais? Certamente ela
não sugeriu casamento?
Ele balançou sua cabeça.
— Suzette é sábia demais para isso. Mas senti que ela estava
ficando mais afeiçoada a mim do que deveria. Em sua profissão, e na
minha, esses adendos não são uma boa ideia.
— Sua profissão não tem nada a ver com isso.
Jamie tomou o resto de sua bebida e começou a ficar de pé. Sua
cama estava chamando. A última coisa que ele precisava em uma
noite como essa era um sermão de seu irmão mais novo.
— Você precisa de uma boa mulher, Jamie.
— Eu tive boas mulheres. Várias, na verdade. Algumas eram
boas. Algumas eram muito boas. E alguns estavam... bem...
francamente ...
— Chega então. Mas esteja avisado de que Eugenia é diferente
dos seus interesses habituais. Ela não é adepta dos joguinhos que
divertem os homens em geral. Apesar de sua imprudência hoje à
noite, ela é muito vulnerável para brincar.
Ele se acomodou em sua cadeira. Não havia nada de
insignificante em Eugenia, e ele suspeitava que Charlie estava certo.
Jamie estava ciente de sua vulnerabilidade. Ele se sentia diferente
sobre ela em relação a qualquer outra mulher. Era algo forte. Mais...
possessivo? E ele tinha mais do que um desejo passageiro por ela.
Charlie abaixou sua taça e baixou a voz enquanto continuava.
— Eu tenho acompanhado você por toda minha vida, Jamie.
Sempre se manteve afastado de apegos estreitos e protegido de
decepções e rejeição. Por qualquer motivo, você definiu seu curso
para a solidão há muito tempo. Se não puder oferecer mais, deixe a
Senhorita Eugenia sozinha. Ela merece mais.
Ela merecia. Sabia disso desde o começo, mas ele retornou
várias vezes, desejando seu sorriso, a suavidade de sua voz, a
sensação dela em seus braços. Ele desejou agora que tivesse deixado
Charlie ou Devlin tirá-la daquele altar. Se ele nunca conhecesse a
sensação dela em seus braços, seu cheiro doce, seus suspiros, não o
incomodaria tanto agora.
Mais alguns dias. Certamente ele poderia aguentar mais alguns
dias.
— Ela deve estar segura o suficiente de mim. Elas sairão de
Londres muito em breve. Sua mãe tem caixas já embaladas. E, com
um pouco de sorte, encontraremos Henley e lidaremos com ele,
portanto não haverá mais nada para nos unir.
Charlie assentiu com compreensão.
— Acho que é melhor para as nossas famílias. Um caso infeliz
tornaria as reuniões bastante difíceis.
Jamie pegou a garrafa. Estava a caminho de casa, sentia
vontade de ficar quieto, felizmente bêbado.

Sentada entre Hortense e Harriett, Gina olhou para o palco onde


os atores estavam se posicionando enquanto diziam suas falas, mas
sua mente girava com os acontecimentos da noite anterior. Se ela
fosse honesta, estava aliviada por James a ter encontrado naquela
casa de gim de mau gosto. Se sentia exposta e aterrorizada. E não
saberia o que fazer se alguém tivesse falado com ela. Ned realmente
ouvira alguma coisa sobre o Senhor Henley?
Pela presença deles no mesmo estabelecimento, James e Charles
Hunter deveriam estar na mesma pista, então não tinha sido
realmente necessária lá. Ela estremeceu.
— Você está com frio, Gina? — Sussurrou Harriett, inclinando-se
mais perto.
— Eu senti um pouco de brisa na parte de trás do meu pescoço.
— Como se o diabo tivesse atravessado o túmulo dela.
— Shhiii. — Hortense as avisou.
De pé atrás delas, perto da cortina, James mexeu-se e cruzou
os braços, como se estivesse impaciente e pronto para sair. Ele tinha
ido buscar as meninas Thayer antes de pegá-la, obviamente não
desejando ficar sozinho com ela. As gêmeas estavam apreciando a
atenção de serem guiadas pela cidade pelo indescritível James
Hunter, e Gina manteve o verdadeiro motivo para si mesma. Era
muito mais lisonjeiro pensar que ele desejava a companhia delas do
que pensar que ele queria manter Gina longe de problemas.
Ironicamente, o maior perigo para Gina era o próprio James. Sua
virtude seria perdida com muito pouca resistência, se ele apenas
estalasse os dedos. Calor passou por ela quando recordou como lhe
pediu para não parar dentro do coche ontem à noite. E, só por um
momento, pensou que se fizesse amor com James, isso iria lavar o
que quer que o Senhor Henley tivesse feito a ela. Quando o momento
se prolongou, percebeu que tinha sido tola em expor seus medos
mais profundos a ele. E sua única desculpa era que, se fizesse amor
com ela, pelo menos saberia, para o bem ou para o mal, se tinha sido
maculada.
Faria qualquer coisa para ter a resposta a essa pergunta. Ela fez
perguntas, colocou-se em perigo, foi até uma casa de gim em
Whitechapel e mais. E ela suspeitava que a chave para as respostas a
todas as suas perguntas estava pendurada no final das cordas do
espartilho, se pudesse encontrar o que essa chave abriria.
A música subiu para um final e Gina piscou. Tinha estado tão
perdida em seus próprios pensamentos que perdeu todo o primeiro
ato da peça. Se pressionada, não teria sido capaz de dizer do que se
tratava. Ela bateu palmas com a plateia quando as luzes se
acenderam.
Charlie empurrou a cortina para o lado e entrou no camarote.
— Você notou que todos os olhos estavam sobre esse camarote
em particular? O excesso de beleza aqui encantou o público. Eu não
ficaria surpreso se os atores pedissem a você para sair, para que eles
pudessem receber sua parte de atenção.
Hortense riu e balançou o leque furiosamente. Harriett e Gina
apenas sorriram para sua lisonja ridícula, enquanto James ergueu
uma sobrancelha divertido.
— O que explica seu interesse no teatro esta noite, Charlie? —
Ele perguntou.
Charlie sorriu e lançou um olhar para as senhoras. Gina se
perguntou o que James havia contado sobre sua presença no Pata de
Gato na noite anterior. A verdade, sem dúvida, mas quanto da
verdade?
— Laranjas! — Veio um grito de baixo. Ela olhou para baixo e viu
uma menina com uma cesta de frutas, segurando uma laranja perfeita
para todos verem.
— Mary! — Charlie jogou uma moeda de seis pences e riu
quando ela a pegou do ar.
— Ela não te deu a laranja, Senhor Hunter. — Disse Harriett.
Ele se virou para eles e explicou.
— Mary ajuda sua mãe e um irmão aleijado. Eu sempre jogo
uma moeda para ela, mas nunca pegou a laranja. — Harriett olhou
para a moça bonita e de novo para Charlie.
— Isso é muito gentil da sua parte, Senhor Hunter. Não muitos
são tão caridosos.
Charles pareceu envergonhado e encolheu os ombros.
— São apenas seis pences.
Gina olhou para a garota a tempo de vê-la mandar um beijo a
Charles. O incidente falou bem sobre um homem cuja modéstia o
impediu de falar bem de si mesmo. Mary se virou e começou a gritar
novamente. Enquanto Gina observava a garota tecer um caminho
através da plateia, ela notou um homem se aproximar dela e dizer
algo em seu ouvido. Mary pareceu encolher de tamanho e começou a
andar com o homem em direção ao palco. Antes de desaparecerem
atrás da cortina, ele se virou e olhou diretamente para seu camarote.
Senhor Henley!
James também o tinha visto.
— Charlie, você pode acompanhar as senhoras até em casa, por
favor. Eu tenho negócios repentinos para tratar.

Gosta de machucar as senhoras. As palavras de Ned tocaram


nos ouvidos de Gina. O Senhor Henley prejudicaria Mary de alguma
forma? Certamente ele não ousaria com tantas pessoas em Londres
procurando por ele. A Irmandade foi dissolvida. Não havia mais
seguidores.
No entanto, seu desespero por respostas e a falta de tempo
ofuscaram o medo persistente. Tanto que ela se vestira mais uma vez
com o vestido de lã áspero e xale e saíra para encontrar Ned. Tudo o
que tinha agora era a pequena chave apertada na mão e uma ideia
irritante no fundo de sua mente.
Sabendo, agora, onde estava e que não estava longe de casa,
dispensou Ned e ficou nas sombras de uma árvore do outro lado da
rua, em frente a uma propriedade abandonada nos arredores de
Mayfair. O portão estava aberto, tinha um gramado enorme e a casa
estava parcialmente obscurecida por árvores que se agitavam em uma
brisa gelada. Atrás da casa, a torre de uma pequena capela erguia-se
acima das árvores, o lugar que mudara sua vida para sempre.
Gina estremeceu e puxou o xale para mais perto. Que segredos
essa propriedade estranha possuía? O que aconteceu lá naquela noite
e em todas as noites anteriores? Flashes de memória provocante
apareceram e desapareceram diante dela, deixando-a apenas com
impressões vagas. O Senhor Henley forçando vinho amargo na
garganta dela. Ela sendo levada para algum lugar e incapaz de lutar.
Mãos arrancando sua roupa. E então... então... nada.
O vento soprava entre as árvores, gemendo como uma criança
perdida, e Gina afundou-se nas sombras, congelada no tempo... no
momento em que esteve nas catacumbas sob a capela. Trancada em
um frio eterno. Queria se sentir viva novamente, para recuperar o que
restava de si mesma. E a única maneira de fazer isso era descobrir,
finalmente saber o que havia acontecido com ela durante aquelas
horas perdidas.
Ela tocou a pequena chave escondida no bolso do seu vestido.
Isso abriria uma porta aqui? Qual porta? E o que acharia? Respostas?
Mais perguntas? Paz?
Ela vasculhou sua mente, quase como se pudesse agarrar e
arrancar as memórias que lhe escaparam. E mais uma vez as
lembranças indescritíveis a provocaram como se estivessem perto,
depois se afastaram, com medo de se expor ao seu escrutínio.
Suas costas se endireitaram enquanto ela se enchia de coragem
e fechava sua mão ao redor da chave. Não se esquivaria, por mais
assustada que estivesse. Ela deu um passo determinado para frente,
depois outro.
Uma mão apertou sua boca e um braço deslizou ao redor dela
para arrastá-la para trás, mais uma vez na escuridão.
Capítulo Doze
Gina se torceu e lutou, tentando se soltar do implacável aperto e
arranhando a mão sobre a boca. Querido senhor! De novo não.
— Você está louca? — Uma voz familiar sussurrou.
Ela ficou mole com alívio.
— Ouso te libertar?
Ela assentiu com a cabeça e respirou fundo enquanto ele a
segurava. Ele ainda a segurava para firmá-la e ela se virou no círculo
de seus braços.
— Você quase me assustou até a morte. — Ela sussurrou.
— Não menos que o susto que você me deu. — Disse James,
com um sorriso sardônico contorcendo os cantos de sua boca.
— Como você me achou?
Sua boca estava a poucos centímetros da dela.
— Coincidência.
— Mas...
— Foi uma armadilha. Henley me afastou deliberadamente.
Havia expulsado Mary quando cheguei aos bastidores. Comecei uma
perseguição, mas já havia desaparecido. Ele fez armadilhas para mim
antes, e eu suspeitei que tivesse feito isso de novo quando um coche
quase me atropelou. Uma tentativa desajeitada, com certeza, mas
que me colocou em guarda. Parece que metade de Londres está
procurando coletar a recompensa pela minha cabeça. Estarei pulando
da frente de coches, observando a queda de objetos e me esquivando
de balas até que esta coisa acabe. Tudo desnecessário desde que
você será a minha morte.
Gina suspirou. Embora tivesse ouvido atentamente, sua mente
estava sobrecarregada com outras coisas como o aroma limpo e
picante de sua colônia, a maneira como uma leve covinha aparecia
em uma face quando ele sorria, o calor de seus braços ao redor dela.
Ela descobriu que só podia concordar com a explicação.
— Eu tinha uma denúncia de que alguém tinha visto luz em uma
das janelas superiores aqui, então vim investigar. Não encontrei nada.
Mas isso ainda não explica sua presença aqui, Eugenia.
— Uma luz? — Ela olhou por cima do ombro para a estranha
casa deserta.
— Você não está indo a lugar nenhum além da sua casa,
Senhorita O'Rourke.
— Diretamente depois de procurarmos nessa casa.
Ele parecia espantado e irritado ao mesmo tempo.
— Eu já fiz isso. Você me subestimou muito. Quando a levei para
casa depois de sua incursão mal concebida em Whitechapel na noite
passada, achei que você saberia o suficiente para abandonar esses
truques tolos. Se não o fizer, você não me deixa nenhum recurso,
senão agir com a consciência limpa. Vou levá-la para casa, Eugenia, e
vamos acordar Drew e contar a ele o que anda fazendo.
O pânico arrepiou sua espinha.
— Você não ousaria!
— Convença-me a não o fazer, Eugenia. Me dê uma razão para
segurar minha língua. Mas esteja avisada, é melhor que seja boa.
Em seu coração, ela sabia que ele estava certo. Sabia que tinha
sido imprudente, embora Mayfair não fosse Whitechapel, e esse
desespero a levava a extremos absurdos. Ela sabia também que se
colocara em perigo semelhante ao que a colocara em apuros em
primeiro lugar. Ela estava pouco à vontade o tempo todo, mas não
conseguia se controlar.
Na falta de uma razão sã para convencê-lo, subiu na ponta dos
pés e colocou os lábios contra os dele. Ela o sentiu endurecer em
choque, em seguida, suavizar. Seus braços se apertaram ao redor
dela enquanto aprofundava o beijo, invadindo sua boca com a língua,
testando sua resolução. Ele achava que ela se arrependeria?
Desistiria? Correria para casa?
Oh, ele a subestimava muito.
A doce persistência de Eugenia pegou Jamie de surpresa,
embora seu corpo respondesse da maneira mais primitiva. Por um
breve momento, ele ficou zangado com o estratagema, mas depois
entendeu o desespero dela. Entendeu e sabia que ele nunca poderia
usá-la para pegar o que queria por tanto tempo.
Ah, mas que mal faria um beijo ou dois? Algo para levar consigo
depois que ela voltasse para a Irlanda. Algo para aquecê-lo nos
longos e frios dias que viriam.
Ele levantou-a ligeiramente para ajustá-la contra ele, para sentir
a concavidade de sua feminilidade. Ela gemeu e se agarrou com mais
força a ele quando pressionou suas costas contra a árvore que os
protegia de serem vistos. Ela emaranhou os dedos pelos cabelos dele
e o abraçou, como se estivesse com medo de que se retirasse. Oh,
mas não nesta vida.
Ela estava respirando com dificuldade, seu peito subindo e
descendo rapidamente. Dando-lhe tempo para recuperar o fôlego, ele
a ergueu alguns centímetros a mais e arrastou beijos pela garganta
até a base. O cheiro de âmbar e musgo subiu para ele enquanto
passava a língua sobre o ponto vulnerável.
Ele podia senti-la tentando aprofundar o contato de seus
quadris, mas suas saias não permitiam. Ele começou a ergue-los mais
alto, para envolver aqueles membros graciosos em volta da cintura,
mas se conteve. Ele não perdera aquele último fragmento de
decência.
— Não. — Ela suspirou. — Encontre um lugar. Agora, Jamie.
Agora.
Ele não podia confundir sua intenção. Ela queria terminar isso,
fazer amor completamente ao invés de suas tentativas interrompidas
usuais.
— Você não sabe...
— Eu quero, Jamie. Eu preciso saber.
Ele conhecia uma casa pública muito perto. O proprietário não
faria perguntas a esta hora da noite. Colocou o xale marrom sobre
sua cabeça, pegou a mão dela e levou-a para longe da casa
abandonada, virou a esquina, mas recuou. Sua sensibilidade não
permitiria que ele levasse Eugenia para uma casa pública comum. Seu
apartamento ficava a menos de um quilômetro e meio de distância e
enviara seu valete em um feriado de quinze dias para tirá-lo do
caminho, caso qualquer tentativa de matá-lo se estendesse até sua
casa. Agora na rua mais movimentada, ele sinalizou uma carruagem,
disse seu endereço e levantou Eugenia, imaginando se ela mudaria de
ideia e se o momento da loucura havia passado.
Ele não precisava ter se preocupado. A carruagem mal estava
em movimento antes de ela estar novamente em seus braços,
beijando-o com um desespero fervoroso. Nunca tinha sentido uma
paixão tão honesta e esmagadora antes.
Ela se atrapalhou com os botões de seu colete, enfiou as mãos
para dentro e despertou uma resposta crescente em seu corpo. Ele
precisava dela, ansiava por ela como nenhuma outra. E ficou bem
envergonhado quando a porta do coche se abriu e o condutor deu
uma piscadela.
— Um xelim e seis pences, senhor. — Jamie jogou-lhe algumas
moedas sem olhar. — Obrigado, senhor.
Protegendo-a da visão do condutor, ele a acompanhou até o seu
apartamento alugado, atrapalhou-se com a chave e colocou-a em
segurança no momento em que o coche se afastou.
Seu xale caiu no chão do vestíbulo quando ela chegou até ele
novamente, seus olhos já com as pálpebras pesadas em antecipação
de outro beijo. Ele obedeceu, quase rindo quando ela tirou o paletó
de seus ombros. Levantou-a nos braços e levou-a para o seu quarto,
sabendo que ainda havia uma chance de que mudasse de ideia. Orava
que ela soubesse o que estava fazendo, porque ele não poderia.
O quarto estava escuro, exceto pelo brilho das brasas na lareira.
Ele a colocou de pé ao lado da cabeceira da cama e foi abrir uma
janela para a noite de verão, e quando se virou, Eugenia estava
atrapalhada com os fechos na frente de seu vestido. Ele a observou
por um momento, sentindo sua libido balançar com o bom senso.
Ela não era experiente na arte de despir-se para um homem,
como suas amantes tinham sido, mas havia algo muito cativante em
sua pressa inocente. Então ela olhou para cima e seus olhos
encontraram os dele. Um rubor se espalhou por suas bochechas,
mesmo quando seus lábios se levantaram nos cantos em um sorriso
tímido.
Ele foi até ela e segurou seus ombros.
— Tem certeza, Eugenia?
Ela assentiu com a cabeça, um universo de promessas em seus
olhos.
Ele deslizou as mãos para baixo para cobrir as dela e tomar o
seu lugar. Um fecho de cada vez, ele desfez seu vestido, revelando a
seda fina sob a roupa. Como a própria Eugênia, quanto mais profundo
chegava, mais fino o tecido. No momento em que seu vestido caiu no
chão e suspirou com a falta de um espartilho, ele estava queimando
com sua necessidade de senti-la embaixo dele, ajustando-se a ele,
fechando-se em torno dele.
A seda pura de sua chemise e meias provocou-o, revelando, e
ainda não a revelando. Ele não tinha certeza de como continuar sem
rasgar o tecido delicado quando ela resolveu o problema com as
próprias mãos. Ou melhor, pegou-o nas próprias mãos.
Ela rapidamente deslizou o nó de sua gravata, descartou o
comprimento do tecido e desabotoou a gola de sua camisa. Tinha
esquecido o colete e teve que empurrá-lo de seus braços. Ele sorriu
para sua ânsia. Ela era um novo território para ele. Nunca fizera amor
com uma garota inocente antes, e queria que isso fosse memorável
para ela. Com esse pensamento veio outro.
Deixe a Senhorita Eugenia sozinha. Ela merece mais.
As palavras de Charlie o deixaram sóbrio. Como ele poderia fazer
isso com Eugenia? Como poderia aceitar o incrível presente que ela
oferecia e não pedir mais?
— Não, Eugenia. Eu não posso fazer isto. Isso foi um erro. Eu
sinto muito por...
Ela piscou e seus olhos se estreitaram.
— Você não pode? Ou não quer? — Ela o empurrou com raiva e,
despreparada, cambaleou para trás, caindo contra a parede. — É
porque você já me viu nua e não gostou?
Por todos os santos! Como ela poderia pensar uma coisa dessas?
Ela tinha assombrado suas noites desde então, mas não com desgosto
e sim com saudade e desejo.
— Eugenia, você vai me agradecer quando a paixão
desaparecer. Como eu poderia tirar proveito...
Ela se jogou contra ele, e segurou o tecido de sua camisa em
seus punhos enquanto o sacudia.
— Não pode parar agora, Jamie. Você não pode. Deve muito
isso para mim.
A violência de sua paixão, a emoção crua em sua voz, chegou
até ele e entendeu o que ela queria, o que precisava. Embora
suspeitasse que se arrependeria pelo resto de sua vida, ele perdeu a
consciência.
Perdido. Ele estava perdido. Todos os seus elevados princípios
sobre deixar as mulheres direitas em paz, de restringir suas atividades
amorosas ao submundo, às mulheres que não tinham poder sobre ele,
saíram pela janela na brisa do fim do verão.
— Devagar, Eugenia. — Jamie murmurou.
Apanhada em sua própria necessidade, puxou a camisa dele
sobre sua cabeça e ele levantou os braços para ajudá-la. Ela balançou
ligeiramente ao ver seu peito nu. Nunca tinha visto tanto de um
homem exposto antes. Sua respiração engatou e ela percebeu que
parou de respirar por um momento.
Ele a firmou e esperou enquanto olhava para as roupas
restantes. Ela deslizou os dedos trêmulos ao longo da carne quente
acima de suas calças, procurando o botão na aba que o cobria.
Poderia ir tão longe? Ela deslizou os dedos por baixo do cós, mas ele
a parou e recuou em direção à cama para se sentar.
Empurrando o calcanhar com a ponta da bota, ele as descalçou,
arrastando as meias com elas, depois a levantou nos braços e a
colocou em seu colo. Ele traçou a linha do quadril sob a seda macia e
suspirou.
— Eu tenho medo de rasgar suas roupas, Gina.
Ele a chamava de Gina. Oh, ele poderia deixá-la em frangalhos
com todo esse cuidado.
Com um pequeno suspiro, ele alcançou a borda de sua chemise
e deslizou-a pelos lados e por cima da cabeça. Com a exposição, ela
estremeceu e seus mamilos ficaram tensos. Ela pensara que seria
mais fácil uma vez que estivesse despida, como se a ação estivesse
quase completa, mas quando Jamie baixou o olhar para seus seios,
prendeu a respiração, com medo. Oh, reze para que ele não a
achasse inadequada. Mas o seu próximo movimento dissipou sua
preocupação.
Ele acariciou seu pescoço, parando para adorar sua cicatriz com
seus beijos, e se virou para aliviar suas costas contra os travesseiros
que cheiravam a sua colônia e seu almíscar singularmente masculino.
Algo formigou dentro dela e ela ficou subitamente impaciente para
terminar com aquilo. Apesar das lembranças vagas, apesar do medo
de saber a verdade, de uma vez por todas.
Deixando beijos em seu rastro, ele abaixou a cabeça, puxando
uma aréola firme para dentro da boca e provocando-a com a língua,
beliscando gentilmente com os dentes. Oh! Nunca sentiu nada tão
delicioso! Ela inclinou um joelho para descansar contra ele e ele
gemeu profundamente em sua garganta.
Ele ficou de pé rapidamente, mas antes que ela pudesse formar
um protesto, tinha se desfeito das calças, jogou-as no chão e se virou
para ela. Ele era glorioso. Era aterrorizante. Seu batimento cardíaco
acelerou e ela lutou contra sua crescente ansiedade.
Jamie estava ao lado dela de novo, beijando-a com uma
ferocidade que lhe tirou o fôlego e não deixou dúvidas de que a
queria. Pelo menos por este momento. Por este pequeno espaço de
tempo.
Emaranhou os dedos pelos cabelos dele, desejando poder
segurá-lo ali para sempre. Ele estava fazendo coisas tão maravilhosas
para ela, coisas tão indescritivelmente agradáveis, que não podia ficar
parada. Novamente ela levantou o joelho para deslizar ao longo de
seu quadril nu, deleitando-se com seu calor e força.
Ele gemeu e se moveu para baixo, tomando um seio em sua
boca, e mordiscou, suavemente extraindo um calor de resposta. Se
sentia como se estivesse lutando por algo ainda desconhecido, mas
sabia que Jamie revelaria isso a ela na plenitude do tempo.
Ele deslizou a mão para baixo, para a junção das pernas dela, e
o joelho erguido a fez vulnerável ao toque dele. Ele começou uma
carícia sedutora e rítmica no topo de sua fenda que a fez levantar os
quadris para encontrá-lo.
— Ah, isso, Gina. Abra para mim. Me deixe entrar.
Seu elogio a aqueceu e ela estava pronta quando ele moveu a
mão um pouco mais para baixo e entrou nela com um dedo longo. Ela
endureceu com aquela invasão desconhecida e recuperou o fôlego,
depois o expeliu lentamente quando o toque rítmico começou
novamente.
Celestial e impertinente ao mesmo tempo. Isso podia ser dito de
mais do que os beijos de Jamie.
— Como seda derretida, Gina. Tão macia, tão confortável.
A ponta de seu polegar continuou a acariciar aquele sensível e
pequeno nó enquanto ele deslizava um dedo para dentro e para fora.
Dentro de instantes ela estava se arqueando na mão dele, desejando
mais, desejando tê-lo mais fundo dentro dela.
Sem pensar, ela procurou por ele, pela parte dele que era
exclusivamente masculina, querendo saber como o sentiria e se
poderia dar a ele o prazer que estava dando a ela. Quando a mão
dela se fechou em torno de seu eixo, ele gemeu e se sacudiu como se
tivesse o machucado, mas ela sabia que não, dado o profundo suspiro
que ele deu.
— Sim, Gina. Sim. Toque-me.
Ela sorriu, encantada por dar prazer a ele. Apertou a mão ao
redor dele, seguindo o ritmo que ele tinha definido, achando tão
insanamente sensual que estremeceu.
De repente, Jamie se afastou e desceu por seu corpo, parando
para explorar seu umbigo ao longo do caminho, depois mergulhando
mais abaixo até onde sua mão estivera. O primeiro golpe de sua
língua atraiu um ofego chocado dela, mas então um puro prazer a
envolveu e ela foi incapaz de pensar em qualquer coisa que não fosse
o próximo golpe de sua língua.
As mãos dele apertaram seus quadris para levantá-la um pouco
e lhe dar acesso mais livre, mas a tensão dentro dela tornava
impossível permanecer imóvel por muito tempo. Ela pensou que
morreria com a necessidade insistente. Pequenas fricções de prazer
explodiram em seu centro e correram ao longo de suas terminações
nervosas.
— Jamie... — Ela choramingou.
Ele se levantou entre suas coxas e a expressão em seu rosto
estava crua e tensa.
— Fique firme, Gina. Não desista agora.
Desistir? Como ela poderia desistir agora?
O sentimento mudara. Inchado para um tamanho ainda maior,
parecia vermelho e zangado, como se explodisse. Medo, primitivo e
vívido, roeu no fundo de sua mente, mas ela lutou, sabendo agora
que ele não iria machucá-la.
Jamie se abaixou, pairando apenas ligeiramente acima dela. A
ponta dura de seu membro na entrada a deixou desconfortável e teve
a primeira suspeita de como isso seria diferente da bem-vinda invasão
de seus dedos fortes.
Ela olhou-o e ele balançou a cabeça, como se estivesse lendo
sua mente, então cobriu a boca dela com a sua enquanto sondava
novamente, sua língua imitando seu eixo. Queria protestar, dizer-lhe
que ele nunca se encaixaria, mas ela colocou os braços ao redor dele,
puxando-o para mais perto enquanto levantava os joelhos e quadris
para encontrá-lo.
E então estava dentro dela, grosso e forte, mas ainda superficial.
Ele se retirou um pouco, depois empurrou de novo, indo mais fundo,
cada vez mais fundo a cada impulso. Prazer se misturou com a dor, e
de volta ao prazer novamente, até que ele se enterrou dentro dela,
balançando contra ela e despertando aquele botão adormecido para
florescer completamente. Os golpes de seu eixo junto com o contato
aprofundado a enviaram para uma espiral de prazer e necessidade.
Ela queria mais e mais e mais.
Seus gemidos ofegantes a chocaram e ela ficou maravilhada por
terem vindo dela. Mas então, ela nunca sentiu prazer tão poderoso,
tão insistente, construindo uma explosão de êxtase tão intensa que
atormentou todo o seu corpo.
— Sim. — Jamie sussurrou, a respiração quente em seu ouvido.
— Deus, sim. Goze, Gina. Venha comigo.
Para qualquer lugar. Sempre. Para sempre.

Jamie ficou na janela e observou o primeiro tom de violeta


manchar o horizonte. Precisaria acordar Gina em breve, se ele a
levaria para casa antes que todos estivessem levantando, mas não um
momento antes. Gina precisava de descanso.
Depois que eles fizeram amor, ela caiu adormecida em seus
braços, sua bochecha e uma mão descansando em seu peito e sua
perna dobrada sobre a dele. Ele só foi capaz de observá-la, tocar a
curva de sua bochecha; seus lábios, escuros e inchados com seus
beijos; as sombras violetas da fadiga saciada sob os olhos; a massa
sedosa de cabelos castanhos e dourados se espalhava por seu
travesseiro e pelo calor aveludado de sua pele enquanto ele acariciava
seu quadril. Ela era a criatura mais gloriosa que já conheceu.
E quando ela se mexeu uma hora depois, ele a beijou e fizeram
amor novamente. Mais devagar, mais doce, com toda a maravilha do
primeiro amor e cheio de todo o poder, todo o êxtase da primeira vez,
mas não sofrendo nada da angústia. Mais do que tudo, queria
acreditar que não havia sido seduzida no momento e que ela o
desejava tanto quanto ele a desejava. Mas ele era um homem do
mundo, experiente na arte da sedução, e sabia que a pegara e usara
sua própria natureza apaixonada contra ela.
Ele se virou e voltou para sua cama para estudá-la, para gravar
a visão dela ali em sua memória. Não se iludiu de que ela se
apaixonara por ele ou que eles poderiam construir um futuro. Não, ele
servira a um propósito. Gina queria saber como era fazer amor, queria
essa resposta e esteve ansioso para dar a ela, e lisonjeado por ter
sido escolhido. Mas ele nunca deveria ter cedido aos seus pedidos.
Deveria ter sido forte o suficiente para desistir dela e preservar sua
virtude. Ele falhou com ela, mas não faria isso novamente.
Ele estendeu a mão e tocou sua bochecha, tirou uma mecha de
cabelo sedoso de seus olhos. Inclinando-se perto, beijou sua testa e
sussurrou em seu ouvido.
— Levante-se, Eugenia. A noite acabou e o dia a aguarda.

Capítulo Treze
A tarde já tinha passado pela metade quando Gina se vestiu e
desceu as escadas em meio a uma agonia de suspense. Jamie a
entregou quando a trouxe para casa antes do amanhecer? Ou ele
conseguiu escapar despercebido? Ela tentou fazer com que a deixasse
no fim da rua, mas insistiu em deixá-la na porta com a promessa de
voltar mais tarde, e não havia como discutir com ele.
Encontrou sua mãe e irmã na sala de estar, conversando em
tons perfeitamente normais. Ela deu um suspiro de alívio. Se mamãe
soubesse onde estivera na noite anterior, e o que tinha feito, ela
ficaria realmente aborrecida.
Mamãe mal olhou para ela.
— Bom Deus, Eugenia! Você parece que não dormiu em
semanas! Realmente deve ficar em casa esta noite e descansar um
pouco.
Bella veio em seu socorro.
— Na verdade, mamãe, haverá tempo suficiente para descansar
quando vocês voltarem para Belfast. Deixe Gina aproveitar Londres
enquanto puder.
— Bem! Eu não preciso de conselhos de você, Bella. Depois de
ter seus próprios filhos, saberá como me sinto.
Gina revirou os olhos e suspirou. Estava cansada das
reclamações intermináveis da sua mãe, que achava que sempre
estava certa. Gina realmente precisava dormir. Tinha sido pouco
coerente ontem à noite quando Jamie a levara para casa. Exaustão e
saciedade haviam se misturado, confundindo sua mente, de modo
que tudo o que ela conseguia pensar era que nunca queria deixar a
cama de Jamie.
— Vou tirar uma soneca se isso a tranquilizar, mamãe.
Sua mãe conseguiu parecer satisfeita.
— Soneca? Você está mal, garota. O dia já quase se foi. Eu não
acho que uma soneca ajudará você agora, Eugenia. Preferiria que
você cancelasse seus planos para a noite e ficasse em casa. Essas
garotas Thayer são muito... muito...
— Muito envolventes? Interessantes? Agradáveis? Divertidas? —
Bella se levantou e foi até o bule para servir a Gina uma xícara. —
Realmente, mamãe. Você reclamou que Gina ainda não tinha feito
amigos, e agora você reclama que fez. Dê a ela uma folga nos
próximos dias, vai?
Bella trouxe-lhe a xícara enquanto se sentava no sofá e deu-lhe
um olhar de aviso, como se suspeitasse que Gina estava fugindo à
noite.
— Obrigada. — Ela disse em um tom suave, esperando que Bella
percebesse que era para ficar em silêncio e apoiá-la.
Sua irmã deu-lhe um aceno rápido, dizendo que estaria
procurando por Gina mais tarde para algumas respostas.
— Bem... — Mamãe suspirou, recostando-se contra as almofadas
da cadeira. — ...eu realmente não vejo por que Gina deveria se
preocupar em ir em sociedade. Daqui a três dias, estaremos a
caminho da Irlanda. Qual ponto há realmente em socializar agora?
Três dias? Gina se endireitou, sua mente em tumulto. Ela não
poderia estar pronta para partir em três dias. Senhor Henley, Jamie.
Bella respondeu para cobrir o choque de Gina.
— Para fazer amigos, mamãe. Fazer conexões que possam
atendê-la no futuro. Quão agradável será corresponder-se com
Hortense e Harriett para saber tudo o que está acontecendo.
— E que bem isso fará a ela, eu pergunto? Quando voltarmos à
Irlanda, é improvável que Eugenia saia de novo. Que uso ela terá
fazendo amigos na Inglaterra?
— Você não pode mapear a vida de Gina, mamãe. Muitas coisas
podem acontecer. Ela teve cavalheiros interessados em Belfast antes
de sairmos, que provavelmente aguardarão seu retorno. Eles podem
ter conexões em Londres...
— Imagina! Com ambas as irmãs casadas, Eugenia é produto na
prateleira. Quem a quererá agora, mesmo com o incentivo de seu
dote não desprezível?
Gina limpou a garganta e sorriu.
— Você esqueceu que estou na sala, mamãe?
— Ah bem. — Mamãe teve a boa graça de parecer um pouco
confusa. — Eu estava apenas afirmando a verdade, minha querida.
Você sabe que eu não pretendia nenhum insulto.
Estranhamente, Gina acreditou nela.
— Não me insultou, mamãe. — A mãe dela nunca pretendia
insultar, mas não tinha ideia de quão esbaforida era. Ela havia
planejado a vida de Gina para seu próprio benefício e não viu nenhum
motivo para consultar Gina em relação às suas preferências ou aos
detalhes.
Mamãe levantou-se e acenou com a mão.
— Eugenia, espero que você não precise de Nancy. Eu tenho
algumas compras para fazer e desejo que ela me atenda.
Para transportar os pacotes, sem dúvida.
— Estou bastante tranquila hoje, mamãe. Vá e tenha um bom
tempo.
Bella soltou um longo suspiro quando a mãe partiu, deixando-as
sozinhas finalmente.
— Gina, você é uma santa se puder imaginar uma vida inteira
ligada a mamãe.
— Para dizer a verdade, Bella, não consigo imaginá-la. Talvez
seja a única coisa que me mantém calma.
Bella riu e colocou uma mão sobre o estômago.
— Eu rezo para que você me bata na cabeça se eu tratar meus
filhos assim.
— Eu farei. Isso é uma promessa, Bella.
— Quanto a você Gina, ficarei feliz em substituir mamãe. Pelo
menos hoje. — Ela se levantou e ficou em pé ao lado da cadeira de
Gina para lhe dar um leve toque na cabeça. — O que você estava
pensando, Gina?
— Eu não sei o que você quer dizer. — Ela contemporizou.
— Não venha com toda a timidez comigo, Gina O'Rourke. Você
ficou quieta quando eu saía escondida à noite. Eu não farei menos por
você. Mas deve ver o perigo em não dizer a ninguém sobre onde está.
Mary, a lavadeira, relatou que seu vestido reserva estava faltando.
Então Nancy trouxe para mim esta manhã. Ela disse que encontrou no
seu quarto quando ela o estava arrumando. O que você anda
fazendo?
Céus! Tinha ficado tão exausta quando chegou em casa que
simplesmente largou o vestido onde estava, em vez de escondê-lo.
— Ela contou para mamãe?
— Ela veio até mim, Gina, para poder evitar a histeria de
mamãe. Repito, por que você precisou de um vestido de lavadeira?
— Eu queria sair anonimamente. Peguei o xale de Mary também
para cobrir minha cabeça. Você sabe que ninguém nota servos, Gina.
Eu pensei que poderia ir a lugares impróprios para uma jovem
mulher, talvez ouvir coisas de que eu não estaria a par de outra
forma.
— Não é de admirar que esteja exausta. Mas você deve parar,
certo.
— Certo. Assim como você fez.
— Eu não estou achando graça, Gina.
— Nem eu. Três dias, Bella. É tudo o que me resta antes que
mamãe me leve de volta a Belfast. Três dias para encontrar as horas
que faltam da minha vida.
Bella franziu a testa e sentou ao lado dela.
— Eu não posso imaginar o quão difícil deve ser para você, Gina.
Sabe que vou ajudá-la de qualquer maneira que puder, mas não
posso tolerar você rondando as ruas de Londres depois da meia-noite
e se colocando em perigo. Se eu perdesse você, não conseguiria
imaginar uma coisa dessas.
— Você não vai me perder, Bella. James assumiu a
responsabilidade de cuidar de mim. — Calor penetrou em suas
bochechas com o pensamento de quão bem Jamie tinha cuidado dela
na noite passada.
— Jamie está cortejando você, Gina. Espero que ele proponha
em breve e que você se case e fique em Londres comigo e com Lilly.
— Pobre Bella. Se eu soubesse que você estava pensando nessa
direção, eu teria lhe dito mais cedo. Jamie está apenas tentando me
manter longe de problemas. Ele está cuidando de mim. Desde que o
Senhor Henley me abordou no jardim do Morris...
— O quê?
— O Senhor Henley veio a mim disfarçado. Ele falou comigo e
estava me arrastando para as sombras quando Jamie veio me
procurar. E desde então, ele quase não me deixa fora de sua vista. Eu
tentei desencorajá-lo, mas ele não vai desistir. A sociedade pode
pensar que estamos namorando, mas seu propósito real é me vigiar.
É por isso que estou me esgueirando. Eu não posso tê-lo pairando o
tempo todo. As pessoas não falarão livremente com ele carrancudo
atrás de mim.
Bella suspirou e seus ombros caíram.
— Eu estava tão certa... até Drew achava que vocês estavam
namorando.
— Não. Muito distante disso. — Embora tivesse feito uma bela
imitação disso ontem à noite, depois de ter pedido a ele.
Bella apertou a mão dela.
— Muito bem, Gina. Como Jamie está cuidando de você, eu vou
me manter em paz. Três dias. — Repetiu ela. — Se houver algo que
eu possa fazer para ajudar, você deve me dizer. Agora corra e se
troque. Encontraremos a Senhora e o Senhor Renquist no La Meilleure
Robe em meia hora.

O pequeno vestiário ficou em silêncio quando Gina deu a volta


por trás do biombo e subiu na plataforma em frente ao espelho. Ela
alisou a curva do tecido sobre os seios e virou em um círculo
completo.
Bella foi a primeira a falar.
— Impressionante. Simplesmente deslumbrante, Madame. Você
fez a nossa Gina parecer uma deusa.
Lady Sarah se levantou e tocou o tecido.
— Seda. Claro. O caimento é magnífico, madame.
Lady Annica sorriu em aprovação.
— Eu tenho pouco a acrescentar a impressionante e magnífico, a
não ser provocante. Você vai soltar as mandíbulas, Senhorita
O'Rourke.
Madame Marie se preencheu.
— Eu não posso levar todo o crédito, oui? A Senhorita O'Rourke
contribui para minha criação em uma pequena parte, não é?
As senhoras riram da piada de Marie enquanto a modista
ajoelhava-se para ajustar a barra.
— Pérolas, penso eu — Grace Hawthorne contribuiu. — O brilho
complementará a cor sem prejudicar a atenção ao vestuário.
— Eu acho que vou ter que encomendar um vestido similar. —
Sarah pensou, um brilho provocante em seus olhos azul-violeta. —
Embora eu gostaria que fosse feito em verde-salgueiro. É a cor
favorita de Ethan.
Madame Marie se levantou e ajustou as pequenas mangas
bufantes.
— Mais oui. Terei de encomendar tecidos de todas as cores ao
mesmo tempo. E você, Senhorita Gina, deve levar este com você
hoje. — Uma batida suave na porta lateral interrompeu a risada. —
La! Aquele François, chegou em um bom momento, não? Agora
vamos ver o que um homem pensa da nossa Gina. Entre, François!
Fiel à previsão de Lady Annica, o Senhor Renquist, segurando
uma pequena caixa de madeira esculpida, parou e sua boca se abriu
quando viu Gina. Madame Marie foi até ele e gentilmente ergueu o
queixo com o dedo indicador.
— Cuidado, meu amor. Você vai me deixar com ciúmes.
Ele piscou e focou sua atenção em sua esposa.
— Não precisa, minha querida. Ninguém pode chegar aos seus
pés.
Marie riu e foi para a porta.
— Vocês viram, ele não foi bem treinado? — Ela fechou a porta
atrás dela.
O Senhor Renquist acenou para as damas e ofereceu a Gina a
mão para descer da plataforma e sentar-se com as outras.
— Eu tenho várias coisas para relatar, senhoras. Vamos começar
com a caixa? — Em seus acenos, ele continuou. — Eu peguei-a, abri a
fechadura e encontrei vários itens. — Ele abriu a tampa e deu para
Gina.
Esta, então, era a caixa que lhe pedira para comprar do antigo
senhorio do Senhor Henley. Ela colocou a caixa no colo e olhou seu
conteúdo.
Renquist continuou enquanto examinava cada item.
— Há um alfinete de gravata na forma de um dragão com
pequenos olhos de rubi, um relógio quebrado, um canivete, uma lista
de utensílios domésticos e um pequeno pacote de cartas não
assinadas.
— Que tipo de lista? — Lady Annica perguntou.
Gina passou o dedo pela lista.
— Velas, isqueiro, cobertor, vinho...
— Ele estava montando novas acomodações ou um esconderijo
— Lady Sarah adivinhou.
Gina pulou o alfinete de gravata, não querendo tocar o dragão
do qual a Irmandade levava o nome, e levantou o pacote de cartas.
Ela desamarrou a fita que as unia e pegou uma carta aleatória do
meio da pilha.
Começou sem saudação e terminou sem assinatura. Gina leu em
voz alta para o resto do grupo.
“Eu concordo, querido Henley, que sua posição é insustentável.
Estou trabalhando em uma solução e imploro que você seja paciente.
Eu encontrarei você na terça-feira seguinte no local e horário
habituais.”
— A escrita parece feminina. Mas como pode ser isso?
Renquist assentiu.
— Pensei a mesma coisa, Senhorita O'Rourke, e isso se
encaixaria com outra informação que eu recolhi. Um dos garotos que
eu emprego de tempos em tempos relata que viu Henley com uma
mulher. Uma mulher fina, segundo ele. Isso confirmaria nossa
suspeita de que Henley tem ajuda da alta sociedade.
— Chantagem? — Gina perguntou, pensando no Senhor Morris.
Renquist deu um encolher de ombros filosófico.
— Ou afeição.
— Onde eles foram vistos?
— No Bucket and Well em Whitechapel. O lugar é um pouco
melhor do que a habitual choperia de Whitechapel.
— Próxima terça... — Bella meditou. — A carta é datada?
— Nenhuma delas é. Como as cartas estão na caixa há uma
semana ou mais, acredito que a reunião já passou. No entanto, uma
vez que parece ser seu lugar e horário habituais, eu estarei no Bucket
and Well na próxima terça-feira. Todo dia e noite, se for preciso.
Na terça-feira seguinte, Gina estaria a caminho de Belfast. Uma
dor aguda e rápida atacou seu estômago. Tinha que haver alguma
maneira de concluir este assunto até então. Ela cobriu seu pânico
desdobrando uma folha de papel e fingindo estudá-la.
— Ah sim. Como você verá, Senhorita O'Rourke, é uma lista de
recibos e pagamentos feitos a vários indivíduos por iniciais, com
exceção das anotações para Gibbons. Eu gostaria de passar esse item
específico para o Ministério do Interior, se você não se importar.
Talvez eles tenham os recursos para combinar as iniciais e o
pagamento para certos indivíduos e eventos. Eu suspeito que este
seja um registro da chantagem do Senhor Henley e das tentativas de
assassinato.
Gina acenou com a cabeça e examinou a lista rapidamente,
memorizando o máximo possível antes de devolvê-la a Renquist.
— Se eles puderem identificar alguém por suas iniciais, eu
gostaria desses nomes. Acredito que pode ser bastante útil saber
quem pode ter informações pertinentes e quem devo evitar.
— Claro, Senhorita O'Rourke. Melhor se precaver. — Ele limpou
a garganta e terminou seu relatório. — O último item é uma lista de
criminosos notórios que são conhecidos por serem matadores de
aluguel. Acredito que Henley tenha contratado ou pretenda contratá-
los. É possível que ele tenha usado esses indivíduos para obter
mulheres para suas necessidades. O que nos falta é uma lista explícita
de homens que ele está chantageando.
Ela entregou-lhe a lista.
— Eu não tenho uso para isso, Senhor Renquist. Eu não
conhecia nenhuma dessas pessoas, nem gostaria de encontrá-las.
Talvez o Ministério do Interior também ache isso útil. — Ela fechou a
tampa da pequena caixa, sem querer abrir mão de mais nada.
— Obrigado, Senhorita O'Rourke, por não me colocar em uma
posição difícil. Estou certo de que o Ministério do Interior fará bom
uso dessa informação.
Ela olhou para o grupo e suspirou.
— Não sei quando, ou se, eu voltarei a ver algum de vocês.
Minha mãe e eu partiremos para Belfast daqui a três dias. Se o
assunto não estiver concluído até lá, espero que eu possa convencê-
los a segui-lo até o fim.
— Mas é claro! — Lady Annica franziu a testa pensativamente e
bateu um dedo contra sua bochecha. — Não se desespere, querida
Gina. Vamos nos dedicar a achar a solução.

Jamie tinha ido cedo ao baile na Duchess House, deixando


Charlie para acompanhar Gina e as Thayer um pouco mais tarde.
Esperava que Gina percebesse que ele não estava deliberadamente
evitando-a. Ele queria conversar com Lorde Marcus Wycliffe antes de
concentrar sua atenção nela.
Wycliffe sempre chegava cedo a tais eventos, preferindo assistir
às chegadas e assim saber quem estava presente, um hábito que
adquiriu depois que um hóspede não convidado em uma festa tentou
colocar uma faca entre suas costelas. Wycliffe nunca cometeu o
mesmo erro duas vezes.
Eles ficaram sozinhos com uma taça de vinho, observando o
amplo vestíbulo enquanto os convidados entravam, a maioria optando
por chegar tarde, que estava na moda. Jamie não encontrou seu olhar
quando fez seu pedido.
— Eu recebi a notícia hoje de que a Senhora O'Rourke e sua
filha estão deixando Londres em breve. Segunda-feira, se minhas
informações estiverem corretas.
— Mesmo? Bem, eu não posso dizer que sinto muito. As filhas
foram um tanto quanto uma distração, a mais velha foi assassinada,
Isabella abriu caminho em meio à sociedade em sua busca pelo
assassino, Lillian foi sequestrada por um canalha e agora Eugenia
interferia nos negócios do Ministério do Interior e o distraía de seus
deveres. Sim, acho que estará bastante pacífico na terça-feira.
— Na verdade, estou aqui para lhe dizer que há alguns assuntos
que preciso resolver com a Senhorita O'Rourke antes que ela volte
para a Irlanda.
— Ela fez algo para comprometer nossa investigação?
Jamie suspirou, ignorando a pergunta para uma admissão
diferente.
— Na verdade, posso ter comprometido a Senhorita O'Rourke.
Wycliffe sorriu.
— Pode ter? O que você fez? Beijou-a atrás da sebe?
Jamie se arrepiou. Ele não estava prestes a dar detalhes.
— O que eu fiz ou não fiz não é o problema. O que eu vou fazer
a seguir é.
— Entendo. E o que você vai fazer a seguir?
— Eu pretendo pedir a ela que se case comigo.
Wycliffe engasgou com o vinho e Jamie bateu nas costas dele.
— O que? Você? Casar? Isso é alguma piada pervertida?
— De forma alguma. Na verdade, acredito que seja a única
solução. Para nós dois.
Wycliffe olhou ao redor para ter certeza de que não poderiam
ser ouvidos.
— Eu rezo para que você não esteja influenciado pela excessiva
simpatia por ela e sua família. Ou que você não tenha exagerado em
alguma impropriedade imaginária. Na verdade, Jamie, não consigo ver
você fazendo nada para levar a tais consequências terríveis. De todos
os meus conhecidos, achei que seria menos provável que você
cometesse qualquer tipo de ofensa. Ou casar.
— Você não precisa se preocupar muito. Espero que ela me
recuse.
— Você... Por quê?
— Ela não se importa comigo.
Wycliffe limpou a garganta e Jamie pensou ter ouvido um riso.
— Ainda tenho que conhecer a mulher imune aos seus encantos.
O que fez para ela não gostar de você?
— Eu a tirei do altar. Sou um lembrete de sua mais profunda
humilhação. De fato, o pior dia de sua vida.
A expressão de Wycliffe ficou séria.
— Se não vai se casar com você, por que propor a ela?
— Espero convencê-la. Além disso, temo por ela. As
comunicações que recebemos de Francis Renquist hoje me levam a
acreditar que ela não estaria segura nem na Irlanda. Se Henley a quer
morta... — Disse Jamie. — Pode haver mais gente atrás dela e como
posso protegê-la disso? Eu preciso dela ao alcance da mão.
— Você pode controlá-la?
Alguém poderia?
— Tenho uma chance tão boa quanto a mãe dela, e é mais
improvável que eu relaxe minha vigilância.
Um grande grupo chegou, transformando o vestíbulo numa
cacofonia de risos e saudações. Nos largos degraus do lado de fora,
ele podia ver Charlie chegando com suas cargas. Embora pudesse ver
apenas o topo de sua cabeça, seu estômago revirou. Nunca esteve
tão nervoso. Ele se sentia como um estudante no meio de sua
primeira paixão.
Deveria ter falado com ela mais cedo hoje. Certamente, deixá-la
sozinha para se preocupar não tinha sido uma boa jogada. Ela estava,
sem dúvida, furiosa com ele. Como poderia fazê-la novamente confiar
nele?
Capítulo Quatorze
Gina estava em agonia com o suspense. Quando Charles
chegou, em vez de Jamie, ele apenas disse que Jamie se encontraria
com eles na Duchess House. Nenhuma palavra pessoal. Nem lhe
enviara uma mensagem ou uma explicação. Em vista de seu
comportamento na noite passada, ele desejaria, sem dúvida,
distanciar-se dela o mais longe possível.
Tudo o que podia fazer era manter a maior dignidade possível.
Se ele estava temendo que ela chorasse, fizesse acusações, fizesse
exigências ou o denunciasse, ficaria agradavelmente surpreso. Tinha
apenas uma pergunta, e então ele estaria livre para seguir seu próprio
caminho. Não importa que isso iria quebrar seu coração.
Quando entraram no vestíbulo da Duchess House, ela o viu em
profunda conversa com Lorde Wycliffe. Charles fez uma saudação e
ela respirou fundo e lançou-lhe um sorriso alegre. Ele piscou e sorriu
de volta. Então ele esteve esperando problemas.
— Aqui estamos, meu irmão. Eu rezo para não ser banido agora
que cumpri meu propósito. — Disse Charlie.
— Nunca! — Hortense prometeu. — Desde que você saiba
dançar.
— Eu vou dançar até seus pés formigarem, querida Senhorita
Thayer.
Ela riu e se abanou febrilmente, e Gina suspeitou que Hortense
pudesse ter uma queda secreta por Charlie. Mas Charles Hunter era
um tanto aberto e encantador, embora tivesse também uma escuridão
subjacente.
Jamie se curvou profundamente para eles.
— Minhas desculpas, senhoras. Infelizmente, eu tinha alguns
negócios chatos para tratar, mas agora que vocês estão aqui, vou me
dedicar inteiramente a isso. Senhorita Harriett, você concorda em
dançar comigo?
Harriett olhou de soslaio para Gina, como se estivesse
envergonhada por ele ter pedido que ela dançasse antes de perguntar
a Gina.
— Eu ficaria lisonjeada, Senhor Hunter.
Charlie franziu a testa, observando Jamie enquanto conduzia
Harriett para a pista de dança. — Vamos encontrar a poncheira,
senhoras?
Pararam para compartilhar gentilezas com conhecidos e, antes
de chegarem à tigela de ponche, Jamie e Harriett se juntaram a eles.
Quando Jamie pediu a Hortense para dançar, Gina suspeitou que ele
tinha um plano. Tendo cumprido suas obrigações com as gêmeas, ele
poderia sair sem ter que falar com ela. Ou, mais preocupante, ele
teria tempo para lidar com ela. Esse pensamento desconcertou-a
desde que sugeria que ele tinha muito mais a dizer a ela do que
gostaria de ouvir.
E quando, finalmente, ele devolveu Hortense e estendeu a mão
para ela, não tinha certeza de que queria dançar. Mas ela não podia
recusar sem levantar suspeitas, então colocou a mão na dele e seguiu
para a pista de dança. Quando a valsa começou, ele a puxou para
seus braços e sorriu.
— Eu acredito que você dormiu bem?
Ela fixou os olhos em um ponto logo acima do ombro direito.
— Razoavelmente.
Ele gargalhou.
— Estava dormindo bem o suficiente na minha cama. Talvez eu
devesse ter deixado você lá.
— Mais dez minutos e toda a casa saberia onde eu estava.
— Chegamos tão perto de sermos descobertos, hein?
— Sim. — Mas ela não se importaria.
— Eu preciso falar com você, Gina. Tudo mudou agora e
precisamos resolvê-lo.
Ela assentiu com a cabeça, sentindo um frio na boca do
estômago. Por que isso soava tão sinistro? Tudo o que queria era a
resposta para sua pergunta.
Ele olhou para fora das janelas do terraço e murmurou uma
maldição.
— Chuva. Teremos que encontrar uma sala privada.
— Isso pode esperar?
— Há muito em jogo.
Ele a conduziu da pista de dança e em direção à passagem
central do vestíbulo. Ele abriu cada porta e espiou até encontrar uma
adequada, então a arrastou para a sala escura. Pela luz do lampião do
lado de fora, parecia ser um pequeno salão.
— Talvez não devêssemos...
Mas o fechamento decisivo da porta assegurou que Jamie
pretendia ter essa conversa imediatamente. Ela se empoleirou na
beira de um pequeno sofá coberto de brocado azul. Pelo menos eles
teriam privacidade.
Ele veio se sentar ao lado dela e pegou a mão dela na sua.
— Gina, a noite passada foi...
— Um erro. — Ela terminou. — Me arrependo de colocá-lo nessa
posição. Eu me arrependo de tirar vantagem...
— Vantagem? Você?
— Eu me lembro claramente de pedir para você encontrar algum
lugar.
— Para que eu não a tomasse contra uma árvore em público.
Bom Deus, Gina! Estou surpreso que você esteja falando comigo.
Confusa, ela encontrou o olhar dele pela primeira vez desde que
eles entraram na sala e ficou impressionada com a profundidade da
paixão lá.
Ele apertou a mão dela enquanto continuava.
— Eu acho que nós dois sabemos que estamos nos movendo em
direção a isso há algum tempo. Você não pode negar a atração física
entre nós. Dado a força disso, a noite passada foi inevitável.
— Inevitável — concordou ela, — mas lamentável.
— Não me arrependo, Gina, embora lamento saber que você o
faz. Eu nunca senti nada como isso.
Ele parecia esperar algum tipo de resposta, mas ela estava tão
humilhada que não conseguia pensar com precisão.
— Foi lindo. — Disse ela por falta de palavras melhores.
— Lindo? — Ele arqueou uma sobrancelha para ela como se
tivesse sofrido um insulto.
Calor a varreu quando ela se lembrou de quão lindo tinha sido.
— Muito lindo?
Ele endureceu.
— Entendo. Bem, eu entendo que terei que fazer melhor no
futuro. O que, claro, me leva ao ponto dessa conversa.
— Sim, por favor. Qual é o ponto?
— Seja minha esposa, Gina. Case-se comigo assim que tudo
puder ser arranjado.
— Casar? Você não pode estar falando sério.
Jamie pareceu perder a paciência com a resposta dela. Ele se
levantou e jogou as mãos em sinal de rendição.
— Eu nunca falei tão sério, nem tive dificuldade em convencer
alguém disso. O casamento, Gina, é a culminação lógica da nossa
impetuosidade na noite passada. É a maneira mais prudente de
resolver os problemas.
Ela balançou a cabeça em descrença.
— Você acha que eu implorei para que pudesse prendê-lo ao
casamento?
Ele andou até a janela e voltou.
— Gina, eu pensei que ambos estivéssemos perdidos no
momento, com o julgamento obscurecido pela paixão, por assim
dizer. Mas começo a pensar que fui o único a ser levado e que você
tinha outro propósito.
— Duvido que eu poderia ter parado se tivesse uma chance. Mas
quando começou, quando você me beijou pela primeira vez, eu me
perguntei...
— Perguntou o quê? Se eu estaria apaixonado por você? Se seria
capaz de fazer papel de bobo lhe propondo?
Oh, ela tinha confundido todo esse assunto além do reparo. Ele
mencionou paixão, mas nunca usou as palavras que precisava ouvir.
Na ausência disso, a única coisa que ela poderia lhe dar era a
verdade.
— Eu estava desesperada para saber se era virgem. E pensei
que poderia descobrir se eu apenas...
— Apenas deixasse-me fazer amor com você? É isso? Por isso
me pediu para encontrar um lugar privado? Para descobrir se era
virgem?
Ele parecia indignado, como se fizesse algo indizível. Em face de
sua raiva, estava com medo de falar. Ela apenas ousou um aceno de
cabeça.
Ele jogou as mãos no ar novamente e foi até a janela.
— Eu não posso acreditar nisso. Você parou para pensar que seu
pequeno experimento lhe custaria sua virtude se ainda a tivesse?
Ela assentiu novamente, tentando não pensar no quanto o
queria, quanto teria tomado a mesma decisão se não tivesse tido essa
dúvida, ou como ela pensou que morreria se ele parasse.
Ou quão profundamente ela o amava.
— Bem, Senhorita O'Rourke, certamente não é virgem agora. Foi
completamente introduzida nas artes eróticas. E você demonstrou
uma aptidão para isso, a propósito. — Ele foi até a porta como se
tivesse acabado com ela, então se virou e a encarou com um olhar
tão intenso que a fez se contorcer. — Valeu a pena?
Ela olhou para os pés. Como poderia responder a isso? Que
valera tudo o que ela esperava ter nesta vida para ter a lembrança
dele pelo resto de sua vida? Que estava feliz que tinha tido aquele
pequeno pedaço dele para levar de volta para Belfast com ela? Que,
se nunca se casasse, nunca tivesse filhos, pelo menos ela saberia o
que era ter sido amada por Jamie Hunter pelo espaço de uma hora?
Mas qual era a resposta dele? Ela era virgem? Ou o Senhor
Henley a havia corrompido? Atrever-se-ia a perguntar de novo? Ela
calmamente limpou a garganta e juntou as mãos no colo para não
continuar tremendo.
— Sim. Valeu a pena. Seja qual for a sua resposta, valeu a pena.
— Resposta? Quer que eu te diga se era virgem? Você não
sabe?
Lágrimas surgiram em seus olhos, mas ela piscou de volta
rapidamente. Jamie pensaria que era boba e não gostaria de ver sua
fraqueza agora.
— Se você puder, por favor.
Uma miríade de emoções passou por seu rosto tão rapidamente
que ela não pôde ler todas elas. Mas a última, evidente quando ele
veio em sua direção, era de desejo. Ele parou diante dela e levantou o
queixo com o dedo indicador.
— Gina, nada disso importa. Você não pode ver isso? Henley e
os outros... o que viram, o que fizeram ou não fizeram. Você é quem
é, não o que alguém pode ou não ter feito com você. E você, minha
querida, é a mulher mais linda que eu já conheci.
— Jamie, isso não é uma resposta.
— Esta é a única resposta que você precisa. — Ele se inclinou
para frente e encaixou os lábios nos dela, apreciando-os suavemente.
Ela respondeu da maneira mais primitiva, puxando-o para mais
perto, espantada com a necessidade que um único beijo despertara
nela. Ele desceu em um joelho para encontrá-la em seu nível e
aprofundar o beijo. Ela saboreou seu calor intoxicante, perdendo-se
para sua paixão e sua própria necessidade.
Ele pressionou suas costas contra o assento almofadado,
enquanto levava uma mão para libertar um dos seios dela de seu
corpete e do fino tecido de sua chemise. Quando ele abaixou a cabeça
para tomá-lo em sua boca, ela pensou que iria desmaiar com o puro
prazer disso.
Ela emaranhou os dedos pelos cabelos dele e apertou-o com
mais força contra ela, arqueando-se para ele, desesperada pela
sensação dele ali. Ele não parou, deslizou uma mão até a borda
debaixo de seu vestido e passou pela sua coxa.
Sua respiração se aprofundou quando sua mão nua encontrou a
carne macia acima de sua liga e sob sua chemise. Sua mão sábia
encontrou o destino do pequeno feixe de nervos que ele havia
descoberto apenas na noite anterior. Ela engasgou e abriu as pernas
para lhe dar melhor acesso.
— Jamie.
— Eu amo o jeito que você diz meu nome quando está prestes
a...
— Oh!
Ele gargalhou.
— É isso, Gina. Apenas um pouco mais e...
Ela estendeu a mão para ele, querendo dar tanto prazer quanto
ela estava tomando, mas ele pegou a mão dela e a segurou.
— Não aqui, Gina. Agora não. Mais tarde.
Então voltou sua atenção para sua satisfação, como se isso fosse
tudo o que importava para ele agora, e ela aceitou avidamente,
querendo ainda mais quando deslizou dois dedos em sua vagina,
acariciando, curvando um pouco para encontrar aquele local tão
delicioso. Ela quase desmaiou de prazer.
— Fique comigo. — Ele insistiu, como se temesse que ela
escapasse dele.
— Por favor. — Ela suspirou, nem mesmo sabendo o que pedia.
Mas Jamie entendeu o que ela não disse, acelerando seu golpe e
aprofundando a pressão até que ela soltou um grito de prazer quando
o mundo se estreitou em seu centro e depois se rompeu novamente
em calor e luz radiantes.
— Sim — ele elogiou. — Queime para mim, Gina. Só para mim.
Sua respiração se estabilizou lentamente e sua mente limpou a
paixão opressiva. Como ele podia fazer isso com ela? Como podia
conhecer seu corpo melhor do que ela mesma e dar-lhe um prazer tão
indescritível? Como poderia deixá-lo daqui a dois dias e nunca mais
conhecer essa alegria?
A própria respiração de Jamie diminuiu e ele retirou a mão,
alisando as saias e acariciando sua orelha.
— Você é como fogo, meu amor. Eu nunca conheci mulher
alguma que queimasse tão brilhante.
Gina tentou entender suas palavras, mas tudo o que ela
conseguia pensar era que ele não havia encontrado a mesma
liberação que ela.
— Mas você não...
Ele sorriu e beijou sua bochecha.
— Se estivéssemos em privado, meu amor, não terminaríamos
por horas. Mas aqui, arriscamos mais do que deveríamos.
Céus! Eles estavam na casa da duquesa. Atrás de uma porta
destrancada! Ela olhou para a porta, temendo que abrisse a qualquer
momento e expusesse sua indiscrição. Como ela se esqueceu de si
mesma a ponto de permitir a Jamie tais intimidades? Como poderia
explicar uma coisa dessas se fosse descoberta?
A Ele riu de novo, como se lesse sua mente.
— Temo que não haja bom senso em relação às paixões.
Teremos que ter mais cuidado.
— Devemos retornar ao salão antes que eles nos procurem. —
Ela ajeitou o cabelo no lugar e alisou o corpete, sabendo que não
havia nada que pudesse fazer sobre o rubor que certamente devia ser
escarlate, pelo calor que sentia.
— Ah, sim. Nós não queremos que eles façam perguntas. Pelo
menos até eu ter feito algumas.
— Oh! Sim, perguntas. Esqueci completamente. Eu não tive sua
resposta.
Ele ergueu uma mão, a palma na direção dela em um gesto de
negação.
— Não, Gina. De repente não estou com um humor indulgente.
É provável que eu diga qualquer coisa só para te magoar tão
profundamente quanto você me magoou.
— Mas...
— Você me usou para seus próprios propósitos, Gina. Pode me
culpar se eu me vingar um pouco de você?
— Você não pode esconder essa informação de mim. Eu
arrisquei tudo para saber...
— Arrisquei mais, Eugenia, mas não posso esperar que você
entenda isso. — E a porta da sala se fechou atrás dele.

Jamie voltou para o salão de baile, dividido entre a raiva e a


simpatia. A proposta não saiu nem remotamente como o planejado.
Esperava por uma aceitação docemente pronunciada e estava
preparado para adquirir uma licença para se casar imediatamente. Ele
até estava preparado para uma recusa e havia inventado um
argumento para convencê-la. Mas nunca poderia ter previsto a
admissão de Gina de que só queria testar se era virgem ou não. Que
disparate total! Ela não o queria? Muito bem. Ele não iria incomodá-la
ainda mais. Ele avistou Hortense e Harriet cercadas por pretendentes
e sinalizou a Charlie.
— Você pode escoltar as senhoras para casa hoje à noite,
Charlie? Eu acho que tenho outras atividades.
Seu irmão o estudou, depois riu.
— Nossa Senhorita Eugenia é responsável por esse humor súbito
e sombrio, não é?
— Não me provoque, Charlie. Eu não estou com disposição para
isso.
Na verdade, seu corpo ainda estava latejando com luxúria não
correspondida e sua cabeça estava cheia da lembrança de Gina,
corada e orvalhada por causa de seu amor.
Charlie sorriu, como se ele adivinhasse o motivo para o mau
humor de Jamie.
— Vá para suas outras atividades, mas deixe Suzette em paz. Ela
acabou de se aquecer para mim e eu não a quero confusa em seus
afetos.
— Suzette é sua. — Ele rosnou. — Mas lembre-se de que você
não pode negligenciar seu dever no que diz respeito à Eugenia. Ela
ainda está em grave perigo.
— Onde você a deixou?
Ele apontou para o corredor.
— O pequeno salão.
Pulando os degraus da frente, dois de cada vez, ele ganhou a
rua e saudou um dos cavalariços que sempre esperavam do lado de
fora de grandes eventos como o da casa da duquesa esta noite.
Quando a carruagem virou na Oxford Road, ele teve um
vislumbre de uma figura familiar, revelada através da capa
encharcada de chuva. Missy Metcalfe? Ela não deveria estar em casa
de luto?
— Ah, condutor! — Ele chamou.
A carruagem parou e ele desceu com instruções para seguir.
Alcançou Missy quando ela estava virando a esquina.
Ela engasgou quando ele tomou seu cotovelo e virou-a.
— Senhorita Metcalfe. Você está sozinha?
Seus olhos se arregalaram.
— Estou indo para casa, Senhor Hunter. Eu imploro que você
não conte a ninguém que me viu.
— Não contarei. Eu tenho uma carruagem. Posso oferecer uma
carona?
Ela olhou por cima do ombro na direção da seguinte carruagem.
— Eu não penso assim, senhor.
— Você não deve sair sozinha depois do anoitecer, Senhorita
Metcalfe. Há perigos para uma mulher desprotegida.
Um sorriso sardônico curvou seus lábios cheios.
— Você seria um deles, Senhor Hunter?
Ele mal podia acreditar que ela estava flertando com ele. Ou
que encontrou-se respondendo após a rejeição de Eugenia.
— Se encorajado.
— Então talvez devêssemos pegar aquela carruagem.
Jamie fez um sinal para a carruagem, acomodou a Senhorita
Metcalfe e a seguiu, sentando-se ao lado dela.
Ela soltou as cordas da capa em volta do pescoço.
— Você se importaria se déssemos uma ou duas voltas pelo
Hyde Park, Senhor Hunter? Não posso ir para casa muito cedo, pois
meus pais ainda podem estar acordados, e eles acham que eu já me
recolhi durante a noite.
— Você está com dor de cabeça? — Ele adivinhou.
— Tristeza. — Ela respondeu com um pequeno sorriso.
Algo sobre a resposta dela o levou ao alerta. Ele não podia
imaginar sua própria irmã se comportando dessa maneira se um de
seus irmãos tivesse sido morto menos de uma semana antes. De
acordo com as regras do luto, Missy Metcalfe não deveria ser vista em
público por três meses, e ela deveria estar vestida com cores escuras
ou sem graça, em vez do vívido caqui que ela usava agora.
— E você não está de luto, Senhorita Metcalfe?
— Estou arrasada, Senhor Hunter. Simplesmente devastada.
Claramente um exagero. Não havia amor entre os irmãos?
Ele se debruçou pela janela e chamou o condutor.
— Hyde Park, por favor, e continue dirigindo até que eu diga o
contrário.
— Sim, senhor. — O condutor riu e Jamie soube que estava
pensando o que ele e a Senhorita Metcalfe estariam fazendo atrás.
— Diga-me, Senhorita Metcalfe, você e seu irmão eram
próximos?
— Tão próximos quanto outros. — Ela contestou.
— Então eu me pergunto por que você está na rua tão cedo
depois da morte dele.
— Qual o bem em lamentar Stanley agora? Se houvesse tempo
para ajudá-lo, mas isso já passou.
— Ajudá-lo? Ele estava em apuros?
Ela deu outro pequeno sorriso quando se aninhou mais perto
dele.
— Apuros suficientes para matá-lo.
Ela era fria.
— Você sabe quem fez isso?
— Agora, por que você faria tal pergunta? Se eu soubesse, não
teria contado às autoridades?
Isso dependeria muito do que Missy tinha a ganhar.
— A menos que você tenha medo das consequências — ele
sugeriu.
— Eu não me assusto facilmente, Senhor Hunter.
— Eu posso ver isso, Senhorita Metcalfe. Confesso que me
pergunto o que poderia ter sido tão importante para trazê-la a este
lugar em particular neste momento.
Ela recostou-se contra as almofadas e deu-lhe um olhar sensual.
— Talvez eu estivesse procurando por excitação.
Ela estava procurando por algo, ou alguém, disso ele tinha
certeza.
— Na casa da duquesa?
Ela encolheu os ombros, permitindo que sua capa se abrisse e
revelasse um decote muito ousado. Ele era homem o suficiente para
aproveitar a visão, mesmo que não estivesse inclinado a tirar
vantagem disso. Seu espartilho empurrava seus seios o suficiente
para que os aros rosados de sua aréola se elevassem acima dos
vincos das rendas. Um convite?
— Eu pensei em encontrar alguém. Realmente, sinto falta de ver
amigos e desejo contato humano. — Ela soltou um suspiro e a manga
de seu vestido escorregou por cima do ombro. Ela deu-lhe um olhar
torto sob os cílios abaixados.
Que coquete! Contato humano? Quanto contato Missy Metcalfe
desejava? Não era imune ao flerte, mas Jamie estava confuso. Nunca
foi tão habilmente seduzido por cortesãs. Com grande dificuldade, ele
forçou sua mente de volta à sua pergunta.
— Procurando alguém em particular, Senhorita Metcalfe?
Ela encolheu os ombros novamente, permitindo que sua manga
deslizasse ainda mais abaixo e revelasse uma pequena marca acima
de uma aréola. Artificial? Ou natural?
— Achei que poderia encontrar o Senhor Booth. Você o viu lá,
senhor?
Adam Booth? Ele e Metcalfe eram amigos. Será que Booth ficaria
tão surpreso quanto Jamie ao descobrir Missy na cidade sozinha? Ou
Adam tinha um conhecimento mais íntimo da verdadeira natureza de
Missy?
Ele sorriu para a garota bonita, tão diferente de Gina em quase
todos os sentidos que o contraste era surpreendente e não
particularmente lisonjeiro para Missy. Ah, mas Missy parecia querê-lo,
e Gina não.
— Eu acredito que o vi, mas não tive tempo para falar com ele.
Você tem negócios com ele?
— Negócios? — Ela deu outro daqueles sorrisos tímidos que o
fizeram pensar que ela estava apreciando uma piada pessoal. — Eu
suponho que você pode chamar isso de negócio. Embora meu motivo
fosse mais que eu estava muito solitária.
Ela se mexeu mais perto dele, esfregando seus seios macios
contra o seu lado e colocando a mão em seu joelho. Muito descarada
para uma garota da classe dela. Ele se perguntou quanto incentivo
ainda deveria dar.
— Você ainda está solitária, Senhorita Metcalfe?
Ela levantou a boca para ele enquanto deslizava a mão do seu
joelho para cima para segurar sua ereção. Sua voz foi um ronronar
quando ela respondeu.
— Acho que não, Senhor Hunter. Não, acho que estou prestes a
me divertir bastante.
O tamborilar de chuva contra o teto do coche abafou seu gemido
suave.
Capítulo Quinze
Os convidados riram de algum gracejo do Senhor Booth e Gina
sorriu, tentando deixar de lado a lembrança de seu confronto com
Jamie. Estava tão zangada que ele tinha abandonado o grupo a
Charlie e depois desapareceu. O simples pensamento de tal coisa a
fez suspirar.
— Mas vejo que a nossa Senhorita O'Rourke não se diverte
muito. — Disse o Senhor Booth com um sorriso sarcástico. — Eu
admito que minha inteligência não é um gosto universal, mas
raramente me encontro com tanta indiferença.
A Gina piscou quando a atenção foi transferida para ela.
— Eu sinto muito, Senhor Booth. Minha mente estava vagando.
— De fato? — Ele empurrou uma mecha de cabelo loiro da testa
e a olhou sombriamente. — Mas eu entretive o seu grupo com o único
propósito de ganhar sua atenção. Parece que vou ter que me esforçar
mais. Eu ouço uma valsa, Senhorita O'Rourke. Concede-me esta
dança?
Com todos os olhos nela, Gina não podia fazer mais nada além
de aceitar. Estava querendo falar com o Senhor Booth de qualquer
maneira.
— Encantada. — Disse ela, pegando a mão estendida.
Eles mal haviam entrado na dança quando a música terminou,
mas em vez de devolvê-la a suas amigas, ele a manteve aguardando
a próxima dança.
— Você está gostando de Londres, Senhorita O'Rourke?
— Tanto quanto possível. Minha família não teve nada além de
problemas desde que chegou aqui.
— Eu ouvi, Senhorita O'Rourke. Você tem minhas condolências.
Ela acreditou nele. Suas maneiras e fala eram tão calorosas que
era difícil duvidar.
— Obrigada.
Ele hesitou antes de falar novamente, obviamente escolhendo
suas palavras cuidadosamente.
— Estou correto em pensar que as coisas melhoraram e que
você e suas irmãs estão bem?
Para Bella e Lilly, as coisas estavam muito melhores. Quanto a si
mesma, certamente recuperara uma medida saudável de coragem e
autoconfiança.
— Muito bem, obrigada.
Ela imaginou que ele parecia de algum modo aliviado. Mas por
que seria esse o caso, a menos que ele se sentisse responsável de
alguma forma?
— Eu ouvi murmúrios de que você estará indo em breve para a
Irlanda. É assim mesmo?
Ela riu.
— Eu não deveria ficar surpresa com a quantidade de
informações compartilhadas nos salões, mas confesso que estou. Sim,
é verdade. Minha mãe e eu temos passagem reservada em um navio
que parte na segunda-feira.
— Lamento ouvir isso, Senhorita O'Rourke. Eu teria gostado
muito de conhecê-la melhor.
Calor penetrou em suas bochechas em sua aparente sinceridade.
— Não importa quanto tempo tenhamos para explorar novas
possibilidades, nunca é suficiente, não é, senhor?
Seu sorriso foi sua resposta. Ele olhou ao redor do salão de baile
e a expressão em seu rosto se fechou como se tivesse congelado no
lugar.
O medo arrepiou sua nuca e ela virou na direção do olhar dele.
Dançarinos passaram voando, obscurecendo sua visão. O que poderia
ter causado uma reação dessas no Senhor Booth?
— Você está bem, Senhor Booth?
Ele piscou e voltou para si mesmo.
— Eu vejo que a orquestra estará tomando um intervalo. Você
concorda em passear comigo no jardim?
Um pedido, que se feito momentos atrás ela teria aceitado,
agora ela recusou.
— Obrigada, mas os caminhos devem estar molhados da chuva.
Eu prefiro ficar aqui dentro.
— Oh. Sim, certamente. Mas eu estou relutante em devolver
você para seus amigos ainda.
Por mais inofensivo que parecesse, ela sabia que não ousava
confiar nele, mas queria desesperadamente questioná-lo.
— Vamos encontrar um local tranquilo?
Ele assentiu e ela o seguiu pelo mesmo corredor que ela e Jamie
haviam tomado há apenas uma hora. Sabendo que a sala estaria
vazia, foi diretamente para o pequeno salão e entrou, deixando que o
Senhor Booth a seguisse e fechasse a porta.
Não tinha mais o luxo do tempo. Apenas a franqueza a serviria
agora. Ela se virou e inclinou a cabeça para um lado.
— Nós nos encontramos anteriormente, não foi, Senhor Booth?
Ele abaixou a cabeça.
— Sim, Senhorita O'Rourke, mas eu recordo que você não se
lembra dos detalhes.
— Me esclareça, senhor.
— Há cerca de dois meses. Em uma propriedade nos arredores
de Mayfair.
— Você esteve lá naquela noite?
— Para minha vergonha.
— E a minha... — ela sussurrou para si mesma. Ela se sentou e
cruzou as mãos no colo para ganhar a compostura antes de se atrever
a olhar para ele novamente.
— Sempre me perguntei que tipo de homem compareceria a tal
local. Eu não teria pensado nisso de um homem do seu tipo, Senhor
Booth.
— Foi minha primeira participação em tal caso. Fui levado a
acreditar que era voluntário para todos os participantes e para
propósitos lascivos ao invés do desastre que acabou sendo. Mas
então, entendo que foi o método de Daschel e Henley de recrutar
postulantes para sua Irmandade. Ouvi de outros que um
comparecimento era suficiente para ser aceito e que era impossível
sair. Chantagem, você vê. Dash estava determinado a nos converter a
todas as práticas básicas elementares, enquanto Henley queria
apenas que nos afundássemos ao seu nível. Para nos controlar.
Gina respirou profundamente. Por mais feias que as palavras do
Senhor Booth fossem de ouvir, pelo menos elas tinham o tom da
verdade.
— Eu percebi, depois que o cálice foi passado e todos nós
bebemos, e uma vez que a vi, percebi que você tinha sido drogada
como os postulantes também tinham sido. Eu não estou enganado
nisso, estou, Senhorita O'Rourke? Você não se ofereceu como
voluntária para ser uma virgem em sacrifício?
Um gorgolejar de risadas histéricas irrompeu de algum lugar
dentro dela. Voluntária?
— Nunca.
— Então fico feliz em vê-la tão bem, e satisfeito por ter
terminado assim, embora tenha tido consequências sombrias para
alguns de nós.
A Em sua própria auto absorção, nunca lhe ocorrera que outros
pudessem ter sido afetados.
— O que, lhe pergunto, qual foi a consequência para você e seus
amigos?
— Nós fomos chantageados, Senhorita O'Rourke. Metade das
nossas fortunas foram aos bolsos de Henley. Não podemos denunciá-
lo sem expor nossa cumplicidade. E não podemos expor nossa
cumplicidade sem ruína absoluta para nossas famílias e entes
queridos.
Um pequeno formigamento de simpatia preocupou o fundo de
sua mente. Impossível! Simpatia por seus algozes, ainda que
inconscientes?
— Além disso, eu percebo que você nos procura, um por um, e
nos elimina?
— Elimina? Você quer dizer... não! Quero que Henley seja
capturado e castigado, tanto por minha irmã Cora quanto por mim.
Quero que as autoridades o prendam para sempre, mas não tomei a
justiça em minhas próprias mãos.
— Você não matou Stanley Metcalfe?
— Não! Eu acho que ele estava tentando me ajudar.
— Você foi a última pessoa a ser vista com ele vivo.
— Momentos depois de ele me deixar, fui agredida pelo Senhor
Henley.
— Cristo! Se Henley estivesse lá naquela noite...
— Ele matou o Senhor Metcalfe. Talvez para impedi-lo de me dar
informações.
O Senhor Booth afundou no sofá ao lado dela.
— Ele é um louco.
— Você vai me ajudar, Senhor Booth? Vai me dizer onde
encontrá-lo para que eu possa informar o Ministério do Interior?
— Eu não sei onde ele está se escondendo. Ele vem até nós com
suas demandas em lugares públicos, onde não podemos atacá-lo sem
chamar atenção. Ele é um homem marcado, Senhorita O'Rourke.
Deixe sua morte para os outros. É muito perigoso para você.
— Eu não posso. Serei levada de volta à Irlanda em breve, e
estou desesperada para ter o assunto concluído antes disso.
Ele pegou a mão dela e apertou-a.
— Sim, então. Vou ajudar. Um dia, no máximo dois, e irei
encontrar informações para você.
A porta foi aberta e Charlie ficou lá, parecendo tão ultrajado
quanto um marido traído.
— Droga, Senhorita O'Rourke! Aí está você! Me deu um susto.
Venha, agora a levarei para casa.

— Em um momento ela estava dançando com Booth, e o


próximo tinha desaparecido completamente. Eu juro, Jamie, aquela
garota tem um prazer perverso em me dar uma apoplexia.
Jamie sorriu e inclinou a cadeira para trás nas pernas traseiras.
Prazer perverso é precisamente o que ele tinha tido com Missy
Metcalfe. Bem, alguma forma disso, de qualquer maneira. Ele não a
tomou, mesmo quando abriu as pernas em um convite. Tampouco
aceitara aqueles seios exuberantes e cheios, tão sedutoramente
oferecidos quando ela baixou o vestido para revelá-los em toda a sua
glória.
Tinha ficado completamente perplexa por ele ter recusado e
tinha ido ainda mais longe para tentá-lo, beliscando e provocando
aqueles brotos rosados até se inclinarem para implorar sua boca. Se
tivesse sido Gina a fazer essas coisas, teria achado a cena
insanamente erótica. Mas a Senhorita Metcalfe era tão experiente, tão
fingida, que não foi mais interessante para ele do que Suzette. E
suspeitava que os rumores sobre ela fossem mais gentis do que a
verdade real.
Suspeitava, de fato, que Missy poderia ter sido enviada para
distraí-lo. Ele avisou o condutor e deixou-a na frente de sua casa
alguns minutos depois, deixando-a sozinha para ajustar sua própria
roupa.
Agora, bem depois da meia-noite e seguramente escondido em
um canto da Crown and Bear, ele apenas suspirou e acenou para as
reclamações de Charlie. Gina era, indubitavelmente, indescritível. E
perversa.
— Ela estava com Adam Booth, por Deus. Os dois sentados no
escuro, a sua mão na dele. Pensei que ela era doce com você, Jamie.
Eu jurava que havia algo poderoso entre vocês dois.
Booth? Iria preferir Booth a ele? A noção irritou-o. Ela se
entregou a ele e, virgem ou não, sabia muito bem que ela não tinha
desistido disso antes da noite passada. Não, tinha que haver outra
explicação para o encontro deles.
— Acalme-se, Charlie. Nós tivemos uma discussão bastante
desagradável antes de eu deixar o baile. Talvez ela estivesse apenas
tentando ferir meu orgulho. — Como ele tentou espetar o dela com
Missy Metcalfe?
— Deve ser uma nova experiência para você, não? Uma mulher
que não cai em cima de você? Mas ainda acho que não deveria se
divertir com ela. Mantenha seu afeto para o submundo.
Jamie simplesmente ignorou Charlie, já que era muito tarde para
tais avisos agora. Ainda assim, o pensamento da mão de Gina em
Adam Booth causou-lhe um mau humor. Ele teria que ter uma palavra
com o homem.
— Ah, aqui estão eles. — Charlie murmurou. — Você tem certeza
de que quer fazer isso?
A Jamie observou enquanto Dick e Artie Gibbons se
aproximavam pela porta, ambos examinando a sala com uma rápida
olhada nos olhos opacos.
— Eles são totalmente insensíveis à verdade e honra, Charlie. Eu
realmente não sei por que nos incomodamos. Se nós não
estivéssemos tão malditamente desesperados...
Quando Dick os viu, ele cutucou seu irmão e eles se dirigiram
para a mesa de Jamie.
— Ouvi dizer que vocês estavam nos procurando noite passada
no Pata de Gato. — Disse Dick.
— Sim, nós estávamos.
— Tem alguma coisa para nós?
— Nós estávamos esperando que você tivesse algo para nós.
— Como o quê?
— Informação. Você já encontrou o esconderijo de Henley?
Artie lambeu os lábios, indicando que gostaria de uma bebida, e
Dick olhou para o copo de Charlie. Jamie fez sinal a Mick para trazer
mais dois copos e uma garrafa de uísque.
Os irmãos arrastaram cadeiras de uma mesa próxima e
sentaram-se, olhando para Jamie como se pudessem deixá-lo
nervoso. Jamie recostou-se novamente na cadeira e cruzou os braços
sobre o peito.
Dick quebrou o contato visual quando Mick trouxe a garrafa e os
copos. Dois goles depois, ele parecia pronto para falar.
— Encontrei, mas ele tinha ido embora. Dick esfregou a barba
que revestia sua mandíbula suja.
— Não encontrei seu novo buraco ainda. Você quer mais, vai ter
que pagar por isso.
Jamie ignorou a clara extorsão e dirigiu-se ao outro assunto que
estivera em sua mente.
— Você ouviu que Stanley Metcalfe foi morto há alguns dias?
Artie deu uma de suas risadas ofegantes enquanto Dick apenas
sorria.
— Bem... bem. Isto não é interessante?
— Você sabe alguma coisa sobre isso, Dick?
— Talvez eu tenha minhas suspeitas.
— Eu também tenho as minhas. Vamos comparar?
— Você primeiro.
— Henley, ele mesmo. Alguém o viu no baile de máscaras.
Dick pareceu surpreso.
— Então, você sabe disso, não é?
— Por que acha que alguém iria querer que ele morresse? —
Charlie perguntou.
— Se colocou no caminho de alguém, eu diria.
— Como assim?
— Não sei. Fazendo muitas perguntas... seria meu palpite.
Justamente como você, como seu irmão.
Isso não era um aviso muito sutil para ele e Charlie?
— Metcalfe à parte, tem havido um número extraordinário de
ataques ultimamente. Por exemplo, alguém atirou em Charlie na noite
após o assassinato de Metcalfe. Eu não estou muito feliz com isso.
Um dar de ombros foi a resposta de Dick, mas ele olhou para o
copo e não encontrou os olhos de Jamie, nem olhou para Charlie. O
cabelo ficou preso na nuca. Cada instinto dele apontava para os
irmãos Gibbons nessa tentativa. E ali estavam eles, sentados à mesa
bebendo seu uísque. Seus dedos coçaram para apertar a garganta de
Dick e ir atrás de Artie depois. Em vez disso, ele respirou fundo e deu
a Charlie um olhar de aviso.
— Parece que Londres está ficando perigosa para alguns homens
da alta sociedade.
— Não dou um tostão para esses riquinhos. — Disse Dick. —
Eles vão todos para o inferno, e eu não me importo.
— Quem você chantagearia então, Dick? Onde pegaria seu
dinheiro?
Ele deu um sorriso de lado.
— Acharemos um jeito. Certo, Artie?
Artie riu e balançou a cabeça.
Charlie estreitou os olhos.
— Boa ideia, Dick. Porque eu acho que trabalhos podem ficar
muito escassos para vocês. Espero que tenha guardado algum
dinheiro para os dias ruins que virão.
— Não se preocupe com o que temos. — Rosnou Dick. Até Artie
ficou sombrio com a menção de dinheiro.
Jamie se perguntou novamente o que esses homens faziam com
seu dinheiro lavado de sangue e com quanto eles seriam pagos para
matar Charlie e ele. Uma coisa ficou evidente, que os irmãos Gibbons
não eram seus aliados. Ou Henley tinha algo sobre eles ou estava
pagando mais, e nada que Jamie pudesse dizer iria influenciá-los.
De repente, Jamie terminou com eles. O preço para lidar com tal
escória era muito grande e nada além de traição poderia vir disso.
Empurrou a cadeira para trás e se levantou, e Charlie seguiu o
exemplo.
— Estou fora, rapazes. Não há mais jogos. Não há mais
subornos. É melhor para vocês ficarem fora da minha vista.
Um expressão tal de raiva passou por Dick, e Jamie suspeitou
que ele estava planejando se vingar.
— Tem certeza de que quer nos ter como inimigos? — Ele
perguntou.
— Nunca tive mais certeza de nada na minha vida.
Dick e Artie se levantaram juntos e se mediram contra Jamie e
Charlie. A decisão tomada, eles foram para a porta e desapareceram
na noite.
Do bar, Mick Haddon sorriu e levantou um copo para eles.

No momento em que Charlie chegou ao Baile Argyle na noite


seguinte, Jamie estava esperando ansiosamente. Depois do que
Charlie havia dito a ele ontem à noite sobre Eugenia e Adam Booth
estarem fechados juntos em uma sala escura, ele estava pronto para
chamar o homem para fora. Não importa que fosse um dos melhores
amigos de Charlie.
Conversou com o anfitrião, Lorde Geoffrey Morgan, e observou
quando um lacaio tirava o casaco de Gina dos ombros dela. Quando
ela se virou para o salão, ele parou no meio da frase. Gina usava um
vestido azul-francês com um corpete que mergulhava para baixo entre
os seios, revelando apenas as curvas exuberantes de cada lado. Ah,
mas isso era muito insinuante. Um camafeu madrepérola branca
estava preso a uma fita azul em volta de sua garganta. O vestido era
dez vezes mais sedutor do que o vestido que Missy Metcalfe usara na
noite anterior.
Atrás dele, ouviu um homem sussurrar para seu companheiro.
— Bom Deus! Quem é essa criatura de tirar o fôlego em azul? E
o que eu preciso fazer para obter uma apresentação?
— Acredito que é a Senhorita Eugenia O'Rourke. Ela é a irmã da
esposa de Andrew Hunter e da garota que estava noiva do Marquês
de Olney, mas fugiu com Devlin Farrell.
— Sangue selvagem, então? Muito melhor. Aqui, Morgan. Vamos
ajeitar essa apresentação?
Quando os homens se moveram atrás dele, Jamie estava pronto
para encará-los. Seria condenado se permitisse que outro homem
provasse o que ele tinha provado. Gina era dele.
Esse pensamento o surpreendeu. Dele. Gina era dele. Maldição
se ele não a amava. Por que nunca percebeu isso antes? Oh, o mero
pensamento dela, a memória dela, o assombrava desde que eles se
conheceram. Ele a queria desde que a conhecia. Ficara entristecido
com a percepção de que nunca poderia amá-lo porque ele era uma
lembrança de tudo que era repugnante para ela, mas nunca parara
para perceber que a amava. Ontem havia proposto a ela. Mas nunca
reconheceu seus próprios sentimentos na verdade. O amor havia
acontecido com ele finalmente, e o inferno não congelou.
— Olá, Morgan. — Disse um dos homens.
Geoff Morgan assentiu.
— Hoppes. — Cumprimentou. — Worick.
— Excelente diversão. — Disse Hoppes por gentileza. — Worick
e eu estávamos imaginando se você poderia nos apresentar àquela
criatura graciosa que acabou de chegar com as gêmeas Thayer.
— Lamento que ele não possa. — Jamie respondeu para Geoff.
Geoff cobriu sua surpresa e deu a Jamie um olhar avaliador.
— Uh certo. Meu bom amigo Hunter, aqui, já a reivindicou. —
Hoppes e Worick consideraram Jamie com um olhar preconceituoso.
— Você já se declarou? — Perguntou Worick.
Ele assentiu.
— Não ouvi sobre qualquer anúncio. — Acrescentou Hoppe.
Jamie deu-lhes um sorriso frio.
— Você irá ouvir.
— Se ela mudar de ideia, lhe diga que a estou esperando.
Mudar de ideia? Ela não tinha a menor noção de que diria sim.
Mas ela faria. Ele faria o que tivesse que fazer para que isso
acontecesse.
— Ela não vai.
Os dois homens se curvaram rapidamente para Geoff e
recuaram.
— Parabéns? — Geoff se aventurou.
— Ela não disse sim.
— Ela vai?
Jamie encolheu os ombros.
— Eu posso ter alguma persuasão a fazer.
— Apenas se decidiu, hein? Pelo interesse que ela está gerando,
eu deixaria minhas intenções claras em breve, Jamie.
Excelente ideia.
— Obrigado pelo conselho. — Ele disse, entregando sua taça de
vinho para Geoff e indo para o grupo de Gina.
Charlie o viu chegando, olhou entre ele e Gina, e deu um passo
para trás para dar espaço a Jamie no lado de Gina. Ela estava
envolvida numa conversa com Harriett Thayer e não o viu.
— Senhorita Eugenia. — Ele a cumprimentou com uma
reverência.
Se virou para ele e seu coração ficou parado por um momento,
depois voltou a bater em uma cadência rápida. Ela estava
deslumbrante e conjurou memórias de sua noite juntos. Seus lábios
se curvaram em um sorriso, que em seguida desapareceu,
evidentemente recordou a última conversa. Tinha sido grosseiro e
mal-humorado, mas ela tinha mexido muito com seu orgulho. Pediria
desculpas e encontraria alguma maneira de fazer as pazes com ela.
Estendeu a mão em um convite silencioso, depois prendeu a
respiração em sua hesitação enquanto ela olhava para um ponto
acima de seu ombro.
— Senhorita O'Rourke! Que fortuito. Estive procurando por você.
Posso solicitar esta dança?
— Eu estava... claro, Senhor Booth.
Capítulo Dezesseis
Gina olhou por cima do ombro para Jamie. Ele estava olhando
para ela com um olhar tão trovejante que suspeitou que pagaria por
isso depois. Mas ela não podia depender de encontrar um momento
com o Senhor Booth depois.
— Eu interrompi alguma coisa, Senhorita O'Rourke?
— Não precisamente, senhor. Imagino que o Senhor Hunter
estava prestes a me pedir uma dança, mas eu queria falar com você.
Ele sorriu claramente satisfeito por ter sido escolhido ao invés de
Jamie.
— Fico satisfeito. Acontece que eu consegui descobrir um pouco
de informação para você. Será difícil discutir isso durante uma dança.
Vamos dar uma volta pelo salão?
Ela pegou o braço dele enquanto a levava para o perímetro da
pista de dança. Sua excitação cresceu quando ele colocou uma mão
sobre a dela enquanto caminhavam lentamente.
— Queria que houvesse algum lugar onde pudéssemos
conversar em privado, Senhorita O'Rourke. Este não é o tipo de coisa
que alguém gostaria de ouvir.
— Nunca estive aqui antes, Senhor Booth. Eu não sei se há
algum espaço privado.
— Existem algumas salas privadas, mas acredito que isso
causaria um pouco de escândalo, não é?
Ela riu. Se o Senhor Booth soubesse o quão acostumada estava
ao escândalo, não haveria como negar a ele. Ela gesticulou para os
nichos com bancos estofados ao longo da parede oposta, o que
proporcionava oportunidades privadas e tranquilas para conversas.
Ele a conduziu até um dos fundos do salão e, portanto, longe da
luz dos candelabros e do som da orquestra. Ele esperou que ela se
sentasse, então se sentou bem perto dela e inclinou a cabeça para
ela.
— Aqui, bem aconchegante, não é?
Ela sorriu e cruzou as mãos no colo. O Senhor Booth estava
flertando e ela não queria dar a ele uma oportunidade de tocá-la de
uma maneira familiar. Ela concordou.
Ele respirou fundo e prendeu sua atenção nas pontas dos pés de
seus sapatos.
— Depois que conversamos ontem à noite, passei muito tempo
lutando com a minha consciência. Embora não tivesse nenhuma
cumplicidade no que lhe foi feito, Senhorita O'Rourke, ainda tenho
certa responsabilidade e culpa por minha presença lá, e é por isso que
concordei em ajudá-la.
— Eu não fui o único a ser atraído com a promessa de
entretenimento lascivo. Metcalfe foi outro. Eu posso ver agora que
Henley e Daschel estavam lentamente nos acostumando a
experimentar degradações cada vez maiores. Ele nos levou em uma
excursão a Bedlam, então àquelas encenações com mulheres nuas em
poses provocantes. Em cada turno, ele aumentava a excitação,
provavelmente acreditando que nos uniríamos a eles em sua
Irmandade. Por favor, acredite em mim quando digo que não tinha
conhecimento do seu verdadeiro propósito naquela noite.
Gina suspirou profundamente, imaginando quantos homens
presentes naquela noite fariam a mesma reclamação que o Senhor
Booth. E seriam verdadeiros? Ou meramente uma desculpa? Ela olhou
para ele pelo canto do olho e achou que parecia sincero. As
aparências enganavam. Mas ele não pediu perdão, então ela
permaneceu em silêncio.
— E porque sinto a necessidade de reparar meu erro, comecei a
fazer perguntas. Poucos de nós restaram daqueles que estavam lá
naquela noite. Isso arruinou muitas vidas, você sabe.
Uma maneira educada de dizer que o Senhor Henley estava
chantageando-os? Sim, ele já disse isso a ela.
— Quanto você pagou, Senhor Booth?
Ele deu a ela um rápido olhar apreciativo.
— Até a presente data? Pelo menos um quarto da minha
fortuna, Senhorita O'Rourke. E pelo que ouvi de rumores não sou o
único. Henley fez uma grande fortuna com isso, e comecei a me
perguntar se não era esse o propósito desde o começo. Ele e Daschel
estavam vivendo além de seus meios. Qual é o melhor plano para
melhorar suas fortunas do que atrair os homens mais ricos para um
escândalo e chantageá-los para ficarem quietos?
— Você não vai me fazer ver você e os outros como vítimas,
senhor. Poderia ter recusado o Senhor Henley a cada passo.
— Estou dolorosamente ciente disso. Ele jogou com nossos
instintos mais básicos e ganhou, para nossa vergonha eterna. Henley
deve ser abatido como o cão raivoso que é.
— Uma grande vantagem para você e os outros se ele fosse.
Não posso deixar de ver seus motivos como sendo bastante egoístas.
Pela primeira vez, o Senhor Booth parecia zangado.
— O que você quer que eu e os outros façamos, Senhorita
O'Rourke? Pague com todas as nossas fortunas e permita que Henley
fique livre de escândalos? Ora, cheguei a pensar que Henley continua
a chantagem para enriquecer a si mesmo, preparando-se para uma
fuga.
Ficou em silêncio. Talvez recrutar a ajuda de Booth tivesse sido
um erro. Poderia juntar forças com alguém que esteve lá naquela
noite? Ela poderia confiar nele?
— Eu duvido que faça muita diferença no final. — Senhor Booth
continuou em voz baixa. — Henley está determinado a arruinar a
todos nós. E ele tem mais do que dinheiro como motivo para alguns
de nós.
— Porque você pode testemunhar contra ele?
— Não acredito que ele esteja muito preocupado com isso.
Como poderíamos testemunhar sem nos expor e nos implicarmos?
Gina pensara a mesma coisa. O interesse próprio era uma
emoção poderosa. Ela não podia esperar que alguém desse um passo
à frente se eles sofressem de alguma forma por fazê-lo.
— No entanto, Senhorita O'Rourke, pude determinar algumas
coisas. Primeiro, acredito que Henley matou Metcalfe.
Ela estava certa disso, mas uma pergunta permaneceu.
— Por quê? Se ele estivesse extorquindo dinheiro de Metcalfe,
matá-lo não iria contra seu propósito?
— Creio que houve algum tipo de rancor pessoal. E nesses
casos, tende a ser por causa de uma mulher.
Como seria possível que o Senhor Henley tivesse sentimentos
ternos por qualquer mulher e ainda fizesse as coisas que tinha feito?
E, no entanto, o Senhor Renquist relatou que o Senhor Henley havia
se encontrado com uma mulher, e Gina tinha visto a prova disso nas
cartas.
— Acredito que pode haver uma chance de prendê-lo através
dela, mas não fui capaz de descobrir quem ela é. Ainda estou
procurando. Espero ter um nome em breve.
— Devo orar por isso, Senhor Booth. A pobre precisa ser avisada
sobre o tipo de homem que é.
O Senhor Booth concordou com a cabeça.
— Vou continuar procurando, Senhorita O'Rourke, mas não o
vejo com frequência. Só quando ele quer dinheiro.
— Quando foi a última vez que o viu, senhor?
— A noite do baile de máscaras de Morris. Ele estava coletando
de mim, mas estava obcecado com algo que disse que tinha perdido
em sua última mudança.
Gina se virou para ele.
— Quando foi isso?
— Muito recentemente, acredito. Disse que tinha voltado para
seus aposentos anteriores, mas que o senhorio disse a ele que tudo o
que não tinha levado foi descartado.
Poderia este algo ter a ver com a caixa que o Senhor Renquist
tinha comprado para ela? Mas não conseguia se lembrar de algo de
valor particular, exceto pelo alfinete de gravata do dragão. Tinha
perdido alguma pista nos itens? Renquist entregou a lista e as cartas
ao Ministério do Interior, mas ela ainda tinha a caixa.
— Senhorita O'Rourke?
Ela voltou para a conversa.
— Sim?
— Tem mais uma coisa.
Ela encontrou o olhar dele e esperou.
— A última vez que falei com Stanley Metcalfe, estava muito
nervoso. Ele mencionou que sabia alguma coisa, ou descobriu alguma
coisa, que faria Henley matar por isso. Se quis dizer isso figurativa ou
literalmente, não posso dizer.
Sim, o Senhor Metcalfe estava bastante nervoso quando se
encontraram no baile de máscaras e momentos depois estava morto.
Ela suspirou. Houve mortes demais.
— Você deseja que eu continue fazendo perguntas?
— Por favor, Senhor Booth. Qualquer coisa pode ajudar. Mais
especialmente, se você pudesse descobrir onde ele se aloja, mas
tenha cuidado.
Ele assentiu enquanto se levantava e ofereceu-lhe a mão.
— Eu devo levá-la de volta para seus amigos, Senhorita
O'Rourke. Estivemos longe mais do que uma dança ou duas.
Céus! Ela havia perdido a noção do tempo.
Mas precisava de um momento para pensar sobre as coisas que
o Senhor Booth lhe dissera. Ela balançou a cabeça.
— Vá em frente sem mim, senhor. Preciso de um momento para
ordenar meus pensamentos. E muito obrigada pela sua ajuda.
Ele se curvou e se afastou dela, uma expressão intrigante no
rosto.
Sua cabeça girou. O que ele disse? Que suspeitava que o Senhor
Henley havia matado o Senhor Metcalfe por causa de uma mulher?
Mas que mulheres o Senhor Henley e o Senhor Metcalfe poderiam ter
em comum? Christina Race? Certamente não! Christina estava
perdidamente apaixonada pelo Senhor Metcalfe. Então, a Senhorita
Metcalfe? Ridículo. A não ser... que o Senhor Henley de alguma forma
tenha prejudicado a garota, assim como ele havia prejudicado Gina.
De repente, ela queria ir para casa e examinar o conteúdo da
caixa de madeira do Senhor Henley. Havia alguma maldita pista no
pequeno alfinete de gravata com seus olhos de rubi? Algo que iria
trair onde ele poderia ser encontrado?
Jamie estudou Gina do outro lado da pista de dança. Ela
balançou a cabeça e Booth a deixou sozinha, recuando com um ar de
extremo nervosismo. Olhou para baixo e uma mecha escura de seu
penteado caiu sobre seu ombro. Puxou-a de volta e continuou imersa
em pensamentos. O que poderia causar sua distração absoluta? Uma
proposta indecente?
Voltou sua atenção para o Booth em retirada. Deveria ir atrás
dele. Se ele tivesse machucado Gina de alguma forma, se causara a
ela o menor sofrimento, ele pagaria por isso.
Mas Gina se levantou e começou a andar em sua direção a e ele
tirou Booth de sua mente. Tinham assuntos para discutir. Coisas para
resolver entre eles. Ela veio diretamente para ele e ficou satisfeito por
não tentar evitá-lo ainda mais.
— Acho que precisamos conversar, Senhor Hunter.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Ainda sou o Senhor Hunter? Então você ainda está com raiva
de mim?
Seus lábios exuberantes se contraíram.
— Um pouco. Você não foi um cavalheiro na noite passada.
— Você não foi exatamente uma dama. — Ele lembrou a ela.
— Mas você me deixou insatisfeita.
— Mesmo? Humm. Não me recordo desse jeito. Acredito que fui
o único a ficar insatisfeito.
Ela corou, mas bravamente encontrou seu olhar.
— Estou me referindo ao fato de que você não respondeu à
minha pergunta.
Deus. Como ele poderia lhe dar uma resposta que a satisfaria? A
verdade era... devastadora. Mentiria? Mas isso não estava em sua
natureza. Ela inclinou a cabeça para o lado e ele ainda não
respondeu.
Ela respirou fundo e expirou devagar.
— Muito bem. Deixemos o tempo superar esse ressentimento.
Enquanto isso, há outros assuntos que devemos discutir. Eu tenho
informações sobre o Senhor Henley, e...
Ele pegou o braço dela e virou-a para o outro lado.
— E não devemos discutir isso onde poderíamos ser ouvidos.
Guiou-a por um corredor até um salão, conduziu-a pela porta e
gesticulou para que ela se sentasse em um pequeno sofá, deixando a
porta entreaberta por uma questão de decoro e para impedir qualquer
repetição da noite anterior na sala de estar da casa da duquesa.
Quando se virou para ela, parecia tão apropriada que ele quase
suspirou.
— Agora, Senhorita O'Rourke, gostaria de ouvir qualquer notícia
que você possa ter do Senhor Henley ou de qualquer um de seus
companheiros.
— Ontem à noite solicitei ao Senhor Booth para ajudar em
minhas investigações, e ele me trouxe notícias.
— Como no mundo você o convenceu a correr esse risco?
— Eu perguntei se nos conhecíamos, e ele parecia
envergonhado. Estava na capela naquela noite e confessou que tinha
vergonha de ter feito parte disso. Eu usei sua culpa para obter sua
colaboração.
Ah, então ele poderia deixar Booth viver. Afortunado para
ambos, desde que um duelo ao amanhecer poderia chamar toda a
atenção indesejada.
Gina sorriu para ele, evidentemente orgulhosa de suas
maquinações.
— Esta noite ele me trouxe novidades. De acordo com o Senhor
Booth, o Senhor Henley tem chantageado muitas pessoas. Acredito
que ele pode estar juntando dinheiro para uma fuga. Uma grandiosa,
pelas somas que tem recolhido.
Jamie assentiu enquanto andava de um lado para o outro com
as mãos atrás das costas. Ele sabia de tudo isso pelo Senhor Morris,
mas não queria parar Gina quando finalmente confiava nele o
suficiente para trazer-lhe essa notícia.
— Eu também passei a acreditar que o Senhor Henley está
envolvido de alguma forma com uma mulher. Talvez alguém que se
encontre com ele frequentemente.
Esta era uma nova informação.
— Você sabe quem é ela?
— Temo que não. Embora certamente não possa haver muitas
que estejam dispostas a confiar nele.
— Se elas soubessem sua verdadeira natureza... — ele
acrescentou. — A sociedade em geral não sabe dos eventos naquela
noite ou de antes. Todo mundo tem ficado de boca fechada. Os
maridos não queriam que suas esposas soubessem, nem os solteiros
queriam tais notícias estragando suas chances de conseguir uma
herdeira.
— Há mais. Booth suspeita que a mulher seja da alta sociedade.
Ele acha que o Senhor Henley matou o Senhor Metcalfe por ela. Nada
faria mais sentido, já que matar o Senhor Metcalfe iria secar os
fundos que ele estava extorquindo. Você sabe de alguém a quem o
Senhor Henley esteve próximo antes de ser exposto?
Ele tentou pensar nas mulheres que tinha visto com Henley.
Desde que tinha sido amigo de Metcalfe, fora visto na companhia de
Missy e da Senhorita Race. Além disso... Espere! Foi por isso que ele
reconheceu a Senhorita Race, a viu na companhia de Metcalfe e
Henley em algumas ocasiões: o teatro, saraus e alguns outros eventos
questionáveis. Poderia ela... certamente não. Uma mulher
desconhecida, então. Alguém que circulava em seus círculos, mas não
tinha sido previamente conectada com Henley. Sim, fazia sentido.
Uma queixa pessoal era o motivo que faltava para Henley matar um
amigo, especialmente um que o estava pagando por seu silêncio.
Informaria imediatamente a Wycliffe dessa nova linha para investigar.
Ele pensou em voz alta.
— Nós poderíamos encontrar Henley através desta mulher.
Ela parecia incerta, como se quisesse dizer mais, então encolheu
os ombros e o momento se foi.
— Fico feliz que pude ajudar. Eu faria mais, você sabe. O que for
necessário.
Ele admirou sua bravura e determinação.
— Gostaria que fizesse menos, Gina. Eu não gosto de você se
colocando em perigo.
— Você estará sendo atendido em seu desejo muito em breve
agora. Mamãe e eu estaremos partindo em dois dias. Enquanto isso,
pretendo fazer tudo o que puder para acabar com isso.
— Dois dias. — Seu estômago se torceu. Dois dias e Gina teria
ido embora de sua vida. Dois dias e a vida voltaria à mesmice sem
graça.
Ele estendeu a mão para tocar sua bochecha quando o
inconfundível som de uma pistola sendo disparada os alcançou. O som
veio da rua e ele atravessou a pequena sala para olhar pela janela.
Quase diretamente abaixo deles, um corpo jazia de bruços sobre
o paralelepípedo. Pela maneira que o homem estava vestido, ele
esteve presente em um dos eventos no Salão Argyle naquela noite.
Enquanto ele observava, as pessoas começaram a se reunir em volta
do corpo. Jamie reconheceu Geoff Morgan e Charlie entre eles.
— Charlie? — Ele chamou.
Seu irmão, ajoelhado ao lado do amigo, ergueu os olhos, uma
expressão de séria preocupação em seu rosto.
— Booth. — Ele murmurou.
Ao lado dele, Gina lutou para recuperar o fôlego.
— Não!
— Encontre as gêmeas e fique com elas até eu ir ao seu
encontro. — Ele disse a ela.
— Mas...
Ele correu pelo corredor até a escada dos criados, o caminho
mais rápido para a rua abaixo. Não percebeu que Gina o seguiu até
que estava ao lado de seu irmão.
— O que diabos aconteceu?
Charles parecia furioso.
— Nós estávamos apenas conversando.
Ele virou Booth para revelar uma mancha de sangue sobre o
linho branco da camisa e um olhar de surpresa no rosto, congelado no
momento de sua morte. Charlie fechou os olhos do homem.
Houve um gemido suave, uma mão segurando sua manga. Ele
se virou para encontrar a atenção de Gina sobre o homem morto.
— Por minha causa. Ele foi morto porque estava me ajudando.
Ela estava perto da histeria. Ele precisava lhe dar algo para se
concentrar, e precisava que ela ficasse segura lá dentro, longe desse
desastre.
— Vá para dentro, Gina. Encontre as Thayer e fique com elas.
Ela deu um passo para trás, depois outro, sua atenção nunca
deixando o corpo de Booth. Preocupado que ela estivesse em choque,
ele lhe estendeu a mão, pretendendo levá-la a suas amigas para que
a acalmassem enquanto ele e Charlie chegavam ao fundo desta
tragédia.
Outro barulho alto reverberou na rua estreita e Jamie colocou
Gina atrás dele, protegendo-a do perigo. Na confusão, os homens
reunidos gritaram e começaram a se afastar do corpo de Booth. Mas
Charlie, caído, estava imóvel nas pedras, uma mancha carmesim
aterrorizante se espalhando por seu ombro esquerdo.
Geoff Morgan e alguns outros correram na direção de onde o tiro
tinha vindo.
Jamie deu uma sacudida rápida em Gina para tirá-la de seu
choque.
— Corra, Gina. Encontre um médico e envie-o para nós.
Depressa.
Ele se ajoelhou ao lado de seu irmão, aliviado ao ouvir os passos
de Gina enquanto ela corria para fazer o que pedia. Desatou a gravata
e apertou-a em Charlie, tentando conter o fluxo de sangue.
— Charlie? Charlie, acorde. Fique conosco, homem. Vamos. Abra
seus olhos, Charlie. Lute, droga!
Os olhos de seus irmãos se abriram.
— De onde isso veio?
— Cale-se. Poupe seu fôlego. Gina foi buscar um médico.
Charlie deu um leve aceno de cabeça.
— Não pense que é tão ruim. Mal dói.
— Você está em choque, seu idiota.
A risada de Charlie se transformou em um suspiro para respirar.
— Estou bem. Vá atrás do assassino.
— Vou ficar com você até a ajuda chegar. Viu quem era?
— Acho... Gibbons.
— Você os viu?
— Eu os cheirei.
— Eles vieram atrás de quem? Você ou Booth?
— Ambos. O segundo tiro veio de uma segunda pistola. Sem...
tempo para recarregar.
Isso foi bom o suficiente para Jamie. Ele deveria avisar a
Wycliffe imediatamente. E seus irmãos.
Morgan e os outros que haviam perseguido o atirador
retornaram e Morgan sacudiu a cabeça, seus lábios pressionados em
uma linha sombria.
— Sumiu. — Seu único comentário.
Os irmãos Gibbons conheciam todos os becos e esconderijos da
cidade. Não seria difícil para eles simplesmente desaparecerem. Mas
agora Jamie conhecia seus lugares favoritos e sabia que os irmãos
não eram astutos o bastante para perceber que todos os Hunter,
todos os agentes do Ministério do Interior iriam atrás deles.
Um momento depois, Gina estava de volta, trazendo um médico
consigo. Jamie ficou de pé quando o médico começou a cortar a
jaqueta de Charlie para avaliar a extensão do dano. Havia muito
sangue. Charlie poderia sobreviver?
Gina veio para ficar ao lado dele.
— Ele vai se recuperar Jamie. Deus não seria tão cruel.
Ele deslizou o braço ao redor dela, puxando-a para perto,
querendo acreditar nela e agradecido pelo conforto que ela oferecia.
Conforto que lhe foi negado quando sua irmã foi assassinada e ela
colocada em um altar.
Ele beijou o topo de sua cabeça enquanto uma multidão se
reunia atrás deles, sem se importar com quem pudesse ver ou
fofocar.
— Gina, — sussurrou apenas para seus ouvidos. — Preciso que
você vá para casa e fique em segurança ou não poderei fazer o que
devo.
Ela assentiu com a cabeça e recuou para se juntar as gêmeas
Thayer, que agora eram confiadas ao Morgan. Ele as deixaria em
segurança em casa.
Capítulo Dezessete
Quando Lorde Morgan entregou Gina em casa e entrou para dar
a Andrew as notícias sobre Charles, o tumulto acordou a todos, exceto
mamãe que sempre tomava láudano para dormir, hábito adquirido
após a morte de Cora. Momentos depois, Lorde Morgan e Andrew
partiram juntos, mas não antes de Andrew pegar uma pistola e enfiá-
la no cós da calça. Ela não tinha dúvidas de que eles iriam despertar
Lorde Lockwood, o irmão mais velho dos Hunter. Oh, como ela
desejou ser um homem e poder estar fazendo algo em vez de
esperar!
Ela aproveitou e pegou um frasco extra da mesinha de cabeceira
de sua mãe e serviu-se de uma medida para aliviar o horror e permitir
que ela dormisse. Não conseguia pensar em nada além dos
acontecimentos da última hora. Senhor Booth morto. Charles Hunter
às portas da morte. O que poderia acontecer depois?
Ela sentou-se na cadeira estofada diante da lareira do quarto,
olhando para as brasas e pensando que o sabor amargo do láudano
era vagamente familiar. Com um solavanco desconfortável, percebeu
que isso era o que a Irmandade tinha usado com ela. Mesmo agora os
efeitos estavam se infiltrando nela, deixando-a sonolenta.
O pequeno relógio da lareira bateu três vezes, acordando-a de
seu devaneio. Nancy tinha ido para a cama há muito tempo, então
suspirou profundamente e levantou-se para remover o vestido. O
vestido azul-francês era simples, já que se prendia na frente, mas nas
costas demorava mais a soltar-se.
E lá, no final de uma renda, estava a pequena chave para a qual
ela ainda não tinha encontrado uma fechadura. Uma chave que o
Senhor Metcalfe lhe dera. Senhor Metcalfe, outro homem que também
estava morto porque tentara ajudá-la. Como ela ganharia absolvição
por ser responsável por tanta dor e devastação?
Ela desamarrou a chave e colocou em sua escrivaninha. Se não
encontrasse a fechadura antes de partir para a Irlanda, daria a chave
para Jamie. Talvez ele encontrasse a fechadura um dia.
Seu roupão estava sobre a cama e ela o colocou, amarrou a
faixa e apagou a vela. As brasas na lareira projetavam sombras
sinistras na parede atrás dela. Algo na cintilação a fez estremecer, e
ela pensou ter visto um movimento nas sombras mais profundas perto
da janela. Eram os efeitos do láudano?
Ridículo. Ela estava imaginando coisas. Os acontecimentos da
noite a haviam perturbado. Mas lá estava novamente. Ah, o próprio
reflexo dela no espelho no canto. Olhou para si mesma, imaginando
aonde a despreocupada Eugenia O'Rourke de Belfast tinha ido. Mudou
para sempre. Por causa de Cora. Por causa de Jamie.
O brilho refletido de seus olhos chamou sua atenção e ela se
aproximou do espelho, como se encontrasse a resposta para suas
perguntas em seus próprios olhos. Mas não era ela no espelho. Era a
garota que tinha sido naquela noite. Desamparada, ela assistiu à cena
se desenrolar em seu espelho.
Estava deitada em um catre ou um estrado de algum tipo que
havia sido colocado em um chão de pedra. Ela tentou abrir os olhos,
mas não conseguiu. Não estava desorientada, mas indefesa. Vozes
profundas e silenciosas flutuavam ao redor dela, falando palavras que
não conseguia lembrar. Mas havia nomes que ela reconheceu. Hunter.
Daschel. Henley.
Ela forçou seus olhos abertos, uma tarefa monumental. Figuras
sombrias em túnicas profundamente encapuzadas moviam-se sobre
ela, removendo suas roupas, tocando-a, ungindo-a com óleo doce e
doentio e rindo. Então veio uma voz mais suave. Uma voz de mulher.
Ela se inclinou para perto, o rosto ainda na sombra, e arrulhou algo
na orelha de Gina, algo que a aterrorizou na época, mas não
conseguia se lembrar agora. Outros vieram para tocá-la, mas,
estranhamente, ela não podia senti-los. Seus sentidos estavam
amortecidos. Parecia que essas coisas estavam acontecendo com
outra pessoa... coisas terríveis que a faziam fechar os olhos
novamente e esquecer.
Gina piscou e a visão no espelho mudou. Agora ela estava
usando um vestido transparente e plissado, preso abaixo e entre os
seios e caindo até a ponta dos pés descalços. Seu cabelo escuro,
coroado por um diadema, estava solto e caia no meio das costas. Um
dos homens de robe trouxe uma caixa esculpida e virou de cabeça
para baixo. Ele pegou um pequeno pacote da gaveta e despejou o
conteúdo em uma taça, que foi levado até ela e pressionado contra os
seu lábios. Uma pesada porta de madeira se abriu e ela ouviu um
canto distante. Sua cabeça estava sendo inclinada para cima por um
homem vestido com robe e ela foi forçada a beber uma bebida
amarga enquanto os sinos das igrejas distantes soavam. Letargia.
Torpor. Ela não conseguia pensar, não conseguia se mexer,
meramente parada em um estado de atordoamento.
É hora, alguém sussurrou em seu ouvido quando homens de
cada lado dela pegaram seus braços e a levaram para frente. As
sombras mudaram, e ela estava deitada de costas em um altar de
pedra enquanto um punhal descia em direção a sua garganta.
Gina engasgou, respirando fundo o ar da noite enquanto sua
mão ia para sua cicatriz. Estava tremendo, mal conseguindo se
levantar. Oh, ela orou para lembrar, e agora tinha conseguido.
Memória ou Sonho? Isso importava? Ela sabia que as coisas que viu
no espelho eram reais. Em algum lugar entre sua unção e estar
vestida com o vestido egípcio, sua mente ainda estava em branco,
mas o resto estava finalmente claro.
Ela segurou a cabeceira da cama para não cair de joelhos. Todas
aquelas lembranças horríveis, e ela ainda não tinha a resposta para
sua pergunta. Mas Jamie sabia. Ela só podia supor o pior, e ele estava
tentando poupar seu orgulho, permanecendo em silêncio. Mas ele não
mentiria para ela. Jamie nunca mentiu.
Tinha sido arruinada e nada poderia mudar isso. Nada poderia
fazê-la limpa novamente, ou digna do amor de Jamie. E ele também
sabia disso.
E Henley teria que pagar.
Henley. Oh, a caixa! A caixa de Henley... a caixa em sua visão!
Foi até a escrivaninha e pegou a caixa entalhada de uma gaveta. Ela
tentou empurrar a chave na fechadura que o Senhor Renquist havia
forçado, mas não cabia. Virou e apalpou, procurando um mecanismo
que fizesse abrir a pequena gaveta. Ela o encontrou na curva de uma
flor. A menor pressão disparou uma mola que abriu a gaveta. Lá, em
uma gaveta rasa o suficiente para evitar a detecção, havia um pedaço
de papel dobrado e um pequeno pacote de papel que continha flocos
amarelados.
Ela cheirou e recuou, sabendo muito bem do odor amargo que o
pacote continha: ópio. Mas o papel? Ela desdobrou a folha e
encontrou uma lista de nomes. Eram esses os homens que o Senhor
Booth lhe contou? Os homens que o Senhor Henley estava
chantageando? Ela passou o dedo pela lista e parou em:
James Hunter
Charles Hunter
Andrew Hunter
Adam Booth
Stanley Metcalfe
Marcus Wycliffe
Eugenia O'Rourke
E outros nomes que ela não conhecia. O Senhor Henley poderia
estar chantageando Jamie e seus irmãos? Impossível. Ora, ela estava
nessa lista, e não era segredo que todos estavam na capela naquela
noite. Eles a resgataram e a Bella. Não havia necessidade de pagar
dinheiro. Mas dois dos homens daquela lista estavam mortos, outros
feridos, e só Deus sabia quantos mais nomes ela não sabia que
estavam mortos.
Ela endireitou os ombros, decidindo dar a lista a Jamie assim
que o visse. Ele saberia o que fazer com isso. Mas ela manteria o ópio
e a chave. Ela ainda poderia achar utilidade para eles. Mais dois dias.
Mais duas noites. Ela tiraria o máximo deles.

O amanhecer estava chegando antes de Charlie se mexer e


gemer. Jamie saltou da cadeira e se inclinou sobre o irmão.
— Charlie, você está acordado?
— Sim. — Ele suspirou, ainda sem abrir os olhos. — Eu vou
viver?
@Jamie puxou a campainha para alertar os funcionários da
mansão de Lockwood em Londres para chamar seus outros irmãos.
— Claro, seu idiota. O médico disse que a bala não causou muito
dano. Contanto que você não infecte a ferida, apenas ficará fraco por
algum tempo.
Charlie finalmente abriu os olhos e tentou se levantar até que
Jamie o apoiou e empurrou travesseiros atrás das costas.
— Então, por que isso dói tanto?
— Porque você é a filha secreta do pai.
Charlie atirou. — Afeminado, eu? Isso é o que gosto em você,
Jamie. Não perde tempo com simpatia.
Jamie sorriu. Mimar Charlie seria o caminho certo para alarmá-
lo.
— Simpatia seria perdida em você de qualquer maneira. E o
médico disse que estará em pé em um ou dois dias.
Lockwood invadiu o quarto de hóspedes, com Drew e Devlin
Farrell rapidamente em seus calcanhares.
— Charlie?
— Meu Deus, todos os meus irmãos no mesmo quarto! Deve ser
pior do que eu pensava.
Drew foi puxar as cortinas da janela, expondo uma aurora rosa-
violeta acima dos telhados adjacentes.
— Sarah será informada assim que se levantar, então espero
que ela esteja aqui em breve.
— É melhor que se inicie o trabalho antes que ela comece a
trazer almofadas e papas de aveia. — Disse Lockwood. Ele puxou uma
cadeira para perto da cama de Charlie. — Conte-nos o que aconteceu.
Charlie franziu a testa e recostou-se nos travesseiros.
— Maldição se eu sei. Booth conversou em privado com a
Senhorita O'Rourke durante um tempo, depois cumprimentou algumas
pessoas e partiu. Achei que era hora de conversarmos eu e ele, então
o segui até a rua. Foi quando ele foi baleado.
— Ele disse alguma coisa antes de morrer?
— Ele foi baleado no estômago, e não consegui nem escutar seu
fôlego antes de expirar. Não houve tempo para revistá-lo antes que
Jamie e os outros chegassem. Então... — Charlie deu de ombros e
estremeceu quando a ação lhe causou dor.
Drew apertou o outro ombro de Charlie.
— Uma ou duas polegadas abaixo, e isso teria perfurado seu
coração, Charlie. Você teve muita sorte.
— Sim. Sorte.
— Você mencionou os irmãos Gibbons. — Jamie lembrou-o.
— Não imaginei que seriam tiros. — Disse Charlie. — Sempre
achei que, se eles viessem atrás de mim, seria com uma faca. Eu não
vi o homem, na verdade, mas o tiro veio do beco. Talvez cheirasse
lixo, mas achei que eram eles.
— Uma pequena diferença entre os dois. — Avaliou Lockwood.
— Se Morgan não os tivesse perseguido, eles provavelmente
teriam pego Jamie.
— O que os fez tão ousados? Na maioria das vezes, eles são
como ratos, fazendo seus negócios em segredo.
— Jamie abandonou o acordo quando eles não colaboraram e se
recusou a pagá-los por nada. — Disse Charlie.
Devlin revirou os olhos.
— Um pouco imprudente, eh, Jamie?
— Em retrospecto.
— Mas acho que é mais provável que Charlie esteja adquirindo
uma reputação medonha nos subúrbios. — Devlin suspirou
profundamente e balançou a cabeça. — Eu o avisei que ganharia
respeito, Charlie, mas também faz de você um alvo.
— Então Wycliffe estava certo sobre a existência de uma
recompensa por um Hunter. Apenas o Hunter errado.
— Ou todos nós. — Concluiu Drew. — Ele teria motivo suficiente.
— A questão é: o que devemos fazer sobre isso?
Jamie avaliou o encontro. Lockwood estava parecendo cada
centímetro do patriarca da família, Drew parecia bastante mortal,
Charlie tinha um olhar irritado sobre ele e Devlin era, como sempre,
ilegível. E Jamie? Bem, ele estava subitamente considerando a
sugestão velada de Wycliffe de que os irmãos Gibbons eram um
perigo para a sociedade um pouco mais a sério.
Lockwood suspirou profundamente e se levantou.
— Vou ter que pensar nisso, talvez discutir com Marcus. — Ele
foi até a porta e fez uma pausa. — Ah, e ouvi dizer que a Senhora
O'Rourke e a filha estão indo embora depois de amanhã.
Drew olhou de relance para Jamie.
— Devo dizer que não vou sentir muita falta dela. — Confessou
ele. — Mas ficarei triste em ver Eugenia ir embora.
— E você, Jamie? — Perguntou Lockwood.
Jamie atravessou o quarto e foi até a janela.
— Esperava que a Senhora O'Rourke mudasse de ideia, mas eu
entendo que não é para ser.
— E a Senhorita Eugenia?
— Sim, droga. Eu lamentarei dizer adeus.
— Você considerou...?
Jamie deu a Charlie um olhar desagradável. Quanto ele contou
ao irmão mais velho?
— Eu considerei tudo, Lockwood. É sem esperança.
— Tudo?
Ele deu a Lockwood um breve aceno de cabeça.
— Então sinto muito por você, Jamie. Tais oportunidades
raramente vêm duas vezes na vida. Mas desde que ela vai para casa,
suponho que o mínimo que podemos fazer é ver que a justiça seja
feita.

Domingo ao meio-dia não era o horário habitual para fazer


visitas, mas Gina esperava que a família fosse à igreja e que ela
pudesse falar em particular com Christina. E agora, observando os
olhos escuros de sua amiga, ela estava feliz por ter vindo. Christina
não parecia bem.
— Já saiu de casa? — Perguntou Gina. — Apenas um curto
passeio pelo seu jardim pode ser o que você precisa.
Christina olhou para Gina com um ar de desesperança.
— Papai me disse esta manhã que o Senhor Booth foi morto
ontem à noite.
Ela assentiu.
— É por isso que eu vim.
— Para me contar sobre o Senhor Booth? Mas eu já sei.
— Para pedir sua ajuda novamente, Christina. Eu sinto como se
você soubesse mais. Talvez algo que você não tenha pensado, ou
algo que esqueceu. Algo que nos ajudará a acabar com tudo isso.
— Nós? Mas o que poderíamos fazer, Gina?
Ela pegou a mão de Christina e a conduziu para a porta do
jardim, sem vontade de se arriscar a ser ouvida pelos criados.
— O Senhor Henley deve ser detido pelos meios necessários. E
você, Christina querida, é minha salvaguarda. Eu lhe contarei tudo e
você se reportará às autoridades caso alguma coisa aconteça comigo.
Christina piscou à luz do sol e agarrou a manga de Gina.
— Não me diga nada, Gina. Muito conhecimento é uma coisa
perigosa.
— Então me diga o segredo do Senhor Metcalfe.
Ela balançou a cabeça e cobriu o coração com uma mão.
— Não há realmente nada que eu possa dizer-lhe.
Estava escondendo algo que poderia ter prejudicado seu noivo!
Gina sabia disso instintivamente, assim como sempre soube quando
suas próprias irmãs estavam escondendo alguma coisa. Seria sobre a
amante do Senhor Henley?
— Você consegue pensar em uma mulher de quem o Senhor
Henley possa ter sido próximo? Alguém que ele manteve como
companhia? Uma de suas amigas, talvez, ou uma viúva que poderia
estar desacompanhada?
Christina arregalou os olhos e Gina sabia que se aproximara de
seu segredo.
— Stanley e eu costumávamos fazer companhia para o Senhor
Booth e Missy, mas isso era mais para que Stanley pudesse ficar de
olho nela. Ele sempre disse que ela era selvagem. Às vezes o Senhor
Henley nos acompanhava, mas ele não trazia uma mulher. É por isso
que fiquei surpresa quando ele levou você para aquela encenação.
— Estava me persuadindo, Christina. Tentando me fazer confiar
nele para que eu fosse com ele quando fosse a hora certa.
Christina sentou-se pesadamente em um banco no meio do
jardim e virou o rosto para o sol.
— E você foi...
— Mas deve ter havido outras. Alguém que ele favoreceu em
bailes e saraus?
— Só eu e Missy. E uma vez, a Senhora Huffington.
Gina lembrou-se de ouvir esse nome antes, mas ela não
conseguia lembrar.
— Não acredito que a conheci.
— Ela é a protegida da Lady Caroline Betman. A filha órfã de
uma querida amiga, eu acho. Viúva duas vezes, embora muito jovem.
Isso se encaixaria com o que o Senhor Booth havia dito a ela?
Mas o que o Senhor Henley queria com uma relação pobre? Ele era
um chantagista que extorquia dinheiro, com a intenção de acumular
uma fortuna. Poderia estar acalentando a Senhora Huffington com o
mesmo propósito como que ele havia ludibriado Gina? Ou havia mais?
Uma jovem viúva duas vezes? Poderia haver algo, bem, criminoso
sobre ela? Algo que complementasse a natureza do Senhor Henley?
De repente, Christina piscou, pegou a mão dela e apertou com
força.
— Gina, deve ir para casa imediatamente. Eu tive o mais
extraordinário pensamento... oh, e se você for a próxima a ser morta?
— Ela se levantou e correu de volta para a porta do jardim. — Nós
não deveríamos estar aqui fora.
Gina a seguiu, curiosa pela repentina mudança de humor de
Christina. No momento em que elas estavam dentro e a porta foi
fechada, Christina se virou para ela, sinceridade escrita claramente em
seu rosto.
— Você deve ouvir atentamente, Gina. Sobre o Senhor Henley.
Ele costumava acompanhar Missy como se quisesse seduzi-la. Sempre
achei que, apesar de tudo, ele era amigo de Stanley.
— Eu acredito que o Senhor Henley quisesse seduzir a maioria
das garotas que conhecia. — Disse Gina.
Christina abriu caminho pela sala até a porta da frente, levando
Gina com a mão em seu braço.
— Ocorre-me agora que ele pode ter planejado colocar o Senhor
Booth fora do caminho para que pudesse ter Missy. Vou enviar-lhe
uma carta imediatamente, mas você também deve avisá-la na
primeira oportunidade. Venha a mim amanhã. Eu preciso pensar.
Tudo é tão confuso.
Gina acenou com a cabeça quando ela foi jogada para fora da
porta e encontrou Nancy a esperando. Quão espantoso!
— Você a deixou com raiva, Senhorita? — Nancy perguntou
quando elas entraram no tráfego de pedestres na rua.
Gina fez uma pausa para olhar para a porta. Uma cortina se
movia em uma janela superior, como se alguém a estivesse
observando.
— Eu devo ter deixado.
Elas caminharam devagar, já que Gina não tinha vontade de
voltar para casa, onde sua mãe estaria em um frenesi de embalar
tudo e fazer arranjos para a partida. Sabia que ela e Nancy teriam que
arrumar o baú que havia sido entregue em seu quarto naquela
manhã, e ficou surpresa com sua própria relutância. Há um mês, ela
daria qualquer coisa para ir para casa. Mas hoje?
Hoje ela só queria aproveitar a tarde, que havia se tornado
precursora do outono. Queria pensar em ver James no jantar em
família que Lorde Lockwood estava organizando para marcar sua
partida, e depois no musical. Ela queria pensar em qualquer coisa, na
verdade, mas não em sua iminente partida.
Nancy puxou sua manga.
— Oh, Senhorita! Ali está Tom, o leiteiro. Posso falar com ele?
Quem pode dizer se eu vou vê-lo novamente?
O lamento era tão parecido com as emoções de Gina que ela só
podia sorrir e acenar com a cabeça. Um banco de parque vazio
debaixo de uma árvore oferecia seu refúgio, e ela se sentou onde
podia ver sua empregada falar e flertar com o jovem leiteiro robusto.
Ela havia acabado de se acalmar quando uma mão em seu
ombro e uma voz atrás dela interromperam seus pensamentos.
— Não. Não vire, Senhorita O'Rourke. Tenho uma faca nas suas
costas. Eu odiaria usá-la tão cedo. Nenhuma cena, entendeu?
Tudo dentro dela gritou de terror. Senhor Henley! Reconheceria
sua voz em qualquer lugar agora. Ela respirou fundo várias vezes para
acalmar seus nervos antes que pudesse falar.
— O que você quer?
— Ouvi dizer que você pode ir embora daqui a um ou dois dias.
É assim mesmo?
Ela assentiu.
— Ah. Bem, eu estava adiando nossa reunião até um pouco mais
tarde, mas agora acho que terei que mover-me.
— Você não me mataria aqui. Eu gritaria. Metade do parque
veria e o perseguiria.
— Você me subestima. Não pretendo matar você aqui, criança, a
menos que force minha mão. Se eu a quisesse morta, já estaria
morta. Eu tive mais oportunidades do que imagina. Não, só queria
informá-la que você nunca estará a salvo de mim. Terei minha
vingança mais cedo ou mais tarde, aqui ou em Belfast. Eu irei até
você. Você me deve, e vou cobrar muito bem.
A raiva fria afastou seu medo. Não seria sua vítima mais uma
vez. Ela se preparou, foi catapultada do banco e se virou para encará-
lo. Seu olhar de espanto absoluto por sua ousadia era recompensa
suficiente para o risco assumido.
— Seus dias estão contados, Senhor Henley. Você não pode se
esquivar de James Hunter por muito tempo. Ele está mais cansado de
suas ameaças do que eu. Faça o seu pior ou volte para o buraco de
onde veio.
Seus olhos corriam para a direita e para a esquerda como se
medissem suas chances de matá-la e escapar.
— Seus dias estão contados, Senhorita O'Rourke. Os seus e de
todos que já ajudaram você.
Ela observou-o correr em direção à rua antes de afundar de
volta ao banco, os joelhos parecendo geleia. No momento em que
recuperasse o fôlego, pediria ao Senhor Renquist uma pistola de
bolso. O Senhor Henley não poderia vir até ela se fosse até ele
primeiro.
Capítulo Dezoito
Jamie observou Gina, conversando com Sarah e as gêmeas
Thayer, do outro lado da sala de música da mansão dos Lockwood.
Ela usava um vestido esverdeado que parecia primaveril, todo fresco e
novo. Seus frequentes olhares em sua direção não passaram
despercebidos por Drew, que o cutucou com uma pergunta.
— Realmente vai deixá-la voltar para a Irlanda? Pediu para ela
se casar com você?
Ele tentou. E então lhe disse que só tinha feito amor com ele
para descobrir se ainda era virgem ou não, e ele se sentiu como uma
donzela enganada. Mesmo quando a dor ressurgiu, sabia que tinha
sido um idiota, deixou seu orgulho ferido ficar no caminho. Gina
nunca teria dormido com ele se não sentisse algo.
— Não. — Admitiu ele.
— O tempo está se esgotando. Seria um pouco injusto perguntar
a ela nas docas, hein?
— Eu não sei se ela me ama, Drew.
Seu irmão riu.
— Então você é surdo e cego. Charlie me disse semanas atrás.
Eu pude ver no momento em que a Senhora O'Rourke anunciou seus
planos. Na verdade, todo mundo pode perceber, menos você.
Gina escolheu aquele momento para olhar em sua direção e um
leve sorriso levantou os cantos de sua boca. Ele devolveu o sorriso e
foi recompensado com um suave rubor. Ela o amava? Apenas duas
semanas atrás, lhe disse que ele era um lembrete de tudo o que tinha
acontecido com ela, e que ficava desconfortável em sua presença.
Quando isso mudou?
Ele deu um passo em direção a ela quando Drew o deteve.
— Você não disse como se sente, Jamie. Não fale por ela se
você não conhece seus sentimentos.
— Se ela me ama tanto quanto eu a amo, ficarei feliz.
Gina parecia nervosa quando ele chegou ao seu lado e fez uma
pequena reverência.
— Senhorita O'Rourke, posso falar com você?
Ela olhou de soslaio para a irmã e, ao assentir, aceitou a mão
dele. Ele poderia jurar que detectou um pequeno tremor ali. Depois
de tudo o que tinham passado, como poderia ter medo dele?
— Queria falar com você também. Há algumas coisas que devo
lhe dar.
Ele a levou até o terraço e saiu para a balaustrada, sua
curiosidade despertada.
— Que coisas?
— Eu descobri algo novo. Há uma mulher associada ao Senhor
Henley. Eu ainda não sei como, mas ela é alguém que o tem ajudado.
Talvez o escondendo.
— Como você sabe disso?
— Vi um pacote de cartas. Uma deles dizia que a mulher estava
trabalhando em uma solução para seu problema e que ele deveria ser
paciente. Ah, e que ela pretendia encontrá-lo novamente no lugar de
costume na terça-feira.
Jamie tinha visto aquela carta ontem no escritório de Wycliffe.
Esta, junto com várias outras, havia sido deixada anonimamente em
sua mesa. Neste exato momento, vários agentes estavam tentando
rastrear as cartas de volta ao escritor.
— Você as encontrou?
— Há mais.
Jamie suspirou, não perdendo que ela não tinha respondido a
sua pergunta. O que ela estava fazendo?
Ela arrancou um pequeno papel dobrado do centro do seu
decote e apresentou a ele. Ele aceitou o papel, ainda
desconcertantemente quente de sua pele, desdobrou-o e leu as
linhas.
— Uma lista de nomes? — E uma lista muito curiosa, de fato. —
Onde você conseguiu isso, Gina?
Ela olhou para ele diretamente e endireitou os ombros, o gesto
cativante que o avisava para não fazer muitas perguntas.
— Eu acredito que é a caligrafia do Senhor Henley.
Jamie teria que comparar a lista com outros documentos para
verificar sua conclusão, mas não duvidou dela. Ele leu os nomes
novamente. Booth, Metcalfe e meia dúzia de outros estavam mortos.
Frisk tinha caído de um lance de escadas, Destin tinha sido atropelado
por um coche ao atravessar uma rua, Warren tinha sido atirado de
seu cavalo para o chão e quebrou o pescoço. Acidentes? Eram muitas
coincidências improváveis em vista dessa lista. Charlie tinha sido
baleado na noite passada, mas, pela graça de Deus, estava bem. E
então houve as tentativas a sua própria vida.
— Uma lista de assassinatos. — Concluiu ele.
Ela estremeceu.
— Isso é o que eu temia. Charles…
— Está lá em cima sendo mimado por todas as moças que
Lockwood emprega. Ele pretende se libertar amanhã. — E então ele
registrou o nome dela na lista. Eugenia O'Rourke. Henley queria Gina
morta. Ele pegou o braço dela e voltou para a casa. — Precisamos
levá-la para casa em segurança e sob vigilância.
Ela encolheu na mão dele.
— Eu não vou a lugar nenhum, Jamie. Um dia é tudo que me
resta. Amanhã será meu último dia em Londres.
— Você não tem escolha. Uma vez que eu diga a Wycliffe...
— Não vai dizer a Lorde Wycliffe. Nem vai contar para seus
irmãos. Não, a menos que você e todos os outros membros da lista
sejam trancafiados também. Mesmo assim, duvido que isso pararia o
Senhor Henley. Ele me achou no jardim de Morris, me achou no teatro
e me achou no parque esta tarde. E me disse que eu não estaria
segura, mesmo quando voltasse para Belfast, e que, se me quisesse
morta, eu já estaria. Prometeu que viria até mim quando estivesse
pronto. Ele vai me encontrar em qualquer lugar que eu vá. Não posso
me esconder, Jamie. E eu posso muito bem lutar.
Uma fúria tão fria agarrou o coração de Jamie que ele poderia
alegremente ter quebrado o pescoço de Henley como um galho. A
bravura de Gina era admirável e sua lógica era irrefutável, mas ambas
eram perigosas demais.
— Se não fosse eu? Se fosse Hortense ou Harriett, você seria tão
irracional? Ou permitiria a elas que se vingassem?
Droga. Ela estava certa. Não tinham ele e Wycliffe permitido
Bella flertar com o desastre, a fim de chegar ao fundo da Irmandade?
E Gina não era tão determinada quanto Bella? Mas esta era Gina. Sua
Gina. Como ele poderia recusar qualquer coisa que ela pedisse?
— Não saia do meu lado, Gina. Estamos entendidos?
Ela se iluminou e tocou sua bochecha.
— Obrigada, Jamie. Você não vai se arrepender disso.
— Eu já estou.
Ela se virou para as portas do terraço, preparada para entrar
agora que a conversa terminara, mas ainda não havia concluído seus
assuntos. Ele deslizou o braço ao redor dela e a puxou contra seu
peito. Ela parecia surpresa e nem um pouco curiosa. Levantou seu
queixo com o dedo indicador e beijou seus lábios macios com tanto
carinho quanto ele sentia em seu coração. E quando terminou,
pronunciou as palavras que nunca pensara em dizer a qualquer
mulher.
— Eu te amo, Gina O'Rourke. Case-se comigo.
Seus olhos se arregalaram e sua boca se abriu.
— Eu... eu...
— Não pode se surpreender com o que sinto por você, Gina.
Está bem claro que todos os meus irmãos e metade da sociedade já
sabem.
— Mas você nunca indicou... nunca disse... amor. Por que você
nunca respondeu à minha pergunta?
— Que pergunta é essa, meu amor?
— Eu era... eu era... virgem?
Essa maldita pergunta! Por que ela não esquecia isso?
— Tenha fé, Gina.
— Fé? Mas por quê?
Porque não tinha a resposta que ela precisava ouvir, e ele não
podia mentir. Não havia nenhuma mancha reveladora em seus
lençóis, mas isso por si só não respondia à sua pergunta. Muitas
mulheres não foram intactas para suas noite de núpcias, e o tempo,
as circunstâncias, os acidentes e a natureza poderiam explicar a falta
de evidências. Mas, mais importante, temia que, se acreditasse que
Henley a usara enquanto estava inconsciente, destruiria sua vida por
causa disso. E a dele.
— Isso não importa. — Disse ele. — Deixe isso para lá, Gina.
Ela olhou-o com tanta incredulidade que ele se perguntou o que
tinha dito de errado. Ela abriu a boca, depois fechou-a em uma linha
apertada, como se falar com ele fosse uma perda de tempo, então
virou-se e voltou para a sala de música, deixando-o lá sem responder
a sua pergunta.
Oh! Aquele homem enfurecedor! Por que não podia lhe dizer?
Ele não teria hesitado em dizer a ela se tivesse sido virgem. Mas ele
não tinha, então por que simplesmente não dizia logo que havia sido
estuprada, o que certamente deveria ser a resposta. Olhou por cima
do ombro para vê-lo olhando-a, uma expressão de espanto no rosto.
E essa proposta notável! Como queria dizer sim! Se casaria com
ele em um instante se soubesse que ela era digna. Como poderia
responder a sua pergunta a menos que ele respondesse a dela?
Se ela não estivesse olhando por cima do ombro, não teria
esbarrado em uma linda garota vestida toda de amarelo pálido, uma
cor nada boa para ela desde que seu cabelo amarelo pálido ficava
desbotado contra o pano de fundo. Ainda assim, nada poderia ter
entorpecido seus olhos verdes vivos.
— Eugenia O'Rourke, não é?
— Como você sabia?
— Ora, a conversa da sociedade é toda sobre você.
As pessoas fofocavam sobre ela?
— O que estão dizendo?
— Que você é a mulher que deixou James Hunter aos seus pés.
Se for assim, Senhorita O'Rourke, bem feito! Entendo que isso é uma
grande conquista.
Jamie seguiu-a de volta através das portas e foi ficar ao lado de
seus irmãos, observando-a com um olhar pensativo.
A garota seguiu seu olhar e ergueu as sobrancelhas.
— Meu Deus! Esse é um olhar muito sombrio que o Senhor
Hunter está lhe dando, Senhorita O'Rourke. Vocês brigaram?
Ela riu.
— Você acha que a sociedade ainda vai imaginar que eu o deixei
aos meus pés?
— Amor e ódio são apenas dois lados da mesma moeda. — Ela
cochichou. — Eu sou a Senhora Huffington. Georgiana Huffington.
Temo ser literalmente uma estranha em Londres e não conheci quase
ninguém. Só cheguei no início de junho.
Georgiana Huffington? Intervenção divina? Esse era o nome que
Christina associara ao Senhor Henley.
— Que coincidência, Senhora Huffington. Nós temos amigos em
comum.
— Nós temos? Bem, me disseram que Londres é na verdade
uma pequena cidade vestida com roupas de cidade grande. Quem,
posso perguntar, temos em comum?
— Senhor Cyril Henley.
A Senhora Huffington sorriu e seu rosto se esvaiu de cor.
— Eu conheci este homem, mas não o chamaria de amigo.
Gina deu-lhe um tapinha reconfortante no ombro.
— Você o viu recentemente?
— Eu o vi em um chá não faz uma semana, mas nós não nos
falamos. Quando me viu, ele foi na outra direção. Acho que ele não
ficou lá por muito tempo.
O Senhor Henley fugiu por causa da Senhora Huffington?
— Se você não se importa de eu perguntar, como o conheceu?
— Um amigo em comum. Conheci a Senhorita Melissa Metcalfe
por intermédio de Harriett Thayer, e foi a Senhorita Metcalfe que me
apresentou a seu irmão, ao Senhor Booth e ao Senhor Henley.
Elas andaram para perto da lareira e Gina ficou aliviada ao notar
que estavam sozinhas. Ela detectou uma nota de relutância na voz da
Senhora Huffington e não queria arriscar ser ouvida.
— Estou correta em pensar que você não está satisfeita com a
associação?
— Senhorita O'Rourke, mal te conheço. Acho que estamos tendo
uma conversa incomum para duas mulheres que não são estão
familiarizadas. Não estou acostumada a falar tão francamente com
conhecidos casuais.
— E você não quer falar mal de ninguém, tenho certeza. Espero
que não pense que sou presunçosa, mas minha família teve algumas
relações com o Senhor Henley, e gostaria de solicitar sua opinião
sincera.
— Você faria melhor em perguntar a alguém mais familiarizado
com ele. Nós nos encontramos apenas em duas ocasiões.
— Eu entendo que foi o suficiente para formar uma opinião?
A Senhora Huffington olhou para os pés.
— Sim.
— Uma opinião insatisfatória? — Ela adivinhou.
— Acho que, dadas as circunstâncias, terei que confiar em você.
Se eu puder poupá-la do que sofri, sinto que é minha obrigação. Mas
o que tenho a dizer é apenas para os seus ouvidos, Senhorita
O'Rourke, ou não direi absolutamente nada.
A Senhora Huffington olhou em volta, quase como se esperasse
encontrar o Senhor Henley à espreita nas proximidades. Servos
estavam colocando cadeiras na sala em preparação para a
performance e não dando a menor atenção a elas.
Gina assentiu com a cabeça, seu coração acelerado. Se ela
pudesse confiar na Senhora Huffington, ela poderia pedir ajuda para
localizar o Senhor Henley.
— Eu conheci a Senhorita Metcalfe em uma reunião no começo
de julho. — A Senhora Huffington começou. — Lembro-me
precisamente disso, porque eu estava completamente sem luto e
acabáramos de chegar à cidade. A Senhorita Metcalfe e seu irmão
faziam parte de um grande grupo animado. E me convidaram para me
juntar a eles em uma excursão aos Jardins Vauxhall. Lady Caroline,
minha tia, disse que não via impedimento depois que o grupo foi
atestado por Lorde Daschel, a quem ela conhecia muito bem.
Gina mal piscou ante a menção daquele nome abominável. Lorde
Daschel tinha sido um dos fundadores da Irmandade e responsável
por seduzir Cora a encontrá-lo na noite em que a mataram.
— Pegamos uma barcaça pelo Tamisa, rindo e brincando o
tempo todo. Foi então que conheci o Senhor Booth e o Senhor
Henley. Eu pensei que tinha realmente "chegado", se você sabe o que
eu quero dizer, muito lisonjeada por fazer parte de uma reunião tão
alta.
Um sorriso chegou aos lábios de Gina. Sabia o sentimento muito
bem. Ela também queria pertencer.
A Senhora Huffington tirou um lenço debruado de renda da
pequena bolsa pendurada no pulso e passou delicadamente nos
cantos dos olhos.
— No começo, foi muito divertido. Nós dançamos e assistimos
aos fogos de artifício, e então o Senhor Henley nos trouxe a bebida,
brindando com frequência e nos encorajando a beber profundamente.
Assim como tinha feito com Gina quando saíram do teatro e
foram para outra parte da cidade, para as encenações. Lembrou-se de
ter ficado bastante bêbada e rapidamente, e de ter implorado pelas
taças subsequentes de vinho. Mesmo assim, ela ficou muito doente no
dia seguinte.
— Comecei a me sentir confusa — continuou a Senhora
Huffington. — Então o Senhor Henley pegou minha mão e me pediu
para andar com ele. Eu pensei que não poderia haver mal nisso e que
talvez isso limpasse a minha cabeça. Os passeios eram bem
iluminados e havia pessoas por toda parte. Mas estávamos fora do
campo de visão quando ele me levou para outro caminho. Descobri
mais tarde que eles chamam esses caminhos de passeios escuros ou
de amantes porque não têm iluminação.
— Eu não fiquei alarmada até que o Senhor Henley parou e
começou a me pressionar por favores. — Ela torceu o lenço ao
recordar os acontecimentos daquela noite. — Talvez tenha sido
porque sou viúva que ele pensou que eu seria receptiva a tal
estratagema, mas exigi que parasse imediatamente. Ele não fez.
Quanto mais eu lutava, mais ficava indignado. Eu realmente acho que
ele gostou do meu terror.
Gina cobriu a mão da mulher com a sua.
— Você não precisa continuar, Senhora Huffington. Eu percebo a
direção da sua história.
— Há mais, mas não falei disso desde aquela noite. Eu nem
contei a Lady Caroline. Temia que ela não confiasse em meu
julgamento depois disso.
— Minha experiência foi a mesma. Mas nós fomos a uma
encenação em uma mansão em algum lugar em Kensington.
Embora ela fosse muito mais ingênua que a Senhora Huffington.
Ela havia voltado naquela segunda noite quase fatal.
A Senhora Huffington estremeceu.
— Foi horrível. Eu realmente temia que não escapasse com
minha virtude. Mas quando ele quase me arrebatou, parou e disse
que queria me "salvar". Você realmente acha que ele estava com
remorso e queria salvar minha virtude?
Ela achava muito mais provável que ele quisesse salvar a
Senhora Huffington para ser uma vítima do ritual, apesar de que,
como viúva, ela não poderia ser virgem.
— Ele procurou por você depois? Ou a convidou para se juntar
ao grupo dele em outro momento?
— Sim, mas eu não quis ir. Não falei com nenhum deles desde
então.
— Você sabia que o Senhor Booth e o Senhor Metcalfe estão
mortos?
Seus olhos verdes se arregalaram de espanto.
— Nossa! Eles sofreram um acidente? Quão perfeitamente
terrível. Terei que procurar Christina amanhã.
Gina sacudiu a cabeça.
— Não por acaso, receio. Eu preciso desesperadamente de sua
ajuda, Senhora Huffington. Precisamos encontrar o Senhor Henley
antes que mais alguém morra.
A Senhora Huffington deu dois passos para trás e estreitou os
olhos.
— Sinto muito, Senhorita O'Rourke, mas não posso ajudá-la.
Os convidados começaram a se sentar de frente para o piano e
Gina sabia que não teria tempo de convencer a Senhora Huffington a
ajudá-la. O simples conversar teria que bastar.
— Vidas podem estar na balança, Senhora Huffington.
Mas a adorável mulher apenas balançou a cabeça e recuou.
— Desejo-lhe boa sorte, Senhorita O'Rourke.
Depois que a última nota foi tocada, a atenção de Jamie foi
dividida entre a conversa com seus irmãos e a observação de Gina.
Apesar de seu acordo anterior, estava certo de que ela estava
tramando algo. Ele pretendia deixá-la em paz até a hora de levá-la e
às gêmeas Thayer para casa, mas agora achava que teria que cortar
pela raiz qualquer plano que Gina tivesse.
Marcus Wycliffe e Devlin se juntaram a seu pequeno grupo e
Jamie só ouviu metade da conversa quando uma palavra chamou sua
atenção.
— Gibbons? Desculpe, o que você disse?
— Artie Gibbons está morto — repetiu Wycliffe.
— Como?
— Bala — disse Devlin. — Eu me pergunto se ele teve alguma
última palavra.
Jamie quase engasgou com o vinho. Lilly fez um bom trabalho
ao tentar civilizar Devlin, mas ficou feliz ao ver que ele ainda
mantinha seu humor irônico.
— E Dick?
— Como você pode imaginar... — Disse Wycliffe.
— Eu posso imaginar quase tudo em que Dick Gibbons esteja
envolvido. Ou devastado, em luto, ferido ou furioso.
— Devastação exigiria alguma humanidade real.
Então seria um inferno para qualquer um de quem Dick
suspeitasse ser culpado da ação.
— Depois da tentativa fracassada de Charlie, suspeito que Dick
vá atrás de todos os Hunter e de qualquer um que esteja ligado a
eles.
— Só se Artie tivesse algo a ver com o atentado contra Charlie.
Devlin bufou.
— Se? Baratas correm da luz? Sim. Se Artie segurou a arma ou
apenas ficou ao lado de Dick quando ele puxou o gatilho, o ataque a
Charlie foi projetado por um Gibbons. Dick fará essa conexão.
Jamie olhou para Gina, que se aproximou do grupo, e ele se
perguntou quanto tinha ouvido. O suficiente para ampliar seus olhos,
parecia.
— Eu os avisei que eles não queriam atravessar o caminho de
um Hunter, mas você sabe como eles são... eram... — Devlin
continuou. — Tão certos de que poderiam fazer o que quisessem sem
consequências. Eles escaparam de tudo o que já fizeram, então
acredito que devemos nossos agradecimentos a quem quer que tenha
puxado o gatilho.
Todos levantaram as taças em um brinde silencioso e Jamie se
perguntou qual deles tinha realmente puxado o gatilho. Lockwood e
Wycliffe eram mais do que capazes disso, Drew não tinha saído do
lado de Charlie até esta manhã, e Devlin poderia até ter considerado
ser seu dever. Inferno, Jamie teria feito isso sozinho se ele não
estivesse vigiando Charlie ao lado da cama.
Ele bebeu para o brinde de Devlin e depois lembrou-lhes:
— Infelizmente, o trabalho está apenas pela metade.
— Dick será mais difícil de matar. — Drew assentiu. — Ele estará
antecipando isso.
Eles ficaram pensativos por um momento e então Wycliffe
mudou de assunto.
— Eu ouvi que há uma peça no Marchant's hoje à noite.
— Eu sei que alguns os acham divertidos, mas eu os acho
deprimentes e sem graça — disse Devlin.
Lockwood colocou sua taça vazia em uma bandeja carregada por
um lacaio que passava.
— Isso dependeria do assunto a ser reencenado. Uma cena de
batalha de Waterloo pode ser divertida.
— Acredito que esse assunto é uma ótima obra de arte.
Devlin bocejou e olhou para a esposa, do outro lado da sala
conversando com os convidados.
— Acho que vou procurar algo infinitamente mais divertido para
me entreter.
Drew riu.
— Eu vou passar, Wycliffe, mas talvez Jamie possa se juntar a
você.
Jamie tinha seus próprios planos, e eles não incluíam assistir aos
membros da alta sociedade vestindo fantasias para replicar obras de
arte em um palco. Ele tinha uma ideia de onde poderia encontrar a
mulher misteriosa de Henley.
— Eu tenho que passar. Talvez outra hora?
Wycliffe deu uma risadinha.
— Bem, se eu não puder atrair ninguém para compartilhar
minha miséria, eu acredito que vou ao meu escritório para ver se há
alguma notícia, então vou para casa e durmo mais cedo.
Capítulo Dezenove
A noite esfriara quando Gina chegou em casa, escoltada por
Andrew e Bella, em vez de Jamie, que pedira desculpas e prometera ir
vê-la amanhã à tarde. Ou ele estava apenas tentando evitá-la?
Lamentando sua proposta?
Ela esperara uma hora antes de vestir o manto e esgueirar-se
pela porta do jardim para se encontrar com Ned. Ela ouviu o anúncio
de Lorde Wycliffe de uma peça em Marchant's. Algumas perguntas
discretas haviam revelado que isso era a casa palaciana de Lorde
Marchant e, portanto, não era o mesmo local da encenação erótica
onde ela conhecera Christina Race. Mas, se o Senhor Henley
favorecesse peças, talvez ele estivesse lá. E se estivesse, ela
convocaria as autoridades imediatamente.
Ned estava esperando por ela, quase imperceptível nas sombras
de uma árvore no meio da rua. Ele emergiu e veio para o lado dela.
— Onde vamos essa noite, Senhorita Gina?
— Você sabe onde é a casa do Lorde Marchant?
— Sim, Senhorita. Siga-me, hein?
Quando eles dobraram a esquina, uma forma escura entrou em
seu caminho.
— Acho que não, — disse ele.
Ela e Ned grunhiram de medo antes de perceberem que era
Jamie parado ali, aparentemente esperando por ela.
— Oh! — Ela suspirou. — Você nos assustou até a morte!
Ele os olhou de cima a baixo.
— Um ligeiro exagero. Mas não pense em me desviar do
assunto, Eugenia, que você não investigaria nada a menos que
estivesse ao meu lado.
— E ainda assim você estava saindo sem mim.
Jamie pressionou os lábios e apontou para Ned.
— Volte para sua cama, garoto. A Senhorita O'Rourke não
precisará mais de você esta noite, ou em qualquer outra noite, no que
me concerne.
Depois de um aceno de cabeça de Gina, Ned se foi a passos
largos, mas ela sabia que ele estaria lá amanhã à noite também, se
precisasse dele. No momento em que Ned estava fora de vista, ela se
virou e encarou Jamie.
— Onde estamos indo, então?
— Você está indo para casa. Eu suspeitava que estivesse
tramando algo, então eu vim aqui antes de cuidar do meu negócio.
Casa, Gina, onde você estará sã e salva.
Ela balançou a cabeça.
— Juntos.
Ele pegou o braço dela e virou-a de volta para casa.
— Para onde eu vou, nenhuma mulher decentemente criada iria.
Decentemente criada? Intolerável.
— Conte-me.
— Eu estou indo para um inferno dos jogos. Thackerys, para ser
preciso. Não é o tipo de lugar para onde as mulheres decentes vão.
— Como você não responderá a minha pergunta, não sei se sou
decente ou não. Então iremos sem mais demora?
— Gina...
— Posso adivinhar seus argumentos. Minha reputação. Meu bom
nome. Minha segurança. Mas essas coisas não significam nada se já
estou arruinada. E nada, tendo em vista o fato de que estou saindo da
Inglaterra depois de amanhã. Quem vai lembrar de mim daqui a duas
semanas? Quem vai se importar para onde eu fui ou com quem?
— Não.
— Por que você está indo, Jamie? Para jogar? Por uma mulher?
Ou pelo meu assunto?
— Henley não é apenas o seu assunto. Ele mancha tudo o que
toca e deve ser parado.
— Então não se preocupe comigo. Eu já estou maculada, não é?
— Oh, essas palavras eram amargas, mas elas finalmente ficaram no
ar entre eles para serem refutadas ou não.
Ele parecia desamparado, e ela sabia que não podia contrariar
seu argumento. Em vez disso, ele puxou o capuz de sua capa sobre a
cabeça e colocou-o para proteger o rosto dela.
— Quanto menos pessoas te reconhecerem, Gina, melhor.
— Sua carruagem estava esperando na esquina, ele disse para o
condutor o endereço e a subiu, sentando-se ao lado dela. — Quando
chegarmos lá, Gina, tente falar o mínimo possível. Não fale com
ninguém para quem não a apresente e mantenha a cabeça baixa.
Talvez possamos sair disso sem danos.
— Qual é o nosso propósito ali?
— Espero que possamos descobrir quem é a mulher misteriosa
de Henley.
— Em um inferno de jogos?
— Este é um pouco mais democrático que os outros. As
cortesãs e o submundo frequentam Thackerys e se misturam com os
convidados. Mais negócios do que jogos de azar são feitos acima das
escadas. Mais o ponto é, quando ele estava livre para andar na
sociedade, Thackerys era o estabelecimento favorito de Henley.
Qualquer mulher que mantivesse sua companhia estaria familiarizada
com o lugar.
Ele quis dizer prostitutas?
— É imundo?
Jamie riu.
— Muito elegante, na verdade, e limpo. A comida e a bebida são
um pouco mais do que razoáveis. Apenas os clientes são sórdidos.
Um arrepio subiu nos braços do Gina. Eles encontrariam a
mulher lá, ela tinha certeza disso agora.
— E se a encontrarmos?
— Se assim for, pretendo convencê-la a nos dizer onde
encontrá-lo. No mínimo, uma vez que conhecermos a identidade dela,
podemos colocar uma vigilância nela e eventualmente nos conduzirá
até ele.
Eventualmente. Para Gina não servia eventualmente. Só tinha
amanhã. Ela olhou para ele e apertou a sua mão.
— Você vai me escrever e me avisar quando ele for capturado,
não vai?
Ele deu a ela um sorriso infinitamente triste.
— Imediatamente.
Ela acenou com a cabeça e ficou em silêncio durante o restante
da viagem, embora Jamie não soltasse sua mão e ela ganhasse força
com isso. Ela queria sentir sua determinação, seu calor, o maior
tempo possível.
Quando a carruagem parou em um edifício indiscriminado perto
da St. James Street, ele saiu, levantou-a e ajustou o capuz.
— Lembre-se, mantenha a cabeça baixa. Com sorte, nós
teremos nossa resposta em breve e não ficaremos aqui por muito
tempo.
Lá dentro, ela permitiu que um lacaio pegasse sua capa,
percebendo que era ostensiva e chamava mais atenção com ela.
Jamie sorriu para ela, evidentemente aprovando sua escolha.
Ele a levou até uma grande sala central, um salão de jogos com
muitas mesas. Havia cartas, rodas e dados, e os homens se
aglomeravam para assistir. Risadas estridentes, maldições silenciosas
e os tons uniformes dos croupiers sobressaiam nos tons baixos de
uma orquestra tocando discretamente em um canto.
Um conjunto de escadas amplas levava a um mezanino que
rodeava a sala, onde homens e mulheres vestidas de cores vivas
passeavam, olhando os jogadores abaixo. Um enorme lustre que
brilhava com mil cristais pendia de um teto dourado. Gina tinha
vergonha de dizer que estava fascinada com o lugar. Era diferente de
qualquer outro lugar que já fora, parte palácio, parte carnaval.
Jamie comprou uma pilha de fichas e deu-lhe algumas.
— Se eles acham que você está prestes a jogar, não vão
incomodá-la ou fazê-la subir.
— O que é no andar de cima?
— Um salão de senhoras e algumas salas privadas, para aqueles
que bebem demais, e outros que procuram outras diversões.
Ela olhou para cima novamente, olhando mais de perto para as
mulheres. Algumas eram bonitas e vestidas de forma cara, outras
eram um pouco mais desgastadas, e não estavam tão bem assim.
Prostitutas. Mulheres que vendiam seus favores. Mulheres com quem
ela nunca pensara em se misturar, mas que agora eram mais
parecidas com ela do que não.
Ela olhou para o seu próprio vestido, quase escandaloso pelos
padrões da sociedade, mas ideal para esse lugar. Ela teve a súbita
vontade de puxar o corpete um pouco mais para baixo.
— Olá, Hunter. Essa é sua nova amante?
Ela se virou para olhar para o homem que acabara de se dirigir a
Jamie. Ele estava corado e obviamente tinha bebido. Jamie parecia
irritado, mas forçou um sorriso e colocou Gina um pouco mais
apertado contra o seu lado.
— Ela é, e vou agradecer por manter suas mãos longe dela,
Cavendish.
— Estrangeira, aposto. Nunca a vi antes. Você encontra a carne
mais fresca, hein?
Ela quase riu quando a mandíbula de Jamie apertou.
— Qual o seu nome, boneca?
Ela abriu a boca, mas Jamie intercedeu.
— Mary.
— Mary? Eu ficaria feliz se você viesse comigo, garota. E eu
prometo que a farei feliz também. — O homem riu com prazer de sua
própria piada.
Jamie não se incomodou com uma resposta e levou-a em
direção à escada.
— Fique à minha vista se nos separarmos, Gina. Vou falar com
alguns dos frequentadores para ver se Henley está por perto, e depois
perguntar com quem eles o viram pela última vez.
Que esperto.
— Vou conversar com algumas das senhoras também — disse
Gina.
— Senhoras? — Ele riu quando começaram a subir. — Acho
melhor você ficar perto de mim, gatinha.
E antes que pudesse recuperar o fôlego, ela estava em um salão
menor do que o de baixo, com iluminação mais suave, espelhos e
murais do comprimento e da largura da sala. Cenas pastorais... Oh...
oh... oh! Sátiros com chifres e mulheres nuas vagavam pelo campo e
pareciam estar copulando de todas as maneiras possíveis! Criaturas
com cara e bochechas rechonchudas derramavam vinho sobre os
casais, e Gina se perguntou sobre o simbolismo de tal coisa até que
viu uma figura lambendo a libação de outra. Suas bochechas
queimavam e ela sabia que estava mostrando sua ingenuidade.
Jamie apertou uma taça de vinho na mão dela.
— Respire, Gina, e tome uma bebida. Isso vai acalmar seus
nervos.
Trazer Gina para Thackerys foi um erro monumental, mas ele
não tinha sido capaz de descobrir nenhuma maneira de contornar
isso. Ele não se enganou de que poderia tê-la levado para casa e ela
teria ficado lá. Manter seus olhos nela seria consideravelmente melhor
do que deixá-la vagar por Londres desprotegida. Só podia esperar que
ela não fosse reconhecida, embora, como tinha sido rápida em
apontar, ela iria embora no dia seguinte.
Ao seu lado, Gina tomou um longo gole de vinho e sorriu para
ele.
— Eu acredito que estou melhor agora. Obrigada.
Ah, ela suprimiu aquela pequena cadência em sua voz que ele
amava tanto e que traía suas origens. Não que isso enganasse
alguém, mas qualquer vantagem que ela pudesse conseguir a faria se
sentir melhor. Ele a queria confiante, mas não muito confiante.
Ele não pôde deixar de notar que ela estava chamando a
atenção de homens e mulheres que eram avaliados pela concorrência
e medidos por prazer pelos compradores. É melhor deixar claro
imediatamente que ela estava requisitada, pelo menos por esta noite.
Ele levantou o queixo com o dedo indicador e se inclinou,
tornando óbvia sua intenção.
— Faça isso parecer bom, Gina, ou você ficará afastando
suplicantes ansiosos o resto da noite.
Ela se levantou na ponta dos pés e colocou a boca na dele. Não
uma oferta terna, mas um beijo profundo e apaixonado. Nenhum
homem jamais confundiria suas intenções e nenhuma mulher
também. Na verdade, ele, que sabia que era falso, estava tendo
dificuldade em lembrar-se de que o beijo era para o benefício do
salão, e não para ele.
Quando ela lentamente se retirou, ele sussurrou:
— Muito bem, gatinha.
Ela riu de sua brincadeira e ajeitou a gravata da mesma maneira
que uma amante atenciosa teria feito. Senhor! Como ele poderia
deixar o lado dela o tempo suficiente para fazer suas perguntas?
— Bom te encontrar, Hunter. Por que você não me apresenta a
sua nova amante?
Ele se virou para encontrar Henry Lector sorrindo de orelha a
orelha.
— Não estou pronto para compartilhar, Henry.
— Isso é justo? Você assinou contrato? Ela é uma mulher de um
homem só?
Gina piscou e ele teve medo de se entregar, mas quando ela
apenas inclinou a cabeça para um lado e disse:
— Um de cada vez, de qualquer maneira. — Ele quase deu uma
gargalhada.
Lector assentiu e se afastou, não inteiramente desanimado, mas
disposto a esperar sua vez. Mas ele nunca teria chance. Jamie
cuidaria disso.
Uma coisa estava clara, Gina era uma distração para o seu
propósito. Qualquer conversa que ele tivesse com ela ao seu lado
estava fadada a desintegrar-se em um flerte, se não uma proposta
direta. Com relutância, ele soltou a mão dela.
— Você vai ficar bem se eu falar com alguns desses homens
sozinho, Gina? Deve demorar apenas alguns minutos.
— Vou sentar em silêncio naquele canto. — Ela acenou com a
cabeça para um canto distante onde havia um banco em uma alcova
projetada para tête-à-tête.
— Eu não me demoro.
Ele observou Gina até que ela se sentou e começou a estudar ao
redor com óbvio interesse. Com uma sensação mesquinha de que iria
se arrepender de deixá-la sozinha, ele se juntou a um grupo de
frequentadores da Thackerys, posicionando-se para poder ficar de
olho nela.
Edward Tully foi o primeiro a cumprimentá-lo.
— Bom vê-lo, Hunter. Nós estávamos falando sobre Charlie. É
verdade?
Ele assentiu. — Apenas um arranhão. Ele deve estar de pé
amanhã.
— Pegou o cara? — Perguntou Albert Howland.
— Um deles.
— Quantos estavam lá?
— Dois, suspeitamos. Mas não vim a Thackerys para discutir
meu irmão. Eu tenho procurado por um velho amigo.
Tully olhou para ele com um olhar semicerrado.
— Quem seria esse?
— Cyril Henley.
Sobrancelhas subiram a isso.
— Amigos, é? Eu nunca imaginei que vocês dois teriam muito
em comum. — Disse Howland.
— Nós temos alguns amigos em comum. Pessoas que eu
gostaria de localizar, se possível.
Tully bebeu da taça antes de falar.
— Não o vejo há alguns meses.
— Eu o vi. Agora, deixe-me ver. Onde foi? — Howland franziu a
testa e olhou para o teto como se esperasse que a resposta
aparecesse ali. — Foi aqui, ou no baile de máscaras de Morris? Sim, a
noite em que Stan Metcalfe foi morto. Ele não ficou muito tempo, no
entanto. Disse que tinha algum lugar para estar.
— Homem ocupado. — Disse Tully sem se comprometer.
Jamie estava razoavelmente certo de que Tully sabia mais do
que ele estava dizendo.
— Ele não esteve por aqui com sua amante?
— Ah sim! É isso aí. Ele esteve aqui algumas noites atrás. Depois
do baile de máscaras de Morris. Ele e Misty. É assim que ele a chama.
Como num jogo de palavras.
— Como assim?
— Mistério. Misty. Ela sempre usa uma máscara, não sabe. Nós
especulamos incessantemente sobre sua verdadeira identidade. Nós
imaginamos que ela seja da sociedade, ou por que a máscara?
— Mas você não a reconheceu?
Howland riu.
— Nós mal olhamos acima do pescoço dela desde que usa seus
vestidos tão baixos. Mas eu reconheceria esses seios em qualquer
lugar.
Tully chutou. — A mais doce pinta no topo do mamilo esquerdo.
Fizemos apostas, mas ninguém provou ainda se essa pinta é natural
ou artificial. Meu dinheiro está em natural.
— E o meu em artificial. Não há muita naturalidade sobre essa
rapariga atrevida. Tudo o que posso dizer com certeza é que ela é por
natureza loira. — Howland bebeu profundamente e piscou.
Loira? Inferno, ele conhecia meia dúzia de loiras que conheciam
Henley. Isso não ajudou muito. Mas Misty? Droga! Havia algo picando
o fundo de sua mente. A descrição, embora vaga, parecia familiar.
O questionamento sutil de mais alguns homens confirmou a
informação de Tully e Howland. Misty, quem quer que fosse, era a
favorita dos homens. Ela não pedia nada a não ser a atenção deles e
era generosa com os pontos de vista que ela proporcionava a todos, e
generosa de várias maneiras a alguns; ela era conhecida por ir a um
quarto com outros homens se Henley não estivesse disponível.
Não podia imaginar Gina se comportando dessa maneira. Ele se
virou para checá-la e gemeu. Ele a encontrou não conversando com
um homem, mas com sua ex-amante.
— Então você é a mais nova obsessão de nosso Jamie, hein?
Gina se desviou do estudo do mural e sorriu para a bela
francesa. Ela não sabia o que dizer. A mais nova obsessão de nosso
Jamie? Ele patrocinou todas as mulheres de Thackerys?
— Nós não poderíamos perder aquele beijo, mademoiselle. Não
parece com ele, mostrar afeto publicamente. Ele deve pensar que
você é muito especial, né?
O pensamento a aqueceu. Ela encolheu os ombros.
— Possivelmente.
— Seu nome, mademoiselle?
— Mary. E o seu?
— Suzette. Ah, não se preocupe comigo. Eu sou de Charlie
agora.
Deus do céu! Os irmãos Hunter compartilhavam suas...
prostitutas?
— Não tenho certeza se sou de Jamie ou não.
— Bem, não se preocupe, pequena Mary. Mesmo que seja
apenas por esta noite, ele é bem generoso. — Sua mão delicada foi
para sua garganta e ela tocou um colar de diamantes e safiras. — Ele
me deu isso na nossa despedida.
Incerta do que dizer, ela se aventurou.
— Eu sinto muito.
Suzette riu, um som de trinado musical.
— Não precisa, Mary. É a natureza da nossa profissão, sim? Um
homem fica entediado e segue em frente. Eu sentiria mais falta se o
irmão não fosse tão bom.
— Charlie dá bons presentes também?
A garota riu novamente.
— Lá! Você é muito divertida, Mary. Mas eu vim perguntar se
Jamie mencionou algo sobre Charlie. Eu gostaria de ir visitá-lo, mas
acho que Lockwood não iria me admitir essa ousadia.
— Ah, claro. Charlie está muito bem, acredito. Eu me lembro que
Jamie mencionou que ele estaria em pé amanhã. Ainda está fraco,
mas de todo modo está bem.
— Tão bem informada? Bem, fico feliz em ouvir isso. Se Charlie
está fraco, ficarei pronta para fazer todo o trabalho. — Ela riu
novamente. — Muito bem, não é isso? Embora a habilidade dele seja
maior que a minha. Uma habilidade tão boa quanto de nosso Jamie,
hein?
Gina tinha certeza de que havia perdido alguma coisa. Ela estava
prestes a pedir uma explicação quando Jamie chegou.
— Suzette. — Ele a cumprimentou. — Vejo que você conheceu
Mary.
— Ela é tão preciosa, Jamie. Estou impressionada. Eu não
pensaria que você se divertiria com tal... inocência.
Ah, era um insulto! Ela olhou para Suzette e se levantou,
aceitando a mão oferecida por Jamie.
— Ah, mas eu não estava preocupada com você, Suzette. Na
verdade, Jamie nunca mencionou você.
Suzette estreitou os olhos.
Jamie deu apenas a mais leve reverência quando ele a afastou.
— Realmente — ela disse baixinho. — Você poderia ter me
avisado que eu estaria no meio de suas prostitutas.
Ele riu.
— Suzette é minha ex-amante. Eu não frequento bordéis.
— E você a passou para o seu irmão. Isso é uma coisa de
família?
Desta vez ele gargalhou.
— É só gentileza. Suzette tem... habilidades.
— Estranho. Ela disse o mesmo de você.
Eles haviam chegado à escada e não desceram mais do que dois
passos quando Jamie parou ao som de saudações vindas de baixo.
— Inferno!
Ele a girou e começou a subir novamente, então virou em um
corredor além do salão.
— O que...
— É Gilbert Sayles e seus amigos. Primo de Lady Annica? Você
dançou com ele no seu primeiro baile. Ele ficou atraído por você,
Gina. Irá reconhecê-la.
Ele abriu uma porta no final do corredor e ela entrou apressada,
temendo o pensamento de que poderia envergonhar Lady Annica pela
presença dela ali.
Mesmo o clique sólido da porta se fechando não podia afastá-la
da visão na frente dela. Uma única vela queimando, uma cama
luxuosa, a luz da única chama refletia-se no que pareciam ser mil
espelhos. As paredes estavam forradas com espelhos, e até mesmo o
teto sobre a cama trazia um. As tapeçarias e as cortinas da cama
eram violeta púrpura. Uma coisa era certa. Esta era uma sala feita
para atribuições ilícitas.
— Desculpe — Jamie disse. — Nós vamos ter que esperar.
Uma garrafa e taças esperavam em uma mesa de cabeceira.
Jamie serviu-se um pouco e provou.
— Brandy? — disse ele.
Ela assentiu. — Só um pouco.
Enquanto ela observava ele derramar medidas em duas taças e
trazer-lhe uma, ela notou como era interessante vê-lo de ambos os
lados. Os espelhos eram verdadeiramente surpreendentes. Ela já
havia notado a curva firme de suas nádegas antes? A força magra das
pernas dele? O amplo conjunto de seus ombros? Ela tinha sido cega?
Ela pegou a taça dele e levantou-o em um brinde silencioso.
— Você terá que pagar pelo quarto agora que estamos
aproveitando das amenidades?
Ele sorriu.
— Eu deveria ter deixado você encontrar com Gilbert?
Ela balançou a cabeça, pensando em sua própria condição,
manchada e entre prostitutas e amantes.
— Eu acho que estou onde deveria estar.
Estava certamente onde ela queria estar. Aqui. Com Jamie. Por
qualquer tempo que eles ainda tivessem juntos.
Sua expressão ficou séria.
— Gina.
Esta noite. Isso era tudo que ela teria. Esta noite. E então não
haveria mais Jamie. Sem mais ternura e suspiros suaves. Não mais
honestidade.
Mas ainda havia esta noite.

Capítulo Vinte
A emoção crua nos olhos de Gina lhe tirou o fôlego. Ela o queria.
Ele poderia tê-la esta noite e deixá-la ir amanhã? Poderia sair agora, e
nunca mais fazer amor com ela? Não, ele não podia. Um paradoxo.
Um enigma sem resposta. Ele só podia ficar ali, esperando. Querendo.
Rezando.
Ela deu um passo em sua direção, e ele começou a respirar
novamente. Quando entrou em seus braços e ele os fechou sobre ela,
se sentiu inteiro. Como se tivesse tudo o que importava no mundo. E
quando ela ergueu os lábios para os dele, os tomou como se tivessem
sido oferecidos completamente, sinceramente, com uma verdade crua
que o humilhou.
Ele se atrapalhou com a roupa dela enquanto se beijavam, se
desfazendo do vestido rapidamente, mas diminuiu a velocidade com
os cordões. Ele não demorou a soltá-los completamente, apenas
soltá-los o suficiente para empurrar o espartilho ofensivo e a chemise
para baixo sobre seus quadris, deixando-a em apenas suas meias
brancas e sapatos. Ele a levou para a cama e tirou a manta de cima,
querendo vê-la contra a roupa de cama, mas o arrastou com ela, seus
dedos trabalhando o nó de sua gravata. Ele jogou os sapatos por cima
do ombro, mas decidiu deixar as meias de seda como um lembrete
erótico da natureza sensual desse encontro. O paletó, o colete, a
camisa, as botas, as calças e as roupas de baixo foram rapidamente
jogados e ele se deitou na cama ao lado dela.
Seu cabelo tinha se soltado, enredado em seus ombros como um
manto escuro. Suas bochechas estavam coradas com o calor de sua
paixão, e ele a amava tanto por isso, como nunca. Que ela o queria
desesperadamente dessa maneira era imensamente satisfatório. Que
ela se entregaria em suas mãos era uma confiança sagrada.
@Esta noite ele a amaria como ela merecia.
Ele a beijou profundamente, suspirando quando ela o convidou
com sua língua e seus gemidos suaves. Oh, Deus, os sons que ela
fazia quando ele descobria um ponto sensível ou aprofundava uma
carícia o inflamavam, e os usou como um guia para o prazer dela. Ele
tomou seu tempo, apreciando cada momento.
Quando ela mal conseguia respirar, ele deixou sua boca para
beijar o caminho até os seios e cuidar de ambos. Seus mamilos
maduros eram doces em sua língua, provocando-o, prometendo-lhe
delícias, e ele os tomou avidamente.
Podia ler seu elevado estado de excitação em sua respiração
rápida e pela maneira inquieta como ela se arqueava para ele. Ela
precisaria ser liberada em breve ou ele a perderia para a escuridão da
luxúria da paixão sem o refinamento do amor. Sua própria
necessidade aumentava com uma intensidade alarmante, mas ele não
podia, não antes dela. Ele empurrou de volta com toda a
determinação que tinha, sabendo que a recompensa seria tudo o que
ele queria.
O cheiro dela não negava o desejo e arrastou sua língua para
baixo, mais baixo, ainda mais baixo, até que ele encontrou aquele
local que pulsava contra sua língua e lhe dizia que ela era dele pelo
tempo que quisesse, mas ela estava à beira. Ele sabia quanta pressão
ela precisava, e o momento certo para aplicá-la, mas a manteve
ansiosa por essa liberação, negando-a para intensificá-la quando a
concedesse. Ela era como um incêndio, queimando quente e rápido.
Para ele. Só para ele.
— Por favor, por favor — ela pediu.
E ainda assim ele esperou, saboreando o gosto doce e salgado
dela, o cheiro que despertava algo profundo dentro dele, uma
necessidade primitiva.
Ela se curvou para cima, as unhas apertando os ombros dele
para puxá-lo sobre ela, para forçá-lo a entrar nela, mas ele a
empurrou para trás. Em breve. Mais um momento. Só mais um
momento
E lá estava o suspiro e a respiração que lhe dizia que ela estava
a segundos de desmaiar. Ele sacudiu a língua e pressionou com
firmeza enquanto ela se arqueava, a cabeça jogada para trás quando
a primeira onda de choque a atingiu. Ele levantou-se acima dela e
empurrou profundamente, entrando nela no exato momento em que
seu clímax começou, e ela gritou com o puro êxtase daquilo.
Ela estava apertada, seus músculos internos ondulando e
apertando em torno de seu eixo, o que provocou um grunhido de
prazer primordial. Mas ainda não tinha terminado. Ele a levou para
outro clímax enquanto empurrava de novo e de novo, mais e mais
rápido até que sua própria liberação se misturou com a dela. O
mundo ficou fora de controle, bloqueando a razão e o pensamento.
Tudo o que existia era prazer, puro e primitivo.
Lágrimas translúcidas escorriam dos cantos dos olhos dela
quando a tempestade passou e ele voltou ao momento. E para ela.
Era gloriosa, a coisa mais excitante que já tinha visto, e ele a amava
como nunca pensara que amaria alguém ou alguma coisa.
Ela estendeu a mão para tocar seu rosto e traçar a linha de sua
mandíbula enquanto ele pairava sobre ela.
— Ah, Jamie. Não tenho palavras para expressar...
Havia paixão escrita em cada toque e ela suspirou, expressando
o que não precisava ser falado. Ainda enraizado dentro dela, cresceu
duro novamente com a visão dela embaixo dele. Quando ela sentiu
sua aceleração, sorriu e esticou os braços acima da cabeça, abrindo-
se para ele e dando-lhe o presente de sua confiança.
O presente o humilhou e ele prometeu amá-la. Ele retribuiu o
sorriso enquanto aceitava seu convite, movendo-se novamente,
construindo sua excitação com uma paciência nascida da
autonegação. Oh, ela tinha muito a aprender sobre a profundidade da
paixão de um homem, e ele estava comprometido em ensiná-la.

Gina olhou em volta para a confusão do seu quarto. Baús


abertos, caixas de madeira e roupas estavam espalhados por toda
parte. Mal sabia por onde começar e Nancy estava ocupada demais
ajudando mamãe para poupar um momento para ela.
E ah, ela não queria partir tão cedo. Ela tinha muitas razões para
ficar em Londres agora. E uma razão maior que todo o resto. James
Hunter. Seus joelhos ficaram fracos só de pensar nas coisas que ele
havia feito com ela na noite passada. Coisas que nunca imaginou em
seus sonhos mais perversos e selvagens. Coisas que a deixaram
tremendo, saciada e exausta hoje. E sim, coisas que ela queria fazer
de novo e de novo. Mas só com Jamie, e aí estava o problema.
Depois de hoje, ela não teria Jamie em sua vida. Ele a queria,
mas não o suficiente para responder sua pergunta. E com essa
incerteza sempre pairando no ar entre eles, ela sabia que não poderia
construir uma vida com ele.
Mas eles ainda tinham esta noite e não desperdiçaria isso. Se ele
não a levasse para seu apartamento, ela voltaria para Thackerys com
ele e correria para o cais pela manhã.
— E isso é o que você ganha por esperar tanto tempo para
arrumar as coisas, Senhorita. — Nancy disse a ela enquanto estava na
porta do quarto.
Ela olhou para o monte de vestidos em cima de sua cama.
— Eu não posso embalar o vestido azul-francês, Nancy. É o meu
favorito, e acho que vou usá-lo novamente hoje à noite. Só Deus sabe
quando vou encontrar uma chance de usá-lo em Belfast.
— E isso é outra coisa, Senhorita, você não deveria sair hoje à
noite. A Senhora O'Rourke providenciou que um coche estivesse aqui
antes do amanhecer para nos levar ao cais. Senão assim que chegar
em casa, terá que se trocar e estará na hora de irmos.
Haveria tempo suficiente para ela dormir no navio, mas esta
seria sua última chance de ver Jamie. Sua última chance de contar a
Hortense e Harriett o quanto elas significavam para ela, e agradecer
às senhoras da Liga por sua ajuda, e por continuar a procurar uma
vez que ela fosse embora. Sim, esta noite seria sua despedida de tudo
que poderia ter sido. E de Jamie.
Ela balançou a cabeça.
— Devendo ou não, eu irei. Há pessoas que eu preciso ver e
dizer adeus, e não há nenhum propósito em ficar trancada em meu
quarto.
Nancy encolheu os ombros.
— Eu achei que você gostaria de se despedir de suas irmãs,
Senhorita.
— Elas estarão na festa de Lady Sarah hoje à noite. A lista de
convidados é bem grande, então, por favor, não espere por mim,
Nancy. Estarei dançando até o amanhecer.
Oh, que mentirosa consumada ela estava se tornando.
Nancy deu uma gargalhada.
— Sua mãe diz que quer você em casa antes da meia-noite.
— Meia-noite? Mas eu não posso estar em casa tão cedo.
— O navio sai de madrugada, Senhorita. Você estaria
embarcando em seu vestido de baile.
Seu estômago deu um nó quando se imaginou de pé em um
convés dando adeus a suas irmãs e Jamie. Imaginou deixando tudo e
todos que ela amava para trás.
— Então... então... o vestido de baile deve ser... — Ela disse.
— Sinto muito, Senhorita, mas sabe que sua mãe terá uma
apoplexia se você não estiver em casa à meia-noite. Por causa do que
aconteceu com a Senhorita Cora, eu não teria coragem de contar para
ela se você não estivesse. — Nancy fechou a porta atrás dela com
uma nota de finalização.
Meia-noite! Cedo demais! Por que mamãe tinha que escolher
hoje para se importar com seu horário? Não haveria tempo para
conversar com Jamie. Não haveria tempo para dizer adeus ou para
guardar lembranças para os dias solitários que viriam.
Ela esfregou o dedão do pé na pequena caixa esculpida que
espreitava debaixo da cama e olhou fixamente. Como ela tinha
esquecido? Henley. Ela se ajoelhou e abriu a tampa. Lá, estava do
jeito que as deixou, a chave, o pacote de ópio e a pistola de bolso
emprestada do Senhor Renquist. Como um segredo.
Aquilo pelo menos, era algo que ela podia fazer. Sua última
chance de encontrar o Senhor Henley.

Gina, vestida com o sedutor vestido azul-francês, conversava


com as amigas, sorrindo e rindo como se nada mais importasse.
Como se ele não importasse. Eles não conseguiram encontrar um
momento a sós desde que ele a encontrou mais cedo esta noite e
estavam Hortense e Harriet esperando com ela. Ela havia planejado
isso?
Talvez tivesse razão em não confiar nele sozinho com ela.
Mesmo de pé do outro lado da sala, seu corpo respondeu à lembrança
dela embaixo dele, torcendo-se com paixão, enredada nos lençóis,
segurando-o dentro dela, chamando seu nome. Ele não podia
conceber que esta noite seria o fim de tudo. Precisava dela como se
precisasse de ar para respirar. Ela era mais potente que o uísque e
percorria suas veias como um mel grosso.
— Bom Deus, Hunter! — Disse Marcus Wycliffe. — Esse olhar
quente poderia derreter as geleiras. Tenha cuidado se não quiser que
toda a sociedade saiba o que você está pensando.
— Que exploda a sociedade — ele murmurou.
— É verdade? Ela está indo embora de manhã?
— Menos de doze horas. — Ele olhou para o relógio em um
canto quando atingiu dez horas. — Pelos meus cálculos, oito.
— E você não falou com ela?
— Eu falei. Ela não me quer.
Wycliffe fez um som suspeito como uma risada.
— Usou quais dos seus formidáveis poderes de persuasão?
— Ela quer uma resposta que eu não posso lhe dar.
— Ah sim. E a verdade é tudo para você, não é?
Tudo? Mais que Gina? Mais que amor? Ou amar Gina era a única
verdade que importava?
— Sempre foi meu baluarte — admitiu ele.
— Espero que isso o conforte quando ela partir — disse Wycliffe.
Ele estava ficando cansado de ouvir isso. Achavam que não
temia isso... seus irmãos e Wycliffe?
— É disso que você veio falar, Wycliffe? Ou há outra coisa?
— Ah, sim. Dick Gibbons.
— Você o prendeu?
— Ele foi engolido pela terra. Ninguém o viu desde que Artie foi
morto. Nenhum arranjo fúnebre, nada. Não consigo decidir se ele
simplesmente não se importa ou se o corpo de seu irmão e um
enterro decente não significam nada para ele. Apenas os animais se
afastam de seus mortos, mas duvido que Dick seja melhor que isso.
— Então agora o quê?
— Eu quero você no caso. Se alguém pode encontrá-lo, é você.
— Peça a Devlin. Ele tem olhos em todos os lugares.
— Jamie, desde que é tão apaixonado pela verdade, você sabe
quem acabou com Artie?
Ele sorriu. Wycliffe suspeitava de Devlin.
— O que faz você pensar que eu sei?
— Coincidentemente, Charlie foi baleado e, não vinte e quatro
horas depois, um Gibbons aparece morto.
— Poderia ter sido qualquer um de nós — admitiu Jamie. — Mas
você escolheu Devlin porque ele tem a crueldade para matar
friamente. Se eu soubesse, não mentiria sobre isso, mas também não
lhe contaria. Quem matou Artie Gibbons fez um favor a Londres.
Wycliffe cruzou os braços sobre o peito. Jamie sabia que o
homem era suficientemente pragmático para perceber que o que
Jamie dizia estava certo. Mas ele também estaria preocupado com
qualquer um de seus agentes que poderia ter excedido a lei ao tomar
a justiça em suas próprias mãos.
— Não foi você, Jamie. Você ficou na cabeceira da Charlie a
noite toda. Onde estavam Lockwood e Drew?
— Imagino que eles estavam tomando conhaque na biblioteca
de Lockwood, supondo que eu estivesse na cabeceira de Charlie.
Wycliffe deu-lhe um longo olhar e depois assentiu. O assunto foi
encerrado e ele mudou de assunto.
— Dê-me o nome do navio da Senhora O'Rourke e encontrarei
uma razão para segurá-lo no porto. Uma semana será suficiente para
fazer mudar de ideia a Senhorita Eugenia?
— Obrigado Marcus, mas não. Já usei meu melhor argumento.
Se não pude convencê-la com isso, não posso imaginar o que mais eu
poderia fazer. — Jamie suspirou e deu um tapa nas costas dele.
Talvez uma última tentativa? Ele se aproximou do grupo dela e
cumprimentou as senhoras, depois pediu uma dança. Gina colocou a
mão na dele enquanto a levava para a pista de dança.
— Você está bem? — Ele perguntou.
A cor no rosto dela aumentou.
— Suportável.
Ele riu.
— Apenas suportável? Se bem me lembro, você estava indo
muito bem na noite passada.
Ela sorriu timidamente.
— Na verdade, sinto uma pequena dor.
Claro que sentia. Ele tinha sido um idiota para não perceber que
ela sentiria. Considerando a extensão de sua atividade, uma pequena
dor era provavelmente um eufemismo.
— Eu sinto muito. Músculos desacostumados. Isso irá passar, e
rapidamente, acredito. Talvez você prefira não dançar?
— Um passeio nos jardins pode ser melhor para mim.
Muito melhor. Preferiria tê-la para si mesmo. Ele a conduziu
pelas portas do terraço e ela estremeceu no ar da noite. Começou a
tirar o casaco, mas ela não deixou, então, ao invés disso, deslizou o
braço ao redor dela e ela se aninhou contra o seu lado.
— Você vai me encontrar mais tarde, Gina?
Sua pausa foi tão longa que ele sabia que seria uma recusa.
— Mamãe me espera em casa pela meia-noite. Sairemos ao
amanhecer.
Ele parou perto de uma roseira que desbotava.
— Eu não posso persuadi-la a ficar?
— O custo seria muito grande.
Aquela questão. Essa maldita pergunta que arruinaria mais do
que o orgulho do Gina. Ela teria que desistir, ou teria que a destruir
com uma verdade inconveniente. Ele a virou em seus braços e
inclinou-se para colocar um beijo em seus lábios, ainda inchado da
noite passada.
— Fé, — ele sussurrou contra aquelas pétalas orvalhadas. —
Você não consegue encontrar um pouco de fé?
— Não mais do que você pode mentir.
Por que tinha que ser tão malditamente teimosa? Será que ela
realmente jogaria tudo de bom, por causa de um único momento
esquecido? O orgulho dela era mais importante do que o futuro? Do
que ele?
Ele sufocou com força sua raiva crescente e tentou argumentar
com ela.
— E se você se encontrar em Belfast com uma barriga
crescente?
Pelo seu olhar de surpresa, ele percebeu que ela não havia
pensado em tal eventualidade.
— Eu... certamente não.
Quanto a ele, não tinha intenção de ser pai de um bastardo.
— Você não seria a primeira mulher a ser surpreendida com um
evento como esse, Gina. Um casamento apressado daqui a dois ou
três meses teria a sociedade contando a chegada do nosso
primogênito em seus dedos. É isso que você quer?
— Não, mas também não quis nada disso que aconteceu. O que
fizemos... — Ela parou para suspirar e começar de novo. — Minha
mãe já perdeu uma filha para sempre e duas para o casamento. Tudo
o que ela quer é ir para casa. Eu não posso atrasá-la ainda mais.
— Se você está convencida disso, Eugenia, não vou implorar.
Mas, se eu descobrir no futuro que você deu à luz e não me deu a
chance de fazer o certo, haverá um inferno a pagar.
Pegou o cotovelo dela e a levou de volta ao salão de baile. Teve
que controlar sua raiva antes de dizer algo de que iria se arrepender,
mas com o nome dela na lista de Henley, ele não poderia deixá-la
onde estava vulnerável. Uma vez lá dentro, deu a ela uma reverência
formal e a deixou.
Capítulo Vinte e Um
Gina oscilou entre tristeza e raiva. Como ela poderia deixar
Jamie? Como poderia ficar se ele não respondesse? Sua teimosa
recusa em dizer as palavras que acabariam com sua agonia a
enfureceu porque, sem essa resposta, certamente estava partindo
naquele navio pela manhã. E agora ela só podia vê-lo se juntar a seus
irmãos do outro lado da sala e sentir o vazio de sua vida.
E sua ameaça! Se descobrir no futuro que você deu à luz e não
me deu a chance de fazer o certo, haverá um inferno a pagar. Inferno
a pagar? Absurdo. Mas então ela percebeu que sua mão tinha ido
cobrir sua barriga sem que percebesse. Ah, não conseguia pensar
nisso agora.
O peso da pistola no bolso sob o vestido e a chave amarrada nas
cordas do espartilho lembrou o que ela tinha que fazer. Esta noite
seria sua última chance de encontrar justiça para Cora. E para ela
mesma.
— Você está parecendo muito ameaçadora, Senhorita O'Rourke.
Ela se virou para encontrar Georgiana Huffington de pé ao lado
dela e forçou um sorriso.
— Mesmo? Eu só estava pensando em tudo o que tenho que
fazer antes de poder partir amanhã.
— Gostaria que tivéssemos nos conhecido antes, Senhorita
O'Rourke. Acho que poderíamos ter sido amigas. Como estamos,
devemos nos contentar com amigos em comum. Visitei Christina Race
hoje. Eu queria prestar condolências a ela pela perda de seu noivo. O
luto é algo com o qual não tive uma boa experiência.
— Você a encontrou bem?
— Melancólica, mas bem o suficiente. Ela mandou uma
mensagem para você. — A mulher entregou-lhe um papel dobrado.
Sua curiosidade foi despertada.
— Você vai me desculpar por um momento, Senhora Huffington?
— Ela não esperou por uma resposta antes de abrir a página e ler as
linhas, mal parando para notar que não havia sido lacrada.

Minha querida Eugenia,


Depois de considerável introspecção, passei a acreditar que
Stanley não queria que eu mantivesse seu segredo em vista do que
aconteceu nos últimos dias. Para melhor ou pior, você deve saber,
embora o que vai fazer com isso, eu não sei dizer.
Na noite da sua morte, Stanley confessou-me que participara
dos rituais do Senhor Henley. Sua culpa sobre isso o incomodava mais
do que ele podia expressar. Ele queria consertar as coisas, mas não
sabia como fazê-lo sem envergonhar sua família. Talvez o seguinte a
ajude a encontrar as respostas que procura e faça qualquer alteração
possível.
Stanley estava terrivelmente preocupado com sua irmã, Missy.
Apesar de seu flerte com o Senhor Booth, Stanley acreditava que ela
havia formado uma amizade insalubre com o Senhor Henley. Na
verdade, Stanley acreditava que ela e o Senhor Henley haviam se
tornado amantes, e que o Senhor Henley exercia influência indevida
sobre ela. Se ela estiver, de fato, próxima do Senhor Henley, talvez
possa responder às suas perguntas.
Eu sou, como sempre, sua amiga leal
Senhorita Christina Race

Gina virou a cabeça. Missy Metcalfe? Ela não gostava


particularmente da garota, mas Missy poderia se apaixonar pelo
charme superficial do Senhor Henley? Estaria tão profundamente sob
seu feitiço que tinha perdido toda a restrição e bom senso?
A Senhora Huffington colocou a mão no braço de Gina.
— Você está bem, Senhorita O'Rourke? Você ficou muito pálida.
— Sim. Sim, eu estou bem. Devo agradecer por trazer isso para
mim tão prontamente. Pode ser que ainda use essa informação.
A mulher corou.
— Confesso que li isso. Minha natureza curiosa é minha maior
falha. Eu não sei o que isso significa, mas temo que possa significar
perigo para você.
Gina deu de ombros. Havia apenas uma maneira de descobrir
isso. Ela reuniu segurança com o peso da pistola no bolso.
— Tenho de falar com a Senhorita Metcalfe imediatamente. Você
sabe onde ela mora?
Os olhos verdes da Senhora Huffington se arregalaram.
— Isso seria sensato, Senhorita O'Rourke? Certamente, em vista
da carta de Cristina...
— Eu realmente não tenho escolha, Senhora Huffington. Ela
pode ser a única pessoa que poderá me ajudar a encontrar a resposta
para uma pergunta.
A mulher pareceu considerar isso por um momento e depois
tomou uma decisão.
— Vi Missy aqui mais cedo. Chocantemente, eu a vi em outras
festas depois da morte de seu irmão. Não sei do que ela está atrás,
mas ela me deixa muito nervosa, de fato.
— Aqui? Onde?
— Nos jardins. Como se estivesse esperando por alguém.
Gina olhou para as portas do terraço. A resposta dela estava do
outro lado? Ela havia dado vários passos nessa direção quando a
Senhora Huffington a deteve com a mão em seu braço.
— Oh, por favor, Senhorita O'Rourke, não acho que isso seja
sábio.
O mais provável é que não, mas quanto tempo demoraria para
obter uma resposta de Missy Metcalfe?
— Se eu não voltar dentro de meia hora, por favor informe o
Senhor James Hunter do que eu fiz.
A Senhora Huffington a observou sair, com uma expressão
preocupada no rosto. Quando Gina se virou para fechar as portas do
terraço atrás dela, a garota já estava se virando para Jamie. Rezava
para que não contasse a ele rápido o suficiente para assustar a
Senhorita Metcalfe antes de obter as informações de que precisava.

Sozinha no terraço, ela desceu os degraus para o jardim,


tremendo de frio e se perguntando se Missy poderia ter visto ela e
James se beijarem mais cedo. Passeou abertamente pelo caminho do
centro até uma fonte, depois sentou-se na beirada, observando os
vários caminhos que convergiam para lá.
O farfalhar de saias a alertou e ela olhou em volta para o
caminho atrás dela e estudou seu rosto. Sim. Era Missy, envolta em
luto negro.
— Boa noite, Senhorita Metcalfe.
— Macacos me mordam, Senhorita O'Rourke. O que você está
fazendo sozinha no jardim?
— Pensando em você, na verdade. Acabei de receber uma carta
da Senhorita Race, explicando que você poderia me ajudar.
A luz de uma lanterna próxima caiu no rosto de Missy quando
ela se sentou ao lado de Gina. Era inegavelmente bonita, mas havia
algo secreto em seu sorriso.
— Terei prazer em ajudá-la de qualquer maneira que você
precisar, Senhorita O'Rourke.
— Excelente. Então você pode me dizer onde eu posso encontrar
o Senhor Henley?
— Ah! Como eu deveria saber disso?
— A Senhorita Race disse que você o conhecia muito bem.
— Disse? Então fico espantada por ela não ter me perguntado.
Ora, justamente esta tarde quando tomamos chá, ela me disse que
tinha uma mensagem para você e perguntou se eu a entregaria.
Gina não pôde esconder sua surpresa com isso. Duas
mensagens de Christina?
— Você a com você?
— Ela não confiaria que fosse escrito, mas pediu que eu
entregasse pessoalmente. Essa é a razão pela qual estou aqui. Rezo
para que não seja tarde.
— Tarde demais para o que?
— Para avisá-la contra a Senhora Huffington.
Que curioso!
— Ela representa algum mal para mim?
Missy se levantou e pegou a mão de Gina, puxando-a para ficar
em pé.
— Christina não sabia ao certo, mas sentia que não devia confiar
nela. Ela disse que a Senhora Huffington está bem envolvida com o
Senhor Henley e que você está procurando por ele. Parecia estar
preocupada que você pudesse acreditar nas mentiras dessa mulher.
Ela falou com você, Senhorita O'Rourke? Disse-lhe algo que pode
achar difícil de acreditar?
Senhora Huffington? Envolvida com o Senhor Henley? Isso
poderia ser possível? Ela procedeu com cautela.
— Nós trocamos amabilidades. Nada mais.
Missy suspirou.
— Graças a Deus ela não encheu sua cabeça com falsidades.
— O que ela poderia dizer? E por que iria querer me enganar?
— Quem sabe, Senhorita O'Rourke? Há rumores de que ela tinha
algo a ver com os desaparecimentos de seus maridos. E a mulher é
uma mentirosa incorrigível. Talvez esteja tentando proteger o Senhor
Henley. Mas o que Christina lhe disse é verdade, posso saber como
encontrar o Senhor Henley.
O coração de Gina bateu tão rápido que ela temia que pudesse
estourar em seu peito. Ela apertou a mão de Missy.
— Agora? Você poderia me dizer onde ele está agora?
— Talvez possamos encontrá-lo se partirmos imediatamente.
— Eu devo pegar meu manto e...
— Não há tempo. Devemos nos apressar se quisermos pegá-lo.
É agora ou nunca, Senhorita O'Rourke.
— Mas onde ele está?
— Existem vários lugares onde ele pode estar...
Missy era a mentirosa? Ou Georgiana Huffington? Ou poderia a
própria Christina tê-la enganado nas duas direções?
— Você vem, Senhorita O'Rourke?
É agora ou nunca, Senhorita O'Rourke.
— Há quanto tempo?
— Eu... Meia hora. Ela disse para esperar meia hora antes de lhe
dizer.
Jamie amaldiçoou e passou os dedos pelos cabelos. Ele queria
sacudir a Senhora Huffington, mas ela não poderia saber o perigo em
que Gina estava.
— Ela disse onde elas poderiam ter ido?
— Não. Trouxe uma carta para ela enviada pela Senhorita Race.
Ela leu, e quando mencionei que Missy Metcalfe estava no jardim, foi
lá imediatamente. Disse para lhe contar apenas se não voltasse
dentro de meia hora. Antes de chegar a você, olhei para fora, Senhor
Hunter, e nenhuma delas estava no jardim.
— Obrigado, Senhora Huffington. Se você me der licença. — Ele
se curvou e foi até o vestíbulo, sinalizando para Wycliffe ao longo do
caminho. O lacaio trouxe seus casacos e Jamie esperou até estarem
na rua antes de falar. — A Senhorita O'Rourke desapareceu.
As sobrancelhas de Wycliffe subiram até a linha do cabelo.
— Você está brincando.
Jamie não se dignou a responder ao que certamente era uma
pergunta retórica.
— A questão é onde ela está.
— Ideias?
— Algumas. Primeiro, vamos procurar a Senhorita Race.
— Christina Race? O que ela tem a ver com tudo isso?
— Provavelmente nada além de sua conexão com Stanley
Metcalfe. Mas a Senhora Huffington disse que deu a Gina uma
mensagem da Senhorita Race e ela foi para o jardim quase
imediatamente. Algo está acontecendo, Marcus. Estava com raiva de
mim, mas eu não acho que ela tenha ido com Missy, a menos que
achasse que poderia manejar tudo sozinha. Espero que a Senhorita
Race saiba onde elas possam ter ido.
— Dê-me tempo para convocar os outros.
— Para o inferno com os outros. Pegue Devlin e meus irmãos.
Encontre comigo na casa da Senhorita Race.

Ela soube aonde estavam indo antes de chegarem até lá. Ali
estava, elevando-se sobre o nevoeiro. A propriedade de Ballinger, a
torre de sua estranha capela erguendo-se como uma estaca no
coração do terreno. O mesmo lugar que pensava visitar esta noite
com sua pequena chave depois que todos se recolhessem.
Ela encontraria, finalmente, a porta que abriria? Missy guiou-a
pelo portão de ferro e por um caminho que contornava a casa e
levava à capela. A pistola no bolso que estava contra a coxa de Gina a
confortava.
— Você acha que ele está aqui?
— Se não está aqui agora, virá em breve. Ele... Christina disse
que este é o seu lugar favorito.
Ela estremeceu com mais do que o frio. Christina, de fato!
Henley amava este lugar porque era o cenário de todos os seus
devaneios. A cena de sua desgraça. Sua mão foi para a garganta
quando ela parou na porta da capela.
— Venha, Gina. Estará mais quente lá dentro. — Missy
prometeu.
Ela entrou em um pequeno vestíbulo, esperando por uma
lembrança ou um sentimento de familiaridade, mas nada veio. Devia
ter estado inconsciente ou fortemente drogada quando foi levada para
lá.
Missy acendeu uma vela, abriu outra porta e fez sinal para que
Gina a seguisse até a sacristia. Os capuzes pretos estavam
pendurados em estacas e espalhados pelo chão, e um banco virado
dava testemunho do caos daquela noite longínqua.
Um calafrio profundo penetrou nela. Ansiosa por dissipar a aura
do mal, passou pela sacristia até a nave. Um altar estéril estava à sua
frente e, diante dele, um tapete vermelho jogado atrás de um alçapão
aberto.
Seu estômago se apertou. Embora não se lembrasse disso, sabia
que tinha sido levada por aqueles degraus de madeira para a
escuridão abaixo. Ela enfiou a mão no bolso e agarrou o cabo da
pistola, consolando-se com o fato de que, dessa vez, estava
preparada para se defender.
Missy passou por ela e abriu uma porta atrás da sacristia, onde
vestes e vasos sagrados eram mantidos. Ela pegou um cálice de
estanho e uma garrafa de vinho sacramental.
— Estou com sede, Gina. O Senhor Henley obviamente ainda
não está aqui. Vamos tomar um gole de vinho de comunhão? — Ela
riu enquanto colocava o vinho no cálice.
Gina olhou para a câmara embaixo do alçapão.
— Tem certeza de que não está aqui? Ele poderia estar lá
embaixo.
— Absurdo. Se tivesse nos ouvido, teria aparecido. Teremos
tempo para uma bebida antes de descermos para esperar por ele.
— Como ele vai saber nos procurar lá?
— Eu ouvi dizer que ele mora lá embaixo. — Ela se ocupou
colocando o cálice no altar e derramando uma generosa medida de
vinho nele.
A lista que o Senhor Renquist encontrou! Velas, isqueiro,
cobertor, vinho. Eles suspeitaram que o Senhor Henley estava
estabelecendo novas instalações, e assim ele fez. Ah, mas Missy
também sabia disso. E agora Gina sabia o que tinha que fazer.

A Senhorita Race entrou em sua sala de estar, com um olhar de


espanto no rosto bonito, e os pais atrás dela.
— Senhor Hunter, Senhor Wycliffe. Como eu posso lhes ajudar?
Jamie se perguntou o quanto seus pais sabiam sobre os eventos
que os levaram até lá. Ele não queria causar problemas para ela, mas
precisava de informações rapidamente. Não havia tempo para
persuasão e adulação.
— A Senhorita O’Rourke está desaparecida, Senhorita Race.
Você tem alguma ideia de onde ela possa estar?
Seus olhos escuros se arregalaram e sua mão foi para seu
coração.
— Não! Oh, eu rezo para que ele não a tenha pego.
— Quem, Senhorita Race? — Wycliffe perguntou.
— O Senhor Henley, claro. Ela estava procurando por ele, mas
rezei para que não o encontrasse. Isso não pode significar nada além
de problemas para ela. Stanley disse...
Jamie se lembrou da lista de nomes de Henley e que terminava
com ela.
— Ele disse que a Senhorita O'Rourke estava em grave perigo,
não foi?
A Senhorita Race assentiu.
— Stanley disse que o Senhor Henley considerava seus negócios
inacabados.
— Você tem alguma ideia de onde ele poderia ter ido? Aonde ela
poderia tê-lo seguido?
— Temo que não. Ela me procurou ontem e eu pensei que
estivesse voltando para a Irlanda. Quando Georgiana chegou hoje,
não a mencionou. Bem, mas pedi a Georgie que desse uma
mensagem para a Senhorita O'Rourke.
Jamie domou seu senso de urgência.
— O que foi dito?
A Senhorita Race corou e olhou por cima do ombro para a mãe e
o pai, depois endireitou os ombros de um jeito tão parecido com Gina
que seu coração se retorceu.
— Disse a ela que Stanley e eu acreditávamos que Missy havia
se tornado amante secreta do Senhor Henley, e que talvez Missy
tivesse as respostas de que Gina precisava tão desesperadamente.
Tão desesperadamente que ela arriscaria a vida. Tinha sido um
idiota por pensar que poderia poupá-la daquela dor. Se ao menos
tivesse o bom senso de responder sua pergunta, talvez pudesse estar
segura em seus braços neste exato minuto. Mas então ele percebeu
que a resposta apenas nunca teria sido suficiente. Ela também queria
justiça para sua irmã.
Ele suspirou profundamente.
— Isso é tudo, Senhorita Race?
— Sim.
— Obrigado. — Wycliffe disse quando se viraram para ir embora.
— Desculpe pela interrupção da sua noite.
A Senhorita Race seguiu-os até a porta e colocou a mão na
manga de Jamie. Ela baixou a voz para um sussurro.
— Missy veio aqui hoje também. Ela fez tantas perguntas sobre
onde Gina estaria hoje à noite, quando estaria indo para a Irlanda,
esse tipo de coisa. Eu não pensei muito sobre isso no momento, mas
me pergunto se ela tem algo a ver com o desaparecimento de Gina.
Inferno, sim.
— Se ela tiver, Senhorita Race, você tem alguma ideia de aonde
ela poderia ter levado Gina?
— Não. Mas continuo pensando no que Stanley disse sobre
negócios inacabados. O que você acha que o Senhor Henley quer com
ela?
Negócios inacabados? E então tudo se encaixou. Onde mais
Henley poderia conduzir seus negócios letais? Ele se inclinou e deu a
Senhorita Race um rápido beijo na bochecha.
— Obrigado, Senhorita Race.

Missy rodou o vinho no cálice.


— Acho que é um pouco rançoso, — ela disse enquanto oferecia
a taça.
Gina fechou os dedos ao redor do pequeno pacote embrulhado
no bolso enquanto levava o taça aos lábios com a outra mão. Ela
fingiu beber e depois pulou, como se algo a tivesse assustado.
— O que foi isso?
Missy franziu a testa.
— O quê?
— Eu pensei ter ouvido alguma coisa. Na sacristia.
Uma pequena elevação nos cantos da boca de Missy a traiu.
— Vou ver se alguém está aqui. Enquanto isso beba, Gina.
Quão tola Missy achava que ela era? No minuto em que partiu
para a sacristia, Gina despejou o conteúdo do cálice no alçapão.
Quando Missy se virou, ela ergueu o cálice novamente e inclinou-o
para cima como se terminasse a última gota, então conseguiu dar um
olhar de pesar.
— Oh, desculpe. Bebi tudo. Minha sede era maior do que eu
pensava, e você estava certa, o vinho está ruim. Bastante fedorento e
amargo, mas ainda potável. — Ela foi até o altar e despejou mais
vinho no cálice antes de entregá-lo a Missy.
Missy hesitou quando olhou para a taça.
— Provavelmente há mais vinho lá embaixo.
— Não é tão ruim assim. Certamente você não me fará beber
sozinha.
Missy deu de ombros e tomou um gole profundo, fazendo uma
careta quando terminou.
— Ugh. Muito desagradável. Isso deveria ensinar Henley a não
deixar garrafas por aí.
Gina respirou mais fácil. Ela se perguntou quanto tempo levaria
para a droga fazer efeito.
— Vamos descer? — Missy perguntou, pegando o candelabro e
se juntando a ela pelo alçapão.
Rezando para que não escorregasse no vinho derramado, Gina
começou a descer os degraus irregulares de pedra. Ela podia sentir o
cheiro do vinho derramado, mas não pôde ver. Então, outros odores
atacaram seu olfato, os traços úmidos e fracos de incenso se
entranhavam no fundo de sua mente, despertando a impressão de
sensações sombrias.
Na parte inferior das escadas, ela se viu em uma antecâmara
estreita com uma pequena porta fechada à sua direita. As primeiras
lembranças reais e desconfortáveis começaram a se envolver ao redor
dela. Em frente havia uma abertura em arco, e ela tinha uma vaga
lembrança de uma cripta além.
Atrás dela, Missy tropeçou, apoiou-se encostada na parede de
pedra e riu.
— Que desajeitada. O vinho deve ter subido direto para minha
cabeça.
Gina esperava que algo tivesse subido, embora ela adivinhasse
que era o conteúdo daquele pacote.
— Aqui, deixe-me ajudá-la — disse ela, pegando o candelabro de
Missy antes que pudesse largá-lo e mergulhar a antecâmara na
escuridão.
— Você? Ajudar-me? — Outra risada.
— Sente-se Missy, antes de cair.
— O que você está diz... diz... dizendo?
— Se minha experiência se confirmar Missy, você está prestes a
tirar uma boa soneca.
Os olhos azuis de Missy se arregalaram com incredulidade.
— Você me enganou.
— Sim eu fiz. Agora sente-se antes de cair e quebrar a cabeça.
Missy sentou-se com um baque suave.
— Ele irá matá-la por isso.
Ou por qualquer outra coisa, ela supôs. Por colocá-lo em
evidência. Por fugir dele. Por caçá-lo. Não importava porquê, o porquê
não mudava os fatos. E ele não ia matá-la. Muito pelo contrário.
O suspiro pesado de Missy disse a ela que a garota se rendera à
droga. Ela se perguntou quanto tempo tinha antes que o Senhor
Henley aparecesse. Teria que trabalhar rápido.
Tentou o trinco para a porta lateral. Bloqueado. Claro que
estava. Ela enfiou a mão no interior do decote e puxou a corda do
espartilho até a chave aparecer. Encaixou na fechadura e virou. A
porta se abriu com um leve rangido.
Ela não conseguia dar o primeiro passo, então segurou a vela
para iluminar a sala. Era o quarto em seus sonhos, pequeno, as
paredes de pedra escura pareciam engolir a luz. Um catre estava no
centro do quarto e havia um candelabro vazio destinado a segurar
uma tocha. Uma xícara estava tombada no chão e, amarrotado em
um canto, estava o vestido rosa que Gina usara para encontrar o
Senhor Henley naquela noite.
Era verdade, então. Todas essas impressões vagas, aquelas
visões eram verdadeiras. Tinha sido drogada e despida aqui, e vestida
com aquela coisa que havia sido removida no altar.
E mais. As mãos tocando-a, ungindo-a com algum tipo de óleo.
Ela se lembrou do rosto do Senhor Henley, olhando-a, inclinando-se
sobre ela e dizendo algo que ainda lhe escapava. E... e... Missy,
envolta em um dos capuzes escuros, os olhos brilhando de excitação.
E ainda assim, a resposta para a pergunta dela escapava.
Quaisquer escrúpulos que restavam sobre ter drogado Missy
desapareceram no meio dessas lembranças. Fechou a porta, mas não
a trancou. Não havia mais nada para assustá-la. Ela fez uma pausa
para verificar Missy respirando antes de endireitar os ombros e passar
sob a abertura em arco para a cripta.
O mal naquela câmara a atingiu como uma mão aberta. Sentiu
um calafrio que arrepiou os braços e levantou os cabelos finos na
parte de trás do pescoço. Ela tocou a vela numa tocha apagada em
um candelabro na entrada e a sala se iluminou. Cada detalhe severo
tinha sido gravado em sua mente, apenas esperando o estímulo certo
para trazer tudo de volta em seu horror total.
Uma fileira de cofres funerários de gerações passadas estavam
gravados nas paredes de pedra, e ela se perguntou o que eles
poderiam ter pensado do modo como seu lugar de descanso final fora
profanado. Um braseiro foi derrubado e brasas mortas estavam
espalhadas pelo chão. Em toda parte, o cheiro de incenso enjoativo
permeava as pedras.
Gina quase vomitou, o odor a levando mais fundo em suas
memórias. Ela se virou, encontrando o altar de pedra, um símbolo
pagão erguendo-se atrás dele. Ela pensou em Cora, espalhada
naquele altar, seu sangue manchando a pedra abaixo dela. Ainda
estaria lá?
O sangue de Cora? O sangue dela?
A fascinação a atraiu para aquela pedra e encontrou manchas
escuras nela. A bile subiu em sua garganta e ela ficou tonta. A cicatriz
em seu pescoço latejava como se a adaga estivesse perfurando-a
agora. Com as mãos espalmadas no altar, segurou-se até que as
ondas de náusea passassem e uma calma mortal a alcançasse.
Ela recuperou o equilíbrio quando ouviu um som atrás dela.
Virou-se para encontrar Cyril Henley, vestido com o manto preto que
usara cada vez que o vira, a menos de três metros de distância. Ele
havia descido um dos túneis que levavam à cripta. Ela recuou contra o
altar, querendo algo sólido em suas costas.
— Senhor Henley. — Ela o saudou em uma voz tão calma que
sorriu.
Capítulo Vinte e Dois
— Senhorita O'Rourke. Quão conveniente é encontrar você aqui.
— Conveniente? Missy não lhe disse que me atrairia até você?
Ele sorriu.
— Então você sabe sobre Missy, hein? Onde ela está?
— Na antecâmara.
Um breve olhar de preocupação passou por seu rosto.
— O que você fez com ela?
— Eu dei a ela o conteúdo do pacote da pequena caixa de
madeira que você deixou para trás.
Ele a circulou para a direita, mantendo distância entre eles
enquanto se aproximava da porta em arco e da antecâmara para dar
uma espiada na escuridão onde Missy estava deitada.
— Todo ele?
Ela encolheu os ombros, combinando com sua atitude de
despreocupação.
— Eu acredito que ela bebeu tudo.
— Sua vaca estúpida! Você poderia tê-la matado.
— Eu realmente não saberia. Apenas presumi que era a mesma
dose que você me deu em julho. Quanto tinha naquele pacote?
— Ela estará inconsciente até amanhã.
— Bem, então. Uma pena que ela vá perder toda a emoção. —
Ela enfiou a mão no bolso e sentiu a ponta da pistola.
— Você acha que vai escapar dessa vez, Senhorita O'Rourke?
— Tenho quase certeza disso. — Tirou a mão do bolso e
apontou a pistola para o coração do Senhor Henley.
Ele riu.
— Você não tem coragem para isso. Se tivesse, eu estaria morto
agora.
Que estranho que ela se sentisse tão calma, como se tudo nos
últimos dois meses e meio a tivesse levado para esse lugar e
momento.
— Você estaria morto se eu não quisesse algo de você.
— Eu não tenho nada seu.
— Você tem respostas. Eu tenho dúvidas.
Ele riu, um som maníaco que a deixou certa de que estava muito
bravo.
— Eu pensei que você soubesse tudo.
— Quero saber se foi você que matou Cora.
Seu sorriso se espalhou.
— Ah. Cora O'Rourke. Coisa doce ela era. Parecia um pouco com
você.
Ela não se distrairia.
— Você a matou?
— Humm. Havia vários de nós que seguravam a faca. Foi
Daschel quem a retalhou, mas sim, eu posso ter sido aquele a dar o
golpe de misericórdia.
Seu dedo se contraiu. Oh, como ela queria puxar esse gatilho.
Mas ainda não. Ainda não.
— Você é um porco, Senhor Henley. Não é humano de forma
alguma.
Ele encolheu os ombros.
— Eu trabalhei para isso, pequena Gina. Eu posso te chamar
assim?
— Não. — Ela apoiou o braço com a outra mão quando a pistola
começou a tremer. — E o Senhor Metcalfe? Senhor Booth? Charles
Hunter e os outros?
— Metcalfe foi um prazer pessoal... tentou me falar sobre como
sair dessa situação. Alguém cuidou do Senhor Booth por mim. Aquele
idiota do Artie Gibbon estragou o trabalho em Hunter e seu irmão.
Ainda assim, não há escapatória para eles. Eu ofereci recompensa
para todos eles. Mais cedo ou mais tarde, uma das escórias de
Whitechapel terá sucesso.
— Se eu pudesse adivinhar, Senhor Henley, diria que a ameaça
deixará de existir quando você também deixar. Sem a recompensa,
não haverá incentivo.
— Pequena vadia, você, não é? Mas isso é supondo que eu
deixarei de existir em vez de você.
— Mais uma pergunta, Senhor Henley, e posso deixá-lo viver se
me responder honestamente. Você me estuprou na antecâmara antes
do ritual?
Ele piscou, então um sorriso lascivo se espalhou por seu rosto
odioso.
— Você não se lembra, Gina? Que engraçado.
— Eu francamente não me importo com o que o diverte. Apenas
me responda, Senhor Henley.
— Estou devastado que possa ter esquecido o nosso tempo
juntos. Bem, eu não chamaria isso de estupro, exatamente. Não lutou
muito. Só ficou lá e deixou acontecer. Eu te montei forte, você sabe.
Sua mandíbula se apertou e sua mão começou a tremer
novamente quando ela baixou a mira para a virilha do Senhor Henley.
— Sim, quando os outros saíram, fiz o meu caminho com você.
O que importava se fosse virgem no altar ou não? Eu deveria ter a
primeira violação de qualquer maneira.
Mas o seu jeito jovial e quase insultuoso tinha mudado de
maneira muito sutil para um raivoso. E ele não ficaria zangado se
estivesse dizendo a verdade. Querido Deus! Ele estava mentindo! Não
a tinha contaminado! Esse era o negócio inacabado que tinha com ela
e a razão pela qual ele não a tinha simplesmente matado quando teve
a chance! Ainda queria estuprá-la. Ela riu dele.
Seu sorriso se voltou para um sorriso de escárnio.
— Você não estava rindo então, Gina. Você sangrou como um
porco preso.
Ela estava quase fraca de alívio.
— Pobre Senhor Henley. Segundo melhor atrás de Daschel, e um
completo fracasso. Ora, você nem sabe mentir bem.
Eles olharam para o arco com o barulho de botas na escada de
pedra. Jamie? Ou amigos de Henley? Ele olhou para ela e de volta
para a porta e sabia que ele estava medindo suas chances de fuga.
Sua mão vacilou quando ela apertou o dedo no gatilho.
— Não se mexa, Senhor Henley.
— Gina!
A voz de Jamie foi ouvida da antecâmara. Eles devem ter
encontrado Missy e temido o pior por ela.
— Puta! — O Senhor Henley amaldiçoou e se lançou para ela.
Ele a pegou desprevenida, caindo em cima dela e rolando para
colocá-la no topo para usá-la como um escudo, a pistola presa entre
eles. Se ela puxasse o gatilho agora, provavelmente atiraria em si
mesma e o Senhor Henley agora tentava arrancar a pistola da mão
dela.
— Solte-a.
Ela ouviu Jamie exigir em uma voz fria em algum lugar perto da
entrada da cripta.
— Calma, Henley.
Outra voz. Lorde Lockwood, pensou ela.
— Afaste-se — disse Henley, a voz abafada por baixo dela.
— Você não vai fugir dessa vez, Henley. — Andrew disse a ele.
— Desista.
Ela deveria puxar o gatilho? Havia uma chance maior de a bala
atingir o Senhor Henley. Ela respirou fundo, agarrou a pistola ainda
esmagada entre eles com toda sua força e rolou para expor o Senhor
Henley de volta em cima. Não podia puxar o gatilho por medo de se
matar, mas também não podia permitir que ele usasse a pistola
contra Jamie ou os outros.
Ele sacudiu a mão em um esforço para arrancar a pistola dela,
então torceu quando ela rolou para o lado. Seu pulso fraquejou,
deixando o Senhor Henley com a posse da pistola. Ele riu e balançou
o cano para o coração dela, esquecendo todos os outros em seu ódio
por ela.
O tempo diminuiu enquanto ela observava o dedo dele se
enrolar no gatilho. Apertou os olhos, não querendo ver o seu triunfo.
Um único tiro reverberou na cripta e, milagrosamente, ela não sentiu
nada. Ouviu o som de uma pistola caindo no chão e de repente estava
sendo arrastada para cima.
— Gina? — Ela abriu os olhos. Jamie estava segurando-a,
estudando-a, seu olhar percorrendo o corpo dela. — Você está
machucada?
Fraca de alívio, ela caiu contra ele.
— Estou bem, Jamie. Ele não me machucou.
Ela podia sentir a tensão deixar o corpo dele enquanto a
segurava com mais força.
— Graças a Deus. Graças a Deus.
Ele se virou com ela em seus braços e ela viu Lockwood e
Andrew curvando-se sobre o corpo de Henley. Tinha acabado.
Finalmente acabou. Estava tremendo violentamente e percebeu que
devia estar em choque. E tudo que ela conseguia pensar era que...
— Você pode me colocar no chão agora, Jamie. Eu tenho que
estar em casa pela meia-noite.
Ele apenas riu e a abraçou mais apertado.
Epílogo
25 de setembro de 1821

A convocação para a biblioteca de Andrew antes do amanhecer


não foi uma surpresa. Charlie a trouxe para casa ontem à noite,
deixando os outros para limpar a bagunça. Havia escrito uma carta de
agradecimento à Liga das senhoras. Ela nunca poderia ter passado as
últimas semanas sem o seu apoio e compreensão. Elas a entenderam
e ajudaram a recuperar seu orgulho e sua vida. Sem elas, ainda
estaria se encolhendo nos cantos. Então, conseguiu ter algumas horas
de sono e começou a se vestir para a viagem. Agora ela estava
preparada para quase tudo quando passou pelas pilhas de caixotes e
baús no vestíbulo e bateu na porta da biblioteca.
Em uma resposta suave, ela entrou.
Não parecia que algum dos irmãos tivesse ido dormir. Charlie
com o braço ainda na tipoia, e Andrew pareciam relaxados, enquanto
Jamie e Lockwood pareciam como se tivessem acabado de voltar de
alguma missão. Havia uma cadeira vazia na frente da mesa de
Andrew e ele fez sinal para ela.
Ela se sentou na beira do assento e respirou profundamente.
Não sabia distinguir se a notícia era boa ou ruim. Ela arriscou um
olhar para Jamie e foi tranquilizada por um pequeno sorriso nos
lábios.
Andrew serviu-lhe uma xícara de chá que estava em sua mesa.
— O café da manhã deve estar pronto em breve, Eugenia, mas
queríamos falar com você antes que os outros descessem.
Ela assentiu e aceitou a xícara de chá e o pires.
— Cyril Henley, como você sabe, está morto. Haverá um breve
obituário no Times amanhã. Nada será dito de suas atividades ou da
natureza de sua morte.
Ela sorriu, satisfeita por não haver fofoca. Ela não suportava a
ideia de sua família ser pega em polêmica e especulação novamente.
Andrew pigarreou e continuou.
— Levamos a Senhorita Metcalfe para casa e explicamos sua
condição aos pais. Dizer que eles ficaram chocados e mortificados é
um eufemismo. Eles estão fazendo arranjos imediatos para se
deslocarem para uma pequena vila na Toscana até completarem seu
luto. O Senhor Metcalfe retornará depois de alguns meses, mas a
Senhorita Metcalfe permanecerá. Lorde Wycliffe deixou claro que sua
única esperança de escapar da acusação é permanecer no exterior.
— Quanto ao seu nome na lista de assassinatos de Henley,
Devlin divulgou que Henley está morto e que não haverá recompensa
por qualquer tentativa adicional em relação a todos, especialmente a
você Eugenia.
Ela olhou rapidamente para Charlie e Jamie.
Andrew a olhou.
— Há um número de assassinos que agora estão
desempregados, e um em particular ainda estamos em busca, mas
acho seguro dizer que você não está mais em perigo.
Ela tomou um gole do chá e percebeu que todos estavam
olhando para ela.
— Eu, ah, obrigada a todos. Sinto muito por qualquer problema
ou inconveniência que causei...
— Inconveniência? — Jamie repetiu com um pequeno capricho
na boca. — Você perseguiu Henley até a captura quando o Ministério
do Interior não conseguiu. Pelo contrário, nós temos uma dívida de
gratidão.
Ela sorriu.
— Se ao menos eu pudesse lidar com a mamãe tão bem.
— Sua mãe foi manobrada. — Jamie disse a ela. — Parece que
seu navio está atrasado. Seja qual for a decisão que ela tomar, você
terá tempo suficiente para tomar a sua.
— Minha? Existe alguma decisão que eu tenho que tomar? —
Eles pareciam ter cuidado de tudo.
Andrew se levantou e cutucou Charlie enquanto Lockwood abria
a porta da biblioteca.
— Jamie pediu uma palavra em particular com você. Você se
importa?
Calor lavou através dela. Se importar? Ela balançou a cabeça
quando Jamie veio em sua direção e pegou sua mão para levantá-la.
A porta da biblioteca fechou-se suavemente e eles ficaram sozinhos.
Ele puxou-a em seus braços e inclinou seu queixo para ele.
— Eugenia O'Rourke, eu te amo. Você quer se casar comigo?
Sim, seu coração gritou, mas ela não pôde deixar de provocá-lo
uma última vez.
— E?
— A pergunta. — Ele assentiu e respirou fundo. — Sim, meu
amor. Você era virgem.
Ela riu.
— Jamie. Eu adoro você. Não posso dizer o que significa para
mim que me ama o suficiente para tentar mentir.
Ele parecia indignado.
— Não minto, mulher! É a verdade. — Protestou ele.
— Mesmo quando tenta mentir, você diz a verdade. Porque é
verdade, Jamie. O Senhor Henley contou antes de você chegar na
noite passada.
Ele baixou os lábios para ela, soltando pequenos beijos em suas
bochechas, seus lábios, sua garganta enquanto falava.
— Isso nunca importou para mim. De todas as maneiras, você é
mais importante. Sou o primeiro homem com quem você se deitou, o
primeiro homem a quem se entregou, o primeiro homem que você
amou. E se a sorte estiver comigo, serei o único homem de que você
necessitará para sempre.
— Sim — ela respondeu sua pergunta e confirmou seu desejo.
Ele era o único homem de que necessitaria. Queria uma resposta
simples. Descomplicada e verdadeira. Ele tinha dado a ela a única que
importava. A mais verdadeira de todas.

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