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PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
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PERIGOSAS ACHERON
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Copyright © 2019 Valentina Carter


A Anatomia do Amor
1º Edição

Capa: LA Capas
Diagramação: April Kroes

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e
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similar, sem a permissão dos detentores dos
copyrights.
Texto fixado conforme as regras do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto
Legislativo n° 54, de 1995).

PERIGOSAS ACHERON
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Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9

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Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
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Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Epílogo
Agradecimentos

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Ele sorria para ela e seu sorriso era


cativante e radiante. Possuía uma luz própria e ela
sabia que soaria como exagero, mas podia jurar que
ele iluminava toda aquela sala. Era sempre assim
quando ele estava por perto, ela sentia-se
iluminada, era como se todas as coisas ruins que se
escondem na escuridão corressem para longe
quando ele sorria. Até ter aquele sorriso em sua
vida ela não compreendia o poder que um poderia
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ter.
Quando achou que seria impossível se
apaixonar ainda mais por Gael, ele vem em sua
direção e a cumprimenta com um beijo estalado na
bochecha. Em suas mãos havia uma pequena caixa
de veludo preto. Antes mesmo que ele faça um
movimento ou diga algo, ela sabia o que estava por
vir e o brilho invade seus olhos.
O seu peito parecia pequeno para as batidas
frenéticas que seu coração fazia. Suas mãos
tremiam levemente pela ansiedade do leve toque de
seus dedos que estava eminente. Sua vida se
iluminava mais uma vez pela amabilidade
estampada em seu rosto. Ela não conseguia
acreditar que aquilo estava realmente acontecendo.
Quando os lábios dele se moveram, três
palavras saíram deles. Três simples palavrinhas que
quando juntas em uma mesma sentença, é capaz de
fazer o coração explodir em milhares de cores,
sentir a mais plena felicidade e desejar a mais longa
vida.
“Quer casar comigo?” Ela o escuta dizer.
Sem hesitar por um segundo sequer, ela lhe

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diz que sim. Claro que iria querer, amava aquele


homem com todas as suas forças e sabia que ele
também a amava.
Sem aviso ela é levada para outro lugar,
como se sua alma houvesse saído do seu corpo e
agora vagava entre suas lembranças.
Não estava mais naquela sala iluminada e
nos braços de seu amado e sim saindo de uma
igreja. A cauda do seu vestido branco se arrastava
pelo chão da escadaria por longos centímetros.
Gael segurava suas mãos fortemente pelo trajeto, e
em seu olhar a promessa de que não a soltaria. Seus
dedos estavam entrelaçados e ela não conseguia
deixar de pensar em como o encaixe era perfeito e
imaginava que nenhuma outra se encaixaria
daquela maneira, pois ela era dele, do homem que
roubou seu coração e do qual ela jamais queria que
devolvesse.
Por sobre suas cabeças uma chuva de arroz
caía, proporcionada pelos convidados. Lá embaixo
no fim da escadaria um carro de modelo antigo,
como ele queria, os aguardava. Quando está prestes
a entrar e iniciar uma nova etapa em sua vida, ela
sente uma pequena gota da chuva, que ameaçava
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em cair a dias, tocar sua bochecha e se escorrer pela


mesma. Não se importava se choveria ou não, nada
estragaria o seu dia, nada a impediria de ser feliz ao
lado daquele homem.
─ Eu sou a chave ─ Ela lhe diz assim que
ele fecha a porta, e com um sorriso nos lábios
aguarda sua resposta padrão.
─ E eu o cadeado.
Era sempre assim. O pequeno, único e
diferente eu te amo.
Os lábios dele encontram os dela, os
envolvendo com ternura, seu jeito sempre contido.
Nem percebera quando o carro começou a se
mover, tudo o que havia para ela eram os lábios
dele e tudo o que ela conseguia ouvir eram as
batidas dos pingos de chuva, que agora se
intensificara, nos vidros das janelas.
Pouco tempo depois outro som se sobressai
à chuva. Um som alto e estridente.
Então ela é trazida de volta para a realidade.
Para a dura realidade, como gostava de pensar.
Com um baque certeiro de sua mão ela desliga o
despertador.
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Mais uma noite e novamente aquele sonho.


Ela já estava acostumada com ele. Aquilo já se
tornara parte da sua rotina. Mas claro que não eram
iguais todas às vezes, algumas ela chegava até o
fim da cena, a parte após aquele barulho alto, às
vezes o sonho parava na primeira parte, ou às vezes
ela sonhava com os dias antes daquele na igreja.
Todos os dias quando ia se deitar, ela já
sabia que sonharia com ele. Em alguns momentos
achava prazeroso, dependendo do sonho, era uma
maneira de tê-lo sempre por perto. Mas não no
começo.
Quando eles começaram, era muito difícil
para ela acordar, encarar o dia e sair de casa pela
manhã.
Sentada na cama, ela esfregava seus olhos
os preparando para mais um dia. A luz da manhã
podia ser vista por detrás das cortinas e um
pequeno feixe invadia o cômodo por uma tímida
fresta, iluminando sua mochila na cadeira de sua
escrivaninha.
Sarah sabia o que teria que fazer naquele
dia. Guardaria aquela data para sempre. Como sua
amiga Alexia costumava lhe dizer, aquele dia era o
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começo de uma nova vida, era o primeiro dia do


resto da sua vida.
Ficava impressionada com o otimismo de
sua melhor amiga e não evitava desejar possuir
metade dele.
Com passos arrastados e um suspiro
cansado, ela se forçou a caminhar até seu banheiro
onde se prepararia para aquela data tão marcante,
mas antes ela se permitiu aproveitar de mais um
pouco da tranquilidade do seu quarto, pois sabia
que assim que abrisse a porta encontraria uma
Alexia super animada e ansiosa em plena 6 horas
da manhã de uma Quarta-feira.
Como alguém podia ficar tão animada
naquela hora? Ela pensava enquanto se despia e se
questiona mentalmente se sua amiga fazia o uso de
alguma substância química, para explicar tal
comportamento.
Sabia que ela não agia por mal. Sabia o
quanto Alexia queria seu bem e admitia que o
entusiasmo dela fosse o que lhe dava seu próprio
entusiasmo. Assumia que se não fosse pela
dedicação e paciência dela, Sarah não estaria indo
fazer o que iria.
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Suas mãos seguravam a maçaneta. Seus


dedos a apertando um pouco esquentando a mesma
com o calor de sua palma. Tentava controlar sua
respiração causada pela ansiedade que se expandia
em seu peito.
Ano novo. Vida nova. Repetia aquelas
palavras várias vezes em sua mente.
Nada mais pode me surpreender.
Com esse pensamento, seu braço recebe o
comando para que seu pulso faça um movimento
rotatório. No próximo segundo a porta se abre e no
outro ela passa pela mesma a fechando atrás de si.
Gostava de pensar que nada mais seria
capaz de surpreendê-la, que já passara por todas as
surpresas e mudanças radicais que se era permitida
em uma única vida.
Mas mal sabia ela o quanto aquele tipo de
pensamento era errado, que a vida é sempre uma
caixa de pandora e que a dela estava prestes para
ser aberta.

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“Quando acordei hoje de manhã, eu sabia


quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes
desde então.”
Alice no país das maravilhas
Lewis Carroll

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─ Bom dia, dorminhoca! ─ Ela escutava a


voz super animada da melhor amiga assim que
entra na cozinha.
Essa que estava saboreando algumas
torradas, e como sempre muito bem vestida com
suas roupas elegantes, como toda boa aluna de
moda.
─ Bom dia, Lexi ─ Ela se aproximava do
balcão servindo-se também de torradas frescas que
sua amiga havia preparado.
─ Pronta para seu primeiro dia, mocinha? ─
Perguntava animada.
─ Sim senhora, estou mais do que pronta.
Mas hoje é apenas o dia da Orientação ─ Ela morde
sua torrada e completa de boca cheia ─ Não vou ter
aulas.
─ Não tem problema, mas irá andar por
aqueles corredores pela primeira vez.
Ela estava feliz por ter conseguido entrar no
curso que queria. Apesar de já estar em seus plenos
vinte e três anos e já ser formada em artes cênicas,
algo sempre lhe dizia que ela devia ser mais do que
aquilo que era. Tinha dentro de seu coração aquela
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vontade de ser mais, de buscar por mais, a mesma


vontade que a fizera sair de seu país e se arriscar
em outro.
Sarah havia se mudado para Londres a mais
ou menos dois anos e por um tempo ficou sozinha
naquela cidade estranha para ela. Acreditava que
tudo o que precisava era ficar só, viver seus dias na
tranquilidade e longe dos olhares preocupados de
seus pais. Mas ela não contava que a solidão pode
ser bem assustadora para quem não está
acostumado.
Continuou a fazer o que mais ama. Dançar.
Sarah era bailarina e durante os anos em que morou
na Irlanda, ela frequentou a Faculdade de Artes
Cênicas e se formou com louvor. Agora ali, ela
continuou sua paixão. Frequentava um dos mais
requisitados estúdios de dança da cidade.
Em um desses dias em que tentava mais
uma vez seguir em frente e extravasar na dança, ela
conheceu Alexia. E na primeira conversa que teve
com ela, soube que seriam amigas. Como estudante
de moda, sua hoje melhor amiga, conseguira
através da universidade uma parceria com o estúdio
para seu projeto de figurino que ela e mais um
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grupo de alunos estava desenvolvendo. Então após


varias provas de roupas e conversas divertidas e
descontraídas, elas se tornaram inseparáveis. E hoje
quase um ano e meio depois dividiam um
apartamento.
Sabe aquela conexão que surgem entre duas
pessoas? Elas tinham aquilo, às vezes só com um
olhar elas já se comunicavam e apesar do seu jeito
meio maluquinho, Sarah a amava como se ela fosse
sua irmã.
Quando uma universidade em Londres abriu
vagas, que por sinal era a mesma que sua amiga
fazia, Alexia não sossegou enquanto ela não se
inscreveu. Usando o discurso que seria ótimo pra
ela. Um novo recomeço. Quando sua amiga
acreditava em alguma coisa, era irritantemente
determinada.
Alguns meses depois recebeu a tão
aguardada notícia e com ela seguiu-se um final de
semana de comemoração, claro que ao estilo
irlandês, regado a muita cerveja. E caso esteja se
perguntando, sim, Sarah não só apenas morou na
Irlanda por toda sua vida como também nascera lá.
Mas por causa da sua aparência muitas pessoas a
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questionavam quanto a isso.


Quando se fala em Irlandeses, uma das
primeiras imagens que vem a cabeça, senão a
primeira, é de cabelos ruivos, pele branca
translucida e bochechas que adquiriam uma cor
rosada às vezes causada por estímulo algum. E
Sarah claro não se encaixava em nenhuma dessas
descrições.
Cada organismo tem um número diferente
de cromossomos. O ser humano, por exemplo,
possui quarenta e seis deles, sendo que ela havia
recebido ao ser concebida vinte e três da sua mãe,
uma espanhola linda com pele morena e longos
cabelos negros e vinte e três de seu pai, um homem
tipicamente irlandês.
Como se sabe um dos genes responsáveis
por cada característica do corpo se torna o gene
dominante. No caso dela a herança latina de sua
mãe predominou. Sarah possuía pele morena e
cabelos negros como a noite, seus olhos eram de
uma imensidão escura, mas ainda tinha sangue
irlandês correndo em suas veias. O que a tornava:
1: apaixonada pelas musicas da terra natal e
também pelas danças bretãs.
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2: fascinada pela mitologia céltica, poesias e


cultura irlandesa.
3: uma excelente companheira de bar.
─ Bom, melhor se apressar ─ Sua amiga a
tira de seus devaneios. ─ Vou pular a orientação é a
mesma ladainha de sempre, mas posso te dar uma
carona?
─ Vou andando ─ Ela dizia sem jeito.
─ Não entendo esse seu receio de entrar em
um carro, Mi ─ Ela a chama pelo apelido ─ Aquilo
já faz muito tempo...
─ Exercitar as pernas é um exercício muito
bom para uma bailarina ─ Sarah a interrompe.
Nota o semblante cansado de Alexia e
escuta um suspiro igualmente cansado escapar de
seus lábios. Aquela era uma discussão que já
tiveram inúmeras vezes e não importava o que ela
dissesse nada mudaria a opinião de Sarah.
Só em pensar em uma cena como aquela os
pelos de seus braços se arrepiavam. Andar em um
veículo motorizado estava fora de cogitação. Alexia
sabia muito bem disso e de seus motivos, então
depois de um tempo decidira que era inútil gastar
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tanta saliva, mas às vezes nada impedia que


oferecesse carona. Como fora dito, ela era bem
determinada.
─ Tudo bem, nos vemos a noite né? Você
prometeu...
─ Sim, Lexi a gente se vê a noite. ─ Ela
enfia o último pedaço de sua torrada na boca,
enquanto pegava sua mochila e se dirigia até a
porta.
─ Ótimo! Hoje vamos ter uma
comemoração digna de um novo recomeço.
Aqueles seus amigos vão não é?
─ Sim Lexi – Grita da porta de entrada ─ Já
falei com eles.

Trinta minutos depois, ela ainda caminhava


lentamente pelas ruas de Londres observando a
paisagem ao seu redor, o clima sempre nublado e o
ar frio daquela manhã eram suas companhias.
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Assim que chegara a aquele lugar, ela se


apaixonara. Londres era incrível, e como toda boa
leitora de clássicos da literatura, ela era fascinada
não só pela cidade, mas sim pelo país. Poder
caminhar por aquelas ruas e imaginar determinadas
cenas e passagens de livros que tanto amava, era
algo completamente mágico para qualquer leitor.
A Universidade ficava a mais ou menos
quarenta minutos de onde ela morava e como não
gostava muito de atrasos, principalmente em seu
primeiro dia, ela resolve apressar o passo e pegar
um atalho, cortando caminho pelo parque.
E antes mesmo que chegue ao campus ela já
podia avistá-lo. Arquitetura impecável, vários
prédios antigos que provavelmente estavam ali há
vários séculos. Paredes firmes, estruturadas por
várias rochas, quase como um antigo castelo.
Uma das mais conceituadas Universidades
do país. Com 38 cursos distribuídos entre os vários
prédios, esses que se localizavam em um bairro
conhecido como Cidade Universitária. Tudo o que
os estudantes precisavam se encontrava ali.
Assim que se aproxima da entrada do prédio
principal, onde ficava concentrada toda a parte
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administrativa, Sarah já notava a aglomeração de


alunos em frente a enorme porta de madeira
daquela que seria sua segunda casa nos próximos
quatro anos.
Bem na entrada havia varias mesas e nelas
placas indicando letras do alfabeto. Ela se dirige até
a mesa que ia da letra R até a T. E uma garota com
lindos cachos que enfeitavam sua cabeça como se
usasse uma coroa olha para ela toda sorridente.
─ Nome? – Ela lhe pergunta.
─ Mirna.
─ Acho que está na mesa errada, aqui é do
R até o T.
─ Me desculpa ─ Sorri sem jeito ─ É Sarah
─ Aperta com firmeza a alça da sua mochila –
Sarah Mirna O’Connor.
Aquelas palavras saem com um pouco de
dificuldade pela sua garganta. Há muito tempo não
era chamada pelo seu primeiro nome. Ultimamente
se apresentava com o seu nome do meio, e por ele
ser um pouco diferente do que todos estavam
acostumados, eles optavam por chamá-la pelo seu
apelido.
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Dizer seu primeiro nome em voz alta lhe


trazia certo desconforto e lembranças que ela
buscava esquecer, por trazerem consigo uma dor
que a sufocava. Sua mão livre tremia um pouco na
lateral de seu corpo e para controlá-la ela a fecha
em um punho.
Ano novo. Vida nova.
─ Aqui está Sarah ─ Ela retira do meio de
vários envelopes um que estava com seu nome
escrito – Esse é seu cronograma de aulas do seu
semestre. Ai dentro está sua carteirinha de acesso a
biblioteca, seus horários, um pequeno mapa do
campus para facilitar que se localize nos seus
primeiros dias e claro uma carteirinha para
desconto na cantina.
─ Obrigada! ─ Dizia retirando um papel
que reconhece como sendo seu cronograma do
envelope.
─ Qual seu curso?
─ Fisioterapia.
─ A que legal. Eu também. Estou no último
ano ─ Dizia animada ─ E então. Quais aulas pegou
esse semestre?
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─ Ahh... ─ Olhava sua folha ─ Eu tenho


aula de Fundamentos da Fisioterapia com a senhora
Harris, Patologia básica com o senhor Roberts,
Histologia com a senhora Willis e Anatomia Um
com o Senhor Collins.
─ Nossa Anatomia! ─ Sarah podia ver uma
careta se formar no rosto simétrico dela ─ Boa
sorte, o professor Collins não é lá muito amigável.
Agradeço todos os dias por ter terminado todas as
minhas matérias relacionadas com Anatomia.
─ Não vim aqui para ser amiga de
professores.
─ Tudo bem, só quis te avisar. Ele não é
fácil. É bem exigente. Quer um conselho? ─ A
expressão em seu rosto era de pena, como se ela
estivesse indo para um campo de concentração ─
Preste a atenção no que ele diz e não fique de
conversa no meio da aula, ele odeia que o
interrompam.
─ Ok. Anotado.
─ Então como deve ter sido informada, hoje
vamos ter apenas orientações e uma visita pelo
campus. Suas aulas começam mesmo a partir de

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amanhã. Pronta para a visita?


─ Sim ─ Dizia mais animada.
A menina que agora se identificara como
Victoria sorria para Sarah e indicava o grupo de
alunos mais a frente, que também pertenciam ao
mesmo curso que ela. E ao se juntar a eles, o grupo
é guiado pelo campus por um aluno veterano.
Quando, Sarah entra no prédio pode
vislumbrar mais ainda a sua estrutura. Os prédios
históricos a fascinavam, e só a faziam concordar
ainda mais que fora uma ótima escolha cursar ali.
Todos os cursos tinham administrações próprias.
No qual um professor era responsável por cada um
deles.
Nos vastos gramados da Universidade Sarah
podia ver vários alunos sentados a sombra das
árvores lendo ou participando de conversas em
grupo. Descobrira também pelo seu guia que o
campus era aberto durante todo o dia, e que a
biblioteca fechava bem tarde da noite.
Com certeza vou amar esse lugar.

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O bar conhecido como Jack’s, era bem


popular entre os estudantes e ficava localizado nas
mediações do bairro universitário. E também fora o
local escolhido por sua amiga para a grande
comemoração daquela noite. Uma noite de
bebedeira antes das maçantes aulas e de “brincar de
adulto” como ela dizia.
Talvez a ideia de beber com amigos não
fosse tão ruim assim. Depois daquela manhã e
daquele sonho, ela realmente precisava extravasar
um pouco.
Depois de ter sonhos como aquele era difícil
pra ela não pensar nele o tempo todo. Nas primeiras
noites que eles surgiram, havia sido difícil voltar a
dormir, pois sabia que ele apareceria. Por muitas
noites Sarah apenas se deitara na sua cama sem se
permitir ser levada pelo sono, apenas pelo simples
fato de não querer sonhar. Claro que depois de um
tempo tudo foi ficando mais suportável.

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Alexia sabia o que tinha acontecido a ela e


por muitas noites desde que decidiram dividir o
apartamento, ficou ao seu lado quando Sarah
acordava gritando e chorando, completamente
suada e com medo. Ela era mais que sua melhor
amiga, ela era sua irmã de alma.
─ Então. Esses seus amigos do estúdio são
gostosos? ─ Alexia perguntava quando se
aproximam da entrada do bar.
─ Você não tem jeito não é mesmo?
─ É uma pergunta válida a que eu fiz. Uma
informação muito importante.
Rindo ambas adentram aquele lugar e assim
que o fazem o calor humano as rodeia.
Dezenas de pessoas estavam lá naquela
noite. Em sua maioria homens universitários, com
camisetas ou jaquetas de seus respectivos cursos.
Distribuídos em um ambiente composto por um
balcão longo de bar, várias mesas no canto
esquerdo, mesas de sinuca no direito e no centro
um local reservado para o que Sarah imaginava ser
uma pista de dança, julgara isso por ter vários
corpos se mexendo ali com o som da música.

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Enquanto caminhavam ali, tentando se


infiltrar entre o mar de corpos, podia notar os
olhares cobiçadores na direção delas. Aquilo só
fazendo com que ambas arrumassem mais suas
posturas e se permitissem desfilar por ali. Uma
coisa que aprendera a desenvolver com o balé fora
sua autoestima e isso Sarah possuía de monte.
─ Lexi, não precisava ter vindo tão
arrumada. Isso é um bar e não um desfile da
Fashion Week.
Ela olhava as roupas de sua amiga, claro
que sempre impecável. Parecia pronta para uma
passarela com seu vestido preto decotado e seus
sapatos de salto agulha da cor cereja que
combinavam perfeitamente com seu casaco. Sarah
olhava ao redor esperando que alguém estendesse
um tapete vermelho para que Alexia passasse
enquanto fazia poses de modelo e uma enxurrada
de flashs quase as cegavam.
Comparada a ela, Sarah estava muito mal
vestida, na verdade todos naquele ambiente
estavam mal vestidos, e isso era o que lhe trazia
conforto.
─ Aparência é tudo Mi. E se quero sair
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acompanhada daqui hoje eu preciso chamar a


atenção e estar bonita ─ Ela passava as mãos pelos
seus cabelos castanhos claros os arrumando.
─ Você está linda. Fica linda até se fizer um
buraco no saco de lixo e se vestir com ele.
─ Obrigada. Quem sabe não faça um
projeto envolvendo reciclagem.
Aquilo lhe tira outra risada.
Quando chegam mais a frente do balcão do
bar, enfim conseguem respirar com mais facilidade.
Encontrando um espaço confortável para se
locomoverem sem a cada segundo ter que
praticamente se esfregar em alguém.
Sarah olhava ao redor em busca de seus
amigos do estúdio. Dois amigos muito queridos pra
ela e que ficaram tão felizes quanto Alexia quando
contou sobre a universidade.
─ Olha. Tem uma mesa vaga ali – Alexia
informa e sem aguardar uma resposta vai até ela.
Antes de se sentar Sarah olha em direção a
porta de entrada na esperança de encontrar rostos
conhecidos. E como se seu movimento tivesse sido
calculado, assim que ela o faz encontra dois pares
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de olhos e sorrisos que conhecia muito bem e com


um aceno ela os chama denunciando sua posição.
─ Aí vamos nós. Que venham homens
gostosos ─ Alexia arruma sua postura na cadeira
empinando mais seu busto.
─ Comporte-se.
─ Sempre.
Seus amigos tentam abrir espaço pela
multidão de corpos até elas e após um tempo, Peter
é o primeiro a chegar, as cumprimentando com um
beijo nas bochechas de ambas e um sorriso
simpático.
─ Cadê o Ryan? ─ Ele pergunta assim que
se senta de frente para Sarah ─ Ele estava bem
atrás de mim.
Quando o grupo se vira para o local de onde
eles vieram logo avistam seu amigo perdido,
fazendo com que Sarah e até mesmo Peter revirem
seus olhos. Ryan estava conversando com uma
loira que sorria atrevidamente para ele, e que pela
roupa que usava e pelo toque de suas mãos no
braço dele, era nítido o que ela queria.
Após uma piscadela por parte dele e de um
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beijo que ela lhe deu em sua bochecha, mas bem


próximo a seus lábios, Ryan se aproxima da mesa.
─ Olá! ─ Dizia com o sorriso nos lábios que
fazia varias universitárias derreterem ─ Chegaram
faz muito tempo? ─ Ele se senta ao lado de Peter,
ficando de frente para Alexia.
─ Não muito. Apenas alguns minutos antes
de vocês.
─ O trânsito estava horrível ─ Dizia Ryan já
fazendo sinal para chamar a garçonete.
─ Já sabem o que vão pedir? ─ Peter
pergunta olhando o cardápio.
─ Então rapazes, nós pedimos cerveja ─
Informa Alexia ─ A pergunta é, quem vai
conseguir vencer nossa colega aqui ─ Ela aponta
para Sarah.
─ Sou irlandesa, Lexi. Não tenho culpa se
aguento mais álcool que vocês.
A garçonete se aproxima parando ao lado da
mesa deles.
─ Oi Ryan ─ Ela o cumprimenta com uma
piscadela.

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Meu Deus. Ryan quem você não pegou


nesse lugar?
Aquilo era típico. Sabia muito bem o
histórico de Ryan com as mulheres. E todas as
vezes que saiu com ele após o estúdio, o vira em
ação e o efeito que seus sorrisos, piscadelas e sua
lábia causavam. Nem ela mesma ficou fora do seu
radar, mas com o tempo ele viu que Sarah não
estava interessada.
Bom pelo menos ele aceita um não.
─ Oi... ─ Ele a encarava com certa duvida
no olhar e por um breve segundo ela pode jurar que
o viu olhar para o crachá que a mulher usava –
Lindsay.
Um sorriso enorme surge nos lábios da
garçonete assim que ele diz seu nome. Sarah
segurou uma risada ao perceber que a moça achava
que ele lembrava.
─ Pode fazer o favor de nos trazer duas
cervejas. Vamos ver se consigo beber mais que
nossa amiga aqui. ─ Ele piscava para Sarah.
─ Eu nem tento, sei que vou perder ─ Dizia
seu amigo rindo.
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Enquanto Lindsay se afastava com seu


pedido, Ryan acompanhava seu caminhar
mordendo levemente o lábio.
─ Vocês são dançarinos? ─ pergunta
Alexia.
─ Sim ─ Peter responde ─ Estudamos com
a Mi. Na verdade eu dou aulas a ela e o Ryan faz
outro tipo de dança e não balé.
─ Ele é muito bom ─ Dizia Ryan ─ Nossa.
Tem que ver os dois dançando tango.
Simplesmente incrível. Uma conexão de dar inveja
a muitos casais da dança.
Sarah encara seu professor com um sorriso
um pouco sem jeito. Aquilo que Ryan dissera era
verdade. Ela nunca havia encontrado um parceiro
na dança que parecesse ser moldado a ela como era
Peter. Ele possuía uma expressão corporal única e
uma leveza de dar inveja, ela tinha consciência de
que para se igualar profissionalmente a ele ainda
tinha muito que aprender.
Quando nos autofalantes as batidas iniciais
de Daft Punk - Get Lucky do Pharrell Williams e
Nile Rodgers começa a tocar, instantaneamente

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Sarah se vira para Peter que com o olhar entende o


que ela quer dizer sem que ela profira uma única
palavra.
Ele prontamente se levanta e lhe estende a
mão.
─ Me concede a honra?
Na primeira noite que Sarah começara suas
aulas no estúdio assim que se mudara. Encontrava-
se preocupada sentada na sala enquanto retirava
suas sapatilhas, após uma aula bem puxada que ele
dera. Lembrava o quanto estava triste naquele dia e
decepcionada consigo. Faziam vários meses que
não dançava, então estava se sentindo enferrujada.
E tamanha era a sua dificuldade naquela
aula, começava a se questionar quanto artista e
bailarina. E fizera algo que nunca antes havia
acontecido. Duvidar de si mesma.
Lembrava-se que Peter a encontrou lá e a
consolou da melhor maneira que ele encontrou.
Ligou o rádio no volume mais alto, puxou-a para o
centro da sala e dançaram, extravasaram por horas.
Girando e fazendo passos que ela achava que não
conseguiria mais. A música lhe devolveu sua garra

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naquela noite e era exatamente aquela música que


preenchia o estabelecimento agora.
Sem lhe dizer nada. Sarah pega sua mão
estendida e se deixa ser guiada em direção a
aglomeração de corpos no centro da pista.

Alexia

Os corpos dos dois estavam bem próximos e


pareciam saber o que o outro faria a seguir, pois os
movimentos de Mi eram perfeitamente
acompanhados pelos de Peter. Até mesmo para
quem não entendia nada de dança, como ela, olhar
os dois era algo fascinante, observar cada detalhe e
movimento. Parecia que ambos possuíam algum
efeito hipnótico sobre ela.
Será que um dia terei isso? Pensava consigo
enquanto apoiava seu queixo na mão para observá-
los melhor.
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─ Obrigado Lindsay ─ Seu transe é


quebrado pela voz da sua atual companhia.
Quando sua amiga dissera que iria convidar
alguns amigos para a comemoração, ela não
imaginava que passaria a noite sentada de frente
para Ryan Davis.
E como ela sabia quem ele era?
Primeiramente por que ele estudava na mesma
universidade que ela. Segundo por que ele era bem
conhecido no campus. Cara de família super rica e
influente, bonito, mulherengo, organizador das
melhores festas universitárias, ou seja, se você é
uma mulher solteira ou não, está em busca de
aventura de uma única noite ou alguém interessado
em andar com as companhias certas para que sua
presença insignificante se torne no mínimo notável
ou interessante para alguém, você com toda certeza
conheceria o Ryan.
O fato curioso e que ela não podia deixar de
achar divertido e ligeiramente engraçado, era que
ela jamais imaginaria ele fazendo aulas de dança,
seja ela qual for. Achava que ele era mais do tipo
que curtia esportes, sabe aquele estereótipo?
─ Mais uma vez abandonada pela dança.
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─ Eu já me acostumei ─ Ele leva a garrafa


aos lábios tomando um gole de sua bebida ─ É
sempre assim quando decido sair com Peter. Mas
eu jamais trocaria a companhia de uma mulher
linda e interessante para ficar me esfregando e me
espremendo entre corpos suados de estranhos.
Ela desviava seu olhar do casal na pista e
então encontra dois olhos azuis maliciosamente
brilhantes lhe encarando.
─ A sua companhia é muito mais
interessante ─ Ele lhe dizia.
Homens. Pensa enquanto se controla para
não revirar os olhos. Todos iguais.
─ Eles têm uma química incrível não é
mesmo? ─ Muda de assunto voltando seu rosto
para a pista.
─ Eles são perfeitos juntos enquanto
dançam.
Com o canto do olho nota ele se endireitar
na cadeira e apoiar os cotovelos na mesa se
aproximando um pouco.
─ Então. Você estuda na mesma
universidade que a Mi entrou?
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─ Sim – Dizia sem olhar diretamente pra


ele – Eu sou estudante de moda.
─ Já conheci algumas alunas de moda.
Que novidade. Metade das mulheres da
minha turma jura que já ficaram com você.
─ Só não sei como não vi você antes.
─ Então Ryan. Diga-me. Tem namorada?
Pela primeira vez ela olha diretamente em
seus olhos.
─ Você é bem direta ─ Abre um sorriso de
canto antes de encaixar o bico da garrafa nos lábios
e tomar mais um gole ─ Gostei.
─ Não respondeu minha pergunta,
dançarino.
─ Eu não sou dançarino, eu frequento aulas
de dança. Não pretendo seguir essa área, faço
apenas por hobby. Mas em um ano serei advogado.
─ Não é bem a resposta que eu esperava.
─ Está tão interessada assim na minha
resposta? ─ Um sorriso atrevido é moldado em
suas feições.

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─ Bom ─ Ela lhe devolve o atrevimento ─


Talvez ─ Com movimentos lentos e calculados ela
se despe de seu casaco.
Por causa da aglomeração de pessoas que lá
havia, e que ela não podia deixar de reparar que
cada vez mais aumentava, estava sentindo muito
calor. Agora sentada ali, enquanto podia jurar que
uma fina camada de suor se acumulava em suas
costas, concordava silenciosamente com sua amiga
que passara longos e incansáveis minutos lhe
dizendo que o casaco era demais.
Por que não a escutei?
Assim que o retira aquele cobertor em
forma de casaco por completo, sente um alivio
enorme e faz com que um gemido satisfeito saia de
seus lábios. E ao julgar pelo sorriso safado, olhar
malicioso e do desejo que eram praticamente como
brasas nos olhos do homem a sua frente, sabia que
ele entendera sua atitude e gemido de uma maneira
diferente da que ela realmente pretendia.
─ Esse vestido é incrível. E você é muito
gostosa.
─ Obrigada pelo elogio e de novo não

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respondeu minha pergunta.


Notava o olhar dele se demorar na região
dos seus seios, onde agora sem o casaco o seu
decote ficara mais evidente.
─ Me perguntou se eu tenho namorada ─
Ele se encosta-se à cadeira após um suspiro – E a
resposta é não.
Ela pega seu copo e toma um gole de sua
cerveja.
─ E antes que pergunte. Por eu frequentar
aulas de dança. A resposta é não. Eu não sou gay.
─ Não ia perguntar isso.
─ Acredite é uma pergunta bem frequente
quando alguém descobre sobre a dança.
─ Você não me parece gay, nem se tentasse.
Então que dança pratica?
─ Minha mãe acredita que um homem de
verdade deve saber guiar uma mulher pela pista de
dança. E como ela é bem tradicional, me
matriculou em aulas de dança de salão quando eu
era mais novo. Depois valsa e hoje eu me interessei
por Hip Hop, é bem intenso e revigorante.

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Envolvida pela conversa. Alexia não repara


seus amigos se aproximarem da mesa e jogarem
seus corpos suados e cansados em suas respectivas
cadeiras, fazendo com que ela e Ryan quebrem o
contato visual.
─ Nossa ─ Dizia Peter tomando fôlego ─
Preciso da minha cerveja – Pega sua garrafa logo
em seguida, virando metade do seu conteúdo de
uma vez.
Sarah segue seu movimento, mas vira sua
bebida até então intocada toda de uma só vez, e já
faz sinal para chamar uma garçonete próxima
pedindo mais cerveja.
─ Então ─ Continua Peter ─ Sobre o que
estavam conversando?
─ Sobre relacionamentos ─ Ryan respondia.
─ Nossa. Não estou bêbado o suficiente
para conversar sobre isso.
─ Nem eu ─ Sarah se junta a ele rindo e
pega sua nova garrafa.
Podia ver os olhares de cumplicidade que
eles trocavam. Alexia queria muito bem sua amiga,
ela a amava. Sabia de todas as dificuldades que ela
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passara, lhe fizera companhia em alguns daqueles


momentos. Sempre que podia tentava incentivá-la a
sair, conhecer pessoas novas, ficar com os caras, se
divertir.
A vida já era dura demais para não se
aproveitar desses momentos. Mesmo que fosse
apenas para distrair a cabeça, ou um sexo casual.
Ser desejada fazia muito bem para a autoestima e
sabia que isso sua amiga tinha de monte, mas as
vezes achava que ela se esquecia das coisas boas
que a vida podia lhe oferecer. E também achava
que ela muitas vezes desperdiçava pequenas
chances que a vida lhe dava para ser feliz.
Ela era linda e possuía uma sensualidade
invejável. Era impossível você estar no mesmo
ambiente que ela e não a notar. Era carismática,
estava sempre sorrindo e conversando
descontraidamente com as pessoas. Mas Alexia
sabia o que se escondia por de trás daqueles olhos
brilhantes e sorrisos radiantes. Era apenas sua
amiga tentando viver da melhor maneira possível.
Quando saiam, muitos caras reparavam
nelas. E muitos deles se aproximavam e tentavam
ter algo com sua amiga, mas ela sabia que Sarah
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não ficava com nenhum deles. E quando era


questionada apenas dizia que os homens eram todos
iguais e que o que ela gostava era de
peculiaridades, um bom desafio.
Enquanto observava os dois, Alexia decide
que um empurrão não faria mal algum, pois afinal
Peter parecia ser uma boa pessoa e sua amiga
parecia gostar dele. Então não custava tentar.
─ Na verdade. Ryan estava me dizendo em
como uma volta ao ar livre seria uma ótima ideia.
Com um sorriso nos lábios ela o encara e no
mesmo instante vê um se abrir no rosto dele.
─ Podemos ir? ─ Ela lhe perguntava.
─ Com toda certeza ─ Dizia já se
levantando e lhe oferecendo a mão.
Quando se vira pra sua amiga entende no
mesmo instante suas feições. Sabia que acreditava
que sairia acompanhada com Ryan e que só a veria
no dia seguinte, após uma noite de sexo casual.
Com Ryan? Mas nem se a Coco Chanel
aparecesse em pessoa e me sugerisse tal ideia.
─ Juízo vocês dois ─ Sarah lhe diz

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maliciosamente ─ Ou não.
─ Nos vemos depois?
─ Não se preocupe Alexia. Eu a levo para
casa ─ Dizia Peter.
─ Vou ser abandonada por um par de olhos
azuis ─ Dizia Sarah brincando.
─ Pode se juntar a gente ─ Ryan a provoca
com uma piscadela.
─ Não. Muito obrigada. Prefiro beber mais.

Já a algumas quadras do bar, Lexi


caminhava ao lado de Ryan.
─ Noite bonita ─ Ela quebrava o silêncio
enquanto abotoava seu casaco, estava
particularmente frio, não que Londres fosse uma
colônia de férias, mas aquela noite realmente estava
um pouco fora do normal daquela estação.
─ Sim ─ Ela escutava a resposta curta dele.
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─ Acha que devemos voltar? Está muito


frio né?
─ Voltar? ─ Ela o vê parar e isso a faz
cessar seus movimentos ─ Posso ser sincero?
─ Pode ─ Ela vê um sorriso estilo Ryan
Davis surgir nos lábios dele.
─ Quando você falou em “Dar uma volta”
não imaginei que seria só isso mesmo.
Ela sorria ─ E o que imaginou?
Sentia os dedos dele, um pouco gelados,
envolverem seu braço a puxando para si
vagarosamente.
Que bonitinho, ele acha que tem chance.
Ela controla a vontade de rir.
─ Algo do tipo em que minha boca esteja
envolvida com a sua ─ Ela o via sorrir abertamente
encarando seus olhos.
Alexia se desvencilha dele e se afasta
poucos centímetros.
─ Ryan... ─ E lá vamos nós. Ela pensava ─
Você é bonito e tudo mais ─ Ela aponta para seu
corpo ─ Só que não faz meu tipo.
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─ Por que não? ─ Ela podia ver uma


pequena ruga se formar entre suas sobrancelhas e
aquilo de alguma forma a divertiu. ─ Por que me
chamou para “Dar uma volta” então?
─ Só quis que a Mi ficasse sozinha com o
seu amigo, quem sabe não rolava algo entre eles. ─
Dizia sem jeito.
─ A Mi e o Peter? ─ Ela podia ver que ele
se divertia a suas custas. ─ Não mesmo, eles só são
amigos. E ele tem namorada.
─ Tudo bem, mas você ainda não faz meu
tipo ─ Ela o podia ver tentar uma aproximação.
─ E qual seria seu tipo? ─ Ele cruzava os
braços definidos rente ao peito, fazendo a camisa
que usava ficar mais justa em seu corpo, revelando
as curvas do mesmo.
─ Eu prefiro alguém, com digamos... Seios.
─ Você é... É... Quer dizer, não há a
possibilidade de ser bi?
Até poderia se todos os homens não fossem
iguais!
─ Não mesmo.

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─ Então por que queria saber se tinha


namorada?
─ Foi só uma desculpinha, sairia comigo
dali se soubesse a verdade? Quando tinha varias
universitárias bêbadas no bar praticamente pulando
em cima de você?
─ Acha mesmo que só estou interessado em
sexo?
─ Ryan quem te conhece sabe muito bem
da sua fama então não me culpe por achar isso.
─ Além de sexo, gosto de companhias
estimulantes, mas claro que sexo está em primeiro
lugar na minha lista e não há mal algum em ter uma
vida sexual ativa.
Ela erguia seu queixo em direção a ele com
um leve sorriso nos lábios.
É, esse cara não existe mesmo!
─ A Mirna acha que saio com caras, mas na
verdade não saio. Eu sou bastante reservada e sei
que ela não tem preconceito, mas como vim de
família tradicional ainda não estou pronta. E eu
também não quero jogar essa bomba na minha
melhor amiga. A Mi é especial, ela é gentil,
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divertida, nossa e muito bonita... ─ Ela se cala por


um momento, havia jogado tudo que sentia assim
para um estranho que mal conhecia e que
provavelmente nem verá novamente, mas Ryan
parecia ser de confiança.
─ Você gosta dela – Ele diz simplesmente.
─ O que? Claro, quer dizer somos melhores
amigas ─ Dizia sem jeito, passando seu peso de um
salto para o outro.
─ Sabe que não foi desse gostar que me
referi.
Que clichê gostar secretamente da sua
melhor amiga, hetero! Mas essa era a verdade,
Alexia gostava muito, muito dela, assim que a viu
no estúdio. A forma como dançava, sorria e
conversava a fascinara, mas sabia que aquilo nunca
seria real.
─ Não, você se enganou.
─ Tudo bem, mas você fingiu sair com
caras, se ela não tem preconceitos por que não
assume?
Por que assumir esse sentimento para a
pessoa da qual eu gosto é difícil?
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─ Não estou pronta ainda.


─ Então você ainda não saiu do armário,
porque está me contando isso?
─ Ahh sei lá, você me parece de confiança.
─ Obrigado, mas acho que você deveria
contar. Viver em segredo assim, não deve ser muito
bom né?
Ela dava de ombros.
─ Você quer tomar um sorvete? ─ Ela o via
apontar para o outro lado da rua onde uma
sorveteria estava aberta. ─ Sabe com o seu novo
amigo hetero que queria mesmo era estar te
beijando agora?
Ela solta uma leve risada.
─ Quero ─ Ela o vê estender o braço e
Alexia envolve suas mãos no mesmo ─ Você paga.
─ O cavalheiro no caso aqui sou eu?
─ Sim senhor.
─ Não me parece justo.
─ Eu arrumo alguns telefones de garotas
para você.

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─ Hum... ─ Ela o vê fingir pensar no


assunto por alguns segundos ─ Ótima troca.
Ele a guiava pela calçada.
─ Vamos, vou te comprar um sorvete, assim
você terá a chance de chupar duas bolas, pena não
serem as minhas, mas já é um começo.
Ela começa a rir enquanto atravessavam a
rua.
Alexia, não sabia o porquê se sentiu tão à
vontade. Ele estava certo, ela realmente gostava da
melhor amiga, mas sabia que nunca teria chance,
então se conformara em apenas ser a melhor amiga
que podia. E quanto a assumir sua sexualidade, isso
era mais complicado.
O sentimento de gostar e se sentir atraído
por uma pessoa do mesmo sexo pode surgir bem
antes da fase adulta e foi assim com ela quando
conheceu sua primeira namorada no colégio, depois
de sofrer uma decepção amorosa vinda de um cara.
Ela lidou com incertezas durante toda sua vida. A
sua família não tinha uma visão aberta da coisa, ou
melhor, não a aceitava, para seus pais ela era como
uma abominação que não iria para o céu. E por esse

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medo ela preferiu não se assumir, sem falar o


preconceito fora do âmbito familiar.
Ela lutava com certas duvidas, as vezes se
questionava se realmente era isso que queria e toda
vez que Alexia fazia isso ela se lembrava do
episodio no ensino médio, da decepção que sentira,
da dor do amor, do consolo da sua amiga e do
primeiro beijo que ela deu em uma garota. Ela
havia gostado do beijo foi o seu primeiro beijo com
uma mulher, na verdade com qualquer pessoa.
Então por que não poderia permanecer assim?
Desde aquele dia ela teve a certeza de que
jamais se interessaria por um cara novamente.
Então ela se mantinha em segredo pelo
menos até terminar a faculdade e começar a
caminhar com as próprias pernas.

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“Há mais perigo em teus olhos do que em


vinte espadas!”
Romeu e Julieta
William Shakespeare

O primeiro dia de aula pode ser bem


assustador. Você não conhece o ambiente em que
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está e todas as pessoas são completamente


estranhas. A maioria dos alunos já tem suas
amizades e seus “grupinhos” formados. Você é
tachado como o aluno novo, e vários olhares te
encaram e enquanto você passa por entre as
carteiras em busca do seu lugar, aquele lá no canto
ao lado dos alunos esquisitos que ninguém quer
sentar por perto, os sussurros dos donos dos olhares
o rodeiam.
A cena descrita agora pode facilmente ser
vista em diversos filmes com personagens na pré-
adolescência ou adolescência. Mas sabemos muito
bem que nessa faixa etária Sarah não se encaixava.
Mas desde o instante em que acordara
naquela manhã a sensação de ser a estranha em um
lugar novo era inevitável. Sentia como se dezenas
de borboletas voassem dentro do seu estomago,
suas mãos suavam e não estava muito receptiva a
nenhuma tipo de alimento então encarava o café
intocado a sua frente.
Qual é! É somente a faculdade, já passei
por isso.
Não sabia ao certo por que estava daquela
maneira afinal ela já passara por aquilo antes.
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Talvez fosse pelo o que isso representava. Estava


seguindo em frente. Era oficialmente a marca de
um novo recomeço.
Ao olhar o relógio da cozinha nota os
ponteiros marcarem 06h30 a sua primeira aula
começava as 07h20. Precisava se apressar, não
podia chegar atrasada justo no primeiro dia.
─ Lexi! Vem logo seu café vai esfriar. ─
Ela gritava da cozinha para em seguida escutar
passos apressados descerem as escadas.
Como sempre sua amiga estava
deslumbrante, com sua saia preta de cintura alta,
sua blusa branca de mangas compridas e um laço
no pescoço da cor da saia para combinar e claro os
saltos altos para completar o look.
─ Calma eu estava arrumando minha tiara
─ Então Sarah a vê arrumar o delicado acessório
que enfeitava sua cabeça.
─ Não sei por que se arruma tanto, quer
dizer olha para mim! ─ Ela apontava para seu
próprio corpo, que vestia uma calça jeans com
rasgos no joelho, uma camisa de flanela e tênis all
star.

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Apesar de ser bailarina, Sarah não era


completamente doida e seguidora assídua da
vaidade. Sabia que era uma mulher bonita, mas ela
acreditava que havia vários padrões de beleza e que
a verdadeira beleza em si não era aquela que
recebia elogios somente por suas pernas ou quadril
e sim aquela cuja inteligência e personalidade se
sobressaciam a tudo, até mesmo da beleza externa,
não deixando possibilidade para se admirar
somente as partes isoladas. Como diz o velho
ditado. “A beleza está nos olhos de quem vê”.
Alexia era uma mulher muito inteligente e
dedicada no que fazia. Ela literalmente vestia a sua
futura profissão. Apesar de aparentar ser uma
patricinha e de muitos a julgarem da maneira errada
pela sua aparência, Sarah sabia que ela era muito
mais do que aparentava ser.
─ Já dizia minha musa Audrey Hepburn
“Elegância é a única beleza que não desaparece” e
você fica linda de qualquer jeito, Mi.
─ Obrigada ─ Ela sorria para melhor amiga
enquanto olhava mais uma vez para o relógio na
parede ─ Chegou muito tarde ontem? ─ Dizia
colocando sua caneca na pia.
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─ Um pouco. Perdemos a noção do tempo


─ Colocava café em sua caneca ─ Ficamos
conversando.
─ Conversando ─ Falava com ironia ─ Pelo
jeito vocês se deram bem.
─ Sim. Ele é bem divertido ─ Bebia seu
café ─ Marcamos de nos ver nesse fim de semana
para continuar nossa conversa.
─ Sei bem que conversa está falando ─ Um
sorriso malicioso surge e então olha para o relógio
novamente.
─ Quer carona? ─ Escutava mais uma vez a
mesma pergunta de todas as manhãs.
─ Não, valeu ─ E como sempre ela dava a
mesma resposta.
─ Uma hora você vai ter que enfrentar esse
medo e... ─ Ela interrompe a amiga.
─ Alexia, por favor.
─ Tudo bem, me desculpe ─ Ergue os
braços em rendição.
Colocava um pouco de café para viagem em
sua garrafa térmica, pegava seus livros e enfiava
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dentro de sua mochila colocando a mesma em seus


ombros.
─ Preciso ir, te vejo no almoço?
─ Sempre.

Com o mapa que havia recebido no dia


anterior nas mãos, ela vagava pelos corredores em
busca da sua sala em que teria Anatomia I.
Enquanto tentava decifrar as linhas que
simbolizavam os corredores no papel, não pode
deixar de lembrar no que a menina que lhe entrega
seus horários lhe dissera sobre aquela aula. E com
um suspiro cansado pensava em como começara
bem seu ano letivo.
Ao passar por alunos no enorme corredor
em que a sala ficava ela não pode deixar de ouvir
burburinhos sobre a tal aula. Parecia mesmo que o
tal professor era bem exigente devido a natureza
dos comentários.
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Coitado. Provavelmente ele é um velhinho,


barrigudo e careca. Pensava no típico professor
veterano de universidade.
Quando passa pela tal porta e entra na sala,
encontra um ambiente amplo com várias carteiras
distribuídas em vários degraus formando uma
escadaria de carteiras, algumas mais abaixo e
outras no alto dando total visão da sala.
Ao olhar para seus colegas de classe, podia
ver exatamente o que vinha imaginando.
Grupinhos, muitos ali pareciam se conhecer e
estavam reunidos em diferentes focos da sala. Mas
uma coisa ela também podia notar em seus novos
colegas era que em seus rostos a expressão
apreensiva era nítida.
Tudo isso por causa de uma aula de
anatomia? Ela revira os olhos. Com certeza já
deviam ter ouvido a mesma ladainha sobre o tal
senhor Collins dos outros alunos.
Seus olhos vagavam agora em busca por um
lugar vago. Não queria sentar muito na frente e ser
alvo de incessantes perguntas. Então ao olhar para
o fundo da sala encontra a mesma quase lotada,
parecia que todos queriam distância do professor,
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sentar ao fundo e se camuflar.


Deixando o ar escapar pelos lábios em um
suspiro cansado, ela se desloca para um lugar no
meio do mar de carteiras próximo ao fundo.
─ Não acredito que vamos ter aula dele
logo agora! ─ Podia ouvir a garota a algumas
carteiras ao seu lado reclamar para sua amiga.
─ Eu sei. Me contaram que no último
semestre um aluno desmaiou durante uma prova
oral.
Que exagero! Ela pensava tentando conter o
sorriso. Ignorando os comentários absurdos volta
sua atenção a dois caras sentados a sua frente que
também pareciam pouco satisfeitos.
─ Cara que merda! Começar logo no
primeiro dia com a aula desse cara ─ Um rapaz de
cabelos pretos com porte de atleta reclamava ao seu
colega.
─ Por quê? O que tem ele?
Olha só. Um desavisado.
─ Cara, você não ouviu os comentários
sobre ele?! Falam que ele é o maior carrasco dessa

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faculdade.
O garoto engole em seco enrijecendo seu
corpo no assento. Tudo bem agora estou ficando
assustada.
Assim que tem esse pensamento, ela se
sobressalta ao notar uma figura entrar correndo na
sala, sua voz era desesperadora como se tivesse
presenciado o assassinato de Mercúrio.
─ Gente! Gente! ─ Ela chamava a atenção
de todos ali ─ O Cérbero está vindo, todo mundo
em seus lugares.
Como se seu aviso fosse o tiro de start de
uma corrida. Alguns alunos que ainda permaneciam
em pé vão apressados para seus lugares e as
conversas que ali haviam se cessam.
Sério que o apelidaram assim? Cão
guardião dos portões do inferno! Bem original e
macabro.
Inevitavelmente seu olhar se prende na
porta. A expectativa e a curiosidade que crescia
dentro de si fazia as batidas do seu coração se
acelerarem e junto com tudo isso não podia deixar
de sentir pena do tal professor. Pobre senhor, nem
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sequer deve saber o que falam dele.


Então para sanar sua curiosidade a porta se
abre. Um homem alto e bem vestido com sua
camisa azul, sua calça social e um paletó por cima
de tudo, passa pela mesma. Não pode deixar de
notar o seu caminhar, era de uma confiança
invejável e sua expressão era séria e dura assim
como sua postura. Ele tinha em suas mãos uma
pasta preta que colocava em cima da mesa no
centro do pequeno palco que havia ali e um jaleco
pendurado em seu braço.
Puta merda! Não pode ser ele. Não
conseguiu evitar esse pensamento. Enquanto
observava o perfil bem desenhado daquele homem
e suas mãos com dedos ágeis abrir sua pasta e
colocar seu notebook sobre a mesa.
Ele era, ela tinha que admitir, realmente
lindo. Cabelos escuros bem arrumados e barba bem
feita. Não aparentava ter mais de trinta e cinco
anos, além de ser alto seu corpo era grande e ao
julgar pelo tecido da camisa ser mais justa em seu
peito já se podia ter noção de que por baixo dela
encontraria um abdômen definido e um peitoral que
muitos homens querem ter.
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Ele retirava seu paletó de uma forma que


deveria ser proibida. Sarah observava cada parte do
seu corpo e cada movimento que ele fazia. Seu
andar e postura eram intimidadores. Ele pega o
jaleco que trouxera e o veste.
─ Nossa amiga, talvez não seja tão ruim
essa aula, o cara é o maior gostoso.
Ela pode escutar esse comentário de um das
meninas ao seu lado que havia falado mais cedo e
percebe que com toda certeza que ela não era a
única ali que notara o quanto seu professor era
bonito.
É, nisso eu tenho que concordar. Ele é
mesmo.
O projetor é ligado e antes que ele possa
passar os primeiros slides, Sarah o vê ir até quase o
limite do palco e percorrer seus olhos calculistas
por toda sala. O olhar dele pairava sobre alguns
alunos que imediatamente abaixavam sua cabeça.
Parecia que analisava cada um ali sentado.
Da distância em que estava podia ver que
seus olhos eram azuis e acreditava que de perto a
cor deveria ser bem mais intensa. Quando seu olhar

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para sobre ela e encontra os seus olhos, Sarah não o


desvia se deixa prender e talvez fosse impressão
sua, mas ela notava o leve franzir de sua testa
enquanto ele a observava.
Sentia a intensidade do olhar dele. Havia
algo naqueles olhos que a deixavam hipnotizada e
inquieta. E apesar da sua coloração ser mais voltada
para o gelo, de frio seus olhos não tinham nada.
Eles eram como um espelho e o que ela viu não
eram nada parecidos com a imagem que o resto do
corpo transmitia.
Aquele não era um olhar de um homem frio
e sem sentimentos, e sim de um homem que já
experimentara e sentira todos eles.
Após um pigarro vindo dele sua voz invade
os ouvidos dela. Puta que pariu que voz é essa?
─ Bom dia ─ Sua voz tinha uma leve
rouquidão e seu timbre era grave com sotaque
britânico carregado.
Deus isso foi extremamente sexy. É possível
um simples “bom dia” ser excitante?
─ Eu sou o professor Collins e irei lecionar
anatomia I a vocês nesse semestre. ─ Sua voz era
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firme e não vacilava. ─ Sei muito bem sobre os


boatos que correm por esses corredores ao meu
respeito e para ser sincero não me importo.
Interessante.
─ Não vejo ser exigente como um defeito ─
Ele agora caminhava pelo palco ─ Eu estou no meu
total direito e tenho total autoridade de exigir o
melhor de vocês e eu o farei. Ensinar a vocês é
minha responsabilidade e meu dever como
professor, por que se vocês saírem daqui e falharem
lá fora em campo, de certa forma a culpa será
minha ─ Seu tom de voz era sério e aquilo fez
Sarah arrumar sua postura. ─ Enquanto não achar
que estão prontos vocês não saem da minha aula e
consequentemente não se formam.
Nossa ele é bem direto.
─ Eu não sou muito adepto a preguiça e a
erros. Vocês escolheram essa profissão para ajudar
as pessoas, então tudo que peço é empenho por que
no futuro as pessoas das quais vocês querem ajudar
estarão nas mãos de vocês.
Retiro o que disse. Esse cara realmente é o
Cérbero.

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Sarah o via encarar a turma mais uma vez e


então ele fica de costas para apertar um botão de
seu notebook e assim dar inicio a aula.
Que bumbum lindo, se concentra! Se
concentra!
Quando enfim a aula começa, ela o ouvia
falar com maestria. Muitos alunos ali anotavam
apressadamente cada palavra que ele dizia, como se
tudo o que dissesse fosse importante de alguma
forma, mas ela não. Ela não conseguia desviar seus
olhos dele, algo nele a fascinava a ponto de deixar
seu coração acelerado e seu olhar hipnotizado.
─ Vamos começar pelo básico ─ O
professor Collins aperta um botão e uma imagem
pode ser vista na enorme tela atrás dele ─ Posições.
Os mesmo alunos a sua frente cochicham
um para o outro.
─ Hum, posições... ─ O primeiro cara
falava para seu amigo em tom malicioso e o mesmo
o respondia.
─ Será que vamos aprender a posição
número 69?
Ela não consegue conter um riso baixo. Mas
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logo sua atenção novamente é voltada ao seu


professor que perguntava se alguém ali sabia lhe
dizer o que eram ou o nome de uma que aparecia na
imagem, em que um corpo estava deitado com a
face virada pra cima.
Ela sabia o nome daquela em particular.
Havia um motivo para ela querer aquele curso em
questão, devido a ser bailarina se machucar
diversas vezes fazia parte do pacote, ela conhecia
bem alguns tópicos mencionados e o fato de ter
passado alguns meses em recuperação
fisioterapêutica e ter se apaixonado pela profissão
proporcionaram a ela uma facilidade com aqueles
nomes.
Ela olha para os lados e como parecia que
ninguém ia responder ela levanta timidamente sua
mão atraindo aquele par de olhos azuis em sua
direção.
Será que é possível sentir a intensidade de
um olhar? Pensava enquanto sentia os pelos do seu
braço se arrepiarem.
Ela se levanta um pouco sem jeito do seu
lugar, o que era uma surpresa para ela, pois sempre
foi confiante.
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─ Posição supina ou decúbito dorsal ─ Ela


aponta para a primeira imagem em seguida
continua ─ O corpo está deitado com a face voltada
para cima.
Seu professor permanecia em silêncio
enquanto a observava atentamente. Ele aperta
levemente seus olhos como se refletisse sobre o que
acabara de ouvir.
─ Agora defina posição anatômica.
Aquela pergunta a pegara de surpresa. Em
sua mente Sarah vasculhava o significado, ela
sabia, tinha certeza que sabia mais do que qualquer
um o significado, mas a intensidade do olhar de seu
professor misturado a todos os olhares de alunos e
cochichos a deixaram nervosa de tal jeito que as
palavras praticamente sumiram.
Qual é o meu problema? O que houve
comigo? Ele só está me olhando, nada mais.
Preciso parar de ser ridícula.
─ Ahhh, ahhh... ─ Ela olhava para os lados
a procura de ajuda, mas ninguém ousava sequer
levantar o olhar ─ É uma posição de referência...
De direção? ─ Aquilo parecia mais uma pergunta

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do que uma resposta.


─ Só isso?
Droga tinha mais?!
─ Só, eu acho.
─ Como você sabe o nome das posições,
mas não sabe defini-las?
─ Talvez por que essa seja minha primeira
aula?! ─ Ela não consegue controlar a língua.
─ Sim isso é verdade, mas se sabe o nome
de uma posição anatômica é de se presumir que
também saiba dizer o que ela é.
Sarah fica calada e escuta seu professor
concluir o raciocínio.
─ Posição anatômica é uma definição
generalizada, saber o que é, mas não para o que
serve não te ajuda em nada. E para a área em que
vocês estão, ir atrás de conhecimento, ter
raciocínios completos é de extrema importância.
Ela solta um suspiro cansado, sabia que ele
tinha razão. Mais que merda por que tinha que
levantar a droga da mão?
─ Mais alguma pergunta professor? ─ Ela
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perguntava um pouco intimidada.


─ De você? Não.
Alguns risos baixos de alunos que
presenciaram aquele massacre podem ser
escutados. Ela até pensa em rebater, mas prefere
deixar para lá. Em seu primeiro dia de aula não
queria criar problemas logo com o professor que
lecionava a matéria mais importante do curso.
Cérbero! Ela o xingava em pensamento
enquanto se sentava cruzando seus braços e o
observando dar continuidade a aula. Não importava
o que ele fazia, Sarah não conseguia sequer desviar
seu olhar.
Depois daquele pequeno espetáculo, não era
de se estranhar que o restante da aula daquele tirano
foi um silêncio total vindo dos alunos. Na sala
somente a voz dele podia ser ouvida. Mas se havia
uma coisa que ela não podia dizer sobre ele, é que
era um professor ruim. Ele explicava tudo
detalhadamente, era nítido que dominava aquele
assunto e a maneira com que transmitia seu
conhecimento deixava aquela matéria interessante e
mais fácil.

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Após duas aulas seguidas, podia ver os


alunos irem ficando um pouco mais relaxados em
seus lugares e pode parecer exagero ao se dizer,
mas parecia que alguns até voltaram a respirar.
Pode jurar ver um sorriso em uma das alunas, claro
que foi bem na hora em que ele olhou diretamente
pra ela, mas mesmo assim era um sorriso.
Somente sorriso não. Sorriso e uma
piscadela. Ela revirou os olhos no mesmo instante
em que viu aquela cena. Claro que vão dar encima
dele. Olha só pra ele.
Mas Sarah tinha que confessar que a parte
mais divertida, fora ver aquele sorriso nem um
pouco interesseiro sumir do rosto da aluna abusada
assim que o senhor Collins avisou que a primeira
prova deles seria dali a 15 dias.
Ela tinha certeza de que a prova não seria
fácil. Na verdade achava que nem a palavra difícil
seria suficiente para descrever.
Lembrete: Chegar em casa. Abrir o livro de
Introdução a Anatomia e não sair do meu quarto,
tipo nunca mais.
A aula termina e assim como ela, os

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neurônios de Sarah chegam ao fim. Estão


esgotados. Ao olhar no relógio nota que só
precisava suportar mais algumas horas, quatro
horas para ser exato, para poder ir finalmente para
casa.
Vai ser um longo semestre. Pensa enquanto
pegava suas coisas e partia com o mapa em mãos
para a próxima aula.

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“A vida é muito curta para ser gasta


nutrindo animosidades e registrando erros”
Jane Eyre
Charlotte Brontë.

Status social: Vegetativo.


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Essa poderia ser uma forma de representar o


estado de Sarah nos quinze dias que se seguiram.
Sua vida logo entrara em uma rotina. Se
resumia em estudar, tomar café, ir a faculdade,
tomar mais café, ir ao estúdio, estudar até altas
horas da noite e claro mais café. Todos os dias após
chegar em casa, ela se trancava em seu quarto com
uma enorme garrafa daquela bebida quente e
energéticos, caso o primeiro não fosse suficiente.
Lia suas anotações feitas nas aulas, fazia
novas, marcava trechos importantes do livro. Sentia
que se perguntasse a ela, poderia citar trechos
completos décor das páginas que lera incontáveis
vezes. Noite após noite ela lera sobre Introdução a
Anatomia e logo poderia escrever seu próprio livro
sobre o corpo humano.
Se um buraco se abrisse no teto do seu
quarto e os raios do sol entrassem, ela poderia
muito bem iniciar seu processo de fotossíntese, de
tanto que estava enraizada em sua cama.
Ela nunca em sua vida havia ficado tão
nervosa às vésperas de prova. Nem mesmo quando
precisou dançar para uma considerável plateia no
seu projeto final em sua antiga faculdade de artes
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cênicas em Dublin.
Sentia que sua cabeça a qualquer momento
entraria em ebulição. E para complicar ainda mais,
as aulas de anatomia ficavam cada vez mais
complexas. Quando lhe disseram que ele era
exigente, com toda certeza estavam sendo singelos.
O professor Collins era uma muralha em pessoa,
aquelas bem altas e de paredes lisas, que não
possuíam espaços entre suas pedras para apoiar os
pés e auxiliar na escalada.
Mas para o azar dele e sorte dela era que
desejava muito aquela profissão e gostava muito da
matéria. Coisas que talvez não pudessem ser ditas
de outros alunos. Quando ele fazia perguntas a
turma o olhar e postura tensos eram bem nítidos em
seus colegas. Podia ver que a maioria estava
sofrendo com a matéria. Metade se perguntava se
suicídio era uma opção e a outra metade se trancava
a matéria e esperavam o senhor Collins se
aposentar ou morrer, o que vier primeiro.
Com certeza muitos ali iriam precisar de
crédito extra para conseguir a nota necessária para
passar, mas quem seria louco o suficiente para falar
com o cão guardião dos portões do inferno e lhe
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pedir?
Queria ir bem na matéria. Por três motivos.
O primeiro deles era porque nunca em sua vida
tirara uma nota abaixo de B+. Segundo porque
aquela matéria era uma das mais importantes de
todo curso. Terceiro porque seu orgulho fora ferido
quando aquele homem, a deixou sem palavras na
frente da turma toda, fazendo parecer que ela era
uma tola. Queria mostrar a ele que ela não era.
Nossa aqueles olhos. Pensava admirada. Se
ele não fosse tão bonito eu o odiaria mais. Foco, se
concentre na prova!
Quando ela finalmente pode descansar
depois de três horas e meia de prova sentiu-se um
enorme alivio no peito. Não poderia estar mais
satisfeita com seu desempenho. Claro que o
professor Collins não facilitou como já era
esperado. A prova consistia de apenas duas
perguntas dissertativas. Perguntas essas que ela
praticamente colocara tudo o que lera no livro, nos
mínimos detalhes, acreditava que até as vírgulas
estavam no mesmo lugar. Nunca havia se sentido
como uma máquina de escrever na vida.
Tinha certeza que havia ido muito bem.
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Afinal as noites mal dormidas, os dias sem comer


direito, suas olheiras e a úlcera que estava se
abrindo em seu estômago pela ingestão de tanto
café, tinham que dar algum resultado.
O que não esperava era que esse resultado
talvez não fosse o que ela estava esperando. Pois
oito dias depois, para ser exato, o resultado da
prova saíra.
Encaminhava-se com certa tensão em
direção ao quadro com as notas, esse que ficava do
lado de fora ao lado da porta da entrada da sala de
aula. Suas mãos suavam e seu coração parecia
comprimir dentro do seu peito.
Não posso estar tendo um ataque de
ansiedade! Calma! Eu fui muito bem. Relaxa.
Pensava enquanto exalava o ar lentamente
esvaziando seus pulmões.
Uma aglomeração de alunos se formava em
frente ao quadro. Alguns esboçavam sorrisos
aliviados e outros nem tanto. Com os dedos ela
percorre a longa lista em ordem alfabética em
busca do seu nome. Quando enfim seus olhos
encontram a letra S, sua ansiedade é substituída por
raiva.
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─ COMO É QUE É? ─ Dizia praticamente


gritando no corredor.
Com passos largos ela se afasta da
aglomeração e segue em direção a sua sala de aula.
Ao olhar no relógio do seu celular, sabia muito bem
que ele já deveria estar na sala. Esses dias de
convivência foram suficientes para ter um pouco de
noção da sua rotina. Sabia que ele sempre chegava
às quintas feiras quinze minutos antes de todo
mundo. Uma rotina um pouco estranha e não
imaginava porque somente naquele dia chegava
mais cedo, mas era infalível.
Essa nota só pode estar errada!
Quando entra furiosa na sala o encontra
exatamente onde imaginava. Ele digitava em seu
notebook. Sua pose sempre séria e profissional,
seus olhos azuis concentrados na tela de seu
computador. Suas roupas sociais impecáveis em
seu corpo, a camisa de manga longa mais apertada
em seus braços moldando seus músculos quando
ele flexionava o mesmo para se apoiar na mesa. A
testa levemente franzida o que indicava que estava
lendo algo que não era de seu agrado.
No instante em que coloca os olhos nele,
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seu coração bate mais forte dentro do seu peito e


ela imediatamente culpa a raiva.
Concentra-se, se concentra! Sim ele é
bonito. O que vim mesmo fazer aqui? Prova! Nota!
Assassinar o professor! Qual meu problema?
─ Um D?
Sem desviar seus olhos da tela a sua frente
ele a responde secamente.
─ Sim.
Só isso? Apenas sim! Qual é o problema
desse cara?
─ Como assim um D?
─ Havia duas perguntas na prova e você as
respondeu incorretamente. É simples.
─ Eu nunca tirei um D em toda minha
carreira acadêmica. Não. Em toda minha vida ─
Dizia irritada.
─ Agora você já sabe como é. Parabéns.
─ Elas não estavam incorretas.
─ Sim, elas estavam.
Ele nem sequer olhava pra ela, se mantinha
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concentrado em seu notebook e aquilo deixou


Sarah mais irritada do que já se encontrava. Movida
por aquele sentimento, sem controlar seus
movimentos ela leva sua mão até o computador
dele e o fecha.
Logo o vê erguer seus olhos em sua direção
e aquele par de cubos de gelo se fixa aos dela. Ela
podia notar a raiva inundar seu olhar, queimando
como duas brasas em um misto de fogo e gelo.
Sentia a intensidade com que a encarava, e
compreendia por que muitos não conseguiam o
encarar diretamente. Havia algo naquelas camadas
de gelo que a intrigavam, era quase como se eles
dissessem algo a ela que ainda não conseguira
decifrar.
Ela não desvia seu olhar do dele um instante
sequer. Quase valia a pena ter que suportar o
sermão que levaria apenas para que tivesse a
chance de encarar aqueles olhos.
O foco não são os olhos perfeitos dele!
Concentre-se!
─ Elas estavam perfeitas, exatamente como
no livro ─ Ela cruzava seus braços rentes ao seu
peito com indignação.
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─ É exatamente aí que está o problema ─


Arrumava sua postura na cadeira se encostando à
mesma ─ Eu não ensino vocês para que copiem do
livro. Acha que eu não sei décor o que está escrito
neles? Não tinha empenho nas suas respostas. Você
praticamente cuspiu as palavras que decorou. Eu
quero respostas certas, objetivas e com suas
próprias palavras e não a de autores que já que
morreram.
─ Eu praticamente escrevi um artigo
acadêmico! Como posso ter tirado um D? ─ Ela
levantava suas mãos para o alto bufando de
insatisfação.
─ Eu sinto muito senhorita... ─ Ele pausa e
encara a lista de chamadas que estava em sua mesa.
─ O’Connor, mas suas respostas não foram
satisfatórias. Se quiser passar na minha matéria
sugiro que concentre toda sua energia ─
Gesticulava em sua direção ─ Em seus estudos do
que em sua atitude insolente.
To ferrada! To muito ferrada! Guardião
dos portões do inferno é fichinha perto desse cara.
Ele é o próprio senhor do inferno.
Ela suspira cansadamente apertando com
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força a alça de sua mochila.


─ Por favor, senhor Collins tem que ter algo
que possa fazer para melhorar.
─ Eu já lhe disse o que fazer e se essa forma
de estudo não deu certo aconselho que tente outra.
Pare de se preocupar em decorar coisas e nomes, e
concentre-se na coisa em si. Pense nisso tudo que
eu dou aqui como um todo e não como partes
separadas. Decorar não é aprender.
─ Eu estudei durante quinze dias sobre
anatomia sem dormir ou comer direito. Eu posso
citar todos os ossos do corpo humano agora
mesmo! Não posso ter tirado essa nota, está tudo
errado.
─ Acha que não sei o que estou fazendo?
Controle-se, se controla!
─ Quer que eu saia daqui para que se sente
no meu lugar? Já que se acha apta porque leu um
livro de anatomia.
─ Tudo bem professor Collins ─ Ela se da
por vencida.
Alguns alunos começam a entrar na sala e

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ocupar seus lugares.


─ Tirano presunçoso ─ Resmungava
baixinho em gaélico, a língua nativa do seu país.
─ Acha que é a única que fala gaélico por
aqui?
O encara surpresa e se cala. Realmente não
esperava por aquilo. Por breves frações de
segundos achou que estaria salva por se esconder
atrás de outro idioma.
Você e sua boca grande. Repreende-se em
pensamento.
─ Estude ─ Ele lhe responde em um
irlandês perfeito ─ Agora vá se sentar senhorita a
aula já vai começar ─ Dizia de forma neutra.
Um verdadeiro senhor Hyde.
Derrotada ela caminha com pisadas firmes
até seu lugar, descontando sua raiva na mochila ao
joga-la na carteira ao lado. Queria ter feito aquilo
com a cabeça dele.
─ Imbecil ─ Resmungava novamente.
─ Ele é um pé no saco mesmo ─ Escutava
uma voz masculina dizer.
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Com um leve sobressalto ela se vira em


direção a voz e encontra um rapaz muito bonito,
com cabelos escuros, olhos azuis e sorriso gentil
sentado na carteira ao lado em que estava sua
mochila jogada.
─ Não. Ele é bem pior que isso.
─ Já me acostumei com ele ─ Ele se inclina
na carteira apoiando seus braços sobre a mesma ─
Ele me reprovou ano passado em duas matérias.
Então esse semestre, me matriculei em todas as
aulas possíveis disponíveis de Anatomia.
Notava a postura relaxada que ele
apresentava. Em seus olhos não havia aquela
preocupação que via nos outros colegas. Passava-
lhe uma energia calma e pela primeira vez se sentiu
a vontade com alguém daquela universidade.
Seus olhos passam por suas feições o
olhando com mais atenção. Cabelos com fios
bagunçados de uma maneira que tornava seu
penteado perfeito como se fosse proposital a
disposição dos mesmos, olhos azuis sorridentes e
brilhantes e quando seu olhar desce mais encontra
lábios carnudos e completamente desejáveis e
beijáveis.
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Que boca é essa?! Gritava em sua mente.


─ Isso foi para me animar?
─ Nada verdade foi para me usar como
exemplo a não ser seguido.
O cara de “lábios beijáveis” se arruma em
sua carteira e lhe estende uma das mãos.
─ A propósito, sou David.
Retribuindo seu sorriso gentil ela pega sua
mão.
─ Sou Mirna, mas meus amigos me
chamam de Mi.
─ As pessoas me chamam de David mesmo
─ Um breve riso escapa de seus lábios.
Sarah notava que o aperto de mãos
demorava mais do que deveria, deixando a cena um
tanto quanto um pouco constrangedora para ela,
pois os dedos dele já não seguravam sua mão, mas
a dela o impedia de soltar. Com um sorriso um
pouco sem jeito ela a solta.
─ Prazer em conhecê-lo David.
─ Então Mi. Foi tão mal assim?

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─ Cara. Eu tirei um D ─ Seus ombros caem


em derrota.
No mesmo instante uma careta modifica as
feições antes gentis.
─ Nossa. Que merda. Mas não se preocupe.
Acredite, eu te entendo. Compartilho da sua dor.
─ Passei horas estudando. Nem dormi
direito. Bebi tanto café que agora acho que possuo
uma úlcera.
─ Às vezes a forma que você estava usando
de estudo está errada.
Só pode ser brincadeira.
─ Até você? ─ O encarava sem acreditar no
que acabara de ouvir.
David joga seu corpo no encosto da cadeira
despreocupadamente enquanto ria.
─ Me deixa adivinhar ─ Fazia uma pausa
controlando seu riso ─ Professor Collins te disse
isso.
─ Exato. Aquele Cérbero ─ Dizia irritada.
─ Ele já me disse isso várias vezes. Mas de
inicio eu não entendia o que queria dizer. Eu me
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preocupava muito em decorar tudo. Fazia milhares


de anotações, mas depois de um tempo vi que ele
tinha razão e percebi que eu era o problema. Não
estava fazendo com paixão. Hoje por exemplo eu
tirei A nessa prova.
─ Nossa vai ter que me ensinar esse truque
─ Um suspiro cansado escapava de seus lábios ─
Eu amo mesmo esse curso e quero seguir essa
carreira, mas eu ainda não me senti em casa, pode
parecer bobagem, mas ainda não consegui me
soltar, não tanto quando eu danço.
Ela sabia que ainda era cedo, afinal não
fizera nem um mês do inicio de sua nova etapa,
mas ainda não se sentia encaixada. Parecia que algo
faltava como se precisasse de uma inspiração.
Sabia que aquilo era loucura, mas não conseguia
evitar o sentimento de que talvez não estivesse se
dedicando totalmente com o coração e isso a estava
incomodando. Sabia que recomeços são difíceis.
Mudar completamente a sua vida e rotina em
frações recordes de tempo exigia adaptação. E
agora sentada ali olhando para a mochila entre ela e
seu novo colega, pensava que talvez o tirano
Collins estivesse certo.

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Não! Me recuso em concordar com aquele


ser do submundo.
─ Talvez não sinta o mesmo amor que sente
pela dança.
Ou talvez seja porque estou tentando me
adaptar a minha nova vida.
─ Nossa acho que eu estou me
transformando no senhor Collins ─ Ele dizia rindo
de si mesmo ─ Estou até falando como ele. Será
que é contagioso?
─ Espero que não. É difícil ter que aturar
um, imagina dois.
A risada melodiosa e leve dele penetravam
seus ouvidos. Era fácil conversar com ele. Podia
parecer estranho, mas sentia certa familiaridade por
ele, lhe proporcionando uma sensação de conforto
que pela primeira vez sentira desde que chegara ali.
─ Ele não é tão ruim quando o conhece
melhor. Você se acostuma.
Quando ele termina a frase, seus olhos
desviam dos dela olhando para frente e ao segui-los
pode ver que o professor havia levantado de seu
lugar e agora ia até o centro do palco.
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─ A aula vai começar ─ Escutava David


dizer com um sussurro bem próximo a ela.
─ Senhor Hyde na área ─ Dizia novamente
em sua língua natal.
─ Às vezes queria que o doutor Jekyll
corrigisse as provas ─ Ele dizia em um perfeito
irlandês.
É alguma conspiração agora? Todo mundo
nesse maldito lugar fala gaélico?
─ Todo mundo aqui fala gaélico? ─ Ela
virava-se em sua direção a tempo de ver um lindo e
contagioso sorriso se espalhar por sua face.
─ Eu sei falar porque sou irlandês. ─
Sussurrava para ela.
─ Eu também.
─ Mais uma coisa em comum além de uma
não tão leve irritação pelo professor.
─ Você é o primeiro a não questionar minha
aparência. As pessoas pensam em irlandesas como
fofas e ruivas cheias de sardas.
─ O mesmo se pensa sobre os homens, mas
como pode ver eu não sou ruivo. Tirando claro, a
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parte da fofura o resto não bate comigo ─ Dizia em


tom de brincadeira.
Aquele comentário tirara dela uma risada
que não pretendia sair tão alta, bem no instante em
que todos da sala cessaram suas conversas
deixando o ambiente silencioso, quase como se
propositalmente calculado pra ela passar por aquele
momento constrangedor, ela tapa sua boca com as
mãos, mas já era tarde demais, pois Cérbero para a
sua aula e agora encarava ambos com o cenho
franzido.
Não precisava olhar para David para saber
que ele arrumara sua postura na cadeira, pois era
exatamente isso o que estava fazendo agora, era
automático quase como um instinto de
sobrevivência.
Claro. Instinto de sobrevivência. Eu moro
na selva agora?!
Mas ao fixar seus olhos no de seu professor
tinha que assumir que se sentiu como uma presa
encurralada por um belo e imponente Jaguar.
Estou vendo documentários sobre animais
demais.

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─ Posso continuar ou tem mais alguma


coisa para compartilhar? ─ Dizia com leve
sarcasmo ─ Posso esperar se quiserem.
Por um breve instante ela se esquece de
como se fala e permanece em silêncio.
─ Senhor O’Brien? ─ Os olhos azuis agora
encaravam David ao seu lado.
─ Sim professor Collins, pode continuar ─
Dizia após um pigarro.
Assim que ele retorna sua atenção para seus
slides e sua voz preenche a sala novamente, Sarah
encosta-se à cadeira e sussurra para seu novo
amigo.
─ Posso continuar senhor O’Brien ou devo
levar sua alma ao tártaro? ─ A imitação da voz
grave do professor era patética.
Escuta-o prender o riso apertando seus
lábios para que ele não escapasse.
Pegava sua caneta e começava suas
anotações sobre a aula em seu caderno. Tinha que
admitir que ele era muito bom no que fazia.
Minutos após o término da aula, Sarah

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caminhava para fora do prédio reservado para


Ciências Médicas, onde as aulas de anatomia
aconteciam. Estava distraída por causa da notícia
sobre sua nota e ficava se perguntando se não havia
um modo de conseguir créditos extras. Recusava-se
a reprovar naquela matéria, na verdade em qualquer
outra também.
Talvez se eu for até o prédio administrativo,
lá eles podem ter algum tipo de informação a esse
respeito.
─ Mi!
Escutava uma voz lhe chamar cortando a
sua linha de pensamento. Ao se virar encontra um
David quase correndo saindo do prédio indo até ela.
─ Estava pensando ─ Dizia assim que se
aproxima ─ Há uma maneira de você conseguir
créditos extras.
─ Sério? Qual? ─ Perguntava apressada e
sua voz sai mais alta do que pretendia.
─ Então ─ Ele passa as mãos nos cabelos e
sorri sem jeito ─ Você poderia se candidatar a vaga
de Assistente de professor. É como um estágio.
Todos os professores que são responsáveis por
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setores da universidade têm um. O período é de um


semestre e você recebe uma nota final, então acho
que você consegue recuperar a nota da sua prova.
Obrigada deuses da dança. Minhas preces
foram atendidas.
A esperança se acende em seu peito. Havia
uma maneira de recuperar aquela nota vergonhosa e
de não ter que ver Cérbero novamente na mesma
matéria no próximo semestre. Mas sua animação se
esvai assim que escuta David dizer uma pequena e
inofensiva palavra.
─ Mas...
─ Mas o que? ─ ela o interrompe.
─ Como você quer nota com o senhor
Collins, você teria que ser assistente dele.
─ PUTA MERDA ─ Deixava escapar.
Sério universo. O que foi que eu fiz?
─ Você está brincando não é?
─ Sinto informar, mas não estou. Soube que
essa vaga está disponível. Na verdade acho que
você não terá concorrência, então ela já é sua se for
à administração.
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─ Está disponível? Por que isso não me


surpreende?
─ Já te alerto que semestre passado ele teve
cinco assistentes.
Ótimo!
Ela ponderava os prós e contras sobre sua
situação. Se não pedisse o estágio corria sérios
riscos de não recuperar sua nota, de reprovar na
matéria e de semestre que vem ver a cara dele
novamente na mesma sala, e de ter que aturar
aquele submundano por mais um ou até talvez mais
dois semestres, caso ele decida que ela ainda não
está preparada e a reprove de novo.
Agora se pedisse o estágio teria que aturá-lo
não somente pelas manhãs, mas também todas as
suas tardes da semana durante um semestre inteiro.
Mas se isso desse certo pelo menos seria apenas um
semestre e não dois ou mais.
Passar todas as minhas tardes com aquele
homem insuportável, valia a pena para conseguir
nota? Um A ou B valem essa tortura?
Após essa breve reflexão enfim diz:
─ Eu adoro desafios.
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─ Admiro sua coragem.


─ Vou indo nessa. Tenho que me inscrever
para trabalhar para o rei do inferno.
─ Boa sorte. Brava guerreira.
─ Foi um prazer conhecer você David.
Agora é a vez dela de estender a mão.
─ O prazer foi meu Mi. ─ Ele segura a dela
em cumprimento ─ Sabe tenho a leve impressão de
que vocês vão se dar bem.
─ Acho que quis dizer que vamos nos
matar.
─ Será uma batalha interessante de se ver.
A gente se vê por ai Mi.
Com uma rápida piscadela e um sorriso ele
começa a se afastar indo em direção oposta a dela.
Sarah ainda mantinha o sorriso que
oferecera a ele em seus lábios. Havia realmente
gostado de sua companhia e ao assisti-lo se afastar
desejou poder vê-lo outras vezes.
Ao virar o rosto para o lado oposto, o lado
que deveria seguir, encarava a trilha de pedras que
se formava acima do gramado, guiando até a
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escadaria do prédio da administração.


Acho que é assim que condenados no
corredor da morte devem se sentir. Não conseguia
evitar pensar.
Puxava o ar o exalando lentamente e
começava a caminhar.
É apenas um estágio. Apenas um semestre.
O que pode acontecer?
Seus dedos de fecham firmemente na
maçaneta gelada de alumínio e logo a porta do
prédio se fecha atrás de si.

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“Por mais amável que seja o seu gênio, seu


coração não é um dos mais fáceis de atingir.”
Orgulho e preconceito
Jane Austen

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Quando se fala em inferno geralmente as


primeiras coisas que vem a mente de Sarah são
cavernas escuras tomadas por chamas ardentes,
almas acorrentadas sendo chicoteadas ao fundo,
toda essa cena ficando completa com o som de
vozes gritando ao serem torturadas e bem ao centro
de tudo sentado em algo parecido com um trono de
rochas magmáticas, uma figura com longos chifres
segurando um tridente.
Claro que agora esse estereótipo de inferno
e diabo estava completamente mudado, não se via
mais o cara com chifres, rabo e um tridente. Agora
o diabo era retratado de forma sensual e bonita
como na série “Lúcifer” que Sarah recentemente
estava acompanhando.
Mesmo agora ela havia percebido que a
vida toda imaginara o inferno da maneira errada.
Na verdade, ele se trata de um prédio no lado
sudoeste de um campus universitário, com
arquitetura antiga e três andares.
Sabe aquela estranha sensação que temos
quando estamos prestes a encarar algo muito ruim?
Aquele frio na barriga? Aquele arrepio na espinha?
Sarah se sentia assim enquanto a passos lentos se
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encaminhava ao prédio de Ciências Médicas, mais


especificamente, para o escritório do professor
chefe desse setor que ficava no final do corredor do
terceiro andar.
Seu pedido de estágio havia sido aceito,
mas para sua infelicidade os papeis para devida
oficialização precisavam ser assinados pelo próprio
cão guardião dos portões do inferno. Sua nota mais
uma vez nas mãos dele, pois corria o risco dele se
recusar a assinar.
Ele havia tido cinco assistentes em menos
de seis meses e quando ela fez o pedido pode notar
a cara surpresa de todos na administração, ao que
parece ninguém havia solicitado estágio com ele
voluntariamente e muito menos no início do ano
letivo. Quando a moça do outro lado do balcão lhe
estendeu os papeis lhe ofereceu um sorriso
encorajador, logo em seguida lhe dando uma
tapinha no ombro enquanto desejava boa sorte.
Isso explica muita coisa.
Ela hesitante chega ao no topo da escada do
terceiro andar. A mesma moça que lhe deu uma
tapinha camarada havia lhe dito onde era o covil do
Cérbero Collins e com os olhos fixos na última
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porta do corredor ela começa a caminhar.


Sinto que quando ele assinar esses papéis
terei vendido minha alma.
Seu corpo todo estremecia com aquele
pensamento. O longo corredor parecia cada vez
mais frio e sufocante, a porta parecia cada vez mais
e mais distante e ela podia jurar que ouvira o
farfalhar de asas de morcego no teto.
Que ridículo. Ela revira os olhos. Preciso
parar de ver filmes de terror com a Alexia.
Quando finalmente para diante da porta, ela
respira fundo, uma, duas, três vezes antes de bater e
escutar uma voz grave, um singelo “entre”, girando
a maçaneta e entrando.
Assim que ela o avista, seu coração bate
mais forte. Batidas frenéticas que agora ela culpava
o nervosismo. Droga pare já de bater! Não!
Espera! Se você parar eu morro! Pode ao menos
desacelerar? É sério?! Estou falando com meu
coração?
O motivo de suas batidas descompassadas
estava em sua mesa com uma pilha de papeis a sua
frente e franzia o cenho enquanto os analisava
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atentamente. Sem seu paletó a camisa social da


qual usava tinha suas mangas erguidas e
perfeitamente dobradas acima de seus cotovelos. O
colete que a cobria estava justo em seu corpo e
evidenciava o tamanho do seu peitoral e Sarah se
perguntava como ele conseguia respirar.
Nossa ele é muito bonito. Deveria ser
proibido ele se vestir assim. Concentre-se! Vamos!
Ela tosse para atrair sua atenção e em
seguida o chama.
Ele ao olhar em sua direção solta o ar
cansadamente antes de desviar seus olhos e voltar a
ler os papéis.
─ Perde seu tempo vindo até aqui senhorita
O’Connor. Não vou mudar a sua nota ─ Dizia em
seu costumeiro tom sério.
─ Não vim até aqui pra isso ─ Ela caminha
cuidadosamente até sua mesa e lhe estende o papel
─ Preciso que assine.
Ela o observava pegar os papéis um pouco
impaciente, talvez por atrapalha-lo. Ele passava os
olhos pelo documento e segundos depois erguia sua
sobrancelha e suas calotas polares encontram os
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olhos dela.
─ Sério?
─ Pode assinar? ─ Ela só queria que ele
assinasse para que ela saísse dali.
─ Por que está fazendo isso? ─ Sarah o vê
encostar-se em sua cadeira e cruzar seus braços
rentes ao peito.
Por alguns segundos ela encara seus braços
fortes e peitoral firme. Podia se notar alguns pelos
escuros pela abertura da camisa branca. Ela morde
seus lábios apreciando a vista e um pigarro vindo
dele faz com que ela abandone sua fantasia em que
passava os dedos por aqueles pelos e rapidamente
desviava seu olhar.
─ Pode, por favor, assinar senhor Collins?
─ Dizia impaciente.
Por que ele precisa está a par de tudo? Isso
não é tão complicado.
─ Primeiro responda minha pergunta, por
que está fazendo isso?
─ Por que preciso melhorar minha nota em
sua disciplina, minha grade curricular exige um

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estágio e os créditos extras vão me ajudar.


─ Não irão ajudar se eu não os der, sou eu
que avalio o desempenho.
─ Olha aqui professor ─ Ela o via a encarar
seriamente enquanto Sarah apoiava suas mãos na
mesa de madeira dele inclinando seu corpo em sua
direção ─ O senhor tem duas opções. Ou assina
para que eu possa estagiar ou fica sem estagiário e
fala com a reitoria que negou meu pedido e pelo
que sei todos os professores responsáveis por
setores da universidade precisam de um estagiário,
é obrigatório e pelo o que vi na administração o
senhor não possuí uma fila de alunos ansiosos para
ocupar esse cargo. Como sei que deve amar seu
emprego não vejo motivos para relutância de sua
parte já que em menos de seis meses o senhor teve
cinco estagiários desistentes.
─ Desistentes? Não senhorita eu os mandei
embora.
Claro que mandou. Pobres almas.
─ Vai assinar ou não?
Serio esse cara está me irritando!
─ Eu não estou relutando em aceitá-la só
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queria saber o motivo real de estar fazendo isso já


que não é segredo de que a senhorita não gosta de
mim e como sempre recebo respostas incompletas.
Ela agarra a alça de sua mochila com força.
Calma, não posso cometer assassinato, preciso dos
créditos extras.
─ Será que pode assinar para que possa
entregar isso na administração, seguir meu caminho
e tentar não me matar até chegar em casa?
Ele descruzava seus braços, pega uma
caneta e assina as três vias dos documentos.
─ Acredite senhorita. Eu vou ter que usar
muito mais a minha força de vontade para
conseguir chegar até minha casa ─ Ele lhe entrega
os papeis assinados ─ Um ficará com você, um
comigo e o outro com a administração.
Ela pega os papeis assinados e suspira
aliviada.
─ Meus horários?
─ Das 14h00 as 17h00. Agora já pode ir ─
Ele gesticulava para que ela saia.
Grosso.

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─ Até às 17 horas?
─ Sim, algum problema?
Ele tinha sua atenção em seus papéis
novamente.
─ Não nenhum é que... ─ Ela transferia seu
peso de um pé para o outro.
─ Mudou de ideia? Posso rasgar os papéis.
Ela se afasta de sua mesa e esconde atrás de
seu corpo os documentos recém-assinados para que
ele não tenha a chance de pegá-los.
─ Não! ─ ela suspira tomando coragem ─
Será que posso pedir um favor? Seria possível sair
as sextas uma hora antes?
─ A senhorita mal começou e já me pede
favores? ─ Mais uma vez ela tinha a atenção de um
par de cubos de gelo.
─ Bom eu até poderia ficar até as cinco,
mas sabe como é, meu órgão pode parar de
funcionar se eu não comparecer as consultas
médicas obrigatórias.
Após o acidente que sofrera há alguns anos
ela fazia visitas regulares ao médico. Esquecer seus
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medicamentos estava fora de cogitação e faltar às


consultas menos ainda.
Ele tamborilava os dedos em sua mesa
como se pensasse no assunto. Estreitava seus olhos
como se a avaliasse.
Eu acabei de dizer que corro risco de
morrer e ele ainda pensa no assunto?
─ Às 16 horas?
─ Sim.
─ Tudo bem senhorita O’Connor eu
permito, mas somente as sextas e vai ter que
compensar com uma hora a mais nas quintas.
─ Sair às 18 horas nas quintas?
─ Qual o problema agora? ─ Dizia sem
paciência.
─ As quintas tenho ensaio e... ─ Ela é
interrompida por ele.
─ Sério? Então deixe-me informar a
administração ─ Dizia com sarcasmo ─ Pois vou
ter que ajustar meus horários de quinta para que
você se acomode.
─ O senhor é bem difícil ─ Ela não
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consegue segurar.
─ O seu estágio equivale a quinze horas
semanais e você está me pedindo para sair mais
cedo na sexta, então precisa compensar de alguma
maneira.
Ela suspirava derrotada.
─ Vai compensar nas quintas.
─ Tudo bem senhor Collins as quintas eu
fico até às 18 horas.
─ Ótimo.
─ Eu vou levar os papeis na administração.
Quando sua mão toca a maçaneta ela para e
gira a cabeça na direção da figura atrás da mesa.
Ele, como de costume, não a encarava e
mantinha sua atenção agora em um livro de
fisiologia. O coração dela batia forte em sua caixa
torácica, ela não entendia o porquê ele só ficava
assim quando ela o via. Era como se ele acordasse e
lhe dissesse algo que ainda não possuía as
ferramentas certas para compreender. Sarah sente
seu corpo inerte e sem controlar novamente sua
boca ela o chama sorrindo.

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─ Professor Collins?
─ Sim?
Os olhos dele ficavam atentos a ela, que se
permite admirar um pouco mais aquela cor. Por
breves segundos ela pode ver algo diferente neles,
algo que ainda não havia visto. Ela viu um homem
diferente, quase como se ele estivesse escondido
por detrás daquela marulha de grosseria e rigidez.
Um homem que ela sentiu imensa vontade de
conhecer.
─ Isso vai ser divertido.
Sem dar a ele a chance de uma resposta, ela
abre a porta e sai da sala com os documentos em
mãos.

Alexia

Abandonada! Era tudo o que ela conseguia

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pensar enquanto lia a mensagem que havia recebido


de sua melhor amiga.
Como todos os dias elas marcavam de
almoçar juntas, mas naquele em especial Sarah
fizera uma mudança de planos repentina e agora
Alexia encarava seu celular sentada na cantina da
universidade, tentando compreender a segunda
parte da mensagem em que ela dizia que estava
indo fazer um pacto e que venderia sua alma.
Nessas últimas semanas Sarah esteve
empenhada em anatomia, estudando
enlouquecidamente não sobrando muito tempo para
a amizade delas, que desde o início fora bem forte,
mas agora quando olhava para o seu lado no sofá
do apartamento delas, tudo o que via era a ausência.
Algo que ela temia se tornar mais frequente. Então
tudo o que restava a ela eram os almoços na cantina
da universidade.
Passara várias noites sentada na sala ou em
seu quarto sozinha, sabia que Sarah queria muito
aquela nota, que amava muito a profissão,
compreendia isso, mas não conseguia evitar de
sentir a falta das conversas e brincadeiras que elas
faziam.
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Quando fecha a mensagem estranha, vê


logo abaixo uma mensagem que recebera ontem do
seu mais novo amigo e companheiro dessas últimas
semanas, Ryan, e um sorriso se estende em seus
lábios ao lembrar-se da conversa que tiveram até
bem tarde da madrugada sobre filmes de terror.
Descobrira que ele era um amante de terror
assim como ela e como última mensagem ele lhe
enviara uma foto da pequena marca de nascença
que ele tinha atrás da coxa esquerda que ele jurava
ser o rosto de Gizmo do filme Gremlin.
Ao encarar a imagem começa a rir sozinha
na cantina. Ele havia se tornado um amigo muito
querido para ela e a sua companhia mais frequente.
Olhando as horas em seu celular. Imaginava que a
aula dele já devia estar acabando.
Com o som ritmado dos seus saltos pelo
piso, ela se encaminhava até o caixa e pede dois
sanduiches com bastante presunto, como ela sabia
que ele gostava, dois refrigerantes e segue até o
prédio do departamento jurídico. Já que seus
horários agora eram bem solitários então por que
não os passar com alguém que não falasse sobre
tecidos e sapatos o tempo todo.
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Não fora difícil de encontrar alguém que


soubesse onde a sala dele ficava. Todos ali
pareciam conhecê-lo e agora ela encontrava-se
encostada na parede em frente a ela.
Poucos minutos depois a porta se abre e os
alunos começam a sair. Um grupo de caras passa
por ela e todos assobiam e lhe oferecem elogios.
Ela sorri para eles, jogando os cabelos para trás
revelando a pele do seu pescoço. Por mais que não
gostasse de homens, nada impedia que ela
brincasse com eles, e todos respondiam da mesma
maneira. Com sorrisos convencidos, cantadas
horríveis que ela não entendia como muitas
mulheres correspondiam, mãos bobas e investidas
nada discretas.
Homens. Pensa se segurando para não
revirar os olhos. Todos iguais.
─ Nossa. Esse corredor acaba de ficar mais
bonito ─ Escutava um cara que não havia
percebido se aproximar ─ Se eu soubesse que
estaria aqui linda, teria saído mais cedo da aula.
O desconhecido para ao seu lado se
apoiando com apenas uma das mãos na parede bem
próxima ao seu ombro. Ela percorre seu olhar sobre
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seu rosto. Era um exemplar do sexo masculino


muito bonito, ela tinha que admitir, com seus
cabelos castanhos claros arrumados perfeitamente e
seus olhos com um tom chocolate. Era o biótipo de
homem que muitas brigariam para ter, mas dada
pela sua postura e cantada horrível, ela sabia que
era como todos os outros. Era exatamente por isso
que nunca procurara se aproximar intimamente de
qualquer homem.
─ Você viu o Ryan Davis? ─ Ela ignora seu
comentário.
─ Se eu tivesse visto porque eu diria? Não
quero concorrência.
─ Não haveria concorrência, pois nem
competição haveria.
─ Tem razão. Não haveria competição.
Ryan não teria a menor chance contra mim.
Realmente ele é como os outros.
Pode não parecer, mas olhando para ela
agora era difícil de acreditar que Alexia já havia
sido o tipo de garota que se era ignorada nos
corredores da escola. O ensino médio pode ser
cruel.
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Para ela todos os homens eram iguais,


bando de homens das cavernas que acham que um
sorriso de canto era o suficiente para conquistá-la.
Antes que ela possa respondê-lo escuta uma
voz familiar e um apelido exclusivo daquela
pessoa.
─ Lex? ─ Ela virava na direção da voz ─ O
que faz aqui?
Ryan se aproximava com uma mão
segurando a alça da sua mochila e podia notar que
ele imediatamente encarava a atual companhia dela.
─ Oi Ryan. Tá a fim de almoçar?
─ Claro Lex ─ Respondia com os olhos
presos no homem ao seu lado.
─ Davis ─ O desconhecido o cumprimenta
─ Mais uma, hein.
Ela percebe o tom de malicia em sua voz.
Com um movimento Ryan pegava sua
cintura e a puxava até si, apoiando sua mão na base
de suas costas.
─ Luke ─ Ele diz ao outro cara ─ Nem
tente cara. Perde seu tempo. Ela não vai chupar
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suas bolas, então esquece. Com o instrumento que


você toca ela já regeu orquestras.
Ele a puxava em direção a porta deixando
seu colega para trás, com uma grande interrogação
em seu rosto sobre o que Ryan havia dito.
─ Não se preocupe com ele Lex ─ Dizia
próximo ao seu ouvido ─ Ele é inofensivo.
Enquanto ria de seu comentário ia retirando
a mão de sua lombar.
─ Ele deu encima de você?
─ Deu, mas já estou acostumada com caras
como ele.
─ Então. O que veio realmente fazer aqui?
─ Vim te acompanhar no almoço. Na
verdade, você que vai me acompanhar ─ Ela ergue
a sacola com a comida e bebida pra ele ─ Mi me
abandonou, então pensei. Por que não vir almoçar
com meu amigo Ryan?
─ Está me dizendo que está aqui por que
não tem nada melhor pra fazer?
─ Não. Estou dizendo que pensei em vir
almoçar com você, por que é meu amigo.
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─ E quer que eu seja sua amiguinha para


fofocar sobre homens? Ou nesse caso sobre
mulheres.
Antes que ela tenha a chance de responder,
eles são abordados por uma mulher de cabelos
cacheado que Alexia reconheceu no mesmo
instante.
Merda!
─ Oi Lexi ─ Ela dizia animada.
─ Ahh oi ─ Ela olhava para os lados em
busca de algo que a ajudasse a se lembrar do nome
da figura – Ahh.
─ Maddie.
─ Isso ─ Suspirava aliviada ─ Maddie, oi.
─ Você nunca mais me ligou ─ Um lindo
bico se formava em seus lábios.
É tenho muito bom gosto.
─ Perdi meu celular.
Escuta seu amigo segurar a risada ao seu
lado.
─ Que droga ─ Diz a moça agora chateada

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─, mas já conseguiu aparelho novo?


─ Ahh sim – Dizia receosa.
─ Então me passa o número dele ─ Ela
coloca a mão dentro de sua bolsa e pega o próprio
aparelho.
─ Ainda não decorei o número novo.
─ Sem problemas, eu te passo o meu.
No mesmo instante Maddie retira uma
caneta da bolsa, quase como se estivesse
estrategicamente guardada para usos emergenciais
como aquele. Ela pega sua mão, retira a tampa com
os dentes a segurando nos lábios, prendendo o olhar
de Lexi nos mesmos.
Realmente. Tenho bom gosto.
Habilidosamente escreve a sequência
numérica na palma de sua mão.
─ Me liga para marcarmos algo no final de
semana.
─ Ok. Eu te ligo Megan.
─ Maddie.
─ Foi o que eu disse.

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Ela pegava o braço do Ryan e o arrastava


para longe daquela moça possessiva, paranoica e
com fetiches muito, muito estranhos.
─ Lex. A desculpa de “perdi meu celular” ─
Dizia fazendo aspas com os dedos ─ Eu perdi a
conta de quantas vezes usei.
─ Sempre funciona.
─ Mas já teve vezes que eu realmente perdi
meu celular de propósito. Tem umas que são muito
paranoicas e insistentes que só por que você transa
com elas uma única vez já acham que estão em um
relacionamento e querem te controlar.
─ Ryan essa garota é doida. Os fetiches dela
são muito estranhos.
─ De que tipo? Gosta de personagens
famosos? Algo mais tradicional como enfermeira e
bombeiro? Sadomasoquismo? Gosta de filmagens?
Golden shower?
─ Ela gosta de pés. Ficou doida pelo meu
dedão.
No mesmo instante ele começava a
gargalhar.

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─ Então você tem um dedão que tem o


poder de excitar as pessoas? ─ Gargalhava mais.
─ Já terminou?
Ele enxugava os cantos dos olhos que de
tanto rir, lágrimas escorreram por eles.
─ Mais fala sério. Golden shower, Ryan.
Tem gente que gosta disso?
─ Lex. Aprenda uma coisa. Há pessoas
estranhas para tudo.
Do lado de fora do prédio eles seguiam pelo
gramado em direção a uma grande árvore que
oferecia uma sombra ampla.
─ Confesso que não pude deixar de reparar
nos peitos da sua amiguinha. Nossa Lex, garota de
sorte você. Segurar aqueles peitos deve ser
maravilhoso ─ Ele gesticula com as mãos como se
apalpasse seios invisíveis ─ Apertá-los.
Então a imagem de Ryan apertando os seios
de Maddie invade sua mente e sem entender muito
os motivos, se sente imensamente incomodada com
essa cena. Os dedos dele sendo flexionados e
apertando a pele macia dos seios, quase pode sentir
aquela sensação em si mesma, mas não eram os
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dedos de Maddie que imaginara fazendo aquilo e


sim dedos de uma pessoa que gesticulava ao seu
lado.
─ Ei! ─ Ela bate na lateral de seu corpo
com o cotovelo.
─ Ai Lex. O que foi?
─ Nada ─ dizia séria.
─ É impressão minha ou ficou com ciúmes?
Ela para abruptamente.
─ Eu com ciúmes de você? Vê se cresce
loirinho.
─ Fico lisonjeado que tenha pensado em
mim, mas na verdade me referia a Maddie, sua
amiga ─ Dizia como se estivesse se divertindo ─
Em me ouvir dizer como seria apertar os peitos
dela.
O que foi isso? Estou ficando maluca?
Repreendia-se.
Não, definitivamente ela não estava ficando
maluca, ela realmente havia imaginado como seria
ele apertando seus seios. Sentiu um arrepio
transpassar seu corpo ao imaginar seus dedos.
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Sentiu a mesma coisa que havia sentindo anos atrás


por um cara. Como disse o ensino médio pode ser
cruel.
Alexia não havia tido experiências boas
com o sexo masculino, desde o âmbito familiar ao
escolar. Para ela a figura masculina representava
algo hostil e ameaçador, claro que ela tinha amigos
homens, mas depois de passar pelo que ela passou
era nítido por que preferia mulheres, mas Ryan
Davis parecia realmente ser diferente.
Foi o que pensei quando conheci Trevor no
ensino médio e olha no que deu!
─ Como foi sua aula? ─ ela muda de
assunto voltando a caminhar.
─ Bem ─ Suspirava cansado ─ O de
sempre. A senhora Rigs é um pé no saco e quando
digo isso, quero dizer literalmente. A chamam de
chutadora de sacos. Dizem que uma vez ela foi
abordada por dois alunos no corredor, só que ela
não enxerga direito então ela os atacou chutando
suas bolas.
─ E ela estava dando aula sobre o que?
─ Casos que envolvem agressões físicas.
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Podia notar o seu tom irônico e o sorriso de


lado se abrir, enquanto ela fazia o mesmo. Estar
com Ryan lhe causava esse efeito, era divertido
conversar com ele, estranhamente ele lhe causava
uma sensação leve. Sentia que podia contar tudo a
ele e que não a julgaria ou a recriminaria.
─ Por que não assume que sentiu minha
falta, que gosta da minha companhia e que me acha
um cara legal?
─ Não seja convencido Ryan.
Ao chegarem à sombra da árvore, ambos se
sentam. Alexi esticava as pernas a sua frente. Sabia
que não devia ter escolhido aqueles sapatos, era a
terceira vez que os usava e sempre terminava do
mesmo jeito, com ela com bolha no calcanhar e
uma dor na sola de seus pés quase insuportável.
─ Ryan. Seria muito gentil da sua parte se
fizesse uma massagem.
Com um movimento dos seus pés ela retira
seus calçados.
─ Tenho uma reputação a manter.
─ Não sou gostosa o suficiente pra você? ─
Ela o provoca.
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─ Claro que você é, mas minha reputação


não envolve fazer massagem nos pés de ninguém
no campus.
─ Por favor ─ Pedia manhosa.
─ O que eu ganho com isso?
─ Uma massagem também.
Com um sorriso safado de lado, que ela
sabia já havia criado várias cenas íntimas em sua
cabeça pervertida, ele pega seu pé e com os
polegares começa a pressionar sua sola, fazendo
movimentos circulares os esfregando com um
pouco de pressão. Ela não conseguia conter alguns
gemidos roucos, quase como um ronronar, que
escapavam por seus lábios. Tinha que concordar
que ele era muito bom naquilo.
─ Se você continuar assim vou ter que
trocar de cueca antes da próxima aula.
Fecha os olhos para aproveitar mais a
mágica que seus dedos faziam e exerciam sob sua
pele.
─ Então, Lex. Vai contar quando a Mi?
─ Contar o que?

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─ Que você gosta dela.


Puxava levemente seu pé o retirando de sua
coxa. Encarava a grama verde, não conseguia olhá-
lo nos olhos. Desde que se conheceram ela não
havia contado isso a ele, mas desde o início ele
soubera. Então era inútil negar a ele.
Será que é tão óbvio assim? Se for, será que
Mi já notou? Pensava preocupada.
─ É complicado Ryan. Acho que nunca vou
contar.
─ Mas Lex... ─ Ela o interrompe.
─ Ryan. Eu não quero perder o que temos, a
amizade dela é importante pra mim. Tenho medo
que se eu contar algo assim tudo mude e ela não me
trate mais da mesma maneira.
─ Sei que não deve ser fácil, mas você não
pode esconder isso pra sempre.
─ Posso sim e vou! E ela não pode jamais
suspeitar disso.
Ryan estende a mão e pega a sacola com os
sanduiches, retirando um, abrindo sua embalagem e
dando uma mordida.

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─ Só acho que deve contar. Ela vai entender


─ Dizia de boca cheia.
Sabia que ele tinha razão, que um dia ela
teria que fazer isso, mas o medo da mudança era
maior. As vezes tinha a impressão de que Sarah
podia ler o que ela dizia com seus olhares
preocupados demais, com seus abraços apertados
demais, então ela vivia dizendo que saia com caras
que na verdade eram mulheres. Por um bom tempo
isso estava funcionando muito bem, mas
ultimamente ela vinha questionando por que não
conhecia nenhum desses caras, por que nunca
saiam em casais ou por que nunca levava nenhum
deles para o apartamento delas.
Estava ficando cada vez mais difícil
inventar desculpas e caras imaginários. Mas agora
ela encarava um cara real de carne e osso a sua
frente e então uma ideia surgiu como um estalo em
sua mente.
─ Ryan e se a gente saísse como um casal?
No mesmo instante em que termina a
pergunta ele engasga com um gole do refrigerante
que tomava. Com uma expressão duvidosa e o
cenho franzido ele a encara.
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─ O que?
─ Eu e você. Se a gente saísse como um
casal.
─ Eu e você? Um casal? ─ Dizia com
ceticismo.
─ Calma. Não na frente de todo mundo.
Apenas na frente da Mi.
Ele pousa a lata de refrigerante no gramado
ao seu lado e a encara ainda sem entender.
─ Espera. Deixa-me ver se entendi direito ─
Após um pigarro ele continua ─ Você quer que eu
finja pra Mi que saio com você?
─ Sim, mas na verdade nós dois
fingiríamos.
─ Lex... ─ Antes que ele tenha a chance de
contra argumenta-la ela o interrompe novamente.
─ Ryan eu não quero que ela descubra, não
ainda pelo menos e preciso da sua ajuda. Pois às
vezes sinto que ela pode ler a minha alma com
aqueles olhos castanhos enormes. E eu não tenho
mais nenhum amigo para quem eu tivesse coragem
de pedir isso.

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Parecia que ele ponderava o que havia lhe


pedido. Podia até ouvir as engrenagens de seu
cérebro funcionando. Erguia os olhos do sanduiche
que estava pela metade, mastigando lentamente o
último pedaço que mordera.
─ Quais são os termos? ─ Dizia depois de
um tempo.
─ O que?
─ Os termos do nosso acordo ─ Seus olhos
azuis de um tom mais escuros a encaram divertidos
─ Eu posso beijar você quando eu quiser?
─ Claro que não ─ Ela se sobressalta ─ É
pra fingir Ryan.
─ E você acha que ela vai acreditar que eu
estou ficando com você se eu não posso nem
encostar um dedo nesse seu corpão?
Sente um ardor em suas bochechas. Sabia
que se não estivesse usando blush nelas ele com
certeza teria notado.
Nossa! Estou corando? Como se eu nunca
tivesse ouvido elogios de um homem.
─ Você quer que eu finja que estou

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transando com você ou que sou casado com você


há cinquenta anos?
─ Nada de beijo e mão boba, Ryan ─ Ela o
alerta ─ É apenas na frente da Mi. Até que eu esteja
pronta para contar.
Nota ele passar uma das mãos pelos
cabelos, não parecia muito convencido.
─ Por favor, Ryan ─ Pedia usando sua voz
manhosa e piscava seus olhos castanhos várias
vezes em sinal de súplica.
─ Mulheres... ─ Resmunga baixinho ─ Ok
Lex ─ Suspira vencido ─ Eu te ajudo.
Dentro de si seu coração dava saltos de
alegria e antes que possa se mover do lugar e se
jogar encima dele em um abraço apertado, mas uma
palavra dele faz sua alegria momentânea vacilar e
seus olhos se arregalarem.
─ Mas – Ele começa ─ Como todo bom
acordo. Um contrato tem que ser assinado.
─ Está falando sério?
─ Lex. Eu sou um futuro advogado ─ Dizia
simplesmente como se explicasse tudo.

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─ Ok. O que você quer?


─ Quero selar esse acordo com um beijo.
Só pode ser brincadeira. Esse cara não
desiste.
O sorriso estampado em seu rosto a
espantava com tamanha inocência que havia nele.
Falava com tal naturalidade quase como se
estivesse pedindo pra ela passar o sal na mesa de
jantar. Sabia que ele estava fingindo, pois conhecia
Ryan mais do que ele imaginava. Podia ver um
brilho brincalhão passar por seus olhos.
Ele vai ser um ótimo advogado.
Determinada em brincar como ele estava
fazendo, achou que provocá-lo um pouco seria
interessante e uma ótima maneira de punição.
Lentamente se levantava do seu lugar,
ficando de joelhos na grama. Engatinhava-se até ele
com seus olhares bem presos. Seus rostos agora
estavam bem próximos e ela podia sentir o hálito
quente dele bater em seus próprios lábios. Nota ele
entreabrir seus lábios. Inclinava-se cada vez mais e
quando suas bocas estão quase se tocando ela para
seu movimento e abre um sorriso atrevido.
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─ Meu horário de almoço acabou, sinto


muito.
Com movimentos rápidos que seus saltos
permitiam, ela se levanta da grama e pega sua bolsa
batendo na mesma para tirar algumas folhas secas
que se prenderam nela.
Ryan permanece mais alguns segundos
sentado em seu lugar sem olhar para ela, mas a
expressão que via Alexia não soube decifrar.
Ele realmente pensou que eu o beijaria?
Pensava confusa.
─ Tudo bem, Lex ─ Dizia agora em pé e
com sua mochila nas costas ─ Nós temos um
acordo.
─ Ótimo ─ Ela vai até ele e o abraça ─
Muito obrigada Ryan, não confiaria em mais
ninguém para isso.
─ Agora quanto aos termos, podemos
decidir depois.
─ A gente marca alguma coisa no final de
semana e discutimos os termos ─ Ela já se afastava
atravessando o gramado indo na direção oposta a
dele.
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Antes que dê dez passos escuta chamá-la, e


ao se virar nota que ele ainda estava no mesmo
lugar.
─ Lex. Festa hoje na minha casa.
─ Hoje? Mas é quinta-feira.
─ E daí?
─ Amanhã tem aula.
Após uma breve risada como se não tivesse
levado a sério a real preocupação dela, ele começa
a se mover indo de volta ao prédio que ela o
encontrara.
─ Até mais tarde Lex. Leva a Mi também.
Parada em seu lugar ela via a silhueta de seu
amigo se afastar.
Será que foi uma boa ideia? Alexia, relaxa
é só fingir. Não deve ser difícil.

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“Tenho que me lembrar de respirar, tenho


quase que lembrar meu coração de bater. Vivo
como se me impulsionasse uma mola endurecida.”
O morro dos ventos uivantes
Emily Brontë

A vida de Ethan Collins era marcada pelo


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relógio. Para tudo o que fazia, havia um


determinado tempo. Seus dias eram todos iguais. O
que muitos chamavam de monotonia ele chamava
de seguro.
Gostava de viver assim, sem muitas
surpresas, pois descobrira de uma maneira que a
maioria nomeia como destino, que não lidava muito
bem com elas. Às vezes a vida elabora artimanhas
muito cruéis para ensinar algo e ele fora moldado
por elas.
Então para evitar esses momentos
indesejados, optara por levar seus dias com uma
rotina criada por ele. Às 06 horas acordava, cinco
minutos depois tomava seu banho matinal, em
quinze minutos já estava devidamente vestido e
tomando seu café. 06h30 saía de casa. 06h55
chegava ao seu escritório na universidade e enfim
as 07h20 iniciava a sua primeira aula do dia. Era
sempre assim. Seu corpo havia se acostumado a
realizar suas tarefas nessa ordem, pois às vezes as
faziam no automático.
Viver assim era muito mais fácil, não tinha
que se preocupar com surpresas ou até mesmo
despedidas, pois também descobrira que não lidava
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bem com elas.


Mas nem sempre fora assim. Na sua outra
vida, como ele gostava de pensar, de monótono não
havia nada. Cada dia vivido era diferente, algo
novo sempre surgia, às vezes bons e outros nem
tanto. Ele era um homem diferente, em um país
diferente, com objetivos e paixões diferentes. Era
outro Ethan, um que ele nem se lembrava mais de
como era, pois, como fora dito, a vida ela nos
molda, nos guia, nos ensina, e as artimanhas que
cria nos fazem ser quem somos.
Sempre dizia a si mesmo que não havia mal
algum em possuir algumas manias. Afinal quem
não as tem? Só que o seu problema era que elas não
eram apenas manias, eram seu jeito seguro de
viver. Sempre fazer a mesma coisa para que o
inesperado não aconteça.
Nesse momento, por exemplo, estava em
um dos seus rituais semanais que religiosamente
seguia.
Toda a quinta-feira exatamente às 21 horas
podia ser visto sentado em um banco no canto
esquerdo do balcão do bar que havia no bairro
universitário chamado Jack’s. Um estabelecimento
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que achava particularmente agradável, um ponto de


encontro tanto para estudantes quanto para
professores. Gostava de ir até lá, apesar de na sua
humilde opinião possuir um barulho excessivo, se
sentia relaxado. Sentia como se todo aquele barulho
pudesse afinal calar um pouco o que ele possuía em
sua cabeça.
Quando se mudara para Londres
novamente, aquele fora o primeiro lugar que
visitara. Lembra-se de sair de seu apartamento, a
duas quadras dali, e ao caminhar para fugir um
pouco das pilhas de caixas que teria que arrumar,
encontrara aquele lugar, entrara, sentara, pedira
uma cerveja e pela primeira vez em muito tempo
conseguira enfim respirar um pouco. Estava mais
distante de seus problemas, sabia que ali não iria
ser perturbado pela consequência deles, pelo menos
não por uma delas. Isso fora em uma quinta-feira.
Desde então era o que fazia. Entrava,
sentava, pedia uma cerveja e respirava.
Ele pousa sua bebida no balcão e encara as
horas em seu relógio de pulso, eram 21h34. Solta
um longo e cansado suspiro e pensa com pesar na
noite que teria. Não era muito adepto de quebra de
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rotina, mas naquela em particular ia, para seu


desgosto, ser diferente. Apesar de seu jeito um
pouco rude, era um homem de palavra e seguidor
da responsabilidade. Se prometia fazer algo, ele o
faria.
Mas naquele momento, nunca quisera tanto
não ter suas manias e de ter assumido um
compromisso.
Mais cedo naquele mesmo dia, enquanto
arrumava suas coisas em seu escritório para ir para
casa, alguém bate a sua porta e quando manda que
entre se depara com a reitora da universidade que
com toda firmeza e autoridade que alguém naquela
profissão deveria possuir, solicita sua ajuda.
Contara que naquela noite aconteceria uma festa
em uma das repúblicas que ficavam nas ruas
paralelas ao campus e que devido ao ocorrido no
ano anterior haviam decidido que aquele lugar iria
precisar de supervisão.
Claro que por fatalidade do destino, ele
havia sido designado para realizar tal oficio. O
conselho o escolhera devido ao demasiado respeito
que os alunos sentiam por ele. Respeito. Palavra
essa que sabia que poderia ser substituída por medo
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ou temor no caso de alguns deles. Imaginava que


ela escolhera utilizar aquela palavra apenas para
soar um pouco cortês. Devido ao jeito nem um
pouco exigente imposto por ela, ele se deparou com
uma situação em que se sentiu como alguns falam,
entre a cruz e a espada. Pensara em maneiras de
recusar, mas não encontrara nenhuma desculpa
válida e plausível. Então tudo o que conseguira
dizer fora um simples e singelo “Sim” e pronto sua
noite fora completamente arruinada.
Passar a noite em uma festa universitária,
com vários alunos enchendo a cara, fumando,
dançando e se agarrando em espaços minúsculos
não era bem o que planejara. Seus planos, claro,
eram completamente diferentes e muito mais
atraentes. Às 21h45 sairia do bar. Às 22 horas
assistiria ao episódio novo da série médica que
acompanhava e a meia noite estaria deitado em sua
cama para no dia seguinte começar tudo de novo.
Meus planos eram muito melhores. Pensava
enquanto girava a garrafa quase vazia a segurando
pelo bico.
Olhava mais uma vez seu relógio e consta
que eram 21h41. Soltando mais um suspiro, leva a
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garrafa aos lábios e ingere o restante de seu


conteúdo. Não havia para onde fugir.
Responsabilidades são responsabilidades.
Compromissos são compromissos, ou seja, ele iria
até lá.
Ao levantar do banco, deixa sobre o balcão
uma nota que era o suficiente para pagar pela
bebida. Com passos largos se dirige até a porta.
Pretendia não permanecer por muito tempo, iria até
lá, faria uma ronda, marcaria presença e uma hora e
meia depois iria embora, afinal não fora estipulado
quanto tempo deveria ficar. Então quanto mais
rápido fosse mais rápido voltaria para o conforto do
seu apartamento.

No mesmo instante que para em frente a


república, se arrepende amargamente.
O prédio de dois andares, revestido por
tijolos vermelhos e com um pequeno jardim na
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frente, não era uma república qualquer e sim uma


que os alunos chamavam de Sigma. Mas qual era o
problema com aquele lugar que fez com que Ethan
questionasse a si mesmo sobre sua estabilidade
mental ao aceitar tal trabalho? A resposta era
simples, apenas duas palavras. Ryan Davis.
Entendo perfeitamente porque querem um
supervisor nessa festa.
Claro que o problema não era somente ele,
todos que moravam ali eram completos baderneiros
e inconsequentes, e não era diferente com os
convidados das festas que davam. Aquela era a
típica festa de início de semestre, a festa mais
aguardada. Ethan escutava os burburinhos pelos
corredores, sabia o quanto aquele evento era
tradicional. Antes daquela festa os alunos falavam
sobre ela ansiosos e cheios de expectativas e depois
que ela enfim acontecia, passavam dias e às vezes
semanas comentando sobre os ocorridos. Fora o
fato de que também tudo podia ser lido no site do
jornal do campus, esse que ele olhava de tempos
em tempos.
Ao entrar não vira nada do que já não fosse
esperado. Havia alunos, muitos alunos, espremidos
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em espaços minúsculos, mas não devido ao


tamanho dos cômodos, pois esses eram grandes e
sim pelo número de pessoas, a superpopulação ali
era completamente notável. Tentava enfiar seu
corpo entre as dezenas que bloqueavam o corredor
principal. A música ele não reconhecia, mas notara
não haver letra alguma, apenas barulhos muito altos
que podiam ser ouvidos do outro lado da rua.
Quando seu olhar passa pelo rosto de
algumas pessoas, vira exatamente o que a reitora
dissera ou havia pretendido dizer. Era óbvio que o
reconheceram, apesar de muitos deles ali não serem
seus alunos, sabia que sua reputação repercutia por
todo o campus. Enquanto avançava algumas
pessoas tentavam esconder e disfarçar cigarros que
eram muito suspeitos, como se ele fosse algum tipo
de autoridade que pudesse puni-los por usar
substâncias ilegais. O olhar que os oferecia era de
total reprova, mas não havia nada que pudesse
fazer, acreditava que eles já estavam “grandinhos”
para precisar que alguém lhes diga os malefícios
das drogas.
Sua presença ali era somente para evitar
problemas maiores, para que não termine como da

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última vez, com uma festa no meio do gramado do


campus e de várias ocorrências feitas pelos demais
moradores locais, do próprio conselho e até dele
mesmo como: perturbação da ordem, pichação,
vandalismo e atentado ao pudor.
Logo, sua atenção é desviada para um canto
da sala onde duas estudantes extremamente
alteradas pelo álcool dançavam e gritavam
animadamente seminuas dentro de algo que
acreditava se tratar de uma pequena banheira cheia
de espuma. Agora, como uma banheira fora parar
no meio da sala de estar? Boa pergunta.
Mais ao canto, perto da porta que levava a
cozinha, avista o anfitrião da noite, com sua cerveja
nas mãos enquanto incentivava as duas moças a
dançarem mais e a retirar as poucas peças de roupas
que ainda vestiam. Como se sentisse o olhar de
Ethan sobre ele, segundos depois se vira e seus
olhares se encontram, fazendo com que pare no
meio o caminho que a garrafa de cerveja fazia até
seus lábios. Nos segundos seguintes ele não desvia
seu olhar, mas pode notar diversas vezes o leve
vacilo que o de Ryan fornecia.
Quando profere um passo em sua direção, o
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anfitrião involuntariamente volta um para trás e


Ethan teve que se segurar para não rir daquele ato
que evidenciava o seu completo desconforto com
sua presença ali. Diante de certo divertimento ele
dá outro passo, mas quando estava prestes a dar o
segundo e seguir Ryan para dentro da cozinha, a
música eletrônica termina sendo sucedida por uma
com uma batida muito familiar, era música Folk só
que diferente da tradicional música irlandesa, essa
tinha ao fundo a voz do cantor ecoando juntamente
com as notas dos instrumentos.
Aquele estilo ele conhecia muito bem. Era
muito popular no país que morara anteriormente
durante muito tempo. Fazia parte da trilha sonora
da vida do antigo Ethan, aquela melodia estava
sempre presente em seus dias quando chegava a seu
antigo lar, enquanto era acolhido por mãos macias e
quentes. Se fechasse seus olhos podia visualizar a
cena perfeitamente, sua mente sempre estava
disposta a reviver certos momentos e quando isso
acontecia ele tinha que focar em algo da realidade
para não se perder no mundo dos sonhos como já
acontecera diversas vezes.
Não. Repreendia-se mentalmente,

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balançando a cabeça como se esse movimento


afastasse tais lembranças. Foco!
Uma movimentação no centro da sala o
desperta. Os corpos anteriormente dançantes agora
se afastavam formando uma roda. Parecia que
admiravam algo. Logo suas palmas se unem e o
som provocado se mistura a batida rápida da
música. Aquele ritmo o envolve e sente-se
convidado a se aproximar, mas antes que tenha a
oportunidade de negar o comando de suas pernas,
ele já estava no meio do caminho. Tentava ver o
que acontecia no centro da roda, mas não conseguia
a aglomeração ali era intensa.
Quando enfim consegue ganhar espaço na
multidão e limpar seu campo de visão das várias
cabeças e braços que balançavam animados, ele
avista o meio e nele uma mulher dançava
energicamente sem parar. No instante em que seus
olhos repousam sobre ela a reconhece. Era aquela
pessoa irritante e petulante da qual teria que aturar
sua presença todos os dias até o final do semestre.
Se eu não a mandar embora antes disso.
Desde o início das aulas, soube que ela seria
problema assim que colocou seus olhos sobre ela.
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Uma coisa que era muito frequente entre seus


alunos era que nenhum deles suportava sustentar
seu olhar contra ele por muito tempo, a maioria
nem o encarava diretamente. Achava interessante o
efeito que causava neles a apreensão excessiva, a
pressão da cobrança. Ele sinceramente não via
problema em ser um professor exigente, acreditava
que todos deveriam ser afinal eles estavam
ensinando uma profissão, alguém no futuro
dependeria dos alunos que tinham em mãos. E
quanto ao receio que sentiam em se aproximar dele,
até preferia assim.
Mas aquela mulher não, ela o encarara, seus
olhares se encontraram e se prenderam quase como
os lados opostos de imãs, atraídos pelo
magnetismo. Em seus olhos, naquela rápida troca
que tiveram, ele pode ver coisas que o intrigaram.
As pessoas costumam dizer que os olhos são os
espelhos da alma, se isso é realmente verdade ele
não sabia, mas acreditava que pelo olhar e silêncio
de alguém muita coisa podia ser descoberta. O que
vira só o fez ter mais certeza de que precisava
manter-se a distância. Ele viu reconhecimento,
sentiu-se olhando para um espelho, vira tudo o que
estava acostumado a encontrar no mesmo todas as
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manhãs.
Manter-se a distância de alguém para ele era
algo fácil, fazia aquilo todos os dias, pode-se dizer
que era mestre naquilo e por muito tempo veio
sendo muito bem-sucedido. Mas lamentavelmente
o destino tinha algo diferente reservado para ele,
ainda não acreditava que ela iria ser sua nova aluna
assistente e mais uma vez a vida vinha com suas
artimanhas.
Ela rodopiava perfeitamente, com seus pés
ágeis pelo chão, deslizando suavemente. Suas mãos
batendo no ritmo do som, assim como todos ali, seu
sorriso era radiante e contagiante, fazendo com que
o canto dos lábios dele se ergam levemente, em um
movimento quase imperceptível. Tinha que admitir
que ela fazia aquilo muito bem e dado pelo
entusiasmo das pessoas ao redor, soubera que ele
não era o único a achar aquilo.
A música se acelera mais, com o barulho
dos violinos tocando acordes animados soando
pelas caixas de som. A figura no centro trançava
seus pés habilmente em uma coreografia
tipicamente irlandesa e perfeita. Seu riso ecoava
por sobre a música, dançava vividamente, estava
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genuinamente feliz, há muito tempo ele não via tal


cena de alguém emanando felicidade plena.
Seus cabelos negros acompanhavam o
movimento de sua cabeça, ela era a cor daquele
lugar, acreditava que despretensiosamente ela dera
vida ali também. Inevitavelmente não pode deixar
de fazer uma analogia e compará-la com um
coração, bombeando sangue, vida e calor a todos ao
seu redor que eram meras veias em um sistema,
necessitadas pelo o que ela estava oferecendo ou
como o sol, imperando no centro enquanto os
outros, meros planetas e estrelas, orbitavam ao seu
redor, sendo atraídos pela sua força, presos diante a
sua magnitude, aquecidos pelos seus raios e
iluminados pela sua luz.
Seus movimentos eram contínuos, sua
felicidade infinita e seu sorriso sincero. Ele sentia-
se preso na gravidade que a rodeava, mas por
poucos segundos sua mente o trai fazendo com que
vague rapidamente pelo mundo dos sonhos,
permitindo que o velho Ethan faça uma visita e
então ele não estava mais ali e sim há muito tempo,
em um lugar semelhante a aquele. Corpos
dançantes, uma mulher com riso harmonioso e

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fácil, cabelos longos, ondulados e com brilho


bronze, olhares trocados, sorrisos faceiros e
palavras carinhosas surradas próximas ao ouvido.
Um casal excessivamente animado
esbarrava em seu ombro enquanto se agarravam ao
seu lado e isso o despertava mais uma vez.
Cortando totalmente seu contato visual com a
figura no centro e sua postura que inegavelmente
havia se relaxado volta a sua forma natural, ele
enrijece os músculos e aperta seus punhos na lateral
de seu corpo. Havia ido longe demais, deixara
aquelas memórias fluírem por muito mais tempo
que deveria.
Sentia um pouco de tontura. Acreditava que
era devido à estação em que se encontravam, afinal
era meio do ano e Londres quando decide ser
quente é quase comparável com um país do
hemisfério sul e com o surpreendente aumento da
aglomeração ao seu redor, o lugar estava se
tornando abafado demais, apertado demais e
insuportável demais. Precisava de um pouco de ar,
sentia como se o ar estive ficando rarefeito. Seu
corpo entrando em modo de sobrevivência, busca
ao redor um lugar com o menor número possível de

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pessoas por metro quadrado, mas como já


imaginava, não havia. Seus olhos vagavam
averiguando a existência de qualquer lugar que
pudesse retirá-lo dali, então seu olhar se fixa em
uma região a esquerda da sala, havia uma porta de
vidro dupla que com certeza dava saída para o
jardim dos fundos. Com um destino traçado, ele sai
da zona gravitacional da dançarina e vai em direção
à liberdade.
Quando abre aquela saída sente o ar
agradável da noite esfriar sua pele quente. Sentiu-se
livre, parecia que estava trancafiado lá há dias, sem
contato com o mundo exterior.
Fecha a porta atrás de si, abafando o som
alto da música que ainda tocava. Estava muito
escuro ali fora, apesar das luzes ao longe dos postes
das ruas, ele não conseguia decifrar quase nada
além de três metros a sua frente. Cautelosamente
começa a caminhar pelo lugar desconhecido, e pelo
som de seus sapatos no chão imaginava que ele era
feito de madeira, quase como um pequeno palco,
elevado do resto do jardim. Avança mais alguns
passos então encontra uma grade, que ao tocar,
também consta ser do mesmo material do chão.

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Coloca seus braços sobre ela, fazendo com que


sustente o seu corpo, mais a frente ele avista uma
piscina muito bem cuidada e só conseguira vê-la,
pois dentro havia várias pequenas luzes que
trocavam de cor várias vezes por minuto.
Leva as mãos até o bolso da calça, retirando
seu celular para olhar as horas, que para sua
completa infelicidade informava que estava ali
apenas há 33 minutos.
O tempo não passa quando a gente precisa.
Resmungava em pensamento.
Exatamente quatro minutos depois, escuta a
porta de onde viera ser aberta e fechada, sabia disso
por que encarava o celular como se o relógio que
havia nele fosse se intimidar e avançar mais
depressa. Ainda sem virar seu rosto para descobrir
quem era sua companhia, escuta o som de saltos
apressados ressoando no chão. Ao seu lado
esquerdo, um pouco mais em direção a suas costas,
havia um banco de madeira estofado. Com o canto
do olho nota a pequena silhueta de alguém ir até lá,
ficando de costas pra ele e com pequenos saltos
tentava retirar seus sapatos. Ela retira o primeiro e
ao repetir o movimento com o segundo perde o
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equilíbrio tombando seu corpo levemente para trás


enquanto resmungava frustrada e amaldiçoava
alguém que pelo que entendeu a forçara vir com
aqueles calçados.
Ele estica seus braços, apoiando suas costas
em sua palma, fazendo-a dar um leve sobressalto e
se sentar no banco assustada.
─ Me desculpa ─ Dizia um pouco ofegante
─ Não tinha visto você aí.
─ Sem problemas ─ Dizia já na sua pose
original encarando as luzes da piscina.
Com o canto do olho notava ela enfim
retirar o último sapato.
─ Salto idiota ─ Resmungava baixinho,
jogando ambos ao seu lado no banco.
Ela solta um suspiro aliviado enquanto ele
permanece em silêncio.
─ Aqui fora está bem agradável. Lá dentro
está um verdadeiro inferno. Precisava de um pouco
de ar fresco.
─ Sim. De fato, estava muito quente lá
dentro, é o motivo de eu estar aqui fora.

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─ Acho que dancei demais. Mas não resisto


a uma boa música folk.
Quando sua companhia lhe diz aquilo, vira
seu rosto alguns centímetros em sua direção e vê
seu rosto de perfil. Ela não olhava pra ele e sim
para suas mãos que massageavam seus pés. A luz
que vinha do interior da casa iluminou fracamente
partes de suas feições revelando os traços delicados
e alinhados da dançarina enérgica.
Já não basta o que terei que passar
amanhã, agora também tenho que aturar essa
mulher irritante até mesmo nas festas que sou
obrigado a ir?
Diante seu silêncio ela continua a falar.
─ Odeio usar salto ─ Ela apertava mais seu
pé soltando um gemido.
─ Então não use.
─ Ótimo conselho. Mas é quase como dizer
a uma criança para não ir ao escorrega em um
parque.
─ Então se compara a uma criança
desobediente? ─ Escutava o breve riso dela ─
Deveria repensar sobre o seu calçado. Suas
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articulações e músculos dos pés agradeceriam


muito.
─ Por favor. Não me fale em anatomia ─
Pelo jeito que falava podia imaginá-la facilmente
revirando seus olhos ─ Já tive minha dose diária
por hoje.
─ Amanhã terá mais ─ Ele diz retomando
seu olhar para frente.
─ Nem me lembre.
Por um bom tempo, eles ficam em silêncio.
Podia se ouvir apenas o som das batidas ao fundo,
pelo que podia reparar voltaram a tocar as músicas
sem letras.
Ethan era um amante do silêncio e membro
assíduo da sua prática. No decorrer da sua vida,
aprendera que o silêncio era às vezes a melhor
resposta para muitas situações, mas a maioria das
pessoas não o compreendia e acabava o
interpretando da maneira errada e principalmente
não eram atentos o suficiente para ouvir o que ele
realmente queria dizer. Não é somente por que
alguém não diz nada que ela não quer falar alguma
coisa.

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─ Mas para ser sincera, eu até que gosto do


professor de anatomia.
É a vez dele de se sobressaltar.
─ Isso é algo que não se escuta todo dia.
─ Você com certeza já deve ter escutado
que ele é tirano e o diabo em pessoa.
Espera. Ela está se referindo a mim como
se eu não estivesse ali? Pensava intrigado. Sério
que ela não me reconheceu? Tudo bem está muito
escuro aqui fora, mas ela é o que? Uma toupeira
cega? Pensava enquanto tentava lembrar se já vira
usar óculos em alguma situação.
─ Eu só acho que ele deve se soltar mais ─
Ela continua dizendo ─ Eu tive a impressão de
que... ─ Uma pausa ─ Pode parecer bobagem, mas
me pareceu que ele esconde algo.
─ Escondendo algo? ─ Do que ela está
falando? Franzia seu cenho diante disso.
─ Não sei ─ Via a pequena silhueta no
banco dar de ombros ─ Pode ter sido apenas
impressão. Mas acho que faria bem a ele se soltar
um pouco.

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─ Você não o conhece ─ Sua voz sai


involuntariamente na defensiva.
─ Você tem razão, como disse foi apenas
uma impressão. Mas acredito que as pessoas
mudem e às vezes para isso precisam apenas de um
empurrãozinho.
Entre todas as palavras que lhe dissera, duas
ficavam se repetindo em sua cabeça. Se soltar. Era
algo que sempre tivera dificuldade, até mesmo o
velho Ethan sofrera para aprender, mas somente o
fizera com ajuda. Até mesmo ele precisou do
“empurrãozinho”. Ouvira tais palavras várias vezes
ditas por uma pessoa diferente, alguém que fora seu
passado, lhe dera um presente, mas não
permanecera para criarem um futuro.

Alexia

─ Anda Ryan, você não pode se esconder aí


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para sempre – Ela batia seu salto no chão de


madeira fazendo um barulho ecoar pelo corredor.
─ Eu não estou me escondendo Lex, isso é
um banheiro.
─ Então me deixa entrar.
─ Qual parte do “Eu estou no banheiro”
você não entendeu?!
─ Me deixa logo entrar ─ Pedia ainda sem
acreditar no verdadeiro motivo por ele estar ali.
Então escuta o barulho do trinco da porta e
sem pensar duas vezes entra no cômodo e encontra
seu amigo de frente para a privada fazendo xixi.
Tudo bem ele estava mesmo usando o
banheiro.
Mas ela não tinha mesmo como saber, a
festa corria muito bem, sua amiga dançava e ela
bebia enquanto observava a luta de garotas na
banheira no meio da sala com certo entusiasmo,
mas assim que notou o desconforto de Ryan e
seguiu o seu olhar para a figura alta e intimidadora
a sua frente ela soube que seria o fim da noite para
todos.

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Nem todas as festas eram monitoradas e ela


já vira em algumas, professores que apareciam para
um “controle de danos”, inspecionando e marcando
presença. Era óbvio que naquela haveria um.
Conhecida por dar as melhores festas entre todas as
repúblicas que haviam próximas ao campus, aquela
fora nomeada de Sigma pelos seus frequentadores,
pois era tão visitada que acharam que ela precisava
de um nome. Mas como nem tudo são flores,
também era conhecida por alguns atos de
vandalismo cometidos na universidade.
Mas logo ele? Geralmente a maioria só
aparecia e conversava com o anfitrião e iam
embora depois de alguns minutos. Mas aquele em
particular não era muito fã do anfitrião em questão,
sabia que os dois não se davam bem. Mas afinal
quem se dava bem com Cérbero? Ele não gostava
de ninguém. Só que a marcação do senhor Collins
com Ryan era pessoal. Esse que sempre que podia
fugia daquele professor e por isso que ela não
acreditara de primeira sobre o motivo de Ryan estar
no banheiro.
Eu também fugiria do dono do carro que
vandalizei.

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Não tinha como ela não saber daquilo, na


realidade todos do campus e até mesmo várias
pessoas de fora sabiam. O vídeo do ocorrido foi
postado na página do jornal da universidade e
poucas horas depois no Youtube. Ryan e sua turma
de amigos bêbados vandalizando o carro do
professor de anatomia. Título do vídeo? “A
vingança contra o Cérbero”. Visualizações? Mais
de cinquenta mil.
─ Tá legal! Você não estava mesmo se
escondendo – Ela tenta esconder a risada.
─ Fala sério, Lex! ─ O observava terminar
e se virar para ela fechando o zíper de sua calça ─
Você queria entrar aqui e ver meu pau ─ Ela
recebia uma piscadela da parte dele enquanto ele se
dirigia a pia para lavar suas mãos.
Ela fechava a porta indo em direção ao lado
esquerdo da bancada sentando-se lá.
─ Não me surpreendeu – Ela ergue seu
mindinho em sua direção sorrindo.
Por fora se mantinha calma, mas por dentro
sua voz gritava ecoando pelo seu cérebro. MEU
DEUS. EU VI O PÊNIS DO RYAN! Bem, apenas

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uma pontinha, mas vi.


─ Eu estava de costas, você nem viu. Se
tivesse visto ele todo, não estaria com essa calma.
─ Se isso faz você se sentir melhor ─ Ao se
arrumar na bancada o movimento faz seu vestido
subir alguns centímetros ─ Gostou da dança que eu
e a Mi fizemos?
─ Claro que sim, que homem não gostaria
daquilo? – Ela o vê encostar-se ao seu lado – Duas
gatas rebolando, enquanto seus corpos se tocam e
olham pra mim em provocação.
─ Eu também gostei de ter ela assim tão
perto, se é que me entende.
─ Deve ser muito estranho – ela o olha pelo
canto dos olhos e encontra um Ryan pensativo com
seu olhar fitando o chão do banheiro enquanto seu
cabelo loiro bagunçado cobria parte dos seus olhos
─ Gostar de alguém e não ser correspondido ou no
seu caso não poder falar o que sente ─ ele conclui
cruzando seus braços em frente ao peito.
Sim ele tinha razão, era difícil, mas não
quer dizer que precisavam falar sobre isso o tempo
todo.
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─ Não quero falar sobre isso.


─ Por que veio atrás de mim Lex?
─ Estava pensando no nosso acordo – Antes
que ela termine, ele a interrompe.
─ Vai mesmo querer minha ajuda nisso?
─ Está dando para trás?
─ Não, só queria saber se ainda ia querer
fazer isso.
─ Por que não? Gosto de você e você sabe
sobre mim e claro sem falar que não importa o que
diga ou faça, eu nunca iria para cama com você
mesmo – Ela balançava suas mãos como se aquilo
não tivesse importância.
─ Isso é um desafio Lex?
Ele se desencostava da pia ficando de frente
para ela sorrindo maliciosamente. Todos iguais.
Pensava enquanto de bom grado o provocava.
─ Um desafio que você não conseguiria
cumprir.
Sua risada ecoa pelo banheiro enquanto ele
se aproximava vagarosamente dela encostando as
laterais dos seus quadris em seus joelhos e
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apoiando as mãos na pedra da pia uma de cada lado


do seu corpo.
─ Me diz, diante seus termos, eu posso
tocar em você? – Ela sentia a ponta de seu polegar
direito encostar e acariciar delicadamente a lateral
de sua coxa exposta.
─ Depende de como quer me tocar – Ela
aperta mais suas pernas para afastá-la de seu dedo
atrevido.
─ Não foi estipulado direito nos termos
mais cedo, então presumo que eu posso tocar do
jeito que eu quiser ─ Ele abria um meio sorriso
com seus olhos presos aos dela.
Agora sentia o polegar esquerdo dele tocar
sua pele. Seu toque era quente, mas o efeito que
causa é o oposto esperado de tal temperatura, sua
pele se arrepia. Aquilo faz com que Alexia engula
em seco e de repente ela sentia algo parecido como
uma estática percorrer seu corpo e se instalar no
meio de suas pernas a fazendo fechar os olhos e
ofegar com os lábios entreabertos.
O que estou sentindo? Não. Não. Não. Eles
são todos iguais, todos iguais. Preciso parar com

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isso. É apenas mais um homem. Não posso sentir


isso de novo por um cara. Repetia aquilo como um
mantra em sua cabeça.
Abre lentamente seus olhos e encontra os
dele ainda a fitando e sem poder controlar seus
impulsos, abre mais as pernas recebendo-o
enquanto sentia os dedos dele subirem centímetro
por centímetro pela lateral da sua coxa até a barra
de seu vestido.
─ Posso te tocar aqui? ─ Sua voz tinha um
tom baixo e uma rouquidão que a deixou tentada a
falar que sim.
Mas ela não diz nada, diferente de seus
olhos que transmitiam um pedido silencioso de que
ela queria mais de que consentia.
─ E aqui? ─ Os dedos dele passavam
vagarosamente para a parte de cima de sua coxa,
deslizando com uma lentidão planejada. Seus rostos
a centímetros um do outro.
Ela estava fora de si, não comandava mais
seus sentidos e movimentos. Estava mentalmente
perturbada, insana, apenas isso poderia explicar
suas mãos deslizando e apertando de leve a bunda

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dele. Como elas foram parar aí?


─ Nunca duvide de mim Lex ─ Ela sentia
as mãos dele adentrar poucos centímetros em sua
roupa.
Filho da mãe!
─ Eu... Eu... ─ Vamos, diga alguma coisa!
Ela pensava enquanto respirava com dificuldade,
seu corpo reagia aos toques dele e ela parecia ferver
de dentro para fora.
Ela passeava suas mãos pelo cós de seu
jeans enquanto seu olhar se desprendia do dele por
alguns instantes encarando o movimento de seus
dedos que agora brincavam com os botões da calça.
Sentia os bicos dos seus seios formigarem, a região
entre suas pernas irradiava calor para todo seu
corpo. Seu cérebro havia parado de pensar e ela não
conseguia formar uma frase completa sequer. Só
posso ter enlouquecido! Ele só me tocou. QUE
MERDA ESTOU FAZENDO?
Ele se aproximava com seus lábios
entreabertos fazendo os dela se abrirem mais.
Sentia o hálito quente dele lhe tocar. As bocas de
ambos quase se tocando, as respirações

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encontrando-se em meio a uma atmosfera de puro


desejo e então um sorriso surge de lado no rosto
dele e descontraidamente ele diz:
─ Não vou fazer nada com você Lex, relaxa
afinal você não gosta de homens não é mesmo? ─
Para surpresa dela, sente algo que reconhecera ser
desapontamento ao o sentir retirar a mão dela ─
Então quando estivermos na frente da Mi eu no
máximo andarei abraçado com você e tocarei sua
cintura ─ Ele dá de ombros ─ Sabe coisas simples.
Nós temos um acordo.
Filho da mãe! Ele fez de propósito. Quer
brincar? Ok vamos brincar!
Ele retira as mãos dela de sua calça e faz
menção de se afastar e sair do meio de suas pernas.
Mas é impedido pelo aperto que as pernas dela
desempenham. De uma maneira que ela se recusava
em acreditar, sentira uma imensa falta do calor
dele.
Puta merda o que estou fazendo? Nada de
homens Lexi, se lembra dessa promessa que fez a si
mesma?
Ele encarava os lábios dela e ela encarava

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os dele que Ryan mordia de uma forma


extremamente convidativa. Parecia que ele estava
ponderando algo, avaliando a situação.
─ Não vou beijar você, Lex. Você que vai
me beijar. ─ Ele sorria convencido.
Filho da mãe ao quadrado!
─ Eu vou? ─ ela erguia sua sobrancelha.
─ Vai ─ seu sorriso se estende mais dizendo
convicto ─ Um dia você vai.
Assim que ela o escutar terminar essa frase
a porta do banheiro se abre abruptamente e um de
seus colegas aparece na abertura, quando os encara
um sorriso sacana ergue-se em seu rosto. Era o
mesmo cara que dera encima dela mais cedo na
universidade enquanto aguardava Ryan sair da aula.
─ E ai, linda?! – Luke a cumprimentava
como se a cena que via fosse completamente
normal.
Puta merda, o que eu iria fazer se ele não
tivesse aparecido?
─ Não é nada disso que está pensando ─
Ela tentava se explicar.

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Sentia Ryan sair do meio de suas pernas e


se afastar da pia. Ela resolve ficar em silêncio por
que na verdade não saberia como responder ou
argumentar. Momentos atrás ela não era ela mesma,
não agia como ela, sentia coisas estranhas e para
piorar havia gostado de sentir aquilo.
São todos iguais, todos iguais. Repetia seu
mantra mais uma vez, tentando regularizar sua
respiração enquanto descia da pia e arrumava seu
vestido.
─ Cara, você esqueceu de ligar as luzes do
lado de fora, não tem quase mais espaço dentro da
casa ─ Luke dizia.
─ Puta merda! Eu esqueci completamente ─
Ele passa as mãos pelos cabelos os desarrumando
mais ─ Por que você não ligou?
─ Por que gosto de atrapalhar suas fodas ─
Outro sorriso sacana surge e agora acompanhado de
uma piscadela.
─ Idiota ─ Alexia vê Ryan se virar para ela
e oferecer sua mão ─ Vem comigo?
Ela apenas dá de ombros ainda sem
conseguir falar normalmente. Sorrindo sem jeito o
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acompanhava pelos corredores da casa. A verdade


era que Alexia queria estar com ele. Loucura né?
Ryan Davis era o tipo de cara que você não suporta
no começo, tolera no meio e se apaixona no fim.
Não que estivesse me apaixonando por ele. Isso já
é demais. Mas as piadas sujas, o sorriso ora
debochado ora sedutor, a forma como seu cabelo
loiro bagunçado pendia para o lado quando ele
tombava a cabeça, o brilho malicioso em seus olhos
azuis, esses pequenos detalhes faziam qualquer
uma, seja gay ou hétero, gostar de ficar ao seu lado
e não era diferente com Alexia.
Dizem que carisma é a chave para o sucesso
e se isso for realmente verdade Ryan tinha tudo
para ser o próximo Antonin Scalia. Sabe aquele
famoso advogado da TV? Isso ai! Não havia uma
pessoa capaz de resistir aos seus sorrisos fáceis e a
língua afiada.
─ Ryan, acho melhor procurarmos a Mi. Do
jeito que ela estava bebendo e dançando, você a
conhece e sabe que não vai acabar bem – lhe dizia
tentando fazer sua voz se sobressair ao barulho da
música.
─ Ela com toda certeza já perdeu toda
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vergonha que não tem e deve estar rodopiando feito


doida por aí ─ Dizia próximo ao seu ouvido.
─ Ou pior, humilhando os veteranos em um
jogo de beer poing e falando sobre clássicos que
ninguém aqui conhece ou causado alguma briga
entre idiotas bêbados que acham que brigar por ela
vá resolver.
─ Relaxa Lex. Não há com o que se
preocupar, pois o Superman está andando pela casa
e esperando acontecer algo errado para me
incriminar.
Sente os dedos dele se entrelaçarem aos
dela e aquilo a faz prender a respiração por breves
segundos. Ele a puxava em meio às pessoas
enquanto afastava os corpos suados de alunos
bêbados.
─ Calma aí. Estou de salto.
Ele a guiava pela casa. Sentia-se agradecida
pelo dono do recinto estar fazendo aquilo, por que
suspeitava que com a aglomeração que parecia
estar dez vezes maior do que antes de entrar no
banheiro, ela não encontraria a saída até o dia
seguinte, onde provavelmente um aluno de ressaca

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encontraria ou tropeçaria em seu corpo em algum


canto no chão. Talvez possa parecer exagero. Mas
quem nunca foi uma vez na vida que atire a
primeira pedra.
Finalmente eles conseguem alcançar a porta
dos fundos. Pela janela Alexia consegue ter o
vislumbre de sua amiga conversando
animadamente com o que parece ser um homem
alto, ela sorria abertamente e ria de algo enquanto
massageava seus pés. Ao aproximar mais seu rosto
do vidro da porta e apertar seus olhos para se
acostumar a pouca luz que há do outro lado é então
que reconhece a figura. Não pode ser! Puta merda,
puta merda!
─ Será que ela sabe com quem está
conversando?
─ Olha se ela não sabe deveria ir a um
oftalmologista ─ Ela escutava Ryan dizer com a
mesma voz incrédula que ela ─ Devo acender as
luzes?
─ Espera cinco minutos para que eu a retire
de lá antes. E Ryan?
─ Sim?

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─ Pode soltar minha mão?


Ela o vê encarar ambas as mãos ainda
unidas e um olhar sem jeito é visto nas feições dele
por breves milésimos de segundos. Então ele libera
sua mão do calor da dele.
─ Foi mal, não vi que ainda te segurava.
─ Percebi, vou lá tirar aquela minha amiga
da companhia do rei do inferno ─ Afinal sabia
como ela não suportava seu professor.
Assim que coloca as mãos nas maçanetas da
porta dupla, escuta o amigo idiota do Ryan o
chamar para uma roda que ela acreditava ser de
outros amigos idiotas dele que conversavam
animadamente sobre, pelo o que pode ouvir, uma
mulher que pintava quadros com os seios.
Revirando os olhos sente o ar da noite banhar sua
pele refrescando-a. Com cautela ela caminha até
sua amiga que parecia refletir sobre algo.
─ Mi? Nossa até que enfim te achei.
Procurei você pela casa toda. Por onde andou? Me
abandonou lá dentro. Venha ─ ela agarra o braço
da amiga ─ Vamos voltar para festa.
─ Mas agora? Estava conversando com... ─
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Fazia uma pausa e se vira para sua companhia


encarando suas costas ─ Desculpa não sei seu
nome.
Ela não sabe quem está ali? Não. Não. Não
pergunte. Rápido, preciso pensar em algo.
─ Mi, por favor, Ryan está lá dentro
conversando sobre uma pintura feita com peitos de
uma mulher, me salva dessa! ─ suplicava.
─ Tá bem, tá bem! Foi um prazer conversar
com você ─ Ela se despedia da figura ─ Nos vemos
por ai!
Em seguida Alexia a arrastava para longe
empurrando sua amiga com pressa demais para
dentro da casa.
─ Qual é Lexi o papo estava legal!
─ Papo? Eu só conseguia ouvir sua voz e,
além disso, não estava suportando a conversa sobre
peitos que o Ryan estava tendo com seus amigos ─
Puxava sua amiga que fazia uma careta de
descontentamento.
─ Estava em um encontro às escuras Mi? ─
O sorriso de Ryan para as duas amigas era enorme
e faceiro.
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─ Que nada. Lexi nem em deu a chance de


perguntar o nome dele. Mas acho que o conhecia de
algum lugar, aquela voz não me é estranha.
Antes que ele fizesse mais alguma pergunta
que denunciasse quem era o amigo que Sarah tanto
havia gostado ela a arrastava para cozinha.
─ Vamos tomar algo, estou morrendo de
sede e está um calor dos infernos.
─ Espera, Ryan segura meus sapatos?
─ Nossa boa ideia Mi, segura os meus
também!
Ambas estendem os pares de salto para ele
que os pega e coloca no canto do balcão e serve em
três copos uma bebida que estava na mesa, para
logo em seguida ir em direção a sala de estar
deixando as duas sozinhas com alguns
desconhecidos que se agarravam no canto. Ela
prova o conteúdo de seu copo sentindo o gosto de
algo que parecia ser uma mistura de vodca com
alguma fruta que por causa da quantidade do álcool
havia perdido sua identidade. Sarah se inclina na
direção dela e fala em seu ouvido para que pudesse
ser melhor entendida.

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─ Precisamos ir. Amanhã tenho aula cedo e


de tarde começo meu estágio e acho que já bebi
demais.
─ Tudo bem, vamos ─ Abraçava a cintura
da amiga. Um gesto que muitos considerariam
suspeito, mas Sarah já estava acostumada a esse
jeito um pouco grudento de Alexia. Ela culpava a
bebida, mas não podia deixar de gostar do contato,
acariciava a cintura da amiga subindo sua mão livre
até o rosto dela acariciando sua face corada e sem
que perceba deslizava as mesmas pela extensão dos
seus cabelos negros e é quando nota o olhar
confuso da amiga.
─ O que está fazendo?
─ Eu... Nada eu só... ─ Ela gaguejava
afastando suas mãos rapidamente ─ Eu só queria
tirar algo grudado no seu cabelo só isso. Vamos pra
casa? ─ Mudava de assunto.
Sem esperar pela sua resposta, parte da
cozinha e sente ser seguida por Sarah. Infiltram-se
entre os corpos, podia ver que a festa agora passara
a acontecer também no jardim do fundo, por isso
não fora difícil encontrar Ryan próximo à entrada
do corredor principal. Ele conversava
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desconfortavelmente com o homem que era com


certeza o último que queria a companhia,
suspeitava que ele preferisse levar uma surra a ter
que enfrentar a fúria de Cérbero.
Sério que ele ainda está aqui?
─ Oi, senhor Collins – Sua amiga passa a
sua frente o cumprimentando sorrindo e
interrompendo a conversa.
Ela se mantém um pouco afastada. O
professor Collins não responde de imediato ao
cumprimento, apenas um manejo leve de sua
cabeça é oferecido por ele sem olhar diretamente
para elas.
─ Claro. Vir até aqui é o que eu queria fazer
com meu tempo livre ─ A ironia era evidente na
voz do convidado indesejado enquanto ele
respondia algo que Ryan lhe dissera ─ Pelo menos
você parece estar sobre controle dessa vez.
Alerta vermelho. Fúria do guardião dos
portões do inferno modo on!
─ Ryan, nós estamos indo nessa ─ Alexia
decide interromper antes que o papo se estenda e
piore.
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─ Querem carona? – Ryan pergunta antes


mesmo que ela consiga terminar as últimas
palavras.
Seu olhar era suplicante, neles um pedido
de “socorro, me tira daqui” praticamente saltavam.
Alexia sabia que ele só queria sair dali, realmente a
presença daquele homem afetava a todos. Bom a
todos exceto Sarah que parecia mais interessada em
ficar do que ir embora.
O professor Collins a todo instante
consultava as horas. Acho que não sou a única a
querer ir embora logo!
─ Você bebeu e ainda quer levá-las
dirigindo? ─ Cérbero se dirigia ao seu amigo com
certa crítica em seu tom de voz.
─ Claro que não professor. Jamais oferecia
tal coisa ─ Após um pigarro continua ─ Eu quis
dizer se elas não querem companhia na caminhada,
acho que não vão sentir minha falta aqui ─
Gesticulava em direção a festa.
Ele realmente está desesperado para sair.
Alexia pensava enquanto segurava sua risada.
─ Por mim tudo bem – Alexia responde em
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seu auxilio.
Sua amiga, que permanecia calada até
então, tinha seus olhos presos em seu professor o
encarando com certo, fascínio? Talvez curiosidade?
Ou quem sabe algum outro sentimento que Alexia
não conseguira definir. Apenas reparara que ela o
encarava por um tempo prolongado demais
enquanto ele um instante sequer a olhava.
─ Senhor Collins, divirta-se e fique à
vontade ─ Dizia Ryan enquanto dava as costas para
ele e ia até elas.
─ Na verdade senhor Davis, como anfitrião
da noite e como também imagino ser um homem
preocupado e que dá valor as aulas e a
aprendizagem de seus colegas e até mesmo a sua e
por amanhã ser dia letivo, acho que deveria dar por
encerrada as atividades aqui.
Alexia escutava a risada que escapara dos
lábios de sua amiga que pela primeira vez então ela
fala com demasiada ironia.
─ Ahh claro, como se todos aqui fossem
parar de beber e dançar do nada para ir embora e
acordar cedo para ir à aula.

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Puta merda Mi.


Pela primeira vez Alexia o vê encará-la,
ambos trocando olhares, ele aperta seus olhos de
um azul intenso os deixando visíveis por vendas. A
tensão podia ser sentida de tal maneira que poderia
ser palpável. Na verdade, podia ser percebida a
quilômetros de distância.
─ Duvida senhorita? ─ Dizia em seu tom
usualmente sério.
Ela e Ryan no mesmo instante depositam
seus olhares na desafiadora que para desespero
visível de seu amigo, a vê erguer a sobrancelha em
um nítido sinal de desafio. Isso não vai acabar
bem.
Diante disso o professor Collins se dirige
até o canto da sala de estar em que a mesa de som e
as caixas ficavam passando pela multidão de alunos
bêbados, se aproximando do DJ que com apenas
um olhar dele se afasta da mesa lhe dando
passagem.
─ Ryan. Ele não vai... ─ Alexia escutava
surpresa na voz de sua amiga – Ele vai.
─ Merda ─ Agora escutava Ryan murmurar
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insatisfeito enquanto passava as mãos por seus


cabelos loiros bagunçados ─ Não acredito nisso.
O professor se abaixa e com um movimento
puxa todos os cabos da tomada e para a infelicidade
de todos ali a música é cessada. Murmúrios de
descontentamentos são escutados enquanto os
alunos paravam de dançar e encaravam a pessoa
que acabara de estragar a diversão de todos.
─ A festa foi dada como encerrada ─ a voz
dele ecoava pela casa ─ Todos aqui presentes
sigam para seus dormitórios, casas, tocas, ou seja,
lá onde vivem e caso haja reclamações podem vir
falar diretamente comigo, sabem onde me
encontrar.
─ Ferrou! ─ Alexia se vira para a sua amiga
que mantinha o olhar preso ao seu professor.
─ Mi por que você precisou desafiar ele? ─
Ryan perguntava com irritação.
─ Eu ia lá saber que ele faria isso?
─ Não sei por que duvidou, é claro que ele
faria ─ Alexia empurrava ambos em direção a
saída, agora ao invés de terem que falar mais alto
por causa da música era por causa do coro
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insatisfeito dos alunos ─ Estamos falando do


Cérbero.
Como ela não tinha dúvidas, ninguém se
atreveu a questionar a ordem daquele homem
pavoroso, apenas seguiram porta a fora. Alguns dos
alunos despediam-se de Ryan e outros davam
tapinhas em seu ombro como se falasse “Festa legal
cara pena que deu merda”. Ela mantinha-se ao lado
de Ryan que parecia irritado com toda aquela
situação e sua amiga, claro, parecia ter presenciado
a criação da primeira bolsa de couro, pois em sua
face uma expressão de divertimento e curiosa
admiração se estendiam por seu sorriso, ela que
caminhava pela calçada imersa em seus
pensamentos.
Aquilo era meio incomum para alguém que
a fizera acreditar que detestava o seu tirano
professor de anatomia. Se é esperado certo
desprezo ou talvez quem sabe antipatia ou aversão
por alguém que você diz odiar e fazer de sua vida
um inferno, mas o que ela vira nos olhos de Sarah
durante toda a noite estava longe daquilo, muito
longe na verdade a deixando intrigada.
Sabia que sua amiga muitas vezes possuía
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uma visão um pouco diferente da sua, que como ela


dizia tinha um gosto peculiar para as coisas, então
será que não estava vendo algo que ela não
enxergava?

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“Ainda quero um cérebro em vez de um


coração; porque um tolo não saberia o que fazer
com um coração se tivesse um.”
O mágico de Oz
L. Frank Baum

Para todas as coisas da vida existe o lado


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bom e o ruim, essas que convivem em uma relação


de simbiose, uma sempre dependendo da outra,
pois o que seria da escuridão sem a luz? Do
amadurecimento sem a dor, da felicidade sem a
tristeza e da coragem sem o medo? Se não
houvesse o outro lado, a vida ficaria na mesmice.
Nós não aprenderíamos com ela, não teríamos
experiências para compartilhar, não teríamos
ambições e metas a serem alcançadas, ou seja, a
vida precisa dos seus altos e baixos.
E por que estamos falando sobre isso? É
simples. Como fora dito, tudo possui seus dois
lados. Em uma festa, por exemplo, você se diverte,
ri, dança, bebe, encontra alguém que jura amor
verdadeiro (situação proporcionada pelo nível
alcoólico de ambos os indivíduos). Mas então o dia
seguinte chega e você é obrigado a arcar com as
consequências de todos os seus atos. E qual seria
um deles? Uma única palavra. R.E.S.S.A.C.A.
No dia seguinte após a festa Sarah acordava
em sua cama com uma bela dor de cabeça. Seu
corpo todo doía e suspeitava que até os fios de seu
cabelo sentissem dor. Quando enfim abre os olhos
nota que estava na mesma posição que se jogara na

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cama na noite anterior e quando olha em direção a


janela agradeceu aos céus pelas cortinas estarem
fechadas. Ela era muito resistente ao álcool, mas
não era imune a ressaca.
Deitando de barriga para cima se força a
lembrar dos acontecimentos da noite anterior, mas
sua cabeça rodava assim como seus pensamentos.
Precisava de um analgésico, urgente. Leva suas
mãos ao rosto, o esfregando, aquilo a ajudava a se
focar. Então fragmentos de lembranças vão se
sobrepondo a névoa que ali havia.
Música folk, uma dança, uma conversa, o
homem misterioso que depois vira se tratar de
alguém nem tão desconhecido assim e então sua
mente tem um estalo. PUTA MERDA! Ela se
remexe sobre os lençóis apressadamente os
desarrumando mais e se debruçando sobre o
travesseiro para conseguir ver o relógio de
cabeceira. Para seu total desespero ele marcava
13h07.
Merda! Não acredito que perdi a manhã
toda e para piorar a aula do Cérbero.
Então outro estalo.

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PORRA! O estágio começa às 14h.


Ela praticamente pula da cama e acaba
tropeçando em seus muitos livros espalhados no
chão. Droga! Queixava-se enquanto corria para o
banheiro e ao passar em frente ao espelho na parede
sobre a pia o encara rapidamente, mas suspende
completamente seus movimentos para visualizar
melhor a imagem a sua frente. Sarah tinha
profundas olheiras, seus cabelos estavam
desgrenhados e espalhado pela pele ao redor dos
olhos estava sua maquiagem totalmente borrada.
Não se lembrava de ter bebido tanto a ponto de
esquecer-se de retirar a maquiagem do rosto. Em
resumo, ela parecia um urso panda em um dia ruim.
Ela toma um rápido banho frio, penteia e
seca seus cabelos com uma rapidez que invejaria
até mesmo o Flash. Veste a primeira roupa que vê
pela frente e depois de vestida pega seus óculos
escuros, fones e sai pela porta. Ao olhar em direção
a porta do quarto de Lexi o encontra fechado.
Sabia que sua amiga deveria se encontrar
em uma situação parecida e que assim como ela
não fora na aula e não acordaria tão cedo, julgou
isso por três motivos. Primeiro: Alexia sempre
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acordava cedo e fazia questão, às vezes um pouco


irritante, de acordá-la também. Segundo: ela não
tinha o costume de fechar a porta do quarto, só
fazia quando ia dormir. Terceiro: Ryan dormira
naquela noite no apartamento que dividiam então
provavelmente se levantaria bem tarde.
Ainda não tivera tempo de pensar sobre essa
aproximação deles nessas últimas semanas. Não
podia julgar Alexia afinal depois que começara
suas aulas ela passava mais tempo com o nariz nos
livros do que fazendo qualquer outra coisa, então
achava normal sua amiga procurar outra companhia
para suas horas livres, ela só nunca imaginara que
seria Ryan as ocuparia.
Na cozinha pega uma maçã que comeria no
caminho para o campus e de frente para ela na
parede o relógio a encarava com seus ponteiros
malignos informando que ela tinha apenas 40
minutos para chegar ao escritório do “amável” e
“estraga prazeres” senhor Collins. Com sua
mochila nas costas ela sai correndo do apartamento,
precisaria correr se pretendia não chegar atrasada
em seu primeiro dia no Tártaro.
Deuses da dança, por favor, que ele esteja
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de bom humor.
Não bastava apenas chegar até o campus,
ela teria que atravessá-lo por inteiro para chegar ao
prédio de Ciências Médicas, subir três andares para
ir até escritório do professor responsável e por fim
dar início a sua penitência.
Subia as escadas de dois em dois degraus.
Sua cabeça ainda latejava, pressentia que daquela
vez um analgésico não seria o suficiente. Ao se
aproximar da última porta do corredor, para por um
instante para recobrar seu fôlego. Leva uma mão ao
centro do peito sentindo seu coração bater
fortemente abaixo de sua pele e mentalmente pedia
para que ele se acalmasse, não podia fazer muito
esforço, ordens médicas.
Com seus sentidos recobrados, ergue seu
punho e bate na porta, mas não recebe uma reposta
ou escuta aquela voz séria lhe dizer para que entre.
Bate mais uma vez. Nada. Bate com um pouco
mais de força e mais uma vez nenhuma resposta.
Coloca sua mão na maçaneta e a gira, mas sua para
sua total surpresa encontra a cadeira atrás da mesa,
que ficava no centro da sala, completamente vazia.
Ele não iria se atrasar né? Que ridículo.
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Ele se atrasar.
Olha ao redor da sala, mas não o encontra.
Apenas seu paletó estava pendurado na cadeira e
sua maleta no chão ao lado da mesa. Do lado
esquerdo bem mais ao canto ela vê uma pequena
mesa de madeira escura que está completamente
vazia. Coloca sua mochila sobre ela e tenta
imaginar onde ele poderia estar. Será que ele
achava que ela já deveria saber o que fazer? Será
que ela já tinha que fazer alguma coisa mesmo com
ele não estando ali para instruí-la?
Quando essas perguntas passam pela sua
mente, se pega pensando no dilema em que estava,
pois conseguira o cargo de aluna assistente do
professor responsável pelo prédio de Ciências
Médicas, mas afinal o que ela tem que fazer
necessariamente? Ele não havia dito.
Ao olhar no relógio do seu celular, decidira
que não iria ficar ali parada esperando ele dar o
trabalho de aparecer, iria procurá-lo.
Sabia que os laboratórios ficavam no andar
térreo e que as salas de aula se dividiam entre o
segundo e o terceiro. Então iria começar pelos
laboratórios, uma hora iria encontrá-lo.
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No final do corredor do primeiro andar


ficava o Setor Anatômico, ou SA, da universidade,
uma sala pequena, de uso restrito, com duas
bancadas, pia e que mais ao fundo possuía outra
sala igualmente pequena que já ouvira dizer ser o
necrotério com tanques de formol e grandes
geladeiras. Era o único lugar que restava, pois nos
outros ela não o encontrara.
Quando para em frente à porta, tem a
confirmação do paradeiro de seu professor. Ele
estava sentado em uma banqueta enquanto
trabalhava atentamente em uma peça anatômica
que estava sobre uma das bancadas. Ela o observa
em silêncio por algum tempo.
Sarah nunca sentira medo ao estar perto de
corpos ou problemas em ver sangue e coisas que
muitos rotulariam como “nojentas” e essa era uma
das muitas razões para escolher aquela área de
atuação. Ela não era facilmente impressionável.
Encarava a cena a sua frente com certo fascínio.
Sim, ela sabia que aquilo poderia ser meio
mórbido, mas a morte não a assustava. Nem sempre
fora assim.
A morte pode ser assustadora e temida por
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muitos, até mesmo por ela no início. Metade das


pessoas acredita ser apenas o fim e outras um novo
começo. Não sabia se algum deles estava certo,
mas acreditava que após passar pelo o que havia
passado e olhar para seu lado e se deparar com o
vazio, Sarah aprendera com a vida a aceitar a morte
como uma velha amiga.
Ela fechava seus olhos com deliberada força
afastando lembranças que ameaçavam chegar.
Concentre-se.
Quando eles se abrem, voltam à atenção
para a figura a sua frente, que com suas mãos
habilidosas e com ágil precisão fazia pequenas e
calculadas incisões. Não sabia há quanto tempo o
encarava. A forma como ele trabalha tão
concentrado, sua expressão facial séria e a maneira
que flexionava seu maxilar a deixaram hipnotizada
a ponto de se esquecera do que viera fazer ali.
Com a mesma precisão e intensidade
mordia seu lábio inferior e se pegou pensando em
quão precisas àquelas mãos grandes eram. Os
pensamentos insanos dela não duram muito, pois
ele a interrompe com aquela voz que sempre a fazia
estremecer nos momentos e locais errados. O
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timbre perfeito, carregada de um sotaque britânico


que ela repetia a si mesma novamente, deveria ser
proibido possuir uma voz tão sexy.
─ Pontualidade – Ela o via apontar para o
relógio que se encontrava na parede da sala e onde
marcava 14h10min da tarde ─ Faz parte de uma das
suas funções.
─ Cheguei às 13h58min o restante do tempo
eu levei para achá-lo.
─ Você entrou por essa porta às 14h10min
então esse é o horário que conta para mim.
Cérbero!
─ Ok – Ela estava com dores de cabeça
demais para discutir então o observava manusear os
instrumentos.
─ Vai ficar parada aí sem jaleco e com
esses óculos escuros? ─ Dizia sem olhá-la
diretamente.
Grosso, pensava enquanto ia até a porta que
do seu lado esquerdo possuía um cabineiro com
alguns jalecos de mangas longas. Pega um e o
veste.

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─ Acredito que já tenha entrado em um


laboratório antes em alguma aula prática, então
sabe, ou deveria saber como se portar. Sem óculos
escuros, fones de ouvido, sempre entre aqui com
cabelos presos e jaleco.
Ela guarda seus acessórios em seu bolso e
depois prende os longos cabelos enquanto ele
ditava as regras.
─ E tente não vir com essas roupas.
Quando ela se vira para ele nota que a
encarava com seus olhos azuis intensos, esses que
se prendiam em suas pernas expostas, pois sua saia
mal chegava à metade de suas coxas. Aquilo a
arrepiava levemente.
─ Você não vai entrar aqui no SA com
muita frequência ─ Dizia desviando seu olhar e
voltando para a peça na mesa ─ Mas quando entrar
peço que não esteja vestida assim, são regras do
laboratório.
─ Será que pode falar um pouco mais baixo
senhor Collins? Os mortos agradecem. – Ela dizia
esfregando os dedos em suas têmporas. Talvez nem
dois analgésicos fossem suficientes. Fechando seu

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jaleco ela caminha em sua direção.


─ Quer ser minha assistente? Siga as regras
e tudo acabará bem.
─ Conste que não quero ser sua assistente
eu preciso ser.
─ Se está fazendo isso forçadamente sugiro
que nem comece.
Agora ela o observava mais de perto, se
debruçando sobre a bancada em que ele trabalhava.
Seus olhos percorriam por ele todo. Sua postura
impecável, sua armadura impenetrável.
Questionava-se os porquês de tudo aquilo. O que
dissera na noite anterior era completamente
verdade, acreditava que ele escondia algo. Seus
olhos não lhe transmitiam o que o resto de seu
corpo fazia. Teimosa e curiosa do jeito que era,
acreditava que talvez fosse isso o seu fascínio por
ele. Queria respostas.
─ O senhor tirou a barba ─ Dizia sem
conseguir evitar.
─ E a senhorita está com olheiras, acredito
que deva ser por ontem.
Tão simpático.
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Suspirando-a se afastava alguns centímetros


da bancada, novamente massageando suas
têmporas como se aquilo fosse magicamente fazer
suas dores e olheiras sumirem.
─ Já tive dias melhores eu admito, mas pelo
menos conheci alguém legal. – Ela o observava
agora utilizar de uma pinça. E se surpreende ao ver
ele responde-la com ironia.
─ Claro. Imagino que seja um jogador de
futebol super popular, caras com um ótimo papo e
QI impressionante.
─ Não sei se ele joga futebol, mas me
parecia muito inteligente e meio calado.
─ Gostou dele?
Ela encarava seu professor que não a olhava
e então estreita seus olhos como se pensasse bem
na resposta.
─ Sim eu gostei e acho que ele gostou das
articulações do meu pé – Ela soltava um breve riso
após lembrar-se da pequena conversa na noite
passada.
─ Elas agradecem por não usar salto hoje.

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─ Obrigada.
─ Já pensou em consultar um
oftalmologista, senhorita O’Connor?
Ela se reaproximava e se debruçava
novamente.
─ Sabe, eu espero que possa conversar com
ele mais vezes em um lugar com mais claridade –
Ela muda de assunto ignorando sua pergunta.
─ Não acha que esta claridade está boa?
─ Sim está, mas se não estiver enxergando
posso acender as luzes lá de trás.
─ Eu vejo perfeitamente bem, como
também estava vendo ontem à noite apesar da
pouca luz.
─ É mesmo?! ─ Ela o provocava se
fingindo de desentendida.
Para sua diversão o escutava soltar um
longo suspiro e aquilo a faz um meio sorriso se
estender em seus lábios.
─ Uma coisa que me irrita muito é lentidão
e cinismo. Não tenho muita paciência para isso.
─ Concordo, mas por que está me dizendo
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isso? – Ela tomba sua cabeça para o lado com um


ar divertido em seu rosto.
─ Por que a senhorita está agindo assim. ─
Ela observava seu tom mudar de neutro para
impaciente durante a conversa.
Ele abaixava a mão que segurava a pinça e a
mesma acaba fazendo barulho quando se choca ao
metal da bancada, em um ato claro de impaciência.
Sarah não se aguenta e começa a rir.
─ Relaxa senhor Collins, sabia que era o
senhor. Aliás gostei do nosso papo.
Ela o via apertar seus olhos provavelmente
desconfiando de sua resposta, mas era verdade. No
começo ela realmente não sabia, mas quando fora
arrastada por sua amiga e rapidamente olhou para
trás para se despedir, naquele momento as luzes do
interior da casa iluminaram as costas do seu
companheiro misterioso e então ela conseguiu ver
de quem se tratava.
─ Coloque suas luvas. – Sua voz a trazia de
volta.
Sarah não pode deixar de sentir a
intensidade do olhar que ele tinha sobre ela
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enquanto lhe estendia um par de luvas látex. Sentia


seu coração bater fortemente em seu peito. O par de
cristais de gelo a encaravam com certa impaciência,
que ela estava vendo ser um estado frequente
daquele homem. Aquilo a desconcertou e por um
tempo ela apenas fica parada recebendo aquele
olhar, aquela imensidão azul. Ele remexe as luvas
em suas mãos indicando mais uma vez para que as
pegue. Assim ela faz e as veste em suas pequenas
mãos.
─ E eu não menti ontem, realmente gosto
do meu professor de anatomia – O encara sem
controlar as palavras que saiam de sua boca. – Eu
acho que o senhor é como uma peça de
Shakespeare. Difícil de entender, mas fascinante ao
se ler.
Sarah pode perceber que ele flexionava o
maxilar. Enquanto estendia abruptamente a bandeja
com instrumentos para ela.
─ Lave isso. ─ Lhe ordena.
Ela pegava a bandeja em silêncio e a levava
até a pia. Será que disse algo que o chateou?
─ Lave tudo e depois deixe secando,

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quando secar guarde na gaveta de materiais para


dissecação.
─ Sim senhor Collins.
─ Após isso limpe essa mesa ─ Ele
apontava para a que utilizara e o observava pegar a
peça anatômica e a guardar em um recipiente, que
pelo cheiro quando ele retira a tampa ela sabe se
tratar de formol ─ Estarei no meu escritório quando
terminar vá até lá.
Sem olhar em direção à porta ela soube que
ele saíra, como se a atmosfera ao redor tivesse
mudado, a presença dele era algo inevitável de ser
sentida. Coloca a bandeja dentro a pia e encara a
primeira tarefa que recebera como assistente.
Ótimo. Virei serva do submundo.
Enquanto a contragosto exercia a tarefa que
lhe fora designada em determinado tempo sem que
Sarah tenha a oportunidade de impedir o bisturi que
tinha em mãos escorrega e sua lâmina profere um
corte considerável em seu dedo rasgando a luva e
também sua pele.
─ DROGA! – Lavava o ferimento que
sangrava.
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Parabéns! Agora vou sujar tudo.


Tentava estancar o sangramento, mas era
em vão. Não era muito profundo, mas o suficiente
para fazer seu dedo latejar e o sangue não parar de
escorrer. Sabia que precisava de ajuda, mas a única
pessoa que poderia não era lá muito simpática.
Então suspirando ela deixa tudo como estava e
caminha até o escritório de seu professor. Entra
sem bater segurando com sua mão esquerda o seu
dedo da mão direita que sangrava e no caminho até
sua mesa pode ver uma gota escapar e sujar o chão
com piso de madeira.
─ Preciso de ajuda. – Sentia sua mão
latejar.
Escuta um suspiro cansado vir dele, mas no
instante em que ele desvia seus olhos do notebook e
encara seu dedo sangrando, pode ver seu olhar
mudar totalmente. O que antes era impaciente se
torna preocupante.
─ O que você fez? – Perguntava exasperado
enquanto rapidamente se levantava e ia até ela.
─ O bisturi, eu me distraí e o deixei cair.
─ Merda – Ele pegava sua mão para
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analisar o corte e por um momento ela esquecera a


dor, era a primeira vez que sentia o seu toque.
Ele analisava atentamente, passando
levemente os dedos ao redor de seu ferimento.
─ Não vai precisar de pontos, apenas um
ponto falso.
Ele se afasta rapidamente indo até sua
maleta que estava no chão ao lado da mesa.
─ Sente-se aí – Ele apontava a cadeira a sua
frente e Sarah o obedece.
Ele abria a maleta e tirava de lá um kit de
primeiros socorros com anticéptico, gazes e uma
fita para curativos. Ficando bem a sua frente, puxa
uma cadeira e pega sua mão sem aviso. Ela
imediatamente prende sua respiração. Sentia a
textura das mãos dele, sua pele um pouco áspera
em contraste com a sua macia, seu toque quente em
contraste com o gélido dela. Aquele simples
encontro de suas peles faz os pelos de seus braços
se arrepiarem. Parecia loucura, mas jurava que não
havia mais dor alguma, como se os últimos minutos
fossem totalmente invenção de sua mente fértil.
Ela sentia o anticéptico ser posto em cima
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da ferida e o contato frio e ácido do remédio faz seu


ferimento arder.
─ Aiiii! – Não consegue segurar seu gemido
de dor enquanto ele pressionava a ferida.
Levava sua mão livre até o pingente de sua
corrente e o apertava com força.
A ferida ainda sangrava deliberadamente,
seu professor coloca um pouco mais de anticéptico
e pressiona novamente com um pouco mais de
força com uma nova gaze.
─ Agora irei fazer o ponto falso. – A dizia
aquilo com controle e uma calma invejável e ao
ouvi-la o sentiu transmitir um pouco de sua calma
para ela, relaxando seus ombros um pouco.
Fecha seus olhos aguardando pelo
inevitável. Escutava o barulho da fita para
ferimentos de micropore sendo arrancada. O sentia
pressionar a ferida fazendo as duas partes de sua
pele cortada encostar uma na outra, logo depois
enrolando a fita ao redor de seu dedo em um
curativo apertado.
Abre seus olhos e o vê terminar o curativo
no corte que havia parado de sangrar. E então ele
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apoia levemente sua mão no joelho direito dela.


─ Pronto. – Ele a dizia, mas ela não
escutara por que agora sua atenção estava voltada
para o toque de sua mão em seu joelho exposto,
agora a pele daquela região se arrepiava e seu
coração batia tão forte em seu peito que Sarah
achava até ser possível ele escutar.
Em seu corpo uma estranha sensação que
não pode evitar, era como se ele não a tocasse há
muito tempo e ela sentira uma saudade quase
insuportável daquilo, mas o engraçado é que ele
nunca a tocara antes, ela nem o conhecia. Então de
onde vinha essa sensação? Como poderia ser
explicado?
─ Obrigada. ─ Era tudo o que conseguia
dizer.
Cortando o contato visual com a figura a
sua frente, pelo decote de sua blusa, que abrira
alguns botões, encarava o pingente de seu colar
tamborilar em seu peito à medida que o mesmo
subia e descia. Sem poder evitar seus olhos
marejam. As duas argolas douradas que eram suas
companheiras há alguns anos. Mantinha próximas
ao seu coração que era onde elas pertenciam. Um
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lembrete diário de seu passado.


─ O ponto falso deve ajudar, não tire esse
curativo por alguns dias.
Quando retira sua mão do joelho dela, Sarah
sente um vazio, um tipo de ausência. Achava que
talvez fosse pelo estado abalado que de repente se
encontrava, estava confusa, magoada e agora se
lembrava de coisas que queria esquecer, ou seja,
combinação catastrófica.
Ainda olhando para baixo onde a mão dele
estava apenas alguns segundos antes, ela ergue sua
mão boa e agarra a dele suspensa no ar ao lado de
seu corpo. Ele estava parado em pé a sua frente.
Não sabia se ele sentiu o mesmo
formigamento que ela e não se importava, só
precisava sentir a pele dele novamente em contraste
com a dela. Apertava a mão dele com deliberada
força, impedindo que ele a repelisse o convidando
para que a segure também, mas ele não faz o
mesmo, sua mão permanece aberta, estática e pode
jurar ver seu corpo se tencionar.
─ Está tudo bem? ─ O escutava perguntar.
Ela balança a cabeça negativamente.
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─ Só preciso de um minuto, por favor. ─


Não sabia por que a presença daquele homem a
afetava tanto, desde o primeiro momento que o
vira.
─ Preciso trabalhar senhorita O’Connor ─
Dizia ainda sem acolher sua mão.
O que estou fazendo?
─ Tudo bem – Ela soltava sua mão –
Desculpe ter sido invasiva e obrigada por cuidar
disto – Ergue sua mão com o perfeito curativo para
ele.
Ele recolhia as gazes sujas sem lhe dizer
nada. Guardava o restante do material de volta em
sua maleta, pode ver que dentro a mesma era toda
organizada e franze levemente a testa ao ver
pequenas etiquetas indicando o local correto de
cada coisa.
Aquilo são etiquetas com os nomes?
─ Quando for manusear o bisturi. Você tem
que retirar a lâmina, primeiro a descarta e depois
lava a haste.
─ Sim... Sim senhor – Droga por que estou
gaguejando? Ela pensava. – Vou terminar de
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limpar o que me pediu.


─ Não molhe o curativo.
─ Eu sei – Sorria sem jeito e sai da sala
indo em direção ao laboratório.
Que droga foi essa que aconteceu? Pensava
enquanto ainda sentia um leve formigamento em
seu braço e joelho. E sem, mas ela caminha na
direção oposta de seu escritório.

Soterrada por papéis era onde ela se


encontrava agora. Depois que terminara de fazer
seus afazeres de “doméstica laboratorial”, seu
professor e chefe lhe recebera em seu escritório
com uma caixa cheia de documentos para ela
arquivar devidamente em ordem alfabética,
segundo ele.
Então fora onde passara às duas horas
seguintes, sentada em sua pequena mesa no canto
da sala com uma pilha de papéis que parecia não ter
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fim. Estava começando a suspeitar que dentro da


caixa devesse ter um fundo falso onde mais e mais
folhas surgiam, como a cartola de um mágico.
Passar aquele tempo ocupada com todas
aquelas folhas até que fora algo bom. Manter a
mente ocupada estava ajudando a esquecer daquele
episódio anterior. Do vexame que passara com
aquele homem, esse que desde que ela voltara não
se dirigira uma palavra sequer que não fosse
“arquive em ordem alfabética”.
Ergue seus olhos dos documentos e o encara
sentado atrás de sua mesa. Agora sem o jaleco
podia ver como estava vestido, sua camisa
modelando perfeitamente seus braços flexionados
encima da mesa enquanto lia algo em um livro
grande, seu peitoral também em destaque com o
tecido um pouco mais justo naquela região.
Como se sentisse o olhar dela, ele
desprende os olhos de sua leitura e os direciona até
ela, que no mesmo instante tenta disfarçar e o
desvia, fingindo que não fazia nada além de ler o
que lhe fora dado.
Com o canto do olho ela percebe ele erguer
seu braço esquerdo e encarar seu relógio de pulso,
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um hábito que estava percebendo ser frequente.


─ Arquivos devidamente organizados,
senhor Collins ─ Dizia guardando o último deles.
─ Hoje é o dia que sai mais cedo para ir ao
médico?
─ Na verdade hoje meu médico desmarcou,
surgiu uma emergência.
─ Ótimo então fará seu horário normal.
─ A não ser que minha voz e presença o
irritem tanto que queira me liberar mais cedo ─
Dizia sem conseguir controlar a língua.
─ Se fosse fazer isso, você não entraria nas
minhas aulas, mas infelizmente é algo que não
posso impedir ─ Ele fazia anotações em um
caderno ao lado do livro.
─ Então só gosta de mim quando eu danço
─ Dizia sorrindo ─ Interessante. Aposto que me viu
dançar ontem.
─ Eu não gosto de danças, mas reconheço
quando alguém sabe o que está fazendo.
Com uma das caixas de arquivos nas mãos,
ela usando quase toda a força que seus braços
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tinham vai até uma das várias estantes que ali


havia, afasta uma das caixas que ficavam em uma
prateleira empurrando-a para o lado e encaixando
aquele em seus braços no vão, sem se preocupar se
havia alguma ordem.
─ Posso saber por que está bagunçando
minha prateleira?
Sem que ela tivesse percebido ele estava ao
lado dela retirando a caixa que acabara de colocar,
puxa a caixa que ela empurra para o devido lugar e
coloca a outra na prateleira de cima.
─ Acredito que saiba a ordem das letras do
alfabeto ─ Ele ponta para uma etiqueta que ficava
na parte de fora de cada caixa ─ É só seguir a
ordem. Cada coisa aqui ─ Gesticulando mostrando
o escritório ─ Tem seu devido lugar e quero que
permaneça assim.
Sem que ela tenha a oportunidade de lhe
responder ele já estava se afastando e voltando para
perto de sua mesa. Olhava o relógio novamente.
─ Tenho uma aula para dar em 13 minutos.
Turma de medicina.
Graças aos deuses da dança. Poderei
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respirar.
─ Como minha assistente, você é
responsável pelos meus horários. Sou o professor
responsável pelos laboratórios e salas desse prédio,
então qualquer professor que queira utilizar alguma
delas tem que pedir permissão a mim e eu agendo
um horário para que ele utilize. Mas agora que você
está aqui, você ficará com a planilha de horários.
Mas eu estarei também a par de tudo.
Ele começava a recolher suas coisas.
Guarda seu notebook em sua maleta junto com
alguns papéis.
─ Caso algum horário mude ou você receba
alguma solicitação de algum professor para usar as
salas, deve me informar ─ Apontava para a mesa
dela ─ Se a secretaria ligar você também me avisa.
No notebook você terá acesso ao meu e-mail
profissional.
Ele vai até o lado da porta onde havia um
cabineiro de madeira e pega um jaleco limpo que
deixara pendurado.
─ Quero ser informado de tudo.
Não consegue evitar revirar os olhos e
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cruzar os braços na frente do peito.


─ Sim senhor. Devo buscar seu café
também? ─ Dizia com ironia.
Ele para em frente à porta ainda fechada e
vira seu corpo na direção dela, claro que percebera
o tom que ela lhe oferecera.
─ Se eu pedir ─ Ele fingia pensar ─ Sim,
você vai.
Aperta suas mãos em punhos e solta o ar
bufando pelo nariz. Ele só pode estar brincando.
Virei empregada dele?
─ Mais nem fud... ─ Ela se calava diante o
olhar sério dele e a erguida desafiadora de
sobrancelha que ele lhe dá ─ Sim senhor ─ Forçava
um sorriso que sabia que não o convencera.
Ele pega a maçaneta e a gira.
─ Senhorita O’Connor você quis ser minha
assistente, ou como dissera ─ Ele pigarreava e
completava com sarcasmo ─ Você precisa ser.
Então trabalha pra mim e faz o que eu mandar
fazer. O trabalho é simples.
Ela segue até sua mesa para pegar outra

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caixa, ficando de costas para a porta. Imaginando


que sairia assim após aquele discurso, ou melhor,
após aquela lista de regras.
─ Senhorita O’Connor faça isso. Senhorita
O’Connor faça aquilo ─ Resmungava ─ Até parece
minha mãe.
Então para seu total desespero é
surpreendida pela voz grave dele atrás de si. Ele
ainda não havia saído.
─ É apenas uma forma de tratamento. Não
vou chamá-la pelo seu nome. Não é profissional.
Respirando fundo ela se vira pra ele com o
mesmo sorriso falso e forçado. Parado no vão da
porta aberta ele aponta para uma caixa no chão no
canto direito que ela não reparara antes.
─ Já que vai cumprir com seu horário
normal hoje. Esvazie aquela caixa. Dentro tem
alguns livros que recebi da minha antiga casa ─
Agora apontava para a estante atrás de sua mesa e
cadeira que era repleta de livros acadêmicos ─
Coloque os volumes nos lugares corretos. Está
dividida por cada setor da medicina e dentro de
cada setor por ordem alfabética de autor.

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Parando por um instante ele olha novamente


seu relógio.
─ Agora preciso ir. Divirta-se ─ Dizia
fechando a porta ao sair.
Quando escuta o som da porta se fechar
enfim respira aliviada. Quando disseram que ele era
exigente, realmente não estavam brincando. O
professor Collins era uma grande muralha, a rigidez
e grosseria os pilares que a mantinham em pé e a
aspereza representava cada tijolo.
Após guardar a última caixa de arquivo no
lugar correto o que levou exatamente uma hora,
segue para a caixa de livros no chão e começa a
abrir seu lacre. Então é surpreendida por uma
batida na porta e com a voz um pouco sufocada
pelo esforço que fazia para retirar aqueles blocos de
concreto que seu professor chamava de livro, ela
diz para que a visita entre.
─ Pelo jeito seguiu meu conselho ─
Escutava uma voz familiar vindo da porta aberta.
Ao erguer seus olhos encontra o dono dos
olhos azuis mais gentis que já vira e com os lábios
desejosos.

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─ David! ─ Praticamente grita e sai


correndo até ele e se joga em seus braços o
apertando com força. Era tão bom ver um rosto
amigo.
Os braços dele se movem devolvendo seu
abraço.
─ Comecei hoje e já fiz besteira ─ Ela
mostrava o dedo com o curativo.
─ Em seu primeiro dia e já tentou suicídio?
─ Ele brincava encarando seu dedo e rindo logo em
seguida.
─ Ele é muito difícil ─ Dizia irritada.
─ Eu sei ─ Notava ele olhar ao redor ─
Onde ele está a propósito?
─ Torturando pobres almas em alguma sala.
Segue até a caixa novamente retirando mais
livros lá de dentro.
─ Ele só quer ficar no silêncio. Não posso
cantarolar, rir, interromper ele. ─ Tentava erguer
um livro, mas é pesado demais e com seu dedo
machucado fica impossível de erguê-lo.
David vai até ela retirando o livro de suas
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mãos e com uma facilidade que a deixa abismada o


coloca sobre a mesa do professor.
─ Mas afinal. O que veio fazer aqui no
Tártaro?
─ Vim trazer meu trabalho de
neuroanatomia ─ Então ela notava as folhas em
suas mãos ─ E antes que pergunte. Sim ele além de
ser professor de anatomia I, também é de
neuroanatomia, anatomia II, anatomia avançada e
fisiologia I e II.
─ Você está brincando comigo, não é?
Arregalava seus olhos para seu mais novo
amigo sem acreditar no que ouvira. Deuses da
dança nunca irei me formar.
─ Você logo se acostuma Mi e ele também
vai se acostumar com você. Acho que ele age assim
por que é acostumado a ficar sozinho.
─ Ninguém precisa ficar sozinho ─ Dizia ao
pegar um livro menor dessa vez.
─ Você tem razão, mas acho que ele não
pensa assim ─ Ele sorria gentilmente ─ Ele pode
ter esse jeito dele, mas confesso ser o melhor
professor que eu tenho. Um dia quero ser um
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médico tão bom quanto ele. Claro que se o senhor


Collins deixar.
─ Então acho melhor você ir procurando
outro emprego, por que se depender dele ficaremos
aqui no submundo eternamente.
Aquilo lhe tira um riso. David era leve e
gentil. Ficar ao seu lado era muito confortável para
ela e então novamente aquela sensação de saudade
e familiaridade toma seu corpo.
Quando todos os livros estão fora da caixa,
ela pega um e se dirige até a estante para começar a
guardar. Segurava uma edição de um atlas de
anatomia, procura por aquela sessão, vai até ela e se
estica para alcançar a prateleira acima da sua
cabeça. Mais uma vez o cavalheiro que descobria
que David era, retira o livro de sua mão e o coloca
no local correto. Com um sorriso ela o agradece e
com aquela aproximação pode sentir o cheiro um
pouco ácido, mas agradável de seu perfume.
Ergue seus olhos para ele, pois também
notara que ele era bem mais alto que ela e como
sempre seu olhar e sorriso eram gentis como tudo
nele.

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─ Eu poderia ter usado minhas habilidades


de bailarina e feito uma ponta ─ Ela brincava ─
Mas prefiro que tenha escolhido ser um cavalheiro.
─ Não sabia que era bailarina ─ Ele pega
outro livro que pertencia à mesma sessão que
ficava no alto e o coloca no lugar correto.
Como ele sabe onde colocar?
─ Sou. Cérbero já me viu dançando e ele
gostou.
─ Ele gostou? ─ Perguntava surpreso.
─ Bem. Não disse exatamente essas
palavras, mas disse que reconhece quando alguém
sabe o que faz.
─ Sinta-se lisonjeada. Ele não elogia
ninguém.
Ela pega um livro que ficava em uma sessão
mais baixa e o guarda.
─ Me sentiria lisonjeada se ele me der à
nota que mereço.
─ Pra isso precisa fazer o que ele lhe
mandar ─ Dizia em tom divertido enquanto pegava
outro livro e guardava ─ Me faça uma massagem
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senhorita O’Connor ─ Ele engrossava a voz em


uma tentativa horrível para imitar o professor.
─ Claro senhor Collins. Deseja também que
eu contabilize as almas que recolheu hoje?
Ambos caem na gargalhada.
─ Do que estão rindo?
Com um sobressalto ambos se viram em
direção à porta e notam Cérbero parado os
encarando com a sobrancelha erguida. Cessando as
risadas imediatamente.
─ Não é nada professor Collins ─ David
dizia saindo de perto dela e dando a volta na mesa
─ Trouxe o trabalho que pediu.
─ Ok ─ Ele coloca sua maleta sobre a mesa
─ Depois eu leio.
─ Espero que esteja tudo certo.
─ Veremos ─ Para absoluta surpresa dela,
pode jurar os lábios dele se erguerem de canto em
um discreto sorriso, mas fora tão rápido e quase
imperceptível o movimento que começara a
duvidar de seus olhos ─ Segunda-feira o senhor
descobre o que achei.

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─ Então vou indo nessa. Tenho que estudar


para prova de Fisiologia de segunda.
─ Vai se preparando ─ O professor o avisa.
─ Sempre ─ Com um sorriso e uma
piscadela ele segue até a porta ─ Vejo você por aí
Mi.
─ Obrigada pela ajuda David ─ Com um
aceno seu cavalheiro de armadura brilhante parte.
Para seu alivio David havia guardado todos
os livros para ela, então vai até a caixa no chão,
mas quando a ergue escuta um barulho e nota que
se esquecera de um. Ele era pequeno e fino, com
uma capa preta de veludo. Sarah tinha em mãos
uma edição de Sonhos de uma noite de verão de
William Shakespeare, que com letras douradas
intitulavam a capa.
─ Posso ver que guardou todos.
Desvia sua atenção do livro nas mãos e fita
seu professor que de costas pra ela olhava a estante
conferindo os livros que guardara.
─ Sim. Só há um problema professor. Onde
coloco esse?

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Com as mãos nos bolsos da calça social,


gira seu corpo e a encara, mas seus olhos não
permanecem nos dela por muito tempo, logo eles se
prendem ao livro em suas mãos. Seu olhar congela
e seu corpo paralisa.
─ Isso estava na caixa?
Ela confirma.
Ele permanecia no lugar, podia jurar que
estava ficando levemente ofegante.
─ Sonhos de uma noite de verão nem
sempre são sonhos. ─ Ela dizia sem pensar ao
encarar a capa novamente ─ William Shakespeare.
─ O que você disse? ─ Aquela pergunta a
faz encará-lo novamente e quando o faz vê que
agora ele também a encarava.
─ Sonhos de uma noite de verão. Minha
comédia favorita.
─ Gosto dessa também ─ Ele estende a mão
e ela lhe entrega o livro.
Ficando novamente de costas para ela, ele
segue até sua mesa, senta-se em sua cadeira,
destranca sua gaveta e antes que coloque o livro lá

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dentro e o tranque, seus olhos percorrem pela capa.


Sua testa franzida, seu maxilar tensionado, notara a
expressão daquele homem mudar, podia ver sua
armadura tremer e fraquejar.
─ Tudo bem senhor Collins?
─ Sim ─ Dizia após um pigarro, jogando o
livro dentro da gaveta com pressa.
─ Deseja que eu faça mais alguma coisa?
Ele suspira e arruma sua postura na cadeira
e olha seu relógio.
─ Não. Por hoje é só. Pode ir.
Rapidamente pegava suas coisas antes que
ele mudasse de ideia. Como se estivesse
participando de alguma maratona corre até a porta,
mas para e se vira novamente na direção dele.
─ Obrigada pelo curativo senhor Collins.
Até amanhã.
Sai pela porta e a fecha atrás de si.
Quando sai do prédio suspira aliviada.
Sobrevivera ao seu primeiro dia com aquele ser do
submundo. Encara as cores do pôr do sol no céu, a
grama verde, sente o vento bater em seu rosto, a
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sensação é que não via ou sentia tudo aquilo há


dias.
Liberdade.
Começa a caminhar e quando está na
metade do campus, sente seu celular vibrar e ao
pegá-lo e abrir a mensagem seu sorriso desaparece.
Era seu “chefe”.
Só pode ser brincadeira. Como ele tem meu
número?
Número desconhecido: Amanhã é sábado,
senhorita O’Connor.
Com o cenho franzido ela digita uma
resposta.
Mirna: Eu sei. E daí?
Número desconhecido: Você me disse “Até
amanhã”.
Revira seus olhos. Não acreditava que
mandara uma mensagem apenas para lhe corrigir.
Mirna: Como sabe meu número?
Número desconhecido: Tenho acesso a sua
ficha da universidade e ao seu histórico.

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Claro que ele tem. Pensava revirando os


olhos novamente e logo recebe outra mensagem
dele.
Número desconhecido: Não molhe seu
curativo.
Aquilo a faz rir no meio do gramado.
Aquele homem era surreal.
Mirna: Tarde demais.
Número desconhecido: Azar o seu. Não
farei outro.
Mirna: Tudo bem. Eu tenho um ótimo
professor de anatomia e ele me ensinou a fazer um
ponto falso.
Envia sua provocação e espera uma
resposta, mas depois de alguns minutos não recebe
nenhuma, então soubera que ele não iria dizer mais
nada. Fitava o celular em suas mãos e ainda não
acreditava que ele tinha seu número.
Sorrindo para a tela do aparelho, seleciona o
contato da sua última mensagem recebida e a salva
na sua agenda como “Cérbero”, o guarda na
mochila e segue seu caminho para casa.

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“O medo é que faz que não vejas, nem


ouças porque um dos efeitos do medo é turvar os
sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do
que são.”
Dom Quixote
Miguel Cervantes

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Você sabe que está realmente sozinha


quando nem mesmo encontra garotas imaginárias
para lhe fazer companhia em uma Sexta-feira à
noite. E sabe que chegou ao fundo do poço a ponto
de repensar se é uma legitima universitária, quando
até mesmo as que tenta criar estão com preguiça de
sair.
Utilizara todos os seus recursos e repassara
toda sua lista de mulheres com quem costuma se
ocupar nessas horas de “carência e tédio” que às
vezes se encontrava. Mas o fato é que todas para
quem ligara estavam de certa forma ocupadas, ou
em alguma festa para qual não estava nem um
pouco animada a se dar ao luxo de comparecer e as
outras da sua lista eram aquelas que não tinha a
menor vontade de reviver certos momentos.
Preciso fazer uma limpa nessa lista.
Pensava enquanto colocava ao seu lado no sofá seu
caderno de desenhos, onde passara a última hora
tentando buscar alguma inspiração para um modelo
inovador de blusas com golas role que tinha que
entregar até a próxima Terça-feira.
Pega seu celular da mesa de centro e entra
em sua agenda de contatos. Desliza o dedo pela tela
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descendo a lista, lendo os nomes e tentando ligá-los


aos devidos rostos, mas seu movimento para no
instante em que chega à letra M e o nome de
Maddie, a compulsiva por dedões aparece. Sem
pensar duas vezes seleciona o contado e exclui.
Descobrira que possuía muitos contatos de
garotas que já deviam ter sido retiradas há muito
tempo. Sorri satisfeita quando os apaga. Vinte e
duas mulheres deletadas no total. Então seus olhos
encaram o relógio na tela e a preocupação se instala
em seu peito. Sua amiga ainda não retornara e já
passavam das 21h30.
Agora estava completamente inquieta. Mais
cedo naquele dia, Sarah havia lhe dito que Peter a
chamara para um ensaio de última hora. Sabia que
sua amiga iria participar de um recital do “Lago dos
cisnes” oferecido pelo estúdio. Então lá estava ela
mais uma vez. Substituída.
Jogando seu corpo no encosto do sofá,
Alexia pega o controle remoto para ver se
encontrava algo deprimente e solitário para lhe
fazer companhia e enquanto estava decidindo entre
“Sexta-feira 13” e “Eu sei o que vocês fizeram no
verão passado”, escuta a tranca da porta se abrir e
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vê sua amiga entrar.


─ Nossa até que enfim. – Ela sentava
cruzando as pernas no sofá. ─ Pensei que não iria
mais voltar.
Sarah segue até ela em silêncio, joga a
mochila no chão e deixa seu corpo cair no sofá ao
seu lado, enterrando o rosto na almofada.
─ Como foi seu dia hoje? Está mais
bronzeada por causa das labaredas do Tártaro? ─
Perguntava rindo ao mesmo tempo.
Sua amiga diz algo, mas sua voz fica
abafada pela almofada.
─ Não entendi nada, Mi.
Ela virava seu rosto para ela.
─ Deixe-me pensar ─ Sarah apertava os
olhos pensando ─ Uma palavra para definir minha
tarde. Silenciosa.
Diante o silêncio de Alexia e para a
interrogação evidente em suas feições, sua amiga
continua.
─ Ele não gosta de barulho. Não posso
cantarolar, acho que sequer respirar é permitido.
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Me ouvir exalar o ar deve ser ensurdecedor.


─ Que exagero Mi.
─ Exagero? ─ Ela senta-se rapidamente
ficando frente a frente ─ Ele só sabe dar ordens.
Não posso puxar assunto e quando puxo já vem
com grosserias, na defensiva. Ele é um...─ Ela fazia
uma pausa procurando as palavras enquanto
gesticulava com as mãos freneticamente ─ Um
iceberg. Frio e rígido.
Aquilo faz Alexia rir e Sarah dá uma leve
tapa em seu joelho.
─ Pare Lexi. Estou falando sério. Sinto-me
o próprio Titanic indo em direção ao iceberg ─
Dizia irritada.
─ Mi hoje foi seu primeiro dia e já está
assim. Se não está gostando pede para sair do
estágio então.
─ Eu? Desistir e deixá-lo vencer? Jamais ─
Via sua amiga cruzar os braços diante do peito,
sabia o quanto ela era teimosa ─ Eu até que gosto
dele, mas ele é tão difícil às vezes.
Sarah adquire uma expressão pensativa se
arrumando no assento ficando na posição correta.
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─ Mi ─ Ela se aproximava passando um


braço por cima de seus ombros ─ É somente um
semestre, você tira isso de letra. Só faz o que ele
quer e fim. Estará livre.
─ Não sei se consigo ir tão longe. Acho que
o mato antes ou ele me mata.
─ Acredito mais na primeira opção ─ Dizia
em tom de brincadeira e notava um sorriso surgir
na expressão antes cansada de Sarah.
Você é tão linda. Pensava enquanto
suspirava profundamente, passando os dedos da
mão livre na lateral do rosto dela colocando uma
mecha de cabelo que se soltara de seu coque e
descendo a mesma acariciando seu braço.
─ Só queria que ele fosse um pouco mais
maleável ─ Ela lhe confessava ─ Mas para o azar
dele, teimosia é meu nome do meio.
─ Com toda certeza, mas só cuidado. Você
sabe o que aconteceu com o Titanic quando se
chocou com o iceberg.
Com um sorriso brincalhão nos lábios Sarah
a encara.
─ Se tornou um dos momentos históricos
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mais conhecidos do mundo? E em seguida um


filme com bilheteria de sucesso?!
Com os olhos semicerrados, Alexia a
repreende.
─ Não sua convencida. Ele afundou.
Sarah se levanta recolhendo suas coisas do
chão.
─ Prometo ser boazinha, Lexi. Mas se algo
acontecer sei que você dividiria sua porta comigo ─
com um sorriso radiante que fazia o coração de
Alexia amolecer quase completamente, ela começa
a subir a escada.
─ Não se esqueça de tomar seu remédio ─
Ela gritava antes que a amiga desapareça no topo
da escada.
─ Tudo bem mamãe. Só vou tomar banho
antes, estou morta de cansada.
Com isso ela escuta a porta do banheiro
bater.
Pega o controle mais uma vez, voltando sua
atenção para sua importante escolha de filme e
quando estava prestes a clicar no play para ver

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“Sexta-feira 13” alguém toca a campainha.


Com o braço esticado a sua frente
apontando o controle para a TV, seus olhos caem
sobre a porta. Não se lembrava de estar esperando
por ninguém. Então uma batida e logo uma voz
muito familiar a chama.
─ Lex. Abre logo ─ Mais uma batida.
Ryan? O que ele veio fazer aqui?
─ Oi Lex ─ Seu amigo lhe dizia quando ela
abre a porta e sem que ela convide vai entrando a
deixando plantada na entrada.
─ Ryan. O que veio fazer aqui? ─
Perguntava enquanto trancava a porta.
─ Você disse pra eu vir.
O via ir até a cozinha, abrir a geladeira e
voltar para sala com uma garrafa de água.
─ Nossa está quente lá fora ─ Dizia virando
metade da garrafa, deixando algumas gostas que
escaparam de seus lábios escorrerem pelo seu
pescoço, que involuntariamente ela seguia com os
olhos.
─ Espera. Quando eu disse isso?
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Do que ele está falando?


─ Estávamos conversando ─ Ryan pausava
para beber mais água ─ Sobre sair para correr
amanhã e você concordou.
Sim. Ela se lembrava de ter conversado com
ele sobre isso por mensagem. Ryan gostava de sair
para correr, algo que ela sempre teve vontade de
fazer, mas nunca encontrara alguém disposto a lhe
acompanhar. Então aquele assunto havia surgido
naquele dia durante o almoço, mas ela não se
lembrava de ter aceitado. Ryan queria que ela
acordasse às 4 horas da manhã em pleno sábado.
Quem em sã consciência faz isso?
Estamos falando do Ryan. Nada me
surpreenderia.
No mesmo instante vai até seu celular.
Queria tirar a prova e ver que não estava ficando
louca a ponto de não se lembrar de aceitar dormir
cinco horas a menos. Para seu alivio vira que estava
ainda em seu pleno juízo.
─ Eu não disse que aceitava ─ Virava a tela
pra ele em que as palavras “É. Talvez” que ela
digitara apareciam.

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─ Mas também não negou ─ Ele parara na


sua frente segurando a alça da mochila pendurada
em seu ombro ─ Lex, a palavra “talvez” indica que
está encima do muro. Então eu decidi escolher o
lado positivo dela.
Ele lhe dava de ombros
despreocupadamente.
─ Ryan eu não vou acordar às 4 horas da
manhã para correr.
Ele arruma a mochila no ombro.
─ E pra que essa mochila?
─ Lex é meio óbvio. Vim dormir aqui.
Afinal vamos acordar bem cedo.
─ Você vai sozinho ─ Cruzava os braços e
bate o pé no chão como uma criança birrenta.
Ryan se aproximava dela passando um
braço por cima de seus ombros. A pressão que seus
dedos fazem a paralisa e involuntariamente ela vira
a cabeça encarando os mesmo por sobre sua
camiseta.
─ Lex. Pensa comigo ─ Aproximava o rosto
de seu ouvido ─ Imagina a cena. O campus

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iluminado pela luz fraca da manhã ─ Ele estende


uma das mãos à frente apontando para cena que
descrevia como se estivesse acontecendo agora
mesmo ─ Várias estudantes com seus tops
apertados e decotados, seus shorts curtos e colados,
correndo pelas trilhas. Seios balançando com o
movimento dos passos, quase pulando para fora dos
decotes.
Conseguia imaginar perfeitamente a cena, e
só não ficava mais feliz do que geralmente ficaria,
porque aqueles dedos a apertando não permitiam
que se concentrasse. Aquele simples contato estava
a carregando para aquele momento no banheiro na
noite anterior.
Foca nos peitos!
─ Então imagina que é tipo um cardápio
vivo, diante dos seus olhos ─ Ele continuava.
─ Um cardápio vivo? ─ Ela questionava
virando o rosto alguns centímetros em sua direção.
─ Sim. Só escolher e comer ─ Sorria
maliciosamente.
─ Você é um idiota.
─ Um idiota que te levará para um banquete
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de gostosas ─ Agora ele estava parado bem na sua


frente e segurava seus ombros com ambas às mãos
─ Lex. Pensa no nosso acordo. Eu durmo aqui. Mi,
pensa que temos algo e em troca amanhã vamos,
nós dois a caça. Matamos dois coelhos de uma vez.
Encarava seus olhos. Seu rosto simétrico,
com seu maxilar quadrado, um formato perfeito de
um queixo masculino. Era nítido que não se
barbeara naquele dia, as pontas dos pelos da barba
já apontavam. Em seus lábios aquele leve sorriso de
canto desenhado, notara que sempre tinha aquele
sorriso e expressão de divertimento, nunca o vira
sério ou sem aqueles sinais típicos de Ryan Davis.
Chegara à conclusão de que era sua marca
registrada.
Soltando o ar derrotada ela suspira. Tinha
que admitir que ele tinha argumentos.
─ Várias mulheres? ─ Ela perguntava
rendida.
Então seu sorriso aumenta e ele solta um
riso triunfante.
─ Muitas, Lex. Para todos os gostos.
Com o sorriso ainda bem aberto ele começa
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a seguir em direção à escada.


─ Onde você vai?
─ Dormir. Senão não acordo às 4 horas e
você tem que fazer o mesmo ─ Subia dois degraus.
─ Nem pensar. Você não vai dormir no meu
quarto.
─ Não vou dormir no sofá que nem ontem.
Você sabe o que isso ─ Ele apontava para o móvel
─ Fez comigo? Acordei quebrado. E tive que
acordar cedo e sair correndo antes que Mi
levantasse e visse que não dormi com você.
─ É aqui ou na sua casa.
─ Não vou correr o risco de dormir aqui,
acordar cedo e você me trancar para fora do seu
quarto e me dar o bolo. Mas nem pensar.
Droga! Ela pensava insatisfeita. Ele me
conhece tão bem.
─ Não sei por que está assim. Você já viu
até parte do meu pau no banheiro, já estamos
íntimos.
Abre a boca para respondê-lo, mas decide
ficar quieta, pois aquilo a desestabilizara e a
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verdade era que as palavras simplesmente sumiram


e sentiu seu corpo a trair e seu sangue se concentrar
em suas bochechas a ruborizando. Agradeceu a
todos os santos existentes pelo fato de nesse
momento ele virar de costas e continuar a subir os
degraus, não vendo aquela cena ridícula por parte
dela.
Pare de pensar no pênis dele. É apenas um
pênis, pelo amor de Deus.
─ Então deixa de frescura, Lex ─ Escutava
sua voz lá do topo da escada.
Pega o controle e desliga a TV, não era
naquela noite que passaria com seu querido Jason.
Apaga as luzes do andar de baixo e segue sua
companhia irritante até seu quarto.
Calma! Apenas relaxe. Ele só está tirando a
camiseta.
Paralisada ao lado da sua cama de casal,
Lexi fitava sua companhia jogar a mochila na
cadeira de sua escrivaninha e sem mais nem menos
começar a tirar a camiseta e jogá-la como se
estivesse no próprio quarto.
─ Espero que esteja tirando a roupa para
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colocar um pijama ─ Dizia ela incrédula com a


cena que via.
Ótimo. Agora ele está arrancando a calça.
─ Eu vou dormir e faço isso de cueca.
Ryan ia até a lateral da cama oposto ao dela,
ficando de frente e apoiando as mãos na cintura.
Então vislumbra seu físico. Ela tinha que admitir,
era bem bonito. Pela lisa, sem pelos e músculos
desenhados pelo seu peitoral e abdômen, mas tudo
na medida certa, sem exageros. Não possuía um
físico extremamente forte, mas o suficiente para se
tornar convidativo ao toque.
─ Você não está na sua casa ─ Ela cruzava
os braços.
Ele afasta o lençol da cama dela e deita logo
em seguida, colocando os braços atrás da cabeça,
relaxando.
─ Vai ficar parada aí Lex? ─ Batia a mão ao
seu lado da cama vazia ─ Fique à vontade.
Pronto. Lá estava aquele sorriso novamente.
À vontade? Um sorriso que muitos
descreveriam como sendo maligno se estende. Eu

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vou ficar à vontade. Quer brincar? Então vamos.


Agora era a vez dela de provocá-lo. Segue
para frente da cama e de costas pra ele começa a
arrancar a camiseta e o short, tudo com
movimentos lentamente calculados.
─ Lex ─ Ela o encarava por cima do ombro
─ Você pode ser gay, mas eu não sou.
Desprende seu olhar da figura deitada na
cama e sorri triunfante. Sabia que atingira seu
objetivo. Passa os polegares pelo elástico da
calcinha a arrumando. Exibia sua lingerie branca de
renda.
─ Não me leve a mal, mas você é muito
gostosa.
Sem lhe dizer nada ela segue até a cama e
se deita ao seu lado.
─ Seu lado ─ Ela apontava para onde ele
estava deitado, enquanto se cobria ─ Meu lado.
Imóveis na cama ambos fitavam o teto.
Alguns minutos se passam e eles se mantêm dessa
maneira e quando começa a relaxar seu corpo e a
fechar suas pálpebras, se sobressalta com a voz dele
cortando o ar do quarto escuro, apenas levemente
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iluminado pela luz da lua que entrava pela janela


descoberta.
─ Já dividiu a cama com outro homem
antes?
─ Você diz sexo? ─ Antes que ele
responda, ela continua ─ Não. Na verdade, nunca
fiz nada com homem antes, nem mesmo beijar.
─ Você nunca beijou um homem? ─
Perguntava ele surpreso e mesmo sem olhar pra ele
sabia que tinha toda a atenção voltada para seu
rosto.
Remexe-se um pouco desconfortável na
cama puxando mais o lençol para si, cobrindo seu
colo totalmente. Não queria falar sobre aquilo, pois
não queria pensar em outros caras, mais
especificamente sobre Trevor.
─ Boa noite, Ryan ─ Dizia ignorando sua
pergunta.
Vira-se de lado ficando de costas pra ele.
Conhecendo Ryan como conhecia, sabia que ele
notara ter tocado em um ponto que ela considerava
ser sensível.
─ Quer fazer alguns barulhos para ela
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pensar que estamos transando?


─ Claro. Estava pensando em algo como.
Nossa Ryan. Já acabou? ─ Dizia com falso espanto.
─ Muito engraçado. Na verdade, estava
pensando em algo do tipo. Nossa Ryan. Acho que
isso tudo não vai caber.
Então ela não se aguenta e desata a rir.
Deitando-se de frente novamente, segurava a
barriga enquanto praticamente se encolhia na cama.
Sem perceber estava deitando sua cabeça sobre o
ombro dele. Ele se juntara às gargalhadas.
O cheiro dele era almiscarado por causa de
seu perfume masculino. Esse que penetra suas
narinas a embriagando. Estar assim tão próxima
dele era novo. Sentir a textura da pele de seu ombro
em sua bochecha também. Sentir seu cheiro era
inebriante. Notar a mudança de temperatura do
quarto era inevitável.
Logo os dedos dele que antes descansavam
atrás de sua cabeça, tocavam e excitavam a pele do
braço, que ela nem percebera, estava atravessado
sobre seu abdômen, o envolvendo.
Sabia muito bem o que estava sentindo.
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Conhecia o nome daquilo. Concordava que ele a


estava afetando. Reconhecia que Ryan Davis a
excitava e estava fervendo seu sangue com a
expectativa dele tomar uma iniciativa. Mas era
teimosa demais para assumir isso aos quatro cantos
do mundo.
Prometera a si mesma há anos que não se
deixaria levar novamente por essa lábia que eles
tinham. Por esse poder quase que sobrenatural que
exerciam sobre os corpos femininos. Decidira há
tempos que não se deixaria enganar, pois se os
homens são todos iguais então pra que arriscar e se
machucar novamente?
Mas Ryan estava levando sua mente a
loucura e balançando aos poucos os pilares
convictos que ela aderira e construíra para sua vida.
Sente a mão livre dele envolver suas costas,
a arrepiando mais. Então escuta a porta de seu
quarto se abrir, pegando ambos de surpresa. Sabia
muito bem quem estava prestes a vê-los e tudo o
que conseguira pensar eram nas palavras “FINJA.
FINJA” que berravam em sua mente. Tudo o que
conseguira fazer fora se levantar e se colocar
encima dele com uma perna de cada lado do seu
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quadril. Agora ela estava “montada” nele.


No mesmo instante em que se posiciona
sobre ele a porta se abre totalmente e a luz do
corredor ilumina os dois, que viram seus rostos
para figura parada no vão.
─ Lexi, você viu meus reméd... ─ Sua
amiga para a frase na metade e arregala os olhos
para cena ─ Ai meu Deus! ─ Praticamente gritava
─ Me desculpe, me desculpe ─ Colocava a mão na
frente dos olhos ─ Não sabia que você estava com
o Ryan.
─ Tudo bem, Mi ─ Alexia tenta soar
naturalmente ─ Ainda não fizemos nada.
─ Ah... Ah... ─ Sua amiga gaguejava ─
Sério gente. Foi mal ─ Pegava a maçaneta e
começa a fechar a porta.
─ Vi a caixa de remédios na cozinha. Quer
que eu pegue pra você?
─ Não! ─ Ela gritava ─ Não precisa. Eu
mesma faço isso. Divirtam-se ─ Dizia por uma
pequena fresta da porta a fechando logo em
seguida.
─ Nossa. Acho que agora ela realmente
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pensa que temos algo ─ Dizia ela com os olhos


ainda na porta.
Mas para sua total surpresa não escutava
nenhum comentário irônico ou provocativo da parte
de Ryan. Na verdade, nota que ele não se
manifestara desde o momento que sentara em seu
colo. Quando vira o rosto em sua direção encontra
um par de olhos brilhantes e estáticos a encarando.
Quando eles se encontram sente seu corpo
fraquejar. Estava mais uma vez naquela noite tendo
uma experiência diferente. Quando abre a boca
para perguntar o que havia acontecido, tem seu
movimento interrompido por ele, pois agora ele
estava sentado na cama com ela ainda em seu colo,
a envolvendo com ambos os braços e com seus
rostos bem próximos.
No meio de suas pernas sente algo rígido a
pressionar e isso faz com que um calor se alastre
pelo seu corpo, irradiando daquele local a deixando
úmida.
─ Me diz que o que estou sentindo não é o
que estou pensando.
─ Depende. O que está sentindo?

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Ela se remexe em seu colo e se surpreende


que esse movimento a deixara mais úmida,
deixando escapar um gemido baixo de abalo.
─ Não me culpe. Tem uma mulher muito
gostosa de lingerie sentada no meu colo.
─ Pode me soltar agora. A Mi já foi ─ Dizia
com um pouco de relutância.
O hálito quente e mentolado dele bate em
seus lábios que nem notara estarem entreabertos.
─ Como sabe que não gosta de homens se
nunca nem beijou um?
─ Sempre fui muito bem resolvida com
isso.
Conteve-se para não revirar os olhos com a
mentira parcial que contara.
─ Não concordo. Se fosse, não fingiria ser
hétero.
Elementar meu caro Watson!
─ Apenas não me sinto totalmente pronta
para assumir.
Sente os braços dele a apertarem mais de
encontro ao seu corpo a deixando ofegante.
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─ Você... ─ Ela pigarreava ─ Sabe que eu


não sinto nada, não é?
Segunda mentira.
Ele ignorando sua pergunta gira seu corpo a
deitando do seu lado da cama, encaixado entre suas
pernas ficando sobre ela.
─ Ryan ─ Seu nome escapava de seus
lábios como um sussurro.
A expressão corporal dele indicava que ele
a beijaria, a deixando nervosa. Sentia suas mãos
firmes em sua cintura e podia ver a nítida vontade
queimar nos olhos dele.
Ok. Se ele me beijar e daí? Mais nada vai
acontecer. Certo? Errado!
Quando estava quase aceitando que talvez,
eu disse talvez, ela quisesse ser beijada por ele,
Ryan toma uma atitude que lhe causa espanto. Ele
se inclina mais aproximando seus lábios e os
direcionando para seu ouvido.
─ Boa noite, Lex.
Dizia beijando aquela região ao lado da
orelha, saindo do meio de suas pernas e voltando a

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posição original do lado da cama que ela marcara


como sendo a dele.
Perplexa era como ela se encontrava. Não
acreditava que havia sido feito de idiota por ele,
pois sabia que ele vira o quanto a afetara. Ela caíra
feito uma garotinha virgem em suas teias.
“Você que vai me beijar”. A voz dele
ressoava em sua mente repetindo o que ele lhe
dissera na noite anterior. Mas nem morta. Pensava
com teimosia.
─ Já te aviso que amanhã de manhã terei
que bater uma. Então se não quiser ver essa cena,
sugiro que me espere sair do banheiro.
Sente as molas do colchão de mexerem
indicando que ele virava de lado ficando de costas
pra ela.
─ Boa noite, Lex.
Ai, minha santa Chanel. Por que sinto que
não dormirei bem hoje? Pensava encarando o
teto.

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“Não caçoarei do senhor por isso, o que é


uma pena, pois adoro rir.”
Orgulho e preconceito
Jane Austen

Luto, do latim “lucto”. É um sentimento


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profundo de tristeza e pesar pela morte de alguém.


Para Sarah havia outra definição que deveria ser
acrescentada na lista. Solidão.
Apesar de adorar os fins de semana aquele
em específico ela não queria vivenciar. 03 de
outubro, um domingo de outono qualquer para
muitos, mas uma data importante de dias passados.
Era o aniversário “dele”, o dono de seus sonhos e
pesadelos diários, ou seria se ele não tivesse
partido.
Sarah tentou deixar sua mente ocupada
durante aquele tortuoso final de semana. Ensaiou
em seu pequeno estúdio que tinha no apartamento,
uma sala que elas adaptaram para que Sarah
pudesse usar. Tentou ler, mas nem Shakespeare ou
Jane Austen estavam ajudando, então partiu para os
documentários sobre a vida selvagem, que gostava
de assistir e que estava ficando meio viciada e no
fim da tarde participou dos testes para o recital que
o estúdio estava produzindo, o resultado sairia
ainda naquela semana.
Fazia de tudo para que sua mente
acreditasse que era apenas mais um dia comum,
mas ainda assim nada tirava da cabeça que mais
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uma vez passaria por aquela data sozinha. Sem


bolos, sem café da manhã na cama e sem ela o
acordar usando um chapéu de aniversário esquisito
e cantando “Parabéns para você”.
Quando permitia se deixar ser preenchida
pelas lembranças daquele dia, tudo o que ela queria
era se trancar em seu quarto, deitar em sua cama e
chorar. Pois a saudade era tão grande que já não
cabia mais em seu coração e às vezes era difícil
segurá-la e impedir que escorresse por seus olhos.
Mesmo nós sabendo que um dia o fim para todos
chegará ninguém nunca está preparado para perder
alguém.
Claro que Alexia não a deixou sozinha
durante os dois dias. Ela havia dado várias
desculpas a Ryan para ficar com Sarah a
consolando, abraçando e até mesmo forçando ela a
comer algo. Quando acordava de madrugada
chorando Alexia a abraçava fortemente enquanto
murmurava que tudo ia passar. Datas como aquelas
eram difíceis, pois sentia que estava caindo no
abismo que era a tristeza, como havia sido no
começo.
Às cinco da manhã de segunda-feira algo
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não muito bom acontece. Ela acorda com uma forte


dor em seu peito. Seu coração parecia bater
fortemente e em seu nariz uma linha de um líquido
avermelhado pintava sua pele sobre os lábios, esses
que possuíam uma coloração fraca de roxo e
chamavam por sua amiga que havia dormido ao seu
lado. Alexia acordara aos poucos, mas quando
notou o estado de Sarah levantou-se em um
sobressalto com semblante preocupado. Ajudara a
se trocar e a levara até seu cardiologista, Doutor
Riveras.
Tinha o que ele diagnosticara como início
de retenção de líquido resultante da falta de seus
remédios. Não o tomava há três dias e devido ao
seu estado Alexia também havia se esquecido de
lembrá-la. Mas isso não a poupou de uma bela
bronca. Notava o rosto dele adquirir uma expressão
preocupante e isso fez com que ela prometesse
tomar cuidado e que isso não iria mais se repetir.
Então lhe solicitara alguns exames.
─ O que faria se te perdesse? – Escutava
sua amiga dizer enquanto a abraçava fortemente na
saída do consultório.
Não estava bem para ir à aula, escolheu ir
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para casa e tentar repousar e se recuperar para a


tarde ir ao seu estágio, não havia como fugir disso,
não queria dar mais motivos para seu professor
reprová-la.
Mas assim que se deitara em sua cama,
percebera que não havia sido uma ideia muito boa,
pois não havia nada para distraí-la. Nada para
impedir que a saudade, que sempre estava à
espreita, a todo instante a invadir com lembranças
de três anos atrás, mas tão nítidas como se
houvesse acabado de vivenciar. Ela quase podia
ouvir a voz brincalhona dele enquanto a envolvia
em seus braços e ria de seu chapéu.
─ Nem com esse chapéu ridículo você
consegue deixar de ser linda, minha bailarina.
Rolava na cama, tentava pensar em algo que
não fosse Gael. Impossível. Seus sorrisos, seus
beijos, suas caricias em locais que somente ele
sabia onde tocar e que deixavam sua pele arrepiada.
Seu cérebro revivia aquilo várias e várias vezes a
torturando.
No estágio, se manteve em incomum
silêncio e acreditava que aquilo agradara seu
professor. Sua postura, sua voz e até mesmo sua
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energia que geralmente faiscava estava apagada,


como em um blackout ela estava no escuro.
O silêncio perdurou durante toda uma tarde.
Era cortado somente por ordens ditas por ele, que
não havia percebido a escuridão em que ela estava
mergulhada ou se percebera preferiu ficar em
silêncio quanto a isso. No final, para não perder o
costume, ele a advertira sobre faltas em suas aulas e
lhe entregou uma folha contendo o conteúdo do
trabalho que ele dera.
Como alguém pode ser tão frio assim? O
que aconteceu com ele? Pensava enquanto o
encarava com a folha que lhe dera em mãos. Só
queria que aquele dia terminasse.
Vai melhorar. Tudo logo vai passar. Dizia a
si mesma indo para casa.

Para sua completa felicidade, dois dias


depois amanhecera muito melhor. Estava mais
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relaxada e animada, sentia que sua energia voltara,


como se tivesse sido recarregada. Era a Sarah
novamente. Seu sorriso voltara e sua chama se
acendera e para melhorar ainda mais seu ânimo,
recebera uma ótima notícia por uma mensagem que
Peter havia lhe enviado.
Na faculdade não fora diferente. Participara
mais ativamente das aulas e se mantinha
concentrada nas palavras e ensinamentos que seus
professores davam.
Faltando quinze minutos para começar o
estágio, caminhava pelo campus indo em direção a
cafeteria e encontra seu amigo Ryan próximo a
porta em pé folheando um livro. Aproxima-se por
trás e o abraça.
─ Ryan! – O apertava enquanto o mesmo
tem um sobressalto.
─ Nossa que animação em me ver é essa?
─ Adivinha quem foi escalada para Odete
no recital que o estúdio está produzindo?!
─ Tá brincando? – Ela o via arregalar seus
olhos azuis – Você conseguiu?!
Ela confirma com a cabeça ficando de
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frente para ele e ele a abraça forte.


─ Parabéns Mi, eu sabia que ia conseguir.
Nossa, estou muito orgulhoso.
─ Obrigada! E você e a Lexi como está indo
as coisas? ─ Dizia o soltando e fitando seus olhos.
─ Estamos bem, mas você sabe que não
temos nada sério né?
─ Não parece. Ela fala o tempo todo de
você.
─ Ela fala? – Notava no rosto de seu amigo
uma expressão de... dúvida?
─ Ryan isso, Ryan aquilo – Ela colocava as
mãos em sua cintura dramaticamente em uma
tentativa nada boa de imitação – Será que essa
roupa ficou boa ou está patricinha demais?! – Ela
tentava imitar os movimentos de Alexia – Não a
vejo tão animada assim já faz um tempo, então vê
se não estraga tudo. – O advertia.
Um largo sorriso se estende por suas
feições.
─ Eu gosto bastante dela – O vê passar as
mãos por seus cabelos desgrenhados e enxerga de

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relance as horas em seu relógio de pulso.


─ Droga eu preciso ir. Cérbero está me
esperando.
─ Não sei como você consegue.
─ É fácil. Eu me imagino em um lugar
cheio de livros fora de ordem alfabética e folhas
com erros ortográficos, então eu o torturo enquanto
ele está amarrado e amordaçado – Ambos riem –
Agora tenho que ir não posso me atrasar e ainda
preciso comprar um café – Beija o rosto de seu
amigo em despedida e se afasta.
A passos largos se encaminha até o prédio
de Ciências Médicas com um café extraforte em
mãos. Chega à porta do escritório e entra
animadamente.
─ Bom dia senhor Collins – Dizia enquanto
o pega analisando alguns papéis.
Como sempre ele estava vestido
impecavelmente com sua camisa branca social,
colete preto, as mangas da camisa estavam
dobradas perfeitamente até a altura de seus
cotovelos e seus olhos de gelo voltados às enormes
pilhas de papéis em sua mesa. Tudo devidamente
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organizado.
─ Pelo jeito voltou ao normal, O’Connor –
Ele a observava colocar sua bolsa sobre a mesa no
canto. Então fora a vez de ela franzir a testa.
Então ele percebeu que eu estava estranha.
Sorrindo se virava em sua direção.
─ Trouxe uma coisa para o senhor – Os
olhos dele agora a fitavam de forma analítica.
Desde que havia começado a conviver com
ele, notara certas manias que possuía, como por
exemplo, sua pasta sempre ficava ao seu lado
esquerdo para fácil acesso quando saísse para dar
aulas, o jaleco que usava ficava ao lado direito
sempre no mesmo cabineiro e todas as tardes
tomava um copo quente de café. Não sabia ao certo
do que ele gostava. Descafeinado, puro, com
açúcar, com leite. Então optou por aquilo que para
ela mais condizia com sua personalidade, café
extraforte.
Ela estende em sua direção o copo de
plástico com a bebida quente que havia comprado.
─ Por quê? – Ele encarava o copo a sua
frente.
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─ Sempre o vejo tomar e achei que iria


gostar, afinal como o senhor mesmo disse sou sua
assistente e é minha obrigação trazer seu café caso
queira.
Pelo seu olhar desconfiado, sabia que não
acreditara.
─ Na verdade trouxe por que quero uma
nota maior ─ Dizia o provocando.
─ Bajulação não lhe trará uma nota maior.
─ Não é bajulação. Pensei que iria querer
um. Então apenas beba.
Sorrindo coloca o que havia comprado
sobre sua mesa e caminha até a dela para então
conferir os horários na agenda dele, senta-se em sua
cadeira e liga seu notebook.
Com o canto de olho o vê hesitar por alguns
instantes antes de pegar o copo e levar aos seus
lábios. O olhar dele era um tanto intrigante, parecia
que ele tentava entender os porquês, mas Sarah
havia sido apenas gentil não havia mistério nisso.
Como alguém pode desconfiar até mesmo de uma
gentileza?
Ainda ingerindo seu café volta novamente
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seus olhos aos papéis a sua frente. Com uma caneta


vermelha o vê rabiscá-los, então soube do que se
tratava. Ele estava corrigindo provas ou trabalhos
de seus alunos.
Pobres almas. Pensava tentando conter seu
sorriso. Apoiando o queixo nas mãos, ela o
observava. Com uma concentração admirável e
com uma precisão e certeza ele escrevia. Sentia
seus olhos presos sobre ele, como se ele a tivesse
colocado sob algum feitiço. Havia tantas dúvidas,
tantas coisas que queria perguntar a ele. Queria
conhecer melhor aquele homem, saber seus
motivos, até mesmo coisas simples como a sua cor
favorita. Sentia uma atração por ele que não sabia
descrever. Queria apenas uma chance, uma única
que fosse, ou talvez uma permissão para escalar a
muralha e vislumbrar o outro lado.
Agora ele franzia a testa, o movimento de
seus olhos acompanhava as linhas do papel, seu
maxilar flexionado e seu peito que subia e descia
embaixo o tecido da camisa. Então uma lâmpada se
acende em sua mente. Se queria saber mais sobre
ele, então por que não começar a contar sobre si
primeiro?

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Porque não consigo parar de encará-lo?


Pare, vamos pare agora mesmo!
─ Quer saber de uma novidade? – Ela tossia
para disfarçar seu pequeno abalo momentâneo.
─ Você irá conter mesmo se disser não –
Ele não a encarava e ela achava até melhor, pois
assim não notaria suas faces levemente vermelhas.
─ Verdade, eu vou – Sorrindo ela sai de seu
lugar e senta-se na cadeira vaga a sua frente. – Fui
selecionada para ser a Odete em o Lago dos cisnes.
─ Hum... E isso é bom?
─ Tá brincando? Lago dos cisnes? Opera
clássica?! Isso é maravilhoso. – Se levantava não
conseguindo conter o entusiasmo. Depois de tanto
tempo estaria em um palco novamente – Só os
melhores bailarinos são selecionados e eu peguei o
papel principal, pena que a história tenha um final
tão triste – Começava a cantarolar baixinho a
música tema principal da ópera.
─ E por que está compartilhando isso
comigo?
─ Não é obvio?

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─ Se fosse não estaria perguntando.


Grosso.
─ Por que eu gosto do senhor. Então resolvi
contar.
─ Então eu estava certo esse tempo todo.
─ Sobre o que? – O via pegar uma segunda
pilha de folhas enquanto conversava.
─ Você é doida.
─ Eu? Por quê? ─ Ria brevemente de seu
comentário.
─ Por que ninguém gosta de mim, nem
mesmo eu.
─ Eu gosto – Dizia animada – Quer dizer o
senhor é o melhor professor daqui apesar de ser
mal-humorado. Enfim não acho justo dizer com
tanta convicção que não gostam do senhor. É como
quando dizem que a dança é apenas um
passatempo, mas eu tenho uma opinião diferente. Já
dizia William Shakespeare: os homens de poucas
palavras são os melhores. Eu particularmente acho
o seu silêncio intrigante.
─ A senhorita não me conhece. – Dizia com
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sua costumeira rigidez.


─ O senhor tem razão eu não o conheço,
mas seus olhos dizem muita coisa professor.
Realmente diziam, eles escondiam muito
mais do que ele deixava transparecer. Diante o
comentário dela ele fica em silêncio.
─ Eu preciso limpar sua estante – Ela se
vira ficando de costas sobre o seu olhar indagador.
Ela começa a retirar as caixas de arquivos
da enorme estante para poder passar um pano e
remover a fina camada de poeira. Tirava uma por
uma, começando claro pelas da parte de baixo.
Sabia que o que retirasse teria que ser devolvido ao
mesmo lugar, aprendera que para ele erros como
esses eram incabíveis então tentava ao máximo
deixar tudo ao seu gosto. Sem que perceba ela
começa a cantarolar.
─ Pode parar com isso?
─ Com o que?
─ Cantarolar. Não consigo me concentrar
quando faz isso.
Revirando seus olhos ela em silêncio

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continua seus afazeres. A estante dele era alta e se


estendia por toda a parede. Nem se tentasse
conseguiria pegar as caixas a duas prateleiras acima
de sua cabeça. Ao olhar para o lado em busca de
algo para auxiliá-la, vai até sua mesa e pega sua
própria cadeira e com sua ajuda tenta alcançar a
última caixa.
─ O que está fazendo? – O vê perceber seus
inúteis esforços enquanto esticava todo seu corpo.
─ Estou tentando... – Ela se estica um
pouco mais ficando na ponta dos pés – Tentando
limpar sua estante. Porque coloca tudo tão alto? –
Ela bufava.
Sem que perceba seu professor para ao seu
lado e pega aquilo que ela visivelmente falhara em
fazer.
─ Por que eu alcanço ─ Lhe estendia a
caixa.
─ Obrigada – O agradece logo em seguida
fazendo um movimento para descer de onde estava.
Ao fazê-lo se desequilibra e acaba
tropeçando em seus próprios pés indo na direção
em que ele estava e caindo em seus braços. Se ele
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não estivesse ali teria caído com tudo no chão.


Ele a segurava pela cintura e pela primeira
vez Sarah sentiu suas enormes mãos e a pressão
que seus dedos faziam para agarrá-la. Estavam tão
próximos que ela pode jurar que o vira inalar o
cheiro de seus cabelos. Seu professor a segurava
sem jeito enquanto sua cabeça repousava no
peitoral firme que ele possuía.
Sentia os músculos fortes de seus braços a
envolverem enquanto a segurava melhor. Os
músculos dele se retraem quando ela toca seu braço
como se pudesse queimá-lo. Então a eletricidade
que sentiu a segurar sua mão pela primeira vez
ressurge. Só que dessa vez mais forte e intensa. Ao
erguer seus olhos encontra suas íris azuis
penetrantes. Ela respira ofegante inalando o cheiro
do perfume amadeirado que ele usava, a mandíbula
dele flexiona e ela o sente a puxar para mais perto.
Sem controlar seus impulsos ela aperta seus braços
como um pedido silencioso para que ele não a
soltasse.
Por alguns segundos sentiu os pequenos
vestígios da dor que ainda restava em suas veias se
dissipar e pode notar relances de algo diferente nos
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olhos dele, estavam se suavizando, viu sua


armadura tremer e toda aquela grosseria e rigidez
estavam dando lugar para algo bom.
As mãos dele estavam apoiadas em suas
costas enquanto arrumava sua postura a colocando
em pé no chão. Ela não conseguia se afastar. Seus
corpos ainda próximos e a energia que ele
transmitia para ela era tão forte que mais parecia
que ele era um grande imã e ela um objeto de
metal.
Ela não conseguia se mover e por alguma
razão da qual ficara curiosa, ele também não se
mexia, os olhos de ambos presos em um contato
intenso. Sentia que seus olhos podiam lê-la, a
despindo de toda e qualquer máscara que ousasse
usar.
Seus olhos dizem tanto e ao mesmo tempo
nada. Sabia que aquele tipo de contato não era o
certo e sabia que ele também concordava com ela,
mas ainda assim ali estavam eles próximos um do
outro incapaz de se afastarem.
Ele não se parecia em nada naquele
momento com o professor que ela conhecia,
Cérbero parecia ter sumido dando lugar a um
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homem do qual Sarah tinha a absoluta certeza de


que adoraria conhecer. Como em “O médico e o
monstro”, mas quem seria ele ali na sua frente?
Jekyll ou Hyde?
Sua consciência gritava, mas seu toque a
ensurdecia de tal forma que suas pernas pareciam
presas ao chão. Aos poucos a razão vai clareando
suas ideias e sua mente tem um estalo a fazendo se
afastar se desprendendo de seus braços, cortando a
estática.
Sarah o vê dar alguns passos relutantes para
trás, então ambos se sentam sem dizer nada cada
um em sua mesa.
Ela começa a ler seus horários e e-mails,
mas a todo o momento seu corpo a traía e seus
olhos iam em direção a ele que terminava de tomar
seu café e voltara a analisar as folhas, seu pomo de
adão subia e descia enquanto a bebida passava pela
sua garganta. Ela acompanhava cada movimento
com seus olhos, os mesmos descem por seu corpo
parando em suas enormes mãos. Essas que a pouco
sentira se apertarem em sua cintura.
Não conseguia controlar as imagens que se
formavam em sua cabeça. As mãos dele deslizando
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por seu corpo, tocando e apertando em lugares que


a faziam gemer de satisfação. Sua face queimava,
ela podia sentir e mesmo aquele sendo um dia um
pouco mais frio, um calor irradiava dela fazendo-a
suar. Suas mãos vão parar atrás de sua nuca
enquanto ainda o encarava, secando a linha fina de
suor que se formava e só então ela percebe que está
tremendo?!
Porque estou tremendo?
A resposta estava bem a sua frente, inquieta
ela se remexe na cadeira. Todo seu corpo tremia e
uma determinada região dela clamava por atenção,
mas não por qualquer atenção e sim a de alguém
em especial, que aparentemente estava usando toda
carga da caneta vermelha no mesmo trabalho.
Mordendo seus lábios ela fecha seus olhos
tentando dissipar tais ideias absurdas que sua mente
formava, mas aquilo só faz com que uma imagem
surja. Ele a colocava sentada em sua mesa sorrindo
para ela maliciosamente enquanto se encaixava no
meio de suas pernas, erguendo seu vestido e
acariciando a parte interna de suas coxas. Um
gemido rouco escapa de seus lábios. Ela segura
com força as bordas da mesa de madeira desviando
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seu olhar para parede.


Sua mente se mostrando muito criativa para
momentos eróticos e proibidos, agora imaginava ao
encarar a parede de cor branca, ele a pressionando
contra a mesma enquanto suas pernas envolviam
seu quadril, em sua cabeça seu professor a despia
tomando todo cuidado para que cada parte de sua
pele recebesse a devia atenção. E ela? Bom ela
abria sua camisa deixando a mostra os pelos em seu
peito e sua língua brincava com eles.
Cérebro idiota! Cérbero idiota! NÃO!
CERBERO NÃO! Pare de pensar, pare!
Ela jamais havia sentido o que sentia agora,
não com tanta intensidade.
─ Você está bem senhorita O’Connor?
Parece que está passando mal.
Ela tem um sobressalto ao ouvir sua voz.
Estava tão imersa em pensamentos que não notara
que ele a observava.
Merda, se você soubesse professor.
─ Eu... Eu... Estou... Estou bem – Sua voz
saia um pouco esganiçada e ela tosse algumas
vezes sem conseguir olhar para ele.
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─ Tem certeza? Suas faces estão


avermelhadas e você parece suar
consideravelmente, posso medir sua pressão se me
permitir.
A simples menção e a imagem dele próximo
dela novamente lhe tocando faz seu coração dar um
pulo e ela nega mais depressa do que deveria.
─ Na verdade se me der licença eu vou...
Vou ao banheiro senhor... Senhor Collins.
Levanta-se rapidamente da cadeira quase a
derrubando.
Pelo amor dos deuses da dança, controle-
se!
Entrava correndo no banheiro, agradecendo
aos céus por estar vazio. Sarah encara seu rosto no
reflexo do espelho, sua face estava corada e ela
havia arrancado um pouco de pele morta de seus
lábios. Inspira e respira vagarosamente com seus
olhos fechados. A base de suas costas ainda
formigava e ela se perguntava se ele também fora
afetado da mesma forma que ela.
Que besteira, claro que não!
Mas ainda assim imaginar seu toque, suas
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caricias fora algo inusitado para Sarah e mesmo


agora ela ainda podia sentir, como se ele ainda a
tocasse e a segurasse. A reação repentina que seu
corpo tivera ao recebê-lo era para ela algo fora do
comum. Algo de uma estática nunca antes sentida.
─ Ok! Você apenas está carente. É somente
isso, nada mais. ─ Tentava controlar sua respiração
─ Sim seu professor é gostoso, mas isso não
justifica ficar fantasiando com ele por ai ─
Segurava as bordas da pia com força.
Mas como seria se ele... Mais uma vez não
consegue se controlar. Ele encarava seu reflexo no
espelho colando seu corpo junto ao dela e com sua
boca bem próxima do seu ouvido a chamava pelo
seu nome com sua voz rouca e sotaque carregado.
Seus olhos queimando em uma chama azul de puro
êxtase, misturados as chamas dos olhos castanhos
dela. Pode escutar claramente sua voz dizer:
─ Gosto de ouvir você gemer assim
O’Connor, gosto de ver seu rosto quando está
excitada. Se prometer ser boazinha eu irei pegar o
que quero e te dar o que tanto você deseja.
─ Sim senhor Collins – Sua voz escapava
de seus lábios, mas quando olha novamente para a
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imagem no espelho, está sozinha no banheiro.


Arregala seus olhos. Não acreditava que
tinha fantasiado com seu professor, o homem em
que não media grosserias e a tratava de forma rude.
Não conseguia nem pensar que acabara fazer
aquela cena em seu escritório e ainda gemido na
frente dele.
Nossa, eu realmente preciso aliviar a
tensão.
Balança sua cabeça ruidosamente afastando
tais pensamentos. Abre a torneira e joga uma
considerável quantidade de água fria em seu rosto
várias vezes.
Qual será o nome dele? Se pega pensando
que não tinha um nome para dá-lo além de Cérbero
ou senhor Collins. Argh. Pelo amor de Deus.
ESQUECE ESSE CARA.
Joga mais água e esfrega seu rosto. Após
um tempo já se sentindo melhor ela retorna ao
escritório.
─ Sua aparência está melhor – O escutava
dizer assim que entra.
─ Só precisava de um pouco de ar – Sorria
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sem jeito. – Precisa de mais alguma coisa?


─ Por ora não.
─ Então o que eu faço?
─ Poderia começar a estudar para minha
prova. Sei que ainda será daqui um mês, mas sugiro
que comece já. Dado ao seu desempenho na
anterior.
Suspirando fortemente vai até sua mesa,
pisando firme e tirando de sua bolsa seu livro de
anatomia.
─ Obrigada pelas palavras encorajadoras –
Dizia enquanto folheava o mesmo parando no
capítulo de sistema vascular.
─ Sempre que quiser.
─ Quer ouvir uma coisa engraçada? – Lhe
perguntava.
Ele apenas dá de ombros.
─ O coração é um órgão interessante. Certa
vez perguntaram a um paciente de um hospital o
que se fazer quando se sente dor no coração e ele
respondeu apagar a luz. Sabe por quê? – Faz uma
pausa dramática esperando-o responder, mas ele
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não o faz – Por que o que os olhos não veem o


coração não sente. – Então Sarah começa a rir.
Ele encosta-se a sua cadeira e a encara
arqueando levemente a sobrancelha.
─ Isso era uma tentativa de piada?
Ela suspira.
─ Esqueci que o senhor não tem senso de
humor. – Voltava a atenção para seu livro.
─ O segredo é como contar e esse talento,
sinto lhe informar, a senhorita não tem. E saiba
O’Connor que tenho senso de humor ele só não é
muito apreciado, as pessoas o chamam de
sarcasmo.
─ Sério? O senhor com senso de humor? –
Ela não o fitava – O senhor é muito contido aposto
que seu primeiro nome deve ser algo chato como
Charles ou James, claro que seguido de algo como,
terceiro.
─ Você não sabe o meu nome? ─ Sua
sobrancelha subia um pouco mais ─ Não se fazem
mais assistentes como antigamente.
─ Por que eu saberia? Nunca me disse.

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─ Bem. Por que você guarda meus


documentos, tem acesso ao meu e-mail ─ Ele
enumerava com os dedos ─ Por que tem ele escrito
na porta ─ Ela o interrompia.
─ Ok. Tudo bem. Eu confesso nunca ter
reparado. Agora me diz se eu acertei.
─ Sinto muito desapontá-la, mas está
errada, mas com isso já deve estar acostumada.
─ E aí está ele ─ Fechava seu livro, pois
estava se entretendo com outro assunto ─ O
sarcasmo, ou como disse seu senso de humor. Se
tem uma piada melhor então, por favor, conte.
─ Não sou de contar piadas.
─ Claro que não.
Só gosta de estragá-las mesmo.
─ Então se estou errada, me diz seu
primeiro nome.
─ Eu adoraria vê-la adivinhar.
─ Robert? – Ela o via negar – Richard? –
Ele negava mais uma vez – Damien, Adam?
─ Não e não.

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─ Victor, Christian.
─ Não.
Ela suspira levemente irritada. Leva seu
dedo até os lábios em uma pose pensativa. Em sua
mente vários nomes passavam, mas nenhum que
ela acreditava que combinariam com ele.
─ Eu desisto.
─ Você desiste muito fácil das coisas.
Quando quer muito algo não deveria agir assim.
Aperta seus olhos desafiadoramente em
direção a ele. Sabia que a estava provocando.
Estava chegando à conclusão de que era de
propósito, era pessoal. Notara há um tempo que era
assim que ele se divertia, era assim com que
utilizava o seu “humor”. Realmente era um cara
peculiar.
─ O senhor é muito chato – Ela cruzava
seus braços rentes peito sem conseguir conter o
comentário.
─ Nunca disse que não era.
─ Tudo bem senhor Collins. Não quer dizer.
Então não diga. ─ Abria seu livro novamente.

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─ Pelo visto desistiu mesmo.


─ Cansei de brincar.
Dessa vez o suspiro escapa dos lábios dele.
─ Aposto que nem o meu nome o senhor
sabe. ─ O desafiava.
─ Claro que sei. É Sarah.
Seu timbre atinge seus ouvidos fazendo-a se
arrepiar. Corpo não comece de novo. Repreendia-
se.
─ Eu sei o nome de todos os alunos que se
destacam.
Um largo sorriso se estendia e quando ela
abre a boca para respondê-lo, ele a interrompe.
─ Existem dois tipos de destaques. Os
positivos e os negativos.
Quando diz a última palavra seu olhar se
foca ao dela. Então adeus sorriso, olá irritação.
Se ele não fosse tão bonito e interessante.
─ Grosso ─ Resmungava.
Escuta outro suspiro cansado sair de seus
lábios, então para sua total surpresa descobre o que
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tanto queria.
─ Meu nome é Ethan. Tedioso demais para
você?
─ Ethan ─ Testava o som de seu nome ─
Muito prazer então. – Sorria vitoriosa. – Pelo
menos seu nome não é esquisito como o meu, sabe
como é. Meu pai é irlandês e minha mãe espanhola,
ambos queriam nomes que representassem a
origem de cada país.
─ Tenho que admitir que são criativos,
porém não de bom gosto.
─ Tudo bem senhor Collins eu sei que é
horrível.
Após esse comentário, ela chegou à
conclusão de que o universo que ela conhecia
estava chegando ao seu fim, era o início do
apocalipse, teve a certeza de que os Maias erraram
quanto a data do fim do mundo. Os cantos dos
lábios de Ethan se movimentam, repuxando para
um lado. Então ela vê um meio sorriso ser
desenhado em sua face. Era discreto, combinando
com o homem que o dava, era um meio sorriso
soturno, mas impossivelmente imperceptível.

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Estava diante de um marco quase histórico.


Sabia que devia se sentir como uma medalhista,
pois aquele gesto não era apenas o que aparentava.
Ela não via apenas um meio sorriso e sim uma
rachadura. Ela estava diante do que vinha
buscando, aquela era sua permissão.

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“Suprimir a distância é aumentar a


duração do tempo. A partir de agora, não
viveremos mais; viveremos apenas mais depressa.”
O conde de monte Cristo
Alexandre Dumas

Imagine a cena a seguir: você acaba de


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correr uma maratona, está suada e ofegante, suas


roupas grudam em seu corpo como cola, suas
pernas parecem que a qualquer momento vacilarão
e te deixarão na mão e os seus pulmões parecem ter
esquecido momentaneamente a sua função de inalar
e exalar o ar. Conseguiu imaginar?
Agora multiplique por dois e terá o
resultado do nível de cansaço que Sarah sentia.
Aulas, provas, trabalhos, leitura, ensaios de
dança e como se tudo isso já não fosse o suficiente
havia o estágio, esse que sugava o resto das forças
como um beija flor suga o néctar de uma flor ou
como um vampiro sedento suga o sangue de sua
vítima. Qualquer uma dessas opções cairia bem.
Por isso quando sua amiga lhe convidara
para ir ao Jack’s em plena quinta-feira, não fora
difícil pra ela dizer não, afinal tinha acabado de se
jogar na cama e decidido que iria ficar naquela
posição o resto da noite.
Quinta feira, amanhã ainda será sexta. Por
que universo, por quê?
Mas todos sabem muito bem como Alexia
Montgomery sabe ser insistente e cansativa quando

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quer. Utilizando de suas artimanhas de melhor


amiga “traída” pelos livros e estágios. Então claro
que no minuto seguinte Sarah estava seguindo para
o chuveiro para evitar mais falatório.
Assim que terminara de se trocar contara a
sua amiga sobre o papel no recital e como já era
esperado Alexia a abraçou fortemente e lhe dizia
animada que era mais um motivo para irem até o
bar universitário, precisavam sair e comemorar.
Ela não estava nada a fim de sair, seu corpo
clamava pela cama, mas estava devendo aquilo a
Alexia. Então seria isso ou ficar em casa, ter uma
melhor amiga chateada e sonhar mais uma vez que
fazia sexo com seu professor de anatomia. Sim.
Aquilo ainda estava na sua cabeça, naquela tarde
nem conseguira olhar pra ele direito, pois havia
literalmente sonhado que ele a pegava em seu
quarto na noite anterior.
O que um simples par de mãos em sua
cintura podem fazer. Aqueles dedos que a
apertaram, o cheiro almiscarado dele mais perto,
seus braços se flexionando abaixo das mãos dela.
Aqueles braços fortes. Aquele peitoral tão
perto. Sonhava acordada e tivera que pedir para
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Alexia repetir pelo menos duas vezes o que lhe


dizia no caminho para o bar.
Isso está ficando doentio.

Quando chegam ao seu destino, ambas


escolhem uma mesa ao lado esquerdo de onde
ficava a pequena pista de dança. Sarah passeava os
olhos pelo local a procura de rostos conhecidos
enquanto sua amiga pedia a primeira rodada de
bebidas da noite.
─ Um brinde – Ela então se vira na direção
de Alexia que segurava um copo pequeno entre os
dedos, cheio de tequila e o estendia outro em sua
direção – A Odete, o cisne mais foda daquele
laguinho.
Sarah rindo pega sua dose e ambas viram
tudo em um só gole, o líquido quente desce por sua
garganta e lhe arranca uma careta.
─ Senti falta disso – Sarah dizia após pegar
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mais uma dose que sua amiga oferecia.


─ Disso o que?
─ De uma noite das meninas – Tomava sua
segunda dose.
─ Também senti. Você quase nunca para
em casa e me sinto abandonada – Alexia fazia uma
cara de falsa tristeza o que arranca uma risada plena
de Sarah e poderia até ser ouvida se não fosse o
som de universitários bêbados gritando toda vez
que uma bola entrava nos buracos da mesa de
sinuca e a música alta que tocava.
─ Então mais um brinde – Erguia seu copo
– A noite das meninas!
─ A noite das meninas! – Alexia erguia seu
copo chocando o mesmo com o de Sarah.
Quando está prestes a tomar sua próxima
dose é que percebe pelo canto de olho um
movimento e ao se virar encontra seu amigo Ryan.
Ele estava acompanhado de outra garota e ambos
estavam quase ao fundo do bar. A garota vestia
uma minissaia, que deixava a vista muito mais do
que deveria e sorria de algo engraçado que ele dizia
em seu ouvido e Sarah pode notar ao prestar mais
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atenção que a mão de seu amigo estava


esparramada na coxa da garota, para ser mais
especifico, a mão estava quase na região no meio
das coxas dela.
Ryan Davis, você é um homem morto!
Pensava enquanto se virava para sua amiga rezando
para que ela não tivesse visto aquela cena, mas ao
julgar pela expressão em seu rosto, Sarah soubera
que era tarde demais. Talvez ela chegue primeiro e
o mate antes que a mão dele suba mais.
─ Quer sair daqui? – Sarah toca a mão de
Alexia que mantinha seus olhos presos na cena sem
piscar.
─ Por quê? Eu estou bem ─ Dizia após suas
pálpebras se abrirem e fecharem várias vezes
consecutivas e depois desviando seu olhar.
─ Tem certeza? Porque a veia pulsando em
seu pescoço diz o contrário.
─ Ryan e eu não temos nada sério Mi. Se
ele quiser sair com outras garotas, não importa
quão brega ela seja – Sarah a via apontar para a
roupa da garota que agora beijava o pescoço de
Ryan – Por mim tudo bem – Alexia dava de

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ombros.
─ Sério?
─ Sim e tem mais, eu vou até cumprimentar
o casal de pombinhos ─ Levanta-se decidida ─ Pra
você ver como não me importo.
Lexi puxa o ar várias vezes. Conhecia a
amiga bem demais para ter a coragem de apostar
com qualquer um naquele lugar que ela estava com
ciúmes e a ponto de fincar as garras no cabelo da
companhia de Ryan, que agora dando mais uma
espiada tinha a língua enfiada na boca dele.
Ironia não é o forte dela.
Quando sua amiga após tomar mais uma
dose e colocar com certa força o copo na mesa
caminha na direção deles. Sarah sabia que eles
tinham esse “relacionamento aberto”, mas vira as
mudanças que ele fizera em sua amiga e tinha uma
divida com ele, pois fora ele que fizera companhia
a Alexia enquanto ela estava sendo uma péssima
melhor amiga. Mas se fosse para ficar do lado de
alguém, ela ficaria do lado de sua melhor amiga,
iria respeitar o código. Então seria game over para
Ryan. Mas de que código estamos falando? Vamos

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começar do início.
Uma mulher sem amigas é incompleta. É
um pouco grudenta demais e acaba se tornando
aquele tipinho chato que dá “piti” quando o
namorado quer sair com seus companheiros e não
ficar 100% do tempo com ela, pega no pé o tempo
todo querendo saber com quem, onde e porque seu
parceiro está fazendo qualquer coisa. Como não
tem a quem pedir conselhos acaba cometendo uma
burrada atrás da outra e se transformando em uma
mulher controladora demais.
A verdade é que nós mulheres precisamos
de amigas para extravasar, para ter com quem
conversar e rir de assuntos que não daria para
compartilhar com o sexo oposto, exceto que seu
amigo seja gay, mas isso é outra história. Então um
cara deveria se sentir agradecido se sua namorada
ou esposa tem uma melhor amiga. A não ser que
ele queira ter uma mulher paranoica em casa.
Não é difícil reconhecer uma má amizade.
Ela é aquela que comete um ou mais erros dos itens
proibidos pelo código de ética das amigas, e
acredite nenhum dos itens listados abaixo é
cometido de forma acidental.
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Vamos abrir o sagrado livro da melhor


amiga e enumerar alguns exemplos.
É TERMINANTEMENTE PROIBIDO:
1) Ficar com ex-namorado de amiga,
principalmente em casos de relacionamento mal
resolvido e conturbado.
2) Ficar com namorado/ficante/paixão de
amiga. A não ser que você realmente seja uma
vagabunda digna de caco de vidro moído em seu
jantar ou que haja uma perda de interesse da mesma
em se tratando de paixão (essa última opção deve
ser devidamente esclarecida).
3) Quando sua amiga pegar o idiota que está
afim em um bar com outra garota, sempre fique do
lado dela. Não importa o que aconteça.
4) Sempre escute o que sua amiga tem a
dizer. Aconselhe nos momentos certos e dê puxões
de orelha se precisar.
5) Sempre ter uma caixa de lenços de fácil
acesso, caso o número 3 se aplique.
Sim. Sarah seguia esse código à risca,
portanto, já tinha seu lado na batalha decidido.

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Observava Alexia se aproximar deles, o


salto de seus sapatos de marca parecia ecoar no
chão e a postura de sua amiga lembrava a da
assassina do filme que elas viram no mês passado.
Se ela possuísse uma espada samurai, poderia
quase ser comparada com a Kill Bill no momento.
Lembrete. Jamais deixar Lexi perto de uma
espada samurai.
Mês passado? Meu Deus. Há quanto tempo
não tenho tido vida social? Ahh é desde que tirei
um D.
Desviando seus olhos de seus amigos, pega
o último shot inteiro que ainda tinha na mesa e vira
seu conteúdo garganta abaixo. Sabia que não devia
beber tanto, seu médico não ficaria muito feliz em
vê-la agora. Quando pousa o copo na mesa um
grupo de universitários que bloqueava sua vista do
balcão do bar, se afasta e então seus olhos capturam
a imagem da última pessoa que queria e que
esperava encontrar em um lugar como aquele.
Sentado em um dos bancos ao fundo do bar, ele
estava de costas, mas era impossível para ela não o
reconhecer.
Seu professor tinha seu corpo apoiado no
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balcão e entre suas mãos uma garrafa de cerveja.


Não vestia suas costumeiras roupas sociais, estava
mais casual. Um jeans escuro um pouco mais justo
em suas coxas modelava suas pernas, tênis e uma
jaqueta ou uma camisa jeans aberta. Não saberia
dizer devido ao local que ele estava não tinha muita
claridade então dificultava bastante a visão dela.
Sem que perceba se via levantando-se e
caminhando até ele. Não sabia dizer, mas havia
certo magnetismo naquele homem, era difícil não
perceber sua presença assim como era difícil não se
aproximar e quando deu por si estava sentada ao
lado dele. Com a mão ela sinaliza para o barman
que segundos depois coloca uma cerveja a sua
frente.
─ Oi senhor Collins – O cumprimentava e
recebe em troca uma leve acenada de sua cabeça –
Bela pedida – Ela apontava para cerveja em suas
mãos – Tudo bem?
Novamente uma confirmação silenciosa
vinda dele, parecia não querer conversar. Ela já
deveria saber que não iria ser tão fácil assim
conversar com a muralha em pessoa, mas não se
importava, era teimosa o suficiente, uma hora o
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venceria pelo cansaço, afinal um meio sorriso já


conseguira. Mas naquela noite os deuses da dança
sorriram para ela, pois logo escuta aquela voz que a
arrepiava sempre, em lugares um pouco indevidos.
─ E você? ─ Ele girava uma vez a garrafa
entre os dedos e depois a leva aos lábios.
─ Eu estou muito bem – Ela sorria o
olhando de perfil – Gosta da O.C beer?
─ Sim – O via encarar com seus olhos azuis
de gelo a garrafa quase vazia a sua frente. – É a
melhor em minha opinião.
─ Direi ao meu pai. Ele ficará feliz com o
elogio.
─ Seu pai?
Ela vira sua própria garrafa pra ele e com o
dedo indicador aponta a marca da cerveja.
─ O.C beer. O’Connor beer. ─ Apontava
pra si e para a garrafa intercalando o encarando
como se aquilo fosse óbvio.
Pela primeira vez naquela noite ele coloca
seus olhos sobre ela, lhe causando um arrepio um
pouco suspeito em uma região muito especifica.

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De novo não.
─ O’Connor é um sobrenome muito comum
na Irlanda ─ Dizia seriamente, mas não pode deixar
de sentir uma pitada de sarcasmo ─ Então sinto
muito lhe informar, mas seu argumento não é muito
óbvio.
Meu Deus. Não dou sorte com esse cara.
Bufava irritadamente, ele parecia ter um dom para
irritá-la.
─ O que o senhor faz aqui em uma plena
quinta feira? ─ Ela mudava de assunto.
─ O que você faz aqui em uma quinta feira?
─ Sou universitária e nós universitários
estamos sempre em bares. Qual a sua desculpa?
─ Vim até aqui tomar uma cerveja. – Ele
suspira e mostra sua garrafa a ela como se aquilo
fosse obvio.
Grosso.
─ Eu também – Ela levanta sua cerveja aos
seus lábios e por leves frações de segundos jurou
ter visto ele a olhar de canto. – Mas eu nunca vi o
senhor por aqui e olha que o Jack’s é minha

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segunda casa – Sorria – Mas deve ser por que você


aqui fica escondido.
─ Sempre sento no mesmo lugar.
─ Saúde a monotonia então – Inclinava
levemente sua garrafa na direção dele.
─ Ou seja, viva a Ethan Collins.
Dito isso choca levemente o bico de sua
garrafa com a dela, levando aos seus lábios logo em
seguida e bebendo o restante de seu conteúdo.
Aquele comentário foi capaz de fazer um riso
escapar dos lábios dela antes que beba a sua
cerveja.
─ Também sou monótona. Apesar de não
parecer.
─ Não. Isso você não é.
─ Sou sim.
─ Não mesmo.
Ethan gira seu corpo na banqueta e agora
ela podia ver o que estava debaixo da camisa jeans
aberta, ele vestia uma camiseta branca um pouco
justa evidenciando a musculatura do seu peitoral.
Sarah tinha a visão do look completo e não
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conseguiu deixar de pensar em como aquele estilo


caía muito bem nele, lhe dava um ar mais jovial,
mas sua pose continuava a mesma. Impecável,
rígida, polida e interessante.
─ Sempre faço a mesma sequência de
exercícios na hora de alongar, sempre no mesmo
tempo e lugar.
─ Isso não é ser monótona. É ter uma
mania.
Ele vira mais o corpo, agora estava
totalmente virado em sua direção, seus joelhos
quase raspando em sua coxa.
─ Ser monótono é sempre fazer as mesmas
coisas, não gostar de mudanças, possuir uma rotina
e segui-la à risca. É possuir tantas manias que elas
acabam ditando o seu dia e por causa disso você
não faz nada de diferente, por que não há espaço na
sua lista.
Ela permanecia em silêncio. O fitando e
tentando não pensar naqueles joelhos tão próximos.
─ Então O’Connor. Você não é monótona.
Você faz coisas diferentes, tem seus amigos, tem
sua dança. Pode possuir manias, mas elas não
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fazem o seu dia. Você vive.


Aquele último comentário lhe chama a
atenção e agora ela também girava seu corpo e
ficava frente a frente como ele.
─ O senhor não vive?
─ Não como antes. Hoje apenas deixo as
coisas passarem.
Quando olha para o balcão vê a garrafa dela
e a dele vazias. Faz um sinal para o barman que
prontamente os servem mais duas garrafas.
─ Por minha conta senhor Collins.
Ele faz um breve gesto com a mão em
negativa.
─ Eu sempre bebo apenas uma.
É realmente ele é monótono.
─ Já que estamos falando sobre monotonia.
Por que não começa a fazer algo diferente? Pode
começar a mudança bebendo apenas mais uma
cerveja.
Seu professor arruma sua postura voltando à
posição original. Encarava a garrafa cheia e com
dúvidas. Fitava o objeto parecendo ponderar as
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opções, como se ela tivesse lhe pedido para


cometer um ato criminoso.
─ O senhor está certo. Eu não sou
monótona. A vida é curta demais pra isso. ─
Pegava sua nova garrafa enquanto ponderava o que
iria lhe dizer ─ O senhor precisa se soltar mais.
Não acha que talvez seja bom deixar que suas
manias não ditem mais as regras? Comece por essa
cerveja e vê o que acontece. Mas claro se o senhor
quiser sair um pouco da rotina.
Ele ainda fitava a garrafa. Acreditava que
deveria estar em algum tipo de batalha interior. Não
conseguia entender a dificuldade daquilo. Era
apenas uma cerveja, não havia mal algum nisso.
Mas será que pra ele significava apenas isso?
Quando era criança, Sarah ganhou de
aniversário uma cadelinha. Amava seu bichinho,
lembra de que assim que o viu enrolado em um
laço de fita vermelha fora amor à primeira vista.
Desde desse dia nunca mais se separaram, elas iam
para todos os lados juntas, roubavam coisas da
cozinha, ela era a única permitida a entrar na
cabana que tinha no quintal que ela chamava de
“Clubinho”. Todas as lembranças felizes que tinha
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da sua infância, sua cadelinha sempre estava lá.


Mas nada é eterno e um dia para o desespero de
Sarah o tempo chega para todos e ela já muito
velha, adoeceu e morreu. Lembra que chorara tanto
e por dias. Cheia de saudades de sua pequena Tutti.
O ser humano é cheio de manias e uma bem
insistente delas é que temos o costume de nomear e
de nos apegar a tudo que amamos. Criamos, muitas
vezes sem querer, uma rotina para nós e quando o
dia de a quebrar enfim chega, para alguns é mais
difícil do que para outros. A mudança nem sempre
é bem aceita. Sarah não gostara nem um pouco
quando tinha dez anos de ter sua rotina mudada.
Lembra-se da sensação desconfortável quando no
dia seguinte fora obrigada a aceitar que sua melhor
amiga de brincadeiras não iria mais voltar. A
mudança é um passo muito grande a se dar, mas é
necessário.
E se o caso dele fosse algo parecido? E se
para ele pegar aquela cerveja fosse a mesma coisa
que fora para Sarah aceitar a ida de Tutti?
Talvez ele não queira mudar. Pensava
enquanto encarava as linhas bem desenhadas de seu
rosto, criando um perfil muito bonito de se ver.
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Quando estava quase pegando a garrafa que lhe


dera pra si, Sarah é surpreendida pelo movimento
dele. Ele pega a garrafa e um pouco hesitante leva
aos lábios, bebendo um rápido gole.
Acho que a rachadura acaba de se estender
mais um pouco.
─ Não foi tão difícil ─ Ela lhe dizia
sorrindo triunfante.
Ao olhar para onde sua amiga estava com o
casal de “pombinhos”, como ela havia dito,
encontra pessoas desconhecidas sentadas na mesa.
Seus olhos começam a fazer uma varredura pelo
local, mas Alexia parecia não estar em lugar algum
e nem Ryan. Mas que merda. Lexi, o que você fez?
─ Algum problema? ─ Ethan lhe
perguntava.
─ Acho que fui abandonada aqui. ─ Pegava
sua garrafa e bebe outro gole.
─ E agora que foi largada. O que pretende
fazer, O’Connor?
─ Não estamos na universidade. Pode me
chamar pelo meu nome.

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─ Você vai me chamar pelo meu?


─ Quem sabe quando me sentir mais à
vontade.
─ Então quando me chamar farei o mesmo.
OK. Ele venceu essa. De novo.
De sua bolsa ela retirava uma nota que seria
suficiente para pagar pelas bebidas. Levanta-se da
banqueta e com um sorriso agradecido o encara.
─ Obrigada pela companhia, senhor Collins.
Mas acho que vou indo nessa. Tenho uma
caminhada pela frente.
Involuntariamente coloca sua mão sobre o
braço dele que repousava no balcão e assim atrai
sua atenção.
─ Aproveite a sua quebra de rotina ─
Gesticulava com a cabeça em direção a garrafa dele
que ainda estava na metade.
Com um sorriso nos lábios ela começa a se
afastar de onde ele estava e segue até a porta e ao
sair é recebida pelo vento gelado do início do
outono, fazendo com que esfregue seus braços
cobertos apenas pela camada fina de uma blusa

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meia manga.
Por que não trouxe um casaco mesmo? Ahh
é porque fui praticamente arrastada por minha
melhor amiga e agora abandonada, talvez ela me
ligue quando precisar de um álibi ou ajuda para
esconder o corpo.
Aquele pensamento a faz rir.
Enquanto caminhava não conseguia parar
de pensar em sua amiga e se preocupar com ela.
Algo devia ter acontecido pra ela sumir daquele
jeito. Acreditava que devia estar discutindo com
Ryan em algum lugar e descontando sua fúria
assassina nele. Mas apesar de ter sido abandonada
no bar, uma sensação de felicidade a confortava.
Estava admirada com o progresso que fizera
naquela noite, ele havia deixado ela se aproximar
com suas perguntas e até respondera alguma delas.
Caminhava triunfante. Gostara daquilo.
Conversar com ele era difícil, o senhor Collins
sempre parecia desconfiado de tudo e a todo
instante com seus comentários grosseiros e sem
paciência afastava todos que procuravam, por
algum motivo, se aproximar dele. Se aproximar era
uma batalha diária, muitos desistiam na primeira
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tentativa, mas não ela. Tentar entendê-lo se tornara


seu objetivo e conhecê-lo de verdade seu propósito.
Quando estava quase na primeira esquina
escuta o som de alguém a chamar e a voz que a faz,
estende em seu rosto um sorriso maior ainda e seu
coração desperta.
─ Senhorita O’Connor?
Ao se virar avista seu professor se
aproximando a passos apressados até onde estava.
Em silêncio o fitando aguarda que lhe diga o
motivo de tê-la chamado.
─ Eu... ─ Dizia parado a sua frente ─ Eu...
Ela tem que se segurar para não rir daquela
cena. O jeito aparentemente desconfortável dele,
com suas mãos nos bolsos da calça e a repentina
falta de palavras a divertiam.
─ Eu acho que seria certo que eu a
acompanhe. Está muito tarde para caminhar
sozinha.
─ Não precisa senhor Collins. Não quero
atrapalhar sua rotina.
─ Não faz parte da minha rotina beber duas

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cervejas.
─ Tudo bem então ─ Um sorriso se
estendia, denunciando o que sentia.
Ela se vira e continua a caminhar, mas
agora tinha uma figura enorme ao seu lado,
seguindo seus passos pelas ruas. Por muito tempo
eles ficam em silêncio. Apenas caminham. Mas não
era um que ela descreveria como sendo
desconfortável. Sabia que sua companhia não era
de falar muito, então o seu silêncio era algo mais do
tipo familiar. Passara algumas tardes com ele para
saber que era assim que ele era e com isso ela havia
se acostumado com seu jeito.
Queria lhe perguntar muitas coisas, mas
sabia que tinha que ir com calma. Descarregar tudo
o que queria saber sobre ele e seu jeito, não iria
servir pra nada a não ser afastá-lo mais. Não era
assim que as coisas funcionavam com aquele tipo
de homem. As coisas tinham que ser feitas ao ritmo
de um riacho calmo. Para que o segurança do qual
guardava a represa não perceba o que ela está
fazendo e vede a rachadura que havia arduamente
conseguido fazer.
Após alguns minutos que pra ela pareciam
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uma eternidade, ainda nada havia sido dito. Olhava


de tempos em tempos na direção dele e não vira
nada, nem uma pequena fagulha que denunciava
que ele iria dizer algo ou lhe perguntar algo. Como
ele consegue ficar tanto tempo calado? Aquilo a
estava deixando inquieta de tal maneira que sentia
até coceiras. Ethan possuía o seu jeito e Sarah o
dela e ficar por muito tempo em silêncio, com
certeza não era.
Já que aparentemente dali nada sairia, busca
por algo que sempre a ajudava a se distrair. Música.
Logo as estrofes perfeitas da música tema da peça
que encenaria começam a ressoar em sua cabeça e a
escapar pelos seus lábios, ela agora cantarolava.
─ Já que não estamos em meu escritório,
não posso te repreender por isso ─ Ele lhe dizia ─
Mas não deixa de ser um pouco irritante.
─ O senhor é tão mal-humorado. Fico
surpresa que tenha conseguido um emprego, agora
sei que carisma não é um dos requisitos avaliados.
Como toda boa bailarina seus pés começam
a se mover com o ritmo da música que ainda
cantarolava, proferindo pela calçada alguns passos
que ensaiara para o recital.
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─ Não fui contratado por ser carismático ou


não. Fui contratado porque sou muito bom no que
faço. Mas saiba você que eu sei ser carismático.
Quando eu quero.
─ Está aí algo que eu adoraria ver.
Ela eleva levemente seu corpo fazendo uma
meia ponta, mas o calçado que utilizava não era
exatamente apropriado para aquele feito, então não
conseguia manter-se por muito tempo. Fazia os
movimentos repetidas vezes e dava alguns giros
pela calçada deserta.
─ Quem sabe um dia o mereça ─ Seu tom
saia um pouco ríspido.
Aquilo faz com que ela pare seus
movimentos e o encare o pegando de surpresa
quase trombando seus corpos.
─ Por que sempre faz isso?
─ O que?
─ Afasta as pessoas. Não deixa ninguém se
aproximar. Estou tentando ser sua amiga.
─ Perde o seu tempo.
─ Eu não consigo entender.
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─ Não há nada para entender, O’Connor. Eu


sou assim. Simples.
Estreita seus olhos ao fixá-los nos dele.
─ Pare de tentar procurar por algo que não
existe. ─ Ele lhe alertava ─ Pare de tentar ser
minha amiga.
Via o maxilar dele se flexionar, seu olhar
era sério e suas palavras frias e certeiras. Como
lâmias.
─ Por que não deixa ninguém se aproximar,
ninguém se envolver?
─ Por que eu não sou muito bom com
despedidas ─ Ele lhe confessava. Suspeitava que
deixara escapar.
Suas palavras confidenciadas a acertam em
cheio. Sua curiosidade a mil. Perguntas e mais
perguntas se formavam, mas dado pelo estado
visivelmente defensivo que seu corpo tomara sabia
que não poderia fazer nenhuma delas.
─ Então não se despeça.
─ Quando se permite que alguém se
aproxime e entre em sua vida, você tem que estar

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preparado para um dia dizer adeus. ─ Ele soltava


um suspiro ─ Eu apenas não quero isso.
─ Por quê? ─ insiste na pergunta ─ Eu só
queria entender... ─ Ela começa a dizer, mas ele a
interrompe.
─ Não há nada pra ser entendido ─ Ele
elevava um pouco o tom ─ Por que você não
consegue aceitar isso? Por que precisa saber coisas
sobre mim? Virei objeto de algum estudo agora? ─
Suas narinas inflavam levemente indicando sua
irritação.
─ Eu gosto do senhor, professor. Por que
não consegue acreditar nisso? Isso é o que
geralmente as pessoas fazem quando gostam e
querem a companhia de alguém. Elas conversam,
compartilham coisas, riem. Eu já vi o senhor
sorrindo, então sei que não é algum tipo de robô.
Só precisa se soltar mais.
─ Pare de dizer isso. Eu sou assim ─ Ele
apontava pra si, controlando sua voz e voltando
para seu tom original ─ Não vou mudar apenas
para agradá-la, nunca fiz por ninguém.
Não consegue controlar que um riso irônico

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escape diante aquele comentário.


─ Por ninguém? ─ Perguntava com
ceticismo ─ Então nunca se importou ou amou
tanto alguém capaz de mudar por ela? Nem que
fossem pequenas coisas e atitudes. ─ Mantinha-se
firme diante dele.
Após dizer aquelas coisas, ao olhar pra ele
soube que o atingira no ponto, não sabia se no
certo, mas o atingira. Seu olhar estava fixo ao dela,
sua armadura arriada, quase no chão. Pensara que
iria rebatê-la, mas não o faz, fica apenas parado a
encarando e no brilho gélido de seus olhos
encontrara algo que não havia visto antes. Dor.
Pesar.
Sentia-se desconfortável com a situação
criada por ela. Talvez pra ele, ela havia ido longe
demais com seus questionamentos sobre sua vida.
Acabara quebrando a própria e a única regra que
criara para aquela situação. Ela não havia ido com
calma. Tinha medo de ver que recuara alguns dos
poucos passos que conseguira dar em direção á ele.
Ele é o primeiro a cortar o contato visual.
Agora encarava o chão e ela ao percorrer seus olhos
por ele, soube pelo volume que havia em ambos os
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bolsos da calça, que ele estava com os punhos


cerrados. Também é o primeiro a quebrar o
silêncio, agora constrangedor, que se formara.
─ Você já está na esquina da sua casa ─
Após um pigarro ergue seus olhos ─ Tenha uma
boa noite, senhorita O’Connor.
Sem esperar por resposta, ele da meia volta
e começa a caminhar no sentido oposto, indo pelo
caminho que vieram. Sem olhar para trás logo vira
duas esquinas a frente sumindo da vista dela.

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“Ele desceu, evitando olhar muito para ela


como quem evita olhar longos olhares ao sol, mas
vendo-a como quem vê o sol mesmo sem olhá-lo.”
Anna Karenina
Leo Tolstoy.

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Sabe quando sua cabeça está cheia de


pensamentos dos quais não te deixam dormir? Ou
quando está ansioso para um evento e mal
consegue conter a excitação esperando o momento
chegar? Ou até mesmo quando se tem dez anos e
espera ansiosamente a manhã de natal para enfim
abrir os presentes?
Era mais ou menos isso que Sarah sentia. Só
que o problema não era simples como “será que
ganhei aquele brinquedo do Papai Noel?” ou no
caso dela sapatilha de meia ponta, não, era um
pouco pior. Engraçado pensar em como as coisas
com que nos preocupamos quando crianças são tão
pequenas quando as olhamos com olhos de adulto.
Ok. Talvez o problema seja um pouco
maior do que dito acima. Ela não compreendia
totalmente o porquê se sentia com toda aquela
carga de ansiedade. Entendia parte do problema
que se colocara, havia exagerado um pouco nas
perguntas, mas era teimosa demais para admitir que
na verdade a ansiedade era para conversar com ele
novamente.
Será que terei que fazer uma nova
rachadura novamente? Perguntava-se enquanto
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caminhava pelo campus da faculdade em direção ao


seu estágio. Tentava conter o impulso de levar os
dedos aos lábios e roer as unhas, essas que devido
ao curso que escolhera e à semana de provas que
tivera já não eram dignas de um esmalte sequer.
Ansiedade sempre fora um dos seus maiores
defeitos e devido à situação com que se depararia
em exatos 11 minutos, aquele seu estado era
completamente compreensível. Não sabia como
seria àquela tarde de Sexta-feira. Como ele estaria
após o episódio de insistência dela. Sentia-se
exatamente como a criança na véspera de natal.
Ansiosa, mas apreensiva. Só que naquele caso, não
tinha mais dez anos, não era véspera de natal e com
toda certeza não estava indo ganhar um presente do
Papai Noel.
Os problemas nunca vêm sozinhos, havia
algo que andava de mãos dadas com eles e eram as
consequências. Essas sempre inevitáveis, uma hora
ou outra elas sempre chegavam e você teria que
enfrentá-las.
Tudo bem. Ansiosa, talvez, não fosse
somente o que sentia. Outra palavra que se
encaixaria muito bem ao seu estado astral era
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frustrada. Frustrada e ansiosa ou ansiosamente


frustrada? Escolha qual for melhor.
Na aula de anatomia daquela manhã, tentara
se concentrar no assunto, mas tudo que pensava era
na forma como seu professor reagira ao seu
comentário nada sutil e claro ele percebera sua total
falta de concentração, pois em meia hora de aula
recebeu não uma, mas duas reclamações vindas
dele.
Culpa inteiramente sua, professor! Se você
não fosse tão difícil.
As pessoas costumam reagir a tudo de
maneiras diferentes. Seu professor, por exemplo,
não parecia o tipo de homem que gostava de
compartilhar sentimentos, de falar sobre si ou sobre
sua vida particular. Mas aqueles breves momentos,
que por algumas vezes, vira algo de diferente em
seus olhos, aquela coisa intrigante e peculiar que
ele possuía, as sensações que tivera ela não
conseguia ignorar, sabia que havia mais, muito
mais, por detrás daquele muro.
Mas o que poderia ter acontecido pra ele
decidir que aquele homem merecia ficar escondido
pelas camadas de gelo? Essa era a pergunta de um
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milhão de dólares.
E que camadas de gelo. Ela se pega
pensando em seus olhos, aqueles que tanto a
instigavam.
Balança sua cabeça para afastar tais
pensamentos e apressa o passo em direção ao setor
onde iria receber a sua sentença.
Ao travessar o gramado atrás da cafeteria do
campus, a poucos metros avista seu amigo sentado
no chão ao pé de uma árvore, que pelo tom de suas
folhas, podia ser dito que fora atingida pela estação
em que estavam. Todo atento ao grande livro que
tinha nas mãos.
Mantinha uma pose desleixada, mas que
combinava muito com ele. Seus cabelos meio
bagunçados, como se fosse proposital. A forma
com que mordia levemente seu lábio inferior, ou
melhor, aqueles “lábios desejáveis” e hipnotizantes,
enquanto seus olhos percorriam as linhas no livro,
arrancaram um sorriso dela fazendo, sem perceber,
com que se aproxime.
─ Oi David! – Ela o cumprimentava se
sentando ao seu lado.

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Seu amigo ergue seus lindos e grandes


olhos em sua direção e sorri gentilmente.
─ Oi Mi.
─ Tudo bem?
Escuta um suspiro cansado lhe escapar.
─ Sim, só lendo muito. Tenho um trabalho
para concluir sobre a fisiologia do sistema nervoso
– Dizia fechando o enorme livro que agora podia
ser lido o título “Fisiologia Humana”.
─ Nem me fale, também preciso terminar
um trabalho. O senhor Collins pegou pesado.
Provavelmente quando o semestre acabar você verá
nos jornais – Ela levava suas mãos ao alto
evidenciando algo importante a ser visto – Aluna
promissora comete suicídio e deixa uma carta
culpando seu professor de anatomia.
Isso arranca uma risada de seu amigo.
─ Não foi uma piada. – Dizia seriamente.
─ Ou então... – Ele fazia o mesmo gesto
que ela com as mãos – Aluna de fisioterapia é
encontrada morta em laboratório com um bisturi na
mão. Sangrou até a morte por um corte no dedo.

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Tudo bem isso foi dramático demais até


mesmo para mim!
Ela começa a rir e o cutuca com seu
cotovelo suas costelas, mas seu riso não durou
muito, logo por seus lábios escapavam suspiros
cansados.
─ Está tão difícil assim ser assistente dele?
─ Não David. Difícil é você fazer um
Frappé e um romd de jamp numa mesma
sequência. Ele – Ela apontava para o prédio a frente
deles – Ele é impossível. – Soltava um longo
murmúrio insatisfeito – Ele não conversa. Ficamos
o tempo todo em silêncio, não sorri, eu não posso
sequer puxar assunto. Não diz, por favor, e nem
obrigado. Tenho que arrumar tudo
milimetricamente em seu lugar, quem faz isso?
Ele... Ele... Argh!
Ele joga seus braços para o alto bufando.
Em seguida se deita no gramado encarando o céu
levemente nublado.
Mais uma vez escuta a risada de David.
─ Então não é à toa que ele não tem
assistentes. Fico pensando se foram às pessoas que
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desistiram ou ele que as mandou embora.


─ Bom ele me disse que as havia
dispensado, mas suspeito que todos foram parar na
ala médica de algum hospital psiquiátrico.
Ela o vê apoiar-se em seus cotovelos ao seu
lado também encarando o céu por entre as folhas
restantes da árvore.
─ Vai desistir?
─ Claro que não. – Se tinha uma coisa que
Sarah não era, essa coisa era covarde – Posso ser
tão teimosa quanto ele.
─ Nossa, a briga vai ser grande.
─ Pode apostar que vai!
David inclina seu corpo em direção ao dela
ficando agora com o seu peso apoiado em um único
braço.
─ Não sei por que, mas acho que vocês vão
acabar se entendendo.
Surpresa com tal comentário, ela também se
apoia sobre seus cotovelos. Os cabelos longos
pendendo atrás de suas costas encostando-se ao
chão. Leves brisas os atingem fazendo com que
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alguns fios fiquem em sua face.


─ Sim, claro quando ele finalmente levar
minha alma.
─ Quem sabe não devolvam a dele ─ Dizia
em tom de brincadeira.
─ Se ele tivesse uma, o que duvido – Sarah
nota o brilho brincalhão no olhar de David apagar-
se e sua boca se ergue de canto em um tímido e
triste sorriso. – O que foi?
David não a responde. Apenas lhe oferece
um pequeno aceno com a cabeça, como se dissesse
que não era pra se preocupar. Hesitante ela o vê
erguer sua mão e tirar uma mecha de cabelo do seu
rosto, não pode deixar de gostar daquele contato
breve.
─ Nunca pensou que ele possa ter motivos
para agir como age?
─ Pode ser, mas ele não precisa tratar as
pessoas de forma grosseira e maldosa.
─ É talvez você tenha razão. Ou talvez ele
apenas tenha desistido ─ Lhe dizia em tom calmo.
Seus olhos não a encaravam, parecia que refletia
sobre o assunto como se falasse sobre algo que
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soubesse, algo que tivesse vivenciado.


Antes que tenha a chance de lhe dizer algo,
David com um pigarro parece retornar do mundo
dos sonhos, que aparentemente se perdera, e logo
seu sorriso gentil toma forma em seu rosto.
─ Sabe o que você precisa? ─ Continuava
sem esperar por resposta ─ Sair. Beber. Extravasar.
O que acha de sair comigo?
─ Sabe que se aceitar provavelmente vai
haver dança, não é? – Ela esbarrava em seu ombro
com um olhar travesso no rosto.
─ Já advirto que se for sair comigo e for ter
dança, provavelmente terá seu pé pisado, tipo
várias vezes.
Ela rindo se levanta, largando sua mochila
no chão e limpando sua calça com as mãos para se
livrar das folhas secas.
─ Vamos resolver isso agora mesmo – Lhe
estendia a mão.
─ Tem certeza disso? ─ Perguntava
inseguro.
─ Anda logo – Ela o puxava para que fique

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de pé.
Sarah coloca a mão direita dele em sua
cintura e a esquerda ela entrelaça com a dela
aproximando ambos os corpos. Ele era
consideravelmente mais alto do que ela. Seus
ombros largos. Seus olhos azuis simpáticos e suas
feições sempre tranquilas. Tudo isso somado a
índole dele o tornavam um homem muito atraente.
─ Agora, um passo pra frente e outro para
trás – Assim ela começa a conduzi-lo e em menos
de dois minutos teve a prova de que ele tinha razão,
pois sente a pressão do pé dele sobre o seu e em
seguida escuta um pedido de desculpas – Tudo
bem, vamos lá. Um, dois, três e um, dois, três.
Ela o guiava pelo gramado lentamente.
David a segurava com firmeza e isso a fez soltar
sua mão e colocar seus braços em volta de seu
pescoço. Agora ele mantinha as duas mãos em sua
cintura e seus olhares presos.
Na realidade, uma dança não deve ser
descrita de forma tão banal, não é simplesmente
corpos que se balançam ao som de uma música
qualquer. Não. Dança é muito mais do que isso. É
uma troca, uma conectividade entre duas pessoas,
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como se seus corpos se comunicassem deixando as


palavras de lado.
É uma maneira de se expressar. De colocar
tudo o que sente pra fora. Dança é uma partilha, um
sentimento ou um mix deles. É uma entrega, um
desabafar sem dizer uma única palavra.
O fato curioso era que quando Sarah
pensava sobre conectividade, corpos próximos e
comunicação sem palavras ditas, a primeira pessoa
que vinha em sua mente era a última que queria.
Acreditava que sua atual companhia é que estavam
fazendo isso com ela. A estavam lembrando do par
de cubos de gelo. Rapidamente quebra o contato
visual com David, como se aquilo fosse tirar senhor
Collins de sua cabeça.
─ Olha só você está melhorando – Ela lhe
dizia quando percebe que os dedos dos seus pés
receberam uma trégua.
─ Tenho uma ótima professora ─ Aquele
comentário a faz encará-lo novamente ─ Então já
sirvo para levar você para beber?
─ Eu iria mesmo se você não dançasse.
Aquilo faz o sorriso dele se alargar mais.
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─ Podemos falar mal do professor Collins à


vontade ─ Ele lhe dizia ─ Por que às vezes eu sinto
que aqui ele é tipo um ser onipresente.
─ Será que se falarmos o nome dele três
vezes ele aparece? – Ela ria em seguida continua –
Senhor Collins. Senhor Collins. Senhor Collins.
─ O que vocês dois estão fazendo?
Sério universo? Está de brincadeira
comigo? Pensa enquanto se sobressaltava pelo
susto que levara.
Escuta a voz de seu professor que como de
costume tinha uma entonação ríspida e quando se
vira, nota que ele encarava a cena com uma
expressão que condizia com seu tom.
─ Acho que deu certo – Escutava David
sussurrar próximo ao seu ouvido.
Puta merda é sério. Eu tenho algum tipo de
carma ou algo assim?
─ Aqui não é lugar pra isso – Ela o via se
dirigir a David, que estranhamente sorria para o
professor como se já tivesse ouvido aquilo dezenas
de vezes.

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Ele foi reprovado uma vez deve ter ouvido


mais que uma dezena.
Afasta-se dos braços de David pegando sua
mochila e colocando sobre o ombro.
─ Sinto muito professor – Seu amigo se
desculpava e mais uma vez Sarah não controla sua
língua.
─ Não estávamos fazendo nada demais, que
eu saiba não é proibido dançar no gramado ainda
mais se estamos no meio do intervalo. Então sinto
muito professor, mas não tem autoridade sobre isso.
Ela o vê encarar seu relógio de pulso e
dirigir seus incríveis olhos azuis em sua direção.
Aquele brilho desafiador que ela tanto gostava.
─ Você senhor O’Brien está sete minutos
atrasados para sua aula e você senhorita O’Connor
há sete minutos começou seu expediente como
minha assistente. Então eu creio que tenho
autoridade o suficiente sobre isso.
Grosso! Tudo bem calma, foca no A+.
─ Eu preciso ir David – Ela se despede de
seu amigo que agora também pegava sua mochila e
guardava seu livro.
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─ Eu também preciso ir – Ela é


surpreendida pelo toque macio de seus lábios em
sua bochecha – A gente se fala e então marcamos
algo – Dizia antes de se afastar e partir.
Agora era somente ela e Cérbero. Sem olhar
para ele começa a caminhar, dá à volta pelo seu
corpo, que ainda se mantinha plantado no mesmo
lugar e a passos apressados segue até o prédio que
chamava carinhosamente de Tártaro.
Sem sutileza abre a porta do escritório, não
se importando com a sombra que a seguia o
caminho todo. Segue até sua mesa colocando sua
mochila sobre ela.
─ As regras servem para ser seguida,
O’Connor ─ Dizia ele assim que entra pela porta.
─ Apenas perdi a noção do tempo ─ Ela
dizia com o resto da paciência que lhe restava ─ E
não foi tanto tempo assim. Foram apenas sete
minutos. Os arquivos nem notaram ─ Falava com
escárnio.
─ Muita coisa pode acontecer em sete
minutos. Vidas podem mudar por completo em
menos que isso.

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Sarah retirava o celular do seu bolso que


ainda possuía os fones conectados, enquanto ouvia
o que ele lhe dizia, seus movimentos vão se
tornando mais lentos a cada segundo até que em
determinado momento se cessa.
Encarava seus dedos que lentamente e
inconscientemente esfregavam a tela de seu
aparelho. Ela mais do que ninguém sabia que o que
ele dissera era completamente verdade. Vidas
podem mudar em um momento apenas, pois a dela
fora assim.
Um momento. Uma decisão. Um minuto.
Tudo somado transformaram a vida dela e destruíra
de várias outras. Em um segundo ele estava lá e no
seguinte apenas o vazio. Ele se fora e a deixara com
as lembranças, com a saudade, com a dor e a
solidão. Partira com seu jeito jocoso e sorriso fácil,
com seus lábios macios, mãos quentes e
acolhedoras.
Contra vontade tivera que concordar com
seu professor. Mas o fizera em silêncio, não iria dar
esse prazer a ele.
Aos poucos gira seu rosto em sua direção e
o encontra de costas para ela, retirando pastas e
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papéis de dentro de sua maleta e os colocando


sobre sua mesa. Mas além de seu comentário afetá-
la daquela maneira, trazendo pensamentos que se
recusa a pensar na maior parte do tempo, havia algo
que notara em seu tom de voz e na maneira com
que lhe dissera aquilo. Soara como “experiência
própria”, com familiaridade.
─ Eu sei bem o que um minuto pode fazer
─ Ela lhe dizia.
─ Então se sabe, deve respeitar o tempo.
Sabe como ele é importante.
─ Quer que eu comece por onde? ─ Ela
ignorava seu último comentário.
─ Pelos meus horários, é claro. Como
sempre. Já deveria saber disso.
Aproveitando que ele ainda não a encarava,
revira os olhos com vontade.
Antes que não consiga se controlar e acabe
dizendo umas verdades para aquele homem
supersimpático, dá à volta pela sua mesa, sentando-
se e ligando seu notebook para checar a grade de
horários do “senhor alto astral”.
Como sempre fazia para se acalmar recorre
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à música. Sempre a utilizando como válvula de


escape assim como a dança. Era uma mania que
tinha, fazia no automático. Então não percebe
quando começa a cantarolar.
Encarava a tela de seu notebook,
aguardando o sistema se iniciar por completo. Seu
canto não cessa. Habilmente abre a grade de
horários e percorre seus olhos pela mesma. Vira
que não houvera alterações ou ajustes de última
hora, mas antes que possa informá-lo sobre isso
escuta seu pigarro, lhe causando um leve
sobressalto pela proximidade do som.
Quando ergue seus olhos da tela e encara
sua frente, pode ver o início de sua calça social
escura da qual usava e ao seguir a linha do corpo
encontra a virilha da figura em pé.
Involuntariamente seus olhos se demoram naquela
região.
─ Será que vou ter lhe dizer novamente
todas as regras? ─ Sua voz cortava seu contato
visual.
O que estou fazendo? Pensava
envergonhada. Não acreditava que estava
encarando a virilha de seu professor.
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─ Ou quem sabe eu faça um cartaz bem


grande e o cole na parede.
Ainda sem prestar muita atenção no que ele
lhe dizia, eleva mais seus olhos e encontra o
portador da voz com os braços cruzados em frente
ao peito.
─ Do que o senhor está falando?
─ Sobre regras, O’Connor. Algo que acho
que não entende para que serve.
Sem lhe dizer nada ela o encara com uma
grande interrogação em seu rosto, arrancando um
longo suspiro dele.
Logo estende sua mão para ela e quando ele
indica com o queixo sua mão é que nota que ainda
segurava seu celular com os fones. Revoltada ela
lhe estende o aparelho, que o pega e desconecta os
fones.
─ Bolsa ─ Ele indicava com um objeto em
casa mão e os colocando sobre a mesa dela.
Com movimentos firmes ela faz o que ele
lhe dissera.
─ Não sei qual o problema de cantarolar ─

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Dizia indignada.
─ Não consigo me concentrar.
─ Eu não sei trabalhar sem música.
─ Vai ter que aprender.
─ Não posso dançar no gramado, não posso
ouvir música, não posso cantarolar.
─ Aqui não é um palco. Caso não tenha
reparado é uma universidade. Um escritório. ─
Gesticulava mostrando o ambiente ─ Se você acha
que é então sugiro que troque de curso.
Ela se levanta de seu lugar, irritada. Aquele
homem tinha aquele terrível dom. Contorna sua
mesa parando somente quando está cara a cara,
erguendo um pouco a cabeça devido à altura de sua
companhia.
─ Estou exatamente onde deveria estar ─
Dizia com firmeza.
Nota um brilho desafiador percorrer o par
de cristais que a fitavam.
─ Quase reprovando na minha matéria? ─
A sobrancelha direita dele se arqueia.
Ela respira fundo.
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─ O senhor é o ser humano mais difícil de


lidar da face da terra.
─ As regras são simples. Não entendo a
dificuldade.
Regras, regras, regras.
Ela se aproxima mais diminuindo a
distância entre eles, encarando bem seus olhos.
─ Elas são absurdas.
─ Absurdas? ─ Dizia impacientemente ─ A
sua atitude que é. Isso é um escritório. Não se
dança em um local como esse. A não ser que seja
uma cantora pop em algum videoclipe ou insana.
─ Primeiro sou bailarina e não cantora pop.
Segundo eu não estava dançando e terceiro eu sou
tão insana que trabalho com você.
A cada coisa que apontava em seu
argumento era um centímetro a mais que era
retirado da distância de seus corpos.
─ Seu comportamento também está sob
minha avaliação e adivinha só, até agora você não
está recuperando nota ─ Escutava seu tom
sarcástico ─ Esse seu desrespeito pelas minhas

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normas e atitude petulante não estão colaborando.


─ Talvez eu fosse menos petulante e
“desrespeitosa” ─ Gesticulava com os dedos ─ Se o
senhor não fosse tão hostil ─ Mais um centímetro a
menos ─ Grosso ─ Dois centímetros ─ E chato.
Quando termina quase não havia espaço
entre eles, seus corpos separados apenas por um
pequeno e quase inexistente vácuo. Se respirasse
fundo seu peito encostaria ao abdômen dele.
─ Hostil? ─ Ele lhe perguntava ─ Acredite
você ainda não me viu assim.
─ Nossa. Se esse é seu lado “benevolente” –
Ela mais uma vez gesticulava com mãos apontando
para ele – Não quero mesmo estar aqui para ser
hostilizada.
Ele puxa fundo o ar elevando seus ombros
evidenciando mais toda sua extensão, passando a
mão pelo rosto, esfregando sua barba rala.
─ Você é muito irritante ─ Ele lhe dizia em
tom irritadiço.
─ Eu estava apenas cantarolando, não é o
fim do mundo.

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─ Não. É mais do que isso. O tempo todo


falando, perguntando, cantando, girando, saltitando.
Você parece algum tipo de duende que caiu de
algum arco-íris.
─ Um duende? ─ Perguntava ofendida,
sabia que era essa a intenção dele ─ Se eu sou um
duende o senhor é tipo uma versão inglesa do
Grinch. Com suas roupas sociais e sapatos
brilhantes.
─ O Grinch?
─ Sim. O próprio. Grosseiro, mal-
humorado, recluso e que não gosta de ninguém,
então os afasta.
─ Vamos recapitular a estória do
personagem ─ Ele inclinava a cabeça se
aproximando mais ─ Ele afasta as pessoas por que
não gosta de ninguém ou afasta as pessoas por que
ninguém gosta dele?
─ Ele é rabugento e faz tudo para acabar
com a felicidade das pessoas. Então a meu ver as
pessoas não gostam dele por suas atitudes.
─ É uma estória sobre preconceitos e pré-
julgamentos. As pessoas não aceitam o que não
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conhecem. Então é mais fácil excluir.


─ Então isso me faz ser a Cindy Lou?! Ela é
a única que o atura, mas diferentemente dela eu não
farei isso calada, balançando a cabeça e sorrindo
concordando.
─ Combina com você. Ela é completamente
irritante e intrometida igual.
A cada comentário dele e rebatida dela os
aproximava mais.
─ Apenas quero ser sua amiga. Não há nada
de ruim nisso. Qual o problema de te perguntar
coisas?
─ Não sou obrigado a responder.
─ Então não sou obrigada a não perguntar.
Seus olhares presos em um combate
silencioso. O brilho gélido dele contra o em chamas
dela.
Agora a distância não existia. O mínimo
espaço que antes havia fora extinto por ele. Seu
professor mantinha a cabeça inclinada levemente
em direção a dela. Ela podia sentir sua respiração
movimentar alguns fios de seus cabelos sutilmente.

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Ele estava tão perto a ponto de conseguir visualizá-


lo com mais atenção.
Seu nariz perfeitamente esculpido, seu
queixo quadrado e com um pequeno furo no meio,
seus lábios em um contorno ideal para um encaixe,
a barba rala que parecia ter sido perfeitamente
desenhada em seu rosto. Ele era sem dúvidas um
homem muito bonito. Mas com toda certeza a parte
que ela achava mais marcante eram seus olhos.
Azuis de um tom cristalino, a parte mais próxima
da pupila possuía outro tom de azul, um pouco
mais escuro que se irradiava ficando mais claro na
extremidade. Glaciais, sinceros e com brilho
sempre desafiador.
Sentia seu peito tocar abaixo do peitoral
dele, que era coberto por um colete azul marinho
com botões da mesma cor. Tomara gosto por
homens que se vestiam formalmente.
Hipnotizada, ergue uma das mãos como se
estivesse sendo induzida a isso. As pontas de seus
dedos timidamente encostam-se ao peito dele, tão
sutilmente que nem move o tecido, esse que era
macio e muito bem alinhado. Assim que o contato
acontece, sente-o enrijecer a musculatura.
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Seu coração se acelera, os batimentos


frenéticos quase audíveis. Lá estava àquela
sensação familiar novamente, aquele conforto, a
saudade de algo. O formigamento que a
aproximação dele sempre lhe causava.
Ele tinha a respiração mais pesada, como se
estivesse ficando ofegante. Seu maxilar flexionado,
seus olhos vidrados nos dela. Os dedos que apoiara
nele agora se deslizavam até que sua palma sinta o
tecido. Ninguém dizia nada, ninguém se afastava
ninguém avançava. O momento parecia ter
congelado.
Suspeitava que o relógio tivesse parado, não
havia mais nada além daquele momento. Ethan
Collins havia retirado dela toda forma de reação.
Não era a primeira vez e como sempre nesses
momentos, era ele que encontrava algo a dizer.
─ É só seguir as regras, O’Connor.
─ Quais... Quais regras? ─ Gaguejava. Sua
voz não mais do que um sussurro.
─ Sem cantoria. Sem música e dança no
escritório ─ Dizia devagar cada uma delas, a voz
dele possuía uma rouquidão tentadora e sedutora.

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De sua garganta escapa um gemido baixo.


Para sua surpresa repara ele movendo seu
braço esquerdo, com um movimento lento
aproximar sua mão da dela. Seus dedos se fecham
em seu pulso com delicadeza, então em um
segundo ele estava lá em contato e no seguinte
retirava a mão dela espalmada de seu peito e se
afastava seguindo para a sua mesa no centro da
sala.
Seus sentidos enfim voltam. O feitiço havia
passado, mas seu coração ainda tentava se
comportar.
O que foi isso? O que eu pensei que ele
fosse fazer? Me beijar? Me pegar no colo e me
jogar na mesa? Revirava os olhos diante seus
pensamentos absurdos e imaginação fértil.
Apoiando o quadril na borda da mesa como auxilio.
─ Tenho duas aulas agora ─ Ele cortava o
silêncio enquanto ela ainda se recuperava.
Seu professor segue até o outro lado de sua
mesa. Analisando sua postura, aparentava estar sob
controle, não parecia ter sido afetado como ela.
Não conseguia acreditar que somente ela havia

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sentido aquilo. Havia duas opções. Ele não sentira


realmente nada e ela era uma doida com tendências
pervertidas ou ele era um mestre no disfarce.
Sentado em sua cadeira, abria a gaveta de
sua escrivaninha e mexia em seu interior.
Ela olhava ao redor em busca de algo para
fazer, urgente. Antes que fosse vencida pela
tentação e se sentasse no colo daquele homem.
Pensava em seus afazeres. Era Sexta-feira, o que
significava que era dia de faxina nas estantes. Ele
gostava que ficasse tudo limpo durante o final de
semana. O porquê? Quem é que sabe?
Decidira que começaria pela estante que
ficava às costas dele. Pega a pequena escada, que
surgira magicamente em uma tarde no escritório e
que ficava bem escondida em um canto estratégico
da sala, e segue para seu destino. Assim que encara
a primeira prateleira que limparia, se depara com
um vazio, estava faltando um livro. Gira seu corpo
e vê que sob a mesa dele não havia nenhum e não
se lembrava de ter retirado alguma edição de
Fisiologia.
─ Está faltando um volume na sessão de
Fisiologia.
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─ Sim. Emprestei para um aluno ─ Ele


anotava algo em um pequeno caderno que
acreditara ter retirado da gaveta aberta.
Algo chama sua atenção dentro da gaveta
ainda aberta em sua mesa. Havia um objeto
retangular. Era uma porta retrato com uma moldura
branca trabalhada, suas bordas pontudas, laterais
retas e com uma trinca no vidro. Ele era muito
bonito. Um artigo digno de uma prateleira de uma
loja refinada, mas no centro por detrás do vidro,
não havia nenhuma foto.
─ Porque você tem uma porta retrato sem
foto? ─ Perguntava sem conseguir conter a
curiosidade.
A caneta para de mexer instantaneamente. E
seu professor com um movimento sutil fita o objeto
ao seu lado.
─ Geralmente ─ Ela continuava diante o
silêncio dele ─ As pessoas colocam fotos neles.
Poderia colocar uma foto de sua família e deixar a
vista aqui na estante ou na sua mesa ─ Ele ainda
não dizia nada ─ Ou quem sabe da sua esposa?
Ela não sabia se ele tinha uma ou alguém

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especial. Nem ao menos sabia se tinha família, pois


como devem ter reparado ele não é de compartilhar
muito.
─ Ou filhos? ─ Ela continuava ─
Namorada?
─ Ele está como deve estar ─ Enfim ele lhe
diz rispidamente ─ Se não tem foto é porque o
quero assim.
No mesmo instante ele fecha a gaveta
trancando logo em seguida.
─ Então porque deixar ele aí se não quer
colocar nada? É só uma porta retrato.
─ Não é qualquer porta retrato.
Ele já estava de pé novamente e recolhia
algumas coisas que utilizaria na aula que daria.
Olha o relógio em seu pulso pelo menos três vezes
em um curto período de tempo.
─ Só acho estranho... ─ Ele a interrompia.
─ Você não consegue se controlar, não é
mesmo? ─ Agora ela tinha sua atenção ─ Tem que
perguntar. Quer saber de tudo. É um porta retrato e
fim da história. Não há nada pra saber.

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Pela sua reação ela sabia claramente que


havia muito para saber.
Ok. Talvez perguntar nem sempre funcione
com ele. Pensava estreitando seus olhos para a
figura nada feliz. Perguntar ajudava, já havia feito
isso com ele, mas estava chegando à conclusão que
ele tinha que estar mais à vontade para que
funcionasse, como das outras vezes. Agora, a
pessoa que estava parada ao lado da mesa não
estava nem de perto disso. Estava na defensiva.
Então em busca de uma alternativa, uma
ideia surge.
Mas e se eu estimular que ele pergunte?
Ver que estou falando sobre mim, talvez o incentive
a falar sobre si.
─ Tudo bem. Não quer me contar, não
conte ─ Dizia em falso descaso ─ Pelo menos um
de nós é um livro aberto.
─ Você? Um livro aberto?
─ Sim ─ Diante o olhar cético dele, ela
continuava ─ Pode perguntar qualquer coisa.
─ Qualquer coisa? ─ Notava uma ponta de
interesse por querer testá-la.
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Peguei você Cérbero!


─ Qualquer coisa.
Por alguns segundos ele apenas medita
sobre o assunto. Seus olhos vistos através de
pequenas fendas. Ela sorria triunfante, conseguira
atrair a atenção dele pra si. Tinha que se controlar
muito para não dar pulinhos de alegria, finalmente
conseguira com que fale sobre outra coisa que não
seja ordens, enfim ele iria perguntar algo pessoal.
Assim que ele abre a boca e solta sua
pergunta, ela se arrepende.
─ Por que escolheu esse curso?
Para recomeçar. Era o que queria dizer.
Quando sofrera o acidente há alguns anos,
Sarah se viu sem chão. Ficara internada durante
muito tempo, passara por uma cirurgia muito
complicada, mas que salvara sua vida. Ficara muito
tempo afastada de tudo. Abandonara a dança, que
era sua profissão na época, abandonara sua pós.
O acidente lhe roubara tudo. Até a si
mesma. Olhava no espelho e por muito tempo não
sabia quem era aquela. Demorara um tempo para se
erguer e quando isso aconteceu decidira que aquele
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país não era mais pra ela, pegara tudo o que


conseguia carregar e se mudara.
Mas em sua estada no hospital e durante um
bom tempo depois da sua alta, conhecera
profissionais e pessoas incríveis que a ajudaram em
sua recuperação. Eles foram como uma luz,
guiando-a e mostrando que a escuridão não é para
sempre. Então quando se inscrevera para a vaga
naquele curso, decidira que era isso o que queria
ser. A luz para alguém.
Não queria conversar sobre aquele assunto.
Não estava preparada, era delicado e doloroso na
maior parte das vezes. Então o que consegue dizer
é apenas:
─ Por que gosto dessa área.
Lentamente a sobrancelha dele arqueia em
sinal de descrença.
─ Claro ─ Dizia com ironia ─ Você
realmente tem problemas em dar respostas
completas.
Ela aperta a lateral da escada com força.
─ Ótimo. Então já que respondeu
claramente essa pergunta. Vamos para a próxima.
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Ethan cruza os braços rentes ao peito.


─ Porque tem duas alianças no seu pingente
do colar?
BOOM! Um choque. Uma surpresa.
Deixando-a paralisada no primeiro degrau da
escada.
─ Eu vejo você mexer nele de vez em
quando. Por que você as tem?
Ela não conseguia dizer nada. Havia
desaprendido a falar, acreditava que se abrisse a
boca apenas sons e não palavras formadas sairiam.
Ele aguardava sua resposta na mesma
posição. Fitando-a. Desafiando-a. Mas ela não
conseguia se mover. Involuntariamente sua mão vai
até o objeto citado por ele. Seus dedos tocando e
apertando a superfície fria do metal.
─ Quer saber sobre o porta retrato? Então
me fale sobre o colar.
Silêncio.
─ Viu só. Não é legal quando nos
perguntam coisas das quais fugimos das respostas.
Você quer tanto que eu fale sobre mim, mas não

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consegue fazer o mesmo. E depois vem com a


história de ser um “livro aberto” ─ Dizia com
sarcasmo.
Inclina o corpo um pouco para frente ainda
a fitando.
─ Todo mundo tem o seu porta retrato sem
foto, O’Connor. E esse ─ Ele apontava para o colar
que segurava ─ É o seu.
Descruzando os braços, ele continua a
arrumar seu material para as aulas.
Nunca contara para ninguém, além de
Alexia sobre as alianças e o motivo de não estarem
em seus devidos lugares. Aquele era seu amuleto, a
única coisa dele que não tivera coragem de se
desfazer. O anel era o símbolo da promessa feita
por eles. A última que ele lhe fizera.
Quando a imagem da sala novamente se
foca, vê Ethan de costas se afastando.
─ Então não faça perguntas que nem você
tem coragem de responder ─ Dizia ele em tom
amargo.
Frustrada e irritada era como ele a deixara.
As palavras amargas que lhe proferira haviam
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afetado seu ego. Como alguém pode se tornar


assim? Por um lado, ele tinha razão, ela não tinha o
direito de lhe fazer exigências. Seria hipócrita
demais se achasse que tinha.
Respirando fundo. Suas mãos tremiam.
Queria socar alguém, um alguém muito especifico.
Retirar aquele ar de sabe tudo e arrogante.
Volta a sua tarefa divertida de “serva do
diabo”. Mas o primeiro volume que decide tirar da
estante é um daqueles dos bem grandes. Escapando
por entre seus dedos o volume acaba caindo e
esbarrando na prateleira de baixo, bem encima de
um artigo decorativo que ele tinha, um dos poucos,
uma pequena estatueta de metal, que era uma fita
de DNA que se trançava e se condensava formando
um cromossomo.
Rezava para ele já ter saído e não ter visto
aquela cena, mas como aquele definitivamente não
era o seu dia, assim que o barulho ecoa pelo
ambiente seus olhos correm até a porta e para seu
total azar ele ainda não terminara de sair.
Abrindo a porta bruscamente, encara a cena
com as sobrancelhas franzidas.

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─ Espero que você não tenha quebrado nada


─ Ele lhe dizia.
Aquilo fora a gota d’água. Sem conseguir se
controlar, pega um livro da estante, um bem menor
dessa vez, e sem pensar direito sobre o que estava
prestes a fazer, ela o atira, que bate na parede a
consideráveis centímetros do ombro dele.
Ele fitava o livro no chão próximo ao seu
pé.
─ Não quebrei nada. Não sou boa de mira.
Infelizmente!
─ O que pensa que está fazendo? ─ Seu
olhar recaia sobre ela.
─ O senhor é um homem amargo ─ Ela
explodia, cuspindo suas palavras ─ Tem uma vida
triste e fica culpando as outras pessoas pela sua
infelicidade ─ Gesticulava com os braços ─
Adivinha só. Eu não tenho culpa se você odeia as
pessoas! Quer saber acho que é por isso que aquele
merda de porta retrato está vazio. Por que ninguém
suporta o senhor e com toda certeza sua esposa não
deve ter te aguentado e fugiu. FOI PARA BEM
LONGE DE VOCÊ!

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Ele se mantém estático e calado. Suas


sobrancelhas já não estavam mais franzidas, sua
expressão não era mais de raiva ou reprovação.
Aparentava estar surpreso com a carga que
despejara nele. Ele quebra a conexão que os
prendia. Remexe algumas vezes a maleta em sua
mão direita.
Assim que descarregara todo o peso e as
palavras engasgadas, ela se sente mal. Não falava
assim com ninguém, havia passado dos limites.
Seu professor ergue a cabeça e solta o ar
lentamente. Nem parecia o homem que há instantes
atrás lhe atacara.
─ Você tem razão ─ Ele começava a dizer
─ Eu afasto as pessoas. Mas não faço isso porque
as culpo pela minha vida ─ Passava a ponta da
língua no lábio inferior em um ato de reflexão ─
Não há ninguém a ser culpado, além de mim
mesmo. Eu não as odeio. Você acha que sou
exigente com meus alunos. Acredite, comigo sou
muito pior.
Ele pegava a maçaneta.
─ Quando terminar o que está fazendo,

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pode ir embora ─ Ele arrumava sua postura e lá


está o bom e velho Cérbero ─ E quanto ao estágio.
Não precisa mais voltar.
Fecha a porta assim que sai, deixando-a
sozinha.
Parabéns Sarah. Não durou nem duas
semanas, valeu por ser linguaruda!
─ Estou ferrada!

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“Aquele que se empenha a resolver as


dificuldades resolve-as antes que elas surjam.”
A arte da guerra
Sun Tzu

Você está em cima de um palco sozinha e


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pronta para seu grande solo. Sabe aquele que


esperou sua vida inteira para apresentar? Mas de
repente as luzes se focam em você. O nervosismo
surge. Em sua mente, o branco. Ao se mover, suas
pernas não conseguem fazer os movimentos
perfeitamente, mesmo você ensaiando mil vezes e
sendo ótima no que faz. Toda plateia murmura o
quanto estava entediada com sua performance e
para completar os críticos do Royal Ballet não estão
nada satisfeitos.
Horrível não é mesmo? O pesadelo de
qualquer bailarina. Mas todas essas sensações, não
eram muito diferentes do que passara após a partida
de seu professor ou ex-chefe da sala naquela tarde.
Ela ficou completamente perdida. Sem reação. Suas
pernas se esqueceram de como que se moviam. Seu
cérebro simplesmente travou.
Em duas semanas de estágio seu gênio
havia sido forte o bastante para fazer o que fez e ser
expulsa. Rezava que fosse expulsa apenas do
estágio.
Atacar um professor com um livro? Sério, o
que estava pensando?
Por mais que ele tenha sido um pouco
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hostil, não justificava a maneira como ela agiu.


Aquilo não era de seu feitio e tudo bem ela sempre
teve um gênio forte, personalidade forte o que a
tornava um pouco difícil de lidar às vezes, mas ela
simplesmente não conseguia se controlar perto
dele. Algo naquele homem despertava sua
curiosidade a níveis catastróficos. Não só pelo jeito
dele olhar ou a maneira como ele agia ou as coisas
que com certeza escondia. Não. Havia algo a mais.
Ele era como o número PI, ou seja, uma sequência
infinita de números no meio de uma complicada
equação que para ela estava sendo difícil
desvendar.
E olha que sou muito boa com números.
Pensava enquanto fazia sua caminhada da vergonha
de volta para casa.
Havia ficado na biblioteca depois do seu
último dia no estágio. Não conseguira ir para casa
assim que saiu de lá, estava muito envergonhada de
si mesma por agir de maneira tão bruta, mas o que
ele queria? Perguntando sobre coisas que
naturalmente a afetavam de uma maneira da qual
ela achava que ele entendia.
Tudo bem. Talvez eu não devesse ter
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perguntado sobre o porta retratos, mas como iria


saber que aquilo era importante para ele?! Argh
por que me importo tanto?
Nervosamente levava suas mãos aos
cabelos. E para completar seu dia após sair da
biblioteca do campus seguira para o estúdio, era
sexta, ou seja, ensaio para o recital. Achava que
dançar a faria esvaziar sua mente para enfim pensar
em uma solução para seu problema, certo? Errado!
Seu professor, Peter, havia pegado pesado no
ensaio e por mais que ela devesse ir com mais
calma na dança, não foi poupada de sequências e
mais sequências de movimentos seguidos várias e
várias vezes.
Talvez devesse aceitar seu destino. Quem
sabe não encontraria outra forma de recuperar sua
nota. Quem sabe subornando alguém da secretaria
para alterar a nota dela? Ou subornar o próximo
assistente dele. Mas reprovar naquela matéria
estava fora de cogitação. Daria um jeito. Deve
haver outra maneira, não é mesmo?
Quando chega em casa, joga sua mochila de
qualquer jeito ao lado da porta, atira seus sapatos
para longe e sai correndo em direção ao sofá em
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forma de L do seu apartamento e afunda seu corpo


nele.
Esfregava sua testa pensando inutilmente
em alguma maneira de recuperar algo que já havia
perdido. Após alguns minutos enquanto sua cabeça
maquinava escuta saltos descerem as escadas.
Erguendo levemente seu corpo Sarah vê sua amiga
Alexia surgir linda como sempre, bem arrumada e
pronta para ir a qualquer festa.
— Oi Mi! – Ela a cumprimentava sorrindo,
mas logo percebe que algo estava errado. – Tudo
bem? – Perguntava com um pouco de preocupação
na voz.
Suspirando Sarah pensa no que lhe dizer.
Sabia que se não dissesse algo, Alexia daria um
jeito de torcê-la e retirar o que tanto queria saber.
— Você não vai acreditar no dia que tive
hoje – Ela se aproximava sentando-se ao seu lado.
– Perdi a cabeça e insultei o Cérbero.
A pupila dos olhos castanhos amendoados
de Alexia dilata ao mesmo tempo em que seus
olhos se arregalavam.
— O que você fez? – Perguntava alarmada.
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Por mais que Sarah quisesse contar tudo a


ela e desabafar, prefere não o fazer. Mais uma vez
passa os olhos pelas roupas dela, com toda certeza
iria sair, não queria estragar a noite dela também.
Uma pessoa chateada naquela casa já estava de
bom tamanho. Acreditava também que sua amiga
não entenderia seus motivos ou os dele. Na verdade
enquanto passara horas em momentos de reflexão,
chegara à conclusão de que apenas uma pessoa
poderia ser capaz de entender.
— Eu disse coisas que não deveria e ele
ficou bravo – Ela se senta no sofá e encosta seu
corpo no mesmo. — Quer tomar algo no Jack’s? Eu
preciso mesmo relaxar.
Alexia sem jeito lhe oferece um sorriso
acanhado enquanto leva às mãos a nuca, Sarah
sabia que por seus gestos que naquela noite não
teria a companhia da melhor amiga.
— É que... Eu combinei de encontrar o
Ryan, mas tudo bem eu posso desmarcar.
Sarah impede Alexia de pegar seu telefone
na bolsa colocando suas mãos sobre a dela. Alexia
não precisava estar envolvida nos seus dramas o
tempo todo, ela merecia sair e se divertir.
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— Não Lexi. Eu vou ficar bem, pode ir –


Sorria.
— Certeza? – O olhar de Alexia era
cauteloso.
— Certeza, eu vou ficar bem, nada que um
pote de sorvete e um filme não resolvam.
Alexia se aproxima e envolve a nuca de
Sarah com ambas as mãos a trazendo para perto,
abaixando sua cabeça e beijando com carinho sua
testa. Os lábios dela se demoram naquela região e
pode sentir a respiração dela bagunçar seus cabelos
no topo de sua cabeça, quando se afasta seus olhos
se fixam em seus lábios, ambas próximas até que
Alexia se afasta sem jeito.
— Eu prometo voltar logo – Dizia ficando
de pé.
Sarah apenas concorda. Alexia prometera
que assim que chegasse ela teria que repassar todo
o assunto com ela e em seguida seus passos são
ouvidos pelo corredor e a porta se fechando.
Bom. Pelo visto agora sou eu, um sorvete e
o senhor Darcy.
Criava coragem para se levantar e ir
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até seu quarto buscar na sua coleção de adaptações


de clássicos o filme Orgulho e preconceito, para em
seguida se afundar no sofá novamente.
Retira seu celular do bolso da calça e encara
a tela. Involuntariamente seus dedos clicam na lista
de seus contatos. O nome “Jekyll” aparece entre
eles. Por várias vezes seus dedos fazem menção de
clicar nele. Sabia que devia desculpas pelo seu
comportamento.
O incomodo maior dela, não era “O que iria
fazer com sua nota?” e nem o fato de estar
praticamente em recuperação com ele, mas sim o
jeito que a olhara depois que despejara aquelas
palavras maldosas nele. Não sabia sobre a vida
pessoal dele, se havia alguém nela ou não, mas o
que ela lhe dissera o atingira em cheio. E pelos seus
olhos soube que o ferira.
Desliza a tela deixando o contato dele rolar.
Não tinha coragem para conversar com ele. A
vergonha era maior do que seu arrependimento. E
também achava que ele não iria querer falar com
ela depois daquilo.
Ele precisa de um tempo. Quem sabe
semana que vem o humor dele melhore.
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Um riso irônico escapa do fundo de sua


garganta. Ele nunca estava de bom humor.
Ela então decide tentar a sorte e ligar para a
única pessoa que entenderia suas dores e que talvez
pudesse fazê-la entender as do seu professor.
Após o terceiro toque ele a atende.
— Alô?
— Oi David, é a Mi — Ela suspirava. —
Lamento informar, mas Mirna real não está aqui.
Na verdade, aqui quem fala é somente a casca dela,
pois sua alma foi consumida e devorada pelo
guardião do inferno.
Escuta a risada dele do outro lado da linha e
um sorriso surge no rosto dela.
— Sua voz está horrível.
Ela precisava concordar.
— Obrigada, precisa ver minha aparência.
— Olha se servir de consolo também não
estou nos meus melhores dias – Então um breve
silêncio e logo ele recomeça – Está cansada ou
ocupada?
— Na verdade não. O que eu precisava
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mesmo era sair um pouco.


— Leu meus pensamentos, preciso de um
descanso da fisiologia e anatomia.
A simples menção a matéria já faz com que
ela estremeça.
— Meu dia foi horrível David – Ela falava
com tristeza.
— O que houve?
— Me encontra na esquina da faculdade
atrás da biblioteca? Eu explicarei tudo. Preciso
desabafar.
— Ok. Em trinta minutos estarei lá.
Ela concorda desligando seu celular após
uma rápida despedida.
Força a se levantar do sofá e vai até sua
mochila a pegando e a colocando por sobre o
ombro, precisava se trocar rapidamente.
Após seu banho e de colocar uma roupa
mais confortável, segue até sua penteadeira para
dar um jeito nos cabelos. Quando abre a gaveta a
procura de sua escova de cabelos se depara com
uma foto há muito tempo esquecida.
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Seus olhos encaram a imagem no papel


fotográfico por longos minutos e um abatimento a
invade. Com as mãos trêmulas ela pega a foto a
erguendo bem próximo ao seu rosto e sem que
perceba uma lágrima solitária desliza por sua face e
pinga encima da figura que sorria para a câmera.
Os cabelos castanhos claros, sorriso largo e
iluminado.
“Todo mundo tem seu porta-retratos sem
fotos”. As palavras de Ethan retornam.
Rapidamente para afastar lembranças e
sentimentos que lutava diariamente para esquecer,
guarda a foto no fundo da gaveta a fechando com
um barulho alto. Veste uma camisa de flanela por
cima de sua roupa e sem pensar sai de seu quarto
bruscamente.

Quando ela se aproxima do prédio da


biblioteca da universidade, se depara com a figura

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masculina que já a aguardava. Encostado em um


carro olhando seu celular, David estava com uma
calça escura e uma camisa branca que era coberta
por uma jaqueta preta que desconfiava ser de couro,
seus cabelos penteados para trás e seus tênis all star
pretos lhe davam um ar que garoto malvado. Quem
não o conhecesse o julgaria daquela maneira.
Realmente ele é muito bonito, mas não
tanto quanto... Senhor Collins?
Ela se pegara de surpresa comparando seu
amigo com seu professor e pensando em como ele
ficaria vestido da mesma maneira. Isso só pode ser
pelo que aconteceu hoje!
Suspira e apressa seu passo em direção a
David. Antes que ela o cumprimente ele,
percebendo sua presença, se vira em sua direção e
sorri.
— Oi Mi! – Ele ficava a sua frente com as
mãos nos bolsos de sua calça.
— Oi David, pronto?
— Sim aonde vamos?
— Não é muito longe daqui, apenas alguns
quarteirões. É um clube que alguns bailarinos e
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dançarinos do estúdio que frequento vão.


— Ok, mas não prometo dançar, ainda mais
perto de vários experts no assunto.
Ela ria de sua timidez e concordava com a
cabeça.
— Então melhor te dar uma carona porque
parece que vai chover – Ele apontava com a cabeça
para o céu escuro e nublado.
Carro. Estrada. Acidente.
— NÃO! – Ela praticamente gritava
levando suas mãos ao peito dele assim que um raio
corta o céu escuro.
Encarando-a assustado seu amigo tomba a
cabeça para o lado de forma questionadora.
— O que foi? – Ele a perguntava.
— É apenas alguns quarteirões daqui, dá
pra ir andando.
— Relaxe eu sou um ótimo motorista e não
quero que fique resfriada.
Seus dedos tremiam, sua respiração estava
um pouco mais pesada e seu coração estava
acelerado. Sim ela tinha trauma de entrar ou dirigir
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qualquer veículo motorizado. Desde seu acidente


ela nunca mais dirigira ou sequer entrara em um.
Sarah já havia tentado diversas vezes como
parte de sua terapia. Enfrentar seus medos era isso
que sua psicóloga do hospital a encorajava a fazer,
mas toda vez que tentava seu peito se comprimia e
lhe faltava ar nos pulmões.
Todo mundo alguma vez já passou por
algum tipo de situação que deixara marcas, essas
profundas ou não. Na maioria das vezes as pessoas
conseguem superar se colocam a frente da situação
e enfrentavam seus medos, não se deixavam
controlar por seus temores afinal a vida não é só
feita de momentos felizes.
Dizem que para tudo há o seu tempo. Para o
delicado momento do desabrochar de uma flor há
sua hora certa, assim como para as pétalas dessa
caírem e enfim ela morrer. Com a superação é a
mesma situação. As pessoas possuem tempos
diferentes, pois todos somos diferentes uns dos
outros. No caso de Sarah o tempo dela ainda não
chegara. Só a menção de algum veículo lhe trazia
um medo incontrolável e lembranças intoleráveis.
Como se seu amigo lesse sua mente ele a
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tira de suas divagações.


— Quer saber, uma caminhada não faria
mal – Ela o vê estender sua mão em sua direção e
agradecida ela a pega.
Um tempo depois, Sarah estava mais calma.
Ela guiava David pelas ruas da cidade. Pela
primeira vez alguém não a questionara e nem
insistira sobre não querer um carona ou sobre o
modo evasivo nada discreto que agia quando
alguém a convidava.
Alguns minutos depois eles dobram uma
esquina que dava acesso a um clube no final da rua
onde uma enorme fila estava formada e um
segurança guardava a porta de acesso.
— Nossa hoje está lotado — Ela dizia ao se
aproximarem da multidão.
Sabia que o bar em questão era sempre
muito visitado, mas naquela noite estava mais cheio
como nunca em todos esses anos vira antes.
— Tem que ter um tipo de convite especial
para entrar? – Podia notar o olhar de David para
enorme fila.
— Eu já volto me espera aqui ok? – Ela se
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afastava dele e segue ao início da fila.


Indo em direção ao segurança, fica na ponta
dos pés e diz algo no ouvido do homem que acena e
lhe dá passagem, com sorriso vitorioso no rosto
Sarah acena para seu amigo que caminha até ela
surpreso, enrosca seu braço no dele e juntos
entram.
— Está bem lotada – Escutava a voz de
David próxima ao seu ouvido arrepiando de leve os
pelos de sua nuca.
Ele tinha razão o local estava entupido de
gente, a pista de dança cheia de dançarinos suados
e dançando loucamente ao som da música tão alta
que quase não dava para ouvir os próprios
pensamentos. Ela se aproxima de seu amigo
segurando as abas de sua jaqueta e falando em seu
ouvido.
— Você tem que saber que sou um pouco
conhecida aqui – Dizia sem jeito enquanto
avançava segurando novamente a mão dele até uma
área reservada mais à frente.
No caminho ela para diversas vezes para ser
cumprimentada, abraçada e claro apresentar seu

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amigo a alguns amigos do meio artístico que um


dia já fora sua vida.
Eles seguem até uma escadaria que levava
ao mezanino no segundo andar. Um local mais
reservado com sofás circulares e mesa com bebidas
disponíveis, essa área do clube/boate, tinha uma
vista para pista de dança e lá o som era um pouco
abafado pelo vidro que rodeava o local, permitindo
que haja uma conversa sem que seja necessário
grudar no ouvido de ninguém.
Ela se senta no sofá acompanhada de David
que coloca seus dois braços relaxadamente no
encosto do móvel.
— Uau! – Ela o ouvia dizer. Seu rosto
admirado enquanto observava o local.
— Bem melhor né? – Ela esticava seu braço
e pega uma O’C beer de cereja e no mesmo instante
lembra-se da noite no Jack’s que convencera o
senhor Collins a tomar duas daquela.
Não. Ele não. Sorria disfarçadamente para
seu amigo e atual companhia.
— Posso ouvir meus pensamentos — O
escutava dizer.
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Ela sorri pra ele devolvendo a cerveja na


mesa e pegando um coquetel que um garçom
acabara de colocar sobre a mesma.
— Gosto desse espaço — Ela se encostava-
se relaxadamente no sofá.
— Bem legal! Pode-me dizer como é tão
conhecida? Por acaso estou em frente a uma
celebridade?
Nota o tom brincalhão em sua voz.
— Que nada, somos uma grande família e
quando você dança algumas operas meio que o
mundo da dança reconhece – Ela dizia sem jeito —
E eu já dancei várias e fiz meu nome nesse meio —
Há muito tempo ela não era escalada para um
recital como fora agora.
Não por ela não ser talentosa o suficiente,
diga-se de passagem, ela era e muito, mas por
ordens médicas ela não podia exercer seu papel de
bailarina 100% e para dizer a verdade ela não sentia
tanta falta assim. Aquilo fora em outra vida. A
dança já não era mais sua profissão.
Houve um tempo em que a dança
significava tudo para Sarah, recitais, peças de teatro
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e concursos, ela vivia para aquilo. Amava a


sensação que estar no palco lhe causava, os
aplausos e a emoção de ser amada por todos, mas
depois de seu acidente ela percebera que a vida era
muito mais do que aquilo, que ser amada por
muitos não significava nada quando não se tinha o
amor de quem ela realmente queria.
Quase podia visualizar o rosto dele no meio
da multidão, vestido formalmente muitas das vezes
e sempre com a gravata desalinhada, o brilho
orgulhoso nos olhos e segurando um buque de suas
flores favoritas, peônias brancas.
Vira todo conteúdo do copo de uma vez.
Não iria chorar ali. Talvez fosse precisar de uma
bebida mais forte.
— Então realmente estou diante de uma
celebridade da dança.
Ela dava de ombros como se dissesse que
aquilo não tinha importância.
— Ahh vamos lá Mi, me deixe ter a ilusão
de que conheço alguém famoso para que possa me
gabar – Ela o vê pegar a mesma bebida que a sua e
levar a seus lábios. – Mas sério agora.

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Desembucha. O que aconteceu?


E lá vamos nós!
Ela solta o ar demoradamente jogando sua
cabeça para trás e fechando seus olhos.
— David, eu... — Ela respirava mais uma
vez — Eu fiz merda.
— Merda? – Ela vira sua cabeça da direção
de seu amigo abrindo seus olhos a tempo de vê-lo
pousar sua bebida na mesa à frente – Sabia que
tinha algo de errado assim que me ligou, me diga o
que houve, vamos conte para seu amigo aqui –
Sarah o vê apontar para seu peito e aquilo a faz
sorrir por alguns segundos.
— Eu... Eu briguei com o senhor Collins e
as coisas não acabaram bem.
— Não acabaram bem? – Um sorriso de
canto surgia nos lábios dele, Sarah notou que aquilo
o divertia. — Como assim?
— David, eu... Acho que forcei a barra com
ele, quer dizer — Ela se arrumava no sofá — Eu vi
um porta-retratos vazio em sua gaveta e perguntei o
porquê dele não colocar uma foto de alguém
próximo a ele e de repente ele mudou, ficou tenso e
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eu tentei aliviar a situação, mas acabei piorando e


disse algo que foi realmente maldoso, isso sem
falar que antes joguei um livro em sua direção.
Ela cobre seu rosto com as mãos, pois suas
bochechas estavam roxas de vergonha.
Desde quando comecei a agir como uma
criança mimada?!
— Espera! – Ela o olhou por entre seus
dedos, seu amigo estava parado, paralisado. Sua
boca abre e fecha várias vezes antes dele continuar.
– Você jogou um livro nele?
— Como eu disse fiz merda. Não consegui
me segurar e fui inconsequente.
— Mas, porque você fez isso?
Por que exatamente eu tinha feito isso?!
Nem ela sabia direito. Ele apenas dissera o que ela
não quisera ouvir. A verdade.
— Eu não sei, ele... Ele foi tão irritante, eu
só queria ser amiga dele, mas ele não me deixa
aproximar e o tempo todo fala em regras, normas e
em como eu sou inconveniente só por querer
conversar e aquilo estava me deixando nervosa e
quando vi o livro estava indo na direção dele.
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Leva as mãos aos seus cabelos longos,


passando os dedos por entre os fios enquanto
encarava seu amigo com um olhar em seu rosto
sem acreditar no que ela acabara de dizer.
— É realmente você fez merda — Isso era
tudo o que precisava ouvir... — Me admira você
ainda estar respirando, mas o que ele fez?
Pega outra bebida um pouco mais forte e
para ganhar tempo à virava toda de uma vez, o
líquido quente desce por sua garganta e ela tosse
algumas vezes antes de continuar.
— Pra resumir?! Fui dispensada. – Ela vê a
testa de seu amigo franzir e seus lábios formarem
uma fina linha em seu rosto.
— Resumindo, ele ficou puto.
Ela concorda com a cabeça.
— Mi isso é complicado.
— Não deveria ter dito que ninguém o quer
por perto ou que a esposa dele foi embora para
longe. Quer dizer eu nem sei se o cara é casado ou
se já foi. David eu fui muito idiota.
— Você falou sobre a mulher dele? — O

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encarava surpresa. Seu professor era realmente


casado? E por que aquilo não a deixou feliz? E
como David tinha acesso aquele tipo de
informação? — É ele realmente ficou muito puto.
Ela joga o corpo no sofá novamente.
Já era, game over para mim.
— Eu... Eu não queria ofendê-lo, bom eu
queria na hora que falei, estava nervosa, irritada e
agora me sinto culpada. David você parece
conhecê-lo bem e por alguma razão estranha ele
gosta de você. Me fala o que faço, estou
desesperada.
Ela toca em seu colar apertando com força o
pingente e tentando não lembrar que foi ele à causa
disso tudo. Tudo isso por que ela não conseguia
falar o real motivo de tê-lo em volta de seu
pescoço.
David agora pegava outra bebida enquanto
ela se lamuriava. Ele parecia pensar sobre o assunto
e ela clamava aos deuses da dança que uma solução
ele encontrasse. Não poderia ser reprovada, mas o
que ainda não conseguira assumir para si mesma
era que o que mais a preocupava era que não o teria

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mais por perto e não teria a oportunidade de sanar


suas dúvidas e curiosidades sobre ele.
O que estou pensando? Sério o que tinha
nessa bebida?!
— Mi – David agora arruma sua postura
ficando de frente para ela – O que posso dizer é que
se você acredita que disse o que não devia, que se
arrepende, então o que lhe resta é pedir desculpas.
— Ele pousava sua mão em seu joelho — Todo
mundo diz que ele é um monstro sem coração, mas
isso é porque ninguém teve o interesse de conhecê-
lo melhor, ele é um cara legal — Agora seus dedos
acariciavam o joelho dela — Quando não se joga
algo nele. — Ele brincava.
As palavras de David a afetam de uma
maneira inusitada. Sarah se perguntava como ele
conhecia tão bem o homem que a afastava, como
ele conseguira a permissão de aproximação. Sabia
que ele tinha razão, como seu professor mesmo
havia dito, as pessoas geralmente repelem aquilo
que não as agrada sem ao menos dar a chance de
conhecer e ela não era assim. Não era como os
moradores de “Quemlandia”, que afastaram o
Grinch na primeira oportunidade que tiveram.
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Desculpas?! Ok, mas isso não garantiria


que ele me aceitasse novamente no estágio, não é?
— Vá até lá. Bata na porta. Respire fundo e
diga que sente muito. Se ele vai aceitar ou não, pelo
menos você fez a sua parte e pediu. Mas ele vai
acabar aceitando.
— Como pode ter certeza?
— Ele vai dizer que foi corajosa e ele gosta
de pessoas com caráter.
Ela o encara com ceticismo.
— Vai por mim. — Ele lhe oferecia uma
piscadela.
Isso vai ser mais difícil do que pensei.
— Obrigada David, eu farei isso e claro orar
aos deuses da dança por uma benção. – Ela sorria
nervosamente e ele ria de seu comentário.
A amizade dele com toda certeza fora uma
das melhores coisas que a universidade lhe dera.
— Então — Ele pega dois copos de bebida
e lhe oferece um — De que melhor maneira de
superar algo do que ficando de porre em uma área
particular de uma boate com seu amigo?
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— É preciso muito mais do que isso para


me deixar de porre — Ela lhe dizia pegando a
bebida.
— Pra mim também.
David ergue seu copo em brinde.
— Um brinde ao lado bom de ser irlandês
— Ele chocava seu copo com o dela.
— Por que veio para Londres? — Ela
perguntava após virar todo o conteúdo de seu copo.
— Por causa da faculdade.
— Mas existe curso de medicina em Dublin
também.
Ele pousa seu copo vazio na mesa a frente,
os olhos dele encaravam a peça de vidro.
— E também para ficar perto do meu irmão.
— Dizia ainda sem fitá-la.
Quando abre a boca para lhe perguntar mais
sobre aquele assunto, uma pessoa surge no topo da
escada e seus olhos varrem o lugar até encontrá-la.
Lauren, uma colega do estúdio sorri ao vê-la.
— Mirna. — Ela se aproximava
animadamente, quase fazendo pequenos saltos
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enquanto andava — Sabia que tinha visto você.


Dança comigo? — Ela pegava seu braço e começa
a puxá-la.
Sem saber o que dizer olha para David. Esse
que gentilmente sorri e gesticula indicando que
estava tudo bem.
— Vamos dançar? — Ela lhe perguntava.
— Eu? Mostrar minhas habilidades para
esse monte de dançarinos profissionais? Não quero
humilhá-los.
Rindo ela pega sua mão, fazendo com que
ele tenha que largar seu copo, agora cheio
novamente.
A pista de dança estava lotada. Corpos
espalhados para todos os lados, se mexendo no
ritmo da música. Alguns mais exibidos
demonstravam suas coreografias que perfeitamente
eram desempenhadas não por um, mas por um bom
número de integrantes.
Lauren a arrastava em direção a eles e
David a seguia de perto.
Alguns corpos se afastam para que elas se
infiltrem. Assim que chegam quase ao centro da
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pista, a música atual tem seu final emendado com o


início da próxima. Escuta o grito animado de
Lauren assim que ambas reconhecem as primeiras
notas.
Energicamente ela começa a dançar e
balançar seus cabelos loiros encaracolados. Sarah
gostava dela, era simpática, sorriso bonito, risada
um pouco alta e estridente demais, mas uma ótima
dançarina, alguns anos mais jovem e com toda
certeza teria um futuro brilhante no ramo.
Ambas ficam lado a lado. Aquela música
possuía uma coreografia que elas inventaram em
um final de semana nos ensaios. Nada arrojado
demais, apenas uma sequência de passos para
descontrair em uma tarde antes da verdadeira dança
começar e Peter acabar com as articulações dos pés
delas.
Aquilo era algo revigorante. A energia, os
risos, os passos feitos sem a pressão de terem que
ser perfeitos. Apenas a diversão. A cada giro que
dava podia ver David parado próximo ao bar,
sorrindo e acenando pra elas. Com toda certeza ir
até lá com ele fora uma ótima ideia.
Desabafar era fácil com ele. Apesar de seu
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problema ainda não ter sido resolvido, não sentia


mais o peso que ele exercia. Já sabia o que teria que
fazer e iria, seu professor querendo ou não, ela
precisava fazer aquilo, pois aquela ela era e fugir
não fazia parte de quem queria ser.
No meio da música, algumas pessoas
próximas se juntam a elas e começam a seguir seus
passos. Logo quase metade dos ocupantes da pista
estavam dançando como elas.
Quando a música termina há a melhor
música de todas para qualquer dançarino, os
aplausos. Agradecendo, ela se despede de sua
comparsa e se aproxima de onde seu amigo a
assistia.
— Nossa — O escutava dizer animado —
Isso foi incrível. Nunca vi tanta gente dançando os
mesmos passos juntas e você estava maravilhosa.
— Obrigada, David — Sorria agradecida.
— É nítido que você ama tudo isso.
— Quando danço eu me liberto. Sinto-me
eu mesma.
Sarah senta na banqueta ao lado dele, que
lhe pedia uma cerveja igual a dele para o barman.
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— Não sabia que tinha irmão — Ela


retomava o assunto inacabado deles.
— Tenho apenas um mais velho.
O barman coloca sobre o balcão um pote
com petiscos juntamente com a cerveja que ele
pedira.
— Graças a Deus. — Ele colocava um
punhado de amendoim na boca — Comida. Você
tem irmãos? — Perguntava de boca cheia.
— Sou filha única.
— Nunca sentiu falta de ter uma irmã?
— Pode soar meio egoísta, mas nunca senti.
— Muitas vezes desejei ser filho único.
Aquilo a faz rir. Realmente não sentia falta
de ter uma irmã ou irmão, nunca invejara seus
colegas da escola, principalmente os que tinham
irmãos mais velhos. Sempre escutara reclamações.
Quando era criança e sua mãe lhe perguntava se
queria um irmãozinho, ela sempre respondia com
um sorriso e dizia que estava feliz com suas
bonecas.
— Eu e meu irmão brigamos as vezes,
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quando éramos crianças era bem pior. Mas eu não


consigo imaginar minha vida sem ele.
— Ele é um cara legal?
— Sim. Muito — Fazia uma pausa para
beber — Sempre me ajudou quando precisei. É um
ótimo irmão apesar de tudo.
O radar de curiosidade de Sarah apita.
— Apesar de tudo?
Ele fica em silêncio. Era nítido que algo
entre eles havia rolado. Ele parecia receoso em
continuar. Encarava a garrafa nas mãos, parecia que
nada sobre aquele assunto sairia dali.
— Acho que preciso de mais uma — Ele
ignorava sua pergunta virando o restante do
conteúdo e pedindo outra.
— Eu tinha uma brincadeira com o meu pai
quando era criança. Ele chamava de “uma
mentirinha apenas”. Ele usava isso quando eu
ficava chateada ou arrependida de algo, mas não
queria contar. Então deitava comigo na minha cama
e me contava duas verdades e uma mentira.
Gira o corpo na banqueta ficando de frente

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pra ele que faz o mesmo.


— Isso me ajudava a desabafar. Você conta
algo que não tem coragem de dizer abertamente.
Quer jogar comigo?
— Por que não? — Pegava mais um pouco
de amendoim e aguarda que ela comece.
Com as mãos no queixo ela pensava no que
lhe diria.
— Nunca me apaixonei — Ela começava —
O meu coração não é meu e já chorei até dormir.
Ele pensa por alguns instantes.
— Eu nunca me apaixonei. Já fui expulso
de casa e tenho medo de deixar meu irmão sozinho.
— Eu sofri um acidente. Me casei e já fiz
sexo a três.
A gargalhada dele era deliciosa e sincera,
quase engasgando com a cerveja.
— Fico me perguntando se sexo a três é
uma das verdades — ele ria mais.
Ela dava de ombros e sorri sem vergonha.
— Ok. — Ele continuava — Já fui beijado

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por um homem. Sou viciado em Charles Chaplin e


odeio gatos.
— Já roubei um supermercado. Nunca fiz
guerra de comida e sempre quis ser bailarina.
Ele inclina o corpo se aproximando mais
dela. Apoia os cotovelos nos joelhos e exibe um
sorriso agradável. Seus olhos gentis desviando dos
dela apenas quando um grupo de dançarinos passa
por eles e a cumprimentam rapidamente. Nota que
seu olhar se demora um pouco sobre eles, mas logo
volta sua atenção para ela.
Estavam bem próximos. Ela não
sabia a quem culpar. Não sabia se era a bebida ou
aquele momento confortável que estava tendo com
ele e o carinho que sentia vindo dele, mas sentira
uma vontade grande de beijá-lo. Sentir e encaixar
aqueles lábios carnudos nos dela.
Eu seria muito atirada se o beijasse
agora?
Ela se inclina mais, diminuindo a
distância.
— Eu odeio o inverno. Acho você muito
bonita e gosto do senhor Collins.
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— Ok. Eu também odeio o inverno. – Dizia


com sarcasmo.
— Quem disse que essa é a mentira? — Ele
a provocava.
— Claro que é. Todo mundo sabe que você
é o queridinho do Cérbero e eu sei que sou bonita.
— Convencida.
Ela bate levemente em seu ombro. David
colocava algumas notas no balcão, se levantando e
lhe oferecendo a mão que ela prontamente a pega.
O vento estava um pouco mais forte naquela
noite e estava agradecida por ter se lembrado de
vestir sua camisa. Ainda de mãos dadas eles
começam sua caminhada de volta.
— Mas você estava certa — Ele quebrava o
silêncio próximo da esquina — A mentira era sobre
o inverno e sim eu te acho muito bonita.
— Como você conseguiu se aproximar do
senhor Collins?
— Com paciência. — Ele suspirava cansado
— Muita paciência. Você tem que pensar se vale a
pena todo esse seu esforço. Você quer ser amiga

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dele?
— Sim.
— Por quê?
— Sinceramente? Eu não sei. Ele é
diferente. Tem algo nele que desperta minha
curiosidade. Ele está sempre sozinho, sempre
quieto, com seus milhares de manias. Eu acho que
apenas queria mostrar a ele que ninguém precisa
ficar sozinho o tempo todo.
— Então tudo o que posso dizer é tenha
paciência. Quando ele se sentir à vontade com
você, vai responder suas perguntas.
O caminho de volta é tranquilo, tirando o
fato de que David tinha razão sobre o tempo. Iria
chover. Nuvens densas cobriam a visão da lua, o
vento se intensificava a cada quarteirão que
avançavam e os raios cortavam o céu de tempos em
tempos.
Sarah dissera a ele que não era necessário
acompanhá-la até a porta de seu prédio, insistira pra
ele pegar seu carro e voltar para casa por causa da
chuva eminente, mas como ele já havia
demonstrado uma vez, David era um cavalheiro.
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Então quando faltava apenas uma esquina para ser


cruzada, eles são atingidos pelo temporal.
Correndo eles se abrigam no toldo que tinha
na porta de entrada do prédio. Estavam
encharcados. Tateando em seu bolso ela busca por
suas chaves.
— Acho que terei que chamar um taxi. —
David dizia cruzando os braços para espantar a
sensação da água gelada.
— Se quiser você pode dormir aqui. Na sala
tem um sofá cama e você pode tomar um banho
quente.
—Não precisa fazer isso.
— Eu insisto. Prometo não te atacar. — Ela
cruzava os dedos.
— Que pena — Ele brincava — Tem
certeza que não será problema?
— Relaxa, David.
Ela destranca a porta da frente e ambos
entram e seguem até o elevador.
Quando encontra seu apartamento vazio
revira seus olhos diante a promessa que sua amiga
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fizera, mas sabia que não iria cumprir.


“Vou voltar cedo” Claro, dona Lexi.
Sarah retira sua camisa embolando a peça
ensopada nas mãos, lá dentro a temperatura era
bem mais quente. Ao olhar para David vira que ao
retirar seu casaco ele o protegera de boa parte das
gotas, mas mesmo assim a camiseta na parte da
frente do seu corpo estava colada em seu abdômen.
Seus olhos se demoram um pouco naquela região,
apenas pelo contorno do tecido dava para se ter
uma ideia do havia por baixo e pode notar que ele
possuía um corpo muito atraente.
— Venha David. Vou te mostrar onde fica o
banheiro. Lexi com certeza tem uma camisa
masculina em algum lugar daquele quarto.
— Obrigado Mi. — Dizia ele a seguindo
para o segundo andar.
Ela para em frente à porta do banheiro,
acendendo a luz do cômodo para ele.
— Pode tomar um banho quente aqui. Vou
pegar uma camiseta, toalha e um cobertor pra você.
— Você não quer tomar banho primeiro?

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— Tenho um banheiro no meu quarto.


Afasta-se de onde o deixara seguindo pelo
corredor, quando coloca a mão na maçaneta do seu
quarto escuta a voz de sua companhia ecoar até ela.
— Você nunca se apaixonou. Já roubou um
supermercado e já fez sexo a três.
Aquilo a faz parar e virar seu rosto em
direção a figura que ainda estava plantada no
mesmo lugar.
— Suas mentiras. — Ele lhe dizia.
É estranho pensar em como existem pessoas
que nos conhecem melhor do que nós mesmos.
Passara pouco tempo ao lado de David, aquela era a
primeira vez que se viam fora do campus, mas
mesmo assim ele acertara todas as mentiras que ela
contara no jogo. Será que ela era tão previsível
assim? Ou ele possuía uma sensibilidade para poder
lê-la e decifrá-la?
Tais pensamentos a levaram até outra
pessoa, uma de seu passado. Gael ao apenas
encará-la por alguns segundos na noite que se
conheceram, soubera que ela iria lhe dizer sim
quando pedira sua mão, ele mesmo havia dito isso a
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ela. Ele sabia quando ela precisava de ajuda ou


apenas de um abraço, ele possuía essa
sensibilidade.
Há muito tempo não encontrava alguém
assim. Sentia falta do carinho e cuidado que lhe era
proporcionado diariamente. Sentia falta de se sentir
amada e de ser importante para alguém. Afinal
todos nós gostamos dessas sensações.
Mas agora parada no corredor não
conseguira evitar pensar se algum dia voltaria a se
sentir assim ou se devia se sentir assim por outra
pessoa. Talvez ela tivera sua chance. Já ouvira
muitas pessoas dizerem que o verdadeiro amor só
aparece uma vez e o dela já se fora há um tempo.
Será que existe somente um verdadeiro
amor para cada um de nós? Uma ótima pergunta
essa.
— Boa noite David — Sua voz saia um
pouco fraca e tristonha.
Lembrar sobre Gael a deixava assim.
Pensativa.
Senhor Collins tem toda razão. Assumia
contra vontade.
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— Mi? — Ele a chamava mais uma vez —


Me desculpe.
— Pelo o que? — Perguntava confusa.
— Eu disse algo que te chateou. Sinto
muito.
— Tudo bem David. Não foi nada, apenas
bateu o cansaço. Acho que estou ficando velha para
as noitadas. — Ela sorria sem jeito.
Com um sorriso compreensivo e um singelo
“boa noite” ele entra no banheiro a deixando
sozinha. Sabia que não acreditara nela e com
certeza tinha interpretado errado sua mudança
radical de temperamento.
Ótimo. Ele deve ter achado que me chateou.
Em silêncio entra em seu quarto para pegar
o que seu amigo precisaria.

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“Ah, minha querida! Que isto lhe sirva de


lição: nunca perca a sua calma!”
Alice no país das maravilhas.
Lewis Carroll.

Quando foi que ela começou a ficar tão


confusa a ponto de se questionar sobre suas
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escolhas? Ah é verdade. Foi quando Ryan Davis


cruzou seu caminho pela primeira vez.
Desde aquele dia tudo o que ela conhecia
sobre suas convicções foram completamente
abaladas.
Mas como?
Vamos começar pelo principal e mais
impactante. Ryan possuía algum tipo de poder,
talvez sobrenatural, charme, “mojo” como o
personagem Austin Powers dizia. Escolha o
sinônimo que preferir. Seja qual for. Ele tinha. Era
algo natural dele, não tinha como ficar perto e não
perceber.
Depois vinha o sorriso, aquele de lado,
dando um ar de cafajeste debochado. Que
sexualidade a parte, mas ela adorava. Em seguida
vinha a sua habilidade com as palavras. Ele era um
idiota, era mulherengo, mas era um idiota
inteligente, que sabia usar os argumentos ao seu
favor. Isso ela sabia muito bem. Afinal havia
acordado às quatros horas da madrugada para poder
acompanhá-lo em sua corrida.
Tudo isso somado ao fato de que quase o

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beijara não uma, mas duas vezes e de que já sentira


seu abraço e suas mãos em sua cintura desnuda.
Estavam a deixando completamente confusa e com
medo.
A temível verdade de todo caso era que ela
estava viciada na companhia dele. Essa que a
afetava tanto a ponto de não ter conseguido se
controlar da última vez que se viram. Ainda podia
sentir os arrepios na espinha quando o vira
enfiando a língua na boca daquela pessoa, mas que
em sua cabeça a apelidara de vadia rainha do
brechó.
Alexia não sabia o porquê tinha agido da
forma que agiu na noite no bar. Sério? Ceninha de
ciúmes? Sim. Estava sofrendo desse mal. E ainda o
pior deles. Sentia ciúmes de alguém que nem ao
menos pertencia a ela.
Ela tinha total consciência de que agira
desse modo. O jeito que ele a beijava, que tocava
aquela garota sem nenhum senso de moda. Quem
combina minissaia com blusa moletom?
Revirando seus olhos ela tentava se
concentrar na companhia que agora ronronava seu
nome de forma doce enquanto ela acariciava
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lugares sugestivos no corpo curvilíneo dela.


Pelo menos algo havia valido a pena
naquela corrida que Ryan a arrastara.
Ele havia dito a verdade. Era um banquete
de mulheres gostosas. Todas preocupadas em
manter seus corpos esbeltos. Mas a concorrência
era grande, pois alguns estudantes haviam
descoberto o melhor horário para curtir a vista do
campus. E fora nesse dia que a conhecera. Camille.
Encontraram-se pela primeira vez naquela
noite no bar. Após Ryan sair acompanhado da
vadia rainha do brechó. Vira-se sozinha, largada
por ele. Então em um ato de “ego ferido” pegou seu
celular e ligara para a linda mulher de cabelos
longos e seios fartos. Afinal se Ryan podia se
divertir, por que ela não?
Enviara uma mensagem para sua amiga, que
vira estar muito ocupada conversando com
Cérbero, ainda não entendia esse fascínio que sua
amiga tinha por ele, e saíra para se encontrar com a
mulher que se tornara a relação amorosa da vez.
Perder-se naquele corpo e sentir os seus
lábios nos dela, era o que tanto queria naquele dia

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assim que sua amiga saíra. Então por que agora era
tão difícil se concentrar?
Coisas estavam acontecendo dentro dela.
Sentimentos novos e confusos e outros não tão
novos assim. Podia reconhecer o que sentia, pois
havia sentido algo parecido há muito tempo.
Estava ficando cada vez mais difícil
conseguir disfarçar. Então durante esses dias havia
fugido dele, apenas se comunicando por mensagens
e somente o necessário. “Você pode fechar os olhos
para aquilo que não quer ver, mas não pode fechar
o coração para aquilo que deseja sentir.”
Ótimo agora pareço a Mirna, citando
Shakespeare!
Ela gemia frustrada se afastando de sua
companhia emaranhada em seus lençóis.
— Tudo bem? – A voz de Camille chegava
ao seu ouvido fazendo suas divagações sumirem
por uma fração de segundo.
— Tudo... – Ela voltava seu olhar para ela e
sorri jogando seu corpo novamente por cima do
dela.
— Por um momento achei que não estivesse
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gostando – O biquinho que ela fazia é tão tentador


que Alexia começa a beijar toda a extensão de seu
rosto.
Ela envolve suas mãos na fina cintura de
Camille e começa a descer seus beijos indo em
direção ao seu busto.
Você nunca beijou um homem?
Aquela voz irritante sexy invade seus
pensamentos novamente a fazendo parar, mas
Camille não parece perceber sua hesitação, pois,
Alexia sentia suas mãos irem em direção a sua
bunda e fechando os olhos ela tenta tirar Ryan mais
uma vez de seus pensamentos.
Agora passava as mãos pelos seios dela,
durinhos, rosados e convidativos a sua boca. Seus
beijos desciam cada vez mais chegando a uma área
da qual ela já havia provado várias vezes durante
aquela noite, quando se curva para mais uma vez
degustar-se, o barulho de batidas na porta e depois
da campainha ecoa até seus ouvidos.
Ela para de beijar seu doce acompanhante.
— Sério? Você não vai atender né?
Ela suspira. Ambas envolvidas no
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emaranhado de lençóis da cama de Alexia. Decide


ignorar quem estava na porta. Tinha certeza não ser
sua melhor amiga, Sarah nunca esquecia suas
chaves e muitas vezes a salvara quando ela ficava
trancada para fora de casa e também ainda era
muito cedo para ela voltar de seu ensaio. Então
volta a beijar Camille nos lábios.
A visita indesejada toca mais uma vez a
campainha.
Hoje não é mesmo meu dia. Pensava
enquanto obriga-se a sair da cama e vestir a
primeira peça que encontra no chão.
— Isso é meu – Ela curva-se novamente em
direção a Camille e tira de suas mãos a calcinha
que ela segurava.
— Como quiser.
Alexia dava um rápido beijo em seus lábios
e ela sorri tão manhosa que quase a fez voltar
novamente para a cama e ignorar quem quer que
estivesse na porta.
— Já volto – ela sai do quarto a deixando
nua sobre seu colchão.
Ela se livraria rápido da visita
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inconveniente para voltar ao seu quarto e tentar


esquecer uma pessoa em particular.
Merda!
Esse é seu primeiro pensamento quando
abre a porta e da de cara com ele.
— Oi, Lex – Aquela voz que ela tentava
esquecer a cumprimenta.
Só pode ser brincadeira. Sério isso?
Ele tinha uma mochila em suas costas e sem
disfarçar percorria seus olhos azuis varrendo seu
corpo, só então ela percebe que a peça que pegara
no escuro de seu quarto era uma camisola azul nada
discreta.
— Ryan, não é uma boa hora – Ela olhava
para o lance de escadas pensando em como não o
que queria ali naquele momento.
Espera! Eu não sou nada dele além de
amiga, porque estou preocupada com sua reação?
— Nossa, vamos fazer uma festa do pijama
hoje? Você bem sabe que não uso pijama algum,
então ficarei pelado – Ele passava por ela
adentrando o apartamento.

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Ela nem sequer tem a chance de barrá-lo na


entrada e quando se dava conta ele já estava indo
em direção a cozinha após deixar a mochila no sofá
da sala.
— Ryan, não é mesmo uma boa hora.
— Por que não?
Ela o segue e o encontra fechando a
geladeira e logo em seguida abrindo a garrafa de
cerveja e levando aos lábios.
Não adiantaria tentar contê-lo, a essa altura
do campeonato Alexia já tinha total noção de que
seu amigo era o tipo de cara que ficava confortável
em um ambiente rapidamente.
— Olha... — Seus olhos castanhos
intercalavam entre a escada que dava acesso ao
andar dos quartos e ele. — Você precisa ir agora.
— Você se esqueceu do nosso combinado?
— Ele a encarava confuso tombando sua cabeça de
lado deixando seus cabelos loiros bagunçados
penderem sobre sua testa.
Droga, ele precisa parar de fazer isso.
— Amanhã é dia de corrermos juntos e eu

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sempre durmo aqui um dia antes. Sério Lex acho


que precisa de um médico, anda meio esquecida
ultimamente.
Ele bebia mais um gole de sua cerveja.
Merda. Ficaria muito chato se eu disser que
esqueci?
— Eu sei, eu sei, mas não podemos deixar
isso para semana que vem?
Ela o observava lhe dar as costas e começa
a vasculhar os armários a procura de algo.
— Nem começamos nosso projeto
“banquete Fitness” e você já está desistindo?
Ele enfim encontra o que procurava. Com o
pacote de batatas fritas nas mãos, ele rompe o lacre
e enche sua boca com várias delas.
— Prometo que semana que vem compenso.
— Dizia impaciente — Agora você pode ir
embora?
— Por que você está estranha?
Ela batia o pé no chão desconfortavelmente.
— Vai embora Ryan!

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— Por que está me expulsando? – Dizia de


boca cheia – Eu até trouxe o filme que você queria.
Ahh merda, ele trouxe? Puta que pariu ele
realmente precisa parar de fazer isso.
Não era preciso ser uma pessoa muito
inteligente e perspicaz para saber o que estava
acontecendo ali. Alexia havia gostado por ele ter se
lembrado de trazer o filme e ter pensado nela. Não
havia mais nada que quisesse fazer além de se jogar
ao seu lado no sofá e apertar o play.
Ainda não acreditava que ele havia
conseguido arranjar a versão clássica de “O
exorcista”. Há algumas semanas ela comentara o
quanto gostava daquele filme, mas nunca o
encontrava e agora ele havia trazido.
— Sei como você queria ver ele, então eu
arranjei um. — Ele lhe dizia.
Mais que merda!
Existem pessoas que temos uma vontade
incessante de ver todos os dias, essas cuja presença
nos deixam mais alegres. Pessoas que se tornam
íntimas e que sem perceber já se tornam parte da
sua rotina, a tal ponto que nós não conseguimos
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lembrar como era nossa vida antes dela aparecer.


Ryan com toda certeza era uma delas.
Alexia sentia um enorme prazer, mesmo
que não admitisse, toda vez que ele a tocava,
abraçava ou quando mandava aquelas mensagens
absurdas dele que sempre a faziam rir. Quando
escutava o “bip” de seu celular e via o nome dele
na tela, ela sempre a recebia com um sorriso.
Tudo com ele era mais íntimo, mais fácil e
mais interessante.
Mas o medo era muito forte às vezes. Esse
que a impedira muitas vezes de seguir e tentar algo
com alguém. Ela sequer conseguia admitir a
existência de um sentimento de desejo e carinho
por ele.
Toda vez que pensava em ceder, ficava
apreensiva e sentia que a qualquer momento os
amigos dele iriam surgir por detrás das árvores e
arquibancadas e atirar coisas nela a ridicularizando
e ofendendo com nomes que não sabia se eram
permitidos em público. Como da última vez.
Por que você fez isso Trevor? Pensava com
pesar. Mas o grande medo dela não era de tentar de

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novo e sim de ter o mesmo resultado.


— Você trouxe? – Era tudo o que
conseguira dizer.
— Sim. Tínhamos combinado de assistir
quando eu dormisse aqui de novo, mas pelo visto
você também esqueceu.
Ele lhe fazia uma carinha de falsa tristeza
enquanto bebia o restante de sua cerveja.
Ele precisa parar de fazer isso também. Ela
leva suas mãos aos seus cabelos e o olha sem jeito.
— Foi mal loirinho. Eu esqueci mesmo. –
Ela passava seu peso de um pé para o outro
claramente envergonhada enquanto seus dedos
brincavam com a barra de sua camisola.
— É eu não acreditava mesmo que você
estaria me esperando vestida assim e por falar nisso
gostei da camisola, realça bem essa sua bunda e
também é bem convidativa.
E lá estava o velho Ryan. Ela revira seus
olhos cruzando seus braços.
— Você não tem jeito. Olha, Loirinho —
Estava realmente incomodada com toda aquela

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situação. De um lado seu amigo com um filme


incrível e companhia melhor ainda e do outro uma
gata de parar o trânsito, nua em sua cama. Decisão
difícil. — Não é que eu não queira ver o filme com
você é só que hoje não é um bom dia — Ela mordia
seus lábios.
— E por que não?
E agora? Pensa, pensa.
— Bom... É que... Bom... Você não tem
mais ninguém para perturbar ou invadir a casa não?
— Dizia levemente irritada, mas na verdade estava
frustrada consigo. Todas aquelas sensações a
estavam enlouquecendo e sempre que não
encontrava uma saída tática optava por agir com
hostilidade.
Ele larga sua cerveja e batata no balcão da
cozinha, para alguns segundos a encarando.
— Claro que tenho, mas gosto mais de te
perturbar. Algum problema nisso?
Muitos.
Ela o escuta respirar fundo e adotar uma
postura pouco convencional.

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— Olha Lex... — Aí meu Deus pare-me de


chamar por esse apelido, ela pensava enquanto ele
falava. — Eu ultimamente tenho pensado e gosto
do nosso acordo. Queria saber se não podíamos —
Uma pausa — Ahh...
Ele está nervoso? Cara isso sim é hilário!
— Se não podíamos o que? — Ela o olhava
de forma divertida.
— Você sabe colocar mais em prática ou
algo do tipo. Quando você disser para a Mi que vai
sair comigo, você realmente sair comigo pelo
menos uma vez.
Suas sobrancelhas se franzem e por um
momento ela fica confusa.
— Tipo um encontro? – Agora era a vez de
Alexia tombar sua cabeça para o lado.
— Não necessariamente, mas para variar
sair como amigos – Ela podia notar que ele estava
receoso quanto ao convite — Você sempre diz que
sai comigo, mas na realidade a gente nunca foi em
lugar algum.
— Ryan... — Ela desvia seu olhar do dele
por alguns instantes.
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O que Alexia esperava? Que ele realmente a


convidasse para um encontro? Com jantar, cinema
e flores? Preciso cair na real estamos falando de
Ryan Davis.
Então ela para e pensa o quanto adorava a
companhia dele, o quanto eles riam das
brincadeiras sujas que ele soltava e das piadinhas
sempre com duplo sentido. Seria bom sair com um
amigo para variar e quem melhor que ele? Ela
gostava de Ryan mais do que era capaz de dizer em
voz alta.
— Eu acho que seria legal – Dizia por fim e
nota um lindo sorriso se formar em seu rosto
seguido por um brilho de animação em seu olhar.
— Legal, vai ser bom nos encontramos fora
do campus e do seu apartamento.
— Sim uma mudança de ares vai me fazer
bem. Podíamos ir naquela pizzaria onde fazem seu
sabor favorito de pizza.
Sim eu sei o sabor favorito dele. Ela
suspira. Costela.
— A melhor pizza de costela já feita.
Ela sorria. Sem que perceba havia
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esquecido totalmente sua companhia no andar de


cima e esse era o efeito que ele tinha sobre ela.
— Podemos ir depois naquela doceria perto
da republica e comer aquele tiramisu que eu te
trouxe na semana passada.
Ela havia amado aquela sobremesa. Apenas
a menção dela fazia sua boca encher-se d’água.
— Eu adorei aquela sobremesa.
— Luke a ganhou, mas não curtiu e
ninguém lá em casa gostou além de mim.
Legal, eu quase pensei que ele havia
comprado só para mim! Novamente estamos
falando de Ryan Davis.
— Você é um cara legal Ryan e eu... —
Mais uma vez seu olhar vacila, não conseguia
mantê-lo nos olhos dele — Eu gosto — Ela tossia
algumas vezes encarando seus pés –— De você.
— Nossa essa foi a coisa mais gentil que me
disse — Ela não podia ver, mas tinha certeza que
ele sorria de canto a provocando.
— Não se acostume.
— Eu também gosto de você, Lex.
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Ele gosta de mim, ele gosta de mim, ELE


GOSTA!
— Eu podia muito bem ter ido ao jogo de
rúgbi hoje com meus amigos, mas estou aqui. Quer
amigo melhor do que eu?
— Melhor amigo né? — Ela suspirava um
pouco desapontada.
Sente que ele se aproximava cauteloso.
— Sim. Por quê? Você tem alguma outra
sugestão?
Várias.
Ela balança sua cabeça furtivamente em
negativa.
— Melhor amigo tá bom para mim, se bem
que esse cargo está ocupado.
— Quer mesmo que eu vá embora?
A distância deles era mínima e quando ela
estava prestes a dizer que não, que queria que ele
ficasse um cheiro de sândalo invade suas narinas.
Puta merda.
A figura de longos cabelos, esbelta, com
piercing no umbigo, do qual se lembrava de ter
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sentido o gosto do metal a pouco aparece na


cozinha.
Ela vestia apenas uma lingerie preta e
parecia não se incomodar com sua quase nudez na
frente de seu outro convidado e isso era uma das
coisas que Alexia gostava nela.
Ela era linda, tinha peitos incríveis, era
loira, olhos azuis brilhantes e muito fogosa, até a
lembrava um pouco do... RYAN!
PUTA MERDA AO QUADRADO! Sério que
agora procuro versões femininas dele?!
Camille se aproxima dela e a abraça.
— Lexi por que a demora? – Ela
cumprimentava Ryan com um singelo “oi”
voltando sua atenção e mãos para Alexia
novamente.
Ela não se lembrava da voz de Camille ser
tão melosa assim. Até parecia fingimento.
— Você me deixou sozinha na cama. Senti
saudades — Dizia com aquele tom de atriz pornô.
Seus olhos não desgrudavam da figura a sua
frente que agora secava a quase irmã gêmea da

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Pâmela Anderson. Ele estava boquiaberto e parecia


ter sido pego completamente de surpresa.
— Me desculpe loirinha. Eu já ia subir.
— Não demore Lexi e, por favor, leva uma
água com gás pra mim. Fiquei desidratada depois
do que fizemos.
— Eu... Eu... Já subo — Gaguejava.
Camille dá um beijo estalado na bochecha
direita de Alexia e começa a se afastar, saindo pela
porta.
— Não precisam de um terceiro elemento?
— Escutava Ryan gritar.
— Alexia é mais meu tipo — Escutava
Camille o responder das escadas.
Os olhos dela ainda não saíram dele.
Mediam todas as suas ações e expressões. E via
surpresa e talvez uma pontada de... Mágoa?
— Agora entendo. Eu também esqueceria
meus compromissos.
— Ryan. É melhor você ir embora.
Ele passa as mãos pelo rosto e depois alisa
seus cabelos.
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— Sim. Eu entendo. — Dizia um pouco


sem jeito — Eu também trocaria qualquer coisa por
aquele par de seios — Encosta-se no balcão da
cozinha apoiando as mãos nas bordas — Eles são
realmente lindos. Devem ser pesados.
— Você não faz ideia.
— Mas e a Mi? É pra ela acreditar que
saímos juntos e você traz uma mulher gostosa pra
cá.
— A Mi vai demorar em voltar e até lá
Camille já vai ter ido embora. Mas estava
precisando de uma noite de diversão. Eu merecia,
essa semana foi muito cansativa... — Então é
interrompida por ele.
— Você merecia? — Ele arqueava uma
sobrancelha — Interessante Lex. Quando eu estou
me divertindo você expulsa minha companhia.
O QUE?!
— Nem começa Ryan. Eu não expulsei
ninguém. Você saiu acompanhado daquela pessoa,
ridícula. — Sentia seu sangue ferver ao lembrar
mais uma vez. — Deve ter se divertido muito com
a senhorita “vou usar o moletom do meu irmão
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mais novo de dois metros de altura”.


— O que? Você realmente acha que eu
transei com a Anna naquela noite?
— Pelo amor de Deus, Ryan. Eu vi sua
língua na boca dela e o jeito que ela praticamente
gritava “me coma”. Estava escrito na testa dela.
Sem se controlar ela atravessa a cozinha
ficando cara a cara com ele. Sua cabeça se ergue
um pouco devido à altura dele.
— Sim. Eu lembro muito bem dessa parte.
— Ele mordia o próprio lábio com um pouco de
força — Mas também lembro que você quase a
atacou e insultou “discretamente” as roupas dela,
fora que disse coisas de mim.
— Não fiz isso.
— Disse sim. Você disse a ela que eu tinha
herpes, Lex.
— Não importa. Você saiu de lá com ela a
tira colo.
Ela cruza os braços teimosamente.
— Você acha que eu transei com ela? —
Ele elevava um pouco a voz — Herpes, Lex.
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HERPES!
— Ótimo. Mas isso não quer dizer que não
transou com outra. Não sei por que está jogando
isso na minha cara. Você é o grande Ryan Davis.
Tem um milhão de números na sua lista de
contatos. Por que você é o cara popular, desejado
por todas, riquinho, dono da republica mais visitada
e que tem pais que controlam quase 50% da
universidade.
Ele contrai seu maxilar e inclina o rosto em
sua direção, fazendo a respiração dela falhar a
deixando ofegante com tal gesto.
— Você está certa. Eu tenho um milhão de
contatos. Antes de vir para cá tinham trigêmeas na
minha casa praticamente implorando para transar
comigo. — Sua voz era calma e controlada — Mas
aqui estou eu — Abria os braços gesticulando — O
idiota aqui veio passar um tempo com a amiga que
implorou pra ele ajudá-la com suas mentiras. Por
que eu gosto da sua companhia.
Alexia permanecia em silêncio. Apertando
as mãos em punho ao lado corpo.
Notava o clima que os envolvia mudar de

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alegre para desconfortável e depois para levemente


hostil.
— Sim. Eu sou mulherengo. Minha família
é rica, meus pais são donos de quase metade da
universidade, mas foda-se isso a porra do dinheiro
não é meu. Eu sou aquele que te fez companhia
todas as vezes que precisou.
— Então por que não vai ficar com as
trigêmeas?
— Talvez eu vá mesmo.
— Está esperando o que?
Ryan estava ofegante assim como ela, ele
que a todo instante falava com tom controlado.
Durante um período de tempo abre a boca várias
vezes, mas sem dizer nada. Seu olhar estava
confuso, esse que ela não conseguira desviar por
um momento sequer, primeiramente por orgulho,
desafio e também por que não conseguia, o
magnetismo era muito forte.
— Eu não sei. — Ele finalmente dizia.
Se desencostando do balcão, ele arruma sua
postura.

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— Você tem razão. Não é uma boa hora.


— É uma péssima hora.
— Me desculpe por atrapalhar a diversão.
Colocando as mãos nos ombros dela, ele a
afasta um pouco para o lado para que pudesse
passar.
A cabeça dela não se movera, ainda estava
levemente erguida e encarando o local que seus
olhos estavam.
Não entendia o porquê era sempre assim.
Essa sensação de estar encurralada fazia aquilo com
ela. Seus argumentos sumiam, então partia para as
desculpas, apontando os problemas e as culpas, que
nunca eram dela.
Aquilo era sua válvula de escape. Sempre
ouvira dizer que conforme uma mentira é contada
com frequência, uma hora ela passa a ser verdade.
— Eu gosto mesmo de você, Lex.
Assusta-se ao ouvir sua voz na direção da
porta da cozinha, ele ainda não havia saído.
Eu também gosto mesmo de você, Ryan.
Pensava naquelas palavras que não conseguiam
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sair. Sabia que sairiam com uma conotação


diferente da que ela queria passar, mas sentira
aquilo que estava negando a si mesma na frase dita
por ele.
— Eu também. Mas não da maneira que
espera que eu goste. — As palavras lhe escapam,
tentando sempre manter a voz nula, para que seus
sentimentos conflitantes não a entreguem.
Lá estava a mentira do ano, ou melhor, do
século. Aquela que tanto esperava se tornar
verdade.
— Eu sei. — Ele lhe respondia para sua
total surpresa.
— Sinto muito, Ryan.
Olha pra ele. Vamos lá. Mas seu corpo não
se move.
— Não tem o que desculpar Lex. —
Suspirava pesadamente — Se precisar de um álibi,
é só dizer pra Mi que eu estava com você. Se ela
me ligar eu confirmo a história.
Estava se sentindo horrível. Mentir para ele
era a última coisa que queria. Na verdade, estava
fazendo algo muito pior. Estava mentindo pra si
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mesma.
O medo causa isso nas pessoas. Ele as
impede que sigam em frente, nos segura e nos
aprisiona dentro de nós mesmos. Mas do que
realmente as pessoas tem medo? De tentar ou de
não conseguir?
Quando era mais nova, Alexia passava mais
tempo com sua avó do que com qualquer outra
pessoa, essa que praticamente a criara, pois, seus
pais estavam sempre ocupados. Elas eram
inseparáveis, amava sua avó como nunca amara
nenhum outro integrante da família.
Quando ela partira, Alexia tinha 15 anos e
foi quando tudo desandara. Mudara-se para a casa
dos pais em Londres, trocara de escola, de amigos,
de vida, e conhecera Trevor, uma figura a quem se
apegara imediatamente.
Mas de todas as coisas que sua avó lhe
ensinara, uma delas surge de repente. Tudo o que
temos medo de fazer hoje, se transforma em
arrependimento no futuro.
Imediatamente vira-se em direção a porta,
na expectativa do que iria fazer, ela mesma não

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sabia. Mas ao girar o corpo encontra o local que ele


estava vazio. Rapidamente move suas pernas e ao
entrar na sala a encontra da mesma maneira, sua
mochila não estava mais no sofá. Abre a porta da
frente bruscamente e encontra o corredor do andar
deserto. Ele havia partido e ela acumulara mais um
arrependimento na sua lista.
Subia as escadas em direção ao segundo
andar distraidamente. Em sua mente a grande
pergunta. E agora?
Encontra a porta de seu quarto fechada,
estava decidida em ir tomar um banho, se enrolar
em seus lençóis e tentar dormir. Assim que entra no
cômodo se depara com uma figura completamente
nua em sua cama deitada sobre o tecido gelado que
a cobria. Havia se esquecido completamente dela.
— Você demorou. Estava quase indo
expulsá-lo. — Dizia com um gemido se remexendo
na cama — E então. — Ela sorria atrevidamente —
Pronta para próxima rodada?

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“Está na hora de lutar pelos seus ideais.”


Robin Hood.
Howard Pyle.

Tudo bem, eu vou conseguir!


Repetia em sua cabeça há mais de quinze
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minutos parada em frente a porta do escritório dele.


Erguera diversas vezes a mão em punho para avisar
de sua presença, mas desistira de prosseguir em
todas elas.
Depois da conversa com David, repensara
várias vezes em suas “atitudes” e ficara cada vez
mais claro que aquilo era o que teria que fazer.
Guardar o orgulho na gaveta e pedir desculpas.
Mesmo seu amigo dizendo o oposto, tinha
quase certeza de que ele não a perdoaria, não o
culpava afinal quem atira um livro na direção do
seu professor? Um aluno delinquente? Alguém que
já foi internado em algum hospício? Com certeza
alguém sem juízo.
Havia teimosamente aceitado que a errada
na situação era ela. Então ali estava, parada em
frente a porta, tremendo nas bases, repassando
frases que ensaiara durante o final de semana e
tentando não pensar nos sons imaginários das asas
dos morcegos batendo no teto.
Era somente bater, entrar e pedir desculpas.
Pode parecer uma tarefa simples, mas às vezes é
complicado assumir que você está errado. Descer
do pedestal e, no caso dela, ter quase que se
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humilhar para não ser expulsa.


Mas havia um, porém em tudo isso.
Sabia que pedir desculpas não solucionaria
o problema, queria o perdão dele. Por alguma razão
não conseguia aceitar a ideia de tê-lo bravo
consigo, sentia que a vergonha a consumiria se não
a tivesse. Afinal o que é o desculpar-se sem o
perdão?
Caráter. Essa é a resposta.
Pedir desculpas pode não resolver o
problema, mas revela a consciência de que fizemos
algo errado e que nos arrependemos.
Agora se o senhor Collins iria interpretar
dessa maneira e reconhecer, era outra história. Mas
como David dissera pelo menos ela estaria fazendo
a sua parte.
Andava de um lado para o outro. Achava
que um buraco se abriria no chão.
E se ele não me desculpar?
E se ele me reprovar?
E se não puder mais conversar com ele?
Subitamente para seus passos. Espera por que eu
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iria querer isso?


Havia sido imatura e inconsequente. Não
deveria ter dito o que disse, vira o jeito que aquilo o
abalou. Sarah não imaginava que fosse capaz de ser
tão rude, aquela não era ela e para piorar fora
extremamente grosseira com alguém que tinha
literalmente seu futuro nas mãos.
Sem minha aprovação vocês não se
formam. Foram as exatas palavras dele no primeiro
dia de aula.
Devia ser tarde demais para aquela matéria.
Não se surpreenderia que ele mesmo já não tivesse
apresentado os papéis de sua dispensa na reitoria.
Rogando pela proteção dos deuses da dança,
bate os nós dos dedos na porta de madeira e seu
som ecoa pelo corredor vazio.
Quando escuta a voz dele dizer para que ela
entre, vê suas mãos trêmulas segurar a maçaneta,
arruma a alça de sua mochila nos ombros e seus
dedos se apertam mais ao redor do copo quente de
café que estava na outra mão, um plano B, é como
o velho ditado diz “nenhum soldado vai à guerra
sem antes um plano de apoio”.

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Cena de filme de terror clássica. A porta ao


abrir range e a sala a sua frente estava escura e
dentro dela escondido em algum canto, estava o
assassino, monstro ou força maligna.
Vagarosamente a vítima se encaminha para dentro
do cômodo, ela sabe que é perigoso, que é uma
armadilha, mas mesmo assim o faz. Sabia que
possivelmente se encaminhava para a morte, ou no
caso dela para sua morte “acadêmica”.
Ela o encontra no lugar de sempre, atento a
sua leitura. Ele ergue seus olhos no momento que
percebe a presença dela e um suspiro longo e
cansado escapa de seus lábios.
— Em que posso ajudá-la? – seu tom de voz
para com ela era seco e logo em seguida volta seus
olhos ao enorme livro a sua frente.
Tudo bem, eu consigo.
— Me desculpe – Ela dizia um pouco
rápido demais e baixo, passando seu peso de um pé
para o outro completamente sem jeito.
— Veio até aqui para sussurrar? Acho que
nem ao menos os cães conseguiram te ouvir.
Suspira fortemente. Sabia que ele tinha
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ouvido, mas era de Ethan Collins que estamos


falando. Então apertando a alça de sua mochila com
uma das mãos, Sarah se aproxima de sua mesa e
fala em um tom audível.
— Me desculpe pelo meu comportamento
imprudente de semana passada.
Ele fazia algum tipo de anotação em um
caderno e grifava com uma marca texto amarela
algo em um papel que agora ela vira que estava
sobre o livro. Após alguns segundos sem resposta
ela solta um pigarro e o observa erguer seus olhos
com um brilho desafiador a ela.
— Eu não estava prestando atenção. Devo
estar com algum problema auditivo — Ela podia
notar resquícios de cinismo em sua voz — Pode
repetir o que disse?
A mão que agarrava forte a alça de sua
mochila se solta e derrotada ela tentava conter-se se
lembrando a cada segundo que precisava dos
créditos extras.
— Eu peço desculpas — Aumentava seu
tom — Pelo meu comportamento de semana
passada. Sinto muito se de alguma maneira o ofendi

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e sinto muito por ter sido... Imatura.


A última palavra sai com um pouco de
dificuldade de sua boca.
Seu professor encostava-se em sua cadeira
cruzando seus braços rente ao seu peito. Seu olhar
se demorando sobre ela e aquele ato de quase um
minuto inteiro a deixou totalmente desconfortável.
— Ok. — Dizia simplesmente voltando sua
atenção para seu caderno.
Ok? Era só isso?
E lá estava novamente o muro erguido em
torno dele e as pequenas rachaduras feitas por ela
ao longo dos dias, lacradas.
— Ainda sou sua assistente? — Perguntava
com receio. Por favor, diga que sim. Ela pensava.
— Está pedindo desculpas por que se sentiu
culpada ou porque não quer reprovar em minha
matéria.
Ela decide ser sincera.
— As duas coisas.
— Você veio aqui, pediu suas desculpas e
eu as ouvi. Agora se eu a desculpo aí já é outra
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história, O’Connor.
Era hora de colocar o plano “B” em ação.
Coloca a bebida que agora estava morna a sua
frente, fazendo seus olhos se desprenderem dos
papéis e o encarar.
— Ahh senhor Collins qual é? Comprei seu
café favorito.
Dizia aquilo como se fosse ajudar de
alguma maneira sua situação.
— Bajulação não vai ajudar.
— É extraforte. — Sarah insiste.
— Sem açúcar?
— Sim.
— Sem creme?
— Sim senhor — Dizia orgulhosa — Eu
mesma chequei com a balconista.
Ele encarava o copo de café e ela rezava
para que a bebida servisse de calmante ou como
uma oferta de paz.
— O que a senhorita disse aquele dia —
Pousava sua caneta enquanto soltava um longo

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suspiro — Você não sabe nada sobre mim ou sobre


minha vida. Eu achei que fosse... diferente.
— Eu sou! – Ela se apressava a falar —
Mas às vezes também sou impulsiva e curiosa. E o
senhor é tão difícil de lidar... — Ela se calava
temendo ter falado demais novamente.
— Não tão difícil a ponto de fazê-la desistir,
pelo visto.
Ela se surpreende com aquela observação.
Mais uma vez concorda com ele em silêncio. Isso
está ficando muito recorrente. A verdade era que
ela era teimosa demais e orgulhosa demais para
deixa-lo vencer e a intimidar.
— O senhor é como as muralhas de gelo.
Ninguém ousa ultrapassar com medo do povo do
norte, mas a verdade é que não há o que realmente
temer dessas pessoas — Ela parava por um instante
— Quer saber esse foi um péssimo exemplo.
Ela pensava em algo mais claro para
explicar seu ponto de vista. Ele não parece ser do
tipo que tenha lido As crônicas de gelo e fogo,
certo?
Errado.
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— Está me comparando as grandes


muralhas das Crônicas de gelo e fogo? — Ele a
encarava novamente arqueando sua sobrancelha.
Procurava palavras em sua mente para
responder a pergunta, mas tudo o que consegue
fazer é outra pergunta.
— O senhor leu George R. R. Martin?
— Só por que sou um professor de
anatomia não tenho direito a ler livros com essa
temática?
Realmente o senhor é muito interessante
professor. Peculiar.
— Claro que pode é só que achei que essa
temática literária não fosse algo que o atraísse.
— Interessante esse seu comentário. — Ele
se encostava novamente na cadeira — O que achou
que eu lia senhorita O’Connor?
— Livros acadêmicos? — Apontava para o
livro sobre a mesa.
O olhar dele recai sobre o objeto que ela
indicava.
— Eu leio outras coisas também. — Ele se
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corrigia em tom mais baixo, como se fosse um


segredo ou algo que escapara sem querer —
Costumava ler.
Costumava? Sua curiosidade latejava.
Queria perguntar o porquê daquela palavra, mas
esse foi exatamente o problema que a levara até ali.
Então decidiu, a contragosto, que iria silenciar a
sirene que piscava e que ressoava em sua cabeça.
— Ainda sou sua assistente?
— Não sou difícil demais de se lidar? Não
vai ser um enorme sacrifício?
Porque ele tem que tornar tudo tão difícil?
Bastava apenas um sim ou não.
— Situações difíceis foram feitas para
serem enfrentadas, seus medos devem ser
guardados para si.
Uma boa citação do livro “O médico e o
monstro”, uma de suas favoritas, que caíra como
uma luva para aquela ocasião. Ele se mantinha
quieto e ela o observava. Suas sobrancelhas
franzidas indicando que ele pensava em suas
palavras, seus lábios com leve tonalidade vermelha
formando uma linha reta em seu rosto simétrico e
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sua mão apoiada em seu queixo.


Toda aquela pose não passou indiferente a
Sarah, que se deleitava por tempo demais. Até que
decide tentar mais uma vez a sorte.
— Senhor Collins eu garanto que não será
um sacrifício para mim, mas devo confessar que às
vezes me sinto a Elizabeth Bennet quando enfrenta
o senhor Darcy.
— Elizabeth só o enfrentava daquela forma
porque não o conhecia verdadeiramente.
Ele realmente era uma caixinha de
surpresas. A cada dia que se passava, Sarah
descobria um pouco mais e saber que ele era
conhecedor dos clássicos a agradara muito.
Perguntava-se o que mais ele conhecia? E se pegara
pensando em o quanto queria muito saber a
resposta para aquela pergunta.
— Então — Ela se aproximava mais da
mesa — Eu não conheço verdadeiramente o
homem que está na minha frente? Ou conheço?
Não. Ela sabia que não. Estava ciente
que com certeza aquele não era seu eu verdadeiro.
O muro estava escondendo aquele homem. Como
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se lesse sua mente ele confirma seus pensamentos.


— Não. Você não me conhece.
— Eu queria conhecer.
— Não perca seu tempo comigo.
— Por que não?
Mais uma vez ela recebe o silêncio como
resposta. Ele desfaz a sua postura analítica de antes
e abre uma pasta ofício retirando de dentro um
papel. Passa os olhos pelo seu conteúdo, como se
repensasse o que estava escrito, para então estender
na direção dela.
— O que é isso? — Perguntava enquanto
tomava a folha.
— É um documento dizendo que você foi
retirada da função de aluna assistente. — Colocava
a pasta em seu local de origem — Tem que ser
entregue na secretaria do prédio administrativo.
Arregala os olhos para a folha e se depara
com seu nome completo em destaque.
Ele vai me dispensar mesmo. Puta merda.
Ferrou.
Repreendia a sua completa ingenuidade ao
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pensar que por algum momento seria diferente.


Mas tinha que aceitar seu destino e assumir as
consequências de seus atos.
Com uma leve tristeza em seu coração, ela
concorda com movimentos sutis de sua cabeça e
um sorriso magoado abaixa seus olhos mais uma
vez para a folha.
Enquanto calculava quantas horas iria ter
que passar enfiada em seu quarto para se preparar
para o próximo banho de sangue, que ele chamava
de dia de prova, move seus pés fazendo-os dar um
meio giro em direção a porta, mas tem seu
movimento interrompido pelo som da voz dele.
— Rasgue.
Eu ouvi direito?
— Está falando sério? — Dizia com sorriso
esperançoso, mas com certa desconfiança.
— Quer levar na reitoria então?
Com ímpeto leva a folha atrás das costas a
protegendo.
— Às vezes a simplicidade e o silêncio
dizem mais que a eloquência planejada — Citava

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uma frase de um dos seus livros favoritos —


William Shakespeare — Ela explicava.
— Escolha interessante de palavras.
Deveria utilizá-las como exemplo a ser seguido
para sua vida.
Era bom demais para ser verdade. Revira os
olhos diante o comentário sarcástico. Decide
ignorá-lo, não estava em uma situação muito
acolhedora para começar a retrucá-lo.
— Posso rasgar mesmo? É sério? — Dizia
um pouco enérgica.
Ethan que voltara a atenção para seus papéis
novamente, se remexe com impaciência em seu
assento e logo a encara.
— Já que aparentemente gosta de citações
vou te dizer uma. — Pigarreava — Rasgue esse
papel logo antes que me arrependa. — E lá estava
aquele brilho desafiador em seus olhos — Ethan
Collins — Dizia lhe informando o criador de tal
trecho.
Sem ter chance de rir de seu comentário,
rasga a folha imediatamente a deixando em vários
pedacinhos para que não aconteça o que ele havia
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dito. Não podia correr o risco de perder aquela


oportunidade. Sabia que com aquele homem não
haveria uma terceira chance. Na verdade estranhava
ter havido uma segunda.
Estava extasiada. Em seu peito seu coração
não cabia em si. Como em momentos assim
sabemos que ela não consegue se controlar. Porquê
dessa vez seria diferente?
Ao jogar o papel picado no lixo que ficava
em um dos lados da mesa dele, vai em sua direção
e com um impulso o abraçava por trás da cadeira,
enlaçando seu pescoço e descansando suas palmas
no peitoral firme que ele possuía.
— Muito obrigada, senhor Collins. —
Apertava mais seus braços e aproximava-se mais
seu rosto o colocando na curva de seu pescoço —
Não vou decepcionar o senhor. Serei a melhor
assistente do mundo.
O cheiro dele era algo extremamente
viciante. Uma fragrância amadeirada que lhe
deixava com um ar mais sexy. Um odor que
poderia ser imaginado facilmente em um homem
digno dos sonhos eróticos mais excitantes.

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Afunda mais seu nariz na curvatura


anatômica e inala aquela essência tentadora que a
fazia reviver seus sonhos mais proibidos e insanos
que já tivera exatamente com aquele homem. Não
pode deixar de notar que ele cheirava justamente da
mesma maneira que sua imaginação fértil criara.
Se ele deixasse ficaria por horas naquela
posição facilmente.
Acho que tenho um novo cheiro favorito.
Era a vez das suas palmas agirem sobre
aquele monumento de homem. Abrindo mais suas
mãos sente a musculatura firme se enrijecer
debaixo de seus dedos, deixando seu peitoral mais
firme do que já era.
Ela estava se aproveitando do momento.
Agora sejamos sinceros. Quem não faria o mesmo
na situação dela? Isso mesmo.
Ninguém.
— Ah. Senhorita O’Connor? — Ele
pigarreava — A senhorita poderia me soltar?
De novo isso. Devo estar com algum
problema. Mais um item para lista de micos.

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— Ah claro. Desculpa — Imediatamente


retira qualquer contato que seus braços e corpo
tinham com ele e se afasta da cadeira.
— Já estou me arrependendo — Dizia
arrumando sua postura na cadeira.
Contorna sua mesa. Discretamente quando
está de costas para ele, pega a gola do fino casaco
que vestia o cheirando. O perfume se infiltrara no
tecido e se perguntava se seria muito estranho
nunca mais lavar aquela peça.
— Posso saber por que o senhor mudou de
ideia? — Ela parava em frente à mesa dele
novamente.
— Por que você veio até aqui. Sendo um
sacrifício ou não. — Agora ele digitava algo em
seu notebook. — Teve coragem. Provavelmente
qualquer outra pessoa não teria feito o mesmo, pois
eu fui bem claro que não era mais para voltar —
Ele desvia sua atenção para seu relógio de pulso —
Ficou nítido que pra você foi difícil vir até aqui,
mas mesmo assim veio.
Com agilidade ele começa a juntar as suas
anotações, as colocando dentro de sua maleta que

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ele agora pegara do chão.


Quem o observasse perceberia como ele era
cheio de manias. O jeito com que guardava cada
coisa que usara em seu devido lugar. A ponta
superior do notebook ficava perfeitamente alinhada
com o porta lápis de plástico escuro. Tudo ali tinha
seu local que ele julgara como perfeito. Suspeitava
que se movesse o grampeador um centímetro para o
outro lado ele saberia que mexera em sua mesa.
Algo que ele dissera se destacava pra ela.
Ninguém o conhecia verdadeiramente. Pode
parecer um exagero alguém dizer algo assim, mas
com ele pode não ser tão absurdo. Nunca ouvira
ninguém se referir a ele como sendo outra coisa
além de Cérbero ou professor mais exigente de
todo campus.
Isso lhe passara pela cabeça naquele final de
semana de reflexão que tivera. Perguntara-se os
porquês disso. A resposta estava bem a sua frente.
Ninguém parava e o observava ou reparava nos
breves momentos que podia ver relances de algo
diferente. Ethan estava ali, dando leves sinais
diariamente. Confirmando as suspeitas de havia
algo por detrás da muralha.
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— Eu sei que não sou uma pessoa —


Parava por alguns segundos, pensando na palavra a
ser dita — Digamos. Uma pessoa fácil às vezes. E
mesmo assim você está aqui. Isso pra mim é
caráter.
Espera! Algo em sua mente grita.
Coragem? Caráter?
Aquelas eram as exatas palavras que seu
amigo dissera no clube. Como ele sabia disso?
Pensava boquiaberta.
— Sua mesa está da mesma maneira. Ia
esvaziá-la hoje depois do término das duas aulas
que darei pela tarde.
Antes que se mova para seu lugar, lembra-
se de algo que guardara em sua mochila. Um plano
C. Algo que rezava para que ainda estivesse inteiro.
De dentro, retira uma pequena caixa
retangular de plástico transparente com dois
cupcakes, eram do seu sabor favorito, mirtilo, com
cobertura lilás. Não sabia se ele gostava ou não,
mas quando os havia visto na vitrine da cafeteria do
campus decidira trazê-los. Na verdade, escolhera-
os, pois não havia mais nada o que comprar devido

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ao horário.
O que vale é a intenção. Não é isso o que
dizem?
— Cupcakes? — Dizia fechando seu livro
— O que eu disse sobre bajulação?
— Não é bajulação. Isso se chama
gentileza.
— Eu pensaria que fosse uma gentileza se
você me oferecesse isso sem querer algo de mim
em troca.
— Eu não quero nada em troca.
— É mesmo? Passou meia hora me pedindo
desculpas e perguntando se ainda era minha
assistente por que então?
— É apenas uma gentileza. Achei que ia
gostar. Aceite — Cruzava seus braços
teimosamente em frente ao peito.
Os cubos de gelo intercalam entre ela e seu
ato “gentil”. Estava com certeza maquinando algo
que julgava deixá-la sem resposta.
— E se eu for diabético?
Ok. Mais um ponto pra ele. Se a intenção
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era deixá-la confusa. Então parabéns, objetivo


alcançado.
— Nunca pensou nessa possibilidade?
— O senhor é diabético? — Perguntava
com receio da resposta.
— Nunca pensou o porquê tomo café sem
açúcar ou sem creme?
Ela para e pensa. Nunca havia o visto
comendo nada doce. Na realidade nunca o vira
comendo nada. Apenas bebendo café, sem açúcar e
sem creme. Então sua mente tem um estalo. Seus
olhos se arregalam. Aquilo fazia sentido, ela tinha
que admitir.
AI MEU DEUS!
— Você é diabético? — Se exaltava — Me
desculpe senhor Collins. — Levava as mãos ao
rosto, envergonhada — Eu não sabia. Sinto muito.
— Dizia apressadamente — Que fique bem claro
que não foi uma tentativa de assassinato. Apesar de
no começo eu querer matar o senhor, mas faz
tempo que não penso no assunto. Tirando a parte
do livro voador, mas ele não mataria o senhor... —
Tagarelava.
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— Então. Já pensou em me matar?


— Eu? Claro que não. Ah... Ah —
Gaguejava — Eu disse que já?
— Sabe que eu posso muito bem imprimir
outro papel como aquele que rasgou, não é?
Serra seus lábios no mesmo instante,
deixando apenas uma linha fina em seu rosto. Era
melhor calar a boca antes que a situação piorasse.
— Ótima escolha. — Olhava mais uma vez
seu relógio — E respondendo sua pergunta. Não.
Eu não sou diabético.
Por um lado, sente-se aliviada. Não havia
mesmo passado por sua cabeça algo como aquilo,
mas por outro lado, aquele espanhol de sangue
quente e que controlava cerca de 80% de suas
ações, sente-se enganada e tola por ter caído na
conversa dele os outros 20% de sangue irlandês
queria muito retrucar, mas ela simplesmente aperta
a mão ao redor da alça da mochila novamente e lhe
oferece um sorriso forçado.
Nas feições dele o divertimento era evidente
até mesmo para quem não tivesse o “prazer“em
conviver com ele. No canto esquerdo de seus lábios
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havia um sutil meio sorriso.


— Então vamos supor que seja uma
gentileza. — Ele continuava — Por que está sendo
gentil comigo? Eu não sou com você.
Eu não sei.
— Se te comparo a um dia de verão. És por
certo mais belo e mais ameno. Às vezes brilha o sol
em demasia outras vezes a gentileza gera raios de
sol aplacando a frieza.
Cita mais uma vez um trecho de
Shakespeare.
— Então acredita que gentileza gera
gentileza?
— Com toda certeza. Até o mínimo ato dela
pode atingir o coração mais frio.
— A frieza não surge por vontade própria.
É como uma semente. Você planta, cuida e ela
germina.
— Quem plantou a sua frieza, senhor
Collins?
Seus olhos se prendem aos dela. Era
impossível desviá-los. A intensidade com que
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acontecia todas às vezes a impediam de quebrar o


contato, pois ela gostava quando ocorria. As
mudanças e oscilações que permeavam as camadas
gélidas que via eram hipnotizantes. E podia parecer
loucura, mas sentia que ele fazia o mesmo, que ele
percebia e notava acontecer nos dela.
Por alguns instantes ele só a observa. São
duas pessoas dividindo o silêncio e compartilhando
em meio à mudez.
— O tempo — Ele dizia por fim.
— O tempo pode ser realmente muito cruel
— Involuntariamente leva sua mão livre até seu
pingente no cordão do pescoço, passando o polegar
pela superfície lisa e levemente gélida.
Isso ela sabia bem.
O tempo pode ser uma dádiva se bem
aproveitado e o pior inimigo quando feito ao
contrário. Nossa vida é marcada por ele. Não
adianta usar a desculpa de não o possuir, pois ele
nos é dado e cabe a nós sabermos o que fazer. Se
existe algo que aprendera sobre o tempo é que ele
possui três características imutáveis.
Ele é inevitável, implacável e facilmente
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alterável.
Cada segundo que se passa no relógio
equivale a uma decisão tomada, a um ou vários
sorrisos, a lágrimas derramadas, a conquistas,
perdas, vidas, cumprimentos e despedidas. Cada
segundo é capaz de mudar o para sempre.
— Faz tempo que espero o tempo passar —
Ele lhe confessava.
Quando seu olhar se foca nele novamente,
notara que não mais a encarava. Sua atenção era
completa na caneta que girava entre os dedos.
— Eu ainda não fiz as pazes com ele — Ela
encontrava sua voz — O odiei muito. Mas acabei
percebendo uma coisa.
Sarah tem sua atenção sobre si novamente.
— Brigar com o tempo, odiá-lo ou até
mesmo esperar ele passar, não ajuda em nada. Tudo
o que podemos fazer é aceitar a realidade que ele
nos impõe e seguir da melhor maneira possível.
— É fácil dizer.
Abre um singelo sorriso sincero em seus
lábios. Lembrava-se das diversas vezes que ouvira

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aquelas palavras de sua mãe e das diversas vezes


que a respondera da mesma maneira. “É fácil
dizer”.
— Difícil fazer — Ela completava —
Acredite. Eu sei. — Seu sorriso se estendia mais —
Mas as melhores coisas da vida são aquelas pelas
quais lutamos para conquistar. Um ato de cada vez
— Ela apontava com o queixo, a embalagem de
plástico ainda intocada na mesa dele — Já sentiu a
imensa vontade de algo ou alguém, que em teoria é
impossível ter?
— Não acha tolice sonhar com algo que
sabe que não pode ter?
— Não é tolice se o resultado valer a pena.
— Fala com tanta convicção. Deseja algo
que em teoria é impossível, O’Connor?
— Sim. — Ela suspirava — Desde o dia em
que entrei para essa faculdade.
Como ele a havia encarado após essa
confissão, não saberia dizer, pois assim que o
responde, gira seu corpo para que sua expressão
não a denuncie, fingindo que desde o início a sua
intenção era seguir até sua mesa no canto. Sabia
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que ele seria capaz de lê-la, era um homem


observador.
— Pelo visto não sou o único tolo por aqui
então.
Ela é pega de surpresa. Não sabia como
interpretar aquilo.
Mais uma vez agradeceu a agilidade de seus
pés. Coloca a mochila ao lado da mesa, sentando-se
em sua cadeira levemente reclinável. Abre seu
notebook para dar inicio enfim ao seu mais novo
dia de estágio.
Assim que o faz nota que ainda segurava
seu pingente. As duas alianças douradas. Peças
inofensivas a qualquer pessoa, mas com um peso
muito grande em seus filetes de ouro aos olhos
dela.
Abre sua mão e elas repousam
tranquilamente em sua palma.
Então a discussão que tivera com seu
professor semana passada surge sem sua mente.
Por que tem duas alianças no seu colar? Ele a
perguntara.
Seus olhos se desprendem de seu foco atual
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e caem sobre Ethan novamente. Esse que em menos


de um minuto olhara três vezes o relógio. Qual é a
dele com esse relógio? Ela se perguntava.
A pergunta feita por ele aquele dia, a
surpreendera. Não por causa de quem a fez e sim
pelo fato de que nem ela mesma sabia a resposta.
Por que ela as carregava? O que significavam?
Então se deparara com a resposta. Com elas,
ela não se sentia sozinha. Sentia que fazia parte
algo, mesmo aquilo sendo no passado. Sentia que
pertencia a alguém, mesmo isso também sendo
passado.
— Elas pertenceram a alguém muito
importante para mim. — Ela cortava o silêncio que
crescera entre eles.
A resposta faz com que ele interrompa seus
movimentos. Ficando em pé ao lado da mesa e com
a maleta em mãos. A encara com certa confusão no
início, mas assim que seus olhos seguem as mãos
dela, ele soube do que ela estava falando.
— Você me perguntou aquele dia, então
imaginei que ainda quisesse saber.
O olhar dele se suaviza, ficando
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ligeiramente entristecido. Em silêncio encara a


maleta nas mãos e seus dedos que brincavam em
sua alça.
Não fora surpreendida. Uma grande parte si
sabia que ele lhe ofereceria o silêncio, como
sempre. A dificuldade que ele tinha em
compartilhar coisas pessoais era fora do comum.
Sabia que tinha que ter paciência, mas aquilo era
um pouco difícil pra ela às vezes.
Ainda sem dizer nada ele caminha até a
frente da mesa, mas para antes mesmo que avance e
se afaste da mesma, indo em direção à saída.
— O porta retrato era um hobby. —
Escutava sua voz com uma rouquidão sob medida e
perfeita se dirigir a ela.
Teve que controlar o entusiasmo. A vontade
de pular e gritar eram enormes. Ele havia
respondido a uma pergunta. Confidenciara-lhe algo.
Mas não simplesmente algo banal e sim algo que
sabia ser difícil pra ele.
— Seu?
Com um único movimento da cabeça ele
nega. Suspirando demoradamente, ele muda o foco
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de sua atenção e pega a caixa com os cupcakes.


Para sua total surpresa ele se aproxima de sua mesa
parando apenas quando suas coxas quase se
encostam à beirada da parte da frente dela.
Ele abre a embalagem, retirando um dos
doces e o colocando sobre a mesa dela.
Sarah encara aquele bolinho lilás por um
tempo sem entender, então o olha.
— Obrigado. — Ele lhe dizia.
Com a mesma rapidez com que ele vem, ele
chega até a porta, saindo por ela no segundo
seguinte.
Estava extasiada. Em um período tão curto
de tempo vira tantas mudanças em uma única
pessoa, que não seria possível enumerar todas elas
com aptidão.
“Obrigado”. Aquela simples palavra ficava
se repetindo várias e várias vezes em sua cabeça.
Afinal obrigado pelo que? Pelo cupcake?
Não. Ela sabia, na verdade sentia que não
era somente a isso que ele se referia. Como tudo
nele, sempre havia algo por detrás.

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Seus olhos fitam novamente o doce com o


glacê um pouco danificado pelo caminho até ali.
Estava diante a um ato de agradecimento. Um ato
de gentileza.
— Um ato de cada vez. — Ela sussurrava
no escritório vazio as exatas palavras que dissera a
ele há menos de cinco minutos.
Estica a mão pegando o doce.
Talvez não fosse absurdo em acreditar
quando dizem que uma gentileza gera outra.

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“Um grande homem... Gênio? Ou


insanidade? Quem pode dizer?”
Ágatha Christie

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Desenvolvimento humano e Histologia


básica volume dois? Ela riscava os itens
mentalmente. Confere. História da fisioterapia?
Confere. Biomecânica do corpo humano volume
um? Confere. Por fim A história da medicina nos
séculos 18 e 19, mas esse é só para diversão. Ela
pensava.
Encarava satisfeita a pilha de livros que
fizera sobre a mesa. Após sua penúltima aula do
dia, aproveitara o intervalo entre a próxima aula
para ir até a biblioteca do campus, precisava de
alguns exemplares, pois a semana de provas estava
para começar e ela não queria deixar passar nada.
O plano original era de ir até lá apenas para
anotar o nome e o número da prateleira e sessão
que eles se encontravam, mas quando chegara vira
que algumas delas estavam quase vazias e
justamente os exemplares que desejava. Então
soube que não era a única que estava desesperada e
que decidira começar os estudos quase dois meses
antes.
Alguns ela teve que improvisar e pegar
outras edições. Mas uma coisa era certa. Não sairia
de lá de mãos abanando, iria garantir seus
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exemplares.
Seu cenho se franze ao perceber algo
estranho em sua pilha. Parecia estar faltando algo.
Por um momento ela para e respira impaciente.
Esqueci o de Anatomia. Como esquecer?
Estava muito feliz pela segunda chance que
recebera e, os dias que se sucederam tinham sido na
opinião dela até que agradáveis, na medida do
possível. Mas a sensação de preocupação e leve
medo não passaram. Mais uma prova e isso o que
significaria? Outro D? Nem pensar! Eu me recuso!
Dizia convicta a si mesma sentada em uma mesa ao
fundo da biblioteca. Mantinha sua cabeça afundada
em um livro enorme que mais pareciam à bíblia de
Gutenberg, pela quantidade de folhas e capítulos
exaustivos.
Nem sei mais o que estou lendo. Esfrega o
rosto com frustração. Será que David me ajudaria a
estudar?
Quando seus pensamentos recaem sobre seu
amigo sua mente se desliga oficialmente de tudo o
que estava tentando absorver com a leitura.
O havia deixado pensar que a chateou de

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alguma maneira naquela noite. Não teve a chance


de se desculpar, pois no dia seguinte quando
acordara ele já havia saído e deixado um bilhete de
agradecimento pela noite.
Era impossível imaginar David magoando
alguém.
Ele mesmo não havia feito nada, somente
ela, como sempre. Ele só trouxera velhas
lembranças guardadas e trancafiadas no fundo de
seu coração. A pegando desprevenida.
Era quase hora de sua última aula do dia
começar, então guarda seu caderno de anotações na
sua mochila junto com o resto de suas coisas. Com
dificuldade Sarah empilha os volumes de livros que
iria levar para casa e quanto mais ela se aproximava
da saída mais parecia que os exemplares
aumentavam de peso. Quando chega à recepção da
biblioteca e faz seu cadastro para retirada dos
exemplares é que conclui que eles estavam pesando
toneladas em seus braços.
Segurava como podia e respirava com certa
dificuldade. Não entendia por que os livros
acadêmicos eram daquele tamanho. Será que era
algo combinado entre os autores? Todos tinham
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que conter mais de 700 páginas e pesar mais que 1


kg?
Sente seu celular vibrar várias vezes em seu
bolso e, ao pegá-lo pensando ser algo importante,
se depara com notificações de redes sociais, sendo
que sua maioria era convite para festas
universitárias. Revira seus olhos enquanto apagava
todos os convites.
Os pensamentos sobre David ainda
rondavam sua mente e a culpa ainda pesava em seu
coração. Ajeita os livros em um braço e com o
aparelho ainda nas mãos busca por seu amigo na
lista de contatos e seleciona seu nome apoiando o
celular entre o ombro e a cabeça para segurar
melhor suas coisas.
— Oi Mi. – Ele a atendia no terceiro toque.
— Você já foi beijado por um homem, foi
expulso de casa e nunca se apaixonou. São essas
suas mentiras, Dave.
Ela escuta a risada fraca dele do outro lado
da linha.
— Sinto informar, mas você errou.
— Em qual parte?
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— Faz um tempinho que não nos falamos.


Como foi sua ida ao submundo? — Ele mudava de
assunto.
A biblioteca do campus possuía uma
arquitetura impecável, como todo o resto tinha um
ar de antiguidade, mas ela não somente aparentava
ser velha, ela era. Dois andares de pura história
inglesa. Dizem que o campus fora construído ao
redor daquele prédio, ele não continha apenas a
história em seu interior e em suas prateleiras ele era
a história. Ficava mais elevado do restante, pois
para que tenha acesso ao prédio antes tem que subir
uma longa escadaria. Exatamente essa que Sarah
cuidadosamente tentava descer.
— Bom você tinha razão, ele ficou
impressionado com minha coragem e caráter e não
me dispensou.
— Eu sempre tenho razão, devia me ouvir
mais vezes.
Pode notar seu tom brincalhão e aquilo a
arranca lhe uma risada.
— O que remete a pergunta, como você
sabia exatamente o que ele ia dizer? Sobre ele

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apreciar coragem, caráter e tudo mais? — Ela


perguntava seriamente enquanto se concentrava em
não cair a cada degrau que descia.
— Eu o conheço há mais tempo e já estive
na sua pele.
Ela refletia sobre sua resposta. Ela fazia
sentido, mas mesmo assim não conseguia deixar de
pensar em como era estranho toda aquela
coincidência.
— Bom e que tal para comemorar a minha
não saída do estágio, e também como pagamento
pelo seu conselho valioso, vermos algum filme?
Gosta de clássicos?
— Sim, o que tem em mente?
— O poço e o pêndulo de Edgar Alan Poe.
Pode ser?
— Por mim tudo bem. Pode ser aqui em
casa se quiser.
— Ótimo e David? — Ela suspirava —
Naquela noite que saímos. Você não me deixou
chateada ok? Eu só... — Ela parava por alguns
instantes quase no fim da escadaria. — Eu só
estava cansada.
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— Tudo bem, Mi. Foi mesmo uma noite


longa. — Ela tinha certeza de que ele sorria. David
era do tipo de cara que parecia sempre ver o lado
bom de tudo, ele era compreensível. — Nada que
um filme na minha casa não resolva e quem sabe eu
não te conte quais eram minhas mentiras.
— Está marcado. Sábado na sua casa. —
Soltava um gemido involuntário por causa da dor
em seu braço — Agora preciso desligar tenho uma
última aula para ir.
Ambos se despedem, ela desliga o aparelho
e visualiza o relógio do mesmo. Precisava correr
para não chegar atrasada.
Quando solicitou sua vaga como assistente
do professor de anatomia, se certificou de que
aquela era realmente sua única alternativa.
Conversara com a secretária que trabalhava no
setor administrativo da faculdade e a mesma lhe
dissera que além do estágio ela poderia também
fazer algumas aulas extras caso a primeira opção
não fosse viável, mas por se tratar do curso dela e
essa ser uma das matérias mais importantes, dissera
que somente a aula extra não ajudaria a repor todos
os créditos que precisava. Sarah teve a leve
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impressão de que a mulher achava que ela não iria


durar muito no cargo. Não posso culpá-la.
Foi-lhe entregue um papel com a relação de
aulas extras e uma muito lhe chamou a atenção,
poucas pessoas se matricularam naquela e a maioria
das turmas parecia passar com quase 100% de
aprovação. Ela realmente precisava de uma
segunda alternativa, então se matriculara e agora
aquele era seu destino. Tinha que caminhar boa
parte do campus com um peso que equivalia a um
filhote de cão Dinamarquês em seus braços.
Tentava inutilmente guardar seu celular no
bolso de trás. O peso dos livros combinado com a
posição que seu corpo fazia, praticamente se
contorcendo para encontrar seu bolso, que não
estava colaborando, a fez desviar seus olhos do
chão e tropeçar no último degrau. Ela cambaleia
para frente se desequilibrando para o lado e
fazendo os livros que segurava caírem todos no
chão antes que ela pudesse sequer impedir.
— Merda — Ela xingava em gaélico.
Tenta abaixar-se para pegar os livros e é
quando vê um par de enormes mãos pegarem um
deles que caíra e erguê-lo para analisar o título.
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Seu professor estava parado a sua frente


com sua maleta pendurada no ombro esquerdo por
uma alça longa e na mão direita o livro que acabara
de resgatar.
Os olhos castanhos de Sarah percorrem a
figura ali parada, devidamente vestido em seu
blazer de cor escura com os botões abertos
revelando seu colete com tonalidade mais clara, os
primeiros botões da camisa branca que usava
estavam abertos revelando um pouco abaixo do
pescoço alguns pelos de seu peitoral largo e
somente aquela visão fez Sarah passar
despercebidamente a língua por seus próprios
lábios por que de repente sua boca havia ficado
seca.
Ela o via olhar para a capa do livro e depois
para ela fazendo seu corpo estremecer levemente
apenas com seu olhar.
Ele precisa parar de me olhar assim.
— Por que não estou surpreso?
Ela franze suas sobrancelhas em silêncio
como se não houvesse entendido o que ele acabara
de dizer.

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— Shakespeare. — Ela o via apontar para o


exemplar de Hamlet. O menor de todos os livros,
um que também pegara para seu lazer.
Sarah apenas dava de ombros enquanto se
abaixa para pegar novamente o restante dos livros.
Em silêncio ela pega volume por volume, até que
sente a sombra dele se aproximar e também se
abaixar a surpreendendo enquanto pegava seus
livros para si.
Ele está mesmo me ajudando? Pensava com
receio enquanto o via se levantar com alguns de
seus materiais didáticos.
— Obrigada. — Ela agradecia ainda
surpresa com tal ato da parte dele.
Ele estende as mãos em sua direção
indicando para que ela lhe desse o restante de seus
livros.
Eu bati a cabeça e entrei em coma ou algo
assim?
— Eu levo.
Sarah demora alguns segundos para
entender e sem perceber ela estende os entregando.

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— Não precisa fazer isso.


— Eu já estou fazendo. Pensei que
bailarinas tivessem melhor coordenação motora.
Grosso!
— Pelos deuses da dança — Ela deixava
escapar um resmungo baixinho.
Aquilo era extremamente desconfortável.
Tê-lo ali tão perto fazendo algo gentil. Era para se
desconfiar. Então começa a caminhar em direção a
sua última aula e sente ser seguida por seu
professor.
— O que você disse? — Ele lhe perguntava.
— Nada. — Passava as mãos por seus
cabelos castanhos escuros — Eu só estava
pensando sobre minha última aula.
E novamente silêncio. Estar perto dele a
deixava um pouco confusa e por mais que Sarah
quisesse conversar e lhe perguntar coisas,
aprendera a lição da última vez, mesmo ele
confessando algo íntimo, não sentia que ele estava
totalmente confortável com ela para se abrir mais.
Ela o observava encarar o relógio de pulso e logo
em seguida se dirigir a ela.
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— Tenho 17 minutos para acompanhá-la.


Para onde você está indo com todo esse material?
— Para a aula de massoterapia, mas os
livros eu irei levar para casa. Preciso estudar alguns
tópicos e como os exemplares estavam acabando
resolvi pegar todos antes que eu ficasse sem.
Com um arquejo de sobrancelha e o que ela
achou ser uma expressão divertida surge no rosto
alinhado de seu professor.
— Massoterapia?
Tudo bem pode parecer ridícula essa aula
dita da maneira que ele disse.
Por incrível que pareça Sarah havia gostado
muito da matéria. Tinha poucos alunos, como fora
dito, mas havia um fato curioso que não passara
despercebido por ela, era que 80% da turma era
composta por homens. Um fato não tão curioso
assim quando você começa a definitivamente
frequentar as aulas. Por que disso? Simples. A
professora.
Sua mentora, como à senhorita Soares
gostava de ser chamada, era muito agradável e uma
excelente profissional. Mas também se tratava de
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uma brasileira, com pele morena e cabelos negros e


lisos que caiam perfeitamente por toda extensão de
suas costas. Seios fartos, roupas coladas e coxas
dignas das atrizes daquele país que via na TV. Já
dava para imaginar que os elogios eram bem
frequentes por parte de seus queridos alunos. O que
a estava incomodando de uns tempos pra cá, pois
Andreia Soares parecia gostar da atenção em
demasia.
Com o decorrer das aulas, Sarah havia
descoberto um talento escondido.
Quer dizer, mais um talento. Pensava de
forma orgulhosa.
— O que? Eu realmente gosto muito dessa
aula apesar da maioria das pessoas acharem que a
massagem em si tem um teor erótico. Ela serve
para aliviar o estresse e as tensões nos músculos e
tecidos conectivos.
No começo realmente havia se inscrito
naquela aula para obter crédito estudantil de forma
fácil, mas à medida que lhe era passado todo
conteúdo a ser estudado, foi ficando cada vez mais
interessada a ponto da senhorita Soares a convidar
para ser sua assistente, claro que ela adoraria, mas
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como bem sabe um aluno não pode ser assistente de


dois professores ao mesmo tempo e os créditos
estudantis oferecidos pelo senhor Collins eram bem
mais altos e isso a fez negar a oferta.
— Você está certa. É um ótimo adicional a
sua grade curricular, mas por que você – Ela podia
sentir que ele enfatizava bem a palavra “você” — O
escolheu? Não me aparenta ser desse tipo.
— Desse tipo? Como assim? — Virava o
rosto pra ele e o encarava de perfil.
— Uma massoterapeuta é geralmente
alguém calma com uma aura tranquila e você com
toda certeza não é assim.
Tenho que concordar.
Aquilo arranca um riso dela, alguns alunos
próximos de onde caminhavam se viram na direção
deles. A expressão em seus rostos é de completa
surpresa, afinal alguém estava rindo de algo que
Cérbero dissera. Não duvidava que os responsáveis
pelo jornal do campus tirassem uma foto desse
momento e colocassem na primeira página.
— Não quero ser uma massoterapeuta no
futuro, mas sabe o que dizem sobre uma garota que
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sabe fazer uma bela massagem, não é? — Ela o


olhava de soslaio com um sorriso atrevido em seu
rosto. — E acredite quando digo que sou muito boa
nessa matéria.
— Espero que seja melhor do que na minha.
Muito engraçado.
— Sempre ouvi dizer que a senhorita Soares
também é muito boa no que faz. — Ele comentava.
— Sim. Ela é uma ótima profissional —
Tentava enfatizar a última palavra.
— Sempre ouvi elogios sobre suas aulas, os
alunos parecem ficar bem satisfeitos. Uma vez ela
sugeriu de fazer uma aula em conjunto. Estou
pensando no assunto.
NÃO! Ok. Pode parar por aí. Suspira
profundamente. Sentia um desconforto com aquele
comentário. Não conseguia acreditar que até seu
professor iria se deixar abater pelo balançar daquela
bunda estrangeira. A ideia dele interagindo com
aquela mulher não lhe agradara.
O que está havendo? Ele é livre pra fazer o
que quiser e com quem quiser.

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— Mas porque a escolheu? — Ele cortava


sua linha de pensamento.
Pensava em várias desculpas a dar para ter
escolhido aquela matéria e não o motivo real,
créditos fáceis. Como não o encontra então decide
apenas mudar de assunto.
— Se importa de devolver meu livro de
Hamlet, eu queria guardá-lo em minha mochila.
Ela o vê pegar o livro menor do topo da
pilha que ele carregava e o estender.
— Você realmente gosta de Shakespeare.
— Ela o escutava enquanto prontamente guardava
o mesmo.
— Surpreso?
— Nem um pouco.
— Eu gosto de clássicos e não
particularmente Shakespeare. — Ela arrumava sua
mochila e contrariando todos os seus extintos que
gritavam para que ela não fizesse aquilo, pergunta
— E o senhor? Gosta?
— Sim eu gosto de clássicos no geral.
Ela não conseguiu conter sua alegria ao
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descobrir que ele também era um apreciador.


— Sabe senhor Collins, agora que falou o
senhor bem daria uma bela peça de Shakespeare.
— Por que diz isso? E por favor, não diga
Romeu e Julieta.
Sorrindo ela vira pra ele que caminhava ao
seu lado. Os livros em só um braço, esse que estava
tensionado deixando seu blazer mais justo, não
parecia esforço nenhum pra ele. Seu perfil era
perfeitamente desenhado, pela luz do sol, que
somente a permitia ver seu contorno. Seu nariz
reto, queixo evidente e cabelos escuros levemente
ondulados penteados para trás.
— Me acha clichê assim? — Ela o
desafiava.
— Tenho medo de que você me ache clichê
a esse ponto, apenas isso.
— De clichê o senhor não tem nada. Não.
Romeu e Julieta não. Penso no senhor mais como
MacBeth ou mesmo Hamlet.
— Está sugerindo que eu tenha uma esposa
gananciosa ou que eu seja louco?

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Ele realmente conhece. Gostei muito disso.


Espera! Não eu não gostei.
— Não longe disso, permita-me explicar —
Ela tomava ar — MacBeth foi exposto a uma
profecia certo? E sua esposa tomou as rédeas da
situação em meio ao seu desejo de assassinar o rei e
Hamlet só enlouqueceu por que deu ouvido a uma
profecia de três mulheres pagãs. Não consegue ver
a similaridade? — Ela podia notar sua testa franzir
então novamente explica — Shakespeare cita em
sua peça como era difícil para ambos se abrirem
com outras pessoas a respeito de seus devaneios,
dois homens com dificuldades de dizer o que
sentem ou mesmo sentir. Entendeu?
— Então diria que eu sou mais parecido
com Hamlet ou MacBeth?
— Acho que o senhor tem um pouco dos
dois.
— Ok. Então sou influenciável e louco.
Obrigado. — Dizia em seu tom costumeiro.
Ela ri mais uma vez.
— Que bom que não me comparou a
Romeu e Julieta, pois na minha singela opinião a
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história não tem muita graça, mas MacBeth e


Hamlet sim, essas são histórias até interessantes eu
diria.
— Por que diz isso?
— Romeu e Julieta é clichê demais,
romântico demais e enjoativo demais — ela podia
ver que ele falava da história em tom de deboche
— Como se já não tivesse quinhentas histórias
contando sobre amor proibido.
— Não acha romântico, fazer tudo pela
pessoa amada, até mesmo desistir de todo uma vida
e fortunas para ficar junto com essa pessoa? — Ela
dizia com paixão, amava aquela história — As
palavras que Romeu dizia a ela. As declarações de
amor. “Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com
outro nome, cheiraria igualmente bem” — ela cita
uma pequena passagem.
— Não adianta O’Connor. Não vai me fazer
gostar de Romeu e Julieta.
Ela suspira derrotada.
— Agora MacBeth. Tem acontecimentos
mais interessantes. Vendo o desespero do marido e
vendo que ele perdeu tudo. Lady MacBeth se mata
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o deixando na loucura.
— Com o perdão da palavra professor, mas
ela foi uma vadia.
— Concordo. — Aquilo despertou um
sorriso no rosto dela — Mas já que estamos falando
de tragédias e esposas gananciosas eu te indico
Madame Bovary.
— Está sugerindo que eu seja do tipo que
busca de um marido rico para que possa realizar
todos os meus gostos refinados e que com o tempo
eu vá a procura de amantes devidamente ricos?
— Não pode esquecer-se da outra parte da
história. Que depois leva o marido a falência por
causa de sua ganância.
— Ela cavou a própria cova.
— Exatamente. Foi muito egocêntrica.
— Eu jamais trairia meu marido. — Ela
deixava escapar.
— Fidelidade é muito importante. O
casamento é algo que deve ser honrado.
Sem perceber ela se vê concordando com
ele.
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Não lembrava como eles haviam chegado


naquele assunto delicado. Notara que assim como
ela sua companhia tinha o desconforto em sua voz.
Casamento. Se fechasse os olhos poderia
reviver aquele dia. Podia sentir o nervosismo e o
entusiasmo. Podia ouvir as juras de amor.
Lembrava que sua mãe não parava de chorar na
primeira fileira e seus soluços atraíam a atenção de
vários convidados. Peônias brancas para todo lado
inclusive em seu buquê e no arranjo do cabelo. E
claro, o sorriso do amor da sua vida. Radiante e
orgulhoso.
Gael.
Sente seu coração se apertar e sua mão vai
até seu colar e o aperta, sabia que aquele ato não
passou despercebido por seu professor e já estava
ficando chato a forma como ele parecia analisá-la
às vezes. Ele se manteve em silêncio. Visivelmente
incomodado. Seu maxilar flexionado, sua expressão
rígida. Perguntava-se se ele já havia passado por
aquilo também. Será que ele a entendia?
— A Megera também é um ótimo exemplo.
— Dizia ele após um pigarro.

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— Sim. — Disfarçadamente retira uma


lágrima que pendia do canto do seu olho — Eu já
li. Acho que não tem nada de Shakespeare que não
tenha lido. Até participei da peça de “Sonhos de
uma noite de verão” no curso que fiz. Adivinha
qual personagem eu era.
Novamente sorria, como uma tática para
espantar os pensamentos tristes, mas dessa vez era
em agradecimento por ele ter mudado de assunto e
quando ele a olha soube que havia feito aquilo de
propósito e um sorriso tímido e contido molda-se
nas feições daquele homem, essa sempre séria e
rígida. Então soube que estava recebendo um “de
nada”.
— Titânia. — Ele dizia convicto.
— A rainha das fadas? Por quê?
Podia vê-lo pensar na resposta. Todo com
sua pose e roupas impecáveis, mas não conseguia
deixar de achar o quanto toda aquela cena era
surreal. Pode-se dizer que a cena em si era de certa
forma cômica. O temível senhor Collins carregando
gentilmente os livros pesados de sua assistente
teimosa enquanto caminhavam pelo campus
debatendo sobre clássicos da literatura de maneira
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amigável. Se dissesse isso para alguém, com toda


certeza riram de sua insanidade, pois era o que ela
faria se não fosse ela a “assistente teimosa” em
cena.
Provavelmente acordaria em sua cama a
qualquer momento ou então na mesa da biblioteca
em que caíra no sono subitamente e babara no livro
aberto.
— Você gosta de Romeu e Julieta. O que
me faz pensar que gosta de clichês e Titânia é o
personagem principal da história, a tornando alvo
para escolha de atores desesperados pelo papel
principal. Sendo assim uma personagem clichê.
— Saiba que está enganado. Eu era o Puck.
— O elfo travesso. — Parava por alguns
segundos pensando no assunto — Acho que
combina mais com você.
— Ele só estava cumprindo ordens de
Oberon, que queria pregar uma peça em Titânia. —
Ela dava de ombros — As coisas só fugiram um
pouco do controle.
— Incrível como descreve situações
catastróficas como sendo mínimas.
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— Não tem situações catastróficas. É uma


comédia.
— Ele simplesmente bagunça a história
toda. Afeta várias pessoas. Então é catastrófico.
Sarah para abruptamente cruzando os
braços na frente do peito, em uma pose teimosa,
fazendo com que ele pare alguns passos na frente
ao notar que não o acompanhava mais.
— O fato de ter feito quatro pessoas se
apaixonarem erroneamente não foi catastrófico. No
final o encanto é quebrado mesmo.
— Catastrófico é um acontecimento ou
acidente de grandes proporções, às vezes
desastroso. É algo que altera a ordem natural das
coisas. — Ditava como se estivesse lendo o
dicionário — Então nem sempre algo catastrófico é
uma coisa ruim.
Nunca havia pensado daquela maneira
antes. O que dissera fazia sentido. Ethan tinha uma
maneira de ver as coisas, que a atraía muito. Ele era
diferente, tinha um jeito de sempre pegar algo que
deveria ser inocente e leve, como por exemplo, um
simples cupcake ou um copo de café, e

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transformava em algo maior e denso.


Quem definiria “Sonhos de uma noite de
verão”, uma comédia de Shakespeare, como sendo
cheio de atos catastróficos?
Estava diante da única pessoa que ousara
questioná-la sobre uma das suas comédias clássicas
favoritas e ainda conseguira no final convencê-la de
um ponto de vista diferente do dela.
Mas sem dar o braço a torcer continua a
discussão.
— Por que sempre faz isso?
— O que?
De repente ela se vê o encarando debaixo,
não havia reparado que seus pés se moveram até
ele. Seu subconsciente a traindo mais uma vez.
— Por que sempre quer tornar algo
engraçado em uma tragédia?
— Não acha que uma tragédia pode ser
engraçada?
Eles estavam próximos. Talvez até um
pouco demais do que era considerado permitido
dado ao local em que estavam. Mas para ela não
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havia nada além de um par de olhos azuis


brilhantes. Só de encará-los agora notou a extreme
diferença dos que já havia presenciado. Estavam
mais suaves, mais relaxados e com leve
divertimento, ela ousava dizer.
O ambiente parecia ter se silenciado. O sol
que durante toda a manhã ficara escondido atrás
das nuvens, agora dava as caras vagarosamente,
como se despertasse de um sono bom, lançando
seus raios tímidos sobre todos, esses que devido à
localização de seu professor, iluminavam suas
feições de um só lado, fazendo com que a luz
levemente dourada se misture com o tom gélido de
seu olho.
Fica paralisada diante essa visão. Tudo nele
tinha uma harmonia. Ethan era como uma sinfonia.
Agraciava os ouvidos e vista de quem o olhasse,
mas instável como toda boa ópera, cheia de altos e
baixos, mudanças súbitas de uma estrofe a outra.
Possuía a habilidade de fazer seu coração seguir as
batidas de suas notas. Exatamente como estava
acontecendo agora.
Seu coração batia rapidamente. Não sabia a
quanto tempo o encarava feito boba, com leve
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constrangimento ela se obriga a quebrar o olhar que


dividiam.
— Com certeza a sua definição de comédia
é diferente da minha. — Dizia ajeitando a mochila
nos ombros e sem esperar por ele volta a caminhar
para seu destino, agora bem próximo.
— Eu disse que meu senso de humor não é
muito apreciado.
— Eu até que gosto. É diferente das outras
pessoas, pois como eu já disse eu gosto do senhor.
— Isso é interessante. Pensei que eu era um
cão com três cabeças guardião dos portões do
inferno e devorador de almas. Então isso a torna
diferente das outras pessoas também.
Espera. Isso foi um elogio?
— Cérbero tinha um papel importante na
mitologia.
— Mas não deixa de ser um monstro.
— Dentro de cada homem vive um monstro
e dentro de cada monstro vive um homem. O bem e
o mal habitam o mesmo espaço no espírito de
ambos, mas cabe a cada um decidir o que vai ser. O

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médico ou o monstro. — Ela citava o trecho do


livro de Robert Louis Steverson.
— Concordo, mas também acho que
acontecimentos tem o poder de mudar o homem e
fazer com que tome a decisão de deixar o monstro
sair. E quando isso acontece é quase impossível que
ele vá embora.
— Exatamente senhor Collins. “Quase”.
Essa é a palavra-chave. Há a possibilidade.
— E se a pessoa escolheu ser assim? E se o
monstro for como uma espécie de proteção?
— O senhor uma vez me disse que a frieza
é plantada em nós. Ela germina e cresce, mas
acredito que assim como uma planta ela pode ser
arrancada.
O prédio onde aconteciam suas aulas de
créditos fáceis ficava ao sul do prédio de ciências
médicas, uma construção pequena e separada do
imponente prédio. Ela para em frente à porta
principal e ao se virar percebe que Ethan não estava
ao seu lado como antes, estava parado a alguns
passos para trás. Diante sua expressão ele refletia
sobre algo.

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Antes que o chame ele volta a caminhar e


chega até ela.
— Muito obrigada professor, pela gentileza
em me acompanhar — Ela estendia seus braços
para receber seus livros de volta — Apesar de não
precisar, pois já retribuiu a minha gentileza.
— Eu disse que sei ser gentil e carismático
quando quero.
— Me lembro de que também disse que
apenas o seria quando eu merecesse. — Ethan
começa a lhe devolver os livros um por um, os
ajeitando nos braços dela. — Então sou digna de
sua simpatia?
Um sorriso enorme se alarga no rosto de
Sarah.
— Digamos que não é digna de minha total
antipatia.
Aquilo a faz rir. Terceira vez em um espaço
tão curto de tempo. Era quase como algo mágico,
mas o mais inusitado de tudo isso era o responsável
por todos esses risos e sorrisos relaxados.
— Pra mim isso está ótimo. — Ela
brincava.
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Quando lhe entrega o último livro da pilha


sente o peso sobre seus braços, mas agora parecia
que o filhote de Dinamarquês havia crescido, e se
pergunta como que iria embora a pé para sua casa
no fim do dia. Talvez encontrasse um lugar para
guardar alguns e levá-los aos poucos.
— Esse não é muito bom — Ele cortava
seus pensamentos ao vê-lo apontar para o livro do
topo que era o de anatomia. — Tenho alguns bem
melhores do que ele no meu escritório. Se quiser e
prometer ser cuidadosa posso emprestar.
— Isso seria... Seria... — Gaguejava
surpresa — Muito bom. Obrigada senhor —
Pigarreava — Collins.
— Até mais tarde, O’Connor. Sem atrasos.
— Ele a alertava um segundo antes de começar a
caminhar e seguir o seu caminho.

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“A vida é uma tempestade, meu amigo. Um


dia você está tomando sol e no dia seguinte o mar
te lança contra as rochas.”
O conde de Monte Cristo
Alexandre Dumas

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Ela acompanhava o movimento que seu


abdômen fazia ao respirar tranquilamente. Deitada
sobre ele, encaixada perfeitamente entre suas
pernas, seus pés roçando nos dele com a mesma
sutileza com que seus dedos brincavam com alguns
dos pelos que ele possuía em seu peito.
Amava aquilo nela, a forma com que
conseguia fazê-lo sempre se sentir em casa e bem-
vindo, o conforto que lhe proporcionava e o jeito
com que, nesses momentos na cama, ela sempre o
encarava com semblante levemente cansado e
satisfeito, fazendo com que o coração dele
transbordasse.
Os fios avermelhados de seus cabelos
escorriam por entre os dedos dele, enquanto a
acariciava. Acreditava que não havia nada tão
perfeito quanto aquele momento. Ter a mulher
amada em seus braços, seus corpos nus em
contato, enquanto ainda podia sentir os vestígios
da excitação que lhe causara há quase uma hora.
Poderia ficar ali por horas. Dias talvez.
— Uma hora eu terei que levantar Jekyll —
Ela cortava o silêncio.
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— Eu sei — Ele pegava uma mexa que


caíra sobre o rosto dela e a coloca atrás da orelha
— Enquanto eu puder evitar é aqui que ficaremos.
Solta o ar entristecido. Sabia que em
poucas horas ela estaria embarcando no avião.
— Você consegue se virar quatro dias sem
mim.
— Quatro dias é muito tempo. O que farei
em casa sem você?
— Vejamos — Ela levava a mão no queixo
teatralmente fingindo uma reflexão — Poderia
praticar culinária e aprender a cozinhar outra
coisa além de macarrão.
Aquele comentário o faz rir. Como sempre
ela implicava com suas habilidades limitadas na
cozinha.
— Macarrão é minha especialidade. Sabe
muito bem que é o melhor que você já comeu.
Margot se ajeita em seu abdômen apoiando
a cabeça sobre os braços e o encarando.
— Mas provavelmente irei fazer todas
minhas refeições no hospital.

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— Credo Jekyll. Aquela comida tem gosto


de argila. Melhor você ficar com seu macarrão
mesmo.
— Não é tão ruim assim. Senhora
“exagerada”. Mas... — Ele abaixava a cabeça
para olhá-la melhor — Você já comeu argila? —
Arqueava a sobrancelha.
— Esqueceu que sou voluntária no centro
comunitário todos os sábados? E para crianças,
então é inevitável que não haja guerra de argila ou
de qualquer outro material.
— Não sabia que realizar leitura com
crianças poderia ser um ambiente hostil.
— Com toda certeza é... — Ela beijava seu
peito — Muito hostil... — Beijava seu pescoço e
logo em seguida a bochecha — E muito desafiador.
Ajeita suas pernas as colocando uma de
cada lado de seu quadril, se sentando sobre sua
virilha. Admirava sua esposa debaixo. Seus cabelos
jogados para um lado e bagunçados. O sorriso
sempre radiante, sua íris amendoada brilhante e as
maçãs de seu rosto avermelhadas evidenciando as
sardas que as pontuava.

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— Às vezes um pouco de hostilidade é bom.


— Um sorriso travesso se forma de canto nos
lábios dele. Suas mãos deslizam pelas costas dela
até encontrarem suas nádegas.
— Vai sentir saudades?
— Você sabe que sim — Seus dedos se
fechavam a apertando e firmando em seu colo — E
você vai sentir a minha?
Escuta o gemido prazeroso que escapa dos
lábios entreabertos dela, fazendo com que se
remexa sobre seu colo.
— Vou morrer de saudades meu Jekyll. —
Dizia após outro gemido.
Aquele segundo som fora o limite, como se
fosse um convite. Ele ergue seu corpo a prendendo
em seus braços e capturando seus lábios com os
dele. Logo sente a pressão que os dedos dela
faziam em sua nuca.
Envolvia seus lábios em um beijo quente,
suas línguas se tocando e se provando.
— Queria tanto ir com você. — Ele a
confessava ainda em seus lábios.

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— Uma pena não ter conseguido folga do


hospital. — Afastava seu rosto e o encara —
Queria muito que viesse comigo, mas conhecendo
você como conheço não me deixaria ir assistir as
palestras porque me prenderia no quarto.
— Desse jeito faz parecer que sou um
tarado ninfomaníaco. — Ele a provocava e recebe
um sorriso em troca — Como se eu a forçasse a
ficar comigo na cama Hyde. — A chamava pelo
apelido.
Ela dava de ombros fingindo inocência e
mais uma vez ele ri. Aquilo sempre fora fácil com
ela por perto.
— Mas como você não poderá ir e ver sua
esposa inteligente dar uma palestra para dezenas
de pessoas sobre literatura clássica e suas
influências no mundo moderno, não vá se atrasar e
se esquecer de ir me buscar no aeroporto. — Ela o
alertava pela quinta vez somente naquele dia —
Vou chegar entre 14h e...
— 14h30 — ele completa — Eu já sei. —
Beijava a ponta do seu nariz — Não se preocupe
Hyde. Eu nunca me atrasei. — A sentia tentar
afastar seu corpo para retrucar seu comentário —
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Ok. Talvez umas duas vezes.


— Você se perde naquele hospital e esquece
o mundo lá fora. Eu te dei um relógio para evitar
isso, Ethan. Aprenda a usar.
Ele suspira derrotado.
— Eu vou usar. Prometo.
Seu coração se apertava só de imaginar
ficar tanto tempo longe dela. Desde que
começaram a namorar na faculdade, nunca
ficaram mais do que um dia longe um do outro.
A “ruiva apaixonada por Shakespeare”,
como ele costumava se referir a ela para si quando
não sabia seu nome. Lembrava-se de quando a vira
pela primeira vez. Os cabelos bem mais longos,
ondulados e sem o seu atual corte com franja.
Assim que colocara seus olhos nela, soubera que
seu coração não pertencia mais a ele. Depois
daquele dia passara a frequentar muito mais
aquela sessão do prédio.
— Vai ler pra mim hoje? — Ela o
despertava.
— Pensei que hoje fosse a sua vez.

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— Eu sei, mas queria que você lesse pra


mim hoje. — Ela fazia um biquinho pidão.
— O que quer que eu leia? — Não
conseguia dizer não nunca a ela.
— Que tal o meu favorito?
— Mas já lemos duas vezes.
— Dizem que na terceira é bem melhor.
Ele sorri e ao olhar para o criado mudo,
avista ao pé do abajur uma edição antiga de
“Longe deste insensato mundo” de Thomas Hardy
o aguardando, o livro favorito de Margot e por
coincidência o dele também.
— Posso ver que ele já está ali. Você já
tinha tudo planejado não é mesmo? — Ele
apertava os olhos em sinal de desconfiança.
— Talvez.
Beija seus lábios mais uma vez, envolvendo
o bico que ela ainda fazia. Interpretando que o
vencera, ela sai animada de seu colo se deitando
do seu lado da cama e se cobrindo com o lençol.
— Ok Hyde. Eu leio, mas somente três
capítulos. Tenho que te levar bem cedo no
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aeroporto amanhã.
— Espera. — Ela o alertava praticamente
saltando da cama antes mesmo que ele se posicione
ao seu lado — Precisamos de uma foto para o
porta retrato novo.
Volta correndo para a cama com uma
câmera instax nas mãos. Ajeita-se embaixo do
lençol novamente e se aproxima dele.
— Logo não teremos lugar para colocar
tantos porta retrato. — Abria seus braços para
recebê-la mais perto.
— Vamos ter que comprar uma casa maior
logo, logo. — Cobria sua nudez e posiciona a
câmera elevando seus braços — Agora sorria
Jekyll.
Encaixa a cabeça dela embaixo do seu
queixo e assim como pedira os cantos de sua boca
se estendem em um sorriso. Escuta o som do
momento sendo registrado e logo o papel
fotográfico começa a sair pela abertura da
máquina. Margot o pega e habilmente começa a
balançá-lo no ar.
Com um sorriso satisfeito ela coloca o
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papel e a máquina sobre o criado mudo e pega seu


livro o entregando para Ethan.
— Eu te amo Hyde. — Ele a dizia
aconchegando em seus braços.
— Eu te amo Jekyll — Repousava a cabeça
em seu ombro — Meu coração sempre pertencerá a
você. — Lhe sussurra a frase que sempre lhe dizia.

O porta retrato que segurava em mãos não


era mais do que isso. Uma lembrança. Uma das
dolorosas. Encarava o homem estampado no papel
do outro lado do vidro. O sorriso aberto, a alegria
que refletia em seus olhos, seu queixo
perfeitamente encaixado no topo avermelhado dos
cabelos de fogo dela. Ambos deitados na cama sem
preocupações ou arrependimentos, sem saber o que
a vida reservara pra eles.
Aquele homem também era o passado.
Igualmente como a alegria.
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Uma vez ele lera em uma pichação no


metrô para se dar valor aos momentos e não às
lembranças, pois o passado nunca volta. Quem quer
que tenha escrito ou dito essa frase, era alguém
muito sábio e também alguém com muitas
lembranças em sua bagagem. Não existia frase
mais verdadeira. Mas o mais difícil é que você
apenas a entende quando se passa por essa situação.
Era uma de suas fotografias favoritas, mas
também uma das mais dolorosas, pois ela era o fim.
Ele abaixa o porta-retratos o retirando de
sua vista e encara a caixa de papelão aberta
próxima ao seu pé, o local de onde aquela
recordação viera. Dentro dela o seu maior pesadelo.
Havia todas as outras lembranças que colecionara
durante a trajetória do velho Ethan, dezenas de
porta retratos contendo fotos de momentos
escolhidos para serem eternizados.
Quando chegara em casa naquele dia se
deparara com duas caixas na portaria em seu nome.
Juntamente com uma mensagem em seu celular de
uma pessoa lhe perguntando se havia recebido.
Uma mensagem que fora completamente ignorada
por ele, é claro, mas assim que abrira o que ele
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havia lhe mandado dentro das caixas, não se


arrependera nem por um segundo por ter apertado o
botão “delete” da sua caixa de mensagens.
Não entendia o porquê ele fizera aquilo. Por
que havia lhe enviado todos aqueles porta-retratos?
Lembrava-se de ter pedido somente para ele lhe
enviar alguns livros acadêmicos que ficaram para
trás em sua antiga casa.
Irritado ele devolve a lembrança, que ainda
segurava, de volta para a sua caixa de origem e a
fecha. Não queria mais olhar para elas. Não queria
recordar e sentir o sabor amargo da saudade, já
fazia muito bem aquilo sozinho.
Encara a outra caixa, ainda fechada. O
medo e o receio em abri-la o aflige. Mas para por
um segundo e pensa. O que poderia ser pior? Então
tomado por uma coragem repentina, ele encara o
seu conteúdo e o ar se prende em sua garganta.
Livros e mais livros. Todos clássicos da
literatura. Algumas edições especiais e outras
simples. Estavam todos ali. Shakespeare, Gustave
Flaubert, Arthur Conan Doyle, Jane Austen,
Tolkien, Edgar Allan Poe, Lewis Carroll, Thomas
Hardy, entre outros.
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Um a um ele começa a retirar da caixa, os


empilhando em sua mesa de centro na sala.
Livros há muito tempo não lidos. Histórias
que lhe foram apresentadas e ensinadas. Um gosto
que ela colocara nele. Hoje ele simplesmente não
conseguia mais, não abria nenhum deles há muito
tempo. Aquelas páginas fizeram parte de sua vida,
quando ela era boa e ele diferente.
Dentre eles um se destaca. Uma edição
especial de O médico e o monstro com capa de
veludo preta e letras douradas. Passava os dedos
por sobre ele sentindo sua textura. No mesmo
instante sente seus olhos arderem e suas mãos
ficarem trêmulas.
Sentia o peso comprimir seu peito e o ar lhe
faltar. Sabia o que estava acontecendo, não podia
deixar que aquilo permanecesse e evoluísse para
uma situação de total pânico e tristeza que já havia
lhe acontecido diversas vezes, muito mais do que
gostava de lembrar.
Coloca o livro de lado e se levanta do sofá
com certa dificuldade, seu peito subia e descia com
rapidez e sua vista levemente turva pelas lágrimas
que teimosamente escaparam. Apoiando-se na
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parede do corretor, segue até o banheiro e ao abrir o


pequeno armário sobre a pia se depara com alguns
frascos de comprimidos que tem sido sua fonte de
paz nesses últimos anos.
Pega um deles e despeja em sua palma uma
cápsula, repetindo o movimento com outros dois
frascos. Preenche com água um copo que deixava
estrategicamente localizado para momentos como
aquele e os ingere.
Fecha os olhos e tenta acalmar sua
respiração, exalando e inalando o ar
demoradamente. Suas mãos se apertam nas bordas
da pia com força. Quando enfim abre seus olhos
encara o par de olhos azuis a sua frente no espelho.
Seu brilho não era mais o mesmo do homem da
foto, esse era vazio. Olhos de alguém culpado.
Um leve sobressalto o faz retornar do
mundo das lembranças, alguém havia batido na
porta e silenciosamente agradece a quem quer que
seja por resgatá-lo do olhar incriminador que o
homem no espelho lhe dava.
Joga um pouco de água gelada em seu rosto
para despertá-lo. Então segue em direção à sala
onde sua visita batia mais uma vez na porta da
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frente.
Quando abre a porta encontra uma figura
com olhos azuis de um tom parecidos com os dele,
cabelos castanhos claros e um sorriso sempre gentil
que o fazia lembrar-se de sua mãe.
— O que faz aqui? — Ethan diz com a voz
um pouco ríspida.
— Vim visitar meu irmão. Não posso?
— Claro que sim, mas eu quis dizer aqui...
— Ele apontava para onde a figura esperava — na
porta. Cadê sua chave?
— Eu perdi.
Ethan revira os olhos, pois já havia perdido
a conta de quantas vezes fizera uma cópia das
chaves. Seu irmão mais novo sempre o mais
desorganizado deles.
Ele se afasta da porta para que sua visita
entre e assim que o faz pode notar os olhos dele
varrerem a sala e fitar as caixas no chão.
— Nossa Ethan você fazendo bagunça. Está
doente?
— Estava apenas arrumando algumas
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coisas. — Dizia fechando a porta e o seguindo até o


centro da sala.
— Pelo visto você recebeu as caixas. — Ele
cruzava os braços rentes ao peito enquanto Ethan se
sentava no sofá e voltava a vasculhar os livros. —
Esse é um dos motivos por eu ter vindo. Por que
você não responde as mensagens dele?
— Não achei importante. — Ele dava de
ombros.
— Não me refiro somente as mensagens
sobre as caixas. Ele te enviou várias, inclusive te
perguntando se estava bem.
Sem responder ao irmão, Ethan olhava os
títulos dos clássicos que tinha em mãos. Separava
alguns deles, somente os mais importantes e seus
favoritos. Ao lado do painel da TV fixo na parede
havia uma pequena prateleira com um espaço vago
ao lado da sua coleção de DVDs de documentários
sobre o reino animal.
Pega a sua pilha de sete livros nos braços e
se aproxima da prateleira.
— Ethan. — Podia ouvir seu irmão exalar o
ar cansado — Papai se preocupa com você.
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— O seu pai você quer dizer.


— Qual é Ethan ele é nosso pai. Seu e meu.
Preocupa-se com você do mesmo jeito que comigo.
Ele deixa escapar um riso irônico.
— Claro. Quando ele te expulsou de casa
pude ver sua preocupação.
— Já nos resolvemos sobre isso e ele me
pergunta todo dia sobre você. Nós conversamos
sempre.
— Então aproveita e avisa que eu recebi as
caixas.
— Por que está tão irritado assim com ele?
É por causa dos porta-retratos?
Com o canto do olho pode notar sua
aproximação.
Ele retirava os DVDs para acomodar seus
livros melhor. Não queria falar sobre aquele
assunto. Se havia um tema que o irritava além dos
porta-retratos e de como ele estava se sentindo, era
sobre Paul e como ele era um pai preocupado.
— Ele achou que seria bom pra você. —
Seu irmão continuava com cautela.
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— Eu apenas pedi para ele me enviar meus


livros acadêmicos. Mas como sempre ele acha que
sabe o que é melhor pra mim.
Gira o corpo em direção ao seu irmão,
gesticulando irritado.
— Como isso pode ser bom pra mim? —
Dizia impaciente — Olhar para o rosto feliz dela
nas fotos. Ver um homem que eu não conheço
mais. Não preciso de fotos para me lembrar do meu
erro.
— Aquilo não foi culpa sua.
— Sabemos muito bem que foi. Eu só... —
Ele tomava fôlego — Não queria olhar nos olhos
dela e ver toda felicidade que joguei fora.
— O que fez com eles?
— Estão onde devem estar. — Ele apontava
para o canto ao lado do sofá — Dentro da caixa.
— Você precisa superar isso. Faz tempo e
você continua se afogando. — Ethan lhe oferece
um olhar irritado que claro não passa despercebido.
— Mas é verdade. Eu me preocupo com você meu
irmão.

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— Não precisa. Eu estou bem — Dizia com


firmeza.
— Bem? Onde? Você está com medo de
porta retratos. — Agora ele que gesticulava —
Você é meu irmão e me preocupo com você sim.
Assim como papai.
— Talvez não devessem.
— E sugere que eu faça o que? Que me
esqueça de você?
— Talvez.
— Se é isso o que espera pode esquecer.
Jamais vai acontecer. Só acho que deve parar de
afastar as pessoas. Você faz isso com todo mundo.
Inclusive comigo. Se eu não te ver na faculdade
todos os dias não saberia se está vivo ou morto.
Ethan nós moramos no mesmo prédio. — Ele
apontava para o alto indicando o andar de cima —
Não conversamos mais como irmãos, somente
como professor e aluno.
— David. — Ele suspirava — Chega. Por
favor.
Ethan pega um dos livros e o posiciona na
prateleira, fazendo o mesmo com mais dois deles.
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Podia sentir seus olhos começarem a pesar, os


medicamentos estavam fazendo efeito. Então os
esfrega para disfarçar o que sentia, por algum
motivo não queria que seu irmão soubesse que
ainda estava usando aqueles comprimidos. Talvez
para que não pensasse que ele fosse fraco, como ele
achava que era.
Não queria entregar o motivo por ter os
ingeridos. Sabia que David iria ficar mais neurótico
do que já era.
— Eu sinto sua falta Ethan.
— Eu estou bem aqui. Você sabe muito
bem onde me encontrar.
— Eu sinto a falta do meu irmão. Sinto a
falta do Ethan e não a do senhor Collins.
— As pessoas mudam David.
— Sim. Mudam. Mas você está se
escondendo.
— Você não entende. Ninguém entende.
— Ninguém tem que ficar sozinho. Você
sabe que é verdade. Ela sempre te dizia isso.
Ele interrompe seu movimento assim que
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ele a cita.
— Algumas pessoas merecem.
— Você não é uma delas.
De costas pra ele, Ethan ignora seu último
comentário. Sabia que ele com toda certeza era uma
dessas pessoas. Ele merecia a vida que tinha e olhar
para ela naquelas fotos só o fez ter mais certeza
disso tudo.
Ela havia ido embora e o deixado na
escuridão, perdido em si mesmo. O deixara com a
culpa e a solidão. Partira levando consigo todo
vestígio de luz.
Literalmente falando estar na escuridão é
quando se encontra em um ambiente com ausência
de luz. Essa é a definição do dicionário. Mas é
diferente do estar na completa escuridão, pois ela
não é somente a ausência e sim a certeza de que a
luz não irá mais voltar.
Um a um ele arrumou os livros em ordem
alfabética por autor. Acariciava as lombadas deles
toda vez que encaixava um.
— Ela tinha bom gosto. — Escutava David
dizer.
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— Sim.
— Então. — Sentia ele se aproximar e logo
o vê lhe estender alguns DVDs de sua coleção para
que ele guarde — Soube que você anda tendo
discussões sobre Shakespeare com sua assistente.
Fico feliz.
— Pelo o que? Que eu esteja falando sobre
Shakespeare ou que esteja fazendo isso com ela?
— Fico feliz que esteja falando sobre esse
assunto com alguém.
— Quando ela não está sendo petulante,
irritante ou bagunçando meu escritório, ela até que
é agradável e sabe manter uma conversa.
— Nossa. — Ele o entregava mais DVDs
— Esse é o maior elogio que ouvi você dizer sobre
alguém.
— Não é nada demais David. O assunto
surgiu e eu defendi meu ponto de vista.
— Não importa. Já é um grande passo.
Aposto que falou mal de Romeu e Julieta.
— Você é meu irmão. Me conhece.
— Isso é uma coisa boa Ethan. Conversar
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com alguém e a Mi é uma mulher incrível.


Não pode deixar de notar o entusiasmo com
que seu irmão se referia a ela.
— Ela é... — Para por alguns instantes com
um DVD nas mãos, refletia tentando encontrar uma
palavra para defini-la. — Diferente.
Acreditava que não havia palavra melhor
para se referir a ela. Nada em Sarah O’Connor era
comum. Na verdade, ela era uma vasta lista de
coisas que o irritavam. Era mais teimosa que uma
mula, irritante, intrometida, desinteressada por
regras, petulante, gostava de retrucar e possuía o
hábito de nunca estar calada.
Mas ele tinha que assumir que se havia uma
coisa que ela também era é corajosa e parecia
imune as suas incansáveis tentativas para afastá-la.
Parecia que cada vez que tentava mais ela se
aproximava ou ficava mais e mais curiosa.
— Eu diria que ela é especial. — Ele
começava a rir — Para te aturar a um mês como
assistente, acho que é mais do que especial.
— Você não tem coisa melhor pra fazer?
A risada de David se intensifica enquanto se
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encostava à parede ao seu lado.


— Na verdade eu tenho, mas é bom vir aqui
e te irritar um pouco. Fiquei impressionado por
você tê-la desculpado após atirar um livro em você.
Até eu me surpreendi. Acredite.
— Por isso acho que ela é especial.
— Ou diferente.
— Especialmente diferente então.
— Ela parece não se intimidar comigo. Por
isso é diferente.
— Ela te levou um cupcake pelo que soube
e ainda do seu sabor favorito.
— Bajulação.
— Você acha?
— Por que esse seu completo interesse pelo
meu relacionamento com minha assistente?
O encarava desconfiado.
— Por que você não fala com ninguém
sobre literatura. Só com quem gosta.
— Apenas me deu vontade David. Não há
nada demais nisso. — Ele colocava o último DVD
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no lugar — Agora já sei que além de petulante e


irritante ela também é fofoqueira.
— Nós somos amigos Ethan e amigos
conversam sobre coisas. Seria muito bom se você
fosse amigo dela, faria bem a você.
— Ela é minha aluna.
— Eu também.
— Você é meu irmão, é diferente.
— Mas não se esqueça de que você me
disse para não misturarmos as coisas no campus,
que lá eu sou seu aluno.
Ethan passa as mãos nos cabelos os
bagunçando.
— Às vezes me esqueço do quanto você
pode ser chato.
— Acredite você é muito mais.
Um riso escapa de sua garganta. Ele amava
aquele moleque irritante mais do que qualquer
coisa no mundo.
David era um exemplo para ele, apesar de
dever ser ao contrário por ele ser o mais velho.
Apesar de sua pouca idade, a vida já havia
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colocado suas “garrinhas” de fora, ela nunca havia


sido fácil, as escolhas e decisões que seu irmão
tomara haviam causado problemas há alguns anos,
principalmente com Paul, o pai dele.
Só de lembrar-se do pai do ano sente um
amargo em sua boca.
— Tem macarrão na cozinha se quiser. —
Dizia mudando de assunto.
— Eu já comi, fiz uma macarronada pra
mim também. Acho que já vou indo nessa tenho
uma prova de fisiologia na segunda e meu
professor é muito exigente e meticuloso. Só vim até
aqui para me certificar que estava vivo.
Seu irmão atravessa a sala e antes que toque
na maçaneta Ethan o interrompe.
— Só cuidado pra ela não pensar que vocês
são mais do que amigos. — Ele o alertava.
— Eu te amo Ethan. — Ele sorri com
carinho — Qualquer coisa é só chamar, estou no
andar de cima.
— Boa noite David.
— Ei. — Ele o chamava — Você não

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merece ficar sozinho.


— Boa noite David. — Ele repetia com
firmeza.
Então o som da porta de madeira batendo
denuncia sua saída.
Afasta-se de sua prateleira para admirar seu
trabalho e um leve sorriso se estende no canto de
seus lábios. Estava do jeito que ela gostava. Ordem
alfabética. Havia colocado poucos em comparação
a como era antes, mas estava satisfeito.
Gira o corpo e encara a bagunça que ainda
havia no cômodo. Aquelas caixas não poderiam
permanecer ali. As arrastando pelo corredor, abre
um armário embutido de frente a porta do banheiro,
onde costumava guardar seus artigos de cama,
mesa e banho.
Coloca ambas as caixas lá dentro as
encarando uma última vez antes de fechar e trancar
a porta. Estavam onde deveriam. Escondidas.
Agora podia dizer que estava só novamente,
era como se sentia, mas já havia se acostumado a
aquela situação. Pelo menos era o que ele pensava.

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“Não é que eu goste de complicar as coisas,


elas é que gostam de ser complicadas comigo.”
Alice no país das maravilhas
Lewis Carroll

Ela estava encostada na parede em frente à


porta da sala de aula dele. Depois daquela noite,
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percebera uma coisa, seus sentimentos não eram


confusos, ela que estava confundindo tudo. No
fundo sabia exatamente o que sentia por Ryan e o
que queria que ele fizesse com ela, só que era
teimosa demais para admitir e orgulhosa demais
para quebrar a única regra que colocara para si
mesma aos 15 anos.
Quem em sã consciência jura nunca mais
tentar nada com um homem na vida por que um
babaca a humilhou? Babacas há em todos os
lugares, Trevor não era o primeiro e nem seria o
último a se deparar na sua vida.
Mas se tinha algo que ela tinha certeza era
que Ryan era diferente dos babacas com quem já
cruzara, ele era um idiota, mas um dos inofensivos.
É o tipo de idiota que todos querem por perto, se é
que existe isso.
Então já que não ia conseguir cumprir
aquela promessa, que olhando agora parecia um
tanto absurda, decide que iria tentar se aproximar
dele, mas havia um problema. Ela não sabia flertar
com homens.
Sabia corresponder a flertes, sorrir
demasiadamente, tocar o braço sutilmente, inclinar
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o corpo para mostrar o busto, mas não sabia como


iniciar um flerte e mesmo que arrancasse a blusa na
frente dele, ele não acreditaria que estava tentando
seduzi-lo, pois ele acredita que Alexia gostava
apenas de mulheres.
Como mostrar ao Ryan que ela está aberta a
esse tipo de contato, de preferência o dele?
Alexia leva uma de suas mãos ao seu rosto e
massageia sua têmpora. Não poderia ser tão difícil
assim, não é? O que realmente significa flertar?
Nada além de olhadas rápidas e alguns elogios
como “gostei da cor de seus olhos” ou “você está
muito bonito essa noite”, certo? Então por que para
ela estava sendo como esculpir uma réplica de um
vaso de cerâmica da dinastia Ming?
Talvez por que tudo que tinha a ver com
Ryan Davis era extremamente difícil, pois, ele
havia sido o único cara que se interessava em sete
anos desde o ocorrido na sua adolescência
frustrada.
Ela escuta a enorme porta da sala se abrir,
vários alunos saem, mas nada do que lhe interessa.
Seus pés começam a bater no chão com
impaciência. A espera a estava deixando mais
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nervosa.
Por que ele está demorando tanto?
Quando estava quase entrando na sala e o
arrastando pra fora enfim ela o vê e, diga-se de
passagem, muito bem vestido. Ele trajava um terno
de cor azul marinho, uma camisa branca e gravata
combinando.
Recobrando os sentidos ela caminha em sua
direção fazendo os saltos de seus sapatos ecoarem
pelo piso. O observa arrumar sua mochila, e sorri
ao perceber que havia decorado como ele fazia isso,
enquanto se despedia de uma garota um pouco
abusada demais, ela usava um terninho fora de
linha e até mesmo parecia a Hillary Clinton nos
tempos de glória se é que algum dia o guarda-roupa
daquela mulher teve tempos de glória.
Essas advogadas não têm senso de estilo?
Que merda de corte de cabelo é esse?
Quando a garota enfim o deixa ela o chama
sorrindo.
Conseguindo sua atenção, nota o sorriso
dele se abrir ao vê-la com certa surpresa. Quem o
visse não diria que há algumas noites havia
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acontecido aquele episódio desconfortável entre


eles. Ryan não demonstrava abalo algum. Sorria do
mesmo jeito que antes, tinha o mesmo jeito jocoso
e enviava suas mensagens com duplo sentido e
piadas sujas, como sempre.
— Oi, Lex.
— Quem era a garota? – Ela apontava na
direção que a sósia mal trajada da Clinton ia.
— Uma amiga da minha turma, Lucy.
Lucy?! Que nome sem graça. Ela pensava
enquanto fazia uma cara de desdém.
— Costuma ser tão carinhoso assim com
suas amigas? – Ela lhe perguntava em um tom de
voz um pouco raivoso, não conseguiu evitar sentir
leves ciúmes.
— A conheço há quase quatro anos, somos
apenas amigos, porque a pergunta?
Ryan a encarava com curiosidade,
tombando sua cabeça para o lado como sempre
fazia, só que desta vez seus cabelos não estavam
bagunçados e jogados de qualquer jeito e sim para
trás perfeitamente penteados. Aquilo só a fez gostar
mais daquele estilo dele.
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— Está com fome? – Ela tentava mudar de


assunto estrategicamente.
— Sabe que sempre estou com fome – As
mãos dele vão até a gravata que usava e ela o vê
afrouxá-la.
Alexia se aproxima um pouco mais dele e
as retira colocando as suas no lugar. O nó estava
um pouco torto então com sua habilidade de
modista ela o arruma adequadamente.
— Você está muito elegante – Ela tentava
conter o arrepio de sua pele ao sentir seu perfume
tão próximo.
— Engomadinho demais, minha mãe ficaria
orgulhosa. – Seu tom era de brincadeira.
Passava suas mãos por seus ombros agora,
alisando o tecido e em seguida leva as mesmas até
atrás de sua nuca arrumando o colarinho enquanto
seus dedos roçavam “inocentemente” na pele de
seu pescoço.
— Você está bem Lex? – Ela é despertada
pela sua voz, nem sequer percebera o que fazia.
— Sim. – Ela sorria. Por fora ela
transbordava tranquilidade, mas por entro ela
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tremia e se questionava sobre o que estava fazendo.


E se o que havia pensado em fazer não
obtivesse o resultado algum? E se fosse rejeitada?
E se estivesse errada e Ryan fosse apenas mais um
Trevor?
Ela quase gargalha com o último
questionamento. O homem a sua frente poderia ser
tudo menos um Trevor.
— E aí? Vamos ou não comer algo? – Ela
se afasta e começa a caminhar.
Os dois seguem pelo caminho de pedras que
cortava o gramado do prédio de direito da
faculdade.
— Como foi o seu dia? — Ela tentava puxar
assunto.
— Foi ótimo – Podia notar a animação em
sua resposta – Ganhei um caso hoje, em um
simulado. – Agora havia orgulho em sua voz.
— Sério? Que legal! Aposto que mostrou
quem é que manda né?
“Quem é que manda?” Fala sério!
— Tivemos um júri simulado hoje,
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tínhamos um réu e o professor escolheu alguns dos


alunos para apresentar a defesa e acusação. O meu
grupo ficou com a parte da defesa e pensei que
íamos perder, pois o grupo adversário também
possuía alunos ótimos. Como Lucy, por exemplo,
mas no final meu argumento sobrepujou o júri e
venci.
Ela o via explicar sobre sua vitória com
tanta animação que foi impossível não se contagiar
com ela.
— É como dizem, você precisa conquistar o
júri e não o juiz.
— Admita, sou um ótimo argumentador. –
Ela recebia uma piscadela vinda dele.
Então Alexia começa a rir euforicamente
como se ele tivesse contado a coisa mais engraçada
do mundo, jogando seu cabelo para o lado, em uma
dobrada de pescoço excessiva, e exibindo a pele do
mesmo, tocando o braço de Ryan em um convite a
flerte.
— Loirinho você é demais!
Preciso praticar mais, ela pensa.
— Tem certeza que você está bem?
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Não, eu estou surtando aqui!


— Estou ótima.
— Enfim, eu sempre gostei da parte de
direito penal. — O suspiro cansado dele lhe
chamava a atenção. — Mas meu caminho é outro.
— Não pensa em se tornar promotor ou
algo do tipo?
— Não. Quando me formar eu irei trabalhar
no escritório da minha família.
— Sabe Ryan, você nunca me falou de seus
pais, como eles são?
— Ahh — Ela o via coçar atrás de sua
cabeça bagunçando seus cabelos e lá estava o velho
Ryan. — São advogados, especializados em direito
administrativo e eles tem um escritório, um dos
maiores de toda Inglaterra. São seguidores da lei,
ingleses bem tradicionais e rigorosos, não tenho
muito que falar deles, eles são advogados no
trabalho e em casa assim como meu irmão.
Aquela conversa realmente estava ficando
interessante. Pode conhecer um pouco mais sobre
ele. Sabia que não era do tipo que ligava para status
sociais ou dinheiro, mas agora também sabia que
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ele não era filho único e entendia bem o que era ser
forçada a seguir os passos da família.
— Olha na minha humilde opinião se você
gosta dessa área, deveria tentar. Faça aquilo que
gosta, não é isso que dizem?!
— Não que eu odeie o direito
administrativo, eu gosto. Só que prefiro o penal –
ela o vê colocar as mãos em seus bolsos e sabia que
só faziam aquilo quando estava desconfortável com
alguma coisa o que quase não acontecia.
— Seus pais querem que você siga os
passos da família, não é?
— Eu já fiz muita merda na vida, Lex. E
meu pai limpou cada uma delas, então porque não
fazer a única coisa que eles esperam de mim? Não
quero ser uma decepção para ele.
Alexia entendia bem sobre o assunto. Seja
uma boa garota, Alexia. Jesus vai guiar você para
o caminho certo. Não se torne uma decepção para
nossa família.
Palavras ditas a ela durante toda sua
adolescência e como se ele conseguisse ler seus
pensamentos Ryan a pergunta.
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— E seus pais? Como eles são?


Ela para de caminhar. Não era um dos seus
assuntos favoritos. Para ela falar de seus pais
reativava velhas lembranças que gostaria de
esquecer.
— Meu pai é do norte de Michigan, nos
Estados Unidos e minha mãe é de uma cidade
pequena do interior chamada Yorkshire.
— E? — Ele parava e fica frente a frente
com ela.
Ela suspira pensando no que diria.
— Meu pai é empreiteiro e minha mãe tem
três empregos, para pagar todas as loucuras de meu
pai. Ela estudava em uma faculdade de design de
interiores aqui em Londres. Quando ficou grávida
de mim aos 19 anos meus avós cortaram sua ajuda
de custo e ela precisou largar a faculdade e
trabalhar e depois se casou com meu pai.
— E como eles são?
Ela sorria sem jeito enquanto mexia seu pé
contornando as pedras do caminho que eles
estavam a pouco tempo percorrendo.

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— Meu pai sempre foi rígido assim como


minha mãe. Ambos são religiosos e membros
ativos da igreja. Mamãe sempre fez tudo o que meu
pai queria. Não a culpo e acredite em mim você não
ia querer ficar contra ele.
Não era fácil falar de sua família tão
abertamente. Eles não eram o exemplo de família
perfeita, pelo menos não na intimidade da casa que
ela não conseguia chamar de lar. Era a típica
família perfeita apenas de fachada, seus pais faziam
questão disso. Ainda bem que tivera sua avó, a
única com quem se abria completamente e a
aceitava do jeito que era.
Sinto tanta a falta dela. Pensava com pesar.
Encarava o chão então não podia dizer
como ele a fitava, não tinha coragem de olhar, sabia
que de alguma maneira ele a leria, mas soube que
não era preciso que ele visse seus olhos para isso,
pois logo o escutava mudando de assunto e fica
agradecida.
— Na aula de hoje eu arrasei. Você tinha
que ter visto a cara do professor quando lancei o
argumento final. Acho que ele até chorou de
orgulho em seu escritório depois. Sou muito foda.
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— Quando o fitava pode ver um sutil sorriso de


canto surgir em seus lábios e aquilo a faz relaxar.
— Sabe de uma coisa? Devíamos
comemorar. Que tal vermos um filme hoje? Só eu e
você? Sei que propôs saímos para comer algo
algumas noites atrás, mas seria legal ver o
exorcista, não é? Na minha casa as oito?
— E Camille?
É. Ele não esqueceu.
— O que tem ela?
— Pensei que fosse sair com ela.
— Não foi nada sério.
Ainda se lembrava da cara de raiva que
Camille lhe oferecera naquela noite após ser
expulsa por ela de seu apartamento.
— Entendo. Então... O exorcista?
Seu rosto se ilumina em um belo sorriso.
— Isso aí, as oito.
Ela o via devolver o sorriso na mesma
intensidade, talvez até um pouco mais além. Será
que está funcionando? Isso é bom sinal, não é?

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— Venha, Lex eu te pago uma pizza no


refeitório. — Ela o via indicar o caminho com a
cabeça — Assim você come uma linguiça. — Ela
ergue sua sobrancelha — De pepperoni — Ele
rapidamente se explica, mas ela sabia bem que seu
comentário tinha um duplo sentido e era isso que
ela gostava nele.

Era por volta das 19h50min e ela já estava


devidamente pronta desde as seis da tarde. Depois
de várias horas escolhendo uma roupa, Alexia
finalmente se decide. Foram o short e camiseta
mais difíceis que escolheu na vida.
Atire a primeira pedra quem nunca ficou
nervoso em um primeiro encontro. E por mais que
teoricamente aquilo para Ryan não fosse um
“encontro”, aquela desagradável sensação de que
algo passeava em seu estômago lhe causando
desconforto e náuseas, não deixa Alexia em paz
desde que propusera ver um filme juntos.
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Era normal o que ela estava sentindo.


Porém há muito tempo se negava a sentir aquilo
pelo sexo oposto. Não sabia o que fazer e isso era
algo novo. Com garotas tudo acontecia tão
naturalmente, um aproximar, um simples toque e
pronto.
Seria ridículo dizer que ela havia
pesquisado sobre flerte em alguns sites? Pois é. Foi
exatamente o que havia feito. Fez seu dever de
casa, não queria passar vexame, mas havia reparado
que todos os artigos, sim artigos acadêmicos,
possuíam algo em comum e ressaltavam sempre a
mesma coisa. O segredo de um bom flerte é o
chamado “Manter contato com a pessoa de
interesse”.
O que diabos isso quer dizer? Há vários
tipos de contato não é mesmo? Então presumiu que
o mais óbvio era o físico. Iria tentar, se todos dizem
a mesma coisa é por que deve dar resultado, mas
sabe o que dizem, a prática é bem diferente da
teoria.
Estava decidida. Iria seguir o conselho de
sua avó, se arriscaria, não queria mais
arrependimentos na sua lista, estava cansada deles.
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Meu Deus! Acho que vou vomitar. Pensa


parada no meio do hall de entrada do apartamento
com as mãos em seu estômago. Será que dá tempo
de desmarcar? Estava à beira de um colapso. Não
ficava tão ansiosa assim desde sua primeira transa.
Para seu total desespero, como se ele já não
fosse grande, escuta a campainha tocar. Era
chegada à hora.
Respira.
— É só abrir a porta e sorrir. — Dizia a si
mesma — Lembra. O artigo dizia que sorrir é
importante. Você sabe fazer isso, — Colocava a
mão na maçaneta — Não é diferente. Flerte é flerte.
Puxando o ar decidida, abre a porta. Ele
sorria para ela parado do lado de fora do
apartamento. Em uma das mãos segurava um fardo
de cerveja. Acho que vou precisar de algo mais
forte, pensava ao encarar as bebidas. Como uma
boa futura modista, não pode deixar de reparar nas
roupas que escolhera para aquela noite.
Uma calça jeans com efeito desgastado e
uma camiseta com corte V que evidenciava o
contorno inicial do peitoral. Muito diferente de

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como o vira naquela manhã. Estava mais parecido


com ele mesmo.
Alexia ficara tempo demais o observando e
quando dá por si, está parada feito dois de paus,
sozinha com a porta ainda aberta. Ele já havia
entrado e ela nem percebera.
— Você trouxe o filme? — Ela fechava a
porta e o segue até a cozinha onde o encontra
abrindo uma das cervejas que trouxera.
— Claro, está na mochila. Eu também te
trouxe um presente. — O via pegar uma sacola
plástica da qual não havia reparado antes, estava
ocupada demais babando e pagando mico. De
dentro dela ele retira um tiramisu embalado em
uma embalagem de padaria.
— Não acredito! — Retirava o doce
rapidamente de suas mãos — Valeu Ryan! — então
o abraça fortemente.
— Achei que ia gostar — O escutava
enquanto sentia as mãos dele envolverem sua
cintura e lhe corresponder o abraço, poderia ficar
ali por horas se ele permitisse.
Só agora havia percebido o quanto gostava
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daquele contato.
— Eu não vou dividir — Ela se afastava
com o doce em uma de suas mãos e o puxando pelo
braço com a outra até a sala.
Ryan retira o DVD da mochila e o coloca
no aparelho, logo se jogando confortavelmente no
sofá ao lado dela.
Ok. Até agora tudo tranquilo.
Quando o filme começa simplesmente não
consegue prestar atenção em absolutamente nada e
falando sinceramente nem se importou, estava com
coisas demais na cabeça para ficar pensando em
uma adolescente possuída pelo demônio vomitando
gosma verde em todos.
Sua perna balançava freneticamente, a
cerveja que ele pegara para ela e que forçadamente
bebia estava misteriosamente deixando sua
garganta seca, não conseguia manter seus dedos
quietos, então um fio solto da costura do seu short
jeans foi seu alvo.
O cheiro cítrico do perfume dele invade
suas narinas fazendo seu corpo se inclinar mais em
sua direção. Era como uma força invisível a
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puxando.
Encarando a TV e incapaz de se concentrar
no filme, seu olhar intercalava entre a tela e o perfil
dele, esse totalmente absorto pelo que assistia e
alheio ao colapso nervoso que ela estava tendo.
Ok. Lá dizia para manter contato. Então. O
que eu faço agora? Em busca de algum local para
conseguir exercer seu plano, avista a superfície de
sua coxa direita ali, esperando por ela. Homens
gostam que toquem em sua coxa? Olha mais uma
vez para ele, nenhum sinal de que havia percebido
nada.
Decidida que era aquele seu próximo passo
ela ergue sua mão para colocar sobre a coxa dele,
mas devido ao seu nervosismo ela acaba chocando
sua mão com força demais na perna dele fazendo
Ryan se sobressaltar.
— O que foi? — Escutava sua voz
assustada, e com certeza não era pelo filme —
Tinha algum bicho na minha perna?
Merda!
— Sim, um... Um inseto... Eu vi um inseto.
— Dizia sem jeito escondendo suas intenções com
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aquele ato.
— Pegou ele?
Ela nega com a cabeça vendo Ryan voltar
sua atenção para a TV.
Tudo bem isso não deu certo. Ela se ajeitava
no sofá.
E agora? Mais uma vez o encarava. Ele
tranquilamente comia a pipoca do balde que se
apoderara. Seus olhos percorrem seu corpo. Tinha
que haver uma maneira de entrar em contato.
Quando encontra a região no centro de sua virilha,
seu olhar fica estagnado. Será que eu deveria tentar
um contato mais íntimo e pegar no pau dele?
Novamente ergue sua mão, só que agora
elas tinham um destino diferente, sua virilha. No
percurso desvia os olhos para observar qual seria
sua reação, e acaba atingindo o balde de pipoca que
ele segurava. Realmente aquele não era seu dia.
Resultado. Pipoca espalhada por todo lado.
— O que foi agora Lex?
Isso nunca vai dar certo. Ela se dava por
vencida.

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— Nada, eu só... Queria pegar um pouco de


pipoca.
— E achou que elas estariam no meu saco?
— O que? Não. Claro que não, Ryan — Ela
se voltava para a TV com seu semblante fechado e
braços cruzados.
— Aconteceu alguma coisa? Você está
estranha.
Ela não o encarava. Não sabia o que dizer.
Tinha certeza de apenas uma coisa, suas bochechas
estavam queimando.
— Se eu não te conhecesse diria que está
flertando comigo, mas é algo improvável né? Por
que eu tenho um pênis.
Suas pupilas se dilatam, suas bochechas
passaram de queimando para torrando, estava
totalmente desconfortável. Seu pé batia no assoalho
e ela leva os seus dedos à boca roendo e retirando o
esmalte da unha.
Ela escuta o leve suspirar dele. Com o canto
do olho pode vê-lo se virar no assento e ficar de
frente pra ela. Podia sentir seu olhar sobre ela.

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— Ei. Lex seja sincera comigo. — Agora


sentia o toque de sua mão na parte exposta de sua
coxa, o leve pressionar dos dedos foi o suficiente
para causar o arrepiar em sua pele — O que
aconteceu?
Solta o ar que não havia notado que
segurava em seus pulmões. Os sentimentos em seu
peito estavam começando a transbordar e ela não
conseguia conter a enxurrada de coisas que sentia.
Então despeja tudo sobre ele. Foda-se os artigos.
— Dane-se — Ela dizia rendida se
aproximando dele abruptamente. Segurando sua
nuca, Alexia o puxa em sua direção e cola seus
lábios.
Os lábios dele não se moviam,
provavelmente surpresos com o ato dela, mas
depois de alguns segundos, o que ela pensava ser
uma rejeição acaba sendo o oposto. Ryan entreabria
os dele envolvendo os dela em um beijo calmo,
como se aproveitasse o momento. Ele se afasta e a
encara com certa confusão.
— O que aconteceu aqui?
— Está meio óbvio né? Eu te beijei.

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— Mas, eu pensei... — Ela o via passar as


mãos em seus cabelos — Que você não quisesse
nada com homens.
— Eu não queria, até você aparecer. Você
me deixa tão confusa.
— Sabe. — Ele sorria — Eu gostei de ouvir
isso.
— Eu realmente gosto de você, gosto muito.
Gosto quando assistimos a filmes de terror ou
quando almoçamos no campus. Gosto do jeito que
seu cabelo fica quando inclina a cabeça e por
incrível que pareça gosto da sua boca suja.
— Estava indo bem com os elogios, mas
boca suja?
Aquilo arranca uma risada dela.
— Então você pensou que pegando no meu
saco iria me fazer ver que você queria me beijar?
— pergunta com ar divertido em seu rosto.
Ela apenas dava de ombros.
— Quero te beijar novamente. — Ela
confessava.
— Você não vai.
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Aquilo a pega de surpresa e teve que


desviar seus olhos para esconder a tristeza que
passaram por eles.
— Por que agora é a minha vez — Antes
mesmo que consiga absorver o que ele havia dito,
sente a puxar para perto novamente encaixando
seus lábios aos dela.
Sentia a pressão que ele fazia com a
urgência do ato. Alexia se deixava levar relaxando
seus músculos enquanto sentia as mãos de Ryan a
puxarem cada vez mais para perto. Ela se permite
ser um pouco mais atrevida colocando suas mãos
por dentro da camisa que ele usava.
Quando ele sente o toque dela na pele
quente de seu abdômen não consegue conter o
gemido de aprovação. Abrindo mais seus lábios
Alexia recebe sua língua de bom grado em um
beijo quente e urgente.
As mãos dele seguravam sua cintura
fortemente e sem conseguir se controlar ele a puxa
mais indicando para que ela sentasse em seu colo.
E assim ela o faz.
Passando sua perna por sobre ele, se

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encaixa perfeitamente naquele espaço e logo sente


as caricias dele se tornarem mais lentas e
exploratórias.
As mãos firmes e habilidosas dele a
agarrarem por debaixo de sua camiseta, fazendo
com que ela se incline e se remexa em sua virilha
ao sentir a pressão de seus dedos.
Mil pensamentos permeavam sua cabeça e
ela tentava deixá-los o mais longe possível, ela
queria apenas curtir aquele momento. Mas é
quando sente a excitação dele sobre sua pélvis e as
mãos dele erguerem sua blusa com o propósito de
tirá-la, que Alexia para e afasta-se levemente de
modo que ainda pudesse sentir a respiração quente
de Ryan em seus lábios.
— O que foi? — Podia sentir que ele estava
ofegante assim como ela.
— Não consigo, sinto muito.
— Mas achei que era isso que você queria.
— Eu quero é só que... Eu não consigo.
— Porque não?
— Por que tenho medo de ser como antes

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— Ela lhe confessava.


— Como assim?
— Ryan, — Ela suspirava — Nem sempre
gostei de garotas.
— Você quer falar sobre isso? — Ele
perguntava com cautela.
Balança sua cabeça afirmativamente.
— Eu tinha quinze anos. — Ela agora trazia
à tona lembranças a muito esquecidas — Não era a
garota que você está vendo agora. Naquela época
eu usava óculos e aparelho, minhas roupas eram
largas, cobriam boa parte do meu corpo e eu era
cheinha se é que me entende. — Ela ria tristonha.
— Como meus pais sempre foram muito religiosos
eu praticamente vivia na igreja, participava dos
corais, bazares e não tinha contato com garotos ou
festas. Não fui exatamente uma adolescente
normal.
— Você se apaixonou por um cara — Ela
sabia que aquilo era uma afirmação.
— Trevor... — A menção aquele nome fez
seu corpo todo tremer, mas logo sente os braços de
Ryan se apertar em sua cintura em um abraço
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encorajador lhe dando segurança para continuar. —


Tudo nele era perfeito, sorriso, rosto, capitão do
time da escola, presidente do conselho estudantil e
o cara mais popular. Quando ele veio falar comigo
quase não acreditei. — Ela ri de si mesma ao notar
o quanto havia sido estúpida na época — Sabe o
que ele me disse? Que eu era especial.
— E ele te magoou.
Ela confirma comprimindo seus lábios sem
que pudesse conter uma lágrima que escapava.
— Ele me humilhou.
— Não precisa dizer mais nada, Lex. Ele
não vale esse tempo. — Sentia Ryan passar o
polegar sobre seu rosto secando a lágrima que
surgira. — Eu sei que não sou o melhor exemplo,
— um sorriso sem jeito surge em seus lábios —
Mas se tem algo que posso dizer com toda certeza é
que nunca magoaria você. Eu não posso forçar você
a fazer aquilo que não se sente pronta, mas tudo
que peço é uma chance.
— Você sempre me surpreende.
— Você mesma disse hoje pela manhã que
sou demais.
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— É eu preciso praticar meus flertes.


Ambos começam a rir.
— Se não quiser continuar com isso eu vou
entender, mas vou ter que ir no banheiro bater uma.
Ela se remexe em seu colo e pode sentir que
ele ainda estava excitado.
Apesar de ouvi-lo dizer que entenderia caso
ela quisesse parar por ali, pode ver a suplica em
seus olhos azuis, ele queria aquilo, ele a desejava e
ele era o Ryan, soube que estaria segura. Então com
um sorriso ela indica que estava tudo bem, se
aproximando e envolvendo seu pescoço.
— Apenas relaxe, Lex — Sentia as mãos
dele seguirem o caminho que ela interrompera.
Ryan passa o tecido por sobre a cabeça dela
com cuidado e o retira. Seus olhos recaem sobre a
peça rosa que cobria seus seios. Toda sua pele se
arrepia, então resolve segui-lo e retirar a camisa
que ele usava.
— Você é muito gostosa, Lex — O
escutava dizer enquanto a auxiliava.
Ele guiava suas mãos até o seu sutiã abrindo

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o feixe e retirando as alças por sobre seus ombros


deixando a peça cair, revelando os seios redondos,
durinhos e rosados dela.
Os polegares de Ryan circulavam o bico
enrijecido de seus seios enquanto os encarava com
desejo e sede. Diante isso Alexia inclina o corpo
para trás aproveitando mais daquele contato e logo
sentindo sua região íntima ficar úmida.
Com movimentos lentos ela sentia Ryan
acariciá-la como se saboreasse o momento e sem
demora sente a umidade de seus lábios se fecharem
em seu mamilo o sugando com vontade. Alexia não
conseguia ficar parada. Gemidos sôfregos escapam
de seus lábios e se esfregava sobre o colo dele
aninhando-se ali. Ela estava experimentando algo
totalmente novo e bom.
Cravara as unhas em seus ombros e sua pele
estremecia ao sentir a ponta dos dedos de Ryan
apertar e puxar o outro seio delicadamente. Um
pequeno grito lhe escapa do fundo de sua garganta
o fazendo intensificar suas caricias. As mãos dela
soltam os ombros, agora marcados dele, e vão em
direção a sua calça abrindo seu botão e zíper.
— Você é do tipo de garota romântica que
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gostaria de perder a virgindade no quarto?


Ela ri.
— Não sou virgem.
— Acredite você é. Pelo menos para o que
vou fazer com você.
— Não me importo com o lugar, mas aqui
corremos o risco de sermos pegos. — Dizia entre
gemidos — Então acho melhor irmos ao meu
quarto.
Ele a retira de seu colo com cuidado,
fazendo com que ela solte um gemido de
insatisfação. Ryan fica de pé e estende sua mão.
— Você tem certeza de que está pronta para
isso? — Notava a cautela que ele usava ao
perguntar. Como se tivesse com medo de uma
resposta negativa.
Sorrindo ela pega sua mão e coloca-se de
pé.
— Nunca tive tanta certeza sobre algo como
agora.
Entrando em seu quarto e fechando a porta
ele a deita na cama. O tecido de seu short desce por
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suas pernas, enquanto Ryan o retirava, logo após se


encaixando no meio delas. O olhar dela recaia em
sua cintura, bem onde o elástico de sua calcinha
começava e a ponta do desenho de sua tatuagem
que enfeitava sua pele podia ser vista. Essa que se
estendia desde seu osso pélvico até próximo de sua
vagina.
Assim que aquela peça não a cobria mais,
vê os olhos curiosos de Ryan encarem seu desenho.
— Lex, por quem tem pássaros saindo da
sua boceta?
— Essa é sua pergunta? Sério? Você tira
minha calcinha e a única pergunta que vem à mente
é sobre minha tatuagem? — ela o encara com um
semblante divertido.
— É que não é algo que se vê todos os dias.
Uma debandada de pássaros saindo da vagina de
alguém.
— Não estão saindo da minha vagina. Estão
apenas voando.
Ele ri logo voltando sua atenção ao seu
objeto de desejo, beijando cada pássaro.
— Espera! — Ela o impedia de continuar, e
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em seus olhos um olhar suplicante surge. —


Podemos ir devagar?
— Lex — Dizia em tom carinhoso — Não
pretendo transar com você hoje.
— Não? — Não conseguia evitar o alivio
em sua voz.
— Não — Ela o observava apoiar o peso de
seu corpo confortavelmente em cada lado de seus
ombros — Digamos que o que faremos hoje vai ser
algo mais exploratório.
Ela sorri um pouco surpresa por sua atitude
enquanto sentia Ryan descer seus dedos por sobre a
pele arrepiada do braço dela vagarosamente.
— Quero que você se sinta segura, que sinta
meu toque — Alexia sentia os habilidosos dedos
dele, eriçarem a pele de sua coxa e logo o toque
macio de seu dedo indicador acariciar os pequenos
pássaros desenhados em sua cintura. — Quero que
me toque e principalmente que descubra como é
sentir um homem.
Ryan, então pega delicadamente a mão dela
que descansava na lateral de seu corpo tenso e
segurando com delicadeza seu pulso ele a guia até
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seus quadris.
— Eu prometo não fazer nada que não
esteja preparada. — Sussurrava em seu ouvido.
Ele guiava sua mão por sobre sua pele, a
esfregando delicadamente na superfície de sua
bunda, e quando Alexia dava por si ela mesma o
estava tocando em todos os lugares, quadris,
cintura, contornava com a ponta dos dedos as linhas
de seu abdômen, pescoço e ombros, sem seu
auxilio. A cada lugar que recebia seu toque ela
percebia que Ryan a imitava tocando exatamente
no local equivalente no corpo dela com um pouco
mais de pressão.
Ambos envolvidos pelo contato físico. Os
lábios dele explorando e provando cada vez mais o
corpo dela. As mãos dela que o descobria a cada
centímetro como em uma expedição por um
território desconhecido.
Mãos, gestos, gemidos sôfregos, suor,
prazer, tudo misturado em um único ato. O frenesi
irradiava deles, a cada aperto e cada chamado dele
em seu ouvido. Alexia sentia um deleite e
satisfação que transpassava cada célula de seu ser.

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Nunca se sentira daquela maneira. Ele tinha


razão. Ela era completamente virgem ao que ele
estava fazendo.
Eles ficaram envolvidos assim durante boa
parte daquela noite, apenas toques gentis e beijos
em locais específicos. Ryan era seu guia e a
surpreendera pôr em momento algum quebrar sua
promessa. Ele realmente era mais do que sua
imagem transmitia. A excitava sem que houvesse o
ato sexual em si.
A última coisa que lembra era do conforto
que sentira assim que ele a acolhera em seus
braços. Com esse sentimento transbordando de seu
peito ela pega no sono.

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“Não te mexas! Não fales! Olha para mim!


Dos teus olhos sai alguma coisa de muito doce que
me faz um bem imenso!”
Madame Bovary
Gustave Flaubert

O vidro da garrafa de cerveja possuía uma


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temperatura diferente e contrastava com a pele


quente de seus dedos que a giravam sutilmente
sobre o balcão.
Na TV na parede atrás do bar o noticiário
passava. Ethan não conseguia ouvir o que o
repórter dizia, a música ecoava bem alta pelas
caixas de som e as vozes animadas de dezenas de
estudantes, alguns bêbados e outros quase lá, não
permitiam isso. Então ele se contentou em ler a
legenda que rolava na parte inferior da tela.
Parecia se tratar de um incêndio criminoso
em uma fazenda no Texas que ocorrera há mais de
20 anos fora solucionado e ao que tudo indicava
uma importante empresa japonesa era a
responsável.
A foto das pessoas que morreram no
incêndio aparecia na tela e ele ficou indignado com
aquilo. Não conseguia acreditar no motivo que fez
todas aquelas vidas serem apagadas, o ser humano
era capaz de encontrar as razões mais absurdas
possíveis. Muitas pessoas lutavam pela vida todos
os dias, enquanto outras se achavam no direito de
tirar.
O que custara toda aquela atrocidade? Com
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toda certeza muitas famílias arrasadas e destruídas.


Ele mais do que ninguém entendia o que o luto
pode fazer e o seu poder em transformar.
Com um longo suspiro ele levava a garrafa
até os lábios ingerindo uma boa quantidade do seu
conteúdo.
Você não é muito diferente dos assassinos
da TV. Aquele pensamento cruza sua mente
fazendo seus dedos se fecharem com mais força ao
redor do vidro. Sentia suas mãos tremerem e fecha
seus olhos com força diante as imagens que
surgiam como flashes.
Tentava controlar sua respiração e a dor
sempre crescente em seu peito. Então para seu
alívio uma risada exagerada o sobressalta o
trazendo de volta. Ao abrir os olhos tenta se situar,
piscando várias vezes para trazer a nitidez de sua
vista de volta. Olha ao redor pra ver se ninguém
percebera seu pequeno quase surto, mas não se
surpreende ao ver que as pessoas estavam
completamente distraídas com outros assuntos.
Seus olhos faziam uma varredura pelas
cabeças dançantes e rostos risonhos e vermelhos de
alguns que reconhecia serem seus alunos.
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Próximo à porta de entrada havia um grupo


de alunos que apostavam em um jogo de sinuca que
estava rolando. Entre os jogadores estava John
Turner seu aluno do primeiro ano de fisioterapia e
que possuía a mesma capacidade intelectual que o
taco de madeira que segurava.
Enquanto revirava os olhos calculando por
quantos semestres iria ter que receber
agradavelmente John em suas aulas, a porta da
frente se abre revelando, entre o pequeno grupo que
entrava, o par de olhos castanhos que o irritavam e
o desafiavam todas as tardes.
Tinha que admitir que o que Sarah
O’Connor tinha de intromedita e irritante, ela tinha
de beleza, e ela possuía o andar e sorriso de alguém
que sabia muito bem disso.
Ela ria de algo que seus amigos lhe diziam,
chamando a atenção de alguns caras que a mediam
dos pés a cabeça, e claro que entre eles estava John,
que acreditava que fazer uma pose apoiando-se em
seu taco enquanto exibia o casaco de algum time
universitário, que os atletas sempre faziam questão
de usar até quando dormiam, era um claro convite
para flerte.
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Ela é inteligente demais para você Turner.


Não consegue evitar se divertir com esse
pensamento enquanto imaginava Sarah jogando
uma bola de bilhar nele.
O pequeno grupo se infiltrava na multidão,
como toda quinta-feira à noite o Jack’s estava
lotado.
Ethan ajeita seu corpo voltando a sua
posição original na sua banqueta costumeira. Ao
lado da TV ficava um grande painel com várias
prateleiras de vidro onde se exibia as garrafas de
bebidas e atrás dele havia um grande espelho que
pegava toda a extensão do bar e bem ao centro de
seu campo de visão estava Sarah ou Mirna, como
muitos a chamavam. Acreditava que a maioria não
sabia que ela possuía um primeiro nome, então
quando pensava nela era assim que se referia. Algo
que ultimamente, a contragosto, vinha acontecendo
com frequência, pensava nela mais do que gostaria
ou achava apropriado.
A verdade é que havia se acostumado com
sua presença, que para sua completa surpresa tem
se demonstrado agradável. Ela se tornara uma de
suas certezas, sabia que às 14 horas ela estaria
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entrando pela sua porta com seus sorrisos


inabaláveis e língua solta.
Sarah era intrigante. Não importava o que
ele fizesse ou o que dissesse para afastá-la ela
sempre dava um jeito de dar um passo a mais em
sua direção. Aquela tática de muralha de grosseria
parecia se aplicar com todos menos com ela e
aquilo o tirava do sério.
Talvez fosse esse o motivo pelo qual ás
vezes se surpreendia pensando nela, como estava
fazendo agora encarando seu reflexo no espelho.
Força seus olhos a focarem novamente a
TV, agora no noticiário falava sobre a previsão do
tempo, parecia que aquele outono seria mais quente
do que Londres estava habituada. Mais uma vez
seus olhos o traem e agora a encarava dançando no
pequeno espaço que fora nomeado pista de dança.
Era algo magnético vê-la dançar, pois ele
simplesmente não conseguia fazer outra coisa
senão apreciá-la.
Sarah girava e pulava ao som da música
animada, seus amigos estavam um pouco distantes
mais a sua esquerda, mas ela não devia ter reparo

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que eles se distanciaram, parecia que ela se


desligava de todos e se perdia em si mesma. Em
seus lábios um sorriso se desenhava e Ethan viu os
dele copiando os mesmos movimentos.
Será que ela vai vir até aqui? Irritado com o
pensamento absurdo que acabara de ter ele corta
mais uma vez o contato com a imagem feliz de sua
assistente. Que ridículo. O que acabo de pensar? É
melhor ela ficar assim. Longe.
Pega mais uma vez sua cerveja, mas ao
erguê-la percebe que já havia a ingerido por
completo. Seu relógio de pulso dizia que ainda
havia um tempo considerável antes de partir e
voltar para casa, então pela primeira vez em todos
esses anos de rotina se pega pensando se faria mal
em pedir mais uma. Afinal já o fizera antes, então
qual o problema?
Seus dedos batem um pouco ansiosos sobre
o balcão de madeira. Vamos lá, você consegue.
Dizia a si mesmo em um embate interno. Decidido
ele ergue a cabeça e procura pelo barman que
sempre o atendia, mas mais uma vez ele cai em
tentação e espia pelo espelho.
Ela não estava mais em seu campo de visão,
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seus olhos procuram pela dona dos cabelos negros


ondulados e olhos castanhos. Não conseguia vê-la e
nem seus amigos. Havia ela ido embora? Só podia
ser isso.
Quando estava a ponto de desistir e dada
por perdida sua busca algo chama sua atenção. Um
vulto de cabelos negros e olhos aflitos aparece no
canto do espelho. Ela tentava afastar as pessoas e
ganhar caminho entre elas, suas mãos pressionavam
seu peito e lágrimas molhavam sua face. Algo
estava completamente errado.
Aquilo o faz enrijecer seu corpo. Podia ver
seu desespero e sua dor enquanto ninguém mais
parecia reparar, todos ocupados demais olhando
para si mesmos.
Ao girar a cabeça em sua direção a pega
saindo pela porta da frente. Rapidamente coloca
uma nota ao lado de sua garrafa e a segue sendo
recebido pelo ar levemente gélido das ruas de
Londres.

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Sarah

Nos dias que se seguiram as coisas não


poderiam estar melhores. Sarah estava indo bem
nas aulas, recebera uma nota ótima em Histologia
básica, estava evoluindo nos ensaios, recuperara
seu estágio, seu professor parecia estar de “bom
humor” e até podia jurar que o vira a encarar
algumas vezes por um tempo excessivamente
incomum.
Descobrira em Ethan Collins um homem
com um amplo conhecimento sobre literatura.
Assunto que fora tema de vários diálogos que
compartilharam. O que a deixava cada dia mais
ansiosa para chegar ao seu escritório.
Pela primeira vez em muito tempo se sentia
parte de algo, encontrara novamente um pouco do
ânimo que jurava ter perdido, estava no lugar que
deveria e na companhia de quem deveria.

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Ela também notava mudanças em sua


melhor amiga. Alexia andava mais feliz e animada,
claro que nos momentos em que ela ficava assim
também ficava inspirada então para todo lugar que
Sarah olhava em seu apartamento via desenhos de
roupas e pedaços de tecido espalhados. Ela
associava esse bom humor repentino a Ryan que se
tornara mais presente no apartamento delas.
Sério? Ele não tem casa, não? Pensava ao
notar peças de roupas dele jogadas no chão que
trilhavam um caminho da escada até a porta
fechada do quarto de Alexia.
Naquele dia em questão acordara se
sentindo muito feliz, a ponto de ela mesma propor
uma saída com os amigos e aquilo arrancara
olhares duvidosos de ambos já que na maioria das
vezes ela era arrastada para fora de casa. Sentia que
a descoberta do seu propósito merecia uma
comemoração.
Havia combinado com seus amigos por
volta das 21h no bar universitário. O local estava
lotado como sempre. A música alta tocava e corpos
balançavam na pista de dança. Ryan puxava Alexia
para dançar, ou melhor, aquilo era tudo menos
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dança. Sarah suspeitava que ele a levaria para o


banheiro mais próximo a qualquer momento para
terminar o serviço.
A melodia que invadia os ouvidos de Sarah
a deixava em completo frenesi, era sempre assim.
Desde muito nova Sarah sentia prazer ao
dançar, sua mãe possuía alguns vídeos dela
cantando e dançando em seu quarto. Ela sempre
gostara da atenção e de aplausos desde muito cedo,
diziam que nascera para os palcos e ela acreditara.
Aos nove anos quando sua mãe perguntou o
que ela queria ser quando crescer, não hesitou ao
dizer que queria ser bailarina e foi quando ganhou
de natal seu primeiro par de sapatilhas, ela nunca
mais parou.
A dança para ela era uma expressão
perpendicular de um desejo horizontal. Era a forma
mais sentimental de expressão que existia, não é o
ritmo ou os passos, mas a paixão que emana dos
corpos das pessoas. Quando ganhara seu primeiro
concurso de dança aos 14 anos soubera que era
aquilo que iria fazer pelo resto da sua vida. Mas
claro que isso foi há muito tempo, em uma época
diferente.
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Ela ainda tinha prazer ao dançar, mas agora


essa não era sua única paixão. A vida lhe ensinara
que as pessoas mudam e com elas seus objetivos.
Ela se encaminha a pista de dança
procurando no emaranhado de alunos pelos seus
amigos, eles haviam sumido. Ela revira os olhos
sorrindo quando uma música diferente começa. O
início era lento e à medida que cada nota avançava
a batida ia ficando mais animada e presente.
Seus pés começam a se mexer em sincronia,
a voz do cantor inundava o salão e ela mexia seus
braços a um ritmo lento acompanhando as palmas
que a incentivavam a continuar sua performance.
Ela girava por todo espaço, seus cabelos
soltos acompanhando seus movimentos e seu
coração as notas.
Movimentos, suor, calor, energia. Quando
Sarah dançava por breves momentos ela entendia o
propósito de ter nascido, ela esquecia a tristeza e
apenas memórias boas surgiam em sua cabeça e
irradiavam pelo seu corpo.
Mas por breves segundos Sarah comete
o grande erro de permitir que o lado ruim de suas

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lembranças venha à tona. Tudo pelo fato de que


quando abriu seus olhos no meio de um de seus
giros, ela o vê. Gael.
Sua mente tem um estalo e seu corpo trava.
Quando encara o lugar que supostamente ele
estava, encontra o vazio, apenas um espaço entre
uma moça que dançava freneticamente e um cara
que bebia uma caneca enorme com cerveja.
Não conseguia entender o que acontecera.
Por um breve momento ele estava lá sorrindo e
aplaudindo como sempre fazia na primeira fila de
todas as apresentações e no outro não havia
absolutamente nada, apenas ela com sua paranoia
no meio de pessoas bêbadas.
Um pequeno grito escapa de seus lábios ao
sentir uma dor forte em seu peito, mas ninguém
pareceu ter escutado. Com uma mão pressiona o
meio de seu peito. A dor era forte quase
insuportável. Ofegante força-se a sair da pista de
dança, a cada passo sentia seu peito comprimir
mais fazendo com que lágrimas molhem sua face.
Com dificuldade consegue se apoiar por um
tempo em uma cadeira próxima. Sarah respirava
com dificuldade e com o esforço que estava
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fazendo sentia seu diafragma arder, mais uma vez


olha ao redor em busca de sua amiga, mas sua vista
estava turva demais pelas lágrimas que ainda
escorriam, não conseguindo encontrar nenhum
conhecido.
Tudo bem. Isso não é normal. Está mais
forte do que da última vez. Ela pensava. É quando
se lembra de que não havia tomado seus remédios.
É talvez eu tenha exagerado na dança. Doutor
Riveras vai me matar. Normalmente aquilo não
acontecia quando esquecia apenas um dia de seu
medicamento, com certeza algo estava errado.
Seu corpo imediatamente entra em
desespero. Várias imagens dela desmaiando no
meio do bar passam por sua cabeça ou até mesmo o
pior ela não queria morrer ali. Com o coração
acelerado ela tentava chegar até a porta de saída do
bar, podia sentir a tontura se intensificar a cada
passo que dava e seu estado poderia muito bem ser
confundido com o de alguém alcoolizado. Ela
precisava de ar, ali dentro ele parecia rarefeito.
Quando o ar levemente gélido de Londres a
recebe do lado de fora ela caminha pelo
estacionamento vazio cambaleando. Aquilo tudo
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era muito estranho, seu corpo não reagia daquela


maneira.
Quando tenta apressar o passo acaba
tropeçando em seus próprios pés e caindo no chão
batendo com força os joelhos no cascalho que
forrava o estacionamento. Jogando seu corpo ela
deita no chão incapaz de se mover, encarava o céu
nublado a sua frente. Seus olhos pesavam, finas
gotas gélidas começam a cair do céu escuro e
ofegante ela estava prestes a deixar seu cansaço
vencer e fechar seus olhos quando uma figura
aparece em seu campo de visão. Não sabia quem
era, quando tenta dizer algo e pedir ajuda tudo fica
escuro.

Ela acorda em uma superfície macia, sua


cabeça e joelhos doíam consideravelmente. O
ambiente estava relativamente escuro e podia sentir
algo enfaixar sua cabeça.

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Não sabia quanto tempo permaneceu


desacordada e nem onde estava.
Pelos deuses da dança fui sequestrada?
Onde estou?
Ela tenta se levantar e aquilo faz com que
uma tontura a afete lhe causando uma leve dor na
cabeça. Ela grunhiu baixinho de dor e quando seus
olhos se acostumam a pouca luminosidade é que
consegue analisar o ambiente.
Era tudo muito organizado e cheirava a
produto de limpeza. Ela se encontrava em um sofá
marrom escuro muito confortável. Apoiando sua
cabeça com uma das mãos consegue se sentar.
Passando os olhos pelo o que descobriu se tratar de
uma sala de estar encontra bem a sua frente uma
prateleira com alguns livros, mas pela tontura e a
distância não conseguia ler os títulos.
Que merda de lugar é esse?
— Você deveria deitar, ainda está
machucada.
Ela se assusta dando um pequeno pulo no
sofá. Ao virar em direção a sua companhia
desconhecida encontra um vulto parado na porta
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que dava acesso ao que parecia ser uma cozinha. A


figura da dois passos em sua direção e para sua
surpresa ela encara seu professor parado a
observando enquanto secava as mãos com um
guardanapo.
— Senhor... Senhor Collins? — Ela
pronunciava seu nome com um pouco de
dificuldade. Sua garganta estava seca e parecia que
havia batido sua cabeça com força, pois não
acreditava no que estava vendo.
Ele se aproxima mais parando bem próximo
a ela.
— Deixei sua bolsa ao lado do sofá — Ele
apontava para algo atrás dela.
Minha bolsa! Meu remédio!
No mesmo instante ela gira o corpo, pega
sua bolsa e começa a vasculhar seu interior.
— Preciso tomar meu remédio — Pensava
em voz alta.
Assim que o encontra retira um comprimido
do frasco e prontamente Ethan coloca uma garrafa
de água a sua frente antes mesmo que ela pense em
pedir.
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— Obrigada — Ingeria o que precisava e


aliviada joga seu corpo no sofá, mas não evita de
grunhir ao sentir a tontura novamente ao fazer isso.
— Trouxe chocolate pra você também. —
Escutava ele dizer.
— Eu não quero comer nada.
— Não é para matar a fome, é para sua
tontura. — Dizia impaciente — Você desmaiou.
Sou médico, sei o que estou fazendo.
Diante seu olhar desaprovador, que
geralmente poderia ser visto alguém dar a uma
criança desobediente, ela estica seu braço e pega
um pequeno pedaço do prato que ele colocara sobre
a mesa de centro da sala, leva aos lábios e o come.
Ao lado do prato nota uma bolsa de
primeiros socorros e com o canto do olho percebe
seu professor se aproximar se colocando a sua
frente entre ela e a mesa e com um suspiro
impaciente ele se senta.
— Está se sentindo melhor? — Perguntava
com seus olhos presos aos dela.
— Estou sim. — Ela sorria sentindo-se um
pouco desconfortável com aquela atenção — Onde
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estou?
— Na minha casa.
— Como me trouxe até aqui?
— Andando. — Dizia como se fosse óbvio.
— Poderia ter sido de carro. — Ela
retrucava.
— Mas de qualquer maneira eu teria a
trazido aqui — Ele indicava sua sala — Andando.
Ela bufa irritada, realmente aquilo era um
dom.
— Eu moro perto do Jack’s. — Ele
informava.
— Muito obrigada por ter me trazido até
aqui senhor Collins, mas eu preciso ir para casa. —
Tentava se levantar, mas inutilmente.
— Você está machucada, zonza e está
chovendo, ou seja, não vai a lugar algum.
Depois que ele diz isso que nota as gotas de
chuva escorrendo pela janela e dada pela frequência
pode perceber que não era uma simples chuvinha e
sim quase podia ser classificada como tempestade.

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Merda.
— Preciso ver seus joelhos agora. —
Aquilo a pega de surpresa.
— Meu joelho? Por quê?
— Você se machucou, consegui limpar o
ralado da sua testa, mas um dos joelhos ainda não
está...
— Não precisa. — Ela o interrompia — É
apenas um arranhão. — Dizia dando pouca
importância a dor que sentia. A verdade é que não
queria aquele homem tocando suas pernas, não
precisava de mais motivos para alimentar seus
sonhos molhados.
— Mas eu preciso limpar o machucado... —
Ela o interrompia mais uma vez.
— Não precisa.
O jeito como a encarava poderia ser
nomeado como indignação.
— Você estava caída no chão de um
estacionamento de um bar. — Dizia com firmeza
como se aquilo significasse muito. Diante a
expressão dela que significava “E daí?” ele

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continua. — Você sabe o que acontece no fundo de


bares, não é? — proferia cada palavra
pausadamente para que ela entendesse.
Ok. Acho que bati a cabeça forte demais.
Do que esse cara está falando?
Ele massageia as têmporas com a ponta de
seus dedos para depois os percorrer por seus
cabelos escuros.
— Deixa-me ver como posso explicar isso.
— Após um pigarro ele continua — Quando se
ingere uma quantidade grande de líquido as pessoas
tendem a sobrecarregar os rins fazendo com que a
bexiga fique bem cheia. — Ele dizia pausadamente
como se explicasse para uma criança ou a alguém
com problemas de compreensão, que era como ela
se sentia no momento.
Chegara à conclusão de que ele a estava
provocando.
— Então quando isso acontece as pessoas
ficam com uma vontade absurda de ir ao banheiro,
mas então o banheiro está cheio, o que acontece
com frequência, transformando assim a parede do
fundo do bar um ótimo local. O cara vai até lá, a

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urina escorre pela parede até chegar ao chão que é


coberto por cascalho, o mesmo em que você estava
deitada.
Estou ouvindo isso mesmo?
Sarah fica paralisada por um tempo com a
boca aberta. Simplesmente não sabia o que dizer.
Aquele homem era surreal.
— Nossa. — Dizia ela após um tempo
encarando aquele par de cubos de gelo — Você
realmente transforma tudo em uma tragédia.
— Talvez seja um dom.
Um riso contido escapa dos lábios dela e
por breves segundos viu um tímido sorriso se
desenhar nas feições dele. Não pode deixar de
desejar ver o sorriso completo e pela imagem que
criara em sua mente dele, devia ser incrivelmente
lindo.
— Então já que não quer que eu limpe seu
machucado, pode ficar com urina de terceiros neles.
Depois dessa explicação acho que vou
querer mesmo é tomar um banho.
Dada por vencida ela ergue sua perna

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esquerda e se surpreende ao ver um ralado bem


significativo no centro de seu joelho, não era à toa
que estava doendo.
Sente o olhar dele percorrer por sua perna
em uma análise incomum, aquilo fora o suficiente
para fazê-la se arrepiar por inteira. Com um pouco
de constrangimento ela segura a barra de seu
vestido impedindo que ele caísse mais e revele
partes mais acima de suas coxas.
— Posso? — Dizia ele após um pigarro e de
piscar várias vezes antes de encará-la.
Quando abre a boca para responder nota que
não era somente o arrepio prazeroso que ele lhe
causara, ela não conseguia dizer nada, apenas o
respondeu com um leve manear da cabeça.
Sente as mãos dele em sua pele, tão quentes
e firmes quanto se lembrava. Ele apoia a perna dela
a esticando sobre sua coxa. Seu toque era bom e
como sempre familiar. Queria sentir as sensações
que ele lhe causava em outras partes de seu corpo.
Nunca desejara e ansiara tanto pelo toque de
alguém do que o dele. Sabia que aquilo não era
certo dado às circunstâncias, mas quem é que
consegue mandar nos sentimentos?
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Ethan encaixa um de suas mãos atrás do


joelho dela o elevando e servindo de apoio para o
mesmo, enquanto com a outra levava um algodão
úmido com algo que imaginara ser antisséptico.
Ficara tanto tempo encarando a mão dele em sua
perna que nem o vira abrir a bolsa de primeiros
socorros e retirar o material que usaria de lá.
Quando ele encosta o algodão molhado
sente em sua pele uma leve efervescência, ela
repuxa um pouco a perna por causa da dor e um
gemido involuntariamente escapa.
— Isso arde.
— Minha mãe costumava dizer que quando
isso acontece é por que está funcionando. — Ele
apertava mais os dedos em sua perna impedindo
que ela a retire de seu colo.
— Isso é tão coisa que uma mãe diria.
— Mas é verdade. Mães são sábias.
Ele se mantinha atento ao machucado dela e
sutilmente começa a limpá-lo. Com um olhar
sonhador ela o encarava e era fascinante aos olhos.
— Por que estava desmaiada no
estacionamento? — Ele cortava o silêncio.
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O zíper do pequeno casaco que ela vestia se


tornara o alvo de seus dedos que se tornaram de
repente nervosos. O que diria a ele? Que havia
desmaiado por ser irresponsável? Ótima resposta a
se dar a alguém que já achava aquilo dela.
— Esqueci de tomar meus medicamentos.
— Dizia sem encará-lo.
— Tem alguma doença?
Ela nega com movimentos sutis.
— Não. — Se ajeitava no sofá que de
repente se tornara desconfortável. — Há alguns
anos eu sofri um acidente e... — Subia e descia o
zíper com mais força. — Eu precisei de um coração
novo.
Ele cobre o machucado dela com um
curativo e devolve sua perna a colocando no chão e
pegando a outra para repetir o procedimento.
— Entendo. — Ele dizia. — Sinto muito
pelo o que aconteceu.
— Obrigada. — Dizia sem jeito.
— Deveria tomar mais cuidado, O’Connor.
Os medicamentos são muito importantes para um

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transplantado. E por ser do coração que estamos


falando, deveria maneirar nas danças e na bebida...
Estava demorando. Revira os olhos.
— Eu não preciso ouvir o seu sermão,
Senhor Collins. No momento é o que menos
preciso. — Seu tom sai um pouco incomum, não
costumava falar de maneira grosseira com
ninguém. — O do meu médico amanhã já vai ser o
suficiente, sem falar no da minha melhor amiga.
— Não tive a intenção de lhe dar um
sermão é só que... — Ele fazia uma pausa um
pouco longa pegando novamente o frasco de
antisséptico e molhando outro algodão. — Você
teve uma oportunidade única de uma segunda
chance, nem todo mundo tem esse privilégio.
Envergonhada ela fica em silêncio, sabia
que ele tinha razão. Mas seria errado ela desejar às
vezes deitada sozinha em sua cama que a vida
poderia não ter sido “benevolente” com ela?
Não sentia que merecia ter sobrevivido a
aquele acidente. Por diversas vezes implorara a
quem quer que esteja lá encima para acabar com
tudo aquilo. Chorara dia após dia depois que

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acordara bem e viva no hospital, mas sozinha.


A solidão é a pior parte para quem
sobrevive.
Um raio corta o céu do lado de fora e seu
clarão ilumina a sala, seguido pelo som alto do
trovão, aquilo faz com que ela se sobressalte no
sofá pelo susto que levara.
— Tem medo de trovão? — Ele perguntava,
estava quase finalizando o segundo curativo.
— Não. Apenas me pegou desprevenida.
— Eu gosto do barulho da chuva. — Ele lhe
confessava. — Acho tranquilizador. Me ajuda a
dormir às vezes.
— Eu também gosto. — O encarava
colocando seu curativo e passando os dedos por
sobre a fita várias vezes para prendê-lo bem.
— Se você fechar os olhos pode perceber
como suas gotas são constantes, precisas e
ritmadas. Como algumas coisas da vida deveriam
ser. De olhos fechados os problemas parecem
menores.
— O bom da chuva é que depois vem um

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belo arco íris.


— Mas tem que sobreviver à chuva
primeiro. Essa ordem não tem como ser alterada.
— Bom depende do ponto de vista, mesmo
chovendo sobre uma superfície espelhada é
possível ver as cores do arco-íris.
— Pronto. — diz ele mudando de assunto.
— Machucados limpos e curativos feitos. — Ele
devolvia a outra perna dela.
— Então. — Ela se arrumava no sofá
colocando as mãos sobre as coxas e olhando ao
redor. — Já que estamos presos aqui, o que vamos
fazer?
— Eu não sei você, mas eu farei o que faço
todas as quintas à noite. — Dito isso ele olha para
seu relógio de pulso e apressadamente começa a
guardar seu material de volta na bolsa, se levanta e
sai pela porta que viera.
— Que seria o que exatamente?
Depois de alguns minutos ele ressurge na
sala com um balde de pipoca nas mãos, vai até o
sofá em que ela estava e se senta na ponta oposta
deixando entre eles um lugar vago.
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— Verei TV. — Dizia ele finalmente


pegando o controle remoto da mesa de centro e
ligando a tela de plasma que havia na parede a
frente.
Ela encara a distância que havia entre eles e
se questionava as razões dele ter sentado tão longe.
Estava a evitando? Não queria ficar perto dela?
Estava se controlando para não pegar a sua roupa e
cheirar pra ver se estava fedendo.
— Por que sentou tão distante?
— Eu sempre sento aqui. — Dizia enquanto
passava pelos canais da TV.
— Você é cheio de manias mesmo.
— Eu te avisei.
Outro raio cruza o céu e mais um trovão
irrompe no ar, mas aquele fora bem mais forte o
que indicava ter caído mais próximo e Sarah o
recebe com outro sobressalto. Quando olha pra sua
companhia impaciente nota que ele a encarava com
uma das sobrancelhas erguidas como se dissesse
“Estou vendo que não tem medo”.
— Eu disse que gosto da chuva e não dos
trovões. — Ela esclarecia.
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Talvez eu tenha um pouco de medo de


tempestades. Mas só um pouco.
Com uma expressão divertida seu professor
volta à atenção para a tela e coloca um pouco de
pipoca na boca.
Mais um raio seguido de trovão e outro
sobressalto. Para disfarçar seu pulo no sofá, Sarah
finge que desde o início sua intenção era de pular
um assento que os dividia e se aproximar.
— Os raios estão lá fora, não vão entrar
aqui.
— Eu quero pipoca também. — Pegava um
punhado com a mão e o leva a boca.
— Tem certeza que não tem nada a ver com
a chuva? — Perguntava com cinismo. — Posso te
colocar na cama, fazer uma caneca de leite quente e
prometo deixar uma luz acesa. — Ele a provocava.
— Muito engraçado. Mas saiba que não
tenho medo. Ok! Só estava desprevenida. —
Cruzava os braços teimosamente na frente do peito.
Ethan finalmente encontra o canal desejado
e coloca o controle de lado.

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A chuva caía muito forte do lado de fora,


suas gotas batiam no vidro da janela. Entre eles
Sarah era a mais próxima da janela e dos clarões
que iluminavam a sala de tempos em tempos. Sem
perceber move seu corpo chegando tão perto de
Ethan que seus braços se tocam.
O corpo dele se enrijece, os músculos de
seu braço, que agora vendo tão de perto e podendo
comparar com o seu eram enormes, se flexionam.
Ela era tão pequena perto dele.
— O que foi? — A voz dele a fazia desviar
seus olhos de seu braço.
— Na... Nada.
Pelos deuses da dança. Preciso parar de
ficar encarando, mas como se ele é tão bonito?
Ele se arruma no sofá se afastando alguns
centímetros.
— O que vamos assistir? — Ela perguntava
pegando mais pipoca.
— Toda quinta eu vejo uma série que
acompanho há um tempo.
Antes que ela tenha a oportunidade de

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perguntar de qual ele estava falando a abertura da


série começa e Sarah não pode ficar mais feliz. O
seriado Grey’s Anatomy era um dos melhores
seriados médicos que já assistira na vida. Já perdera
a conta de quantas vezes a assistira mesmo ela
estando com quatorze temporadas.
— Não acredito que você assiste Grey’s
Anatomy.
— Por que o espanto? Professores não
podem ver TV?
— Professores podem, mas o senhor não é
como os outros.
— Vou levar isso como um elogio.
Quando o episódio começa ambos se calam
envoltos pelos acontecimentos.
A personagem principal estava cheia de
problemas, como toda boa série de drama deve ser,
a vida dela era um completo desastre, problemas de
convivência com a mãe, pai ausente, estava
apaixonada por um médico colega de trabalho, mas
que também tinha supostamente um casamento não
terminado, algo que Sarah suspeitava, pois ainda
não havia ficado completamente claro para os
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telespectadores, até o cachorro dela não lhe dava


descanso.
Mesmo sendo um problema atrás do outro,
a série tinha seus momentos divertidos, quem a
criara tinha o dom de suavizar momentos sérios os
transformando em algumas cenas engraçadas, como
a que acontecia agora na tela. Meredith, a
personagem principal, estava tentando lidar com
um dos seus vários problemas, mas a situação com
que fazia isso fora o suficiente para arrancar de
Sarah uma risada alta, que se sobressai ao volume
da TV.
— Eu disse que uma tragédia pode ser
engraçada. — Dizia Ethan.
Ela se arruma no sofá e enxuga os cantos
dos olhos de tanto rir. Quando olha na direção dele,
vê que ele sorria, mas não somente de um só lado
como ela já vira algumas vezes, e sim um sorriso.
Pela primeira vez teve o vislumbre de ambos os
lados de seus lábios se esticarem e no lado
esquerdo uma inocente e delicada covinha se
formara.
Naquele momento ela não se importava se
ele estava tirando sarro dela ou se a provocava
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mostrando que ele tinha razão sobre tragédias


poderem ser engraçadas. Tudo o que importava era
que ele sorria e nada mais.
— Ok. Você tinha razão. — Dizia
retribuindo seu sorriso.
— Já devia estar acostumada com isso. —
Seus lábios se estendem mais desenhando um
sorriso convencido.
Me diz como não ficar encarando alguém
assim? É tentar travar uma batalha que já foi dada
como perdida.
Sarah não possuía forças para quebrar o
contato, era impossível, já desistira. Mas pelo jeito
Ethan era o mais forte dos dois.
— O que acha do Doutor Shepherd? — Ele
perguntava encarando a tela novamente.
— Ah... Ah... — Gaguejava tentando
organizar seus pensamentos. — O acho um ótimo
médico.
— O acho superestimado e seus métodos na
hora de alguns procedimentos são meio duvidosos.
— É uma ficção.

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— Sim eu sei, mas se é para mostrar coisa


errada melhor nem mostrar.
— Ai meu Deus. — Ela diz animada
cruzando as pernas no sofá — Será que ele
finalmente vai pegar Meredith com o amante
misterioso?
— Claro que não. Quer apostar quanto que
quando ele chegar à porta vão o chamar para uma
emergência?
— Não podem fazer isso pra sempre.
Assim que termina sua frase acontece
exatamente como Ethan dissera. Doutor Derek
Shepherd chega a tocar a maçaneta para enfim
todos descobrirem quem era o tal amante o nome
dele é chamado com urgência pelos alto falantes do
hospital.
— Ahhh fala sério. De novo. — Dizia ela
frustrada descontando a raiva na almofada a
apertando com força.
— Eu avisei, é sempre assim. E também
acho que o amante não é tão misterioso assim. Ta
na cara que é o residente Karev.
— Você acha?
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— O’Connor. O cara é mega forte, bonito e


com os dentes mais brancos e brilhantes que se
apagassem as luzes serviriam como ponto de
referência. Por que teria um cara assim no elenco se
não for pra ele ser amante de alguém?
— Eu gosto dele. Acho muito fofo.
— Se você considera alguém extremamente
tapado como sendo fofo então sim, ele é fofo.
A cada comentário dele ela ria. Sentia uma
áurea confortável a envolver e com certeza estava
afetando-o também. Ethan estava visivelmente
mais relaxado e parecido com alguém que ela
imaginava ser o homem do outro lado do muro.
Acreditava que ele nem havia percebido que
baixara a guarda e que deixara o médico vir à tona
e tomar o lugar do monstro.
Se aquela era uma pequena mostra do havia
do outro lado então com toda certeza a escalada
valia a pena.
Juntos eles assistem ao episódio e
compartilham dois baldes de pipoca. A
tranquilidade e calmaria a confortam e depois de
um tempo os clarões e trovões não a assustavam

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mais.
Ao fim da série ela sente o cansaço chegar
então encosta a cabeça no encosto do sofá. Por
alguns instantes ela fecha os olhos então faz o que
ele lhe dissera, presta a atenção nas gotas da chuva
notando seu ritmo e pode comprovar que diante
tudo isso os seus problemas pareciam ser pequenos
e que as feridas em seu coração não doíam como
antes.

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“Não julgue cada dia pela colheita que


você obtém, mas pelas sementes que você planta.”
O médico e o monstro
Robert Louis Stevenson

Existem momentos na vida em que você se


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sente em paz. Momentos esses em que você


gostaria de ficar revivendo a cada situação
complicada que surgisse.
Durante esse período de recomeço, ou
tentativa de retomar as rédeas de sua vida, raras
vezes ela pode dizer que estava se sentindo
confortável. Sentir em seu interior a serenidade,
como se todo peso e coisas ruins estivesse fora de
seu alcance, era algo quase que inimaginável.
Aquele era um desses momentos e ela havia
se esquecido de como era.
Sarah acorda com os raios de sol que se
infiltravam pelas frestas da cortina que cobriam a
janela, instintivamente leva uma das mãos em
direção aos olhos para barrar a claridade direta,
permitindo com que a imagem do local em que
estava fosse se tornando nítida.
Por alguns instantes fica confusa. Aquele
não era seu apartamento, muito menos o seu quarto
e o mais importante ela não estava sozinha.
Assustada a primeiro momento ela remexe
seu corpo protegido por enormes braços que a
envolviam por sobre os ombros, uma mão

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espalmada em seu braço enquanto dedos


arrepiavam a pele do mesmo. Ao erguer o seu rosto
sutilmente pode sentir a respiração quente e calma
dele bater em sua testa.
Sua mão descansava na coxa dele e a de seu
professor descansava por sobre a dela. Grande e
quente, cobrindo a dela quase que totalmente.
Seus olhos se prendem àquele toque e
principalmente no seu encaixe. Era perfeito, como
se a mão dele fosse um molde e a dela tivesse
surgido a partir dali. Aquele poderia muito bem ser
o ponto inicial de seu conforto, esse que se
irradiava para o restante de seu corpo.
Nunca pensara que aquilo fosse possível.
Durante toda sua vida acreditava que havia um
único par para cada um de nós, e que quando o
encontrávamos um pertenceria ao outro para
sempre. Nunca encontrara alguém cujas mãos se
encaixassem com a dela tão perfeitamente além das
de Gael.
Será que na verdade era possível haver a
existência de mais de um molde?
Diante esse fato ela fecha seus olhos e

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respira profundamente. O cheiro almiscarado dele


invadia suas narinas fazendo seu coração bater em
descompasso, tão forte em seu peito que ela
suspeitava que a qualquer momento o som fosse
capaz de despertá-lo.
Isso é muito bom. Ela se pega pensando e
logo em seguida afasta tais pensamentos.
Aos poucos ela se desvencilha dele com
cuidado, se repreendendo pelo o que havia
acontecido. Dormir abraçada com seu professor na
sala dele, onde é que ela estava com a cabeça?
Aquilo era totalmente inaceitável. Podia até ouvir a
voz grave e com sotaque carregado dele lhe
dizendo todas aquelas coisas.
Não acreditava que havia passado a noite ali
e dormido com outro homem. Uma parte dela,
aquela que ainda sentia os vestígios da paz, havia
gostado e muito. Ela se sentiu segura e protegida,
como há muito tempo não acontecia. Gostava da
sensação que os braços dele lhe causavam, mas
outra parte dela repudiava tal ato. Ela não deveria
ter gostado daquilo, era um completo absurdo uma
aluna desejar os cuidados mais íntimos de seu
professor, e principalmente não deveria querer
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voltar para os braços do homem adormecido a sua


frente.
Não podia sentir aquilo. Apressa-se em
segurar os pingentes de seu colar, os apertando com
força e ficando de costas para a figura ainda
adormecida no sofá. Sarah sentia que estava
esquecendo-se dele, Gael, sentindo-se culpada e
envergonhada pelas sensações incomuns que
despertavam seu coração.
OK. Vai ficar tudo bem. Não houve nada,
nós apenas caímos no sono. Pensava tentando se
acalmar.
Em uma tentativa de afastar os pensamentos
absurdos, pressiona seus olhos os esfregando com
frustração. Cérebro idiota. Quando os abre se
depara com a prateleira que notara na noite
passada, só que agora os seus títulos podiam ser
lidos. Hamlet, Longe deste insensato mundo,
Macbeth, Madame Bovary, O morro dos ventos
uivantes, O conde de Monte Cristo, Orgulho e
preconceito. Um a um ela percorria a ponta de seus
dedos pelas lombadas gastas indicando o grande
uso que eles tiveram. No mesmo instante percebe
algo em comum entre eles, além de serem
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clássicos, todos estavam organizados em ordem


alfabética e aquilo faz com que um singelo sorriso
surja em suas feições.
Sempre com suas manias.
Entre eles um lhe chama a completa atenção
assim que toca em sua lombada aveludada. Sentiu
uma vontade incontrolável de pegá-lo e tê-lo em
mãos e como uma boa curiosa que era assim o fez.
O livro “O médico e o monstro” possuía
uma edição nunca antes vista por ela. Com capa
preta, dura e aveludada. Era simplesmente linda.
Sem se controlar o abre e bem na folha de rosto
encontra uma dedicatória.
“Para meu Jekyll, que todas as poções a
que venha tomar sejam aquelas que o fazem ser do
jeitinho que você é.”
Com todo meu amor, para sempre sua
Margot.
Ela passa seus dedos pela última linha, o
nome e promessa feita por aquela mulher que não
conhecia. A caligrafia com letras cursivas
enfeitando a folha um pouco gasta.
Sarah não sabia o porquê, mas sentiu uma
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enorme tristeza. Algo naquela dedicatória fez com


que um pesar se instalasse em seu peito e uma
lágrima brotar e escorrer pela sua face.
Por que estou chorando? Ela se perguntava
ao secar seus olhos.
Acreditava que a promessa escrita era a
responsável por isso, de alguma maneira aquilo a
tocara. “Para sempre sua”. Lia mais uma vez.
Por sobre o ombro observa mais uma vez
seu professor dormir, permanecia do jeito que o
deixara, sereno e com a cabeça inclinada um pouco
a frente do corpo. A mulher que lhe escrevera
aquilo o amava e prometera pertencer a ele, mas ao
julgar pelo o que sabia sobre ele e o que via com
seus próprios olhos, ela não estava mais ali.
Seria isso o que lhe ocorrera? Estava ela
com uma prova em mãos do motivo dele afastar as
pessoas? Não sou bom com despedidas. Ela pensa
nas palavras dele.
Quem seria Margot? A mulher dele? Encara
mais uma vez o livro aberto.
Mas o que haveria acontecido? Por que ela
não estava mais ali, mesmo após ter prometido ficar
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para sempre?
Todas essas perguntas vinham de uma vez,
martelando e perturbando sua cabeça. Queria as
respostas, queria saber o que acontecera com ele e
agora também com Margot. Mas como?
Um barulho a sobressalta. Seu professor se
remexe no sofá e a resgata de seus pensamentos.
Seria agora que ele arrancaria o livro das mãos
dela, a chamaria de intrometida e a expulsaria da
sua casa. Mas isso não acontece, quando o fita
percebe que ele apenas se remexera encontrando
uma posição mais confortável.
Sarah coloca o livro em seu lugar e reza a
todos os deuses da dança que ele não perceba que
alguém houvesse mexido.
O relógio ao lado da prateleira indicava que
ela precisava ir embora. Precisava ir para casa, se
explicar para uma amiga raivosa que com certeza
encontraria e ir para as aulas, mas dado pelo tempo
que isso levaria, sabia que perderia pelo menos as
duas primeiras.
Pega sua bolsa ao lado do sofá e de dentro
procura por seu celular e como imaginara estava

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sem bateria. Alexia iria matá-la. Quando faz um


movimento mais rápido ao sair do cômodo sente
uma leve ardência em seus joelhos e então ao olhar
para baixo vê os curativos que ele fizera na noite
anterior. Ele a resgatara e cuidara dela. Havia sido
muito gentil, ela tinha que admitir.
Gentileza gera gentileza não é mesmo?
Segue em direção ao cômodo que imaginara
ser a cozinha, era pequena, mas bem equipada.
Poderia deixar algo fresco e rápido pra ele comer
assim que acordasse. Abrindo os armários ela não
encontra muitas coisas que pudesse usar. Macarrão,
enlatados, pacotes de chá, bolachas salgadas, café,
algumas frutas. Seu professor precisava
urgentemente fazer compras. Ao abrir a geladeira,
aliviada se depara com ovos, aquilo teria que servir.
Habilmente Sarah prepara um café forte como sabia
que ele gostava e alguns ovos mexidos, uma porção
grande.
Há muito tempo ela não cozinhava e
principalmente para outro homem e não sabia o
quanto havia sentido falta de ter alguém para cuidar
até aquele momento. Com tudo pronto e
devidamente limpo, porque ela sabia que ele
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reclamaria se não estivesse Sarah escreve um


bilhete antes de ir.
“Obrigada por cuidar dos meus
machucados, nos vemos na faculdade. O café da
manhã é por minha conta. Eu sei, sou incrível. Até
mais senhor Collins.”
Mirna.
Coloca o bilhete ao lado da garrafa térmica
de café e caminha na ponta dos pés até a sala. Ele
tem um sono e tanto. Pensa sorrindo enquanto pega
suas coisas e sai pela porta.

O sermão que recebera fora imenso e durara


longos e intermináveis minutos. Alexia não a
poupou de nada, de nenhum palavrão ou ataque de
nervos que somente sua melhor amiga sabia dar.
Isso por que não contara a verdade completa, não
dissera que havia desmaiado e sido salva pelo misto
Superman com Grinch, mas a simples menção de
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que ela havia se sentido mal fora o suficiente pra


ela a arrastar até o médico naquela manhã.
Quando tentara descrever com quem e onde
passara a noite também não fora 100% honesta. Ao
explicar da melhor maneira que encontrara dizendo
que dormira em um amigo, terminara com Alexia
achando que o cara em questão era David.
Dr. Riveras como é de se esperar não ficou
muito feliz e também lhe dera outro sermão, com
direito a termos médicos em duas línguas
diferentes. Não perdera tempo em submetê-la a
alguns exames e chegara à conclusão de que a
dosagem dos medicamentos que estava tomando
não era mais suficiente, então agora passaria a
tomar uma nova droga que segundo pesquisas era
mais forte.
Resultado? Sua amiga estava mais
paranoica do que de costume em questão ao seu
novo horário dos remédios, ela perdera todas as
aulas daquele dia, seu médico estava mais
preocupado e aumentara a frequência de suas
visitas ao seu consultório, Alexia agora achava que
ela e David estavam tendo um tipo de
relacionamento casual, seu novo remédio para o
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coração estava lhe dando dor de cabeça, e seu


remédio para aplacar as dores de cabeça estava
dando náuseas e se não se apreçasse chegaria
atrasada ao seu estágio.
Uma manhã como outra qualquer.
Aparentemente nada mais poderia dar
errado naquele dia, um que começara tão bem. Mas
para que serve a vida além de nos provar que
sempre estamos errados?
Quando entra pela porta do escritório dava
de cara com o seu chefe sentado do outro lado da
mesa. Incrivelmente lindo como só ele sabia ser.
Com suas camisas sempre bem alinhadas e colete
que serviam para desenhar o seu tronco e atiçar a
imaginação de quem o olhasse criando imagens do
que havia por debaixo de tudo aquilo.
Sarah já suspeitava sobre o que se passava
em seu interior e após aquela manhã e as batidas
rápidas que seu coração dava ao vê-lo, ela teve
certeza de que seu interesse por Ethan Collins ia
além da curiosidade e aquilo era um erro enorme.
Quando isso acontece com uma pessoa
normal, e quando digo isso me refiro a alguém que

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não esteja em circunstâncias e posições como


aquela, a descoberta desse sentimento é algo bom e
sem muitos obstáculos. Mas como sabemos muito
bem as circunstâncias aqui são um pouco difíceis e
aquilo tudo a amedrontava um pouco.
Há todo momento tentava dizer a si mesma
que não poderia ser outra coisa além de
curiosidade. O seu professor era um homem
misterioso e peculiar, mas a quem ela estava
enganando além de si mesma? Tudo que era
preciso era olhar pra ele e pronto o estrago estava
feito. Tudo o que prometera a si mesma ia por água
abaixo.
— Boa tarde. — Ela dizia sem jeito em um
tom sério.
O vê olhar o relógio e depois para ela.
— Boa tarde, O’Connor. — Sem encará-lo
nos olhos ela segue até sua mesa e coloca um copo
de café que trouxera para ele.
Aquilo havia virado um hábito constante e
como sempre ela recebe um menear leve vindo
dele. Seus olhos a traem e agora fitavam o seu
peito. Largo e firme que subia e descia enquanto

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respirava tranquilamente. Em um gesto rápido ela


os desvia ao se surpreender pensando em como ele
era confortável.
Sarah vai até sua mesa sem dizer mais nada,
deixa sua mochila encima do móvel e liga seu
notebook para dar início as suas tarefas.
— Alguma mudança nos meus horários? —
A voz com um timbre grave invadia seus ouvidos e
ela se delicia a cada palavra.
Preciso pensar em outra coisa que não seja
ele.
Ela pigarreia algumas vezes antes de falar.
— Sua última aula foi cancelada — Dizia
enquanto se ajustava em sua cadeira.
— Ok. — O escutava dizer — Como estão
seus joelhos?
— Ah... Ah... Estão ótimos. Obrigada. —
Encarava a tela a frente.
— Os ovos estavam muito bons. — Com o
canto do olho podia notar que ele a fitava. —
Obrigado. Mas não era necessário.
Vamos lá. Concentre-se no seu trabalho.
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Ele está sendo gentil, mas quem se importa?


Em silêncio ela abria o e-mail dele,
checando sua caixa de entrada.
— A senhorita está bem?
Ela é pega de surpresa com aquela pergunta.
Será que estava tão na cara assim que ela não
estava bem? Que ela na verdade só pensava em
como havia acordado naquela manhã e na
respiração quente dele em sua testa?
— Um corpo foi doado e vai chegar na
semana que vem, vítima de uma briga de bar e com
múltiplas fraturas. — Resumia os e-mails que ele
havia recebido — O professor Roberts quer
reservar um dos laboratórios para hoje à tarde, para
reposição de aulas. — Ela abria mais e-mails com
dedos trêmulos — Pela lista de agendamentos dos
laboratórios o de número 3 estará livre essa tarde.
Vou enviar um e-mail avisando que tudo bem. —
Passava as informações rapidamente. — O senhor
também tem uma reunião com o corpo docente da
faculdade daqui três dias.
Escuta um suspiro cansado escapar dos
lábios dele.

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O silêncio rodeava o escritório e ela tentava


se manter ocupada lendo e-mails que na verdade
eram spams ou repassando suas aulas pela
centésima vez. Nada daquilo estava adiantando e
após duas horas de total embaraço seu professor
novamente quebra o silêncio.
— Ok, o que aconteceu? — Ela franzia as
sobrancelhas em sua direção — Você está estranha.
O que foi que eu fiz agora?
O senhor fez muitas coisas. Ela pensava
logo se repreendendo.
— Eu não estou estranha. — Ela rebatia em
um tom incomum, estava séria e extremamente
profissional.
— Está sim, você não fala há horas. Não
tentou cantarolar ou dançar e sequer fez
comentários inoportunos, ou seja, algo aconteceu.
Merda! Sou tão transparente assim? Será
que percebeu o que sinto por ele? Não, não, não.
Eu não sinto absolutamente nada por ele!
— Estou apenas seguindo as regras que
você estipulou. Sem dança, cantoria e conversa sem
propósito.
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— É exatamente isso que me preocupa.


— Eu estou bem, senhor Collins. — Ela
fechava seu notebook e encara o relógio de parede
que marcava 16 horas — Os alunos do quinto
semestre logo chegarão para a aula de reposição,
vou checar o laboratório e ver se está em ordem. —
Sarah se levantava meio sem jeito e se obriga a
encarar os olhos azuis que tanto a perturbavam –
Deseja mais alguma coisa?
— Sim, eu quero a minha resposta.
Ele não vai mesmo desistir?
— E eu já respondi. Estou bem. — Dizia
com firmeza.
Ela lhe oferece um sorriso amarelo e
caminha para fora do escritório.
Qual a dificuldade em aceitar que estou
bem? Tirando essa porcaria de dor de cabeça e
que estou praticamente enlouquecendo com a
vontade de deitar naquele peito de novo, estou
perfeitamente bem.
Assim que Sarah sai daquele espaço que
continha o homem que assombrava sua mente solta
um grande suspiro de alívio. Talvez conseguisse
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sobreviver àquele dia sem problemas maiores. Era


simples, apenas fazer o seu trabalho e manter
distância. Precisava desse tempo para organizar
seus pensamentos.
Com passos largos se dirige até o
laboratório 3 e para seu desgosto tudo estava
perfeitamente organizado e pronto para receber
uma aula. Decida a não voltar de onde viera Sarah
então começa a arranjar o que fazer, limpando e
organizando o que já estava perfeito. Passava um
pano úmido com álcool pelas bancadas uma a uma
tão milimetricamente, que duvidava que uma
bactéria sequer pudesse ser encontrada.
Fazia todo o possível para matar aquela
última hora que ainda teria que suportar até poder
enfim ir para casa, tomar um banho, relaxar e tentar
não sonhar com nada relacionado a Ethan Collins
ou a peitorais confortáveis.
Mesmo estando de costas para a única porta
soube que alguém havia entrado e sabia muito bem
quem poderia ser. Seu corpo estremece. Era como
se ele a tivesse jogado algum tipo de feitiço ou
quem sabe implantado, enquanto ela dormia em
seus braços, um sensor que avisava sempre que ele
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estava por perto.


— Estava pensando, — O escutava dizer.
— Uma vez uma paciente loira foi até seu médico
para uma consulta de retorno.
Achara bem incomum aquele tipo de
conversa e com as sobrancelhas franzidas formando
um vinco em sua testa, ela se vira na direção da voz
e o encontra no vão da porta aberta com ambas as
mãos nos bolsos da calça social.
— Então seu médico pergunta o porquê ela
havia tomado o remédio às 16 horas e não às 21
horas. — Contava a história de forma séria como se
estivesse falando de algo importante. — E ela se
vira pra ele e responde que havia tomado às 16
horas para pegar as bactérias de surpresa.
O que foi que aconteceu aqui? Pensava ao
fitá-lo com sua pose perfeita e viril. Ethan Collins
está me contando uma piada?
Sim. Era exatamente isso o que ele fizera. A
piada em si era terrível, mas diante sua pose e
entonação que escolhera fazia tudo aquilo se tornar
engraçado.
Tentara muito, muito mesmo se segurar,
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mas dar-se por vencida começando a rir em pé no


meio do laboratório, enquanto ele permanecia no
mesmo lugar nitidamente sem jeito e sem saber o
que fazer em seguida. Estava claro que ele não
servia para aquilo.
— Ok. Eu sei que é horrível. — Ethan dizia
passando uma das mãos nos cabelos em sinal de
algo que nunca pensara ver naquele homem,
timidez.
— Por que fez isso? — Perguntava entre
risos admirada em poder conhecer aquele outro
lado dele.
— Eu apenas achei que precisava.
Como assim eu precisava? Diante seu olhar
confuso ele continua.
— Acho melhor eu ficar com o sarcasmo.
— Talvez. — Dizia sorrindo e o encarando
pela primeira vez diretamente nos olhos naquele
dia.
Por um tempo ambos se calam, apenas
curtindo o momento. Ela rindo e ele com aquele
fino sorriso de canto. Seu professor como sempre
quebra o contato visual que faziam e encarava o
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chão como se refletisse sobre algo que tinha


vontade em dizer, mas não sabia se devia.
— O seu silêncio me incomoda. — Ele
dizia por fim lhe confessando.
Aquela confissão a pegara totalmente
desprevenida deixando Sarah sem palavras. O que
isso significava? As calotas polares se erguem
novamente e a fitam, causando um arrepio em seus
braços e espinha. Eram tão profundas e cheias de
mistério, que até o mais experiente detetive teria
dificuldade em decifrá-los.
— Todo silêncio tem um nome e um por
que. — Ele continuava. — Não se pode julgar o
silêncio de ninguém. — Ele pigarreava ao notar que
ela não diria nada. — Pela nítida mudança em seu
semblante acho que minha piada horrível serviu
para seu propósito.
Pegando as barras de seu colete, ele o puxa
para baixo o ajustando. Fica de costas pra ela e
começa seguir até a porta em que entrara.
— Senhor Collins. — Ela o chamava antes
que parta. — Eu jamais julgaria o do senhor.
Girando o corpo ele a encara mais uma vez.
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— Eu sei. — Soltava um breve suspiro. —


Por isso você ainda está aqui.
O sorriso na face de Sarah aumenta
consideravelmente. Seus olhos sorriem e seu
coração se aquiesce. Como não ser afetada por
aquele homem? Ele era uma caixinha de surpresas
e o mais improvável das situações improváveis, era
que ele se importava com ela. Pela primeira vez
que a demonstrava isso, tirando as vezes que a
resgatou de algo como joelhos ou dedos
machucados e livros jogados no chão.
— Agora sim. Boa tarde, O’Connor.
Com um leve sorriso e as mãos nos bolsos
ele parte a deixado sozinha com a confusão que
tentava absorver e entender.

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“Ela queria saber o que naquele momento


estava passando em sua mente, de que maneira ele
pensava nela. E se, ao arrepio de tudo, ela ainda
era querida por ele.”
Orgulho e preconceito
Jane Austen

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Ela estava irritada, mas sabia que assim que


visse aqueles olhinhos azuis e o sorriso gentil sua
irritação sumiria. Esse é o efeito David O’Brien.
Era simplesmente impossível se zangar com ele.
Eles haviam combinado de ver um filme
juntos e sim ela estava no prédio parada em frente à
porta de seu apartamento quando recebeu uma
mensagem de David avisando que iria se atrasar
pelo menos duas horas, pois estava finalizando um
trabalho com um colega de curso.
Não acredito que me deu o bolo, David.
Pensava encarando a porta fechada do lugar que
seria o seu refúgio do mundo fantasioso que
deveria estar vivendo nos últimos dias. Seria uma
ótima explicação para tudo. Primeiro fora resgatada
pelo príncipe encantado, ou melhor, um ogro que
só estava à espera de ser transformado em príncipe,
com sua língua afiada e impaciência, depois ele
cuidara de seus machucados, dormira ao seu lado
no sofá e em seguida lhe contara uma piada.
A ironia da situação em que se encontrava
era que David morava no mesmo prédio que seu
professor de anatomia, o que claro a deixou um
pouco mais curiosa sobre a relação que seu amigo
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mantinha com ele.


Era impossível não reconhecer aqueles
corredores assim que chegou. O lugar que tivera
uma das poucas noites tranquilas e confortáveis
desde os últimos três anos. Nada de pesadelos, nada
de noite mal dormida ou de acordar várias vezes de
madrugada, apenas a paz.
Ela nunca se sentiu tão bem, nem ao menos
havia percebido que pegara no sono. O fato era que
mesmo com seu jeito grosseiro e uma capacidade
sobre-humana de rebater o que ela dizia, tudo nele
era fascinante de tal forma que ela simplesmente
não conseguia se afastar ou se deixar afetar com as
inúmeras tentativas dele em fazer isso.
Sarah ainda podia sentir em sua pele o
toque quente das mãos dele enquanto cuidava de
seus machucados, o leve sopro que saiu de seus
lábios tocar seus joelhos deixando os mesmos
bambos e mesmo agora ali parada esperando o
elevador para que ele a levasse até a recepção,
esfregava com a mão livre o seu braço para conter
seus pelos arrepiados.
Apertava mais uma vez o botão para chamar
o elevador, ajeitando sua mochila no ombro e com
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cuidado para não acabar derrubando o pequeno


fardo de O’C Beer que trouxera para beber com seu
amigo, sabia que ele gostava da marca, assim como
outra pessoa também gostava.
O apartamento de seu professor não ficava
muito longe, pelo que se lembrava deveria ser no
andar de baixo.
Será que ele iria gostar de tomar uma
cerveja? Antes que seus pensamentos absurdos
continuassem, ela os afasta. Havia uma lista,
digamos um pouco vasta dos porquês aquele tipo
de pensamento era um completo devaneio.
Número um, ele apenas a ajudou por que a
viu caída e nada mais. Número dois, ele jamais
tomaria uma cerveja com ela em seu apartamento
por livre espontânea vontade caso ela aparecesse
“inocentemente” por lá. Número três, ele era seu
professor. Número quatro, aquela noite havia sido
apenas um erro do destino, poderia ser qualquer
pessoa naquele estacionamento.
Ela não podia se permitir sentir-se de tal
maneira novamente, dentro dela algo lhe dizia que
já era tarde demais e que não adiantava lutar. Mas o
sangue irlandês misturado ao espanhol que corria
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em suas veias lutava constantemente contra aquela


sensação, uma batalha era travada dentro dela todas
as vezes que o via e desejava sentir o toque dele.
Mente, corpo e alma lutavam e estava ficando
difícil não demonstrar certo cansaço. Nem mesmo
ela sabia que se era possível sentir tantas coisas ao
mesmo tempo. A incerteza de seus sentimentos, a
certeza de que era errado ao menos questionar-se
sobre como se sentia e o medo de que tudo aquilo
prejudicasse ambos os lados da equação.
Pensar nele de outra maneira que não fosse
aluno/professor/chefe era completamente insano.
Mas ela não podia evitar, a cada livro que lia em
seus passeios a bibliotecas ou livrarias Sarah
pensava se seu professor já lera e qual seria sua
opinião sobre as situações trágicas descritas pelo
autor. Ela se pegava pensando se ele gostaria de
tomar um café e comer bolinhos de mirtilo
enquanto conversavam sobre os clássicos clichês de
Shakespeare ou se simplesmente ele contaria mais
uma piada horrível para que ela não ficasse em total
silêncio.
Isso já está virando uma obsessão! Esfrega
seu rosto em frustração. Ok. Isso é apenas uma

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amizade nascendo. Isso! E estou animada porque


ele está se soltando. Apenas. Isso.
Quando o elevador finalmente chega Sarah
entra clicando no botão do térreo, decidira esperar
por David lá, voltar para sua casa estava fora de
cogitação, não caminharia tudo aquilo novamente
para voltar daqui duas horas.
Seu pé batia impacientemente no chão, seus
cabelos estavam soltos e caíam ondulados pelas
suas costas chegando até sua cintura. O fardo
começava a pesar em sua mão, e enquanto
arrumava a barra de seu vestido azul o puxando
mais para baixo suspirava cansada e se perguntava
se não seria melhor enviar uma mensagem para seu
amigo e dar a noite por encerrada antes mesmo de
começar.
─ Qual é David! ─ resmungava sozinha
naquele espaço pequeno. ─ Não podia fazer o
trabalho outro dia?
Quando a porta se abre da um passo em
direção à saída e para imediatamente diante sua
total surpresa. Olhos azuis a encaravam igualmente
surpresos, a figura enorme estava imóvel segurando
algumas sacolas que estampavam o nome de algum
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mercado e os músculos de seus braços estavam


flexionados, e ela julgara ser por causa do conteúdo
que carregava. A voz grave e carregada de sotaque
britânico invade seus ouvidos e um meio sorriso
surge em meio a expressão de espanto no rosto
dela.
Quem estou tentando enganar? Eu não fico
admirando meus amigos dessa maneira. Por que
até a voz dele precisa ser sexy?
─ Senhorita O’Connor?
─ Oi, senhor Collins.
─ O que faz aqui? ─ Sua pergunta soava um
pouco ríspida.
Ela suspira cansadamente enquanto pela
décima vez trocava o fardo de mão.
─ Eu vim ver um amigo, mas acabo de
receber uma mensagem dele avisando que vai
demorar então pensei em talvez esperar por ele na
recepção.
─ Ok. Então por que não vai para casa e
espera ele chegar?
Seria uma ótima ideia na verdade, mas

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David morava a certa distância e só de pensar em


percorrer tudo aquilo pra depois voltar sentia os
calos se formando em seu calcanhar.
─ Minha casa fica há quase uma hora daqui,
se eu for terei que caminhar de volta assim que
chegasse e isso seria muito cansativo, então por que
não esperar aqui?
─ Você veio andando? ─ E lá estava aquele
arqueado de sobrancelha que ela simplesmente não
conseguia parar de olhar.
─ Sim ─ Ela o respondia como se aquilo
fosse a coisa mais normal do mundo. ─ Eu gosto de
caminhar.
Gostar talvez não fosse a palavra correta.
Na verdade, ela havia se acostumado a percorrer
longas distâncias. Desde o acidente, caminhar se
tornou uma escapatória para ela, sem falar que
assim evitava ter que entrar em um veículo
motorizado novamente.
“Eu gosto de caminhar?” Quem eu sou
agora? Elizabeth Bennet?
Imediatamente se arrepende desse
pensamento, pois assim como no romance de Jane
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Austen, a mocinha da estória tinha como forma de


tortura ter que aturar a companhia arrogante, séria e
com tendências a comportamento impacientes do
senhor Darcy. Paixão arrebatadora de várias
leitoras amantes de obras clássicas, o cara grosseiro
que conquista o coração de todas que leem e
desfrutam das páginas daquele romance
maravilhoso.
Pela descrição agora feita, pode-se dizer que
o tão querido Darcy possui algumas, senão todas,
as características de alguém que ela conhecia.
Ethan Collins poderia muito bem interpretar aquele
papel. Seria ele um tipo de Darcy do século 21?
Ela passava o fardo de cerveja de uma mão
para outra enquanto seu professor segurava a porta
do elevador com um dos ombros. Podia sentir
aqueles olhos azuis intensos percorrer toda
extensão do seu corpo. Seu coração, que desde
sempre parecia ter vida própria quando estava perto
daquele homem, batia freneticamente em seu peito
e ela se viu corando diante aquela situação.
Azul realmente é minha nova cor favorita.
Espera?! Por que estou vermelha? Eu nunca coro,
NUNCA!
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Um pigarro vindo dele interrompe o


silêncio levemente constrangedor.
─ Vai ficar parada aí ou vai sair do
elevador? ─ Ele indicava a saída desviando seus
olhos dos dela.
Grosso.
─ Desculpa ─ Ela não havia percebido que
ainda estava no mesmo lugar. Ethan Collins a
desestabilizava.
Quando sai e começa a andar até os bancos
que havia na entrada do prédio a voz dele a
surpreende mais uma vez.
─ Seu amigo vai demorar muito?
Sem entender muito bem o objetivo daquela
pergunta, Sarah se vira em sua direção e o encara.
Ethan parecia desconfortável com algo, como se
tivesse se arrependido de ter dito aquilo.
─ Umas duas horas, por quê? ─ A
curiosidade dela falava mais alto.
Ele olhava para tudo menos nos olhos dela.
Parecia que queria dizer mais alguma coisa, mas
relutava.

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─ Entendo. ─ Ele não se movia. Não saia da


porta do elevador permitindo que ela se fechasse ─
Você... Você...
Ele se interrompe e ela pode jurar o ouvir
resmungar algo pra si mesmo, lhe tirando um riso
baixo.
─ Você... Pode esperar na minha casa se
quiser. ─ Ele tencionava o maxilar a encarando em
seguida.
Eu ouvi direito?
De todas as coisas que ele poderia um dia
lhe dizer, aquela com certeza era uma das últimas.
Achava mais provável seu professor a chamar para
ajudá-lo a cometer um assassinato do que aquilo.
Seus olhos não conseguem parar de encará-lo, por
alguns segundos se esquece de sua capacidade de
falar. Ela não sabia o que responder ou o porquê
daquele inesperado convite.
Após alguns longos minutos em total
silêncio ela consegue dizer.
─ Ahh... Na sua casa?
─ Acho que quando sugeri isso fui bem
literal, O’Connor.
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─ Grosso ─ Ela murmurava.


─ Apenas lhe dei outra opção além de ter
que ficar aqui embaixo conversando com as
moscas. Quer vir ou não? ─ Dizia com impaciência
apontando para o elevador ainda aberto.
Será que é uma boa ideia?
Sua cabeça girava em torno daquele
questionamento. Seria uma boa ideia subir ao
apartamento do homem que ela secretamente se
pegava desejando? Seria mesmo uma boa ideia
ficar sozinha com ele depois de ter acordado em
seus braços? Ela não estava querendo evitar
momentos como aquele?
Sarah tentava procurar razões para negar o
tal pedido, mas parecia que seu lado racional não
estava muito a fim de cooperar no momento.
Existia algo naquela hora mais importante do que a
lógica sobre ser uma péssima ideia ficar a sós com
Ethan, e uma delas com toda certeza seria não ficar
sozinha abandonada as moscas, como ele mesmo
dissera, e mesmo se aquela ideia toda fosse boa,
Sarah já havia jogado a lógica pela janela e
caminhado até o elevador entrando naquele
pequeno espaço e sendo acompanhada por ele.
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Não dizem que as melhores coisas são


aquelas mais perigosas? Não haveria problema
algum testar essa teoria, não é mesmo?
O elevador se fecha com ambos dentro e vê
seu professor pressionar o botão que ela tanto
queria há poucos minutos. Olhava para os lados
procurando algo para se distrair e não ter que ser
pega observando-o. Ethan emanava uma energia
que a atraía e sem que perceba seus pés se movem e
agora ele estava mais próximo.
─ O clima, anda quente não é mesmo? – Ela
tentava puxar assunto buscando uma explicação
pelas gotas de suor que sentia escorrer em sua nuca.
─ Não precisa fazer isso.
─ O que?
─ Manter essas conversas inúteis de
elevador, sobre o tempo, as horas e qualquer outra
baboseira dessas.
O elevador se abre e ele é o primeiro a sair,
se movendo agilmente pelo corredor enquanto
Sarah tentava acompanhar seu ritmo mais uma vez
arrumando o fardo de cerveja em sua mão. O
barulho das chaves era a única coisa que se podia
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ouvir e quando ele destranca a porta da passagem


para que ela entre primeiro e Sarah o faz.
O ambiente familiar não passou
despercebido, a prateleira que ela em segredo vira e
o livro com a dedicatória que a deixou um tanto
abalada, o sofá escuro, o mesmo cheiro de limpeza,
os moveis muito bem-dispostos e alinhados. Tudo
devidamente organizado.
O sofá em que dormira era o objeto de sua
observação e quando olhava para ele a primeira
coisa que vinha em sua cabeça era o conforto
daquele peito largo. Com um sobressalto sente o
toque de mãos nas suas, percebendo então a
proximidade que ele estava. Por um tempo ela
permite pensar que havia segundas intenções
naquele encontro de peles, mas como já era de
imaginar Ethan não estava interessado em percorrer
os dedos pela extensão do seu corpo e sim em
pegar o fardo de cerveja que na última hora
deixaram todos os dedos de suas mãos dormentes e
o levando até a cozinha.
Preciso parar de pensar naquela noite.
Sarah o segue e o acompanha guardar
enlatados por ordem alfabética nos armários. Se
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pega sorrindo ao notar as várias manias que aquele


homem possuía. Da sacola retirava vários pacotes
de macarrão de diversos formatos, o suficiente para
alimentá-la por um mês inteiro.
─ Nossa. ─ Não conseguiu conter o
comentário enquanto se debruçava sobre a bancada
da cozinha. ─ Por que tanto macarrão?
─ Por que eu gosto. Simples assim.
─ Você é tão simpático. ─ Dizia com
desdém.
─ E você é intrometida, ou seja, ninguém é
perfeito.
Ela revira os olhos aproveitando que ele
estava concentrado em encontrar o melhor lugar
para o macarrão número oito.
─ Já que ficarei aqui até meu amigo voltar.
Sobre o que quer conversar? Por que eu não ficarei
duas horas em silêncio.
─ Não conseguiria nem se sua vida
dependesse disso.
Antes que possa retrucar, e era exatamente
o que faria, sua barriga faz um barulho muito alto.

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Ela estava com fome há algum tempo e agora seu


professor também sabia disso, pois ele a encarava
com um pacote de marshmallow nas mãos.
─ Não comi nada desde que hoje de manhã.
─ Explicava com um sorriso sem graça.
─ Percebi.
─ Você tem que me alimentar.
─ Eu tenho?
─ Você é o anfitrião aqui. ─ Ela cruzava os
braços.
─ Você não é minha convidada, apenas cedi
minha casa para você passar o tempo.
Ethan 1, Sarah 0.
Mais um barulho estranho vindo de sua
barriga corta o ambiente.
Seu “anfitrião” olha para o relógio de pulso,
percorrendo os dedos no cabelo logo em seguida.
─ Você gosta de comida chinesa?
─ Sim. ─ Dizia dando de ombros.
Rapidamente ele coloca o pacote de
marshmallow de lado, pega seu celular do bolso e
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começa a digitar algo.


De onde Sarah estava tinha uma boa vista
do interior de seus armários, era muito macarrão,
ainda não conseguia acreditar, também vários
enlatados enfeitavam as prateleiras assim como
pacotes de torradas, chá e café.
─ Sério, como um homem do seu tamanho
sobrevive comendo apenas macarrão?
─ Eu apenas janto em casa, faço todas as
outras refeições no campus e macarrão é algo
gostoso, versátil e rápido de se fazer. ─ Dizia
atento a tela de seu telefone.
Nota que lá dentro também havia alguns
outros pacotes de marshmallow variados.
─ Eu gosto de marshmallow. ─ Ela
comentava.
─ Eu também gosto, mas geralmente quem
come esses é meu irmão. ─ Dizia distraído.
Olha só. Quem diria.
─ Não sabia que tinha irmão. Qual nome
dele? ─ Perguntava animada com a notícia.
Ele solta um longo e cansado suspiro
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devolvendo o celular no bolso.


─ Pronto. Comida a caminho, logo você
estará alimentada e sua barriga irá parar de fazer
esses barulhos.
Ethan se encaminha até a bancada,
guardando o resto de suas coisas, dando a conversa
sobre seu irmão por encerrada. O sensor que
indicava para ir com calma que instalara
recentemente apitava.
─ Notei que você e o O’Brien são amigos
bem próximos.
─ Eu gosto muito de David. Amo a amizade
que construímos, apesar de que agora quero matá-
lo por me dar o bolo hoje, mas fora isso somos bem
próximos. ─ ela o observava abrir a geladeira e
guardar o resto de suas compras. ─ Mas ele é
difícil.
─ Difícil? Como assim?
─ Difícil de pegar. Fico pensando o porquê
ele nunca tentou nada comigo, isso é um pouco
estranho. Geralmente os caras, principalmente os
universitários, não perdem tempo jogando conversa
fora ou ouvindo nossos desabafos. Eles querem
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mesmo é transar com o máximo de mulheres


possíveis.
─ Nem todos são iguais. ─ Ele fechava a
geladeira ficando de frente pra ela ─ Então você
quer ter algo com David, tipo, sexo?
Ele não disse isso. Estou corando de novo,
fica calma foi só uma palavra de quatro letras
saindo em um timbre extremamente sexy de um
cara muito gostoso. Sentia suas bochechas
queimarem.
Diante seu silêncio ele faz um som estranho
com a boca como se segurasse uma risada.
─ Você nunca pensou que se ele não tentou
nada é por que talvez ele não queira? ─ Uma
expressão divertida se estende em suas feições.
─ E por que não iria querer? ─ Ela se
desencostava da bancada e coloca as mãos na
cintura. ─ Eu sou uma mulher muito bonita, olha só
para mim. ─ Ela sorria de forma convencida para
ele o convidando a flertar.
Não acredito no que estou fazendo. Sério
isso? Acabei de flertar com meu professor?!
Ethan cruza os braços rentes ao peito
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aprumando-se e evidenciando seu tamanho e


músculos. Seus olhos azuis vívidos começam a
varrê-la pelos pés. Lentamente e com uma precisão
calculada ele subia aquele olhar de lince. Parecia
que a analisava centímetro por centímetro, curva
por curva. Aquilo a faz estremecer e a se arrepiar,
como se uma rajada de excitação tivesse invadido a
cozinha extremamente organizada dele. Nota que
seu maxilar se mantinha flexionado e suas narinas
inflavam com sutileza. Ela se segura para não se
apoiar em algo, pois suas pernas estavam ficando
bambas enquanto ele a devorava.
Ele está flertando comigo? Podia jurar ver a
mesma excitação em seus olhos.
─ Sabe o que eu vejo? ─ Ela estremecia
com aquele som, sentia-se novamente em seus
sonhos. Maneando com a cabeça ela nega. ─ Um
ego enorme.
E agora era aquele momento em que ela é
despertada pelo toque ensurdecedor do seu
despertador pela manhã após ter um sonho muito
bom. Seus ombros caem assim como a sua
autoestima.
Era bom demais pra ser verdade.
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─ O senhor é realmente grosso às vezes,


nem sei por que continuo falando com você.
─ E você é convencida. Como eu disse.
Ninguém é perfeito.
─ Não vejo autoestima como um problema.
─ Eu também não. Acredito que autoestima
faça muito bem, mas ela em excesso é perigosa. Na
verdade, nada em excesso é bom.
─ Concordo. O senhor, por exemplo, é
grosso em excesso.
─ E mesmo assim quer ser minha amiga. ─
Ele se aproximava com um brilho desafiador em
sua íris. ─ Então o que isso faz de você?
Uma masoquista? Idiota? Uma pessoa
impulsiva que não consegue se controlar perto do
professor gostoso? Talvez.
Não sabia se ele esperava por uma resposta,
mas não estava nem um pouco afim que ele
completasse sua linha de pensamento. Com um
movimento nitidamente irritado ela abre o fardo
que trouxera retirando uma das garrafas e a abrindo
com habilidade para se servir de seu interior logo
em seguida.
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─ Às vezes me esqueço de que você está


acostumada com os caras caindo aos seus pés o
tempo todo.
─ Isso é ridículo. Os caras não caem aos
meus pés.
─ Claro que não. Verdade. Eles fazem uma
reverência primeiro.
Estava nítido, era pessoal. Já o vira com
outras pessoas no campus e poderia dizer com toda
certeza que ele não era assim. Ok. Ele era grosso
com todo mundo, mas com ela parecia que ele fazia
questão e isso a irritava. Então em certos casos é
melhor você se calar e deixar o seu oponente pensar
que vencera a batalha somente para parar de falar
sobre aquilo. Com a garrafa em mãos ela sai da
cozinha o deixando sozinho.
Como já era de esperar, ele a segue até a
sala, mas assim que o faz ela já estava muito bem
acomodada no seu sofá bebericando sua cerveja.
─ Não que seja da sua conta, mas eu não
fico com ninguém há três anos. ─ Alisava a lateral
da garrafa distraidamente.
─ Desculpe. ─ Dizia após um suspiro
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cansado. ─ Eu sou horrível nisso. Me esqueci como


é ser um anfitrião. Me perdoe. ─ Dizia em tom
sincero.
─ Tudo bem. ─ Fazia uma pausa sem saber
ao certo o que dizer e antes que tenha a chance a
campainha toca e Ethan a abria para receber o
entregador.
Em pouco tempo ele já estava indo em
direção à cozinha com as embalagens de comida.
─ Yakisoba ou Frango Xadrez? ─ O
escutava gritar do cômodo ao lado.
─ Yakisoba. ─ Ela gritava de volta.
Ethan retornava com dois pratos nas mãos e
uma cerveja embaixo do braço esquerdo. Estende
um dos pratos para ela e quando o pega nota que
ele a servira o que pedira. Ao se sentar em seu
lugar costumeiro no sofá coloca sua cerveja sobre a
mesa de centro e lhe entrega a embalagem com os
hashis.
─ Senhor Collins. Sobre aquela outra noite
eu não tive a oportunidade de agradecer por ter me
deixado dormir aqui.
─ Não havia como você ir embora com
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aquele temporal e ainda por cima você tem medo.


─ Sim, mas o senhor poderia ter me deixado
aqui e ido deitar em sua cama.
─ Acredite eu tentei, mas você dormiu,
deitou no meu colo e quanto eu tentava levantar
agarrava minha cintura com força, então fiquei
meio sem o que fazer. ─ Remexia na comida em
seu prato. ─ Depois de um tempo acabei pegando
no sono.
Eu fiz o que? Sentia seu rosto em chamas.
Eu faço algo assim e nem para me lembrar do
momento. Argh. Cérebro idiota.
─ Vi que o senhor... ─ Pigarreava. ─ Possui
algumas edições muito bonitas de alguns clássicos.
E ouso dizer que algumas são bem difíceis de
encontrar. ─ Desviava o assunto completamente.
─ Sim. ─ Ele engolia seu frango xadrez e
continua. ─ Principalmente aquela preta de “O
médico e o monstro”. Fizeram apenas 100
exemplares como aquele.
─ Onde o senhor encontrou?
─ Não encontrei. Eu... Ganhei de presente.

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Imediatamente lembra-se da dedicatória e


seu coração se entristece e ao julgar pela expressão
de seu professor com o dele deveria ter ocorrido o
mesmo.
─ O senhor só tem esses? ─ Mudava de
assunto.
─ Não. Tenho vários.
─ E por que não estão aqui? ─ Antes
mesmo que ela termine sua pergunta ele
prontamente a responde como se fosse uma
resposta padrão e já fora ensaiada diversas vezes.
─ Não tenho espaço.
Sentira a defesa em seu tom. Na verdade,
era algo que ele vinha fazendo desde que se
encontraram no elevador. Parecia que ele estava
com a guarda levantada o tempo todo, sempre
rebatendo o que ela dizia, muito diferente daquele
momento surreal de conforto que sentira dele
quando compartilharam vendo a série de TV.
Pensava tristemente que talvez aquele fora apenas
um momento raro, ou até mesmo um sonho e agora
ela encarava a vida real. O Ethan que ele queria que
os outros vissem.

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Para sorte dele ou não Sarah não era o tipo


de mulher que ele conseguia se esconder.
─ Tem algo de Edgar Allan Poe? ─ Ela
perguntava entre uma garfada e outra, aquele
Yakisoba era realmente muito bom.
─ Sim. Tenho vários.
─ Inclusive “O poço e o pêndulo”?
─ Claro que sim, é um dos melhores dele.
─ Já viu o filme?
─ Não. ─ Engolia sua comida com o auxílio
da cerveja. ─ Não costumo assistir as adaptações
que fazem.
─ Como assim? ─ Perguntava quase se
engasgando. ─ Sério isso? Qual é senhor Collins, o
senhor não pode estar falando sério.
─ Estou falando sério.
─ O senhor precisa ver urgente. A
fotografia do filme é genial. ─ Dizia empolgada.
─ Quem sabe um dia.
─ Que tal hoje?
─ Hoje? ─ Perguntava meio descrente.
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─ Sim. Para sua sorte estou com ele na


mochila. Irei ver com David, mas posso ver com o
senhor primeiro.
─ Não tenho muita escolha.
Aquilo fora o suficiente para ela saltar do
sofá e abrir sua mochila com a mesma empolgação.
Sentia que teria que fazer tudo muito rápido antes
que ele mudasse de ideia. Ela vai até o aparelho
DVD e insere o filme, então retorna ao seu lugar.
─ Por que esse conto é o seu favorito de
Edgar Allan Poe? ─ Ele perguntava enquanto ela
lutava com os botões do controle remoto.
─ Bom. Primeiro pelo simbolismo
característico de toda obra do Poe. O toque
sobrenatural. A maneira com que consegue
descrever o desespero humano para tentar discernir
o que é real e o que não é. Como a mudança de
cenário é radical de um parágrafo para outro,
instigando você a pensar que o personagem está
tendo acessos de loucura. Gosto quando um livro
me faz pensar. Quero descobrir o que está
acontecendo, sou bem curiosa como o senhor já
deve saber.

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─ Nunca conhecia alguém que gostasse


desse conto em particular além de mim.
─ Acho que temos algo em comum então.
─ As pessoas geralmente quando se trata de
Poe, o remete somente a obra “O corvo” e acabam
se esquecendo das outras.
Na tela o filme se iniciava. Os acordes da
música de introdução irrompem o ar com suas
notas fortes criando um clima de suspense.
─ Ainda não acredito que nunca viu esse
filme. É quase um crime para os amantes de
clássicos. ─ Ela sussurrava antes que o personagem
entre em cena para enfim dar início ao filme.
Conforme o filme avançava o corpo de
Sarah fazia o mesmo, se aproximando cada vez
mais de seu professor, que como sempre se sentara
a um assento de distância. Poderia ser um ato
inconsciente ou seu coração sendo atraído até ele
novamente. Não saberia dizer, só havia uma
certeza, ela não conseguia evitar.
Seus braços e ombros se tocam e como se
ele levasse um choque de voltagem baixa, seus
músculos se tencionam o deixando petrificado em
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seu lugar. Suas mãos se fecham em punho, ela nem


tinha mais a certeza se ele respirava. Lembrara que
aquela era uma reação recorrente por parte dele
sempre que momentos como aquele aconteciam.
Bastava um toque dela e pronto o corpo relaxado de
Ethan sofria drásticas mudanças.
Durante todo filme ele não se move e não
faz comentário algum. Quando enfim acaba, ele
não espera nem os créditos começarem a subir e já
estava em pé ao lado do aparelho retirando o DVD
e o guardando.
─ Muito obrigado pelo filme. Eu gostei
bastante.
─ Você está agradecendo. ─ Fingia espanto.
─ Já me ouviu dizendo obrigado outras
vezes.
─ E sempre me surpreendo.
─ Muito engraçado, O’Connor.
Ele vai até ela lhe estendendo a caixa com o
filme.
─ Sabe. Às vezes reparo que você fica tenso
quando eu me aproximo. Algo te incomoda?

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─ Em você? Várias coisas. Posso listar se


quiser.
─ Não sei por que ainda tento. ─ Dizia
irritada se levantando e guardando seu DVD na
mochila.
─ Ainda não entendo por que quer ser
minha amiga.
─ Eu gosto do senhor, mas confesso que às
vezes nem eu mesma sei o porquê gosto. Você nem
ao menos é gentil comigo.
─ Não sou gentil? Isso é um absurdo. Eu te
dei um bolinho, ajudei você com seus livros e sua
impressionante falta de coordenação motora.
Ajudei quando cortou o dedo e quando desmaiou
no estacionamento. Fui gentil hoje mesmo.
Ok. Talvez ele tenha sido mesmo.
─ Hoje? ─ Se virava bruscamente ficando
de frente pra ele. ─ Quando?
─ Eu acolhi você. Poderia muito bem ter
deixado vagando pelos corredores, mas não, e ainda
te alimentei. Então foram duas gentilezas. ─
Indicava com os dedos.

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─ Você contabiliza gentilezas? ─


Perguntava com ironia.
─ Caso não tenha reparado sou um cara
metódico, então talvez eu contabilize sim.
Aquilo a faz rir. Aquele cara era um em um
milhão.
─ Então agora é sua vez de pagar. ─ Ethan
diz.
─ Ok. ─ ainda rindo vai até sua mochila e
retira de sua carteira um dos vários cupons que seu
pai lhe dera, tinha um bloco daquilo em casa. ─
Gentileza número um. ─ Ela o estendia.
Em mãos ele analisa o que acabara de
ganhar e sua sobrancelha se arqueia em uma
expressão divertida.
─ Sua gentileza é um vale cerveja?
─ Por que não? Você gosta e eu te ajudo a
economizar, então está valendo. Presente é
presente.
─ Ok. ─ Guardava seu presente no bolso da
calça. ─ Obrigado.
─ E agora a segunda. ─ Se aproximava
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ficando na ponta dos pés e deposita seus lábios em


sua bochecha em um beijo sutil.
Sente a pele debaixo de seus lábios
estremecer e se arrepiar como a dela. O beijo é
demorado, mesmo depois que não estavam mais em
contato, ela não consegue se afastar. Sua respiração
batia quente na pele áspera que havia na região de
sua barba, pudera julgar que ele não havia se
barbeado pela manhã, sentira superfície pontiaguda
dos pelos. Suas mãos tocam levemente seus ombros
para que ela consiga um certo apoio enquanto sua
boca roçava levemente úmida pela sua pele
percorrendo um caminho até próximo ao seu
ouvido.
─ Obrigada por me acolher, senhor Collins.
─ Ela sussurrava em segredo.
Ao encostar toda palma de seus pés no chão
mantinha seu rosto erguido pela altura considerável
de sua companhia, esse que tinha seus olhos
fechados e agora os abria com movimentos sutis,
fixando seus cubos de gelo nos olhos dela em uma
atração magnética.
Os lábios dela se entreabrem. Ele entreabre
os seus lábios
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. Seu coração parecia que iria saltar pela


boca a qualquer instante ou até mesmo rasgar o seu
peito. Depois de um tempo os olhos dele não eram
mais alvo de sua atenção e sim seus lábios. Pegou-
se pensando em como seria a textura deles, se a
provariam ou a devorariam, se eram mais
exploratórios ou contidos e se eles se encaixariam
aos dela. Ela se aproxima um pouco mais dele e
pode notar que ele não demonstrou resistência.
Como em um aviso em um alerta vindo dos
céus, seu celular toca em seu bolso cortando o
clima por completo e os despertando do transe. O
que ela estava pensando em fazer? Beijar seu
professor? Acreditava que aquilo só poderia ser
algum tipo de cisma. Não podia pensar naquele tipo
de coisa, não queria nem pensar na reação que ele
teria.
Encarando a tela de seu celular descobre o
nome de seu salvador. Era David lhe dizendo que
estava em casa e pedindo desculpas pelo atraso.
─ Acho melhor eu ir embora. ─ Dizia sem
jeito desviando seus olhos dele, simplesmente não
conseguia fazer aquilo.
─ Sim. Talvez seja melhor mesmo. ─ Ele se
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afastava e começa a recolher os pratos da mesa de


centro os empilhando.
─ Obrigada mais uma vez, senhor Collins.
Atônita e atordoada pelas coisas que sentira,
Sarah coloca a mochila nas costas e segue até a
porta com a maior agilidade que suas pernas
conseguem encontrar.
Passa direto pelo elevador, tamanha era sua
pressa para sair dali que decidira ir pelas escadas.
Seu peito era um mix de sentimentos e
vontades, mas havia um que sempre estava à
espreita, a culpa. Não conseguia deixar de pensar
que não era certo sentir aquilo, mas não somente
por Ethan ser quem era e sim por qualquer outra
pessoa.
Aperta seu colar com força enquanto descia
a escadaria rumo ao térreo. Não podia se encontrar
com David daquela maneira. Precisava sair e ir para
casa.

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“O homem é um pêndulo entre o sorriso e o


pranto.”
Lord Byron

Trancada há alguns dias em seu quarto,


Sarah não conseguia parar de pensar em como de
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repente o destino decidiu que era hora de brincar


com ela, e era o tipo de brincadeira sem graça.
Tentava ocupar sua mente com livros,
estudos, dança, longas caminhadas e até mesmo
com documentários sobre o reino animal, esse que
até aquele momento vinha funcionando. Assistia a
um bem interessante em seu notebook que falava
sobre o Chapim-azul, uma ave que se mantinha fiel
a seu companheiro até o fim de seus dias. Ela sorria
sonhadora ao pensar que gostaria de ser como o
Chapim, em como aquela atitude era admirável e
que ainda havia esperança para ela, bom, isso até o
locutor do documentário falar que apesar das aves
serem fiéis, existia uma porcentagem muita
pequena e às vezes rara de aves que tinham mais de
um companheiro no decorrer de sua vida.
Só pode ser brincadeira! Ela pensava. E se
ela fosse como esse pássaro? E se ela estivesse
incluída na pequena e rara porcentagem e aquilo
estivesse acontecendo agora mesmo? E lá estava
mais uma tentativa falha de retirar Ethan de seus
pensamentos.
Ela fecha o computador afastando-o para o
lado e deitando-se de barriga para cima encarando
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o teto do seu quarto. Leva uma das mãos ao seu


pingente e o aperta entre os dedos, tinha feito muito
isso nos últimos dias, mais precisamente quando se
pegava pensando em Ethan Collins.
Ele era o total oposto de Gael. Não possuía
aquele sorriso brincalhão e energia. Ethan era mais
pacifico, misterioso, desafiador, era como um belo
e longo rio, surpreendente, sofria mudanças
drásticas a mais singela interação, a instigando a
tocar em sua superfície para ver até onde a próxima
ondulação a levaria, mas também ousava dizer que
em alguns momentos ela via um homem triste por
detrás dos seus olhos.
Ela pensava em todos os sorrisos que dera
com Gael, todas as noites em que dormia em seus
braços enquanto ele acariciava seu cabelo. Sem que
percebesse Sarah retira o colar e ergue as alianças
que há muito tempo descansavam em seu peito e as
analisa, o ouro brilhava em contraste a luz do
ambiente e dentro das mesmas a promessa feita e
jamais cumprida. Ela se lembra de quando o
conheceu e do quanto relutou em sair com ele.
Lembranças agora a invadiam. A primeira vez que
saíram juntos, primeiro jantar que ele cozinhara

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para ela, a primeira vez que ela dançara para ele de


forma tão excitante que sequer conseguiram esperar
para chegarem em casa.
Muitas pessoas dizem que transar em um
carro não era lá muito romântico, mas ela
discordava. Quando enfim eles o fizeram após o
quinto encontro dentro daquela picape, que ele se
recusava a trocar por um modelo mais novo, ela
nunca se sentiu tão bem e amada. E sabia que
naquele momento entregara para ele seu coração.
Um coração que já não estava mais em seu peito
assim como o único homem que ela já amou na
vida não estava mais ao seu lado.
Lembrava que quando acordara no quarto
do hospital e lhe contaram sobre o acidente, sobre
ele e o coração, seu mundo ruíra, chorara tanto que
teve que ser mantida sob medicação para não
causar danos ao novo órgão. Então em uma tarde
sua mãe lhe dera a aliança dele após seu pedido e
quando encarara aquele circulo dourado na palma
de sua mão, olhou para o curativo em seu peito e
não evitou pensar que tudo o que um dia pertencera
a ele, não existia mais além daquela aliança.
“Prometo estar sempre ao seu lado, minha
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bailarina.”
Foram suas palavras, essas que ele não
cumprira apenas por que o maldito do destino
decidiu virar seu mundo de ponta cabeça.
─ Você prometeu! ─ Ela apertava
novamente o pingente na palma de sua mão ─
Prometeu ficar comigo e não cumpriu!
Dizia para o grande vazio do quarto agora
um pouco mais escuro pela diminuição da luz
natural que entrava pela janela aberta. Ela secava
suas lágrimas enquanto colocava o colar em seu
devido lugar.
Não serei parte daquela rara porcentagem,
não posso.
Antes mesmo que ela possa abrir o
notebook e mudar sua programação da noite sua
amiga entra pelo quarto apressada. Alexia estava
linda como sempre, vestia calças jeans e uma blusa
regata preta, calçava uma sapatilha sem salto o que
era incomum, pois ela os adorava, seus cabelos
estavam presos em um rabo de cavalo e ela
caminhava, sem olhar diretamente para Sarah, até o
armário tirando de lá várias combinações de roupas

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e jogando-as na cama.
─ Ei, o que você está fazendo? ─
Perguntava encarando aquele montinho de roupas
empilhadas.
─ Escolhendo algo decente para você usar
─ Alexia se virava na direção dela olhando com
reprovação para as roupas que Sarah usava. O que
ela podia fazer se naqueles dias moletom havia
virado seu fiel companheiro?
─ E por que eu preciso de algo decente?
─ Por que nós vamos sair, Mi! Não aguento
mais ver você trancada nesse quarto. É tão
deprimente.
Sarah suspira fortemente se sentando em
sua cama e cruzando suas pernas.
─ Não quero sair, Lexi.
─ Mas você vai! ─ Ela podia ver aquele
olhar decidido que sua melhor amiga possuía, sua
pose autoritária e a sobrancelha erguida em sinal de
repreensão. ─ Você não fez mais nada essa semana
além e ficar no quarto, ir ao estúdio e a faculdade.
Sério, desde que retornou ao estágio você anda
estranha.
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Você não faz ideia do quanto.


─ Acho que nem banho anda tomando. ─
Dizia abrindo suas gavetas e pegando peças
íntimas.
Por mais que Sarah quisesse contar para ela
todos os seus dilemas não conseguia, sabia que
Alexia não entenderia por que nunca se permitiu
conhecer a fundo o homem que ela pensava
constantemente. Não gostava de mentir para ela,
iria contar no momento certo. Talvez isso fosse
apenas uma fase e logo que o semestre enfim
acabasse tudo o que sentia também pudesse se dar
por encerrado deixando apenas aquela boba
sensação que toda universitária tem ao se sentir
atraída por um professor.
─ Lexiii... ─ Ela dizia com a voz arrastada e
suplicante enquanto se deitava em sua cama
bagunçada, não estava mesmo com ânimo para sair,
mas sua amiga teimosa como era não se deixou
abater.
Alexia a puxava por seus braços a
obrigando a sair da cama e a arrastando para o
banheiro.

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─ Tome um banho, vista algo bonito e sexy


e desça em quinze minutos, do contrário eu mesma
te carrego para fora desse quarto.
─ Mas... ─ Ela é interrompida, Alexia eleva
sua mão e coloca o dedo indicador nos lábios de
Sarah.
─ Mas nada, Sarah! Iremos sair. Ryan vai
nos levar a uma pizzaria a poucas quadras daqui,
então dá para ir andando e além do mais você não
vai querer deixar David esperando, certo?
─ Como é? Por que eu o deixaria
esperando?
─ Por que eu o convidei. ─ Sarah a
encarava com a testa franzida tentando entender a
atitude da amiga e como se Alexia soubesse o que
se passava na cabeça dela continuou ─ Achei que
você não gostaria de ficar “segurando vela”. ─ A
amiga faz aspas com suas mãos.
Sarah sorri deixando os ombros cair dando-
se por vencida, talvez sair, espairecer e comer uma
pizza a ajudasse a tirar um pouco da cabeça essa
história de companheiro, Chapim azuis e seu
professor.

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─ Você e o Ryan não se desgrudam, então é


claro que não gosto.
Sua amiga revira seus olhos e aponta para o
chuveiro.
─ Quinze minutos Sarah Mirna O’Connor
ou venho te buscar!
─ Já disse que odeio quando me chama
assim ─ Antes que termine Alexia já havia saído
pela porta.
Sarah sabia que não era uma boa ideia
contrariar Alexia quando ela estava decidida, não
se importava em sair com seus amigos, mas David
ela meio que estava tentando evitar ficar a sós com
ele, desde o dia em que praticamente saíra correndo
do apartamento de seu professor não falava com
ele, e nem lhe enviara uma mensagem explicando
sua ausência, estava ainda pensando no que faria
para lhe pedir desculpas, mas conhecendo Alexia
Montgomery como ela conhecia era exatamente
isso que iria acontecer dado ao fato de que ela
achava que Sarah estava envolvida com David de
forma mais íntima, seria deixada a sós com ele.
A verdade era que ela estava com medo de

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David descobrir tudo o que se passava na cabeça


dela, que assim que ele a visse lesse o que ela
estava tentando negar até pra si mesma. E também
sentia medo pelo o que sua amiga diria a ele ao
pensar que ambos estavam tendo algo casual, que
dormira na casa dele e que haviam visto o filme na
semana anterior. Não havia inteirado David sobre
aquilo.
Sabia que ele entenderia, mas não tinha
certeza se aprovaria por se tratar de um professor,
que até então não tinha dado indícios de que se
sentia da mesma forma que ela, sim ele fora gentil e
a ajudara, mas qualquer pessoa que a visse nas
situações que ele a viu teria estendido a mão amiga,
se é que pode chamar o que ele fez de um gesto de
amizade.
Estava claro que ele não a queria por perto e
isso só a instigava. Aquele Cérbero!
Pensava enquanto ligava a água quente e se
despia. Passando seus dedos por seus lábios
vagarosamente Sarah ainda possuía pequenos
vestígios das boas sensações que aquele pequeno
ato que fizera a causaram. Ela beijara seu rosto e se
não fosse por seu celular sabe lá o que ela teria
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feito.
Quando a água quente entra em contraste
com seu corpo ela se questiona se ele teria deixado
que ela o beijasse. E se tivesse como teria sido?
Calmo ou turbulento? Ele a afastaria ou a traria
para junto de si?
As mãos dela esfregavam seu corpo e de
olhos fechados ela pensa no toque abrasivo das
enormes mãos dele, quando a segurou com firmeza
quando quase caíra em seu escritório, como ele a
abraçou durante a noite e em como estava
confortável em seu peito. Sua mão esquerda
percorreu um caminho diferente chegando até o
centro de suas pernas enquanto a direita descansava
na cerâmica branca do box. Ela fecha seus olhos
com um pouco mais de força se deixando levar uma
única vez por tudo que estava sentindo, precisava
por para fora de alguma maneira e aquela era a
única que encontrava. Sarah com as faces rosadas
geme baixinho e quando estava prestes a se
entregar escuta atrás da porta do banheiro a voz
irritada e impaciente de sua amiga.
─ Quinze minutos, Mirna!
Ela abre seus olhos assustada sem acreditar
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o que estava prestes a fazer, rapidamente Sarah liga


o jato frio do chuveiro que a faz soltar um pequeno
grito. Apressadamente pega a primeira roupa e
calçado que vê a sua disposição, seca seus cabelos
e desce as escadas encontrando Alexia abraçada
com Ryan. Os dois a olhavam com estranheza,
provavelmente por que ela ainda tentava disfarçar
seu pequeno quase deslize.
Merda. Sou a porra de um raro Chapim-
azul.
─ E aí vamos? ─ Ela dizia ligeiramente
ofegante.
─ Finalmente. ─ dizia sua amiga enquanto
puxava seu companheiro, que lhe oferecia um
sorriso malicioso nos lábios, como se suspeitasse
de sua demora no chuveiro, até porta.

Alexia tinha razão, a pizzaria ficava a


poucas quadras e segundo Ryan servia a melhor
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pizza de costela já feita em toda Londres. Ele tinha


tendências a exagerar um pouco.
Uma mudança de ares era disso que ela
precisava. Um lugar novo, pessoas diferentes em
um ambiente diferente, nada de estudantes
universitários, bares, mesas de sinuca e
estacionamentos com cascalho.
Argh, por que estou pensando nisso?
Quando entram no novo local
imediatamente avista David sentado em uma das
mesas perto das janelas. Havia passado o caminho
todo torcendo para que ele não estivesse lá, mas
pelo jeito o santo dele era mais forte que o dela.
Seguem até onde estava e com um largo sorriso ele
os recebe.
Vamos lá.
─ Oi, Mi. ─ Dizia David se colocando em
pé, indo até Sarah e beijando carinhosamente sua
bochecha.
─ Prazer conhecê-lo finalmente, David. ─
Ryan apertava sua mão se sentando logo em
seguida. ─ Bom finalmente conhecer o caso
misterioso da Mi.
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─ Caso misterioso? ─ Perguntava confuso


sentando-se ao lado de Sarah.
Ai merda. Começou. Obrigada, Ryan.
─ Sim. Ela anda saindo e dormindo na sua
casa.
Sem respondê-lo David vira seu rosto em
direção a ela com uma enorme interrogação em
suas feições. Com uma suplica nos olhos ela pede
silenciosamente que não desminta nada.
─ Ah... Pois é. ─ Encarava o casal do outro
lado da mesa. ─ Estava bem tarde para a Mi ir
embora andando então ofereci que ficasse na minha
casa.
A garçonete se aproxima pegando o pedido
de todos e claro a tão esperada pizza de costela que
Ryan tanto amava.
─ Então David. Como foi o filme? ─ Dizia
Alexia antes de bebericar seu refrigerante light,
colocara na cabeça que agora entraria em uma vida
mais light. Sarah somente não sabia como ela faria
isso em uma pizzaria e quando a questionara havia
dito que poderia ser pior, ela poderia estar tomando
um refrigerante com o nível de açúcar normal.
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─ Filme? ─ Ele deixava escapar encarando


a mulher com olhos castanhos e atentos a tudo do
outro lado da mesa.
─ Sim. Um desses antigos e estranhos. O
fosso e o pêndulo, ou algo assim.
─ Poço. ─ Sarah e David a corrigem em
uníssono, se encaram e sorriem em cumplicidade.
─ Tanto faz. ─ Alexia dava de ombros.
─ Foi muito bom. ─ Dizia David. ─ Eu
gosto dos contos de Edgar Allan Poe e aquele filme
é ótimo.
Sarah o encarava agradecida. Ele não
merecia somente um pedido de desculpas por ter
sumido há dias, simplesmente não haveria como
pagá-lo. David era um cara gentil e se questionava
por que todos não poderiam ser como ele.
Antes que surgisse a oportunidade de o
casal fazer qualquer pergunta que fosse sobre ela e
o envolvimento com seu amigo, que sabia muito
bem que eles fariam, pois, Lexi e Ryan eram tudo
menos discretos, sua amiga dá um solavanco na
cadeira e agarra o braço de seu par o chacoalhando
animada.
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─ Ryan! ─ Exclamava fazendo ele quase


derrubar a garrafa de cerveja que bebia. ─ Tem
karaokê. Vamos, vamos, vamos, por favor? ─
Exibia seu olhar pidão e um pequeno beiço.
─ Eu? Cantar? ─ Ele a encarava.
─ Comigo. ─ Agora ela piscava
exageradamente o seduzindo.
Diante aquele olhar, Sarah sabia que não
haveria nada que Ryan pudesse fazer e ria ao notar
que sua amiga havia encontrado o cara perfeito
para ela, pois ele era o tipo que topava qualquer
coisa, mesmo que fosse pagar mico, mas não
deixaria que ela o fizesse sozinha.
Dando-lhe um beijo estalado nos lábios os
dois se levantam indo até um pequeno palco no
canto direito do estabelecimento, em que um grupo
de amigos cantava animadamente e com uma
desafinação impressionante a música da cantora
Madonna “Like a virgin”.
─ Eles se dão bem. ─ Escutava sua
companhia dizer enquanto encaravam o casal se
afastar.
─ Demais.
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─ Então. O poço e o pêndulo?


Com um sorriso sem jeito ela o encara.
─ Desculpa por isso.
─ E vimos o filme no mesmo dia que você
dormiu na minha casa?
─ Não. Em dias diferentes. ─ Com as mãos
ela cobre o rosto envergonhado. ─ Sério. Sinto
muito por isso. Eu não disse que era você, Lexi que
chegou nessa conclusão e não consegui desmentir.
─ Tudo bem, Mi. ─ Alargava seu sorriso. ─
Tem mais alguma coisa que eu deva saber?
Remexendo desconfortavelmente na alça de
sua bolsa ela continua.
─ Eles não acham que apenas dormi lá.
Colocaram na cabeça que temos um
relacionamento casual e que envolve sexo.
A risada dele a faz fitá-lo. O encosto da
cadeira recebe suas costas ao se recostar tamanha
era a força que ria.
─ Está falando sério? ─ Enxugava o canto
dos olhos e diante o silêncio e olhar sério dela ele
continua. ─ Não pretende contar que isso não é
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verdade?
─ Eu pretendo. Sério David, eu sou uma
péssima amiga. Eu vou contar, ─ Roubava o
refrigerante de Lexi e vira de uma só vez o que
restava. ─ só tenho que pensar como.
─ É só dizer a verdade. ─ Arrumava-se no
assento voltando a sua postura original. ─ Só dizer
com quem fez essas coisas.
─ Eu não posso.
─ Por que não?
─ Por que...
Ela se cala. Não sabia ao certo o que diria.
Seria uma boa contar a verdade, omiti-la ou desviá-
la? Incerta ela olha para seu amigo, sempre gentil e
sincero. Sempre que precisou de conselhos ou
alguém para conversar, ele sempre esteve lá. David
era o único que sabia de suas atribulações com seu
“simpático” professor. Então por que simplesmente
não contava a ele? De uma maneira estranha, e
diria ela quase que sobrenatural, sentia que ele a
entenderia, pois assim como ela, ele parecia ser o
único a ver Ethan com outros olhos.
─ Por que... ─ Ela decidia por fim continuar
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a ser sincera. ─ Eu vi o filme com o senhor Collins.


Se pedissem para ela escolher qual
expressão de desenho animado se encaixava com
David, ela com certeza tinha uma perfeita para o
momento. Sabe àquela hora em que algo muito
chocante acontece em algum desenho e o
personagem tem o topo da sua cabeça levantado
enquanto seu cérebro explodia e uma nuvem de
fumaça escapava através da abertura quase como a
erupção de um vulcão? Era assim que visualizava
seu amigo agora.
David praticamente travara e a encarava
com os olhos arregalados e boca aberta. Por várias
vezes abrira mais a boca para dizer algo, mas todas
foram em vão. Ele não encontrava uma posição
confortável, se remexia incontáveis vezes no
assento, passara as mãos nos cabelos e rosto,
piscara repetidas vezes, parecia que estava em um
conflito interno, como se tentasse absorver o que
lhe fora dito, mas estava muito resistente em
acreditar.
─ O... O que? ─ Por fim consegue dizer. ─
Como assim? O senhor Collins?
─ Naquele dia em que marcamos de ver um
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filme, eu já estava lá no prédio quando você me


enviou a mensagem de que se atrasaria, então eu
resolvi esperar por você, mas encontrei com o
senhor Collins no elevador e ele me convidou para
aguardar na casa dele.
─ Espera... ─ Ele virava seu corpo
totalmente de lado para encará-la melhor. ─ Você
viu o filme na casa dele?
─ Sim. Pedimos comida e vimos o filme
enquanto você não chegava. ─ confessava.
─ Estamos falando do mesmo senhor
Collins?
─ Sim, David. ─ Colocava os braços na
mesa e deitava a cabeça sobre eles escondendo seu
rosto. ─ Estamos falando da mesma pessoa. Agora
me diz como que eu poderia contar a Alexia sem
que ela surtasse? Se você está assim imagina ela. ─
Dizia com a voz abafada.
Ela não recebe uma resposta. Tentava
controlar o constrangimento que sentia, a confusão
de seus sentimentos e porcaria da imagem do
Chapim-azul que insistia em aparecer na sua
cabeça.

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─ Ele gosta de você. ─ Enfim o escutava


dizer, mas soara tão baixo que por alguns segundos
pensara ter imaginado aquela frase. ─ Sabe o que
ele me disse outro dia?
Nega ainda sem encará-lo.
─ Que você é agradável.
Aquelas palavras exercem um poder
inesperado sobre ela, fazendo com que retire seu
rosto e o encare com maior disposição.
─ Nossa. Isso vindo dele...
─ Exatamente. ─ A fitava com um sorriso
travesso. ─ Por isso que digo, ele gosta de você.
─ Não foi nada demais David. Foi apenas
um filme.
─ Se não fosse nada demais teria dito a Lexi
com quem viu o filme.
Ok. Ele venceu essa.
─ Lexi não entenderia. Ela não gosta do
senhor Collins e muito menos Ryan.
─ E você gosta dele então.
Ruboriza pelo o que confessara sem

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perceber.
─ Gosto. Acho ele interessante na verdade.
Misterioso. ─ Sua mente se afasta da pizzaria,
vagava por entre as lembranças e mordia o lábio
enquanto fazia isso. ─ Também é bonito e aquele
peito é bem firme, nossa... ─ Apoiava a cabeça na
mão e o braço na mesa suspirando. ─ Aquilo sim é
um peitoral de respeito. E aqueles olhos, azuis e
desafiadores, como se escondessem algo, mas ao
mesmo tempo suplicassem para serem decifrados.
─ Acho que alguém anda admirando demais
o professor.
─ Eu? Eu não. ─ Dizia se arrumando na
cadeira. ─ Apenas vejo o óbvio. ─ Quando olhava
para seu amigo em sua expressão estava nítida sua
descrença pelo o que acabara de dizer. ─Ah...
David. O que posso fazer? Ele é bonito, não tem
como não olhar tá legal? ─ Cruzava os braços
teimosamente na frente do peito.
Eu estou ferrada.
David coloca sua mão sobre seu braço em
sinal de cumplicidade.
─ Tudo bem, Mi. Você não é a única a
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achar isso. Tinha que ver quando ele dá aula na


minha turma, as mulheres simplesmente sentam
todas nas primeiras fileiras, e confesso que nunca vi
alguém achar a aula sobre plasticidade neural tão
interessante quanto elas.
Aquilo retira um riso de seus lábios,
somente David para fazê-la rir com toda loucura
que estava sua vida ultimamente.
Ao fundo uma nova música começava e nas
primeiras notas animadas Sarah reconhece, era
“Dance” da banda DNCE. Seus amigos se colocam
no centro do palco ambos com o microfone em
mãos. Em cumplicidade eles se olham, Ryan pega a
mão livre de Alexia e beija seu dorso antes que
juntos comecem a cantar voltando os olhos para a
tela a frente. A afinação não era a das melhores,
mas isso não importava e sim o envolvimento e
sentimento nítido que um tinha pelo outro. Um
sorriso despertou em sua face, ela amava aqueles
dois.
Seus pensamentos involuntariamente vagam
até a figura imponente que abandonara no
apartamento na semana passada quando saíra
correndo de lá. Sem conseguir evitar se pega
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pensando no que ele estaria fazendo agora.


Olhando o relógio próximo ao caixa e pelo dia da
semana imaginou que estaria no Jack’s tomando
sua cerveja O’C Beer sabor cereja e depois traçou o
restante de sua rotina na cabeça. Ele voltaria para
casa, assistiria sua série e dormiria. Já se sentia
habituada com as rotinas de seu professor. Mas o
que não conseguia crer era que ele fazia tudo
sozinho, sempre acompanhado pela fria e triste
solidão.
“Para sempre sua...” Lembra-se mais uma
vez da mensagem dentro do livro.
─ David. ─ Chamava girando seu corpo
para ficar diante o amigo. ─ Quem é Margot?
Se antes imaginara a cabeça de David
explodindo agora podia visualizar uma barra em
sua testa enquanto a palavra ERRO piscava acima.
─ O que? ─ Perguntava com os olhos
esbugalhados. ─ Onde ouviu esse nome? Ele te
contou sobre ela?
─ Então você sabe quem é. ─ Cruzava os
braços diante sua descoberta ─ Sério, David. Anda
desembucha. Como que você sabe dele tanto

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assim?
─ Como assim?
─ Você sabe muitas coisas sobre ele. E
agora também sei que sabe sobre essa tal de
Margot.
Sorri de lado um pouco sem jeito,
desviando seus olhos dos dela. Seus dedos brincam
com a tampinha de sua garrafa de cerveja já vazia.
─ Lembra quando eu lhe contei que tenho
um irmão mais velho?
─ Sim.
─ Então... ─ Ele encarava os olhos
castanhos vívidos dela como se a incentivasse a
ligar os pontos.
Apertando seus olhos ela o encara mais de
perto. Como em um estalo enfim compreende o que
ele estava tentando lhe dizer. Ai. Meu. Deus. Sua
mente praticamente grita enquanto seus olhos se
arregalavam e suas mãos tapavam o “O” que seus
lábios faziam.
─ Ele... Ele... ─ Ela gaguejava. ─ Vocês...
─ Sim, Mi. Ethan e eu somos irmãos.
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Nunca imaginou ficar chocada com tal


informação. Aquilo realmente estava acontecendo?
Ethan e David. Irmãos? Agora tudo fazia sentido,
tudo se encaixava. O mesmo prédio, as informações
que seu amigo possuía, o jeito como seu professor
o olhava, e encarando seu belo rosto conseguia ver
as pequenas semelhanças, e a principal delas eram
os olhos e seu tom de azul, entendia por que eram
familiares a ela.
─ Mas vocês têm sobrenomes diferentes. ─
O questionava ainda sem acreditar.
─ São diferentes, pois temos pais diferentes.
─ Ele explicava com calma.
Arrumando-se na cadeira joga seu corpo no
encosto deixando seus ombros caírem com o peso
da informação que recebera.
─ Não esperava por isso, não é? ─ Dizia
divertido fazendo sinal para o garçom pedindo duas
cervejas.
─ Nunca. ─ Chocada olhava para frente.
Pegou-se pensando em situações que acreditava
que irmãos compartilhavam na vida, como brigas
por brinquedos, conversas no escuro do quarto,

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alguém para culpar quando fizer algo errado,


alguém para te defender na escola, conversa sobre
garotas, tentava criar essas cenas com os dois nelas.
─ E como ele é? ─ Virava o rosto mais uma vez o
encarando.
─ Ethan? ─ Ela confirmava e após uma
pausa ele prossegue. ─ O melhor irmão. ─ Dizia
com um sorriso. ─ Mas também alguém bem difícil
e que acredita que a solidão é a melhor resposta
para si.
─ Isso tem algo a ver com a Margot?
Com um manear da cabeça ele confirma,
mordendo seus lábios carnudos algumas vezes com
uma expressão de dúvida se continuava.
─ Ela era a esposa dele. ─ Por fim
confidencia.
─ Era?
─ Sim. Era. ─ O garçom chegava com suas
bebidas e David se prontifica em abri-las talvez
para ganhar tempo, esse que Sarah aguardava
impacientemente. ─ Ela morreu há alguns anos.
Sente um pesar tomar-lhe o peito e seu
coração faz-se por notado quando investe algumas
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batidas mais fortes. Sarah leva suas mãos ao centro


do peito como em um gesto para acalmá-lo.
─ Nossa David. Eu... Sinto muito. ─ Dizia
diante a confirmação do que imaginara aquele dia
em que lera o recado no livro, ela era o motivo da
muralha. ─ Ele a amava, não é?
─ Muito, e eu também. Ela era minha
melhor amiga. ─ Ela colocava sua mão sobre a dele
que descansava sobre a mesa a frente para confortá-
lo. ─ Ela era tudo para ele. Depois que ela se foi...
─ Suspirava cansado. ─ Ele nunca mais foi o
mesmo. Aquilo foi um acidente, mas ele não
consegue colocar na cabeça de que nada poderia ser
feito.
─ Ele se culpa?
─ Ele acredita que poderia ter evitado, mas
quem pode prever algo como isso?
Ela aperta seus dedos ao redor de seu braço
e o sente colocar a dele livre sobre a dela a
acalentando. Sarah abre os lábios para prosseguir
com aquele assunto, queria saber mais sobre o
aquele homem, queria entendê-lo, decifrá-lo e
ajudá-lo, mas antes que algo possa ser dito o clima

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é cortado pelas risadas e falas animadas de seus


amigos que retornavam a mesa.
─ Meu Deus. Que caras são essas? ─ Alexia
perguntava. ─ Cantamos tão mal assim?
Para disfarçar o clima que ela e David
estavam anteriormente, Sarah sorria animada e
relaxava seu corpo antes tenso.
─ Não. Vocês foram ótimos. Deveriam se
escrever para algum reality show musical.
─ Não dê ideias, Mi. ─ Ryan dizia em
suplica. ─ Lex vai acreditar e me arrastar junto com
ela.
Alexia dá uma cotovelada certeira nas
costelas do seu mais novo namorado, apesar deles
não se intitularem assim Sarah o fazia, tirando
risadas de todos na mesa. Logo a tão aguardada
pizza de costela chega e pode comprovar que Ryan
não exagerara dessa vez, era realmente uma das
melhores que comera.
A noite estava inusitadamente agradável e o
tempo voara. No caminho para casa ela seguia lado
a lado com David enquanto seus amigos
caminhavam mais a frente com Ryan enlaçando a
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cintura de Alexia e ela rindo de algo que ele lhe


contava, com certeza algo pervertido.
Com as mãos nos bolsos da calça, David
seguia em silêncio, ele insistira em acompanhá-la
até em casa, ambos aproveitando a leve brisa e a
vista de bares e restaurantes lotados, ela era fã da
vida noturna, e aquilo era uma das vantagens de se
caminhar e abandonar a vida motorizada, a
apreciação, ver o momento, senti-lo.
A caminhada apenas se cessa quando
chegam diante a porta do prédio em que morava.
Alexia e Ryan se despedem subindo logo em
seguida.
─ Obrigada por me acompanhar até aqui.
Não era necessário.
─ Faço questão. ─ Sorria gentil.
Por que todos os caras não podem ser como
David? Pensava mais uma vez. Ele era tão gentil,
companheiro, cavalheiro, bonito e possuía olhos
azuis com um brilho tão acolhedor.
Olhos azuis. Fitando atentamente sua íris,
nota como o tom era o mesmo, o contorno do
centro mais escuro com as extremidades mais
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claras. Eram lindos assim como os outros, mas


esses eram pontuados por um jeito mais jovial. No
mesmo instante recorda-se da semana anterior e na
vontade quase que inquietante de seu ser. Seus
olhos recaem sobre os lábios mais carinhosos e
cheios de David, haveria algum mal em prosseguir
com seu desejo? Será que beijando seu amigo
aquela vontade, que julgava ser abstinência,
passaria? Afinal qual era o problema? Ela era uma
mulher, ele um homem, ela gostava de sua
companhia e já sentira vontade em beijá-lo da outra
vez.
Mas havia algo que a intrigava. Algo que
não estava completamente certo aos seus olhos,
sentia que faltava mais alguma informação para
saber sobre seu amigo com lábios desejáveis. Então
um pensamento corta sua mente, seria possível?
Não estava ela imaginando coisas? Não estava
procurando algum motivo para ele não seguir em
frente e a beijar logo de uma vez?
Em um segundo ela estava sorrindo o
encarando e o no outro se impulsionara contra ele e
depositava seus lábios nos entreabertos dele em um
beijo calmo, mas no instante em que o sente abaixo

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dos seus percebe a hesitação e surpresa vindo deles,


para logo se transformar em algo parecido como
medo, ela não sentira aceitação em seu beijo.
Quando se afastam e o encara nos olhos vê
o mesmo que seus lábios queriam dizer, então teve
a confirmação de suas suspeitas.
─ Você é gay. ─ Proferia aquelas palavras
quase como um sussurro. ─ Você é gay. ─ Dizia
mais uma vez um pouco mais alto. ─ Aí pelos
deuses da dança. Você é gay!
─ Sim eu sou. ─ Dizia se divertindo com a
confusão claramente estampada em seu rosto,
aquela noite estava cheia de revelações.
─ Por que nunca me contou?
─ Por que o assunto nunca apareceu. E o
que sugere que eu tinha que fazer? Olá, prazer. Eu
sou David e sou gay. ─ Ele ria. ─ Não é bem assim,
Mi.
“Você nunca pensou que se ele não tentou
nada é por que talvez ele não queira?” Podia ouvir
a voz de seu professor em sua cabeça.
Mais um dos pontos se ligava agora,
entendia a reação de Ethan na sua casa outro dia.
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─ Agora tudo faz sentindo. Por isso o


senhor Collins rira da minha cara quando disse que
queria beijar você. Achei que eu fosse o problema,
graças aos céus estava errada.
─ Você disse a ele que queria me beijar?
─ Que vergonha. ─ Tampava seu rosto mais
uma vez com as mãos. ─ Me desculpe, David.
─ Tudo bem, Mi. ─ Ele a puxava para um
abraço a acolhendo em seu peito, mais uma coisa
encontrara em comum entre os irmãos, a altura,
com toda certeza deveria ser parecida, senão a
mesma.
─ David. ─ Dizia retribuindo seu abraço. ─
Você já se sentiu atraído por alguém que sabia que
era proibido?
─ Mi. Eu sou gay. ─ Sentia a respiração
dele bater em sua testa. ─ Então o que você acha?
Ela ri se afundando mais em seu peito.
─ Estamos falando sexualmente? ─ Ele
prosseguia.
SIM!
─ Não. ─ Ela responde. ─ Sinto como se
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algo me puxasse para ele.


─ Então nada de atração física?
─ Ele é um homem bonito, mas é fechado e
reservado tornando difícil a aproximação. ─ Sentia
suas bochechas queimarem.
─ Então estamos falando de algo físico,
sexual e algo como sendo sobrenatural?
─ Algo tipo isso. Mas não posso gostar
dele.
─ Por que não? Ele é gay também?
Ela ri em seus braços.
─ Não. ─ Sente o aperto mais forte vindo
dele. ─ Por três motivos. Um, ele é mais velho.
Dois, ele não me quer muito por perto e três,
prometi a mim mesma nunca mais gostar de
alguém.
─ Primeiro, ele ser mais velho não vejo
problema, a não ser que ele tenha uns 70 anos,
então seria estranho. Segundo não tem como não
querer você por perto e terceiro por que você
prometeria algo assim?
─ É complicado. ─ Dizia após um longo e
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pesado suspiro.
─ Entendo. Então você não acha que na
realidade está com medo dessa pessoa por que sabe
que se aproximar possa quebrar o que prometera?
Aquilo a surpreende, nunca pensara daquela
maneira. E agora parando melhor para pensar
encontrava a verdade por detrás das palavras dele.
Sabia que algo estava acontecendo em seu interior.
─ E se acha que ele te afasta... ─ Ele
continuava. ─ Não acha que talvez o faça por que
assim como você fizera uma promessa?
David era simplesmente um gênio.
Engraçado como as pessoas veem coisas diferentes.
Muitas vezes nos fazendo enxergar o que nossa
cegueira momentânea não nos permite.
─ Ainda estamos falando do senhor
Collins? ─ Ele perguntava.
SIM!
─ Não. ─ Ela se solta de seus braços
ajustando a alça da bolsa nos ombros.
─ Entendo. Então... ─ Devolvia suas mãos
para os bolsos da calça jeans. ─ Como seu melhor

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amigo gay e conselheiro, o que posso dizer diante


as coisas que me contara é que pessoas mais
fechadas tem que se sentir confiantes antes de se
abrir para alguém. Se gosta dele, como posso ver
que sim, então tente entender os motivos para ele
ser assim. Afinal não podemos julgar o silêncio de
ninguém. As pessoas não são assim por que
simplesmente querem, Mi.
Ela se cala ao ouvir aquela mesma frase um
dia dita pelo tormento dos seus sonhos. “Não se
pode julgar o silêncio de ninguém”.
─ Mesmo que não seja para ter algo físico
com ele, mas mesmo assim se sente disposta a
saber sobre ele, não vejo problema em serem
amigos. Compartilhar coisas assim como estamos
fazendo agora, talvez seja bom tanto para você
quanto para ele. Quem sabe assim não descobrem a
promessa feita um do outro.
Se joga nos braços do amigo em um abraço
apertado, sentindo os dele a envolverem com a
mesma intensidade. A amizade de David era
preciosa, aquele tipo que poucas pessoas tinham a
sorte de encontrar, ele a entendia, vamos dizer que
eram irmãos de alma.
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─ Obrigada David. ─ Se afastava ficando na


ponta dos pés para beijar sua bochecha. ─ Amo sair
com você. Sempre tem os melhores conselhos.
─ Eu te avisei. Tem que me ouvir mais. ─
Sorrindo beija sua testa carinhosamente. ─ Vou
indo nessa, Mi. Tenho aula amanhã cedo. Adorei
nossa noite.
─ Foi cheia de revelações. ─ Ela se afastava
indo até o elevador. ─ Te vejo por aí Dave.
Com uma piscadela e um sorriso de canto
ele se despede saindo pela porta da frente do prédio
e sumindo pela calçada.
Já com seu pijama, deitava em sua cama se
aconchegando embaixo do grosso lençol de
algodão. Em sua cabeça as palavras de seu amigo a
assombravam. Descobrira tantas coisas naquela
noite, e compreendera muitas outras. Agradecia
silenciosamente Lexi por tê-la feito sair da cama.
Inquieta sem conseguir encontrar o sono se
remexe na cama batendo a mão aberta no criado
mudo para encontrar o seu celular, ligando sua tela
e encarando o horário quando a mesma se acende.
Não eram nem onze horas. Sem controlar seus

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dedos se via abrindo a lista de contatos e encarando


um em particular na letra “J”.
Por diversas vezes questiona sua atitude
antes de clicar no nome “Jekyll”. Ser amiga de seu
professor não teria problema. Clicar em seu nome e
lhe mandar uma mensagem não significava que
estava em busca de algo mais íntimo, não é
mesmo? Estava fazendo o que ele lhe pedira e que
David fizera o favor de lhe lembrar. Não podia
julgá-lo. Ele tinha seus motivos para tal e agora
justo quando já sabia o nome do grande por que
dele iria se afastar? Não lutara todos aqueles
últimos dois meses para descobrir e compreendê-
lo?
Decidida ela abre a tela de mensagens e
começa a digitar, sabia que ele entenderia, citando
uma passagem de “O morro dos ventos uivantes”
de Emily Brontë.
Sarah: Efetivamente, acho que sou uma
criatura ponderada e razoável, não exatamente pelo
fato de viver entre montanhas e ver sempre as
mesmas caras de começo a fim de ano.
Após enviar não leva nem um minuto para
notar que não somente ele recebera, mas também
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como a lera.
Jekyll: Você? Ponderada e razoável?
Rindo baixinho em seu quarto escuro ela
prontamente digita uma resposta.
Sarah: Apenas citei Emily Brontë. O que
está fazendo?
Jekyll: Eu sei que citou O morro dos ventos
uivantes, O’Connor. E respondendo a sua pergunta,
estou respondendo a sua mensagem.
Revirando os olhos ela continua.
Sarah: E antes disso?
Jekyll: Antes disso eu peguei meu celular
por que ele apitou avisando que recebi uma
mensagem.
─ Esse homem é inacreditável. Ele faz de
propósito. Certeza.
Jekyll: Você está bem, O’Connor? Está em
algum estacionamento e precisa de um resgate?
Sarah: Estou ótima. Por que a pergunta?
Jekyll: Por que essa situação é muito
incomum. Não costumo receber mensagens com

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passagens de O morro dos ventos uivantes tarde da


noite.
Sarah: Para tudo na vida há uma primeira
vez. Estava pensando em qual adaptação ver a
seguir e lembrei que não vejo a desse livro há
muito tempo. Estaria a fim de ver também?
Ansiosa ela aguardava a resposta, ele estava
demorando em digitar. Podia visualizá-lo sério
encarando a tela do celular.
Jekyll: Por que quer vê-lo comigo?
Sarah: Por que tenho certeza de que você
nunca viu.
Jekyll: Não sei se seria uma boa ideia.
Tenho coisas para fazer.
Coisas? Tipo o que? Contar o seu estoque
de macarrão?
Sarah: É apenas um filme senhor Collins e
não um convite para um crime. Por favor, não vai
negar uma gentileza, não é mesmo?
Jekyll: Gentileza?
Sarah: Sim. Estou mostrando ao senhor
adaptações de clássicos, que é um crime o senhor
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não ter visto e também te emprestando o filme e lhe


fazendo companhia.
A resposta demora mais dessa vez,
mordendo o lábio inferior ela o aguardava, mas
nada vinha. Ansiava pelos três pontinhos que
indicavam que ele digitava, mas nem isso
acontecia, então de tanto esperar a tela do seu
celular apaga sozinha, ele não iria dizer mais nada.
Com um suspiro derrotado ela se arruma na cama
se aconchegando melhor e quando estava prestes a
colocar o aparelho de volta no criado mudo a tela
se acende e na notificação no canto superior o
apelido dele piscava e bem abaixo algo que fizera
seu coração dar um salto.
Jekyll: Ok.
Era uma simples e curta resposta, mas
nunca duas letrinhas lhe deram uma alegria tão
grande.

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“Um dos meus defeitos é que, embora


minha língua tenha quase sempre uma resposta
para tudo, em algumas ocasiões ela me deixa
completamente muda.”
Jane Eyre
Charlotte Brontë
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Há muito tempo que encarava a tigela vazia


a sua frente no balcão da cozinha, enquanto suas
mãos hesitavam em abrir o pacote de marshmallow.
Havia tantas coisas erradas que cometera
nessas últimas semanas que enumerá-las estava
ficando difícil. Mas a mais recente e gritante delas
era a palavra digitada por ele e enviada a alguém
que em poucos minutos, segundo seu relógio,
estaria batendo em sua porta para uma sessão de
cinema clássico. “Ok”. Uma simples e curta palavra
com letras inocentes, mas com um peso
considerável diante a posição de ambos.
Durante muito tempo criara uma imagem
para si e uma reputação que vinha sendo muito
efetivo em manter. A grosseria o protegia, essa era
a grande verdade, uma ótima e eficiente máscara, e
ele era irredutível em abrir mão de sua melhor
defesa. Acreditava que as pessoas não possuíam a
coragem e teimosia o suficiente para enfrentá-lo e
isso se mostrou ser perfeitamente correto, ninguém
ousara se aproximar o bastante para notar que na
verdade ele estava se escondendo.
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Seu plano vinha se demonstrando perfeito


até a dois meses atrás quando assinara a aceitação
de sua nova assistente. Descobrira em Sarah
O’Connor uma mulher que, assim como ele,
também possuía um plano, mas o dela era de
ataque. E irritantemente ela era muito boa naquilo.
Quando lhe confessara que seu silêncio o
incomodava, mesmo tendo lutado para tê-lo
diversas vezes, estava sendo sincero, um fato que o
surpreendera, o silêncio daquela mulher era
inquietante, e quando explicara o porquê, contara
algo que realmente acreditava, por experiência
própria. Uma pessoa em silêncio, não é apenas
alguém que não tem nada a dizer e sim o contrário,
o que ela não possui é a força para fazê-lo.
Pensava nela muito mais do que gostaria e
achava apropriado, parecia que possuía um
magnetismo sobre seu ser, o puxando como fizera
no dia em que a viu dançando na república,
possuindo uma gravidade própria deixando-o a
mercê de sensações que há muito se proibira sentir,
mas toda vez que estava por perto não conseguia
evitar oferecer olhadas sigilosas em sua direção,
exprimindo um desejo silencioso que cada vez mais

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se tornava impossível e inevitável negar. Mais


precisamente quando ela usava vestido, algo que
acontecia com frequência, como se o fizesse de
propósito somente para agraciá-lo com a visão de
seu corpo curvilíneo e gracioso, perturbando-o e
provocando-o. Ele era um grande apreciador
daquela peça de roupa, gostava de mulheres que se
vestiam de maneira delicada e que sabiam e
usavam a seu favor o poder que suas curvas
exerciam sobre os homens.
Não pensar nela estava ficando cada vez
mais difícil, o silêncio dela era insuportável e
desafiá-la se tornara um hobby, e um dos
gratificantes.
─ O que estou fazendo? ─ Questionava-se
pela enésima vez somente naquele dia, colocando o
pacote de doce do lado e apoiando-se com ambas as
mãos na borda do balcão.
Se ele sabia que tudo aquilo era insanidade
e uma sucessão de erros, por que aceitara seu
convite?
Ethan sempre fora um homem racional e
com pensamentos lógicos para tudo, era inteligente
e com conhecimento vasto sobre vários assuntos,
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poderiam lhe perguntar qualquer coisa sobre


anatomia, ou medicina de emergência, ou até
mesmo literatura e ele saberia como responder,
mesmo as perguntas mais complexas. Mas aquela
simples pergunta o estava assombrando há dias e
ele não encontrava uma saída.
A resposta era bem simples, mas era algo
que se negava em aceitar. Ele gostava da
companhia dela. Gostava do efeito que causava
sobre seu ser, sempre o instigando ao desafio. Ela
era inteligente, astuta, corajosa, inabalável e
perturbadoramente bonita. Possuía seus defeitos,
claro, vários deles, mas quem não os tem?
A situação estava fugindo ao seu controle, e
logo ele que se julgava um homem que dominava a
situação. Para confirmação de como o descontrole
tomara proporções gritantes, sua mente não se
contentava em pensar nela apenas quando estava
acordado, seus delírios foram transferidos para os
seus sonhos, principalmente após aquele beijo que
ela dera em sua bochecha, naquele momento tudo
pelo o que vinha lutando se pôs por terra, sentira
como um sopro, uma leve brisa de vida o envolver
e estremecer em seu peito, uma sensação que

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imaginara que nunca mais voltaria a sentir.


Suspirando fortemente, aperta as bordas do
balcão fechando os olhos para evitar que as
imagens se formem mais uma vez diante de si, mas
sem muito sucesso, e isso fora o suficiente para
arrepiar sua pele e esquentar o seu corpo.
No sonho eles estavam em seu escritório e
ela usava um vestido preto curto que exibia as
curvas delicadas de suas coxas o convidando ao
toque. Seu quadril balançava vagarosamente de um
lado para o outro em uma dança sensual. Com um
sorriso malicioso e uma mordida sexy no lábio
inferior ela se aproxima indo até onde ele
permanecia sentado se deleitando com a visão
daquela mulher diabolicamente sedutora.
Colocara uma perna de cada lado dele,
sentando-se em seu colo, suas mãos passeavam
pelo seu peitoral e mesmo com o tecido da camisa
impedindo o toque direto, sentia o calor dos dedos
dela incendiarem sua pele. Os olhos castanhos
escuros dela estavam em chamas e seus cabelos
soltos em uma cascata de fios ondulados e negros.
Sente o botão de sua camisa ser aberto e o
roçar de lábios úmidos em sua bochecha trilhando
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seu caminho até sua orelha, onde com um sussurro


levemente rouco ela lhe perguntava:
─ Você gosta disso, Ethan?
A entonação do seu nome saindo dos lábios
dela deixou seu corpo dormente, a ponta de sua
língua brinca com seu lóbulo e para sua total
decepção e alivio, em um misto de sentimentos
conflitantes, ele acordara e encarara seu quarto
iluminado pela luz da manhã. Estava ofegante e
uma fina camada de suor formara em sua pele
brilhando em seu tronco nu. Esfregara seu rosto
para afastar as imagens de um sonho que parecera
tão real, pois jurava sentir os dedos dela em seu
corpo.
A pergunta que lhe fora sussurrada
martelava em sua cabeça. “Você gosta disso,
Ethan?”. Porra, claro que ele gostava, e muito.
Qualquer um que olhasse o seu estado poderia
confirmar isso e ele teve a total certeza quando se
levantara e olhara para baixo para uma região
especifica no centro de seus quadris.
Recusara-se em ouvir o chamado gritante de
seu corpo para aliviar a tensão e excitação que
sentia e ansiava para ser liberto. Em resposta, a
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contragosto de seu chamado, ele tomara uma ducha


gelada naquela manhã. Aquele fora apenas um de
uma sequência de sonhos com que vinha tendo,
mas todos eles sempre possuíam os dedos abrasivos
dela enquanto estava sentada em seu colo e o
mesmo resultado final, banhos gelados, que
ultimamente tem feito parte da sua rotina.
Há muito tempo não recebia carícias e
beijos. Após as mudanças drásticas que ocorreram
em sua vida, prometera que iria permanecer
daquele jeito, sozinho e sem ninguém para
acalentá-lo durante a noite. Buscando em si próprio
a válvula de escape para quando suas necessidades
atingiam níveis insuportáveis. Mas fazê-lo após um
sonho como aquele e com alguém como ela, estava
fora de cogitação. Já havia culpas demais em sua
lista e fantasmas o suficiente para tornar sua
existência um tormento, não precisava de mais um.
Abrindo os olhos se afasta do balcão da
cozinha irritado, só podia estar perdendo o juízo,
enlouquecera. Segue até seu quarto buscando pelo
celular.
─ Isso tudo é ridículo. ─ Pegava o aparelho
que estava na cômoda. ─ Vou terminar com essa
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loucura agora mesmo. ─ Resmungava.


Na tela clica no nome “O’Connor” em seus
contatos e começa a lhe escrever uma mensagem
para encerrar o encontro que haviam marcado. Seu
dedo hesitava sobre o botão “enviar”. Não
conseguia fazer aquilo. Mais uma vez naquele ano
se amaldiçoava pelas manias que possuía, assumira
um compromisso, um insano, mas mesmo assim o
fizera. Seu senso de responsabilidade não permitia
clicar naquele botão, mas esse mesmo senso o
incitava em fazê-lo, estava diante de um conflito.
Antes que uma decisão possa ser tomada ele
escuta alguém bater na porta. Era tarde demais, ela
estava ali.
Ainda com vestígios dos arrepios em sua
pele, segue a passos lentos e controlados até a porta
da frente. Inalava e exalava o ar várias vezes em
uma falha tentativa de se acalmar e afastar aquele
sonho absurdo. Alisa a frente da sua camisa,
apruma-se e passa a mão nos cabelos antes de tocar
a maçaneta.
Quando a porta se abre revelando sua
companhia para aquela tarde de domingo, percorre
seus olhos pela pequena figura sorridente e chega à
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conclusão que todos os seus esforços foram em


vão, e não haveria nada que o fizesse esquecer
aquele sonho.
Puta merda. Por que eu não apertei aquele
botão?

Sarah

Assim que os olhos azuis a encaram do


outro lado da porta sente o leve vacilo da armadura
que ela viera tentando construir durante a hora de
caminhada que tivera.
Com uma precisão que seus olhos não
evitam em fazer toda vez que estava em sua
presença, ela se deleita com a visão do homem a
sua frente. Como sempre vestido impecavelmente,
de uma maneira mais casual do que estava
acostumada, mas não pode deixar de pensar em
como ele estava lindo, com sua calça jeans e
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camisa, que dessa vez estava com a barra para fora


da calça e suas mangas longas dobradas pelo seu
braço até a altura de seus cotovelos.
Mas não era a presença dele que a deixara
inquieta assim que o encarara, com essa ela já se
acostumara, não o achava mais tão intimidador, e
sim a expressão com que seus olhos a fitam e a
analisam dos pés à cabeça. Percorriam pelas suas
pernas expostas pelo vestido preto curto que usava.
Aquela fora a primeira vez que vira algo parecido
como desejo em seus olhos e talvez algo como...
Assombro?
─ Olá, senhor Collins. ─ Ela o
cumprimentava para quebrar o silêncio
constrangedor.
Piscando várias vezes sua companhia retira-
se da frente da porta lhe dando passagem.
─ Olá, senhorita O’Connor. ─ Dizia com o
profissionalismo costumeiro.
Ao entrar segue direto até onde sabia ser a
cozinha, colocando uma sacola com comida que
trouxera na mesa. Retira seu casaco jeans e o
pendurando juntamente com sua bolsa na cadeira.

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─ Trouxe comida chinesa para nós. ─ Dizia


animada abrindo as sacolas, mas não recebe
qualquer comentário vindo dele, por um momento
pensara estar sozinha no apartamento. Gira o corpo
encarando a porta em que entrara, e o encontra
parado lá pendurando sua bolsa e casaco em
ganchos próximos a porta de entrada com
movimentos distraídos. ─ Senhor Collins? ─ Ela o
chamava mais uma vez e novamente não recebe
uma resposta. Aproximando-se com cautela ela
toca sutilmente seu braço e aquilo parece fazê-lo
despertar de algo. ─ O senhor está bem?
─ Ah... ─ Ele pigarreia. ─ Sim. Estou.
Apenas com a cabeça cheia. O que estava dizendo?
─ Ele entrava na cozinha e abria a geladeira
pegando uma cerveja pra si sem encará-la
diretamente.
─ Eu disse que trouxe comida chinesa
daquele restaurante que pediu da última vez. ─ Ela
voltava sua atenção para as sacolas, mas sempre o
espiando. Com certeza tinha algo errado, nunca o
vira distraído.
─ Ótimo. ─ Ele retirava da geladeira ainda
aberta uma lata de refrigerante e estende na direção
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dela.
─ Eu prefiro uma O’C.
─ Nada de cerveja pra você. Não é indicado
que transplantados façam a ingestão de muita
bebida alcoólica. ─ Ele balançava a lata na sua
direção indicando que a pegue.
─ Você está brincando, não é? ─ Ele
negava com a cabeça e diante seu olhar irredutível
pega o que ele lhe oferece insatisfeita.
─ Ficar um dia sem beber não fará mal,
muito pelo contrário, O’Connor.
Descontente ela abre o lacre e ingere a
bebida doce. Ele falava como se ela fosse uma
alcoólatra em fase de desintoxicação ou algo do
tipo. Ethan pega um pacote de marshmallow que
estava sobre o balcão e o abre despejando seu
conteúdo em uma tigela, e aquilo a faz se lembrar
de David.
─ Saí com seu irmão essa semana. ─
Encostava-se no balcão ao seu lado.
Com uma expressão surpresa ele a encara.
─ Sim. Ele me contou. ─ Ela o informava.

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─ E também me disse outra coisa. Obrigada por rir


da minha cara outro dia quando contei sobre querer
ficar com ele. Por que não me contou?
Um sorriso inusitadamente largo enfeita as
já belas feições de seu professor.
─ Por que era algo que ele tem que contar.
É assunto dele, não meu.
─ Não sobre ele ser gay e sim sobre ser seu
irmão.
─ Não é segredo ele ser meu irmão. Se
alguém me perguntar se ele é eu direi que sim. ─
Dizia em tom divertido. ─ Ou acha que devemos
espalhar para meio mundo que somos? Acha que
pendurar alguns cartazes e usar um crachá escrito
“Sou irmão do Cérbero” e “Sou irmão do David”
estaria de bom tamanho?
Ele erguia a sobrancelha para ela em sinal
de desafio. Tinha que admitir que adorava aquilo,
seu jeito e humor peculiares.
─ Acho que somente o crachá estaria ótimo,
ou quem sabe usar roupas iguais como gêmeos ou
com uma seta apontada e no centro escrito “esse
cara é meu irmão”.
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O sorriso se abre mais, exibindo seus dentes


e de sua garganta sai o som que a agracia com seu
timbre, Ethan Collins tinha uma risada gostosa.
Ela não conseguia parar de admirá-lo
enquanto ria, a covinha em sua bochecha esquerda
aparece, seu olhar se suaviza, o canto de seus olhos
forma pequenas pregas, marcas ainda inicias de sua
idade. Sentia que todo o ambiente havia mudado
com aquele simples gesto.
Não percebe por quanto tempo fica o
encarando até ele encará-la de volta. Ela desvia seu
olhar rapidamente, fitando suas mãos que
seguravam a lata de refrigerante. Estar perto dele
novamente, sentir seu cheiro, era algo que poderia
se acostumar com facilidade. Mas sabia que aquilo
não era correto, a imagem do raro Chapim-azul
traidor visitando o ninho de outra fêmea que não
era a sua, passava como um filme em sua cabeça.
Mas afinal de contas o que é certo ou
errado? Ele era seu professor, mas eles não estavam
na faculdade, então nada a impedia de encontros
como aquele, não é mesmo? Eram apenas amigos,
ou algo se encaminhando para isso. Vários alunos
são amigos de seus professores, não é?
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─ Então, pronto para a melhor experiência


cinematográfica da sua vida?
Ela o vê erguer seus braços como se fizesse
uma comemoração com um ânimo nada
contagiante.
─ Estou contando os minutos – Lhe falava
com certa ironia.
Realmente ele sente prazer em me provocar.
Ela pensava revirando seus olhos.
─ Você gosta disso, não é? – Ela lhe dizia,
mas ficando confusa com o efeito que aquela
pergunta fizera com ele, ele congelara de novo a
encarando com um olhar com leve assombro e seu
maxilar travado.
─ Do que está falando? – Seu tom sério
demonstrava que ele não estava propício a
brincadeiras.
─ O senhor parece que gosta de me
provocar. – Ela suspirava enquanto abria uma das
embalagens de comida chinesa e saboreava com
seus hashis um pedaço do frango xadrez, e tudo o
que recebe dele é a bela visão de suas costas ao se
distanciar indo até o cômodo ao lado.
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Sentados no sofá ambos assistiam ao filme


enquanto saboreavam a refeição. Ele, como era de
se esperar, sentara-se no lugar que sempre se
sentava. Com o canto dos olhos ela sempre o
observava. Algo estava errado com ele, estava
muito mais tenso que o normal, não falava nada,
não se movia, e seus olhos estavam tão vidrados na
TV que ela não conseguia chegar à conclusão se ele
estava realmente envolvido com a história ou se
deixara seus pensamentos voarem enquanto
encarava a tela a frente. Podia jurar que naquele
momento ele fora substituído por uma estátua de
cera.
─ Você está bem, senhor Collins? ─ Ela
enfim pergunta quando o filme acaba. Não
aguentava mais ficar quieta.
─ Estou. ─ Ele dizia se levantando e
pegando a louça que sujaram se afastando. ─
Obrigado pelo filme.
Ela o segue o vê jogar as embalagens no
lixo da cozinha.
─ Tem certeza? ─ Dizia se aproximando. ─
Parece que está, tenso, estressado.

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─ Eu estou bem. ─ Dizia com firmeza. ─


Apenas não dormi direito, só isso. Então se estou
dizendo que estou bem é por que estou bem,
O’Connor. ─ Agora seu tom se tornava ríspido.
Grosso.
─ Você precisa relaxar sabia? – Ela se
aproximava mais. ─ Anda muito estressado essa
semana.
─ Essa semana? ─ O escutava resmungar
em tom baixo como falasse pra si mesmo. ─ Acho
que há dois meses, seria melhor.
Como se ele fosse o único a se estressar
com essa convivência. Pensava enquanto o
encarava indignada por ele culpá-la pelos seus
problemas. Como se ele fosse um santo, a mais
simpática, paciente e compreensível das pessoas.
Lembrava-se das várias vezes que descontara toda
sua frustração e raiva em seus ensaios, muitas vezes
recebendo elogios de Peter pela motivação e
energia que ela havia encontrado, e a incentivando
a continuar com o que quer que estivesse fazendo-a
ser a bailarina que ele sabia que ela era antes, mal
sabia ele que era a irritação sua maior fonte.

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─ Por que você diz a todo mundo que seu


nome é Mirna? ─ Aquela pergunta surgia de
repente a pegando de surpresa.
Ela dava de ombros fingindo que aquilo na
verdade era algo sem importância. Todo mundo a
conhecia por aquele nome, quando era criança
gostava de usá-lo na escola, pois o achava diferente
de todos, afinal não é um nome muito típico, sua
mãe a chamava daquela maneira, seus amigos
também, as únicas pessoas que a chamavam pelo
primeiro nome era seu pai e Gael, sendo o último
que a fizera se acostumar a ser chamada assim, um
nome que achava tão comum, mas que dito por ele
se tornava único e muito mais bonito.
─ Não gosto muito do meu primeiro nome.
─ Por que não? É um nome bonito.
Ele arrumava os marshmallows na tigela,
mudando o mesmo doce de lugar há quase dois
minutos, parecia que não arranjava uma posição
para ele, colocava o doce de lado, depois no topo,
tentava enfiá-lo no meio dos outros, mas parecia
que nada o deixava satisfeito. Após a terceira vez
que ele tentava colocar na lateral, Sarah estende o
braço pegando o cubo açucarado da mão dele e o
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enfiando na boca.
Mastigava olhando para ele, um sorriso vai
se alargando e mais uma vez e sua covinha se faz
presente, ela poderia muito bem se acostumar com
aquela visão, ambos não se aguentam e riem.
─ Você deve me achar patético.
─ Não. ─ Dizia após engolir. ─ Muito pelo
contrário.
─ Então é louca.
─ Por quê?
─ Você é jovem, bon... ─ Pigarreia se
corrigindo. ─ Boa em várias coisas, tem amigos,
mas prefere passar seu domingo com um velho,
metódico, cheio de manias e grosso.
─ Você não é velho.
─ Temos uma boa diferença de idade.
─ Não me importo, e nossas conversas às
vezes são agradáveis, quando o senhor está de bom
humor.
─ Não tenho estado assim ultimamente.
─ Hoje o senhor está apesar de estar meio

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distraído.
Com a tigela nas mãos ele volta para a sala
e é seguido por ela. Coloca os doces sobre a mesa
de centro ficando de costas para a prateleira com
livros que ela tanto namorava.
─ O senhor sempre gostou de clássicos?
Por um instante ele fica em silêncio como
se pensasse em sua pergunta, e logo o sorriso que
mantivera nos últimos minutos se vai.
─ Não. ─ Dizia por fim. ─ Eu aprendi a
gostar... ─ Passava a mão nos cabelos bagunçando
seus fios sempre arrumados. ─ Na faculdade.
No mesmo momento, o nome Margot cruza
sua mente, mas não tinha um rosto para ligar ao
nome, desde que soubera dela se pegava pensando
em como ela seria, do que gostava, se ela tinha
algum hobby, qual era a coisa em Ethan que ela
mais amava, se achava os olhos dele intrigantes,
assim como ela. Ela não estava mais ali e ainda sim
Sarah estranhamente sentia a presença dela, sentia
certa familiaridade.
─ Eu gosto bastante dessa história. ─
Aquilo a tirava de seus pensamentos, o encarando
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com dúvida, não havia escutado o que ele dissera


antes. ─ Do filme que vimos. ─ Ele explicava.
─ Eu também gosto.
─ Apesar de muitos não gostarem eu...
Meio que entendo o Heathcliff.
─ Não é uma história de amor
convencional. – Seu olhar se perdia nas lombadas
dos livros, não percebera que seus pés a guiaram
até lá. ─ É errado buscar vingança pelo amor
verdadeiro?
─ Não sou muito a favor de vingança, no
caso dele, Heathcliff a buscou pela falta de amor,
porque ambos não assumiram o que sentiam e
deixou o tempo e o arrependimento o consumir –
Ele a explicava em tom sério – Essa história mostra
um lado do amor do qual ninguém gosta de ver e é
por isso que gosto dela, o amor não tem apenas
lados bons existe também o lado ruim.
Ela sabia bem o que era o lado ruim do
amor, eram velhos amigos. Por um tempo culpou a
si própria por amar tanto alguém, e ao perdê-lo não
sabia que era possível sentir tanta dor, passara
muito tempo reclusa esperando que as feridas em

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seu novo coração cicatrizassem, algo que ainda não


acontecera por completo, mas a dor, como toda boa
ferida aberta ainda doía, já evoluíra para algo
suportável. Suspirando se vira e encara as costas de
seu professor. O homem que com suas
peculiaridades fazia surpreendentemente
questionar-se se um dia se apaixonaria novamente e
se seu coração se curaria.
Ethan havia passado por algo semelhante ao
dela, perdera o amor de sua vida para as artimanhas
do destino, talvez a ligação que sentia com ele
fosse isso, ele compreendia e também vivenciara o
lado ruim, era um sobrevivente.
─ Eu acho que a pior parte são as coisas que
não dizemos, por falta de tempo ou coragem, essas
são as que pesam mais. ─ Ele continuava após um
tempo com veracidade em suas palavras. ─
Arrependimento e culpa. Eu não concordo com o
que Heathcliff fez, mas eu o entendo.
Sarah não podia permitir passar por aquilo
novamente, não podia gostar dele como gostava,
não podia trair a lembrança de Gael. Mas parecia
que seu coração discordava, esse que sempre a
puxava em direção a Ethan.
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Parado diante de si, Ethan parecia


desconfortável com aquela situação, não a encarava
diretamente nos olhos, parecia que queria estar em
qualquer lugar menos ali, era nítida a dificuldade
que tinha em falar de seus assuntos pessoais, e a
maneira com que falava sobre arrependimentos e
culpa, parecia que dizia sobre algo que vivenciara
algo do seu habitual, como se lembrasse de coisas
que estavam guardadas. Passava as mãos no rosto,
e para não perder o costume ele encarava seu
relógio de pulso.
─ Quer parar de fazer isso! ─ Ela recebia
sua atenção.
─ Isso o que?
─ Ficar olhando o tempo todo para o
relógio, parece até o coelho de Alice. Qual seu
problema com esse relógio?
─ O’Connor eu tenho responsabilidades,
coisas a fazer, até mesmo nos fins de semana e não
posso me dar ao luxo de atrasos. E o nome correto
é coelho branco.
É claro que ele conhece Lewis Carroll.
─ O tempo todo fica preso ao tempo, vive
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estressado e irritado. O senhor tem que relaxar


mais.
─ Não vejo problema em ser pontual e
compromissado com suas responsabilidades.
─ Eu também não, mas é como o senhor já
me disse. Tudo em excesso não é bom.
As narinas dele inflam e sua boca se fecha,
como se o que dissera o desarmasse.
─ Ficar o tempo todo preso não faz bem a
ninguém. Isso impede que você viva. Você tem que
fazer o que realmente quer uma vez ou outra.
─ E o que você sabe sobre o que eu quero?
─ E lá estava o Ethan armado novamente com seus
muros erguidos, pensava vitoriosa que daquela vez
o bom humor dele durara mais tempo.
─ Eu não disse que sei o que quer, só acho
que devia se preocupar menos com essas coisas,
viver mais, fazer coisas que queira, antes que seja
tarde demais, como Heathcliff.
─ Não é fácil. ─ Ele lhe confessava entre
dentes.
─ Por que não?

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─ Por que... Por que... ─ Ele apertava os


punhos na lateral do corpo. ─ Puta merda
O’Connor por que não consegue aceitar que eu sou
assim, gosto de ser assim e vou ser sempre assim.
─ Elevava a voz. ─ Esse é quem eu sou.
─ Está errado.
─ Então sabe mais sobre mim do que eu
mesmo? ─ Dizia com escárnio.
─ Não. Mas não gosto quando subestima
minha inteligência, achando que eu não consigo ver
que se esconde por detrás dessa bolha de grosseria
impenetrável.
─ E você é o que agora? Um alfinete perto
da minha bolha?
Eles estavam mais próximos, sua cabeça
bem inclinada para trás para encará-lo nos olhos,
esses que faiscavam em desafio.
─ Eu sou aquela que apesar de tudo
continuo aqui, então se quiser chamar isso de
alfinete, ótimo.
─ Você é tão teimosa. ─ Ele esbravejava
gesticulando com os braços.

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─ Como você também já me dissera,


ninguém é perfeito. ─ Sorria de canto o
provocando. ─ Eu não sei quais são seus desejos e
vontades, só acho que se tem algum, então corra
atrás deles, Ethan. ─ O chamava pelo seu primeiro
nome que pela primeira vez escapa de seus lábios.
─ Tem coisas que quero... ─ Notava ele
passar a língua pelo lábio inferior o umedecendo. ─
que não são certas.
─ Para o inferno com o que é certo ou não.
Pare de ficar preso, Ethan. ─ Era a vez dela de
gesticular.
─ Merda. ─ O escutava resmungar antes de
se mover.
O que acontece a seguir é algo que ela não
esperava. Seu professor a puxara para junto do seu
corpo viril selando seus lábios aos dela.
Ethan a beijava, seu cérebro não acreditava
naquilo e seu coração não cabia em seu peito. Ele
pressionava seus lábios contra os dela, eles não se
moviam apenas se encontravam. Seu corpo ficara
tenso a princípio, não sabia o que fazer com suas
mãos livres, ele tinha uma das mãos em sua cintura

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a puxando para si e a outra encaixada na curvatura


de sua nuca apoiando sua cabeça, e ela agradecera
aos deuses da dança por aquilo, pois se ele não o
fizesse com certeza já teria caído no chão, suas
pernas não a sustentavam mais o peso de seu
próprio corpo, apenas ele, ela estava entregue em
seus braços e após um tempo sua mente e alma
também.
Seu cérebro vai guiando seu corpo com
movimentos instintivos, ficava nas pontas dos pés
para senti-lo melhor, enquanto seus braços iam
enlaçando seu pescoço. Ethan a afasta, apenas
poucos centímetros, suas respirações se misturando,
seu hálito quente batendo e fazendo cócegas em
seus lábios, esses que silenciosamente exigiam por
mais, queriam sentir mais.
Não existia palavra para descrever um
momento como aquele, mas se ela tivesse que
escolher apenas uma, com certeza seria “perfeito”.
Eles se afastam mais, apenas o suficiente para se
olharem. Dentro de seus olhos ela pode ver a
dúvida transitando entre o desejo. Ainda
entorpecida pelo o que irradiava pelo seu corpo,
suas mãos escorregam de seu pescoço deslizando

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pelos ombros largos dele até repousarem em seu


peitoral esfregando o tecido de sua camisa, podia
sentir a firmeza de seus músculos por debaixo dela.
Ethan fecha os olhos e um gemido baixo lhe
escapa, como se aprovasse o contato, e quando os
cristais de gelo a encaram novamente ela abre um
sorriso com o que vê. Não havia barreira, nem
bolha, não havia rótulos e nem idade, ela apenas o
via.
─ Sarah... ─ O escutava dizer em um
sussurro, arrepiando-a por inteira, gostara de como
seu nome soara, ele também possuía a habilidade
de deixá-lo mais bonito.
Ela ergue e inclina mais seu corpo para
extinguir o pouco espaço que havia entre eles. Seus
lábios roçam levemente nos dele, em um pedido
por mais, em um instante ele era Ethan e no outro
seu molde, a puxara para si colando seus corpos por
inteiro em um abraço luxurioso a tomando por
inteira, provando e descobrindo, sua boca se abria
mais, mas sem pressa, parecia que a degustava,
como se os mesmos esperassem a aprovação dos
dela para prosseguir e avançar o sinal.
Seus dedos estavam decididos em sanar a
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sua curiosidade, com certa agilidade, eles começam


a desabotoar os botões da camisa clara dele um a
um, e quando enfim liberta seu tronco, ela o toca
sentindo que ele fervia assim como ela, a ponta de
seus dedos começam a brincar com os pelos que
antes somente vira pelo vacilo de um botão aberto,
ela explorava os contornos e linhas perfeitas que o
formavam, ele era perfeito e com um abdômen que
deveria sentir-se orgulhoso.
Enquanto seu toque se tornava mais
audacioso podia escutar os gemidos abafados que
ele dava em seus lábios. Em questão de segundos o
beijo mudara completamente, agora era mais
urgente, avassalador, a exigência de sua boca
abrindo caminho, sua língua a invade buscando por
território em uma dança com a dela, em um misto
de texturas e sabores.
Incentivando mais as batidas frenéticas de
seu coração ela o sente retirar as mãos de si e se
proferirem sobre os botões frontais de seu curto
vestido os abrindo. Com maior ousadia causada
pelo êxtase proporcionado por ele, Sarah começa a
desabotoar a calça dele, baixando seu zíper, ambos
com urgência e movimentos incontidos enquanto

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sentia o tecido de sua roupa deslizar para fora de


seu corpo. Suas costas encostavam-se ao tecido
macio e levemente áspero do sofá, nem notara que
se movera até lá.
Ele se projetava sobre ela sugando seus
lábios com avidez, o gosto deles era muito bom,
viciante até. Sua textura era muito melhor do que
poderia imaginar, chegara a conclusão de que sua
mente não era tão criativa assim para construir
momentos como aquele em seus sonhos. As mãos
firmes a apertavam na cintura e sua pélvis se
comprimia contra a dela, ela podia sentir seu desejo
salientado pelo órgão pulsante dele que a excitava.
Estava entorpecida, no automático, já não possuía
controle sobre seu corpo, aquilo era algo com que
silenciosamente ambicionava. Sentir-se desejada e
tocada por ele não estava em seus planos, mas
nunca ficara tão feliz por estar errada.
Seus beijos ávidos partem para a curvatura
de seu pescoço, esse que ela inclinava a cabeça
mais para o lado dando-lhe melhor acesso.
Inusitadamente, assim como tudo começara, ele
para como se recobrasse a razão.
─ Eu não posso. ─ Dizia ofegante jogando
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seu rosto contra o colo dela. ─ Eu não posso. Eu


não posso. ─ Repetia várias vezes, sentia certa dor
em suas palavras.
─ Ethan. ─ Ela o chamava igualmente com
a voz falha e ofegante. ─ Olha para mim.
Ele balançava a cabeça em negativa sem se
afastar.
─ Olha para mim, por favor. ─ Ela pegava
seu rosto com ambas as mãos o puxando. ─ Por
favor.
Relutante ele permite que ela o erga e seus
olhos se encontram, havia dor neles, ela podia notar
e suas sobrancelhas franzidas enfatizava aquele
sentimento.
─ Eu não quero que me veja como sua
aluna ou assistente. ─ Ela lhe pedia acariciando
suas bochechas com seus polegares. ─ Eu quero
que me veja como mulher. ─ Seu olhar se
transforma em uma análise nítida de seu pedido. ─
Por favor.
O que vira em seus olhos a fizera se lembrar
de chamas, o que era um fato estranho se for pensar
bem. Como uma cor como aquela, azul, tão serena,
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tranquila, apaziguadora, poderia remeter ao ardente


das chamas?
Certa vez seu professor de ciências na
escola dissera que a parte mais quente do fogo era o
topo da chama, essa que se for reparar é azul,
aquilo sempre fora algo que a intrigava, pois,
aquela cor tinha para si outra representatividade,
não conseguia correlacionar aquela cor com o fogo,
tão agressivo e destrutivo. Mas agora olhando para
os olhos do homem que não saia de sua mente, ela
compreendera e tinha que assumir que o azul com
toda certeza era a cor mais quente.
Ethan enlaça sua cintura com ambos os
braços e com um solavanco a ergue do sofá com
facilidade, ficando em pé e a colocando em seu
colo, um grito baixo produzido pela surpresa
escapa de seus lábios e ele sorri antes de lhe beijar
e a provar mais uma vez. Logo ela percebe que eles
estão em movimento.
─ O que está fazendo? ─ Ela perguntava em
seus lábios.
─ Apenas beijando uma mulher.
Escuta uma porta ser aberta, e imaginava

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para onde ele a estava levando.


O lençol era macio e sua cama confortável,
fazendo-a se contorcer deixando murmúrios
satisfeitos escaparem de sua boca. Sarah sente o
peso do corpo dele sobre o dela. O puxava para
mais um beijo, pois aquilo a deixara
completamente viciada e não há nada pior para um
viciado do que ter sua droga negada assim quando
lhe dada de bom grado. Sabia que tudo aquilo era
errado, mas não conseguia afastá-lo, ansiava por
aquele momento há muito tempo, e não deixa de
notar o quanto se sentia bem, era como se depois de
uma longa e tempestuosa caminhada ela houvesse
voltado para casa.
Ela apertava as laterais de sua camisa
entreaberta com força, o ar estava rarefeito ela mal
conseguia respirar.
─ Você tem um gosto bom – O escutava
dizer ainda em seus lábios.
─ Você também tem um gosto bom.
Ele agora a devorava, cada parte de seu
corpo era tocada por ele enquanto ela erguia suas
pernas e as envolvia em sua cintura, como que em

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ato para impedir que ele desistisse e fugisse.


─ Eu. Não. Posso.
─ Por favor. – Ela o implorava para que não
parasse. – Você sente isso – Sarah tocava a pele do
seu abdômen que se tencionava embaixo de seus
dedos.
─ Sim. ─ Dizia ofegante enquanto a
beijava.
As mãos dele subiam por sua cintura
tocando seu seio coberto pelo sutiã e o apertando
fazendo Sarah gemer. Ela tentava tirar sua camisa
por sobre os ombros, ele se afasta um pouco e a
ajuda. Avista seu tronco agora nu, percorrendo seus
olhos admirados por cada curva bem formada e
delineada, seu tato não a enganara, era sim um
abdômen e peitoral perfeito.
─ Tão lindo. – Deixava escapar.
Olhos de Ethan percorriam examinando
cada centímetro dela. Se prendia em seus olhos,
depois em seus lábios, iam descendo cada vez mais,
até que os fixa em uma região entre seus seios
agora libertos da peça íntima, uma linha desenhada
após a sua cirurgia.
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Sente os dedos dele tocarem e começarem a


percorrer a sua marca e sem querer seu corpo se
retrai afastando-se alguns centímetros.
─ Não faça isso. ─ Lhe pedia em um
sussurro.
─ Por que não?
─ Por que... Por que ela me deixa...
Repulsiva.
─ Nunca mais repita isso. – Dizia de forma
séria. – Ela não me é repulsiva, isso simboliza sua
vida, Sarah.
Ethan beija com carinho o pescoço dela
deixando um caminho úmido até sua cicatriz,
beijando toda extensão da marca e em seguida
colocando sua língua e lambendo aquela região.
─ Só ri de uma cicatriz quem nunca foi
ferido. ─ Escutava-o dizer em meio aos seus seios,
enquanto a excitava. Reconhecia muito bem a
citação que fizera, era Shakespeare.
Sarah nunca pensou que fosse sentir tanto
prazer na vida e quando ele sai de cima dela apenas
para retirar o restante de roupa que ainda era um
obstáculo para ambos é que percebe o quanto, em
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pouco tempo, seu corpo se acostumara e ansiava


pelo calor daquele homem.
Ethan agora de joelhos se encaixava em
meio as suas pernas e completamente nu segurava
as laterais de sua calcinha e a retirava, deixando-a
completamente exposta.
─ Tão linda. ─ O escutava sussurrar um
pouco antes de levar os lábios a um de seus
mamilos eriçados e o sugar com vontade.
─ Eu... Eu preciso... – Ela mal conseguia
falar tamanho era seu desejo. A mão livre dele
escorregava pelo seu corpo que se contorcia sobre
os lençóis tocando o centro de sua excitação,
fazendo seus dedos brincar naquela região úmida e
quente.
─ Sarah, por favor, me peça para parar.
─ Não pare, por favor, eu preciso...
─ Do que precisa? – Seus movimentos só se
intensificavam.
─ Preciso sentir você...
Gemidos, antes contidos, escapavam dela
agora com mais força enquanto ele dava a devida

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atenção aos seus seios sugando-os com uma fome


incontrolável, cada um deles.
─ Para a maioria das pessoas eu não mostro
quem verdadeiramente sou, não por medo, mas por
não valer a pena mesmo. ─ Ela o escutava citar
mais uma frase de Shakespeare.
─ A despedida é uma dor tão suave que te
diria boa noite até o amanhecer. ─ Ela citava o
mesmo autor de volta.
Ele a completava, seus corpos se
encaixavam, seus corações batiam no mesmo
compasso, de uma maneira estranha ela sentia que
estava no local certo. Estava ficando impossível
arranjar motivos para ir embora, não consegui nem
se lembrar da primeira regra daquela vasta lista de
razões para se manter longe. Citações nunca foram
tão prazerosas. Pensava enquanto ele ainda
brincava com seu corpo.
Ethan a estava torturando, seu centro
latejava assim como o dele, pois, ela podia sentir
em seu abdômen.
Ela já não conseguia mais, não suportava
mais o desejo ferver em suas veias e aumentar cada

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vez mais em seu corpo, precisava ser saciado, e


extravasado.
─ Não aguento mais Ethan – Praticamente
implorava para ser dele.
Ele para os movimentos circulares em sua
região quente e úmida e resolve atender suas
suplicas. Encaixava-se entre ela pressionando seu
membro completamente rígido e pulsante em sua
abertura, e pode jurar ter ouvido em um sussurro
trêmulo ele lhe pedir desculpas antes de prosseguir.
Sentia a pressão feita por ele e seu corpo o recebe
de bom grado, devagar ele a invadia.
Gemendo alto o corpo de ambos tremia.
─ Tão apertada... ─ O escutava sussurrar
com uma voz rouca e carregada de seu sotaque
britânico.
Puta que pariu!
A cada estocada ela gemia e arranhava suas
costas deixando pequenas marcas vermelhas em
sua pele, Ethan aumentava sua velocidade à medida
que ela gritava seu nome.
O sentia entrar e sair com tanta força, com
tanta fome que mal sobrava espaço para ela sentir
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falta de algo. Sentia que seu peito iria explodir a


qualquer momento.
─ Ethan, devagar. – Dizia após um leve
gemido de dor causado por um pequeno
desconforto.
─ Me desculpe, eu não consigo. – Ele agora
a encarava com certo receio ─ Faz tanto tempo. ─
Lhe confessava.
─ Tudo bem. – Ela o incentivava a
continuar puxando seu quadril para mais perto com
suas pernas ainda enlaçadas ao seu redor.
Em suas faces sente algo umedecer sua
bochecha, então repara que uma lágrima escapara
de seus olhos, não de tristeza e nem de dor, lágrima
que representava todas as sensações que em um
turbilhão se misturavam e enchiam o seu peito, mas
o mais surpreendente era que a lágrima não
pertencia somente a ela, Ethan também deixara
uma escapar. Sentia que seu coração batia pela
primeira vez em três anos, como uma música forte
de uma sinfonia, e ele era o maestro.
Seus lábios eram avassaladores e
devoravam sua pele. Mesmo gostando das vezes

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que sonhara acordada ou não com aquele momento,


percebera que nada era melhor do que a realidade.
A entrega de ambos era real, não um sonho. Ele
estava ali a invadindo e a excitando cada vez mais,
gemendo com ela em sintonia, como uma sinfonia
harmônica e prefeita que faria até Chopin ter
inveja. Era como uma dança pura e bela. Ambos os
corpos encaixados em um só um ser. Suas línguas
travavam uma batalha nos lábios um do outro e por
fim ela se entrega totalmente ao êxtase.
Sarah se apertava em volta do membro dele
o puxando mais e mais, relaxando seus músculos
ela atingiu algo muito melhor do que o orgasmo,
não tinha palavras para descrever a explosão que
aquilo fora. O dicionário não seria suficiente. E
após alguns segundos de pura excitação Ethan se
afasta rapidamente dela, quebrando a união e
gemendo alto, libera aquilo que tanto se continha.
Ele fora sensato o suficiente para não se
esvair dentro dela.
Sarah senta-se na extremidade da cama
ficando de costas para a figura ainda ofegante. Com
seus cabelos bagunçados e levemente colados em
sua testa suada, tenta controlar sua respiração e
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clarear a sua mente.


Quando as mãos grandes dele afastam seus
cabelos e tocam seus ombros ela fecha os olhos,
sua essência ainda estava em seu corpo e achava
que não seria fácil se livrar dela, Ethan a beijava no
ombro e era como se ele também não quisesse se
livrar do que estavam sentindo.
Isso foi um erro, um erro enorme! Ela
gritava consigo mesma e naquele momento dissera
as palavras mais difíceis de toda aquela insana
noite, mas as corretas.
─ Eu tenho que ir.
Os beijos dele cessam e por um tempo
rezara para que ele pedisse para ela ficar, que se
opusesse que a abraçasse e a fizesse dormir em seus
braços, mas o que sai da boca dele a causa
decepção, mas também sabia que estava sendo
sensato e que recobrara a razão.
─ Tudo bem – Ele se afastava sem
demonstrar abalo. ─ Você está certa.
E tudo que sobra novamente é o vazio.

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“A mentira é muitas vezes tão involuntária


como a respiração.”
Dom Casmurro
Machado de Assis

O dia seguinte amanhecera nublado. Parecia


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que enfim o outono chegara à Londres com força


total. O sol se escondera por detrás das nuvens
densas e carregadas dando a cidade um clima
melancólico. A paisagem dos jardins do campus era
composta por várias árvores sem folhas com seus
galhos secos expostos, despidas de qualquer
proteção, e Ethan não pode deixar de se assemelhar
àquela estação.
Dentro de si a melancolia o tomava. Sentia-
se como aquela árvore que teve folha a folha
arrancada pelos artifícios do tempo, assim como
sua assistente fizera livrando-o pouco a pouco de
sua defesa, com seus ataques certeiros e hábeis. Ele
combinava com o clima do dia, parecia até que era
proposital, como se o tempo risse mais uma vez
dele, ressaltando a culpa que sentia, como se essa já
não fosse enorme.
O que fizera no dia anterior ia contra tudo o
que acreditava ser correto. Permitir se entregar
daquela maneira, deixá-la se aproximar, se infiltrar
por entre a falha que forçadamente ela havia feito
em seu muro, ela agira de maneira tão sorrateira
que nem percebera a trinca se formando em sua
barreira. Naquela hora era fora sim o alfinete, e ele

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nem teve tempo de impedir o contato de sua ponta


afiada.
Justo ele que possuía fantasmas demais não
poderia permitir se deixar levar em uma situação
como aquela. Ele era o responsável ali, era o mais
velho, e tinha um cargo que era superior ao de sua
acompanhante, a responsabilidade era toda dele, ele
que deveria ter impedido, deveria ter se levantado
na mesma hora e a mandado embora, ou melhor
ainda, não deveria ter respondido aquela mensagem
com um “Ok”.
A sucessão de erros começara por ele, desde
aquela simples palavra com duas letras até o ato
insano e urgente com que a segurara e beijara. Ele
era o culpado, permitiu tudo aquilo, ele cedera as
incansáveis tentativas de Sarah para se aproximar.
E como se beijar sua aluna não fosse o
suficiente para sua lista de culpa, ele a tinha levado
para o quarto e feito sexo com ela, satisfazendo seu
desejo crescente e acumulado.
Tinha que confessar que no momento em
que ambos se moldaram na cama, trançando seus
corpos e se derramando em prazer, sentira algo em
si que nada do que pudesse pensar ou fazer seria
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capaz de tirar dele. Era como se seu coração tivesse


permanecido em um estado adormecido durante
todos esses anos de ausência de companhia, um
fato que ele havia confundido com a morte da
capacidade de sentir. Ele sentira vida, como se seu
coração despertasse de um longo sono e pulsasse
pela primeira vez.
Mas havia coisas que mantinha consigo que
o evitavam de seguir em frente, de viver sua vida,
de se perdoar, e foi por essas coisas que construíra
o seu muro.
Quando se passa pelo pior da vida e
sobrevive para contar a história, você com certeza
faz de tudo o que for possível para não ter que
passar por aquilo novamente. Utiliza todas as suas
armas para se proteger e a quem você ama. Mas e
se no caso a pessoa que você ama partiu? O que lhe
resta? Apenas a velha e conhecida solidão, e
quando você tem somente a companhia dela, se
depara com uma verdade irrefutável, quando
permite que alguém entre em sua vida tem que estar
preparado para um dia dizer adeus, e como ele já
dissera, não era bom com despedidas.
Se para amar e sentir o lado bom desse
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sentimento tem que estar preparado para o lado


ruim, valia a pena senti-lo? Correr o risco?
Acreditava que se alguém respondesse sim para
essas perguntas é por que com toda certeza não
vivenciaram o lado ruim como ele, não passaram
pelo pior que se pode imaginar, não sabiam o que
era a real dor da perda, da culpa e da solidão. Então
ele escolhera sepultar seu coração e blindar-se, mas
tudo fora abaixo até a porra de um beijo.
Naquele momento que a encara nos olhos
castanhos vira sua suplica e reconhecera o brilho
lascivo e luxurioso, e soube que ela o queria e
desejava assim como ele. Acreditava que o simples
toque dos dedos dela em seu peito foram os
responsáveis pela rachadura libertando enfim o
velho Ethan, causando-lhe conforto e fazendo-o por
um período esquecer-se dos motivos pelo qual
enterrara seu passado, depois de muito tempo
sentira paz.
Mas nada do que fora citado até agora
justificava a atitude tomada por ele, perdera razão
assim que retribuíra a atenção que Sarah queria, e
quando, após toda aquela cena inadequada e
imprudente que tiveram entre seus lençóis, ela lhe

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dissera que precisava ir embora, nunca se sentira


tão envergonhado na vida, e assim que ela saíra
pela porta sentiu mais uma culpa ser adicionada a
sua extensa lista.
Quanto mais avançava pelo campus naquele
início de tarde, mais sentia todas elas pesarem
sobre seus ombros, como as nuvens que escondiam
e carregavam o céu sobre ele.
Teria que encará-la, não havia nada que
pudesse fazer para evitar ou adiar isso, mais uma
vez suas manias o punindo.
Parado em frente à porta de seu escritório,
encara seu nome na placa parafusada e
ornamentada na madeira escura e envernizada.
Fitava cada letra como se as lesse lentamente e não
conseguiu evitar imaginar escrito, bem no lugar que
indicava o seu cargo e formação, a palavra
IRRESPONSÁVEL em letras garrafais. Aquilo o
torturaria para sempre.
Para seu descontentamento assim que abre a
porta encontra-a sentada na cadeira atrás de sua
mesa no canto esquerdo, distraída olhando para a
tela, que assim que ele avança cômodo adentro-o
nota estar desligada.
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Pode notar a postura dela se endireitar assim


que o vê. Ela não o olhava nos olhos, estava com
uma aparência exausta e um pouco pálida.
— Boa tarde, senhor Collins. — Ela é a
primeira a quebrar o silêncio.
— Boa tarde, senhorita O’Connor. — Dizia
sério seguindo até sua escrivaninha e colocando seu
notebook e maleta nos lugares costumeiros.
Com o canto do olho podia vê-la ainda
sentada e imóvel em sua cadeira. O clima que os
rondava era extremamente constrangedor e
inusitado, principalmente por causa dela, pois
afinal, ver Sarah O’Connor sem palavras era algo
novo.
Sobre sua mesa recolhe um caderno que
utilizava como sua ata particular quando ia a
reuniões da universidade, teria uma ainda naquela
tarde. Com o que precisava em mãos ele se vira e
encara sua companhia pela primeira vez e essa
agora decidira parar de fingir que olhava algo na
tela do computador, pois agora o ligara de verdade.
Passa a mão nos cabelos uma, duas, três
vezes, ajeitando-os em um ato de constrangimento.

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— O’Connor? — Ele enfim a chamava, mas


não recebe seu olhar fixado a ele, apenas um aceno
sutil de sua cabeça. — Sobre ontem... — Começava
a lhe dizer e ela lhe oferece um suspiro impaciente.
— Eu... Eu... Te devo desculpas.
— Pelo o que? — Ela rebatia.
— Fui completamente irresponsável e
pouco profissional.
— Esqueça. Não aconteceu absolutamente
nada. — Ela se levantava com alguns papéis que
estavam sobre sua mesa em seus braços,
inevitavelmente os olhos dele percorrem o corpo
dela o traindo, para sua alegria e sua estabilidade
mental, nada de vestido naquele dia.
— Como pode dizer que não houve nada?
— Recebia um dar de ombros dela. — Então vai
ser assim? Vamos fingir que nada aconteceu? —
Dizia um pouco mais ríspido do que gostaria.
— É melhor assim, não acha? — No
arquivo no canto ela começava a guardar os papéis.
— É o que você quer? Acha que esse tipo
de atitude ajuda?
— O quer que eu diga então? — Ela se
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exaltava o encarando pela primeira vez. — Que eu


gostei? Legal! Eu gostei, mas aquilo foi apenas
sexo e nada mais! Está satisfeito?
Após um suspiro cansado indicando quase o
limite de sua paciência ele continua.
— Eu me sinto no dever de lhe pedir
desculpas pela minha atitude e minha falta de
profissionalismo. — Dizia irritado, sua
irresponsabilidade pesando a cada palavra dita por
ela. — Eu... Me excedi. Fui imprudente. Poderia ter
acontecido... Algo pior. Nós fizemos sem... Sem...
— Camisinha, era o que queria dizer, mas não
conseguia terminar a frase.
O peso aumenta mais ao pensar naquela
palavra. O que estava acontecendo com ele? Como
pode permitir algo como aquilo acontecer? Sem
camisinha, ele havia transado com sua aluna sem
camisinha. Não que ele tivesse uma, pois não
possuía, para ele não fazia sentido ter algo que
sabia que não iria usar, afinal por que alguém faz
de tudo para afastar as pessoas teria algo como
aquilo?
Talvez, pensando melhor agora, a palavra
IRRESPONSÁVEL não fosse o suficiente para
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compor sua placa na porta. Se fossem colocar todos


os adjetivos que o definiam pelas coisas erradas
que fizera, a placa ia ter que ser bem maior.
— Olha. — Dizia tentando controlar sua
irritação. — Prometo que aquilo não vai mais se
repetir. Foi... Um erro.
— Aquilo tudo foi... Apenas... Carência. —
Ela desviava seus olhos, envergonhada. — Eu o
incentivei a continuar, o senhor me pediu para
impedir e eu não o fiz, então também lhe devo
desculpas.
— Você não me deve nada. — Depois de
mais um tempo com um silêncio constrangedor ele
prossegue. — Acho melhor não nos encontrarmos
mais fora do campus e se você desejar sair do
estágio eu compreenderei e não irei me opor.
A demissão dela fora uma das primeiras
coisas que cruzara sua mente assim que acordara, e
até metade daquela manhã estava decidido que
aquele seria o jeito. Redigira diversas vezes o
documento que encerraria suas torturas diárias, mas
sempre ao final não possuía a coragem para
finalizá-lo e imprimi-lo. Não se achara no direito de
fazer aquilo, pois a culpa fora dele, como poderia
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puni-la por algo que ele começara? Então decidira


que iria deixar a escolha dela.
— Assim que fui embora ontem, estava
decidida que esse seria o melhor caminho, cancelar
o estágio. — Ela dizia após refletir brevemente
sobre o assunto. — Mas após esfriar um pouco a
cabeça, decidi que não quero que esse “erro” ... —
Enfatizava a última palavra. — Atrapalhasse meu
desempenho acadêmico. — Dizia com firmeza. —
Eu quero muito me tornar uma profissional da área
e não posso fazer isso sem a sua nota, e só a terei
no final do semestre. A não ser que queira me
mandar embora.
— Não pretendo fazer isso.
— Por que não?
— Por que está se esforçando para
recuperar a nota e não acho justo tirar isso de você.
Aquelas palavras parecem surpreendê-la.
— Apenas nada de encontros fora do
campus. — Ele repetia.
— Concordo.
Com um pigarro ele se afasta encerrando

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aquele assunto, como se fosse algo fácil de ser


finalizado, como se estivesse resolvido. Tentava se
convencer que logo tudo aquilo passaria e voltaria
ao normal, estava farto de sentir-se distraído na
maior parte do tempo, não lhe agradara nada as
aulas que dera pela manhã, podia estar em corpo
presente na sala, mas sua mente estava muito longe
dali, mais precisamente em um corpo quente que o
acolhera entre seus lençóis. Detestava não se doar
100% ao seu trabalho, sentia-se negligente.
— Tenho uma reunião com o corpo docente
daqui... — Ele olhava o relógio de pulso. — Vinte
minutos. Então provavelmente não nos veremos
mais hoje. Deixe tudo arrumado, termine de
guardar esses documentos, quando o professor
Johnson terminar de usar o laboratório três, por
favor, deixe tudo arrumado por lá e se alguém me
procurar anote o recado e deixe sobre minha mesa.
— Dava-lhe as ordens se movimentando e
recolhendo tudo o que precisaria.
Ela apenas concordara em silêncio, dando-
lhe as costas assim que terminara suas ordens e
voltando ao que fazia antes. Talvez voltar ao que
era antes não fosse tão difícil assim, talvez ele se

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preocupasse demais e na realidade aquilo que


acontecera fora como ela dissera, algo que poderia
ser esquecido.
Saindo pela porta, Ethan já se preparava
para a construção de seu novo muro, novas
rachaduras não seriam toleradas.

Os dias que se sucederam passaram lentos,


arrastados e torturantes. A convivência entre eles,
para quem visse de fora, ocorria na mais perfeita
harmonia. Ele dava ordens e ela obedecia. Parecia
até mesmo o sonho dele, assim que ela começara a
trabalhar ali, se realizando. Mas aquilo para ele era
falso.
Mesmo sabendo que essa atitude escolhida
por eles fosse a correta, não podia deixar de sentir
falta das conversas que tinham, pois ele não as
fazia com mais ninguém, não sabia o quanto sentia
falta de conversar até seus dias se tornarem mudos

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novamente.
Sarah aparentava estar bem, lhe oferecia um
comentário aqui e outro ali, às vezes ofertava-lhe
um sorriso em retribuição a algo que fizesse ou
dissesse, estava focada no que queria e ele não
podia negar que seu desempenho nas aulas e no
trabalho era mais do que satisfatório.
Mas em seu interior secretamente ansiava
por algum comentário espirituoso vindo dela, que o
retrucasse, que mostrasse a ele a língua afiada que
sabia que ela possuía e que tanto gostava de
provocar.
Sempre que podia passava a maior parte do
tempo fora do escritório, agradecera aos céus pela
sua agenda estar lotada de compromissos que,
como dissera a Sarah, eram inadiáveis, mesmo não
sendo totalmente verdade. Mas era sua fuga, não
conseguia passar muito tempo perto dela sem
deixar que sua mente o traísse.
Mas como sabemos bem a vida sempre nos
prega peças, e às vezes até quando estava “matando
hora” no campus entre as aulas da manhã ele a via
desfilando confiantemente pelos jardins, mudando
de prédio indo de uma aula a outra, ou até mesmo
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sentada na grama fazendo uma refeição, em


algumas dessas vezes não a vira sozinha, John
Tunner a acompanhava como um cão faminto atrás
de seu osso e aquilo não passou despercebido por
ele e não evitou revirar seus olhos todas as vezes
que se deparava com aquela cena. Entre tantos
alunos de fisioterapia ela tinha que escolher justo
aquele?
Naquela tarde, ele estava sentado em seu
escritório, infelizmente não havia nada na sua
agenda além de uma aula que começaria dali a 30
minutos e 25 segundos, não que ele estivesse
contando.
24... 23... 22... 21... 20.
Batia impaciente a caneta sobre o teclado do
notebook fazendo o barulho ritmado ser o único
som ambiente. Nunca as horas demoraram tanto
para passar.
Claro que havia um motivo maior pela sua
pressa em sair, e ela estava fazendo pequenos e
distraídos passos de dança enquanto tirava pó da
prateleira ao seu lado, e claro, para piorar, ela usava
um vestido vinho de mangas longas, mais apertado
em sua cintura e busto, com corte quadrado sobre
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os mesmo, ombros caídos e sua barra se abria mais


o deixando solto por sobre seu quadril.
Isso é tortura. Dizia a si mesmo forçando o
desvio de atenção cogitando a ideia de sair mais
cedo da sala.
Seu lugar era longe dela, mesmo que
naquele instante estivesse louco para segurá-la em
seus braços, vê-la sem aquele vestido, tocar sua
pele levemente bronzeada dando-lhe a cor do
pecado, beijá-la e se derramar sobre ela. Seus olhos
fitam novamente suas curvas, que ainda
distraidamente se mexiam com uma sutileza
sedutora, estava enlouquecendo, estava a um passo
de cometer a mesma insanidade e se perder naquela
mulher linda sem se importar com o que ela
significava, ou com seu ato.
Se pudesse dar voz ao seu desejo, se
pudesse realizá-lo, com toda certeza ele a tomaria
pra si e a preencheria silenciando a voz e findando
seus sonhos mais impróprios.
Enquanto imaginava os dedos dela
excitarem-lhe e eriçarem seus pelos em um toque
de completa luxuria em seu peito, brincando com
os mesmos em seus pelos e delineando as linhas
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que formavam sua musculatura até alcançarem o


botão de sua calça, sentiu algo apertar-lhe no meio
de suas pernas pressionando seu zíper.
— Merda. — Ele praguejava um pouco alto
demais, ao perceber o que estava acontecendo com
seu corpo.
Aquilo chama a atenção de Sarah no mesmo
instante, que parando bruscamente o que fazia o
encara confusa e alheia a tudo o que ele estava
passando.
— Algum problema, senhor Collins?
— Não. Estou bem, apenas lembrei-me de
algo. — Ele dizia após um pigarro se ajeitando
desconfortavelmente em sua cadeira.
Se concentra no seu trabalho. Repreendia-
se mentalmente.
Esfrega seu rosto como se aquele ato o
ajudasse a se focar, mas assim que encara o relógio
em seu pulso, o completo desespero o toma, um
frio sobe por sua espinha congelando-o, seu
coração falha em uma batida e suas mãos começam
a suar frio. Ele estava atrasado.
— Merda. — Praguejava agora mais alto,
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levantando-se bruscamente da cadeira fazendo-a se


afastar bons centímetros pela força exercida por
ele.
Seu peito subia e descia rapidamente, sua
garganta secava, aquilo não estava acontecendo,
não vira o tempo passar, se perdera, se distraíra, e
isso era inadmissível, imperdoável por ele. Da
última vez que aquilo lhe ocorrera sua vida mudara
completamente e a culpa fizera parte de sua
bagagem.
— O que houve senhor Collins? —
Perguntava sua assistente em um tom de genuína
preocupação. — O senhor está bem? Algum
problema?
Bem? Não, ele não estava nem um pouco.
Estava desesperado, reunindo suas coisas o mais
rápido que conseguia.
— Senhor Collins? — Sentia a aproximação
dela e o toque sutil em seu braço.
Com um sobressalto ele se afasta.
— Estou atrasado para a aula. — Dizia
simplesmente em um tom não muito amigável se
afastando e indo até a porta.
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Suas mãos tremiam ao tocar a maçaneta,


sentia o ar lhe faltar, ele não podia se dar ao luxo de
perder a hora. O passado mais uma vez ganhando
forma em sua mente, juntamente com cabelos lisos
e ruivos brilhando com a luz do sol.
Apressadamente ele desce as escadas
sumindo pelo corredor.

Sarah

Ela saboreava seu chocolate quente na


cafeteria do campus. O dia estava nublado e o
tempo um pouco frio para a roupa que decidira
usar. Um vestido não era a melhor opção para um
dia como aquele, enfim o outono decidira aparecer,
mas somente o escolhera porque todas as suas
calças estavam na lavanderia. Geralmente era sua
amiga que cuidava dessa parte, mas agora parecia
estar no mundo da lua. Não sabia como ela e Ryan
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conseguiam passar tanto tempo juntos.


Ok. Talvez ela soubesse como isso era
possível. Enquanto olhava pela janela da cafeteria
pensava em como sua vida havia sido simples há
alguns meses, antes de Ethan Collins e dele a
fascinar. Sim. Fascinar. Porque não adiantava mais
negar depois do episódio que tiveram, ele a
fascinava e estava completamente viciada nele.
Ela sabia que por trás de todo aquele
sarcasmo e grosseria havia um homem diferente,
pois ela o vira, fora beijada e desejada por ele, um
homem marcado por seu passado do qual não
conseguia esquecer, deixando submerso o seu
verdadeiro eu. Ela o entendia muito mais do ele
imaginava, Sarah compreendia o que era ficar presa
a uma única lembrança e agarrar-se a ela como se
fosse a coisa que mais importava em sua vida.
Quando ele a possuiu, seu corpo pareceu
entrar em estado de dormência, porém, seu coração
parecia ter acordado. Ela se sentiu livre, como a
primeira vez que dançou para uma plateia de pouco
mais de três mil pessoas na Irlanda.
Ela estava nervosa, porém orgulhosa.
Recebera aplausos e flores. Peônias brancas, as
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suas favoritas e daquele que agora não estava mais


ali.
Ela se negava a pensar em seu professor,
mas sua mente não colaborava. Na aula tudo o que
ela enxergava era o homem por trás daqueles lindos
e ardentes olhos azuis.
Evitava o encarar por tempo demais, evitava
ficar sozinha com ele e agradecera aos deuses da
dança pela agenda cheia dele naquela semana. Mas
ainda assim quando os dois estavam em seu
escritório ela podia sentir o peso do olhar dele
sobre ela. Podia sentir seus olhos a observarem e
aquilo causava em seu corpo arrepios que ela
tentava ignorar. Apertara tantas vezes em sua mão
o pingente que descansava em seu peito que temia
quebrá-lo. Tentava esquecer a voz dele quando a
chamara em meio ao prazer, as mãos grandes dele
apertando cada parte do seu corpo e a trazendo para
junto de si, seus lábios lascivos que saboreavam sua
pele.
Ótimo, agora estou excitada. Pensava
tentando mais uma vez inutilmente ignorar o
arrepio de sua pele.
Sarah nunca se julgou sem juízo, quer dizer
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ela tinha momentos de loucura quando adolescente.


Sair escondido dos pais para ir a uma festa, fumar
seu primeiro baseado e detestar prometendo nunca
mais ficar chapada. Perder a virgindade com seu
primeiro namorado. Coisas normais, mas transar
com seu professor dez anos mais velho, chefe e
totalmente irresistível tinha sido o ápice de uma
completa insensatez.
Ela culpara a carência, três anos sem
contato mais íntimo com um homem haviam
chegado ao seu limite. Mas ela sabia muito bem
que tinha sido muito mais que carência. O que
fizeram, o que ela sentiu era algo extremamente
bom, novo e completamente errado.
Errado, errado, errado.
Como algo tão errado podia parecer certo ao
mesmo tempo?
Ela levava seu copo aos lábios soprando um
pouco da fumaça que subia da bebida quente e
quando toma um pequeno gole e coloca novamente
o copo na mesa, seus olhos avistam a figura que
sempre a fazia se sentir à vontade. Seu amigo
David olhava ao redor da cafeteria como se
buscasse alguém no meio de tantos rostos, quando
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seu olhar recai sobre ela, David sorri aliviado e


apressadamente corre até onde ela estava se
sentando na cadeira vazia a sua frente.
— Até que enfim te achei, porque não
atende o celular? — Ele estava visivelmente
ansioso.
— Oi para você também Dave! — Ela o
cumprimentava.
— Pelo o visto alguém aqui está de mal
humor — Sarah o via franzir suas sobrancelhas
levemente.
Suspirando tenta afastar as imagens de seu
professor e se concentra em seu amigo.
— Foi uma semana difícil, me desculpe.
Acabou a bateria do meu celular, mas qual o
problema? — Ela o perguntava um pouco
preocupada.
Contendo sua respiração irrequieta ele diz:
— Eu conheci um cara no final de semana
passado. Fui até um bar com alguns amigos depois
de finalizarmos um trabalho sobre cirurgia
ortopédica e ele veio até mim e conversamos
durante um bom tempo. Ele é mais velho e formado
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em arquitetura — David passava as mãos em seus


cabelos nervoso e não parava sequer para respirar
enquanto falava. — Ele me disse que dança por
diversão e adivinha que estúdio ele frequenta?
Sarah sorri, sabia exatamente de quem
David estava se referindo.
— Respira David, calma. — Colocava sua
mão sobre a dele. — Então você é o anjinho de
sorriso encantador que o Robert tanto fala? —
Dizia de forma brincalhona.
— Ele falou de mim? — David não
conseguia disfarça a surpresa na sua voz e aquilo a
divertiu mais ainda.
— Difícil ele não falar, pelo visto Robert
tem um fraco por estudantes de medicina com
sorrisos encantadores. — Ela segurava sua risada
ao notar o olhar apreensivo e curioso de seu amigo.
Parecia que ele não fazia muito aquilo. Conversar
sobre futuras paqueras.
Ela agradeceu por ter um momento leve
com David, estava mesmo precisando distrair sua
mente, ocupando-a com outros assuntos.
— Eu estava te procurando por que...
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Ontem ele me chamou para sair, queria saber o que


você acha da ideia porque faz muito, muito tempo
que não saio com um cara e eu... — David não
parava de bagunçar seus cabelos. — Ainda não o
respondi.
— Robert é um cara muito legal. Inteligente
e tem um tanquinho de causar inveja — ela começa
a rir, já havia se segurado muito. — E se ele te
chamou para sair é porque gostou de você. E
acredite ele seleciona muito bem seus parceiros.
— A questão não é o Bob... Ahh — Ele se
corrigia rapidamente — Robert. Sou eu, não sei
como fazer isso, não sei se consigo.
Sarah suspira parece que ele precisava de
um empurrão e seria ela a dar.
— Dave, relaxa e me dá seu telefone. — Ela
o pedia o olhando com convicção.
— Meu celular? Por quê?
Sabia que se não agisse seu amigo daria
para trás e nunca mais passaria sequer na mesma
calçada do estúdio, e se tem uma coisa que ela
odiava era o arrependimento por algo que não
fizera por simples medo. Ela pega a mochila de seu
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amigo, abre e tateia até encontrar em meio a livros


e anotações o seu celular. Procura entre os contatos
o número que sabia que pertencia a Robert e sorri
ao ver as mensagens tímidas trocadas entre eles e
um singelo convite feito.
Com agilidade seus dedos percorrem entre
as letras respondendo por fim.
David: Eu adoraria sair para beber algo, no
mesmo lugar que nos conhecemos?
— Pronto. — Dizia devolvendo o celular ao
seu dono.
David rapidamente o pega e lê a mensagem
que ela enviara.
— Ai, Mi! Acha mesmo que foi uma boa
ideia? — Ele a perguntava pouco confiante.
— Está brincando? Claro que foi uma boa
ideia, aliás, eu ordeno que vá beber algo com ele,
converse e quem sabe depois... — Ela sorria
maliciosamente para seu amigo.
As bochechas dele agora adquirem um leve
tom de vermelho e ela não consegue ficar
indiferente.

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— Ahh fala sério David, você deveria estar


feliz, você tem um encontro! — Ela dizia com
entusiasmo e um pouco alto arrancando diversos
olhares dos alunos a sua volta que frequentavam a
cafeteria.
— Eu estou feliz, acredite, mas estou
nervoso não faço isso há um bom tempo. — David
se joga no encosto da cadeira respirando fundo.
— Você só precisa ser você mesmo e ele
vai te adorar, eu adorei. Mas infelizmente você é
gay. Não sabe o que perdeu. — Ela piscava para ele
de forma brincalhona.
Ela arranca uma risada dele um pouco mais
relaxada. Sarah o adorava e em tão pouco tempo
Dave já havia ocupado um lugar em seu coração.
Ele agora era como um irmão mais novo do qual
ela sempre poderia buscar ajuda. Infelizmente esse
irmão mais novo possuía um irmão mais velho do
qual ela não conseguia parar de pensar. E lá estava
mais uma vez em sua mente, Ethan Collins.
— Obrigado, Mi. — Ela amava aquele
sorriso dele, era tão acolhedor. — Mas e você não
tem saído com ninguém depois daquela nossa
conversa?
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O clima fica um pouco tenso e a expressão


relaxada que ela tinha se desfaz em questão de
segundos, sabia muito bem que ele a leria no
momento em que negasse que não havia saído com
alguém.
— Não, eu... Eu não. — Ela gaguejava.
— O que foi? Disse algo de errado?
Ai Dave, porque você tem que me conhecer
tão bem?
— Não. — Era a vez de ela passar as mãos
em seus cabelos nervosamente. — Eu já disse que
não saio com ninguém.
— Não pretende tentar? E aquela conversa
sobre se sentir atraída por alguém que não deveria?
Pensei que tinha algo a ver sobre você estar
gostando de alguém.
E ela gostava, mas não deveria gostar. Sarah
pensava que a vida seria muito mais fácil se todos
nós tivéssemos um botão de reiniciar. Assim a cada
sentimento novo que ela se negava a sentir era só
apertá-lo e pronto tudo voltava ao zero.
— Eu não posso Dave. — Sua voz saia
quase dolorida.
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Ela o escutava suspirar cansadamente,


aquela era uma daquelas conversas que sempre
acabava da mesma maneira.
— Eu acredito que as piores mentiras são
aquelas que contamos a nós mesmos.
— Você faz medicina e não psicologia.
— Temos matérias em comum com a turma
de psicologia e não estou te analisando, apenas
estou dizendo que não faz bem mentir para si
mesmo.
— Não estou mentindo para mim mesma,
Dave... — Ela fazia uma pequena pausa antes de
continuar. — Só que eu não posso gostar de
ninguém entende?
— Não controlamos isso, Mi. Essas coisas
acontecem ninguém prevê algo assim. Vivo
dizendo isso ao meu irmão.
Pronto. Pensamentos em Ethan Collins
modo on. Será que não terei nem cinco minutos de
paz?
Juntamente com a imagem dele em sua
mente, a curiosidade se faz presente, não havia
como ela ignorar algo como aquela confissão.
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— Você fala?
— Sim, por que ele diz a mesma coisa que
você há anos. Que não merece ter mais ninguém,
que não poderia, que quer ficar sozinho, mas essas
coisas acontecem e não adianta ficar mentindo para
nós mesmos. O amor é algo tão bom de sentir que
não merece ser simplesmente excluído da vida de
ninguém.
— É... Essas coisas acontecem... — Ela
vagueia em seus pensamentos até a noite em que se
tornou dele e se sentiu livre.
— Exatamente, não há nada melhor do que
se sentir parte de algo ou de alguém, mas você
conhece meu irmão sabe como ele é.
Você não faz ideia.
— Conheço até bem demais. — Ela deixava
escapar, mas se seu amigo ouviu não demonstrou.
— Acredito que quando ele se apaixonar
novamente sequer vai perceber e quando piscar os
olhos, pronto já foi.
— Onde ele a conheceu? A Margot — A
pergunta entalada no fundo de sua garganta escapa
de seus lábios. Ela tinha curiosidade em saber mais
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sobre ele, sobre o Ethan com quem passara horas


incríveis entre beijos.
— Na faculdade. Por quê?
— O que ela estudava? — Ele ignorava a
curiosidade de seu amigo sobre o súbito interesse
dela na mulher que um dia amara seu professor.
— Literatura.
Ela sorri lembrando-se das palavras dele.
“Eu aprendi a gostar.”
— Isso explica muita coisa. — Dizia
distraidamente enquanto suas mãos brincavam com
o copo que descansava na mesa. — Qual é a dele
com aquele relógio?
Aquela era a pergunta do dia. Sabia que ele
era regrado e todo preocupado com suas
responsabilidades e não aceitava nada fora de hora,
mas a reação que tivera naquela tarde, quando
praticamente saíra correndo da sala porque,
segundo ele estava atrasado para a aula, fora acima
de tudo muito estranha, até mesmo para ele.
Lembrava que assim que ele saíra olhara para o
relógio de parede e percebera que ele passara
apenas um minuto de seu horário. Mas o pânico era
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evidente em seu semblante, aquilo parecia o pior


dos crimes, questão de vida ou morte.
Seu amigo adquire uma postura pouco
confortável e seu semblante ficara sério.
— Isso é assunto dele, Mi. Não cabe à eu
contar além de que ele se prende muito ao tempo,
ele acha que se trabalharmos em favor do relógio,
ele não se torna nosso inimigo.
Se pega imaginando qual era a ligação de
seu professor com os ponteiros do relógio, a cada
descoberta uma nova peça do quebra cabeça se
encaixava, mas ainda faltavam muitas.
— Mi, você não tem achado meu irmão um
pouco estranho essa semana?
Aquilo a faz ter um leve sobressalto a
deixando ereta em sua cadeira e totalmente vidrada
em David.
— Estranho? Estranho como? —
Perguntava com certa rapidez.
— Ahh não sei, meio distraído e fora do seu
modo Cérbero normal.
— Ele tem tido muitas reuniões essa

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semana, deve estar cansado. — Ela limpava a


garganta algumas vezes fingindo desinteresse.
— Na última aula dele de anatomia II ele
falava sobre sexo e prevenção, mas do nada ele
parou e pensou por quase um minuto inteiro. Nunca
o vi fazer isso.
Ela passa a mão em sua nuca rindo um
pouco nervosa, ela não era a única que não
conseguia se concentrar pelo visto seu professor
também não tem estado 100%.
— Deve ser o cansaço ele é humano ou pelo
menos parece ser.
— É acho que você tem razão. — A voz de
David parecia pouco convencida. — Como você
passa bastante tempo com ele achei que deveria
saber de algo ou ter visto.
— Eu não vi nada. — Se apressava em
dizer. — Olha eu estou atrasada para o meu ensaio
no estúdio. Depois me conta como foi o encontro?
— Ela tentava mudar de assunto já se levantando e
pegando sua bolsa a colocando por sobre o ombro.
— Tudo bem eu te mantenho informada. —
Ele ainda a fitava com desconfiança — Tem
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certeza que está tudo bem? Não tem nada para me


contar?
Droga Dave! Sentia seus olhos azuis
penetrarem sua alma.
— Ahh, não, eu estou bem. Nos vemos
depois, tudo bem? — Sarah vai até ele e beija seu
rosto delicadamente. Acena para seu amigo e sai da
cafeteria.
— Até mais Mi. — O escutava gritar ao
longe.
Não parecia que seu professor estava se
sentindo abalado ou talvez ela estivesse tão
preocupada em esconder o próprio abalo que não
percebera o dele, mas a questão era que aquilo uma
hora teria que passar. Aquelas sensações uma hora
teriam que acabar e o episódio daquela noite teria
que ser esquecido apesar de seu coração dizer o
contrário.
David tinha razão, ela estava mentindo para
si mesma. Ela gostava do seu professor muito mais
do que gostaria e não conseguia controlar, mas pelo
bem de todos teria que tentar resistir e deixar de se
sentir tentada.

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Assim que ganha os jardins nota uma


movimentação de estudantes, não os tinha visto
quando fora para a cafeteria após seu estágio.
Alguns conversavam animadamente com outros
que vestiam um casaco escrito “Medicina” na barra
inferior, esses distribuíam panfletos e se
aglomeravam ao redor de uma barraca com os
dizeres coloridos em um cartaz “Sexo seguro, não
dê condições para os problemas futuros”.
Claro que ela sabia dos riscos ao se fazer
sexo sem camisinha, tanto que no dia seguinte ao
seu deslize procurou uma farmácia para fazer o uso
da pílula tomando uma pela manhã e a outra, 24
horas depois.
Só pode ser brincadeira. Pensava indignada
ao encarar a faixa e o sentido dúbio que a palavra
“dê” sugeria. Será que o assunto da semana é sexo
em todas as turmas? Como se já não bastasse as
aulas de anatomia sobre o órgão reprodutor
masculino.
Enquanto permanecia prostrada em meio ao
gramado não percebe uma aluna se aproximar e lhe
abordar com um sorriso contido.
— Olá. Nós do primeiro semestre de
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medicina estamos fazendo uma campanha sobre


sexo seguro nas universidades, visando que é o
local em que se ocorre o maior número festas e
também nos últimos anos mesmo com todo tipo de
informação disponibilizada por várias vias de
comunicação o número de alunas grávidas tem
aumentado consideravelmente nas universidades
inglesas, então resolvemos promover essa
campanha conscientizando os alunos. —
Rapidamente ela citava toda sua pesquisa, e Sarah
cogitou a ideia de procurar o botão para desligá-la.
— Pegue um dos nossos panfletos. — Dizia o
colocando em suas mãos. — Também estamos
entregando um kit com algumas camisinhas
masculinas e femininas. — Logo Sarah se via
segurando uma pequena sacola. — Muito obrigada
pela atenção. — A estudante se afastava e abordava
outra pobre coitada que assim como ela estava
alheia ao que estava acontecendo ali.
Encara a sacola em suas mãos ainda com a
boca entreaberta, não conseguira interromper
aquela menina um segundo sequer, ela não lhe dera
espaço, estava meio atordoada e ainda podia ouvir
sua voz estridente em sua cabeça.

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“Camisinhas masculinas e femininas. Sexo


seguro. Gravidez. Sexo. Sexo. Sexo.” Essas
palavras ficavam se repetindo.
Irritada ela enfia a sacola dentro da bolsa e
volta a se movimentar, precisava sair daquele lugar
antes que mais alguém pulasse detrás de um
arbusto ou saltasse de uma árvore e viesse
conversar com ela sobre sexo.

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"Dizem por ai, mas não tenho certeza, que


meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem
também que meus olhos brilham, dizem também
que é amor, mas isso sim é certeza."
Dom Casmurro
Machado de Assis

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Quem disse que moda era para os fracos e


que seus alunos não faziam nada além de desenhar
roupas que nunca ninguém viu além das passarelas,
nunca foi a uma aula de design e fotografia com a
senhora Hamilton. Aquilo sim não era para os
fracos de espírito e vontade. Aquela mulher
simplesmente não era fácil e muito menos os
trabalhos que dava. Aproveitara a manhã de
domingo para se reunir com seu grupo de projeto e
após algumas horas, em vão, a seu ver, sentia-se
como todo final de uma aula daquela matéria, uma
sobrevivente.
Mas claro sem perder sua compostura e
estilo, sempre muito bem arrumada como toda boa
aluna de moda deve ser, com seu vestido preto mais
justo, meia calça de renda, sapatos cor cereja com
salto agulha e um casaco amarelo com um corte
mais retrô, caminhava pela calçada de uma das ruas
atrás do campus com um sorriso desgastado nos
lábios.
Certa vez Coco Chanel disse: “Eu não
entendo como uma mulher pode sair de casa sem se
arrumar um pouco - mesmo que por delicadeza.
Depois, nunca se sabe, talvez seja o dia em que ela

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tem um encontro com o destino. E é melhor estar


tão bonita quanto for possível para o destino”.
Uma tarde como aquela não podia ser
diferente, acordara decidida em abraçar seu destino.
Após as horas tediosas e cheias de discussões que
desde o início você sabe que não levará nada a
lugar nenhum do tipo “Quem veio primeiro, a linha
ou a agulha?”, Alexia se inscrevera em um
programa para jovens modistas, enviando seu
portfólio enquanto rezava para sua diva Amélia
Hepburn a ajudasse a passar.
Não que não fosse boa naquilo que fazia,
mas aquele tipo de programa selecionava apenas os
melhores dos melhores e a taxa de aprovação para
alunos de outras universidades eram incrivelmente
baixas. Ser aceita estava no mesmo patamar que
fazer o príncipe Harry se apaixonar perdidamente
por ela aponto de largar a esposa, ou seja, um
milagre.
Nervosa e mentalmente exausta, decidira ir
visitar Ryan, precisava relaxar e rir um pouco, nada
melhor do que a companhia dele para isso, mas
acima de tudo estava achando estranho seu sumiço,
não era comum aquele tipo de silêncio vindo dele,
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um dia inteiro sem notícias era de se suspeitar.


Então caminhava decidida pela calçada de onde
ficava a casa dele, a Sigma, enquanto seus saltos
batiam ritmadamente nas pedras.
Quem olhasse para a fachada daquela casa,
diria que era apenas mais uma das várias de classe
média alta que havia naquela rua, inocente com
aqueles tijolos vermelhos cobrindo a fachada e um
pequeno jardim enfeitando e dando uma diferente
tonalidade à imagem, mas se aqueles tijolos
falassem, haveria muito assunto para manter
entretido o escritor de algum desses sites com
assuntos pervertidos.
Lá dentro, na sala, uma típica cena de uma
república masculina. Caras jogados no sofá, dois
deles jogavam com voracidade um jogo de futebol,
enquanto outro assistia com uma ruiva sentada em
seu colo que mais parecia interessada em chamar a
atenção de fortão que a segurava e bebericava uma
cerveja, sugando e mordendo seu pescoço, do que
na tela da TV.
— Oi meninos. — Ela chamava a atenção
de todos.
Os três a olham dos pés à cabeça inclusive a
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ruiva.
Billy, o que tinha anteriormente a aspirante
a vampira em seu colo, um rapaz com pele morena
e cabelos castanhos que Ryan já mencionara que
todos na casa o chamavam de Billy bomba a
encarava. Até aquele momento ela não entendia o
porquê daquele apelido tosco, mas ao observá-lo
pode perceber de onde surgira. Ele era enorme e
com uma musculatura completamente definida que
ficava evidente mesmo com sua jaqueta escura que
usava. Ele poderia muito bem seguir carreira de
fisiculturista caso a de advogado desse errado.
— Onde é o desfile? — Ele era o primeiro a
falar.
— Perdeu o caminho até a fashion week,
princesa? — Era a vez de um dos jogadores de
vídeo game enquanto a secava dos pés à cabeça se
manifestar.
— Não sei e você perdeu o caminho até a
loja do brechó ou sua mãe que veste você? — ela
sorria debochadamente.
Se tinha algo que Alexia detestava era que
falassem de suas roupas.

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— Na verdade não, mas se você quiser me


vestir, não vou reclamar — Ele piscava de forma
sedutora para ela.
Ela bufa em resposta.
— Não sejam idiotas — O único da sala que
se mantinha calado e não a encarava diretamente
fala — É a nova garota do Ryan.
Como é que é? Eu ouvi bem?! Que porra é
essa de nova garota?
— Me desculpa. A “nova garota”? — Ela
perguntava cruzando seus braços e sendo
completamente ignorada.
— Então você é a patricinha do Ryan? —
Billy perguntava.
Ela suspira fortemente. Patricinha? Isso é
pior do que falar das minhas roupas. Pensava.
Não era superficial como uma garota
mimada, ou tinha muito dinheiro na conta para
esbanjar. Ela só gostava de se vestir bem, aliás, ela
mesma fazia suas próprias roupas tendo em vista
que a faculdade sugava todo seu dinheiro deixado
por sua avó. Ela apenas gostava de andar bem
vestida, já que na sua adolescência não era bem o
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exemplo de vestida para matar. Há algum


problema nisso?
— Não sou patricinha. — Ela descruzava
seus braços — Cadê o loirinho?
A risada de todos na sala se propaga como
se ela tivesse acabado de contar a piada do ano.
— Loirinho... — O tal do Billy a dizia em
forma de deboche. — Ele está lá em cima, mas... —
O cara que a identificara para seus amigos o
interrompe e quando ele vira o corpo e a encara
com um brilho malicioso nos olhos ela na mesma
hora o reconhece, era Luke o melhor amigo do
Ryan e o cara que sempre que a via tinha a mania
de chamá-la por um adjetivo que a irritava muito.
— Ele está ocupado, linda — Um sorriso
malicioso se formava em seu rosto combinando
com o brilho dos olhos e Alexia fica sem reação a
primeiro instante.
— Onde fica o quarto dele?
— É o segundo a esquerda.
Sem se despedir ou indicar que iria embora,
ela caminha em direção as escadas, mas assim que
alcança o topo escuta vozes femininas e dá de cara
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com três garotas exatamente iguais e que se


vestiam como se fossem a uma boate stripper.
— Eu disse que devíamos ficar mais vezes
com os estudantes de direito. — Uma delas falava
para suas irmãs gêmeas em um tom meloso.
Passavam por Alexia sem nem ao menos se
importarem com sua presença ali enquanto em sua
mente vinha à frase dita há muito tempo por Ryan.
“Eu poderia estar agora com trigêmeas que
praticamente me imploraram para comê-las”.
Suas narinas inflam imediatamente e a raiva
se torna presente em todo seu corpo, ela se
recriminava, já deveria saber que ele não seria
diferente. Pisando fundo ela caminha até seu quarto
e entra sem bater.
Ryan estava sentado em sua cama
concentrado em sua leitura de um livro que
descansava em seu colo enquanto anotava algo em
um caderno, mas tem sua total atenção desviada
para ela quando a porta se abre em um rompante.
— Oi, Lex! O que faz aqui? — Ela o via se
levantar e ir até ela, mas Alexia afasta-se alguns
passos e ergue sua mão o impedindo de tocá-la.
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— O que eu faço aqui? — Ela ria com


sarcasmo — Então só porque ainda não transamos
você resolve fazer um ménage à troir com as
primeiras candidatas a stripper que encontra? Não
consegue manter esse pênis dentro das calças?
— Ahh... Candidatas a strippers? Do que
está falando, Lex?
— Achei que você era diferente, quer saber
foda-se você. Deveria ter continuado com as
meninas mesmo, pelo menos essas são honestas.
Então pode ficar com as trigêmeas que acabaram de
sair do seu quarto. — Ela novamente cruzava seus
braços com a face vermelha de raiva direcionada a
ele.
Então a risada gostosa dele escapa de seus
lábios.
Por que ele está rindo? Isso não tem a
mínima graça.
— Trigêmeas? No meu quarto? Você as viu
saindo por acaso?
Ela abre a boca para questioná-lo, mas os
argumentos não veem, pois como sempre, ele tinha
razão. Ela não as viu saindo exatamente do quarto
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dele apenas trombou com elas na escada. Argh


odeio ele ser tão bom em argumentos.
— Não precisei, elas estavam falando muito
sobre como os alunos de direito são incríveis.
— E por acaso sou o único aluno de direito
que mora aqui?
Ele vai ser um ótimo advogado.
— A cara que seu melhor amigo fez quando
falou que estava ocupado o entregou. — Ela se
recusava a perder, mesmo sabendo que iria.
— Lex... — Ele se aproximava mais dela
com cautela — Como sugere que estivesse fazendo
isso enquanto estudava? Eu era o réu, uma era
advogada de acusação, outra de defesa enquanto a
última era a juíza e gostava de bater o meu
martelo? Eu estou sim ocupado, mas porque
amanhã tenho uma prova. Estou estudando e não
transando.
O olhar zangado dela vagueia até a cama
onde pode mais uma vez perceber alguns livros
jogados, papéis amassados e um caderno rabiscado
ao lado de um livro enorme. Suas faces vermelhas
agora de vergonha fazem sua expressão suavizar.
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Preciso parar de comparar ele a Trevor.


Ryan não é um Trevor!
— Eu não sabia que as BDF’s estavam aqui,
elas deveriam estar no quarto de algum dos outros
caras.
Ela tomba sua cabeça para o lado confusa.
— BDF’s?
— Boas. De. Foder. — Aquilo a arrancava
uma risada baixa. — Os caras gostam de chamá-las
aqui por que elas não negam nunca.
— Vocês as chamam assim?
— Não na frente delas, mas tem uns caras
mais idiotas que as chamam de Delivery.
Mais uma vez lhe oferece uma expressão
confusa.
— Você liga e a comida é entregue em casa.
— Ele explicava.
Nossa como os homens são horríveis.
Ela não o encarava diretamente, mantinha
sua pose de menina mimada, se recusava a ceder,
mas sabia no fundo que ele estava dizendo a
verdade.
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Ryan Davis poderia ser um idiota a maioria


das vezes, indelicado e totalmente sem noção, mas
ele nunca mentiria para ela. O coração dela se
acalma à medida que soltava sua respiração.
— Luke me chamou de garota nova.
— Por que é o que você é Lex, estamos
juntos e você é nova por aqui. — Ela o fitava com
insatisfação. — Eles sabem o seu nome, por favor,
não ligue para eles. É por isso que nunca a trouxe
aqui. — O escutava suspirar. — Não liga para o
Luke, ele faz tudo para me irritar.
— Por que você anda com esse cara? —
dizia irrita ao lembrar-se de como ele a encarava e
como a enganara com aquele sorriso malicioso, a
fizera duvidar do Ryan.
— Lex, ele é meu melhor amigo, conheço
ele minha vida toda. Nossos pais são sócios, nossas
mães são amigas e a irmã dele é casada com meu
irmão. — Dizia se aproximando mais a
encurralando entre a parede ao lado da porta ainda
aberta. — Por conhecer ele que eu digo ele é um
idiota, às vezes um cretino, mas é um cara legal na
maior parte do tempo.

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Com seu olhar fixo ao dela, ele com um


movimento lento e calculado do braço fecha a
porta, fazendo-a escutar o barulho da tranca bem
próximo ao seu ouvido. Sentia as mãos dele
acariciar a lateral dos seus braços, esfregando-as
sutilmente por sobre o tecido do casaco e subindo
até sua nuca.
— Pare de fazer isso — Ela descruzava seus
braços, se rendendo — Fica difícil me chatear com
você quando faz isso. — Ela suspirava relaxada.
— Lex, não se preocupe ok? Eu não fiquei
com mais ninguém, para você ter noção eu não faço
sexo há três semanas, por sua causa, isso é um
recorde. Deveria se sentir orgulhosa, eu nem te
comi ainda e já estou viciado.
Ela começa a rir relaxada em seus braços.
— Foi à coisa mais romântica que alguém
já me disse. — Ela agora o sentia virá-la a
escorando na parede, enquanto afastava seus
cabelos e beijava sua nuca — Odeio como
consegue mexer comigo — Alexia sorri de olhos
fechados.
— Acredite. Você mexe muito mais

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comigo.
Ela se afasta antes mesmo que ele
continuasse indo até a cama dele e retirando seu
casaco o jogando de lado.
— Hoje me candidatei em um programa
para alunos prodígios de moda. Enviei meu
portfólio, mas não estou esperançosa. — Ela se
sentava na cama e respira fortemente.
— Por que não? Você é muito inteligente e
seu portfólio é incrível. — Ryan sentava-se ao seu
lado.
— O programa é muito difícil de passar, só
os melhores dos melhores conseguem.
— Precisa confiar mais no seu trabalho,
Lex. Ninguém pode dizer que você não é capaz de
nada. — Ele colocava sua mão sobre a dela que
repousava em sua coxa exposta. — Você é a
melhor dos melhores para mim.
Merda. Acho que estou começando a me
apaixonar por ele.
— O resultado sai até o final do semestre,
só me resta esperar. Se conseguir vou te apresentar
minha coleção especial de lingerie. — Ela sorria.
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— Com direito a desfile? — Um sorriso


safado enfeitava seu rosto.
— Com toda certeza — Ela se jogava na
cama dele afastando os papéis e livros ali jogados.
— Sabe o que seria incrível? — falava de forma
manhosa enquanto retirava seus sapatos com seus
próprios pés e se contorcia na cama — Se você me
fizesse uma massagem.
Lentamente ela via as sobrancelhas dele se
ergueram dando ênfase ao seu sorriso que se
alargava ao ver seu vestido subir à medida que ela
se contorcia feito uma gata aninhada em seus
lençóis.
Ryan ficava de joelhos na cama e engatinha
até ela, colocando seu corpo por cima. Ele se
apoiava em seus braços enquanto roçava seu nariz
na pele da bochecha de Alexia.
— Onde quer que a mágica dos meus dedos
seja exercida?
Ela sorri enquanto envolve suas pernas na
cintura dele o puxando para si.
Sabe a frase sobre abraçar seu destino? Sabe
quando você se sente pronta para algo e resolve dar
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o primeiro passo? Ou quando tem a certeza


absoluta que o cara certo apareceu? Bom, ela estava
se sentindo assim agora. De alguma maneira que
ela desconhecia, Ryan havia entrado na vida dela
de forma abrupta e conquistado cada pedaço de
onde a tocara, mostrando a ela que a felicidade
pode vir de onde se menos espera e pela primeira
vez ela se sentia no lugar certo e hora certa.
As melhores coisas da vida surgem do nada
não é o que dizem? E não é aí que está a graça? Na
surpresa, na descoberta de algo totalmente novo,
nas mudanças que ocorrem e nos formam, se
descobrir todos os dias um pouco mais.
Quando ela era uma adolescente, passou a
morar com a sua avó e ingressara em uma nova
escola, passou a desejar algo que maioria dos
adolescentes solitários, como ela era, desejava. E
não, não era um celular. Alexia desejava alguém
com quem pudesse contar. Uma amiga ou um
amigo, apenas alguém para ajudá-la a atravessar
aquela fase de mudanças, o que, como podemos
suspeitar, não ocorrera. E com o tempo ela
aprendeu que até um mundo cor de rosa possuía
pontos pretos.

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E quando confiou em Trevor e acreditou em


suas palavras doces, foi quando percebeu seu
mundo cor de rosa se transformara em um degrade
de preto e branco. Foi ficando transparente até
Ryan aparecer e colocar um pouco de cor
novamente. Esquisito como as coisas funcionam
não é mesmo? A vida sempre encontra os seus
meios.
Ela nunca se imaginou como agora.
Beijando um cara, sendo acariciada por ele, ouvir
sacanagem e gostar de ouvir, pois vinda dele não
parecia nada repugnante como imaginara que seria.
Ryan tinha o dom de deixar um belo “vá se foder”
em algo incrivelmente bom de ouvir.
— Talvez massagem não seja o que precise.
Ela sentia os beijos dele na curvatura de seu
pescoço, enquanto suas mãos trabalhavam em seu
corpo acariciando sutilmente sua cintura curvilínea
e chegando ao seu seio o apertando.
— Onde quer que te toque hoje?
— Não Ryan, você não me entendeu. — Ela
puxava o ar e solta, tomando coragem — Eu estou
pronta para tentar.

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A surpresa era nítida em seu rosto, parando


seus movimentos ele a encarava com certa dúvida.
— Sério?
Ela acena afirmativamente com a cabeça e
logo ele captura seus lábios sem demora a beijando
com fervor enquanto comprimia sua pélvis na dela.
Alexia sentia a língua de ele a invadir sem pedir
permissão.
Suas mãos percorriam por sua coxa
erguendo seu vestido e tirando sua meia calça com
pressa, como se ela pudesse mudar de ideia a
qualquer minuto.
Alexia o ajudava a tirar suas roupas com a
mesma pressa. Rolando ele na cama e ficando por
cima ela leva suas mãos até as costas e desce o
zíper do vestido enquanto o observava admirar a
sua lingerie exposta após descer o tecido pelos
ombros os amontoando ao redor da sua cintura. Ela
gemia ao sentir seus dedos excitarem seu mamilo
coberto pelo sutiã e descer até seu abdômen.
— Porra, você é tão gostosa Lex e essa
lingerie vermelha fica perfeita em você.
Ela sorri maliciosamente enquanto levava as
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mãos agora ao feixe do sutiã o retirando, seus


cabelos caiam sobre seus ombros fazendo os olhos
azuis dele ferverem de excitação.
— Ursinho. — Ela quase sussurrava baixo o
apelido dele dado por ela há pouco tempo. Ryan
tinha um abraço tão quente e aconchegante que a
lembrava um urso de pelúcia, daqueles em que a
criança sempre dorme com ele ao seu lado. — Eu
estou pronta. — Ela implorava enquanto as mãos
dele acolhiam os redondos e durinhos seios dela.
Fechava seus olhos enquanto se remexia em
seu colo quando sente os lábios dele devorarem seu
mamilo enrijecido, sugando com avidez cada um
deles.
Alexia não consegue segurar o grito baixo
que escapa de sua garganta e logo ela intensifica
seus movimentos sobre o membro rígido dele o
convidando a se libertar da cueca. Ela bagunçava os
cabelos loiros dele ansiosa por mais do que ele
oferecia.
— Mais rápido Ryan. — Ela implorava.
Ele retirava por completo seu vestido o
jogando no chão com movimentos ágeis. Erguendo

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seu corpo sobre o dele Ryan a joga deitada de


barriga para cima sem largar seu seio em momento
algum.
— Tem certeza disso? — Ele parava de
sugá-la e a encarava ofegante — Posso esperar
mais, não tem problema.
Ela solta um grunhido insatisfeita por ele ter
parado.
— Eu juro que se você não continuar eu vou
sair por aquela porta e você vai ter que bater uma.
Sem mais questionamentos ele retira sua
calcinha a jogando de lado, deixando-a totalmente
exposta e entregue a ele, seus olhos transbordavam
desejo e luxuria enquanto os mesmos percorriam o
caminho até o meio de suas pernas.
Prontamente ele se levanta da cama
arrancando a própria cueca e a jogando longe
ficando completamente nu em pé ao lado da
mesma. No criado mudo ao seu lado ele retira uma
camisinha das várias que guardava ali.
Ela morde seus lábios manhosa o
convidando a se aproximar, sabia que ele adorava
quando ficava assim.
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Alexia o vê rasgar o pacote e em segundos


ele estava novamente entre suas pernas
pressionando seu membro na pele arrepiada de sua
barriga.
— Você está pronta? — Ele lhe sussurrava.
— Por favor, Ry... — Ela quase
choramingava com suas faces coradas, desejando
que ele a tomasse.
Ofegante ele afastava seu rosto do dela,
podia ver que hesitava. Alexia o puxa para si
agarrando-se a sua nuca e o beijando de uma forma
apaixonada.
Merda, eu me apaixonei!
— Confesso estar um pouco nervoso. —
Ele dizia em seus lábios. — Nunca fiquei com uma
virgem antes.
Ela envolve seus lábios em um beijo quente
incentivando-o a continuar chamando-o para si, que
prontamente a atende se posicionando em sua
abertura, a ponta do seu membro se faz presente a
tocando.
Quando Alexia sente Ryan a invadir pela
primeira vez, uma sensação jamais experimentada
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por ela surge, era algo como o êxtase puro e


simples. Como a mais pura droga tomando cada
parte do seu corpo e no momento que ele começa a
se movimentar chocando suas pélvis em um
encontro luxurioso, correntes elétricas transpassam
sua espinha, braços e pernas, estava à mercê de seu
desejo. Ela estremece em seus braços se moldando
a ele enquanto gemia seu nome.
Ele matinha seus movimentos ritmados e
ela sentia sua pele em chamas, uma camada fina de
suor se formava nas costas dele, essas que Alexia
arranhava a cada nova sensação de frenesi que a
tomava. Com uma das mãos ela enlaça seus cabelos
loiros o puxando mais para si. Ela precisava
extinguir o espaço entre eles, precisava daquele
tipo de contato.
Alexia tinha seu corpo junto ao dele sendo
acariciado em lugares inimagináveis, o suor de
ambos se misturando formando uma fragrância
única de desejo. Ela o sentia faminto a cada
estocada, seus cabelos loiros bagunçados e
grudados em sua testa demonstravam seus sinais de
exaustão, mas ele não diminuíra a intensidade de
suas penetrações. Ryan entrava e saia com

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facilidade ora devagar como que para torturá-la, ora


rápido para satisfazer-se. Logo ela sente seu
interior aperta-se em torno do membro dele
fazendo-a atingir seu ápice, um que descobrira que
apenas ele sabia como lhe dar.
Ele não parara, sua pélvis se chocava a dela
com intensidade e um gemido alto escapava de seus
lábios quando ele por fim libera o que tanto
segurava.
Seus movimentos vão se tornando mais
lentos até que ele enfim os cessa por completo e
ofegante mantinha-se sobre ela encarando seus
olhos castanhos.
— Nossa... — Ela dizia ofegante o
empurrando com suas mãos trêmulas para que ele
deite ao seu lado. Enxugava camadas de suor de
sua testa com uma de suas mãos.
— Então Lex, passei no teste?
— E como. — Ela sorria satisfeita. — Foi
muito bom, ursinho.
— Claro que foi afinal foi comigo. — Dizia
convencido.
Era incrível o talento dele para estragar
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climas, mas por incrível que pareça ela amava isso


nele.
— Convencido. — Ela batia sutilmente em
seu ombro. — Sabe Ryan, eu pensei que fosse mais
exaustivo. Eu me sinto cansada, mas me sinto
muito bem.
— Eu fiz todo o serviço. — Dizia em tom
brincalhão.
— Mas em compensação, nunca senti tanta
sede na minha vida.
Rindo ele se levanta da cama e segue em
direção a uma porta do canto esquerdo que ela
imaginava levar até o banheiro.
— Onde está indo?
— Preciso me limpar. — Entrava no
cômodo ao lado ligando a luz do mesmo.
— Vou a cozinha pegar uma água então.
— Ok, Lex. Te encontro lá embaixo.
Ao se levantar estica seu corpo em uma
espreguiçada gostosa, veste sua calcinha, o sutiã e
uma camisa do Ryan que encontrara pendurada
atrás da porta, saindo pela mesma logo em seguida.
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Não podia acreditar no acabara de fazer.


Todas as vezes que pensara em uma situação como
aquela, nunca imaginara que a sensação seria tão
gostosa, encontrar alguém que a entende-se e se
entregar a ela. Passara anos se guardando para um
relacionamento com um cara, imaginando que o
perfeito para ela não existia e se enganando ao
pensar que as mulheres a satisfaziam, mas depois
do que acabara de experimentar, pode perceber de
que toda vida sexual que tivera durante todo esse
tempo, não era nada e não chegava aos pés do que
Ryan a fizera sentir.
Ao descer pega outro caminho até a
cozinha, entrando pela porta lateral que vinha do
corredor principal, e ao ficar de cara com os
armários percebe que não sabia onde os copos
ficavam, então parte em sua caça, abrindo várias
portas em vão, não os encontrava em lugar algum,
até mesmo cogitara a opção de que os cinco futuro
advogados não faziam uso daquele utensílio.
Pouco tempo depois uma voz a sobressalta e
ao se virar em sua direção nota que Luke estava
encostado na lateral da geladeira com duas cervejas
nas mãos.

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— Os copos ficam na prateleira mais acima.


— Apontava com seu queixo quadrado.
Ela estica seu corpo na tentativa falha de
alcançar o armário de cima, ficava nas pontas dos
pés e mesmo assim nada, esticava-se tanto que
sentia a camisa que vestia subir e evidenciar suas
nádegas e o tecido de renda de sua lingerie.
— Por que colocar os copos no fundo do
armário mais alto? — Perguntava gemendo pelo
esforço que fazia.
— Não usamos muito os copos.
Quando estava quase desistindo e pegando
uma cadeira escuta uma segunda voz indicando que
mais alguém se juntara a eles.
— Lex? O que está fazendo?
— Tentando pegar um copo. — diz ao se
virar em sua direção.
— Mas eles não ficam aí encima. — Ele se
aproximava abrindo uma das portas mais baixas ao
lado do fogão e de lá retira um dos copos a
entregando.
Quando ele a fita com o copo ainda em

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mãos é que percebe que Ryan notara pela primeira


vez que não estavam sozinhos na cozinha. O olhar
que oferece a Luke não é um dos mais amigáveis.
— Muito engraçado, babaca. — Ryan se
dirigia ao amigo.
— Não sabia que haviam mudado os copos
de lugar. — Ele dizia em tom inocente.
Filho da mãe. Pensava indignada por ter
sido enganada e feito de idiota.
— Sabe muito bem que os copos sempre
estiveram no mesmo lugar. — Via Ryan trincar o
maxilar.
Soube na hora que era melhor ela intervir.
— Tudo bem gente é só um copo. — Dizia
puxando o braço do Ryan que saíra de perto indo
em direção ao amigo que permanecia encostado
despreocupadamente.
— Não, Lex. Não é apenas um copo. — Seu
olhar se mantinha fixo a figura com ar de falsa
inocência. Jurara ter visto uma veia pulsar no
pescoço de Ryan.
— Relaxa Ryan... — Luke começava a

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dizer, mas é interrompido.


— Eu estou muito bem relaxado, mas meu
punho, eu não sei por que, sentiu uma vontade
imensa de descansar na sua cara.
Alexia puxa mais uma vez seu braço e
novamente ele a ignora.
— Por quê? — Luke dava passos lentos na
direção deles. — Por que eu estava olhando a sua
garota nova? Qual é Ryan, como se você nunca
tivesse feito isso antes.
Sério odeio ser chamada assim.
— Quer parar de me chamar assim. — Ela
elevava sua voz.
— De que? Garota nova? Mas é o que você
é. Todos nós temos as nossas garotas do
momento...
— Ela não é a porra da garota nova. —
Ryan o interrompe novamente, — Ela é minha
namorada, seu babaca. — Ele dá um passo largo na
direção do amigo e esse começa a rir como se Ryan
tivesse contado a mais engraçada das piadas.
COMO ASSIM NAMORADA? Encara a

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nuca e costas de seu então “namorado” com


surpresa. De onde surgira isso?
— Namorada? — Luke dizia após tomar
fôlego. — Sério Ryan? Você?
Ryan se mantinha calado o encarando.
— Não acredito nisso. Você amoleceu que
nem o idiota do Josh.
Ela se recordava daquele nome. Josh era um
dos caras da republica, o primeiro a abandonar o
bando por causa de uma mulher, Ryan lhe contara
que há quase um ano seu amigo namorava sério
com uma estudante de História e que depois disso
era raramente visto na casa e nas festas que eles
davam, causando várias discussões com os outros
moradores da Sigma.
— Ryan, estamos na faculdade, aqui não é
lugar pra isso. — Luke dizia.
— Vocês querem parar de falar de mim
como se eu não estivesse aqui? — Dizia ela
irritada, virando seu rosto e focando no idiota do
copo apontando seu dedo como se o ameaçasse. —
Primeiro, meu nome é Alexia e não “garota nova” e
segundo, só por que estamos na faculdade não quer
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dizer que não podemos ter um relacionamento com


alguém e namorar não é a mesma coisa que casar.
Ela ainda segurava o braço do
surpreendente e recém-descoberto “namorado” e
pode sentir a musculatura do mesmo se retesar e ao
olhar para baixo viu que cerrava os punhos com
toda força. Ele fecha os olhos cortando o contato
visual pela primeira vez, inala e exala o ar
demoradamente e quando volta a encarar o cara a
frente deles parecia mais relaxado e parecido
consigo mesmo.
— Sabe Luke. — Ele começava dizer em
tom mais calmo. — Quer olhar a bunda da minha
namorada, tudo bem, olhe. Por que é somente assim
que você consegue ver uma, enganando mulheres
com a velha cena do copo.
Um sorriso debochado surge em suas
feições e agora era a vez de Luke cerrar os punhos
e inflar as narinas.
— O que foi Luke? Se sentiu ofendido? —
Em tom inocente ele debochava do amigo, que
agora trincava os dentes e se aproxima mais com
dois passos largos, mas Ryan não sai do lugar ou se
sente intimidar. — Vai bater em mim? Certeza?
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Esqueceu-se de como foi da última vez que


brincamos com isso?
Quando ficam cara a cara, o agora idiota
irritado para a poucos centímetros de distância.
— Brigar com você por ela? — Ele dizia
gesticulando na direção dela. — Eu passo. —
Levava uma das garrafas de cerveja que ainda
segurava aos lábios mandando seu conteúdo para
dentro saindo pela porta que levava ao corredor por
onde Alexia entrara.
Ryan envolve o pulso dela com seus dedos
com um pouco mais de força do que era necessário
a arrastando para fora da cozinha saindo pela porta
oposta pelo que Luke saíra. Ao entrarem na sala,
Billy não tinha mais uma sanguessuga em seu
pescoço e o outro integrante do bando do qual ela
não sabia o nome procurava outro jogo entre as
várias caixas que espalhara no sofá.
— Nossa cara, o que é isso? — Billy dizia
após a praticamente comê-la com os olhos. — Que
gostos... — Mas logo é interrompido pelo cara que
a puxava.
— Não começa você também com essa

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porra, Billy. — Dizia em tom firme ao amigo que


erguia as mãos em rendição.
Ela era puxada com mais urgência, podia
praticamente ver o sangue de Ryan fervendo em
suas veias, e se ele fosse um desenho animado com
toda certeza teria fumaça saindo pelos ouvidos.
Quando chegam ao pé da escada do hall de
entrada, ela puxa seu braço bruscamente com força
fazendo-o parar.
— Quer se acalmar e parar de me puxar.
Ele esfrega o rosto com as mãos, sua raiva
era nítida.
— Me desculpe por isso, Lex.
— Pelo Luke? Não tem problema ursinho,
estou acostumada com universitários idiotas. Mas
adorei ver você me defendendo. — Sorria
agradecida se aproximando e tocando seu peito.
— Luke consegue ser um escroto filho da
puta quando quer. — Esfregava o rosto mais uma
vez agora se escorando na parede.
É normal se derreter e se excitar com esse
tipo de palavras?

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— Então... — Ela chamava sua atenção. —


Namorada?
Com um sorriso sem graça ele coça o topo
da cabeça bagunçando mais seus fios loiros e lisos.
— Foi no calor do momento... — Pela
primeira vez o vê gaguejar. — Ele me irrita muito
às vezes.
Sente uma ponta de decepção com aquelas
palavras.
— Então foi da boca para fora. — Ela
constatava.
— Não... — Ele apressadamente dizia
pegando suas mãos. — Não é isso... É que... — Ria
sem jeito. — Ah... Olha, eu sei que não deveria ter
dito do jeito que fiz, sem conversar com você antes,
mas tem algo que venho pensando há alguns dias e
estava querendo te perguntar isso de outra forma,
mas como somos pouco convencionais e você
tocou no assunto eu queria saber se você... Se... Por
acaso... Você... Quer namorar comigo?
Mais uma vez a surpresa a invade, não
estava esperando aquele tipo de atitude e passo
dado por ele, até então eles não tinham definido o
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que eram.
— Namorar? Tipo um casal? Com direito a
andar de mãos dadas? Do tipo que se me
perguntarem eu posso responder “sim ele é meu
namorado?”.
Ela escuta a risada baixinha dele.
— Sim Lex, tipo isso. Ou quando alguém te
elogiar no campus eu direi “ela é minha namorada”
antes de bater na cara do tarado.
— Tudo bem, eu aceito ser sua namorada.
— Ela sorria. Estava tão feliz que não sabia como
descrever. — Eu gosto muito de você ursinho, tipo,
gosto de verdade.
Ele lhe oferece um sorriso acolhedor a
puxando para um beijo lento e quente.
— Quando iniciei esse ano letivo, jamais
imaginaria que algo assim fosse acontecer. — Ele
confessava em seus lábios ainda a provando.
Acredite. Muito menos eu. Devolvia seus
beijos e era acolhida em seus braços sentindo seu
aperto confortável.
— Tem planos para hoje, Lex?

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— Estou livre o resto do dia, por quê?


— O que acha de fazer coisas que
namorados fazem?
— Tipo?
Ele se afasta o suficiente para se encararem,
podia notar que traçava possíveis destinos para eles
em sua cabeça.
— Além de sexo. — Apertava os olhos os
deixando visíveis através de pequenas fendas. — Já
sei. — Ele se sobressaltava. — Cinema.
— Qual filme vamos ver?
— Isso não importa, Lex. Não vamos
mesmo assistir ao filme. Nada melhor do que
amassos em público.
Rindo ela se deixa ser levada por ele escada
acima.

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“Cada um de nós, Basil, tem em si o céu e o


inferno.”
O retrato de Dorian Gray
Oscar Wilde

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Os corredores de um dos principais


hospitais de Dublin estavam lotados, o que era um
fato incomum por se tratar de uma terça-feira à
tarde. Parecia que todos decidiram se acidentar no
mesmo dia. O que Ethan pensara se tratar de um
plantão tranquilo se mostrara ser totalmente ao
contrário.
Com passos rápidos ele atravessava o
corredor principal se encaminhando para o setor
de imagens, queria saber por que o raio-X de sua
paciente estava demorando tanto, enquanto era
seguido de perto por uma das enfermeiras da
emergência, essa que praticamente corria para
alcançar as suas passadas largas e apressadas.
— Doutor Collins. — O chamava quase sem
fôlego, fazendo-o parar e a encarar. — O senhor
tem que assinar a alta médica da Senhora Farris.
Uma interrogação deveria estar estampada
em sua testa, atendera tantas pessoas na
emergência naquele dia que seria difícil se
recordar de todos os nomes.
— A senhora que caiu da escada e deslocou
o ombro. — Ela lhe esclarecia lhe entregando uma
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prancheta contendo os dados daquele caso.


— Ah sim. Me lembrei. — Com a prancheta
em mãos ele pegava o celular em seu bolso para
olhar as horas. 18 horas de plantão, estava
exausto, mas era impossível ir embora, havia muita
coisa para fazer e não estavam com uma equipe
com número suficiente para atender toda aquela
gente.
Antes que possa devolver o celular para o
bolso, o mesmo começa a tocar e nome de Margot
aparece na tela. Há primeiro instante pensara em
negar a chamada, pois sabia que a conversa lhe
tomaria tempo, mas algo dentro dele, quase como
um aviso silencioso o fizera clicar no botão verde.
— Olá meu amor. — Dizia ao colocar o
aparelho no ouvido enquanto assinava a alta da
paciente e entregava para a enfermeira que ainda
o aguardava.
— Você se esqueceu, não é mesmo? —
Escutava a voz cansada dela do outro lado.
Como em um estalo sua mente no mesmo
momento compreende o que queria lhe dizer. Era o
dia que ela retornara, tinha que ir buscá-la no

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aeroporto.
Merda. Pensava enquanto apertava os
olhos e lábios pela sua completa tolice.
— Que horas são? — Ele perguntava
urgente.
— Você está usando o relógio que te dei?
— Ahh... Claro. — Ele mentia.
— Então por que está me perguntando as
horas?
Pego em sua mentira, ele continua.
— Hyde. Me perdoe, eu... Eu... O hospital
está muito lotado hoje e... Ainda não consegui sair
do meu plantão...
— Eu sabia que ia esquecer. — Ela o
interrompia, podia ouvir a chateação em sua voz.
— Você se esquece do tempo nesse hospital.
— Eu estou saindo daqui... Me de meia
hora e vou te buscar...
— Estou te esperando há mais de uma hora,
Ethan. — O interrompia novamente. — Não
precisa mais... — Escuta o barulho de carros na
linha, logo em seguida o de uma porta batendo e
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soube que havia saído do aeroporto. — Eu acabei


de entrar no táxi.
Exasperado ele encosta-se à parede do
corredor passando a mão livre nos cabelos, não
era a primeira vez que aquela situação acontecia.
— Eu prometo que vou mudar. — Era tudo
o que poderia lhe dizer, sabia o quanto aquilo a
afetava. — Prometo que serei diferente, eu... Vou
sair daqui, dessa vez é de verdade.
— Você ama o que faz Ethan. E eu amo
quem você é. Não quero que mude. — Ela mais
uma vez suspirava cansada. — Eu apenas quero
que você não deixe o tempo passar, não quero que
apenas passe pela vida, quero que você a viva.
— Eu... Andei pensando no que me disse
sobre mudar de profissão. — Fazia uma pausa um
pouco longa. — Acho que tem razão, precisamos
começar a nossa vida e eu preciso aprender a
ministrar o tempo.
— Conversamos sobre isso no jantar,
Jekyll. Procuramos por algumas universidades, e
quem sabe podemos até nos mudar, sei o quanto
gostaria de voltar para a Inglaterra.

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— O jantar hoje é por minha conta. —


Dizia sorrindo. — Vou compensá-la, prometo.
A risada engraçada dela o contagia fazendo
seu sorriso se alargar mais.
— Daqui uma hora te encontro em casa. —
Ele lhe informava.
— Eu tenho uma surpresa para você, mas
só saberá mais tarde. Não esquece o guarda-chuva,
começou a chover. — Dizia em tom divertido. — Te
vejo mais tarde Jekyll. Eu te amo.
Não pode deixar de sentir seu coração
pesar assim que a ligação se encerra, como se algo
estivesse errado. Afastando essa sensação, que só
poderia ser imaginação, ele continua seu caminho
pelo corredor, jurando a si mesmo que aquele caso
seria o último e que daria seu plantão por
encerrado, uma promessa que não duraria muito.
Uma hora depois ele estava dentro de uma
ambulância a caminho de um grande acidente
próximo ao Tymon Park, ao que tudo indicava um
ônibus perdera o controle por causa da pista
molhada pela chuva, invadindo a pista contrária e
batendo em vários carros.

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Olhando mais uma vez em seu celular, não


pode deixar de pensar que sua esposa o mataria
por mais uma vez não cumprir com o horário, mas
o que ele poderia fazer? Não podia negar esse tipo
de ajuda, escolhera aquela profissão para salvar
as pessoas, e quando pediram para ir mais médicos
da emergência junto com a equipe da ambulância,
pelo número de pessoas envolvidas no acidente, ele
não pode dizer não, então entrara na primeira que
viu.
Assim que as portas abrem pode ver o
estrago causado. As luzes vermelhas das sirenes
davam cor a tarde cinzenta, gotículas da chuva
agora fina e quase ausente escorriam pelos para
brisas dos carros, uns mais danificados do que
outros, vários cacos de vidros no chão e na
calçada uma aglomeração de pessoas podia ser
vista, essas sendo contidas pelos policiais, que
tentavam isolar a área.
A equipe da ambulância saía apressada
com macas, podia se ouvir o choro de pessoas,
alguns gritos ao longe, sobrepostos pelos
comandos da equipe de resgate, o caos se instalara
naquela avenida. Cinco carros envolvidos, quatro

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motos, um ônibus e alguns pedestres. Bombeiros


altamente equipados tentavam retirar uma das
vítimas das ferragens do carro. Então no meio de
todo aquele transtorno, no centro da rua ao lado
de um táxi destruído ele vê uma corrente prata com
um pequeno pingente caída, não sabia o porquê
aquele acessório capturara tanta a sua atenção,
por breves segundos ele lhe pareceu familiar, a
centímetros dele havia uma maca com um corpo
coberto, uma vítima não resistira.
Jared, um amigo da emergência, que assim
como ele não negava nenhuma chamada, o tira do
transe, nem percebera quanto tempo ficara parado
encarando o colar. Ajudando-o eles colocam uma
maca com um jovem, que trajava uma roupa social
como se tivesse acabado de sair de uma festa de
gala, muito ferido para dentro da ambulância que
ele viera, aquela vítima estava sobre sua
responsabilidade.

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Ethan acorda assustado, sentando-se na


cama assim que abre os olhos. Encara seu quarto
escuro, seu peito subindo e descendo rapidamente,
sentia o suor molhar sua testa e escorrer pelas suas
costas, colando sua camiseta em seu corpo, seus
batimentos estavam descontrolados. Havia
acontecido de novo, havia sonhado com ela e com
aquele dia. Imagens que o perseguiam há anos.
Ele afasta as cobertas colocando as pernas
na lateral da cama, segurando sua borda e a
apertando conforme respirar se tornava mais difícil.
Era sempre assim, sua cabeça rodava, a dor em seu
peito crescia e toda vez que apertava os olhos na
falha tentativa de esquecer, tudo o que via era a
corrente em meio aos cacos de vidro da janela
estilhaçado do táxi. Sentia sempre a mesma dor
daquele dia, assim que reconhecera o acessório seu
mundo ruíra e ele soube que a vida nunca mais
seria a mesma.
Com os dedos apertando suas têmporas,
abre os olhos e encara o grande móvel a sua frente,
lá dentro no fundo da primeira gaveta ele guardava,
ou melhor, escondia um pedaço do seu passado.
Sentindo um pouco de tontura ele tenta se levantar

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e se encaminha até a cômoda com passos


arrastados. De baixo de várias peças de roupa ele
retira um saco plástico, o mesmo em que os
pertences dela foram lhe entregues, hoje apenas um
deles estava lá o outro estava muito bem guardado
na gaveta de seu escritório, abrindo-o retira uma
fina e delicada corrente de prata, a enrola em seus
dedos e o ergue na altura dos olhos para encarar o
pequeno pingente na ponta.
Com a pouca iluminação que vinha da rua
pela cortina aberta, Ethan encara o contorno
daquela peça e com o tempo seus olhos se
acostumam com a pouca luz e o objeto foi se
tornando mais nítido. Era um pequeno cadeado, sua
Margot sempre tivera um gosto peculiar para as
coisas, lembrava-se do dia em que lhe dera ele.
Estavam voltando do almoço em um
sábado, estava quente, um pouco incomum para
Dublin naquela época. Caminhavam pelas ruas do
centro da cidade e ao pararem para comprar sorvete
de um vendedor ambulante, ela o puxa até a vitrine
de uma loja de joias, e nunca a viu tão animada e
apaixonada por um acessório antes, deixando-se
contagiar claro que compra o objeto de desejo dela.

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Lembrava-se de questioná-la quanto a sua


escolha, lhe dizendo que era apenas um cadeado e
que na loja havia tantos outros muito mais bonitos e
ele nunca se esquecera do que ela respondera.
— Ninguém faz cadeados sem chaves,
Jekyll. Se há um cadeado é porque há uma chave.
Ele tem um propósito, ser aberto. — Abria seu mais
lindo sorriso. — Para mim simboliza algo como
esperança. Você sabe que tem uma chave, então
você a aguarda ou procura por ela, mas sabe que
um dia será aberto.
Amava o jeito com que ela pensava como
via o mundo e como vivia nele, sempre vendo seu
lado bom, sempre acreditando na existência de
propósitos e aproveitando cada momento. Gostaria
de ser mais parecido com ela.
Ela tinha razão, cadeados tinham como
propósito serem abertos, mas também o de trancar
algo. Um fato importante sobre os cadeados é que
eles possuem uma única chave, e a dele havia
partido e seu molde fora jogado fora há muito
tempo.
Coloca o pequeno pingente na palma de sua
mão o acariciando com o polegar. Depois daquele
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dia ela nunca mais tirara aquele colar, até o dia de


seu erro.
Tudo isso é culpa sua. Dizia a si mesmo
apertando o colar com força. Você fez isso com ela.
Sentia seus olhos arderem e seu corpo
tremer, a saudade mais uma vez vinda sem pedir
licença, sempre aparecendo e estraçalhando o seu
coração, mas como nada em Ethan era puro e
simplesmente algo descomplicado, a saudade nunca
vinha sozinha, a culpa era sua melhor amiga e
companheira.
Bruscamente ele devolve o pingente na
gaveta a fechando com um baque, uma lágrima lhe
escapa molhando sua bochecha e força-se a seguir
até o banheiro. Ao entrar no cômodo acende as
luzes de imediato e abre a torneira, jogando e
lavando suas faces com a água gelada, na esperança
em fazê-lo despertar daquelas sensações que o
afligiam.
Seu reflexo era de longe a imagem do
homem que um dia Margot amara. A culpa pesava
em seus ombros os fazendo ficarem curvos, seus
olhos estavam vermelhos, as olheiras evidentes e
suas íris azuis, antes sempre brilhantes e serenas,
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estavam mais escuras e tempestuosas.


Era a imagem de um homem que
abandonara a fé no mundo ao seu redor, que
perdera a luz que o guiava para ser alguém melhor,
que deixara a escuridão o acolher e a solidão o
acalentar. Quando ela partira levara consigo o
Ethan que um dia a pertencera.
A saudade era tanta, que se tornara
palpável, como uma lâmina fria e afiada que o
apunhalava dia após dia. Sentia falta da animação
sempre contagiante dela, seus olhos sempre
carinhosos e seu sorriso acolhedor todas as vezes
que voltava para casa após um cansativo dia de
trabalho.
Suas mãos tremem mais enquanto se
segurava na superfície lisa da pia, apertando-a com
força. Sabia o que estava acontecendo dentro de si,
já sentira aquilo diversas vezes, mas fazia um bom
tempo que estava livre daquele mal. O pânico
secava sua garganta e descontrolava sua respiração.
Com os dedos trêmulos ele chega a abrir o pequeno
armário sobre a pia e encara os frascos de seus
medicamentos controlados.
Se eu pudesse vê-la de novo.
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Antes que possa abrir o primeiro frasco para


lhe trazer a desejada paz, mesmo sabendo dos
riscos e das sequelas que seu corpo sentia durante
horas, um barulho vindo do corredor o sobressalta.
Parecia o som de uma porta ter sido aberta.
Vagarosamente ele devolve o frasco
amarelo ao seu lugar de origem, com toda calma,
tomando cuidado para não fazer barulho enquanto
encarava a porta aberta do banheiro. Não era
possível ouvir aquele tipo de som, estava sozinho e
era muito tarde para pensar em David.
Com passos lentos e calculados ele se
aproxima da porta, colocando sua cabeça para
dentro do corredor escuro. A porta da frente podia
ser vista de onde estava, e como era de se imaginar
permanecia trancada, ao olhar do lado oposto do
corredor encontra a porta de seu quarto como ele
deixara. Parado no meio da passagem, Ethan
começa a questionar o que havia escutado. Deveria
estar ficando louco, era a única explicação.
Dado por vencido, gira seu corpo para
retornar ao banheiro, mas tem seus movimentos
interrompidos pela visão a sua frente, encontrara a
origem do som. A porta do armário que ficava no
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meio do corredor estava aberta, uma pequena fresta


indicava que o seu interior estava escuro, não se
recordava de deixar aquela porta aberta, ele nunca a
abria.
Checa mais uma vez ao redor para se
certificar de que estava realmente sozinho.
Encarava a porta com desconfiança, forçando-se a
se aproximar. O apartamento estava em silêncio,
sua respiração era curta e silenciosa, estava receoso
em fazer o mínimo som.
Seus dedos se fecham ao redor da maçaneta
e com o mesmo cuidado que vinha tendo ele abre a
porta, sendo recebido pelo escuro. Tateia a parede
ao lado direito da porta e encontra o interruptor, e
logo a luz da lâmpada permite que o interior do
armário se revele.
Tirando três caixas grandes no chão e por
algumas toalhas e roupas de cama, ele estava vazio.
Ethan fica parado no vão da porta tentando
absorver e entender o que acabara de acontecer.
Fazia uma anotação mental, adicionando na sua
lista de afazeres daquele final de semana, iria ter
que arrumar aquela fechadura.
A ponto de sair e voltar para a cama, seus
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olhos cometem o erro de caírem sobre uma das


caixas, uma que sabia que guardavam seu passado
em formato de fotografias, o motivo mais recente
pela briga com seu padrasto.
Questionava se seria uma boa ideia dar uma
olhada em seu conteúdo. Seus dedos ansiosos e
ainda trêmulos tocam a superfície de papelão,
contornando suas bordas gastas.
Indo contra o alarme que apitava em sua
cabeça indicando o perigo do ato que estava prestes
a fazer, ele abre a caixa e se depara com os
fragmentos do homem que um dia fora.
Em uma moldura escura, larga e simples, o
sorriso dela é a primeira coisa que vê seguido de
seus olhos castanhos e sorridentes, a franja caída na
testa e a luz do dia iluminando e dando mais
destaque aos seus cabelos ruivos. A roda gigante de
um parque de diversões podia ser vista logo atrás e
David fazia uma pose engraçada ao fundo fingindo
que a carregava nas costas.
Colocando-o de lado pega o próximo, era
aniversário de casamento de dois anos deles, ele a
levara a um restaurante que tinha estilo um deque
na área externa, usando um vestido verde mais
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escuro, que ele lhe dera de presente, ela sorria para


câmera com o vento bagunçando seus cabelos,
aquela noite fora perfeita. Lembrava que aquele
vestido não permanecera muito tempo em seu
corpo assim que chegaram em casa, e um sorriso
triste se estende entre suas faces molhadas, não
percebera em que ponto das suas memórias havia
começado a chorar.
Começa a passar pelas imagens com mais
rapidez, eram vários momentos importantes,
escolhidos para serem eternizados. Partes de sua
vida quando ela era perfeita e descomplicada,
quando ele era apenas o Jekyll dela, quando sua
única tarefa era amá-la e protegê-la. Os dois
deitados na cama, Margot lendo em sua poltrona
favorita na sala, viagens que fizeram, a primeira
vez que David pescara, ela de cama com o pé
quebrado, eles na lua de mel em Roma.
Várias e várias molduras, compradas em
diferentes lugares, um hobby dela que ele deixara
se tornar seu também. Conforme as imagens vão
passando na frente de seus olhos, a dor, a saudade,
culpa e pânico cresciam cada vez mais atingindo
níveis quase que insuportáveis, fazendo-o percorrer

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pelo seu passado cada vez mais rápido. Logo a


raiva é agregada tornando tudo muito pior.
Largando o porta retrato, pressiona os dedos
em seus olhos, tentando aplacar as lágrimas que
agora escorriam em um ritmo maior, esfrega seu
rosto enterrando os dedos em seus cabelos.
Não. Não. Não. De novo não.
Choramingava em pensamento. Por favor. Preciso
que isso pare.
O tremor agora percorria seu corpo, o ar era
rarefeito, as imagens de sua esposa cada vez mais
nítidas, jurava que podia ouvi-la rir, como fazia
sempre que ele mudava a voz dos personagens nos
livros que liam juntos. Sua garganta se fechava,
seus sentidos estavam se perdendo, com toda força
que consegue reunir utiliza para forçar um grito
sair, liberando sua frustração e dor.
A culpa é minha. Mais uma vez repetia em
sua cabeça. Quando ela mais precisou eu não
estava lá.
Cansado de tudo aquilo, de todo pânico que
lhe causava toda vez que permitia que seu passado
viesse à tona, coloca as mãos dentro da caixa

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pegando o máximo de porta retratos que conseguia


e começa a atirá-los com força no corredor,
fazendo-os chocar-se nas paredes e seus vidros se
partirem em vários pedaços assim como suas
molduras.
Não aguentava mais toda carga que
carregava, queria pôr um fim em tudo, esquecer ou
até mesmo partir. Escutava o som dos cacos caindo
no chão, e aquilo o estimulou cada vez mais e mais,
jogando um após o outro.
Com seus braços cansados e um pouco sem
fôlego, permite-se cair de joelhos no corredor vazio
iluminado pela luz do banheiro. Ao voltar um
pouco à razão nota o que acabara de fazer. Ele
destruíra o que ela tanto cultivara. Seu choro não
era mais silencioso, suas lágrimas não eram mais
solitárias.
— O que foi que eu fiz? — Dizia entre
lágrimas. — Me perdoa Hyde. Eu os quebrei. — Se
lamentava.
Seu soluço se torna mais intenso juntamente
com sua falta de ar. Precisava de seus
medicamentos, precisava restaurar a paz dentro de
si. Mas ao pensar nisso percebe que seus
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medicamentos não lhe traziam realmente a paz, eles


apenas amorteciam a sua dor, deixando-o letárgico
durante horas. Compreendia os malefícios do que
tomava, mas precisava tornar o que sentia
suportável para que fosse possível seguir em frente
por mais um dia, precisava de ajuda.
Vasculhando em sua mente, tenta encontrar
um dos poucos momentos que se sentira realmente
em paz ultimamente, não queria mascarar seu
sofrimento, queria que sua dor sumisse por algumas
horas e por um momento a mais sentir-se tranquilo.
Não era do que precisava e sim quem.
Sarah. Seu nome lhe surge como um
bálsamo.
Forçando-se a se levantar, se arrasta até seu
quarto em busca de seu celular. Com seus dedos
agitados e a visão um pouco turva, vasculha em
seus contatos em busca dela e assim que a encontra
disca.
Ela não atendia para seu completo
desespero. No que achava ser o último toque escuta
sua voz sonolenta do outro lado da linha.
— Alô?...

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— Sarah? — Dizia ofegante.


Uma pausa se estende entre ambos sendo
quebrada por ela.
— Ethan? — Notava o receio em dizer seu
nome. — Aconteceu alguma coisa?
— Sarah... Você... Pode vir aqui? — Sua
voz estava embargada pelo choro.
— O que aconteceu? — Perguntava
preocupada. — Você está bem? Precisa de alguma
coisa?
— Eu preciso de você.
Mais uma vez o silêncio, apenas a
respiração ofegante dele o cortava.
— Ah... Ethan... Eu não acho...
— Por favor. — Ele a interrompia. — Eu
preciso de você. — Repetia com mais firmeza.
— Chego em trinta minutos.

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“Tudo o que temos que decidir é o que fazer


com o tempo que nos é dado.”
O senhor dos anéis – A sociedade do anel
J. R. R. Tolkien

Era para ser apenas mais um dia comum.


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Ela levantaria, tomaria café, depois iria à faculdade,


ensaio, talvez lesse um pouco a noite e depois
dormiria. E estava sendo assim até receber uma
ligação no meio da madrugada.
A princípio Sarah pensou estar sonhando,
atordoada pelo sono e a semana cansativa que
tivera, pegara seu telefone que vibrava e iluminava
o quarto e jurava ter ficado um bom tempo tentando
ver se lera certo o nome na tela. Seu professor a
ligou as duas da manhã, o que por si já era muito
estranho, mas as coisas incomuns não ficavam por
aí. Sua voz denunciava que ele não estava bem,
suspeitava que estivesse chorando, e quando ele
disse a frase “Preciso de você” ela soube que
precisava correr até ele.
— Chego em trinta minutos.
Dera-lhe esse tempo mesmo sabendo ser
quase impossível realizá-lo, mas fora tudo o que
dissera antes de pular da cama totalmente desperta.
Sarah apenas calçara seus tênis, enfiara seu celular
na bolsa e a colocara sobre os ombros, pouco se
importando se estava usando um moletom e uma
camiseta regata. Apressadamente ela sai de casa e
ganha as ruas frias de Londres.
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A frase dita por ele em evidente desespero


não saia de sua cabeça e aquilo só a fazia apertar
mais o passo. Tinha certeza que quem a visse
correndo, vestida daquela maneira em pleno
outono, o máximo que suas pernas conseguiam a
julgariam como louca, mas não se importava, ele
precisava dela e ela estava indo seguindo as batidas
frenéticas e desesperadas que seu coração dava.
Sabia que não deveria pensar nele como
pensava, como também não deveria estar indo ao
seu encontro. Deveria ter ignorado a ligação, afinal
eles não haviam combinado de não se verem mais
fora do campus? Mas algo dentro dela, algo em seu
coração a fez clicar naquele botão e aceitar a
chamada. Algo não estava certo, a cada minuto que
se passava seu desespero aumentava, tentava
imaginar o que poderia ter ocorrido que o fizera
ligar para ela, e ao julgar pelo dono da ligação em
si, com certeza não era algo sem significância.
O caminho até a casa dele parecia mais
longo do que ela se lembrava, as ruas estavam
vazias e só era possível escutar o barulho do vento
gélido cortando o ar juntamente com a pele de seus
braços e face. Alguns trechos eram escuros, que se

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não fosse pela circunstância ela jamais ousaria


atravessá-los àquela hora e sozinha.
Tudo bem Jack o estripador, espero que
hoje você esteja de folga.
Sarah entendia que ele era um homem que
fora obrigado a conviver com uma grande tristeza e
que assim como ela, entendia o que era estar
sozinho mesmo que de fato estivesse cercado de
pessoas que o amavam.
A voz dele, que mesmo do outro lado da
linha, ela pode sentir a dor, a angústia, o choro.
Como raios ela poderia ignorar algo assim?
Quando finalmente chega à rua do seu
prédio um suspiro de alívio escapa de sua boca.
Não diminui o passo, mesmo com a
dificuldade que estava sentindo ao respirar, o
prédio de estrutura antiga e bem conservada se
aproximava. Segura ambos os braços para tentar
aplacar o frio. A recepção estava vazia, devido à
hora deveria ser troca de turnos o que era bom
porque não podia perder tempo tentando se explicar
para o porteiro.
Seus dedos apertam o botão do elevador
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uma, duas, três vezes com certo desespero, sua


respiração era pesada e respirava fortemente
tentando inutilmente controlá-la. O elevador
simplesmente não descia para seu completo
tormento, mais uma vez, agora com mais força,
aperta o botão. Com seu corpo inquieto até
considerou usar as escadas, mas devido ao esforço
da corrida e a troca recente de remédios, não achou
prudente exagerar mais do que já fizera.
Quando o elevador enfim chega ao quinto
andar ela corre pelo corredor até a porta que sabia
ser a dele. Quando ergue sua mão para bater a
mesma se abre alguns centímetros provocando um
rangido baixo. Coloca sua cabeça para dentro
segurando a maçaneta, não havia ninguém atrás da
porta, deixando-a um pouco intrigada, como ela
havia aberto? A única explicação que encontra era
que Ethan deveria ter deixado destrancada para ela.
— Ethan? — Um silêncio um pouco
assustador é tudo o que tem em resposta — Ethan?
Sarah entra e fecha a porta colocando sua
bolsa de lado. A adrenalina ainda percorrendo suas
veias enquanto avançava mais e mais na sala de
estar, estava vazia. Olhava ao redor em busca de
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algo incomum e logo se sobressalta com um som


vindo atrás de si. Encarando a passagem que levava
ao corredor, escuta um choramingar e a tristeza e
desespero de uma voz que não possuía a rouquidão
que perturbava seus sonhos.
— Não, não! O que foi que fiz!
Quando Sarah o encontra deitado no chão
ao redor de o que percebe ser vários cacos de vidro
seu coração para pôr breves segundos. Sabia bem o
que era aquilo porque já vivenciou na pele. Ethan
estava passando pelo o que os psicólogos
designados a vítimas de luto ou grupos de apoio ao
luto chamam em termos médicos de “Transtorno
pós-estresse” ou de forma mais leiga, ele estava
passando por uma “queda”. E por que chamam
assim? Pelo simples fato de que é assim que a
pessoa em luto se sente, é como se estivesse caindo
em um abismo do qual não consegue voltar, pelo
menos não sozinha.
Você se permite cair, é quando suas forças
para permanecer na superfície se esgotam então
você mergulha nas águas escuras até se afogar ou
alguém o puxar. Ele havia tido uma recaída e ao
julgar seu estado era uma das grandes. Ele
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precisava de ajuda.
Ela corre até ele passando pelos cacos no
chão e madeira espalhados. Sarah se joga em sua
direção e o acolhe em seus braços, mas ele parecia
ainda não perceber sua presença ali, pois repetia o
mesmo pedido de desculpas várias e várias vezes.
— Ethan! Ethan! Eu estou aqui, já cheguei.
— Dizia preocupada, sentando-se no chão e o
puxando para si.
E ele continuava a pedir desculpas das quais
ela não entendia para quem eram, lágrimas
molhavam seu rosto e agora a camiseta branca que
ela usava, era impossível não sentir com ele, não se
comover.
— Tudo bem, tudo bem — Ela repetia para
ele próxima ao seu ouvido — Shhhh, eu estou aqui
com você.
Ele ainda parecia não a ouvir.
— Me desculpe, eu sinto muito, eu sinto
muito, Hyde. — Sarah o vê se encolher ainda mais
e aquilo não era bom.
— Tudo bem. Quietinho eu estou com você
agora. — Ela o acolhia forte, abraçando ao redor de
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seus ombros, sua respiração tocando os cabelos


bagunçados e cheirosos dele.
— Eu estraguei tudo, quebrei... Eu os
quebrei. Me desculpa, me desculpa. — Ele chorava
e soluçava.
Mais e mais lágrimas caiam e ela realmente
não sabia o que fazer, ele parecia não pertencer
mais a esse mundo, era como se estivesse em outro
lugar, mas menos ali com ela. O coração dela se
apertava e precisara ser forte para não se perder
junto com o desespero dele. Em silêncio ela o
acalentava e chorava, limpava suas lágrimas à
medida que elas brotavam de seu rosto.
— Nós vamos consertar. Tudo bem? Vamos
consertar todos. — Tentava o acalmar.
— Eu a deixei morrer. Eu sinto tanto. —
Mais uma vez se lamentava.
O puxando com dificuldade mais para perto,
Sarah consegue trazer sua cabeça e encaixá-la em
seu colo, fazendo-o ouvir as batidas de seu coração,
que diversas vezes batera e se sobressaltara por ele.
De uma maneira atípica, seus batimentos foram
desacelerando àquele simples contato, como se ele

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também tivesse o propósito de acalmar aquele


homem que poderia ser igualado aos cacos que os
rodeava.
Ethan parava de soluçar e seu choro aos
poucos se extinguia, ele se aproximava mais seu
corpo do dela deixando sua cabeça se aninhar em
seu peito, seus braços que antes circulavam o
próprio corpo, agora abraçavam as pernas dela
como se ele estivesse à deriva em alto mar e ela
fosse sua salvação. Aos poucos Sarah pode notar
que sua respiração estava menos ofegante quase
normalizada. Então entendera que era aquilo que
ele precisava.
O som rouco de sua voz preenche o silêncio
em um sussurro.
— Sarah? — Ele havia voltado a si e ela
não consegue segurar o suspiro de alívio.
— Estou aqui, Ethan. Estou aqui. — Ela
acariciava seus cabelos escuros.
— Você veio.
— É claro que sim. — Ela sorria entre
lágrimas. — Você me chamou... E... Eu sempre
virei em sua direção, Ethan, não importa como.
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— Dói tanto.
— Eu sei. — Era tudo que conseguia dizer,
sentia sua voz falhar.
Sente seus braços fortes se fecharem mais
em suas pernas.
— Eu não aguento mais. — Ele lhe
confessa e a julgar pela sua voz suas lágrimas
voltaram a cair. — Eu não aguento mais... Estou
tão cansado.
— Tudo bem. — Encostava sua bochecha
no topo de sua cabeça. — Vai ficar tudo bem.
— Eu não aguento mais isso. — Sua
respiração estava pesada novamente. — Me ajuda
Sarah. — A abraçava com mais força. — Por favor,
me ajuda.
Ela é pega desprevenida. Não sabia o que
lhe dizer. Não se achava apta para aquele papel,
pois suas feridas eram semelhantes, incluindo as
partes que ainda estavam abertas e sangravam.
Como ela poderia ajudá-lo se ela mesma não
conseguia se ajudar?
— Como? — Sua voz saia baixa, não
conseguira conter a pergunta que a engasgava.
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— Apenas seja você.


Com o coração apertado ela devolve seu
abraço forte.
— Não se fazem cadeados sem chave. —
Ele lhe dizia aquela frase aleatoriamente. Com
certeza revivia alguma parte de seu passado, se
perdendo no tempo mais uma vez, mas de alguma
maneira ela entendera o que ele dissera.
— Eles têm como propósito serem abertos.
— Aquela frase lhe escapava em tom baixo, mas
com convicção como se acabara de chegar àquela
conclusão sentada no chão em um corredor mal
iluminado pela luz fraca do banheiro que ficava
próximo.
Não sabia como e nem o porquê aquela
frase surgira fazendo seu coração se aquiescer, e
muito menos sabia a razão de tê-la dito, mas sabia
que ele havia entendido perfeitamente, pois assim
que a pronuncia Ethan continua.
— Esperança. — Dizia com a voz fraca. —
Queria ter um pouco.
Ela mais do que ninguém compreendia. O
destino fora suficientemente maldoso para fazê-la
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questionar-se sobre tudo inclusive de sua própria


vida, por muito tempo ficara a deriva, perdida e
sem rumo, procurando os motivos para ter sido
poupada. Havia perdido tudo. Para ela a esperança
era apenas uma história que se contava para
crianças e que alimentava a fé de pessoas
desesperadas, mas agora acalentando seu professor
e tentando ser forte pelos dois, ela conseguia
enxergar o que antes era impossível, a esperança
existia, pois ela estava segurando a dela em seus
braços.
Por muito tempo seu coração esteve inerte,
apenas seguindo com suas funções fisiológicas.
Pensava que jamais encontraria alguém capaz de
preenchê-lo e despertá-lo como antes, e ela mesma
não queria que isso acontecesse. Perdera a
esperança quanto a isso, mas ali estava ela,
abraçada com o homem que com apenas um olhar
era capaz de fazer seu mundo girar, com apenas um
toque esquentar sua pele e com um beijo fazê-la se
desmanchar por completo.
— Não se pode perder a esperança. — Ela
lhe dizia. — Não se sabe o dia de amanhã. Ela é
última que morre, mas também é a primeira que

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nasce.
Ethan se desvencilha dela sentando-se no
chão ao seu lado. Sua respiração agora já
controlada e seu choro não existia mais.
— Eu... Não me sinto bem. — Passava a
mão no rosto secando as bochechas molhadas.
— Vou te levar para a cama, você precisa
deitar.
Ela coloca o braço dele envolta de seu
pescoço e com dificuldade o ergue pela cintura
ajudando a ficar de pé e caminhar. Com cuidado o
desvia dos cacos de vidros e madeira espalhados ao
longo do corredor, Sarah sabia que a cabeça dele
deveria estar a ponto de explodir, com toda a
descarga de adrenalina que sofrera.
Quando ambos chegam ao quarto dele, o
coloca sentado na cama, afasta algumas cobertas e
indicava para ele se deitar para então cobri-lo.
Assim que ele se acomoda, ela começa a se afastar,
indo em direção ao corredor para poder limpá-lo.
Mas tem seu movimento é interrompido pelo toque
de uma mão trêmula e gélida a segurando pelo
pulso.

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— Fica comigo? — Ele lhe perguntava e


sabia que tinha notado o receio em seu rosto por
que completou em seguida. — Por favor, fica aqui
comigo.
Ela abre um leve sorriso constrangido,
repreendendo-se mais uma vez pelo o que estava
prestes a fazer. Retira os dedos ao redor de seu
pulso e vê a dúvida nos olhos dele, talvez achando
que ela fosse sair correndo como fizera da última
vez. Afastando as cobertas ao lado dele ela se deita
devagar.
Ficando de costas pra ele sente o colchão se
movimentar e logo ele a puxa para perto a
abraçando por trás enquanto envolvia sua cintura
com seus braços.
— Obrigado. — Dizia com os lábios
próximos ao seu ouvido lhe causando arrepios
excitantes.
Sentia o seu peitoral tocar suas costas e sua
respiração se tornando tranquila e ritmada, depois
de um tempo soubera que ele adormecera.
O que eu faço agora?
Ela se perguntava encarando o braço
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enroscado em sua cintura e os dedos que levemente


a pressionavam, seus corpos escavam colados e as
curvas femininas dela se encaixavam perfeitamente
ao contorno dele.
Suas pernas agora se enroscavam em meio
aos lençóis e o cheiro dele penetrava em suas
roupas. Ela fechava seus olhos e respirava o mais
fundo que conseguia. Não conseguia deixar de
sentir que ali em seus braços estava segura e
confortável. Sua mão acaricia a dele, subindo seus
dedos pela extensão do braço que a segurava,
brincando com os pelos do mesmo arrancando um
gemido involuntário dele.
Aquele som foi o mais bonito que Sarah já
havia escutado. Suas sobrancelhas se franzem ao
perceber o que estava acontecendo ali.
Ela estava aninhada, enroscada e encaixada
a outro homem e pior ela estava gostando, como
também gostara da noite em que dormiu a primeira
vez com ele, e também quando se entregara e fora
dele. Todo seu corpo tremia. Seu coração antes
calmo agora decidira pular freneticamente à medida
que os dedos dele a pressionavam como que para
impedir que ela o deixasse.
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Seus sentimentos transitavam entre a razão


e aquilo que estava nitidamente sentindo por ele.
Vai ficar tudo bem. Dizia a si mesma. Eu
preciso ficar. Ele precisa de mim. Só preciso me
desligar por um tempo da razão. Sabia que dormir
naquela noite seria quase impossível.
Depois de três anos Sarah havia feito aquilo
que jurou nunca mais fazer, ela se aproximou dele
ignorando todos os avisos, o desejara como nunca,
fizera sexo com ele e agora estava em seus braços e
sentia que eles foram feitos para acolhê-la.
Ela estava em casa.

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“Por pior que seja a noite, amanhã é outro


dia.”
E o vento levou
Margaret Mitchell

Sarah acorda em um ambiente diferente.


Não sabia que horas eram ou quanto havia
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dormido. Em algum momento ela havia pegado no


sono e mais uma vez não fora surpresa que assim
como na primeira noite em que dormira
aconchegada naqueles mesmos braços, ela não teve
pesadelos.
Ainda sonolenta ela percorre seus olhos
pelo quarto, se acostumando com a luz que entrava
pela janela. O ambiente era como já devia esperar
muito bem organizado, sem nada fora do lugar.
Com paredes creme, uma poltrona verde escura de
frente ao seu lado da cama e uma cômoda grande
de tonalidade escura que imitava madeira
desgastada preenchia e decorava o ambiente.
Sua companhia dormia tranquilamente
ainda preso a ela. Com seus braços firmes
segurando sua pequena cintura, sentia a muralha de
músculos rígidos roçarem suas costas toda vez que
o ar era inalado por ele, sua respiração quente batia
ritmada em sua nuca, causando arrepios prazerosos
em sua pele. Ela respira profundamente se sentindo
tranquila e surpreendentemente em paz.
Posso me acostumar com isso. Um sorriso
crescia em seu rosto.
Ela se desvencilha dele com cuidado,
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rolando para o lado e ficando em pé próxima a


cama. Assim que consegue sair, Ethan se remexe
entre os lençóis, afastando-os e revelando parte de
sua camiseta erguida, o suficiente para oferecer a
ela a visão de seu abdômen e parte do “V” que se
desenhava e guiava o olhar dela para sua virilha.
Mordendo os lábios e com olhar desejoso ela tenta
conter um gemido de satisfação por ser agraciada
com aquela visão.
Pelos deuses da dança, se concentra!
Sarah caminhava para fora do quarto na
ponta dos pés, parando no corredor e se deparando
com a bagunça, que estava bem pior do que
imaginava. Vidros, madeira e fotografias estavam
por toda a parte. Ela se abaixa com cuidado para
observar melhor uma foto que estava próxima ao
seu pé e pode ver uma mulher sorridente e muito
bonita. Ela tinha cabelos ruivos e um sorriso que
faria qualquer um dizer sim para ela.
Margot?!
Uma a uma ela começa a recolher, juntando
todas e analisando-as com cuidado. Margot estava
em todas elas e seu professor fazia companhia a ela
em grande maioria. Pode ver a diferença daquele
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homem das fotos para o que ela conhecia. O sorriso


dele e seus olhos brilhantes eram serenos e de uma
felicidade indiscutível. Aquele era o Ethan que ele
escondia e que ela sabia que ainda estava vivo em
algum lugar atrás daqueles muros, pois ela já o
vislumbrara por alguns segundos de deslize por
parte dele.
Agora entendia o motivo da queda. Olhar
para aquelas fotos deveria ter sido demais para ele,
sabia como era olhar para si e não se reconhecer.
Era impressionante o poder que a vida tinha em nos
moldar.
Indo até a cozinha ela pega o material
necessário para arrumar toda aquela sujeira.
Alguns dos porta-retratos não estavam tão
ruins, poderiam facilmente ser concertados com um
pouco de trabalho manual e um vidro novo para
substituir o quebrado. Ela salvou e concertou
alguns como pôde, colocando-os em uma caixa que
encontrara dentro do armário do corredor. Aqueles
que não tiveram salvação, Sarah colocara em um
saco plástico preto de lixo.
Depois de tudo na medida do possível
organizado, ela se encaminha para a cozinha, sabia
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que ele acordaria com fome, conhecia bem os


sintomas pós-queda, então com o que encontra
começa a preparar o café da manhã.
Na porta do quarto, ela o observava mais
uma vez. A luz da manhã adentrava o quarto,
iluminando a pele clara dele, contornando-o e
desenhando seu perfil tranquilo, ele ainda dormia.
Ela cruza os braços encostando-se ao batente
admirando o homem que não saia da sua cabeça
desde o dia em que a desafiara na primeira aula.
Um sorriso surge em seu rosto à medida que
seus olhos percorrem o corpo grande e viril dele.
Ela suspira obrigando-se a ir até ele, ficando
de joelhos na cama e acariciando seu rosto o
chama.
— Ethan? — Ele se remexia um pouco
ainda de olhos fechados. — Ethan? — Com sua
voz suave, ela o balança levemente.
Seus olhos vagarosamente se abrem e a luz
do sol ilumina o azul intenso que era sua íris. O
olhar dela mergulhara naquelas águas profundas e
quando ele a vê e lhe oferta um sorriso preguiçoso,
soube que retornar daquele mergulho seria

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impossível, que se perder neles eram sua única


opção e que sua vida não pertencia mais a si, pois a
vendera ao mar.
— Bom dia olhos azuis — Ela ainda
acariciava seu rosto.
— Você ainda está aqui. — Sarah podia
notar alivio na voz dele.
Como poderia não estar?
— Dormiu bem?
Ethan confirmava com um leve menear de
cabeça.
— Está com fome?
— Na verdade estou faminto. — Ele abria
mais o seu sorriso deixando a mostra seus dentes.
Os dedos dela tocam os lábios dele
contornando a curva dos mesmos. Ele precisa
parar de sorrir assim.
— Venha eu preparei o café da manhã —
Antes que ela possa sair ele a chama, e quando ela
se vira o encontra sentado na cama.
— Sarah... Eu... Te devo desculpas.

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— Pelo o que?
— Por tê-la chamado aqui, você não
merecia ver o que viu ontem à noite. Eu... Eu não
devia ter te ligado, estraguei a sua noite e odeio
quando aquilo acontece.
Sabia bem pelo que ele passava. Todo peso
logo após cada queda e a forma que fazia as
pessoas sofrerem ao seu redor.
— Não precisa se desculpar, eu entendo. —
E realmente entendia.
— Sim eu preciso fazer isso, você não
merecia. Eu tento ao máximo evitar aquele tipo de
cena, mas chega uma hora que tudo é muito pesado
para suportar. Você não merece esse homem todo
ferrado como companhia. — Ele apontava para seu
próprio peito.
— Ethan, acredite em mim quando digo que
você não é o único ferrado aqui e não precisa me
pedir desculpas, eu sei como isso funciona e fico
feliz que tenha me escolhido.
— Muitas pessoas não teriam vindo.
— Você já deveria saber que sou diferente.
— Ela sorria para ele.
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Segurando a mão de Sarah ele exibe


sutilmente a linda covinha em sua bochecha.
— David foi o único que já presenciou isso
— Lhe confessava.
— Eu imaginei. Não se preocupe, eu não
conto se não contar — Ela lhe devolvia o sorriso —
Agora levanta. Tem um café da manhã reforçado e
muito saboroso, diga-se de passagem, esperando
por você na cozinha.
— Você fez o café?
— Fiz e teria feito algo a mais, mas só
encontrei pacotes de macarrão. Como você
consegue?
— A humanidade inventou diversos
serviços de delivery.
Ela começa a rir, era impossível vencê-lo
em uma discussão.
Ele olhava ao redor do quarto em busca de
algo e ao se debruçar um pouco sobre ela é que
nota seu eterno companheiro, seu relógio de pulso
sobre o criado mudo.
Seu corpo todo fervilhava com aquela

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aproximação, desde a noite que estiveram juntos


naquela mesma cama, Ethan não chegava tão perto
dela como agora.
Sarah tentava focar em outra coisa que não
fosse o desejo que estava sentindo, tão ardente que
parecia incendiar todo seu corpo. Por sorte, ou não,
ele se afasta distraído encarando os ponteiros do
relógio que segurava e ela solta o ar que não sabia
que estava prendendo.
— Nossa, acho que dormi demais. São
quase uma da tarde. Estamos uma refeição
atrasados.
Não ouvia absolutamente nada do que ele
dizia, pois, seus olhos só estavam focados no
movimento de seus lábios e em como aquela
aproximação fizera com que seu cheiro amadeirado
penetrasse suas narinas e causassem como resposta
à cadeia de pelos arrepiados e boca seca, aquele
odor combinava com ele, era tão masculino, viril e
inteiramente desejável.
— É... O café vai... Vai esfriar... Melhor
irmos até a cozinha — Dizia sem jeito.
— Você vai... — Ele pigarreava — ficar

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aqui comigo?
— Eu... — Ela desviava seu olhar e encara
a porta entreaberta do quarto, era difícil encará-lo e
não pular em seu colo como tanto queria — Claro,
se você quiser.
— Seria errado eu dizer que quero. — Ela
já esperava por aquilo, sabia que assim que ele
recuperasse o bom senso a mandaria embora, foi
impossível não se sentir um pouco decepcionada —
Mas sinto que... Seria mais errado dizer que quero
que vá embora.
Aquilo a pega totalmente desprevenida, ele
queria que ela ficasse a queria por perto. Seu
coração parecia sambar em seu peito.
— Apesar de que não sou somente eu que
tenho que querer isso. Vou entender se quiser ir...
— Eu quero ficar! — Ela falava
rapidamente o interrompendo. Suas bochechas
adquirem uma tonalidade avermelhada pelo olhar
intenso que ele a envolve. — Anda venha comer os
melhores ovos já feitos em toda Londres. — Ela
erguia sua sobrancelha inflando seu peito com ar
convencido que só ela sabia fazer o puxando pelo

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braço.
A risada dele ecoava pelo quarto enquanto
se levantava da cama.
— Bailarinas convencidas na frente —
Indicava a porta.
Ao entrar na cozinha, Sarah o vê pegar a
cafeteira e servir duas canecas de café quente
entregando uma a ela que aceita de bom grado
apertando seus dedos ao redor da mesma para
receber mais do calor da bebida, agora que o
arrependimento por não ter colocado uma roupa
mais quente batia.
— Realmente eu sou muito boa cozinheira.
— Cozinheira não sei, mas o café está
muito bom, O’Connor.
Ela adorava quando ele a chamava assim.
— Está questionando meus dotes
culinários?
Enquanto Ethan se servia de uma porção de
ovos mexidos, Sarah se lembra de sua amiga,
Alexia. Pelo horário com certeza deveria estar
pirando sem notícias, ou pior já deveria ter

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convocado toda força policial de Londres e falado


com a rainha comunicando seu desaparecimento.
— Eu vou enviar uma mensagem para a
Alexia, saí tão apressada de casa que não a avisei.
Ela rapidamente sai da cozinha e vai até sua
bolsa que deixara do lado da porta quando chegara.
Como era de se esperar várias mensagens e
ligações de sua melhor amiga perguntando sobre
seu paradeiro. Ela gostava do jeito como Alexia se
preocupava com ela, como sempre cuidou dela,
mas tinha que confessar que às vezes era
exagerado. Rapidamente ela responde avisando
para não se preocupar, pois estava ajudando um
amigo. Sarah sabia que sua amiga deduziria que
esse “amigo” seria David e que a ajuda seria algo
como um encontro casual, ou seja, sexo.
Preciso esclarecer tudo com ela. Pensava
enquanto clicava no botão enviar e guardava seu
celular na bolsa. Mas era melhor ela pensar isso do
que saber que passara a noite abraçada na cama
com seu professor, pelo menos por enquanto.
Quando se vira para voltar à cozinha
encontra Ethan mexendo no saco preto de plástico
próximo a porta onde os porta-retratos quebrados
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estavam. Ele encarava o interior e o semblante


relaxado que ela vira a menos de um minuto havia
sumido completamente dando a ele uma expressão
mais fria e triste como o da noite anterior.
— Me desculpe, eu tentei salvá-los. —
Dizia sem jeito.
— Você não me deve desculpas afinal eu
fiz isso. — Dizia com amargor.
— Eu consertei a maioria, alguns vão
precisar de vidros novos...
— Não serão os mesmos.
— Eu sei, eu... Sinto muito mesmo.
— A culpa não é sua.
Ela podia sentir que cada palavra que saia
de sua boca soava de forma ríspida e dolorosa
enquanto seus olhos não desviavam do interior do
saco.
— Ela era muito importante, não é?
— Nenhuma palavra boa que consiga
pensar seria o suficiente para defini-la.
— Ela é muito bonita. — Se lembrava do
rosto sorridente da mulher que estampava cada uma
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das fotos. — Quer conversar sobre isso? —


Perguntava com cautela.
Ele parecia surpreso com aquela pergunta.
Qualquer pessoa que já tenha passado por algum
tipo de perda sabe que é estupidez tentar passar por
isso sozinha, mas ainda assim elas tentam. Mesmo
tendo total consciência de que um dia a vida de
alguém que amamos chegará ao fim, nunca se está
100% preparado para dizer adeus.
Quando Gael se fora, ela passara
incontáveis horas sentada no sofá chique e super
caro de uma psicóloga que seu pai arranjara para
ajudá-la a suportar a sua perda, alguém para lhe dar
a mão e atravessar por aquele período difícil.
Realmente falar sobre o assunto ajudara e até hoje
se lembrava dos ensinamentos dela sobre os
estágios do luto.
Eles são cinco. Negação, raiva, barganha,
depressão e aceitação. No começo confessava que
achava tudo aquilo inútil e desnecessário, queria
faltar em todas as sessões, não queria falar sobre o
assunto, reviver cada momento era doloroso
demais, e mesmo hoje ainda possuía dificuldades
em contar aos outros sobre seu passado, mas após
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incansáveis tentativas de seus pais em ajudá-la e da


Dra Harvey em tentar deixá-la à vontade, Sarah
conseguira passar por cada uma das etapas. Claro
que ela achava um exagero cinco estágios, para ela
apenas três eram os mais marcantes e os únicos que
importavam. Negação, depressão e aceitação. Os
passos básicos que são indispensáveis para se ter
sua vida normal de volta, na medida do possível.
Sarah já estava no último estágio apesar de
que às vezes, em seus momentos de queda,
retornava alguns passos para o nível anterior.
Ethan, ela constatara, estava na mais tortuosa e
dolorosa delas, a depressão, e há um bom tempo.
— Não precisa fazer isso.
— Eu quero — Ela insistia.
— Não há o que falar.
— Sempre há o que falar.
Ele ficara calado por um bom tempo
encarando-a com sua pose rígida e punhos cerrados
ao lado do corpo, o silêncio pairando sobre eles, era
nítido seu desconforto e como já era de se esperar
ele quebra o contato visual que faziam, não
conseguindo mantê-lo, seus olhos recaem sobre a
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pilha de fotografias que estavam sobre a mesa de


centro próximo a ela.
— Eu já... — Aquilo que ela ia fazer talvez
fosse a ser a coisa mais difícil que já fizera na vida,
mas sabia que precisava dar um voto de confiança a
ele, um primeiro passo para poder trabalhar melhor
na muralha que ele tinha ao seu redor. — Eu já fui
casada. Eu sei como é difícil falar a respeito.
Ela consegue sua atenção novamente. Ela
segurava seu pingente fora da camiseta que usava
buscando forças para continuar a falar.
— Tínhamos acabado de sair da igreja
quando nosso carro... — Começava a ficar
ofegante, mas ainda tinha o controle total, não
podia desabar, se recusava a isso. — Quando tudo
mudou. — Ela completava por fim. — Até hoje me
lembro da última coisa que ele me disse. —
Apertava os olhos para impedir que as lágrimas
venham. — Ele me disse que ia ficar tudo bem e
que eu não ia ficar sozinha. — Ao abrir seus olhos
encontra o par cristalino a encarando seriamente.
— Enfim... Eu carrego isso comigo e demorei um
pouco para acreditar no que ele me disse. Eu sei
que para você deva ser difícil falar, mas às vezes
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isso é tudo o que precisamos para aliviar um pouco


esse peso. E eu estarei aqui se precisar.
Assim que faz menção em sair da sala e
voltar à cozinha, seu movimento é interrompido
pela voz grave dele.
— Os porta retratos era um hobby da... —
Ele também estava ficando ofegante. — Da minha
esposa.
— Ela também se foi?
Ethan apenas confirmava com um leve
aceno.
— Ela amava fotografias. Dizia que havia
momentos que deveriam ser registrados e não
confiava na memória dela para isso. — Ele soltava
um riso triste — Ela se lembrava de tudo sobre
literatura clássica e moderna, mas fora isso sua
memória era péssima. Toda vez que viajávamos ou
até mesmo passeávamos em Dublin ela comprava
um novo porta-retratos e tirava uma nova foto para
colocar nele.
Ela ouvia atentamente cada palavra sem o
interromper.
— Aquele vazio que guardo no meu
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escritório não possui foto porque não tivemos


tempo de tirar uma. — Sua voz se tornava falha e a
cada avanço uma nota de dor era adicionada.
Lágrimas já escapam de seus olhos azuis rolando
por seu rosto. E mais uma vez ela sentia que ele iria
sucumbir.
Não vou deixar acontecer novamente.
Pensava com veemência avançando até ele e o
envolvendo em um abraço apertado, sua cabeça se
encaixava em seu peito e ela podia ouvir seu
coração bater rapidamente enquanto o corpo dele
tremia.
— Então... Respondendo a sua pergunta, eu
guardo um porta retrato sem foto porque é a última
coisa que tenho da minha esposa, a última coisa
que ela comprou pensando em nós. — O timbre
que sempre alimentava os sonhos proibidos dela
não existia mais, agora ele era embargado pela
emoção de sua confissão e pelas lágrimas.
Seus braços o apertam mais ao redor de sua
cintura e sua cabeça se afunda mais em seu peito.
Queria poder aplacar sua dor, queria ajudá-lo, dizer
que não precisava passar por tudo aquilo, mas
infelizmente não seria verdade, tudo o que ele
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estava sentindo fazia parte do processo de cinco


passos sobre o luto. Para superar é necessário
lembrar, para lembrar é necessário sentir, para
enfim poder viver. Toda dor tem que ser sentida
para que uma cicatriz tome seu lugar.
— Eu sinto muito, Ethan. — Sentia seus
olhos arderem. — Eu entendo a sua dor, sei que a
última coisa que quer é alguém te dizendo que tudo
isso vai passar, mas também sei que você não
precisa trilhar esse caminho sozinho.
Aos poucos sente os movimentos lentos dos
braços fortes dele se fecharem ao seu redor
retribuindo-lhe o abraço, espalmando as mãos em
suas costas e a puxando mais para si.
— As pessoas costumam dizer que o tempo
cura tudo. — Sentia o tronco dele tremer pelo
choro contido. — Mas o que não dizem é quanto
tempo isso leva.
— Acredito que cada um tem o seu próprio
tempo, uns mais longos que outros.
— Tenho medo que o meu nunca chegue.
— Ele confessava.
Ela ergue seu rosto apoiando o queixo em
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seu peito e o encara. Os olhos azuis nublados pelas


lágrimas e pelo choro, suas bochechas levemente
molhadas que exibiam um caminho úmido até seus
lábios, que ela não evitou em trilhá-lo com os olhos
e analisar seu ponto final. Seus próprios lábios
sentiram falta de seu toque, cada parte de sua
anatomia reagia àquela lembrança de dias atrás.
Sua pele se arrepiava nos locais que ele tocara, seu
corpo estremecia nos locais que ele beijara e seus
lábios se entreabriam na expectativa de acolher os
dele mais uma vez.
Ethan a fitava e podia jurar que ele encarava
os lábios dela assim como ela os dele. Ficando na
ponta dos pés, o máximo que seus tênis permitiam,
ela se eleva aproximando-se de seu rosto e deposita
um delicado e curto beijo naquela boca que
almejava. Ele permanece imóvel e incentivada pela
falta de resistência que recebera se ergue mais uma
vez e o beija, um pouco mais demorado que o
anterior, e pode notá-lo fechar os olhos.
Desprende seus braços da cintura dele
envolve seu pescoço, enterrando os dedos nos
cabelos próximos a nuca. Na terceira vez que ela o
beija, ele enfim corresponde envolvendo os lábios

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dela e os encaixando em um beijo sôfrego, sem


sutilezas. A língua dele a invade em busca pela a
dela, sentia os dedos a apertarem mais na curvatura
de seu quadril tirando qualquer espaço que ainda
pudesse existir entre eles, em pouco tempo ela o
devorava e provava também, seu gosto a
entorpecia.
Quando achava que o beijo não poderia
ficar melhor, Ethan a pressiona contra a parede
usando seu corpo como apoio ao dela. Sua
musculatura rígida embaixo dos toques luxuriosos
dela enquanto seus lábios abafavam gemidos que
escapavam à medida que as mãos dele a
exploravam cada vez mais, percorrendo e
desenhando suas curvas femininas, deixando um
rastro quente e pele arrepia por onde passava.
Sentia as mãos atrevidas dele deslizarem
pela lateral de seu corpo até encontrarem um ponto
abaixo de suas nádegas, a elevando e enlaçando
suas pernas ao redor de seu corpo.
Ela se inclinava mais para dar total acesso
aos lábios dele que agora devoravam seu pescoço.
Seus gemidos se intensificam pelo anseio de
contato mais íntimo, suas pernas se apertavam mais
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e seu centro latejava desejando a atenção que


somente ele poderia lhe dar.
Com ela em seus braços e sem deixar de
beijá-la, ele se movimenta pela sala, sentando-se no
sofá e infiltrando suas mãos por debaixo da
camiseta regata que vestia, alisando seu abdômen.
Com atos ágeis e urgentes ele retira aquela peça
deixando seus seios expostos em frente ao seu rosto
e os admirava esfregando sua palma em seus
mamilos excitados retirando um gemido um pouco
mais alto e satisfeito dela. Sua língua prova a pele
quente e sensível daquela região e seus lábios o
envolvem a sugando, fazendo com que Sarah não
contenha o nome dele que escapa entre gemidos.
A urgência agora a tomava fazendo com
que seus dedos puxassem a camiseta dele com
força na tentativa de arrancá-la. Ethan se afasta
apenas o suficiente para ajudá-la e assim que fica
livre daquela peça volta a dar atenção aos seus
seios.
Seus dedos se enterram nos pelos que
enfeitavam aquele peitoral, ela amava a sensação
de tocá-lo, amava os efeitos que desencadeavam
em seu corpo quando era tocada. Não sabia o
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quanto sentira falta daquilo, de receber e


proporcionar prazer.
Ela se remexia em seu colo apertando mais
as coxas, enquanto suas mãos exploravam mais
atrevidas o abdômen rígido contornando seus
músculos e arranhando de leve a sua pele, logo
encontrando o elástico de sua calça moletom e
adentrando a mesma para tocar seu objeto de desejo
o encontrando como ela o sentira antes
pressionando a sua virilha, rígido, demonstrando
todo o desejo que ele sentia por ela.
— Não... Não... — Dizia a afastando e
segurando seu pulso para interromper suas caricias.
— Não posso. — Dizia ofegante.
— Por que não? — O encarava assustada.
— Não quero te colocar em risco
novamente. — Mordia seu lábio inferior em sinal
de desconforto desviando seus olhos. — É que...
Eu... Não tenho preservativo. — Confessava.
Ficando em pé diante ele, fita seu
semblante, aparentemente arrependido.
— Entendi. — Dizia em tom baixo, sem
conseguir disfarçar sua decepção pelo momento
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interrompido, mas assim que pensa em se vestir,


outro pensamento passa em sua mente.
Rapidamente ela se despe do restante das
peças de roupas que ainda a cobriam ficando
completamente nua no meio da sala. Podia sentir os
olhos curiosos dele sobre si, mas não podia e não
queria perder aquela oportunidade, ela o queria e o
teria.
Pegando sua bolsa volta até onde ele estava
sentado, virando o conteúdo dela no colo dele, onde
várias embalagens de camisinhas femininas e
masculinas caem e forram suas coxas.
Juro que nunca mais vou ignorar essas
campanhas da turma de medicina.
Com um olhar surpreso e questionador ele a
fita.
— Campanha de sexo seguro da turma de
medicina. — Ela explicava e vê a sobrancelha se
erguer.
— E você pegou tudo isso?
—Na verdade me deram essa quantidade.
— Ela dava de ombros. — Acho que a estudante
que me abordou achou que eu iria precisar de tudo
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isso.
Rindo ele afasta as embalagens pegando
apenas uma.
— Depois me fale o nome dela. Acho que
merece pontos extras na nota. — Um brilho
malicioso iluminava seus olhos.
Pegando a embalagem da mão dele, ela se
aproxima e o auxilia em se livrar da calça que ele
ainda usava.
— Agora estamos prevenidos. — Ela se
ajoelhava sobre ele rasgando o papel laminado e
vestindo o membro exposto dele, arrancando um
gemido rouco de sua companhia. — Você gosta
disso, Ethan? — Perguntava elevando seu corpo
para recebê-lo dentro de si.
— Muito. — Ele gemia alto fechando os
olhos e jogando a cabeça para trás.
Ethan apertava sua cintura guiando-a e a
abaixando sobre seu membro e quando o encaixe
entre eles enfim acontece Sarah não consegue
conter seu gemido. Os lábios dele logo a calam
devorando-a.
Sentia as mãos dele por toda parte a
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apertando e a puxando para mais perto, enquanto


ela se movimentava em seu colo, cavalgando-o. O
segurando pela nuca ela prende seus dedos em seus
cabelos escuros. Ethan roça seus lábios ávidos pela
pele de seu pescoço, beijando, lambendo e sugando
regiões sensíveis que ela se surpreendera por ele
saber exatamente onde a tocar, como se pudesse ler
seus pensamentos e desejos mais profundos.
Juntos eles se entregavam ao prazer e desejo
que os rodeava e que preenchia aquela sala. Sarah
acelerava seus movimentos, não conseguia se
conter, precisava dele, precisava liberar toda tensão
que ele lhe causava e satisfazer seus desejos e
sonhos, e ele parecia querer o mesmo, pois suas
mãos a empurravam para baixo sempre que ela se
elevava.
Seus cabelos cobriam-lhe mais a face toda
vez que sentava com mais força, ele afasta aqueles
fios e mais uma vez seus lábios tomam os dela
enquanto seus braços a enlaçavam colando seus
corpos, mas sem impedir os movimentos vorazes
dela.
Sentia seu ápice se aproximando e ao julgar
pelos gemidos que ele compartilhava com ela, o
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dele também estava. Apertava mais suas coxas,


estava pronta para se desmanchar sobre ele.
— Mas que porra é essa?
Uma voz os interrompe fazendo com que
tudo pare imediatamente, todas as sensações boas
são substituídas por medo. Assustados eles olham
em direção à voz da visita inesperada, mas
nenhuma expressão de surpresa que pudessem
expressar seria compatível com a que David os
oferecia parado ao lado da porta de entrada.

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“A gente não faz ideia de como mudou até


que a mudança já tenha acontecido.”
O diário de Anne Frank
Anne Frank

Os irlandeses são um povo cheio de


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superstições, crenças e ditados populares que são


passados de geração em geração. Sarah nunca fora
de acreditar muito nesse tipo de coisa, ao contrário
de seu pai, um típico irlandês ruivo, alto e com
bochechas rosadas, esse que não pode deixar de
cumprir o seu papel de chefe de família e fazer o
rito de passagem dos ditados para sua única filha.
Passara sua infância e juventude ouvindo os
sermões de seu pai toda vez que ela fazia algo
oposto do que as superstições diziam. Tudo para ele
dava azar e ela achava um absurdo acreditar que
passar por debaixo de uma escada poderia dar azar
a alguém, ou como escolher o nome do bebê antes
de seu nascimento também possa, ou até mesmo
que dava muito azar iniciar uma viagem em uma
sexta-feira, ou seria em um domingo? Ela já não se
lembrava mais, seu pai ficaria decepcionado.
Mas encarando toda aquela cena em que se
metera não conseguiu evitar o pensamento de que
aquilo tudo era muito azar para uma pessoa só.
Nunca ficava com ninguém, não beijava ninguém e
muito menos saía transando e cavalgando em
homens extremamente gostosos, diga-se de
passagem, em sofás no meio das salas alheias. E

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quando enfim conseguira fazer aquele homem que


era a personificação de uma pedra de gelo
finalmente lhe contar parte da sua história e a se
entregar a ela sem resistências ou atos promovidos
pelo calor do momento, realizados sem pensar, algo
assim acontecia.
Será que o deus responsável pelas
superstições irlandesas estava finalmente te dando
o troco por todas as vezes que passara embaixo de
uma escada em sua vida, simplesmente para
provocar o seu pai? Ou as vezes que colocara
sapatos em cima da mesa?
Enquanto encarava a cara nitidamente
incrédula do seu amigo, não conseguiu deixar de
sentir como naqueles pesadelos em que se está
pronta para uma prova que você estudou muito e
tinha certeza saber todas as respostas, mas aí
quando a folha lhe é entregue tudo o que você
havia estudado simplesmente some e tudo que
sobra é um branco. Os ponteiros do relógio andam
e o barulho que fazem a cada segundo corrido fica
cada vez mais alto, o desespero te toma e você olha
ao redor e vê todos os seus colegas escrevendo
atentamente então encara o seu professor, que está

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parado de frente para a turma, esperançosa como se


fosse encontrar as respostas na cara dele, ou que ele
se sensibilizasse e lhe desse algumas dicas ou para
checar que ele não a visse colando. Naquele
momento David estava no papel do professor. A
ironia da situação em sua analogia chegava a ser
engraçada.
Mas diferentemente de um pesadelo, aquilo
era real. Sarah não iria acordar em sua cama e se
sentir aliviada por realmente não estar fazendo uma
prova. Ela estava ferrada de verdade e o pior era
que fora pega no flagra colando.
— Que porra é essa? — Foi o que escutou
seu amigo que tinha acabado de flagra-la transando
dizer.
Merda! Ela pensava enquanto saía
apressadamente do colo de Ethan e tentava se
cobrir com o que visse pela frente.
— Que merda, David! — Ethan
prontamente a coloca atrás de si protegendo o
corpo nu dela com o seu — Olha pra lá. — Pedia
enquanto ela tentava encontrar um buraco próximo
para se esconder, como o do coelho da Alice.

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— Ahh... Ahh... Eu... Ahh... Mi? — David


estava completamente atordoado e perdido.
Ahh que merda! Eu o traumatizei.
— Oi... David — Dizia sem jeito — Você
pode, por favor, se virar?
Pela lateral do corpo que a protegia, pode
ver David percorrer os olhos por sobre o corpo de
seu irmão, franzindo ainda mais a testa enquanto
suas bochechas mudavam de vermelhas para algo
mais próximo do roxo. Ele leva suas mãos até seus
olhos e aperta a venda entre eles fechando os
mesmos.
— Ahh Ethan pelo amor de Deus!
— David você já me viu sem roupa.
— Sim, mas..., mas não tão... Tão alerta.
— Ela o via apontar para ereção que ele ainda
mantinha, deixando toda a situação cômica se não
fosse tão vergonhosa. — Meu Deus Ethan, o
quarto existe pra esse tipo de coisa.
— Assim como a campainha existe para ser
tocada, mas você nunca usa. — Ethan rebate.
— Tudo bem talvez eu tenha entrado em

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uma realidade paralela. — Ele batia as mãos como


se tivesse acabado de chegar a uma conclusão mais
plausível para a cena que via. — É isso! Eu vou
sair por aquela porta... — Ele apontava para trás de
si. — E quando voltar tudo vai estar normal. Mi
não vai estar aqui e Ethan vai estar assistindo
algum documentário estranho na TV. — Dizia tudo
aquilo como se falasse consigo mesmo.
Sarah o via tatear a porta em busca da
maçaneta com seus olhos ainda fechados.
— David você tomou seu remédio hoje?
— Seu irmão o provocava.
— Não começa Ethan!
Quando ele sai e fecha a porta Sarah
finalmente consegue respirar, precisava pensar no
que aconteceria agora e o que iria fazer. Ethan
exala demoradamente o ar passando as mãos pelos
cabelos escuros virando-se pra ela, sua expressão
era indecifrável, parecia calmo por fora, como se
fosse algo corriqueiro e se não se tratasse de ser
quem ele era e por tudo que descobrira e vira sobre
ele, juraria que realmente aquele tipo de cena
ocorria no seu dia a dia.

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— Eu... Eu sinto muito. — Dizia


envergonhada.
— Tudo bem, não tem por que se
desculpar. Ele vai ficar bem.
Como ele pode parecer tão calmo, porra!
— Acho que o traumatizamos — Ela lhe
ofertava um sorriso fraco e constrangido. —
Melhor eu me vestir antes que ele entre de novo.
Começa a pegar suas roupas espalhadas
pelo chão enquanto Ethan vestia sua calça
moletom. Não iria conseguir encarar o seu amigo
naquele momento, precisava ir para um lugar mais
privativo e se vestir, então se dirige ao quarto bem
a tempo de ouvir seu amigo entrar novamente.
Antes que feche a porta do cômodo escuta a voz de
David perguntar: “Você ficou louco?”.
Sim. Ambos haviam ficado loucos.
Novamente havia se entregado, e quebrado mais
uma promessa que fizera a si mesma se culpando
mais uma vez. Já devia saber que na presença
daquela homem promessa alguma daria certo, que
na primeira oportunidade que tivesse ela o beijaria.
O magnetismo entre eles era muito forte, as batidas

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que seu coração dava toda vez que o via eram fora
do comum. Era como se eles fossem compatíveis,
como se sua anatomia fosse feita para responder a
ele, ficando a mercê de seus toques e vontades. Ele
a puxava e ela não relutava em segui-lo.
É claro que iria até ele quantas vezes a
chamasse, claro que dormiria ao seu lado sempre
que pedisse, mesmo sendo difícil para ela dividir a
cama novamente com um homem. Ele estava tão
quebrado quanto ela, mas quando ambos se
encontravam e se entregavam parecia que os
pedaços se encaixavam, a dor ficava suportável e
quando essa junção acontecia, ela não queria de
forma alguma separar.
Por que minha vida precisa ser tão
complicada? Pensava enquanto se vestia, e
principalmente nas palavras que seu amigo uma vez
lhe dissera sobre como não conseguimos controlar
os sentimentos, e ele tinha toda razão.
Ela era fraca. Não conseguia se controlar, e
também não queria, não conseguia se afastar,
ignorá-lo e tentar ser uma universitária normal
saindo com caras do campus da sua idade e com o
intelecto de uma marmota. Não. Ela tinha que
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gostar dos caras misteriosos e que instigavam a sua


língua afiada, sua teimosia e curiosidade. Mas era
principalmente fraca por possuir todas as fraquezas
citadas acima e ainda não se arrepender por tê-las.
Quando eu volto a gostar de alguém
novamente, escolho logo, o meu professor. Será
que faz parte da minha lista de azares acumulados
da vida? O destino sempre aposto para rir de sua
cara, mas não sabia se estava envelhecendo e
perdendo o bom humor ou se era o destino que
estava perdendo o jeito em contar piadas, pois,
aquela era de muito mau gosto.
Naquele momento ela precisava pensar em
como sair daquela situação. Quando termina de se
vestir a passos lentos caminha até a sala, porque de
um jeito ou de outro precisaria encarar aquilo de
frente. Não dava para fugir ou simplesmente fingir
que nada aconteceu, não seria justo com nenhuma
das partes envolvidas.
Agora estou pensando como uma estudante
de direito! Valeu Ryan!
Seus pensamentos são interrompidos assim
como seus passos quando ela escuta seu amigo
repreender o irmão.
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— Ela é sua aluna! Tem noção do que pode


acontecer se alguém descobrir? Você pode perder
seu emprego, sabia?
Aquelas palavras a surpreendem. Como não
havia pensado nisso? Nunca antes cogitara essa
hipótese, estava colocando a carreira de um homem
em perigo, não suportaria vê-lo acusado e
despedido por algo que ela o incitara fazer. Como
podia ser tão egoísta?
— Agora não é hora e nem local, David.
Conversaremos sobre isso outro dia. — Ele
controlava o timbre de sua voz para que somente
David o escutasse.
Tarde demais.
Reservando esses pensamentos em um
canto para que os remoessem mais tarde caminha
um pouco mais rápido até a sala e seu amigo sorri
gentilmente como se nada tivesse acontecido.
— Mi, que bom vê-la vestida — Ele
brincava, mas ela não estava no clima. Mesmo
assim ela sem jeito sorri de lado enquanto colocava
uma mecha de seu cabelo atrás de sua orelha.
Assim que seus olhos recaem sobre Ethan,
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pode ver suas aflições refletidas em seus olhos. Ele


a olhava atentamente e soube no mesmo instante
que ele a lera.
— Vou terminar de me vestir — Ethan
segurando a camiseta segue até ela e beija
gentilmente sua testa. Parecia que a estava dizendo
silenciosamente que tudo ia ficar bem, mas ela
sabia que não. Sabia que precisava pôr um fim
naquilo antes que ficasse fora de controle.
Quando ele some no corredor a deixando a
sós com David, Sarah joga seu peso sobre o sofá
sem conseguir encará-lo nos olhos.
—Sinto muito por descobrir assim. — Ela
finalmente consegue dizer.
Sente o assento ao lado se afundar
indicando que David fizera o mesmo que ela.
— Tudo bem.
— Não, não está tudo bem, David. —
Cobria o rosto com as mãos. — Eu sei o quanto
isso é errado. Eu sei disso, sei dos riscos. Mas ele...
Ele é diferente. Eu sinto que... Com ele tudo é mais
fácil. — Acreditava que se havia uma pessoa além
de Ethan que entenderia o que estava tentando
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dizer, essa pessoa estava bem ali. — Eu não


consigo ficar longe dele. — Confessava em um
sussurro.
— Eu sei. — Ele suspirava — Eu sei. Eu...
Apenas ainda estou em choque. Me dê alguns
minutos.
— Aí. David. Sinto muito. Nunca passei
tanta vergonha na minha vida. — Se lamentava.
— Tudo bem, Mi. Sério mesmo. Pelo
menos fui eu que entrei e vi. — Tentava animá-la.
— Merda! — Ela se exaltava encarando
seu amigo pela primeira vez e deitando em seu
ombro — Merda, mas que merda! Isso não pode
acabar bem, Dave. O que eu estou fazendo?
— Olha... Eu...
— O melhor seria acabar com isso de vez.
— Ela o interrompia. — Você tem razão, ele pode
perder o emprego. Nossa eu sou tão egoísta por
achar que poderíamos... Que ele e eu... Argh! —
Ela fechava seus olhos choramingando.
— Você ouviu o que eu disse? — Ele
parecia arrependido enquanto pegava suas mãos a
fazendo ficar de frente para ele. — Mi...
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— Não posso sujeitá-lo a isso. — Ela o


interrompia de novo. — Não podemos continuar
com isso.
— Mi?! — Ele a olhava nos olhos a
fazendo se calar. — Você acabou de dizer que não
consegue ficar longe dele.
— Sim. Eu sei, mas não é algo que eu
queira e sim algo que tenho que fazer.
— Você não pode controlar o que sente.
— Por que minha vida tinha que ser tão
complicada?
— Você disse tudo, Mi. — Ele apertava
suas mãos. — Vida. Ela é assim, imprevisível.
Cheia de obstáculos, mas se temos certeza de algo e
escolhemos o nosso caminho, temos que ter em
mente que haverá problemas a serem resolvidos.
Ele abaixa seu olhar calando-se por alguns
longos segundos fazendo a tensão dela crescer.
— Quando a Margot se foi, eu vi meu irmão
morrer cada dia mais, nunca me senti tão impotente
na minha vida. Eu estava lá, vi tudo desde o início.
Tudo o que pude fazer era assistir o Ethan indo
embora. — Fazia uma pausa antes de voltar a
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encará-la. — Não sei direito pelo o que você


passou, mas sei que não teve uma vida fácil. A
única coisa que quero é que ninguém se machuque.
— Ele me contou sobre ela. — A surpresa
voltava a se estender pelo rosto dele.
— Contou?
— Também fiquei surpresa, acredite.
— Ele confia em você. — Sussurrava como
se falasse consigo mesmo.
— Ele me ligou ontem, chorando, parecia
desesperado e pediu para me ver e eu vim. Quando
cheguei ele estava no chão e pela casa tinha
pedaços de vidros quebrados e fotos espalhadas. —
Sentia uma pressão em seu peito ao se lembrar da
cena.
— Ah... Não. Ele teve uma queda. —
Abaixava o tom de voz. — A última foi há quase
um ano. Ele fica muito mal quando isso acontece.
— Eu o coloquei na cama e ele dormiu, mas
antes me pediu para ficar.
— Ele realmente confia em você.
— Isso tudo é tão errado, mas não sinto que
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estou cometendo um erro, entende? — Deixava sua


cabeça mais uma vez cair no ombro de seu amigo.
— Eu sei que quebrei minha promessa de não me
envolver com ninguém, mas seu irmão é... —
Suspirava deixando a frase morrer. — Não posso
continuar com isso.
— Mi...
— E se acontecer algo e ele for demitido?
Ele vai olhar pra mim e se arrepender, não vou
conseguir suportar isso.
— Mi... — Ele envolvia seu ombro a
abraçando. — Você conhece alguém mais metódico
e correto do que meu irmão?
— Impossível.
— Pois é. Imagina como é difícil para
alguém como ele sair da rotina, mas ele estava
aqui... — Indicava o sofá. — Com você. Acredite
no que eu digo, se ele decidiu quebrar as regras
assim é por que você é importante.
Ela encolhe seu corpo se aninhando nele.
Conversar com David era tão fácil, tão natural.
Mais uma vez não conseguindo ignorar aquela
sensação familiar que sentia, essa sempre a espreita
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quando o assunto eram aqueles irmãos.


— Sabe o que eu vi hoje? — Ele apoiava a
bochecha em sua cabeça. — Pela primeira vez em
muito tempo eu vi o meu irmão. Era ele aqui e não
aquele clone do mau que conhecemos como senhor
Collins.
Aquele comentário a faz rir.
— Não sei o que você fez com ele... Bem...
Na verdade eu sei, mas não vem ao caso isso. —
Ele dizia sem jeito. — Apenas continue fazendo.
Aquilo a comove. Sabia que Ethan havia se
escondido de todos, se recolhido e perdido dentro
de si se deixando sufocar pelo seu passado, mas
ouvir algo assim de David fizera todo seu esforço
valer a pena. Sentia-se orgulhosa de si, como
alguém que tivera seu trabalho reconhecido e
premiado.
— David... — Ela retribuía seu abraço o
apertando com força. — Você é o melhor amigo do
mundo.
— Só quero a felicidade dele, Mi, e a sua
também.
— Eu gosto da companhia dele. — Ele
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beijava sua bochecha. — Mas se contar a alguém


que me viu pelada eu te bato.
Ele ri.
— Confesso que tirar a cena do pênis do
meu irmão em alerta será um pouco difícil.
— Achei que gostasse de pênis.
— E eu gosto, mas não o do Ethan.
— Eu fico com o do seu irmão. — Sorria
faceira. — Ele é uma delícia.
— Sem mais detalhes, já vi e ouvi coisas
demais por hoje.
Na porta que dava acesso ao corredor atrás
de David vê Ethan retornar a sala, agora com
aquele corpo viril e completamente delicioso
coberto por uma calça jeans clara e uma camiseta
preta lisa, os fios de seus cabelos estavam de volta
ao lugar e suas faces não possuíam mais a
tonalidade avermelhada e nem estavam molhadas
de suor.
Foi inevitável não sorrir para ele que
surpreendentemente o retribui exibindo as covinhas
que ela aprendera a apreciar. O suspiro satisfeito e

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sonhador lhe escapara fazendo com que David


olhasse para trás e encontrasse seu irmão em uma
troca de olhares com ela. Ambos presos em um
embate silencioso compartilhando fantasias e
anseios. Suas pernas tomam vida própria e a guiam
até o destino que o seu coração sempre a levava.
Enlaça a cintura firme dele e se aconchega
em seu peitoral. Por que tudo tinha que ser tão
difícil? Por que o ser humano tinha que complicar
tudo? Como seria capaz de se afastar dele e fingir
que nada entre eles estava acontecendo? Aqueles
questionamentos causam um vinco entre suas
sobrancelhas. Estava acontecendo algo entre eles
ou aquilo era somente um caso, um ato unicamente
sexual para liberar tensão de anos acumuladas?
Não precisava ser muito inteligente para
notar o que ela estava sentindo, gostava dele, mas
será que aquilo era mútuo? Será que ela não estava
confundindo as coisas?
Não. Nós não temos nada. Apenas um
relacionamento aberto. Algo sem título.
Balançando a cabeça tenta afastar aqueles
pensamentos, não podia atropelar as coisas, afinal
eles tinham feito sexo apenas duas vezes e a
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posição dele impedia que algo mais sério pudesse


vir a acontecer a ponto de se dar um título ao que
estavam fazendo.
— Bem... Eu acho que já vou indo. Bem
melhor te ver com calças meu irmão. — Se
levantava no instante em que Ethan abaixa seu
rosto alguns centímetros para depositar em sua testa
um beijo cálido. — Eu vou para casa comer o
macarrão que eu fiz.
Ela se afasta um pouco se virando a tempo
de ver David indo até a porta da frente.
— Vou lá comer o pênis... — Ele tossia. —
Quero dizer... Vou comer o penne que eu fiz.
Assim que Ethan tranca a porta e a fita vê
algo parecido com cansaço o envolver calando-o
por um longo tempo. Seus ombros caem levemente
desfazendo a postura sempre impecável e
inabalável dele. Ela fica parada no mesmo lugar
não sabia qual seria sua reação se ela se
aproximasse, então para conter a inquietação que
fazia parte dela balança o corpo para frente e para
trás com suas mãos cruzadas em frente ao seu
corpo como uma criança que fora proibida de tocar
nas coisas em uma loja de brinquedos.
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— Sinto muito por tudo isso, Sarah. — Ele


dizia por fim.
— A culpa não é sua por ele ter aparecido.
— Eu dei a chave pra ele. — Ele explicava
se aproximando com cautela.
— Você está bem?
Seus olhos a avaliam percorrendo o par de
cristais pelo seu rosto enquanto a reflexão era
nítida.
Ele confirma em silêncio com um sorriso
sutil em seus lábios.
— Acha que vai ficar tudo bem? — Não
conseguia evitar a pergunta.
— Ele vai ficar bem, Sarah. Já é um menino
crescido. — Ele pegava algumas almofadas do
chão que caíram enquanto usavam o sofá as
colocando no lugar.
— Não estou falando de David, Ethan e sim
disso. — Apontava para eles.
— Ele não vai contar para ninguém.
— Eu sei que não, mas... — Ela o via
arrumar milimetricamente a mesma almofada por
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quase um minuto inteiro. — Você quer, por favor,


parar de mexer nessa almofada.
Suspirando fortemente ele a encara ficando
de costas para o objeto.
— Isso tudo é muito errado, Ethan...
— Você acha que eu não sei? — A
interrompia se exaltando. — Acha que eu não tentei
evitar? Acredite em mim quando eu digo. Tentei e
muito. Mas agora é um pouco tarde para voltar a
trás, não acha?
Não gosta da forma ríspida e sem paciência
com que a responde fazendo seu corpo se
empertigar.
— Ainda há tempo suficiente de desistir. —
Rebatia da mesma forma.
Com força ele esfrega o rosto com as mãos
e bagunçando seus cabelos novamente
esbravejando.
— Sarah... — Ele se aproximava
controlando seu tom. — Olha... Eu... Sei mais do
que ninguém dos riscos que corremos, mas mesmo
assim eu escolhi passar por eles. — Sentia as mãos
de ele tocar seus ombros quando se aproxima de
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suas costas. — Por que... — Fazia uma pausa. A


expectativa dela para que o fim daquela frase fosse
dito era enorme. — Olha... Eu... Estou cansado de
tudo o que carrego então eu te chamei aqui por
que... Na última vez que estivemos juntos eu me
senti bem. Muito bem. — Ele se corrigia. — Eu me
dei conta do quanto senti falta de me sentir assim e
quis que acontecesse de novo, ainda quero.
Sentia suas mãos apertarem de leve seus
ombros como uma súplica.
— Mesmo eu sabendo que um dia isso vai
acabar. Que tudo é um absurdo, uma loucura e um
risco. — Ele continuava. — Eu só quero me sentir
assim mais um pouco, por favor. — Suas últimas
palavras saem bem próximas ao seu ouvido a
arrepiando.
Vagarosamente ela se rende a suas palavras
e se vira encontrando um par de cristais igualmente
rendidos e suplicantes.
— Você quer que eu fique? — Perguntava
um pouco hesitante.
— Sim. — Lhe oferecia um leve sorriso
pegando uma mecha rebelde de seu cabelo e a

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colocando atrás da orelha. — Eu quero.


Aproxima-se permitindo ter sua cintura
enlaçada pelos braços dele a puxando cada vez
mais e mais para perto. Com a mão espalmada ela a
repousa em seu peito sentindo a textura de sua
camiseta e a de seus músculos se retesando abaixo
dela. Suas mãos deslizam ousadas pelo seu tronco
até se encontrarem em sua nuca e se enganchar ali.
Estar ali com ele compartilhar e sentir com
cada detalhe seus toques era muito melhor do que
poderia imaginar. Ethan Collins era uma caixinha
de surpresas, daquelas que demoram ser abertas,
mas assim que por uma pequena fresta se tem uma
prévia do que há em seu interior você sabe que vale
a pena cada gota de suor.
Mas uma parte de si não conseguia deixar
de se preocupar com o amanhã. O que seria dele? E
o próximo dia e os seguintes? Iriam continuar com
aquilo ou tudo mudaria assim que a manhã de
segunda feira raiasse? Será que conseguiria manter
aquilo tudo em segredo? Ela seria a amante secreta
de seu professor? Não que a ideia de um romance
secreto não agradasse seu coração de leitora
apaixonada, mas aquilo era o mundo real e não as
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páginas dos romances de época que tanto amava


ler.
E se eu quiser pegar na sua mão e ele não
quiser? Ou e se eu a pegar e alguém conhecido
ver? Novamente o medo das consequências para
ele a assombram, controlando-se para elas não
serem lidas em suas feições.
— Tem algum lugar que você queira muito
visitar, mas nunca foi? — A voz dele cortava seus
questionamentos, fazendo-a piscar algumas vezes
para ver se havia entendido a pergunta direito.
— Ahh... Eu sempre quis fazer um
mochilão literário pela Europa. Conhecer os locais
citados nos meus romances favoritos. — Um
sorriso animado e sonhador enfeitava as feições
dela. — Já visitou o museu da Jane Austen?
Por breves segundos viu uma sombra passar
pelos olhos dele que vacilam um pouco e se
desviam dos dela. Como resposta ele apenas nega
com a cabeça. Qual é o problema? Disse algo
errado?
— Tem outros lugares também que eu
gostaria de...

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— Você quer ir até lá?


— Ao... Museu? Com você? — Ela
gaguejava enquanto ele confirmava voltando a
encará-la. — Por quê?
— Eu achei que... Você iria gostar de ir a
algum lugar longe da cidade, longe das pessoas que
conhecemos. Onde nós pudéssemos ser apenas um
homem e uma mulher.
Fica boquiaberta com o que ele acabara de
sugerir, como se tivesse lido seus pensamentos e
medos há menos de um minuto. Ela era tão
transparente assim?
— Como um encontro? — Ele sorria com
certo constrangimento.
— Se isso for o suficiente para que diga sim
então pode chamar assim se quiser.
— Então... — Elevava-se aproximando
mais de seu rosto roçando seus lábios de leve sobre
os dele. — Vamos ser apenas um homem e uma
mulher passeando pelo museu em uma tarde de
domingo, senhor Collins. — Dizia antes de
encaixar seus lábios beijando-lhe com calma
provando seu saber entorpecente e deixando
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arrepios prazerosos se espalharem pelo seu corpo.


— Que bom que topou O’Connor — Dizia
entre beijos famintos fazendo-a gemer baixinho.
Nunca seu sobrenome fora tão sexy. — Senão teria
que te dar uma ordem com ameaça de receber uma
advertência caso negasse ou quem sabe ganhar um
novo D.
— Você realmente é um Cérbero. —
Mordia seu lábio inferior. — Por que quer sair
comigo?
— Uma vez uma bailarina muito irritante,
convencida... — Seus beijos contornavam seu
maxilar a cada adjetivo. — Teimosa e intrometida
me disse para eu relaxar mais e deixar meus
problemas um pouco de lado. — Afastava-se para
encará-la.
— Ela realmente tem razão. É uma mulher
muito inteligente. Esse homem mais relaxado
combina muito com você, apesar de eu gostar
muito da versão mais rígida. — Pelo sorriso de
lado no rosto dele sabia que entendera o duplo
sentido de sua frase. — Mas soube que ela também
possui os seus problemas.

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Sua risada grave preenche o ambiente.


— Apesar de tudo eu consigo ver apenas
um problema nesse instante. — Seus dedos
apertavam mais a curvatura de seus quadris.
— E qual seria?
— O excesso de roupas que usamos. — Um
brilho malicioso iluminava aqueles olhos que a
fascinavam.
— Deveria saber que assim que fosse
possível eu tiraria essas suas roupas, ou seja, as
colocou em vão.
— Eu sei disso. Por isso nem dei o trabalho
de colocar cueca.
Ela não se aguenta e ri pulando em seu colo
e enlaçando as pernas ao seu redor.
Com ela firmemente em seus braços
começa a ser guiada pelo corredor. Segundos
depois estavam confinados no quarto dele dando
vida, prazer e som ao apartamento, pois afinal eles
tinham um assunto inacabado.

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“Por que as piores lembranças são as mais


insistentes?”
Anne de Green Gables
Lucy Montgomery

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Ela estava parada pelo que julgava ser


tempo demais no estacionamento do prédio dele.
Olhava em direção ao veículo e seu coração se
apertava tanto que sentia que se seus remédios não
estivessem na bolsa e não tivesse os tomados pela
manhã, provavelmente teria desmaiado mais uma
vez. Quando Ethan havia sugerido irem ao museu
no dia anterior ela não cogitara a ideia de que o
museu ficava há alguns quilômetros de sua casa e
essa distância só poderia ser percorrida de carro.
Sarah passou todo sábado, imersa nas
sensações que ele provocava em seu corpo que
acabou deixando passar esse enorme detalhe. Ela
teria que entrar em um carro depois de tanto
tempo. E a última vez que fora obrigada a entrar
em um não fora uma experiência muito agradável.
Quando decidiu se mudar ela precisou pegar
o carro da família para ir até o aeroporto, seus pais
estavam ao seu lado, mas não a impediu de passar
por uma crise de pânico, com direito a muito choro,
gritos histéricos e dores no peito. Ela não tinha
medo de aviões e o carro em si não era o problema.
O problema era estar no meio do trânsito, o barulho
das buzinas, o movimento das rodas e ronco do

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motor a faziam voltar a exatos três anos atrás


quando seu mundo ruíra. Então quando seu avião
pousou em Londres ela decidiu que jamais iria
entrar em um carro novamente o que a fez
caminhar por longas distâncias, durante todo esse
tempo.
Observar as pessoas e coisas ao seu redor e
perceber detalhes únicos que as outras pessoas
ocupadas demais em seus mundinhos não percebia
era o passatempo favorito dela. Como por exemplo,
quando caminhava até a faculdade e parava em seu
café favorito que poucos frequentavam mais ainda
sim servia o melhor chocolate quente de Londres.
Pelo menos isso tem sido uma ótima desculpa até
então.
Suas pupilas estavam dilatadas e sentia todo
seu corpo tremer, Ethan estava parado em frente ao
veículo com a porta do passageiro aberta
encarando-a. Seus olhos estavam vidrados no banco
do passageiro, fazendo muita força para não
começar a chorar.
Não vira seu professor se mover, apenas o
sente tocar de leve o seu braço fazendo com que
suas pernas se movam dois passos para trás.
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Não consigo, não consigo!


Ela fechava seus olhos para impedir que as
imagens distorcidas do acidente se formassem em
sua cabeça. Não conseguiu.
Sirenes, luzes fortes e a voz dele em seu
ouvido dizendo que tudo ia ficar bem. A dor
lancinante em seu peito e o aperto da mão de Gael
que ficava cada vez mais fraco.
Ela respira profundamente.
— Não... — Sua voz saia fraca. Então ela
sente mãos grandes envolverem a sua e por alguns
segundos se dá conta de que estava acompanhada e
podia sentir o toque leve e reconfortante das mãos
dele em suas costas tentando acalmá-la.
— Tudo bem Sarah, vamos com calma e no
seu tempo.
Ela sabia que não precisaria explicar o que
estava passando, pois Ethan entendia muito bem o
que era.
— Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui com
você.
Eu estou aqui com você, vamos ficar bem...

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Sarah, minha bailarina...


A voz de Gael fraca e suave surgia e ela
começava a ficar ofegante, estava vindo... Ela iria
cair a qualquer momento.
— Sarah... — Ela sentia Ethan a puxar para
mais perto, para os seus braços e se deixando levar
ela coloca sua cabeça em seu peito ouvindo as
batidas de seu coração a confortá-la. — Calma
Sarah. — Ele a abraçava fortemente a fazendo sair
da beira do abismo que estava prestes a se jogar.
Ethan a puxava.
Retribuindo seu abraço apertado ela fecha
seus olhos para que as lágrimas que ameaçavam
escapar não começassem a descer por seu rosto.
O silêncio reverberava por todo o
estacionamento e agradecia por ele entender que
tudo o que precisava era daquilo. Às vezes há
momentos em que as pessoas não precisam de
palavras de conforto e sim apenas de gestos como
aquele. Às vezes o silêncio diz muito mais.
Era tudo tão mais suportável com ele ali, era
tudo tão mais fácil. Era mais simples esquecer as
lembranças ruins. Seu coração mantinha um ritmo

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apressado, mas sua respiração estava se


normalizando. Ela não podia fugir para sempre,
haveria uma hora que precisaria encarar seu medo.
E Sarah sabia que com Ethan ao seu lado ela seria
capaz de atravessar por aquilo.
— Estou... Bem — Ela dizia contra seu
peito. — Podemos ir.
— Tem certeza? Não... Precisamos fazer
isso. Podemos ficar aqui, não tem problema.
Pela primeira vez o encarava e seus olhos
azuis a fitavam com calma.
Estou perdida com ele. Ela pensava. Estava
completamente e loucamente perdida, jamais
conseguiria voltar, não quando se entregava àquele
par de cristais. Na verdade, podemos dizer que ela
estava perdida nele.
— Tenho certeza — Dizia com firmeza. Os
dedos dele acariciavam sua bochecha e aquilo a faz
fechar seus olhos.
Só aquele simples contato era capaz de
fazer seu corpo todo se arrepiar e seu coração se
aquecer fazendo com que toda aquela tensão que
passara a menos de um minuto pareça bem distante
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como se tivesse acontecido há muito tempo.


Ele a afasta de seus braços e a guia até o
carro a passos lentos e quanto mais ela se
aproximava mais sentia suas pernas irem travando.
Quando seus dedos trêmulos se encostavam ao
metal da porta ela suspirava.
Vamos lá, como ensinaram na terapia.
Feche os olhos e respire fundo. Ela o faz. Conte
para distrair, vamos lá conte! Ela ordenava a sua
mente e de olhos fechados entra sentindo o macio
do couro.
Um, dois, três... Ela coloca seu cinto, mas
estava tão nervosa que suas mãos tremiam
dificultando aquela tarefa simples. Quatro, cinco,
seis...
A porta do passageiro é fechada fazendo-a
se sobressaltar, podia sentir Ethan se sentar no
banco do motorista e em seguida o temível barulho
do motor invade seus ouvidos.
Sarah aperta suas mãos com tanta força
segurando o cinto que sentia as pontas dos seus
dedos ficarem frias. Sete, oito, nove...
— Pronta? — Ela o ouvia perguntar ainda
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de olhos fechados, um aceno confirma que ele


podia ir. — Olha... Eu vou começar com uma volta
no quarteirão, se em qualquer momento você se
sentir mal ou quiser voltar é só me avisar, ok?
Trouxe seus remédios? — ela mais uma vez
confirma.
O carro começa a se mover lentamente,
sabia que ele estava tomando cuidado redobrado.
Seus ouvidos captavam o som das buzinas, suas
mãos e pernas começam a tremer. O tempo todo
dizia a si que iria dar tudo certo, que ela era forte e
que nada iria acontecer. Depois de um tempo Ethan
a avisa que irão entrar na rodovia a fazendo perder
a conta. Ainda não estava totalmente confortável
então recomeça do zero.
Diziam que as estradas que levavam para o
interior da Inglaterra eram lindas, compostas por
vários tons de verde e com montanhas desenhadas
perfeitamente ao fundo, mas ela não tivera antes e
nem ainda encontrara a coragem para ver com seus
próprios olhos. Não encontrara forças para abri-los.
Tinha que admitir que estava indo até que
bem, apesar dos pesares, sabia a quem devia tudo
aquilo. Era estranho pensar do que a companhia
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daquele homem era capaz, se sua mãe a visse agora


com toda certeza estaria chorando e colocando
Ethan em um pedestal e lhe preparando uma paella
espanhola caprichada, sua especialidade, enquanto
seu pai o receberia com um barril da sua melhor
cerveja e bateria nos ombros de Ethan o
parabenizando prometendo um tour especial pela
fábrica.
Sarah tentava o tempo todo se acalmar e
fazia tudo o que estava acostumada a fazer em
momentos em que sentia que iria cair. Ela contava,
inalava e exalava o ar com força, apertava seu colar
e cantarolava baixinho uma música irlandesa que
seu pai gostava de cantar toda vez que tentava
animá-la e se surpreendera ao escutar uma voz
rouca e carregada cantarolar a mesma música junto
com ela em gaélico.
Aquele gesto fora a força que vinha
buscando tanto. Ao virar a cabeça na direção da
voz seus olhos tomam coragem e se abrem e a
primeira coisa que vê é aquele perfil perfeito, bem
desenhado, sexy e sereno, causando uma sensação
de conforto que nada ainda conseguira lhe causar,
então ela sorri.

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Como se sentisse o olhar dela sobre ele,


após o refrão ele a encara rapidamente.
— Está tudo bem? — Ela confirmava em
silêncio.
Estou bem, graças a você.
Ele coloca a mão sobre sua coxa e acaricia
de leve seu joelho por sobre a calça legging que
comprara na tarde anterior na loja mais próxima
que encontrara. Por estarem no bairro universitário,
comércios eram muito comuns por todo lugar, o
que era ótimo já que precisava de uma roupa e
rápido, não poderia viajar com uma regata e uma
calça moletom velha.
Pela primeira vez desvia seu olhar dele e se
atreve a observar a estrada, que pelo horário estava
pouco movimentada e sabia que aquilo se devia a
ele. Ethan escolhera um horário perfeito apenas
para ela se sentir mais confortável, porque de
alguma forma ela sabia que ele entendia seus
medos. Com o coração aquecido uma sensação de
paz a invade.
— Aqui é bonito. — Dizia olhando a
paisagem a sua frente, e não era uma mentira.

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Milhas e milhas de um misto de tons de verde e de


marrom compondo uma perfeita paisagem digna de
um outono inglês. A vegetação mais alta balançava
com o vento que havia lá fora a fazendo apertar
mais os braços ao seu redor.
Ele se vira para olhá-la rapidamente e
sorrindo enquanto exibia aquela covinha que ela
gostava. Maldita covinha! Pensava.
— Você canta bem senhor Coelho branco.
— Está sendo gentil. Porque me chamou
assim?
— Por que você me lembra ele. — Ela
colocava sua mão sobre a dele que ainda repousava
em seu joelho, agora bem mais calma.
— Vou te fazer uma pergunta. Espero que
não me interprete mal, mas é algo que está
martelando na minha cabeça.
Com o olhar ela o encoraja.
— Como que você veio para a Inglaterra se
tem medo de veículos? E como há um pedaço
considerável do oceano atlântico entre a Irlanda sei
que a nado não foi.

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— Eu não tenho medo dos automóveis, tá


mais para medo do trânsito, dos carros correndo
pela rua, das motos costurando entre eles.
— Entendo. — Ele fazia uma pausa longa,
podia ver que refletia sobre o assunto. — Eu sei
que música te acalma, e a que você cantava eu
conheço ela bem, então decidi tentar.
— Eu adorei. — O olha mais uma vez e o
vê atento na estrada a frente enquanto vira sua mão
e pega a dela.
— Por que está me olhando assim? —
Escutava perguntar a surpreendendo, não percebera
quanto tempo estava fazendo isso.
— Porque estou apaixonada... — Ela não
acreditava que dissera aquilo em voz alta, então
rapidamente se corrigi. — Pela paisagem... Estou
apaixonada pela paisagem.
— Sim, realmente é um lugar muito bonito.
Puta merda! Ela pensava ao perceber o que
estava acontecendo naquele momento. Eu estou
apaixonada por ele! Praticamente gritava em sua
cabeça.
— Falta muito? — Perguntava de repente
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tentando mudar o foco de seus pensamentos.


— Mais ou menos trinta minutos.
O tempo parecia ter parado e a estrada
deveria estar crescendo, não era possível, tinha
certeza que meia hora já tinha se passado há um
bom tempo. Aquilo não poderia estar acontecendo,
deveria ser somente o calor do momento, ela não
dissera ao seu professor com quem passara um dia
inteiro deitada na cama dele enquanto faziam sexo,
que estava apaixonada. Ainda bem que conseguira
encontrar uma saída, ele ela poderia ter enganado,
mas sabia muito bem o que estava acontecendo ali
dentro do seu peito.
Deve ser por causa de todo estresse que
passei durante esses dois últimos dias.
— A gente já tá chegando?
— Sarah não tem nem cinco minutos que
me perguntou isso.
Cinco minutos? Passaram apenas CINCO
MINUTOS?
— Você parece até o burro do Shrek.
— Você viu Shrek? — Aquilo fazia fitá-lo e

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fazer uma cara de espanto. Não estava conseguindo


visualizar aquela cena.
— Claro que já. Sarah eu sou apenas um
homem mais sério e reservado e não um eremita ou
um homem das cavernas ou alguém que ficou preso
em um bunker subterrâneo durante 80 anos e não
sei o que é TV.
— Agora você me surpreendeu.
— Causo esse efeito nas pessoas. — Um
sorriso brincalhão enfeitava seu rosto a fazendo rir.
Logo eles entram no vilarejo de Chawton a
83 quilômetros da capital e a vista da típica cidade
do interior que ela tinha em sua mente se confirma,
era exatamente do jeito que imaginava. Várias
casas de pedras ou tijolos vermelhos com
chaminés, grandes gramados, ruas muito bem
arborizadas, pessoas caminhando
despreocupadamente pelas ruas e calçadas, e claro,
mais adiante, na Winchester Rd, uma casa com
uma placa branca com os dizeres “Jane Austen’s
house museum” chama sua atenção.
Quando enfim o carro para ela olha para
Ethan que sorria de jeito doce.

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— Estou tão orgulhoso de você.


— Não acredito que consegui.
— Você conseguiu.
Ele se inclina e toca sutilmente seus lábios
nos dela.
Ela sorri, também estava orgulhosa de si
mesma e feliz. Finalmente tinha se libertado. Não
importava quanto tempo durasse aquilo que eles
tinham, ela seria eternamente grata ao que ele lhe
fizera naquela tarde de domingo, na verdade
durante todos aqueles meses que se conheciam.
Não evita em se sentir feliz ao colocar
finalmente os pés no chão. Se perguntando se seria
um exagero e dramático demais beijá-lo também.

Meia hora depois de encerrada a visita eles


caminhavam pela cidade, dando voltas pelas ruas
tranquilas. Estava apreciando àquelas horas de paz

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e sem a preocupação de a qualquer instante serem


pegos por algum conhecido.
Quando passam novamente pela rua do
museu avistam uma casa de chá na esquina oposta
cheio de gente. O museu aparentemente era bem
frequentado e um ponto obrigatório para quem
estava de passagem.
Pessoas conversavam animadamente nas
cadeiras brancas colocadas do lado de fora do
estabelecimento. Sobre eles a paz e a certeza de que
nada atrapalharia aquele momento. Sarah despejava
sobre ele sua admiração pelos objetos do museu.
Era muito bom conversar com alguém que
compartilhava da mesma admiração e gostos que
ela. Quem conhecesse o Cérbero diria com toda
certeza de que aquele cenário não combinava em
nada com ele, que era um absurdo e completamente
impossível vê-lo fora de seu covil, mas eles não o
conheciam como ela. Não o viam com os mesmos
olhos. Olhando para ele com a fantástica paisagem
de casas rústicas ao fundo não conseguia parar de
pensar em como era bom vê-lo mais relaxado,
parecia um novo homem, claro que sem perder sua
pose típica e olhar astuto, mas pela primeira vez
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pode sentir que ele estava aproveitando o momento.


Ethan parecia ter baixado por completo sua
guarda naquela tarde e Sarah pode enxergá-lo por
completo. Era uma das imagens mais incríveis que
tivera na vida.
— Não acredito que demorei tanto para
visitar o museu. Você viu coelho? As cartas
trocadas por Jane e sua irmã? Os móveis e tudo
mais? — Dizia animada.
— O que mais me impressionou foi o piano
na sala de música, muito bem conservado.
Seu entusiasmo era enorme e contagiante,
seus olhos brilhavam. Ela o abraça.
— Que bom que gostou do passeio — Ele
beijava o topo de sua cabeça e suspirava a
apertando ainda mais em seus braços arrancando
um gemido involuntário dela. — Sente isso?
Tranquilidade, benefícios de uma cidade pequena.
Ela o encara puxando pela sua nuca e o
beijando, ele retribui e enquanto suas línguas
dançavam os braços dele desciam por sua coluna
chegando bem perto do seu quadril a fazendo
estremecer, os dedos de Sarah bagunçavam
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levemente os cabelos dele e nada era tão perfeito


quanto aquilo. Quem olhasse para eles juraria que
eram um casal apaixonado, mas sabia muito bem
que a paixão ali era unilateral. Ela tinha que tirar
aquelas ideias impossíveis da cabeça.
— Ethan... — Afastava um pouco para
olhá-lo nos olhos. — Semana que vem vai ser a
apresentação do recital que participo...
— O lago dos cisnes. — Ele a interrompia.
Ela confirma com um sorriso por ele ter se
lembrado de algo que achara que não dera muita
bola na época.
— E estava pensando... Você já foi a uma
apresentação de balé antes? — Assim que ele nega
ela continuava. — Quer ir me ver dançar?
Acontece algo que inevitavelmente a
desanima e a faz se questionar se não errara em
fazer tal convite. Ele hesita e suas feições agora
estavam tensas.
— Ahh... Eu? Na sua apresentação? — Ele
pigarreava. — Seus amigos não vão estar lá?
— Claro que sim, incluindo o seu irmão...
— Não acho uma boa ideia, Sarah. —
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Negava com a cabeça. — Não faz sentido eu ir até


lá. O que vai dizer a eles?
— Bem, eu diria que convidei meu chefe
que também se tornou meu amigo para o meu
recital. — Antes que ele abrisse a boca para recusar
mais uma vez e lançar lhe um sermão, o que sabia
que ele faria, ela continuava. — Por favor, Ethan. É
minha despedida dos palcos. Não vou poder mais
fazer algo tão grande e desgastante assim, meu
médico já me proibiu, então essa será minha última
vez, quero me sentir o centro das atenções dos
espectadores uma última vez e queria que estivesse
lá para me ver fazendo algo que amo e que sou boa.
Podia vê-lo refletindo e ponderando o
assunto. Sabia que era uma batalha perdida, mas
não custava tentar. Quando ele abre a boca mais
uma vez é surpreendida por ele, talvez ele tivesse
razão e causasse esse efeito nas pessoas.
— É muito importante para você que eu vá?
Mais animada e se segurando para não abrir
um largo sorriso ela confirma.
— Tudo bem... — Dizia após um suspiro
demorado. — Eu vou.

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Assim que ele termina, ela se joga em seus


braços o apertando com força.
— Obrigada. Obrigada. Obrigada. — Dizia
animada dando pequenos pulos.
Ele começa a rir e quando ela se afasta fica
na ponta dos pés e lhe oferece um selinho.
— Isso merece uma comemoração. — Dizia
enérgica. — Vou comprar um algodão doce para
nós.
Segue até a lateral da casa de chá onde um
senhor de meia idade estava com seu carrinho
vendendo algodões doces de cores variadas e com
várias crianças ao seu redor. Dada pela sua
animação, o sorriso estampado em seu rosto e a
felicidade explodindo em seu peito ela podia muito
bem ser confundida com aquelas crianças que
animadas corriam com seus doces nas mãos.
Aquele dia estava perfeito.

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Ethan

Há quem acredite que a vida é uma junção


de acontecimentos imprevisíveis cheia de caminhos
e obstáculos, os quais chamam carinhosamente de
destino. Essa grande porcentagem de pessoas
também diz que para todos os acontecimentos,
sejam eles bons ou ruins, existe um motivo, que
nada é por acaso.
Mas em contrapartida existe a oposição, que
acredita que a vida é previsível, que é feita dos
planos que fazemos e é uma cascata dos resultados
das escolhas que tomamos. Essas pessoas dizem
que não se pode culpar o relógio por não ter tem
despertado na hora correta, não pode culpar o
trânsito por fazer você chegar atrasado ao trabalho
e muito menos culpar a vida por ela ser difícil com
você. O culpado é apenas um. Você mesmo.
A vida é o que nós a fazemos ser. Se você
acordou atrasado, a culpa é sua por ter dormido
tarde da noite e não ter escutado o despertado ou
por ter se esquecido de colocar o celular para
carregar e esse por fim não tocar. Podemos nomear
esses dois grupos de pessoas como sendo as
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pessimistas e as otimistas ou quem sabe os céticos e


os românticos.
Não é muito difícil de adivinhar a qual deles
Ethan pertence. Apesar de preferir o termo realista
ao invés de pessimista.
Ele sempre acreditou que com
planejamentos e dedicação teria tudo o que sempre
sonhara e que se fizesse tudo corretamente
calculado nada sairia do seu controle, algo que
acontecera muito bem no decorrer de alguns anos.
Tinha a esposa que sempre quis, o emprego e cargo
que sempre almejara e uma casa muito confortável,
tudo em sua vida era perfeito. Então tudo começara
a desandar e os acontecimentos ruins o alcançaram,
mas não muda o que sempre acreditara, havia
somente um culpado e mais ninguém.
Era muito estranho e incomum esse tipo de
pensamento surgir no meio de uma rua em uma
pequena cidade do interior rodeado por pessoas
felizes, na verdade os fatos incomuns a ele
começavam com o detalhe dele estar parado no
meio daquela rua, observando Sarah se afastar.
Naqueles breves segundos entre ela estar em seus
braços e o de ela entrar na fila para comprar o doce
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foi o suficiente para fazê-lo refletir sobre suas


convicções iniciais. Será que realmente para tudo
na vida havia um propósito? E se sim, qual?
Talvez na verdade a vida fosse uma mistura
dos dois grupos de pessoas. Talvez às vezes nossas
escolhas nos levassem até caminhos que não
éramos capazes de prever, pois com toda certeza o
que estava acontecendo entre eles, ele jamais
planejara.
Sarah aparecera de repente e em um estalar
de dedos ele estava ali em Chawton visitando o
museu com ela. Um aborrecimento não passa
despercebido assim que pensa no lugar em que está.
Era impossível não se lembrar dela aqui, afinal Jane
Austen era uma de suas maiores paixões.
De vez em quando podia ver sua esposa em
algumas atitudes de Sarah, elas teriam se dado
muito bem. Ela possuía a mesma energia
contagiante que era quase impossível fazê-lo não
sorrir, tinham um brilho similar nos olhos todas as
vezes que falavam sobre algo que amavam. Sarah
com a dança e Margot com os livros. O mesmo
poder de persuasão sobre ele, um fato que jamais
revelaria a Sarah para que não fosse mais
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convencida que já era, mas principalmente o mais


marcante era a forma com que fazia ele se sentir
confortável e a vontade, uma sensação quente que
crescia em seu peito toda vez que a abraçava.
Ele a chamara duas noites atrás exatamente
por isso. A sensação de paz que ela era capaz de
plantar nele o fizera pedir para que ficasse. Queria
sentir aquilo por mais um pouco, aproveitar os
minutos que tinha até enfim eles acordarem e
perceberem que aquilo jamais daria certo.
Com uma repentina culpa ele começa a
pensar se não a estava usando para seu próprio
benefício. Se não a estava enganando e fazendo-a
pensar que o que tinham era algo a mais. Talvez
tivesse feito errado em aceitar o convite para o
recital e estender aquilo por mais tempo.
Seus olhos que involuntariamente
encaravam a grama um pouco seca na frente do
estabelecimento agora se erguem e captam a
imagem dela. Sorridente na fila entre as crianças,
que na verdade não eram tão mais baixas do que
ela. Como se sentisse que a observava ela vira e
acena para ele com o sorriso mais lindo que já vira
nos últimos tempos, e instantaneamente ele se
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esquece do que vinha pensando.


É. Talvez a vida seja imprevisível.
— Ethan?
O calor que sentia se esvai assim que escuta
aquela voz, enrijecendo sua coluna e postura. Não
podia ser real, acreditava que era seu passado mais
uma vez o chamando para que ele caísse. Fecha os
olhos e comprime os lábios enquanto repetia que
não era nada, que ela não estava ali lhe chamando.
— Ethan? — O chamava mais uma vez
agora mais próxima.
Quando abre os olhos podia ver Sarah ainda
na fila agora conversando com uma garotinha com
um casaco rosa toda animada. Sem pressa ele gira
seu corpo em direção a voz. Não era um sonho, ela
realmente estava lá.
Amélia, pelo o que se lembrava, sempre
fora uma mulher elegante, vaidosa e com gosto
refinado, se recusava a sair de casa se um único fio
de cabelo estivesse fora do lugar, um fato que as
vezes causava intrigas entre ela e seu marido,
Harry. Mas a mulher que estava a sua frente
possuía alguns sinais de mudanças. Seus cabelos
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sempre muito bem pintados de loiro, agora tinham


pontos que exibiam suas raízes brancas, em seu
rosto suas rugas estavam mais acentuadas
denunciando a idade, que se não estivesse
enganado era de sessenta anos, em seus olhos
olheiras profundas os contornavam e um casaco
grosso de lã amarelada compunha a figura que o
encarava friamente.
— Amélia... Oi... — Dizia sem jeito. Agora
possuía uma nova prova de a vida era sim cheia de
momentos imprevisíveis.
— Posso ver que está tão surpreso quanto
eu, mas saiba que a minha é muito maior quando o
vi plantado aqui pela janela da casa de chá. — Seu
tom era ríspido, como se cuspisse cada palavra. —
Justo nesse lugar, onde sempre fazia promessas
vazias em trazê-la para visitar.
Aperta os punhos na lateral do corpo e
flexiona seu maxilar para conter as palavras que
tinha vontade de dizer.
— Como tem passado, Amélia? — Mudava
de assunto ignorando seu último comentário.
— Como acha que estou?

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Forçava-se a encará-la, mas estava sendo


difícil olhar aquela mulher nos olhos depois de
tudo, saíra de Dublin exatamente para não precisar
fazer isso.
— Deixa-me dizer como estou. — Ajeitava
a alça da bolsa melhor nos ombros. — Sozinha.
Perdi minha única filha, meu marido agora dorme
abraçado com a garrafa de vodka e o genro que
tratei durante anos como meu próprio filho, que
acolhi em minha casa, o mesmo que prometeu
proteger a minha garotinha e que sequer foi capaz
de cumprir com a palavra, foi covarde o bastante
para fugir de tudo. E estou nesse lugar, que era pra
você ter vindo com ela, em homenagem a sua
memória. — Dizia com escárnio. — Acho que já dá
para ter uma ideia, não é mesmo?
Aquilo fora demais, ele não era forte o
suficiente, pois agora encarava os sapatos
vermelhos dela.
— Sinto muito, Amélia. Eu... — Começava
a dizer, mas é interrompido.
— Sente muito? Você? — Soltava uma
risada irônica. — Meu Deus... Você sequer foi
capaz de dar sua ilustre presença no enterro dela,
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nunca foi até cemitério e colocou flores sobre seu


túmulo. E ainda dizia que a amava.
— Você sabe que sim. — Dizia com
firmeza e volta a encará-la. — Sabe que ela era
tudo para mim.
— Tudo? É mesmo? Está enganado, você
tinha o seu trabalho. — Tinha esquecido o quanto o
olhar frio daquela mulher podia ser cortante, o
amor de mãe que um dia encontrara neles não
existia mais. — Você fugiu. Éramos uma família,
Ethan, e você nos abandonou, começando pela
minha Margot. — Lágrimas começavam a escapar
dos olhos castanhos amendoados dela. — Queria
que ela nunca tivesse te conhecido. Ela ainda
estaria viva.
Se antes havia paz em seu coração agora
nem um pequeno vestígio poderia ser encontrado,
fazendo-o duvidar se um dia ele estivera lá. As
palavras dela são como uma lâmina fria o
perfurando com a triste realidade, sabia que ela
tinha razão, ele a matara.
— Acredite. Não há um dia que eu não
deseje isso.

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— Soube o que você está procurando. —


Ela o surpreendia. Como poderia saber sobre sua
busca, ninguém além de David e seu ex-colega de
trabalho, Jarred, sabiam. Como se ela lesse a
dúvida em seu rosto ela completa. — Seu pai me
contou.
David. Pensa revirando os olhos.
— É uma busca desnecessária. Isso não a
trará de volta. Sua culpa não será menor. Você
abandonou esta família, então continue assim.
Amélia encarava um ponto atrás dele, sabia
muito bem o que ela olhava, podia ver o
julgamento crescer em seus olhos e sua língua se
crispar para o próximo comentário que soltaria.
— Vejo que superou muito bem. — Ela se
aproximava. — Faça um favor àquela garota, de
um fim nisso antes que ela se machuque e você a
abandone também. Por que é isso o que você faz.
Ela começa a se afastar aprumada e com a
cabeça erguida, como se tivesse dito tudo o que
vinha guardando.
— As pessoas têm jeitos diferentes em
reagir ao luto. — Ele dizia antes que se afaste
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demais e precise subir o tom de voz. Ela para. —


Se me culpar é o seu, então tudo bem por mim. —
Sentia sua garganta se apertar. — Eu perdi a minha
esposa, perdi tudo o que eu tinha. Eu cometi um
erro...
— Um que custou bem caro, para todos nós.
— Dizia ainda de costas. — Não perdi apenas
minha filha naquele acidente, e nem você apenas
uma esposa, você sabe muito bem disso. E você
carregará isso para o resto da sua vida.
Assim ela parte e ele a acompanha
desaparecer dentro de um carro estacionado a frente
e logo sumir pela rua.
O primeiro pensamento que tem é... O que
ele estava fazendo ali? A quem estava tentando
enganar, nada poderia ser como antes, o Ethan do
seu passado merecia ser enterrado. Estava fadado
em passar o restante de seus dias na companhia
apenas de sua dor e das recordações que provavam
que a vida podia ser boa, de que a felicidade
existia, mas que era finita.
Sua cabeça latejava e abre a boca para soltar
a respiração ofegante que estava segurando
enquanto fitava o tempo todo o ponto exato onde o
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carro sumira.
— Coelho? — Se sobressaltava quando
sente o toque delicado de Sarah em seu braço, não a
viu se aproximar. — Você está bem? — Ela
passava os olhos pela sua face e a toca com a ponta
dos dedos, franzindo o cenho com o algodão doce
pela metade nas mãos — O que houve?
— Nada. — Sua voz saia com a mesma
irritação que sentia dentro de si. — Nada.
— Como nada? Olha só pra você. Quem era
aquela mulher com quem conversava?
— Ninguém. Vamos embora. — Começava
a se mover dando as costas a ela. Coloca as mãos
nos bolsos na tentativa de controlar seus tremores.
— Qual é Ethan. O que está acontecendo?
Sei que tem algo errado.
— Vamos embora, Sarah. — Sua voz saía
autoritária e ríspida. Não conseguia pensar em mais
nada além de ir embora daquela cidade, deixar tudo
isso para trás e em como fora idiota de ir até lá.
— Hey! Me espera. — A escuta gritar com
a voz ofegante enquanto tentava acompanhá-lo.

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Ele escancara a porta do carro pra ela e dá à


volta para tomar o seu lugar. Em sua cabeça as
palavras de Amélia ainda o feriam e ecoavam por
todos os lados. Ele estava perdido dentro de si mais
uma vez, o seu passado se tornara o seu presente.
Por um tempo esquecera que estava acompanhado.
Fecha os olhos e expira profundamente várias
vezes.
Está tudo bem. Se controla, não entre em
pânico. Sentia sua garganta se apertar e seus olhos
arderem, mas se recusava a chorar. Seu peito agora
se comprimia e suas mãos começam a tremer, sabia
o que estava acontecendo, mas não podia, não ali,
não há quilômetros dos seus remédios.
— Calma. — Sussurrava para si. — Calma.
Calma. É apenas um ataque de pânico,
eu sei o que fazer. Apertava com força o volante.
Sou médico. Apenas respira fundo. Ele segue suas
instruções.
Ao abrir os olhos se depara com um casal
de mãos dadas com a garotinha de casaco rosa entre
eles atravessando a rua, seus olhos não se
desprendiam da criança enquanto o pai dela a pega
no colo e fazia cócegas em sua barriga, ainda com
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os vidros do carro todos fechados podia ouvir o


gargalhar dela.
— Tudo bem já chega. — Ela o tirava do
transe de novo. — Me conta logo. O que aconteceu
com você?
— Não. É. Nada. — Dizia entre dentes
arrumando a postura no banco se preparando para
ligar o carro, mas seu movimento é interrompido
quando toca o local em que a chave deveria estar,
mas o encontra vazio.
Começa a tatear os bolsos e a olhar o chão
do carro em busca, podia jurar tê-la colocado no
lugar certo. O chacoalhar de metal o faz voltar a se
acomodar no banco e a fitar sua companhia. Sarah
segurava as chaves.
— Ou você me conta ou não saímos daqui.
— Agora ela que falava com autoridade. Sabia
direitinho como irritá-lo.
— Me dê as chaves, Sarah. — Lhe estendia
a mão.
— Não. Só se me contar o porquê está tão
irritado.
— Me dê a merda dessa chave! — Sua voz
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saia mais alta do que pretendia fazendo-a dar um


pequeno salto no banco, o espanto enfeita o rosto
dela juntamente com a mágoa, no segundo seguinte
ele se arrepende, jamais era sua intenção magoá-la
dessa maneira. — Eu apenas quero ir embora
daqui.
Talvez Amélia tivesse razão. Ele era um
covarde.
Ela fecha as chaves em sua mão com força,
então pela pequena fresta do vidro dela a joga pela
janela, no momento de raiva. Ele arregala os olhos,
não acreditava no que ela havia feito, só podia ser
brincadeira, ela era tão impulsiva.
— O que você fez? — Se exaltava. —
Ficou louca? Agora estamos presos aqui dentro, a
chave reserva está lá na minha casa.
— Ótimo. — Por breves segundos viu o
sorriso triunfante de ela vacilar, talvez não tivesse
pensado nessa hipótese antes de atirar as chaves
pela janela do carro, mas como fora dito foram
breves segundos, breves, Sarah não iria dar o braço
a torcer, então cruza os braços na frente do peito.
— Agora você pode me contar o que aconteceu,
teremos bastante tempo.
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Furioso ele desconta suas frustrações e seus


últimos minutos de merda no volante, batendo
várias vezes como se de alguma maneira aquilo
fosse fazê-lo se sentir melhor, como se fosse a
grande solução para seus problemas. Joga o corpo
pesado no banco e se cala fitando a marcas
avermelhadas que ficaram em suas mãos.
— Ficar calado não vai adiantar em nada e
você sabe disso.
— Você não vai entender.
— Experimente.
Ele apenas balançava a cabeça ainda sem
encará-la.
— Mais que merda, Ethan. Quando vai
aprender que pode confiar em mim? Que estou aqui
para ajudar você? Foda-se essa merda de muro que
construiu. Eu te contei sobre ele. — Ela suplicava.
— Confie em mim, por favor.
Suspirando derrotado ele passa a ponta dos
dedos ao redor do anelar esquerdo.
— Aquela era Amélia. — Suspirava mais
uma vez. — A mãe da Margot.

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— Tudo bem. — Dizia após uma pausa


considerável. — O que ela queria? Te disse alguma
coisa?
— Apena o mesmo de anos atrás.
— Tipo o que?
— Eu não quero falar sobre isso.
— Mas Ethan...
— Eu não quero falar sobre isso. —
Elevava a voz. — Por que pra isso eu terei que
lembrar e eu não quero. Isso é algo que cabe a eu
carregar, então pare de me perguntar.
Pega o celular do bolso, após aquela cena de
sua companhia impulsiva teria que ligar para o
seguro do carro ou nunca mais sairiam dali. Assim
que destrava o aparelho uma mão o impede
segurando-o pelo pulso.
— Por favor. — Sarah lhe pedia. — Me
deixe ajudar, você pediu a minha ajuda naquela
noite e eu disse que faria isso. Você tem que
aprender que não precisa passar por isso sozinho.
Não sei o que aquela mulher lhe disse... — Ela
segurava seu rosto com ambas as mãos fazendo-o
encará-la. Sua íris castanha o acolhia. — E
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sinceramente não me importo com ela, somente


com você. Eu quero entender você, tem sido meu
objetivo durante todos esses meses. Então, por
favor. Por favor, Ethan, divide o fardo comigo.
Os olhos dela ficavam marejados enquanto
implorava pela sua história. Nunca alguém além de
sua esposa se interessara em conhecê-lo, ele não
estava acostumado com aquele tipo de atenção. Em
sua família tudo era tratado de maneira distante, sua
mãe sempre fora uma mulher mais reservada e
tímida e seu padrasto, bem, se ele ou David
tivessem algum problema e o contassem o máximo
que receberiam era um tapa nas costas ou um
aperto nos ombros, isso nos dias bons, nos ruins o
tapinha camarada era substituído por uma cinta e o
aperto nos ombros por um roxo nos olhos, naquela
família nada se enfrentava tudo se escondia e com o
tempo se superava.
Mas Margot surgira em sua vida para não
somente saber de sua história como também criar
uma com ele. Com ela ele se tornara visível.
— O sol é o astro rei. — Ele começava
depois de um longo silêncio ensurdecedor. — A
maior e mais brilhante estrela. Responsável por dar
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vida, calor e luz a tudo, até mesmo para a lua, essa


que sem ele é apenas mais uma na imensa
escuridão que é o universo. Sem o sol ninguém
nota a lua. — Seu queixo tremia. — Margot era
como o sol e eu a lua.
Sarah ainda segurava seu rosto com mãos
levemente trêmulas e uma lágrima que pendia no
canto de seu olho se desprende trilhando um
caminho por sua bochecha.
— Ninguém entende e não procuram saber
como é. Sem ela ninguém quer saber de mim.
— Isso não é verdade...
— Você não entende Sarah. Você pode
compreender parte da dor, mas se tem algo que não
carrega consigo é a culpa, essa você não entende.
— Ela culpa você? — Dizia horrorizada. —
Você não tem culpa, Ethan, foi um acidente.
— Aquela mulher era como uma mãe, mas
por causa do meu erro, todos apontaram para mim.
Na primeira oportunidade que tiveram me julgaram
e me culparam. Me encaravam e eu ouvia os
cochichos deles... — Sua voz falhava. — Todos
eles... Todos... Me chamando de assassino. Eles
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têm razão... Eu a matei.


— Jamais repita isso novamente. — Dizia
com seus olhos embaçados. — Você. Não. A.
Matou. Não importa o que digam, foi um acidente,
está me entendendo? — Suas mãos apertavam mais
o seu rosto.
— Eu tive escolha e como sempre escolhi a
mim. Se eu não tivesse perdido a hora, ela ainda
estaria aqui.
— Você não sabe disso, Ethan.
— Eu prometi protegê-la e falhei. — Sua
visão ficava turva pelas lágrimas que se formavam.
— Por que nunca me lembrava de colocar o
relógio? Algo tão simples. Eu jurei ficar ao lado
dela na saúde e na doença e quando ela mais
precisou de mim eu não estava lá. Seu noivo estava
lá com você, ele te protegeu até o fim, cuidou de
você, ele sim foi um homem...
— Para! — Ela o interrompia. — Por favor.
Para.
— Eu não conseguia olhar no rosto daquela
mulher e ver a decepção, o que eu poderia dizer a
ela? Minhas desculpas não trariam a filha dela de
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volta. Eu me cansei das acusações, então eu vim


para cá na esperança de fugir e deixar meu passado
para trás, mas a culpa, ela não vai embora.
— Eu sei que a culpa não foi sua Ethan.
Posso sentir o quanto a amava. Você jamais faria
mal a ela.
— Eu me esqueci dela. Como que pude
fazer isso? — As lágrimas se tornavam recorrentes.
— Ela me avisou do horário, mas eu me perdi no
tempo e as horas a levaram de mim.
Após um choramingo ela se levanta de seu
assento e se acomoda em seu colo, aconchegando-o
em seu peito. As batidas irregulares de seu coração
tomam conta de sua audição. Era engraçado como
aquele som o acalmava, fora assim no dia de sua
queda, tudo parecia perdido, sem rumo e destruído,
mas assim que aquele som o tomara, fora ele o
responsável por devolver o compasso correto de
sua respiração e a calmaria em seu próprio peito.
— É engraçado como não sabemos quando
é a última vez que vemos ou falamos com alguém.
— Suas lágrimas molhavam o tecido da blusa dela.
— Se eu soubesse o quanto tempo ainda me restava
com ela, eu teria feito tanta coisa, dito tanta coisa e
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mesmo assim eu sei que não seria o suficiente.


— Eu sei coelho. — Dizia com calma
enquanto afagava seus cabelos. — Diga para mim o
que diria a ela.
— Não importa mais, ela não vai me ouvir.
— Eu acredito que ela vai sim. Anda vai.
Você não tem nada a perder.
Não tinha mesmo. Tudo o que lhe restava
eram apenas a dor das palavras não ditas, das horas
não compartilhadas e dos planos nunca feitos.
— Qual a primeira coisa que daria a ela? —
Sarah o incentiva.
Ele sabia muito bem a resposta, era o maior
de todos os arrependimentos, então após um
suspiro ele começa.
— Teria dado uma família a ela. Teria dito
mais vezes o quanto a amava, teria trabalhado
menos, passaria todo o tempo possível tentando
compensar o que ela fez por mim, teria levado ela
para onde quisesse, teria a trazido aqui, algo que
nunca consegui fazer. — As palavras doíam. —
Teria lido mais com ela, reclamado menos, teria
dito que amei quando ela usou um vestido azul
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marinho que ganhou da mãe dela, mas teve apenas


uma oportunidade de vesti-lo no seu último
aniversário. Teria sido um marido melhor. Diria
mais vezes o quanto amava a cor dos cabelos dela,
o brilho que eles tinham quando a luz do sol batia
era quase poético. Tanta coisa que eu podia ter
feito, mas não terei mais a oportunidade.
— Sabe. Quando olhamos para o céu de
noite a primeira coisa que vemos é a lua, ela
também tem sua importância, não é um mero
satélite no céu, ela é responsável pela velocidade de
rotação da Terra, pelas marés, pela inclinação do
planeta e por deixar a noite mais bonita.
Ela retira seu rosto de seu peito e o afasta
para poder encará-lo. Seus olhos estavam inchados
e vermelhos, assim como suas bochechas e narinas,
mas sabia que o dele não estaria muito diferente.
— Não menospreze a importância da lua.
— Ela sorria entre lágrimas tímidas que escorriam.
— Sem o sol não há luz para olhar a lua no
céu.
— Você tem razão, mas pelo o que me
lembre das aulas de geografia, as estrelas têm luz

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própria.
— Você poderia muito bem ser uma estrela.
— Retirava uma lágrima solitária da bochecha dela.
— Acha que uma estrela pode ajudar a lua a
ganhar luz?
— Por quê? — A encarava, tão pequena em
seu colo com seu rosto delicado nas mãos. — Por
que insiste nisso, Sarah? Olha só para mim. Eu não
tenho nada a te oferecer.
Ela recebe suas dúvidas com um sorriso
acolhedor.
— Você não entende não é mesmo?
Pequenas coisas Ethan, que vindas de outra pessoa
são apenas gentilezas, mas de alguém como você
são grandes atitudes. — Uma interrogação deve ter
se formado em seu rosto, pois no segundo seguinte
ela explica. — Olha só onde estamos. — Indicava
ao redor com os braços abertos o quanto o espaço
permitia. — Você me fez andar de carro, você
cuidou de mim sempre que me machuquei, me
carregou no colo por três quarteirões comigo
desmaiada, você me contou uma piada, muito ruim
por sinal. — Aquilo o fazia rir. — Você cantou

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para mim, só porque faria eu me sentir melhor.


Pequenas coisas.
Era a vez dele de sorrir entre suas lágrimas
e de permitir que ela as secasse.
— Desculpe ter gritado com você. — Ela
apenas acenava sorrindo. — Como posso seguir em
frente se... Eu não consigo me perdoar, se não
consigo ser perdoado?
— Pequenas coisas. — Ela repetia. — Um
passo de cada vez. — Lhe dizia antes de envolver
seus lábios em um beijo cálido e salgado pelas
lágrimas.
Ela coloca os dedos em sua nuca o puxando
pra si, seus dedos sobem pelos seus cabelos e ele
não segura um gemido satisfatório e com isso
intensifica o beijo a invadindo com a língua ávida
pela dela.
— Você tem gosto de algodão doce. —
Dizia em seus lábios. — Eu gosto.
— O que você quer fazer agora? — Ele a
prendia em seus braços notando o quanto ela se
encaixava bem ali.
— Quero ficar nesse carro para sempre.
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— Leu meus pensamentos.


— Ótimo.
Apertava o botão na lateral do banco o
inclinando para trás o máximo possível, a puxando
para junto dele fazendo-a se deitar sobre ele. O riso
dela era tão contagiante e inevitável de não ser
acompanhado.
— Ainda bem que esses vidros são escuros.
— Sorria com malicia. — O que pretende fazer
comigo senhor Collins?
— Beijar muito você e talvez de maneiras
que possam ser consideradas inapropriadas pela
nossa localização.
— Gostei da sua versão indecente. Já fez
isso em carros em público?
— Senhorita O’Connor eu sou um homem
metódico e não um santo.
— Mais uma vez me surpreendendo hoje.
— Você ainda não viu nada.
— Tenho certeza que vou adorar ver tudo.
Após olhares faceiros, sorrisos provocativos
e carícias luxuriosas ele cumpre o que lhe
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prometera, a beijando muito durante um tempo que


não lhe era importante a sua exatidão. Muitas
coisas dentro dele estavam diferentes, podia sentir
as mudanças. Não mentira ao dizer que queria
permanecer ali para sempre, pois no dia seguinte a
rotina iria retornar e eles, bem, ele não sabia o que
iria ser, mas com sinceridade ele não estava muito
preocupado com isso no momento. Iria pela
primeira vez seguir a linha de pensamento que ela
tanto falava com otimismo, não faria planos.
Seguiria um passo de cada vez.

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"O amor é isso que você está vendo: hoje


beija, amanhã não beija, depois de amanhã é
domingo e segunda-feira ninguém sabe o que
será."
Poema “Não se mate”
Carlos Drummond de Andrade

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Felicidade. Uma palavra que para cada


pessoa tem uma representatividade única. Cada um
possui sua própria maneira de senti-la e seus
próprios motivos, tornando-a assim uma palavra
com um significado muito amplo.
Depois de semanas de dedicação, Sarah
havia sido presenteada com aquele sentimento, feliz
era uma ótima palavra para representá-la nos dias
que se passaram. Havia pensado que com a chegada
da temível segunda feira tudo voltaria a ser como
era antes. Ela nunca havia ficado tão contente por
estar errada.
A rotina dela sofrera pequenas alterações
que aos olhos das outras pessoas eram
imperceptíveis, coisas bobas e sem importância,
mas aos dela estavam tão nítidas quanto seu reflexo
sorridente no espelho.
Sempre que podia quando estavam sozinhos
em seu escritório, Ethan a tocava gentilmente ou
lhe oferecia comentários e olhares que faziam cada
minuto de suas tardes valerem a pena e a desejar
com mais intensidade pelo final de semana. Era
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como se ele não conseguisse ficar longe dela, um


fato que não a incomodava nem um pouco. Seus
olhares intensos a desconsertavam de tal maneira
que mais de uma vez havia pedido para que
repetisse sua ordem. Claro que ele habilmente
percebia todas às vezes e em resposta evidenciava
isso revelando a maldita covinha pela qual havia se
apaixonado.
A semana parecia que não passaria e em
plena quarta feira, Sarah se via almejando quase
que desesperadamente pela sexta. Não que ele
houvesse combinado alguma coisa, mas sabia que
esses momentos a sós só poderiam acontecer nos
finais de semana. Ainda pensaria em uma maneira
que fazer com que isso acontecesse, daria um jeito
de se convidar ao seu apartamento, ou quem sabe
aparecer de surpresa. Estava determinada em fazer
com que a felicidade se tornasse a sua rotina.
— Alôôô! — Ela é despertada enquanto
sonhava acordada. Alexia balançava a mão na
frente do seu rosto. — Planeta terra chamando. Mi
você ainda está neste plano?
— Desculpa Lexi. — Dizia um pouco sem
jeito. — Estava aqui apenas...
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— Sonhando acordada? — Ela sorria com


malicia. — Não. Pela sua cara estava tendo um
sonho erótico acordada.
Sorri sem graça se arrumando no assento.
Estavam ambas no sofá da sala separando
uma pilha de DVDs na mesa de centro. Fazia
tempo que ela e sua melhor amiga não tinham uma
noite das meninas, essa que agora sofrera algumas
pequenas alterações, a começar pelo nome, era a
noite das meninas e Ryan. Alexia e ele haviam
finalmente assumido o namoro, como se ninguém
já não soubesse ou suspeitasse, eles eram
inseparáveis, era praticamente impossível você
encontrar com eles no campus ou até mesmo na rua
e não os visse juntos.
Pelos deuses da dança, até parecem Dante
e Beatriz.
Pensava enquanto observava sua amiga
mandar a terceira mensagem em dois minutos, e
pelo o que pode espiar Ryan a enviara um emoticon
de banana ao lado de uma carinha com a boca
formando um “O”, e ela respondera com uma gif de
uma mulher com uma cara safada lambendo os
lábios. Não podia acreditar que estavam fazendo
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aquilo por mensagens.


— E aí o que vamos assistir? — Sarah
perguntava indicando a pilha à frente de filmes.
— Que tal... — Deixava o celular de lado
levando seu dedo ao queixo para refletir. — Terror
em Silent Hill?
— Já vimos esse umas dez vezes, por que
não podemos ver um clássico, tipo algum filme do
Charles Chaplin?
— Mi esses filmes mudos são muito
chatos, — Revirava os olhos. — Eu não entendo
por que você gosta tanto deles. E além do mais,
nossas noites são sempre com filmes de terror ou
no máximo comédia romântica.
Ela suspira um pouco desapontada, sabia
exatamente quem iria gostar de ver aquele filme.
— Tudo bem, então que tal vermos a
adaptação do livro do Stephen King? It a coisa.
— Topo. Acho que o tenho espalhado por
aí.
Alexia começava a procurar o filme na
pilha.

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— Então... Como foi o final de semana?


— Sua amiga perguntava distraidamente, mas em
sua voz era de pura malicia e Sarah ri baixinho.
Estava demorando.
— Foi legal. — Dizia com um de
constrangimento.
— Como assim? Só isso? — Ela se virava
rapidamente — Ahh, qual é Mi. Me conta tudo.
Rolou sexo selvagem ou ele era mais comportado?
Ele sabe usar a língua? E o pau dele? David parece
ser um daqueles caras que tem um pau muito bonito
de se ver.
Sarah não se aguenta e gargalha. Sabia que
mais cedo ou mais tarde sua amiga a encheria de
perguntas indiscretas e claro que como ela havia
avisado que passaria os aqueles dias com um
amigo, Alexia não tardou em achar que seria
David, já que eles sempre eram vistos juntos no
campus. É claro que passar um final de semana
com um amigo era o mesmo que dizer “vou fazer
sexo com um cara o final de semana todo, volto
domingo de noite, não me espere acordada”.
— Não sabia que a aparência de um cara

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definia o aspecto que o pênis dele vai ter. — Ela


tentava mudar de assunto.
— Sarah Mirna O’Connor!
Ela faz uma careta ao ouvir seu nome
completo.
— Não fale meu nome todo, sabe que não
gosto.
— Então me fala o que rolou? Quero
detalhes da sua transa. — Ela praticamente
choramingava. — Sou sua melhor amiga. — Agora
fazia um biquinho.
— Como sabe que transei? Pode não ter
rolado nada desse tipo.
— Pelo amor de Deus né? Olha só pra
você! — Ela apontava algo que deveria ser
evidente — Você voltou no domingo à noite
sorrindo, com roupas diferentes e sua aparência
dizia em letras garrafais “dei um amasso muito
gostoso”. — Ela faz aspas com as mãos — Então
sim, você transou e não foi pouco não.
Realmente não fora pouco. Tinha contado
pelo menos umas três vezes, isso se descontar os
dois amassos no chuveiro e no carro. Pelos deuses.
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— Vou fazer pipoca. — Dizia se


levantando rápido quase tropeçando na mesa de
centro, não queria que sua amiga lesse a expressão
em seu rosto. — Sabe se o Ryan vai demorar?
— Ele fez uma parada para comprar a pizza
de costela, mas já deve estar chegando. E não pense
que vou me esquecer deste assunto, essa conversa
ainda está longe de acabar mocinha. Quero detalhes
e até aqueles bem pervertidos.
Ela parte para a cozinha. Precisava
encontrar alguma maneira de esclarecer que ela e
David eram apenas amigos, mas se fizesse isso sua
amiga não a deixaria em paz até que revelasse
quem era então o cara com quem andava passando
seu tempo e a deixando com a expressão de quem
transara o final de semana todo e várias vezes. Não
podia sequer dividir seus sentimentos com Alexia,
mesmo que em várias vezes ter desejado ouvir sua
opinião e conselhos, sentia falta de uma melhor
amiga nesses momentos, mas sabia que ela iria
surtar, lhe daria um enorme sermão e tentaria
convencê-la de que tudo era uma insanidade.
Quando ela volta à sala com uma tigela de
pipoca nas mãos, encontra Ryan e Alexia se
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beijando próximo a porta, lentamente e com direito


a língua e a mão desocupada dele apertando com
vontade a bunda dela. Ela tosse algumas vezes até
notarem sua presença. Com seu jeito e sorriso
debochado, Ryan larga sua amiga e a cumprimenta.
— E ai Mi! — Ele segurava uma caixa de
pizza em uma de suas mãos e a outra abraçava
Alexia pelos ombros. — Como foi seu final de
semana do sexo selvagem? Deixou David garanhão
todo esfolado? — Ele piscava para ela.
— Você contou para ele? — Sarah dizia
encarando sua amiga.
— Ele é meu namorado e seu amigo. Achei
que não teria problema. — Dava de ombros
enquanto abria a embalagem com um tiramisu, que
claro ele havia trazido. Aquilo se tornara o doce
favorito dela e ele trazia sempre que possível.
— Pelos deuses da dança, Ryan! — Ela vai
até ele e pega a caixa de pizza a colocando na mesa
de centro que Alexia arrumara. — Hoje não é a
noite do “Vamos falar sobre o final de semana de
sexo da Mirna” e sim a de ver um filme. — Dizia
sem graça enquanto ouvia seus amigos rirem.

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— Podemos falar da minha então se quiser.


— Ele piscava.
— Não muito obrigada. Já não bastam os
barulhos que tenho que ouvir vindos do quarto
quando você dorme aqui. — Fazia uma cara de
nojo colocando mais pipoca na boca.
— Pelos menos acabou de confirmar que
fora de sexo. Já é um grande passo. — Ryan diz
após se jogar no sofá ao lado de sua namorada e a
abraçando. — Estou orgulhoso, Mi. David parece
ser um cara legal.
— É. — Dizia sem jeito. — Ele é sim. —
Enfiava um punhado de pipoca na boca na tentativa
de disfarçar sua expressão sem graça e
comprometedora. — Talvez tenha rolado algo.
Sarah segurava o balde de pipoca sentada na
ponta oposta do sofá.
O sorriso de lado e convencido no rosto de
seu amigo a estava irritando, era como se ele
tivesse a confirmação de algo que vinha
imaginando, quase como se tivesse ganhado uma
aposta. Podia ver os olhares que Alexia trocava
com ele.

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Filhos da mãe. Eles apostaram.


— Aposto que David sabe como usar as
mãos, afinal ele estuda medicina. — Ryan comenta.
— Com certeza ele deve ser muito bom
nisso. — Alexia complementa o comentário
malicioso do namorado.
— Mi. Nas aulas de anatomia se aprende
esse tipo de coisa?
— Por que Ryan? Quer mudar de profissão?
— Sua namorada o cutucava.
— Não preciso cursar medicina para
conhecer seus pontos sensíveis, Lex. — Ele se
inclinava e envolvia a boca de sua namorada em
um beijo voraz.
— Gente. Pelo amor dos deuses. Podemos
ver o filme?! Vocês fazem isso depois.
Alexia apertava o botão do play e os
créditos de abertura começam. Se mantinha atenta a
cada cena tentando tirar da cabeça as noites em que
a companhia era um homem rude, inteligente,
gostoso, que deixara marcas tão profundas em sua
pele que ainda podia sentir seus toques fortes e
atrevidos dentro daquele carro enquanto esperavam
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o seguro chegar. Um homem que aprendera a


apreciar até mesmo seus comentários sobre como
uma tragédia poderia ser engraçada. Com certeza
vendo esse filme ele alegaria que o palhaço não
tinha culpa de ser como é, e que era apenas a
natureza assassina dele.
Estou mesmo analisando o Pennywise?!
Pensava ao focar na cena em que ele aparece para
assustar a pobre menina no banheiro de sua casa.
Era impossível negar que estava sentindo
falta dele. Queria poder estar no sofá da casa dele
agora, deitada em seu colo enquanto ele acariciava
suas costas e fazia seus comentários sobre o filme.
Depois que acabasse ele a carregaria nos braços até
a cama, uma coisa que percebera que ele adorava
fazer, onde a beijaria intensamente e apertaria seus
seios com uma fome insaciável.
Quando foca novamente no filme, percebe
que perdera uns bons minutos, sua mente a traíra
com seus pensamentos indecentes. Suas mãos
estavam suadas ao redor da tigela, e ela a seca
disfarçadamente na calça do pijama. Estava
sentindo um calor insuportável, não se lembrava de
ter ligado o aquecedor. Ao se abanar um pouco e
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enxugar algumas gotas de suor de sua testa, ela


escutava gemidos contidos vindos do outro lado do
sofá.
Alexia e Ryan estavam se agarrando em
uma cena digna de filmes pornôs baratos. Era como
se ela nem mesmo estivesse lá comendo pipoca
observando ele enfiar as mãos dentro da blusa de
sua amiga e ela gemer enquanto bagunçava ainda
mais o cabelo loiro do namorado.
— Gente? Gente?! — Ela chamava sem
jeito — Eu ainda estou aqui.
Anunciava sua presença sem sucesso. Ryan
puxava a namorada para seu colo que com muita
facilidade montava sobre ele.
Ela não os culpava. Para falar a verdade ela
tinha inveja do relacionamento deles. Senti inveja
por ela não precisar esconder das outras pessoas, de
poder beijar em público sem ter medo de ser
julgada, andar de mãos dadas na rua e sair nos
finais de semana para um local que não seja a
quilômetros de Londres.
Tudo bem isso é demais para mim!
Ela se levanta deixando sua pipoca de lado
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e subindo as escadas até seu quarto. No fundo ela


sabia que se estivesse no lugar da amiga e o homem
em questão fosse outro estaria da mesma maneira
ou pior. Quando se joga na cama, pega seu celular e
encara sua tela, mais uma vez a saudade apertando
em seu peito. Seus dedos percorrem sua lista de
contatos até chegar à letra “C” onde o contato
escrito Coelho podia ser visto. Havia mudado o
nome de Jekyll para Coelho, achava que aquele
nome e personagem combinavam com ele.
Será que mando mensagem? Pensava.
Então uma ideia vem à cabeça, na tentativa de
copiar Alexia. Sorrindo ela tira suas roupas ficando
apenas de calcinha e sutiã com um livro de
anatomia nas mãos. Fazendo uma pose sensual ela
tira uma foto e envia em anexo para ele com os
dizeres:
Sarah: O assunto da aula de hoje foi difícil.
Estou tentando me concentrar para ter um bom
desempenho, senhor Collins.
Ansiosa ela espera por sua resposta, não
conseguia sequer imaginar a cara que ele faria ao
ver a foto nada discreta.
Poucos minutos depois, que para ela mais
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pareceram horas, ele visualiza, mas não diz nada.


Ela encarava a marcação de “online” embaixo de
seu nome. O que ele poderia estar fazendo que não
pudesse responder?
Ela se arruma na cama agora retirando seu
sutiã e cobrindo poucas partes dos seios com o livro
e o envia.
Sarah: Como estou?
A resposta vem segundos depois, não era
exatamente a que vinha esperando, mas estamos
falando de Ethan Collins.
Coelho: Você sabe que é bonita. Seu ego é
enorme. Na verdade, não sei como uma pessoa tão
pequena possa ter um ego tão grande.
Suspira forte quase dizendo boa noite e se
arrependendo da ideia idiota que tivera, mas logo
seu ânimo é restaurado quando ele responde:
Coelho: Mas se preferir posso lhe dar aulas
particulares de anatomia. Tem pessoas que
aprendem muito melhor na prática.
Ela sorria feito uma adolescente apaixonada
encarando a tela do celular rolando sobre o lençol.
Ele estava flertando com ela.
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Para provocá-lo um pouco mais, tira uma


foto agora sem que nada cobrisse seus seios,
fazendo uma expressão sexy ao morder seu lábio
inferior, apertando enviar logo em seguida. No
mesmo instante ele visualiza a imagem e o sorriso
dela se estende mais. Queria tanto poder ver a cara
dele.
Sarah: Me deu um pouco de calor. Não
está se sentindo quente, senhor Collins?
Coelho: Eu não estava.
Começa a rir sozinha no quarto. Estava
achando aquilo tão excitante e divertido.
Sarah: Agora está com calor?
Coelho: Podia vir até aqui e descobrir.
Tinha que admitir que aquele convite era
tentador.
Sarah: Eu não posso. Está um pouco tarde
e o ensaio de hoje me deixou dolorida, e até sua
casa é uma loooonga caminhada. Meus músculos
estão um pouco rígidos demais, por tanto esforço
que fiz.
Fizera questão de deixar as palavras com

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duplo sentido em destaque.


Não era mentira seu corpo estava realmente
dolorido, mas não era somente pelo esforço da
dança, talvez o crédito também devesse ser dado a
um homem que não se contentava em apenas tê-la e
sim de expor sempre a intensidade do quanto a
queria.
Não que estivesse reclamando, longe disso.
Amava a intensidade com que ele a possuía.
Admitia que a saudade estava atingindo níveis
insuportáveis.
Coelho: Vocês bailarinas sabem o quanto
são bonitas e gostam de ficar provocando.
Sarah: Não estou provocando. Apenas
gostaria de compartilhar o que faço nas minhas
noites, enquanto fico nua na minha cama.
Completamente NUA, sem uma única peça.
Segundos após de ele ler à mensagem a tela
do celular dela muda indicando uma ligação. Era
ele.
Se segurando para não rir ela pigarra e
atende com um “alô” um pouco manhoso.
— Fiquei com preguiça de escrever. — Ela
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é agraciada com aquele timbre diabolicamente


sexy. — A palavra “provocar” possui vários
significados. Pode significar desafiar, também pode
ser ocasionar, ser o causador de algo, perturbar e
também pode ser usado no sentido de estímulo
sexual. Então senhorita O’Connor, no meu ponto de
vista e no do dicionário, sim, você está me
provocando.
Ela não se aguenta e ri.
— Foi estimulado sexualmente, senhor
Collins?
— Você sabe que sim, do mesmo jeito que
sabe o quanto é bonita e, — Ele pigarreia —
estimulante.
Ethan Collins acabou de dizer que eu sou
gostosa?
— Eu tenho que estudar, meu professor de
anatomia não facilita, ele é bem rígido e grosso.
— E você faz isso pelada?
— Apenas em momentos especiais.
Levantando da cama ela se encaminha até o
banheiro que dividia com sua amiga, fechando a

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porta e enchendo a banheira individual que havia


ao canto.
— Sabe o que estou fazendo agora?
— Falando comigo?
— Engraçadinho. Além disso. Estou
entrando na minha banheira. — Colocava as pernas
na água morna soltando um gemido um pouco alto
de satisfação.
Do outro lado da linha Ethan suspira
fortemente, enquanto ela se divertia por torturá-lo
um pouquinho e pensando em como não era a toa
que as pessoas faziam aquele tipo de coisa ao
telefone. Ela mergulha o corpo até a altura dos
ombros sendo acolhida pela água deliciosamente
quente, sentindo as extremidades de seus pés
formigarem de leve pelo choque de temperatura.
— Sabe. Queria tanto alguém aqui comigo
para esfregar minhas costas.
— Se eu pudesse, sabe que eu já estaria aí.
Faria uma massagem, sou muito bom com as mãos.
E como é. Pensava ficando arrepiada.
— Vai ter que esperar pelo final de semana.

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— Ela jogava sua cartada.


— Será que consigo instalar uma banheira
em dois dias?
Ela ri.
— O que você está fazendo nessa noite
solitária de quarta-feira? Além de conversar
comigo. — Ela completava rapidamente.
— Agora estou relaxando um pouco no
sofá, acabei de fazer uma hora de esteira.
— Você foi à academia?
— Não. Eu tenho um quarto aqui no meu
apartamento que montei uma com alguns aparelhos.
Nada demais, pouca coisa. — Ele fazia uma pausa
e pelo barulho podia jurar que ele se refrescava
com alguma bebida, provavelmente água.
No mesmo instante a imagem de Ethan de
camiseta colada no corpo sarado, com aquele
peitoral, de causar inveja em qualquer homem, em
evidência, seu cabelos úmidos e gotas de suor
escorrendo pelo seu pescoço desenhando um
caminho até o centro do peito, se forma e pode
jurar que a água subira uns bons 10 graus, quase
podia imaginar a superfície borbulhar.
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— Um quarto que eu tenho aqui, bem ao


lado do portal que leva ao tártaro, também da sala
de tortura e do meu alçapão em que guardo as
almas que coleto. — Ele completava.
Ela coloca a chamada em viva voz para que
comece a se banhar. A imagem de Ethan todo
suado ainda muito presente.
Queria eu percorrer as mãos por aquele
peito, desenhar cada contorno de seus músculos
com a ponta dos meus dedos enquanto minha
língua desce pelo seu abdômen até enfim chegar
naquele grande, delicioso e magnífico pên...
— Você ainda está aí? — A voz dele a
despertava.
— Ahh... Ahh... Sim. — Gaguejava —
Ainda estou aqui.
— Qual é sua flor favorita?
A mudança súbita de assunto à deixa
surpresa. De onde viera aquilo?
— Por quê?
— Para levar ao recital na segunda-feira. —
Como se ele adivinhasse a sua dúvida,

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complementa — Todo cavalheiro após ver a


apresentação de uma dama em um palco, leva
flores até seu camarim como presente pela ótima
apresentação e também por educação, afinal ele
fora convidado pela dama em questão.
— Falando desse jeito, meu caro senhor, até
consigo visualiza-lo com uma cartola e relógio de
bolso.
Ethan ri antes de continuar.
— Se assim almejar, posso ir usando minha
cartola, gravata borboleta e meu relógio de bolso.
— Seria uma honra ser agraciada com essa
visão. — Então ela se lembrava de algo que ele lhe
dissera. — Espera! Você disse segunda-feira? É
semana que vem.
— Ahh... Sim. Por quê?
— Merda. — Não. Não. Não pode ser
verdade. — Acho que não vamos poder matar a
saudade nesse fim de semana.
— Por que não?
— Por que, todo final de semana antes de
uma apresentação, todo o corpo do balé viaja para

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uma casa um pouco afastada da cidade, para relaxar


e se concentrar apenas na peça. Eles chamam de
retiro, eu... Eu nunca participei, mas como eu sou a
dançarina principal, eles já colocaram o meu nome.
— E o que necessariamente fazem nesses
retiros?
— Não sei ao certo, mas acredito que
devem relaxar, pois essas apresentações grandes
requerem muita atenção, precisão e ficamos muito
pressionados.
— Posso te ajudar a relaxar muito mais do
que esse retiro.
— Até poderia, mas...
— Mas?
Ela suspira se arrependendo amargamente
de não ter pedido para tirarem seu nome da lista,
pensando melhor agora que deveria ter dado
qualquer desculpa, mesmo que esfarrapada.
— Tem uma regra no estúdio. Nada de sexo
nos dias antes da apresentação.
ARGH. REGRA IDIOTA.
— Essa é... — Podia ouvir que ele segurava
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para não rir — A regra mais idiota que já ouvi. —


É, percebi isso agora. — Se vocês transarem antes
acontece o que? O deus dos bailarinos convencidos
vem puni-los com impotência ou com dois pés
esquerdos?
— Coelho. Sexo nos distrai, são as regras.
— Eu não vejo como algo ruim transar
antes de uma apresentação. Pelo contrário é um
estímulo para o corpo, até mesmo para elevar a
autoestima, o que só favorece quando vai se
apresentar para um público.
— Eu não criei essa regra, mas ela existe
então, nada de encontros ou sexo até depois da
apresentação.
Ai meus deuses, eu vou morrer até lá.
— Então para aproveitar que estamos em
uma ligação em que eu estou nua em uma banheira
e que vamos ficar um final de semana de castigo.
— Suspirava tomando coragem. — Sabe Coelho,
estou passando minhas mãos pelos meus seios
cobertos de espuma, e vou te contar um segredo
para ajudar na imagem, meus mamilos estão
excitados. — Ela sussurrava as últimas palavras

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enquanto fazia o que descrevia.


É presenteada com o silêncio do outro lado
da linha.
— Agora estou escorregando minhas mãos
pela minha barriga, me esfregando bem devagar.
Fazia cada movimento imaginando outras
mãos no lugar das suas. Sentia sua pele se arrepiar
e a região entre suas pernas pulsar.
— Sarah. — Sua voz a fazia gemer — Não
vou fazer sexo pelo telefone.
— Por que não?
— Por que é estranho.
— Você precisa relaxar mais, como eu
agora enquanto me toco. — Ela gemia mais uma
vez — Estou excitada, você não está, Coelho?
— Eu preferia que estivesse aqui me
mostrando o que está descrevendo.
Ela se tocava bem em seu centro fonte do
seu calor, imitando movimentos com seus dedos
dos quais se lembrava de que ele fizera naqueles
dias que passaram juntos. Seus toques fortes e
precisos não eram parecidos com os dela, mas sua
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imaginação se encarregava de tornar a experiência


no mínimo parecida. Suas pernas se esfregavam
fazendo-a recordar das pernas dele entrelaçadas
com as dela.
Perdida em fragmentos de seus momentos
eróticos com o homem do outro lado da linha, ela
não consegue conter gemidos mais altos.
— Venha aqui, Sarah... — Praticamente
implorava sua voz rouca denunciava seu estado.
— Não posso. Está tarde. — Dizia manhosa
ainda com os olhos fechados enquanto seus dedos
brincavam. — Está excitado agora? — Não sabia
de onde encontrou coragem para fazer aquele tipo
de coisa.
— Demais. — Dizia após um suspiro
pesado. — Isso é tortura.
Sua imaginação mais uma vez ganha asas, e
agora ela acariciava o peito ainda úmido de suor,
seus dedos escorregando pela sua pele quente
enquanto sentia as mãos dele apertarem suas
nádegas com força a colocando em seu colo com
toda facilidade e naturalidade.
Aumenta os movimentos de seus dedos
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assim como a altura de seus gemidos. Estava


absorta em sua imaginação, focada naquele
homem, nos suspiros um pouco ofegantes que
ouvia acompanhá-la e se misturar com os seus.
Suspeitava que ele estivesse se segurando, era
teimoso demais, podia ouvir o esforço em sua voz.
Arqueia seu corpo na banheira derramando
um pouco de água para fora. Então quando estava
prestes a gemer o nome de Ethan, uma batida na
porta a assusta fazendo-a dar um pulo dentro da
banheira.
— Mi? Está falando sozinha?
Era Ryan. Só pode ser brincadeira.
— RYAN! Sai daí. Pare de me ouvir do
outro lado da porta.
— Eu e Lex estávamos indo para o quarto,
quando ouvimos você falando sozinha sobre
espuma e coelho. — Ela podia sentir a malicia dele
quase palpável mesmo do outro lado da porta. —
Você anda praticando zoofilia?
— Aí. Que nojo, Ryan. Sai logo daqui! —
Pegava um frasco de xampu e o atira na porta.
— Mi? Está tudo bem? — Agora era a vez
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de sua amiga.
Furiosa por terem acabado totalmente com
o clima, ela se levanta da banheira e se enrola no
roupão lilás que guardava atrás da porta,
entreabrindo a mesma e dando de cara com o casal
nada discreto que tinha o prazer, ou não, de chamar
de amigos.
— Eu estou bem gente. Apenas estava ao
telefone enquanto tomava banho.
No mesmo instante que diz isso se
arrepende. Os olhos de sua amiga crescem na
mesma proporção que o sorriso malicioso de Ryan
se estende pelo seu rosto bonito.
— Aí. Meu. Deus. — É tudo o que saia da
boca de Alexia antes de ela tapá-la com as mãos.
— Não gente. — Ela tentava se corrigir —
Apenas estava conversando.
— Claro. — Ryan dizia quase rindo —
Enquanto está pelada na banheira se esfregando.
Conheço esse truque, Mi. Eu e Lex já fizemos isso.
— Ryan! — Sua namorada batia em seu
ombro.

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— Foi mal, David. — Ele gritava para


dentro do banheiro. — Não queria atrapalhar.
Continua aí garanhão.
Tem como ficar pior? Não. Não pense
nisso, porque sempre dá para piorar.
— Vem Ryan. Vamos fazer uma ligação de
telefone no quarto. — Alexia o puxava.
— Claro minha gostosa, quem sabe ter uma
conversa inocente sobre espuma. Finge que minha
calça é uma cartola, você pode tirar um coelho de lá
ou quem sabe você pode ser o coelho e retirar uma
cenoura da minha cartola.
Rindo eles se afastam seguindo pelo
corredor.
— Eu odeio vocês. — Ela gritava antes de
fechar a porta com raiva.
Lembrete: Nunca mais colocar o celular no
viva voz em um banheiro compartilhado.
Ao lembrar que Ethan ainda estava na linha
e que ouvira toda aquela cena, ela sai correndo até
o aparelho o tirando do viva voz.
— Você ainda está aí? — Ela perguntava.

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— Isso foi interessante.


— Humilhante seria uma palavra melhor.
— Acho que constrangedor se encaixa
melhor.
Demais.
— Olha Coelho. Acho melhor eu desligar.
Perdi completamente o clima e... — Ela buscava
alguma desculpa. Nunca se sentira tão idiota.
Aquela ideia era ridícula. Onde estava com a
cabeça? — Está tarde, amanhã tenho aula cedo e
você deve estar cansado. — Dizia rapidamente. —
Me desculpe por te atrapalhar, sei que é bem
ocupado, e que deve estar achando isso tudo
ridículo e algo muito idiota e...
— Sarah. — Ele a interrompia. Com certeza
notando seu constrangimento — Você não me
atrapalhou. Ok? Eu gostei muito da nossa conversa
e de receber suas fotos. Vou até criar um álbum
especial no meu celular para guardá-las. — Ela ria
baixinho ainda constrangida. — Você é muito
linda, Sarah e talvez um pouco doida. — Ele ria. —
Mas já dizia o gato de Alice. “Aqui somos todos
loucos.” Vou deixar você descansar.

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— Boa noite, Coelho.


— Você ainda não me disse qual é sua flor
favorita.
O sorriso bobo retorna.
— Que tal você me surpreender? — Ela vai
até o quarto e se jogava em sua cama — Te vejo
amanhã.
— Boa noite, Sarah.

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"O tempo passa e o homem não percebe.”


A divina comédia
Dante Alighieri

O filme “Batman o cavaleiro das trevas”


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passava na TV e a cena em que Bruce Wayne tem


que decidir entre resgatar o promotor Harvey Dent
ou a sua amada Rachel captava toda atenção.
Aquele era um dos pontos altos do filme e ele não
conseguia fazer nada além de olhar para a tela e
tomar cuidado para não errar a boca e deixar o
macarrão cair no chão.
Há muito tempo que não sabia das
novidades cinematográficas, e quando descobrira
que aquele filme em questão já tinha quase 10 anos,
vira que a situação era bem pior do que pensava.
Então em uma busca rápida pela internet encontrara
seu Oasis no deserto, sua luz no fim do túnel dos
alienados do cinema, um aplicativo onde reunia
centenas de títulos de filmes, séries e, claro os seus
favoritos, documentários.
Imaginar uma situação como essa pode ser
considerada quase que impossível para alguém que
o conheça, mas era exatamente o que ele estava
fazendo no final de semana que se seguiu. Estava
se atualizando.
Como era tentar retornar a sua rotina
monótona se descobrira que quebrar algumas regras
poderia ser tão gratificante?
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A resposta: Um tédio.
Nos últimos dias em que sua rotina não
parecia com no mínimo do que programara, ele há
tempos não se sentira tão bem, e ousava dizer que
uma palavra que se encaixaria mais perfeitamente
para seu estado era “vivo”.
Mas o incômodo o tomara no instante em
que abrira os olhos para receber o sábado. Tentara
retornar aos seus afazeres costumeiros. Tomara
café no horário de costume, assim como seu banho,
depois o almoço e suas atividades acadêmicas. Por
diversas vezes se pegara pensando no que ela
estaria fazendo, se ocorrera tudo bem no carro em
que tomara uma carona, se estava se divertindo e se
estava conseguindo relaxar.
O tempo todo tentando ignorar aquela
sensação estranha e incomum que o distraía de seu
trabalho e mesmo quando fora se deitar naquela
noite aquele aperto de algo errado ainda o
incomodava. Aquilo estava impedindo que fizesse
seu trabalho direito o irritando como nunca, odiava
não se doar 100% ao que fazia. Era como se algo
estivesse faltando e não era somente a companhia
teimosa e convencida com longos cabelos negros e
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ondulados a que se referia e sim a ele mesmo, o


Ethan com quem se acostumara a conviver nesses
últimos três anos.
É engraçado como uma única pessoa pode
mudar nossa vida de uma hora para outra e então
sem que perceba as coisas que antes eram de
extrema importância e vitais a sua sobrevivência,
não fazem mais tanta falta quanto você imaginara e
são tão pequenas perto de todo resto. Então você
descobre que a sua real vitalidade vem de pequenos
momentos em que esse auto reconhecimento
acontece e que as sutis mudanças são notadas.
Nós somos feitos de mudanças e não há
como fugir delas. Assim como a distância,
chegadas e partidas compõe uma vida, o que nos
resta é nos acostumarmos a elas e nos adaptarmos.
O que Ethan não sabia ao certo dizer era se
Sarah agora fazia parte de sua rotina ou se ele
abandonara a dele por não se sentir mais como o
homem que a criou.
No final da tarde de domingo tudo,
relacionado ao trabalho, estava pronto e
devidamente organizado ao modo Ethan, as aulas
da semana estavam garantidas, então seguia com
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sua sessão de atualização do cinema. Batman fazia


o máximo que podia para chegar ao local em que as
bombas foram implantadas pelo Coringa e que
continha as duas vítimas que dependiam dele.
De esguelha podia ver David parado na
porta que levava até a cozinha, um local em que já
estava a um tempo considerável. Podia sentir os
olhos do irmão mais novo sobre ele, estava ficando
inquieto com toda aquela análise.
— O que foi David? — Colocava o prato
vazio na mesa de centro com um baque impaciente.
— Ahh... Nada. Só estou aqui tentando
decifrar o que estou vendo.
— Já chegou a alguma conclusão plausível
ou vai ficar me encarando?
— Talvez. Até agora estou entre abdução e
possessão. — Ele colocava mais um marshmallow
na boca já cheia. Diante o olhar questionador de
Ethan ele continua — Ethan você está no segundo
filme do Batman somente hoje.
— Professores não veem filmes?
— Ahh... Sim eles veem, mas você? —
Ethan aperta pause, parecia que seu irmão não ia
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parar por tão cedo — Meu Deus Ethan você


assinou esse aplicativo.
— Por que ninguém acredita que eu vejo
filmes? — O olhar de David era quase o mesmo
que o dela quando dissera a Sarah que já vira
Shrek.
— Porque você é você. Para as pessoas
você é o temível e intolerante Cérbero. Consegue
imaginar o conde Drácula vendo TV? — Ele se
sentava ao seu lado no sofá e como ele não diz nada
completa seu raciocínio — Então é uma situação
parecida com essa.
Ele se arruma no sofá apertando o play, mas
aquela sensação de estar sendo observado ainda
perdura. Via a perna direita de seu irmão balançar
freneticamente e sabia o que aquilo significava.
Mais uma vez aperta o pause.
— O que foi David? — Virava-se para
encará-lo. — O que quer me dizer?
Seu irmão girava um marshmallow colorido
entre os dedos.
— Podemos ter aquela conversa agora? —
Dizia antes de seus sempre serenos olhos azuis se
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fixarem aos dele. Sabia bem ao que se referia. — O


que está fazendo meu irmão?
Ethan se cala, não possuía uma resposta.
Como poderia respondê-lo se nem ao menos ele
sabia o que estava fazendo? Diante aquele
questionamento ele se coloca para refletir.
O que estou fazendo?
Queria responder que estava cansado de não
se lembrar de como era, que ela aplacava sua dor,
que o distraía do seu passado, que mesmo
momentaneamente conseguia adormecer sua culpa,
mas ao se deparar com essas respostas vira o que
elas tinham em comum, eram para benefício
próprio e aquela pontada de pesar que o tomara na
praça retorna.
— Ela é importante para você. — A voz de
David o tirava do transe — Senão jamais faria algo
assim.
— Ela é... — Suspirava — Diferente.
— Há quanto tempo isso está acontecendo?
— Perguntava David que a essa altura já deixara o
pacote de doce de lado.
— Aquele dia em que você nos viu foi a
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segunda vez. Olha... — Passava as mãos nos


cabelos — Eu sei mais do que todos que isso tudo é
errado, loucura, e completamente irresponsável de
minha parte. — Dizia convicto — Mas ela é
como... Uma distração, alguém que faz eu me
esquecer de até mesmo de quem eu sou. Alguém
que torna tudo um pouco mais fácil e menor. Sei
que isso terá um fim, mas eu apenas quero me
sentir como eu mesmo um pouco mais.
Quando pensava sobre Sarah não conseguia
evitar visualizar uma porta emperrada com uma
pequena fresta entre aberta. Por essa fresta você
consegue ver partes do que há do outro lado, então
junta toda sua força, determinação e teimosia para
empurrar a porta, chutá-la, puxá-la até que consiga
abrir, pois o seu interior lhe chama muita atenção,
você deseja o que tem lá dentro, precisa
loucamente. Podemos dizer que as perguntas
insistentes e a sua constante curiosidade a respeito
dele, eram como os chutes, socos e empurrões, mas
aquele beijo fora como a sua última tentativa,
quando depois de um tempo você ofegante e
cansado de tanto tentar, suspira fundo junta toda
determinação que ainda lhe resta e então dava o seu
último golpe.
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— Sinto que ela me entende. — Encarava o


chão da sala, seus olhos não conseguiam fitar os do
irmão caçula — Não consigo me esconder dela, não
importa o quanto tente. Sinto que ela olhou pela
minha fresta e decidiu investir em mim, por
motivos que eu não entendo.
— Mas eu entendo.
Seus olhos capturam os dele novamente.
— Você é boa pessoa meu irmão, sempre
esteve aqui quando eu precisei. Você faz tudo o que
está e o que não está ao seu alcance para ajudar. Só
precisa se perdoar.
No mesmo instante ele balança a cabeça em
negativa, várias vezes.
— Eu não consigo. Eu não mereço nada
disso.
— Não vamos começar com essa conversa
de novo. — David dizia com impaciência. —
Aquilo não foi culpa sua. Enquanto não começar a
repetir isso e aceitar nada vai mudar. Tem que
seguir em frente, por você, por Margot. Sei o
quanto a amava e ela também sabia, eu a amava
também. — Repousava a mão sobre o ombro de
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Ethan — Se você que tivesse partido, não iria


querer que ela tivesse uma vida feliz?
Ele não responde, pois, a resposta está
estampada em seus olhos. David conhecia o irmão
muito bem, sabia como utilizar os argumentos a seu
favor.
— Não precisa me responder, eu sei que
sim.
— Eu não posso David. Como se perdoar se
você não tem o perdão?
O filme ainda estava pausado na tela e o
final da cena estava congelado, Batman havia
tomado sua decisão, talvez não a que muitos
imaginariam que ele fizesse, com certeza iriam
julgá-lo depois pelo o que escolhera. Ele sabia
muito bem como era isso.
David esteve presente em seus dias mais
escuros. David na verdade sempre estava lá,
consolando, aconselhando, cuidando dele, o
defendendo e evitando que fizesse besteira.
Lembrava-se das discussões que ele enfrentara para
defendê-lo, dos sermões que dera a quem o
apontara e acusara. Ele fora a sua força quando não

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a possuía.
Então por conta de tudo isso, Ethan sabia
que seu irmão entendera a quem se referia quando
falava de perdão.
— Amélia está sofrendo assim como você.
— Ele lhe diz.
— Eu sei. Eu não a culpo e não a julgo. O
luto para cada um é diferente.
— Mas isso não quer dizer que ela esteja
certa no que vem fazendo.
— Ela acredita que está.
— Por que precisa do perdão dela?
Ele rodava o controle remoto nas mãos.
— Por que... — Respirava fundo — Ela é o
mais próximo que tenho de uma mãe e de Margot.
— Jarred já conseguiu o nome que você
quer? — Ele perguntava sobre seu colega de
trabalho que morava em Dublin, mudando de
assunto.
Deixa seus ombros caírem assim como suas
costas no encosto do sofá e apenas nega com
movimentos sutis da cabeça. Mais um assunto que
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não o deixava nada feliz.


— Vai dar certo, Ethan. Logo você o
encontra. — Dizia dando um leve aperto em seu
ombro.
O assunto morre e Ethan agradece por
aquilo. Amélia era um assunto delicado, assim
como sua busca que Jarred prometera lhe ajudar,
aquilo estava levando tempo demais e a cada dia
que se passava a demora o deixava cada vez mais
apreensivo, o que o fazia se questionar se aquilo era
o melhor a ser feito, se precisava mesmo da
resposta e do nome.
— Você vai ao recital amanhã? — Mais
uma vez ele o tira de seus pensamentos.
— Ela me convidou e disse que é
importante minha presença. Como vou explicar isso
aos amigos dela que estarão lá? — Encarava David
suplicando por auxilio.
— Você é o chefe dela e amigo também,
então acho que já é o suficiente. — Ele dava de
ombros. — Relaxa Ethan eu vou estar lá, te dou
cobertura. — Lhe oferecia uma piscadela que o faz
rir.

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— Isso tudo é tão errado. — Cobria seu


rosto com as mãos.
— Quem nunca cometeu erros que atire a
primeira pedra.
David começa a erguer as almofadas,
afastava as costas dele do encosto para olhar atrás,
olhava nos vãos do sofá, assim como embaixo da
mesa de centro como se buscasse por algo.
— O que está fazendo? — Ethan o
perguntava.
— Procurando uma pedra. — Dizia
inocentemente.
Ele começa a rir e logo é seguido pelo seu
irmão caçula. A pequena peste que conhecia há 23
anos e quem amava mais do que qualquer pessoa na
face da terra. O riso harmonioso de David se
misturava ao dele e Ethan bagunçava seus cabelos
lisos e castanhos. Assim que o momento passa e
ambos retomavam o fôlego, David o fitava sorrindo
e com um leve marejar nos olhos.
— O que houve Dave? — Perguntava
preocupado.
— Nada, é que eu... — Uma lágrima tímida,
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assim como a pessoa que a continha, escorre pelo


canto de seu olho esquerdo. — Eu senti tanto a sua
falta, meu irmão.
Comovido com suas palavras, Ethan o puxa
para um abraço, o envolvendo e o apertando com
força.
Eu também senti a minha falta.
— Eu não vou contar nada para ninguém,
sobre você e a Mi. — Dizia com voz abafada e
chorosa — Eu só quero o seu bem.
— Eu sei que não. Obrigado.
O barulho de vários “bip” em sequência
interrompe o abraço dos irmãos. David coloca a
mão no bolso da calça e retira seu celular,
encarando a tela com um sorriso bem diferente ao
que oferecia a Ethan ou a qualquer amigo, era um
sorriso caloroso que aquiescia-lhe a face e deixava
um leve rubor em suas bochechas.
— Recebeu uma boa notícia? — Ethan lhe
perguntava percebendo o constrangimento do irmão
ao ter sido descoberto.
— Ahh... Sim. — O vermelho só aumentava
juntamente com o sorriso de Ethan. — É que eu
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conheci uma pessoa, na verdade foi a Mi que me


ajudou. Ele faz aulas no estúdio que ela frequenta
e... Estamos conversando há uns dias.
— Já saíram juntos?
— Não, até combinamos, mas ele teve um
imprevisto no trabalho. Só conversamos por
telefone ou Skype.
— Você gosta dele?
— Bob é um cara legal. Simpático, bonito,
inteligente, trabalha como arquiteto, tem um corpo
bonito...
— Como sabe dessa última parte se ainda
não se viram?
— Ele estava sem camisa na chamada pelo
Skype. Acho que estava tentando me seduzir com
aquele tanquinho.
Eles riem.
— Amanhã depois da apresentação vamos
sair, ele está no mesmo corpo de balé da Mi e estou
muito, muito nervoso para ser sincero. Acho que
apavorado seria melhor.
— David não se preocupe vai dar tudo
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certo. — Lhe oferecia uma tapinha camarada no


ombro — Você é o cara mais legal que eu conheço
e o mais paciente, afinal teve que me aturar por
todos esses anos. Esse feito merece
reconhecimento.
— Acho que uma medalha ou quem sabe
um troféu seria uma ótima maneira de ser
reconhecido. — Ethan dá um tapa mais forte em
seu ombro — Aiii. É brincadeira. — Ele esfregava
o local do tapa.
Uma batida na porta os interrompe e ainda
com a mão no ombro David se levanta para
atender.
— Está esperando alguém?
— Na verdade não. — Pegava o controle
remoto e aperta o play para terminar o filme —
Quando terminar o filme quer ver um documentário
que separei aqui sobre “Tabus da cirurgia plástica”?
— E aí está meu irmão rabugento de volta.
— Ele brincava — Pode ser.
Ao abrir a porta uma figura pequena a afoita
esperava do outro lado.
— Oi Mi. Não sabia que vinha. — Ele abria
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um largo sorriso.
— Oi David. — Ela praticamente joga um
fardo de cerveja de cereja nos braços dele antes de
entrar correndo e seguir para a sala e literalmente se
jogar no colo de Ethan que surpreso encarava toda
a cena.
Ele não teve tempo de dizer nada, quando
viu Sarah já estava se jogando sobre ele e sentando-
se em seu colo colocando uma perna de cada lado
dele e o beijando com uma urgência surpreendente.
— Fico feliz em te ver, David — David
afinava a voz na tentativa de imitar sua amiga —
Nossa Mi você trouxe cerveja, obrigado. —
Engrossava novamente como se estivesse tendo um
diálogo consigo mesmo — Nossa, David como
você é forte, conseguiu pegar essa caixa de cerveja
do ar, ótimo reflexo, andou malhando? — Dizia
mais uma vez com voz fina — Gentileza sua, Mi.
Entre sinta-se à vontade. Ethan está ali no sofá. —
Com um baque ele fecha a porta.
Ambos ignoravam os gracejos de David,
envoltos por uma chama de luxuria que acabara de
ser acesa.

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— Senti sua falta. — Ela dizia entre seus


lábios.
— Eu também. — Dizia ao ser devorado
por ela.
Com a mesma urgência as mãos dela
começam a passear pelo seu peito dando leves
puxões na camiseta branca. As mãos dele a
apertavam na cintura puxando-a mais para perto.
Surpreende-se por sentir que os dedos dela
encontraram o caminho para o seu abdômen o
tocando por debaixo do tecido fazendo-o se arrepiar
e gemer em aceitação por aquele toque quente.
Sentia as bochechas antes geladas dela,
devido à baixa temperatura que deveria estar
fazendo do lado de fora, se esquentarem, pegarem
fogo e incendiarem as dele também.
— Prove. — Ela o provocava — Me leva
para cama.
— Eu não posso senão sentirei a fúria dos
deuses da dança.
— Dane-se essa regra idiota. Não consegui
relaxar um minuto sequer naquele lugar, só pensava
em você, em nos isolarmos em seu quarto enquanto
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me fazia sua. — Descia seus lábios pelo pescoço


dele — Anda coelho, me faça sua.
— Não está com medo de ter dois pés
esquerdos amanhã? Isso é algum tipo de teste de
resistência do estúdio?
— Não e não. — Dizia entre baixos
gemidos.
Ela começa a puxar a camiseta dele para
cima e a retira.
— Tem certeza disso?
— Ethan se você perguntar mais uma vez
eu juro que vou embora. — Ela o enlaçava pela
nuca e o beija com avidez se remexendo em seu
colo.
Com um único movimento ele se levanta do
sofá com ela acolhida em seu colo.
— David. — De relance vê a figura dele
parada na porta da cozinha com uma cerveja aberta
nas mãos — Eu já volto. Tenho um assunto muito
sério para resolver ali no quarto. Fique à vontade e
pode ver o que quiser na TV.
— Argh, essas paredes são grossas? —

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Escutava a pergunta de seu irmão e não evita rir


entre os lábios daquela mulher envolvente e
perigosamente sexy.
— Eu não sei. Depois você me conta. —
Eles alcançavam o corredor e ele fecha a porta do
quarto com o calcanhar.
Sarah não parava de beijá-lo um minuto
sequer. Ao deitá-la sobre a cama as investidas dos
lábios dele entram em ação beijando cada local
enquanto começa a arrancar cada peça e as atirando
no chão. O corpo pequeno e nu de Sarah de
remexia nos lençóis claros. Ele a lambia em cada
centímetro, percorrendo seus lábios urgentes por
ela, demorando nos lugares estratégicos e que
descobrira serem os favoritos dela até enfim
alcançarem o calor do centro de suas pernas e o
tomar sem aviso e intensamente.
— Espero mesmo que essas paredes sejam
grossas. — Dizia ofegante e manhosa do jeitinho
que ele apreciava.
— Não se preocupe a essa altura ele já deve
ter ido embora. — Ela enfiava os dedos entre os
fios do cabelo dele e os puxava de leve.

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— Isso é tão bom, coelho, nada nunca será


tão bom quanto isso. — Ela gemia — Nunca mais
me deixe seguir uma regra idiota como aquela, ok?
Te proíbo.
Rindo ele continua a gerar prazer à única
mulher que ousara olhar pela pequena fresta de sua
porta.

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“Há expressões no olhar que não estão na


língua e há mais contos em lábios pálidos do que
entram pela audição.”
Longe deste insensato mundo
Thomas Hardy

Tum Tum, Tum Tum, Tum Tum...

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Seu coração batia em ritmo acelerado, seus


pés formigavam envolvidos pela sapatilha delicada
e branca. A roupa que usava apertava sua cintura
evidenciando seu corpo feminino com suas curvas
que lhe davam uma silhueta perfeita. Suas pernas
estavam cobertas por uma meia calça branca e que
tentava ao máximo controlar para que não
tremessem e denunciassem seu estado interior.
Sarah estava devidamente pronta para seu
último ato. Sua última apresentação.
Ela sempre ficava nervosa minutos antes de
subir ao palco, mas aquela noite era diferente, a
ansiedade também lhe era companheira juntamente
com a incerteza. Será que ele estaria lá a vendo
fazer o que amava? Será que ele iria gostar? Essas
eram perguntas muito frequentes desde que
acordara naquela manhã.
Ele havia lhe dito à tarde antes de ir embora
do escritório dele que iria vê-la, mas e se algo
acontecesse e ele mudasse de ideia? E se ele visse
que não valia a pena o risco? Ela não poderia ficar
com raiva dele caso isso acontecesse, ou poderia?
Poderia exigir algo de um homem com quem o
único título que possuíam era o de professor e
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aluna?
— Dois minutos! — Ela escutava a
assistente de palco surgir no camarim em que todos
os bailarinos do corpo de balé estavam terminando
os últimos ajustes, sua voz nada calma anunciava o
tempo que tinham para irem até a entrada do palco.
O barulho das dezenas de sapatilhas ecoava
no assoalho de madeira e ela respirava fundo,
encarando seu reflexo bem maquiado no espelho.
Está na hora. Ela pensava. Você consegue,
é a sua despedida.
A música de abertura começa, violinos e
piano acompanham a entrada sincronizada dos
primeiros bailarinos a surgirem no palco, os
aplausos da plateia os recebem servindo como
combustível, arrancando-lhe um largo sorriso.
Sentira tanta saudade.
A parte favorita de Sarah nesse espetáculo
começa e o quarteto de bailarinas mais conhecido
como “a dança dos pequenos cisnes” se forma, elas
com toda leveza que somente uma bailarina
consegue transmitir, dançavam em uma harmonia
perfeita.

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A música do segundo ato soa triste e é a vez


de ela entrar sozinha. Quando o cisne branco faz
sua aparição ela não evita de procurá-lo na plateia,
mas sem sucesso. Sarah movia-se pelo palco com
agilidade e delicadeza ficando na ponta dos pés
para fazer um giro perfeito. A sinfônica
acompanhava cada movimento dela enquanto o
palco se tornava pequeno para tamanho espetáculo.
Com os olhos fechados, tentando não deixar que a
insegurança de ele não aparecer a tome, se deixava
ser envolvida pelo ritmo da música terminando
assim o segundo ato.
No terceiro ato era a vez do príncipe fazer
sua aparição. Seu amigo e professor Peter
interpretava bem o papel e no quarto ato os dois
apareciam em meio aos outros bailarinos em uma
dança romântica.
No próximo ato Sarah aparece
completamente de preto, um visual mais agressivo
como assim era o cisne negro, ela dançava para a
plateia demonstrando raiva, sensualidade e malícia.
Era como se o cisne branco tivesse voado para
longe dando lugar a uma ave majestosa, porém
agressiva. Peter a seguia pelo palco e ela

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intercalava a dança entre ele e outro bailarino que


estava vestido de corvo, então nos braços do
príncipe, o cisne negro desaparece em meio às
cortinas.
Quando o penúltimo ato termina era a vez
de ela interpretar a morte do cisne e novamente
vestida de branco Sarah aparece sozinha no palco
iluminada apenas por um holofote. Há um longo
silêncio da plateia e uma música triste é tocada pela
orquestra e ela se eleva na ponta dos pés. Ela
dançava, girava e elevava seus braços calmamente,
mas o seu rosto denunciava tristeza, a tristeza de
um amor perdido, a tristeza de um coração
despedaçado.
Não podia evitar pensar em Gael, ele
sempre a dizia que a queria ver interpretar esse
papel, no entanto ele não estava lá para ver. Sentia-
se culpada por pensar nele enquanto esperava que
Ethan a assistia. Não mentira ao dizer que era
importante para ela que ele a visse dançar. Na
dança era quando todos os sentimentos dela eram
postos para fora, sentimentos esses que não
precisavam ser ditos, apenas sentidos e
demonstrados com gestos e expressões corporais.

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Ser bailarina era muito além do tutu, é


sinônimo de preparação, é sincronizar os pés para
que seus sentimentos escorram por eles, é contar
uma história sem se fazer necessário o uso de
palavras. É ter a habilidade de às vezes transformar
negatividade e tristeza em movimentos que se
tornam a alegria de alguém. A dança também é
uma forma de linguagem. Com ela se demonstra
raiva, ódio, tristeza, e até mesmo amor.
Ou até mesmo que estou apaixonada pelo
meu professor.
A dança dizia tudo àquilo que estava
engasgado em sua garganta. Quando dançava,
aproveitava aquele momento para dizer o quanto
apreciava sua companhia, o quanto gostava das
conversas que tinham, das mensagens trocadas, do
sexo que faziam, daquela maldita covinha que ele
exibia sempre que sorria e principalmente do
quanto amava seus olhos de um azul em brasas.
No trecho final da música, ela sobe em uma
grande estrutura montada no palco que se
assemelhava a figura de um grande penhasco. Ela
se vira para a plateia e por alguns segundos pode
vê-lo, e interrompe seus movimentos parando a
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cena. Ele viera, e estava sentado na lateral esquerda


em uma região mais elevada do teatro, bem ali a
observando, seus olhos azuis presos aos dela. Seu
coração se aquece e as batidas descompassadas se
fazem presentes. E em sua cabeça tudo o que
conseguia pensar era que ele viera, assim como
prometera, antes dela simular a queda do cisne e as
cortinas se fecharem em meio a mais aplausos e
saudações calorosos.

No camarim ela era parabenizada por todos.


Sarah sorria a cada elogio que lhe era oferecido,
havia recebido tantas flores que poderia até mesmo
abrir uma floricultura.
— Mi! — Ela escutava a voz de sua amiga
em meio à multidão e quando Alexia aparece
acompanhada de seu namorado e David ela se
levanta e a abraça. — Você estava incrível! Eu
simplesmente amei e olha que não sou fã de recitais
de dança.
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Aquilo arranca uma sonora gargalhada de


Sarah. Sua amiga não tinha jeito.
— Obrigada, todos estavam ótimos. — Ela
dizia um pouco ofegante, aquilo a havia cansado
mais do que imaginava. Suas mãos formigavam e
havia um pouco de vermelhidão demasiada nas
palmas que ela tentava esconder.
— Sério Mi. Você estava incrível, não
estava ursinho? David? — Ela acompanhava o
olhar de Alexia para seus amigos. Ryan estava com
sua gravata um pouco torta e frouxa dando a ele um
ar despojado, com seus cabelos loiros bagunçados
como um menino malcriado que ela sabia que
Alexia adorava.
David estava perfeito, com seu terno
alinhado e cabelos jogados para trás, ela sabia
muito bem para quem era aquela arrumação toda, e
ele tinha nome, Robert, pois ambos iam sair após o
recital. E como ela sabia? Na noite do retiro Sarah
sugerira a Robert que conversasse com David via
Skype, seu amigo estava um pouco nervoso e claro
que Sarah sugerira que ele tirasse a camisa, com
um tanquinho de fazer inveja David não resistiria.
— Mi você estava excitante — Ryan a dizia
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sorrindo em seguida acrescenta — Com todo


respeito David, amigão.
Como que vou esclarecer isso sobre David?
Ela deixaria aquele pensamento anotado
para mais tarde, agora enquanto seus amigos a
elogiavam, Sarah percorria seus olhos por todo
lugar em busca de uma pessoa em questão.
Será que ele foi embora? O simples pensar
daquela pergunta a deixava ressentida.
— Mi você estava linda — A voz calma de
David a tirava de seus devaneios.
— Obrigada rapazes.
David a entrega um buquê de rosas
vermelhas e, ela sorri ainda mais pegando de bom
grado e as deixando ao lado das muitas que ganhara
naquela noite.
— Mas sabe a parte que mais mexeu
comigo? — Ryan comentava para o grupo
enquanto ela dava rápidas olhadas para a entrada.
— Foi o final, onde no topo do penhasco, você
parou, olhou ao horizonte, e deu um leve sorriso,
como se acreditasse mesmo que aquilo era sua
única saída, como se visse algo bom à frente.
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Ela tosse para tentar disfarçar. Era melhor


que eles pensassem naquela parte como
interpretação mesmo.
— Quer um pouco de água, Mi? — David
se aproxima para que seu tom possa ser ouvido por
ela.
— Não. — Ela sorria agradecida — Estou
bem, David.
Ela não conseguia tirar seus olhos da
entrada do salão na espera que mais alguém entre
por aquela porta.
— Está esperando alguém? — Ryan a
perguntava.
— O que? Não. — Ela tentava disfarçar seu
nervosismo, mas o seu olhar denunciava o
contrário.
Após longos minutos torturantes de espera
ela avista sua figura alta vestida com um smoking
preto com gravata borboleta, seus cabelos
penteados para trás e com sua barba bem-feita. Era
impossível estar no mesmo lugar que ele e não
perceber sua presença marcante, e como já era de
esperar ela não fora a única a notá-lo. Um grupo de
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bailarinas do corpo estava não muito longe à


direita, e elas não tentaram disfarçar seus olhares.
Nem tentem. Não teriam chances.
Em suas mãos ele carregava um buquê e
suas flores a surpreenderam muito, eram peônias
brancas, suas flores favoritas. Como ele acertara?
Ela não conseguia deixar de encará-lo, suas pernas
haviam ganhado vida porque ela nem sequer
percebera que andava em sua direção, aquele
magnetismo que seus corpos possuíam estava mais
presente do que nunca e todos naquela sala
simplesmente haviam desaparecido.
Quando seus olhares se encontram ela
sente-se tocada por aquele par de cristais e quando
ele sorri a rotação da Terra parecia ter sucumbido
assim como o tempo. Ela queria muito que
estivessem sozinhos, com toda certeza já teria
corrido até ele e pulado em seu colo, pois sabia que
ele a seguraria. Ela o beijaria como nunca o havia
beijado.
— Você veio. — Dizia já em frente a ele.
— Eu disse que viria.
— Você está muito bonito.
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— Eu sei. — Ele sorria convencido


exibindo a covinha em sua bochecha.
Merda de covinha que eu adoro.
— Convencido! O que achou?
— Você estava esplêndida, nunca vi nada
tão bonito e cheio de sentimentos.
Ahh Ethan se você soubesse.
— Obrigada, todos estavam ótimos.
— Sim de fato, mas não como você, Sarah.
— Ele lhe estendia o buquê que carregava. — Para
a bailarina da noite.
— São as minhas flores favoritas — Ela as
pegava respirando um pouco do doce perfume. —
Como adivinhou?
— Eu apenas as vi na floricultura e lembrei-
me de você. — Ele dava de ombros — Na verdade
eu não sei explicar. Achei-as bonitas, delicadas e...
— Ele se aproxima um pouco e abaixa o tom. —
Sexy.
Deuses por que não estou sozinha com esse
homem aqui? Isso é alguma punição?
— Precisei ir a três floriculturas para
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encontrar algo especial.


— Não precisava, rosas estavam de bom
tamanho.
— Não. Precisava ser algo único, diferente,
assim como você. Flores dignas da bailarina da
noite.
Se havia algo que podia afirmar sobre
aquele momento era que aquele fora um em que
mais usou da sua compostura e força para não
beijar aquele homem na frente de toda aquela gente
e principalmente para não deixar escapar algum
elogio a ele que envolvesse uma palavrinha
pequena, mas com um significado enorme. Amor.
Quando estava prestes lhe dizer algo a voz
de seus amigos surge ao seu lado e a postura de seu
professor muda drasticamente.
— Senhor Collins? O que faz aqui? —
Alexia perguntava.
— O’Connor me convidou e eu vim
prestigiá-la. — Dizia de sua maneira séria
costumeira, mas com aquele toque sedutor que
somente ele, com suas grosserias e palavras
atravessadas, conseguia ter. Talvez estivesse
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ficando louca. Apaixonadamente louca.


Estou ferrada.
— O senhor trouxe flores? — Era a vez de
Ryan dizer com total surpresa na voz.
— É costume após uma apresentação o
cavalheiro presentear a atriz, cantora ou dançarina
após seu espetáculo com um buquê de flores. —
Dizia de maneira divertidamente didática — E você
saberia disso se não estivesse ocupado bebendo e
praticando arte abstrata no carro de outras pessoas.
Sarah segura fortemente sua risada ao notar
o constrangimento de Ryan diante aquele
comentário. Ethan não perdia a oportunidade de
alfinetar seu amigo.
Ela não percebia, mas Alexia que se
mantinha quieta durante toda a conversa e
observava tudo o que acontecia ali.
Enquanto Ryan procurava algo a dizer e
Sarah quase se contorcia com a vontade de rir, seu
professor tira de seu bolso um relógio de aparência
antiga e olha as horas.
Só pode ser brincadeira, não basta ele estar
parecido com o próprio senhor Darcy ele ainda
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carrega um relógio de bolso antigo? Pelos deuses.


Ela pensava tentando segurar seu desejo de pegá-lo
pelo braço e arrasta-lo até o fundo do teatro. Ele
não havia brincado quando dissera que iria de
gravata borboleta e um relógio de bolso.
— Muito obrigado pelo convite, mas acho
que vou indo. — Aquilo a deixa desapontada. —
Amanhã preciso acordar cedo. Boa noite a todos e
nos vemos amanhã O’Connor. Sem atrasos. — Ela
já conseguia decifrar seus olhares e o que ele lhe
oferece é caloroso e quase podia vê-lo dando uma
piscadela.
— Sim senhor — Ela sorria.
Ethan acena para seus amigos e parte a
deixando ali com um desejo de nunca o ter deixado
ir embora.
Quando finalmente ela chega em casa, a
sensação de formigamento em suas mãos ainda não
havia passado. Sabia que devia estar pálida, podia
sentir, porém graças a maquiagem que ainda usava
disfarçava bem, o que era bom, não queria
preocupar sua amiga com bobagens. E com certeza
aquilo não passava disso, uma bobagem, sabia que
logo iria passar, só precisava descansar. Tudo o que
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Sarah queria era tirar aquela roupa apertada, tomar


um banho e se jogar em sua cama, mas Alexia tinha
outros planos em mente. Ela havia dispensado
Ryan aquela noite e Sarah havia estranhado já que
ela nunca o fazia.
— Você está apaixonada pelo seu
professor? — Aquela foi a primeira pergunta que
lhe fizera assim que passaram pela porta do
apartamento que dividiam.
— O que? De onde tirou essa ideia absurda?
— Ela tentava mascarar seu nervosismo.
— Sarah Mirna O’Connor, eu vi o jeito
como você olhava para ele. Quer dizer o cara mais
temido da faculdade inteira foi ao seu recital e te
trouxe flores. — Ela apontava para o buquê que
Sarah segurava. — Que por sinal são as suas
favoritas. Logo o senhor Collins? O Cérbero?
Desde quando ele se importa tanto assim com um
dos seus alunos?
— Eu... Eu... — Droga sem gaguejar! Ela
pensava — Eu o convidei e ele foi apenas gentil em
me trazer flores, ele seguiu o costume você ouviu a
explicação.

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— Gentil e Senhor Collins são palavras que


não combinam em uma frase, Mirna.
— Lexi, você não o conhece como eu, tá
legal? — Ela estava começando a ficar irritada —
Eu convivo com ele todos os dias, eu sei que ele
pode ser difícil... E... — Está ficando quente aqui
ou sou apenas eu? Pensava enquanto sua mão
massageava sua testa levemente suada.
— Olha, eu entendo, ele é bonito, ok?
Bem... Gostoso, na verdade. E é um clichê você ter
paixonites por seu professor gato. Até mesmo eu já
tive, mas se apaixonar? E ele parece gostar de você
também, ele te olhava diferente e até mesmo falava
diferente com você. Tem noção do quanto isso é
ruim?
— Por quê? Por que isso é tão ruim? — Ela
não conseguia evitar sua pergunta se exaltando,
estava cansada daquela conversa.
— Por quê?! — Gesticulava nervosa —
Meu Deus Mi, ele é seu professor, se mesmo um
boato de que vocês estão envolvidos de outra forma
surgir ele pode perder o emprego, ser preso por
assédio, ou sei lá mais o que, e você seria suspensa
na melhor das hipóteses e na pior seria expulsa, a
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política da faculdade é severa quanto a isso.


Ela suspirava, seu corpo estava totalmente
rígido e ela sabia que Alexia tinha razão. Sua
cabeça agora latejava.
— Lexi, eu garanto que não estou
apaixonada por ele, nós somos amigos e ele me
atura. Só isso, ok?
Sarah estava sentido que o ar estava
rarefeito, sua visão estava ficando turva ela quase
não focava no rosto da amiga, e o formigamento
agora subia para seus braços.
— Tudo bem Mi, se você diz... — Via que
não estava cem por cento convencida.
— Vou subir estou morta, você vem?
— Depois, eu só vou tomar um copo de
água.
Ela se despede e com dificuldade sobe as
escadas até seu quarto. Antes mesmo que ela se
jogue na cama sente um forte enjoo o que a faz
colocar a mão na boca para evitar sujar seu carpete,
correndo para o banheiro Sarah vomita tudo o que
havia comido durante o dia, estava suando frio e
zonza. O formigamento agora estava mais intenso e
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com as mãos começa a massagear os braços.


Aquilo geralmente acontecia quando o esforço era
demasiado e não tomava seu medicamento, mas o
estranho de tudo era que se lembrava de tê-los
tomado.
A dor em seu peito a atingi pegando-a de
surpresa e arrancando um gemido de dor.
Só preciso descansar, só preciso... Seus
pensamentos são interrompidos com mais uma
crise de vômitos o que deixou sua garganta seca.
Quando ela ergue sua mão para limpar o canto de
sua boca sente algo quente descer por seu nariz. E
quando toca um líquido avermelhado suja seus
dedos trêmulos.
Ela se levanta e vai até o espelho, sua cara
não era uma das melhores, estava pálida apesar da
maquiagem, seu nariz estava sujo e sua boca
levemente arroxeada. A dor no peito era como
agulhas em seu corpo. Desfaz-se de seu coque
perfeito e tira suas roupas, entra embaixo do
chuveiro ligado e joga um pouco de água morna em
seu corpo cansado.
Com passos arrastados ela alcança sua cama
e deita-se sobre os lençóis. A dor em seu peito
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ainda era forte, parecia que ia explodir. Estendendo


a mão encontra a gaveta de seu criado mudo e de lá
pega outro comprimido o ingerindo sem o auxilio
de nenhum líquido. Não queria preocupar sua
amiga, acreditava que só precisava de mais uma
dose de seu medicamento e relaxar.
Sabia dos riscos quando aceitou participar
do recital, até mesmo por que seu médico não lhe
cansava de repetir a lista toda vez que ia ao seu
consultório, mesmo havendo jurado que seria a
última vez. Mas agora ali deitada com sua
respiração ofegante via que havia algo errado,
talvez tivesse forçado demais.

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“É preciso exigir de cada um o que cada


um pode dar.”
O pequeno príncipe
Saint-Exupéry

No final de semana seguinte ao recital.


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Alexia ajeitava melhor a gola do casaco vinho que


ia até a altura de seus joelhos e que escondia um
belo vestido azul marinho que colava ao seu corpo.
A cada passo que dava tentava se equilibrar nos
saltos agulha naquela calçada de paralelepípedo. A
noite estava fria e ela se encolhia mais em direção
ao corpo do namorado.
Ryan a acompanhava ao seu lado abraçado
em sua cintura fina enquanto lhe contava uma
história divertida sobre quando ele e alguns amigos
colocaram fogo em todos os rolos de papel
higiênico de uma das escolas que estudara quando
tinha 14 anos e que somente não lhe causara sua
expulsão por que seu pai dera um jeito para
amenizar a situação.
Leicester Square estava como sempre,
lotada. Uma das praças mais vivas de Londres e
que possuía dezenas de atividades, para os amantes
da vida noturna, ao redor. Ryan a guiava pela
multidão, a estava levando para um novo pub que
inaugurara não muito longe dali e que diziam ter a
melhor piña colada de toda Inglaterra.
Eles passavam pela estátua de William
Shakespeare que havia no centro da praça, e seus
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pensamentos logo vão para sua amiga. Mais um


final de semana em que ela iria se esconder na casa
de David. Alexia acordara naquela manhã e
encontrara sua amiga saindo com uma mochila nas
costas e um sorriso de orelha a orelha no rosto.
Notara que estava um pouco pálida, mas após
várias perguntas ela lhe garantira que estava tudo
bem antes de fechar a porta e dizer que voltaria no
domingo a noite.
Então ao saber da notícia de que o final de
semana estaria livre para eles, Ryan decidira
nomeá-lo de “Fim de semana da sacanagem” e
segundo ele iria mostrar várias coisas que ela ainda
poderia se considerar virgem.
O pub “The viper” possuía uma fachada
escura e um luminoso com uma grande cobra com a
boca aberta dando bote em uma maçã. No interior
do prédio eles são acolhidos pelo calor, fazendo-a
instantaneamente retirar o casaco. O ambiente era
acolhedor com uma música lenta ao fundo e com
uma iluminação baixa e algumas luzes verdes,
vermelhas e roxas colocadas em locais específicos
e que davam um ar de luxuria e pecado.
─ Seria estranho eu dizer que esse lugar é
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excitante? ─ Escutava Ryan lhe perguntar próximo


ao seu ouvido.
Não mesmo.
Ele coloca a mão na base de suas costas e a
dirige no meio dos corpos aglomerados.
Quando encontram uma região com um
perímetro seguro em que possam ficar sem que
corram o risco de esbarrar em alguém, eles olham
ao redor em busca, quase que por um milagre, por
um lugar para sentar, é então que bem ao fundo em
um canto quase que escondido, o que ela imaginava
ter sido escolhido propositalmente, ela vê alguém
muito familiar.
─ Ryan? ─ O puxava pela camisa jeans. ─
Aquele não é o David? ─ Seus olhos seguem para a
região que ela apontava.
Seu namorado aperta os olhos o deixando
em fendas.
─ Parece ser.
─ Será que a Mi voltou mais cedo?
─ Lex. Tem um cara fungando no pescoço
dele ou é impressão minha? ─ Sua testa criava um

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vinco.
Quando ela olha melhor percebe que David
não estava sozinho, um homem estava ao seu lado
em uma mesa e que não somente fungava em seu
pescoço como agora também o beijava.
─ Aquele é o Bob? ─ Escutava Ryan dizer.
─ Você o conhece?
─ Ele é aluno lá do estúdio, se apresentou
no recital com a Mi. Conversei com ele algumas
vezes.
Agora o suposto Bob pegava a mão de
David sobre a mesa enquanto falava próximo ao
seu ouvido.
Aquele desgraçado está traindo a minha
melhor amiga. Não dá para confiar nos caras que
tem a cara de bom moço.
─ Tem algo errado, Lex. ─ Ambos
assistiam a cena como a um reality show. ─ Se
David está aqui, onde está a Mi?
─ É o que vamos descobrir agora mesmo,
ursinho. ─ Ela pegava sua mão e decidida e um
pouco irritada com a ideia de que sua amiga esteja

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sendo feita de trouxa ela segue até onde David


estava sentado.
Antes que eles possam se aproximar para
serem notados, David se levanta e segue em direção
aos banheiros, deixando sua companhia sozinha
com um copo enfeitado de alguma bebida.
─ Oi. ─ Ela o cumprimenta que surpreso
pela aproximação apenas sorri ─ Somos amigos da
Mi e do David. ─ Ela apontava em direção em que
o traidor saíra.
─ Oi. ─ Ele diz animado, mas sorri um
pouco mais relaxado ao reconhecer o cara ao lado
dela ─ Oi Ryan. ─ Seu sorriso aumentava. ─ Sua
namorada?
─ Oi Bob. Sim essa é Alexia. ─ Bob
oferece a mão a ela ─ Estava ótimo no recital na
segunda-feira. Você era o corvo, não é mesmo?
─ Sim eu era. Muito obrigado.
Alexia não podia mais suportar aquele papo
furado, queria respostas.
─ Desculpe a pergunta, mas o que você e
David estão fazendo aqui?

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─ Eu o convidei. ─ Se ele notou a irritação


na voz dela parecera não se importar ─ Vim aqui
na semana passada porque me disseram que tinha a
melhor piña colada de toda Inglaterra.
─ Viu só. ─ Ryan dizia a Alexia antes de
encarar Bob mais uma vez ─ Eu ouvi a mesma
coisa.
─ Cara. É magnífica.
─ Você sabe por acaso onde a Mi está? ─
Mais uma vez interrompia a conversa dos dois.
─ Ahh... Eu não sei. ─ Bob dava de
ombros.
─ Porque David não está com ela?
─ Eu não sei. ─ Ele franzia o cenho ─ Por
que ele estaria?
─ Porque eles estão juntos, então achei...
─ Espera. ─ Ele interrompia. ─ David está
saindo com a Mi?
─ Sim. Há quase cinco meses.
Bob passa a mão nos cabelos coçando o
queixo em seguida.

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─ Engraçado. Ele me disse que ela está


meio que saindo com o irmão dele.
Ela arregala os olhos. Que merda é essa?
De onde surgiu um novo elemento nessa história?
─ Irmão? Que irmão?
─ O irmão do David. Não me lembro do
nome dele agora, mas ele tem um irmão mais
velho. ─ Ele levava a bebida aos lábios.
─ Não estou entendendo mais nada. ─ Ela o
olhava confusa.
─ Bem-vinda ao clube, minha ursinha.
Ambos fitavam Bob com a boca aberta
enquanto tentavam encaixar as peças dos quebra
cabeças, e ele se mexia um pouco desconfortável
no assento com a situação. Sem que notem, David
retorna a mesa.
─ Bob você pediu minha bebi... ─ Ele
deixava a frase morrer quando tem três pares de
olhos sobre ele.
─ Oi David. ─ Alexia sorri cinicamente.
─ Ahh... Ahh... ─ Ele gaguejava e em sua
cara a palavra “merda” podia ser lida ─ Oi gente. ─
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Ele engolia em seco ─ Não sabia que vocês vinham


para esse lado da cidade.
Constrangido ele lentamente se senta ao
lado de sua, anteriormente, única companhia.
─ David. Você está saindo com a Mi? ─
Bob o perguntava virando o corpo em sua direção.
─ Que história é essa da Mi estar saindo
com o seu irmão? Porque nunca falaram sobre isso?
Seu irmão estuda na universidade?
Ela descarregava uma pergunta atrás da
outra enquanto puxava a cadeira irritada e sentava-
se a sua frente.
─ Alguém pode me explicar que merda está
acontecendo aqui? ─ Elevava um pouco a voz
diante o silêncio do interrogado.
Não podia acreditar que sua melhor amiga
estava escondendo coisas dela, e ainda mentindo
com quem vinha se encontrando. Aquilo tudo não
podia ser verdade, tinha que haver alguma
explicação lógica para toda aquela insanidade, ou
senão ela deveria estar sonhando, na verdade em
um pesadelo. Acreditava que Sarah era a traída da
história quando na verdade era ela.
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─ Calma Lexi. Uma pergunta de cada vez.


─ David lhe dizia com as mãos para o alto.
─ Tudo bem. Vamos começar por uma
pergunta bem simples. ─ Podia vê-lo segurar as
mãos trêmulas ─ Por que mentiram sobre estarem
juntos? Não acho depois do que eu vi aqui... ─ Ela
apontava para os dois a sua frente ─ Que você
realmente goste dela ou de qualquer pessoa do sexo
feminino.
─ Primeiro. ─ David começa ─ Nós não
mentimos que estávamos juntos, nunca dissemos
isso, foram vocês que presumiram. ─ Apontava pra
ela e Ryan ─ Mi sempre disse que éramos amigos e
vocês que tiraram a conclusão errada. Segundo. ─
Ele enumerava com os dedos da mão direita ─ Eu
saio com a Mi, Bob, mas não do jeito que você
imagina. Terceiro. Eu sou gay.
─ Preciso de uma bebida. ─ Ela dizia
encarando tudo perplexa.
Ryan faz sinal para o garçom.
─ Traz uma garrafa de tequila. Nós
merecemos.
─ Quarto. ─ David continuava ─ Bob e eu
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estamos saindo e sim... ─ Suspira derrotado e


aparentava culpado, como se tivesse traído alguém
por revelar algum segredo ─ a Mi está se
encontrando com meu... ─ Ele hesitava ─ Irmão.
─ Por que vocês nunca falaram sobre isso?
─ Ela não sabia que ele era meu irmão no
começo. Nós apenas não achamos importante ele
ser ou não, e quando a história que na cabeça de
vocês faz sentido sobre mim e Mi juntos, acredito
que ela tenha ficado sem jeito de desmentir e nós
meio que deixamos quieto porque meu irmão ele
é... é...
─ Ele é? ─ Ryan o encorajava.
─ Ele é meio que uma figura pública.
─ O que isso quer dizer? ─ Ela perguntava
─ Ele é famoso?
─ Ahh... Digamos que ele tem uma fama
considerável. ─ David dizia com cautela ─ Então
ele prefere a discrição, é um homem mais
reservado, e não gosta muito de chamar a atenção
para sua vida pessoal.
─ Seu irmão tem nome? ─ Estava decidida
que David não escaparia dali sem lhe contar tudo.
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─ Ahh... Claro. ─ Ele ria nervoso ─ Todo


mundo tem nome. ─ Desabotoa o primeiro botão da
camisa que usava afrouxando a gola, podia ver que
ele suava.
Antes que ela o pegue pelo o colarinho e o
chacoalhe para que diga logo e acabe com aquele
suspense, uma voz familiar à chama, com aquele
timbre excessivamente meloso que era sua marca
registrada.
─ Lexi? Nossa. Quanto tempo.
Só me faltava essa? Pensa antes de virar,
com um sorriso forçado no rosto, e encarar a loira
que estava em pé ao seu lado.
─ Camille? Oi.
No mesmo instante, Ryan se ergue passando
seu braço por sobre Alexia para cumprimentar a
recém-chegada.
─ Oi Camille. Que bom ver você. ─ Ele
pegava a mão dela ─ Ótimo ver como esse lugar
anda muito bem frequentado.
Conhecia muito bem o namorado, poderia
sentir seu sarcasmo a quilômetros. Sabia o quanto
ele não gostava de Camille. Quando ela começara a
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jogar do outro lado abandonara por completo a sua


vida de sair com mulheres, o que implicava em ter
que cortar as conversas que Camille vinha a ter
com ela no campus e até mesmo ignorar suas
ligações, essas muitas vezes noturnas.
─ Mas se nos der licença eu e minha
namorada... ─ Ele frisava a última ─ estamos
resolvendo um assunto importante aqui, então,
tchau. A saída é ali. ─ Ele apontava para a porta da
frente.
─ Namorada? ─ A loira ressaltava cruzando
os braços na frente do peito evidenciando ainda
mais aquelas belezas fazendo-os quase saltarem
pelo seu decote. ─ Acho que não ouvi direito.
─ Ouviu muito bem. Ela encontrou algo
muito mais excitante.
A loira sorri de lado e o ignora.
─ Tem algumas coisas suas no meu
apartamento. O dia que você quiser aparecer lá para
pegar, vou adorar te receber. ─ Ela pegava uma
mecha de cabelo e a coloca atrás da orelha de
Alexia.
─ Também serei bem recebido? ─ Ryan
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dizia exasperado.
─ Acho que sua namorada prefere ir
sozinha. Como nos velhos tempos. ─ Ela piscava o
provocando.
Alexia sente dedos escorrerem de seus
cabelos e tocarem suavemente seu pescoço e ela
estremece por receber aquele tipo de contato em
público e ainda com os olhares de pessoas que não
sabiam sobre seu histórico com garotas.
─ Qual o seu problema, Camille? ─ Ryan
afastava a mão da loira se levantando rapidamente
─ Está difícil de entender? Quer que eu desenhe?
─ Quanto tempo vai levar até ela perceber
do que realmente gosta? ─ Camille o enfrentava.
─ Ela começou a sair comigo exatamente
por que descobriu do que realmente gosta.
─ É mesmo? ─ Ela sorria em deboche ─
Você foi o primeiro cara dela, é só fogo de palha,
sempre passa. É como aquelas paixonites da época
da escola. E quando isso acontecer, eu estarei aqui.
Ele cerra os punhos e seu maxilar se trinca,
suas mãos tremiam e a olhava com raiva, a veia na
lateral de seu pescoço se salta e Alexia via o quanto
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ele se segurava para não fazer besteira, mas sabia


muito bem o que aconteceria se por acaso Camille
fosse um cara.
─ Vocês querem parar com isso. ─ Alexia
se levanta colocando-se entre eles ─ Acho que é
hora de você ir embora, Camille. ─ A fitava séria.
─ Deve ser difícil pra você saber que sua
namorada mora com a mulher por quem é
apaixonada. ─ A loira continuava.
─ Acha que eu não sabia que ela era
apaixonada pela Mi? ─ Ele rebatia.
─ Camille. ─ Alexia dizia com firmeza ─
Sério. Vá embora. Eu estou com o Ryan agora, e
entregue minhas coisas que estão com você no
campus.
─ Era ou é? ─ Ela se dirige a Ryan.
Sorrindo triunfante por ter plantado a
semente da dúvida em Ryan, Camille se afasta
sumindo na multidão.
Ela coloca as palmas no peito do namorado
que seguia a loira com o olhar enfurecido. Quando
ele se convence de que ela estava a uma distância
segura seus ombros relaxam, mas suas feições dão
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lugar para algo que ela detectara como sendo,


mágoa. Se desvencilhando dela ele parte em
direção ao banheiro.
─ Merda. ─ Jogava seu corpo na cadeira.
─ Ela sabe? ─ A voz de David a despertava,
havia se esquecido de que a cena que ocorrera tinha
plateia de camarote.
Ela apenas nega com a cabeça.
─ Ryan ficou puto, não duvido nada que se
Camille fosse homem, teria levado uma surra dele.
─ Eu sempre fui segura com minha
sexualidade, David. ─ Suspirava ─ Sempre tive
certeza de que eu tinha que ficar com mulheres,
mas então eu conheci o Ryan e... Tudo ficou
diferente.
─ Lexi. Eu fiquei com garotas até meus 17
anos, também acreditava que aquilo era para mim,
mas então um dia eu fui beijado a força por outro
cara e também tudo o que eu achava certo mudou.
─ Eu me apaixonei pela Mi assim que a
conheci, ela é tão diferente. Eu me encantei pelo
jeito dela, mas Ryan me faz feliz também, ele me
encantou da mesma maneira.
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Quando estava com Ryan, ele a fazia se


esquecer de que um dia tivera um passado ruim
com um homem em particular, fazia se esquecer do
quanto se sentia desajustada por não estar com uma
mulher a beijando, quando estava com ele, ele era
tudo no que pensava, era tudo o que respirava, mas
havia aqueles momentos, que tinha vergonha de
admitir a si, em que sozinha em seu quarto os
sentimentos passados sempre encontravam uma
maneira de se infiltrar pelas barreiras e vir à tona.
Ela se lembrava de como se sentia quando era
somente ela e Sarah, das coisas que faziam juntas e
de como era gostar dela em silêncio, e quando isso
acontecia, ela sempre recorria a Ryan, ligava para
ele ou lhe enviava mensagens, para tentar afastar
aquelas sensações, pois não achava justo com ele.
Mas era nesses momentos de solidão em
que podia sentir que os sentimentos por sua amiga
ainda não haviam ido embora por completo,
estavam sempre ali à espreita, aguardando um
deslize dela.
─ Lexi. ─ David apoia os cotovelos na
mesa ─ Você gosta ou ama o Ryan?
Aquela pergunta a pega de surpresa. Não
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sabia o que responder. Como reconhecer aquilo?


Como que alguém que nunca admitira amar alguém
poderia saber como era? Sabia que gostar, amar e
paixão eram coisas completamente diferentes, mas
como alguém que não sabia se já o sentira poderia
responder a algo como aquilo assim tão de repente?
Havia Trevor, mas ele não contava, pois
chegara à conclusão que ele fora apenas uma
paixão da época da escola e uma completa falta de
bom senso do seu cérebro e coração. Havia Sarah e
agora Ryan. Como saber como classifica-los?
Decidida em concertar o que quer que tenha
quebrado no interior de Ryan e também para fugir
daquela pergunta tenebrosa, Alexia se levanta de
repente e marcha até o banheiro masculino. Ao
chegar ela solta um longo suspiro e bate na porta.
─ Ursinho, por favor, me deixa entrar. ─
Suplicava.
─ Por que você está aqui? ─ Podia sentir
pelo timbre de sua voz que ele a questionava não
somente por estar batendo na porta.
─ Por que você é meu namorado, vamos sai
daí.

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─ Não.
─ Ok. Se você não sai, eu entro. ─ Sem
resposta imediata dele ela força a porta e entra
fechando-a a trás de si.
Ryan estava sentado no vaso com a tampa
abaixada e a cabeça apoiada nas mãos sobre os
joelhos.
─ Ryan... ─ Ela se aproximava dele ficando
de joelhos entre suas pernas o forçando a encarar
seus olhos amendoados ─ Você sabe que ela só
disse aquilo para te irritar.
Ele continuava em silêncio e aquilo não
podia significar algo bom.
─ Não dê importância, eu estou com você.
─ Está mesmo ou vai me deixar na primeira
oportunidade que tiver com uma garota?
Alexia não podia culpá-lo pela sua dúvida,
ele, mais do que qualquer outra pessoa em sua vida,
a conhecia, sabia de seu passado com as mulheres e
principalmente sobre seus sentimentos por Sarah, e
aquela cena que Camille fizera, de propósito, só
servira para trazer tudo aquilo à tona, mas ele sabia
exatamente onde estava se metendo quando tudo
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começou, não é mesmo?


─ Você sempre soube do meu passado e
que por um longo tempo achei que seria meu
presente e futuro ─ Ela suspirava, os olhos azuis
dele a questionavam.
─ Eu sei é só que... E se você se arrepender,
um dia acordar e perceber que gosta e quer ficar
novamente com mulheres, Lex? E se eu não passar
de uma experiência ou distração?
Ryan Davis estava se sentindo inseguro?
Por um longo tempo ela fica em silêncio,
sabia que ele era bem mais do isso para ela. A
pergunta de David ressurgia em sua mente. Será
que ela o amava? Será que ele a amava? O que
sentia realmente por seu namorado? Aquelas
dúvidas estavam zumbindo em seu cérebro como
abelhas em volta de uma grande colmeia. Ela podia
não saber o que sentia, mas tinha absoluta certeza
de que não queria que o que eles compartilhavam
acabasse.
Alexia leva suas mãos até sua bolsa e tira de
lá algo que comprara naquela tarde ao passar por
uma loja e o imaginar usando.

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─ Eu vi isso em uma vitrine e achei que...


Talvez... Você fosse gostar.
Ela tira de lá um pequeno pacote de
embrulho cinza e o entrega.
Surpreso ele desata o laço e um sorriso
substitui sua expressão antes aborrecida. Uma
corrente masculina fina de prata com um pequeno
pingente oval estava em sua palma, ele passa seu
polegar sobre a letra “A” delicadamente gravada.
Quando ele a fita, ela retira de dentro da gola do
vestido uma corrente similar, mostrando seu
pingente com a letra “R”. Ela tira a peça da mão
dele e a coloca em volta do seu pescoço.
─ Para todo mundo saber com quem você
está.
─ É algum tipo de coleira, Lex? ─ Ele a
provocava com um sorriso de lado.
─ Vamos dizer que é um enfeite para o
pescoço que possuí uma pequena placa de
identificação. ─ Sorria faceira ─ Aquelas placas
que informam para quem ligar caso você se perca.
O sorriso que ele lhe oferece é diferente
daqueles que estava acostumada, era verdadeiro,
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sem malícia ou deboche.


─ Obrigado, Lex, eu adorei.
─ Não liga para a Camille, ─ Ela enfiava os
dedos em seus cabelos loiros e lisos o acariciando
─ ela apenas está com raiva, porque agora eu estou
com você, Ryan. Ela conseguiu o que queria, deixar
você com dúvidas, não a deixe vencer.
─ Eu nunca senti tanta raiva na minha vida.
─ Seu timbre voltava a ficar parecido com o que
ela adorava ─ Da próxima vez eu vou esquecer que
ela é mulher e vou socar a cara dela.
Ela não aguenta aquele comentário e ri,
sendo logo acompanhada por ele, o clima estranho
havia passado e quaisquer dúvidas de ambos
haviam se dissipado, Ryan possuía essa habilidade
de “quebrar o gelo” sempre, ele deixava tudo mais
leve e simples, como se para ele a vida fosse
daquela maneira, não havia como não ser afetada
também. Ryan era do tipo de cara que a fazia
esquecer-se de todos os seus problemas e ela
adorava aquilo, aquela sensação.
Ela se inclina em sua direção e o beija, lento
e exploratório. Podia sentir as mãos dele descerem

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por sua cintura e apertarem suas nádegas a fazendo


soltar um gemido baixo entre seus lábios sempre
mais atrevidos que os dela. Ryan a erguia do chão
conforme o beijo evoluía para algo urgente,
envolvendo suas pernas em sua cintura e
encostando-a na porta por onde ela entrara.
Seu vestido agora subira totalmente
enrolando-se em sua cintura e revelando sua
calcinha vermelha. Ela ergue sua camisa com
movimentos rápidos tocando seu abdômen rígido e
deslizando seus dedos para dentro para senti-lo
mais, sua pele estava em brasa e sua pélvis a
pressionava mais a fazendo sentir o tamanho de seu
desejo.
─ Lex... ─ Ele gemia baixinho em seu
ouvido ─ O que acha de começar o nosso “final de
semana da sacanagem” agora?
Aquilo só a fez ficar ainda mais excitada, o
fogo, que sempre a invadia quando ele a chamava
por um apelido que era apenas dele, começa a se
espalhar tomando conta de suas atitudes, e como
primeiro ato ela retira por completo aquela
camiseta que a seu ver apenas atrapalhava.
As mãos dele exploravam a pele sensível
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por sobre a frente de sua calcinha que se encontrava


úmida indicando que ela estava pronta.
─ Anda logo antes que alguém apareça. ─
Ela lhe dizia.
Ele a coloca rapidamente no chão retirando
sua calcinha enquanto ela desabotoava
desajeitadamente os botões de sua calça a deixando
até a altura de seus joelhos. Com uma das mãos
Ryan massageia o seio exposto dela.
─ Porra! Eu amo tanto seus seios. ─ Dizia a
erguendo novamente. ─ Você trouxe camisinha? ─
Perguntava na curva do seu pescoço.
─ Ah... Não. E você?
─ Deixei todas no seu quarto, não passou
pela minha cabeça que a gente transaria aqui. ─
Afastava o rosto para fitá-la.
Escutava xingamentos e palavrões vindos
de seu namorado por não ter deixado apenas uma
em sua carteira, mas ela, sinceramente, não
conseguia pensar em mais nada além do prazer que
ele a geraria ali, sem nada para impedir a ligação
completa entre eles, queria senti-lo sem barreiras,
estava tão cheia de desejo que a ideia de transar em
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um local público com ele lhe gerava que não se


importava com mais nada.
─ Você consegue segurar? ─ A pergunta
lhe escapava e Ryan a fita com surpresa.
─ Ahh... Ahh... Eu não sei. Eu não nunca
precisei.
─ Então agora vamos testar seu
autocontrole. ─ Ela levava suas mãos ao membro
rígido dele e o coloca para fora da cueca
encarando-o com desejo.
─ Tem certeza disso? ─ Ela sentia a ponta
dele pressionar sua região baixa, podia sentir que
ficava mais úmida com a expectativa de tê-lo por
completo.
─ Sim. ─ Dizia convicta.
Com um movimento rápido de seu quadril
ele se insere nela. Alexia mordia seu ombro nu para
abafar seus gemidos altos que se formavam no
fundo de sua garganta, enquanto ele a estocava com
precisão. Ela passeava suas mãos pelos músculos
de suas costas que se flexionavam cada vez que ele
entrava com mais força nela.
─ Puta merda, Lex, você é tão gostosa.
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Ela sentia que estava chegando perto de seu


ápice, ele a invadia com tanto vigor que a porta da
qual ela estava encostada começara a ranger.
─ Ryan, vão nos ouvir.
─ Foda-se, eu preciso terminar isso aqui, e
estou com tanto tesão que não consigo ir mais
devagar.
Os gemidos de ambos se misturavam assim
como o suor de seus corpos quentes e excitados.
Ryan apertava as mãos nas coxas dela a fazendo se
apertar em volta do seu membro o trazendo para si
cada vez mais até ela atingir o melhor orgasmo que
tivera. Ele a beija com força para abafar o grito que
ela não conseguiu conter. Ele se afasta com pressa
retirando-se dela e a colocando no chão, quando
Lexia olha para baixo vê um pouco do liquido
quente dele em sua coxa, mas ao analisar melhor a
grande maioria do que ele despejara nela escorria
do interior de suas pernas. Ele se retirara tarde
demais.
Um pouco suados e ofegantes eles
encaravam-se com a certeza de que aquilo não
deveria ter acontecido.

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─ Acho que não passei no teste de


autocontrole.
─ Eu vou tomar a pílula assim que formos
para casa. ─ Ela o assegura.
─ Me desculpe Lex, eu não queria. Eu fiz
merda.
─ Tudo bem ursinho. ─ Ela diz após se
limpar e vestir assim como ele. ─ Não se preocupe
com isso, ok? ─ Se aproximava e deposita um beijo
em seus lábios para tranquiliza-lo. ─ É só tomar
dois comprimidos e tudo resolvido. ─ Sorria o
encorajando ─ Vem. Precisamos voltar para a
mesa.
Ele concorda enquanto destranca a porta.
Ao saírem um homem de meia idade que aguardava
para usar os encarava com ar de repreensão e claro
que Ryan leva aquilo como brincadeira e a puxando
para perto sorri debochadamente e diz:
─ Todo seu amigão! Estávamos apenas
discutindo a relação se é que me entende. ─ Com
uma piscadela sedutora ele a puxa para longe e
ambos seguem sorridentes para a mesa.
Quando retornam ao local onde estavam,
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David e Bob se entreolham e os encaram com um


olhar divertido e sorriso no rosto.
─ O que? ─ Ela perguntava sem entender a
troca de olhares faceiros entre eles.
─ Não acredito que vocês transaram no
banheiro.
Aquilo a deixa completamente constrangida
e uma cor rubra que surge em suas bochechas
denunciava que o que David acabara de dizer era
verdade. Ryan parecia não se importar sentando
totalmente relaxado e a puxando para perto.
─ Não... Não transamos só conversamos ─
Ela mentia.
─ Ahh qual é?! ─ David continuava a
encarando divertido ─ Você está com cara de sexo.
Está com os cabelos desarrumados, vestido
desalinhado, olhar relaxado e seu rosto está
vermelho, ou seja, vocês transaram.
Antes mesmo que ela responda escuta Ryan
dizer:
─ Só uma rapidinha de reconciliação.
Se antes suas bochechas estavam vermelhas

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com certeza agora depois daquele comentário ela


passou a ser uma cor totalmente nova, mais
próxima do roxo.
─ Gente vocês podem, por favor, parar de
falar sobre minha vida sexual? ─ Ela comentava
sem jeito arrancando de todos uma gargalhada. ─
David sobre o seu irmão...
A risada de seu amigo cessa quase que
imediatamente, ele a encarava em um misto de
culpa e nervosismo por ela voltar aquele assunto.
Não entendia o porquê era tão difícil para ele falar
sobre o irmão mais velho.
Será que ele é tão famoso assim? E se ele
for um maluco ou algum viciado?
─ Quer saber não precisa me contar nada eu
vou tirar isso a limpo direto da fonte. ─ Ela sacava
seu celular e clica no contato da melhor amiga.
Ela precisava esclarecer tudo com Sarah,
precisava saber por que escondera com quem saía
esse tempo todo e principalmente porque logo dela.
Melhores amigas jamais deveriam ter segredos.
Exceto quando se está apaixonada por sua melhor
amiga ou estava.

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Com um sinal de que já voltava ela sai do


bar para o ar frio de Londres. O celular chama e no
terceiro toque uma voz manhosa e um pouco
ofegante atende.
─ Alô.
─ Porque não me contou que tem saído com
o irmão do David? ─ Perguntava irritada, sentia-se
traída.
─ Lexi... Eu... ─ Sarah parecia nervosa, mas
Alexia estava magoada demais por ela não
compartilhar aquilo que não se importou.
─ Porque não me contou? Achei que fosse
sua melhor amiga. Você está enfim seguindo em
frente e justo para mim você decide não contar? O
que achou que aconteceria? Que eu não ficaria
feliz? ─ Perguntava com raiva. Podia escutar que
ela estava acompanhada e que pedia para sua
companhia misteriosa parar seja lá o que estivesse
fazendo.
─ Lexi é tudo muito novo, com ele é
diferente e eu não contei por que... Por que... ─
Alexia a interrompe.
─ David me disse que ele era famoso, não
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é? Gosta da privacidade? Ótimo, mas você sabe que


eu não contaria a ninguém. Pouco me importa
quem ele seja Sarah, só achei que como é
importante para você que me contaria algo assim...
─ Agora sua voz continha mágoa.
─ Me desculpe Lexi, você tem toda razão,
eu... Deveria ter te contado tudo desde o início, mas
tudo aconteceu tão rápido e inesperado que não
soube reagir a primeiro instante.
Escuta sua amiga cochichar algo dizendo a
sua companhia que já voltava e logo escuta uma
porta bater.
─ Ele me fez superar meus medos. ─ Ela
lhe confidencia.
─ Medos? Do que você está falando? Do
carro?
─ Sim..., mas não foi só isso, eu... ─ Ela
fazia uma pausa ─ Sinto que ele me entende.
Seria hipocrisia ela recriminar sua amiga
por possuir segredos e uma vida secreta, afinal ela
fizera isso durante todos esses anos que a conhecia,
vivendo em segredo, sentindo em silêncio e tendo
uma vida dupla, mas não conseguiu evitar se sentir
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triste com tudo aquilo, parecia que todo mundo


sabia menos ela, até Bob “moreno sexy” sabia e ela
não. Ela era a melhor amiga ali, tinha o direito de
saber de tudo.
Chateada não conseguia deixar de procurar
os motivos responsáveis pela mudança na relação
das duas, nunca se sentira tão distante de sua
melhor amiga como naquele momento.
─ Olha não vou dizer que não fiquei
chateada por que fiquei, mas... ─ Ela suspirava
tentando jogar sua mágoa para escanteio e focar nas
realizações importantes que Sarah havia feito ─
Estou realmente feliz e orgulhosa de você, Mi.
Você merece. ─ Dizia de coração ─ E espero que
não haja mais segredos entre nós por que afinal de
contas somos melhores amigas, certo?
─ Melhores amigas até o fim. Eu sinto
muito mesmo, Lexi. Eu não queria magoar você.
Prometo te contar tudo quando voltar ok?
─ Tudo bem, aproveita seu final de semana
e quero detalhes, até mesmo os íntimos do tipo se
ele é mesmo bom de cama e qual o tamanho do
brinquedo.

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─ Alexia! ─ Ela é repreendida e aquilo só a


faz rir.
─ Nos vemos na segunda, Mi, vou dormir
esses dias na casa do Ryan e tentar ignorar as
basbaquices que o Luke diz.
─ Eu te amo, Lexi. ─ Ela dizia rindo.
─ Eu sei. ─ Sorrindo de forma convencida
ela encerrava a ligação.
O que dissera era realmente a mais pura
verdade, estava muito feliz por Sarah, mais do que
ela podia imaginar. Sua amiga, mesmo depois de
vivenciar uma das piores artimanhas que a vida
poderia nos proporcionar, estava finalmente
seguindo em frente e ela se perguntava olhando a
fachada do “The viper” se não estava na hora de
tentar esquecer esses sentimentos confusos e seguir
também.

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“As reflexões deviam ser reservadas para


as horas solitárias; sempre que podia, entregava-se
a elas com alívio; e nãos se passava um dia sem
uma de suas caminhadas, nas quais podia se
entregar ao prazer das lembranças
desagradáveis.”

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Orgulho e preconceito
Jane Austen

Estava a mais de meia hora parada em


frente à porta que permanecia trancada do quarto de
Sarah. As mãos de Alexia doíam, mas ela não
parava de insistir, o barulho da madeira fria ecoava
pelo corredor enquanto chamava por sua amiga.
Sua voz carregada de preocupação.
O combinado que Sarah havia lhe feito não
ocorrera. Na noite de domingo, Alexia chegara
muito tarde em casa e sua amiga, pelo o que
presumira, já devia estar dormindo. As perguntas
sobre o tal irmão misterioso e possivelmente
famoso de David teriam que ficar para o dia
seguinte.
Sabia que algo devia estar errado assim que
a manhã de segunda chegara. A porta do quarto
permanecia fechada e sua amiga não lhe respondia,
imaginara que não iria às aulas da manhã e sim
somente no estágio. Mas sua preocupação só
aumenta quando ao retornar no final da tarde a
porta se encontrava do mesmo jeito e podia ouvir
um fungar triste do outro lado.
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Andando de um lado para o outro no


corredor tentava buscar um motivo para tudo
aquilo, seu primeiro pensamento era o de caçar o
irmão do David e torturá-lo para que lhe contasse o
que fizera com sua amiga, mas então acaba
lembrando-se de um fato importante, a data. Era
sempre assim.
O aniversário dele era um dia muito
dolorido para Sarah. Sabia de todas as histórias
mirabolantes de como o comemoravam, sempre as
ouvira de sua amiga.
Encostasse à porta sentindo-se um fracasso
como melhor amiga e impotente. Em silêncio
clamava esperançosa para que Sarah não
sucumbisse e caísse no abismo de suas lembranças.
Sabia que provavelmente ela estava
enrolada entre suas cobertas observando a parede
branca à frente enquanto lágrimas escorriam e
molhavam suas faces. Podia visualizar a cena
perfeitamente.
— Mi, por favor... — Mais uma vez insistia
— Eu te trouxe um lanche. — Silêncio — Pelo
menos toma seu remédio. — Mais silêncio.

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Alexia respira fundo. Ela não havia saído do


quarto, não havia comido ou sequer se medicado e
aquilo a deixava extremamente preocupada.
Amizades não são difíceis de conseguir. Um
amigo se faz rapidamente, mas um verdadeiro
amigo é conquistado lentamente, com dedicação,
como um fruto que amadurece. Costumam-se dizer
que a melhor amizade é aquela mais antiga que
temos. Alexia era a prova viva de que isso não é
completamente verdade. Sarah aparecera há dois
anos, mas sua presença mudara sua vida por
completo, ela fazia a diferença, ela não somente
sabia sobre sua história e sim fazia parte dela. Isso
é um verdadeiro amigo.
— Sarah, por favor, ao menos beba alguma
coisa... Pelo menos me deixa entrar. — Ela
encostava sua testa na porta na esperança de escutar
os passos de Sarah em sua direção e permitir sua
entrada.
O silêncio era tudo que recebia e aquilo
estava ficando insuportável.
O que eu faço? O que eu faço? Ela se
questionava tentando buscar uma solução que não
fosse colocar aquela porta abaixo.
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Então como se uma lâmpada acendesse no


topo de sua cabeça uma pessoa lhe vem à mente.
Com um sobressalto ela pega seu celular e quando
estava prestes a discar seu número a esperança que
antes a invadia some. Sarah não havia lhe falado
nada sobre o cara com quem vinha se encontrando.
Nas redes sociais dela nada de fotos ou contato.
Como iria ligar para ele?
Será que ele é algum tipo de maluco ou tem
alguma deformidade? Com seu celular ainda em
mãos ela disca o número da única pessoa que
restara, seu plano B, David. Depois do terceiro
toque ele atende.
— Oi Lexi, tudo bem?
— David, eu preciso que você venha aqui
urgentemente.
— O que aconteceu? — Perguntava
nervoso.
— É a Mi... Eu não sei mais o que fazer...
Por favor, me ajuda — Dizia apressadamente.
— O que houve com a Mi? — Seu tom era
preocupado.
— Ela está trancada no quarto há muito
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tempo, não tomou os remédios e tenho medo que


algo aconteça.
— Tudo bem Lexi eu chego aí daqui a
pouco.
Ela desliga seu telefone o guardando no
bolso e indo até o topo da escada. Sentada nos
degraus ela espera impacientemente ele chegar.
Quinze minutos depois ela escuta a porta,
corre até lá e antes mesmo que David possa falar
alguma coisa ela o puxa para dentro e diz:
— Preciso que ligue agora para seu irmão e
mande ele vir aqui!
— Ahhh... Ahhh meu... Irmão? — Ele
levava sua mão até seus cabelos bagunçando-os em
sinal de desconforto.
— Se tem alguém que pode ajudar essa
pessoa é ele. — Ela encarava a careta que ele fazia
— David estou desesperada, preciso de ajuda e ela
não me deixa entrar, quem sabe ele consiga.
Sem resposta ele sobe as escadas com ela o
seguindo de perto.
— Mi? — Ele batia na porta — Mi sou eu,

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o David, me deixa entrar, por favor.


— Quero ficar sozinha... — A voz de Sarah
estava fraca aumentando a preocupação de Alexia.
— Por favor, Mi, me deixa entrar. — Ele
mais uma vez insistia.
— JÁ DISSE QUE QUERO FICAR
SOZINHA! — Ela grita e em seguida um baque
pode ser ouvido do outro lado e pelo barulho
suspeitava que fosse o abajur contra a porta.
— O que ela tem? O que aconteceu? —
David se virava para ela ligeiramente assustado.
— Hoje... Bom... É só uma data difícil.
Não sabia se Sarah havia se aberto com
David e não cabia a ela contar, mas no exato
momento que aquelas palavras saíram de sua boca
os olhos de seu amigo lhe diziam que ele sabia
exatamente do que se tratava, sabia que a amiga
deles neste exato momento estava caindo e não se
deixava ser resgatada e por algum estranho motivo
ela sentia que David entendia.
— Ligue para seu irmão, por favor. —
Suplicava.

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— Acha que vai funcionar? Ela nem ao


menos te deixa entrar.
— Temos que tentar.
Ele respira fundo e antes de pegar o celular
lhe diz:
— Ok. Eu ligo, mas, por favor, tente não
surtar.
David disca o número do irmão. Depois de
uma leve discussão ao telefone sobre a vinda dele
até lá ele desliga e diz que ele já estava a caminho.
Ela não contava com a surpresa que teria ao
enfim conhecer o homem misterioso que tiraria sua
amiga do lugar escuro onde estava.
Os poucos minutos que David dissera que
levaria parecem se transformarem magicamente em
horas. Ela mesma estava quase pegando o celular
dele para perguntar onde diabo estava e o porquê da
demora.
Andava de lado para o outro na sala. Porque
David dissera para eu não surtar?
O som de alguém batendo na porta
interrompe seu caminhar constante e exasperada

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gira a maçaneta tendo a maior surpresa, e a mais


louca, delirante e inusitada visão. Só podia ser uma
miragem ou quem sabe um sonho muito maluco.
Parada com a boca aberta em frente à visita, Alexia
tentava se lembrar se fizera o uso de álcool naquele
dia, mas acreditava que nem todo o álcool de
Londres fariam ela ver o que estava vendo.
— Ahh... Senhor Collins?
O homem alto a sua frente estava inquieto e
com o rosto angustiado. Ele só podia ter errado de
porta. Era a única explicação.
Quando ele abre a boca para lhe dizer algo,
David aparece na sala recebendo toda a atenção da
visita para si.
— Ethan? — David dizia — Venha ela está
no quarto.
Instintivamente Alexia se afasta da porta
para que ele entre, era isso ou ser atropelada. Seu
olhar acompanha a figura subir as escadas com
pressa.
Era um fato. Ela bebera e não se lembrava.
Sem ainda acreditar no que seus olhos viam,
degrau a degrau ela sobe as escadas enquanto ouvia
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a voz grave e preocupada daquele homem.


Mas que merda está acontecendo aqui?
— Sarah? — Ethan chamava — Sou eu,
Ethan. Me deixe entrar. — Suplicava com o rosto
colado na madeira.
Silêncio.
— Por favor, Sarah. Sou eu.
Via como ele estava empenhado em sua
tarefa, duvidava que ele fosse sair dali por tão
cedo.
Um click a sobressalta. Era o trinco da porta
que cedera. Rapidamente Ethan a abre e antes que
entre ela o interrompe.
— Dê isso a ela. — Lhe estendia a caixa de
comprimidos.
No segundo seguinte ele fecha a porta atrás
de si deixando-os sozinhos no corredor.
Por alguns segundos ela encarava a madeira
rígida a sua frente. Seu cérebro tentava organizar,
sem muito sucesso, tudo o que acabara de descobrir
e ver nos últimos dez minutos. Seus olhos recaem
sobre a figura que a fitava com um sorriso sem
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graça.
— Cozinha. Agora. — Ela o pegava pelo
braço o arrastando para baixo.

Ethan

Um amontoado de cobertas no centro da


cama chama sua atenção. Sarah estava embaixo
dele e podia ouvir seu choro abafado.
Em silêncio ele se aproxima. Dava cada
passo com cautela. A preocupação era quase
insuportável em seu íntimo, dirigiu o caminho todo
na maior velocidade que o trânsito permitia, sabia
que algo devia ter acontecido, não era normal Sarah
simplesmente não comparecer ao estágio sem
avisar e muito menos não atender as suas várias
ligações.
O tempo todo tentara criar em sua cabeça os
motivos para receber aquele tipo de ligação, afinal,
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David não pediria algo daquele tipo sem um motivo


realmente importante. Queria respostas, subira os
andares do prédio decidido em consegui-las, mas
ao se deparar com a cena de uma Sarah
completamente diferente daquela que conhecia, ele
já as tinha. Ela, assim como ele, não estava livre
dos momentos de queda.
Ele senta-se ao seu lado na cama ainda sem
dizer nada. O silêncio muitas vezes é o melhor
conselho que se pode dar ou receber, às vezes nele
contém palavras muito mais acolhedoras e
apaziguadoras. Por experiência própria sabia que o
que ela mais precisava era da quietude e do calor de
um abraço.
Passando o braço por sobre o pequeno
corpo encolhido e choroso ele a abraça colando as
costas dela em seu peito. Seu braço a aperta e seu
nariz se afunda na cascata macia de seus cabelos
negros inalando seu cheiro, que como sempre era
inebriante.
O tempo parece paralisar. Nada mais
importava naquele momento, apenas queria que ela
se acalmasse, precisava disso. A ideia de Sarah
triste nunca o agradara, as vezes que ela aparecera
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em seu escritório minimamente diferente do que


costumava ser já o deixava preocupado, aquilo não
mudara, sentia que precisava fazer alguma coisa.
O corpo dela tremia encostado em seu peito
largo por conta do choro que derramava. Enterra
mais o rosto em sua nuca enquanto fechava os
olhos e clamava em silêncio para que ela aquela dor
passasse. Vê-la daquela maneira lhe dava um
aperto no peito. Ela se encolhe mais para perto dele
permitindo que a acolha. A mão dele encontra a
dela que descansava sobre a cama e a afaga.
Para seu completo alívio a respiração dela
vai se normalizando e o choro inquietante se
transforma em apenas o fungar dela de tempos em
tempos. O tempo ao certo não sabe quanto fora,
mas surpreendentemente ele não se importava. O
relógio era a última coisa em que Ethan pensava.
─ Me desculpe por ter faltado ao estágio
sem avisar. ─ Dizia ela em voz baixa quase como
em um sussurro.
─ Não vim até aqui por causa disso. Fiquei
preocupado.
─ Eu estou bem.

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Aquela fora a frase da semana. Sarah não se


cansara em dizê-la. Ele sabia que não era verdade.
Notara que algo estava errado, consegui perceber a
mentira por detrás das palavras, e por muitas vezes
a questionara durante o último final de semana que
passaram juntos. A vira uma vez um pouco pálida,
olheiras que denunciaram a noite mal dormida, mas
após tanta insistência por parte dela resolvera parar
de bombardeá-la a cada minuto com perguntas, o
que não o impedira de ficar atento para ver se
estava tomando seu remédio corretamente, e ela
estava. Era o único motivo que o deixara mais
tranquilo.
─ Apenas não é um bom dia. ─ Dizia Sarah.
─ Eu sei. Por isso precisei vir. Conheço
muito bem esse tipo de dia ruim.
─ Odeio esses dias.
─ Quer conversar sobre isso?
O silêncio mais uma vez recai sobre eles. O
corpo dela fica tenso e sua respiração é curta,
estava se segurando para que o choro não
retornasse.
─ O que aconteceu, Sarah? ─ Dizia em tom
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baixo próximo a seu ouvido.


─ Eu me esqueci... ─ Sua voz falhava ─
Dele. ─ O choro retornava.
─ Está tudo bem, Sarah. ─ Ela abraçava o
braço que ele ainda a envolvia.
─ Não. Não está. Eu me esqueci dele. ─ Ela
soluçava ─ Hoje é o aniversário dele e eu
simplesmente não me lembrei, e nunca me esqueci
desde que o conheci. Não sei o que houve... ─
Dizia rapidamente ─ Apenas me esqueci dele e eu
não quero isso, tenho medo que um dia eu acorde e
ele tenha sumido.
─ Isso nunca vai acontecer...
─ Mas aconteceu. Eu acordei e ele não fora
a primeira coisa em que pensei, demorei em
lembrar que dia era hoje. ─ Ela o cortava.
─ É diferente, Sarah. Você não o esqueceu.
Apenas da data e não dele. Gael vai sempre fazer
parte de você, assim como Margot de mim. Nós
nunca vamos deixar de amá-los.
─ Você acha? Tenho tanto medo, Ethan.
─ Eu mais do que ninguém entendo a falta

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que ele te faz, e também compreendo que queira


ficar sozinha, eu mesmo me isolei por anos, mas
uma vez uma aluna minha, muito, muito teimosa e
intrometida me disse que ninguém precisa ficar
sozinho. Acho que devia seguir o conselho dela,
pois eu fiz isso.
─ Se arrependeu?
─ Nem um pouco.
Seus braços se apertam mais ao redor do
dele.
─ Ela é muito inteligente. Acho que merece
um A+ na nota final.
Ele ri.
─ Você não perde a oportunidade.
─ Porque veio até aqui? ─ Dizia mais
calma.
─ Porque quando eu precisei você estava lá.
─ Sabe que é perigoso. Tem a Lexi... Aí
deuses. ─ Choramingava ─ A Lexi. Ela atendeu a
porta?
─ Está tudo bem, Sarah. David está com
ela. Alexia é a menor das minhas preocupações
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agora. Você é mais importante.


─ Não precisava ter vindo.
─ Você foi quando eu te chamei nada mais
justo retribuir.
Ela gira o corpo ficando de frente para ele.
Seus olhos estavam inchados, seu olhar triste e suas
faces vermelhas e molhadas.
Sarah era tão linda que não se importaria
ficar daquela maneira com ela em seus braços
durante horas. O mundo lá fora, seus problemas e
passado pareciam tão distantes quando estavam
juntos. Como um refúgio ela sempre o acolhia,
protegendo-o da chuva forte e dos seus
pensamentos tempestuosos. Agora era sua vez de
abrigá-la.
─ Obrigada. ─ Dizia enquanto uma lágrima
solitária lhe escapava.
─ Não precisa me agradecer. ─ Encaixava
sua mão no rosto delicado dela limpando aquela
lágrima com o polegar. ─ Pegue. ─ Lhe estende a
caixa de remédio que Alexia lhe entregara. ─ Não
pode ficar sem.
Com o auxílio de água ela ingere seu
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comprimido e volta a se aconchegar nele.


Ele deitava de frente para acolhê-la melhor
sobre seu peito. Seu queixo encaixa no topo de seus
cabelos negros e seus braços envolvem seu corpo.
Permanecem assim durante um bom tempo,
apenas curtindo a companhia um do outro. Ethan
lhe oferecia o que melhor possuía, o silêncio e a
verdade de um homem ferido pela vida e marcado
permanentemente pelo tempo.
Quando achara que Sarah havia dormido ela
o surpreende não somente com sua fala, mas
também com suas palavras.
─ Você acha que um coração machucado
pode amar novamente?
Não sabia o que lhe dizer. Fora pego
desprevenido.
Amar outra pessoa depois de tudo? Parecia
um absurdo até mesmo em pensamento. Nunca
dera voz àquela pergunta antes, assim como nunca
ninguém o perguntara.
Um coração machucado poderia se curar a
esse ponto? Como que um coração tão ferido, e
com muitas delas ainda abertas, poderia abrigar
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outra pessoa sem a magoar? O amor exige


dedicação, entrega, compreensão e perdão nos
momentos necessários. Como ele iria conseguir
fazer isso com outro alguém se nem ao menos
consigo era possível? Não existe entrega se a culpa
está sempre ali presente.
Há alguns meses se alguém o tivesse
perguntado aquilo lhe diria na mesma hora que não,
mas as palavras que diz o fazem notar certas
mudanças. Para um homem que sempre tinha
certeza de tudo, a dúvida não deixa de parecer que
mais um tijolo da muralha caíra.
─ Eu não sei.
─ Entendo. Eu também há um tempo diria a
mesma coisa, mas hoje acho que tudo é possível. ─
Lhe confessava ─ Acho que as pessoas mudam
muito e que a certeza também é mutável.
Ela se remexia preguiçosamente se
aninhando manhosa, com um bocejo e um gemido
cansado o assunto se cala.
─ Descanse Sarah. ─ Afagava suas costas
mudando de assunto incapaz de dar-lhe uma
resposta melhor.

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─ Você estará aqui quando eu acordar?


─ Sim. ─ Lhe prometia.
Após um gemido e do soar ritmado de sua
respiração agora tranquila soubera que havia feito o
que lhe pedira.
A adrenalina ainda circulava em suas veias.
Sua cabeça estava a mil. Tentava acalmar a
preocupação enquanto se concentrava no subir e
descer tranquilo do tronco dela. Não adiantava.
Aquilo não estava ajudando. Devia o mínimo de
explicação a alguém.
Com cuidado ele deita Sarah sobre o
travesseiro e se levanta.
No corredor pode ouvir vozes vindas do
andar debaixo.
─ Vocês estão falando sério? ─ Dizia à voz
que reconhecera ser de Ryan.
─ Porque eu brincaria com algo assim? ─
Pelo tom percebia que Alexia estava irritada.
─ Isso só pode ser brincadeira, não estão
falando séri... ─ A pausa acontecia assim que Ethan
aparece na porta da cozinha. Ryan estava com a

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cara de espanto próximo à namorada que,


igualmente a sua voz, estava para poucos amigos,
encostada na bancada ao lado da pia ─ Puta merda.
É ele mesmo. Porra.
─ Calma Ryan. ─ Dizia David sentado em
uma cadeira no canto bebendo uma cerveja ─ Não
surta você também.
O olhar que Alexia lhe oferece é acusatório.
Aquela mulher, ele tinha que reconhecer, era muito
intimidadora para seu pouco tamanho.
Instintivamente checa as proximidades,
aparentemente nenhum objeto cortante estava à
vista.
─ Alexia... ─ Ele começava dizer, mas é
interrompido.
─ Não. ─ Ela se exaltava ─ Não adianta me
explicar nada. Eu sabia. Sabia que existia algo. Eu
vi como ela te olhava no recital. ─ Suas faces iam
ficando vermelhas ─ Sarah me disse que era
impressão minha e eu burra acreditei nela. Argh!
Gesticulava eufórica andando de um lado
para o outro, logo um buraco se abriria no chão.
─ Você tem noção da merda em que a
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meteu? ─ Ela parava de repente apontando o dedo


o acusando com veemência ─ Tem noção de que se
essa bomba explodir todos seriam prejudicados?
Tem noção que ela perderia tudo? ─ Falava tudo
rapidamente se aproximando cada vez mais dele
com o dedo apontado até que o encosta em seu
peito o empurrando.
Ethan ouvia tudo em silêncio, escolhera
deixá-la desabafar.
─ A culpa é toda sua. Você a seduziu. Se
aproveitou desse seu ar de professor gostoso, desse
peitoral de aço e dos seus olhos azuis. Conquistador
barato. Irresponsável. Inconsequente. Imprudente.
Seu... Seu... ─ Suas narinas inflavam, sua
respiração era curta e seus olhos estavam furiosos
─ Seu... ─ Exaltada procurava mais adjetivos em
sua lista de ofensas ─ Cafajeste.
Cruzava os braços na frente do peito com ar
satisfeito.
─ Terminou? ─ A encarava enfadado ─ Já
acabou ou tem mais algum adjetivo que queira me
dar?
─ Sabe o que pode acontecer caso alguém

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descubra?
─ Olha Alexia eu sei muito bem o que isso
acarreta. Entendo as consequências, sei de tudo
isso...
─ Vocês podem ser expulsos. ─ Dizia ela
com firmeza ─ Minha preocupação maior é a Mi e
não com o senhor. Ela já sofreu muito e não precisa
de mais um para machucá-la.
─ Não pretendo fazer isso.
─ Mas vai. Você é homem, e homens fazem
isso.
─ Ahh... Lex. ─ Ryan que assistia o sermão
da namorada se pronuncia ─ Eu estou aqui, sabia
né?
Ela se aproxima mais erguendo seu queixo
para encará-lo em desafio ignorando o comentário.
─ Lexi. Não exagera. ─ David vinha a seu
favor ─ Todos nós aqui temos nossos segredos. ─
Ele a fitava sério.
─ Você também fique quieto, David. Você
compactua com isso, sabia de tudo. Eu sou a
melhor amiga aqui, eu que devia saber de tudo. Não

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sei por que a Mi não me contou.


─ Sério que não sabe? ─ Dizia Ethan em
tom ácido erguendo uma sobrancelha ─ Para mim
está óbvio.
Seu comentário parece eriça-la mais. Havia
cutucado a onça.
─ Não é à toa que te chamam de Cérbero.
Distrai a vítima com uma das cabeças enquanto
ataca com a outra. ─ Ela o provocava.
Se Alexia estava armada para ofendê-lo ele
não ligava, estava acostumado com ofensas bem
piores. Mas ela esquecera completamente o motivo
pelo qual lhe deram aquele apelido, e não tinha
nada a ver com a quantidade de cabeças. Se ele
despertara a onça, ela chamara Cérbero para um
bate papo.
─ Eu não estou pedindo para que aceite
nada ou que permita o que eu posso fazer ou não.
Acho também que Sarah é grandinha o suficiente
para fazer suas escolhas. Quer brigar com alguém?
Quer culpar alguém? Ótimo. Faça isso, mas apenas
comigo. Quer me julgar? Ok. Já estou acostumado.
─ Dizia áspero ─ Mas você não entende o que é a

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solidão, espero que nunca precise, não sabe o peso


que a culpa tem. Pode soar meio egoísta, mas com
a Sarah tudo isso parece menor e me deixa bem.
Ela enfim se cala fitando-o concentrada em
suas palavras.
─ Acha que sou má influência? Que faço
mal a ela? Não se esqueça de que foi para mim que
ela abriu a porta.
Alexia abre a boca para retrucar, mas é
impedida por Ryan que toca em seu ombro e com o
olhar lhe diz para não seguir em frente.
─ Não quero que aceite, Alexia, mas pelo
menos tente entender. Nenhum de nós previu isso,
tudo simplesmente aconteceu e achamos melhor,
por motivos óbvios, ninguém saber. ─ Ele
suspirava ─ Sarah não está bem e você sabe disso.
Ela precisa de tudo agora menos do seu sermão,
então por isso quando ela acordar amanhã... ─ Ele
apontava em direção a escada ─ Seja a melhor
amiga dela e deixe seus xingamentos e
preocupações para mim.
Os olhos castanhos dela não desgrudam dos
dele. Sentia-se sobre análise, como se buscasse

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qualquer sinal de mentira. Realmente ela tinha o pé


atrás com o sexo masculino ou seria somente com
ele?
Quando os ombros pequenos dela caem ele
soube que cedera, Ryan passa o braço por sobre
eles e a puxa para mais perto.
─ Não quero prejudicar a Sarah. Minhas
intenções aqui são todas para o bem. ─ Com um
gesto ele colocava o frasco vazio de remédio na
mesa da cozinha.
─ Obrigada. ─ Ela sussurrava aliviada.
─ Desculpe por toda essa situação.
Um pouco relutante ela acena com a cabeça
cruzando mais uma vez os braços.
Do lado de fora do cômodo, Ethan encosta-
se à parede tomando fôlego respirando fundo e
apertando a fenda entre os olhos, sua cabeça doía
muito.
─ Lex? ─ Escutava Ryan ─ Nunca pensei
que fosse dizer isso algum dia, mas... ─ Suspirando
─ eu concordo com ele.
─ Não importa quem ele seja ou suas

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intenções, se machucar a minha melhor amiga eu o


mato.
O canto de seu lábio se ergue em um meio
sorriso. Nunca imaginara que justo Ryan Davis o
defenderia. Olhando para o início das escadas que
levavam aos quartos, Ethan não conseguiu evitar
em concordar com Sarah. A certeza era mutável.

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“Os obstáculos existem para serem


vencidos.”
Vinte mil léguas submarinas
Julio Verne

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O amor é imprevisível.
É como um ladrão sorrateiro. Você não
percebe quando ele chega, mas sabe quando ele faz
sua visita. Ele rouba seu coração e faz dele sua
morada. Às vezes para que esse processo aconteça
levam-se anos, algumas pessoas precisam desse
tempo, outras bastava apenas um olhar, um toque,
um sorriso ou gestos.
Aquele sentimento não era novo para ela,
muito pelo contrário, amara Gael como nunca e
podia-se dizer que, de uma maneira que não
compreendia, o amor por ele hoje era diferente. Era
mais como algo bom dentro de si, algo que doera
por muito tempo, mas que hoje fora convertida para
saudade.
Ela que tanto defendia a certeza de que um
coração pertencia a apenas uma pessoa e que ao
perdê-la os sentimentos que viriam depois jamais
seriam os mesmos, estava lá, sentada em sua
cadeira no amplo escritório de seu professor e
observando-o com o coração aos pulos e um sorriso
bobo nos lábios.
Agora ela via com clareza. Diante todas as
suas dúvidas ele era sua única certeza. Ela o amava.
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Depois de tudo era praticamente impossível


não nutrir esse sentimento por ele. Ethan fora sua
força quando não a tinha, seu sorriso quando não
havia motivos para sorrir, seu apoio na queda e seu
confidente quando sentia que mais ninguém a
entenderia.
Mas algo nele naquela tarde a estava
deixando angustiada. Ethan estava irritado com
algo, os vincos formados em sua testa, seu olhar
firme e franzido e o maxilar flexionado
denunciavam isso. Fazia quase quinze minutos que
encarava a tela do notebook após receber um e-
mail.
Mil perguntas vinham, mas não sabia se
devia fazê-las. Como sempre perguntas eram algo a
ser feito com cuidado com aquele homem.
A raiva e a decepção evidente em seus
olhos cristalinos a entristeciam. Quando se ama
alguém só se consegue a felicidade se a pessoa
amada também a tiver.
─ Está tudo bem, Ethan? ─ Ela não se
aguenta.
Ele piscava várias vezes como se

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despertasse de seus pensamentos.


─ Ah... Sim... Está. ─ Ele pigarreia se
arrumando em sua cadeira ─ É apenas trabalho.
Um amigo do meu antigo trabalho em Dublin.
Ele... Me pediu ajuda com um paciente dele.
─ Caso complicado?
─ Um pouco.
Por mais que o que acabara de dizer fizesse
sentido, aquilo não tinha soado muito convincente
para ela. Algo estava errado, aquele e-mail dizia
algo muito mais importante.
─ Sabe como sou viciado em trabalho. ─
Ele continuava ─ Pego até trabalho dos outros.
Encerrando o assunto ele fecha o notebook
com a mesma irritação inicial. Ela fitava sua
expressão tentando decifrá-la e se perguntava qual
era a notícia que o antigo amigo dele lhe trouxera?
Por que ele não confiava nela?
Sem dizer nada ele pega uma pilha de
papeis que estavam na ponta esquerda de sua mesa
e um arrepio gélido passa pela espinha dela. Sabia
muito bem o que eram aquelas folhas, pois ela
mesma as colocara lá a seu pedido.
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A prova de final do semestre enfim chegara,


e ela estava à beira do colapso. Precisava da nota,
estudara muito e rezara a todos os deuses da dança
para que a última não se repetisse.
Aperta os braços de sua cadeira para fazer
com que suas mãos parem de tremer.
Ethan analisava prova a prova sem pressa.
Via seus olhos atentos percorrer cada linha. A
tranquilidade dele estava a deixando nervosa e
inquieta.
Será que é uma boa ele corrigir as provas
irritado desse jeito?
Com a caneta vermelha em mãos ele riscava
o papel e fazia algumas anotações. Sua língua
passava lentamente por sobre os lábios apertados
enfatizando sua concentração.
Esticando o pescoço ela tentava espiar, mas
estava longe demais. Sem que percebesse estava
praticamente debruçada completamente sobre sua
mesa, assustada e preocupada com o tanto que ele
usava aquela cor de caneta. Aquilo não era bom
sinal.
Será que aquela prova era a dela? Pelos
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deuses...
─ Ainda estou na letra J, O’Connor. ─ Ele
informava sem olhar para ela.
Com um sobressalto ela se arruma em seu
lugar quase caindo da cadeira. Não notara que
praticamente subira na mesa.
─ Não fique tão preocupada.
─ Meu histórico com a sua prova não é
muito favorável.
─ Só precisa me dar respostas completas e
de sua autoria que tudo ocorrerá bem. ─ Ele a
provocava com um sorriso de lado.
Diante sua cara séria e seus olhos
estreitados ele ri.
─ Fique tranquila. Você vai se sair bem.
Tenho um forte pressentimento.
─ Não sabia que Cérbero possuía
habilidades mediúnicas. ─ Devolvia sua
provocação.
─ Não é essa a questão e sim de
probabilidade. Um raio não cai duas vezes no
mesmo lugar. E sempre aprendemos com nossos
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erros. Ou se preferir pode usar aquele velho ditado


irlandês: Não tema o inverno até que a neve esteja ​
sobre o cobertor.
Os minutos que se seguem são de extremo
silêncio. Sarah não conseguia trabalhar direito, a
todo instante seus olhos desviavam da tela do
notebook a sua frente e recaía no homem grande e
concentrado. Sua perna tremia e balançava
freneticamente embaixo da mesa.
Após uma hora que mais parecera um mês,
Ethan encosta-se à cadeira com a sobrancelha
arqueada e um papel em mãos.
Ela o encarava sem conseguir dizer nada.
Sua garganta estava seca e o nervosismo a calara.
Seus olhares se encontram e ela o questionava em
silêncio. Ethan permanecia com o rosto impassível
enquanto lhe estendia o papel em sua direção.
Ela se levanta e cautelosamente segue até
onde ele estava. Com hesitação ela pega o que ele
lhe oferecia. Soltava fortemente o ar várias vezes
antes de tomar coragem e ler o que estava escrito.
Quando o faz, arregala os olhos e o alívio
em um misto com uma felicidade explosiva a toma.

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No canto superior direito a letra A grande e com a


caligrafia inclinada dele enfeitava a primeira
página.
Ela não contém o grito de felicidade.
─ Eu consegui! Porra! Eu consegui. ─
Repetia enquanto dava pequenos pulinhos.
Ethan que agora estava em pé ao lado de
sua mesa guardando alguns documentos em sua
maleta sorria em ver seu entusiasmo. Ainda
eufórica ela corre até ele pulando em seus braços e
enlaçando suas pernas ao seu redor.
─ Obrigada. Obrigada. Obrigada. ─ O
abraçava forte.
─ Você mereceu. As respostas estavam
muito boas. ─ Sua voz era abafada pela pele do
pescoço dela e seus cabelos.
─ Eu passei, nem estou acreditando.
─ Ainda tem a nota do estágio, não se
esqueça disso.
Ela dá um tapa em seu ombro se afastando
dele alguns centímetros.
─ Não estrague meu momento, senhor
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Collins.
Rindo ele a segurava em seu colo, seus
braços fortes a envolviam em um aperto firme e
seus olhos a admiravam.
─ Acho que as aulas práticas ajudaram. ─
Um sorriso de lado surgia e a covinha que ela
amava enfeita seu rosto.
─ Realmente.
Sua voz sai fraca, estava perdida naquele
tom de azul de seus olhos. Seus dedos se fecham na
nuca dele. Um gemido escapa de seus lábios
entreabertos quando sente os dedos atrevidos de
Ethan subirem sutilmente suas costas arrepiando e
despertando todo seu corpo.
Podia ver a luta interna que ele combatia
enquanto intercalava seu olhar entre os olhos dela,
sua boca e a porta. Os dedos alcançam seus cabelos
negros e longos mergulhando nas madeixas soltas
dela.
Ela toma a iniciativa por ele jogando a
cabeça em sua direção e abocanhando seus lábios,
ávida, urgente, ardente. O beijo não é nada gentil,
suas línguas enroscam com uma facilidade
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prazerosa arrancando gemidos de ambos, suas


bocas se devoram, os dedos dele a segura
firmemente nas laterais de seu rosto. Como uma
fogueira em que se ateia fogo, em questão de
segundos os dois queimavam e incendiavam a sala.
Sarah bate as costas em algo firme, não
percebera Ethan caminhar com ela encaixada em
seu colo até a porta do escritório, seu corpo viril a
prensa. Logo os lábios sôfregos dele devoram a
pele quente e arrepiada de seu pescoço e Sarah não
segura seu gemido.
Tateando a porta sem se afastar dela, ele
encontra a chave e a tranca.
Ele a carrega para longe apertando suas
coxas com força e a colando mais em si, fazendo-a
sentir seu desejo pulsante e rígido pressionar sua
virilha. As mãos dela passeavam por sobre seu
colete justo e seus dedos brincavam ao redor de
seus botões.
Sarah é colocada sobre a mesa do canto que
ela usava com um pouco de força fazendo alguns
objetos que estavam dispostos caírem. Ethan a
acariciava por debaixo da camiseta que vestia,
subindo até encontrar seus seios redondos e os
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massageá-los. Aquilo fora o sinal para que se


livrasse dos botões da roupa dele, abrindo seu
colete e em seguida sua camisa para enfim tocar
sua pele arrepiada e quente de seu peito largo.
─ Eu desejo tanto você. ─ Ele dizia
próximo ao seu ouvido sugando seu lóbulo em
seguida ─ É como uma corrente elétrica, um calor
que começa no peito e percorre meu corpo,
despertando cada célula, cada terminação nervosa.
─ Ela gemia seu nome ─ No instante seguinte
minha mente não é mais minha e sim dessa resposta
da minha anatomia.
Os lábios dela procuram e encontram os
dele, em um encaixe perfeito.
Em seu peito seu coração sentia exatamente
o que ele descrevera. O calor, o despertar, a
eletricidade. Estavam todos lá.
Por um instante quase deixara escapar as
palavras que estavam presas dentro dela. Queria
dizê-las, queria que ele soubesse o que sentia,
queria ouvir as mesmas de sua boca. Mas no
segundo seguinte em que a vontade viera, ela se
fora. O medo de não as receber de volta era maior.
E se tudo o que ele sentisse por ela fosse apenas o
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que acabara de lhe confessar? Somente desejo.


─ Eu também te desejo Ethan. Muito.
Afasta o rosto do dela o suficiente para
olhar seu relógio.
─ Vamos ter que deixar para mais tarde. ─
Dizia com desapontamento enquanto a fitava ─
Tenho duas aulas para dar agora. A noite brincamos
mais. ─ Roçava seus lábios nos dela ─ Podemos
repetir a cena da porta no chuveiro. O que acha?
─ Mal posso esperar. ─ Ela sorria.
Ele sai do meio de suas pernas e se
recompõem ajeitando suas roupas e cabelo. Pega a
maleta e antes de se afastar rouba um beijo dela e
segue até a porta.
─ Ah... Quase ia me esquecendo. ─ Dizia
com a mão na maçaneta ─ David vai dar um jantar
na casa dele hoje. Quer apresentar o namorado para
mim. Você vai comigo, não é?
─ Claro que sim. ─ Dizia animada descendo
da mesa ─ Nem acredito que estão namorando.
─ Ele parece estar feliz. Isso é o que
importa.

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No segundo seguinte ele deixa a sala.

O jantar ficara por conta do Bob. O que era


um alívio, pois não queria comer macarrão mais um
dia, pois isso era com certeza o que teria se David
tivesse regido a cozinha. O amor de Ethan e David
por aquele prato era imenso.
Em contrapartida, Bob fizera um banquete
com costelas de porco, molho de laranja, purê de
batatas e vagens refogadas na manteiga. Tudo
estava divino. Fazia muito tempo que não comia
tão bem.
A conversa discorrera tranquila e divertida.
O casal anfitrião estava sentado de frente com ela e
Ethan e podia ver que estavam de mãos dadas
embaixo da mesa. Bob contava sobre sua família, e
de sua infância no norte da Inglaterra. Ele possuía
cabelos negros e olhos castanhos igualmente
escuros, e seu sorriso era tão gentil e simpático

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quando o de David, que sorria feito um adolescente


apaixonado com a cabeça apoiada no braço que
estava sobre a mesa.
Era impossível não sentir certa satisfação
em vê-los juntos e visivelmente felizes. Sentia-se
responsável. Um cupido.
─ Então Robert. Você é arquiteto, certo? ─
Ethan perguntava.
─ Sim. ─ Bob dizia ─ Me formei há dois
anos.
─ Sempre praticou a dança? ─ Ethan
especulava. Seu tom sério como se estivesse em um
interrogatório com um suspeito de um crime.
Sarah se segurava para não rir do senso
protetor que ele tinha. Se era assim com o irmão
caçula, como seria quando tivesse filhos?
─ Na verdade não. Quando eu era mais
novo meus pais me colocaram no futebol, porque
achavam que eu era tímido demais e queriam me
socializar com outros garotos. Mas quando eu fiz
15 anos e me assumi para eles, eu pedi para me
colocarem em algo que realmente eu queria fazer.
No início não curtiram muito a ideia. ─ Ele ria
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baixo. Robert não escondia quem ele realmente era


ou queria, sempre o admirara por isso ─ Mas me
colocaram mesmo assim no balé.
─ Nunca pensou em seguir carreira?
─ Não. Balé é um hobby, algo que faço para
me distrair, algo que me completa.
─ Seus pais sempre te apoiaram? ─ O
interrogatório seguia.
─ Não. No início foi bem difícil, mas hoje
são meu maior apoio. ─ Dizia com carinho.
─ Deve ser ótimo ter pais que o apoiam.
─ Sim. David e eu temos pais muito bons
quanto a isso. Não é Dave?
Todos os olhares recaem sobre o amigo
calado. David se afeta com o comentário, sabia que
antigamente ele tivera problemas com seu pai, um
dos principais motivos, pelo o que ouvira, que
Ethan não conversasse com ele.
Constrangido David encara todos e sorri
sem jeito.
─ Alguém quer mais purê de batatas? ─
Sem esperar por uma resposta ele se levantava e
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segue até a cozinha.


Bob olhava por onde ele sumira com
expressão confusa.
─ Bob é um bailarino maravilhoso. ─ Sarah
continuava a conversa mudando de assunto ─ Tão
bom que na escala do estúdio é o primeiro
substituto do Peter. ─ Ela sorria antes de colocar
mais vagens dentro da boca.
─ Nossa. ─ Ethan dizia impressionado ─
Talvez devesse seguir carreira. ─ Ele se servia de
mais molho.
Com uma tigela até a boca de purê de
batatas nas mãos David volta para a mesa.
─ Lexi e Ryan não vão vir não? ─ Ele a
questionava.
David organizara aquele jantar para
apresentar Bob a seus amigos e irmão, mas ela
sabia que ele tramava mais coisas. Sabia como o
amigo queria que Ethan fosse aceito no grupo deles
tanto quanto Bob. Que jeito melhor do que reunir
todos em um jantar?
─ Eles disseram que iam tentar vir depois
que saíssem da festa a fantasia. ─ Ela pega mais
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purê e coloca mais um pouco no prato de Ethan.


─ Festa a fantasia? ─ Bob perguntava.
─ Um amigo do Ryan está dando uma festa
hoje na casa dele, ele mora em uma república e por
lá essa festa é bem tradicional, todo ano eles fazem.
Ele até nos convidou. ─ David aponta ele e Sarah ─
Mas optamos pelo jantar.
Sobre a mesa a mão direita de Sarah
repousava, mas as pontas de seus dedos estavam
um pouco dormentes e formigavam de tempos em
tempos. Uma pequena sequela daquela noite do
recital, as pontas de seus dedos nunca mais foram
as mesmas.
Pensar naquele episódio ainda a perturbava.
Nunca depois de sua cirurgia passara tão mal,
tomara um segundo comprimido na esperança que
tudo passasse e assim acontecera. No dia seguinte
acordara sem dor, estava se sentindo bem
novamente e correlacionara tudo aquilo apenas ao
fato de que se esforçara muito ao dançar. Mas
como era sua última grande apresentação estava
convicta de que aquilo nunca mais iria acontecer,
então para que preocupar todos ao seu redor se
nada daquilo iria se repetir?
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Por isso o segredo fora a melhor opção que


encontrara. Ninguém precisava saber, pois tudo
estava bem desde então.
Batidas apressadas veem da porta. Quando
David a abre a figura eufórica de Alexia passa por
ela rapidamente e segue até onde eles estavam
reunidos.
─ Oi Lexi. ─ Sarah e Bob a
cumprimentavam em uníssono e Ethan dá um leve
aceno. Ela vestia uma jaqueta de couro bem grande
que iam até metade de suas coxas, que devia
pertencer ao namorado, meias calças tom de pele,
um Scarpin preto e uma tiara com orelhas marrons
de urso.
─ Cadê o Ryan? ─ David perguntava logo
atrás dela.
─ Eu o deixei na casa dele. ─ Antes que
perguntassem ela se explica ─ Ele não estava se
sentindo bem, dei alguns remédios de dor para ele e
em cinco minutos estava falando mais enrolado que
um bêbado no réveillon.
─ Porque ele precisou de remédio para dor?
─ Sarah pergunta preocupada.

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─ Ryan entrou em uma briga na festa.


Socou a cara de um cara algumas vezes e depois
ficou com a mão machucada, mas não foi nada
sério. ─ Dizia muito rápido.
─ Ele entrou em uma briga? Por quê? ─
David arregala os olhos.
─ Segundo ele para defender minha honra.
─ Ela revirava os olhos ─ Ele já estava todo
irritadinho porque Camille estava lá e depois um
idiota vestido de gladiador pegou na minha bunda e
apertou meu rabinho de urso, então ele foi tirar
satisfação, mas sabem como é, um babaca bêbado
não tem bom senso e Ryan não é muito de levar
desaforo para casa, então eles acabaram brigando.
─ Quem é Camille? ─ Sarah questionava.
─ É uma garota da faculdade. Não importa.
─ Estava muito eufórica e inquieta, parecia que
fora até ali com o propósito de dizer algo, mas não
estava tendo a oportunidade ─ Mi. Preciso falar
com você. Agora. ─ Ela se aproximava e a puxa
pela mão a arrastando pelo corredor até o banheiro.
Trancadas lá dentro Alexia se vira para ela
com um sorriso de orelha a orelha e suspira fundo.

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─ Sabe aquele programa de moda em Nova


Iorque que me inscrevi? ─ Ela começava.
Sarah confirmava.
─ Recebi um e-mail hoje, mas só o vi
depois que coloquei Ryan na cama.
Ela enrolava.
─ Alexia. Fala logo, está me deixando
nervosa.
─ Eu consegui Mi. ─ Dava alguns pulinhos
─ Vou estudar na América no semestre que vem.
Sarah grita. Estava tão feliz e orgulhosa
pela conquista da amiga que não conseguia se
conter. Alexia se junta a ela na comemoração
histérica.
─ Estou tão orgulhosa, Lexi. ─ Ela a
puxava para um abraço apertado ─ Sabia que ia
conseguir. Vou sentir tanto a sua falta, mas você
merece.
Tudo o que sua amiga tinha e conseguira na
vida, era unicamente por mérito dela mesma. Não
entendia muito bem como que era a relação dela
com os pais, mas sabia que eles não eram nada

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presentes em sua vida. Não consegui imaginar algo


assim.
─ Não me lembre disso senão vou começar
a chorar. ─ Dizia rindo ainda envolvidas no abraço
forte.
Eufóricas pulavam e giravam dentro do
pequeno espaço do banheiro de David. Felizes pela
boa notícia. Sarah sabia que a relação com sua
melhor amiga andava um pouco estranha
ultimamente, mas não a censurava, imaginava o
susto que devia ter tido quando abrira a porta do
apartamento delas e dera de cara com Ethan na
entrada e mais ainda quando ele fora até seu quarto
e se trancara com ela lá dentro. Também imaginava
a mágoa que deve ter sentido pelo segredo que
guardara.
Elas haviam conversado a respeito, por
insistência de Sarah, pois Alexia o tempo todo dizia
que estava tudo bem e que não estava chateada.
Conhecia a amiga bem demais para saber que não
era verdade. No início da conversa Alexia parecia
um pouco irredutível quanto a tudo relacionado a
Ethan, mas dissera que entendia e que não estava
em posição de lhe fazer cobranças quanto a
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segredos. Um comentário que ela não procurara


explicar.
─ Eu ainda não acredito que consegui.
No calor do momento que compartilhavam
Alexia interrompe o abraço e a fita.
─ Vou sentir tanto a sua falta, Mi.
Antes que Sarah tenha a oportunidade de
lhe dizer algo, a coisa mais improvável e
surpreendente acontece. Alexia se aproxima em um
impulso encosta seus lábios nos dela.
Instintivamente Sarah se afasta a encarando
com olhos arregalados e boca entreaberta.
O que acabou de acontecer aqui?
Se Alexia pudesse cavar um buraco e se
jogar dentro ela teria feito. Seu rosto muda de claro
para vermelho pimentão em questão de segundos.
Igualmente, Sarah sente suas bochechas
esquentarem, permanecia abalada, estática,
surpresa, assustada, chocada, ou qualquer outro
sinônimo que encontre.
─ Ah... Mi... Eu... ─ Ela gaguejava agora
ficando roxa ─ Sinto muito... Eu... Não sei por que

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eu fiz isso. ─ Se afastava alguns passos.


─ Lexi... Eu... Não sei o que dizer... Ah... O
que aconteceu aqui?
─ Sarah eu sou...
─ Lésbica?
─ Não! ─ Ela se corrige imediatamente ─
Bem. Sim. Eu era, ou achava que era. A verdade é
que por um longo período da minha vida eu achava
que era, mas quando conheci o Ryan eu descobri
que na verdade sou bi. Ah... ─ Mudava o peso de
uma perna para outra ─ A verdade é que eu já tive
uma queda por você, Mi, mas nunca disse nada,
porque é meio óbvio, não queria estragar nada. Mas
agora ferrei tudo. ─ Choramingava.
Sua cabeça girava. Era muita informação
para absorver. Agora o que sua amiga lhe dissera
sobre não estar em posição de cobrar nada fazia
todo sentido. Alexia também possuía seu segredo.
─ Lexi. Eu... Você não estragou tudo eu só
fiquei surpresa só isso...
─ Eu sei. Por favor, me perdoa Mi. Foi
impulsivo, não faço ideia do por que fiz isso, mas...
Agora não há nenhum segredo entre nós.
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─ Tudo bem Lexi. Não estou brava com


você, apenas deixe eu me recuperar do choque. ─
Ela sorria sem jeito e Alexia mordia o lábio se
sentindo culpada ─ Olha. Eu te amo, Lexi, mas não
desse jeito...
─ Eu sei, eu sei. ─ Ela interrompia ─ Eu
também não te amo desse jeito. Isso foi antes e era
apenas uma paixão boba. ─ Dava de ombros.
─ Você já contou ao Ryan sobre ser... Bi?
─ Ele sabe de tudo. ─ Ela assegurava ─
Menos sobre Nova Iorque. ─ Seu tom logo mudava
e seu semblante se entristece.
Sarah se aproxima e coloca um braço sobre
seus ombros.
─ Lexi. Eu sei e você também que ele vai
ficar muito feliz por você. O Ryan que eu conheço
não é do tipo que abandona ninguém de quem
goste.
Com um sorriso triste ela assente.
─ Me desculpe Mi.
Sarah afaga seu ombro.
─ Está tudo bem, Lexi. ─ Ela a guiava até a
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porta ─ Vem. Vamos contar aos outros e amanhã


você conta ao seu namorado.

Ethan fechava a porta de seu apartamento


atrás de Sarah.
O jantar, apesar daquele incidente estranho
no banheiro, fora perfeito e com motivos de
comemoração. Ficara feliz em ver Alexia manter
uma conversa com Ethan sem que um dos dois se
alfinetasse ou se estranhassem.
O fato de que agora ambas as amigas não
possuíssem mais segredos uma com a outra era
gratificante, parecia que um dos vários pesos que
carregava havia saído.
Ethan segue até o final do corredor onde
ficava o seu quarto e ao encontrá-lo é agraciada
com a visão dele apenas de cueca preta dobrando a
roupa que usara no jantar e a guardando.
Ela se aproxima e abraça suas costas largas
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esfregando seu tronco com as mãos.


Tinha algo a contar a ele que estava
guardando e buscando uma maneira melhor de
dizer.
─ Eu gostei de hoje. ─ Ele comentava ─
Robert parece ser um cara bom e David está feliz,
isso é tudo o que importa para mim. Ele merece.
─ Você também merece.
Sente suas mãos serem afagadas pela a dele
com carinho. Encosta a lateral do rosto em suas
costas e escuta sua respiração tranquila.
─ Ethan?
─ Sim Sarah?
─ Tem algo que quero lhe contar.
Devagar ele se vira e fita seus olhos. Sua
testa se franze.
─ Aconteceu alguma coisa? ─ Perguntava
preocupado.
Respirava fundo.
─ O semestre está terminando e... Todo
final de ano eu costumo passar com meus pais e...

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─ Faz uma pausa desviando seus olhos dos dele ─


Minha mãe me mandou uma mensagem hoje
dizendo que já reservou minha passagem para
Dublin.
─ Entendo. ─ Dizia em tom neutro ─ Então
você... Vai viajar?
Ela confirmava em silêncio.
─ Ah... Tudo bem. ─ Agora ele estava sério
─ Apenas pensei que poderíamos aproveitar o final
de ano para ir a algum lugar, mas... Eu entendo são
seus pais e sei que deve sentir a falta deles.
Sarah o encara e via o abatimento em seus
olhos mesmo ele sorrindo para convencê-la do
contrário.
─ Serão apenas dez dias. Depois eu volto e
podemos ficar juntos o restante das férias.
Ele afirma e passa o polegar eu sua
bochecha levemente.
─ Tudo bem, Sarah. Quando você voltar eu
estarei aqui te esperando. ─ Agora seu sorriso
alcançava seus olhos azuis a tranquilizando.
Ethan a envolve pela cintura e a traz ao seu

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encontro apoiando o queixo no topo de sua cabeça.


─ Você promete? ─ Ela perguntava junto ao
peito.
─ Prometo.
Ele se inclina e com um beijo calmo ele sela
sua promessa.

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“Era como se estivesse em algum planeta


distante, Urano ou Netuno, diante dos fenômenos
misteriosos aos olhos dos terráqueos. Eu olhava,
pensava e admirava com um espanto misturado a
certa dose de terror.”
Viagem ao centro da terra
Julio Verne

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Vamos lá, eu consigo! Pensava à medida


que se aproximava da casa do seu namorado. Eu
consigo, eu consi... Recua alguns passos antes de
chegar na porta da frente. Não eu não consigo!
Como dizer ao seu namorado que vai
estudar do outro lado do mundo? E, principalmente,
como dizer que beijou sua melhor amiga no
banheiro do apartamento do seu amigo gay? Ela
não tinha um bom pressentimento quanto ao que
estava por vir, não sabia qual seria a reação dele,
não conseguia adivinhar.
Cogitara várias vezes em esconder esse
“pequeno” segundo detalhe dele, mas não
conseguia, a culpa era tão grande dentro de si que
seu coração se apertava. Aprendera que mentiras e
segredos se tornam uma bola de neve tão grande
que quando bate de frente é capaz de te enterrar
vivo.
Mas será que mesmo assim não valia a
pena? Afinal fora apenas um beijo bobo.
Já estava parada na porta de entrada há
vários minutos quando enfim toma coragem o
suficiente para entrar. Alexia carregava em seus
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braços uma caixa de pizza do sabor favorito dele,


quem sabe uma tentativa de deixar as coisas mais
fáceis e descontraídas. Estava sendo movida pela
insegurança daquele encontro.
Na sala a cena é a costumeira. “Billy
Bomba” estava sentado na poltrona do canto com a
camisa mais apertada que encontrara no armário,
Patrick, que descobrira ser o nome do viciado em
vídeo game, alimentava seu vicio com algum jogo
de guerra qualquer e Luke assistia a tudo com um
sorriso sacana nos lábios e uma cerveja nas mãos.
O último é o primeiro a notá-la.
— Oi linda. Trouxe o almoço? — Ele
piscava e ela revira os olhos. Era sempre o mesmo
apelido ridículo.
— Sim, mas não para você.
— Então você fez alguma merda.
— Porque acha isso? — Se controlava para
não gaguejar.
— Porque se é para o Ryan, então deve ser
pizza de costela, a favorita dele, e isso deve ser
para agradá-lo, ou seja, você fez merda.
— Eu... Não fiz... Ahh... Nada. — Não
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tinha um autocontrole muito bom.


O sorriso dele aumentava.
— Claro que não.
— Então se a merda for muito grande isso
quer dizer que logo você estará disponível, gata. —
É a vez de Billy se manifestar.
— Nem vem Billy, eu sou o primeiro da fila
dessa vez.
— Não é não. É a minha vez, você
trapaceou com a última do Patch. — Ele inflava o
peito enquanto discutia, esticando mais o tecido da
camisa. Aquele botão tinha uma força invejável.
— É verdade Luke. — Patrick se
manifestava sem tirar os olhos da TV — Você
furou a fila agora vai para o final da lista.
— Do que é que vocês estão falando? —
Ela os interrompia — Posso saber o porquê vocês
estão discutindo quem vai me “pegar” primeiro?
Luke tem sua atenção, ignorando a pose de
homem das cavernas de Billy e a fita com um
sorriso malicioso.
— Aqui na Sigma nós pregamos a lei do
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compartilhamento.
Ela o questiona em silêncio.
— Compartilhamos as nossas garotas da
vez. Quando alguém termina um de nós vai lá e
pega. — Ele explicava com calma.
— Então criamos uma lista para organizar
quem será o próximo. — Billy continuava — A
mesma que Luke insiste em ignorar.
— Eu não ignorei, apenas achei que era a
minha vez. — Ele dava de ombros.
— Ryan sempre fez parte da lista, mas
depois que vocês começaram a namorar ele parou
com isso. — Billy tentava apaziguar a situação,
pois com certeza havia reparado na expressão de
completo espanto que ela tinha.
Aquilo tudo era um absurdo e perder tempo
com aqueles idiotas era mais ainda. Como Ryan
conseguia ser amigo deles? Era um mistério.
Alexia da às costas para os babacas de
direito, que novamente retornaram a discussão
sobre a tal lista, e segue para as escadas. Fora até lá
por outro motivo.

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Quando ela entra o quarto que já estava


familiarizada, encontra seu alvo sentado em sua
escrivaninha lendo um de seus livros. Sabia que ele
não a ouvira entrar, estava concentrado, uma
pequena fenda entre suas sobrancelhas podia ser
vista à medida que seus olhos azuis percorriam as
palavras nas páginas.
— Ryan? — Ela o chamava e o vê se
sobressaltar e virar em sua direção.
— Lex! — Um sorriso enorme se formava
em seu rosto e ela não pode deixar aquilo passar.
Amava aquele sorriso e a forma como ele a fazia se
sentir.
Vou sentir tanta falta disso.
Ela se aproximava timidamente deixando a
caixa de pizza em uma cadeira no canto.
— Você leu meus pensamentos, Lex. —
Ryan logo a abria e pegava um pedaço — Estava
morrendo de fome. Essa matéria está sugando
minhas energias. — Completava de boca cheia.
Ele solta um gemido enquanto dava
mordidas generosas na fatia.
— Não sabia que ia vir hoje aqui, ursinha.
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Ryan se levanta e limpa suas mãos na calça


preta de moletom que usava indo até ela e
enlaçando sua cintura com os braços para lhe dar
um beijo, mas ela o afasta. Precisava conversar
sobre os acontecimentos da noite passada. Quase
não havia dormido.
— Como estão suas mãos? — Ela dizia em
um tom sério e nada costumeiro.
— Estão bem. — Ele encarava o punho
direito que possuía um leve tom avermelhado — O
único problema é que não consegui bater uma hoje
de manhã, sou inútil com a mão esquerda. Seria
ótimo ter uma ajudinha. — Com uma piscadela ele
apontava com o queixo para baixo na direção de
sua virilha, seu sorriso patenteado se forma no
canto de seus lábios, mas logo ele percebe algo
diferente nela. Sabia que havia percebido que em
seus olhos não havia o brilho de sempre e então sua
feição alegre some. — Está tudo bem Lex?
— Ryan, precisamos conversar. — Ela dizia
a temida frase que todos os caras jamais gostariam
de ouvir da garota que gostam.
— Aí merda, o que foi que eu fiz? — Ele
arregalava seus olhos.
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— Senta aí vai. — Ela apontava para a


cadeira da escrivaninha e ele assim o faz sem ao
menos olhar para trás.
Alexia retira a caixa de pizza da outra
cadeira, a puxa se sentando de frente a ele com um
semblante sério. Buscava coragem para o que
estava por vir, buscava forças para falar.
— Eu... Fui... Aceita no programa de moda.
— Isso é maravilhoso, ursinha. — Um
sorriso enorme e orgulhoso se abre no rosto dele —
Eu sabia que ia conseguir e...
Ela o interrompe.
— Vou estudar em Nova Iorque.
E no mesmo instante o sorriso dele
novamente some. Para ela aquilo foi estranho, ver
Ryan Davis com aquela expressão era algo
extremamente raro e incomodo.
Depois de vários minutos que pareceram
uma eternidade ele quebra o silêncio.
— No final do ano que vem?
Ela suspira.
— Não... Abriu uma vaga para o próximo
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semestre e eu... Eu... Vou. — Ela finalmente dizia.


Silêncio, silêncio e mais silêncio. Aquilo
era insuportável. Ryan apertava seus punhos
machucados nos braços da cadeira.
— Ryan, por favor, diz alguma coisa. —
Suplicava.
— Você vai terminar seu último ano na
América?
— Sim. — Aquilo era a coisa mais difícil
que ela já havia feito, ou melhor a segunda pior
porque ainda tinha merda para ser jogada no
ventilador.
— Eu estou tão orgulhoso de você, Lex —
Um sorriso triste tomava suas feições e aquilo parte
o coração dela — Eu vou estar aqui quando voltar.
Isso não pode estar acontecendo. Pensava.
Nunca imaginou que esse momento
chegaria. O momento em que ela enfim admitiria
que amava Ryan Davis. Bom. Para falar a verdade
ela já sabia que o amava, não tinha como não amar.
Suspeitava que no momento em que ele lhe pagou
um sorvete para que ela pudesse chupar duas bolas
no dia anterior ao início do semestre, seu coração já
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sabia que era ele que ocuparia seu espaço vazio.


A forma como ele a tratava, como a fazia
rir, como sempre via o lado bom das coisas, como a
beijava e como faziam sexo era diferente de tudo
que já havia experimentado. Seu peito se
comprimia à medida que pensava em ir para longe
dele.
É estranho imaginar como as coisas
ocorreram desde que ela propôs se passar por sua
namorada até se tornar sua real namorada. A vida
por mais que a planejamos sempre tem seus
próprios meios.
Como diz o velho ditado. Cada um sente o
amor a sua maneira. Esse sentimento é algo
incontrolável que provoca tanto lágrimas quanto
risadas sem fim, mas ela suspeitava que não iriam
rir quando contasse o ocorrido com Sarah.
— Você vai ser uma modista famosa.
Organizar grandes desfiles. — Dizia animado — E
eu estarei aqui te esperando e fazendo todo mundo
assistir pela internet e dizendo: Quem fez aquele
modelo foi a minha namorada. — Apertava sua
mão com carinho.

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— Tem mais uma coisa que precisa saber.


— Ela o interrompia de novo.
— Tem mais? Vai me dizer agora que
Camille vai também? — Ele brincava.
Vamos lá Alexia. Você precisa fazer isso.
Não pode esconder. Ryan era sempre tão autêntico
que não conseguiria mentir para ele.
— Eu beijei a Mi. — Ela dizia rapidamente,
como se retirasse um band aid.
A expressão de surpresa que antes ele fizera
sobre a América, não era nem de perto comparada
com a que fazia agora. Pela primeira vez vira
decepção nos olhos daquele homem.
— Você... Você fez o que? — Ele se
afastava.
Merda!
— Ryan foi... Foi inocente um ato
impensável. Sinto muito. — Sussurrava as últimas
palavras.
— Acha que um simples sinto muito e uma
pizza ajuda, Alexia?
Ela se assusta e uma parte de seu coração se
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parte quando escuta seu nome dito por ele. Ryan


jamais havia a chamado de Alexia antes, nem
quando se conheceram.
— Não significou nada, Ryan... Não foi
nada demais. Eu... Eu... — Suas pernas tremiam e
parecia que seu coração saltaria de sua boca —
Nem sei por que fiz isso.
— Não acredito que fez isso comigo. — Ele
sussurrava desviando seus olhos e encarando seus
joelhos — Achei que tivesse superado isso.
— Eu... Não pensei direito na hora. Estava
contando a ela sobre Nova Iorque e... Ryan... Me
desculpa. — Dizia chorosa.
Ele esfregava as mãos no rosto e bagunçava
seus cabelos loiros.
— Eu não senti nada...
— E se tivesse sentido? — Ele a encarava
falando com rispidez. Nunca o vira daquele jeito —
E se você sentisse algo, Alexia? E se percebesse
que cometera um erro comigo? Pensou em mim por
algum instante?
— Sinto muito Ryan. Eu não sei o porquê
fiz isso. — Repetia.
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— Não sabe? Quer saber que eu te diga


então?
Fica em silêncio diante o jeito com que ele
se exaltava. Ela o machucara. Aquele Ryan estava
ali por causa dela.
— Você fez isso porque vai embora e
queria ver se tomou a decisão certa. Eu pensei que
você e eu... — Fazia uma pausa longa — Que
estava tudo certo. Que você gostava de mim.
— Ryan. — Apoiava os braços nos joelhos
se inclinando em sua direção — Você foi meu
primeiro cara. Me fez sentir coisas diferentes e
muito boas.
— Então o que sente por mim não é o
suficiente?
— Claro que é. — Fitava seus olhos tristes
— Eu sempre fui assim. Eu estrago tudo. Sempre
tive problemas em confiar nas pessoas, então eu te
conheci e tudo mudou de repente. O jeito com que
seguia minha vida se mostrou completamente
errada e incomum, então a dúvida e a insegurança
estragaram tudo e... — Ele a interrompia.
— Então ainda tinha dúvidas.
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Merda Alexia. Cala. A. Boca.


— Olha. Eu agradeço que tenha sido sincera
comigo. Sobre tudo. Não estou bravo com você.
Está decepcionado. Triste. Chateado.
— Mas você não foi justa comigo e
simplesmente beijou uma mulher por quem sempre
teve uma queda para acabar com suas dúvidas e eu
fui ignorado. — Desviava mais uma vez seus olhos.
— Tudo bem eu fui uma filha da mãe,
cretina. Eu sei disso, mas o que tenho que fazer
para você me tratar com um pouco mais de
dignidade? Você nem ao menos me olha nos olhos.
— Ela dizia chorosa. Tentava segurar as lágrimas,
mas elas eram mais fortes e escapavam de seus
olhos castanhos.
— Dignidade? — Ele a perguntava em um
tom que ela jamais pensou que ele falaria com ela e
a encara fixamente nos olhos — E você por acaso
me tratou assim?
A culpa é toda minha.
— Eu me sinto péssima.
— Que bom. Agora você sabe como estou

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me sentindo. Você por acaso pensou em mim


quando a beijou? Você esqueceu-se de mim mesmo
que por poucos segundos, então não será tão difícil
me esquecer quando chegar em Nova Iorque.
— Então é isso? — A dor era insuportável
— Acabou?
Ele nada dizia apenas a encarava respirando
com força.
— Acho que será melhor assim então. —
Ela continuava.
— Melhor para quem?
— Para você. Está decepcionado comigo,
me odeia agora. Não suporto ter que ver isso nos
seus olhos quando olha para mim.
— Que bom que sabe o que é melhor para
mim. Estou acostumado com as pessoas decidindo
tudo na minha vida. — Dizia de modo grosseiro.
Ele gira a cadeira abrindo seu livro na
marcação que fizera e roda um lápis entre os dedos,
um costume que tinha.
— Eu te amo. — Ela finalmente dizia as
palavras engasgadas a tanto tempo.

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Alexia espera que ele retribuísse. Que


aquelas palavras fossem mágicas e resolvessem
todos os problemas e anulassem toda a discussão
feita, mas aquilo não acontece. Ryan simplesmente
permanece de costas ignorando o fato do que ela
admitira sem demonstrar um mínimo sinal se quer
de que compartilhava daquele sentimento.
Tudo o que lhe restava fazer era levantar
com a pouca dignidade que ainda possuía e deixá-
lo. Não tinha mais volta o único homem que amou
na vida agora estava mais distante do que nunca.
Por culpa unicamente dela, um deslize que jamais
se perdoaria.
Quando toca a maçaneta a voz dele acende
uma chama de esperança em seu peito.
— Quando você viaja?
— Daqui uma semana.
De costas ele faz uma pausa longa. Seus
dedos batiam ritmadamente na madeira da mesa e a
mão livre bagunçava e puxava seus cabelos.
Quando acha que não vai dizer mais nada ele
continua.
— Boa viajem.
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E como um sopro na chama de uma vela,


aquelas palavras anulam suas esperanças por
completo. Ela acabara de perder a única pessoa
com quem fora ela mesma e quem a aceitara sem
julgamentos ou restrições.
Quando deixa seu quarto e alcança à rua ela
permite se desabar, não se importava com os
olhares curiosos. Começa a correr com toda
velocidade que suas pernas e seus sapatos
permitiam, ela só queria ir para casa e se enfiar
debaixo das cobertas. Chorar até dormir ou até não
restar uma única gota em seu corpo e partir de
Londres o mais rápido possível.
Sarah estava certa. Ryan não era o tipo de
cara que abandonava quem ele gostava, mas talvez
aquele fosse o tipo dela.

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“Quando te vi amei-te já muito antes


Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.”
Amo como o amor ama
Fernando Pessoa

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O email de seu amigo não saía de sua


cabeça. O lera tantas e tantas vezes que as palavras
perturbaram seu sono fazendo-o se levantar muito
mais cedo do que de costume e deixar o corpo
quente de Sarah na cama.

Ethan. Estou fazendo o que posso, mas ainda sem


muito sucesso. O conselho se mantém um pouco
hesitante quanto a revelar o nome que você quer,
mas sinto que estou chegando perto. Ainda não
entendo, assim como eles, o porquê quer saber
sobre isso e devo dizer que concordo em certas
partes com eles. Isso lhe fará bem? Mas estou
fazendo o que me pediu, como seu amigo e não
como médico.
Jared.

Sentia que fazia tudo no automático. Não


conseguia focar em nada além da página do e-mail
aberto.
Não havia motivo para seus antigos colegas
se sentirem “preocupados” com ele. Era algo que

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dizia a respeito de seu passado, de sua esposa,


então tinha que saber. Estava cansado de sonhar
quase sempre com a mesma coisa e não
compreender o que as palavras do homem na
ambulância significavam. Claro que não revelara o
real motivo de sua busca para Jarred, ele não
entenderia, acharia que estava ficando louco ou
procurando motivos onde não há nenhum.
Mas precisava saber. Queria acabar com o
enigma daquele sonho que nada mais era do que
um pequeno fragmento de lembranças daquela
tarde em Dublin. O homem que resgatara havia lhe
dito uma coisa que no dia, e por muitos que se
seguiram, não dera importância.
─ Ethan? ─ A voz é seguida por um leve
chacoalhar ─ Ethan?
Com a cabeça apoiada em suas coxas Sarah
o encarava aconchegada em seu corpo. Na TV o
filme de “Orgulho e preconceito” passava.
─ Está tudo bem? Você parecia... Irritado
com alguma coisa. ─ Se sentava ao seu lado com
olhar preocupado.
─ Estou bem. ─ Tentava parecer

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convincente ─ Apenas... Meus pensamentos


voaram. ─ Ele sorria ─ Não se preocupe. O que
estava dizendo? ─ Enlaçava sua cintura a puxando
para perto novamente e encaixa a cabeça dela
confortavelmente sobre seu peito.
─ Estava dizendo que essa é minha parte
favorita. ─ Dizia novamente empolgada. Sarah
apontava para a tela. ─ Veja. É a declaração de
amor mais perfeita de todas.
Darcy e Elizabeth estavam na famosa cena
da tempestade. Após ela descobrir quem fora o
responsável pela separação de sua irmã. Ele a fitava
e dizia as palavras que muitos amantes daquele
romance se derretiam.
─ Lutei em vão e não consigo mais
aguentar. ─ Sarah repetia as palavras do
personagem com precisão ─ Estes meses tem sido
um tormento. Vim para Rosings com o único
objetivo de vê-la. Lutei contra meu bom senso...
Ethan a encarava sorrindo, maravilhado
com a paixão com que ela pronunciava
perfeitamente cada palavra. Ela sentia cada ponto,
cada vírgula e era impossível com que ele não as
sentisse também.
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─ Peço-lhe para acabar com minha agonia.


Eu te amo. Ardentemente.
Então ela se derrete no sofá deixando seu
corpo escorregar pelo assento.
─ É tão perfeito. ─ Olhava para a TV
nitidamente apaixonada ─ Darcy é simplesmente
maravilhoso.
─ Seria muita maldade de minha parte dizer
que essa cena não existe no livro? ─ Ele a
provocava.
─ Existindo ou não, ela não deixa de ser
perfeita. E respondendo sua pergunta. Sim, seria,
mas já estou acostumada que você gosta de ser
estraga prazer de vez em quando.
Seus olhares se encontram e ele a fita de
cima.
─ Um perfeito senhor Darcy. ─ Ela mordia
seu próprio lábio em um convite tentador ─ Com o
mau humor e tudo.
Lendo seus pensamentos e suas vontades,
ela se levanta ficando de joelhos no sofá e toca seus
lábios com os dela em um beijo calmo e demorado.

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─ Pelo jeito conhece as falas décor. ─ Dizia


ele acariciando a língua dela com a sua.
─ Sei muitas mais. ─ Com as mãos em sua
cintura ele a guiava para seu colo e ela se senta ─
Pode citar qualquer uma que eu vou adivinhar de
qual clássico que ela pertence.
─ Isso é um desafio?
Um sorriso travesso surge nos lábios dela
enquanto seus dedos mergulham nos cabelos
escuros dele.
─ Você escolhe o que quiser se eu perder e
vise e versa.
─ Confiante, hein? ─ Ele interrompia o
beijo e estreita os olhos ao tentar se lembrar de
algum trecho. ─ “Encontrei você. Você é minha
afinidade, meu anjo bom. Estou ligado a você por
laços muito fortes”.
Um sorriso triunfante se abre no rosto dela.
─ Essa é fácil. Jane Eyre.
─ Comecei com uma fácil para você ir se
aquecendo. ─ Ele se ajeitava no assento. ─ Ahh...
“Corações nunca serão práticos enquanto não

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forem feitos para não se partirem”.


─ O mágico de Oz. Ethan, ache uma mais
difícil. ─ Cruzava os braços na frente do peito.
─ Ok. Senhorita “conheço todas as citações
do mundo”. Quero ver acertar essa. ─ Respirava
fundo ─ “Há expressões no olhar que não estão na
língua e há mais contos em lábios pálidos do que
entram pela audição”.
O sorriso convencido dela some. Leva o
dedo ao queixo em pose pensativa.
─ Ok. Você venceu essa. ─ Suspirava
derrotada
─ Longe deste insensato mundo.
─ Não conheço esse.
─ Nunca leu esse? ─ Ela negava com a
cabeça ─ Sério? É muito bom. Todos os amantes
de clássicos deviam ler.
Ele conhecia muito bem aquele livro. Era
um de seus favoritos, mas que há tempos
abandonara o hábito de lê-lo. Era impossível pensar
naquela história e não se lembrar de sua Margot.
Nos momentos que passaram juntos

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compartilhando aquelas páginas.


Consequentemente mais uma vez seus
pensamentos se preenchem com o e-mail. Será que
aquilo era o que deveria fazer? Não estava ele
correndo um risco? Pois não sabia como seria a
maneira que reagiria ao descobrir. Não era melhor
não querer saber o nome e manter sua decisão de
anos atrás?
Não. Pensa convicto. Não importava o que
seus colegas diziam. Ele precisava saber. Precisava
acabar com a ignorância, com a falta de
informação. Talvez servisse para ver de que alguma
maneira a dor e a despedida não haviam sido em
vão, que alguém continuaria por ela.
─ Ethan? ─ Irritada ela sai do seu colo ─ O
que você tem?
Antes que ele possa formular sua resposta
padrão ela o interrompe.
─ E não me venha com essa história de...
“Estou com a cabeça cheia” ou “São coisas do
trabalho”. ─ Fazia as aspas com os dedos ─ Tem
alguma coisa errada. Você está estranho desde
ontem e sei que está me escondendo algo, mas não

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quer me contar.
Sarah o olhava fixamente e tinha os braços
cruzados. Ela não estava para brincadeira.
─ Sarah... Eu... ─ Ela o interrompia de
novo.
─ Não Ethan. Não vem com conversa fiada.
Por que você não confia em mim por completo?
Por que não me conta o que está acontecendo? Eu
quero saber. Quero te ajudar. ─ Dizia quase
implorando ─ Você me pediu ajuda, lembra? Mas
para isso preciso saber o que está acontecendo.
Parece que você não está aqui de verdade e eu
estou tentando deixar de lado, mas está ficando
difícil.
Realmente aquilo era um feito. Ela
aguentara mais de 24 horas sem fazer perguntas
mesmo estando incomodada.
─ Confie em mim, por favor. ─ Lhe
implorava outra vez.
Ethan abre e fecha a boca várias vezes, não
sabia por onde começar. Como poderia ser sincero
com um assunto como aquele? Como explicaria?
A julgar pela irritação crescente de Sarah,
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acreditava que o tempo para ele lhe responder algo


fora excedido, pois no segundo seguinte ela parte
para o corredor pisando firme. Respirando fundo
ele se levanta e vai atrás dela e encontra sua figura
pequena dobrando uma peça de roupa e a
colocando na mochila.
─ O que está fazendo? ─ Ethan perguntava.
─ Para falar a verdade eu não sei, Ethan, e
acho que você também não. ─ Seus olhos estavam
marejados ─ Você está arrependido? É isso? ─
Apontava para eles.
─ O que? De onde tirou isso, Sarah? ─ Se
aproximava dela e a cada passo ela recuava outro.
─ Eu não sei mais o que pensar. ─ Jogava
os braços para cima ─ Não consegui dormir direito,
passei a noite tentando entender o que estava
acontecendo e... Você está querendo terminar e não
sabe como me dizer?
─ Não... Eu... ─ Ele gaguejava, não
compreendia o raciocínio dela.
─ Sabe Ethan, eu queria muito que
pudéssemos sair na rua de mãos dadas sem termos
que viajar para outra cidade. Queria poder beijar
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você a hora que quisesse na frente de qualquer um.


Te apresentar para as pessoas. Poder ir aos lugares
com você, mas tudo o que fazemos é ficar aqui. ─
Indicava seu apartamento ─ Eu queria muito tudo
isso, e eu entendo que a gente não poderia, mas... ─
As lágrimas que segurava começam a escorrer e
Ethan se odeia por ele tê-las causado ─ Me
desculpe, eu... Não devia estar falando essas coisas,
eu...
Tenta enxugar as lágrimas inutilmente com
o dorso das mãos.
─ Não sei mais nem o que estou falando. ─
Soltava um riso nervoso ─ O que vai acontecer
semestre que vem? Mesmo que não me de aula
você continuará sendo professor da universidade.
Será que um dia isso vai mudar? Ou ficaremos
nessa durante os quatro anos que eu estudar lá? ─
Mais lágrimas começam a cair molhando suas
bochechas rosadas ─ E se algo mudar? E se a gente
mudar nesse tempo?
Podia ver como tudo aquilo a incomodava.
Sentia que ela dava voz aquelas duvidas e
inseguranças pela primeira vez, essas que também
faziam parte de seus pensamentos. O que ele
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poderia fazer? O que poderia dizer?


Com cautela se aproxima do corpo choroso
de Sarah que se apoiara na porta fechada do seu
closet. Ela fitava o chão enquanto apertava e torcia
a camiseta que usara ontem.
Com calma ele toca suas mãos e retira a
peça de roupa a colocando de lado. Encaixa os
dedos em seu queixo o erguendo fazendo-a o olhar.
Ao se inclinar suas testas se encontram e com os
olhos fechados, ambos, apreciam o contato.
─ Sinto muito... ─ Ele dizia ─ Por não
poder te dar isso tudo o que quer e merece, mas
essa é a nossa realidade.
─ A culpa não é sua. Eu sabia onde estava
me metendo. ─ Ela abraçava sua cintura ─ É só que
às vezes sinto falta disso.
─ Eu sei. ─ Suas respirações se misturavam
─ Eu não prometi que estarei aqui quando você
voltar de viagem?
Ela confirma. Ambos ainda de olhos
fechados.
─ Então. Você já tem as respostas para as
suas perguntas.
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Com a mão empalmada em seu abdômen


ela a escorre até seu peito e dele até sua nuca o
enlaçando em seus braços.
Dentro do seu peito seu coração batia forte
e tremia conforme os dedos dela excitavam a pele
de seu pescoço. As batidas eram ritmadas e
precisas, não sabia como ela não as ouvia, ou
ouvia?
Era assustador a força que ela exercia sobre
ele. O poder que tinha em fazer cada centímetro de
sua anatomia responder a ela. Ele, como sempre,
estava preso em sua gravidade e rodando em sua
órbita.
─ Você está certo. Vamos viver cada dia. ─
Seu hálito quente fazia cócegas em seu queixo.
─ Hoje é tudo o que posso te oferecer
agora. ─ Acariciava seu rosto com a ponta dos
dedos.
─ O hoje é tudo o que eu quero.
Sarah se aproxima mais encostando seu
quadril em seu corpo e ficando na ponta dos pés
para depositar um beijo na curva do pescoço dele.
─ Acho que eu... ─ Ele deixa um gemido
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escapar ─ Vou querer o meu prêmio agora.


Eles se afastam apenas centímetros
suficientes para se olharem. O par de castanhos
intensos e lindos dela o capturam, se transformando
no ponto de fusão entre eles.
No segundo seguinte seus lábios a
envolviam, recebendo sua boca e sua língua
buscando por território. Sarah buscava intensificar
seus movimentos, abrindo o botão da calça dele
com mãos apressadas. Era o que estavam
acostumados a fazer, tudo com explosão de ações e
de beijos sôfregos, mas seu coração, há muito
envenenado pela culpa e cheio de cicatrizes, pedia
por algo diferente, e era ele quem o comandava.
Ethan pega os pulsos dela, dando fim a
urgência. Leva cada uma das mãos até seus lábios,
beijando suas palmas para depois as colocar sobre
seu peito. Afasta os fios longos e negros dela de seu
rosto e ele é recebido com um sorriso perfeito.
Sabia o que estava acontecendo. Conhecia
aquelas necessidades de seu coração. O que pensara
que nunca mais aconteceria se tornara real.
Como não percebera em que ponto havia

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chegado? Sorrateiramente ela se infiltrou e


preencheu o vazio que forçara em manter dentro de
si. Pegara cada uma de suas feridas e tivera a
habilidade de fechar todas. Por mais que procurasse
não conseguia vê-las. Pegara um caminho sem
volta e nem percebera.
Ele deita seu corpo, agora nu, com cuidado
na cama, incapaz de quebrar o contato visual. Em
seu peito seu coração fazia de tudo para ser ouvido.
Algo estava diferente. Não havia pressa, por mais
que gostasse de possuí-la com força e intensidade,
mas daquela vez ele queria saboreá-la, venera-la e
cultua-la da maneira que seu coração dizia ser o
certo.
─ Você é uma má influência para mim. ─ A
ponta de sua língua contornava o lábio inferior
dela.
─ Por quê?
─ Porque eu não consigo fazer mais nada
além de ficar na cama com você.
Sorrindo ela convida sua boca para a união.
Empurrando-o levemente ela o coloca de costas
subindo sobre ele, veste seu membro rígido com o

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preservativo e lhe dá o que tanto queria. A visão


que tinha era a mais perfeita de todas.
Sarah cavalgava sobre ele em ritmo
desacelerado, seus cabelos longos e ondulados
caíam e cobriam seus seios, ela mordia seu lábio
inferior com seus olhos ainda conectados.
Lentamente suas mãos percorrem a lateral do
próprio corpo até tocarem e massagearem seus
seios redondos e pesados, deixando escapar um
gemido longo e extremamente excitante.
Ele apertava suas nádegas com mais força
todas as vezes que sentia o interior quente e úmido
dela se apertar ao envolvê-lo. Ethan gemia com o
nome dela em seus lábios em um suplica por mais.
Ela começa a cavalgar com mais rapidez investindo
sobre ele com força, os gemidos dela se
transformando em gritos de prazer, Sarah se apoia
com as mãos sobre o peitoral dele cravando
levemente as unhas em sua carne.
O calor que alastra pelo corpo dele era algo
que há tempos não sentia. Era como quando os
raios de sol do verão tocam pela primeira vez a
água do rio que após um longo e rigoroso inverno
acreditava que aquela era e seria sua única
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realidade. Mas assim que a costa é iluminada e o


calor é sentido a água percebe que o tempo que
esperara fora o suficiente e que valera a pena. O sol
dominava tudo o que tocava e forçava o inverno a
ir embora.
Ele que por muito tempo se mantivera
submerso naquelas águas escuras, agora percebera
que as correntezas e tempestades que enfrentara na
verdade o estavam guiando direto para casa.
A boca dele envolve seu seio livre
excitando seu mamilo com a língua ao se sentar
com ela ainda em seu colo. Sarah bagunçava e
puxava seu cabelo. Quando a deita ela agarra suas
costas enquanto ele deslizava sem dificuldade para
dentro dela. Seus lábios explorando e sugando o
pescoço dela.
Quando novamente seus olhos procuram
pelos dela ele vê o que mais temia. Neles ele
encontrara reciprocidade. Ela se apaixonara. O que
não podia acontecer se realizara, ele era
correspondido.
Sarah leva as mãos até seus cabelos e afasta
alguns fios da testa suada, e ao seu toque ele fecha
os olhos. Suas certezas haviam sumido, suas
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defesas estavam por terra. Ele estava vulnerável,


desprovido de qualquer proteção. Era ele ali, o
Ethan, completamente ele, de corpo, alma e
coração. Tudo pertencia a ela. Naquele instante ele
sabia que não haveria volta, e pela primeira vez o
errado parecia ser o certo.
Eles estavam em sincronia, ele se
movimentava e ela o recebia. Ambos sedentos um
pelo outro, mas sem pressa, sem preocupações, sem
relógio e tempo, estavam se sentindo, se
descobrindo e provando, seus corpos unidos assim
como suas almas e seus corações em um compasso
perfeito.
Sentia ela se apertar mais ao redor de seu
membro, ela estava quase lá, conhecia a linguagem
do corpo dela. Quando o ápice a atinge uma onda
quase incontrolável de prazer desperta dentro dele,
não demorando muito para ceder e se liberar.
Ofegantes e satisfeitos eles encaravam o
teto do quarto, com o silêncio os cobrindo.
─ Hoje... ─ Ela dizia ─ Foi diferente. Por
quê?
Ao virar o rosto na direção do dela encontra

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suas faces coradas com olhos curiosos o fitando.


Ela era linda, perfeita e feita sob medida
para seu deleite.
─ Fecha os olhos. ─ Ele pede e ela estreita
os olhos, desconfiada, mas mesmo assim o faz.
Respirava fundo. ─ Sente?
─ O que?
─ Dor?
Ela negava.
─ Nem eu.
Rapidamente as pálpebras dela se abrem e
sua íris castanha o fita com nítida surpresa. Um
sorriso vai se espalhando por sua face delicada.
Sarah se aproxima ficando sobre seus cotovelos e
beijando-o nos lábios com carinho. Ela deita sobre
seu peito e se aconchega no seu calor.
─ É surpreendente. ─ Ele sussurrava no
escuro.
─ O que?
─ A vida. Nós passamos muito tempo
acreditando e vivendo de uma maneira, mas então
algo acontece e com isso vêm às mudanças, e eu
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nunca pensei que poderia ser surpreendido de novo.


─ A vida precisa dessas surpresas de vez
em quando. Senão qual seria a graça?
Ela relaxava em seus braços e solta um
longo bocejo. Via suas pálpebras pesando
denunciando seu cansaço.
─ Boa noite, O’Connor. ─ Dizia para a
figura adormecida enquanto acariciava suas costas.
A vida é inconstante. Quando se menos
espera e de quem você menos espera ela acontece,
e então aquilo que você achava se tratar de uma
vida não é nada além de sobrevivência.
Algo que começara apenas como sexo, um
auxilio e tentativa de cura de ambos, crescera e se
transformara em algo bem maior e forte do que
previam. Tinha que admitir que nunca imaginara
que isso iria acontecer. Talvez subestimara o poder
que aquela mulher possuía.
No lugar em que mais queria estar no
mundo, ele sente o sono chegar e abraçado à única
mulher que desejava ele nomeia o sentimento
gritante de seu coração.
Ele a amava.
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“Todo mundo é capaz de dominar uma dor,


exceto quem a sente.”
Willian Shakespeare

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O Hyde Park é um dos principais pontos


turísticos de Londres. Uma ampla área arborizada
localizada no centro da capital, dando cor e ar
fresco em meio a poluição e a paleta de tons
acinzentados que a velha cidade possuía. Um dos
lugares favoritos dos ingleses para se passar o
tempo e curtir as raras aparições do sol.
Quando o avista você é recebido por um
enorme e monumental portão de pedra datado do
século 19. Mesmo naquela época do ano, ao passar
por ele, se é acolhido pela vastidão de uma visão
monocromática de verde, às vezes sendo pontuada
por outras cores vindas de seus visitantes.
Ethan se lembrava de que quando criança
sua mãe, Patrícia, costumava levá-lo para patinar
ali, em uma época muito antes do pai de David
aparecer em suas vidas. Uma época em que ainda
não entendia muito bem o conceito da perda e o seu
peso. Era apenas uma criança que não compreendia
porque seu pai um dia não estava mais com eles
tomando café da manhã e que sua mãe, quando a
questionava, dizia que ele tivera que ir embora para
se juntar com as outras estrelas do céu, e que por
várias vezes, de noite pela janela, olhava para o alto

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e tentava imaginar como que alguém virava uma


estrela.
Depois que retornara a Londres, essas suas
visitas semanais de antes se reduziram a zero.
Seguindo pelo lado esquerdo do parque, ele
caminhava em silêncio com seu irmão ao seu lado.
David apreciava tudo com um sorriso sempre gentil
nos lábios. Sabia que diferentemente dele, David,
era um grande frequentador local.
Como em todo inverno o ar estava gélido e
o vento não perdoava as partes de pele expostas.
Ainda não haviam sido presenteados com a neve,
coisa rara de se ver na capital, mas a julgar pela
queda drástica da temperatura que acontecera
nesses últimos dias aquilo logo aconteceria.
O Rose Garden logo aparece, rodeando-os
com suas flores, rosas de todos os tamanhos e cores
transformando o lugar em um cenário perfeito para
os amantes, os maiores frequentadores. Vários
deles se aproveitavam do aconchego e privacidade
que aquele lugar proporcionava, abraçados, de
mãos dadas ou até mesmo se beijando.
Quando se deparam, mais a frente, com o

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memorial do holocausto, ele soube que estavam


próximos do destino, o rio Serpentine. Esse que
praticamente divide o parque em dois, deixando o
Hyde Park a leste e o Kensington Gardens a oeste.
Eles percorriam a borda esquerda do rio se
mantendo no Hyde Park. Vários visitantes, de
moradores locais a turistas, caminhavam e
passavam por eles e quando um homem
empurrando um carrinho de bebê cruza com eles,
David quebra o silêncio.
─ Eu amo este lugar. ─ Ele fitava o rio com
admiração ─ É tão calmo, mesmo quando está
lotado.
─ Sim é verdade. Só que ainda estou
tentando entender o porquê me trouxera para cá.
─ Porque você precisa sair do seu mausoléu
de vez em quando. Até mesmo o conde Drácula
arranja um tempo para esticar as asas.
─ Acredito que o conde Drácula não tinha
aulas para preparar.
─ Ethan. O semestre acabou há menos de
uma semana. Você consegue relaxar um pouco?
Tem tempo suficiente para afiar seus instrumentos
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de tortura. ─ Gesticulava mostrando ao redor ─


Apenas aproveite ok? Não há nada melhor do que
passear sem pressa pelo Hyde Park com o seu
irmão favorito.
─ E eu tenho outro? ─ O provocava com
um meio sorriso nos lábios enquanto caminhava
olhando para frente.
David ri e aperta mais os braços cruzados
juntos ao seu corpo quando uma breve rajada de
vento os pega.
─ Falei com o papai hoje e... ─ Falava com
cuidado, medindo as palavras ─ Ele está bem feliz
por você estar saindo com alguém.
Ethan solta um longo suspiro e seu maxilar
se retesa um pouco.
─ Claro que você contou a ele. ─ Ethan
resmungava.
─ Porque não contaria? Ele é nosso pai.
─ Seu pai. ─ Ele o corrigia.
Agora era a vez de David respirar fundo.
─ Ele é seu pai também e você sabe disso.
Sem aviso, Ethan para no meio do caminho
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e fica de frente para o rio, calmo e escuro. Fingia


estar atento a uma família de patos que nadavam
por perto.
─ Devia ligar para ele. ─ Seu irmão
continuava.
─ Para que? ─ Dizia com frieza ─ Para
ouvir mais um sermão que ele escreve para usar
com seu público na igreja aos domingos? Ou que
me venha dizer que entende o que passei e que sabe
o quanto o amor dói? ─ Ria com ironia ─ É muito
hipocrisia vindo de alguém que nunca amou nossa
mãe.
─ Ele cuidou dela até o fim, Ethan, fez tudo
por ela... ─ Ele é interrompido.
─ Aquilo não era amor, David, era remorso.
─ Cerrava os punhos dentro dos bolsos das calças
─ Contou também que Sarah é minha aluna? Assim
ele pode escrever um sermão novo e mudar o
repertório.
─ É claro que não. E você sabe que ele se
arrependeu do jeito que tratava a mamãe.
─ E se redimiu como? Te expulsando de
casa aos 17 anos quando você disse que era gay? ─
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Dizia sem fitá-lo, mas podia senti-lo parado ao seu


lado e que seus olhos estavam sobre ele.
─ Ele também se arrependeu disso. ─ Os
dedos de seu irmão tocavam de leve seu ombro ─
Eu o perdoei devia tentar fazer o mesmo. Ele se
preocupa com você.
─ Eu estou bem. Não preciso dele. ─
Arfava ─ Sempre me virei sozinho.
Para ele o assunto havia sido encerrado.
Não queria e não iria passar seu tempo falando
sobre aquela questão. Paul era um assunto que, se
dependesse dele, nunca entraria em pauta. Uma de
suas várias cicatrizes tinha o nome de seu padrasto.
Perdoá-lo. Aquilo seria impossível. Como
fazer isso com um homem que jurara, perante o
altar da igreja que ele tanto adora, que amaria,
protegeria e cuidaria da mãe deles, mas que
descobrira em seus vícios um relacionamento muito
melhor?
A repudia que sentia por ele e por seus atos,
Ethan, duvidava que algum dia sumiria de repente.
Quando Patrícia adoecera, magicamente, Paul
decidira ser um marido presente assim como um

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pai. David adorara aquele tipo de atenção vinda


dele, mas Ethan ele não enganava, era bem mais
velho que o irmão e já compreendia o que a palavra
remorso significava. Quando a mãe deles morrera
tudo o que receberam fora o abandono e o silêncio
vindo daquele homem. Quando mais eles
precisaram de um pai, se viram sozinhos.
David como sempre era determinado em
defender seu ponto de vista, isso eles tinham em
comum, mas antes que ele possa jogar outro
argumento sobre o pai perfeito deles, Ethan o corta.
─ Você me trouxe aqui para conversar
sobre o Paul? ─ Dizia irritado.
Assim com ele conhecia o irmão caçula que
tinha, o outro também o conhecia muito bem, então
se cala retirando a mão que ainda mantinha em seu
ombro.
─ Ótima escolha. ─ Ethan dizia.
Ele volta a caminhar pela lateral do rio com
David o acompanhando de perto.
─ A Mi deve estar bem animada para a
viagem, não é?
─ Sim. Ela está. ─ Sua voz nada além de
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um resmungo.
─ E você pelo visto não.
─ Eu estou feliz por ela, afinal faz muito
tempo que não vê os pais e eu entendo isso. É só
que... ─ Suspirava ─ Eu não sei. Estou com uma
sensação estranha que não está me deixando dormir
direito.
Uma muito similar a que sentira com
Margot após se despedir dela ao telefone. Mas
preferira manter esse detalhe longe de seu irmão,
que como todo bom irlandês, era supersticioso.
Aquela sensação na boca do estomago não o estava
deixando em paz.
─ Será apenas 10 dias, Ethan. Passam
rápido. Ela disse que volta antes do ano novo.
Talvez esteja ansioso ou... Preocupado.
Se ele estava preocupado? Muito.
Maneia positivamente a cabeça. O tempo
sempre passa rápido, e era exatamente esse um dos
problemas. O fatídico dia da viagem estava mais
próximo do que nunca e a saudade já estava
apertando.
Não queria pensar sobre isso. Estava há dias
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tentando ignorar e esquecer.


Quando olha ao redor, tentando forçar seu
cérebro a pensar em qualquer outra coisa,
reconhece onde estavam. Haviam chego a Rotten
Row.
─ Você sabia que essa via foi a primeira
iluminada artificialmente em toda a Grã-Bretanha?
─ Indicava o caminho coberto pelas copas das
árvores. Em uma tentativa de mudar o rumo da
conversa.
─ Não. Mas é claro que você sim. Só me
pergunto como sabe disso?
─ Assisti um documentário uma vez sobra a
Londres do passado. Aqui é uma antiga rota real. O
rei no século 17 tinha asma, então ele queria fugir
de toda a poluição da cidade, e aqui era usada como
estrada para a sua carruagem, e foi ladeada com
mais de 300 luminárias a óleo para iluminar o
caminho.
─ Você é uma enciclopédia ambulante.
─ Apenas gosto de descobrir coisas novas.
─ E também possui uma habilidade para
mudar de assunto que me espanta. ─ David o
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provocava.
─ Possuo vários talentos que te espantam.
─ O mais marcante deles é a humildade.
Ambos riem.
A caminhada continua passando em frente
ao memorial da princesa Diana e logo cruzando a
ponte do rio Serpentine onde resolvem fazer uma
parada e admirarem a vista do rio por outro ângulo.
─ Pelo menos... ─ Dizia Ethan ao apoiar os
cotovelos na armação de pedra da ponte ─ Vamos
estar juntos no natal. Eu, você e um belo macarrão
a Carbonara. O nosso favorito.
Algo estranho acontece a seguir. Recebe o
silêncio total de seu irmão caçula. Nem uma
confirmação ou um comentário animado. Se não
estivesse vendo David ali, juraria que ele havia ido
embora.
─ Então... ─ Um olhar culpado e um sorriso
sem graça tomam as feições de David ─ Era sobre
isso que queria falar com você. ─ Coçava o queixo
com desconforto.
─ Então foi por isso que me trouxe aqui. ─

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Ethan constatava.
─ Não completamente, mas eu ia aproveitar
para dizer que... ─ Ele pigarra ─ Os pais do Bob
me convidaram para passar a semana do natal com
eles, e... ─ Ele se apressava em dizer ─ Claro que
você está convidado.
─ Você deve ir. Não se preocupe comigo.
─ Mas você pode ir comigo. Eles querem te
conhecer também e... Eu... Não quero te deixar aqui
sozinho. Então... Já sei. Eu não vou. Isso mesmo.
Melhor. ─ Falava tudo rapidamente já pegando o
celular do bolso.
─ Não Dave. ─ Segurava o braço dele ─
Não desmarque por mim. Você tem que ir, seria
uma desfeita muito grande se não fosse. Eu vou
ficar bem. ─ Tentava tranquilizá-lo ─ São apenas
alguns dias e como você disse, passa rápido.
─ Ethan... ─ É interrompido.
─ Isso não está aberto à negociação. Você
vai e pronto. Vá aproveitar eu vou ficar aqui
esperando Sarah voltar. Não quero que viva em
minha função. Já tomei muito da sua vida.
Quando tudo mudara, Ethan passara ser a
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dedicação diária de seu irmão. Por sua causa,


David, paralisara um ano inteiro de sua vida,
simplesmente para acompanhá-lo. Era ele quem
fazia tudo. Limpava, cozinhava, lembrava-se de
seus remédios, das consultas com terapeutas. Era
sua companhia quando nem ao menos queria uma,
mas nem sempre queremos o que precisamos.
─ Apenas fiz o mesmo que você fez e faria
por mim. Você sempre esteve lá quando eu
precisei. Você praticamente me criou, Ethan. Me
acolheu quando não tinha para onde ir. Você e
Margot. Sabe muito bem que eu te amo, seu velho
ranzinza. ─ Esbarrava seu ombro no dele lhe
extraindo um sorriso largo. Com ele amava aquele
garoto.
─ Então. Você e o Bob. Está ficando sério,
hein?
Um sorriso de adolescente apaixonado
surge no rosto de David.
─ O que você acha dele?
─ Bem. ─ Suspirava fitando mais uma vez
o rio abaixo deles ─ Pelo pouco que conheço, ele
parece ser uma ótima pessoa. É mais velho,

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formado, trabalha, mas para mim o que importa


mesmo é se ele te faz feliz. Não acho que qualquer
um mereça você.
─ Eu... Sou muito feliz quando estou com
ele. Bob faz com que eu me sinta alguém melhor do
que sou. Ele me trata bem, como se eu fosse
importante para ele, vital.
─ Alguém aqui se apaixonou.
As faces dele ficam avermelhadas por
debaixo da camada fina da barba por fazer ao
confirmar.
─ Eu só quero para você o que você
merece. O melhor. Nada menos que isso.
De costas, David, apoia os cotovelos na
ponte enquanto encarava o lado oposto ao dele.
Bons minutos se passam antes que novamente o
silêncio seja corrompido, só que dessa vez por
Ethan.
─ Recebi um e-mail do Jarred outro dia.
Abruptamente os olhos de David recaem
sobre ele.
─ Você ainda está com essa ideia na

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cabeça? ─ Seu irmão tinha os olhos arregalados.


─ Não vou desistir. Preciso saber onde está.
Preciso ver que ainda uma parte dela vive. Talvez
para que eu consiga viver também. ─ Confessava.
Talvez fosse o que precisava para seguir em
frente. Ver com os próprios olhos de que ela
deixara um legado. De que não havia sido em vão.
Era seu ultimo recurso para tentar preencher por
completo seu coração de paz. Não custava tentar.
Talvez fosse isso que seu sonho significasse. Que
ele tinha que ir atrás para se perdoar.
─ E o que ele lhe dissera? ─ David
perguntava.
─ Que ainda não conseguiu convencer
todos do conselho, mas que estava perto.
─ Isso tudo é ótimo, Ethan. Fico feliz que
esteja tentando superar tudo. Mas você acha que te
fará bem? Descobrir sobre o coração.
Bufava com leve irritação.
─ Não sei por que vocês se preocupam
tanto.
─ Sabe que seu histórico não é muito

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favorável. Você sofreu muito na época e muitos


juravam que nosso pai iria enterrar um dos filhos
antes da hora.
─ Isso foi há um tempo.
─ Me conta. Todo esse papo sobre seguir
em frente tem a ver com a Mi? Está fazendo isso
por ela?
Após um tempo calado, pensando no que
lhe responder, Ethan percorre as mãos nos cabelos
e prossegue.
─ Outro dia tivemos o início de uma
discussão. Ela deseja coisas que eu atualmente não
posso dar. Isso a incomoda e a mim também, mas é
nossa realidade. Eu não tiro a razão dela. Não é
justo submetê-la a isso. ─ Suspirava ─ Talvez aja
uma solução.
─ Não vai desistir da sua carreira
novamente, não é?
─ Não. Claro que não, mas talvez exista
outro modo. Faz uns dias que estou pensando nisso.
Não suporto vê-la presa, e por várias vezes já
cogitei a ideia de terminar tudo, mas eu não
consigo, preciso dela.
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─ Você bola artimanhas para poder agrada-


la, até mesmo que isso altere a sua vida e ainda
insiste que vocês não têm algo sério. ─ Ele revirava
os olhos.
─ Nós nunca conversamos sobre isso. O
que temos não tem título. Tudo em nossa relação é
muito complicado.
─ Que relacionamento, não é? Ethan se
você já encontrou uma possível solução é porque
está mais do que na hora de conversarem sobre o
assunto.
Um bip vem do celular do bolso de seu
irmão, que ao pegá-lo e encarar a tela um vinco se
forma entre suas sobrancelhas.
─ O que houve? ─ Ethan perguntava
preocupado.
─ É a Mi. Lexi acabou de entrar no avião e
o Ryan não apareceu. ─ Exalava o ar cansado
deixando seus ombros caírem ─ Ele é tão teimoso.
─ Sarah me contou o que houve. Ele te
disse algo?
─ Antes de vir aqui me encontrar com você
estava lá na casa dele tentando colocar juízo
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naquela cabeça, mas ele disse que estava


respeitando a decisão unilateral da Lexi. Que ela
escolheu terminar tudo e que ela não lhe dera
escolha. Blá blá blá.
─ Acha que eles um dia vão se resolver?
─ Não sei. Mas é uma pena, eles eram
perfeitos um para o outro. Daquele tipo que você
bate o olho e vê a química e a sintonia.
─ Às vezes dar um tempo é o que eles
precisam.
─ Tomara que sim.
Ao olhar o relógio em seu pulso nota que
precisava correr para chegar até seu compromisso a
tempo. Marcara de buscar Sarah no aeroporto assim
que o avião de Alexia decolasse.
Eles percorrem o caminho de volta
deixando o parque poucos minutos depois.
─ Quanto a você e Mi. Eu sabia desde o
início. ─ Dizia David ao fechar a porta do carro.
─ Sobre o que?
─ Que vocês dariam certo. Tenho um sexto
sentido para esse tipo de coisa. E isso é um
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sentimento tão gratificante.


─ Ser um conselheiro amoroso vidente?
─ Não. Possuir mesmo que
momentaneamente um conhecimento que você não
possui.
─ Então minha momentânea ignorância te
agrada?
─ Você não faz ideia do quanto. ─ Sorria
triunfante.
─ E eu é que sou o Cérbero.
─ É a convivência meu irmão. Apenas sou
um bom aprendiz.

Algumas noites depois, Ethan acordava no


meio da madrugada e o conforto se espalhava pelo
seu corpo. Tinha certeza que devia isso à mulher
que estava deitada ao seu lado. Aconchegada em
seus braços, Sarah dormia tranquilamente. Ela tinha
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a mania de segurar o seu braço enquanto dormia


toda vez que ele se encaixava em suas costas.
Seu nariz estava mergulhado nos cabelos
dela e seus lábios próximos a sua nuca. Ela estava
completamente nua, suas peles em total contato e as
memórias do que haviam feito naquela noite ainda
eram frescas e muito vívidas.
Sarah possuía a habilidade de deixá-lo
completamente louco e sedento por ela, sem
precisar de muito esforço para isso. Não sabia
como passaria 10 dias longe dela. Acostumara-se
com sua presença sempre por perto e confessava
que o desespero estava tomando conta dele. Afinal
depois desses últimos meses desaprendera a ficar
sozinho.
Não sabia o que faria em sua ausência, mas
o que o deixava mais tranquilo é que no restante
das férias ela seria toda dele. Estava pensando em
fazer algumas rotas de viagem pelos pontos
turísticos literários espalhados pelo país, como
fizeram até o museu da Jane Austen. Sabia que
Sarah iria amar, mas não contara nada, era uma
surpresa.
Em seu abraço apertado, Sarah se remexe
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ficando de frente para ele. As pálpebras ainda


fechadas e a respiração ritmada. Ethan afasta os
cabelos que cobriam sua face e contempla suas
feições serenas. A saudade se apertando.
Sabia o que sentia por ela, era inútil negar
para si, mas dar voz aquilo, dizer em alto e bom
som ainda era um passo que escolhera não dar. Por
diversas vezes aquelas palavras quase lhe
escaparam, mas preferira não dizer nada. Ainda
havia coisas que precisava resolver dentro de si, se
ele queria ficar com ela tinha que ser por inteiro,
afinal, ninguém sente meio amor ou fica meio
apaixonado. Aquele era um sentimento que
precisava ser sentido plenamente.
Ele se desvencilha de seus braços, erguendo
seu tronco saindo da cama. Havia preparado uma
surpresa para ela levar na viagem, mas não tivera a
oportunidade de esconder em sua mala.
Da primeira gaveta da cômoda retira um
pacote retangular perfeitamente embrulhado, vai
até a mala que ela colocara sobre a poltrona e
coloca o seu presente no meio das roupas.
Saindo do quarto ele percorre o caminho até
a cozinha, precisava de água. No relógio na parede
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da sala indicava que ainda tinha mais duas horas


para ficar nos braços daquela mulher antes de ter
que levá-la ao aeroporto e se despedir.
No corredor com uma garrafa de água cheia
em mãos para abruptamente ao passar na frente da
porta de seu escritório e encontrar uma luz fraca
acesa através da fresta. Deixara o notebook ligado e
lembrava-se muito bem de como isso acontecera,
fora justamente o local em que Sarah começara a
lhe provocar completamente nua massageando seu
pescoço, enquanto respondia alguns emails.
Provocação essa que terminara precisamente na
cama.
A caixa de mensagens ainda estava aberta.
Ao guiar a seta do mouse para fechar a página para
ir deitar, seus olhos fazem uma varredura rápida e
encontra alguns arquivos que não tivera a
oportunidade de abri-los e entre eles um que retém
a total atenção de seus olhos. O nome de Jarred
brilhava na tela e um frio percorre a sua espinha,
não somente pelo autor da mensagem e sim pelo
título que ele escolhera. A palavra “Consegui” era
tudo o que conseguia ver.
Com cautela guia mais uma vez a seta
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deixando-a sobre a mensagem, seus dedos


hesitando em clicar.
Retira as mãos do notebook percorrendo-as
pelos cabelos se encorajando a seguir em frente.
Pressiona a fenda entre os olhos e então tomado por
uma súbita coragem ele clica e com o que se depara
sente seu chão se abrir, engoli-lo e se fechar sobre
ele o envolvendo no seu passado.
Seu passado estava vivo.

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“Matamos o tempo, o tempo nos enterra.”


Memórias póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis

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Assim que as portas traseiras da


ambulância se fecham a mesma entra em
movimento, correndo pelas ruas e cruzando vários
carros.
O paciente na maca gemia de dor e
respirava com dificuldade. Ethan no mesmo
instante começa a fazer seu trabalho. Avaliava o
estado do homem que lhe fora entregue. A vida
dele fora posta em suas mãos.
Se aproximando olha se havia qualquer
obstrução, causando a dificuldade respiratória.
Não havia nada. O homem mexia a cabeça de um
lado para o outro e seus gemidos aumentavam.
Checa suas pupilas. Depois as gengivas, ele estava
pálido. Pulso, muito acelerado. Seu rosto com
cortes superficiais e nenhum mais profundo
aparente.
─ Consegue me ouvir? ─ Dizia ao homem
─ Entende o que eu falo?
Em resposta recebe uma confirmação com
a cabeça.
Ele estava consciente, era um bom sinal.
Uma preocupação a menos.

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─ Consegue se lembrar do seu nome?


Ele abre a boca algumas vezes, mas apenas
grunhidos saem.
─ Ga... ─ Ele fechava os olhos com força
por causa da dor ao fazer aquilo ─ Gae...
Palidez. Sua mente trabalhava.
Hemorragia? Falta de oxigênio?
─ Tudo bem. Não precisa continuar.
Apenas fique aqui comigo, ok? Não feche os olhos.
Rapidamente ele pega a tesoura, precisava
encontrar o motivo daqueles sintomas. Rasga a
camisa branca um pouco úmida dele exibindo seu
tronco, e então ele vê, o grande hematoma no lado
esquerdo do peito.
A primeira coisa em que pensa é que ele
corria um grande risco de vida.
Com cuidado ele tateia a lateral esquerda
dele, passando os dedos por sobre suas costelas,
precisava confirmar. Então os gemidos de dor do
homem se transformam em urros. Os dois
enfermeiros assistentes o ajudam a imobilizá-lo. Ao
chegar às costelas do meio, ele enfim encontra o
problema.
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─ Ele fraturou as costelas. Duas delas. ─


Procurava ao redor por um estetoscópio e o coloca
sobre o lado do peito ferido e seu maior medo se
concretiza ─ Pulmão esquerdo perfurado. ─
Avisava seus companheiros.
Os dois auxiliares imediatamente se livram
da camisa molhada dele e começam a secá-lo e
aquecê-lo.
─ Código vermelho. ─ Ethan bate próximo
à pequena janela que permitia com que falasse com
o motorista, alertando-o que o paciente corria alto
risco.
Um dos enfermeiros checa a oxigenação do
paciente e, como ele imaginava, estava muito
baixa.
─ O coloquem no oxigênio. ─ Ele dava à
ordem e o enfermeiro mais velho a acata de
imediato.
Precisava estabilizar o paciente e para isso
precisaria retirar a maior quantidade de sangue do
seu pulmão, se continuasse se acumulando o
quadro dele pioraria. Olhando ao redor localiza a
bolsa azul que continha o que iria precisar.

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─ Quero o cateter mais grosso. ─ Apontava


com o queixo na direção da bolsa para o
enfermeiro mais jovem, um moço com rosto
assustado.
Com as mãos trêmulas ele faz o que Ethan
manda, mas acaba demorando em abrir a bolsa,
ele estava visivelmente nervoso e suava muito.
─ Anda logo. ─ Dizia Ethan impaciente ─
Isso aqui não é mais uma simulação da faculdade.
Ele enfim consegue e o entrega.
─ Desculpe doutor. É meu primeiro dia.
─ Sendo seu primeiro ou não, tem que
manter a calma. Respira fundo. Não vai salvar
ninguém nervoso desse jeito.
Posicionava a ponta do cateter entre as
costelas sobre o ponto que escolhera. Fecha os
olhos e respira fundo.
─ E... Ethan? ─ Uma voz trêmula o
chamava.
O homem o fitava por sobre a máscara de
oxigênio.
Ele franze a testa. Como aquela cara sabia
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seu nome? Olha rapidamente para o nome bordado


em seu jaleco, e confirma o que já sabia, nele havia
apenas “Dr. E. W. Collins” escrito.
Ainda o olhando confuso ele prossegue.
─ Ela... Disse que... ─ Ele gemia com a dor
e continua com dificuldade ─ Que... O coração
dela sempre... Pertencerá a você.
Um frio sobe por sua espinha o congelando.
Seus olhos se fixam na figura deitada. De onde ele
tirara aquilo? Reconhecia muito bem aquela frase,
sua esposa a dizia sempre.
─ Quem te disse isso? ─ Perguntava
receoso.
─ A mulher... Na outra ambulância.
Ele se assusta. Tentava se convencer de que
nada mais era do que delírios de um homem muito
ferido. A criatividade de um cérebro que estava
com pouco oxigênio. Mas poderia uma imaginação
de um completo desconhecido ser tão certeira
assim?
─ Cuida dela para mim, Ethan. Cuide da
minha bailarina. ─ O paciente sussurrava.

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─ Dr. Collins? ─ Escutava ao fundo ─ Dr.


Collins? ─ O tom aumentava e um chacoalhar o
acompanha.
Ethan se sobressalta e fita o enfermeiro a
sua frente, ele estava evidentemente preocupado.
Um corpo inquieto na maca chama sua atenção, o
homem se contorcia com a dor.
Não havia percebido quanto tempo o ficara
encarando, suas mãos ainda seguravam
firmemente o cateter. Forçando-se a se mover,
mais uma vez checa seus sinais vitais. Seus
batimentos estavam muito acelerados.
─ Ele vai entrar em choque. ─ Finalmente
recupera sua voz.
─ Mais rápido. ─ O enfermeiro mais velho
grita para o motorista. O homem precisava de uma
cirurgia urgente.
A vítima revira os olhos enquanto o novato
tentava conter seu corpo e então de súbito ele para.
Ethan coloca os dedos na lateral de seu pescoço,
checando seus batimentos. Nada.
─ Desfibrilador.
Em segundos tudo estava colocado no lugar
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certo.
─ Afasta. ─ Ethan gritava ─ Vai.
Choque. Checa o pulso. Nada.
─ Aumenta. ─ Ordenava ─ Afasta. Vai.
Choque. Nada.
─ Mais. Afasta. Vai.
Nada.
─ Não. Não. Não. ─ Checava mais uma vez
o pulso. ─ Aumenta. Afasta. Vai.
Nada.
Impotente ele deixa seu corpo cair,
escorregando pela lateral da ambulância e
sentando-se no chão.
Mais uma vida se fora. Ele fitava o corpo
jovem na maca. Pensava em sua família e em como
diria que ele não fora capaz, em como falhara com
seu dever.
─ Você fez todo o possível, doutor. ─ O
assistente mais velho tentava acalmá-lo
─ Não. Nada nunca é o suficiente, sempre
se pode fazer melhor.
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Uma hora depois, ele andava pelos


corredores do hospital. Estava um pouco letárgico
e agia no automático. O local estava um
verdadeiro caos. Precisava deitar por alguns
minutos, mas não havia tempo suficiente para isso,
pessoas precisavam de ajuda.
Ainda estava aborrecido pela vida que
perdera. Apesar de já estar no ramo há alguns
anos, e conviver com a morte dia após dia, nunca
se está preparado para ela. E por mais que
procurasse se fechar, sempre uma hora ou outra
acabava se afetando.
Ethan massageava suas têmporas entre um
ponto e outro que dava na coxa de uma das vítimas
do acidente, era uma pedestre que fora atingida
por estilhaços de vidros.
─ Doutor Collins? Não acha melhor o
senhor ir para casa? Já está aqui há quase 24
horas. ─ a enfermeira que o auxiliava diz assim
que saem do consultório.
─ Estou bem, Louise. Vou só verificar se o
doutor White precisa de ajuda e então prometo que
eu vou.

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─ Ethan?
Ele vira em direção a voz e encontra Jarred
se aproximando rapidamente pelo corredor.
─ Estava te procurando pelo hospital todo.
─ Para próximo a ele tomando fôlego. Com as
mãos na cintura ele o olhava preocupado ─ Olha.
Não sei como te dizer isso, mas... ─ Seu semblante
muda quase para um estado de choro ─ É a
Margot.
─ Merda. ─ Ethan levava as mãos ao rosto
o cobrindo ─ Ela te ligou? Merda prometi que
estaria em casa há horas atrás.
─ Não é isso Ethan...
─ Diga a ela que você não me viu aqui. ─
Ele o interrompia.
─ Ethan. ─ Seu amigo elevava a voz
captando sua atenção ─ Ela... ─ Ele apertava os
olhos ─ Ela...
Então a notícia que mudaria tudo para
sempre o atinge, chocando-o e o desnorteando. Seu
cérebro simplesmente se esquece de tudo, de como
se falava, andava, respirava. Ele era apenas um
corpo vazio.
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Jarred falava com ele a sua frente, mas não


ouvia uma única palavra. Apenas via seus lábios se
mexendo, havia desaprendido a ouvir também.
A imagem de seu amigo vai ficando turva,
não se lembrava do momento em que começara a
chorar em silêncio. O brilho avermelhado de fios
de cabelos ao sol enche seus olhos e tudo o que
pensava era que nunca mais iria vê-la. Não ouviria
sua voz doce pela manhã e nem leria mais para ela.
Não diria que a amava e principalmente não
ouviria de volta.
Um movimento no final do corredor o tira
do transe e figuras familiares entram em foco.
─ Amélia. ─ Ele sussurrava ─ Amélia? ─
deixa seu amigo e se encaminha até sua sogra.
Precisava ser acolhido por um abraço da mãe que
ela havia sido para ele. Queria chorar em seu colo
até não haver mais lágrimas para derramar e
acima de tudo queria o perdão.
A mulher chorava alto e seu marido lhe
servia de apoio. Assim que eles o ouvem, os olhos
chorosos dela se transformam em brasas,
queimando em fúria.

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─ Você! ─ Dizia com escárnio ─ A culpa é


toda sua. ─ Apontava acusatoriamente para ele,
que imediatamente paralisa no corredor. Seu sogro
a segurava com força nos braços ─ Você prometeu
proteger a minha filha, o meu bebê. Você a
abandonou lá sozinha.
─ Não Amélia, eu...
─ Ela estaria viva se você cumprisse com a
sua palavra. Você a abandonou. Matou minha
filha, suma das nossas vidas.
Atrás dela ele vê seu irmão correndo pelo
corredor até ele, igualmente arrasado e com olhos
inchados.
─ Ethan. ─ Ele se jogava em seus braços ─
Eu sinto muito. Você está bem? ─ Se afasta para
encará-lo.
─ Amélia querida venha sentar. ─ Seu
sogro dizia.
─ Não. ─ Ela gritava ─ Ele merece pagar
pelo o que fez a ela. Ele a matou. ─ Amélia o fitava
mais uma vez ─ Você sabia que ela estava
grávida? Ela descobriu na viagem. ─ Seu choro se
transforma em soluços doloridos ─ Ela ia te fazer
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uma surpresa.
─ Do que ela está falando, Ethan? ─ David
perguntava.
─ Assassino. ─ Se recolhia no abraço do
marido chorando em seu peito.
Sua cabeça girava e sua vista ia se
escurecendo, se fazendo necessário ter que se
apoiar na parede. Seu irmão o segurava
preocupado.
─ O papai logo vai chegar. Venha. Vamos
para um consultório vago para você deitar.
Ela estava grávida. Eu os matei. Ele
pensava. Quando finalmente ela teria o que tanto
desejava, ele fora lá e arrancara isso dela.
Sim. Ele.
Acreditava nas palavras de Amélia. Era
tudo culpa dele. Se não tivesse mais uma vez
quebrado a promessa, se tivesse estado lá no
horário certo, se não se dedicasse mais a sua vida
profissional do que a pessoal, se fosse o marido
que ela merecia, ela ainda estaria viva e poderia
viver seu sonho de ser mãe.

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Inúmeros “se” surgiam e todos tinham algo


em comum. Remetiam a escolhas que ele havia
feito, coisas que falhara com ela e que poderiam
muito bem terem sido mudadas se desse ouvidos a
ela.
“O coração dela sempre pertencerá a você.”
Mais uma vez a voz do homem na ambulância
surge e sentia que o assombrariam para sempre.
Sabia que no dia seguinte o dia não
brilharia mais, os pássaros não cantariam, os risos
morreriam e a felicidade sucumbiria à tristeza
profunda.
Seu sol havia partido e o deixado na
completa vastidão escura do universo.

Apoiando-se na parede do corredor de seu


apartamento, enquanto caminhava com dificuldade,
as imagens do acidente surgiam, repassando cada
passo e principalmente todas as coisas que podia ter
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feito para não a perder, mas tomara todas as


decisões erradas, havia tanto que ele podia ter
feito.
Agora tudo, de uma maneira estranha, fazia
sentido. Estava tudo ligado, conectado. A frase, o
homem, o coração, o acidente. Cada detalhe era um
fragmento de um grande todo.
Alguns dias antes de começar esse ano
letivo, Ethan, despertara de um de seus pesadelos
costumeiros. Estava todo suado e com uma dor
muito forte de cabeça e juntamente com tudo isso a
voz de um homem lhe dizendo palavras que sempre
carregara consigo, palavras que não compreendera
e que achara que eram apenas delírios de alguém a
beira da morte, mas que permaneceram com ele
durante todos esses anos, e que envenenavam sua
mente.
Parado na porta do quarto ele encarava,
atônito, a figura pequena deitada em sua cama, mas
para seu completo desespero, ela não possuía
cabelos ondulados e negros e sim lisos e ruivos.
Não conseguia acreditar no que via. Era ela,
sua Hyde, sua Margot, deitada plenamente e
dormindo tranquila. Podia ouvir sua respiração, via
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o movimento sutil do seu tronco subindo e


descendo.
Depois de muito tempo ele recobra os
movimentos das pernas, e caminha até parar na
beirada da cama atrás dela.
Aquilo não fazia o menor sentido, era
impossível que ela estivesse ali. Hesitante estica
sua mão trêmula até ela e para centímetros de tocá-
la. Aquilo era loucura, quem delirava agora era ele.
Respirando fundo ele segue em frente. Pega
algumas mechas de cabelo e sente a maciez dos
mesmos, lembrando-se de todas as vezes que seus
dedos se prenderam neles, das sensações que seu
toque fazia ao acariciá-los e dos gemidos
satisfatórios que recebia em resposta.
A dor que estava adormecida em seu peito
retornava e o peso da saudade doía sobre seus
ombros. Seu subconsciente sabia que aquilo era
uma completa insanidade, que era coisa da sua
cabeça, mas ele sentia tanta falta dela que se
permitiu ser enganado. Queria tanto olhar em seus
olhos castanhos claros mais uma vez, ouvir o som
doce de sua voz, e sua risada contagiante ecoar pelo
cômodo.
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Fechava seus olhos com força e respirava


fundo. Ele tinha que recobrar a consciência. Aquilo
não era real. Margot estava morta.
A tela do email brota em sua memória.

Consegui. Espero que realmente saiba o que está


fazendo, não quero ter que te ver como estava
antes e espero não contribuir para isso. Fiz uma
cópia dos documentos oficiais da doação e
transplante e irei te enviar pelo correio, mas posso
te adiantar um pouco sobre a receptora. Ela está
bem perto de você, mora em Londres (que mundo
pequeno), é jovem e estava no mesmo acidente que
sua esposa. Seu nome é Sarah Mirna O’Connor.
Jarred.

Quando cai em si e desperta de suas


fantasias olha para sua mão, que ainda segurava a
mecha, e encontra fios negros e ondulados.
Rapidamente ele se afasta da cama e deixa o
quarto com uma culpa ainda maior em seu peito.
Sentindo repulsa pelo o que sua mente fora capaz
de criar.
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Sua cabeça girava e seu coração estava


pequeno. Lágrimas quentes e doloridas começam a
cair. Não sabia o que fazer e nem dizer, estava
perdido, a deriva novamente das águas gélidas do
mar de inverno e sua culpa se comportava como
cada gota daquele mar.
Então como era de costume, ele recorre a
sua válvula de escape, como sempre ele buscava
pelo silêncio e esse sempre o recebia de bom grado.

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“Queria que ela adorasse aquilo, que o


amasse e que soubesse, quando se deitassem nos
braços um do outro, suados e exaustos, que
pertencia a ele. Porque ele já sabia que pertencia a
ela.”

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Os segredos de Colin Bridgerton


Julia Quinn

Imediatamente quando ela acorda sente falta


do calor do corpo que sempre a acolhia. Ela se
levanta da cama e vasculha o quarto e o encontra
vazio. Aguça sua audição e tenta escutar o barulho
do chuveiro, mas parecia que estava só naquele
apartamento.
As cortinas ainda estavam fechadas não
permitindo a entrada do sol da manhã.
Sarah rapidamente se veste e sai do quarto a
fim de encontrar aquele que a deixara ali. O
procurava por quase todo apartamento até encontrá-
lo em seu escritório.
De súbito ela para na porta. Algo estava
errado. Ethan estava sério, pensativo olhando para
o notebook desligado. Atrevia-se dizer que estava
quase irritado. Durante esses meses aprendera, da
maneira difícil, que quando ele estava assim
significava que era melhor deixá-lo sozinho. Um
grande luminoso se acendia bem na frente dela
escrito “PERIGO” em letras garrafais.
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Mas como em todas as outras vezes ela dera


atenção ao aviso brilhoso?
Sarah se aproxima a passos lentos e o
chama em meio ao cômodo pouco iluminado.
— Coelho? — Ele não respondia, parecia
estar em outra dimensão — Coelho? — Mais uma
vez ele se mantinha concentrado na caneca de café
quente em suas mãos. Seu olhar intercalava entre
ela e o notebook.
Sarah já bem perto dele fala um pouco mais
alto o fazendo se sobressaltar.
— Terra chamando Ethan!
— Ahh, desculpe eu estava distraído. — Ele
se mantinha focado logo a frente e aquilo a fez
franzir levemente sua testa fechando sua expressão.
Certamente alguma coisa estava errada, ela
podia sentir.
— Está tudo bem? — Sua voz denunciava
preocupação.
Ele repousa a caneca na mesa e com um
sorriso contido ele a responde cabisbaixo.
— Sim, está tudo bem, Sarah.
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Definitivamente não está nada bem.


— Tem certeza?
— Só estou com um pouco de dor de
cabeça.
— Já tomou aspirina?
— Sim...
— Então venha para cama comigo, temos
ainda alguns minutos, vamos aproveitar esse
tempo... — Ela sorria, mas ele não a encara uma
única vez apenas se levanta confirmando com a
cabeça.
O que poderia ter acontecido neste curto
período de tempo? O que havia mudado? Ela
tentava entender. Não pode deixar de sentir uma
pontada de medo desse comportamento vindo dele.
Quando ambos chegam no quarto ela vê
Ethan sentar-se na beirada da cama e massagear
suas têmporas apoiando seus cotovelos nas pernas.
Sarah senta ao seu lado deitando a cabeça em seu
ombro, sua voz era baixa e tristonha.
— Porque não se deita um pouco enquanto
eu tomo banho?

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Mais uma confirmação silenciosa.


Não entendia o porquê depois de tanto
tempo e tantos momentos íntimos compartilhados
Ethan não conversava com ela. Não era 100%
sincero.
Será que o que carregava era tão pesado
assim? Porque ele não dividia o peso um pouco?
Como ele queria ser ajudado?
Aquilo a deixava furiosa por dentro. Ela era
sincera, sentia que na maior parte do tempo ele lhe
escondia coisas. Mas se tratando de Ethan Collins
ela aprendera a lidar com suas emoções impulsivas.
Sabia que explodir e forçá-lo a falar só acarretaria
em mais distanciamento e ela queria tudo menos
ver a parede que derrubou ser reconstruída.
— Ou melhor. Você pode me fazer
companhia no chuveiro. — Beijava o ombro dele
seguindo um caminho até seu pescoço.
Os músculos de todo corpo dele se retesam
assim que o toque de seus lábios acontece. De
repente ele estava tenso, imóvel olhando para
frente.
Ferida por aquele ato, ela se levanta e a
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passos firmes segue até o banheiro fechando a porta


com um forte baque. Deixa a água despertá-la
daquele que achava ser um sonho ruim. Implorando
para que cada gota levasse o pesadelo para longe.
Afinal o que acabara de vivenciar só poderia se
tratar disso. Um pesadelo. Seu Ethan, aquele que
cuidava dela e que fazia de tudo para vê-la bem,
não rejeitaria seus beijos e palavras doces.
Quando ela sai do banho, já vestida e com
cabelos úmidos, o encontra da mesma forma que o
deixara.
— Eu fiz algo de errado? — Ela perguntava
com tristeza.
— Não, de forma alguma. — Dizia ainda
sem contato visual.
Porque será que isso não me convenceu?
Enquanto ela penteava seus cabelos estava
quase se acostumando com a ideia de que naquela
manhã não haveria sorrisos dele, nem beijos em sua
nuca enquanto tentava domar seus fios negros e
longos, não se sentiria desejada diante aqueles
olhos azuis lindos.
A todo instante ela o fitava rapidamente
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sobre os ombros, se perguntando o que passava na


cabeça daquele homem. Ethan agora tinha sua
atenção voltada para suas mãos que repousavam em
seus joelhos. Nunca desejara tanto ter o poder de
ler mentes.
O combinado era Ethan levá-la até o
aeroporto, mas não ia suportar uma viagem
silenciosa com o homem que agora a tratava com
indiferença. Decidida ela usa seu celular para
chamar um Uber.
Pega suas malas e com seus ombros baixos
vai até a porta.
— Eu chamei um Uber, ele deve chegar a
qualquer momento — Finalmente aquelas palavras
parecem despertá-lo do universo paralelo no qual
estava perdido.
— Esse não era o combinado. — Dizia
secamente franzindo o cenho.
Ele finalmente a fitava, mas reparava que
seus olhos escapavam todas as vezes que ela
buscava por eles. Era como se ele estivesse com
medo de encará-la. Acreditava que, por breves
segundos, vira traços de arrependimento neles.

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Talvez vergonha? Medo? Ou ele não queria que ela


o lesse?
— Eu sei, mas você não está se sentindo
bem. Achei melhor deixar você descansar. — Ela
sorria tentando parecer convincente.
— Então você não quer que eu te leve?
— Não é isso, coelho. Só quero que
descanse um pouco mais, tudo bem?
— Eu não estou cansado, prometi te levar
— Ele seguia pelo corredor com ela quase correndo
para acompanhar seus passos e o vê pegar as
chaves do carro.
Apressa-se e toca seu punho fechado ao
redor da chave o abaixando.
— Não precisa Ethan. Eu vou ficar bem.
Um aviso surge na tela de seu celular. O
carro havia chegado e a aguardava.
— Eu preciso ir. — Sua voz saía
sussurrada.
Ele não se move e nada diz. Apenas fitava a
tela do celular dela.
Sarah gira o corpo em direção da porta e
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antes que toque a maçaneta é interceptada por ele.


Bastou apenas um toque para que sua pele se
incendiasse e seus pelos se eriçassem. As mãos
grandes e trêmulas dele a puxam para seu abraço
aconchegante.
— Me desculpe. — Ele lhe dizia — Me
desculpe. — Suas mãos afagavam os cabelos dela e
seus braços a apertavam.
— Pelo o que?
O sente hesitar várias vezes antes de
prosseguir.
— Apenas me desculpe.
Sarah permitiu-se render em seus braços.
Ela o amava tanto que não conseguia negar nada a
ele. Seu corpo, desde que acordara, almejava por
aquela atenção que somente ele poderia lhe dar.
Ela fecha os olhos e escuta as batidas do
coração dele ao se aconchegar em seu peito. Não
compreendia o porquê dos pedidos incessantes de
desculpa. Sentia que não era somente pela recepção
estranha daquela manhã.
— Me desculpe por ser assim. — Ele lhe
dizia mais uma vez.
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Aquilo foi tudo o que precisava para


desabar. Sarah suspira fortemente a fim de segurar
o soluço que se formava em sua garganta e as
lágrimas que imploravam para cair.
— Eu não entendo, estava tudo bem. —
Sarah dizia.
— Sarah. — Enterrava as mãos em seus
cabelos — Às vezes eu... Preciso do silêncio. Tem
coisas que... Ainda não me sinto... Pronto para
compartilhar. Coisas que fazem parte dos meus
pesadelos, e que às vezes aparece sem convite.
Ethan encosta sua testa na dela fechando os
olhos.
— Eu sei que isso não é fácil para você,
mas eu... Preciso disso. Senão não encontro minha
sanidade. — Seu hálito quente fazia cócegas na
ponta do seu nariz — Por isso me desculpe.
Ela o abraça mais e mais apertado. Sentiria
tanta falta daquilo, do seu abraço, de suas mãos em
sua pele e do calor do seu corpo, das batidas do seu
coração quando ficavam assim.
— Eu preciso ir agora. — A contragosto ela
se desvencilhava de seus braços e se afasta alguns
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passos. Precisava tomar coragem. Acreditava que


com o mais sutil carinho ela largaria tudo e ficaria
ali com ele.
Ethan toca em seu rosto encarando seus
olhos castanhos marejados. E ali estava. Ela não se
enganara. Havia medo e o pior de todos os
sentimentos que ele poderia lhe demonstrar.
Arrependimento.
Estavam ali estampados naqueles olhos
azuis.
Seu coração falha uma batida. Achava que
aquilo realmente era uma despedida, mas não um
“até logo” e sim um “adeus”. Porque ela achava
que tudo estava prestes a acabar? Porque seu
coração a dizia que algo estava para acontecer?
— Vou sentir a sua falta, Sarah — Ele
acariciava sua bochecha a fazendo suspirar.
Ethan se inclina e encosta seus lábios
delicadamente em sua testa em um beijo cálido.
Não, por favor, Ethan... Ela pensava
enquanto segurava com força as laterais de sua
camiseta amassando o tecido.
— Também irei sentir saudades. Eu te ligo
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quando chegar. — Ela se afastava pegando suas


malas e saindo pela porta.
O corpo de Sarah podia ter deixado aquele
lugar, mas seu coração continuaria ali.

Ela embarcara no avião, o voo havia


atrasado devido à neve que decidira cair na capital.
Enfatizando a proximidade do natal.
Enquanto estava acomodada em seu acento
perto das janelas e observando o Big Bang ao longe
por entre as nuvens, se pega pensando no
comportamento dele pela manhã. Em sua cabeça
procurava por razões para tê-lo deixado novamente
distante dela. Uma densa nuvem cinza pairava
sobre a felicidade que eles construíram. Sentia que
Ethan erguera parte do muro que demorou tanto
para ela derrubar e tinha muito medo que essa nova
parede fosse bem mais difícil de demolir. Rogava
para que ele não reforçasse a fortaleza.

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Não saber o que afligia a mente do homem


por quem se apaixonara era algo terrível. Seu
coração se apertada cada vez que pensava sobre o
assunto. Ele disse que preferia o silêncio, mas e
ela? Tinha também que permanecer calada e aceitar
aquele tipo de comportamento?
A viagem durou cerca de duas horas, e nem
por um minuto se quer conseguira relaxar. Voltar
para seu país de origem era algo que não pensava
em fazer por tão cedo, mesmo com saudades de
seus pais pensava em inventar uma desculpa como
fizera no ano anterior. Antes só de pensar em ter
que pegar um carro do aeroporto até o interior,
onde seus pais moravam, lhe causava agonia.
Passava meses tentando se preparar
psicologicamente para aquilo, mas nunca era o
suficiente. O medo era sempre mais forte.
Mas sua mãe fora mais esperta e rápida. Ela
sempre era. Dissera-lhe que não passaria mais um
natal sem sua hija. Desde que se mudara para
Londres voltara para casa apenas uma vez e a
experiência não era algo que estava louca para que
se repetisse.
Só de estar ali sua cabeça era invadida por
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lembranças dolorosas demais.


Primeira viagem à península de Dingle.
Primeira bebida no Temple Bar, onde “ele”
trabalhou na adolescência antes de abrir seu
pequeno bistrô.
Dublin a recebeu de braços abertos. Sarah
quase tinha se esquecido como os irlandeses eram
calorosos e amistosos, muito diferentes dos
ingleses.
O inverno estava ameno, bem diferente de
onde viera, e ela quase não se lembrava como era
sentir o sol daquela estação, aquecendo levemente
todo seu corpo na tentativa de espantar o frio que
trouxera consigo.
Sarah retirava seu casaco e o colocava sobre
o banco do carro de aluguel que chamara pelo
aplicativo do celular.
Sua casa não ficava muito longe. A cada
minuto se encontrava mais próxima da cidade em
que crescera. Carlow, uma típica cidade do interior
localizada na província de Leinster, a apenas
poucos quilômetros da capital. Ela não podia
segurar a ansiedade em rever seus pais.
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No carro ela faz o que prometera a Ethan.


Aquela era a quarta vez que o ligava e ele não a
atendia, então manda uma rápida mensagem
avisando que havia chego bem.
A casa em que cresceu não havia mudado
nada. Era uma belíssima propriedade com dois
andares, a grama verde a rodeando, e o balanço que
brincara quando criança ainda estava lá. Sua mente
a faz recordar dos almoços de família que faziam
no jardim a sombra da enorme árvore que ainda
estava lá. Das vezes em que dançara com Gael
naquele gramado, seus sorrisos trocados, olhos
verdes e beijos que trocavam.
Ela desce do carro com sua bagagem e
caminha até a entrada. Sarah sorri ao entrar no hall
deixando suas malas ao lado da porta.
— Mãe? Mãe?!
— Díos Mio, Sarah! — Sua mãe aparecia na
escada carregando uma caixa do que ela achava
serem enfeites de natal logo derrubando tudo e
falando em espanhol apressadamente. Sarah não
sabia que sentira tanta saudade até ser acolhida no
abraço de sua mãe.

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— Oi mãe! — Ela a abraçava fortemente


sentindo o cheiro de seu perfume doce a invadir.
Que saudades.
— Querida, olha só para você está tão
bonita, mas um pouco magra, esses ingleses não a
alimentam? — Antes mesmo que ela respondesse
sua mãe a interrompe — Não importa, você está
aqui e farei todos os seus pratos favoritos, mi hija!
Ela começa a rir. Sua mãe era assim sempre
alegre.
— Como chegou tão rápido? Você não nos
avisou quando era para ir buscá-la.
— Peguei um taxi. — Dizia sem jeito.
— Virgem santíssima! Você está bem?
Sofreu outro ataque de pânico? Devo chamar o
médico da família? — Dizia em total desespero
segurando junto ao seu peito as mãos de Sarah
enquanto colocava a mão livre em sua testa.
— Está tudo bem mãe eu... Eu não sinto
mais medo, acho que finalmente superei.
— Você o que? — Podia notar surpresa nos
olhos castanhos de sua mãe, sua voz subindo dois

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tons — Como? Quando?


— Eu irei contar tudo, mas antes queria ver
o papai, ele está em casa?
— Sí, sí mi amor ele está no escritório.
Como pode ver algumas coisas nunca mudam, pode
ir lá enquanto termino de colocar a mesa e de levar
esses enfeites que sobraram ao porão. — Sua mãe
revirava seus olhos, mas Sarah não conseguia
deixar de sorrir e notar um brilho a mais na mulher
a sua frente.
Ela sorri indo em direção ao escritório. Seu
pai estava de costas para ela falando ao telefone. O
lugar estava igualzinho. A mesa sempre bagunçada,
papeis espalhados por toda parte, a lixeira sempre
cheia com bolas de papel amassado, o cheiro leve
de charuto no ar e como sempre uma O’C beer
sabor intenso colocada sobre a mesa, sem o uso de
um porta copo. O pesadelo da sua mãe.
Ela se aproxima assim que ele desliga o
celular cobrindo os olhos de seu pai com as mãos e
falando:
— Como sabe que sou louca?
— Você deve ser, se não, não estaria aqui.
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— Ele completava sua frase, uma citação de “Alice


no país das maravilhas” virando a cadeira e
recebendo sua filha com um grande sorriso no
rosto. — É bom ter você de volta minha gatinha
risonha.
Sarah pula nos braços de seu pai o
abraçando com força e sentindo o cheiro de hortelã
e tabaco que ele sempre possuíra e que achava que
combinava perfeitamente com ele.
— Você chegou cedo. Fiquei esperando sua
mensagem com o horário que chegaria.
— Eu peguei um taxi.
— Sério? — Seus olhos azuis se
arregalavam e suas sobrancelhas ruivas e densas se
erguem — Fico feliz gatinha que tenha conseguido,
estou tão orgulhoso de você. — A apertava em seu
colo — Sabia que iria conseguir, mas como
superou seu medo? Andou fazendo terapia na
capital?
— Não pai... Eu conheci uma pessoa e ele
me ajudou... — Dizia um pouco envergonhada.
Sarah não havia mencionado Ethan nos
telefonemas, e-mails ou cartas trocadas com seus

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pais. Por duas razões.


A primeira sua mãe surtaria e a faria contar
tudo sobre ele ou ela mesma descobriria com seus
contatos e instintos de mãe, um poder sobrenatural
que de repente elas desenvolvem para investigação.
E como Sarah herdara a teimosia dela sabia bem do
que ela era capaz de fazer e não seria bom se
descobrisse que estava envolvida com seu
professor.
A segunda era seu pai, que sempre foi um
pouco super protetor demais. Várias vezes fora
repreendido pela esposa. “Ela precisa aprender a se
virar sozinha, Charles” sua mãe sempre dizia, ou,
“Ela é grande o suficiente para fazer suas escolhas.
Deixe-a seguir su camino”. Ele até mesmo relutara
em deixá-la ir morar em outro país para estudar e
recomeçar, mas como ela precisava daquilo e
depois de vários sermões de sua mãe ele cedera.
— E como ele fez isso? — Charles
segurava com mais força o celular que ainda estava
em sua mão direita. Suas sobrancelhas iam se
franzindo até fechar a expressão.
— É que... Sabe pai... — Ela sorria sem
jeito passando as mãos em seus cabelos sentindo-se
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uma criança que aprontara sentada em seu colo —


Ele e eu... Ahh... Pai o senhor sabe, né? Estamos
meio que juntos.
— Como assim juntos?
Apenas uma sobrancelha se erguia em
questionamento, mas antes que tenha a chance de
responder e de passar por um momento de
completo constrangimento, sua mãe invade o
escritório usando seu avental vermelho.
— A comida está na mesa.
Salva pelo gongo! Ela pensava.
— Melhor a gente ir, não é pai? — Se
levantava do aconchego de seu colo sorrindo sem
jeito e muda de assunto — Nossa mãe que cheiro
bom!
— Obrigada querida, vamos ou vai esfriar.
Com uma expressão de alívio ela desce as
escadas, mas sabia que aquilo estava longe de
acabar.

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Enquanto comiam Sarah podia sentir o


olhar atento de seu pai sobre ela. Podia
praticamente ver as imagens que criava em sua
cabeça, conhecia-o muito bem, sabia como sua
mente trabalhava. Com toda certeza via um homem
mascarado sequestrando sua filhinha indefesa de
seus braços protetores, a levando para longe
montado em algum corcel negro com olhos
vermelhos e fumaça saindo de suas narinas. Sim,
seu pai tinha uma mente criativa e ela também.
Agradecia por ter puxado isso dele.
Mas era sempre assim, fora a mesma coisa
quando conhecera Gael em Dublin durante o tempo
que morara lá para estudar.
— Então querida, Londres é tudo que
sonhava? — Sua mãe quebra enfim o silêncio.
— Sim, é uma cidade linda, muitos não
diriam isso, mas acho que tem um ar de romance
nela, mamá...

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— Romance? Como assim romance? —


Seu pai a interrompia e ela o ignora.
— E a faculdade é bem puxada, mas estou
indo bem. Até voltei a dançar em um estúdio perto
de casa, como havia te contado. Tenho amigos que
sempre me ajudaram e também o Eth... O... Bom...
— Ela sorria novamente sem jeito brincando com
as cenouras cozidas no prato. Pelo visto aquilo
virara hábito.
— Ohh... Sarah querida não me diga que
você encontrou alguém? — Carmem, sua mãe,
dizia com entusiasmo na voz e dando pequenos
aplausos.
— Bom... Eu... Eu... — Ela intercalava seu
olhar entre seu pai e o prato de ensopado. — Eu
conheci uma pessoa.
— E como ele é? — Sua mãe arrastava a
cadeira para mais perto dela a fim de ouvir mais
atentamente.
— Ele é muito gentil, me faz sorrir, se
preocupa comigo, é apaixonado por clássicos assim
como eu, mas não gosta de ver as adaptações. —
Um sorriso se alargava em seu rosto. A saudade

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apertando em seu peito. Será que ele estava bem?


— É bem alto, com cabelos escuros e os olhos
azuis mais lindos e intrigantes que já vi. E me
ajudou a superar alguns antigos traumas.
— Mas isso é maravilhoso, querida! Eu já o
amo. — Pegava sua mão sobre a mesa — E qual o
nome desse achado?
— Ethan.
— O homem perfeito. — Dizia seu pai em
deboche.
— Pai, por favor.
— E quantos anos ele tem querida? Estuda
com você? — Perguntava sua mãe já bem próxima
dela. Tão romântica e sonhadora quanto ela. Sua
mãe poderia muito bem ter uma princesa da Disney
inspirada nela. Rodopiando e cantando enquanto
limpava a casa, sempre vendo o lado bom de tudo,
nunca se deixando abater por comentários
maldosos, acreditava que o amor era a cura para as
mais temíveis e difíceis maldições. Resumindo.
Uma princesa de desenho animado.
Sarah mexia em sua sopa constrangida com
toda aquela situação. Depois de Gael ela não tivera
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vontade de se envolver com mais ninguém. Não


saíra em nenhum encontro, não por falta de convite,
e sim porque estava cansada de caras mais do
mesmo e porque prometera não se envolver com
mais ninguém.
Mal sabia que o que precisava era de
alguém diferente, tão mais excêntrico e ferido
quanto ela.
— 33 anos.
— O QUE?! FILHO DA MÃE, EU VOU
MATÁ-LO! — Seu pai esbravejava enquanto
mantinha as mãos cerradas junto sobre a mesa. Ela
já esperava aquele tipo de reação. Foi assim quando
falou sobre Gael.
— Por favor, querido não é para tanto... —
Sua mãe tentava amenizar o clima e Sarah a encara
em busca de auxílio.
— Pelo amor de Deus, Carmem! O homem
é dez anos mais velho que ela! — Seu pai bagunça
um pouco seu cabelo ruivo com fios grisalhos. —
Vocês têm contato muito íntimo?
— Paiiiiii! — Sarah cobre seu rosto.
Quando Sarah se nega a responder seu pai
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se levanta comunicando que precisava voltar ao


trabalho, saindo da mesa a passos largos.
— Tudo bem mi amor, sabe como ele é.
— Sí mamá!
— Logo ele para de agir como um papai
urso. Acredite já passa. É que faz tanto tempo e
você... Está tão bem-querida. Tão feliz e...
Radiante. Sentimos tanto a sua falta que acho que
seu pai não quer que vá embora de novo. Sabe que
ele só quer o melhor para você, não é? E eu
também querida.
— Eu sei.
— Se você está feliz, nós também estamos.
Sarah abraça apertado sua mãe. No abraço
da mãe da gente tudo parece se resolver em um
passe de mágica. Até a dor mais profunda ou o
anseio mais forte parece mais fácil e distante.
— Estou tão orgulhosa de você. O amor
muda as pessoas. Ele nos dá forças para enfrentar o
que não nos achamos capazes. Fico feliz de ter
encontrado isso de novo.
Quando ela termina de ajudar na limpeza,

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Sarah sobe para seu antigo quarto, ainda precisava


desfazer suas malas.
Nada, como esperava, havia mudado.
Sentia saudades de sua antiga vida, mas
também amava sua nova e quem ela a trouxe.
Movida por isso pega seu celular e checa as
mensagens, ansiava por notícias dele. Seu sorriso se
abrindo na expectativa de ler sua resposta.
Como um adolescente ela praticamente pula
na cama deitando de barriga para baixo, com seus
pés sacudindo no ar. Ao abrir a caixa de mensagem,
seu entusiasmo desaparece. Não havia nada ali. A
última que tinha era a que ela o enviara dizendo
que estava em casa, bem e que sentia a falta dele.
No entanto algo incomum acontecera. A
mensagem havia apenas sido visualizada. Ethan
não havia sequer dado o trabalho de responder.
Nem ao menos lhe retornara as ligações.
Seu coração dizia que algo, mesmo que ela
desejasse o contrário, havia mudado.
Com certeza tem algo de errado.

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“Agora sei que tenho um coração, porque


ele está doendo.”
O mágico de Oz
L. Frank Baum

O nome de Alexia aparece na tela do


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notebook. Convidava Sarah para uma chamada de


vídeo.
Animada ela clica no botão para atender.
Fazia dias que não se viam e aquilo era muito
estranho. O rosto da amiga aparece sorridente na
tela.
─ Oi Mi! ─ Alexia gritava do outro lado ─
Estou com tantas saudades. Como foi sua viagem?
E o natal?
─ Ambos cansativos.
Não que não quisesse estar ali rodeada por
toda sua família, e quando digo toda é toda mesmo.
Sua mãe fizera as honras de chamar todos os
familiares distantes, ou não, que moravam na
Irlanda. E como se as perguntas de “Como você
está?” ou “Está se sentindo melhor?” não bastassem
agora tinham as “Como anda sua vida amorosa?” e
“Como é o Ethan? Tem foto de vocês dois juntos?”.
Mais um fato que tinha que agradecer sua
mãe. Ela era infalível.
─ Conheço essa cara. O que aconteceu
Sarah Mirna O’Connor? ─ Alexia a repreende.
Seus ombros caem na hora se afundando
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mais em sua cama macia. Suspira fundo. Não havia


como tentar enganá-la.
─ Na verdade eu não sei. O Ethan anda
estranho comigo. Antes de viajar...
─ Mi. Ele é sempre estranho.
─ Mas não estava no seu estranho normal.
Estava diferente. Distante. ─ Ajeitava melhor o
notebook sobre os joelhos ─ Não me olhava nos
olhos. Parecia com medo.
─ Acho que ele só estava triste por você
viajar.
─ Eu mandei várias mensagens e ele não
respondeu nenhuma. Só visualizou. Ele nunca fez
isso. Nunca. Já perdi a conta de quantas vezes o
liguei e ele não me atende, sempre cai na caixa
postal.
─ Tentou o David?
─ Já. Ele está na casa dos pais do Bob, mas
me disse que falou com Ethan no natal. Você tem
noção de quantas vezes liguei para ele no natal? ─
Dizia exasperada.
A expressão que sua amiga fazia estava

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confirmando o medo que crescia em seu coração


dia após dia.
Ethan a estava evitando. E pelos deuses ela
daria tudo para saber o porquê.
─ Ele... Ele está se arrependendo, Lexi.
Tenho tanto medo disso. ─ Se segurava para não
chorar.
─ Isso não é verdade, Mi. Ele gosta de
você. Ele... ─ Gesticulava buscando motivos no ar
─ Ele... Deve estar ocupado com o... Trabalho. ─
Batia as mãos como se tivesse descoberto a
invenção do ano ─ Você sabe que ele é viciado
nisso. Que ele respira anatomia e transpira
organização.
Ela sabia. Como também sabe que não era
com trabalho que ele se preocupava no dia de sua
partida. Eram com segredos que se ocupava.
─ Talvez você tenha razão. ─ Apenas dizia
aquilo para encerrar aquele assunto, era doloroso
demais as coisas que seu cérebro sem notícias era
capaz de criar ─ Devo estar me preocupando à toa.
Mas me conta. Tem falado com Ryan?
Alexia que usava a câmera como espelho
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abaixa o pincel do delineador e respira


profundamente antes de voltar a desenhar
perfeitamente sobre as pálpebras.
─ Não. E é melhor assim.
─ Por que você não liga para ele?
─ Mi. Esquece. Ryan nunca mais vai querer
olhar na minha cara. Eu fiz burrada e agora preciso
lidar com as consequências.
─ Mas o beijo foi tão bobo. Nunca pensei
que ele fosse ficar tão chateado assim.
Cabisbaixa Alexia guarda o pincel e começa
a contornar os lábios com um batom vermelho
queimado.
Com certeza para ganhar tempo e pensar no
que dizer.
─ Eu acredito que não é pelo beijo em si. ─
Fechava o estojo de maquiagem ─ Eu disse uma
coisa que o deixou magoado. ─ Ela não olhava para
a câmera.
─ O que?
Antes que sua amiga tenha a chance de
responder Sarah escuta uma batida na porta e logo
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em seguida seu pai entra.


─ Vamos? Tenho um tempinho vago agora.
─ Ele lhe perguntava.
─ Já estou descendo. Vou me despedir,
pegar minhas luvas e te encontro no carro.
Com um aceno ele sai.
Alexia checava seu visual, perfeito como
sempre, na câmera.
─ Tudo bem Mi. Não pretendo passar
minha tarde falando sobre o Ryan. Tenho uma festa
para ir mesmo. Aniversário de uma garota que
conheci no campus no dia da matricula.
─ Sinto sua falta, Lexi.
─ Eu também sinto a sua, Mi. Podemos
marcar de ver um filme via chamada de vídeo
juntas. O que acha? Como sempre fazíamos.
─ Lexi. Você é um gênio.
─ Eu tenho meus momentos.
A risada de ambas preenche o quarto.
Após se despedirem Sarah coloca o
notebook de lado e começa a procurar por suas

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luvas de cor vinho, suas favoritas. No canto ao lado


do guarda roupa, pega a mala, que trouxera de
Londres, do chão. Não havia retirado tudo de lá.
Sabia que havia trazido aquela peça. Revira
suas roupas pegando um casaco azul turquesa que
ainda não usara, e assim que o retira um baque seco
ecoa próximo aos seus pés.
Um embrulho estava ali caído. Era
retangular, firme, não muito grande e leve. Envolto
em um papel presente azul marinho e um laço
amarelo.
Curiosa ela desfaz o laço e rasga o papel.
Era um livro, mas não um livro qualquer. Era uma
edição de “Longe deste insensato mundo” de
Thomas Hardy. Lembrava muito bem de Ethan
citando ele um dia em seu apartamento.
Suavemente ela passa os dedos sobre a
capa. Era linda. Uma edição em estilo clássico para
o clássico que acreditava ser o favorito dele.
Aquele presente só poderia ter uma origem e um
remetente. Antes mesmo de abrir e ler a dedicatória
na contracapa ela já sabia de quem ganhara.
“Para a mulher que com a sutileza, força,

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determinação e teimosia de uma bailarina me


encontrou.”
“Espero que esse presente possa te acolher
nas noites que não estiver ao seu lado. Que cada
palavra de carinho dentro dele possa te acalentar
e substituir as minhas. Que o toque delicado das
páginas possa te fazer lembrar-se dos meus.”
“Está na hora de ler esse clássico,
O’Connor.”
“Vou sentir a sua falta.”
“Feliz Natal.”
Aquelas palavras surgiram como a luz de
um grande farol. Ela que estava completamente
perdida na escuridão das incertezas, agora se sentia
em paz por ver o caminho novamente.
Talvez Alexia estivesse certa. Talvez ele
estivesse ocupado.
Aquilo deveria bastar. Foi o suficiente para
acalmar as vozes em sua cabeça. Pelos menos por
agora.
Tranquilizada por aquelas palavras de
carinho, ela aperta o livro fortemente no peito, o

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abraçando. A saudade apertando mais uma vez.


Com certeza logo tudo voltaria ao normal.

Sarah aperta um pouco mais o ramo de


peônias nas mãos. Elas tremiam, podia sentir e
ouvir o leve sacudir das folhas.
Havia muito tempo que não o visitava.
Quase dois anos para ser exata.
Aquele deveria ser um local de paz, mas
para ela não era e nunca tinha sido. Era deprimente.
Era o fim. Um local rodeado de lembranças de
coisas que você nunca mais poderá ter. De pessoas
que nunca mais poderá ver. Onde havia paz nisso?
Mãos tocam as suas trêmulas e seus olhos
encontram os de seu pai.
─ Tudo bem gatinha? Tem certeza disso?
Quer que eu vá com você?
Ela nega.
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─ Preciso de um minuto a sós com ele, pai.


─ Vou esperar bem aqui então. Qualquer
coisa é só chamar.
Respirando fundo ela abre a porta do carro e
sai.
Lembrava muito bem onde ficava seu
destino daquela tarde. Logo abaixo de uma grande
árvore, um velho carvalho. Com galhos tão longos
que protegiam, um perímetro considerável ao redor
de seu caule, do sol.
Não precisava ir muito longe para vê-la.
Solitária e grande em meio às lápides pálidas.

“Gael Alexander Foley”


“Amado filho e marido”

Senta-se na grama verde e coloca as flores


em frente a sua lápide.
─ Oi cozinheiro. Desculpa por não ter vindo
ano passado.
Retira as luvas e contorna seu nome com os
dedos.
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─ Sei que deve estar ocupado organizando


vários jantares e cozinhando com sua mãe aí em
cima. Provavelmente ela deve estar brigando com
você porque improvisou na receita.
O vento agita as folhas das árvores, cuja
sombra cobria por completo o túmulo.
─ Sinto sua falta Gael. ─ Respirava fundo
─ Mas você tinha que entrar na minha frente e me
proteger no acidente não é?! Eu entendo. Teria feito
o mesmo se tivesse a chance. A gente faz tudo por
quem amamos e é por isso que estou aqui.
Coloca sua bolsa de lado e se ajeita melhor.
─ Você já deve saber que eu encontrei
alguém, mas mesmo assim quis vir contar
pessoalmente. ─ Suspirava ─ Eu jurava que nunca
mais me sentiria completa por alguém de novo.
Mas eu o conheci e ele... Me fez desejar fazer parte
de sua vida. Eu me sinto bem quando estamos
juntos e... ─ Fungava tentando evitar que o choro
viesse ─ Eu sempre vou amar você, Gael, e durante
um tempo tentei fugir do que estava sentindo,
mas... Ele fez minha dor passar e os pesadelos
sumirem. Você ia gostar dele.

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As folhas se agitam com mais afinco. E o


vento toca-lhe delicadamente o rosto. Agora
entendia a paz que muitos diziam. Ela estava
sentindo. Aquele vento delicado e leve fizera
cócegas em sua pele roubando-lhe um sorriso.
─ Ele é incrível. Um homem muito bom,
mas um pouco ferido, que nem eu. Ele também
sobreviveu pelo o pior que a vida pode oferecer.
Sinto que com ele posso seguir em frente. Eu... ─
Respirava fundo, iria dizer aquilo pela primeira vez
em voz alta ─ Eu o amo.
Mais um toque carinhoso do vento.
─ Então vim até aqui para te dizer que estou
pronta para seguir. E sei que seja lá onde estiver
você está feliz por mim. ─ Ela sorria olhando para
os galhos que tremulavam.
Com mais força o vento balança os galhos
desprendendo uma flor branca e pequena que inicia
uma queda sutil pelo ar. Sarah a seguia com os
olhos até ela repousar sobre sua bolsa, que sem
perceber, se abrira quando a colocara ao seu lado. E
pela abertura o presente que Ethan lhe dera
apontava para fora.

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─ Obrigada. ─ Sussurrava ao vento ─ Eu te


amo, Gael.
Seu pai estava exatamente onde dissera que
estaria. Ela sorri assim que a vê. Parecia aliviado.
─ Tudo bem? ─ Ele perguntava assim que
ela para ao seu lado.
─ Tudo ótimo.
─ Que livro é esse? ─ Ele apontava.
Ela caminhara abraçada com o presente.
─ Ethan me deu de natal. É um clássico que
ele gosta muito. Vou começar hoje.
─ Você ainda lê esse tipo de coisa?
Ele abre a porta para ela para depois se
acomodar em seu lugar atrás do volante.
─ São as melhores histórias de amor já
contadas. Então sim. Ainda leio essas coisas e
Ethan também.
O caminho de volta estava mais leve.
Sarah cantarolava baixinho uma música que
tocava no radio enquanto olhava a paisagem.
Apesar de ser bem clichê dizer, a Irlanda é muito

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verde. Dizem até que se pode encontrar 40 tons de


verde espalhados pelas mais belas vistas de toda
Europa.
Os muros e as duas torres que ainda
restavam do castelo de Carlow começa a ser
avistado quando seu pai quebra o silêncio.
─ Então. Quando vamos conhecer esse tal
de Ethan? Não quer que ele conheça a sua família
ou não quer que sua família o conheça?
─ Não é isso pai. Apenas não quero
apressar as coisas. Ethan, apesar de ser muito
carinhoso e de estarmos juntos há um tempinho,
nunca falou sobre o nosso relacionamento.
─ Então ele é um daqueles que não querem
compromisso, apenas diversão.
Notava a irritação na voz dele. Era melhor
ela concertar isso se queria ter esperança de um dia
poder recebê-lo na casa dos pais.
─ Não é isso pai. Apenas não conversamos
sobre isso. Ele não é um canalha que tem centenas
de amantes.
─ Então é uma amante?

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Pelos deuses da dança! Não está dando


certo.
─ Ele não é muito aberto para esse tipo de
conversa ainda. É um pouco regrado...
─ Ah. Então é daqueles metódicos chatos.
Cansada deixa sua cabeça bater no encosto
do banco. Desisto.
─ Ele é carinhoso com você? Te faz feliz?
Você o ama?
─ Sim, sim e... ─ Arfava ─ Sim.
─ Então ele pode ser um metódico chato. ─
Colocava sua mão sobre a dela ─ Desculpe pelas
perguntas. Se sua mãe estivesse aqui já teria me
xingado por vários palavrões em espanhol. Mas é
que... Eu te amo minha gatinha risonha e me
preocupo. Só isso.
─ Eu sei pai. ─ Sorria afetuosamente ─ Eu
também te amo.

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Quatro... Cinco... Seis... Nove... Contava os


números de toques na linha.
A ligação cai mais uma vez. Aquilo não era
novidade alguma.
Ainda faltavam três dias para seu retorno e
já estava completamente desesperada.
Agora seu medo e desconfiança estavam
atingindo níveis de paranoia. Nenhuma notícia.
Nada. Zero. Ele havia sumido.
Andava de um lado para o outro em seu
quarto, quase criando um túnel de viagem rápida
para o Japão. Se o celular ainda possuísse botões
com toda certeza os que representavam os números
de Ethan já estariam desbotados.
Não importava a atividade, passeio ou visita
que fosse que fizesse com seus pais, nada a distraia.
Nada impedia que sua mente criativa inventasse
centenas de situações para Ethan não atender ao
telefone.
Ele poderia estar internado no hospital.
Poderia estar fazendo uma mega maratona de
documentários do reino animal. Poderia não ter
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pago a conta telefônica. Poderia estar ocupado


fazendo macarrão suficiente para encher uma
piscina olímpica. Poderia estar exercitando seus
músculos firmes, grandes e deliciosos, com aquelas
gotas tentadoras de suor escorrendo por eles.
Poderia ter arranjado um hobby novo. Poderia estar
evitando ela, a distanciando para pensar em como
dizer que tudo aquilo era loucura e que não queria
continuar brincando de casinha.
Todas as ideias pareciam ser plausíveis.
Mas a última era a que a assombrava dia e noite.
─ Mi amor. Trouxe um lanche.
Sua mãe surge na porta de seu quarto. Em
suas mãos uma bandeja com uma tigela com um
conteúdo fumegante que pelo cheiro imaginava ser
arroz con leche, a sobremesa que ela mais amava e
que somente sua mãe sabia fazer do jeitinho que ela
queria.
Sarah senta-se em sua cama cruzando as
pernas.
─ Obrigada mãe. ─ Dizia um pouco mais
animada. Era tão bom estar em casa.
Carmem senta-se na beirada da cama e
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coloca uma mecha de cabelo de Sarah atrás da


orelha.
─ Que livro é esse, querida? ─ Pegava o
exemplar do presente de Ethan que já estava na
metade.
─ Ganhei de presente. ─ Dizia de boca
cheia.
─ Mirna? ─ Sua mãe a chamava com
cautela ─ Tenho reparado que anda desanimada
ultimamente. Está tudo bem?
Sarah dá alguns bocados na sobremesa que
tinha em mãos mastigando devagar. Apenas para
ganhar tempo.
─ Quer conversar? ─ Sua mãe insistia.
Coloca a tigela sobre o criado mudo.
Deitando a cabeça no colo de sua mãe logo em
seguida.
─ Tem algo a ver com o Ethan?
Ela confirma com a cabeça libertando as
lágrimas que há dias segurava.
─ Estou com medo. ─ Ela fungava ─ E
preocupada com ele. Tenho medo que ele se
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arrependa de estar comigo e também que algo tenha


acontecido com ele. ─ Dizia tudo rapidamente sem
pausas ─ Desde que cheguei não consigo falar com
ele e isso está me matando. Sinto tanta saudade que
chega a doer.
As lágrimas molhavam a calça de Carmem.
Sarah não conseguia mais controlá-las.
─ Eu não sei o que aconteceu. Eu sei que
ele já passou por muita coisa na vida. Eu também
passei. Por isso nos entendemos. Por isso nos
completamos. Mas queria que ele confiasse 100%
em mim. Queria poder abraçá-lo e dizer que ficarei
ao lado dele seja o que for. Que vou ajudá-lo e
apoiá-lo e principalmente eu queria dizer que eu o
amo. Eu o amo, mamãe. Muito.
Sua cabeça era afagada por Carmem, que
nada dizia, apenas deixava sua filha desabafar. A
ouvia. Sempre.
Sarah respirava com força recuperando o
fôlego.
─ Então mi hija, o que você ainda está
fazendo aqui?
Surpresa Sarah levanta a cabeça de seu colo
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e a encara.
─ O que? Como assim?
─ Mirna eu amei passar cada segundo com
você. De passar na frente do seu quarto e ver você
nele. Seu pai nem se fala. E estamos muito
orgulhosos pela nossa sorridente e forte filha estar
de volta e decidida em seguir em frente com seu
caminho. E posso ver que tem outra pessoa no final
dele. Esse homem a trouxe de volta. Eu vejo o
quanto você precisava dele. Ele era quem você
estava esperando mesmo antes de esperar. E por
causa disso devo acreditar que ele... ─ Ela pegava
suas mãos ─ Também precisa de você.
─ Ainda faltam alguns dias, eles passam
rápido...
─ Querida. Volte para ele.
─ Mas a passagem...
─ Para o inferno a passagem. Arrume suas
malas, meu amor, você vai pegar o avião amanhã
bem cedo. Vai chegar antes da data e fazer uma
surpresa a ele.
Sarah abraça a mãe com força, seu rosto
banhado por lágrimas, mas feliz.
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─ O amor cura tudo, minha querida. Até a


dor mais profunda e a maior cicatriz. Mas para isso
ele tem que ser cultivado. Plantado, regado e
colhido.
Com um beijo caloroso de sua mãe em seu
rosto, Sarah nunca teve tanta certeza na força
daquelas palavras.
O amor realmente curava tudo. Ela era um
grande exemplo disso.
Ethan o plantara nela com seus modos
grosseiros e mau humor, que sabia se tratar apenas
de fachada. Cultivara com suas atitudes, cuidando,
compartilhando, acalentando e a protegendo. E
agora ela iria até ele para fazer a colheita.

Seu coração praticamente dançava em seu


peito.
A cada minuto percorrido estava mais
próxima dele. Mais próxima do homem que amava
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e do seu futuro.
Estava decidida em se abrir para ele.
Colocar tudo a limpo, dizer tudo o que se passava
dentro do seu coração. Claro que depois de dar
alguns tapas nele por não a atender.
Mas assim como a cada minuto se
aproximava do seu destino, a cada minuto sua
coragem ia falhando.
Suas mãos suavam frias e suas pernas
tremiam inquietas no banco de trás do táxi. Estava
de volta a Londres, e a paisagem estava um pouco
diferente do que alguns dias atrás. Tudo estava
branco e coberto pela, agora, fina camada de neve
pós-natal. Ela devia ter caído durante a madrugada.
Seus dedos, um pouco endurecidos pelo
frio, apertavam freneticamente o botão do elevador.
Agora faltava pouco. Apenas alguns metros para
seu final feliz. Para beijar seu senhor Darcy. Como
a cena no filme do amanhecer gelado em que ao
longe Elizabeth o vê se aproximando ao primeiro
raiar do sol.
Respirando fundo algumas vezes ela bate na
porta e aguarda.

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Seus pés batiam ritmadamente no chão com


impaciência. Ele não iria atender a porta também?
Já não bastavam os telefonemas?
Bate mais uma vez com mais força. E...
Nada.
Agora ela esmurrava a porta.
─ Ethan? Sou eu. Abre.
Nada.
Bufando começa a se afastar pisando firme
e subindo mais um andar. Quem sabe David saberia
de algo.
Agora tentava sua segunda opção.
─ David? ─ Batia mais uma vez.
Ele também não atende.
Argh. Fala sério universo.
Na portaria ela tira o celular do bolso e
depois de chamar outro táxi começa a discar para
seu amigo. E mais uma vez não atende.
Em poucos minutos o carro estaciona e ela
entra dando o endereço do campus. Havia poucos
lugares para buscar por Ethan. Ele não ia a muitos
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lugares. Então se não estava em casa e nem na do


irmão sua terceira opção seria o trabalho. O campus
era aberto para funcionários e alguns alunos, certos
setores não fechavam nas férias. Como por
exemplo, a biblioteca, que era aberta o ano todo.
Subia apressada a escada do prédio de
ciências médicas. Em seu peito o desespero e medo
já se faziam presentes de novo. Refletindo em suas
mãos que depois de alguns dias de trégua voltam a
formigar. Tinha que marcar uma nova consulta com
seu médico, adiara demais aquilo.
Mas antes que possa abrir a porta do
escritório dele algo lhe chama a atenção. O nome
de Ethan não estava mais na porta. A placa havia
sido retirada, deixando apenas uma região da
madeira com coloração diferente do contorno dela a
vista. Ao tentar girar a maçaneta a encontra firme
em seu lugar. Como era de imaginar, estava
trancada.
Quem sabe a reitoria decidira trocar e
colocar uma nova no lugar. Acrescentar mais um
título abaixo de seu nome como, por exemplo,
“Cérbero” ou talvez “Único ser humano da face da
terra que ainda não descobrira o objetivo de um
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celular”.
Algo estava muito, muito errado.
Seu subconsciente, ou melhor, seu diabinho
interior fazia advertências em sua cabeça.
Colocando várias ideias das quais não queria crer
em nenhuma.
Com passos apressados Sarah atravessa o
campus irrompendo na sala da secretaria ofegante.
Suas mãos tremiam e o formigamento aumentava.
─ Em que posso ajudar? ─ Uma atendente
sorridente com uma blusa de lã natalina verde e
cheia de bonecos de neve a cumprimentava.
─ Olá. Ah... ─ Tentava recuperar o fôlego
─ Fui assistente do professor Collins de anatomia
desse semestre e... ─ Respirava fundo ─ Gostaria
de saber por que o nome dele não está mais na
porta do escritório?
─ Ah... Sim. Ela foi removida ontem. ─ Ela
checava algo em seu notebook ─ Porque o
professor Collins não trabalha mais aqui.
Quando pensava que nada, absolutamente
nada, pudesse piorar tudo, lá vem a vida mais uma
vez esfregando na sua cara o como ela ainda era
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ingênua.
─ Co... Como assim?
─ Ela não faz mais parte do corpo docente
desta instituição há uns... ─ Olhava mais uma vez
na tela ─ Três dias. Ele ainda precisa retirar suas
coisas da sala.
Se a atendente havia lhe dito mais alguma
coisa depois daquilo ela não saberia responder, pois
tudo estava em turvo e confuso. Sua cabeça girava
e sentia o ar ficar rarefeito.
Ethan não faria aquilo com ela. Ele havia
prometido. Dissera que estaria ali quando ela
retornasse, mas para todos os lugares que olhava,
todos os lugares que pertenciam a eles, ela não
encontrava nem o menor vestígio dele. Tudo o que
conseguia pensar era que fora abandonada por ele,
que todas as palavras doces e todo cuidado não
eram nada além de palavras vazias e de pena.
Ainda entorpecida sente uma vibração.
Talvez aquele fosse seu fim, agora além das mãos
formigando aquela sensação havia partido para sua
perna direita. Mas ao recobrar um mínimo de
consciência descobre que a origem desse novo

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vibrar não era de nenhuma doença e sim do seu


celular em seu bolso.
Com muita ânsia e uma tontura forte ela
pega o aparelho e consegue ver o nome do amigo
piscando na tela.
─ David? Finalmente...
─ Oi Mi. Desculpe não ter te atendido. Não
o ouvi tocar. Cheguei agora a pouco de viagem.
Tudo bem?
─ Onde você está?
─ No carro com Bob. Sua voz está meio
baixa, Mi. Onde você está?
─ Estou... ─ Ela olhava ao redor
desorientada. Nem percebera que saíra da secretaria
e que percorrera quase todo o gramado ─ Estou
atrás da biblioteca do campus...
─ Estamos na rua de trás. Te damos uma
carona... ─ Ela o interrompia.
─ David. Onde está o Ethan?
De repente o silêncio preenche a linha.
Ele sabe. Ele sabe. Pensava se controlando
para não se jogar no gramado e chorar. Não Ethan.
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Você prometeu não me deixar.


─ Ahh... Mi... Ele não te contou?
Diante seu silêncio ele continua.
─ Conversei com ele outro dia e ele me
disse que... Havia voltado para a antiga casa dele
resolver alg...
Dor. É tudo o que vem a seguir. Uma dor
profunda e insuportável.
Instintivamente leva a mão livre ao peito.
Seu coração doía e não era somente por decepção e
amor, e sim por outro motivo. Sarah aperta o
casaco na região em que ficava seu coração
acompanhando a dor que ia aumentando e se
espalhando por todo seu corpo.
Na linha David ainda lhe contava coisas,
mas ela simplesmente nãos as ouvia. Aquela frase
fora o suficiente. Ele havia ido embora. Largara seu
emprego, a ignorara e voltara para casa.
Ele estava em Dublin esse tempo todo.
Seus joelhos encontram o chão e seu
coração se afunda em seu peito. Algo escorre pelo
seu nariz. Ela não conseguia se mexer.

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─ Mi? Você está aí? ─ David perguntava.


Antes que a invalidez alcance sua mente a
voz de Ethan e a imagem de seu par de cristais que
tanto amava surgem distante. “Eu prometo”.
Então tudo fica escuro.

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“Sentia-me como deve se sentir um homem


que enxerga, como pés acolchoados e roupas que
não fazem barulho, em uma cidade de cegos.”
O homem invisível.
H.G. Wells
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A vida é surpreendente.
Quanto mais ele pensava nessa frase, mas
ela fazia todo sentido. Já se cansara de tentar crer
que nada mais poderia lhe impactar, pois sabia que
era mentira. Aquele e-mail era um forte indicativo
disso.
Depois de anos criando sua própria rotina,
vivendo a sua maneira, ou melhor, sobrevivendo,
você cria suas próprias regras e convicções.
Aprende, na maior parte do tempo, a conviver com
o seu passado, e então “boom” um simples nome
muda tudo. Tudo o que antes era concreto cai e
você fica completamente perdido. Sem chão diante
do inesperado.
Durante todo esse tempo ele, o coração,
estava bem abaixo do seu nariz. O assombro de
suas noites de sono. Estava tudo bem ali abraçada
com ele na cama.
A essência dela estava viva, o pulsar de seu
coração agora dava vida a outro corpo, guiava outra
pessoa, pertencia a outra pessoa, e ele
simplesmente surtara.
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Então porque não se sentia finalmente livre?


O que achara se tratar de seu último recurso
para conseguir o perdão que vinha tanto buscando
se transformou na navalha para rasgar todas as
cicatrizes que Sarah lentamente, mês após mês,
viera suturando.
Sarah.
Toda vez que pensava nela seu peito parecia
que explodiria. O que como podemos imaginar era
seu estado constante.
Ethan sempre se dera vários adjetivos assim
como já recebera vários, alguns bons e outros nem
tanto assim. Tudo depende do ponto de vista. Mas
nunca havia se sentido um completo canalha.
O que fizera com ela não fora justo.
Quando vira Margot em seu lugar na cama,
ele, por alguns segundos, desejou que fosse
verdade, mas então sua consciência lhe deu um tapa
na cara e quando percebera o que havia feito a
vergonha se apossou dele e agora a culpa tinha uma
nova amiga.
Tinha medo dela e principalmente medo
dele mesmo. Não conseguiu encará-la nos olhos na
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manhã seguinte. Estava tão envergonhado,


arrependido, com raiva e culpado que não
conseguia colocar seus olhos nela.
O receio em fazer aquilo de novo era
enorme. Não queria correlacionar às duas mulheres.
Ele não confiava em si próprio. Então para evitar
decidira agir como antes, se afastando e recolhendo
para dentro de si.
Sarah não merecia aquilo. Ele não a
merecia. Era um homem amargo, arrogante,
solitário, frio, canalha e... Covarde. Sempre fugindo
e se escondendo de suas aflições.
Que bem poderia ele causar na vida de
alguém?
Respirando fundo o quarto em que estava
entra em foco novamente. Há anos que não o
visitava, mas estava exatamente do jeito que
deixara anos atrás. Parecia até mesmo que nada
havia acontecido. Que o tempo não passara. Que a
vida dele ainda era a vida deles, Margot e Ethan.
Sobre o criado mudo o livro que estavam
lendo juntos ainda decorava o móvel logo ao lado
do abajur. O chinelo dela ainda estava no chão do

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lado dela da cama. Seu roupão pendurado no


gancho atrás da porta. O ambiente todo era o
mesmo. A não ser por duas coisas.
Não havia mais fotos pela casa, não
importava aonde você olhasse, não encontraria
nenhum. Ele mesmo se certificara disso. Tirara um
por um quando ela morrera. E seu padrasto lhe
fizera o “grande favor” de lhe enviar todos pelo
correio até Londres.
A segunda mudança era que grande parte do
perímetro do chão do quarto estava coberto por
várias caixas de papelão, e em uma delas começara
a exercer sua tarefa. Dentro havia algumas peças de
roupas que retirara do guarda roupa aberto.
Estava naquilo há dois dias e nem
conseguira esvaziar um lado do guarda roupa,
demorava mais de meia hora com cada peça. Ele
era ridículo. Elas apenas ocupavam o fundo da
primeira caixa. Era pouco se for parar para pensar
no tempo que levara para se desfazer delas, mas
para ele já era um grande passo.
Apertava o vestido azul marinho em suas
mãos. O tecido delicado se enruga entre seus dedos.
Ela o usara em seu último aniversário. Estava tão
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linda naquele dia.


Um vibrar em seu bolso o tira de suas
lembranças. Era Sarah mais uma vez, talvez a
décima do dia. Seu polegar passa por sobre o nome
dela na tela. A saudade apertando.
Negar suas ligações se tornara parte de sua
rotina desde que ela se fora. Sabia que era errado,
mas ele simplesmente não conseguia. Todas as
vezes que via seu nome na tela imediatamente
lembrava-se da origem de seu novo adjetivo e então
apenas deixava a ligação cair, aumentando assim o
nível de canalhice.
Ainda não era hora de falar com ela.
Precisava resolver sua vida primeiro. Por isso
estava ali sentando na beirada da cama de sua
antiga casa em Dublin. Precisava limpar seu
coração e alma. Sarah não merecia menos do que
100% dele.
Uma notificação aparece. Era um novo e-
mail. Dessa vez do seu trabalho, ou melhor, do seu
antigo trabalho. Nele eles solicitavam para que
retirasse suas coisas de seu antigo escritório para
que o novo professor se instalasse.

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Aquele era mais um ato do seu projeto que


estava fazendo para Sarah. Prepara-lhe uma
surpresa para quando voltasse dali uns dias. O que
o fizera perceber que seu tempo para encaixotar
tudo aquilo estava acabando. Tinha que estar em
Londres quando ela voltasse. Afinal ele prometera.
Rogava para que seu coração estivesse
limpo até lá. Ele precisava estar.
─ Ethan?
Uma voz o sobressalta, fazendo-o olhar em
sua direção com os olhos arregalados.
Só pode ser brincadeira. Respirava
profundamente ao fitar o homem de quase 60 anos
parado na porta do quarto.
─ O que faz aqui? ─ Ethan perguntava de
maneira rude.
─ David me disse que você havia voltado
para casa então... Pensei em passar aqui e te ver.
Ethan tinha o corpo todo tenso. Não queria
aquele homem ali. Não queria ninguém com ele
naquele momento. Era algo que tinha que fazer
sozinho.

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─ Pronto. ─ Ele gesticulava pra si ─ Já viu.


─ Como você está? ─ Ele adentrava o
quarto com passos cautelosos como se cercasse um
animal. Acreditava que logo ele tiraria um chicote
do bolso enquanto se defendia com uma cadeira.
─ Não precisa fazer isso. Não vou rugir ou
bater no peito como um animal selvagem.
Paul ignora seu comentário ácido e continua
a caminhar.
Vou te matar, David.
Irritado com sua mais nova companhia,
Ethan levanta da cama e joga o vestido dentro da
caixa se afastando e indo até o guarda roupa.
Seu padrasto ocupava o lugar em que ele
estava antes.
Retirava cada roupa dos cabides sem prestar
a atenção nas peças. Queria terminar aquilo agora
mais rápido do que nunca. Queria ir embora dali,
ou melhor, queria que ele fosse embora e o
deixasse em paz.
─ Filho...
─ Eu não sou seu filho. ─ Ele o cortava.
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─ Você ainda insiste nisso, Ethan? ─


Suspirava cansado ─ Já faz tanto tempo...
─ Só porque faz tempo isso não diminui o
peso das suas palavras e dos seus atos.
Pronto. Fora dada a largada da chuva de
lembranças desagradáveis da sua infância. Aquele
homem sempre conseguia isso.
─ “Você não é meu filho” era tudo o que
uma criança com a mãe definhando na cama
precisava ouvir. ─ Ele agora praticamente atirava
as roupas na caixa ─ Você era tudo o que eu tinha.
Quando mais precisei de um pai, você se retirou
desse papel.
Com as mãos trêmulas de raiva Ethan
tentava dobrar um casaco marrom. A lembrança
daquele dia sempre o machucava, parecia que toda
vez em que estava se sentindo fragilizado com algo,
ela aproveitava a oportunidade para aparecer.
Paul estava bêbado naquele dia, como
sempre, o que só o faz crer que era exatamente o
que ele queria dizer e sóbrio não conseguia.
Atentamente, Paul, olhava o que ele fazia
em silêncio.
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─ Vá embora, Paul. Não preciso de você


aqui, sei me virar sozinho.
─ Quando você vai aprender Ethan? ─ Ele
sussurrava.
Ethan não responde, ainda lutava com o
casaco.
─ Quando vai aprender que você precisa de
ajuda? Você precisa ser mais flexível...
─ Flexível? ─ Dizia com ironia ─ Eu já fui
muito flexível. Flexível o suficiente para cuidar de
uma criança de cinco anos. Ser mãe, irmão e... Pai
dela.
Enfurecido ele olha para o padrasto.
─ Você não sabe do que eu preciso.
─ Eu sei sim.
─ Não. Não sabe. Mas deixa-me começar
com a lista de coisas que certamente eu não
preciso. Eu não preciso da sua ajuda, e nem dos
seus conselhos e sermões. Não preciso do
reverendo Paul O’Brien. ─ Sua voz ia ficando
trêmula, se recusava a chorar na frente dele. Dava
para contar nos dedos de uma só mão o número de

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pessoas que já o vira derramar uma lágrima ─ Isso


é o que eu preciso ─ Apontava para a pilha de
roupas na caixa ─ Eu preciso disso. Preciso.
A dor em seu peito o pega mais uma vez.
─ Eu preciso que essa dor passe. Que tudo
isso suma. ─ Lágrimas começavam a escorrer. Era
tarde demais para disfarçar ─ Preciso da minha
vida. Preciso de liberdade. Eu não aguento mais.
Então eu preciso fazer isso.
Seu choro se intensifica nublando sua vista.
Não conseguia mais vez Paul definidamente,
apenas sua silhueta. Fechava os olhos para tentar
espantar o choro, mas aquilo só parece causar mais
estimulo.
Ele precisava fazer aquilo. Por ele. Por
Sarah. Por sua vida. Para poder enfim ser somente
dela e viver por ela. Nada de culpa, nem de dor.
Aquele era seu maior sonho, mas não conseguia
encontrar o caminho certo até ele.
Dedos tocam seus punhos e em reação ele
os afasta. Quando abre os olhos encontra um par
escuro e marejado o fitando.
─ Não. ─ Ethan o repreendia puxando suas
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mãos.
Paul segura seus pulsos com firmeza sem
cortar o contato visual.
─ Ethan. ─ Dizia sério e com a voz quase
tão trêmula quanto à dele ─ Eu preciso fazer isso.
Seus olhos imploravam por oferecer ajuda,
por aproximação.
Ele dizia a si mesmo que não iria soltar
aquele casaco, que não permitiria que justo aquele
homem, que tivera toda a infância e adolescência
dele para demonstrar compaixão, se aproximasse.
Mas aos poucos suas mãos o traiam, afrouxando-se
ao redor daquela peça. Então ele percebe que
também estava cansado daquilo. Cansado do rancor
e da solidão.
Paul com calma retira o casaco das mãos de
Ethan e começa a dobrá-lo para enfim colocá-lo na
caixa e ir até o guarda roupa para pegar outra peça.
Com os olhos presos naquele homem Ethan
se aproxima do móvel e retira uma blusa de lã do
armário.
Estava desconfiado. Aquilo não era normal.
Ele e Paul no mesmo cômodo por 15 minutos
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seguidos sem discussão.


─ O que vai fazer com essas roupas? ─ Seu
padrasto cortava o silêncio.
─ Vou doar. Para alguma entidade que
ajude pessoas carentes ou algo assim. ─ Ainda não
havia pensado nessa parte.
─ Na igreja nós fazemos esse tipo de ação.
Claro que fazem. Respira fundo.
Durante sua adolescência, quando Paul
dissera que encontrara na igreja o seu novo lar e
logo se casara novamente e se tornara reverendo,
Ethan não conseguia evitar em pensar como ele era
um hipócrita. Sempre pregando bons costumes,
amor, e família, sendo que ele mesmo destruiu a
dele.
Depois de um tempo, Ethan, estava sentado
em sua cama contemplando o armário vazio e as
caixas cheias e lacradas. Paul voltava do mercado
próximo com uma sacola nas mãos.
─ Você ainda gosta disso? ─ Mostrava o
pacote de marshmallow que sacudia nas mãos.
─ Esse é o doce favorito do David e não o

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meu.
─ Achei que você também gostasse. ─
Olhava o pacote um pouco chateado consigo.
Estende a Ethan uma lata de refrigerante e senta-se
ao seu lado abrindo o lacre da dele e se servindo de
um generoso gole.
Seu coração ainda se mantinha apreensivo.
A todo instante fitava o homem ao seu lado de
esguelha. Já não estava tão incomodado com sua
presença. Mas ainda não confiava nele. Sentia que
a qualquer momento iria tirar uma garrafa de
bebida do bolso e avançar nele como já fizera
diversas vezes. Um homem que, quando sua mãe
morrera, o abandonara com uma criança de cinco
anos, que se fechara de tudo e todos, se afastara do
mundo e dos seus filhos, se trancara em seu
silêncio, que fizera Ethan ter que crescer antes da
hora e...
Eles. Eram. Iguais.
Quando esses pensamentos passam por ele,
Ethan se assusta. Sobressaltado ele olha para o
homem ao seu lado. Paul rasgava o pacote de doce
e enfiava dois de uma vez na boca.

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Depois de tantos anos fazendo de tudo para


manter o afastamento, eles eram mais iguais do que
nunca. Mas havia uma grande diferença entre eles.
Paul conseguira se reerguer, apesar de todos os
males de seu passado, e seguir em frente com uma
nova esposa e vida, enquanto Ethan ainda se
afundava na dele, preso na areia movediça.
─ Como você conseguiu? ─ As palavras lhe
escapavam.
Seu padrasto abaixa a lata de refrigerante.
Pela sua expressão sabia que entendera a pergunta
dele.
─ Não foi fácil no começo. Eu... Quando
sua mãe adoeceu e a vi na cama dia após dia
piorando, foi ali que minha ficha caiu e eu vi que
não havia feito nada de bom a ela, cheguei a
acreditar que eu piorara tudo, que a fizera ficar
doente mais rápido. ─ Seus dedos contornavam a
marca do refrigerante e seus olhos se prendiam ali
─ Quando ela morreu, eu me culpei muito e achei
que a vida de vocês seria melhor sem mim, que eu
os mataria também. Então me afastei. Deixei você
no comando. Sei que foi errado, você era muito
novo, mas... Na época parecia a coisa certa.
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Uma lágrima solitária se desprende do olho


esquerdo de Paul. Podia sentir que ele revivia
aqueles dias.
─ Mas isso me custou caro. Esse silêncio e
afastamento me tiraram muita coisa. Eu perdi meus
filhos.
─ David te ama. Ele faz tudo por você. Ele
sempre foi o melhor de nós dois.
─ Mas eu perdi você. ─ Seus olhos
marejados o fitavam ─ Eu perdi você Ethan. Eu
coloquei o primeiro tijolo do muro que você criou.
Eu fiz isso com você. ─ Ele lamentava ─ Não há
um dia que eu não me arrependa das coisas que te
disse. Do peso que joguei sobre seus ombros. Você
é o meu filho, mas naquela época eu me esqueci
disso, esqueci até mesmo de quem eu era.
Ele limpa os cantos úmidos dos olhos
escuros na manga do casaco.
─ Quando eu conheci a Cecília, ela me fez
ver que aquele meu plano não daria certo. Ela me
mostrou que nem sempre o silêncio é a melhor
resposta, mas que sempre um abraço é. Então eu
decidi recuperar meu tempo perdido. Ser o marido

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que eu não tinha sido e o pai também. Não iria mais


cometer os mesmos erros. Consegui com David,
mas com você eu vi que já era tarde demais. Eu
havia te perdido.
Ethan esfrega o rosto e sente suas faces
molhadas, nem percebera que chorava junto com o
padrasto. Culpa. Via ela estampada na face, hoje
envelhecida, de Paul.
─ Me desculpe meu filho. Por não ser o pai
que você merece. Por não ter ocupado esse lugar no
seu coração. ─ Ele colocava a mão sobre a perna de
Ethan proferindo alguns tapinhas contidos. Aquela
era a maior aproximação que eles tinham em anos.
Aquele simples contato, juntamente com
suas palavras, eram a maior demonstração de
carinho que recebera dele.
Ethan fita aqueles dedos por longos
minutos. Via que Paul estava receoso e que se
continha. Sentia que ele queria mais, que precisava
de mais. Era um homem que, assim como ele, ainda
era assombrado pelos fantasmas do passado. E
sentia que tentava espantar um deles agora. O
maior deles. Ele.

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Ele respirava fundo e após reconsiderar


várias e várias vezes, colocava sua mão sobre a
dele. E então percebe que aquele desentendimento
entre eles também era um dos seus fantasmas.
Surpreso, Paul ergue seus olhos e o encara.
Então suas lágrimas caem com maior frequência.
Molhando suas faces com marcas do tempo.
Aproveitando-se daquele momento raro. Coloca o
braço no ombro de Ethan e o puxa para um braço,
apertando-o em seus braços por todos os abraços
não dados.
─ Eu sinto muito filho. Me desculpe.
─ Tudo bem, Paul. Está tudo bem.
Ethan demora alguns segundos para
retribuir, mas enfim cede, rodeando o homem
pequeno em seus braços.
─ Não cometa os mesmos erros que eu,
filho. Não abandone quem você ama. Mesmo se
estiver machucado, deixe que as pessoas se
aproximem para que assim peguem seus cacos com
você. É isso o que é a família, o que é amor. E eu
descobri isso da pior maneira possível, mas Cecília
abriu os meus olhos e coração. Você ainda tem

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tempo.
Silêncio. Distanciamento. Solidão. Culpa.
Eram coisas que reconhecia muito bem. Paul
passara por tudo aquilo, talvez por motivos
diferentes, mas com um mesmo fim.
─ Como que ela é? ─ Ele perguntava ainda
o abraçando.
Sem dizer o nome, Ethan já imaginava
sobre quem ele perguntava.
─ Ela... É... ─ Meu bem mais precioso, meu
lado bom, quem me faz querer ser alguém o melhor
possível para ela, quem espanta meus pesadelos e
diminui minha dor, quem faz meu coração ganhar
vida e desperta meus desejos ─ Tudo. Muito mais
do que eu mereço.
─ Então do que é que você está fugindo?
─ Acho que de mim mesmo.
─ Por quê?
─ Tenho medo. ─ Ele confessava ─ Porque
eu... Fiz algo que ela não merece.
Ethan interrompe o abraço voltando a sua
posição original e encarando as caixas empilhadas
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no chão.
─ Ela tem o coração da Margot. ─
Suspirava ─ Literalmente.
Boquiaberto, Paul se arruma na beirada da
cama com olhos arregalados.
─ Então. Você está com ela por... ─
Deixava a frase morrer.
─ Não. Claro que não. ─ Dizia com asco ─
Jamais faria algo assim. Eu... Descobri há uma
semana. Mas... Eu... Acabei comparando as duas. E
Sarah não merece isso. Então decidi que precisava
limpar isso de mim e...
─ Então é por isso que veio até aqui. ─ Paul
completava ─ Para fazer as pazes com seu passado
e seguir em frente. Você a ama.
Ethan confirma em silêncio.
─ Você a amava antes de descobrir?
─ Muito.
─ Disse isso a ela?
─ Não. Mas eu vou, assim que terminar
tudo isso.

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A quietude paira sobre eles. Paul se remexia


no assento enquanto tinha as feições reflexivas.
─ Sabe o que eu vejo com tudo isso? ─ O
silêncio de Ethan fazia com que ele continue ─ Que
Margot te deu ela de presente. Que Deus, ou o
destino, como preferir chamar. Escolheu esse
coração para pertencer somente a você. Ele é seu.
Nunca havia pensado dessa maneira. Paul
podia ser muitas coisas, mas, tinha que admitir, ele
sabia como usar as palavras como ninguém. Sabia o
que dizer e como dizer. Cecília realmente o havia
mudado. Ela também o fazia ser alguém melhor.
Ela coletara seus cacos e os colara um a um, assim
como Sarah fizera com ele.
─ Você a ama filho. E tudo isso que está
fazendo não é somente por ela e sim por vocês.
Você se apaixonou por Sarah muito antes de saber
do coração, você a deixou se aproximar muito antes
disso. Então não tem com o que se preocupar. ─
Colocava a mão sobre seu ombro o apertando em
companheirismo ─ Faça as pazes consigo mesmo e
volte para ela. Não faça o que eu fiz.
Seu padrasto pega um marshmallow e o
coloca na boca com um sorriso.
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Ethan coloca a mão no saco de doce e leva


um aos lábios.
─ Eu ainda gosto de marshmallow... ─
Retribui com um meio sorriso.
Emocionado, Paul oferece algumas tapinhas
em suas costas largas.
Ido até lá havia sido uma ótima ideia. Sabia
que o caminho para ele e Paul ainda era longo, mas
aquele já havia sido um grande passo.
─ Sua mãe ficaria tão orgulhosa de você.
─ De você também.
Ethan sentia que o peso ia diminuindo e
percebera que a solução para tudo não era somente
fazer as pazes com o seu passado e sim consigo
mesmo. Em seu coração sentia que o processo
estava quase completo, mas havia ainda apenas
uma coisa a fazer.
Ele precisava ir até onde nunca fora. Estava
devendo uma visita. Não queria mais fugir.

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Estava sentado em frente à lápide há mais


de meia hora. Ele nada dizia. Nada fazia. Apenas a
fitava apreensivo.
O buque de margaridas brancas, as favoritas
dela, ainda jaziam firmes em suas mãos.
Na pedra fria a frase fora lida por ele
diversas vezes.
“Nós somos feitos do tecido de que são
feitos os sonhos."
Era de “A tempestade” de William
Shakespeare, o escritor favorito dela. Aquilo era
obra de sua sogra, pois ele mesmo não se envolvera
com nada disso na época. Não comparecera ao
velório e nem ao enterro. Era doloroso demais.
Nunca se esqueceria da primeira vez que a
viu sentada na biblioteca do campus da
universidade que ele estudara, com um livro
enorme sobre a mesa a sua frente, e que com uma
espiada mais demorada descobrira ser de uma
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coletânea de peças do autor.


Na verdade, ele não sabia por onde
começar. Nunca havia feito aquilo.
Deveria simplesmente começar a falar?
Tinha que rezar primeiro? Fazer algum sinal?
Conversar em silêncio?
Ele opta por ir ao modo tradicional.
─ Oi Hyde. ─ Ele pigarreia ─ Eu sei. Eu
demorei.
Coloca as flores aos pés da lápide.
─ Mas agora aqui estou. E... Eu nem sei por
onde começar. ─ Seus dedos nervosos começavam
a arrancar a grama ─ Eu tenho tanto pelo o que me
desculpar que eu estou um pouco perdido.
Passa as mãos nervosamente pelos cabelos.
Não sabia o que fazer com elas.
─ Por muito tempo eu acreditei que... Se eu
nunca tivesse ido falar com você na biblioteca
naquele dia você ainda estaria aqui. Que me
bastaria te amar a distância. Mas hoje eu também
vejo que eu não seria homem que sou, você não
teria me ensinado como a vida pode ser boa, como

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um simples sorriso tem o poder de melhorar o seu


dia, como a menor atitude pode ter um impacto
muito grande para o outro. Sem você eu não saberia
o que era o amor. E consequentemente não saberia
como amar alguém.
Respira fundo tomando coragem para
continuar.
─ Você é tudo o que eu sonhei. ─ Ele
passava os dedos sobre os escritos da pedra ─
Então você será parte de mim, para sempre.
O sol brilhava frio no céu, o silêncio total
pairava sobre aquele lugar. Não havia um som de
vento, de galhos de árvores, ou carros, apenas a voz
de Ethan reverberando por entre as pedras. Tudo se
calara para aquele momento único e importante.
─ Me desculpe por quebrar minha
promessa, por não dar o valor necessário para cada
segundo com você. Me desculpe por não ser o
homem que você merecia, por não dizer mais vezes
o quanto te amo, por me dedicar demais ao trabalho
e deixar nossa família em segundo plano. ─ Sua
voz tremia assim como seu corpo. Ethan abria seu
coração dando voz a tudo nunca antes dito ─ Sei
que provavelmente você não está me ouvindo e eu
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estou fazendo papel de bobo aqui. ─ Ria sem


humor.
Sentia-se ridículo falando sozinho.
─ Mas principalmente sinto muito por não
estar lá quando você mais precisou de mim. Eu te
amo muito, assim como também amo o... ─ As
palavras se engasgavam. Ao seu lado próximo a sua
perna direita ele pega outro objeto que trouxera.
O porta retrato branco com uma pequena
trinca no vidro, antes vazio, agora tinha uma foto.
Era o último que ela comprara e que estava com ela
no dia do acidente. O sorriso dela era radiante por
detrás do vidro, ela estava de noiva e em seus
braços enquanto ele a rodopiava pela pista de
dança.
─ Assim como amo o filho que íamos ter. ─
Por fim completava.
Passando o polegar por sobre a foto ele o
coloca ao lado das flores.
─ Sei que você também me ama, assim
como também sei que iria querer me ver feliz. Sinto
que você entende o porquê de tudo isso. Eu nunca
vou deixar de te amar, mas eu tenho a oportunidade
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de uma segunda chance... E... Eu... Quero aceitá-la.


Eu vou aceitá-la. Porque eu amo demais a Sarah. E
quero ter a oportunidade de fazer tudo direito dessa
vez. ─ Ele cravava os olhos na imagem dela na
fotografia como se conversasse diretamente com
ela. ─ Obrigado por ter me dado ela.
Uma mão em seu ombro seguido de um
pigarro o sobressalta.
Ao virar o rosto encontra o de sua sogra o
fitando de cima.
─ Minha filha o amava muito. Mais do que
eu já vi alguém amar outra pessoa. ─ Seus olhos
estavam marejados ─ Até agora.
Devagar ele se coloca de pé de frente para
sua nova companhia.
─ Se alguém aqui tem que se desculpar... ─
Lágrimas desprendem de seus olhos ─ Essa pessoa
sou eu.
Ela se aproxima dois passos dele e ergue
sua cabeça para fitá-lo nos olhos.
─ Eu ignorei a sua dor, pois achei que só
porque você não gritava ou chorava como eu, como
todos, era porque não sentia nada. E por muito
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tempo me convenci disso. Eu te vi calado, imóvel


no hospital e depois você se afastou de todos, não
compareceu no velório. Mas fui eu que te
abandonei primeiro. Te acusei de coisas terríveis,
julguei seus atos e o seu silêncio. Conclui que sua
dor era menor que a minha. Mas cada um reage à
vida de uma maneira. O seu foi se fechar, e eu
deveria estar lá com você, para chorar junto, para
tentar interpretar o silêncio e te ajudar a dar voz a
sua angustia.
Ela se aproxima mais e toca suas faces com
as mãos gélidas. Seus polegares acariciam suas
bochechas e ele percebe que ela enxugava lágrimas.
─ Devia ter estado com você acariciando
seus cabelos e lhe oferecendo o meu colo vazio de
mãe, pois você é meu único filho agora.
Amélia se afasta alguns centímetros e abre
bem os braços.
─ Vou entender se você negar.
Ele não se move.
─ Me perdoe Ethan.
Aquilo era tudo o que precisava. O que mais
desejava. Perdão.
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Chega um momento em que a paz e a


felicidade estão a um passo de distância. Estão a
uma decisão. A uma única palavra ou gesto. Estão
nas várias bifurcações com as quais nos deparamos.
Por muito tempo achara que o perdão não
faria parte da sua vida. Acreditara que não o
merecia, e que também todos aqueles que o feriram
não a mereciam, mas perdoar não significa que
você concorda com o errado e sim ser livre de um
peso que acha que não merece.
Você perdoa porque você merece paz. E
também porque você já precisou ser perdoado um
dia.
Quando ele a encaixa em seus braços tudo
pelo o que passara e que pesava sobre ele se
dissolve.
─ Eu demorei a ver que tudo isso era inútil.
─ Ela dizia com a voz abafada pelo seu peito e pela
voz embargada ─ Que te culpar não traria minha
filha de volta, mas que estava perdendo o único
filho que restava. Você me perdoa?
Ele confirmava com a cabeça. Enquanto ela
chorava copiosamente. Sentia que ela também

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aguardava por aquilo há muito tempo.


─ Sim... ─ Apertava mais o abraço ─ Sim.
Está tudo bem, Amélia.
Passara tanto tempo mergulhado na culpa e
afogado pelo desejo de perdão que se esquecera do
quanto tudo aquilo era bom. A harmonia. A paz
interior. Família.
Sua alma estava limpa assim como seu
coração, significava que a escolha fora a certa.
Estava pronto para Sarah. Seria somente dela.
Plenamente dela.
Amélia segura a lateral do seu rosto com as
mãos e beija suas bochechas.
No seu bolso o telefone vibra e com uma
rápida olhada encontra o nome de David na tela.
Sorrindo leve ele pede licença e atende o irmão.
─ Oi Dave. Eu já estou voltando para casa.
─ Ethan? ─ Sua voz trêmula e fraca. David
estava chorando. Por quê?
─ David está tudo bem? Aconteceu alguma
coisa com você? ─ perguntava preocupado, seu
coração se acelerando.

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─ Não. Comigo está tudo bem, é que... ─


Começava a soluçar por causa do choro ─ É a
Sarah... Ethan... Ela...
Seu coração falhava algumas batidas e seu
corpo se retesava.
─ O que... ─ Não conseguia completar a
frase sua voz havia sumido assim com a paz recém-
adquirida.
─ Ela está no hospital. Eu a encontrei
desmaiada no campus...
Sarah está em Londres? Pensava. Mas
como? Ela estava com viagem marcada para dali
dois dias.
─ Os médicos disseram que... É muito
grave.

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“Farei uma única coisa nesta vida, uma


coisa certa, que é amá-la e esperá-la, e continuar a
desejá-la até morrer.”
Longe deste insensato mundo
Thomas Hardy

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O novo ano chegara.


Insignificante como qualquer outra
atividade na vida de Ethan nos últimos dias. Não
estava com o espírito para champanhe,
comemorações e felicitações.
O tempo para ele era inexistente. Parecia ter
parado no instante em que recebera a ligação de
David. Não se lembrava de como chegara até
aquele hospital em Londres. As lembranças após
desligar o celular eram um grande vácuo.
Apenas percebera que o ano havia virado
pela comemoração que os funcionários do hospital
faziam pelos corredores.
Sarah estava deitada na cama a sua frente.
O “bip” contínuo e ritmado dos aparelhos
indicava que seu estado era o mesmo de três dias
atrás. Não havia uma única mudança. Mas isso não
era o suficiente para fazer Ethan sair do seu lado
nem um segundo. Ele tinha esperanças. Precisava
ter. Não restava muito de sua vida sem aquela
mulher.
Ao que tudo indicava. O coração de Sarah
não estava respondendo a nova medicação, segundo
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o médico que a acompanha desde que ela viera para


a Inglaterra, Sarah não estava fazendo corretamente
o tratamento e muito menos os repousos.
Acreditavam que a apresentação de dança havia
fragilizado mais a situação.
Quando retornara, descobrira que ela
entrara em uma cirurgia de emergência, no qual,
duraram horas. Apenas David e Bob estavam lá
para o ampararem. Ela fora levada para a UTI logo
em seguida, onde ficara somente nas primeiras
horas de recuperação, com uma melhora fora
encaminhada para o quarto onde todos aguardariam
que ela acordasse e os contagiasse com seu
otimismo e o sorriso que ele amava.
Mas após três dias ela ainda não havia
acordado, e a angustia dele aumentava cada dia
mais. O corpo dela não havia conseguido se
recuperar após a cirurgia.
Ethan não era um cirurgião ou cardiologista,
mas sabia que aquilo não era um bom sinal. Se seu
quadro não melhorasse... Bem. Ele evitava em
pensar nisso.
─ Você precisa ir para casa, querido.
Descansar um pouco. ─ Mãos acalentavam seus
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ombros.
Carmem o olhava com carinho. Ela e
Charles, seu marido, haviam chegado ao hospital
algumas horas depois dele. Não era a situação que
imaginava conhecê-los.
Ele arrumava a postura na poltrona ao lado
da cama e colocava a mão sobre a dela.
─ Eu vou ficar aqui. Obrigado.
Aquele quarto era sua casa naqueles últimos
dias.
─ Não precisa fazer isso, Ethan. Vá para
casa que eu fico com ela, você deve estar cansado.
─ Está tudo bem, Carmem. ─ Apertava
levemente suas mãos que ainda jaziam em seus
ombros ─ Pode ir você.
Ela sabia que não conseguiria tirá-lo dali,
mas mesmo assim tentava todo dia. Sorrindo ela
afaga seus cabelos.
─ Minha pequeña tem muita sorte. ─
Beijava o topo de sua cabeça ─ Eu vou para o hotel
tomar um banho e trocar de roupa. Daqui duas
horas estou de volta. Ok?

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Não conseguia deixá-la. E se no minuto


seguinte que deixasse a sala ela acordasse e ele não
a visse? Ou pior. E se ela acordasse sozinha no
quarto? Não iria permitir que Sarah passasse mais
um minuto sequer sozinha. Era uma promessa que
ele não descumpriria dessa vez.
Assim que Carmem sai do quarto David
entra. Parecia que eles também não estavam
dispostos em deixá-lo sozinho.
Seu irmão caçula senta-se na poltrona vaga
próxima a dele. Suas pernas estavam trêmulas e a
sola de seu sapato fazia um barulho levemente
estridente em atrito com o piso frio.
Sabia que queria lhe dizer algo. Sua
linguagem corporal sempre o denunciava.
─ Quer comer alguma coisa? ─ David
quebrava o silêncio.
─ Estou bem.
─ Beber então?
─ Não David.
Ele se remexe inquieto no assento.
─ Então quer...
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─ David... O que foi?


De repente sua perna para e ele pigarra
alguns segundos antes de dizer.
─ Ethan eu... ─ Secava o canto do olho
esquerdo ─ Eu... Sinto muito. Eu... Acho que ela
não me entendeu direito, talvez tenha pensado que
você havia ido embora, mas eu tentei explicar.
Disse que você havia ido para dizer adeus ao seu
passado para que vocês se acertassem, mas a
ligação ficou muda e... Eu sinto muito... Me
desculpe.
Seu irmão estava devastado. A nuvem de
culpa se formava sobre ele, mas Ethan não deixaria
que ela ficasse tempo o suficiente para que o
consumisse também.
─ David. A culpa não é sua. Você a ajudou.
Estava lá quando era para ser eu. Quebrei minha
promessa, eu a afastei, a fiz crer que eu não a
queria. A culpa é minha e de mais ninguém.
Seus dedos brincam na costura da poltrona.
─ Eu não fui sincero com ela. Escondi
coisas. Menti. Tudo porque eu não conseguia
encarar a verdade, porque eu não queria encará-la.
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Achei que a estava poupando e que quando eu me


livrasse de tudo isso eu pertenceria unicamente a
ela, mas... ─ Ele olhava para a figura pequena na
cama ─ Eu fiz tudo de novo. Não estava lá quando
ela mais precisou.
─ Ethan...
─ E eu não sei o que fazer. ─ Sua voz
ficava trêmula ─ Não sei se consigo passar por isso
de novo.
Sarah era um presente. Sua salvação.
Depois de tanto tempo procurando os
“porquês” de tudo pelo o que havia passado. Ethan
enfim via o grande propósito.
Margot a salvara para que ela o salvasse.
Mas como sempre ele estragara tudo. Estava
à beira do precipício novamente. Com os pés bem
nas bordas esperando... Esperando... Esperando.
Esperando pela notícia para enfim saber se irá se
jogar ou ser agarrado pelo braço e puxado em terra
firme.
─ Te trouxe isso. ─ David abria a mochila e
lhe estende um livro ─ Estava com a Mi quando a
achei.
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Ao olhar a capa e o título o reconhece. Era


seu presente de natal. Seus dedos oscilavam na
beirada das páginas na tentativa de abri-lo. Em
silêncio lê o que lhe havia escrito na contracapa.
─ Nunca li esse, mas sei que é o seu
favorito. ─ Dizia David.
─ Esse livro fala sobre escolhas. Sobre a
vida e seus caminhos. Sobre destino. Por mais que
sempre a gente faça nosso próprio caminho, que
tomemos nossas decisões, sempre há um caminho
certo e por mais que diversas vezes a gente escolha
o errado, esse sempre nos leva ao certo.
Tudo o que havia feito em sua vida o guiara
até ali. Cada escolha se refletindo no futuro. Era
Sarah que estava no final dele, sua luz, seu farol.
Sua esperança e cura. A estrela que pontuava seu
céu escuro e reinava sobre ele.
A história deles não podia terminar ali. Por
mais que acreditasse que não merecesse. Ele queria
ser feliz de novo. Queria a paz que somente ela lhe
trazia, o amor que somente ela fazia correr em suas
veias e o desejo que somente ela despertava. Queria
ser feliz. Ser amado e dar amor. Demolir sua
muralha e deixá-la invadir sem restrições.
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─ Ela é forte. ─ David dizia ─ Vai


melhorar. E você não vai estar sozinho. Nunca. Não
vou deixar. Você também é forte, Ethan. ─ Ele
continuava diante as negativas dele ─ É sim. Você
apenas não vê isso. Mas é o homem mais forte que
conheço. Passou por tanta coisa. Desde a morte do
seu pai quando era criança, da mamãe, das brigas
com nosso pai, Margot. Você é um exemplo para
mim. ─ Dizia convicto ─ A vida o fez ser forte, ela
o moldou, então não desista dela. Ok? E nem de
mim.
Seus olhos azuis encontram os marejados
do irmão.
─ Eu te amo, David. Me desculpe por não
ter o costume de dizer isso. Sem você eu já teria me
afogado faz tempo.
─ Sem você eu não teria mais ninguém.
─ Com quem você aprendeu a ser tão
sábio?
─ Hum... ─ Ele levava a mão ao queixo
pensativo ─ Mestre Yoda talvez eu ser.
Aquele comentário rouba um sorriso de
Ethan.
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─ Ok. ─ Dizia após pegar o celular olhando


a mensagem que recebera ─ Ryan está na cantina.
E Lexi está incomunicável ainda. ─ Secava mais
uma vez os olhos com a manga do casaco escuro ─
Vou buscar um sanduiche para você. O macarrão
deles não é muito bom, vai por mim. ─ Ele se
levantava ─ Atum não é?
Ethan confirmava.
David coloca a mão no batente e para por
um instante olhando para trás.
─ Fui eu que mandei seu currículo. ─ Ele
dizia do nada.
─ Que currículo?
─ Quando morávamos em Dublin e você
recebeu um e-mail dizendo que estava sendo
contratado para dar aula, e que você ficou confuso
porque não havia enviado nada para ninguém. Fui
eu que mandei.
Aquele era um dos grandes mistérios. Ele
realmente passara meses se perguntando de onde
aquele convite surgira, assim como se lembrava de
seu irmão praticamente fazendo suas malas
entusiasmado.
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─ Porque está me dizendo isso agora?


Ele dá de ombros.
─ Apenas para que veja que você nunca
esteve e nunca estará sozinho. ─ Ele suspirava ─
Uma vez tive uma conversa com Margot e ela me
disse o quanto queria que você mudasse de vida. Eu
achei que era o que você precisava depois de tudo.
─ Obrigado.
Com um meio sorriso David o deixa a sós
com Sarah.
Ela estava tranquila. Seu tronco subia e
descia calmo. Até parecia que dormia. Envolta por
sonhos apaziguadores. Como se não quisesse
acordar.
Se inclinando um pouco ele alcança sua
mão inerte e a encaixa na sua. Estavam quentes, na
mesma temperatura que a dele.
Como médico, achava muito estranho dizer
que podia conversar com um paciente em coma que
ele o ouviria. Mesmo já tendo dito aquela frase para
familiares de pacientes, ele nunca acreditara muito
que aquilo fosse verdade, apesar de pesquisas
demonstrarem o contrário. Achava que servia mais
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como um conforto para aqueles que não tinham


mais nada a fazer além de esperar.
Mas quando se está do outro lado, ele
percebeu, que conversar com a pessoa em coma é
tudo o que se tem. Você se sente mais tranquilo,
por incrível que pareça. Você se sente mais
próximo, como se a outra pessoa estivesse
realmente ali. Então você não se sente só.
─ Por favor. ─ Suas palavras saem mais
sussurradas do que pretendia ─ Por favor. ─
suplicava um pouco mais alto ─ Eu... Preciso de
você, Sarah.
Deita a testa sobre a união de seus dedos
sobre a cama. Um baque o sobressalta e ao olhar
para perto de seus pés encontra o livro caído. Havia
esquecido que o carregava no colo.
Com a mão livre ele o pega, passa o polegar
sobre a capa e faz algo que há muito não fazia.
Com um pouco de dificuldade, por estar usando
apenas uma das mãos, ele abre o livro na marcação
da página em que ela parara de ler.
Respira fundo antes de continuar.
─ “O fim do outono aproximava
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rapidamente...” ─ Fazia uma pausa. Aquilo era


difícil, mas assim como David lhe dissera, ele
sentia que precisava fazer aquilo ─ “... E o inverno
logo o sucederia. As folhas da floresta formavam
uma camada espessa sobre a relva das clareiras e
dos musgos.” ─ Mais uma pausa e mais um suspiro
longo na tentativa de controlar suas emoções. Sua
voz falhava em algumas partes ─ “Bathsheba, que
já passara por um estado de sentimento suspenso,
que na verdade não era suspenso, agora vivia num
clima de quietude que não era precisamente
tranquilidade...”.
Ler aquele livro significava muito para ele.
Ler um clássico, no modo geral, era algo que não
fazia desde que Margot se fora. Algo que faziam
juntos. Uma paixão que tinham em comum. A cada
linha compartilhada por eles era um novo “eu te
amo” e era isso o que ele dizia agora.

Sarah
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Estava escuro e vazio. Ela sentia frio e não


importava o quanto corresse ou olhasse a escuridão
era a mesma.
Não sabia quando desistira de correr. Ela
estava sentada no que achava ser o chão naquele
imenso vazio, chorando, implorando, rezando para
que alguém a tirasse dali. Sarah nunca fora
religiosa, mas naquele momento tudo o que lhe
restara parecia ser sua fé. Ela chamava por ele,
chamava por Ethan. Suas mãos juntas ao corpo
abraçavam seus joelhos com força. Ela não
conseguia ouvir nada e tudo o que se lembrava
antes de chegar naquele lugar era de luzes fortes e a
voz de David a chamando ao fundo.
Será que morri?
Não conseguia pensar em outra forma de
explicar aquela estranha situação. Mas se ela
morreu o que aconteceria com Ethan? Seus amigos
e família?
Deus se você realmente existir, por favor,
preciso de ajuda!
E como se ele a respondesse quase
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imediatamente ela nota uma luz se formar a sua


frente. Era forte e uma silhueta se desenhava ao
fundo.
─ Olá Sarah, é um prazer finalmente a
conhecer. ─ Dizia uma voz feminina.
Quando Sarah ergue seu olhar ela a nota,
tão linda quanto um anjo deveria ser. A mulher
com feições alegres e beleza única sorria para ela,
seus cabelos ruivos caiam sobre seus ombros e uma
linda franja enfeitava sua testa emoldurando seu
rosto delicado. Vestida em um lindo vestido de tons
claros, ela estende sua mão.
Quando Sarah pega a mão gentil da mulher
algo imediatamente muda. Algum tipo de força
invade todo aquele local e de repente a escuridão
que a cercava começa a se dissipar dando lugar à
luz.
─ Quem é você? ─ Sua curiosidade sempre
presente.
A mulher apenas sorri enquanto a guia para
uma caminhada, mas ela no fundo sabia exatamente
quem ela era. Margot... Pensava e como se ela
ouvisse seus pensamentos confirma com um sutil

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acenar de cabeça.
─ Eu... Eu... Morri?
─ Ainda não.
─ Onde eu estou?
─ Não importa, preciso que me escute
Sarah. ─ Margot ficava a sua frente segurando forte
suas mãos. ─ Ele precisa de você. Você precisa
voltar para ele.
─ Eu... Eu não sei como... ─ Lágrimas
novamente escorrem de seus olhos castanhos e
Margot toca sua face limpando-as.
─ Não chore. Você precisa ser forte. Eu sei
que você o ama tanto quanto eu o amei em vida e
tanto o quanto continuo o amando. Você foi o meu
presente para ele. O coração que carrega sempre
pertencerá a ele. ─ Olhando mais atentamente,
Sarah, nota o início de uma leve cicatriz despontar
pelo decote do vestido no centro do peito da figura
a sua frente ─ Meus olhos o enxergam, mas minhas
mãos não podem tocá-lo, mas você pode. Ethan
precisa de você e você dele. Estavam destinados a
ficarem juntos. ─ Um sorriso gentil iluminava seu
rosto ─ Sei que o ama verdadeiramente e estamos
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felizes por vocês.


Margot olha para o lado e Sarah acompanha
seu olhar até onde a figura de uma criança que
surgira sorrindo para ela. Ela tinha os mesmos
olhos de Ethan, e Sarah soube o que aquilo
significava. Ele havia sofrido duas grandes perdas e
ela precisava voltar para que não houvesse uma
terceira.
Ao mesmo tempo em que as palavras
daquela mulher aqueciam seu coração ferido tantas
vezes, Sarah não consegue evitar se questionar os
motivos para Ethan ter começado seu envolvimento
com ela. Seria por causa do coração?
─ Não. Não pense isso dele. Ele jamais
faria algo assim. ─ Margot mais uma vez ouve seus
pensamentos ─ Ele veio conversar comigo outro
dia e fiquei tão feliz por vê-lo enfim mudando de
vida, seguindo em frente, vivendo mais e olhando
menos para aquele relógio, e tudo por você. Então
jamais pense algo assim dele.
─ “O fim do outono aproximava
rapidamente...”.
Ela agora escutava sua voz. Procurava por

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ele, mas não conseguia ver nada além de Margot


que abria um sorriso largo enquanto fechava os
olhos.
─ Você está ouvindo isso? ─ Margot
perguntava.
Ela confirmava em silêncio, buscando
inutilmente por ele, tentando descobrir em qual
direção a voz vinha. Surgia de todos os lados. Mais
uma vez a voz dele ecoa.
─ “... e o inverno logo o sucederia. As
folhas da floresta formavam uma camada espessa
sobre a relva das clareiras e dos musgos...”.
─ Ele está lendo para você, sabe o quanto é
difícil para ele? Ler para outra pessoa como lia para
mim? Toda vez depois que ele terminava o capítulo
antes de irmos dormir, me dizia que me amava. ─
Margot abre os olhos vagarosamente ─ Ele está lhe
dizendo isso agora. Ah minha querida, ele te ama
tanto. ─ Sorria orgulhosa ─ Não podemos deixá-lo
se perder de novo. Temo que nunca mais ele
encontre seu caminho.
Sarah sorria, não sabia como faria aquilo,
mas voltaria para ele. Voltaria para o homem que

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amava.
─ Obrigada. ─ Agradecia a mulher a sua
frente tocando o centro de seu próprio peito ela
completa ─ Vou cuidar bem dos dois.
─ Eu sei que vai. Ele está feliz por você.
Sarah tomba sua cabeça para o lado e
Margot sorri.
─ Gael. Ele foi um bom homem.
─ Foi sim.
─ Me pediu para te entregar isso. ─ Abria a
palma de uma das mãos e no centro uma delicada
flor branca e pequena repousava. Sarah logo se
recorda que era a mesma flor que crescia na árvore
que cobria o túmulo dele. Lembrava-se delas
caindo sobre si como uma chuva delicada e em uma
delas ficar sobre o presente que Ethan lhe dera.
Era ele. Ele estava lá com ela no dia.
─ Meu tempo aqui acabou. ─ Margot
afagava suas mãos e braços ─ Faça-o feliz Sarah eu
sempre estarei olhando por vocês.
E com aquela última frase ela desaparece.
Sarah não sabia o que fazer então apenas
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correu na direção ao que achava ser sua saída dali.


Ela pula sem medo e estica sua mão tocando no
ponto de luz que ainda conseguia ver e de repente...
Seus olhos focam em um ambiente totalmente
diferente.
Paredes brancas a cercava. Tudo estava
meio embaçado e não sabia quanto tempo ela havia
ficado na escuridão, apenas sabia que precisava
encontrá-lo.
O barulho de aparelhos a deixavam confusa
e não conseguia se mexer.
─ “Bathsheba, que já passara por um estado
de sentimento suspenso, que na verdade não era
suspenso, agora vivia num clima de quietude que
não era precisamente tranquilidade...”.
Era a voz dele. Sarah olha para o lado e seus
olhos focam na figura masculina sentada ao seu
lado de cabeça baixa segurando o livro que ela lera
em suas férias e que não a fez se sentir sozinha.
Sorrindo e com um pouco de dificuldade ela
diz:
─ Eu... Eu precisei ter um infarto para que
lesse para mim, coelho?
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Abruptamente ela o vê parar a leitura e seus


olhos avermelhados a fitam. Sem reação ele a
observava como se não acreditasse que ela havia
acordado. O escutava murmurar algumas palavras
antes de falar com mais clareza.
─ Sarah? ─ Seu nome saia em meio a um
sussurro.
Ela sorri com um pouco de moleza. Sua
cabeça ainda colocava tudo em foco.
Ethan colocava rapidamente o livro de lado.
Podia ver sua dificuldade. As mãos dele tremiam
enquanto lentamente ele se aproximava da cama.
─ Você acordou... ─ Com os dedos ainda
trêmulos ele acariciava seu rosto delicado e
abatido, o toque dele era acalentador. Sarah fecha
seus olhos aproveitando o contato que há muito
tempo ansiava.
─ Sarah eu... Eu sinto muito, tem algo que
preciso lhe dizer e você precisa me escutar. Não
posso mais esconder isso. Você precisa saber que...
Ela coloca seus dedos em sua boca o
silenciando. Sabia exatamente o que ia lhe dizer.
─ Eu sei, não precisa me contar.
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─ Co... Como? ─ Ele a olhava surpreso.


─ Margot me contou.
─ Você falou com ela? Como isso é
possível?
─ Não sei explicar, mas ela estava lá
enquanto eu dormia e... ─ Forçava-se a se lembrar
exatamente das palavras. Parecia que fora tudo um
sonho e estava com a sensação os detalhes deles
estavam lhe escapando ─ Me disse que o coração
que carrego sempre pertencerá a você.
─ Eu não... Não estou entendendo nada...
Isso é tão... Tão...
─ Surreal? ─ Ela completava sua frase. Sua
garganta estava seca e sua cabeça girava um pouco
─ Eles estão felizes, Ethan. Estão em paz. Margot e
seu filho.
Ela podia ver lágrimas se acumulando em
seus olhos assim como nos dela. Ethan apertava
seus lábios e seu queixo começara a tremer.
─ Eu... Me desculpe Sarah, eu tive tanto
medo. Quando eu descobri não soube o que fazer,
precisei me afastar e pensar. Tive medo de você
achar que estava com você apenas por você
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carregar o coração dela. ─ Então suas lágrimas


caem ─ Por favor, me perdoe.
Ela o puxava para perto o envolvendo em
um abraço apertado.
─ Eu não quis que pensasse que a
abandonei, foi tudo por você, sempre foi por você...
Eu sinto muito... Eu... ─ Ele chorava em seu ombro
enquanto ela o abraçava.
─ Está tudo bem Ethan, eu estou aqui agora.
─ Sarah o afastava e limpa suas lágrimas e em
seguida ela puxa seu rosto para perto e encaixa seus
lábios aos dele. Beija-lo era tudo que almejava
fazer.
Ethan deslizava seus lábios, um pouco
salgados pelas lágrimas, sobre os dela os
envolvendo com carinho e cuidado.
─ Quando te vi pela primeira vez, depois de
muito tempo eu consegui ver um futuro. Eu desejei
ter um futuro. Não quis mais ficar sozinho.
─ Você pediu demissão da faculdade? O
procurei lá e me disseram que você não fazia mais
parte do corpo docente. ─ Sua curiosidade sempre
presente ─ Você ama dar aulas Ethan...
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─ Era para ser uma surpresa para quando


você voltasse de viagem. Eu não larguei meu
trabalho, apenas pedi transferência para outra
universidade ─ Um leve sorriso iluminava suas
feições ─ Estavam precisando de um professor de
anatomia para coordenar o laboratório.
─ É uma pena, será que o novo professor
será tão sexy quanto você? ─ Ela ria um pouco
fraca fazendo aquele par de covinhas que amava
surgir no rosto dele acompanhado de um belo
sorriso, e seus olhos... Ah aqueles olhos azuis...
Sorriem junto. ─ Mas porque você fez isso?
─ Eu fiz isso por você, por nós. ─ Ela o via
respirar fundo ─ Porque eu... Eu te amo minha
Sarah. ─ Suas mãos encaixam nas laterais de seu
rosto ─ Eu te amo.
─ Eu também te amo, coelho!
Ele beijava seus lábios com cuidado e a
cada beijo interrompido ele a dizia que a amava.
─ Fiquei com tanto medo de perder você. ─
Encostava sua testa na dela ─ Obrigado por ser tão
teimosa e não desistir de mim. Obrigado por ir mal
na minha prova.

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Ela ri envolvendo seu pescoço e brincando


com seus dedos na nuca dele.
Com os lábios próximos, exalando e
inalando o mesmo ar que ele, Sarah sabia que
ambos finalmente estavam livres de todo o peso
que carregavam dentro deles. Não havia culpa, dor,
tristeza, arrependimento, dúvidas, e nem muros.
Apenas amor. Esse que transforma a mais cética
das pessoas. Que nos envolve e nos domina de
corpo e alma. Que é o responsável por todas as
coisas boas no mundo. Que muda cada pedaço da
nossa anatomia, despertando cada célula fazendo
com que façamos coisas que jurávamos que não
éramos capazes ou até mesmo quebrar barreiras e
demolir muros. É o responsável pelas atitudes mais
corajosas e também as mais estúpidas.
O amor tudo supera, tudo perdoa, tudo
muda, tudo espera e tudo ensina.
Já dizia o autor favorito de Sarah. “O amor
é quando você tem todos os motivos para desistir
de alguém, e não desiste”.
Ela não desistira nem por um momento
dele, mesmo quando ele desistira de si mesmo. Mas
o amor estava lá para ensinar a ele a mais difícil das
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tarefas. O perdão.
Começou de forma atribulada. Como se não
fosse para acontecer. Não estava previsto que ela se
apaixonasse, aquele deveria ter sido apenas um ano
diferente. De um novo recomeço, e assim o fora.
Um pouco diferente do que imaginava. Nunca
sonhara amar aquele homem rude e fechado deste
jeito tão avassalador. Mas no coração ninguém
manda, ele é supremo regente de si mesmo, e ela
não teve outro remédio senão se render, se entregar
a esse amor que sentia por ele.
A vida realmente nos reserva coisas
maravilhosas. Como uma vez um homem grosseiro
e extremamente sexy com os olhos azuis mais
lindos do mundo lhe dissera. A vida é
surpreendente. E ele foi a melhor de todas as
surpresas.
Dizem que as melhores coisas da vida
chegam sem avisar, e assim foi com Ethan Collins.
Tudo aconteceu de modo tão abrupto, tão simples,
tão natural, como se o encontro deles já tivesse sido
planejado pelo destino. Com dia e hora marcada
para acontecer. E desde que Sarah colocara seus
olhos sobre ele, tudo tem sido assim. Fluido e certo.
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Nada de culpa, nada de dor.


Apenas Ethan e Sarah.

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“Não chore porque acabou, sorria porque


aconteceu.”
Dr. Seuss

Cinco anos depois.

Sarah equilibrava um bolo de dois andares


nas mãos. Seus dedos ainda estavam um pouco
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grudentos por causa do glacê que usara para


decorá-lo. Lilás e Azul enfeitavam e davam vida às
camadas de massa e recheio. Tivera que usar essas
duas cores. Cada um deles tinha uma cor favorita.
Um riso alegre e eufórico irrompe o ar,
seguido por um vulto com cachos escuros e um tutu
rosa coberto com gliter. Ela não iria tirar aquela
roupa por tão cedo.
─ Alice querida. Assim você vai se
machucar. Não pode correr assim.
Rindo a menininha de cabelos escuros pisca
seus grandes olhos castanhos parando em frente a
ela.
Não resistia àqueles olhos pidões de
filhotinho. Com apenas três anos e já sabia como
conseguir o que queria dela.
─ Só um poutinho? ─ Gesticulava com os
dedinhos da mão direita fazendo o sinal de pouco
enquanto apontava na direção em que estava indo e
um biquinho se formava em seus lábios.
Sarah apoia um pouco o bolo na bancada e
ajeita sua tiara de princesa cheia de brilhantes no
topo de seus cachos desgrenhados.
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─ Tudo bem, você pode brincar, mas sem


sujar a roupa nova.
Abrindo um sorriso largo covinhas se
formam de ambos os lados de seu rosto. Ela amava
tanto aqueles furinhos. No segundo seguinte uma
Alice risonha volta a correr em direção ao jardim
do fundo. Romeu que esperava por ela no vão da
porta de vidro late em resposta ao seu entusiasmo,
girando o corpo peludo e correndo para fora em um
convite para brincar. O vira lata marrom e preto
aparecera uma noite na porta da casa deles e se
tornara o melhor amigo de seus filhos.
Lá fora o sol brilhava em meio ao céu azul.
Não havia uma única nuvem no céu naquele dia.
Tornando o cenário um pouco atípico para quem
morava aos arredores de Londres.
O gramado se estendia por toda extensão
traseira da casa. O cheiro de salsichas na
churrasqueira e de hambúrgueres dominava o ar.
Acentuando a fome que já sentia.
─ Deixe que eu te ajude querida. ─ Paul
aparecia em seu auxilio.
O padrasto de seu marido colocava o bolo

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na mesa decorada com bailarinas e dinossauros. Ele


fazia questão de estar presente em todas as datas
comemorativas. O caminho para reconciliação
entre ele e Ethan diminuía a cada dia, mas ainda
havia chão para percorrer, pois conhecia muito bem
o marido que tinha. Aqueles que passaram pelas
maiores dificuldades na vida possuíam uma
armadura mais resistente, mas não impenetrável.
Marido.
Há exatos quatro anos e meio era conhecida
como senhora Collins, e há três anos como mamãe.
Ethan era um marido presente e um pai
maravilhoso. Ainda dava aulas na universidade e a
aguardava chegar do seu trabalho de fisioterapeuta
em um hospital próximo todas as noites. Fazia com
que ela se sentisse linda, amada e desejada todos os
dias, e acima de tudo lhe dera seus maiores
presentes. Os gêmeos Alice e William.
Percorre os olhos pelo quintal em busca do
par de cristais que eram um dos seus principais
motivos para levantar todas as manhãs.
Seus dedos roçavam na corrente em seu
pescoço, agora sem nenhum pingente, os círculos
dourados que antes a enfeitavam estavam bem
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guardados juntamente com o colar da Margot em


uma gaveta do quarto deles.
Seu pai conversava animadamente com Bob
próximo a churrasqueira. Ele havia tirado seu
amigo para uma conversa superinteressante sobre
pilastras e modernização arquitetônica. Charles
havia há pouco tempo comprado um terreno do
outro lado do mundo, no Texas, onde pretendia
construir a nova sede da O’C beer. Pelo o que sabia
o dono do local herdara da família há alguns anos e
dividira o imenso terreno, que já fora uma fazenda
muito renomada há mais de 30 anos, em vários
lotes e os estava vendendo.
Carmem e Cecília, a madrasta de Ethan,
arrumavam a mesa onde iria ser servido o almoço,
colocando pratos e talheres sobre a toalha metade
lilás e azul claro. Sua mãe encontrara uma ótima
companheira de espanhol, pois descobrira que ela
nascera em Madri e que passara boa parte de sua
adolescência por lá.
Sentados sobre a grama no meio do quintal,
David brincava de empilhar blocos coloridos com
William, que igual à irmã possuía cabelos escuros e
grandes olhos castanhos, mas diferentemente dela
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tinha uma personalidade mais calma e observadora.


Sarah sabia muito bem a quem puxara. Tirando a
cor dos olhos, ele era a cópia de seu marido.
─ Paul? ─ Ela se virava para o homem de
cabelos brancos ao seu lado ─ Você sabe onde está
o Ethan?
Ele apontava com o queixo em direção ao
fundo do quintal e colocando a mão sobre a testa
para bloquear a luz do sol, Sarah o vê sentado ao
fundo no banco balanço de madeira que já viera
com a casa quando compraram. Nas mãos ele
segurava uma garrafa de cerveja. Ela poderia
apostar com qualquer um ali que era uma O’C beer
sabor cereja e que era a mesma que o vira pegando
na geladeira há quase duas horas.
Sorrindo ela vai até ele. Ethan estava um
pouco distraído, vidrado e deslumbrado com algo a
sua frente, mas nota ela se aproximar, colocando
seus olhos azuis sobre ela e lhe devolvendo o
sorriso com um caloroso que a fizera se arrepiar da
cabeça aos pés.
Os anos pareciam apenas tê-lo favorecido.
Quando pensava que Ethan Collins não podia ficar
mais bonito, ela era surpreendida. Alguns fios
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grisalhos que cresciam em suas têmporas lhe


davam um ar mais sexy. Recentemente decidira não
fazer a barba sempre e deixá-la crescer um pouco
mais antes de raspá-la, e seus cabelos estavam um
pouco mais longos de quando o conhecera, fazendo
com que as pontas começassem a enrolar formando
ondulações muito tentadoras ao toque.
Uma vontade enorme de enterrar seus dedos
naqueles cabelos crescera dentro dela. Ethan estava
sentado em uma pose relaxada com as coxas
grossas a convidando silenciosamente. Amava
sentar naquele colo. Será que alguém notaria se eles
sumissem para dentro da casa por alguns minutos?
Sarah senta-se ao seu lado, ignorando o
calor súbito que a tomara, e se aconchega em seu
peito largo. Seu lugar favorito no mundo.
─ Está tudo bem? ─ Ela lhe perguntava.
─ Está vendo isso? ─ Perguntava olhando
para frente.
De onde ele estava podia-se ver todo o
cenário por onde ela passara. Todos os familiares
com seus afazeres e conversas calorosas, seus
filhos brincando e se divertindo, a decoração da

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festa e a casa ao fundo. O lugar que há cinco anos


tinha o prazer de chamar de lar.
Eles encontraram aquele lugar por acaso.
Quando foram até um corretor e descreveram o que
queriam, eles viram aquela casa e se apaixonaram
por ela. Dois andares, quatro quartos, todos suítes,
varanda rodeando toda a extensão da casa, quintal
grande com gramado, balanço, bairro tranquilo e a
apenas 40 minutos do centro da cidade. Mas ela
tinha acabado de ser vendida para uma família
americana, que após um mês acabaram desistindo
da compra e com a venda da antiga casa em Dublin
de Ethan e as economias que ela juntara, voilá ela
era deles. O recomeço para ambos. Um lugar para
chamar de lar.
─ Temos uma família incrível. ─ Ela o
respondia.
─ É nossa família.
Um sorriso enfeita suas faces dando a ela o
vislumbre de sua covinha esquerda. Seus olhos
azuis estavam carregados de verdadeira emoção
quando enfim encontram os dela.
─ Eu pensei que nunca teria uma.

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Colocava delicadamente uma mecha que


escapara do seu rabo de cavalo atrás da orelha.
─ Isso tudo é você quem fez.
Ela negava.
─ Nós fizemos. ─ Ela segurava a mãos dele
em seu rosto ─ Sem você eu não teria conseguido.
Ele pegava sua mão e beijava sua palma
com carinho.
─ Alexia vai vir? ─ Ele perguntava
passando seu braço por seus ombros e a
envolvendo em um abraço quente enquanto a
puxava para si.
─ Sim. Disse que vai chegar um pouco
atrasada, mas que ela e Edward tinham uma
surpresa para nós.
Rindo ela se afundava mais em seu peito
enquanto observava a filha deles tentando pegar a
boneca que Romeu roubara, correndo atrás dele
pelo quintal.
─ Alice até trocou de roupa três vezes e
também de tiara.
─ Posso imaginar o porquê. Acho que isso
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tem a ver com Edward.


─ Ela gosta tanto dele.
─ Ela está crescendo rápido. Os dois estão.
Ele levava a garrafa de cerveja aos lábios.
Era de cereja e estava pela metade. Algumas coisas
nunca mudam.
─ Sabe coelho com tudo que tem
acontecido, eu acho que vamos precisar redecorar
um dos quartos... ─ O fitava com expressão faceira.
─ Redecorar? E porque faríamos isso? ─
Um vinco se formava entre suas sobrancelhas.
Ele reflete por alguns segundos.
─ Precisamos de espaço.
Ethan olhava em direção a casa com o
cenho franzido.
─ Acho que já temos o suficiente não acha,
minha Sarah? Porque iríamos querer mais?
─ Para quando nosso novo morador chegar.
─ Morador? ─ Ele olhava ao redor como se
procurasse o sentido daquela frase ─ Quem?
Ainda sorrindo, Sarah, o faz largar a cerveja
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e guia suas mãos até repousar ambas em seu ventre.


Os olhos azuis dele se demoram em sua
barriga e lentamente Ethan a fita. Arregala os olhos
e entreabre os lábios. Estava pasmo.
─ Sério?
Ela apenas confirmava com um aceno.
Um sorriso largo surge no rosto de seu
marido alcançando seus olhos. Os lábios dela se
curvam em resposta. Ele ainda era capaz de fazer
seu coração perder o compasso e de suas pernas
tremerem.
─ Há quanto tempo você sabe?
─ Comecei a suspeitar há alguns dias, mas
tive a plena certeza hoje quando meu médico me
ligou com os resultados dos exames.
─ Sarah... Minha Sarah... Isso é
maravilhoso. ─ Dizia levemente eufórico.
─ Nunca cheguei a desejar uma família,
com filhos, casa com balanço no quintal, o riso de
crianças pela casa, rabiscos de giz colorido nas
paredes. ─ Ambos riem ─ Mas com você eu pude
ver depois de muito tempo que isso era tudo o que

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eu queria para mim.


Ela apontava para a cena a sua frente e em
seguida colocava sua mão sobre a dele em sua
barriga.
Ethan encaixa suas mãos em ambos os lados
do rosto dela e encaixa seus lábios macios nos dela
em um beijo calmo. Vagarosamente eles a
devoravam e sua língua acaricia a dela.
─ Isso é maravilhoso. ─ Repetia próximo a
sua boca.
Um pensamento a faz se sobressaltar. Não
havia pensado em uma possibilidade.
─ E se forem gêmeos novamente? ─
Afastava seu rosto do dele o suficiente para encará-
lo.
─ O médico não disse quantos eram?
─ Não. Ele até queria, mas eu disse que
preferia descobrir junto com você. ─ Seus olhos
fitavam os dele, estava nitidamente nervosa ─ Oh
Ethan e se forem dois?
Sorrindo ele solta se rosto e a observa por
alguns segundos antes de afagar sua barriga, ainda

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reta, com carinho.


─ Então... Eu amarei meus quatro filhos.
Se já não amasse incondicionalmente aquele
homem, naquele momento teria caído de amores
por ele. Era possível um coração explodir de amor?
Pois se sim, então o dela já havia ultrapassado o
limite seguro há muito tempo.
─ Sabe. ─ Via o olhar dele mudar e um
sorriso um tanto malicioso crescer em seus lábios
perfeitos ─ Essa notícia merece uma
comemoração... ─ Beijava sua bochecha e com a
ponta da língua brinca com seu lóbulo trazendo
aqueles arrepios e calores de volta ─ A dois.
Seu corpo treme em resposta pelo anseio de
seu toque e cenas dos dois surgem em sua cabeça.
Como ele conseguia aquilo?
─ Seria muita falta de educação cantar logo
os parabéns e encerrar a festa em... ─ Afastava os
lábios de seu pescoço, nem percebera que ele havia
descido tanto, e olha seu relógio de pulso ─ Meia
hora?
Sarah não aguenta e ri fazendo o que estava
querendo desde o início. Enterra os dedos em seus
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cabelos ondulados aproximando o corpo do dele.


─ Seria, mas isso é algo já esperado do
temível Cérbero.
─ Bem que você gosta quando sou feroz. ─
Dizia com malicia roçando a ponta de seu nariz no
dela.
─ Acho que 40 minutos está de bom
tamanho.
Rindo ele extingue o espaço entre eles
calando-a com sua boca. Um beijo quente e
apaixonado guiam seus lábios e suas línguas se
encontram em uma dança sensual.
─ Hey! Vocês dois. ─ A voz de David os
interrompia ─ Se larguem um pouco e venham
comer. ─ Apontava para a mesa com toda a comida
sobre ela.
William segurava a mão do tio e seu rosto
se contorcia em uma careta. Ele sempre fazia isso
quando via um casal se beijando.
─ Eles são sempre assim? ─ David
perguntava ao sobrinho que concordava com a
cabeça.

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─ Papai, papai, papai. ─ Alice pulava no


colo dele e abraçando apertado.
─ Minha pequena tutu. Gostou do presente?
─ Ele se referia a roupa completa de balé que a
menina vestia e que suspeitava que nunca mais
tirasse. Arruma a tiara dela no topo da cabeça.
Sarah não participava mais de peças e das
aulas de dança, mas ficara feliz ao descobrir que
aquela parte da sua vida que amava tanto não iria
desaparecer por completo. Alice amava balé e a
dança faria começar a fazer parte de sua vida a
partir do próximo mês, quando iria começar suas
aulas.
Alice tinha uma ligação muito forte com o
pai. O seguia para onde fosse e gostava de dormir
segurando seu dedo com sua mãozinha ou
aconchegada em seu peito, todas as noites quando
ele lia para os gêmeos.
Com a filha deles nos braços, Ethan estende
a mão para Sarah.
─ Eu te amo, minha Sarah. ─ Beijava sua
testa com carinho.
─ Eu te amo Ethan, para sempre.
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─ 40 minutos, né? ─ Sussurrava em seu


ouvido e um sorriso faceiro iluminava sua face.
Rindo ela entrelaça os dedos nos dele e
juntos caminham de encontro ao restante da
família.
A vida não poderia ser mais perfeita.

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Quando a ideia dessa história surgiu, não


tínhamos noção de qual seria o seu fim. Tínhamos
apenas dois personagens que tomaram voz e nos
guiaram pelas páginas, contando sua história e nos
ensinando a beleza que é a vida e o quanto o tempo
é valioso.
Esse livro só existe graças às contribuições
de muitas pessoas.
Temos tanto a agradecer a nossas famílias,
em especial nossos pais, que plantaram em nós o
amor pela leitura, nossas leitoras do grupo de
WhatsApp e grandes amigas que sempre nos
acompanharam durante a trajetória de um ano até o
lançamento. Nossas betas que sem os puxões de
orelha delas nunca chegaríamos onde estamos. As
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queridas Patrícia Bragança, Wiwiane Eunice,


Débora Brenda, Amanda Marinho e Nayane Viera
Cruz nosso muito obrigado de coração. Aos nossos
parceiros estamos muito gratas por fazerem parte
desse projeto.
Espero que esse seja só o começo.

Até a próxima!

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Table of Contents
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
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Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Epílogo

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