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O que sobrou do nosso passado

Série O que sobrou: Livro 3


Aline Pádua
Copyright 2017 © Aline Pádua
1° edição – julho 2017

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos os direitos reservados. Proibida
qualquer forma de reprodução total ou parcial da obra, sem autorização prévia e expressa da
autora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Revisão e diagramação: Aline Pádua


Ilustração: Jéssica Gomes
Sumário
Sumário
Nota da autora
Sinopse
Playlist
Prólogo
Parte I
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Parte II
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Bônus
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo
Anexo I
Nota da autora
Outras obras
Contatos da autora
Nota da autora

É necessário ler o livro anterior para entender esse! A Série O que sobrou é composta por
vários livros, e tanto o 1, 1.5 e 2 dão uma introdução para esse livro.
Dedicado a Aline Lima...
Por ser uma mulher forte e guerreira, e assim como eu, crer que o amor pode nos levar
além do inimaginável, porém que a realidade nos ronda, e temos que lutar pela felicidade.
Sinopse

O que fazer quando o medo de perder a mulher amada acaba destruindo o amor que ela sente? Ricardo Gutterman sabe
como é isso.
A negação de Ricardo levou-o a perder a cada dia mais a mulher que amava. Seja por brigas, discussões e até mesmo –
uma traição. Algo que ele não entende e muito menos Carla, sua esposa, conseguiu enfrentar. Os dois caíram em uma armação, a
qual acabou destruindo sua relação. Quando a verdade vem a tona, após anos de um relacionamento infeliz, ambos já estão
perdidos e completamente distantes. O laço que os une é fino e delicado, e a ambos sabem que a qualquer momento pode ser
desfeito.
Será que todos esses anos foram suficientes para sufocar, ou até mesmo destruir o amor que sentiam um pelo outro?
Para ambos dói demais lembrar tanto de seu passado feliz, por medo de nunca mais o ter, quanto dos momentos infelizes,
por não saber mais pelo que lutar. Algo sobrará de seu passado?
Playlist

Bad liar – Selena Gomez


Chão de giz – Zé Ramalho
Give me love – Ed Sheeran
I hate this part – The pussycat dolls
Love of my life – Queen
Love on the brain – Rihanna
Malibu – Miley Cyrus
Make me (cry) – Noah Cyrus part Labrinth
Peak – Anne-Marie
Por enquanto – Renato Russo
Quem de nós dois – Ana Carolina
Scars – James Bay
Skinny love – Birdy
Stay – Rihanna part Mikky Ekko
The A team – Ed Sheeran
Thinking out loud – Ed Sheeran
When we were young – Adele
Prólogo

Era engraçada toda aquela cena. Carla tinha que admitir, ele estava se superando. O
garoto que ela conheceu não era mais o mesmo, e ela sabia do por que, mas agora, vestido em um
terno, tremendo ao apertar a mão de seu pai, ela sabia que nenhum sofrimento cairia sobre eles,
que eles transformariam tudo em felicidade.
O amor era algo engraçado, ela pensava sozinha, enquanto Ricardo se sentava a sua
frente, parecendo completamente desconfortável na casa que ele sempre frequentou desde
pequeno. Sempre foram vizinhos, desde bebês, e no meio de tudo que aconteceu desde a morte
dos pais de Ricardo, seus padrinhos que cuidaram deles por um tempo, logo após os avós,
permaneceram, com ele e Levi – seu irmão mais novo – na mesma casa, não querendo tirá-los de
onde seus pais os criaram.
— Pode respirar, querido! — a mãe de Carla intercedeu por ele, vendo que a qualquer
momento Ricardo teria um “treco”.
Carla teve que gargalhar junto a seu pai, quebrando aquele momento de tensão. Ricardo
aos poucos percebeu que toda aquela seriedade era uma brincadeira, a qual os pais de Carla
queriam testá-lo, afinal, não é todo dia que a filha única deles é pedida em namoro, ainda mais
com apenas dezesseis anos.
O sorriso no rosto dele logo se formou, mas com cuidado, vendo que todos estavam a
vontade, ele finalmente respirou fundo.
— Sempre soubemos que esse dia chegaria, rapaz. — Marcelo, o pai de Carla, disse,
batendo de leve nas costas de seu novo genro.
— Eu sabia que papai aprontaria algo assim. — Carla disse sorrindo, e Ricardo a encarou
um pouco sem jeito e bravo. — Não vamos brigar no nosso primeiro jantar de namorados. — ela
brincou e piscou em direção ao amado, que até arregaçava a gravata apertada em seu pescoço.
— Nunca pensei que fosse tão difícil pedir alguém em namoro. — confessou e Marcelo
gargalhou alto.
— No meu tempo, ralei muito mais, rapaz. Aliás, gostamos de você como um filho, porém,
nada de fazer minha menina sofrer.
Ricardo encarou todos sentados à mesa, e sorriu fraco, acenando afirmativamente com a
cabeça. Naquele instante ele queria dizer muitas coisas, que talvez Carla realmente quisesse ouvir
dele, porém se conteve. Ele pensou demais, além do mais, imaginando a cena ao contrário. De
Carla indo visitar seus pais, e ele a apresentando como sua namorada... Ele imaginava bem a
reação de Lorena – sua mãe. Ele podia ver que Lorena gritaria feliz, enquanto seu pai – Tuan –
tentaria acalmá-la, enlançando-a pela cintura. Por um instante, ele foi levado para aqueles
momentos felizes, com eles, o casal mais apaixonado que já conheceu, e que de repente foram
tirados de sua vida, seus amados e inesquecíveis pais, que lhe ensinaram muito sobre o amor, muito
além do que a maioria faz.
Carla viu no instante que o olhar de Ricardo mudou, ela o conhecia bem, sabia como ele
era. Ricardo sempre foi fechado, por mais que sempre sorrisse para tudo e todos, ela sabia que
no fundo ele tentava apenas proteger seu irmão mais novo, deixando claro que nada o abalava...
Mas tinha algo que ela sabia que doía nele, algo que ele já havia chorado em seu colo por horas
sem dizer nada, no dia de seu aniversário de dezesseis anos. A morte dos pais de Ricardo pegou-
os desprevenidos, e ela mesmo sem saber como era, fazia de tudo para vê-lo bem, mesmo
sabendo que era inevitável. Então ela passou seu braço sobre a mesa e tocou a mão dele,
mostrando que sim, estavam juntos – assim como Lorena sempre brincou – que eles tinham amor.
Os olhos verdes de Ricardo logo focaram na mulher a sua frente, de apenas dezesseis
anos, mas que ele conseguia ver em seus vinte, trinta, quarenta... Ele queria tudo, e ele queria com
ela. E nada os impediria, ele sabia que o amor era possível, por mais que pudesse doer.
Parte I

"Não briguei mais por você, porque ter você seria muito menos do que ter você. Não te liguei
mais, porque ouvir sua voz nunca mais será como ouvir a sua voz. Não te escrevo porque nada mais
tem o tamanho do que eu quero dizer. Nenhum sentimento chega perto do sentimento. Nenhum ódio ou
saudade ou desespero é do tamanho do que eu sinto e que não tem nome. Não sei o nome porque isso
que eu sinto agora chegou antes de eu saber o que é. Acabou antes do verbo. Ficou tudo no passado
antes de ser qualquer coisa. Forço um pouco e penso que o nome é morte. Me sinto morta. Sinto o
mundo morto. Mas se forço um pouco mais, tentando escrever o mais verdadeiramente possível,
percebo que mesmo morte é muito pouco. Eu sem nome você. Eu sem nome nós. Eu sem nome o tempo
todo. Eu sem nome profundamente. Eu sem nome pra sempre."
Tati Bernardi
Capítulo 1

Anos depois...

Carla

— Chega, Ricardo! — gritei e sem me conter, joguei com força o prato que estava em
minhas mãos no chão.
Em poucos segundos um choro estridente tomou conta do ambiente e suspirei fundo, tentando
não chorar. Ricardo tentou se virar e ir até o quarto de Rafael, porém fui mais rápida e passei por ele,
indo até o quarto e pegando o pequeno bebê em minhas mãos.
Rafael ficou em silêncio no mesmo instante, mesmo com apenas cinco meses, eu sentia a forte
conexão que tínhamos. Seus olhinhos logo se abriram, e ele foi se acalmando aos poucos até seu
choro cessar. Ele tinha os olhos azuis, e invés de me doer saber que puxou eles de Nicole, eu não
conseguia sentir nada a respeito. Pois minha mágoa nunca seria de Rafael, como fruto da traição de
Ricardo com Nicole, mas sim do homem que me jurou amor eterno e deixou tudo mudar em uma noite.
— Carla...
Beijei de leve a cabeça de Rafael e me sentei na poltrona ao lado de seu berço. Ignorei o que
Ricardo falava e apenas permaneci em minha conexão com Rafael, que estava com sua mãozinha em
meu peito, enquanto seus olhinhos se fechavam, dormindo rapidamente. Continuei ninando-o por um
bom tempo, pensando a respeito de tudo. A dor de perder o filho que esperava, os dias difíceis que
eu e Ricardo enfrentamos pelo risco que eu correria no parto, e como tudo isso se encaminhou para a
tórrida noite em que ele transou com Nicole... Fechei os olhos por um segundo, voltando no passado e
pensando nos momentos bons, na felicidade de nosso primeiro beijo, primeira noite, primeiro “eu te
amo”, primeiro emprego... Tudo entre nós era tão certo e de repente ficou tão errado.
Olhei ao redor e encontrei os olhos verdes de Ricardo, e a falta de brilho neles logo me fez
ver o quanto aquilo também o magoava. Ele se culpava por tudo, e por um instante eu apenas queria
abraça-lo, mas me contive, apenas me levantando e deixando com cuidado Rafael no berço.
Parei um pouco para observá-lo e novamente a dor percorreu meu corpo, sem saber como
iria’ lidar com isso no futuro, se é que existia futuro para nós dois.
Acordo sobressaltada e o suor percorre meu corpo, levo minha mão até minha testa e a
toco massageando com cuidado, uma dor de cabeça insuportável me incomoda demais. Sento-me
na cama e seguro com força os lençóis, tentando me acalmar. As lembranças parecem tão vivas,
como um dia foram no passado, mas eu tinha que parar de sonhar com isso, pois já havia se
passado mais de uma década.
Olho ao redor do meu quarto e começo a sentir novamente uma dor insuportável em meu
peito, minha ansiedade atacando novamente alguns momentos de minha noite. Levanto-me e vou
até o banheiro, encarando logo meu reflexo no espelho. Lavo rapidamente meu rosto e respiro
fundo, escorando-me sobre a pia. Dói demais sentir que o passado me paralisou, que ao mesmo
tempo em que amo Ricardo, eu o quero longe, que nosso casamento se dissipou com o tempo, e que
mesmo agora com Rafael já grande – em seus doze anos – eu ainda não consiga lidar com isso.
Meus cabelos vermelhos estão rebeldes, mesmo tendo-os cortado mais curto da última vez
que fui ao cabelereiro. Meus olhos azuis continuam como sempre, sem vida, enquanto tento superar
mais um dia. Saio do banheiro e encaro o relógio do lado de minha cama, vendo que ainda são
apenas duas da manhã.
Coloco um simples robe de seda branca e decido ir até a cozinha tomar um copo de água,
já que o sono não virá tão cedo e tenho evitado ao máximo tomar algum calmante ou beber algo
alcoólico para conseguir dormir.
Desço as escadas para o térreo, e sorrio olhando os quadros de meus artistas favoritos
expostos na parede. Ando devagar e vou repassando vários momentos que vivi nessa casa, que
um dia pertenceu aos pais de Ricardo. A casa vizinha continua pertencendo a meus pais, porém
estes estão viajando novamente pelo mundo.
Encosto-me na entrada da cozinha e encaro de relance o lugar que sempre amei, onde
sempre fui bem acolhida. Na qual infelizmente, depois de um tempo, passei tantos momentos ruins,
mas que tento preencher com momentos felizes para Rafael.
— É engraçado como de repente esbarro com a outra moradora dessa casa.
Levo um susto ao ouvir sua voz e me viro, conseguindo ver apenas de relance seu corpo
grande e imponente, iluminado por apenas um feixe de luz fraco que entra pela janela que dá em
direção ao jardim.
— Não seja tão irônico, Ricardo. — digo e me recomponho, indo até a geladeira e a
abrindo.
Ricardo sequer mexe, enquanto eu me movimento pela cozinha, pegando um copo no
armário e colocando água.
— Sem sono? — pergunta e eu apenas assinto, deixando a água gelada descer por minha
garganta. — Eu pensei realmente que iríamos nos acertar, quando eu acordei naquele quarto no
hospital e tudo que você fazia era chorar... Sabe, quando cuidou de mim no começo e...
— Ricardo, para! — peço e o encaro, e ele nega com a cabeça.
— Mas novamente, a vida brincou comigo. — diz e suspira fundo, vejo seu sorriso gélido se
abrir. — Ouvi a mulher que eu amo dizer que me amava por vários dias, mas depois que eu
acordei, e pude dizer algo, ela não quis me ouvir.
Surpreendo-me com suas palavras e continuo encarando-o. Como assim ele ouviu eu dizer
que o amava?
— Sim, eu não estava inconsciente, Carla. — diz e pega um copo ao seu lado, bebendo
rapidamente.
— O que quer de mim? — pergunto e suspiro fundo, bebendo mais água.
— Quero que pare de viver no passado e deixe-me tentar. — diz e vem caminhando até
mim, logo ficando a minha frente, apenas a ilha da cozinha nos separando. — Quero que sejamos
felizes, pois sei que nos amamos.
— Sabe que eu tenho problemas, Ricardo. Que mesmo tentando eu nunca consegui superar
o que aconteceu e...
— Sei que me perdoou. — ele diz e eu arregalo os olhos. — Mas ainda dói em você saber
da perda do nosso filho, e de como eu nunca iria poder escolher entre vocês dois.
— Eu tenho medo de me machucar novamente, Ricardo. — sou sincera e coloco minhas
mãos na ilha, e logo sinto as suas cobrindo-as.
— Eu te machuquei novamente durante esses anos que se passaram? — pergunta e eu
nego com a cabeça. — Mas nem isso você me deu oportunidade Carla, nem de brigarmos...
Vivemos como estranhos e apenas ficamos juntos quando estamos à frente de nosso filho, mas ele
está crescendo e logo vai perceber que...
— Não somos um casal. — complemento e levanto meu olhar, encontrando o verde dos
seus.
— Eu te amo, minha bela. — diz e toca de leve em meu rosto. — Eu só quero poder senti-
la pela última vez e...
— Pedir o divórcio? — pergunto de relance e ele nega.
— Poder ouvir você dizer que me ama também e que vai lutar comigo nessa.
— Ric...
— O que, minha bela?
Por um instante nos encaramos, e no outro, simplesmente subo sobre a ilha, e estou em seus
braços, beijando-o desesperadamente. Nossos corpos sentem o impacto de estarmos juntos, pois
meu coração bate freneticamente e toda minha pele se arrepia.
Ele logo me levanta em seu colo e não para de me beijar por um segundo, enquanto
subimos as escadas. Sem que eu consiga pensar no tempo ou no que está acontecendo, sinto meu
corpo cair contra a maciez do colchão e só assim noto que estamos em seu quarto, nosso antigo
quarto de casal.
— Ric...
— Minha. — diz e tira sua calça de moletom, ficando nu a minha frente. — Sempre minha,
bela.
Fico sem fôlego e aos poucos ele abre meu robe, deixando-me apenas vestida com uma
simples camisola branca sob seu corpo. Seus beijos me deixam insana e não consigo pensar em
mais nada que não seja seu toque. Quando menos espero, apenas sinto suas mãos sobre meus seios
e logo ele faz em dois pedaços a minha camisola, deixando-me completamente nua.
Assim que nossas peles finalmente se tocam, e nos amamos com toda saudade, força e
vontade que temos, não cogito a possibilidade de pensar em algo. Apenas o quero aqui, comigo,
esquecendo-se de tudo por essa noite. Sendo finalmente apenas nós dois e sem nada que possa
nos separar.
Capítulo 2

Ricardo

Sinto o corpo quente sobre o meu, e antes de abrir os olhos abro um sorriso. Há quanto
tempo não ficamos próximos assim? Passo as mãos de leve por seus cabelos e as madeixas ruivas
deixam-me encantado como sempre... Tudo nela sempre me deixou assim. Com cuidado me afasto
de seu corpo e a deixo em seu sono profundo, agarrada a um grande travesseiro.
Encosto no batente da porta do banheiro e apenas a olho por alguns instantes,
memorizando novamente cada parte de seu corpo exposto, cada curva e pequena sarda que ela
tem. Entro no banheiro e encaro meu reflexo no espelho, e o sorriso idiota que ostento é prova de
que finalmente tive uma noite completa, depois de tantos meses longe da mulher que amo.
É estranho como mesmo sendo casado com Carla, nunca me senti confiante perto dela, não
depois do que aconteceu. Ir até a casa de Nicole naquele dia foi meu maior erro e a culpa que
carrego nunca será apagada, porém, ainda me resta a esperança de algum dia ter a mulher que
amo de volta, e felizmente, sinto pela primeira vez que isso está perto de acontecer.
Durante os anos que se passaram Carla nunca esteve na cama ao meu lado quando
acordei, após uma tórrida noite de amor. Ela sempre se afastou o mais rápido possível, mas ontem
eu senti algo diferente, e sinto que minhas palavras, pela primeira vez surtiram algum efeito e
fizeram algum sentido para ela. Entro debaixo da ducha água quente que cai e após muito tempo
sem o fazer, canto no chuveiro, baixo para não acordá-la, lembrando-me de nossos dias felizes,
quando ela cantava junto a mim dentro da banheira ou até mesmo debaixo dessa mesma ducha.
Assim que termino meu banho, troco-me rapidamente, vestindo um simples moletom e
memorizo mais uma vez o sono de Carla, que parece ser profundo pelos seus suspiros, e fico feliz
que depois de tanto tempo eu pude ajuda-la a encontrar paz em seus sonhos.
Saio do quarto e passo rapidamente pelo de Rafael, que ainda dorme e como é muito
cedo, resolvo não acordá-lo. Desço as escadas e vou até meu escritório, o qual foi Carla quem
montou na época em que tive de ficar em uma cadeira de rodas para que meus pontos
permanecessem no lugar. Foi uma época difícil pra nós, pois o sequestro dela e das crianças, o tiro
que Nicole acertou em mim e seu suicídio, mexeram demais com todos nós. E mesmo que eu tivesse
esperança de ter ao menos a pena de Carla – e ela ter me ajudado com tudo – ela nunca deu
espaço pra nada mais, e infelizmente, foi à época na qual me fez pensar seriamente sobre o
divórcio, porém seu sorriso para Rafael nunca me deixou seguir com essa ideia, pois ainda quero
ter esse sorriso direcionado a mim novamente.
Entro no escritório e já começo a organizar meu dia. Trabalhar como contador sempre me
deu certa flexibilidade, pois em alguns dias consigo trabalhar em casa e não tenho que ir até meu
escritório receber algum novo cliente, ou algum cliente com dúvidas. Encaro minha agenda e fico um
pouco perdido pela milésima vez, já que minha secretária, Elisa, que trabalha comigo há anos teve
que sair do emprego por problemas de saúde.
— Só Elisa que me salvava nesses dias. — zombo de mim mesmo e jogo a agenda em cima
da mesa, querendo não pensar tanto nisso nesse instante.
Resolvo então fazer algo, que há muito tempo deixei de lado – cozinhar. Encontro às coisas
na cozinha e rapidamente preparo um café da manhã reforçado para nós. Como sei que Rafael
ama panquecas, preparo-as pra ele, e faço dois omeletes, um pra mim e outro pra Carla,
lembrando-me do jeitinho que ela gosta – apenas um ovo, pouco sal e muito queijo.
Quando estou terminando de fazer um suco de laranja, sinto uma presença na cozinha, e
assim que me viro, meu sorriso aumenta. Carla está parada no batente da porta, bocejando e
coçando seus olhos.
— Bom dia, bela. — digo e ela arregala os olhos no mesmo instante.
— Mas o que... Espera, onde está Lurdes? — pergunta, aparentemente surpresa e passa as
mãos pelo vestido longo que usa.
— Ela só vem as terças. — dou de ombros e desligo o suco, colocando-o nos copos em cima
da mesa. — Por que essa cara?
— Eu não entendo que está fazendo. — diz e me encara, parecendo não entender os
motivos pelos quais estou assim.
— Ontem, bela, você...
— Ricardo, eu...
— Bom dia, família!
Nós dois paramos de falar no instante que Rafael entra na cozinha, ainda vestido em seu
pijama, e praticamente ataca suas panquecas, sem sequer nos abraçar como sempre. Esfomeado.
— Filho, come com mais calma, vai se engasgar assim. — Carla chama sua atenção, ainda
em pé, desviando sua atenção de mim.
— Desculpa, mãe. — diz com a boca cheia e eu sorrio, sabendo que ela vai revirar os
olhos. E como esperava, ela o faz.
Eu sempre soube lê-la tão bem, e eu não posso estar enganado sobre o que vivemos há
poucas horas atrás. Carla se entregou por inteira a mim, sei disso. Suas palavras, toques, carícias...
Tudo foi diferente, de todas as outras vezes em que ela se arrependeu de estar comigo. Ela não
tinha culpa naquele momento.
Carla então se senta ao lado de Rafael e abre um sorriso fraco pra mim, e logo após
começa a comer em silêncio a omelete que preparei. Assisto-a e simplesmente me esqueço de
comer, enquanto ela fala um pouco com nosso filho e aquele sorriso que tanto amo é dado a ele.
Tomo coragem por um instante e me intrometo no assunto dos dois, mesmo não entendendo nada
sobre a arte que eles falam.
— Vai a aula de artes plásticas hoje, filho? — pergunto e Rafael assente animado,
enquanto toma seu suco. — Realmente puxou aos gostos de sua mãe.
Olho pra Carla, que finalmente me encara, e vejo em seus olhos algo que pela primeira vez
não sei decifrar. Ela parece perdida, mas não do modo como sempre esteve após nossas brigas.
Toco de leve sua mão sobre a mesa, e por um momento sinto seu corpo tenso, mas então ela olha
pra Rafael que tagarela, e não tira sua mão.
Encaro-a e novamente seu olhar foge do meu, e não consigo mais entender o que está
acontecendo. Mas finalmente solto sua mão e quando o faço, ela solta um suspiro fundo, como de
alívio. O que diabos está acontecendo?
Capítulo 3

Carla

Saio de casa atordoada, enquanto Rafael continua tagarelando a respeito da nova


professora da escola de artes plásticas que ele passou a frequentar. Entro no carro e já procuro
as chaves em minha bolsa, mas de tão perdida que estou, logo noto que não as peguei.
— Rafa, espera um minuto, esqueci as chaves.
— Ok, mãe.
Saio do carro e continuo procurando as chaves por alguns instantes, mas em vão, já que
parece que tudo está uma confusão hoje, principalmente minha bolsa. Entro em casa e assim que
dou dois passos esbarro contra um corpo, e logo percebo o sorriso de Ricardo para mim. Ele toca
de leve meu rosto e eu me afasto, e mesmo percebendo isso, ele não muda sua expressão,
levantando então suas mãos e me mostrando as chaves que eu procurava.
— Está esquecida hoje, bela.
— Eu... — suspiro fundo e pego as chaves de sua mão. — Ric, esquece.
— O que? — pergunta, como se não entendesse do que falo.
— Ontem não era pra...
Ele então suspira fundo e balança a cabeça, levantando uma mão, claramente pedindo
para que eu me cale.
— Não precisa terminar. — diz e sai de perto de mim, entrando em seu escritório.
Fico de boca aberta, parada na sala, pensando no que dizer ou como dizer o que queria,
mas... Como já me sinto perdida, apenas saio de casa e entro no carro, sorrindo para Rafael que
está mexendo em seu celular. Ligo o carro e tento apenas me concentrar no trânsito, enquanto meus
pensamentos estão querendo apenas focar no que tive com Ricardo. Foi tudo diferente nessa
madrugada, por mais que queira negar... Eu nunca me senti tão ligada a ele, mas ao mesmo tempo
estou assustada, perdida... Em anos juntos, eu sempre o afastei, sempre fugi, mas dessa vez eu
apenas queria ficar ali mais um pouco, dormir com ele, e pela primeira vez em muito tempo, eu
consegui sonhar com algo bom.
Uma buzina alta me faz voltar a realidade e pisco duas vezes, avançando pelo sinal verde.
Respira, Carla!

***

Chego em casa, e já jogo minha bolsa em cima do sofá, jogando-me nele em seguida.
Encaro o teto por alguns segundos e então coloco minhas mãos sobre os olhos, tentando ficar
calma. Meu coração bate descompassado e eu sei porque, mas não consigo admitir pra mim
mesma.
— Burra. — xingo-me.
Um barulho alto de algo se quebrando me faz praticamente pular do sofá, já em alerta
sem conseguir imaginar quem seja. Ricardo geralmente sai pra trabalhar no horário em que levo
Rafael pra escola. Fico em silêncio por alguns segundos e prendo a respiração, mas assim que
escuto um grito, fico boquiaberta, sem acreditar que pode ser ele.
Dou passos incertos até o escritório de onde veio o grito e assim que abro a porta,
felizmente tenho um bom reflexo e me abaixo, e um quadro voa por cima de mim, espatifando-se
no primeiro móvel que encontra.
— Ricardo, meu Deus! — grito, e ele então para com um objeto na mão, soltando-o no
mesmo lugar, o qual se despedaça. — O que pensa que está...
— Que estou fazendo? — pergunta baixo, encarando sua estante de livros, que está
praticamente vazia, com o chão coberto por livros jogados. — Estou cansado de ser frio o tempo
todo.
— Como assim? — pergunto, tentando me aproximar dele, já com medo de que se
machuque, porém assim que toco seu ombro, ele se afasta.
— Cansei de ser deixado pra trás e aceitar tudo calado. — diz e finalmente me encara,
deixando-me perplexa por seu olhar frio. — Por que, Carla? Por que chegamos ao ponto de nem
nos conhecermos mais? Onde eu simplesmente achei que teria uma chance com a mulher que amo e
no fim, ela sequer existe.
Fico sem fala, e Ricardo me encara, como se estivesse completamente certo do que diz.
Infelizmente, eu não tenho outra coisa a fazer que não seja concordar.
— Eu sofri quando Daniel voltou e tive que ver você o abraçando do modo que eu nunca
mais a tive em meus braços, nos momentos em todos esses anos em que tentei falar sobre nós e
você não quis. Eu aceitei tudo, Carla. Tudo o que me deu eu aceitei, mas agora eu não aguento
mais. — desabafa e se aproxima de mim.
Finalmente vejo seu rosto claramente, e noto lágrimas descendo por ele. As lágrimas que eu
segurava descem também e fico sem saber o que dizer, apenas vivendo esse momento que nunca
esperei.
— Nós nos perdemos e não temos mais porque... Podemos nos amar, mas isso não é mais o
mesmo, não é aquele amor de antes, não o que pensei poder recuperar. — diz e meu coração se
parte novamente, mas continuo firme, encarando-o. — Precisamos fazer algo além de viver um
casamento de farsas e que no fim vai apenas magoar mais nosso filho.
— Eu juro que tentei, Ric. — digo com pesar.
— Eu também, Carla. — diz e chega próximo a mim, e sem me conter o abraço. — Eu
também.
Só assim percebo que ele não me abraça também, e logo se afasta, beijando rapidamente
minha testa.
— Vou falar com meu advogado e...
— Não precisa dizer mais nada, eu sei que o vai fazer. — digo e ele assente, virando as
costas e saindo do escritório.
Assim que escuto a porta da frente da casa bater, desabo no chão, enquanto lágrimas
descem por meu rosto, soluçando em meu choro. Como fui do céu ao inferno em tão pouco tempo?
Por que não me sinto bem em finalmente estar dando um passo para fora desse casamento que
tem nos machucado tanto?
Mas a principalmente pergunta é: Por que chegamos desta forma até aqui?
Capítulo 4

Ricardo

Saio de casa e nem sei ao certo para onde estou indo. Sempre fui um homem controlado, e
aprendi a guardar tudo dentro de mim, por mais que a situação fosse complicada, eu sempre dei
um jeito de contornar, mas hoje... Hoje não consegui mais.
Levo as mãos aos cabelos e encaro a frente da casa onde cresci com meus pais, na qual
hoje moro. Lembranças maravilhosas me vêm em mente, mas ao mesmo tempo, todas as
conturbações com meu casamento também. Minha vontade é de gritar minha dor já transformada
em raiva, colocar tudo pra fora. Mas não consigo, não depois de ter praticamente quebrado meu
escritório e pedido o divórcio a minha mulher.
Penso em ligar para meu irmão, mas logo a vontade passa, pois não quero complicar sua
vida ainda mais, muito menos falar a respeito de um passado que nem eu quero lembrar. Entro em
meu carro, e fico apenas me encarando pelo retrovisor, sem saber o que fazer de verdade.
Depois de algum tempo, pego a chave que deixo no porta-luvas e o ligo, indo até o
mercado mais próximo. Fico assim, parado em frente a pequena prateleira com algumas bebidas.
Faz tanto tempo que não bebo que simplesmente não sei nem a qual tipo recorrer. Beber me
lembra da época em que as brigas com Carla começaram.
— Um belo homem devia saber escolher uma boa bebida. — uma voz fina diz e eu me
viro, encarando a mulher loira, de estatura mediana e olhos azuis ao meu lado, que me encara
parecendo divertida.
— Desculpe, eu a conheço? — pergunto sem graça, e ela nega com a cabeça.
— Acho que não. — diz e dá de ombros. — Eu pelo menos não o conheço, mas posso dizer
uma coisa, um uísque é a melhor coisa pra curar a fossa.
— O que? — pergunto e ela pisca pra mim, dando de costas. — Eu até diria uma marca
boa, mas pelo jeito, melhor pegar a mais barata de todas, tem mais álcool. — diz andando pra
outra direção e eu fico boquiaberta.
Mesmo não entendendo muito bem sua ação, faço o que ela me indicou, e pego o uísque
mais barato, ou melhor, duas garrafas dele. Assim que volto para o carro, coloco a sacola no
banco de carona, e fico estacionado por alguns segundos em um dos bairros vizinhos ao
condomínio onde moro.
Encaro as garrafas no banco ao lado e respiro fundo, já me arrependendo de tê-las
comprado. Infelizmente eu sei que o álcool não vai e ajudar em nada.
— Droga! — grito e soco o volante, sem conseguir pensar claramente.
O que devo fazer? Simplesmente desistir depois de tanto tempo tentando?
Nunca consegui ter muitos amigos, não íntimos, e não sei pra quem recorrer, ou onde buscar
forças pra pensar claramente. Tudo em mim é uma confusão e não consigo encontrar outra solução
que não seja me separar de Carla. Dói saber que não há como contornar essa situação, e muito
menos fazer com que ela continue ligada a mim, sendo que não significo nada pra ela.
Pego o telefone e ligo, já sem esperanças de mais nada, sem querer pensar mais em tudo o
que enfrentamos juntos. Amor não se implora, e nós dois temos que aprender isso, mesmo que seja
estando separados.
— Advocacia Fontana. — uma voz feminina diz e eu suspiro fundo.
— Quero falar com Caleb Soares, por favor. — peço e antes que ela responda
complemento. — Diga a ele que é Ricardo Gutterman.
— Tudo bem, senhor Gutterman. Apenas um minuto.
— Ok.
Espero por um tempo e logo um barulho é ouvido do outro lado da linha, e uma voz
masculina se faz presente.
— Ei, Ricardo, quanto tempo cara? — Caleb pergunta animado e eu suspiro fundo, sem
conseguir disfarçar minha tristeza de estar ligando para o trabalho dele. — Pelo jeito, como seu
irmão, está me ligando em um momento ruim, não é?
— Exato, desculpe por isso Caleb.
— Não tem problema, sei bem como a vida tem sido corrida nos últimos anos. Mas me diga,
o que precisa?
— Bom, vou entrar com o pedido de divórcio, e bom, não quero pensar muito nos termos,
apenas quero que decida pra mim, o que for melhor. — digo e encaro meu reflexo no retrovisor,
sentindo-me péssimo.
— Ric, eu... Sinto muito, cara. — diz com sua voz já diferente, com certeza tocado pela
minha dor. — Se quiser posso cuidar de tudo, e, bom, falar com o advogado de Carla... Se não me
engano Herrera é o advogado dela, não é?
— Sim, ele mesmo. — digo com pesar. — Faça o que for preciso, por favor.
— Se precisar conversar, sabe que estou aqui.
— Obrigado, Caleb, mas... Preciso e prefiro enfrentar isso sozinho, e por favor, não
comente nada com meu irmão.
— Tudo bem.
— Até mais, amigo. Obrigado.
— Qualquer coisa já sabe. — diz e eu desfaço nossa ligação.
Sem conseguir me conter, jogo o celular com força contra o banco do carona, e desabo
sobre o volante, deixando as lágrimas tomarem conta de mim. Meu coração parece sufocado,
minha boca seca, mas minhas lágrimas não param de descer. Como se estivesse revivendo todo
minha dor.
Foram anos sofrendo, pela perda de nosso meu primeiro filho, a dificuldade e desconforto
de cuidar de Nicole no momento em que disse que estava grávida de um filho meu ao mesmo
tempo em que a mulher que amo saiu da cidade e tudo desmoronou entre nós, a traição da qual
nunca consegui me lembrar, do momento em que Carla me “aceitou” e no fim de fato nunca me
perdoou. Sinto-me sortudo por ela cuidar de Rafael junto a mim, como se parte da nossa ferida
fosse curada a cada dia, mas sua frieza comigo nunca mudou, e hoje eu sei, nunca mais fomos os
mesmos. E sei que nunca mais seremos.
Capítulo 5

Carla

Trim trim...
O telefone toca e eu apenas continuo abraçada em mim mesma. Mais uma vez o telefone
toca e eu levanto, fechando a porta do quarto em que Ricardo dorme a alguns anos, que
costumava ser nosso. A passos cansados vou ao closet e nele encontro, um lado com suas todas suas
roupas bagunçadas, já que ele nunca foi o rei da organização, e o outro lado completamente
vazio, o qual era meu... Uma caixa com tampa florida chama minha atenção e fico completamente
assustada, ao me lembrar do que ela representa.
Pego-a e a levo até a cama, colocando-a sobre a mesma. Abro-a e já levo a mão à boca,
sentindo meu coração afundar ainda mais em meu peito. Todas as nossas lembranças mais
importantes, guardadas em um mesmo lugar. Desde o primeiro presente como amigos até a
primeira roupinha de Rafael.
Tiro tudo e analiso cada foto nossa, desde quando éramos apenas crianças inocentes e o
mundo era tão mais simples. Sorrio em meio as lágrimas ao ver a primeira foto que tiramos quando
nos casamos; a foto do dia em que descobrimos que estava grávida; e também aquela que tiramos
quando a minha barriga estava ainda pequena mas já mostrava uma protuberância... Tudo se
remói dentro de mim e sinto falta de nossos momentos, do amor que vivemos.
Toco de leve minha barriga e choro lembrando da vez em que perdi meu filho e também
de como nunca, em momento algum consegui esquecê-lo. Nunca poder saber se era uma menina ou
um menino... Caio de joelhos no chão e repenso todos os dias em que sofri por isso, e como era
inevitável. Independente da traição de Ricardo eu perderia meu bebê, ao menos foi isso que meu
médico disse.
Lembro-me de alguns anos atrás, cerca de cinco, quando eu e Ricardo tivemos novamente
uma recaída e um mês depois acordei com uma forte dor na barriga. Tudo o que realmente me
lembro é de gritar por Ricardo e quando acordei, ele estava segurando minha mão com força, e
encarando minha barriga... Eu tinha engravidado sem querer e novamente sofrido um aborto
espontâneo. Perdemos dois filhos assim e a dor passou a ser ainda mais presente em nossas vidas.
Tudo o que fizemos foi tentar deixar de lado e não contar a Rafael sobre nada, já que ele
era ainda mais novo e há coisas que não precisam ser discutidas com ele agora, não até que
possa realmente entender por completo. Então apenas menti que tive uma forte dor de barriga,
mas que estava tudo bem. Porém, novamente, uma lápide de um filho meu foi fincada em meu
peito, e doía demais saber disso.
Os problemas que apresentei durante a primeira gravidez consistiam na pressão alta, além
da endometriose[1], que depois meu médico descobriu que na verdade causou o crescimento do
meu segundo bebê fora do útero, e assim, ocasionando um aborto espontâneo, antes mesmo de
saber que estava grávida. Não fui declarada infértil em nenhuma das perdas, mas segundo meu
médico a chance de engravidar e essa gravidez ir até o fim era mínima, já que mesmo que
chegasse ao parto, minha pressão alta poderia contribuir para minha morte naquele momento.
Porém, mesmo com todos esses problemas, eu nunca reclamei sequer, pois por mais conturbada que
tenha sido minha vida, eu ganhei de presente Rafael, que tem sido o pilar para que ainda seja
forte.
Mas agora, relembrando tudo isso, meu coração se aquece por saber que em todos os
momentos, mesmo nos piores deles, mesmo quando fui a Salvador para fugir da dor da perda de
meu primeiro filho e da traição, eu não consigo mais sentir raiva ou mágoa de Ricardo. Eu sinto
apenas que o perdi, nos perdemos, durante todo esse tempo que se passou.
Ele é culpado pela traição, mas eu o perdoei, pois eu sei que de certa forma foi enganado
e que não se lembra daquela noite, ele foi drogado, e temos os laudos disso. Mas mesmo assim,
tudo entre nós eu fui deixando de lado, deixando pra depois, e quando parei para olhar, agora,
já se passaram dez anos, e simplesmente acabou.
Tiro um quadro de madeira com nossa foto ao lado de Rafael em seu primeiro ano de vida,
de como aquele dia foi marcante pra nós. Abraço com força o quadrinho e sento-me na cama,
chorando junto a ele, e relembrando os dias bons, de luz, que nunca conseguimos trazer de fato
para nosso filho, mesmo que saibamos fingir muito bem perto dele.
Uma música me vem em mente, e lembro-me claramente do dia em que Ricardo me pediu
em casamento, em como aquilo tocou meu coração e agora é apenas mais uma lembrança, parte
do passado. Recoloco o quadrinho na caixa, e limpo devagar as lágrimas, tentando me manter
calma, enquanto tudo o que passa em minha mente são os dias bons.
Olho para frente, e como deixei, meus quadros os quais pintei há muito tempo, cheio de
cores da arte abstrata que amo, enfeitam a parede. Todas as cores que eram refletidas em nossos
dias, e que agora simplesmente parecem inexistentes. Como eu, em uma cama vazia e com um
lençol frio cinza, mas que antes foi o palco de nossas maiores juramentos de amor eterno.
Sem conseguir me conter começo a cantar:
— [2]Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar, que tudo era pra sempre, sem
saber que o pra sempre sempre acaba...
— Mudaram as estações tudo mudou.
Levanto meu olhar e encontro Ricardo me encarando, com lágrimas em sua face. A dor
finalmente a mostra, em carne viva em nós dois, frente a frente, como se pela primeira vez
estivéssemos de fato despidos frente a nossos maiores medos.
Tudo repassa novamente em minha mente, de como amávamos cantar juntos, de como
éramos melhores amigos e que nosso maior sonho sempre foi ter um filho, um pedacinho de amor
de nós dois. O que apesar dos pesares, Rafael se tornou pra nós. Mas a dor que compartilhamos
pela perda de nossos outros dois filhos, ainda parece intacta, como dois punhais em nossas costas e
coração.
Sem conseguir me conter vou até ele e o abraço com força, de modo como se finalmente
estivéssemos nos curando, mas ao mesmo tempo a dor grita em um silêncio ensurdecedor no meio
de nossos soluços. Eu só queria ficar aqui pra sempre, mas infelizmente todos os demônios não são
exorcizados em um abraço. Quando Ricardo se afasta e beija minha testa, limpando minhas
lágrimas, eu tenho a certeza disso. Isso é um adeus.
Capítulo 6
Dias depois...

Carla

“Eu desço dessa solidão


Espalho coisas
Sobre um Chão de Giz
Há meros devaneios tolos
A me torturar
Fotografias recortadas
Em jornais de folhas
Amiúde!”
(Chão de giz – Zé Ramalho)

Canto baixinho enquanto vejo Ricardo e Rafael correrem pelo jardim, da janela de meu
quarto. Os dois se molham com a mangueira, além de bexigas d’água que estão por todos os
lados. Um sábado comum, parecido com tantos outros, mas que hoje aquece meu coração.
Dias se passaram desde o dia em que chorei junto a Ricardo, e mesmo que continuemos
cada um em seu canto, em minha mente é como se fosse um recomeço pra nós, bem silencioso. As
sensações que me permiti sentir após uma semana do que houve, são completamente diferentes do
que sofri cada dia dos últimos anos, ou melhor, aquilo que congelei.
De certa forma, descobri quando abri aquela caixa muitas coisas. Que nem eu mesma
encarei antes por simplesmente ter enterrado meus sentimentos junto as piores e melhores
lembranças. Meu corpo não dói pelo passado, mas pelas suas marcas, que me deixaram perdida
em meus próprios devaneios.
Sinto que errei com Rafael às vezes, até mesmo quando não estou lá com eles brincando.
Por que estou perdendo tempo aqui, trancada nesse quarto durante um dia lindo de sol lá fora?
Sendo que eu sei que não tenho raiva, nem mesmo mágoa de Ricardo.
A marca que ele tem em seu corpo do tiro que era pra ser meu, que poderia ter me
matado, e além do mais, o matado, me mostrou que aquele homem que vi desacordado junto a
Nicole há anos atrás, e que sequer lembrava de algo, não tinha culpa, por mais que ela tenha
engravidado e tenhamos o resultado positivo de paternidade de Rafael. Ele foi drogado e tenho a
prova disso também, e o tempo que passei em Salvador me fez repensar muito, sobre tudo.
A dor da sua traição ficou lá, naquele momento em que o aceitei de volta, mesmo que seja
Rafael a maior causa de ter ficado, parte de meu coração era de Ricardo, e ainda é. Finalmente
percebi qual o meu grande problema, que eu amava aquele homem e com o tempo me perdi e o
perdi. Acho que ambos nos desencontramos nessa distância composta de dores e erros.
Não sei se poderíamos ter sido felizes se eu tivesse baixado a guarda e deixado Ricardo
entrar novamente em minha vida, de cabeça. Talvez isso tivesse levado nosso casamento para um
fim mais rápido, mas ao menos não ficaríamos anos sofrendo. Estando tão longe e ao mesmo tempo
tão perto um do outro.
Nós sempre fomos o casal perfeito, que tinha tudo para ter o casamento perfeito. Deixei-
me levar pela ilusão de que a vida é como um filme de colegial, mas esqueci de que esses filmes
mostram apenas até o momento do pedido do casamento ou até mesmo antes disso. Não consegui
aceitar que tinha sido vítima de várias coisas, e ao mesmo tempo culpada pela minha própria dor,
por não me permitir sentir nada após ter superado de certa forma a traição, e enfrentar os dois
abortos.
Fiz-me de pedra, mas na verdade minha proteção não passa de uma casca fraca que a
qualquer momento iria romper, e por fim, rompeu. Nesse instante, concretizo isso.
— [3]No mais, estou indo embora!
No mais, estou indo embora!
No mais, estou indo embora!
No mais!
Canto junto à música e limpo uma solitária lágrima que desce por meu rosto. Meu coração
bate descompassado e me levanto, já desligando meu celular e correndo para o térreo, querendo
logo chegar ao jardim, e entrar naquela brincadeira com eles, quem sabe viver um momento de
paz mesmo que tudo tenha se perdido.
Assim que chego à sala escuto um bater de palmas e estranho, indo até a porta de entrada
de nossa casa. Saio e então dou de cara com uma mulher morena alta de olhos azuis, com um
caderno em mãos. Estranho por ser sábado e não ter nenhuma reunião marcada com algum artista
de minha galeria hoje, além de que Ricardo parece muito entretido com nosso filho para ter algo
marcado.
Encaro todos os lados às outras casas do condomínio e noto que a mulher parece meio
perdida em frente a minha.
— Olá, tudo bem? — pergunto e ela então me encara melhor, olhando-me de cima
embaixo.
— Meu Deus! — diz parecendo nervosa, mudando sua expressão. — Você existe mesmo,
eu pensei que...
Ela então começa a falar várias coisas sem nexo e sou eu quem fica completamente
perdida.
— Ei, ei! — digo tentando chamar sua atenção.
— Tudo bem aqui?
Assusto-me com a voz de Ricardo que de repente aparece, com Rafael a tiracolo.
— Você também... E ele... — a morena leva a mão a cabeça e parece completamente
desconcertada. — Eu, eu...
— Por que não me diz seu nome? Parece um pouco perdida. — digo, entendo acalmá-la.
— Meu nome é Tainá e eu dividi por alguns meses um apartamento com Nicole Silveira. —
diz e eu arregalo os olhos, sem conseguir discernir nada diante de sua afirmação.
— Quem é Nicole, papai? — Rafael pergunta e sinto um calafrio percorrer minha espinha.
— Leva ele daqui, Ricardo. — digo e o encaro. — Agora.
Ricardo sai rapidamente com Rafael, distraindo-o pra longe de nós.
— O que Nicole tem a ver com sua vinda a nossa casa? — pergunto e a morena suspira
fundo.
— Olha, eu nunca a conheci realmente, mesmo morando algum tempo juntas, mas comecei
uma reforma recentemente e encontrei isso. — diz e levanta o caderno. — Eu li, sem pretensão
alguma e encontrei o nome de vocês, fotos... Bom, e talvez algumas coisas que sejam de seus
interesses.
— Como assim?
— É, conta algumas coisas que ela fez antes e como era apaixonada pelo seu marido. —
diz diminuindo a voz. — Olha, eu acho melhor ler isso, vai ser melhor pra entender.
Ela me entrega o caderno e já se vira pra sair.
— Como descobriu que somos nós e...
Sem me dar chance de dizer algo e sem explicar como entrou no condomínio a mulher
simplesmente sai andando e me deixa parada com o caderno em mãos.
— Carla, o que é isso?
Ricardo pergunta, aparecendo do meu lado.
— Eu não sei, algo sobre Nicole... — digo e ele me encara estupefato.
Ambos ficamos parados por alguns segundos, encarando o caderno de capa marrom. Sinto
novamente um calafrio me percorrer, dessa vez meu corpo todo e fico estática, sem saber o que
fazer. Só rezo aos céus para que não seja novamente o passado intacto em minha vida... em
nossas vidas.
Capítulo 7

Ricardo

Entro dentro de casa junto com Rafael e enquanto ele corre para o primeiro andar em
busca do banheiro para tomarmos banho, paro um segundo, encarando Carla, que está parada
em frente ao escritório.
— Vou guardar isso no escritório e depois que Rafael dormir nós lemos. — diz e eu apenas
concordo, sem conseguir fazer nada que não seja analisar mais uma vez esse caderno em suas
mãos.
Ela logo se vira e entra no escritório. Solto um suspiro fundo e rumo até o quarto de Rafael,
onde já encontro suas roupas jogadas no chão e faço o mesmo, já entrando no banheiro e me
juntando ao banho com meu filho.
Rafael grita animado, enquanto jogo um pouco de água nele, brincando como sempre,
porém meus pensamentos estão lá embaixo naquele caderno.
— Papai! — grita e joga espuma em mim, gargalhando.
Sorrio colocando-o debaixo da ducha e ele continua seu banho naturalmente. Sinto algo
aquecer meu coração ao vê-lo sorrir, e a dor de saber que não pude viver nenhum momento assim
com meus outros dois filhos me atinge. Uma lágrima desce de meu rosto e a limpo rapidamente, sem
dar tempo de Rafael ver, pois não posso deixar de agradecer por tê-lo para iluminar meus dias,
mesmo que seja difícil um dia contar toda a verdade pra ele.
Encosto-me contra os azulejos frios, assim que ele sai do banho já se secando com uma
toalha. Passo as mãos por meus cabelos e a dor me cerca da forma que não posso esconder mais,
pois tudo em mim treme e tudo o que penso é em meu erro, e como não posso me arrepender, pois
tenho Rafael, e ele tornou tudo em minha vida diferente e tenho certeza que na de Carla também.
São sentimentos conflitantes que nunca tentei enfrentar, pois sei que não me levarão a
resposta alguma. Se eu me arrependo de ter ido a casa de Nicole naquela noite? Sim, com toda
certeza. Mas isso significa que se não teria Rafael, certo? Então como enfrentar tudo, sendo que
isso excluiria uma das pessoas que mais amo no mundo?
Tudo se repassa em minha mente e tento me lembrar pela milésima vez daquela noite, mas
nada, simplesmente nada me vem em mente. Desisto então, entrando debaixo da ducha ainda
aberta, a após tirar todo o sabão de meu corpo e lavar meus cabelos, já saio com uma toalha
pendurada em minha cintura.
Encontro Rafael deitado em sua cama já vestido com uma bermuda e ouvindo música no
celular. Saio, deixando-o um pouco em seu mundo e sigo para o corredor. Assim que saio esbarro
em Carla, a qual está um pouco trêmula.
— O que foi? — pergunto, já pensando que ela leu algo naquele caderno, do qual não
gostou.
— Eu estou com medo do que está escrito lá. — confessa e uma lágrima desce por seu
rosto. — Não sei por que, Ricardo. Parece que esse pesadelo nunca vai acabar.
— Shh, calma. — digo e a abraço rapidamente. — Vamos descobrir isso logo. Além do
mais, pode não ser nada, e na verdade o passado continuará no lugar dele.
— Ok. — diz e me solta, dando-me espaço pra passar.
Vou até meu quarto e coloco uma camisa de malha leve e uma calça de moletom preta.
Assim que volto para o corredor não a encontro, então já desço as escadas, indo até meu
escritório. Abro a porta e Carla está sentada em frente a minha mesa, olhando para o caderno,
parecendo perdida em seus pensamentos.
— Pronta? — pergunto, sentando-me a sua frente.
— Acho que estou sendo boba, não deve ser nada demais. — diz e dá de ombros,
abrindo um sorriso fraco.
— Sim, deve ser. — digo sem muita certeza, pois eu mesmo duvido dessas palavras.
Pego minha cadeira e coloco ao seu lado, assim abro o caderno sem mais querer adiar isso
e enfrentar de vez o que quer que seja.
Arregalo os olhos ao ler o título escrito na primeira página: Diário da Nic.
— Meu Deus! — Carla exclama.
Assim começo a folhear e logo que começamos a ler, tudo começa a fazer mais sentido
quando encontramos várias passagens da vida de Nicole, desde os seus seis anos. Mas logo
começamos a pular, pois seja o que for, não temos o direito de ler confissões tão íntimas, tais como
a primeira vez em que ela andou de bicicleta.
— Vamos para o fim, Ric. — Carla diz e pula as páginas e logo algumas fotos começam a
sair do meio das folhas.
Assusto-me ao ver fotos minhas e de Carla. Quando finalmente continuamos a ler, meu
coração falha uma batida e Carla me encara atônita.
— Não, eu não acredito...
— Carla...
Ela então pega o caderno e se levanta, lendo-o em voz alta.
— “Eu amo esse homem com todas as minhas forças e sei que vou amá-lo para sempre, assim
como Augusto o homem que me deixou no passado. Ricardo é diferente, assim como Carla, e assim eu
quero a vida deles, e não me custou nada levá-lo até minha cama após tê-lo drogado. Foi fácil, fácil
até demais. Carla caiu como um patinho e Ricardo o mesmo. A notícia da gravidez foi uma surpresa
pra mim, uma boa surpresa do destino... Ter transado com um homem que nem me lembro do nome
dias antes fez com que um bebê viesse no momento certo e na hora certa. E sim, Ricardo será meu.”
Levanto-me atordoado enquanto Carla folheia algumas páginas. Em alguns segundos ela
derruba o caderno no chão e se abraça, encostando-se na parede.
— Ela armou tudo, Ricardo. Até mesmo os testes de paternidade positivos, ela conseguiu
burlar tudo com dinheiro e sedução... Ela brincou com a nossa vida e...
Carla cai no choro e eu continuo imóvel por alguns segundos.
— Isso é impossível, eu fiz em duas clínicas diferentes e ambas...
Carla nem me deixa terminar e pega o caderno, dando-me ele em mãos.
— Só lê isso. — pede.
Assim que meus olhos caem sobre as palavras de Nicole, algo dentro de mim se quebra
novamente, mesmo que eu já não acreditasse poder ser quebrado.
— Rafael não é...
— Ele não é seu filho. — Carla complementa e sai do escritório, deixando-me pra trás, sem
eira nem beira.
Caio sentado em uma das cadeiras e tento raciocinar diante disse.
— Pai! — escuto o grito de Rafael e logo a porta do escritório se abre. — A mamãe saiu
correndo pela porta do jardim, você sabe onde ela foi? Será que foi comprar aquela capinha
maneira que eu pedi?
Fico parado, analisando-o, sem conseguir acreditar. Os cabelos loiros se parecem tanto com
os meus, suas nuances e trejeitos... Não, não pode ser.
— Pai, tá tudo bem? — ele pergunta e se aproxima.
— Sim, filho. — digo e engasgo em minhas palavras. — Tá sim.
Rafael parece um pouco desconfiado, mas logo sai do escritório, acho que entendendo que
não estou bem pra falar. Mas o que eu poderia dizer se a única certeza da minha vida foi tirada.
Rafael não é meu filho.
Capítulo 8

Carla

Limpo minhas lágrimas o máximo que posso enquanto dirijo sem destino pelas ruas. Meu
coração está a mil assim como minha mente, ambos sendo bombardeados por vários sentimentos
inconstantes. Dói tanto em eu ter lido aquelas palavras, não só pelo que significam, mas por saber
como é tão simples brincar com a vida das outras pessoas. Infelizmente, dessa vez, foi com a minha
vida.
Paro em frente a uma praça e fico sem saber o que fazer, ou pra onde ir. Mesmo os anos
de terapia nunca me prepararam para isso. Como pode tudo isso ter acontecido sob os nossos
narizes?
— Deus, por que? — pergunto para o nada e choro ainda mais.
Assisto as pessoas e suas famílias andarem pelo parque, e antes que eu possa perceber, a
noite cai e restaram apenas alguns casais andando. O que estou fazendo aqui, parada, olhando
para o nada?
Não sei, só sei que está doendo demais e não sei como proceder, como ir a busca de algo
que cure a dor que sinto, que cure a dor de Ricardo, e ainda mais como um dia vamos contar tudo
isso a Rafael.
Saio do carro e resolvo tomar um pouco de ar. Ando calmamente pela praça e abraço meu
próprio corpo como se pudesse me proteger seja lá do que for. Por um instante sinto uma tontura
me atingir e lembro que não comi praticamente nada no dia de hoje e então me sento em um dos
bancos da praça.
— Ei, moça.
Levanto meu olhar e encaro um garoto de aproximadamente dezesseis anos, que me
encara um pouco sem jeito.
— A moça tá bem? — pergunta e eu concordo, mesmo ainda sentindo uma grande tontura.
— Tudo bem garoto, fica tranquilo. — digo e ele assente, e se afasta um pouco, e mesmo
andando para longe, vejo-o virar e encarar de vez em quando.
Sinto uma forte vontade de vomitar e respiro fundo, segurando-me para não passar ainda
mais mal no meio das pessoas. Em passos trocados chego até meu carro e me encosto nele,
puxando o ar com força.
— Posso te entregar um folheto, minha filha?
Levanto meu olhar e encontro uma senhora de cabelos brancos e de olhos verdes muito
semelhantes aos de Ricardo, e assusto-me pela semelhança com a sua mãe Lorena.
— Eu...
— Aqui, minha filha. — me entrega um papel e fecha minha mão nele. — Espero que isso
te ajude nas aflições.
— Mas eu... — ela então se vira e sai andando para longe. — Senhora! — grito.
— O que, minha querida? — pergunta e mesmo sabendo que disse baixo, é como se
ouvisse sua voz em minha mente.
— Qual seu nome?
Ela apenas sorri e se vira, andando pra longe. Fico estática sem saber o que fazer,
sentindo meu coração bater freneticamente. Em um impulso abro as mãos e leio o papel que ela me
entregou.
“Deus os abençoou e lhes disse: "Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra!
Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela
terra."- Gênesis 1:28
Pisco algumas vezes sem compreender, mas quando volto a minha sanidade, vejo que minha
mão está sobre meu ventre. É como se estivesse sentindo algo novo e então junto isso a tudo o que
me aconteceu há poucos instantes.
— Deus! — exclamo e levo minha mão a boca, sem conseguir acreditar.
Entro em meu carro no mesmo instante e dirijo até encontrar uma farmácia. Fico todo
caminho me perguntando como isso é possível se faz tão pouco tempo, se antes, na última vez que
estive grávida não senti absolutamente nada.
Assim que encontro uma farmácia desço e compro um teste de gravidez, peço a atendente
para usar o banheiro e felizmente ela me permite. Assim que me encontro sozinha dentro de um
pequeno cômodo com pisos brancos e faço o teste, fico a cada instante encarando meu celular,
esperando o tempo passar ansiosa, para saber se não estou simplesmente pirando.
Ignoro as ligações e mensagens de Ricardo, sem conseguir pensar em outra coisa. Quando
finalmente se passa cinco minutos eu encaro o teste, e caio no choro no mesmo instante em que vejo
as duas linhas roxas confirmando algo que nunca mais imaginei – positivo.
Saio do banheiro tentando parecer um pouco mais apresentável e agradeço a atendente,
indo para meu carro. Assim que entro nele meu celular toca novamente e antes mesmo de ver quem
me liga, o atendo. Como a ligação fica em silêncio do outro lado, tiro meu celular da orelha e o
encaro a tela, surpreendendo-me ao ver o nome de Daniel nela.
— Dani...
Respiro fundo sem saber muito bem o que dizer.
— Carla. — diz calmamente. — Onde você está?
— Dani, por que está ligando? — pergunto e tento segurar meu choro, com a mão em meu
ventre.
Penso por alguns instantes, tentando entender o porquê de ele ter me ligado, e como ele
fica em silêncio, finalmente me recordo de todas as ligações perdidas de Ricardo.
— Ah meu Deus, Ricardo, ele...
— Sim, ele me ligou e disse que você simplesmente resolveu sumir. — diz e comprovo minha
suspeita.
— Eu só precisava de um tempo. — confesso baixinho.
— Carla, por favor, me diz onde está que eu vou te buscar.
Penso então em como vou encarar Ricardo após isso, depois de ter simplesmente o afastado
de minha vida por erros que ele sequer cometeu. E agora, contar a ele que estou esperando
novamente um filho nosso, e que novamente o pior pode acontecer.
— Não posso, Dani, eu não consigo olhar pra Ricardo... Acho que nunca mais vou conseguir.
— confesso e deixo as lágrimas caírem.
— Do que está falando? — pergunta. — O que foi que ele te fez?
— O problema foi o que ele não fez. — digo e não consigo segurar um soluço. — Ele não
me traiu, Dani. — confesso, e ao mesmo tempo que me sinto aliviada, meu corpo dói por saber o
quanto sofremos por algo que não aconteceu.
— O que?
— Nicole enganou a todos nós... Rafael não é filho de Ricardo. — digo e respiro fundo.
— Deus do céu!
— Eu sou uma idiota, Dani. — confesso e encosto minha cabeça contra o assento do carro.
— Carla, não tinha como sabermos e...
— Eu magoei você também, Dani. Magoei todos a minha volta por conta de uma mentira.
— digo de uma vez. — Eu perdi você naquela época.
— Carla, me diz onde você está. — pede novamente.
— Eu vou pra casa. — digo já ligando o carro. — Não vou atrasar ainda mais sua vida.
Eu sinto muito, Dani.
A culpa então me corrói, não só por ter magoado Ricardo, mas também Daniel, que foi meu
pilar naquele momento tão difícil, e em vários outros.
— Carla, você não...
— Eu te amo. — digo de coração e desfaço nossa ligação.

Como se finalmente tudo em minha mente pudesse me dizer algo que faz sentido. Preciso

me cuidar, e ter a certeza absoluta de que estou grávida. Não posso magoar mais ninguém, e se

haverão riscos nessa gravidez eu os enfrentarei, mas dessa vez não colocarei a vida de meu filho

em risco, se houver novamente uma escolha no fim, eu não serei a escolhida.


Capítulo 9

Ricardo

As horas passam e ao mesmo tempo em que estou quebrado, faço-me de inteiro diante de
Rafael.
— Pai, acha que a mamãe vai demorar muito na galeria? — Rafael pergunta, enquanto
jogamos vídeo game e eu solto um suspiro fundo, olhando novamente para meu celular.
— Continua jogando que eu já volto.
Pego o celular e saio da sala de estar, indo para o jardim. Disco o número de Carla pela
milésima vez e nada, simplesmente nada. Meu coração está sem parada desde o momento que li
aquele diário, e agora, ela está por aí, e não sei onde, muito menos o que está havendo.
Sua chamada está sendo encaminhada para caixa-postal...
— Merda! — rosno indignado.
Encaro minha lista de contatos e penso para quem ligar, e assim que procuro o número de
meu irmão, e um outro chama minha atenção – Daniel Lounrezinni.
Suspiro fundo resignado de fazer isso, pois só eu sei que foi e ainda é difícil saber que
Carla me escolheu ao invés dele, mas ao mesmo tempo sinto que se arrepende disso. Ele estava
com ela e por ela, num momento em que tive que impedir de todas as formas Nicole de cometer um
aborto. Sinto raiva se apoderar de mim, mesmo sabendo de que nada adianta. Coloco a mão
sobre a cicatriz em meu abdome, a qual Nicole causou junto a toda loucura daquele momento. Não
há nada mais que justifique o que Nicole fez, a não ser pura insanidade. Mas de qualquer forma,
não adianta sentir nada a respeito, pois o seu destino já foi selado.
— Droga. — suspiro fundo.
Disco o número, e coloco meu celular na orelha, passando as mãos por meus cabelos.
Preciso ser forte.
— Alô.
Respiro fundo novamente e encaro o nada, sem conseguir pensar em mais nada.
— Daniel, desculpe ligar é que... Se não fosse realmente necessário, eu não...
— É, mas quem é? — pergunta e xingo-me mentalmente.
Estou apenas adiando o inevitável.
— Ricardo Gutterman. — respondo e ele fica em silêncio. — Olha, aconteceram algumas
coisas aqui em casa e Carla está abalada, e pior saiu de casa de manhã e até agora não voltou.
Eu não tenho mais a quem recorrer e... Eu só queria que talvez tentasse falar com ela, pois ela não
me retorna... E que talvez a convencesse a voltar pra casa.
— Eu vou tentar, prometo. — diz e logo desfazemos a ligação.
Passo as mãos por meus cabelos e vou até a cozinha, bebendo um copo d’água. Meu
coração está a mil ainda, e agora pisei em todo meu orgulho por medo de que algo aconteça com
Carla. Por mais que nunca tenhamos passado por nenhum transtorno no Rio, sei como a cidade
pode ser perigosa em certos lugares, e não saber onde ela está me deixa completamente sem
ação.
— Pai!
Ouço o grito de Rafael e vou até a sala, encontrando-o comemorando muito por ter
ganhado no jogo.
— Parabéns, filhão! — digo e bagunço seus cabelos loiros.
Ele me encara e sorri, mostrando os pontos que fez em cada luta que teve. Nesse instante é
como se fossemos apenas nós dois em nosso mundinho e toda aquela dúvida de fazer ou não
novamente um teste de DNA some de minha mente. Rafael é meu filho independente do sangue,
assim como é de Carla, e isso ninguém pode nos tirar, muito menos nosso passado.
Por mais que um dia chegue a hora de contar toda a verdade pra ele, e que talvez exista
a possibilidade de seu pai biológico estar vivo já que Nicole foi muito evasiva a respeito dele e
não disse nada além de que foi uma noite para ela, eu irei apoiá-lo seja qual for sua escolha.
Rafael sim, sempre será meu maior orgulho.
Passam-se alguns minutos e de repente meu celular toca, atendo-o rapidamente ao ver que
é Daniel.
— Ela atendeu o telefone e me disse que está indo pra casa. — diz de uma vez.
— Sério, ela...
— Sim, ela parece estar bem. Mas não consigo mais falar com ela, já que desligou o
telefone.
— Obrigado, Daniel. — digo aliviado.
— Apenas mande uma mensagem avisando quando ela chegar, tudo bem? — pede e meu
corpo todo estremece. Meu orgulho sendo pisado.
— Claro. — digo sem jeito.
— E Ricardo?
— Sim?
— Ela ama você, seja lá o que ela fez a você, saiba que isso não muda esse sentimento. Dê
valor a isso.
— Eu sempre dei. — confesso.
Logo desligamos e em poucos minutos escuto o barulho de um carro parando na frente de
casa, corro pra fora e encontro Carla descendo do mesmo.
— Graças a Deus! — exclamo e vou até ela, pegando-a de surpresa, abraçando-a.
Nesse instante ela me abraça de volta com força e desaba chorando muito, sinto seu corpo
mais leve e a pego em meu colo, levando-a pra dentro.
— Mãe! — Rafael grita e vem até mim, um pouco alarmado.
Penso em alguma resposta, mas então Carla o encara e limpa as lágrimas.
— Só estou um pouco cansada, querido. Seu pai vai me levar pra cama, apenas. —
explica docemente e ele vem conosco, enquanto a levo para seu quarto no primeiro andar.
Coloco-a com cuidado contra os travesseiros e a mesma dá a mão a Rafael, que sobe na
cama e se deita a frente dela.
— Eu nunca entendi muito bem porque não dormem no mesmo quarto, mas eu cresci e sei
que algo está errado. — ele diz, surpreendendo-nos. — Eu amo vocês, de verdade.
— Oh, querido. — Carla diz e lágrimas descem por sua face.
— Não chora, mãe. — diz e toca o rosto dela, limpando as lágrimas. — Eu só quero ver
vocês felizes, seja como for.
— Você cresceu, rapaz. — digo, finalmente encontrando minha voz.
— Sim, pai. — diz e suspira fundo. — Tenho doze anos já, e sei que a vida adulta, pelo
tanto que leio na internet e em livros, não é fácil. Mas eu vou continuar amando vocês de qualquer
forma.
Uma lágrima então desce por meu rosto e eu fico completamente emocionado. Rafael é
como um bálsamo em todos os nossos momentos, e sinto que nada jamais poderá separar a relação
de pai e filho que criamos.
Sento-me a beira da cama, enquanto Rafael passa as mãos de leve pelo cabelo ruivo de
Carla, a qual parece finalmente se render ao sono, e suspira fundo. Eu sempre adorei vê-la dormir,
assim como amei estar envolto de seus braços após um dia cansativo de trabaho, era um mantra
nosso, sempre chegava em casa e me jogava em seu colo.
Sinto falta dessa parte de nós, a curta e passageira parte em que fomos completamente
felizes no casamento, e os anos difíceis que passamos, felizmente não conseguiram apagar. Mas
ainda há muito que pensar, muito o que enfrentar, e seja o que for iremos fazê-lo. Seja isso juntos
ou separados, tudo pelo bem de algo maior – nosso filho.
Capítulo 10

Carla

“— Ei, mamãe!
Abro os olhos e dentre a névoa vejo uma menininha de no máximo cinco anos correndo entre
flores brancas. Seus cabelos ruivos me chamam atenção, assim como seus olhos verdes iguais aos de...”
— Mamãe!
Acordo sobressaltada e encaro os olhos azuis de Rafael que parece um pouco assustado.
— O que foi, querido? — pergunto sem entender nada.
— A senhora estava gritando, acordei e vim te ver... — explica e passa a mão pelo meu
rosto. — Tá tudo bem?
— Está sim, meu anjo. — digo e sorrio pra ele. — Desculpe ter te assustado, foi só um
sonho.
Termino minha fala um pouco sem saber o que pensar, lembrando-me da menina em meu
sonho. Passo então de leve a mão por minha barriga ainda plana e já consigo até imaginá-la
crescendo. Será esse um sinal?
— Mãe. — Rafael chama minha atenção e eu encaro. — Posso dormir aqui?
Sorrio pra ele e vejo o quão grande já está. Um menino lindo que tem meu coração desde
o dia em que o vi pela primeira vez. Como um dia vou dizer a ele que eu não sou de fato,
biologicamente, sua mãe? Só espero que ele entenda todos os passos que nos trouxeram até aqui.
— Vem cá, grandão.
Puxo o edredom para o lado e ele se aconchega a mim, segurando meu braço e
encostando sua cabeça sobre meu peito, como sempre fez. O quarto está apenas na penumbra,
então ainda deve ser madrugada.
— Papai estava preocupado. — diz enquanto acaricio seus cabelos. — Ficamos aqui te
vendo dormir por um tempo antes de irmos dormir também.
— Desculpe pelo meu estado, querido. Eu só tive um dia cansativo. — forço um sorriso e ele
me encara.
— Eu só quero que seja feliz, mamãe. — diz e então se aconchega ainda mais a mim.
Em pensamento concluo: eu também, meu anjo... Eu também.

***

Passo a mão por meus cabelos tirando o resto de shampoo dele, enquanto a água quente
molha meu corpo. Assim que termino meu banho, saio do box e sem colocar uma toalha, vou até o
grande espelho que tem no banheiro, encarando meu corpo. Há quanto tempo não faço isso?
Sempre fui uma mulher vaidosa e isso nunca mudou, porém vejo o quanto mudei e
amadureci durante esses anos. Por mais que ame meu corpo, sempre vivi em pé de guerra com ele,
pelo fato de me culpar pela perda de meus dois filhos, mas de certa forma, hoje, eu entendo. São
coisas que não conseguimos controlar por mais que desejemos.
Sorrio passando de leve as mãos pelas sardas que cobrem meu rosto, fazendo-me lembrar
do quanto Ricardo sempre as adorou, mesmo eu sempre as cobrindo com maquiagem. Sinto falta
daqueles dias, sinto mesmo.
Coloco um roupão e saio do banheiro, e assusto-me ao dar de cara com Ricardo, que para
com a mão no ar, como se fosse bater na porta.
— Desculpe, é que meu irmão está aqui. — diz e eu forço um sorriso, apertando o roupão
contra mim.
— Vou me trocar e já desço. — digo e ele assente, mas não me dá espaço pra passar. —
Ricardo!
— O que? — pergunta, como se estivesse inebriado.
— Não consigo passar. — explico o óbvio e então ele abre seu sorriso cafajeste, que há
muito não me fazia sorrir também, porém nesse instante não resisto.
Ele então me dá espaço e eu passo, indo para o closet.
Isso foi estranho!
Coloco um simples vestido cumprido preto e um par de chinelos da mesma cor. Penteio meus
cabelos com as mãos e deixo-os para secar naturalmente. Saio do closet e encontro Ricardo
sentado em minha cama, passando as mãos de leve pelos cabelos loiros de Rafael.
— Sabe, é difícil acreditar que ele não é meu. — diz sem me encarar. — Sempre vi tanto
de mim nele.
— Pior sou eu, que sempre soube que ele poderia não ser nada meu, mas em seus olhos
azuis nunca vi nada além do reflexo dos meus. — confesso pela primeira vez a alguém isso e
Ricardo me encara, parecendo espantado. — Ele é nosso, Ricardo. — digo e ele assente. —
Sempre será.
— Tudo poderia ter sido diferente, não é? — pergunta e eu me aproximo da cama,
agachando-me e ficando de frente com o rosto do nosso filho.
— Essa é uma pergunta que nunca teremos a resposta. — digo a única coisa que consigo e
suspiro fundo.
— Há muitas coisas sobre você que ainda não tive resposta, Carla. — diz e se levanta,
indo em direção a porta. — Levi quer falar com ele também, por favor, acorde ele.
— Ricardo...
— Não, agora não, Carla. — diz e sai, deixando-me sem palavras.
Mesmo atordoada com sua mudança repentina de humor, balanço de leve o corpo de
Rafael para que desperte. Seus olhinhos azuis encontram os meus e ele se esconde debaixo do
edredom. Preguiçoso!
— Seu tio está aí. — digo e ele sequer mexe. — Ok, você que pediu.
Saio do quarto e desço rapidamente para a sala, onde encontro Levi conversando animado
com Ricardo.
— Oi, meu querido. — digo e Levi vem até mim, abraçando-me.
— A melhor cunhada do mundo. — sorrio de seu elogio e lhe dou um leve empurrão
quando se afasta.
— A única que você tem. — digo e reviro os olhos. — Seu sobrinho está no meu quarto
debaixo do edredom, se negando a acordar.
— Ah, é mesmo? — Levi pergunta e pisca pra mim, já subindo as escadas.
Viro-me rindo para Ricardo, mas o que encontro é seu semblante completamente diferente
de minutos atrás.
— O que foi? — pergunto e ele apenas sai de perto de mim, indo até seu escritório.
Entendo isso como um convite e então vou atrás dele.
— Caleb veio aqui mais cedo e me deixou isso. — diz e encara um envelope pardo sobre
a mesa, ainda de costas pra mim. — Eu quero que leia isso, Carla. E quero que possamos fazer o
nosso melhor dessa vez por Rafael.
— Ric...
— Eu tentei, nós tentamos mas... Não conseguimos mais. — se vira pra mim e me encara um
pouco cabisbaixo. — Eu sei que Herrera da advocacia de Caleb é seu advogado, e ele já tem
uma cópia dos papéis em mãos e...
— Não. — digo de relance. — Não diz mais nada.
— Carla, isso tem sido adiado há anos. — diz o óbvio. — Sabemos disso.
— Eu sei.
Toco de leve em minha barriga e encaro Ricardo, que parece perdido em seu próprio
mundo. Escuto os gritos de Rafael e Levi, e finalmente voltamos a realidade.
— O aniversário de Laura vai ser surpresa e Levi veio nos trazer o convite, esses processos
de divórcio demoram e até lá...
— Até lá vamos viver como fizemos durante esses anos todos, um casamento por nosso
filho. — rebato, e sinto meu coração quebrar.
— Não dá mais, Carla.
— Eu sei, Ricardo. — digo e a porta do escritório se abre de repente, o que me faz tentar
mudar minha expressão.
Levi parece sentir o clima tenso no ar, então faz seu melhor para Rafael sorrir.
— E quem vai tanto nessa festa? — pergunto e me viro, fingindo um sorriso.
Dias a mais ou a menos fingindo não vão fazer nada piorar, mas durante eles eu terei que
confirmar a gravidez com o teste de sangue e em meu obstetra, mesmo já sentindo que tenho um
pequeno ser crescendo dentro de mim. Eu vou conversar com Ricardo e sei, que de nada vai mudar
sua decisão, pois nunca o vi dessa forma. Então, para o bem de nosso pequeno Rafael, e do nosso
futuro filho, que dessa vez farei todo possível para ter, vou assinar o divórcio. Pois sei que juntos,
eu e Ricardo, apenas temos perdido nossa felicidade pessoal.
Capítulo 11

Dias depois...

Carla

Os papéis do divórcio estavam a minha frente e rapidamente olhei para o lado, onde
Herrera, meu advogado me olhava com um sorriso ameno. De certa forma é como se entendesse
completamente a situação, já que um desses dias chorei em seus braços, enquanto ele lia pra mim parte
dos papéis que começo a assinar nesse instante.
O barulho da caneta contra a mesa de vidro me faz encarar Ricardo que acaba de assinar e
meu coração se despedaça. Ele parece firme em sua decisão, não como eu, que pensei que estaria
fazendo o certo, mas que nesse instante parece tão errado. Passo a mão por minha barriga e seguro
o choro, sabendo que não tem mais volta, mas de que qualquer forma contar de nosso bebê agora
pode fazê-lo mudar de ideia, e não, não irei usar isso contra ele.
Termino de assinar e apenas encaro minhas mãos sobre as pernas, enquanto já não consigo
mais segurar o choro... Acabou!
— Carla?
Abro os olhos assustada e encaro minha assistente aqui na galeria – Louise – que parece
risonha diante de ter me encontrado dormindo.
— Desculpe, muito sono ultimamente. — digo sem graça e ela apenas sorri.
— Tudo bem, chefa. — brinca como sempre. — Os novos quadros daquele artista de Minas
já chegaram, quer que eu já escale um local para serem colocados ou prefere você mesma.
— Fica por sua conta hoje. — digo e pisco pra ela.
Levanto-me da cadeira e encaro meu relógio sobre a mesa, que já marca quinze minutos
para as cinco da tarde.
— Tenho uma consulta e não posso me atrasar. — pego minha bolsa e jogo o casaco na
mesma. — Fecha tudo pra mim?
— Claro, pode deixar.
Dou um beijo de despedida em seu rosto e já saio de minha galeria, olhando de relance
para esse grande sonho realizado. Sempre fui apaixonada por arte, e poder viver com isso,
conviver lado a lado com cada pintura faz-me sentir completa em meu trabalho.
Saio com meu carro e logo chego à clínica em que meu ginecologista que também é
obstetra, trabalha. Ele me acompanha desde a primeira gravidez, e sabe de cada detalhe do meu
caso e principalmente, sobre meu corpo. Dentro da bolsa trago o exame betaHCG[4] que fiz e que
ainda não tive coragem de abrir, por medo de ser apenas minha cabeça me enganando, mesmo
sentindo que há um serzinho dentro de mim.
Assim que chego na recepção não demora muito e sou chamada. Doutor Paulo Xavier, com
seus cabelos brancos e olhos carinhosos me cumprimenta como sempre formalmente, mas com seu
jeito adorável.
— Mais uma consulta de rotina? — pergunta assim que saio de trás do biombo com uma
camisola azul para os exames.
— Na realidade não, doutor. — digo e pego o exame em minha bolsa. — Eu fiz em uma
outra clínica e queria que visse, que pudesse fazer nem que fosse o ultrassom transvaginal e...
— Ei, calma querida. — diz complacente e pega o envelope de minhas mãos.
Ele lê por alguns segundos e logo sorri largo.
— Bom, mesmo contra todas as nossas expectativas, sim, você está grávida, o exame não
tem como mentir. — diz e eu levo as mãos a boca, já com lágrimas nos olhos.
— Podemos ver ele no ultrassom e...
— Podemos tentar, mas acho que ainda não alcançou a quinta semana de gestação, então
vai ser difícil vermos algo. — diz e fico um pouco desanimada. — Mas fique tranquila que vamos
acompanhar cada detalhe dessa gestação.
— Eu tenho medo, doutor. Sabe que já perdi dois filhos e...
— Mas você descobriu esse logo, não foi? — afirma. — Fique tranquila, vamos fazer de
tudo, e eu quero trazer esse seu bebê para o mundo.
— Obrigada. — digo emocionada.
Ele então faz todo o procedimento necessário para o ultrassom, mas infelizmente não
conseguimos ver nada claro. Ele me explicou que isso é comum, que ainda estou no começo da
gravidez, e que logo irei poder ouvir o coração do meu bebê e iremos passar por todas as fases.
Tive toda uma medicação prescrita e várias instruções para seguir a risca.
Saio do consultório ainda um pouco abalada e começo a pensar em como doeu perder
meus outros dois filhos, em como sim, meu médico afirmou, ainda há riscos de eu ou o bebê não
sobrevivermos ao parto caso cheguemos a esse ponto. Mas como contar isso a Ricardo? Sendo que
tudo o que houve quando descobrimos o risco, foram brigas e o desgaste de nossa relação. Mas
eu sinto medo, muito medo... De perder todos os que amo, e ainda, não poder ver o rostinho de
meu bebê novamente e não ter mais Rafael ao meu lado.
Preciso ser forte por mais que tudo o que passe por minha mente seja a vontade de gritar
e chorar, tanto de felicidade quanto de medo. A terapia me ajudou por um tempo, mas ultimamente
tenho ficado a mercê de tantas coisas que simplesmente pareço uma folha caída n’água sendo
levada pela correnteza.
Passo as mãos por meus cabelos e respiro fundo, querendo não pirar.
— Seja forte, Carla! — falo baixinho.
Não posso colocar mais nenhuma carga sobre Ricardo, muito menos Rafael. Então, enquanto
não tenho o mínimo de certeza de que minha gestação seguirá em frente, vou me calar. Enquanto
faço o máximo possível para poupá-los de mais dor.
Capítulo 12

Carla

Chego em casa após a consulta e praticamente corro escada acima, querendo chegar
logo em meu quarto. Assim que abro a porta, vou até o closet e guardo os papéis de exames que
fiz e do teste positivo. Penso por um segundo em contar a Ricardo, mas sinto medo, medo de
arrastá-lo para mais um momento triste, e quero ao menos privá-lo disso.
— Carla?
Dou um pulo ao ouvir sua voz, que mesmo distante, me faz trancar rapidamente a gaveta
na qual coloquei tudo e já saio do closet.
— Oi. — digo em um só fôlego e vejo-o parado no batente da porta.
— Você ao menos olhou os papéis que deixei no escritório? — pergunta e eu nego com a
cabeça.
— Herrera ficou de me ligar para marcarmos uma reunião a respeito, fique tranquilo que
não vou me opor a nada do que decidiu e...
— Carla. — não consigo olhá-lo e apenas encaro a aliança em meu dedo anelar esquerdo,
lembrando-me do sonho que tive mais cedo no trabalho.
Será que aquela cena vai mesmo acontecer? – pergunto-me, enquanto Ricardo fala algo
que simplesmente está em mudo pra mim.
— Carla! — diz um pouco mais alto, e finalmente viro meu olhar pra ele. — Não está
prestando atenção, não é?
— Não, desculpe. — digo e suspiro fundo. — Tive um dia cheio.
— Eu estou investigando o diário de Nicole, vendo se aquilo tudo é real e...
— Ricardo, não acha melhor simplesmente esquecer? — pergunto e ele me encara estático.
— Passamos o inferno por conta dessa mentira, sei que cada um tem sua parcela de culpa
também, mas se for olhar pra trás eu não quero pensar nos anos separados e nos dias ruins, no
dia em que quase morreu no meio dessa loucura. Quero apenas lembrar de Rafael, de como um
dia fomos felizes... Hoje sabemos que não somos bom juntos, mas eu quero que saiba que... —
passo a mão de leve em minha barriga e sinto o medo se apoderar de mim. — Eu sempre vou
amar você, apesar de tudo. Mesmo que eu seja a mulher mais impenetrável do planeta, e que
tenha meus problemas, acredite eu tentei várias vezes me aproximar de você, mas tive medo.
Medo de que novamente fosse feliz por alguns minutos e logo algo me tirasse isso. — confesso e
limpo uma solitária lágrima que desce.
— A vida é assim, Carla. — diz e passa as mãos pelos cabelos. — Nunca devemos parar
pra contar os dias ruins, porque pode ter certeza que serão em maior quantia do que os bons...
Ainda mais no nosso caso. Mas pensar em como poderíamos ter sido caso tivéssemos de fato nos
reaproximado é o que me remói, e não vou mentir, dói, dói demais em mim. Saber que mesmo após
anos amando você não tenho mais pelo que lutar, que não podemos sustentar essa relação.
— Nós dois fomos felizes um dia, Ricardo.
— Sim, fomos. — diz e suspira fundo.
Ficamos em silêncio por alguns instantes e não é algo insuportável, é só o momento em que
todas as perguntas que temos um para com o outro desaparecem, e enxergamos a realidade, de
que não há mais volta. Isso me mata por dentro, mas eu sei que é necessário.
— Rafael está super animado para o aniversário surpresa da Lau. — diz de repente. —
Podemos comprar um presente amanhã a tarde. O que acha?
— Claro, sem problemas. — digo e ele assente, saindo do quarto.
Tento me lembrar de todos os nossos momentos juntos nos últimos anos, mas poucos me vêm
em mente, raros na realidade. Fora dessa casa é como se eu e Ricardo não existíssemos de fato,
além de festas de alguns colegas dele e do colégio de Rafael. É como se tivéssemos nos tornado
uma verdadeira fachada, e me dilacera admitir isso.

Ricardo

Com minha cabeça a mil, resolvo cozinhar. Olho um velho caderno de receitas que encontrei
há muitos anos nas coisas de meus pais, e o abro. Nele encontro a receita da lasanha a bolonhesa
perfeita que mamãe fazia. Lurdes trabalha pra nós há alguns anos, deixando a casa impecável
sempre que vem aqui, e também cozinhando e deixando algumas comidas congeladas para
semana, as quais Carla geralmente esquenta pra comermos, ou simplesmente pedimos algo na rua.
Uma coisa que Carla nunca foi muito boa é na cozinha, e é até engraçado pois ela sempre ficava
uma fera quando eu tocava nesse assunto.
Resolvo então começar a preparar tudo, não me esquecendo de fazer um arroz para
acompanhar. Preparo a massa do jeitinho que está na receita, e rio do ingrediente mais importante
que mamãe deixou riscado em vermelho: “o mais importante, faça com amor”. Deixo o arroz pronto
e marco o tempo da lasanha no forno.
Enquanto isso, vou limpando toda a bagunça que fiz, e logo escuto a voz de Rafael,
invadindo a cozinha.
— Que cheiro maravilhoso! — ele diz animado e vem até mim, dando-me um beijo no rosto.
— Por que está cozinhando hoje?
— Bom, apenas distraindo a cabeça. — digo e tiro o avental, sentando-me na banqueta
de frente a ilha da cozinha. — E como foi na escola?
— Normal. — dá de ombros. — Dona Ieda disse que só não entrou porque está doida com
os gêmeos.
— Rafael. — chamo sua atenção, ao mesmo tempo que rio.
— Mas é verdade, pai.
Ieda é uma senhora que há muitos anos é nossa vizinha que sempre busca seu neto mais
velho no mesmo colégio de Rafael e na maioria das vezes o traz também.; e como sua filha se
separou recentemente e veio morar com ela e mais os gêmeos de três anos, tem ficado super
animada e ao mesmo tempo doida – como diz – pois sua rotina mudou radicalmente.
— Mas e a Gabi? — pergunto e Rafael vai até a geladeira, pegando uma maçã.
— O que tem ela? — devolve a pergunta comendo um pedaço.
— Sabe o que quero dizer, Rafael. — digo e ele revira os olhos, sentando-se a minha
frente.
— Ela é só a garota que eu gosto, nada demais. — passa as mãos pelos cabelos loiros. —
Eu tenho doze anos pai, li na internet que isso é só algo passageiro e...
— Ei, ei. — corto sua fala. — Eu me apaixonei pela sua mãe bem jovem, e até hoje a amo,
Rafael. — ele pisca incrédulo. — Não me olhe assim, sabe bem disso.
— Mas vocês vão se separar, não é? — pergunta de repente e eu fico sem fala. — Eu
cresci, pai. Eu sei já há um tempo que tem algo errado entre vocês, que não são como a maioria
dos pais. Quer dizer, são incríveis comigo, mas não como casal.
— De onde tirou tanta esperteza? — pergunto e ele gargalha.
— Gabi sempre conversa comigo sobre essas coisas.
— Então você e Gabi tem conversado sobre amor? — brinco e ele joga um pedaço de
maçã em mim.
— Que história é essa de Gabriela novamente?
Carla invade a cozinha cheirando com vontade ao redor, como se estivesse procurando
algo. Mas sua feição é brava, como sempre fica quando tocamos no assunto de namoradas com
Rafael. O ciúme que ela sente é demais, mas sei que adora Gabi, que desde o primário é amiga
de Rafael.
— É, mãe...
— Ah meu Deus! — grita animada e vai até o fogão, abrindo o forno.
Ela fica alguns instantes encarando a lasanha e passa a língua sobre os lábios, deixando-
me estático, sem conseguir pensar em nada que não seja sua boca. Controle-se!
— A lasanha da tia Lorena. — grita animada e fecha o forno novamente. — Mas como?
— pergunta, finalmente voltando à realidade.
Olho para Rafael e ambos gargalhamos da animação de Carla, que está completamente
diferente do seu jeito habitual. Esse momento me faz lembrar da menina de cabelos longos ruivos e
sardas pela qual me apaixonei, e que vivia gritando por todos os lados.
— Eu fiz. — digo e ela me encara espantada, e eu apenas dou de ombros.
— Vou tomar um banho rápido e já volto. — diz e vai saindo da cozinha, mas logo para e
se volta para Rafael. — Pode ter certeza que vamos conversar mais tarde sobre Gabriela.
— Mãe, eu não...
— “Mãe” nada. — diz firme e eu seguro o riso. — Nada de comer antes de mim. — dá a
ordem e tanto eu quanto Rafael levantamos as mãos em sinal de rendição.
Ela logo sai e Rafael me encara com uma sobrancelha arqueada.
— O que deu nela?
— Não faço ideia, filho. — respondo e pego um pedaço de sua maçã. — Mas acho
melhor não a contrariar.
Sorrio encarando o relógio da cozinha e vendo que ainda faltam alguns minutos para a
lasanha estar pronta. Levanto-me e arrumo a mesa da sala de jantar, enquanto Rafael me ajuda e
ainda brinco com ele sobre Gabriela. Apesar dos pesares, o dia está sendo diferente, mas não de
um modo ruim. Espero que finalmente eu e Carla encontremos nosso lugar.
Capítulo 13
No dia seguinte

Ricardo

Rafael fica parado diante de uma vitrine de uma loja de games, enquanto Carla resolve
algo no celular, que me parece ser do trabalho. Assim que ela termina a ligação e se vira pra mim,
noto sua frustração.
— Algum problema? — pergunto e ela assente.
— Um artista que decidiu de última hora viajar pelo mundo e agora que todos os ingressos
para a exposição dele foram vendidos, não temos o que fazer. — diz e passa a mão pela testa.
— Desculpe, deve estar me achando doida.
— Não entendo muito de arte, mas com certeza isso deve ser algo ruim. — digo solícito e
ela abre um leve sorriso.
— Infelizmente é.
— O presente é pra Laura, mas parece que ele está mais interessado em novos
brinquedos. — digo e Carla revira os olhos.
— Vídeo games, você quer dizer. Aliás, se lembro bem você era tão fanático quanto ele.
— Pois é, por muito tempo o game boy[5] foi meu melhor amigo. — provoco-a e ela revira
os olhos novamente.
Chegamos perto de nosso filho e Carla praticamente o arranca da frente da vitrine,
levando-o até uma loja com vários brinquedos alternados e até mesmo roupas para crianças.
— Se bem conheço Laura, acho que esse não é um bom lugar para comprarmos algo. —
digo sem imaginar minha sobrinha usando nada daquilo. Há muito rosa, e definitivamente, Laura
não gosta disso.
— Acho que...
— Rafa!
Ouço o grito de uma menina e assim que me viro, encontro Gabriela, sua amiga, correndo
na direção dele e o abraçando. Carla abre e fecha a boca várias vezes, e noto o quão seu rosto
está vermelho, e seguro a risada.
Ela vê de longe a cena se desenrolar, e logo leva a mão a boca, quando nosso filho, sem
saber que estamos vendo, dá um beijo de leve na bochecha da amiga. Não que seja algo demais,
porém, para Carla parece ser o fim do mundo.
— Meu bebê, Ricardo. — diz e me encara, já saindo de dentro da loja.
Fico estagnado, mas assim que vejo o pai de Gabriela e o cumprimento, deixo Rafael com
eles por alguns instantes, dando a desculpa de que Carla está passando mal. Saio praticamente
correndo da loja e a encontro encostada em uma vitrine, tomando um remédio.
— Ei, tudo bem? — pergunto e ela assente, pegando uma garrafa d’água dentro da bolsa.
— Sim, tudo. — diz e passa a mão pelo rosto e barriga, deixando-me intrigado. — Só foi
o susto de ver meu filho já quase namorando.
— Eles são amigos, Carla. — tento tranquiliza-la.
— Ai. — diz parecendo com raiva e passa as mãos pelo rosto. — Ele tá crescendo muito
rápido.
— Isso um dia vai acontecer, vai vir a puberdade, primeiro namoro, casamento...
— Chega! — praticamente grita e eu gargalho. — Não seja um idiota, Ricardo.
— Ei, pai!
Viro-me e encontro Rafael um pouco sem graça, vindo para perto de nós, com Gabriela em
seu encalço.
— Oi, Gabi. — digo e ela me dá um beijo no rosto.
— Oi, senhor Ricardo. — ela então vai até Carla, que mesmo sem jeito se rende a
pequenina. — Oi, senhora Carla.
— Pode me chamar apenas de Carla, querida. — ela sorri para menina, que logo está em
torno do nosso filho novamente. — Ah, esse deve ser seu pai...
— Sou Luís Novaes. — o pai de Gabi diz, e eu nem sei de onde ele surgiu, e estende a
mão para Carla, porém logo beija seu rosto. Noto o incômodo dela, porém por educação vejo que
não se afasta. — O prazer é todo meu, Carla.
— Pode chamá-la de senhora, afinal, somos casados. — digo, ao notar que o sujeito está
descaradamente dando em cima da minha mulher.
— Pai!
— Ricardo!
Rafael e Carla dizem ao mesmo tempo e eu faço minha melhor cara de paisagem. Eu sei
que o tal Luís não é casado com a mãe da Gabi, porém sei que estão juntos há anos. Que merda
ele pensa que está fazendo?
Posso estar me separando de Carla, mas não vou deixar nenhum marmanjo incomodá-la
dessa forma, não mesmo.
— Ah, nós temos que ir. — o homem diz e praticamente puxa a filha pra longe de Rafael,
que bufa pra mim e sai andando em outra direção.
Carla faz o mesmo e eu logo a puxo pelo braço.
— Qual o problema? — pergunto já nervoso.
— Qual o seu maldito problema, isso sim! — diz e afasta seu braço. — Não precisava agir
daquela forma e fazer uma cena, eu sei bem o que aquele homem estava fazendo e...
— O que? Estava gostando, é isso? — explodo em um tom frio e noto seus olhos vermelhos.
— E se for? Repito, qual o maldito problema? — pergunta e toca em meu peito. — Eu sei
cuidar de mim, Ricardo Gutterman. Apenas lide com seu ciúme sem fundamento longe de mim.
— Ciúme? — praticamente rosno e rio sem vontade. — Pelo que entendi não devia estar
me intrometendo, tem razão. Na realidade só queria poupar meu filho de ver a mãe agindo feito
uma qualquer...
— Ah Ricardo! — Carla se aproxima de mim e mesmo sendo mais baixa, pelos saltos,
consegue estar na minha altura. — Termine essa frase e eu juro que enfio a mão na sua cara aqui
mesmo.
Eu então me afasto e ela vira as costas, indo atrás de nosso filho, que pelo que vejo já está
vidrado em outra loja de jogos. Noto que por onde ela passa vários homens a encaram, ou viram
as cabeças para olhar. Merda!
Ando furioso até onde eles estão e Carla evita me olhar. Não entendo esse seu lado, afinal,
há muito tempo não a vejo demonstrar nada além de frieza, pura e simples. Os últimos tempos tem
sido estranhos para nós, pois ela chora, desaba, mostra-se... Mas agora, enfrentar sua raiva, isso é
algo que realmente não esperava.
Eu sou um idiota, sei disso. Pois não tem porque estar com ciúmes, pois logo não terei direito
algum disso. Mas como evitar que a fúria tome conta de mim se a mulher que ainda amo mexe com
meus pensamentos e meu corpo, diante de outro homem que a quer? Eu preciso urgentemente
esfriar a cabeça para não estragar esse dia.

Carla

Rafael corre escada acima com o presente que compramos para Laura, e tenho certeza
que está indo para o banho, pois ele sabe bem que se não entrar no banheiro eu mesma o coloco
a força.
Jogo minha bolsa sobre o sofá e encaro o teto por alguns instantes, sentindo uma raiva
imensurável dentro de mim, com vontade ainda de socar a cara de Ricardo. Passo a mão de leve
pela minha barriga e tento apenas me concentrar em algo bom, nada de estresse.
Escuto a campainha tocar e me levanto para abrir a porta. Sorrio ao ver Ieda, nossa
vizinha, a minha frente.
— Oi querida, como está? — pergunta e beija meu rosto com carinho.
— Estou bem e a senhora?
— Daquele jeito, doida com os dois netos, mas feliz pela minha filha. — diz e dá de
ombros. — Bom, eu vim ver se Rafa está em casa e quer passar um tempo com a gente, sabe,
Paulo está enfurnado no quarto há horas jogando alguma coisa, talvez a animação de Rafa o faça
sorrir.
— Ele deve estar no banho mas...
— Tô aqui, dona Ieda. — escuto o grito de Rafael e logo ele passa por mim feito um
furacão. — Vou jogar bola com o Pedro, tá, mãe?
— Ok, né. — digo, já sem poder negar nada, e sem saber de onde Rafael surgiu.
Dona Ieda pisca pra mim e sai com Rafael, andando até a casa a frente da nossa, onde
mora. Sorrio dos dois e fecho a porta, sabendo que Rafael só daqui umas três horas para voltar
pra casa.
Sento-me no sofá novamente, ou melhor, me jogo sobre ele e fico encarando o teto
novamente. Acho que de certa forma isso se tornou uma mania minha, mesmo sem saber por que, é
completamente relaxante.
— Onde Rafael está? — Ricardo pergunta, e eu nem faço questão de olhá-lo.
— Na casa da dona Ieda. — respondo rápido e continuo com o olhar focado no teto.
— O que foi agora, Carla? — pergunta e percebo pela sua voz que está mais perto.
— O que foi o que? — finjo-me de desentendida.
— Por que está me ignorando?
— Fazemos isso há anos, nos ignoramos, e agora se importa? — digo sem pensar e no
mesmo instante me arrependo.
Ouço um suspiro fundo de Ricardo e me viro, encarando-o.
— Eu queria fingir que não me importo, Carla. Desculpe não ser como você. — diz frio e eu
me levanto.
— Não sei realmente o quer que de mim, Ricardo. — praticamente grito.
— Não, acredite, você nunca vai saber. — diz e sai da sala, subindo as escadas.
— Ricardo! — grito, porém ele não volta, ignorando-me também.
Merda! O que está acontecendo conosco?
Capítulo 14

Carla

Subo a escada furiosa atrás de Ricardo. Como ele pode me tratar assim, sendo que não
fiz nada? Bufo sozinha, sem conseguir mais me controlar.
Bato na porta do seu quarto com força e como não obtenho resposta, fico ainda mais
furiosa, então apenas entro. Noto rapidamente que ele não está aqui e vou até o banheiro do
quarto, batendo no mesmo.
— Nossa conversa não terminou, Ricardo. — grito e tento abrir a porta, que felizmente não
está trancada.
Assim escuto um som alto dentro do banheiro, enquanto Ricardo grita junto com a música e
lava seu corpo. Fico estática, assistindo o desenrolar da cena. Seu corpo grande e imponente, com
cada músculo no lugar, deixa-me com água na boca. O box está embaçado, mas não deixa muita
coisa para imaginação.
— Merda. — resmungo baixinho, já me virando pra sair.
— O que faz aqui Carla?
Fecho os olhos com força, sabendo que fui descoberta e tento me controlar. Não pense nele
assim, não com desejo – recrimino-me. Viro-me devagar e noto que ele não se esconde, pelo
contrário, parece fazer questão de que eu veja sua nudez.
— Eu só... — respiro fundo, perdida ainda em seu corpo. — Deixa pra lá, Ricardo.
— Você invadiu o meu quarto, meu banheiro e agora quer dizer que não foi nada? —
pergunta frio e fico completamente sem jeito.
— Eu só queria terminar nossa conversa. — tento parecer inabalada, porém o sorriso cínico
em seu rosto diz claramente que ele sabe que estou completamente inebriada por ele.
— Não vai brincar comigo de novo. — diz e sai do box, vindo até mim e prendendo meu
corpo contra o azulejo frio da parede. — Eu sei que se te beijasse agora você não resistiria. Seja
lá o que aconteceu com você pra ter mudado de repente, eu não vou me enganar novamente,
Carla.
— Do que está falando, Ricardo? — pergunto, sentindo-me completamente quente, com suas
mãos em minha cintura.
— Estou falando das várias vezes que me abandonou na cama, ou até mesmo na última em
que dormiu comigo e depois simplesmente disse que não mudaria nada. Estou falando sobre ter
sumido num momento tão delicado e isso ter me levado a ligar pra Daniel, passar pelo meu
orgulho, e pedir a ajuda dele. Estou falando que não sou mais o corpo que você vai usar e desusar
para seu prazer momentâneo. Eu quero minha mulher de volta, por inteira. — diz firme e solta
minha cintura. — Isso sempre foi tudo o que quis de você, Carla. Mas infelizmente eu sei que não
pode me dar, e acredite, não te culpo por isso.
— Ric...
— Eu sei que sofreu demais pela perda dos nossos dois filhos, e ainda mais por ter
aceitado Rafael, que em sua mente pode ser o fruto de uma traição, que agora sabemos que não
existiu.
— Eu jamais olhei Rafael dessa forma. — me exalto. — Eu sempre o amei como se fosse
meu.
— Nem disso eu sei, não sei absolutamente nada do que você sentiu em todos os momentos
difíceis que passamos juntos. Muito menos os mais recentes que foram quando vi uma arma
apontada pra você.
— Eu também não sei, Ricardo. Não sei nada além do que um dia você foi pra mim, num
passado feliz. — confesso. — E sei que isso não pode ser mudado.
— As coisas tem um tempo certo, não é? — pergunta com um sorriso forçado. — E o nosso,
tenho certeza, já passou.
— Eu entendo.
— Mas é claro que entende. — diz e bufa. — Você nunca foi contrária a nada, apenas
nos momentos em que pedi seu amor e você negou. Mas a questão é essa, não é? Amor não se
pede. Eu sei que devo ter te magoado muito, Carla. Quando me neguei a escolher entre a sua vida
e a de nosso primeiro bebê, mas eu não podia, simplesmente não conseguiria...
— Ricardo, para! — peço já segurando o choro, e ele se cala.
— É sempre assim mesmo. — dá de ombros. — Você nunca consegue falar sobre o
passado e eu aqui tentando ao menos te entender. Mas não vale mais a pena.
— Ric...
— Me dê licença, Carla. — pede e entra dentro do box novamente.
Olho-o por alguns instantes, porém não sinto mais nenhum desejo, apenas medo de suas
palavras. É como se estivesse sufocando com as mesmas, e ainda mais com as palavras que eu não
disse. Não sei o que pensar, nem o que fazer.
Saio do banheiro e encaro o quarto que antes era nosso, levando minha mão a barriga.
Como será que ele vai reagir ao descobrir? Preciso apenas fazer mais uma consulta e contar a ele,
pra ter algo pra mostrar, e, além disso, saber de todos os exatos cuidados que terei que ter
durante a gravidez.
Seja lá onde for que Ricardo tirou sua frieza, tenho certeza que é lá que deixei a minha
novamente. Pois tudo o que tenho vivido ultimamente é uma montanha russa de sentimentos, sejam
eles bons ou ruins.

Ricardo

Troco a temperatura do chuveiro no momento em que Carla sai, deixando-me sozinho. A


água fria cai sobre meu corpo e é como um baque em meu desejo por ela, além das palavras
duras que trocamos. É difícil encara essa mulher depois de tudo e não querer conversar, querer
tocar num passado tão doloroso. Mas por mais que eu tente, Carla ainda parece impenetrável.
Termino meu banho e me visto rapidamente, já descendo as escadas, para comer alguma
fruta na cozinha. Assim que chego na mesma tenho uma visão que me deixa estático. Carla está
abaixada, vestida apenas em uma camisa grande branca, mostrando claramente que ela não usa
nada por baixo.
Mas por que diabos essa mulher está usando isso?
Faço um barulho com minha garganta para chamar sua atenção e ela então se vira,
encarando-me.
— Oi. — diz e vejo que está com uma banana em mãos. De certo estava procurando isso
na fruteira.
— É... — engulo minhas palavras. — Nada.
— Ricardo, tá tudo bem? — pergunta e eu apenas assinto, abrindo a geladeira e pegando
uma garrafa d’água. — Ricardo! — chama minha atenção, fechando a porta da geladeira,
forçando-me a encará-la. — Olha, eu sei que as coisas entre nós não são as melhores, mas... — só
então percebo que não estou sequer prestando atenção no que ela diz, meu foco são seus seios
nus sob a camisa. Droga! — Meus olhos são aqui! — grita e estrala os dedos, e só assim a encaro.
— Esquece o que eu disse. — digo rapidamente e a cerco contra a geladeira.
Carla suspira fundo e vejo seu rosto corar no mesmo instante. Passo as mãos por seus
cabelos e cheiro-os com vontade.
— Onde Rafael está? — pergunto.
— Foi dormir na casa da dona Ieda. — diz e engole em seco. — O que quer dizer com
“esquece o que eu disse”?
— Nem que seja a última vez, eu quero fazer amor com você. — digo e ela beija de leve
meu pescoço, fazendo-me soltar um grunhido. — Mas não quero como antes, Carla.
— Não? — pergunta e me encara sem entender.
— Quero você em cada canto dessa casa e...
— Mãe! Pai!
— Ah merda! — digo e soco a geladeira, no mesmo instante em que Carla se agacha e
fica tampada pela ilha da cozinha. — Não ia dormir na dona Ieda, filho? — pergunto tentando
não demonstrar minha frustração, e ele apenas nega com a cabeça.
— O pai dos gêmeos chegou lá e aconteceram alguns problemas, trouxe o Paulo pra
dormir aqui, tudo bem? — pergunta e só assim noto seu amigo, que deve ter uns quinze anos, em
seu encalce.
— Boa noite, senhor Ricardo. Eu disse para o Rafa que não precisava e...
— Claro que pode ficar, Paulo. — digo e abro um sorriso sem jeito. — Fique a vontade.
— Cadê a mamãe? — Rafael pergunta e eu encaro Carla que está encolhida atrás da
ilha.
Ela faz “não” com os dedos e eu tento pensar em algo.
— Ah, foi mexer em algo no carro dela. — minto, porém, logo ele e seu amigo sobem as
escadas, e eu fico praticamente congelado enquanto não escuto a porta de um dos quartos bater.
— Eles já foram? — Carla pergunta e eu assinto, sem querer olhá-la. — Ufa! — diz e se
levanta. — Eu pensei que ele não voltaria hoje por isso vesti um dos meus pijamas mais velhos...
— Que é uma camisa minha. — digo, finalmente prestando mais atenção. — A qual você
nunca mais me devolveu.
Ela assente sem graça, e parece surpresa também, como se não se lembrasse do fato.
— Bom, eu vou tentar correr até meu quarto e colocar algo mais apropriado. — diz e
praticamente corre pra fora da cozinha, sem me dar tempo de dizer algo.
E eu fico aqui, parado, só imaginando o que teríamos feito caso Rafael não chegasse de
surpresa. Passo as mãos por meu rosto e sinto novamente meu corpo ferver. Sim, eu preciso de
outro banho gelado. Esses dias com Carla tem sido estranhos, e de toda forma, eu tenho que ao
menos começar a evitar ficar tão próximo dela, pois isso só vai nos machucar ainda mais.
Capítulo 15

Dias depois

Ricardo

Coloco uma simples camisa branca e uma calça jeans preta. Assim me encaro no espelho e
começo a ajeitar meu cabelo, que já passou da hora de ser cortado. Os fios loiros caem sobre
meus olhos e preciso usar um pouco de gel para domá-los, mas felizmente consigo deixá-los com
um ar de natural.
Descalço e abotoando minha camisa saio do quarto, e bato direto com Rafael que passa
correndo em direção as escadas.
— Ei. — grito, porém apenas escuto sua risada.
Rio então de sua empolgação para o aniversário da prima, e então sinto um cheiro doce e
suave, semelhante a flores, que me chama atenção. Viro-me para o outro lado do corredor e fico
estático, sem conseguir pensar em mais nada do que a mulher linda a minha frente.
Carla veste um macacão preto que marca seu corpo nos lugares certos, deixando seus seios
apenas um pouco a mostra, mas que deixa tudo para minha imaginação, ou pior, para minhas
lembranças. Seus cabelos ruivos estão ondulados e sua maquiagem realça ainda mais seus olhos
azuis e seus lábios carnudos na cor rosa.
Essa imagem deixa-me completamente sem jeito e volto rapidamente para dentro de meu
quarto, fechando a porta, e por segurança, trancando-a.
Respiro fundo e passo as mãos por meu rosto, tentando disfarçar o estado em que ela me
deixou. Desejo corre por minhas veias, e tudo parece ainda mais a flor da pele nos últimos dias,
até mesmo com o dia para assinarmos o divórcio marcado para menos de um mês. Carla tem me
olhado de um jeito que há muito não o fazia, seus olhos brilham com desejo, e recrimino-me por
estar ficando quase louco com cada olhar que ela me dá.
Ao mesmo tempo tudo entre nós está em plenos nervos, o que antes não acontecia, já que
essa casa era um silêncio até sepulcral. Nós temos brigado praticamente o dia todo, ou melhor, nos
momentos em que nos encontramos e Rafael não está em volta. Nossas discussões se baseiam em
nada e as vezes em tudo. Muitas vezes baseadas nos sentimentos dela para com Daniel, que de
repente fizeram todo sentindo pra mim. Ela teve algo com ele, e nada do que ela diz, faz-me
acreditar ou pensar em algo contrário.
Carla, oposto de mim, tem se irritado por nada e simplesmente começou a falar mal da
nova assistente que contratei, a qual veio apenas duas vezes em nossa casa. Além de dizer que
nosso filho não tem que conviver com a madrasta tão cedo. De certa forma sua aproximação
comigo tem me deixado completamente sem jeito, e fazendo-me esconder a sete chaves meus
sentimentos e a falta que sinto dela. Mentindo pra ela, e pra mim mesmo, de que não a amo.
Tudo entre nós parece loucura, mas ao mesmo tempo fico sem amparo. Pois sei que tudo
que sai da boca dela são palavras ao vento. Ter ou não a traído com Nicole, levado um tiro, ou até
mesmo passado os momentos difíceis ao seu lado não significam nada comparado ao amor que
perdemos ao decorrer dos anos, assim como em todos os momentos em que ela me amparou. Carla
foi forte por nós dois nas duas vezes que perdemos nossos filhos, porém, fechando-se. Às vezes
temos que encarar que o amor, por mais verdadeiro que tenha sido um dia, não foi feito pra durar.
Não em nosso caso.
Respiro fundo e coloco meus sapatos, pegando meu relógio em cima do criado mudo.
Pronto, já saio do quarto, e felizmente, dessa vez, não dou de cara com a tentação e inferno da
minha vida. Espero que apenas nessa noite tenhamos um pouco de paz em meio à confusão que
criamos.

Carla

Entro dentro da casa de Levi e sorrio ao encontrar Melissa, que me abraça com carinho.
— Quanto tempo, mulher! — Mel diz animada e depois me analisa de cima embaixo. —
Está linda! Temos que conversar sobre várias coisas, em? — pisca e eu sorrio.
— Como estão as coisas? — pergunto, ao ver que ela está na casa de Levi, apesar de
tudo.
— Bom, está tudo bem. — dá de ombros. — As coisas entre mim e Levi estão normais, e
felizmente fazemos o nosso melhor por Laura.
— Você merece ser feliz. — digo e ela sorri de lado.
— Você também. — me abraça de novo. — Não esqueça disso.
Ela logo se afasta para cumprimentar outras pessoas que chegaram, e assim que avisto
Daniel, fico estática, sentindo uma turbulência de sensações dentro de mim. Ele foi tão importante
pra mim, e me dói nunca mais ter tido contato com ele. Vejo-o sorrir para uma morena, e meu
coração se aquece, pois tudo para o que sempre torci foi pela sua felicidade, mesmo não tendo
sido capaz de retribuir seu amor no passado.
Penso já em ir até ele, mas logo sinto um braço forte enlaçar minha cintura e os olhos
verdes, iguais os de Ricardo, me encaram.
— Oi, cunhada linda. — Levi diz com um sorriso no rosto, e eu sorrio de volto.
— Oi, seu doido. — digo e ele me abraça com força.
— Está linda!
— Obrigada. — arrumo de leve sua camisa e pisco. — Você também não está nada mal.
— Cadê o nosso campeão? — pergunta e nem preciso dizer nada, pois Rafael o agarra
pelas costas. — Ahá! — grita animado e abraça Rafa.
Rio da cena e então me viro, encarando Daniel novamente. Então algo em mim desperta –
saudade. Os dias que compartilhamos juntos foram difíceis, mas ao mesmo tempo, Daniel foi um
bálsamo para minha dor.
Dou passos até ele, mas novamente um braço forte me prende pela cintura e então encaro
Ricardo, que força um sorriso.
— Pelo menos aqui finja que ainda é minha mulher. — sussurra em meu ouvido e um frio
sobe minha espinha.
— Não, eu...
Não tenho tempo para dizer mais nada, pois um casal se aproxima de nós e nos
cumprimenta. Forço um sorriso e Ricardo faz o mesmo, agindo normalmente, como em nosso piloto
automático dos últimos anos, porém isso me quebra por dentro neste exato minuto, por saber como
chegamos até aqui.
***

A surpresa para Laura foi linda e acho que meus hormônios estão a flor da pele mesmo,
pois chorei feito uma boba, encostando meu rosto no ombro de Ricardo, que felizmente não se
afastou. Agora, como um pouco dos salgadinhos enquanto Ricardo está ao lado de Rafael perto
dos brinquedos, onde as crianças pulam e brincam.
Sinto de repente um enjoo forte e as palavras de meu médico vem em mente: “enjoos são
normais, o vômito também, apenas caso se sinta muito incomodada venha antes de nossa consulta já
marcada”. Levanto-me rapidamente e tento andar o mais rápido possível até o banheiro dentro da
casa. Recitando a mim mesma as palavras dele, para não ficar nervosa.
Está tudo bem, Carla!
Assim que entro no banheiro, levanto a tampa do vaso e coloco tudo o que comi pra fora.
Respiro fundo algumas vezes, já com medo de minha pressão ter subido e dou descarga. Aos
poucos consigo ficar de pé e lavo meu rosto, e felizmente fico estável. Mesmo sabendo que é
normal, sei que preciso o mais rápido possível voltar ao meu médico e fazer outro ultrassom, pois o
medo já me assombra. Tento não pensar no pior, mas tudo o que consigo imaginar é que vão ter
que escolher entre eu e meu filho, e perdê-lo não é uma opção.
Tento parecer apresentável, e já quero encontrar Ricardo. Preciso falar com ele agora!
Ouço batidas na porta e me arrumo ainda mais rápido. Abro a porta e dou de cara com a mulher
que veio com Daniel, o que me faz lembrar dos momentos em que ele me apoiou até mesmo
quando quase perdi Ricardo. Tudo uma grande confusão em minha cabeça.
— Tudo bem? — ela me pergunta, e noto seu olhar desconfiado.
— Algo não me fez bem. — explico rápido e abro um falso sorriso. — Desculpe a falta de
jeito, sou Carla Gutterman. — explico o mais calmo possível. — Tenho que ir, antes que Rafael ou
Ricardo apareçam atrás de mim. É um prazer... — desconverso.
— Ah desculpe, Sophie Moraes.
— Um prazer, Sophie. — digo e saio de perto dela, indo em direção a cozinha.
Tomo um copo d’água e de relance vejo Ricardo sentado no sofá da sala de estar.
— Ricardo? — pergunto, indo até ele, o qual me encara friamente. — O que foi? Onde
Rafael está?
— Lá fora. — diz e se levanta. — Eu só vim... — ele se cala. — Não foi nada.
Ele então tenta sair e eu seguro seu braço, puxando-o pra mim, já pensando em como dizer
tudo.
— Ric, eu...
— Você parece vidrada em Daniel, o ama tanto que não consegue nem disfarçar! — diz
furioso, praticamente gritando.
— Ricardo não seja assim! — grito no mesmo tom. — Eu não amo Daniel, não assim.
— Você acha que eu me importo sobre o que você sente por Daniel? — é completamente
grosso e fico estática. — Eu não dou mais a mínima para o que você sente, Carla. Eu me cansei.
— Mas eu... — tento dizer algo, porém ele se solta de mim, afastando-se.
— Você me escolheu em vez dele, eu sei disso! Você jogou isso na minha cara por anos! —
grita. — Me deixe em paz, pelo menos respeite o aniversário da minha sobrinha.
— Ric, eu...
— Saia, Carla! — pede e não me encara mais.
Sem saber o que fazer, coloco a mão sobre meu ventre e saio da sala de estar, entrando
na cozinha. Encosto-me contra o balcão e pego o copo de água que deixei sobre a ilha da
cozinha. Assim que levanto meu olhar me assusto, quando Daniel entra no cômodo e sem querer
deixo uma lágrima cair. Ele me encara sem jeito e eu tento me manter firme, mas o medo
novamente me controla.
— Dani...
— Carla, eu não posso falar com você agora.
— Eu só queria me desculpar. — digo, já segurando as lágrimas, e querendo ao menos
dizer adeus caso seja essa a última vez que o veja, pois sei que nada será fácil. — Fui uma idiota
e deixei Ricardo preocupado, o que acabou...
— Está tudo bem. — diz com o mesmo carinho de sempre, e sei o quanto senti falta dele,
como um grande amigo.
— Eu sinto tanto, Dani.
— Eu já disse que está tudo bem. — diz, mas noto uma preocupação clara em seu rosto.
— Eu não sei o que deu em Ricardo para ligar pra você e... Eu sinto muito por toda essa
situação. — tento argumentar.
— Ele estava desesperado, Carla. Só acho que deveria lutar por esse homem, você o ama.
— diz e sinto como se uma faca entrasse em meu peito. Se tem algo que Daniel sempre foi, é
sincero. Nunca, em momento algum ele deixou de dizer a verdade, por mais que essa doa.
— Sim, eu o amo. — confesso e abaixo a cabeça. — Mas eu te amo também, e não quero
que você sofra. — digo, e levanto meu olhar. Sinto medo de que tenha ainda deixado alguma
ferida nele, e que essa atrapalhe o novo caminho que está trilhando.
— Carla, não...
— Eu te amo, Dani, eu sempre te amei. — digo e me aproximo dele, tentando pela última
vez ter algum contato. — Eu senti tanto a sua falta esses anos, e eu apenas quero te pedir perdão,
algo que não fiz direito naquela época.
— Carla, isso é parte do passado, acabou. — diz e não consigo mais aguentar, o abraço,
desabando em seu colo, como sempre.
— Eu não esperava que você estivesse com alguém. — digo, lembrando-me da bela
morena. — Pode soar egoísta o que eu vou dizer, mas depois de tudo, eu nunca te imaginei com
outra mulher. — brinco, porém ele não sorri, parecendo não entender.
— Você fez sua escolha, Carla. Seguiu sua vida, por que eu não faria o mesmo?
— Porque você me ama. — solto sem querer, e só assim percebo que usei o verbo errado.
Tento corrigir, mas uma forte dor de cabeça me atinge e não consigo fazer nada que não seja
respirar fundo.
Se acalma, Carla!
Quando achei que nada pudesse piorar, Sophie entra na cozinha e vejo lágrimas em seu
rosto. Merda! Eu não posso estragar a vida de Daniel.
— Morena, não é isso que...
— Que eu estou pensando? — ela ironiza e tento dizer algo, mas minha dor piora. — Você
nem faz ideia do que estou pensando.
— Sophie, eu e Daniel só estávamos conversando e... — consigo dizer, mas sou impedida
por sua explosão:
— Cala a boca! — diz, claramente nervosa. — Não acha que já é o suficiente pedir
perdão pelo passado? Ou melhor, já não disse que o ama? Por que ainda está aqui?
— Sophie, se acalma. — Daniel pede baixo e tenta se aproximar dela, enquanto eu tento
controlar meu corpo.
— Que diabos são esses gritos? — olho de relance, e vejo Ricardo entrar na cozinha.
Seja de onde for que ele surgiu, sua aparição parece ser minha salvação nesse momento.
— Ric, eu só estava falando com Daniel e...
— Por Deus, alguém tire essa mulher daqui antes que eu... — Sophie diz e vejo que está
muito nervosa.
— Carla, você enlouqueceu? — Ricardo praticamente grita novamente e vem até mim,
segurando-me pelo braço e levando-me até um dos quartos do primeiro andar.
— O que você pensa que está fazendo? — Ricardo praticamente grita, assim que entramos
num dos quarto de hóspedes da casa de Levi.
Fico em silêncio e uma forte dor de cabeça me atinge novamente. Sento-me na cama no
mesmo instante e respiro fundo várias vezes.
— Estou esperando, Carla. — ele insiste e eu permaneço em silêncio, agora com os olhos
fechados. — Você tem que crescer, Carla! Não pode jogar com os sentimentos dos outros!
— Eu não estava...
— Claro que sim! — diz num tom mais baixo, mas sua voz é gélida, assim como o que vejo
em seus olhos assim que abro os meus.
— Eu apenas queria conversar com Daniel, dizer a ele antes que...
— Você poderia ter dito em outra hora. — me corta. — Ele está feliz, está com uma mulher
que parece ser legal. Já basta o dia que sumiu e eu tive que engolir o meu orgulho e ligar pra ele,
em desespero.
— Eu nunca te pedi nada disso. — digo, já sem forças para discutir.
— Mas eu não iria dormir pensando que a mãe do meu filho estava na rua, ou que algo
pior poderia ter acontecido com ela. — diz e suas palavras são como facas em meu peito. — Pra
você ter noção que outro homem conhece muito melhor a mulher que eu amei.
— Não me ama mais? — pergunto e fecho os olhos novamente, sem querer ouvir sua
rejeição.
— Eu só quero que pare com isso. — desconversa. — Isso interfere na vida das pessoas,
pode ter arruinado a vida deles.
— Eu só queria falar com um velho amigo. — digo em desespero.
— Por que não ligou e marcou outro dia? — pergunta e ouço seus passos próximos de mim.
— Porque queria fazer uma cena e...
— Porque estou grávida. — explodo de uma vez, já sem conseguir guardar isso pra mim.
— E sabe que eu posso não ter chance.
— Deus! — ouço-o dizer baixinho e já não seguro minhas lágrimas.
Choro em desespero, repassando todos os últimos dias em minha mente, desde que descobri
minha gravidez. Tudo acontecendo novamente, e sinto meu corpo ainda mais fraco que antes. Eu já
perdi dois filhos, mas nessa, eu não vou deixar acontecer. Seja o que for que aconteça, meu filho
vem em primeiro lugar, e eu apenas, precisava dizer aqueles que amo, o quanto os amo, pois as
chances de sobreviver ao parto são mínimas.
Capítulo 16

Ricardo

Minha cabeça gira e meu corpo todo parece mais pesado do que o normal, encosto-me
contra a parede do quarto e começo a chorar, sem conseguir acreditar. Carla diz algumas coisas,
mas estou tão preso a essa surpresa que não consigo sequer discernir suas palavras.
Meus pensamentos viajam para o dia em que descobrimos sua primeira gravidez, como se
estivéssemos naquele momento feliz novamente, mas agora tudo parece tão bagunçado, todavia
em meios às lágrimas, abro um sorriso.
— Ricardo, eu sinto muito. — Carla diz e sinto seu braço tocando meu ombro. — Eu sei que
devia ter contado antes mas...
— “Mas” nada. — digo e me viro, ajoelhando-me a sua frente.
Levo as mãos até sua barriga ainda plana e aliso-a com cuidado, já querendo o mais
rápido possível sentir nosso filho ou filha chutar.
— Não sabe o quanto já sonhei com isso. — digo e a encaro, a qual está coberta por
lágrimas.
— Ric...
— Carla, eu sei que as coisas estão difíceis e sei que entre nós as coisas nunca mais foram
as mesmas, e que temos muitos obstáculos. — digo em um só fôlego e suspiro fundo. — Mas nós
vamos lutar pelo nosso bebê! — afirmo.
— Ric, você sabe que eu posso não sobreviver. — diz, e eu me levanto, tocando seu rosto.
— Mas eu sei também que não vamos voltar à mesma discussão de anos atrás que
começou a nos destruir. — ela fecha os olhos e eu limpo suas lágrimas. — Vocês dois vão ficar
bem, eu vou estar ao seu lado em cada instante.
Seus olhos azuis se abrem e vejo um leve sorriso se abrir, aquele mesmo sorriso que não
tinha pra mim desde quando éramos apenas recém-casados.
— Eu nunca quis te magoar. — diz e suspira fundo.
— Não precisa dizer nada agora, apenas... — toco em seu rosto com minhas duas mãos.
— Apenas vamos viver um dia de cada vez, ok? Um passo de cada vez.
— Ok.
Ela então me surpreende ao me abraçar com força e eu me agarro a esse momento como
a última esperança que temos. Não podemos ficar juntos apenas pela sua gravidez, mas só eu sei
o quanto amei essa mulher antes, e tenho certeza de que a minha Carla está escondida em algum
lugar, e eu vou encontrá-la.

Carla

Parece que ficamos presos nesse abraço por horas, mas assim que escuto batidas na porta
e logo Levi entra, percebo que se passaram apenas alguns minutos.
— Desculpe atrapalhar. — diz e sorri de lado. — Mas Rafael está procurando vocês.
— Não foi nada. — digo sem graça e limpo o máximo que posso minhas lágrimas.
Levi sai sem dizer mais nada, e assim que vou atrás dele, Ricardo me puxa de leve pelo
braço e me encara.
— O que foi? — pergunto sem entender.
Ele não diz nada, apenas passa as mãos por meus cabelos, ajeitando-os, do mesmo modo
que fazia quando éramos crianças. Seu toque é suave e deixa-me a sua mercê. Como de repente
todo o passado parece ter desaparecido? Por que de repente somos apenas nós dois?
— Por que? — pergunto e ele franze o cenho, sem entender. — Por que não desistiu de
mim?
— Porque nunca imaginei minha vida longe da mulher de cabelos ruivos que me fez sentir
vivo, mesmo após as reviravoltas da minha vida. — confessa. — Você sempre esteve lá por mim,
Carla. Nos piores e nos melhores momentos. E não, nunca foi apenas por Rafael. Na realidade
sempre foi por nós.
— Ric...
— A minha bela. — diz e suspira fundo. — Tudo nessa vida tem um propósito e eu espero
que em algum momento você me olhe como eu olho pra você.
— Como assim?
— Sem olhar pra nada, nem passado, nem brigas... Apenas para o homem que ama.
Ele sorri e é como se iluminasse a cidade toda, o brilho presente nesse momento é
espantoso. Como se estivéssemos firmando algo. Mas seja lá o que for, sinto que é bom, e melhor, é
certo.
Parte II

“Era por isso que eu adorava ficar com você. Nós podíamos fazer coisas simples, como jogar
estrelas-do-mar de volta da água, comer um hambúrguer e conversar, mas, mesmo naquela época, eu
tinha noção da minha sorte. Porque você era o primeiro cara que não tentava me impressionar o
tempo todo. Você se aceitava, mas, além disso, me aceitava do jeito que eu era. Então nada mais me
importava, nem a minha família nem a sua, nem qualquer outra pessoa no mundo. Bastávamos nós
dois. - Ela se deteve. - Não sei se já cheguei a me sentir tão feliz quanto naquele dia, mas, pensando
bem, era sempre assim quando estávamos juntos. Eu não queria que acabasse nunca. Ele fitou os olhos
de Amanda.
- Talvez não tenha acabado.
Foi então que Amanda entendeu, com o distanciamento que os anos e a maturidade trazem,
quanto ele a amava naquela época. E quanto ainda a amava agora, algo sussurrou dentro delaDe
repente, ela teve a estranha sensação de que tudo o que tinham vivido era apenas os primeiros
capítulos de um livro ainda sem conclusão.”
O melhor de mim, Nicholas Sparks
Capítulo 17

Carla

Chegamos em casa e coloco meu casaco sobre o sofá. Vejo de relance Ricardo subir as
escadas rindo com nosso filho, e eu apenas fico aqui, parada, vendo cenas se desenrolarem ao
meu redor.
Lembro-me de vários momentos, e é como se pudesse montar novos em minha mente, como
se eles estivessem ocorrendo agora mesmo. Fecho os olhos e é como se voasse pra longe, mesmo
com os pés no chão. Vejo uma menininha ruiva correndo e pulando nas costas de Ricardo, enquanto
Rafael beija de leve sua namorada, e eu passo a mão de leve por minha barriga acentuada.
Antes eu nem me permiti sonhar em ter meu filho em meus braços, já com o medo de saber
que poderia não vê-lo, já pressionando Ricardo a me prometer que independente do que
acontecesse ele escolheria nosso filho. Mas hoje, eu consigo ver cada desenrolar. Uma lágrima
desce por minha face, e sorrio, já imaginando pegar meu bebê no colo, assim como peguei Rafael
um dia.
Passo as mãos por minha barriga e faço uma oração, pedindo aos céus para que me
guiem, que eu esteja dessa vez agindo corretamente, por mais que seja inevitável que coisas ruins
aconteçam. De repente sinto uma mãozinha em minha barriga, e abro os olhos, encontrando Rafael.
— Eu vou ter um irmão, mãe? — pergunta e em vez de pirar, eu apenas o pego em meu
colo e beijo várias vezes seu rosto. — Mãe! — grita várias vezes porém eu não consigo parar.
Seu cheiro de banho tomado em um pijama cinza, me faz lembrar de Ricardo nessa idade.
A questão é que por mais que não tenhamos o mesmo sangue, sei que nossa ligação é forte, que
vem de outras vidas.
— Eu acho que é uma menina. — sussurro sem medo, colocando-o no chão, e ele solta um
grito feliz. — Você sempre quis ter um irmão, não é?
— Sim! — grita ainda mais animado e me abraça com força. — Obrigado, mamãe!
Ele então corre pra cozinha e vejo-o de longe mexer na geladeira.
— Eu que agradeço, querido. — digo baixinho.
Agradeço tanto por Rafael existir, por sempre ter sentido que poderia contar com ele. Dói
saber que um dia possamos magoá-lo de um jeito irremediável, porém, eu sinto que esse menininho
que logo mais será um homem, se sente nosso e é nosso. Então o que a biologia poderia explicar
ou implicar nisso?
Assim que Rafael volta da cozinha, subimos juntos as escadas e ele fala várias coisas a
respeito de sua irmãzinha, que ele também consegue imaginar uma menininha de cabelos ruivos.
Por que não viver esse sonho? Por que não acreditar que é possível?
Antes, eu sei, eu me esconderia e tentaria combater o mundo e todos os medos por dentro,
sem querer envolver ninguém. Mas eu sei agora e encaro isso, sinto que preciso de cada um deles,
que sem eles não faz sentido. Chego ao quarto de Rafael e ele logo se joga na cama, pegando o
seu ursinho que Ricardo comprou antes mesmo dele nascer, e que ele nunca mais largou.
— Boa noite, querido. — digo e ele sorri.
— Me diverti muito hoje. — diz sorridente.
— O seu aniversário será assim se quiser. — brinco e ele passa as mãos pelos cabelos
loiros.
— O melhor presente a senhora já me deu, mãe. — diz e toca de leve em minha barriga.
Logo ele se ajeita e eu puxo os edredons até seu pescoço.
— Boa noite, meu anjo.
Saio de se quarto e sigo a passos leves até o meu. Tiro o macacão preto e assim noto uma
pequena ondulação em minha barriga, percebendo que já começou a crescer. Uma lágrima desce
e corro até o espelho grande do banheiro, virando-me de lado e fotografando, já sem saber como
expressar minha felicidade de estar tendo essa chance.
Tomo um banho rápido e coloco novamente a camisa branca de Ricardo, e mesmo sabendo
que não tem seu cheiro, eu a cheiro, e me teletransporto para o dia em que a peguei pra mim.
Ele era o cara mais bonito que eu conhecia, e eu nunca entendi o por que de sempre estar
perto de mim, mas agora, eu o via com uma das meninas mais populares do colégio – Laís Montanier.
Ela sorria pra ele do mesmo modo que a maioria fazia, mas que culpa ela tinha? Ricardo Gutterman
sempre foi conhecido por seus belos olhos verdes, apenas com quinze anos era o garoto pelo qual
todas as meninas se derretiam. Vejo que ela toca a mão dele e me escondo de mau jeito atrás de uma
das colunas da escola, enquanto espero meus pais virem me buscar.
— Ele está incomodado. — levo um susto ao ouvir a voz de Lorena, mãe de Ricardo. — Não
é a foto dela que está escondida debaixo do travesseiro dele.
— O que? — pergunto sem acreditar.
— Vim buscar você também hoje, vamos? — pergunta e abre um leve sorriso, e eu fico
completamente perdida.
Como reagir a mãe do garoto que eu gosto, dizendo isso, sendo que tenho apenas quatorze
anos?
— Ric! — ela grita e eu a sigo, fingindo que não estava vendo toda a cena dele com outra
garota. — Vamos, querido? — pergunta e toca no ombro dele.
— Oi, senhora Lorena. — Laís diz e Lorena sorri de lado.
— Como vai? — pergunta para ela, e eu tento me afastar, querendo não participar da
conversa, mas logo sinto os braços de Ricardo em minha cintura.
— Oi, bela. — ele diz e tenho certeza que corei, e minhas sardas devem estar ainda mais
aparentes. — Senti sua falta ontem na rua. Por que não saiu?
Fico em silêncio e apenas forço um sorriso, sem saber como dizer algo. Como dizer que não
saí de casa porque estava me perguntando por que gostava do garoto mais lindo e legal, sendo que
ele nunca olharia pra mim?
— Ei crianças! — Lorena de repente diz e só assim vejo que Laís já foi. — Vamos!
A viagem até em casa é rápida, e enquanto Lorena e Ricardo cantam alto, eu me seguro pra
não fazer o mesmo. Pois uma das minhas músicas favoritas que tocava – Bohemian Rhapsody[6].
Assim que ela para o carro eu já me despeço e desço, correndo para a casa que fica ao lado
da deles, afinal, somos vizinhos. De repente escuto o grito de Ricardo e me viro, e ele vem até mim
sorrindo.
— Oi. — ele diz e sorri. — Por que está estranha comigo? — pergunta e eu passo as mãos
em meus cabelos, já nervosa.
— Eu... — suspiro fundo. — Não é nada, esquece.
Viro-me para sair, e é nesse instante que escutamos um grito: Bomba de água!
Me viro novamente para Ricardo, e ouço ele gritar meu nome, mas de repente sinto apenas
uma bexiga com água explodir em minha camiseta branca, deixando-a toda transparente, mostrando
meu sutiã de cor rosa e deixando a mostra parte dos meus seios.
— Droga, Levi! — Ricardo grita e assim do nada, retira sua camisa branca e fica sem,
colocando-a rapidamente sobre mim. — Desculpe por isso. — diz e ajeita a camisa em mim, que fica
como um vestido.
— Obrigada, mas não...
— Eu não ia deixar ninguém te ver assim e... Quer dizer, é claro que é linda, mas...
— Filho, melhor entrar, só está piorando tudo! — seu pai, Tuan diz do outro lado de um
cercadinho de flores que separa nossas casas. — Como vai, bela? — pergunta e eu sorrio, ele sempre
foi muito carinhoso comigo e me chamava assim por conta de Ricardo.
— Vou bem, senhor Tuan. — digo sem graça e passo as mãos pela “minha” nova camisa.
Logo ficamos em um silêncio constrangedor e eu apenas me viro pra entrar em casa. Do nada
lembro-me da camisa e viro-me para falar para Ricardo que logo a devolvo, porém, apenas vejo-o
entrar em casa, sem camisa alguma, como se não se importasse. Como um garoto de quinze anos
pode ser tão bonito? Mas a partir daquela noite, aquela camisa se transformou em meu pijama
favorito.
Saio de meus devaneios assim que escuto um barulho vindo do outro quarto, o que fica a
minha frente, e que um dia foi meu e de Ricardo. Penso então em ir até lá, deitar ao lado dele e
dormir, sentindo seu calor, sua proteção, falar sobre nosso bebê. Mas assim que coloco a mão na
maçaneta, repenso essa ação. Viro-me e arrumo meus cobertores, já deitando-me. Como Ricardo
disse: um passo de cada vez...
Capítulo 18

Algumas semanas depois...

Ricardo

— Está tomando todas as vitaminas, não é? — o médico pergunta.


— Sim, doutor, eu tenho feito marcação cerrada com ela. — digo e Carla leva a mão aos
olhos, com vergonha.
— Bem... — o senhor sorri. — Vamos ver pela primeira vez esse bebê, então, o que
acham? — pergunta e logo sinto a mão de Carla segurando a minha, com força.
Em alguns segundos uma imagem começa a se formar na tela a nossa frente e logo o
doutor aponta onde está nosso bebê.
— Ah meu Deus! — Carla diz e lágrimas descem por seu rosto.
— Esse é o bebê de vocês. — o médico diz e sorri. — Bom, você está completando cerca
de cinco semanas, Carla, ainda é bem cedo. Porém, podemos tentar ouvir algo melhor do que
música de elevador. — brinca.
Tum tum tum
Esse som ecoa pelo ambiente.
— Esses são os batimentos do bebê de vocês. — o médico diz, e não me aguento, beijo a
mão de Carla e permito-me chorar. — Olha, por enquanto tudo está sobre controle, porém não
quero que abusem de nada, principalmente estresse. Sua pressão tem que ser controlada e sempre
virá aqui quando sentir algum incômodo, felizmente, o bebê está em perfeita formação, mas não
podemos arriscar.
— Sim, doutor. — ela diz e eu aperto sua mão. — Acha que logo poderemos ver o sexo?
— Vai demorar um pouco, mas fiquem tranquilos.
Carla então se troca e logo saímos do consultório. Vejo de relance alguns casais sentados
na recepção, claramente esperando para serem atendidos. Em sua maioria todos estão com um
grande sorriso, e acho que eu também.
— Podemos ir a praia? — Carla pergunta de repente, assim que entra no carro.
Dou a volta e sento no banco do motorista e a encaro.
— Não tem que ir a galeria hoje? — pergunto e ela nega.
— Consegui a solução perfeita para a exposição que foi cancelada. — diz e sorri de lado,
como se estivesse tramando algo. — Mas e você, nada demais no escritório?
— Não, Débora tem dado conta de organizar tudo, daí não fico tão atolado de trabalho.
— explico e ligo o carro.
— Não vou com a cara dessa mulher. — diz e revira os olhos.
— Não venha me dizer que está com ciúmes. — provoco e Carla me encara com raiva. —
Brincadeira, bela.
Paro no sinal vermelho e ligo o som do carro, e logo uma melodia doce começa a tocar.
— Sabe, sempre que olho pra você eu me lembro do seu pai. — diz de repente,
surpreendendo-me. — Você é a cópia fiel dele, tanto pelos cabelos loiros quanto pela
personalidade.
— Como assim?
— Tuan era calmo, fechadão mas ao mesmo tempo sempre sorria, como você. Já Lorena,
sua mãe, era explosiva, animada mas raramente sorria, e quando o fazia era sincera.
— Levi se parece com ela, então? — pergunto.
— Acho que agora sim, depois de tudo o que aconteceu com ele e Melissa. — dá de
ombros. — Nossas vidas parecem uma novela mexicana as vezes. — brinca, fazendo-me sorrir.
— Infelizmente tivemos que passar por tudo isso. — digo com pesar. — Mas acabou, Carla.
— Ric, precisamos conversar sobre tudo... — começa a dizer e já tento cortar sua fala,
porém ela toca em minha mão encostada no volante. — Sei que não podemos falar muito sobre
nada que me estresse, mas não tem como mais fugir do passado. Fiz isso por anos, e o melhor a
fazer agora é enfrenta-lo.
— E o que quer fazer? — pergunto e noto que o sinal ficou verde, assim avanço.
— Conversar. — diz e sorri. — Algo que não fazemos de verdade há um bom tempo.
***

Andamos devagar pela areia, e assim que encontramos um lugar mais longe das outras
pessoas, Carla se senta, acho que já tendo a certeza que sujará seu vestido azul claro. Faço o
mesmo, sem me importar com as roupas, pois sei que o que vamos fazer aqui, é bem mais
importante.
O sol está aos poucos descendo do céu, enquanto a tarde cai em uma quinta-feira que
tinha tudo para ser só mais um dia de nossas vidas, mas que ficou marcada, pois temos a primeira
foto de nosso bebê e ouvimos o som de seu coração.
— Por muito tempo eu me perguntei “por que”. — ela começa a dizer. — Eu chorava a
tarde toda, enquanto tocava minha barriga já com a certeza de que perdi meu bebê, e no fim das
contas me perguntava “por que ele me traiu?”. A dor era tão grande que passei noites chorando,
lamentando, até que em um momento, depois de praticamente molhar todo meu travesseiro, percebi
que chorar não adiantava nada, porque não iria mudar o que aconteceu.
— Carla...
— Daniel estava lá, ele me viu cair, desabar... Ele foi meu melhor amigo, cuidou de mim em
um momento que nem eu mesma consegui. Sabe o que é ir ao banheiro tomar banho e apenas
conseguir pensar em se enforcar com algo dentro do box? — pergunta e meu coração falha uma
batida. — Eu pensei em tantas coisas na época, Ricardo. Comecei ali a terapia, que não deu muito
certo, mas me ajudou a enxergar muitos erros que cometi, ou pelo menos que eu considerava como
erros. Se minha terapeuta me ouvisse agora, estaria orgulhosa.
— Como assim, Carla?
— Eu considerei que errei no momento em que permiti você ver meu lado frágil, que no
caso, pra mim, antes, significava fraqueza. Eu errei em pensar nisso, mas na época, fazia todo
sentido. Quando Daniel teve que voltar para o Rio, eu desandei de vez, e realmente pensei em
suicídio. Afinal, quem se importaria? — pergunta e limpa uma lágrima que desce. — Meus pais
estavam sendo felizes viajando pelo mundo, o homem que eu amava estava cuidando da mulher
com a qual me traiu, pois ela queria cometer um aborto... E eu? Eu havia perdido meu filho e você...
— ela me encara. — Em uma só tacada. Foi difícil, foi cruel... Mas eu consegui sair aos poucos do
fundo do poço.
“Quando cheguei ao Rio, a primeira coisa que pensei em fazer foi em ir até sua casa, que
era nossa, e dizer que tinha acabado. Eu estava com os papéis do divórcio prontos, era o fim pra
mim. Mas foi naquele instante que você abriu a porta e eu me deparei com Rafael, eu não sei o
que senti, nem sei explicar... Li vários casos de mulheres que nunca conseguiram superar o fato de
criar o “fruto” da traição do marido, mas eu... Eu nunca vi Rafael deste modo, mesmo na época não
sabendo que ele não era. Os olhinhos azuis dele me encantaram ao extremo e eu não pude pensar
em nada além de: ele é meu filho, mesmo que não o tenha gerado.”
— Mas ele nunca conseguiu aplacar a dor, não é? — pergunto e ela nega.
— No começo eu me culpei, pensando que estava trocando o filho que tinha perdido pelo
que a vida havia me dado de repente, mas aos poucos, os meses foram passando e eu vi que
sempre lembrava do dia em que perdi nosso filho, que fazia as contas para saber quando ele
nasceria, e quantos meses ele estaria fazendo. — confessa e coloca um braço sobre a perna. — A
dor da perda de um filho é dilacerante, não é?
— Como assim? — pergunto, já emocionado com todas suas confissões.
— Como se sentiu, Ric? Como se sente?
Nesse instante fico estático, sem saber o que responder. Nesses anos todos eu nunca parei
pra pensar sobre isso, acho que sequer o fiz, pois a culpa me consumia. Nunca nem imaginei que
Carla um dia estaria aqui, com seus cabelos ruivos ao vento, suas sardas a mostra, enquanto as
ondas batem nas pedras e encontram a areia que está sendo nossa morada. É como se a frase da
música que minha mãe gritava na cozinha de manhã, enquanto fazia o café, se concretizasse em
minha mente e interior: [7]“Pois vejo vir vindo no vento cheiro de nova estação; eu sinto tudo na ferida
viva do meu coração...”
Capítulo 19

Carla

Ele me encara completamente surpreso, e enquanto começo a enxugar de leve algumas


lágrimas que desceram por meu rosto, vejo um sorriso se abrir no seu.
— Doeu demais cada momento. — diz e suspira fundo, desviando seu olhar para o mar a
nossa frente. — Sempre imaginei nosso menino ou menina, que poderiam ter sido dois... Doeu tanto
passar por tudo aquilo e ao mesmo tempo ter que lidar com Nicole. Eu nunca consegui crer que
aquela noite aconteceu. Mas o que eu poderia dizer diante de fatos?
— Fatos que apontaram tudo para que você fosse o pai de Rafael.
— Nicole conseguiu modificar os exames de paternidade pois tinha um caso com pessoas
de dentro dos laboratórios para onde minha amostra e de Rafael foram mandadas. — explica
sem muito jeito. — Eu realmente não entendi muito, quem investigou isso pra mim foi Joaquim
Morgan.
— Ah, o dono daquele grupo de segurança super requisitado, não é? — pergunto e ele
assente.
— Graças ao contato que tenho com Caleb, consegui rapidamente ter contato com Joaquim
também e ele me passou um relatório completo sobre tudo. — ele então me encara. — Eu juro que
tentei ler até o final, mas a cada palavra que lia, cada passo que seguia a respeito de Nicole, me
doía mais... Não por ser ela, mas por saber o que um ser humano é capaz de fazer ao ter
problemas psicológicos.
— Como assim? — indago curiosa.
— Nicole tem diagnósticos feitos por vários profissionais: psicólogos, terapeutas,
psiquiatras... Isso vem desde sua infância. Na maioria deles, eles a diagnosticaram com um grau de
psicopatia, mas sua família, pelo que entendi, não levou a frente nenhum tratamento.
— E assim, Nicole cresceu e seu problema pode ter evoluído, certo? — ele assente e eu
toco em meus pulsos, que contém algumas marcas. — Alguns momentos eu puni a mim mesma por
ter perdido nossos filhos, por me sentir incapaz... Hoje vejo que as cicatrizes que levo não mudaram
em nada, nem me deram um simples alívio... Era a depressão me levando cada vez mais perto de
perder a sanidade.
— Sim. — diz e num movimento que eu não esperava, toca meu cabelo com carinho. —
Todos nós precisamos de terapia, pois por mais que as vidas não sejam badaladas, pois ninguém
sai ileso do dia a dia.
— Eu entendo isso hoje. — digo, finalmente abrindo meu coração. — Entendo que me
fechar não adiantou de nada, esconder sentimentos, beber vinho... Apenas foram formas de não
enfrentar o que eu sabia que sempre existiu.
— Nosso passado, não é? — ele pergunta e eu assinto. — Por muito tempo eu te olhei de
longe, esperando que a qualquer momento a ruiva cheia de sardas e que as odiava, iria olhar pra
mim novamente, com aquela admiração que nunca soube porque tinha por mim. — diz e dá de
ombros. — Mas com o tempo percebi que não era mais a mesma garota, ou melhor, mulher.
— Acho que nenhum de nós dois somos os mesmos, Ric. — digo encarando-o
profundamente. — Houve tanta dor em nosso caminho que parecia tão certo.
— Mas ao menos alguma coisa sempre nos deu alegria. — diz e sorri, do jeitinho que
Rafael faz.
— Sim, nosso anjo Rafael. — digo e fecho os olhos. — Eu não sei se pretende fazer um
exame de DNA para confirmar se Nicole realmente disse a verdade, mas...
— Carla. — Ricardo diz já tenso e afasta sua mão de mim. — Os relatórios que Joaquim
fez já são o suficiente, mesmo assim, eu nunca...
— Calma. — digo, tocando de leve em sua mão. — Eu só queria dizer que não me importa,
não mais. Se passou a noite com ela ou não, se Rafael é fruto daquela noite... Eu nunca acreditei
de fato naquilo, acho que sempre tive algo dentro de mim que gritava que era alguma mentira
deslavada. Porém, eu não preciso de papel algum pra dizer que Rafael é seu filho, ou melhor,
nosso.
— Então você quer dizer que...
— Que sim, importa o nosso passado e cada detalhe dele. — digo e Ricardo desvia o
olhar, já se levantando. — Ei! — chamo-o, enquanto ele caminha pra longe de mim, e corro até
conseguir chegar mais perto. — Ricardo Gutterman! — grito, e ele finalmente me olha.
— O que quer dessa vez, Carla? — pergunta e chega perto de mim, tocando com força
contra seu peito. — Sou eu quem pergunta agora: o que quer de mim?
— Você. — respondo, dando uma chance ao meu coração que contém lá suas marcas, mas
que felizmente estão cicatrizadas. — Cada parte sua, nossa...
— Carla, não brinca comigo.
— Não estou. — digo e toco seu rosto, aproximando-me dele. — O que quero dizer é que
o passado importa, sim, e muito em nossa vida, mas ficou lá, no seu lugar. O que importa ainda
mais, agora, é o hoje. — digo e pego uma de suas mãos levando até minha barriga. — Seja o
que for, que seja nós. — digo e vejo uma lágrima descer pelo rosto do homem que amo, ele sabe
o que essa frase significa, o quanto é importante pra nós.
Tudo parece em câmera lenta, e aos poucos ele sobe a mão que estava em minha barriga
e a firma em minha cintura, a outra ele toca meu rosto e tira uma mecha de meus cabelos que caía.
— Eu sempre te amei, bela. — diz e nem me dá tempo de responder, unindo nossos lábios.
Aos poucos, um toque de lábios se transforma em um beijo lento, sensual e fervoroso.
Agarro-me a ele, sem conseguir controlar a força com que minhas unhas adentram a carne de seu
pescoço. É um beijo além de carnal, é o nosso nirvana... E nesse momento, eu tenho a certeza tanto
em minha mente, coração e alma... Que sou dele novamente.
Capítulo 20

Carla

Deito minha cabeça pra trás, na curva de seu pescoço, enquanto Ricardo passa as mãos
de leve por minha barriga. Depois de tantos anos parece que finalmente estou no meu lugar,
vivendo um dia comum, mas repleto de felicidade, e principalmente, paz.
Ouço as ondas quebrando e meu coração não se aguenta, abrindo um sorriso diante desse
momento. Não consigo pensar em nada além desse exato minuto. As mãos de Ricardo de repente
sobem, e sinto-as em meus cabelos. Abro os olhos, e me viro, encarando-o.
— O que foi?
— Apenas quero olhar pra você. — diz e uma solitária lágrima desce por seu rosto. — Pra
ter certeza de que é real.
Ele fecha os olhos e então eu toco seu rosto, desenhando-o com minhas mãos. Nesse instante
a mesma ideia que tenho tido me vem em mente, e sorrio, torcendo para que consiga fazê-la.
Seu semblante faz-me lembrar de um dos momentos mais felizes que vivemos juntos, e em
meio às lembranças, começo a cantar:
“Eu e você
Não é assim tão complicado
Não é difícil perceber

Quem de nós dois


Vai dizer que é impossível
O amor acontecer

Se eu disser
Que já nem sinto nada
Que a estrada sem você
É mais segura
Eu sei você vai rir da minha cara
Eu já conheço o teu sorriso
Leio o teu olhar
Teu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso

Sinto dizer que amo mesmo


Tá ruim pra disfarçar
Entre nós dois
Não cabe mais nenhum segredo
Além do que já combinamos

No vão das coisas que a gente disse


Não cabe mais sermos somente amigos
E quando eu falo que eu já nem quero
A frase fica pelo avesso
Meio na contra mão
E quando finjo que esqueço
Eu não esqueci nada”
(Quem de nós dois – Ana Carolina)
Os olhos verdes dele se abrem, e finalmente vejo aquele brilho que sempre amei. Fico em
silêncio e ele toca meu rosto, como se estivesse encantado.
— Não sabe o quanto senti falta disso. — diz e suspira fundo. — De cantar com você,
estar ao seu lado, bela.
— Eu não sei o que vai acontecer, Ric. — digo e fecho os olhos por alguns segundos. —
Mas se eu puder guardar algo, que seja esse momento.
Viro-me novamente e encaixo minha cabeça na curva do seu pescoço. Fecho os olhos e
deixo as lembranças boas me levarem para perto do momento em que Ricardo marcou um novo
começo de nossas vidas.
Pintava com raiva, jogando a tinta contra a tela branca, sem a mínima capacidade de discernir
qual cor colocar.
— Droga! — disse já com raiva, sem conseguir me concentrar.
A briga que tive com Ricardo, me deixou completamente angustiada. Os anos de namoro que
já se passaram, praticamente cinco, nunca foram marcados por brigas assim. Porém, ficou impossível,
pois a cada dia mais vejo Ricardo se afastar e não consigo entender o porquê.
Sinto as vezes que ele tem outra, ou talvez, esteja confuso, interessado em outra mulher. Isso
parte meu coração, mas o que poderia fazer? Se tudo o que consigo pensar é em sua felicidade. É
praticamente impossível imaginá-lo com outra pessoa, mas não posso fazer nada diante disso, caso
aconteça.
— Filha! — escutei o grito de minha mãe, e limpei minha testa de qualquer jeito.
Tenho uma faixa que prende meus cabelos ruivos pra trás, porém, sempre acabo me sujando
com as tintas. Saí do quarto e desci as escadas, encontrando mamãe parada no meio da sala.
— O que foi? — perguntei sem entender o sorriso enorme em seu rosto.
— Aqui, querida. — disse e me entregou uma chave, a qual não reconheço.
— O que é isso?
— Vá até a casa de Ricardo. — disse e praticamente me jogou pra fora de casa.
Virei-me para minha casa, e dei de cara com a porta fechada. O que está acontecendo?
Em passos incertos fui até a casa de Ricardo, e tentei abrir a porta da frente, porém estava
trancada. Peguei então a chave e coloquei-a na fechadura, girei-a e escutei o “clique” desta se
abrindo. Puxei a maçaneta, e assim a porta finalmente se abriu.
Arregalei os olhos no momento em que vi toda a sala repleta de corações e flores, girassóis,
que são meus favoritos. De repente escutei acordes de um violão e comecei a procurar de onde o som
vinha. Subi as escadas, e fui reparando em várias fotos minhas e de Ricardo, desde quando éramos
apenas bebês.
— Mas...
Andei mais um pouco e logo vi uma trilha de girassóis que davam na suíte principal da casa.
Assim que abri a porta, meu coração deu pulos no peito e fiquei completamente sem fala.
Ricardo estava sentado na cama de casal, repleta de girassóis, e em suas mãos estava um
violão, no qual ele tocava. Pensei em dizer algo, porém, ele começou a cantar, deixando-me ainda mais
emocionada. Uma das nossas músicas, a qual sempre cantamos juntos.
“Eu e você
Não é assim tão complicado
Não é difícil perceber

Quem de nós dois


Vai dizer que é impossível
O amor acontecer

Se eu disser
Que já nem sinto nada
Que a estrada sem você
É mais segura
Eu sei você vai rir da minha cara
Eu já conheço o teu sorriso
Leio o teu olhar
Teu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso”

Ele então me encara profundamente e lágrimas já descem por meu rosto, e algumas pelo dele.
Mas em meio a tudo isso, sorrimos feitos dois bobos.

“Sinto dizer que amo mesmo


Tá ruim pra disfarçar
Entre nós dois
Não cabe mais nenhum segredo
Além do que já combinamos
No vão das coisas que a gente disse
Não cabe mais sermos somente amigos
E quando eu falo que eu já nem quero
A frase fica pelo avesso
Meio na contra mão
E quando finjo que esqueço
Eu não esqueci nada

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais


E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro
Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na tua vida

Eu procurei qualquer desculpa pra não te encarar


Pra não dizer de novo e sempre a mesma coisa
Falar só por falar
Que eu já não tô nem aí pra essa conversa
Que a história de nós dois não me interessa
Se eu tento esconder meias verdades
Você conhece o meu sorriso
Lê o meu olhar
Meu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso
E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais
E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro
Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na tua vida”
(Quem de nós dois – Ana Carolina)

Ele então parou de cantar e deixou o violão de lado. Sem que eu pudesse fazer algo, ele se
ajoelhou no chão a minha frente. Tirou do bolso esquerdo do casaco, uma caixinha de veludo azul.
— Ric...
— Eu acho que te amei desde a primeira vez que a vi, bela. — disse e suspirei fundo. — E
tenho a certeza de que vou amá-la para sempre. Carla, minha bela, aceita se casar comigo?

— Psiu. — Ricardo sussurra em meu ouvido, e eu abro os olhos, acordando. — Dormiu


bem? — brinca.
— Sim. — respondo e me espreguiço, afastando-me um pouco dele. — Tive um dos
melhores sonhos dos últimos tempos.
— O que era? — pergunta curioso.
— Um dia vai saber. — digo, fazendo-me de misteriosa, e me levanto.
Limpo de leve a areia em meu vestido e cruzo os braços, encarando a imensidão do mar a
minha frente.
— O que tanto pensa? — Ricardo pergunta e sinto seus braços me envolverem.
Não sei por que, mas é como se todos os toques entre nós que foram negados durante
esses anos, estejam se materializando agora.
— Em nada. — digo e sorrio. — Em tudo.
— Está sendo evasiva, bela. — diz em minha orelha, e sinto um arrepio percorrer meu
corpo. — Senti tanta falta de tê-la em meus braços.
— Um passo de cada vez, não é? — pergunto e me viro, tocando seu rosto. — Talvez um
beijo de cada vez, o que acha? — brinco, porém, ele não sorri.
Antes que eu consiga raciocinar, sinto seus lábios nos meus e agarro-me a ele. Um beijo
cheio de ternura, amor e principalmente, a saudade que parece que nunca vai acabar.
O celular dele toca e ele se afasta, um pouco contrariado.
— Alô! — diz nervoso e eu apenas rio. — O que? Meu Deus, dona Ieda! Pode deixar,
estamos indo.
Ele guarda o celular no bolso e o encaro sem entender.
— O que foi? — pergunto já preocupada.
— Rafael brigou na escola. — conta e eu arregalo os olhos. — Não entendi muito bem,
mas dona Ieda está com ele na casa dela. Amanhã vamos ter que conversar com o diretor.
— Droga! — digo completamente surpresa.
Começamos a andar até onde o carro está, e fico pensando no que poderia fazer meu
filho agir assim.
— Rafael não é dessas coisas, Ric. — digo e levo as mãos à cabeça, ficando um pouco
nervosa.
— Ei, bela! — diz e me segura pela cintura. — Respira! Não deve ter sido nada demais, só
vamos ver como ele está, ok?
— Ok!
Capítulo 21

Ricardo

Carla anda de um lado para o outro na sala, enquanto Rafael está sentado no sofá
grande e eu na poltrona. Passo as mãos por meus cabelos, já nervoso, já que Rafael não diz
absolutamente nada sobre o que aconteceu.
— Filho, por favor. — Carla pede novamente, e ele apenas nega com a cabeça, e eu vejo
o pequeno corte no seu lábio.
Ele entrou numa briga feia!
— Vou ter que esperar até amanhã pra descobrir, é? — ela instiga e ele levanta o olhar.
— Vai querer mesmo que eu saiba por alguém de fora do que por você? — Carla se exalta, e eu
já me levanto.
— Calma. — digo pra ela, e faço com que sente.
Nós sabemos que ela não pode se estressar.
— Filho. — digo baixinho, e me ajoelho na frente dele. — Sua mãe está nervosa, tá
vendo? — pergunto e ele assente. — Ela não pode ficar assim, campeão. Você já sabe, ela está
esperando um irmãozinho ou irmãzinha, e você não quer que nada ruim aconteça, não é?
— Eu... — ele suspira fundo, e abaixa a cabeça. — Ele estava falando mal da Lau. — diz
baixinho.
— Como assim? — pergunto confuso.
— Henrique, o garoto no qual bati. — diz e olha pra Carla. — Eu não quero que fique
mal, mamãe. Não quero que meu irmãozinho ou irmãzinha...
— Ei, ei! — chamo sua atenção. — Continua contando tudo que nada vai acontecer.
Carla então se levanta e vem até nós, sentando-se ao lado dele.
— Eu o ouvi falando que gente da cor da Laura não merecia estar no nosso colégio. — diz
baixinho e vejo lágrimas em seus olhos. — Disse que Laura roubou os olhos verdes que tem.
— Laura ouviu isso, filho? — pergunto ainda mais preocupado agora, e ele nega.
— Ela estava dizendo isso no banheiro, e eu fui lá e disse pra ele parar. — ele então me
encara, seus olhinhos azuis cheios d’água. — Ele então disse que não ia parar, que ia dizer tudo
para Laura, que a cor dela era errada.
Fico estático e tudo o que consigo fazer é abraçar meu filho, que começa a chorar.
— Eu não gosto de brigar, pai. — diz e se afasta de mim, limpando algumas lágrimas. —
Mas então ele me deu um soco, e quando vi, eu só reagi.
— O que fez, filho? — Carla pergunta.
— Dei dois socos nele, e fiz ele prometer que não iria dizer nada para Laura e nunca mais
falar nada do tipo. — diz e respira fundo. — Mas eu sei que ele não vai parar, ele não gosta
dela, e eu não consigo entender por que.
Encaro Carla e ela me olha com pesar, como se entendesse completamente o que estou
pensando. Preciso contar isso para meu irmão, e dizer que infelizmente, Laura já deve estar
sofrendo com o preconceito espalhado por aí, mas felizmente ou infelizmente não tem noção disso.
— Eu queria ser mentiroso e dizer que não faria o mesmo. — digo e toco o rosto dele. —
Mas eu faria, filho, mesmo sabendo que violência é errada.
— Eu só não quero que a Lau fique mal. — diz e me encara apreensivo.
— Não vamos contar pra ela. — Carla diz.
— Sério? — pergunta já mais animado, e ela assente. — Obrigado, mãe.
— Querido, como seu pai disse, seria bom mentir e dizer que não faríamos o mesmo, mas
infelizmente, às vezes nós erramos. Seu colega errou em dizer essas coisas sobre Laura, e você
errou em agredi-lo. Mas eu te conheço, meu anjo.
— Toma. — diz e me entrega o seu celular.
— Como assim? — pergunto sem entender e ele dá de ombros.
— Sei que vou ter um castigo. — sorri sem se preocupar muito com o aparelho.
— Filho... — Carla sorri também. — Pode ficar com o celular. — entrego pra ele.
— Mas pai, eu errei e...
— E sabe que não pode repetir isso, não é? — pergunto e ele assente.
— Mas o que eu faço quando acontecer algo assim? — pergunta um pouco confuso.
— Respira fundo e sai de perto, vai até algum adulto responsável e conta o que aconteceu,
ok? — ele assente. — Mas caso não dê certo, nos ligue na hora.
— Ok, pai.
— Estou de certa forma orgulhoso. — brinco e ele sorri. — Sei que ama sua prima, que é
sua protegida.
— Lau é minha melhor amiga. — diz e se levanta. — Posso ir agora?
— Pode, meu anjo. — Carla diz. — Mas não quer falar “oi” para seu irmãozinho ou
irmãzinha? — indaga, deixando o clima mais leve.
Rafael já se anima, e se senta novamente. Carla leva a mão dele até a barriga e sem que
precisemos dizer algo, Rafael já coloca seu ouvido na barriga e começa a falar.
— Oi, princesinha. — diz baixinho e eu levanto meu olhar para Carla, que está claramente
emocionada. — Vem logo, em!
Rio de sua empolgação. Eu que pensei que ele logo sairia, pelo contrário, Rafael fica
passando a mão pela barriga de Carla e conversando baixinho, às vezes em um sussurro que nem
eu escuto. É engraçado como parece que todos nós sabemos e sentimos que é uma menina, por
mais cedo que ainda seja.
Olho então para Carla, deitada no sofá, enquanto Rafael faz carinhos em sua barriga. Eu
estou agora sentado no tapete da sala, abaixo deles. Volto meu olhar para a televisão e coloco
num dos programas que Rafael adora. Logo sinto um pequeno carinho em meus cabelos e aquele
velho arrepio sobe minha espinha, o que pensei que nunca mais sentiria. Fecho os olhos e deixo-me
levar por esse instante, querendo apenas aproveitar tudo o que posso, mas no fundo sentindo que
sim, terei muito disso daqui pra frente. É só o nosso recomeço.

Carla

Acordo e suspiro fundo. Tento me virar, pensando que estou em minha cama, porém,
estranho ao sentir um pequeno peso em minha barriga. Abro os olhos e encontro Rafael deitado
sobre ela, dormindo profundamente. Olho para baixo e vejo Ricardo esticado no tapete da sala,
do mesmo modo. Sorrio sozinha, vendo que o filme já deve ter acabado há muito tempo. Tudo o
que consigo pensar agora é em ir pra cama, mas sei que tenho que comer algo.
Então passo as mãos de leve pelos cabelos de Rafael, e ele sequer mexe. Penso em leva-lo
para cima em meu colo, porém o médico disse para não fazer nenhum grande esforço.
— Ei, Ric. — chamo baixinho, e logo Ricardo abre os olhos, olhando para os lados, um
pouco desconfiado. — Sim, você dormiu no tapete. — constato o óbvio e ele passa a mão pelos
cabelos loiros, deixando-os ainda mais bagunçados.
— O que foi? — pergunta e se senta, passando as mãos pelo rosto.
— Precisamos levar esse mocinho pra cama. — digo e ele então vem até nós, ajoelhando-
se diante Rafael que dorme.
— Eu o amo tanto. — diz e me encara. — Assim como amo você, bela.
— Ric, eu... — tento dizer, mas as palavras travam, como se ainda não fosse o momento
certo.
— Um passo de cada vez... — diz e sorri. — Eu sei que é difícil pra você, eu te conheço
bem. Sei o quanto foi difícil dizer que me amava pela primeira vez, e imagino ainda mais agora.
— Mas você sabe que eu amo. — digo e ele vem até mim, tocando meu rosto.
— Sei que ama o garoto que contornava seu rosto, contando sarda por sarda. — diz e
começa a passar a mão pelo mesmo. — Ele tá aqui! — ele pega uma mão minha e leva até seu
peito, colocando-a sobre seu coração. — Mas tem muito de mim que você não sabe.
— Sei que perdeu o medo do escuro. — digo e ele arregala os olhos.
— Mas como?
— Reparando em você. — confesso pela primeira vez, ainda guardando o segredo sobre
o tanto que reparei nele no passar dos anos, em como mesmo apesar de tudo, ele sempre foi
minha inspiração para pintar... fotografar. — A luz do quarto antes ficava acesa a noite toda, e
aos poucos não a vi mais. Além de ter te encontrado na cozinha aquela noite...
— Na noite em que fizemos nossa pequena. — diz e toca minha barriga de leve, sem
acordar Rafael que ainda dorme serenamente.
— Às vezes penso se as coisas não tem tempo certo para acontecer. — digo, tentando me
entender. — Se fosse antes, acho que não conseguiria te olhar, lembrar de você nos momentos
bons... O que houve com nós, Ricardo? — pergunto, já sem ao menos conseguir entender algo.
— Nos perdemos. — conclui e sorri fraco. — Mas podemos nos reencontrar.
— Como? — pergunto em desespero, não querendo perder esse homem, pois nunca senti
tanta paz em minha vida.
— Aceita sair comigo, amanhã? — pergunta de repente, e engulo em seco.
— Como assim?
— Eu, você, um encontro. — diz e dá de ombros, se levantando. — Uma nova chance, bela.
Repenso os últimos dias, o quanto tudo tem se desenrolado... E eu quero isso, quero muito.
— Sim. — digo e não consigo esconder o sorriso. — Uma chance para nós.
— Até um milhão, bela. — diz e pisca, do modo cafajeste que sabe que adoro.
Ele então acorda Rafael, e leva nosso filho no colo para cima. Vejo-os subir as escadas, e
meu coração bate freneticamente. Toco minha barriga e sorrio de novo, constatando que nunca
sorri tanto nos últimos anos, acho que nunca em toda minha vida. Como as coisas puderam mudar
assim? Como chegaram a esse ponto?
Mas nesse instante não me importo com repostas. Levanto-me e vou até a cozinha, sentindo-
me leve, e em paz, do modo que nunca estive. Canto baixinho uma de minhas músicas favoritas e
penso na exposição que acontece em duas semanas.
“Love of my life, you've hurt me
You've broken my heart
And now you leave me

Love of my life, can't you see?


Bring it back, bring it back
Don't take it away from me
Because you don't know
What it means to me”
(Love of my life – Queen)

Preparo meu sanduíche ainda cantando, e logo escuto uma risada. Levanto meu olhar e
encontro Ricardo, que parece encantado com a cena. Seus olhos verdes parecem interligados nos
meus, uma conexão que achei que havíamos perdido. Ele continua sorrindo, e tudo o que faço é
pegar um pedaço do tomate que iria para o lixo e jogo nele. Ele tenta se esquivar, porém, o
acerto em cheio, bem em seu peito.
— Ah, é assim? — diz e pega o pedaço no chão, arqueando sua sobrancelha esquerda.
Socorro!
Tento correr, porém ele é mais rápido e me agarra por trás, puxando-me rapidamente
para seu peito.
— Te peguei, bela. — diz em sussurro e sinto meu coração se aquecer.
Lembro-me de como brincávamos um com outro, como isso era parte do cotidiano, de nossas
vidas.
— Senti falta disso. — confesso, e me viro, tocando meu rosto.
— Talvez seja hora de pararmos de sentir falta das coisas, e vive-las. — diz e eu assinto,
tocando seu rosto.
— Eu amo seus olhos. — digo e ele sorri.
— Assim como eu sou apaixonado pelas suas sardas. — diz e passa as mãos pelo meu
rosto. — Contar cada uma delas.
— Eu sei. — digo, a poucos centímetros de nossos lábios se tocarem.
Assim que ele coloca uma das mãos em minha nuca, agarro-me a ele, e sinto aquele frio na
barriga, as borboletas no estômago.
— Espera. — diz e então pega minha mão, puxando-me com ele, até o escritório.
Ele então pega o mesmo envelope pardo, o qual contém os papéis do divórcio, e me
entrega.
— A escolha agora é sua. — diz e eu pego em mãos os papéis que sequer li.
— Ric...
— Eu sempre estive aqui, forçando-me em sua vida, tentando de alguma forma... Mas eu
não quero te pressionar a nada, não quero que seja pelo bebê.
— Seja o que for. — digo, lembrando-me de seus votos, num passado tão distante, mas que
parece agora intacto em minha memória. Rasgo o envelope em dois, e Ricardo arregala os olhos,
como se não acreditasse. — Que seja nós.
— Ah, bela. — vem até mim, e me abraça com força, chorando em meu ombro. — Doeu
tanto não poder te abraçar.
— Acabou! O passado ficou no lugar dele. — digo, e forço-o a me olhar. — Vamos
conseguir, Ric. — levo sua mão até minha barriga. — Mas dessa vez, seja o que for, faremos
juntos.
Em meio a lágrimas ele sorri, e sinto que pela primeira vez em anos, fiz a escolha certa.
Capítulo 22

Ricardo

— Droga! — grito e jogo com força a gravata no chão de meu escritório.


Encaro as paredes brancas e jogo-me na cadeira, já desistindo de usar uma gravata. Mas
por que diabos eu usaria uma? É um encontro, mas nada formal porque não quero assustar Carla.
Merda!
Passo as mãos pelos meus cabelos e depois limpo-as em minha calça jeans. Estou suando,
nervoso, a ponto de explodir. Escuto batidas na porta e respiro fundo, já não querendo receber
ninguém.
— Pode entrar. — digo, e pego uma caneta, batendo-a contra a mesa, para tentar esvair
esse nervosismo.
Minha nova assistente entra, Débora, a qual escolhi dentre tantas outras que se
candidataram. Ela acabou de sair da faculdade, mas tem recomendações impecáveis de
professores, além de já ter estagiado na área. Contudo, mesmo sendo jovem, tem sido muito
prestativa.
— Tudo bem, Ricardo? — pergunta e eu nego com a cabeça.
— Algum cliente de surpresa? — indago, torcendo para que a mesma diga não.
— Não, é... Só alguns papéis para assinar. — diz e vem até a mesa, deixando-os a minha
frente.
Leio-os por alguns instantes, mas meu foco está totalmente em outro lugar. Penso em assinar
sem ler, porém, como sempre, meu lado precavido não me permite. Deixo os papéis de lado, e
então volto meu olhar para Débora. Estranho ao ver que ela parecia perdida em pensamentos,
encarando-me de um modo que não sei identificar. Mas nesse instante, não dou a mínima de
importância.
— Vou deixar pra amanhã isso. — digo, e ela assente.
— Tem certeza que está tudo bem? — insiste, e como estou desesperado, apenas nego com
a cabeça. — Posso ajudar em algo?
— Bom, se você fosse ter o encontro com o amor da sua vida, como estaria se sentindo? —
pergunto de uma vez, torcendo para que ela não me ache um completo louco.
— Nervosa, ansiosa. — diz e vejo admiração em seus olhos. — Mas você é casado. — diz,
e arregala os olhos. — Desculpe, eu não vou contar pra ninguém e...
— O que? — pergunto já rindo. — Não! A mulher que vou encontrar hoje é minha esposa.
— Ah... — diz e leva as mãos à boca, ficando com o rosto corado, com certeza de
vergonha. — Mas por que o nervosismo então?
— Quando tiver minha idade, talvez entenda. Se amar alguém como eu amo Carla, vai
saber que qualquer momento juntos nos traz essa sensação.
— Bom, eu já gosto de alguém, e me sinto assim. — diz e sorri de lado. — Espero que um
dia ele me olhe assim também.
— Boa sorte, então! — digo e ela assente. — Pode ir, está liberada por hoje.
— Obrigada, Ricardo.
Débora então sai, e continuo em meus devaneios, encarando a sala do meu escritório de
contabilidade. Olho para a pequena mala de roupas que trouxe pra cá, já que irei me arrumar
por aqui, pois só de pensar em ver Carla antes de encontrá-la, deixa-me me pânico. É estranho me
sentir assim novamente, como se fosse nosso primeiro encontro. Mas ao mesmo tempo parece a
realização de um sonho.
Passo as mãos por meu rosto, e vou até a porta, trancando-a. Pego a mala e vou para o
banheiro que tenho reservado apenas pra mim. Coloco a mala sobre a tampa do vaso e a abro,
vendo que tem alguns jeans e várias camisas diferentes, além de meus produtos de higiene pessoal.
Olho meu reflexo no espelho e vejo que minha barba já está grande, e lembro-me de como Carla
amava tocar meu rosto sem ela.
Pego meu barbeador elétrico e então faço todo o serviço, deixando meu rosto
completamente liso. Encaro meu cabelo despontando na testa, e penso no que fazer. Talvez isso
seja bem idiota de se fazer, mas é a única coisa que consigo pensar. Pego meu celular em cima da
pia e disco o número dele, que sei que vai rir da minha cara pelo resto de nossas vidas, mas nesse
momento, preciso de apoio, e nem me importo.
— Ei, Ric! — atende animado, e eu até estranho, mas apenas foco no que me importa
agora.
— Preciso da sua ajuda, irmão.

***

— Quando disse que precisava de ajuda não imaginava que estaria eu aqui, Levi
Gutterman, cortando seu cabelo. — diz gargalhando, enquanto corta meu cabelo com uma tesoura.
— Se você deixar pior, eu juro que te esgano. — digo bravo, e o vejo pelo reflexo do
espelho.
Praticamente montamos um mini salão no banheiro do meu escritório. Minha cadeira está o
mais alta possível, e há uma toalha em meus ombros, enquanto meu irmão dá um jeito em meu
cabelo.
— Por que diabos não foi em um salão? — pergunta ainda rindo, mas felizmente,
concentrado.
— Porque já é tarde e tenho um encontro hoje. — digo de uma vez. — Pronto, falei!
— O que? — praticamente grita e para com a tesoura no ar. — Repete isso e eu juro que
não vai sobrar um fio de cabelo seu.
— Ficou louco? — pergunto indignado. — Carla me mata se me ver careca.
— Espera, o que? — pergunta e faz uma careta.
— Eu vou me encontrar com a minha esposa, ok? — explico e ele arregala os olhos.
— Eu pensei que as coisas entre vocês tinham melhorado depois de tudo que aconteceu, o
tiro... — limpa a garganta, e continua me encarando pelo reflexo do espelho.
— Não, apenas pioraram e de repente, tudo melhorou. — digo sem saber explicar. — Uma
montanha russa doida, e felizmente, hoje, depois de anos vou poder sair com a minha mulher, sem
ser algo forçado. E quero estar bonito pra ela, porra! — xingo, e ele gargalha.
— Pra você, meu querido irmão puritano estar falando palavrão...
— Levi! — grito, do mesmo modo que fazia quando ele me desobedecia quando era
criança e ele gargalha.
— Brincadeira, irmão. — zomba. — Mas sei como é isso.
— Como é isso o que? — pergunto, enquanto ele volta a cortar.
— Eu... Tenho deixado bilhetes com frases dos livros favoritos de Melissa no apartamento
dela e... Bom, temos saído juntos, e acho que de certa estamos recomeçando. — diz e é minha vez
de arregalar os olhos.
— Como eu não fiquei sabendo disso? — pergunto indignado.
— Do mesmo modo que eu fiquei sabendo sobre você e Carla não estarem bem. — zomba
e dá de ombros, abrindo um sorriso cínico.
— Babaca. — xingo-o.
— Puxei ao meu irmão mais velho. — pisca e eu levo as mãos ao rosto, já vendo que esse
corte levará mais tempo do que o necessário. — Mas sério, como chegamos ao ponto em que não
sabemos nada um do outro?
— Acho que acabamos nos acostumando a esconder os problemas um do outro, e no fim,
escondemos tudo. — digo e ele assente.
— Mas acho que precisamos de um dia de homens. Sei lá, irmos pescar... — sugere.
— Pescar? — começo a gargalhar. — Você é péssimo, Levi. Papai nunca conseguiu te
ensinar nem a jogar futebol.
— Hahá. — zomba e continua cortando. — Mas falando do papai, sabe que daqui uns
dias...
— Sim, está perto. — digo com pesar.
— Mas não vamos pensar nisso como um dia triste, como sempre fazemos, e nem passarmos
ele separados, o que acha?
— Como assim? — pergunto, já nem reconhecendo meu irmão. Levi realmente está mudado.
— Bom, faz tempo que não vou a sua casa, que foi nossa casa um dia. — diz e vejo seu
sorriso fraco. — Mas sei que tem muitas coisas deles guardadas lá, pelo menos fotos e os livros da
mamãe.
— Sim. — digo e sorrio, lembrando-me deles. — Podemos dividir as fotos entre nós, deixar
uma parte deles com cada um, pra mostrarmos para nossos filhos e bom, termos conosco.
— Sinto falta deles, Ric. — diz e para de cortar, deixando a tesoura sobre o tampo da
pia. — Será que nunca passa?
— Sinto o mesmo irmão. — encaro-o, e sorrio internamente por ver que aquele garotinho
de olhos verdes iguais os meus, minha cópia fiel se não fosse pelos seus cabelos negros, que me
fez lutar para que o mundo fosse um lugar seguro pra ele, cresceu. — Mas vamos pescar, irmão!
— brinco.
— Idiota. — diz e revira os olhos. — Gostou? — pergunta.
Encaro meu reflexo no espelho e mal me reconheço, pois meu cabelo finalmente tem uma
forma, depois de tanto tempo. Levi sempre foi bom nisso, pois aprendeu com nossa mãe, mesmo tão
jovem. Assim como eu aprendi a cozinhar vendo-a, Levi aprendeu tudo que podia, apenas a
observando.
— Dona Lorena com certeza daria nota mil, mas eu te dou um oito. — zombo e me levanto.
Ele me dá um soco no meu braço, e sorri.
— Obrigado, irmão. — diz de repente e eu fico sem entender.
— Mas você que fez o serviço hoje. — digo, encarando-me pelo espelho.
— Por tudo, por ter sido tão forte por nós dois. — diz, e eu me viro.
Sem conseguir dizer nada, apenas o abraço. É como se revivesse momentos tão distantes, e
como se sentisse nossos pais aqui, ao nosso redor, do modo como sempre nos abraçaram.
— Ela sabia. — ele diz e se afasta de mim, limpando uma lágrima que desce. — Mamãe
sentiu que ia acontecer, por isso deixou a aliança dela comigo antes, por isso não nos deixou ir com
eles...
— Eles não podiam se separar. — digo, sem conseguir imaginá-los longe um do outro. —
Eles eram um do outro, sabemos disso.
— Melissa disse isso uma vez, que eles eram almas gêmeas, e que não teria como se
separarem. — ele sorri fraco, batendo em meu ombro. — Boa sorte, irmão. Carla te ama, e sei que
vai dar tudo certo.
— É o que espero. — digo e passo a mão por meus cabelos. — Mas caso ela peça o
divórcio, a culpa será sua. — aponto para meu cabelo e ele gargalha.
— Vai tomar um banho, seu babaca. — diz e já vai saindo do banheiro. — Depois me
conte como foi.
— Ah, Levi! — grito, ao vê-lo virar de costas. — Ela está grávida!
— Puta merda! — solta e eu gargalho. — Como eu não fiquei sabendo disso antes?
— Ninguém sabe. — digo e dou de ombros, ele então vem até mim e me abraça
novamente.
— Eu não quero nem saber, vou ser o padrinho de novo. — já declara e eu assinto, rindo.
— Isso sim é recomeçar, irmão.
— Deus te ouça!
Capítulo 23

Carla

Olho para a cama repleta de roupas e já passo as mãos por meu corpo coberto por um
roupão de banho branco.
— Por que estou tão nervosa? — pergunto para o nada e olho para o teto, respirando
fundo.
— Porque vou sair com um homem lindo, de quase dois metros, músculos firmes, cabelos
loiros, olhos verdes... Merda de homem lindo! — resmungo pra mim mesma. — Ah! — grito com
raiva.
Começo a mexer nas roupas, mas dou um pulo assim que escuto alguém batendo na porta
do quarto. Rafael está na casa da dona Ieda e Ricardo disse que me encontraria no restaurante,
para que parecesse mesmo um primeiro encontro... Não! Não pode ser ele!
Abro a porta com cuidado e olho de esguio, e solto a respiração quando encontro os
olhinhos azuis de Rafael, o qual me encara desconfiado.
— Mas filho, você não vai passar a noite na casa da dona Ieda?
— Mãe! — diz e noto suas bochechas rosadas. — Os pais da Gabi vão sair hoje também,
e a mãe dela pediu pra dona Ieda olhar a Gabi...
— Tá. — concluo ainda sem entender. — Mas por que ainda está aqui? — pergunto sem
entender.
— Posso entrar no quarto? — pergunta e eu sorrio, vendo que pareço uma doida.
Abro por completo a porta e assim que olho para o lado esquerdo, encontro Gabriela, com
um sorrisão no rosto.
De onde surgiu essa menina?
— Ok, entrem e me contem o que aconteceu. — peço.
Os dois entram no quarto e logo vejo Gabriela arregalar os olhos.
— Algum problema, Gabi? — pergunto e ela nega, indo até minhas roupas e tocando de
leve em uma delas.
— Elas são roupas lindas. — diz e abre um sorriso de lado. — Sempre imaginei minha mãe
usando alguma assim.
— Rafa. — chamo meu filho, vendo que a pequena está entretida nas roupas. — O que
foi?
— A senhora não está brava? — pergunta sem jeito.
— Por que eu estaria? — devolvo a pergunta e ele passa as mãos pelos cabelos, como o
pai.
— De a Gabi dormir na casa da dona Ieda também. — sussurra e eu não seguro a
gargalhada. — Mãe!
— Filho, eu tenho ciúme, óbvio que sim, mas não sou nenhuma mercenária. — digo, e ele
fica ainda mais corado. — Gabi, onde sua mãe está? — pergunto.
— É... Ela tá lá na dona Ieda, conversando com ela. — diz e eu assinto.
— Pode chamar ela aqui? — pergunto, e mesmo parecendo não entender, Gabi sai do
quarto e escuto seus passos se distanciando. — Filho, tem algum problema entre os pais dela?
Sinto algo dentro de mim, algo ruim a respeito do que Gabi disse. Eu me lembro do pai
dela, o cara que deu em cima de mim descaradamente no shopping...
— Eles vão se separar. — ele diz baixinho e fica olhando pra porta. — Mas a Gabi não
gosta de falar disso. Ela chora e diz que o pai dela apenas diz que a mãe dela não é bonita o
suficiente pra ele.
— O que? — praticamente grito.
— Mãe!
— Senhora Carla! — levo um susto ao ouvir a voz de Gabi, e então me viro pra porta,
encontrando-a ao lado de uma mulher.
— Oi, sou Carla Gutterman! — digo e estendo a mão para a mulher, que é sua mãe.
Ela me encara de cima embaixo e abaixa o olhar, esticando a mão e tocando a minha.
— Sou Fabiana Lima. — diz e não me encara.
— É... Fiquei sabendo que você e seu marido vão sair hoje também, é verdade? —
pergunto e ela então me encara, olhando de relance para filha.
— Sim, vamos. — diz sem muita firmeza.
— Filho, por que já não vai pra casa da dona Ieda? — pergunto e Rafael arregala os
olhos. — Eu e a mãe da Gabi vamos ter um momento de mulheres.
— Tá legal. — ele diz e me dá um abraço, se despedindo. Gabi faz o mesmo com sua
mãe, que continua me encarando sem entender nada.
Pois é, nem eu sei o que estou fazendo.
— Juízo! — grito, enquanto os dois saem do quarto.
Assim que me encontro sozinha com a mãe de Gabi, ela finalmente me encara nos olhos.
— Eu não podia negar na frente dela. — diz com pesar. — Mas meu marido, quer dizer,
Luís tem uma festa da empresa hoje, mas eu não vou. Nós não somos oficialmente casados. —
explica sem jeito.
— Desculpe-me perguntar, mas por quê? — pergunto já me intrometendo. — Digo, não vai
à festa?
— Não sei nem porque estamos conversando, mas isso parece certo. — diz e sorri, e
finalmente vejo um leve brilho em seu olhar. — Nunca fui em nada disso, nunca me senti bonita pra
isso. Eu sei que meu marido olha para as outras mulheres, mas que culpa ele tem, olhe pra mim? —
diz e toca em sua camisa branca básica.
— Mulher... — digo indignada. — Você é linda!
— Olha, eu não preciso que tenha pena de mim e...
— Ei, eu mal te conheço, como vou ter pena? — pergunto e ela então apenas continua me
encarando. — Como está vendo, eu não sou nenhuma modelo, na verdade tenho muita carne. —
digo e sorrio, apertando as dobrinhas em minha barriga cobertas pelo roupão. — Mas sabe o que
faz meu marido me achar linda? Eu me acho linda, e isso que importa.
— Mas eu...
— Mulher do céu! — digo e chego perto dela. — Olhe pra você, dever ter a minha idade.
— Trinta e três. — responde um pouco sem jeito.
— Eu tenho trinta e quatro, e olha, sei do que precisa.
— Como assim? — pergunta e eu então penso em algo que amava fazer com minha mãe.
— Ir com seu marido até essa festa e mostrar pra si o quão linda é.
— Tudo vai embora com água depois. — diz e vejo que se segura pra não chorar.
— Tá vendo essas sardas, aqui? — pergunto e ela assente. — Eu as odeio, mas é uma
parte de mim, e sabe o que faço? Valorizo. Se é meu, então por que não valorizar?
— Eu nunca fui muito de gala, eu sempre fui básica, e Luís antes me amava por isso, pelo
menos eu achava isso. — diz e limpa uma solitária lágrima que cai. — Mas hoje, ele não me vê
mais assim.
— Ser básica e sem maquiagem nunca impediu mulher nenhuma de ser linda, aliás, todas
nós somos. Seja como for. — digo e mostro pra ela as roupas sobre minha cama. — Com certeza
nenhuma delas vai dar certo em você, eu sou grande demais. — digo, vendo seu corpo magro e
curvilíneo bem desenhado. — Que horas é a festa? — pergunto.
— Bom, é ás oito. Por quê?
Corro então para o banheiro e coloco rapidamente a lingerie branca que já tinha deixado
separada, e depois vou ao closet, colocando um vestido branco folgado. Coloco uma sapatilha
preta, e pego minha bolsa sobre o criado mudo.
— Mas o que...
— Vamos ao shopping. — digo, sem dar a ela tempo de pensar. — Vamos encontrar o
vestido, sapato, maquiagem, o que quiser, perfeitos. — digo e ela arregala os olhos. — Aproveito
e dou um jeito no meu cabelo que de modo nenhum vou conseguir arrumar hoje.
— Mas Carla, a gente mal se conhece e...
— Olha, se te uma coisa com a qual não sou boa, é com amizades. Mas não sei por que,
me sinto bem perto de você. E, aliás, vamos ter que conviver. — digo e sorrio.
— Ah, seu filho. — conclui meu pensamento. — Gabriela o adora.
— Acredite, nós vamos casar esses dois e ter netinhos lindos. — brinco, e vou saindo do
quarto. — Está de carro? — pergunto.
— Sim, mas Carla...
— Nada de “mas”, vambora!
Ela sorri, já vendo que não vou desistir e logo estamos no carro, a caminho no shopping
mais próximo. Olho em meu celular e são seis da noite, e como meu encontro com Ricardo também é
as oito, sei que teremos que sair prontas do shopping.
— Uma coisa. — digo e ela me encara de relance, quando paramos no sinal vermelho. —
Pode me deixar no meu encontro quando terminarmos tudo no shopping?
— Carla, sabe que não precisamos...
— Ah, mas você sabe que precisa. — digo, e o sinal fica verde. Ela então apenas assente,
e não sei por que, sinto-me muito bem em fazer isso com ela. — Precisa se encontrar.
Às vezes tudo o que precisamos é que estranhos se tornem amigos, e acho que nesse
instante estou fazendo exatamente isso.

***

Fabiana para com o carro em frente ao restaurante e meu coração já dá pulos dentro do
peito. Sinto-o quase em minha boca e tento ficar calma porque sei que não posso passar por
nenhum estresse, mesmo que esse seja para algo bom.
— Tudo bem, Carla? — ela pergunta e eu apenas nego com a cabeça. — Pelo pouco que
conversamos deu pra perceber o quanto ama seu marido, e imagino que seja recíproco. Não jogue
isso fora, isso é raro.
— Eu só estou parecendo uma adolescente de quinze anos de novo. — digo em desespero,
e ela me encara, sorrindo. — Não ri, eu acho que vou ter um ataque.
— Ei, lembra do bebê. — chama minha atenção e eu assinto feito uma criança de cinco
anos.
Engraçado é como uma amizade se forma tão de repente. Passeamos pelo shopping, nos
produzimos lá e em meio a tudo isso, é como se tivéssemos revelado toda vida uma para a outra
em alguns minutos.
— Obrigada por hoje. — diz e destrava a porta. — Eu não sei como Luís vai reagir, mas
eu não me importo na verdade. Sinto-me bonita, preparada e sem medo. Se não fosse você eu
não teria isso, então...
— Opa, para aí! — solto o cinto e a abraço, um pouco sem jeito, pois ela ainda está com o
dela. — Você tem o meu número e pode me contar tudo sobre o que aconteceu assim que quiser.
— ela sorri, assim que me afasto.
Reparo novamente nela e sorrio. Ela é uma mulher linda, com cabelos loiros como os de
Gabi, mas com os olhos castanhos claros que tem um brilho próprio. Tem um corpo magro e bem
curvilíneo, e realmente, está perfeita em um vestido de renda amarelo que delineia seu corpo. Seus
lábios estão em um nude meio rosado, mas seus olhos chamam atenção por conta da maquiagem
forte, e o cabelo está solto, caindo em cascatas loiras.
— Você vai arrasar. — digo e aperto sua mão. — Tenho que ir, antes que tenha um treco.
— Vai.
Abro a porta do carro e desço, e assim que me viro pra fechar a porta, vejo de leve um
sorriso em seu rosto, que fico feliz por estampar seu rosto.
Ela parte, deixando-me na calçada e eu encaro o restaurante a minha frente, o qual eu e
Ricardo tivemos nosso primeiro encontro, em muito tempo atrás. Sei bem que a administração
mudou, mas fiquei feliz em saber que é um dos Soares, alguns amigos de Ricardo.
Passo as mãos de leve pela minha blusa verde escura, que tem as mangas bem justas aos
meus braços, que dá um contraste perfeito com a calça de boca larga de estampa simples, mas
que ornou de forma impecável. Meus cabelos ruivos estão presos em coque alto meio bagunçado,
que segundo o cabelereiro é a última moda. Rio da lembrança e seguro minha bolsa. Só assim
lembro que deixei meu vestido branco e sapatilhas no carro de Fabiana, mas fico tranquila, pois
assim terei um motivo para vê-la e podermos conversar.
Ricardo escolheu esse lugar com um propósito o qual eu entendo perfeitamente. Ele quer
recriar nossas lembranças, de quando tudo era tão simples e calmo, tê-las em nosso presente. Por
isso escolhi uma roupa nada extravagante, mas deixei minhas sardas à mostra, como ele gosta,
querendo mostrar que me vesti pra hoje, pra ele, pra nós.
Entro no restaurante, e um homem loiro e alto vem até mim, recebendo-me.
— Há quanto tempo em, madame? — ele indaga e fico confusa, pois não o reconheço. —
Pedro Soares. — diz, como se lesse meus pensamentos.
— O que? — pergunto incrédula. — Como cresceu tanto, menino? — brinco e o abraço
com carinho.
— Passou um bom tempo desde que vi você e Ricardo, além disso, ele está indo ao
banheiro a cada cinco minutos, então, acho melhor ir até a mesa que separei pra vocês. — conta e
sorri de lado.
— Deus do céu! — digo, já ficando nervosa.
— Ei! — chama minha atenção. — Eu te levo lá.
— Vai ser o melhor.
Ele então vem ao meu lado e conta algumas coisas, para as quais apenas assinto, pois todo
meu foco está no homem sentado numa mesa mais afastada, no fundo do restaurante. Ele está
encarando o relógio no pulso esquerdo e passa as mãos pelos cabelos loiros, que já noto que
estão mais curtos. Assim que finalmente seus olhos encontram os meus, é como se perdesse o ar, e
meus passos parecem no automático, e quando vejo já estou frente a frente com ele.
— Oi. — diz baixinho e se levanta.
— Oi.
Escuto uma risada e me viro, vendo Pedro dar passos pra longe de nós.
— Isso é tão estranho. — digo e sorrio, sentando, e Ricardo faz o mesmo.
— É o melhor momento estranho da minha vida.
— Ricardo, a noite nem começou e você já quer me fazer chorar? — brinco e ele sorri de
lado, cafajeste como sempre. — Para com isso!
— O que? — indaga, como se não entendesse.
— Esse sorriso cafajeste já acabava comigo antes, e agora que tirou a barba... Sei bem
porque fez isso. — digo, pegando o cardápio e o abrindo.
— E eu sei bem porque suas sardas estão à mostra. — encaro-o. — É bom te ver, bela.
— É muito bom te ver também, Ric.
Aos poucos ele foca em seu cardápio e faz seu pedido, assim como eu.
— Agora me diz, por que estava indo de cinco em cinco minutos ao banheiro? — pergunto
e ele arregala os olhos. — Pedro me disse.
— Fofoqueiro. — zomba. — Bom, estou nervoso porque Levi cortou meu cabelo e não sei
se...
— O que? — quase grito.
— Sim, Levi sabe cortar cabelo. — sorri. — Aliás, ele já disse que será padrinho de novo.
— Ricardo! — xingo-o.
— O que? — pergunta fingindo-se de bobo.
— Eu não contei nem para os meus pais.
— Mas sabemos que não é segredo algum. — acabo concordando. — Aliás, minha
vontade é gritar pra todo mundo.
— Bobo. — digo e sorrio, encarando minhas unhas.
Logo sinto uma de suas mãos sobre as minhas.
— Esconder nossa felicidade não vai evitar a tristeza, bela.
— Por que? — pergunto e ele abre a boca pra responder, mas acho que interpretou
errado. — Por que sempre me chamou de bela?
— Ah, isso agora? Faz tantos anos...
— Seu pai me chamava assim por sua culpa. — digo, bebendo um pouco de água.
— Eu nunca te contei acho que por falta de oportunidade, ou porque sempre foi muito
natural pra mim, mas quem te deu esse apelido foi minha mãe.
— Como assim?
— Um dia na escola, quando tínhamos o que? Doze, treze anos? Você deixou cair uma foto
sua no chão do corredor, onde está sentada no balanço rindo.
— Aquela foto? Por que não me devolveu? — pergunto, lembrando-me do quanto procurei
por ela.
— Eu guardei, não sei explicar. Nisso, eu a escondia debaixo do travesseiro, acho que
sentia que me protegia.
— Isso parece um dos romances que li. — digo, interrompendo rapidamente sua fala.
— Mas é sério, eu sentia que me protegia e bom, nunca a tirei de lá até que minha mãe a
descobriu. Quando cheguei no quarto ela perguntou: Quem é essa menina tão bela?
— Tia Lorena sendo tia Lorena. — brinco e ele assente.
— Desde então eu só consegui chamar você assim. — dá de ombros. — Mas ao contrário,
você nunca me deu um apelido.
— Isso é verdade. Não tenho muita criatividade. — rio de mim mesma.
— Bela, quando pintava era incrível, e sei que ainda pinta algo...
— Nunca consegui perder a vontade, o sonho... Eu sempre amei pintar, e ter a galeria faz
parte disso.
— Mas e aquele artista que teve um problema? — pergunta, e tento disfarçar. Por que ele
perguntou justamente isso?
— Ah, Louise e eu demos um jeito. Aliás, você podia ir à exposição. — incentivo e ele sorri.
— Sério? — pergunta e eu assinto. — Faz muito tempo que não vou lá.
— Vai acontecer em duas semanas. — já aviso.
Nossos pratos chegam nesse instante, e então mesmo querendo segurar, acabo pedido
licença pra ir ao banheiro. Esses dias tenho feito xixi dobrado, mas meu médico disse que é
completamente normal.
Vou então até o banheiro que fica mais ao fundo do restaurante, e praticamente corro até
a cabine.
— Filha, você tá acabando comigo. — brinco, e finalmente sinto-me aliviada.
Dou descarga e nesse instante escuto uma risada estridente. Dou de ombros e saio da
cabine, dando de cara com a assistente de Ricardo, o que me deixa um pouco sem jeito. Mas às
vezes o Rio de Janeiro pode ser mesmo pequeno.
— Como vai Carla? — pergunta, e eu apenas sorrio, lavando minhas mãos. — Ricardo hoje
me disse com tanto pesar que teria que sair mais cedo, e que infelizmente não poderia ir ao meu
apartamento e...
Começo a gargalhar no mesmo instante e enxugo minhas mãos.
— Olha, Denise...
— É Débora. — corrige, mas eu dou de ombros, sentindo-me em um filme.
— Tanto faz. Eu sei que Ricardo é um homem lindo, e além do mais rico, isso chama muita
atenção. Mas tenha certeza de que aquele homem é meu. — digo e pisco pra ela, já querendo
sair do banheiro.
Sinto então meu braço sendo puxado pra trás, e encaro sua mão nele.
— Solta. — peço tentando me manter calma, e pensando que não posso dar uns tapas
nela por conta do meu bebê.
Quem realmente me conhece sabe que sou estourada, mas agora não é hora pra isso.
— Se fosse você não teria tanta certeza. — diz e sorri, mostrando seus dentes perfeitos.
— Olha, você é uma moça bonita, vai encontrar um cara legal. — digo e tento puxar meu
braço, porém ela não permite. — Só me deixa em paz, e sinta-se demitida.
Ela ri alto, e assim a porta do banheiro se abre, uma mulher loira de olhos azuis entra,
olhando entre mim e Débora.
— Algum problema aqui? — a loira pergunta.
— Tudo ótimo. — Débora diz e então solta meu braço. — Olha aqui empregadinha...
— Olha aqui você, sua vagabunda! — a loira diz e eu fico estática. — Eu te conheço há
tempos Débora, assim como ronda Pedro e o primo dele, sei que dá em cima de todos os outros
clientes ricos do restaurante. Você só entrou aqui hoje porque convenceu algum velho idiota pra te
trazer.
— Olha aqui...
— Ah, cala a boca! — a loira diz. — Sai logo daqui, antes que eu chame os seguranças.
— Quem você pensa que é Lola? — ela pergunta e fica cara a cara com a loira. — Não
passa da empregadinha que dá pro chefe e...
Escuto apenas o barulho do tapa e por dentro bato palmas, segurando a vontade de rir.
— Pra você é Paloma, e sobre dar para o chefe, pelo menos ele é solteiro e me quer, não
é? — indaga e Débora então a encara, e tenta revidar o tapa, mas a tal loira segura a mão dela
no ar. — Não, não! Vamos sair daqui!
Lola então sai praticamente arrastando Débora pra fora do banheiro e eu fico por um
momento estática, sem saber o que pensar. Mas tudo o que consigo fazer agora é rir, lembrando-
me da cena. Seja quem for essa Lola, ela foi incrível.
Escuto o barulho da porta novamente se abrindo e Lola entra, sorrindo.
— Me desculpe pelo transtorno, mas eu já estava sem paciência há meses com Débora.
Aliás, ela gritou um pouco quando a coloquei pra fora, dizendo que trabalha para o seu marido, e
se seu marido for aquele pedaço de mau caminho lá fora, minha filha, sei que ela não tem chance.
— O que? — pergunto já perdida.
— Sou Paloma Gerard, mas todo mundo me chama de Lola. Quer dizer, todo mundo menos
a Débora. Bom, eu meio que sou perspicaz com algumas coisas e me intrometo na vida das
pessoas, sinto muito por isso. Mas encontrei seu marido há um tempo no mercado perto de casa, ele
estava olhando para as bebidas sem saber qual comprar. Na hora eu fiquei pensando: que homem
como ele não sabe o que beber? Mas já senti que tinha algo a ver com mulher, e no caso, a mulher
é você. Espero que esteja tudo bem.
— Eu...
— Nem diz nada, vai lá com o teu homem. — diz e sorri. — É um prazer...
— Carla Gutterman! — me apresento e ela arregala os olhos.
— Meu Deus! Aquele lá é Ricardo, o irmão de Levi? — pergunta e eu assinto.
— Por quê?
— É que minha melhor amiga é enrolada com o irmão da Melissa, ex-mulher do Levi. —
explica meio sem jeito e eu sorrio.
— Sim, somos uma bagunça. — sorrio.
Não sei por que, mas a loucura dela me faz sorrir, pois parece pura e sincera. Além de
parecer muito com a minha.
— Bom, espero que isso não faça você odiar o restaurante, e, aliás, vou pedir para
preparem a melhor sobremesa, por conta da casa. — diz e pisca pra mim.
— Não precisa, já...
— Claro que precisa. — dá de ombros. — Tenho que voltar, pois sei que vou ouvir algumas
idiotices daqui a pouco. Até mais, Carla!
— Mas...
Ela então sai, e me deixa completamente perdida dentro do banheiro. Sorrio, e saio
também, e de relance vejo ela e Pedro subindo as escadas para o segundo andar do restaurante,
e começo a interligar tudo. Mas assim que vejo Ricardo sentado, no mesmo lugar, parecendo
perdido, encarando seu prato, meu foco muda. Apenas penso nele, e bom, que tenho que falar
sobre a demissão da Débora.
Porém, isso pouco importa agora, pois tudo o que quero, é uma noite tranquila ao lado
dele.
Bônus

Paloma (Lola)

— Me solta! — Débora diz, e eu a ignoro, indo pela cozinha, e colocando-a pra fora,
pela porta de trás do restaurante. — Eu vou falar com Pedro e isso...
— Ah, faça-me o favor, Débora! — reviro os olhos. — Ok, transou com Pedro e blá blá. E
daí? Isso não muda nada.
— Assim como não mudou pra você, né empregadinha? — zomba e sorri, com o rosto
vermelho do tapa que dei.
Dou um sorriso forçado, e já me viro pra entrar no restaurante, mas consigo ouvir suas
palavras.
— Sempre será apenas mais uma pra ele.
Fecho a porta atrás de mim e respiro fundo, então um dos ajudantes da cozinha passa e
me encara um pouco sem jeito. Abro um sorriso falso e já tento sair dali de perto, mas assim que
dou dois passos para ir até meu escritório, escuto a voz de Pedro.
— Merda! — sussurro baixinho.
— Merda é o que o senhor que está sozinho na mesa esperando Débora voltar vai pensar
desse restaurante. — diz, então me viro pra ele.
Malditos olhos claros!
Maldito cabelo sempre penteado!
Maldita barba por fazer!
— Ah. — dou de ombros, fingindo-me de desentendida. — Não fiz nada demais.
— Lola...
Saio andando em direção ao segundo andar, e subo rapidamente, tentando o mais rápido
possível ficar longe dele. Sempre é assim, uma briga e...
Abro a porta do meu escritório, e antes que eu possa fechá-la, ele entra também,
praticamente me derrubando.
— O que quer ouvir, Pedro? — pergunto e ele leva as mãos à cabeça, claramente nervoso.
— Débora estava incomodando uma cliente no banheiro, dizendo barbaridades. Queria que eu a
deixasse aqui, causando na frente de todos?
— E você pode causar? — devolve a pergunta e eu gargalho.
— Carla adorou o que fiz, aliás, se está tão incomodado, devia ligar para Débora. Ela
está louca esperando uma ligação sua. — implico, e me viro, pegando minha bolsa sobre a mesa.
— Sabe muito bem que a única mulher que quero... — ele me prensa contra a mesa e eu
respiro fundo. — É você. — sussurra em meu ouvido.
— Olha, ele e o papo maluco sobre a noite que transamos. — digo e me viro pra ele. —
Aquela noite não foi nada, sabe disso.
— Eu sei que você foge de mim desde aquela noite, e não entendo por que.
— Porque eu cansei. — digo e abro um sorriso falso, tocando em seu rosto. — Aliás, eu
tenho que encontrar alguns fornecedores e você cuidar do restaurante, querido sócio.
— Nós ainda vamos falar sobre aquela noite. — diz e eu tiro a mão de seu rosto, saindo
de perto dele. — Isso é uma promessa, Lola!
Abro a porta do escritório e fico estática por um instante.
— Mais uma promessa que vai quebrar... — digo baixinho, e saio, deixando pra trás o
homem que amo, mas que infelizmente, nunca me olhou antes de tudo.
Capítulo 24

Carla

Entro no carro e coloco o cinto em torno de mim, com o nervosismo já percorrendo todo
meu corpo. A noite foi perfeita, até mesmo com o episódio no banheiro. Ainda não contei para
Ricardo o que houve, não por querer fugir disso, mas porque simplesmente não paramos de
conversar a noite toda. Sobre nós, de como nos sentimos, e de como tudo está diferente agora,
como se finalmente tivéssemos nos reencontrado.
— Posso? — pergunto, mostrando a ele meu celular, e ele assente, sabendo o que quero.
A música começa e eu deixo o celular sobre o painel do carro, e de repente, apenas sinto a
mão direita de Ricardo em minha coxa, apertando-a de leve. Levanto meu olhar, e o assisto dirigir,
e sei que lá no fundo ele se segura pra não cantar, mas assim que a música chega na parte que
quero, eu quem começo:
— “Me fiz em mil pedaços pra você juntar
E queria sempre achar explicação pro que eu sentia
Como um anjo caído, fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira
Mas não sou mais...
Assim, escuto sua voz junto a minha, e nada parece ser tão incrível do que esse momento.
“Tão criança
Oh, oh
A ponto de saber tudo

Já não me preocupo se eu não sei por que


Às vezes o que eu vejo quase ninguém vê
E eu sei que você sabe quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você

Tão correto e tão bonito


O infinito é realmente um dos deuses mais lindos
Sei que às vezes uso palavras repetidas
Mas quais são as palavras que nunca são ditas?

Me disseram que você


Estava chorando
E foi então que eu percebi
Como lhe quero tanto”
(Quase sem querer – Legião Urbana)

A minhas músicas continuam tocando, e no caminho todo até em casa, Legião Urbana encheu
nossos ouvidos, com as músicas que sempre amamos escutar.
Assim que ele estaciona o carro, vejo que suspira fundo, mas não diz nada. Sinto falta de
sua mão em mim e não sei o que dizer, nem como agir. Ele sequer sabe que Rafael não está em
casa, pensa que deixei nosso filho com alguma babá. Mal sabe também que eu perguntei ao
médico se poderia ou não ter algum tipo de relação sexual, e para a felicidade minha e de todos
meus hormônios a flor da pele, a resposta foi sim.
— Ric...
— Ele não tá em casa, não é? — pergunta e tira seu cinto, virando seu olhar pra mim. —
Eu te conheço, bela. Cada pedacinho seu.
Fico sem palavras e ele vem até mim, tirando meu cinto, e quando me dou conta, ele já
abaixou o seu banco e me puxa para seu colo, deixando-me sobre ele.
— Merda. — resmunga e sem que ele possa parar pra pensar, eu o beijo.
Sinto nesse instante meu corpo ferver, enquanto suas mãos me tocam por todos os lados.
Deixando-me a beira do abismo a cada segundo que se passa, e fazendo com que eu sequer me
importe se estamos dentro do carro ou não.
Apenas paramos de nos beijar quando precisamos respirar, mas Ricardo não para,
beijando todo meu pescoço e colo. Sinto meus dedos formigarem, e sem pensar duas vezes, puxo
sua camisa com força, fazendo com que todos os botões estourem, deixando seu torso nu.
— Merda, precisamos sair desse carro. — diz e respira fundo, enquanto eu beijo seu
pescoço e arranho seu peitoral.
— Eu não consigo nem raciocinar. — sou sincera e ele ri, fazendo-me rir também.
— Vem, bela! — diz, e então abre a porta do carro.
Sem que eu entenda como, ele me coloca do lado de fora do carro e logo sai, e sem me
dar tempo para dizer algo, me coloca com cuidado contra a primeira parede que encontra,
roubando-me mais um beijo.
— Ric... — digo, enquanto ele beija meu pescoço e tenta a todo custo tirar minha blusa. —
Estamos na garagem e...
Ele então gargalha na curva do meu pescoço, puxando minhas pernas para sua cintura, na
qual as entrelaço.
— Vamos pra dentro. — diz e então, a beijos desesperados, conseguimos finalmente entrar
em casa, e aos poucos, tirando cada peça de roupa, chegamos nus até nosso quarto.
Assim que nos encontramos assim, nu frente um ao outro, eu toco seu rosto, analiso sua face,
e guardo cada detalhe dele. Eu sei que ele está se segurando, o conheço bem, mais do que bem.
Fomos os primeiros e únicos um do outro, então como eu não poderia saber sobre o corpo que
sempre me levou ao céu?
— Bela...
— Shhh. — digo e empurro-o na cama, fazendo-o cair sentado.
— O que está fazendo? — pergunta e sua voz está ainda mais grossa do que o normal.
Subo na cama, e faço com que ele se deite, e assim começo a desenhar com meus dedos e
boca cada pequena parte de seu corpo. A cada beijo ouço um suspiro ainda mais alto, e sei que
ele está realmente no limite, pois eu o provoco, do jeito que sei que adora e odeia ao mesmo
tempo.
— Não! — diz de repente, e logo sinto meu corpo caindo contra o colchão, e ele está por
cima de mim. — Hoje eu quero marcar você também, bela. Quero beijar e contar cada pequena
sarda desse corpo, dessas curvas que eu amo tanto. — diz e eu solto um suspiro, enquanto ele
morde o lóbulo da minha orelha. — Esperaria mil vidas pra fazê-la minha de novo.
— Sou sua por inteira hoje, amor. — digo, soltando de vez a pequena palavrinha que
guardei por tanto tempo.
— Eu sei, hoje eu tenho certeza. — ele entrelaça nossos dedos e me encara, o verde dos
seus olhos deixando-me completamente extasiada. — E amanhã, bela? Amanhã eu ainda serei o
seu amor?
— Você sempre foi, Ricardo. — digo e ele encosta sua testa na minha. — Você sempre
será.
Ele então não me dá tempo de dizer mais nada e coloca minhas mãos pra cima, deixando-
as na posição que quer, deixando-me a mercê dele. Antes que eu possa raciocinar, ele desce até
minha barriga e deposita um beijo de leve, deixando claro que ele está aqui, ou melhor, sempre
esteve, e sempre estará.
Não consigo me conter e mexo minhas mãos, puxando-o pra mim, e o beijando, marcando
esse instante. Ele também não se aguenta e junta nossos corpos, fazendo com que encontremos a
nossa utopia. É insano, irreal, e imediato. Ele me ama como nunca fez antes, e eu faço o mesmo.
Muito além de um encontro de corpos, muito além de que um casal fazendo sexo. É um encontro de
almas, eu sei, sinto isso. E ele também sabe que é a minha alma gêmea.
Capítulo 25

Carla

Assim que abro os olhos suspiro fundo, sentindo o calor de Ricardo ao meu redor, e
podendo olhá-lo assim, tão de perto. Ele suspira fundo em seu sono, enquanto eu o observo. Passo
as mãos de leve por seu peito, sentindo-me queimar e sabendo que isso não tem volta, nem fim.
Ontem nos entregamos da forma que sei que jamais conseguiria fazer com outro homem, ou
poderia chegar a pensar em outro.
— Devo ficar assustado? — pergunta de repente, com um sorriso no rosto, mas sem abrir
olhos.
— Ricardo! — xingo-o, sem acreditar que estava acordado todo o tempo.
— Estou sendo vigiado faz alguns minutos. — brinca. — Qual a sensação, bela?
— Do que? — pergunto, e escoro-me em seu peito, ele abre os olhos e sorri.
— De estar na cama comigo. — pisca e eu dou um tapa em seu peito. — Mas sério, sem
arrependimentos?
— Nenhum sequer. — digo e sorrio pra ele, beijando de leve sua boca. — E você?
— Não precisa nem fazer essa pergunta, sabe disso. — diz e sorri de lado.
— Aliás... Vai ter que contratar outra assistente. — ele faz uma careta.
— De novo essa implicância, ou seriam, ciúmes de Débora? — brinca.
— Não, amor, a questão é que ela me confrontou no banheiro ontem dizendo bobagens a
respeito de vocês dois... — ele arregala os olhos. — Lola, uma das sócias do restaurante
felizmente apareceu e a tirou de lá.
— Mas o que ela fez? Ela...
— Eu queria ter dado uns tapas nela, mas não posso me estressar... Então Lola resolveu
tudo. — digo e ele sorri, levando uma das mãos até a cabeça.
— Eu não imaginei que Débora faria isso. — diz incrédulo.
— Pois é, acho que ela se encantou pelo chefe. — brinco.
— Hum, mas admita, estava com ciúmes, não é, bela? — provoca
— Claro que não. — minto e dou de ombros, já tentando levantar da cama.
Ricardo é mais ágil que eu, e quando vou ver ele já me pegou em seu colo e me levou até
o banheiro. Completamente nus, ele abre a ducha que cai quente sobre nós. Fecho os olhos, com a
sensação de seu corpo grande atrás de mim, e ao mesmo tempo, a água quente lava meu corpo.
— Senti falta de nossos banhos. — ele diz baixinho em minha orelha. — Qual será a
música de hoje? — pergunta brincando.
— Se eu puder deitar na banheira, podemos cantar várias. — instigo-o.
Ricardo então coloca a banheira pra encher, e eu aproveito apenas para deixar a água
quente da ducha deixar meu corpo um pouco mais desperto, mas sinto como sempre aquele frio na
barriga, sabendo que vou reviver um dos momentos juntos que sempre amei.
— Vem. — ele diz baixinho, sentando-se na banheira.
Desligo a ducha e vou até ele, o qual estende a mão e pega a minha. Ajeito-me e sento a
sua frente, descansando minha cabeça na curva do seu pescoço. A espuma já cobre meus seios,
enquanto Ricardo massageia meu corpo.
— O que está pensando? — pergunta baixinho.
— Acho que não tô conseguindo raciocinar. — sou sincera, e ouço seu riso baixinho.
— Eu nunca poderia olhar pra mulher alguma que não fosse você. — sussurra.
— Você sempre foi bom com as palavras. — digo, entrelaçando nossos dedos, vendo o
contraste de nossas peles.
Ricardo sempre foi mais bronzeado, daquele jeitinho que parece que corre todos os dias
pela praia. Eu pelo contrário tenho a pele clara que chega a ser pálida, e tudo o que consigo no
sol é vermelhidão. Rio sozinha, encarando nossas alianças, sabendo agora o quanto me
arrependeria se assinasse os papéis do divórcio... Se o perdesse.
— Eu te amo. — digo, virando-me para seu pescoço e depositando um leve beijo ali. —
Amo tanto que chega a doer. — sou sincera e ele então toca meu rosto, aproximando-o do seu.
— Eu te amo tanto, bela. — toca em meus cabelos molhados. — Cada pequeno detalhe...
Eu sei agora que nunca iria conseguir te perder, que apesar de tudo, fomos feitos um pro outro.
— Gosto muito de te ver leãozinho... — canto baixinho, próximo a sua boca, tocando seu
rosto. — Gosto muito de você leãozinho.[8]
Ele sorri adoravelmente, e eu viajo para quando ainda éramos simples crianças e
cantávamos essa música, enquanto eu bagunçava seu cabelo.
— Linda. — diz e me dá um leve beijo. — Sabe o que me faz lembrar de nós?
— O que?
— Queen. — diz e dá de ombros. — Senti tanta falta de ouvir você cantando as músicas
deles...
— Eu queria mesmo é ouvir você cantar Ana Carolina pra mim novamente. — intervenho,
tocando seu rosto, já me sentando em seu colo.
— O que você quiser, bela.
Ele então faz um sinal com a cabeça e eu me levanto com sua ajuda, e ambos nos cobrimos
com roupões. Seco de leve meus cabelos e saio com uma toalha enrolada neles, enquanto Ricardo
vai até o closet, e logo volta com seu velho violão, o qual eu sequer sabia que ele ainda tinha.
— Ainda tem a minha marca. — digo, chegando mais perto e vendo minha inicial, a qual
cravei há muito tempo ali.
— Sempre terá, bela.
Ele beija minha testa, e então se senta na cama, ajeitando o violão em seu colo.
— Posso escolher a música hoje? — pergunta e eu assinto, sentando-me em uma poltrona a
sua frente.
Mordo meu lábio encarando o homem na minha frente. Como pude não me permitir viver
isso antes? Mas mesmo assim, não trocaria nenhum detalhe, para poder estar assim, com ele deste
modo, a minha frente.
— Eu cantei por muitas noites ela, sozinho, imaginando você e eu juntos, novamente. — diz
e começa a tocar, e eu fico aqui, parada, vendo-o perdido em sua inspiração.
Sim, eu amo demais esse homem.

Ricardo

Levanto meu olhar por um instante e a encontro estática, apenas me encarando, como se
tivesse vivendo esse mesmo sonho que eu, mas que felizmente, tornou-se uma realidade. Respiro
fundo e assim começo, colocando tudo o que sinto – como próprio Renato que fez essa versão para
português diria – numa das músicas mais cafonas, mas que é linda.
— “Ela passou do meu lado
"Oi, amor." - eu lhe falei.”
Carla arregala os olhos e sorri de lado, sabendo bem da música que canto. Nós assistimos
dezenas de vezes esse mesmo dvd acústico da Legião Urbana, onde eles tocam essa música. Assim
continuo:
— "Você está tão sozinha
Ela então sorriu pra mim...

Foi assim que a conheci


Naquele dia junto ao mar
As ondas vinham beijar a praia
O sol brilhava de tanta emoção
Um rosto lindo como o verão
E um beijo aconteceu”

Carla então começa a cantar junto a mim, e logo estamos novamente perdidos dentro de
nosso próprio mundo, revivendo e recriando lembranças de nós dois.
“Nos encontramos à noite
Passeamos por aí
E num lugar escondido
Outro beijo lhe pedi

Lua de prata no céu


O brilho das estrelas no chão
Tenho certeza que não sonhava
A noite linda continuava
E a voz tão doce que me falava
"O mundo pertence a nós!"

E hoje a noite não tem luar


E eu estou sem ela
Já não sei onde procurar
Não sei onde ela está

Hoje a noite não tem luar


E eu estou sem ela
Já não sei onde procurar
Onde está meu amor?”
[Hoje a noite não tem luar – Legião Urbana (versão). Original: Hoy Me Voy Para México -
Menudo]

Termino os acordes e então coloco o violão de lado, encarando a mulher que amo, sentada
a minha frente, com as pernas cruzadas. Ela então se levanta e vem até mim, ficando a minha
frente.
— O que foi? — pergunto, notando seu olhar um pouco distante, mesmo que o brilho
permaneça ali.
— Obrigada. — diz e toca meu rosto.
Passo as mãos por sua cintura e logo toco sua barriga, ficando emocionado de saber que
temos mais essa chance, e que podemos ter quantas mais quisermos, o que basta, é nunca desistir.
— Pelo que? — pergunto, abaixando-me e beijando sua barriga de leve. Volto meu olhar
pra ela, que mexe em meu cabelo.
— Por não ter desistido, por ser tão forte por nós. — diz e suspira fundo. Tocando de leve
sobre a cicatriz que tenho em meu abdome. — Por sempre ter sido meu.
— Bela. — digo e toco seu rosto. — Nenhum de nós foi fraco nessa história, apenas
cometemos erros como tantos casais, e infelizmente, caímos em armadilhas que estavam fora de
nossos olhares.
— Eu nunca consegui acreditar que realmente dormiu com ela. — toca meu rosto. — Eu
sempre soube, lá no fundo, que algo nessa história estava errado.
— Passado, bela. Lembra, passado...
— Parte de nós, e que um dia vamos ter que conter a Rafael. — diz com pesar. — Mas
agora não quero pensar nisso.
— Não? — indago, sem entender a mudança em seu olhar.
— Bom, tenho apenas dois pedidos para você, amor.
Ela me chama assim e meu coração dá pulos no peito, assim como meu corpo, o qual se
acende. Quanto tempo esperei por isso?
— O que, bela?
— Primeiro, que demita Débora. — diz e finge uma falsa inocência, fazendo-me rir.
Só eu e Rafael sabemos o quanto essa mulher é completamente adepta a uma boa briga.
— Isso já pode considerar feito. — digo e a encaro. — O que mais?
Ela então coloca as mãos sobre meu roupão e puxa o laço, deixando meu corpo um pouco
exposto.
— Ops. — diz e puxa mais um pouco, finalmente tirando tudo.
— Bela...
— Você. — diz e me empurra contra a cama, tirando seu roupão e ficando nua. — Só
você.
— Sou todo seu, bela. Apenas seu.
E nesse momento ela me beija, deixando-me sem ar. Acho que era isso que meu pai queria
dizer quando contava que a mulher da nossa vida faria tudo fazer sentido, mas ao mesmo tempo
nos deixaria bobo. Pois por Carla, sou completamente assim, bobo ao extremo.
Capítulo 26

Semanas depois...

Carla

— Ah meu Deus, não! — grito, tentando fugir, porém Rafael me acerta com a bexiga
d’água, que me deixa toda molhada.
Passo as mãos pelo meu vestido largo vermelho, e encaro meu filho de modo ameaçador.
Ele corre na outra direção do jardim enquanto Ricardo gargalha da minha cara, claramente
adorando a cena.
— Muito engraçado, senhor Ricardo. — digo, e pego uma bexiga com água no chão.
— O que? — faz-se de inocente. — Ele que acertou você.
— Não deixa ela me pegar, pai! — Rafael grita, e sei que está do outro lado da casa.
— Bela, sabe que...
Não dou tempo dele dizer nada e jogo a bexiga com força que acerta em cheio seu peito
nu. Gargalho alto e logo Rafael aparece, vindo até mim e me abraçando com cuidado, tocando de
leve em minha barriga.
— Mana, o papai se ferrou! — diz baixinho.
— Rafael! Olha a boca! — chamo sua atenção.
Viro-me e apenas vejo uma bexiga acertar Rafael com força que cai no chão. Gargalho
ainda mais e não me aguento em pé, tendo que sentar na grama do jardim. Ricardo vem até nós e
se senta atrás de mim, enquanto Rafael fica estirado na grama, acho que com preguiça de
levantar.
Desde as dez da manhã que estamos nessa brincadeira, claro, eu me escondendo atrás de
Ricardo, mas parece que o jogo virou.
— Assim fica difícil. — Ric diz, e me puxa pra ele, deixando minhas costas de encontro ao
seu peito.
Ele passa de leve a mão em minha barriga já maior, e que a cada dia fica mais no formato
redondo, deixando-nos encantados.
— Ela tá crescendo tão rápido. — diz e eu sorrio.
— E se for um menino? — instigo-o, mas quem responde é Rafael:
— Eu sonhei com ela, mamãe.
— Como assim, querido? — pergunto sem entender, olhando para Rafael que parece preso
em seu próprio mundo, encarando o céu azul.
— No meu sonho, ela era ruiva como a senhora e ria de alguma coisa que a senhora dizia.
Eu fiquei perguntando o nome dela, e quando ela disse, eu acordei. — conta e dá de ombros.
Olho pra trás, encontrando os olhos verdes de Ricardo que parecem encantados.
— Eu realmente não me importo, se será menina ou menino. — digo, passando a mão pela
minha barriga, onde Ricardo deposita sua mão. — Quero que tenha saúde e possamos cuidar
cada dia mais.
— Isso vai acontecer, bela. — Ricardo diz baixinho. — Tenha fé.
— Eu tenho, amor. — digo, e fecho os olhos, mandando os medos e inseguranças pra longe.
— É o que mais preciso agora.
— Precisamos, bela. Não está sozinha nessa, nunca mais estará.
Ele então me abraça, e logo Rafael se levanta e senta-se no meio das minhas pernas.
Ficamos os três, ou melhor, quatro, assim, juntos, numa família completa. Não consigo evitar que uma
lágrima solitária desça por meu rosto, pensando nos dois bebês que perdi, e como eles seriam
lindos hoje, mas sei que os planos da vida são assim... Incontroláveis. Mas hoje, seja o que for, sei
que não estou sozinha, de forma alguma. O paraíso pode ser na aqui na terra, hoje sei, basta
darmos uma chance.

Ricardo

— Sabe que é o homem mais maravilhoso do mundo, não é? — ela pergunta animada e
beija meu rosto com força, pegando o pote cheio de morangos que já lavei, e começando a comer.
— Falei com sua mãe há algumas horas. — conto e ela sequer me encara, sentando-se na
bancada e devorando morango a morango. Sorrio sozinho. — Ela me disse que essa coisa de
desejo é puro mito, que na verdade...
— Se a sua filha nascer com cara de alguma comida será por sua culpa e dela. — Carla
diz enquanto come, e na realidade eu tenho que adivinhar suas palavras.
— Bela...
— Nada de “bela”, Ricardo. — diz e me encara. — Sabe o quanto esses morangos estão
deliciosos? Deus! Estes são os melhores!
— Como vou saber? — pergunto e chego mais perto dela, fingindo querer colocar a mão
no pote.
— Ei! — chama minha atenção e puxa o pote pra mais perto dela. — São meus!
— Egoísta. — zombo e ela me mostra língua, mostrando toda sua maturidade.
Sento-me então a sua frente, e fico apenas vendo-a comer. Rafael está perdido em seu
vídeo game doido por um novo jogo que compramos. Carla está em nervos, e a cada consulta que
se passa o médico ao menos nos diz que tudo está bem. Mas com a tal exposição surpresa da
galeria que não aconteceu há três semanas e teve que ser adiada, ela tem passado muito tempo
longe de casa ou trancada em seu escritório resolvendo algo, o que tem me deixado louco de
preocupação.
— Ah, sabe quem eu encontrei hoje? — Carla pergunta e eu nego, rindo da sujeira em sua
boca. — Que foi?
— Está toda suja. — digo o óbvio, e ela dá de ombros.
— Bem-vindo ao mundo dos casamentos, onde realmente ficamos nus para alguém, de
todas as formas. — zomba e arqueia uma sobrancelha. — Sua ex assistente.
— O que tem ela? — pergunto sem entender.
— Estava comprando umas coisas e, enfim... Ela foi quem me atendeu, e acredite ou não, foi
super educada. — diz e sorri de lado.
— Quando a demiti, ela disse que a tal Lola a agrediu e que processaria a moça. — conto,
e Carla gargalha alto.
— Lola foi incrível, e precisamos voltar ao restaurante nem que seja apenas pra eu
conversar com ela alguns minutos. — diz empolgada, o que me deixa feliz.
Nós nunca fomos chegados a ter amigos, por questões acho que pessoais. Toda confusão
que era nossa vida, acho que sempre nos influenciou sobre nos aproximar de outras pessoas, mas
hoje, acho que estando leves, tudo parece mais fácil, até mesmo nesse quesito.
— Aliás, Fabi vem aqui amanhã. — me informa e eu apenas assinto. — Não vai me
perguntar por quê? — indaga.
— Por que, bela? — brinco, e ela joga um pano de prato que estava ao seu lado em mim.
— Vai trazer Gabi pra brincar com nosso filho, e bom, vamos conversar. Mas não é isso que
importa.
— O que importa, mulher? — pergunto, já sem entender nada.
— Luís está feito um idiota atrás dela, e Fabi está firme em sua decisão. — conta e eu
arregalo os olhos. — Sim, ela vai se mudar da casa deles, e falta apenas contar a Gabi sobre.
Acho que ela quer que eu dê alguma dica de como fazer isso.
— Você é a pior pessoa do mundo pra dar conselhos, Carla. — gargalho.
— Eu sei! — diz e solta o pote, levando a mão aos cabelos. — O que é que vou dizer pra
ela?
— Que é melhor contar agora do que depois? — sugiro e ela faz uma careta. — O que?
— Você é tão péssimo quanto eu. — revira os olhos. — Enfim, eu acho que ela ainda gosta
de Luís, mas não ama... Não sei lidar com essas coisas, Ric.
— Pede ajuda pra Lola, quem sabe ela não tem uma dica.
— É claro! — praticamente grita e eu gargalho mais. — Você vai cuidar das crianças,
enquanto eu e Fabi vamos ao restaurante. Aquela Lola ama dar conselhos que nem pedimos, ela
deve conseguir ajudar.
— Você fala de Lola como se apenas ela fosse assim. — digo o óbvio e ela franze o
cenho. — Carla, você praticamente obrigou Fabiana a entrar aqui em casa, fez a mulher ir ao
shopping com você, e agora se tornaram melhores amigos.
— Foi espontâneo. — diz de relance.
— Mas eu sempre amei isso em você. Sempre dizia o que vinha na telha, e nunca pensava
pra falar.
— Ao menos hoje eu penso um pouco mais, senão eu já teria mandado todo mundo da
organização da exposição para a...
— Mãe! — Rafael grita da sala.
— O que? — Carla grita de volta.
Fico parado em meio ao momento de loucura dos dois.
— Nada de palavrão. — ele grita, e Carla bufa.
— Obrigada, filho!
— Pelo que?
— Porque assim não preciso colocar mais dinheiro no seu potinho dos palavrões. — ela
então gargalha e escuto um grunhido de meu filho.
— Vocês dois são tão bobos juntos. — brinco.
— Olha quem fala. — ela revira os olhos, abre a boca pra dizer algo, mas simplesmente
para.
Vejo que leva a mão até a barriga e eu fico estático.
— O que foi, bela? — pergunto assustado, e Carla leva as mãos ao rosto, já com lágrimas
nos olhos. — Não, querida, vai ficar tudo bem... Vamos agora para o hospital e...
Levanto-me atordoado e já começo a procurar a chave do carro na sala, praticamente
correndo. Rafael me vê, então corre no mesmo segundo para a cozinha. Corro atrás dele também,
já preparado pra pegar Carla no colo, mas a cena que me aguarda é inusitada. Carla não
parece chorar de medo, tristeza ou dor... Além disso, Rafael está com a mão em sua barriga e sorri
amplamente.
— Amor...
Vou até eles a passos incertos, e quando chego a sua frente, como se fosse automático, levo
minha mão a sua barriga. Um segundo deixa-me perplexo, e mais um segundo se passa e meu
coração dispara, mais um e não consigo fazer nada além de chorar. Cada segundo equivalente a
um chute de nossa filha.
Levanto meu olhar pra Carla e vejo que ambos estamos chorando. Mas não tem como não
ser assim, é tão incrível sentir isso, saber que nossa pequena está realmente aqui conosco.
Infelizmente ainda não conseguimos confirmar que é uma menina, já que nossa pequena tem ficado
com as perninhas bem fechadas, mas a certeza em nossos corações já é grande demais, e seja o
for, sei que seremos nós.
Capítulo 27

Carla

— Isso, perfeito! — digo, já batendo palmas, e Louise sorri pra mim.


— Acho que ele vai amar.
— Acha mesmo? — pergunto, olhando ao redor e encarando as várias fotos e quadros.
— É diferente, uma exposição cheia de cores que transmitem muito sentimento, além de
pinturas, temos fotos. — diz e pisca pra mim.
— Louise! — digo envergonhada.
— Sei que não vai abrir pra mais ninguém, chefa. Aliás, fico muito feliz em saber que
resolveu tomar essa decisão.
— Por quê? — pergunto, indo até meu escritório e escuto os saltos dela me seguindo.
Sento em minha cadeira e já abro o notebook, pensando nos últimos detalhes que preciso
preencher.
— Seu marido com certeza ficaria sem jeito diante de tudo isso. Mas cá entre nós, imagine
a quantidade de mulheres que morreriam por ele após ver tudo isso? Não só mulheres, homens
também.
— Eu realmente não sei por que não te demito. — brinco e ela sorri descaradamente.
— Porque sou sincera, e adora isso em mim.
— Pior que sim.
— Então, precisa de mais alguma coisa? — pergunta e eu já nego, fechando o notebook e
pegando minha bolsa. — Liberada?
— Por completo. Tire a semana toda pra você e seu novo namorado. — digo e ela
arregala os olhos. — Sim, não é brincadeira.
— Ah nem acredito! — praticamente grita e me abraça. Ela vê que se excede e logo se
afasta de minha barriga. — Ah, mil perdões, princesinha.
Rio pra ela, a qual me acompanha até a saída da galeria e logo a trancamos. Passo as
mãos pela minha barriga e ando até meu carro, dando um tchau de longe para ela. Louise foi um
anjo que caiu em minha vida, desde o primeiro momento em que veio na entrevista para este
emprego. Ela tinha acabado de começar a faculdade de artes visuais, e não tinha experiência
alguma, mas se tem algo que essa mulher de cabelos encaracolados num cobre sem igual tem, é
sinceridade. E isso, foi o que me fez contrata-la como estagiária na época, e hoje, ser meu braço
direito, e esquerdo às vezes.
Entro no carro e me ajeito melhor, passando as mãos pela minha barriga já bem grande,
que é marcada pelo vestido preto que uso. Meus sapatos de salto foram deixados de lado há
tempos, já que não queria correr risco algum de poder cair com eles. Passo as mãos por minha
barriga e sorrio sozinha, pedindo pra que meu bebê seja bonzinho comigo hoje. E que apesar do
que vou fazer Ricardo não fique bravo. Pela primeira vez estou fazendo algo pra ele,
demonstrando meu amor. Não quero errar, não agora.

Ricardo

— Como conseguiu organizar tudo isso? — pergunto abismado, e Fabiana apenas sorri.
— Senhor... — reviro os olhos e então ela bate na pasta, entendendo o que quero dizer. —
Ricardo, eu sempre fui boa em organização.
— Mas mulher, isso aqui está impecável. — digo, olhando para todas as minhas pastas
organizadas por cores e nomes em um grande almoxarifado onde fica toda burocracia de meu
escritório. — Não me faça aumentar seu salário assim tão rápido. — brinco e ela sorri de lado.
— Precisa de mais alguma coisa? — pergunta, solícita como sempre e eu nego. — Pode ir
pra casa já.
— Mas senhor, quer dizer, Ricardo, ainda são três da tarde e...
— Fabiana, se tem uma coisa que eu não faço é prender alguém no emprego sem ter
necessidade. Acredite, teremos dias cheios, mas enquanto meu bebezinho não nascer, vou manter
tudo aqui na mais perfeita calmaria, e você pode aproveitar.
— Obrigada então. — ela se vira pra sair, mas logo para na porta, virando-se pra mim.
— Carla pediu pra te avisar algo, que vai ficar presa na galeria, por conta da exposição de hoje,
alguns últimos detalhes em uma reunião... Não entendo bem disso, nem de arte, mas parece ser
importante.
— É, justo hoje que pensei em busca-la mais cedo. — passo as mãos em meu rosto e
respiro fundo. — Obrigado por avisar, Fabiana.
— Não foi nada. Até segunda, então!
— Até.
Ela sai e eu fico sozinho, encarando meio perdido a organização em que ela deixou tudo.
Eu realmente não conseguiria deixar as coisas de tal forma. Meus pensamentos então vão longe e
penso em minha mulher, e na consulta que teremos semana que vem, em que sinto que finalmente
teremos a certeza de que é uma menina, nossa pequena menininha.
Os sonhos que tenho tido com meus pais, apenas me fazem acreditar ainda mais nisso.
Nunca fui um homem de religiões, mas a fé que tenho sempre me fez crer que o amor entre as
pessoas pode chegar a ser tão forte que ultrapassa barreiras, até mesmo a própria morte. Sorrio,
lembrando-me do sorriso que minha mãe mantinha, estando ao lado de meu pai. Eles gritaram um
nome: Angelina. Não sei por que, mas ficou fixo em minha mente... Angel, minha pequena Angel.
Mal vejo a hora de poder tê-la em meus braços.
Às vezes paro pra pensar que pode ser um menino, e Ângelo também me parece um nome
lindo, assim como tenho certeza que nosso bebê será. Tudo o que tenho pedido aos céus é para
que venha com saúde e que Carla não sofra nenhuma complicação. Até então sua gravidez tem
sido tranquila e tudo está nos conformes, mas são coisas as quais às vezes não temos controle,
essas coisas que me aterrorizam. Porém, foco no presente, no dia a dia que tenho tido ao lado
deles. Carla voltou a ser aquela mulher que eu tanto amava, mas ao mesmo tempo, sua maturidade
está intacta, demonstrando toda sua força, porém não poupando ou impedindo seus sorrisos.
Pego meu celular e tento ligar pra ela, mas como o aviso de Fabiana deixou implícito, vai
direto pra caixa postal.
— Droga de exposição! — xingo e fecho o almoxarifado, sentando-me em minha cadeira e
encarando o nada por alguns segundos.
Escuto uma conversa vinda do lado de fora da minha sala e mudo o foco no mesmo
segundo.
Um cliente, perfeito! Isso que precisava.
Sorrio no mesmo instante, porém mudo minha expressão quando consigo ver pela minha
sala que é de vidro, que me deixa enxergar perfeitamente o que acontece do lado de fora –
onde minha assistente, no caso, Fabiana tem uma mesa, mas que não consegue ver nada do que
faço aqui dentro – Luís tentando dar flores para Fabiana, que apenas pede para que ele vá
embora.
Penso em ir até lá dizer algo, mas me seguro, sabendo que não é uma situação com a qual
possa lidar, pois esses momentos são mesmo para o próprio casal. Carla conversou comigo antes
de falar que Fabiana estava atrás de um emprego, que se encaixaria perfeitamente como minha
assistente por enquanto, já que é formada em administração e quer buscar mais espaço em outras
empresas no futuro.
De cara eu notei que Fabiana tem um sorriso fácil e felizmente sabe trabalhar do modo
como eu preciso, e até mais. Porém, a situação dela com seu marido, ou como Carla diz que ela o
chama, seu encosto, é delicada. Não são casados de fato no papel, mas viveram juntos por mais
de uma década, o que de certa forma, pra mim, dá no mesmo, e acho que pra Fabiana também.
Porém, pelo jeito, ela saiu de casa e ele tem feito de tudo para fazê-la voltar... Mas como eu posso
ajudar alguém com isso? Eu realmente não sou bom com essas coisas.
Continuo vendo o desenrolar da cena, e em poucos minutos Luís sai, deixando o buquê de
flores sobre uma cadeira. Fabiana sem pensar duas vezes joga o buquê no lixo e o afunda o
máximo que pode dentro do mesmo. Vejo de relance ela limpar uma lágrima que desce, mas essa
não é uma história minha para que eu possa interpretar tão a fundo. Pego então meus fones de
ouvido e os coloco, abrindo a pasta de uma nova cliente. Trabalhar para que as horas passem
mais rápido, e logo eu possa estar com minha bela.
Capítulo 28

Ricardo

Coloco uma camisa simples branca e deixo alguns botões em cima abertos. Puxo as
mangas até os meus cotovelos e prendo-os ali, dando um ar despojado para o meu visual. Carla
disse que não seria algo tão formal na galeria, mas mesmo assim, faz horas que está trancada no
banheiro do outro quarto, e não me diz nada.
Insisti para que tomássemos banho juntos, porém ela inventou mil desculpas e praticamente
correu de mim, deixando-me morrendo de preocupação naquele instante. Felizmente, após a noite
que passamos juntos, ela voltou a dormir em nosso quarto, e já deixou todas suas roupas
espalhadas pelo closet. Nunca pensei que ia amar tanto esbarrar com uma echarpe ou um sapato
de salto no meio do caminho para pegar minhas camisas, mas felizmente, isso tem me feito rir como
um bobo, pois sei o quanto essas pequenas coisas são grandes para nós.
Coloco uma calça jeans escura e já calço meus sapatos. Meus cabelos loiros ainda estão
baixos, e consegui organizá-los de uma forma apresentável. Minha barba está rala, mas segundo
Carla, está perfeita assim, e gosta de sentir a aspereza em seu pescoço quando acorda. Eu é que
não vou me contrapor a isso. Tudo que tenho amado é acordar ao lado dela, com minha mão em
sua barriga já enorme, com nossa filha mexendo. Isso tem sido mágico. Além de poder dividir cada
segundo com nosso pequeno, já grande, Rafael, que está tão encantado quanto nós com essa
gravidez. Permitimo-nos viver isso em paz, acho que esse o segredo para os momentos felizes.
Saio do quarto e sigo para o outro, onde Carla dormia, onde se trancou no banheiro. Bato
na porta e ela sequer responde, bato com mais força e escuto apenas um gritinho de: O que?
— O que pergunto eu! — digo já nervoso. Encaro meu relógio e noto que já estamos
atrasados. — Carla, estamos atrasados, senão sair em cinco segundos eu juro que...
— Relaxa, irmão!
Viro-me no mesmo instante e me assusto ao encontrar Levi, vestido também casualmente,
olhando-me sorrindo.
— Se puder fazer o favor de se abaixar por um instante. — pede e mesmo não
entendendo nada, o faço.
— O que tá acontecendo aqui? — pergunto, e logo vejo Melissa chegando, a passos
rápidos até mim.
— Oi, Ric. — diz de relance, e já se põe atrás de mim. — Se quiser fechar os olhos...
— O que, mas...
Ela então passa uma faixa preta sobre meus olhos e não enxergo nada além dessa cor. Já
levanto minha mão para tirar, mas logo sinto meu irmão tocando minhas costas.
— Relaxa, vai nos agradecer depois. — diz e escuto sua risada.
— Mas Carla, ela...
— Ela está por trás disso. — bufa. — Está ficando mesmo velho e lerdo irmão.
— Deixe só eu tirar isso que...
— Nada de drama, agora! — Melissa diz e eu me calo, sua voz é calma e doce. Como se
briga com essa mulher?
Mas a melhor pergunta é: O que ela faz aqui, e ainda mais com meu irmão?
— Pronto? — ela pergunta e fico em silêncio, pois já considero que não seja pra mim.
Aos trancos e barrancos eu consigo descer a escada, com Levi ao meu lado, rindo e me
tratando feito bebê. Melissa implicava com ele, porém pareceu não surtir efeito algum, já que ele
pareceu muito animado em enlouquecer seu irmão mais velho, no caso, eu.
Escuto barulhos altos e logo a porta de um carro se abrindo.
— Onde estão me levando? — pergunto, mas apenas escuto seus risinhos.
— Sabem que seu quiser posso desfazer esse nó e...
— Fica quieto e entra aí. — Levi diz e me joga com tudo em cima de um banco. Ajeito-me
como posso, e logo sinto algo passando por mim, o que penso ser o cinto de segurança. — Se
comporta e mais importante, aproveite o momento. — ele então bate a porta.
— Você me paga por isso, eu juro que...
— Melhor se acalmar. — diz e escuto outra porta bater.
Logo escuto o barulho do carro sendo ligado, e uma música começa a tocar.
— Qual é, irmão? — pergunto já me sentindo perdido com essa faixa em meus olhos.
— Eu também estou aqui. — Melissa diz e eu sorrio pra ela, mesmo sem saber em que
direção está.
— Onde Carla está? — pergunto baixo e Levi ri.
— Aproveita o momento. — diz e eu reviro os olhos, já ficando nervoso.
Por que não tiro de vez essa faixa estúpida?
— Pare de pensar tanto. — Melissa é quem diz. — Você vai amar essa noite.
— Nada de prévias sobre o que vai acontecer, minha menina. Ordens diretas da nossa
chefa de hoje.
Fico em silêncio, ouvindo Melissa sorrir, sem nem entender essa intimidade que os dois
trocam, e muito menos saber pra onde estou indo. Claro, tenho um palpite, mas por que então
Carla não está aqui?
Os minutos passam e fico ainda mais incomodado enquanto a música que tanto eu e Carla
temos ouvido nos últimos dias toca. Sinto-me preocupado com ela. Passo as mãos por meu cabelo e
tenho certeza que já está todo bagunçado.
— Ricardo, ela está bem. — Melissa diz, como se lesse meus pensamentos. — Fica calmo,
ela e a bebê estão ótimas.
— Obrigado, Mel. — digo já ficando um pouco mais aliviado.
Sinto as curvas leve que o carro faz, e quando menos espero, ele para.
— Então eu já posso...
— Nem sonhe com isso. — Levi diz rapidamente. — Só mais um segundo, irmão.
— Ele está aqui. — escuto Melissa dizer, e encosto minha cabeça contra o banco.
Logo um vento fresco me atinge, ao mesmo tempo em que escuto a porta do meu lado se
abrir. O meu cinto é desfeito, penso que por meu irmão, e sinto um cheiro que é muito familiar, o
meu favorito.
— Bela...
— Vem! — ela pede e pega minha mão.
Vou com ela, sem entender nada, e acreditando cegamente em sua fala. Sinto seus dedos
se entrelaçarem aos meus e aos poucos, subindo uma pequena escada, damos por volta de quinze
passos e finalmente paramos.
— Bela, eu...
— Shhh. — diz e sinto sua mão em meus cabelos, por trás de mim, ela desfaz o nó. —
Continue com os olhos fechados.
— Ok. — respondo sem conseguir discernir nada do que está acontecendo.
Não devíamos estar na tal exposição?
— Várias vezes em minha vida, eu olhei para várias mulheres, indiretamente, discretamente,
inconscientemente... Mas nenhuma delas era tão bela como você, ou melhor, nenhuma delas era
bela. Quando disse que me amava pela primeira vez foi em um momento tão diferente, mas que
foi tão perfeito. Você disse que me amava não porque eu vivia dizendo isso a você, mas porque,
naquela manhã, sentados na varanda da sua casa, você quis abrir seu coração pra mim. Desde
então, você sempre diz que me entregou de vez a chave, que ninguém mais, nenhum outro, poderia
tomá-la. Mas hoje, minha bela, minha garota das sardas que amo... Quero que seja o que for que
aconteça, sejamos nós. Que não importe o momento haja chuva haja sol, que haja nós. Sim, minha
bela, eu te amo. Seja o que for, seja nós.
— Mas...
— Esses foram seus votos no dia em que nos casamos. Como sempre perfeito nas palavras
e em como se expressar. Mas eu, eu nunca fui assim, Ricardo. Palavras nunca foram meu forte. Por
isso hoje, nesse dia tão especial, quero que saiba o que senti por você desde sempre e que sim,
será para sempre. Que será nós.
Abro os olhos, sem ela precisar dizer, e os arregalo no mesmo instante. Vejo vários quadros
enfeitando as imensas paredes de sua galeria. Sigo a ordem em que estão pendurados, e me
emociono a cada passo que dou, vendo desde a primeira foto que temos juntos, fotos em
aniversários, aleatórias, e em meio a elas, desenhos... Pinturas lindas que ela fez de nós.
— Bela...
— Continua. — pede, sussurrando ao meu lado.
De repente Índios de Legião Urbana começa a tocar, em sua forma acústica, deixando o
momento, as imagens, tudo refletido em uma explosão de cores em nossos momentos.
Levo as mãos à boca, pasmo, ao ver uma pintura minha, onde estou debaixo da água do
chuveiro, rindo. Então era isso que ela fez nos momentos em que dizia estar apertada e se sentava
por fim, sobre a tampa do vaso, e escutava sobre meu dia. Nunca reparei em um caderno em suas
mãos, ou folha...
— Eu estava gravando seus pequenos detalhes, cada um deles... — diz, como se pudesse
ler meus pensamentos.
— Eu não posso acreditar.
— Continua.
Ela caminha ao meu lado, enquanto eu vejo cada foto que tiramos de sua barriga e cada
pequeno aumento, estampam quadros lindos pendurados na parede. Onde tem Rafael, nosso
pequeno, com um sorriso enorme no rosto. Onde por fim, temos nós três sentados na varanda de
casa, uma foto que ela disse que queria guardar para mostrar a nossa filha.
— Pensei muito no que expor aqui, em como expor. — diz, enquanto me mantém parado, a
frente de um quadro coberto. — Eles nunca serão esquecidos, os dois anjinhos que perdemos, mas
que tenho certeza que devem estar em paz agora.
— Eles sempre serão uma parte de nós. — complemento.
— Assim como o nosso passado. — ela então sorri de lado, mostrando que aos poucos sim,
conseguimos falar a respeito de tudo, até mesmo do que nos dói profundamente. — Mas o motivo
de estarmos aqui hoje, de ter feito seu irmão sequestrar de você, de ter ficado tão ansiosa por
essa exposição, não é só pra mostrar tudo o que gravei de você e Rafael durante todos esses
anos. Há muitos quadros, Ric. Vários espalhados pelas paredes, do outro lado do corredor.
Viro-me, e assusto-me no mesmo instante. Vendo que sim, são muitos, diria que dezenas, e
pelo seu traço, e o modo como pintou tanto eu quanto Rafael, deixa claro que faz muito tempo.
— Eu conseguia ignorar por fora o que sentia, mas por dentro minha arte era oprimida e
em vários momentos tive que colocar pra fora. Não sou de palavras, mas sou de cores,
fotografias...
— Isso é tão surpreendente, bela. — viro-me pra ela, e encontro o quadro que estava
coberto, completamente exposto. Nele tem uma pintura simples e delicada, de uma família
claramente feliz em frente à praia. Um homem mais velho loiro, uma mulher ruiva, um garoto loiro e
uma... — Ah meu Deus!
— Essa pintura foi Rafael que fez há alguns dias, antes de termos a certeza de que sim...
— diz e pega uma caixinha branca que estava escondida dentro da jaqueta jeans que veste.
Carla me entrega a caixinha branca, e eu abro, já com lágrimas descendo por meu rosto.
Eu sou a anjinha do papai.
Um pequeno body rosa, estampado com as palavras que fazem meu coração bater
freneticamente e que chore feito uma criança. Caio de joelhos no chão, e beijo a barriga de Carla,
tocando de leve sobre ela, sentindo logo minha pequena mexer.
— Como? — pergunto, já perdido em meio ao choro.
— Fui escondida, hoje, ao médico. — conta e sorri em meio às lágrimas. — Sim, é a nossa
menina.
— Nossa Angelina. — complemento, e Carla arregala os olhos, assentindo diversas vezes.
— Sim, o nome perfeito para a nossa anjinha. — diz sorrindo e eu me levanto, tocando seu
rosto.
— Eu nunca esperei isso de você. — confesso. — Nunca esperei que um dia a teria de
volta, assim, surpreendendo-me tanto. Se um dia eu te amei foi bobagem, pois hoje, hoje eu tenho
certeza bela, do que é amor.
— Eu também, meu amor. Mas com você, eu sempre soube.
Beijo-a nesse instante, e ela se agarra a mim, num toque suave de lábios, e por fim, nossas
línguas. A conexão que tanto amo, e que nesse momento faz-se forte, de maneira que tenho a
certeza de que tudo o que passamos, teve um propósito, por mais doloroso que fosse. Ele nos
trouxe até aqui, o nosso amado e ao mesmo tempo sombrio passado. Mas o que sobrou dele é
amor, na sua forma mais simples e pura.
Como diria a música que ainda ecoa pelo ambiente, e que agora, faz-me afastar de Carla
e cantar a frente dela junto a Renato Russo[9], marcando esse momento para sempre:
“Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim

E é só você que tem a


Cura pro meu vício de insistir
Nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi...”
Epílogo

Anos depois...

"O melhor amor é aquele que acorda a alma e nos faz querer mais. Que faz surgir um
fogo em nossos corações e traz paz em nossas mentes. Era esse amor, que eu queria dar a você
para sempre." – Nicholas Sparks, Diário de uma Paixão.

O sol daquele dia estava em seu auge, marcando já meio dia. A praia lotada, em um
sábado comum no Rio de Janeiro. Algumas pessoas jogando vôlei, outras futebol, crianças fazendo
castelinhos de areia... Mas não era isso que chamava a atenção de Ricardo. Ele estava parado,
sentado a beira da praia, no lugar certo aonde a água vinha de mansinho, apenas molhando os
dedos dos pés. Ele via as ondas quebrando de longe, enquanto suas mãos estavam presas na
areia, vendo toda a cena se desenrolar, com um brilho indescritível em seus olhos.
Carla sorriu e com as mãos puxou mais uma vez sua caçula pra cima, fazendo-a pular a
onda junto a ela. Angelina gargalhava, com seus olhos verdes já um pouco vermelhos, pois mesmo
a mãe tendo avisado para não o fazer, ela os abriu debaixo d’água salgada. Carla então a
pegou no colo, brincando com a filha que completaria cinco anos no próximo fim de semana. A
pequena Angel, ou simplesmente anjinha como todos a chamavam, era sua cópia fiel, se não fosse
pelos olhos verdes dos pais.
— Mama! — a pequena gritou e riu, enquanto Carla a apertava em um abraço.
De canto de olho ela viu Rafael abraçado com uma jovem que ela não conhecia e ficou por
um instante preocupada, mas sabia que no fundo, seu filho estava descobrindo a vida. O que ela
poderia fazer a respeito? Mas como sua intuição nunca falhou, logo ela viu Gabriela chegando,
surpreendendo Rafael e a outra jovem, só conseguiu ver Gabriela acertar o rosto de seu filho com
um tapa e sair correndo dali, enquanto a outra jovem já havia ido em outra direção, acho que
constrangida com a situação.
Ricardo também viu a cena, e já se levantou ao ver que o filho corria em direção a
Gabriela, que com certeza estava mais do que com raiva.
— Ei! — Ricardo gritou, mas Rafael não parou.
Ricardo então correu mais rápido e alcançou o filho, puxando-o pelo braço.
— Pare agora! — exigiu e Rafael o olhou com raiva.
— O que foi, pai? — perguntou no mesmo tom, tentando se soltar.
— Não vai adiantar ir até ela agora, filho. Ela não vai querer ouvir nenhuma desculpa. —
disse com uma falsa calma e Rafael respirou fundo, sabendo que seu pai tinha razão.
— Ela disse que tinha acabado, ela...
— Filho, tira um tempo pra pensar. Não pode toda vez que terminar sair com várias outras
mulheres. Às vezes, dar um tempo é necessário, mas usar outras pessoas pode machucar todos
vocês. — deu o conselho e Rafael apenas assentiu.
— Eu vou falar com ela. — disse decidido e então Ricardo o soltou.
Ele então viu seu filho mais velho correr rápido, em busca de Gabriela. Os dois jovens
viviam em pé de guerra, eram como preto e branco, completamente diferentes, mas ao mesmo
tempo, se completavam. Ricardo só esperava que eles se entendessem.
— Ele foi atrás dela?
Ricardo então se virou, sentindo a mão de Carla em seu ombro. Pegou a pequena Angel no
colo, a qual sorria ainda animada.
— Ele como sempre meteu os pés pelas mãos. — disse e Carla sorriu de lado.
— Eles logo se resolvem. — disse sem muita certeza. — É o que espero.
— Mas e vocês duas, em? Eu as vi pulando ondas e ninguém me convidou. — ele fez-se de
magoado e Angel tocou em seu rosto.
— Papai, você mesmo disse que queria ficar sentado na areia. — disse inocentemente e
Carla gargalhou.
— Nossa pequena espertinha. — Carla brincou, e saiu andando, para onde estavam todas
as coisas deles. — Vamos ficar um pouco aqui, está muito forte o sol.
— Mas, mama...
— Nada de “mama”. — chamou a atenção de Angel que buscou apoio em seu pai, que
apenas concordou por fim com Carla. — Cadê o Rafa?
Ricardo e Carla se entreolharam, e ambos não faziam ideia. Olharam para a imensidão da
praia e até procuraram o filho, porém nem sinal dele.
— Acho que está com a Gabi, filha. — Carla disse e a pequena pegou um suco, não
dando muito mais importância.
Ricardo então foi até a mulher que amava e a puxou pra ele, fazendo-a sentar no meio de
suas pernas, na posição que sempre amavam estar juntos. Olhou para o lado e viu Angelina sorrir,
passando as mãos na areia, ao mesmo tempo em que bebia um suco. Ela era encantadora, e ele
nunca conseguiu imaginar sequer um dia de sua vida sem ela.
— Eu a amo demais. — disse baixinho, para apenas Carla ouvir. — E amo você, minha
bela.
Carla sorriu, sentindo aquele arrepio subir sua espinha. O homem que ela amava
continuava o mesmo, completamente encantador. Ambos sabiam o quanto tudo no passado foi
difícil, e como quase piraram nas últimas semanas para o parto de Angelina, mas felizmente, tudo
correu como esperado, e desde a bolsa que estourou e durante todo o procedimento, eles estavam
juntos, mãos entrelaçadas e promessas mantidas. Eles eram infinitamente gratos pela segunda
chance que tiveram de viver o amor que sempre sentiram, pois sabiam, que nem todos conseguem
desfrutar do mesmo.
— Amo você, querido. — ela disse, beijando seu pescoço e voltando seu olhar para
imensidão do mar à frente.
Uma pancada de memórias a atingiu, no momento em que viu seu filho abraçando Gabriela
mais a longe, no fundo do mar. Ela parecia não querer que ele a tocasse, mas ao mesmo tempo
estava ali por isso.
— Eles parecem um pouco como nós. — disse, e Ricardo acompanhou seu olhar, sorrindo.
— Sim, bela. Sobre a parte das brigas e não concordarmos em quase nada, você tem
razão. Mas eu nunca consegui pensar em outra que não fosse você... — disse, romântico como
sempre, deixando-a completamente sem graça. — Lembra do livro que anda lendo pra nossa
anjinha?
— Diário de uma paixão? — Carla perguntou e ele assentiu, abraçando-a ainda mais
forte.
— Parece com esses dois, e um pouco conosco. Era algo como, “eles raramente
concordavam em algo e...
— “Eles não se entendiam, raramente concordavam em algo. Brigavam sempre. E se
desafiavam todos os dias. Mas, apesar das diferenças, tinham algo importante em comum: eram
loucos um pelo outro.” — Carla complementou uma das frases que mais amava desse livro de
Nicholas Sparks[10].
Os dois continuaram ali, em seus devaneios. Enquanto o pequeno grande anjo deles, de
olhos azuis, Rafael, parecia estar em busca do amor, e a sua pequena anjinha, Angelina,
desfrutava daquele dia como se fosse o mais feliz de todos. De repente, Ricardo se levantou e
chamou as duas para o mar, pegando Angelina no colo.
As ondas batiam apenas as pernas dele, e Carla um pouco mais a acima. E naquele instante
o coração dos dois tinha a certeza, do que vivia neles desde sempre, que foram feitos um para o
outro, e que não teria como seguir em frente separados, que iria sangrar, machucar, e doer demais
caso acontecesse. Mas felizmente, eles lutaram pelo seu amor, e agora o vivem, em paz. Dias de
chuva, de sol, e principalmente, os de praia que eles tanto amavam. Tudo em uma família que
começou apenas com os dois, e as músicas que sempre cantavam. Mas como Nicholas Sparks
escreveu em um de seus romances: "A vida, entendeu, era bem parecida com a música. No começo
há mistério, e no final confirmação, mas é no meio que reside à emoção que faz com que a coisa
toda valha a pena”.

Fim
Anexo I

[1] Endometriose é uma condição na qual o endométrio, mucosa que reveste a parede interna do útero, cresce em outras
regiões do corpo. Fonte: minhavida.
[2] Trecho da canção “Por Enquanto” composta pelo cantor brasileiro Renato Russo.
[3] Trecho da canção “Chão de Giz” composta pelo cantor brasileiro Zé Ramalho.
[4] beta hCG é um hormônio produzido pelo organismo durante a gestação pelas células precursoras da placenta. Ele é um
componente do HCG (gonadotrofina coriônica humana), hormônio específico da gravidez. Por isso esse exame é usado no
diagnóstico da gestação. Fonte: minhavida.
[5] O Game Boy é um console portátil desenvolvido pela Nintendo, lançado em 21 de abril de 1989 no Japão, em 31 de
julho de 1989 na américa do norte e em 28 de setembro de 1990 na Europa, é o primeiro console da linha Game Boy, foi criado
por Gunpei Yokoi e pela Nintendo Research & Development 1. Fonte: wikipedia.
[6] "Bohemian Rhapsody" é uma canção composta em 1975 por Freddie Mercury, integrante da banda britânica Queen, e
incluída no seu álbum A Night at the Opera. Fonte: wikipedia.
[7] Trecho da canção “Como Nossos Pais” composta por Belchior, lançada no álbum Alucinação, de 1976, mas que fez
sucesso na voz de Elis Regina, que a gravou no álbum Falso Brilhante, também de 1976. Composta em meio à Ditadura militar no
Brasil, a letra retrata a desilusão de uma juventude reprimida, mas também fala de esperança e luta por mudanças. Fonte: wikipedia.
[8] Trecho da canção “O Leãozinho” composta pelo cantor brasileiro Caetano Veloso.
[9] Renato Russo, nome artístico de Renato Manfredini Júnior (Rio de Janeiro, 27 de março de 1960 — Rio de Janeiro, 11
de outubro de 1996), foi um cantor e compositor brasileiro, célebre por ter sido o vocalista e fundador da banda de rock Legião
Urbana. Fonte: wikipedia.
[10] Nicholas Sparks (Omaha, 31 de dezembro de 1965) é um escritor, roteirista e produtor estadunidense. Fonte: wikipedia.
Nota da autora
Olá leitor (a), fico feliz que tenha chegado ao fim de mais uma história minha. Bom, a Série
O que sobrou é composta por mais alguns livros, e o próximo a ser lançado se chama “O que
sobrou da sua atração”, que contará a história de Lola e Pedro.
Até em breve!
Outras obras

O homem que não amei – Trilogia Soares – Livro 1


Sinopse
Um casamento baseado em um acordo e um passado não revelado.
Victória Fontana passou por cima de tudo por um único e exclusivo amor, sua filha Luna. Chegando a ponto de conviver sob
o mesmo teto que o homem que mais repudia, o qual a traiu inúmeras vezes e trocou míseras palavras com ela durante os vinte anos
de casados. Porém, o tempo passa e agora sua filha irá se casar. Essa seria finalmente a liberdade que Victória sempre sonhou, no
auge dos seus quarenta anos, tudo o que deseja é encontrar um verdadeiro amor e se afastar de vez do atual marido.
Caleb Soares é um homem reservado e completamente fechado. Ele guarda segredos que envolvem não só seu passado,
mas de toda sua família. Sua prioridade sempre se baseou em cuidar de sua filha, e em hipótese alguma revelar algo a Victória.
Vinte anos vivendo ao lado da mulher que ama, não foram o suficiente para ele se declarar... Um erro do passado fez com que
Caleb trancafiasse seu amor e deixasse com que ela o odiasse. Quando Victória pede o divórcio, ele finalmente se dá conta de que
seu amor por ela, não passou com o tempo.
Será ele capaz de abrir seu coração?
Será ela capaz de acreditar em seus sentimentos?
Caleb tem uma chance de conquistar sua esposa, e caso não consiga, a perderá para sempre.

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A mulher que amei – Trilogia Soares – Livro 2

Sinopse
Castiel Soares ao contrário do que muitos pensam sempre foi o mais centrado e obediente dos irmãos. Cometeu erros como
qualquer ser humano e alguns deles atormentavam seu sono... Até conhecê-la.
Danielle Campos sofreu uma grande perda no passado que transformou sua vida completamente. E mesmo com a dor que
sentia nunca deixou nenhum sentimento ruim a corroer... Até conhecê-lo.
Ele pensou que ela seria sua salvação.
Ela quer de todas as formas sua destruição.
Um sentimento arrebatador entre a linha tênue do amor e do ódio.
Qual falará mais alto?

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A quem amei para sempre – Trilogia Soares – Livro 3

Sinopse
Antonella "Babi" Laira pouco sabe sobre seu passado, mas tinha a certeza de um futuro ao lado do amor de sua vida, o qual
mesmo sendo proibido, ela lutaria.
Christopher Soares encontrou em Babi a oportunidade perfeita para finalmente concluir seus planos. O que ele não contava
era que no meio do caminho sua maior ambição se tornaria algo desprezível perto da dor que causou a mulher que o escolheu.
Segredos serão revelados
Mentiras serão descobertas
Christopher verá a mulher que ama se afastar em um piscar de olhos.
Será ela capaz de perdoar um amor falho e se entregar novamente ao homem que mais a enganou?
Será ele capaz de fazer a escolha certa entre o amor e a ambição?
Alguns amores valem por uma vida, outros não passam de uma mentira.

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O que sobrou do meu amor (Série O que sobrou – Livro 1)

Sinopse
O casamento dos sonhos com o homem dos sonhos, é tudo o que uma mulher perdidamente apaixonada pode querer, não?
Melissa Lourenzinni põe isso à prova.
Após anos apaixonada pelo cara mais velho e melhor amigo do seu irmão, não via mais como ser notada por Levi. Porém, na
noite de seu aniversário de dezesseis anos, uma pitada de ousadia, acompanhada de uma boa dose de álcool, mais uma avalanche
de ciúmes, acaba por mudar o rumo de suas vidas.
Uma gravidez inesperada uniu o casal, ou melhor, separou-os. Apesar de dez anos de casados, Levi nunca demonstrou
qualquer sentimento por Melissa. Desacreditada no amor, Melissa está mais do que decidida: está na hora de terem uma conversa.
Porém, novamente, o destino acaba brincando com os dois.
Um casamento
Uma traição
O que sobrará desse amor?

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O que sobrou do nosso amor (Série O que sobrou – Livro 1.5)

Sinopse
Melissa Lourenzinni passou por várias turbulências em sua vida, e percebeu que o amor que sentia pelo marido, se esvaiu
após dez anos de um casamento infeliz e uma traição. O perdão não é impossível, mas a confiança quebrada se tornou. Agora, ela
só quer entender o que sente, redescobrir-se e cuidar de sua filha, a qual se tornou seu mundo.
Levi Gutterman perdeu sua esposa por conta da própria imaturidade e negação, além de seus erros no passado. Ele
consegue manter apenas o mínimo de contato com ela, no caso, através de sua filha. Porém, ele não consegue desistir do que sente,
muito menos agora, que tem a certeza que jamais amará outra mulher.
Um casamento destruído
Uma mulher confusa após uma traição
Um homem apaixonado em busca de redenção
Será que algo sobrará desse amor?

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O que sobrou da sua paixão (Série O que sobrou – Livro 2)

Sinopse
Sophie Moraes lutava pelo sonho de dar orgulho e conforto para sua mãe, e apesar de ter um diploma em Economia,
esforçava-se ao máximo em seu cargo de recepcionista. Toda sua vida muda ao receber o convite que deveria ser seu sonho: o de
se tornar assistente de Daniel Lourenzinni.
Daniel Lourenzinni é um homem conhecido por sua beleza estonteante e educação impecável. Após ter uma decepção
amorosa, ele passa a esconder seu coração como um tesouro, e resolve simplesmente fugir desse sentimento. Porém, tudo muda de
perspectiva ao reencontrar seu amor de outrora e uma nova mulher a quem ele não consegue mostrar toda sua boa educação.
Daniel se apaixona, mas sem saber como agir diante disso, usa da única opção que garantiria um pouco de paz ao seu coração:
reivindicar Sophie como sua.
O que sobrará dessa paixão?

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Era pra ser amor (Série O que sobrou - Livro Bônus)

Sinopse
Livro bônus da Série O que sobrou, conta a história de Lorena Silva e Tuan Gutterman, pais da personagem masculina
principal do livro 1 da série.
Um amor pode surgir em um momento simples e transformar a vida de duas pessoas? Lorena e Tuan mostram que isso é
possível.
Lorena Silva uma menina mulher de dezenove anos, que mora no interior de Minas Gerais, e tem uma relação forte com sua
mãe, nunca esperou que em algum momento fosse querer “mais” fora da pequena cidadezinha chamada Ouro Fino. Porém, quando
seus olhos verdes se encontraram com o castanho dos de Tuan, tudo que ela desejava, acabou se modificando, e mal sabia ela, que
não era apenas um acaso do destino.
Tuan Gutterman está de férias, curtindo enquanto pode após ter terminado a faculdade de arquitetura. Tudo que ele
buscava era paz no interior do país, querendo conhecer a cultura e quem sabe se inspirar em projetos novos, para serem aplicados
em seu emprego. Porém, em um dia comum, acontece o inevitável, e ele vê na pequena mulher de cabelos negros, algo que não
sabe descrever, mas que mal sabia ele, já estava escrito pela vida.

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De encontro ao amor (Conto)

Sinopse
Sofia viveu por anos à sombra de um amor não correspondido. Após finalmente encarar a realidade, quando o homem que
ama se casou com outra, ela resolve dar um tempo de tudo. Mas como nada a vida é como se espera, de repente, um alguém que
ela nunca notou, mas que de certa forma estava por perto, chama sua atenção. Porém, mal sabe ela que ele apenas apareceu no
momento certo, para ganhar seu coração.

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Leo (Trilogia Desencontros de Amor – Conto 1)

Sinopse
Uma amizade colorida pode vir a ser mais?
Fernanda Vieira vive um verdadeiro sonho quando se entrega de corpo e alma ao seu amor adolescente, finalmente
realizando seus sonhos mais secretos, mas seu coração entra em risco quando percebe que a paixão juvenil tornou-se algo muito
mais profundo e sério.
Já Leonardo Tavares, um verdadeiro sedutor, se vê verdadeiramente enredado em um jogo de carinho e sedução da loira
de olhos verdes, que aos poucos toma para si o prêmio que era o coração dele.

Em meio aos desencontros da vida, este amor poderia sobrevive r?

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Suzy (Trilogia Desencontros de Amor – Conto 2)

Sinopse
Um amor antigo poderia suportar a espera?
Suzane Cruz manteve seu amor por Ricardo Suarez escondido por anos, afinal seu patrão permanecia em um longo namoro
com Tessália Albuquerque. O que tinha tudo para ser uma paixão platônica acaba se convertendo em uma intensa noite de amor,
com consequências muito maiores que os dois poderiam supor: um filho.
Seria o amor ou a culpa o responsável pela união dos dois?

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Rafa (Trilogia Desencontros de Amor – Conto 3)

Sinopse
Apenas se ama uma vez na vida?
Rafael Garcia tem a certeza de que isso pode ser verdade, após ter seu coração destruído no momento em que a mulher
que amava o deixou, sem explicações. No entanto, anos depois, sendo um completo cafajeste, ele se entrega a uma tórrida noite de
paixão com Luz Rocha. Aos poucos, sem o mesmo perceber, seu coração está aberto para ela, e ele se põe em risco quando seus
sentimentos assumem.
Será ele capaz de se entregar novamente? Será ela a verdadeira “luz” da qual ele necessita?

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Até a próxima!

Beijos e unicórnios

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