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Direitos autorais © 2022 Giovanna C.

Oliveira

Todos os direitos reservados.

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, é coincidência
e não é intencional por parte da autora.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por
qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão expressa por escrito da autora, exceto em casos de
pequenas citações usadas para resenhas e artigos críticos. A violação de direitos autorais é crime disposto na Lei 9.610/98, previsto no
art. 184 do Código Penal.
Os direitos morais da autora foram assegurados pela CBL (Câmara Brasileira do Livro).

Design da capa: Julio Cezar de Souza Silva


Revisão/Leitura Crítica: Roberta Cuerci
Leitura Sensível: Thayane Pereira
Arte bandeira de Porto Vermelho e das Ilhas Gálidas: Giovanna C. Oliveira
Para Mavi, que primeiro leu essa história em seu formato original.
Para Sam, que me ajudou a adaptá-la para essa versão aqui presente.
E para Berta e Thay, que vão proteger esses personagens e me matar (provavelmente no meio da leitura) por ter feito o
que fiz com eles.
Dizem que o tempo ameniza
Isto é faltar com a verdade
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade

É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria

Emily Dickinson
Aviso

Esse livro possui conteúdo sensível quanto a depressão,


sequestro, abuso psicológico/físico e conteúdo sexual.

prossiga com cuidado e lembre-se sempre de se cuidar ❤


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Link Direto
magia:

¹. arte tida como capaz de produzir, por meio de certas práticas ocultas, efeitos ou fenômenos
extraordinários que contrariam as leis naturais, geralmente através de rituais, fórmulas; feitiçaria,
bruxaria;
². explicação do que não tem sentido aparente.
LIVRO UM

— como tudo começou

“A tristeza pode chegar a qualquer reino. Não importa sua felicidade.”

— Cinderella, 2015

Walt Disney Studios©


1. O Início do Fim

Já era noite e o silêncio reinava no grande castelo dos Hale. Os empregados já haviam se
recolhido para seus devidos quartos, a única acordada e ainda fora de seus aposentos era Vossa
Majestade, a rainha Alycia Hale.
Como sempre fazia todas as noites, estava se prontificando de colocar os filhos da cama,
Annabella, a primogênita de seu casamento com o rei Matthew Hale, e Nicholas, o caçula da família.
O mais novo já dormia há tempos, havia brincado o dia todo com o pai no grande jardim do
palácio e foi levado para a cama após o jantar por Valerie, a preceptora responsável por cuidar das
crianças.
Já Annabella, que havia passado todo o dia observando a mãe entretida organizando os
últimos detalhes do baile anual da chegada da primavera, estava bem acordada. Apesar de ser muito
nova, sempre apresentou um quadro bem alto quanto a sua inteligência e habilidade de conversação,
sempre muito aberta e curiosa. Um dia seria rainha, e mesmo que seus pais sempre dissessem que ela
deveria primeiro ser criança e se divertir, ela levava muito a sério os estudos e momentos em que
deveria agir como a princesa que era.
Após o término da refeição dos governantes, o rei deu um beijo em sua filha e subiu para o
quarto, dizendo a esposa que a esperaria no mesmo. A rainha pegou na mão da menina, e juntas
caminharam até o quarto da princesa.
Este era um dos maiores cômodos do castelo, fora reformado no dia em que a rainha anunciou
estar grávida do futuro herdeiro do trono de Porto Vermelho. A enorme cama da garotinha não cabia
apenas ela, como também os seus bichinhos de pelúcia favoritos.
Como muitas crianças, a princesa não dormia sem antes ouvir uma das histórias de sua mãe, e
todas as noites, era a última coisa que escutava.
— [...]E então, a jovem princesa retornou para seu reino, após dias de viagem. Lutou
bravamente contra aqueles que tentaram derrubá-la, lutou e brigou, e com força e perseverança,
conseguiu trazer de volta a paz ao seu reino.
— E a princesa se casou, mamãe? Assim como você e o papai? — questionou Annabella,
curiosa para saber se a essa história terminaria como as outras, que ela tanto amava.
— Sim, meu amor! Muito tempo depois, ela conheceu um rapaz, ele não era príncipe, mas
conquistou seu coração. Eles se casaram, mesmo sob relutância dos nobres...
— O que é relu-relutânia, mamãe?
— Relutância, minha princesinha! É quando uma pessoa ou mais tenta impedir que algo
aconteça, no caso, eles queriam impedir que a princesa se casasse com um não-nobre. — Sorriu para
a filha. — Mas olhe, ela ouviu seu coração, e não deixou que ninguém dissesse o que ela deveria
fazer. Ela se casou com ele, e juntos reinaram por muitos anos com paz e harmonia!
— Mamãe, eu também vou me casar um dia? — indagou, curiosa.
— Se dependesse do seu pai, não. — Deu risada. — Mas um dia, daqui a muitos e muitos
anos, você irá conhecer alguém legal, por quem irá se apaixonar e desejará se casar. Mas só daqui a
muitos e muitos anos, minha flor! — Cobriu a filha e a viu bocejar.
— Mamãe, essas histórias que você me conta são reais?
— Meu amorzinho, eu não sei te dizer se elas são reais ou não, mas eu cresci escutando-as,
ou lendo-as, se estivessem registradas em livros. Mas, o que você precisa saber é que: contos de
fadas podem ser reais se você desejar com muita, muita, muita vontade que eles sejam. — Fez
cócegas na barriga da princesa. — A magia existe, acredite nela. E mais do que isso, acredite em
você.
Annabella sorriu para a mãe, amava ter esses momentos com ela.
— Qual sua história favorita, mamãe?
— Hm... Alice no país das maravilhas — afirmou a rainha.
— E sobre o que é?
— Amanhã a mamãe te conta, eu prometo. Agora, vamos fechar os olhinhos e encontrar o
caminho para a terra dos sonhos.
— Mamãe, canta a sua canção pra mim? — pediu, com a voz um pouco arrastada.
— Tudo bem, mas só um pouquinho porque já passou da sua hora de dormir. — Se ajeitou
melhor e ficou bem próxima a filha. Começou a cantarolar em um tom baixo e calmo, e a melodia foi
penetrando a mente de Annabella, e aos pouquinhos, os olhinhos da princesa foram fechando com
leves piscadas, até que adormeceu ainda na primeira parte da música. — Boa noite, minha querida.
— Deu um beijo em seus cabelos.
A rainha saiu delicadamente daquele aposento, se dirigindo para o quarto em frente, apenas
para garantir que seu pequeno também estava dormindo. Aquelas crianças eram a luz da sua vida.
Elas e seu marido a faziam a mulher mais feliz do mundo, e sabia que estariam sempre juntos.
Caminhou pelo corredor escuro, iluminado somente pelas tochas acesas nas paredes. Nenhum
barulho era ouvido, exceto o tilintar dos saltos da rainha. Assim que chegou as portas de seus
aposentos, entrou silenciosamente e a trancou em seguida.
Se virou e encontrou a figura que tanto amava: a de seu marido a encarando tão
apaixonadamente, como sempre fazia. Ele não perdia nunca aquele brilho no olhar, aquele mesmo
que ganhou no dia em que a conheceu. Sabia que não era dado a monarcas o direito de se casarem
por amor, e sim, por vezes, para obterem vantagens para seus reinos. Todavia, Matthew havia dado a
sorte de encontrar aquela mulher. Jamais esqueceria daquele baile, o mesmo que fora realizado em
seu palácio anos antes. Fora naquele baile, em que dançou com inúmeras mulheres que tentavam
fisgar o coração do príncipe, que ele a encontrou, totalmente perdida no meio de tantas pessoas.
Matthew não era de acreditar em sinais, como amor à primeira vista, mas acreditava fielmente que
aquilo aconteceu com ele.
A rainha o tirou de seu transe, caminhando até ele e tocando seus braços, o fazendo observá-
la.
— As crianças dormiram? — inquiriu o rei.
— Como anjos! — respondeu, calmamente. — Eu preciso relaxar, o que acha de um belo
banho de banheira antes de nos deitarmos?
— Sou incapaz de recusar. — Selou os lábios aos dela calmamente e sorriu em seguida.
— Me ajuda? — Virou de costas para ele, pedindo para soltar os fios de seu vestido. E assim
ele o fez, jamais negaria um pedido como este. Ao sentir o alívio que era estar livre de tal peça
apertada, Alycia suspirou.
O rei, que havia visto o quão cansativo havia sido o dia de sua esposa, resolveu fazê-la
relaxar ainda mais do que fora anteriormente previsto. A ergueu em seu colo, e um riso escapou dos
lábios da mulher.
O homem de cabelos loiros e olhos tão azuis quanto o mar reluzindo a luz do sol era a pessoa
favorita de Alycia no mundo. E assim sempre seria.
Ao ser depositada no balcão de mármore da suíte do quarto dos monarcas, Matthew tratou de,
por si mesmo, despir a esposa. Tirou o vestido, juntamente com seu forro, desceu pelas pernas e
removeu os saltos que há horas causavam dores lancinantes aos pés da rainha. Por fim, retirou a
última peça, a pequena calcinha. Foi subindo beijos estratégicos pelo abdômen da esposa, passando
pelo vale dos seios, e mordiscou levemente cada um deles, alcançando o pescoço e por fim,
tomando-lhe os lábios.
Enquanto recebia de ótimo grado a invasão da língua de seu marido em sua boca, tratou de
levar suas mãos até a calça que ele vestia, desamarrando o fio que a segurava, e a abaixou com o
auxílio dos pés. Para sua sorte, ele já não vestia a túnica que usara o dia todo, apenas uma camisa de
manga longa da mesma cor de sua calça, e Alycia se livrou dela também, separando os lábios por
segundos.
O rei a desceu da bancada e a auxiliou a entrar na banheira, retirou a última peça que lhe
restava no corpo e entrou logo atrás, sentando-se e trazendo a esposa para seus braços. Soltou cada
um dos grampos que seguravam o penteado dela, e massageou os escuros fios para que não
causassem uma dor de cabeça em sua rainha.
Cansada daquela posição, Alycia se virou e sentou-se de frente para o marido, com uma
perna de cada lado do corpo. Com a espuma que se formava na água, brincava, pegando-a com a mão
e espalhando pelos ombros dele. Matthew já correspondia aos atos da mulher, mostrando alguns
resquícios de excitação.
Ela se movia singelamente em cima dele, o levando, gradativamente, à loucura. Podia sentir
que estava ultrapassando certos limites de sua provocação, mas queria ver o quanto ele aguentava.
Ao ver que ele não se renderia às suas investidas tão facilmente, não sem antes jogar com ela
da mesma forma pelo menos, pois já conhecia a esposa provocativa que tinha, resolveu ir mais
fundo. Levou a mão direita até o vão entre seus corpos e finalmente deu início ao contato que tanto
estava ansiando, alcançando exatamente o que queria, para que pudesse começar a delirar também.
Matthew segurou sua cintura e a fez parar.
— Você sabe que está brincando com fogo, não sabe, Alycia?
— Claro que sei, Majestade. Afinal, não espero menos de um marido tão quente quanto o que
eu tenho — provocou em um sussurro. Começou a descer o corpo, sentindo o encaixe profundo. —
Ah! — suspirou, razoavelmente alto. Começou a se mover em cima dele de olhos fechados, enquanto
Matthew apertava sua cintura e agora, sugava um de seus seios e massageava o outro de maneira
nada delicada.
Era inebriante o prazer que sentiam um com o outro, mesmo após anos juntos. Se conheceram
ainda jovens, o rei tinha quase dezoito anos e a rainha, dezesseis. Casaram-se logo que ele alcançou
a idade adulta, e foram agraciados com dois lindos filhos e um reino que prosperava em paz e
harmonia. Claro que havia problemas, como conseguir equilibrar a economia igualmente entre as
aldeias, os ataques de inimigos de reinos distantes — que, felizmente, haviam se tornado menos
frequentes — e problemas entre alianças.
Mas, nem o maior dos tornados poderia abalar o casal. Não se imaginavam em uma vida que
não fosse um ao lado do outro, não existia essa opção.
Não eram apenas seus corações que se findavam em um só, mas seus corpos, desejos e
anseios. Ele conhecia cada parte do corpo dela, assim como ela conhecia o dele. E assim, criavam a
colisão de seus sentimentos.
Alycia vibrava freneticamente no colo de Matthew, que agora ditava os movimentos.
Encontraram o clímax poucos minutos depois, talvez tenham até sido segundos, mas eles não seriam
capazes de dizer ao certo.
— Você está bem? — ele indagou, ao vê-la cair com a cabeça em seus ombros.
— Melhor impossível! — Lhe lançou um sorriso e o beijou em seguida.
Terminaram o que era para ter sido feito em primeiro lugar — o banho — e Matthew a levou
para o quarto, secou seu corpo e a vestiu com uma camisola, e fez o mesmo em seguida, trajando suas
vestes de dormir e deitando-se ao lado da esposa, para então, dormirem.

Os últimos preparativos antes de abrirem os portões do palácio já estavam sendo realizados.


As flores brancas — escolhidas particularmente pela rainha —, davam o toque de delicadeza na
decoração refinada do grande salão.
Na entrada, dois enormes cálices de fogo postos ali para iluminar a grande passarela de
concreto já se encontravam acesos. Logo mais à frente, nos assentos reais, duas guirlandas de flores
foram colocadas no topo de cada trono, simbolizando o amor, a pureza, a fertilidade, natureza e
harmonia, tudo que a chegada da nova estação significava para aqueles que creem.
Matthew já estava arrumado com sua túnica vermelha com leves detalhes em cor de ouro que
formavam lindas flores em torno do colarinho e dos botões. Ele se encontrava no quarto do filho
mais novo, Nicholas, esperando que Valerie terminasse de vesti-lo. O garotinho de três anos não era
de muitas palavras, mas seu riso era fácil de arrancar e contagiava qualquer um.
Enquanto isso, no quarto ao final do corredor, estava Alycia, tendo seu penteado finalizado.
Ela não queria nada extravagante para aquela noite, queria a simplicidade que a estação primaveril
significava para ela. Queria estar simples e bela como as flores de seu jardim. A rainha trajava um
vestido longo na cor vermelha, em sua saia, traços na cor preta lhe davam o toque final. Em sua
cabeça, uma coroa de flores na mesma cor do vestido, fora feita pelas mãos do próprio rei, e ele se
gabava por ter feito algo tão belo, embora Alycia soubesse que ele tinha apenas colhido as flores e
entregue a algum florista ou até mesmo o próprio jardineiro poderia ter feito, mas Matthew? Jamais.
O pobre homem não conseguia nem ao menos arrumar a gola de suas roupas corretamente.
Enquanto Grace, sua dama de companhia, cuidava da agitada menina na cama e arrumava seus
cabelos longos e escuros iguais aos da mãe e removia os amarrotados do vestido dourado, embora
não resolvesse visto que a espoleta princesa não parava no mesmo lugar, Alycia tinha seus cabelos
finalizados por Rose, sua fiel criada.
Assim que acabaram de se arrumar, Alycia se levantou, pegando de surpresa a filha no colo,
que riu com o ato. Com apenas quatro anos, Annabella tinha tudo que Nicholas não havia herdado
dos pais: extroversão e energia para dar e vender. Diferente do irmão, ela gostava de correr pelos
corredores do palácio, bisbilhotar as grandes salas mesmo que não houvesse nada para ver e fosse
apenas um cômodo com quadros que, de acordo com sua mãe, mostravam os antigos governantes do
reino. Ela amava entrar escondida no escritório de seu pai e ficar admirando a pintura de seus pais
que havia na parede. Retratava os monarcas nas escadarias que ligavam o grande salão com a ala
leste, o andar onde se encontravam os aposentos da família e dos empregados ligados diretamente
aos governantes. Alycia trajava um vestido vermelho como aquele que usava naquela noite, e seu pai
também, aparentemente aquela cor simbolizava alguma coisa especial para eles na mente fértil da
princesinha.
Alguém batera a grande porta, que logo fora aberta, mostrando uma cabecinha lotada de
cabelos escuros e dois olhos azuis como o oceano. Nicholas entrou em passos desajeitados, sendo
seguido por Matthew que pegou no colo o filho que corria dele.
— Os convidados já chegaram? — interrogou Alycia, querendo saber se já deveriam descer
e estavam demorando muito. Se tinha uma palavra que definiria a rainha perfeitamente, essa palavra
era atraso.
— Sim. Chegaram pessoas dos quatro cantos do reino, até mesmo os nossos súditos da aldeia
estão presentes. Foi ótima a sua ideia de abrir este baile não somente aos reis e nobres de outros
reinos — Hale a elogiou.
Alycia sempre foi muito ligada com o seu povo, mesmo tendo sido criada na Corte. Era filha
do duque de Lestery, Henry, e de sua esposa, a duquesa Anna. Seu pai sempre foi nobre, já sua mãe
não, era uma plebeia que conheceu o duque ainda jovem. Mesmo tendo crescido com alguns
privilégios, nunca se virou contra aqueles que também eram seu povo, e que mereciam tanto quanto
qualquer príncipe, duque ou marquês, estar naquele salão.
— Devemos descer já? — inquiriu, se levantando com a filha no colo. O rei assentiu e
estendeu o braço livre para que ela enganchasse nele, já que o outro segurava Nicholas.
Grace e Rose abriram passagem para os monarcas, e fecharam as portas do quarto,
trancando-as.
Assim que chegaram no topo da escada, as clarinadas de entrada dos líderes de Porto
Vermelho foram ouvidas.
— Suas Majestades, o rei Matthew Hale e a rainha Alycia Hale. Acompanhados da princesa
Annabella e do príncipe Nicholas!
Foram aplaudidos por todos no salão enquanto desciam as escadarias extensas e altas, tão
altas que uma queda daquela tamanha altura poderia ser fatal.
Eles caminharam juntos até seus tronos, colocando as crianças em seus próprios tronos
menores, postos ali apenas para a celebração do evento.
Todos observavam atentamente os movimentos dos monarcas até o momento em que o rei
tomou a palavra.
— Gostaríamos de promover com este baile, uma oportunidade de conhecermos uns aos
outros, sabermos mais sobre as culturas e diversidades de cada parte do nosso amado reino. Uma
celebração a chegada da nossa primavera, que traz consigo tantas dádivas e todas livres de más
intenções. Portanto, que nesta noite, esqueçamos dos sentimentos ruins e destrutivos, e vivamos o
puro, o amor, a natureza! Um brinde as nossas semelhanças! — ergueu sua taça com vinho e brindou
com sua esposa, fazendo com que todos no salão brindassem uns com os outros.
A orquestra sinalizou que iria começar a tocar a primeira música dançante, e como tradição,
o rei estendeu a mão para sua rainha.
— Me daria a honra desta dança, Majestade? — indagou em tom divertido.
— Eu ficaria lisonjeada. — Riu junto a ele e pegou em sua mão, caminhando até o centro do
salão, onde todos haviam aberto espaço para que os monarcas dançassem primeiro, como a tradição
pedia.
Matthew passou um dos braços pela cintura da rainha e a abraçou, segurou sua outra mão, e
ela apertou seus ombros. A música começou a tocar, e eles valsavam como se não houvesse amanhã.
E para eles, não havia.
Conforme o ritmo ia se intensificando, os passos eram mais rápidos. Em determinado
momento, Matthew ergueu sua esposa no ar, segurando-a pela cintura com um braço, enquanto a mão
daquele que estava livre, planava pelo rosto daquela que ele julgava ser a mais bela de todas.
Haviam se esquecido de tudo, estavam em um mundo particular onde só existiam eles dois.
Às vezes, só queriam fugir de tudo e de todos, se pudessem, construiriam um palácio semelhante ao
de veraneio — onde passaram a lua de mel e as duas gestações da rainha, pois era o único lugar em
que ficavam realmente livres de preocupações sem fundamento —, e viveriam lá. Por Alycia, uma
casinha simples numa ilha bem distante onde pudesse passar 24 horas com sua família, longe do
embaixador Richard, que estava sempre representando o reino em missões diplomáticas e
consequentemente, era o que mais exigia a atenção do rei, mas principalmente das pressões políticas,
causada por parte dos nobres.
Eles valsavam lindamente e, ao final da música, Matthew a deitou em seus braços e sorriu
para ela, a trazendo novamente para cima logo em seguida, colando as testas e ouvindo a música ser
substituída pelos aplausos dos ali presente.
Alycia sorriu envergonhada, mesmo após uma vida participando de grandes eventos como
este, nunca se acostumaria a ser tão amada por seus súditos e posta em um pedestal como se fosse
algo extremamente precioso para ser tocado.
A rainha foi despertada de sua admiração pelos olhos azuis a sua frente quando sentiu uma
mãozinha puxar o seu vestido. Eram as crianças querendo ter sua vez de dançar também. Cada um
dos monarcas ergueu um dos filhos, ficando Nicholas no colo da mãe e Annabella no colo do pai.
— Isto ainda é um baile. Venham todos! — anunciou o rei e cada cavalheiro puxou uma dama,
e valsaram a noite toda, ora ou outra, trocando de parceiro, exceto o rei e a rainha, eles não se
soltariam por nada no mundo. Matthew ferveria de ciúmes se visse a esposa dançar com qualquer
outra pessoa que não fosse ele ou seus filhos, assim como Alycia também explodiria e não o deixaria
dormir a noite inteira se o visse ousar chegar perto de alguma moça para dançar. Mas não era um
problema, afinal, jamais dançariam com outra pessoa que não aquela com quem escolheram se casar.
Após incontáveis horas dançando, o rei resolveu caminhar com sua esposa em um lugar
menos caloroso em que tivessem um pouco de privacidade, o que era bem raro para duas pessoas tão
importantes. Deixaram as crianças com Valerie, que já estavam bem cansadas, e seguiram seu
caminho, passando por inúmeros casais, incluindo Grace que valsava com seu marido, Andrew
Jones, o lorde chanceler, o braço direito do rei, afinal, fora o monarca que conseguiu colocá-lo em
tal posto de confiança. Sua posição era altíssima, ele ministrava finanças e relações com outros
reinos, por assim dizer, quebrava alguns galhos para o rei quando este estava indisposto ou
aproveitando um tempo com sua esposa.
Ele a levou até o jardim, onde havia preparado para ela uma surpresa. As mãos unidas não se
largariam por nada, assim como os olhares indiscretos que trocavam um com outro. Com todos
entretidos com o baile, eles poderiam ficar lá por horas e ninguém perceberia, ou pelo menos,
esperavam que não.
— Está gostando do baile, querida? — indagou, abraçando-a agora pelos ombros, na
tentativa de aquecê-la.
— Está tudo perfeito. — Recostou a cabeça em seu ombro e sorriu. — Obrigada por isso,
amor!
— A noite ainda não acabou, minha rainha! Tenho uma surpresa para você — contou,
deixando-a curiosa. Ele sabia que ela era uma pessoa ansiosa, tanto, que ele jurava que ela não
aguentaria durante a gravidez de Annabella ter de esperar o nascimento para saber se era uma menina
ou menino, a mulher ficava o tempo todo preocupada em como decorar o quarto, se deveria usar cor-
de-rosa nas paredes, ou azul, se deveria optar por uma cor neutra, como o branco. Fora difícil lidar
com os momentos em que ela ficava agitada demais em relação a tudo, mas, não era nada que seu
marido não pudesse lidar.
— E o que é? É um presente? — indagou animada, já se preparando para uma das inúmeras
surpresas que o rei sempre lhe preparava.
— Venha comigo. — A puxou pela mão e correram pelos canteiros do castelo como se
fossem dois adolescentes outra vez. Ele a levou até a área mais afastada da entrada principal, onde
ficavam as entradas que davam acesso a ala oeste do palácio. As escadas pareciam infinitas, mas
eles pareciam nem perceber ou se importar com tal situação.
Assim que chegaram, passaram pela sala de treinamento que estava trancada, e chegaram ao
observatório. A janela adjacente ao armário que ficavam os livros de estudo dos jovens príncipes foi
aonde Matthew levou Alycia. Era a mais alta daquela área, e tudo fora minimamente planejado para
que não houvesse falhas.
Quando os olhos dela encontraram a luz que brilhava incessantemente no jardim, seus olhos
se encheram de lágrimas. Se tratava de um canteiro de flores que eram iluminados pelo que ela
acreditava serem pequenas luminárias ou velas, e para completar, formavam o seu nome. Aquele
tinha sido o melhor presente que Matthew já havia lhe dado, e ele lhe presenteava com muita
frequência.
— Matthew… — Não conseguia formar uma frase inteira, tamanha era sua emoção.
— Eu fiz isso para que saiba que eu sempre estarei com você, independente do que possa
acontecer conosco, você é a minha luz! — Abraçou-a por trás e juntos ficaram admirando a
magnitude daquela paisagem. — Você é mais do que eu sempre quis ter, Alycia, espero que sempre
se lembre disso.
— Você é perfeito demais para ser real! — declarou-se.
Eram raros os momentos em que podiam ficar assim, apenas na companhia um do outro,
sempre havia algo para cuidarem. Quando não eram problemas com a regência do reino, problemas
que o lorde chanceler não podia ou não conseguia resolver para o rei; eram problemas com ataques
inimigos — o que havia se tornado mais raro desde que Matthew subira ao trono, já que ele, assim
como Alycia haviam feito alianças e acordos de paz com a grande maioria dos reinos das fronteiras
da floresta que os cercava.
Fora isso, eram as crianças que aparentemente possuíam um sensor que os avisava quando os
pais estavam sozinhos, e quase sempre os acordavam ou até mesmo interrompiam momentos recém-
começados ou terminados. Mas eles não se importavam, a criação dos jovens príncipes era o que
tinham de mais valioso.
Logo, retornaram para a festa e se depararam com alguns marqueses e condes de outras áreas
se despedindo, pois, a jornada até suas devidas residências era longa. Alguns súditos também já
partiam em uma espécie de caravana, não possuíam carruagem e por isso caminhavam todos juntos
para correrem menos riscos, embora a aldeia ficasse a não mais do que vinte minutos de caminhada.
Valerie se aproximou de Alycia e contou que as crianças já estavam bocejando e que subiria
para colocá-los na cama, mas a rainha, que também já estava cansada, disse que ela mesma faria
isso.
— Se quiser ir descansar, Valerie, pode ir. Já fez muito por hoje.
— Neste caso, boa noite, Majestade. — Reverenciou-se e seguiu para a ala sul, onde ficava
seu quarto.
A monarca virou-se para Matthew que conversava com Andrew, discutiam em relação a
segurança do castelo e outros assuntos.
— Querido, eu vou subir para colocar as crianças na cama, elas já estão praticamente
dormindo — contou, e o ouviu dizer:
— Quer ajuda? — Removeu de seu rosto uma mecha de cabelo que caía sobre seus olhos.
— Não é necessário. — Se aproximou e lhe deu um beijo casto na bochecha e sussurrou em
seu ouvido: — Te espero lá em cima. — E saiu segurando Nicholas adormecido em um braço e
levando Annabella pela mão ainda acordada caminhando ao seu lado. Rapidamente, sumiu da vista
de todos.
Passou primeiro pelo quarto do filho mais novo, que já dormia há alguns minutos, e o
depositou na cama, cobrindo-o. Deu-lhe um beijo na fronte coberta por seus cabelos lisos e
bagunçados, e em seguida levou a filha para o seu quarto.
A princesinha subiu em sua cama com certa dificuldade e se deitou totalmente esparramada. A
rainha riu, a ajudou a trocar de roupa e a ajeitou melhor. Puxou seus cobertores e beijou-lhe a
pontinha do nariz.
Não demorou até que Annabella adormecesse, e a rainha seguiu para seu quarto com o rei.
Arrumou os cobertores para que pudesse deitar e relaxar enquanto esperava que o marido chegasse e
ela pudesse sentir o calor dele que tanto a ajudava a pegar no sono.
Precisava tirar aquele vestido, mas o corpete fora amarrado de uma maneira que ela não
conseguia soltar, não sozinha. E não faria Grace deixar as festividades apenas para ajudá-la. Tentaria
sozinha, era capaz disso, não?
Entretanto, alguns segundos depois, sentiu mãos lhe ajudando e uma voz rouca cochichando:
— Deixe-me ajudá-la com isso. — Ele desamarrou o corpete do vestido e a livrou da peça.
— Como consegue usar isso? Eu não me imaginaria tendo de vestir algo tão apertado.
— Vocês homens não aguentariam cinco minutos em cima de um salto, mas nós somos
obrigadas a estar em cima deles o dia todo e manter a pose! — retrucou, caçoando dele.
— Você tem razão. Vocês são muito mais fortes do que nós. E eu tenho orgulho de você! —
Beijou seus ombros agora descobertos. Ela virou-se para ele e selou os lábios rapidamente.
— Ainda há convidados lá embaixo? — inquiriu, se preocupando se Matthew os deixara
sozinhos.
— Alguns, mas eu pedi que Andrew os recepcionasse, em poucos minutos eles irão embora,
não se preocupe. — Com o dedo indicador, tocou o nariz delicado dela.
— Eu vou trocar de roupa, já volto — lhe disse, desviando a conversa. — Por que não vai
tirando essa roupa formal e arrumando nossa cama? Estou exausta e preciso de você para dormir. —
A manha em sua voz arrastada era clara, e ele sorriu com isso. De fato, era verdade, a rainha não
dormia sem ele para embalá-la. Quando ele precisava viajar em missões diplomáticas, fossem por
dias, semanas ou em casos mais raros, meses, ela sempre buscava os filhos para lhe fazerem
companhia a noite.
A última vez que ele precisou ficar meses fora, ocorrera na gravidez de Nicholas. A rainha
estava com aproximadamente três meses de gestação quando ele partiu para o campo de batalha, e
foram longas semanas complicadas, com um reino para reger e uma criança ainda nem nascida para
se preocupar e outra totalmente energética para vigiar a todo momento, a rainha passou por grandes
empasses. Mas, para sua alegria, o rei retornou antes do nascimento, e se arrependia amargamente de
ter perdido mais de dois meses perto dela, que já se encontrava com uma barriga bastante aparente. E
sendo assim, quando retornou, a levou diretamente para o palácio de verão, para relaxarem juntos
pelos próximos meses que restaram da gravidez, e também para que ele pudesse se recuperar
totalmente, já que voltara bastante ferido para casa.
Matthew retirou sua túnica e ficou apenas com sua peça íntima, já que fazia um calor absurdo
para usar roupas. Se deitou e esperou pela esposa. Ela saiu do banheiro vestida com uma camisola
de tom bege claro, se aproximou pela lateral da cama e se deitou junto a ele, encaixando-se em seu
braço esquerdo que a apertou contra si, enlaçando a cintura.
— Boa noite, meu bem! — Matthew desejou, beijando novamente os lábios da esposa.
— Boa noite, querido! — respondeu-lhe. — Eu te amo.
— Eu também amo você.
2. Missão de Paz

Os primeiros raios de sol da manhã já adentravam o quarto dos monarcas, atravessando as


cortinas e tocando seus corpos deitados no enorme colchão. Matthew já havia despertado há alguns
minutos, mas preferiu não se levantar e ficar observando a mulher dormir em seus braços.
Admirava cada mínimo detalhe de seu rosto, o mesmo que ele admirava há mais de seis anos,
quando se conheceram. Alycia não havia mudado em nada, a não ser em sua personalidade, era mais
forte, enfrentava quem fosse preciso e não tinha medo de brigar com unhas e dentes por aquilo que
acreditava. Já ele, havia mudado em muitas coisas, principalmente físicas. Quando se casou com
Alycia, não possuía barba, algo que hoje enfeitava seu rosto e o deixava mais sério e charmoso,
como assim dizia a rainha.
Assim que a luz que vinha lá de fora tocou o rosto da mulher, ela se virou para o lado
contrário ao que ele estava e deitou-se de costas para ele. Aproveitando-se da situação, Matthew
resolveu despertá-la, mesmo sabendo que pela atitude tomada por ela há segundos, ela já estava
perto disso.
Iniciou com beijos cálidos em seu pescoço, afastando os cabelos e descendo pelos ombros.
Beijava cada canto livre do tecido da camisola que ela vestia, sentia aquela pele macia e perfumada
que só ela tinha, mordiscava com os lábios levemente, a despertando vagarosamente.
— Bom dia, rainha da preguiça — emitiu, em tom baixo ao ouvi-la resmungar. Alycia era
muito manhosa, mas apenas com ele se permitia ser assim. Quando estavam juntos, trazia seu lado
mais sensível à tona, e só ele conhecia a astúcia que Alycia Hale possuía quando queria que ele
atendesse aos seus caprichos.
— Eu não sou a rainha da preguiça! — exclamou, em correção a fala dele, mas riu do
comentário em seguida. — Bom dia, amor! — Virou-se para ele novamente. — Queria poder não me
levantar hoje e ficar somente aqui, embalada nos seus braços, sendo aquecida pelo seu calor, te
amando e fazendo tantas outras coisas.
— Seria ótimo, meu amor. — Sorriu para a esposa. — Mas, infelizmente, não será possível.
Estamos enviando tropas para a costa sul, ontem Andrew me avisou que navios de guerra com o
bandeiras com emblemas das Ilhas Gálidas sem aviso estão vindo do norte em direção a Porto
Vermelho. Eu irei encontrá-los, tentar evitar o derramamento desnecessário de sangue. As tropas já
se encontram lá, e de acordo com um cavalo que chegou pela madrugada, os navios estão chegando
próximos as colinas, a esse horário, eu tenho medo do que possa ter acontecido.
— Você precisa mesmo ir? Matthew, e se eles estiverem vindo com más intenções? Pode
haver guerra e...
— Fique calma, nada vai acontecer se eu puder evitar — a tranquilizou. Alycia sempre tinha
medo quando ele precisava sair do castelo para apaziguar qualquer situação, por menor que fosse.
Matthew era um rei honrado, mesmo em uma guerra, não permitiria que seus homens fossem
sozinhos, não permitia que eles lutassem e morressem por algo que o próprio comandante do reino
não acreditava que a vitória fosse possível. Ao se arriscar, ele mostrava força ao seu exército de
batalha, e assim, ganhavam confiança. Essa foi uma decisão que tomou no dia em que foi coroado,
pois cresceu vendo o exército de seu pai sempre marchar rumo a luta, e nunca estavam animados.
Sabia que precisava fazer diferente caso, durante o seu reinado, houvesse necessidade de mandar os
homens para o campo de batalha. E ele descobriu ser uma estratégia muito útil, pois confiança gera
confiança. Seu exército sabia que da mesma forma que eles tinham esposas e filhos, o rei também
tinha. Felizmente, foram poucas as vezes em que fora necessário empunhar sua espada no campo de
batalha, já que procurava resolver tudo de maneira civilizada.
— Eu não gosto que você fique se arriscando dessa forma, sabe disso! — Sentou-se na cama,
pegou seus sapatos na beira dela, e levantou-se. — Lembra da última vez, não lembra? Você ficou
meses fora, poderia até ter perdido o nascimento do seu filho! E chegou em casa completamente
debilitado. Mesmo que essas pessoas estejam vindo em paz, pode ser arriscado, Matthew! Você não
pensa que se algo acontecer a você como seus filhos ficariam? Como o reino ficaria sem seu rei? Se
algo acontecer com você, amanhã sua filha de quatro anos seria coroada rainha, acha que ela está
pronta para lidar com isso? — Deu ênfase a idade da filha. — Não pensa em como eu ficaria sem
você? Eu morreria! — desabafou.
Esta, era a primeira vez que Alycia expressava com palavras como se sentia quando ele
resolvia ir para campos de batalha ou locais parecidos. Ele estranhou um pouco. Ela sempre ficava
nervosa quando ele anunciava que precisaria sair do palácio, isso sempre foi do conhecimento dele,
mas desta vez, havia algo diferente. Ele só não sabia o que. Talvez nem ela soubesse. Levantou-se de
onde estava e caminhou até a esposa, ficando quase colado a ela.
— Você sabe que eu não posso simplesmente deixar o exército resolver isso, Alycia. A
linguagem que eles conhecem envolve espadas e sangue. E se os navios estiverem vindo em missão
de paz, busca por alianças ou algo parecido? Nem tudo significa guerra, você sabe disso.
— Mas e se desta vez significar? E se forem ataques inimigos? Quem busca alianças se
comunica, primeiramente, através de cartas, não chega enviando navios de guerra. E mais, mesmo
com a paz restaurada com grande parte dos nossos atuais aliados, espero que você se lembre que eles
não estão nessa lista, ameaças ainda estão à espreita, Matthew. Espero que saiba o que está fazendo.

Após o café da manhã — este que fora servido um pouco mais cedo do que de costume,
ocasionado pelo compromisso do rei —, a família se encontrava nos portões onde ficavam as torres
de observação.
Matthew se despedia dos filhos, dizendo que voltaria logo. O caminho até as colinas era
longe, então era muito provável que não retornasse naquele dia e, se o que temia viesse a acontecer,
demoraria bem mais a retornar do que esperava.
As crianças não entendiam muito bem o que acontecia, mas sabiam que o pai estava saindo
sem uma previsão certa de quando voltaria. Assim que se despediram dele, Valerie os pegou,
levando-os para dentro para dar privacidade aos regentes.
— Não está brava comigo, está? — indagou, tocando o rosto dela. A rainha revirou os olhos,
respondendo assim sua pergunta. — Não quero que fique assim — pediu. — Me diga o que eu posso
fazer para que não fique chateada ou nervosa comigo? — Ela suspirou profundamente antes de lhe
dar a resposta, mas logo o fez:
— Eu quero que volte para mim! Apenas isso! — Derrubou algumas lágrimas, confessando
com grande pesar o que havia em seu coração. Ele ainda não entendia por que ela estava tão sensível
com esta saída, ela sempre ficava nervosa e ansiosa, mas tinha algo estranho dessa vez. Parecia até
que estava pressentindo algo ruim.
— Eu vou voltar o mais rápido que eu puder, eu prometo a você. — Agarrou sua mão e
beijou o dorso da mesma. Em seguida, beijou-lhe os lábios.
— Esperarei por você. Eu amo você, Matthew!
— Eu também amo você, meu bem! — respondeu em tom quase inaudível, apertando-a contra
seu peito.
— Os cavalos estão prontos, Majestade — o cavalariço veio avisar. Matthew soltou-se da
amada e caminhou até onde estava seu grande e treinado cavalo. Montou em cima dele e olhou para a
esposa, mandando-lhe um beijo no ar e sussurrando apenas com o movimento dos lábios um “eu
voltarei em breve”.
Os cavalos do rei e de seu chanceler partiram no horizonte, e Alycia ficou observando
enquanto os portões eram fechados.
Era tudo que ela queria, que ele voltasse.

Caminhava por todo o palácio, precisava arrancar de sua mente o pensamento vão de que o
pior poderia acontecer aquela tarde. Sabia que Matthew era um homem valente e honrado, mas ela
temia sempre por ele, já que o próprio não fazia isso.
Nem percebeu que depois de tanto caminhar pelos corredores, chegou a Ala Oeste. Era de
fato, a mais ampla de todo o palácio. Andou até encontrar uma porta grande e alta de abertura dupla,
e empurrou um de suas laterais — cada uma das partes continha um desenho, na direita, espadas
cruzadas, e na esquerda, um escudo —, colocando primeiro a cabeça e depois o restante do corpo
para dentro da sala. Se tratava da sala de treinamento, onde os guardas e demais, às vezes até o
próprio rei, ficavam treinando e melhorando suas habilidades com espadas.
Alycia percebeu que menos da metade dos equipamentos estavam ali, o que só poderia
significar uma coisa: a guarda foi preparada para o derramamento de sangue.
Medo. Essa era a palavra que a definia no momento.
Resolveu então se distrair, se continuasse pensando naquilo, ficaria muito abalada para
quando Matthew voltasse. Deixou a sala e se dirigiu para uma outra mais à frente, onde podia escutar
uma voz fina recitando algumas palavras com certa dificuldade.
Parou na entrada e ficou observando a filha estudar com sua professora, as posições dos
cargos do palácio. Nada disse além de ficar admirando a pequena princesa totalmente concentrada
naquilo que um dia lhe seria bem útil.
Quando sua presença foi notada por Annabella, a pequena sorriu e chamou a mãe para que se
sentasse com ela.
— Olha, mamãe — mostrou o livro de imagens —, a tia Mary está me ensinando o que cada
um do castelo faz. — Sorriu, entusiasmada por estar aprendendo algo novo com uma de suas tutoras.
— É verdade, meu amor? Então me diga… o que o Richard faz? — interrogou em tom
divertido, fazendo a princesa colocar o dedo no queixo e pensar primeiro qual era o cargo de
Richard para ligá-lo a sua função.
— O Richard é emba-embaizador. E ele cuida dos assuntos do papai, que é o rei, em lugares
distantes, ele repre-representa a gente lá — respondeu, orgulhosa.
— Ele é embaixador, minha flor! — Alycia corrigiu. — E sim, ele nos representa em outros
reinos, assuntos diplomáticos que seu pai pede a ajuda dele. — Fez cócegas na barriga da
princesinha que riu descontrolada — Vou deixar você terminar a sua aula. Você sabe aonde está seu
irmão, querida?
— Ele estava com a Valerie no jardim, mamãe! — Sorriu, voltando a se concentrar na aula.
A rainha deixou o cômodo já mais calma, e foi atrás de seu caçula na tentativa de descobrir o
que ele fazia a esse horário. Por ser muito pequeno, gostava de brincar com a babá no jardim, e
Alycia se alegrava por saber que conseguia manter o sorriso na face dos membros de sua família.
Assim que percorreu a distância das torres até o jardim, utilizando a passagem que ali existia,
caminhou até a grande árvore do castelo, que era bem antiga, cultivada desde os tempos da rainha
Victoria, avó de seu marido, talvez até antes, ninguém sabia dizer exatamente, e foi mantida por sua
filha, a rainha Anastasia, sendo esta, a mãe do atual governante de Porto Vermelho. Alguns
acreditavam que ela era mágica, visto que era muito antiga e por ter passado por, no mínimo, três
gerações de longos reinados, jamais deu frutos amargos ou até mesmo deixou de produzir. Ela esteve
presente na coroação de três rainhas, e Alycia esperava que ainda estivesse ali quando Annabella
fosse coroada.
Ficou admirando as vermelhas e suculentas maçãs que foram cultivadas naquela época até
que viu um pequeno corpo correr em sua direção desajeitadamente. Se abaixou e ergueu a criança no
colo, enchendo seu rosto de beijinhos.
— O que você estava fazendo, meu príncipe? — Viu a criança apontar para o outro lado do
canteiro, de onde Valerie vinha caminhando. — Estava cansando a tia Valerie, meu querido? Você
sabe que não temos mais a energia que você tem.
Assim que a moça mais jovem se aproximou, Nicholas riu por ela estar cansada.
— Posso ajudar em algo, Majestade? — a jovem perguntou.
— Na verdade eu acho que eu posso te ajudar. Descanse um pouco, eu fico com Nicholas,
precisamos mesmo ficar um pouco juntos, não é, meu príncipe?
— Se for apenas por minha causa, não há necessidade, Majestade. — A mais velha riu com o
comentário.
— Claro que há! Eu preciso de um tempo sozinha, meu marido partiu em uma missão contra
uma possível ameaça, e eu preciso parar de pensar nisso um pouco. Pode ir descansar, quando eu
precisar, peço para que alguém lhe chame. — Sorriu, gentilmente.
— Como desejar, Majestade! — E saiu.
Alycia ficou com o jovem príncipe admirando as folhas que caiam no chão, ele pegava o que
podia com suas mãozinhas e jogava para cima, fazendo a mãe rir e rindo junto a ela.
Só assim para que a rainha se livrasse de pensamentos ruins em relação a Matthew, ameaças
e quaisquer outras coisas.
Ela não tinha percebido, mas acabara ficando ali por horas e apenas caiu em si quando Grace
apareceu, preocupada.
— O que faz aqui fora? — questionou a amiga.
Se tinha algo que Alycia se orgulhava era de sua amizade com Grace. A jovem não era
nascida, mas fora criada na Corte. Sua família possuía títulos e ela foi criada para servir uma rainha,
e desde pequena conhecia Alycia, eram muito próximas, e quando se casou com Matthew, exigiu que
Grace fosse com ela, assim, não apenas teria uma dama de companhia em que realmente confiasse
como também daria a moça a chance de se casar com alguém também com títulos e algum valor
perante o reino, e foi assim que ela conhecera o lorde Jones.
— Apenas… espairecendo — confessou.
— Está preocupada com Matthew, não está? — perguntou, mesmo sabendo a resposta. — Eu
te procurei por toda parte justamente para conversar com Vossa Majestade sobre isso — brincou,
tentando descontrair a rainha. Grace, em todo o castelo, com exceção de Matthew, era a única que
tinha permissão e intimidade para tratar a rainha por seu nome, sem formalidades.
— Se veio dizer que os navios que foram avistados na costa não vieram em paz e que nosso
exército está guerrilhando com eles neste momento, por favor, não diga. — Olhou para as próprias
mãos.
— Você costuma ser sempre tão… pessimista? — A dama revirou os olhos. — Eu vim dizer
que acabou de chegar uma mensagem através de um dos soldados e ele disse que era apenas uma
missão de paz e que Matthew e os homens já estão retornando para o castelo! — A rainha pôde sentir
seu coração acelerar algumas batidas e um sorriso brotou em seus lábios. Matthew estava voltando.
— Vamos para dentro agora, o almoço será servido em alguns minutos.
— Comida? — o pequeno príncipe questionou, com os dedinhos na boca.
— Isso mesmo, meu pequeno — exclamou a dama. — Vamos? — Alycia a olhou, pegou o
filho no colo e caminharam até o grande salão onde eram servidas as refeições.
A mesa extensa, com mais de dois metros de comprimento, comportava os membros da
família. A grande cadeira na ponta, vazia, aguardava pelo retorno do rei. À sua direita, encontrava-se
a rainha, e ao lado desta, sua dama de companhia e por fim, a cadeira vazia ao lado de Grace, que
aguardava também o retorno do marido.
Ao lado esquerdo da cadeira do rei, encontrava-se Annabella, em uma cadeira mais alta
própria para o seu tamanho, e Nicholas em uma quase igual, porém virado para Valerie para que ela
o desse de comer.
Todos conversavam sobre assuntos diversos, Annabella perguntava à mãe quando o pai
voltaria, e a rainha queria poder dizer “em alguns minutos”, mas não sabia ao certo.
— Majestade? — um dos empregados, entrou no salão procurando pela rainha.
— Pois não, Brighton?
— Trago notícias do rei. Fui encarregado de avisar que o rei não virá para o almoço, ele está
resolvendo alguns assuntos, como assim foi dito, de suma importância. Provavelmente só chegue
mais à tarde ou para o jantar. — Alycia se entristeceu com a notícia, mas não havia nada em seu
alcance que ela pudesse fazer.
— Bom, neste caso, diga para servirem o almoço.
— Com licença, Majestade.
A refeição fora servida, e mesmo sem estar acostumada a comer sem a presença do marido
para encher a sala de alegria com suas histórias, Alycia fez um esforço.

— Lamento pela recepção, mas achamos que poderia ser uma ameaça — Hale desculpou-se
com o homem à sua frente, apertando-lhe a mão. — A propósito, não fomos apresentados. Matthew
Hale!
— Thomas Blackburn, embaixador das Ilhas Gálidas! E também lamento pela chegada
inesperada e os navios, eram os únicos... disponíveis.
— Não há problema. Seja bem-vindo. — Sorriu. —E... como vai sua rainha? — questionou,
com certo receio em sua fala.
— Ótima. Ela quem me enviou para cá, estava a fim de… acertar as coisas.
— Ela não é bem… a minha maior fã — brincou.
Lilliana Keyes, ou para todas as pessoas, a rainha das Ilhas Gálidas, não era nascida em
berço de ouro, mas crescera em boa posição social, e conseguiu fisgar o falecido rei com a palma de
sua mão. Como o contrato de casamento dizia que após sua morte, o reino seria de sua esposa até a
morte dela, ela passou a usar uma coroa na cabeça e a ter criados que a ajudassem até mesmo a
respirar, por assim dizer.
Anos atrás, conheceu Matthew, antes mesmo dele ser rei, cresceram juntos, e claro, vendo-o
se tornar cada dia não mais apenas atraente, mas também um homem amado por seu povo e de grande
valor, sabia que tinha que se casar com ele. E iria, afinal, era a melhor candidata a posição. Só
precisava fazê-lo aceitar a ideia.
Em um baile, disposta a fisgá-lo, Lilliana trajou seu melhor vestido e seguiu com seu plano,
que ao ser ver era infalível. Chegaram a dançar juntos, mais de uma vez, e ela poderia jurar que pela
forma que o futuro rei a olhava, estaria conseguindo fazer ser plano dar certo. Tola. Assim que aquela
música acabou, ele pediu licença e caminhou até uma donzela perdida no meio dos vasos de flores,
tirou uma de um deles e lhe estendeu, convidando-a para dançar. Ele não estava olhando para ela,
mas sim para aquela garota que estava exatamente no mesmo campo de visão. Pouco tempo depois,
ele se casou com a mesma.
Keyes se ardeu por dentro. Ele tinha escolhido Alycia, não ela. Uma escolha qualquer, mas
que lhe custou tudo. A moça havia ficado impressionada com a beleza e principalmente com o reluzir
do ouro em sua coroa, e jurou que não deixaria Matthew e toda a família Hale viverem em paz.
Ainda mais depois de desvendar mistérios do passado que mantiveram escondido dela por anos.
Tempos depois, conheceu um rei bem mais velho do que ela e por acaso do destino — ou
talvez nem tanto assim — ele se apaixonou perdidamente por ela, e, visto que ele não tinha mais
ninguém, a fez sua esposa, e claro, Lilliana tratou de que ele morresse logo. E assim se tornou rainha.
Agora, tinha um reino, tinha um exército, e poderia fazer tudo para desiludir Matthew e a família dele
e fazê-los pagar por toda a dor que lhe causaram em toda a sua vida.
E a melhor parte? Ele não fazia ideia de que ela nutria por ele um ódio tão forte, pensava que
fosse apenas um desgosto ou algo do tipo.
E sendo assim, como o embaixador parecia vir em missão de paz, mesmo com um pé atrás,
Hale pensou que aquela poderia ser uma boa oportunidade de ajeitar as coisas e finalmente criar paz
e até mesmo uma aliança entre as duas nações.
— Vamos até o meu castelo, você e seus homens serão muito bem-vindos! — disse de bom
grado.
— Seremos muito gratos, Majestade! — agradeceu, humildemente.
Subiram em seus cavalos e Hale liderou o retorno para o lar, sendo seguido por Blackburn, e
logo atrás os dois exércitos também a cavalo.
Partiram com o pôr do sol nas colinas, e Matthew desejava que a esposa estivesse ali para
ver aquele lindo findar de mais um dia. Alycia amava a natureza e tudo que vinha dela. Podia se
lembrar da primeira vez que a levara para ver o pôr do sol, foi durante a lua de mel no Palácio de
Verão. Ela estava linda, e eles ficaram no topo da colina próxima ao castelo admirando o sol se pôr
por entre as montanhas e a Lua começar a aparecer.
Após alguns longos minutos, talvez até mesmo horas, fora possível ver a imagem do castelo
ficar cada vez mais nítida. Matthew parou seu cavalo e deu ordem a Andrew que levasse o
embaixador e os outros homens para os alojamentos que estavam vagos no primeiro andar do castelo
e depois os levasse para comerem algo, pois deveriam estar famintos, pois ele tinha outros assuntos
para resolver.
Assim que deixou seu cavalo nos estábulos, entrou no castelo utilizando a passagem do
jardim, atravessou alguns longos corredores e chegou aos seus aposentos. Entrou sorrateiramente,
não encontrando Alycia nos arredores. Foi quando viu a cortina da sacada esvoaçar com a brisa que
vinha lá de fora e resolveu checar.
Foi quando a viu, tão serena, de olhos fechados, sentindo o vento bater em seu rosto. Se
aproximou lentamente e abraçou sua cintura. Ao senti-lo, Alycia sorriu e se virou rapidamente, sem
nem ao menos olhá-lo, e o abraçou forte.
— Isso tudo é saudade? — brincou, abraçando-a com mais força ainda.
— Você está bem? — Checou seu rosto e seus braços.
— Estou bem, querida, nenhum arranhão — garantiu. — Fora tudo muito tranquilo, não se
preocupe.
— Eu vi cavalos além dos nossos chegando. O que houve?
Matthew a puxou para dentro do quarto e se sentou com ela na cama. Explicou
detalhadamente o que ocorrera: Blackburn, Lilliana, alianças e todos o resto. Explicou que os
recebia de bom grado, na esperança de que não fosse um plano ou golpe.
Alycia ouviu atentamente, sabia que Lilliana nunca gostou dela, nas poucas vezes que se
encontraram, fora possível notar a antipatia que esta guardava. Não entendia o porquê, mas também
nunca questionou, até mesmo porque nunca mais se encontraram desde o casamento.
— Você tem certeza de que é uma boa ideia, Matthew? — inquiriu Alycia.
— Eu não sei, meu amor. O que acha? Você é melhor para lidar com problemas do que eu —
falou, tocando o rosto da mais nova.
— Bom, daremos uma chance, mas ficaremos de olhos bem abertos, nunca sabemos o que
pode acontecer, eles são estranhos dentro da nossa casa e não podemos correr riscos! — apontou
sabiamente.
— Espero que seja, realmente, uma causa boa a deles — o rei concluiu.
— Eu também.
3. Coração Consumido

Passaram-se exatos sete dias desde a chegada dos homens das Ilhas Gálidas. Mesmo tendo se
mostrado pacíficos, Matthew, e muito menos Alycia, conseguiam se sentir totalmente confiantes.
Ataques anteriores já haviam sido feitos por parte deste lado dos quatro cantos do reino, levando
inocentes à morte.
Depois dessa longa semana, o embaixador e seus homens estavam retornando para a casa, o
contrato que declarava paz entre as duas nações estava selado com o brasão dos dois locais, e
negociações para a uma aliança seriam feitas futuramente. Por ora, os assuntos estariam encerrados.
Blackburn e seu respectivo exército já se despediam dos monarcas de Porto Vermelho e
agradeciam a agradável hospitalidade. Partiram sem olhar para trás, desejando algum dia poder
voltar.
Assim que o rei retornara para dentro do castelo com sua esposa enganchada em seu braço já
era tarde, o sol poente deixava o céu com um tom esplêndido de laranja que formava um degradê até
o amarelo e se misturava com o azul já não tão mais claro. Os regentes subiram para seus aposentos e
pediram para não serem incomodados a menos que fosse urgência.
A rainha, cansada, sentou-se na cama massageando as têmporas com os cotovelos apoiados
nas coxas. O rei, ao vê-la, sentou-se ao seu lado, abraçando seus ombros, e baixinho, sussurrou:
— O que você deseja, minha rainha?
— De verdade? Eu quero distância de tudo por um bom tempo. — Deitou a cabeça nos
bíceps do cônjuge. Ela queria sossego, queria poder pegar o marido e os filhos e sumir por uns dias
que fosse. Contudo, não seria justo largar tudo nas mãos de terceiros porque ela precisava relaxar.
— O que acha de irmos a Calay?
Calay era uma região litorânea ao norte do reino, também era onde residia o palácio de
veraneio. Foi lá que passaram o longo mês de lua de mel. Geralmente, tais viagens não duravam tanto
tempo, mas o rei queria poder aproveitar o máximo que pudesse com sua rainha, pois sabia que
assim que retornassem para a casa, teria de dividi-la com outros, sem contar das inúmeras
responsabilidades que teriam.
— Uma segunda lua de mel? — ele completou. — Acredito que precisamos disso.
— Seria ótimo. — Ela sorriu e beijou sua mão que estava entrelaçada com a dela — Mas o
que faríamos com as crianças? E as suas responsabilidades? Somos governantes agora, Matthew. Na
última vez não éramos coroados ainda.
Ela tinha razão. Quando se casaram, os pais de Matthew ainda estavam vivos e governando.
O que era bom, pois Matthew ainda tinha muito o que aprender. Entretanto, logo que retornou para o
castelo, encontrou o pai muito doente. De início, se enfureceu por ninguém o ter avisado, mas, ao ver
a situação do pai e ouvir os médicos desacreditando a todos, resolveu passar as últimas horas do rei
com ele. Algumas noites que se seguiram ao retorno de Matthew, fora o suficiente para que seu pai
pudesse aproveitar um pouco mais da companhia do filho. Numa noite fria, o rei deixara a vida.
Com a morte do rei, de acordo com o contrato de casamento dele e da rainha, o primogênito
do casal deveria assumir, e assim, Matthew fora coroado o novo regente, tal como Alycia. Pouco
tempo depois, a rainha-mãe também partira, semanas antes do nascimento da neta Annabella. Foram
momentos conturbados, que giraram em torno da alegria e da tristeza.
Agora, ali, Matthew precisava pensar em algo para alegrar a esposa.
— Olhe, o que acha de levarmos as crianças? Serão por poucos dias, eu só quero te distrair
um pouco, amor! — A rainha hesitou, parecia pensar. Entretanto, alguns segundos depois, respondeu:
— Acho que alguns dias não farão mal a ninguém. — Sorriu e foi beijada pelo marido. Logo,
estavam deitados na cama se entregando um ao outro novamente.

As últimas bagagens estavam sendo postas dentro da carruagem, as crianças já se


encontravam sentadas, aguardando. Alycia esperava pelo marido no lado de fora, ele conversava
com Andrew, provavelmente dizendo que a qualquer problema poderia mandar algum mensageiro
avisar, e o chanceler rebatia dizendo que ele deveria ir logo e aproveitar esse tempo.
Os monarcas finalmente subiram na carruagem, e anunciaram ao cocheiro aonde iriam. Os
cavalos iniciaram o caminho, e como sempre acontecia, as crianças adormeceram no banco à frente
de seus pais.
A rotina dos recentes dias havia sido exaustiva em excesso, especialmente para a rainha. Ela
estava necessitada de um bom e longo descanso, e seu marido concordava. Não existia nada no
mundo mais precioso do que o dom que lhes havia sido concebido, o de serem reinantes de tamanho
lugar, mas às vezes, se tornava um fardo demais para carregar.
Alycia sempre teve receio de se casar, sabia que não era concedido a mulheres, ou melhor
dizendo, a ninguém, o dom de se casar por amor. Todos, principalmente aqueles que não possuíam
posição alguma na Corte, eram educados desde muito cedo a encontrarem um bom interesse de
alguém com títulos. No caso de Alycia, por ser filha de duques, estaria destinada a algum duque com
um pouco mais de posses e importância política, ou até mesmo algum príncipe, e fora o que
aconteceu, e foi bem melhor do que jamais sonhou. No momento que seus olhos se cruzaram com os
de Matthew ela soube: era ele.

Tempos atrás

A música alta fluía pelo ambiente do grande salão, pessoas bailavam lindamente, príncipes e
princesas, duques, marqueses e condes, todos estavam excepcionalmente gratificados com a
maravilhosa festa.
Ela não, estava completamente inerte em seu canto, estava desacompanhada, ou quase, sua
companhia eram as lindas flores dos vasos a sua volta. Não que lhe faltassem pretendentes para uma
dança apenas, mas era ela quem os recusava.
Estava lindamente trajada em um vestido preto que continha uma saia composta por uma
mistura do preto com um tom de amarelo, era perfeito. Era um baile de máscaras, e sua face contava
com o toque final, uma marcada também na cor preta de bordas douradas. Estava deslumbrante.
Talvez, até mesmo mais magnífica que a própria Lua.
Se assustou quando percebeu que um homem parava defronte a ela. Ele gentilmente pegou
uma flor dos vasos, uma que combinasse com aqueles olhos cor de mel, e colocou por trás da orelha
da jovem, completando o visual.
O homem, trajado com uma túnica na mesma cor de seu vestido, pegou uma de suas mãos, e a
beijou delicadamente. Alycia sorriu com aquilo, se tratava de alguém muito cortês, talvez, o melhor
que havia aparecido à sua frente naquela noite.
— A senhorita me concederia a honra de uma dança? — perguntou, gentilmente.
Ela apenas sinalizou positivamente ao ver que todos olhavam e o deixou conduzi-la até o
centro do salão. O círculo que se formou a sua volta para assisti-los, surpreendeu a jovem.
Assim que o maestro sinalizou que começaria a tocar, o homem tratou de colocar uma das
mãos nas costas da moça e a outra entrelaçou a dela própria no ar. A mão livre de Alycia subiu até o
ombro dele, apertando levemente.
Ele a girou no pátio, e a mulher poderia jurar que jamais havia valsado tão maravilhosamente
em sua vida. Sorria involuntariamente, e sabia que aquela noite, principalmente aqueles olhos azuis
que seriam capazes de fazer reluzir até mesmo o mais bruto dos diamantes, ficariam marcados para
sempre em sua vida.
— Estão todos olhando para você! — a moça apontou em baixa entonação de sua voz.
— Eles estão olhando para você! — corrigiu. — Está extremamente graciosa esta noite,
senhorita. Me concederia a honra de saber seu nome?
— Um pouco cedo para apresentações formais, não acha? — Se surpreendeu quando foi
erguida no ar por ele, que a girou repetidas vezes até colocá-la no chão outra vez.
— Gosta das coisas secretamente? Muito bem. — Riu, discretamente.
— Meu pai me ensinou a descobrir as coisas e não a tê-las de bandeja, sabe, não aceitar que
tudo seja dado para mim tão facilmente — confessou, sorridente.
A música se encerrou, e eles fizeram uma reverência. Alycia ameaçou se afastar, mas ele
segurou sua mão.
— Não vai mesmo me dizer seu nome? — Caminhou até ficar mais próximo.
— Diga-me o seu primeiro!
— Matthew. Matthew Hale. — Pegou a mão dela e depositou um beijo, sendo educado da
maneira que sua mãe lhe havia ensinado.
Na mesma hora, Alycia percebeu quem ele era. Como pôde não perceber? Era tão óbvio.
Vestido com aquelas roupas, dançando com todos a sua volta, observando… como não percebeu?
Claro, com a máscara, não o reconheceu. Fez a reverência em respeito a ele, afinal, ele era o
príncipe. Contudo, ele a impediu de prosseguir.
— Não precisamos de formalidades — afirmou. Mediante a situação, não precisavam
mesmo. — Acompanhe-me, senhorita — pediu, e a levou para fora do salão.
— Poderia ter me dito que era o príncipe! — rebateu.
— Faria diferença? Você ainda não me disse nem o seu nome. — Cruzou os braços na sua
frente e sorriu.
Quando Alycia estava pronta para respondê-lo, o cocheiro de sua carruagem se aproximou.
— Senhorita Casey, a sua carruagem a espera. Seu pai deu-me ordens expressas de levá-la
cedo para a casa.
Casey? Então o mistério estava resolvido. Só existia uma família Casey em um raio de…
bom, em todo reino. Só poderia ser ela. A filha do duque de Lestery que seu pai lhe falara uma vez.
Uma moça em idade de desposar, que era filha de um grande companheiro dele, Henry Casey. Só
poderia ser ela.
Precisava se recordar de seu nome.
— Irei em um minuto, Bayard. — Sorriu, gentilmente. Se tinha algo que encantavam as
pessoas, esta coisa era a bondade e gentileza de Alycia, isso para com todos.
— Com licença, Srta. Alycia!
Alycia. Alycia Casey. Claro, como pôde se esquecer desde nome? Era tão… bonito e simples
ao mesmo tempo.
— Eu devo ir. Até mais ver! — se despediu dele, abusando da sorte que tinha, lhe dando um
beijo na bochecha.
Assim que ela se afastou, Matthew levou uma mão ao rosto, onde havia recebido o toque
dela, e colocou a outra no peito, sentindo o coração bater descompassado e um calor subir por seu
corpo.
— Até mais ver… Alycia! — Um sorriso brotou em seus lábios quando proferiu o nome da
jovem.
Era certo: a veria novamente. Precisava vê-la outra vez. E o mesmo valia para ela, tinha de
conseguir ver aquele príncipe mais uma vez.

Atualmente

— Meu bem? — Matthew a acordou de seus sonhos. A rainha bocejou cansada, e com a mão
ainda entrelaçada com a do cônjuge, respondeu:
— Quanto tempo eu dormi? — indagou. Estava tão cansada que nem percebeu quando
adormeceu, e em junção a lembrança que visitou seu inconsciente durante o sono, nem se importou.
— A viagem toda. Já estamos chegando, o cocheiro já avisou que irá estacionar e poderemos
desembarcar. — A mulher sorriu reluzentemente, e deitou a cabeça no ombro do marido.
Sorrateiramente, foi se esticando até conseguir tocar os filhos, e os despertou calmamente.
Annabella abriu os olhos vagarosamente, já Nicholas os abriu totalmente disperso e sorridente.
Assim que a carruagem fora estacionada, as bagagens foram desembarcadas e colocadas para
dentro do Palácio de Verão, os cômodos já se encontravam limpos e preparados para receberem os
monarcas e seus filhos. Os empregados designados de cuidarem da estadia da família naqueles dias
já se encontravam em seus devidos postos. Tudo estava em ordem.
— Tudo permanece igual à última vez que estivemos aqui — sussurrou ao marido.
— Exceto por uma coisa — respondeu, quase que em tom inaudível.
— Disse alguma coisa, querido? — indagou a mulher, abraçada a ele.
— Não, meu bem. Venha comigo, tenho algo para lhe mostrar!
O rei pedira que uma das criadas vigiasse as crianças e, logo em seguida, puxou sua esposa
para o lado exterior do grande palácio.
Quando alcançou proximidade ao local que desejava entrar, tapou os olhos de sua esposa e a
conduziu. Reclamava um pouco por não enxergar, dizia que poderia tropeçar ou coisa pior, mas o rei
não ligava para os resmungos da mulher.
— Pare. Pode olhar! — exclamou, feliz da vida por prover aquilo à sua amada.
— Matthew… co-como fez isso? — gaguejou, admirando a grande obra-prima.
Se tratava de uma grande escultura em tamanho real, totalmente feita de um material rochoso,
que retratava os monarcas. Ela emergia de uma fonte de água natural, do desvio da lagoa de água
cristalina preservada por monarcas antigos.
Quando Alycia se aproximou da grande escultura, pôde admirá-la com mais atenção, e então
percebeu que havia algo mais nos rostos ali estampados. Como todos sabiam, os olhos dos reis eram
azuis como o céu pela manhã, e dois diamantes azuis cravados ali, davam o toque final. Nos olhos
castanhos da jovem rainha também, porém, dois topázios, era o que os destacava.
— Eu contratei o melhor escultor dos quatro canto da nossa floresta — o rei afirmara. — Eu
queria que fosse um presente de aniversário, mas ela acabou ficando pronta muito antes do previsto e
eu resolvi fazer essa surpresa, eu sei o quanto você precisava. — Beijou os ombros da mulher.
— É lindo, meu amor! — Sorriu emocionada, com lágrimas escorrendo por seus olhos — Eu
não sei nem como te agradecer.
— Você não precisa me agradecer — apontou com sinceridade. — Eu faço de tudo por você
e sabe disto, eu quero sempre poder trazer alegria para sua vida, meu amor. Eu buscaria uma estrela
no céu se você pedisse, te daria o universo todo dentro de uma garrafa se isso a fizesse estampar um
sorriso sequer no rosto! — Diante da declaração, Alycia se virou para ele totalmente chafurdada em
lágrimas incessantes, e acabou rindo.
— E como faria para ir até o céu e buscar-me uma constelação?
— Eu faria o impossível, nem que tivesse que inventar asas improvisadas com folhas das
árvores do nosso castelo, mas por você, eu faria! — Ela sorriu, podendo imaginá-lo tentando fazer
tal coisa.
— Eu te amo tanto, meu amor! — Tocou o rosto do cônjuge e selou os lábios.
— Eu amo você!

Longe dali, atravessando o oceano bravio a determinada distância de Porto Vermelho,


observando o rei e a rainha por um espelho, uma jovem com ódio e rancor em seus olhos.
— Majestade? — Uma criada bateu à porta. — O embaixador Blackburn acaba de chegar e
deseja falar com a senhora.
A monarca fechou a visão do espelho, odiando todo o amor que via refletido ali, e seguiu
para ao salão de seu castelo.
Avistara Blackburn totalmente sozinho e com um sorriso no rosto.
— E então? Conseguiu?
— Como ousa desconfiar de mim depois de tantos anos sendo fielmente leal a você,
Majestade? — provocou, em tom sarcástico. — É claro que consegui. O rei Matthew demorou a
acreditar na minha índole, mas assinou os documentos, a paz entre os reinos está declarada! —
Sorriu.
— Matthew Hale pagará por tudo que me fez, ele se arrependerá do dia que escolheu
aquela… sem classe para esposa. Ele deveria ter escolhido a mim! Depois de tudo que passamos, ele
não poderia ter ficado com ela! — Thomas a olhou torto.
— E, se me permite perguntar, Majestade, o que vocês tiveram de tão importante? Essa ilusão
de Matthew um dia gostou de você não passa de uma ideia absurda que você criou na sua mente. Ele
nunca te…
Ela se permitiu rir.
— Você acha que isso é por causa do amor dele? Por favor, não me julgue por tão pouco, eu
nunca amei aquele imbecil. Mas ele deveria ter sido meu. Ela o roubou de mim. Roubou a minha
coroa!
— Se ela o roubou, significa que ele nunca te mereceu. Sinceramente, Lilliana, você deveria
aproveitar essa chance e seguir em frente e deixar o passado no local a que ele pertence.
— Ele a escolheu! E por causa disso eu perdi tudo que eu tinha! A família Hale me deve
muito, e Matthew vai pagar essa dívida, quando menos esperar, e com sangue.
— Falando sério, Lilliana, você sabe que deve esquecer de uma vez o Hale e deixá-lo viver,
existe outro por aí que pode te amar e te fazer feliz!
— E quem seria? Você? — Riu sarcasticamente. — Escute bem o que vou dizer, Thomas, e
guarde como uma lição: amor é uma ilusão. Entretanto, uma arma poderosa. Quando alguém te ama, é
capaz de fazer loucuras por você, e você pode e deve usar isso a seu favor. Eu não preciso de alguém
que me ame, nunca precisei e nunca tive, mas eu poderia ter tido se a família dele não tivesse tirado
isso de mim. A minha vida poderia ter sido completamente diferente se não fosse por eles.
— E como eles tiraram isso de você? — Quis saber. — Para tirar algo, é preciso tê-lo
primeiro, e você mesma disse que nunca teve. — Ela o fuzilou com os olhos. — Você deveria
aproveitar essa chance de deixar que eles vivam em paz, e seguir com a sua vida. Eu os vi, ele a ama
de verdade, e é recíproco. Entenda, Majestade, o rei Matthew nunca poderia ter sido seu, ele é e
sempre foi de Alycia, tanto que com ela tem dois filhos.
— Dois filhos? — ela perguntou retoricamente, se lembrando desse pequeno detalhe.
Naquela hora, uma ideia surgiu na mente da rainha. Sabia exatamente como se vingar de Matthew.
Iria atingi-lo no ponto que mais doía. — Obrigada pelas informações, Thomas. Pode ir.
Blackburn se assustou com a declaração da rainha das Ilhas Gálidas, aquele desejo sombrio
criado em sua cabeça, mexia com ela desde sempre, mas agora, era como se houvesse alguém lhe
incentivando a seguir em frente, alguém que estivesse lhe entregando a espada sem o escudo e a
mandando para guerrilhar. Sabia que aquela obsessão seria o fim da rainha, e assim como havia feito
com o reino, ela iria se destruir.
E talvez, destruísse mais pessoas no processo.
4. Pressentimento

A semana que sucedeu aqueles dias esplêndidos em Calay, fora razoavelmente tranquila. Sem
problemas, sem novas ameaças. Estava tudo em paz. Ou pelo menos, quase tudo.
Em três dias, aconteceria o que poderia ser chamado como o dia mais importante da vida de
uma certa princesinha ansiosa: seu aniversário. Em exatos três dias, estaria completando oficialmente
cinco anos. Ansiedade era muito pouco perto de tudo que a princesa sentia, herdara tal qualidade de
sua mãe.
A rainha estava uma pilha de nervos em questões de preparação de baile, aperitivos que
seriam servidos, a decoração se seria simples ou sofisticada. Tudo tinha de ser perfeito.
— As flores, as brancas favoritas da princesa já foram escolhidas e separadas pelo
jardineiro real, Majestade! — disse Eloise, a responsável por cuidar dos detalhes das festas reais e
passar tudo em primeira mão para a rainha, para que assim, fosse aprovado.
— Ótimo. Tem algo mais que precise ainda ser resolvido? — inquiriu a rainha.
— Não, Majestade — respondeu a loira mais nova. Alycia lhe deu permissão para seguir
com seus afazeres e suspirou. Estava tudo perfeito, os últimos detalhes já estavam decididos, só
faltava o principal, o presente de aniversário da jovem princesa.
Seguiu pelo corredor, subiu os lances de escadas, e chegou ao quarto da princesa, onde Grace
e a pequena resolviam sobre como a criança queria seu vestido, para que assim, a costureira real
pudesse deixá-lo pronto em tempo.
— Mamãe, meu vestido pode ser do jeito que eu quiser? — Annabella questionou, com um
olhar de dúvida.
— Claro, meu amor. Como você quiser! — exclamou, sentando-se na cama e chamando a
princesa para seu colo. — Como você quer seu vestido, minha flor?
— Hm… eu o quero todo branco com flores! — Seus olhos brilharam ao imaginar-se
naqueles trajes.
— Então, assim será! — Tocou o narizinho arrebitado da criança e pediu em seguida que
Grace a levasse até a costureira para que fossem realizados os preparativos.
Já era quase hora do almoço, e ela não havia visto Matthew desde manhã. O loiro se trancou
no escritório o dia todo, alegando ter uma reunião muito importante com nobres. Alycia,
particularmente, odiava essas reuniões, embora as mesmas fossem de suma importância. Os nobres,
em poucas palavras, eram aqueles que financiavam a família real, sem suas sementes, grãos e outras
especiarias, o reino iria à falência em poucas semanas, a fome e a miséria chegariam e as pessoas
morreriam em dias, ou até mesmo horas.
Resolveu ir até a sala de reuniões, saber se já havia acabado com suas tarefas reais. Bateu à
porta duas vezes e a abriu.
— Atrapalho alguma coisa? — Colocou o rosto para dentro, vendo-o sozinho.
— Minha amada esposa jamais me atrapalharia. — Sorriu ao vê-la.
Se aproximou e se posicionou próxima a cadeira do marido, o encarando. Tudo que via
quando olhava no fundo daqueles olhos brilhantes era paz, bastava um olhar dele e a luz chegava
para ela.
Faria tudo para sempre ter aquele olhar somente para si, assim como ele faria de tudo para
olhá-la para sempre.
— A reunião acabou há muito tempo?
— Alguns minutos. Resolveu tudo que precisava? — Ela assentiu, sentando-se no colo dele,
ato este que logo o fez contornar sua cintura. — Estou orgulhoso de você, meu amor. O que você faz
pelos nossos filhos, de verdade, não haveria mãe melhor! — A puxou para um beijo.
— Eu não poderia ter sido mais agraciada, meu bem! Eu tenho dois filhos maravilhosos, um
marido perfeito… — O rei se gabou com o dizer da rainha e ela lhe deu um tapa no ombro. — Eu
falo sério. Nossa família é perfeita, não poderia ser melhor!
— Eu acho que poderia ser maior. — Tocou a barriga dela.
O rei sempre quis mais filhos, mas Alycia sabia que eram perfeitos como eram. Claro que se
acontecesse de serem agraciados com mais uma criança, este seria tratado como seus irmãos, com
amor e carinho.
Por várias vezes conversaram sobre a história de uma nova gravidez, mas a mulher sempre
desviava, dizia que poderiam esperar até que Nicholas tivesse pelo menos, a idade atual de
Annabella, pois assim teriam controle da situação. Matthew sabia que ela estava certa, não poderiam
acelerar algo tão sério quanto a vida de uma criança, se não estivessem com tudo sob controle, as
coisas poderiam virar de cabeça para o ar.
— Não acho que seja o momento mais apropriado, querido. — Desviou o olhar.
— Por que não? Meu amor, somos jovens, temos espaço, amor e carinho em excesso, não
vejo problema — o rei afirmou, apertando a coxa dela por cima da roupa.
— Eu entendo o seu desejo de ter mais filhos, acredite, eu quero ter uma família enorme com
você, mas eu não creio que esta seja a melhor hora. Veja bem, Annabella tem quase cinco anos,
Nicholas tem três, acredito que devamos aproveitar essa melhor fase deles, pois eles crescem muito
rápido, em poucos anos, Annabella terá que lidar com a pressão de se casar e assumir o seu lugar, e
se não estivermos lá para prepará-la, ela acabará enlouquecendo na mão dos nobres. Você sabe como
eles são… insuportáveis — proferiu, séria.
— Tem razão, meu amor. Você sempre tem. — A beijou calmamente. — Falando nas crianças,
onde elas estão? — Acariciou o rosto dela.
— Annie foi com Grace resolver o vestido do seu aniversário com a costureira real, e
Nicholas estava com Valerie, entretido brincando.
— Como consegue? Sabe, dar conta de tanta coisa, bailes, convidados, nossos filhos, tudo?
Realmente fico intrigado em entender.
— O que seria de você sem mim, não é mesmo? — brincou e se levantou, caminhando até o
outro lado do escritório. — Estaria completamente perdido. Todo rei tem sua rainha, meu bem, ela o
protege até mesmo em um simples tabuleiro de xadrez — provocou.
O rei se levantou, e Alycia sabia bem o que ele faria. Começou a se esquivar a cada passo
que ele dava em sua direção. O homem andava calmamente até ela que ia caminhando de costas,
fugindo.
— Por que foge, Alycia? — Seu olhar possuía malícia e através dos orbes azuis, ela podia
ler que se ele a pegasse, não conseguiria escapar.
— Impressão sua, Matthew.
— Então por que não fica parada? Tem medo de que eu faça algo?
— De forma alguma, querido. — Sorriu, travessa. Deu a volta na mesa ainda de costas e a
cada passo que dava, a impressão que tinha era que Matthew se aproximava mais ainda, não fazia
sentido.
E talvez, se ela prestasse atenção por onde andava, não teria ficado encurralada entre o
marido e a parede do escritório. O loiro posicionou o braço ao lado da cabeça da mulher e a encarou
diretamente nos olhos.
Estava perdida, era fato. Todavia, não se importava, fora divertido ver a expressão que se
formou no rosto de seu cônjuge ao vê-la provocá-lo.
— Acho que está sem saída, Majestade. — Fora a vez dele de fazer a provocação.
Sem dar-lhe tempo para reagir, tomou-lhe os lábios em um beijo fugaz, prendendo seus dedos
por entre o penteado dela, bagunçando-o todo. Era impressionante como Matthew possuía o dom de
tornar uma conversa séria com sua esposa em algo com teor apaixonante. Eram muitas as vezes em
que ela tentava resolver algo com o rei, e acabavam deixando tudo para depois e se entregando ao
desejo.
— O que você dizia mesmo, meu bem? — perguntou ao se separarem, como quem tentava
disfarçar que não queria nada além daquilo.
— Nem me lembro mais! — Sorriu boba, apoiando a cabeça no peito do marido,
esquecendo-se completamente do que fora fazer no escritório. Entretanto, instantes depois, recordou-
se. — Ah, eu estava te procurando, não te vejo desde manhã. Queria saber se vai almoçar conosco ou
prefere que peça que tragam algo para o escritório ou para o nosso quarto, talvez? — indagou,
mirando os orbes azuis de seu esposo.
— Eu vou descer, meu amor. Não tenho mais nenhuma reunião hoje, acredito. Então, vamos?
— Esticou o braço para ela, que enganchou o seu próprio rapidamente.

Quando o sol se encontrou no seu poente, a lua tomou conta do céu estrelado daquela
fascinante noite. Alycia se encontrava já trocada para dormir, mas não tinha sono.
Ficou parada na sacada de seu quarto, admirando os astros que brilhavam incessantemente no
céu.
Após a família terminar as refeições, Alycia ficou calada o resto do dia. Estava estranha, era
como se algo, de repente, estivesse afetando-a. Matthew se preocupou claramente, mas a mulher
alegou ser apenas cansaço. Sentia um aperto no peito, mas não conseguia encontrar uma possível
razão.
As últimas semanas haviam sido exaustivas certamente, a aflição que sentiu ao ver Matthew
partir atrás dos navios que chegavam das Ilhas Gálidas, vê-lo criar uma certa amizade e promessas
de uma futura aliança. Isso sem contar que sua aflição ia além. Ela estava a par do gênio da rainha
daquele lugar que há anos se encontrava em estado deplorável, sabia quão odiosa ela poderia ser,
embora não entendesse o real motivo de tanto ódio, nunca chegaram, de fato, a se conhecer, mal
trocaram duas palavras na única vez em que se viram, mas desde o primeiro momento em que
colocaram os olhos uma na outra, soube que Lilliana não gostava dela, isso era claro pela expressão.
Depois, ela ficou sabendo por Matthew que devia ser ressentimento, porque ele escolheu Alycia e
não ela, mas, ainda assim, na mente dela, não fazia sentido, por que guardar tanto ressentimento dela
por causa de um homem? Parecia um motivo raso para a rainha de Porto Vermelho. Tinha que ter algo
mais por trás, não poderia ser apenas isso.
Também não poderia ser pela coroa, afinal, pouco tempo depois, ela se tornou rainha de outro
reino, e continuou guardando rancor de sua família, então não era essa a questão.
Depois um tempo, chegou a pensar que, talvez, a mulher naquele trono fosse somente
obcecada por poder e queria ser temida, afinal, alguns diziam que era melhor ser temido do que ser
amado, pois assim, aqueles que temem você, seguirão suas ordens por medo.
Grande bobagem na opinião de Alycia.
Ela sabia que nenhuma pessoa poderia simplesmente se redimir assim, não com tanta
facilidade, não depois de tantos ataques e mortes que atingiram ambos os reinos, e principalmente,
famílias inocentes.
Era evidente que o aperto que sentia ia longe disso, temia por sua família, se algo
acontecesse a eles, Alycia não suportaria.
— Ei, meu amor? — Matthew apareceu na sacada. — O que houve, hein? — Abraçou-a pela
cintura, deitando a cabeça no ombro dela. — Depois do almoço você ficou tão calada, e isso não é
normal. A dor de cabeça passou?
— Sim, Matthew — respondeu, secamente, e ele pôde perceber que algo estava errado, ela
nunca falava assim ele, só quando estava zangada, mas ele não havia feito nada para justificar. Ou
havia? Precisava descobrir, não permitiria que sua rainha ficasse daquele jeito e ele não pudesse
ajudar.
— Está preocupada com algo? É isto? Sabe que pode me contar qualquer coisa! — exclamou.
Alycia permaneceu calada, e o rei mirou-a profundamente em seus olhos, tentando decifrá-la através
daquelas íris castanhas que ele tanto admirava.
Ela acabou por rir com o olhar de fixação que recebera.
— Eu estava pensando… será que devemos mesmo fazer esse baile? Eu não sei, Matthew,
sinto algo no meu peito, sinto como se algo ruim fosse acontecer, e você sabe que não é de hoje. Eu
não sei explicar, apenas sinto isso dentro de mim, desde aquele dia que você teve que sair por conta
dos navios que chegavam, simplesmente não consigo tirar da minha cabeça o pensamento de que algo
terrível vai acontecer. Meu coração está me dizendo que devíamos cancelar a festa.
— Mas, querida, nossa filha está fazendo cinco anos, não acha que isso merece uma
comemoração?
— Sim, claro que merece. Mas eu não acho que seja prudente realizarmos algo possa ser
arriscado para a segurança dos nossos filhos — pontuou.
— Ei, isso são coisas da sua cabeça. — A abraçou. — Nada vai acontecer, temos guardas
rondando cada centímetro deste castelo, fique tranquila. Não temos com o que nos preocupar, vai
ficar tudo bem. Eu sei o que é isso, você está apenas nervosa porque Annabella está crescendo e logo
deixará de ser uma criança, e, em vez de bailes de aniversário, faremos bailes de noivado, e eu me
sinto velho só de imaginar a hipótese de levá-la algum dia até o altar! — brincou.
A rainha se acalmou, de fato seu marido tinha razão. Era normal dela ficar nervosa quando
tinha algum evento importante, e era sempre ele quem a tranquilizava.
— Vamos dar boa noite às crianças, assim você se acalma um pouco mais? — sugeriu e ela
assentiu de prontidão.
Atravessaram o corredor e entraram no quarto de Nicholas primeiro, o garoto estava deitado,
mas não dormia. Os monarcas se aproximaram e a mãe do garoto se sentou na cama enquanto seu pai
ficara atrás dela, em pé.
— Não vai dormir, meu pequeno príncipe? — ela perguntou. O menino negou fielmente com a
cabeça. — Quer que a mamãe e o papai te contem uma história para você?
— Sim! — respondeu, alegremente.
A rainha se ajeitou e olhou para o filho, iniciando com a história.
— Era uma vez, há muito tempo, numa terra muito distante, um jovem príncipe que amava
brincar no jardim de seu castelo. O príncipe não era de muitas palavras, mas sempre demonstrava
seu afeto para com as pessoas de forma branda e amorosa… — À medida que Alycia narrava sua
história, os olhos de Nicholas iam pesando, e não demorou até que ele começasse a bocejar.
Quando ele se ajeitou melhor, sua mãe o cobriu até os ombros, e beijou-lhe a testa.
— Boa noite, meu pequeno! — proferiu em baixo tom, e saiu com o marido do aposento,
seguindo diretamente para o da filha mais velha.
Diferente do irmão, a princesa já dormia, deveria estar exausta. Também não era para menos,
de tão sapeca e elétrica que era. Os monarcas sorriram ao contemplar tão imagem: a filha tão serena
e tão linda.
Annabella era a cópia fiel de sua mãe, não apenas em aparência, mas também em
personalidade, sempre bondosa e amigável, e não tinha problema em socializar-se.
— Ela é linda não é, Matthew?
— Tão linda quanto a mãe! — respondera, abraçando-a pelo pescoço, deixando que ela
apoiasse a cabeça em seu peito. — Nós fizemos filhos lindos, e eu sinto orgulho da mãe que você é,
meu amor! Espero que nunca se esqueça disso, você é a melhor mãe que Annabella e Nicholas
poderiam pedir. E essa é uma das razões pelas quais eu amo você!
— Não me faça chorar aqui e agora. Eu amo você, meu bem, e agradeço por ter me dado a
chance de ser não apenas sua rainha, mas de também ser mãe dessas duas bênçãos.
Ficaram ali, velando o sono da princesa por mais alguns minutos, até seguirem para o próprio
quarto, para enfim, descansarem.

— O que descobriu, Thomas? — a monarca questionou com fúria em seus olhos.


— Haverá um baile em comemoração ao aniversário da princesa, em dois dias. De acordo
com nossos infiltrados no palácio dos Hale, o reino todo fora convidado, desde o mais rico até o
mais pobre, é uma espécie de tradição.
— Argh. Que perda de tempo! — exclamou a rainha, com repugnância.
Desde a última visita de Blackburn a Porto Vermelho, há algumas semanas, a rainha das Ilhas
Gálidas não deixou de observar cada passo que aquela família dava. Era como uma cobra venenosa,
sempre à espreita, apenas esperando o momento certo para capturar sua presa. Neste caso, sua presa
possuía nome e sobrenome: Matthew Hale.
Ele não deveria ser o único a sofrer, afinal a família inteira era responsável, mas, todos os
outros morreram… Ele teria que carregar a cruz de todos.
— Precisa de mais alguma coisa, Majestade? — Thomas questionou com desdém. Havia
alguns dias que ele a tratava com indiferença.
A verdade era simples, Blackburn tinha um carinho pela rainha, desde quando trabalhava com
o falecido rei das Ilhas Gálidas e ela ainda se apresentava como boa pessoa. Queria poder tê-la para
si, mas ela não o queria, não da maneira que ele desejava, e isso partia seu coração.
Quando ela começou a ficar alucinada com essa ideia de atacar o reino vizinho, há alguns
anos, ele fora terminalmente contra, tentou se opor, mas as palavras que ouviu foram “Se não estiver
satisfeito, Sr. Blackburn, conhece o lugar para deixar seu brasão e uniforme”, e Thomas sabia que
não poderia perder aquele trabalho, ou acabaria sem teto ou qualquer forma de sustento, pois temia
que se fosse demitido de qualquer cargo de confiança da realeza, ninguém mais aceitaria o contratar
tão facilmente, afinal, para ser demitido ou significava que era um traidor da coroa ou cafajeste o
suficiente para ter merecido ir para rua. E havia pessoas que precisavam dele, dentro e fora do
palácio.
Agora, mesmo repugnando todas as atitudes de sua rainha, não podia deixar de tentar fazê-la
desistir de seu plano diabólico e seguir em frente. Mas para ela, isso era inadmissível.
— Eu tenho uma tarefa para você, Blackburn. E sei que só você pode realizá-la. — Bateu seu
indicador com sua unha comprida e anéis de aço no trono e o olhou. — Eu quero que se livre de
alguém para mim.
— Me livrar de quem?
— Quero que a mate. Sem ela, Matthew ficará perdido, desolado.
— Você ficou louca, Lilliana? Você quer que eu mate a Alycia?
— Claro que não, idiota. Eu quero que se livre dela, que a mate. — Enfatizou para que o
homem soubesse a que se referia.
Thomas demorou alguns instantes para entender, até que finalmente se tocou e viu o quão
brutal aquela que destruiu a própria vida e a de tantos outros inocentes nas extensões das Ilhas.
— Eu não posso fazer isso. Eu não vou fazer! — pontuou, sem mais nem menos.
— Ah sim, você vai. E sabe por quê? Porque se não o fizer, eu colocarei fogo numa cabana
ao leste daqui, e sabe quem mora lá, Thomas? — O encarou. — Exatamente, sua doce e idosa
mãezinha. Não seria um péssimo fim para ela? E não se esqueça da sua queridinha que mora aqui e
das coisas que eu poderia fazer com ela...
— Como você pode ser tão cruel? — praticamente gritou.
— Não é crueldade, é justiça. Um olho por um olho. Neste caso, uma vida por outra — disse.
— Você já tentou de tudo Lilliana, foi ataque atrás de ataque, lembra-se da última vez? Você
mandou nossas tropas e atacou sem mais nem menos, eu me lembro bem, você fez isso porque
descobriu que Matthew e Alycia estavam para ter o segundo filho e você pensou que assim
conseguiria destruir a família de uma vez por todas, mas o que aconteceu? Ele saiu vitorioso, como
sempre…
— Não precisa me lembrar do passado, Blackburn, eu sei bem onde eu errei. Dessa vez será
sem erros, será… tão fácil.
— Como tem tanta certeza?
— Porque o meu alvo agora é muito frágil. — E saiu da sala em seguida.
O dilema que cercava Thomas agora estava fadado. O que ele faria? Não podia fazer o que
Lilliana pedia, mas também não podia deixar que ela matasse sua pobre mãe.
Ele não tinha escolha, nas duas opções, ele sairia como vilão. Se contasse a alguém, Lilliana
não pensaria duas vezes em acabar com a vida de sua velha mãe, e ele sabia disso perfeitamente.
Assim como sabia que ela arrumaria uma forma de fazer aquilo, de um jeito ou de outro.
Tinha dois dias para decidir o que fazer, e pessoas inocentes pagariam por suas escolhas.
Qualquer uma delas.
5. A Última Dança

A iluminação daquela manhã já atingia o quarto dos monarcas. A fresta que surgiu entre as
cortinas não impedia que o sol mandasse seus raios diretamente para os olhos do rei, que a
propósito, já estava acordado há alguns minutos.
Admirava a mulher que dormia serenamente ao seu lado. As cobertas grossas o impediam de
ver além do que o rosto dela. Não satisfeito com apenas aquela visão, ele entrou por debaixo dos
cobertores e teve a visão que almejava: o corpo de sua esposa totalmente nu. Aquela noite havia sido
um tanto quanto agitada para ambos, e as vestimentas foram deixadas em algum lugar no chão, talvez
embaixo da cama, não importava.
Começou espalhando beijos pelo abdômen, mordiscando suavemente a pele macia e deixando
um rastro de carinho. O sono de Alycia, na maioria das vezes, era pesado, e naquela manhã não era
diferente. Ou pelo menos, ele achava que não.
Ouviu um risinho leve, e sabia que ela já estava acordada. Ela se mexeu levemente, lhe dando
certeza quando sua mão alcançou os cabelos dele por baixo do cobertor.
— Matt... — ela murmurou, baixinho.
Hale riu, e se desfrutando do sinal positivo que havia recebido da esposa e da situação em
que se encontrava, resolveu ir além. Abaixou-se mais, afastando sutilmente as pernas da esposa e
mergulhando seguidamente no que ele chamaria de paraíso. Sua língua brincava com a intimidade da
esposa, esta que não conseguiu mais se segurar e começou a puxar os fios dourados dele com força.
A essa altura, depois de tanto tempo juntos, ele já não sentia mais dor quando ela fazia isso.
Soltou um gemido baixo, indicando a ele que estava sentindo todo aquele prazer que ele
sempre a proporcionava. Se tinha algo que Matthew se preocupava era em dar prazer à sua mulher,
de fazer com o momento compartilhado fosse mútuo.
A rainha se contorceu na cama, empurrando seu quadril contra o rosto do marido, e em
poucos minutos, pôde sentir seu prazer se aproximar. Quando este a atingiu finalmente, estava sem
forças para sequer se levantar da cama. E o dia ainda nem havia começado.
— Bom dia, meu amor! — dissera o rei, saindo debaixo da coberta e encarando-a com um
sorriso nos lábios, não dando tempo para obter respostas e a beijou.
— Que jeito maravilhoso de acordar. — Esboçou um sorriso, mesmo estando envergonhada,
e o rubor em seu rosto a entregava.
— Depois de tantos anos ainda com vergonha de mim, Majestade?
— Jamais, meu bem. Mas é que mesmo depois de tanto tempo você ainda consegue me
surpreender. — Sorriu, tocando o rosto e acariciando a barba por fazer do marido. — Queria poder
ficar aqui mais tempo com você — contou.
— Então fica — concluiu o rei, como se fosse algo tão acessível a eles.
— Não podemos, seu bobo. Ou já se esqueceu que dia é hoje?
Claro que o rei não havia esquecido, como poderia? Sua princesinha completava cinco anos
nesta data, que foi comentada durante toda a última quinzena, tanto por Alycia, que estava totalmente
envolvida com este evento, quanto por Annabella, que não deixava de falar por um só segundo que
estava ansiosa. Tal mãe, tal filha.
— Cinco anos, Alycia. Estamos ficando velhos. — Afundou o rosto no pescoço dela.
— Pois fale por você! — retrucou a rainha.
— Lembro como se fosse ontem de quando me contou que estava grávida. Foi a melhor
notícia que recebi em toda a minha vida, o dia em que a nossa família começou a crescer. —
Acariciou seus ombros, relembrando-se.

Cinco anos e oito meses atrás

A vida de recém-casados dos agora rei e rainha de Porto Vermelho não poderia estar mais
alegre. Com pouco mais de quatro meses de casados, tudo parecia estar às mil maravilhas.
Contudo, ser um rei e usar uma coroa, é algo mais glorioso para aqueles que veem, do que
agradável para os que tem de suportar, isto é, junto com a coroa que é colocada na cabeça, vem as
obrigações, as responsabilidades e claro, as pressões.
Desde que retornaram da lua de mel, esta que durou um mês, a única coisa que Alycia, agora
a rainha, havia escutado era “Vossa Majestade, já está grávida?”. O rei não ia por outro caminho,
também ouvia as mesmas coisas, mas em uma outra maneira de se dizer “Quando a rainha lhe
concederá uma criança?”.
Era como se nada mais importasse, além da procriação. Não que eles não quisessem, sabiam
que era excepcionalmente importante conceber uma criança para que esta tivesse um futuro garantido,
assim como o reino pudesse ter garantias de um herdeiro.
Os monarcas pouco se importavam com os comentários feitos pelos corredores do castelo,
embora houvesse ordens expressas para que a intimidade dos governantes não fosse comentada por
aí, os rumores eram reais. Questionavam se a rainha tinha a capacidade de gerar um filho, ou até
mesmo se os reis estavam tendo tempo o suficiente para… relações.
Fora assim por quatro meses. Mas um fator recente estava prestes a modificar tudo.
— Pediu que me chamasse, Majestade? — Grace entrou no quarto afobada, apressada, com
certeza viera correndo.
— Já disse para parar de me chamar assim, Grace. Somos amigas de anos, sem formalidades!
— exigiu. — Mas eu não te chamei aqui para isso. Preciso te contar algo.
— Pois fale logo, sabe que odeio esperar. — De fato, era verdade. Nisso Alycia e Grace
eram, praticamente, iguais.
— Onde Matthew está? Não quero que ele escute.
— Saiu para cavalgar, ver o reino, essas coisas de rei. Andrew foi com ele. — Corou ao
dizer o nome do lorde, e Alycia sabia bem o que o vermelho que surgiu nas bochechas na dama
significava.
— Ótimo — iniciou. Como de costume, verificou cada canto do cômodo em que estavam para
garantir que mais ninguém ouviria, não queria que o assunto chegasse ao rei por outra boca se não a
dela — Eu estou grávida! — completou.
Grace levou alguns segundos para processar a informação. Quando finalmente seu cérebro se
deu por conta do que havia sido dito, sorria de orelha a orelha e abraçou a amiga.
Há alguns dias, Alycia vinha sentindo enjoos, estes que vinham ficando mais intensos e que
lhe tiravam a fome e o sono. Não percebera que estava grávida até que notou que não havia sangrado
aquele mês e sua barriga havia começado a apontar. Na manhã daquele dia, quando Matthew havia
levantado mais cedo do que de costume, ela sentiu um enjoo e uma dor de cabeça muito forte,
portanto pedira que uma empregada chamasse o médico real, e como seu marido não estava nos
arredores do castelo, acabou sendo atendida sem a companhia de terceiros.
Quando o doutor disse a ela que os sintomas narrados englobavam uma gravidez, Alycia não
pôde deixar de sorrir. Contaria a Matthew, só precisava pensar numa maneira.
Assim que o rei chegara no castelo, o almoço já estava para ser servido.
Ele buscou sua esposa em seus aposentos e juntos caminharam de braços dados até o salão
onde se realizavam as refeições.
Naquela ocasião, Matthew estranhou o fato de que além de sua mãe, o lorde Jones e Grace
como dama de companhia da rainha estarem presentes, o pai da moça também estava. Eram raras as
vezes em que o duque aparecia. Mas ele não se importava, gostava de ver sua esposa feliz, e se ela o
chamou ali, algum motivo havia de ter.
— Eu quero propor um brinde — a monarca iniciou. — Primeiro, papai. Eu quero agradecer
por tudo que fez por mim, eu sei que depois que a mamãe faleceu nós ficamos desolados por anos,
mas você não desistiu de mim, e me fez ser quem eu sou. Eu amo você, pai! — Sorriu para o senhor.
— Minha querida sogra, agradeço por todo o conhecimento que compartilha comigo e por ter criado
um filho tão maravilhoso que é para mim mais do que apenas meu marido. — A rainha mãe
agradeceu, um pouco fraca. Nos últimos meses, ela havia se unido à família poucas vezes nas
refeições, mas, por esta ser uma ocasião especial, tal como a nora pediu para avisar, fez um esforço.
— Grace, quantas alegrias não passamos juntas? Desde sempre unidas e saber que agora você está
aqui para compartilhar deste momento comigo faz meu coração se alegrar ainda mais. E claro, como
poderia esquecer do nosso chanceler, Andrew, você é o braço direito de meu marido e espero que
cuide dele quando eu não puder, sabemos como esse homem aqui pode ser bem teimoso.
— Claro que sim, Majestade! — brincou, rindo.
— E Matthew, você deve estar se perguntando o motivo de eu ter chamado todos aqui?
— Com certeza, querida. — Sua expressão era confusa.
A rainha se levantou, parando atrás do marido e tocando-lhe os ombros, como um sinal de
afeto. Uniu suas mãos e recomeçou:
— Eu queria anunciar a vocês antes de anunciar ao reino que… finalmente, temos um
herdeiro a caminho. Ou uma herdeira, é claro! — exclamou. — Você vai ser pai, Matthew!
O rei sorriu, incrédulo do que havia acabado de escutar. Quando processou a informação, só
soube sorrir. Levantou-se e abraçou a mulher. O maior problema em relação em terem um filho eram
todos que cochichavam sobre sua relação com a esposa, mas agora, eles seriam forçados a aceitarem
a realidade.
Teriam um filho, e por ora, o rei não pensava em mais nada.

Cinco anos atrás

Já se fazia horas que a rainha estava naquela cama, com as pernas dobradas e escancaradas,
fazendo força e empurrando. Estava sendo um parto complicado. Alycia, talvez por ainda ser muito
jovem, não tinha estrutura o suficiente para dar à luz. Mas ela estava lutando.
Matthew, nervoso que só ele, segurava sua mão, apertando e beijando sem parar a têmpora da
esposa. Não era costume o marido estar presente no momento do parto, mas Alycia insistiu pela
presença dele, e ele também desejava estar lá.
— Eu não consigo… — ofegou a mulher.
A parteira chamou o rei, que se afastou da esposa, seguindo até a mais velha no quarto. Seu
olhar não era o mais agradável.
— A rainha está perdendo muito sangue, temo por uma complicação mais séria. Ela está sem
forças para fazer isso, Majestade, temo pela segurança dela, talvez ela não venha a sobreviver.
— Matthew… — ela chamou, entre os gemidos de dor e os gritos que dava por conta das
contrações. — Eu quero que salve o nosso bebê. Não importa o que aconteça, salve o bebê! —
pediu.
— Vocês dois vão ficar bem, meu amor! — garantiu, tentando esconder o desespero.
O rei não suportaria perder o bebê e sua esposa, muito menos daquele jeito. Ele acompanhou
cada segundo daquela gravidez, e vira o quanto ela estava animada, assim como ele também.
Estavam casados há pouco mais de um ano, e apesar de serem jovens e sadios, tinham que garantir
logo ao menos um herdeiro ao trono ou em pouco tempo seria questionado não somente por aqueles
com títulos, mas também pelo povo, se a rainha escolhida tinha a capacidade de gerar um filho ao rei.
Tal fato o preocupava, pois em algumas culturas de reinos vizinhos e até mesmo distantes, quando a
rainha não conseguia conceber um filho, era qualificada como, em poucas e nada sutis palavras,
inútil, o que ocasionava a anulação do matrimônio. E isso, ele não desejaria nem em seus piores
pesadelos.
— Faça o impossível, eu imploro! — o rei pediu à parteira, retornado a sua posição inicial,
ao lado da esposa. Em um ano, a vida havia tomado seu pai e sua mãe, não podia ser que iria lhe
tomar agora a esposa e o bebê. Seu destino não poderia ser ficar sozinho para sempre.
— Vamos, Majestade, empurre!
Alycia forçou, mas já não estava mais suportando. A dor cruciante que sentia seria capaz de
matá-la. Apertava a mão de Matthew com tanta força que poderia esmagar todos os ossos. Até que
ela diminuiu o aperto, e os gritos ensurdecedores que ecoavam, possivelmente, por todo o castelo,
foram finalmente, como que por milagre, substituídos por um choro de criança.
— Meus parabéns. É uma menina! — a parteira exclamou, enrolou a princesinha numa toalha
branca e entregou à mãe.
Alycia, assim que viu a filha, sentiu seus olhos se lacrimejarem de imediato. Depois de horas
lutando, acreditando fielmente que não aguentaria, conseguiu trazer aquele pacotinho ao mundo.
— Você é linda — a rainha comentou encantada, admirando a filha. — Não. Você é perfeita!
— corrigiu.
Estava totalmente encantada com a pequena, admirando cada traço.
— Olha, Matthew, abriu os olhinhos. — O loiro olhou, e viu a semelhança entre os olhos da
princesa e os da esposa.
— Posso segurá-la?
— Claro que pode, querido!
O rei a pegou dos braços da amada com cuidado, ainda estava nervoso, tinha medo de fazer
algo errado, da criança chorar ou até mesmo de machucá-la. Sabia o quão frágil ela era.
A menina, involuntariamente, sorriu, fazendo com os monarcas sorrissem em conjunto
também. No fundo, Matthew achava que seria uma menina, ele sempre quis uma filha para poder
proteger e cuidar, alguém quem ele pudesse ser o herói, o exemplo, e claro, se pudesse, o único
homem na vida dela. Mas as coisas não eram bem assim.
Alycia por outro lado, desde o início tinha certeza de que seria uma princesa, seu coração de
mãe lhe dizia, e coração de mãe não se engana nunca.
— Você está bem? — o rei indagou, preocupado.
— Agora eu estou ótima. — Brincou com a filha no colo do marido. — Ela finalmente está
aqui. — Sorriu. Matthew a olhou com um sorriso tão grande quanto o dela e lhe deu um beijo.
— Que nome você quer dar a ela, meu amor? — questionou o rei logo em seguida. — O
trabalho foi todo seu, nada mais justo do que você escolher.
— Eu tenho o nome perfeito para ela: Annabella. — Como se por sinal, a menina conseguisse
entender, ao ouvir o nome dado a ela, acabou por sorrir. Alycia entendeu aquilo como um indicativo
de que havia feito a escolha certa.
Aquele pequeno ser, pelo qual ela era agora responsável, era seu bem mais precioso, seu
diamante. E assim seria para sempre. Daria a vida por aquela menina sem nem cogitar a ideia. Por
aquela família, ela enfrentaria mil infernos.

Atualmente

— Parece que faz tanto tempo — ele comentou.


— Sim, parece. — Sorriu, selando os lábios calmamente aos dele. — Mas, agora, vamos nos
levantar, pois temos que comemorar esse dia com exuberância. Afinal, como você mesmo disse, em
breve ela não será mais uma criança — brincou, caçoando do marido.
Levantaram-se, vestiram suas roupas formais, e seguiram para o quarto da filha. Quando a
grande porta de madeira foi aberta, a miragem da pequena princesa dormindo foi alcançada pelos
olhos dos monarcas.
Alycia sorriu, relembrando-se dos momentos que passaram juntas. Ela e sua primogênita
eram unha e carne, unidas demais. Claro que Nicholas não era diferente, mas o garoto passava mais
tempo com o pai, talvez porque assistia o rei andando a cavalo e treinando com espadas e se
encantasse, mesmo sendo muito novo.
— Feliz aniversário para a princesinha mais linda de todas — Alycia cochichou no ouvido
da garota, que acordou apressadamente, abrindo os olhos na velocidade da luz e sorrindo. Levantou-
se na cama, ficando em pé e pulou no colo do pai, que deu alguns passos para trás com o impulso.
Logo, estavam os três abraçados. — Feliz aniversário, minha flor! — a rainha completou.
— Feliz aniversário, minha princesinha! — Matthew deu-lhe um beijo na bochecha,
recebendo outro em resposta.
— Já podemos comemorar, mamãe?
— Ainda não, filha. — Riu do entusiasmo da pequena. — Seu pai e eu temos uma coisa para
te dar. — Viu os olhos da criança brilharem ainda mais.
— Um presente, mamãe?
— Claro.
— E onde está? — pediu, ansiosa.
Matthew a depositou na cama novamente e se abaixou.
— Nos admira que você não o tenha achado antes. — O rei deu risada. Tirou debaixo da
cama uma caixa e colocou na frente da filha. — Pode abrir.
A menina esticou os braços e abriu a tampa, e viu algo reluzir. Tirou o objeto e viu ser uma
tiara, feita de ouro e com detalhes em diamante.
— Essa coroa é sua, uma representação de graça e realeza, que é o que você é: uma princesa.
É símbolo do seu poder, pois um dia você será rainha.
— Eu vou ser rainha igual você, não é, mamãe?
— Isso mesmo, meu amor. Só que melhor, sempre tenha isso em mente, cada geração deve ser
melhor que a anterior, e fazer o que a outra não conseguiu. — Sorriu. — Além disso, essa tiara
representa o seu crescimento, a partir de hoje, você vai começar a acompanhar nosso reino mais de
perto e aprender sobre tudo que há para aprender, e ela representa a nossa confiança e nosso amor
por você. Sabemos do seu potencial, existe mais poder na ponta do seu dedo do que no corpo de
muitas pessoas, acredite nele. E nunca se esqueça que a mamãe e o papai estarão sempre com você
em todos os momentos, e se não fisicamente, sempre poderá sentir o nosso amor. — Beijou a
bochecha da filha, a agarrando em seguida em um abraço apertado. — Promete uma coisa para a
mamãe?
— Qualquer coisa! — Sorriu alegre.
— Nunca se esqueça que a mamãe e o papai te amam mais do que qualquer coisa. O amor que
sentimos por você e seu irmão é imensurável.
— O que é imensurável? — perguntou, inocente.
— Que não se pode medir, minha princesinha — seu pai explicou. — Significa que nosso
amor por você é maior do que tudo nesse mundo.
— Ah — expressou, entendendo. — Então meu amor por vocês também é imensurável —
disse sincera. — Prometo nunca esquecer nenhum de vocês. — Esticou o braço para o pai, ainda no
colo da mãe, e logo estava abraçada aos dois.
— Enquanto não está na hora da festa, o que acha de passearmos, você, o seu irmãozinho, o
papai e eu? — perguntou Alycia. — Nós voltamos antes do almoço e nos arrumamos para o seu
baile. O que acha?
Claramente, a princesa não precisou de mais do que dois segundos para pensar. Trocaram a
roupa da menina, deixando-a escolher o que quisesse, desde que fosse, obviamente, apropriado.
Desceram e tomaram café da manhã como de costume, e Annabella fora parabenizada por
cada um que a via. A princesa era muito querida por todos, mesmo que muitos ainda acreditassem
que o mais apropriado fosse que ela não chegasse a subir ao trono, acreditavam que ela não seria tão
boa rainha quanto seu pai era, seu avô e todas as gerações anteriores. Todas as gerações masculinas
anteriores.
Alycia achava isso uma bobagem, sabia do potencial que Annabella tinha e estaria sempre ali
para quando ela precisasse.
Após realizarem suas refeições, o casal saiu com os filhos para caminharem ao redor do
jardim, tranquilos sem ninguém para atrapalhar a serenidade que os rodeava. Conversaram,
comemoraram até que poente do sol se iniciasse, indicando que era hora de finalmente começarem o
baile em homenagem à princesa.
Valerie se encarregou de preparar as crianças em suas devidas roupas já separadas, e Grace,
como sempre, acompanhou Alycia até seus aposentos e a ajudou a se vestir.
Na maioria das noites em que o palácio se encontrava em festividades, a rainha costumava
trajar roupas que combinassem com a ocasião, como por exemplo, o baile da primavera, no qual ela
fez questão de vestir roupas que simbolizassem a esta estação. Contudo, naquela noite, a monarca
trajava um vestido branco, simbolizando a paz que sentia, em homenagem a seus filhos que lhe
traziam tal sentimento.
Assim que batidas foram ouvidas na porta, a dama de companhia da rainha logo abriu,
mostrando um rei um tanto quanto ansioso. Assim que seus olhos se conectaram aos de sua esposa, se
viu ainda mais apaixonado.
— Os convidados já chegaram? — a monarca questionou.
— Sim. Acredito que quase todos já se encontram lá embaixo. Podemos ir? Passei em frente
ao quarto de nossa filha e pude ouvir seus gritos de euforia, ela está completamente ansiosa! —
Alycia sorriu disfarçadamente ao ouvi-lo. — E vejo que ela não é a única. — Se aproximou da
mulher e lhe estendeu o braço para que se enganchasse e o acompanhasse.
Ao saírem os três do recinto, Grace encontrou com seu marido na saída e o acompanhou até o
salão rapidamente. Os reis encontraram com seus filhos e foram juntos para, finalmente,
comemorarem aquela data.
Tudo estava lindo, a decoração principalmente. Os convidados logo começaram a valsar, e
como costume, Matthew tirou sua própria filha para o centro do salão, lhe concedendo a primeira
dança de aniversário.
Alycia por outro lado, pegou Nicholas no colo e dançou com ele lindamente, enquanto o
pequeno príncipe sorria e jogava as mãozinhas para cima. A família não poderia estar mais contente
com o momento.
Era uma tradição de gerações de Porto Vermelho entregarem a primeira coroa a um príncipe
ou princesa quando este completasse cinco anos, simbolizava uma passagem, do bebê para a entrada
na infância, onde começaria a acompanhar de mais perto o seu reino, o lugar que governaria algum
dia.
A coroa que Annabella recebeu de presente mais cedo foi colocada em sua pequena cabeça, e
reluzia em todo o salão, devido a todos as pedras brilhantes que se encontraram incrustadas no ouro
dela. Ela sorriu, e agradeceu como sua mãe havia lhe ensinado que deveria fazer.
Estavam prontos para continuarem a festa, entretanto, algo os impediu. Os guardas do palácio,
de repente, entraram no salão em alvoroço.
— Majestades, é uma invasão! — alertou Berkeley, um dos guardas. Todos se desesperaram,
há anos o palácio não era atacado, a segurança do reino era muito reforçada e todos os guardas eram
muito bem treinados. Mas não havia tempo para pensar, só precisam esconder a família real,
priorizar a segurança dos reinantes.
Grace e lorde Jones cobriram a frente e a retaguarda dos monarcas, os levando até os túneis
que existiam embaixo do castelo, os quais somente eles e alguns guardas de extrema confiança
sabiam da localização.
Os gritos de desespero das pessoas lá em cima poderiam ser ouvidos há metros de distância,
e Alycia e Matthew só esperavam que não estivesse acontecendo um banho de sangue.
Assim que a passagem fora alcançada, os monarcas entraram. Contudo, quando uma tocha
fora acesa, deram por falta de uma pessoa. Ou melhor, duas.
— Onde estão Annabella e Valerie?
Um grito fora ouvido. Um grito feminino. Matthew sacou sua espada e rapidamente saiu para
ver o que era. O barulho não viera de perto, mas nada que o rei não conseguisse distinguir de qual
local vinha. Sua filha. Por que ela não estava com eles? Ela e Valerie estavam bem atrás deles, não
poderia ter acontecido nada.
Ele esperava que não tivesse acontecido nada. Se algo acontecesse a sua filha, ele jamais se
perdoaria.
Quando alcançou o lance alto de escadas, viu uma mancha de sangue, e seu coração acelerou.
Seguiu o rastro e encontrou uma imagem deplorável: Valerie caída ao chão com um corte não tão
profundo feito por uma espada.
— Valerie, o que houve? Onde está Annabella? — questionou esbaforido, já esperando pelo
pior.
— U-Um… ho-mem… encapuzado… pegou a p-prin-cesa… — confessou, quase sem ar.
Matthew gritou por um guarda que ficou com a criada e seguiu rumo através dos corredores do
castelo, gritando pelo nome de sua filha.
Correu e correu, sem parar jamais. Viu algumas pessoas chorando com medo, crianças
abraçadas aos seus pais, e ele torcia para que sua filha estivesse entre algum deles. Mas ela não
estava.
Saiu pela entrada principal, pegou seu cavalo e sem nem pensar, montou e correu pelas trilhas
do reino atrás de Annabella. Quem quer que fosse o sequestrador, pagaria caro, com sua vida.
Galopou com extrema rapidez, mas parou quando viu a última coisa que desejaria ter visto: a
coroa que Annabella havia ganho aquela noite, jogada ao chão, coberta de sangue e terra do solo.
Caminhou alguns metros à frente e encontrou outra coisa, mas essa o fez cair de joelhos e chorar
olhando aos céus, pedindo para que aquilo fosse apenas um pesadelo e que não estivesse realmente
acontecendo.
Era o vestido branco de flores que sua filha usou naquela noite, este que se encontrava
coberto de sangue. Seu coração se partiu em mil pedaços. Agarrou o pano no peito e chorou rios de
lágrimas, pedindo a todos os anjos para que trouxessem sua filha de volta. Mas ninguém podia ouvi-
lo. Era como se gritasse e não houvesse ninguém para acudi-lo.
O rei montou novamente seu cavalo e seguiu rumo por entre as árvores, não desistiria nunca.
Se precisasse ficar semanas galopando para encontrar sua filha, assim o faria.

A rainha chorava abraçada a Grace, que também estava arrasada. Se culpava pelo sumiço de
Annabella.
— Eu deveria ter segurado a mão dela, mas…
— Não é culpa sua, Alycia. Alguém mal-intencionado pegou a Annabella, mas Matthew vai
descobrir quem foi o responsável e acredite, ele pagará por seus atos.
— Eu quero a minha filha! — gritou, fazendo com que todos ao redor olhassem para a rainha
e começassem a questionar entre si: “A princesa sumiu?”, “Quem será o responsável?”.
O castelo fora evacuado, a ameaça havia passado e os responsáveis pelo furdunço, foram
levados ao calabouço. Os guardas perguntaram a rainha o que fazer com os capturados, mas ela não
soube responder. No momento, só conseguia pensar em sua filha e onde ela poderia estar.
Valerie fora levada para a enfermaria, não saberiam dizer se ela sobreviveria ao ataque
sofrido, mas torciam para que sim. Andrew tratou de levar Nicholas para seu quarto, o pequeno
estava assustado e não poderia ficar mais ali vendo sua mãe naquele estado.
As horas passaram, e nem sinal de Annabella ou Matthew. A cada segundo sem notícias,
Alycia se desesperava mais.
Até que, ao amanhecer, os portões foram abertos, e um homem com os olhos inchados de tanto
chorar e as mãos trêmulas, entrou por eles. Matthew encontrava-se devastado.
Alycia levantou-se e caminhou até ele, estava tão desesperada quanto ele, talvez mais.
— A encontrou? — questionou, mas sabia que a expressão de seu marido não negava a
verdade bem clara em seus olhos. Ele não havia encontrado vestígios da princesa.
— Eu só achei isto. — Mostrou a ela o vestido ensanguentado e a coroa manchada do mesmo
líquido.
Quando os orbes castanhos se encontraram com os materiais, um nó se formou em sua
garganta e o choro voltou. Agarrou o cônjuge com toda a força, e prensou por entre os dedos o
vestido ensanguentado.
— Me diz que ela não está… nossa filha não está morta, Matthew! Ela não pode estar! —
Chorou mais alto, e seus gritos foram ouvidos por todos. Grace que estava ali perto, sentou-se no
chão e entregou-se ao choro.
O rei chorava desolado, agarrado a esposa que gritava de dor, dor esta que se referia a área
mais delicada de qualquer ser humano: o coração. Ele estava partido.
— Vamos procurá-la, Matthew! Nós temos que encontrar a Annabella! — afirmou.
— Eu já procurei por todos os cantos, meu amor. Ela e o sequestrador sumiram. A esta hora
já devem estar muito longe.
— Não podemos desistir. Precisamos encontrá-la. É nossa filha, Matthew! Ela está viva e em
algum lugar, ela tem que estar! E-Eu… — Um bolo se formou novamente em sua garganta, e o choro
retornou.
As lágrimas incessantes molhavam a roupa do rei, e ela não o soltava nem ao menos para
respirar. Queria sair, procurar por sua filha, não desistiria.
— Grace, fique com Nicholas, por favor. Vamos trocar de roupa, Matthew. Eu não irei ficar
aqui enquanto nossa filha está lá fora nas mãos de um desconhecido. Vamos colocar tropas atrás dela,
que removam cada pedra, vasculhem cada buraco na terra, cada casa, mas que a tragam para nós!
Os monarcas saíram, se trocaram e pegaram seus cavalos, e partiram em busca da princesa.
O coração de ambos estava destroçado, serem queimados vivos doeria muito menos do que
aquele sentimento excruciante que estavam sentindo. Eles encontrariam Annabella, nem que
precisassem cruzar todos os oceanos, invadirem todos os reinos para encontrá-la. Não se
preocupavam com o reino neste momento, não queriam saber de nada político, só se preocupavam
com a filha perdida.
A princesa de Porto Vermelho estava desaparecida, e o responsável perderia sua cabeça por
isso.
6. Desaparecida

Desacordada, a garotinha foi levada para bem longe de seu lar. Com as roupas trocadas,
ninguém saberia quem era de fato. Embalada nos braços culposos, amaldiçoados por seu sumiço,
agora estava completamente inconsciente.
A dor deixada para trás em uma família inteira, e a consciência daquele homem que dizia que
deveria voltar e devolver a princesa, nem que para isso precisasse mentir dizendo que a encontrou
perdida no meio da floresta, ou até mesmo que encontrou o sequestrador e o subornou para devolver
a garota, sua mente gritava para fazer qualquer coisa menos aquele ato abominável.
Ele sabia que não poderia voltar para casa sem antes acabar com a vida da princesa, mas seu
coração — agora já não mais puro — o impedia de cometer tal atrocidade. Contudo, ele também
sabia que agora já não tinha mais jeito, não havia maneira de voltar atrás no que havia feito e
simplesmente implorar por perdão, porque o que fizera era imperdoável.
Entretanto, este não era seu único problema. Já havia visitado o reino anteriormente, e sabia
exatamente o quão inteligente Annabella era, e teve de tomar providências para evitar que a própria
acabasse revelando a verdade.
Pouco antes de fugir do sul onde morava, procurou na imensa biblioteca de Lilliana — que
agora já não era mais considerada pelo mesmo como sua rainha — um livro deveras antigo,
empoeirado e quase ao ponto de se cobrir de mofo. Arrancou uma página tão velha quanto sua pobre
avozinha já falecida, e nela encontrou o que precisava.
Leu as palavras com certa dificuldade, pareciam escritas em uma língua diferente, que ele não
conhecia, mas que descobriu que era algo infernal, e se recusava até a pensar no nome. Mas, o que
mais poderia ser se tratando daquilo? Traduziu durante as duas noites que antecederam seu crime e
encontrou o que precisava.
— […] Clame por seu nome três vezes e a criatura aparecerá… — suspirou fundo, olhando
se não havia ninguém a sua volta, havia fugido por toda a noite e possivelmente estava ou em uma
área muito afastada do castelo ou até mesmo em outro reino. — Pois bem, Grinllith. Foi uma.
Grinllith. Duas. Grin…
— Não precisa suar frio! — A mulher — ou quase — apareceu. Por fora, parecia uma
humana normal, mas ele sabia que não era. Se ele já não soubesse disso, a simples presença dela
teria lhe dito. Sentiu um calafrio na espinha ao se encontrar com ela e mirar aqueles arrepiantes e
profundos olhos de cor vermelho-sangue. — Criatura é um nome um tanto ofensivo, não acha? — Se
aproximou dele, rindo maleficamente.
— E-Eu... — Estava amedrontado, não sabia o que falar.
— Eu sei bem o que você quer: precisa de ajuda para dar sumiço com essa pequenina
princesa a mando da sua rainha mal-amada. — O homem se assustou ao ver que a fera tinha
conhecimento do que queria sem que ele houvesse dito uma só palavra. — Ora, embaixador
Blackburn, não fique tão surpreso. Eu sei de tudo, eu vejo tudo, eu ouço tudo. — Apareceu
magicamente nas costas de Thomas que voltou a se assustar.
— Eu preciso apagar a memória dela, para evitar que tudo seja estragado e ambos percamos
a cabeça — afirmou, certo do que dizia. Sabia que Lilliana não pouparia esforços para acabar com
ele, muito menos com a criança.
— Isso é simples. Mas saiba que há um preço. Tudo que se pede a um ser como eu, é
cobrado, e nunca é barato. Está disposto a arriscar a sua alma por isso? — interrogou a besta.
— O que quiser, o que precisar. Ouro? Eu posso conseguir! — Grinllith riu na cara do
embaixador. Ouro? Isso era sério? Ela não precisava de ouro, o que faria com isso? Não precisava
de pagamento em dinheiro. Isso era inútil. Nunca negocie com o diabo sem saber o preço disso.
— Tem mesmo certeza de que leu aquele livro? — Deu risada perante a ignorância dele ao
que estava fazendo. Mas não seria ela que avisaria o erro que ele estava cometendo. — Façamos um
acordo. Eu lhe dou o que precisa e em troca, fica em dívida comigo, e esta poderá ser cobrada a
qualquer momento da sua vida, ou até mesmo na sua morte — ofereceu. — Então, Thomas, acordo
fechado?
Blackburn resistiu por um momento, valeria a pena todo aquele envolvimento com sequestros,
mortes inocentes — a srta. Valerie — e magia vinda de um… demônio. Ele precisava mesmo fazer
aquilo? Sua mente dizia: Não faça, Thomas. Seu coração: Você é melhor que isso, leve-a de volta
para casa. Mas seu pescoço doía só de pensar em ser degolado por sua tremenda perfídia a sua
rainha, por traição a coroa, não que realmente fosse, mas quem saberia o que Lilliana poderia
inventar para justificar sua morte?
— Fechado.
Era isto.
Acordo selado. Não havia mais volta.

A noite se findou, e o dia amanheceu, e com ele trouxe a imagem lúgubre que preenchia o
coração dos monarcas. Vagaram a noite toda chamando, procurando, vasculhando cada mísero canto
do reino, mas nem sinal de Annabella.
Quando os portões foram abertos, Grace já esperava pelo momento em que veria aquela
pequena garotinha tão agitada entrar correndo, seguida de seus pais, com enormes sorrisos em seus
rostos. Mas não aconteceu. Tudo que vira foram as lágrimas nos rostos de ambos, e nem sinal da
princesa.
Podia escutar uma música fúnebre soar em seus ouvidos a cada passo que os governantes
davam, era como se alguém tivesse morrido. E talvez, tivesse.
No momento que Alycia alcançou os olhos ao grande quadro que havia no salão, que
retratava Matthew, Annabella e ela, no dia do nascimento da princesa, o choro veio à tona. Agarrou
as vestimentas de Matthew e chorou ali mesmo, sendo acolhida pelos braços fortes e podendo
também ouvir o choro dele.
— Nós a perdemos, Matthew — disse a rainha, em meio ao choro. — Nós perdemos a
Annabella. — Chorou mais alto, querendo de alguma forma que seu choro fosse ouvido pelo
responsável e que este se arrependesse e trouxesse sua filha de volta. Mas não aconteceria.
Sangue do seu sangue havia partido, e provavelmente jamais voltaria a vê-la. Uma parte do
seu coração havia sido arrancada, deixando nada além de dor.
— Nós vamos achá-la, minha amiga. Precisamos alertar os empregados, dizer que fiquem
atentos a qualquer comportamento estranho dentro do palácio, o responsável pode estar mais
próximo do que pensamos — disse Grace, também entre lágrimas.
— Grace está certa, meu amor. Não podemos desistir de procurá-la. Por favor, Grace,
convoque todos no salão de cerimônias, diga que é urgente.
— Como quiser, Majestade. — A loira saiu, deixando os monarcas se encaminharem para o
local.
Nesta sala, havia tantas recordações ali marcadas. Fora naquele espaço em que se casaram,
numa das maiores festas que o reino havia visto nos últimos cem anos. Também fora aonde
apresentaram Annabella e Nicholas ao mundo, logo após nascerem.
Ao lado do salão, havia a entrada para a abadia, onde os monarcas, e até mesmo pessoas
próximas a família, rezavam por aqueles que amavam ou até mesmo, aqueles que já se foram.
Os tronos, tão grandes de se dar inveja, não pareciam ter o mesmo brilho que tiveram outrora.
Assim como os olhos deles, os azuis do rei já haviam perdido a cor, não refletindo mais o mar, mas
sim a dor, a tristeza; e os castanhos da rainha refletiam não mais o mel que possuíra, mas sim o
sofrimento. Estavam carregados de infelicidade.
Quando se sentaram, Matthew tratou de segurar a mão da esposa, que agora tentava segurar as
lágrimas, não queria demonstrar o tamanho de seu sofrimento e gerar comentários posteriores. Não
precisava de qualquer tipo de comentário.
Aguardaram alguns instantes até que todos os empregados, guardas e afins, estivessem
presentes. Grace e Jones se posicionaram ao lado dos governantes, esperando que dessem a primeira
palavra.
— A notícia que eu tenho para dar, não é das mais fáceis, mas ela precisa ser contada. Ontem
à noite, uma tragédia nos atingiu, e alguém de má fé… capturou a princesa Annabella. — Todos
ficaram surpresos, rumores haviam sido espalhados, mas não eram concretos. — Se alguém aqui
souber de algo que possa nos ajudar a encontrá-la, por favor, venha até meu escritório ou procure o
lorde Jones. Comportamento estranho, cochichos, nada, absolutamente nada, deve ser escondido da
coroa, do contrário poderemos acusá-los de traição e o responsável, ou os responsáveis, serão
punidos. Dispensados. — Os empregados saíram, deixando a família sozinha novamente.
Alycia se levantou, e sem dar uma palavra, sumiu pelos corredores. Matthew foi atrás,
correndo, não podia deixá-la sozinha, principalmente agora.
A encontrou somente no quarto que pertencia à sua filha, chorando em cima da cama. Matthew
se aproximou, e a viu agarrar o travesseiro, este que possuía o cheirinho dela, e se debulhar em
lágrimas.
Ele não disse uma palavra, apenas se sentou na cama e a puxou para seus braços, deixando-a
chorar. O travesseiro de Annabella fora parar nas pernas do rei, onde a rainha deitou a cabeça, ainda
chorando.
— Como deixamos isso acontecer, Matthew? Nós devíamos ter ficado ao lado dela, não
devíamos ter saído na frente. Se eu a tivesse segurado no colo, nada disso teria acontecido.
— A culpa não é sua, é somente da pessoa que fez isso conosco, com ela.
— Aonde ela deve estar, Matthew? No frio? Abandonada? Ou talvez… — Não conseguia
nem ao menos completar o que dizia, a angústia de não encontrar a filha era grande, mas de encontrá-
la sem vida, era maior.
Matthew queria dizer a ela que tudo ficaria bem, que eles encontrariam Annabella e que ela
voltaria sã e salva para casa. Todavia, como poderia prometer algo que nem ele mesmo acreditava?
Não queria deixar a desesperança tomar conta do seu ser, mas mediante a situação, estava
difícil. Seu coração não conseguia encontrar uma luz de paz, nem um resquício de esperança de
encontrar sua filha.
Após encontrar suas vestes e a coroa que havia acabado de presenteá-la totalmente
ensanguentados, não conseguia nem cogitar o que poderia ter acontecido à sua doce princesinha.
— Você me avisou que algo ruim iria acontecer, e eu não escutei. Eu jurei proteger vocês,
Alycia, e eu falhei. Não mereço estar aqui, eu não mereço viver.
A rainha ficou incrédula ao ouvir tais palavras, tanto que proferiu em seguida:
— Jamais volte a dizer isso, a culpa não é sua. Nós vamos encontrar o responsável por isso,
e ele pagará por ter nos tomado a nossa filha. — Se agarrou a ele e prosseguiu chorando.

Quando Thomas selou o acordo com Grinllith, a viu tomar Annabella de seus braços e sumir
magicamente com seu olhar demoníaco. Não pretendia voltar às Ilhas Gálidas, não pretendia ver
aquele lugar nunca mais em sua vida, muito menos ver o olhar de satisfação de sua ex-rainha ao
descobrir que seu plano havia dado certo.
Resolveu tentar a sorte ali, no local onde estava, e ver o que o destino guardava a ele. Claro,
não podia esperar algo bom, afinal, sua atitude havia sido a mais cruel possível.
Arrumaria um emprego, nem que este fosse de mercador, ajuntaria um pouco de dinheiro e
com alguns meses — como assim contava — buscaria sua mãezinha no sul e a tiraria dos olhos de
Lilliana. Claro que ele sabia que precisaria ajudar mais pessoas, mas precisaria de muito dinheiro
para conseguir.
Enquanto isso, em um lugar não tão distante dali, em uma casa pequena e simples, foram
ouvidas batidas na porta. Demorou alguns minutos até que a mesma fosse aberta por uma mulher, uma
jovem, que se assustou com o que vira: uma garotinha com o rosto machucado, vestes rasgadas e
sangue já seco em algumas partes do corpo. Rapidamente, a pegou no colo e olhou para o lado a
procura de alguém que pudesse tê-la deixado ali.
Mas não havia ninguém.
A levou para dentro e a colocou deitada no sofá, estava desacordada e a julgar pela
aparência, havia sofrido muito.
— Que tipo de pais deixam uma criança sozinha por aí? — perguntou a si mesma.
Pegou um pano que encontrou no fogão e o molhou em água morna, e limpou aquela que não
fazia ideia de que era uma princesa. Quando sentiu o líquido molhar seu rosto, Annabella começou a
se remexer, estava despertando.
Quando abriu os olhos e enxergou aquela mulher que nunca havia visto, estranhou. Aonde
estava? Quem era? Pior, quem era aquela mulher?
— Você está bem? — questionou a mulher.
— Onde estou? — perguntou com a voz baixa.
— Você está na minha casa, eu te encontrei lá fora, machucada. Como você se chama,
querida? Onde estão seus pais?
— Ah… eu… eu não sei — contou.
Agora, a mulher à sua frente se encontrava em um dilema. Como ajudaria aquela garota que
nem ao menos lembrava o próprio nome? Não lembrava onde estavam os pais? Estava
completamente perdida.
Foi quando percebeu que a criança usava uma pulseira, parecia de ouro puro. Deveria vir de
uma família muito rica, pois aquela peça não era qualquer um que poderia ter acesso. Limpou a terra
e o sangue que estava ali e leu o que estava escrito: Annabella e uma data ao lado, provavelmente
seu nascimento.
— Acredito que este seja o seu nome, querida. Sabe como veio parar aqui?
— Não… eu não lembro de nada — contou. Se sentou no sofá e sentiu dor.
— Não se mexa, deve estar machucada. Vamos tirar essa roupa, eu vou te ajudar, e depois
vamos procurar saber mais sobre você. — Pegou a mão da garota e a ajudou a se levantar para irem
até o quarto.
— Você é bonita, moça — confessou a garotinha.
— Pode me chamar de Dahlia.

Horas se passaram desde o ocorrido, e nem vestígios da princesa haviam sido encontrados.
Os momentos infernais que eram vivenciados pela família só pareciam se agravar, ficando a cada
minuto que se passava, piores.
Chorar era o verbo que definia os monarcas. Não conseguiam conter as lágrimas, também,
quem conseguiria? Não conseguiam sequer pensar em quem seria cruel o suficiente para fazer isto
com uma criança inocente?
Havia apenas uma explicação: renda. Seja lá quem havia de ter feito aquilo, hora ou outra,
exigiria dinheiro para devolver a princesa. Claro, esta pessoa haveria de ser muito astuta, e claro,
não ter um mísero pingo de amor à sua vida, pois uma vez encontrada, esforços não seriam medidos
para fazê-la pagar.
— Majestades? — Ouviram batidas na porta do quarto em que estavam. Alycia ainda chorava
descontroladamente nos braços do cônjuge, e ele tentava acalmá-la, mas era inútil.
— Entre — ordenou Matthew. — O que houve, Berkeley?
— A srta. Valerie se encontra na enfermaria, o médico disse que vai sobreviver. Disse
também que se quiserem perguntar o que aconteceu e talvez terem alguma pista, que já podem vê-la.
— Obrigado, Berkeley — o rei agradeceu e o guarda se retirou. — Quer ir até lá, querida?
Podemos talvez, não sei, descobrir como tudo aconteceu.
A rainha apenas afirmou, levantando-se. As pernas trêmulas não permitiam que ficasse ereta o
suficiente, então Matthew tratou de ajudá-la, sabia que poderia cair ao chão a qualquer momento. A
segurou pela cintura e caminharam juntos até a enfermaria, esta que ficava descendo as escadas e
atravessando o salão. O mesmo onde os piores momentos já registrados por aquela família
aconteceram.
Quando adentraram o espaço, viram a jovem com um grande curativo no local da ferida, e um
pouco pálida, mas pelo menos estava viva.
— Majestades — cumprimentou a mais nova, muito fraca.
— Como se sente, Valerie?
— Sobre isto — apontou para o machucado — melhor. Sobre Annabella, péssima. Eu sinto
muito, Majestades, eu sinto tanto. Foi tudo culpa minha.
— Não, Valerie. Não foi culpa sua! — afirmou Matthew. — A culpa é total e completamente
do responsável que fez isso com nossa filha e feriu você. Por favor, nos conte, o que você viu?
A mulher se ajeitou um pouco melhor na cama em que estava, coçou a garganta e disse:
— Quando fomos alertados do ataque, todos corremos para a passagem para proteção.
Contudo, quando estávamos perto, Annabella deixou sua coroa cair e se abaixou para pegar. Foi tudo
muito rápido, mas eu lembro de ver uma sombra atrás de mim e quando percebi, estava sangrando e
no chão, e Annabella estava gritando nos braços da pessoa que me apunhalou. Foi quando Vossa
Majestade se aproximou e chamou o médico, mas Annabella já estava longe.
— Você sabe se mais alguém viu acontecer? — questionou Alycia.
— Eu lembro que havia poucas pessoas no local, se alguém tiver visto, foram apenas os
responsáveis pelo ataque, porque as outras pessoas estavam feridas no chão. Sabem se alguém
morreu?
— Até onde sabemos, apenas alguns guardas foram feridos.
— Então, Majestade, posso dizer que fora tudo planejado. É bem óbvio que, seja lá quem fez
isso, não queria machucar ninguém, mas tinha um alvo: Annabella. Os guardas que se feriram, foram
apenas por terem entrado na frente dos inimigos.
— Alguns dos capturados foram mandados para o calabouço, estão aguardando seu
julgamento, Majestade — disse Berkeley.
— Então precisamos confrontá-los o quanto antes! — afirmou o rei. — Melhoras, Valerie. E
obrigado. — E saiu junto com sua esposa. — Querida, me espere aqui fora, não quero que veja
aquela cena.
— Não, Matthew. Eu vou junto com você! — exclamou, séria.
— Por favor, o calabouço contém desde guerrilheiros até prisioneiros moribundos, não quero
que veja uma cena dessas. Eu mesmo irei confrontá-los com alguns de nossos guardas. Mas por
favor, só desta vez, faça o que peço?
Mesmo contrariada, a mulher concordou. O rei reuniu alguns guardas e seguiram para o
calabouço.
A entrada ficava no subterrâneo, muito abaixo do solo, para evitar que prisioneiros fugissem.
Aquele lugar contava muitas histórias, nenhuma muito agradável. Naquele lugar, ficaram presos
traidores de dentro e fora do castelo, estes que foram executados sem piedade, isto de acordo com o
caos que a traição causara.
A porta, feita de madeira foi destrancada, e a tocha segurada por um dos guardas que
acompanhavam o rei, iluminaram a entrada. A imagem que viram foi pior do que poderia ser.
Aqueles soldados que foram capturados estavam, todos, mortos.
— Não é possível, eles estavam vivos quando os trouxemos para cá, Majestade. — O rei
olhou a sua volta e encontrou, caído no chão, um frasco.
— Vejam. Veneno. Eles fizeram isso, mataram a si próprios. Eles foram mandados aqui e
trouxeram o veneno consigo para o caso de serem pegos. Não sei se digo que é muita esperteza ou
muita ignorância.
Os guardas olharam a volta, e viram que todos estavam na mesma situação. Entretanto,
quando Leith, um dos guardas, pisou na mão de um dos cadáveres, este tossiu e cuspiu uma gosma
branca.
— Este ainda está vivo! — disse o guarda.
O homem no chão cuspiu o excesso do veneno que sobrava em sua boca.
— Ergam-no! — ordenou o rei. O homem foi levantado e sem demora foi questionado. —
Qual seu nome?
— Ju...Julien — disse sem forças e com ânsia.
— Eu vou ser bem direto, Julien. Quem mandou você e seus homens aqui? Onde está a minha
filha? — Antes de poder responder, o homem vomitou. Por sorte, não respingou nos vestes do rei,
pois no estado de nervos que ele estava, seria capaz de cortá-lo com sua espada. — Responda,
infeliz! O que vocês fizeram com a minha filha? — gritou ele.
— A princesa está morta. Nós fomos mandados aqui para eliminá-la — disse, com sangue
nos olhos.
Matthew não conseguia acreditar. Não era possível.
— A sua versão não bate. Disseram que ela foi levada para fora do castelo por um homem
encapuzado. Quem era este homem? Me diga ou eu arranco a sua cabeça fora. Garanto que se o
veneno não te matou, a minha espada vai arrancar até o último pedaço de carne do seu corpo! —
gritou mais uma vez. — Me diga de uma vez quem é o infeliz que raptou a minha filha!
— Pode me matar, Majestade. Como quiser. Eu nunca irei dizer onde está a doce princesa, até
porque eu realmente não sei. Eu não vi nada depois que fui capturado, e se bem me lembro, a
princesa ainda estava nos braços da serviçal — zombou. — Sinta-se à vontade para cortar a minha
cabeça, afinal, em poucas horas eu estarei morto mesmo. A essa hora, o nosso homem já deve ter
dado fim na princesa, e jogado seu corpo no mar ou até mesmo, enterrado em qualquer buraco na
terra.
Matthew perdeu a cabeça e com um golpe da espada, perfurou o abdômen do homem. O
soldado caiu de joelhos, e o rei o empurrou o rapaz com o pé esquerdo, tirando sua espada do seu
corpo.
— Queime no inferno! — exclamou, com ódio no olhar e saiu.
Havia voltado à estaca zero. Não tinha uma mísera pista de onde Annabella poderia estar, e
agora, não tinha como constatar seu paradeiro. Com todos os homens mortos, não haviam rastros o
suficiente.
Estava sem recursos. Sem nenhuma pista de como ou onde encontrar sua filha.
7. De um lado, dores. Do outro, dúvidas

A manhã passou e junto com ela, a esperança de ser encontrada se esvaía para Annabella.
Dahlia, a moça que a encontrou, esta que descobriu ter 23 anos e ser solteira, era extremamente
simpática e, embora, muito humilde, lhe conseguiu arranjar roupas limpas e algo para se alimentar, já
que estava pálida.
Conseguiu na aldeia, um pedaço de algodão e, com um pouco de água que pegou no poço
central, limpou os machucados no rosto e no corpo da menina. Ela possuía um corte no braço direito,
nada tão profundo a ponto de poder inflamar, mas o suficiente para deixar uma marca.
Annabella ainda estava um pouco assustada, perdida, querendo saber quem era ou de onde
veio. Mas não conseguia se lembrar. Tudo era um grande breu para aquela garotinha inocente.
A mulher que a havia salvado e acolhido em sua própria casa, lhe fez algumas perguntas,
sobre seus pais principalmente, mas, ela não soube responder. Dahlia chegou a pensar que os pais
podiam ter morrido em alguma guerra em algum lugar distante dali e a garotinha correra para se
salvar e acabou caindo e batendo a cabeça em algum lugar, o que explicaria seus machucados e a
falta de memória.
Entretanto, se a memória da menina não fosse recuperada, provavelmente não encontrariam
familiares, ou nunca saberiam como ou porque ela foi parar ali. Dahlia não se importaria de cuidar
dela até que esta ficasse recuperada, assim como não teria problemas em acolhê-la em sua casa se a
criança, inocente, não tivesse mais ninguém por aí fora.
Ela era sozinha, apesar da idade ainda jovem, já não estava mais naquela idade propícia onde
homens procuravam por mulheres para desposá-las. E, também, já não acreditava muito na
possibilidade de ser feliz com um casamento arranjado. Era assim que funcionava: as jovens vindas
de famílias ricas e portadoras de títulos cresciam na Corte ou próximas a ela, e eram muito bem
instruídas a arranjarem maridos que possuíssem títulos mais altos e que pudessem sustentá-las sem
mais problemas; aquelas mais pobres, vindas de aldeias e pequenas vilas, com um pouco de sorte,
conseguiam se casar com produtores agrícolas e lavradores, conseguindo subir um pouco o nível de
vida.
Sinceramente, Dahlia acreditava que isso era um absurdo. A boa vida deveria ser para todos,
e não se tratando de dinheiro ou posses, mas sim o suficiente para se viver uma vida limpa e justa,
sem precisarem de fato casar-se para conseguirem subir em tal patamar.
Mas, se tratando de amor, a jovem acreditava que ele existia, mas não era para ela. Há muito
amou alguém, mas essa pessoa fora tirada dela da forma mais brutal. Assassinado a sangue frio por
uma dívida de bar, anos antes, quando a jovem tinha apenas 18 anos. O rapaz, Peter, era seu noivo, e
junto de sua vida, levou também a “honra” de Dahlia, que já havia sucumbido ao que muitos
chamariam de pecado e ao desejo, e isso não seria problema se ele estivesse vivo. Quando todos
souberam da desonra da jovem, ela foi totalmente humilhada, fofocas surgiram a seu respeito e foi
forçada a ir embora da vila onde morava e se mudar para esta pequena aldeia no reino do rei
Edward, na qual a qualidade de vida era um pouco melhor do que a do lugar que morava antes: as
Ilhas Gálidas.
Sem pais — era órfã desde os três anos, quando seus pais morreram de alguma doença que
ela não saberia dizer qual, e assim, cresceu num convento até os 17 anos, quando conheceu Peter e
foi liberada para casar-se com ele —, sem noivo, sem família, ela fugiu sem olhar para trás.
Agora, anos mais tarde, estava ali, no lugar que menos esperava. E, se suas suspeitas
estivessem certas e aquela doce menininha à sua frente não tivesse família, ela a acolheria e não a
abandonaria, como todos em sua vida fizeram com ela.
— Você está com fome? — perguntou à Annabella, que não sinalizou nenhuma resposta. —
Está assustada, eu entendo. Eu sei como é isso. Mas, saiba que eu vou te ajudar viu, querida? Nós
vamos descobrir de onde você veio e quem são seus pais, nós vamos recuperar sua memória. Eu
prometo! — garantiu sinceramente.
— Obrigada — respondeu a criança, com sua voz doce e baixa.
— Vem, vou conseguir algo para você comer, não tem muita coisa aqui, mas acho que consigo
algo bem gostoso na mercearia, o que acha? — Annabella assentiu, e Dahlia segurou sua mão e
caminharam até a sala. — Você quer me esperar aqui? Eu volto rapidinho. — A menina afirmou,
mesmo terrivelmente amedrontada.
Dahlia trancou a porta e saiu correndo até a mercearia. Entre os corredores, conseguiu alguns
punhados de grãos para fazer uma sopa, pegou umas especiarias para dar sabor.
Se dirigiu até a doce senhora, apelidada carinhosamente por todos de Vovó, pela idade e por
ser acolhedora com todos como uma avó, que já a conhecia há anos, chegou a ajudá-la quando a
mesma se mudou e precisou de auxílio e um emprego para se estabilizar.
— Está tudo bem, criança? Parece desesperada! — A velha senhora a ajudou com as
compras.
— Eu preciso dessas coisas, sim, vovó. Tem alguém que precisa da minha ajuda. Olhe, aqui
está o pagamento por elas. — Tirou três moedas de prata do bolso e colocou no balcão.
— Fica por conta da casa, querida. Vá ajudar essa pessoa que aparentemente está muito
necessitada.
Dahlia sorriu e agradeceu, retornando rapidamente para sua casa. Quando abriu a porta,
encontrou uma cena de se partir o coração: Annabella abraçada aos joelhos e chorando. Se
aproximou da criança e a abraçou.
— Ei, o que aconteceu? — Segurou seus ombros e a olhou nos imensos olhos castanhos
escuros.
— Eu fiquei com medo — confessou. — Eu estou com medo! — Chorou mais alto,
soluçando.
— Calma. Você não está sozinha, eu vou te ajudar, querida. Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Olhe, eu comprei alguns ingredientes para fazer uma sopa bem gostosa para você, é uma receita da
irmã Crosby, do convento em que eu cresci.
— O que é um convento? — Despertou, de maneira eficaz, a curiosidade na menina.
— É um lugar onde crianças sem família, como eu, crescem. Eu sou órfã, meus pais morreram
quando eu tinha apenas três anos, e eu fui enviada para lá.
— Eu vou para lá também?
— Não, querida. Eu vou te ajudar a achar sua família, você vai ficar aqui, comigo, até
conseguimos descobrir quem você é, não se preocupe. O convento pode ser bom, mas sempre
existem pessoas lá dentro que podem fazer tudo ser péssimo para você, crianças que não tem piedade
das mais novas. Não precisa ficar preocupada em ir para lá, não enquanto eu puder te ajudar. —
Sorriu amigavelmente.
A jovem secou as lágrimas da menina, e juntas, se sentaram à mesa. Dahlia tratou de preparar
com cuidado, o alimento que daria para a pobre criança, enquanto tentava distraí-la, fazendo-a não
pensar no medo que a afligia.
Annabella já estava bem mais calma, agora, comia calmamente. Já não estava apavorada,
apenas curiosa sobre o que poderia ter acontecido.
— A comida está boa, princesa? — Naquele momento, a criança teve uma sensação estranha,
como um déjà-vu, embora nem soubesse o que essa palavra significava. Ignorando a sensação, sorriu
para a mulher tão carinhosa e assentiu.
— Você vai mesmo me ajudar a encontrar a minha família? — indagou, curiosamente.
— Claro. Eu vou te ajudar, mas, enquanto isso, você fica aqui, até termos pelo menos uma
pista de onde possam estar, tudo bem?
A princesinha apenas concordou, torcendo apenas para que realmente tivesse família, e para
que pudesse encontrá-los.

O decorrer daquela semana que passou, sem nenhuma pista ou qualquer vestígio da família de
Annabella, fora, na medida do possível, tranquila. Aos poucos, a garotinha ia se adaptando à casa
que habitava, tal como Dahlia, que estava se acostumando novamente a viver com mais alguém,
depois de tantos anos.
Por residir em uma aldeia de baixa classe, mesmo que uma das mais privilegiadas do reino
em relação a recursos naturais, era, ainda assim, difícil manter duas pessoas. Dahlia precisava
trabalhar, mas não podia deixar Annabella sozinha, não com os pesadelos frequentes que ela vinha
tendo desde o primeiro dia em que apareceu.
Passara a dormir na cama da mais velha, por seus sonhos — de horrores — a assombrarem.
Via sangue, espadas, homens encapuzados, e, principalmente, uma mulher gritando seu nome. A visão
não era limpa, mas sabia que devia ser alguém muito próximo a ela, e, pelos poucos borrões que via,
sabia que possuía cabelos escuros. Não conhecia identificar rostos, mas sabia que aquela mulher,
talvez, pudesse ser uma irmã, uma tia ou, até mesmo, sua mãe.
Como desculpa para explicar às más-línguas do vilarejo sobre o inexplicável aparecimento
da criança, Dahlia tratou de inventar que a menina era sua sobrinha e que passaria a viver com ela, já
que sua irmã havia sido vítima de uma enfermidade que atingiu uma aldeia distante de outro reino.
Dahlia não tinha irmãos, mas ninguém precisava saber.
Durante o dia, enquanto trabalhava, deixava Annabella com a Sra. Amaris, a Vovó, que se
ofereceu para tomar conta dela de bom grado. A menina não dava trabalho, pelo contrário, ficava
estudando tudo ao seu redor. E em seu tempo livre, a senhora a ensinava a ler, e ia introduzindo
livros fáceis e com figuras, para atrair o desejo da criança.
Assim, quando a tarde chegava, Dahlia retornava do trabalho na taverna que servia como
garçonete, e levava Annabella para casa. Era cansativo, mas na maior parte do tempo, divertido.
Aprendia muito sendo “tia” daquela doce menininha, e pretendia aprender mais e mais a cada
dia. Poderia ensinar a ela várias coisas, assim como poderia aprender também.
Dahlia tinha conseguido com um amigo próximo, ajuda para descobrir sobre a verdadeira
origem de Annabella, sobre possíveis pais ou qualquer outro parente. Mas em nenhum dos quatro
cantos do reino do rei Edward havia pistas sobre pais que perderam uma filha, ou talvez um casal
que havia sido recentemente morto e que tinha filhos. Nada, era como se aquela criança tivesse
surgido do… nada.
Aos poucos, as esperanças iam se esvaindo, e o medo de jamais encontrarem a família da
pequena princesa ia apenas aumentando.
Todavia, não desistiria nunca, nem que levasse semanas, meses, anos para encontrar a família
dela, encontraria. Nenhuma criança deveria ser desprovida do amor maternal e paternal. Nenhuma
criança deveria crescer como ela, Dahlia Moore, a órfã do convento.
Aos poucos, a jovem foi se acostumando a ter mais alguém em casa, tinha alguém para
realizar refeições junto, conversar, dormir abraçada, e com o tempo, foi se apegando como se a
garotinha fosse de fato, sua filha.

— Já se faz um mês, Majestade. Um mês. Não há sinal da princesa. Quando irá contar ao
reino a verdade que está clara diante de nossos olhos, por mais que seja dolorosa? — perguntou
George, um dos nobres mais respeitados de todo o reino — e também, um dos mais insuportáveis.
— A princesa. Não. Está. Morta — disse o rei, pausadamente. Possuía em seus olhos, o tom
mais tenebroso do ódio. Estava farto de todos ao seu redor tentarem convencê-lo de que sua filha já
não habitava mais essa vida. Ela estava viva, ele sabia que sim. Por que em vez de todos procurarem
embaixo de cada pedra no reino, ficavam tentando piorar tudo, comentando e cochichando coisas que
ninguém queria acreditar?
Naquele mês que se passou, as coisas caminharam de mal a pior. Boatos começaram a surgir
no castelo, vindos de fora, e de dentro do palácio para fora dele. Havia exatos trinta dias que
ninguém no reino via o rei, a rainha, ou os jovens príncipes. Nenhum anúncio real, algum baile, nada,
desde aquele ataque, nenhum dos monarcas haviam sido vistos.
A época do ano não favorecia em nada as colheitas, estas que estavam escassas e produzindo
pouco. Se o tempo não mudasse, em breve não haveria alimento para todos no reino, e o estado de
emergência destruiria tudo.
Claro, além de todos os problemas que existiam fora do castelo, havia um em particular, que
deixava o rei a cada dia mais aflito: sua rainha. Havia quinze dias que ela não deixava o quarto. Não
queria ver ninguém. Ficava agarrada ao travesseiro branco de sua filha, que agora, já não possuía
mais o cheirinho da princesa. Apenas… sua recordação.
Todos os dias, Matthew acordava depois de uma noite de sono mal dormida, e encontrava sua
esposa chorando baixinho. Ele a abraçava e se unia a ela com o choro. Passavam as primeiras horas
do dia naquele clima fúnebre, até que Matthew se levantava para os seus compromissos reais. Na
maior parte do dia, Grace ficava com Alycia, lhe fazendo companhia, mas no fundo ambas estavam
de coração partido. Annabella era uma das alegrias daquela casa, sempre pulando, brincando,
sorrindo, contagiando a todos.
Naquele tempo, Nicholas não tinha tido muito contato com a mãe, Alycia não queria que ele a
visse de tal maneira. Não sabia como contar a ele o que acontecera. Como explicar a uma criança de
três anos que a irmã dele não iria mais voltar? Não existiam maneiras de explicar.
Nicholas podia não entender, mas ele sabia que tinha uma irmã, eles passavam tempo juntos,
ela brincava com ele. Podia não entender corretamente, mas sabia que ela existia, e, de repente, não a
veria mais?
Agora, o pequeno passava a maior parte de seu tempo com Ashley, que foi contratada para
cuidar do pequeno enquanto Valerie não assumia suas tarefas novamente. Sem sua irmã, sem sua mãe,
e com uma babá nova. Tudo estava diferente.
— O reino precisa saber, Majestade! — continuou George, arrancando o rei de seus
devaneios.
— Não há necessidade de o povo saber que a princesa está… pelo menos não até eu e a sua
rainha termos certeza disso, e nós não acreditamos em tal barbaridade. Eu fui bem claro?
— Eu apenas acredito que não adianta esconder do povo isso. Eles têm o direito de saber,
Annabella era a princesa deles, a futura rainha.
— Ela é a princesa deles, e será rainha! Eu fui claro? — repetiu a pergunta.
— Sim, Majestade. — E se retirou, com a pior expressão que já havia colocado em sua face.
O rei tornou a fechar os olhos e serrar os punhos. Queria gritar, colocar para fora tudo que
sentia, a dor excruciante que apertava seu peito. Foi quando, de repente, escutou um grito, a voz tão
conhecida por ele o fez se levantar e correr em direção ao barulho.
— Alycia! — ele gritou, chamando-a, na esperança de encontrá-la. E encontrou. Estava
sentada no chão do corredor em frente às escadarias da entrada do castelo, com um tecido de cor
preta em mãos, e, que apesar do tom escuro, era possível se ver através dele. — O que houve, meu
amor? — Se jogou de joelhos ao lado dela, sem nem ao menos se questionar se a queda o
machucaria.
— Quem colocou isso ali? — praticamente gritou, mostrando o pano apontando para o
quadro, mas a voz falha a impedia de ecoar pelo corredor. O tecido ele conhecia bem, era usado para
cobrir retratos de alguém importante da realeza que já havia partido desta vida. E ele estava bem em
cima do último quadro que deveria estar: o de Annabella nos braços da mãe, ainda recém-nascida.
— Eu não sei, querida. Isso não estava aí ontem. Calma, já tiramos. — A acolheu em seus
braços e acariciou seus cabelos. No fundo, se preocupava de que o estado de sua esposa piorasse.
Tinha medo de perdê-la para alguma doença, temia que a tristeza tão profunda e incurável pudesse
matá-la como fez com sua mãe após a morte de seu pai.
— Eu não quero ver isso ali novamente, Matthew! Avise a todos no castelo, que não haverá
perdão para quem voltar a colocar essa… coisa, no quadro da nossa filha! — disse determinada.
Não aceitaria que ninguém ousasse dizer que sua princesinha estava morta.
— O que veio fazer aqui? — Se preocupou por ela ter saído do quarto.
— Eu quis respirar um pouco, ficar no quarto só está piorando tudo. Eu vejo a nossa filha em
tudo, eu ouço a voz dela, eu sinto o calor dela, Matthew. Eu não sei quanto tempo mais eu vou
aguentar isso. Eu quero a nossa filha! — Afundou o rosto no peito dele, sentindo toda a dor lhe tomar.
Matthew, poucos minutos após o incidente, a ergueu no colo, caminhando com ela até o quarto
que lhes pertencia. A deitou na cama e a cobriu com as cobertas grossas e quentes.
— Vou pedir para que tragam algo para comer, você está pálida, querida — apontou, vendo a
mulher ficar cada vez mais fraca.
Nos últimos dias, Alycia se alimentou pouco, pela manhã não comia quase nada; o almoço,
descia praticamente forçado, pois Matthew mantinha os olhos nela, para evitar que se enfraquecesse
mais; já pela tarde, dormia quase o tempo todo, e só se alimentava com alguma coisa que Grace lhe
trazia da cozinha e lhe fazia comer.
Sua vontade era de dormir e só despertar no momento em que veria sua filha em sua frente
assim que abrisse os olhos.
Todos estavam percebendo que, aos poucos, estavam perdendo a rainha. Ela estava fraca, e a
tendência era que piorasse se não tivesse notícias de sua filha em breve.
Matthew temia isso, não suportaria perdê-la. Acreditava ter falhado com a filha, e agora
estava sendo insuficiente para a esposa. Tinha medo pelo caçula, tinha medo de falhar com ele
também. Seu pior pesadelo estava se tornando realidade.
— Eu não estou com fome, Matthew — disse, cruzando os braços na cintura e encarando a
janela, vendo o findar da tarde de mais um dia que se passava sem notícias de Annabella.
— Você precisa comer, meu amor. Por favor.
— Eu não quero — pontuou mais uma vez, se estressando com a insistência do marido.
— Eu vou ter que chamar um médico para você, se continuar assim, vai ficar cada vez mais
fraca. Eu não posso perder você também, Alycia, eu não suportarei mais essa culpa! — A mulher
pôde sentir todo o pesar que o marido carregava em suas costas. Sua própria cruz. Ela odiava vê-lo
assim, e se sentia pior por saber que ele estava assim por, em partes, culpa dela, por ele estar tendo
de suportar a dor de vê-la naquele estado além de se preocupar com Annabella.
Ela procurou a mão dele na cama e entrelaçou os dedos, sorrindo brevemente para ele no
momento que o rei a olhou.
— Peça que tragam algo para nós dois. — Mesmo sem vontade, resolveu fazer um esforço
para ver o esposo satisfeito. Não queria ser mais um fardo para ele.

A madrugada se fez presente, e do quarto em que Dahlia dormia serenamente após um dia
bem cansativo, era possível ver os clarões vindos do céu. Era época de chuvas no reino, o que não
era muito bom para as vilas, pois a água formava grandes poças de barro no chão, e
consequentemente, buracos, dificultando a passagem de carroças de carga de suprimentos e de
carruagens de estrangeiros ou, até mesmo, da própria realeza.
Por outro lado, as chuvas favoreciam as plantações, que floresciam mais rápido e mais
bonitas.
No pequeno quarto improvisado que fez para Annabella — que anteriormente fora o canto da
sala — com a ajuda de Graham, um amigo, que a ajudou a erguer uma parede e colocar uma porta,
tornando o ambiente algo mais digno, dormia a pequena garota.
Naquela noite, ela havia insistido para dormir sozinha, pois queria conter seus pesadelos. E
estava indo bem. Nas últimas semanas, os pesadelos vinham sendo frequentes, contudo, foram
diminuindo a constante maneira que ia se adaptando ao ambiente que agora chamava de casa. Após
um mês que havia aparecido, já se sentia familiarizada. Ainda não se lembrava de nada, além dos
gritos e do sangue que vinham em seus já não mais visitantes da madrugada.
Entretanto, naquela noite, o problema fora outro. Acordou de repente com o barulho dos
trovões e, com medo, levantou-se descalça e seguiu para o quarto de Dahlia.
— Dahlia? — chamou-a, mas inicialmente, não foi ouvida. — Dahlia? — Cutucou-a,
conseguindo acordá-la.
— Annie? — Observou a menina. — O que foi, princesa? Outro pesadelo?
— Não. Eu estou com medo do barulho lá de fora. Será que… eu posso dormir com você?
— É claro! — Abriu espaço nas cobertas e acomodou a criança, abraçando-a por trás e
beijando seus cabelos. — Sabe, eu odeio trovões. Eles fazem barulhos altos e assustam —
confessou, tranquilizando a pequena em seus braços, que apenas concordou com tudo que ouvia.
Não demorou até que pegassem no sono, dormindo como sempre, tranquilas nos braços uma
da outra. Quem visse de longe, até diriam que eram mãe e filha. E talvez, esse laço não estivesse tão
longe de se tornar realidade.
8. A Dor da Perda
A claridade atingiu o cômodo sombrio. Sombrio não por não possuir espaço para a entrada
dos raios solares, mas pela falta de outro tipo de claridade: a humana. As cortinas bloqueavam
qualquer resquício de luminosidade que ousasse querer ultrapassá-las.
A mulher de longos cabelos castanhos e olhos tão escuros quanto a noite já havia se levantado
há horas, e enquanto suas criadas lhe arrumavam para mais um dia em que se sentaria em seu trono e
daria ordens que levavam o reino do qual era regente à ruína cada vez mais.
Enquanto suas criadas terminavam de fechar o seu vestido, ela colocava seus anéis de garras
que faziam imitações de unhas, capazes de perfurar até mesmo a epiderme do mais selvagem dos
animais que podiam existir floresta adentro.
— Eu vou para a sala do meu trono, diga a Thomas que venha ao meu encontro, tenho
assuntos a tratar com ele — ordenou à criada.
— Thomas não está, Vossa Majestade – afirmou a jovem.
— Como assim não está?
— Há muitas semanas Thomas não aparece para seu posto, Vossa Graça. Desde a última
missão que o mandou, ele não retornou. Na verdade, nem metade dos homens que foram acompanhá-
lo retornaram. A senhora não percebeu?
Foi então que a rainha parou para raciocinar um pouco. Desde o dia que mandou Blackburn
àquela missão de vingança contra os Hale, o embaixador não retornara. Por intermédio de um dos
poucos homens que regressaram nem uma semana após o ocorrido, ela soube que muitos haviam sido
capturados e presos, mas que Thomas havia conseguido fugir com a princesa nos braços, e desde
então, não havia sido visto.
Entretanto, nessas alturas, já imaginava que ele havia voltado para o palácio. Nervosa, se
levantou e deixou seus aposentos, seguindo até a quadra de treinamento, a qual não possuía um quarto
dos homens que compunham seu exército.
Blackburn não estava entre eles.
O sangue ferveu dentro de suas veias, onde ele poderia estar? Não tinha notícias de Porto
Vermelho, não sabia o que se passava por lá. E se Thomas estivesse por lá? Pior, e se tivesse
desistido de tudo, devolvido a princesa aos seus pais e dado por finalizada, a vingança dela? Não,
ele não seria tolo a esse ponto? Ou seria?
Ele não arriscaria tanto assim. Sabia que se falhasse com ela pessoas inocentes, pessoas que
ele amava, sofreriam um destino terrível. Ele não arriscaria a vida de sua pobre mãe desta forma.
Não era burro, tampouco idiota a ponto de brincar com a própria sorte.
Precisava saber onde ele havia se enfiado, não podia deixar seu maior cúmplice solto mar
afora, ele sabia demais para ficar fora de seu campo de visão.
— Vossa Majestade, há uma visita esperando para vê-la. Ele a aguarda no salão de entrada.
— Quem é, Hanzel? — Hanzel Blount, era uma das criadas da rainha, uma jovem de 23 anos,
bonita e muito atraente, seria facilmente confundida com alguma princesa ou duquesa.
— Não sabemos, Majestade. Não quis se identificar e pela aparência deplorável em que se
encontra, não fui capaz de reconhecê-lo.
Em poucos instantes, Lilliana se encontrou com o tal homem misterioso. Quando se sentou em
seu trono exageradamente assustador e temido, encarou o homem de cabeça baixa enquanto batia
incansavelmente, as unhas falsas no material de ferro.
— Quem é você e o que deseja?
— Não me reconhece, Majestade? Pensei que sentiria minha falta depois de quase dois meses
sem ver a minha face.
— Olha só, finalmente apareceu, Thomas. Achei que estivesse morto.
— Claro, seria muito conveniente se eu estivesse. Afinal, levaria seu segredinho comigo.
Mas não, para sua infelicidade, eu estou muito vivo.
— Não entendo o seu sarcasmo, Blackburn. Queira ser mais claro.
— Não precisamos enrolar. Apenas vim dizer que estou partindo, não pretendo voltar nunca
mais.
— Você não pode simplesmente partir depois de tudo que eu fiz por você.
— Acho que o mais correto seria o que eu fiz por você, Majestade. Eu estou indo embora.
Nunca mais verá a minha cara novamente.
— Não posso deixar você partir. Não com tudo que você sabe! — Sinalizou para dois
guardas pedindo que o segurassem e o impedissem de ir embora.
— Nem pense. — Sinalizou de volta, ordenando que os mesmos parassem. — Eu tenho um
navio partindo amanhã cedo para bem longe daqui, para a casa de um amigo. Ele já foi avisado de
tudo, eu lhe entreguei uma carta dizendo que, se até o meio-dia de amanhã eu não voltar, ele deve
procurar o rei Matthew e lhe entregar aquela carta, onde está descrito os seus crimes. E você pode
ter certeza de que Matthew trará todo o seu exército para cá, e você, com tão poucos homens, seria
arruinada, levada para o extremo fundo do poço. Matthew vingará o que aconteceu com a filha dele,
e não duvide quando eu digo que se eu precisar morrer para que isso aconteça, eu morrerei.
— Não tem medo de que eu faça uma visita a sua pobre e velha mãezinha?
— Me admira que saiba tão pouco sobre seu próprio reino. Na verdade, não, não me admira
nem um pouco, já que nunca se importou. O vilarejo onde minha mãe morava recebeu uma visitinha
da Peste, mais de duzentas vidas perdida, o vilarejo está destruído. Mas a rainha deles está
preocupada com a doce vingança contra um homem, sua esposa e seus filhos. Meus parabéns,
Lilliana, por ser tão vazia a ponto de ser tão… ridiculamente…
— Tão ridiculamente o que, Sr. Blackburn? Vamos, mostre suas garras. Você me acusa por ser
tão falsa, venenosa, mas não vê que somos iguais. Acaba de me ameaçar, e tudo por quê? Por um
crime que você também fez parte! Mas, diferente de você, eu sei que não preciso me importar, pois
não tenho nada a perder, você tem sua honra de bom homem, mas tirou a vida de uma pobre
garotinha. — O encarou com puro ódio nos olhos e o viu coçar aquela barba muito mais comprida
que o normal. Tudo nele estava diferente desde a última vez que se viram. Até os cabelos estavam
mais compridos. — Você a matou, não matou? – Se aproximou dele rapidamente e prensou suas unhas
no pescoço dele. – Diga, Thomas. Você a matou?
— Não. A princesa está segura, bem longe de você, bem longe de casa. Eu cuidei para que
ela não se lembrasse de nada, e você nunca poderá encontrá-la, e nem eu. Não sei onde ela está.
Lilliana o soltou no chão, que caiu um pouco sem ar. Podia ver que a antiga rainha que um dia
lhe deu ordens, queimava de ódio por dentro.
— Isso é um adeus, Lilliana. Espero não vê-la nunca mais em minha frente. — E saiu pela
mesma porta que entrou.
A mulher, louca de ódio, começou a gritar, na esperança de expulsar todo seu rancor, sua
raiva, seu ressentimento. Sempre lhe disseram: se quer que alguém morra, você mesmo tem que
matar. Foi burra ao acreditar que alguém seria leal o suficiente para fazer algo do tipo. Todos a
odiavam.
— MALDITO! — puxou o mais alto dos gritos, do mais profundo de suas entranhas, e o
soltou. Queria trucidar Thomas, mas não podia. Ele a tinha em suas mãos, e ela não podia arriscar
colocar tudo abaixo por conta disso. Precisava ser mais cautelosa. Precisava pensar numa formar de
destruí-lo sem se comprometer com isso. Agora, tinha um novo alvo: Thomas Blackburn.

Vagou e vagou, por horas e horas intermináveis. Thomas havia perdido tudo. Sua mãe, sua
honra, seu emprego, sua dignidade, seu coração. Tudo. Outrora ele fora um bom homem, na época em
que o rei ainda estava vivo e tudo era bom e belo nas Ilhas Gálidas.
Sentia saudades daquela época, em que sabia que tudo ficaria bem. Quando sabia que não
haveria problema que pudesse acabar com a alegria do povoado e da realeza.
Claro que o reino sentia falta de uma figura feminina em quem pudessem confiar e adorar, e o
rei, por sempre ter sido acostumado com a solidão, se apaixonou uma vez, mas a perdeu antes que
pudesse aproveitar a vida ao lado dela, e após isso, não jurou casamento a nenhuma dama, fato este
que preocupava a todos, principalmente a nobreza. O reino precisava de uma rainha. E o rei também.
Quando ela apareceu, dona de uma beleza jamais vista por aqueles arredores do reino, o rei
pareceu se encantar. A moça, na época muito jovem, muito mais jovem que ele inclusive, sempre se
mostrou disposta a ajudá-lo. Todos gostavam dela, era adorada por muitos no castelo, incluindo um
certo chefe da guarda real que se encantou pela rainha em outras maneiras.
Pouco depois que sua esposa faleceu, o velho e cansado homem, resolveu se casar logo com
essa nova dama, fora uma surpresa para todos, pois foi repentino, para garantir um futuro ao seu
reino, lhe concedeu todos os direitos de rainha soberana, ou seja, quando o rei morresse, tudo que ele
tinha, pertenceria a ela. Ela armou para que fosse assim, para não ter nenhum problema com
herdeiros de sangue dele.
Todos tinham muita fé que ela seria boa. Contudo, quando a doença do rei se agravou e ele
viera a falecer tão rápido quando a velocidade de uma lebre fugindo de um predador, tudo mudou.
Ela mudou tudo no palácio, este que antes era decorado de maneira alegre e por cores claras,
agora possuía um tom fúnebre, como se representasse a própria morte. O reino que antes era
extremamente pacífico para com suas fronteiras com outros reinos, começou a criar inimigos, e
guerras começaram a se fazer frequentes. Ninguém entendia como isso acontecera, mas aconteceu.
Thomas, que sempre fora apaixonado pela rainha, viu seu amor se esvair, e mesmo após ter
conseguido aproveitar um pouco do que tinham a oferecer um ao outro, começou a sentir nojo das
atitudes dela. Passou a expressar-se com sarcasmo, ironia. O que antes eram conversas longas e
intermináveis com uma bela partida de xadrez e sexo aos finais de tarde, passou a ser troca de
poucas palavras e nada mais que isso.
Às vezes, o amor e o ódio caminham juntos, e aquilo que um dia foi arco-íris, de repente se
torna cinzas. As flores murcham e morrem, assim como o amor não correspondido. E ele nunca fora
correspondido, ela nunca o amou. Ela nunca amou ninguém, talvez nem a ela mesma. E isso, o fazia
sentir pena dela.
Agora, se encontrava em uma das situações mais difíceis de sua vida, não sabia como seria
dali por diante. Há muito não tinha um encontro cara a cara com as trevas, mas sabia que se alguém
arrancasse seu coração ainda conseguiria sentir o peso do seu pecado, e sentiriam por muitos anos,
pois isso não podia simplesmente se apagar.
Thomas sabia que Lilliana destruiria seu amado reino em questão de pouco tempo. Ele sabia
que o reino merecia uma rainha digna, que se importasse, e ele sabia, exatamente, quem deveria ser.
Mas, todo o reino ignorava sua existência.
— Está pensando muito alto. — A voz diabólica se fez presente e Thomas se assustou, já
tomando sua posição de guarda e tirando sua espada para a defesa. Até que se lembrou que não tinha
mais seu uniforme de guarda e nem sua espada. — Sentindo falta da espada? Eu sei, velhos hábitos
nunca morrem.
— O que você quer? Veio cobrar a minha dívida? Me levar para o inferno?
— Não. Te encontrarei lá embaixo uma hora ou outra, não fique ansioso. Eu vim apenas, você
sabe, me alimentar da sua inglória. Você perdeu tudo, Sr. Blackburn. Seu emprego, sua casa, sua
dignidade… sua mãezinha.
— Não ouse falar da minha mãe, infeliz!
— Sabe, eu causei certo caos àquela vila por um tempo, mas me cansei, não tinha nada de
interessante, sua rainha já tinha feito tanto estrago por lá que eu tudo que eu fazia parecia não afetar
ninguém, então vim para cá.
— Você é uma psicopata.
— Não, querido. Eu fui forjada nas profundezas da escuridão. E é isso que a obscuridade faz
com você, toma conta do seu coração até que seja inteiramente escuro e sombrio, você perde o
controle das coisas se não for cauteloso. Uma vez que você gosta delas, não tem mais volta. E eu
nunca tive a opção de dizer não a elas, e se tivesse, não teria dito. — Gargalhou.
Thomas se sentiu ferver por dentro. E se tudo aquilo que o demônio disse acontecesse com
ele? E se as trevas tomassem conta do seu ser? E se… ele nunca mais conseguisse se redimir?
— Eu vou embora, Thomas Blackburn. Voltaremos a nos ver em breve. — E desapareceu
magicamente, sem deixar rastros.

A cada sol que se punha e a cada novo que nascia, a dor da perda ia consumindo tudo ao
redor do palácio. Ela já não sorria mais, estava sempre triste e com uma expressão péssima no rosto.
Ele se sentia impotente diante a situação, não conseguira salvar sua filha, agora não conseguia salvar
a esposa.
Todas as noites eram mal dormidas, Alycia não dormia por mais de uma hora inteira, sempre
despertava com o mesmo pesadelo. Via sangue, ouvia os gritos de sua princesinha, mas não a via em
lugar nenhum, era como um fantasma atormentando sua mente.
Na noite anterior teve o pior de todos até agora.
Ela estava no jardim, brincando com a filha, como sempre costumava fazer, Annabella
gritava: “Mamãe, aqui!”, e Alycia corria atrás dela. Porém, quando chegava perto dela, Annabella
sumia.
Em algum momento, quando, finalmente, conseguiu chegar perto dela, o suficiente para tocá-
la, sua mão atravessou direto o corpo da filha, como se fosse apenas uma ilusão, um fantasma. E, de
repente, o corpo da filha se desfez na sua frente, e sumiu com o vento, e tudo que restou para Alycia
foi gritar seu nome, mas não adiantou, ela não voltava. Foi o pior dos pesadelos, porque ela
conseguiu chegar pertinho da filha, mas não em tempo suficiente para salvá-la.
Ela acordou assustada e gritando, e quando se viu na escuridão do quarto, abraçou o joelhos e
se pôs a chorar. Matthew acordou com o grito, e até conseguir enxergar o que estava acontecendo, ela
já estava com mais lágrimas nos olhos do que ele jamais gostaria de ver. Sabia o que era, então logo
tratou de puxá-la para um abraço.
— Calma, meu amor, já passou. Eu estou aqui. — Acariciou os cabelos dela, beijando o topo
da cabeça como forma de proteção.
— Ela estava lá... Eu cheguei tão perto dela...
— Eu estou aqui, meu amor. Eu estou bem aqui — sussurrou, tentando acalmá-la.
— Eu não sei quanto tempo mais vou suportar esses pesadelos, Matthew, não sei quanto
tempo mais vou aguentar abrir os olhos e perceber que a nossa filha não está aqui. É uma tortura que
não tem prazo para acabar.
Ela o abraçou mais forte.
— Eu queria poder tirar toda essa dor de você, meu amor, eu juro, me sinto impotente de te
ver assim e não poder fazer nada para acabar com isso, de não poder ser capaz de trazer a nossa filha
de volta.
Ela sabia o quão mal ele estava, e o tanto que ele reprimia por ser o rei e ter que segurar a
sua dor para si para conseguir reger um reino.
— Infelizmente, a única coisa que posso fazer é estar aqui com você. Queria poder fazer
mais, mas não consigo, e sinto muito por isso, Alycia.
— Só continue aqui comigo — pediu, com a voz baixa.
— Eu estou aqui. Sempre.
Ele repetiu essas palavras por quase meia hora ao decorrer da noite, até que o choro cessou e
ele percebeu que ela havia dormido. Se deitou com ela nos braços, e a deixou ali, descansando sobre
seu peito, com uma expressão quase tranquila no rosto adormecido, e torceu para que ela não tivesse
mais nenhum pesadelo naquela noite, mesmo sabendo que era algo impossível.
Era impossível porque, durante o dia, aquele pesadelo não acabava. Não era algo que os
atormentava somente no momento de inconsciência do sono, mas durante os momentos em que
estavam acordados, também. Era uma tortura que não acabava.
Os dias, que antes eram coloridos e alegres, passaram a ser cinzas e sombrios. Tudo parecia
estar perdido. E, de fato, estava.
Ninguém conseguia animá-la. Seu marido tentava, incansavelmente, mas não conseguia. Nem
mesmo seu pai, que desde menina, conseguia fazê-la sorrir nos piores momentos, havia obtido
sucesso. Mas eles entendiam, como fazer uma mãe que perdeu a filha se sentir feliz novamente?
— Minha amiga, você precisa levantar-se dessa cama! — Grace tentava, infinitamente,
animar um pouco a rainha.
— Eu não quero, Grace.
— Faça isso por Annabella, ela não iria querer ver a mãe, que tanto era alegre, desse jeito.
Eu entendo como você se sente, de verdade, mas você precisa lutar se ninguém está lutando. Você
acredita que ela está viva, então por que você mesma não busca por uma forma de encontrá-la e
trazê-la de volta para casa?
— As buscas já foram encerradas, Grace. Desde que encontramos o vestido que ela usava no
dia todo ensanguentado e rasgado. Annabella não pode ser encontrada, assim como eu não posso
mais encontrar-me aqui dentro. Matthew tenta, incansavelmente, me fazer sorrir, mas eu não consigo.
Eu estou sendo um fardo para ele.
— Não diga isso. Matthew te ama.
— E eu o amo, mas a minha dor, a cruz que eu carrego é algo que não pode ficar entre nós.
Ele está tendo de usar uma máscara para esconder seus verdadeiros sentimentos perante a corte ou
qualquer outra pessoa, mas apenas eu sei que todas as noites, no horário em que costumávamos
colocá-la na cama, ele vai ao quarto dela, arruma os travesseiros e os cobertores e fica admirando o
vazio existencial. Eu sei que todas as noites ele dorme muito mal, e sabe por quê? Porque eu não
consigo dormir. Eu tenho pesadelos constantes e ele vêm sendo obrigado a me acalmar todas as
malditas noites nos últimos meses. — Fez uma pausa para respirar, as lágrimas já estavam
acumuladas em seus olhos. — Já se faz três meses desde o desaparecimento, e nós não nos tocamos
como marido e mulher nenhuma vez desde então, e ele sente falta disso, eu sei, mesmo que ele não
fale.
— E, se me permite perguntar, por que estão evitando o contato?
— Nós não conseguimos nos abrir a isso, é tão difícil. E eu não tenho facilitado, toda vez que
eu vejo a possibilidade de avançarmos, dou um jeito de impedir. Eu não me sinto bem para isso, não
acho certo eu estar, de certa forma, comemorando o amor quando tudo que eu sinto no fundo do meu
âmago é tristeza. E Matthew sente isso, eu sei. Se continuarmos assim, eu sinto que nosso casamento
pode não durar muito tempo. E não digo apenas por isso — olhou para a cama —, mas todo resto.
— Não diga isso, Alycia! O que você e Matthew tem vai além de qualquer coisa já existente,
e eu o conheço bem o suficiente para saber que ele jamais deixaria que esse casamento acabasse por
algo que não é culpa de nenhum dos dois. — Segurou a mão da amiga. — Olhe, eu vou te dizer algo
que quero que pense sobre. Eu entendo a sua dor, sei como deve ser difícil perder um filho, ainda
mais quando a conexão existente é absurdamente grande. Mas, você não pode deixar de viver. A dor
e a saudade que Annabella deixou, irá sempre estar presente nas nossas vidas, mas pense se sua filha
iria querer você assim, onde quer que ela esteja, viva ou não, uma parte dela estará sempre com
você. Tente lembrar dos bons momentos juntas, como da vez em que vocês duas jogaram Matthew no
lago atrás do castelo e ele perseguiu vocês totalmente encharcado. Ou da vez em que Annie invadiu a
cozinha e roubou o pote de chocolate e se lambuzou inteira.
— Ou da vez em que ela nos trouxe o passarinho que havia encontrado no jardim com a asa
quebrada e nós a ajudamos a cuidar dele — relembrou a rainha, não conseguindo conter um curto
sorriso ao lembrar daquele dia.
— Procure cultivar esses momentos, lembrar apenas das coisas boas. Mas não se limite com
o seu marido, pois isso acabará os afastando. E vocês precisam ficar juntos, agora mais do que
nunca.
— Tem mais um motivo pelo qual eu tenho evitado qualquer tipo de contato mais profundo.
— E qual é?
— Eu não quero engravidar outra vez — confessou. Aquela mesma história de antes.
Contudo, a diferença era que antes queria poder aproveitar mais sua família, seus filhos, antes que
esses crescessem, e agora, não queria um novo filho pois sentia que assim estaria substituindo
Annabella, e ninguém ocuparia o lugar de sua filha, esta posição seria sempre dela. — Eu não quero
viver de novo esses momentos, não quero um novo filho, eu quero a Annabella!
— Ninguém nunca irá substituí-la, e você sabe que há meios de evitar que isso aconteça. Se
você não quer engravidar novamente, apenas tome conta para que isso não aconteça.
— Eu sei, mas…
— Pense sobre isso, Alycia. Você pode escolher entre tentar viver, mesmo que a dor da perda
sempre esteja presente, ou apenas sobreviver e deixar que isso te consuma dia e noite, e te tire não
apenas a sua filha, mas também seu filho, Nick, e seu marido.
A dama beijou a testa da rainha e se retirou, deixando-a descansar. A rainha tentou, de várias
formas, absorver o que a amiga a havia aconselhado. Era muito para se assimilar, e muito mais para
suportar.
Por dentro, se encontrava em mil pedaços. Por fora, em um estado deplorável. A vaidade que
sempre tivera deixou de existir, abrindo lugar para os olhos inchados e as olheiras bem-marcadas em
seu rosto, fato que se devia a falta de sono.
Tentou descansar e, quando voltou a sentir a mesma sensação de todas as noites, desistiu.
Caminhou até seu banheiro e preparou um banho. Poderia te chamado alguma criada, mas não queria
que ninguém a visse naquele estado. Despiu-se e entrou na grande e funda banheira redonda. A
espuma cobria a visão do seu corpo, deixando apenas a vista de seus ombros para cima. Fechou os
olhos e se concentrou nas boas lembranças.
Via tudo que sempre a trouxe tanta alegria. O nascimento de seus filhos, seu casamento com
Matthew, sua lua de mel e, claro, todas as aventuras que passou ao lado de sua família. Era a essas
memórias que deveria se agarrar, e tentaria fazer isso até o fim de seus dias.

— Como foi seu dia? — questionou ao marido, tentando puxar assunto.


— Nada muito diferente dos outros, uma reunião aqui, outra ali. Você sabe. — Sorriu
brevemente. — E o seu? — Se aproximou dela, tocando seu rosto ruborizado, acariciando as
bochechas.
— Nada muito diferente dos últimos. Conversei bastante com Grace, tomei um banho bem
longo, fiquei um tempo com Nicholas, e agora estou aqui.
— Que bom, meu amor. — Selou os lábios rapidamente. Terminou de tirar suas roupas e
vestiu as suas de dormir. Como o calor se fazia presente, ficou apenas de calça, sem camisa.
Ele se sentou na cama e ajeitou o lado dela para dormirem. Ou, pelo menos, tentarem.
— Não vem se deitar?
— Vou… — Se aproximou. — É… Matthew?
— O que foi, amor?
— Podemos conversar?
— Claro. Vem cá — a chamou para sentar-se ao seu lado na cama, e assim ela o fez. Se
acomodou e uma de suas mãos tocaram a perna esticada do marido. — O que quer conversar?
— Matthew… você está bem?
— Como assim, querida?
— Você sabe o que eu quero dizer. Você está bem com a situação? Comigo?
— Com você?
— Sim, Matthew. Eu não tenho sido a mesma, isso já há algum tempo. Desde o
desaparecimento de Annabella, eu tenho estado distante, de você, de Nicholas, até mesmo de Grace.
Eu não me sinto mais eu mesma, e eu sei que todos estamos sofrendo com isso, e talvez seja egoísmo
da minha parte, mas eu sei que estou sendo um fardo para você e…
— Pare, Alycia! — a interrompeu, antes que dissesse mais alguma bobagem. — Você não é
um fardo para mim, nunca foi e nunca será. A situação está complicada, eu sei, mas o que existe entre
nós não é apenas obrigação ou um mero laço matrimonial. É amor. Eu te amo com cada célula do meu
ser, e apesar de tudo, eu nunca vou deixar de te amar. Quando nos casamos, juramos perante Deus
sempre permanecemos unidos independente da situação, e eu pretendo cumprir a minha palavra. —
Ela apertou a mão dele em sinal de afeto.
— Eu sei que não tenho cumprido com algumas obrigações matrimoniais, sei que tenho estado
em falta com você em muitos aspectos, e eu quero te recompensar, Matthew!
— Eu já estou recompensado por você estar aqui comigo do meu lado todos os dias. Eu não
preciso de mais nada. Eu sinto falta de algumas coisas, não irei negar, mas eu não vou forçar nada.
Eu vou esperar por você, assim como eu também vou esperar pelo meu tempo, eu não consigo pensar
em nada disso no momento.
As palavras, apesar de calmas, continham um grande pesar. E Alycia sentiu isso. Matthew
escondia algo, e ela não podia deixar que ele passasse por isso sozinho. Ele estava sempre ali por
ela, e ela faria o mesmo por ele.
— O que foi?
— Como assim?
— Você está me escondendo algo.
— Não estou escondendo nada, querida. São apenas… — Ela arqueou a sobrancelha e cruzou
os braços. — Não me olha assim, parece que está lendo a minha mente.
— E talvez eu esteja!
— Tudo bem. Eu tenho tentado esconder alguns sentimentos, mas eu não consigo. Eu me sinto
partido por dentro, todo lugar que eu olho dentro deste castelo, cada corredor que eu passo, toda vez
que eu entro no quarto dela, eu a vejo. A vejo correndo, brincando, sorrindo… eu a vejo por toda
parte. Ela é tudo para mim, Alycia, assim como eu amo você, eu a amo, e sempre amarei. Eu me sinto
tão impotente.
Se entregou ao choro e foi acolhido pela esposa, que o deitou em seu colo, acariciando os
cabelos. Era a primeira vez que o via chorar em sua frente mediante a tudo que aconteceu. Matthew
sempre tentava esconder o que sentia em relação a tudo, segurava as lágrimas e procurava não
demonstrar na frente de ninguém. Mas ali, com ela, tudo era diferente.
— Chore, meu bem. Chore. Eu estou aqui. Estarei sempre aqui. Eu sei o quanto você sente
falta dela, e eu também sinto, a falta que ela faz é imensurável. Mas temos que ser fortes, por ela e
por nosso filho, tudo bem? Não podemos permitir que isso o afete de forma alguma. Vamos protegê-
lo, estaremos sempre ali por ele. Sempre.
— Enfrentaremos isso juntos?
— Juntos.
9. Uma Decisão a Tomar

Aos três anos de idade, Nicholas não entendia muita coisa, e por ser tão inocente e até
mesmo, introspectivo, evitava falar muito. Sempre fora assim, diferente dos pais ou da própria irmã,
que eram alegres e vibrantes, o garotinho era sempre fechado, calado, tímido.
Entretanto, nas últimas semanas, as coisas pareciam ter mudado. O jovem príncipe não estava
mais calado, pelo contrário, falava o tempo todo, parecia uma outra pessoa. E às vezes, tocava em
assuntos delicados e, por vários motivos, sem resposta.
— Grace! — exclamou, sorridente quando a viu entrar no quarto. — Mamãe? — chamou por
ela quando não a viu também.
— Oi, meu amorzinho! — O beijou diversas vezes no rosto e o girou no ar. — Sua mamãe
está ocupada, Nick, por isso não está aqui.
Nas últimas semanas, Alycia tinha estado distante demais como todos já haviam percebido.
Apesar de ter começado a sair um pouco do quarto, ainda passava muito tempo escondida, olhando
para os céus na sua sacada do quarto e pedindo a Deus, a todos os deuses que existiram ou ainda
iriam existir para que trouxessem sua filha de volta. Mas era em vão.
Nicholas pouco a via, nos almoços ela raramente comparecia, preferia comer no quarto, e no
jantar, ia praticamente contra a própria vontade, forçada por Matthew e por Grace que não
permitiriam que ela caísse doente e fraca. Durante a noite, ela apenas passava para lhe dar um beijo
e logo se retirava. Não lhe contava mais histórias para dormir como costumava fazer.
Via mais ao seu pai, que sempre procurava saber como o filho estava.
— Mamãe! — dizia como se a chamasse, como se dissesse que queria vê-la.
— Vamos fazer o seguinte, vamos para o jardim brincar com o tio Andrew e quando sua mãe
acabar o que está fazendo, eu te levo até ela. Tudo bem?
Ele afirmou feliz, finalmente veria a mãe. De repente, descuidadamente, soltou algumas
palavras que não eram nada agradáveis. Pelo contrário, eram totalmente melancólicas e fúnebres.
— Annie cadê? — Há semanas ele vinha perguntando pela irmã, e sempre que tocava no seu
nome, via lágrimas nos olhos daqueles ao seu redor.
— Meu amor, vem cá com a titia Grace. — Se sentou na cama dele e o colocou em seu colo.
— A Annie foi fazer uma viagem muito, muito longa. Ela vai ficar muito tempo fora.
— Grace, por que tá cholando?
— Não estou não, meu amor. É que eu estou morrendo de saudade da Annie, e não vejo a hora
dela voltar, está bem? É apenas isso. Sua mãe está muito chateada por ter de se separar dela, e por
isso está tão isolada, então, se pudermos não falar da Annabella perto dela seria melhor? Consegue
fazer isso?
— Sim! — respondeu, rapidamente.
Ele não entendia ainda e Grace não podia simplesmente contar tudo, seria uma crueldade e
mesmo que quisesse, não poderia, todos no castelo estavam proibidos de falar qualquer coisa para
Nicholas sobre Annabella.
Enquanto isso, no outro lado do castelo, mais precisamente, no escritório, Matthew estava
reunido com alguns bons aliados, que tentavam chegar a algum consenso. Já havia quatro meses
desde o ocorrido, e o povo ainda não sabia de nada. Precisavam avisá-los abertamente sobre o que
acontecia.
— O que acha, Majestade? Mandamos o grão-duque até a praça central para comunicar a
todos?
— Eu vou avaliar suas ideias com a rainha e voltarei em breve com a minha resposta.
— Com licença, Majestade. — Todos se retiraram e deixaram o rei sozinho. Quando se viu
ali, sem mais ninguém por perto, surtou. Jogou tudo que estava em sua mesa no chão e
consequentemente causou um barulho estrondoso.
Alycia, que passava pelo corredor à procura do marido depois de passar o dia todo trancada
no quarto, atravessou rapidamente a porta do escritório ao escutar o que viera lá de dentro e resolveu
ver o que acontecera.
— Matthew! — Correu até ele ao ver que o mesmo chorava. — O que houve, meu amor? —
Ele se agarrou a cintura dela e escondeu seu rosto em seu colo. Ela passou a mão pelo rosto dele com
carinho, tentando acalmá-lo. — Meu bem, fala comigo, por favor. O que aconteceu para você estar
assim?
— Eu não aguento mais, Alycia. Não aguento mais!
— São os nobres outra vez, não são?
Uma mente brilhante uma vez disse: Ser rei e usar uma coroa é muito fácil aos olhos daqueles
que vêm, mas muito mais pesado para os que tem de carregar. Essa frase nunca fez tanto sentido
como agora.
— Quer que eu peça para trazerem um chá para você se acalmar? — Ele não respondeu, mas
Alycia resolveu atender assim mesmo. Chamou uma das criadas no corredor e pediu que esta
preparasse um chá o mais rápido possível para o rei, que não se sentia bem.
— Eles querem que anunciemos ao reino o que aconteceu. Eu… eu não sei se estou pronto
para aceitar os fatos. Tudo, todas as investigações falhas, as evidências encontradas, tudo nos leva a
crer que o pior aconteceu. Mas…
— Eu sei, eu sei, eu também não quero acreditar nisso. Eu conversei com Grace recentemente
e ela me deu alguns conselhos que me ajudaram e muito. Por causa disso eu estou conseguindo, aos
poucos, sair do quarto, vou ao jardim cuidar das flores favoritas da nossa filha, da nossa árvore,
organizo os brinquedos dela no quarto, isso me conforta. De certa forma, eu me sinto perto dela, sinto
a sua presença.
— E o que a Grace disse a você?
— Me aconselhou a me apegar às coisas boas que Annabella nos trouxe desde o momento de
sua chegada. Apenas lembrar dos bons momentos. Nós nunca iremos esquecê-la, e onde quer que ela
esteja agora, com certeza, está cuidando de nós. Ela não iria querer nos ver desse jeito, iria querer
nos ver felizes, igual ela sempre dizia: Se mamãe e papai estão felizes, Annie está feliz também. —
Riu ao lembrar da vozinha e do jeitinho de falar da princesa.
As palavras saíram mais leves do que a rainha sequer pensou que poderiam sair. Há dois dias
preferia desacreditar disso que acabara de dizer. Mas, agora, tinha tomado consciência de que,
acontecesse o que fosse, precisava rezar por sua filha, que ela encontrasse luz, onde quer que
estivesse.
Se estivesse morta, que pudesse descansar em paz em meio aos anjos no céu, e que sempre
olhasse por eles, cuidasse deles. E se, com a graça divina, estivesse viva, que fosse feliz e
encontrasse o caminho para a casa.
— Eu nunca vou me esquecer do dia em que eu a vi pela primeira vez, tão pequenina, tão
frágil, tão necessitada de mim. Quando ela disse as primeiras palavras: “Papa”. Lembro como se
fosse ontem, ela no seu colo, com oito meses, eu entrei no quarto, ela me viu e gritou se jogando pra
mim. Por dois meses foi tudo que ela soube falar, até que ela finalmente se rendeu e disse “mama”,
no mesmo instante em que deu os primeiros passinhos na sua direção. — Se rendeu às lágrimas. — A
falta dela está me matando.
— A mim também.
A mulher acariciou o rosto dele e o ergueu. Sorriu, enxugou as lágrimas do marido e disse:
— O que você quer fazer?
— Vamos comunicar o reino, mandarei o oficial até a praça avisar a todos que se encontrem
em frente à torre leste, e mandaremos fazer um mural da nossa família bem no centro da aldeia, para
que todos sempre se lembrem dela. Você concorda?
— Eu acho uma ótima ideia. Todos se lembrarão dela, assim como nós.

As semanas que passaram na pequena casa na aldeia do reino do rei Edward, também foram
produtivas. Dahlia e Annabella estavam cada vez mais próximas, se familiarizaram uma com a outra.
A desculpa de que a menina era sua sobrinha havia sido aceita pela maioria, mas uma
pequena parcela da aldeia ainda tinha suas dúvidas, e claro, surgiam comentários. Por isso, Dahlia
tentava manter a criança afastada dessas pessoas, não queria que ela se sentisse pior do que já estava
por não saber nada sobre si mesma.
Claro que sempre procurava saber mais sobre ela, mas era em vão. Era como se tivesse
surgido do chão e não tivesse nenhuma história. Ah, se soubesse que escondia em sua casa sã e
salva a princesa perdida do reino vizinho.
Dahlia, que a esse horário voltava do trabalho que havia conseguido há três meses, encontrou
Annabella praticando a leitura no quarto. Desde que chegou, mostrou grande aptidão por leitura e
escrita. Para uma criança, tinha uma caligrafia impecável e lia maravilhosamente bem. Era como se
tivesse recebido a vida inteira, uma educação da melhor qualidade. Seus pais deviam ser muito
ricos, provavelmente.
A pequena cantarolava alguma coisa, que logo pode perceber que era uma música.
— O que está cantando, Annie?
— Hm? Ah, nada. Apenas comecei a cantar. Não sei o que é.
— Será que é alguma música que seus pais cantavam para você?
— Não sei, acho que não. Eu devo ter ouvido alguém na vila cantando. Olha o que eu aprendi
hoje na escola!
Há cerca de dois meses, Dahlia matriculou Annabella na escola local. Era um lugar pequeno,
mas a educação era excelente. Se tinha algo que o rei Edward se orgulhava, essa coisa era a
educação dada aos jovens do seu reino. Independente da classe que vinham, receberiam
ensinamentos capazes de levá-los a grandes lugares.
A menina abriu o caderno e mostrou àquela que agora seria sua tutora, sua cuidadora, sua mãe
até que o destino permitisse. Nele estava escrito várias vezes o nome dela.
— Annie, isso é lindo! — Se encantou com emoção ao papel. — Por que você escreveu meu
nome?
— A professora pediu pra escrever várias vezes o nome da pessoa que a gente mais gostava.
Na mesma hora Dahlia abraçou a menina, se emocionando.
— Eu te amo, princesa. Não importa o que digam, seja o que for, você agora é minha filha, e
eu vou cuidar de você, eu prometo. Seja da maneira como for, o destino nos uniu, e nós vamos ficar
unidas até o fim, ou enquanto formos permitidas!
— Eu também te amo, Dahlia!
Há quem diga que amores podem vir de qualquer lugar, seja do berço ou até mesmo de
repente, e esse era o caso. A história que começou com apenas uma jovem tentando ajudar uma
desmemoriada e perdida criança, acabou se tornando algo muito maior, um laço infinito de carinho.
De um dia para o outro, não estavam mais sozinhas, descobriram uma na outra que a vida
podia surpreender até mesmo a mais prejudicadas almas, e aquela era a segunda chance delas, e
viveriam assim até quando fosse possível, se esta fosse a vontade dos céus, para sempre.

— Você acha que eu tomei a decisão certa?


— Sim, meu amor. É a princesa deles, o povo merece saber a verdade. Talvez, seja melhor,
quanto mais pessoas souberem a respeito do… — A rainha travou ao perceber o que diria,
mencionar tais palavras ainda doíam no fundo de seu âmago, uma dor incurável era sentida toda vez
que o nome da filha era mencionado. — Do desaparecimento de nossa filha, a probabilidade de a
encontrarmos é maior.
— Majestades, estão aguardando por vocês na frente da torre leste — anunciou um dos
guardas.
— Vamos? — ela indagou, estendendo a mão para ele, que a agarrou, entrelaçando os dedos.
— Vamos.
Os monarcas caminharam pelo grande corredor que levava até a ala leste, onde se encontrava
a torre em que fariam o pronunciamento. As mãos entrelaçadas suavam, e não era por conta do clima
caloroso que fazia em decorrência do verão que chegava ao fim, era devido ao nervosismo que se
encontravam, uma vez que sabiam que a partir do momento em que contassem ao povo o que
ocorrera, estariam aceitando a verdade inegável — ou que os fatos mostrados o levavam a acreditar
que assim era.
Assim que pararam atrás das cortinas de cor roxa, ouviram a voz de lorde Jones soar, era
bom saber que os amigos estavam ali para apoiá-los.
— Vossas Majestades, o rei Matthew e a rainha Alycia Hale.
Os monarcas atravessaram a passagem e logo encontraram os cidadãos do reino situados bem
em frente ao palácio. Eram muitos.
De repente, o medo veio à tona, e em outras circunstâncias como, por exemplo, se aquilo não
fosse um assunto real e que envolvesse a tantas pessoas, o casal retornaria para o quarto e se
afundariam no silêncio eterno. Mas claro, sendo quem eram, a ocultação não era uma opção.
— É com muito pesar que nós, todos da família real e amigos, trazemos notícias nem um
pouco agradáveis de serem ditas, quanto mais de serem ouvidas. Tentamos resolver isso em
confidencial, mas não obtivemos sucesso. Na noite do baile real, em comemoração ao aniversário da
princesa Annabella, algumas coisas aconteceram, acontecimentos que muitos de vocês presenciaram.
Inimigos invadiram o palácio naquela fatídica noite, muitos morreram e alguns que foram capturados
se envenenaram nos calabouços para esconder a verdade. Apenas um deles escapou para fora dos
portões reais, e junto dele, levou a princesa Annabella. Nós não sabemos se ela está apenas
desaparecida ou… — A voz do rei travou e lágrimas escorreram de seus olhos. Sua esposa segurou
as suas próprias e tratou de secar as do marido, não suportava vê-lo chorar.
— Qualquer pessoa que tenha visto ou ouvido qualquer sussurro sobre qualquer criança
desaparecida, nessas terras ou em vizinhas, procure imediatamente por qualquer um de nós do
palácio, toda ajuda, por mínima que seja, pode nos levar até nossa princesa! — Andrew tomou a
liberdade de intervir no discurso, sabia que nem Matthew ou Alycia seriam capazes de prosseguir.
Logo em seguida, os monarcas se retiraram e foram seguidos pelo chanceler e por Grace.
A moça loira pediu ao marido que buscasse Nicholas e levasse-o ao quarto dos pais. Naquele
momento mais do que nunca, o casal precisava sentir novamente o amor parental, e para isso,
precisavam do filho.
No instante em que entraram no aposento tão silencioso — como já era há meses — sentiram
algo diferente, um sentimento que não sentiam há semanas: livramento de culpa. Enfim, haviam
parado de se culpar, depois de conseguirem finalmente contar a todos o que havia acontecido com a
filha meses atrás, sentiram-se menos culpados, uma vez que agora, o tormento dentro do peito havia
sido expelido e, embora quisessem manter acesa a chama da esperança, sabiam que o melhor a se
fazer era pedir para que Annabella estivesse protegida e cercada de luz, e que se alguém estivesse
com ela, que ao menos cuidasse bem da pequena.
Foram poucos segundos que se passaram, mas pareceram horas na mente dos dois, cada
segundo levava minutos para passar, e cada minuto levava horas. A consciência se tornou presente
novamente quando a porta foi aberta mostrando um príncipe bem agitado nos braços do tio.
— Obrigado, meu amigo — agradeceu Matthew, e logo pegou o filho nos braços.
— Se precisarem de algo, não hesitem em chamar. — O homem saiu e deixou os monarcas
sozinhos com a criança.
— Mamãe! — chamou Nicholas, esticando os bracinhos para a mãe. Alycia estava um pouco
hesitante em pegá-lo, tinha medo de não segurá-lo forte o suficiente, de não ser capaz de segurar sua
mão quando precisasse e perdê-lo como perdeu a irmã. Nicholas, por outro lado, não entendia nada
do que acontecia, apenas sabia que sentia falta da mãe, com quem costumava passar horas e horas de
seu dia, e de repente passou a vê-la por poucas horas em um mês.
— Alycia… — Matthew a olhou com dúvida, ao mesmo tempo que pedia a ela que atendesse
ao pedido do filho. — Amor… ele não tem culpa…
Ela suspirou uma, duas, três vezes e assentiu, se aproximou e esticou os braços para a
criança, deixando que este se ajeitasse em seu colo e a abraçasse como quisesse. Nick abraçou o
pescoço da mãe, deitando a cabecinha em cima do ombro e, na mesma hora, Alycia sentiu um
conforto enorme, uma paz inexplicável, algo que não sentia há muito tempo.
No mesmo instante, seu coração se encheu de amor.
— Ah, meu amor, desculpa se a mamãe esteve longe de você nos últimos tempos, mas eu
nunca vou deixar de te amar, meu pequeno príncipe. Nunca. Eu senti sua falta, assim como sempre
irei sentir falta da… — Sem conseguir segurar mais as lágrimas que vinha segurando há algum
tempo, as deixou cair enquanto apertava mais o filho em seus braços.
Matthew, vendo a esposa naquele jeito, a confortou da mesma forma que ela havia feito mais
cedo no discurso, se aproximou, enxugou suas lágrimas — mesmo que não fosse possível fazê-la
parar seu choro — e a abraçou, se entregando àquele momento, se permitindo chorar também.
Ficaram naquele silêncio por longos minutos, apenas vivenciando o que tanto precisavam: o
amor. Matthew os levou até a cama, arrumou uns travesseiros e ajudou Alycia a sentar sem precisar
soltar o filho. Ela se acomodou e recostou as costas nos travesseiros macios e confortáveis, enquanto
ainda segurava firmemente e com proteção o filho caçula nos braços.
Quando o rei se sentou ao seu lado, puxou o corpo de Alycia para si, e a deitou em seu peito,
deixando-a ficar ali, também precisava dela para acalentar sem coração aflito e partido. Precisavam
um do outro.
Logo, Alycia percebeu que Nicholas havia dormido — o que provavelmente já estava
fazendo há alguns minutos —, então ajeitou alguns travesseiros e deitou o pequeno na cama,
deixando-o entre ela e Matthew, e ficaram apenas apreciando o sono sereno e profundo da criança.
— Acho melhor nós descansarmos também, o dia foi exaustivo — apontou a rainha.
— Tem razão. Vamos descansar até a hora do jantar para, pelo menos, estarmos aptos a
participar disso. Eu vou fechar as cortinas para a luz não atrapalhar. — O rei se levantou e fez o que
dissera, retornando logo para a cama e se deitando na posição em que estava anteriormente. —
Obrigado, Alycia.
— Pelo que, amor?
— Por ainda estar aqui. Por ter aguentado todas as minhas quedas e faltas com você até hoje,
e não só desde que perdemos nossa filha, mas desde o início do nosso casamento, se algum dia eu
não fui o marido que você merece, eu peço perdão, e ainda assim, agradeço por estar aqui.
— Eu sei que não tem sido fácil, mas você sempre foi o melhor marido para mim, e eu sei
que vamos superar isso juntos, com o tempo a dor vira saudade e os bons momentos ficam para nos
alegrar, certo? Ou, pelo menos, me contaram assim.
— Está certa, meu amor. Nós ainda temos a ele, e vamos protegê-lo contra tudo, ninguém vai
nos ferir nunca mais. Eu juro a você que cuidarei e zelarei pela segurança de vocês acima de tudo. Eu
não vou perder vocês também!
— E você não vai. Eu prometo!
Embora os dias nunca mais fossem ser como foram outrora, e mesmo que a tristeza agora
fosse sempre fazer parte de suas vidas, enquanto tivessem a família unida, poderiam ter o mínimo que
fosse de felicidade.
10. Feliz Aniversário

Mais uma vez, como acontecia todos os anos, a neve nos galhos das árvores começava a
sumir de pouco em pouco, abrindo espaço para as lindas e coloridas flores e suas folhas. Isso
significava apenas uma coisa: a primavera estava dando seus primeiros sinais.
Muitos dizem que o tempo é um inimigo, e pode ser para alguns. Mas para elas não, o tempo
era um amigo. Um amigo muito íntimo. Há um ano, aquela jovem solitária encontrava essa pobre
garotinha machucada e desmemoriada na porta de sua casa, e agora, doze meses depois, eram uma
família, pequena e incompleta, mas uma família.
Nesse ano que se passou, Dahlia jamais teve notícias sobre quem poderia ser a mãe ou pai,
ou até mesmo o irmão da jovem garotinha, e, depois de alguns meses, deixou de procurar. Ela ouviu
notícias sobre crianças desaparecidas, claro, mas checou os precedentes e não tinham relação. Era
como se ela não fosse dali, mas se não era, então de onde ela teria vindo? Dahlia sabia que ela tinha
uma origem, e sabia que um dia sua família verdadeira apareceria, e se acaso aparecessem e
pudessem provar que eram de fato os responsáveis pela menina, mesmo que lhe partisse o coração, a
devolveria para eles. Mas torcia no fundo para não precisar se separar mais dela.
Nesse curto tempo que passaram juntas, muita coisa mudou. A casa de Dahlia foi reformada
por ela mesma. Com alguns materiais que conseguiu comprar, e até mesmo que conseguiu na floresta,
foi aos poucos, fazendo um quarto de verdade para a, agora, sua filha. Claro que não era nada muito
luxuoso, mas possuía um pequeno guarda-roupa improvisado e uma cama bem confortável, na medida
do possível. E isso era o suficiente.
Brinquedos a pequena tinha alguns poucos que ganhara de vizinhos, mas em especial, uma
boneca, que ganhara de sua mãe. Era toda feita de pano, com botões no lugar dos olhos e fios de lã
imitando o cabelo que era preso por duas fitas de seda. Era seu xodó, a carregava por todo lado.
Por falar na palavrinha de três letras, fora uma grande surpresa quando Annabella adotou-a
para chamar pela jovem que a acolhera. Ocorrera numa noite, há cinco meses, antes de dormir
enquanto Dahlia contava uma história para ela.
— “Vocês poderiam dizer-me, por favor”, disse Alice, um pouco timidamente, “por que
estão pintando estas rosas?” O Cinco e o Sete não disseram nada, mas olharam para o Dois. O
Dois começou, em um tom baixo: “Porque, de fato, você vê, Senhorita, esta deveria ser uma
roseira vermelha, e nós plantamos uma roseira branca por engano, e, se a rainha descobrir, nós
todos seremos decapitados, sabe. Portanto, você vê, Senhorita, estamos fazendo o melhor possível,
antes que ela chegue para…”. Neste exato momento, o Cinco, que estivera todo o tempo olhando
ansiosamente para o jardim, gritou: “A rainha! A rainha!” E os três jardineiros atiraram-se
instantaneamente de bruços no chão. Havia o som de muitas passadas, e Alice olhava ao redor,
doida para ver a rainha.” — narrou Dahlia aquele trecho de Alice no País das Maravilhas, o livro
favorito de Annabella.
— Por que as cartas precisavam que as rosas fossem vermelhas? Por que a rainha não
gostava de rosas brancas? — questionou a garotinha, curiosa. Toda vez que ouvia a história, tinha
uma pergunta diferente sobre ela. Essa era a da noite.
— A rainha era muito rígida, meu bem, ela queria rosas vermelhas pelo simples fato de gostar
de seu jardim assim. E as cartas, quando fizeram a plantação das rosas erradas, sabiam que
perderiam sua cabeça pelo erro.
— E por que a rainha cortava a cabeça das pessoas?
— Porque era algo que a mantinha entretida, ela era uma pessoa malvada, e pessoas
malvadas gostam de prejudicar as outras. O que você tem que entender aqui, meu amor, é que pintar
as rosas de vermelho significa que você sempre pode, independente da situação, contornar seus
problemas, mesmo que seja impossível ao seu ver. Você sabe que se pegarmos uma rosa branca e a
pintarmos de vermelho, ela morrerá com a toxicidade da tinta, mas para eles, era a solução que
tinham no momento para salvarem suas vidas.
Ela explicou detalhadamente a sua própria interpretação da história, contando os detalhes
para que a criança compreendesse.
— Você disse que pessoas más gostam de prejudicar aos outros… então, foi uma pessoa má
que me tirou da minha família? — A pergunta doeu em ambas, apesar de saberem que o assunto não
poderia ser evitado, para Dahlia sempre era difícil conseguir explicar para a menininha sobre como
veio parar onde estava agora.
— Eu não sei, meu amor, pode ter sido alguém ou algo. Uma maldade passou pela sua vida,
seja ela de carne e osso ou apenas maus ares, mas sempre que uma porta de fecha, abre-se uma
janela.
— Eu quero fazer mais uma pergunta.
— Pode fazer, anjinho.
— Na última história que você me contou, a mamãe da cachorrinha, não era mãe dela de
verdade porque ela era uma gata, mas ela cuidava do filhotinho. Então, nesse caso, você é minha
mãe?
As palavras emocionaram a mulher, que soltou algumas lágrimas e tocou o cabelo escuro e
macio da garota.
— Se você quiser, meu amor, eu posso ser. Me faria muito feliz ser mãe de alguém tão boa
como você. Eu te amo muito, muito, muito princesinha! — Atacou Annabella com cócegas, está que
caiu na risada.
— Eu também te amo… mãe! — Se recuperou da crise de riso e abraçou a mais velha.
— Boa noite, filha!
— Não vai terminar a história? — pediu, com um biquinho charmoso nos lábios.
— Já está tarde, e a amanhã você tem aula. — Fechou o livro e ajudou a menina a se deitar.
— Mãe… o País das Maravilhas existe?
Dahlia riu da pergunta.
— Talvez, meu amor. Quem garante que não? — Sorriu. — Mas agora, sem mais perguntas.
Vamos fechar os olhinhos e dormir.
— Boa noite, mãe! — ela disse, antes de cair no sono.

Era um dia atípico, diferente de todos os outros que a pequena garotinha havia presenciado
nos últimos doze meses. Ela não tinha conhecimento, mas era uma data muito especial em sua vida:
era seu aniversário.
Enquanto a menina foi para a escola e retornaria apenas no final da tarde, sua mãe preparava
algumas coisas em casa. Não tinha dinheiro para conceder a ela nenhum baile, mas faria o impossível
para que aquela comemoração fosse perfeita.
— Gram, está tudo pronto do seu lado? — questionou Dahlia, ao seu grande amigo e
praticamente irmão, Graham.
— Sim, tudo certo por aqui. O arco de flores está… perfeito. E o bolo?
— Quase pronto. Só falta cobrir e decorar. E claro, preciso embrulhar o presente dela.
Enquanto os últimos detalhes eram preparados, os dois ficavam cada vez mais ansiosos.
Logo, mais ajuda fora recebida. A Sra. Amaris chegou com alguns preparados caseiro para que
servissem quando chegasse o momento, isso sem contar o embrulho que trazia em mãos.
Era o primeiro aniversário de Annabella junto daquela nova família, aquela que conhecera há
tão pouco tempo, mas que tinha um grande laço. Tinha em Dahlia, uma mãe. Em Graham, um tio, e na
Sra. Amaris, uma avó. Apenas não tinha um pai… ou pensava não ter um.
No fundo, todos ali sabiam que Annabella tinha outra família, viva ou não, mas ela tinha.
E claro, também sabiam que poderia acontecer amanhã, semana que vem, ou dali muitos anos,
mas uma hora essa família poderia vir a aparecer. E sabiam que quando isso acontecesse, caberia
não à Dahlia nem a ninguém, se não Annabella, escolher com que desejaria ficar.
Em alguns instantes, o sol começou a ser pôr, e Dahlia deixou o lar para ir buscar sua filha na
escola, para enfim, trazê-la para casa.
O local não ficava tão distante de onde moravam, no máximo, poucos minutos andando. Na
saída, bem em frente ao portão, em conjunto com algumas professoras, os alunos cujos pais ainda não
haviam chegado, aguardavam.
No canto, bem ao lado de uma garotinha loira de baixa estatura, estava Annabella. Dahlia
deduziu que fosse Hadley, a amiguinha da criança.
— Ella! — chamou, por um dos inúmeros apelidos carinhosos que havia dado a ela. Assim
que a garotinha reconheceu a voz, logo olhou para onde ela vinha e sorriu, correndo em direção.
— Mãe! — Em questão de segundos elas se encontravam abraçadas.
— Pronta para ir para casa? — perguntou, docemente, e recebeu a confirmação. — Hadley,
eu conversei com seus pais e eles permitiram que você fosse lá para casa e depois eu te levarei
embora. O que vocês acham? — Ambas as garotas pularam de felicidade. Amavam poderem brincar
juntas.
Enquanto caminhavam até a residência, Hadley e Annabella contavam a mais velha o que
acontecera na aula aquele dia. Contaram sobre os desenhos que tiveram que fazer sobre o que mais
gostavam de fazer, e sobre a leitura que a professora fez sobre os reinos que cercavam as terras, de
uma maneira dinâmica e que fosse capaz de fazer criancinhas entenderem.
Quando chegaram ao destino, o interior do local estava totalmente em silêncio, o que era
rotineiro. Antes de abrir a porta, Dahlia olhou para Annabella e viu um brilho em seu olhar, um
brilho de surpresa.
Assim a porta se abriu, a menina viu seus olhos se lubrificarem. O que estava acontecendo?
— Feliz aniversário, filha!
— Meu… meu aniversário?
— Não apenas isso, meu amor! Amanhã completará um ano que nos encontramos!
Comemoração dupla.
— Como vocês sabiam que era hoje?
— A pulseira que encontrei no seu pulso no dia em que você chegou… tem uma data nela.
Hoje, você completa seis anos. E este é apenas o primeiro que passaremos juntas.
Assim que iniciaram a comemoração, cada um dos presentes parabenizou a menina,
desejando a ela apenas coisas boas, e muito, muito amor.
Graham deu à sobrinha uma coroa de flores, a qual eles utilizaram para coroá-la naquela
noite, fazendo dela a “princesa real, Annabella Moore”.
Mal sabiam eles que aquela brincadeira era mais real do que qualquer outra… mal sabiam
eles que há exatamente um ano, ela também recebia uma coroa, entretanto uma de verdade, feita de
ouro e diamantes, e que de fato era uma princesa de verdade, não apenas uma princesa, mas como a
herdeira do trono de um reino não tão distante dali.
Vovó entregou o seu presente, era um vestidinho feito à mão, todo branco com detalhes em
vermelho. Era lindo.
Por fim, chegara a vez de sua mãe. Diferente dos outros presentes, o de Dahlia não estava
embrulhado.
— Venha comigo, querida. O seu presente está lá fora.
A mulher a conduziu até o quintal, onde um mastro estava posto em cima dele, estava a coisa
mais linda que a garotinha já havia visto. Brilhava como o fogo, como o sol, e era toda feita de um
material fosco, que a criança não sabia identificar o que era. Na parte da frente, um grande D pintado
à mão com tinta roxa.
— Mãe, o que é?
— Minha tutora no convento me ensinou a fazer, chamamos de lanterna flutuante ou lanterna
dos desejos, e é bastante usado em cerimônias em alguns reinos. Eu fiz essa para que você sempre se
lembrasse desse dia.
— E o que fazemos com ela?
— Venha cá — a chamou, e a levou até ficar próxima ao objeto. — Segure aqui embaixo, com
cuidado para não se queimar. Agora levante-a e jogue-a no ar, mas antes, faça um pedido.
Assim que fez o que lhe foi dito, a menina viu sua lanterna subir até os céus e ir flutuando
com o vento.
— Ela vai voltar?
— Não é possível saber, querida. Talvez ela volte, talvez não. Ou talvez, ela vá parar nas
mãos de alguém que precisa tanto dela como você. Sabe, às vezes, uma coisa tão simples como esta,
pode significar tudo para quem precisa.

Do palácio, era possível admirar da sacada do quarto, a noite estrelada. Já se passava das
dez da noite, e após colocarem o filho para dormir, os monarcas seguiram para os aposentos.
Matthew estava se banhando na suíte real, enquanto Alycia estava admirando as estrelas a brilhar no
céu.
Ela olhava com paz, torcendo para que alguma delas fosse sua filha e estivesse olhando por
ela naquele momento. Sempre lhe foi dito que quando as pessoas partem dessa para outra, talvez uma
melhor, viram estrelas e ficam brilhando cada vez mais reluzentes para aqueles que deixamos em
terra.
Em particular, naquela noite tão marcante para o rei e a rainha, uma estrela bem distante,
brilhava reluzentemente, e por mais incrível que pudesse parecer, a luz parecia se aproximar.
Alycia mantinha seu foco naquele brilho, e sentia uma energia muito positiva em relação
àquilo.
Conforme a luz foi se aproximando, ela percebeu que não era apenas uma estrela cadente, era
algo mais real, algo sólido, algo que ela conseguiu tocar quando estava próximo o suficiente.
Quando ela viu que era uma lanterna, que como sua mãe contava quando era jovem, antes
mesmo de conhecer Matthew e de se tornar rainha, era nativa de um dos reinos das Ilhas ao norte,
muito além do mar que banhava os reinos nas proximidades.
— Amor? — Era Matthew, aparecendo através das cortinas. — O que é isso? — A viu
segurando o objeto brilhante. Quando se aproximou, viu que a esposa possuía lágrimas nos olhos. —
Ei, querida, o que aconteceu? — Tocou as costas dela, a abraçando de lado.
— Isso é uma lanterna flutuante, são muito comuns no norte. Mas veja isso. — Girou a
lanterna em sua mão e mostrou a ele o que estava gravado ali.
— Oh, meu Deus! — exclamou o rei, se emocionando também.
Naquele dia, após um ano do pior acontecimento de suas vidas, eles podiam sentir, através
daquela pequena — mas significativa — lanterna, a presença da filha com eles. Várias lanternas com
diversas coisas gravadas nela poderiam ter chegado a eles a qualquer momento, mas ela chegou bem
naquele momento. No aniversário da filha, que completaria seis anos hoje. Aquele D pintado ali, os
fez chorar de emoção.
— Ela está conosco. Isso é um sinal!
— Sim, meu amor. É um sinal. Nossa filha estará sempre aqui. Sempre conosco.
Ambos seguraram a base da lanterna e sorriram um para o outro, e por fim, tomaram uma
decisão. Lançaram a lanterna no céu e, em sintonia, disseram:
— Feliz aniversário, filha!
LIVRO DOIS

— o retorno

Tem fé no teu sonho e um dia


Teu lindo dia há de chegar
Que importa o mal que te atormenta
Se o sonho te contenta
E pode se realizar

— Cinderella, Um Sonho é um Desejo


Walt Disney Studios℗
11. A Garota e a Voz

Há quem diga que o tempo é um terrível inimigo, que deve ser temido, uma vez que a vida é
extremamente curta e coisas terríveis podem acontecer em poucos instantes. Outros dizem que o
tempo é, na verdade, um grande amigo, e que apesar dos infortúnios, traz inúmeras coisas boas.
Claro, há momentos em que, quanto mais o tempo passa, mais a esperança de que algo dê se
certo se esvai junto. Por isso, é sempre importante ter ao seu lado pessoas que possam sempre te
colocar para cima e melhorar o seu astral, para que quando você caia, possa levantar-se novamente.
E óbvio, não se deve esquecer nunca que o tempo passa, e que o cronograma da vida passará
junto. Num momento se é apenas uma criança, e no outro, as flores florescem e você floresce juntos.
E claro, ela também floresceu.
Agora, dez anos depois, estava uma jovem linda. Dez longos anos, e cada dia foi muito
especial. Agora, uma adolescente linda e inteligente habitava aquela casa. Seus cabelos escuros
como a noite eram cumpridos, na altura da cintura. Os olhos, na mesma cor de seus cabelos, sempre
brilhavam quando via algo que lhe agradava.
Era uma garota extremamente talentosa, em especial, possuía um talento para música. Fora
esse um dos motivos que fez sua antiga professora, assim que enxergou esse tremendo talento e
aptidão da garota para com o piano, lhe conseguisse uma vaga na Academia Summers, uma escola
incrivelmente exclusiva que trabalhava talentos como aquele e conseguia excelentes locais de
trabalho, desde lecionar até tocar para grandes linhagens reais em seus bailes.
Claro, para isso, algumas mudanças tiveram de ser feitas. A academia ficava na divisa de
dois reinos: entre Porto Dourado – reino do rei Edward, onde ela e sua família moravam – e Porto
Vermelho, o reino da família Hale.
Quando contou à sua mãe sobre a notícia, provocou horas e horas de conversas. Ambas
sabiam que era uma grande oportunidade para a garota, porém, exigiria alguns gastos. Gastos estes
que elas não podiam arcar. Por sorte, tiveram alguma ajuda. Quando Graham descobriu que a
sobrinha havia recebido essa incrível oferta, tratou de ajudá-la, aumentou sua rotina de trabalho e
conseguiu alguns extras que lhe pagaram bem o suficiente para conseguir realizar o sonho da
sobrinha. Claro que ele fora junto, não as deixaria sozinhas em um lugar que mal conheciam.
Venderam a casa por uma boa quantia de ouro e prata, e deram adeus às raízes e amigos que haviam
feito ali.
O novo lugar não era ruim. Na verdade, era muito bom. As árvores em volta davam à aldeia
em que agora residiam, uma aparência muito agradável. Todos ali eram, realmente, pessoas muito
agradáveis, e embora sempre sorridentes, havia momentos em que todos pareciam tristes. Parecia
que, sempre que miravam o castelo, um sentimento de pesar os atingia. E sentimento esse que ela não
conhecia, mas preferia não comentar com ninguém para não magoar.
Sobre a escola, era realmente agradável. Os professores, apesar de exigentes, eram muito
simpáticos e excelentes instrutores. O ambiente era calmo, e vários talentos ali eram descobertos e
aprimorados, desde canto e dança, até pintura.
Estava ali havia algumas horas, apesar de ser fim de semana, queria aprimorar seus
conhecimentos, por isso, pedira ajuda à sua professora para conseguir encaixar as notas na música
que havia composto.
Não era uma composição própria, na verdade, mas sim uma que cantava em sua mente há
muito tempo e não conseguia descobrir de onde vinha. Na primeira vez que cantarolou, sua mãe
adotiva lhe disse que poderia ser algo que seus pais verdadeiros a haviam ensinado. Pensava que, se
obtivesse sucesso como pianista e sua música fosse ouvida, talvez pudesse encontrar alguma pista de
sua origem, talvez alguém que a conhecesse, e saberiam o motivo de ter lhe acontecido o que
aconteceu. Mesmo que a verdade fosse dolorida, precisava saber.
Eram perguntas e mais perguntas sem resposta, e ela precisava saber mais, saber quem ela
era, de onde veio, se tinha outra família. Precisava acabar com os alardes que rondavam em sua
mente, lhe fazendo ter todas as dúvidas que tinha.
Quando entrou para a Summers, descobriu que tinha outros talentos. Além de tocar piano
maravilhosamente bem, sua professora, a Srta. Harper, soube explorar na garota, o dom de cantar. E
descobriu que ela possuía uma voz incrivelmente doce e admirável, uma das melodias mais doces
que já havia escutado.
— Cante novamente essa parte para podermos encaixar as notas e ajustá-las ao seu tom.
Cantou mais uma vez, tentando encontrar a nota perfeita.
— Aqui. Dó menor. Tente outra vez.
Ela tentou e a melodia soou como, bom, música para os ouvidos.
— Viu? Você só precisa encontrar a nota perfeita para sua música, uma nota menor, maior,
acidentada ou um sustenido. Você vai encontrar a sua canção. — Sorriu para a menina. — Acho que
trabalhamos o suficiente por hoje, pode ir para a casa e trabalharemos mais na sua música na
próxima aula.
A garota ajudou a professora a arrumar a sala e a fechar, saindo logo em seguida. O caminho
não era longo, mas era necessário atravessar uma trilha por entre as altas árvores. Era bem segura
também, e bastante movimentada, com comerciantes em suas carroças com materiais para a venda, e
até mesmo pessoas caminhando.
No caminho, encontrou com o Sr. John, um homem de aproximadamente cinquenta anos,
supersimpático, que era produtor de grãos e dono de terras, comerciava com os nobres e até mesmo
com os proprietários do castelo. Até que então, se viu sozinha novamente.
Ou talvez, nem tão sozinha. Distante, ela conseguiu ouvir um barulho de galhos e folhas
caídos no chão se movendo, como se tivesse algo se rastejando. Talvez uma cobra. Deuses, se fosse
uma cobra ela morreria ali mesmo.
De repente, ela escutou um barulho mais alto, logo seguido de um som que ela costumava
ouvir muito no antigo lar. Um miado. Agudo e alto, provavelmente de uma fêmea.
Ela se aproximou do local de onde o som vinha e quando encontrou, seu coração se partiu.
Era uma gatinha de pelagem branca, presa em uma armadilha de pequenos animais, usadas por muitos
caçadores. Era uma espécie de caixa feita de pedaços de bambus e cipós para amarrar, e uma vez que
a presa caía lá dentro, não conseguia se soltar.
— Ei! — Agachou próximo a gatinha que se encolheu dentro da armadilha. — Calma, eu vou
te tirar daí!
Abriu devagar a armadilha e deixou o caminho livre para a gata sair. Aos poucos, a pequena
foi se movendo para fora, ainda assustada. Ao tirar todo o corpo, olhou para a garota e se aproximou,
esfregando-se nela.
— Você é muito linda, sabia? — A gata ronronou. — Vou considerar isso como um sim. —
Riu, levemente.
A gata permaneceu ali, esfregando o pequeno corpo nas pernas de Annabella, como se aquilo
fosse sua forma de agradecer por tê-la tirado daquela vil armadilha.
Foi naquele momento que a adolescente percebeu que a gata estava machucada, em uma das
patas. Havia sangue fresco, talvez com o momento em que ficou presa, tenha batido ou até mesmo
tenha acontecido momentos antes.
— Meu Deus. Você está machucada. — Quando tocou o pequeno corte, a gata puxou a pata e
miou de dor. — Vem! — A pegou no colo. — Eu vou cuidar disso. Não sei como, mas vou.
Voltou a caminhar e seguir seu caminho para a casa, e no meio do caminho, escutou um
barulho de passos no meio da mata, parecia alguém andando camuflado, como um predador pronto
para capturar a sua presa.
— Oi, tio! — disse ela, acabando com toda a graça da situação.
— Como você sabia que era eu? — Graham perguntou, chateado com o fato de que seu plano
de lhe dar um susto havia sido anulado.
— Lembra que foi você quem me ensinou que a melhor forma de não chamar atenção na
floresta é evitar caminhar por entre as folhas? Além de evitar armadilhas, evita fazer barulho. Você
foi bem óbvio, até demais se quer saber!
— Você está ficando muito inteligente, eu disse à sua mãe que essa escola nova ia ser boa. E
está sendo, até demais se quer saber! — ele repetiu, tal como ela havia feito anteriormente. Foi aí
que ele percebeu que a sobrinha tinha um convidado. — Quem é este? Você sabe que a sua mãe não
vai gostar! — questionou, ao mesmo que já a alertou sobre o que aconteceria em poucos minutos.
— É ela, e eu a encontrei presa numa armadilha poucos metros para trás. Ela está machucada,
veja. — Mostrou a patinha que estava apoiada em seu braço.
— O corte não é muito profundo. Se der pela aparência dela, diria que já está nas ruas há, no
mínimo, algumas semanas. Não deve ser muito velha, no máximo um ano de idade — contou,
analisando a gata. — Precisa de um curativo e um banho. E claro, precisa ser alimentada, está muito
magra.
— Você acha que a mamãe vai deixar eu ficar com ela? — questionou, e Graham sentiu ali
uma ponta de esperança vinda da garota.
— Bom, eu acho que ela pode ser convencida — comentou.
Eles continuaram andando, seguindo rumo para a casa. No caminho, conversaram sobre
algumas coisas, incluindo escola, família… até que um assunto entrou em jogo.
— Então, sua próxima aula de arco e flecha será… — ele estava comentando sobre as aulas
que dava a ela, escondidas da irmã, claro. Se Dahlia soubesse, teria um ataque cardíaco. — O que
foi? Você está pensando em algo!
— Eu… hã… posso perguntar uma coisa? — Ele assentiu. — Como eu vim parar com vocês?
Você sabe, o que aconteceu, exatamente, naquele dia? Eu perguntaria à minha mãe, mas não quero que
ela pense que estou querendo descobrir “quem é a minha família de verdade pra poder ir embora
viver feliz para sempre com eles”. Você sabe que ela pode ser dramática quando quer!
— E você pode culpá-la? Você é a única filha que ela tem!
— Tio, não desvie do assunto!
— Tudo bem. Bom, eu não estava lá, mas eu sei que sua mãe estava sozinha quando te
encontrou na porta. Você estava com um vestido branco com uma porção de flores pintadas, o rosto
machucado e alguns cortes pelo corpo. Enfim, ela limpou o sangue, seus machucados e te deu um
banho. No dia seguinte, ela me chamou e me contou o que tinha acontecido.
— Quantos anos eu tinha? Faz tanto tempo que eu nem me lembro.
— Lembra daquela pulseira que você usava no dia que chegou?
— Sim. — afirmou, com entusiasmo. — Tinha meu nome e uma coroa grafados lá.
— Isso. Lá tinha uma data também. 27 de setembro. Supomos que fosse seu aniversário. No
dia que Dahlia te encontrou, era madrugada do dia 28, então fizemos as contas e descobrimos que
você tinha 5 anos.
— Eu não me lembro de muitas coisas da minha infância. Na verdade, tem uma memória que
eu me recordo perfeitamente dos detalhes. A lanterna flutuante que lançamos no céu no meu
aniversário de seis anos.
Graham riu, alegre, lembrando-se também.
— Eu encontrei aquela lanterna presa a uma árvore há alguns quilômetros da casa de vocês
poucas semanas depois. Estava toda rasgada pelos galhos.
Conversaram por mais alguns minutos, e quando se deram conta, haviam chegado em casa.
— Eu entro primeiro com ela — referiu-se à gata —, ou você entra e a acalma antes? —
pediu, piscando os olhos meigos.
— Vai você, a mãe é sua!
— Mas as probabilidades de ela brigar com você são menores.
— Você que pensa.
Annabella suspirou. Tocou a maçaneta e girou-a, entrando em casa.
— Finalmente vocês chegaram, eu já estava preocupada… o que está acontecendo aqui? —
interrompeu a si mesma quando viu a bolinha de pelos branca que Annabella trazia nos braços.
— Oi, mãe! — comentou, nervosa. — Como passou o dia? — Viu a mais velha arquear a
sobrancelha. — Então, eu já vou explicar.
— Estou aguardando uma ótima explicação! — exigiu, séria. A última vez que olhou alguém
assim foi quando viu Annabella segurando o arco de Graham enquanto ele lhe mostrava as partes de
uma flecha. Pouco depois disso ela o proibiu de ensinar artilharia à garota. O que, claro, os obrigou
a realizarem as aulas escondidas.
— Eu a encontrei presa numa armadilha de caça. Está machucada, veja. E precisa ser
alimentada. Eu não podia deixá-la lá, ia morrer de fome, ou pior, ia ser devorada por outro animal
maior que ela.
— Annabella…
— Mãe, por favor. Me deixa ficar com ela? Olha, eu juro que eu cuido de tudo, da sujeira, de
tudo mesmo! Por favor?
Dahlia olhou para a filha, depois para Graham, e para a filha novamente. Sabia que havia
anos que Annabella pedia para ter um bichinho, e ela sempre negava. Sabia que a filha era
responsável, mas também sabia que um animal de estimação custava dinheiro, tempo e paciência.
Por outro lado, um gato era bem fácil, uma vez que são animais mais independentes, um lar e
um pouco de carinho bastavam. E, em acréscimo, aquela bolinha branca era fofa em níveis absurdos.
— Tudo bem! — Annabella já ia comemorar quando a mãe lhe cortou as asas. — Mas, você
vai cuidar de tudo, da alimentação, da sujeira, tudo. Eu não quero vestígios de urina ou fezes dela
nesta casa.
— Pode deixar, mãe! Você é a melhor! — A abraçou de lado para não machucar a mais nova
integrante da família.
— Eu acho que precisamos de um nome para ela. Afinal, não podemos ficar miando toda vez
que formos chamá-la. — Graham comentou, finalmente, depois de longos minutos em silêncio apenas
observando a cena.
— Eu já sei como vou chamá-la — Annabella disparou, feliz como nunca. — Annika.
— É um lindo nome, minha filha. Sofisticado e digno de uma gata de sua realeza. — brincou
Dahlia. — Bom, agora, você vai com seu tio cuidar do ferimento da Annika e depois tratar de dar um
banho nela, cuidado com os arranhões, por Deus. Enquanto vocês vão, eu vou terminar de colocar a
mesa do almoço.
Assim, os dois cúmplices saíram, indo até o banheiro e se preparando para uma tarefa que
consideraram que seria difícil. Riam felizes, com a mais nova parte da família. E ela era diferente
dos outros. Este novo membro da casa possuía pelos brancos e quatro patas.

O palácio também havia mudado nesses últimos anos, é claro. O interior fora completamente
reformado. O salão de baile fora redecorado, as cortinas das janelas foram trocadas por novas, de
um tom rosé que mesclava com o dourado, tornando o ambiente mais agradável. As novas cores
tiraram, com o tempo, aquele ar e vibrações tão fortes que ficavam ali, tornando tudo mais fácil de
ser visto pelos olhos dos mais afetados, assim como o tornava mais elegante ao mesmo tempo.
Os quartos também foram mudados. Os dos monarcas fora projetado com cores mais vivas e
alegres, para diminuir o pesar em seus corações. O do pequeno príncipe, fora reformado de acordo
com a idade que tinha, quase 15 anos agora. Se tornara um rapaz alto e bonito, assim como o pai.
Seus olhos eram azuis cristalinos, iguais aos do rei, e seus cabelos escuros como os de sua
mãe, agora estavam mais curtos, porém nem tanto, e viviam sempre bagunçados.
Matthew estava sempre com o jovem, o treinando na grande sala que ficava no alto do
castelo. Nicholas era extremamente bom com espadas, entretanto, nem tanto com outras armas, como
arcos. Seu pai era, e por isso Nick queria aprimorar seus conhecimentos, para um dia ser como seu
pai era e poder lhe encher de orgulho, e à sua mãe também, é claro.
Por falar na rainha, ela estava muito melhor. Claro, já não era mais a mulher que fora outrora,
se tornou mais introspectiva e passava a maior parte de seu tempo lendo, ou no quarto ou no jardim.
A última década havia sido de provações, provações quais ela desejaria nunca ter passado. Como se
não fosse o suficiente ter que conviver com a dor de ter perdido a filha, no ponto mais alto de sua
dor, teve que enterrar seu pai, que morrera dois anos depois do pior dia de sua vida. Toda essa dor
gerou reclusão, eram poucos os que tinham convívio com ela, a viam, sim, mas já não era como
antes.
Ela tentava fazer o que podia, dava o máximo de si para conseguir se manter presente, mas
não era fácil. Nada era. Mas ela sabia que não estava sozinha, o que a ajudava a lidar um pouco
melhor com as coisas. Tinha Grace, que estava sempre ao seu lado, tinha seu filho, que sempre
tentava agradá-la, e claro, tinha Matthew, que lhe dava amor e cuidava dela. E claro, como poderia
esquecer da única que lhe preenchia a mente com uma atividade saudável: a árvore da família.
Cuidava dela todos os dias, como maneira de se entreter de sua dor. Contudo, a velha amiga parecia
estar morrendo aos poucos, as folhas caiam em um tom amarelado, e não cresciam novas verdes.
E, infelizmente, Alycia sabia o que era. No tempo em que se isolou de todos, ela leu bastante.
Todos os livros da biblioteca para se falar com exatidão, alguns até foram relidos. Em especial, um
lhe chamou a atenção, era sobre lendas dos quatro reinos que rondavam a floresta: Porto Dourado,
que pertenciam aos domínios do rei Edward; Porto Vermelho, da família Hale; Porto Real do Norte,
que pertencia à rainha Alexa; e Porto das Rosas, do rei Austin. E todos se encontravam no mesmo
porto, a geografia era perfeita.
Cada um dos quatro reinos possuía seu símbolo real, e não se tratava dos emblemas, como o
brasão do Leão Hale. Não. Se tratava de símbolos, de lendas. De magia.
O símbolo de Edward era o ouro, devido a grandes minas que existiam ali antes do reino ser
fundado, todas cobertas de ouro e joias, o que fazia de Porto Dourado o reino mais rico dos quatro
Portos, assim como o metal que inspirou o nome do reino.
Portos das Rosas, assim como o próprio nome dizia, era por conta da magnífica plantação de
rosas que o fundador do reino, rei Evans, cultivava para sua filha, a princesa Avery. Mas não
qualquer tipo de rosa, mas rosas mágicas. A princesa possuía uma condição rara que a impedia de
andar, e seu pai, na tentativa de animá-la, conseguiu as sementes com um mercador que dizia que elas
eram mágicas, e de fato eram, pois bastou que o rei as jogassem no solo e no mesmo segundo uma
plantação enorme de rosas surgiu, e sua filha as amava, passava horas e horas do dia as observando,
dizia que cuidar do jardim a fazia se sentir completa e com uma missão na vida, e era a única coisa
que podia fazer sozinha. E, até este dia, geração após geração, as rosas ainda estavam vivas e
brilhando.
Quanto a Porto Real do Norte, era o único reino que se sabia pouco sobre. Algumas lendas
contavam que era o único reino em que existiam criaturas mágicas, tais como fadas e duendes.
Outras, que a rainha era uma filha ilegítima do falecido rei e uma fada, que morreu no parto ao dar à
luz a um humano, o que acreditavam ser um pecado. E, algumas histórias contavam que o reino, em
seu início, há cinco séculos, era subdivido em dois pequenos reinos inimigos, que só pararam quando
o terceiro dos Príncipes de um dos lados conheceu a filha de uma feiticeira do outro, e se apaixonou
por ela. No fim, ninguém realmente sabia qual versão era verdadeira ou se uma delas realmente era.
Por fim, o quarto dos reinos, Porto Vermelho, tinha a árvore. Não era apenas uma árvore, era
mágica também, assim como as rosas de princesa Avery. A história contava que todas as mulheres da
família tinham o dom da natureza, de cuidar e até mesmo reviver plantas e flores mortas. Bastava um
toque, e a vida seria trazida de volta. Por isso a árvore estava morrendo, faltava o toque. Alycia não
tinha esse poder, pois não era uma Hale de sangue, Matthew também não, pois era homem, e desde a
morte de sua mãe, a rainha Anastasia, a árvore não era revitalizada. A lenda dizia que somente
quando a mulher Hale atingia a idade — 16 anos —, e após realizar um ato de bondade, capaz de
salvar uma vida — ou mais — ela seria agraciada com o dom.
16 anos… talvez, agora, em algum lugar, sua filha teria 16 anos.
Ela não sabia se aquela lenda era verdade, não existia ninguém que pudesse confirmar. Claro,
existiam algumas herdeiras Hale espalhadas pelo mundo, mas Alycia não iria contatá-las para
perguntar algo que poderia, muito bem, ser mentira.
— O que está fazendo, mãe? — Foi tirada de seus devaneios por seu filho.
— Ah, oi, filho. Estava lendo. E você? Não deveria estar treinando com seu pai? Meu Deus,
que horas são? Já está na hora do almoço e eu não reparei? — indagou, exasperada.
— Fique calma, mãe. Ainda é cedo. O papai e eu terminamos mais cedo, eu me cortei com
a…
Alycia não esperou o filho terminar e o puxou para ver o ferimento.
— Calma, nós vamos cuidar disso e colocar um curativo — comentou, preocupada.
Sempre foi assim, enquanto Matthew era um pouco mais liberal, Alycia era extremamente
cuidadosa e preocupada em extremos. Às vezes era um incômodo para o jovem príncipe, que queria
um pouco de liberdade e sempre tinha sua mãe na cola. Ele não entendia o porquê. Bom, na verdade,
entendia, mas, ainda assim, preferia que não fosse tão… sufocante.
— Mãe! Fique calma. Está tudo bem. Não foi um corte tão profundo. — Puxou a mão de
volta. — Eu me cortei enquanto limpava a minha espada. De uma coisa eu tenho certeza, ela está bem
afiada. — Riu, mas sua mãe não fez o mesmo — Mãe, qual é!? Foi engraçado. Mas, fique tranquila, o
papai disse que não pegaremos em uma espada enquanto não cicatrizar. Isso não deve acontecer até o
final da semana.
— Acho ótimo. Bom, onde está seu pai?
— Ele disse que ia tomar um banho, trocar de roupa e depois do almoço ele irá me levar para
um passeio a cavalo pelo reino, ele quer me mostrar nossas terras. Gostaria de vir conosco?
— Hoje não, filho. Eu prometi à Grace que iria ajudá-la com a surpresa de aniversário de
Jones. Fica para a próxima.
O garoto sorriu, falsamente. Deu um beijo na testa da mãe e saiu.
— Você nunca vem com a gente — sussurrou para si mesmo.
Após o almoço, Matthew procurou pela esposa, queria perguntar se ela realmente não queria
ir com eles para fora do castelo, fazia tanto tempo que ela não ia ao vilarejo, ou até mesmo, saía para
além dos muros do castelo.
Ouviu vozes vindas do quarto de Grace, e presumiu que as duas estavam lá. Bateu duas vezes
à porta, ouvindo uma singela permissão para entrar.
— Grace — cumprimentou. — Meu amor. — Se virou para Alycia, que sorriu para ele. —
Não quer mesmo vir conosco? — Ela se levantou e caminhou até ele, segurando suas mãos.
— Eu não posso, meu amor. É sério, eu prometi ajudar Grace com o presente de aniversário
de Andrew.
— Mas… se não fosse por isso, você iria?
Ela desviou o olhar, tentando fugir daquele assunto. Matthew percebeu isso.
— Bom, eu estou indo com Nicholas, então. Até mais tarde. — Ela ergueu o rosto e lhe deu
um beijo doce.
— Tomem cuidado — desejou.
Hale saiu e foi até os portões do castelo, onde encontrou o filho, já segurando as rédeas de
seu cavalo. Tempestade era seu nome, um cavalo forte e branco, o mais rápido dos cavalos reais. Ao
redor dele estavam alguns guardas, incluindo Leith que segurava as rédeas do cavalo do rei. Esse era
diferente, era de pelagem preta, tão forte e rápido quando o primeiro cavalo.
— Obrigado, Leith. — Tomou as rédeas e montou em seu cavalo, vendo o filho fazer o
mesmo com a ajuda de dois guardas. Ainda não tinha altura suficiente e estava aprendendo. — Bom,
hoje iremos visitar uma aldeia um pouco mais distante, fica ao leste, divisa com o Porto Dourado.
— É o reino do rei Edward, certo?
— Isso mesmo. Nós vamos visitar a Academia Summers, a escola de artes, e verificar se tudo
lá está dentro dos conformes. Depois iremos até a aldeia ver como está o nosso povo. Entendeu
nossa rota? — questionou, desafiador.
— Sim, senhor. Academia depois aldeia. Acho que não é tão difícil decorar! — comentou
rindo, e o pai fez o mesmo.
— Então, vamos nessa! — Deu o comando ao seu cavalo e saíram, seguidos pelos guardas e
seus respectivos cavalos.

Quando chegaram à escola, o rei e o príncipe foram recebidos, pessoalmente, pela diretora, a
Sra. Scott. Ela os recepcionou por todas as salas, e após mostrar que tudo estava na mais perfeita
paz, com exceção de uma coisa ou outra, pediu ao rei que a acompanhasse até a diretoria para
conversar sobre possíveis reformas na estrutura, para deixar tudo impecável.
Hale assim o fez, e pediu ao filho que esperasse ali fora, lhe dando permissão para observar
e conhecer o local.
Nicholas caminhou por todas as salas, até mesmo o campo de treinamento de artilharia, onde
viu rapazes, e até mesmo algumas garotas desafiando o alvo. Passou pela sala de pintura, onde viu
grandes artes expostas e novas sendo criadas, e por fim, chegou à sala de música. Eram três, na
verdade. Uma de instrumentos de sopro, uma para instrumentos de cordas e outra para instrumentos
de percussão. Todas elas estavam com um professor cada, e uma especial, da qual vinha uma melodia
doce que repercutia por todo aquele corredor. A porta estava entreaberta e ele pôde observar duas
pessoas lá dentro. Uma mulher adulta, de longos cabelos vermelhos presos por uma fita azul e que
trajava um vestido na mesma cor. E a outra, era uma garota, devia ser a aluna, possuía longos cabelos
escuros, e diferente da professora, eles estavam soltos, e no corpo trazia um vestido branco.
— Lá, lá, lá, lá… vamos, tente mais uma vez — orientava a professora, cantando as notas
musicais e ensinando à garota. Quando a mais nova se pôs a cantar, Nicholas ficou impactado com a
doçura da voz, era a voz mais serena que já havia ouvido.
Ele ficou ali observando e escutando a belíssima canção, até que seu pai apareceu,
procurando por ele e o chamou, alertando que deveriam ir embora.
Nicholas deixou para trás a garota e a voz e seguiu para fora da academia.
Montaram novamente em seus cavalos e seguiram para a aldeia, para a última tarefa do dia.
Esses eventos que tinha com seu pai eram sua parte favorita do dia, era um momento em que
ele se distraia e esquecia dos problemas pessoais, como o fato de sua mãe estar sempre triste, apesar
de saber disfarçar muito bem isso. E sim, ele sabia de toda a história, da irmã desaparecida, e tinha
plena consciência de que o fantasma de Annabella sempre assombraria a família e sempre estaria
presente para lembrar seus pais dos dias que tiveram outrora. E sim, ele sabia que o trono não era
dele, não por direito, era dela, ele apenas estava sendo o substituto dela. Mesmo que todos lhe
dissessem o contrário, ele sentia isso. E mais, ele não queria ser rei, ele tinha outros interesses, como
ser chefe da equipe naval, navegar o mundo e conhecer novos lugares. Queria ser livre. Se sentia
egoísta por isso, mas não podia evitar pensar que se a irmã estivesse ali, ele poderia ser. Ele queria
conseguir se lembrar dela, mas as únicas visões que tinha eram flashes borrados, mal dava para ver o
rosto dela.
— Pai! — chamou o jovem e o rei logo olhou — Eu vou por essa trilha da esquerda, quero
ver o que tem no meio dessas árvores. Vou procurar uma rosa para a mamãe. Vou tentar animá-la. —
Matthew sorriu pela iniciativa do filho de fazer a mãe sorrir.
— Tudo bem, mas cuidado. — O rapaz concordou e deu a volta com o cavalo e seguiu o
outro caminho — Leith, vá com ele, por favor! — pediu ao guarda.
Nicholas olhava a trilha e adorava aquela paisagem. Tudo no local era lindo, como se a
natureza tivesse gastado um pouco mais de tempo para se dedicar àquela paisagem. Ele estava tão
distraído que não percebeu quando uma garota apareceu na estrada e ele quase a atropelou.
— Oh! — Ele puxou rapidamente as rédeas e fez o cavalo parar. Ele desceu e caminhou até
ela. — A senhorita está bem? Meu cavalo a machucou? — O cavalo relinchou. — Eu a machuquei?
— corrigiu.
— Não. Está tudo bem! Nem encostou! — Ela sorriu, docemente.
— Tem certeza? — Ela afirmou. — De qualquer forma, me desculpe. Eu estava distraído.
— Está tudo bem, de verdade!
— A senhorita mora por aqui? — ele indagou.
Leith estava logo atrás, observando, atentamente, o que o príncipe fazia.
— Sim. Eu sempre passo por aqui quando volto da escola. Nunca o vi por aqui — apontou.
— Eu não moro aqui, moro ao oeste, estou de passagem com meu pai pelas redondezas. Na
verdade, foi bom ter encontrado a senhorita, eu preciso de ajuda.
Annabella sempre foi uma pessoa que confiava nas pessoas, e claro, sempre foi muito bem
avisada por sua mãe para nunca, nunca, em nenhuma situação, conversar com estranhos. Entretanto,
ela não sentia medo daquele garoto, parecia apenas uma criança em pose de alguém mais velho. E ela
sentia algo diferente, como se já o conhecesse.
— O que precisa?
— De uma rosa. Eu quero levar uma para a minha mãe, são as flores favoritas dela. Ela tem
estado um pouco desanimada esses dias e eu quero animá-la.
— Isso é lindo. Eu vou te ajudar. Tem uma roseira linda aqui na sua esquerda, pode escolher
a que quiser.
— E, se me permite perguntar, qual a sua flor favorita?
— Acredite ou não, são as rosas, também. Eu acredito que elas têm grande significado. Os
espinhos, para mim são, por meio da metáfora, o desafio que enfrentamos ao longo da vida, e a linda
flor acima deles, são as nossas conquistas.
— Isso é muito profundo. Você é inteligente, creio que deva ser uma leitora ávida.
— Leitura é, com certeza, meu passatempo favorito. Quando eu me mudei, o dono da
biblioteca de onde eu morava me deu alguns para eu trazer comigo, e eu tenho lido bastante. Claro,
quando não estou na aula, o que tem sido bem difícil, pois tenho tido que praticar a todo momento —
contou, não se importando com o fato de estar compartilhando detalhes de sua vida para um total
estranho. Porém, por alguma razão, não sentia que ele era estranho.
— Espera. Eu já sei. Você estuda na Academia Summers, não estuda? — A garota o olhou
surpresa, e um pouco assustada. — Eu a vi lá, com uma professora ruiva, vocês estavam tocando
piano e cantando.
— Ah sim, é a Harper, minha professora de canto e piano. — Ele a viu colher uma rosa e lhe
entregar. No momento que suas mãos se tocaram, Annabella sentiu uma espécie de eletricidade
passar por todo seu corpo. Foi estranho, mas ignorou, mesmo assim. Ele não tinha percebido, mas na
parte de trás a flor estava murchando. — Espere. Essa rosa está morrendo. — Tocou na rosa, para
verificar se era isso mesmo ou ilusão. Nesse momento, ela viu a flor se mexer sozinha e ganhar vida.
Foi como mágica.
— Não. Ela está bem. Linda, inclusive. — Ele não havia percebido? Não tinha visto? Ou não
estava olhando? Annabella apenas ignorou aquele fato e deixou passar.
— Tem razão, ela está linda. Eu devo ter visto demais.
Ambos sorriram um para o outro.
— Nick, nós temos que ir. Seu pai deve estar preocupado — Leith alertou.
— Bom, eu tenho que ir. Acredito que você também. Seus pais vão ficar preocupados se você
não chegar.
— É… sim. Eles vão. — tentou disfarçar, não querendo corrigir um total estranho que ela
apenas tinha mãe, e não pais no plural.
— Bom, eu vou indo nessa. E, obrigada pela rosa, minha mãe vai amar.
— De nada, espero que ela goste.
— Aliás, eu sou o Nicholas. Foi um prazer senhorita, espero vê-la mais vezes por aqui. —
Ela sorriu. Ele puxou as rédeas e foi virando o cavalo, quando se lembrou e parou, encarando-a
novamente. — Não me disse seu nome!
Ela olhou para ele, na dúvida sobre se deveria dizer. Não queria entregar sua identidade a um
total desconhecido, não sabia quem era ou o que poderia fazer, mesmo que sentisse que era um garoto
bom. Em todo caso, apenas sorriu e disse:
— Pode me chamar de Ella.
12. Remendar a União

Alycia acordou mais cedo que o normal, e apesar de ter dormido muito pouco, não estava
cansada. Olhou para o lado e viu que o marido ainda dormia. Matthew estava sem camisa e coberto
apenas até metade da cintura, deitado de costas e com o rosto virado para ela.
Ele se mexeu um pouco, como se estivesse despertando, mas, na verdade, estava só mudando
a posição, e virou, completamente, de lado para a esposa.
Ela encarou o nascer do sol através da janela, e ficou imaginando várias coisas. Desviou o
olhar para a mesinha que ficava ao lado da cama, onde um vasinho de vidro continha um pouco de
água e uma rosa bem vermelha e brilhante, fora algo que Nicholas lhe trouxe há alguns dias do
passeio que fizera com o pai. A pegou na mão e levou até o nariz, sentindo aquele aroma tão
agradável. A rosa parecia viva, não no sentido de estar vermelha e brilhante, mas, sim, porque
parecia ter vida própria, como se sentisse emoções, como se fosse mágica.
Colocou-a de volta no lugar e esticou os braços, se espreguiçando e alongando todo o corpo.
Virou para o lado do marido e começou a tocar o rosto dele levemente. Amava aquele
homem, mais do que tudo na vida. E era tão grata por tê-lo na sua vida, por ele ter ficado ao seu lado
em todos esses anos, por não a ter deixado cair — não completamente pelo menos —, e,
principalmente, por ter demonstrado todos os dias nos últimos dez anos que estava ali, por ela e para
ela. Ela se considerava tão sortuda por isso.
O amava demais, porém, sentia que não o merecia.
— Matthew? — Passou os dedos pelo peito dele. — Amor? — chamou mais uma vez, mas
ele não esboçou reação alguma.
Resolveu deixá-lo dormir mais um pouco, e tentou se levantar sem despertá-lo. Mas, quando
se virou, sentiu um braço forte envolvendo sua cintura.
— Nem pense em se levantar agora. — Ele a puxou para mais perto e colou os corpos. —
Fica aqui — pediu.
— Amor, devemos levantar-nos.
— E por quê? Somos os reis, levantamos se quisermos.
E sim, ele tinha razão.
— Deixa de ser preguiçoso, querido esposo!
— Eu só quero passar um tempinho com você, querida esposa, isso é algum pecado? — ele
disse, ao pé do ouvido dela. — A gente quase não tem ficado junto ultimamente — reclamou.
Ela se virou para ele e o encarou, acariciando a barba.
— Como não? Nós estamos aqui agora.
— Não assim. Eu sinto falta de nós dois juntos, de ter um tempo só nosso, para fazermos o
que quisermos.
Ela sabia do que ele estava falando. Já havia vários dias que não ficavam sozinhos, apenas
eles dois, fazendo amor e não se importando com mais nada. Na maioria das vezes, ela inventava
uma desculpa, uma dor de cabeça, ou indisposição, até mesmo sono. Outras, ele não queria. Tudo nos
últimos anos mudou entre os dois. Sim, eles ainda se amavam muito, mas nada era mais como antes.
Quando um casal perde uma criança, tudo muda. A felicidade diminui, e o fantasma do
passado sempre retorna para assombrar. E o fantasma da filha sempre esteve ali. Talvez por nunca
terem encontrado uma resposta concreta e confiável do que, de fato, acontecera a ela, e terem vivido
todos esses anos apenas de suposições.
Ah, se eles soubessem...
— Sabe… — ela iniciou, depois de longos instantes. — Eu acho que temos algum tempo. Se
você quiser aproveitar…
Os olhos deles brilharam, a beijou e bagunçou seus cabelos. Colocou seu corpo acima do
dela e desceu os lábios para o pescoço dela.
Alycia sentiu tudo em seu corpo se arrepiar, seu coração acelerar e seu sangue ferver.
Quando conseguiu abaixar as alças da camisola que ela vestia e liberou mais alguns
centímetros de pele, aproveitou para explorar todos eles com a boca.
E, quando, finalmente conseguiu deixar o colo à mostra, achando que enfim teria um momento
de paz e amor com sua esposa, fora interrompido por uma batida na porta.
— Ah — ele rosnou, nervoso. — Se fizermos silêncio talvez vá embora.
— Matthew! Eu sei que está aí! — Era Andrew. — Vamos logo, o conselho precisa de você
para iniciar a reunião.
— Andrew, o dia nem amanheceu ainda!
— Muito pelo contrário, já passou do horário do café da manhã. Vamos logo!
Ele bufou com a cabeça no ombro da esposa. Alycia riu, mas também estava frustrada.
— Vá. Continuamos depois.
Ele deu um beijo leve nos lábios dela e saiu de cima, mesmo contra a vontade.
— Já estou indo — ele gritou. Pegou suas roupas formais e se trocou. Levantou-se, deu mais
um beijo na esposa e saiu do cômodo.
Ao abrir a porta, encontrou Jones batendo o pé esquerdo no chão, impaciente.
— Demorou, hein, Majestade? Já achei que ia ter que te buscar pelos cabelos.
— Lamento se eu não respondi seu chamado antes, eu estava ocupado.
— A essa hora da manhã? Ocupado com o que… — No mesmo segundo, Andrew entendeu, e
assumiu uma expressão de aversão. — Por favor, não fale. Não quero detalhes de seus atos
pecaminosos.
— Quisera eu que ao menos tivesse tido algum ato. Aliás, muito obrigado! — reclamou,
revirando os olhos.
— Lamento se seus aliados resolveram marcar essa reunião para hoje de manhã e você não
pôde ficar praticando determinadas atividades com sua esposa — ironizou o chanceler. — Mas, e
então… estavam preparando mais um bebê?
— Você sabe que não. — Matthew coçou a barba, tentando disfarçar seu descontentamento.
— Alycia…?
— Sim. Ela não quer mais filhos, e eu entendo isso. O vazio que Ann… — Dizer o nome da
filha doía, parecia que cada vez que o nome dela era dito, um aperto no coração acontecia. — Que
nossa filha deixou é muito grande, e ela sente, assim como eu também, que uma criança nova seria
uma substituta, e nada no mundo poderá reparar o buraco que ela deixou.
— Matthew, se você quer o conselho de alguém que o conhece há, não sei, 20 anos? Eu digo
que nenhum filho irá substituir o lugar da Annabella, mas talvez, possa trazer um pouco de alegria
para vocês, um pouco de luz. Os últimos dez anos foram sombrios, e talvez um pouco de
luminosidade seja bom.
— É, talvez. Mas você conhece a Alycia, ela não quer isso de jeito nenhum, e é
compreensível. Mesmo que nossa filha signifique o mundo para mim, nunca será igual ao que Alycia
sente, pois ela tem uma ligação muito maior, ela a gerou, a carregou dentro de si por meses, e eu não
vou fazê-la passar por tudo isso de novo, por todos os medos, não vou forçá-la a nada. Eu só quero
me preocupar em fazê-la feliz enquanto me for permitido.
— E você tem alguma dúvida de que não a faz feliz? — o chanceler questionou, com a
sobrancelha grossa e escura arqueada. — Bom, vamos para a reunião. Quanto antes entrarmos, mais
cedo acabaremos e mais cedo você voltará para as suas… atividades.

Do outro lado do oceano, mais precisamente, nas Ilhas Gálidas, era possível ver que, assim
como no reino vizinho, as coisas iam de mal a pior. Nos últimos dez anos, a situação dos vilarejos se
agravou, e o que já era crítico, se tornou pior. As pessoas viviam com muito pouco para comer,
beber, e até mesmo vestir. Já não se era mais o reino que fora outrora. Parecia até uma maldição,
lançada pela rainha é claro, pois ela era a causa de todas as desgraças que aconteciam ali.
Os bons tempos de quando o rei era vivo, brilhavam na mente das pessoas. Ele sim era um
bom monarca, justo e leal. Quisera os súditos que ele tivesse ao menos um herdeiro que fosse, assim
teriam esperança de alguém justo tirar aquela tirana do trono. Por outro lado, agradeciam por não ter
ninguém, pois uma criança poderia ser corrompida por ela e fazer estragos tão ruins quanto.
No palácio, a vida da rainha estava cada vez pior. Ela havia se enterrado na amargura e no
ódio, e isso refletiu nela, principalmente em sua beleza. Não sorria mais, nem que fosse de felicidade
por ter estragado a felicidade dos outros, e, por outros, refira-se a Hale.
O almoço fora servido, ela era a única que ainda comia bem no reino, se comparado com
seus súditos. Uma de suas criadas, trouxe sua bandeja e a colocou na mesa em frente a ela.
Audrey, era a única no palácio que possuía a confiança da rainha, e fazia suas vontades.
Claro, talvez por medo ou submissão, ou até mesmo, controle mental... Mas, mesmo assim, Lilliana
confiava nela.
Nos últimos anos, quando fora designada a comandar a liderar a equipe da cozinha, e levava
a refeição dos guardas do calabouço, descobrira muitas coisas, histórias que mantinha com ela,
ninguém mais no castelo sabia. Somente a antiga criada, Liza Buff, mas a mesma falecera anos atrás,
quando sofreu uma infecção ao ser mordida por um rato nos calabouços, enquanto cumpria a tarefa
que hoje era de Audrey.
— Devo levar a refeição de você sabe quem, Majestade? — indagou, aguardando por suas
ordens.
— Hoje novamente? Não fizeram isso ontem? — O humor sombrio da rainha arrepiava a
criada, mas ela apenas sorria e concordava. Tinha medo de discordar e acabar perdendo sua cabeça
por isso.
Ah, falando em perder a cabeça, nos últimos anos a rainha estava muita interessada em ter a
cabeça de um certo alguém preso a uma estaca e pendurada nos muros do castelo. Sim, ela queria a
cabeça de Thomas Blackburn, que sumira junto com o vento nos dez anos que se passaram.
Ele havia evaporado. Mas ela o queria, vivo ou morto. Vivo seria melhor, pois assim poderia
ter o prazer de ver seus olhos arregalados, o sangue jorrando e escorrendo de seu corpo no momento
que a lâmina atravessasse o pescoço. Seu sangue fervia de ódio por não conseguir descobrir o
paradeiro dele.
— Pode levar, Audrey. Estou me sentindo benevolente hoje.
— Com licença, Majestade.
A jovem se retirou e seguiu até a cozinha, pegando uma bandeja e servindo da refeição.
Seguiu pelo corredor norte, descendo a imensa escadaria circular, chegando às masmorras.
Passou pelos guardas sem dizer uma palavra, e eles também mantiveram suas poses e ficaram
em silêncio. Seguiu até o final do corredor, virando à direita. Sempre que ela fazia esse trajeto, os
guardas se perguntavam para onde ela iria, afinal, não existiam mais celas para lá e muito menos
prisioneiros. Chegaram a pensar que ela gostava de comer sozinha, isolada de todos, no escuro do
calabouço.
Entretanto, o que eles não sabiam, nem ninguém sabia, era que, no final do corredor à direita,
mais de duzentos metros à frente, existia uma passagem secreta. Igual nas histórias contadas para
crianças. Um único candelabro com uma vela que nunca era acesa, quando puxado para baixo, dava
acesso a uma outra sala. Ela atravessa e chegava a um pequeno espaço, onde havia uma cela trancada
com chave e cadeado, e lá dentro, um corpo adolescente ficava preso.
— Ela me deixou comer por dois dias seguidos? É um milagre — disse a voz.
— Acho melhor não reclamar, ou ela te deixa sem comer por uma semana. — Colocou a
bandeja em sua frente e abriu, lhe mostrando a refeição. — Melhor comer rápido, antes que a rainha
me mande retornar e levar embora.
Audrey, dentre todos no palácio, era a única que sabia da existência dessa passagem e da
pessoa que morava dentro daquela cela. Com exceção dela, Thomas era o único que sabia, mas
quando ele fora embora, a rainha precisava de alguém de confiança para guardar esse segredo. Por
isso, mais do que nunca, ela queria que Thomas fosse encontrado e morto, pois se ele abrisse a boca,
tudo estaria perdido.
— Ela sabe que me mantendo aqui, eu não tenho poder sobre ela. Graças a ela, minha mágica
não funciona, e sem forças para lutar contra a soberania que ela impôs, não posso libertar o reino e,
muito menos salvar o povo. Eu sou a única que pode libertá-los dela, fazer a população ser, de uma
vez por todas, feliz de novo, e ela sabe disso. A magia dela não é párea para a minha, e por isso ela
me trancou aqui. — Mostrou o colar em seu pescoço, que continha seus poderes e a impedia de usá-
los. — E ela só não me mata porque não é forte o suficiente. Acha que me prendendo aqui vai me
abalar e me fazer desistir de lutar, mas ela está errada. Enquanto ela estiver naquele trono, eu não
vou desistir de lutar.
Audrey apenas afirmou, concordando com o que a jovem dizia.
Trancada em seu quarto, Lilliana penteava seus cabelos, estressada como sempre. Olhava-se
no espelho, e queria parti-lo em mil pedaços. Entretanto, esse espelho era a única forma de ver
através do tempo, as coisas e pessoas que queria observar. Mas claro, como toda magia, ela tinha
limites, e a sua não era forte o suficiente para encontrar Thomas, ou até mesmo a filha dos Hale. Ela
não era forte o suficiente para terminar sua vingança.
Ela sentiu uma presença em seu quarto, e sabia exatamente quem era. Era ela.
— O que faz aqui? — questionou.
— Eu vim ver como a minha mais fracassada sombra está se saindo — a voz sarcástica disse.
Grinllith era assim, podia dar uma mão a qualquer um, mas também lhe tirar o braço. Ela a fez
descobrir a magia sombria que habitava seu corpo, há muitos e muitos anos atrás, antes mesmo dela
se casar com o rei e usurpar o trono. Mas há muito tempo que a via apenas de longe, completamente
entediada em ver a forma como ela havia decaído.
— Eu. Não. Sou. Fracassada — xingou, pausadamente.
— Considerando que você não consegue encontrar um simples homem e uma garotinha
inocente, mesmo depois de tudo que eu lhe ensinei, sim, você é uma fracassada. Você não tem
coragem nem de enfrentar “você sabe quem” — debochou. — Você é fraca. Tão fraca que não fala
nem o nome… — Lilliana interrompeu.
— Você sabe muito bem que a minha magia não é párea para a dela, e que ela pode tirar tudo
que conquistei, me destruir. Eu não tenho magia o suficiente para enfrentar ninguém. Mas, você pode,
pode destruir todos eles, poderia, em um estalo de dedos, trazer a filha dos Hale para mim para que
eu possa, de uma vez por todas, apertar o pescoço dela com as minhas próprias mãos e fazer
Matthew sofrer, da mesma forma que eu sofri.
— E por que eu tenho que fazer o seu trabalho sujo? Você está enganada ao meu respeito,
querida. As pessoas que me devem, não eu a elas.
— Você é, literalmente, um demônio, pode fazer o que quiser e não aproveita um por cento do
poder que tem. Não é capaz de machucar nem uma criança como aquela garotinha…
Ao dizer aquelas palavras, Lilliana se sentiu sufocar, o ar estava faltando e a garganta estava
fechando, impedindo-a de continuar a falar. Ela a estava enforcando com sua magia.
— Grin...llith — disse enquanto perdia todo o ar.
Depois de alguns instantes, Grinllith a soltou, e Lilliana se apoiou na penteadeira para não
cair pela falta de ar.
— Nunca mais tente a minha fúria. Você não sabe nada ao meu respeito. Eu sou mais forte que
você, e posso te destruir em um piscar de olhos. Eu não vou fazer o seu trabalhinho sujo, e se você
quiser ter o poder que anseia, primeiro, terá que me matar. E, acredite quando digo, eu não sou fácil
de morrer. Na verdade, não se pode matar um demônio, então, boa sorte tentando.
E, num piscar de olhos, ela desapareceu.
— Nem que eu tenha que esperar por isso o resto da minha vida, Grinllith, acredite, eu vou
destruir você.
E, nessa luta, mais pessoas se envolveriam.

Uma semana se passara desde que conhecera aquele jovem rapaz, e naquela tarde, como de
costume, Annabella estava caminhando pela estrada por entre as árvores, a mesma que o conhecera e
o ajudou com a rosa para a mãe, porém, desta vez, ela caminhava sem rumo. Queria apenas
espairecer um pouco, respirar fora de casa. As aulas já haviam acabado por aquele dia, e em sua
casa estava tudo muito quieto. Sua mãe saíra para trabalhar, e seu tio havia viajado há alguns dias,
tinha sido chamado para um trabalho em uma área distante, e o que receberia por isso deveria valer
muito a pena, pois ele raramente aceitava missões em outras terras ou reinos. Tudo para não ter que
se afastar de sua pequena família. Mas, por não possuir emprego fixo e viver de trabalhos
corriqueiros e coisas que outras pessoas não se atreveriam fazer, tinha que, às vezes, fazer certos
sacrifícios.
Ella encontrou uma colina ao leste do vilarejo, e se sentou no gramado. Do local em que
estava, podia ter uma visão bem ampla do oceano, e lá, bem distante, conseguia ver o castelo.
Às vezes, ela fantasiava sobre como a vida seria mais fácil se ela tivesse sangue real, se
fosse uma princesa. Não que não gostasse da vida que tinha, mas a situação era bem complicada às
vezes, principalmente no inverno, quando nevava e toda a produção diminuía. Ela nunca tinha estado
em um castelo antes, e nunca quis, não era o tipo de lugar que ela sentia que se encaixava. Ela era
apenas uma garota, que ia à escola e lia livros, não uma dama da alta sociedade que usava vestidos
rodados e joias caríssimas no pescoço e orelhas, e estava sempre de salto alto. Não. Ela era uma
garota simples, que usava vestidos simples feitos à mão e calçava sapatilhas confortáveis, e que às
vezes, gostava de andar descalça e sentir a grama molhada da chuva sob seus pés.
— Nos encontramos de novo! — disse uma voz masculina, vinda de trás dela.
— Nicholas! — Ela sorriu ao vê-lo. Nos últimos sete dias, eles haviam se visto em quase
todos eles. O rapaz ia muito ao vilarejo com seu pai, afinal, o rei dizia que “um príncipe deve
conhecer seu povo”, e sempre aproveitava para passar e conversar com ela, uma vez que era a única
pessoa que tinha próximo de uma amizade. — O que faz por aqui?
— Acreditaria se eu dissesse que estou apenas de passagem com meu pai, novamente?
— Hm… não. — Riu levemente. — Vocês vêm muito para cá? Digo, vinham antes?
— Na verdade, não. Meu pai começou a me tirar do pa… de casa tem alguns dias. Ele diz
que é para me apresentar novos lugares, mas, no fundo, ele quer mesmo é que eu não fique aspirando
o ar que temos em casa, não quer que eu compartilhe das mesmas dores que minha mãe…
— E ela está melhor? — indagou.
— Sim. Mas a situação ainda é difícil. Minha mãe não é do tipo, você sabe, comunicativa. Eu
converso mais com o meu pai, ele é mais entrosado comigo e de assunto fácil — o garoto contou, um
pouco triste e aborrecido. — Mas, enfim, o que faz por aqui?
— Estava apenas observando. O palácio é lindo, não é?
— Sim, é mesmo. Por dentro ainda mais.
Annabella o encarou, estranhando a resposta do garoto. Como ele sabia como o castelo era
por dentro?
Foi quando ela se tocou. Vestido daquela forma, andando sempre a cavalo, e com um guarda
na sua cola, era tão óbvio.
Como não percebera antes?
— Você é da realeza, não é?
Ele tentou disfarçar, mas não conseguiu. Era péssimo mentiroso.
— Sim. Meus pais são o rei e a rainha. Eu não contei antes pois achei que você não iria
querer conversar com alguém como eu. Geralmente, as pessoas apenas se curvam perante nós, não
conversam. Esquecem que somos pessoas normais. Isso é…
— Frustrante?
— Sim. Você deve pensar que eu sou louco, afinal, um príncipe sempre andando pelo
vilarejo, que sofre pelo afastamento da mãe e que não quer ser rei.
— Está tudo bem. Eu entendo você. Na outra escola onde eu estudava, eu era tratada diferente
das outras garotas. Tudo porque eu não tenho pai. A única amiga que tive, a Hadley, era a única que
me apoiava. Todas as crianças tinham suas vidas perfeitas e eu era a garotinha que morava sozinha
com a mãe. Não são, exatamente, tempos favoráveis para se ter uma família “incompleta”. —
Revirou os olhos. — Há muito julgamento.
Para qualquer pessoa, seria estranho que, em menos de uma semana, eles já agissem como se
se conhecessem há anos. O assunto fluía quando estavam juntos, e se sentiam confortáveis na
presença um do outro. Mas, para eles, não era estranho, para nenhum dos dois.
— Mas, se você quiser conversar sobre o motivo que faz a sua mãe ser assim como você diz,
eu estou pronta para ouvir. Se tem alguém que entende de drama familiar, esse alguém sou eu.
— É bem complicado, na verdade. Evitamos falar no assunto, pois é muito doloroso. Você
não deve saber, afinal é nova por aqui, todo mundo nas fronteiras sabe mas ninguém comenta, a
história é antiga. Há uns onze anos mais ou menos, meu tio Andrew, o chanceler do meu pai, e minha
tia Grace, a esposa dele, contam que o palácio era rodeado por alegria e música, festas o tempo todo,
o povo chegava a entrar no palácio para as festividades. Eu sempre fui mais fechado e introspectivo,
diferente da minha irmã, que contam que era muito alegre e espontânea. Mas, durante a festa de
aniversário dela, uma invasão ao palácio aconteceu, e ela foi... — Suspirou. — Naquele dia, tudo
escureceu, e ninguém nunca superou a perda, principalmente minha mãe.
A história caiu como uma bomba no colo da menina. Ela não estava esperando por aquilo.
— Nicholas, eu… sinto muito. Eu não sabia… Eu consigo imaginar pelo que a sua mãe passa
todos os dias, e posso afirmar que não é nada fácil. — Claro que ela não ia contar, com tão pouco
tempo conhecendo o garoto que, na verdade, ela era uma garotinha que fora abandonada no relento
quando tinha apenas cinco anos e que não sabia quem era ou de onde veio. Ainda não. — Como ela
se chamava?
— Annabella. Mas a chamávamos apenas de Annie. Bom, eu chamava, já que não conseguia
pronunciar o nome inteiro. Meus pais a chamavam apenas de “princesa”.
Annabella. A irmã de Nicholas tinha o mesmo nome que ela. Essa é a coincidência do
século, pensou. Será um mal do nome? Todas as Annabellas estão destinadas a enfrentar o
sofrimento? Não, não, Ella, isso é ridículo, por Deus!, sua mente gritou.
Nem cogitou a ideia de serem a mesma pessoa, pois se ela fosse uma princesa, com certeza se
lembraria disso. Morar em um palácio e ter uma vida de luxo não é bem uma coisa que se esquece,
independente da pancada que levou na cabeça — que era a sua única explicação para não se lembrar
de nada.
— Eu sinto muito, Nick.
— Não tem problema. É uma história antiga. Hoje, se ela estivesse viva, teria a sua idade, e
um dia seria rainha. Agora, eu estou na fila do trono depois de meu pai. E ainda tem o ducado do meu
avô, que também é meu.
— Então você, além de herdeiro de um trono, também é herdeiro de um ducado?
— Sim. O título era da minha mãe, já que ela era filha única, e passou a ser do meu pai
também quando eles se casaram, mas desde que se tornaram rei e rainha, não usam mais o título de
duque e duquesa. Ele era da minha irmã, mas agora é meu. São pequenas regrinhas bem chatas da
monarquia, não queira entender. Às vezes, nem eu entendo todas elas.
— Você parece não querer nem um título, nem o outro, estou certa?
— Não é que eu não quero. Eu gosto de quem eu sou, amo o lugar em que eu nasci, reconheço
todos os privilégios que me foram dados no momento em que eu cheguei ao mundo. Mas, como
qualquer pessoa, eu tenho sonhos inalcançáveis. Eu quero ser explorador, quero ser livre, sabe?
Poder viajar o mundo, conhecer coisas novas, me casar com quem quiser e ter o meu direito de
escolha. Não quero ficar preso a uma propriedade. Sem contar também que eu me sinto apenas um
substituto. Eu não sinto que nasci pra ser rei, porque se eu sentisse, seria como acreditar que o que
aconteceu com a minha irmã estava predestinado, que estava escrito nas estrelas ou sei lá, no fio da
meada do destino, que eu deveria assumir o lugar que foi dado a ela quando nasceu, e eu me recuso a
pensar que existe uma força maior que nós que escreveu uma história tão curta para uma criança por
livre e espontânea vontade apenas para me dar o que deveria ser dela. É como se a coroa fosse um
prêmio de consolação, ou sei lá...
— Eu entendo. De verdade. O sentimento de “não pertenço a esse lugar” é horrível. Tenho
familiaridade com ele. É horrível pensar que você está em um lugar não por escolha, mas porque as
circunstâncias quiseram assim. — Suspirou. — Mas, pense pelo lado positivo: se você se tornar rei,
poderá mudar muita coisa — disse, tentando animá-lo. — Você pode melhorar as leis e regulamentos
que proíbem as pessoas, principalmente as mulheres, de fazer muita coisa. Você pode ser aquele que
vai mudar tudo que está errado.
— Meu pai já fez muita coisa. Me orgulho de ter seu sangue. Quando foi coroado, ele mudou
a lei que proibia mulheres de fazerem parte da guarda real, e embora sejam poucas que tenhamos na
nossa guarda, já é algo que muitos reinos não aprovaram.
— Pense nisso. Um passo de cada vez, Nick, é sempre importante ter isso em mente.
Ele sorriu.
— Como você sabe sobre tudo isso? Muitas pessoas não se interessam muito em entender o
assunto. — Quis saber. Para uma jovem, ela parecia saber muita coisa sobre governo e como as leis
funcionam. Ela parecia ser alguém que se interessava. Se, algum dia ela fosse rainha de algum reino,
ou até mesmo, uma duquesa, poderia mudar muita coisa, seria um exemplo para muitos.
— É algo que eu tenho dentro de mim desde que me lembro. Não sei explicar, mas eu sinto,
como se tivesse alguém me dizendo dentro da minha cabeça que eu devo sempre ajudar as pessoas,
lutar por elas. Não sei de onde isso vem, mas procuro ouvi-la sempre. Eu já precisei de muita ajuda,
que se não tivesse recebido, talvez nem estivesse aqui conversando com você. Eu vi com meus
próprios olhos o que um ato de maldade pode causar, e ouvi muitas histórias sobre coisas absurdas
que acontecem com as pessoas com menos privilégios que outras, e, mesmo não conseguindo fazer
tudo o que desejo, procuro fazer a minha parte, da maneira que consigo.
— Se você fosse da realeza, com certeza seria uma grande rainha. Obrigada por isso, Ella.
Eu me sinto bem melhor.
— É bom conversar com você também, eu não tenho amigos aqui, então, às vezes, ficamos só
eu e a Annika, minha gatinha, sozinhas em casa. — Ele sorriu. — Pense sobre o que eu te falei, tudo
bem? Converse com a sua mãe, algumas palavras podem mudar tudo.
Nicholas começou a pensar na vida, olhando para o horizonte. Conhecer aquela garota lhe
trouxe, entre muitas coisas, o significado de seus valores. Ao ouvir a história dela, ele se sentiu como
ela. Ella não tinha um pai, apenas mãe, e ele, tinha os dois, mas, às vezes, sentia que não.
As palavras dela sobre ele ser o rei que poderá mudar as coisas, entraram na mente dele, e o
fez perceber que ela tinha razão. Mas, antes, ele precisava mudar outras coisas. Precisava entender a
si mesmo, e para isso, existia uma pessoa com quem ele precisava falar.
Se ele fosse mudar o seu reino e ajudar o seu povo, primeiro precisava mudar a sua vida, e
ter uma relação saudável com aqueles que o cercavam. Precisava criar um laço com sua mãe, um
laço mais profundo, algo inquebrável e que não tivesse medo no centro.
Ele retornou para o castelo, e o primeiro lugar onde fora foi o quarto de seus pais, pois sabia
que a encontraria lá. Dito e feito. Ela estava sentada na cama, com as pernas esticadas, lendo um
livro.
— Oi, mãe — se apresentou e caminhou até a cama.
— Oi, filho. Já voltou? Pensei que você e seu pai ficariam fora até mais tarde. — O garoto
caminhou até ela, que lhe deu um beijo na bochecha.
— É… mãe, podemos conversar?
— Claro. O que foi? — Ela o olhou com preocupação, querendo saber do que se tratava.
— Eu não sei como começar, mas, eu preciso iniciar de algum lugar. Mãe… por que… por
que nós somos assim? Você sabe, às vezes, parece que somos dois estranhos morando no mesmo
lugar. Eu sinto que falta conexão entre a gente, ainda mais agora, que eu estou crescendo e precisando
de você, e eu não tenho isso. — Suspirou, pesadamente. — Eu só… queria saber que tenho você,
sabe… estar nesse castelo tão grande e me sentir sozinho o tempo todo, porque a única pessoa com
quem eu quero conversar está sempre isolada… é horrível.
Alycia sentiu seu coração se partir em milhões de partes. Ela ficou tão abatida nos últimos
anos pensando sobre uma filha que provavelmente — pois ela ainda tinha esperança — nunca
voltaria, que não percebeu o quanto tinha bem em sua frente. Ela havia ficado tão distante dele, assim
como de seu marido, que não percebia que isso não ajudava em nada a superar sua dor, pelo
contrário, só a aumentava mais. Ela precisava deles para se tornar forte novamente. Eles eram sua
força, assim como seus amigos.
Ver seu filho expor os sentimentos daquela forma a fez perceber o que estava perdendo. Ela
precisava focar na família que tinha, e que nos últimos dez anos, fora seu único pilar de sustentação.
Ela sempre disse que daria o seu melhor para não deixar aquela família desmoronar, por ela, por seu
marido, seu filho, e, principalmente, por sua filha, para honrar sua memória.
Era hora de, finalmente, tomar uma decisão: focar no presente, e deixar o passado em paz.
Não esqueceria de sua filha jamais, manteria sua lembrança sempre viva, mas também viveria sua
vida. Se dedicaria mais à sua família, ao seu marido e o seu filho, pois eles também precisavam dela.
Assim como eles eram seu pilar, ela era o deles. Já haviam ficado separados por tempo demais.
— Eu sinto muito, filho. — Se levantou e tocou o rosto dele. — Eu fiquei muito distante, não
é? — Ele apenas a encarava, sem dizer nada. — Eu deveria ter estado mais ao seu lado, cuidando de
você e do seu pai. Eu fui egoísta, e sinto muito. — Deixou algumas lágrimas caírem. — Vem cá. — O
abraçou, beijando demoradamente sua testa. — Eu prometo tentar estar mais presente a partir de
agora, viu, meu amor? E, saiba que, não importa o que aconteça, eu vou sempre amar você mais do
que qualquer coisa.
— Eu sei. Eu amo você, mãe. — Ele se rendeu mais ao abraço, e ficou ali, por longos
minutos.
Logo, o Hale mais velho entrou no quarto, e sorriu ao ver aquela cena. Era, uma das poucas
que já havia presenciado. Era tudo que ele queria há tempos, ver aquela relação florescer.
Alycia o viu, e sorriu para ele.
— Posso me juntar a esse abraço? — ele perguntou, embora já estivesse se juntando ao
momento. Matthew abraçou a esposa e o filho de lado, formando algo parecido com um triângulo, e
ficaram ali. O momento era precioso, e agora, fariam de tudo para ser sempre assim.
Ela olhou para ele, e, com um sorriso nos lábios, sussurrou um “eu te amo”, e recebeu outro
em troca.
Aos poucos, eles lutariam para fortalecer aquele vínculo, remendando a união, e, juntos,
enfrentariam qualquer coisa.
Juntos, passariam por coisas que nem podiam imaginar.
Ainda.
13. Passado Amargo
Muitos anos atrás
— Você é muito mandona, Lilly! — A voz do jovem príncipe ecoava pelo local. Estavam no
jardim, decidindo como passar o tempo naquele dia. Matthew queria treinar arco e flecha ou
espadas, mas Lilliana queria continuar o jogo anterior, e derrotá-lo mais uma vez em uma partida de
xadrez. E, se não fizessem o que ela queria, ela não iria fazer o que ele queria.
— Eu vou ser rainha um dia. Tenho que ensinar todos a sempre fazerem o que eu quero.
— Isso não é ser rainha, é ser chata! — ele rebateu. — E como você sabe que vai ser rainha?
— Porque um dia eu vou me casar com você. Não é óbvio?
— Eu não posso me casar com você. Somos amigos!
— E alguém se casa com um inimigo? — Sorriu, batendo no braço dele levemente e saindo
correndo, para que ele fosse atrás dela, dando início a uma nova brincadeira.
Em alta velocidade, correram pelo jardim, até que ela o despistou e entrou no castelo, pela
passagem que chegava, através de um enorme corredor, ao salão. Foi quando viu uma cena que a fez
parar de correr e se esconder atrás de uma enorme pilastra.
— Majestade, nossos homens estão cansados e feridos, eles não vão aguentar mais uma
batalha.
— Não temos escolha, John. Porto Dourado está marchando nesse momento em nossa
direção, temos que defender o nosso reino. Prepare seus homens, vocês devem partir pela manhã. —
Ela viu o rei James se levantar e caminhar na direção oposta, e observou seu pai abaixar a cabeça, se
sentindo derrotado.
— Papai? — Saiu de onde estava escondida e se aproximou dele.
— Oi, filha. O que está fazendo aqui? Achei que estava lá fora brincando com Matthew.
— Você vai embora de novo? — Ele percebeu que sua conversa com o rei fora escutada, e
sabia que mentir seria inútil.
— Vou, minha querida. Amanhã pela manhã.
— Mas você acabou de chegar! Não faz nem quinze dias que voltou da última batalha. —
Apesar da pouca idade, sabia se expressar muito bem, e não tinha medo de falar o que queria.
— Eu tenho que ir, Lilly. Nosso reino está em perigo. Lembra o que expliquei da última vez?
Preciso tornar esse reino seguro para você poder viver em um lugar em que não haja perigo a cada
canto. — Se ajoelhou a sua frente e a fez se sentar em sua coxa e a abraçou lateralmente. — Eu não
sei quando eu vou voltar, mas eu quero que você continue sendo uma boa menina, tudo bem?
Continuando honrando a nossa família. Posso contar com você?
— Pode, papai.
— Agora, vá brincar com Matthew. Pode ir.
A garota saiu andando, mas sem animação alguma. E, ao invés de ir brincar com Matthew no
jardim, seguiu para o seu quarto, para se isolar de todos o resto do dia. Bateu à porta com força e
deixou a primeira lágrima cair. Teria que se despedir de seu pai novamente. Nunca tinha tempo com
ele, estavam sempre longe um do outro. Ela nem sequer sabia qual era a verdadeira face dele, já que
estava coberto por cicatrizes e marcas de corte por todo o corpo. Nunca conseguia fazer nada com
ele, pois sempre que ele estava presente, estava com dores pelo corpo todo.
Sentia seu sangue ferver por dentro, de raiva e tristeza. Queria socar alguma coisa, para
descontar aquele sentimento. Fechou as mãos com força para evitar aquilo, fechou os olhos, e se
concentrou em não pensar naquilo. Mas não conseguia. Seu corpo todo estremeceu, e ela só parou
quando ouviu um barulho de algo estilhaçando. Abriu os olhos, assustada, e percebeu que o espelho
de seu quarto havia se partido em mil pedaços, e assim que encarou o vidro no chão, viu a moldura
de ouro se unir aos cacos.
— O quê?
Pensou que ela havia feito aquilo de alguma forma, mas não teria como. Estava a metros de
distância do espelho, sequer encostou nele. E as janelas estavam trancadas, não poderia ter sido o
vento. O que fizera aquele espelho cair?
Abriu a porta e chamou uma das criadas, que apareceu rapidamente e limpou o vidro
quebrado antes que a garotinha se cortasse. Sua preceptora a levou novamente para o jardim, para
distraí-la enquanto o aposento era organizado.
Lilliana não conseguia sorrir, mesmo brincando. Sabia o que viria em poucas horas.
Na manhã seguinte, viu seu pai partir novamente, com a mesma promessa de voltar em breve.
As semanas se passaram de forma lenta, e acabaram se tornando meses. Quase quatro meses se
passaram até que a batalha se encerrou.
Ela se animou por saber que o pai voltaria para casa, e estava contando os minutos para vê-lo
entrar pelos portões.
Porém, não aconteceu. Quando perguntou por seu pai, ninguém disse nada, apenas a olharam
com dó e suspiraram. Exigiu saber dele, e foi quando apareceu o médico da enfermaria real, e se
colocou a falar.
— Ele quer ver a filha.
Acompanhada da preceptora, Lilliana seguiu o médico até a enfermaria, e viu seu pai, deitado
em uma maca, muito debilitado. Correu até ele, e viu que estava muito pior do que aparentava.
— Papai!
— Lilly… eu precisava te ver… uma última vez.
— O que está dizendo?
O homem cuspiu em um pano, e quando Lilliana conseguiu enxergar, persegue que seu pai
estava cuspindo sangue.
— Eu estou muito ferido. Não tenho mais muito tempo.
— O quê? Você vai morrer?
— Eu sinto muito, minha querida. Mas você estará segura, é o que… importa — contou, entre
tossidas. — Honre a nossa família. — Foram suas últimas palavras, antes de fechar os olhos e
tombar a cabeça, morrendo.
— Pai? — Lilly tentou sacudi-lo, na expectativa de acordá-lo, mas foi inútil. Ele nunca mais
acordaria.

Ela levou muito tempo para aceitar a morte do pai, mas se conformou com o passar dos anos.
Um acordo havia sido selado entre os dois reinos inimigos, e hoje, eram aliados. Nenhuma nova
morte fora causada por desentendimentos entre as duas monarquias.
John Keyes fora nomeado um herói de Porto Vermelho, o que concedeu alguns privilégios a
sua filha, Lilly. Por ter o sangue de um herói, todos os olhos do reino estavam nela. E, conforme
crescia e alcançava a idade apropriada, mais e mais pessoas acreditavam que ela seria a futura
rainha da dinastia Hale.
Isso a encantava. O fato de um dia não tão distante em seu futuro poder receber em sua cabeça
o objeto e símbolo que honrariam o nome de sua família, a deixava ansiosa.
Não via a hora de poder ter a sua chance de mudar o futuro, e tornar em realidade os sonhos
de seus pais. Bom, o sonho de seu pai, já que nunca conheceu sua mãe, que morrera ao lhe dar à luz.
Ela queria mostrar a todos que era parte daquela família também, pois mesmo tendo sido criada por
eles, nunca se sentiu, realmente, parte dela. Era como se ela fosse uma obrigação, alguém que eles
tinham o dever de educar.
— Preparada para o baile? — Lara, uma de suas criadas, perguntou, enquanto arrumava seu
cabelo.
— Um pouco. Todos esperam que, ao final da noite, aconteça um pedido de casamento, mas
Matthew não parece muito animado com a ideia.
Há alguns dias, isso havia sido discutido no palácio. Lilliana escutara entre o príncipe e o rei
uma conversa, na qual Matthew dizia não querer se casar com a jovem por não a amar, e James
rebater que era o certo a se fazer, pois esse era um assunto discutido desde a infância dos dois. Ela
escutara Matthew dizer que não queria se prender a alguém por quem não sentia amor, que não era
justo com ele, e nem com ela, pois ele sabia que ela também não o amava.
— É claro que ela o ama, meu filho.
— Não. Ela não me ama. O que ela sente é uma ilusão, não é amor, não amor de verdade, e
isso foi causado por vocês, que desde que era uma criança escuta todos dizerem que ela será rainha
um dia. Quem não se encantaria pela ideia?
Ela sabia que era verdade, ela queria ser rainha, todos sempre lhe disseram isso, era justo
que recebesse tal presente um dia, e, se para chegar lá, precisasse se casar com ele, que assim fosse.
Antes se casar com alguém que se possa, ao menos, ter uma amizade, do que com alguém que
despreza.
— Por favor, pai, não me obrigue a isso.
— Matthew, em menos de dois meses você completará dezoito anos, é esperado que você se
case até lá. Não poderá se apaixonar por outra garota nesse curto espaço de tempo.
— Me dê a chance. Eu imploro. — Pensou por um segundo. — Façamos um acordo, daremos
um baile em dois dias, e todo o reino será convidado, e eu digo todos, que todas as jovens venham ao
baile. Se, eu não conseguir encontrar a garota certa, farei como quer, quando completar dezoito, me
caso com Lilliana.
Ela não conseguiu deixar de se ofender por ele implorar ao pai para não o forçar a se casar
com ela. Era como se fosse o maior dos sacrifícios. Ele necessitava tanto assim de amor para ser
feliz em um casamento? Parecia uma coisa fútil. Ela nunca soube a real necessidade de ter algo assim
em sua vida.
— Você precisa se esforçar ao máximo para conseguir conquistá-lo. Tome, use esta, combina
com o seu vestido. — A criada lhe entregou uma máscara branca, e a jovem a colocou sobre o rosto.
Desceu para o salão e encontrou Matthew parado ao lado do trono de seu pai. Ela se aproximou e se
reverenciou. Matthew, cumprindo o trato que fizera com o pai, a levou para o centro do salão para
dançar. Já havia conhecido a grande maioria das mulheres presentes no salão, e nenhuma o chamou a
atenção. Até o momento que reparou nas flores no canto. Ela estava bem na linha do horizonte da
jovem com quem dançava, o que a fez pensar que olhava para ela, mas não olhava.
Ela percebeu isso quando ele se afastou e foi até a outra garota. Nunca entendeu como aquilo
aconteceu, mas, de fato, naquela noite, um futuro noivado fora previsto. Só não era o dela.

Lá estava ela, correndo para longe do palácio. Quanta humilhação. Fora muito tola de chegar
a pensar que algum dia teria chance de fazer Matthew desejar se casar com ela. Ele nunca poderia.
Ela nunca seria a rainha de Porto Vermelho. Havia outra em seu lugar agora.
Sentiu raiva de todos que a fizeram acreditar que um dia alcançaria tal posição, por terem-na
iludido a vida toda. Sentiu raiva da família real por permitir que o acordo de casamento entre eles
fosse quebrado por um capricho do príncipe.
Ninguém esperava pela mudança. Ela o viu deixá-la sozinha na pista de dança do baile e ir de
encontro à outra, o viu chamá-la para dançar, e assim, viu todo o seu futuro se esvair por entre seus
dedos.
Não demorou até que a notícia se espalhasse por todo o reino: o príncipe Matthew Hale havia
escolhido uma noiva, Alycia Casey, filha do duque de Lestery. A notícia alegrou a todos, mas alguns
ficaram bem confusos. Ela era uma dessas pessoas.
— Então é isso… — ela disse no momento que o encontrou após o anúncio do noivado. —
Você vai simplesmente ignorar tudo que tivemos e vai se casar com ela?
— O que nós tivemos Lilly? Nada além de ilusões da sua cabeça. Eu ia, sim, me casar com
você, mas não porque eu queria, e você sempre soube disso. Me diga, algum dia você me amou?
— Você tinha um compromisso comigo, Matthew, e você o quebrou por um capricho.
— Não é e jamais será um capricho. Eu me apaixonei pela Alycia, e a amo, e vou me casar
com ela você queira ou não.
— Você vai se arrepender de casar-se com ela, eu sei que vai. Ela não é mulher para você.
— Uma vez na sua vida, Lilliana, fica calada. Não me importa o que você pensa dela, eu irei
me casar porque a amo! E você pode amar também, existem mil e um homens solteiros lá embaixo,
algum deles há de lhe interessar. — E ele se foi.
Ao contrário do que ele dissera, não havia milhares de homens solteiros que a desejassem.
Todos sempre souberam que ela se casaria com ele um dia, e, de repente, esse noivado certo fora
rompido. Ninguém jamais tentou entender as razões dessa mudança, mas, como sempre, acreditaram
que ela era o problema.
Não tardou a tarde de outono em que Matthew e Alycia vieram a se casar. Como membro da
família real, de maneira indireta, ela estava no casamento. Estava lá para vê-los trocar as alianças,
assinarem seus nomes em matrimônio, saírem da abadia e seguirem para o salão onde dançariam a
valsa dos noivos.
Quando os viu sumir entre as pessoas, ela sabia o que estava acontecendo. Para um
casamento ser considerado válido, era necessário que ele fosse consumado, isto é, naquele exato
momento, aquele homem estava consumando um casamento com uma mulher que não era ela.
Não suportava isso. Precisava ir embora, não suportaria ver o todo o seu futuro ser destruído
daquela forma. Não. Isso não. Já havia perdido muito até ali, tinha que deixar tudo aquilo para trás
com o pouco de dignidade que lhe restava.
Estava no meio da floresta, não sabia onde. Tudo estava escuro, não havia sinal de que
houvesse alguma pessoa por ali. Sentou-se à beira de uma árvore e começou a chorar. Chorava pela
perda, por Matthew, pelo casamento, por tudo e por todas as pessoas que sempre eram tiradas dela e
ela simplesmente não podia fazer nada para impedir. Era como se estivesse fadada ao sofrimento.
Queria que pudesse existir alguém que a ajudasse a superar, mas todos pareciam estar contra ela.
— A vida é cruel às vezes, não é? — disse, de repente, uma voz. Era sinistra e causava
arrepios. Ela encarou a figura e foi então que se assustou ainda mais.
— Quem é você? — indagou. Seus olhos pareciam penetrar a alma. Ela dava medo. Parecia
ser feita de medo.
— Ninguém. Literalmente.
— O quê? — perguntou, entre as lágrimas.
— Meu nome é Grinllith, e você, Lilliana Keyes, precisa de mim.
— Do que diabos você está falando?
— Você acabou de desejar por alguém que a ajude. A solução acabou de chegar.
Se tinha uma coisa que Grinllith era muito boa, essa coisa era em persuadir pessoas. Ela
conseguia se aproveitar de seus momentos mais infelizes e que pudessem facilmente serem afetados
por ideais errados.
E, aquela garota, era perfeita. Tinha muito sofrimento dentro de seu coração, e estava bem na
frente da guia certa para tornar aquele pesar nos sentimentos errados e sombrios.
— Um passarinho me contou que… Quem eu estou querendo enganar? Eu vi com meus
próprios olhos. — Riu, maleficamente. Ela a olhou curiosa.
— Como… como você fez isso?
— Achei que não ia perguntar. — Fez surgir um espelho, pequeno, com bordas douradas. —
Veja você mesma.
Grinllith passou os dedos pelo espelho, o que fez o vidro formar ondas e em seguida mostrar
uma imagem.
— O quê… — ela disse assustada. Ao ver a imagem que o espelho lhe refletiu, seu coração
doeu.
— Isso é uma imagem em tempo real. — Riu a besta. — Sim, são eles. Os futuros rei e rainha
do reino, dormindo juntos, abraçados, após a consumação de seu casamento. Não é adorável? —
perguntou, ironicamente.
O coração de Lilliana apertou tanto, mas tanto, que doía como se alguém o estivesse
esmagando. Começou com uma dor, mágoa, mas conforme ela ia penetrando seu olhar naquela
imagem, foi se transformando em raiva, em nervosismo, até que virou ódio.
Sentiu ódio de Alycia, por ter roubado o que deveria ser dela. Sentiu ódio de Matthew, por
tê-la largado por uma obstinação. Sentia ódio de Grinllith por estar lhe mostrando essa imagem. Mas,
pior que isso, sentia ódio de si mesma por estar se submetendo a isso.
— Por que está me mostrando isso? Quem é você? Um demônio que veio me torturar?
A figura gargalhou.
— Exatamente. — Suspirou. — Você sabe que deveria ser você aí com ele, não sabe? — Ela
nada respondeu. — Depois de tudo que essa família tirou de você, dar-lhe a coroa era o mínimo que
deveriam fazer.
— O que você está querendo insinuar?
— Não se faça de burra. Você sabe muito bem do que falo. Me responda, como seu pai
morreu?
— Foi numa batalha, ele era da linha de frente e…
— E, essa batalha, quem a causou?
— Eu não sei, eu era muito nova! Mas eu lembro que foi um desentendimento entre Porto
Dourado e Porto Vermelho.
— Dois reinos que viveram em pé de guerra e hoje são, praticamente, melhores amigos —
comentou.
— O que você está tentando dizer?
— Me diga, você chegou a ver os pertences que seu pai deixou?
— Ele não deixou nada, bom, quase nada, além de dinheiro, e tudo foi gasto comigo.
— Ah, nada? — Encarou as unhas e assobiou. — Tem certeza?
A jovem a encarou, receosa pelo que ela poderia saber.
— Eu poderia mostrar muitas coisas que a família Hale escondeu de você. Mas, claro, quem
sou para corromper uma alma pura? Ninguém. Absolutamente ninguém — repetiu.
Não sabia o que fazer. A voz do demônio estava ecoando em sua mente, lhe dizendo para
aceitar. Mas não sabia se deveria. Demônios são traiçoeiros, ela sempre soube disso, eles se
alimentam de fraquezas e exploram o sofrimento. Entretanto, tinha interesse em saber o que ela
poderia lhe mostrar. O que poderia lhe contar.
— O que você sabe?
A mulher — ou quase — sorriu maleficamente, e em seguida, fez surgir vários papéis em sua
mão.
— São cartas. Do seu pai para a adorada Lilly.
— Como posso saber que são reais?
— Saberá quando ler.
Ela pegou a primeira carta e viu o lacre com o brasão de sua família. Os Keyes haviam
servido à família real Hale por séculos, eram como unha e carne. E, aquele brasão, já sem cor,
grafado na cera empedrada, não poderia ser falsificado, era único.
Abriu a carta e se pôs a ler.

Querida Lilly,

Mais um dia, mais uma batalha. Não sei quando voltarei para a casa, mas o rei tem
conhecimento de meu estado, e sabe que é meu desejo mantê-la segura. Minha doce filha, se eu
estou nessa batalha, é por você. Para poder garantir o seu futuro. Assim como o rei tenta garantir
o da família dele. Ele não participa das batalhas por razões diplomáticas, deve preparar seu filho
para assumir seu lugar, e, quem sabe, você não poderá assumir junto a ele?

O texto se encerrava ali, sem um “até logo” ou coisa parecida. Pegou outra carta e começou a
lê-la.

Minha amada filha Lilly

O campo de batalha não fica melhor com o passar dos dias. Recebi ontem uma carta do rei
dizendo que está mandando reforços para nós. Ele também me disse que você tem se dedicado com
ímpeto aos seus estudos. Obrigado, minha querida, por fazer meu esforço valer a pena. Muitos
pensam que estou aqui pelo rei, e talvez haja uma parte disso. Mas, minha maior fonte de força é
saber que tenho que lutar para poder voltar para o que deixei em casa: você. Já faz seis meses que
a vi pela última vez, e imagino que tenha crescido muito. Cresça, minha garotinha, e sempre sonhe
alto, viva para o futuro, e nunca deixe ninguém tomar o que você tem de mais valioso: seu
coração.

Mais uma vez, nenhuma finalização formal.


Pegou o terceiro papel, este que não possuía lacre, e pelas bordas rasgadas, diria que era
alguma página de um diário. Ela já tinha lágrimas nos olhos. Nas primeiras linhas, ela já sabia de
quando era, a última lembrança que tinha de seu pai.

Tive uma discussão com o rei hoje. Ele está mandando nosso exército para o campo de
batalha novamente. Não faz nem quinze dias que retornamos. Ele esquece que eu tenho
responsabilidades, que tenho uma filha, que vários dos soldados têm família. Ele fica aqui, no
palácio, seguro. E nós corremos o risco. Faço isso para conseguir acabar com as guerras de uma
vez por todas, para que minha filha possa crescer em um lugar pacífico.

— Eu não…
— Continue lendo. Acho que você vai gostar bastante dessa última.
Lilly pegou o envelope e tirou o pergaminho de dentro.
— Essa carta não é para mim — falou ao ler o nome que trazia nas primeiras linhas.
— Não. Ela era para sua mãe.

Minha amada Liah,

Não sabe como eu queria estar ao seu lado. Ainda mais agora que está prestes a trazer
nossa criança ao mundo. Estou aqui no campo lutando para garantir que nosso bebê possa crescer
em um mundo seguro, em que guerras não aconteçam. Daria tudo para estar ao seu lado. Imagino
que esteja necessitando de mim.
Seja forte, meu amor, em breve estarei aí para abraçar e cuidar de você e de nosso filho.
Espero que não demore, já estamos aqui há três meses. A amo mais do que tudo.

Quando terminou de ler tudo que estava em suas mãos estava desestabilizada. Cada carta
possuía uma data diferente, anos diferentes. E em todas, seu pai estava lutando em nome do rei. Ela
se lembrava dessa época, lembrava de sempre ver o rei James, de nunca o ver sequer vestir um elmo
ou armadura. Já seu pai, ela nunca o viu sem aqueles trajes.
Seu pai lutou inúmeras guerras em nome do rei. E para quê? Para perder a esposa sem ter a
chance de dizer adeus? Para perder a chance de criar a própria filha ao perder a vida lutando em
nome de alguém que não se dava o trabalho de mover um dedo para parar a guerra?
A família Hale provocou aquilo. Agora ela entendia o que Grinllith dissera. Os Hale tiraram
tudo que ela tinha, mais do que ela imaginava. Não era justo!
— A vida não é justa, não é? — repetiu sua pergunta inicial.
— Eles… O meu pai… a minha mãe… — Não conseguia formar uma frase sequer. Ela
sempre foi impulsiva, mas aquilo que estava sentindo não eram seus impulsos nervosos. Não. Era
bem maior do que isso.
Ali, a Lilly inocente e delicada morreu. E ali, a nova Lilliana Keyes nasceu, uma consumida
pela dor e pela raiva.
— Como você fez isso? É a única que tem esse poder?
— Você quer saber se sou a única com esse poder no mundo ou se sou a única com esse
poder no seu mundo? — A encarou, sem saber exatamente o que ela dizia. — Para ambas, não.
Somos muitos, porém, no seu mundo, nesse exato momento, existem sete de nós, espalhados por aí.
De tempos em tempos, tiramos uma folga de casa. Torturar almas condenadas não é tão legal quanto
condenar as próprias almas.
Lilliana sentiu um calafrio, mas não saberia dizer se bom ou ruim.
— Como eu faço para fazer isso que você fez? Esse negócio com as mãos?
— Se chama magia — corrigiu a fera. — E você não faz. Você nasce com isso. É o que nos
dá poder.
— Eu quero que me ensine. Quero poder retribuir às pessoas com a mesma dor que eu recebi
a vida inteira.
— Não dá para se ensinar magia — contou. Lilliana se sentiu frustrada. — Entretanto… se
você tiver isso dentro de você, podemos trazer à tona.
Lilliana sorriu.
— Ótimo. Me mostre.
Parecia lavagem cerebral que haviam feito nela. Mas não, era apenas uma garota consumida
pelo ódio. A presença de Grinllith também não ajudava, era como se o fato de ela estar perto fizesse
florescer os sentidos mais impuros e ruins das pessoas. Ela era o responsável pelo nascer da nova
Lilliana.
— Cansou de ser boazinha e amada por todos?
— É melhor ser temida do que ser amada. — Naquele momento, ela aceitou que todo o ódio a
consumisse, e a partir dali, as coisas apenas se tornariam piores. — Hora de honrar a minha família.
Demorou um tempo até ela conseguir eliminar todos os sentimentos bons de dentro de si. Nos
primeiros dias, tentava se convencer de que aquela raiva era momentânea, e que passaria. Mas não
passou. E, conforme recebia as visitas de Grinllith, isso só piorava.
Os dias passaram, e acabaram se tornando semanas, depois meses, até que, um ano depois,
tudo estava totalmente diferente. Ela havia mudado.
Descobriu mais sobre seu passado, descobriu que sua mãe tinha dons mágicos, mas que nunca
chegou a desenvolver totalmente, e Lilliana conseguiu explorar esse potencial. O problema era que,
quem a ajudou a fazer isso, não tinha boas intenções.
Descobriu coisas que mudaram sua perspectiva de vida.
Ela não era mais a mesma, nada era. O mundo também havia mudado. Guerras não
aconteciam mais, não com a frequência de antes. As guerras acabaram justamente quando ela já não
tinha mais nada para perder. Que conveniente!
Ela fez coisas, viu coisas, pior, machucou a si mesma no processo. Grinllith havia conseguido
liberar o pior lado dela, fazendo-a se tornar exatamente quem ela queria. Era o que demônios faziam,
diga-se por pura diversão: traziam o pior das pessoas.
São seres sem almas, cujo o único propósito é fazer mal, independente de se por conta
própria ou a mando de alguém.
Agora ela podia fazer tudo que quisesse, claro, dentro dos limites. Sua magia era poderosa,
mas nem tanto. Lilliana tinha potencial, porém, sua magia era limitada. Ela podia espiar através de
espelhos e outros portais, era capaz de ferir pessoas, era sim, muito poderosa, mas não podia fazer
coisas que exigiam mais, como se tele transportar, ou até mesmo, lutar contra outros tipos de magia,
como a magia de luz, a mais pura que existe.
Se passara um ano desde que vira Matthew Hale pela última vez, e agora, estava em frente ao
seu espelho, o observando de longe.
— É uma menina! — dizia uma voz no fundo. Sim, ela estava observando o que o rei e a
rainha de Porto Vermelho estavam fazendo. Ela estava dando à luz a primeira filha do casal, a futura
herdeira do trono.
Isso era para ser dela, era para ser dela, filha dela com ele. Tudo isso deveria ser dela.
— Você ainda vai me pagar, Hale.
— Observando-o de novo? — Grinllith apareceu de repente.
— Quantas vezes eu já falei para não me assustar? — reclamou.
— Você deveria parar de ficar observando e realizar logo a sua vingança, não era isso que
você tanto queria?
— Vingança é uma coisa que se come fria. Você me ensinou isso.
— Pelo menos alguma coisa você absorveu — retrucou, em tom de sarcasmo.
— O que quer dizer?
— Olhe ao redor. Eu te dei tudo, lhe dei poder, e você não aproveita bem um por cento disso.
Fica o dia inteiro observando o rei através do espelho, e não faz um nada para fazê-lo sofrer como
você sofreu. Você perdeu muito tempo. O pai dele, o grande responsável pela sua amargura, morreu.
E Matthew está aí, continuando o legado do pai e, aparentemente, se dando muito bem.
— Não entendo por que quer tanto que eu o faça sofrer, até parece que você e o rei tiveram
seus próprios problemas.
— Você acha que eu me importo com isso? — Riu, maleficamente. — Eu sou um demônio, eu
gosto de ver o caos ser causado. Sabe por quê? Porque quanto mais caos vocês causarem aqui, mais
diversão eu vou ter quando voltar para a casa. — Gargalhou. Dois segundos depois, parou. — Mas
você é fraca, fraca demais para atacá-los. Você tem algo que nenhum deles tem, e fica aí, admirando
o espelho como se não fosse capaz de ir lá agora mesmo e matá-los.
— Eu. Não. Sou. Fraca! — gritou, fazendo com que o vidro do espelho se partisse em
milhões de pedaços.
— Sim, você é! — se aproximou dela e sussurrou.
— Por que me ensinou tudo que sei então? Afinal, se você é tão poderosa como diz, poderia
ter previsto isso.
— Você não é a primeira que encontro e que se mostra um desperdício de talento. Eu tenho a
vida toda, que, para infelicidade de todos, é eterna, para torturar humanos, e não é com você que vou
conseguir isso. Já perdeu a graça.
Ela se irritou ainda mais. Grinllith tinha o dom de tirá-la do sério.
— Eu tenho um plano, caso não saiba — disse, mudando o assunto, tentando mostrar que não
era um fracasso. — E mesmo que queira saber, não irei lhe contar.
— Eu não me importo. Você se mostrou uma perda de tempo. Você é uma decepção. Fraca.
E com isso, a fera desapareceu.

Ela não mentiu quando disse que tinha um plano, pois, de fato, existia um. Ela tinha uma
chance e uma chance apenas de fazê-lo dar certo. Ela sabia que a carruagem real de outro reino
passaria por aquelas bandas exatamente às duas da tarde, voltando do reino de Edward e seguindo
para o sul.
Tinha tudo arquitetado. Ela precisava apenas fingir, atuar, muito bem, para enganar a todos e
ao rei.
Quando viu que a caravana real se aproximava, ela atravessou a estrada, em frente aos
cavalos, que se assustaram. Com um pouco de magia, ela se jogou para longe, e fazendo uso da
mesma, fez alguns machucados em seu corpo, fazendo com que manchas de sangue aparecessem.
— O que aconteceu? — perguntou o rei, saindo de dentro de sua confortável carruagem.
— Foi um acidente, Majestade, a moça apareceu de repente e… — disse o cocheiro,
correndo em direção à acidentada.
O rei a observou, e viu sangue. Tocou a mão dela e a ajudou a virar-se para ele.
— Você está bem, senhorita? — Quando ela virou o rosto para ele, o rei ficou encantado com
sua beleza. Ela era tão jovem, tão mais jovem do que ele, e era encantadora. O rei percebeu seus
longos cabelos castanhos e seus olhos tão escuros quanto a noite, e se viu refletir neles.
— Sim, Majestade.
Ele a ajudou a se levantar, mas, falsamente, ela fingiu não conseguir se apoiar nas próprias
pernas, como se estivesse impossibilitada de andar.
— Eu lamento, foi um terrível acidente. Me permita levá-la até sua casa, onde você mora?
— Na verdade, eu não tenho casa, Majestade. Eu vivo na floresta — mentiu.
— Isso é um absurdo. Já sofreu tanto, e ainda isso. Venha comigo, vou levá-la ao meu
palácio, tenho criadas que cuidarão de você.
— Eu não posso aceitar, Majestade. Foi só um acidente, daqui a pouco passa. — Tentou dar
um passo, mas quase caiu novamente, dessa vez nos braços dele. — Ah.
— Eu insisto.
Fingindo estar lisonjeada, ela aceitou. Ele contou-lhe que o reino ficava além do oceano, mas
que ela seria tratada no caminho. Foi levada à enfermaria assim que chegaram ao navio real, onde
limparam os ferimentos e, muitas horas depois, chegaram ao palácio, e lhe deram roupas
confortáveis. Essas roupas… eram tão parecidas com as que usava quando morava no castelo dos
Hale.
Quando o rei adentrou o local, ficou surpreso por vê-la tão radiante, tão linda…
— Perdão… — disse depois de um tempo admirando-a. — Você está linda.
— Me sinto muito agradecida, Majestade. O senhor é tão gentil, sua rainha deve ser uma
mulher de sorte — comentou.
— Ah, não, não sou casado.
— Oh, eu imaginei que…
— Sim, todos pensam isso. Eu cheguei a me casar, mas minha esposa… é uma longa história.
Mas, não sou tão só, tenho uma filha de um ano, ela é pessoa mais preciosa que eu tenho.
Droga, uma garota.
Com essa ela não contava.
Terei que me livrar dela também.
— Eu… adoro crianças.
— Sério? Posso levá-la para conhecê-la se quiser.
— Eu adoraria.
O rei a levou até o quarto da princesa. Era todo pintado com cores claros, e ele explicou que
eram as cores favoritas da falecida rainha. No móbile que ficava em cima do berço era composto por
várias fadas de vidro.
— Ela é… uma verdadeira princesa — contou. De repente, a princesa começou a chorar, no
momento em que a olhou. — Eu… sinto muito, eu não sei o que aconteceu.
— Está tudo bem, Elizabeth! — o rei acalmou a filha, mas a menina não parou de chorar. Era
como se dissesse que havia algo errado. Lilliana se afastou, dizendo que ia chamar uma das criadas,
mas quando o fez, a menina parou de chorar e, por mais incrível e inacreditável que pareça, sorriu.
O rei chamou por uma das criadas e pediu que cuidasse da princesa, e saiu com Lilliana.
— Eu lamento, geralmente ela é tão calma com as pessoas. Ela chora, sim, mas nunca perto
de ninguém, e não daquele jeito. Eu lamento, de verdade. Geralmente ela até brinca com estranhos, e
peço perdão pela palavra.
— Está tudo bem, Majestade. Às vezes, ela só estava cansada, crianças às vezes ficam
incomodadas com presenças de estranhos quando estão cansadas.
— Entende de crianças?
— Ah, sim. Um pouco na verdade. Eu fui criada num palácio, mas… bom, não irei incomodar
Vossa Majestade com meus problemas.
— Não, por favor, diga-me. Adoraria saber.
Tão ingênuo, tão fácil…
— Já que insiste. Minha mãe morreu no meu parto, e meu pai era o braço direito do rei, só
que ele também veio a falecer quando eu tinha seis anos. Eu fui criada como parte da família, cheguei
até ser cogitada para me casar com o príncipe herdeiro, hoje rei, mas… ele escolheu outra, mais
bonita, mais inteligente, e depois disso, por achar que eu estava aprontando alguma coisa contra o
casamento deles, me expulsou do palácio, e eu perdi tudo — contou, deixando uma lágrima, tão falsa
quanto a sua versão da história, cair. — Esse último ano tem sido… difícil.
— Olha, se me permite dizer, eu não creio que possa existir alguém mais bela que você.
— Por favor, Majestade, não diga isso apenas para que eu me sinta melhor.
— Não, não estou, eu realmente acho você magnífica.
Ela percebeu que o rei já estava totalmente aos seus pés, era muito ingênuo. Sentiu que se
dava ao fato de se sentir solitário desde a perda de esposa. Algo dentro dela dizia isso.
— Por favor, Majestade, eu peço que me permita retribuir o que fez por mim. Permita-me que
prepare um chá para nós dois, já que o senhor me salvou, eu peço que, pelo menos, me permita
agradecer.
— Eu não poderia permitir que você trabalhe para isto…
— Eu insisto, Majestade.
O rei permitiu. Lilliana saiu e procurou pela cozinha. Pediu a uma das cozinheiras que
preparasse um chá para o rei, pois estava um pouco indisposto. Ninguém sabia quem era ela, mas
como eram ordens do rei, apenas acataram. Pensaram que talvez ela fosse uma pretendente a se casar
com ele, já que o rei estava viúvo.
Quando lhe deram a bandeja, Lilliana saiu da cozinha. Quando se afastou de todos, tirou de
dentro do vestido um frasco…
— Um pouco disso, e você se casará comigo antes que possa dizer “meu Deus”.
No rótulo do frasco: Poção do amor.
Encontrou o rei, sentado no trono, e ao lado dele havia outro, quase igual, e sabia que seria
dela.
— Aqui está, Majestade. Tomei a liberdade de colocar um pouco de açúcar, espero que não
se importe.
O rei tomou, e sorriu. Estava muito bom. Quando alguém toma uma poção do amor, leva um
tempo até que ela faça efeito. Esse tipo de poção mexe com todos os sentidos de alguém, fazendo a
pessoa não enxergar nada além da pessoa “amada”.
As íris do rei mudaram, já não eram mais azuis como antes, agora estavam com um tom
esverdeado, mais brilhante.
— Eu… não sei se disse antes, mas… você é muito atraente. Deus, o que estou fazendo…
você aceita ficar no castelo por um tempo até que…
— Diga, Majestade, apenas diga…
— Você consideraria… estou com uma dor de cabeça… — Ela o viu se confundir nas
memórias e percebeu que estava dando certo. Quando o rei a olhou novamente, estava diferente. E
sim, era exatamente o que ela queria. — Minha dama, eu sei que pode parecer estranho, e cedo, mas
eu preciso dizer que fiquei encantado com sua beleza, ela me atrai de uma forma que eu não sei
explicar.
— Majestade, eu nunca pensei que isso aconteceria comigo, mas eu também senti algo quando
olhei para você na primeira vez…
— Pode ser loucura, mas… você aceitaria se tornar…
— Sim, Majestade. Eu aceito. — Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ela o
beijou. Não sentiu nada mais do que desgosto, mas ainda assim o fez.
No dia seguinte, fora anunciado ao reino que eles haviam ganhado outra rainha. Ela havia
conseguido tudo que queria. Tudo que lhe fora prometido e tirado sem que ela pudesse lutar.
Agora tinha poder, tinha tudo.
Ela tinha o rei na palma de suas mãos, e ele faria tudo por ela, qualquer coisa. A única coisa
que ela ainda não conseguia se livrar era da princesa, não conseguia nem se aproximar dela.
Precisava pensar numa forma.
— Ai! — exclamou de dor ao sentir um alfinete lhe espetar. — Cuidado aí embaixo.
— Desculpe, Majestade.
Eram as criadas, terminando de ajeitar o vestido de noiva de Lilliana.
— Por favor, me deixem sozinha com a Srta. Buff, preciso conversar com ela antes do meu
casamento. — As criadas saíram.
— O que deseja, Majestade? — a jovem perguntou, um pouco nervosa.
— Me diga, Srta. Buff, como era a antiga rainha?
— Ela era incrível, com o perdão da Vossa Majestade, claro. Ela era amada por todos no
reino. Existem lendas a respeito dela. Alguns dizem que ela vinha de uma longa linguagem de
feiticeiras de luz, a magia mais poderosa que existe. A verdade é que não se sabe muito sobre a
família dela de fato, não a de sangue, pelo menos, já que ela era órfã desde pequena. A única coisa
que eu sei é que ela foi casada com o rei por quinze anos, e chegou a engravidar cinco vezes, mas
sofrera abortos ao longo da gestação. Apenas a princesa sobreviveu, e por isso ela é tão especial
para o rei, e claro, para todos no reino.
Droga, de tantos reis por aí disponíveis, ela foi escolher justo aquele que tinha tido uma
esposa que era uma feiticeira, e que provavelmente lhe deu uma feiticeirazinha como herdeira.
— E você acredita nisso?
— Na verdade, é difícil explicar, Majestade. Eu nunca a vi fazendo magia, então não sei se é
verdade. Mas dizem que a princesa também tem os dons da mãe, e sente energias negativas. Só
saberemos se é verdade quando ela crescer.
Isso explicava o porquê de ela não conseguir chegar perto da princesa. Como iria se livrar
dela desse jeito? Não poderia chegar perto dela. Havia estudado sobre magia, e sabia que se
chegasse a ter contato com uma magia de luz mais poderosa que a dela, poderia ser destruída.
Precisava pensar no que faria com a garota.
— Ele a amava? A rainha?
— Ah, sim, Majestade, a amava muito. Foi uma grande tragédia o que aconteceu com ela, o
rei ficou desolado. Por isso foi uma surpresa para todos nós quando ele anunciou que se casaria de
novo. Deve estar muito apaixonado pela senhorita, acredito.
Lilliana sorriu falsamente. Claro que ele está perdidamente apaixonado, está enfeitiçado.
Só assim para te amar.
Após o casamento, ela fora coroada rainha. Agora, ninguém poderia tirar isso dela.
E, claro, ela tinha tudo sob controle. O rei era velho, não tanto quanto gostaria, mas velho o
bastante para ela. Seus quase quarenta e cinco anos eram bem explícitos na sua aparência.
O primeiro ano de casamento que se passara fora bom, para ele claro. Cada segundo daquele
inferno para ela só se fazia aumentar o ódio que sentia por Hale e sua família, agora ainda maior.
Vira através de seu espelho que a rainha Alycia havia dado à luz um menino, e isso a fez se enojar
ainda mais.
Quando passou tempo o suficiente para que ninguém desconfiar dela, colocou seu plano em
prática. Aos poucos, começou a envenenar a bebida do rei, o enfraquecendo. Ela chamava médicos,
mas nenhum sabia o que fazer, apenas diziam que o rei estava doente e nenhum remédio ou medicina
que usavam o curava.
Passou longos seis meses o enfraquecendo, e cada vez mais, até que em uma noite, enquanto
estava com ele prestando suas condolências de rainha preocupada com o marido amado, o rei viera a
fechar os olhos, e dessa vez, para nunca mais acordar. Chamou os criados, com lágrimas nos olhos,
fingindo estar magoada, tentando enganá-los. E conseguiu.
O rei falecera naquela noite. E ela agora, era tudo que o reino tinha. Precisavam dela, pelo
menos até que a princesa atingisse a idade e pudesse reinar. A princesa Elizabeth agora tinha pouco
mais de dois anos, e já era órfã de pai e mãe.
— Majestade? — Bateram à porta de seu quarto. Ela estava trancada ali o dia todo, fingindo
estar mal pela morte do marido.
— Droga — sussurrou. Se olhou no espelho e viu que estava nem um pouco convincente.
Com magia, criou inchaço nos olhos, como se não dormisse há semanas. Voltou para a cama e
autorizou a entrada. Era Thomas Blackburn, seu fiel soldado. — O que deseja, Thomas? Eu disse que
queria ficar sozinha. Será que não entendem que eu estou sofrendo pela morte do meu marido, já
perdi tantas pessoas e agora isso…
— Desculpe, Majestade, mas não precisa mais de atuação. Estamos sozinhos.
— Do que está falando?
— Eu sei que não está sofrendo, Majestade.
— Como ousa falar assim…
— Não se preocupe, Majestade, seu segredo está seguro comigo.
Talvez, ele pudesse ser útil.
— Me diga, Thomas… por que está sendo gentil comigo? Ninguém nesse palácio parece
gostar muito de mim.
— A verdade, Majestade? Eu me importo com você, muito, na verdade. E estou aqui para
servi-la.
Ali ela encontrou um fiel escudeiro, alguém que com certeza a ajudaria.
— Eu preciso que faça uma coisa para mim.
— O que quiser, Majestade!
— Me ajude a ir até o quarto da princesa, gostaria de vê-la. Afinal de contas, pobrezinha, ela
perdeu o pai, a única pessoa que tinha.
Não, ela não queria ver a princesa, queria apenas pegar algo no quarto dela, algo que ela
precisava para a próxima parte de seu plano.
Quando se aproximou da princesa, ela se encolheu dentro do berço. Realmente sentia muita
energia negativa vindo dela.
— Isso que você pegou é cabelo? — A viu mexer na escova.
— Não. Claro que não, por que eu pegaria cabelo dela?
Mas sim, era.
— Thomas, eu quero que beba isto. — Deu a ele um frasco. — E volte ao seu posto e não
saia de lá por nada.
— Mas…
— É uma ordem.
Ele obedeceu, saindo do cômodo.
— Ficamos só nós duas, agora. Pobre Lizzie… não faz ideia do que está acontecendo. É uma
pena.
Lilliana fez surgir um caldeirão em sua frente.
— Esse era o último ingrediente que faltava. Sabe o que é isso? Claro que não, você é uma
criança. — Elizabeth chorava. — Não adianta espernear, ninguém vai vir. Eu não posso te ferir, mas
posso ferir os outros, e eu vou. Isso aqui, é uma poção do esquecimento, eu irei apagar você e sua
querida mamãe da história, e assim ninguém jamais tomará o meu trono. Eu só não pensei sobre o que
vou fazer com você depois que te apagar da memória de todos, mas eu tenho algumas ideias.
Pensou em muitas coisas para fazer com ela. De um primeiro momento, pensou que poderia
criá-la como sua, e torná-la sua pupila, uma vez que sabia que ela era muito poderosa, mais poderosa
do que ela. Mas descartou logo a ideia, pois sabia que a garota, tendo os dons da mãe, jamais a
aceitaria e jamais a obedeceria. Seguiu por outro caminho.
Ela jogou as mechas do cabelo da criança no caldeirão, e no mesmo minuto, uma fumaça
vermelha começou a subir. Estava quase lá. Faltava pouco.
Em instantes, a fumaça tomou conta do quarto, e logo se esvaiu pelas janelas e se espalhou
pelo ar, seguindo rumo pelo reino inteiro.
Quando a fumaça baixou, ela olhou a sua volta. A bebê ainda estava lá, e ela ainda estava
sozinha.
Ela trancou o quarto e seguiu até o posto de Thomas.
— Thomas, eu tenho um trabalhinho para você.
— Mas eu pensei que deveria ficar no meu posto.
— Isso foi antes, agora eu preciso de você!
O levou até o quarto da princesa.
— Eu preciso saber, você será leal a mim, Thomas? Todos os dias de sua vida não importa o
que aconteça ou o que precise fazer?
— Sim, Majestade, eu serei.
— Ótimo. Eu quero que faça o seguinte. Pegue essa menina, atravesse esse espelho e cuide
dela.
— Mas… é a princesa!
— Eu sei, e por isso mesmo que eu estou mandando. E não questione uma ordem de sua
rainha!
— Mas, Majestade, eu sou da guarda real, como cuidarei dela?
— Tem razão. Eu preciso de alguém para cuidar dela dia e noite e que não abra a boca! Já
sei. Vá para o local que eu mandei, estarei lá em cinco minutos.
— Como eu atravesso esse espelho?
— Da mesma forma que se atravessa uma porta! — explicou, como se fosse óbvio.
Lilliana saiu e seguiu até seu quarto, procurando por sua criada.
— Srta. Buff? Srta. Buff?
— Sim, Majestade?
— Me diga, o que você sabe sobre o nome Elizabeth?
— An… nada, madame. Nada que eu me lembre.
— Ótimo. — Havia funcionado. O reino inteiro se esqueceu da princesa. A segunda parte de
seu plano estava completa. — Eu preciso de um favor seu, mas eu preciso ter certeza de que não
abrirá a boca. — Tocou a testa dela e se apoderou de sua mente, tirando de dentro da cabeça da
jovem uma luz e a guardando em uma pequena esfera que criou com a outra mão. — Atravesse esse
espelho, pegue a criança no braço de Thomas, e cuide dela, e nunca, jamais, diga uma palavra sequer
a alguém.
— Sim, Majestade!
A moça saiu, como se estivesse hipnotizada.
— Se eu não posso matá-la, irei mantê-la presa para não me causar problemas. — Olhou para
o espelho e fez surgir a imagem da família Hale. Estavam Matthew brincando com a menina, a qual
ela descobriu se chamar Annabella, e Alycia, aninhando o filho caçula nos braços. — Minha
vingança está chegando, querido Matthew, e acredite, será dolorosa.
Enquanto isso, no palácio dos Hale, Alycia colocava o pequeno príncipe em seu berço, e
após fazer isso, uma sensação estranha lhe acometeu, apertou bem forte a mão do marido, como se
estivesse nervosa.
— Meu amor, o que foi? — ele perguntou, e ao ver que ela não respondia, mas também não
soltava a mão dele, a levou até a cama e sentou-se com ela.
— Mama? — chamou Annabella, pedindo colo. Matthew a pegou e a sentou na cama, esta
que logo se aninhou com a mãe.
— Querida, o que foi?
— Eu não sei, meu amor… uma sensação estranha, como se tivesse alguém… nos
observando…
— Ei, querida, fique tranquila. Não tem ninguém nos observando. E outra, se alguém estiver,
não verá nada além da nossa família perfeita. Tudo bem? — Lhe deu um beijo na lateral da cabeça.
— Tudo bem. Te amo. — Lhe deu um beijo nos lábios rapidamente.
— Eu te amo mais. — Deu outro.
— Mama. Papa — gritou Annabella, animada. Nicholas, diferente da irmã, já estava no
décimo sono em seu berço.
— Amamos você, princesa — disse ele, tocando a barriguinha da princesa e fazendo-a rir,
contagiando a esposa com o som.
— Amo! — retribuiu a princesa, com sua forma de dizer que também os amava. Recebeu um
beijo dos pais, um em cada bochecha e riu mais uma vez.
Apesar do sentimento, Alycia deixou passar. Não devia ser nada mesmo.
Pelo menos, esperava que não.
14. Um Convite Real

— Sentada aqui novamente? — perguntou a voz já tão conhecida pela menina. Era Nicholas.
— Nick! Você por aqui novamente? Que surpresa! — ironizou, rindo. — Veio fazer mais um
passeio pela aldeia com seu pai? — ela questionou. Nem imaginava que falava do seu próprio pai
enquanto se referia pai do jovem príncipe.
— Na verdade, não. Eu vim lhe fazer um convite.
— Um convite?
Annabella estranhou, geralmente não recebia muitos convites para festas ou o que fosse. A
antiga aldeia que morava em Porto Dourado não era muito rica e eram raras as festas e
comemorações. A única extravagância que tinham era durante a festa da primavera, um festival que
durava longos sete dias, cheio de música e dança, alegria para todos os lados, e ela amava esse
festival, principalmente porque ocorria exatamente na semana do seu aniversário. Entretanto, quando
se mudou para Porto Vermelho, fora uma das coisas que deixou para trás.
O novo reino ainda não havia tido nenhum tipo de comemoração. Como a primeira impressão
de Annabella disse ao chegar lá, era como se uma tristeza muito profunda houvesse tomado posse do
reino, como uma maldição. E, como ficou sabendo há pouco mais de um mês, ela sabia que a causa
disso era por conta do que aconteceu com a princesa há mais de dez anos. Agora ela sabia o motivo
que fazia as pessoas adquirirem um olhar triste sempre passavam pelo mural no centro da aldeia,
algumas até faziam orações.
— Meu aniversário está chegando, e vai haver um grande baile no palácio e você, bom, é
minha única amiga de verdade, então eu adoraria que fosse.
— Nick, eu adoraria. Mas eu não tenho nada o que vestir para um evento desses. Afinal,
estamos falando do palácio e não de um dia comum na aldeia.
— Não é necessário nada muito extravagante, um vestido simples é o suficiente. Como você
sabe, os portões do palácio foram fechados há anos, mas como é uma festa, meus pais resolveram
abri-los, então o povo poderá entrar e festejar por uma vez em… bom, desde sempre, então não se
preocupe com o vestuário. Eu só gostaria que fosse, pelo menos eu não ficaria tão sozinho cheio de
princesas e duquesas de outros reinos querendo dançar a noite toda.
— E isso seria uma coisa ruim? — Ela riu, disfarçadamente.
— Quando se é príncipe você só tem um propósito: dançar com uma garota num baile, a
certa, e torná-la sua noiva. Fim. E, bom, eu estou fugindo enquanto posso do assunto do casamento.
— Infelizmente, isso é algo que você não poderá evitar para sempre.
— Sim, mas enquanto eu puder, evitarei. Pelo menos tenho ainda três anos de vantagem, já
que meu pai só se casou com a minha mãe aos dezoito, e ele não tocará nesse assunto comigo até
estarmos próximos disso. — Riu. — Mas, e você? Pensa em casamento? — perguntou.
— Não muito. Talvez, um dia, quando eu conhecer a pessoa certa, aí eu pense sobre isso, mas
só talvez. Não é minha prioridade. No momento eu só quero focar em melhorar minha habilidade com
o piano para poder melhorar a vida da minha mãe, e claro, a minha.
— Pretende seguir nesse rumo?
— É o que eu amo fazer. Eu sempre quis cantar ou tocar para uma grande plateia, minha
professora inclusive quer me colocar para fazer testes para tocar no palácio.
— Bom, um dia, talvez você toque piano em um baile para nós.
— Talvez.
Sorriram um para um outro, fazendo uma promessa a longo prazo.
— Então… você vai? — questionou, depois de um tempo.
— Sim, eu vou. Quero dizer, depois que eu pedir permissão para a minha mãe, claro.
— Eu posso ir com você, se quiser. Assim, seria um convite formal de verdade.
— Deixe-me adivinhar: protocolo real?
— Acertou precisamente. — Sorriu.
— Bom, vamos então. — Ela se levantou, e ele fez o mesmo logo em seguida. — Não é muito
longe daqui, porém acho que você vai ter que deixar seu cavalo aqui, lá tem pessoas passando a toda
hora e crianças correndo, ele pode se estressar.
— Tem razão. Bom, Leith fica cuidando dele, não é? — perguntou ao guarda.
— Claro — ele respondeu. — É o meu trabalho, é o que o Leith faz, toma conta de crianças e
de seus animaizinhos — resmungou, baixo.
— Agradeça, antes tomar conta de uma criança do que perder um braço numa guerra — o
príncipe retrucou, rindo daquele que por muitos anos fora o mais próximo que teve de uma amizade.
Seria cômico se não fosse trágico. Mas, graças aos céus, isso veio a mudar.
Caminhou com a garota até a vila, e na terceira casa à esquerda, logo após a entrada do
vilarejo, ela apontou que era aquela.
Quando chegaram, um som bem conhecido pela jovem fora ouvido. Um miado se aproximou e
logo sentiu um esfregaço na sua perna.
— Annika! O que está fazendo aqui fora? — A pegou no colo, esta que aproveitou e se
ajeitou nos braços da dona. — Deixe-me te apresentar o Nicholas. Nick, esta é a Annika. — A gata
miou alto, como se reclamasse. — Perdão, erro meu. Esta é a duquesa Annika Moore. Ela é muito
metida, você se acostuma — comentou para ele. — E, duquesa, este é o príncipe Nicholas.
— É um prazer conhecê-la, duquesa — comentou, rindo do que estava fazendo. Estava
mesmo falando com uma gata? Sim, aparentemente, estava.
— Vai passear, vai. — A colocou no chão, que saiu andando com o rabo em pé, como se
estivesse se exibindo. — Bom, espere aqui, por favor, eu vou preparar a minha mãe, afinal, não é
todo dia que a realeza entra na nossa casa. — Annabella abriu a porta e então entrou. — Mãe? —
chamou, a encontrando saindo do quarto. — Temos visita.
— Quem?
— Uma visita diferente. — Mordeu o lábio, tentando soar o mais tranquila o possível. —
Lembra que eu te falei que tinha feito um amigo aqui no vilarejo? — Dahlia afirmou com o olhar, não
sabendo se gostava ou não de todo aquele suspense. — Então, a verdade é que ele não é daqui do
vilarejo.
— Annabella…
— Vem comigo. — Levou a mais velha até a sala, e pediu que aguardasse. Caminhou até a
porta e pediu que o garoto entrasse. Assim ele o fez. — Mãe, esse é o Nicholas, ele é, bom, o
príncipe deste reino.
Por um momento, Dahlia não soube como agir. Tinha um príncipe na casa dela. Alguém da
realeza. De verdade.
— Oh… — Se curvou. — Alteza.
— Não há necessidade de formalidades. Pelo contrário, eu deveria fazê-las. — Pegou a mão
dela e deu um suave beijo. — É um prazer conhecê-la.
— O prazer é meu. Qualquer amigo da minha filha é bem-vindo em minha casa.
— Bom, na verdade eu vim fazer um convite. Eu já fiz à Ella, mas ela disse que precisava de
permissão então eu vim pedir pessoalmente.
— Ela está muito certa sobre isso. — Olhou para a garota que sorriu.
— Eu gostaria que desse permissão para que a Ella vá ao meu baile de aniversário, em
dentro de um mês.
— Bom, já que fora realizado um pedido tão especial, eu dou permissão para que ela vá.
— Sério? — Annabella gritou animada. — Obrigada, mãe. — A abraçou. — Nick, eu sei que
você não deve estar acostumado com isso, mas, gostaria de ficar para tomar um chá da tarde? —
convidou.
— Eu adoraria. Mas devo ir, tenho que estar de volta antes do pôr do sol ou minha mãe
coloca toda a tropa atrás de mim. Até mais. — Beijou a mão das duas damas e saiu, indo atrás de
Leith para pegar seu cavalo.
— Nick! — a garota o chamou. — Espere. — O alcançou. — Eu preciso te perguntar algo
antes. Na verdade, pedir.
— O que foi?
— Como eu vou a um baile, eu preciso aprender a dançar, e eu não sei.
— Oh, bom, eu não sou o melhor dançarino, porém acho que posso te ensinar o básico. Só
precisamos de um lugar para treinar.
— A colina de sempre parece bom para você?
— Geralmente não dançamos na grama, porém, pode ser um início.
— Combinado então. Começamos amanhã?
— Por mim está ótimo.
— Ah, mais uma coisa. Eu devo usar saltos?
— Seria o mais apropriado, porém, use apenas se quiser. Eu imagino que seja horrível, minha
mãe reclama disso o tempo todo.
— Sim, são uma tortura. Mas acho que por uma noite não fará mal. — Sorriu. — Ah, e leve
isso para a sua mãe. — Colheu uma rosa do canteiro ao seu lado. — Apenas um agrado à rainha. —
Tocou na rosa, dando a ela um pouco mais de vida e brilho.
— Tudo bem — ele comentou um pouco surpreso e assustado —, como você fez isso?
— Eu não sei. Eu apenas… faço — comentou. — Tem algum tempo já, eu não sei explicar, às
vezes acontece, às vezes não. Eu já li todos os livros que encontrei e nada explica. Talvez isso seja
alguma herança de família, do meu pai ou… — Queria dizer “minha mãe”, porém ainda não estava
pronta para compartilhar essa parte um pouco sombria de sua vida. Nunca estava pronta para falar
sobre isso com ninguém. — Ou... não sei, algum parente antigo.
— Pode ser. Na minha família tínhamos pessoas com dons parecidos, na verdade, contam que
minha avó tinha, eu não cheguei a conhecê-la. Minha mãe conta que existem várias pessoas no nosso
mundo com dons assim, se algum dia quiser pesquisar sobre isso, poderemos ir até a biblioteca do
palácio.
— Biblioteca? Nunca fui nesse palácio mas já sei que adorei esse lugar.
— Ótimo, pois já sei que poderei te dar de presente quando chegar seu aniversário: livros.
— Por favor. — Sorriu, concordando. — Bom, agora você deve mesmo ir. Não quero que sua
mãe fique preocupada por minha causa. Até amanhã, Nick.
— Até amanhã, Ella.
Matthew bateu à porta do escritório antes de entrar e encontrar lá dentro uma mulher muito
concentrada em certos papéis.
Nas últimas semanas, as coisas haviam mudado muito. Desde a conversa que teve com
Nicholas, o choque de realidade que recebeu lhe mudou muito. Agora, já se entrosava melhor com a
família, não ficava tanto tempo trancada no quarto como antes, ia ao jardim cuidar das flores, e vez
ou outra, saía com o marido e filho para um passeio a cavalo.
Agora, estava ali, sentada, rodeada de papéis e livros, sem saber o que fazer com o problema
que tinha.
— Querida? — ele a chamou. — O que foi? Algum problema?
— Hã? — O olhou, totalmente alheia do que ele estava falando. — Ah, sim, meu bem, e não é
dos bons. Hoje pela manhã, Andrew retornou da viagem que fez, e não me deu notícias muito
agradáveis. Apesar da época, a colheita nas grandes e pequenas fazendas está péssima, os grãos não
estão chegando até as distribuidoras dos comerciantes, nossas plantações estão morrendo aos
poucos. Eu procurei em todos esses documentos e livros, uma resposta ou solução, mas não encontro
nada.
— Espere, deixe-me ajudar. — Pegou alguns papéis na mesa e começou a lê-los. Não
conseguia encontrar nada que respondesse. Era muito estranho essa escassez toda com as plantações,
estavam numa estação ótima, o clima era propício e as chuvas constantes, não tinha nenhuma razão
para que os brotos não virassem frutos. — Richard retornou de Porto das Rosas recentemente, e
disse que tudo fora dos limites de Porto Vermelho está perfeito. É tão estranho, como se fosse algum
tipo de maldição, pois não existe uma explicação sequer para isso — comentou. Quando ouviu
aquilo, Alycia se lembrou do livro que havia lido há meses, sobre as lendas dos quatro reinos. Não
sabia se devia comentar aquilo com Matthew, apesar dos anos juntos, nunca ouvira o marido
comentar sobre magia, fosse pura ou das trevas. Não sabia se ele era do tipo cético ou apenas não
comentava pelo segredo.
— Hm… meu amor? — chamou. — Você, por um acaso, acredita em magia? Digo, magia
real, não aquela dos livros infantis?
— Como assim, amor?
— É que… há um tempo, eu li um livro muito estranho, e olha que eu já havia lido todos os
livros da nossa biblioteca mas tenho quase certeza de que esse não estava lá antes. Era um livro de
lendas dos quatro reinos, você já ouviu falar?
— Acredito que não o conheço.
— Enfim, lá estavam escritas várias histórias sobre os quatro reinos: Porto Vermelho; Porto
Dourado; Porto das Rosas; e Porto Real do Norte — começou explicando tudo que havia lido, sobre
magia, dons, até mesmo sobre feitiços e maldições. Detalhou sobre os artefatos mágicos encontrados
ao longo dos anos, até chegar na parte em que as páginas narravam sobre as mulheres Hale.
Era trágico, para se dizer pouco. A única pessoa que tinha a solução em suas mãos era,
justamente, a única pessoa que não podiam tocar, ver, ou sentir, porque essa pessoa desaparecera no
meio da noite há mais de dez anos. Annabella.
— Então… você está me dizendo que a nossa filha, assim como a minha mãe e minha avó e
todas antes delas, possuía magia? — Alycia estranhou o fato de o marido não saber sobre aquilo,
pois mesmo sendo homem e desprovido do dom, deveria saber. Talvez sua mãe estivesse pensando
que poderia preparar uma neta para aquilo, mas não contava com o fato de que viria a falecer
semanas antes do nascimento dela.
— Sim… ela… ela era capaz de controlar os elementos da natureza… bom, seria se… —
Falar da filha era difícil, queria poder dizer tudo sobre ela no presente, porém não podia, após tantos
anos sem resultados para as buscas, a esperança de um dia ter a família completa novamente era
quase nula. Quase.
— Oh… — Matthew encarou o chão, apoiando a cabeça em uma das mãos e tentando não se
abalar com aquilo.
— Eu sei, meu amor — a rainha comentou, lendo os pensamentos do marido. — Eu também
sinto falta dela todo dia, e cada dia mais. — Se levantou da cadeira em que estava sentada, caminhou
até ele e acariciou os cabelos dele, tentando acalmá-lo. Ele passou o braço pela cintura dela e a fez
sentar-se em seu colo, o que ela não demorou a fazer, deitando a cabeça no ombro dele. — Sempre
iremos sentir, jamais esqueceremos quem ela é e representa para nós, e isso me motiva a ser uma
pessoa melhor, por ela. Por ela, nós devemos ser o melhor patrono para o reino, preparar Nicholas,
da melhor forma que conseguirmos, para ser rei, da mesma forma que prepararíamos nossa menina.
Sempre por ela — desabafou.
— Eu sei, meu amor, eu também faço o meu melhor por ela. Sempre por ela. — Beijou as
costas da mão da esposa. — Mas, ainda assim, isso não muda nossa situação atual. Como
resolveremos isso, meu amor? Nós precisamos alimentar nosso povo, ou este será o fim do nosso
reino. Precisamos de ajuda, e rápido. Precisamos restaurar a vida, mas… como?
— Eu não sei, querido… mas vamos encontrar um jeito. Juntos.
— Juntos. — Ele assentiu. Alycia o olhou, beijando-o em seguida. — Eu amo você.
— Não mais do que eu amo você, meu bem. — Se entregou a um beijo mais profundo e
intenso. Era impressionante como um era capaz de melhorar o astral do outro em pouquíssimo tempo.
Essa era, talvez, a maior qualidade deles: a resiliência. Nunca desistiam, não importava quantas
vezes a vida os colocava para baixo e os puxava cada vez mais e mais fundo — e não foram poucas
as vezes em que isso aconteceu, principalmente nos últimos anos —, eles sempre se levantavam,
juntos, um ajudando o outro e permanecendo fortes.
Ele a amava com toda a força que tinha dentro de si, assim como ela o amava. Eram sortudos
por terem um ao outro.
Uma das mangas do vestido longo e vermelho da rainha começou a cair de seus braços,
deixando seu ombro livre, o que o rei não deixou passar despercebido, mergulhando seus lábios
naquele mar de pele lisa e deliciosa. Alycia soltou um gemido no ouvido do marido, o inspirando
ainda mais.
— Ah, meu amor, que saudade — sussurrou. O vestido que a rainha usava possuía um decote
bem aparente, o que atiçava ainda mais o rei.
— Matthew… estamos no escritório…
— Isso nunca nos impediu antes — afirmou, convencido.
— Você é insaciável!
— Ainda bem que me casei com você, então, pois nós somos iguais nesse ponto, meu amor.
— Ela riu, se entregando ao momento. O rei levou sua mão até as costas do vestido dela, procurando
pelos fios que davam o laço na peça. Soltou o primeiro e o segundo, mas então, parou quando ouviu
algo. Ou melhor, alguém.
— Mãe? Pai? Estão aí? — Era Nicholas, que havia retornado.
— Estamos, filho. Entre — disse sua mãe, saindo do colo do marido rapidamente e se
recompondo, arrumando o vestido e tirando de seu rosto qualquer expressão que pudesse lhe
entregar.
— Voltou cedo, querido. Está bem? — Checou o filho, conferindo se tudo que tinha ido, tinha
voltado. Instinto de mãe.
— Estou bem, mamãe. Fique tranquila. Ah, eu trouxe isso. Um presente de uma amiga. —
Entregou-lhe a rosa vermelha e brilhante.
— E, se me permite perguntar, qual amiga?
— Uma amiga, mãe! — impôs, deixando claro que era isso e nada mais. Adolescentes… —
Eu contei que você gostava de rosas e ela me deu essa para entregar a você.
— Pois agradeça a ela, então, meu filho.
— Porque não agradece você mesma, mãe? Ela virá ao baile, eu a convidei — apontou.
— Então assim será. E, essa amiga, vocês são muito próximos? — Quis saber, olhando para
o filho com aquele olhar, aquele que dizia “eu sou sua mãe e eu sei tudo o que acontece”.
— Somos apenas amigos, mãe. Ela é mais velha e me lembra bastante você, mãe —
acrescentou. Ah, se soubesse o motivo pelo qual Ella se parecia tanto com a rainha… — É sábia e
visionária, vocês gostariam dela. O nome dela é Ella, mora na aldeia ao norte do palácio.
— Eu acredito que sim, filho, aguardaremos para conhecê-la — disse seu pai.
— Ah, filho, temos que ir até a costureira real, sua roupa para o baile tem que ficar pronta
logo — disse a rainha.
— Eu tenho mesmo que fazer isso?
— Sim, tem. Infelizmente, não temos como escapar disso — comentou sua mãe, rindo da
expressão do filho. — Vá subindo, eu te encontro lá em cima em um minuto. — O príncipe assentiu,
deixando seus pais no escritório. — Quem será essa amiga? — A monarca se virou para seu esposo
e sorriu.
— Deve ser apenas uma amiga que ele fez por aí. Eu acho que já a vi, mas de costas. Eles
conversam há semanas, ela parece ser uma boa pessoa.
— Esperemos para conhecê-la — comentou a rainha. — Agora — beijou o marido em um
selinho —, eu vou ao encontro de nosso filho. — Foi andando ao tempo que soltava a mão do marido
lentamente. Quando chegou à porta e a abriu, manteve apenas a cabeça para dentro e encarou o
marido uma última vez. — Ah, Hale, a noite… você não me escapa. — Mordeu o lábio, sugestiva.
— Esperarei muito ansiosamente por isso, Majestade.
15. Nasce Uma Dúvida

— Você precisa mesmo ir? — perguntou a garota à sua mãe, com um olhar de piedade, não
querendo que ela a deixasse sozinha. Claro que não seria todo esse exagero que ela deixava
transparecer.
— Eu preciso, filha. Eu preciso saber onde o seu tio se meteu dessa vez, eu juro que não irei
demorar, no máximo em três dias eu estarei de volta — Dahlia garantiu. — Aliás, você estará
entretida com o baile real, nem perceberá que não estou aqui.
— É claro que perceberei. Vou sentir saudades. — Abraçou a mãe e pegou a sacola que ela
iria levar consigo.
— Você vai ficar bem sozinha? — perguntou, preocupada. Era a primeira vez que Annabella
ficaria sozinha em todos esses anos. Nunca fora necessário quando ela era pequena — e mesmo que
fosse, não o faria, pois jamais deixaria uma criança sozinha, ainda mais uma criança que tinha tanto
medo da solidão. Portanto, sempre que precisava sair, a deixava com a Vovó Amaris, ou com
Graham. Porém, agora, era diferente, agora não tinha mais a velha senhora, pois ela havia ficado na
antiga aldeia em que moravam, e Graham… bom, sabe-se lá onde estava. E era isso que Dahlia
estava indo resolver.
— Vou, eu acho. Serão apenas três dias, certo?
— Sim, meu amor. Apenas três dias. — Beijou a testa da filha. — Aproveite o baile, vou
querer saber de tudo depois. Afinal, não é todo dia que a sua filha é convidada a um baile real. — E
saiu.
Pela primeira vez em dez anos, estava sozinha. Por um lado, isso era aterrorizante, sempre
que se sentia sozinha, sua mente — uma traidora profissional — começava a trazer à tona certos
pensamentos. Claro que, com os anos, eles se tornaram bem menos frequentes, mas ainda existiam, e
sempre apareciam quando ela menos queria e precisava.
Apesar de não conversar muito sobre isso alguém, sempre se perguntava de onde viera, como
chegara ali, qual era a razão para ter sido deixada ali na calada da noite — ou madrugada — sem
explicação.
Chegara a pensar em mil possibilidades: pensou que era uma filha ilegítima, mas logo
descartou a opção, pois, se fosse realmente ilegítima, teria sido abandonada quando era bebê e não
aos cinco anos; imaginou que talvez seus pais tivessem morrido de alguma maneira trágica, talvez um
incêndio ou um assalto, e a pessoa que a encontrara, ao não saber o que fazer, a deixou na porta de
alguém, ou até mesmo, haveria de ter acontecido algo que ela precisara correr, pois seus pais
mandaram para salvá-la e no caminho caiu e se machucou, e coincidentemente parara na casa em que
foi encontrada.
Mas nada fazia realmente sentido. Talvez tudo continuasse um mistério para sempre, e no fim
das contas, ela já não tinha certeza se isso importava. Quem ela era, quem realmente era, não era o
suficiente? Não importava de onde veio, sua origem ou nem nada dessas coisas. O que realmente
importava era o que tinha agora, quem era, e sua felicidade. E ela era feliz, de fato, muito feliz.
Contudo, se um dia quisesse saber mais sobre o passado, talvez apenas para matar essa
dúvida cruel, então sabia quem procurar que poderia ajudá-la. Mas, agora, isso estava no fim da lista
de preocupações. Precisava se concentrar em apenas uma coisa: o baile.
Já tinha o vestido pronto, mas ainda precisava de algumas outras coisas. Pensou em fazer um
penteado meio preso, com flores, algo que ela criara há um tempo e gostara. Precisava ir até os
arbustos na sua colina favorita e colher algumas flores.
Saiu de casa e passou pela aldeia, cumprimentando alguns de seus vizinhos. Quando estava
voltando, já com as flores em mãos, viu uma cena que lhe causara dó. Vira um pobre lenhador com as
mãos sangrando, e sangrando muito. Se aproximou para ajudá-lo, ele poderia morrer se perdesse
muito sangue.
— Permita-me ajudar, senhor. — O apoiou e o ajudou a se sentar.
— Obrigado, minha jovem. — Ele parecia ser jovem, não devia ter mais do que trinta e cinco
anos, porém a sua aparência lhe dava uns dez anos a mais, a barba comprida também, e a aparência
de cansado.
— Deixe-me fazer um curativo na sua mão, sim? — Ela viu que tinha um poço ali perto e
pegou um pouco de água, também vendo que havia, por coincidência, um pano. O lavou e o levou
consigo. Jogou a água na mão do homem e amarrou o pano por cima, tomando o maior cuidado o
possível. — Isso vai ajudar a parar o sangramento. Melhor?
— Sim, muito obrigado… perdão, como se chama?
— Pode me chamar de Annabella.
Annabella? Não podia ser. Podia? Há dez anos ele havia conhecido uma garota com esse
mesmo nome, e havia feito algo horrível a ela, a mando de uma mulher que um dia amara loucamente,
mas que hoje só sentia desgosto, repulsa e, principalmente, pena. Sim, o pobre homem que
Annabella, inocentemente, acabara de ajudar, era ninguém menos do que Thomas Blackburn, o
mesmo homem que há uma década a tirara do próprio lar, apagara suas memórias e a entregou nas
mãos de um ser maligno, largada a própria sorte.
Thomas sabia que, se o céu e o inferno fossem reais — e a julgar por ter feito um trato com
demônio, a esperança do se existirem era apenas isso —, com certeza seu lugar lá embaixo estava
reservado. O que fizera fora imperdoável, e ele sabia disso.
Mas, será que aquela garota era a mesma Annabella? Quer dizer, era um nome incomum mas
isso não significava que só existisse uma garota chamada assim. Não podia ser, porque quando deu a
garota a Grinllith, acreditava que ela a havia levado para outro reino, longe dos olhos de Lilliana,
então, o que ela fazia ali?
— É um belo nome. Me chamo Thomas, é um prazer conhecê-la. — Sorriu. — É nova por
aqui? Nunca a vi antes, e moro aqui há quase dez anos — Riu.
— Sim, me mudei a pouco menos de um ano. Tem certeza de que sua mão está melhor?
— Tenho, sim, minha jovem, obrigado.
— Então, neste caso, eu devo ir. — Sorriu, gentilmente. — Espero que melhore logo. — E
saiu.
Thomas a viu partir e sumiu entre o povo da aldeia, e, consigo mesmo, seguiu pensando.
Precisava descobrir quem era aquela garota, e, se ela fosse quem ele pensava que era, precisaria
reparar seus erros. Já havia passado da hora.

Já estava escurecendo quando resolveu que deveria sair, não queria sair tão tarde, até porque
estava sozinha. O palácio não era tão distante, mas exigiria uma boa caminhada.
Necessitava subir uma colina, mais alta que aquela que costumava ficar vendo o pôr do sol, e
depois seguir por uma trilha curva e longa. Provavelmente, chegaria lá cansada. Cansada demais.
Mas, claro, aquele dia estava cheio de surpresas e coincidências, e havia uma vindo ao seu
encontro. Era Leith, acompanhado do cavalo dele. Ele era um rapaz simpático, e ela havia adquirido
certo apreço por ele, e às vezes conversavam os três em conjunto — ela, Nicholas e Leith.
— O que faz aqui? — ela perguntou, rindo. — Não deveria estar fazendo guarda no baile?
— Sim, deveria. — Riu. — E por isso acho que devíamos ir logo, senhorita. — A olhou.
— Como?
— Estou aqui para buscá-la. O príncipe Nicholas me pediu para vir aqui e levá-la até o
castelo para que assim, não chegasse lá cansada e estivesse disposta para aproveitar o máximo da
noite.
Montou no cavalo com a ajuda do guarda e então seguiram para o palácio. À longa distância,
era possível ver as luzes e ouvir uma música tocando suavemente.
Quando chegaram a entrada, pode avistar inúmeras pessoas, entre homens e mulheres
vestidos com roupas chiques e vestidos extravagantes.
Leith a ajudou a descer do cavalo, e a levou até dentro do palácio, onde, curiosamente,
Nicholas a esperava na porta.
Ele estava, elegantemente vestido, com um traje branco com ombreiras douradas e o cabelo
penteado de lado. Parando para analisar, a roupa de ambos combinava, pois ela usava um vestido
também branco rendado e o cabelo preso por duas mechas com uma flor de enfeite atrás e o restante
solto.
— Alteza. — Ela fez a reverência.
— Milady — retrucou ele, curvando-se e estendendo a mão para ele. — Seja bem-vinda.
Vamos, não queremos ficar aqui fora sem aproveitar nada da festa. — Caminhou junto a ela no meio
da multidão, e claro, causou vários comentários das pessoas presentes. “Quem é ela?” “Será alguma
pretendente do príncipe?” “Não parece ser da realeza”.
— Ignore-os. Eu o faço.
— Eles parecem bem interessados em saber se você está noivo.
— É, pois é. Todos esperam saber que as terras estão seguras e que eu estou pronto para
governar ao lado de uma rainha adequada. — Revirou os olhos.
— O que você não deseja.
— Não é que eu não queira, propriamente dizendo, mas a pressão me irrita. Sabe, às vezes,
quando visito o vilarejo eu invejo as pessoas que lá vivem. Elas podem parecer não ter nada, mas
elas têm tudo que importa: amor. Elas são livres para se casar com quem desejam, enquanto nós
devemos ignorar os sentimentos e procurar o melhor para nosso reino. Claro, há exceções, meus pais
são um bom exemplo, se amam incondicionalmente. Quando eu me casar, quero que seja para ser que
nem eles — comentou. Nesse momento, Annabella percebeu uma coisa: ela tinha tudo, tudo que
precisava, tinha amor e era só isso que importava. Sempre pensou que as pessoas que moravam em
grandes propriedades ou palácios é que tinham tudo, mas ao ouvir Nicholas, percebeu que não. Ela
tinha tudo, e, àquela altura, nada mais importava. Qual o problema se ela nunca descobrisse quem
eram seus pais? Se tinha família biológica ou algo do tipo? Isso era, realmente, relevante? Enquanto
ela tivesse amor, não precisava de mais nada. — O que aconteceu com meus modos? Fiquei o tempo
falando de mim, me fale de você enquanto dançamos um pouco. — Estendeu a mão para ela. — Me
concederia esta dança?
— Quatro aulas não foram o suficiente para que eu aprendesse a dançar — apontou.
— Lamento ter faltado com nosso compromisso, algumas obrigações reais entraram no meu
caminho. — Sorriu. — Mas vai ser fácil. Vamos, dois para trás e um para frente, siga o ritmo da
música. — Colocou uma mão na cintura dela e a outra segurou sua mão, enquanto ela pousou a mão
livre em seu ombro. — Ignore seus pés, apenas olhe para mim e deixe seu corpo te levar — orientou.
E assim ela o fez. E, por incrível que pareça, acabou descobrindo que era uma ótima
dançarina, como se estivesse em sua memória e quando o praticou, foi automático.
Pisou no pé dele, e acabou rindo, embora ele tenha expressado um pouco de dor.
— Desculpe.
— Tudo bem. Agora, acho que você estava prestes a me falar sobre você. Me diga alguma
coisa.
— Não tem muita coisa para contar sobre a minha vida. Eu cresci em Porto Dourado, sendo
apenas minha mãe e meu tio. — Tentou-se recordar de algo.
— Se me permite perguntar, claro, só responda se quiser. O que aconteceu com o seu pai?
Você mencionou que não tinha um.
— Bom, na verdade eu não sei quem ele é, nunca soube. Não sei se ele morreu ou… — Ia
dizer “me abandonou” mas preferiu guardar para si. Ela poderia contar a ele toda a verdade, mas não
era o momento apropriado para encher os ouvidos de alguém com sua trágica história de vida.
— Sinto muito, Ella! — ele disse.
— Está tudo bem, eu já me acostumei. Bom, deixe-me pensar se tem mais alguma coisa que
eu posso lhe contar. — Ponderou por alguns instantes. Então, se lembrou. Mas não sabia se devia
dizer assim, pois isso poderia gerar sentimentos nele, de tristeza, principalmente. — Bom, tem algo
que você ainda não sabe… — Ele a olhou, ansioso e curioso. — Meu nome verdadeiro não é Ella.
— Ele se assustou. — Não, calma. Ella é meu apelido, meu nome mesmo é Annabella. Eu não contei
antes por que eu nem sabia se nos veríamos novamente, e depois, acabei ignorando o fato de que
ainda não havia contado, desculpa.
O corpo de Nicholas entrou em modo automático, estava valsando sem nem prestar atenção.
As suas pupilas dilataram de uma maneira que nunca havia acontecido. Há quantos anos não escutava
esse nome. Sua irmã… sua irmã mais velha se chamava assim. Annabella Hale. A que, tragicamente,
fora tirada de seu lar da maneira mais cruel que existia.
Por alguns momentos, enquanto encarava a amiga, teve alguns relapsos de memórias.
Fisicamente, ela se parecia bastante com sua mãe, a rainha, assim como em personalidade. Mas, não
tinha como serem a mesma pessoa, afinal, esta Annabella crescera em outro reino, e mudou-se para
este há pouco. E sua irmã… bom, sua irmã, acreditava-se, estava em outro plano…
— Nick… está tudo bem? — O tirou de seus devaneios, embora soubesse bem o que ele
estava pensando e tentando processar.
— Hã? Ah, sim, sim. Está. Só… me distraí por alguns instantes.
— Eu entendo, não faz mal.
Quando a música acabou, todos aplaudiram o jovem príncipe, que até então nem tinha
percebido que havia plateia observando. Ela não sabia como agir, então apenas se reverenciou.
— Pare com isso. Não há necessidade. — Ele olhou em volta, parecia estar procurando
alguém. — Vem comigo, quero te apresentar uma pessoa.
— Quem?
— Minha mãe.
— Espera, o quê? — Ela paralisou. A rainha? Sério? Não, isso não. Ela não saberia se
comportar na frente da rainha. Com Nicholas era diferente, eram amigos, agora a rainha era outro
cenário, ela e o rei eram os patronos do reino, existia uma linha que os separavam.
— Relaxe. Ela não morde. — A puxou.
Se aproximou de sua mãe e a cumprimentou.
— Mãe, eu gostaria de apresentar-lhe alguém. Esta é… — Ele pensou um pouco. Devia dizer
o nome dela? Afinal, isso poderia afetar sua mãe, ouvir o nome da filha perdida assim, talvez,
trouxesse más lembranças a ela. Não más lembranças da menina, mas da dor que sentira — e ainda
sente. Se o afetou, não conseguia imaginar que efeito causaria nela. Mas, de qualquer forma, as
formalidades pediam. — Annabella, a amiga de quem lhe falei.
— Majestade. — A garota se reverenciou.
Alycia a olhou, e podia ter certeza de que vira uma lágrima surgir em seus olhos. Vamos
Alycia, é só uma garota, sua mente gritava. Fingiu que estava tudo bem e cumprimentou a menina.
— Seja bem-vinda, querida. Então, você é a amiga de quem meu filho tanto falou? — A
menina corou de vergonha. — Não seja tímida. Aliás, eu acredito que devo lhe agradecer por uma
rosa ou duas que recebi, que inclusive ficam no meu quarto.
— Ainda estão vivas? — perguntou o rapaz. — Pensei que flores não vivessem tanto depois
de arrancadas.
— Não deveriam — disse sua mãe. — Mas, por alguma razão, as rosas que você me traz
parecem possuir uma longevidade maior que o normal.
— Com licença, será que minha querida esposa me concederia esta dança? — Era o rei, se
aproximando. — Oh, onde estão meus modos? Não vi que tínhamos companhia.
— Majestade. — Annabella fez a reverência mais uma vez.
— Bom, crianças, eu vou indo, preciso dançar agora. — Sinalizou para o marido. — Se
divirtam. — E saiu com o esposo.
— Quem é ela?
— É aquela amiga de que Nicholas falou, lembra?
— Ah, sim. — Beijou a esposa quando a puxou para si para iniciarem a valsa. — Está tão
linda essa noite, sabia? Na verdade, todas as noites.
— Seu amor é meu segredo. — Sorriu para ele, tentando esquecer que há poucos minutos
estava diante de um dos maiores devaneios que tivera. Aquela garota… tinha algo nela. Algo que ela
não conseguia explicar.
Já longe dali, no jardim do palácio, Nicholas andava na companhia de Annabella, mostrando
a ela a bela paisagem que tinha ali.
— Céus, eu nunca fiquei tão nervosa!
— Eu percebi. — Riu. — Uma maçã não seria mais vermelha do que o que você ficou.
— Você podia ter me dado tempo para me preparar!
— E qual seria a graça?
Ele se sentou próximo a uma árvore e ela em seguida fez o mesmo.
— Que árvore é essa? — indagou.
— É a macieira da minha mãe. Que antes foi da minha avó, e antes dela da minha bisavó. Está
na família há gerações. Infelizmente, ela está morrendo.
— Árvores morrem, é normal.
— Na verdade… — Devia contar? Não sabia se isso era exatamente um segredo, uma
confidência de família. Há pouco havia descoberto que Ella tinha alguns dons, vira com seus
próprios olhos ela dar vida a uma rosa. Talvez… ela pudesse ajudar. Deus, como era difícil não
saber se podia ou não contar algo a alguém. — Se eu te contar uma coisa, você promete guardar
segredo? — Ela assentiu. — Tudo bem… Bom, a verdade é que essa árvore, ignore algumas coisas,
eu não sei exatamente toda a verdade, apenas reuni os fatos que eu ouvi — falou. — A questão é que,
essa árvore, ela é mágica, digo, não é que ela tem poderes, mas ela é o pilar da sustentação do reino,
a proteção de tudo. Eu não sei se você ouviu falar que a plantação nas fazendas e a colheita está cada
vez pior?
— Ouvi uma coisa ou duas.
— Então, minha mãe, eu a ouvi dizer ao meu pai, que é esta árvore, ela precisa ser nutrida
para nutrir toda a terra, se ela morrer… todos nós morreremos de fome.
— Oh, entendi… mas, por que ninguém faz nada para curá-la?
— Não tem como. Essa árvore é lendária, e somente as mulheres da minha família, as
nascidas Hale, podem cuidar dela, e como minha avó faleceu há mais de dezesseis anos, e minha mãe
não é uma Hale de sangue, a única pessoa que poderia cuidar dessa árvore…
— Seria a sua irmã — ela pontuou.
— Sim — sussurrou.
— Nick… eu… eu acho que posso ajudar… posso tentar pelo menos. Você sabe, eu tenho
essa… isso… seja lá o que for, mas talvez seja possível.
— Você acha?
— Tentar não custa nada, não é? — Ela tocou na terra e fechou os olhos, tentando se
concentrar no que precisava fazer. Ela não podia ver, mas Nicholas sim, e ele viu uma luz, que ele já
sabia que se chamava essência, verde brilhar no gramado, e subir pela árvore. Viu algumas folhas, de
amarelas ficarem verdes. Estava funcionando.
— Ah! — Annabella suspirou. Abriu os olhos e tirou a mão da terra, fraca.
— Você está bem?
— Estou… eu acho. Nunca usei meus… poderes dessa forma. Acho que foi exigir demais.
— Calma. Você precisa descansar, está fraca agora. Precisamos descobrir as origens desse
seu poder, para você aprender a controlá-los.
— Mas onde eu aprenderia?
Ele pensou por alguns momentos, tentando procurar uma boa alternativa para ela. Até onde
sabia, ninguém mais tinha conhecimento dos poderes da garota, então iria ajudá-la. Não tinham medo
do julgamento, afinal, casos de bruxas sendo levadas há fogueira não aconteciam há séculos, então
não fariam isso com uma garota que não seria capaz de machucar nem mesmo uma mosca.
— Eu não entendo de magia, mas eu conheço um lugar onde podemos aprender. Venha
comigo. — A ajudou a caminhar, pois estava bem debilitada. Resolveu ir pelos fundos do palácio,
para evitar a multidão novamente. Indo pela ala sul, subira as escadas passando por um extenso
corredor, cheio de quadros por todo ele, de antigos monarcas e membros da família real.
Um, em especial, lhe chamou a atenção. Era de uma garota. Na verdade, de uma família. O rei
— que ela deduziu que fosse pela coroa em sua cabeça, pois era muito diferente do homem que
encontrou há poucos minutos — e a rainha, sentada à sua frente, e ela era a mesma na pintura e
pessoalmente. Na pintura, a rainha estava grávida, e a julgar pelo tamanho da barriga, diria que de
uns sete ou oito meses, e em seu colo, tinha uma garotinha, de talvez uns dois anos, e ela foi quem lhe
chamou a atenção.
Com certeza, aquela era a irmã de Nicholas. Por um instante, teve uma sensação estranha
percorrendo todo o seu corpo, como uma sensação de déjà vu, mas não sabia o que era ou o que
significava. De qualquer forma, ignorou e continuou andando como se nada tivesse acontecido.
Nicholas a guiou até a última porta, no final do corredor, e a destrancou.
— Você pode ficar um pouco surpresa com o tamanho, e perdida também, mas apenas confie
em mim — comentou. Abriu a grande e pesada porta e permitiu que ela entrasse primeiro.
Quando viu que se tratava de uma biblioteca, a boca de Annabella se abriu em um imenso
“O” e os olhos brilharam como nunca. Aquilo não era uma biblioteca como a que tinha no vilarejo
em que morava, com pouquíssimos livros disponíveis, os quais ela deve ter lido umas dez vezes cada
um, exceto pelo seu favorito: “Alice no País das Maravilhas”, que ela deve ter lido cem vezes, uma
história sobre uma garota que encontrava um novo mundo ao cair numa toca de coelho, um mundo
diferente, colorido e absurdamente divertido e estranho, mas um mundo do qual ela gostaria muito de
fazer parte, uns o consideravam apenas um conto de criança, mas outros acreditavam que em algum
lugar na densa floresta existia um portal para o famoso lugar, e ela acreditava nisso. Por que não
acreditar?
E, por ora, aquela biblioteca era o seu próprio País das Maravilhas.
— Gostou?
— Gostar? Eu amei esse lugar. Tem tantos livros, não posso nem contar quantos.
— Você é igual à minha mãe, ela ama ler, acredito que já tenha lido todos ou quase todos que
existem aqui, pelo menos. Mas, aqui está o que procuramos, a seção de magia, tem livros sobre tudo
aqui, poções, e sim, antes que você pergunte, eu já tentei fazer uma delas e não consegui, quase
explodi tudo — entregou-se. — Enfim, algum deles deve ter a resposta para os seus poderes.
— Por que está fazendo isso? Digo, agora? — ela perguntou. — É seu aniversário, não devia
estar aproveitando?
— Essas festas são terrivelmente chatas, e eu prefiro estar aqui a ter de dançar com cada boa
moça lá embaixo — explicou, fazendo-a soltar um risinho. — Bom, vamos começar a procurar?
Começaram por um livro mais fino, que contava sobre magia adquirida ou despertada, que
era nada mais do que pessoas comuns que por alguma razão, talvez ritual, adquirem magia com o
tempo ou que sempre possuíram e um dia acordam e estão simplesmente fazendo coisas que antes
nunca foram capazes.
— Quando começou… é… quando você percebeu que podia fazer isso?
— Na verdade, foi estranho. Foi do nada, no dia que te conheci e te ajudei a encontrar a rosa
e percebi, depois disso aconteceu apenas mais uma vez, só quando eu me esforço muito, como hoje.
— Você sabe se sua mãe possuí dons assim?
Ela ponderou, tentando esquivar-se da perguntar. Entretanto, sabia que não podia escapar
disso para sempre. Era parte dela, e ela sabia disso, fazia parte de quem ela era e de seu propósito
no mundo.
— Se… — iniciou, tremendo. — Se eu te contar uma coisa, você promete que isso não vai
sair daqui? Ninguém pode saber, quantos menos pessoas souberem, é melhor. — Ele assentiu, já
preocupado. — Tudo bem. — Respirou fundo. — A verdade é que eu… eu sou adotada, bom, na
verdade, eu fui acolhida pela minha mãe quando ela me encontrou na porta da casa dela, lá em Porto
Dourado, há mais de dez anos. Me abandonaram lá, sem mais nem menos, sem um bilhete ou qualquer
coisa do tipo, apenas com a roupa do corpo. E, bom… desde então eu vivo com a Dahlia, que é a
minha mãe mesmo que não tenha me dado à luz.
Ele ficou chocado, paralisado, sem reação. Aquilo sim explicava muita coisa, como o fato de
ela não saber quem era seu pai — porque por mais que ela não o conhecesse, sua mãe haveria de
saber quem era o sujeito —, ou o fato de ela não saber controlar ou mesmo saber a razão de seus
poderes, uma vez que, se fosse de família, alguém haveria de entender sobre eles.
Ele segurou a mão dela, sem saber muito o que fazer e, apenas, disse:
— Eu sinto muito, Ella. Apesar de conhecer como é isso, eu não faço ideia de como é estar
no seu lugar, mas fico grato por ter me contado.
— Eu queria, sabe, saber quem são meus pais, saber quais foram as razões deles para terem
me abandonado, mas eu nunca consegui nada, e sinceramente, a este ponto, não importa mais. —
Respirou fundo, puxando o cabelo para trás, querendo quebrar aquele clima. — Bom, podemos
continuar? — Ele assentiu.

A festa continuava no salão de baile, porém, ela já não estava mais lá. Quando terminou sua
dança com Matthew, Alycia se recolheu para os seus aposentos, sem que ninguém visse.
Estava com uma dor de cabeça terrível, e precisava descansar. E, de qualquer forma, não
estava mais conseguindo se divertir.
Ela sabia que Matthew, assim que percebesse que ela havia sumido, procuraria por ela que
nem louco, o que ele, obviamente, acabara fazendo.
— Ah, você está aqui. — Entrou no quarto. — Aconteceu alguma coisa, meu amor? Você saiu
da festa de repente… — Sua expressão não indicava nada além de preocupação.
— Não aconteceu nada, querido, não se preocupe — assegurou. O que, claramente, não
ajudou nem um pouco. Ela estava com uma expressão séria, confirmando que pensava em algo, mas o
quê? Ele não fazia ideia.
Pela forma como abraçava o travesseiro e olhava para um ponto fixo no nada, parecia pensar
em algo muito importante, algo que a intrigava. Ele resolveu puxar assunto, para tentar descobrir o
que a incomodava, uma vez que já não tinha mais interesse em voltar para a festa sem a esposa, de
qualquer forma.
— Aquela amiga do Nicholas, quem é ela? É apenas uma amiga ou ele tem algum interesse a
mais nela?
— Não acredito nisso. Eles parecem apenas amigos, e, pelo que eu entendi, ela mora no
vilarejo na divisa do reino. — Ela ainda não o encarava, permaneceu encarando aquele ponto fixo.
Era claro que a garota havia mexido com ela, afinal, ela tinha exatamente o mesmo nome de sua filha,
então era completamente normal que ela se sentisse assim. Matthew sentou-se ao seu lado, com as
pernas esticadas na cama, apenas querendo entender sua mulher e o que se passava na mente dela
naquele momento. Sem nem pensar, ela apenas colocou o travesseiro sob a cabeça e se deitou de
lado, apoiando-se nas pernas dele.
Percebendo que na verdade ela só precisava de um pouco de cuidado e atenção, ele começou
a fazer um carinho nos cabelos dela, soltando cada grampo que prendia seu penteado sofisticado.
— O que está te incomodando, querida? Pode me contar. — Ela tentou dizer algo mas ele
impediu. — E não diga que não é nada, pois eu sei que não é verdade. Eu te conheço melhor do que
qualquer um, Alycia, e eu sei quando algo a incomoda só de olhar nos seus olhos.
Naquele momento, ela se entregou. Se entregou às lágrimas, poucas, mas existentes. Se
levantou novamente e se sentou de frente para o marido.
— Tem algo, sim, me incomodando. Não um incômodo, na verdade, mas algo que mexeu
comigo.
— E o que foi? — Passou a mão pelas bochechas dela limpando as lágrimas, deixando a mão
ali para lhe fazer um carinho que sabia que a acalmava.
— Sabe a amiga do Nick? — Ele assentiu. — Algo nela mexeu comigo. Você escutou o nome
dela? — Negou. — Ela se chama Annabella. — Ele abriu a boca, descrente do que escutara. — Eu
acho que isso me afetou porque, de certa forma, eu ainda espero pelo dia em que nossa filha vai
entrar por aqueles portões e voltar para nós, e quando ela apareceu com, coincidentemente, o mesmo
nome, isso me afetou um pouco, eu acho.
— O nome dela… Ela… Oh. — Então ele sentiu tudo aquilo também.
Matthew era do tipo que mais escondia as coisas que lhe incomodavam, porém, em
compensação, era o que mais sentia, com uma frequência muito maior, pelo simples fato de esconder
para si. Embora Alycia e Annabella passassem mais tempos juntas, a ligação que ele tinha com a
filha era diferente. Ela era sua primeira filha, foi a pessoa que o fez de fato perceber a imensa
responsabilidade que ele tinha em mãos, e foi a primeira que o fez sentir um amor tão grande quanto
aquele, o amor paternal.
E sentia falta dela, todo dia, e a cada dia mais e mais. Contudo, acabou aprendendo a
conviver com a dor, assim como todos na família. Era o seu destino, aparentemente.
— Eu não queria alimentar nenhuma esperança, mas eu gostaria que existisse a possibilidade
de nossa filha ainda estar por aí. Claro que eu gostaria ainda mais se fosse essa garota, porque de
certa forma ela já tem uma ligação com o Nicholas, o que é muito bom. Mas, eu já descartei essa
possibilidade. Afinal, nossa filha se lembraria de nós, certo?
— Sim. Sim. — Matthew afirmou, embora não tivesse ouvido quase nada que a esposa disse.
Não tinha como aquela garota ser a filha deles, o nome era apenas uma coincidência. Aquela
menina não tinha a menor ideia de quem eles eram, e por mais que talvez, ela soubesse, teriam
testemunhado qualquer reação a isso. Não era ela.
Mas, talvez, e se fosse?
Essa ideia não sairia da mente de Alycia por muito tempo.
Eles se abraçaram, reconfortado um ao outro. Alycia, com a cabeça recostada no peito do
marido, era capaz de ouvir o coração dele bater mais rápido do que o normal, e soube que aquilo
havia sido um choque e tanto para ele também. Já Matthew, nem sabia mais onde estava, depois de
ouvir o que a esposa lhe havia contado, só conseguia pensar na filha, estava em um mundo
completamente diferente daquele, e não sabendo e não conseguindo dizer nada, só acariciava os
cabelos da rainha lhe oferecendo amor e proteção.
Alguém bateu à porta, e viram Grace entrar logo em seguida.
— Alycia, temos um pequeno probleminha na biblioteca.
— O que aconteceu? — A rainha se levantou, já preocupada que fosse algo grave.
— Encontraram o Nicholas e uma garota, dormindo, e dormindo muito pesado. O que
fazemos?
Alycia olhou para seu marido e esperou uma solução. Como não a teve, ela mesma encontrou
uma:
— Peça que um dos guardas os levem para o quarto, cuidadosamente para não os acordar,
pois coitados devem estar mortos de cansaços. Mande que preparem um cômodo para ela, por favor.
Não tem problema termos uma hóspede essa noite, certo, meu amor? — Olhou para o esposo
novamente, que assentiu. — Por favor, Grace, faça isso.
— Tudo bem, farei. Boa noite, Majestades.
— Boa noite, Grace.
Mais tarde naquela noite, Alycia e Matthew passaram para dar um beijo no filho adormecido.
O baile já havia acabado e os convidados foram dispersados. O palácio agora se encontrava em total
silêncio.
Enquanto Matthew fora para o quarto para também descansar depois de tal noite, Alycia
dissera que ia resolver uma coisa e o encontraria em cinco minutos.
Mas, na verdade, ela tinha ido ver como estava a menina que dormira na biblioteca. Quando
abriu a porta do quarto, vira sua figura serena e tranquila dormindo, e parecia estar dormindo como
nunca o fizera antes na vida.
Fechou a porta e saiu, e aquela ideia pequenininha que brotou em sua mente começou a
crescer. E, naquela noite, enquanto sonhava, ela cresceria ainda mais.
16. A Princesa Deve Se Salvar

Exatos 6035 dias que ela estava presa. 200 meses. Ela sabia pelos traços que rabiscara ao
longo dos anos nas paredes. Fazia dezesseis anos que ela não via a luz do sol, ou sentia a brisa gentil
do vento tocar em sua pele. Aos dezoito anos completos, Elizabeth não conhecia nada do que ficava
além daquela cela e paredes que a cercavam.
Nesses anos, a garota viveu a base do que Lilliana quis lhe dar — e não foi muito —, ou o
que ela lhe permitiu comer — o que também não foi muito. Isso sem contar a sua magia, que estava
contida desde sempre. E, nos últimos tempos, ela sentia que o poder estava crescendo e aquela
coleira tão agradável não seria capaz de segurá-la por muito tempo. Tinha medo de causar uma
explosão em si mesma com tanto poder acumulado, embora tivesse quase certeza de que isso não era
possível.
Havia faíscas que escapavam de seus dedos, pequenas, mas, ainda assim, escapavam. Mas,
por mais que sua magia estivesse escapando da constrição, ela ainda precisaria de mais alguma coisa
para ajudar a tirá-la para, enfim, poder escapar daquele inferno.
Uma faca, talvez? Seria perfeito, porém arriscado. E, para conseguir uma faca, ela precisaria
que Lilliana decidisse alimentá-la, e bem, já se fazia trinta e seis horas desde a última vez, sabe-se lá
Deus quando seria a próxima.
Precisava de um plano. Mas um plano impecável, sem chance de falha. Se ela conseguisse se
livrar com a faca, o que faria? Mesmo que possuísse magia, não sabia como controlá-la, e pior do
que isso, não conhecia aquele castelo, não tinha como escapar sem passar pelos guardas ou pela
madrasta. Como faria isso?
Um barulho veio do corredor. Ela sabia quem era. Era Audrey, trazendo a refeição.
— Achei que ela ia me deixar morrer de fome.
— Acredite, isso provavelmente passou pela mente dela.
— Ela faria isso se soubesse que daria certo, mas meu corpo não vai desistir sem lutar, não
importa quantos anos leve.
Audrey deu um meio sorriso. Ela não era uma pessoa ruim, apenas servia as pessoas erradas.
Mas isso não era sua culpa. Elizabeth gostava dela. Depois que Thomas se foi, Audrey foi a única
pessoa que a tratou bem. Antes dela, havia Liza, mas a pobre moça falecera alguns anos antes, vítima
de alguma infecção que contraiu naqueles corredores imundos. Elizabeth não sabia como nada a
havia atingido ainda, já que nada a protegia. Após o incidente, sua madrasta arrumou outra pessoa
para “cuidar” desse problema. Era a única pessoa com quem possuía contato, já que Lilliana não
aparecia nem para lhe dizer bom dia ou sequer para tentar ameaçá-la.
Audrey lhe entregou a bandeja, e saiu da cela, a trancando novamente.
— Uh… Audrey, antes que vá, eu queria perguntar uma coisa. Onde fica a biblioteca?
— Por que a pergunta?
— Eu só queria saber, quem sabe, se um dia ela me deixar sair, a biblioteca seria
provavelmente o primeiro lugar que iria.
Claro que aquilo era mentira. Primeiro: Lilliana nunca a deixaria sair por livre e espontânea
vontade. Segundo: Elizabeth era péssima mentirosa, e era óbvio que ela não iria à biblioteca.
Terceiro: Lilliana nunca a deixaria sair por livre e espontânea vontade.
— A biblioteca fica na ala sul, acesso pela primeira escada saindo daqui. – E saiu.
Logo que a moça a deixou, Elizabeth se apressou em colocar seu plano em prática. Pegou a
faca que viera com a comida e a encarou por alguns instantes, pensando se aquilo iria, realmente, dar
certo.
— Se concentre, Elizabeth! Se concentre!
Ela encaixou a lâmina, com cuidado, entre o pescoço e a peça, de cima para baixo e
calmamente a puxou para frente, forçando um corte. A faca escapou e deslizou, e ela acabou cortando
a si mesma. Soltou um gemido de dor, mas tentou aguentar. Viu sangue escorrer por seu colo mas
tentou ignorar. Fez o gesto novamente, tentando cortar a colar. O material era muito resistente, não
estava sendo fácil. Porém, depois de algumas tentativas, conseguiu fazer um pequeno corte.
— Acho que isso enfraquece o poder dele. – Continuou forçando a faca até obter um corte
melhor e mais certeiro. Finalmente, depois de longos cinco minutos, ela viu a coisa cair no chão,
junto com a faca que se quebrou em duas partes — Eu estou livre. Ah. — Sorriu, tocando o pescoço
sentindo a liberdade. — Livre, finalmente. — Algumas lágrimas se acumularam nos olhos
esverdeados, mas se conteve. — Tudo bem, Elizabeth, se concentre para abrir esse cadeado.
Ela fechou os olhos e se concentrou em sentir seu poder fluindo em seu corpo. Era uma
sensação estranha, mas ao mesmo tempo, fascinante. Ergueu a mão direita e mirou no cadeado,
abrindo novamente as pálpebras e deixando a magia sair e, depois de longos anos trancafiada e
contida, ser livre.
A fechadura rompeu, e logo que ela tocou na grade e empurrou, o portão se abriu. Não podia
acreditar. Estava, de fato, livre. Deu um passo para a frente, com o pé direito — não que acreditasse
em superstições, mas essa não era a hora para arriscar —, e então, finalmente, saiu.
Por mais que quisesse ficar ali parada e sentir o gosto da liberdade, precisava correr. Ela
arrancou as sapatilhas, mais do que gastas, e saiu correndo. Se deparou com uma parede que não
resultava em lugar nenhum.
— Argh — resmungou. — Como eu passo por aqui? — Ela encostou no candelabro ao lado
sem nem ao menos perceber, e foi aí que a parede girou em torno de si mesma e num piscar de olhos,
estava do outro lado. — Foi mais fácil do que pensei.
Se ela havia entendido bem, a biblioteca ficava na saída da primeira escada saindo do
calabouço, então ela só precisava dar a volta e procurar a escada e, claro, evitar os guardas. Ela
andou um pouco, e estranhou o fato de não ter nenhum segurança em metros ali. Ela encontrou a
escada pouco depois, mas ouviu vozes que a fizera se esconder rapidamente. Eram dois guardas
fazendo patrulha, mas não chegaram a vê-la.
Elizabeth subiu rapidamente as escadas, chegando numa porta grande e alta num corredor tão
sombrio quanto à cela que ela esteve presa. Invadiu o lugar, tomando cuidado para não ser vista.
Diferente do que esperava, a biblioteca era pequena, mas não era de se surpreender, afinal a “rainha”
não fazia muito o tipo de quem se permitia ser entretida por um bom livro. Na verdade, Lilliana não
era do tipo que se divertiria com nada.
Precisava encontrar dois livros em específico, um sobre magia e um outro com mapas. O
problema era: quais eram sobre esses assuntos? Ela não tinha muito tempo. Embora Lilliana não
fosse notar tão cedo que ela havia desaparecido, uma vez que nunca ia vê-la e mandava a refeição
uma vez a cada quantos dias ela tivesse vontade. Mesmo assim, não podia contar com a sorte… ou o
azar.
Pegou um livro em uma das prateleiras e o abriu, folheando qualquer coisa que podia falar
sobre seus poderes. Não encontrou muita coisa, nada que realmente a ajudasse. Pegou outro, e esse já
parecia mais útil.
— Para se teletransportar se concentre no lugar que deseja ir, mas seja preciso no
pensamento, e então, abra os olhos e estará onde desejou — leu o que estava escrito. — Tudo bem,
Elizabeth, você só precisa se concentrar. Tantos anos de magia contida devem te ajudar agora já que
você precisa tanto. Sem mais conter, você está livre, lembra-se? Tente. — Ela tentou. Imaginou o
outro lado da biblioteca e testou. Se concentrou e então desejou. Segundos depois, abriu os olhos e
verificou sua volta para ver se tinha dado certo. — Tudo bem. Eu estava perto da mesa, eu tenho que
estar, no mínimo, mais afastada dela, certo? — Olhou para baixo e verificou. Ela estava. Céus, havia
funcionado. Provavelmente ela não conseguisse percorrer grandes distâncias, mas o mínimo que
conseguisse para longe daquele castelo bastava.
Ela tirou da prateleira um atlas, que continha a cartografia completa dos reinos vizinhos. Ela
estranhou o fato de aquele livro estar riscado e com um enorme X em vermelho sangue. Aproximou
os olhos da marca e leu o que estava escrito embaixo:
— Porto Vermelho. — Não conhecia esse lugar. Mas ela sabia que a única pessoa que
poderia ter riscado aquele livro era Lilliana, e se Lilliana tinha feito isso era porque odiava aquele
reino tanto quanto odiava a própria vida. Então, era para lá que ela iria. Afinal, se a madrasta odiava
aquele lugar, significa que possuía inimigos lá, e talvez, se Elizabeth fosse cautelosa, poderia pedir a
ajuda deles para destronar a cruel e dissimulada mulher que ocupava o trono que lhe pertencia.
Arrancou a página com o mapa e o colocou preso ao vestido. Fechou os olhos e se concentrou
em sair dali. Ela não sabia como era Porto Vermelho, então não podia ir para lá, mas ela podia
imaginar algum lugar próximo, uma floresta talvez? Talvez até mesmo um porto em que pudesse
embarcar em algum navio clandestinamente.
— Porto Vermelho, lá vou eu! — Quando abriu os olhos novamente, estava sentindo a grama
sob seus pés, então sabia que já estava do lado de fora. Encarou a visão à sua frente e viu os muros
que cercavam o palácio. Não foi tão longe quanto desejara, mas já estava longe do alcance da
madrasta, e isso já era o suficiente. — Adeus, Lilliana! — E saiu correndo sem olhar para trás.

— Como assim ela fugiu? — exigiu, extremamente zangada. — Como essa garota conseguiu
escapar?
— Eu não sei, Majestade. Ela estava no mesmo lugar de sempre quando eu fui levar sua
refeição mais cedo. Mas agora, quando voltei para buscar a bandeja como ordenou, o portão estava
aberto e ela havia sumido. Eu encontrei isso lá. — Entregou o colar partido em dois.
— Droga! — praguejou. — Guardas! — gritou, fazendo-os se apresentarem de prontidão. —
Uma prisioneira escapou essa tarde, graças à incompetência de vocês. Encontrem-na, e tragam-na
para mim. Viva, de preferência, ou morta, tanto faz. Mas encontrem-na, ou pagarão caro por isso! —
Os guardas assentiram. — Estão esperando o quê? Agora!
— Sim, Majestade.
— Você. — Olhou para Audrey, que congelou no lugar com medo de ser punida. — Vá com
eles, tenha certeza de que estão procurando a garota certa.
— Sim, Majestade.
Assim que se encontrou sozinha, Lilliana surtou. Soltou um grito tão alto que por mais um
pouco teria quebrado os vidros das janelas. Ela correu até seu quarto, precisava descobrir onde
aquela garota havia de ter se metido.
Trancou a porta e encarou o espelho, exigindo que lhe mostrasse algo.
— Espelho inútil! Onde está a garota? — Tocou no vidro e ele tremeu, da mesma forma que a
água faz quando se toca nela. De repente, ela viu uma imagem. Era ela, com certeza era. Ela estava
correndo, em direção ao norte. Estava no porto, esperando para embarcar em um navio. Obviamente,
de maneira clandestina, afinal, jamais poderia pagar um translado. Ela congelou a imagem, tentando
decifrar para onde aquele barco iria.
Quando obteve sua resposta, surtou mais uma vez. Se a bastardinha fosse para lá e
encontrasse com a outra garota também bastarda, tudo estaria perdido. Não, ela precisava evitar. Ela
teve que fazer muitas coisas para chegar aonde chegou, e não seria Elizabeth nem ninguém que tiraria
isso dela.
— Eu preciso do meu livro de feitiços. — Correu até seu cofre e o tirou. Afastou o pó e
folheou as páginas até encontrar o feitiço que queria. — Vai servir. Eu não vou permitir que ninguém
tire tudo que eu tenho, e não importa quem eu precise matar para impedir isso.
De repente, ela teve uma ideia. Por que apenas afundar o navio da garota quando ela poderia
ir além e se livrar de dois problemas? Ela havia descoberto recentemente que o paradeiro da filha de
Hale era, exatamente, o destino de sua enteada, então ela poderia apenas permitir a fuga e esperar
que Elizabeth chegasse lá e então usaria o feitiço e se livraria das duas ao mesmo tempo.
Era brilhante.
Ela sabia que isso seria demorado, horas e horas de espera a julgar o longo trajeto pelo
oceano. Mas valeria a pena. Enquanto aguardava, pediu que lhe trouxesse um chá no quarto e que
preparassem seu banho.
Durou horas e horas, ela não saberia dizer já que estava prestando atenção no nascer e no pôr
do sol, mas verificou novamente seu espelho e viu que Elizabeth estava andando por uma estrada, o
que indicava que ela havia chegado ao reino vizinho.
— Ah, pobre garota, devia ter ficado onde eu a coloquei, agora observe enquanto várias
pessoas inocentes vão morrer por sua culpa. — Abriu o livro novamente e leu o feitiço escrito na
língua nativa daquelas terras, uma língua praticamente morta, que apenas feiticeiros a falavam: — A
pyram duxit ex inferno, et ibi primum. Et succendetur extra ordinem violenter in conspectu tuo
vestigia nigrae. ¹
Recitou e apenas esperou acontecer. Ficou se deleitando, vendo através de seu espelho
enquanto seu feitiço infernal se espalhava e queimava toda a terra e casas. As pessoas começavam a
gritar e ela se divertia com isso.
Seu coração havia se transformado em pedra. Sem volta.

A primeira coisa que Annabella fez quando abriu os olhos foi piscar várias vezes até ter
certeza do que estava vendo. Tinha uma enorme pintura no teto, o que era algo que ela realmente
nunca havia visto, e logo mais à frente, tinha um enorme lustre. Aquela, definitivamente, não era a
casa dela.
O que fizera noite passada então se não foi embora? Lembrava-se do baile, e depois disso de
ir à biblioteca com Nicholas… Oh, claro, eles estavam pesquisando a origem da magia dela, mas
acabaram não encontrando nada muito útil, e foi quando caíram no sono. Provavelmente, alguém os
encontrou e agora ela estava ali.
Ainda estava vestida com o mesmo vestido da noite passada, embora não soubesse onde seus
sapatos foram parar. Por sorte, havia um par de chinelos na beira da cama, no chão. Acreditava que
haviam sido postos ali para ela, então os calçou.
Caminhou até a janela, abrindo-a e contemplando a belíssima paisagem lá de fora. Ela
possuía alguns conhecimentos sobre como verificar as horas a partir da posição solar, ainda era
cedo, não muito mais do que dez horas. Portanto, deixou os aposentos e caminhou pelo longo
corredor, ouvindo vozes vindas do final dele. Ela colocou o rosto para fora do corredor e encarou
quem estava à sua frente. Nicholas a viu e tratou de chamá-la. A garota negou, envergonhada, mas o
rapaz não aceitou, fazendo questão de tê-la ali.
— Com licença — ela disse, sentando-se entre ele e uma moça loira mais velha, que ela
viera a descobrir ser Grace.
— Como passou a noite, querida? — perguntou a rainha. Não, isso não era nem um pouco
estranho, ela estava falando com a rainha, acontecia quase sempre. Tente não ficar nervosa,
Annabella, está tudo bem.
— Bem, Majestade, agradeço a hospitalidade, foi extremamente gentil.
— Então, Annabella, certo? — Alycia indagou. — Onde você mora? Digo, onde você e meu
filho se conheceram? — Enquanto a mulher procurava saber mais sobre a garota que tanto a
intrigava, Matthew seguia apenas encarando a situação, como se algo o incomodasse. Aquela garota,
ela se parecia tanto com Alycia, uma coincidência incrível, os olhos amendoados, o cabelo escuro e
ondulado… sem contar o nome que era o mesmo ao de… Se as almas do inferno estavam tentando
torturá-lo, estava funcionando.
— Hm, mãe, foi acaso, na verdade — Nicholas respondeu. — No dia que eu saí naquela
visita à escola com o papai, a Ella estuda lá inclusive, é aluna de piano e canto da classe da… como
é mesmo o nome dela?
— Harper. A professora Harper — Annabella lembrou-lhe.
— Ela é uma excelente professora, a voz dela é incomparável — Alycia acrescentou.
— Sim, e bem, depois que saímos, nós nos encontramos novamente, na trilha que liga a
academia à aldeia, e ela me ajudou a colher aquela rosa que lhe trouxe, mãe.
— Eu me lembro. Aquela rosa tinha algo especial nela, na verdade, ela viveu bem mais do
que eu esperava para uma flor já colhida. O que me faz lembrar que devo agradecer por ela, foi um
presente que me fez muito bem.
— Não precisa agradecer, Majestade.
Eles teriam continuado conversando, e provavelmente Annabella teria gostado daquilo. Por
um breve momento, ela desejaria ter aquilo todos os dias, uma família grande reunida todos os cafés
da manhã para conversar. Longe dela dizer que sua família não era perfeita, porque era, e ela era
extremamente grata por ter sua mãe e seu tio com ela sempre, e claro, como poderia esquecer de sua
gatinha? Mas ainda assim, seria incrível ter uma família maior, não seria? Irmãos, um pai… Sim,
seria.
Aquele sentimento de família grande e reunida teria continuado por mais tempo, mas claro
que não durou. Dois guardas invadiram o salão, e pareciam assustados. No mesmo instante,
Annabella sentiu um aperto no coração. Não era coincidência.
— Majestades, um incêndio — Berkley, um dos guardas, falou.
— Atingiu a aldeia toda — Roman, o segundo guarda, completou.
— Mande todas as tropas preparadas para lá imediatamente, retirem as pessoas e combatam
o fogo. Abasteçam os barris com a água do poço e se preparem para explorar o lago.
Os guardas assentiram, saindo em velocidade máxima e sendo seguidos pelo rei. A sala toda
ficou rodando em câmera lenta para Annabella, que estava pensando. O aperto que ela sentiu no
coração não era normal. Não, tinha algo errado com alguém que ela conhecia, mas quem? Sua mãe
estava bem longe da aldeia, não estava?
A menos que…
— Ah! — ela gritou, ao sentir uma dor tremenda. Ela sabia que Dahlia estava em perigo. —
Mãe!? Mãe! — Se levantou e saiu correndo, deixando todos para trás.
— Annabella, espere! — Nicholas gritou, correndo atrás da garota. Alycia correu atrás do
filho também, e uma bola de neve se formou, um começou a correr atrás do outro numa caçada sem
fim.
Ella correu o mais rápido que pôde até a aldeia, e quando chegou, a cena era de partir o
coração. As casas pegavam fogo, a fumaça sufocava os moradores e as árvores começavam a cair ao
não suportarem mais serem queimadas. Ela precisava ajudar. Via cavaleiros reais carregando barris
de água para conter as chamas, mas não estava sendo o suficiente.
— Socorro! — Ela ouviu alguém gritar. Correu até o local que vinha a voz e viu a Sra.
Marsh, uma senhora idosa mas muito gentil com todos na aldeia, que a fazia se lembrar muito da Sra.
Amaris, lá de Porto Dourado.
— Deixe me ajudá-la, Sra. Marsh. — Se aproximou, apoiando um braço da mulher nos
ombros e a ajudando a caminhar. Sua perna estava machucada, o que dificultava um pouco, mas ela
faria aquilo. Afastada do perigo, ela colocou a pobre mulher sentada em uma rocha, e chamou por
socorro. Nicholas, que estava correndo bem atrás dela, apareceu.
— Nick, ajude-a por favor. A perna está machucada e eu… eu preciso ajudar lá.
— Annabella, como você vai parar o fogo? Não tem como, ele já espalhou.
Foi então que viram, não muito longe dali, outra pessoa que eles não conheciam ajudando as
vítimas do incêndio. Era uma garota, talvez não muito mais velha do que Ella. Ela estava usando
magia para apagar as chamas, e parecia que estava dando certo, mas era só uma ilusão. O fogo estava
mais forte, então a cada metro que a garota apagava, dois se acendiam.
— Ela precisa de água — Annabella disse a si mesma. — O lago. Ei! Você! — Saiu correndo
em direção a garota, que olhou imediatamente para ela ao escutar. A menina ruiva a encarou, em
dúvida. — Você tem magia?
— Sim...?
— Ótimo. Eu preciso da sua ajuda para trazer água do lago até aqui, mas eu não consigo
sozinha.
— Eu ainda não controlo meus poderes…
— Eu também não. Mas acredito que juntas conseguiremos. Por favor! Minha mãe está lá
dentro! — suplicou, com lágrimas nos olhos.
— Tudo bem.
Correram até o lago, que não era longe dali. Pararam na beira e deram as mãos, se
concentrando em pedir socorro ao espírito das águas. Com as mãos livres, fizeram movimento de
levantamento, e magicamente, as águas se ergueram perante elas. Com as mesmas mãos, lançaram a
magia em direção às chamas que queimavam a aldeia e feriam todos, e as águas obedeceram,
formando uma onda grande e forte, atingindo o fogo e o detendo.
Aos poucos, a fumaça foi subindo aos céus e limpando a imagem sangrenta de antes, e assim,
evaporou totalmente, deixando apenas a visão um pouco turva por conta da quentura do lugar e do
fogo recém-apagado. Annabella sorriu, vendo que tinha dado certo.
— Deu certo — a outra garota disse. — Deus, funcionou mesmo.
— Sim… — Annabella respondeu. — Mãe! — Lembrou-se. Saiu correndo, deixando a outra
garota, que nem sequer havia perguntado o nome, para trás. Passou por alguns escombros e ajudou
alguns moradores, os levando para fora do local onde estariam seguros. — Sr. Walters, o senhor viu
minha mãe? — perguntou ao mercador da venda de tecidos.
— Não, minha filha. Não vejo sua mãe há dois dias.
Aquilo foi um certo alívio para Annabella, já que ninguém havia visto sua mãe significava
que ela não estava entre as vítimas do incêndio. Mas isso não explicava o motivo de ela ter sentido o
aperto no coração.
Mas claro que havia uma explicação para isso, e não tardou a ela descobrir.
— Socorro! — Ela ouviu a voz familiar gritar. Correu de encontro até onde ela vinha e
percebeu que seu pressentimento estava certo.
— Tio Graham! — Se ajoelhou ao lado dele ao vê-lo machucado. Seu corpo sangrava, e ele
possuía algumas queimaduras nas roupas e principalmente nos braços. — O que está fazendo aqui?
Cadê a minha mãe? Você está bem?
— Eu estou. Mas a minha perna está presa. — Foi então que viu que a madeira de uma das
casas em volta havia caído durante o incêndio e acertado e prendido seu tio. Ela tirou-a de cima e o
ajudou a se levantar. — Melhor?
— Um pouco, mas vai passar. Já tive machucados piores. — Riu.
— Onde está minha mãe? Ela deveria estar com você! Ela disse que só voltariam amanhã,
não deveriam estar aqui hoje! O que houve?
— Houve um contratempo, eu fui pego fazendo o que não devia em um local que não devia,
mas em minha defesa, eu não sabia, não vi nenhuma placa. Eu fui contratado para encontrar um
animal, aparentemente raro, nem sei qual espécie, só recebi uma descrição rápida. Acabei indo parar
em uma área de preservação e fui pego com o arco em mão, nem tive como explicar. Fiquei preso por
uma semana, até que consegui contatar a sua mãe através de uma carta e ela foi resolver. Para minha
sorte, eu fui libertado um dia mais cedo, e encontrei com ela na metade do caminho e estávamos
voltando para casa quando vimos o incêndio. Depois que ela saiu correndo para ver se você estava
bem, eu não a vi mais.
— Então ela pode… não, não… eu vou procurá-la!
— Annabella! — chamou sua vizinha, gritando algo o bastante para todos terem escutado.
Annabella correu em sua direção.
— O que houve, Sra. Becket?
— É a sua mãe. Eu acho que ela está presa!
— O quê? — Se desesperou. — Como assim?
— Eu fiquei presa na minha casa, uma árvore caiu e travou a saída. Sua mãe quebrou a janela
e me tirou de lá, mas eu não a vi mais, eu acho que ela não conseguiu sair.
Não, não, não, isso não, a mente da garota gritava. Não podia ter acontecido nada com ela.
Sai correndo em direção a Nicholas, precisava de ajuda para encontrar sua mãe. O príncipe estava
junto de seu pai, ajudando os feridos.
— Nick! Eu preciso de ajuda! É a minha mãe. Ela está presa dentro de uma das casas. Por
favor, me ajuda!
O príncipe hesitou. Ele olhou para Annabella com tristeza nos olhos, o que fez a garota se
desesperar ainda mais. Ele não iria ajudá-la? Era isso?
— Nick…
— Ella, eu… eu não sei como te dizer isso mas… nós já reviramos todas as casas, não havia
nenhuma vítima ou nenhum corpo dentro de nenhuma delas…
— O quê? Não, a minha vizinha disse que a minha mãe estava lá dentro!
— Ela podia estar, mas provavelmente saiu… ela não está entre as pessoas que encontramos,
e ninguém viu a sua mãe… ela deve estar entre… entre os corpos… Ella, eu… eu sinto muito.
— Não… não, não… não, não… mãe… — Ela caiu de joelhos no chão, chorando, e gritando
em negação. Suas mãos começaram a acender uma luz verde clara, que então se espalhou por toda a
área, fazendo com que todos os próximos olhassem para a garota.
Nicholas a amparou, enquanto ela ainda gritava pulmões afora toda a dor que sentia agora.
Sua mãe estava entre os corpos queimados e não havia nada que ela pudesse fazer para mudar isso.
Nenhuma magia no mundo a ajudaria agora.
— Ella, eu…
— Por que, Nick? Por quê? — Ela o abraçou. Alycia se aproximou deles, querendo oferecer
ajuda também, mas não podia fazer nada. — Isso não é justo! Não é! Eu perco todos que eu amo, isso
não é justo, Nick! Primeiro, meus pais biológicos, e agora, a minha mãe de criação? Quem ainda
mais vai me deixar?
— Nós prometemos que vamos continuar procurando a sua mãe — Alycia garantiu, com dor
no peito pela pobre garota. Conhecia bem o sentimento. — Pode ser que ela não esteja entre…
— Eu agradeço, Majestade — respondeu, enxugando as lágrimas, mesmo que essa fosse uma
missão impossível. — Mas não adianta… se ela não está entre as vítimas vivas, então… — Voltou a
chorar de novo, sendo amparada pelos braços do melhor amigo.
De longe, ela pôde ouvir o rei dizer: “Leve todos aqui para a enfermaria do palácio,
vasculhem a área toda atrás de algo que indique o início do fogo, façam quantas varreduras forem
necessárias, mas encontrem a razão. E procurem encontrar parentes dos feridos e das pessoas que
morreram, as famílias devem ser avisadas!”, e viu os guardas assentirem. Matthew se aproximou da
esposa e do filho, vendo o desespero da amiga do rapaz ao saber que havia perdido a mãe
— Annabella, você é bem-vinda no castelo para ficar conosco até podermos reconstruir a
aldeia toda.
A garota chorava muito para responder, então o filho do rei assumiu a fala.
— Pai, a Ella tem um tio que também está ferido…
— Não tem problemas, Nicholas, ambos serão bem-vindos na Corte, e seu tio receberá todos
os cuidados dos melhores médicos do reino.
— Obrigada… Majestade… — ela disse com um pouco de dificuldade.
— Vamos para o palácio, sim? — disse a rainha. — Precisamos prestar assistência ao nosso
povo.
Annabella, amparada por Nicholas, caminhou de volta até o castelo, vendo centenas de
carroças de mercadores carregando macas com feridos do incêndio para o castelo, numa fila finita.
Eram tantas vítimas, tantas…
Quando retornaram ao castelo, os empregados ajudaram a família real a se recomporem.
Annabella se sentou na mesa vazia do café da manhã e voltou a chorar.
— Majestades! — Era Hascom, um dos guardas. — Todos os feridos já foram transferidos
para a enfermaria e estão sendo cuidados agora mesmo.
— Ótimo — Matthew disse secamente, ainda abalado por tudo que aconteceu, tentando
entender como o incêndio começou.
— E, na ausência de Vossas Majestades, uma visitante apareceu. Nós não sabíamos o que
fazer então a deixamos aqui dentro.
— Quem, Hascom?
— Irei buscá-la! — O guarda saiu, e nem meio minuto depois retornou segurando um pacote
branco nos braços. — É uma gata, e na coleira diz Annika. Deve ser de alguém da aldeia, talvez o
dono esteja na enfermaria.
— Ela é minha! — Annabella interveio, se levantando e pegando a gata no colo, esta que se
ajeitou no colo da dona e ficou no vão entre o pescoço e o ombro, como se sentisse que tinha algo
errado acontecendo com a garota e estivesse lhe apoiando.
— Neste caso, ela é bem-vinda junto a você, Annabella — Alycia disse.
— Obrigada, Majestade! — Voltou a se sentar com a gata em seu colo.
— Leith — chamou o guarda —, eu quero que cuide pessoalmente da enfermaria, e que nos
mantenha informados se algo mudar na aldeia.
— Sim, Majestade.
— E peça também que duas empregadas ajudem a senhorita Annabella com tudo que ela
precisar, e que preparem o quarto para que ela possa se acomodar.
— Certamente, meu rei. — Ele caminhou até Annabella, a ajudando a seguir até o quarto que
lhe pertenceria. Assim que a garota saiu, Matthew chamou Hascom novamente e ordenou: — Eu
quero que procurem por cada centímetro daquela aldeia pela mãe dela, e que me informem sobre
qualquer novidade.
— Sim, Majestade.
Toda a família se recolheu para seus aposentos, menos Nicholas, que ficou por alguns minutos
a mais sentado, sozinho. Ele estava pensando em algo que Annabella lhe dissera pouco antes de
deixarem a aldeia.
“Primeiro, meus pais biológicos…”
Aquilo o estava incomodando. Ele sabia que ela havia sido abandonada quando ainda era
uma criança, e que não se lembrava de nada dos pais verdadeiros, e essa pulga estava lhe
incomodando atrás da orelha não há apenas uma hora. Na noite passada, ele estava tentando, junto
dela, descobrir mais sobre os poderes que ela possuía, se isso tinha alguma coisa a ver com seus
pais biológicos, mas não encontraram nada. E agora, essa busca teria de esperar até que ela estivesse
melhor, afinal, ele não a incomodaria com isso logo agora que ela havia acabado de perder a única
pessoa que tinha na vida.
Mas também, ele não conseguiria ficar parado sem fazer nada. Ele precisava ajudar a sua
amiga, ainda mais agora. Ele não podia, infelizmente, fazer nada que trouxesse a mãe dela de volta,
mais ainda podia ajudá-la a encontrar o seu lugar, respostas sobre si mesma, mas teria de fazer isso
sozinho. Entretanto… isso o faria parecer egoísta? Ele não queria ser egoísta, queria respeitar o luto
de Annabella, mas também queria ajudá-la a passar por cima disso, e não conseguia pensar em mais
nada a não ser descobrir de onde ela viera, talvez sua família ainda estivesse viva, e talvez ela não
tivesse sido abandonada como pensava e sim sequestrada e deixada em algum lugar para morrer.
Ele sentia que devia isso a ela, afinal de contas, a tragédia aconteceu no seu reino, no lugar
que sua família era responsável pela segurança e bem-estar das pessoas — embora ele não soubesse
ainda que não era culpa de ninguém deste castelo —, mas também sabia que não poderia incomodá-la
com mais esse problema. O faria sozinho.
Ele saiu pelo corredor, determinado a voltar à biblioteca e encontrar mais livros de magia
que lhe trouxessem a resposta que queria. E nesse caminho, passou pelos retratos da família, e parou
para admirá-los por um instante. Tinha um quadro, o seu favorito, onde estava ele, ainda um bebê, no
colo da mãe, sentada no trono, seu pai, parado ao lado dela, e no chão, em pé e sorrindo, sua irmã.
Deus, como sentia falta dela. Por mais que fosse um bebê quando ela sumiu, ainda sentia falta dela
todo dia. Teria sido incrível crescer com uma irmã ao seu lado, para brincar, aprontar, e
principalmente, aprender.
Foi então que…
— Espere! — disse a si mesmo. Sua mente brilhou. Era uma ideia maluca, mas poderia ser?
Precisava descobrir. Correu pelo corredor e acabou atropelando alguém. — Grace, me desculpe…
— Está tudo bem, querido. Aonde ia com tanta pressa?
— Eu preciso verificar uma coisa na biblioteca… — E então outro pensamento surgiu em sua
mente. — Grace, você sabe se existe algum livro sobre nós? Digo, sobre a nossa família? Ou
talvez… os quatro reinos?
— Sim, claro que existe. A última vez que eu o vi estava no escritório do seu pai. Por que a
pergunta?
— Por nada. Obrigado. — Saiu correndo novamente, deixando uma mulher confusa e, por
assim dizer, um tanto preocupada para trás.

¹. do latim: Uma fogueira trazida do inferno chegará, queimando impiedosamente sem


deixar rastros.
17. O Passado Se Faz Presente

Nicholas virou a noite na biblioteca, tentando ler todos os livros que existiam sobre o seu
reino e sobre os que cercavam aquelas terras. Não eram muitos. Na verdade, era um só. Era um livro
grande, enorme ele diria, mas não fora isso que lhe chamara a atenção, e sim o fato de que diversas,
inúmeras páginas dele estavam marcadas com tinta de pena, e algumas até estavam dobradas. Pela
caligrafia perfeita, ele reconhecera que aquelas palavras foram escritas por ninguém menos que sua
mãe.
— Mas por que ela marcaria tantas coisas? — perguntou a si mesmo. Conforme percorria as
páginas, mais coisas iam fazendo sentido. O que Nicholas procurava eram possíveis informações que
pudessem ajudar sua amiga a descobrir mais sobre o seu passado. Contudo, na noite passada, quando
viu a imagem de sua irmã naquele quadro no corredor, uma dúvida muito maior surgiu em sua mente.
Será que existia alguma remota chance de Annabella, sua amiga da aldeia, ser Annabella, sua irmã
perdida? Parecia loucura, conto de fada, ele diria, mas, se a possibilidade existisse, ele investigaria
até o fim, até que ela fosse descartada... ou confirmada.
Em uma das páginas que havia sido riscada por sua mãe, dizia que as herdeiras Hale de puro
sangue, ou seja, apenas as nascidas com o sangue o real, tinham o dom da natureza. Entretanto, o que
era, exatamente, esse dom da natureza? Parecia algo tão… vago; poderia significar inúmeras coisas.
Pegou em mãos um pedaço de papel e uma pena na gaveta, a molhou na tinta e foi anotando todas as
informações que ia encontrando. Pesquisaria mais sobre esse tipo específico de magia mais tarde.
— Tudo bem. Tudo que encontrei até agora não me leva a lugar nenhum, pelo menos não
ainda. Eu preciso encontrar uma forma de conectar tudo e fazer com que façam sentido. — Fechou o
livro e tratou de levá-lo de volta para onde o havia encontrado, no escritório de seu pai. Ele teria
lido por lá mesmo, claro, assim não precisaria carregar tamanho peso por um corredor enorme, mas
não queria que seus pais descobrissem nada, pelo menos não naquele momento. Não queria dar falsas
esperanças a ninguém.
Já havia amanhecido e ele nem sequer havia reparado que o sol já havia nascido. Precisava
encontrar todos no café da manhã para não levantar nenhuma suspeita.
Quando chegou ao salão em que eram servidas as refeições, encontrou seus pais nos lugares
de sempre, acompanhados de Grace e Andrew.
— Bom dia! — exclamou.
— Bom dia, filho! Onde você estava? Procuramos no seu quarto mas você se levantou cedo.
— Ah, bom, eu… eu fui ao estábulo, fui ver como estava meu cavalo, depois de ontem, se não
estava ferido ou algo assim. — Alycia sabia que o filho estava mentindo por duas razões: tanto
Nicholas quanto Matthew eram péssimos mentirosos, e, também, porque na confusão do dia anterior,
o cavalo de Nicholas sequer havia saído do castelo. Entretanto, ela não questionaria mais, afinal, seu
filho deveria ter uma boa razão para esconder-lhe algo, certo? — Já sabem o que causou o incêndio
de ontem? — ele continuou.
— Ainda não, não encontraram nada que pudesse justificar. Algumas pessoas disseram ter
visto uma nuvem escura aparecer no céu, e algo parecido com um raio atingir uma árvore, e então
começou. Mas as informações ainda são vagas.
— Onde está Annabella? Não veio comer? — indagou, preocupado.
— Veio, sim. Mas saiu bem rápido, perguntou se podia ir visitar o tio na enfermaria e
dissemos que sim.
— E… quanto a mãe dela? Encontraram-na? — Seus pais se entreolharam, e a julgar pelas
expressões de ambos, ele soube que havia algo.
— Bem, filho, procuramos por toda parte e não encontramos nada. Nenhum corpo ou…
— Nenhum corpo? Isso significa que ela está viva. Provavelmente ferida ou perdida em
algum lugar.
— Talvez, filho — Alycia interveio. — Mas eu peço para que você não dê esperanças a essa
pobre menina, ela já passou por tanta coisa e mais uma decepção não lhe faria nada bem. Procure
distraí-la, apenas, deixe que os adultos cuidem do resto, sim?
— Tudo bem, mãe — murmurou. — Bem, se vocês me dão licença, eu tenho que fazer uma
coisa. — E saiu, sem nem ao menos se preocupar em comer ou beber alguma coisa.
Caminhou até a saída do castelo, só que a dos fundos, para que ninguém, ninguém mesmo o
visse saindo. Ele precisava continuar a sua busca, e sabia que não encontraria essas respostas dentro
daquelas paredes. As respostas que queria estavam lá fora. E era para lá que ele iria.
Iria. Mas uma outra hora. Pois agora tinha alguém lhe chamando. Olhou para trás e viu de
onde vinha a voz.
— Nick!
— Oh, Ella! Você está bem?
— Na verdade, não como eu gostaria, mas aos poucos eu vou melhorando. Eu espero. Na
verdade, foi bom você aparecer, eu queria te pedir uma coisa.
— Claro, o que foi?
— Poderia me levar até a aldeia? Eu queria ver se está tudo bem lá em casa, e ajudar, se for
possível. E preciso buscar a comida da minha gata, também — falou.
— Te levo sim. Podemos ir agora mesmo.

Elizabeth estava totalmente perdida. Não era exatamente essa visão que ela esperava
encontrar. Pensava que encontraria uma vila pacífica, não a total tragédia que encontrou. Porém, uma
coisa ela sabia: aquele incêndio não foi apenas uma terrível coincidência. Não, ela viu a nuvem
escura que se formou acima da aldeia e, logo em seguida, as chamas se alastraram. Sim, ela sabia
que aquilo era magia. E sabia de quem era a culpa.
Ela precisava encontrar ajuda, e rápido, se não fosse capaz de parar Lilliana em breve, temia
que outras pessoas pagariam por isso. E não deixaria de pensar que seria sua culpa.
Pensou em ir até o castelo, pois sabia que lá encontraria a ajuda que precisava para acabar
com o reinado de terror de sua madrasta, mas ela precisava se fortalecer primeiro, precisava
aprender a como usar a sua magia, e principalmente, precisava saber o que acontecera com seu reino
e porque ninguém se pronunciou contra a tirania de Lilliana e exigiu que a princesa deles fosse
colocada no trono. Afinal de contas, ela era a verdadeira herdeira.
Ela não dormiu na noite passada, não tinha onde, assim como também não tinha o que colocar
para dentro do estômago, que já começava a dar sinais de que estava vazio. Entretanto, ela poderia
sobreviver mais algumas horas sem nada para mastigar, afinal, passou mais de dezesseis anos presa e
com muito pouco…
Chega, Elizabeth, não é hora de pensar nisso, sua mente gritou. Ela precisava encontrar
alguém que pudesse ajudá-la. Talvez, se conseguisse encontrar a garota a quem ajudou ontem com a
água… mas não sabia quem era ela ou onde morava.
Nada. Não tinha nada. Nada, nem ninguém. E toda a aldeia, com exceção dos que haviam se
ferido no incêndio, estavam ocupados tentando reconstruir seu lares. Claro que as tropas do rei
estavam ajudando a colocar tudo no devido lugar novamente. Ela queria poder ajudar, mas não sabia
como. E se sentia horrível por isso.
Caminhou pela trilha em que estava, talvez conseguisse encontrar a garota de ontem, juntas
poderiam se ajudar. Ou, pelo menos, ela queria acreditar que seria assim.
Apesar de estar completamente perdida, queria manter a fé de que tudo daria certo. Você se
manteve otimista dentro de uma cela, isso aqui é mais fácil. Não é?, pensou consigo mesma,
tentando se encorajar.
Ela viu algumas pessoas à sua frente, e pensou que poderia perguntar a algum deles sobre a
garota de ontem. Havia um grupo de mulheres, jovens, talvez não muito mais velhas do que ela, e
Elizabeth pensou em se aproximar delas e pedir ajuda, mas viu que uma delas chorava e as outras
duas lhe davam apoio, então não achou muito propícia a sua aproximação. Mais à frente, havia um
homem, sentado, e parecia, se comparado com os outros ali presentes, calmo. Achou que ele seria de
grande ajuda.
Se aproximou, calmamente para não assustar, e educadamente, disse:
— Com licença — seu tom era baixo porém bem claro —, eu estou um pouco perdida e não
conheço ninguém. — Quando o homem levantou a cabeça para olhá-la e responder, uma sensação
estranha a atingiu, aquele rosto lhe lembrava alguém.
— Oh, sim, claro. Você chegou num péssimo momento, moça. Depois de tudo que aconteceu
ontem, eu não diria que essa aldeia está qualificada para receber visitantes nesse momento.
— Onde estão meus modos? Não me apresentei. Me chamo Elizabeth, das Ilhas Gálidas.
— Ilhas Gálidas? Eu trabalhei lá por muito tempo, antes de vir para cá. Bom, fugir para cá na
verdade. Problemas com a rainha. — Riu. Embora não tivesse perguntado nada, Elizabeth sentiu que
o homem não conversava com muitas pessoas, e para falar a verdade, ela gostou de ter alguém com
quem conversar. Embora aquele assunto lhe parecesse muito estranho. — Aliás, meu nome é Thomas.
Perdão?, sua mente perguntou.
Thomas? Embora ela tenha conhecido nada mais do que quatro pessoas em toda a sua vida, e
embora não conhecesse todos os guardas da rainha… Não, rainha não, usurpadora do trono, sabia
que a probabilidade de existirem duas pessoas com o mesmo nome que tivessem tido problemas com
ela era muito pequena. Embora ter problemas com ela fosse fácil — muito fácil.
— Thomas? Seu nome é Thomas? — Ele assentiu. — Não pode ser… Você… você por acaso
foi guarda real?
Thomas olhou bem para aquela garota. Um nome lhe veio à mente. O cabelo ruivo, os olhos
verdes, e apesar de ser bem mais velha do que se lembrava, devia considerar que já haviam se
passado uma década.
— Elizabeth? — ele sussurrou. — Meu Deus… É você mesma? — Ela assentiu. — M-Mas
como… Quando?
— É uma longa história. Mas como você está aqui? Eu achei que tinha morrido…
— Eu quase morri. Mas o que você faz aqui? Se sua madrasta descobre que você escapou, ela
fica louca.
— Isso ela já é — ironizou. — E ela já sabe que escapei. — Ela olhou para a aldeia
queimada, e o homem seguiu o olhar dela e então entendeu tudo. — Thomas, ainda bem que te
encontrei, eu preciso muito de ajuda. Eu preciso acabar com o reinado dela, eu tenho que pôr um fim
nisso. Ela não tem direito ao trono, eu tenho, eu sou a rainha daquele reino, e eu não vou desistir
enquanto eu não recuperá-lo. Eu também preciso aprender a controlar a minha magia, eu não entendo
nada sobre isso.
Thomas a interrompeu.
— Elizabeth, eu lamento mas… eu não sou a pessoa certa para te ajudar.
— O quê? Como assim?
— Eu tenho um alvo enorme nas minhas costas, e eu não posso te colocar em perigo. Eu já fiz
muitas coisas erradas, mas eu não vou arrastar o seu pescoço e a sua cabeça para o meio delas.
— Thomas, eu preciso da sua ajuda! — pediu, praticamente implorando, mas parecia que não
ia adiantar. — Olhe, eu não sei o que você fez, quais são os seus pecados, mas você quer se redimir?
Quer fazer as coisas do jeito certo? Quer recomeçar? Então me ajude nisso!
— O que eu fiz não tem perdão. Não é algo que você pode esquecer com duas taças de vinho
e uma conversa de cavalheiros.
— Então me conte. O que você pode ter feito de tão ruim assim? — Thomas olhou para o
chão. — Tudo bem, você não precisa me contar, mas por favor, me ajude nisso, eu imploro. Eu não
aguento mais viver me escondendo. Lilliana já fez muito mal para muita gente, eu tenho que pará-la.
O homem a encarou. Sim, o que ela dissera era fato, ele queria poder se redimir, mas ele
também sabia que isso não era possível. O pecado que ele cometeu era imperdoável, do tipo que se
ganha uma passagem apenas de ida para o próprio inferno. E ele não era religioso, mas se existia um
Deus e um céu, sabia que provavelmente nunca veria nenhum dos dois. Ele havia tirado uma criança
inocente de sua casa, de sua família, a entregou à pior criatura que já havia pisado em terra, e nunca
mais soube dela. Embora tenha sido uma escolha da qual ele se arrependesse a cada dia que se
passava, nunca seria capaz de se perdoar. Nem mesmo se a própria garota — e ele acreditava que a
havia encontrado e conversado com ela há algumas semanas — o perdoasse, ele jamais seria capaz
de se sentir bem consigo mesmo.
Entretanto, ele não podia negar ajuda à Elizabeth, ele praticamente criou aquela garota —
mesmo que tenha sido dentro de uma cela numa prisão secreta que apenas ele sabia como achar —
desde que ela era apenas um bebê. De uma forma ou de outra, ele foi o mais próximo de figura
paterna que ela teve. Até seus oito anos, quando Thomas desceu até o local em que ela estava presa,
lhe deu o sorriso mais triste que já havia dado, se agachou à sua frente e calmante lhe disse:
— Elizabeth, eu vou partir em uma missão hoje, não sei quando ou se voltarei, mas, se eu
não voltar, você deve ser forte. Mesmo que você não tenha poder o suficiente para fugir, e eu não
posso arriscar tirar você daqui sem que ela acabe matando nós dois. Enquanto você estiver aqui,
eu quero se mantenha forte, pois um dia, você vai recuperar toda a sua vida que lhe foi negada por
tanto tempo. Você é apenas uma criança, ainda precisa amadurecer e crescer, e eu sei que um dia
vai conseguir libertar todos nós.
— Você não vai voltar, não é?
— Eu não sei. Mas, se acaso isso acontecer, lembre-se de quem você é. Só você pode se
salvar, e eu acredito na sua força. Você precisa acreditar também. Por você, por seus pais e pelo
seu povo.

Tomou uma decisão. A olhou, abriu a boca, e disse:


— Eu não sei como eu posso ser útil, mas, por hora, você não só pode como vai ficar
abrigada na minha casa, você deve ficar escondida, sua madrasta tem olhos em todos os lugares.
Minha casa não é nenhum lugar luxuoso mas é bem confortável.
— Tenho certeza de que é melhor do que uma cela na masmorra — pontuou.
Thomas a levou até sua casa, que ficava bem longe dali na verdade, não era exatamente na
aldeia, ficava a alguns metros de distância, por isso não sofrera danos com o incêndio do dia
anterior.
— Fique à vontade. Tem um pequeno banheiro à esquerda, você pode se limpar lá, eu só não
tenho roupas para você…
— Não tem problema, eu consigo me virar. — Balançou os dedos e mostrou a faísca
vermelha brilhar por entre os dedos indicador e médio.
Não longe dali, uma garota desamparada entrava em sua casa — ou no que restou dela. Não
havia sobrado quase nada, exceto pelas paredes e a porta da frente, e alguns pertences pessoais.
Annabella entrou em seu quarto, e viu que sua cama não havia sido completamente queimada, porém,
já não serviria mais para dormir.
Ela costumava dividir o quarto com sua mãe. Costumava… Será que isso aconteceria
novamente? Ela se ajoelhou ao lado da cama de sua mãe e a tocou, podendo ainda sentir o calor dela.
Antes que ela pudesse começar a chorar — mais uma vez — ela sentiu algo em seus pés.
Estava embaixo da cama, e por milagre talvez, não havia encontrado com o fogo. Ela pegou. Era uma
caixa, e em cima estava escrito “coisas importantes”.
— O que é isso?
Ela abriu. Quando viu do que se tratava, as lágrimas foram inevitáveis. Eram várias coisas
dela. Tinha os seus vestidos de criança, não eram muitos, mas ela os amava. Tinha também o ursinho
que ela ganhou de Hadley, sua melhor amiga de infância, no dia em que ela se mudou; podia parecer
algo bobo, mas fora uma troca que elas fizeram: Ella lhe deu o Cody, o urso que ganhou aos sete anos
e era seu favorito, e Hadley lhe deu Windy, seu urso favorito também, como uma promessa de nunca
esquecerem uma à outra, não importasse a distância. Isso fora há dois anos.
Um rosto conhecido seria uma ótima companhia agora…
Voltou para a caixa, e no fundo encontrou outro vestido, este tinha manchas de sangue e estava
completamente rasgado, e ela o reconheceu como o vestido que usava no dia em que chegou à casa
de Dahlia, e embrulhado nele havia uma pulseira. Ela se lembrava dela, era feita em puro ouro e
tinha uma coroa e seu nome gravados nela, e estava em seu pulso quando fora encontrada.
— Ela guardou tudo isso… todo esse tempo… — Tocou com a ponta do dedo na pulseira. —
Queria que estivesse aqui. — A apertou contra o peito.
— Annabella? — Nicholas entrou, preocupado com o tempo que ela levou lá dentro.
— Oi… Eu me distraí com essas coisas… — explicou. — O que é isso? — Viu que ele
carregava algo em mãos.
— Ah, nada. É apenas um livro que eu peguei na biblioteca na saída da aldeia. Felizmente,
ela não foi atingida também. Ah, eu peguei esse para você. — Entregou a ela, que logo tratou de ler o
título na capa.
— Alice no País das Maravilhas. É o meu favorito… como você sabia?
— Golpe de sorte — comentou. — Eu achei que você fosse gostar, é o livro favorito da
minha mãe, então…
— Eu amei. Obrigada, Nick. — O abraçou. — Você está me ajudando muito.
— Eu só faço o que acho certo. — Sorriu. — Você quer levar essas coisas?
— Eu posso?
— Claro. Você é uma hóspede no castelo, ficará pelo tempo que for necessário, então quero
que se sinta o mais confortável possível.
— Te agradeço. Mas não levarei tudo, vou deixar essa caixa na casa da Sra. Marsh, ela
guardará para mim até que eu possa voltar.
— Você decide. E, ah, eu já coloquei as coisas para sua gatinha no cesto.
Assim que deixou suas coisas na casa de sua amável vizinha, Annabella e Nicholas seguiram
para o local em que deixaram os cavalos mais cedo. O caminho fora silencioso, nenhum deles disse
uma palavra sequer.
Ao chegarem ao palácio e deixarem os cavalos nos estábulos, seguiram o caminho até a
entrada.
— Você vai visitar seu tio na enfermaria?
— Hoje não mais, a enfermeira disse que o remédio que lhe deu vai apagá-lo até amanhã, no
mínimo, então vou deixá-lo descansar. Mas e você, não vai me contar sobre o que é esse livro que
pegou?
— É… hã… é só um livro para ajudar a ver se eu encontro alguma solução para ajudar no
reino — mentiu.
— Naquele problema que você mencionou antes?
— Sim… é, sim.
O corredor pelo qual andavam era bem extenso, lotado de entradas, quais Annabella tinha
certeza de que nem se morasse ali a vida inteira, nem em mil anos, conseguiria saber qual sala era
qual. Nicholas reparou que ela estava totalmente concentrada e curiosa com todas aquelas portas,
então resolveu fazer algo legal para variar.
— Tem uma sala que eu tenho certeza de que você vai gostar.
Ele empurrou a porta que estava a uns dez metros de distância de onde ela estava parada.
Sinalizou para que ela entrasse e assim ela o fez.
Assim que seus olhos se depararam com o que havia ali, um brilho surgiu neles.
— Vocês têm um piano! — exclamou animada. Se aproximou do instrumento e tocou a tampa
das teclas.
— Vai em frente, eu sei que você quer — sorrindo, ele disse.
— Mas… o que eu toco?
— Que tal aquela música que você estava tocando na escola no dia em que nos conhecemos?
— Que principesco da sua parte se lembrar disso. Mas tudo bem, vai ser essa então.
Annabella abriu a proteção das teclas e começou suavemente a tocar. As notas começaram a
soar por todo o cômodo lindamente. E então, ela começou a cantar.
Ela cantava suavemente, como se não houvessem preocupações se passando em sua mente.
— Você tem uma voz excelente sabia? — Nick falou, logo que ela terminou sua canção. —
Onde aprendeu essa canção? Foi sua professora que ensinou ou…
— Na verdade, eu não sei, eu sempre soube cantá-la. Já que você sabe da minha história eu
posso te contar isso… essa canção é a única coisa que eu lembro dos meus pais verdadeiros, e eu
não lembro a letra inteira, somente algumas partes, outras eu improvisei para completar.
— Oh… — Nicholas nunca havia escutado aquela canção antes, já que, quando pequeno, sua
mãe lhe contava histórias pra dormir, mas, mesmo assim, se questionou se sua mãe a cantava para sua
irmã? Se descobrisse isso, poderia confirmar suas suspeitas.
— Mas está tudo bem, eu já aceitei o fato de que nunca vou conhecer meus verdadeiros pais,
e eu tenho a melhor mãe do mundo, e mesmo minha família sendo incompleta, eu amo isso. —
Nicholas não deixou de reparar que a fala dela era cheia de esperança, e ele achou isso muito bonito,
pois mesmo no pior dos tempos, Ella não perderia essa esperança. Já não era sem tempo de ele
perceber que ela era resiliente e sempre otimista. Ali ele viu o quanto aquela garota era parecida
com sua mãe, porque, em todos esses anos, não houve um momento que ele tenha visto Alycia perder
a esperança de um dia encontrar sua filha perdida. Eram tantas ligações…
Enquanto conversavam, nenhum deles haviam percebido que através da pequena fresta aberta
da porta, alguém estava parado. Era Alycia, que passara pelo corredor rumo à biblioteca quando
escuta alguém tocando o piano, e parou para escutar. E, quando ouviu a canção, não conseguiu sair do
lugar. Suas pernas congelaram, seus pés se grudaram ao chão, estava completamente imóvel.
Ela conhecia aquela canção, e havia anos que não a escutava, desde que… E agora, estava
ali, escutando aquela garota que seu filho conhecera na aldeia, cantá-la, e juntando com o nome igual
e o rosto familiar, tudo se encaixava…
Isso era tortura. Ela não queria encher seu coração de esperanças e acabar sofrendo uma
decepção. Não suportaria isso. A única coisa pior do que ter perdido a filha seria pensar que a
encontrou e perceber que não é verdade. A ilusão doía mais do que tudo.
— Alycia? O que faz aqui, meu amor? — Seu marido apareceu, a tirando de seus devaneios
— Hm? Oi? Perdão, me distraí.
— Vamos?
— Aonde?
— Nós temos uma reunião com o conselho para procurar uma solução para as colheitas que
estão morrendo. Nós falamos sobre isso cinco minutos atrás quando você disse que ia devolver esse
livro no lugar e me encontrava na sala de reuniões.
— Sim, sim, eu me lembro, eu só… fiquei distraída. — Seus olhos que antes miravam o chão,
agora estavam na direção dos do marido. Ele sorriu para ela, abaixou e lhe deu um beijo. —
Podemos ir?
— Claro.
Alycia, de braço dado com o marido, seguiu para a sala de reuniões, e por um momento
aquele pensamento se esvaiu. Mas apenas por aquele momento.

À noite, logo após o jantar ter sido servido, cada membro presente seguiu para seus devidos
aposentos. Exceto Nicholas, que retornava para a biblioteca para poder estudar o livro que pegara
naquela tarde à procura de respostas.
Ele andava com cautela, não queria que ninguém o visse para não levantar suspeitas. O
corredor estava escuro, exceto pela luz que entrava da lua através das janelas. Todos os candelabros
haviam sido apagados.
Sentiu um incômodo sob seus pés, tinha pisado em algo. Levantou-o para ver o que estava
abaixo de seu sapato e viu que era uma espécie de bracelete.
— Será que é da minha mãe? — O pegou nas mãos. Não reconhecera aquela pulseira, sua
mãe, no geral, usava joias como rubi ou topázios, nunca ouro puro. Foi então que viu que tinha um
nome escrito ali. — Annabella. Essa pulseira é dela. Ela deve ter deixado cair quando saímos da
sala de música.
— Nicholas? O que faz fora da cama?
— Droga — praguejou. — Grace, oi, eu estava… estava indo devolver um livro na
biblioteca.
A mulher o olhou, julgando a pose.
— Um livro? Hm, tem certeza?
— Claro…
— E por acaso esse livro é invisível? — Nicholas se xingou mentalmente por ter inventado
uma desculpa tão ruim quanto aquela. — Não vai me contar o que estava fazendo?
— Eu não posso.
— E por que não?
— Eu… eu não quero decepcionar ninguém.
— Querido, do que você está falando?
— Eu queria poder te contar, Grace, mas eu não quero que ninguém acabe se machucando
se…
— Nicholas, o que está acontecendo? — Ele hesitou. — O que você tem nas mãos? — ela
indagou, ao ver que ele estava escondendo algo nelas. Sem saber o real significado, Nicholas
entregou a pulseira nas mãos dela.
Grace a pegou, e por um momento, não acreditou no que via. Era aquela mesma pulseira. Ela
a reconheceria em qualquer lugar, fora ela que, dezesseis anos atrás, a pedido de sua melhor amiga
grávida, pedira a um especialista na área para fazê-la. Como poderia estar aqui?
— Onde… onde você conseguiu isso?
— Você já a viu antes?
— Nick… essa pulseira… é da sua irmã.
— O quê?
Isso era verdade? Se fosse, então significava que suas dúvidas haviam sido encerradas. Por
Deus, seria possível?
— Onde você conseguiu?
— Grace… — ele começou. O que diria a ela? Não existia um jeito simples de fazer isso.
Não era só chegar e dizer “Então, essa pulseira é da minha amiga, a garota dormindo no quarto do
andar de cima, e eu acho que ela é a minha irmã, mas ainda estou investigando isso”. Não. Não era
assim que pretendia contar. Porém, depois dessa situação, não tinha mais como esconder o segredo.
Ignorando ambos os pensamentos, conclui apenas: — Precisamos conversar.
18. Revelar a Verdade

Coluna reta. Confere. Ombros alinhados com os pés. Confere. Puxar com três dedos a corda
até o alcance dos lábios. Confere. Estava fazendo tudo corretamente, então por que continuava
errando?
Na verdade, a resposta para essa pergunta era bem simples: concentração. Não estava se
concentrando o bastante. Se parasse para pensar racionalmente, não estava se concentrando nada.
Tinha tanta coisa passando pela sua mente que não conseguia prestar o mínimo de atenção na
artilharia.
Voltar a treinar foi uma ideia de seu tio, que mesmo já estando muito melhor do incêndio que
acontecera alguns dias antes, não havia recebido autorização para sair. E, como percebera que a
menina estava passando tempo demais pensando em coisas que não poderia mudar, ainda mais depois
que suas aulas na Academia foram suspensas, ele decidira que ela deveria ocupar sua mente com
coisas saudáveis, e assim ela o fizera.
No jardim dos fundos do palácio encontrou um espaço onde poderia ficar sozinha e apenas
concentrada em acertar a flecha no alvo. Mas já havia perdido a conta de quantas vezes havia errado.
Estava quase desistindo.
— Isso é inútil — murmurou para o vento, afinal estava sozinha ali.
Ou assim pensava.
Uma voz se aproximou de onde ela estava. Era a rainha.
— Majestade! — Reverenciou-se. — Bom dia!
— Bom dia, querida! — retribuiu, graciosamente. — O que faz aqui fora tão cedo?
— Fui visitar meu tio na enfermaria mais cedo, e ele me disse para vir espairecer um pouco
aqui fora, treinar alguma habilidade, para assim ocupar a minha mente e parar de pensar um pouco
naquilo que não posso mudar. Então, cá estou eu. Mas e a senhora, Majestade? O que faz aqui? Se me
permite perguntar, é claro.
— O mesmo que você, acredito. Só que sem o arco. — Apontou para o objeto que a garota
possuía em mãos. — Trouxe isso no lugar. — Mostrou-lhe um livro. — Minha opção favorita de
distração — comentou, suavemente.
Annabella retornou ao que fazia anteriormente à chegada da rainha, posicionou-se na direção
do vento e, com precisão, disparou mais uma flecha, e, igualmente as vezes anteriores, errou o alvo.
— O que há de errado comigo? — sussurrou, mas não baixo o suficiente para que Alycia não
a escutasse.
Estava quase desistindo, não conseguiria, de qualquer forma, acertar aquele alvo. Não
enquanto sua mente estivesse bem longe dali. Não enquanto não conseguisse pensar em nada que não
fosse em sua mãe, e sobre onde ela estaria neste momento? Como estaria? Estaria viva ou… E não
tinha atividade ao ar livre, livro, ou até mesmo recém-descoberta habilidade mágica que pudesse
distraí-la, por mais que tentasse — e estava tentando arduamente. Por mais que soubesse disfarçar
muito bem, mesmo sendo mestre em mascarar seus sentimentos na frente de todos, isso não
significava que eles fossem irreais, que não existissem.
Colocar um sorriso no rosto não significa que se está feliz. Tudo isso se tratava de uma
máscara. Uma máscara muito boa.
— Aqui, deixe-me ajudá-la — Alycia ofereceu-se. Annabella ia recusar, não queria impedir
alguém, ainda mais a rainha, de seus próprios afazeres para ajudá-la com algo tão… simples. Algo
que ela poderia, simplesmente, fazer mais tarde, quando seu tio estivesse liberado e toda essa dor
que estava consumindo seu sono e todo o seu ser tivesse, ao menos, diminuído um pouco. Mas, por
alguma razão, ela não conseguiu apenas dizer não àquilo. — Seu cotovelo está irregular ao restante,
abaixe-o um pouco. Isso, agora puxe a corda. Foque no alvo à frente, só ele importa. — Alycia foi
orientando a jovem, ensinando o que sabia sobre artilharia, e explicando, cuidadosamente, como
fazer aquela flecha acertar aquele alvo. Ela não era profissional na arte de atirar, mas sabia algumas
coisas que Matthew a havia ensinado quando ainda estava apenas cortejando-a, dizia que ela devia
saber se defender, mas ela sabia que isso era mais uma desculpa para ele ficar mais tempo perto dela
durante as tardes em que visitava sua família.
— Eu consegui! — exclamou a garota, de felicidade, no momento em viu a flecha que
disparara cortar o vento e seguir, em linha reta, até o grande alvo vermelho que ela colara numa
árvore a mais de 15 metros de distância.
— Claro que conseguiu. Só precisava de um pouco mais de concentração.
Annabella suspirou. Não um suspiro de assentimento, mas um suspiro de pesar, um suspiro
que dizia muito mais do que apenas “eu concordo com isso”. E, poderia ser apenas o seu senso
materno lhe dizendo, mesmo que Alycia não soubesse sua real ligação para com aquela garota, mas
ela sabia que havia algo incomodando-a.
— Você está bem, querida?
— Oh, sim… sim, Majestade, estou… ótima. — Suspirou mais uma vez, entregando que, na
realidade, não estava nada bem. Annabella largou o arco próximo ao banco cimentado que ali tinha e,
em seguida, se sentou, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo.
— Olhe. — Sentou-se ao lado dela, colocando o livro no colo e, carinhosamente, disse: —
Eu sei como você está se sentindo neste momento, perder alguém tão importante para nós deixa uma
cicatriz que parece que nunca vai se fechar, e dói profundamente… mas, com o tempo, a dor passa e
deixa lugar para a saudade, para as boas memórias, e essa pessoa tão especial viverá para sempre
em sua memória e no seu coração.
— Eu sei… com o tempo a dor passa… eu só não queria ter que passar por tudo isso… —
Foi então que ela percebeu que tudo aquilo, toda aquela conversa, tinha tocado em um ponto sensível
para Alycia, e, por um momento, Annabella sentiu-se egoísta, pois ao falar sobre suas dores, suas
marcas, acabou fazendo com que a mulher ao seu lado expusesse as suas e ela não sabia como isso
era para ela. — Oh, meu Deus… Eu fiquei aqui falando sobre mim e nem pensei no que…
— Não se preocupe, é bom conversar com alguém sobre isso, tira um peso dos nossos
ombros que, de tempos em tempos, precisa ser tirado. É importante viver o luto para que não seja
consumido por ele, mas mais importante do que isso é não se esquecer de viver. Eu demorei a
entender isto, mas finalmente entendi e foi muito bom finalmente deixar o passado no passado e
seguir em frente… Você só precisa se apoiar nas pessoas ao seu redor, amigos, família talvez, eles
são de grande ajuda.
— Obrigada, Majestade, seu conselho foi… bom, de muitas formas, excelente. Irei fazer isso,
eu sei que minha mãe não iria querer me ver sofrendo desta forma. Isso é a única certeza que eu tenho
nesse momento.
Uma brisa suave atingiu o rosto da garota, esvoaçando seus cabelos longos e escuros com ela,
tal como algumas folhas, estas que foram levadas pela mesma brisa até as alturas.
— Nicholas, nós temos que contar a eles! — Grace exclamou, observando daquela tão alta
janela para aquela que era sua amiga há tantos anos junto daquela que, na noite anterior, ela
descobriu ser a mesma Annabella que sumira há tantos anos.
A conversa com Nicholas não fora nem um pouco fácil, ele mesmo não fazia ideia de por
onde começar ou como contar. “Mas como você descobriu tudo isso?”, ela perguntou, e Nick teve de
tentar explicar da melhor maneira possível, dizendo que as coisas simplesmente foram se encaixando
sozinhas. Contou que a garota havia lhe dito, na noite do baile, a história de sua origem, que havia
sido deixada na porta da casa de sua mãe aos cinco anos no dia do seu aniversário, isso sem contar o
fato do nome tê-lo deixado um pouco na suspeita.
— E depois eu comecei a ajudá-la a encontrar a origem de sua magia, e cheguei nisso —
disse ele também, e então lhe mostrou o livro cheio de anotações, a grande maioria feitas por sua
mãe sabe-se lá há quanto tempo.
Nenhum dos dois conseguiu dormir aquela noite, ficaram a madrugada toda na biblioteca
conversando e tentando esclarecer os pontos, e Grace tentava conter as lágrimas com a emoção mas
não conseguia.
— Nicholas? — Grace o chamou, trazendo-o de volta ao mundo real. O rapaz a olhou.
— Sim, eu sei. Mas eu não sei como. Annabella não pode saber de nada ainda, ela já está
passando por muita coisa, receber mais essa informação pode causar uma reação inesperada. Mas
meus pais precisam saber… como eu conto a eles? Não tem uma maneira fácil de fazer isso, e eu não
posso simplesmente chegar e dizer: “Pai, mãe, sabem essa garota que está morando aqui com a
gente? Então, ela é filha de vocês!”, não dá!
E realmente não dava, ele precisava pensar muito nisso. Ele sabia que isso seria um choque
muito grande, principalmente para sua mãe.
Isso sem contar para o reino. O impacto que o retorno dela causaria seria enorme, afinal
todos já haviam se conformado com a ideia de que a princesa não voltaria, haviam entendido que a
tinham perdido para sempre. E, agora, anos depois, ela aparecia magicamente? Sim, era um milagre,
mas havia tanto mais na risca do que apenas isso.
Se Annabella assumisse seu lugar como princesa, o trono seria seu, novas alianças teriam de
ser formadas e ela precisaria ganhar o apoio dos nobres e do povo, sem contar todas as formais
regras que ela teria de aprender, como a maneira correta de se andar, postura ereta, todas as regras
de etiqueta, e claro, todos aqueles encontros como a nobreza que, com certeza, a deixariam louca.
Era muito para se colocar, de maneira repentina, nos ombros de uma garota de dezesseis anos.
Entretanto, tudo isso ainda era direito dela. Matthew nunca tirara o nome da filha como sua
sucessora, pois sempre tivera fé, e embora estivesse treinando Nicholas para um dia assumir seu
lugar e criar seu próprio legado como rei, também sabia que nada daquilo era, de verdade, de
interesse de seu filho, mesmo que este sempre mostrasse grandes sinais de que seria um bom líder.
— Isso tudo é simplesmente… muito para se processar — Grace voltou a falar. — O que
você está pensando em fazer?
— Em relação aos meus pais? Contarei hoje ainda, mas não faço a menor ideia de como fazer
isso. — Suspirou. Apesar de sempre agir com maturidade e o decoro que cabe a um príncipe,
Nicholas ainda era apenas uma criança de quinze anos, e parecia que às vezes se esquecia disso.
Claro que príncipes crescem mais rápidos do que as outras crianças, a educação que recebem os
ensinam desde pequenos a pensarem como reis, com sabedoria e justiça, e enquanto as outras
crianças do reino se preocupavam apenas em fazer o dever de casa da escola, Nicholas frequentava
reuniões junto de seu pai e via e ouvia coisas que, na maioria das vezes, estavam muito além da sua
capacidade de entendimento. — Agora, em relação à Annabella, bem, isso é fácil, eu vou seguir meu
plano anterior. Vamos focar na magia dela, ela quer entender o porquê de ter nascido com esse dom e
como aprender a controlá-lo. Na verdade, analisando agora, isso não é nada fácil porque eu não faço
ideia de como fazer isso. Ela nasceu com magia porque é uma Hale de sangue, mas se eu ainda não
posso contar para ela, como vamos trabalhar a situação dos poderes dela? Eu vou ter que mentir pra
única amiga que eu tenho? É isso?
Grace se compareceu do menino, sabendo que não deveria ser ele a lidar com tudo aquilo,
isso era problema de adultos, e ele era apenas uma criança. Mas, agora, ele já estava envolvido
demais para ela dizer que ele não deveria se preocupar com aquilo.
— Sabe — a mulher ao seu lado iniciou, tentando ajudar —, quando eu era pequena, minha
mãe me contava histórias sobre um lugar onde morava uma feiticeira muito antiga, diziam que ela
liderava uma legião de outros feiticeiros e criaram algum tipo de aliança e protegiam todos os reinos
ao redor do mundo. Ela contava que o esconderijo deles ficava ao norte, no lugar onde o vento e o
mar se encontram. Mas eu nunca soube se isso era verdade ou apenas uma lenda. Porém, contam que
o nome dela é Florence, e ela sabe tudo e que ela vê tudo, e que até hoje ele recruta jovens com dons
especiais e os treina.
— Florence você disse? — Nicholas já tinha ouvido esse nome antes. Lhe era, de alguma
forma, familiar. Ele se virou até as prateleiras com todos aqueles livros e procurou, tinha certeza de
que fora em um deles que vira aquele nome. — Achei! — Tirou-o da estante e levou-o até a mesa. —
A Lenda da Magia, tenho certeza de que está neste livro. — Rodeou pelas páginas procurando por
algo, até que, quase nas últimas páginas, o encontrou — Aqui, veja: “Ao Norte, onde a brisa
atravessa as águas, muito além das árvores e do nevoeiro que os esconde, Florence, a mais sábia e
poderosa entre os magos, realiza as mais magníficas obras e ensina jovens de todo os quatro
cantos do mundo a serem a melhor versão de si mesmos” — leu. — Grace, é isso! Essa Florence é
a resposta, eu preciso levá-la até lá, ela pode conter todas as respostas de que precisamos. Veja: —
Pulou algumas linhas e tornou a ler outra frase. — O lugar onde todas as respostas podem ser
encontradas apenas se seguir a sua intuição e confiar em si mesmo. O mapa secreto, escondido
dos olhares maldosos, mostra o caminho — narrou. — Eu só não vejo mapa nenhum, e a próxima
página é uma folha em branco e… — Ao segurar a folha, ela se soltou. — Está solta.
— Talvez precise fazer alguma coisa para o mapa aparecer. Tem alguma instrução?
— Ah… não, é apenas uma página em branco. Mas eu vou guardá-la, talvez tenha alguma
coisa importante que pode ajudar. Na pior das hipóteses, pode ser apenas uma folha em branco.
— Tudo bem. Bom, eu acho que devemos sair, não aparecemos no café da manhã, se não
aparecemos no almoço, levantaremos muita suspeita.

O almoço seguiu tranquilo, conversaram um pouco, e até Annabella se enturmou. Ela gostava
da companhia, e até entendia um pouco dos assuntos diplomáticos que eles discutiam, embora não
pudesse ajudar de nenhuma forma.
Logo após, todos se levantaram e saíram. Matthew e Alycia seguiram para seus aposentos;
Annabella voltou para o campo de treinamento, a fim de praticar um pouco mais suas habilidades.
Nicholas seguiu para o seu quarto, havia coisas que ele precisava fazer, tinha que pensar
calmamente antes de encontrar seus pais e contar toda a verdade a eles.
Juntou toda a coragem que lhe ensinaram a ter desde pequeno dentro de si, e, enquanto
caminhava pelo corredor, coletava as palavras e formava frases que pudessem ser capazes de contar
essa história. Que não seria fácil ele já sabia, só esperava conseguir fazer o trabalho completo.
Bateu à porta do quarto de seus pais e entrou. Sua mãe estava penteando seus cabelos,
enquanto seu pai polia sua espada no canto do quarto — hábito este que sua mãe odiava, mas que por
alguma razão, não estava reclamando.
— Mãe. Pai. Podemos conversar? — pediu, com o olhar indicando nervosismo.
— O assunto parece sério — sua mãe apontou. — O que houve, filho?
— Será que poderíamos ir para o escritório, eu quero que seja bem particular e que ninguém
interrompa.
E com isso, os três seguiram para o escritório. Lá, encontraram Grace, que estava ao lado de
uma bandeja com duas xícaras de chá, o que deixou os monarcas ainda mais intrigados. O assunto
parecia ser mais do que sério.
— Alguém quer me contar o que está acontecendo!? — Alycia exigiu.
— Eu acho que é melhor se ambos se sentarem — Nick disse, tentando permanecer calmo.
Seus pais assim o fizeram. — Mãe, pai, o que eu tenho para falar com vocês, na verdade, é mais do
que uma conversa, é algo que eu quero, que eu devo contar. E eu nem sei por onde começar. E nem ao
menos sei se sou a pessoa mais apropriada para contar.
— Por favor, Nicholas, você está começando a me assustar. Apenas conte logo! — sua mãe
exigiu mais uma vez.
— Tudo bem. — Puxou uma respiração. Uma. Duas. Três. — Há algum tempo eu comecei a
ter essa suspeita, e ontem à noite, ela se confirmou, e devo parte disso à Grace, na verdade, por isso
ela está aqui, para me ajudar a contar essa história. Mãe… Pai… — Puxou uma longa respiração. —
Eu descobri o paradeiro da minha irmã. A Annabella… está viva.
Por um momento, Matthew e Alycia pareceram não ter escutado. O choque da notícia bateu
alguns instantes depois, quando ambos perguntaram “O quê?” juntos.
— Vou começar pelo início de tudo. Essa garota que eu conheci e fiz amizade me contou a
história de vida dela, e alguns dados foram batendo com o pouco que eu me lembrava. Essa garota, é
a mesma que veio ao baile como minha convidada, e é a mesma que está lá fora, atirando flechas
neste exato momento. No começo, eu achei que o nome igual e a incrível semelhança com a mamãe
fossem apenas uma coincidência, mas quando ela me contou que sua mãe, Dahlia, não era sua mãe de
verdade, digo, sua mãe de sangue, e que, na verdade, ela havia sido adotada aos cinco anos de idade,
eu comecei a suspeitar. E então, ontem, quando eu a levei até sua casa porque ela queria pegar
algumas coisas para se lembrar da mãe, uma delas acabou caindo no corredor, e eu encontrei. —
Tirou a pulseira do bolso. — Eu ia apenas devolver, mas a Grace me encontrou e acabou
reconhecendo. — Entregou na mão de sua mãe e a deixou analisar.
Alycia tocou a peça, se lembrando exatamente do momento em que a tocara pela primeira
vez, apenas uma semana depois que Annabella nascera, e ela pegou a pulseira e colocou no pulso da
filha e nunca mais tirou. Matthew não conseguia acreditar também. A esperança em seu peito era
apenas isso: esperança. Jamais pensou que esse dia realmente chegaria, que realmente chegaria a ver
a filha novamente. E pensar que estava convivendo com ela sob o mesmo teto há dias…
O universo finalmente teria tido misericórdia dele?
— Você… Quer dizer que… Meu Deus… — Seu pai nem conseguia sequer formar uma frase
inteira.
— Ela ainda não sabe de nada, e não acho prudente contar, pelo menos, não por agora.
— Nicholas, ela tem que saber toda a verdade!
— Eu sei, pai. Mas acredito que esse não seja o melhor momento. Ela já acha que foi
abandonada, se chegarmos com essa história sem a prepararmos antes, ela pode acabar criando a
visão errada de todos nós.
— Ele tem razão, Matthew — Grace interveio. — Annabella já passou por muita coisa em
pouquíssimo tempo, uma notícia como essa poderia causar um trauma irreparável nela. Precisamos
ser cautelosos com como lidamos com isso, qualquer passo em falso poderia afastá-la para sempre.
Se ela criar a visão errada, como Nicholas disse, podemos perdê-la permanentemente. É preciso ter
cuidado, uma notícia como essa pode abrir muitas portas diferentes, e não queremos abrir a errada.
Matthew olhou para a esposa.
— Alycia, o que você acha?
Mas ela não respondeu.
— Mãe? — Nick chamou, visto que Alycia não falava uma palavra há minutos. — Você está
bem?
Alycia o encarou, com os olhos debulhados em lágrimas, as bochechas coradas e os lábios
tremendo. Ela se levantou do lugar onde estava, ajeitou a roupa e disse:
— Eu preciso de um tempo sozinha.
E saiu.
— Eu falo com ela — Matthew garantiu, saindo da sala em seguida. Nick olhou para Grace,
que o olhou de volta.
— Eles vão ficar bem, Nick, só precisam pensar um pouco — garantiu a loira.
No quarto principal, Matthew entrou procurando a esposa, e a encontrou na cama, abraçada
aos joelhos e chorando. Ele não disse uma palavra, apenas se sentou ao lado dela, a puxou para os
seus braços e a consolou.
— Ela voltou, Matthew… nossa filha voltou… — disse, entre lágrimas.
— Sim, meu amor. Ela voltou… voltou para nós.
— Como faremos isso, Matthew? Como nos aproximaremos dela? Não sabemos
absolutamente nada sobre ela, sobre sua vida, seus gostos, e de repente, ela vai descobrir que é
princesa e… Como faremos isso?
— Eu não sei, querida — disse. — Mas, seja como for, vamos encontrar um jeito, tudo bem?
Juntos — garantiu. — Ela é nossa filha, e no momento, só isso importa. Nossa garotinha voltou, eu só
quero pensar nisso agora.
— Vamos fazer isso juntos, não é?
— Sempre!
Eles caminharam juntos até a sacada, que dava uma visão ampla do jardim, incluindo o
campo de treinamento, onde eles puderam observar a filha deles praticando a artilharia, e mesmo
com a altura distante, conseguiam ver o rosto dela, e a concentração em seus olhos, a expressão séria
que se formava. Foi então que repararam o quão ela era parecida com os dois, tinha graça e postura,
e era bonita como a mãe, e pelo pouco que conviveram, sabiam que ela era bondosa e justa como o
pai. Era perfeita. Uma perfeita mistura dos dois.
Parecia que, finalmente, a vida voltaria aos eixos.
Ou, pelo menos, essa era a esperança deles.
19. Respostas Sobre o Passado

— Venha. Por aqui, querida! — uma voz a chamou. Ela não sabia onde estava, nem quem a
chamava, mas não sentia medo. Pelo contrário, estava muito calma. Olhou em volta e viu um lindo
campo de papoulas, começando a desabrochar, sinal de que a primavera estava chegando. — Venha,
siga-me. Não tenha medo, Elizabeth — a voz sussurrou novamente, e desta vez, Elizabeth conseguiu
ver uma pessoa, parada à sua frente a uns três, talvez quatro metros de distância. Era bonita. Muito
bonita, os cabelos ruivos longos e os olhos tão verdes quanto a mais pura das esmeraldas deixavam
isto bem claro.
Elizabeth nada disse, apenas seguiu aquela mulher misteriosa até onde ela a quisesse levar.
Atravessou o campo, em seguida, teve de atravessar um rio, pisando sobre pedras nada firmes e
então, atravessou por algumas colunas de pedras muito altas, cujo vento que as atravessava lhe
deixava um pouco atordoada cada vez que batia em seu rosto e jogava seus cabelos na frente dos
olhos.
— Venha — A mulher tocou numa grande pedra, e assim que deu uma olhada melhor e mais
ampla, Elizabeth percebeu ser uma montanha, e então, como mágica, uma porta surgiu e se abriu. A
mulher estendeu a mão para a garota e assim que teve o toque leve da menina, se aproximou e
sussurrou: — Vai encontrar lá dentro tudo que precisa.

Elizabeth acordou assustada, quase caiu da cama improvisada que estava dormindo nos
últimos dias. Suava frio e tremia. Olhou ao redor e ainda estava no mesmo lugar de horas atrás: a
casa de Thomas.
— Tudo bem, Elizabeth, foi só um sonho — disse a si mesma. — Só isso, apenas um sonho.
Levantou-se, arrumou os lençóis que usara para se cobrir e saiu do pequeno quarto. Thomas
não estava em lugar nenhum na casa, mas a mesa da cozinha estava posta com o café da manhã, com
frutas, pão e até mesmo leite. Ela devia admitir que nunca havia visto tanta comida junta em um
mesmo prato em… bom, a vida toda.
Após comer o suficiente para se reabastecer, saiu, pensando que poderia encontrar o homem
em algum lugar, mas nem sinal. A luz do sol, radiante e quente, lhe alcançou o rosto, deixando-a com
a visão embaçada por alguns instantes, ainda estava se acostumando com aquele novo fator que levou
dezoito anos para descobrir.
Ela precisava continuar sua busca, encontrar algo ou alguém que a ajudasse a derrotar sua
madrasta e a restaurar o seu reino e o seu povo. Até o momento, não tinha tido muito sucesso.
Nenhum sucesso na verdade.
De repente, um som ecoou em seus ouvidos. O mesmo que havia escutado no sonho, a mesma
voz, o mesmo tom.
— O que é isso?
— Venha, Elizabeth. Venha — chamou a voz novamente.
Ela tinha certeza de que estava ficando maluca, tanto anos presa conversando com sua sombra
talvez tivessem afetado seus sentidos.
— Não tenha medo — sussurraram mais uma vez.
Ela olhou ao redor e viu várias pessoas agindo normalmente, nenhuma dela parecia estar
escutando aquela voz, somente ela. Não, tinha algo acontecendo. E ela precisava descobrir o que era.
Entrou na casa novamente, pegou o primeiro pedaço de papel que encontrou e uma pena e
deixou um bilhete para Thomas, dizendo que teve de sair e voltaria em breve e que ele não deveria
se preocupar. Também escreveu que pegou a antiga espada dele, que ela encontrara no fundo do
pequeno armário improvisado, apenas por precaução.
Trancou a porta, e saiu em direção ao chamado que recebera.

Annabella andava pelo corredor calmamente, em direção ao quarto que estava ocupando nos
últimos dias. Assim que entrou, encontrou sua gata, deitada no banco próximo à janela tomando sol.
— Você está adorando isso, não é mesmo?
A gata respondeu com um miado fino.
Ela não havia visto ninguém do palácio, com exceção dos guardas, desde a noite anterior.
Ouvira dizer que o rei e a rainha estavam indispostos em seus aposentos, portanto, não
compareceriam a nenhum evento naquele dia. Já Nicholas, estava começando a estranhar, afinal, ele
geralmente era o primeiro a ser visto.
Tinha acabado de voltar da enfermaria, seu tio estava completamente recuperado, e voltaria
para a aldeia naquele mesmo dia para tentar reformar a casa deles. Ella chegou a se oferecer para
ajudar, mas ele disse que não era necessário, que ela não tinha que se preocupar com isso.
Alguém bateu à porta. Era Nicholas, enfim dando sinal de vida.
— Tenho boas notícias — ele pronunciou, assim que ela abriu.
— Pois então diga logo, boas notícias estão em falta esses dias.
— Eu acho que encontrei a resposta que precisamos para descobrir mais sobre a sua magia e
como você pode controlá-la.
Ele explicou, mostrando-lhe o livro, e contando tudo sobre a feiticeira, as lendas, cada
detalhe, torcendo para que ela compreendesse. E, enquanto a via ler e reler cada linha do que estava
escrito naquelas páginas, ele percebia o quão semelhante ela era à mãe, pois Alycia também fazia a
mesmas expressões enquanto lia algo importante. Céus, se ele ao menos pudesse contar…
— E como podemos chegar até ela? — perguntou.
— Aqui diz: ao Norte, onde o vento e o mar se encontram, além das árvores e nevoeiros. É
bem óbvio, não é? É só irmos para o Norte.
— Mas como saberemos quando chegarmos lá? Não temos mapa ou nenhuma outra instrução.
— Eu tenho apenas isso. — Tirou um papel do bolso. — No livro diz que é um mapa, mas é
secreto.
Ela o encarou, um tanto quanto confusa.
— O que você quer dizer com secreto? Aqui, não vê? Este é o palácio, e aqui está o oceano.
— Apontou no papel, que aos olhos de Nicholas, era completamente branco.
E, então, ele entendeu.
— É claro.
— O que foi? — ela indagou.
— Escondido dos mal olhares. É tão óbvio. É um mapa mágico, isso significa que pessoas
como eu não podem vê-lo, apenas pessoas mágicas, ou seja, você.
Tudo aquilo era um tanto novo para a garota, embora conseguisse compreender, muito daquilo
não fazia nenhum sentido. Não que Nicholas entendesse sobre tudo, mas ambos tentavam.
— Então — ele começou —, a que lugar devemos ir primeiro?
— Hm. — Ela olhou para o mapa. — Se este mapa está correto, então em direção ao mar
pelo norte.
— Tudo bem. Eu vou preparar os cavalos, te encontro nos estábulos em, digamos, dez
minutos?
Ela concordou.
Annabella pegou apenas o essencial, uma bússola, que seu tio lhe dera alguns anos antes e ela
guardara junto com as coisas que pegara na antiga casa, e um cantil para levar água, pois não sabia
por quanto tempo andariam.
Quando encontrou Nicholas nos estábulos, já com dois corcéis prontos e selados, não
demorou a montar e seguirem rumo ao que, com sorte, poderia ser finalmente a resposta que tanto
buscara.
Entretanto, ao chegarem próximo ao portão do castelo, ouviram uma voz. Era Leith, o guarda
do palácio e, por assim dizer, vigia do jovem príncipe.
— Aonde pensam que vão?
— Temos que ir a um lugar — Nick limitou-se.
— E esse lugar possui nome?
— Ah, Leith, por favor!
— Por favor, digo eu! Eu gosto do meu emprego, garoto, mais do que isso, eu gosto de ter
uma vida. Se os seus pais descobrem que eu permiti que você saísse sozinho para Deus sabe onde e
sem supervisão, eu serei um homem morto antes que o sol possa nascer amanhã. Você sabe que eu
tenho que te acompanhar a qualquer lugar que vá.
— Sim, eu sei. — Bufou o jovem. — Mas, podemos, pelo menos por ora, guardar segredo
sobre isso? Não quero alarmar ninguém, muito menos os meus pais se o que estamos procurando não
trouxer resultados.
— E o que vocês estão procurando?
O garoto montou seu cavalo, esperando para que a irmã — embora ela não soubesse disso
ainda, gostava de chamá-la assim em seu pensamento — fizesse o mesmo, tal como seu guarda
pessoal.
— Saberemos quando chegarmos lá.

— Nicholas, eu tenho certeza de que estamos perdidos! — exclamou Annabella. Tiveram que
amarrar os cavalos muito atrás, pois não conseguiam atravessar a passagem de pedras por onde
desaguava o mar em um pequeno riacho. A névoa cobria tudo que estava à frente, e não enxergavam
quase nada. — Estamos andando há quase quinze minutos e não encontramos nada, estou começando
a achar que essa tal passagem não existe. Não há nem mesmo sinais de que more alguém aqui. E com
toda essa neblina, não conseguimos enxergar nada.
— Tem que ser por aqui, em algum lugar. Vamos olhar o mapa novamente. — Pegou-o em seu
bolso e deu a ela para que o lesse. — Temos sorte de termos conseguido convencer o Leith a ficar e
vigiar os cavalos, ou estaria pensando que somos loucos agora.
— Sim. Por outro lado eu terei que usar minha magia para te proteger caso alguma coisa saia
desse nevoeiro e nos ataque, pois se você chegar com um arranhão em casa, seus pais acabam com o
pobre homem.
Nossos pais, pensou ele, mas não disse. Sabia que tinha que se conter. Annabella era sua
irmã, e não fazia ideia disso, e ficar perto dela, sem poder dizer isso, era uma tortura. Não poder
tratá-la como tal, era demais para ele. Não poder vê-la ser tratada como a princesa que nasceu, e
rainha que um dia ainda haveria de se tornar era muito para suportar. E ter que guardar esse segredo
tendo apenas quinze anos, era ainda mais. Annabella tinha quase dezessete, nem dois anos mais velha
do que ele, e viveu a vida toda sem saber quem era ou de onde veio, ele não podia nem imaginar
como foi isso para ela. Apesar de todos os problemas que enfrentou em seu crescimento, como o
afastamento da mãe tanto para com ele quanto para seu pai, que o afetou muito, nada poderia se
comparar ao que seria para Annabella quando descobrisse a verdade. Não sabia como ela reagiria a
tudo.
Ele queria pôr um fim em toda essa dor que ela sentiu nos últimos onze anos, pegar os
responsáveis por isso e dar-lhes uma lição. Era tudo o que mais desejava. Queria pode chegar um
dia, e entregar sua irmã aos pais verdadeiros, e assistir esse reencontro. Queria poder ver sua
família, principalmente sua mãe, ser completamente feliz novamente.
— De acordo com o mapa, nós já chegamos. Mas onde, por Deus? — A voz de Ella o tirou
de seus devaneios, o trazendo de volta à vida real.
Ouviram um barulho, olharam automaticamente para de onde viera aquele som.
— Fique atrás de mim — disse Nicholas, mas Annabella se impôs, pois ela ao menos poderia
tentar usar sua magia para defendê-los.
Entretanto, não foi necessário. Quem saiu do meio do nevoeiro, foi alguém que Annabella já
havia visto antes, até conversado. A mesma garota que, há algumas semanas, a ajudou a apagar o
incêndio na aldeia. Não sabia seu nome, mas sentia uma confiança inexplicável nessa garota.
— Ah, graças a Deus! — a garota ruiva exclamou. — Eu ouvi vozes e achei que pudesse ser
algum tipo de ameaça.
— Você… É a garota que me ajudou com o incêndio.
— E você é Annabella, certo? Acho que ouvi algum dos aldeões dizer o seu nome naquele
dia.
— Sim, sou. Eu nunca consegui agradecer o que você fez por mim naquele dia, me ajudou
muito, e não só a mim, mas todas aquelas pessoas.
— Eu vi o que aconteceu naquele dia, eu sinto muito pela sua perda… eu sei bem como é
isso.
— Obrigada… hã…
— Oh, claro, onde estão meus modos? Me chamo Elizabeth, mas meus amigos me chamam de
Liz. — Riu, revirando os olhos. — Quem eu quero enganar? Eu não tenho amigos — disse, com certo
desprezo por si mesma em sua voz.
— Agora você tem — disse Ella. — Este é Nicholas, um amigo, é como um irmão para mim.
— Essa fala doeu mais em Nicholas do que ele podia imaginar.
— Muito prazer. — Ambos se cumprimentaram.
— O que veio fazer aqui?
— Acredito que o mesmo que vocês.
Ela explicou sobre ter escutado uma voz lhe chamando, a guiando até ali, não sabia quem era
ou porque a chamava, mas sentia em sua alma que deveria segui-la. Contou que precisava o quanto
antes possível ajudar o reino de onde viera, pois a atual rainha o estava destruindo. Claro que ela
omitiu a parte de que essa rainha era sua madrasta e que ela era uma princesa, não queria assustá-los
com a trágica história de sua vida assim tão cedo. Se soubesse que não era a única ali com histórias
trágicas para contar...
— Estamos sem sorte, então. Estamos vagando por aqui há quase trinta minutos e não
encontramos nada.
— Vocês disseram que tem um mapa, deixe-me vê-lo.
Annabella o esticou até ela, e quando ambas tocaram o papel e uma frase apareceu no topo
dele. Ambas leram juntas.
“Pode haver-se luz até na escuridão”
— Mas o que isso… — Antes que Elizabeth pudesse sequer perguntar o que aquilo
significava, a névoa se moveu, abrindo caminho até uma enorme rocha cerca de cem metros à frente.
— Me pergunto se algum dia entenderei esse negócio de magia — Nicholas falou.
Caminharam até o local, onde puderam ver uma enorme porta de madeira, cercada por cipós
firmes e grossos, que impediriam qualquer um de entrar ali.
Para a surpresa de todos, os cipós começaram a se mover sozinhos no momento em que
Annabella e Elizabeth apenas ameaçaram bater à porta, esta que logo em seguida se abriu.
Tudo aquilo era muito estranho, por que, toda vez que estavam juntas, algo acontecia, e
quando estavam sozinhas, não? Já era a terceira vez, e apenas a segunda vez que se viam. Pobre
Nicholas, estava ainda mais confuso do que antes, não entendendo mais nada.
O corredor era muito escuro, mas entraram assim mesmo, e, conforme o atravessavam,
candelabros de ouro e prata iam se acendendo, iluminando aos pouquinhos aquela escuridão.
Chegaram em uma espécie de sala circular, vazia, iluminada apenas por uma janela, pela qual entrava
e saía uma corrente fria de ar.
— Tem certeza de que mora alguém aqui? Parece tão… abandonado — argumentou
Annabella, encarando Nicholas.
— Sejam bem-vindos — disse uma voz, vinda da escuridão do corredor ao lado. — Estava
esperando por vocês.
Uma mulher, alta, com cabelos escuros e longos, apareceu no local. Vestia roupas simples,
mas sua pose era séria, e embora seu olhar manisfestasse confusão, não sentiram medo dela.
— Eu sou Florence, a mestre dos magos, portadora das visões do sol e da lua, e irei guiá-los
em sua jornada.
— Mas o que… — Elizabeth começou, afinal não estava entendendo nada, havia chegado ali
sem saber o que iria encontrar, apenas seguiu uma voz que a chamou e a guiou, não fazia ideia de que
ia se deparar com nenhum mago ou coisa parecida. Entretanto, aquilo poderia ser bom. Afinal, se ela
possuía as “Visões do Sol e da Lua” poderia lhe dar as respostas que procurava.
— Explicarei tudo a vocês. Mas antes, aceitariam de um chá? A jornada de vocês foi longa.

Após tomarem o chá e comerem uns biscoitos trazidos por uma jovem de longos cabelos
escuros com pequenas tranças em volta dele, a quem descobriram se chamar Clarey, iniciaram sua
conversa com Florence.
— Imagino que tenham muitas perguntas, responderei apenas as que realmente são
necessárias. Antes que perguntem por que não responderei todas, devem saber que, uma vez que
alguém sabe o que lhe aguarda em um futuro próximo ou distante, ela tentará mudá-lo ou evitá-lo, e
não podemos simplesmente fugir de nossos problemas. — Olhou para cada um deles, e cada um dos
três sentiu algo diferente. Nicholas sentiu um arrepio na espinha; Annabella sentiu como se várias
portas estivessem se abrindo dentro de sua mente e tudo fosse se esclarecer; e Elizabeth sentiu uma
coisa muita forte, uma ligação, como se pertencesse àquele lugar. — Antes de mais nada, vocês
sabem o que é a magia?
Negaram, afinal, nenhum dos três sabia explicar, exatamente, o que era.
— Antes de compreender o que têm circulando em seus corpos e por quê, devem partir do
princípio da explicação. — Se ajeitou melhor em sua cadeira e os encarou. — Não se sabe ao certo
quando ou como a magia surgiu, tudo que se sabe é que, o mais provável, ela tenha se iniciado como
um leve estudo que foi passado de geração em geração, até se tornar o que se tornou. No início,
pessoas que se interessavam em estudar esse assunto, eram chamados de magos, hoje, no nosso
mundo, essa mesma palavra se refere aos grandes mestres portadores de magia.
— Como você? — Elizabeth perguntou.
— Muitos me chamam assim, mas não gosto do título, acredito que eles nos separa em um
esquema no qual alguns estão acima de outros, quando devemos estar todos unidos como um só. —
Suspirou. — Prosseguindo com o que eu dizia, as pessoas sempre acreditaram que a magia se dividia
em três categorias: boa, que é usada sob intenções nobres e altruístas; a neutra, que não é usada nem
para o bem nem para o mal, mas algo no meio termo; e, por fim, a ruim, usada com más intenções e
motivos egoístas, muito encontrada em nosso mundo, infelizmente, e acredito que vocês já tenham
sido vítimas dela. — Os três jovens encararam o chão. — Saibam que a magia não nasce sendo boa
ou ruim, ela é transformada, uma pessoa boa pode se tornar uma pessoa ruim, e vice-versa. Nós,
humanos, somos facilmente influenciados, e podemos perder tudo que temos se nos deixarmos ser
atingidos pelos olhos vermelhos das más influências.
— Mesmo aqueles que, como nós, nasceram com magia pura?
— Principalmente esses. Se as pessoas que possuem magia não forem corretamente
instruídas, isso pode acontecer — explicou. — Vocês devem estar se perguntando por que nasceram
como nasceram, estou certa? — As duas garotas afirmaram. — O que vocês precisam saber é que,
não se sabe, ao certo, porque algumas pessoas nascem com magia e outras não, porque em algumas
famílias, a filha é capaz de fazer feitiços e o filho não, o que se sabe é que a herança mágica é uma
coisa real, então se um dos pais é portador de magia, a probabilidade de os filhos herdarem é alta.
Mas, mesmo que nem todos nasçam com ela, o que eu acredito é que todos sejamos capazes de fazê-
la, de maneiras diferentes.
— Vai nos contar tudo que queremos saber, então? — Elizabeth questionou, esperançosa.
— Vieram aqui para isso, não foi? Você primeiro, se assim desejar. — Olhou para Annabella.
— Eu… eu quero entender…
— Quer entender a origem de sua magia. Bom, para isso, precisaremos entender a sua
história. — Pegou nas mãos dela e fechou os olhos. — Você é muito poderosa, tudo que você possui
dentro de você, vem de uma longa linhagem da sua família biológica, e para entendê-la
completamente, deverá encontrá-los.
— Mas onde eles estão? Procuro por essa resposta há tanto tempo… — Sentiu uma dor em
seu coração. Nicholas encarou a irmã, sentindo uma mistura de dor e culpa, por saber toda a verdade
e não poder dizer ainda. Elizabeth também se compadeceu da menina, sabia bem o que ela sentia,
todo esse sentimento de não saber quem é ou se existe alguém por aí que a ama; sua mãe morrera em
seu parto, não teve sequer a oportunidade de conhecê-la, e seu pai, morreu quando ainda era muito
pequena, mal se lembrava dele. E os últimos dezesseis anos, passou presa, vivendo sob aquilo que
sua madrasta lhe quis dar enquanto usurpava seu trono e maltratava seu povo.
— Minhas visões me dizem que você está muito perto do dia em que tudo se esclarecerá,
hajamos de torcer para que tudo ocorra bem.
Nick a olhou, temendo aquelas palavras. O que ela queria dizer com aquilo? Será que
Annabella não aceitaria bem aquela situação? Será que ela desprezaria os pais e a ele quando
descobrisse toda verdade? Não, não. Ela não faria isso. Ela não era assim. Isso era absurdo.
— Minha criança, sua magia é pura, uma das mais puras que já vi, você está destinada a fazer
grandes coisas. Mas, para isso, deverá aprender a controlá-la, a lidar com ela. Lembre-se, suas
emoções controlam a sua magia, se você estiver desestabilizada, sua magia também estará. Deverá
ser treinada, praticar dia e noite, até que esteja pronta para assumir o seu lugar.
— Meu lugar?
— Em breve, você entenderá. — Sorriu. — Thalyah, venha aqui, por… — Uma mulher loira
surgiu ao seu lado de repente, assustando todos e até a própria Florence. Depois de alguns segundos,
disse: — Entregarei você e suas habilidades nas mãos confiáveis da minha melhor mestra de magia
prática, ela lhe ensinará tudo que há para se saber. — Olhou para a mulher, que assentiu. Em seguida,
encarou Elizabeth. Uma lágrima brotou em seus olhos, e ela não entendeu o porquê. — Você,
Elizabeth, se parece tanto com sua mãe.
O quê?
— C-Conheceu a minha mãe? — gaguejou.
— Sua mãe, minha cara, foi uma mulher extraordinária. Ela era minha irmã.
Por um momento, tudo ficou turvo para Elizabeth. Ela havia escutado direito? Sua mãe era
irmã daquela mulher à sua frente? Isso significava que ela era… sua tia? Se conheceu sua mãe,
então, onde esteve esse tempo todo? Se era a tal mestre das visões, por que não a ajudou antes?
— Acalme-se, irei explicar. — Ela criou uma espécie de nuvem mágica no ar, mostrando a
imagem de uma mulher muito linda, e muito jovem, na verdade, muito parecida com Elizabeth na
idade atual.
— Essa… era a minha mãe? — Se aproximou. A mulher do seu sonho. Essa era sua mãe. Sua
mãe a guiou até aquele lugar.
— Sim. Arianna era uma mulher coberta de muitas belezas, e o que tinha de bela, tinha de boa
e gentil, sempre disposta a ajudar a quem precisasse. O seu avô, Frederic, o pai dela, tinha muito
orgulho da filha que tinha, mas infelizmente a deixou muito cedo, vítima de alguma enfermidade da
época, quando ela não tinha nem cinco anos. Eu a encontrei pouco depois disso, e a levei para morar
comigo. Foi quando descobri os dons que ela tinha, conseguia se comunicar com a natureza e com
toda a sua biodiversidade. Eu sempre recrutei jovens com dons extraordinários para servirem a
mesma causa, viajo o mundo procurando novos aprendizes, mas Arianna era especial, eu cuidei dela
desde pequena e a vi se tornar uma mulher extraordinária. Ela deu a ideia de criar um lugar onde
pessoas de todo o mundo pudessem vir e se sentir acolhidas, sem serem julgadas por serem o que os
outros chamam de “diferente”.
Elizabeth já se encontrava chorando, ao escutar tudo aquilo sobre sua mãe. Como queria ela
agora, poder olhar em seu rosto, abraçá-la, chamá-la de mãe…
— Quando ela conheceu o seu pai e se apaixonou, e disse que ia se casar com ele, eu lhe
disse o que aquilo significava, que ela teria que deixar todo esse lado dela, não poderia viver as
duas vidas, não poderia ser rainha e viver aqui ao mesmo tempo, teria novas responsabilidades, teria
obrigações, mas ela, mais uma vez, me surpreendeu, dizendo que poderia fazer as duas coisas, iria
implantar uma escola em seu reino, e seu pai sabia disso tudo e a apoiava, a amava muito, e isso
unificaria os povos, acabando com a discriminação com aqueles que eram diferentes.
Para os outros dois jovens ali presentes, tudo ainda estava confuso. Elizabeth era uma
princesa? Mas… isso não fazia sentido. Como ela estava ali? Não se vestia como se fosse da realeza
e tão pouco conheciam seu nome, o que era bastante incomum, já que todos os reinos conhecem os
herdeiros de seus vizinhos pois lhe convém para possíveis uniões. E Nicholas, que era o herdeiro de
Porto Vermelho, jamais ouviu falar de nenhuma princesa chamada Elizabeth.
— Entretanto — Florence continuou —, sua mãe nunca conseguiu levar o projeto adiante.
Quando ela e seu pai começaram a tentar a ter um filho, sua mãe nunca conseguia levar a gravidez até
o final, sofreu muitos abortos, e somente na sexta tentativa, ela usou todo o seu poder para conseguir
trazer você, princesa Elizabeth, à vida. Eu estive com ela, passou quase toda a gravidez fraca e com
febre, muito debilitada, e quando você nasceu, ela usou o que lhe restava de sua magia para que você
pudesse sobreviver. Uma tempestade muito forte ocorreu naquela noite, os poderes da lua invadiram
sua mãe, lhe dando força para continuar. Por isso você é tão poderosa, e acredito que já percebeu
isso, afinal, conseguiu fugir de sua prisão sem muito esforço, porque tem dentro de si não apenas o
que seria seu por herança, mas, também, o que sua mãe lhe concedeu ao lhe dar à luz.
Elizabeth estava chocada, caiu para trás, e se não fosse pela cadeira que ali estava, teria
caído no chão. Annabella se aproximou, a apoiando.
— Liz, você está bem?
— Eu… — Desabou. Ella a abraçou, a confortando. — Minha mãe se sacrificou por mim…
Eu… Se não fosse por mim, ela ainda estaria aqui…
— Não diga isso. Sua mãe fez uma escolha, ela escolheu você, e se ela estivesse aqui,
escolheria você de novo, e de novo, porque ela te amava.
— Annabella tem razão, Elizabeth. Sua mãe fez o que fez para que você pudesse estar aqui, e
fazer tudo que ela não conseguiu. Ela sempre me dizia, quando estava grávida de você, que você
mudaria o seu reino, que você seria a mudança que o seu povo precisava. Sua mãe tem orgulho de
você, e ela deu à vida para que você pudesse lutar pelas duas.
— E de que adiantou? — gritou. — Eu passei a minha vida inteira presa num calabouço,
enquanto aquela… aquela… mulher destruía tudo que minha mãe e meu pai acreditavam, enquanto
ela fazia o que bem entendia comigo e com o meu reino, eu nunca tive forças suficientes para
enfrentá-la e não tenho agora e provavelmente nunca terei.
— Elizabeth, isso não é e nunca foi verdade. Você é forte, sempre foi, apenas precisa
encontrar dentro de si essa força e lutar. Por você, pelos seus pais, pelo seu povo, que precisa de
você mais do que nunca.
— O que quer dizer?
Florence a encarou, e então, novamente, fez surgir uma imagem, mas desta vez em uma bolha.
Mostrava Lilliana, com a expressão mais cruel do que nunca. Elizabeth não se lembrava muito do
rosto dela, já que a viu pouquíssimas vezes, caberiam em apenas uma mão se fosse contar nos dedos.
A cruel rainha estava, sem misericórdia, jogando cidadãos inocentes dentro de jaulas presas
às carruagens, e sem razão alguma.
— O que ela está fazendo com essas pessoas? — perguntou Nicholas.
— Ela está mandando uma mensagem à Elizabeth. Prendendo uma pessoa inocente por dia até
que ela decida se entregar. Lilliana está perdendo a paciência, não vai demorar até que corra para
decisões mais drásticas, minhas visões me mostram muita escuridão, magia obscura e sangue. Ela
sabe que Elizabeth está aqui em algum lugar, mas não virá atrás procurar, pelo menos não ainda, não
sei o que ela pretende, mas sinto que não será agradável para ninguém.
Todos ficaram com medo. Elizabeth temeu por seu povo, que estava pagando o preço por algo
injustificável, apenas pelo ódio de uma mulher amargurada por razões desconhecidas. Annabella
sentiu um arrepio em sua alma porque percebera o quão cruel as pessoas poderiam ser, claro que ela
sempre soube que o mal existia, afinal de contas, fora abandonada no meio da noite na porta de
alguém, mas, ainda assim, para ela era algo que jamais teria de enfrentar de fato. E, para Nicholas,
que tinha conhecimento dos estragos do campo de batalha, fora treinado para saber lidar com isso,
havia estudado sobre o assunto, sabia que tudo aquilo que haveria de acontecer — isso se as visões
de Florence estivessem corretas, e quisera Deus que não estivessem — não seria bonito. Não, nem
um pouco.
— Precisamos estar preparados para a batalha, se Lilliana não vai desistir, nem eu irei. — A
garota se colocou de pé. — Ela abusou do seu poder por muito tempo, primeiro tomou meu pai de
mim, depois minha liberdade, e em seguida o meu reino, não vou permitir que machuque mais
ninguém. Irei lutar com ela, até a morte se for preciso!
— E estaremos com você! — Nicholas se pôs de pé.
— Estarão?
— Sim. Não vamos deixar você sozinha nessa, conversarei com meu pai, veremos como
podemos ajudar. O que sua madrasta faz prejudica a todos, temos que impedi-la enquanto há tempo.
— Esse dia não há de demorar, está mais próximo do que imaginamos. — Ela colocou a mão
na cabeça, como se algo a tivesse atingido.
— Ela está tendo uma visão! — exclamou a outra mulher no cômodo, Thalyah era seu nome,
certo? — O que está vendo, Florence?
E então, num tom totalmente diferente do seu normal, como se estivesse até hipnotizada, ela
recitou:
— Quando o sol encontrar o leão no centro das sombras, mais de um destino será selado.
Todos olharam para ela como se dissessem: “O quê?”. Como assim um leão se encontraria
com o sol? E o que era centro das sombras? Para Elizabeth, isso ficou bem claro: sombras,
claramente, só podia significar Lilliana, e o centro provavelmente era o castelo, que ela cobriu com
toda sua perversidade e tudo de ruim que trouxe desde o momento em que entrou pela porta.
— Pessoal, odeio acabar com a festa mas temos que ir. Vejam, o sol já se pôs — Nicholas
avisou.
— Claro, sim, temos que ir, mas amanhã voltaremos, temos que nos preparar para o que está
por vir.
Os três jovens saíram, e assim que a porta se fechou, outra pessoa apareceu do corredor, e já
devia estar ali há muito tempo.
— Ela acordou, irmã — disse.
— Obrigado, Maeve, irei vê-la agora mesmo. — E a jovem, da mesma forma que veio, se foi.
— Por que não contou à Annabella? — Thalyah perguntou.
— Não é o momento. Essa garota tem muito ainda para descobrir, sobre si mesma
principalmente. Ela saberá, no momento certo.
— Tem certeza de que está bem? — Annabella perguntou à Elizabeth, uma vez que a
deixaram na porta da casa onde ela disse que estava morando provisoriamente.
— Sim, tenho sim, obrigada. Podem ir tranquilos para casa, seus pais devem estar
preocupados.
— Com certeza estão. Vamos, Ella?
— Vamos sim, até amanhã! — Abraçou a nova amiga. Elizabeth nunca tinha recebido um
abraço de um amigo antes, ou qualquer tipo de abraço, aquela sensação era totalmente nova para ela,
e ao mesmo tempo, muito boa.
Assim como a ruiva havia dito, no momento em que Nicholas e Annabella pisaram no salão
de entrada, uma Alycia nervosa e preocupada chamou a atenção dos dois.
— Aonde vocês dois foram? Por que não avisaram que iam sair? Eu estava morrendo de
preocupação!
— Mãe… calma, a gente só…
— Não me peça calma, você sabe muito bem que se for sair, deve avisar! — repreendeu. —
E voltaram a essa hora, onde se meteram?
— É uma longa história para contar, mas eu contarei tudo, prometo, só que vamos jantar
primeiro pois estamos famintos, foi um passeio bem… desgastante.
Passaram pela rainha segurando risos, como dois cúmplices. Subiram para seus quartos, se
lavaram e trocaram e em seguida desceram para jantar, onde numa conversa bem longa e quase
tranquila, contaram o que havia acontecido. Não fora fácil claro, pois a todo momento que Annabella
dizia uma palavra, tanto Alycia quanto Matthew tinham vontade de chamá-la de filha, abraçá-la, dizer
que sentiam orgulho da mulher que ela havia se tornado e que se mostrava a cada dia mais forte,
mesmo que não tenham sido eles que a criaram.
Mas não podiam. Talvez essa fosse a pior dor que já sentiram. Antes, quando não a tinham
com eles, era horrível, mas pelo menos tinham o conforto de poder pensar que ela estava em um bom
lugar. Agora que ela estava ali, bem na frente deles, alegre, sorridente, lutando por si mesma e se
mostrando não apenas uma amiga leal, mas uma pessoa de caráter e autoconfiança, não poderem
tratá-la como a filha deles que ela era, era tortura.
— Então, pai, sobre o que conversamos, o que você pode fazer?
— Se tem uma coisa que eu tenho certeza é que Lilliana não vai desistir, a conheço muito bem
para saber que sua determinação é algo que ninguém pode mudar. Nossos reinos estão em paz há
anos, são aliados, e nunca ouvi falar que o reino dela estivesse em tal situação. Terei que estudar a
situação, filho, e veremos como podemos agir. Se o que diz é verdade, temos que ter cautela.
— Eu entendo, pai, o dever de um rei é difícil, e não pode colocar nosso reino em perigo por
isso. Mas, por favor, temos que ajudar essas pessoas, elas não merecem isso. — Sorriu. — Bom,
agora acho que devemos descansar, amanhã começa o treinamento.
— Tem razão, Nick. Com sua licença, Majestades. — E saíram os dois.
Matthew arfou, se soltando em sua cadeira. Colocou a mão no rosto e algumas lágrimas
surgiram em seus olhos.
— Você está bem? — sua esposa indagou.
— Sim, estou, amor.
Alycia suspirou, pesadamente.
— Por que ainda tenta, Matthew? — Ele a olhou, em dúvida. — Em dezoito anos, já
conseguiu mentir para mim?
Ele conseguiu rir.
— É só que… isso é difícil demais. Tê-la aqui e… sabe… é tortura.
— Eu sei, meu bem, eu sei. Mas temos que ser fortes, por ela, assim como temos sido nos
últimos onze anos. Em breve tudo será revelado, até lá vamos apenas tentar conquistar o carinho e o
amor dela, para que, quando souber de tudo, não sinta nenhum tipo de sentimento negativo, não sinta
ódio nem rancor, que possa compreender e nos amar, como pais dela. Confia em mim, não é?
— Claro que confio.
— Então confie nisso. — E o beijou.

Longe dali, num castelo bem antigo mas coberto de luxos, tudo estava em silêncio.
A pessoa que entrou caminhou até um salão oval, e encontrou quem procurava em cima da
mesa, sentada com as pernas cruzadas e olhos fechados.
— Ora, ora, ora, o que faz aqui?
— Olá, Grinllith — disse.
— Lilliana. Por favor, me chame de Lilly — comentou, com ironia. Lilliana sentiu seu sangue
ferver ao escutar tamanha audácia. Mas, o que esperar de um demônio?
— Dispenso a falta de formalidades. Eu vim aqui com um propósito.
A fera a olhou.
— Se veio aqui pedir para que eu lhe treine novamente, nem perca seu tempo, não estou
interessada. Tenho que ir sussurrar ideias a um padre daqui a pouco. — Riu, com desdém.
— Ora, Grinllith, não me menospreze. Não subestime a minha inteligência. Eu vim aqui com
outro propósito, e sei que vai lhe interessar muito.
Grinllith continuou encarando, intrigada.
— Eu tenho uma proposta para lhe fazer.
20. A Dolorosa (In)verdade

— Deixe-me ver se entendi bem — ela começou. — Você não quer que eu traga a sua amada
enteada para você, nem que a mate para que você se veja logo livre deste problema que em dezoito
anos foi incapaz de resolver, mas sim que eu pegue a filha dos Hale e traga-a?
— Exatamente.
— E você quer essa garota por quê?
— Se eu eliminá-la, a bastarda da Elizabeth fica sozinha para lutar.
— E por que, exatamente, eu faria isso? Caso não tenha reparado, não está escrito buscas e
entregas na minha testa. Agora vá embora, tenho mais o que fazer, não tenho a eternidade toda para
perder com você… Se bem que, na verdade, eu tenho sim, mas não é do meu interesse. — Deu uma
risada maléfica.
Lilliana rodeou pelo enorme salão, como se não importasse nem um pouco com a resposta
negativa da antiga tutora. Passou um dedo pela prateleira cheia de objetos, não sabia se eram
valiosos, mas com certeza deveria ser tudo amaldiçoado, frutos de suas obras malignas, e se
surpreendeu ao ver que não havia uma partícula de pó sequer. Grinllith poderia ser um ser
desprezível, mas seu castelo brilhava de tão limpo.
— Me diga, Grinllith, como exatamente você chegou ao que você chama de meu mundo?
Ele a encarou.
— Veio aqui propor algo ou atrás de uma história para dormir?
— Apenas curiosa. Conte-me. Nos conhecemos há tantos anos e você nunca disse.
Ela estava um tanto quanto suspeita em relação à atitude. Lilliana estava tentando algum
truque, e ela sabia. Dominava essa arte. Foi caminhando atrás dela, pronta para qualquer coisa se ela
fosse estúpida o suficiente para ousar atacá-la.
— A primeira vez foi há quase sete séculos, quando uma mulher, acusada de bruxaria pela
população da aldeia em que morava, foi condenada. Ela não era uma bruxa, mas isso não importava.
Ela roubou um livro da abadia em que ficou presa até que chegasse o momento de sua execução. Ela
clamou por alguém que pudesse ajudá-la, e foi eu quem escutou esse chamado.
— Você a libertou? Não sabia que demônios eram do tipo que ajudava pessoas.
— Eu não a ajudei por que eu quis. Quando um demônio é chamado, ele vem com um
propósito: servir quem o chamou. Ela foi acusada de fazer um pacto com o diabo, importava se ela
havia feito ou não depois disso? Ela foi salva, mas já não posso dizer o mesmo da vila dela. Porém,
existe algo que as pessoas ignoram: quando um demônio lhe faz um favor, você deve retribuir. Você
fica devendo a alma, na maioria dos casos.
— Maioria?
— Sim. Existem casos e acasos. Você, por exemplo. Às vezes, a pessoa paga em vida o que
deve. E você está pagando há muito tempo. — Gargalhou.
Lilliana a ignorou e continuou com suas dúvidas.
— Me diga, da mesma forma que demônios vem ao encontro de humanos, os anjos também
vêm? E eles têm essa aparência quase humana de vocês?
— Não. Anjos não têm permissão para interagir diretamente com humanos, existem regras
que eles devem seguir, porém, se a pessoa realmente precisar, eles podem ajudar de maneira indireta
— contou. — E essa aparência não é nossa, quando somos invocados, chegamos como vultos e vozes
que apenas sussurram, mas podemos assumir um corpo humano morto recentemente se quisermos
ficar.
— Por que um corpo morto e não um humano vivo?
— Requer muito trabalho possuir um humano vivo, e a diversão nunca vale a pena, sempre
chega alguém e estraga tudo — informou. — Você está muito curiosa sobre assuntos relacionados a fé
alheia — apontou, desconfiada.
Lilliana a olhou por cima do ombro, e Grinllith retornou a encará-la de maneira suspeita.
— Você está estranha. Fique tranquila, eu não estou contra você. Vim com uma oferta, você
negou minha proposta, está tudo bem. Eu já tenho um plano reserva em mente. — Sorriu. — Sabe, eu
pesquisei bastante nesses últimos tempos, tenho que estar pronta pois sei que a bastardinha está se
preparando para batalha, até se juntou a um grupo ridículo de feiticeiros. — Revirou os olhos. —
Mas, sabe o que eu descobri? Só existe uma coisa forte o suficiente para lutar contra ela, pois a
maldita é muito poderosa.
— E você acreditou que prendê-la em uma cela seria o suficiente — debochou.
— Eu assumo o meu erro. Mas agora não tenho tempo para arrependimentos, apenas para
soluções. E eu já tenho uma. — Se virou para ela. — Vou me tornar um demônio.
Grinllith a olhou, e então começou a rir. Sua gargalhada era tão alta que ecoou por todo o
castelo que habitava.
— Pensa que é assim tão fácil? Não se pode simplesmente se transformar em um demônio.
Nós somos forjados, não nascemos, não ganhamos poder, o temos por uma única razão: quem criou o
equilíbrio entre o mal e o bem queria que fosse assim. Acha que pode simplesmente cortar meu
pescoço e assumir o meu poder? Não é uma transferência de alma. Não temos fraquezas.
Ela sorriu novamente, e dessa vez havia maldade notável em seu sorriso.
— Ah, Grinlly, você me menospreza demais — disse. — Eu não preciso procurar fraquezas
suas para ter o seu poder. Eu já fiz isso. — Se aproximou dela.
Grinllith sacou uma faca, pronta para cortar a garganta da mulher abusada que se encontrava
em sua frente.
— Não se atreva a dar nem mais um passo.
— Não, querida. Você não vai dar mais um passo.
E então ela congelou. Literalmente. Seu corpo paralisou, não conseguia se mover, nem os
braços e nem as pernas.
— Você sabe o que é isso, não sabe?
Ela não respondeu.
— Estava tão preocupada com o que eu poderia fazer que não pensou em ver o que eu já
estava fazendo. — Olhou para o chão, onde um rastro de uma coisa brilhante estava espalhada, e riu
novamente. — Água purificada com essência de ouro. Essa coisa é tão forte que petrifica qualquer
pessoa em segundos; a água, por ser pura em níveis que eu me recuso até comentar, bloqueia
qualquer sensação, e o ouro, por ser metal, paralisa a pessoa, mas, em contrapartida, por ser um
metal maleável, permite que o atingido ainda movimente olhos e boca, e claro, respire — ela disse.
— Você sabe de onde eu tirei isso, não sabe? Eu li essa frase inúmeras vezes naquele Grimório que
você protagoniza, acho que seu nome aparece, pelo menos, cinco vezes só na primeira parte.
Por favor, quando voltar para casa, mande meus agradecimentos a quem quer que tenha escrito
aquilo, me ajudou muito. Eu venho procurando por essa coisinha há semanas, difícil de encontrar,
devo dizer. Mas consegui, finalmente, e nem tive tanto trabalho para criar essa pequena armadilha
para você. — Levantou a barra do vestido e mostrou o tornozelo, com um frasco virado para baixo e
pingando o líquido com um simples mecanismo de metal que ela mesma criara. — Lamento que tenha
que ser assim, Grinllith, pois apesar de tudo, fomos amigas, você me mostrou coisas do meu passado
que sempre esconderam de mim por conveniência. Não queria ter que fazer isso, mas você não quis
me ajudar. Você devia estar orgulhosa, afinal a primeira lição que me deu foi: “se quer que uma coisa
seja bem-feita, faça você mesmo”.
Ela tomou a faca dela de sua mão.
— Agora, eu também sei que não posso matá-la, essa não é sua forma verdadeira. Demônios
não podem morrer, pois não possuem a vida propriamente dita, como nós mortais. Porém, é possível
matar a forma humana de um demônio, a que eles assumem quando prestam essas “visitinhas” ao meu
mundo. — Passou os dedos pela lâmina, admirando-a. — E, uma vez que se faz isso, você assume o
poder dele. Então sim, pode-se dizer que uma transferência vai ocorrer aqui hoje, mas não de almas.
Espero que tenha gostado desse seu corpo, talvez encontre um melhor na sua próxima visita. — A
esfaqueou no pescoço, vendo um líquido espesso, diferente do sangue humano, escapar. Era de um
tom de vermelho bem mais escuro do que o normal. — Agora eu te liberto, mas não sinta saudades,
nos encontraremos de novo, eu tenho certeza. — Puxou a lâmina, vendo-a se enfraquecer na sua
frente. Sua pele começou a se desfazer conforme morria na frente dela. — É muito bom quando o
aluno supera o mestre, não é?
— Espero que… esteja pronta para… pagar o preço por isso… — E caiu no chão.
Agora, Grinllith não era nada além de um corpo humano normal, exceto por este estar
destruído e morto, caído ao chão. Uma névoa escura se formou, saindo dela, como se fosse algo
espectral, e em seguida cercou a rainha das Ilhas Gálidas. E, quando acabou, ela se sentiu mais forte
do que nunca.

Poucas semanas. Foi o tempo que levou para que Lilliana aprendesse como lidar com todo
aquele poder dentro dela. Não teve problemas de fato, mas tanto poder havia de ser contido e
controlado, afinal não podia se dar ao luxo de cometer erros. Tinha dentro dela a maior quantidade
de magia que jamais imaginou ter, estava pronta. Pronta para lutar.
Mas antes de encontrar sua querida enteada, tinha algo que deveria fazer primeiro. Elizabeth
não tomaria o seu trono, e assim como ela pagaria por ousar tentar, seus amiguinhos também iriam
por tentar ajudá-la.
Ela causaria o mal mais terrível que todos jamais viram. Ela pensou que já o tinha feito, onze
anos atrás, quando ordenou que matassem a filha de seu antigo amigo querido Matthew Hale, mas
sempre soube que a ordem não foi cumprida. Se quiser que algo seja feito direito, faça você mesmo.
Agora que o alvo era fácil, poderia começar a plantar as primeiras sementes de seu plano.
Iria destruí-los, tanto os Hale quanto sua enteada.
Iriam sofrer. Ah, iriam.
— Você realmente se superou!
Ela se assustou.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou, vendo a figura à sua frente. — O que é? O
inferno não é como se lembrava? Acredito que seja muito difícil dividir um lugar com alguém com
tão má fama, e digo isso pensando no diabo não em você.
— Eu deveria, sim, ter ido embora, afinal, quando somos expulsos daqui só podemos voltar
depois de um século e se alguém nos invocar. Mas queria estar aqui para ver você fracassar. Seja
rápida por favor, não tenho muito tempo.
— Para que veio afinal? Se não está aqui para ajudar então vá embora. — Ela soltou um
risinho. — Na verdade, como você está aqui? Eu expulsei você!
— Digamos que eu sou a melhor funcionária que meu chefe tem, e eu soube bem como
persuadi-lo. — Riu. Não era possível saber se falava a verdade ou não, mas isso não importava. —
Tive que arrumar outro corpo, infelizmente. Esse não me favorece muito, porém, era o cadáver mais
fresco. Vai ser por pouco tempo, só o suficiente para que você perca tudo. Eu diria uma semana, duas
no máximo.
— Cale a boca! — gritou ela. — Não tenho tempo para ficar discutindo com você, tenho um
lugar para ir.
Com um movimento de sua mão fez desaparecer o vestido vermelho carmim e acessórios que
trajava, tirando de si toda a impressão de pessoa maligna que poderia passar a alguém, e agora, se
sentia, novamente, com aquelas roupas novas, como se tivesse quinze anos. Exceto que ela não tinha.
Olhou para o espírito — ou o que quer que fosse — de Grinllith à sua frente e disse:
— Vou visitar uma princesinha perdida.

— Isso é muito legal! — Ella exclamou, fazendo luzes mágicas rodopiarem em torno dela.
Era mágico, de fato.
— Você progrediu muito, Ella. Tanto você, quanto Elizabeth. Já controlam suas magias, já
sabem como usá-las — Nick comentou, sorrindo.
— Mas ainda há um longo caminho para percorrer. Florence disse que ainda havemos de
treinar muito para essa tal batalha que virá.
— Ela disse mais alguma coisa? O que será essa batalha? Será que se trata, realmente, da
madrasta de Elizabeth?
— Só pode ser — comentou. — Não acredito que possa ser alguém se não ela. Afinal, eu
conheço poucas pessoas e nunca tive inimigos.
Exceto aqueles que te tiraram de casa, Nick pensou, e por pouco não disse.
Estava sendo difícil se calar, já estava há semanas guardando esse segredo, e a cada dia que
passava, se tornava mais difícil. Annabella, a cada dia, se tornava uma mulher mais forte, e embora
ele ainda conseguisse ver nela a mesma garota alegre e vivaz que conhecera na floresta, ela
amadurecera muito, já se mostrava uma mulher forte e independente, e ele conseguia vê-la com uma
coroa na cabeça e governando todo aquele reino com justiça e pacificidade. Isso claro, se ela
aceitasse a sua verdadeira origem.
— Nick… posso te fazer uma pergunta? Mas quero que me responda sinceramente.
— Claro que pode.
— Acha que… acha que ela estaria orgulhosa de mim? — Olhou para o céu.
Ele logo entendeu o que ela dizia. Se referia à mãe. Dahlia havia partido há três meses, e não
havia um dia que se passasse sem que Annabella pensasse nela.
— Tenho certeza. Ella, eu conheci pouco a sua mãe, mas sei que ela sempre sentiu orgulho de
você. E como não sentir? Você se tornou uma mulher incrível, forte, independente, capaz de
conquistar o mundo. Olhe para tudo que você já sofreu e que nunca a fez desistir? Você é uma das
pessoas mais fortes que eu conheço. Sei que onde quer que Dahlia esteja, ela está olhando por você,
te protegendo e te abençoando. Ela iria desejar que fosse feliz.
Ela o abraçou, com lágrimas nos olhos.
— Obrigada, Nick. Não sabe o quanto isso significa para mim.
Ele sorriu.
— Bom, eu preciso ir. Tenho um treinamento com meu pai, quanto mais cedo chegar, mais
cedo sairei.
— Por favor, Vossa Alteza — brincou. — Eu vou ficar por aqui. Vou praticar um pouco mais.
Nicholas assentiu. Em seguida se foi.
Ella ficou ali, treinando sua magia, ou melhor dizendo, brincando com ela. Desde que
descobrira que sua magia era de luz, e que luz significava vida, e descobriu que podia controlar todo
e qualquer elemento vivo, não havia parado de fazer isso. Brincava com a água, com as plantas —
incluindo a árvore da família de Nicholas, tentava energizá-la da maneira que conseguia —, e se
sentia mais viva do que em muito tempo. Por cinco minutos, se esquecia de tudo.
Thalyah, sua treinadora, havia lhe contado que sua magia era pura, que ela era uma filha da
mãe natureza, e que isso significava muito poder. Ela e Elizabeth eram muito parecidas, exceto que
Ella não sabia se havia herdado seu poder diretamente de sua mãe biológica, mas sabia que tinha a
ver com sua família de sangue. Claro que ela suspeitava que Florence sabia a verdade, que conhecia
mais do que dizia, mas ela não ia dizer, e ela, a esse ponto, já não se importava mais tanto em
descobrir. Pelo menos, ela preferia ignorar esse pensamento. Se em quase dezessete anos —
considerando os cinco dos quais ela não se lembrava — ela não havia obtido essa resposta, agora já
não era mais tão importante. Tinha ideais novos, novos propósitos, como trabalhar todo esse
potencial que ela tinha dentro de si, e usá-lo para ajudar a quem precisasse, assim como a ajudaram
um dia.
Brincando com a fonte de água, fazendo aquele líquido cristalino se mover à sua frente e ao
redor dela, e obedecer aos seus comandos, tão distraída, nem percebeu que alguém chegou por trás
dela.
— Com licença. — Se assustou tanto que a água, antes no ar, caiu no chão. Por sorte não
molhou a ela nem a pessoa à sua frente. Era uma mulher, de cabelos castanhos longos presos em uma
fita azul, e um vestido rosa claro, delicado demais. Parecia que estava perdida.
— Perdão por isso, não vi que não estava sozinha.
— Está tudo bem. Você é a Annabella?
— Sim, sou eu — afirmou. — Me perdoe, mas, nos conhecemos?
— Lamento dizer que não. Mas eu vim de longe procurando por você.
Ela ficou confusa.
— Procurando por mim?
— Sim, você mesma. Eu sou uma das feiticeiras que moram no esconderijo de Florence e
descobri uma coisa que ninguém quer lhe contar, mas eu acredito que você deva saber. É sobre os
seus pais verdadeiros.
Um momento. O quê? Será que era verdade? Poderia ser verdade? Quem era aquela mulher e
por que ela estava ali?
— O que você quer dizer? Isso é algum tipo de brincadeira?
— Não, querida, eu juro, não é brincadeira. Todos estão escondendo de você, mas você
merece saber. — Olhou para o lado, como se estivesse preocupada que alguém a visse. — Você quer
saber sobre eles, não quer?
Ela ainda queria? Será que, a esse ponto, ela queria saber a verdade? Por tantas vezes se
perguntou isso, mas, ao mesmo tempo, tinha medo de descobrir. E se sofresse uma decepção? E se
descobrisse que, na verdade, o seu maior medo era real? E se ela tivesse sido, de fato, abandonada
por eles? Essa era a única coisa que temia ouvir. Saber que foi abandonada, na calada da noite, sem
o menor sinal de compaixão, seria demais para ela aguentar.
— O que… o que você sabe sobre eles? — a pergunta saiu no automático, sem que ela
pudesse controlar.
— Vou lhe mostrar. — Criou uma névoa de fumaça, e nela, fez surgir imagens passadas. —
Esta é você, não é? — Mostrou uma menina, de uns cinco anos, caída na porta de uma casa. A mesma
casa em que morou durante anos, e aquela garotinha era ela, de fato, na noite em que foi encontrada.
Annabella assentiu com a cabeça, incapaz de dizer uma só palavra.
A névoa se mexeu novamente, retrocedendo os movimentos daqueles presentes nela e
mostrando o que acontecera nos momentos que antecederam a sua chegada àquele lugar.
— Quem é este homem me deixando no chão? — perguntou, ao ver um homem de cabelo
louro escuro, uma roupa elegante e ela nos braços, a colocar no chão.
— É o seu pai, querida. Ele a deixou na porta da casa da sua mãe adotiva.
— Meu… meu pai? Mas, por quê? — Um nó havia se formado em sua garganta, mal
conseguia formar as palavras. Seu pai… aquele que nunca teve, e agora… agora descobrira que
aquele que era responsável por ela estar ali, a tinha deixado, na calada da noite, desprotegida e sem
nenhum tipo de compaixão.
— Ele a deixou lá porque nem ele, nem sua mãe, podiam ficar com você. Tendo dois filhos, e
o seu irmão, mais novo que você, começaram a gastar muito dinheiro e se afundaram em dívidas,
negociaram com reinos vizinhos para se levantarem, até que chegou o momento em que não
aguentaram mais e tiveram que tomar uma decisão. Dois filhos, ainda mais dois como você e seu
irmão, dão gastos muito altos, e então… tiveram que se livrar de um dos filhos, e como para eles um
filho homem era bem mais vantajoso… deixaram você.
Ella não conseguiu mais se conter, o choro veio e com ele os soluços e toda a tristeza
acumulada por dez anos.
— Então… meus pais me abandonaram… Eles escolheram me deixar por… Não… Isso não
pode… Por favor, me diga que não é verdade!
— Eu sei que dói ouvir e ver tudo isso, ninguém queria lhe contar a verdade com medo do
que você poderia fazer ao descobrir, mas você deve saber, sei que há tantos anos procura por
respostas, fossem elas boas ou ruins… — ela disse, com falsa piedade e compaixão em seu tom, mas
com uma atuação de primeira categoria.
Annabella chorava, já não sabia mais o que sentia, se era dor, tristeza, raiva, ou um combo de
tudo. Seus pais a haviam deixado por dinheiro. Ela até entenderia ter sido deixada por não terem
condições de criá-la, mas se esse fosse o caso, não teriam feito da forma como fizeram, a teriam
deixado em um orfanato ou em melhores condições das que realmente a encontraram. Isso sem contar
que eles escolheram deixá-la, preferiram ficar com o filho porque era uma vantagem maior. Mas o
que isso significava? Ela sabia que filhos homens eram mais prestigiados, principalmente se fossem
os primogênitos, mas isso… era cruel demais.
— Você sabe alguma coisa sobre a minha perda de memória? — indagou.
— Acho que você já pode imaginar mas… foram seus pais, encontraram um feiticeiro antigo
e pediram por um feitiço para apagar suas lembranças dos primeiros cinco anos de vida, para que
não se lembrasse deles ou sofresse com as memórias.
O mundo dela desabou.
— Então… eles planejaram tudo… toda a minha vida eu pensei que tinham me deixado por
uma situação desesperadora, pensei tantas coisas mas isso… isso nunca passou pela minha cabeça. E
agora, eu perdi a única pessoa que teve coragem de me defender, que me amou verdadeiramente, que
tirou o pão de sua boca para que eu não morresse de fome e que nunca, nunca teria me abandonado
por vontade própria nem por nada no mundo! — Se engasgava com as próprias palavras em meio ao
choro, soluçando desesperada. Mas, mesmo assim, não conseguia parar de perguntar àquela mulher
tudo que ela sabia. Se ia sentir essa dor, que fosse de uma vez. Era hora de saber. Hora de fazer a
grande pergunta. — E quem… quem são… meus pais?
— Não imagina quem podem ser?
Annabella a olhou, as sobrancelhas arqueadas e a expressão de questionamento bem nítida.
— Eles estão muito perto de você. Perto demais eu diria.
— O quê…
— Por acaso não percebeu certas pessoas a tratando de um jeito diferente, a olhando
fixamente como se estivessem impressionados em verem você?
Ela pensou.
— Bom, sim, todos no palácio me olham de um jeito estranho, principalmente a mãe de
Nicholas, mas… — E então, tudo se iluminou. — Não, não… não pode ser…
— Sim, Annabella, seus pais são Alycia e Matthew Hale. Sempre foram eles. Você é a
verdadeira herdeira do trono de Porto Vermelho. Você!
Ella cambaleou para trás. Agora tudo fazia sentido. O nome igual ao da irmã de Nicholas, a
semelhança tão grande com a garota que vira tantas vezes no quadro na parede do corredor e a
sensação estranha que sentiu ao ver o mural da aldeia. Deus, como pôde ter sido tão ingênua ao
extremo de não conectar esses pontos? Estava tão certa de que jamais encontraria sua família que
ignorou os sinais que estavam bem debaixo do seu nariz?
Sem dizer mais uma palavra, saiu correndo.
— Annabella! — chamou, fingindo preocupação. Mas, assim que a garota sumiu ao
praticamente invadir o palácio, um sorriso brotou em seus lábios. Uma nuvem surgiu ao seu redor e
aquelas roupas tão simples e puras sumiram, dando espaço para as suas de sempre: o vestido carmim
e os acessórios tão perversos quanto sua alma e seu coração. — Ah! — suspirou.
E então, desapareceu também.
21. A Verdade Vem à Tona

A porta do escritório se abriu de uma maneira que assustou a pessoa dentro dele.
— Alycia! — Era Annabella, entrou no ambiente de uma forma que parecia até outra pessoa.
Seus olhos estavam vermelhos e cheios de lágrimas que desciam por suas bochechas rosadas, e seus
lábios com leves marcas, dando a impressão de que haviam sido mordidos várias vezes. — É
verdade? — perguntou, diretamente.
A pergunta pegou a rainha desprevenida, tanto que ela não entendeu e sua expressão era
confusa.
— Annabella, o que…
— É verdade que você é minha mãe? — interpelou a garota, de uma vez. Alycia perdeu a cor.
Seus olhos se estagnaram e a boca se abriu. Ela não sabia como reagir àquilo. Como Annabella
descobrira aquilo? Quem contou? Não poderia ter sido ninguém da família, ou de outra forma, ela
não teria reagido assim. Ou teria? Ela não sabia de verdade.
— Quem… Como… De onde tirou isso?
— Então é verdade. — Passou a mão pelos olhos enxugando algumas lágrimas, mas foi inútil,
pois elas não paravam de surgir. — Esse tempo inteiro e ninguém teve coragem de me dizer nada? Eu
passei a minha vida inteira querendo saber de onde eu vim, quem eu era, se eu tinha pais e, de
repente, eles aparecem e não me dizem? Eu tinha o direito de saber! — gritou.
— Annabella, deixe-me explicar.
— Explicar o quê? Explicar detalhe por detalhe de como me abandonaram no meio da noite,
sem dó ou piedade, na porta de uma pessoa que nem conheciam? Ou explicar a razão de não terem
tido a mínima coragem de me defender e preferiram me deixar?
Aquelas acusações estavam doendo em Alycia como se alguém estivesse cravando uma adaga
em seu coração — novamente — e apertando-a cada vez mais até que cada pequena fibra do órgão
fosse atingida. Por que ela estava falando assim? O que teriam, de má fé, contado a ela? E quem?
— Annabella, por favor…
— O Nick sabia?
— Annabella…
— Ele sabia? — insistiu.
— Sim, ele quem descobriu.
A menina a olhou incrédula.
— Ele descobriu? Então ele sempre esteve a par de tudo, ciente de toda a verdade e não me
contou? Ele viu o quanto eu estava sofrendo pela morte da minha mãe, por ter perdido a única pessoa
que teve coragem de me defender nesse mundo, que trabalhou em três empregos para conseguir me
criar e pagar meus estudos, e ele, mais do que ninguém nesse lugar, sabendo de tudo que eu passei,
não teve coragem de me contar?
— Por favor, me escute. Eu posso te explicar tudo. Annabella, nós não te abandonamos! Por
favor, acredite em mim. Nós nunca faríamos isso, filha, não poderíamos jamais sequer pensar nisso.
Você foi… sequestrada no seu aniversário, durante sua festa, por invasores e eles levaram você. Seu
pai os seguiu, mas tudo que ele encontrou na estrada foi o vestido e a tiara que você usava naquele
dia cobertos de sangue. Procuramos por você durante semanas, meses, mas depois de não encontrar
nem rastros, pensamos que… pensamos que você tinha… — A rainha começou a chorar. Reviver
aqueles momentos era doloroso demais, ainda mais daquela maneira. Não era assim que queria
contar aquela história, muito menos como queria que sua filha, sua própria filha, descobrisse a
verdade. — Annabella, por favor, eu imploro, você tem que acreditar em mim!
— Me diga como eu posso? — perguntou. Ela viu como Alycia estava reagindo a tudo aquilo,
e algo, uma voz dentro de sua mente dizia para acreditar nela, mas, a esse ponto, ela já não sabia
mais em quem confiar. Aquelas pessoas haviam sido nada além de gentis e acolhedores com ela,
porém, ainda assim, isso não diminuía toda a dor que ela sentia. Tudo que ela sempre soube era que
havia sido deixada na porta da casa de sua mãe no meio da madrugada, e ser abandonada ali era a
explicação mais óbvia. Afinal, se alguém a tivesse sequestrado, assim como Alycia estava lhe
dizendo, por que a deixar ali? Não seria mais lógico pedir um resgate, uma vez que ela era uma
princesa, todo o ouro do reino seria dado em troca de seu resgate, certo?
Deus.
Só agora ela tinha percebido.
Ela era uma princesa. Mais do que isso: princesa herdeira. Primogênita. Primeira filha. Será
que algum nobre ainda não satisfeito com o fato de ter uma mulher no poder, mesmo isso já sendo
uma realidade há anos, haveria feito isso? Seria algum deles o suposto sequestrador? Ou será que
essa era razão para que seus pais a abandonassem? Qual das versões seria verdadeira? Céus… ela
só queria saber.
Como ela poderia confiar em alguém que vinha escondendo a verdade dela há tanto tempo?
Como? Por mais que doesse todas aquelas perguntas, ela precisava fazê-las. Precisava comprovar a
verdade.
— Eu fui deixada na porta da casa da minha mãe há onze anos, usando nada além de um
vestido branco sujo de terra e sangue e com vários arranhões pelo corpo. Não havia ninguém por
perto quando me encontraram. Como, me diga, como um sequestrador poderia ter feito isso? Ele teria
pedido resgate por mim, não? Afinal, essa é a finalidade de um sequestro.
— Annabella…
— Por favor, pare! Chega de mentiras, Alycia. Uma vez, só uma vez, eu imploro para que
alguém aqui me diga a verdade. Por que me deixaram lá? Por que escolheram ficar com o Nicholas e
não comigo? Sim, eu sei, sendo um filho homem, ele vale bem mais do que eu, claro. Mas, por que
me abandonar no meio da noite, por que não, simplesmente, me deixar em um orfanato? Eu poderia
ter morrido lá, comida pelos lobos ou sabe-se Deus o que mais tinha naquela floresta!
— De onde você tirou essas coisas? Elas não são reais! Eu juro a você, eu juro por Deus que
nada disso é verdade!
— Então me diga como um sequestrador poderia ter pagado um bruxo para apagar as minhas
memórias?
— Apagar suas memórias? Do que você está falando?
— Sim, minhas memórias! As mesmas que foram roubadas de mim, dos meus primeiros cinco
anos de vida. Eu não me lembro de nada!
— Por isso não nos reconheceu… — sussurrou. Agora tudo fazia sentido, Annabella não
reconheceu os pais logo da primeira vez pois não se lembrava de nada, não se lembrava deles.
Alycia também não a reconheceu quando a viu pela primeira vez, mas onze anos haviam se passado,
ela já não era mais a garotinha que trouxe ao mundo e a quem havia visto pela última vez onze anos
antes…
Depois de uma longa pausa, várias tentativas falhas de enxugar as lágrimas e respirações
extremamente profundas, Alycia tornou a falar:
— Annabella, por favor, eu imploro a você que acredite no que lhe contei. Eu não sei o que
lhe contaram ou quem contou, mas eu asseguro, eu juro por tudo que há de mais sagrado, que não é
verdade. Eu imploro! Por favor… — Se aproximou dela.
Annabella puxou todo o ar existente em seus pulmões, inspirou e expirou algumas vezes antes
de conseguir pronunciar:
— Isso é demais… Eu não consigo fazer isso.
E saiu. Correndo.
— Annabella! — Alycia gritou, mas foi em vão, a garota já estava longe. Ela se apoiou na
porta do escritório, sem conseguir mover suas pernas, completamente fragilizada. Matthew, como se
por milagre, apareceu, e ao ver a esposa naquele estado, correu até ela e amparou.
— Alycia? O que aconteceu? — ele perguntou, mas ela não conseguiu responder, só se
agarrou a ele, desesperada, e chorou mais. — Meu amor, fala comigo! O que houve que te deixou
assim?
— Ela sabe, Matthew… nossa filha já sabe a verdade. E nos odeia.

Annabella se afastou do castelo o mais rápido que pôde. Não conseguia lidar com tudo
aquilo, era muito para processar. De um lado, tinha uma mulher que dizia ser do grupo de feiticeiros
de Florence, que chegou e lhe contou uma história — não só contou, mas mostrou imagens — que ela
vinha ansiando descobrir há onze anos. Do outro, sua… mãe… contando uma outra versão tão
convincente quanto.
A história de Alycia batia com a mesma que Nicholas havia contado meses atrás, mas ele só
sabia o que lhe contaram, ele tinha pouco mais de três anos quando tudo aconteceu, não poderia saber
de nada de concreto.
— Por quê? — Olhou para o céu. Ela só queria sua mãe nesse momento. Dahlia saberia
exatamente o que fazer. Só queria que ela estivesse ali, poder se deitar no seu colo e ficar nele por
horas até conseguir processar todos os seus pensamentos, talvez tomar chá — já que nenhuma das
duas gostava de café —, e, enfim, se acalmar. — Mãe… eu não sei se você está me ouvindo… mas,
se estiver, o que eu faço? Eu preciso tanto de você agora… Por favor… Me mande um sinal… —
Abaixou a cabeça e as lágrimas velozes voltaram a escorrer por seus olhos.
Olhou para trás e viu o castelo. Ela tinha que sair dali de perto o quanto antes, ou acabaria
dando de cara com alguma carruagem procurando por ela.
Continuou a correr, sem parar. Atravessou o caminho da floresta e chegou na aldeia. Pensou
em ir para casa, mas não podia por dois motivos: 1) Seu tio ainda estava reconstruindo-a após o
incêndio de três meses atrás. 2) Lá a encontrariam em um piscar de olhos.
Olhou para os lados, procurando um caminho para onde ir. Foi então que viu alguém
conhecido. Ou melhor, conhecida.
— Elizabeth! — Correu até a amiga, que assim que a viu, se preocupou ao encontrá-la
naquele estado.
— Meu Deus, Ella, o que aconteceu? Por que está chorando?
— Por favor, me tira daqui. Eu te explicarei tudo.
Elizabeth a levou até a casa onde estava morando, ficava um pouco longe dali, então tiveram
que caminhar por alguns minutos. Quando chegaram, a ruiva ajeitou o sofá e ambas se sentaram.
— Você está muito nervosa, vou pegar uma água. — Foi até a torneira e retornou com um
copo. — Não tenho açúcar, infelizmente, mas beba mesmo assim, e respire.
Annabella o fez.
— Tudo bem, agora me conte o que aconteceu?
A garota suspirou, tentando parar o choro, até que encontrou forças para falar.
— Bom, eu nunca te contei isso, na verdade, nunca contei isso para quase ninguém, mas… eu
fui deixada na porta da casa da minha mãe quando tinha cinco anos.
E contou toda a história, tentando não se sufocar com as lágrimas que insistiam em marcar
presença. Explicou como chegou a Porto Vermelho e como conheceu Nicholas e seus pais — pais
dela — e como lhe contaram toda a história.
— Oh — Elizabeth suspirou. — Eu… realmente não sei o que dizer.
— Imagine como eu estou. Eu não sei o que pensar.
— Já conversou com o Nick? Vocês são melhores amigos, não são?
— Eu já não sei mais nem quem eu sou. A minha vida inteira eu menti pra mim mesma, dizia
que não me importava em saber a verdade quando era a única coisa que eu queria, e essa opção
passou muitas vezes pela minha cabeça, mas eu jamais quis acreditar que fosse… sabe…
— E se não for?
Annabella a encarou.
— Mas a mulher me mostrou imagens do meu… do… me abandonando lá. Como poderia não
ser verdade?
— Ella, você mais do que ninguém sabe que magia pode ser traiçoeira, e se ela tiver
inventado tudo? E mais, e se ela não for realmente uma das feiticeiras que trabalham com Florence?
Como você disse mesmo que ela era?
— Ela tinha um cabelo castanho escuro, não muito mais alta que nós duas e os olhos… eram
sombrios também, penetrantes, de um tom vermelho reluzente que eu nunca tinha visto antes. Estar na
presença dela me fez sentir medo.
— Olhe, eu tenho ficado na toca praticamente todos os dias, e nunca vi ninguém com essas
descrições lá. E pelo que você está me contando, parece que você descreveu um demônio.
— Demônio? — Ella congelou. Como assim havia estado na presença de um demônio?
— Sim. Florence me contou que eles são os portadores da magia mais obscura que existe, e
eles não podem ser mortos, não de verdade. Porém, podem ser expulsos por um tempo, é como uma
quase morte, e quem faz isso, adquire seus poderes em troca da própria alma. Eles são conhecidos
pelos olhos avermelhado que representam o mal que eles carregam dentro de si — explicou. — Ella,
eu acho que você deveria conversar com alguém que você confie. Que tal o seu tio? Ele deve saber
como você chegou à casa da sua mãe, não?
— Tudo que ele sabe é o mesmo que eu sei, ele não estava presente quando aconteceu. Minha
mãe me encontrou na porta e é só isso. Sem nenhum vestígio…
— E se formos até a Florence? Eu aposto que ela, com certeza, deve saber de toda a verdade.
— Você acha que ela vai contar? Ela é tão… você sabe… misteriosa.
— Acho que nesse caso ela não terá opções. Vamos.
Naquele momento, a porta se abriu.
— Thomas! — Elizabeth sorriu ao vê-lo. — Oh, vou apresentar vocês. Thomas essa é
Annabella. Annabella, este é o Thomas, ele praticamente me criou no tempo em que estive presa.
— Nós já nos conhecemos — ele afirmou. — Há algum tempo, ela me ajudou com um
machucado. Bom revê-la, Annabella. — Sorriu. — Aonde vocês vão a essa hora?
— Precisamos encontrar Florence, ela deve algumas explicações à Ella. Bom, verdades seria
o mais apropriado.
— Como assim?
— Bem… é que… — Olhou para Annabella, tentando encontrar uma forma de explicar, e
essa lhe deu consentimento para contar, já não havia mais razão para esconder. — Contaram a ela
essa tarde que seus pais verdadeiros são Alycia e Matthew Hale, que por acaso são os reis deste
reino. Disseram a ela que eles a abandonaram porque não queriam ficar com ela e precisamos
descobrir se isso é verdade.
— Oh. — Ele então entendeu tudo. E todas as perguntas fizeram sentido em sua cabeça.
Aquela menina, que há tanto tempo o havia ajudado, a mesma que ele pensou conhecer, era aquela
garotinha, que onze anos antes, a mando de alguém sem alma, ele havia tirado de seu lar e de seus
pais.
Ele viu lágrimas nos olhos da garota, havia sofrimento nelas, e ali ele decidiu fazer algo que
devia ter feito há anos. Havia chegado a hora de deixar de ser covarde, de parar de ter medo das
consequências e enfrentar o que há tanto deixou no esquecimento — se é que havia deixado de pensar
nisso um só dia nesses anos todos.
— O que foi, Thomas? Você ficou com uma cara de quem viu um fantasma.
Ele sacudiu o rosto, suspirou e então disse:
— Vocês não precisam ir até Florence para saberem a verdade, porque eu sei. — Ambas o
olharam
— Do que você está falando?
— Eu vou contar tudo. Devia ter feito isso há anos, mas nunca tive coragem, e isso me
consumiu todos os dias durante onze anos. Sentem-se, vou contar a vocês o que realmente aconteceu.
— Nós duas? Como isso pode me envolver, Thomas? Eu nem sequer faço parte da história!
— Sentem-se, vão entender em um instante.

— Onde ela pode estar? — Matthew perguntou, um pouco irritado e nervoso.


— Já procuramos em todo o castelo, ela não está aqui — Andrew disse.
Já estavam procurando por Annabella há uma hora. E nada dela, nem um sinal, vestígio,
simplesmente nada.
— Ela tem que estar em algum lugar, não é como se a terra a tivesse engolido ou ela tivesse
evaporado — Grace apontou.
— Na verdade, eu não teria tanta certeza disso — Nicholas finalmente se pronunciou,
deixando todos intrigados com o que dissera. — Annabella tem magia, e agora sabe como controlá-
la, então, se ela não quiser ser encontrada, não irá. Digo, ela pode estar na nossa frente agora e não
estamos vendo.
— Ela pode ficar invisível? — Andrew perguntou, um pouco confuso.
— Não sei… mas… é possível, não é? De qualquer forma, temos que procurá-la.
— E a casa do tio dela? Já procuraram lá? — Grace indagou.
— Não acredito que ela tenha ido para lá, com certeza sabe que a encontraríamos muito
rápido.
— Chega! Eu cansei de ficar aqui! — Alycia interrompeu, depois de tanto ficar em silêncio.
— Brooke, mande que preparem os cavalos — ordenou a um dos guardas. — Eu vou atrás da minha
filha, alguém vem comigo?
Ninguém se opôs, pelo contrário, todos ficaram surpresos de ver a rainha falando assim, tão
determinada, como quando fazia antigamente, antes da tristeza tomar conta de seu ser e passar seus
dias deprimida pensando na filha que nunca mais veria. Mas claro, ela agora era outra pessoa, e
ninguém iria mais prejudicar a vida de sua filha e de sua família.
Dez minutos mais tarde, a carruagem ficou pronta, e todos embarcaram para poderem iniciar
sua própria busca.
A casa de Graham não era tão longe, e assim que a avistaram, estacionaram a carruagem nas
proximidades e desceram, caminhando até lá.
Nicholas foi na frente, uma vez que estava mais familiarizado com o local e conhecia mais a
região. Bateu três vezes na porta e esperou que abrisse. Graham atendeu, e estranhou ver o jovem ali,
e mais ainda quando percebeu que sua sobrinha não estava com ele.
— Príncipe Nicholas… — Olhou em volta e viu toda a família real ali. — Oh…
— Sr. Skansley, como está? Nós… Bem… Bom, melhor eu ir direto ao ponto de uma vez.
Annabella está ou passou por aqui hoje?
— Não. Por quê? Aconteceu alguma coisa com ela? — Começou a se preocupar.
— Sim, Sr. Skansley. Podemos conversar?
— Claro, entrem, por favor. Peço perdão pelo estado que está a casa mas ainda estou
consertando os estragos.
— Não se preocupe com isso — Alycia garantiu.
— Sr. Graham, precisamos fazer algumas perguntas ao senhor, tem a ver com Annabella.
— Ela está bem? Ela tem estado tão nervosa com essas novas coisas que tem aprendido, e
desde que parou as aulas de música…
— Ela parou as aulas de música? — Nick questionou. — Ela me disse que a academia estava
de férias.
— Nas primeiras duas semanas, sim, depois disso ela parou, disse que não estava sentindo
mais a mesma vontade de cantar e tocar como antes, claro, por causa da mãe. Desde que Dahlia
faleceu, ela não tem sido a mesma, embora saiba esconder muito bem suas verdadeiras emoções.
Mas, não foi por isso que vieram aqui, imagino.
— Sr. Skansley, poderia nos contar como… como Annabella chegou à casa da mãe?
— Hm, claro. — Não sabia como eles sabiam sobre aquilo, mas imaginou que Annabella
houvesse contado. — Eu não estava lá na hora, mas Dahlia me contou no dia seguinte. Ela encontrou
a Ella no chão, inconsciente, com um vestido branco sujo de lama e um pouco de sangue, e alguns
arranhões na pele. Ela a levou para dentro e cuidou dela, e quando a pequena recuperou a
consciência, não sabia nem quem era, só soubemos que seu nome era Annabella por causa da
pulseira que ela usava. Tentamos procurar pelos pais dela, talvez ela tivesse se perdido ou algo
assim, mas nunca os encontramos, então… ficamos com ela. E posso garantir que foi a melhor
decisão que tomamos.
— Como… como ela era quando pequena? — Alycia quis saber.
— Muito, muito alegre, Majestade. Sempre foi esperta, talentosa, muito inteligente, levava luz
para onde quer que fosse e alegrava todo o ambiente. Gostava de cantar, e sempre soube fazer isso
muito bem, tanto que graças a isso ganhou a bolsa de estudos na Summers e por isso nos mudamos
para cá. — Isso acalentou o coração dos monarcas. Era reconfortante saber que, mesmo com toda a
tragédia que a atingiu, Annabella foi feliz, nunca deixou de sorrir e de fazer os outros sorrirem. Ela
era a mesma de antes do baile de aniversário, e não mudou em nada, apenas ficou mais forte.
— Bom, Sr. Skansley, nós viemos aqui, como já deve imaginar, procurando a Annabella
porque esta noite, alguém contou a ela algo que a machucou profundamente e que a fez fugir.
— Ela fugiu? Mas para onde? E por quê?
— Sr. Skansley… — Matthew iniciou. — Annabella… é nossa filha.
Graham ficou estático por um tempo, sem conseguir entender.
— A história completa é que, no dia da festa de aniversário dela, invasores entraram no
palácio e nos atacaram. Eles pegaram nossa filha e sumiram com ela. E desde então não tínhamos
tido notícias dela, até poucas semanas atrás quando meu filho, Nick, descobriu toda a verdade.
— Meu Deus… Como… Mas… — Ele não conseguia formar uma frase.
— Sr. Graham, contaram a ela que nós a abandonamos porque não queríamos ficar com ela,
Annabella está arrasada, pois acreditou nessa história, e nós precisamos encontrá-la e esclarecer a
verdade — Alycia explicou. — Já se passaram onze anos desde a última vez que abraçamos a nossa
menina, e agora ela nos odeia porque acredita que nós a abandonamos.
— Não acredito que ela os odeie, Majestade — garantiu. — Annabella é incapaz de qualquer
tipo de sentimento ruim. Ela provavelmente só está confusa com tudo, abalada por perder a mãe e de
repente descobrir sua origem de tal forma. Ela vai aparecer, e vocês poderão explicar tudo a ela, e
ela vai ouvir. Eu garanto isso. — De certa forma, isso confortou aos dois.
— O senhor tem alguma ideia de para onde ela possa ter ido?
— Já procuraram naquele lugar em que ela pratica a magia?
— Pensamos em ir para lá — Nick falou. — Mas só alguém com magia pode encontrar o
caminho, além dela somente Eliza… Meu Deus, é claro! Elizabeth. Ela pode encontrar a Annabella!
— Você sabe onde ela mora, Nick? — sua mãe indagou, esperançosa.
— Sim. Fica um pouco longe daqui.
— Vamos até lá agora.

— Thomas, pelo amor de Deus, conta logo o que você tem para contar! Eu já estou
começando a ficar nervosa — Elizabeth exigiu.
— Tudo bem. Há muitos anos, quando eu ainda trabalhava para a madrasta de Elizabeth,
Lilliana, eu fazia coisas das quais não posso e nem quero me orgulhar. Defendi aquela mulher em
muitas ocasiões, eu estava encantado por ela, acreditando que tudo que ela fazia tinha uma
explicação razoável, mas eu estava enganado. Um dia, ela me mandou para cá, com a proposta de um
acordo de paz entre os dois reinos, e eu pensei que talvez, finalmente, ela estava começando a
enxergar os seus erros e tentando se redimir, e mais uma vez eu me enganei. — Puxou uma profunda
respiração. — Algumas semanas depois, ela ordenou que eu fizesse algo que me recusei na hora, era
tão cruel e eu simplesmente não podia fazer aquilo. E então, ela me ameaçou, disse que atacaria a
vila onde minha mãe morava, e ela era a única pessoa que eu tinha e não podia perdê-la, isso sem
contar todas as pessoas inocentes que moravam lá. Eu acabei aceitando, por medo, por pavor, o que
ela me pediu, e parti para fazê-lo.
— E o que ela te pediu?
— Ela queria que… eu matasse a filha de Matthew Hale. Você, Annabella.
— Eu? Por que ela me queria morta? — perguntou, não fazia sentido. Ela tinha cinco anos
quando tudo aconteceu, por que alguém iria querer matar uma criança?
— Por causa do seu pai. Parece que anos antes de você nascer, ele e Lilliana eram noivos ou
prometidos, algo assim, e então ele conheceu a sua mãe e ela ficou de lado. Depois disso, ela foi
embora e se juntou com Grinllith, que a fez descobrir que possuía magia, e assim ela se tornou
poderosa, e tantas vezes usou isso para se dar bem.
— Espere — Elizabeth interrompeu. — O que você quer dizer com tantas vezes? E quem é
Grinllith?
— Grinllith é a primeira de sete demônios guardiões dos portões do inferno, de tempos em
tempos eles visitam o nosso mundo para, bom, espalhar o caos, mas eles também podem ser
invocados para realizações de desejos próprios daquele que se tornará seu mestre temporário. Todo
o conhecimento que se tem sobre eles estão contidos em livros chamados de Grimórios, são muito
difíceis de achar porque, por medo do que as informações contidas neles poderiam causar, muitos
foram queimados há milênios, poucos foram os que se salvaram — explicou. — E, eu digo que ela
tantas vezes abusou da magia para se dar bem porque… Você não sabe disso, Elizabeth, mas…
Lilliana apagou você. Ela apagou a sua existência assim como de qualquer pessoa da sua família
para o reino, eles nem sabem que você existe.
Ela tremeu. Lilliana chegou a tanto? A resposta: é claro que chegou. Agora estava explicado
porque ela nunca precisou se preocupar com ninguém tentando tirá-la do trono e colocando outra
pessoa nele, porque para o reino, não havia outra pessoa.
— Ela fez isso logo após a morte do seu pai. E, eu não posso afirmar com precisão, mas eu
tenho certeza de que a morte dele não foi casualidade. — Os lábios de Elizabeth já estavam
tremendo.
— Está dizendo que ela matou o meu pai para ficar com a coroa?
— Quando seu pai adoeceu, ninguém sabia o que ele tinha, nenhum médico sabia dizer o que
o acometia, só diziam que não tinha explicação racional para isso. Só um, um médico que chamaram
de outro reino, especialista, disse que a única explicação era que alguém estivesse envenenando o
coração dele. Mas seu pai morreu antes de poderem estudar mais a fundo — ele afirmou.
— Filha da… — Se levantou, cheia de ódio, tristeza, junto e misturado em um coquetel de
emoções. — Ela matou o meu pai, me apagou da existência, tomou o meu trono, e ainda queria que
você matasse a Annabella? Uma criança inocente? Essa mulher ultrapassa todos os níveis da
insanidade. Tudo isso por causa de um homem que não quis se casar com ela?
— A história ainda não acabou — Thomas interrompeu.
— O que você quer dizer? — Annabella indagou, com medo da maneira que aquela história
iria se completar.
— Como vocês duas estão cientes, eu fui incapaz de matar a Annabella conforme ela mandou,
mas eu sabia que se não fizesse algo para tirá-la da vista de Lilliana, mais cedo ou mais tarde, ela
mesma apareceria e daria um jeito de fazer isso com as próprias mãos. Então, no dia do baile de
aniversário…
Ele pausou, tentando continuar, mas as palavras travaram, a voz falhou, e sua garganta se
fechou. Mas, ele não precisou terminar a história, pois ambas entenderam no mesmo instante.
— Foi você… — Annabella afirmou. E então, desandou a chorar novamente.
—Thomas… como… como pôde?
— Eu…
— Não! Como você pôde fazer isso? Como pôde manter esse segredo por tanto tempo?
— Elizabeth, eu não vou tentar justificar o que fiz, jamais deveria ter feito isso, mas você,
depois de tudo que ouviu, sabe que Lilliana não teria desistido até causar a essa família o mal mais
terrível.
— Meu Deus, existem tantas coisas que você poderia ter feito, você poderia ter avisado aos
pais dela o que Lilliana pretendia, poderia ter buscado ajuda, qualquer coisa!
— Se eu tivesse feito isso, ela teria te matado! Não tinha saída, de uma forma ou de outra,
sangue inocente seria derramado.
— Lilliana não poderia ter me matado porque ela não pode sequer me tocar. Sou mais
poderosa do que ela, sempre fui.
— Está errada. — Ela o olhou. — Lilliana é mais poderosa do que você pensa.
— Thomas, chega de rodeios, diga logo tudo que você sabe! — gritou.
— Tudo bem. — Suspirou. — Depois que eu tirei Annabella de casa, eu fugi com ela nos
braços, até me afastar o suficiente do palácio. Então eu invoquei a fera: Grinllith. Ela apareceu, e nós
fizemos um trato. Pedi a ela que levasse Annabella para um lugar seguro, onde ninguém a encontraria,
e em troca eu daria a ela o que quisesse, um favor que ela viria cobrar a qualquer momento. E ali foi
a última vez que te vi, Annabella.
A menina ainda estava em prantos, chorando, sem conseguir falar ou perguntar nada. Estava
se sentindo culpada por não ter acreditado no que Alycia, sua mãe, havia lhe contado. Estava se
sentindo perdida, sem rumo. Já Elizabeth, por outro lado, estava bem consciente e nervosa para sair
dali e ir até Lilliana e colocar um fim em toda essa escuridão que ela causara. E, se não fosse pela
amiga ali precisando de apoio, iria.
— E o seu acordo com essa tal de Grinllith? O que ela pediu em troca? Que levasse a cabeça
de algum trabalhador inocente? Ou pior, que levasse algum animal para ela usar em algum
experimento sombrio?
— Elizabeth…
— Eu nem sei mais quem você é, Thomas! Com certeza não é o homem que me criou, que leu
para mim, que cuidou de mim. Você foi capaz de atrocidades que eu não sei nem explicar —
explodiu. — Vai, fala, o que foi esse acordo que você ficou devendo?
— Eu nunca paguei. Grinllith nunca voltou para cobrar e nem vai. Eu sei exatamente o que eu
devo a ela, e não será nessa vida que ela virá cobrar.
— O que quer dizer?
— Ouvi dizer que ela morreu. Bom, mais ou menos.
Morreu? Alguém matou um demônio? Então isso significava… não. Não podia ser.
— Ella, como você disse que parecia a mulher que te contou aquela história?
— Cabelo escuro, tamanho mediano...
— E a olhos vermelhos sombrios — ela completou. — É ela. Só pode ser ela. Maldita! —
praguejou.
— Sim, Elizabeth, é ela.
— Como você sabe disso? — demandou. — Você por acaso ainda mantém contato com ela,
Thomas? Eu não acredito que você ainda…
— Não, não, eu juro. Mas eu sei que é ela porque, muitos anos atrás, ela me disse que ia se
tornar a pessoa mais poderosa entre todos, e agora Grinllith simplesmente desaparece? É óbvio que é
ela. Sem contar que eu tenho estado em alerta desde o incêndio, eu sabia que ela não ia sossegar
enquanto vocês duas ainda estivessem vivas, e algumas pessoas comentaram terem visto alguém com
as mesmas descrições que ela entrando no castelo abandonado além da floresta, e depois disso
encontraram um cadáver lá dentro, ou bem… o corpo que ela usava para poder andar em terra…
enfim, a maneira que todos que já fizeram acordos com ela a conheciam. Foram procurá-la e a
acharam.
— Então não há mais tempo. Preciso enfrentá-la agora mesmo. Não posso mais esperar. E
Thomas, eu espero que saiba o quão decepcionada eu estou com você, eu confiei em você e você
esteve sempre ao lado dela. Ou melhor, de lado nenhum! — exclamou. — Eu vou embora. Vou me
preparar para a batalha que me aguarda. — Suspirou. — Mas, antes… Ella, o que você quer fazer?
Annabella a olhou. Já não tinha mais tantas lágrimas nos olhos, embora ainda estivesse com
eles marejados e avermelhados, sabia a verdade agora, e já não sentia mais tanta dor. Ela queria,
agora, voltar ao castelo e conhecer — oficialmente — seus pais. Receber um abraço de mãe que há
tanto tempo não recebia, e conhecer, finalmente, o calor do pai que nunca teve.
— Me leve de volta ao castelo, por favor.
22. (Re)União

Quando Annabella e Elizabeth chegaram ao castelo, foram avisadas que toda a família real
havia saído há algumas horas procurando por ela. Decidiram esperar, sabiam que em algum momento
eles teriam que voltar. Afinal, não ficariam a vida toda lá fora procurando por ela. Ou ficariam?
Céus, é claro que isso era uma possibilidade. Até onde sabia, eles poderiam ficar dias afora
procurando por ela, como agora ela já sabia que haviam feito antes. Deus, que confusão ela tinha
causado…
Já havia se passado uma hora, e nada. Quando a segunda se passou e nem sinal deles,
começou a ficar ansiosa.
— Você está bem? — Elizabeth perguntou.
— Eu não sei. Eu nem sei o que vou falar, ou o que vou fazer.
— Acho que palavras não são necessárias. Quando seus pais te virem, eles só vão querer te
abraçar, e não precisarão falar mais nada. Claro, depois vocês vão conversar e explicar tudo, mas,
no momento, não se preocupe com isso.
— Eu estou muito nervosa.
— Qualquer pessoa a um quilômetro daqui pode ver isso. — Riu. — Vem, vamos procurar
uma penteadeira e te arrumar.
Annabella a levou até o quarto que vinha ocupando nas últimas semanas e se sentou em frente
ao espelho. Pegou uma escova e começou a pentear os cabelos, mantendo a conversa com Elizabeth.
— O que você pretende fazer agora? — Ella perguntou. — Você sabe, em relação à sua
madrasta?
— Eu vou à luta. Depois de tudo que ela fez… dá pra imaginar que ela matou o meu pai? —
Annabella compartilhou o sentimento com um olhar triste. — Preciso pensar em alguma coisa,
Lilliana está muito forte agora e isso não será fácil. Eu tenho que pensar no que é melhor para o meu
reino, não posso fazê-los sofrer mais do que já sofreram. — Ela suspirou. — Não vai ser fácil, mas
eu tenho que fazer isso. Eu devo isso ao meu povo, e aos meus pais também.
— Sei que seus pais têm orgulho de você onde eles estão.
— É o que eu mais espero. Eu devo isso a eles, tenho que ser o que eles não tiveram a chance
de ser.
Annabella suspirou.
— Liz, vou te dizer uma coisa que o Nick me disse quando eu passei por algo parecido. — Se
sentou ao lado da amiga. — Não se cobre tanto. Seus pais não cobrariam nada de você. Eles, antes
de serem rei e rainha, eram seus pais, e o amor deles por você é algo que jamais seria colocado à
risca por você não atender a padrões que nem sequer existem. Você quer fazer o que é certo, quer
justiça pelo seu reino, e isso é algo que eu sei que eles sentem orgulho.
— Eu quero acreditar nisso…
— Então, acredite.
Elizabeth riu.
— É que tem muita gente contando comigo, sabe, mesmo que eles não saibam disso porque
nem sabem que eu existo. Eu tenho que libertá-los. Minha mãe deu a vida para que eu pudesse nascer
e lutar por aquilo que ela acreditava, eu não posso e nem quero tornar o sacrifício dela em algo vão.
— E você não vai. E sabe como eu sei disso? — Ela negou. — Porque você é forte. Olhe pra
você, tem dezoito anos e sobreviveu a uma prisão, escapou sozinha de um reino que nem sequer
conhecia, está disposta a enfrentar sua madrasta que agora tem, literalmente, a força de um demônio
dentro de si, e tudo isso por uma causa maior. Você tem mais força na ponta do seu dedo do que
muitas pessoas têm no corpo todo, acredite nisso!
Elizabeth soltou um risinho.
— Na ponta do meu dedo? De onde tirou isso?
— Sabe que eu não sei? — Annabella compartilhou do riso. — Acho que eu ouvi em algum
lugar.
— Talvez alguém tenha te dito uma vez. Sua mãe, provavelmente.
— Sim, pode ser. — Sorriu. Ela não sabia aonde tinha escutado a frase, mas sabia que a tinha
ouvido, ela ecoava na sua cabeça de vez em quando.
— Obrigada, Ella. — Sorriu. — Obrigada, de verdade. — Apertou a mão dela em gratidão.
— Mas, agora, temos que cuidar de você. Veja, já está bem tarde, o sol já se pôs há muito tempo.
Vamos esperar seus pais lá embaixo, devem voltar a qualquer momento.
Saíram do cômodo e caminharam tranquilas pelo corredor. A ansiedade de Annabella já
havia diminuído. Um pouco.
— Ual! — Elizabeth exclamou de repente. — Essa é você? — Apontou para um quadro.
Annabella o olhou e então sorriu. Era o mesmo que meses atrás havia descoberto ser a irmã de
Nicholas. E hoje, descobrira que era ela mesma. Agora se perguntava como não havia reconhecido a
si mesma?
— Sim. Sabe, é estranho não me lembrar disso. É como se eu não tivesse passado, isto é,
antes dos cinco anos. Eu queria que houvesse um jeito de recuperar minhas memórias. — Se
aproximou do quadro e tocou a moldura. — O que é isso? — Sentiu algo tocar seus dedos e que não
era feito de madeira. — Tem algo aqui atrás. — Moveu um pouco a moldura e pegou. Era uma carta.
— Por que alguém colocaria uma carta atrás de um quadro?
— Tem remetente?
— Aqui diz que é… — Leu o nome atrás e sua respiração perdeu o ritmo por um segundo. —
É pra mim. É do… meu pai. — Abriu a carta, não se importando nem um pouco com o fato de que ela
provavelmente não deveria nem tê-la encontrado. Quando leu o seu conteúdo lágrimas começaram a
escorrer por seu rosto novamente.
— Ella, meu Deus, o que está escrito aí?
— Minha querida Annabella, hoje é seu aniversário. Já faz um ano que não a seguro em
meus braços e nem escuto a sua risada doce e animada. Esse foi o ano mais difícil da minha vida,
mas sei que onde quer que você esteja, está sendo bem cuidada, gosto de acreditar nisso pois
conforta os nossos corações. Saiba que uma parte de nós estará sempre com você, onde quer que
esteja. Feliz aniversário, filha, sempre te amaremos. Com amor, seu pai — narrou. — Eu… Meu
Deus… Eu…
— Ella…
— Eu fui capaz de duvidar deles… eu acusei a minha mãe de me abandonar… como eu pude
fazer isso? Eu não dei chance de nenhum dos dois se explicarem… eu me sinto horrível.
— Ella, calma. Fique calma, por favor. Lembra do que me disse há cinco minutos? Então,
seus pais te amam, quando eles te virem nada disso vai importar, tudo bem?
Annabella respirou fundo uma… duas… três vezes, até conseguir se acalmar. Podia não
importar para eles, mas pra ela sim. Ela já vinha se sentindo culpada desde que descobriu a
verdadeira história — embora, na verdade, ela sempre se tenha se sentido culpada no fundo,
pensando em mil razões para ter sido deixada ali, sempre acreditando, mesmo não contando isso a
ninguém, que não era o suficiente para seus pais biológicos — e isso, essa carta, não ajudou em
nada, só piorou. Pisou para trás e esbarrou no quadro. Por sorte ele não caiu. Mas algo de trás dele
sim.
— Outra carta? — Elizabeth perguntou. Annabella a pegou e viu que era igual a anterior,
abriu e a leu, vendo que também era uma carta de seu pai, com data de dois anos atrás, no seu
aniversário de 15 anos. — Escute: “Querida Annabella, hoje você completa 15 anos. Se tornou uma
mulher e tenho certeza de que é tão linda quanto sempre foi. Sei que esse é o momento em que,
como pai, eu começaria a me preocupar em você começar a pensar em coisas que sempre pensei
que poderia te proteger contra — pretendentes em potencial, argh —, mas como sua mãe sempre
me disse: ela não será sua garotinha para sempre. Então, antes que comece a pensar em rapazes e
sonhar com o casamento, lembre-se de sempre ser quem você é, ser fiel a você mesma antes de
desejar ter alguém. Você é a pessoa mais importante da sua vida, nunca se esqueça disso. Feliz
aniversário, filha. Sempre te amarei. Com amor, seu pai.”.
Abraçou a carta e sentiu todo o amor dela dentro de si.
— Você está bem? — Elizabeth perguntou, preocupada.
— Estou, eu só… Vamos descer e esperar por eles, se eu encontrar mais alguma carta aqui
tenho certeza de que vou morrer engasgada com as minhas lágrimas.
Desceram até o salão principal, e ali esperaram até o retorno da família. Levou quase meia
hora, mas, enfim, ouviram o som de cavalos e logo em seguida de vozes.
— Não entendo, ela tinha que estar lá. — Era a voz de Nick.
— Talvez ela tenha ido atrás de Florence. — Era Grace.
— Nos resta esperar que ela decida voltar — disse Alycia, sua mãe, e não parecia muito
animada. — E, se não voltar, amanhã bem cedo sairemos para procurá-la novamente.
Annabella ficou em pé, esperando pelo abrir das portas e vê-los, e desta vez não apenas
como o rei e a rainha, ou como os pais do seu melhor amigo, mas como seus pais.
— Está pronta? — Elizabeth perguntou.
— Não tem como eu estar mais pronta do que isso — garantiu, com um sorriso fraco.
As portas se abriram, e todos entraram muito distraídos, Alycia sendo amparada por
Matthew, Grace de mãos dadas com Jones, e Nicholas logo atrás, com uma mão no queixo tentando
entender toda a situação. Ele foi o primeiro a perceber que não eram os únicos no cômodo, sendo
seguido por seu pai.
— Não se preocupe, Alycia, ela vai acabar aparecendo!
— Ah, Grace, eu espero mesmo. Se eu perder a minha filha mais uma vez eu não sei se
aguen... — Ela parou de falar quando viu que não estava mais sendo escutada. Percebeu que todos a
sua volta olhavam para frente, estáticos, e quando ela seguiu o olhar para onde os dos outros
apontavam, seu coração bateu mais rápido.
Ela estava vendo sua filha, ali, parada à sua frente. Annabella deu um passo em sua direção, e
parecia nervosa, ansiosa. Alycia fez o mesmo. A imagem se passou extremamente devagar aos olhos
de quem assistia.
A rainha foi dando um passo de cada vez, tendo certeza de que o que via era uma ilusão e
assim que se aproximasse, a imagem de sua filha sumiria e, se fosse assim, se aproximar devagar
poderia prolongar essa emoção.
Assim que se encontrou frente a frente com sua filha, um sorriso brotou em meio as lágrimas
no rosto da garota, confirmando que ela estava ali de fato, não era sonho. Tocou o rosto da menina, e
ao senti-lo em sua palma, teve certeza.
— Minha filha! — A puxou para um abraço que foi retribuído por Annabella no mesmo
segundo.
— Mãe. — Enterrou o rosto no colo dela, e foi capaz de sentir todas as suas emoções, o
amor, a proteção e, principalmente, a saudade. Algo dentro dela se aqueceu, como se uma peça do
quebra-cabeça que estava faltando tivesse, finalmente, encontrado seu lugar.
Alycia acariciou o cabelo da filha, nunca soltando ou sequer afrouxando o abraço. Estava
esperando para sentir isso novamente há onze anos, e queria ficar ali por horas.
— Me perdoe… — Ella começou. — Me perdoe por não ter acreditado em você, eu…
— Shh… não importa — disse de volta. Ela se afastou apenas o suficiente para poder
encarar a filha nos olhos. — Você está aqui agora, e isso é o que importa.
— Eu voltei. Me fizeram entender que a verdade está aqui… Eu não queria ter duvidado, mas
eu não…
— Nós entendemos. Você ficou confusa, está tudo bem. — Beijou a têmpora da filha. — O
que importa é que você voltou. Voltou pra nós!
Annabella enxugou algumas lágrimas, olhou em volta e viu todos encarando a cena. Viu Nick,
parado bem ao lado delas. Ela sorriu para ele, em seguida se aproximou e o abraçou.
— Ual. Não vai brigar comigo nem nada do tipo? — brincou, a abraçando de volta.
— Não, seu bobo. Embora, agora que sei que somos irmãos isso torne algumas coisas mais
divertidas — provocou.
— O quê?
— Nada. — Riu. Annabella se soltou dele, já não chorando mais, exceto algumas lágrimas de
alegria. Tinha alguém com quem ela ainda não havia falado. Olhou para trás e o viu. Seu pai. Se
aproximou dele lentamente, que estava estático, como se não acreditasse realmente em tudo que
estava vendo. Olhou nos olhos dele e disse: — Pai? — Esperou que ele reagisse de alguma forma,
mas ele parecia completamente paralisado, então ela mesma tomou a atitude, encaixou seus braços
por entre os dele e o abraçou. No mesmo segundo, algo pareceu ter acendido no corpo do monarca,
que se entregou ao abraço, e com ele, às lágrimas.
A abraçou apertado, como se tentasse compensar todos os abraços que não pôde lhe dar nos
últimos anos. Beijou o topo da cabeça dela várias vezes, sem nunca afrouxar o aperto. Para Matthew,
aquele abraço era a cura para a dor que sentiu todos os dias nos últimos onze anos, mas, para
Annabella, era algo que ela nunca tinha tido, um abraço de pai. Era caloroso, ao mesmo tempo que
era reconfortante, parecia que naquele abraço ela seria capaz de perder todas as suas dúvidas e
incertezas.
— Eu sinto muito. — Foram as primeiras palavras dele.
— Pelo quê? — ela perguntou.
— Eu não pude te proteger na primeira vez — disse em tom de culpa. — Mas eu prometo que
não vou deixar mais nada acontecer com você, ou com ninguém dessa família. Nunca mais.
— Nem eu irei deixar — a rainha completou. Ele a chamou para o abraço, e os três juntos
parecia… certo. Finalmente estava tudo em seu lugar.
Ou quase tudo.
Assustando a todos, uma luz branca começou a acender ao redor deles de repente.
— Oh! — Nicholas exclamou.
— O que está acontecendo? — Annabella perguntou, se soltando do abraço, não entendendo
por que aquela luz estava brilhando, e por que estava saindo dela.
— Ella, seus poderes — Elizabeth pronunciou pela primeira vez desde então. — Tem alguma
coisa acontecendo com eles.
A luz aumentou, e todos tiverem que proteger os olhos para não serem cegados por ela. Foi
uma cena rápida, porém ninguém estava entendendo. Em um piscar, a luz tornou a apagar e todos
puderam descobrir seus olhos e ver o que estava acontecendo, menos uma pessoa. Annabella. Ela
havia desmaiado.
— Annabella? Filha! — Alycia se agachou ao lado dela, preocupada. — O que aconteceu
com ela? — perguntou, mas ninguém sabia responder.
Nick olhou para Elizabeth, na esperança de que ela soubesse. Mas não sabia.
— Annabella, meu amor, acorda. O que está acontecendo? — A rainha não conseguia se
acalmar.
— Liz, você consegue fazer alguma coisa? — Nicholas pediu, em tom de desespero.
— Posso tentar. — Ela se agachou ao lado da amiga, tocando o rosto dela. Estava viva, o que
era um bom sinal. — Ela só desmaiou, alguma coisa deve ter acordado os poderes dela e o corpo
não conseguiu resistir.
— Acordado os poderes?
— Sim, quando uma pessoa com grandes poderes passa por grandes emoções, sua magia
pode sair de controle. Quando Annabella está tranquila, seus poderes também estão, quando está
raiva, eles também estão com raiva, e assim por diante. Uma grande emoção como essa que ela
acabou de passar pode ter gerado uma sobrecarga, o corpo dela desligou para evitar que algo pior
acontecesse. Ela vai acordar, só precisamos deixá-la confortável e esperar.
— Vamos levá-la para o quarto. — Matthew se abaixou e pegou a filha nos braços, a
carregando até o quarto, mas não o que ela vinha ocupando nos últimos tempos, e sim o quarto dela,
que mantiveram trancado e conservado esperando o seu retorno. Além de que ficava mais perto do
que o de hóspedes que ela ocupava. A depositou na cama, deixando-a o mais confortável o possível.
— E agora?
— Vamos esperar que acorde. Eu posso tentar centralizar e acalmar os poderes dela usando
os meus, mas isso só adiantaria um pouco o processo.
— Faça o que for melhor — Alycia pediu. Elizabeth assentiu e se sentou ao lado de
Annabella. Tocou o braço dela com as duas mãos e se concentrou. Pôde sentir a pressão passar por
seus dedos, e permaneceu ali até que ela normalizasse. Sentiu os poderes da amiga percorrerem
como se estivesse passando em sua frente como uma longa e visível linha do tempo, e isso lhe disse
que algo não havia apenas acordado dentro dela, mas sido colocado em seu lugar. Ela só ainda não
sabia o que era.
Assim que a pressão diminuiu, ela soltou a amiga e esperou.
— Pode demorar um pouco até que ela…
— Hm… — alguém murmurou, a interrompendo.
— Ela está acordando. — Nick afirmou.
— Hm… — Ela abriu os olhos fracamente, piscando algumas vezes até conseguir deixá-los
totalmente abertos. — O que aconteceu? — Se moveu até conseguir se sentar na cama. Quase foi
impedida por todos dizendo que não deveria se esforçar, mas ela pouco ouviu. — Minha cabeça…
— Você sofreu um choque emocional muito forte e desmaiou, meu amor. Está bem agora?
— Sim. — Olhou para a rainha. — Estou bem, mãe.
Ela disse aquilo com tanta naturalidade que assustou a todos. Claro que era uma emoção, mas
para alguém que tinha acabado de recuperar a família verdadeira, chamar seus pais por essas
palavras era um tanto quanto inesperado. Pensaram que talvez fosse força do hábito e estivesse
pensando que falava com a sua outra mãe, Dahlia. Mas não, não tinha sido força do hábito.
— Argh, minha cabeça está dando voltas — reclamou. — Espere… — Olhou em volta,
reconhecendo aquele cômodo. — Este quarto… eu… eu me lembro dele. — Olhou para o lado e viu
bichinhos de pelúcia na cama. Ela os reconheceu também — Sr. Keelly! — Pegou o ursinho. —
Espere… como eu me lembro dele? O que…
— Annabella…
— Suas memórias…
— Minha filha, você recuperou suas memórias.
— Minhas memórias… — Chacoalhou a cabeça, o que lhe causou um incômodo. Era como
se seu cérebro estivesse recebendo muitas informações ao mesmo tempo. — Ah, meu Deus. Agora eu
me lembro de tudo… a festa… o barulho de explosão… eu gritando e depois acordando na porta de
uma casa sem me lembrar nada… Minhas memórias voltaram. — Sorriu. Olhou para os pais e eles
sorriram de volta. Se abraçaram novamente, tentando conter as lágrimas, mas isso era quase uma
missão impossível. — Isso é incrível mas… como?
— Só tem uma coisa que pode explicar isso. Seu corpo acordou e quebrou o feitiço que
usaram em você — Elizabeth iniciou. — Quando vocês se abraçaram, o laço foi emendado, a união
foi refeita e a força disso foi capaz de reacender as suas memórias.
— Mas como assim o corpo dela acordou? — Nick quis saber.
— Assim como uma pessoa pode viver uma vida toda sem descobrir que possui poderes, um
corpo que nasceu com esse dom pode ser desligado. É como apagar uma vela, você sempre pode
acendê-la novamente. Ella possui muitos poderes que ainda estão se mostrando, e eles reconheceram
quem são os responsáveis por ela estar aqui, e como todo feitiço pode ser quebrado, o que tirou as
memórias dela foi — explicou.
— Isso é incrível! — Annabella exclamou. — Minhas memórias voltaram. Eu lembro de
todos vocês!
— E agora ninguém mais vai nos separar.
E esperavam, profundamente, que assim fosse.
23. Retorno Inesperado

Mais tarde, durante o jantar, todos tiveram tempo de explicar e conversar sobre tudo que
havia acontecido. A família real convidou Elizabeth para ficar no castelo, e por insistência de
Annabella que não quis deixá-la ir atrás da madrasta sem nenhum plano, ela aceitou.
— Mas, Liz, o que você vai fazer agora? — Nicholas perguntou.
— Bom, eu preciso pensar em algo. Só sei que vou à luta, não posso permitir que Lilliana
continue fazendo as coisas que bem entende sem que seja punida por isso.
— É inconcebível para mim que Lilliana tenha chegado a isso, quando a conheci ela era…
bem… ambiciosa e muito, muito determinada, mas nunca tinha feito mal a ninguém. Claro, há alguns
anos ela atacou diversos reinos, incluindo o nosso, mas achei que tinha reconhecido os erros e
mudado — Matthew pontuou.
— E isso não é tudo, Majestade — Elizabeth acrescentou. Ela havia contado apenas a ponta
da história, que Lilliana havia se tornado uma tirana e estava usurpando um lugar que não era seu e
maltratando pessoas inocentes. Ela olhou para Annabella, como se quisesse saber se podia contar, ou
se ela mesma queria fazer isso.
— O que foi? — Foi a vez de Nick perguntar, estranhando a troca de olhares.
— Bem… é que… — Ella começou. — Nós duas descobrimos que Lilliana, além de todos os
crimes que vêm cometendo, tem mais um na lista. Foi ela que… — hesitou por um instante. — Foi
ela que ordenou o meu sequestro.
Um silêncio pairou na sala.
— O quê? — Hale exigiu. Ele tinha acabado de ouvir aquilo mesmo?
— Na verdade, ela não ordenou o meu sequestro, ela ordenou que me matassem. Mas a
pessoa a quem ela deu essa ordem não conseguiu cumpri-la e por isso fez um acordo com a Grin…
Grin-alguma coisa, ela é um demônio, para apagar minhas memórias e me deixar em um local seguro,
e o resto bem, já sabem.
Tanto o rei quanto a rainha não conseguiam dizer uma palavra. Ficaram atônitos. Sua filha,
aquela pequena garotinha inocente, havia sido colocada nos braços de um demônio em um ato de
maldade? Por quê? Como alguém poderia fazer isso? Ainda mais com uma criança!
— Mas por que ela faria isso? — Nicholas indagou.
— Por vingança. Porque ao que parece ela iria ser a rainha deste reino, ela iria se casar com
o nosso pai mas, bem, como todos sabem, isso não aconteceu, então ela decidiu se vingar dele
através de mim, sabendo que isso causaria uma cicatriz em todos.
— Por isso ela fugiu do castelo, começou a aprender magia com a Grinllith e depois disso
enfeitiçou o meu pai para conseguir chegar aonde queria, e aí começou o seu domínio sem fim —
Elizabeth concluiu. — Por isso eu preciso colocar um fim nisso. Não só pelo meu reino, mas por
todos, Lilliana fez mal demais, à muita gente.
— Ela… — Matthew finalmente se pronunciou. — Ela tirou a minha filha de mim… Ela
queria matá-la. Como ela pôde? Isso é… Eu nem consigo… — Sua expressão era uma mistura de
puro ódio e tristeza.
— Ela precisa pagar pelo que ela fez — Alycia afirmou, quase não conseguindo conter o nó
que se formou em sua garganta. Tinha acabado de descobrir que passou onze anos sem sentir o calor
de sua filha por conta de alguém que não conseguiu ter uma coroa em sua cabeça. Isso estava além de
sua compreensão. Tanto o motivo quanto a atitude tomada não faziam sentido na mente da rainha, não
conseguia acreditar que alguém seria capaz disso.
— Eu preciso voltar ao meu reino o quanto antes e enfrentá-la.
— Mas, Elizabeth, você nem sabe se ela vai estar lá! — Annabella pontuou.
— Ah, ela vai. Lilliana está esperando que eu vá até ela, você ouviu Florence, e eu não posso
mais esperar, até onde eu sei, posso chegar ao meu reino e encontrar nada além de pó. — Ela olhou
para baixo, suspirando profundamente. — Tem um navio que sai do porto amanhã, tem rota para as
Ilhas Gálidas, eu irei embarcar nele e colocar um fim nessa história, ou morrerei tentando.
— Elizabeth, você não pode lutar sozinha! — Nicholas intercedeu.
— Eu preciso!
— Elizabeth, por favor, ela agora está mais forte do que nunca! É suicídio enfrentá-la
sozinha.
— Mas eu não tenho outra escolha.
— Sim, tem — Matthew disse. — Nós iremos com você, prepararei tropas para enfrentar o
exército dela, Lilliana vai pagar por ter feito o que fez. Vamos lutar ao seu lado, Elizabeth, você não
pode vencê-la sozinha, mas com ajuda, terá uma chance maior.
— Eu agradeço, Majestade, mas não quero envolvê-los nisso.
— Já estamos envolvidos, querida — Alycia afirmou, segurando a mão do marido e
massageando-a, na tentativa falha de acalmá-lo. — Querendo ou não, já estamos.

Todos se reuniram no escritório, planejando o ataque e como o fariam. O plano tinha que ser
perfeito, pois só tinham uma chance de fazer isso dar certo, e não podiam fracassar. Matthew
comandaria as tropas no ataque, como sempre fazia, e usariam toda a força que tinham.
— Lilliana estará esperando por mim na sala do trono, ela não sai de lá por nada, e se vai
lutar, vai querer que sua vitória seja triunfal.
— Nick, eu quero que você fique aqui, com a sua mãe. Alguém têm que proteger o palácio,
vou deixar guardas o suficiente fazendo ronda por aqui, tudo bem?
— Pode deixar, pai.
— Essa será uma batalha difícil, mas temos chance de vencer se nos prepararmos.
— Juntos poderemos vencê-la — Annabella acrescentou.
Após a fala da menina, o silêncio reinou novamente. Annabella olhou para os pais e os viu
trocar um olhar suspeito.
— Hm… Annabella, acho melhor você não ir — seu pai disse.
— O quê? — questionou, surpresa e indignada.
— Lilliana é muito poderosa e pode acabar te matando, como não conseguiu da primeira vez.
— Ela é poderosa, e eu também! Eu não vou deixar vocês lutarem sozinhos, Lilliana tem
magia, e só magia pode derrotar outra magia, espadas são inúteis contra isso. E Elizabeth e eu somos
mais fortes que ela se unirmos nossas forças.
— Filha, eu só estou pensando na sua segurança…
— Eu entendo. Mas eu estou pensando na segurança de todos, não ficarei aqui de braços
cruzados sabendo que poderia estar lá ajudando a acabar com isso.
— Annabella, seu pai tem razão, você deveria ficar e… — Elizabeth tentou, mas foi inútil.
— Eu não vou ficar! — afirmou, em tom firme. — Essa luta também é minha! Lilliana me
tirou da minha família, da minha casa. Graças aos céus eu sobrevivi e pude viver em segurança, mas
poderia não ter sido assim. Eu vou enfrentá-la. Ela também tirou de mim muita coisa que importava
— apontou, tentando não deixar um nó se formar em sua garganta ao pensar em sua mãe e em como
ela poderia estar ali agora se não fosse pelas mãos sangrentas de Lilliana. — Eu sinto muito por
desobedecer a vocês — olhou para os pais —, ainda mais agora que finalmente estamos juntos de
novo, mas não podem me impedir.
Apesar da preocupação, Matthew não pôde deixar de sentir orgulho da filha. Vê-la tão
determinada, decidida a lutar pelo que era certo, era exatamente o que ele tinha imaginado para ela.
Claro, não exatamente da forma como ele queria que tivesse acontecido…
Ela era exatamente a rainha que ele sabia que governaria aquele reino com coragem, justiça e
força, representando fielmente o leão da bandeira do reino. A rainha que seu reino precisava.
Embora isso ainda fosse algo a ser resolvido e, ele não queria ser pessimista, mas sabia que seria
uma dor de cabeça a mais que viria pela frente com tudo que teriam de resolver quanto a isso.
Ella viu que ele estava olhando para ela como se não soubesse o que dizer, então tomou a
palavra mais uma vez:
— Então, onde estávamos com o plano?
A rota era perfeita. Não tinha erro. Partiriam de Porto Vermelho em dois dias, levando tropas
e todos os suprimentos necessários. Com sorte, chegariam às Ilhas Gálidas em quarenta e oito horas.
Se, como Elizabeth afirmava, Lilliana estivesse na sala do trono, teriam que invadir o castelo
à moda antiga: pela porta da frente.
Nick, apesar de ter concordado em ficar no castelo e proteger sua mãe, não estava
completamente satisfeito com a ideia de ficar para trás e não lutar. Mas entendia. Seu pai, antes de
mais nada, estava querendo protegê-lo, afinal, ele ainda era um dos herdeiros do trono, e já que
Annabella estava irremediavelmente insistindo em ir, ele precisava ficar, no caso do pior acontecer.
E, também, estava pensando na segurança de sua esposa, caso Lilliana mandasse alguém para invadir
o palácio, sabia que Nicholas seria a única pessoa a ficar ao lado dela dia e noite, e poderia usar sua
espada para defender aos dois, se necessário.
— Eu não sei se vocês pensaram nisso — o jovem príncipe iniciou — mas, uma vez que
capturarem Lilliana, como acabarão com isso tudo, sabe… destruir as trevas?
— Eu estudei sobre isso — Elizabeth pontuou. — Requer um ritual bem complicado, para
impedir que elas tomem conta de nós, por isso tem que dar tudo certo, não teremos outra chance. —
Suspirou pesadamente.
— Vamos conseguir, Elizabeth, acredite! — Annabella segurou a mão dela.
— Agora, acho melhor irmos descansar, precisamos descansar muito para o que está por vir
— Alycia disse.
— Será que está muito tarde? Eu queria visitar o meu tio e avisar que estou bem, ele deve
estar muito preocupado — Ella mencionou.
— Está bem tarde — Alycia comentou, mas ao ver o rosto de sua filha olhando pela janela,
seu coração amoleceu. Não poderia negar nada a ela. — Mas, eu acho que não tem problema se
mandarmos alguns guardas com você até lá. Nick, acompanhe a sua irmã, sim?
— Claro, mãe.
Saíram os dois do escritório, deixando os monarcas e Elizabeth continuarem discutindo o que
haveriam de fazer.
Quando Nicholas anunciou que precisavam de uma carruagem o quanto antes, dois guardas
apareceram, um deles era Leith, para escoltá-los.
— Então, como você se sente? — perguntou ele, já dentro da carruagem.
— Bem, eu acho. Ainda é um pouco estranho, sabe, há duas horas eu não sabia de nada, e
agora, eu me lembro de tudo, de toda a minha vida. É uma sensação estranha.
— Fico feliz por você estar de volta. — Sorriu para ela.
— Fico feliz também. — Sorriu de volta. — Nick… agora que estamos sozinhos… você acha
que, sabe… eles não vão ficar superprotetores comigo, vão? Digo, eu entendo tudo que aconteceu, e
sei exatamente como eles se sentem, mas minha liberdade não é algo que estou disposta a negociar.
— Não se preocupe, Ella. Digo, superprotetores eles sempre serão, mas de um jeito bom e
suportável. O papai só reagiu daquela forma hoje por medo, por tudo que aconteceu, tudo que você
contou sobre Lilliana ser a responsável pelo seu sumiço. Mas, com o tempo, conforme forem se
adaptando e perceberem que você, por mais que doa, já é uma mulher crescida e independente, vão
passar a ter mais confiança. Mas, você ainda é uma princesa, então vá se acostumando a ter sempre
um guarda ou dois ao seu lado.
— Isso é estranho também, pensar que sou princesa. Eu nunca sequer pensei nisso.
— Você vai gostar. Claro, quando não tiver que, você sabe, salvar o mundo de seres malignos
e lidar com nobres dos quatro cantos do reino, é uma vida boa.
— Minha vida toda vai virar de cabeça pra baixo, não vai? — indagou com um sorriso.
— Pode ter certeza disso. — Ele compartilhou da alegria, sorrindo de volta.
Chegaram à aldeia, e estacionaram a carruagem bem à frente da casa da garota.
— Vá, eu fico aqui esperando.
Ela desceu, bateu à porta e esperou que alguém atendesse. Quando a porta abriu, viu seu tio,
que não via já há algum tempo, e sorriu para ele.
— Annabella, graças a Deus. — A abraçou. — Onde você estava? Por que fugiu? Perdeu o
juízo?
— Eu estou bem. Calma.
Graham viu a carruagem, e então entendeu tudo.
— Oh, você já sabe então? E como estão… seus pais?
— Bem. Eu vou te contar tudo, prometo, mas por ora só vim avisar que estava bem, sem
nenhum arranhão como pode ver. — Mostrou os braços e girou o corpo.
— Vamos entrar, podemos conversar com mais calma, você me deve algumas explicações,
mocinha.
— E eu vou explicar tudo, mas só posso ficar uns cinco minutos, preciso voltar para o
castelo, você sabe…
— Sim, entendo.
Ella entrou na casa e se sentou em uma cadeira, explicando tudo que havia acontecido,
resumidamente.
— Oh. Então, agora você se lembra de tudo?
— Sim. Lembro de tudo. Dos meus pais, já sei que não me abandonaram, e parece que
finalmente está tudo claro na minha mente.
— Eu sempre torci para que você encontrasse isso, minha querida, mas, de um lado egoísta
meu, queria que nunca nos deixasse.
— E eu nunca irei, tio. Você também é minha família. — Segurou as mãos dele. — E minha
mãe, que está cuidando de nós dois lá em cima, sempre estará no meu coração. Eu amo os dois, e
sempre seremos família.
— Então, agora, presumo que vá morar no palácio?
— Sim. É onde devo ficar. E, por isso, quero que venha comigo.
— O quê? Morar no castelo? Eu?
— Sim, claro. Como eu disse, você é minha família, e eu não vou me separar nunca.
— Eu agradeço o convite, princesa, mas não posso aceitar. Lá é o seu lugar, não o meu, você
deve aproveitar a sua família agora, tenho certeza de que tem anos e anos de beijos e abraços para
recompensar. Você deve ir, mas eu ficarei bem aqui. Pode vir me visitar sempre que quiser, e deve
vir me visitar. — A abraçou.
— Não posso deixá-lo aqui sozinho.
— Não estarei sozinho. Eu tenho você, e Dahlia está comigo também, conosco — contou,
com um sorriso triste no rosto ao falar na mulher. Annabella percebeu, sabia bem o que aquilo
significava. — Você é a pessoa mais importante da minha vida, Ella, e sempre será. Lembre-se de
sempre ser quem você é, e de nunca duvidar de si mesma. Sei que será uma grande rainha um dia. —
Beijou a testa dela.
Depois de um longo adeus, ela se foi.

Mais à noite, quando retornou para o castelo, Annabella estava muito cansada, então seguiu
direto para o quarto, o mesmo que já estava ocupando. Porém, encontrou com Alycia no caminho, que
lhe levou até o seu aposento. O mesmo que era dela anos atrás, e que estava exatamente como se
lembrava.
— Esse quarto me traz tantas recordações — a garota disse. — Lembro de quando derrubei o
vidro de óleo perfumado que era para ser um presente de casamento seu no tapete, e ele ficou
cheirando a flor de laranjeira por um mês. — Riu.
— Seu pai ficou louco por causa disso, mas depois que você foi até o quarto dizer o que tinha
feito e que sentia muito, ele ficou calminho como um cachorrinho com o rabo entre as patas.
— Eu me lembro. — Riu.
Annabella encarou a mãe, que tinha algumas lágrimas nos olhos.
— Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui — tocou os ombros da filha —, que
isso é real, que você realmente voltou para nós. — A abraçou. Annabella retribuiu facilmente, era
bom, finalmente, estar sentindo aquilo de novo, o calor materno, um abraço de mãe. — O que me
conforta é saber que você foi bem cuidada durante todos esses anos.
— Acho que tive sorte. — Mesmo que já estivessem há alguns minutos assim, nenhuma das
duas queria soltar o abraço.
— Você se tornou uma mulher linda. — Analisou o rosto da filha. — Seu pai sempre me disse
que você se parecia comigo, e olhando agora, eu vejo que ele tinha razão. Mas você também se
parece muito com a sua avó, Anastasia, principalmente nos olhos.
Ella soltou um risinho.
— Você está bem? Com tudo que aconteceu?
— Sim, acho que sim. É um pouco estranho, mas acho que é questão de tempo.
— Você terá todo o tempo necessário. Quando anunciarmos ao reino que você voltou, esse
palácio virará uma loucura.
Annabella ficou nervosa.
— Mas não se preocupe com isso agora. Seu pai e eu lidaremos com tudo. Procure descansar
agora, já está muito tarde.
— Eu… posso perguntar uma coisa?
— Claro, meu amor. O que foi?
— Nick sempre me falou sobre como alguns nobres podem ser… hm…
— Insuportáveis?
— Sim. — Sorriu. — E ele me contava que sempre evitava ficar sozinho em algum baile ou
festa porque não queria que ficassem em cima dele para encontrar a noiva adequada. E… agora que
você mencionou isso… É… É esperado que eu, por ter quase dezessete anos agora, e por ser a
princesa, me preocupe em me casar e essas coisas?
Alycia suspirou. Não era exatamente essa conversa que queria ter com sua filha, mas sabia
que não poderia evitar. Sua filha não tinha mais cinco anos, e sim dezesseis. Não era uma garotinha,
era uma mulher. E, por vê-la já tão preocupada com o futuro no palácio, mesmo sabendo ser a
princesa há… nem vinte e quatro horas? Soube então que sua filha havia se tornado exatamente o que
ela sempre soube que se tornaria: uma mulher forte, determinada, visionária. A rainha que sempre
esteve destinada a ser.
— Isso depende — iniciou Alycia, depois de uma pausa. — É o que você quer?
— Sinceramente? — questionou. — Não.
— Então não haverá de ocorrer até você se sentir pronta. Nunca forçamos o Nicholas a isso e
com você não será diferente.
— Eu disse ao Nick uma vez, eu quero me casar, eu acho, mas se um dia achar a pessoa certa.
Mas pensei que, por ser princesa, e ainda mais, herdeira, deveria me preocupar com isso.
— Pois não deve. Seu pai e eu jamais te forçaríamos a algo que não queira. Como eu disse,
não se preocupe com isso agora. Isso é um problema para o futuro. Quando você se sentir pronta para
falar disso, falaremos, tudo bem?
— Acho que sim.
Alycia deu um beijo na têmpora da filha. A cobriu, uma vez que ela se deitou na cama.
— Quer que deixe a luz acesa?
— Pode apagar.
— Boa noite, filha. — Lhe deu outro beijo.
— Boa noite… mãe. — E fechou os olhos, não levando mais do que dez segundos para cair
no sono.
Alycia apagou as velas que iluminavam o quarto, olhou para a filha uma última vez, sorriu, e
então, saiu do cômodo, fechando a porta.

Eu não posso mais ficar aqui. Sua consciência gritava. Já estava ali há um mês, ou pensava
que era isso, já que não tinha nenhuma maneira de contar os dias, ou as horas, ou nada, só sabia que
fazia muito tempo. Tenho que sair. Voltar para a minha família.
Levantou-se cuidadosamente, procurando não fazer barulho. Sabia que aquele lugar estava
cheio de pessoas que a ajudaram muito, que disseram tê-la encontrado ferida e a trouxeram para
aquele lugar, mas depois não a deixaram ir embora porque tinha uma coisa que a presença dela
afetaria o curso.
Mas ela precisava sair dali. Tinha que voltar.
De fininho, passou pelo corredor, torcendo para não ser vista. Não tinha ninguém. O que era
estranho, pra um lugar com tantas pessoas, não encontrar ninguém. Quando alcançou a porta que
calculou ser a da saída, a abriu, e deu de cara com uma floresta.
Suspirou e saiu, fechando a porta atrás de si. Já havia escurecido, e ela não sabia onde estava
ou onde aquela floresta ia dar, por isso pegou um galho de uma das árvores e como a haviam
ensinado uma vez, pegando duas pedras e causando fricção até conseguir uma faísca para acender a
ponta do galho que continha algumas folhas, torcendo para que aquele fogo a iluminasse até que
conseguisse achar o resto da civilização.
Ela não saberia dizer por quantas horas caminhou, mas agradeceu por não ter encontrado com
os lobos, embora não soubesse se naquela área havia lobos, mas… nunca se sabe.
Atravessou um rio, e começou a reconhecer aquela área. Conseguia ver, bem distante no
horizonte, o sol nascer, então sabia que havia andado a noite inteira. Reconheceu a aldeia a que
chegou, embora ela não fosse a mesma. Se lembrava que havia ocorrido um incêndio, e as casas
agora estavam sendo reconstruídas. Muitas estava quase terminadas, o que significava que ela havia
estado naquele lugar por bem mais do que apenas um mês.
Chegou à sua casa, vendo que embora estivesse em pé, ainda tinha marcas de reformas e
algumas coisas faltando. Não queria acordar ninguém em casa, mas precisava fazer isso. Bateu à
porta três vezes, e esperou.
Cinco minutos depois e sem ninguém atender, bateu novamente. Ouviu barulhos vindo de
dentro, e sabia que alguém havia acordado.
Esperou até a porta se abrir, e assim que aconteceu, viu um homem, sonolento e meio zonzo
por ter sido tirado da cama cedo, atender. Era Graham. Quando ele a viu, se assustou tanto que seus
olhos meio fechados se abriram no mesmo instante.
— Dahlia?
24. Regressar para lutar

Ele estava olhando, perplexo, para ela, já tinha dez minutos. Não conseguia acreditar no que
via.
Nos últimos três meses, havia sido uma tortura, pensar que havia perdido a única amiga que
teve por muito tempo, assim como única família. Ele chegou a pensar que teria que viver o resto dos
seus dias com o arrependimento de nunca ter lhe falado algo que guardou por tanto tempo.
Acreditava que ela havia morrido no incêndio, e não tinha conseguido nem sequer dar-lhe um
funeral decente, pois nunca haviam encontrado o corpo.
Agora sabia o porquê.
— Graham — chamou uma vez. Ele só a olhava, mas não falava nada. — Graham! — falou
mais alto, e ele finalmente saiu de seu transe.
— Como… como isso é possível? — Foi sua primeira pergunta.
— Eu não sei direito, mas lembro que durante o incêndio, eu estava ajudando algumas
pessoas da aldeia, e, no meio da confusão, comecei a procurar a Annabella, não sabia se ela estava
em casa durante o incêndio, mas uma árvore caiu, e eu desviei dela para não ser esmagada. Acabei
ficando presa entre as chamas e a fumaça me impedia de ver qualquer coisa, e aí eu comecei a correr,
escorreguei e caí, rolei pelo barranco que fica lá na entrada na aldeia e bati a cabeça. E depois disso
só me lembro que quando acordei, nem sei quanto tempo depois, eu estava num lugar estranho, tinha
duas mulheres me ajudando com um ferimento na cabeça, e aí apareceu uma outra mulher muito mais
estranha e quando eu perguntei onde eu estava e perguntei pela minha filha, ela disse que ela estava
numa espécie de jornada e que eu não podia vê-la pois isso a tiraria de seu caminho. Eu achei
loucura, afinal, em que tipo de jornada a Annabella poderia estar?
Graham a olhou, disfarçando algo.
— Oh, não, eu conheço esse olhar. O que aconteceu? Cadê a Annabella, Graham?
— Dahlia… muita coisa aconteceu durante… Bom, o tempo que pensamos que você
estivesse… bem, morta. Eu não sei nem por onde começar.
— Pelo início seria ótimo.
— Bom, pra resumir tudo, acho que é melhor começar por… — Suspirou. — Os pais
verdadeiros da Annabella apareceram.
Dahlia recebeu aquela notícia como um baque. O que ela tinha acabado de ouvir não podia
ser verdade, podia? Afinal, como assim os pais verdadeiros de Annabella haviam aparecido após
onze anos? Como sabiam que eram eles realmente?
— Parece mentira, mas não é. E tem mais.
— Mais?
— Sim. Os pais dela são Matthew e Alycia Hale.
— O quê? — exigiu, assustada, perplexa, e um pouco confusa. — Você está me dizendo que a
minha filha, a garotinha que apareceu na porta da minha casa há onze anos sem suas memórias e
apenas com a roupa do corpo, é uma princesa? Graham, pelo amor de Deus, explique isso direito! —
interpelou.
Ele contou a história inteira, a mesma que os reis haviam lhe contado e que fora confirmada
por Annabella mais tarde. Contou que ela estava morando oficialmente no castelo agora, e que tinha
magia, que estava sendo treinada por um grupo de feiticeiros liderados por uma mulher chamada
Florence, e todas as outras coisas que havia ficado sabendo por intermédio da sobrinha.
— Florence você disse? — Ele afirmou. — Foi ela quem me disse aquilo sobre a Annabella.
Meu Deus… Annabella é uma princesa. — Sentou-se na cadeira com o choque. Esse tempo todo ela
estava cuidando e amando alguém da realeza. Criou como filha alguém de berço de ouro.
Depois de ouvir tudo que Graham tinha a dizer, ficou completamente atônita.
Ela nunca soube como Ella havia chegado até sua casa, mas nunca cogitou que havia sido de
forma tão cruel. Ser sequestrada no dia do aniversário como vingança contra seus pais? Isso era
desumano em níveis absurdos.
Sua menina havia sofrido tanto… e agora ainda mais, acreditando que estava morta.
Pelo menos havia encontrado os pais verdadeiros, e tinha a eles.
Espere, sua mente gritou. Agora ela tem você novamente.
Mas será que Annabella iria ignorar toda essa vida agora que havia descoberto outra?
Não, por Deus, Dahlia. Annabella é uma garota decente, jamais trocaria sua família por
qualquer tipo de luxo. Que coisa horrível de se pensar!
— Onde ela está agora?
— No palácio, eu acho.
— Eu preciso vê-la. Tenho que vê-la!
— Com certeza — disse, mas logo mudou de ideia, se lembrando da data atual e o que havia
de acontecer alguns dias a partir dali. — Mas… eu tenho uma ideia melhor.

O sol raiou cedo no quarto da princesa, que despertou assim que a luz lhe atingiu o rosto.
Sentou-se na enorme cama e olhou tudo a sua volta. Ainda não havia se acostumado com o quão
grande era sua cama, e essa era ainda maior do que a que vinha dormindo antes.
Levantou-se, caminhou até a penteadeira e pegou uma das muitas escovas e começou a passá-
la nos cabelos.
A porta se abriu.
— Bom dia. — Era sua mãe. — Levantou cedo, achei que dormiria mais.
— Bom dia. — Sorriu. — Acordei com a luz do sol. Não me lembrava que dava pra ter uma
visão perfeita dele daqui — disse.
Alycia se aproximou e ficou atrás da filha, que estava sentada.
— Deixe-me ajudá-la. — Pegou a escova e começou a pentear a menina. Procurou um
acessório na gaveta e fez um amarrado circular bem no centro, deixando o restante solto. — O que
acha?
— Ficou perfeito! — Sorriu novamente.
— Agora vamos achar algo para você vestir. — Abriu o armário. — Claro, esses são apenas
provisórios, assim que seu retorno for anunciado oficialmente, terá vestidos novinhos feitos somente
para você.
— Ual! — exclamou, ao ver a quantidade de vestidos. E eram apenas vestidos reservas. Não
queria nem imaginar quando tivesse os dela realmente. — São tantos. Nunca vi tantos vestidos assim
num único lugar. Nunca tive também — disse, sem nem perceber o que havia saído de seus lábios.
Alycia se sentiu mal por aquilo. Não apenas por sua filha, por saber que ela havia sido
desprovida de todo o luxo e o conforto que a vida deveria ter lhe proporcionado, mas também por
todos. Pensou nas pessoas que não tinham sequer um terço do que o que eles tinham no palácio. Vez
ou outra ela se pegava pensando nisso, quando ela tinha tanto e outros não tinham quase nada. E então
ela se lembrava de que, como rainha, ela tinha a oportunidade de mudar isso, ao menos no seu reino.
Enquanto ajudava a jovem a se trocar — claro que poderia chamar alguma criada para fazer
isso, mas ela queria fazer isso pessoalmente, a lembrava da época em que fazia isso quando a filha
ainda era pequena e precisava dela para tudo — deixou escapar um suspiro pesado, além do que seus
olhos estavam dizendo, mesmo que ela tentasse conter.
Annabella percebeu o olhar que a mãe fez, e já o tinha visto muitas vezes antes, como quando
chegava seu aniversário e Dahlia não podia lhe dar um presente tão bom quanto o que ela achava que
a garotinha merecia.
Se aproximou e segurou as mãos da mãe.
— Não se preocupe com isso — disse.
— O quê?
Annabella lançou um olhar que Alycia conhecia bem. Afinal, ela fazia esse olhar quando
Nicholas ou Matthew, principalmente Matthew, tentava disfarçar algo ou enganá-la de alguma forma.
— Eu só não queria que você tivesse passado por tanta coisa.
— Infelizmente, há coisas na vida que não podemos evitar. Mas eu não posso reclamar. Digo,
não ter sido sequestrada e passado bem perto da morte teria sido muito bom, mas eu tive sorte de ir
parar em uma família que me criou bem e me deu tudo que realmente importa: amor. E, mesmo tendo
ficado longe por tanto tempo, acho que nos reunimos na hora certa.
Alycia ficou sem palavras. Céus, sua menina era tão inteligente, sentia tanto orgulho da
mulher que estava vendo que havia se tornado.
Sem ter o que falar, puxou a filha para um abraço.
— Como ficou tão sábia?
— Acho que está no sangue. Mas também me ensinaram assim. Minha mãe sempre me disse:
Você tem o poder para mudar o mundo, acredite nisso. Acho que apenas não sabíamos que esse
poder era tão… literal.
— Me alegra saber que você sempre pôde contar com a sua mãe, serei sempre grata a ela por
ter mantido você em segurança. — Acariciou o rosto da filha. — Bom, vamos descer? Já deve estar
na hora do café da manhã.
— Vamos.
Ao chegarem ao salão onde eram realizadas as refeições, encontraram o resto da família já
reunidos, incluindo Elizabeth. Pareciam discutir sobre a viagem do dia seguinte. Se é que poderiam
chamar aquilo de viagem. Mas era mais reconfortante do que chamar de “grande batalha”.
— Bom dia — disse a rainha, fazendo todos notarem a presença delas.
Matthew suspirou ao ver a esposa, e ainda mais ao ver a filha. Estava linda, vestida como
uma verdadeira princesa, até o cabelo estava diferente da maneira como costumava usar.
— Como vocês conseguem ser tão lindas pela manhã? — o rei indagou.
— É um dom — Alycia devolveu, se aproximando e lhe dando um beijo.
— Argh, não sabia que aturar isso estava na descrição do meu emprego — Andrew reclamou,
em tom de brincadeira, fazendo todos os outros rirem.
— Inveja, Jones?
— Jamais. Também tenho uma esposa maravilhosa, meu caro Hale.
— Tudo bem, agora eu estou ficando enjoado — foi a vez de Nick dizer.
Alycia bagunçou os cabelos do filho que estava sentado ao seu lado.
— Mãe! — Tentou arrumá-los novamente, mas sem um espelho, ficava impossível.
A mesa foi posta pelos funcionários do palácio, e enquanto se deliciavam do que estava a
postos em sua frente, conversavam. Agora já não sobre o dia seguinte, já estava tudo decidido, mas
sobre a vida, as amizades, tudo.
— Então, Ella, você vai parar mesmo com as aulas de música? — Nicholas perguntou.
A garota hesitou. Não sabia responder a isso, era um pouco confuso. Então, lhe deu uma
resposta simples e breve:
— Não sei. Acho que sim.
— Mas você adora tocar piano, e eu já te vi tocando, é simplesmente de outro mundo!
— Eu sei, eu adoro, mas já não é mais como antes. Eu sempre toquei porque gostava, mas
principalmente para poder melhorar a vida da minha mãe e a minha, e… depois do que aconteceu,
parece que não faz mais sentido continuar tocando.
— Querida, se é uma coisa que você gosta de fazer, deveria continuar. Eu posso ajudá-la se
quiser.
— Sério, mãe?
— Claro. Sempre achei o piano um instrumento magnífico. E, como seu irmão disse, você
toca maravilhosamente bem, não deve desistir de um dom como esse!
— Podemos até mesmo contratar uma professora particular, até mesmo a sua professora da
academia para lhe dar aulas aqui se você quiser, filha — Matthew ofereceu.
— Eu pensarei sobre isso… Obrigada. — Ela ia dizer, passou pertinho de dizer, mas não
conseguia? Céus, por que uma palavrinha tão pequena, de apenas três letras, a apavorava tanto? Não
deveria ser difícil, afinal não tinha nenhum problema em tratar sua mãe de tal forma. Mas seu pai…
era como se não conseguisse dizer. Queria dizer, mas não conseguia.
E se sentia mal.
Lembrava de todos os bons momentos que passaram juntos quando ela era pequena, de como
ele sempre a levava montada nele como um cavalo para vários lugares, como brincava de cócegas
com ela quando se escondia embaixo do lençol, ou como ele sempre cuidava dos machucados. Então
por que era tão difícil chamá-lo apenas de pai?
Passara onze anos sem dizer que era como se tivesse desaprendido.
E ela sabia que estava ferindo-o ao não tratá-lo como ele merecia. Mas ela ia conseguir.
Tinha que conseguir. Três letras não poderiam assustá-la pra sempre.
Logo após o término do café da manhã, todos se dispersaram. Nicholas foi com Andrew,
preparar-se para proteger o castelo no dia seguinte. Elizabeth fora para os fundos do castelo, queria
praticar sua magia para garantir que nada daria errado. E Annabella seguiu para seu quarto, queria
deixar suas coisas arrumadas.
Alycia e o marido seguiram para seus aposentos, precisavam conversar sobre as mudanças
que ocorreriam dali para frente.
— Matthew, eu estou com medo. Não, estou apavorada. O que vai acontecer amanhã?
— Eu não sei, querida. Mas não vamos esperar pelo pior. Vamos ter fé.
Ela suspirou.
— Eu não sei se consigo me manter positiva. Na última vez que nos encontramos com alguém
desse reino, nossa filha acabou sendo tirada de nós. O que mais ela pode tirar da gente? Pior do que
isso… o que pode tirar de mim?
— Meu amor, eu sempre…
— Por favor, não comece com essa de “eu sempre voltarei para você” porque não vai ajudar.
Essa não é como qualquer outra saída sua do castelo, não é apenas uma viagem diplomática ou um
pequeno conflito armado, é uma guerra, Matthew. Uma guerra com magia. Nunca enfrentamos uma
antes, e você é o centro de tudo isso. Lilliana colocou um alvo diferente nas costas de cada um desse
lugar, e agora ela está mais forte do nunca. Ela não vai desistir.
— Nem eu irei, Alycia. Lilliana pode estar mais forte do que todas as coisas vivas, mas eu
estou motivado. Ela tirou a nossa filha de nós, por causa dela, Annabella foi desprovida de tudo que
era dela por direito. E eu vou fazê-la pagar até a última lágrima que eu, você, nossa filha ou qualquer
um neste reino tenha derramado. — Ele viu que aquilo não a tranquilizou nem um pouco. Então,
tomou outra atitude. Uma mais carinhosa desta vez. — Vem cá. — Abriu os braços e a acolheu neles.
— Eu voltarei para você, eu lhe prometo isso. E trarei a nossa filha comigo sã e salva.
Restauraremos o reino de Elizabeth, destronaremos Lilliana e destruiremos sua maldade de uma vez
por todas, para então podermos ser realmente felizes e apenas nos preocupar com o futuro dos nossos
filhos e preparar a nossa garota para assumir o nosso lugar.
— Não faça promessas, Hale! — exigiu a rainha, apertando-o mais fortemente e pressionando
sua cabeça no peito dele de uma maneira que conseguia sentir seu coração pulsando. — Não quero
promessas, eu quero certezas. Não é uma certeza de que venceremos, e eu não vou suportar perder a
nossa filha mais uma vez e perder você, também.
Ele acariciou os cabelos dela. Sabia que ela tinha razão. Não tinham como saber quem sairia
vitorioso na batalha, ou quem voltaria com vida e quem não… Mas ele faria o impossível para não
deixar que aquela família, a sua família, desmoronasse novamente. Isso sim, era uma certeza.
— Olhe, eu não posso prometer que tudo vai ficar bem. Mas uma coisa eu posso. Eu prometo
que farei o impossível, ouviu bem? O impossível para impedir que nossa família sofra alguma perda.
Esteja certa de uma coisa, meu amor, eu não desistirei até que tenha a certeza de que nossa família
estará segura novamente. Pode confiar em mim nisso?
— Acho que posso. — Levantou o rosto e olhou para ele. Matthew inclinou a cabeça e
capturou os lábios da esposa num beijo suave e macio, transmitindo a ela paz e esperança. Não só a
ela como a ele também, precisava disso.
Alycia sempre o motivara, toda vez que precisava resolver algo que envolvia o uso de uma
espada, pensava nela. Ela era sua inspiração, sua motivação. Por ela, sempre dava o seu melhor, para
poder voltar para casa para ela. E desta vez não seria diferente. Voltaria para casa, sabia que
voltaria, não importava como, mas voltaria para ela.
— Está mais tranquila, meu amor?
— Um pouco. Você sempre consegue me acalmar.
— Estou aqui para isso. Sempre estarei.
— Promete?
— Prometo, minha rainha. — Apoderou-se de seus lábios novamente. Ela sorriu em meio ao
beijo, sabendo que aquela era uma promessa que ele iria fazer de tudo para cumprir.
Aos poucos, o beijo foi esquentando, e os lábios do rei começaram a explorar primeiro as
bochechas, em seguida o queixo, e então o pescoço da rainha. Suas mãos caminharam pelas costas
dela até conseguirem desatar o nó do vestido, o que lhe concedeu liberdade para que explorasse o
colo. Distribuiu beijos molhados por ele todo, mas sempre voltando para a boca da mulher.
Caminhou com ela até a cama e a deitou, se colocando por cima do corpo dela e tendo mais
espaço para fazer o que queria. Uma das pernas da rainha se ergueu e Matthew aproveitou para
explorar o lugar com uma das mãos.
Ela levou as mãos ao pescoço do marido, prendendo-o mais a ela, e querendo mais,
desamarrou a frente da roupa dele, expondo o peito duro e forte, mas sem de fato despi-lo. Mas logo
iria, as roupas estavam atrapalhando.
— Senti tanta saudade, meu amor — sussurrou ele. Sentira tanta falta dela. Não como se ela
tivesse ficado distante no sentido físico da palavra, mas de uma certa eles se distanciaram ao longo
dos anos, sempre assombrados por algo e alguém por onze longos anos. O que não significa que não
se amaram nesse tempo, mas levou muito para que conseguissem sentir qualquer tipo de alegria ou
prazer sem pensarem em coisas sombrias ou tristes. E agora não precisavam mais pensar nisso. A luz
havia, finalmente, retornado.
— Mate logo essa saudade, então — devolveu.
Ele obedeceu, claro. Devorava a esposa com os lábios com uma vontade de outro mundo. A
mão dele, que estava por dentro do vestido, alcançou exatamente onde queria, e sabia que ela havia
gostado, pois um som agudo alcançou os ouvidos dele.
Não era alto ou escandaloso, mas baixo e solto apenas para que ele ouvisse.
— Me diga o que você quer, Alycia? — Mordeu o lóbulo da orelha dela.
— Você! Eu quero você, Matthew!
Ele sorriu com aquilo. Ele estava tão entregue a ela, e ela a ele que não conseguia prestar
atenção em mais nada, nenhum dos dois sequer ouvira que tinha alguém batendo à porta do quarto e
chamando a palavra “mãe”. Só perceberam quando a pessoa abriu a porta e adentrou o ambiente, se
assustando com o que vira.
— Ah, meu Deus.
Era ela. A filha deles.
— Annabella! — Alycia exclamou, assustada. Empurrou o marido para o lado e o fez cair na
cama, tentando disfarçar o que quer que a garota tivesse visto.
— E-eu… hã… volto depois. — E caminhou em direção a saída do quarto.
— Não, espere, Annabella! — sua mãe chamou. — Seu pai e eu estávamos apenas…
— Eu não sei o que vocês estavam fazendo, mas, com certeza, queriam privacidade. Eu só
entrei porque bati e ninguém atendeu…
— Está tudo bem. — A rainha se levantou. Deu graças aos céus por ainda estarem vestidos.
— O que você queria, meu bem?
— Eu só queria deixar isso com você. Não vou ter tempo de avisar pessoalmente e nem quero
arriscar que ele me impeça de ir, então amanhã, quando partimos, poderia, por favor, pedir que
entregassem essa carta ao meu tio? Para não deixá-lo preocupado ou pensando o que não deve. Se eu
for, talvez ele tente me fazer não ir, e isso não é uma opção.
— Claro, querida, mandarei alguém levar até ele assim que vocês saírem.
— Obrigada, mãe. — Sorriu e saiu do quarto. Assim que a porta se fechou, Alycia e Matthew
se olharam, ambos com medo e preocupados.
— Você acha que ela viu alguma coisa? — ele perguntou. — Deus, menos de quarenta e oito
horas sabendo que somos seus pais e já acontece isso.
— Acho que ela não chegou a ver nada, e não entendeu também. As moças da sua idade,
geralmente, não sabem o que acontece no quarto de um casal ou o que isso significa. Eu, por
exemplo, não sabia.
— Geralmente? E se ela souber?
— Bom, se ela souber, acredito que entenderá que é completamente normal. Nossa filha é
muito inteligente, Matthew, mais do que muitas pessoas da sua idade.
— De qualquer forma, não é algo que ela deveria ter visto. Céus, eu provavelmente acabei de
matar a inocência da minha garotinha. — Cobriu o rosto com um travesseiro.
— Não seja bobo. Ela provavelmente pensa que só estávamos nos beijando, ela já nos viu
fazer isso antes. — Se sentou ao lado dele e tocou o abdome dele por cima da camisa. — E mais, ela
não é mais uma garotinha, e teremos que conversar sobre isso com ela mais cedo ou mais tarde.
— Por favor, não me lembre disso. Odeio pensar sobre isso desde o dia em que ela nasceu.
— Então vai alegrar-se ao saber que casamento não é algo que ela deseja. — O rei a olhou,
sua expressão dizia algo como “verdade?”. — Digo, até quer se casar, mas apenas se encontrar a
pessoa certa. Ela é como a mãe dela, também jurei que jamais me casaria se não encontrasse o rapaz
certo, e aí você apareceu — se declarou, sorrindo para ele.
— Eu também não permitiria que ela se casasse com qualquer um.
— Admita, querido. — Tocou o peito dele. — Por você, ela não se casaria com ninguém.
— Isso também. Ninguém está à altura dela — comentou.
Alycia riu da fala dele.
— Deus, você é tão tolo. Eu te amo tanto. — Se inclinou e o beijou.
— Eu amo você. — A puxou mais para si e aprofundou o beijo. Ela sorriu, com os lábios
ainda colados aos deles, mas logo se afastou.
— Vou trancar a porta. Não queremos ser interrompidos novamente, ou queremos?
— Não mesmo. Não desejo que ninguém veja o que vou fazer com você. — Mordeu o lábio
inferior. Ela sorriu lascivamente, trancou a porta e voltou para a cama.

— Está tudo pronto, Andrew?


— Pode apostar. Tudo está em seu devido lugar, podemos embarcar a hora que quisermos.
— Quanto mais cedo, melhor. — Acenou a um guarda para que trouxessem os cavalos.
Alycia, Nicholas e Grace já estavam do lado de fora do castelo, esperando para se
despedirem do restante da família, que estava partindo para as Ilhas Gálidas para brigarem com uma
tirana.
— Boa sorte, Ella. — Nicholas abraçou a irmã.
— Obrigada, Nick. Cuide bem da mamãe, e de todos. Senão, quando eu voltar, terá que se
preocupar com o que poderá encontrar na sua cama, irmãozinho. — Balançou os dedos fazendo um
pouco da sua essência brilhar. — Brincadeira. Mas o resto é verdade.
Elizabeth também se despediu da família, e agradeceu, mais uma vez, por toda a ajuda e
apoio que lhe deram.
— Por favor, minha filha, tome cuidado. — Alycia abraçou Annabella. — E seja forte, eu sei
que você é capaz de fazer qualquer coisa. Afinal de contas, é uma Hale, não há nada que você não
possa fazer.
— Obrigada, mãe. Eu tomarei cuidado, prometo. E você também, por favor. — Segurou forte
as mãos da rainha. Queria, de verdade, que quando voltasse, ela estivesse ali. Muito disso se devia
ao medo. Na última vez que teve que se despedir de uma pessoa, nunca mais teve a chance de
encontrá-la com vida. E não queria, em hipótese alguma, perder sua mãe… novamente. — Acho que
não será necessário — continuou —, mas deixei algumas coisas no meu baú para protegê-los caso
precisem, deixei também um pedaço de pergaminho em que escrevi como usá-las. Eu voltarei em
breve. — Olhou para a mãe.
Alycia beijou a testa da filha e disse:
— Eu sei que voltará. Eu te amo, Annabella.
Annabella não resistiu, e abraçou a mãe uma outra vez.
— Eu também te amo.
Por fim, montou em seu cavalo e esperou por Matthew, que estava dando algumas ordens aos
guardas reais. Logo, ele se aproximou do filho e da esposa e se despediu de ambos.
— Prometa para mim que vai tomar cuidado, Matthew! — a rainha exigiu.
— Eu prometo, minha rainha, eu prometo. — Beijou as mãos dela.
— E tome conta da nossa filha. Não quero e não posso perder nenhum dos dois.
— E você não vai! — garantiu. Em seguida, lhe deu um beijo e encostou sua testa na dela. —
Eu vou voltar em breve, tal como nossa filha.
— Eu esperarei pelos dois de braços abertos — ela sussurrou.
— Cuide de nosso filho — pediu. — Como sempre fez — completou. — Eu amo você, meu
amor, e não importa o que aconteça, isso nunca vai mudar.
— Nunca. Eu amo você, também. Volte logo, por favor. — Lhe deu um último beijo e um
abraço apertado antes de vê-lo montar em seu cavalo e partir.
Os portões do castelo foram fechados, e a segurança máxima iniciada. Nos próximos dias,
ninguém entraria ou sairia do castelo, por ordem do rei.
O porto não ficava longe, e nem dez minutos depois que saíram, chegaram lá e embarcaram
no navio. Olharam para trás, conforme o capitão colocava a grande máquina em movimento no vasto
oceano, e viam o castelo de afastar.
— Ilhas Gálidas, estamos chegando — Annabella disse.
— E vamos salvá-la — Elizabeth completou.

— Ela fez o quê? — a mulher gritou. — Graham, por Deus, eu juro que se você não me
explicar direito o que está acontecendo, eu vou cometer uma loucura.
— É o que diz na carta. Annabella a escreveu. Ela partiu para as Ilhas Gálidas para enfrentar
a rainha, que é madrasta de uma amiga, uma tirana no poder, e a responsável por seu sequestro. Ela
não se prolonga muito além disso, apenas diz que tomará cuidado e voltará em breve.
— Céus — Dahlia disse, incapaz de expressar qualquer coisa além disso. — Eu sabia que
devia ter ido vê-la ontem, eu sabia! Mas não, achei melhor a sua ideia. Temos que impedi-la de
cometer essa loucura, é suicídio!
— A essa hora o navio já deve ter saído do porto, não podemos mais impedir. Ela diz bem
claro: “Pedirei que entreguem essa carta quando eu partir. Voltarei em breve. Com amor, Ella”
— Eu não pude sequer contar a ela que estou viva. E agora posso perdê-la.
— Não iremos perdê-la, Dahlia. Tenha fé. Annabella é forte e sabe cuidar de si mesma. Ela
voltará, e você poderá tê-la novamente.
— Eu espero, profundamente, que você esteja certo. — Abraçou o amigo, deitando a cabeça
em seu peito e recebendo um carinho no cabelo.
Annabella voltaria. Ela tinha que voltar. Por favor, Deus, permita que ela volte com vida e
bem.
25. Lutar ou Morrer – Primeira Parte

Estavam viajando há tantas horas que não sabiam mais se um dia chegariam ao destino. Já não
conseguiam mais avistar Porto Vermelho de onde estavam, apenas água. Água ao norte. Água ao sul.
Ao leste e ao oeste. Água para todo lado. Uma imensidão azul.
Annabella estava parada no alto do convés, apenas observando. Elizabeth estava analisando
um mapa a estibordo, e ajudando o lorde chanceler com as direções. Ella estava tão distraída que
nem percebeu quando alguém se aproximou.
— É uma bela vista, não é? — Matthew indagou.
— Sim. Sempre quis viajar de navio, claro que eu não esperava que fosse sob essas
circunstâncias — comentou.
— Quando voltarmos para casa, prometo que eu mesmo a levarei a muitas viagens, por terra
e mar. — Ele sorriu na esperança de que ela fizesse o mesmo. Ela não o fez. — Está preocupada, não
está? Claro, nem posso culpá-la. Mas nós vamos conseguir, tenha fé.
— Fé é, provavelmente, a única coisa que eu tenho tido a vida inteira. É só que… —
Suspirou. — Não era assim que eu pensava que seria. Sabe, a vida inteira eu sonhei com o momento
que descobriria que eu realmente sou, encontraria a minha família e entenderia os motivos que me
fizeram chegar à casa daquela que se tornou a minha mãe. Mas quando aconteceu, foi tudo tão de
repente, e um monte de informação que me confundiu e quase cometi uma besteira. Agora estamos
aqui, prestes a encontrar com a responsável por tudo isso e eu não sei o que acontecerá depois.
Matthew suspirou. Entendia bem o que a filha estava sentindo, pois ele sentia o mesmo. Por
mais que tentasse se manter positivo, sabia que as chances de uma tragédia acontecer naquele dia
eram grandes, muito grandes. E ele estava disposto a dar a sua vida para poupar a da sua família.
Mesmo que soubesse que nada daquilo era sua culpa, se ele tivesse feito apenas o que havia sido
ensinado desde criança e casado com ela, como previsto, nada daquilo estaria acontecendo.
— Oh, não, eu sei o que está fazendo — Annabella exprimiu. — Está fazendo aquele olhar, e
eu o conheço muito bem.
— Que olhar? — Tentou disfarçar.
— A mamãe fez o mesmo olhar ontem, quando se sentiu culpada por tudo que aconteceu
comigo, e agora você está fazendo o mesmo olhar! — Encarou-o. — Eu disse a ela, e direi a você…
— Droga, xingou-se por ter travado naquela palavra novamente. — Nada disso é culpa sua. A culpa
é inteiramente da Lilliana, e de quem a corrompeu. Ela cometeu erros e pegou gosto por isso, e não
conseguiu controlar a maldade dentro de si, mas nem você, nem a mamãe, tem culpa nisso.
— Talvez, se eu tivesse me casado com ela como todos queriam…
— Você seria infeliz. Olhe, eu posso estar convivendo, de fato, com vocês há menos de cinco
dias, mas eu me lembro do passado, eu vejo o jeito que você olha para ela quando a vê, e ainda é tão
brilhante quanto era quando eu era criança, se não mais, e ela olha para você da mesma forma, com
um brilho que somente o amor possui — reafirmou. — Vocês se amam, e são um casal lindo. Não
pode se culpar por ter se apaixonado por ela e tê-la escolhido, e ninguém deveria tentar destruir a
felicidade alheia por conta disso. Me diga: você consegue imaginar a sua vida sem a mamãe?
— Jamais! — ele afirmou rapidamente, sentindo um arrepio só de ruminar a ideia. — Sua
mãe é… a mulher mais incrível que já conheci, além de ser o amor da minha vida.
— Viu? Vocês foram feitos um para o outro, e se encontraram, ninguém tem culpa nisso. E
Lilliana deveria ter aceitado apenas. Ter escolhido o lado mais sombrio como resposta foi um erro
dela. Um que nós vamos reparar.
Matthew sorriu para a filha.
— Tem razão. Eu sempre soube que você se tornaria essa mulher, de fibra, forte, inteligente, e
nosso reino não poderia pedir por uma governante melhor. Eu sei que vamos vencer, e quando
retornamos, anunciaremos a sua volta oficialmente, e todos irão adorá-la.
— Eu espero ser boa para eles, como princesa deles.
— E futura rainha. Seu nome nunca saiu da linha de sucessão. — A ideia de se tornar rainha
ainda a apavorava um pouco. Pensar que um dia haveria milhares de pessoas que dependeriam dela
para terem uma vida boa.
— Isso é algo que me assusta muito. Não sei se estou pronta ou se um dia estarei. É tudo tão
novo.
— Não se preocupe, você terá muito tempo para se preparar. — A virou para si e segurou
suas mãos. — Iremos prepará-la para isso, você será uma grande rainha.
— Nick sempre me disse que não queria ser rei, deve haver um motivo para isso. Se ele,
tendo sido criado para isso, não se sentia pronto para tal feito, como eu poderia? Muitos irão se opor
a mim.
— E eles terão de passar por cima de nós! Annabella, você nasceu para ser rainha, é algo que
é seu por direito. Seu irmão nunca quis isso, e nós sabíamos, mas ele nunca reclamou porque sabia
que era a única esperança que o reino teria. Já você nasceu com isso, Nicholas me contou que tem o
espírito de líder, que reconhece as necessidades das outras pessoas e é justa. Todas essas são
qualidades não só de uma rainha, mas de uma grande rainha. Você terá tempo para se preparar e
ganhar a confiança do povo e dos nobres. E estaremos com você em cada passo.
A garota sorriu.
— Obrigada… — Qual é, Annabella, só diga. Vá em frente. D-i-g-a. Estava se odiando por
não conseguir dizer. Será que ele estava percebendo o quão difícil aquilo estava sendo para ela?
— Não agradeça, eu sou seu pai, é o que os pais fazem. E eu sempre estarei lá para cuidar e
proteger você, seu irmão e sua mãe.
Ela o abraçou, tentando demonstrar que mesmo não conseguindo chamá-lo da maneira que
queria, ainda assim sentia o afeto e todo o amor que ele tinha por ela. E ela ia conseguir colocar para
fora os seus sentimentos em algum momento.
— Acho que chegamos — ouviram o capitão dizer ao avistarem um porto.
— Deus! — Matthew exclamou.
As Ilhas Gálidas sempre foram terras conhecidas por suas belezas naturais, riquezas e todo o
tipo de maravilhas que se poderia encontrar em um só lugar.
Durante o reinado do falecido rei Stefan e da rainha Arianna, tudo prosperava lindamente, os
governantes faziam questão de atenderem pessoalmente o seu povo, fazendo com que todos se
sentissem acolhidos e bem protegidos.
Entretanto, quando a rainha veio a falecer de maneira trágica e inesperada, e o rei viera a se
casar novamente com a mulher ambiciosa, vil e muito interessada no benefício próprio que agora
habitava o trono, toda aquela alegria se esvaiu, e tudo que restou era o que os recém-chegados ao
local estavam vendo agora: pessoas sem ter o que comer ou até mesmo beber, vestindo nada além de
restos de roupas velhas e carregando muita, muita tristeza em seus olhares.
Quando os olhos de Elizabeth encontraram com aquilo, seu coração se partiu. Ela nunca tinha
visto seu reino de perto — ou de longe —, e agora conseguia sentir, em seu coração, todo o pesar
que ali vivia. Seus pais ficariam arrasados ao ver o que ela via, sabia disso. Precisava consertar.
Assim como a amiga, Annabella também estava arrasada com a situação. A única coisa ainda
inteira e bem cuidada era o castelo.
Ela viu as bandeiras, presas nas hastes tão altas que podiam ser vistas de longe, como se
tivessem orgulho. Pôde ver o desenho nelas, e cada uma tinha um pequeno sol no centro. Algo se
acendeu dentro dela ao ver aquilo.
— Espera um momento. O símbolo das Ilhas Gálidas é um sol? — perguntou.
— Sim. Por quê? — Elizabeth ficou confusa.
— O sol… — Ela sabia que tinha algo a ver com o sol… — Meu Deus, é claro! Liz, você se
lembra da profecia que Florence nos deu?
— Sim. Ela disse: “Quando o sol encontrar o leão no centro das sombras, mais de um
destino será selado” — recitou. — Mas o que isso tem a ver com…
— O símbolo de Porto Vermelho é um leão! Quando o sol encontrar o leão...
— No centro das sombras. Sombras, demônios… — Elizabeth concluiu. — Meu Deus! —
exclamou. — A profecia…
— O destino será selado — Ella terminou. — Espero que se sele para algo bom.
— Eu também.
Todos caminharam até saírem do porto, onde não foram reconhecidos por ninguém, o que era
muita sorte. Mas também, como alguém poderia reconhecê-los? Muitas pessoas que ali moravam
jamais haviam visto o que havia além do oceano, como eram os outros reinos e seus governantes.
— Há muitos guardas por aqui, como vamos chegar até o castelo? — Annabella perguntou.
— Vamos ter que ser cautelosos — Hale apontou.
— Eu posso nos levar até lá sem sermos vistos — Elizabeth afirmou. — Mas alguém precisa
distrair os guardas que ficam no portão do castelo, se nos virem chegando, alertarão a tropa inteira e
estaremos acabados antes mesmo de começarmos.
— Eu os distraio — Andrew se ofereceu. — Brooke, venha comigo, e banque o durão de
sempre.
Seguiram por entre as árvores altas que cercavam o castelo e se esconderam, esperando que o
chanceler colocasse seu brilhante plano em prática. Ao menos esperavam que fosse brilhante de
verdade.
De longe, conseguiam ver pouco, mas ao que parecia, Andrew estava com um pequeno cantil
em mãos, e bebia alguma coisa. Agia como se estivesse completamente tonto. De repente, Brooke o
atingiu, jogando-o no chão e o imobilizando. Andrew lutou contra ele, o acertando com os pés e o
vendo se debater. Os dois guardas que estavam no portão do castelo vieram ajudar, e nem sequer
perceberam que não eram da mesma equipe.
— Levem-no para o calabouço agora, ele tentou invadir o castelo. Umas noites do xadrez vão
lhe ensinar uma lição. — Puderam escutar a voz grossa de Brooke dizer. Assim que os dois guardas
levantaram Andrew do chão, o chanceler conseguiu distraí-los, e enquanto Brooke pegou e sufocou
um deles, Andrew arrebentava em socos o outro até que ambos estivessem inconscientes.
Os que estavam escondidos, saíram de trás das árvores e encontraram o lorde e o guarda, e
num piscar de olhos, literalmente, se viram em frente à porta principal do palácio.
— Nós acabamos de…
— Sim — Annabella afirmou, rindo baixo. Para ela, já era um costume usar magia, mesmo
que não fosse capaz de se tele transportar como Elizabeth — pelo menos não por enquanto, esperava
no futuro descobrir que tinha isso em si —, não estranhava quando acontecia. O mesmo não acontecia
com os outros, que estranhavam a sensação de estarem em um lugar e ao piscarem, estarem em outro.
Elizabeth empurrou a enorme porta, e assim que ela se abriu, dois guardas em posto se
alertaram sobre os estranhos visitantes.
— Quem são vocês? E como passaram pelos guardas?
— Eu sou Elizabeth, e vim ver a sua rainha.
— Não pode entrar aqui e…
Uma voz a interrompeu.
— Ora, ora, ora, mas quem temos aqui? — era Lilliana. Elizabeth quase voou no pescoço
dela, mas teve de se controlar. — Se não é a minha princesa menos favorita, junto da minha segunda
menos favorita e o papai dela. Patético.
— Eu vim aqui acabar com isso, de uma vez por todas — Elizabeth afirmou.
— Você? Acabar comigo? Faça-me rir. — A rainha pôs-se a dar risada.
— Seu reinado acabou, Lilliana, entregue-se agora ou lute!
— Hm, eu tenho uma ideia melhor. Que tal eu matar todos vocês e depois continuar vivendo
minha bela vida tranquilamente? — Antes que qualquer um pudesse responder, ela apareceu
magicamente na frente de Elizabeth. Seu olhar era do mais puro ódio. — Não deveria ter voltado. —
Pegou a mais nova e apertou sua mão em volta do pescoço dela.
— E deixar você continuar torturando o meu povo e destruindo o meu reino? Jamais. — Ela
revidou, lançando a madrasta para longe.
— Façam alguma coisa, imbecis! Matem todos! — ela exigiu aos seus guardas, que sacaram
suas espadas e avançaram nos outros.
— Matthew! — Andrew gritou, atacando um guarda que ia acertar o rei pelas costas.
— Obrigado — respondeu, enquanto brigava com outro.
Annabella e Elizabeth avançaram em Lilliana, que agora estava mais nervosa do que nunca.
— Isso é por ter matado o meu pai! — Lançou uma explosão mágica na madrasta, que a pegou
nas mãos e a fez desaparecer.
— Isso é tudo que você tem? Ah, isso vai ser tão fácil que chega a ser até sem graça. Como
tirar doce de criança.
Lilliana ergueu suas mãos e fez nascer um terremoto, tremendo todo o chão do castelo.
— Foi fácil acabar com o seu pai, mas mais fácil ainda vai ser acabar com a filhinha
preciosa dele.
— Como pode ser tão cruel? — Annabella perguntou, tentando controlar a tremedeira do
chão.
— Ah, queridinha, eu não nasci assim. Ou talvez tenha nascido, só levei um tempo para
descobrir. — Olhou para ela. Lilliana fez surgir galhos do chão, e vários deles prenderam Elizabeth
em uma pilastra, a deixando praticamente imóvel. — Mas, e você? Não fui capaz de te eliminar da
primeira vez, que nem sua amiguinha ali. — Olhou para a enteada, que tentava se soltar. — Mas
agora vai ser tão… fácil. Pode se achar forte, mas não é. — Fez um movimento com as mãos e
suspendeu Annabella no ar, a sufocando. Ella tentava se mexer, mas sua magia não era tão poderosa
para deter aquele demônio sozinha. — Não passa de uma garotinha inocente que acha que pode
mudar o mundo, mas não pode. O mundo é cruel, é egoísta, devia saber disso.
— O mundo pode ser cruel… mas nós temos o poder de… torná-lo melhor — Ella disse, já
sentindo seus pulmões comprimirem pela falta de oxigênio.
— Annabella!
A voz de seu pai ecoou, e em um piscar, ele avançou em Lilliana e colocou a espada em seu
pescoço, forçando-a a parar o que fazia com sua filha, que caiu no chão tossindo.
— Olha só quem resolveu colocar as garras para fora.
— Encoste um dedo na minha filha e eu acabo com você.
— Com isso? — Passou os dedos cobertos por anéis de metal prateado e unhas tão
compridas quanto as de uma águia pela espada e riu. — Espada não mata a magia, querido Matt.
Achei que soubesse disso. — Sorriu, maléfica. Um dos anéis liberou algo, um líquido azul-escuro,
que se espalhou por todo o metal da arma. — Mas isso pode fazer qualquer espada se virar contra
quem tenta empunhá-la. — O lançou longe, fazendo-o cair em cima da própria arma e se ferir.
— Não! — Annabella gritou, desesperada ao ver seu pai se contorcer no chão. Ela viu
Lilliana aparecer na frente de dele e brutalmente pisar em seu ferimento, torturando-o ainda mais.
Haviam lhe dito que seus poderes se ativavam de acordo com seus sentimentos, e naquela
hora, de raiva, seu sangue ferveu e seus poderes ficaram violentos. Ela lançou uma explosão em
direção à Elizabeth, fazendo com os galhos se desmanchassem e se abrissem. Assim que a ruiva se
soltou, uniu todo seu poder e prendeu Lilliana nele.
— Me solte, garota estúpida! — exigiu.
— Eu acho que não. — Olhou com ódio para a madrasta. — Se entregue, Lilliana, e tudo
poderá acabar bem para você.
— Me entregar? Depois de tudo que eu fiz pra chegar aqui?
A mulher se contorceu. Inferno. A magia da enteada era mais forte do que pensava. Precisaria
usar tudo que tinha se quisesse vencer.
— Por que, Lilliana? Me diga a razão de tudo isso de uma vez! — exigiu.
— Vai precisar de mais para me fazer dizer alguma coisa. — Os poderes de Lilliana se
elevaram e causaram um estouro tão forte que derrubaram a todos, os lançando longe, até seus
próprios guardas. — Eu cheguei muito longe para perder tudo outra vez. — Prendeu Andrew em uma
pilastra, derrubou a todos os guardas que tentavam se levantar, não importando se eram os seus ou os
deles, os mantendo imóveis e completamente paralisados no chão. — Qual das duas eu devo matar
primeiro?
Elizabeth e Annabella lançaram suas magias ao mesmo tempo, formando um grande feixe de
luz verde e vermelha, em direção às Lilliana, que fez o mesmo, e formou uma grande batalha entre as
três. Quanto mais Lilliana forçava do seu lado, mais as duas tinham que fazer esforço do delas.
— Eu tenho uma ideia. Ela deu certo uma vez e pode dar de novo — Annabella praticamente
gritou, já que o barulho ao redor delas era estrondoso. — Segura minha mão. — Elizabeth o fez, e
assim que uniram as mãos, algo aconteceu. Suas mágicas se uniram em uma só, formando uma
combinação estranha. A cor era tão branca quanto a neve, e podiam sentir que era bem mais forte do
que antes. Lançaram mais ainda os braços para a frente e viram que estavam vencendo a tirana.
Uma nova explosão se formou, mais forte que a primeira, e lançou Lilliana para longe.
Elizabeth tratou de rapidamente prendê-la em uma cápsula mágica que conteria seus poderes.
— Isso não vai segurá-la muito tempo, precisamos fazer o ritual agora — Elizabeth pontuou.
— Precisamos mantê-la imóvel primeiro. Algo bem mais forte que essa cápsula.
— Como faremos isso? Essa coisa não vai segurá-la até o fim.
A ruiva ponderou. Pensou por um instante.
Precisavam analisar a situação com cuidado. O feitiço que iam executar pra acabar com
aquilo de uma vez por todas requeria um processo mordaz e nada calmo, precisavam agir com
cautela.
Annabella e Elizabeth olharam em volta, precisavam pensar rápido, não tinham tempo a
perder. A cápsula que prendia Lilliana começou a se romper, e ela estaria livre em breve.
— Eu vou tentar contê-la o máximo que eu puder, e você tira os outros daqui.
— O quê? Elizabeth, não! Vocês vão se matar sozinhas aqui.
— Não importa se eu morrer desde que ela venha comigo.
— Eu não vou deixar você lutar sozinha, eu já disse isso! Vamos encontrar uma solução, só
precisamos conseguir uma forma de paralisá-la! — Annabella ponderou, analisou em volta e pensou.
Pensou, pensou e pensou. — Tive uma ideia. Eu li num livro que existe uma fórmula paralisante, que
congela qualquer pessoa por um tempo limitado. Tem um pouco no baú que trouxemos, eu arrumei
por precaução, mas no calor e na correira pra chegar aqui eu acabei esquecendo de pegar; está no
navio, eu posso segurá-la enquanto você se teletransporta até lá e pega, lançamos nela e realizamos o
ritual — explicou rapidamente.
— Não temos tempo pra isso.
— Vá logo, eu vou atrasá-la.
Elizabeth concordou, mas antes que pudesse agir, foi atacada. Lilliana tinha se libertado, e a
lançou para longe.
— Eu já me cansei de você, pirralha. Acha que pode me derrotar? Não consegue nem se
defender. Levou dezesseis anos para conseguir se libertar da sua prisão, e acha que agora vai chegar
aqui e tirar a minha coroa e o meu trono? Eu acho que não — gritou. Ela forçou em Elizabeth uma
quantidade tremenda de energia, o que acabou negativando os poderes da garota, e ela não conseguia
se defender. — Isso vai ser bom demais. Espero por esse dia há anos.
— Elizabeth! — Annabella gritou.
— Olhe e observe enquanto eu destruo um por um dos seus amiguinhos.
Pegou Annabella primeiro, com uma das mãos, enquanto com a outra ainda mantinha
Elizabeth presa, sufocou a garota até vê-la ficar pálida pela falta de ar. A lançou longe, a deixando
muito fraca e com dificuldade de respirar.
— Annabella… — seu pai disse em tom baixo, mas ninguém escutou. Ele se rastejava pelo
chão, muito fraco também. Queria defender a filha, mas não conseguia sequer sair do lugar.
— Oh, querido, não precisa se rastejar por atenção, tem pra você também. — Pegou Matthew
da mesma maneira que pegara Annabella antes, e o levantou no ar, o sufocando. O deixou suspenso e
levitou uma espada e a lançou na direção dele, fazendo um corte profundo na sua área abdominal.
— Não! — Annabella se forçou a gritar. Sua voz falhou no final, mas ainda assim conseguiu
expressar o desespero.
Elizabeth, de onde estava conseguiu se colocar sentada, mesmo sendo forçada a uma
quantidade extrema de energia negativa. Ela viu o banho de sangue que havia acontecido ao seu
redor. Inúmeros guardas caídos no chão, se estavam mortos ou apenas feridos ela não saberia dizer,
mas havia sangue em seus corpos, como também havia nas espadas e no chão. Ela viu a melhor
amiga, caída, chorando e sem conseguir fazer nada para salvar o pai, que havia acabado de
reencontrar, em perigo. Ela olhou para o rei e foi capaz de ver o fio da vida dele se encontrar por um
triz.
Não era aquele massacre que ela tinha em mente. Não era aquilo que ela queria ter causado.
Ela só queria libertar o seu povo, mas só conseguiu aumentar ainda mais a ira de sua madrasta, e
sabia que assim que ela terminasse com eles, descontaria nas pessoas inocentes da aldeia. Ela não
podia permitir mais isso. Não mais.
Ela havia tentado e perdido, era hora de aceitar.
— Sua cabeça vai ficar maravilhosa empalhada na minha parede, queridinho — disse a
Matthew. — Diga adeus à sua filhinha. Mas não se preocupe, se encontrarão em breve. No inferno.
— Avançou com a espada no ar novamente, mas uma voz a fez parar.
— Lilliana, pare!
— Oh, devo matar você primeiro? Sem problemas.
— Não — respondeu, fraca. — Pare com isso. Eu darei o que você quer, mas pare com isso.
— Elizabeth, o que vai fazer? — Annabella perguntou, se recuperando.
— O que é certo.
Lilliana soltou Matthew no chão, sem nenhum tipo de delicadeza. Annabella correu com
dificuldade em direção ao pai e o amparou.
— Ah, meu Deus. Vai ficar tudo bem. Eu vou… eu… — Não conseguia fazer nada, estava
fraca demais pra usar seus poderes e curá-lo, e sabia que se demorasse muito mais e aquele
sangramento não parasse, ele morreria. Bem ali, em seus braços.
— Deixe-os ir, Lilliana, eu estou aqui, é quem você quer, não é?
Lilliana prestava atenção na garota, atenta a todos os cantos, pois se ela tentasse alguma
coisa, morreria no mesmo segundo.
— Eu sei que você é muito poderosa, mas também sei que não vai resistir à tentação de uma
barganha. Você esteve atrás de uma boa vida desde sempre, não vai resistir ao que vou dizer.
— Elizabeth, não! — Ella gritou, não sabendo o que fazer com o pai ferido ao seu lado e a
melhor amiga prestes a entregar a própria cabeça.
— O que você pode me oferecer? Eu já tenho tudo. — Uma vozinha dentro da mente perversa
dizia: “pergunte, insista, faça-a abrir mão da alma dela”.
— Me leve. É o que você quer, não é? Mas, em troca solte todos os que prendeu nas
masmorras ou em qualquer outro lugar, e deixe que a família Hale volte para a casa em segurança,
todos eles. Eu fico no lugar deles, na maneira que você quiser, voltarei para a minha cela e não sairei
de lá, se você prometer não ferir mais ninguém. Pode ficar com o trono, com a coroa, tudo, eu abro
mão se você prometer parar de destruir tudo o que toca.
Lilliana ponderou. Seu lado diabólico estava considerando a ideia grandiosamente, a coroa
era tudo que ela queria. Porém, o seu lado ferido não cicatrizado do passado estava relutante, pois
esse lado sempre quis mais do apenas um título, queria fazer todos sentirem a mesma dor que ela
sentiu.
— E então, Lilliana, chegamos a um acordo? Eu sou sua se deixar a família Hale e todos os
outros inocentes saírem livres e em segurança.
26. Lutar ou Morrer – segunda parte

— Elizabeth, você não pode fazer isso! — Annabella gritou. Será que só ela via que aquilo
ela insensatez demais? Elizabeth não podia se entregar, teria lutado tanto para nada? Se ela
entregasse sua própria cabeça, sabia que Lilliana não cumpriria sua parte, mesmo que soltasse todos
os inocentes hoje, quem garantiria que não os prenderia novamente amanhã?
— Eu preciso fazer isso. Eu a subestimei, não posso lutar contra, não posso salvar o meu
reino, mas se eu puder dar a eles a chance de fugirem dela e ficarem seguros, já é alguma coisa.
— E como eles vão fugir?
Elizabeth a olhou, e Annabella entendeu na mesma hora. Ela queria que eles tirassem todos
dali, assim que selasse o acordo e eles pudessem ir embora em segurança. Elizabeth iria se entregar
para permitir que seus súditos tivessem uma chance, mínima que fosse. Aquilo poderia funcionar,
mas a longo prazo era uma péssima ideia. Lilliana não queria apenas a coroa e o poder, queria que
pessoas estivessem à mercê das suas vontades e se não houvesse ninguém, ela iria para outro lugar,
destruiria outro reino até não restar nada e seguiria em frente, para sempre.
Era um ciclo que não acabaria.
— Eu não tenho o tempo todo do mundo e não quero desperdiçá-lo com vocês.
— E não irá. Você aceita o trato? Eu, em troca das vidas que prendeu mais a da família Hale?
Eu não pude proteger o meu pai de você mas vou proteger o reino e o povo, não importa o que me
aconteça.
— Muito bem. — Lilliana sorriu, diabolicamente. — Guardas, levem essa…
Antes que pudesse terminar de dar sua ordem, uma flecha foi lançada em sua direção. Por
trás, não a viu chegando, mas não a acertou, e Elizabeth também teve tempo de desviar.
— Quem… — A rainha ia perguntar, até que viu a figura que tinha tido a coragem e a
estupidez de se meter em assuntos que, definitivamente, não eram de sua conta. — Você?!
— Thomas! — Elizabeth exclamou. — O que faz aqui, seu grande estúpido? Está querendo
morrer?
— Não sem levá-la comigo. — Olhou para Lilliana e disparou outra flecha. A atual rainha
viu que vinha bem em sua direção, mas a pegou no ar antes que pudesse atingir seu peito.
— Vocês não aprendem mesmo. — Riu, analisando a pequena flecha. — Insistem no mesmo
erro medíocre. — Quebrou o artefato em duas partes. — Acham mesmo que isso vai acabar comigo?
Thomas riu.
— Eu sabia que a flecha não ia nem fazer cócegas em você. Foi por isso que eu não me
preocupei em acertá-la, Majestade — ele contou, se apoiando no arco que usara. — Mas, eu aprendi
muito trabalhando para você e fazendo o seu trabalho sujo.
Foi então que ela percebeu. Burra. Já tinha visto aquele truque antes, ela mesma o utilizou, e
agora caíra na própria armadilha.
— Maldito! — gritou, e logo em seguida sentiu todo o corpo congelar. Água purificada com
essência de ouro. A única coisa capaz de paralisar alguém e bloquear sua magia tal como seus
movimentos.
— Elizabeth! Agora! — Thomas gritou de longe.
Elizabeth agiu. Precisava fazer aquilo naquele instante.
Ergueu as mãos para o alto e convocou todas as forças que podia. As forças da lua, do sol, de
sua mãe… Precisaria de todos eles agora.
Lembrou-se do feitiço que havia lido, relido e decorado, precisava recitá-lo sem erros. Sabia
que a magia era extremamente delicada e uma palavra errada poderia colocar tudo a perder, e ela não
tinha mais chances.
— Quod in universum viribus transform tenebras in lucem. ²
De repente, aquele terremoto de novo, e então uma ventania muito forte começou a circular.
Teria dado certo? Uma nuvem de fumaça vermelha surgiu acima deles, era um portal. Elizabeth sabia
o que precisava fazer. Pegou uma adaga que trouxe presa em seu corpete e fez um corte em sua mão, e
deixou pingar algumas gotas da lâmina, em seguida a ergueu em direção ao portal e deixou a magia
fazer o resto.
Do seu sangue havia sido feito. E dele seria desfeito.
Lilliana havia se aproveitado do poder que, involuntariamente, o sangue de sua família havia
dado a ela por tempo demais. Era hora de colocar um ponto final.
O portal começou a fabricar uma espécie de luz, e de dentro dele saiu algo tão forte que só de
passar por Elizabeth, a ergueu alguns centímetros do chão.
A nuvem vermelha cobriu as duas, e madrasta e enteada ficaram presas.
— Elizabeth! — Annabella gritou.
— Anna...bella — seu pai disse baixinho. — Vá.
— Não, eu vou ficar aqui, com você… pai — disse a ele.
— Vá. Acabe com isso. E-eu… acredito… — gemeu de dor, mas resistia bravamente — em
você.
Annabella sorriu entre as lágrimas e se levantou. Correu até a grande nuvem de fumaça com
dificuldade, o vento estava muito forte, mas ela conseguiu. Atravessou a vermelhidão e encontrou
Elizabeth olhando pra cima.
— Não está funcionando! Já era pra ter acabado. Eu não entendo. Recitei o feitiço certo, o
portal abriu, por que não funciona?
Annabella olhou para a abertura no portal, tinha algo errado com ele. Ela leu aquele feitiço
com Elizabeth pelo menos umas vinte vezes enquanto treinavam nos dias que se antecederam aquele
momento, sabia que tinha que sair do portal tanto a luz quanto as trevas, pois apenas luz não destrói o
que é sombrio. Só trevas podem destruir as trevas, a luz apenas a contém e a impede de se proliferar,
e nesse caso, a impediria de voltar.
Tentou pensar rápido, era uma equação complicada de se resolver, mas ia achar a resposta. O
que poderia estar dando errado? Pense na resolução matemática, Annabella. O que somar àquele
problema para obter a resposta que deseja?
— Já sei! — exclamou. — Precisamos unir nossas forças, na primeira vez que fizemos isso
deu certo, na última também, se nos unirmos e recitarmos o feitiço novamente dará certo, tenho
certeza. — Estendeu a mão para a melhor amiga e juntas olharam para o portal e recitaram o feitiço
novamente. Recitaram o encantamento em uníssono. Recitaram várias vezes para ter certeza de que
daria certo.
E deu. O portal correspondeu ao pedido e elas puderam ver, em sua forma bruta, a magia de
luz e trevas, brigando para ver quem resistiria. Em nenhum momento as duas princesas ousaram
soltar suas mãos. Sabiam que eram muito mais poderosas juntas, deviam ter entendido isso desde o
início.
Deviam ter feito isso desde o momento em que pisaram no castelo, não tentado cada uma,
separadamente, vencer. Deviam ter tentado juntas desde o começo. Foi o primeiro erro delas, não
terem agido unidas. Mas, felizmente, quisera o universo dar-lhes a chance de consertar isso a tempo e
salvar a todos.
O portal puxou Lilliana para si, ainda sem conseguir se mexer, e parecia estar lhe sugando o
poder. Ela conseguiu ver os olhos de tom carmim brilhando entre a névoa. Se lembrou das palavras
de Grinllith. O preço a pagar. Seu cabelo começou a flutuar, e a cena parecia rodar em câmera lenta.
Começou com a pele, causando uma sensação de queimação por dentro, em seguida seus olhos, que
haviam se tornado de um tom vermelho sangue, agora voltaram a sua cor normal, castanho escuro, e
também ardiam. Sua expressão facial, antes carregada pelo ódio, agora parecia cansada, como se
naquele processo, tivesse envelhecido muitos anos.
— Está funcionando? — Ella perguntou, em tom alto devido ao barulho.
— Está! O portal vai sugar o poder dela e destruí-lo.
— Malditas! — Lilliana gritou, tentando se libertar sem sucesso.
— Isso é por ter matado o meu pai!
— E por ter me tirado da minha família. Por ter causado aos meus pais a dor mais terrível, e
por tantos outros crimes.
A velocidade das forças do portal aumentou bruscamente, rodeavam a — agora não mais —
rainha com uma força quase violenta.
— Prepare-se para a explosão. — Elizabeth riu, cobrindo os olhos. Annabella fez o mesmo.
A nuvem vermelha estremeceu, e em seguida desapareceu da mesma forma que havia aparecido. O
barulho foi estrondoso.
— Deu certo?
— Deu! Ela está completamente sem poderes. — Se virou para Lilliana no chão,
completamente debilitada, sem poderes não parecia tão assustadora, apenas… uma mulher com medo
e com dor explícita nos olhos. Ela já não era mais uma preocupação. Elizabeth e Annabella se
olharam e se abraçaram. Tinham vencido. Tinha dado certo.
Um gemido de dor invadiu os ouvidos da garota e ela se lembrou de algo. Ou melhor, de
alguém.
— Ah, não.
E saiu correndo até ele. Se ajoelhou ao lado de seu pai, que estava lutando pela vida.
— Pai! — Tocou o ferimento dele, o ouvindo gemer mais alto. — Não, não, não, fica comigo,
vai ficar tudo bem. Vamos… te curar. — Ela estendeu as mãos para usar magia nele, mas não
conseguiu nada, sua magia não estava funcionando. — Por que não funciona? — Tentou de novo.
Elizabeth viu a espada que feriu o rei caída ao lado dele, e passou a mão por ela e sentiu o
que havia de errado.
— A espada está impregnada de veneno. Não podemos curá-lo com mágica, não tem efeito —
disse, com pesar.
— O quê? Não, não, não, tem que haver um jeito. Qualquer um. — Ela começou a chorar.
Não podia perder seu pai, não agora, depois de tanto tempo longe dele. Estavam finalmente juntos,
ele não podia morrer agora. Como ela ficaria? E seu irmão? E pior, sua mãe? Ele tinha prometido
que voltaria, e ele ia voltar. Bem. Com vida. E viveria muitos anos mais. Com eles.
— Vo-cê… foi… muito forte, minha menina… — O rei não conseguia falar direito. — Sei
que… cuidará bem da… nossa família. Por favor… diga a sua mãe e seu irmão… que eu os amo
mais que...
— Não, não. Você vai dizer, você vai cuidar da nossa família. Por favor, pai, lute! Não pode
se entregar. Eu não posso… te perder agora… Por favor… Eu não estou pronta… Fique comigo, pai,
por favor… — Chorava desesperada vendo o pai morrer lentamente em seus braços. Não estava
pronta para perdê-lo. Não iria perdê-lo. Não aguentaria essa dor. Já havia perdido pessoas demais
para perdê-lo também. — Por favor…
— Dê isso a ele — uma voz interrompeu. Era Thomas, que havia ficado quieto até então.
— O que é isso? — Elizabeth perguntou, pegando o frasco da mão dele.
— Eu peguei das coisas dela. — Olhou para Lilliana, ainda caída no chão. — Eu não sei bem
o que é, mas são coisas que ela guardava para o caso de cair nas suas próprias artimanhas. Mas deem
rápido, e façam um curativo para estancar o sangue.
As meninas obedeceram. Annabella ergueu o pescoço do pai e o fez beber tudo. Pela cara que
ele fez, devia ter um gosto horrível. Elizabeth tratou de rasgar um pedaço da roupa dele e expor o
ferimento, e em seguida, pegou um pedaço considerável do forro do seu vestido e fez um curativo,
tomando o cuidado de limpar antes.
— Vai ficar tudo bem, pai, eu prometo. Quando chegarmos em casa você vai ser cuidado
pelos melhores médicos do reino, vai ficar tudo bem.
— Isso vai parar o sangramento, não sei exatamente o que essa poção que ele tomou faz, mas
tem um cheiro forte de raiz de mandrágora, então vai ajudá-lo a se curar. — Viu a expressão da
amiga suavizar.
Em seguida mirou Thomas, curiosa sobre a razão pela qual estava ali.
— O que veio fazer aqui, Thomas? Como chegou?
— Depois que você saiu da minha casa… eu tive muito em que pensar. Precisava reparar
meus erros, mas não podia fazer isso sem eliminar a raiz do problema, então embarquei
clandestinamente em um navio para cá dois dias atrás, cheguei hoje pela madrugada. Conhecia todas
as entradas do castelo, então invadi pelos fundos, entrei no quarto dela e foi onde peguei os
ingredientes para fazer a mistura paralisante e algumas outras coisas, incluindo as flechas e o arco.
— Por quê?
— Elizabeth, eu sei que a decepcionei, não só você, mas a todos. Eu me arrependo
profundamente de tudo que causei em nome dela. Não teve um dia em que eu não me martirizasse
pelo que fiz, e em cada dia da minha vida miserável eu deveria ter dito a alguém a verdade, mas fui
covarde. E eu não serei mais. Eu não vou pedir uma nova chance, nem vou implorar pelo seu perdão,
pois não existe perdão, mas eu vou fazer o impossível reparar cada erro meu. — Elizabeth não sabia
o que dizer. Thomas havia sido a primeira e única pessoa em quem confiou a vida inteira, e mesmo
sabendo de tudo que ele havia feito, parte dela sempre veria aquele homem como a única figura
familiar que teve. Ele então encarou Annabella. — Annabella, não existem desculpas para o que fiz a
você, mas saiba que eu me arrependo profundamente. E por isso, eu venho me entregar para que sua
família decida o que farão comigo.
— O quê? — a garota perguntou confusa, sem entender o que, exatamente, aquilo significava.
Embora tivesse suspeitas de onde ele queria chegar.
— Execução. O que cometi é traição, devo perder a cabeça por isso. Permitam que eu vá
acertar minha dívida com Grinllith para que ela torture minha alma por toda a eternidade.
— Eu não sei se perdi algo por aqui, mas… — Andrew finalmente se pronunciou, tinha
conseguido se levantar, e graças aos céus estava sem nenhum ferimento. Bom, quase nenhum. Mas
todos eram arranhões superficiais, nada a se preocupar. — O que ele fez para merecer ser
executado?
— Fui eu, meu lorde, que sequestrei a princesa Annabella tantos anos atrás — confessou.
— O quê? — o chanceler gritou. — Tem razão, acho que devíamos mesmo executá-lo. —
Olhou para Matthew, que já aparentava estar melhor, afinal já estava sentado.
— Ninguém vai ser executado! — Annabella se impôs. — Thomas, você cometeu, sim, um
pecado ao fazer o que fez, mas eu consigo entender. Lilliana teria me matado se você tivesse me
deixado lá, você agiu errado, mas também foi quem me devolveu para a minha família. Se não fosse
por você ter confessado a verdade, eu jamais teria voltado para a casa para encontrar meus pais e
meu irmão. Por isso, eu digo que o perdoo por seus crimes. Já perdemos o suficiente, não acham? —
Ela olhou para o pai. — Tudo que eu quero agora é voltar para a casa e aproveitar essa nova chance
com a minha mãe, meu irmão e… meu pai — confessou, sorrindo pra ele entre lágrimas, esperando
que dissesse algo.
— Me ajude a levantar, Andrew — o rei pediu, apoiando-se no amigo e recebendo amparo
da filha para conseguir se manter em pé, pois mesmo se sentindo mais forte, não deveria esforçar-se
demais. Ele olhou para Thomas e, então, se pronunciou: — Quando tirou minha filha de mim, me
causou um mal tão grande que, pela primeira vez em toda a vida, eu fiz algo que jurei jamais fazer
enquanto vivesse: eu matei uma pessoa a sangue frio, um de vocês, com minhas próprias mãos e
jamais pensei que faria isso. Tudo o que aconteceu separou minha família, me afastou de minha
esposa e de meu filho. Como rei, eu o mandaria para a guilhotina por perfídia sem pestanejar. — Ele
fez uma pausa. Olhou para a filha que o olhava firme, ansiosa querendo saber qual seria a decisão
que ele tomaria. — Entretanto… Você salvou a vida da minha filha, a minha, e de todos. E, como
minha filha disse, já perdemos o suficiente. Eu o declaro livre. Esqueçamos o passado.
Annabella o olhou e sorriu, em seguida o abraçou. Sabia o motivo de seu pai estar fazendo
aquilo. Ele queria recomeçar, e não queria que a nova vida deles começasse assim. Ele tinha tido
uma segunda chance de reconstruir a família, o passado já não importava mais. A verdadeira culpava
já havia sido detida.
Um momento.
— Lilliana — Annabella falou. — Temos que prendê-la, ou pode escapar.
— Ela não vai.
Elizabeth caminhou até ela, fez surgir um par de algemas e passou nos punhos da ex-madrasta.
Estava tão vulnerável que nem sequer tentou lutar.
— Espere — Matthew pediu. — Quero perguntar algo a ela.
— Matthew…
— Pai…
— Eu estou bem.
Com dificuldade, ele caminhou até a mulher, a encarou nos olhos e viu ali a mesma pessoa
que conheceu tantos anos atrás, só que com uma expressão muito cansada.
— Me matem logo — ela pediu, sendo segurada por Elizabeth.
— Não tenho razão para ser gentil com você — a ruiva afirmou.
— Eu só quero saber: Por quê? Por que fez tudo isso, Lilliana? Isso é só por que eu não quis
me casar com você? — o rei questionou.
Ela riu, ironicamente.
— Acha mesmo que isso tudo é por sua causa? Claro que acha, narcisista como sempre. Só
pensa em você, não é, Matthew? Todos na sua família sempre foram assim, por que você seria
diferente? — Revirou os olhos. — Vai muito além. Por culpa da sua maldita família, eu perdi tudo.
Minha mãe morreu, depressiva, ao me dar à luz porque o meu pai não estava lá para apoiá-la, porque
estava lutando em nome do seu pai, e ninguém naquele maldito castelo jamais se preocupou em
cuidar dela. Claro, na mesma época, todos estavam preocupados com o bem-estar do principezinho
recém-nascido, quem ligaria para a esposa de um homem que nem pertencia a família de verdade?
Podiam ao menos ter enviado esse homem para casa, onde a esposa grávida estava, mesmo que ela
ainda assim morresse após ao parto, a família teria a desculpa medíocre de que fizeram o que
podiam. Depois, meu pai morreu, em mais uma guerrinha causada por quem? Seu pai. Enquanto o
grande rei ficava a salvo se escondendo, eu vi meu pai em uma maca, completamente debilitado,
morrer na minha frente. Eu não tinha nem sete anos!
— Seu pai morreu servindo ao reino que ele amava. E nunca te deixamos desamparada. Você
tinha tudo no palácio, Lilliana!
— O reino que ele amava? Pode até ser, mas ele fazia isso porque o seu pai o obrigava! Eu li
as cartas que meu pai escreveu e ninguém jamais me entregou, claro, lá ele confessava seus maiores
medos, suas angústias, a razão de sua raiva, o que isso poderia causar, não é verdade? Ele lutava em
nome de um covarde, que causava guerras e mandava outras pessoas lutarem em seu nome, e quando
vencia, levava todo o crédito. Sua família nunca cuidou de mim, eu era apenas uma espécie de troféu
indesejado, que não podiam jogar fora, eu nunca me senti acolhida naquele lugar!
— Eu sinto muito pelo que aconteceu com o seu pai. Mas ele é considerado um herói de Porto
Vermelho até hoje. Meu pai cometeu erros, todo rei comete, mas eu não tive culpa. Por que
prejudicar tanto a minha família? Se você sentia ódio, raiva ou desprezo por alguém, esse alguém
morreu há quase vinte anos!
Ela riu ironicamente.
— Eu sempre fui uma pessoa que me contentava com o que tinha, e eu sempre soube que a
única certeza na minha vida era de que um dia eu seria rainha. Quando você ignorou tudo isso, sem
nem se importar com a droga dos meus sentimentos, quando implorou para o seu pai para que não se
casar comigo, eu tentei ignorar aquele fato, tentei esquecer, mas ficou cravado em mim. Todos no
reino sempre souberam que eu era a primeira na fila para ser sua esposa, e você sabe como as
pessoas são, não preciso descrever os tipos de absurdos que escutei, todos com quem eu ousava me
aproximar, com quem falava, me diziam o mesmo: como posso me casar com alguém que foi
rejeitada por um príncipe? — Ela o encarou.
— Eu lamento por tudo isso, de verdade. Eu sinto muito que as coisas tenham acontecido
dessa forma para você, e lamento que a maneira que meu pai regia o reino tenha te afetado tanto, e eu
juro que se pudesse voltar no tempo eu gostaria de ter vistos os sinais. Por que nunca veio falar
comigo? Eu poderia ter te ajudado a superar isso, não precisaria ter sido assim.
— Ninguém poderia me ajudar. Rumores correm rápido demais. O problema era eu! É
sempre assim, não é? Sempre foi. Eu não tinha mais nada. Por causa da sua família, eu perdi tudo. E
foi quando eu percebi que pessoas sem poder não chegam a lugar nenhum. Se você nasceu sem nada,
vai morrer sem nada. — Matthew engoliu em seco, não por não ter o que dizer e por estar dando
razão a ela, mas por saber que nada que ele dissesse mudaria a situação, nada do que aconteceu seria
desfeito com meras palavras. Prosseguiu, então, com o questionamento:
— E por que causar tanto mal à Elizabeth e sua família? Eles eram inocentes.
— Eles foram apenas os peões que eu precisava para chegar aonde queria. Quando se quer
poder, você faz o que for necessário para alcançá-lo. Se soubesse como foi fácil enganar o pai
dela… — Elizabeth puxou os braços dela para trás.
— Já chega! Vou levá-la agora mesmo para sua cela, decidirei o que fazer com você mais
tarde.
— Já soltamos todos os súditos presos nos calabouços — ela contou. — Precisamos
trabalhar agora para reconstruir esse reino.
— Tem mais uma coisa que devemos fazer antes — Thomas disse.
— O quê?
— Me sigam.
O homem os levou até o segundo andar do palácio, no quarto da antiga rainha. Havia um
quadro enorme na parede, e quando Thomas tocou na grande rosa dourada que ficava na moldura,
uma parede secreta se abriu.
— O que é isso?
— É a cripta dela. Onde ela guardava todas as coisas importantes. — Mostrou o local, cheio
de poções, ingredientes e principalmente, várias e várias pequenas caixinhas.
— O que tem aqui? — Elizabeth abriu uma delas.
— São pequenos pomos onde ela guarda… as mentes dos empregados do palácio.
— As mentes?
— Não o cerébro em si. Ela tinha sob controle a mente de cada um que vive nesse palácio,
como tirar a memória de alguém, porém, dentro desses pomos, ela guarda toda e qualquer
personalidade das pessoas, e assim, faz com todo mundo a obedeça. Eu já a vi fazer isso, nos
primeiros minutos, a pessoa parece estar hipnotizada, depois, parece ter recuperado a consciência,
mas mal sabe que está sendo controlada.
— Meu Deus… — Annabella estava espantada. — Isso é uma barbárie!
— Ela te controlava também, Thomas? — Elizabeth quis saber.
— Literalmente, não. Mas ela tinha minha mente e meu coração de uma forma diferente,
talvez pior — confessou. — Mas isso ficou no passado, ela mesma matou qualquer coisa que um dia
eu possa ter pensado sentir por ela.
— Precisamos devolver esses… essas… mentes aos donos. Mas como saber qual pertence a
quem?
— Eu imagino que você só precisa libertar o que há dentro de cada pomo, e ela encontrará
seu caminho. Afinal, cada mente pertence a um ser e somente a ele.
Ela fez isso na sala do trono, pediu que Thomas, já que era conhecido por todos ali, que
juntasse cada criado, arrumadeira, guarda e um a um, ela fez o que ele sugeriu; funcionou, e assim,
pessoa por pessoa foi voltando a controlar seus pensamentos e seu caráter, era como se acordasse de
um transe e não soubesse o que havia feito todo esse tempo. Mas durava pouco, e então se
lembravam.
Após devolver a última delas, ela só tinha mais uma coisa a fazer. Precisava quebrar o feitiço
que Lilliana havia jogado no reino e fazer com todos se lembrassem dela, para então assumir seu
lugar como rainha e enfim poder restaurar tudo.
— Ella, se importa em me ajudar? — pediu, fazendo surgir um caldeirão e alguns fracos com
ingredientes para poção da memória. Agradeceu aos céus por ter aprendido a fazer isso no
treinamento com Florence e os outros feiticeiros. — Quando eu disser o feitiço, nós duas lançamos a
magia no caldeirão, tudo bem? — Ella concordou. — Das mentes apagadas, traga de volta o que
lhe foi tirado. — Sinalizou para Annabella e ambas lançaram a magia no caldeirão, e uma fumaça
tomou conta do lugar, se espalhando por todo o ar, até mesmo fora do castelo, e ela pôde ver todos os
guardas colocarem a mão na cabeça como se estivessem se lembrando de algo.
Ela saiu na sacada do palácio e viu que a fumaça estava alcançando toda a extensão do reino.
— Meu Deus! — alguém de dentro do castelo exclamou. Em seguida vários outros também
fizeram o mesmo. Assim que a fumaça se esvaiu, ela se voltou para que os que estavam dentro do
castelo.
— Vocês se lembram de algo?
— Eu me lembro de tudo — um guarda exprimiu. — A princesa… Elizabeth…
— Ótimo — Thomas tomou a voz. Ele se posicionou na frente de todos, com Elizabeth a seu
lado, e começou a falar: — Saibam que esta tarde, a rainha Lilliana Keyes, uma usurpadora ao trono
das Ilhas Gálidas, caiu. Hoje, um novo reinado se inicia. Me permitam apresentar-lhes nossa nova
governante, Vossa Majestade Real, princesa… digo, rainha Elizabeth Amherst, filha de Stefan e
Arianna Amherst, que a partir de hoje guiará esta nação com sabedoria e justiça, e restaurará o que
foi destruído. — Ele se ajoelhou em frente a ela, e todos os outros na mesma hora fizeram o mesmo.
Ninguém duvidou que ela era realmente a filha do rei, a semelhança com a falecida rainha Arianna
era gritante, eram quase a mesma pessoa.
— Vida longa à rainha — todos disseram, em seguida aplaudiram.

No dia seguinte a tudo que ocorreu, a família Hale e seus guardas haviam de retornar para
casa. Todos não aguentavam de ansiedade, principalmente Matthew, que não via a hora de ver o filho
e a esposa novamente, e Annabella, que agora, depois de tudo que passou, se sentia pronta para
enfrentar a qualquer coisa.
— Não se esqueça de escrever — Ella disse, abraçada à Elizabeth, ao se despedir.
— Pode deixar. E mandarei em breve um convite formal para a coroação oficial, assim que
conseguirmos colocar tudo nos eixos por aqui.
— E quanto à Lilliana, o que você fará?
— Estamos analisando as opções ainda, por ora ela permanecerá presa, colocamos guardas
em todas as saídas, ela não tem como fugir. E sem magia, nem vai tentar.
— Estamos prontos para embarcar, Majestade — o capitão anunciou ao rei.
— Ótimo. Obrigado, Stuart. — Sinalizou ao capitão. — Temos que ir. Elizabeth —
reverenciou-se, e a rainha fez o mesmo —, não deixe de manter contato. Saiba que pode contar
conosco para o que precisar.
— Eu agradeço, Majestade.
— Vamos, minha filha?
— Claro. E, quando chegarmos em casa, o levaremos direto para ver um médico, apenas para
ter certeza de que está realmente bem — disse firme. — Céus, não quero nem ver a bronca que vai
levar da mamãe por isso. — Apontou para o ferimento.
— Nem me fale nisso. — O rei suou frio. Já podia ouvir sua esposa gritando: “Eu disse para
você tomar cuidado, Matthew Hale! Se você morresse eu teria que te trazer de volta só para te
matar novamente com minhas próprias mãos para aprender a ouvir ao que sua esposa diz!”. Deus,
não queria nem pensar nisso. Alycia, no melhor dos sentidos, o apavorava quando ficava nervosa por
ele não fazer o que ela pedia, principalmente porque isso geralmente envolvia tomar conta de si
mesmo.
Annabella abraçou a amiga uma última vez.
— Não é um adeus, vamos nos ver novamente — a ruiva disse.
— Não tenho dúvidas disso. Assim como tenho a certeza de que será uma grande rainha.
— E você também. Agora, vá. Seu reino precisa de você. — Sorriu. — Escreverei em breve.
— Eu também. — Se virou para o barco, pronta para embarcar. — Ei, Liz. — A ruiva a
olhou. — Você acha que a visão de Florence se cumpriu? Afinal, ela mesma disse que suas visões
podem querer dizer mais do que mostram.
— Acho que, neste caso, se cumpriu, sim. De qualquer forma, ficaremos atentas. — Sorriu
para a amiga.
— Com certeza.
Annabella embarcou no navio e se despediu daquele lugar. Sabia que, se um dia retornasse,
não encontraria mais aquela destruição, e sim aquilo que dizia nos livros, alegria e felicidade.
O navio zarpou do porto, em direção a Porto Vermelho. Havia dado tudo certo. Estavam indo
para casa. Onde enfrentariam novos desafios. Mas, com sorte, esses seriam mais fáceis de lidar. Ela
estava nervosa, de fato, em ser anunciada formalmente a seu povo, como eles reagiriam a isso? Ela
estava pronta para assumir esse posto? Conseguiria enfrentar esse desafio?
Claro que conseguiria, ou, pelo menos, daria seu máximo para conseguir.
— Vai dar tudo certo — seu pai disse, se aproximando.
— Vai, não é?
— Com certeza. — Ele sorriu.
Daria tudo certo no final. Disso não tinham dúvida. O destino a frente seria brilhante.
Afinal, não tinha como não dar. Estariam em casa.
Olhando o grande horizonte azul e sentindo a suave brisa bater em seu rosto, Annabella nem
sequer imaginava que tipo de surpresas a aguardavam em casa.

². do latim: que as forças do universo transformem a escuridão em luz.


LIVRO TRÊS

— lar

“Tenha coragem, e seja gentil, e tudo ficará bem.”

— Cinderella, 2015
Walt Disney Studios©
27. Uma Coroa Para Uma Princesa

— O que faremos em relação a isso, mãe? — o jovem príncipe perguntou. Tinham acabado
de receber uma notícia que abalara a ambos. Todas as surpresas eram inesperadas, ou não seriam
surpresas, mas aquela atingiu o limite.
— Bom, podemos seguir a ideia do tio dela e contar a verdade em seu aniversário.
— Mas assim apenas? Mãe, é a Dahlia quem retornou, ela está viva, e é mãe dela também,
precisa de mais do que apenas isso — Nick comentou. — Precisa ser algo grande.
Alycia ponderou. Como faria aquilo?
Em nenhum momento sequer pensou em esconder a verdade, isso jamais, pois mesmo que a
ferida fosse enorme em seu peito por ter perdido sua filha por tantos anos, sabia que houve alguém lá
fora que cuidou e lhe deu amor e carinho, e ela seria eternamente grata.
Então, como se algo se acendesse na mente dela, uma ideia surgiu.
— Tive uma ideia. Como não pensei nisso antes? — indagou-se, sentindo-se tola. — Um
baile. Uma festa dupla, comemorando o retorno de Annabella para a casa e seu aniversário. E claro,
a coroação dela como princesa.
— Então uma festa tripla, neste caso?
— Sim. — Sorriu. Daria uma festa, a maior festa que aquele reino já havia visto. E tinha
menos de dois dias para preparar. Mas isso não era problema, planejara festas grandiosas em menos
tempo. — Precisamos de flores, muitas flores…
— As favoritas dela são rosas — Nick acelerou-se em dizer.
— Perfeito. — Acenou para uma criada e pediu que falasse com o florista real para que
preparasse a maior quantidade de rosas que conseguisse. — Vamos contratar a orquestra real como
sempre fazemos, e precisamos da melhor tapeçaria desse castelo para colocar no salão. Vou mandar
trocar o lustre também, colocar um novo. — Conforme a rainha ia falando, Nicholas foi se perdendo.
Quando sua mãe entrava no modo concentrada, somente ela era capaz de se entender. Era por isso
que Matthew sempre deixava esse tipo de evento para a esposa organizar, uma vez que era
extremamente metódica e sabia exatamente o que fazer.
Durante a juventude, a atual rainha de Porto Vermelho sempre observava e ajudava a mãe a
organizar as festas no ducado de Lestery, e eram festas grandiosas, que todo o reino esperava meses
para comparecer. A falecida duquesa Anna sabia como festejar, e isso era uma verdade irrefutável.
Quando se casou com Matthew e se tornou rainha, davam no palácio uma festa mais
memorável do que a anterior, e era sempre ela quem organizava. Entretanto, após o desaparecimento
de Annabella, pararam com tais eventos, retornando somente quase três anos depois, pois nem
mesmo o aniversário de Nicholas haviam comemorado abertamente por medo, apenas algo entre eles,
e como o garoto era um bebê, nem percebera. Mas agora, tinham motivos para comemorar
novamente, e tinha de ser mais do que apenas grandioso. Tinha que ser espetacular, algo para se
lembrar na história nos próximos cem anos.
Passaram quase a manhã toda assim, parando somente quando serviram o almoço. Já havia
quase cinco dias que estavam almoçando sozinhos, contando uma vez ou outra com a presença de
Grace. A loira estava perdida no trabalho, na verdade, enfurnada, pois sabia tanto quanto Alycia dos
riscos que seus maridos estavam correndo, mas ela também sabia que Andrew, sendo o braço direito
do rei, se colocaria na frente de qualquer espada para protegê-lo, portanto seu risco duplicava, para
se dizer pouco.
— Eu não aguento mais esperar para saber o que aconteceu — Nick disse, ansioso.
— Eu também não, filho. Eles já deviam ter voltado, pois chegaram às Ilhas Gálidas três dias
atrás, não é possível que ainda estejam brigando. São quase dois dias de viagem, eu espero que
cheguem antes de amanhã — comentou, esperançosa. Queria ver, abraçar e beijar o marido e a filha,
estava morta de saudades e preocupação, mas principalmente porque não queria passar mais um
aniversário de sua filha longe dela, já havia passado por isso vezes demais. Em dois dias, Annabella
completaria dezessete anos, e ela queria estar lá para comemorar com ela.
— Majestade. — Um dos guardas se aproximou. — Acabaram de avistar o navio real aportar
— avisou.
Alycia se sentiu aliviada. Eles haviam voltado. Só restava saber se todos haviam retornado
bem.
— Obrigada, Berkley — agradeceu ao guarda. — Vamos esperá-los na sala do trono.
Alycia e Nicholas desceram rapidamente, e lá embaixo se encontraram com Grace, que já
estava tão ansiosa quanto desacreditada. Deuses, como queria que seu marido passasse por aquela
porta com vida.
Se passaram apenas quinze minutos, mas para a família, parecia que havia sido uma
eternidade, pois a ansiedade tomava conta deles. Ouviram o relinchar dos cavalos, e souberam que
haviam chegado.
Em pé, no final do salão, esperavam pelo abrir da porta. Quando aconteceu, avistaram os
guardas entrando, perfeitamente enfileirados e se posicionaram da maneira como sempre faziam.
Logo atrás, vieram os três. Vivos. Annabella, Matthew e Andrew.
A família sorriu. Andrew foi o primeiro a correr, indo direto para sua esposa e lhe dando um
beijo cheio de saudade. Annabella avistou a mãe e o irmão, e correu em direção aos dois,
abraçando-os.
— Você está bem? — Sua mãe quis se certificar.
— Mais do que bem. Garanto. — Abraçou-lhe novamente, recebendo beijos na bochecha em
sequência.
— Ah, por favor, não me digam que nos deram tão pouco crédito achando que voltaríamos
mortos? — questionou Matthew, brincando. Se aproximou do filho e abraçou o garoto, e, logo em
seguida, se virou para a esposa. Se aproximou dela e tocou seu rosto, delicadamente. — Eu disse que
voltaria pra você. — Sorriu.
— Preciso começar a acreditar em você. — E o beijou, abraçando seu pescoço e sendo
erguida no ar por ele. Ao fazer tal ato, sentiu uma dor no abdômen, e Alycia sentiu-o gemer entre o
beijo. E ela reconheceu como um gemido de dor, pois era diferente dos outros. Ela mesma se
empurrou para o chão, olhando séria para o marido em seguida. — O que foi isso?
— Ah, verdade. — Não foi ele que respondeu, foi Annabella. — Você está indo direto para a
enfermaria — avisou ao pai, e seu tom era de ordem.
— O que aconteceu? — Alycia exigiu saber.
— Ele se feriu — a princesa respondeu.
— Não foi nada — o rei garantiu.
— Não foi nada porque graças aos céus tínhamos aquele remédio, caso contrário você
poderia ter morrido, pai — a princesa disse, e não foi nada delicada. Seu tom era uma mistura de
medo, preocupação e raiva pela teimosia do mais velho de insistir que não era nada. — Precisa ser
examinado por um médico. Para enfermaria, já!
— Eu iria logo se fosse você, Hale, a menos que queira ser arrastado por essas duas
mulheres nada satisfeitas com sua teimosia — Andrew brincou, mas logo em seguida se arrependeu.
— O senhor também vai, tratar de passar alguma coisa nesses cortes horríveis — Grace lhe
ordenou.
— Sim, senhora. — Nem tentou sequer discutir, sabia que seria inútil, de qualquer maneira.
Os dois homens seguiram para a ala médica, com a família logo atrás. Enquanto uma
enfermeira fazia os curativos em Andrew, o médico examinava o ferimento de Matthew.
Por fora, era uma coisa nada agradável de se ver, mas parecia já haver cicatrizado por
dentro. O doutor Collier não fazia ideia de como magia funcionava, mas não havia sinais de
sangramento interno, e a dor era apenas superficial, então sabia que por dentro estava tudo nos
conformes.
— Está tudo bem mesmo, Collier? — Alycia quis saber, enquanto segurava a mão do marido
e lhe fazia um carinho, preocupada. Sempre fora assim, até mesmo quando ele se cortava com uma
simples faca.
— Sim, Majestade, não se preocupe. Contudo, irei recomendar esse remédio. — Entregou a
ela um frasco que continha dentro uma pasta, um tipo de creme. — Vai ajudar com a cicatrização
exterior, e evitar uma possível cicatriz, ou, pelo menos, evitar uma muito feia. Mas fora isso, está
tudo perfeitamente bem.
— Eu disse que não era nada, mas essas duas aqui são piores do que sei lá o quê —
provocou o rei.
— Ah, nos julgue por ficarmos preocupadas com o seu bem-estar, mal-agradecido —
devolveu a rainha.
— Não falaria que não foi nada se tivesse se visto do jeito que eu vi, pai — Annabella falou
pela primeira vez desde o salão. O rei logo se sentiu culpado pela brincadeira. — Pensei que fosse
te perder… quando vi todo aquele sangue, eu… — ela conseguiu dizer, com um grande nó na
garganta.
— Oh, minha princesa, vem aqui. — Abriu o braço direito e ela se encaixou ali, se sentindo
segura. — Você não vai me perder nunca, tudo bem? Nenhum de vocês. Vão ter que me aturar por
muitos anos ainda. Um dia, todos vamos morrer, mas nunca perderemos um ao outro, e sabe por quê?
— perguntou. — Porque somos uma família, e nos amamos. E isso nos manterá unidos para sempre.
— Abriu o outro braço para a esposa e a abraçou também, estendendo em seguida a mão para o filho,
já que não dispunha de mais braços livres, infelizmente. O garoto apertou a mão do pai, também
sentindo uma mistura de alívio e conforto.
— Eu amo vocês — Annabella disse. — Devia ter dito isso desde o primeiro momento,
quando os reencontrei.
— Não importa, o que vale é que agora estamos juntos. Nós amamos você também — o rei
disse, dando um beijo na testa da filha. — Vocês dois. — Olhou para o filho. — E amo você,
também, minha rainha. — Ergueu o rosto da mulher, que estava em seu peito, e lhe deu um selinho.
— Eu amo você. — Sorriu. — Bom, já que você está bem, acho que podemos nos preocupar
com a festa que daremos daqui dois dias.
Antes que alguém pudesse se manifestar, Annabella se adiantou:
— Festa? Vamos comemorar alguma coisa? — indagou.
— Claro, sua boba — Nicholas provocou, recebendo um tapa no braço em troca. — Ei!
— Vamos sim, filha — a rainha pronunciou. E então ela percebeu: Annabella não se lembrava
o que aconteceria dali dois dias.
— O que vai acontecer daqui dois dias? — a princesa perguntou novamente.
— Filha, é seu aniversário. — A expressão de Ella se tornou confusa ao ouvir a mãe. Seu
aniversário? Mas…
— Meu Deus! — exclamou, lembrando-se. — Eu estive tão preocupada com tudo que
aconteceu nos últimos dias que nem me lembrava que já estávamos em setembro.
— Não faz mal, querida. Nós sabemos que você esteve concentrada em tudo que aconteceu, o
que quero saber tudo depois, aliás. Mas, agora vamos nos preocupar em preparar tudo, faremos o
anúncio de seu retorno e a apresentaremos oficialmente ao reino no baile, e no final da noite,
realizaremos sua coroação. O que você acha, meu bem? — Olhou para o marido, mas antes que ele
pudesse responder, ela continuou: — Ah, e me lembre também de falar com você sobre outra
coisinha.
— Estou vendo que perdi muita coisa por aqui — brincou o rei.
Em seguida, todos voltaram para dentro do palácio, onde conversariam sobre tudo que
aconteceu nos dias em que estiveram separados.

— Eu tenho mesmo que usar isso? — a princesa reclamou, ao sentir-se sufocada com o
espartilho. — Parece que meus pulmões vão pular para fora! — exclamou. Alycia, que estava no
quarto ajudando a filha a se arrumar, com o auxílio de duas criadas, deu um risinho.
— Deixe-me ajudar. — Se aproximou e afrouxou um pouco os fios, deixando a menina mais
confortável. — Melhor?
— Muito obrigada — respondeu, ao conseguir respirar direito. Se olhou no espelho, vendo
como estava vestida de uma maneira que jamais se vestiu antes. Estava reparando como a vida de
princesa era totalmente diferente da vida que conhecia. Antes, jamais teve que usar um espartilho, e
agora, a peça seria parte de sua rotina, aparentemente. — Por que eu preciso usar essa coisa?
— Eles não são de todo ruim — a rainha comentou. — Ajudam a manter a postura e te
mantém firme pois dão estabilidade, e o vestido fica melhor no corpo com eles. E valorizam a nossa
silhueta. Só não os aperte demais, ou realmente ficará sem ar.
— Nunca tinha usado antes. — Passou as mãos pela cintura, sentindo a diferença na
modelagem de sua silhueta e se acostumando.
— Não precisa usar se não quiser, meu bem. Ninguém precisa saber. — Tocou os ombros da
filha.
— Não, está tudo bem. Eu aguento. É só questão de me acostumar. — Piscou para a mãe, que
riu, dando um beijo no topo da cabeça da garota.
Assim que o vestido foi trazido para o quarto, as jovens criadas o pegaram para ajudar a
princesa a se vestir. Annabella ainda não o havia visto depois de pronto, nem sabia como era, só
sabia que era vermelho, já que havia dito que era sua cor favorita e Alycia tratou de pessoalmente
dizer à costureira o que fazer.
Quando o viu, pôde sentir algumas lágrimas surgirem em seus olhos. Era magnífico. Feito de
um tecido estruturado, porém bem leve, a cor era um vermelho alaranjado com brilhos por todo ele e
a parte de cima era justa no corpo com um belo decote. A saia nascia da cintura e descia até tocar o
chão em um evasê elegante que se estendia por uma longa distância, e que ao caminhar, dava a
impressão de estar flutuando. Todo o decote era revestido por folhas e flores douradas que formavam
também as mangas caídas nos ombros, o que valorizava muito os seios dela. Na cintura, os mesmos
detalhes das folhas e flores de ouro formavam um pequeno buquê presos por um cordão da mesma
cor que circundavam seu quadril.
Quando se viu vestida naquilo, não conseguiu deixar de suspirar. Se olhou no espelho e ficou
admirada com a beleza por todo o vestido. Não saberia responder se brilhava mais o vestido ou seus
olhos.
— Gostou dele, meu amor?
— Gostar? Eu… eu amei. É mais do que qualquer coisa que eu poderia ter imaginado. —
Sorriu. Sua mãe passou a mão nos cabelos soltos e lisos dela, e ajeitou o penteado. Por conta da
coroação, não fizeram nada muito extravagado, apenas duas tranças laterais presas na parte de trás,
deixando os brincos de ouro e diamante que estavam pendurados em suas orelhas à mostra.
— Você está linda. — Annabella deitou a cabeça para o lado, e encostou no queixo da rainha.
— Lembro do meu primeiro baile, eu tinha nove anos e finalmente me disseram que eu tinha idade
para ir, eu me lembro da dança, da música, que até então só existiam na minha mente, e me lembro de
pensar que mal podia esperar para ter uma filha e compartilhar a mesma emoção. Finalmente esse dia
chegou, um pouco atrasado, mas enfim, chegou.
— Fico feliz por compartilhar esse momento com você, mãe. Ainda me lembro do primeiro
baile que fui, acho que eu tinha quatro anos ou quase isso? — indagou-se. — Na verdade, eu não fui,
exatamente, ao baile, porque eu era muito nova e me deixaram no quarto pois era melhor, mas eu
escapei e fui ver como era, e acabei esbarrando no papai e ele me pegou no colo perguntando o que
eu estava fazendo fora da cama — contou a lembrança, rindo. — E, depois disso, ele dançou comigo
nos braços e depois me levou de volta para o quarto e me colocou pra dormir. Acho que é uma das
primeiras memórias que tenho.
— Eu prometo que criaremos muitas mais. Essa noite vai ser inesquecível.
Alguém bateu à porta.
— Pode entrar. — Era Nicholas.
— Nossa, que principesco — brincou Ella, vendo o irmão vestido elegantemente, um traje
branco com o emblema do reino do lado direito do peito, e as ombreiras douradas.
— Tenho meus momentos — brincou. — Estão prontas? Papai pediu para que eu viesse
acompanhá-la até o salão. Tem muita gente lá embaixo já.
— Vieram todos? — a rainha perguntou, dando ênfase na última frase.
— Sim, mãe. Estão todos lá embaixo. Eu só não vi Elizabeth, ainda.
— Oh, ela não virá. Recebi uma carta dela hoje, ela manda felicitações mas não poderá
comparecer por conta de, você sabe, tudo que ela está tendo que resolver.
— Sim, claro. Bom, então vamos? — O príncipe estendeu o braço para a irmã, a
acompanhando. Do outro lado, a rainha segurava a mão da filha, lhe dando confiança.
Annabella parou na ponta da escadaria, conseguindo avistar seu pai no meio dela, parado,
esperando. Viu de relance um grupo enorme de pessoas, e sabendo que se aquele canto que ela
conseguia ver estava assim, não queria nem imaginar o resto do salão. Puxou a respiração fundo três
vezes, como sempre fazia para se acalmar.
Sua mãe se aproximou, deu um beijo na testa dela e sussurrou que tudo ia dar certo. Em
seguida, ouviu o mestre de cerimônia anunciar a rainha, que foi de encontro ao marido e parou ao
lado dele e segurou sua mão, ansiosa. Em seguida, ocorreu o mesmo com Nicholas, só que ele se
posicionou no outro lado da escada. Foi quando ela ouviu o soar das trombetas da orquestra. Era
hora.
— Anunciando Vossa Alteza Real, princesa Annabella Casey Hale, que finalmente retornou
para casa depois de tantos anos.
E então ela surgiu por entre as cortinas. Colocou sua melhor expressão confiante no rosto e
desceu a enorme escadaria. Todos no salão a olhavam como se não acreditassem no que estavam
vendo. Algumas pessoas da vila até se assustaram ao ver que a mesma garota que chegara na aldeia
com a mãe há pouco mais de um ano, era, na verdade, a princesa perdida.
Os nobres e monarcas de outros reinos estavam pasmos ao vê-la. Muitos desses nobres
tentaram, por anos, fazer o rei e a rainha verem que a princesa estava morta, mas os monarcas jamais
quiseram acreditar. E agora quem não acreditava eram eles, pois estavam vendo-a ali, e sabiam que
era ela pois possuía uma semelhança inexplicável com Alycia. Parece que esperança funcionava,
afinal de contas.
Annabella chegou ao fim da escada e todos aplaudiram sua entrada, e ela agradeceu como sua
mãe a havia ensinado.
O rei se aproximou da filha, para a tradicional valsa de todos os bailes. Mas essa era
especial. Era a primeira que dançaria com ela. Pegou sua mão e depositou um beijo, em seguida,
seguiram para o centro do salão. Matthew posicionou uma mão na cintura e a outra segurava a palma
dela, enquanto ela estava com a mão livre no ombro dele.
A música começou e eles valsavam por todo o salão, dois passos para cá, um para lá. Ela
sorria divertida, era ao mesmo tempo emocionante e estranho ver todas aquelas pessoas olhando para
ela.
Ao final da música, Matthew deu um beijo na testa da filha, e ela se reverenciou,
agradecendo. Todos aplaudiram novamente. Em seguida, a música voltou a tocar e todos se
dispersaram.
A família se reuniu perto da fonte no canto próximo a uma janela e sorriram. Annabella viu,
ao longe, uma grande pilha de presentes. Nunca havia visto tantos assim, e eram para ela. Estava
extasiada.
Ella olhou para o lado e viu uma pessoa familiar. Pediu licença à família e seguiu. A pessoa
estava olhando para ela, e sorriu ao ver que tinha sido vista. Annabella não conseguiu acreditar
quando a viu.
— Hadley? — perguntou, sem acreditar que era realmente ela.
— Eu mesma, em carne e osso. — Sorriu. Annabella sorriu de volta e abraçou a amiga de
tantos anos, que não via há muito tempo.
— O que está fazendo aqui?
— Eu moro aqui. Foi pra cá que me mudei quando fui embora da nossa aldeia — contou. —
Meu pai acabou herdando uma propriedade por aqui, parece que era de um tio em segundo grau que
não tinha herdeiros ou algo assim, não sei ao certo. Mas, e você? Princesa?
— Eu sei, é uma surpresa para mim também. — Ella contou a história inteira, de como havia
chegado a Porto Vermelho por conta da bolsa de estudos, como conheceu Nicholas, e como tudo se
revelou.
— Oh! — a loirinha exclamou. — Então agora você vive aqui? — Ella confirmou. — Fico
muito feliz por você, Ella, encontrou sua família. — Hadley já ia perguntar sobre Dahlia, mas alguém
a interrompeu.
— Com licença. — A rainha se aproximou.
— Majestade. — Hadley se reverenciou.
— Oh, mãe, essa é Hadley, nós éramos amigas quando morei em Porto Dourado.
— Muito prazer em conhecê-la — a rainha disse, graciosamente. — Querida, venha comigo
um instante, tem uma surpresa pra você lá fora.
— Surpresa? — a princesa perguntou, e a rainha confirmou com um sorriso no rosto. — Bom,
então vamos. Eu já volto — disse a amiga.
Passaram por todo o salão até chegarem na porta principal, onde encontraram com Nicholas e
Matthew, ambos com os braços para trás e com um sorriso no rosto. Aquilo estava ficando esquisito.
Parecia até que estavam aprontando alguma coisa.
Ficou ainda mais suspeito quando Nicholas lhe apareceu com uma faixa em mãos e disse que
era para vendá-la. Ela não comentou nada, apenas deixou o irmão colocar a faixa em seus olhos e
bloquear sua visão.
Com o auxílio de seus pais, caminhou por quase cinco minutos, e pela direção que seu corpo
estava tomando, sabia que estavam indo para o jardim.
De repente, eles pararam. Annabella estava pura ansiedade.
— Preparada? — sua mãe perguntou. Ela sorriu em confirmação. Tiraram a faixa do rosto
dela e ela viu. Um monte de lanternas. Idênticas àquelas que ela fazia quando pequena, igual sua mãe,
Dahlia, havia lhe ensinado. Só que ali tinha várias, centenas de lanternas presas por cordas apenas,
esperando para serem lançadas.
— O quê… — disse baixo.
— Anos atrás, no primeiro aniversário que passamos longe de você — contou a rainha, um
pouco triste —, uma lanterna apareceu na sacada de nosso quarto, com um grande D gravado nela, e
nós sabíamos que era um sinal de que você estava bem.
— Uma lanterna com um D gravado? — perguntou, lembrando-se bem daquele dia. — Eu
lancei essa lanterna no céu no meu aniversário. — Seus pais se emocionaram ao ouvi-la. Sempre
levaram aquilo como sinal de esperança, e hoje perceberam que era muito mais do que isso.
— Por causa daquela lanterna, sua mãe e eu soubemos que — seu pai continuou, já que a
rainha estava emocionada demais para falar alguma coisa —, sempre estaríamos juntos, mesmo que
não fisicamente. E por isso, queremos te dar esse presente, para mostrar que não importa o que
aconteça, você sempre terá a todos da sua família — deu ênfase na frase, mas a princesa nem
percebeu o que ele quis dizer —, e mesmo se perder a esperança algum dia, sempre poderá recuperá-
la e nós sempre voltaremos pra você.
— Pode se aproximar, vamos soltá-las juntos. — Se aproximaram das lanternas e Annabella
pegou uma delas na mão.
— São lindas. — Tinha lágrimas em seus olhos.
— Por que não solta essa aqui? — Não fora nem seu pai, sua mãe ou Nick quem disse aquilo.
Foi uma voz que ela conhecia bem.
— Tio Graham! — O viu se aproximar por trás dela, correu e o abraçou. — Você veio!
— Claro que vim. Acha que eu perderia o seu aniversário? E eu trouxe alguém.
— Alguém? Quem?
Graham apontou para a frente, mas tudo que ela viu foram as lanternas. Não entendeu o que
ele queria dizer. Foi então que a rainha ordenou que cortassem as cordas que as seguravam, e todas
se levantaram no ar, iluminando os céus.
Annabella ficou encantada, aquela era uma das imagens mais lindas que havia visto até este
dia. Tudo aquilo era muito mais do que ela jamais pensou ter, seu coração estava aquecido. Quando
ela era pequena, sua mãe lhe contou que ela podia fazer um desejo quando soltasse uma lanterna nos
céus, e ele se realizaria. Nesse momento, Annabella só conseguia pensar em uma coisa que desejava
de toda a alma que acontecesse: queria que Dahlia estivesse ali. Ficaria tão feliz por ela.
— Tem mais uma surpresa para você, meu amor — sua mãe anunciou. Annabella, que antes
estava completamente vidrada no brilho das lanternas, encarou a mãe, querendo saber o que mais
poderia ocorrer naquele dia. Alycia apontou para a frente e a menina seguiu com o olhar. Foi então
que ela percebeu que Dahlia, tantos anos atrás, tinha razão. Fazer um pedido e lançar uma lanterna no
céu fazia com o mesmo se realizasse. Ela olhou para frente, estagnada com o que via ao longe. Deu
alguns passos até poder ver de mais perto. Estava vendo… sua mãe? Não, não, como poderia? Olhou
para trás e encarou seus pais, que fizeram um sinal de confirmação com a cabeça.
Caminhou até chegar perto, e estar a menos de um metro da pessoa, e viu que era realmente
ela.
Dahlia estendeu as mãos para a frente e a garota as segurou, querendo ter certeza de que ela
estava ali.
— Mãe? — disse, com a voz embargada.
— Sou eu, meu amor. — Sorriu, também entre lágrimas. Annabella se apressou e a abraçou,
ainda não acreditava que ela estava ali. Sentiu tanto a sua falta, foram quase quatro meses sem vê-la,
ouvi-la, senti-la, e agora ela estava ali.
De longe, Alycia abraçava o marido, incrivelmente feliz ao ver aquela cena. Ele lhe deu um
beijo nos cabelos e acariciou seus ombros.
— Deixa eu olhar para você. — Acariciou o rosto da filha, que estava com tantas lágrimas no
rosto que ficava difícil vê-la inteiramente. — Você está linda. Perfeita.
— Eu não entendo… o que aconteceu?
— Não vem ao caso agora. Eu estou aqui com você, e isso é o que importa. — A abraçou
novamente. — Como você está?
— Melhor agora. Senti tanto a sua falta — contou.
— Eu também, meu amor. Eu também. Mas estamos juntas novamente. E nada vai nos separar
nunca mais.
Annabella a olhou e sorriu, em seguida falou:
— Venha, quero te apresentar à minha família.
Segurou Dahlia pela mão e a levou até seus pais e irmão. O sorriso em seu rosto era de
orelha a orelha.
— Mãe. Pai. Quero que conheçam minha mãe de criação, Dahlia. — A jovem se reverenciou.
— Não há necessidade disso — o rei se apressou em dizer.
— Eu só tenho uma coisa a dizer. — Alycia olhou para a filha, sorrindo. Em seguida voltou-
se novamente para Dahlia. — Obrigada. Obrigada por ter cuidado da nossa menina todos esses anos,
por tê-la mantido em segurança.
— Não há necessidade de me agradecer, Majestade. Annabella sempre foi fácil de cuidar e
amar, acho que eu que tive sorte por encontrá-la.
Annabella sorriu para a família, que agora estava, finalmente, completa. Sua mãe lhe disse
mais cedo que aquela noite seria inesquecível, ela só não imaginava que seria assim.
Ela ia dizer alguma coisa, mas viu alguém se aproximar, e quando percebeu que era Andrew,
ele já estava anunciando:
— A coroação vai começar.
— É agora — Alycia disse. — Vamos?
Annabella olhou para ambas as mães, depois para o pai, e então o irmão. Não tinha mais
medo do futuro agora, pois sabia que seria brilhante.
— Vamos.

Ela estava no grande corredor que precedia a sala do trono. Havia guardas de ambos os lados
para garantir sua segurança. Atrás dela, havia dois rapazes jovens, que ela não sabia quem eram, mas
que chegaram junto com o sacerdote mais cedo, e agora carregavam a bandeira com o símbolo do
reino. Também haviam lhe entregue uma capa vermelha e dourada, e duas jovens seguravam cada
ponta.
Ela ouviu o soar da música, era alta e tranquila, e ela começou a caminhar pelo longo tapete
vermelho. A porta do salão se abriu, e ela viu uma enorme quantidade de pessoas, que antes estavam
no salão de baile, agrupadas dos dois lados, deixando o caminho livre para ela passar.
Avistou seus pais no final do salão, no altar, olhando orgulhosos para ela. Ella sabia
exatamente o que fazer, havia praticado com sua mãe, e descobriu ter um talento natural para isso,
pois não teve dificuldade desde o início.
Caminhou até o final e viu sua mãe e seu tio sorrindo para ela. Olhou para o altar e seus pais
também sorriam. Ela viu a coroa em cima de uma almofada ao canto. Era magnífica, como tudo
naquele castelo. O sacerdote se aproximou dela, e Annabella se ajoelhou, como devia fazer. Ele se
aproximou, colocou a coroa em sua cabeça e pronunciou algumas palavras em um idioma diferente.
Em seguida, como deveria fazer, Annabella se levantou e caminhou até o trono e se sentou, e todos os
presentes aplaudiram.
— Vida longa à princesa — disseram.
Ela sorriu ao ver que havia tantas pessoas, que mesmo sabendo de seu retorno há menos de
um dia, já mostravam devoção e amor, mas, principalmente, lealdade para com a família real. E ali,
ela soube que faria um bom trabalho sendo princesa deles, pois como sempre leu nas histórias que
amava, não é o título que lhe dá poder, é o seu povo, e ela faria tudo para fazer o seu prosperar.

Uma vez que a festa se encerrou e todos se dispersaram, a família se encontrou sozinha no
enorme salão, que sem todas aquelas pessoas parecia um infinito de espaço. Nicholas estava no
canto, fazendo alguma coisa com Andrew e duas espadas, pareciam até crianças. Alycia e o marido
estavam sentados em seus tronos, que ficavam próximos o suficiente para que a mulher fosse
abraçada de lado pelo cônjuge e recebesse alguns beijos e carícias ao mesmo tempo que ele
sussurrava algo em seu ouvido. Possivelmente algo que mais ninguém na sala deveria ou até mesmo
gostaria de ouvir.
Annabella era a que se encontrava mais afastada, estava na entrada com a mãe e o tio, que se
despediam dela.
— Fiquem, por favor! — implorava, mas não funcionava.
— Não há nada no mundo que nos deixe mais chateados do que nos separar de você, meu
amor, mas não podemos ficar — Dahlia explicou.
— Claro que podem! Eu não quero me separar de vocês, ainda mais agora que sei que você
está viva, mãe — afirmou. Dahlia lhe contou o que havia acontecido de fato, e claro que Annabella
ficou zangada por Florence ter escondido a verdade todo esse tempo, mas deixou passar, porque o
que realmente importava era que sua mãe estava ali com ela novamente. — E mais, meus pais
disseram que vocês podem ficar aqui — continuou.
— É muita gentileza, mas não podemos. Esse é o seu lugar, Ella, não o nosso. Você sempre
terá a gente, será sempre a minha filha. — Dahlia acariciou o rosto dela. — Mas você deve ficar.
Poderá ir nos visitar sempre que quiser, e deve fazer isso. Mas é hora de você ficar no lugar a que
pertence, e se preparar para ser uma grande rainha. — Abraçou a filha fortemente. — Eu amo você.
— Eu também amo você. Visitarei em breve, eu prometo.
— Esperaremos de braços abertos. E, quando precisar, sempre poderá contar conosco. —
Graham lhe garantiu. — Agora devemos ir, se cuide, princesa. — Deu um beijo na testa dela, e em
seguida saiu com Dahlia, dando a ela seu casaco e a abraçando pelos ombros para protegê-la do frio
da noite.
Ela ficou parada no meio do salão sozinha, mas não por muito tempo. Logo sentiu duas mãos
em seus ombros, e sabia bem de quem eram.
— Você está bem? — sua mãe perguntou.
— Estou. Eu só… não queria ter que me separar — confessou. — Digo, não me entendam
mal, eu amo morar com vocês, é muito bom estar de volta, mas…
— Não precisa explicar, querida, nós entendemos. Eles são sua família também. Vamos dar
um jeito de vocês não precisarem se separar, tudo bem?
A família subiu para seus aposentos, pois depois de uma noite agitada, precisavam descansar.
Annabella estava arrumando sua cama, já havia tirado o enorme e volumoso vestido e colocado as
suas roupas de dormir.
Tinha nos lábios um sorriso que não conseguia tirar. Quantas emoções havia vivido aquela
noite… Mas a melhor de todas era que sua mãe estava viva, e bem. Só precisava achar um jeito de
não precisar se separar dela nunca mais.
A porta de seu quarto abriu, e por ela entraram seus pais.
— Viemos te dar boa noite, meu amor — sua mãe disse, se aproximando da filha e lhe dando
um beijo e recebendo outro.
— O que achou da festa? — seu pai quis saber.
— Foi como um sonho. Só que real. Eu nunca me esquecerei dessa noite.
— E essa é só a primeira de muitas — Matthew garantiu. — Amanhã sua mãe e eu
conversaremos e acharemos uma solução para você não precisar ficar tão longe da sua mãe e do seu
tio, tudo bem?
— É sério, pai?
— Claro. Sabemos o quanto eles são importantes para você, vamos dar um jeito, não se
preocupe. — Deu um beijo na testa dela. — Mas agora descanse, foi uma longa noite, e a partir de
amanhã teremos muitas mudanças nesse palácio. Deus, não sei nem por onde começar.
— Esses são assuntos para se discutir no escritório, meu bem — sua esposa alertou. —
Vamos deixar nossa filha descansar pois tenho certeza de que ela precisa. — Apertou o braço dele.
Annabella se deitou na cama e se cobriu, e em seguida, sua mãe, como vinha fazendo todas as
noites, a ajeitou e lhe deu mais um beijo.
— Boa noite, querida.
— Boa noite, mãe. Boa noite, pai. — Sorriu para eles.
— Boa noite, princesa. — Seu pai lhe deu um último beijo antes de saírem do quarto.
Precisavam descansar também, afinal, sabiam que a partir do dia seguinte precisariam
começar a se preocupar com outras coisas.
Ao entrarem nos seus aposentos, Matthew escutou sua esposa suspirar, como se estivesse
aliviada.
— Está contente, não está, meu amor?
— Muito. Não me faltam motivos para sorrir. — Se aproximou dele e o beijou.
— Hm... — murmurou, com os lábios ainda colados aos dela. Acariciou o rosto da amada e a
viu sorrir enquanto olhava para ele. — Senti tanta falta desse sorriso. Há muito tempo ele não
iluminava o seu rosto.
— Ele voltou para ficar, meu amor. Sem intenção de ir embora, nunca mais.
— Me alegra muito saber disso. Vamos nos deitar?
— Vamos. — Ele se sentou, já em suas roupas de dormir e esperou por ela. Alycia pegou
algo em cima da penteadeira e caminhou até ele. — Deite-se e tire a camisa.
— Ah, Alycia — reclamou.
— Ah, Matthew, digo eu! Eu não mandei você não usar uma armadura, aliás, eu tenho certeza
de que disse o oposto. Você ouviu o médico, precisa passar essa loção por três dias se não quiser
ficar com uma marca muito exposta para sempre. Não é porque usaram magia em você que significa
que você está completamente bem.
— Mas isso arde! — Ela riu da birra. Às vezes, seu marido era pior do que seus filhos
quando eram crianças. — Parece fogo.
— Vai arder muito mais se não cicatrizar logo. Anda logo, eu não estou pedindo, eu estou
mandando! — Ele fez o que ela ordenou e tirou a camisa. Ela pegou o creme com as pontas e passou
pela pequena cicatriz que se formava. Matthew gemeu um pouco, mas ela sabia que era mais birra do
que dor.
— Você é muito boa com muitas coisas, mas sempre me maltrata.
— Pronto, seu rei chorão. — Largou o pote em cima da escrivaninha. Se curvou e beijou o
abdômen do marido, próximo ao ferimento, tomando cuidado para não acabar com o gosto daquele
remédio na boca. — Um beijo para ajudar a melhorar.
— Acho que vou precisar de um pouco mais do que isso para melhorar completamente —
comentou, sugestivamente.
— Hm, o que você precisa? — perguntou, dando a brecha de oportunidade que ele estava
esperando.
— Talvez... — Passeou os dedos pelo braço dela. — Um pouco de carinho da minha amada
esposa me ajude a melhorar. Você sabe...
— Você é bem esperto, não é, Matthew Hale?
— É uma boa coisa eu ter me casado com você, então, não é?
A puxou para um beijo, a jogando na cama e se afundando nos cheiros e sabores inebriantes
dela.
— Pensei que você queria descansar — apontou, vendo-o invadir o espaço livre de suas
roupas e mordiscar levemente sua pele.
— Isso era antes. Agora eu quero você.
Ela arfou, já sentindo o calor.
— Então me tenha.
28. Buscar a Solução

Fazia tanto tempo que não se levantava tão disposta tão cedo pela manhã que nem se
lembrava mais como era a sensação. Estava fora da cama há quase uma hora, e já havia feito muita
coisa desde então. Primeiro, levantou-se e foi até os quartos dos filhos, estes que dormiam feito
pedras ainda, mas também não era para menos, estavam esgotados devido à agitação da noite
anterior. Deu um beijo em cada um e ajeitou os cobertores, os deixando mais confortáveis, e em
seguida retornou ao seu próprio quarto.
Estranhou o fato de o marido ainda não ter acordado, pois ele sempre despertava em questão
de segundos após ela sequer ameaçar levantar da cama, dizia que “sentia falta do calor dela”.
Resolveu deixá-lo descansar, devia estar precisando disso.
Sentou-se em frente ao espelho e começou a se arrumar para o dia que viria. Pegou uma
escova e começou a pentear os longos cabelos escuros. Enquanto observava a si mesma no espelho
percebia o quão leve estava nos últimos tempos. Já não possuía mais aquela expressão triste que
carregou durante tanto tempo. Parecia até mais jovem inclusive. Não que fosse velha, afinal, tinha
acabado de chegar na casa dos seus 30 anos, e Matthew sempre fazia questão de dizer a ela que não
parecia ter mais do que 23, e que era a mulher mais linda de todo o mundo.
Além de parecer mais leve, sentia-se assim também. Agora, não tinha mais razões para lhe
tirarem o sono, não precisava mais se preocupar em ter pesadelos à noite com sua filha, pois sabia
exatamente onde ela estava: a apenas três portas da sua. Não precisava mais se preocupar em estar
distante de seu filho e de seu marido, pois estavam mais conectados do que nunca, e ela adorava essa
sensação. Uma sensação de família.
Um resmungo baixo veio da direção da cama, e logo em seguida uma pergunta.
— Alycia? — seu marido chamou por ela, ao não vê-la ao seu lado.
— Estou bem aqui, Majestade — brincou, o olhando através do espelho.
— Acordou há muito tempo? — indagou, limpando os olhos e sentando-se na cama.
— Um pouco. Não estava mais cansada. Na verdade, me sinto muito disposta.
— Alguém teve uma boa noite de sono pelo que posso reparar! — Dobrou os joelhos na
cama, ainda observando o reflexo da esposa.
— Bom, eu não chamaria exatamente o que fiz essa noite de dormir, já que alguém não parou
quieto na cama, mas… — Virou-se para ele, dando uma piscadela travessa, o fazendo lamber os
lábios e dar um sorriso malicioso. Caminhou até ele, sentando-se ao seu lado na cama e apoiando um
braço em seu joelho. — Já que vamos chamar assim — sussurrou bem próximo à orelha dele, dando
um beijo bem abaixo dela.
— E o que você acha de continuar do ponto que paramos, Majestade? — A puxou para seu
colo, lhe dando o primeiro beijo do dia.
— Nada me faria mais feliz do que ficar aqui com você o dia todo, tenho até algumas ideias
que gostaria de experimentar. — Acariciou a barba dele, escorregando as mãos para o peito nu em
seguida, vendo-o criar um brilho nos olhos só de imaginar o que estaria se passando na mente dela.
— Mas, infelizmente, teremos de deixar para mais tarde. Temos muito o que resolver hoje, querido
esposo — disse, e o viu assumir uma expressão decepcionada. — Não adianta fazer essa cara, seu
reino precisa de você.
— E seu marido precisa de você — resmungou, colocando as mãos na cintura dela e dando
um leve aperto.
— E ele me tem, a toda hora do dia, todos os dias da semana. — Acariciou os ombros dele.
— E, se ele fizer o que a rainha dele está mandando, à noite, ele pode ganhar uma surpresinha. —
Sorriu para ele, cruzando os braços ao redor do pescoço dele. — Então, o que meu amado marido
diz?
— Ele diz: vamos ao trabalho. — Se levantou da cama com ela ainda no colo, fazendo com
que a mesma cruzasse as pernas ao redor da sua cintura. — Mas e minha adorável esposa, o que diz
de um breve banho juntos? Sem segundas intenções — prometeu.
— Hm. — Pensou por um momento breve. — Ela não se opõe a isso.
Ele lhe deu mais um beijo e a carregou até o banheiro deles.

Já passara da hora do almoço, e ainda estavam no escritório. Tinham tantas coisas a resolver.
Ainda continuavam com o problema da colheita, que tinha dado uma estabilizada há algumas
semanas, mas agora voltara a decair. Precisavam resolver isso para evitar problemas maiores.
Sabiam claro, o que tinham de fazer, mas não queriam exigir tanto da filha tão cedo, a garota
já tinha passado por tanta coisa, e isso era responsabilidade deles, não dela, não ainda pelo menos. E
eles iriam resolver isso.
— Você já tem alguma ideia em mente, meu amor?
— Por ora eu não tenho outra opção a não ser fechar acordo com outro reino. Mesmo que
consigamos reverter a situação aqui, demorará um tempo e precisamos alimentar o nosso povo. —
Analisou mais uma vez os montes de papéis em sua mesa, e Alycia fazia o mesmo sentada à sua
frente. Foi então que Hale teve uma ideia. — Meu amor, o que você acha de fazermos uma pequena
viagem até Porto Dourado? Podemos fazer um acordo com Edward, ele pode nos fornecer os grãos
que precisamos até que possamos nos estabilizar.
— Não é má ideia. Mas alguém tem que ficar aqui, não podemos ir todos e deixar o palácio
sozinho.
Alguém bateu à porta.
— Pode entrar — a rainha disse.
— Ah, vocês estão aqui. Procurei pelo castelo todo — a princesa comentou. Se aproximou e
deu um beijo na mãe e em seguida deu outro no pai. — O que estão fazendo? — perguntou ao ver a
mesa completamente bagunçada por uma tonelada de papéis.
— Alguns problemas apenas, querida. Nada que deva se preocupar — sua mãe garantiu.
— Se fosse realmente nada, tenho certeza de que não estariam trancados aqui o dia todo. —
Sinalizou com a sobrancelha para os pais. Pegou um dos papéis na pilha e leu. — Oh, é sobre a falta
dos grãos, Nick me contou há um tempo. Ainda está ruim? Achei que iria melhorar depois de todas as
minhas tentativas de fortalecer a árvore.
Seus pais se olharam. O que sua filha estava falando? Ela havia fortalecido a árvore? Aquela
árvore? Ela sabia sobre isso? Mas…como?
— O que foi? — Ella perguntou.
— Você… você sabe sobre a árvore?
— Sei, Nick me contou há um tempo, no aniversário dele. Claro que na época nenhum de nós
sabia que a única que poderia, de fato, manter o reino saudável era eu. Na verdade, algumas vezes,
quando ficava sozinha no jardim, eu até tentei continuar dando força a ela, mas acho que não foi o
suficiente.
Seus pais não puderam deixar de sorrir. Annabella vinha ajudando-os há tanto tempo e eles
nem sequer sabiam. Sua menina estava ajudando aquele reino há mais tempo do que eles podiam
imaginar e eles nunca perceberam.
— Você sabe sobre a lenda da nossa família então? — sua mãe quis saber.
— Sim, sei sim, mãe. E também sei que não são apenas lendas. Sei que minha avó Anastasia,
e minha bisavó Victoria tinham os mesmos dons que eu tenho. Eu aprendi algumas coisas também
durante meu treinamento com os feiticeiros da toca.
— O que, por exemplo? — Hale quis saber, curioso.
— Bom — ela se sentou ao lado de sua mãe e começou a contar —, os livros contam que nós,
mulheres da família Hale, possuímos magia da natureza. Isso é um tanto quanto um equívoco, já que a
magia natural é uma coisa totalmente diferente. — Seus pais a encararam com confusão no olhar. —
Deixem-me explicar melhor, a minha magia não é necessariamente da natureza, eu posso sim me
conectar com ela, controlar a água por exemplo, mas isso é porque a minha magia é de luz, e magia
de luz é sobre vida. E, bem, que exemplo melhor de vida do que a natureza? É por isso que eu
consigo curar machucados, isso é, quando a arma usada não está impregnada com veneno —
sinalizou para o abdômen do pai, lembrando do incidente de dias atrás —, e consigo também fazer
tantas outras coisas. E tem mais — continuou —, o livro diz que a herdeira só será “agraciada” com
o dom após cometer um ato de bondade capaz de salvar uma vida. Também não é verdade. Ninguém é
agraciado, de repente, com magia, as pessoas nascem com esse dom. Ele apenas se mostra em algum
momento da vida, e não porque a pessoa salvou uma vida, mas porque chegou a hora, pode ser em um
momento de necessidade ou algo do tipo, não há explicação, apenas acontece. Victoria descobriu
seus poderes aos doze anos, Anastasia, nasceu sabendo que os tinha, e os desenvolveu aos oito. No
meu caso, os meus se revelaram aos dezesseis anos, e eu sei o que os despertou. — Seus pais
permanecia encarando-a. — Naquele dia, eu conheci Nicholas. E, mesmo nunca o tendo visto, eu
senti algo dentro do meu corpo, nossa conexão de irmãos, tanto que eu sentia que podia confiar nele.
Naquele dia, meu corpo, antes mesmo da minha mente, se lembrou de quem era e de onde vinha, e
isso acordou meus poderes. Se nada tivesse acontecido e eu tivesse crescido aqui, provavelmente os
teria descoberto bem mais cedo, mas tudo acontece por uma razão, certo?
— Mas por que os livros não dizem isso logo de uma vez?
— Esses livros nunca foram escritos por nós, sempre foram escritos por pessoas de fora, e
ninguém, além de nós, sabe a verdade por inteiro. Como a população diz: são mitos. Só quem pode
falar por nossas lendas somos nós que as conhecemos, que as vivemos, não quem só assiste, isso
causa desinformação demais.
Alycia e Matthew se sentiram orgulhosos da filha, ela sabia tantas coisas e mostrava não só
saber, como entender. Hale olhou para a filha com o mesmo olhar de sempre, que dizia que ela seria
uma grande rainha, assim como sua mãe havia sido, sua avó, e claro, assim como sua esposa. Em
alguns anos, Porto Vermelho teria, mais uma vez, uma herdeira Hale sentada no trono, e ela seria tão
poderosa quanto as que vieram antes dela.
— Mas, como eu dizia antes, eu posso restaurar a árvore de vez uma por todas, e claro,
mantê-la viva — afirmou.
— Tem certeza de que quer fazer isso agora, filha? Não precisa se sobrecarregar, você mal se
recuperou de uma batalha quase mortal.
— Pai, eles são o meu povo. Eu não só quero fazer isso como é o meu dever cuidar e
proteger essas pessoas — garantiu.
Sua mãe se levantou e a abraçou, emocionada. Seu pai se juntou ao abraço logo em seguida,
se apressando em dizer:
— Pois então ótimo. — Sorriu. — Porém, de qualquer forma, precisamos daqueles grãos com
urgência. Precisamos ir até o reino de Edward — pontuou.
— Porto Dourado? — Ella comentou, nostálgica. Já tinha mais de um ano e meio que não
pisava lá. — É onde eu cresci… nunca pensei que voltaria um dia — disse, caminhando até a janela
e admirando a paisagem.
Seu pai segurou seus ombros.
— Filha, eu acho melhor somente sua mãe e eu irmos desta vez. Alguém precisa ficar
cuidando do castelo, e Andrew, como meu chanceler, já vai ter que ir comigo. E acho que te deixar
no comando por uns três dias pode servir como experiência.
— Mas… Vocês vão… Mal nos reunimos… — disse, tristonha. Ela estava triste por se
separar dos pais por três dias? Será que era só isso? — Da última vez que alguém disse pra mim que
ia fazer uma pequena viagem por três dias para resolver uns problemas, eu acabei sendo levada a
acreditar que ela tinha morrido — contou. E então eles entenderam.
— Meu bem, eu sei como você se sente. Mas não precisa se preocupar, tudo bem? Você vai
ficar bem, e não estará sozinha, seu irmão estará aqui com você. Seu pai e eu vamos ficar bem, e, se
te tranquiliza, teremos guardas cobrindo a nossa frente e a retaguarda. Ficaremos bem.
— Eu sei, mas… — Sua mãe segurou seu rosto.
— Confia em mim?
— Claro que sim.
— Então confie que voltaremos. É apenas uma viagem diplomática. — Beijou a testa da filha
— E, se enquanto estivermos fora, os nobres te incomodarem, tem minha permissão para mandá-los
se calar. — A princesa riu.
— Sua mãe tem razão, Annie, nós voltaremos antes que possa sentir nossa falta. — A garota
riu um pouco mais forte. — O que foi? — indagou seu pai, não conseguindo conter um sorriso.
— Ninguém me chama de Annie desde que eu tinha oito anos — contou. — Eu gostei. —
Sorriu para ele. — Bom, então eu acho que tudo bem. Eu consigo sobreviver a três dias.
— Essa é minha garota!
— Eu vou lá para a biblioteca procurar livros que possam dizer a maneira correta de
restaurar nosso reino e mantê-lo, tudo bem?
— Tudo bem, meu amor. Seu pai tem uma reunião daqui a pouco, enquanto isso vamos
continuar aqui com essa papelada.

A biblioteca do palácio era tão grande que ela não sabia nem por onde começar a pesquisar.
Estava perdida na seção de magia e rituais, com mais de 15 livros abertos na mesa à sua frente. Lia
parágrafos e mais parágrafos, tentando conectar as informações para que fizessem sentido.
Mas aqueles livros pareciam vagos demais. As informações eram rasas, extremamente
superficiais. Não falavam nada de concreto, apenas usavam expressões incertas e não davam garantia
de nada. Eram, praticamente, inúteis.
Ella precisava de mais, precisava ajudar seu povo, e para isso precisava das informações
corretas.
Andou pelo grande salão e procurou entre os milhares de livros, algum exemplar que pudesse
servir de ajuda.
Caminhou até chegar a uma parede no final da sala, e sabia que não tinha mais nada a
procurar. Por incrível que parecesse, nada naquela biblioteca, naquele oceano de informações, podia
ajudá-la. Ela sempre pensou que as respostas estavam grafadas em livros, mas recentemente vinha
descobrindo que nem todas podiam ser encontradas lá. Algumas, ela tinha que descobrir por si
mesma.
A única coisa à sua frente agora era um enorme quadro, de sua bisavó Victoria, em seus
dezoito anos.
— Algum conselho? — Encarou os grandes olhos esmeralda ali pintados esperando uma
resposta que nunca viria. Se encostou na parede, exausta, e foi naquele momento que sentiu algum
estranho. Uma espécie de choque. — Mas o que… — Tocou a lateral do quadro, procurando o que
quer que lhe tenha causado o incômodo. Não havia nada, encontrou apenas uma pequena joia ao
canto, uma esmeralda brilhante e reluzente. A tocou com os dedos e ela caiu em sua mão. Na mesma
hora ficou preocupada, achando que tinha danificado um quadro de valor inestimável, mas, logo em
seguida, viu a parede se mover sozinha, como se fosse mágica. Ella se afastou, e a parede se abriu
completamente, girando como se fosse uma porta.
Ela tinha, realmente, acabado de encontrar uma passagem secreta em sua biblioteca? E aquela
pequena esmeralda que caiu em sua mão era a chave que abriu essa passagem?
A cada dia que passava ela se surpreendia ainda mais com a magia, percebia que ainda tinha
muito o que aprender. E aprenderia, com certeza.
Entrou na pequena sala que surgiu à sua frente e encontrou mais dezenas de livros, muito
antigos e cobertos de poeira. Tinha uma pequena mesa e vários papéis sobre ela. Ela os pegou e
começou a ler. Continham anotações de todas as gerações anteriores, de todas as herdeiras da família
Hale.
— “A árvore mágica deve ser recarregada uma vez por ano”, quem escreveu isso foi a
minha bisavó Victoria. — Pegou outra folha e continuou lendo “Ingredientes para fazer o elixir que
pode restaurar a vida da árvore caso esteja fraca e morrendo”, escreveu minha avó, Anastasia. —
Conforme ia lendo, ia anotando mais e mais informações. Finalmente havia encontrado algo que a
estava ajudando.
Também estava sendo uma ótima forma de conhecer melhor a árvore genealógica de sua
família, que ela percebeu ser muito maior do que pensava. Havia descendentes Hale por todo lugar,
embora hoje fossem um número bem menor, por conta das guerras passadas. Mas, ainda assim, sua
família era enorme.
Ela conhecera alguns parentes distantes em seu aniversário, como primos e tios, mas havia
muito mais. Alguns talvez ela nunca chegasse a conhecer, pois moravam em terras muitos distantes e
talvez nem soubessem da existência um do outro. Nem todos possuíam o sobrenome Hale, por conta
de seus respectivos casamentos que ocorreram ao longo das décadas, mas ainda possuíam o sangue.
— Annabella? — Ouviu alguém chamá-la, mas não reconheceu quem era por conta da
distância. — Ella, você está aqui? — A voz se aproximou, e ela percebeu ser Nicholas.
— Estou aqui — gritou.
— Aqui onde? Essa biblioteca é enorme, irmãzinha, precisa me dar direções mais corretas
— brincou.
— Ah, pelo amor de Deus. — Revirou os olhos. — Estou aqui onde fica o retrato de Victoria.
Não dá para ficar mais correto do que isso, irmãozinho — devolveu.
Nicholas caminhou até o local que ela havia dito que estava. Encontrou o retrato de sua
bisavó, mas não exatamente da forma como costumava ficar.
— Mas o que… é isso?
— É uma sala secreta — Ella contou, saindo de dentro do lugar com um livro em mãos.
— Eu não sabia que tínhamos uma sala secreta.
— E deve de haver mais, todo castelo tem salas e passagens secretas, se procurarmos bem,
podemos encontrar lugares incríveis — comentou. — Mas agora isso não é importante. Olhe isso. —
O puxou até a sala e mostrou a quantidade de livros que havia encontrado. — Eu achei exatamente a
informação que eu precisava para restaurar de vez o nosso reino.
— Sério? — indagou. — Mas… não era só restaurar a árvore?
— Você sabe que eu venho tentando isso há semanas, mas nunca parece ser o suficiente. E
aqui está o porquê. Eu li nesses livros, contém anotações de todas as nossas gerações anteriores, e
aqui está escrito que a árvore deve receber sua energia uma vez por ano para se manter saudável. E,
bom, a nossa não é recarregada desde que nossa avó faleceu, e isso foi antes de eu nascer. A mamãe
não tem os mesmos poderes que eu, e não podia fazer isso, e acredito que nem sabia que existia tal
poder também. E como eu fiquei longe por muito tempo, não pude fazer.
— Mas agora pode — afirmou.
— Sim, posso. Mas só recarregar a árvore não é suficiente, pois ela está muito doente e
danificada, precisamos restaurá-la. Resolver esse problema pela raiz. Esses livros contêm muitas
informações, você sabe por que essa árvore é tão especial? — Ele negou. — Tudo começou há uns
setecentos anos, quando uma mulher, Siena, criou uma rebelião contra os colonos que tomavam conta
dessas terras. Você sabe da história de como surgiu nosso reino, não sabe?
— Sim, sei. Você acha que eu sou o quê? — provocou.
— Ah, não sei. — Riu.
— Siena foi nossa primeira líder. Siena Hale, nativa dessa terra, era uma aprendiz de
curandeira, liderou uma rebelião e foi escolhida para governar a nação após vencer a luta contra os
colonos. Ela nomeou esse reino de Porto Vermelho para homenagear o sangue que foi dado por
aqueles que lutaram ao seu lado para unificar o que hoje é o nosso lar. Porto Vermelho também foi o
segundo reino a ser fundado, logo atrás de Porto Dourado, e todos os quatro reinos se chamam assim
porque o ponto de encontro em comum é nada menos do que o porto.
— Exatamente! Alguém prestou atenção nas aulas. — Riu, provocando o irmão caçula. —
Siena foi a primeira Hale legítima, e ela plantou essa árvore no dia que se tornou rainha, e a encantou
para ser o pilar de sustentação do reino, uma forma de garantir que Porto Vermelho sempre
prosperaria, e esse encanto teria que ser sempre renovado. Não se tem muitas informações sobre ela,
o que se sabe é que ela possuía um nível bem primitivo de magia, que só conseguia usar no
curandeirismo, com auxílio de pedras preciosas e ingredientes naturais. Ela se casou com um rapaz
que a ajudou a erguer a rebelião e juntos eles tiveram dois filhos, Dallas e Levi, e quando a filha
mais velha tinha oito anos, ela apresentou sinais de possuir dons mágicos, e Levi não, porém, quando
ele se casou e teve gêmeas, ambas apresentaram os mesmos poderes que Dallas e ela, e foi quando
ela percebeu que o dom que ela tinha, era passado de geração em geração, e sempre mais forte que a
anterior, mas apenas para as mulheres — Ella explicou. — Os anos foram passando, e de rainha em
rainha, o segredo da árvore foi sendo passado, até chegar em nós. E é aí que nosso problema começa.
Precisamos restaurar a nossa árvore, e eu já sei como.
— Como faremos isso? — perguntou, um pouco confuso, olhando os livros e tentando
entender.
— A última vez que a nossa árvore ficou tanto tempo sem ser energizada, foi quando a avó da
nossa bisavó, a rainha Genevieve, não conseguiu ter uma herdeira, e quando ela faleceu, e o filho
dela, David, se tornou rei, se casou com a princesa Anne, que não sabia que nossa linhagem tinha
esse segredo, e com ela David teve uma filha, Victoria, que demorou um tempo para descobrir e
conseguir controlar seus poderes, porque isso era, como eu disse, um segredo de família, só as
mulheres da família falavam sobre isso e para o infortúnio de Victoria, ela teve que descobrir tudo
sozinha, pois sua mãe não tinha recursos para ajudá-la e seu pai menos ainda, e somente quando tinha
vinte anos que descobriu, depois de muito estudo com base no que outras já haviam feito antes dela,
como fazer um elixir com propriedades mágicas muito fortes para reviver a árvore e conseguir
mantê-la. E assim ela o fez, e quando sua filha nasceu, nossa avó Anastasia, ela só precisou cuidar da
árvore como sua mãe lhe ensinou.
— Meu Deus, nossa família é mais complicada do que eu pensava — pontuou. — Mas nossa
árvore genealógica é nossa menor preocupação, embora eu ainda tenha a dúvida do porquê nunca
terem se comunicado com as herdeiras Hale espalhadas pelo mundo, porque não é como se não
existissem outras.
— Acho que pensaram que seria melhor se isso não saísse do castelo, realmente não entendo.
Mas, também, embora nossa família tenha se expandido, temos uma quantidade maior de herdeiros do
que herdeiras. Enfim, isso não é o nosso foco agora, o que passou, já passou.
— Tem razão. Voltando ao que estávamos falando, você consegue fazer esse elixir se formos
atrás dos ingredientes?
— Consigo — disse, confiante. — Mas não será fácil encontrá-los, alguns eu nunca ouvi
falar.
— Vamos fazer uma lista de tudo que precisamos.
Sentaram-se e começaram a anotar. Precisavam encontrar um total de dez ingredientes, mas
não faziam ideia de onde encontrar vários deles.
— Bom, água do Rio Elysian, raiz de mandrágora, e pétalas de Lótus nós podemos achar com
facilidade nas proximidades do palácio, mas e o resto?
— Vou me comunicar com Elizabeth, talvez ela tenha algo, sabe, nas coisas de Lilliana. Tinha
muita coisa naquele covil sinistro dela.
— Ótima ideia. Mas como vamos conseguir isso a tempo? A cada dia que se passa nossa
árvore morre um pouco mais.
— Ah, meu querido irmão, não seja tão bobinho. — Annabella fez surgir um pergaminho e
uma pena, e começou a escrever uma carta para Elizabeth, pedindo por ajuda. Em seguida, lacrou a
carta e selou com o emblema real. — Observe. — Pegou a carta em mãos e, no segundo seguinte, ela
havia desaparecido. — Agora esperamos.
— Mas… você…
— É exatamente isso que você entendeu. É assim que Elizabeth e eu temos nos comunicado
uma com a outra há dias, escrevemos cartas e enviamos por magia, chega em questão de segundos. —
E quando ela terminou de falar, surgiu naquela mesma mesa outra carta e seis frascos diferentes. —
Viu? — Ela abriu a carta e leu em voz alta para o irmão: — Ella, aqui está o que me pediu.
Infelizmente não tenho o último ingrediente de que precisa, mas tenho certeza de que encontrarão.
E diga a Nicholas que a essa altura já devia ter se acostumado em ter uma irmã e uma amiga que
são feiticeiras. Lembranças aos seus pais e a vocês.
— Tudo bem, tudo bem, eu me rendo. Vocês são realmente boas — disse.
— Nós sabemos. Bem, Elizabeth mandou o Pus de Lamix. — Pegou o frasco, e sentiu seu
estômago revirar. — Nojento. — O largou em cima da mesa — Mandou a Extrato de Estrela-do-mar,
as folhas de Helaris, Raiz de Betoine, Aspho em pó e a Calêndula. Agora só precisamos do
Cogumelo da Meia-Noite. — Ella fez uma cara suspeita.
— O que foi? Qual o problema?
— O Cogumelo da Meia-Noite só cresce em um lugar. E só é possível encontrá-lo…
— Deixa eu adivinhar, à meia-noite? — Ella afirmou. — Estou com medo de perguntar aonde
ele cresce.
— Na Floresta da Perdição — disse baixo.
— O quê? Mas ninguém vai nesse lugar, fica muito além dos limites do castelo, muito além da
aldeia. Não é seguro para ninguém lá, não tem iluminação natural, por isso tem perdição no nome. As
pessoas se perdem lá dentro, quem entra pode nunca mais sair!
— Eu sei, eu conheço a história Nick. Mas é nossa única opção, se não formos atrás do
cogumelo será o mesmo que condenar nosso reino à miséria. Nossos pais não podem ficar
eternamente fazendo acordos com outros reinos por grãos quando nós temos a solução bem aqui.
— Ella, você sabe que eles nunca vão nos deixar sair do castelo para ir à Floresta da
Perdição, ainda mais à meia-noite.
— Eu sei. Mas precisamos fazer isso. Eles terão que compreender. Não é como se tivéssemos
opção.
— Eu sei. — Puxou uma respiração. — Eu odeio tanto quando você tem razão, porque isso
geralmente envolve correr risco de vida.
— Eu disse que sermos irmãos tornariam as coisas mais divertidas. — O abraçou de lado.
— Eu acho que você precisa rever o seu conceito de diversão — comentou. — De qualquer
maneira, precisamos de um plano, precisamos saber exatamente onde encontrar esse cogumelo, para
entrarmos e sairmos da floresta em um piscar de olhos.
— Vamos armar o plano, então.

— Vocês dois enlouqueceram, não é? Por favor, me digam que é uma piada — o rei pediu.
— Infelizmente, não é, pai. Nós pesquisamos, é a única opção que temos.
— Mas a Floresta da Perdição é inabitável, ninguém vai lá. E quem se arrisca, nunca retorna.
— Pai. — Annabella se aproximou dele. — Eu sei que o que estamos pedindo é loucura,
totalmente insano, mas é a única opção que temos. Se não fizermos isso, condenaremos nosso reino, e
talvez não venhamos a sobreviver muito tempo para contar nossa história. E vai dar certo, eu tenho
certeza.
— Como tem tanta certeza?
— Porque eu sinto isso, no meu corpo inteiro. É como uma intuição me dizendo que eu
preciso ir lá. E não estou pedindo para ir sozinha, nem quero também, mas é algo que eu preciso
fazer. Salvar esse reino é a única coisa que me importa nesse momento.
Seu pai suspirou. Sua mãe também. Os dois estavam perplexos pelo que tinham acabado de
escutar.
— Se eu, por acaso, disser que não quero que vá, que vamos achar outra solução, você irá de
qualquer forma, não é? — Ele olhou para a filha, vendo nela o mesmo olhar de teimosia que sua
esposa possuía. Ambas quando colocavam algo na cabeça não tinha quem tirasse. E, geralmente,
estavam certas.
— Eu poderia dizer que não apenas para deixá-lo tranquilo, mas me ensinaram a nunca mentir
então devo dizer que sim, eu irei de uma forma ou de outra. Não por mim, ou por orgulho, mas
porque é a única e a melhor chance de ajudar o nosso povo.
Seu pai suspirou algumas vezes, tentando pensar. Olhou para a esposa e sorriu levemente para
ela.
— Pois muito bem — disse após sua longa pausa. — Se preparem então, iremos esta noite.
Nicholas, prepare a sua espada, eu vou preparar a minha.
— Eu vou avisar ao meu tio, ele já fez pequenos trabalhos em vários lugares, conhece todos
os cantos do reino, deve conhecer a Floresta da Perdição, também. E, se não conhecer, talvez ao
menos saiba como evitar problemas.
— Ótimo. Às onze horas, nos encontraremos no pátio. Estejam prontos. — Os dois
adolescentes vibraram em excitação, e logo em seguida saíram do cômodo. — Você ficará bem aqui,
meu amor? — Se aproximou da esposa e segurou suas mãos.
— Bom, acho que não pode ser pior do que ver vocês marcharem para a morte igual há
poucos dias. — Sorriu fraco. — De qualquer forma, tomem cuidado, vocês três são os bens mais
preciosos que eu tenho, e vou confiar que serão cautelosos.
— Nós iremos, não tenha dúvida. Voltaremos antes que possa perceber que saímos.
— É o que eu espero, Hale! — exclamou, deixando clara a sua preocupação. — Tenham
muito cuidado, a Floresta da Perdição é traiçoeira, não sabem o que podem encontrar lá.
29. A Força da União

No horário marcado, se encontraram no pátio do palácio. Resolveram que o melhor era não
levar muitos guardas, apenas quatro, um para cada um deles. Decidiram também que a carruagem ou
os cavalos não eram uma boa opção, poderiam fazer barulho e atrair o que não desejavam. Ir
andando, era a melhor alternativa.
Caminharam até a aldeia, e logo encontraram Graham, que já estava preparado com a sua
besta, sua mais fiel escudeira, em mãos. Sua aljava, com mais flechas que ele poderia contar e
esperava ter que usar, estava bem presa ao seu corpo.
— Como conseguiu sair sem minha mãe te ver? — Annabella perguntou.
— Sua mãe tem um sono de pedra, e como eu durmo na sala, não tive problemas em sair pela
janela — explicou. — Mas você jamais faça isso! É um exemplo que não deve seguir.
— Prometo nunca fazer isso. — Olhou para ele, rindo. Não era como se pudesse, também,
afinal, seu quarto ficava no terceiro andar do castelo, ela morreria se tentasse fugir pela janela. —
Mas então, vamos? Precisamos chegar à Floresta da Perdição antes da meia-noite.
— É um longo caminho, temos que começar agora. — Graham mostrou o caminho, enquanto
caminhavam pela longa estrada em direção ao local.
— Desde quando você conhece a Floresta da Perdição? — sua sobrinha perguntou.
— Há muito tempo, na verdade. Fiquei preso lá uma vez, há muitos anos. — Annabella o
encarou confusa, esperando que ele contasse a história. — Muito bem. Uma vez, pouco tempo depois
que você chegou à casa da sua mãe, ela precisava de dinheiro pra comprar comida suficiente, você
sabe, para as duas. Eu tinha que ajudá-la, então, um dia eu consegui uma oferta de trabalho, que ia
pagar muito bem, e eu só precisava buscar uma coisa que só tinha na Floresta da Perdição.
— E o que era?
— Uma planta, uma espécie de flor, não sei o nome, só recebi um desenho dela. O dinheiro
que eu ia receber era muito alto para eu recusar apenas por ser na Floresta da Perdição, então eu
aceitei. Fiquei preso lá uma semana. Achei que nunca fosse sair. Mas consegui, recebi o pagamento e
sua mãe conseguiu manter as contas em dia até conseguir um emprego em um segundo turno.
Annabella se sentiu surpresa ao ouvir aquilo.
— Você arriscou a sua vida, a ficar preso para sempre numa floresta conhecida por fazer as
pessoas se perderem, pela gente. — Não fora uma pergunta.
— Sim.
— Mas você nem sabia se eu ficaria lá — pontuou.
— Eu tinha o pressentimento. E, se não ficasse, pelo menos o dinheiro ajudou a sua mãe a
cuidar de você nesse tempo.
— Hm — murmurou, suspeitando daquilo. Ela sabia que tinha mais por trás daquilo, e se a
suspeita que ela sempre teve a vida inteira estivesse certa, sabia bem o que era. — Tem certeza de
que é apenas por isso?
— Como assim? — Graham indagou, querendo saber o que sua sobrinha estava querendo
insinuar. Porém, a menina não teve tempo de responder.
— Chegamos — Nicholas anunciou. Ele apontou para a frente e viram duas árvores cruzadas
entre si, formando uma entrada. — É aqui, não é?
— Sim. É aqui mesmo — Graham afirmou. — Mantenham olhos bem abertos e ouvidos
atentos, a Floresta da Perdição é traiçoeira. — Ele mostrou o caminho, sendo seguido por todos.
Matthew ordenou aos guardas que esperassem na entrada da Floresta, pois se algo acontecesse, eles
poderiam ir atrás de socorro.
Os quatro andaram por um tempo longo. Annabella começou a perceber que o local fazia jus
ao nome, tudo ali era extremamente confuso. As árvores pareciam todas iguais, assim como as flores,
não tinha luz natural pois não tinha forma de a luz do sol ultrapassar e chegar até ali. Era como se
fosse noite eterna.
Caminharam até chegarem a uma bifurcação. Havia dois caminhos, mas qual deles os levaria
até o que estavam procurando? Teriam que se separar, mas seria seguro fazer isso?
Annabella encarou seu pai, já esperando o olhar que ele lhe daria.
— Não — Hale tratou logo de dizer, sabia exatamente o que sua filha tinha em mente.
— Pai, não temos opção. Levaremos o dobro de tempo se formos por um caminho de cada
vez. É melhor nos separarmos. Você e Nicholas vão pela esquerda, eu vou pela direita com meu tio,
não podemos perder tempo. — Contra seus melhores instintos, Matthew concordou.
— Tenham muito cuidado. A Floresta da Perdição muda as pessoas, quanto mais tempo
ficarmos aqui… Bem, só vamos dizer que torna a saída mais difícil.
Annabella e Graham seguiram pelo caminho da direita. Era uma estrada longa, mas com sorte
chegariam aonde precisavam.
— Melhor eu já começar a nossa rota de fuga. Vocês sabem escalar árvores? — Graham
indagou. Annabella o encarou, com a sobrancelha arqueada. — Esquece, é muito arriscado, uma
queda dessas pode nos matar. Vamos torcer para conseguirmos sair pelo mesmo lugar que entramos.
Ela cruzou os braços e arranhou a garganta.
— Vai mesmo fugir da nossa conversa de antes?
— Não sei se posso dizer que sei do que está falando. — Olhou em volta, disfarçando.
— Tio, até quando você pretende continuar fingindo? Eu já tenho dezessete anos, e eu vi
coisas. Por que nunca contou para ela?
— Annabella… — tentou argumentar, mas foi inútil.
— Olha, eu não sou mais uma criancinha, eu já entendo as coisas e sei como funcionam. Eu
sei que você gosta dela, e sabe como eu sei disso? — Graham a olhou. — Porque eu estou vendo
agora, nesse exato momento, o seu olhar enquanto falamos dela, e é o mesmo que eu vejo nos olhos
do meu pai toda vez que minha mãe está por perto ou quando ele fala dela. E eu sei o que isso
significa. É amor. Eu cresci vendo a forma como você sempre cuidou dela, da gente, você se mudou
de reino apenas para não nos deixar sozinhas!
— Como qualquer bom amigo teria feito.
Annabella o encarou, com a sobrancelha arqueada e a expressão séria, como quem dizia
“Vamos mesmo continuar com esse jogo?”.
Graham, em resposta, sorriu para ela.
— Quando você ficou tão sábia?
— Acho que correr alguns riscos mortais me fizeram assim — brincou. — Mas, falando
sério, por que nunca contou a ela?
— Porque eu nunca vi uma chance de ser correspondido. E se eu contasse, e ela não sentisse
o mesmo, isso poderia arruinar muita coisa. Sem contar que ela sempre se dedicou inteiramente a
você, e somente a você, amor não estava exatamente nos planos dela. Você sabe da história, não é?
— Do noivo dela? Sim, eu sei. Mas isso ficou no passado, não significa que ela não possa
seguir em frente. Eu cresci, e vocês fizeram um ótimo trabalho me criando, mas precisam seguir suas
vidas agora. E, se isso for fazer vocês felizes, tem meu total e completo apoio.
Graham sorriu novamente. Era fato, desde que a conheceu, era apaixonado por Dahlia, mas
também sabia que ela não se entregaria a chance de amar novamente, sempre lhe disse que acreditava
que cada pessoa só conhecia um, e ela já havia conhecido o dela, e ele morreu. Por isso sempre
guardou seus sentimentos para si. Jamais a deixaria constrangida dizendo o que não tinha necessidade
de ser dito.
— O que é isso? — A voz da sobrinha o despertou do próprio pensamento. Ele a viu esticar o
braço e tentar pegar o que quer que fosse que estava vendo.
— Annabella, cuidado! Pode ser uma armadilha.
— Não é! — Puxou a coisa e a trouxe para perto de si. — É uma capa. — Passou o tecido de
cor carmesim em suas mãos e viu que era enorme, devia pertencer a um adulto. — Se essa capa está
aqui, significa que tem mais alguém preso nessa floresta?
— Pode ser. Mas também pode significar que o dono morreu e a capa foi, de alguma forma,
parar em cima da árvore. Temos que continuar, vamos.
Ella o seguiu, com a capa em mãos, talvez, se encontrassem o dono, poderiam devolvê-la e
ajudá-lo a sair dali.
A trilha em que estavam fazia uma curva para a esquerda, e não levava a lugar nenhum. Assim
que saíram dela, encontraram com Matthew e Nicholas, que pareciam tão perdidos quantos eles.
— Pela cara de vocês vou arriscar um palpite e dizer que não encontraram o cogumelo?
— Não — Nick disse.
— Não tem mais nenhuma saída, não está aqui! — Matthew afirmou.
— Não. Tem que estar aqui. Em algum lugar, temos que procurar melhor. — Eles ouviram um
barulho. — O que foi isso? — perguntou Annabella, se assustando. Em seguida, um som mais alto foi
emitido.
— Parece um… — Nicholas começou.
— Um uivo — Graham completou, já sacando sua arma e se preparando. — Tem um lobo nas
redondezas, já deve ter nos farejado. Lobos são animais violentos, eles não veem quem estão
atacando, eles só atacam. Fiquem atentos e não façam movimentos bruscos.
Os quatro se juntaram no centro e começaram a olhar para todos os lados. Das sombras, bem
à frente de Annabella, o animal apareceu. Sua pelagem escura brilhava, assim como seus olhos. O
lobo uivou novamente. Em seguida rosnou.
— Ninguém mexa um músculo — Graham alertou. Qualquer movimento poderia ser fatal. O
lobo começou a rosnar para Annabella, e ela sabia que aquilo não era um bom sinal. Porém, ao olhar
no fundo dos olhos daquele que chamavam de fera, ela percebeu algo: medo. Ela deu um passo para a
frente em direção ao lobo. — Annabella, o que está fazendo? — Graham apontou a arma para a fera
e ele ia atirar, mas ela o impediu.
— Não! Não atire. — Ela esticou a mão para a frente. — Calma, está tudo bem. Não vamos
te machucar. — Foi se aproximando lentamente. O lobo ainda rosnava para ela, mas não ia em sua
direção. — Não precisa ter medo, está tudo bem, garoto. — O lobo grunhiu em resposta. — Tudo
bem, tudo bem, garota — corrigiu.
— Annabella, se afaste dela! — seu pai gritou, desesperado.
— Eles não vão te machucar. Eu prometo. — O lobo olhou para ela, e no fundo de seus olhos,
Annabella pôde ver que o animal não era uma ameaça. Só estava assustado, talvez com mais medo de
si do que deles. O lobo olhou para o braço dela, e viu que ela carregava uma coisa. Rosnou para
isso. — Conhece isso? — Mostrou a capa. Em resposta, recebeu outro rosnado. — Fique calma, eu
vou te ajudar. Eu não tenho medo de você — afirmou. O lobo pareceu entender, e se sentou à sua
frente, como um cachorrinho obediente. Annabella encarou o animal por um segundo e então olhou
para a capa. Ela não sabia o que aquela atitude significava, mas já tinha visto tanta coisa que a esse
ponto que não duvidava de nada. Estendeu a capa para o animal que a pegou entre as presas e saiu,
entrando na escuridão novamente.
Não demorou muito, e logo, o lobo retornou, e ao lado dele estava uma jovem vestida com a
capa vermelha.
— Oh. Você está bem? — Annabella quis saber, preocupada e curiosa.
— Estou. Obrigada. — A jovem se aproximou, acariciando o tecido vermelho, sentindo sua
capa sobre si novamente. — Obrigada por não terem machucado a Skye.
— Não precisa agradecer — afirmou. — Eu vi medo nos olhos dela, não ia nos ferir, não
queria nos ferir. Parecia até algum tipo de emoção… humana. — Viu a jovem disfarçar com os olhos.
— Como se chama?
— Malya.
— Há quanto tempo você está aqui?
— Não faço ideia. Um dia eu vim parar aqui, não me lembro como, só sei que era lua cheia e
Skye e eu saímos para correr, mas começou a chover muito e nós nos escondemos, e quando
percebemos, estávamos presas. Nem sei quanto tempo faz.
— Essa capa vermelha… você por acaso… — A jovem piscou para ela e Annabella sorriu.
— Devo lhe agradecer, você me salvou, a nós duas. Skye poderia tê-los matado e nem se
daria conta. Como posso retribuir pela ajuda?
— Isso não é necessário — garantiu. — Oh, onde estão meus modos? Eu sou Annabella, esse
é meu pai, Matthew, meu irmão Nicholas, e meu tio Graham.
— Matthew? — Olhou para ele, o reconhecendo. — Rei Matthew Hale, você quer dizer? —
perguntou, percebendo então que a princesa a havia salvado. Se sentiu ao mesmo tempo honrada e
envergonhada por não saber o que estava acontecendo de fato. Quando a princesa havia retornado?
Ela não havia desaparecido há anos? Quando saiu pra correr com Skye, ainda não havia ouvido falar
do seu retorno. Deus, há quanto tempo estava presa ali?
— Você é daqui então? — Annabella perguntou.
— Eu moro numa aldeia ao norte do castelo, com a minha avó e a minha irmã. — Olhou,
disfarçadamente, para Skye. — Mas o que vocês fazem aqui, Majestades? A Floresta da Perdição
não é exatamente o lugar para se querer visitar.
— Estamos atrás do Cogumelo da Meia-Noite, o conhece?
— Ah, sim, conheço.
— Sabe onde podemos encontrá-lo? É muito importante, precisamos dele.
— Sim, eu posso ajudá-los. Mas, eu não tenho certeza se, depois que o acharmos,
conseguirão sair daqui. Essa floresta prende as pessoas, é como se tivesse vida própria.
— Nós vamos achar um jeito — Ella disse. — E eu prometo, que vamos te tirar daqui e levá-
la para casa. Vocês duas. — Malya sorriu, e então afirmou.
— O que vocês procuram, na verdade, já encontraram.
— Como assim? — Nicholas perguntou.
— Está bem aqui. — Apontou para o chão, mas não havia nada além de terra. Do que ela
estava falando? Annabella ponderou por um momento, se a moça estava falando que estava ali, e
tendo passado tanto presa na Floresta da Perdição, então tinha de ter razão. Mas por que não estavam
vendo nada?
— É claro! — exclamou, após analisar consigo mesma. — Que horas são?
— Não temos como saber, não é possível ver a lua daqui — Graham explicou.
— Espere — Malya interrompeu. — Não é porque não podemos ver a lua, que significa que
não possamos senti-la. A força lunar é muito forte para alguns, é possível sentir quando ela está
vindo ou indo, é assim que… bom… — Tentou enrolar. — Skye?
A loba levantou a cabeça e pareceu se concentrar. Em seguida, com a pata direita, arranhou o
chão doze vezes, fez uma pausa, e arranhou com a esquerda, mais cinco vezes. Ninguém, exceto
Malya, entendeu.
— Faltam cinco minutos para a meia-noite.
— É isso! Nick, lembra que a gente leu que o cogumelo só pode ser visto à meia-noite? Então
só vamos poder pegá-lo…
— À meia-noite — seu irmão concluiu.
Alguns minutos se passaram, e a terra começou a se mexer, abrindo um buraco e escavando a
si própria. De dentro dela, surgiu uma espécie de casulo de folhas, que lentamente, se abriram,
mostrando o que queriam.
— Precisamos ser rápidos, não vai ficar visível muito tempo.
— Mas se ele só pode ser visto à meia-noite, como vamos poder usá-lo? — seu pai indagou,
vendo a filha se ajoelhar ao lado da planta e tocá-la.
— Uma vez que se colhe um desses, sua visibilidade se torna permanente. E somente quem o
colheu pode usá-lo, é tipo uma regra da magia. — Annabella escavou um pouco mais a raiz da planta,
e delicadamente, a puxou e foi vendo-o sair inteiro do chão. Alguma coisa o prendia ao solo, e ela
teve que criar um pequeno campo de energia para remover as raízes mais profundas. Finalmente,
conseguiu pegá-lo. — Prontinho. — Mostrou a todos. Guardou o cogumelo em sua bolsa e sorriu. —
Vamos sair logo daqui.
Caminharam pelo mesmo caminho de onde vieram, e realmente estavam achando que seria
fácil sair da Floresta da Perdição. Foi um péssimo erro. Quando chegaram ao local por onde haviam
entrado, as árvores estavam fechadas. Não havia saída. Estavam presos.
— O quê? — Matthew soltou, indignado. Tentou mover os galhos, mas sem sucesso. — Cadê
os guardas?
— Acho que não estão ali. A saída deve ter mudado de lugar, essa rocha estava mais atrás, eu
tenho certeza — Nicholas comentou, apontando para a rocha gigante que estava bem na entrada.
— E agora?
— Esperem, eu tenho uma ideia. — Annabella tentou se conectar com a floresta, mas parecia
que seus poderes não funcionavam ali. Tentou, e tentou e tentou mas nada aconteceu. — Por que não
conseguimos sair? Vamos ficar presos aqui? É isso?
— Não, eu me recuso a ficar preso nesse buraco do inferno! — seu pai exclamou. — Nick,
vamos cortar esses galhos. — O garoto assentiu, mas eles pareciam feitos de aço, pois tudo que
conseguiram foi um choque em seus ossos com a batida violenta que deram.
— Eu disse, a Floresta da Perdição é traiçoeira, ela não vai nos deixar sair.
— Não, não, não chegamos até aqui para ficarmos presos. Eu só preciso pensar. —
Annabella olhou para os lados. Olhou para o seu irmão, e viu algo que jamais havia visto em seus
olhos: medo. Olhou para seu tio e viu desespero. Olhou para Malya e viu tristeza. E quando olhou
para seu pai, viu o que mais lhe assustou: ódio. Nunca havia visto ódio no olhar dele, nem mesmo
quando estavam frente a frente com a mulher que mais lhes fez mal.
A Floresta da Perdição muda as pessoas.
Ela os estava mudando, precisavam sair dali imediatamente. Precisava tirá-los dali antes que
ela fosse afetada também. Sua magia a protegia, mas não o faria por muito tempo.
Ela precisava pensar em algo. Não conhecia nenhum feitiço para abrir caminho. Como faria
aquilo?
Talvez um portal? Será que conseguiria abrir um? Ela conhecia portais, a toca de Florence
ficava escondida através de um. Precisava de um portal urgentemente.
Se concentrou, torcendo para que funcionasse. Sabia que para fazer com que a magia fizesse o
que queria, ela só precisava imaginar e se concentrar. Imaginou uma porta, de madeira e alta, depois,
imaginou o lado de fora da floresta. Em seguida, desejou do fundo de seu coração poder sair dali.
— Mas o que… — Ouviu a voz de seu irmão, e abriu os olhos.
Olhou para a frente e viu a porta que tinha criado.
— Deu certo! — Sorriu, aliviada. — Vamos sair logo desse lugar. — Abriu a porta e o que
tinha do outro lado era exatamente o mesmo que tinha onde estavam.
— Mas não leva a lugar nenhum.
— É um portal, é para parecer assim mesmo. Vamos logo, não quero ficar mais nenhum
minuto aqui. — Sinalizou para que alguém atravessasse, e quando ninguém o fez, ela mesma
caminhou e sumiu através da porta.
— Annabella! — seu pai gritou, mas a garota não podia ouvi-lo. Ele foi logo atrás dela,
preocupado, e foi seguido pelos outros. Quando se viram todos juntos, estavam do lado de fora, com
os guardas os olhando em confusão. — Mas… — Matthew, ao abrir a boca, se sentiu diferente, como
se algo tivesse saído de dentro dele.
— Eu disse que ia dar certo. — Olhou para seu pai, vendo se ele estava bem. A expressão de
ódio havia sumido, agora via a mesma de sempre, um olhar sereno e tranquilo, cheio de amor. Deu
graças aos céus por isso. — Vamos embora, quero voltar logo para a casa. Malya, você disse que
mora ao norte do castelo, podemos levá-la de volta ao seu vilarejo.
— Eu agradeço mas não há necessidade. Skye e eu podemos voltar sozinhas. — Se virou para
a garota e sorriu. — Muito obrigada, de verdade. — Annabella sorriu e segurou suas mãos.
— Eu que agradeço. E, ah, como agradecimento, vou lhe contar um segredo: essa capa era da
minha tataravó, e o meu tataravô era… Bem… Vamos dizer que a Skye se parece muito com ele. —
Sorriu. — Às vezes, histórias podem ser mais do que apenas palavras em algumas páginas
amareladas. — Piscou em cumplicidade.
A loba se aproximou da princesa, esfregou a cabeça peluda nas mãos dela, e em seguida saiu
correndo, na velocidade da luz, e logo puderam ouvir um uivo alto. Malya saiu atrás dela para não se
perderem uma da outra. Annabella estava muito satisfeita, havia conseguido não só o que precisava
para salvar seu reino, mas também havia salvado uma pessoa que precisava. Isso a fez se sentir mais
do que bem.
— E esse sorriso? — Seu irmão se aproximou.
— Não é nada. É só que isso me trouxe uma memória de algo que a mamãe me disse muitos
anos atrás. Que as histórias dos livros que eu leio podem ser reais se eu desejar que elas sejam.
Sonhos de criança se realizam, afinal de contas.
Nick a encarou, arqueou a sobrancelha e tentou entender.
— Talvez um dia eu encontre o caminho para o País das Maravilhas — contou, e riu ao
encarar a expressão confusa do irmão. — Vamos para a casa, irmão. — Bagunçou o cabelo dele.
Quando amanheceu, Alycia acordou e sentiu braços circulando sua cintura. Olhou para trás e
viu seu marido, e sorriu. Não percebeu quando pegou no sono noite passada, e muito menos viu
quando ele chegou, mas estava feliz por vê-lo ali. Se virou para ele e acariciou seu rosto e sua barba.
Ele estava tão sereno, que ela podia dizer que estava tendo um sonho lindo.
— Bom dia, meu amor. — Selou os lábios aos dele, sentindo-o se mexer.
— Hm, bom dia. — Despertou facilmente.
— Quando chegou ontem? Nem percebi — disse, um pouco manhosa. Acariciou o rosto dele,
e acabou recebendo um sorriso leve.
— Chegamos de madrugada, não sei exatamente a que horário. Você estava tão tranquila
dormindo que não quis acordá-la. — Levou a mão ao rosto liso da amada e fez um carinho também.
— Deu tudo certo?
— Sim, querida. Nossa filha conseguiu, outra vez.
— Ela é incrível, não é?
— Sim. Puxou à mãe! — Abraçou sua cintura e a puxou para deitar-se em cima dele. Enfiou o
rosto entre o pescoço e o ombro dela, sendo coberto pela grande massa de cabelo que ela possuía, e
sentiu aquele perfume maravilhoso que ela exalava.
— Hm, eu acho que ela puxou ao pai. É corajosa, destemida. — Segurou o rosto dele e se
inclinou um pouco para beijá-lo.
— Você é tudo isso, meu amor. E mais. — A beijou novamente. — Que horas são? —
perguntou.
— Desde quando você se preocupa com o horário, meu bem? — indagou curiosa, pois
conhecendo o marido que tinha, sabia que ele inventaria mil desculpas para não ter que se levantar
da cama tão cedo para poder ficar com ela.
— Nossa filha pediu, ontem quando voltávamos para a casa, para que despertássemos bem
cedo, pois ela queria realizar o feitiço com todos nós presentes, e como hoje à tarde partiremos para
Porto Dourado…
— Oh, você tem razão. — Sorriu para ele. — Então, vamos descer, tomar nosso café, e ver
nossos filhos salvarem esse reino. — Lhe deu um último beijo antes de sair de cima dele e da cama.
Todos se reuniram no salão onde realizavam as refeições, e Annabella contou à mãe tudo que
haviam feito. Contou como ajudou Malya, como quase ficaram presos na floresta, e como
conseguiram escapar. Sua mãe sorria orgulhosa com o entusiasmo da filha, via que a cada dia, pouco
a pouco, todas as dúvidas dela sobre ser uma boa princesa iam se diluindo, e a via cada vez mais
confiante.
Após terminarem o café da manhã, todos seguiram para o jardim. Viram a grande árvore, que
estava com as folhas amareladas e algumas até mortas. Annabella pediu que levassem uma mesa para
o jardim e reuniu todos os ingredientes que necessitava, junto com o livro com as anotações, tal como
um caldeirão que ia usar para preparar a poção.
Foi misturando, com a ajuda de Nicholas, que havia sido uma grande parte em tudo aquilo, e
foi vendo surtir efeito. Estava funcionando. O cheiro não era nada agradável, mas isso não
importava.
— E por último. O cogumelo. — Pegou-o na mão e jogou dentro do caldeirão. A fumaça
branca começou a sair de dentro da mistura, cercando os pés dela. Em instantes, deveria surgir uma
luz azul, o que indicava que o elixir estava pronto. Porém, nada aconteceu. — Por que não está
funcionando? Devia funcionar! — Annabella exclamou, frustrada.
— Será que fizemos tudo certo?
— Sim! — Ela pegou novamente o pergaminho e leu de ponta a ponta, procurando se tinha
deixado escapar alguma informação. — A árvore Hale é um símbolo de resiliência e força, nada
pode destruí-la! — leu para todos. — Está bem aqui, Victoria escreveu isso. A força que corre
dentro da árvore é sinônimo de superação. Viu? Está bem aqui! Funcionou para ela, por que não
funciona agora? — Começou a lacrimejar os olhos, se sentindo com raiva, triste e frustrada, tudo ao
mesmo tempo.
— Tem que estar faltando alguma coisa.
— Mas o quê? Essa árvore é lendária, não posso sair colocando qualquer coisa nela sem ter
certeza de que vai funcionar, posso acabar matando-a por acidente. Ela resistiu a muitas coisas, boas
e ruins, mas não será assim por muito tempo, e ela está se autodestruindo aos poucos. Até a
resiliência tem limites.
— Resiliência… — Nicholas repetiu baixo. Algo passou pela sua mente quando ouviu
aquilo. Pegou um dos livros de sua avó e bisavó e começou a ler. Ele tinha lido algo assim, tinha
certeza. Olhou e olhou pelas folhas até que notou algo bem interessante que havia passado
despercebido por ambos. — É isso! — exclamou. Sua irmã se aproximou e leu o que ele mostrou.
Seus pais ainda estavam ali, tentando entender os dois jovens. Annabella sorriu para o irmão. É
claro, ele tinha toda a razão.
A árvore era um símbolo de superação, então era óbvio que precisava de algo tão forte
quanto ela para se manter, e isso ia além de ingredientes mágicos, tinha a ver com força humana.
Annabella olhou para a mãe, que a encarou em dúvida. Chamou a mais velha e segurou suas
mãos.
— É tão óbvio que me sinto um pouco estúpida por não ter percebido antes. É de você que
precisamos, mãe.
— Eu? — Alycia estava claramente confusa.
— Sim. Nick tem razão. A árvore é um símbolo de resiliência, de superação, somente alguém
com uma força tão poderosa quanto pode trazê-la de volta à vida.
— Mas eu não tenho poderes, só possuo o sobrenome Hale por causa do meu casamento.
— Sim. Mas ser uma Hale vai além do sangue. Você pode não ter poderes, pode não ser
capaz de fazer magia, mas, mãe, você me gerou, você gerou alguém com poderes enormes, e uma
parte minha sempre vai viver dentro de você. Como viveu todos esses anos. Você nunca desistiu de
me encontrar, de me ter em seus braços novamente, você é mais forte do que pensa. Mesmo com a
dor, nunca caiu, sempre se manteve em pé, e cuidou com todo o seu coração do seu marido e filho,
desse reino, mesmo que não conseguisse curar sua própria dor. — Alycia se emocionou com as
palavras da filha. — Essa força circula no seu corpo, está em seu sangue, como está no meu, e estava
no de Anastasia, Victoria e em todas as mulheres dessa família.
— Precisamos de uma gota do seu sangue, mãe — Nicholas concluiu.
— Isso está escrito no livro? — indagou. Ainda estava um pouco confusa. Como assim ela
era a pessoa que faria aquilo? Ela era, de repente, a esperança? Ela jamais imaginou que seria assim
quando, anos atrás, se casou apaixonada por um homem que lhe mostrou que lhe daria o universo
inteiro dentro de uma garrafa se ela pedisse e se tornou mãe de duas crianças perfeitas… e agora, ela
era mais do que a rainha, mais do que a esposa e a mãe, ela era parte da solução.
— Não. Não explicitamente, pelo menos — sua filha começou a explicar. — Antigamente,
ninguém sabia que as mulheres dessa família possuíam poderes, não era um assunto comentado por
ninguém e por isso elas temiam a rejeição e o preconceito, temiam que se isso fosse revelado, seria o
fim do reinado da família Hale. Então, elas escondiam nas entrelinhas. Minha bisavó, Victoria,
sublinhou a palavra resiliência todas as vezes que a escreveu, confesso que houve um momento que
ficou cansativo ler a mesma palavra várias vezes, e eu provavelmente vou tirá-la do meu vocabulário
por um bom tempo. — Soltou um risinho. — Como eu dizia, isso serviu como uma camuflagem ao
que ela queria dizer. E eu li nos livros que encontrei que o sangue pode ser usado para muitas coisas,
é um dos ingredientes não-mágicos mais poderosos que existem. E eu não tinha reparado até agora
que, nas anotações de Victoria, está escrito em letras minúsculas “O sangue cura”. Nick quem
enxergou isso — explicou, sorrindo para a mãe, que tentava segurar as lágrimas que começaram a se
formar em seus olhos por ouvir a fala de sua filha — Hoje, eu sei que não preciso esconder meus
poderes ou camuflar segredos pois a existência da magia não é um segredo para mais ninguém, e
ninguém mais tenta fingir que ela não existe, mas aquela época era diferente. E hoje, eu sei que
preciso de você, mãe, todos precisamos.
Alycia estava emocionada. Abraçou os filhos entre lágrimas e sorrisos. Seu marido também
estava com lágrimas nos olhos, admirando aquele momento. Ele sempre disse para Alycia que ela era
a melhor mãe que seus filhos poderiam ter, e hoje ela estava, finalmente, percebendo isso.
— Tudo bem. — Enxugou as lágrimas. — Vamos fazer isso.
Annabella pegou um objeto pontiagudo em cima da mesa, e se virou para a mãe. Alycia
esticou o dedo e o sentiu ser furado e logo o sangue começou a sair. Ela o colocou em cima do
caldeirão e apertou, fazendo-o pingar. Assim que o líquido vermelho se encontrou com o que estava
misturado logo abaixo, uma luz começou a brilhar, a luz azul. Annabella puxou a concha que usou
para mexer o elixir e viu que estava exatamente como a receita descrevia que havia de ficar. Pediu
um frasco a Nicholas e derramou o líquido azul-esverdeado dentro dele.
— Vamos fazer isso juntos — chamou seus pais e irmão, e caminharam até a árvore. Cada um
segurou uma ponta do frasco e sem seguida o derramaram sobre a árvore. Quando todo o líquido se
encontrou com o solo, puderam ver a luz se espalhar por todo ele, e subir pela árvore, devolvendo a
vida a ela. — Agora eu preciso dar energia a ela. Segurem em mim, preciso de todos vocês. — Ela
não precisava realmente pelo feitiço, mas sim porque queria que eles fizessem parte disso, queria
senti-los com ela, tê-los perto. Eles lhe davam força. Ella esticou as mãos para a frente e para baixo
e tocou o solo, fazendo como deveria fazer e recarregando a árvore. Uma luz dourada passou por ela,
e em seguida se espalhou por todo o solo do jardim. Ela não conseguia ver nada pois os olhos
estavam fechados, mas seus pais e seu irmão sim, e viram aquela energia percorrer todo o chão até
fora do castelo, em direção ao povoado.
Quando Annabella percebeu em sua sensibilidade que a árvore estava curada completamente,
soltou-se. Olhou, finalmente, para ela e viu que estava viva de uma forma que ela nunca havia visto.
Tinha funcionado. Juntos, eles tinham restaurado o reino.
— Você está bem? — seu irmão perguntou ao vê-la ofegante.
— Sim. Só um pouco cansada — comentou. E não era para menos, precisou de uma enorme
quantidade de energia pra fazer aquilo, estar cansada era o mínimo.
— Quer ir se deitar um pouco, meu amor? — sua mãe perguntou.
— Não, não, eu estou bem.
— Melhor você ir, Ella, nem que seja por algumas horas. A noite foi agitada e agora pela
manhã mais ainda — seu pai reafirmou o que sua mãe dissera. — Eu tenho uma reunião daqui a
pouco, e à tarde sua mãe e eu iremos para Porto Dourado.
A garota assentiu, e o irmão a acompanhou. Matthew se viu sozinho com a esposa e a
abraçou. Fortemente, apertando sua cintura e a deixando presa a ele.
— Hm, não estou reclamando, mas, por que isso agora? — Circulou os braços ao redor do
homem e apoiou a cabeça em seu peito.
— Porque eu te amo — respondeu. — Eu sempre soube que você era maravilhosa, que era
uma mãe incrível e uma mulher poderosa, e hoje, finalmente, você conseguiu ver o que venho te
dizendo há anos. Estou orgulhoso de você, meu amor. Profundamente orgulhoso. — Pegou uma mão
dela, a que o dedo havia sido ferido, e viu que estava um pouco vermelho, então o levou até seus
lábios e o beijou, como se aquilo pudesse curá-lo.
— Eu fiquei emocionada quando ela me disse aquilo, eu jamais imaginei isso. Realmente, Sr.
Hale, tenho que começar a acreditar naquilo que você diz. — Ergueu o queixo e sorriu para ele.
— Tem mesmo. — Abaixou-se e a beijou. — Quer ir dar uma volta e ver como está o nosso
reino antes que eu tenha que subir para a reunião?
— Me mostre o caminho. — O abraçou pela cintura, e ele fez o mesmo.
Saíram do jardim e foram seguindo rumo ao redor do castelo, vendo que todas as plantas, até
mesmo a grama, estava mais viva, mais verde. O reino estava restaurado, e dessa vez, tinham alguém
para mantê-lo sempre assim.
30. Mostrar Seu Poder

Na manhã subsequente, Annabella estava em seu quarto se arrumando para o primeiro dia
sendo a responsável por todo o reino. Bom, quase primeiro, já que seus pais haviam saído de viagem
há pouco menos de vinte e quatro horas. Não sabia se estava pronta para isso, mas ia tentar com
certeza.
Seus pais haviam partido para Porto Dourado na tarde do dia anterior, quando ela ainda
estava descansando por ter revivido a árvore da família. E, exceto para realizar as refeições, não
saíra do quarto, imaginando como seriam aqueles três dias. Matthew havia dito que era possível que
ela tivesse que se encontrar com alguns nobres, pois eles estavam sempre aparecendo no castelo,
como fizeram na manhã anterior para uma reunião com o rei, algo que ela pôde escutar brevemente
quando passava pelo corredor, e pelo pouco que ouviu, não gostou nenhum pouco. Pois era sobre ela.
Mas seu pai lhe garantira antes de sair que ela não precisava se preocupar pois teria ajuda,
Nicholas estaria com ela já que estava, de certa forma, acostumado em lidar com aquelas pessoas.
— Você está adorando essa cama, não é mesmo? — perguntou para sua gata, que estava
deitada, completamente relaxada na enorme cama. Ela lhe respondeu com um miado alto e continuou
aproveitando o conforto. — Gata mimada! — Não pôde deixar de rir.
— Annabella? — uma voz a chamou.
— Pode entrar. — Mas não era ninguém na porta. Ao ver que a mesma não se abriu, Ella se
levantou e caminhou até a entrada do quarto e observou o corredor, não havia ninguém lá. — Hm, que
estranho.
— Annabella! — chamaram novamente.
Ela prestou mais atenção e percebeu que o chamado estava vindo do seu quarto, mas não
tinha ninguém ali, além dela e sua gatinha.
— Annika? — perguntou. Não, era insensatez demais.
Sua gata não está falando, por Deus, Annabella!
A gata olhou para ela mas não fez nenhum barulho.
— Annabella, aqui!
Foi então que ela viu um brilho e uma vibração vir do espelho na parede. Se aproximou dele
e o tocou, fazendo então surgir uma imagem.
— Elizabeth? Deus… como?
— Comunicação entre portais, espelhos são uma espécie de passagem.
— Que incrível! Como você fez isso?
— Vou mandar um livro que achei aqui sobre isso depois. Como estão as coisas por aí? —
quis saber.
— Boas, eu acho. Meus pais tiveram que viajar ontem à tarde, estamos com uns problemas na
produção de grãos no reino. E eles me deixaram no comando, eu nem sei por onde começar! —
Suspirou. — E por aí?
— Bem, na verdade. Estamos conseguindo reconstruir tudo com uma velocidade incrível.
Já consegui fazer com que o comércio volte a funcionar como antes, no momento ainda não
estamos exportando mas esperamos fazer isso em breve. — Sorriu. — Eu descobri também
algumas outras coisas. Quando Lilliana apagou a memória de todos conseguiu também fazer com
que alguns parentes meus se esquecem de seu sangue real e títulos, apenas dois dias atrás, um
primo meu apareceu aqui, o nome dele é Arthur e é filho de uma prima do meu pai, Alexandra,
acredita nisso?
— Meu Deus, ela conseguiu fazer de tudo para impedir que qualquer pessoa tentasse acabar
com o reinado dela.
— Sim.
— E quanto a ela? O que você decidiu?
— Ah, sim, claro, foi por isso que te chamei. Eu tive uma reunião com alguns dos nobres do
reino e depois de muito pensar, decidimos mandá-la para o exílio.
— Exílio? Mas… existe alguma ilha própria para isso?
— Sim, ela fica ao extremo norte, é bem longe e muito bem protegida, ninguém nunca
conseguiu escapar de lá e sobreviver para contar a história, pois o mar que a cerca é muito
violento. Eu decidi que é a melhor decisão, muitos queriam que eu a mandasse para a guilhotina,
e por mais que uma parte de mim diga que ela mereça, eu não quero começar o meu reinado assim,
não quero deixar um legado de sangue derramado. Eu queria tirá-la do trono e acabar com o
reinado dela, isso foi feito, ela não é mais uma ameaça. E o exílio é a melhor opção, ela ficará
presa sem poder machucar mais ninguém, e ficará sozinha, talvez aprenda algumas coisas. E se
não, pelo menos estará longe, onde não poderá causar mais problemas.
— Acho essa decisão muito madura, Liz. Você tem razão, combater sangue com o
derramamento de mais sangue não é a resposta — comentou, fazendo a amiga do outro lado do
espelho sorrir. — Eu disse que você seria uma grande rainha.
— Obrigada. Eu acho que tive sorte, todos me aceitaram com facilidade e sem oposição,
como se eles me vissem realmente como a única que pode governá-los.
— Fico muito feliz por você, Liz. Só espero ter a mesma sorte por aqui.
— Vai dar tudo certo. Fique tranquila.
Ouviram batidas na porta.
— Vá, poderemos nos falar em breve novamente. — E a imagem dela sumiu, deixando
apenas o reflexo de Annabella no espelho. Ela caminhou em direção à porta do quarto e encontrou o
irmão.
— Eles estão lá embaixo esperando por você.
— Oh, bem que o papai avisou — comentou. — Bom, vamos logo ver o que desejam —
disse, um pouco nervosa.
Conforme caminhavam pelo corredor até o salão onde Nicholas dissera que aguardavam por
eles, ele percebeu que a irmã suava frio. Ele entendia o sentimento, também ficou assim na primeira
vez que tivera, de fato, que encarar a nobreza. Mas ele, pelo menos, estava com seu pai. Annabella
só tinha a ele ali, seus pais estavam muito longe. Mas ele não tinha dúvidas de que ela conseguiria
lidar com isso, afinal, já havia lidado com coisa pior.
— Ei, calma — disse Nick, tranquilo. — Você consegue fazer isso.
— É fácil para você falar, afinal, cresceu nesse mundo. Foi criado para ser rei.
— Corrigindo: eu fui criado para ser rei porque você não estava aqui. Agora está, e você vai
entrar naquela sala e vai mostrar para eles que é a única que pode governar esse reino.
— Mas e quanto a você? O que vai fazer agora? Nick, eu sinto como se estivesse tomando o
seu lugar.
— Você não está! Esse lugar é seu, eu só o aceitei porque sabia que era o meu dever, lembra
do que eu te disse uma vez? Esse lugar é seu! E, respondendo à sua pergunta, ainda não sei o que vou
fazer, mas tenho algumas ideias. Conversei com o Andrew e estamos analisando as opções, ele pensa
em fazer algumas viagens em breve, acho que vou com ele, é uma ótima oportunidade de expandir as
fronteiras do nosso reino e achar novas alianças.
— Quem sabe até não encontre a sua princesa em uma dessas viagens — provocou o caçula,
que riu.
— Quem sabe — devolveu.
Chegaram ao salão e logo, como sempre, fora anunciada.
— Sua Alteza Real, a princesa Annabella Hale. — Isso ainda era algo que ela estava se
acostumando. Na verdade, ainda estava se acostumando às duas coisas, o fato de ter que ser
anunciada toda vez que algo importante ia acontecer e ela ia entrar na sala, e o fato de que seu
sobrenome não era Moore, e sim Hale. Casey Hale, na verdade, mas o sobrenome de sua mãe era
apenas no papel, somente uma formalidade.
Claro que ela se lembrava dos primeiros cinco anos de vida, e lembrava de ser chamada
assim, mas ainda era um pouco estranho se acostumar com isso novamente.
Todos os ali presente se curvaram e ela retribuiu com gentileza.
— Alteza — iniciou um dos homens, a quem ela identificou ser lorde Holden, o conde de
Kenneth, pois o havia visto no baile de alguns dias atrás —, nós, do Conselho Real, agora que, bom,
depois de tantos anos, temos a herdeira do trono de Porto Vermelho de volta, precisamos, o mais
rápido possível, resolver algumas coisas. A princesa agora, tem dezessete anos, e como é de
costume, precisamos de garantias reais de que nossa linhagem seja mantida.
— Queremos saber quando seremos apresentados a um novo futuro rei! — disse outro lorde,
mais ao fundo da sala. Era Lucque, o duque de Cohen.
— Futuro rei? — ela questionou, sendo pega de surpresa. Ela havia escutado parte da
conversa que ocorrera no escritório de seu pai na tarde anterior, e ouviu quando Matthew se impôs
por ela dizendo: “Minha filha só se casará quando se sentir pronta, e quando a mãe dela e eu
acharmos prudente”, e, sendo assim, ela não imaginou que esses mesmos nobres presentes na reunião
com seu pai tocariam no assunto com ela tão cedo, pois mesmo sendo a autoridade no momento, a
última palavra no reino ainda era do rei, e ele não estava ali.
— A princesa está na idade de se casar, sua mãe se casou com seu pai quando tinha a sua
idade, a rainha Anastasia se casou com James aos dezesseis, e assim vem sendo há séculos.
Precisamos de garantias de herdeiros, de que a linhagem real será mantida.
— Um dia, Alteza, será rainha, e precisará de um marido com quem terá filhos.
— Filhos? — ela perguntou novamente. Aquilo era, por assim dizer, demais para ela. Não era
bem o que tinha imaginado. E ela já havia conversado com sua mãe sobre isso. Queria sim, se casar
um dia, mas não naquele momento e não daquele jeito. Não era capricho ou coisa parecida, só não
era sua vontade. Da maneira que todos aqueles homens estavam falando, parecia que estavam
insinuando que ela só poderia governar se estivesse casada, mas ela sabia que não era assim. Ela
poderia fazer coisas incríveis como rainha, se apenas confiassem nela. A única preocupação dela era
com seu povo, e faria o melhor por eles, não pela nobreza. Porém, também sabia que não podia
desagradá-los, pois, como sua mãe lhe dissera há uns dias: o seu povo é quem te dá força, mas são
os nobres que te dão o poder, e mesmo que não goste, não queira virá-los contra você. Ela tinha
que ser estratégica, tinha que usar as palavras certas.
— Existem pretendentes por todas as partes, em todos os reinos e… — um dos marqueses
comentou.
— Se Vossa Alteza se abrir a opções, poderia encontrar um marido em menos de um mês —
um visconde disse.
— Precisamos de garantias de que a linhagem vai continuar.
— Já chega! — Annabella os interrompeu com um grito. Logo em seguida, recuperou a pose.
— Antes de mais nada, quero deixar claro que eu não irei me casar por pressão. Eu não preciso de
um marido, como lorde Cohen sugeriu, para governar. Eu sei quem sou e sei o meu lugar. Demorei
muito para chegar aqui, e mais do que ninguém eu sei como as coisas funcionam fora dos portões
desse palácio. Uma vez que eu for coroada rainha e me casar, eu perderei meu posto e não serei mais
vista como tal, foi o mesmo com minha avó, Anastasia, ela era a rainha, ela era a herdeira, ela era a
última voz no reino, mas mesmo que a respeitassem como tal, todos apenas enxergavam o rei. Eu sei
que todos pensam que eu sou uma garotinha frágil e pobre que foi criada numa casinha pequena em
um vilarejo, e sim, eu posso ser uma Moore de criação, mas eu tenho o coração de uma Hale e o
sangue de uma Casey, e como minha bisavó Victoria, e minha avó Anastasia fizeram antes de mim, e
como minha mãe vêm fazendo, eu serei a rainha, e não deixarei ninguém definir o meu reinado.
— Alteza, compreenda que é necessário garantir a linhagem…
— Eu sei disso, e tudo a seu tempo lorde Spencer. Mas se for para me casar, será por amor,
assim como foi com meus pais, e eles foram e ainda são governantes ótimos, não são? — perguntou a
todos, que assentiram. — Não vejo razão para querer apressar nada. Eu sou filha deles e tenho esse
poder enraizado em mim, circulando no meu sangue. Meu pai me disse que eu posso ser uma grande
rainha se acreditar em mim mesma, mas para isso preciso que vocês acreditem em mim.
— A princesa está agindo com infantilidade e falando coisas desconexas e… — lorde Warren
interrompeu, mas logo alguém fez o mesmo com ele.
— Cuidado com as palavras, Phillip — Nicholas chamou-lhe a atenção. — Na ausência de
seu rei e sua rainha, a princesa é autoridade por aqui, e você é submisso a ela. Todos somos. Não
tentem persuadi-la com suas ideias. Minha irmã sabe o que faz, e ela está sendo muito bem orientada,
eu garanto isso. — Annabella agradeceu ao irmão com um sorriso.
— Nós sabemos príncipe Nicholas. Perdoe-me.
Aquilo não passou despercebido por Annabella. Ela percebeu a maneira como o homem
respondeu a Nicholas, pedindo perdão pela atitude. Pensou por um breve segundo. Precisava fazê-los
confiar nela, não apenas respeitar a autoridade que seu título impunha, mas adorá-la, enxergarem que
ela era digna de governar. O povo adorava Victoria, não? E Anastasia? Principalmente, adoravam
Alycia. Eles poderiam adorá-la também, certo?
Precisava agir com cautela. Precisava ser forte como suas mães lhe ensinaram a ser, mas
também precisava ser gentil e valente como seu pai. Era hora de deixar o seu legado. De dar a eles o
que precisavam: certeza. Certeza de que ela estava pronta para assumir o controle, e que poderia
fazer isso. Certeza de que, não era porque ela foi criada longe da Corte, que ela era incapaz de
entender como a mesma funcionava.
— Eu sei que quando olham para mim não veem alguém criada para ser rainha, como
poderiam? Passei mais da metade da minha vida sem nem ao menos sequer lembrar que tinha uma
família. Mas, eu também sei que um bom líder pode vir de qualquer lugar, e eu sei que posso ser uma
boa líder se me derem uma chance. Eu não quero ser o tipo de rainha que não recebe apoio de seu
próprio povo, eu quero ajudá-los, mas preciso que me ajudem também. Não pensem que eu estou
agindo com infantilidade, eu só estou pensando no que é melhor. Eu vi muita coisa lá fora nos anos
em que estivesse… bem, desaparecida, e são essas coisas que eu quero mudar. No momento, eu não
me sinto pronta para me casar e ter filhos, ainda tenho muito o que aprender, e não vou arriscar a
liberdade e a felicidade deste reino trazendo para dentro dele qualquer pessoa para ser o seu rei. Um
dia, eu irei me casar, mas até que esse dia chegue, eu peço que confiem em mim. — Ela pausou por
um momento. — Pensem em suas filhas, seus filhos, e pensem se os forçariam a algo que não desejam
apenas para que possam ser aceitos. Eu sei que vocês desejam ver a família Hale prosperando por
muitos anos mais, principalmente depois de tudo que passamos, mas existe tempo para tudo. Eu
garanto a vocês que enquanto eu viver, protegerei Porto Vermelho com tudo que tenho.
Todos os lordes se entreolharam e concordaram. Annabella se sentiu satisfeita por aquilo. Ela
se levantou, achando que tinham acabado, mas ouviu um barulho, e quando percebeu, todos eles
estavam ajoelhados à sua frente. Lorde Warren, que estava na frente, pegou a mão da princesa e
beijou o anel que ela usava.
— Vossa Alteza — pronunciou, logo após soltá-la. — Esperamos muito tempo para vê-la se
erguer.
— Perdoe-nos por nossa imprudência, Alteza. Sabemos que Porto Vermelho está em boas
mãos.
— Isso eu garanto a vocês. Eu não serei apenas a rainha de Porto Vermelho, serei a rainha de
vocês. E, assim como meu pai está me preparando para assumir o lugar dele, imagino que também
estejam preparando a seus filhos e filhas para assumir o de vocês. — Todos se levantaram. — Lorde
Holden, por exemplo, tem apenas uma filha, não? Como acredita que será uma vez que o título for
dela?
— Eu e a mãe dela estamos fazendo o nosso melhor para que ela se torne uma grande
duquesa, instruindo-a da melhor forma que podemos para que ela seja forte e saiba como ser o que
ela precisa, por ela mesma e pelo título que será dela.
— Eu não tenho dúvidas de que ela será uma grande diplomata, só precisam instruí-la da
melhor forma e mostrar confiança nela, da mesma forma que meus pais estão fazendo comigo. —
Annabella sorriu.
— Pelo menos uma vez o ducado de Holden terá uma representante tão bonita quanto a
propriedade — disse um dos homens ao fundo, causando riso em todos.
— Não sei o que lhe faz proferir tamanha provocação, meu caro lorde Watson, você não
também não é um exemplo de beleza.
Os lordes se dispersaram não muito depois que a reunião acabou, e Annabella estava
satisfeita. Havia provado seu ponto, e agora tinha a confiança deles. Sabia — e esperava — que
demoraria muitos anos até que assumisse o trono, mas tinha certeza de que conseguiria fazer o melhor
para seu reino, e tinha até algumas ideias.
— Viu? Eu disse que você conseguiria — disse seu irmão, sorrindo para ela.
— Obrigada por acreditar em mim, Nick.
— Ah, que isso. — Sinalizou. — Você é minha irmã, e eu te conheço. Sempre soube que era
capaz. — Ella o abraçou.
— Você é meu melhor amigo, Nick, sabe disso, não sabe?
— Você também é a minha melhor amiga, Ella. Na verdade, foi a primeira amiga que eu tive
— contou. — Quem diria, a única pessoa que fui capaz de criar uma amizade veio a ser minha irmã
há muito tempo perdida — brincou.
— Quem diria. — Riu de volta, se soltando dele e o encarando. — Eu amo você, irmão.
Obrigada, de verdade, por tudo.
— Eu já disse, você é minha irmã, e mesmo sendo mais velha do que eu, eu faria qualquer
coisa por você. Eu te amo, Ella. — Ele sorriu para ela, a felicidade era clara em seu olhar. — Parece
que você finalmente encontrou a flor das conquistas sobre os desafios de espinhos.
Ela riu com a referência dele à sua interpretação da sua flor favorita.
— Parece que sim. Nós dois, nossa família inteira, na verdade, superamos os espinhos.
Temos um mar de rosas para viver agora.
A garota não aguentou e o abraçou de novo, tinha algumas lágrimas acumuladas nos olhos mas
elas não rolavam por seu rosto.
— Não vejo a hora de contarmos aos nossos pais como você conseguiu fazer com que eles
não só te ouvirem, como impediu que eles tentassem te governar — ele disse, orgulhoso. Apesar de
ter apenas quinze anos, Nicholas tinha a pose e o jeito de falar de seu pai, que o fazia parecer mais
velho. Abraçou a irmã pelos ombros e foram caminhando pelo salão, sem rumo algum.
— Eu jamais permitiria que ninguém tentasse me dizer como devo ser, ou que me
subestimasse. Eu ganhei a confiança deles hoje, e vou fazer de tudo para mantê-la — garantiu, firme.
— Nossos pais vão ficar muito orgulhosos ao saberem disso quando retornarem.
— Hm… — Ela pensou. — E se contarmos a eles agora mesmo? — Nicholas a olhou em
dúvida. — Vem comigo.

— Contente, meu amor? — perguntou seu marido, entrando no quarto e encontrando a esposa
já sentada na cama.
— Ah, sim. Conseguimos resolver o que precisávamos e não precisamos nos preocupar mais.
— Matthew se aproximou dela, sentou-se ao seu lado, se inclinou e lhe deu um beijo. Ela acariciou
os cabelos louros do marido e sorriu em meio ao ato. Hale sentiu isso e a puxou para um contato
mais profundo. — Será que nossos filhos estão bem? — perguntou entre as pausas dos toques.
— Tenho certeza de que estão ótimos — disse ele, empurrando com leveza o corpo da
esposa, fazendo-a se deitar completamente e ficando com o seu corpo praticamente todo por cima, e
foi arrastando os lábios para o pescoço da mulher, explorando cada pequena parte existente e
acendendo o fogo interior de sua esposa.
— Matthew… Não estamos em casa, meu bem.
— E qual o problema? — Migrou para o outro lado do pescoço, estava faminto por provar do
néctar da pele dela.
— Não queremos causar uma cena para o nosso reino, queremos? — perguntou, mas sem
afastar o cônjuge, pelo contrário, permaneceu com as mãos nos cabelos dele, dizendo
subliminarmente que não deveria parar. Estava adorando os toques dele, eram tão estratégicos.
Matthew conhecia cada ponto do corpo dela, e sabia exatamente onde tocar. Nunca decepcionava,
nenhuma vez sequer.
— Se fizermos baixo, ninguém nem vai escutar — garantiu, com um desejo palpável em sua
voz.
— Deus, você é tão insaciável.
— Você que me faz assim. — A beijou novamente, praticamente sugando tudo que ela tinha
para oferecer.
Poderia se perder no corpo da esposa que não se importaria. Aquela mulher era perfeita em
todas as suas formas. Alycia sabia como trazer à tona todas as emoções de Matthew com apenas um
olhar.
Eles se davam tão bem em todos os quesitos, mas a conexão que sentiam, a maneira como
sabiam exatamente o que o outro queria ou precisava só de olhar em seus olhos, como conseguiam
manter a chama da paixão acesa mesmo depois de tantos anos e tantos altos e baixos, essas eram as
maiores qualidades deles.
Hale conhecia cada centímetro de Alycia, interior e exterior, e ela conhecia cada pequena
parte dele, todos os bons e ruins, cada força e cada fraqueza. Absolutamente tudo.
Quando os beijos do rei desceram para o colo, um gemido escapou da boca da rainha, mesmo
que ela estivesse tentando segurá-los. Um seio foi libertado e logo tomado pela boca sagaz do
homem, lhe causando sensações inebriantes e fazendo com que emitisse sons que estavam agradando
e muito ao seu marido. Ela desatou os fios que amarravam a vestimenta dele, deixando seu peito a
mostra e arranhando-o com as unhas.
— Você tem certeza de que está fazendo isso certo? — uma voz ecoou no quarto. O casal,
assustado, parou imediatamente o que estava fazendo e começou a olhar em volta.
— Não faço ideia. Aqui diz que é assim. — Eram as vozes de… Annabella e Nicholas? Mas
eles estavam em Porto Vermelho, há quilômetros de distância.
— Será que conectamos com o espelho certo?
— Claro que sim, aqui diz que é só dizer o nome de com quem você quer falar que a magia
direciona. Será que eles estão nos ouvindo? Ou será que nem estão no quarto?
— Deus, só espero que não estejam fazendo nada que eu não possa ver.
— Como assim?
O casal olhou por todo o quarto e não viu nada. De onde estavam vindo as vozes de seus
filhos?
— Espero que não estejam tendo momentos… você sabe… íntimos, já os vi três vezes no
escritório em situações comprometedoras, não quero uma quarta experiência. Graças a Deus eles
não estavam fazendo nada demais quando cheguei.
— Nicholas, por Deus, cale a boca. Deixe-me concentrar.
— Mas o quê… — Matthew se levantou da cama, e se aproximou do espelho, vendo que
estava vibrando e era de onde o som vinha.
— Mãe? Pai? Estão nos ouvindo? Se estiverem, toquem no espelho.
Alycia se aproximou do marido arrumando o vestido e fez o que a voz da filha pediu. Logo, a
imagem dos dois adolescentes surgiu.
— Deus, vocês quase nos mataram de susto! — a rainha exclamou. — O que é isso? —
perguntou, se referindo ao espelho.
— Aprendi isso hoje, é uma comunicação através de portais, e espelhos são uma espécie de
passagem de magia, podemos nos comunicar com qualquer pessoa em qualquer lugar dos quatro
cantos do mundo — Annabella explicou. — Incrível, não é? — perguntou, retoricamente. — Mas e
então, como vocês estão? Conseguiram fazer o acordo?
— Hm, eu ainda estou confuso com tudo isso — Matthew disse. — Mas sim, estamos bem,
deu tudo certo. Amanhã pela manhã voltaremos pra casa. E como está tudo por aí?
— Já? Achei que iam ficar três dias fora.
— Nós também, mas não será mais necessário.
— Isso é ótimo, pai. Ah, nós fizemos esse chamado pra contar o que a Ella fez hoje. — Seu
pai encarou o espelho seriamente. — Ela colocou todos os nobres de joelhos — disse,
pausadamente. Annabella corou.
— Como assim? — Matthew indagou, surpreso. Ele tinha acabado de ouvir que sua filha de
apenas dezessete anos colocou homens de quase quarenta ou mais de joelhos? Céus, ela,
definitivamente, não era mais uma garotinha.
— Você tinha que ter visto, pai. Eles vieram com aquela história de que ela tem que se
casar e ter filhos, o mesmo que faziam comigo, e ela colocou todos eles no lugar e provou para
cada um que não precisa disso para ser rainha. Todos eles se ajoelharam para ela.
— Filha? — Alycia a chamou, vendo que a garota olhava para baixo. — Meu amor, eu estou
tão orgulhosa de você. Eu sabia que você conseguiria lidar com tudo sozinha.
— Sempre acreditamos em você, filha, e você se mostra a cada dia mais e mais capaz e
determinada. Temos orgulho de você.
— Obrigada, mãe. Obrigada, pai. Eu… pensei em tudo quando falava, em vocês, na minha
mãe, na nossa família, tudo que me dá força. Eu posso fazer isso, eu não tenho mais dúvidas, serei
a rainha que vocês e todos poderão se orgulhar.
— Nós já nos orgulhamos, querida.
Conversaram por mais alguns instantes, até que chegou a hora de dizerem tchau. Se veriam no
dia seguinte, e estavam ansiosos por isso.
Matthew abraçou sua esposa e a levou de volta para a cama, e em seguida se deitou com ela,
a deixando repousar em seu peito enquanto abraçava suas costas.
— Já disse que amo você hoje? — ela perguntou.
— Hm, acredito que hoje não — brincou.
— Então, Majestade, quero que saiba que eu amo você, e sou grata por te ter em minha vida.
Por ser mais do que o homem com a coroa do reino, mas também por ser o rei e guardião do meu
coração.
— Eu amo você mais do que tudo nessa vida, meu amor. E não poderia ter sido mais
agraciado do que por ter você como esposa e por nossos dois filhos. Você disse que eu sou o
guardião do seu coração, mas você, Alycia Hale, é a protetora da minha alma. — Se aproximou e a
beijou.
— Lindas palavras. — Sorriu ao término do toque. Deu um olhar ao marido que seria capaz
de fazê-lo perder completamente o bom senso. — Acho que depois de tudo que fez hoje você merece
um agrado de sua esposa. — Passou a mão pelo peito nu dele, atiçando-o com suas unhas e dando
leves arranhões que o fizeram arrepiar.
— E o que minha esposa tem em mente? — pediu, já sabendo o que ela pretendia.
— Shh… — Sussurrou, enquanto o colocava deitado completamente de costas na cama e
subia em cima do corpo dele, usando o cobertor para cobrir ambos. — Eu quero você… bem
quietinho — sussurrou, distribuindo beijos por toda a extensão abdominal dele.
Ele a observava com os olhos arregalados enquanto ela puxava as suas calças para baixo.
Sua respiração estava tão descompassada e rápida que, mesmo por debaixo das cobertas, ela
conseguia ouvir. Matthew apertou os olhos ao senti-la tocá-lo tão gentilmente, e por pouco não
anunciou ao corredor inteiro o que acontecia naquele quarto.
Matthew engoliu um gemido, e todo seu corpo se estremeceu ao senti-la e suas mãos
agarraram o lençol com tanta força que poderia rasgá-lo. Alycia passou as mãos pelas pernas dele,
agarrou sua coxa firmemente bem acima do joelho, e foi subindo, abrindo o caminho com beijos por
toda a extensão inferior do corpo do marido.
Seus lábios faziam um trabalho magnífico, que parecia causar dor ao rei, mas era puro prazer.
Ele era quente e ela sabia como deixá-lo ainda mais em êxtase.
Alguns minutos longos se passaram, e o rei a puxou para cima ao sentir que estava chegando
ao seu limite. A virou na cama e seus corpos se encaixaram, e o homem pôde liberar os resultados de
sua lascívia finalmente.
— Gostou do presente? — ela perguntou, ao mirar as íris azuis dele.
— Eu juro, mulher, você ainda vai me matar — disse, rindo. Em seguida, a beijou. — Acho
que agora é minha vez de retribuir. — Mordeu o lábio inferior dela. Levou uma mão até a parte
inferior da camisola dela e adentrou o espaço, tocando exatamente onde queria, a fazendo estremecer.
— Amor… — murmurou baixo, sentindo a provocação do marido, que continuava com a mão
no mesmo lugar, movimentando levemente seus dedinhos ágeis.
— Me diga qual é o seu desejo, minha rainha, e eu o realizarei.
— Me dê tudo, Matthew. Tudo — pediu, bem pausadamente, o instigando. — Quero tudo de
você.
— E você terá! — Riu, maliciosamente, por fim. A noite deles estava apenas começando, de
fato.
31. Significado de Amar

— Vocês voltaram! — Ella disse ao ver seus pais descerem da carruagem no pátio do palácio
e irem ao seu encontro. Ela os abraçou como se não os visse há anos. Mas claro, depois de passar
anos longe deles, qualquer minuto era motivo para sentir uma imensa falta.
— Demoramos mais do que o previsto porque um certo alguém quis parar no meio da estrada.
— Ergueu a sobrancelha para o marido.
— Admita, você adorou a vista daquele… lago. — Foram as palavras mais delicadas que
conseguiu encontrar para não dizer aos filhos o que realmente haviam feito no lago naquela manhã.
Annabella apenas sorriu, sem ao menos tentar entender, mas seu irmão, por outro lado, não
conseguiu fazer o mesmo. Revirou os olhos tentando impedir sua mente de criar aquelas imagens.
— Estão com fome? — a princesa perguntou.
— Não, meu amor, comemos antes de chegar aqui. — Sua mãe sorriu.
— Não querem descansar, também? A viagem foi longa, eu sei. — Claro que sabia que Porto
Dourado não ficava tão longe de Porto Vermelho, já havia percorrido esse trajeto uma vez, mas,
mesmo assim, sabia que podia ser cansativo.
— Também não — seu pai afirmou, olhando para a filha e vendo em seus olhos alguma coisa
que o fez perguntar: — Aconteceu alguma coisa, querida?
— Oh, não — se apressou em dizer. — Eu só queria conversar com vocês sobre algo, mas
não quero apressar nada.
— Sua mãe e eu não temos nada para fazer o dia todo — afirmou. — Vamos ao escritório,
poderemos conversar com tranquilidade lá. — Ela concordou.
— Bom, enquanto conversam, eu vou conversar com Andrew sobre um outro assunto — o
príncipe disse e saiu em seguida.
Os monarcas seguiram com a filha para o escritório, estavam ansiosos sobre o que ela queria
falar. Seria era algo sério?
Quando adentraram o escritório, Annabella se sentou no pequeno sofá que havia no canto
direito, e sua mãe se sentou ao seu lado. Faltando outro assento, Matthew puxou sua cadeira e
colocou na frente da esposa e da filha.
Annabella os encarou, pensando em como abordar o tema. Era uma conversa que nunca havia
tido com ninguém, pois nunca houve o interesse em tal assunto. Porém, de uns tempos para cá, tinha
começado a pensar sobre.
— Pode falar, meu amor. — Sua mãe sinalizou com a sobrancelha, vendo que a garota estava
em silêncio considerável.
— É que… eu… — Travou novamente. Como formularia isso?
— Não precisa ter vergonha, filha, sua mãe e eu estamos bem aqui para ajudá-la.
— Não, não, não é isso. É só que… eu não sei como formular essa pergunta. — Pensou por
um segundo, até que encontrou o melhor jeito. — Ontem, a reunião que tive com todos os duques, e
condes e lordes, me deixou pensando em algo. E eu queria saber como… como vocês se
apaixonaram? Digo, como vocês sabiam que deviam ficar juntos? — indagou. — Porque eu disse que
não me casaria com qualquer pessoa e tornaria este rei sem conhecê-lo antes, sem amá-lo, mas como
eu saberei que é amor? Entendem o que quero dizer?
Eles entenderam, claro. A dúvida de sua filha era extremamente válida. E estava mais do que
na hora de conversarem com ela sobre isso.
— Nós entendemos, meu amor — Alycia afirmou. — Antes de conhecer o seu pai, eu também
tinha essas mesmas dúvidas. Olhe, vou te contar uma história, que nem seu pai sabe. — Matthew a
olhou, em dúvida. Sua sobrancelha arqueada indicava que já estava começando a sentir uma leve
ponta de ciúmes. Alycia riu, apenas. — Quando eu tinha quinze anos, dois anos antes de me casar,
tinha um garoto que trabalhava na nossa propriedade, ele era três anos mais velho do que eu, seu
nome era Vincent, ele cuidava dos animais da minha família. Eu gostava da companhia dele, de
conversar com ele, pois me sentia um pouco sozinha em casa, minha mãe havia falecido há três anos,
e éramos somente meu pai e eu. — Falar em seus pais causava na rainha uma enorme saudade. Sua
mãe falecera quando ela ainda era uma criança, e seu pai alguns anos depois, sozinho em sua
propriedade, levado pelo cansaço e a idade, cerca de dois anos depois de Annabella desaparecer, o
que só colaborou ainda mais para a melancolia profunda de Alycia. — E claro, tinha a Grace
também, que sempre foi minha melhor amiga. — Sorriu. — Eu pensava estar apaixonada por Vincent,
eu não conhecia o sentimento, mas a toda hora queria falar, estar com ele, ficar perto dele. E, um dia,
quando ficamos sozinhos no jardim, uma coisa levou a outra e ele me beijou, embora tenha sido um
momento muito especial para mim — ela ouviu um resmungo de seu marido, indicando que não
estava gostando nada daquela história —, eu não senti como pensei que me sentiria, nas nuvens,
como se nada mais importasse. E então, um dia, ele teve que ir embora, e mesmo sentindo falta dele,
não sentia uma necessidade de ir atrás, apenas deixei ir, e conforme os dias foram se passando, a
falta dele ia diminuindo — explicou. Olhou para o marido com um olhar de cumplicidade e sorriu.
— Um tempo depois, em um baile, eu conheci um homem com os olhos mais azuis do que o céu da
manhã e aquelas mesmas sensações que eu sentia com Vincent voltaram, mas muito mais fortes, e
conforme os dias passavam e ele me visitava com uma certa frequência, passei a sentir uma
necessidade de estar com ele, de viver ao lado dele, de ser completamente dele. — Seu marido
mordeu o lábio inferior, rindo levemente.
— E esse outro homem era bonito? — ele perguntou, em tom de provocação.
— Oh, sim, ele era lindo. — Sorriu. Sua filha deu um risinho, adorando ver a forma como
seus pais se tratavam. Ela poderia nunca ter sentido esse tipo de amor por outra pessoa, mas não
queria que fosse menos do que aquilo que presenciava. — Continuando, eu pensei que estava
apaixonada por ele também, mas não sabia se era igual antes ou se dessa vez era algo mais real. Tive
a certeza no dia em que ele me beijou pela primeira vez, foi como se o mundo todo parasse e só
existíssemos nós dois. Ali eu tive a certeza de que o amava, e acho que ele também, pois logo depois
do beijo ele me disse: eu estou apaixonado por você, e agora mais do que nunca, tenho certeza de que
quero passar todos os meus dias ao seu lado, me casar com você, e torná-la minha rainha. — Sorriu
com a lembrança. Seu marido aproximou mais sua cadeira dela e segurou sua mão, levando até os
lábios e lhe dando um beijo.
— A história de vocês é linda — Ella pontuou.
— Eu soube que a sua mãe era a mulher para mim no momento em que pus meus olhos nela —
foi tudo que Matthew disse, e nada mais era necessário. Alycia sorriu, acariciou o rosto dele e lhe
deu um beijo rápido. — E mesmo em momentos quando eu sinto ciúmes, como agora — assumiu,
fazendo as duas rirem —, eu nunca sinto medo de perdê-la, pois sei que o que temos é real, é íntegro.
— Eu vou compensar o seu ciúme depois, eu prometo — falou.
— Então… — Annabella iniciou, retomando o assunto. — Você sabe que ama uma pessoa
quando a beija? — Ela ainda estava um pouco confusa.
— Não! — Seu pai tratou logo de dizer, com medo de criar tal impressão em sua filha. Deus,
não importava o quanto ela havia crescido, ela ainda era sua princesinha e ele ainda seu pai, não
podia evitar esse ciúme. — Quando você ama alguém, você sente necessidade de estar com essa
pessoa, sua respiração perde o ritmo conforme ela se aproxima, seu coração bate mais depressa e
seus olhos brilham. Você sorri. Ela é a primeira pessoa que você deseja ver quando acorda, e a
última que quer ver antes de dormir. Pode parecer ridículo, mas você sente como se precisasse mais
dessa pessoa do que precisa de alimento ou de ar em seus pulmões. É a pessoa em quem você mais
confia. E você sabe disso porque sente dentro de si, em todo o seu corpo.
— Seu pai tem razão. Embora haja um leve teor de ciúmes no que ele acabou de dizer. — A
rainha riu.
— Ciúmes?
— Sim, querida. Quando você nasceu e seu pai a teve nos braços, ele disse que seria o único
na sua vida. Ele tem ciúmes desde antes de sabermos que eu carregava uma menina — provocou o
marido.
Annabella sorriu, se levantou e abraçou o pai, colando seu rosto ao dele.
— Não importa o que aconteça, você sempre será o primeiro homem na minha vida. Mesmo
se um dia eu me casar, ainda serei a sua garotinha, papai! — garantiu, e Matthew, ao ouvi-la chamá-
lo assim, se lembrou de quando ela era uma criança e amava ficar horas e horas brincando com ele.
— Sabe, eu não contei antes, mas eu li as suas cartas, no dia em que tudo se revelou.
— Você leu? — Ela afirmou. — Então sabe que pensamos em você todos os dias.
— Sim. Eu também pensei em vocês todos os dias, não via seus rostos, não nitidamente, mas
sabia que existiam.
— Você foi a primeira na nossa vida, e mesmo que já esteja crescida, sempre será nossa
garotinha.
Ela sorriu.
— Mas claro, se vocês quiserem me dar uma irmãzinha, eu não reclamarei de dividir esse
posto com ela.
— Desista, minha filha. Há anos venho tentando isso — provocou seu pai.
— Ah, mamãe, não acredito que você não quer dar a Nicholas e a mim uma irmã? — Riu,
fazendo um bico.
— Vocês dois querem parar? Que espécie de conspiração é essa que formaram contra mim?
Seu marido e sua filha riram em cumplicidade.
— Falando sério, por que nunca tiveram outro filho?
E o clima esfriou. Annabella percebeu o olhar que seus pais trocaram, e não precisou de mais
do que dois segundos para entender.
— Foi por minha causa, não foi?
— Claro que não! — sua mãe apressou-se em explicar. — Não se culpe por isso. A questão é
que nós sentíamos que, ter outro filho naquelas circunstâncias, seria como se estivéssemos
substituindo você, e isso não faríamos jamais. E, também, não nos sentíamos prontos para isso, foi
uma dor que nos consumiu por muito tempo.
— Sinto muito por trazer esse assunto à tona — pediu.
— Não sinta, não é culpa sua — sua mãe garantiu.
— Mas, agora que estamos todos aqui, acho que não seria uma má ideia termos uma alegria
nova por aqui, não acham? — descontraiu. — Não me diga que vamos ter que esperar até que Nick
ou eu tenhamos nossos próprios filhos!
Agora foi a vez de seus pais rirem.
— Você tem toda a razão, meu amor. — Alycia se levantou. — E, se depender da maneira
dedicada que seu pai tem trabalhado ultimamente, talvez aconteça. — Acariciou o cabelo do marido
e sorriu para a filha.
Matthew deu uma leve beliscada nas costas da esposa, apenas por provocação para que ela
não desse certas informações à sua filha, não queria traumatizá-la fazendo-a pensar no que seus pais
faziam no quarto, ou no escritório, ou em qualquer outro lugar em que estivessem sozinhos.
— Mãe — Annabella a chamou novamente —, você mencionou isso na sua história, e me
levantou outra questão que eu tenho também.
— Diga, querida.
— A Grace sempre foi sua melhor amiga, certo? — Alycia confirmou. — E por isso você a
escolheu para ser sua dama de companhia? — Recebeu outra afirmação. — Eu deveria arrumar uma
também, não?
— Oh, sim, claro. Aconteceram tantas coisas que esqueci de falar sobre isso com você —
falou a rainha. — Na verdade, você já deveria ter uma dama de companhia, é importante ter alguém
que você confie, alguém da sua idade, e que além de ser sua dama, seja sua amiga. Você conhece
alguém para essa posição?
— Acho que sim. — Sorriu, já sabendo quem chamar.
A porta do escritório se abriu, e Nicholas passou por ela. Parecia preocupado.
— Ella tem uma visita para você lá embaixo.
— Visita para mim? Quem é, Nick?
— Sua mãe. E ela não parece muito bem.
— Oh, Deus — exprimiu, preocupada. — Eu vou ver o que aconteceu. — Deu um beijo no
pai e na mãe.
— Quer que a gente vá com você?
— Não, acho melhor eu ir sozinha. Ela ainda está se acostumando com a ideia de… Vocês
sabem.
Eles assentiram e ela saiu do escritório, mas não antes de escutar sua mãe perguntar a seu pai:
“Cartas?”, e ele responder: “Te conto mais tarde.”.
Ella os deixou sozinhos e caminhou em direção ao salão para encontrar sua mãe. Quando a
viu, não pôde deixar de sorrir, afinal, já havia vários dias que não se viam, e estava morrendo de
saudades.
Entretanto, quando percebeu a expressão nervosa dela, ficou preocupada. Dahlia andava de
um lado para o outro, e resmungava algo em um tom mínimo de voz, quase impossível de escutar.
— Mãe? Está tudo bem? — indagou, se aproximando. Dahlia a olhou e a abraçou, apenas
para matar a falta que sentia de sua filha. — Senti saudade disso. — A abraçou mais. — Mas o que
aconteceu? Você está estranha.
— É o seu tio.
— Aconteceu alguma coisa com ele? — Se preocupou mais. A última vez que vira Graham
fora quando ele os guiou até a Floresta da Perdição para encontrar o cogumelo que precisavam para
curar a árvore.
— Ah, sim, muitas coisas aconteceram. — Dahlia respirou fundo, tentando manter a calma.
— Ele me pediu em casamento.
Annabella ficou estática. Ela tinha, realmente, escutado o que pensou ter escutado?
A expressão confusa era clara em sua face, estava tentando processar a informação.
— Ele… Espera… O quê?
— É exatamente isso que você ouviu. E ele disse que foi você quem o incentivou. — Arqueou
as sobrancelhas e aguardou por uma explicação.
— Pelo amor de Deus — resmungou para si mesma. — Ele interpretou tudo errado.
— Do que está falando?
— Tudo bem, eu vou explicar. Há alguns dias, eu precisei ir atrás de um cogumelo muito raro
na Floresta da Perdição, e sim, eu sei que deveria ter avisado mas não queria te preocupar, não
queria minhas duas mães se remoendo em preocupação. O tio Graham, sendo conhecedor da área,
nos guiou até lá, e nós conversamos, e eu disse que sabia que ele gostava... gosta, na verdade, de
você e que devia te dizer isso. Mas ele obviamente entendeu tudo errado.
Annabella estava abismada. Quando disse a seu tio que deveria confessar seus sentimentos à
Dahlia, era para ele apenas conversar com ela, não chegar para ela e se ajoelhar e pedi-la em
casamento.
— Espera… Graham gosta de mim?
— Ele te pediu em casamento, mãe, você ainda tem dúvidas disso? — argumentou. — O que
você respondeu?
— Eu… nada. Eu perguntei se ele estava louco e ele disse que não, e então disse que pensou
que devíamos construir uma vida juntos, e que o incentivo veio de você, e eu disse que precisava sair
e respirar.
— Você o deixou sozinho após ele fazer um pedido? Acho que o “não” o machucaria menos.
Dahlia suspirou. Não devia ter deixado Graham sozinho, mas ela não sabia o que dizer.
— Mãe, seja sincera comigo… Você sente alguma coisa por ele?
— Eu… eu não sei. Graham sempre foi um ótimo amigo para mim, me apoiou quando
ninguém mais quis me apoiar, ele me ajudou a te criar de uma maneira que eu jamais conseguiria
sozinha — contou. — Mas não tenho certeza se o vejo da mesma maneira que ele me vê.
— Tudo bem. Não era de se esperar que você pulasse nos braços dele gritando que o amava
assim de repente. Mas, pensando consigo mesma, como se sente?
— Eu não sei. Eu sempre senti uma ligação muito forte por ele, mas depois do Peter, eu
passei a ignorar qualquer tipo de sentimento.
— Se você passou a ignorar é porque eles existem. Mãe, você amou uma vez, mas não é
porque essa história não teve um final feliz que você não possa amar de novo. Eu pego o exemplo
dos meus pais, por onze anos, a vida deles foi cheia de sofrimento e tristeza, minha mãe me contou
que ela e meu pai estiveram afastados por muito tempo, e agora, estão reaprendendo a viver. Eles
sempre se amaram incondicionalmente, mas agora estão tendo uma segunda chance para amar sem
limites, estão podendo seguir a luz da felicidade mais uma vez. Você também pode aprender a amar
de novo.
Dahlia a olhou, e em seguida sorriu. Percebeu o quanto sua filha havia crescido em tão pouco
tempo. Evoluído. Annabella sempre foi inteligente, mas agora estava se tornando sábia, e usaria isso
não só por ela, mas por todos, como sempre quis fazer e lhe faltavam recursos.
— O que eu devo fazer?
— O que seu coração diz para você fazer?
— Eu não sei… Eu vivi a minha vida por você, e não reclamo por ser sua mãe, foi a melhor
dádiva que eu poderia receber, e agora você está tão crescida, é uma princesa, não precisa mais de
mim a toda hora.
— Eu sempre vou precisar de você…
— Eu sei, meu amor. Mas você sempre foi o suficiente para si mesma, e está na hora de
crescer sozinha, como já tem feito. E maravilhosamente bem. Eu sempre serei sua mãe, nada no
mundo vai mudar isso, e você tem razão, eu preciso viver a minha vida. — Annabella sorriu.
— Então você… vai dizer sim?
— Eu vou conversar com o Graham, precisamos deixar algumas coisas claras. Quer vir
comigo?
— Claro! Eu só vou avisar meus pais para que não se preocupem.
Annabella voltou cerca de dois minutos depois, e acompanhou Dahlia até a saída. Sua mãe
pensou que iam andando, mas se surpreendeu ao ver uma carruagem vir em sua direção.
— Espero que goste do passeio.
— Annabella…
— Ah, mãe, vamos. Aproveite esse privilégio!
Ela aceitou e subiu. Claro que de carruagem era bem mais rápido, e dez minutos depois
chegaram à aldeia. As pessoas, ao verem Annabella, se curvaram, e ela fez o mesmo. Se sentia tão
bem ao ver que aquelas pessoas gostavam dela. E já gostavam antes mesmo de a verdade sobre sua
origem se revelar.
Dahlia entrou em casa e encontrou Graham deitado no sofá, encarando o nada. Quando notou
sua presença, tratou de se adiantar.
— Dahlia, eu sinto muito, não queria te assustar, eu…
— Graham, por favor, fica quieto. — Riu. Annabella entrou no cômodo, e riu ao ver seu tio
tão desesperado.
— Então quer dizer que você pediu a minha mãe em casamento? — Apoiou as duas mãos na
cintura.
— Foi precipitado, não foi?
— Você acha? — Ella riu. — Mas, escute o que ela tem a dizer.
Graham mirou Dahlia e aguardou.
— Graham, eu lamento ter saído daquela forma, mas você me pegou de surpresa e eu fiquei
sem reação. Mas, a Ella me ajudou a perceber que eu tenho que viver a minha vida, e não é porque
uma vez eu amei uma pessoa e ela foi tirada de mim, que isso vai acontecer novamente. Por muito
tempo eu bloqueei meus verdadeiros sentimentos, e acho que por isso nunca percebi os seus. Mas, eu
estou disposta a tentar, aprender a como amar novamente. Você sempre foi meu melhor companheiro,
Graham, esteve sempre ao meu lado, e, se ainda estiver disposto a tentar, eu aceito.
— Sério?
Ela afirmou.
— Então vamos fazer isso direito. — Pegou o anel no bolso e ajoelhou na frente dela. —
Você aceita se casar comigo?
— Sim — respondeu, sincera. Mesmo que tudo tivesse acontecido de repente, pelo menos
para ela, sabia que não existia pessoa melhor para se dar uma nova oportunidade a todas as coisas.
Graham se aproximou e colocou o anel do dedo dela, e em seguida, a beijou.
— Finalmente! — Annabella exclamou. — Depois de doze anos vendo vocês sendo “apenas
amigos”, isso está realmente acontecendo! — Abraçou os dois. — Isso me lembra que tenho que lhe
dar uma coisa. — Enfiou a mão no bolso de seu vestido e tirou um broche de ouro. — Meu pai
mandou isso. No dia do baile ele me disse que ia encontrar um jeito para que nós não precisássemos
nos separar, pois eles sabem o quão importantes vocês são para mim, e sabem que vocês não querem
morar no palácio de “favor”. — Revirou os olhos ao dizer. — E, há algumas semanas, o chefe da
guarda real se aposentou, e meu pai precisava de alguém para o seu lugar, porém todos os guardas
são recentes demais para o cargo, e o mais antigo, Leith, que é também o responsável por
acompanhar Nick e, agora, eu, para qualquer lugar, disse que se sentia honrado pela oportunidade
mas não se sentia pronto para liderar todo um exército. E foi então que meu pai teve uma ideia. Por
que ter apenas um chefe da guarda quando se pode ter mais? Meu pai separou a guarda em setores
para simplificar. Leith é excelente no manuseio de espadas, então meu pai o colocou à frente dessa
seção. Porém, precisamos de alguém para treinar os guardas no uso de outras armas, como o arco e
flecha.
Graham a encarou. Estava finalmente entendendo o que a sobrinha quis dizer.
— Estão me oferecendo um emprego?
— Meu pai viu a sua habilidade na floresta, e ficou impressionado. Ele também sabe quão
boa eu sou na artilharia, e eu contei que foi você quem me ensinou. Embora hoje eu use mais a minha
magia quando necessário, saber outra habilidade é muito útil e essencial. Você aceita? O salário é
bem alto, e você passaria a morar numa propriedade dentro dos limites do castelo, é isolado do
pavimento dos guardas, e somente vocês teriam a chave. É como se fosse um minicastelo apenas para
vocês. E você finalmente teria um emprego fixo, sem mais correr riscos e sem ficar muito tempo
parado.
— Annabella, isso é… grande… Eu não sei se posso aceitar.
— Por favor! Eu não peço apenas para ter vocês perto de mim, mas também porque é uma
grande oportunidade, ser chefe da artilharia da guarda real é uma posição incrível, e agora, com o
casamento, talvez, tenhamos novos pezinhos por essa casa — comentou, fazendo os dois mais velhos
ajustarem a postura e rirem. — Poderíamos nos ver todos os dias, e seria ótimo para vocês dois.
— Você pensou em tudo, não foi?
Annabella sorriu, fingindo inocência.
— O que você acha? — Olhou para Dahlia.
— É uma grande oportunidade. Pelo menos assim não terei mais que me preocupar em ir te
tirar de prisões por fazer coisas em lugares proibidos, e seria uma renda fixa. Você sabe que você
não tem exatamente um emprego, e não é sempre que te chamam para algo que realmente paga bem.
— Então? Por favor! — Ella implorou.
Graham ponderou por um segundo. Sorriu para a sobrinha e disse:
— Tudo bem. Eu aceito.
Ela o abraçou fortemente.
— Então, vamos? Tenho que apresentar ao rei o novo chefe da artilharia da guarda real dele!
32. Vida Plena

A cela fria só não era mais fria do que o coração de quem estava atrás das suas grades. Já se
fazia quase um mês que estava ocupando aquele lugar, e não falava uma palavra. Se sentia fraca, por
fora e por dentro.
Um guarda apareceu, e sua cela foi destrancada.
— Está na hora. — Ela se levantou, não tentou sequer reagir. Sabia que era inútil. Havia
recebido sua sentença há uma semana, e havia se conformado. Pelo menos no exílio não teria que
suportar ninguém, além de si mesma. E já estava se sentindo uma péssima companhia para ainda ter
que aturar outras pessoas.
Caminhou, com as mãos atadas, pelo corredor do calabouço, e não encarou ninguém. Pela
saída dos fundos do castelo, encontrou a luz do sol, e odiava. Tudo que agora lhe lembrava da luz,
pureza, lhe causava ódio. Esse era o único sentimento que havia lhe restado.
Chegou até o porto, onde o navio já lhe aguardava. Elizabeth estava ali, não porque queria
ver sua ex-madrasta ser humilhada em praça pública, mas para impedir que ela fugisse de sua
punição. Não sentia ódio, ou rancor, sabia que isso só lhe faria mal, na verdade, sentia algo pior.
Sentia pena. Se Lilliana tivesse tido amor, se tivesse sabido aproveitar as coisas boas, mesmo que
poucas, não teria se afundado tanto.
— A bordo! — anunciou o capitão.
Lilliana embarcou, e não olhou para trás, não daria o gostinho a todos de verem sua
expressão ao ser exilada.
O navio zarpou alguns instantes depois.
Thomas, que estava ao lado de Elizabeth, viu a expressão dela, e se preocupou.
— Você está bem?
— Hm? Sim, estou bem. Eu só estava pensando.
— Em quê?
— Quando Lilliana confessou suas razões, por mais exagerada que eu pense que ela tenha
sido ao se virar contra tudo e todos, ela tem uma certa razão, bem lá no fundo. Pense bem, são poucas
as pessoas que realmente se importam com as outras, e são poucas que sabem como controlar sua
raiva e ódio para aqueles que, na menor e mínima maneira possível, já lhe fizeram algum mal, muitas
pessoas acabam levando isso a outro nível, e criando cenários que nunca existiram, mas que o ódio
cria. Lilliana acreditava ter perdido tudo por causa de uma família, e por isso decidiu destruir muitas
outras, tirar de outras pessoas o que, de acordo com ela, lhe foi tirado. Sinceramente, eu acho que as
coisas poderiam ter sido diferentes para ela, mas de uma certa forma, eu compreendo a dor que ela
sentiu, nunca conheceu a mãe, perdeu o pai ainda jovem e cresceu se sentindo sozinha. Quantas
pessoas mais iguais a ela não existem por aí?
— Infelizmente, é possível que várias. Você, por exemplo, sua mãe morreu no parto, seu pai
foi tirado de você sem que você pudesse fazer nada para evitar porque era apenas uma criança,
olhando por esse ângulo, vocês duas são bem parecidas, exceto que você nunca pensou em vingança,
apenas em justiça, em um bem maior. Não podemos salvar o mundo inteiro, por mais profundo que
seja esse nosso desejo. Só temos que trabalhar para tornar o mundo um lugar melhor, tratar aos outros
da maneira como gostaríamos de ser tratados e torcer para que um dia, todo esse ódio acabe.
— Minha mãe acreditava em um mundo puro, sem ódio, onde todas as pessoas poderiam
viver em harmonia. Espero conseguir fazer a minha parte em tornar isso realidade.
— Tenha fé em si mesma, Elizabeth. Existe mais dos seus pais em você do que você imagina.
Eles vivem em você. Eles deixaram esse mundo, esse reino inteiro, para você, e você tem feito um
excelente trabalho liderando-o. Isso vale ouro.
Elizabeth sorriu. E ela sabia que ele tinha razão. Ela lideraria aquela nação para o futuro, sem
mais retrocesso, apenas… para a frente.
Tinha a força e o amor de seus pais dentro de si, e isso era sem preço.

No dia seguinte, após o horário do almoço, Annabella saiu com seus pais, eles a levaram
para conhecer o reino, todas as partes. Visitou a Academia Summers também, e reencontrou sua
antiga professora, e teve a chance de explicar a verdadeira razão de ter deixado as aulas. De uma
forma ou de outra, ela teria que parar as lições, pois tendo a posição que tinha, não podia fazer uso
de uma bolsa de estudos, e, mesmo que fizesse uma matrícula regular, não conseguiria conciliar com
sua agenda real e todas as coisas que tinha que aprender sobre o cargo que haveria de assumir um
dia.
— Sente falta de tocar? — seu irmão perguntou.
— Um pouco. Já faz um tempo que não chego perto de um piano.
— Hm. Acho que tive uma ideia. Espere aqui. — O príncipe seguiu até a sala ao lado, e
alguns instantes depois retornou. — Vem. — Ele a levou até a antiga sala de aula, e Annabella
reencontrou seu antigo piano. — Sua professora te autorizou a tocar para matar a saudade, então
aproveite.
— Nick, nós temos que ir…
— Uma vez só, Ella, não seja tão certinha. Vamos, eu sei que você quer tocar.
— Você tem razão. — Riu. — Mas eu tenho uma condição. Chame a mamãe aqui.
Seu irmão a encarou, intrigado, mas fez o que ela pediu. Logo, Alycia entrou na sala,
acompanhada do marido.
— O que está acontecendo?
— Nick insistiu para que eu tocasse, e eu queria fazer isso na presença da pessoa que me
ensinou a minha canção favorita. — Se sentou em frente ao piano e abriu a tampa do teclado. — Me
acompanha? — Alycia não sabia ainda do que ela estava falando, mas não pôde negar, descobriria
em apenas alguns segundos. Annabella tocou levemente as teclas do piano, e então começou,
suavemente, a cantar. Quando as primeiras palavras soaram, Alycia se emocionou, sua filha estava
cantando a canção de ninar que ela cantava para a pequena há muitos anos, e queria a companhia
dela.
A rainha entrou com a segunda estrofe da música, uma parte que Annabella não se lembrava,
havia improvisado, mas com sua mãe ali, cantando junto a ela, como fazia quando era pequena antes
de colocá-la para dormir, ela não se importava qual das versões estava tocando e cantando.
As duas juntas cantando parecia certo, era um encaixe perfeito. A voz de Alycia era mais
grave, enquanto a de Annabella era mais aguda, o que tornava o contraste das duas formasse uma
melodia única.
Quando chegaram à última parte, Annabella deitou a cabeça no ombro da mãe, e tocou as
notas finais no piano.
Alycia tinha lágrimas nos olhos, mas de alegria. Annabella se levantou e a abraçou, também
com algumas acumuladas.
— Finalmente posso cantar essa música com você, sempre sonhei, desde pequena, e depois,
com tudo que aconteceu, só queria saber onde a havia aprendido, e agora que sei, realizei as duas
coisas.
— Eu tinha te escutado cantar essa música antes, muito ao acaso, poucos dias antes de
descobrir a verdade, e venho sonhando com esse momento desde então. — Beijou os cabelos da
filha. — Eu amo você, Annie, e essa canção vai ser sempre ser o nosso laço.
— Sempre. Eu te amo, mãe. — Sorriu. Chamou seu pai e o irmão para o abraço, e nele
ficaram por um tempo.
Mais tarde, quando estavam a caminho de casa, Ella pediu para fazer uma parada em um
lugar. Tinha alguém que precisava ver.
Ela deu o endereço ao cocheiro, e quando o mesmo anunciou que haviam chegado, se
assustou com o quão próximo era do palácio.
Assim que desceu da carruagem, viu a propriedade. Era bem grande, parecia que a família
que vivia ali, vivia muito bem.
Sua família veio acompanhando-a logo atrás, e quando Ella bateu numa porta, uma jovem
loira atendeu, sorriu.
— Ella! — A abraçou, recebendo o ato de volta.
— Hadley! Como você está?
— Estou bem. Majestades! — Se reverenciou para o rei, a rainha, e o príncipe. — Entrem,
por favor. Minha mãe precisou sair, mas meu pai está no escritório. — Foi mostrando a casa para a
amiga e a família, e Annabella sorriu ao ver como Hadley havia tido sorte em mudar de vida. A vida
em Porto Dourado era muito boa, mas qualquer pessoa sonha com algo mais, e aquilo era muito mais.
— Hadley? Quem está aí, querida? — perguntou seu pai, saindo do escritório. Quando viu o
rei e a rainha, sorriu. — Oh, Majestades. Como estão?
— Muito bem, obrigada — proferiu a rainha.
— Annabella? É você mesma?
— Sou eu, tio Grant, em carne e osso — brincou, se levantando e dando um abraço. — Como
o senhor está? Há muito tempo que não o vejo.
— Estamos ótimos. Vocês aceitam um chá? Pedirei que tragam agora mesmo. — Chamou uma
criada e pediu que fizesse um chá e trouxesse alguns aperitivos. — Eu adoraria ficar, mas preciso ir
buscar minha esposa. Majestades, foi um prazer conhecê-los. E Annabella, um prazer revê-la.
Hadley, querida, ficará bem por alguns minutos aqui, certo?
— Sim, pai, pode ir tranquilo.
— Ótimo. Voltarei logo. — E saiu.
Não muito depois, uma criada trouxe uma bandeja com o chá e biscoitos de todos os tipos.
— Ah, meu Deus, a pasta de morango da sua mãe! — Passou um dos biscoitos nela. — Isso é
simplesmente divino, ainda é uma das minhas coisas favoritas no mundo. Hm. — Saboreou, com uma
expressão de satisfação clara. — Bom, eu vim aqui tratar de um assunto com você e vou fazer isso
antes de me perder nessa maravilha — brincou.
— O assunto parece sério.
— É, pode se dizer que sim. Hadley, você sempre foi minha melhor amiga, desde que éramos
crianças, e mesmo que tenhamos ficados separadas por um tempo, nada entre nós mudou, certo?
— Claro que não! Lembra: por destino, amigas…
— Por escolha, irmãs — Annabella completou. Sorriu, e em seguida teve ainda mais certeza
do que o que queria dizer. — Eu queria te fazer um convite. Na verdade, uma proposta. — Hadley a
encarou atentamente. — Hadley, você aceita se tornar minha dama de companhia?
— Dama de companhia? Isso é… sério?
— Com certeza. Claro que você viria morar no palácio, ficaria comigo a maior parte do
tempo, assim como a Grace fica com a minha mãe. Preciso de alguém em quem eu possa confiar, e eu
confio em você de olhos fechados. Eu sei que é uma decisão muito importante, e por isso, se precisar
de tempo para pensar, saiba que tem o tempo que quiser. Seria vantajoso para você também, claro,
aprenderia muitas coisas, e talvez, se for do seu interesse, podemos encontrar um par e um bom
casamento para você.
— Eu… não sei o que dizer.
— Se você não quiser, eu vou entender, claro.
— Não, não, não é isso. Por mim, eu iria agora mesmo. Mas é uma grande mudança. Eu
preciso conversar com meus pais primeiro, afinal, envolve a todos.
— Sim, claro. Leve o tempo que precisar, não há necessidade de responder imediatamente.
Nós temos que voltar para o palácio agora, então, assim que tiver sua resposta, envie uma carta para
mim, e se sua resposta for sim, resolveremos o resto depois.
Se levantou e abraçou a amiga. Se despediu, assim como sua família, e foram embora.
Ao entrarem no palácio, encontraram Andrew, tão concentrado em seus mapas,
provavelmente traçando sua próxima viagem.
— Finalmente voltaram.
— Ah, desculpe, mas não me lembro de ter lhe dado o cargo de babá — Hale provocou.
— Continue brincando e ficará de castigo, Majestade — devolveu. — Nick, eu estava
traçando nossa rota de viagem, o que você acha de irmos para o leste?
— Espere um momento — Alycia interrompeu. — Nossa rota de viagem?
O príncipe tentou disfarçar.
— Nicholas, você não contou a eles? — Jones perguntou.
— Eu ia contar.
— Quando?
— Agora? — Soltou um riso envergonhado. — Então, mãe, pai, o Andrew me convidou para
acompanhá-lo na próxima viagem dele. Eu posso ir? Vai ser muito seguro, e Grace estará conosco
para garantir isso.
— Viajar, filho?
— Sim, mãe. Você sabe que eu sempre quis explorar o que há além das nossas fronteiras, e é
uma ótima oportunidade de colocar em prática tudo quero você me ensinou, pai. — Olhou para
Matthew. — Conhecer novos lugares, formar novas alianças. Vai ser ótimo para o nosso reino.
— E quanto tempo duraria isso?
— Poucos meses, no máximo.
— É uma rota de alguns poucos meses, Alycia — Andrew explicou. — Vai ser bom para o
garoto, sair um pouco desse castelo, seguir o sonho dele.
— Eu também acho uma ótima noite ideia — Annabella se pronunciou. — Nick sempre me
disse o quanto queria explorar o mundo, e eu acho saudável ele fazer isso enquanto é jovem. Sem
contar que, como ele disse, pode ser vantajoso para o nosso reino, podem existir muitos reinos por aí
afora que não conhecemos e podemos criar alianças — argumentou.
— E mais, ele estará seguro. Vai estar comigo, afinal de contas — Andrew comentou.
— É exatamente isso que me preocupa — Alycia devolveu. — Mas, eu confio no meu filho, e
sei que ele tem juízo e é responsável. Você pode ir, querido, é hora de começar a viver a vida que
você sempre quis. — Acariciou o rosto do filho. O garoto sorriu e abraçou a mãe, agradecendo. —
Mas sentiremos sua falta, esse palácio não é o mesmo sem você.
— Eu voltarei. Será rápido, nem irão perceber. E quando eu voltar, poderemos comemorar.
— Acho uma ótima ideia.

— Vão logo e aproveitem a viagem! — ela disse, sorridente.


— Nós voltaremos em breve.
— Não tenham pressa de voltar. — Abraçou os dois. — Tio Graham, cuide bem dela.
— Pode deixar. Cuidarei da minha esposa muito bem. — Sorriu. — Você também, princesa,
se cuide.
— Não se preocupe comigo, enquanto tivermos centenas de guardas vigiando esse castelo,
garanto que não sofrerei um arranhão. Agora vão, estão esperando o quê?
Graham ajudou Dahlia a montar no cavalo, e montou em seguida, atrás dela. Era a segunda
vez na semana que Annabella se despedia de alguém, e em nenhuma delas, sentiu vontade de chorar
ou sentiu medo, estava feliz. Nick partira com Andrew e Grace há três dias, e o planejamento era que
retornassem em três meses, porém, não podiam contar ao certo.
E, neste entardecer, estava se despedindo de sua mãe e de seu tio — agora, padrasto — que
haviam se casado há apenas algumas horas. Foi uma cerimônia simples, na capela da aldeia mesmo,
e em seguida partiram para a viagem de lua de mel.
Quando viu o cavalo sumir no horizonte, suspirou. Estava muito contente com os recentes
acontecimentos.
— Está feliz, meu amor?
— Muito. — Sua mãe a abraçou de lado, sorrindo.
— Vamos voltar ao castelo? Foi um dia agitado, acho que você precisa descansar.
— Sim, claro. Vamos. Cadê o papai? — Olhou em volta e não o viu.
— Matthew? Matthew? — Alycia o chamou, mas nada. — Onde ele se enfiou? Estava aqui há
um minuto.
— Pai? — Nem sinal dele responder.
Estavam começando a se preocupar, entretanto, Matthew logo apareceu.
— Céus, Matthew, quase nos matou de susto.
— Onde você estava, pai?
— Fui só ali fazer uma coisa. Depois eu explico. Bom, podemos ir?
Claro que ele explicaria, não era como se Alycia fosse deixá-lo dormir sem antes contar o
que havia feito. Ela nunca deixava. Por isso, sempre que ele estava planejando alguma surpresa para
ela, fazia de tudo para que ela não chegasse nem perto de perceber algo, ou tudo seria arruinado.
Jantaram tranquilamente, e após o término da refeição, seguiram para seus devidos quartos
para descansarem.
— Tudo bem, pode me contar agora o que você fez!
— Mulher curiosa essa que eu fui me casar, viu? — Riu, passando o polegar pelo lábio
inferior. — Mas, tudo bem, eu conto. Vem cá. — Se sentou na beira da cama, e a puxou para si.
Alycia se sentou ao seu lado, e sorriu. — Já faz alguns dias que eu percebi que tem algo que eu
queria fazer com você há muito tempo, mas que nunca tive a oportunidade.
— O que, meu amor?
— Alycia, você sabe que eu te amo, mais do que tudo nessa vida, te amei desde o momento
em que a conheci, e passamos por muitas coisas, mas sempre enfrentamos tudo juntos. O amor que eu
sinto por você foi, é, e sempre será uma das poucas certezas que eu tenho na vida, nunca duvidei do
que sinto por você nem por um instante. Te amei desde o primeiro segundo, e acho que isso nunca foi
segredo. — Lágrimas silenciosas surgiram nos olhos da rainha pela emoção que sentiu pela
declaração do marido. Ele se declarava com frequência, mas esta, por alguma razão, estava sendo
mais especial. E ela estava prestes a descobrir o porquê. — Esse último ano foi cheio de surpresas,
nossa filha voltou para nós depois de tanto tempo, conseguimos derrotar a responsável por tirá-la se
nós, e estamos vivendo a vida que sempre sonhamos. Hoje, vimos duas pessoas, que estão
começando a aprender a amar uma à outra, se unirem, e isso me fez pensar que nós também estamos
aprendendo a amar novamente, digo, nós sempre nos amamos incondicionalmente, mas sempre houve
muita tristeza entre nós, na nossa família, e eu quero recomeçar com você, aqui e agora.
Ela o olhava atentamente, só esperando o que viria.
— Alycia, você aceita renovar nossos votos de casamento? — Ela abriu os lábios indicando
que estava impressionada.
— É sério isso, meu amor? — O brilho em seus olhos aumentou, e a primeira lágrima caiu.
Ele tratou de secá-la, levando sua mão à bochecha dela delicadamente.
— Muito sério. Aqui e agora, entre nós dois apenas. Quero iniciar um novo capítulo nas
nossas vidas, deixar para trás toda a dor e o pesar, e começar algo em que apenas exista o nosso
amor. — Ela nada disse, apenas avançou para frente e colou seus lábios nos dele, indicando que sua
resposta era positiva. Diria sim para tudo com ele. Matthew enfiou a mão no bolso da calça e tirou
de lá um anel. — Eu encomendei isso há algumas semanas, e foi isso que fui buscar quando sumi de
vista mais cedo — explicou, sorrindo. Colocou no dedo dela, o encaixando junto à aliança de
casamento. Era de ouro, e tinha um diamante em cima. — Alycia Casey Hale — iniciou, a chamando
pelo nome completo —, desde o primeiro momento em que a vi eu soube que deveria te amar como
nunca, e nunca poderia deixar de te amar, nem mesmo por um segundo. Você é o amor de minha vida,
e não só dessa vida como acredito fielmente que será nas próximas também. Eu sempre fui um cara
romântico, mas quando eu te conheci, foi como se ele garoto tivesse sido substituído por um homem
que, ao seu lado, passou a enxergar uma outra face do romance, uma que se inclina para uma coisa
muito mais forte, que graças a você, eu sinto crescer dentro do meu peito a cada dia mais. Eu me
apaixono por você todos os dias. Você me ensinou o que é o amor. Você me mostrou que o amor não
só é possível, como pode ser lindo, perfeito, e que mesmo com todos os empecilhos, o verdadeiro
amor é inquebrável, indestrutível, e muito poderoso. Eu amo você, e sempre amarei. Sou
excessivamente grato por ser a única pessoa que tem o privilégio de lhe desejar o seu primeiro bom
dia e seu último boa noite, de ser o único para quem você sorri apaixonada, e por ter você como
único e verdadeiro amor da minha vida. Hoje, meus votos para você, para nós dois, são: nunca
deixarei de te amar, estarei lá em todos os momentos ao seu lado, quando sentir medo, quando estiver
triste, ou até mesmo quando estiver zangada comigo, eu estarei ao seu lado, segurando a sua mão,
estarei com você e com nossos filhos até o fim dos meus dias, e nunca, nunca deixarei nenhum de
vocês sozinho. Eu amo você, e isso é permanente.
Ele pegou a mão esquerda dela, onde se encontrava a aliança de casamento e o anel que havia
lhe dado, e beijou suavemente.
— Matthew Hale, eu sempre amei você, e acho que isso não é nenhum segredo. Você não só
me deu mais amor do que eu jamais sonhei em receber, como me deu as duas maiores bençãos que eu
poderia ter, que são nossos filhos. Mesmo com tudo que passamos, e eu sei que não facilitei nenhum
pouco, você sempre esteve lá. Você me deixava chorar em seu colo, me abraçava e dizia que estava
ali comigo, e nos menores gestos, eu soube que havia encontrado mais do que apenas um marido, mas
um amigo, um melhor amigo, um anjo para me guardar, e mesmo nos piores momentos, eu te amei a
cada segundo mais e mais, e por menor que tenha sido a demonstração, você sempre deixou claro que
estava ali por mim e para mim, e eu sou e serei eternamente grata por ter tido a sorte de encontrar
você, pois eu não poderia pedir companheiro melhor. Eu tenho muito a agradecer aos anjos por terem
ligados os nossos fios do destino, pois te encontrar foi a melhor coisa que me aconteceu, poder ser
sua esposa, poder ser aquela pra quem você recorre em todos os momentos, sejam eles quais forem,
poder ser a sua única e verdadeira confidente, amante e amiga, é mais do que jamais sonhei. Sei que
digo isso muito, mas seu abraço é o meu lugar favorito, nele eu me sinto amada, me sinto protegida,
você é meu porto seguro. E por essas e muitas outras razões, meus votos para nós dois, na verdade, é
apenas um: nunca deixarei de te amar, você conquistou meu coração por completo, ele é todinho seu,
você é meu lar, Matthew, e sempre será. Meu voto é sempre estar ao seu lado, como você sempre
esteve do meu, nunca soltar a sua mão, e ser completamente sua de corpo e alma. Eu te amo, Matthew
Hale, e isso não só é permanente, como é eterno. Nessa vida e nas próximas, eu sempre darei um
jeito de me encontrar com você. — Ela repetiu o gesto dele e beijou a aliança que há dezoito anos
habitava o dedo dele.
Os lábios se encontraram novamente. Os dedos ágeis do rei subiram até o cabelo da rainha, e
a prenderam contra si. Logo, os corpos se encontraram no colchão.
— O que acha de consumarmos esse amor? — ele sussurrou ao ouvido dela.
— Eu acho que você está demorando demais para fazer isso.
33. Um Legado a Ser Deixado

As semanas passaram voando, e através das janelas do palácio, era possível ver a neve
caindo. Apesar de amar a estação em que nasceu, Annabella sempre foi apaixonada pelo inverno,
toda a pureza da neve caindo, lhe trazia paz.
Sua família havia acabado de retornar das Ilhas Gálidas, onde residiram por três dias.
Elizabeth os havia convidado para a cerimônia oficial da coroação. Geralmente, não deveria
demorar tanto a ocorrer, mas com tudo que aconteceu e tudo que tinha prioridade, a coroação poderia
esperar.
Foi uma cerimônia luxuosa, seguida por um baile. Fora o primeiro baile de Annabella fora de
Porto Vermelho. E ela se divertiu como nunca, pôde reencontrar a amiga, e conhecer o reino dela em
circunstâncias mais agradáveis. Conheceu também os parentes há muito tempo esquecidos de
Elizabeth, e até chegou a ser convidada para dançar com um de seus primos, Arthur, que se mostrou
grato pela ajuda que a herdeira de Porto Vermelho havia prestado para salvar aquele reino.
Nicholas, entretanto, não pôde comparecer, pois ainda não havia retornado de sua viagem.
Mas sempre mandava cartas aos pais e a irmã, todos os dias, usando a pena mágica que Annabella
deu a ele, a qual ela encantou para que quando ele terminasse de escrever e selasse a carta, a mesma
seria enviada instantaneamente.
Ele havia conhecido lugares incríveis. Reinos vizinhos, aldeias, até mesmo ilhas inabitadas.
Descobriu novas espécies de animais que nunca havia visto, e graças a um dos especialistas que
levaram com eles, todos foram desenhados em um diário e nomeados.
Em uma das cartas, ele mencionou um reino distante, a sudoeste, era pequeno, mas parecia ser
rico, não apenas em dinheiro, mas em tudo, e quando teve a oportunidade de conversar com os
monarcas daquele reino, encontrou um rei viúvo, e Nicholas foi capaz de contar sobre Porto
Vermelho e o interesse em uma aliança entre os dois reinos.
A última que ele enviara, chegou há três dias, na qual dizia que estavam indo rumo para casa,
e tinham notícias bem agradáveis para contar.
Como de costume, estavam organizando um baile de boas-vindas. Claro que essa razão era
apenas para eles, para o reino, anunciaram como Baile de Inverno. Convidaram todos os reinos
vizinhos que eram aliados, e alguns já haviam chegado, por conta das longas rotas que tinham de
percorrer.
— Ainda não está pronta, Alteza? — A voz que entrou no quarto soava divertida.
— Ainda não. Não consigo decidir qual sapato usar — comentou.
— Deixe sua dama de companhia lhe ajudar. — Sorriu.
Hadley, como previsto, havia aceitado a oferta de Ella, e há alguns meses, havia se tornado
sua dama de companhia e confidente. A ajudava em tudo, e às vezes, quando não tinham nada para
fazer, ficavam no jardim, apenas passando o tempo.
A jovem se encantou ao saber tudo que Annabella tinha a contar, mas o que mais a
surpreendeu — claro, com exceção de toda a história que envolvia a vida dela — foi saber sobre
Dahlia e Graham, embora, assim como Ella, suspeitasse que sempre houve algo maior do que apenas
amizade entre dois, jamais pensou que fosse realmente acontecer.
— Ansiosa para hoje à noite?
— Não sei. Um pouco nervosa, eu acho.
— E o motivo é aquele rapaz, Arthur, não é?
— O quê? Claro que não. — Riu. — Eu sempre fico nervosa antes de um baile, é muita
pressão.
— Uhum. Fingirei que acredito em você.
— Me diga, por que eu estaria nervosa por causa do Arthur? O vi apenas uma vez —
pontuou. Ella não poderia negar que o rapaz era muito bonito, e claro, lhe chamou a atenção, assim
como teria chamado a de qualquer pessoa. E mais, eles se viram uma vez, trocaram poucas palavras
e uma dança. Somente isso. Ele pareceu ser um bom rapaz, era um ano mais velho do que ela, mas
eles quase não conversaram, não sabia nada dele, apenas que era primo de uma de suas melhores
amigas e que era o duque de Blanc, e terceiro na linha de sucessão das Ilhas Gálidas, atrás de sua
mãe, que era prima direta do falecido rei Stefan, e claro, Elizabeth, mas era provável que não
chegasse a assumir, pois se Elizabeth resolvesse se casar e tivesse filhos, a linha seria alterada.
— Você gostou dele?
— Hadley, nos vimos apenas uma vez, não é assim que funciona.
— Seu pai não contou que soube que sua mãe era a mulher certa no momento em que pôs os
olhos nela?
— Sim. E minha mãe também disse que a princípio não sabia se ele era o certo. Se Arthur for
o certo, saberei com o tempo. Se não, bom, apenas não foi. Sossegue. Ele é bonito sim, não vou negar
o óbvio, mas preciso saber mais sobre ele antes de qualquer coisa. Tudo que eu sei sobre a família
dos Amherst se resume a Elizabeth, então, só… se acalme, por favor, está parecendo com todo
mundo nesse reino, que acha que Nick e eu vamos nos casar com a primeira pessoa que aparecer.
— Estarei ansiosa para ver como se comporta essa noite. Bem, o que acha desses aqui? —
Apontou para um par de sapatos prateados, que combinavam com seu vestido, que era branco e
reluzente. Uma das jovens que trabalhava no palácio havia vindo mais cedo e dado um leve retoque
no rosto da princesa, aplicando mais brilho e deixando seus traços ainda mais evidentes. Mas o que
mais chamava a atenção eram os lábios, em um leve tom avermelhado, que se destacavam com a cor.
— Bom, vamos descer. Não quero perder a chegada do meu irmão.
Saiu na companhia da dama e seguiram para o salão. Passaram pelo corredor sul e chegaram
ao salão pela entrada que ficava atrás dos tronos reais. Annabella liberou Hadley para aproveitar as
festividades, e foi de encontro a seus pais.
— Minha filha, você está deslumbrante — seu pai elogiou, segurando-a pela mão e a girando.
Seu vestido rodou com leveza, fazendo com que o brilho presente no tecido ficasse ainda mais em
evidência.
— Você também está bem elegante — devolveu o elogio. — E mãe, você está… perfeita. —
Alycia estava radiante, seu vestido vermelho e dourado destacava seus traços e suas curvas, e como
sempre, estava um espetáculo. Como diria seu marido: a mulher mais bela de todas.
— Obrigada, meu amor. E seu pai tem razão, você está simplesmente um encanto. Ninguém
será capaz de tirar os olhos de você.
A garota corou.
Os portões estavam abertos, e pessoas não paravam de chegar. Todos estavam ali. Ao canto
ela pôde ver o rei Edward, e sua filha Anneliese, que estava acompanhada de um rapaz que ela não
sabia quem era. Mais para a direita, enxergou o rei Austin, junto da esposa, a rainha Ayla, e os filhos,
o jovem príncipe Peter e a princesa Sophie, de Porto das Rosas. E ao fundo do salão, a rainha Alexa,
de Porto Real do Norte. Ela conhecia histórias sobre essas famílias, mas vê-los pessoalmente era
outra emoção.
Um guarda apareceu para avisar que o navio de Nicholas, Andrew e Grace já havia aportado,
e a qualquer momento estariam no palácio.
A família caminhou até a entrada, aguardando pelos três. Logo, os viram descer da
carruagem. Nicholas veio na frente, e Andrew amparou Grace. O jovem príncipe caminhou
sorridente até a família, e quando a luz do salão tocou seu rosto, seus pais puderam ver que ele havia
mudado nesses meses. Estava mais alto, sua barba havia começado a crescer, e seu cabelo estava
mais cumprido do que o normal. E seu porte físico também mudara, parecia mais forte. O tempo em
alto mar havia lhe feito bem.
Cumprimentou o pai com um abraço agitado. Se voltou para a mãe e a viu sorrir, a abraçando
carinhosamente, como havia sentido falta daquele abraço. E por fim, viu sua irmã, e repetiu o ato
com ela, mas, a levantando no ar e a girando uma vez, fazendo-a rir. Foi quando Annabella percebeu
que ele estava bem mais alto do que ela. Sempre foi poucos centímetros, mas agora estava muito
mais. Agora ele parecia ser o mais velho.
— Como foi a viagem?
— Incrível. Contarei tudo a vocês mais tarde. Preciso subir para o meu quarto e me arrumar,
não posso aparecer nesse baile cheirando a oceano, floresta e resina daquele navio.
— Aquele navio não, por favor. Ela tem nome, é Jones Gambit! — Andrew apareceu,
brincando.
— Que é um nome horrível para um barco — Nick lançou. Andrew ignorou.
— Eu sei que vocês me amam, mas não precisavam me receber com essa festa toda — o
lorde apontou, se voltando para o baile.
— Coitado — Matthew falou.
Grace entrou na roda que eles haviam formado. Estava vestida com uma capa enorme, e
parecia cansada.
— Está tudo bem, Grace?
A loira e o marido trocaram um olhar em cumplicidade, e sorriram.
— O que isso significa? — Alycia franziu os lábios, tentando entender.
— Sim, está tudo bem. É só que… eu tenho estado um pouco cansada demais. Você irá me
entender, sabe como é, afinal, esteve grávida duas vezes.
A informação demorou a ser processada, mas logo que entenderam, Alycia principalmente
explodiu em alegria.
— Meu Deus, você está grávida!?
Grace abriu a capa que a cobria e mostrou a barriga já aparente.
— Que notícia maravilhosa. Quando descobriu?
— Alguns dias depois que partimos, acho que já embarquei assim.
— Minha amiga, eu estou tão feliz por você. Eu sei o quanto você esperou por isso. — A
abraçou. — E Andrew, meus parabéns. Eu sei que será um ótimo pai, mesmo que sua escolha de
roupas seja um pouco duvidosa — brincou.
— Parabéns, irmão. — Matthew abraçou o lorde.
— Obrigado a todos. Mas agora, eu vou levá-la para o quarto, afinal, o médico que nos
acompanhou na viagem disse que ela precisaria repousar assim que chegássemos em casa.
— É para descansar, hein! — Hale não pôde perder uma última provocação.
— Acho que está me confundindo com você, Majestade — respondeu, já se afastando.
A família se dispersou, Matthew levou Alycia para dançar, e Annabella ficou apenas
assistindo. Seus pais formavam um casal lindo, eram realmente uma inspiração. Mesmo convivendo
com eles há pouco menos de um ano, se lembrava de todos os momentos que presenciou quando
pequena, lembrava-se de quando no meio do jantar, seu pai puxava sua mãe para o meio da sala e
dançavam, ou de como andavam sempre de mãos dadas, costume este que não havia se perdido, mas
principalmente, se lembrava de como seu pai sempre dizia que elas eram as únicas mulheres na vida
dele e que buscaria as estrelas se elas lhe pedissem.
— Pensando no príncipe encantado? — a voz de Elizabeth a assustou.
— Deus, quase me matou de susto. — Recuperou o fôlego e riu. — Você conseguiu vir!
Pensei que não conseguiria.
— Eu também. Mas o reino está indo muito bem, e pensei que sair por alguns dias não faria
mal. Deixei pessoas cuidando dele, minha prima Alexandra é uma delas — comentou. — Ah, e eu
não vim sozinha. — Apontou para a frente discretamente. Annabella seguiu a direção e viu Arthur,
pegando duas taças de ouro com bebida.
— Você e seu primo se uniram bastante, não é?
— Sim. Ele é uma boa pessoa, e quando falo com ele é como se falasse com meu pai, mesmo
que eu não me lembre dele. O sangue Amherst é bem claro em Arthur. Ele está vindo, tente disfarçar.
— Ah, por favor, você também não.
— Você também não, o quê? — A voz de Arthur ressoou atrás dela.
— Nada — Annabella se apressou em dizer, não precisava de mais gente perturbando-a com
aquilo. — Como você está?
— Melhor agora. Aceita um, Alteza? — Entregou a ela a taça com o néctar, que aceitou de
bom grado. — Espero que minha doce prima não tenha me difamado enquanto estive fora.
— Só um pouquinho. — A ruiva fez sinal com os dedos. — Oh, Ella, depois eu quero mostrar
uma coisa a você, Florence me enviou.
— Deve ser importante. Pode mostrar agora se quiser.
— Oh, não, isso é um baile, podemos ver mais tarde. As festividades são mais importantes.
— Neste caso, me daria a honra de uma dança, Alteza? — Arthur estendeu a mão para
Annabella. Ela aceitou, e ele a guiou para o centro do salão e se juntaram a outros casais e pessoas
dançando.
— Então, me fale sobre você. — Ela o encarou.
— Não tem muito o que falar. — Riu. — Passei a minha vida inteira sem saber quem era, e
de repente descobri toda a verdade e ainda estou tentando processar tudo que aconteceu.
— Entendo isso. Também passei pelo menos.
— Passou?
— Sim. Você deve saber que Lilliana prejudicou muito a minha família também. — Ele
afirmou. — Quando eu tinha cinco anos, ela ordenou que me matassem, mas ao invés disso eu fui
deixada na porta de uma casa, onde vivi até meus quinze anos com minha mãe adotiva, e há apenas
alguns meses descobri a verdade, reencontrei meus pais e meu irmão e vivo com eles.
— Somos mais parecidos do que pensei.
— Pensou? Quer dizer que tem pensado em mim. — Não fora uma pergunta.
— Eu poderia mentir, mas qual seria o propósito? Sim, minha cara Annabella, penso em você
desde o dia que nos conhecemos. Pode parecer precipitado, mas você me encantou.
— Então você é do tipo romântico? — brincou.
— Talvez.
— Misterioso, também.
— Existem muitas coisas que ainda não sabe sobre mim, e terá que descobrir. Se quiser,
claro.
— Bem, para sua sorte, eu adoro um mistério.
A música acabou, colocando um fim a dança deles. Ele pegou a mão dela e deu um beijo
suave, o que por sua vez, a fez sorrir.
— Aproveite o baile. — E se dispersou.
Ela mordeu os lábios.
— Posso saber quem era o rapaz cortejando a minha irmã? — Nicholas apareceu.
— Cortejando? Estávamos apenas dançando.
— Hm, vou fingir que acredito em você. De qualquer forma, podemos dançar ou você prefere
voltar para os braços do Senhor Bonitão?
— Cala a boca — xingou-o em tom divertido. Pegou a mão dele e começaram a valsar. —
Como você está?
— Ótimo, na verdade. Essa viagem me fez muito bem. Nós nos deparamos com muitas terras
novas, conhecemos novas pessoas e tantas culturas. Devia ter ido com a gente, você iria amar.
— Eu tenho certeza, mas achei que irmos os dois e deixar nossos pais aqui sozinhos seria
crueldade demais. E, também, eu ainda estou me acostumando com essa nova vida, terei muito tempo
para viajar e conhecer o mundo.
— Isso com certeza.
— Você planeja viajar novamente em breve?
— Em breve, não. Mas daqui alguns meses, com certeza. Não existe capitão de navio melhor
do que o Andrew, ele sabe como transformar qualquer viagem em uma grande festa, mas agora, com
o bebê que ele e a Grace sempre sonharam, imagino que vão manter os pés em terra por muito tempo.
— Sabe, nesses meses que você esteve fora, muita coisa mudou.
— Sério? Porque que você não cresceu nem dois centímetros — provocou, dando risada em
seguida.
— Só não faço nada contra você agora, porque senti saudade do meu irmão. Mas me aguarde.
— Semicerrou os olhos. — Enfim, o que eu tinha para te falar é outra coisa. Vai me deixar falar, ou
tem mais alguma piadinha para fazer?
— Nenhuma, meu estoque está esgotado. — Riu. — Por favor, fale.
— Lembra que, logo que nos conhecemos, você me disse que o título do ducado do nosso avô
era seu? — Ele assentiu. — Então, desde que eu voltei, ficou uma bagunça os títulos, e enfim, você
sabe. Papai e eu ficamos semanas no escritório tentando resolver tudo, e conseguimos. Encontramos
algumas informações bem interessantes. Me diga, o nome Dovenset te lembra alguma coisa?
— Hm… não, nada.
— Tudo bem. Mas você conhece o palácio de verão, certo?
— Sim. E, nossa, faz anos que eu não vou lá.
— Pois é, enfim, o palácio de verão é mais do que apenas uma propriedade de veraneio, ele
é um ducado que pertence a nossa família há gerações, se chamava Dovenset, e a última duquesa que
habitou foi a nossa bisavó, Victoria, mas ela o transformou em palácio de férias quando se tornou
rainha. O que eu quero dizer é que, eu não acho justo eu ficar com todos os títulos e propriedades, e
como o ducado de Lestery é seu desde que você tinha três anos, eu não acho justo ele passar para o
meu nome agora.
— Ella…
— Deixa eu terminar! — exigiu. — Papai já concordou, e vamos retomar o ducado de
Dovenset ao que ele era antes. Eu vou ficar com Dovenset, e você com Lestery. É o justo. E, claro,
não é porque a propriedade litorânea de Calay agora é minha que significa que você não possa ficar
lá quando quiser. Ela não é só minha, é da família Hale.
— Ella… Meu Deus… Isso é sério?
— Muito sério. Ele é seu de novo, você pode fazer o que quiser com a propriedade. Eu vou
mandar fazer algumas reformas no Dovenset, fui lá semana passada com nossos pais e o lugar está
simplesmente necessitado disso. Feliz com a notícia, duque de Lestery?
— Estou surpreso, de verdade. Há um tempo atrás eu não ficaria feliz com isso, mas hoje…
hoje, tudo é diferente. Então, respondendo a sua pergunta, estou muito feliz, duquesa de Dovenset.
— Com licença, será que eu posso dançar com a minha filha? — o rei os interrompeu, com
um sorriso no rosto.
— Com certeza. — O príncipe entregou a irmã ao seu pai, e em seguida se virou para sua
mãe. — Me daria a honra?
— A honra é toda minha.
As horas passaram em um piscar de olhos, e quando perceberam, estava quase perto do
amanhecer, e era hora de encerrar o baile.
— Meus pés estão me matando — a princesa reclamou, enquanto caminhava para o jardim.
Se sentou próxima a árvore da família e descansou. — Aqui está tão fresco, lá dentro estava um calor
quase insuportável — disse para si mesma, olhando para a árvore.
— Cansou da festa? — Se aproximaram dela.
— Sim. — Riu. — Acho que nunca me diverti tanto em uma única noite.
— Nem eu, espero comparecer a mais festas como essa. Agora que estamos livres da tirania
de Lilliana, e com o reino crescendo de vento em popa, acredito que será possível.
— Então também gosta de festas. Romântico, tem jeito de conquistador, e festeiro. Me diga,
Arthur, o que mais lhe agrada?
— De repente está tão interessada no que me agrada, Alteza.
— Só curiosa.
— Tudo bem, lhe direi uma coisa que me agrada se me disser uma sobre você. — Ela
concordou. — Eu sou um grande fã de artilharia.
— Jura? Bom, então saiba que eu atiro muito bem.
— Sério? Não é muito comum ver mulheres tão familiarizadas com o arco. Acho admirável.
Mas como aprendeu?
— Meu tio Graham, ele trabalhava por conta, sabe? O chamavam para fazer algo que ninguém
mais se atreveria a fazer, como procurar antiguidades e objetos valiosos em florestas traiçoeiras ou
em fundos de lagos perigosos, e ele precisava se defender com algo, e, quando eu tinha dez anos,
talvez até menos, não me lembro ao certo, ele me ensinou, dizia que era importante eu saber como me
defender. Claro que agora eu tenho maneiras de me defender bem mais práticas e que posso contar
que nunca vão faltar.
— Claro, entre a magia e o arco e flecha, a magia é sempre mais rápida e eficiente. Você
nasceu com ela também, igual Elizabeth, ou é uma coisa que você… aprendeu?
— As duas coisas, na verdade. Eu nasci com ela, mas só descobri que a tinha aos dezesseis
anos. E tem pouquíssimo tempo que sei controlá-la. Mas eu a uso pouco, somente para o necessário
ou coisas que estou com muita pressa em resolver. — Ela o encarou. — Você parece muito calmo
com o assunto, muitas pessoas acham um pouco... surpreendente.
— Bom, eu cresci vendo uma mulher fazer o que bem entendia com uma população inteira,
torturando pessoas e tantas coisas mais, magia não é exatamente um mistério para mim.
— Claro. — Sorriu. — Bom, eu vou voltar para lá, você vai ficar?
— Não, eu vou também. Imagino que Elizabeth esteja me procurando para embarcarmos de
volta para casa, afinal, são quase dois dias de viagem. — Ela se levantou e ia se dirigindo de volta
ao palácio, porém, ele a interrompeu. — Foi uma noite adorável, espero que não tenha se
incomodado com a minha interrupção a todo momento.
— Claro que não. Você foi… uma companhia bem agradável, na verdade. É bom conversar
com alguém que não seja somente o meu irmão. Eu amo a minha família demais mas, às vezes, o
castelo é tão grande que parece um pouco…
— Solitário.
— Sim — disse baixinho. Ele olhou para ela, seus olhos se conectaram quando Annabella
percebeu que ele a encarava. O cabelo dela possuía algumas mechas caídas sobre o rosto, que se
soltaram do penteado. Ele as colocou atrás da orelha, tendo a visão completa dos olhos castanhos e
profundos dela.
— Eu queria muito fazer algo agora, mas não sei se devo.
— Se não tentar, eu não poderei dizer se deve ou não.
Ele arriscou a sorte. Se aproximou dela, tocando-lhe o rosto levemente e se aproximando.
Ella moveu o rosto, e quando o dele estava bem próximo do seu, fechou os olhos e entreabriu os
lábios. Foi lento, doce e suave, mas o encontro foi perfeito.
Sentiu os lábios macios dele brincarem com os seus, e mesmo sendo o primeiro beijo que
dava, não teve dúvidas sobre se estava fazendo certo ou não, pois o encaixe tinha sido perfeito.
As mãos dele puxaram sua cintura, e os corpos ficaram bem próximos.
Esqueceram de tudo naquele beijo, e por um momento, ignoraram que estavam no jardim.
De longe, alguém caminhava em direção ao jardim. Duas pessoas, na verdade. Os pais de
Annabella. Alycia viu a cena e paralisou, e Matthew, quando percebeu a esposa parada, seguiu seu
olhar para onde o dela apontava, e viu.
— Mas o que… — Ameaçou se mover, mas Alycia o impediu.
— Não, Matthew. Não vá lá.
— Quem é aquele garoto? E por que ele está beijando a minha filha?
— Matthew, ela precisa ter as próprias experiências.
— Se ele queria cortejá-la deveria vir até mim primeiro.
— Você não pediu autorização ao meu pai quando me beijou embaixo daquela árvore —
apontou, relembrando o primeiro beijo deles.
— Mas seu pai estava ciente das minhas intenções. E estava de acordo! — pontuou.
— Meu amor, não seja tão ciumento, sim? — Virou o rosto dele para ela e acariciou sua
barba. — Venha, vamos lá para dentro. Não devíamos ficar espiando nossa filha. Ela tem dezessete
anos e sabe o que faz.
— Tudo bem, vamos. Ou serei capaz de fazer algo que me arrependerei.
Saíram dali, dando privacidade à filha e o rapaz.
O beijo entre eles cessou, e os dois jovens se encararam. Nenhuma palavra precisou ser dita,
os sorrisos que se formaram após um longo momento disseram o necessário.
— Finalmente achei você. — Se soltaram e se afastaram rapidamente. Elizabeth se
aproximou, e a expressão que se formou em seu rosto era um pouco confusa. — O que fazem aqui
sozinhos?
— Nada. Apenas conversando — Ella respondeu. — Você estava procurando por ele ou por
mim? — indagou.
— Os dois, na verdade. Arthur, a carruagem está pronta, devemos ir se quisermos chegar ao
porto ao amanhecer.
— Claro. — Virou-se para Annabella. — Foi um prazer, Alteza. — Piscou para ela. Pegou
uma de suas mãos e depositou um beijo calmo. Em seguida, saiu.
— O que queria falar comigo, Liz?
— Tenho muitas perguntas a fazer, mas ignorarei o fato de que você e meu primo estavam
sozinhos aqui no jardim e seguir ao que vim, de fato, dizer. Florence me enviou isso aqui há alguns
dias. — Mostrou uma caixinha que trazia em mãos, a abriu e dentro dela havia uma bola de cristal.
— Tinha um bilhete junto, dizia que assim que a chamássemos, ela atenderia.
— Bom, então vamos resolver isso. O que será que ela quer falar?
O cristal se acendeu, e uma fumaça se formou na pequena bola, e a voz de Florence foi
escutada, e em seguida, sua imagem apareceu.
— Florence, há quanto tempo não nos falamos.
— Annabella, como está?
— Bem. O que queria falar com a gente?
— Vocês concluíram a tarefa com sucesso. Queria apenas parabenizá-las.
— Obrigada. — Sorriu. — Mas, era só isso? — Florence acenou positivamente. — Céus, eu
fiquei preocupada que fosse algo mais… importante — Elizabeth reclamou.
— A parabenização por uma tarefa bem concluída vale tanto quanto qualquer outro recado
que considere importante, minha cara.
— Nós conseguimos então? A magia das trevas foi destruída… para sempre?
— Nada é para sempre. Tudo sempre encontra seu caminho de volta. Veja bem, a maldade
não nasce de uma hora para a outra, ela é criada, da mesma maneira que a bondade. Basta alguém que
deseje ferir outra pessoa use desse dom para se movimentar pelo caminho obscuro, e as trevas
encontrarão seu caminho de volta. Há demônios e anjos por aí, cabe a nós escolher qual deles
escutar. — As garotas se preocuparam. — Mas fiquem tranquilas, isso não é um problema para
vocês, minhas visões não dizem que acontecerá outra tragédia tão cedo. Não importunem sua
felicidade com algo que não se pode prever quando acontecerá. Foquem em suas vidas, suas
famílias, e quando precisarem, não hesitem em me procurar.
A fumaça na bola de cristal se esvaiu, e Elizabeth a guardou de volta na caixinha para evitar
que se quebrasse.
— Sobre o que ela disse… a maldade se cria. Você acha que…
— Sim, eu acho.
— Precisamos pensar em algo para evitar que isso aconteça.
Quando Annabella disse aquilo, foi como se uma ideia tivesse surgido na mente de Elizabeth.
— Tem um jeito.
— Qual?
— Quando minha mãe se casou com meu pai, ela tinha um plano de construir uma escola para
pessoas com dons especiais como ela, como você e eu. Ela nunca conseguiu realizar isso, mas nós
podemos. Claro, planos separados, eu teria que fazer isso no meu reino e você fazer isso aqui. O que
você acha?
— Eu… É uma ideia incrível. Uma escola em que pessoas com dons mágicos poderiam não
só aprender a controlar seus poderes como conheceriam outras pessoas com dons parecidos e assim
podemos ajudá-los e a não só entrar mas se manter no caminho certo. É brilhante!
— Eu vou levar essa ideia ao Conselho Real assim que chegar em casa.
— Eu farei o mesmo. Conversarei com meu pai, já que ele é o rei, mas tenho certeza de que
ele me apoiará, inclusive achará uma ótima ideia.

A construção da escola levou quase seis meses, mas finalmente fora inaugurada. O mesmo
aconteceu nas Ilhas Gálidas, Elizabeth conseguiu com ímpeto levar o projeto inicial de sua mãe para
frente, e se orgulhou ao saber que algo que ela tinha planejado estava se tornando realidade.
O espaço onde foi construída a escola, anteriormente, era uma das propriedades da família,
uma que há anos não usavam para nada, e seu pai autorizou a reforma para que o projeto de sua filha
fosse naquele local. Levou um tempo até conseguirem transformar o salão de bailes em uma área para
que os alunos e professores realizassem as refeições ao longo do dia, ou que todos os quartos fossem
convertidos em salas de aula, uma coordenação e uma diretoria. Mas tudo funcionou de acordo com o
plano, talvez até melhor.
O nome Academia Polaris podia ser visto ao longe, a escola de magia e habilidades
especiais estava fazendo o maior sucesso. Um dos fatores se devia ao fato de que Annabella, tendo
crescido como muitos jovens no reino, sabia que deveria tornar o projeto em algo acessível, por isso
todo o custo era inteiramente da realeza, o que, apesar de ser um gasto a mais, só ajudou a
movimentar ainda mais o dinheiro no reino, pois novos mercados foram criados, como os fabricantes
de varinhas e artefatos mágicos, como ingredientes de poções e outras coisas.
O projeto estava indo muito bem, e os professores eram ótimos. Annabella e Elizabeth
convenceram os feiticeiros da Toca a se unirem ao projeto, e se dispersaram entre as duas escolas, e
ambas tinham Florence como diretora, já que fora ela que as colocou no caminho inicial dessa longa
jornada.
Crianças e jovens de todas as partes do reino se inscreveram, e Annabella se surpreendeu ao
saber que havia tantas pessoas que, assim como ela, possuíam o dom da magia. E, por várias vezes,
nas duas semanas que sucederam a inauguração, visitava a escola, e participava de algumas aulas
mostrando o que sabia, claro, não comprometendo sua agenda real.
Se sentia realizada, finalmente tinha deixado uma marca no mundo. Estava mudando-o. Tinha
seus pais — os quatro —, seu irmão, uma família enorme que sempre sonhou em ter, e, podendo ser
capaz de ajudar tantas pessoas como sempre almejou, se sentia realizada.
— Vamos, querida? — sua mãe chamou. Annabella estava tão admirada vendo pela sacada de
seu quarto a escola que nem sequer notou a presença de sua mãe. — Você está muito feliz, não está?
— Alycia lhe tocou os ombros, fazendo a princesa notá-la.
— Muito, mãe. Jamais pensei que me sentiria assim.
— Isso tudo aconteceu por sua causa. Sinta-se orgulhosa, meu amor. Você e Elizabeth, duas
moças tão jovens que passaram por tanta coisa estão movendo o mundo para evitar que outros
passem pelo mesmo. Vocês são o futuro das nossas nações, e sei que as próximas gerações serão
gratas por tudo que vocês começaram a construir aqui.
— Eu sou grata por tudo que aprendi. Com você, com o papai, minha mãe, todos da minha
família. Se eu sou o que sou hoje, é por tudo que vocês me ensinaram.
— Você absorveu tudo perfeitamente, minha princesa, e todo o mérito é seu. Você está
deixando sua marca nesse mundo, e isso será sempre lembrado. — Beijou o rosto da filha.
— Obrigada, mãe.
— Eu que agradeço, querida. Agradeço por ter uma filha como você, por você e seu irmão,
por tudo que me ensinam a cada dia. Eu amo vocês incondicionalmente.
— Eu amo você mais do que qualquer coisa. — A abraçou.
— Vamos descer? Seu pai está ansioso para conhecer o seu projeto por dentro, já que devido
a agenda apertada não conseguiu fazer isso antes.
— Vamos. — Deu a mão para a mãe e saíram, caminhando não somente para um lugar, mas
para o futuro.
E esse, seria brilhante.

FIM.
Epílogo – Infinito de Luz

Aprendemos o Todo do Amor —


O Alfabeto — as Palavras —
Um Capítulo — depois o Livro imenso —
E — a Revelação — então fechou-se —

Mas uma Ignorância se fitou


No Olhar de Cada um de Nós —
Mais divina do que é a da Infância —
E cada um para o outro, uma Criança —

Tentando definir e explicar


O que Nenhum de nós — compreendia —
Ah, que é tão larga a Sabedoria —
E a Verdade — têm formas tão diversas!

Emily Dickinson

Se perguntassem a ela, não seria capaz de responder se o que a encantava mais eram as flores
espalhadas por todo o salão, ou as bandeiras penduradas por todo o castelo, ou se era o simples
significado daquele dia.
Havia acordado muito cedo, antes de todos os outros, pois a ansiedade consumia todo o seu
ser.
— Alteza, a mesa está como deseja? — uma jovem, uma das criadas, perguntou.
— Sim, está tudo perfeito. Tem mais alguma coisa que precisa ser feita?
— Não, Alteza. Agora é só aguardar pelo grande momento.
— Ótimo. — Sorriu.
— Com licença, Alteza.
Caminhou em direção até seu quarto, que já não era mais o mesmo que ocupava há alguns
anos. Muita coisa havia mudado. E Annabella estava mais do que animada com todas essas
mudanças. A vida era plena.
Antes de chegar às escadas que levavam até os aposentos de todos os membros da família,
decidiu fazer outra coisa antes. Virou-se na direção contrária e deixou o castelo, caminhando pelo
longo jardim e passando pelo quarto dos guardas, e, finalmente, avistando a morada do chefe real da
guarda.
Bateu à porta e entrou.
— Minha filha! — Sua mãe estava logo à entrada. — O que faz aqui tão cedo? Não deveria
estar organizando tudo para o grande evento?
— Está tudo pronto, então resolvi ver se vocês estavam acordados. Está muito quieto aqui.
— Eles estão dormindo ainda. Na verdade, estava indo acordá-los agora.
— Eu faço isso. — Sorriu. Caminhou até o quarto no corredor à direita e abriu, avistou a
cama com um corpo pequenininho encolhido. Se aproximou da cama e chamou, mas quem estava
deitado não respondeu. Teve uma ideia então, esticou a mão e fez surgir uma pena, e aproximou da
orelha da criança que dormia. Ouviu uma risada, e logo os olhinhos se abriram.
— Ella!
— Bom dia, meu amor. Me dá um abraço? — pediu. O garotinho se levantou e pulou no
pescoço dela, a abraçando. — Como você está?
— Bem. É hoje o dia, não é?
— Sim, hoje mesmo, está ansioso?
— Muito.
— Então vá se arrumar, que só faltam algumas horas. — Deu um beijo na fronte do
irmãozinho e se levantou. Em seguida seguiu para o outro quarto e bateu à porta. Ninguém atendeu.
Abriu lentamente a porta e encontrou Graham dormindo. Foi até ele, pegou a mesma pena, e passou
no nariz dele. O homem acordou assustado, não estava acostumado a isso. — Bom dia, raio de sol.
— Por Deus, o que é isso agora?
— Está na hora de acordar, bonitão. Apresse-se e se arrume, Colin já está a dois passos na
sua frente. Não vai querer perder para a criança de três anos, vai? E não vai querer se atrasar, certo?
— Minha querida, alguma vez perdi para alguém? E alguma vez me atrasei para qualquer
evento dessa magnitude? Estarei lá, não se preocupe.
Annabella saiu, deixando a família se aprontar. Retornou para o castelo e percebeu que
ninguém havia levantado ainda. Não era possível que ela fosse a única a ter acordado. O sol já havia
raiado no horizonte há horas, estava mais do que na hora de todos acordarem. Chegou até seu quarto
e viu que estava errada, felizmente.
— Onde você estava? — Foi perguntada.
— Estava terminando de organizar tudo. Acordou faz tempo?
— Um pouco. — Se aproximou dela e lhe deu um beijo. — Está tudo pronto?
— Sim. Esqueceu de quem eu sou filha? Aprendi a como organizar uma festa com a melhor.
— Sorriu. — Ela já acordou?
— Ainda não. Dorme como um anjo. — Os dois olharam para o berço ao canto do quarto.
Caminharam até ele e viram a imagem da pequena princesa dormindo tranquila. — Ela dormiu a
noite inteira, eu considero isso um milagre.
— Podemos esperar muita agitação hoje. — Abriu o tecido protetor do berço e tocou o rosto
da garotinha. — Ei, minha linda, vamos acordar? — A pequena se mexeu, mas não acordou.
Annabella esticou as mãos e pegou a filha nos braços. — Ei, meu coração, acorda. Temos um longo
dia pela frente.
A menina abriu os olhos lentamente e encarou quem a segurava. Ao reconhecer que era sua
mãe, sorriu.
— Fala bom dia para o papai, meu amor. — Esticou o bracinho da pequena e a virou na
direção do pai.
Acontecera há dois meses, logo que Annabella completou vinte e um anos, dois anos depois
de se casar com Arthur. Ela não teve pressa, levou quase o mesmo tempo — que agora estava casada
— para que finalmente decidisse por se casar com ele, sabia que precisava ter certeza do que estava
fazendo. Teve experiências, conheceu outras pessoas, não havia necessidade de se precipitar e casar-
se com o primeiro. Claro que não abusou da liberdade que se dava, mas aproveitou o tempo para se
conhecer, como seu pai lhe disse uma vez: ela era a pessoa mais importante de sua vida. E, assim
que completou dezenove anos, e teve certeza de quem seu coração havia escolhido, decidiu por se
unir a ele em matrimônio. Ele ficou radiante, depois de mais de um ano e meio provando o que sentia
por ela, ela finalmente aceitou. E essa foi a prova final, pois ela sabia que se ele havia ficado,
mesmo ela demorando tanto para tomar uma decisão, era porque realmente a queria, pois casamentos
não deveriam demorar tanto a acontecer entre duas pessoas que já se conhecem e tem idade para tal,
caso o contrário situações nada agradáveis poderiam ocorrer, como ele simplesmente decidir casar-
se com outra. Ele queria a ela, e deixou tal verdade mais do que clara.
E agora estavam ali, com uma filha prestes a ser apresentada para todo o reino, e que se
parecia deveras com a mãe, assim como Annabella possuía uma enorme semelhança com Alycia. A
única exceção eram os olhos, que eram azuis como o céu da manhã, provavelmente a únicas
características físicas que herdara do pai, isso e o cabelo, que era uma mistura de ambos. Enquanto
Annabella tinha o cabelo incrivelmente escuro, Arthur tinha o cabelo de um tom castanho claro,
quase dourado, e a mistura fez com que os fios da pequena fossem de um tom castanho avermelhado.
Toda vez que olhava para aquele pequeno ser, se lembrava dos momentos que passara
enquanto a gerava. Sua magia, em certo ponto da gravidez, saiu de controle, não conseguia mantê-la
estável, e precisou do uso de um colar de contenção por umas semanas até que normalizassem
novamente para evitar acidentes.
Se lembrava do parto também, que assim como o seu, não fora nada fácil. Se lembrava das
palavras de sua mãe enquanto segurava sua mão e a apoiava enquanto ela chorava de dor: lembre-se,
meu amor, toda essa dor vai valer a pena. Empurre, o bebê está quase aqui, já está acabando.
E Alycia tinha razão. Só haviam se passado dois meses, mas Annabella se sentia mais feliz
do que em muito tempo. Sua filha a preenchia com todo o amor do mundo, e ao tê-la, foi quando
entendeu o que suas duas mães lhe diziam: eu sempre tive você, então nunca estive sozinha.
Só de olhá-la, se sentia complementada. Tinha tudo.
— Meus pais e meu irmão já acordaram?
— Seu irmão saiu há cerca de trinta minutos, disse que ia buscar um último presente para a
sobrinha dele. Mas seus pais ainda não os vi, acredito que estejam no quarto.
— Vamos lá acordar os preguiçosos dos seus avós, minha florzinha? — A menina balbuciou
em alegria. Annabella deu um beijo no marido e saiu. Chegou ao quarto de seus pais e bateu à porta.
Ao não ouvir nenhum barulho, entrou, não queria fazer como em outras vezes e entrar sem bater e
acabar se deparando com cenas que ela definitivamente não queria ver. Se aproximou da cama e
esticou os braços para colocar a bebê entre o casal. A pequena se mexeu, e se ajeitou, e balbuciou
uns gritinhos. Os bracinhos curtos alcançaram o rosto de Matthew, e ele despertou lentamente,
pensando que havia sido Alycia se virando na cama e se aninhando a ele. Não era ela, mas a visão
que teve era tão maravilhosa quanto.
— Ei, princesa. — Pegou a neta no colo e beijou seu rostinho inteiro, sentando-se na cama
com ela nos braços. — Sua mãe te colocou aqui só para nos acordar, não é? — Olhou para a filha,
que estava em pé ao seu lado na cama, que riu apenas. — Acorda a vovó, meu amor, vai lá. —
Esticou a bebê até o rosto de Alycia e deixou que a criança fizesse o resto do trabalho. Ela apertou à
sua maneira a face da rainha e levou o rosto mais próximo, e seus pequenos lábios grudaram na
bochecha da mulher causando um pouco de cócegas, o que a fez despertar.
— Ah, que menina linda é essa que veio me acordar? — Pegou a pequena no colo e a
sacudiu. A menina riu, achando tudo demasiadamente engraçado. — Alguém está feliz por hoje. —
Beijou o pescoço da neta que riu alto.
— Ah, sim, hoje vamos ter trabalho, afinal, ela dormiu a noite toda, tenho certeza de que está
mais do que disposta — contou Ella, com um sorriso no rosto. — Vocês têm que se arrumar, daqui a
pouco todos chegarão e não querem chegar atrasados, querem? — Eles riram da ansiedade da filha, e
Matthew não sabia se estava falando com sua primogênita ou sua esposa, uma vez que Alycia ficava
igual toda vez que tinha uma festa ou baile por acontecer. — Vem com a mamãe, meu amor, vamos
deixar seus avós se aprontarem para o seu grande dia.
Saiu do quarto com a filha nos braços e seguiu para o seu. Estava quase na hora, então
aproveitou o tempo que tinha para dar um banho na filha e aprontá-la para o que viria. Essa era uma
das tarefas que tinha descoberto ser a mais difícil, pois queria fazer ela mesma, sabia que podia
chamar alguma criada para fazer isso mas ela queria fazer, era o momento de conexão com aquela
que trouxe ao mundo, e no começo batalhou muito, pois a menina se mexia demais, e tinha medo de
machucá-la de alguma forma, mas sua mãe sempre a ajudava, as duas, e ensinavam tudo que sabiam,
e isso a ajudava a não ter medo de errar com sua filha.
Pegou o vestido da pequena, na cor azul cristal e com brilhos por todo o tecido. Deitou a filha
em cima do trocador e a vestiu. Pegou a escova e penteou os fios da menina, e em seguida colocou os
sapatinhos brancos nos pés dela. Pegou o frasco de perfume, molhou a ponta dos dedos e aplicou no
pescoço da princesa.
— Estão prontas? — Arthur entrou no quarto.
— Ela está. — Ergueu a filha nos braços e a mostrou a ele. Arthur se aproximou e pegou a
menina no colo e cheirou o pescoço. — Você fica com ela um pouco? Preciso me arrumar.
— Ficar sozinho na companhia da princesinha mais linda de todos os tempos? Eu faço o
sacrifício. — Sorriu.
As horas se passaram rápido, e logo estavam todos reunidos no salão. Nobres de todo o reino
estavam presentes, ansiosos para conhecerem a nova princesa.
Os portões se abriram ao som da orquestra real, e Annabella e Arthur entraram por ela. A
menina estava no colo da mãe, brincando com as mangas do vestido que usava. Eles caminharam até
o final do corredor que todos formaram, e chegaram ao altar à frente.
Seus pais estavam à sua esquerda, e seu irmão com a esposa, Violet, na primeira fila. Fora
uma surpresa quando Nick retornou de uma de suas viagens dizendo estar noivo, a família toda ficou
em choque, ainda mais quando ele contou que havia conhecido a jovem em uma ilha ao norte, tinha a
mesma idade que ele e vivia sozinha desde que seus pais morreram. Assim como seu pai, foi amor à
primeira vista, e agora, um ano depois, estava casado com ela e a mesma carregava o primeiro filho
ou filha deles. Embora sua mãe, já tendo passado por isso duas vezes, insistia que a jovem carregava
dois bebês e não apenas um, pois sua barriga era por demasiado grande. De qualquer maneira, só
descobririam no parto, dali há algumas semanas. Os dois estavam vivendo, provisoriamente, no
palácio real com toda a família, mas apenas por conta da gravidez da mulher, pois ele sempre tinha
que estar saindo da propriedade onde moravam, no ducado de Lestery, para reuniões e outros
assuntos diplomáticos, e não queria que a esposa ficasse sozinha, então retornaram para o palácio e
lá ficariam pelo tempo que fosse necessário.
À sua direita, na outra coluna de pessoas, pôde ver sua outra mãe e seu tio, com o pequeno
Colin bem-comportado os encarando, e estavam bem ao lado de Andrew e Grace, acompanhados do
filho, Harry. E, bem no canto ao lado, estava Alexandra, a mãe de Arthur.
Elizabeth estava no altar, esperando pelo seu momento de entrar em cena. As duas nunca
perderam o contato ao longo dos anos, e sempre ajudavam os reinos uma da outra com uma aliança
forte que só se fortaleceu mais com o casamento de Annabella e Arthur. Tanto Porto Vermelho quanto
as Ilhas Gálidas estavam em excelentes condições, os povos dos dois reinos haviam voltado,
finalmente, a sorrir. Já era mais do que o momento para isso.
O laço que formaram enquanto amigas, e enquanto família, se tornou tão forte, que Elizabeth
foi convidada para ser madrinha da filha de Annabella e Arthur.
A herdeira de Porto Vermelho entregou a filha nos braços da rainha das Ilhas Gálidas, que
sorriu ao ter a bebê para si. A ruiva se aproximou do tanque batismal, e deixou o padre realizar a
cerimônia. Ele encheu a concha em sua mão com água e jogou no topo da princesa, que estranhou um
pouco, e se agitou nos braços da madrinha.
A pequena recebeu a benção, e foi entregue nos braços do sacerdote.
— Princesa Alice Hale Amherst, de Porto Vermelho — anunciou ele.
Em seguida, ela foi devolvida para a mãe, e enfim se acalmou. Todos se ajoelharam em
respeito a princesa, que sequer entendia o que acontecia, mas sorria ao ver toda a celebração ao seu
redor.
Para ela, tudo era colorido e belo. E talvez, ela tivesse razão. Pois a vida, agora, se fosse ser
resumida em poucas palavras, seriam essas.
De fato, a felicidade infinda.
Notas

Transformar essa história, que originalmente foi uma fanfic, foi a experiência mais divertida
que eu já passei. Pegar todos aqueles personagens que eu escrevi partindo do princípio de duas
séries (ouat e reign) e aprofundar em suas personalidades e características aqui nesse livro para
atender ao que eu queria, e também tirar tudo que fosse criado pelos dois universos e ainda poder
usar referências a contos que eu amo, tudo isso de uma forma que me permitiu explorar muito o que
eu queria construir foi incrível.
Uma das coisas que eu mais gostei de trabalhar, além da própria protagonista que é a minha
neném protegida (“ah mas você só ferrou com ela”. Isso são detalhes, não se apeguem a eles), foi
poder construir a vilã. Quem leu a versão original, sabe que os propósitos da nossa grande
antagonista eram outros, motivos rasos demais, e aqui eu tentei explorar o passado dela, todo aquele
lance das atitudes dela serem consequências das de outras pessoas. Não estou dizendo que o
Matthew foi o grande culpado, jamais seria capaz de culpar o meu neném por nada! Foi um acúmulo
de coisas, uma mente fragilizada que foi persuadida pelo doce gosto da vingança, e tomou decisões
que talvez, em outras circunstâncias, não teria tomado.
Aqui eu tive a oportunidade de explorar novos ambientes relacionados à magia, fazer uso de
várias crenças que giram em torno dela em uma só história. Construir os poderes da Annabella,
principalmente da Elizabeth, para mim foi uma experiência única. Espero que tenham gostado tanto
quanto eu.
Uma coisa que eu também amei construir foi a relação da Alycia e do Matthew, tanto como
casal, como família em um todo. Poder mostrar que eles, antes de tudo, eram humanos. Colocar o
amor deles pela filha como o principal pilar da força deles, construir todas as falhas, todas as
qualidades, mostrar que eles tinham altos e baixos, foi incrível. Sim, eu sou uma pessoa romântica,
mesmo que todos os meus amigos digam o contrário.
Há um ano atrás eu colocava o ponto final naquela fanfic, e agora, a veja renascer em um
novo formato. Espero que quem leu a versão fic tenha gostado dessa aqui tanto quanto (ou mais)
gostou da original.

E, ah, deixo aqui a minha promessa de (um dia) voltar com uma continuação. Se tudo ocorrer
de acordo com o plano, será focado na Elizabeth dessa vez, mas trazendo a amada família Hale de
volta. O planejamento está pronto, falta só escrever. Essa é a parte difícil.
Agradecimentos

Fanfic ou livro, essa história nunca teria saído sem a ajuda de algumas pessoas:
Mavi, como sempre, minha apoiadora mais antiga. Lá em 2018 quando comecei a criar esse
plot, você simplesmente amou, e desde então quando eu escrevia qualquer coisa eu mandava no seu
privado e pedia opiniões você me falava os pontos altos e os que podiam melhorar. Tudo que
construí aqui, com certeza, não teria saído sem a sua ajuda. Você também foi a primeira a me
incentivar a adaptar aquela fanfic em original, então o maior dos obrigadas é pra você.
Sam, que como sempre me ajuda nos pequenos detalhes que fazem tudo ficar melhor. A
começar pelo nome da protagonista, tenho que falar, Annabella foi perfeito. Me ajudou a construir
todas as características novas da vilã e me ajudou a trabalhar muitas coisinhas que fizeram esse livro
ficar muito melhor. Coloco todos os créditos disso a você, meu SAC (Samuel de Atendimento ao
Cliente).
Minha revisora favorita, Berta, que eu tenho certeza de que é a pessoa mais sincera de todas,
que se tá ruim vem e fala que tá ruim! E, olha, quero deixar aqui minha denúncia porque nunca fui tão
xingada na vida, das cinco primeiras mensagens que você me mandou quando começou a ler, você foi
do "eu te amo" para o "eu te odeio" (em letras maiúsculas) em um intervalo de três mensagens. Três.
Sério. Mas, mesmo com esses surtos (que eu amo) sou tão grata pelo momento que te conheci porque
você é incrível, e você bem sabe que eu te via no twitter e sempre quis ser sua amiga, e olha onde a
gente chegou! Aliás, o nome do reino da Elizabeth foi você que deu, então te devo um agradecimento
duplo. Triplo, se formos contar que é minha grande parceira de filmes de terror. E, um adendo aqui
que recentemente fiz as contas e ainda não consigo acreditar que sem querer acabei tornando você e
Nicholas gêmeos (separados por alguns séculos), dois geminianos que eu amo (mas você eu amo só
de vez em quando).
Tha, que é maior defensora da Ella, virou pra mim tantas vezes perguntando como eu fui
capaz de fazer aquilo com uma criança. Enquanto você não se forma pra poder me atender e
descobrir porque não escrevo um personagem 100% saudável, ficamos nessa onde eu escrevo um
personagem psicologicamente ferrado e você pensa “gente essa menina precisa de muita terapia”.
Obrigada por tanto, esse livro não seria o mesmo sem você. Você me ajudou em diversas questões,
como na dúvida que eu tinha sobre como tratar a depressão da Alycia porque era uma época
diferente e o cenário era diferente do nosso atual. Obrigada por tudo!
Vanessa, acho que não posso encerrar um livro sem falar de uma das minhas amigas
escritoras que mais me inspira. A gente se conhece há um tempão e você sabe o quanto eu sempre
admirei sua escrita e sua criatividade, e sei que você vai voar muito ainda, você é luz, nunca deixe
ninguém te convencer do contrário. E mais, você já está me ajudando com a possível sequência
dessa história, e se prepare porque eu vou te pedir muitas opiniões ainda, mesmo sabendo que você
demora semanas para me responder. Aliás, ainda estou esperando a resposta/surto da última coisa
que te mandei, mas tem pressa não... te amo mesmo com a demora.
Meus amores do Reignajas, nossa pequena-grande família, que sempre me apoiam, e não só a
mim, é um grupo onde apoiamos umas as outras. Sou imensamente grata por conhecer vocês.
Aos meus fiéis leitores do Spirit, que viram aquela fic nascer e agora estão vendo o
renascimento em um novo formato. Vocês foram cruciais para que eu chegasse aqui, um enorme
obrigada por tudo, por cada comentário, por cada sugestão, obrigada demais!
A todo mundo que leu esse livro, obrigada por me ter me dado essa chance de mostrar um
pouco daquilo que eu amo fazer.

“É meu dever, meu direito de nascença dado por Deus e minha coroa, e eu vou defendê-
la de qualquer um que tentar tomá-la.” — Mary Stuart, Reign (2013-2017). Criada por Laurie
McCarthy & Stephanie SenGupta. Distribuída por Warner Bros. & CBS Television.
Sobre a Autora

Giovanna Chaves Oliveira nasceu e cresceu no interior de São Paulo e é graduanda em


Medicina Veterinária.
Desde pequena ama contos de fadas, clichês e poderia assistir ao seu filme favorito, A Pequena
Sereia, todos os dias sem enjoar, o que provavelmente já deve ter feito. Apaixonada por livros desde
que se entende por gente, encontrou sua válvula de escape na escrita por meio das fanfics.
Escorpiana, viciada em séries e filmes, tem uma queda por história (influência de sua série
favorita, Reign) e talvez tenha sido essa curiosidade por reinados antigos que levou ao nascimento
deste livro.
Escreve pelo simples prazer de ver sua imaginação criar vida, e, como a maioria de seus
personagens, acredita em começos, meios e finais felizes.

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Livros deste autor
Perdida Entre Dois Mundos

Elena Beaumont tem tudo que sempre sonhou: uma vida incrível de escritora renomada e ganhadora
de vários prêmios — que conquistou com seu próprio trabalho. E, embora acredite que leva a vida
que sempre sonhou, acaba por descobrir que nem tudo pode ser para sempre um mar de rosas.
Quando a morte chega para lhe fazer uma visita, Elena começa a ter problemas para continuar
escrevendo, e assim decide que é hora de abandonar o laptop e começar a se concentrar em viver
uma vida real, uma que não se encontra nos livros que escreve.

O que ela não sabia era que outras pessoas dependiam de que ela continuasse escrevendo. É então
que um portal se abre dentro de um de seus livros e ela cai em um novo mundo, um mundo que ela
mesma criou com suas mãos e um pouco de criatividade. Seu guia nesse novo mundo é ninguém
menos do que seu personagem favorito, Liam Houserton, e ele precisa convencê-la de que tudo
naquele lugar é real e que ela precisa continuar escrevendo, pois é a única que pode salvá-los do
esquecimento.

Surpresas de um Natal
É o primeiro natal que Elena e sua irmã vão comemorar em dois anos, e também o primeiro que a
escritora vai passar ao lado do namorado, Liam, relacionamento esse que ela ainda pensa como foi
possível de ter acontecido. Ela sabe que ele não mede esforços pra fazê-la feliz, e, nesse natal, tudo
que ela quer é encontrar o presente perfeito para ele.

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