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COLECÀO CORAL SÉRIE "VERMELHA

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Carlos Aquino

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21.021 — RIO DE JANEIRO — RJ


A GAROTA
DO ESPELHO

Carlos Aquino

cedibra
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parte, nem registrado, nem reproduzido, nem retransmitido,
por qualquer meio mecânico, sen:
a expressa autorização do detentor do copyright
capitulo 1

A garota

Dália olhou-se no espelho.

Não, não se achava bonita.

Talvez fosse um pouco magra demais


Os cabelos muito negros.compridos e es

tirados.
Os olhos, imensos, também negros.
Gostaria de ter o nariz arrebitado, os

olhos azuis, cara de boneca. —5


Mas, se não fosse tão rigorosa com a
própria aparência, descobriria que tinha
até um certo encanto.

Não o encanto vulgar de beleza padronizada.

E sim um encanto especial, de alguém


especial.

O corpo longo e magro era bem proporcionado.


A pele era lisa e fina, os olhos
negros, davam a impressão de carregar
uma profunda tristeza.

E carregava.
A garota não sabia exatamente porque
era tão triste

Seria a pobreza?
Mas havia tanta gente pobre e alegre.
E tanto rico triste...

Sim, a 'falta de dinheiro influía bastante


em seu estado de espírito. Mas não
era só isso. Talvez aquela tristeza toda fosse
apenas porque Dália ainda não havia
descoberto o amor.

Màs tinha muito tempo pela frente.

6—
Apenas dezenove anos de idade.

Não tinha namorado.

No colégio tivera um ou dois admiradores,


que logo se afastaram, justamente por
causa de sua falta de alegria

Desde a adolescência, e mesmo na infância,


nunca fora uma criança comunicativa.

Nas festas de aniversário das amigas,


ficava num canto, agarrada na saia da
mãe, sem querer ir brincar e pular com
os outros garotos.

Ficava sentada entre o pessoal grande,


muito quietinha.

Todos elogiavam:

— Que sorte você tem, Cândida, sua


filha é tão bem comportada!
Saía de casa com o vestido limpo e bem
passado, e voltava do mesmo jeito.

Raramente se sujava; realmente não dava


maiores trabalhos à mãe.

Mas, no íntimo, Dália gostaria de ser

—7
como as outras, correndo e pulando, sujando-
se, caindo e voltando pra casa aos
berros, quando se feriam.

Seu temperamento só era acomodado


por fora. Por dentro era um turbilhão de
pensamentos e vontades não realizadas.

Crescera assim.

E não mudara

Terminara o ginásio, e sua mãe, viúva,


conseguira-lhe um emprego como balconista
numa loja de tecidos.

Quando começara a trabalhar ainda era


menor de idade. Há dois anos que estava
na tal loja, que ficava em Madureira mesmo,,
a algumas quadras da casinha de vila
onde morava.

Dois anos inteiros fazendo a mesma coi


sa.

Indo e vindo todos os dias.

O trabalho era tão perto que dava pa

ia ir almoçar em casa. O que trazia a

vantagem de economizar, não comendo na

rua.
8
Desde aquela época que ajudava a mãe
nas despesas.

Cândida também trabalhava. Mas em


casa, fazendo costuras, vestidos. O dia inteiro
na máquina de costurar. Tinha muitas
clientes. Mas tudo gente pobre. Como
elas. O que significava que não ganhava
muito.

Além desta fonte de renda, só tinha a


minguada pensão do marido.

Viviam na maior penúria, até que Dália


começou a trabalhar.

Aí as coisas melhoraram. Tinham até


podido comprar uma televisão.

E nos fins-de-semana, Dália podia ir,


ao cinema

Mas continuava triste.

E não conseguia namorados.

Trancada no quarto, permanecia diante


do espelho. Abriu o decote e deixou os
seios, pequeninos, à mostra.

Alisou-os.
Teve uma sensação agradável.

Fechou os olhos e imaginou que nào


era sua própria mão, mas a mão de um
rapaz que passava pelos seus seios.

A sensação tornou-se mais agradável


ainda.

Algum dia encontraria o rapaz de seus


sonhos?

Não achava muito provável.

Primeiro, por não se achar bonita; depois,


por não ter muitas oportunidades de
conhecer rapazes interessentes.

Nem na loja onde trabalhava.

A maioria dos fregueses que apareciam


e que atendia era do sexo feminino.

Quando surgia algum homem, logo uma


de suas colegas corria a atendê-lo.

A, vida era dos mais espertos.

Já havia compreendido isso.

Mas continuava sendo como sempre fora.

10—
Gostaria também de ser esperta.

De fazer o que as outras faziam.

Exatamente como quando era ainda


criança.

Só que tudo não passava de vontade


Mesmo sozinha, não era capaz de maiores
audácias.

Às vezes, trancava-se no quarto e ficava


observando-se diante do espelho.

Mas nunca descobria mais do que os


próprios seios.

Naquele dia, no entanto, num gesto


mais ousado, resolveu ir adiante.

Puxou o vestido e ficou completamente


nua da cintura para cima.

Passou as mãos vagarosamente pela pele.

Decidiu ser mais audaciosa.

Afinal, estava só. Não havia testemunhas.

Nem mesmo o perigo de ser surpreendida


pela mãe

—11
Além de estar com a porta do quarto
trancada, Cândida tinha ido fazer as compras
da semana.

Saíra há poucos instantes.

Demoraria pelo menos quase uma hora.

Pensou em seu próprio nome.

Também não gostava de chamar-se Dália.

Por que a mãe lhe tinha posto o nome


de uma flor?

Ou teria sido o pai?

Nunca perguntara, como também nunca


externara o fato de não gostar de seu nome.

Guardava suas mágoas, seus desejos,


tudo para si mesma.

Como acontecia também com o próprio


corpo.

Será que algum dia o entregaria a alguém?


Será que deixaria que um homem

12—
Não completou o pensamento,

Nem mesmo na mente Dália era capaz


de maiores audácias.

Mas, num ímpeto, puxou o vestido e deixou


que ele caísse no chão.

A imagem no espelho mostrou-a só de


calcinhas.

Não, não era tão feia assim.

Não seria que tudo não passava de complexo?

Então, pensou que deveria tirar também


a calcinha.

Teve vergonha do próprio pensamento.

Isso não era coisa que uma moça direita


pudesse fazer.
Mas a tentação era grande.
Hesitou bastante.
Mas, finalmente, excitada e com o coração
palpitando, despiu a calcinha.
E viu-se totalmente despida.

—13
Sem que se desse conta, automaticamente,
começou a acariciar as próprias coxas.

As mãos teimavam em encostar em local


proibido. E terminaram encostando,
apesar de todo o esforço de Dália para se
controlar.

A princípio, apenas roçou os dedos.

Aos poucos, passou a acariciar-se com


mais veemência.
Extasiada, olhou-se no espelho.
A sensação de prazer fazia com que se
achasse mais bonita
Uma sensação estranha de felicidade..

Que foi logo cortada por um barulho


Que barulho seria aquele?
Parecia que haviam aberto a porta.

Alguém tinha entrado em casa.

Rapidamente vestiu a calcinha, e mais


.rapidamente o vestido.
Quem seria?

14—
Um ladrão?
Não podia ser. Como poderia ter a chave?
Ouviu a voz da mãe:

— Dália, você está no quarto?


Por que sua mãe voltara tão depressa?
— Já vou, mamãe.
E a garota abriu a porta
Cândida perguntou, surpresa:
— O que estava fazendo trancada no
quarto?
— Nada.
A mãe não ligou muito a falta 'de explicação
:

— Sabe o que aconteceu?


— O que foi?
— Quando cheguei na feira descobri
que não tinha levado o dinheiro. Olhei a
bolsa e não tinha um centavo. Pensei que
tivessem me roubado. Mas logo me lembrei
que só podia ter esquecido.
—15
E Cândida realmente havia esquecido

o dinheiro. Pegou-o e saiu logo em seguida,


para finalmente fazer suas compras.
Antes de sair, ainda disse:

— O pior é que parece que vai chover.


De repente, o dia começou a ficar nublado.
A mãe já estava na porta, quando Dália
gritou:

— Por que não leva a sombrinha?


— É mesmo.
A filha foi buscar a sombrinha no quarto
e levou-a à sua mãe.

Cândida andou apressada pela rua. Dália


ficou olhando-a afastar-se

16—
capítulo 2

Tarde triste

Dália não voltou para o quarto, a fim


de continuar diante do espelho.

Passado o momento de fraqueza, começou


a raciocinar melhor.

Não devia fazer aquilo. Não ficava bem.

Começou então a limpar os móveis, varrer


a casa, fazer enfim a faxina semanal
Sempre ajudava a mãe nos serviços domésticos.

—17
Aquilo era bom

Cansada do exercício, não se sentiria


mais tentada a ficar nua diante do espelho
fazendo o que não devia. As horas passaram
depresa. Cândida voltou da feira.

E começou a fazer o almoço.


Comeram e conversaram.
Sempre em torno do mesmo tema.
Cândida parecia só gostar um assunto.
As saudades do marido que morrera.
E de sua terra, tão distante

Nascera numa cidadezinha perdida do


Nordeste.

Apareceu por lá um rapaz do Rio.

Começaram a namorar e terminaram


casando.

Ela teve que vir morar no Rio.

Nunca se acostumara com a cidade


grande. Mas, onde estava o marido devia
estar a esposa.

18—
E assim haviam passado quinze anos.
Antonio morreu. Cândida não via mais
nenhum sentido em continuar vivendo no
Rio de Janeiro.
Mas voltar para sua terra, também ão

fazia muito sentido


Afinal, ficara quinze anos longe.
Seus pais já haviam morrido.
Os parentes, que ao contrário dela,

eram ricos, nunca haviam ligado a mínima


para Cândida.
Assim, achou que não lucraria nada
com a volta.
Depois, Dália já 'estava crescida, também
acostumada na cidade grande.
Pra que voltar?
E continuaram morando no Rio de Janeiro.
No entanto, Cândida vivia lastimándose.
Não só do fato de Antonio ter desapare—
19
cido, mas também pelas saudades que sentia
de sua terra.

— Se a senhora gosta tanto de lá, por


que não vamos embora?
— Você não ia se acostumar
— Por que não?
— Nasceu e se criou em cidade grande.
..
— Mas é a mesma coisa que viver no
interior. Nunca saio de Madureira.. .
— Mesmo assim.
Acabaram de comer e foram lavar os
pratos.

Terminado o serviço, Cândida lembrou-


se:

— Você deixou a janela do quarto aberta?


— Deixei..,
— Vá fechar correndo. Não está vendo
como chove? Já deve estar tudo molhado.
20—
De fato, a chuva entrava no quarto.
Dália fechou a janela o mais depressa possível.

Dormiram um pouco depois do almoço.


Dália acordou primeiro
Eram quatro horas da tarde.
Ela saiu do quarto e foi para a sala.
Encostou o rosto per trás da vidraça

da janela.
E ficou observando a tarde triste.
E a rua molhada.
Os grossos pingos de chuva batiam no
vidro embaçado da janela.
Dália limpou com a mão para poder
melhor olhar a rua.
Uns moleques, ensopados, mas completamente
alheios à chuva, jogavam bola.
Riam, gritavam, brigavam
Viviam, enfim.
Como Dália gostaria de viver.

—21
Livre.
Sem inibições.
Sem receios.

Eles caíam nas poças de água, sujavam-


se, e pareciam cada vez mais contentes.
E ela ali, por trás da vidraça, imóvel
como uma estátua.
Sentiu-se muito deprimida.
Não demorou e duas grossas lágrimas
caíram-lhe dos olhos
Como se fossem pingos de chuva.
Não as enxugou.
Deixou que secassem sozinhas, que penetrassem
na pele de seu rosto.

Por que não lhe acontecia nada?


Entrava dia, saía dia, e tudo no mesmo.
Nenhuma surpresa, nenhuma alegria

maior.
Tudo monótono, sem esperança.
Até gostava quando tinha que traba

lhar o dia inteiro. Porque assim não ficava


muito tempo pensando na vida.

22—
Mas era um sábado.

Trabalhara até o meio-dia

Sem ter o que fazer, enquanto a mae


saíra ficara diante do espelho fazendo o
que não devia. (Sentia remorsos por isso).

Cândida continuava dormindo.

E ela, naquela janela, olhando o vazio.

O vazio de sua vida.

Do seu mundinho, que se resumia naquela


vila de casinhas pobres, de pessoas
também pobres, no emprego...

Seria tão bom que alguma coisa diferente


acontecesse.

De repente, avistou um vulto no meio


daquela chuva toda. Apenas um vulto. O
vulto de um homem que entrara na ruazinha
e se aproximava.

Ficou prestando atenção a ele, deixando


um pouco de lado os moleques que jogavam
bola

Notou que o rapaz que se aproximava


olhava cuidadosamente os números das ca
sas. Devia, evidentemente, estar procuran-"
do alguma.

Ele estava de capa e guarda-chuva. (E


nem podia ser de outra maneira, pensou
Dália, no meio daquele temporal todo).

Surpresa viu que ele se aproximava cada


vez mais e parava diante de sua porta.

O rapaz verificou de novo o número da


casa e bateu na porta.

— Só pode ser engano — pensou Dália.


Mas saiu de junto da janela e foi abrir,
— Boa-tarde — falou o estranho.
— Boa-tarde — respondeu Dália.
Num relance viu que o rapaz era bem
jovem também E bonito. Principalmente
bonito.'É tinha um sotaque parecido com

o de Cândida.
—É aqui que mora D. Cândida?

— É, sim.
— Ela está em casa?
24—
Olhando para o rapaz, Dália nem se
lembrou de mandá-lo entrar. Deixou o desconhecido
debaixo da chuva mais alguns
segundos, com o guarda-chuva aberto. Observou
entretanto, que a capa que ele usava
era velha e surrada.

— Eu preciso falar com elã.


— Um momento — disse Dália
E gritou:
— Mamãe, tem um rapaz aqui que
quer falar com a senhora!
Como a mãe não respondesse, lembrou-
se que a mesma estava dormindo. Só então
convidou o rapaz a entrar:

— Desculpe, sou tão distraída! O senhor


está aí um tempão e nem convidei
para entrar...
Achou estranho ter que chamá-lo de
senhor", um rapaz tão jovem. Mas como
não o conhecia teria que chamá-lo assim.

O desconhecido fechou o guarda-chuva


que pingava, e entrou na sala.
Dália apontou uma cadeira:

— Sente aí. Espere um pouco. Mamãe


está dormindo.
— Não precisa acordá-la. Eu vim só
trazer uma encomenda.
Ela nem havia notado que o estranho
tinha um embrulho nas mãos.

— Não tem importância. Já está na


hora dela acordar mesmo.
E deixou o rapaz sozinho na sala, indo
até o quarto chamar a mãe.

Denis olhou as paredes pintadas de cor


de rosa, com umas manchas causadas por
infiltração. Os móveis mais do que modestos.
Um quadro de um santo...

Pouco depois, Dália retornou:

— Mamãe já vem.
Com efeito, logo em seguida, Cândida
apareceu. Seus olhinhos, ainda sonolentos,
bateram curiosamente as pestanas, aproximando-
se do rapaz e o olhando-o:

26—
— Boa-tarde.
— Eu sou Denis, filho de D. Elenice, lá
de Sergipe...
Cândida sorriu feliz e incrédula:

— Como?
— O filho de D. Elenice.
— Já deste tamanho! Não acredito. Você
está um rapagão.
O rapaz continuava com a capa molhada,
o guarda-chuva e o embrulho na mão

Cândida repreendeu Dália:

— Você nem pediu o guarda-chuva do


rapaz, nem lembrou-se de mandá-lo tirar
a capa, minha filha?
— Esqueci.. .
— É falta de costume — explicou Cân-'
dida. — A gente nunca recebe visita.
Exigiu então que Denis entregasse o
guarda-chuva e a capa molhada a Dália,
que foi colocá-los lá dentro
O embrulho, Denis entregou a Cândida

— Minha mãe mandou isso para a senhora,


— Que maravilha!
E Cândida foi logo abrindo o pequeno
pacote. Era um vidro de doce de caju em
calda, feito em casa.

A mulher não cabia em si de contente:

— Estou tão feliz! Elenice não esqueceu


que é o doce que eu mais gosto. Dália,
venha ver o que ele me trouxe...
A filha voltou à sala, também teve exclamações
de entusiasmo e foi guardar o
doce.

'Cândida virou-se para o rapaz.

— Como você está alto. Sabe que o vi


nascer? Como o tempo passa! Passa correndo
tanto que a gente nem vê. Quando saí de
minha terra você era bem pequenininho.
Os anos vão embora assim, correndo, correndo
.. . Como está a cidade?
— Aquilo mesmo de sempre.
— Tenho tantas saudades de lá. Só vivo
falando nisso, não é Dália?
— É.. . — respondeu a moça que também
se sentara numa cadeira.
— Quando saí de lá o prédio mais alto
tinha três andares e não havia elevadores.
Já tem elevador lá?
— Já.
— E telefone?
— Também.
— Então não está a mesma coisa. Está
muito melhor. Ah, que saudades, meu Deus,
que saudade! Bons tempos aqueles! Elenice
lhe disse que eu era sua melhor amiga?»
— Disse, sim — respondeu Denis.
— Pois é, nós éramos inseparáveis, até
que eu casei e mudei pro Rio.
Agora, diante daquele menino que tinha
se desenvolvido tanto, Cândida não parou
de falar nas suas recordações de um passado
distante.

Enquanto isso Dália olhava cuidadosa


mente cada traço do rosto do rapaz. Era
de fato muito bonito. Parecia até galã de
fotonovela, que gostava tanto de ler.

Alegrou-se ao pensar que finalmente


alguma coisa de diferente havia acontecido
na sua vida. Aquela visita inesperada...

E se Denis se apaixonasse por ela?

Seria desejar demais?

Se isso ocorresse, seria a pessoa mais


feliz do mundo. Ela, de sua parte, já estava
apaixonada. Considerou que talvez fosse
um pouco cedo demais para pensar assim.
Mas recordou que nas fotonovelas era assim
mesmo que acontecia. As paixões apareciam
de repente, à primeira vista. Restava
saber se poderia ter esperanças de se,
correspondida

Mas Denis mal a olhava. (Também era


um pouco tímido).

Além disso, Cândida não lhe dava tem


po para mais nada a não ser responder suas
perguntas:

— O que veio fazer no Rio?


30—
— Trabalhar.
— Quando chegou?
— Faz dois dias.
— Já arrumou emprego?
— Ainda não. Não deu tempo. Mas trouxe
uma carta de apresentação de um amigo
de meu tio, que tem conhecidos importantes
aqui. Fiz um teste ontem e depois
de amanhã fico sabendo se vou ser admitido.
Aproveitei o sábado para trazer a encomenda.
— Está gostando do Rio?
— Ainda não sei.
— A vida aqui é dura, meu garoto. Muito
dura mesmo. Espero que você tenha sorte.
A sorte existe. E quando a pessoa tem,
ninguém segura. Mas o Rio de Janeiro não
deixa de ser uma cidade muito bonita. Você
é jovem, tem o futuro pela frente. A propósito,
você chegou a se formar em alguma
coisa?
— Fiz o curso de contabilidade.
—31
— Ótimo. Pra quem é inteligente e esforçado,
o Rio oferece boas oportunidades.
Claro que tem que ter sorte também. Mas
o fato de ter estas qualidadas já ajuda. E
muito. Não desanime. Você vai vencer. Tenho
certeza.
Cândida não tinha tanta certeza assim,
mas precisava animar o rapaz, dizer coisas
que o enconrajasse.

De repente, parecia que Cândida tinha


esgotado todos os assuntos. Parou de falar,
de perguntar.

Denis olhou para Dália e os olhares dos


dois se cruzaram. Ela baixou a vista, encabulada.
Ele fez o mesmo.

.O breve silêncio foi interrompido por


Cândida:

— Quer um cafezinho?
— Não precisa ter trabalho.
— Não é trabalho nenhum. Além disso
está fazendo frio. Nada como um café
feito na hora. Faço questão. Não adianta
prostetar.
E a mulher levantou-se indo em direção
à cozinha, desaparecendo no interior da
casa.

Os dois jovens ficaram a sós


E mudos.
Não havia o que perguntar, nem o que

responder.
Afinal, não se conheciam.
Denis venceu a timidez e quis ser sociá

vel:

— Você estuda?
— Não.
— Não?!
— Acabei o ginásio. Agora estou trabalhando.
— Em quê?
—Numa loja de tecidos, aqui mesmo em
Madureira.
A conversa terminou aí.
Minutos depois, Cândida apareceu de

volta à sala, com seu café fumegante.


Serviu a visita, a si própria e à filha.

— Está bom?
— Está ótimo! — elogiou Denis.
Foi então que Cândida fez uma pergunta
que não devia ter feito. Ou melhor, praticamente
afirmou; não foi bem uma pergunta.
E o que ela disse feriu muito Dália,
que por um momento quase chegou a odiá-
la. Por que a mãe tinha estragado assim
seus sonhos?

— Aposto que deixou uma noiva em


sua terra, não?
Denis sorriu encabulado:

— Como a senhora sabe?


Dália pensou que ia desmaiar.

— Intuição, meu filho, intuição — disse


Cândida. Como é o nome dela?
— Suzana.
— Um nome bonito, também é bonita?
— Eu acho
Dália sentiu ódio também daquela Su34—
zana que se interpunha entre ela e Denis.
Tinha uma raiva. No entanto, conseguiu
raciocinar melhor e viu que tinha pensado
uma bobagem. Como poderia considerá-la
uma rival, se o rapaz não demonstrara nenhuma
intenção para com ela? Nem mesmo
tinha tido tempo para isso. Mesmo assim,
sentiu uma raiva incontrolável daquela
moça que era dona do amor de Denis.
Suas esperanças morriam logo depois que
haviam nascido.

Cândida continuou o diálogo com o rapaz:

— Ela é bonita mesmo?


— Bem, pra mim, é.
— Tem um retrato dela pra mostrar pra
gente?
t

Meio encabulado, o rapaz tirou uma


carteira do bolso e de lá retirou um pequeno
retrato três por quatro, que apresentou
a Cândida

— É uma moça bonita — comentou esta.


—35
A mulher passou a foto para a filha, que
olhou-a com desdém. Não achou Suzana
nada bonita. Uma cara redonda, os cabelos
cacheados.

Então, seria aquele o tipo de Denis?


Completamente diferente dela? Suzana parecia
ser meio gordinha, baixinha, o contrário
de Dália.

Esta devolveu a fotografia ao rapaz, que


a guardou cuidadosamente na carteira outra
vez

— Estão noivos mesmo? — perguntou


Cândida: — Ou são apenas namorados?
O rapaz mostrou a aliança:

— Depois de conseguir vencer no Rio,


caso-me com ela.
Dália ficou abismada com sua própria
estupidez e falta de atenção. Como não notara
a aliança na mão direita do rapaz? Só
tinha uma explicação: ficara tão fascinada
por ele, que nem prestara atenção em
suas mãos Ao ouvi-lo falar em casar com
a outra, sentiu o coração apertar-se. Cada
vez sentia um ciúme maior daquela moça
que não conhecia e que ficara tão longe.
Seu interesse por Denis, no entanto, agora
que sabia do obstáculo que se interpunha
entre eles, aumentou.

Denis ficou conversando quase uma hora


mais. Já estava escuro, apesar de ainda
não ser seis horas. A chuva continuava a
cair, incessante.

Ele viu que precisava se despedir. Mas


não sabia como. Era uma coisa que acontecia
sempre. Nunca sabia como sair- dos
lugares e, assim, ia ficando.

Mas não podia continuar ali por muito-


tempo mais. Teria que enfrentar a condução
com aquela chuva e sem conhecer o Rio
de Janeiro. Não queria que a noite o sur^
preendesse longe da modesta pensão do
centro da cidade onde estava hospedado.

Cândida insistiu para que ficasse mais


um pouco, assim que Denis manifestou sua
intenção de ir embora. Mas acabou por deixá-
lo partir, com a promessa de voltar a
visitá-las com freqüência.

O rapaz apertou a mão de Cândida e

—37
depois a de Dália. Esta sofreu uma emoção
muito forte ao sentir o contato da

pela do rapaz com a sua.

Ele vestiu a capa, que Dália lhe entregara


de volta, e saiu. As duas acompanharam-
no até a porta.

Denis abriu o guarda-chuva e começou


a andar. Mais adiante, virou-se e acenou
com a mão. Cândida e Dália, que continuavam
na porta, corresponderam, e só
então entraram.

Enquanto a mãe foi para a cozinha lavar


as xícaras, Dália voltou para junto
da vidraça da janela e ficou observando a
chuva que caía. O vulto de Denis já havia
desaparecido, mas os meninos, incansáveis,
continuavam jogando bola e brincando
nas poças de água

Profundamente triste, Dália julgou


que fosse chorar de novo. Mas conteve as
lágrimas. Com a mão fechada deu um
murro na parede ao lado da janela. Era
a única maneira de afastar as lagrimas,
enquanto que ao mesmo tempo imaginava
que estava esmurrando o destino

38—
E de repente, sentiu uma força estranha
dentro de si mesma e tomou uma determinação.

Denis seria dela, custasse o que


custasse. Lutaria para conseguir seu amor.
Suzana, tão distante, acabaria perdendo a
batalha. Haveria de utilizar todas as armas
Não teria nenhum outro objetivo, daquele
.momento em diante, a não ser o de
conquistar o jovem que acabara de conhecer.

A chuva continuava caindo.

O resto de Dália, colado à vidraça, não


estava tão triste quanto antes.

Talvez estivesse até um tanto calma


Com aquela calma que se consegue quando
não se tem mais dúvidas quanto àquilo
que se deseja, e pelo qual se estã disposto
a lutar.

—39
capítulo 3

ânsia de amar

— Bem simpático, o Denis, não achou?


— perguntou Cândida.
—,É, sim...
Dália não queria demonstrar à mãe o
quanto ficara impressionada com o rapaz

— É pena que já esteja noivo.


Será que ela adivinhou meus sentimentos?
— perguntou Dália a si mesma.

— Por quê?
40-
— Porque sim. Ele bem que podia ca
sar com você.
— Ora, mamãe, ele mal me conhece.. .
— Mas eu adoraria se Denis casasse
com você. Só assim eu teria motivo novamente
de ter alegria na vida.
— Deixe de pensar bobagens.
— Não é bobagem coisa nenhuma. Ele
é filho da minha maior amiga. Ela também
ficaria muito contente
— Mas como a senhora mesmo disse,
ele é noivo.
— Noivado se desmancha a qualquer
hora.
* * *

Deitada na cama, Dália escorregou á


mão por baixo da camisola e começou a
alisar as próprias coxas.

Olhou para a outra cama e verificou


que sua mãe estava dormindo. Um gesto
desnecessário, aliás, uma vez que esta roncava.

—41
Mas Dália temia que Cândida notasse
os movimentos que fazia por baixo da coberta.
Agora ela afagava o próprio desejo.
De olhos fechados, viu Denis ao seu lado,
prestes a amá-la...

* * *

Denis chegara à pensão onde estava


hospedado completamente encharcado, depois
de ter enfrentado o trem até a Central,
de onde seguiu a pé, perguntando a
um e a outro como chegar à rua onde estava
morando

Andara tanto que sentia-se mais morto


do que vivo. Julgara que fosse perto, da
Central do Brasil até à pensão, uma vez que
tudo era considerado centro da cidade.

Ainda não se acostumara com o Rio e


pensava que as distâncias não eram tão
grandes como acontecia em sua terra.

Comera um sanduíche de mortandela


com guaraná, num boteco próximo e subiu
para seu quarto.

Tirou a capa encharcada, e juntou com

o guarda-chuva, colocou-os num canto.


42—
O outro hóspede com quem dividia a
vaga, ainda não chegara.
Trocou de roupa e deitou-se para dormir.
Sentiu uma saudade imensa de Suzana
Queria tê-la ao seu lado, esquentando-o
com seu corpo.
Se pudesse voar, sairia pelos céus e pousaria
no quarto de Suzana...
A saudade era tanta que podia até
apalpá-la — pensou.
Mas um dia a traria para seu lado.
Só que este dia lhe parecia tão distante.
E mesmo que não demorasse muito, para
ele seria uma eternidade.
Queria Suzana ali, naquele momento.
E era impossível.
A angústia das coisas impossíveis.
Teria que ter paciência e esperar.

—43
Um dia Suzana estaria ao seu lado; ele
mandaria buscá-la e se casariam.
Com a mão começou a fazer movimentos...
Estava excitadíssimo.
Fez de conta que estava possuindo Suzana.
E em pouco tempo atingiu o clímax...
Levantou-se para lavar as mãos e tornou
a deitar-se, desta vez mais aliviado.
E a figura doce de Suzana lhe veio novamente
à mente, no último encontro...

* * *

— Eu sou sua — disse Suzana.


— Não podemos fazer isso.
— Você faz comigo o que quiser, Denis.
— Não, Suzana, não é direito.
— Você não me deseja?
44—
— Claro que desejo.
— Mais do que tudo?
— Mais do que tudo.
— Eu também.'Não me importa o que
é direito nem o que é errado. Quero ser
sua. Não vou poder esperar...
Estavam atrás de um muro, numa rua
deserta.

Abraçados, colados um ao outro.

Escorregaram até se deitarem no chão,


com os corpos unidos.

— Como eu o amo, Denis...


— Eu também a amo muito.
O rapaz começou então a possuí-lá.
A moça gemia baixinho.
Um minuto depois era dele, completamente
dele...

* * *

Suzana tinha-lhe entregue a virginda—


4 5
de. Confiara nele. No último dia antes de
sua partida.

De repente, Denis teve medo. Medo de


não cumprir a promessa, de não mandar
buscá-la, de esquecê-la...

Isso nunca. Esquecê-la, nunca.

Pequena, meio gordinha, com as faces


rosadas, Suzana era a própria imagem da
inocência. Se se entregara a ele, fora porque
o amava acima de tudo.

Outro receio tomou-lhe de assalto.

E se Suzana ficasse grávida? Se todo


mundo descobrisse o que haviam feito? Se
nascesse um filho daquela união?

Isso não poderia acontecer, não devia


acontecer.

Vencido pelo cansaço, Denis adormeceu.

* * *

O mesmo, no entanto, não acontecia


com Dália, que não conseguia conciliar o
sono de jeito nenhum

46—
Sentia uma ânsia de viver como nunca
antes em sua vida.

Nunca se impressionara tanto por alguém,


como acontecera com Denis.

Estava realmente apaixonada, perdidamente


apaixonada. Uma paixão implacável,
aguda, inadiável...

—47
capítulo 4

O emprego

Depois de passar um domingo vazio,


Denis viu chegar com alegria a segunda-
feira. Não gostava de ficar, sem ter nada
que fazer, porque aumentava ainda mais
sua saudade.

O domingo fora terrível. Não tinha sequer


alguém com quem falar, uma vez
que o outro hóspede com quem dividia o
quarto na pensão, ele mal conhecia e parecia
não ser de muitas palavras.

48—
Assim, na segunda-feira aprontou-se
com vivacidade e saiu Tomou a condução
e dirigiu-se à repartição na qual fizera o
teste. À medida que se aproximava começou
a temer que não fosse aceito. Apesar
da carta de recomendação. Apesar de ter.
feito um bom teste.

Se não conseguisse aquele emprego, teria


que procurar outro, por si mesmo, sem
nenhuma recomendação, o que seria muito
mais difícil.

Mas, para sua felicidade, havia sido


aceito. Precisava apenas fazer alguns exames
médicos para concretizar sua admissão,
e começou a trabalhar naquele mesmo
dia.

As coisas não estavam sendo tão difíceis


assim.

Com um pouco de paciência, tudo iria


dar certo Era verdade que começaria ganhando
pouco. Mas isso não importava
muito. Depois melhoraria, e mandaria buscar
Suzana.

—4 9
Aí, então, seria feliz, completamente
feliz.

* * *

Mas, ao contrário do que geralmente


acontece, Denis só se sentia feliz quando
estava no emprego. Quando saía do trabalho,
imediatamente ficava triste.

Teria que enfrentar mais uma noite de


solidão.

E a saudade de Suzana tornava-se forte,


tão forte que pensava não poder suportar..

* * *

Dália ia e vinha da loja diariamente.

Sua determinação de conquistar Denis


permanecia inabalável. Mas já não se sentia
tão otimista.

Também preferia as horas em que estava


trabalhando. Pelo menos se distraía
Ao voltar para casa, um pensamento fixo
lhe tomava a mente: Denis.

50—
Uma noite, depois da novela, Cândida
falou de uma idéia que tivera:

— Eu estive pensando numa coisa...


— Em quê?
— Denis bem que podia ficar hospedado
aqui.
O coração de Dália pulou de alegria:

— É mesmo...
— Seria muito melhor pra todo mundo
Logo a alegria de Dália se dissipou.
— Mas será que ele aceitaria morar tão
longe? O emprego dele é na cidade.
— É, este é o único impecilho...
E Dália odiou morar no subúrbio. Até
então não se importava muito com o fato.
Mas qualquer coisa que servisse de obstáculo
entre ela e Denis, fazia com que imediatamente
passasse a odiar. Assim como
odiava Suzana.

A mãe deu continuidade aos pensamentos


de Dália ao falar:
— Ele vai terminar esquecendo a tal
noiva. »
— A senhora acha?
— Claro, minha filha.
— Ele pode gostar muito dela.
— Não há amor que resista à distancia.
— Será?
— Tenho certeza. Sou muito mais experiente
do que você. Aos poucos ele vai
esquecendo. No começo, não, se realmente
gosta dela...
E Dália desejou ardentemente que a
mãe estivesse com a razão. Então, Denis seria
seu.

Mas lembrou-se com desgosto de outra


possibilidade: Denis podia deixar de amar
Suzana e passar a gostar de outra garota
que não fosse ela Isso também era possível!

Cheia de temores e ansiedades, Dália esperou


impaciente o outro fim-de-semana
Sem dúvida, Denis voltaria a visitá-las.

52—
apesar de não ter dito o dia em que voltaria

Mas Dália tinha quase certeza de que


ele apareceria.

No sábado, Denis pensou realmente em


ir de novo visitar a amiga de sua mãe. Mas
desistiu, ao lembrar-se de que não podia
gastar um centavo a mais. Não podia dar-
se ao luxo de gastar dinheiro com condução
para passeios. O que tinha mal dava para
comer e pagar sua passagem para ir ao
emprego todos os dias.

Teria que adiar uma nova visita até o


fim do mês, quando receberia seu primeiro
ordenado

Assim, não tinha outro jeito a não ser


passar, até lá, os sábados e domingos sem
ter absolutamente nada para fazer. O que
para ele era terrível, uma vez que ficava

o tempo todo pensando em Suzana.


—53
Dália foi para loja, no sábado, pela manhã,
mais satisfeita do que o costume.

Ao medio-dia voltou correndo para casa.


Cândida foi fazer a feira. Nada mudava
na rotina delas. A única coisa inesperada
em muitos meses fora a visita de Denis
no sábado anterior.

Como sempre, as duas almoçaram, lavaram


os pratos e foram descansar.

Cândida adormeceu, mas Dália não.

Aguardava impaciente que Denis chegasse.

Apenas deitou-se e ficou lendo uma fotonovela.

Levantou-se mais ou menos às três e


meia.

Esperava que Denis aparecesse às quatro.

Vestiu sua melhor roupa, escovou os cabelos,


colocou um pouco de baton nos lábios.

E depois foi para a janela.

54—
Desta vez não chovia.

Fazia um tempo lindo.

Dália debruçpu-se na janela e ficou


olhando fixamente para o final da ruazinha
da vila, na esperança de ver surgir o
vulto querido.

Os moleques jogavam bola com algazarra.

Os minutos passaram e Denis não vinha.

Ele deveria chegar mais cedo, uma vez


que não estava chovendo, raciocinou Dália.

Deu quatro e meia.

Cândida acordou e foi para junto da


filha, na janela.

— Esperando alguém? — perguntou,


maliciosa.
— Não...
— Não precisa querer me esconder —
acrescentou Cândida, risonha, sem deixar
te perceber que a filha se enfeitara toda.

Mas anoiteceu e Denis não apareceu.

—55
— Deve vir amanhã.
— A senhora acha?
— É bem provável.
* * *

Mas o domingo passou sem que Denis


desse sinal de vida.

As duas ficaram profundamente decepcionadas.

— Eu devia ter pedido seu endereço —


falou Cândida.
— Para quê? A gente não ia mesmo
lá.
" — De qualquer jeito era bom saber onde
ele está hospedado

* * *

No fim-de-semana seguinte, a mesma


espera a mesma decepção.

— Será que ele não vai aparecer mais?


— perguntou Dália.
56—
— Aparece, sim. Deve vir na outra semana
— animou Cândida.
* * *

No entanto, Denis também não apareceu


na outra semana.

As duas esperaram em vão e Cândida


ficou particularmente preocupada:

— Será que aconteceu alguma coisa a


ele?
— O quê, por exemplo?
— Sei lá, um desastre...
— Que é isso, mamãe? Não fale assim.
— Pra ele não aparecer este tempo todo,
a gente tem que pensar nisso.
E Dália ficou com uma preocupação dupla
A primeira, que Denis não aparecia
porque não queria mesmo maiores ligações
com elas. A segunda, que ele tivesse sido
atropelado, como pensava a mãe.

—57
capitulo 5

Alegria

O fim do mês chegou e Denis recebeu


seu primeiro salário. E no sábado seguinte
saiu de sua pensão em direção à Central
do Brasil, a fim de tomar o trem para Madureira.

O fato de ir visitar de novo a amiga


de sua mãe era unicamente porque eram
os únicos conhecidos que tinha no Rio.
Simplesmente por isso. Não havia nenhum
outro motivo

58
No emprego ainda não tinha intimidade
com os colegas.

Na pensão, seu colega de quarto tinha


saído e viera outro. Também não dera tempo
de fazer amizade. Mesmo porque parecia
que cada um estava por demais preocupado
com os próprios problemas, além
de terem outros amigos na cidade.

Denis compreendeu que era muito difícil


estabelecer qualquer tido de relacionamento
com alguém numa cidade grande
como o Rio de Janeiro.

Assim, não tinha outra alternativa, a


não ser visitar Cândida e a filha. '

Os fins-de-semana anteriores passara


inapelavelmente só e sem nada para fazer,
a não ser escrever longas cartas a Suzana,

o que só fazia aumentar a saudade


Dália desistira de esperá-lo na janela.

Por isso, foi com surpresa que tanto ela


quanto a mãe ouviram bater na porta.

As duas foram abrir.

Tratava-se realmente de Denis.

—59
— Oi, Denis, como vai? — perguntou
Cândida
— Bem, e a senhora?
Ela o convidou a entrar.

— Sabe que estava muito preocupada


com você?
— Preocupada?!
— Sim, este tempo todo sem aparecer
Pensei até que tinha acontecido algum desastre.
Por que não veio antes visitar a
gente?
— Bem...
Denis ficou envergonhado de dizer a
verdade.

— Além de preocupada, estava até


ofendida. Julguei que não tinha gostado de
minha casa.
— Não foi isso, D. Cândida.
— O que foi, então?
— É que eu vim com pouco dinheiro
Menos do que o necessário. Não podia gastar
em condução, com passeios...
60—
Dália quase deu um grito de alegria
Nunca poderia esperar que este tivesse sido
o motivo.

— Quer dizer que teve vontade de vir


aqui nos outros sábados?
— Claro.
— Sabe que cheguei até a preparar um
bolo para lhe oferecer? Hoje não fiz nada,
pois não esperava que viesse.
— Não tem importância.
Daí em diante conversaram animadamente
sobre diversos assuntos. Dália mostrava-
se muito mais desinibida do que o
costume.

Cândida não deixou que ele fosse embora


cedo.

— Está intimado a jantar com a gente.


E foi preparar a comida, enquanto Dália
ficou conversando com o rapaz na sala.

Aí ela mostrou-se menos descontraída,


temendo que o rapaz adivinhasse seus sentimentos.

—61
Ele jantou com elas.

E ao sair prometeu que no sábado seguinte


viria.

* * *

As visitas se sucederam.

Durante todo o mês, invariavelmente,


Denis vinha aos sábados para a casa de
Cândida e só saía tarde da noite.

* *. *

Já fazia quase dois meses que Denis estava


no Rio de Janeiro. E em completo
jejum sexual, a não sei- as vezes (muitas)
em que se satisfazia sozinho.

Mas sentia falta do corpo de uma mulher.

Uma noite de sábado, ao sair da casa


de Cândida, tomou, como sempre, o trem,
e desceu na Central. Pegou então um ôn*
bus que o deixou na Cinelândia

Resolveu dar uma volta, em busca de


uma mulher qualquer. Sua necessidade era
inadiável.
Andou um pouco, parou em frente a um
bar. Uma mulata o abordou.

Disse quanto cobrava para passar a noi'


te com ele.

Decepcionado, Denis viu que não tinha


dinheiro suficiente.

Mas ela perguntou quanto ele podia pagar.


E aceitou o que lhe foi oferecido.

Como no momento não havia nenhum


companheiro no quarto da pensão onde estava,
levou a mulher até lá.

Silvia, assim que se viu no quarto, foi


logo tirando a roupa.

Já muito excitado, Denis agarrou-a.

— Que é isso, homem, está tarado? Parece


até que não vê mulher há muito tempo.
— Acertou.
— Não vê mesmo, é?
— É. Pra que negar?
— Sabe que fui com sua cara? Com
outro, eu não vinha por esse preço.
—6 3
Denis tirou a roupa e foi para a cama
com a mulata. Ansioso, foi logo possuindo-
a e em pouco tempo alcançou o clímax.

Sílvia pediu um cigarro. Depois, falou:

— Gostei mesmo de você. Quer tentar


outra vez?
— Se você quiser...
A mulata soltou uma baforada no rosto
de Denis, enquanto dava uma gargalhada:

— Hoje você vai descontar o atraso,


meu nego.
E foi realmente o que aconteceu.

Denis aproveitou o mais que pôde, possuindo


Sílvia três vezes seguidas.

Ela foi embora e os dois marcaram um


novo encontro no sábado seguinte

64-
capitulo 6

O passeio

Era a sexta vez que Denis visitava Cândida


e a filha.

Desta vez, um domigo, pois Cândida o


convidara para almoçar com elas e passar
o dia lá.

De tarde, sugeriu:

— Por que você não sai para dar uma


volta com Dália?
Ele aceitou a sugestão com prazer, e os

—6 5
dois saíram mais ou menos às três da tarde.

Dália mostrou-lhe os principais pontos


de Madureira, os cinemas, o novo teatro..

— Você não tem namorado? — perguntou


Denis
Mas sua pergunta foi absolutamente
natural, não havia segundas intenções.
Apenas porque, sendo jovem e bonita, Dália
deveria gostar de algum rapaz. Mas,
pelo visto, uma vez que estava sempre em
casa, não devia ter nenhum no momento.

Ela, por seu lado, considerou a pergunta


ccmo um interesse maior. Talvez Denis
estivesse querendo sondar o terreno. E julgou
que finalmente tivesse dado um passo
em direção ao seu objetivo.

— Não Por quê


— Na sua idade, geralmente todas as
moças têm um namorado.
— Mas eu não tenho.
— Por que razão?
66—
— Simplesmente porque ainda não me
apaixonei.
Na verdade, Dália estava apaixonada
por Denis, mas não podia dizer isso assim
diretamente.

— Quer ia ao cinema?
— Não. Podemos ficar só passeando.
A moça lembrou-se do reduzido orçamento
de Denis e não queria forçá-lo a
gastar.

— Vamos tomar um sorvete então?


Ela aceitou o sorvete.
Ele pediu um de morango.
Dália também.
Olhavam-se mutuamente, enquanto tomavam
o sorvete.

— Está ótimo, não está?


— Divino!
Foram depois para uma pracinha.
Sentaram-se num banco e ficaram con—
67
versando e observando o que acontecia em
torno.

Dália viu um casal de namorados, no


banco em frente, que se beijava

Denis também observou o mesmo casal.

Ela teve uma vontade louca que Denis


aproximasse o rosto e a beijasse também.

O mesmo desejo passou pela cabeça do


rapaz. E se beijasse a garota?

Desejo era o que não lhe faltava. Mas


precisava conter-se. Afinal, Dália era uma
moça direita e ele estava comprometido
com Suzana...

A lembrança da noiva fez com que ficasse


triste. Suzana estava tão longe! Não
podia traí-la Com uma prostituta qualquer,
não tinha a menor importância. Apenas
satisfazia seus instintos, dava vazão
à sua sexualidade. Não havia sentimento,
envolvimento nenhum.

No caso de Dália era diferente. Não que


estivesse apaixonado pela moça. Mas sentia
cor ela um misto de ternura e desejo
recente. Esta ternura era o que atrapalhava
tudo

Não podia fazer uma sujeira com Suzana,


nem com Dália. A primeira, porque o
amava muito, tinha-se deixado possuir por
ele pela primeira vez, com confiança absoluta.

Quanto à segunda, não podia abusar da


confiança nele depositada por Cândida, que
além do mais era amiga de infância de sua
mãe.

Mas se por um lado a lembrança da


noiva fizera com que controlasse seu ímpeto
erótico, ao mesmo tempo fazia aumentar
seu desejo.

Talvez pelo fato de ser proibido. Enquanto


se dividia com seus problemas de
consciência, sentia o corpo de Dália bem
próximo ao seu...

Tinha mesmo a impressão de que eia


esperava que a beijasse, exatamente como
os casais que estavam na praça.

Para diminuir sua tensão, falou:

— Eu sou noivo
—6 9
— Você já me disse isso.
— Gosto muito de Suzana.
— Ela tem sorte...
Dália envergonhou-se depois que disse
isso. Não queria revelar seus verdadeiros
sentimentos

— Sorte, por quê?


— Tem alguém que a ama.
— É... eu a amo muito. E não quero
esquecê-la, não posso esquecê-la...
A moça teve um rasgo de ousadia:

— Não pode por quê?


Ele demorou a responder:
— Porque não seria direito Tenho ca
ráter. Nunca iludi ninguém... Eu e Suzana
estamos muito mais unidos do que você
possa pensar.
A decepção de Dália foi grande. Quer
dizer que não tinha chance? — perguntou
a si mesma. Pelo visto, não. Apesar de
ausente, a presença de Suzana era muito
forte.

70—
Como se tivessem combinado, os dois
levantaram-se do banco.

E seguiram andando devagar de volta


para a casa de Dália.

* * *

Cândida notou que a filha voltara do


passeio muito triste. Mas não comentou
nada com Dália. Esta também achou melhor
não falar sobre sua decpção.

Mas, apesar de saber que tinha poucas


chances de sair vitoriosa, não desistira.
Procurou se convencer de que tudo era
apenas uma questão de tempo.

Longe, a imagem de Suzana iria cada


vez mais perdendo sua força, enquanto que
ela podia aumentar sua influência sobre o
rapaz

Queria Denis acima de tudo.


E haveria de consegui-lo.
Tinha tempo de sobra. Aprenderia a es

perar.

—71
Em vez de ir direto para casa, Denis
deu uma volta pela Cinelândia, na esperança
de encontrar Silvia.

Precisava de uma mulher. Não podia


ficar tanto tempo assim...

Mas não encontrou Sílvia.

Teve que se conformar em ir para a


pensão sozinho.

Atravessou o corredor sombrio da pensão,


onde enfileiravam-se as portas dos
pequenos quartos, e foi até o banheiro.

Trancou-se e procurou satisfazer-se sozinho


...

Imaginou-se possuindo Suzana, aquela


primeira e única vez.

Excitado, estava quase atingindo o clímax,


quando a imagem de Suzana misturou-
se a de Dália.

E ele vibrou como se estivesse possuindo


as duas ao mesmo tempo..

72—
capítulo 7

Prazer

A mulher enlaçou-o com as duas pernas.

Denis teve a impressão que Sílvia queria


engoli-lo.

Em matéria de sensualidade e técnicas


eróticas, Silvia era uma perfeita profissional.

E, apesar de ser uma prostituta, sentia


verdadeiro prazer em fazer amor com Denis.

—73
Enlaçava-o com as pernas, dominava-o,
fazia com que o rapaz ficasse nas mais diversas
posições.

Ele fazia tudo como um cordeirinho,


obedecendo a todos os caprichos da mulata,
mesmo porque sentia também muito
prazer com isso.

Nunca se satisfaziam com uma só vez.

Sempre que Silvia ia para o quarto do


rapaz, eles faziam amor pelo menos três
vezes. E isso acontecia todos os sábados.

Era preciso compensar a semana em


que passava em completa abstinência sexual,
pensava Denis.

Compreendeu que a mulata tinha se


apaixonado por ele. Isso, de certo modo, o
desgostava. Gostar mesmo, só de Suzana,
a noiva.

Mas não podia dispensar a companhia


de Silvia. Não tinha dinheiro suficiente para
pagar outras mulheres para lhe fazerem
companhia na cama. Seu reduzido salário
mal dava para pagar a Silvia apenas uma

74—
vez por mês. As outras, ela vinha de graça,
de livre e espontânea vontade, porque realmente
sentia prazer com Denis...

* * *

Ao mesmo tempo, continuava frequentando


a casa de Cândida. Agora, sempre
aos domingos, quando passava praticamente
o dia inteiro lá.

Saía com Dália para passear.

Uma tarde foram ao cinema.

Não resistiu e passou a mão pelos seus


ombros.

A jovem compreendeu que havia vencido


mais um ponto em sua luta com Suzana
pelo amor de Denis.

Durante a projeção do filme, ele abraçou-


a com mais força, e no escuro do cinema
beijaram-se na boca pela primeira vez.

A princípio ele encostou a boca de leve


na pele fina do rosto da moça. Ela virou-
se lentamente e suas bocas se encontraram.

Ficaram assim, de lábios colados, du

—7 5
rante muito tempo, num beijo que parecia
interminável

* * *

Na vez seguinte em que foram ao cinema,


ele começou a alisar-lhe as coxas, por
cima do vestido.

Cada vez mais ousados, tanto um como


o outro, não conseguiram resistir. Ele colocou
a mão por baixo da saia da jovem
enquanto esta também retribuía da mesma
maneira.

Não comentaram nada ao saírem do cinema.

* * *

Denis pensou que seria melhor terminar


com aquelas visitas dominicais à cas«
de Cândida.

Ele e Dália estavam se dirigindo para


um caminho perigoso, do qual não havia
retorno.

Mais um pouco, e seria tarde demais.

76—
No entanto, no domingo seguinte, lá es

tava ele, batendo na porta, sendo atendido


por Cândida, e encontrando Dália cada vez
mais apaixonada

Não, não podiam mais recuar.

O cinema onde iam era o refúgio, o local


onde aumentavam progressivamente as
carícias. Apalpavam-se mutuamente, procurando
descobrir os mistérios dos respectivos
corpos.

Nestes momentos, a figura de Suzana


não se fazia tão presente como nas primeiras
vezes.

Inapelavelmente, Suzana estava sendo


esquecida, compreendeu Denis.

E ainda martirizava-se um pouco com


ISSO.

Já não sentia tanto prazer em responder


às cartas da noiva.

Às vezes, levava vários dias para escrever-


lhe E compreendia que já o fazia com
una certa má-vontade.

* * *

—77
— Eu o amo, Denis.
— Eu sei disso.
— Desde o primeiro dia em que foi lá
em casa.
— Eu também senti qualquer coisa.
Não pense que fiquei tão indiferente como
demonstrei.
— Você ainda pretende continuar o
noivado?
— Não sei, Dália.
— Não sabe?!
— Vai casar com Suzana?
— Também não sei.
— E eu?
— Nunca a enganei.
— Claro...
— Não queira estar no meu lugar. Não
posso terminar com Suzana.
— Ela está longe, logo vai esquecer você.
É capaz até de já ter outro.
78—
— Não acredito.
— Você não está lá em sua terra pra
saber. do mesmo modo que ela não sabe
que você está namorando comigo.
— Não posso fazer uma sujeira destas
— Não é sujeira.
— Não vamos falar mais nisso hoje, tá
icsal?

* * *

A conseqüência lógica do relacionamen


to entre Dália e Denis só podia ser uma.

E assim, num domingo de tarde, em vez


de ficarem em Madureira, tomaram o trem
para a cidade.

Dália estava muito nervosa.

Mas se era preciso aquilo para conquistar


Denis definitivamente, então não tinha
importância. Mesmo porque ela também o
desejava, mais do que tudo no mundo.

Desceram na Central do Brasil e tomaram


um ônibus que os deixou perto da pensão
onde Denis morava.

-79
A jovem entrou meio encabulada

Finalmente, a sós, no quarto, com a


porta fechada, Dália perguntou:

— Tem certeza que seu companheiro


de quarto não vai chegar a qualquer momento?
— Tenho.
— Ele disse?
— Eu pedi para que passasse a tarde
inteira fora.
A moça lembrou-se de que não podia ficar
muito tempo conversando. Não havia
tempo. Se demorasse muito ali, até chegar
em Madureira de volta, sua mãe iria desconfiar
de que não tinham ido ao cinema
ou apenas passear na praça.

Fora louca em via até o quarto de Denis?

Não teve tempo para responder a própria


pergunta, pois o rapaz a abraçou.

Já tinham ido tão longe, na escuridão


das salas de projeção, que para completar

o ato faltava pouco.


80—
E Dália também não aguentava mais

A janela do quarto estava fechada.

Denis não acendera a luz.

A penumbra era quase a mesma das salas


onde assistiam aos filmes.

Só que ali estavam sozinhos, absolutamente


sozinhos, para fazerem o que bem
quisessem, sem o perigo de serem surpreendidos.

Ele, lentamente, começou a tirar-lhè o


vestido. Dália sentiu um certo pudor.
Quando se viu com os seios de fora, cobriu-
os com as mãos.

Compreendendo a inibição da garota,


Denis afastou-se um pouco sem olhá-la e
começou, de costas para ela, a tirar a própria
roupa

Dália observava-o.

Viu quando finalmente se despiu totalmente.

Ainda estava de costas para ela.

—81
Voltou-se entáo, e ela verificou o quanto
o rapaz estava excitado.

Ele andou devagarinho em sua direção

Apertou-a de encontro ao seu corpo.

Os corpos estavam unidos, colados, nus,


em pé.

Ficaram assim alguns segundos, praticamente


imóveis.

Beijaram-se.

Na cama, Dália sentiu como se tivesse


conseguido a felicidade total. E sabia que
ainda faltava muito, faltava o principal.

À medida que Denis forçava a posse,


Dália via aumentar sua sensação de felicidade
e prazer, muito mais intensa do que a
dor que sentia.

Mesmo que aquele momento não se repetisse,


ela não se incomodaria.

Murmurou:

— Denis...
alcançaram o clímax.

* * «

Dália olhou o relógio e ficou chateada.


Tinha que sair da cama imediatamente ?,
vestir-se depressa Gostaria tanto de poder
ficar ali ao lado de Denis indefinidamen-

Mas Cândida os esperava.

E havia uma grande distância a vencer.

— Temos que ir embora.


— É uma pena — comentou o rapaz.
— Você me ama, Denis?
— Claro que a amo. Por que então a
teria trazido aqui?
— E ela?
— Ela quem?
— Suzana...
— Não vamos falar nisso.
— Por quê?
— Agora não é o momento.
— Ela tem escrito? — perguntou Dália,
apesar do rapaz querer fugir do assunto.
— Tem, sim.
— E você?
— Já recebi duas cartas, sem ter respondido
à primeira...
Dália ficou satisfeita.
Vestiram-se com presteza e logo saíram
da pensão.
E fizeram o itinerário de volta à Madureira.
Quando chegaram na casa de Dália, a
noite já tinha caído.
Cândida estava preocupada:

— Onde vocês andavam?


— Esquecemos da hora — respondeu
Dália risonha, procurando assumir o ar
mais natural do mundo.
— Puxa, já tinha pensado até que havia
acontecido alguma coisa!
84—
Acontecera, sim, uma coisa muito importante,
pensou Dália, sem exteriorizar
«u s pensamentos, é claro. Não no sentido
cm que a mãe se referia. Mas uma coisa
oae modificara tudo: ela agora era mulher
de Denis, tinha sido possuída por ele, tiaha
conhecido o primeiro homem de sua
vida. Mas nem em sonho Cândida podia
deacobrir a verdade.

— Não vai ficar para comer alguma coisa


com a gente? — perguntou Cândida,
muito solícita, ao rapaz.
Ele aceitou.

Dália não estava nem um pouco arrependida


do que fizera. Temerosa, talvez.
Arrependida, não.

Não tinha mais dúvidas de que Denis a


amava. Mais do que a Suzana. E esta não
tinha como lutar. Estava longe.

Por isso, Dália achava que vencera a


primeira batalha. Dentro de algum tempo,
enceria a guerra.

Temia, talvez, um pouco, que Denis, já


tendo ido para a cama com ela, não quises

—85
se mais casar. Mas isso era um raciocínio
de pessoas antiquadas. Hoje em dia não tinha
mais isso. Até já lera que era bem melhor
o homem e a mulher se conhecerem
sexualmente antes de casarem Assim, o casamento
poderia ter mais chances de ser
bem sucedido.

Era com evidente prazer que olhava para


o rapaz. Cândida não deixou de perceber,
e sentiu que havia algo no ar, embora
nem de longe desconfiasse da verdade.

Denis ainda conversou um pouco e depois


foi embora. Afinal, no dia seguinte recomeçaria
a batalha da semana, logo cedo.

Assim que ele partiu, Cândida comentou


:

— Você está diferente!


— Eu! — surpreendeu-se Dália.
— Você, sim. Está com cara de quem..
— De quem... o quê?
— De quem está muito feliz.
Dália sentiu-se mais aliviada (por um

86—
momento teve medo que a mãe tivesse descoberto
tudo.)

— Estou feliz, realmente. A senhora


acertou.
— Posso saber a razão?
— Denis declarou-se, disse que estava
gostando de mim.
Satisfeita, Cândida perguntou:

— Foi por isso que demoraram tanto a


voltar?
— Foi. Eu também gosto dele, a senhora
sabe melhor do que ninguém Ficamos
na pracinha, de mãos dadas, esquecidos de
tudo fazendo planos...
— Planos?
— Sim. Nem notamos que já havia escurecido.
— E a noiva dele?
— Denis confessou que já nem responde
suas cartas.
— Mas já acabou com ela?
—87
— Ainda não.
— Por quê?
Falta de coragem, sem dúvida. Medo de
feri-la...

— É um rapaz de bons sentimentos.


— Vendo que ele já não escreve com
regularidade, ela vai compreendendo aos
poucos que o noivado está para terminar.
Não vai levar um susto muito grande quando
receber a notícia...
* * *

No trem, de volta para casa, ou melhor,


para a humilde pensão onde morava, Denis
estava preocupado.

Um emprego miserável, mal ganhando

o suficiente para viver sozinho e envolvido


com duas mulheres.
Ou melhor, três, se contasse com Silvia.

Mas esta não era motivo de suas preocupações.

Dália e Suzana sim.

88—
Desvirginara Dália do mesmo jeito que
fizera com Suzana.

E agora?

Prometera a esta última casar-se com


eia. A Dália não prometera nada.

Mas Suzana estava longe E Dália, perto.

Sabia que se envolveria cada vez mais


com Dália, mesmo porque estava realmente
gostando da garota.

Como poderia casar com Suzana, mandar


buscá-la, manter uma casa aqui no
Rio de Janeiro?

Impossível, completamente impossível.

Com Dália, as coisas seriam mais fá-

Poderia perfeitamente morar com a mãe


dela. Claro que havia a desvantagem de ter
que tomar o trem todos os dias. Mas teria
um lar, os fins de semana tranqüilos, e
não sofreria de solidão, como acontecia
atualmente naquela pensão.

—89
E depois, gostara de Dália na cama

Talvez mais do que de Suzana.

Talvez porque tivesse possuído Dália naquela


tarde, a lembrança estava mais viva.
E Suzana parecia-lhe agora uma coisa distante,
como se pertencesse a outro mundo,

Mas precisava ser honesto.

Não poderia continuar iludindo a moça


que ficara esperando por ele em sua terra.

Naquela mesma noite faria uma carta


contando tudo.

O trem chegou na Central do Brasil.

Denis desceu e tomou um ônibus para


voltar à pensão.

O companheiro de quarto já havia chegado:

— Então, trouxe a garota aqui?


— Trouxe.
— Que tal? Gostosinha?
— É.
90—
— Parece até que não. Você tá com
uma cara tão séria...
— Estou preocupado com outros problemas.
— Não esquenta a cabeça, cara. A vida
não vale a pena. O negócio é aproveitar o
que aparece.
— É isso aí.
E Denis desistiu de escrever para a noiva
naquela noite, desmanchando tudo.
Adiou mais uma vez sua decisão. Ficava
para outro dia.
Já fazia mais de três meses que estava
no Rio. Não se acostumara direito com os
problemas da cidade grande. O dinheiro
curto, o cansaço, o serviço rotineiro, chato
e maçante, a solidão, a sordidez daquele
quarto, as paredes sujas, o banheiro imundo,
a falta de conforto.

E ainda por cima seus problemas de


consciência. O melhor mesmo era seguir o
conselho do colega, não esquentar a cabeça
e ir aproveitando os momentos bons que
a vida lhe oferecia

* * *

—91
Cândida dormia tranqüilamente.
Dália, não.
Deitada na cama, virava-se de um lado

para o outro. Estava incrivelmente excitada.


Aquele fora um dia muito especial.
Tudo se transformara em sua vida.

Levantou-se, pé ante pé, e foi até a sala.


Havia um espelho no corredor.
Puxou a camisola e ficou olhando-se.
Os seios que, à tarde, algumas horas
antes, tinham sido acariciados por Denis.

Mesmo com receio que a mãe acordasse


e a surpreendesse, despiu completamente
a camisola e ficou nua.

Olhava fixamente para o próprio corpo.


Ela já não era a mesma.
Tinha sido possuída por um homem.
O homem que amava.

92—
capítulo 8

As cartas

"Suzana querida:

Como vai você? Desculpe não lhe ter escrito


com a freqüência desejada Mas o fato
é que aqui no Rio de Janeiro a vida é muito
dura e a gente não tem tempo para
nada. O que não acontece aí.

Aí a vida corre mansa, tudo é perto,


as pessoas vão a pé para o trabalho e não
gastam mais de quinze minutos no percurso.

—93
Aqui não. É tudo muito distante. Fazemos
verdadeiras viagens, todos os dias, para
chegarmos no emprego. E quando voltamos
para casa, muito cansados, não aguentamos
mais fazer nada. Só dá vontade de
cair na cama e dormir.

Talvez seja um pouco de precipitação


minha, mas não acredito que tenha muita
chance de vencer aqui.

É tudo muito difícil. O que ganho mal


dá pra mim. O Rio é uma ilusão.

Tenho pensado muito em nós dois.

Como vou poder casar e manter um


lar?

Absolutamente impossível.

Nem daqui a dez anos.

" Por isso estou lhe escrevendo, para dizer


que não precisa esperar por mim. Não
a estou abandonando. Estou pensando em
seu futuro. Pode ser que apareça algum rapaz
daí que goste de você, e você o recuse
por minha causa.

Não posso lhe forçar a esperar por mim.

94—
Você é jovem, bonita. Encontrará outro
que queira casar com você.

E não deve recusar por causa de um


compromisso que eu não sei se vou poder
cumprir. Não por minha vontade, mas por
causa das circunstâncias

Afinal, não tenho culpa de não ter dinheiro,


nem de ter sido tão ingênuo ao
ponto de pensar que ia conquistar a cidade
grande de um dia para o outro.

Não me queira mal.

Eu a amei.

Ficam as maravilhosas recordações dos


bons momentos que passamos juntos.

Um beijo,
Denis."

O rapaz acabou de escrever.

Era a terceira tentativa.

Leu e releu várias vezes E chegou à


conclusão de que a carta estava perfeita.

Tinha sido bastante delicado, não ofendia


Suzana.

—95
Talvez ela chorasse quando a lesse.

Choraria no primeiro momento.

Enxugaria as lágrimas.

Amanheceria triste no dia seguinte.

Depois raciocinaria melhor e veria que

o que ele lhe tinha escrito, que sua atitude,


tinha até sido uma prova de amor.
E o sofrimento iria se apaziguando aos
poucos

E Suzana terminaria esquecendo tudo.

Mas também poderia ser que, como ele,


Suzana também tivesse começado a namorar
algum rapaz. Quem sabe isso não
tinha acontecido? Não era de todo improvável.

Assim, até ficaria contente com a carta,


pois estaria livre.

Colocou a carta no envelope e escreveu

o endereço. No dia seguinte botaria no correio


O colega de quarto chegou:

— Escreveu pra noiva?


96—
— Foi.
— Vai casar mesmo com ela, cara?
— Não.
— E por que continua escrevendo?
— É a última carta. Nela eu termino
tudo.
— Foi o melhor que você fez. Assim, a
garota não fica se iludindo, esperando.
* * *

No outro dia, pela manha, Denis foi


para o trabalho, como sempre. Chegou pontualmente,
bateu o ponto. Ao meio-dia,
aproveitando o intervalo do almoço, iria até
a agência dos correios que ficava perto do
seu emprego e enviaria a carta definitiva.

Ao meio-dia, saiu para almoçar.

Não sabia bem por quê, mas sentia-se


deprimido e em dúvida se mandaria a carta
ou não.

Terminou de almoçar e chegou a dirigir-


se até o correio.

—97
Mas no último instante desistiu de enviá-
la. Precisava pensar melhor. No outro
dia colocaria a carta no correio. Um dia
a mais ou a menos não tinha importância.

E Denis ficou com a carta no bolso o


resto da semana, sém coragem de enviá-
la...

* * *

No domingo, à tarde, novamente trouxe


Dália para o quarto.

Como da outra vez, ela entregou seu


corpo sem reservas

Mostrava-se menos tímida, menos temerosa.

Não se importou de ficar de luz acesa


e deixar que Denis fizesse algumas variações
no ato de amor.

Aos poucos, Dália ia aprendendo as di


versas formas e posições em que podiam
se amar. Desta vez, inclusive, ela tinha
avisado à mãe que chegaria talvez um pou

98
co mais tarde, e teriam, então, mas tempo.

Como não haviam ficado satisfeitos em


atingir o clímax uma só vez, repetiram .o
ato.

Dália nunca pensara antes que pudesse


ser tão feliz.

Como Denis a amava!

Depois de se amarem pela terceira vez,


ainda ficaram lado a lado, nus, acariciando-
se, apesar de já estar um pouco tarde.

— Você me ama mesmo, Denis?


— Ainda duvida?
— Mais do que a Suzana?
Ele olhou-a Tinha os olhos tristes. Respondeu
:

— Mais do que a Suzana.


Dália quase explodiu de alegria.
— Verdade? Não está querendo me enganar?
— Não. A pura verdade.
—99
— Vai acabar com ela e ficar só comigo?
— Vou. Quer a prova?
E Denis levantou-se da cama.

A jovem olhou o belo corpo nu do rapaz,


aquele mesmo corpo quase insaciável
que a possuíra três vezes seguidas naquela
tarde.

Ele pegou o envelope (já um tanto


amassado).

— Aqui está a carta que eu fiz pra ela.


Dália arriscou:
— Terminando tudo?
E, deixando a carta novamente onde estava
antes, Denis caiu na cama por cima
de Dália, beijando-a.

* * *

Na segunda-feira, ao sair do quarto e


passar pela portaria, Denis foi interpelado
por um empregado da pensão:

— Tem uma carta pro senhor aqui.


100—
Sem nenhum motivo aparente, Denis
estremeceu:

— Pra mim?
— Sim.
Só podia ser de Suzana.
Mas lembrou-se que podia ser também
dos pais.
Recebeu o envelope que o empregado
lhe entregou.
Olhou o remetente. Era de fato Suzana.
Ele quis abrir logo, mas deixou para fazê-
lo no ônibus, enquanto fazia a viagem
para o emprego.
* * *

Com as mãos um pouco trêmulas, como


se fosse uma premonição de que algo de
grave estava escrito naquela carta, Denis
abriu o envelope.

E começou a ler:

"Querido Dênis:

-101
Já era para ter lhe contado nas outras
cartas, mas não sabia como, não tinha coragem.
Uma coisa ao mesmo tempo maravilhosa
e terrível me aconteceu.

Não sei qual vai ser sua reação. Gostaria


de estar ao seu lado para ver.

Será que você vai se aborrecer? Ou ficar


triste? Não queria lhe causar aborrecimentos,
mas não posso mais adiar.

Denis parou de ler a carta.

Como previra, algo de grave acontecera.

Olhou pela janelinha do ônibus e pro


curou distrair-se vendo os outros carros
que passavam, as ruas, os edifícios...

E se não terminasse de ler a carta?

E se não ficasse sabendo o que ela continha?

Se a atirasse pela janela do ônibus?

Mas voltou os olhos automaticamente


para o papel escrito, mesmo contra a vontade.

1 0 2—
"Eu não estou desesperada, apesar de
tudo. Apenas com um certo receio de que
você não fique contente com a notícia.

A verdade, Denis, é que estou grávida,


estou esperando um filho nosso. A nossa
união, às vésperas de sua partida, deu um
fruto. Isso só pode ser motivo de felicidade
para mim, apesar dos problemas que você
já imaginou que vão me acontecer.

Ele parou de ler novamente.

Um filho seu.

Suzana estava esperando um filho seu.

O rapaz não sabia dizer o que estava


sentindo.

E continuou a leitura.

"Já não está dando mais para disfarçar


direito a barriga. Meus pais, meus parentes .
e meus conhecidos, todos me olham com
desconfiança.

Dentro de mais alguns dias todo mundo


descobrirá a verdade.

E você sabe como é cidade pequena.

—103
E como meus pais são. Eles têm a mentalidade
atrasada, estão vivendo no século
passado. E quando descobrirem que vou ter
um filho, certamente vai acontecer uma
cena dolorosa.

Certamente não vão me querer mais em


casa.

Eu não queria lhe dar problemas. Sei


que você já os tem suficientes.

Mas não tenho com quem me aconselhar


Só você. Adiei o momento de lhe dizer,
porque simplesmente não sabia como
fazê-lo. Mas agora não podia mais deixar
de lhe contar tudo.

Por favor, diga o que devo fazer. O que


você mandar, eu faço.

Sem mais, despeço-me com uma grande


beijo.
Da sua
Suzana."

Os olhos de Denis estavam úmidos.

Uma emoção incontrolável.

Suzana estava esperando um filho seu

104—
E todo o amor que sentia por ela ressurgia
das cinzas.

Viu-se possuindo Suzana atrás daquele


muro distante no espaço, mas nem tanto
no tempo.

Como pudera esquecê-la tão facilmente?

E começou a recriminar-se.

Não tinha nada que estar andando com,


mulheres como Silvia, pensou. Sentia-se
nojento. Mas pensava em Silvia para ver
se esquecia o mais importante, ou seja, ter
começado aquele caso com Dália.

Esta sim, era um problema,

E compreendeu o dilema em que se en-.


contrava.

Perdido em seus pensamentos, não notou


que passara do ponto em que devia
descer. Quando viu já estava distante várias
quadras do local onde trabalhava.

Deu sinal e o ônibus parou.

Desceu e seguiu quase correndo em di

—105
reção ao emprego. Não tanto, porque podia
chegar atrasado. Isso no momento lhe
parecia secundário. Talvez estivesse quase
correndo para ver se conseguia fugir de si
mesmo

Uma tarefa absolutamente impossível.

Apalpou o bolso onde estava a carta que


fizera a Suzana, terminando o noivado, e
que, felizmente, achava agora, não tinha
posto no correio.

Retirou-a do bolso, rasgou-a em vários


pedaços e jogou-a fora.

Não, não acabaria com Suzana.

A outra carta, a dela, onde contava que


estava esperando um filho, guardou-a cuidadosamente
no mesmo bolso onde anteriormente
estava a outra.

Chegou no emprego.

Ainda conseguiu bater o ponto a tempo.

E sentou-se para trabalhar.

Só que não conseguiu.

106—
Ele, que nunca costumava errar quando
datilografava, não conseguia bater trêstéelas
sem cometer um erro.

Colocava um papel atrás do outro na


máquina. O serviço saía porco, cheio de rasuras.

Sua tensão aumentava cada vez mais.


Na hora do almoço quase não conseguiu
comer.

A felicidade que tivera ao saber que Suzana


esperava um filho seu se diluíra diante
dos problemas que sabia que teria de
enfrentar (além dos problemas que não
queria que Suzana enfrentasse).

E sofria porque não encontrava uma saída

O resto do dia foi-lhe particularmente


penoso.

E naquela noite não foi direto para a


pensão, depois do trabalho.

Sentou-se num bar da Cinelândia e pediu


um chope.

Era uma loucura o que estava fazen

—1 0 7
do, mas tinha vontade de tomar um pile
que, gastar as reservas do dinheiro que tinha
para passar até o fim do mês com bebida.

Mas não via outra solução, a não ser


embriagar-se.

Por sorte, viu uma mulher aproximando-


se da mesa onde estava sentado.

Era Silvia.

— Que bicho o mordeu?


— Por quê?
— Dia de semana e você por aqui, bebendo?
Está cheio da nota? Largou o emprego?
— Nada disso.
Ela sentou-se ao seu lado, realmente
contente por tê-lo encontrado:

— Então, o que foi?


— Aconteceu uma desgraça.
— Uma desgraça?!
— Sim.
1 0 8—
— E está bebendo para esquecer.
— Exatamente. Só que não tenho dinheiro.
— Não faz mal. Eu pago seu pileque
Ontem faturei horrores
E Silvia chamou o garçom, pedindo mais'
chope. Voltou-se novamente para Denis:

— Quer me contar qual foi a desgraça?


— Lembra que lhe falei na noiva que
deixei na minha terra?
— Ela escreveu acabando tudo?
— Não.
— Ela morreu?
— Também não.
— O que foi, então?
— Ela está esperando um filho meu
Silvia deu uma gargalhada:
— Mas isso não é desgraça nenhuma,
cara.
—109
— Como não? Você não conhece cida
de pequena.
— Conheço, sim. Vim de uma
— Então sabe como é. O pai dela é fogo.
— E o que você vai fazer?
— Não sei. E é justamente por isso que
resolvi beber.
— E fez muito bem. Amanhã, você pensa
com calma e vê o que vai fazer. Hoje à
noite você é meu Talvez pela última vez
— Pela última vez, por quê?
— Porque talvez você volte pra sua terra,
pra casar com a tal moça, ser feliz. O
que é que está fazendo no Rio? Trabalhando
como datilografo, ganhando pouco mais
do salário-mínimo?
— Você tem razão.
E os dois encheram a cara.

Denis considerava um golpe de sorte ter


encontrado Silvia. Dificilmente sobreviveria
àquela noite, sozinho.

110—
—111
Tiraram a roupa no escuro e deitaram-
se na cama.
O colega de Denis roncava.
Silvia deitou-se com o rapaz
Os dois se abraçaram. E pela primeira
vez ele também sentiu ternura por Silvia.

Era uma boa mulher.

Em todos os sentidos, não apenas na


cama.

E começaram a fazer movimentos. A cama


rangia, Silvia gemeu. O colega de quarto
acordou.

— Tem uma mulher aí com você é, Denis?


Este respondeu:

— Por que não continua dormindo?


— Vocês me acordaram
— Volte a dormir.
— Não dá para eu participar da festa'
— Não.
112—
Mas Silvia riu, sem um pingo de vergonha:

— Se quiser, pode vir aproveitar.


O outro homem não esperou que ela insistisse.
Pulou de sua cama, e voou para a
outra onde estavam os dois.

Silvia delirava.

E Denis também gostou da experiência.


Não que fosse dado a este tipo de coisa

Mas, afinal, estava bêbado.

Como a cama era muito estreita para os


três, eles terminaram no chão.

E a orgia continuou quase até o amanhecer.

* * *

Silvia deu um beijo em Denis antes de


sair. Este continuou dormindo. No chão,
ainda. O outro já voltara para a cama.

* * *

—113
Denis não conseguiu acordar a tempo
de ir para o trabalho. A cabeça doía. Sentia-
se um trapo.

Desceu e tomou um café.

Comprou uma ficha de telefone e avisou


que não ia trabalhar naquele dia porque
amanhecera doente. Afinal era a primeira
vez que faltava em quase quatro me

ses.

Retornou ao quarto.

O colega tinha levantado mais cedo e


saíra.

Sozinho, ele procurou pôr em ordem os


pensamentos.

Para começar, releu a carta de Suzana

Emocionou-se até as lágrimas, com a


perspectiva de ser pai.

E tomou uma decisão, inspirado no que


lhe dissera Silvia na noite anterior no bar

Por que ficar no Rio de Janeiro?


Por que continuar dando murro em ponta
de faca?
Por que se iludir?

Ele não tinha mesmo muitas possibili


dades de vencer.

Dentro de dois dias receberia o salário.


Estava até com sorte. Compraria uma pas-sagem
de volta para sua terra. E recome
çaria tudo lá. Ao lado de Suzana, com
quem casaria o mais depressa possível, antes
que ela passasse por humilhações

A decisão tomada, sentiu-se invadir por


uma grande tranquilidade.

Não iria mais encontrar-se com Dália.

Viajaria no sábado.

Ela o esperaria no domingo, em vão.

Sabia que era sujeira de sua parte.

Mas sujeira maior seria se largasse Suzana.

Uma das duas teria que ser sacrificada.


E das duas, só podia ser Dália
Afinal, esta quando o conhecera sabia

que ele era noivo. Entregara-se de livre e


espontânea vontade.

—115
Apesar de sentir uma ponta de remorso;
não era tão culpado assim.

E depois, Dália se entregaria ao primeiro


por quem se sentisse atraída. O acaso
fizera com que fosse ele. Além disso, Dália
morava no Rio, onde estas coisas não costumam
tornar-se problemas tão grandes.
Mais tarde encontraria um outro rapaz que
á fizesse feliz. Ela tinha muito mais possibilidade
do que Suzana

Apenas um pensamento o perturbou um


pouco mais.

E se Dália também estivesse grávida dele?


Seria coincidência demais. Provavelmente,
como a maioria das moças da cidade
grande, mais civilizadas, ela devia ter
tomado suas precauções...

1. 1 6—
capitulo 9

O destina de cada um

Denis pediu demissão do emprego, na


manhã seguinte.

Teria que dar o aviso prévio e não se


importou que lhe descontassem a quantia
correspondente.

Só que iria ficar sem dinheiro para voltar.


Mas nada mais lhe importava. Iria embora
nem que fosse a pé.

À noite, procurou encontrar Silvia no

—117
local onde ela fazia ponto Teve novamente
a sorte de encontrá-la:

— Você me faria um favor?


— Dois, até.
— Vou embora, de volta pra minha terra,
depois de amanhã.
— Apesar de ficar com saudades, acho
que você faz muito bem.
— Vou de ônibus...
— Vai chegar lá arrebentado. É uma
viagem muito longa.
— Não faz mal O principal é chegar
lá. Mas a viagem de ônibus é a mais barata.
Mesmo assim meu dinheiro não dá.. .
— Eu completo.
— É pouco o que preciso. Mas não quero
dado, quero emprestado. Você me diz
seu endereço e eu pago a dívida assim que
puder.
— Sem essa, Denis. Já falei que estou
faturando alto
118—
— Só aceito se for emprestado.
— Está bem, não vamos discutir. Se
quer assim...
* * *

Denis não escreveu para a noiva avisando


de sua chegada.
Preferia fazer uma surpresa.
E assim, viajou no sábado, como planejara
Silvia foi se despedir dele.
Beijou-o na boca, acariciou as partes
proibidas do corpo do rapaz, em público.
Muita gente notou, e Denis ficou encabulado
Entrou no ônibus, que partiu.
Ele olhou pela última vez a cidade que

o amedrontava.
E ansiou que chegasse logo o momento
de ver de novo Suzana...

* * *

—119
No domingo, Cândida e Dália passaram

o dia inteiro esperando pelo rapaz.


Não tinham a mínima idéia que ele estava
a milhares de quilômetros de distância.

Cada vez mais nervosa, Dália viu o dia


passar e escurecer. Teve uma vontade enorme
de ir até a pensão de Denis, mas não
podia, por causa de sua mãe.

Naquela noite não dormiu.

Apareceu na loja de tecidos, na segunda-


feira, de olheiras e com dor de cabeça

Procurou no catálogo telefônico e descobriu


o telefone da pensão.

Na hora do almoço, telefonou de um


orelhão. Perguntou por Denis, dizendo o
número do quarto onde ele estava hospedado

Uma voz impessoal lhe avisou que ele


deixara a pensão no sábado.

— Sabe pra onde ele foi?


— Não.
1 2 0—
Ela desligou o telefone mais desnorteada
do que nunca.

Como Denis se mudara e não comunicara


nada? E por que não fora em sua casa
no domingo?

Lembrou-se de telefonar para o emprego


do rapaz. Como não tinha pensado nisso
antes? Estava tão confusa...

Mas tinha que esperar para ligar depois


da hora do almoço. E assim fez, da própria
loja onde trabalhava.

E recebeu uma informação que a deixou


mais inquieta ainda. Denis simplesmente
havia saído do emprego, pedira demissão.

Resolveu então que iria até a pensão e


perguntaria ao companheiro de quarto de
Denis para onde ele fora. Talvez ficasse
sabendo de alguma coisa. Era sua última
esperança.

Apesar de saber que Cândida ficaria


preocupada se chegasse tarde em casa, ao
sair do trabalho tomou o trem e for para a
cidade

—121
Dirigiu-se à pensão onde tinha passado
horas de amor inesquecíveis

Na portaria disse que gostaria de falar


com o rapaz que morava no quarto com
Dènis, explicando que tinha um negócio
urgente para falar com o mesmo.

Teve receio que o colega de seu amante


não tivesse chegado. O porteiro não soube
dizer, não o vira voltar do trabalho.

Dália bateu na porta.

O colega de Denis veio abrir.

Ela perguntou por Denis e ficou sabendo


que ele viajara. De volta para sua terra.

— Mas por quê?


— Não sei. Deve ter desistido de morar
no Rio. Ele tinha uma noiva lá, não sabia?
Claro que Dália sabia, mas julgada que
tinha vencido a batalha. No entanto, perdera
...

O rapaz que lhe dera a informação es

122—
tava com uma sunga minúscula, e parecia
excitado, ou melhor, estava excitado.
A jovem, apesar de toda sua perturbação,
notou o fato.
Ele perguntou:

— Você é a garota que vinha aqui nas .


tardes de domingo?
— Sou.
— Denis tinha muita sorte com mulher
Não sei porque reclamava tanto da vida.
E sorriu Um sorriso que era um convite.
Mas Dália despediu-se.
Deu alguns passos.
O rapaz perguntou:

— Eu não sirvo?
Ela se virou, olhou e viu que ele era
bem mais bonito e desejável do que Denis.
Sentiu-se tentada.
O rapaz ainda disse:

— Se quiser vir no domingo, eu vou


estar aqui.
Dália sorriu
Havia perdido mesmo Denis

—123
Não adiantava chorar.
E logo ali. disponível, estava um outro
homem que talvez lhe proporcionasse mais
prazer ainda.
Ele insistiu:

— Você vem?
— Venho, sim.
— Domingo, às três da tarde, combinado?
124-

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