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SOB SUA PROTEÇÃO

Stela Sá
Copyright © 2020 Stela Sá.
Todos os direitos reservados.
É proibida a distribuição ou reprodução, total ou parcial, de qualquer parte
desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, mecânico ou eletrônico,
sem o consentimento por escrito da autora.
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou
acontecimentos é apenas coincidência.
Capa: Juliana Mesquita do @crazyforhotbooks
Revisão e Copydesque: Danilo Barbosa
Diagramação: Michael Josh
Este romance segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa
Índice

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Epílogo
Agradecimentos
AQUELE DIA NÃO ESTAVA SENDO UM DOS MAIS FÁCEIS.
Já me encontrava na quarta cliente só durante a manhã e mal havia
conseguido dormir pela segunda noite consecutiva. Se Lis continuasse com
aquela dor, como eu aguentaria trabalhar?
Minha pequena garotinha era meu sol, minha vida. Morreria e mataria
por ela. Mas ser mãe solteira exigia, algumas vezes, muito mais de mim do
que o corpo aguentava. Ela estava com dois dentes nascendo e isso a
incomodava demais. Durante a noite, quando o corpo esfriava das
brincadeiras, a dor vinha com tudo, fazendo-a chorar sem parar. Acalentá-la e
fazê-la voltar a dormir era uma missão cada vez mais desgastante.
Atualmente minha vida resumia-se a trabalhar e ser mãe de Elizabeth,
mas apesar dos problemas, estava longe de reclamar. Na maioria das
ocasiões, minhas maiores conquistas vêm em momentos de crise como esse.
Como este lugar. A Embeleze-se era um salão de beleza chique,
referência entre as mulheres do Upper East Side. Ficava em frente ao prédio
onde eu morava e atendia as mulheres mais ricas de Manhattan, em alguns
casos talvez do mundo.
Mesmo sem precisar preocupar-me com o aluguel do espaço e outras
burocracias, abrir a Embeleze-se foi desafiador. Estava grávida e precisava
arrumar uma fonte de dinheiro própria, para me manter. Para isso, deixei o
medo de lado, reuni as poucas economias que tinha e abri o salão, com um
barrigão.
Nessa aventura, tive o apoio de Brianna, uma amiga de infância. Foi
ela que cuidou de tudo nos primeiros meses após o nascimento da pequena,
conquistando assim a vaga de gerente. Não podia confiar em outra pessoa
para isso.
Assim que Elizabeth desmamou e começou a ingerir alimentos, pude
voltar a ficar mais tempo no salão, deixando-a aos cuidados da babá. Caso ela
precisasse de algo, era só eu atravessar a rua.
A vida em um salão de beleza era agitada. Pés cansados do tempo em
pé, as mãos e braços doloridos dos repetitivos movimentos, a língua inquieta
de tanta conversa. Mas o cansaço físico era um mero detalhe diante do prazer
que era dividir alguns momentos com todas aquelas mulheres. Apesar de
ricas e empoderadas, muitas eram gentis, sempre com um sorriso no rosto.
Aliado a isso, sempre prezávamos por bom atendimento e resultados
impecáveis, para deixar a todas satisfeitas e generosas
Terminei de lavar as longas mechas escuras de Sandra. A mulher era
uma das minhas melhores clientes e vinha ver-nos toda semana. Fazia unha,
depilação, cabelos… A Embeleze-se era responsável por deixá-la
impecavelmente linda.
— Lisandra, estou falando com você. Viu o babado da vez? – A
mulher chamou-me a atenção enquanto eu retirava o excesso de água dos
cabelos dela.
— O que aconteceu? — Tentei mostrar interesse na conversa.
— Uma garota, acho que com menos de quinze anos, está em todos os
noticiários. Ela afirma ser filha daquele senador… Como é mesmo o nome
dele? — Olhou para Brianna que me ajudava, pintando as unhas da mão da
mulher.
— Harry Adams. — Ela olhou-me inquieta.
Minha amiga de infância sabia como aquele tipo de assunto
incomodava-me.
— Isso! Obrigada, querida. — Sandra deu um tapinha na mão de
Brianna em agradecimento. — Ela declarou que o homem sabia da sua
existência, mas recusou-se até mesmo a registrá-la. O safado ainda era casado
quando a menina nasceu.
— Será que é verdade? Ele sempre pareceu-me tão bom sujeito.
Abandonar uma filha para evitar escândalo? — Amber, uma cliente próxima
a nós, que também fazia as unhas parecia visivelmente indignada.
— Não duvido. — Minhas palavras saíram mais azedas do que o
normal – Políticos não são confiáveis.
— Isso é senso comum, Lisandra. — Sandra aproveitou a massagem
que fazia em seus cabelos antes de começar a cortá-los.
— Já convivi muito tempo com eles para saber que não é…
— Família? — Ela passou a fitar-me com interesse.
— Trabalho — respondi com um sorriso no rosto. Não gostava de
falar sobre o assunto, odiava aquela época de minha vida e como fui tola, mas
Sandra era uma de minhas melhores clientes e era minha função agradá-la e
respondê-la com educação – Antes de abrir o salão tive o sonho de trabalhar
na política. Fiquei alguns anos em comitês de candidatos.
— Espero que não seja verdade. Eu votei nesse desgraçado. — Amber
parecia mau humorada.
Para a infelicidade de Harry Adams, não importava se a garotinha era
ou não sua filha. Aquilo já manchou a imagem dele para os eleitores
republicanos.
Assim que terminei de atender Sandra, respirei fundo e sentei-me na
imensa cadeira preta diante de mim. Tinha alguns minutos antes da próxima
cliente. Passei então a observar o espaço, que estava em polvorosa. Haviam
três clientes sendo atendidas por outras funcionárias, criando certa energia no
ar.
Eu era apaixonada por aquele lugar pequeno, mas acolhedor. Havia
um imenso sofá preto, que raramente era usado devido a nossa pontualidade;
algumas cadeiras como a que eu estava sentada, para tratar os cabelos em
frente a um enorme espelho; sem contar as seis cadeirinhas para as manicures
e duas salinhas separadas: uma para depilação e a copa.
— Cansada? — Brianna começou a massagear meus ombros, e dei
um gemido. Ela era como uma irmã para mim.
— Muito. Se Lis não dormir hoje, acho que serei um zumbi amanhã
— confessei, fazendo-a rir.
— Amorzinho, você já é um. Olha sua cara! — Mostrei a língua para
ela como uma criança de cinco anos. — Chateada com a conversa? — Olhei
para cima e vi os olhos preocupados de minha amiga.
— Não. Foi bom saber das notícias antes. Sei agora que logo
receberei uma ligação carinhosa de Bruce. Se bobear, essa noite ainda. — Fiz
uma careta demonstrando meu desagrado com a situação. — Sabe como é,
para garantir que o noticiário não me dê ideias…
— Eu o odeio.
— Não é a única.
— Eu gostaria de falar para ir embora, descansar, mas Kimberly é a
próxima, deve chegar em breve. — Enruguei a testa, surpresa.
— Que estranho. Eu atendi essa moça não tem três dias.
— Ao que parece, hoje ela quer mudar a cor. Já enjoou…
— A mesma que pintei faz duas semanas? Elas não têm ideia de como
isso estraga o cabelo. — Franzi o cenho e vi minha amiga dar de ombros.
— Às vezes isso é solidão, amiga. Mulheres também vem ao salão de
beleza apenas para conversar. — Sim, aquilo acontecia muito. E como podia
reclamar? Eu dava atenção para aquelas mulheres e recebia muito bem por
isso.
Pouco mais de vinte minutos Kimberly entrou no salão. Usava um
incrível salto da Jimmy Choo e uma Louis Vuitton no braço, apenas para me
matar um pouco de inveja. As grandes madeixas morenas que chegavam na
cintura haviam recebido uma camada de loiro nas pontas da última vez.
— Boa tarde Kim. — Dei um pequeno encostar de rosto na bochecha
dela e sorri docemente – Que bom te ver aqui de novo. O que faremos hoje?
— Ela deu-me um sorriso desanimado.
— Qualquer coisa, Lisa. Meu namorado me deu um pé na bunda para
ficar com a ex. — Ela limpou uma lágrima imaginária e sorriu – Quero deixar
aquela vaca no chinelo em questão de beleza, na festa que terei de aturá-la
hoje.
Sorri e fiz um pequeno movimento negativo com a cabeça. O cara
traía e a vaca era a mulher? Não que ela estivesse certa em envolver-se com
homem comprometido, mas ainda acho que o maior pecado sempre seria
daquele que tinha um compromisso a zelar.
Enquanto cuidava dela, contou-me sobre o ex e a amiga de infância
dele. A mulher resolveu dar em cima dele assim que descobriu que estava
namorando. Ele, como o fraco que era, caiu nas lábias da loira. Kimberly
descobriu a verdade rapidamente, e colocou um fim ao noivado. E agora
queria pintar os longos cabelos de loiro.
Quando o assunto começou a mexer com os nervos dela e as lágrimas
começaram a cair, mudamos para outros assuntos, mais banais. Falamos
sobre o salão, minha casa e a pequena Lis. Também falamos sobre antigos e
atuais paqueras. Contei até sobre Dylan, o segurança do prédio vizinho ao
que eu morava, que vivia tentando me conquistar.
Ele era um homem honesto e gentil. Éramos amigos há alguns anos e
ultimamente vinha tentando sair comigo para um drink. Infelizmente, eu
estava fugindo de relacionamentos, magoada com as atitudes de Bruce.
Preferia dar minha atenção total a pequenina em casa.
Homens não eram nem de longe algo que se passava em minha
cabeça naquele período. Havia muitas coisas para preocupar antes de
imaginar-me saindo e envolvendo-me amorosamente de novo. A última vez,
saí magoada e grávida. Não pretendia repetir a experiência tão cedo.
Como se adivinhasse que estávamos falando dele, Dylan havia saído
de seu posto e passou pelo salão apenas para tomar uma xícara de café… E
lógico, tentar convencer-me a sair com ele mais uma vez. Quando Kim o viu
ficou encantada. Aproveitou para lançar seu chame para o homem que, claro,
deleitou-se com a paquera. Depois disso passei parte do tempo contando para
ela tudo que sabia sobre meu amigo sedutor.
— Papai jamais poderá imaginar que dei em cima de um segurança.
— Ela riu, tampando a boca com a mão, as imensas unhas brilhando com o
vermelho que Darla, uma das manicures, havia acabado de passar. — Ele me
deserdaria, com certeza.
— Deus me livre ser deserdada pelo seu pai. — Brianna brincou,
apontando para os sapatos dela, fazendo Kim revirar os olhos.
— Essa é a única coisa boa de ser filha do meu pai, Bri… Não se
engane. — Por um longo momento os olhos de Kim perderam a
expressividade. Ela envolveu-se em lembranças, deixando a todas nós sem
graça. — Mas pouco me importo. — Ela balançou a mão em desdém,
mudando a feição completamente. — Enquanto ele deixar o cartão de crédito
ilimitado em minhas mãos, está tudo bem.
Era uma pena uma mulher tão linda ter o consumismo como único
amigo de verdade. Pessoas assim entristeciam-me, ao mesmo tempo que
davam-me novas forças. Lis merecia ter conforto e condições de crescer bem
e saudável, mas também precisava de amor e carinho. E dava o melhor de
mim nesse quesito a cada dia.
Pouco depois que Kimberly se foi, consegui fechar o salão. Dei um
beijo no rosto de Brianna e atravessei a rua para o meu apartamento,
querendo só algumas poucas horas de sono. Mas não sabia se conseguiria já
que uma hora daquelas Kate, a babá de Lis, já devia tê-la buscado na escola e
dado um bom banho na menina.
Assim que apertei o número do meu andar e digitei a senha, suspirei,
cansada. Que longa semana eu teria pela frente.
As portas de aço abriram-se e eu já estava em meu apartamento.
Ali,era uma ostentação para mim em cada metro quadrado. Queria tanto que
Bruce entendesse isso, mas parecia impossível. Tudo o que Lis gostaria era
de amor, não de algo que ligasse apenas a dinheiro.
— Mamãe… — Lis correu até meu colo, chorosa. O coração apertou-
se ao ouvi-la. Peguei-a e ela deitou a cabeça em meu ombro.
— Ela veio todo o caminho de volta reclamando de dor, Lisa. — Kate
estava tão chateada com a situação quanto eu. Afinal, ela viu Lis crescer e a
amava também. – Já pensou em ir atrás de um dentista?
— Farei isso amanhã, Kate. Da última vez que fomos ela avisou que
isso poderia acontecer. Lis vai fazer três anos e esses dentes já deveriam ter
nascido há muito tempo. Isso deve ser um dos motivos para estar com a
gengiva tão inchada e dolorida, mas não imaginei que duraria tanto tempo. —
Desanimada, pensei que passaria mais uma noite em claro. — Não vejo a
hora disso passar.
— Bom, já dei o jantar e o banho dessa garotinha. Ela está prontinha
para dormir. — A linda ruiva beijou o rostinho triste da minha filha. —
Dorme bem, Lis. Até amanhã. — Ela virou o rosto para mim – E você,
qualquer coisa me liga.
— Para que Kate? Fazer você se deslocar do Queens até aqui, ou para
que escute meus choramingos por telefone?
— Pare de querer fazer tudo sozinha Lisa. — Kate balançou a cabeça
em negação, pois sabia como eu agia. — Meu Deus, que mulher mais difícil.
— Ela reclamou e beijou o rostinho de Lis mais uma vez. – Coloque alguma
coisa na cabecinha da sua mãe. Te amo pequena. Até amanhã.
— Tchau, tia Kate — a pequena resmungou, fungando em meu
ombro.
Depois que ela saiu do apartamento, fui procurar um remédio para
medicar Lis e deitar-me com ela. Quando ela acalmasse, eu tomaria um
banho e dormiria agarradinha a ela na minha cama.
Kate jamais entenderia essa minha decisão de não depender dos
outros. Desde a morte dos meus pais que sou assim, sozinha. Estou
acostumada a tomar conta de mim desde os dezenove anos. Talvez se Dona
Elizabeth e seu Franklin ainda estivessem comigo, eu não teria caído na lábia
de Bruce. Teria formado em uma faculdade e moraria em algum lugar do
Brooklin, sem sentir-me tão solitária.
Mas aquela não era a minha realidade. Morava em Manhattan e da
janela da minha sala eu podia ver o Central Park. Vivia no meio de muitas
pessoas que não tinham a mesma origem que eu, longe disso. Tinha o meu
próprio negócio.
Era a prova viva de que dinheiro não comprava felicidade.
Deitada na cama, observava minha pequena garotinha. Tudo valia a
pena para tê-la comigo. No final de tanto sofrimento, ela foi o meu prêmio.
Acabei passando mais uma noite tumultuada. Mal consegui cochilar
antes da hora de acordar para um novo dia, em nada diferente do anterior.
Sinceramente, eu precisava de uma mudança em minha vida o quanto
antes.
O GRITO ESTRIDENTE DE LIS ACORDOU-ME. Com os olhos
fechados e o rosto contorcido de dor, ela resmungava ao meu lado na cama.
Peguei o celular na mesa de cabeceira. Ainda era uma da manhã.
Suspirei. O dia havia sido cheio no salão de novo e eu já estava
completando uma semana sem dormir direito. Minhas forças estavam
diminuindo consideravelmente.
Tentei um dentista que pudesse pagar, mas estavam todos com as
agendas lotadas. Por isso, no dia anterior eu dei o braço a torcer e liguei para
Bruce. Ele que encontrasse um dentista de ponta para atender a filha dele.
Não me importava que tivesse que ser na surdina. Engolia meu orgulho com
louvor nessas horas. Tudo para a minha pequena Elizabeth.
Fui até a cozinha e peguei a caixa de remédios. Procurei o analgésico.
Coloquei o remédio na seringa e voltei para o meu quarto, onde Lis ainda se
debatia, mesmo dormindo.
— Filha. Pequena. — Tentei acordá-la, sem muito sucesso – Amor da
mamãe, abre os olhos. Remédio. — Chacoalhei a pequena até os pequenos
olhos cor de mel se abrirem lentamente. Tinha que parecer tanto com o pai?
Graças ao meu bom Deus eu não era mais apaixonada por aquele cretino. —
Muito bem pequena, aqui.
Depois de ministrar o remédio, ela continuou inquieta. Meu coração
partia-se ao perceber o tamanho da dor daquela pequenina garota. Busquei
em meu celular uma canção de ninar e a coloquei em um volume baixo,
apenas para acalmá-la.
— Mamãe… – ela repetia como uma prece.
— Estou aqui, pequena. – Sem conter-me a peguei no colo.
O calor daquela cidade estava insuportável. Na correria, dormi sem
ligar o ar-condicionado, e por isso nós duas estávamos molhadas de suor.
Abri a janela do quarto e a balancei, ninando-a e cantarolando a música que
tocava suavemente.
Em pouco mais de dez minutos meus braços já doíam, mas Lis
acalmara, ainda sem ter pego no sono profundo. Seu corpo, tão pequenino e
leve, ainda estava ligeiramente tenso, provando que ainda não poderia colocá-
la na cama sem despertá-la.
Ah, os pequenos sacrifícios de uma mãe.
Se eu soubesse de tudo que a minha havia feito por mim, todas as
dores que muito provavelmente sentiu, as angústias e os medos, eu teria dito
que a amava mais vezes antes dela partir. Muitas e muitas vezes.
Acalentei Lis que começou a amolecer completamente em meus
braços. Enquanto isso, observava a lua do lado de fora. As estrelas tão
brilhantes, algo tão difícil de ser visto normalmente aqui. O excesso de luz da
cidade grande às vezes incomodava.
O prédio que Dylan trabalhava, ao lado do meu, era suntuoso. Passei
os olhos por aquele exagero em forma de construção. Tudo ali era muito
bonito, mas de um jeito quase escandaloso.
As imensas sacadas, por exemplo. Apesar de cumprirem a missão de
oferecer ar puro aos moradores, revelavam-se um imenso show de
indiscrição. As portas duplas de vidro que separavam o apartamento da
varanda permitiam que víssemos tudo dali.
Não que eu ficasse observando os acontecimentos das vidas dos
moradores ao lado. Nem tempo para tal coisa eu tinha… Mas era impossível
fugir disso enquanto observava uma ou outra luz ainda acesa àquela hora da
noite.
O prédio era do tamanho do meu, então conseguia ver com perfeição
a sacada do último andar – já que Bruce havia me dado um apartamento na
cobertura.
Será que ele realmente acreditava que era isso que precisava? Uma
vida de dondoca? Acho que ele nunca reparou em mim realmente. Ingênua
Lisandra. Uma garotinha que acreditou no amor de um homem tão
inescrupuloso.
Quantas vezes havia fantasiado um casamento entre nós dois.
Pensando em como seria a vida difícil da esposa de um homem como ele.
Quantas ocasiões pesquisei sobre a importância da mulher no meio político.
De como elas mudavam a visão dos eleitores. Mudei até mesmo o meu modo
de vestir e agir, apenas para ser o que ele precisava em frente às câmeras.
Quantos absurdos.
Ah, como as coisas mudavam nessa vida. Sentia uma grande idiota
hoje em dia ao lembrar disso. Bruce não tinha nenhuma qualidade além da
incrível beleza.
Mentira. Ele tinha algumas ótimas, que o faziam manter-se na
política. Ele era incrivelmente eloquente e observador. Provavelmente foi
isso que fez com que eu caísse na sua conquista. Foi muito fácil ver as
fraquezas de uma garota sozinha no mundo e romântica ao extremo.
Pergunto-me como ele conseguiu enganar as outras duas e quais eram
as fraquezas delas…
Um movimento na sacada do vizinho fez-me despertar do passado.
Nada poderia sair de bom desses pensamentos mesmo.
Como uma voyeur, movida pela curiosidade, observei o senhor de
cabelos grisalhos e rechonchudo ser puxado para fora do cômodo por uma
jovem, deixando-os ao ar livre. A moça ria enquanto caminhava apressada até
o parapeito.
O homem deslizou as mãos pelo corpo da linda ruiva. Os cabelos
foram colocados para o lado e pude ver com mais clareza a mulher.
Surpreendi-me.
Aquela era a Kimberly?
Eu não havia pintado o cabelo dela de loiro há dois dias? Estava ruiva
agora? Como assim? Aquela garota parecia um camaleão.
Eu devia parar de olhar. Não era certo continuar com meus olhos tão
vidrados na casa dos outros. Eu nem devia observar enquanto uma das
minhas clientes fazia um strip-tease para um velhote, mas eu não podia parar
de pensar que aquilo devia ser mais que imoral. Literalmente um abuso!
Quantos anos aquela garota tinha, afinal de contas? Não devia estar
ali com um velho decrépito como aquele.
O que eu faria? Meter-me em um assunto que não me pertencia?
Ligar para a polícia avisando que estava bisbilhotando a vida alheia e vi uma
garota envolvendo-se com um homem que tinha idade para ser pai dela?
Antes que qualquer uma das perguntas que rondavam minha cabeça
fossem respondidas, vi, em segundos, os acontecimentos se desenrolarem.
Kimberly retirava as alças do vestido vermelho vivo pelos braços E o
segurava para que não caísse. Ela então empurrou o homem de volta para
dentro do apartamento, até ele sentar-se em uma cadeira, ainda visível. Com
movimentos sensuais e um balançar que denunciava a música no ambiente,
ela rodeou o homem deslizando suas mãos por ele.
Lentamente, Kim enfiou uma mão dentro do vestido enquanto
sussurrava qualquer coisa no ouvido do homem. E antes que eu pudesse
desviar os olhos, vi o homem tentar levantar-se e ser impedido por aquela
garota tão magra.
Fiquei sem entender o que estava acontecendo, até notar a faca
passando pelo pescoço dele e o sangue brotando da ferida.
Os olhos do velho arregalaram-se e o sorriso dela expandiu enquanto
o corpo dele caía no chão, contorcendo-se. Retirando um pano de dentro do
vestido, ela limpou a faca. Os seios ainda estavam à mostra, e eu não sabia
como processar aquela cena. Como a mulher que testemunhei matar um
homem a sangue frio poderia ser a doce e carente Kim?
Assustei-me tanto que tive que levar a mão a boca para suprimir um
grito. Lis remexeu-se em meu colo, incomodada com meus movimentos
abruptos. Por um momento saí do campo de visão da cena, desviando a
atenção para minha filha.
Quando meus olhos voltaram para a sacada, Kimberly já não estava
lá, a cortina fechada, cobrindo a cena. Era impossível ver dali o corpo inerte
do velho caído no chão, cheio de sangue. A sacada não era perto o suficiente
para que tivesse visto tudo em detalhes, mas também não era longe o
suficiente para que aquele rosto perdendo a vida não tivesse o poder de me
assombrar pelo próximo ano.

— Preciso que você repita mais uma vez os acontecimentos, moça – o


policial carrancudo perguntou-me sem nenhum tato.
— Pelo amor de Deus, quantas vezes você quer que eu repita isso? –
Minhas mãos tremiam enquanto tentava levar o chá à boca.
Depois de presenciar aquela cena horripilante, liguei para a polícia e
relatei os acontecimentos. Expliquei que não poderia sair de casa e eles logo
se disponibilizaram a vir ao meu encontro para verificar o fato. Logo depois
liguei para Kate, que não pensou duas vezes antes de pegar um táxi e vir nos
encontrar. Ela providenciou o chá para me acalmar e agora estava no quarto
com Lis, garantindo que a pequena não acordaria e nem iria até a sala ver a
cara intimidadora dos dois policiais à minha frente.
O velho senhor grisalho que me interrogava aparentava ser o mais
experiente no trabalho. Com um quepe e o bloco de anotações, o homem
carrancudo não parou de fazer perguntas desde que cheguei. Enquanto isso, o
segundo parecia apenas um menino. Magro, alto e, ousaria dizer, com
algumas espinhas na cara. O pobre coitado devia estar angustiado para ajudar,
mas apenas andava de um lado para o outro da sala.
— Espero que você entenda que preciso garantir a veracidade das
coisas. Também precisarei que vá até a delegacia pela manhã e relate tudo
novamente. – Estremeci só com a ideia de fazer aquilo. — Você falou que a
assassina era sua cliente?
Não pude deixar de notar o cinismo na voz dele. Mas que droga, o
homem não acreditava em mim? Era isso? Então que merda eu estava
fazendo ali?
Antes que eu pudesse respondê-lo da forma que deveria, o interfone
tocou e fui atendê-lo.
— Senhorita Hall, há um outro policial aqui.
— Apenas Lisandra Drake, por favor. — Suspirei, cansada de tudo
aquilo – Qual o nome dele? — Eu que não correria risco de colocar outro
estranho aqui em casa.
— Carter. Will Carter. — Virei-me para os dois policiais e pronunciei
o nome do indivíduo. Com o acenar de cabeça deles, liberei a entrada do
homem – Lisandra… — A voz do porteiro vacilou um momento. — Está
tudo bem?
— Não, Drake. Nada está bem. Mas depois te explico. — Desliguei o
interfone e voltei até os policiais.
Cumprimentei o novo policial assim que chegou. Este não estava com
uma cara tão boa. O terceiro sujeito tinha mais a aparência esperada de um
policial. Alto, forte e sério. Sem dar muita atenção para a mim, ele foi direto
até o velho ranzinza e cochichou qualquer coisa em seu ouvido. A medida
que as palavras eram escutadas, os olhos do homem arregalavam-se.
— O que foi…
— Um momento, senhorita. — Pela primeira vez o homem estava
sendo gentil comigo. De alguma forma eu sabia que haviam encontrado o
corpo. Sabiam que eu não mentira.
Meia hora depois eu ainda esperava para retomar o relato. Desde a
chegada do terceiro rapaz que não paravam de fazer ligações e ter pequenas
conversas sussurradas.
— Está tudo bem, amiga? — Kate apareceu, sentando-se ao meu lado.
— Não sei se um dia ficará. Eu fecho meus olhos e… — Um frio
percorreu meu corpo só de tentar relembrar a cena.
— Senhorita Hall. — O policial rabugento enfim voltou sua atenção
para mim. – Espero que entenda que meu trabalho é desconfiar das pessoas.
— Não. Seu nome, senhor?
— Evans. Jay Evans.
— Não, senhor Evans. Desculpe, mas como posso entender? Na
minha humilde ingenuidade, eu acreditava que policiais tinham o trabalho
proteger pessoas como eu. — O tal do policial Carter deixou escapar uma
risada anasalada, mas mudou o semblante ao ser advertido por Evans com o
olhar.
— Você não tem ideia de quantas vezes escutamos mentiras. De
trotes até assassinos tentando se livrar da culpa.
— Não sou um deles — eu disse, firme, e o vi acenar envergonhado.
— Sabemos disso, senhora.
— Encontraram o corpo, não é mesmo? — O medo instalou-se em
mim. O suor escorreu por minhas costas e um mau presságio me assolou.
— Sim, senhora. Encontramos. — O tal agente Carter respondeu
calmamente.
— As câmeras de segurança não estavam funcionando. Tudo fora do
ar. — Ele continuou e eu soube que não acabava ali. – Além do homem que
você viu, encontraram mais um corpo no prédio. Um dos funcionários de lá.
— Qual o nome dele? — Um nó se formou na minha garganta.
— Só um minuto. — Ele mexeu por um momento nas anotações e
aquilo pareceu levar horas. — Dylan Smith.
Minha vista escureceu por um momento e levei minhas mãos à boca.
Lágrimas grossas e intensas caíram por meu rosto.
— O segurança Dylan? — Kate perguntou com os olhos tão
assustados quanto os meus.
Não podia ser verdade. Em que raios de pesadelo eu estava
envolvida? Era isso, só podia ser… Um pesadelo. Em algum momento eu
acordaria com o choro de Lis e tudo acabaria.
— Senhora? — Evans chegou um pouco mais perto de mim e segurou
minhas mãos. Meu corpo estava paralisado, tremendo dos pés à cabeça. —
Você precisa acalmar-se para agirmos rápido.
— Do que você está falando? — sussurrei, tentando voltar para o
mundo real e entender o que aquele homem ainda queria de mim.
— Você precisa arrumar suas coisas.
— Coisas?!
— A senhora tem noção de que presenciou a morte de Frank
Romano?
— Quem? — Kate verbalizou o que eu não conseguia naquele
momento. – Quem é esse tal de Romano aí?
— Não importa muito no momento. Você só precisa saber que agora
está em perigo. Mais do que imagina…
O SOM ESTRIDENTE DO DESPERTADOR ACORDOU-ME
AQUELA manhã. Bufei, inconformado com a obrigatoriedade de levantar.
Eu gostaria de permanecer naquela cama o resto do dia, mas não podia.
Meu humor matinal estava cada vez pior. Levantei, enjoado de tudo
isso. De ter que ir para trás de uma maldita mesa e mexer em coisas
burocráticas mais uma vez. O importante era que a minha vaga como agente
de campo ainda estaria lá quando eu fosse liberado desse maldito castigo. Era
nisso que eu acreditava.
Como todo e qualquer dia, comecei meus exercícios antes mesmo do
café da manhã. Precisava amenizar meus nervos para ir até aquele lugar e
sorrir, como se tudo estivesse bem. O que não estava.
Mergulhar em papeis e mais papeis. Pura burocracia. Era essa a
realidade de trabalhar na polícia durante quase metade do tempo. Se tivessem
me dito isso antes talvez eu tivesse virado bombeiro.
O problema não era mexer com a parte chata, mas sim fazer apenas
isso. Tudo por causa de uma maldita punição.
Aumentei a velocidade da esteira para ver se o meu humor melhorava.
Quando decidi entrar no FBI, não imaginei que incentivaria meu
irmão mais novo a fazer o mesmo. Afinal, nosso pai morrera trabalhando e
isso já era motivo suficiente para convencer-nos a evitar tamanha besteira.
Essa era a afirmação da minha mãe enquanto ainda estava viva… Que, para
infelicidade dela onde quer que esteja, nem deu resultado.
Não deixei de sentir orgulho quando ele lutou e passou pelos testes e
conseguiu uma vaga na Academia, em Quântico. Depois disso entrei em uma
missão, que me obrigava a infiltrar com disfarce, um projeto grande e me
infiltrei na máfia de Nova York, cortando assim momentaneamente grande
parte do contato com minha família por quase dois anos.
Mas que raios eu podia fazer quando as coisas fugiram do controle?
Custava alguém dar um telefonema e avisar que meu irmão estaria naquele
maldito restaurante? Eu com toda certeza teria buscado soluções melhores e
não feito merda! Que inferno! Agora eu pagava minha falta atrás de uma
mesa, enquanto o departamento me distanciava dos Agentes Especiais por
tempo indeterminado.
Trinquei os dentes pensando em como ousaram culpar-me por um
erro que eles mesmo cometeram. Em que mundo acharam que eu ficaria
tranquilo e feliz ao deparar com meu irmão naquele restaurante? E o pior de
tudo foi que ele passou a me odiar por isso.
Talvez a minha revolta e os palavrões que soltei aos quatro ventos
enquanto meu chefe repreendia-me tenha aumentado consideravelmente o
tempo de castigo. Mas que se dane. Eu ainda estava irritado com todos eles.
Terminei de malhar ainda com a fúria me consumindo. Não havia
feito toda aquela merda, trabalhado como um condenado e feito minha mãe
morrer magoada comigo apenas para ficar atrás de uma mesa durante horas a
fio.
Comi um lanche reforçado, peguei meu carro e fui em direção ao J.
Edgar Hoover Building. Mais uma manhã qualquer em um dia qualquer. Era
só isso o que me esperava naquele lugar. Pelo menos deixaram-me ficar em
Washington, assim passei os últimos meses de vida de minha mãe ao lado
dela.
Antes de chegar ao prédio, recebi a ligação da minha irmã do meio.
Ela queria saber qual a possibilidade de eu ficar com Stefani, minha sobrinha
mais que inquieta. Não me surpreenderia se a garota virasse alguém da área
de segurança pública, como os tios. Ela amava o que fazíamos e detestava
ficar parada. Pensando bem, acredito que apenas a mãe dela odiaria isso. Sim,
a incrível corretora Amber Willians ficaria louca caso a filha seguisse por
esse caminho.
Após dizer que me organizaria no trabalho e ficaria com a pequena,
desliguei o carro e caminhei de volta até minha entediante vida. Pelo menos
estava acabando aquele maldito ano de castigo. Que inferno!
— Ei, James. Tem gente te esperando no escritório. — Foi o que
escutei assim que passei pelas portas de aço no meu andar. Franzi o cenho,
achando estranho. Não tinha nenhuma visita ou reunião agendada.
Independentemente de quem fosse, não reclamaria de esperar um
pouco mais. Passei na cozinha e peguei um café. Fechei meus olhos e pedi
que, quem quer que fosse, viesse com boas notícias. Se alguém aparecesse
aqui para dizer que algo aconteceu com Jake, eu cometeria um assassinato.
— Bom dia! — Cumprimentei o senhor de terno e gravata que
levantou-se da cadeira em frente à minha mesa assim que cheguei. Ao menos
colocaram-me em uma sala sozinho, em vez de deixar-me naqueles infelizes
cubículos.
— Bom dia, senhor Willians — ele respondeu-me assim que apertei
firme a mão do homem grisalho. Uma pasta com o símbolo da U.S. Marshal
estava em cima da mesa. Levantei uma sobrancelha e esperei que
continuasse. — Meu nome é Jay Green e estou aqui para te entregar uma
missão.
— Missão? Do tipo fora dessa sala? Está me dizendo que voltarei
para o campo junto com a U.S. Marshal?
— Jamais poderão te acusar de não ser um homem direto. — Ele
indicou que eu sentasse. Ocupei o meu lugar e fiquei à espera de explicação.
– Você não entrará para a U.S. Marshal, se é essa a sua preocupação.
— Sinto-me agraciado. — Não consegui esconder o alívio, fazendo-o
rir. Mas o que eles queriam então? Eu era um Agente Especial do FBI. Havia
feito o meu melhor para entrar na mesma organização que meu pai, e não em
outra qualquer. — Não me entenda mal, senhor Green, não estou
menosprezando o seu trabalho…
— Nem havia pensado nisso. Acredito que assim como eu, tem
verdadeira paixão por onde trabalha — ele pontuou antes de começar o
motivo da vinda dele. – Vamos deixar as formalidades de lado. Temos pressa
nesse serviço.
— Do que precisam?
— Você, melhor do que ninguém, consegue entender o problema da
burocracia para nós policiais, certo? — Acenei com a cabeça enquanto corria
o olhar pela sala, esperando que ele continuasse com o discurso. – Para que
alguém consiga entrar no seleto grupo de Proteção a Testemunha não é algo
rápido ou simples. Demanda tempo. Principalmente quando temos uma
criança envolvida. — Prendi a respiração… Que não fosse o que eu estava
pensando. – O problema nesse caso é que não podemos correr riscos. O
tempo seria um problema muito grande. — Droga, era exatamente aquilo.
Agora sim o dia começava com chave de ouro.
— Você quer que eu sirva de babá para alguém?
— Se você quer chamar assim. — O homem deu de ombros,
despreocupadamente. Claro, não seria ele. — Quero que proteja uma mulher
e sua filha. Pelo menos até toda a documentação sair…
— Conversaram com Richard? — Tinha esperança de que meu chefe
pudesse barrar essa loucura.
— Foi ele que me indicou seu nome. — Um sorriso despontou no
rosto do delegado. Engoli o xingamento.
— E o que ela fez? — Não podia deixar de desconfiar das pessoas.
Ser mãe e ter uma criança envolvida não a fazia inocente. Infelizmente isso
era um vício que o trabalho no FBI me fez criar.
— Presenciou a morte de Frank Romano.
— O quê?! — gritei tão alto que as pessoas que estavam do lado de
fora da sala pararam para nos observar – Frank Romano morreu?! —
sussurrei, sem graça, para que ninguém escutasse.
— Sim. Essa madrugada. Segundo a senhora que você ajudará a
proteger pelos próximos meses nos contou, uma mulher que ela conhecia
pelo nome de Kimberly cortou a garganta do homem. E por favor, senhor
exposição, seja mais discreto. — O homem repreendeu-me e revirei os olhos,
entediado. Inferno de erro que me perseguiria para sempre. Não era minha
culpa se desconfiaram de mim naquele maldito restaurante.
— Que jeito mais pífio de morrer. Quem diria que um dos chefes da
máfia morreria de forma tão ridícula — falei, decidido a mudar de assunto.
Ele balançou a cabeça em concordância e entregou-me a pasta nas mãos.
Abri-a e comecei a analisar. Duas fotos, presas em um único clipe,
com uma pequena ficha com informações pessoas. Local e data de
nascimento, nome, sobrenome, profissão e outras coisas que leria quando
tivesse tempo. A imagem de uma mulher com cabelos castanhos claros e
olhos cor de mel apareceu diante de mim. Pela ficha, ela tinha vinte e sete
anos, enquanto a garotinha com sorriso inocente e cabelos loiros e ralos, na
altura dos ombros, mal chegara aos três.
Pobre criança. Apenas uma inocente nesse horror de mundo. Lembrei-
me de Stefani e senti uma necessidade de cuidar daquela garotinha.
Como alguém tinha a capacidade de enfiar-se no meio da máfia com
uma criança tão pequenina? O que fez essa mulher se envolver com pessoas
tão detestáveis? Eu sabia que a vida dentro do crime organizado não era nada
fácil, e sair era quase impossível. Nem todos envolviam-se por livre e
espontânea vontade, isso é um fato…
Mas quem me garantia que não estava incumbido de proteger a vida
de uma mulher tão imoral quanto as pessoas que estava denunciando?
— E quando esse serviço começa? — perguntei, fechando a pasta e
deixando-a ao meu lado, ignorando todos os outros dados.
— Hoje mesmo. Ela está no avião com a criança a caminho de
Washington.
— Quer dizer que nem tenho escolha? — Eles não cansavam de me
castigar?
— Se quiser sair de trás dessa mesa ainda esse ano? Não. — Entendi
perfeitamente a ameaça velada.
— E onde ficaremos? — rendi-me ao que podia ser minha única
oportunidade de voltar à ativa por um longo tempo.
— Durante a próxima semana na sua casa. Depois disso escolheremos
um lugar para ficarem enquanto preparamos a nova papelada.
— E quanto tempo isso demora? — A falta de informação deixava-
me impaciente.
— Não sabemos ainda, Willians. Temos uma criança envolvida. É
muito complicado e improvável que ela aceite trocar de nome facilmente.
Tudo tem que ser feito com cautela para que a menina não dê com a língua
nos dentes quando assumirem a nova identidade.
Acenei com a cabeça, aceitando meu martírio. Isso poderia durar
meses. Mas o que mais eu queria? Pelo menos sairia de trás dessa maldita
mesa. Para ficar de segurança particular de uma mulher inescrupulosa e sua
doce filha. Você terá tanta ação em sua vida como numa comédia romântica.
Algo me dizia que nada seria fácil naquela maldita missão, mas já
seria o começo de algo. Eu retornaria à ativa… Isso era o que eu estava
esperando todos esses anos, certo?
— Ok, senhor Green. Estamos combinados.
COM AS MÃOS AINDA TREMENDO, COLOQUEI AS
ROUPAS DE LIS EM uma pequena mala. A minha já estava pronta, na sala
de estar. Deixei uma mensagem para Bruce dizendo que estava viajando com
nossa filha. Era tudo o que ele precisava e merecia saber. Ele nunca se
interessou por ela, portanto não precisava ter notícias agora.
Elizabeth nem havia recebido o nome do pai, logo estava isenta de
qualquer obrigação legal de avisá-lo ou pedir autorização para sair com ela da
cidade.
— Eu ainda estou sem entender, Lisa. Você saiu daqui rindo daquele
policial, dizendo que não iria para lugar nenhum. — Kate parecia assustada
com meu estado. Lis estava chorosa no colo dela. Pelo menos nesse caos todo
o dente havia despontado, dava para ver. — O que está acontecendo?
— Eu sei Kate, mas as coisas mudaram.
— Por que?
Fechei meus olhos e comecei a chorar. Era impossível conter a
enxurrada de lágrimas que eu tentava a todo custo segurar. Como a minha
vida pôde se transformar nesse completo caos?
Algum tempo antes tentei convencer o policial carrancudo que não
havia motivos para sair do conforto do meu lar, abandonar o trabalho e tudo o
que havia conquistado nos últimos três anos. Kimberly, ou seja lá quem era
aquela mulher, não havia me visto, portanto estava livre de preocupações.
Para ajuda-los, eu ainda tinha as imagens de segurança do salão para
que eles pudessem identifica-la. Comprometi-me então a buscá-las.
Que grande erro.
Desci o elevador e assim que cheguei na calçada, o meu salão
explodiu. As portas de vidro da Embeleze-se transformaram-se em cacos, as
câmeras de segurança quebradas, tudo que eu havia construído
transformando-se em destroços. Tudo tornou-se um completo caos. Eu não
tinha mais nada. Nenhuma imagem para provar quem era ela.
Os policiais desceram para me ver, atraídos pelo barulho da explosão.
Enquanto um deles chamava os bombeiros para conter as chamas, eu repetia
a única certeza que me restava.
— Ela me viu. Agora eu estava correndo perigo. Pior que isso, minha
filha estava.
Voltei para cima e comecei a fazer as malas, descabelada e tomada
pelo medo, diante de uma Kate preocupada.
— Destruíram a Embeleze-se. Tudo! Completamente tudo… — falei,
entre soluços. — Eles explodiram tudo o que construí.
— O quê? — O grito de Kate assustou Lis. Meu Deus, os meus
nervos estavam à flor da pele. — Calma, pequena, não se preocupe.
Levei minhas mãos até o rosto. Estava cansada, irritada, nervosa, um
misto de emoções que tiravam de mim o controle da própria vida. Eu só
queria acabar com aquele pesadelo.
— Eu não posso ficar aqui com minha filha correndo perigo.
— Já pensou em entregá-la para Bruce?
— E o que ele faria com ela? Atiraria a pequena aos leões, muito
provavelmente. Não posso.
— Senhora, quem é Bruce? — O policial novato apareceu no batente
da porta. – Desculpa me intrometer, mas vim ver se a senhora precisava de
ajuda e escutei a conversa. Precisamos saber se mais alguém pode estar
correndo riscos.
— Ele é o pai da minha filha. Ele nunca a assumiu, mas paga as
contas — confessei, um pouco consternada.
— Tem o nome dele na certidão?
— Não — respondi, franzindo o cenho. Mas o que raios isso faria
diferença?
— Nesse caso acho que não teremos problemas. Não devem chegar
até ele. — Respirei aliviada.
— Tem certeza? — pronunciei aquilo apenas por desencargo de
consciência. Se algo acontecesse com esse homem por minha culpa, por mais
que eu não o amasse mais, me sentiria culpada.
— Seja lá quem ela for, já chamou muita atenção por uma noite. Não
deve pesquisar sua vida tão a fundo.
Acenei e decidi terminar meus afazeres.
Despedi-me de Kate pouco mais de duas horas depois. Abracei minha
amiga e recebi várias recomendações. Não sabia quando a veria de novo, e
isso me doeu no coração.
— Mamãe, para onde a gente tá indo? — Lis deixou sua dúvida
escapar quando estávamos no carro da polícia em direção ao aeroporto.
— Para um lugar novo, minha pequena. Vamos descobrir juntas. O
que acha dessa aventura? — Tentei usar um tom animado de voz para
acalmá-la.
— Vou ver meus coleguinhas da escola? — Neguei, vendo-a
entristecer – Então é uma aventura bem chata. — O policial que nos escoltava
sorriu.
— Garotinha esperta.
— Sim. Ela é. — Aconcheguei-a um pouco mais em mim.
Mil coisas passaram por minha cabeça no curto espaço entre meu
antigo apartamento e o aeroporto. E se ela fosse alguém com contatos na
polícia? E se o homem que me levava para meu destino agora fosse um de
seus capangas? Por que estavam me ajudando tanto?
Tentei tirar esses pensamentos da cabeça. Seria muito fantasioso que
essas coisas estivessem acontecendo comigo. Parecia coisa de filme de ação.
A vida não era assim, certo?
Um frio me percorreu a espinha. A vida também não deveria conter
cenas grotescas de assassinatos no vizinho. Preferia apenas reclamar da vida e
da incapacidade do pai da minha filha ser mais do que apenas um homem
desconhecido. Meus dias deveriam ser simples, como uma mulher qualquer
no meio de Manhattan e nada mais.
Tudo e todos começaram a tornar-se suspeitos em potencial ao meu
redor. O policial bom, o carrancudo, o novato e até mesmo este que me
levava ao aeroporto. Eu não conseguia confiar em mais ninguém além de
mim mesma.
Suspirei aliviada quando paramos em frente ao La Guardia. Fui
escoltada discretamente até a porta da aeronave pela pista do aeroporto. Eu e
Lis já estávamos devidamente instaladas quando os primeiros passageiros
começaram a encher a estrutura de aço. Era a primeira vez que minha
garotinha viajaria de avião e não tinha nem preparado ela para tal façanha.
O voo foi curto e em pouco mais de uma hora já estávamos descendo
do avião. Um novo policial nos aguardava no desembarque. Com um terno
cinza, o homem alto e corpulento segurava uma placa com nossos nomes.
Olhava para os lados, me sentindo neurótica. Céus, será que sentirei essa
desconfiança das pessoas pelo resto da vida?
— Senhorita Hall. Sou o senhor Green e te levarei até o seu destino.
Fizeram uma boa viagem? — O homem estendeu a mão para mim, que a
apertei firme.
— A melhor possível nessa situação. — Ele lançou um olhar risonho
para Lis que o observava com cautela.
— Olá, princesa. Está pronta para conhecer o seu novo reino pelos
próximos dias?
— Dias? — Fiquei exasperada com aquilo. Mas que merda, ficaria
pulando de cidade em cidade? Que vida Lis levaria? O homem desviou os
olhos da minha filha para responder
— Espero que entenda que aqui é apenas provisório. Tirar vocês de
Nova York era nossa prioridade. Enquanto organizamos um novo endereço,
deixaremos você bem instalada aqui, não se preocupe.
— Tenho uma criança pequena, senhor Green. – Peguei Lis no colo
como mais uma forma de me acalmar e não enlouquecer com toda aquela
confusão. — Espero que entenda uma coisa: não existe a possibilidade de eu
achar normal ficarmos pulando de cidade em cidade.
— Espero que entenda, senhorita: nosso serviço é mantê-la em
segurança — ele respondeu ao meu ataque com um tom duro, que fez-me
sentir vergonha. – Sei o que estou fazendo, senhorita Hall. — Ele então me
sorriu e pegou levemente em meu braço para direcionar o caminho. – Chamar
a atenção para nós com toda certeza não te ajuda.
Só então percebi que alguns olhos estavam bem atentos na minha
interação com o homem. Depois disso resolvi me calar. Caminhamos até um
carro. Fui ao lado de Lis no banco de trás. O instinto materno de proteção
gritava em mim. Não podia deixá-la sozinha, nem desviar os olhos dela.
Depois de muito tempo e espera, ela decidiu começar a desbravar o
mundo novamente. Inquieta, tentava a todo custo abrir a janela e a porta do
carro. Mexeu nas garrafas de água no suporte, nos tapetes embaixo dos pés.
Ela simplesmente não conseguia ficar quieta.
Tentei contê-la a maior parte do caminho, parando apenas quando
estacionamos diante de um grande prédio. Nada ostentoso como aquele em
que eu morava, mas um espaço que parecia bom para viver.
— Antes que desça, preciso te explicar como as coisas funcionarão.
— Acenei do banco de trás para o homem a minha frente – Essa semana você
ficará na casa do homem que designamos para cuidar de você. — Senti medo
e não consegui esconder isso. Conviveria com mais um desconhecido? – Não
se preocupe. Ele é um agente especial do FBI. Sabe o que fazer e como as
coisas funcionam. Quando conseguirmos os recursos, vocês irão para outra
cidade. Um lugar onde possam se preparar para entrar no Programa de
Proteção a Testemunha.
— Teremos que nos mudar uma terceira vez? — suspirei,
desanimada.
— Infelizmente sim. O senhor Willians te dará os detalhes.
Concordei mais uma vez. O que mais eu poderia fazer? Minha vida,
minhas decisões e escolhas todas foram tomadas das minhas mãos. Havia me
tornado apenas uma expectadora da minha própria história.
— Apartamento 805 — ele disse e abriu a porta para mim. Teria que
ir sozinha? — Discrição, senhorita Hall. Quanto mais, melhor. — O policial
adivinhou o que se passava na minha cabeça.
Desci do carro e dei minha identificação na portaria. Com a
autorização do porteiro, comecei minha caminhada até o elevador, com Lis
ao meu lado. Meu corpo todo tremia. Ansiosa e amedrontada. E se tudo for
uma armação? E se esse homem for perigoso?
Os inúmeros filmes que já assisti em toda minha vida querendo me
assustar repassaram diante dos meus olhos. Todo tipo de complô se formava
na cabeça. Será que errei ao confiar na polícia?
Assim que desci do elevador, detive-me no corredor. Um medo me
assombrando. Consumindo meu ser. A certeza de que tudo mudaria quando
entrasse naquele apartamento me assolava.
Uma vontade absurda de virar e sair pelo mundo surgiu. Poderia ligar
para Bruce, explicar o que havia acontecido e pedir para que me ajudasse a
mudar de país. Eu podia ameaçar a carreira dele, dizer que exigiria um teste
de DNA em rede nacional, qualquer coisa para garantir a segurança de Lis.
Ou então, entregaria minha pequena para ele. Ele poderia dizer que
era a filha de uma prima distante que havia perdido os pais. Ele ganharia
muitos pontos com os eleitores, sendo um homem tão bom e generoso.
Levei as mãos até meu colar. A medalha de Santa Mônica, que recebi
de minha mãe antes de seu falecimento, foi pressionada entre meus dedos. O
que eu devia fazer?
Antes que eu pudesse tomar qualquer decisão sobre ir ou ficar, uma
porta se abriu no final do corredor. Um homem alto despontou ali e ficou a
me observar. A camiseta preta de manga comprida colada ao corpo atlético, a
calça jeans azul marinho igualmente presa as coxas, a barba rala, o rosto
moreno e os imensos olhos a me observarem.
Ele franziu o cenho por um momento. O semblante se suavizou antes
de pronunciar as palavras a seguir:
— Senhorita Hall, ficará aí o dia todo? — a potente voz me fez
estremecer. Ele seria o policial que me ajudaria? Esse jovem e belo homem?
— Eu… desculpe. — Não havia outra opção senão entrar e desejar
com todas as minhas forças que ele fosse alguém que cuidasse de nós.
Um protetor. Ele tem que ser meu protetor. Fiz uma pequena prece
para o universo e a Santa Mônica. Que ao menos dessa vez eles me
escutassem.
LINDA, VOLUPTUOSA, FEMININA E DOCE. Seria ela um
troféu? Essa mulher tem todas as características para isso.
Muitas acabavam nesse meio por engano. Procuravam uma vida
melhor em um lugar desconhecido, desejavam recomeçar. Encontravam então
um homem e iludiam-se com ele. Depois sentiam medo de terminarem o
relacionamento devido ao poder dele.
No mundo dos mafiosos, onde as pessoas viviam de tráfego de
mulheres, a indústria do sexo, drogas e armas, a fidelidade só existia para
com a família, jamais com as esposas e agregadas. Essas eram conhecidas por
serem determinadas, fortes, independentes e tão infiéis quanto seus parceiros.
Valia de tudo para sobreviver.
Na época em que me infiltrei, conheci a esposa de Romano. A mulher
já era uma senhora de quase cinquenta anos, mas sabia o poder que tinha com
os homens. Não cheguei a me envolver com essa família em específico, então
a vi apenas de longe, mas sabia portar-se como a esposa perfeita, alguém que
ele pudesse desfilar em qualquer ambiente, mas não a única a levar para a
cama.
Não seria estranho se Romano tivesse outras mulheres em sua vida. A
maioria deles tinha.
O senhor Green comentou que o homem foi encontrado em
apartamento em Manhattan. Um ótimo lugar para levar as amantes. Lisandra
seria uma delas?
Se eu fosse inexperiente, aquele olhar doce e assustado poderiam até
fazer com que confiasse nela, mas havia passado muito tempo entre os
bandidos para saber que todos, sem exceção, aprendem com excelência a arte
da dramaturgia.
Especulações. Por enquanto tudo era apenas especulações. Aos
poucos, descobriria tudo que precisava.
— Vai ficar aí? Entra. — Acenei e a vi recuar um passo. Levantei
uma sobrancelha.
Respirando fundo, ela pegou firme pela mão da pequena menina
agarrada em suas pernas e caminhou até mim. Entrou e logo Stefani apareceu.
Minha sobrinha era um pouco mais velha que a filha dela , o que seria
perfeito para aliviar um pouco o medo e a desconfiança. As duas teriam
tempo para brincarem enquanto os adultos conversavam.
Quando descobri que as duas estavam quase chegando, decidi ligar
para minha irmã e buscar minha sobrinha mais cedo. Amber não se opôs e
achei ótimo.
— James Willians — estendi a mão que foi firmemente apertada
— Lisandra Hall.
— Stefani, essa é uma amiguinha para você. O nome dela é Elizabeth.
Que tal você ir mostrar as suas bonecas para ela?
A mulher segurou a filha um momento, preocupada.
— Tem mais alguém na casa? — Minha cabeça dava voltas, confuso
com o modo que ela reagia, na defensiva. Alguma coisa não estava certa.
— Não. Mas posso te mostrar, vem! — Dei uma volta em todo o
apartamento de três quartos para que a mãe da garotinha se sentisse mais
segura. Depois de abrir portas até mesmo dos armários, a mulher meneou a
cabeça e liberou as crianças para irem brincar.
— Filha? — Eu neguei.
— Stefani é minha sobrinha. Achei que seria bom ter alguém para
brincar com Elizabeth enquanto conversamos.
— Certo! Vai distraí-la. — Ela olhava por toda a casa, incomodada
com algo que ainda não descobrira. Mas tinha de respeitar o medo da mulher.
Mesmo que estivesse acostumada com a máfia, a posição dela era
complicada. Ir contra a famiglia dificultava tudo.
— Sente-se. — Apontei o sofá e ela fez o que pedi. — Conte-me,
estava com Romano na hora? Elizabeth é filha dele? Você é uma nova esposa
– por mais que eu soubesse que não, precisava descobrir se ela mentiria. – Ou
apenas amante?
A raiva faiscou nos belos e doces olhos. As mãos abriam-se e
fechavam. Parece que eu a ofendi. Ótimo. Então não devia ser amante dele, o
que muito provavelmente queria dizer que estava com uma filha legítima de
do cara, talvez. Essa coisa toda ia ser pior do que estava imaginando.
— Esposa? Filha? Amante? Em que mundo você vive?! — O rosto
estava de um tom vermelho vivo, a boca em uma linha fina, as lufadas de ar
saindo do pulmão em intervalos pequenos. Aumentando o volume da voz ela
me lançou um olhar assustador. – Vocês não leem sobre o caso antes de sair
acusando inocentes dessa forma? — Ela levantou-se e andou de um lado para
o outro, marchando como um general.
— Abaixa o tom de voz. Você vai assustar a sua filha e minha
sobrinha. — Levantei-me de pronto. O corpo rijo, os olhos estreitos, os
dentes trincados. — Se você está acostumada com isso para Elizabeth é um
problema seu, mas Stefani não está acostumada a ver barraco. — Lisandra
começou a conter-se, apesar de ser visível que estava furiosa. – E
respondendo a sua pergunta, foi tão rápido para você quanto para nós. Tudo o
que sei é seu nome e idade. Não analisei mais nada do caso. — Indiquei o
sofá para que ela voltasse a sentar. — Agora peço que me explique.
— Eu sou inocente — ela foi firme na resposta, mas eu apenas bufei.
— Sou policial, Lisandra. Essa de eu sou inocente não cola comigo. E
acredite, enquanto eu estiver protegendo o seu traseiro, você vai agradecer
por eu ser um homem desconfiado.
— Isso não é forma de se falar com uma dama — ela resmungou com
os dentes trincados.
— Até onde eu sei você é da máfia e está acostumada.
Eu sei que estava sendo rude, mas era quase impossível deixar esse
lado bruto para trás quando o envolvimento com bandidos era recorrente na
vida de um policial.
— Não sou da máfia — ela decidiu esclarecer as coisas e agradeci aos
céus por isso.
— Então como estava no mesmo ambiente que um mafioso e o viu ser
morto? — Ela respirou fundo, tentando manter a ira enclausurada.
— Não estava no mesmo ambiente. Vi tudo pela janela.
Assim a mulher me explicou tudo. Onde morava e a vista da sacada
que ela tinha. Aproveitou para explicar que dois dias antes havia pintado o
cabelo da tal loira que matou o chefe de uma das cinco famílias da máfia
nova-iorquina, que apresentou o segurança do prédio do apartamento de
Romano para ela no mesmo dia e descobriu que ele havia sido encontrado
morto. Por fim, explicou o acontecido no salão de beleza e de como duvidava
ser coincidência aquela explosão.
O depoimento da mulher foi ótimo para me encher de remorso pela
forma grosseira com que a tratei logo de cara. A pobre estava passando por
problemas, a vida sendo revirada pelo avesso, a liberdade tirada no susto. Um
pouco de empatia cairia bem por aqui.
Além disso, escutar tudo o que ela tinha para dizer mostrou-me alguns
pontos que deveriam ser anotados.
Seja quem for a assassina, a mulher era esperta. Havia agido de forma
a não deixar pontas soltas. Foi para o salão tantas vezes para criar intimidade
e conhecer o movimento e funcionamento do prédio que provavelmente
invadiu. E seja lá qual for o motivo do assassinato, tinha algo pessoal ali, já
que a assassina conhecia a vítima. Se pretende matar alguém famoso e
perigoso como Romano, o faria escondido no quarto e não em uma sacada
onde poderia ser visto. Ela teve algum objetivo para cometer aquele crime na
frente de uma plateia.
O que ela queria com aquilo? Provar algum ponto? Mostrar a
determinação dela? Ousadia? A loira misteriosa tinha algum motivo e eu
precisava descobrir qual era.
Mas para o azar dela, a senhorita Hall estava no lugar e hora errados,
trazendo um contratempo para os seus planos.
— Você contou para o pai de Elizabeth onde está?
— Não! Mas terei.
— Não, não terá. — Ela levantou uma sobrancelha questionadora. —
Senhorita Hall, não podemos deixar ninguém descobrir onde você está e
muito menos o porquê. Além do que, quando a documentação estiver pronta,
será uma nova pessoa e deverá deixar todas as coisas para trás, incluindo o
passado com seu ex.
— Eu não posso sumir com a filha dele do dia para a noite sem uma
explicação, por mais que ele não a queira. Poderá usar isso contra mim depois
— suspirei ao ouvir aquilo porque sabia, ela tinha razão.
Essa história não seria fácil para mim, nem para ela. Teríamos que
pensar em como organizar tudo isso e rezarmos para que a burocracia fosse
bem rápida dessa vez, já que eu duvidava que as coisas com a máfia se
resolveriam algum dia.
— Vamos fazer da seguinte forma. Você ligará para ele do seu
telefone. Ainda o tem? — fiz a pergunta de praxe, mas quando ela concordou
tive uma vontade bem grande de bater em alguns policiais. Eles já deveriam
ter tirado todos os pertences eletrônicos da mão dela. – Bom, vai falar que
ficou com medo depois do que aconteceu com o seu empreendimento e
enquanto eles arrumam as coisas, decidiu sair de férias com Elizabeth para
não assustá-la mais. Diga que vai visitar sua mãe ou qualquer coisa do tipo.
— Meus pais já estão mortos — ela ficou meio entristecida. Devia
deixar um sinto muito escapar por meus lábios, mas apenas assenti e
continuei.
— Como eu disse, qualquer coisa do tipo. Depois disso, enquanto
estiver comigo você ligará para ele de um número diferente toda vez. Uma
vez por mês. — A menção do tempo fez com que ela ficasse espantada. Se
achava que em alguns dias os problemas dela estariam resolvidos, eu sentia
muito por ter que desiludi-la. — Vamos nos livrar do seu número atual e do
celular, compraremos um novo depois. Antes de sairmos de Washington você
sacará todo o dinheiro que achar necessário. Não se preocupe que o FBI nos
financiará nos próximos meses.
— Preciso levar Lis para o dentista. Tenho de sacar dinheiro hoje. —
Crianças sempre eram mais complicadas. Eu sempre soube, mas nunca tive
que passar por isso.
— Vou pegar o dinheiro, depois você me paga. — Levo as mãos ao
rosto, tentando colocar os pensamentos em ordem. – Preciso que você faça
três coisas para mim a partir de agora. Um, nunca dê seu nome completo e
nem o de Lis. Dois, não diga para ninguém conhecido onde você está. Só
passar cartão em banco ou compras no dia… Não, no dia não, na hora que
estivermos mudando de cidade.
— Estou me sentindo em um filme de ação. — Ela levantou-se,
andando de um lado para o outro. As mãos subiam e desciam pela calça
jeans, como se tentasse enxugar o suor ali presente, mas esse gesto só
conseguia fazer com que olhasse para aquelas pernas grossas. Que Deus me
ajudasse, pois eu não ficaria imune a esta mulher.
— Fique tranquila. As coisas na vida real são bem menos
emocionantes. Se tudo der certo nem teremos perseguição de carros ou
tiroteios.
— E se não der?
— Bom… Nesse caso rezará para estar em um filme de ação e não na
vida real.
Levantei-me e fui até o quarto. Ali peguei algumas pastas que tinha
guardado da época que estava infiltrado em um dos estabelecimentos que eles
extorquiam. Peguei uma em específico. Ali eu tinha todas as informações,
fotos e documentos que consegui sobre cada membro importante daquela
maldita instituição.
Voltei para a sala e joguei a pasta na mesa de centro. Sentei-me no
chão e indiquei o lugar ao meu lado para ela.
— Olhe atentamente cada uma dessas fotos. Vamos ver se eu sei
quem é essa tal de Kimberly.
As imagens foram descartadas aos poucos. Quase todas muito velhas
para descrever a tal moça.
— Nenhuma delas. — Ela jogou a cabeça no sofá e respirou fundo. –
Kimberly é só uma menina. Vinte anos no máximo.
— Vamos descansar por agora, senhorita Hall. — Precisava de uns
momentos sozinho para analisar as informações e anotar minhas conclusões.
– Depois do almoço iremos até o dentista, após deixar minha sobrinha na
escolinha. Vou pegar a indicação com minha irmã do profissional que ela
leva a Stefani.
— Lisandra, por favor. Pode me chamar de Lisandra, senhor Willians.
Algo me diz que passaremos mais tempo juntos do que o esperado — ela
sussurrou com os olhos cansados e cheios de lágrimas.
— James — respondi, estreitando aquela estranha relação que
teríamos nos próximos meses. – Eu sinto muito te dizer que sim. Sua vida
mudou, Lisandra. — Peguei na mão dela e dei um aperto reconfortante. –
Você terá que se acostumar rápido com isso. Já basta a confusão que deve
estar na cabeça de Elizabeth.
— Lis. Ela gosta de ser chamada de Lis.
— Pois terá que desaprender a gostar. Você sabe… — Ela fechou os
olhos e meneou a cabeça.
— Teremos que mudar de nome.
Ali tive pena de Lisandra. As dúvidas e suspeitas que tinha em relação
a ela foram embora. Que o universo a protegesse.
— AQUI ESTÁ. — A DENTISTA ESTENDEU-ME A RECEITA
COM A prescrição de alguns remédios. – Aplique essa pomada na gengiva
dela de seis em seis horas. Vai amenizar a dor. E depois é só seguir essas
recomendações.
— Vai melhorar? — Fiquei esperançosa quando a vi assentir com a
cabeça.
— A ideia é essa Lisandra. Senão, você vai ter que voltar aqui e
veremos o que fazer. Demorou para esses dentes saírem. — Ela sorriu para
Lis, que estava aninhada em meus braços – Por isso tanto sofrimento. Mas
agora vai passar rapidinho.
Levantamos e nos despedimos da dentista. Graças aos céus aquele
sofrimento da minha pequena acabaria. James, ao nosso lado, parecia um
daqueles seguranças de filme. Observava tudo, calado, concentrado e em
silêncio.
Saímos do consultório e fui até o carro, brincando com Lis. Convenci
James a me deixar comprar um sorvete para ela em uma das cafeterias no
caminho até o carro. Enquanto dirigíamos para o apartamento dele, paramos
na farmácia para fazer as devidas compras de medicamentos. Ele pediu que
ficássemos no carro, nos trancou ali e entrou no estabelecimento.
James havia pago a consulta e agora os remédios. Disse que depois,
quando formos partir de Washington, eu poderia sacar o dinheiro e pagá-lo,
mas por enquanto nada de usar o cartão do banco.
Às vezes, quando pensava em todos os cuidados que estava tomando,
um frio na espinha me subia. Um medo absurdo. Será que era tão sério como
ele fazia parecer? Ou era apenas para que eu ficasse amedrontada e não
tentasse escapar? Será que confiava em mim?
Ele voltou pouco depois e observei seu rosto sério e compenetrado.
Ele ligou o carro e nos colocou em movimento em silêncio. Meus olhos não o
deixaram. Observei os braços fortes e malhados sob a blusa preta colada, a
calça escura marcando as coxas. O homem era lindo. Vi o sorrisinho no canto
de sua boca. Ele sabia que eu o analisava e gostava daquilo. Conhecia
homens assim de sobra. Cheios de si, o mundo aos seus pés, fortes e
destemidos.
Observei o rosto másculo, os lábios cheios, os olhos de gavião. E
talvez tenha sido por estar tão atenta a ele que vi quando alguma coisa o fez
ficar alerta. Ele travou o maxilar, apertou as mãos no volante e os olhos iam e
vinham do retrovisor.
— O que aconteceu, James? — perguntei com uma nota de angústia
na voz.
— Nada.
— James?
— Cala a boca, Lisandra. — Ele me cortou de forma meio grosseira e
assustei-me mais ainda.
— James? — insisti e o vi se enfurecer.
— Cala a porra da boca agora mesmo ou eu não vou conseguir pensar
direito.
Depois de dito isso, calei-me, tentando ficar sem revidar e engolir a
vontade de descer do carro naquele mesmo instante.
James acelerou. Olhei então para trás e vi um carro preto e grande nos
acompanhar. Meu Deus, estávamos sendo perseguidos. Comecei a sentir-me
em um desses filmes policiais. Deus, me escuta por favor, eu preferia quando
era só o drama!Apertei a medalha de mamãe em meus dedos, com a
esperança de que minhas orações fossem atendidas. Lis estava entretida no
celular com um joguinho, com fone de ouvidos, mas já demonstrava certo
receio com a velocidade em que estávamos.
O barulho do pneu derrapando pelo chão foi audível quando James
virou a esquina. Eu não conhecia a cidade, mas ele estava indo para longe. Os
carros estavam diminuindo, as pessoas na rua também, mas continuavam
perseguindo a gente. Olhei para trás de novo e percebi que eram dois
malditos carros atrás de nós.
O barulho e intensidade da cidade foi se perdendo. No lugar disso
surgiam apenas prédios abandonados, pichações em paredes, lixo no chão.
Estávamos no meio do nada.
— Assim que eu mandar, você se abaixa. As duas — James gritou e
concordei. — Agora! — Estremeci. Abaixei e puxei Lis pelo pé, para que
fosse para baixo junto comigo. Ela deu um grito, mas não se levantou mais.
De uma hora para outra ele deu um cavalo de pau. Ficamos de frente
para os dois carros. Ousei levantar a cabeça e vi que tinha uma arma na mão.
Colocando-a para fora pela janela enquanto andava de ré, ele começou a
atirar nos dois carros.
Não conseguia tirar os olhos daquilo. Um dos carros perdeu a direção
e bateu na parede de um prédio abandonado, fazendo o outro parar. Alguns
caras saíram de dentro do veículo atirando. James parou e saiu também.
Só pensava em proteger minha filha. Por isso, pulei para o banco de
trás e abracei Lis, que chorava copiosamente, assustada. Enquanto tentava
acalmá-la, alguém abriu a porta do carro e tentou me puxar. Desesperada,
comecei a gritar e a debater, fazendo o medo da pequena só aumentar. Mas
não aceitaria ser pega. Ninguém nos levaria ou faria mal à minha Lis.
— Merda! A mulher é arisca…
— Larga ela — escutei a voz de James e o barulho da arma sendo
destravada.
— Esses idiotas não servem nem para isso? Era só manter o
segurança longe de mim. — O cara resmungou e obedeceu-o. – O chefe vai
ficar irritado ao saber que perdemos a garota.
Grudei-me em Lis. Ela tremia e soluçava sem parar.
Mas que merda estava acontecendo?!
Virei meu rosto para James, parado na porta do carro. Meu protetor
segurava a camiseta do bandido, deixando-o pendurado. Frio e calculista, ele
revistou o homem. Depois pegou um de seus braços e analisou a mão,
fazendo uma cara de nojo ao observar atentamente um anel que o homem
usava. Antes que pudesse desviar o rosto, ele deu uma coronhada na cabeça
do homem, fazendo-o apagar.
Um grito escapou de minha garganta. Abracei um pouco mais minha
filha.
— Mamãe, mamãe! — ela repetia sem parar. Onde eu fui me enfiar?
O que aconteceu com minha vida?
— Você está bem? — James aproximou-se. Só consegui negar com a
cabeça.
Ele suspirou. Pegou o celular de um dos bolsos da calça e o levou à
orelha. Deu as devidas coordenadas, explicando onde estávamos e o desligou.
Amarrou os poucos homens ainda vivos e voltou para o carro. Entrou no
banco do motorista e fez uma careta.
— Se machucou? — Notei que ele fechou os olhos com força.
— Resolverei isso em casa.
Colocou a primeira marcha e saiu.
— Não vai esperar socorro?
— Não temos tempo, Lisandra. Precisamos ir agora.
— Para onde? — minha voz falhou um segundo – Não ficaríamos por
aqui por mais algum tempo?
— Os planos mudaram, Lisandra. — Ele foi ríspido. Mas que merda
eu havia feito?
— Quero mantê-los. — Escutei um riso cínico como resposta.
— Acha mesmo que estava nos planos termos a merda da máfia nos
perseguindo? — A voz dele parecia uma trovoada. Lis se encolheu em meus
braços.
— Está tudo bem, filha — disse para minha pequenina, mas meus
olhos estavam atentos ao retrovisor.
James virou o pescoço, nos observando por um momento. Uma lufada
de ar saiu de seus pulmões.
— Desculpa! É a adrenalina. Ela ainda está alta no corpo.
Fechei meus olhos e meneei a cabeça. O que mais eu poderia dizer?
Ele estava nervoso, mas havia entrado naquela merda de situação para me
proteger. Eu era a garota que precisava de cuidados, de atenção. Havia
presenciado a morte de um do homem importante. Ele estava ali, fazendo o
seu trabalho. E muito bem feito por sinal, já que havia conseguido nos manter
vivas depois dessa perseguição.
Estacionamos no prédio onde morava pouco depois, o silêncio nos
fazendo companhia. Ele não queria falar, nem eu escutar. Assim que
passamos pela porta, ele voltou as ordens de comando.
— Faça suas malas. Sei que tem pouca coisa fora do lugar, mas se
organize. Passaremos no banco, você vai tirar o dinheiro que conseguir e
vamos começar nossa viagem. — Ele ia sair, mas não deixei. Segurei-o pelo
braço e o fiz me encarar.
— O que está acontecendo? — Ele negou com a cabeça e apontou
para Lis.
— Não agora, Lisandra…
— Só me diz porque não poderemos mais seguir os planos originais.
— Tem mais gente atrás de vocês. A coisa é muito pior do que pode
imaginar. E se sabem onde estávamos foi porque nos seguiram. Penso que
tem gente da polícia passando as informações — confessou, passando as
mãos pelo rosto.
Um frio percorreu-me a espinha! Merda, merda, merda.
Preparei nossas coisas, mesmo com Lis em meus pés. Ela não queria
me largar e eu não poderia me importar menos com isso. Ela estava
assustada, era apenas uma criança e não merecia aquela situação
— Ei, garota, o que acha de fazermos uma viagem? — Os olhinhos
cansados do choro me observavam. – Vamos em uma aventura. Igual à dos
contos de fadas. Eu, você e o tio James.
— Não quero. — A simples menção do nome dele a fez voltar a
chorar.
Abaixei-me e a fiz me olhar.
— Ele gritou e você ficou com medo… — Ela acenou e meu
semblante se entristeceu. – Sabe quando a mamãe grita com você quando está
brava? Quando desobedece ou não pode fazer algo porque é perigoso? Como
atravessar a rua sem a mamãe? — Ela fez que sim e rezei para que as coisas
fizessem sentido para ela – Tio James é igual. Ele se preocupa com nós e vai
proteger a gente.
Lis aceitou minha explicação, mas não saiu de perto de mim. Ainda
estava assustada com James. Notei a tristeza no semblante do homem que
acabara de matar alguns mafiosos sem medo. Os olhos pretos concentrados
em Lis provavam que a angústia vinha pelo pavor da minha filha diante dele.
Depois de passarmos no banco e em um drive-thru seguimos viagem.
Lis adormeceu nos primeiros minutos e agradeci por isso.
— Você matou alguém — pontuei.
— Já fiz isso outras vezes. — Ele se ajeitou no banco e vi que estava
desconfortável.
— Está machucado.
— Também não é a primeira vez — ele respondeu seco e respirei
fundo.
— Quando chegarmos vou dar uma olhada nisso. — Olhei pelo vidro
da janela. Estava começando um chuvisco e o sol havia sumido.
— Para onde estamos indo?
— Nova York.
— Para o covil dos lobos? — Fiquei incrédula e o vi sorrir.
— É exatamente onde eles não esperam que estejamos.
— James…
— Vou te explicar tudo Lisandra, mas agora me dê um tempo. Daqui
um pouco paramos em algum motel e te conto.
Concordei e me calei. Quando a chuva diminuiu ele pegou um celular
que estava no porta-luvas e me estendeu.
— Liga para o único número que tem aí.
Esperei que o telefone ficasse pronto para uso. Fui até os contatos e vi
apenas um. Pequenino. Disquei e coloquei no viva-voz. Em pouco mais de
um minuto a voz de um homem soou pelo outro lado.
— Boa noite.
— Pequenino, Anna está a sua procura. — James deixou uma longa
lufada de ar escapar pelo nariz e então desligou o celular.
ASSIM QUE ENTRAMOS, TRANQUEI A PORTA DO QUARTO
RECÉM-alugado, no motel à beira da estrada. Fiquei por mais de uma hora
dirigindo para achar que estávamos seguros. Pelo menos
momentaneamente… O lugar não era um dos piores em respeito à pequena
Lis.
Tinha um quarto, até que limpo, com uma cama de casal e outra de
solteiro. Para qualquer pessoa que olhasse, éramos um casal com a filha
seguindo viagem.
Lisandra terminou de colocar a pequena na grande cama de casal que
encostei na parede para que não caísse. Tirou os sapatos da garota, que
dormia profundamente. Ela merecia um descanso. A tarde tinha sido
tumultuada demais.
Fechei meus olhos e senti o latejar da dor. Na correria para sair da
cidade, apenas tirei a bala do braço no banheiro do apartamento, enfaixei os
ferimentos e vim. Ainda precisava fazer um curativo decente antes de me
deitar, além de tomar um banho para tirar o sangue do corpo.
— James, você está machucado — ela chamou a minha atenção assim
que eu gemi, desconfortável. — Deixa eu te ajudar?
— Antes eu preciso… — Apontei para a porta do banheiro e ela
acenou.
Peguei uma calça limpa, fui até o banheiro e tomei uma ducha mais
próxima do gelado, apenas para não aumentar o sangramento. Limpei o
ferimento do braço e o raspão do abdômen, que estava doendo como o
inferno. Enxuguei-me com cuidado e saí do banheiro apenas com a calça.
Encontrei Lisa com a toalha no ombro e uma troca de roupa. Os olhos dela
arregalaram quando me viram, passeando por meu corpo. Aquilo era muita
provação.
Assim que dei espaço, ela entrou e foi tomar o banho dela. Sentei-me
na poltrona e peguei a bolsa com o kit de primeiros socorros que guardei ali.
Peguei a agulha e uma linha para dar alguns pontos no ferimento da bala.
Pela minha experiência, dois seriam o suficiente.
Antes de conseguir picar meu braço com um anestésico, Lisa saiu do
banheiro. O cheiro doce do shampoo me atingiu, tomando conta de tudo. Um
short curto, os pés descalços, os cabelos molhados deslizando pela blusa
branca. Ela estava sem sutiã e desviei os olhos para não ser desrespeitoso,
apesar de querer vê-los em detalhes.
— Deixa eu te ajudar com isso. — Ela ajoelhou-se na minha frente e
respirei fundo. A mulher era uma visão dos deuses ali, tão perto de mim.
— Pode deixar, eu…
— Você salvou nossas vidas. É o mínimo que posso fazer — ela disse,
categórica. Pegou a agulha da minha mão.
— Você até que está bem pelo o que passamos hoje. — Ela fez uma
careta, mas nada respondeu. — Por falar nisso, desculpe-me.
— Pelo que? — Ela levantou o rosto iluminado apenas pela luz que
entrava pela janela. Que linda! Lisandra era uma mulher encantadora.
— Por atirar neles na sua frente. — Apontei com a cabeça em direção a
cama – E na dela.
— Se puder evitar numa próxima ocasião, eu agradeço muito. Caso
contrário, não hesite. Apenas nos salve.
— Ela está com medo de mim — confessei o que me parecia óbvio.
— Sim. Mas trabalharemos isso.
Sorri e fechei os olhos enquanto ela fazia seu trabalho. Assim que
terminou de cuidar do meu braço, pegou um antisséptico e passou no
ferimento da barriga. A mão suave deslizou com a gaze e arrepiei-me naquele
breve contato. Lisandra era uma mulher linda e tê-la tão perto mexia
comigo. Abri meus olhos para desanuviar os pensamentos.
Ela fazia tudo delicadamente. Talvez fossem os reflexos de uma mãe,
sempre com cuidado e carinho para não assustar a filha. Achei graça, mas não
comentei. Estava acostumado a lidar com aquilo. Sendo do FBI, já tive que
limpar machucados mais vezes do que gostaria.
Assim que ela terminou, agradeci e ela sentou na cama, encarando-me.
A mulher era bem insistente e não me deixaria em paz até que abrisse minha
boca.
— Como ela nos achou? — Foi logo dizendo.
— Não foi a assassina… — Fui sincero. Ela precisava saber com o que
estava lidando.
— Então aquilo mais cedo foi o que? — Respirei fundo antes de soltar
a bomba.
— Aqueles homens eram da Máfia.
Os belos olhos se arregalaram, a boca abriu-se levemente. O terror
estava estampado em seu rosto.
— Como você sabe, Frank Romano era o chefe de uma das famílias. Os
homens que nos perseguiram hoje eram da máfia nova iorquina, assim como
ele. Estavam atrás de você pelo mesmo motivo que a polícia te protege.
— E qual seria?
— Todos querem saber quem é a assassina.
— E como eles sabem que a vi? — Ela estremeceu e sabia que não era
de frio – E como você sabe disso?
— Porque ninguém tentou te matar, mas sim te sequestrar. A máfia
quer informação. Por isso sua situação está mais complicada.
— Claro que não. — Ela aumentou o volume de voz e se levantou. Lis
remexeu-se na cama e Lisandra xingou baixinho, recriminando-se. Andou de
um lado para o outro. – Eu vou até lá, conto o que sei e eles a pegam. Estarei
livre depois disso.
— Não é simples assim, Lisa. Eles te perseguirão se acharem que está
mentindo. Enquanto não encontrarem a assassina, você ficará em perigo.
Simples assim — sussurrei, mas fui enérgico com as palavras. A última coisa
que precisava era de Lisandra agindo como uma maluca, indo atrás da máfia.
— E ela não? — pensei na resposta que daria.
— Não sei te dizer. Nem tenho certeza sobre quem é essa mulher.
— Mas desconfia? — Confirmei. – Quem?
— Não é essa a sua preocupação agora, Lisa.
— Então qual é? — A mulher estava no limite.
Eu deveria esconder as coisas dela e acalmá-la, mas seria injusto, como
todo o resto que estava acontecendo na vida dela. Nenhuma das duas merecia
aquela desgraça e não conseguia entender os motivos de serem tão azaradas.
Deus… Essa menininha cresceria com sérios problemas se não fosse tratada
futuramente.
— O que Kimberly faria conosco se nos encontrasse?
— Te mataria e deixaria Lis a própria sorte. — Ela não mataria Lis por
prazer. Não se ela ainda fosse a garota que conheci. Se é que ainda era a
garota que imaginava.
— Como eles sabem, James? Como sabem quem eu sou?
— Assim como temos infiltrados na máfia, eles têm pessoas na polícia.
É por isso que não estamos mais seguindo os planos deles. Muitas pessoas
sabiam onde vocês estavam. Desde a equipe de Nova York até a U.S.
Marshal. Eu só confio no FBI. Por isso, estaremos apenas em contato com
meu gerenciador. Tirando isso, estamos à própria sorte.
— Tem como isso piorar? — Ela sentou –se na cama e colocou as mãos
na cabeça, os cotovelos apoiados nos joelhos.
— Se vocês forem pegas. Mas eu não deixarei isso acontecer.
Lisandra ficou em silêncio por algum tempo. Precisávamos descansar.
Mas eu sabia que ela ainda não estava satisfeita com as respostas. A mulher
diante de mim era uma guerreira. E quando estamos acostumados a lutar,
queremos sempre saber o máximo de informações possíveis para saber como
agir.
— Você olhou para a mão do homem antes de matá-lo. O que viu? —
Céus, essa parte não importava.
— Um anel com o emblema de uma das famílias.
— Você vai me fazer perguntar até que responda ou vai direto ao
assunto? — Que se dane. Se ela quer respostas, as terá.
Peguei um papel e uma caneta em cima da mesa de cabeceira entre as
camas. Fiz um círculo em cima e cinco logo abaixo.
— Essa é a estrutura principal da máfia. Aqui – apontei para o círculo
maior e acima de todos —, temos a Comissão. — Ela concordou e continuei.
— Aqui — Apontei para cada um dos cinco círculos abaixo. – Temos as
famílias, cada uma com seu Don, ou chefe, seu sottocapo, ou subchefe e seu
consigliere, que significa conselheiro. As famílias dividem Nova York em
setores. Algumas estenderam os serviços para fora do Estado também. Cada
uma comanda um setor.
Coloquei as letras R, S, M e G no papel. Uma ao lado de cada círculo,
repetindo apenas a letra R. Romano, Rizzo, Santori, Galli e Marino.
- Os Don de cada família formam a Comissão, onde tomam as
principais decisões sob a liderança de um Capo, o chefe de todos. Mafiosos
são homens de negócio e vaidosos. As roupas sempre impecáveis, o rosto
livre de barbas e as unhas feitas em manicures, sem o esmalte… Claro, e
usam o anel. Joias iguais são oferecidas as pessoas, quando eles desejam ter a
pessoa como amigos, ou aliados. Eles nunca são do tipo que se escondem.
— O que isso quer dizer? Como sabe de tudo isso?
— Sei porque já fui um agente infiltrado. Tornei-me um fornecedor da
máfia por alguns meses antes de ir parar atrás da mesa de polícia — bufei.
Ela continuava aérea tentando processar todas as informações.
— Me disseram que eu vi a morte de alguma coisa Romano — Acenei.
Ela abaixou a cabeça e fechou os olhos.
— Frank Romano. O chefe da família — Peguei no queixo dela e a fiz
olhar para mim. – Se eram da família Rizzo, como suspeito, isso só quer dizer
uma coisa. — Respirei fundo antes de soltar a bomba. — Todas as famílias
estão atrás de você. Por isso preciso que confie em mim e não faça nenhuma
besteira, ok?
Um medo absurdo de que Lisandra fizesse qualquer coisa que a
colocasse em perigo me atingiu. Eu não deixaria ninguém encostar as mãos
nelas. Eu não podia permitir. Eram apenas pessoas boas que foram parar no
meio do caos.
Satisfeita com minhas explicações Lisandra decidiu ir dormir. Deitou
na cama ao lado da filha e deitei-me na cama de solteiro
Pensei em mil formas de resolver esses problemas. Todos queriam
saber quem havia matado Frank. Alguém naquela merda de polícia havia
dado a informação sobre o paradeiro dela. Estávamos em segurança por
enquanto, mas eu precisava de mais. Lisandra ficaria para sempre refém deles
se não resolvêssemos isso logo. Eu precisava descobrir se Kimberly era quem
eu achava. Precisava encontrá-la e fazê-la confessar. Investigar seria
essencial. Descobrir se estava ao lado do Capo, coisa que eu duvidava. Nesse
caso, eu a entregaria. Talvez assim teríamos paz. Quando soubesse das
notícias nos jornais, ele ficaria grato. Com essa prova de lealdade, ele nos
deixaria escapar. Sem tortura, dor ou mortes. Estaríamos entregando um
traidor.
Se minhas investigações mostrassem que ela estava, sim, ao lado do
Capo, as coisas se complicariam. Eu precisaria causar uma rebelião para,
talvez, ficarmos esquecidos.
Só havia uma pessoa que poderia me ajudar nessa loucura. Ela me
mataria, ou tentaria, pelo menos… Mas precisava me ajudar.
Antes de adormecer escutei o fungar de Lisandra. Céus, era muita coisa
para ela. Já estava sendo para mim. Tive uma pequena luta interna entre
consolá-la e permanecer onde estava, fingindo dormir. Os olhos
determinados, o queixo erguido de quem lutaria com o que precisasse, a
imagem dela defendendo sua cria mais cedo me assaltaram.
Qual o mal em diminuir um pouco sua dor? Ao menos era isso o que eu
me forçava a acreditar quando respirei fundo, levantei-me e deitei atrás dela
na cama de casal.
Lisandra não se mexeu. Ela sabia que eu estava ali. Abracei o corpo
pequeno e a aninhei em meus braços. O choro aumentou, ainda silencioso em
respeito ao sono de Lis. Uma de minhas mãos fez carinho nos cabelos dela,
enquanto a outra a apertava forte contra mim.
— Eu vou proteger vocês, Lisandra. Com a minha vida, se for preciso
— decretei o que já estava certo dentro da minha alma.
Ninguém faria mal a elas.
ASSIM QUE ABRI MEUS OLHOS DEPAREI-ME COM LIS, O
CORPINHO dela estava por cima do meu, os olhinhos observando-me
atentamente, indo e vindo para o meu lado. Os finos cabelos loiros herdados
do pai estavam parecendo um ninho de passarinho de tão bagunçados.
Virei meu rosto para ver o que ela tanto olhava e só então lembrei-me
da noite passada. Ao meu lado na cama, James dormia serenamente. Um
braço por baixo da cabeça e o outro em cima da barriga. Ele roncava bem
baixinho. Ou pelo menos assim pareceu a princípio.
— O que as madames estão olhando? — A voz tranquila dele tinha um
toque de brincadeira, mas Lis assustou-se do mesmo jeito, caindo na cama ao
meu lado.
Ri daquilo. Minha pequena garotinha observou-me por um momento e
acompanhou-me nas risadas. Ela ainda sentia medo de James, e depois do
que vira no dia anterior não era de se estranhar. Com o tempo, comigo
demonstrando confiar nele, acreditava que isso ficaria para trás.
Quanto ao fato de ela ter-nos visto dormindo lado a lado, eu não
poderia fazer muita coisa. Não era como se estivéssemos juntos e eu
precisasse explicar isso.
James era um homem lindo. Os cabelos curtos em estilo militar o
deixavam sexy, Isso sem contar aquele tanque de guerra que era seu
abdômen… Ao tocá-lo para fazer o curativo, senti em mim um fogo aceso
que nem acredita mais ser capaz de sentir.
Bruce tinha sido meu último homem na cama. Depois disso tinha
guardado os meus esforços para cuidar de Elizabeth. Talvez isso tenha
contribuído para eu sonhar com esse homem. Tudo isso aliado ao fato dele ter
dormido abraçado comigo.
No fundo, eu não tinha tempo para pensar sobre isso. Ele era o meu
segurança. O policial que estava me mantendo viva e não um homem com
possíveis interesses amorosos em mim.
Esse era só o segundo dos muitos motivos que não me permitiam
pensar sobre isso. A máfia e uma assassina correndo atrás de mim eram
prioridades. Por mais lindo que esse homem fosse, minha cabeça estava no
fato de correr risco de morte naquele momento, assim como a minha
pequenina. Suspirei alto o suficiente para que os dois virassem os rostos em
minha direção.
— Vamos garotas! Temos de pagar as contas, tomar um bom café da
manhã e fazer umas compras.
— Compras? — Fiquei curiosa enquanto Lis parecia animada.
— Só vamos, Lisandra!
— Ok! E você – Virei-me para Lis antes de levantar. – Banho! Dormiu
sujinha, madame.
— Eba!
— Graças ao bom Deus que ela gosta…— resmunguei me levantando.
James achou graça e levantou-se, nos dando espaço para fazer o
mesmo.
Enquanto banhava minha filha, James se arrumava no quarto. Assim
que saímos, com Lis penteada, escovada e vestida, meu protetor já havia
organizado todas as coisas e colocado no carro.
— Sem tempo para perder. — Ele se justificou e não reclamei.
Dirigimos até uma cidade ali perto e paramos na primeira lanchonete
que encontramos em bom estado. Comemos em silêncio por um tempo, até
eu ver um pedaço de panqueca voar, aterrissando perto da mão de Lis. Minha
garotinha tentou segurar o riso, mas acabou pegando a comida de volta,
fazendo-a voar até a calça do policial. Um singelo sorriso surgiu em seus
lábios.
— Venha princesa, sua carruagem está à espera. — Assim que
terminamos de lanchar o homem abaixou-se e esperou que minha filha
subisse em suas costas.
Os olhinhos vieram até mim, como num pedido, uma pergunta muda se
poderia fazer a arte. Apenas uma forma de garantir que ficaria em segurança
nos ombros do rapaz. Acenei e a vi tentar subir, empolgada. Coloquei-a,
então, nas costas dele.
Fingindo ser um cavalo, ele dava pequenos pulos, chamando a atenção
de algumas pessoas. Fazia barulhos engraçados e Lis caiu na gargalhada.
Depois nos levou a uma loja de roupas e pediu para comprar coisas que
eu jamais usaria. Assim, me transformei em uma nova mulher, comprando
calças bem apertadas, tops e casacos de couro, enquanto ele adquiria roupas
mais relaxadas, calças furadas e camisetas escuras. Para Lis, apenas alguns
vestidos. Assim que saímos reparei em uma sacola que não o vi comprar.
Entramos no carro e ele jogou-a no meu colo. Abri e vi três tintas de cabelo.
— O que é isso tudo, James?
— Disfarce, Lisa.
— Mudar a cor de cabelo faz alguma diferença? — Estava cética.
— Estão procurando uma mulher com cabelos castanhos e uma
menininha loira, acompanhadas por um homem moreno. Se mudarmos o tom
de cabelo, verão uma ruiva ao lado de um loiro e uma criança com os cabelos
pretos. Juntando isso a troca de roupas… O quanto mais nos escondermos
melhor.
Fizemos mais um tempo de viagem antes de pararmos em um hotel. Foi
mais cedo do que eu esperaria. Dessa vez James nem pensou em economizar.
Hospedamos em um lugar completo, com piscina, brinquedos e muito mais.
— James… — Minha voz transparecia o receio.
— Precisamos dar um pouco de conforto e diversão para sua menina,
Lisandra. As coisas não ficarão muito fáceis de agora em diante. Além do
que, ela precisa voltar a confiar em mim. Só assim conseguirei protegê-las.
No fim, além de concordar fiquei aliviada. Ele estava certo. Entramos
em um pequeno apartamento. Quarto, sala e banheiro. O quarto amplo, uma
cama de casal e uma de solteiro. O espaço era bem iluminado e o banheiro
tinha uma grande banheira.
— Agora mocinha, o que acha de brincarmos fazendo uma
transformação?
— Como assim? — Lis estava encostada em minha perna, mas
escutava com atenção cada palavra de James.
—Já pensou como vai ser sua mãe com os cabelos vermelhos? — Ela
deu uma risadinha e olhou para mim. – Vamos tentar?
— E você? — Ela voltou o olhar para nosso protetor, que estreitou os
olhos.
— Quer que eu mude meu cabelo também? — Com um sorriso no rosto
ela balançou a cabeça com um sim. – Então, o que acha dessa cor aqui? —
Ele tirou uma caixinha com uma moça de cabelos loiros. Ela olhou para os
seus cabelos loiros e concordou. – E você?
— Eu também? — Os olhinhos arregalaram, empolgada com a ideia.
— Tem certeza que isso é seguro, James? — Deixei minha angústia de
mãe falar alto. Céus, eu sabia que estava sendo perseguida, mas não seriam
suficientes as mudanças em mim e em James?
— Comprei uma tintura natural, que sai em poucas lavagens. Mas se
tiver qualquer dúvida, vamos fazer um teste de alergia antes
— É necessário?
— É mais seguro, Lisa. Eu sei que não faria algo assim em situações
normais, mas não podemos parar.
Ele tinha razão. Eu precisava a qualquer custo garantir a segurança de
Lis. Percebi que precisaria fazer escolhas difíceis nos próximos dias. Tomar
decisões que jamais me passariam pela cabeça.
A pequena estava empolgada com a ideia, mas não foram os olhos
suplicantes que me fizeram dizer sim, mas o medo de nos encontrarem.
— Sim. Dessa vez a mamãe deixa. — Meu coração apertou. Dias
sombrios e difíceis viriam.
No meio de brincadeiras pintamos os três cabelos. Antes de tomar
banho, a menina já estava toda entregue aos encantos de James, que brincava
com ela o tempo todo, fazendo sons de animais, andando como um mostro,
levantando-a no alto e muito mais.
Eu sabia que ele estava se esforçando para agradá-la, mas tinha muito
dele ali também. Eu o vi conversando e brincando com a sobrinha antes,
naquela manhã. James era, além de lindo, um encantador de crianças. Ele
gostava de estar ali, de dividir aquele momento com ela, de fazê-la rir.
Eu e Lis saímos do banho com os cabelos envoltos em toalhas. Assim
que tirei a minha, escutei o estrondoso som da gargalhada dela.
— Espertinha. Vamos ver se podemos rir de você também.
Não deu outra ao vermos os finos cabelos pintados de preto.
Mas nada nos preparou para ver James saindo do banheiro com os
cabelos loiros. O desagrado do resultado era visível pela careta que ele fazia.
Nem o peitoral nu ou a falta da barba foram distração o suficiente para mim.
— Muito engraçadinha vocês duas. Não estão muito mais belas do que
eu — ele resmungou e rimos mais ainda.
O resto da tarde e noite foi na área de lazer do hotel. Apesar de muitas
brincadeiras e distrações, consegui perceber que James não relaxava fora do
quarto. Estava sempre atento, observando todos que chegavam perto de nós.
Seu corpo denunciava a angústia, o que não me permitiu aproveitar muito
bem aqueles momentos. Um frio na espinha me subia, causando um mau
agouro.
Assim que percebi o cansaço tomando conta de minha pequenina,
tomei a diversão por encerrada. O alívio percorreu o corpo de James assim
que ultrapassamos a porta do quarto. Depois de um banho e um pouco de TV,
Elizabeth adormeceu.
— Como será amanhã, James? — Encarei-o assim que saiu do
banheiro. Como estava sentada na cama onde ele dormiria, não teria outra
opção além de me responder.
— Estrada até chegarmos em Nova York. Estamos perto, mas será bem
chato para Lis. Teremos que andar o mais rápido possível agora.
— Nova York? Tem certeza disso?
— Tenho um contato lá. Ele vai nos ajudar a entender o que a máfia
quer com você e o que poderemos fazer para livrá-la disso.
— Existe essa opção? — A esperança falou tão alto em meu corpo que
senti o alívio me percorrendo.
— A máfia não é uma gangue, Lisandra. Eles não precisam comprovar
um território ou qualquer coisa do tipo. É um lugar de homens de negócios,
sempre dispostos a fazer acordos. Desde que eles ganhem algo em troca.
— Então… Você acha que… — Ele sentou-se ao meu lado na cama e
pegou minhas mãos nas dele. Aquele olhar me passava uma segurança e
acalentava-me.
— Eu farei o que for possível para que eles esqueçam que vocês
existem, Lisa. Pretendo deixá-las em segurança.
E com isso, um alívio percorreu-me o corpo. Aquela noite eu dormi
tranquila, pela primeira vez desde que toda essa confusão começou em nossas
vidas.
ELA SAIU DO BANHEIRO COM UM MICRO SHORTS, OS
CABELOS molhados enrolados na toalha do hotel e uma blusinha sem
manga. Linda e sensual, sem nem ao menos perceber. A mulher era um
arraso e eu estava ficando cada vez mais excitado. O que era uma merda sem
tamanho… Não podia perder o controle.
Passamos a tarde anterior cheia de brincadeiras com Lis, até chegar à
noite, quando eu me tornara o suspeito e Lisandra, o policial numa sala de
interrogatório. Como as duas estavam cansadas, deixei-as que tivessem uma
noite tranquila de sono. Enquanto isso, fiquei em claro, pensando em todos os
desdobramentos e nossos próximos passos.
Ainda era cedo e Elizabeth dormia tranquilamente no quarto, enquanto
Lisandra e eu estávamos na pequena sala do apart-hotel. Chegaríamos à Nova
York em poucas horas. Já devíamos estar lá, mas enrolei por dois longos dias
na estrada, por questão de segurança. Dei algumas voltas, apenas para evitar
que fôssemos seguidos. A partir dali as coisas se complicariam. Elas não
sairiam de perto de mim, nem passeariam por Nova York tranquilamente.
Estaríamos perto demais do inimigo.
Meu celular tocou e congelei. Com toda certeza Richard não ficaria
feliz com minhas decisões. Tirei os olhos famintos da mulher estonteante a
minha frente e peguei o aparelho.
— Senhor. — Atendi como o soldado que eu era.
— Está maluco, James? Como pega nossa testemunha e sai com ela
pelo país sem nos contar onde está e desliga o maldito celular? — ele gritou
do outro lado, confirmando minhas suspeitas.
— Estávamos sendo perseguidos. Agi da maneira que achei mais
adequada, senhor. — Não podia ser rude. Respeito era uma das poucas coisas
que tínhamos obrigação de ter com nossos superiores.
— E deixou uma grande lambança para limparmos, soldado. Se você já
havia resolvido o problema, por que fugiu com as duas? — ele me
repreendeu.
Na cabeça dele, assim como inicialmente na minha, os caras que nos
perseguiram eram capangas da assassina. Se fosse apenas isso nosso
problema estaria resolvido.
— Não, senhor. Aqueles homens eram mafiosos — explicar nossos
passos também era algo essencial.
— Você matou gente da máfia?!
— Para protegê-las, senhor.
— Vocês estão mais enrascados agora, James!
Olhei de soslaio para Lisa. Ela arrumava a mala para pegarmos a
estrada, mas escutava tudo o que eu dizia. Era observadora e cuidadosa,
qualidades que eu estimava. Contaria para ela a grande burrada na qual havia
nos metido?
— Eu sei, senhor. Quando percebi com o que estávamos lidando a
confusão já havia começado e, de qualquer maneira, eu não poderia entregá-
las.
— Não! — Richard suspirou do outro lado – Você não poderia.
Infelizmente para nós, matá-los é a mesma coisa que declarar guerra contra
eles.
— Eu sei.
— E como pretende sair dessa? — A pergunta soou meio irônica. Por
mais que ele duvidasse, eu tinha meus planos.
— Vou conversar com algumas pessoas e descobrir o motivo deles a
procurarem. Tenho alguns contatos antigos para isso. Depois tentarei fazer
um acordo.
— Acordo? — ele parecia interessado – De que tipo?
— Se eles estiverem querendo o que penso, podemos nos dar bem…
— E o que eles querem James, pare de me enrolar.
— A assassina.
— E como você fará isso? Sabe que o FBI a quer.
— E eles a terão. Presa. Será suficiente para eles.
— James...
— Senhor, eu estou acompanhado. Se não importar, terminamos essa
ligação outro momento — ele entendeu que não poderia falar perto de
Lisandra.
— A partir de agora você sempre estará acompanhado. — Aquilo não
era uma acusação, mas sim uma ordem. Era a mesma coisa que dizer fique
com os olhos nelas.
— Sim senhor. — Deixei claro que entendi o recado.
— Quero relatórios, James. Preciso saber o que está acontecendo.—
Olhei para a mochila no canto do quarto. Estava tão eufórico em voltar para o
campo que havia, propositalmente, esquecido da parte burocrática.
— Sim, senhor. Vou fazê-lo agora mesmo e te enviar. – Respirei fundo
antes de fazer o pedido – Precisaremos de um espaço em Nova York.
— Mando as informações por mensagem. E da forma curta e grossa de
sempre, ele desligou.
Suspirei cansado e fui pegar o notebook. Sentei-me na mesa que havia
ali ao lado e o liguei.
— Não estávamos saindo? — A voz doce de Lisandra fez-me acordar.
— Assim que eu terminar de escrever o relatório dos últimos dois dias.
— Talvez eu vá passear com Lis então.
— Não! — Apressei-me em dizer. — Quero vocês perto dos meus
olhos.
Assim que ela concordou, voltei minha atenção para o computador.
Consegui escrever uma página inteira antes de escutar um suspiro.
— James, você me contaria se a gravidade da situação aumentasse,
certo? — Parei com os dedos em cima do teclado.
Eu poderia, talvez até deveria, contar a ela que nenhum mafioso
aceitaria negociar com a pessoa que matou um dos seus. Não com a
facilidade que eu deixara transparecer no dia anterior.
Não podia lhe oferecer sinceridade total. Ainda mais que minha
preocupação era a sanidade mental dela também. Ninguém cuida de uma
garotinha na situação em que Lis se encontrava. Ela também precisava ser
resguardada.
— Não acho que você precise se preocupar com isso. Eu vou protegê-
las. É isso o que importa.
Nem tirei meus olhos do computador, apenas continuei digitando. As
coxas grossas de Lisandra entraram em meu campo de visão quando ela
encostou-se na mesa em que eu trabalhava. Tentei evitar a visão, mas era
impossível. Então ergui o rosto para observá-la.
— Eu prefiro saber com o que estamos lidando. Algo na sua conversa
ao telefone me deixou inquieta. O que está acontecendo, James? Qual é o
grande problema?
Suspirei. Que se dane Lisandra e sua mania de querer saber tudo. Eu
só queria continuar meu serviço.
— Eu te expliquei que os caras que nos perseguiram eram da máfia —
ela acenou e continuei. – Não se mata pessoas da máfia e fica impune, Lisa.
— Isso quer dizer…
— Que agora eles estão mais furiosos. Eu não sabia quem eles eram e
agi da única forma que consegui para salvá-las. Independente se eram apenas
aspirantes a mafiosos ou soldados, a máfia não gosta de ter os seus
assassinados. Agora procuram a gente por dois motivos: você ser testemunha
do assassinado de Frank Big Guy Romano e por eu ter matado alguns
soldados.
— E o que faremos agora? — Vi a angústia estampada em seu rosto.
Peguei uma das duas mãos dela, a mais perto de mim. Meus dedos
deslizaram pela coxa desnuda. Trouxe os dedos até meus lábios e beijei-os.
Os olhos escureceram, mas ela permanecia impassível.
— Eu vou protegê-las.
— O que você fará, James? — ela apertou sua mão na minha e suspirei.
— Vou procurar essa assassina, Lisandra. Assim que vocês forem
aceitas no programa de Proteção a Testemunha, nas mãos da U.S. Marshal,
vou caçar essa assassina e oferecer a cabeça dela ao FBI.
— Vai ser mais perigoso ainda. — Ela se levantou, soltando de mim.
— Você não pode me dizer isso com tanta naturalidade. Ela matou o chefe da
máfia, pode fazer o mesmo com você. E quem te garante que irá encontrá-la?
— Lisandra andava de um lado para o outro, nervosa.
Levantei-me e segurei em seus ombros para fazê-la parar. As mãos
trêmulas encontraram meu peitoral.
— Você estará protegida. — disse para recordá-la dos meus planos.
— Mas você não! — ela sussurrou, ofendida – Também me preocupo
com você. Depois que nos salvou… Eu… Me preocupo.
Levantou o rosto para me observar. Os pés descalços a deixavam bem
menor do que eu, mas o contato de seu corpo pequeno e seminu tão perto de
mim acendeu-me. As mãos em punho em meu peito faziam-me estremecer.
Segurei a cintura dela com os dedos e a trouxe para mais perto. Sem pensar
direito, apenas querendo mais do calor de seu corpo junto ao meu.
O sangue devia ter ido todo para a maldita cabeça de baixo, pois a de
cima não conseguia fazer nenhum tipo de raciocínio lógico. As únicas coisas
que passavam pela minha cabeça eram que aqueles lábios grossos estavam
tão perto dos meus, que os olhos me pediam para não parar, que o cheiro do
shampoo me convidava a experimentá-la mais de perto. Uma mão
embrenhou-se em seus cabelos, sentindo a textura dos finos fios. A boca se
abriu e ela deixou escapar uma lufada de ar.
Mandando tudo a merda, puxei Lisandra para mais perto e desci meus
lábios para os seus. Ela beijou-me de volta timidamente. As mãos se abriram
e o corpo relaxou. A pequenina e macia mão deslizou por meu pescoço.

Levantei-a e fiz com que se sentasse na mesa onde meu laptop estava
aberto. Enfiei meu corpo por entre as pernas dela e aprofundei o beijo. As
pernas circularam minha cintura e a garota entregou-se. Minhas mãos
ganharam vida e deslizaram pela barriga chapada, chegando até os seios
grandes e apetitosos.
Eu queria aquela mulher. Queria muito e talvez por isso ignorei todos
os sinais de alertas que minha cabeça mandava naquele momento. Todos os
motivos lógicos que deveriam me manter longe foram ignorados com
sucesso.
As mãos dela, afoitas, procuravam meu abdômen por baixo da camiseta
branca que usava, a boca gemia em meu ouvido nos poucos momentos que
deixei os lábios dela para experimentar sua pele. Estávamos pegando fogo
juntos e aquilo era muito errado… E excitante.
— Mamãe! — a voz rouca e chorosa de Elizabeth foi escutada. A
garotinha tinha acordado e muito provavelmente estava assustada ao ver-se
sozinha em um lugar estranho.
— Meu Deus! — Lisandra passou as mãos no cabelo.
Afastei-me, dando espaço para que ela fosse até a filha. Quando estava
já bem perto do quarto, virou-se.
— Sobre isso…
— Não vai se repetir. Desculpe-me, Lisandra. — Eu sabia que não
poderia fazer aquela promessa, principalmente se ela continuasse perto de
mim, mas eu tinha a obrigação de deixá-la sair pelos meus lábios.
Se eu não fosse um agente secreto do FBI e tivesse prática em ler
fisionomias, nem teria percebido o olhar decepcionado de Lisandra quando
eu assim declarei. Isso em nada facilitaria as coisas para mim.
— James… — Esperei por algum pedido ou declaração de que não se
arrependera. Engano o meu. — Me chame de Lisa. Apenas Lisa.
— Mamãe! Mamãe! — Lis chamou outra vez.
Lisandra sacudiu a cabeça e foi até o quarto, deixando-me sozinho.
NÃO FIQUEI SURPRESA COM O QUE ACONTECEU ENTRE
NÓS. Não mesmo. Estava na cara que cedo ou tarde faríamos alguma grande
burrada. O homem era lindo, estava ali nos protegendo, havia uma tensão do
caramba nos rondando.
Não podia me fazer de inocente, perguntando-me como aquilo havia
acontecido. Por Deus, claro que não! Eu já era crescida e tinha claras
intenções com o homem. Sorte a nossa que Lis acordou… Sei que não
podíamos dar aquele passo. Por mais desejo que eu sentisse, ou mais que eu
estivesse me afeiçoando a ele.
Céus, o homem caçaria Kimberly e se envolveria com a máfia por mim.
Aquilo me assustou um tanto, assumo. Ele estava correndo risco por nós e
estava aprendendo a gostar dele. Como um bom amigo, pelo menos…
Acalmei Elizabeth. Toda vez que ela acordava e não me encontrava na
cama, o choro era forte. Mas o mau humor matinal era superado após um
bom café da manhã. Depois de trocar a roupa e escovar os dentes, levei-a
para a pequena sala. James já havia se organizado e colocado uma mesa de
café da manhã ali. Dessa vez ele não poupou dinheiro mesmo.
— Lis, fica aqui com tio James que a mamãe vai fazer uma ligação —
avisei Elizabeth, que acenou concordando.
— Para quem pretende ligar? — James empertigou-se com minha
declaração.
— Para o pai de Lis. Desde o início dessa confusão ainda não nos
falamos. A qualquer momento ele deve mandar alguém atrás de nós. — Fui
categórica.
— Não acho prudente. — O homem adotou uma postura austera, o que
não me intimidou nenhum pouco. Isso era ciúmes? Achava que por ter me
beijado eu havia lhe dado o direito de ser um homem das cavernas? Estreitei
meus olhos e ele revirou os dele. — Se a máfia chegou até o seu ex-marido,
virão até nós facilmente. Garanto que eles são capazes de fazer qualquer
pessoa colaborar…
— Bruce não faria isso. — Tudo bem que ele nem ligava para a filha,
mas não nos entregaria.
— Você ficaria assustada com a quantidade de pessoas que fazem
acordos com o crime organizado. Muitas bem conhecidas, inclusive. Gente
que você olha e acredita serem boas pessoas — ele disse, irônico.
— James, tínhamos combinado de que eu ligaria. Preciso dar satisfação
sobre minha filha — falei, entredentes.
James se levantou irritado. Passou as mãos pelo rosto em um gesto
nervoso.
— É perigoso, estou avisando! — Apontou o dedo em minha direção. –
Liga, seja rápida e não dê muitas informações. Se perguntar onde está, diga
que em Los Angeles. Não demore mais que cinco minutos. Se ele foi
descoberto, eles garantirão que colabore.
— Já disse que ele não faria isso! — Estava tão irritada com ele…
— Você não pode ter certeza. — Jogou-me um celular – Liga desse
aparelho, ele não vai poder identificar a chamada ou rastrear. Assim que você
desligar iremos embora.
Lis olhava para nós dois com extrema curiosidade. Acalmei-me para
não causar mais tensão entre nós diante da pequena. Terminei de tomar café
da manhã e dar o lanche de Lis. Quando já estávamos com tudo pronto,
peguei o celular e liguei para meu ex.
Bruce, o pai de Elizabeth, era um senador republicano metido a
garanhão. E eu, tola, havia caído em sua incrível lábia quando tinha vinte e
três anos. Trabalhava junto com ele e uma dúzias de estudantes aspirantes a
políticos na campanha eleitoral. O charme, a beleza e as inúmeras cantadas
tão bem elaboradas fizeram com que eu caísse como uma patinha. Pois, é…
Apaixonei-me pelo incrível Bruce Rice.
Achava que vivia um conto de fadas, mesmo quando o homem
convenceu-me a esconder nosso relacionamento de todos.
Eles acharão que você não merece crédito pelo seu trabalho. Dirão
que só é reconhecida aqui por estar comigo.
Ele veio com essa e eu acreditei. Que vontade de voltar no tempo e
dar na minha própria cara…
Quando contei a ele que estava grávida, descobri que não podia
confiar nele.
Pedi um posicionamento dele ou iria à televisão. Contaria a todos que
o conservador senador Bruce Rice era um galinha que dormia com mais de
três funcionárias de sua campanha eleitoral, ao mesmo tempo. Faria um
escândalo! Foi aí que a máscara dele caiu. Ameaçou a mim, meu trabalho e
minha filha.
Calou-me. Eu teria que sair do ramo político e não contar a ninguém
sobre o acontecido. Em troca teria um apartamento em um dos melhores
bairros da cidade para morar com minha filha, um imóvel para começar o
negócio que eu quisesse e dinheiro para uma babá.
Ele podia ser um traste, mas não criminoso.
— Bruce Rice, bom dia.
— Bruce, aqui é Lisandra.
— Lisandra, que número é esse? E que raios aconteceu que você
sumiu? — Esbravejou do outro lado da linha, enquanto de cá eu franzia o
cenho.
— Não imaginei que sentiria minha falta. — Soltei um riso nervoso.
Olhei para James de canto de olho. Ele acenou com a mão para que me
apressasse. – Olha, Bruce, vou ser rápida. Te liguei apenas para avisar que
estou viajando com Lis.
— Você levou minha filha para fora da cidade e nem me comunicou?
— O traste teve mesmo a ousadia de me acusar?! Esta conversa estava
ficando estranha.
— Bruce, você nunca se importou para onde eu levo ou deixo de levar
nossa filha — resmunguei, irritada. – A questão toda é que destruíram meu
salão.
— Estou sabendo. Pode não parecer, mas sei de muitas coisas que
acontecem com sua vida. — A voz dele teve uma nota de ameaça que deixou-
me petrificada.
— Que seja! — Fingi pouco me importar com essa informação. – Estou
assustada e achei que merecia umas férias. Assim que voltar, penso na
reforma.
— Não vou dar nenhum centavo para isso.
— Eu por acaso te pedi algo? — Senti a mão de James ao redor de meu
braço. O carro já estava com nossas malas e Lis lá dentro.
— Vamos — ele sussurrou para que Bruce não escutasse.
— Onde você está, Lisa? — A voz do ex tornou-se sedutora. Conhecia-
o bem, aquilo queria dizer que estava tentando conseguir algo. Um mau
presságio surgiu em mim, subindo pela espinha, me dando arrepios. Será que
Bruce realmente estava envolvido com aquela gente? — Talvez eu possa ir
passar as férias com você.
— Não, obrigado! Liguei apenas para avisar. Aqui em Los Angeles sua
companhia não é bem-vinda. Obrigada!
Desliguei o celular, tremendo. Merda, merda, merda! Tudo poderia ser
apenas coisa da minha cabeça, mas por precaução decidi não mais contradizer
James. O homem era agente do FBI e tinha experiência o suficiente para
saber o que estava me dizendo. Nunca mais duvidaria de suas teorias. Chega
de correr riscos desnecessários.
O resto do caminho foi feito em silêncio. Não demorou muito para
chegarmos em Nova York. Carros para todo lado, a correria dos pedestres, a
cidade em intenso movimento. Fiz uma oração para Santa Mônica para que a
grande cidade e as infinitas pessoas nela fossem o suficiente para passarmos
desapercebidos por essa gente.
Estacionamos em um grande prédio no bairro de Boerum Hill. James
nos ajudou a descer do carro e fomos até o apartamento. Um lugar
aconchegante e bem equipado. Três quartos, uma varanda, cozinha e sala. O
espaço estava cheio de brinquedos, o que deixou Lis eufórica. Olhei de
esguelha para James que apenas deu de ombros.
— Vocês passarão muito tempo nesse prédio, Lisa. O mínimo que
poderíamos fazer era preparar o espaço para que ela não sentisse tanto essa
confusão.
— Obrigada. — Eu estava verdadeiramente grata.
Jamais imaginei que o FBI fosse tão cuidadoso e atento a tantos
detalhes. Não sei se era apenas James, mas acreditava que a corporação
inteira era assim. Não partia apenas dele os cuidados com Elizabeth.
Brinquei com minha filha, aproveitei a tarde com ela e no fim, um
pouco da minha angústia foi embora. Perto das seis da noite James pediu-me
que nos arrumássemos. Ele precisava encontrar alguém e enquanto não
tivesse uma segunda pessoa para nos proteger, iríamos onde ele fosse.
Dei banho em Lis e deixei-a pronta. Enquanto ela assistia a um filme e
brincava com James, fui me arrumar. Talvez fosse o ocorrido pela manhã,
mas depois de muitos anos tive o cuidado de me arrumar antes de sair.
James havia dito que iríamos a um bar familiar ali no bairro mesmo.
Por isso, tive o cuidado de colocar um vestido que chamasse a atenção dele,
apesar de ser comportado. Na minha cabeça era algo lógico que não
deveríamos confundir nosso relacionamento com beijos ou sexo, mas a
vontade de ser vista como uma mulher desejável foi mais forte. Sendo assim,
coloquei um salto alto e me maquiei.
Pronto. Eu estava muito mais bonita e produzida do que já estivera nos
últimos dois anos.
Assim que saí do quarto, deparei-me com James saindo do dele. O rosto
estava liso, sem nenhum fio de barba, a camiseta azul marinho grudada no
corpo sarado e a calça jeans apertando as coxas grossas. Um sapato mais
jovial completava o look do homem.
Os olhos escuros passearam por meu corpo e senti um calor subir. De
alguma forma sabia que aquilo estava errado, mas era mais forte que eu.
Elizabeth deu um gritinho agudo quando me viu, elogiando-me o
caminho inteiro.
Entramos no restaurante separados. James pediu-me que entrasse na
frente com Lis e pedisse mesa para nós duas. Sentamos em uma mesa um
pouco distante da entrada, em um canto mais escuro.
James entrou pouco depois. A hostess o levou até uma mesa para
quatro pessoas do outro lado do salão.
— Mamãe, tio James não vai sentar com a gente? — ela perguntou ao
olhá-lo do outro lado.
— Acho que ele vai falar com um amigo primeiro, querida. — Achei a
cena tão estranha quanto ela.
Peguei o cardápio e pedi um prato infantil para Lis e uma massa para
mim. Assim que a comida chegou percebi que James já estava impaciente.
Ele pedira por uma cerveja que não bebeu em nenhum momento da noite.
Assim que nossa comida chegou, passei a preocupar-me em alimentar
Lis. Observei aquele prato de comida e só conseguia pensar em como podia
alimentar-me de comida italiana sem ter meu estômago revirado pela
confusão em que me meti.
Pouco mais de trinta minutos depois que entramos, uma mulher alta,
loira e com um lindo vestido vermelho chamativo entrou pela porta do bar.
Deu uma piscadela para a hostess e se dirigiu até a mesa de James.
Ele levantou-se e deu dois beijos no rosto dela. A intimidade que eles
partilhavam me incomodou. Olhei para meu simples vestido preto bem
comportado e senti-me uma boba. Não conhecia a mulher, nem sabia quem
era ou o que representava para James, mas uma incomoda sensação me
consumiu.
Não precisei de muito para perceber que estava com ciúmes da bela
mulher que conversava com o homem que havia acendido meu corpo e aos
poucos tomava conta do meu coração.
Ele até poderia ser o agente secreto do FBI que estava me protegendo,
mas eu não estava mais tão certa sobre sair daquela situação sem estar ferida.
Pelo menos no coração.
UTILIZANDO TODO O MEU ESFORÇO, CONSEGUI
MANTER A PERNA parada enquanto permanecia ali, sentado naquele
restaurante. Dez minutos de atraso era muito mais do que eu conseguia
aguentar.
Quando liguei, há dois dias, o local e horário foram definidos. Apenas o
dia correto foi enviado por mensagem. A ligação era um código que
utilizávamos desde quando nos tornamos agentes, deixando claro que um de
nós estava em maus lençóis.
Nunca foi tão difícil para mim essa espera quanto hoje. Isso porque
sabia que aquela missão havia passado de um simples trabalho. Tornara-se
pessoal. Aquele maldito beijo não me saia da cabeça e tinha certeza de que
por causa dele as coisas somente complicariam.
Tentei manter-me distante o dia todo numa tentativa pífia de colocar a
cabeça no lugar. Aproveitei para passar o dia em frente ao notebook para
enviar os relatórios atrasados. Preferi, mesmo perto, manter-me longe de Lisa
e Lis. O grande problema foi que nenhuma das duas saiu da minha cabeça.
Fiz questão de não contar sobre o beijo para meu gerenciador. Nunca
permitiria que ele procurasse outro agente para fazer o meu serviço. Como
confiaria aquelas duas a outra pessoa, talvez um desconhecido?
Olhei novamente o relógio em meu pulso. Quinze minutos. Antes que
pudesse me levantar e desistir daquela espera, Emily passou pela porta
principal em um lindo vestido vermelho marcando todas as suas curvas.
Revirei os olhos com a visão. Que merda ela estava fazendo ali?
Eu deveria me levantar e ir embora no mesmo instante, mas ela me viu
e foi até minha mesa. Depois de dar-me um beijo na bochecha, sentou-se na
minha frente, cruzando as longas pernas.
— Quanto tempo, James…
— Como sabia que eu estaria aqui? — Ela acenou com a cabeça e
levantou a mão, chamando uma garçonete.
Esperei que minha colega do FBI fizesse o pedido de algo grande o
suficiente para encher a barriga de quatro pessoas e suspirei aliviado. Quem
eu estava esperando viria.
— Onde ele está?
— Chegando. — Ela deu um gole na minha cerveja e fez uma careta.
— Isso está quente!
— Estou aqui a trabalho, não pretendia bebê-la.
— Acho que estou acostumada demais com os mafiosos… —Ela fez
uma careta engraçada.
— Você também está infiltrada? Uma mulher? — Encarei-a incrédulo,
enquanto ela apenas abanou a mão.
— Não! Acontece que precisava do seu irmão em uma outra missão.
Um negócio complicado com alguns estrangeiros. — Sabia que não diria
nada além disso. O melhor era manter sigilo sobre nossas missões e ela sabia
fazer isso melhor do que ninguém. — E acabaram nos vendo juntos. Para não
levantar suspeitas, acabamos soltando que éramos noivos. — Ela balançou a
cabeça e revirou os olhos, como se com aquilo pudesse mudar os
acontecimentos – Enfim, agora sou a noiva de Danny Forger Rossi.
— Forger? — Comecei a rir.
— Ele é conhecido por conseguir qualquer coisa falsificada. — Deu de
ombros. – Enfim, atualmente formamos um casal exemplar para ambos os
lados. Para os mafiosos e os estrangeiros.
— Então você veio para não desconfiarem desse encontro? — Ela
concordou.
— Se perguntarem, estamos nos encontrando com um amigo de escola.
— E quando ele chega? — Não consegui mais conter as pernas e
comecei a balançá-las, nervoso com o seu atraso.
— O que está acontecendo, James? — Emily franziu o cenho.
— Só estou precisando da ajuda dele.
Logo Jake apareceu na porta principal. Deu um sorriso galanteador para
a hostess, o que provocou uma careta adorável em Em.
Aqueles dois entraram e formaram-se juntos em Quântico. A
competição entre ambos para ser o melhor da turma foi muita acirrada,
causando uma inimizade clara. Era até estranho vê-los trabalhando juntos.
Jake aproximou-se da mesa e deu-me um abraço apertado. Não pude
evitar de demorar ali, matando a saudades do meu irmãozinho. Quando nos
afastamos, Jake levou o dedo até o queixo de Emily e levantou o rosto
emburrado dela com delicadeza e carinho. Um beijo demorado foi dado em
seus lábios e não pude deixar de sorrir. Se eram noivos em suas missões, eu
não sabia, mas que ali estava rolando algo a mais, disso eu tinha certeza.
— Para, Jake! — Emily distanciou-se e deu espaço para que ele se
sentasse ao lado.
— Relaxa, baby. É apenas teatro. — Ela bufou e ele sorriu – O que te
traz aqui? — Os olhos enfim desprenderam-se de nossa amiga e voltaram
para mim.
— Preciso saber como andam as coisas na máfia. — Fui direto. Não
queria dizer ainda que estava com Lisa. Primeiro precisava sondar. Ele
estreitou os olhos e me observou.
— Caóticas. O que o FBI quer para te mandar para cá? James, você não
pode voltar para a máfia depois de um ano sumido. Vai estragar todo o meu
trabalho até aqui. — Fiz uma careta. Depois dele esbravejar que eu havia
cagado com tudo, nunca mais nos falamos. — Desculpa. — Ele suspirou. –
Nem estou dizendo que você vai fazer merda, mas sabe como são as coisas
no FBI. De uma hora para a outra acabam com um trabalho de anos por puro
capricho.
— Dificilmente é capricho, Jake. Aprendi isso durante meu ano na
parte burocrática. As vezes não nos damos conta do perigo que estamos
correndo — assim que disse isso, vi Emily dar uma pequena cotovelada no
abdômen dele. Jake estava se enfiando em algo perigoso, pelo visto.
Olhei de canto para a mesa do outro lado do restaurante. Minhas
garotas precisavam de mim. Jake estava com Emily, ele saberia se virar. Não
dava mais para enrolar.
— Jake, estou em uma missão e preciso que me dê algumas
informações...
— Merda, você saiu do castigo? Se soubesse disso teria ido atrás de
você para me ajudar. — Emily resmungou e cruzou os braços como uma
garota mimada. Jake voltou a beijá-la demoradamente, na tentativa que ela
deixasse de reclamar. Sorri com a cena.
— Não teria não! — Voltei meu olhar para meu irmão, que respirou
fundo.
— Olha, tivemos um assassinato grande. A máfia está em polvorosa
por conta disso.
— Frank Romano. — retruquei e vi os olhos de Jake se arregalarem.
— Isso não saiu nos jornais.
— Não saiu… — confirmei e o vi analisar minha sentença.
— Qual sua missão, James? — ele me perguntou, dando uma rápida
olhada por todo o restaurante. Seus olhos se detiveram em uma mesa a nossa
esquerda e temi pelas possíveis conjunturas que poderia tirar daquilo.
— Estou mantendo algumas pessoas em segurança — confessei.
— Se quer minha ajuda, vai precisar ser mais específico — ele foi duro
na resposta e revirei os olhos. – O que você quer saber exatamente?
— Sabem quem matou Frank Romano?
— Há uma testemunha. — Senti um frio passar por minha espinha. –
Mas não, não sabemos. Estão todos a procura dela. Você sabe, uma morte
desse porte na máfia só pode ser uma boa vendeta. Principalmente da forma
que deixaram o corpo. Foi ofensivo até para mim que achava que ele merecia.
— O que pretendem com a testemunha?
— Você está protegendo aquela moça com a garotinha não é? — Ele
mudou o foco e acenei, concordando. No fim eu confiava em Jake com a
minha vida. – O que ela viu?
— Uma jovem mulher cortando a garganta de Frank.
— Mulher? — Emily perguntou, incrédula, e concordei. – Uma mulher
matou Romano? É por isso que Júnior está tão irritado. — Emily lançou um
olhar acusador para Jake.
— Eu não sabia dessa informação. — Ele defendeu-se. – O filho de
Frank assumiu o lugar do pai na Comissão. Agora ele é o chefe e recebeu
carta branca para achar e destruir quem matou o pai. Ele anda para todos os
lados de Nova York com uma foto da testemunha. Quer ela a qualquer custo.
— Como eles poderiam saber a identidade da testemunha?
— A polícia é corrupta, meu caro. — Jake esclareceu assim a minha
primeira suspeita. Foi a polícia que nos delatou. Algum policial disse onde
estávamos e por isso fomos perseguidos.
— Conte a ele, Jake. — Emily pediu, segurando carinhosamente o
braço de meu irmão caçula. Ele respirou fundo.
— Eles também estão irritados com a morte de alguns associados.
Houve uma perseguição e o segurança matou alguns dos nossos. Eram novos
no negócio, mas sabe como é a máfia. Os que sobreviveram estão presos, o
que deixou-os mais irritados ainda. Eles podem dar com a língua nos dentes.
— Eu achei que eram comparsas da assassina. Não sabia que eram da
máfia. Além do que… Eu não poderia deixar que a pegassem. — Trinquei
meus dentes, nervoso com a pequena possibilidade de alguém chegando perto
das duas.
— Merda! — Os dois pronunciaram juntos, encarando-me. Eu estava
perdendo a cabeça, isso sim. Como deixei meus sentimentos recém-
descobertos ficarem expostos tão facilmente? Emily tentou abrir a boca para
me repreender, mas lhe lancei um olhar claro. Nenhum dos dois podia me
acusar se estavam envoltos em coraçõezinhos enquanto trabalhavam juntos
para o FBI.
— O que pretende fazer, James? — meu irmão perguntou, ansioso. –
Você não pode simplesmente voltar, como se nada tivesse acontecido.
Acham que você está morto.
— Eu sei — suspirei, rendido. Fizeram um ótimo trabalho em mandar
por Jake provas de um corpo queimado em um lugar esquecido como o meu.
Na época, os esforços estavam concentrados em achar o assassino de Joe.
Acreditaram por um bom tempo em um complô contra a máfia. Com o passar
do tempo as coisas esfriaram, mas não foram esquecidas. – Acham que…
— Que são as mesmas pessoas que mataram você e Joe? Sim — ele
respondeu, rindo. – Às vezes não acredito em como podem ser tão idiotas.
— Elas estão concentradas em nós três. Não conseguem disfarçar —
Emily comentou enquanto pegava uma bata frita e levava displicentemente à
boca. Ela era uma boa atriz e isso ajudava muito como agente especial. – O
que fará, James? As coisas não estão muito favoráveis para vocês.
— Vou protegê-las até as coisas com a US Marshal se desenrolar.
— E acha que mesmo assim eles não as encontrarão no Programa de
Proteção à Testemunha? Por favor! Pode demorar, mas chegarão até a única
testemunha do assassinato de um dos chefes da máfia. — Ele repetiu, apenas
para tentar me fazer entender a grandeza da situação.
— É por isso que pretendo fazer a minha própria investigação.
— Sabe quem é?
— Desconfio.
— Quem? — Emily mordeu o canto da unha, curiosa pela informação.
— Uma mulher de pouco mais de vinte anos? Tenho minhas suspeitas.
— Olhei para Jake, esperando que entendesse para onde meus pensamentos
estavam indo. Ele balançou a cabeça em negação.
— Hope está morta, James. — A informação foi como um baque em
meu coração. Apesar de tudo, eu gostava da garota. — Ela se jogou de uma
ponte — Jake continuou e arregalei meus olhos. – O segurança dela viu.
Nunca acharam o corpo.
— Por quê? — Minha voz era apenas um sussurro.
— Não sei. — Jake deu de ombros. – Ela estava entrando em
depressão, foi o que disseram. Você sabe, ela odiava a vida que levava.
Concordei, pois me lembrava com detalhes dos meus momentos com
ela. Ela odiava ser uma mulher no meio da máfia. As coisas só pioravam
sendo filha de Santori. Meus últimos momentos com ela invadiram minha
cabeça como uma avalanche. Nossa última discussão, minha recusa. Depois
daquilo não nos vimos mais.
Eu saí magoado daquela maldita discussão tanto quanto ela. Nunca
quis envolvê-la nos planos do FBI, enchê-la de esperanças. Na época agir
cegamente, de acordo com as vontades da polícia, parecia-me tão certo. Será
que comunicaram-lhe sobre a minha morte ou ela achava que eu apenas
sumira de sua vida? Ela teria se magoado com meu desaparecimento? Eu
teria participação em sua depressão?
O rosto angelical e risonho encheu minha mente novamente. Eu sentia
saudades daquela garota. Não queria imaginar que fosse ela, mas sabia que
seria capaz de fazer isso se Romano tivesse tentado abusar dela.
Depois do choque inicial comecei a me dar conta de que não sabia para
onde ir mais. Se ela não era a assassina, eu estava sem pistas.
— Merda! Era a minha melhor aposta. — Levei as mãos para o rosto, já
cansado de algo que mal havia começado.
Um silêncio ensurdecedor tomou conta da mesa. O barulho dos talheres
e as conversas amenas das pessoas ao nosso redor eram as únicas coisas que
enchiam minha cabeça preocupada.
— Léo! — A voz de Emily sobressaltou-se, animada.
— Eu odeio esse cara. — Jake resmungou e levantei minha cabeça.
— Ah, noivinho… – Emily apertou as bochechas vermelhas de
vergonha dele. – Ainda tem ciúmes do meu ex? Não precisa. — A última
palavra foi dita de forma arrastada. – Até porque não importa. — Ela
balançou a mão e voltou seu olhar para mim. – Leo é um agente do FBI
ótimo em retrato falado.
Uma pequena luz começou a despontar no fim do túnel.
— Você… — Olhei para James que concordou.
— Procure o maldito almofadinha e faça o retrato falado. Nos
encontraremos de novo e te digo se sei quem é a assassina.
Levantei-me e puxei Emily para um abraço apertado. Escutei um
pigarrear e ri de meu irmão caçula e o ciúme descabido.
— O que fará, James? Como pretende fazer a máfia esquecer sua
garota? — Ele levantou-se e deixei Emily para abraçá-lo.
— Não importa agora, Jake. Tenho meus planos.
— É realmente uma merda quando elas nos pegam de jeito, não? — Ele
sussurrou em meus ouvidos e sorri para Emily. — Se cuida, irmão! — O
aviso vindo do mais novo deveria ser engraçado, mas foi apenas acolhedor.
QUATRO ANOS ANTES

Desci do meu carro em frente ao restaurante em Little Italy. Olhei pela


janela e analisei por um momento o ambiente intimista. Pequenos sofás de
madeira com estofados de veludo vermelho rodeavam as mesas postas para
jantares chiques.
Notei os pratos, talheres e taças de vinho devidamente colocadas sobre
as longas toalhas brancas, além de algumas velas que deixavam o lugar à
meia-luz. Era mais de nove horas da noite e o lugar estava quase vazio. A
única mesa cheia era, claro, a dos mafiosos. Uma mesa longa e com vários
homens bem arrumados em seus ternos.
Fechei o botão do paletó e ajeitei o Rolex no pulso. Pouco antes de
chegar havia feito a barba e estava pronto para receber infinitos beijos no
rosto. Revirei os olhos só de vislumbrar a cena na minha cabeça.
Há pouco mais de quatro meses eu tentava me infiltrar na máfia nova
iorquina. Com o nome de Stuart Harris e um novo histórico de vida feito pela
Bureau, eu andava no meio deles como um filho de mãe italiana e dono de
duas boates no Queens. Ambos os espaços famosos, que precisavam de
proteção contra vândalos e gangues.
É lógico que a máfia entrou em cena e ofereceu gentilmente seus
serviços de proteção em troca de uma pequena quantia dos lucros.
Sim. Era isso que os mafiosos faziam. Extorquiam os comerciantes,
assim como aos donos daquele pobre restaurante que eu jantaria naquela
noite. Os espertos pagavam, pois não queriam ter problemas com aqueles
homens.
Com o tempo deixei escapar entre uma conversa e outra que além de
dono das boates, eu recebia uma boa quantia em dinheiro com o roubo de
cargas especiais. Joias, relógios, cigarros… Algumas poucas coisas
verdadeiras, outras tantas falsificadas. Presenteei alguns cappi e logo estava
na vista de um deles. Matt Bianco era da família Santori e encontrou em mim
uma fonte de dinheiro.
Sendo um amigo dele[1], tinha tudo para me tornar amigo nosso[2].
Comecei a participar de reuniões como aquela, cheias de bebida e comida.
Poderia parecer um encontro formal, mas estava longe disso.
Caso precisassem conversar em particular com alguém, afastavam-se
para alguma outra mesa e faziam suas reuniões. Uma coisa era fato: eu jamais
poderia negar que esses homens sabiam como se divertir.
Naquela noite estávamos ali para comemorar o aniversário de Matt.
Claro que meu pequeno presente estava em um envelope branco: uma
pequena bagatela de três mil dólares. Aquele dinheiro tinha sido apreendido
pelo Bureau. Saído das ruas e para lá voltavam, mas dessa vez a nosso
serviço.
Com a cabeça erguida entrei no ninho das cobras. Fui cumprimentado
por todos os presentes, em uma mesa com pouco mais de vinte homens.
Sorria falsamente em resposta para pessoas que eu desprezava. Homens fora
da lei que extorquiam cidadãos de bem e aumentavam a criminalidade nas
ruas.
— Ah, meu belo Stuart. — Matt cumprimentou-me animado em frente
aos demais associados assim que cheguei perto para parabenizá-lo. – Como
andam as coisas na The Moon? — O homem corpulento perguntou sobre a
boate que teoricamente me pertencia.
— Matt, meu velho! Parabéns! — Beijei sua bochecha e estendi o
envelope branco para ele. – Como você verá em meu humilde presente de
aniversário, estamos indo bem, graças a sua proteção, claro! — Utilizei de
todo o meu charme para fazê-lo se interessar mais por mim.
Precisava que ele me visse como uma ótima aquisição ao seu time.
Estar lá dentro, conhecer um pouco mais sobre eles, escutar e gravar
conversas, saber nomes, esquemas e tudo o mais que eu pudesse utilizar
como informação. Nesses poucos meses em que estive entre neles já consegui
pegar o nome de mais três capitães da família Santori. Nomes que não
estavam nos registros do FBI.
Perto de Matt, eu conseguiria mais informações e provas para colocar
todos na cadeia depois.
— Obrigado, meu amigo! Não precisava de tamanha generosidade… –
Claro que precisava, mas ele jamais diria isso. Era função minha saber que
ele mentia.
Durante a próxima hora eu jantei, conversei e bebi no meio deles. Mais
do que tudo, eles eram homens de negócios, sanguinários e frios. Não
hesitavam em matar, extorquir, roubar ou abusar. Entravam em lugares
julgando-se imbatíveis e muitos acreditavam que eram mesmo. Eles sabiam
observar se um homem estava mentindo – talvez por isso eu sentisse tanto
medo ali, no meio deles —, mas não se há alguém atrás deles para matá-los.
Talvez tenha sido esse o motivo de eu ser o único a reparar na cabeleira
loira que aparecia constantemente na janela do restaurante. Alguém
espionava os mafiosos em seu santuário.
Parecia-me apenas uma garotinha. Seria uma sem teto? Alguém que
queria um pouco da comida farta desperdiçada por esses homens? Ou alguma
curiosa?
Não importava, eu precisava afastá-la daquele lugar. Poderia passar em
alguma lanchonete no caminho e alimentá-la se fosse o caso.
Quando a mesa já estava mais vazia, despedi-me dos poucos que
ficaram. Discretamente fui para a lateral do restaurante. Dei uma longa volta
por todo o quarteirão até pegar a garota desprevenida, espionando os homens
mais perigosos da cidade.
— É feio espiar pela janela – sussurrei no ouvido dela.
Dando um pulo, ela virou-se para mim, a mão no peito, os olhos
arregalados. Algo no rosto angelical da menina soava como um alarme em
minha cabeça. Eu deveria saber quem ela era?
— Que susto! — Parecia envergonhada.
Seus olhos foram para baixo. Ela brincou com uma pedrinha no chão,
evitando levantar o rosto para que eu a visse. Devia ser uma adolescente, mas
não era da rua. Estava bem vestida, com relógio de ouro no pulso, brincos e o
perfume, forte. Um pouco doce e enjoativo…
— Sabe quem são aqueles homens? — perguntei, na clara intenção de
assustá-la. Ela revirou os olhos, entediada.
— Sei!
— E como eles são perigosos e não deveria estar espionando-os? —
perguntei mais uma vez e a vi bufar. Puxei-a para um pequeno beco ali do
lado para nos esconder.
— Faço isso porque não me deixam participar das reuniões. Uma regra
estúpida sobre não querer mulheres no meio deles — Ela deu de ombros
como se estivéssemos falando de uma reunião de amigos.
— Você gostaria de estar sentada no meio daqueles homens maus? —
Olhei-a, incrédulo. Não pude deixar de usar uma linguagem infantil. Por
Deus, ela era uma criança.
— Tanto quanto você. — Ela mostrou a língua, só provando que eu
estava certo – Não se faça de inocente agora, querido! — Ela usou um tom
irônico e estreitei os olhos.
— Venha! Vou te levar para casa. — Tentei segurar-lhe a mão, mas ela
foi mais rápida e se esquivou.
— Está louco se pensa que vou com você! — Afastou-se, indignada.
— Você não pode ficar aqui no meio da rua sozinha com mafiosos há
poucos metros de você. — Aumentei um pouco o volume da voz e a vi
revirar os olhos novamente. Mas que mania irritante ela tinha.
— Eles jamais tocariam em mim — disse, empinando o nariz fino.
Observei-a com mais cautela e a lembrança surgiu. Logo, não foi difícil
lembrar-me da primeira vez que vi o chefe dos Santori na porta da minha
boate. Pela janela de vidro observei enquanto o homem grisalho, em torno
dos cinquenta anos, saía da parte de trás de uma Mercedes preta, e logo em
seguida estendeu a mão para que uma efusiva menina loira descesse do carro.
— Você é a filha do chefe — constatei, fazendo-a arregalar os olhos.
Ela balançou a cabeça e se empertigou toda, como se aquilo fosse o suficiente
para eu deixar de vê-la como um cordeirinho no meio dos lobos.
– Hope Santori. — Ela estendeu a mão, à espera de uma apresentação.
Por poucos segundos fiquei indeciso sobre o que fazer. O impacto da
informação que estava recebendo ali era gigantesca.
— Stuart Harris — respondi e puxei a mão dela galantemente,
beijando-a. Suas bochechas coraram, os olhos arregalaram e depois
passearam por mim. Oh não, pequenina, nem tenha esse tipo de pensamento.
— O que faz aqui, senhorita Santori?
— Gosto de observá-los. Conhecer e descobrir um pouco mais sobre
todos eles. — Ela deu de ombros – Quero ter todas as informações que
conseguir para provar ao meu pai que sou capaz de substituí-lo na família.
Era apenas uma garota e estava ali sonhando em comandar a famiglia?
O que raios esses pais colocavam na comida de seus filhos? Alucinógenos?
Porque era inconcebível que uma garotinha de dezesseis anos estivesse
pensando naquele posto em vez de namorados e outras coisas de adolescente.
— Tenho muitas perguntas para você, mas as principais são: um, seu
pai sabe que está aqui? — Nem precisei de uma resposta verbal. O desviar
dos olhos foi o suficiente para eu compreender. – Dois, você não acha que vai
conseguir alguma coisa espionando-os, né? — Agora as bochechas
avermelhadas mostravam-me que sim, ela acreditava que era uma boa tática.
Por Deus! Aquilo só a colocaria em risco.
— Um, meu pai não sabe e não pode nem sonhar com isso. — Seu tom
de aviso foi quase cômico – Dois, eu não sei o que estou fazendo… — Por
fim ela deixou os ombros caírem, desanimados – Eu só preciso que ele me
veja como uma opção para substituí-lo. Mas ele acredita que Pietro é a única
opção dele. É até piada. Meu irmãozinho só tem cinco anos! — ela respondeu
exasperada e tive que bocejar de tédio.
— Senhorita Santori, ele é homem! — disse o óbvio e a vi revirar os
olhos.
— Estamos no século vinte e um, senhor Harris. Não no catorze.
— As coisas funcionam diferente por aqui! — Fui enérgico. Era
maluquice aquilo.
— Não vou ficar discutindo sobre isso aqui, com você. — Ela cruzou
os braços e acenei, concordando.
— Vou te levar para casa!
— Você não é o meu pai! — Ela aumentou a voz e cheguei um pouco
mais perto dela, ameaçadoramente.
— E você prefere que eu ligue para ele e diga que vi a filhinha querida
espionando os homens dele em um restaurante, à meia-noite de uma terça-
feira? — O rostinho pequeno ficou branco igual cera.
— Ok! — Ela rendeu-se. – Mas você vai ter que me prometer que se eu
for com você esse será um segredo nosso — afirmei e ela suspirou aliviada.
Não era boba. Ninguém em sua sã consciência gostaria de dar esse tipo de
informação para o chefe. Oh, veja só, encontrei com sua filha no meio da rua.
Ofereci meu braço para ela. Mesmo achando engraçado o gesto de
cavalheiro, Hope cruzou o braço no meu e acompanhou-me até o carro. Abri
a porta e deixei-a entrar. Vi um risinho de canto em seus lábios. Não sabia se
era deboche ou encantamento. Que se dane, não pretendia vê-la novamente
mesmo.
— Só mais uma pergunta por hoje — disse assim que sentei-me no
banco do motorista. – Seu pai não desconfia que está aqui? Você não tem, sei
lá, seguranças?
— Eu sou a filha de um dos chefes da máfia, claro que eu tenho
proteção. Só que o vigia noturno é bem idiota, se quer saber. Eu tranco a
porta do quarto e ele nunca pensou em olhar se eu conseguiria descer pela
janela — ela deu de ombros. – Quanto ao meu pai, é fácil enganar as pessoas
que estão cegas de amor.
Abri a boca para respondê-la, mas parei e me vi como um bobo de boca
aberta analisando aquelas palavras. Será que ela tinha razão?
QUATRO ANOS ANTES

— Não sei se é uma boa ideia — reforcei o meu desagrado diante da


situação para o meu supervisor. Sabia que aquele homem era só a parte
burocrática da maldita missão, mas ele sempre fazia valer a regra de
subordinação quando queria que as coisas andassem de acordo com sua
vontade.
Meu gerenciador olhou-me de forma indireta. Sempre acreditei que ele
também achava que envolver Hope naquela situação era uma estupidez, mas
para nossa infelicidade quem mandava na missão era Stephen Holmes, o
homem de terno e gravata a nossa frente.
Trabalhar no FBI sempre foi algo prazeroso para mim. Amava
envolver-me com as missões. Os agentes e gerenciadores eram quase uma
família. A corporação inteira seria, se não existissem os malditos burocráticos
lá em cima, ou diante de nós como naquele momento, os malditos chefes.
Eles não pisavam em campo, nem colocam a vida deles na reta, mas
liam todos os relatórios e deixavam bem claro o que deveríamos fazer. E
Stephen Holmes era o cara, o chefe do meu chefe.
— Já entendi o seu ponto de vista, James. Mas não podemos deixar de
aproveitar quando as coisas dão certo para nós dessa forma. Você tornou-se
amigo da filha do chefe da família Santori! Temos que fazer isso valer e tirar
todo tipo de informação possível para o Bureau.
— Eu a vi apenas uma vez!
Stephen revirou os olhos, entediado, enquanto voltava a dar sua visão
dos fatos.
— Uma, duas, dez vezes, não importa. Estreite essa amizade com ela.
— É apenas uma criança — retruquei, irritado.
— Pare já com isso. Ela é a filha de um mafioso e só isso importa. —
Olhei para Richard, esperando que ele iluminasse a cabeça dura de nosso
superior. Ele apenas deu de ombros. Maldita hierarquia.
— Ela não deve ter a menor noção do que é ser uma mafiosa. Está
envolta na fantasia de sapatos e roupas caras, provavelmente. Nunca a
incentivarei a se envolver mais ainda com essas pessoas — comentei,
desanimado, enquanto ele lançava-me um olhar raivoso. — Mas farei como o
senhor manda. — Ser agente também incluía compreender quando era hora
de obedecer.

Entrei na casa de Santori, acompanhado de Matt. Consegui que ele me


apresentasse para o chefe, aumentando consideravelmente as minhas
contribuições para a família. Logo na entrada fomos recebidos por um
empregado que nos levou até a sala de estar.
— Matt, meu amigo! – Com um beijo no rosto, eles se
cumprimentaram. Santori olhou-me de cima a baixo. Estava me avaliando. —
E esse é?
— Stuart Harris. Um amigo meu.
Um sorriso brotou em meus lábios. Cumprimentei Santori e lhe
entreguei um pequeno envelope branco.
— Um agradecimento por sua hospitalidade…
Encarei-o de cabeça erguida. Dificilmente o homem gostaria de
capachos, homens fracos. Então eu precisava mostrar minha força e valor.
— Venham. Vamos almoçar. — Estendendo o braço, mostrou o
caminho até a varanda.
Passando pela sala principal, escutamos o barulho forte de passadas.
Alguém descia a extensa escada principal em caracol. Viramos a tempo de
ver Hope correndo pelos degraus.
O sorriso sapeca no rosto morreu assim que me viu. Santori e Matt
deram um passo à frente.
— Hope, isso são modos? Temos visita! — A garota abaixou a cabeça
em sinal de respeito ao pai. — Venha cumprimentá-los, querida.
Andando lentamente ela estendeu a mão para Matt, que a apertou
firme e depois recolheu-a, acenando com a cabeça.
— Essa é minha garotinha, Hope. Esse é Stuart Harris, um amigo de
Matt. Sabe, Stu, minha garotinha sonha em ficar no meu lugar.
Tentei segurar o riso, mas o barulho foi perceptível por toda a sala.
Hope levantou os olhos e vi a raiva espelhar-se no rosto pálido. Enquanto
isso o chefe acenava lentamente.
Ali eu havia acabado de cair nas graças do manda chuva. Com um
pouco mais de esforço, tornei-me um amigo dele também. Santori me adotou
como protegido e filho querido.
Nos anos seguintes, estreitei meus laços com toda a família, assim
como com Hope. No fim ela era apenas uma garota meio perdida. Queria
agradar o pai a qualquer custo e provar que seria capaz de comandar a máfia
quando ele resolvesse se aposentar.
Ela mostrou capacidade para tal, e para isso sempre deixei claro
acreditar em seus planos, apesar de jamais poder dizê-lo em voz alta na frente
do pai. Se a garota não o temia, fugia-me essa capacidade.
Poucos dias antes de completar 21 anos, ela pediu-me para ensiná-la a
atirar. Pensei muito sobre o assunto e cheguei à conclusão de que não haveria
mal algum. Ela vivia em um mundo cheio de bandidos mesmo. Esse tipo de
conhecimento poderia salvar a vida dela em algum momento.
Passamos a sair com frequência. Ela gostava de falar e estava sempre
animada com os assuntos referentes a máfia. Eu era o único que a escutava, já
que o pai estava sempre às voltas com o celular em casa, falando com os
amigos mafiosos assuntos da famiglia. Para mim foi ótimo, pois a discrição
de um homem daqueles, quando está no lar entre os seus era quase zero,
permitindo que conseguisse informações valiosas para o FBI.
Aumentamos consideravelmente a lista de suspeitos, descobrimos
novos nomes e infiltramos mais um ou dois agentes. Pessoas que eu
desconhecia, mas que, possivelmente, trombaria com eles por aí em algum
momento.

— Segure assim – disse, posicionando as mãos dela corretamente. – Os


olhos no alvo. – Apontei a garrafa que estava muito distante de nós.
Os braços finos abaixaram com o peso da arma. Cheguei por trás dela e
levantei-os, meu rosto bem perto do ouvido dela.
— Agora se concentra — falei baixo e vi os pelos de seu corpo se
arrepiarem. Isso estava indo mal, muito mal. — Agora. — Vi então ela
apertar o gatilho.
O estrondo foi alto, fazendo-a dar um pequeno pulo. Segurei então a
arma e guardei-a. Hope deu pulinhos de alegria quando viu a garrafa
espatifada no chão. Virando-se para mim, deu-me um abraço apertado.
Recebi de bom grado. Havia me afeiçoado àquela garota. De repente,
ela grudou-se mais em mim. Hope nunca escondeu o fato de sentir-se atraída
por mim, assim como eu sempre deixei claro que não tinha a menor vocação
para ser homem de uma mulher só. Deixei-a imaginar que minha vida de
solteiro era uma benção e que jamais me envolveria com ela por prezar muito
aquela amizade.
Só havia um problema naquela relação: ela estava deixando de ser uma
menininha para se tornar uma mulher muito atraente. Hope estava sempre
com jeans curtos, blusas pequenas, deixando o corpo a mostra. Aquilo não
deveria afetar-me tanto como homem, pois sempre a vi com olhos de um
protetor, um cumpridor da lei que além de fazer o meu trabalho, não tinha o
direito de corromper uma garota como ela.
Hope afastou-se de mim um pouco. A longa unha pintada de preto
deslizou por meu peito e tórax, um sorriso malicioso nos lábios cheios de
batom vermelho. Uma garota em um corpo de mulher, isso era algo que eu
jamais poderia negar. Segurei-lhe firme a mão e seu rosto deslizou em uma
falsa expressão chateada. A língua passou pelos lábios ressecados e mordeu o
canto do lábio.
— Esse negócio de atirar sobe uma adrenalina, né? — Acenei com a
cabeça, incapaz de reagir às suas investidas. — Como podemos gastá-la?
— Correndo — respondi, afastando-a de mim. Ela lançou-me um
sorriso vitorioso. Parecia acreditar que eu estava cada vez mais enfeitiçado
por ela.
Para a minha infelicidade, talvez eu realmente estivesse.
Não podia negar que meus sonhos com ela estavam cada dia mais
beirando a pornografia. Cenas dela chegando em minha casa no meio da
noite, dizendo que descobrira meu disfarce, deslizando o vestido pelo corpo
enquanto dirigia-se a mim ficavam cada dia mais frequentes.
Eu não podia deixar meus pensamentos irem para esse lado. Não
quando envolvia uma garota como ela. Por mais que os anos houvessem
passado, meu lado racional sempre a veria como a menina de dezessete anos
que espionava mafiosos pela janela de um restaurante.
— Não está na hora de voltar? — perguntei enquanto pegava a cesta do
piquenique que fizemos mais cedo. Eu sabia a resposta para aquela pergunta.
— Claro que não. Estou com você. Papai quer mais é que demoremos.
— Ela gargalhou alto, aproximando-se de mim pelas costas.
Há pouco menos de um ano, ela havia convencido o pai a deixá-la sair
comigo sem nenhum segurança. Ele estava empolgado com a ideia dela estar
apaixonada por alguém de dentro da família. O homem acreditava que
tínhamos chance de um relacionamento, porque assim ele poderia se
aposentar antes de Pietro crescer, o que ainda demoraria muito.
Sua confiança em mim era alta, ao ponto de me colocar junto de sua
filha. Como o Bureau poderia achar que ele ainda escondia algo? Ele poderia
ser um mafioso dos mais temidos, mas quando o assunto era Hope, Santori
era apenas um pai babão.
Senti a mão dela deslizando por meu corpo mais uma vez, e eu ainda
não havia voltado ao normal com a aproximação anterior. Se ela sentisse o
quanto meu pau estava duro, nunca mais teria sossego.
— Hope, não! — Fui duro com ela ao virar-me. Seus olhos se
arregalaram.
— Você quer, Stu. — Ela fez um beiço de quem choraria se eu
continuasse a ser rude.
Eu precisava ser mais enérgico. Deixar que aquela carinha bonitinha me
convencesse a ser molenga com ela não estava funcionando. Ela precisava se
afastar.
— Pelo amor de Deus, Hope. Você é só uma garotinha. — Ri com o
máximo de escárnio que consegui empregar naquele momento. – Uma
mimada, por sinal. Não entende que não é não? — Vi os olhos dela
chamuscarem.
Eu precisaria ir mais fundo, magoá-la e afastá-la o máximo que
pudesse. Ela tinha que me odiar. Já havia usado ela muito tempo como uma
fonte de informação para o Bureau. Não poderiam reclamar que eu agisse
daquela forma. Não quando a mulher estava se esforçando para ir parar em
minha cama.
— Mimada? — A voz transformou-se num sussurro, em desacordo
com a raiva que borbulhava em seu interior.
— Sim. Se não fosse já teria desistido dessa ideia ridícula de se tornar
chefe da máfia. Isso é coisa para homem! — Bati no peito como um perfeito
calhorda.
Não era nisso que eu acreditava. Muitas mulheres seriam muito mais
eficazes em gerir a máfia que os chefes antiquados que vi nesses três longos
anos infiltrado.
Como um membro ativo e não apenas um associado, eu tinha muita
noção do que faltava para muitos deles. Coisas que Hope tinha de sobra. Ela
estava sempre um passo à frente do pai.
Suas intuições sempre falaram mais alto e estavam, na maioria, certas.
Por isso sempre temi que ela me descobrisse. Mas cheguei à conclusão de
que ela estava correta em mais uma coisa, dita para mim em nosso primeiro
encontro: o amor cegava. Seu encantamento comigo jamais a deixaria
perceber que eu era um falso mafioso. Em seu coração, eu era o único
homem bom que ela conhecera. Por isso, pouco importava se eu estava entre
as pessoas que ela desconfiaria. Mesmo que para isso fechasse os olhos para
todas as minhas ações suspeitas.
— Você não acredita que eu… Eu… Serei uma boa chefe?
— Você nem chegará lá, Hope — disse com desdém.
Amansei meu tom e tentei chegar um pouco mais perto dela. Tentaria
agir como um bom irmão mais velho, um amigo preocupado. Precisava que
ela tirasse da cabeça a ideia descabida de transar comigo.
Ela afastou-se. Os olhos magoados fizeram com que baixasse minha
mão a caminho de seu rosto angelical.
— Quero ir embora. — Marchou em direção ao carro. Terminei de
organizar as coisas e sentei-me no lado do motorista.
— Hope…
— Não quero falar, Stuart. — Ela usou meu nome completo para frisar
a mágoa.
Aceitei seus termos e liguei o carro, abandonando a paisagem de
abóboras de uma das fazendas na região das montanhas Catskill. Meia hora
depois, tentei amenizar o clima ruim.
— Seu pai descobriu que o dono daquele restaurante no Bronx estava
escondendo parte do faturamento. — Utilizei a primeira coisa que me veio à
mente para mantermos um diálogo. Um sorrisinho de canto despontou em
seus lábios.
— Eu sempre falei que não confiava naquele cara.
— Sabe o que seu pai fez?
— Algum dos novos associados apontou uma arma para o cara e disse
que da próxima vez atira. — A garota continuava observando a paisagem do
lado de fora, ignorando-me.
— Hope…
— Não hoje.
A próxima hora e meia foi de um silêncio ensurdecedor. Ela não me
encarava, nem cantava como costumava fazer quando passeávamos de carro
por aí. Hope não dirigiu sequer um olhar para mim e aquilo estava
machucando como o inferno. Como também se recusava a flertar comigo, eu
sabia que por mais que estivesse doendo aquela indiferença, eu tinha feito a
coisa certa.
Deixei-a na frente de casa e nem cogitei descer para acompanhá-la. Ela
também não se despediu quando bateu a porta do carro em um estrondo.
Naquela noite eu encontrei com Jake no restaurante. Aquela vez,
quando eu parti o coração de Hope, tinha sido o meu último dia na máfia.

DIAS ATUAIS
Suspirei desanimado quando relembrei a última vez que vi aquela
garota. Uma dor absurda corroía minha alma ao saber de seu destino. Eu teria
sido responsável por sua depressão? No fim, eu sabia que eu era a única
pessoa em quem Hope confiava. Será que teria terminado de destruir a alma
quebrada daquela pobre menina?
Um frio percorreu minha espinha com a mera possibilidade. Fechei
meus olhos cansado com os rumos que minha vida estava levando.
De repente, escutei duas batidinhas na porta e gritei um entre para
Lisandra. Estava indo pelo mesmo caminho com essa mulher. Meu corpo
clamava por ela, já ultrapassando o limite do aceitável assim que a beijei.
Ninguém sabia do meu deslize com Lisa. Não comentei com Jake,
apesar dele e Em terem desconfiado. Algo em mim exigia que eu escondesse
esse detalhe de todos, coisa que jamais fiz com Hope. Todas as investidas
dela estavam devidamente registradas. Aquela merda deveria significar
alguma coisa.
Vi a mulher entrar no quarto com os cabelos jogados de lado. O blusão
enorme que usava escondia apenas o início de suas coxas e meu corpo tremeu
com a visão.
Quando conheci Hope ela era apenas uma garotinha e não me
envolveria com ela por mais tesão que eu sentisse. Lisandra era uma mulher
feita, mãe de uma menina, adulta e consciente da tentação que estava
causando-me. Aquilo era uma provocação e de alguma forma afetava-me
mais que a outra conseguiu fazer em algum momento.
Quem eu queria enganar? Meu coração já estava encantado pela
mulher determinada, amorosa e batalhadora que ela era. Poderia arriscar essa
relação? Colocar a perder minha sanidade e imparcialidade durante a missão?
Eu conseguiria fazer as coisas sem errar com ela como eu fiz com Hope?
Que os céus estivessem ao meu favor.
JAMES DESPEDIU-SE DO CASAL DE AMIGOS E ACENOU
PARA QUE O encontrássemos do lado de fora. Paguei a conta e entrei no
carro que já estava ligado em frente ao estabelecimento.
Ele não nos cumprimentou ou respondeu qualquer uma das mil
perguntas de Lis. De alguma forma o homem estava com seus pensamentos
longe e aquilo me angustiou. Seu silêncio poderia ser sinônimo de problema.
Sabia que havia ido ao encontro daquele casal para nos ajudar a sair dessa
enrascada.
Aceitei aquilo até chegarmos no apartamento.
Depois de um banho e cuidados com Lis, coloquei-a para dormir.
Minha garotinha devia sentir minha ansiedade, já que demorou mais
do que o costume para pegar no sono. Entre perguntas se o tio James estava
legal e qual seria as nossas atividades do dia seguinte, um bocejo e outro foi
surgindo até ela cair em um sono profundo.
Coloquei-a em sua cama que fica bem perto do chão para que não
caísse e fui tomar meu banho antes de ir até James.
Não podia negar que além de todos os problemas que me rondavam a
cabeça, o beijo que demos mais cedo também estava muito presente em meus
pensamentos.
Há anos morávamos apenas eu e Lis, e estava mais que acostumada a
andar pela casa de blusões e shorts. Por isso nem me toquei de como estava
vestida até descobrir os olhos de gavião de James sobre mim.
Ele era lindo e ainda tinha aquele jeito de homem perigoso capaz de
enlouquecer. Era muito mais que apenas ser o agente especial do FBI, era
algo que vinha dele.
Descaradamente ele analisou meu corpo, parando nos seios livre de
sutiã. Um hábito que ainda não perdi, apesar daquela nova presença
masculina em minha vida.
Era inegável o desejo que sentia por aquele homem. Até era tentadora a
ideia de esquecer os problemas por algumas horas através do sexo casual.
Quem eu quero enganar? Você quase estrangulou a mulher de vestido
vermelho no restaurante, Lisandra. Está mais envolvida do que imagina.
Tentei ignorar todos os meus pensamentos ao sentar-me ao lado dele.
— Alguma novidade? Eles vão nos ajudar? — Mordi o lábio inferior.
Um tique muito mais nervoso do que sensual.
— Lisandra, isso não é importante no momento. — Ele tentou se
levantar, mas segurei em seu braço.
— Me diz, James. Não gosto de ficar no escuro — falei
amigavelmente.
— Sua preocupação é cuidar de Lis, e a minha de vocês. Não lhe direi
todos os nossos passos, só o que precisa saber. — Puxando o braço
bruscamente ele se levantou, afastando-se de mim.
— Eu vim aqui para saber sobre coisas que me dizem respeito. É a
minha vida e a da minha filha que estão em jogo. Você não pode achar que
tem o direito de esconder coisas de mim.
— Você também me esconde informações, Lisandra, de suma
importância. Nem por isso eu estou te acusando ou dando chilique, porra! —
Olhei para a porta, preocupada se nossos gritos acordariam Lis. James
suspirou
— Não te escondo nada.
— Quem é o pai de Elizabeth? — ele perguntou à queima-roupa e
fiquei sem fala por um momento.
— Não posso falar, James. Manter a identidade dele em sigilo é
importante para mim.
— Por que é rico? Famoso? Político? Tendo em conta que você
trabalhava em campanhas eleitorais na época. — Claro que ele sabia sobre a
minha vida. Tinha tido muito tempo para pesquisar a fundo o meu passado.
Era isso que eu havia me tornado, uma suspeita em potencial?
— É bem mais complicado do que isso, James. — Fiquei triste. – E não
vejo como essa informação pode fazer alguma diferença.
— A máfia está em todo o lugar, Lisa. Nos pequenos assaltantes que
respondem a algum chefe, nos donos de estabelecimentos que pagam por
proteção, até líderes políticos que querem garantir sua vaga. Eu sei que é
muito mais complicado do que eu possa sugerir. Já sei: o safado do seu ex
descobriu a gravidez e pediu para você tirar? — Ele ergueu as sobrancelhas
esperando que eu o desmentisse. — Quando você disse não e ameaçou de ir à
público, ele disse que pegaria sua filha de você? Que levaria Lis e que você
não teria chances contra ele no tribunal? Por isso, com medo aceitou as
ridículas propostas dele para manter-se viva já que estava grávida e sem
emprego. — Escutar minha história resumida de forma vil e desdenhosa doía
o coração. Nem todas as afirmações eram corretas, mas James não estava
nada longe da verdade. – Ele ainda te ameaça dessa forma, não é? Quando
você faz qualquer coisa que esteja próxima de sair da linha na visão dele, ele
diz que vai levar Lis?
— Você nem faz ideia de como seja a minha vida. O meu passado não
cabe em um maldito documento…
— Concordo com você. Mas não é difícil deduzir algo ao ver a dona de
um salão de beleza morando em uma cobertura de Manhattan. Menos ainda
quando você protege a identidade desse cara com todas as forças. — Ele
amansou o tom de voz e meu coração se encheu de carinho por sua atenção.
James era observador e talvez muito daquilo devia-se ao trabalho, mas cada
dia eu encontrava mais detalhes que agradavam-me nele. – Você é uma
guerreira, Lisa, e te admiro por isso. Sei que você está lutando, mas precisa
deixar as coisas complicadas comigo. — James se virou, me dando as costas.
Algo havia dado errado, isso era um fato. James evitava me dar muitas
informações, mas sempre fora cuidadoso ao conversar comigo. Estava o
tempo todo preocupado em fazer com me sentisse bem e confortável com os
passos que daria. Algo tinha acontecido para deixá-lo tão arisco.
Aproximei-me e levei minha mão até suas costas. Deslizei-a até os
ombros e o vi se retesar. As mãos em punho, a respiração agitada, os pelos
dos braços arrepiados. Ele estava se controlando. Tentando evitar o repetir
dos acontecimentos.
O que ele não sabia era o quanto eu desejava que aquilo acontecesse.
Eu poderia entregar-me a ele ali e ser adulta o suficiente para saber que não
teríamos mais nada. Se ele pudesse ajudar-me a esquecer os problemas, se eu
pudesse repetir aquele beijo, eu não me importava com mais nada.
— Lisa, não! — ele pediu, ainda de costas. Sabia que aquilo também
era tentador demais para ele.
Minhas mãos tomaram maior intimidade, subindo a camiseta preta e
resvalando meus dedos pelas costas musculosas. Virando-se, ele lançou-me
um olhar cobiçoso. Sua mão foi até meus cabelos, envolvendo os dedos nos
fios sedosos. Um longo suspiro saiu de sua boca antes de puxar-me na
direção dela.
Sua língua deslizou por meus lábios antes dos dentes prenderem o
inferior, deixando uma mordida dolorida. Gemi alto e recebi o que, pareceu-
me, um rosnado em resposta.
Afoita, subi a camiseta dele e deixei meus dedos passearem pela barriga
sarada. James segurou-me nos braços e jogou-me em cima da cama. Cobriu o
meu corpo com o dele, deslizando as mãos por minhas coxas, levantando a
blusa, embolando-a em meu pescoço e deixando os seios descobertos. A boca
enfim tomou a minha mais uma vez, em um beijo intenso, delicioso e feroz,
que tirou de mim qualquer dúvida sobre a ideia de entregar-me ou não aquele
homem.
— James… — sussurrei quando a boca dele procurou minha pele.
Com pequenas mordidas e lambidas, James deixou os lábios
descobrirem meu corpo. Um intenso nó se apertou em meu ventre e desejei
mais que nunca que as preliminares terminassem. Com pensamentos
contrários aos meus, o homem permaneceu com uma paciência que eu não
tinha.
Seus lábios quentes encontraram meu mamilo intumescido e arqueei o
corpo quando sentia a língua deslizar antes dele fechar a boca em uma
chupada ardida. Os dedos deslizaram pelo contorno de minha calcinha. Levei
minha mão até sua evidente ereção por sobre a calça de moletom e fechei
meus dedos em torno do longo e grosso membro. Escutei um gemido e quis
acabar com aquilo o mais rápido possível.
— James… Por favor… Só… Vem! — pedi sem qualquer vergonha do
ato.
Como se um balde de água fria houvesse caído em seu corpo, James
afastou-se, deixando-me deitada na cama sozinha. Pegou a blusa e vestiu-se.
Escutei meia dúzia de palavrões, mas fiquei imóvel, sem saber o que fazer.
— Vista-se e saia — ele disse sem me olhar e estreitei os olhos.
— James… Eu quero. Está tudo bem. — Levantei-me, ajeitando minha
roupa. Constrangida.
— Por favor, Lisandra, não tem o menor cabimento nos envolvermos. É
loucura. Eu sou o agente do FBI responsável por sua proteção! — A voz
aumentou de volume.
— E onde está o erro nisso?
— Tem noção que posso ser retirado do caso se nos envolvermos? Se
meu gerenciador souber disso, ele procura outra pessoa e põe em meu lugar.
— Então não o deixe saber.
James fechou os olhos e levou os dedos até o nariz. Um longo suspiro
saiu de seus lábios. Quando reabriu-os, percebi a determinação neles. Soube
que não gostaria do que viria a seguir.
— Seu corpo não é moeda de troca por informações, Lisandra.
E antes que eu pudesse medir as consequências de minhas ações, minha
mão estalou um tapa, fazendo que o som do choque no rosto dele ecoasse
pelo ambiente. Meus olhos cheios de lágrimas o acusavam e os dele
demonstravam um leve toque de melancolia.
Se a ideia inicial dele fosse ofender-me para que eu desistisse, ele havia
conseguido.
— Utilizar as palavras eu não quero Lisandra teriam sido o suficiente.
Você não precisava ser tão escroto. — Acusei-o.
— Não me pareceu. — Ele levantou o queixo e senti mais nojo de mim
do que dele. Como eu pude me sujeitar a isso? — Não vamos falar sobre o
que aconteceu aqui para ninguém. Preciso garantir que não sairei de perto de
vocês.
— Talvez você ir embora não seja uma má ideia. — Levantei meu
rosto, negando-me a baixar a cabeça para aquele homem. Nunca o deixaria
ver como suas palavras haviam me ferido.
— Está aí um dos motivos que eu sabia que isso não daria certo. Você
já está confundindo as coisas. Eu não confio em quase ninguém para protegê-
las, você deveria fazer o mesmo.
— Vá se danar, James. Te conheci outro dia. Você também pode ser
um péssimo agente do FBI, ou da máfia tanto quanto eles — acusei-o e o vi
rir, sem nenhum traço de humor.
Sim. Eu sabia que estava sendo infantil e que ele agia como um escroto
por algum motivo. Algo naquela conversa destruiu o bom relacionamento que
tínhamos, fez repensar sobre nós dois, sobre as verdades que ele me contava e
estava com medo de descobrir o que era. James demonstrava segurança nas
atitudes, em seus planos e aquilo tranquilizava-me.
Mas não era isso o que eu estava vendo ali. Ele estava perdendo o
controle e tinha medo do que aquilo poderia significar para nós. O perigo era
maior do que deixava transparecer?
— Talvez tenha razão e eu os conheça melhor do que você e saiba com
o que estamos lidando. Com isso em mente não ouse fazer besteiras. Você
não tem a menor noção do que está acontecendo.
— Então me diga, inferno. — Bati o pé no chão. A raiva saindo por
meu corpo por meio de longas lufadas de ar, como um touro nervoso.
— Não! — A resposta foi dada em uma grosseria desnecessária.
Meu corpo arrepiou-se. Ele compartilhou comigo tantas informações
até agora. O que haviam dito para ele que causou aquilo?
— É tão ruim assim a situação em que me encontro? Tenho alguma
chance de sair dessa viva? — Fechei meus olhos com medo.
— Se depender do péssimo agente do FBI aqui? Sim. — A mágoa em
sua voz era perceptível, mas eu não estava muito preocupada no tanto que o
atingi. Ele foi pior e sabíamos disso.
Decidi não me indispor mais com James. Dane-se. Eu fui ali para
amenizar minhas preocupações e não discutir com ele.
— E, senhorita Hall — ele me chamou e virei para descobrir o que ele
queria. – Tudo o que tenho feito é para o seu bem-estar e de Elizabeth. Eu sei
com quem estamos lidando e atualmente, as cartas não estão a nosso favor.
Uma vontade imensa de chorar me consumiu. Talvez eu tenha deixado
transparecer, já que vi o rosto dele entristecer. As palavras não me
machucaram tanto quanto a falta de confiança que tinha demonstrado.
— Eu achava que não estava sozinha nisso tudo. Acreditei que tinha
seu apoio e cuidado. Talvez eu estivesse errada…
Bati a porta atrás de mim, antes mesmo de escutar meu nome saindo
pelos lábios dele.
OBSERVEI LISANDRA DAR O CAFÉ DA MANHÃ PARA LIS
NA SALA DE estar. O amplo espaço do apartamento dava uma visão
privilegiada da cozinha para a sala. Ali era grande, espaçoso e claro. Um
ótimo lugar para uma família tranquila.
Como uma dama de gelo, ela nem me dirigiu o olhar, em nenhum
momento. Tudo bem. Era isso que eu procurei fazer no dia anterior quando a
ofendi. Havia sido um cretino? Sim. Um idiota de marca maior? Com certeza.
Mas com um propósito.
Assim como fui com Hope no passado. Talvez estivesse fadado a ser
um idiota com todas as mulheres com que me envolvia, ou então eu não sabia
resolver as coisas de outra forma. Odiava ser esse homem. Não gostei de
como agi com Hope, menos ainda com Lisandra.
Por algum motivo, me doía mais ter feito isso com a linda morena à
minha frente. O desprezo dela machucava muito mais, mas eu não queria
analisar isso por enquanto.
Toda a minha energia precisava estar focada em protegê-las. Nutrir
esses sentimentos por Lisandra não me ajudaria a colocar minha cabeça no
lugar. Eu precisava ter objetivos claros e nenhum deles podia envolvê-las. Eu
sabia, no fundo, que o melhor seria agir ainda com elas sobre minha proteção.
Não poderia esperar a eternidade da burocracia do bureau para tirá-las da
mira da máfia.
Só que quanto mais eu me envolvia, mais queria ficar naquela bolha em
que estávamos, como se nada mais pudesse acontecer. No fundo, Lisa
também sabia disso.
— Decidiu o nome que dará a ela? — a mãe perguntou para a pequena
que fingia alimentar uma das imensas bonecas que o FBI deixou ali.
— Goto muito de Kate — Lis declarou enquanto abria uma boca
enorme para a mãe alimentá-la.
— Hummm… Muito bonito. E qual vai ser o nome da mamãe dela?
— Elizabeth — a pequena respondeu, enérgica.
— Oras, mas se é faz de conta você deveria escolher um nome para
você também. — Lisandra não se deixou levar pela pequena.
— Então eu sou a Kate e ela é a Brisa. — Ajeitando a postura e
levantando o queixo, a garotinha sorriu em seguida.
— Acho lindo. Os dois nomes. — Lisandra beijou o rostinho da garota
e continuou a dar o café da manhã para a filha.
Assim que a pequena veio para o meu pé brincar, dei um sorriso para
ela e a chamei de Kate meia dúzia de vezes. Fiquei envolvido em sua
brincadeira em pouco tempo. Alimentei, troquei e coloquei a boneca para
dormir enquanto ela me ensinava exatamente como fazer cada uma das
tarefas.
Lisandra terminou de lavar a louça e ficou encostada na parede a nos
observar.
— Vamos Kate, hora de escovar os dentes mocinha — ela disse um
pouco depois.
— É Lis, mamãe. Kate é só na bincadeila — a pequena respondeu a
mãe enquanto se levantava sorridente. – Acha que ela não sabe mais meu
nome? —cochichou em meu ouvido, fazendo-me dar uma sonora gargalhada.
— Tenho certeza que a mamãe sabe seu nome pequena, mas ela gostou
muito da sua ideia de Kate.
— Ahhh… — Os olhinhos se arregalaram, mas logo a informação
perdeu importância. – Vou escova os dentes e já volto. — Ela correu pelo
imenso corredor.
— Prefiro Lis. Kate não combina com ela. — Eu comentei antes de que
Lisandra sumisse pelo corredor.
— Não, não combina. — Um longo suspiro saiu dos lábios daquela
mulher, deixando meu coração apertado. A vida estava sendo injusta com
aquelas duas.
Lisandra nem me olhou quando respondeu. Deixou a sala a procura da
filha, deixando-me pensar no quanto as coisas ficariam esquisitas por um
bom tempo entre nós.
Ela era linda! Sensual também. Guerreira, educada, carinhosa,
independente… Lisandra me encantava em cada pequena atitude. Inclusive
como mãe. Sua filha era uma garotinha forte, alegre e encantadora. Tinha
muito dela na pequena. Seria uma lástima se tivesse de perder a própria
identidade para se proteger.
Aquela constatação deixou-me mais determinado a agir. Naquele
mesmo dia liguei para o ex-namorado de Emily. Combinamos de nos
encontrar no apartamento em três dias. Ele teria que nos ajudar.

— James, será que poderíamos dar uma volta pela rua? — Lisandra
veio falar comigo assim que desliguei o celular.
Aquilo me incomodava, mas Lis dava pequenos pulinhos, olhando-me
suplicante. Como eu poderia dizer não para aquela criaturinha?
— Lembra das roupas que compramos? — Vi ela acenar em
consentimento. – Use-as.
Lisandra entrou para o quarto e voltou quinze minutos depois com uma
calça jeans azul marinho colada no corpo, um top preto deixando em
evidência a barriga sarada e tênis. Pedi licença e fui trocar-me também.
Voltei para a sala com uma calça jeans surrada, larga, e uma camiseta com
uma caveira desenhada. O elástico da cueca boxer era visível, caso eu
levantasse meus braços. Senti-me como um moleque de dezesseis anos.
Descemos os andares até o térreo, com Elizabeth mexendo na roupa da
mãe, rindo das pulseiras e brincos que finalizavam o visual de adolescente de
gangue.
Ali perto do prédio havia um pequeno parque infantil utilizado pela
vizinhança. Sugeri a Lisandra que fossemos até lá e ela concordou de pronto.
Andamos pouco mais de duas quadras e chegamos ao espaço que já
contava com meia dúzia de crianças e seus pais a observarem. Enquanto
Lisandra empurrava e brincava com a filha, olhei ao redor para ver se
estávamos em segurança.
Um casal de idosos sentado em um banco, cochichando entre si,
pareceram-me inofensivos. Mafiosos envelheciam, mas não naquela área da
cidade. Um bêbado escorado em uma árvore a uns metros de distância
também era tranquilo. Esse era o tipo de disfarce que o FBI utilizaria durante
alguma missão temporária, não bandidos. Os homens da máfia não se
disfarçavam. Muito pelo contrário, eles gostavam da exposição. Três mães
com crianças no parquinho também não me pareciam motivo de alarde, assim
como os casais que acompanhavam as outras três.
Tentei relaxar. Estava tudo bem e ninguém chegaria perto das garotas.
Não havia ninguém ao nosso redor que pudesse reconhecer-nos. Olhei para
Lisandra, que ria de Lis tentando se levantar após escorregar e dar de bunda
com o chão de areia. A garota mostrou a mãe um rostinho emburrado
enquanto limpava o short com as mãozinhas agitadas. A cena era linda e
enchia-me o coração de certezas. Eu faria com que elas pudessem ter essa
vida de volta. A tranquilidade de brincar e aproveitar a luz do sol sem medo
de serem sequestradas por bandidos.
Uma hora depois chamei as duas, sabendo que havíamos passado
tempo demais em exposição. Voltamos para casa sob os protestos de Lis.
Assim que chegamos ao apartamento, Lisandra foi dar um banho na filha e
aproveitei para organizar nosso almoço.
Apesar da manhã alegre, o silêncio e indiferença de Lisandra não se
alteraram. Não que eu ousasse achar que seria perdoado, mas com toda
certeza acreditava que ela estaria mais relaxada. O que não aconteceu.
Foram três longos dias que ficamos ilhados mais uma vez. Algumas
poucas vezes desci com as duas para dar uma volta na rua, mas nada que
durasse mais que uma hora. O parquinho foi o ponto que mais fomos e parar
lá todos os dias começava a incomodar-me.
Eu estava ansioso e não deixava meus olhos se desprenderem das duas
ou das coisas ao meu redor. Até que em uma ocasião, vi um vendedor de
drogas rodear o espaço e obriguei as garotas a voltarem para casa em tempo
recorde. Em teoria, a máfia não se envolve com drogas. Utilizar produtos
nocivos à saúde não era do feitio deles, mas eu não colocaria minha mão no
fogo para homens que tinham o dinheiro como senhor.
Em um desses dias, a USMarshal finalmente se pronunciou, avisando
que teríamos a visita de uma psicóloga. O objetivo era ajudar Lis no processo
de mudança de nome, além de tratá-la para diminuir os danos dos
acontecimentos em sua cabecinha.
No final do terceiro dia, a campainha tocou e abri a porta, ansioso pelos
próximos momentos. Estava torcendo para ver um rosto conhecido e acabar
com aquele sofrimento. Precisava de uma pista.
Jake, Emily e um homem alto entraram assim que abri a porta. Com os
cabelos loiros bem penteados para trás como um mauricinho, o agente
apresentou-se como Léo.
— Vou chamar Lisandra no quarto e já volto. — Deixei que os três
agentes do FBI se sentassem na sala.
Bati na porta do quarto dela, que abriu vestindo um short e uma regata,
sem o maldito sutiã! Era para me enlouquecer! Aquela mulher estava
testando meu autocontrole, tinha certeza disso.
— Sim? — ela se apoiou na porta.
Fechei meus olhos e contei até dez. Eu era um agente especial do FBI e
conseguia me passar por traficante, bandido, assassino, falsificador e
mafioso. Eu tinha que conseguir ignorar o tesão por essa mulher. Eu era
capaz de abrir os olhos e ter controle sobre meu corpo.
Assim que eu o fiz, descobri que não sabia encenar tão bem quando o
assunto era Lisandra Hall. Quis loucamente puxá-la para meus braços e beijá-
la, e só não o fiz pela cara azeda com que me olhava.
— Chamamos um agente especializado em retrato falado. Ele está na
sala te esperando.
— Claro! — Olhou para dentro do quarto e abriu um pouco a porta. Lis
brincava de boneca no meio da cama. – Você pode… — Ela apontou para a
garotinha e assenti.
Lisandra abriu mais a porta e entrei no quarto delas. O lugar emanava o
delicioso cheiro daquela deslumbrante mulher a minha frente.
— Tio James… — Lis abriu um sorriso sincero. O medo inicial havia
passado e eu ganhava o coração daquela garotinha, assim como ela ganhara o
meu.
— Eu vou… — Lisa apontou para fora do quarto.
— Não seria bom colocar uma roupa mais... Você sabe. — Fui incapaz
de segurar minha língua. Não era para ser uma cobrança e pelo olhar
assustado dela ao se analisar, não acreditei que tenha soado como uma, mas
isso só comprovava que, com ela, qualquer distanciamento descia ralo
abaixo.
— Claro! — Ela correu para dentro do banheiro e voltou com um
vestido florido solto no corpo.
Sem lançar-me um segundo olhar, ela saiu do quarto deixando-me
sozinho com Lis. Aproveitei aquele pequeno momento para brincar com a
garotinha. Ela sentia a tensão no ar, mas se comportava muito bem para quem
passava por toda aquela confusão.
— Tio James, vem binca comigo. Olha esse chapéu, coloca aqui nessa
boneca. — Eu fiz questão de obedecê-la.
— James! — A voz ansiosa de Jake chegou aos meus ouvidos antes de
sua cabeça aparecer pelo batente da porta – Você precisa ver isso.
Estreitei meus olhos para o rosto assombrado de meu irmão caçula.
Puxei Lis para meus braços e a levei até a sala, onde Lisandra permanecia
sentada no sofá dando algumas características sobre a tal de Kimberly para o
policial.
O homem, apesar de concentrado em seu trabalho, desviava os olhos
para as pernas da minha garota de vez em quando. Emily permanecia sentada
ao lado do ex, observando seu trabalho.
Coloquei Elizabeth no chão e posicionei-me atrás do tal agente do FBI.
Meus olhos foram até o desenho inacabado do artista.
Muito provavelmente meus olhos também devem ter se arregalado;
minha boca abriu-se, depois de engolir em seco. Senti uma leve vertigem
antes de deixar as palavras escaparem de minha boca.
— Não pode ser ela!
— VOU LIGAR PARA RICHARD — JAMES FALOU POUCO
DEPOIS DE observar o desenho que Léo fazia.
Estreitei meus olhos para sua reação. O homem ficou branco igual
papel após olhar a imagem e respirou fundo algumas vezes antes de soltar a
frase, sumindo corredor adentro. Olhei para o agente que fazia o retrato
falado. Ele deu de ombros e voltou a riscar o desenho. Enquanto terminava,
deitei Lis no sofá e coloquei um desenho para ela assistir enquanto
terminávamos o processo e a conversa dos adultos. Depois de um tempo, Léo
chamou-me e mostrou a imagem.
— É ela! — afirmei, esperançosa.
— Tem certeza? — o irmão de James perguntou e acenei, confirmando.
– Merda!
— O que está acontecendo? — minha voz saiu trêmula, deixando claro
meu medo.
— Léo? — O homem ignorou-me sem o menor pudor. – Está ocupado
esses dias?
— Não. Estou terminando um relatório de uma missão anterior, mas
tirando isso, tudo tranquilo. — Ele deu de ombros.
— Ótimo. Vou conversar com Richard. James precisa de mais alguém
para ajudar na segurança das meninas. Vocês podem se organizar em turnos.
Como as conheceu hoje, acho que é o suficiente. Não queremos mais
ninguém envolvido nessa… Situação.
— Ok! Por mim tudo bem. Querem que venha para cá em definitivo?
— O loiro, muito parecido com o próprio Leonardo Di Caprio, estava pronto
para se mudar para lá. Senti na hora uma vontade enorme de responder pelo
irmão de James, mas fui interrompida mais uma vez.
— Sim. Tem um quarto aqui livre. Acho que será bom você se instalar
aqui.
Não! Chega de gente para perturbar a nossa rotina. Já era confuso
demais ter James ao nosso redor a lembrar-me da situação em que nos
encontrávamos, ainda teria que lidar com outro agente? Precisava de paz e
James conseguia transmitir isso em diversos momentos. Tínhamos uma
rotina, por Deus.
Além do que, apesar de estar brava com ele, a atração entre nós dois era
tangível. Imagina se queria um agente relatando o que tínhamos? Eu ainda
queria James por perto. Eu precisava da força e da calma dele.
— Bom, vou conversar com James sobre isso. Já volto. — Antes de
sair, Jake segurou o rosto da agente e lhe deu um beijo casto, mas demorado,
nos lábios.
Assim que ele desapareceu corredor adentro, a mulher deu uma leve
risada.
— Isso foi ele demarcando território? — O loiro olhou para a tal de
Emily, que riu mais ainda.
— Sim! Definitivamente…
— Meu Deus! Ele sabe por que terminamos? — Estreitou os olhos para
ela.
— E nem vai. Estou adorando esse lado possessivo dele.
— Você é ridícula! — O homem riu e virou-se para mim.
Eu poderia ter minhas dúvidas sobre aquele olhar, como o estreitar leve
dos olhos, o lamber dos lábios calmamente e o sorriso de canto que deixava
escapar… Mas parecia-me muito uma tentativa de seduzir. O que foi bem
estranho, dada a conversa que eu acabara de escutar.
Emily analisou a reação dele assim como eu, e deu um tapa no ombro
do colega de trabalho com uma risada sacana.
— Você não presta. Não dê atenção para ele, Lisandra. É galanteador,
mas está mais para Dom Juan do que para príncipe encantado.
— Não acho que eu esteja em condições de pensar em nenhum dos dois
casos. Minha situação atual não me permite. — Dei de ombros e vi a garota
sorrindo.
— Não é o que me parece. — Ela balançou a cabeça na direção ao
corredor.
Olhei para o lugar e suspirei. Céus, o que acontecia ali? Não estava
aguentando de curiosidade. Balancei minhas pernas de tão inquieta que
estava. A conversa entre os dois agentes que ficaram na sala continuou, mas
ignorei tudo o que era dito. Eu só precisava saber quem era a Kimberly e se
James a conhecia.
Depois da minha última conversa, decidi não me meter mais no
trabalho dele. Não procurei mais saber sobre o que estava sendo feito para
nos proteger ou retirar informações dele sobre quem estava atrás de mim. Eu
confiava naquele homem.
Levei a mão até a medalhe da Santa Mônica e suspirei. A vida
continuava sendo minha e tinha o direito de saber, certo? Confiava nossas
existências nas mãos dele, mas isso não era sinônimo de ignorar ou
desconhecer as informações.
Eu tinha o direito de entender as coisas. Levantei-me de um pulo e fui
até o quarto de James. A porta estava entreaberta e pude escutar os gritos de
Jake.
— Você está ficando louco? Essa é a pior ideia que já teve em toda a
sua vida — ele dizia enquanto andava de um lado para o outro.
De onde eu estava não podia enxergar James, mas pude escutar sua
potente voz sobressair a do irmão.
— Jake, você não precisa entender! Eu vou fazer isso e ponto. É a
minha missão. Preciso lembrá-lo quem é o mais velho aqui? — Sua voz
parecia um trovão de tão forte.
— Não estamos discutindo maioridade, inferno. — O homem jogou as
mãos para o alto. – Você matou o Joe, James.
— Mas ninguém da máfia sabe, só o FBI.
— Eles acham que você está morto! É suicídio.
— Eu não vou abandoná-las, Jake. Nem você e nem ninguém irá me
convencer de fazer isso.
— Nunca te pediria uma coisa dessas. — Jake parou de andar. Seu
rosto se suavizou, os olhos brilharam um pouco e um sorriso singelo brotou
nos lábios dele. – Você gosta das duas. De verdade. Está tão imerso nesse
sentimento que nem consegue perceber o óbvio. Tem que ter outra solução.
— Não temos, Jake. Nenhuma que nos dê resultados tão rápidos. Eu
preciso entender o que ela quer e tirar Lisandra da mira. — James deu alguns
passos para frente e pude ver sua silhueta. Meu coração acelerou. Virei-me e
encostei minhas costas na parede para que ele não me visse.
— Está envolvido, James. Mais do que devia. Terei que contar isso
para Richard? — o irmão o ameaçou com uma voz dura.
— Faça isso e esqueça que é meu irmão. Eu passei um maldito ano
atrás de uma mesa resolvendo serviços burocráticos por ter salvado a sua
pele. Você me deve essa. — Poderia conhecer James há pouco tempo, mas
conseguia identificar a mágoa em sua voz. Foi o mesmo tom que ele utilizou
em nossa última conversa.
— Você atirou…
— Porque ele faria em você! — James cortou o irmão.
De alguma forma comecei a sentir-me uma intrusa. Eles estavam
discutindo e não era nada sobre a situação que nos encontrávamos. Meu
coração acelerado pedia para sair dali. Eu não tinha que me envolver com
aquelas coisas mesmo. Eles eram os profissionais daquele lugar.
Eu também não ficaria nenhum pouco satisfeita se começassem a me
dar dicas de como cortar os cabelos das minhas clientes. Não de alguém que
fosse sem formação na minha área, pelo menos.
Mentira! Eu queria saber, precisava, mas estava com muito medo de
que me pegassem bisbilhotando.
— Você faria mesmo, não é? Ficaria sem olhar na minha cara se eu
afastasse vocês. Está gostando dela…
— Jake… — A voz de James pareceu-me mais um aviso.
— Está apaixonado?
— Jake…
— Sim. É isso. Você está apaixonado por ela.
Minha boca secou. Poderia entrar lá e dizer que também estava
afeiçoando-me a ele? Que tudo bem, vamos jogar as coisas para o alto e viver
aquela merda de atração que sentíamos? Caso eu morresse nessa loucura
toda, ao menos teria tido ótimas noites ao lado daquele homem.
— Lisandra! — Meu nome pronunciado por James fez com que eu
derrubasse um vaso de plantas no aparador do corredor. – Saia já daí e pare
de escutar nossa conversa.
— Eu não… — Coloquei a cabeça para dentro do quarto, escondendo
meu corpo da visão deles.
— Por favor, desde que levantei da cama que te vi aí. — Os olhos azuis
estavam estreitos em minha direção. Mordi a boca por dentro. Será que eu
contava que estava ali há muito mais tempo?
— Ela está aí já faz tempo. — Jake provocou o irmão, denunciando-me.
Arregalei os olhos para ele, que deu uma sonora gargalhada. – Somos agentes
especiais do FBI, fofura. — Escutei algo semelhante a um rosnado partindo
do irmão dele. – Você não achava que passaria despercebida, não é mesmo?
— Sua voz tinha um toque malicioso que não me agradou.
— Saia, Jake. — James rugiu, fazendo o irmão sobressaltar-se.
— Desculpa! Passei dos limites. — Ele levantou as mãos como se
apontassem uma arma para ele. O olhar lançado para o irmão mais velho
tinha muito mais respeito estampado do que medo. – Não vai funcionar,
James. Eles vão…
— Isso não importa. Eu nem preciso que confiem em mim. Meu tempo
lá será curto.
— Droga, irmão… — O mais novo resmungou, rendendo-se.
— Sei que me odeia. — Meus olhos saltavam de um para o outro,
tentando entender e juntar as peças daquele quebra-cabeças.
— Não. Eu entendi o que fez e porque fez. Na época…
— Isso já deixou de ter importância. — James o cortou, lançando um
rápido olhar para mim. Ele não queria que eu escutasse e talvez estivesse
certo. Repeti em minha mente que eu não tinha que saber nada daquelas
missões ou o que eles fariam para proteger-me, desde que eu ficasse segura.
— Agora saia. Vou conversar com Lisandra.
Sem mais nenhuma objeção, o caçula dos irmãos retirou-se do quarto,
lançando-me um olhar menos agressivo. Respirei fundo e vislumbrei o rosto
amedrontado de James. Meu corpo inteiro se arrepiou, mas daquela vez não
era de tesão.
— Escutando atrás da porta, mocinha? – O rosto dele estava
indecifrável.
Oh merda! Eu estava mesmo encrencada.
JAKE NOS DEIXOU SOZINHOS ASSIM QUE PEDI.
— Anda escutando atrás da porta, mocinha? —tentei parecer o mais
bravo possível.
Lisandra estava branca igual papel. Os olhos se arregalaram, as mãos
nervosas brincavam uma com a outra. Ela estava desconfortável, só não sabia
se por eu tê-la descoberto ou por se envergonhar do que estava fazendo.
Mais tarde eu perguntaria a Jake o quanto da conversa ela escutou. Não
pretendia entrar com Lisandra naquele assunto. Já sabia o quanto estava
determinada, por isso seria melhor mudar o rumo da conversa para não ser
crivado de perguntas.
— Desculpe, James. Não queria escutar a conversa de vocês, nem
presenciar a discussão, na verdade. — Ela bateu as mãos ao lado do corpo. –
Só entender quem era a mulher, se você a conhecia, se estamos perto de
alguma solução…
— Você não tem que se preocupar com nada disso, Lisandra. Achei que
estava claro depois de nossa última conversa. — Comecei a ficar impaciente.
— Eu sei! E juro por Deus, James, que estou tentando colocar isso
como mantra, mas ponha-se em meu lugar! — Ela aumentou o volume da
voz, arregalando os olhos e balançando as mãos no ar freneticamente.
— Eu entendo. — Apiedei-me dela. — Sei que não está sendo fácil,
Lisandra, mas sua preocupação tem que permanecer em Lis. Os federais
ligaram, explicando que já escolheram o nome para vocês. Como estão com
pressa, aceitaram que você chame Elizabeth de Lis, mas terá que ensiná-la
que o sobrenome dela é Barnes. Você será a Mary. Escolherão ainda uma
psicóloga que virá te ajudar com essa transição. Isso já te dá coisa suficiente
com o que se preocupar. Os detalhes sobre a investigação ficam por minha
conta. — Ela suspirou e me olhou, entristecida.
— Jake chamou o outro agente para ficar aqui também. — Ela me
contou como se eu já não soubesse. Assim que meu irmão entrou pela porta
do quarto e me disse quais eram os planos quis esganá-lo. Como ele ousava
se envolver em uma missão que nem era dele? Quem raios deu a autorização
para colocar outro agente no meio da minha relação com Lisandra?
Foi então que parei, espantado. Que relação? Eu tinha a obrigação de
cuidar dela, protegê-la e apenas isso. Não estava envolvido com ela ou ao
menos, não deveria.
Todo dia eu sabia que as coisas não permaneceriam daquele jeito por
muito tempo. Ainda sucumbiria aos encantos dela, não ficaria muito mais
tempo longe de seus lábios ou pele. Eu a queria e cada dia me convencia mais
de que em algum momento perderia a noção das coisas e jogaria tudo para o
ar, se assim tivesse a oportunidade.
Aquilo era um problema bem maior… Por isso a ideia de ter Léo no
apartamento começou a fazer sentido. Ele ficaria no quarto ao lado do meu.
Isso teria que bastar para me segurar. Além disso, assim que eu colocasse os
meus planos em prática precisaria de alguém para tomar conta delas. Melhor
que já estivessem familiarizadas com o agente.
— Eu sei. Léo será um bom reforço — comentei assim que vi seus
olhos desviarem dos meus.
— Não queria, James. Já está complicado demais as coisas do jeito que
estão. Estou fugindo dessa sensação de ser vigiada.
— Mas você já é por mim. — Estreitei o olhar e a vi bufar.
— Não é a mesma coisa. Nós já desenvolvemos essa… Essa…
Relação. — Balançou os braços no ar. – Lis vai ficar insegura.
— Desculpa Lisandra, mas precisamos disso. — Fui enfático. – Agora
que sabemos quem matou Romano, precisarei me ausentar algumas vezes e
você terá de aceitar que ficarão aos cuidados de Léo.
— James… — A voz dela continha um toque de desespero e birra
infantil. Não me contive e deixei um sorriso escapar.
— Você vai sobreviver, Lisandra. Fez isso com sucesso até agora. —
Aqueles olhos que continham o verde mais exótico que eu já vira brilharam.
— Obrigada.
Em rápidas passadas, ela aproximou-se e circulou minha cintura com os
braços. Por algum tempo fiquei sem saber o que fazer, até envolver o corpo
dela. Uma de minhas mãos ficou em seus cabelos, acariciando as madeixas
castanhas. O cheiro deles subiu até minha narina e senti uma imensa vontade
de me aconchegar ainda mais a ela.
Lisandra era uma mulher guerreira. Devia ser difícil ser vista como tal.
O paradigma de ser uma mãe solteira, como se uma condição dependesse da
outra, lutar sempre sozinha para cuidar da pequena, passar por tudo o que
estava acontecendo de queixo erguido e ainda não deixar que Elizabeth
sentisse o baque era, no mínimo, digno de reconhecimento.
Mas ela estava sem ninguém que a dissesse o quanto estava orgulhoso,
que tinha fé em seus passos, ou encher seus pensamentos de palavras bonitas
e encorajadoras. Ela estava sozinha desde o momento que fizera a mala.
E eu, em minha grande babaquice, criei essa distância entre nós dois
por puro medo de sucumbir aos seus encantos. Que fosse tudo para os ares,
mas eu não a deixaria passar por tudo isso sem ninguém.
Ela desencostou o rosto de meu peito e encarou-me. Os olhos
transmitindo o medo e a angústia de toda a situação.
— Eu estou aqui, Lisa. Vou cuidar de vocês. Acharei essa mulher e
garantirei que ninguém, nem mesmo a máfia queira algo com você, ok?
Deixei minha mão deslizar por seus cabelos. Os fios longos e marrons
terminavam na cintura dela. Aproveitei a intimidade imposta por ela para
acariciar seus quadris, sentindo uma ânsia de juntá-la a mim.
— O que você vai fazer é perigoso, não é? — sua voz tremeu e acenei –
Obrigada por cuidar de nós.
Seu rosto voltou para meu peito e apertei-a mais junto. Céus, como eu
vou conseguir ser um bom agente e deixar essa louca vontade de tê-la para
mim? Os braços deslizaram para o meu torso e estremeci. Eu preciso ser um
bom agente. Repeti as palavras em minha cabeça como se fossem um mantra.
— Quer dizer que está apaixonado por mim? — Ela se afastou.
Encarei-a e vi o brilho intenso, além de um leve sorriso despontar-lhe
nos lábios. Senti meu rosto esquentando, a vergonha se apoderando de mim.
Jake era esperto e as palavras haviam sido ditas para que Lisandra escutasse.
Não que aquilo fosse a constatação de um fato. Ainda não poderia dizer
que estava apaixonado por ela, mas ela já lançou os seus encantos, enquanto
eu estava sendo tragado para esse possível mar de sensações e sedução cada
vez mais. Jake queria que ela se afastasse de mim. O pobre coitado do meu
irmão só não conhecia Lisandra e nem desconfiava tudo que já havia
acontecido entre nós.
Se ele, assim como eu, suspeitasse que ela estaria mais disposta a correr
o risco de um relacionamento comigo do que eu, jamais teria dito aquelas
palavras. Ele não compreendia que Lisandra era dona de si e pegaria o que
quisesse de mim, se assim decidisse.
Balancei a cabeça em negação e sorri para ela.
— Você não presta, Lisandra Hall.
Soltei seu corpo esbelto e me afastei. Ela começou a gargalhar.
— Desculpe, James. Precisava aliviar o clima. — Ela deu de ombros.
Saímos do quarto e fomos até a sala. Despedi-me de Jake e Emily. Léo
ficou para conversarmos um pouco mais. Pedi a ele um tempo para conversar
com Richard e combinar como as coisas seriam. Assim que o homem saiu,
liguei para meu gerenciador novamente.
Richard era muito bom em seu trabalho e logo organizou tudo para que
Léo estivesse disponível para aquela missão. Conversou comigo por mais
meia hora, tentando achar outra solução para o caso, mas ele sabia, assim
como eu, que não havia.
O FBI temia que a morte de Romano criasse uma disputa por poder
dentro da máfia e que a sede de vingança por parte da família do morto se
estendesse acima do que fossemos capazes de segurar. Se isso respingasse na
população, aí sim as coisas se complicariam de verdade.
Em busca de poder e vingança, os membros da máfia, principalmente
os mais ávidos a subirem de posição, poderiam perder a noção das coisas e
ninguém queria algo assim.
Consegui então uma semana antes de colocarmos as coisas para
funcionar. Nem todos ficaram satisfeitos com os arranjos feitos, mas não
podíamos demorar muito para acharmos a assassina.
Os três dias seguintes ao retrato falado passaram tranquilos. Lisa e eu
reestabelecemos nosso bom convívio, o que muitas vezes se tornava um
martírio para mim. Muita pele exposta, carinho e cuidado. Meu autocontrole
estava se esvaindo e isso era bem ruim. Criamos uma rotina e algumas vezes
a sensação era de sermos uma única família feliz.
Queria jogar o foda-se para toda a situação e pegar aquela mulher para
mim, mas a realidade sempre caia em meu colo para que me lembrasse das
minhas responsabilidades. Naquela tarde, seria o primeiro encontro de
Elizabeth com a psicóloga designada para o caso e, por mais que eu quisesse
me perder nas curvas de Lisandra, minha responsabilidade era garantir que
elas estariam seguras.
ACORDEI TARDE NAQUELA MANHÃ. FIQUEI ATÉ DE
MADRUGADA passando cada detalhe em uma reunião interminável com
Richard. Cuidamos dos processos operacionais da missão, contatando os
agentes que me ajudariam e fechando os últimos detalhes de minha mentira.
Tudo feito por meio de videoconferência.
Vesti um short e uma camiseta folgada e saí a procura de café.
Chegando na sala, encontrei Elizabeth sentada no chão, em frente à mesa de
centro. Tinha diante dela um papel e muitos lápis de cor. A mão desenhava
círculos intermináveis enquanto conversava animada com uma senhora diante
dela.
Amaldiçoei-me por ter dormido tanto tempo. Teria que conversar com
Lisa sobre a entrada de estranhos. Por mais que eu a tivesse avisado sobre a
chegada da psicóloga, ela teria de ser revistada por mim antes de entrar. As
coisas não podiam ser feitas de forma tão relaxada. Assumia uma coisa: por
mais que eu não gostasse da ideia de Léo por aqui, precisava de ajuda para
cuidar daquelas meninas.
Principalmente agora que tinha outras preocupações.
– Tio James! – Lis deu um pequeno gritinho e correu até minhas
pernas.
– Bom dia, bonequinha. – Segurei-a no colo e fiz cócegas em sua
barriga.
– Pala, tio. Pala! – Ela segurou o riso quando cessei o ataque. – De
novo! – ela pediu, mesmo ofegante. Voltei com minhas mãos no pequeno
corpo, fazendo-a se contorcer em meus braços.
– Pronto, pequena. – Coloquei-a no chão. – Ao que me parece você tem
uma visita e não devemos deixar nossos amigos esperando. Volte a conversar
com ela, sim?
Ela confirmou, enérgica, e correu para o sofá. A psicóloga sorriu na
minha direção e perguntou quem eu era. Lis focou no desenho enquanto
respondia tudo o que lhe era perguntado. Suspirei. As coisas estavam
andando cada vez mais rápido e começava a rezar por mais tempo. Mais dias
com elas, mais momentos só nossos. Quem diria que você gostaria de se
tornar um segurança particular, hein James?, ironizei ao me lembrar de
quando recebi aquela missão.
Torcia para que tudo corresse bem e as duas ficassem livres, mas
parecia difícil me despedir.
Assim que cheguei na cozinha, encontrei Lisandra preparando o
almoço. Encostei no batente da porta e deixei meus olhos descerem por
aquele corpo. De costas para mim, ela vestia um short curto, chinelos de
dedo, uma blusa regata, os cabelos enrolados em um coque mal feito. O suor
escorria pelo pescoço mostrando que ela já estava na ativa há muito tempo.
– Bom dia, Lisa.
Ela virou o rosto em minha direção e sorriu. Por um momento, desejei
aquela vida ao lado delas, cheia de paz e tranquilidade para todos nós. Poder
beijar o rosto corado de Lisandra e brincar com Lis durante o dia. Eu só
desejava que a loucura dos últimos dias sumisse e eu não tivesse que dar os
próximos passos daquele plano.
– Não me olhe assim, James. A não ser que pretenda fazer algo a
respeito. – Lisandra sussurrou para que apenas eu ouvisse. Ela era direta
como uma bomba.
– E se eu fizer? – Minha voz soou baixa, rouca e sexy.
Lisa mordeu o lábio inferior. Os olhos percorreram meu corpo, mas sua
atenção estava voltada para uma grande parte específica da minha anatomia.
Balancei a cabeça em negação e ri.
– Gosto do clima de paquera. – Ela voltou a lavar os pratos de repente e
quebrou toda a brincadeira.
Não fazia ideia do que estávamos fazendo. Se era mesmo apenas uma
brincadeira ou se em algum momento deixaríamos a ética e bom senso de
lado para ficarmos juntos. Quer saber? Eu já não me importava. Preferia
aquela relação calorosa e divertida do que o mau humor e silêncio dos dias
anteriores.
Aproximei-me dela e encostei-a no balcão da pia. Respirei fundo para
sentir o perfume…
Balancei a cabeça e me afastei, disposto a me concentrar no que
realmente importava. Era melhor do que piorar as coisas.
– Vamos criar uma regra por aqui, ok? Não deixe que ninguém entre
sem que eu reviste primeiro. – Ela suspirou, virando-se para mim.
– Desculpa. Quando estamos aqui sozinhos eu esqueço a merda de vida
que estou levando. Perco a noção do perigo as vezes. – Ela deu de ombros –
De qualquer forma você já tinha me contado que ela viria.
– Eu sei. Mesmo assim temos que tomar precauções. A máfia está onde
menos esperamos. Então vamos tomar cuidado, ok? – Ela balançou a cabeça,
assentindo.
Lisandra se virou até o fogão um canto um pouco mais escondido da
cozinha e ligou o fogo. De costas para mim, colocou algumas coisas na
panela. O cheiro preencheu o ambiente e grunhi em aprovação.
– Espero que goste de bolo de carne.
– Qualquer coisa preparada por você. – Tive que cortar o clima mais
uma vez – Leo virá aqui hoje. Vamos ter mais uma reunião e organizar a
vinda dele.
– Vou limpar o quarto. Onde deixo as coisas que estão lá?
– Vou arrumar um cantinho. Talvez na dispensa. – Apontei para o
pequeno cômodo ao lado da cozinha.
O lugar parecia apertado e um pouco claustrofóbico, mas não queria
nenhum computador, rastreador ou microfone perto de Elizabeth. Aquele
equipamento era caro e precisávamos tê-lo em excelente estado no caso de
necessidade.
– A propósito, vou colocar um rastreador em seu celular — continuei.
— Não quero que saiam daqui sem mim, mas sei que em alguns momentos
não temos a liberdade de escolha, principalmente quando envolvemos
crianças. Então vou te pedir para só sair daqui com Leo, e em caso de
emergências, ok?
– Ok!
Os ombros de Lisandra caíram. O olhar cansado observava a comida
que fazia sem muito interesse, as olheiras evidentes e as mãos tremendo um
pouco. Minha garota estava cansada e entendia a situação.
Sem pensar muito, massageei seus ombros. Um gemido de
agradecimento escapou pela boca rosada. Fiz um pouco mais de força e Lisa
jogou a cabeça para trás, apreciando o contato físico.
Envolvido naquela atmosfera, desci minha cabeça e pousei os lábios em
seu longo pescoço, um pouco acima do colar que sempre carregava. Abri
levemente a boca, dando um beijo molhado na pele bronzeada. Deslizei as
mãos por seus braços. Lisandra desligou o fogo e relaxou o corpo. Minhas
mãos foram de encontro as dela e entrelaçamos nossos dedos.
Meu nariz passeou por seu ombro, aspirando o aroma adocicado. O
corpo dela se arrepiou. Com a cabeça jogada para trás, pude ver os lábios se
abrirem e deixar uma lufada de ar escapar.
Céus, como gostaria de me perder em seu corpo. Esquecer os
problemas e me enterrar nela até tudo sumir dos meus pensamentos. Deliciar-
me com aquele corpo, descobrir seus segredos, apertar-lhe os seios e enterrar
minha cabeça em seu ponto mais sensível. Jogar tudo para o alto e ser feliz.
Porque, por algum motivo muito estranho, eu só conseguia me ver feliz
ao lado dela? Ao lado delas.
– James… – A voz veio carregada de luxúria e um pouco de aviso.
– Só mais um beijo. – Dei mais um em seu ombro antes de afastar-me,
dando dois passos para trás.
As mãos voltaram para os ombros dela. Assim que ela relaxou, afastei-
me lentamente.
– Quando meu corpo não estiver mais aguentado, vou bater em sua
porta. – Ela ameaçou.
– Acho que vou abri-la com muito prazer – sussurrei, mas minhas
palavras não passaram desapercebidas por ela. Precisava diminuir a tensão
entre nós. – Qual é a do colar?
– Foi um presente da minha mãe. Ela me deu pouco antes de falecer.
Disse que me amava e queria que Santa Mônica estivesse sempre comigo.
– Santa Mônica? Desculpe, não sou religioso. – Dei de ombros e a vi
sorri.
– Também não, mas ela era. Contou-me que Santa Mônica era a mãe de
Santo Agostinho e rezou muito pelo filho e toda a família, assim como ela
rezava por mim. Caiu-me bem, já que pouco depois engravidei de Lis e
passei a pedir a Deus por minha vida e a de minha filha com mais frequência.
– Bonito.
Lisandra levou a mão ao colar e suspirou.
– É uma das poucas coisas que me restou de meus pais. Guardo com
muito carinho.
– Deve mesmo. – Beijei seu ombro novamente.
Minha garota era uma guerreira.

Pouco depois a psicóloga se foi e almoçamos juntos. Brincamos e


assistimos a um filme. No dia seguinte sairia com as duas. Elizabeth estava
ficando agoniada dentro de casa e não tínhamos mais como mantê-la muito
tempo no apartamento.
De noite, Léo chegou e analisei os últimos detalhes com ele. O homem
era rápido e aproveitou a visita para deixar uma mala e alguns equipamentos
para espionagem, caso precisássemos.
Instalei o rastreador no celular de Lisandra e em um pequeno brinco
que dei de presente para Elizabeth. Precisava ter em minhas mãos a
localização das duas se fosse preciso.
Nos dias seguintes fiquei apreensivo. Deixar as garotas com outro
agente não estava em meus planos, mas ainda não tinha o poder da
onipresença e, infelizmente para todos nós, eu era a única pessoa que poderia
fazer aquilo.
Mas aproveitei a calmaria antes da tempestade para ficar ao lado delas
um pouco mais. Tomava um café da manhã reforçado, descia e brincava na
rua com Elizabeth e Lisandra. Almoçávamos e tirávamos um pequeno
cochilo de tarde. Com as forças renovadas, tínhamos que brincar com
Elizabeth novamente. Algumas vezes fora, outras em casa mesmo. Desenhos,
massinhas, pinturas, blocos de montar, bonecas. Uma rotina caseira e familiar
todos os dias.
Léo veio de vez naquele que foi o meu último dia de sossego.
Instalamos ele no quarto e jantamos todos os quatro juntos. As coisas se
tornaram um pouco mecânicas e naquela noite mesmo comecei a sentir
saudades do que tivemos nos dias anteriores.
Comprei uma tinta de cabelo e pedi para que Lisandra pintasse os meus
novamente. Deveria voltar a parecer comigo mesmo.
Após o almoço no dia seguinte, pedi licença para todos e fui ao meu
quarto tomar banho.
Após uma hora de preparação, saí do quarto pronto. A barba feita, as
unhas cortadas e limpas, perfume, o Rolex no pulso, a camiseta branca por
baixo do terno, além do envelope com dinheiro no bolso da calça feita a mão.
Respirei fundo antes de entrar na sala.
A conversa entre os adultos morreu assim que eles me viram. Elizabeth
demorou um pouco, mas assim que me encarou, sorriu.
– Tá bonitão, tio James.
– Obrigado, bonequinha! – Mandei um beijo para ela.
Lisandra me analisou da cabeça aos pés. Engoliu em seco e lambeu os
lábios carnudos. Fechei os olhos e dei as últimas instruções.
– Não saiam do apartamento antes que eu chegue. Se alguém
aparecer…
– Pedir identidade e revistar. Cuidado com os telefonemas e blábláblá.
Eu sei os cuidados que devemos tomar, James. – Léo me cortou.
Respirei fundo e levei os dedos para o osso de meu nariz. Você precisa
confiar, James, ou então as coisas não darão certo. Tentei me lembrar desse
detalhe antes de assentir na direção de Léo.
– Volto o quanto antes – disse para os dois, mas meus olhos não
deixaram Lisa.
– Para onde vai? – Ela levou a mão até a medalha em seu pescoço.
– Trabalhar na rua. Só… Confia em mim.
Vi a apreensão em seu rosto, o medo e a imensa vontade de me
impedir, mas não podíamos. Qualquer demonstração de afeto em frente a
outro agente nos colocaria em risco. Por isso, Lisandra apenas balançou a
cabeça levemente.
Fechei os dois botões de cima do terno, inspirei e abri a porta do
apartamento. Era hora do show!
TRÊS DIAS. ERA O TERCEIRO DIA QUE IA A BOATE COMO
STUART Harris e não recebia nenhuma visita dos meus antigos colegas.
Sabia que as coisas não seriam rápidas. Ninguém apareceria aqui
correndo para me ver. Não, muito pelo contrário!
Após a minha suposta morte o FBI deixou Bruno De Lucca, um
incrível agente especial da Bureau, como responsável pelas boates. A ideia
inicial era que ele tomasse meu lugar na máfia e pudesse continuar a
investigação.
O grande problema era que os cappis estavam preocupados com novos
membros, devido as mortes misteriosas de Stuart Harris e Joe Sanna. Logo,
De Lucca não obtivera muito espaço na organização ainda.
O homem ficou furioso com o novo plano, mesmo eu garantindo que
faria o necessário e sairia de cena novamente. Eu conseguia compreendê-lo.
Após um ano de trabalho árduo, eu chegava e reclamava o meu lugar de dono
das boates. Com isso, ele pareceria fraco diante da máfia e eu retomaria o
meu lugar de direito.
Infelizmente para ele, não estava muito preocupado com a investigação.
A única preocupação era a segurança das meninas, encontrar a assassina e
entregá-la. Nada mais que isso.
– Talvez eles não tenham tanto interesse em você. – De Lucca recostou-
se na grande cadeira de visitas no escritório da Brix, a maior e mais rentável
das duas boates.
– Sei que está com raiva, De Lucca. – Levantei do sofá e parei ao lado
dele. – Não pretendia chegar aqui e estragar sua missão, mas tem coisa
importante acontecendo.
– Eu fiquei ao seu lado todo aquele tempo, James. Mesmo quando você
fez aquela merda colossal… Entrei nessa boate e tomei conta das coisas para
não estragar uma investigação de anos. E agora você vem aqui e tenta tomar
meu lugar? – As mãos se apoiaram na mesa diante dele, o corpo tenso pronto
para um combate.
– Tomar seu lugar, Bruno? Estou tentando salvar a vida de duas garotas
– sibilei.
Antes que o agente pudesse responder, o telefone em minha mesa
tocou. Olhei para a câmera de segurança e vi quem eu tanto esperava saindo
de um Mercedes CLA preto. Ao lado, alguém que eu não conhecia o seguia
como um cachorrinho em treinamento. Avisei o segurança para deixá-los
entrar sem anunciá-los. Era assim que deveria ser com pessoas importantes.
Eu sabia que ele não viria rápido. Ninguém na máfia gosta de se
mostrar afobado, ansioso ou fora de controle. Ele viria na hora certa e De
Lucca sabia disso. O homem era um agente e conhecia os adversários. Tudo o
que queria com aquela falação era me desestabilizar e mandar para longe de
seu trabalho.
– Colabore comigo, De Lucca. É tudo o que eu te peço. Assim que
achar essa maldita assassina, eu saio do seu caminho.
– Por que você não nos deixa achá-la? Podemos fazer isso.
– Porque eu não preciso ir até ela. A garota virá ao meu encontro.
Sentei-me na mesa e esperei que os convidados entrassem. Assim que a
porta se abriu e vi quem estava ali, abri um largo sorriso, levantando as mãos
para cima exageradamente, incorporando minha suposta descendência
italiana.
– Matt Bianco!
– Stuart Harris! Estou vendo um fantasma? – ele perguntou,
analisando-me antes de vir e beijar meu rosto.
– Por que todos estão me dizendo isso?! Eu sumi apenas por um ano e
deixei avisado. – Abotoei o paletó e mostrei o sofá para que ele e seu novo
aprendiz se sentasse.
Os dois cumprimentaram Bruno com beijos e tapinhas no rosto. De
Lucca soube entrar no personagem e sorrir para mim.
Era obrigação dele mostrar-se feliz pela minha presença e não revoltado
com a perda do espaço. Ele tinha que demonstrar respeito com o homem que
era visto como seu superior. E apesar da raiva, sabia que Bruno não faria
nada errado.
– Encontramos seu anel sobre um monte de cinzas, em um galpão
abandonado. Depois disso você sumiu. – Bianco sentou-se no longo sofá
preto e levantou o rosto severo para mim.
– Esse anel? – Mostrei minha mão para ele.
Matt a pegou e analisou o arco de titânio com um rubi em meu
mindinho. A melhor imitação do original que o pessoal do FBI conseguiu em
tão pouco tempo. Meu coração acelerou com medo da desconfiança de meu
cappi. Se ele não acreditasse, nunca conseguiria meu lugar na máfia
novamente.
– Ele é lindo, não é Josh? – Matt mostrou minha mão para o homem ao
lado.
Segurei para não revirar os olhos diante deles. A máfia era muito
previsível. Lá estava um cappi seduzindo um novo membro abertamente,
mostrando as regalias e fazendo-o desejar crescer naquela organização. Tudo
para que trouxesse mais dinheiro para a Cosa Nostra.
Mostrar meu anel a ele era quase como dizer: Está vendo onde você
poderá chegar sendo um bom rapaz?
– Para quem você deixou avisado? – Matt largou-me e estreitou os
olhos na minha direção.
– Joe. Acreditei que contaria a vocês que voltaria para minha cidade
natal.
– Ele está morto. – Meus olhos se arregalaram, a boca abriu e puxei
uma grande quantidade de ar. – Morreu no mesmo dia em que você sumiu.
Não sabia?
Lógico, eu havia matado o desgraçado! O maldito infeliz ousou apontar
uma arma para meu irmão ao desconfiar de nosso parentesco e viera tirar
satisfação. Joe era um merda de pessoa. Um dos desgraçados mais cruéis
naquele meio. E, também, o mais observador e inteligente dentre todos.
Jamais negaria isso.
Minha atuação deve ter sido o suficiente, já que Matt relaxara na
cadeira ao analisar minha reação.
– Não. Como aconteceu?
– Um tiro na testa no meio de um beco. – Ele balançou a mão
despreocupadamente. – Uma morte ridícula para um cappi, se quer saber. –
Ele fechou os olhos um momento e voltou a examinar-me. – E o que você fez
nesse tempo em Los Angeles? – Mantive a cabeça erguida e um sorriso no
rosto. Não podia vacilar ao mentir.
– Além de cuidar da minha mãe doente? Tentava me livrar de um
inconveniente com a polícia. Acreditei que seria imprudente permanecer por
perto tendo gente me investigando.
Os olhos negros do cappi se arregalaram por um instante. Logo em
seguida, o sorriso brotou de seus lábios. Mais que surpreso, ele estava
agradecido. Ninguém queria problemas com polícia ou qualquer coisa
parecida.
– Santori ficará satisfeito que preocupou-se conosco.
– Fico feliz com isso. – Dei a volta na mesa e abri uma gaveta. Retirei
um envelope e estiquei para ele. – Um pequeno adiantamento dos lucros
desse mês.
Assim que ele retirou as cédulas e fez a contagem seus olhos brilharam.
Ambos sabíamos que naquele presente havia mais que os lucros. Era
minha forma de pedir o meu lugar de volta. Estava mostrando minha
fidelidade para com a máfia.
Matt Bianco talvez não acreditasse em minha mentira, mas eu passei
bons anos com eles. Eles investigariam meu sumiço? É óbvio. E
encontrariam várias reportagens sobre um escândalo envolvendo roubos de
casas chiques em Los Angeles, onde o empresário e dono de algumas boates
no Bronx era o principal suspeito.
– Como não soubemos desse escândalo?
– Ah, Matt… Você sabe que não é tão difícil calar alguns repórteres e
jornais. Preocupei-me com os maiores. As coisas se concentraram apenas em
L.A.
Eu voltaria a encher o bolso deles de dinheiro e talvez esquecessem a
confusão de minha suposta morte. Caso contrário, eu rezaria para que
Kimberly viesse até mim antes deles descobrirem a verdade.
– E então? Como conseguiu fugir dos tiras de L.A.?
– Eles me acusaram de roubar casas. - Franzi o cenho e soltei uma
lufada de ar, mostrando minha indignação – Por favor! Eu roubo cargas
grandes.
Todos caíram na risada.

Após os ânimos se acalmarem e Matt ir embora da Brix, despedi-me de


Bruno De Lucca. O mau humor do homem tornara-se mais evidente após a
saída do cappi. Assim que ele percebeu que eu seria recebido com abraços e
beijos no rosto graças ao bom dinheiro do envelope, teve de aceitar que
minha presença ali ficaria mais constante. Perdera, de repente, o espaço
conquistado dentro da máfia.
Além do que, meu braço direito nas boates não ter esclarecido meu
sumiço, pareceu muito suspeito para Matt.
Na porta da boate entrei em meu Continental GT azul marinho. Dirigi
até um luxuoso prédio de apartamentos que o FBI monitorava da central e
tinha como ponto de apoio para muitos agentes, assim como eu. Estacionei na
garagem coberta de um apartamento qualquer. Respirei fundo e fechei os
olhos.
Odiava aquelas pessoas, a podridão envolvida no meio daquela gente
que lucrava tão bem com a desgraça alheia. Roubos, mortes, extorsões e
falsificações. A única coisa que a máfia ainda evitava se envolver era com
drogas, mas unicamente por temer ter os membros consumidos pelo vício.
Nunca por achar que o negócio não era rentável.
Mergulhar de novo naquele lamaçal era o preço a pagar pela liberdade
daquelas duas, que tornaram-se a razão da minha vida. A ideia delas vivendo
presas em uma redoma de vidro, com medo, eternamente, me dava náuseas.
Por isso precisava voltar à ativa.
Cada segundo longe delas me angustiava o coração, com medo de ter
acontecido algo. Eu só queria as tardes ao lado de Lis e todas as brincadeiras
que poderiam alegrar aquele pequeno rostinho. E as noites? Ah, como eu
desejava os braços de Lisandra. A pele perto da minha, meus lábios nos dela.
Uma vontade absurda de vê-las me atingiu.
Após a meia hora estipulada de espera, desci do Bentley e entrei em um
Honda Civic prateado com vidros fumês, que estava do outro lado do
estacionamento. Liguei o carro e saí do prédio. Meia hora depois estava
estacionando no prédio em Boerum Hill.
Fiz o caminho do estacionamento até nosso apartamento em segundos.
Passadas longas e rápidas, o coração acelerado. Nesses três dias as vi tão
pouco… Passava o fim da tarde e a noite toda longe, chegava de madrugada,
quando a casa já estava silenciosa e dormia até perto do meio-dia. Abri a
porta já tarde da noite, mas ainda tinha a esperança de que encontrasse
alguma das meninas acordadas.
O breu em que o apartamento encontrava-se tirou minhas dúvidas. A
luz da cozinha, que Lisandra sempre deixava acessa para a movimentação
noturna caso Lis acordasse, era a única fonte de luz de todo o ambiente.
Deixei os ombros caírem, desanimado. Tirei a chave do carro separado para
meu uso naquela noite do bolso e as coloquei no aparador, junto com as do
apartamento. O tilintar das chaves era o único ruído do ambiente e me senti
sozinho.
– James? – A voz de Lisandra foi o que escutei primeiro.
Só então a cabeça dela apareceu pela porta da cozinha. O rosto ansioso
denunciou que me esperava. Na mão uma xícara grande de qualquer coisa
que nem me importava no momento.
Coloquei o corpo em movimento na direção dela. Lisandra deu alguns
passos para trás e deixou a xícara na mesa. Ficamos um pequeno momento
nos encarando antes de darmos aquele passo.
Não tinha ideia de como fora o dia dela, mas tinha em seu semblante a
mesma expressão desoladora que senti o dia todo. Nada havia acontecido de
ruim, mas sabia que as coisas mudariam a partir dali. Talvez por isso senti a
grande necessidade de encontrar um porto seguro. E Lisandra Hall,
definitivamente, era o meu.
Não sei quem se adiantou. No momento seguinte, nossos lábios se
pressionavam e quando a sua língua encontrou a minha, eu me senti em casa.
AS MÃOS MÁSCULAS E FIRMES DESLIZARAM POR
MINHAS COSTAS. Subindo e descendo, fazendo aquele carinho gostoso
enquanto me puxava. Pressionando-me, segurando-me. Subi as mãos por seu
tronco e enlacei o pescoço dele. Resvalei os dedos na nuca, pelos cabelos
crespos.
Ele me levantou e fiquei suspensa enquanto os braços seguraram firme
minha cintura. Mordi o canto da boca dele e escutei o gemido saindo dos
lábios carnudos. Céus, eu queria mais daquilo, muito mais.
A língua deslizou por meu lábio inferior e, com delicadeza, fui posta no
chão novamente.
— Tudo bem? – sussurrei com as nossas bocas ainda encostadas.
James permaneceu calado. Desceu o rosto de encontro à curvatura de
meu pescoço. Depositou pequenas mordidas e beijos pela minha pele,
arrepiando os meus pelos.
Não precisava ser nenhuma adivinha para saber que estava fora do seu
estado normal e precisava saber o motivo.
— James… — repeti seu nome mais enérgica dessa vez.
— As coisas vão piorar, Lisa…
Senti um arrepio me subir a espinha. Um medo absurdo tomando conta
do meu coração.
— Como assim, James?
— Vou ficar mais tempo longe. Agora teremos que tomar o dobro de
cuidados. Sair está fora de cogitação.
Afastei-me dele e balancei a cabeça. Ele só podia estar louco!
— Elizabeth está pronta para ter um ataque de nervos dentro de casa,
James. Para uma criança, mais três dias sem sair é enlouquecedor. E se ela
não ficar doida, quem ficará sou eu.
— Lisandra. — Ele fechou os olhos e suspirou. — Tá, vou conversar
com Léo… Mas vocês terão que ficar por perto. Isso é sério. Estou tomando
todos os cuidados, mudando de carro, dando voltas, observando possíveis
seguidores, mas ainda tenho medo. Um sentimento aterrorizante.
As mãos dele buscaram o meu rosto. Os dedos resvalaram pelas minhas
bochechas em uma carícia suave, os olhos percorreram por todo o rosto
devagar, como se estivesse me guardando na memória.
— Não confio em ninguém para cuidar de vocês, linda. – O apelido
carinhoso aqueceu-me o coração. — Nem sei se sou capaz de cuidar de vocês
como deveria.
Fiquei calada. Busquei os lábios de James e deixei a língua sentir o
saboroso gosto. Dane-se todas as regras, os motivos para estar longe, a razão
pela qual não deveríamos estar aos amassos no meio da cozinha em plena
madrugada, o descuido por corrermos o risco de sermos pegos por Lis ou
Léo.
— Céus, Lisa. É melhor sairmos daqui. — Meu agente do FBI afastou-
se de mim.
Deslizando a mão por meu braço, ele entrelaçou nossos dedos e os
levantou à altura dos olhos.
— Não quero mais ficar longe de você, linda — ele confessou em um
pequeno sussurro.
— Nem desejo que fique… — Fui tão sincera quanto poderia naquele
momento.
— Isso pode complicar muito as coisas.
Acenei. Eu sabia, mas pouco me importava.
— Isso deveria me assustar?
— Você nunca me pareceu de se assustar por pouca coisa. — Mordeu o
lábio inferior e encheu os pulmões de ar — Mas isso me aterroriza.
— Por quê?
James estreitou os olhos e quando falou, desviou o foco para um lugar
atrás de mim.
— De me apaixonar mais ainda por você, tornando-me incapaz de fazer
o meu trabalho.
— Duvido que falharia em nos proteger, por mais envolvido
emocionalmente que estivesse.
— Você não tem ideia das merdas que já fiz por estar mais envolvido
do que deveria.
— Eu confio em você.
— Não deveria, Lisa. Mas que bom que um de nós o faz.
James deixou um beijo casto em meus lábios e abraçou-me forte.
Eu confiava nele e nada faria com que pensasse o contrário.

— Lisandra, a psicóloga chegou. – Léo gritou da sala.


Gritei um já vou, enquanto terminava de misturar o leite de Lis.
A visita da psicóloga era uma constante agora. James disse que os
chefes dele avisaram que em breve estaríamos em segurança em outro lugar
dos Estados Unidos. A burocracia estava adiantada e Lis já acostumara-se a
dizer que nosso sobrenome era Barnes. Faltava apenas fazê-la me chamar de
Mary, o que ela esquecia de vez em quando.
James andava cada dia mais sumido. Passava parte da manhã dormindo
e ficava pouco tempo conosco após o almoço. Costumava voltar tarde, já de
madrugada.
Há duas semanas ele arrumava uma forma de passar em meu quarto.
Quando meu cansaço não me permitia abrir os olhos, ele deixava um breve
beijo em meus lábios e saía. Mas nas noites em que estava disposta,
namorávamos como dois adolescentes entre beijos e amassos no quarto dele
por pouco mais de meia hora.
Aquela rotina estava acabando comigo. Eu estava exausta das horas de
sono roubada, mas nunca me arrependeria.
Cumprimentei a psicóloga e sai à procura de Lis. Muito provavelmente
aquela garotinha estava no quarto com os lápis e papéis que deixei para ela
brincar. Com o copo na mão entrei no cômodo e não consegui conter o grito.
— Elizabeth Hall, o que é isso?! — O susto foi tanto que até falhei em
dizer o nome adequado.
Minha filha deu um pequeno pulo para trás e olhou-me, assustada. A
canetinha em sua mão caiu no chão. Sem saber o que dizer, levou uma mecha
de cabelo para a boca e lambeu-a como se fosse pirulito. Um dos pés
balançaram de um lado para o outro, esperando o restante da bronca.
Sendo bem minuciosa, observei o quarto. Uma das quatro paredes
estava com a base coberta por rabiscos coloridos de canetinha. Havia ainda
papéis brancos espalhados por quase todo o espaço, minha bolsa de
maquiagem estava revirada e a boca dela estava besuntada de batom
vermelho.
— Não tinha nada pá fazê, mamãe. – Ela levantou os ombrinhos e
olhou para o próprio pé.
— Eu já te disse que você não pode mexer nas coisas da mamãe e só
desenhar em papel! — Apontei o dedo indicador em sua direção e balancei
como uma mãe irada.
— Decupa – a vozinha doce me desconcertou.
— Vamos garota. Temos visita.
Assim que as palavras saíram da minha boca, Elizabeth correu para a
sala como um foguete, do jeito que estava.
— Não… – comecei a gritar, mas logo segurei minha língua e terminei
a frase em um pequeno sussurro. — Corre.
Uma hora depois a psicóloga deixava o apartamento tão cansada quanto
eu. Lis nem prestou atenção na conversa, agitada durante toda a sessão.
Girei meu pescoço, estalando-o. Levei uma mão para meu ombro e o
apertei. Eu estava exausta. Só queria um pouco de descanso. Fechei os olhos
por pouco mais de dois minutos. Assim que os abri, encontrei Lis pulando no
sofá.
Levantei-me e fui ao encontro de Léo.
— Não vai dar certo. Temos de sair agora mesmo.
— Sem avisar o James? Ele vai ficar louco. — O volume da voz dele
aumentou para uma quase histeria.
— Vocês dois são agentes do FBI, certo? Aja por si! Ele é seu parceiro
ou tornou-se subordinado dele? — O homem suspirou e apontou-me o dedo.
— Esse seu truque é ridículo. — Respirando fundo, ele me lançou um
sorriso — Mas funcionou. Arrume a pequena. Conheço um bom restaurante.
Meu cunhado é o chefe e podemos confiar nele.
– Léo, eu preciso gastar a energia dessa pequena e não deixá-la sentada
em um lugar diferente.
– Relaxa garota, eu sei o que estou falando. Eles possuem um espaço
para deixar as crianças brincarem. Lá é o paraíso dos pais.
Abri um sorriso enorme e puxei Elizabeth para nos arrumarmos.

Duas horas depois estávamos sentados em um canto escuro do


restaurante, diante de uma imensa brinquedoteca que ficava ao ar livre.
Elizabeth subia e descia de um escorrega, como se não visse brinquedo por
uma eternidade. Apesar de que se parasse para pensar, ela realmente não via.
Eram quase oito da noite e estava sem a menor intenção de sair daquele
lugar. Estávamos seguros, de acordo com Léo, e minha pequena precisava de
um pouco de ar fresco e diversão.
— James vai me matar se souber que viemos aqui. Se não tivesse que
escrever esse tipo de informação no relatório, talvez nem contasse. – O
homem me observou enquanto levava uma batata à boca. O sorriso sem
vergonha, clássico de paqueradores.
— Pode deixar que falarei com ele mais tarde.
Fiquei observando Lis subir em um pequeno pula-pula. Mal imaginava
ele que aquele tipo de cantada não funcionaria comigo.
— E você tem alguma coisa para amansar a fera que eu desconheça? —
Voltei meu olhar para Léo com a sobrancelha arqueada. Ele me encarou, sem
se deixar abalar. Um vinco se formou em minha testa e bufei.
— Você é ridículo. — Ele deu de ombros.
— Sou um agente do FBI, Lisandra. Alguém que já cometeu essa
loucura que estão fazendo. Então nada mais óbvio que eu desconfiasse. Mas,
fique tranquila, não contarei nada.
— Você saber nem é novidade — disse enquanto colocava uma batata
frita na boca, da mesma forma despretensiosa que ele fizera pouco antes. Um
sorriso leve formou-se em meus lábios. — James soube o exato momento que
começou a desconfiar de nós.
— Odeio agentes do FBI. — Ele emburrou.
Gargalhei tão alto que minha pequena menina olhou-me desconfiada.
Mandei um beijo para ela, que voltou a correr quando acenei com a mão.
— Você odeia sua própria espécie?
— Não tem a menor graça. Quando outros agentes e eu estamos juntos
é insuportável. Todos reparam nos detalhes e percebem as coisas ao mesmo
tempo. Não posso nem me gabar de ver as coisas antes dos outros.
— Você necessita de holofotes, não? — Ele mordeu o lábio e depois
deslizou a língua pela boca.
— Hollywood, querida. Tenho tudo para ser um grande ator.
Acabamos rindo mais um pouco. Conversamos de forma agradável pela
próxima hora. Por uma noite consegui esquecer toda a loucura que minha
vida se encontrava. Pedimos a conta e chamamos Elizabeth para voltar para
casa. Léo pagou a conta em dinheiro e nos levantamos para sair.
Assim que entramos no carro do agente, percebi que havia um SUV
parando em frente ao restaurante. De relance vi o motorista, um homem loiro
com a barba rala e óculos de grau. Uma sensação de reconhecimento passou
por mim. Fitei-o atentamente. Os olhos do rapaz passaram pelo nosso carro,
mas ele não nos deu nenhuma atenção. Estou ficando louca. Balancei a
cabeça para desanuviar os pensamentos.
Olhei para Léo e sorri. A noite foi boa, não me preocuparia com pouca
coisa. Eu já teria que enfrentar James mais tarde. Seria o suficiente.
ESTREITAR LAÇOS, CONHECER A FAMÍLIA DE SEUS
SUBORDINADOS, fazer amizades para garantir que a relação fosse mais do
que apenas comercial e assim, ganhar aliados? Talvez. Nunca entendi os
motivos para aqueles encontros e reuniões que não envolviam trabalho, mas
existiam. Pior que isso, elas eram obrigatórias.
Algumas semanas se passaram desde que estava de volta as graças de
Matt Bianco e apenas por esse motivo eu estava sentado no sofá branco de
couro da grande sala de Matt, enquanto ele e Josh bebiam uma cerveja.
Em um canto mais distante, as esposas fumavam e conversavam entre
risos, em frente a uma piscina. Podíamos ver duas garotas de biquíni pela
grande vidraça que separava a casa da área de lazer. Os dois homens ao meu
lado olhavam e falavam sobre suas mulheres com adoração.
— Ainda solteiro, James? – o cappi perguntou-me.
Pensei em Lisandra e Elizabeth. As duas estariam em casa, trancadas
com Léo. Não sentia ciúmes. Conhecia minha garota. Mas a saudade estava
de matar. Matt andava me procurando muito ultimamente e os momentos
com elas estavam cada dia mais escassos.
— Acho que não, Matt. Olha a expressão de bobo apaixonado do
homem. – O mais novo membro e cãozinho doméstico começou a gargalhar.
— Pelo jeito, logo vai casar…
— Não. — Balancei a mão no ar — Ainda não.
— Como assim?
— Ah, Matt… Fiquei ocupado demais com a polícia. Conheci alguém,
mas não pude me dedicar. Envolvê-la em escândalo seria um absurdo. —
Tentei desconversar. Os dentes amarelados do cigarro apareceram no rosto
velho do meu superior.
Não precisava contar quem era, mas evitar suspeitas era importante.
Além do que, um homem estabelecido era um ponto positivo dentro da máfia.
— E agora? — Ele levou o cigarro a boca e tragou, soltando o ar
lentamente pelo canto da boca. Observando-me.
— Agora ela está em Los Angeles. Mas eu ainda voltarei para buscá-la.
Só preciso terminar de me estabelecer por aqui.
Recebi uma pequena batidinha nas costas. Uma aprovação por mostrar
desejo em formar uma família. Nunca entenderei esse fascínio deles por um
homem bem estabelecido. De qualquer forma, nunca diria muito mais sobre
as meninas por ali. Não precisava que pesquisassem mais sobre minha vida.
Tudo bem que não encontrariam algo… Mas isso seria motivo o
suficiente para desconfiarem. O FBI fez o trabalho maravilhosamente bem e
acreditava que se fosse preciso, conseguiria ludibriar o homem. Criaram
notícias falsas nos jornais, revistas e sites da internet. Tudo mostrando sobre
um suposto julgamento em L.A, justificando assim o meu sumiço.
Eu não queria eles me seguindo. Chegando até o apartamento onde
minhas meninas estavam. Um frio percorria-me a espinha só de imaginá-los
perto de Lisandra e Elizabeth. Descobrindo sobre elas, pegando-as.
O som estridente de um celular tirou-me dos pensamentos. Um sorriso
sacana brotava dos lábios de Josh. O que ele estaria pensando? Nunca
saberei ao certo. Desde que não desconfiasse de mim, sem problemas.
— E aí? — O tom seco da voz do velho foi suficiente para eu saber que
era algo sério. — O quê? Mas que merda! — O rosto gorducho ganhou uma
tonalidade vermelha. — Esse filho da puta! — Seguiu-se um pequeno
momento de silêncio. — Não! Vou resolver esse problema eu mesmo. Onde
o desgraçado está? Ok!
Matt desligou o celular e jogou-o no sofá diante dele. Sorte a minha que
dessa vez o homem não quebrou o maldito aparelho. Sem condições de
colocar uma nova escuta.
— Vamos, garotos! Hora de trabalhar.
Uma maldita dor no estômago me atingiu.
Infiltrar-se na máfia não era de todo o ruim. Ninguém ficava o tempo
todo agindo como um filho da puta. Em grande parte do tempo fazia
reuniões, dava dinheiro para meus superiores e, de vez em quando, ia até
algum lugar recolher dinheiro. Quando este não estava todo à mão, fazia uma
cara de mal, prometia um fim miserável ao pobre coitado e saía dali. Pouco
tempo depois voltava a cobrar. O dinheiro sempre vinha.
Matt nunca me pediu para matar ninguém. Ameaças foram o máximo
que já fiz. Mas do pouco que escutei daquela conversa, sabia que o homem
não estava nada feliz com aquele que iríamos visitar.
Eu odiava ter de matar pessoas. Tinha pesadelos com as malditas vezes
que puxei o gatilho. E das poucas vezes que o fiz eu ou algum outro policial
estava correndo risco de morte.
Eu também me negava a torturar alguém. Não era minha praia ver
ninguém sofrendo. Além de tudo isso, ainda tinha o fato de que eu era um
agente do FBI. Minha função era salvar pessoas e não o contrário.
Os homens despediram-se das esposas, que sabiam exatamente para
onde iam. No final da noite, cada uma delas lavaria as roupas sujas e afagaria
os cabelos deles antes de dormir… Ao menos era isso o que se esperava de
uma boa companheira. Fomos até o SUV de Josh. Eu, no banco de trás,
escutando as malditas reclamações de Matt.
O infeliz que visitaríamos era um membro da máfia há pouco mais de
dois anos. Um mexicano que conseguiu entrar no seleto grupo dos italianos.
Ele entrou para a família depois de anos esforçando-se para mostrar valor.
Trabalhava com lavagem de dinheiro e isso deveria ser o bastante para
gostarem dele, mas o homem fazia mais… Ele era ótimo em fazer cobranças
e pintar paredes, ou seja, atirar em infelizes que descumpriam o acordado
com a máfia.
Fomos o caminho inteiro escutando como Matt apreciava o serviço por
ele oferecido. O grande problema foi que o babaca resolveu entrar no
mercado de drogas.
Ah cara! Não se faz isso por aqui.
Talvez, às escondidas, e trazendo um dinheiro alto para os superiores,
eles podiam fingir que não viam. O grande problema era que Sandro Garcia
andava oferecendo seus produtos para os membros da máfia… E os idiotas
estavam aceitando.
— Eu falei com aquele bastardo infeliz que isso estava proibido na
minha família. Que ele oferecesse essa merda fora daqui. Mas não! Ele tinha
que continuar.
O velho bufava de raiva. Em contrapartida, Josh tamborilava no
volante, cantava bem baixinho e sorria como o Coringa. Eu podia ver pelo
espelho a alegria que sentia enquanto dirigia.
Já eu? Meu corpo inteiro se rebelava ao imaginar como seria aquela
conversa. Eu não gostava daquela sensação, da angústia que me cercava. A
última vez que me senti assim foi há um ano…
O infeliz do Joe desconfiou de Jake e de mim assim que nos viu juntos,
em um restaurante. Eu sabia, melhor que ninguém, que a culpa foi minha. Eu
não tirei os olhos de meu irmão na maldita reunião. Fiquei igual a um
paspalho toda vez que ele pronunciava qualquer coisa que desse a entender
que queria um espaço na Cosa Nostra. Aquilo tinha sido uma surpresa para
mim. E me deixou incomodado.
O fato é que quando o homem foi até nós naquele beco, tudo deu
errado. Eu, inocentemente, chamei Jake ali para pedir explicações, mas antes
que ele o fizesse, Joe apareceu, exigindo a verdade e apontando a arma para
Jake. Aquilo me fez enlouquecer. Sem hesitar, atirei no cappi e coloquei toda
uma investigação em cheque por impulso.
Agora, lá estava eu de novo. Com a mesma sensação de que algo ruim
estava para acontecer.
Josh estacionou em frente a uma casa. Descemos e Matt bateu na porta
e nem pediu licença quando foi atendido por um Sandro boquiaberto. O velho
gorducho apenas entrou na casa do cara, irritado como o inferno.
– O que pensa que está fazendo com minha família, desgraçado? – Matt
pegou o homem pelo colarinho e o prensou contra a parede ao lado da porta.
Assim que Josh e eu entramos, como dois guarda-costas, escutei o
estrondo da porta sendo batida. Ninguém nos veria ali. Ser um pouco mais
novo que o cappi não deu nenhuma vantagem para o infeliz do Sandro.
— Acha que pode chegar até meus homens e oferecer sua merda? —
Os olhos do pobre cara arregalaram-se. — Eu te avisei para não aparecer com
sua coca por aqui. — Sandro tentou balançar a cabeça em negativa.
— Podemos nos acalmar, sim? Acho que o aviso foi dado. — Segurei o
braço de Matt.
O homem lançou-me um olhar raivoso que por pouco não me
petrificou. Eu era um maldito agente do FBI e devia agir como tal. Respirei
fundo, mas foi Josh quem falou:
— Pelo contrário, meu caro. Acho que ele merece um aviso maior. Um
pequeno bilhete de que a palavra de Matt é lei. — Um sorriso sacana
apareceu em seus lábios.
O desgraçado era um sádico. Ele queria ver a merda rolando. Observei-
lhe as mãos abrindo e fechando, as pernas balançando. A coisa era pior. Ele
queria participar e punir o homem. Josh estava louco para ver sangue.
Por mais que os filmes mostrem, na máfia a carnificina era algo
incomum, evitado a todo custo. Cosa Nostra era formada por pessoas de
negócios, dispostas a ganhar seu dinheiro sem fazer uma grande bagunça.
Quando necessário, para não perder a pose de perigosos, eles matavam
homens com apenas um ou dois tiros e pronto. A coisa estava resolvida.
— Acho que posso deixar você aos cuidados de nosso amigo. O que
acha? – Matt largou Sandro.
O pobre do homem caiu no chão, ajoelhado. Eu não podia deixar as
coisas chegarem tão longe. Eu tinha que agir, mas estava em uma situação
delicada. Se não permitisse que as coisas continuassem, poderiam desconfiar
de mim. Era um risco impensável naquele momento.
— Por favor. Não façam nada. Eu prometo… Vou parar. Eu acabo com
toda a coca que tenho. Juro! – Ousou olhar em nossa direção.
Os olhos lacrimosos observavam-me, fazendo um pedido mudo. Ele
queria que eu interferisse e o salvasse. Sandro Garcia estava a ponto de cagar
nas calças diante de nós e humilhava-se vergonhosamente para ser salvo.
— Vamos, homens. Ele já recebeu seu aviso. — Assim que minha boca
se fechou, os dois homens viraram-se para mim.
Com a sobrancelha arqueada, Matt analisou-me da cabeça aos pés.
Josh, ao seu lado, não tirava os olhos do homem diante de nós.
— O que você…?
— Por favor! Escutem-no. – A voz do mexicano impediu que Matt
continuasse a me interrogar.
Viramo-nos para ele. Matt e Josh tinham o rosto erguido, olhando-o
com o canto dos olhos. Eu era o único com a cabeça baixa. Observando todas
as atitudes e medos. O mexicano deixou o rosto no chão, as mãos juntas em
oração. Completamente submisso.
Matt virou a face para mim e meu coração apertou-se. Sabia o que
queria me dizer. O mexicano merecia ser punido. Pediu para que algo de ruim
lhe acontecesse quando decidiu não escutar os comandos de um cappi. E eu
sabia como funcionava as regras.
Pensei em Lisandra e Elizabeth. Nenhuma das duas pediu para estar ali.
Para correr esse risco, ao contrário daquele homem. Eu não podia interceder
ou impedir que alguém fizesse qualquer coisa com Sandro. Matt desconfiara
de minha atitude e se eu insistisse naquilo as coisas piorariam para o meu
lado.
Eu não podia agir de acordo com a minha consciência porque precisava
achar Kimberly. Precisava permanecer naquela maldita organização até ela
me encontrar e salvar as meninas.
Dei de ombros e recuei, como se não me importasse com as decisões
que tomassem, mas comecei a rezar para que o poupassem. Ladrão ou não ele
era um ser humano e, intimamente, sabia que meu dever era protegê-lo. Virei
a cabeça e Matt sorriu, virando-se para Josh.
— Faça o que sabe de melhor.
Os olhos do aprendiz brilharam e descobri que ele não era um coitado
ludibriado pela máfia, mas sim um dos poucos malditos daquele lugar.
Os gritos de Sandro foram silenciados por uma fita. A tortura durou
pouco mais de cinco minutos. Dois dedos quebrados, um corte profundo no
peito, a sola de um pé queimada. A bile subiu por minha garganta, mas
segurei-me.
Na máfia aquilo não acontecia. Talvez por isso, tudo ocorrera tão
rapidamente. Se descobrissem, Matt estaria encrencado com a chefia.
Estávamos prontos para sair quando ele deu meia volta.
— Sabe, acho que não quero correr o risco de que volte a vender essa
merda na minha família. A comissão está no meu pé por termos alguns dos
nossos viciados. Por isso teremos que fazer um pequeno limpa e recrutar
novos membros. — Uma lufada de ar saiu pela boca de Matt.
O homem arregalou os olhos quando ele sacou a arma com silenciador
e deu dois tiros em seu peito. Fechei meus olhos para diminuir aquela visão
que me daria pesadelos nos próximos dias. Fugia da lembrança de todos
aqueles detalhes. Josh abriu a porta e o ar voltou a entrar ali.
— Deixe-nos em casa e volte para limpar essa bagunça. — Matt pediu
para Josh.
Deixei os homens passarem na frente. Quando os dois já desciam os
primeiros degraus até a calçada, olhei novamente para dentro daquela casa.
Através de uma pequena fresta da porta entreaberta, perto do corpo estirado
no chão, meu olhar parou, em choque.
Dali, dois pequeninos olhos cheios de lágrimas me observavam. Uma
garotinha com os cabelos loiros ralos, tão parecida com Lis. Atrás dela, havia
uma mulher agachada. Ela tampou a boca da garotinha e tentou puxá-la para
longe da porta, mas estacou assim que nossos olhares se cruzaram.
— Vão na frente — disse para os dois homens — Vou cuidar da
limpeza desse lugar.
— Tem certeza? Você não me pareceu muito confortável com o que
fizemos. — Josh sorriu com escárnio e balancei a cabeça em negação.
— Vocês fizeram todo o trabalho sujo. Deixa que cuido do resto.
— Acho justo. — Matt deu uma pequena batidinha nas costas de Josh
— Vamos embora e depois você volta para buscá-lo.
— Quanto tempo?
Dei de ombros.
— Não tem nenhum saco plástico, carpete falso ou coisa do tipo. Nada
organizado para matar alguém. Acho melhor me dar umas cinco horas.
— Ok! Te busco mais tarde.
Entrei na casa e fechei a porta. Olhei para o corpo caído no chão e
depois para a mulher e a menina escondidas. Respirei fundo. Elas viveriam
com aquela cena pelo resto da vida. Perderam ali o marido e pai.
Que Deus me perdoasse por minha omissão.
UM BARULHINHO CONSTANTE E IRRITANTE ME
ACORDOU. Olhei por entre a cortina e, devido a escuridão, percebi que
ainda era madrugada. Elizabeth ressonava na cama pequenina e baixa, ao
lado da minha. Fiquei olhando-a por um momento, contente por ela nem ter
ideia do perigo que corremos.
Durante todo esse tempo, o FBI cuidou de tudo com muito carinho.
Desde camas confortáveis até brinquedos e roupas para nós. Eu rezava para
que as coisas permanecessem assim quando fosse embora dali de uma vez
por todas.
Levantei e aproximei-me de Lis. Acariciei os ralos cabelinhos loiros de
minha pequena e dei-lhe um beijinho na testa. Que confusão essa que nos
encontramos, filha?
O barulho que me acordou repetiu-se. Percebi então que eram batidas
na porta do quarto. Liguei o abajur, deixando uma leve luz no ambiente e fui
ver o que aconteceu. Assim que abri a porta, deparei-me com James.
Encostado no batente da porta, estava com a cabeça baixa, os ombros
caídos e um semblante de dar pena. Assim que levantou a cabeça, vi as
olheiras perceptíveis. O homem estava no limite do cansaço.
– James? – minha voz saiu em um pequeno sussurro. Ele olhou por
sobre o meu ombro. – Lis está dormindo. Está tudo bem?
James fechou os olhos e engoliu em seco. Sim, alguma coisa aconteceu.
Peguei em sua mão e deixei a porta entreaberta. Puxei aquele homem até o
quarto dele e fechei a porta. Antes mesmo que eu me virasse, senti os braços
rodearem a minha cintura. Ele enterrou o rosto em meu pescoço e suspirei
com o contato.
– Ei, o que aconteceu? – Virei-me para ficar de frente para ele.
– Vocês estão bem. Estão aqui e é tudo o que importa agora.
– James?
– Só me beija, Lisa. Me deixa saber que você está ao meu lado, deixa
eu te sentir. Preciso disso. Preciso estar com você. Só…
Não deixei que ele continuasse com aquela súplica. Acabei com a
pouca distância entre nós, puxando o rosto dele e deixando que nossas bocas
se encontrassem.
No início foi apenas um encostar de lábios. Carinhoso e lento. Mas se
James não precisava de mais, eu já duvidava de minha convicção. Por isso
aumentei o ritmo e deixei nossas línguas se entrelaçarem. Puxei o lábio
inferior entre os dentes e escutei um gemido sair da boca de meu protetor.
– Minha garota – ele deixou escapar antes de infiltrar os dedos em
meus cabelos e intensificar a carícia.
As mãos deslizaram pelo seu abdômen, levantando a camiseta. Senti os
músculos da barriga dele e deixei as unhas arranharem a pele morena. James
afastou-se de mim, os olhos perscrutando meu rosto a procura de algum sinal
de recusa.
Era isso. Estávamos a dias entre beijos e carícias, alimentando um fogo
que queria explodir a todo custo.
Eu nem tinha o que pensar, não precisava de um anjinho bom ou mal
falando em meus ouvidos. Sempre soube o que queria e sabia como
acontecer. Dei um passo para trás por um momento e vi a decepção inundar o
rosto cansado daquele homem incrível.
Levei as mãos até a barra da blusa e retirei-a pela cabeça. Meus cabelos
bagunçados desceram pelo ombro e tamparam a visão de um dos meus seios,
assim que joguei a camiseta para um canto qualquer do quarto.
James soltou uma longa lufada de ar pelo nariz. Observava-me,
analisando cada pedaço do meu corpo. Por um breve segundo, vi ali alívio, o
rosto tão angustiado suavizando-se. Puxou então meu corpo em direção ao
seu, cercando-me com um dos braços. Em passadas grandes, levou-me até a
cama onde depositou-me com calma.
– Eu te amo, Lisandra – as palavras saíram embargadas.
Prendi a respiração depois dessa declaração. James nem esperou uma
resposta antes da boca encontrar a pele de minha clavícula em pequenos
beijos. O polegar encontrou o bico de meu seio e senti um tremor. Descendo
o rosto, James substituiu o dedo pela boca. Arqueei o corpo na direção dele e
segurei-lhe a cabeça, entrelaçando minha mão em seus cabelos.
Os dentes rasparam pela pele enquanto ele descia através do corpo. As
mãos tiraram o meu short, deixando-me apenas de calcinha. Ajudei-o como
pude a retirar a última peça do meu vestuário.
James olhou-me com reverência.
– Eu te amo… – As palavras deixaram seus lábios novamente.
Ele sequer esperou por resposta. Logo a boca encontrou meu centro de
prazer e passei os próximos minutos concentrada para não gemer ou gritar.
Levei uma das mãos fechada em punho até a boca para segurar
qualquer barulho, enquanto com a outra o pressionava para que não
levantasse antes da hora. Aquilo era bom demais para desperdiçar.
Os dedos dos meus pés se retraíram, preparando-se para o que viria.
Entreguei-me aquele homem entre minhas pernas de corpo e alma naquele
momento.
Quando algum tempo depois explodi em um orgasmo intenso, puxei os
cabelos dele para avisá-lo do feito. James subiu então por meu corpo, entre
beijos e mordidas. Concentrado, silencioso. Seus lábios enfim alcançaram os
meus e senti o meu sabor em sua boca.
– Amo você. Amo, amo, amo… Não posso deixar nada acontecer com
vocês. – Senti a testa dele de encontro a minha quando a voz falhou.
– Nada vai acontecer, amor. Está tudo bem.
Eu não sabia como as coisas estavam. Nem tinha noção se sairíamos
daquela situação, mas precisava deixar aquelas palavras de consolo saírem
por meus lábios. Mesmo que fossem mentiras.
Abri meus olhos e encontrei o rosto atormentado daquele que amava.
Estava de olhos fechados enquanto a boca murmurava palavras como se
fizesse uma prece, de cenho franzido. Parecia que algo doloroso o
consumia…
Empurrei-o até que estivesse deitado no colchão. Passeei as mãos pelo
corpo dele, beijei o mamilo e dei-lhe uma pequena mordida. Ele veio de
encontro a mim antes de puxar meu cabelo para trás.
Não me intimidei com o pequeno gesto bruto, apenas resvalei os dedos
através da pele morena até encontrar o cós da calça. Abrindo o botão e o
zíper, retirei a calça e a cueca de uma única vez, deixando a ereção pular para
fora.
Com a boca salivando e uma imensa vontade de diminuir o V em sua
testa, abocanhei o membro endurecido. Enquanto minhas mãos massageavam
a base, subi e desci os lábios pelo sexo, em pequenas sucções.
Gemidos escapavam dos lábios carnudos do meu homem, o que só
aumentava a vontade de fazê-lo gozar. Mas ele tinha outros planos e por isso
me puxou, beijando-me brutalmente. Mudando nossas posições, ele me
deixou de costas para ele na cama, deitada de lado. Mordeu de leve meu
ombro e levantou-me a perna, um pouco antes de se encaixar melhor atrás de
mim.
Os dedos acariciaram minhas costas, barriga e subiram até o seio. Uma
carícia gostosa enquanto seus lábios me adoravam.
Assim que se afastou, James jogou o corpo um pouco para trás e abriu a
gaveta do cômodo ao lado. Estava procurando a camisinha. Deixou-a no
travesseiro ao nosso lado e voltou a me acariciar.
Eu o amava e gostaria que ele soubesse disso, mas antes que minha
boca pronunciasse as palavras, James pegou a camisinha e a colocou, virou-
me novamente para si, abrindo minhas pernas. Com a ajuda da mão,
encaixou-se em minha entrada.
De repente, afastou-se um pouco e lançou-me um olhar de aviso. Ele
queria minha confirmação. Daríamos aquele maldito passo?
Meu braço enroscou no pescoço dele e nos beijamos. Senti a pressão e
então... ele estava em mim. Soltei os lábios, mas não me afastei. Enquanto
sentia os movimentos preenchendo-me, gemia colada a ele.
Sentia-o me invadindo, aumentando a velocidade. Mantive-me grudada
a ele, nossos narizes quase se encostando enquanto explodia de novo.
James mudou então nossas posições. Deitando sobre mim, penetrou-me
de novo. Agora os movimentos eram mais intensos, rápidos e cheios de um
desespero para mim desconhecido.
Em mais duas ou três estocadas, o rosto dele se fechou e uma careta
adorável apareceu quando James por fim se libertou.
Beijei–lhe o rosto por todos os locais que meus lábios alcançaram. Com
a boca aberta, ele permaneceu dentro de mim por mais um tempo antes de se
jogar ao meu lado na cama.
Aninhei-me em seu braço e senti como se as coisas estivessem entrando
nos eixos. Era essa a minha atual realidade. Era louca de paixão por esse
homem.
Jamais saberei qual foi o momento em que isso aconteceu. Não
importava. Eu gostava demais dele e vê-lo sofrer acabava comigo. Tentei
abrir a boca para pedir que me contasse o que havia acontecido naquele dia.
Queria que se sentisse em paz para dividir comigo os problemas,
mesmo que me afetassem. Eu precisava saber que podia ser para ele um porto
seguro, como ele era para mim.
Mas eu não precisei dizer nada, já que James começou a contar antes
que eu tomasse fôlego.
Nos minutos seguintes, escutei sobre a noite e as coisas que permitiu
acontecer para não estragar o disfarce… Foi quando me dei conta de que não
sabia nada sobre o que ele estava fazendo por nós. Como a vida de James
estava em constante perigo nos últimos dias.
Depois de todo o relato, chorei em silêncio nos braços dele.
– NÃO CONSEGUI TIRAR VOCÊS DUAS DA CABEÇA –
CONFESSEI PARA Lisa enquanto meus dedos subiam e desciam na pele de
seu braço em um carinho gentil.
Estávamos deitados em minha cama, ainda nus. Ela permanecia
deitada em meu peito.
Não conseguia tirar os olhos do teto para encará-la. Havia aberto meu
coração, dito que a amava na nossa primeira noite. Tudo seria tão lindo,
romântico e piegas se no final eu não tivesse aberto a minha boca e deixado a
angústia que me dominava sair em palavras.
Como eu poderia encará-la? Como aguentar a acusação que, com toda a
certeza, estaria estampada em seu rosto? Por minha culpa aquele homem
estava morto, depois de se contorcer em dor, no máximo que podia ficar em
silêncio… Tudo para que a filha e a esposa não ouvissem e fossem
descobertas.
Fechei os olhos e o rostinho assustado daquela garotinha preencheu o
breu de meus pensamentos. Talvez tudo ficaria bem e sobreviveria aquela
situação, se o rosto da pequena não se transformasse rapidamente no de Lis.
– O que aconteceu com elas? - A voz embargada de Lisandra ajudou-
me a fazer aquela imagem desaparecer.
– O FBI já está encarregado de protegê-las.
Depois que os mafiosos saíram, identifiquei-me e liguei para Richard.
Em pouco tempo os oficiais entravam pela porta de trás da casa e me
ajudavam a limpar as coisas, levando-as em seguida para a delegacia.
Lisandra enfiou o rosto em meu peito e respirou fundo.
– Então elas estão seguras…
– Ninguém sabia sobre elas. A mulher disse que o marido mudara para
Nova York no último ano, mas ela ficara no Texas com a filha para terminar
o ano escolar. Ele mandava dinheiro e dizia que o trabalho estava indo tão
bem e que não via a hora de tê-las ao seu lado novamente. Confessou que
nunca ficaria com ele se soubesse o que estava fazendo. – Respirei fundo e
trouxe Lisandra para mais perto de mim. Céus, aquela mulher era meu oásis.
– Ela veio passar o fim de semana com o marido. Fazer uma surpresa.
– Que merda!
As mãos de Lisa passeavam por meu peito, fazendo desenhos aleatórios
na pele que provocavam pequenos arrepios em mim.
— Ele implorou pela vida. Ajoelhado à nossa frente aguentou os cinco
minutos mais longos de minha vida em silêncio. Ele não soltou um único pio
e todos nós achávamos que era para mostrar força. Mas não…
– Ele não queria que as coisas ficassem piores. Para ele, a esposa e a
filha… – Balancei a cabeça em concordância, esperando que pudesse ver
minha resposta.
Ficamos ali mais alguns minutos em silêncio antes de conseguir escutar
Lisandra ressonando baixinho. Eu amava aquela mulher, e nada mudaria isso.
Tentei dormir, mas era impossível. Toda vez que fechava meus olhos, a
garotinha de olhos assustados junto a mãe de queixo erguido, pronta para
lutar se fosse necessário, dominavam meus pensamentos.
Uma mulher e uma criança… Pagando por presenciarem coisas
horríveis. Assim como as minhas.
Eu deixei as coisas acontecerem com o pai daquela menininha. Permiti
que aqueles malditos e sádicos agissem de acordo com os próprios desejos.
Estava arrasado pelos acontecimentos, mas acima de tudo, desnorteado.
Mesmo se voltasse no tempo em nada mudaria as minhas atitudes… Preferia
aquilo a deixar que algo respingasse em Lisa e Lis.
Se tivesse de presenciar toda aquela merda de novo, muito
provavelmente o faria calado para não levantar suspeitas naqueles dois
malucos. Não podia dar nenhum passo em falso.
Passei o resto da noite velando o sono agitado de minha mulher.
Aquela que ganhou meu coração em tão pouco tempo, ensinando-me a
ver o mundo fora do maldito trabalho. Eu jogaria todo o Bureau e a minha
carreira de merda pela janela para fugir e ter paz com elas.
Pensava, naquele momento, qual seria a possibilidade de fazermos uma
mala, pegarmos um avião e fugir para bem longe de toda aquela confusão.
Por elas eu faria isso: agir como um covarde.
Quando os raios de sol começaram a aparecer pelas frestas da cortina,
acordei Lisandra e pedi para que ela fosse para o quarto dela. Tinha que
voltar a pensar. Poderia desejar tê-la em meus braços até mais tarde, mas nem
fazia ideia que hora Léo e Lis acordavam. Não podia correr o risco de que ele
abrisse a boca para nossos superiores, nem deixar que a pequena presenciasse
algo inexplicável.
Depois de um banho com água fria, saí para tomar café da manhã.
Lisandra estava com um short curto, cantarolando uma música triste enquanto
fazia ovos para todos nós. Apreciei a visão do corpo lindo da minha garota
com leves movimentos. Deixei que aquele som vindo da alma adentrasse meu
coração que sangrava. Eu estaria errado em colocá-las acima de tudo?
Quis enlaçar Lisandra e afundar meu rosto na maciez de seus cabelos.
Queria me perder nela e fazer com que aquela loucura sumisse, mas não
podia.
– Tio James! – A voz fina e aguda de Lis tirou-me dos pensamentos.
Virei-me e encontrei-a com aquele enorme sorriso antes de jogar seus
bracinhos nas minhas pernas. Respirei aliviado ao sentir o carinho daquela
menininha. Abaixe-me e enchi-a de beijos e cócegas.
Peguei-a no colo e virei-me para irmos até a mesa de café, que já estava
posta com frutas, café, bolos, panquecas, e agora, ovos. Lisandra nos fitava
com os olhos cheios de lágrimas e tive a certeza de que deveria continuar
com minha luta para salvá-las.
Passamos uma manhã agradável, entre brincadeiras e risadas. Quando
Léo sumia para dentro do quarto, ousava entrelaçar meus dedos com os de
Lisa. Apenas para me sentir mais perto dela.
Depois do almoço, me arrumei e em pouco mais de duas horas estava
em frente a Brix. Entrei em meu escritório e encontrei com De Lucca
concentrado com alguns documentos na nova mesa que colocamos para ele
no escritório principal. Aquele pequeno gesto amansou um pouco o homem.
Dividir meu escritório com ele era o mesmo que confirmar para as pessoas
que nos tornamos sócios. Ele direcionou os olhos para o meu rosto e
suspirou.
– Sinto muito. – As palavras saíram abafadas e cheias de pesar.
– A fofoca tem andando muito rápido pela corporação. – Minhas
palavras pareciam lixa de tão ásperas.
– Eu realmente entendo. As coisas não estão sendo fáceis e pioraram
muito ontem. Mas preciso te dizer que escutei as coisas por Matt. Ele
comentou que vocês deram uma lição em um dos caras que andavam
oferecendo drogas para os associados. Falou aos quatro ventos que matou o
cara, acho que para colocar medo. Mais tarde, encontrei as meninas no FBI.
Elas choravam e alguém chamou a mulher pelo sobrenome. – Ele estremeceu.
Sim, eu entendia aquele maldito arrepio – Perguntei a um dos agentes e me
disseram que ela presenciara a morte do marido. Eu só liguei uma coisa à
outra.
Fechei os olhos. Eu não queria me lembrar da noite passada. Nada além
do corpo quente e macio de Lisandra.
– Não sabíamos que elas estavam lá. Eu as vi por acaso. – Engoli em
seco.
Vi De Lucca acenando com um menear de cabeça e me senti um grande
lixo. Sabia que estava tentando me justificar. Arrumar uma desculpa para a
atrocidade de vê-los matando outro ser humano de forma tão cruel.
Eu ainda teria meu tempo para as explicações no Bureau. Eles não
mexeriam comigo naquele momento pelo nível da missão em que estava, mas
chegaria o dia.
O resto do tempo passou como um borrão. Tentei me concentrar em
qualquer coisa, mas era difícil. A noite em claro e o stress estavam cobrando
seu preço. Perto das dez da noite De Lucca tinha ido averiguar o movimento,
passeando pela boate e procurando conversar com alguns mafiosos que
estavam ali aquela noite. Um momento de descontração que garantia muitas
informações pelas conversas informais entre os membros.
Desisti de continuar ali e desliguei o computador. Iria para casa, abraçar
a mulher que amava e dar um beijo no rostinho sonolento da garotinha que
tomara meu coração.
Nesse momento, meu celular apitou e o peguei junto com as chaves.
Destravei-o e li a mensagem que vinha de Richard.
“Precisamos conversar. Tivemos um problema. Ligue-me assim que
possível.”
Um mal estar tomou conta de mim. Algo de muito ruim devia ter
acontecido e senti uma necessidade maior ainda de correr em direção ao
apartamento. E se tivesse sido com elas?
Comecei a digitar para Richard dizendo que estava a caminho quando
escutei o barulho da porta se fechando em um baque.
— Estou indo. Algo aconteceu e preciso… – Minha voz morreu assim
que levantei os olhos.
Uma mulher com um conjunto quase indecente de lingerie vermelha e
uma máscara nos olhos estava parada, encostada na porta de meu escritório.
Como ela entrou aqui?
Os braços para trás, as mãos na maçaneta, as pernas jogadas
despretensiosamente para frente enquanto as costas seguravam o peso do
corpo.
Claro que poderia ser alguma das garotas que trabalhava ali como
dançarina. Elas andavam com pouca roupa ou quase nenhuma, apenas para
agradar ao público masculino, mas eu sabia que não. Um sorriso breve saiu
daqueles lábios. Eu reconheceria aquele gesto em qualquer lugar que fosse.
Sabia quem era.
— Stu… – Meu falso nome saiu dos lábios escarlates.
Apenas um segundo se passou antes que ela corresse até mim e se
jogasse em meus braços. Por um pequeno momento não soube o que fazer.
Fechei os olhos e pensei no rosto corado e cheio de desejo de Lisandra
durante a noite anterior. Lembrei de Lis e nas duas garotas de Sandro após
presenciarem a morte dele. Essas lembranças me deram forças para encenar.
Deixei um suspiro de alívio sair de meus pulmões antes de rodear a
cintura magra da garota em meus braços. Afundei o rosto em seus cabelos,
odiando aquele cheiro, aquela textura, aquela cor. Abri um sorriso, que ela
poderia não ver, mas com toda certeza sentiria. Deixei as próximas palavras
saírem abafadas, como se estivesse segurando o choro.
— Hope, você está viva!
TERMINEI DE RECOLHER OS BRINQUEDOS DE LIS QUE
ESTAVAM espalhados pela sala. Sentei-me no chão e peguei os últimos
pratinhos do jogo de xícaras que estavam embaixo do sofá. Elizabeth passara
a manhã inteira brincando com James.
Dava para notar como ele estava cansado. Na verdade, exausto. Com
olheiras, um sorriso fraco e os ombros baixos. Não sei se foi a longa noite
com os horríveis acontecimentos ou o fato de ter dormido pouco, mas ele
parecia um fantasma de si mesmo.
Haviam dias tranquilos, aqueles em que ele chegava cedo em casa,
assistia um filme com Lis e aproveitava para colocá-la para dormir. E outros
difíceis, em que chegava tarde, quando apenas me dava um beijo lento e
fazia-me um carinho nos cabelos, antes de eu dormir cansada devido ao longo
dia com minha menina. Mas tinha também os muito difíceis. Aqueles que
James não voltava para casa e nunca sabia se ele estava vivo ou morto.
O homem que eu amava — e o cansaço não me permitiu confessar —
estava passando por cima de quem ele era e no que acreditava, apenas para
me manter segura. Nunca, em toda a minha vida, havia me sentido tão errada,
confusa. Parecia ter me tornado um peso tão grande…
Eu precisava arrumar alguma solução. Não podia permanecer ali,
vítima de toda aquela confusão. Mas como poderia lutar contra algo que era
desconhecido por mim e pior, bem maior do que eu? Não estávamos falando
de gritar ao mundo que o pai de minha filha era um maldito senador, nem de
trabalhar para ganhar o meu sustento e o de minha filha. Era a máfia italiana
em Nova York!
Precisava de um tempo de tudo aquilo e muito provavelmente Lis
também. Pouco depois que James fechou a porta para ir Deus sabe onde,
fazer sabe-se lá o quê, ela dormiu exausta no sofá da sala. Minha filha
também o amava e se algo acontecesse com ele, ambas sofreríamos o mesmo
tanto.
— Está tudo bem? Sua cara está horrível. — Deixei os pratinhos caírem
de minhas mãos, assustada. O barulho fez com que eu piscasse repetidas
vezes.
Léo estava em frente a mesinha de centro, olhando-me com a
sobrancelha erguida. Suspirei e fechei os olhos. A imagem de James,
arrumado como um mafioso em seu terno caro feito à mão, o Rolex no pulso
e o anel no dedo fazia com que me arrepiasse de medo por ele.
Com um pouco de esforço, consegui mudar a imagem para o rosto
angelical de meu protetor, com os braços esticados ao lado de minha cabeça,
o vinco na testa, o suor deslizando por seu rosto e o lábio entre os dentes
enquanto me penetrava na noite anterior. As carícias em minhas costas após a
noite deliciosa, os lábios cantarolando uma declaração de amor… Era nisso
que eu tinha que focar.
— Lisandra?
Abri meus olhos e vi o agente do FBI me observando, preocupado.
Deixei que aparecesse em meus lábios uma pequena fileira de dentes,
tentando, inutilmente, mostrar que estava bem.
— Apenas uma longa noite — suspirei alto.
— O que acha de aproveitar que sua filha está dormindo e descansar
também? Mais tarde podemos ir até aquele restaurante distrair um pouco. —
Ele olhou-me um pouco e sorriu.
— James…
— Está tudo bem. Posso falar com ele.
— Obrigada Léo. Talvez essa seja uma boa ideia. — Levantei-me e bati
a sujeira do chão do short.
Não conseguia me imaginar comendo despreocupada em uma mesa de
um restaurante enquanto as imagens da cena que James tivera que presenciar
na noite anterior inundassem a minha mente. Não quando ele estava em
qualquer lugar de Nova York, envolvendo-se com bandidos para me salvar.
Mas Elizabeth não era culpada de nada dessas coisas que andavam
acontecendo. Meu raio de luz merecia ser paparicado. Se Léo estava disposto
a nos levar para espairecer, eu não reclamaria.
Elizabeth corria feliz no parquinho ao lado da mesa em que estávamos
sentados. O lugar estava cheio aquela noite. Muitos pais comiam e bebiam
enquanto os filhos corriam pelo ambiente preparado especialmente para os
pequenos.
Elizabeth fizera amizade com duas garotinhas que estavam ali e
brincava com elas. Enquanto isso, Léo e eu esperávamos a pizza chegar. Os
olhos de águia do homem estavam em todos os ambientes do restaurante, mas
eu tentava ao máximo evitar observá-lo.
Aquela noite eu gostaria de imaginar que era apenas uma mulher
aproveitando a noite com a filha em um lugar tranquilo. Não queria pensar
que estava em um lugar correndo riscos, nem que havia máfia ou, seja lá mais
o que atrás de mim e das pessoas que amava.
Senti um aperto na mão. Quando meus olhos se voltaram para Léo,
estreitei-os. Alguma coisa estava errada, podia ver no rosto dele.
— Lisa, com muita calma, preste atenção no que vou dizer… Não olhe
para os lados, finja que tudo está normal.
Instintivamente, levei minha cabeça um pouco para o lado antes de
sentir um novo aperto em minha mão. Abaixei a cabeça, o coração disparado.
A voz de Léo foi tão natural que demorei um pouco para entender o que
acontecia.
— Acho que nos encontraram… — O pesadelo tornava-se real. —
Preciso chamar reforços, mas não posso fazer isso com eles me olhando.
Compreende isso?
— Por que não? — Minha voz denunciava o nervosismo, já que ela
tremia.
— Para não perdermos a pista de quem eles são. Se for a assassina,
nossos problemas estarão resolvidos.
Balancei a cabeça em concordância. Engoli em seco e depois, sorri
para ele. Léo era profissional e talvez por isso conseguisse transparecer
aquela tranquilidade toda. Eu duvidava se seria capaz de fazer o mesmo.
— Vou ao banheiro. Eles não devem fazer nada com você até eu voltar.
— Léo. — Meus olhos arregalaram-se. Ele sairia dali? Eu ficaria
sozinha? — E Lis? Leve-a com você.
— Lisandra… — Seu tom era de aviso, mas estava determinada. —
Eles vão desconfiar.
— Mas minha filha…
— Ficará tudo bem. — Ele se levantou.
Quando vi o andar confiante e despreocupado do agente em direção ao
banheiro, meu corpo começou a tremer. Um medo aterrorizante me
consumia, uma súbita falta de ar.
Assim que Léo sumiu pelo corredor do restaurante, vi que a cadeira ao
meu lado foi puxada para trás. Um homem alto e forte sentou-se.
Os lábios cheios mostravam dentes excessivamente brancos. Os olhos
brilhavam como se tivesse encontrado um tesouro. Um frio percorreu-me a
espinha e corri os olhos na direção da minha filha. Ela ainda corria
despreocupada pelo parquinho…
Levei minha mão até o colar em meu pescoço. Comecei a rezar para
todos os anjos, santos e deuses que poderiam existir nesse mundo para que
Léo se materializasse ao meu lado antes que algo ruim pudesse acontecer,
para que eu pudesse ter a chance de dizer a James que também o amava e que
queria formar uma família ao lado dele. Pedi para que desse tempo do reforço
chegar. Mas se nada disso pudesse acontecer, queria que James ficasse bem e
ao lado de Lis no meu lugar. Que a protegesse e juntos pudessem sobreviver
sem mim.
— Enfim encontramos você. — Olhei para ele e meus olhos se
encheram de lágrimas.
— Me leva, mas deixa minha filha. — A voz embargou quando a
súplica passou por meus lábios — Não façam mal a ela e prometo que direi
tudo.
— Você dirá tudo de um jeito ou de outro. — O homem ao meu lado
pegou um pedaço de pizza e a colocou na boca, mastigando tranquilamente.
— Sim. Eu vou, você sabe disso. Direi o que quiser saber, só a deixe
aqui.
— Vamos fazer um acordo, delicinha? — A mão dele deslizou por
minha bochecha e estremeci de medo. — Você sai comigo em silêncio, sem
fazer nenhum alarde e ela fica.
Concordei. Dei uma última olhada para Lis que ainda brincava, alheia a
tudo aquilo. O coração apertou ao pensar que minha pequena ficaria ali,
sozinha.
Deixei que o homem me puxasse pelo braço. Foquei em minha filha
enquanto a porta do restaurante não fechava atrás de mim. O vento frio da
noite me recebeu e deixei que o desespero me tomasse.
Andamos até um beco próximo, onde um carro preto parado nos
esperava. Um homem de camiseta e calça jeans estava fumando, encostado
no carro. Tinha as pernas jogadas para frente, a cabeça baixa com um boné
escondendo o rosto e o cigarro nos dedos da mão que estava estendida diante
do corpo. Ele era muito menor em comparação ao que me segurava o braço.
Os olhos se levantaram e encarei-o. Eu conhecia aquele homem, tinha
certeza disso.
— Você me viu… — Constatei assim que as imagens da última vez
que fomos ao restaurante irromperam em minha mente. A sensação de
familiaridade não terminou por aí. Eu o conhecia de algum lugar.
— Você disse ao Bruce. Você é o assessor dele. Me lembro de você.
— Sim. — A voz saiu hesitante e tive uma crise de riso histérico.
Para a merda se estava arrependido. Ele colocou o meu na reta.
Abrindo a porta traseira do carro, o homem falou com alguém. Com um
forte puxão fui colocada diante da pessoa. Devo ter ficado branca, pois não
sentia mais minhas pernas.
Os olhos de Bruce estavam para baixo, assim como a boca. Fechando
os olhos levemente e mordendo o canto do lábio, ele transparecia uma
mistura de dúvida e arrependimento.
Se eu não temesse tanto por Lis acho que teria gritado aos quatro
ventos quem era aquele infeliz e extravasado ali a minha ira. Ele havia dito
para a máfia onde eu estava! Ou seria para a assassina? Tanto faz! Colocou a
vida da nossa filha em jogo. Naquele momento, eu o odiei mais ainda do que
antes.
— Você não achou que seria tão fácil assim, certo?
A voz de Léo fez com que eu soltasse o ar que prendia em meus
pulmões.
Olhei para o lado e encontrei o agente do FBI com a arma apontada
para o mafioso que me segurava.
— Você está sozinho. — Como se preparasse para a briga, o maluco
estufou o peito.
— Não preciso matar todos, apenas você. — Ele lançou um sorriso para
o homem.
O bandido podia dar uma de durão se quisesse, mas estava tremendo
todo. Eu podia sentir.
— Agora, me dê a garota.
Não esperei por uma resposta do guarda costas. Puxei meu braço com
força e corri até o agente. Léo colocou seu corpo diante do meu e foi dando
longas passadas para trás. Os dois homens saíram do carro e apontaram armas
para o agente. Três contra um. Aquela matemática não estava a nosso favor.
Escondidos no beco comecei a tremer por minha garotinha. Onde ela estaria?
Quem tomaria conta dela?
— Acho que essa carga nos pertence — o assessor filho da puta disse,
inseguro.
— Na verdade, essa garota está comigo — Léo respondeu com um
sorriso no rosto.
Puxando algo do bolso da calça ele estendeu o braço em direção aos
dois.
— Acho melhor não contestarem um agente do FBI.
— Merda! — O maior deles praguejou e lançou-me um olhar irritado.
— Olha amigo, eu poderia deixar essa passar. Definitivamente, não
quero problemas com o FBI, então o tiro será apenas de raspão. Sabe como é,
para garantir que ninguém morra e as coisas se transformem numa guerra…
As palavras saíram de sua boca ao mesmo tempo que escutei o tiro.
Senti o baque do corpo de Léo sendo jogado contra o meu e caí no chão
batendo a cabeça com força. Eu queria muito fechar os olhos, mas alguma
coisa me impedia de fazer isso, algo muito importante que estava
esquecendo…
Foi quando escutei um grito fino, um som infantil junto com um
barulho absurdo, que nem sabia de onde vinha. Elizabeth! Eu tinha que
proteger a minha filha. Tentei me levantar, mas algo estava em cima de mim.
Senti a mãozinha fina da minha menininha, vi um homem vindo na direção
dela. Assim que vi a camiseta com o nome do FBI bordado no canto, percebi
que o reforço chegou.
Apaguei.
DERRAMEI O LÍQUIDO MARROM CLARO NOS DOIS
COPOS CHEIOS DE gelo. Soltava pequenas lufadas de ar em respirações
regulares, preparando-me para o momento esperado durante os últimos dois
meses.
Voltei para a máfia com o claro objetivo de reencontrar Hope. Em
algum momento ela deveria vir atrás de mim. Se algo do que vivemos no
passado ainda estivesse vivo nela, se ainda sentisse algo por mim, cedo ou
tarde me procuraria.
O estranho, com toda certeza, foi ela ter me procurado antes do pai.
Imaginei que Santori viria até mim em algum momento, talvez pedir alguma
explicação ou despejar palavras de ódio por eu ter sumido nos últimos meses
de vida da filha… Mas segundo Matt ele estava ocupado demais remoendo a
morte prematura de Hope.
Ah, se ele soubesse.
Não era estranho ela ter entrado com tanta facilidade. Conversávamos
com nossas funcionárias com frequência no escritório. Para pagar salário,
negociar horários. Ela, com toda certeza, entrou se fingindo de dançarina. A
roupa era prova disso.
Virei-me e a encontrei sentada no longo sofá. As pernas nuas cruzadas,
o salto alto vermelho balançando para frente e para trás, os braços abertos
encostados no encosto, os cabelos vermelhos enrolados em um dos ombros, a
máscara de renda que cobrira boa parte do rosto, jogada ao lado. Linda como
sempre. Sedutora e fatal como nunca a vi.
Hope Santori emanava confiança e sensualidade. Com o rosto erguido,
parecia dona do lugar. Abri um sorriso devasso, terminando de enfiar a estaca
em meu próprio peito. Com ela, transformava-me em alguém que abominava.
Teria que me reaproximar daquela garota para depois traí-la. Encher o
pobre coração dela de esperanças novamente… Mas, se preciso fosse, eu
seria um maldito demônio para garantir a segurança de Lisandra.
— Você está… Diferente.
Um sorriso surgiu nos lábios carnudos. Ela deslizou a mão pela perna
antes de tirar o sapato e colocar o pé no chão. Repetiu a encenação com o
outro e fez uma cara de alívio, mordendo o lábio.
—Talvez nem tanto assim. — Revirei os olhos.
O jeito com que me fitava garantia que estava disposta a me vencer
pelo cansaço. Ainda era o homem que Hope desejava.
— Você está o mesmo… Achei que estivesse morto.
— Posso te dizer o mesmo. — Sentei-me ao seu lado e estendi o copo
para ela.
Hope pegou-o e o levantou num instante.
— À vida! — Brindamos.
—Senti saudades, garota! — Deixei as palavras escaparem por meus
lábios.
Tomei um gole e voltei a encará-la. Meu celular começou a tocar e
ignorei com sucesso a primeira chamada. Quando o telefone voltou a fazer
aquele barulho irritante, pedi desculpas e me levantei.
Duas chamadas de Richard. Algo muito sério tinha acontecido.
“Estou um pouco ocupado no momento. Te ligo mais tarde.”
Mandei a mensagem e virei-me para a linda mulher em meu sofá
novamente. Ela analisava todos os cantos do escritório com aquele típico
olhar de mafiosa a procura de algo errado.
— Sabe, eu não confio muito em seu sócio. — Ela levantou-se com a
graciosidade de uma pantera.
— Que bom que estamos de acordo. Mas eu queria mesmo era
entender…
— Shiii…
A longa unha deslizou pela mesa diante de mim. Espreitando,
preparando e observando as coisas ao redor.
Nos dois estávamos reticentes. Mostrávamos claramente nossas
dúvidas. Hope tentava me passar a impressão de que estava desconfiada.
Queria me fazer pensar que ainda não havia me aceitado de volta por ali. Mas
eu a conhecia muito bem. Se aquela garota duvidasse de minha lealdade à ela,
jamais teria se mostrado, saído das sombras.
Tê-la ali, diante de mim, já era a prova viva de que eu a tinha em
minhas mãos.
— Sempre gostei de sua perspicácia.
Meu celular apitou novamente. Peguei-o enquanto ela ainda estava
longe de mim.
“Léo foi baleado. Ligue-me assim que puder.”
Senti o sangue se esvair de meu corpo enquanto guardava o celular no
bolso da calça. Léo foi baleado. Se isso é verdade, o que raios aconteceu com
Lisa e Lis?
Hope chegou mais perto de mim e o dedo deslizou por meu tórax. Ela
era tão previsível. Léo foi baleado. A informação retumbou em meus
pensamentos novamente. E não fui capaz de afastá-la. Impossível pensar
naquele instante em alguma ação.
— Onde você esteve? — Deixei as palavras saírem de meus lábios de
maneira mecânica.
Os olhos dela se reviraram e então se afastou. Léo foi baleado. Eu
tentava a todo custo me concentrar na mulher a minha frente, na missão que
tinha de realizar, mas tudo o que se passava na minha cabeça era sobre o
homem que deveria proteger minha mulher e a filha dela.
Algo de muito ruim aconteceu e precisava saber o que era.
— Eles são tão insistentes…
— O quê? — Balancei a cabeça, tentando retomar a linha de
raciocínio.
Eu não podia deixar escapar a chance que tinha de encontrá-la ali, na
minha frente.
— Eu sei como eles são quando requerem nossa atenção. — Hope
deu de ombros e sentou-se em meu sofá para colocar os sapatos e a máscara
— Vá para onde essa famiglia exige sua presença.
Ela levantou-se e respirei aliviado. A máfia. Ela acreditava que eram
eles que estavam me procurando.
— Você os conhece melhor do que ninguém. Ainda tenho muito
apreço à vida para ignorar um chamado desses, por mais interessado que
esteja na sua companhia.
— Eu sei.
— Nos veremos de novo? — Ela aproximou-se de mim e beijou o
canto de meus lábios.
— Vou te procurar novamente. — As mãos rodearam meu pescoço e
permaneci imóvel. — Quando a realidade de que estou viva tiver se
assentando em sua cabecinha confusa, voltaremos a conversar sobre o último
ano e tudo o que tenho planejado. — Sua mão acariciou meu cabelo – Ou
para nós…
Virando-se, ela saiu do escritório rebolando a bunda empinada. Léo foi
baleado.
Mal a porta se fechou eu peguei o celular e mandei uma mensagem para
Richard. Ele indicou o hospital onde estavam e foi para lá que me dirigi o
mais rápido possível. Ignorando todas as regras de trânsito, levei o carro até o
maldito edifício de suporte do FBI. Peguei o primeiro carro disponível com o
agente que fiscalizava horários, carros, chaves e demais regras necessárias
para o bom andamento das missões.
Eu estava desesperado de medo, mas não podia ser displicente e
entregar a localização de Lisandra. Muito menos agora que Hope estava tão
perto.
Saí de lá o mais rápido possível e estacionei em frente ao hospital dez
minutos depois. Com longas passadas, entrei e pedi informações. Passando
pelo extenso corredor rezei para que elas estivessem bem, vivas e saudáveis.
Richard me viu e suspirou aliviado.
— Onde estava?
— Na Brix. O que aconteceu? — Meus lábios tremiam enquanto
falava.
— Não sei todos os detalhes. Mas ao que parece o pai de Lis entregou
as meninas. Foi tudo o que Léo conseguiu dizer antes de entrar em cirurgia.
— E elas? — Que Deus me perdoasse, mas Léo era minha última
preocupação naquele momento.
— Naquele quarto. A pequena ficou nervosa e Lisandra me pediu um
tempo antes de conversarmos. Concedi isso a ela.
— Vou lá e vejo se descubro sobre o ocorrido senhor. — Consegui
retornar ao meu corpo e respirar aliviado ao subentender que estavam bem.
— Acho que elas não querem companhia. – Richard estreitou os olhos
na minha direção e puxei o ar para meus pulmões.
— Com o perdão da palavra senhor, mas permaneci ao lado delas nos
últimos meses. Não é bem uma visita oficial. No momento sou apenas um
amigo preocupado.
— Você sabe que agora as coisas mudarão, certo? Teremos que rever
isso tudo.
— Assim que eu te contar com quem eu estava, você vai perceber que
teremos muito mais trabalho do que imagina. — Deixei meu gerenciador
parado com a boca aberta enquanto entrava no quarto que Lisandra estava
sem bater.
Fechei a porta atrás de mim e a tranquei. O barulho chamou a atenção
das duas.
Deitadas na cama do hospital, Lisandra estava com uma faixa na cabeça
e os olhos cansados cheios de lágrimas. Elizabeth abraçava a mãe, mas a
largou assim que me viu. Correu até meu encontro quando seus olhos
pousaram em mim.
— Tio James. — Abaixei-me e a ergui no colo – Eu fiquei assustada.
Meus braços apertaram aquele minúsculo corpo um pouco mais forte.
Eu precisava sentir que ela estava ali, junto a mim, viva e saudável como
havia deixado no apartamento.
Lisandra mantinha o olhar atento sob nós. Observei o ar sair de seus
pulmões, em alívio. As lágrimas caíam pelo rosto cansado, que ganhara um
pouco de vida assim que me viu.

- Após um tiroteio em um restaurante familiar em Nova York, suspeita-


se do envolvimento do senador Bruce Rice e seu assessor com bandidos.
Olhei para a TV e me deparei com um desses programas de auditórios.
A tela estava dividida em duas. De um lado, uma jornalista falava de uma rua
em frente a um restaurante. Do outro, quatro pessoas conversavam sobre a
notícia em um semicírculo formado por poltronas brancas.
- Eu acredito que tenha sido obra da máfia. Silenciador? Tiro em lugar
com movimento de pedestres? Apenas pessoas destemidas como eles fazem
isso. A maioria pode não acreditar, mas ela existe, Natalie. E muitos
políticos, empresários e tantas outras pessoas influentes estão envolvidas
com eles. É um mundo bem macabro. Parece coisa de filme, mas não é.
- Que baboseira Jonny. A máfia não existe.

Lisandra desligou a televisão quando eu compreendi quem era o pai de


Lis e o que muito provavelmente tinha acontecido naquela noite.
— O FBI consegue que as notícias corram de acordo com a sua
vontade. — Deixei claro para Lisandra que já sabia das coisas.
— Você demorou, tio James.
Meus olhos voltaram-se para a menininha em meus braços.
— Desculpe pequena. Eu estava trabalhando.
Andei com ela até a mãe e depositei-a no colchão. Elizabeth engatinhou
até se aninhar no colo da mãe.
— O policial me levou até a mamãe. Ela estava na rua. Só que estava
caída no chão…
— Foi só um machucadinho, filha. — Lisa beijou a testa da pequena.
Meus olhos se encheram de lágrimas e mandei para o inferno toda a
precaução. Sentei-me ao lado de Lisandra e puxei-a até meus braços. Chorei
enquanto acariciava seus cabelos e beijava-lhe a testa, rosto, pescoço. Todo e
qualquer lugar que conseguisse encostar.
Ela resmungou um pouco e me afastei.
— Desculpa, eu…
— Bati a cabeça. – Ela colocou a mão na faixa e fez uma careta – Léo
caiu em cima de mim e a pancada foi um pouco mais forte do que o normal.
Só isso.
– Eu vou matar aquele imbecil – rosnei as palavras.
Lisandra balançou a cabeça em negação, os lábios em linhas finas.
– Ele levou um tiro para me salvar, James. Nem se atreva a chegar
perto dele.
Fechei meus olhos e quis chorar novamente. Eu não estava lá para
salvá-la, para mantê-la em segurança. Outro estava fazendo isso e eu teria que
agradecê-lo por ser rápido o suficiente. Tanto que ela estava bem. Inclusive
para fazer piadas e me ameaçar, colocar-me em meu devido lugar. Minha
Lisandra estava viva e bem.
– Pode ser que eu tenha ciúmes. – Brinquei para aliviar o clima.
Ela revirou os olhos e puxou meu pescoço para perto de si, beijando-me
no rosto de leve. Elizabeth estava ali no quarto com nós dois e por isso não
podíamos fazer nada demais.
– Jamais te trocaria, querido. – Os lábios roçaram meu rosto e ri com as
cócegas. – É você para sempre.
– Precisamos conversar, linda. – Afastei-me dela assim que a realidade
daquelas palavras me atingiram.
Eu não estava ao lado dela e nem ficaria nos próximos dias, semanas ou
até mesmo meses. Acabaram as garantias de que as coisas seriam fáceis para
nós.
Respirando fundo eu pedi que ela relatasse os acontecimentos daquela
noite, certo de que o FBI mudaria os planos assim que eu contasse tudo o que
acontecera.
Meu mundo começou a desabar quando eu me dei conta de que não
poderia vê-la mais. O lugar mais seguro para Lisa e Lis era bem longe de
mim.
PEGUEI A ÚLTIMA MUDA DE ROUPA DO ARMÁRIO. Tudo
estava devidamente organizado. Não havia completado nem doze horas desde
que eu recebera alta do hospital e já era obrigada a fazer as malas mais uma
vez.
Segundo James, estávamos em perigo e precisávamos fugir o mais
rápido possível.
Léo estava estável e receberia alta em poucos dias, mas nós não o
esperaríamos. Haviam tido uma reunião sobre quais medidas tomariam após
o ataque.
Quando perguntei ao meu agente do FBI o conteúdo da reunião, ele me
dissera que eu não precisava me preocupar. Léo agiu da melhor forma que
poderia e pediu ajuda assim que se deu conta da situação. Havia sido a
rapidez dos passos dele que fizeram com que Richard mandasse outros
agentes para nos socorrer e impedir o sequestro.
Lis ficou um pouco amuada. Foram policiais que ela nunca viu na vida
que a tiraram do restaurante, com a informação de que me veria. Quando
chegaram perto do carro, ela entrou em pânico e correu deles. Por azar, ela
chegou até o beco onde estávamos.
Essa informação deixou-me inquieta. Naquele momento eu não sabia se
seria bom ensiná-la que não deveria ir com estranhos em nenhuma hipótese.
Nem vestido de tio James, como ela comentara momentos depois ao reparar
na camiseta do FBI.
Para piorar a situação, assim que ela saiu do restaurante, viu o assessor
de Bruce e o sequestrador serem presos enquanto eu e Léo estávamos caídos
no chão. Imagine como ficou a cabecinha dela?
Minha pequena Elizabeth precisará de muito amor, carinho e, com toda
certeza, tratamento para superar essa fase difícil de nossas vidas.
Fechei minha mala e a coloquei em pé, ao lado da de Lis. Olhei para os
dois objetos a minha frente e suspirei. Aquilo era tudo o que restava de
nossas vidas. Tudo o que tínhamos estava ali.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Seria pedir muito que isso tivesse
um fim?
Escutei o barulho da porta e virei-me para ver quem era. James fechou-
a atrás de si e encostou-se nela. Os ombros caídos, o rosto cansado, os lábios
curvados para baixo.
– Ela dormiu?
– Sim. Deixei-a na minha cama. Vou trazê-la assim que você terminar
aqui. Acredito que dormirá a noite toda. – Um sorriso surgiu em seus lábios.
– Ela estava bem cansada – ele disse sem olhar para o meu rosto.
– Será bom tê-la mais tranquila para a viagem amanhã. Para onde
vamos? – Sentei-me na cama.
James encarou-me desanimado. Os olhos angustiados me deixaram
alerta. Ele respirou fundo antes de abrir a boca.
– Linda, sobre isso…
Meu corpo gelou. Algo estava muito errado.
– Para onde vamos, James? – Aumentei o volume da minha voz.
– Eu não sei. Ninguém saberá, apenas o pessoal da U.S. Marshal.
Fechei os olhos e joguei a cabeça para trás. Ok! Se era esse o problema
eu saberia sobreviver a ele.
– Vocês terão um novo nome, dinheiro para se sustentar. Lis será
matriculada em uma creche e você um emprego. Partirão amanhã logo cedo.
Vocês, Lis terá, eu terei, partirão. Aquelas palavras foram as que me
chamaram mais a atenção. Voltei meu rosto para ele com muita tranquilidade,
acreditando piamente que eu estava escutando errado ou então que a batida
em minha cabeça não me permitia concluir as coisas corretamente.
– Vocês partirão?
James levou a língua para fora e molhou os lábios antes de fechá-los
em uma linha fina. Ele acenou com a cabeça, incapaz de deixar as palavras
escaparem.
– Onde você está nessa história?
– Eu ficarei aqui.
– Não! – Do que ele estava falando?! Levantei-me de uma vez.
– Linda…
Andei de um lado para o outro. Não, não, não. Isso não podia ser real,
não poderia acontecer. Eu sabia que tínhamos uma possibilidade disso, que
as coisas poderiam convergir em algum momento, mas tão cedo? Depois de
terem tentado nos sequestrar? Do outro agente que cuidava de nós estar no
hospital, impossibilitado de nos acompanhar?
O que eu estava pensando? O problema era outro. Independentemente
da situação, eu sabia que doeria demais deixá-lo.
– Quando você irá nos encontrar? – Parei de andar para encará-lo.
Tudo bem. Ficaríamos separados um tempo e não para sempre. Eu
sobrevivi a tantas coisas, passaria por aquela também.
Fiquei em silêncio esperando pela resposta e quando ela demorou mais
do que o esperado, compreendi como as coisas seriam.
– Eu… — Ele respirou fundo e então prendeu seus olhos nos meus –
Isso não vai acontecer amor.
– Não vai acontecer? – Minha voz saiu esganiçada – Não vai
acontecer?! James…
Eu ficaria sozinha. A dor que me atingiu foi física. Depois de tudo, do
caos, do sofrimento, nada restaria entre nós. Eu abri meu coração, permiti me
apaixonar, entreguei-me a ele, sonhei com o dia em que as coisas se
resolveriam e estaríamos juntos… Tudo em vão.
– Você sabia que isso aconteceria cedo ou tarde. Sabíamos que…
– Não agora. – Bati meu pé no chão. Minhas mãos foram até o rosto e
esfreguei, querendo que tudo fosse um pesadelo – Não quando Léo está no
hospital, quando acabei de bater a cabeça, quando… — Repeti todas as
razões que me vinham a mente.
Em passadas longas James chegou até mim e envolveu-me em seus
braços. Abracei-o forte e comecei a chorar. Minhas mãos envolviam sua
camiseta, enrolando os dedos no tecido. Meu corpo tremia contra o seu. Eu
estava no meu limite.
– Shiii, tudo vai ficar bem.
– Não vai. Se você estiver longe, acabaram-se as possibilidades disso
acontecer.
Senti as mãos quentes envolverem as maças do meu rosto. Com um
pouco de esforço ele me tirou de seu peito e levantou-me o rosto. Vi que
também estava desesperado, sua dor, o seu amor… Tudo misturado, prestes a
desmoronar.
– Eu queria poder ir com vocês. Eu juro, por tudo que eu mais amo
nessa vida que eu gostaria disso…
– E por que não pode?
– Em primeiro lugar, ninguém pode saber onde vocês estão. Em
segundo, eu preciso continuar a minha missão.
– Deixa isso pra lá. Foge comigo. Me leva pra qualquer lugar desse
mundo – implorei. Segurei o rosto dele com a mesma devoção que
fazia comigo.
– Amor, eu não posso. Ela já me encontrou.
– Quem?
Vi o pomo de adão dele subindo e descendo. Rezei para não escutar o
que temia, mas infelizmente nada estava a meu favor.
– Kimberly. Ou Hope, como é o nome de batismo dela.
Eu gelei. Afastei-me dele. Meu corpo tremia.
Eu iria embora e o deixaria para trás com ela? A imagem da faca
passando no pescoço daquele homem voltou a me assombrar. Ela era uma
assassina!
Neguei com a cabeça, sem voz.
– Amor, não temos outra opção. – Ele utilizou um tom de voz um
pouco mais firme.
– Não!
– Lisa.
– Sem chance, James! – Tampei minha boca assim que me dei conta do
estardalhaço que estava fazendo. Não queria acordar Lis. – Eu já perdi minha
casa, meu salão, meus amigos, minha paz. Eu não posso e nem vou deixar o
homem que eu amo para trás.
Os braços que até então estavam levantados em uma tentativa de me
alcançar foram jogados para baixo. Um pequeno repuxar de lábios tentava
formar um sorriso, mas a tristeza em seu semblante era tão intensa que
impediu que tal coisa acontecesse.
Sua reação, a seja lá o que eu dissera, desanimou-me ainda mais. Ele
estava devastado, mas acima de qualquer outra coisa, determinado.
– Eu também te amo, linda. Você e Lis. Queria poder pegar vocês duas
e simplesmente fugir. Gostaria de inventar um novo nome para nós, fazer as
malas e formarmos nossa família bem longe de tudo isso.
– Então vamos. Por favor, amor.
– Como? Fugindo da máfia e do FBI? Deixando meu trabalho com a
agência mais inteligente e organizada para achar um indivíduo nesse mundo
para trás? De que forma eu poderia inventar um nome e partir com vocês?
Não estamos em um filme, Lisandra. As coisas são fáceis na vida real.
– Eu só quero que tudo isso acabe.
James puxou-me pelo braço e envolveu-me em seu abraço.
– Eu sei. Acredite, eu também. Gostaria de poder te levar para longe de
tudo isso, mas eu não posso. Estou morrendo por dentro por saber que não
estarei com vocês. Só Deus sabe quando conseguirei dormir, porque não terá
uma única noite na qual meus pensamentos estarão longe de vocês. Se estarão
bem e seguras. Meu Deus, Lisandra, isso está me matando.
— Isso é um adeus, James? Estamos falando de um para sempre? —
Engoli em seco, torcendo para que ele risse de meus pensamentos.
O silêncio só terminou de partir meu coração. A maldita dor que me
atingiu era física. Minhas pernas enfraqueceram e segurei-me mais a ele para
me manter em pé. Eu sabia que seria incapaz de passar por toda aquela
provação sem marcas e dores, que ficariam cicatrizes, mas eu tinha esperança
de que superaria tudo, desde que estivesse com ele. Mas e agora?
Eu amava James e dei meu coração a ele. As pessoas se separavam
porque não davam certo, por traição, falta de amor, incompatibilidade sexual
ou tantas outras coisas. Ninguém deveria se separar por amar demais, para
garantir a segurança do outro, por ter terceiros controlando suas vidas.
Quando a dor tornou-se insuportável e passei a perder minha sanidade
— depois de tanto tempo, depois de todo aquele caos — senti os lábios dele
sobre os meus, o corpo se colocando para juntar ao meu, a boca buscando
meu sabor.
Aqueles braços, aquele corpo, aquele carinho. James era minha casa,
minha paz. Meu mundo era a vida que eu gostaria de formar com ele e Lis. E
pela segunda vez naquele ano, eu via tudo desmoronar diante de mim.
– Eu não posso ficar sem você, James – meus lábios sussurravam
palavras de desespero em seu ouvido, rosto e corpo.
O que eu faria para me manter inteira?
Quando James depositou-me na cama e me olhou com amor e devoção,
eu sabia que aquilo era uma despedida. Meu coração se partiu.
OS CABELOS ESTAVAM ESPARRAMADOS NO COLCHÃO.
Braços acima da cabeça, olhos cheios de lágrimas, dentes a morder os lábios,
tentando segurar a dor. Lisandra estava se controlando para não cair em um
choro convulsivo…
Minha garota estava a minha frente, implorando-me para ficar, não
deixá-la e nem abrir mão do que tínhamos. Eu deveria ser forte. Deixá-la
sarar suas feridas, irritá-la, fazê-la me odiar. Qualquer coisa para tornar
aquele momento um pouco mais suportável e aceitável… Mas como poderia?
Também não tinha forças para fechar a porta e deixar de sentir, pela
última vez, o sabor de Lisandra Hall. Seria um adeus definitivo? Meu coração
sangrou apenas com a possibilidade.
Puxei a blusa pelo pescoço, deixando meu peito nu. Desci de encontro
ao macio de minha menina. As testas se encontraram e observei cada detalhe
do rosto perfeito. Os olhos verdes que se assemelhavam a cor de colinas
fecharam-se, deixando-me perdido.
– Não diz… – ela sussurrou.
– O quê?
Deslizei minha mão por sua bochecha. Uma lágrima escorregou pelo
rosto dela e a limpei antes que caísse no lençol branco.
– Adeus. – A voz dela embargou e tive que engolir em seco – Que não
me verá mais.
Beijei-a para acabar com aquele sofrimento. Para tirar de sua cabeça,
por algumas horas que fosse, o que invariavelmente aconteceria conosco.
Resvalei meus dedos por sua pele, redescobrindo e me despedindo… Meus
lábios sentiram o gosto de Lisandra. O sabor do amor, a textura do carinho.
Deixei que o tato decorasse a obra-prima que ela era. Redescobrissem o
caminho de suas coxas até o sexo. Afundei-os no calor dela e senti o gosto
com meus lábios.
Deixei que ela alcançasse o prazer e se desfizesse em mil pedaços.
Adorei-a como uma deusa merece ser venerada, amada e cuidada.
Segurei firme em suas mãos e as prendi acima da cabeça. Meus lábios
procuraram pelo seio intumescido e suguei os peitos empinados que
imploravam por atenção. Lisandra se contorcia embaixo de mim. Querendo
agir, mover-se, ser protagonista daquele momento.
Quando ela entregou-se ao prazer novamente, soltei-lhe os braços e em
um único e rápido movimento, fui jogado na cama. As pernas torneadas
circularam minha cintura, encostando nossos sexos. Sua boca procurava fazer
o mesmo que fiz com ela: memorizar-me.
Lentamente ela me provocou. Escorregou as digitais por todos os
lugares livres e passiveis de carinho. Os cabelos revoltos foram segurados por
minhas mãos em um rabo de cavalo quando ela aproveitava para sentir-me o
gosto.
Quando eu já não podia mais me conter, segurei o rosto delicado e o
trouxe para mim. Em segundos ela estava montada sobre meus quadris. A
mão procurou a minha e entrelaçou nossos dedos enquanto cavalgava-me
com movimentos delicados, mas intensos.
Suando, entregamo-nos ao amor e pude esquecer por alguns minutos o
fim que nos aguardava no dia seguinte.
– Amo você.
O peito de Lisandra estava de encontro ao meu. Suada e ofegante, ela
deitou-se e assim a deixei. Meus dedos faziam um carinho preguiçoso em
suas costas. Eu ainda estava dentro dela. Mole e sem proteção. Tínhamos que
ter pensado nisso, mas foi tudo tão intenso.
– Amo você – ela repetiu minhas palavras.
Quando o corpo dela relaxou sobre o meu e os lábios deixaram
pequenos barulhinhos saírem, depositei-a na cama. Levantei-me e me limpei
antes de retornar com uma toalhinha molhada e fazer o mesmo com ela. Lisa
resmungou e deixou um sorriso divertido escapar em meio ao sono.
Logo meus lábios também a imitaram. Deitei-me ao seu lado. Minhas
mãos fazendo cafuné em seus cabelos. Passei os próximos minutos olhando
para aquela que sempre seria a minha garota. Desejando e orando por um
milagre. Uma situação, qualquer que fosse, que nos tirasse daquele destino.
Gostaria que alguém, qualquer outro agente fosse capaz de fazer o que
eu estava fazendo. Que Hope fosse facilmente manipulável. Mas não era essa
a nossa realidade.
Naquele momento eu sabia que precisava agir e rápido. Se a senhorita
Romano não tivesse aparecido naquela noite, muito provavelmente eu
largaria tudo e ficaria com minhas meninas. Era muito irônico. Torci tanto
para que ela viesse até mim e agora desejava que isso não tivesse acontecido.
Fechei meus olhos e deixei o sono me levar.
Acordei com dedos delicados deslizando por minha barba. Escutei o
suspiro de Lisandra, mas me recusei a abrir os olhos. Assim que o fizesse,
sabia que não teria como fugir da verdade, dos próximos acontecimentos.
Aproveitei aquele momento, sabendo que ele seria o último.
As batidas do meu coração estavam irregulares e velozes.
– Lis está para acordar. – A voz rouca dela me fez deixar de ser um
grande medroso.
Meus olhos se abriram lentamente e me deparei com o olhar cansado e
triste.
– Gostaria que fosse diferente. – Minhas digitais deslizaram por seu
rosto e vi os olhos ganharem um pouco de vida. – Queria te pedir para me
esperar e prometer que te buscaria, mas…
– Você não pode fazer essa promessa. — As palavras saíram calmas,
quase como se ela não tivesse mais forças para lutar.
Ah, como eu queria garantir nosso reencontro. Mas a que preço? O que
estaria tirando dela? A possibilidade de um recomeço. Isso seria egoísta
demais, depois de tudo o que elas passaram, oferecer algo que não estava em
minhas mãos.
– Não. – Mordi o lábio, controlando meu desespero.
– Eu amo você. – Lisandra Hall disse as palavras antes de me puxar em
sua direção. — Mesmo longe, continuarei fazendo.
Eu era um completo idiota por ficar feliz ao perceber que ela me amava
tanto? Tinha que ser diferente, ela precisava me superar. Eu precisava que ela
acreditasse que nosso amor era passageiro. Mas como enganá-la quando não
podia fazer isso comigo?
Envolvi seu precioso rosto em minhas mãos e a puxei para um beijo
lento. Quando nos afastamos, fiz com que me encarasse e tivesse certeza da
verdade que saía pelos meus lábios.
— Amo você. Mesmo estando longe, eu sempre — frisei a última
palavra para que ela entendesse. — Amarei você.
Perdi-me no corpo da minha garota na meia hora seguinte. Tentei
esquecer o que aconteceria, quis aproveitar cada momento e aproveitei para
assim me despedir. Marcando-a em meu coração e marcando-me em sua
alma.
Tomamos um banho juntos e nos arrumamos o mais rápido possível.
Lis acordou logo em seguida. Agitada e feliz como eu nunca a vi.
Alheia aos acontecimentos, minha menininha nem se deu conta de que
nós não estávamos no mesmo clima que ela.
Aproveitei a manhã ao seu lado, brinquei, pulei, ri e a fiz gargalhar. Em
algum momento do nosso dia, puxei-a para um abraço e chorei. Triste porque
não a veria crescer, nem aproveitaria os próximos dias ao seu lado, ou estaria
com ela e a mãe nesse recomeço.
A pobre coitada não entendeu nada, mas limpou minhas lágrimas do
mesmo jeito.
– Amo você, pequena Lis.
– Também amo você, tio James. – Ela sorriu e beijou meu rosto,
puxando-me a barba com as mãozinhas pequenas.
– Sabe, você se tornará uma garotinha linda. Esperta, grande e especial.
– Muito gande. – Ela balançou a cabeça, animada.
Quando a campainha soou, quis pegá-las e fugir. Sair dali, pegar um
avião e ir com as duas para bem longe. Fechei meus olhos e me lembrei de
todos os momentos.
Eu faria de tudo para garantir a segurança das duas. Então, respirando
fundo fui abrir a porta. Richard veio acompanhado de mais dois agentes da
U.S. Marshal. Depois das apresentações, que eu não me importei em prestar
atenção, Lisandra trouxe as malas para a sala com Lis atrás dela.
Virei-me para os agentes que estavam na porta à espera das despedidas
e pedi licença.
– Precisamos ser rápidos. – Richard me lembrou e acenei.
– Só uma despedida…
Assim que a porta fechou, Lis veio até bem perto de mim.
– Vamos viajar, tio James?
– Você e a mamãe vão para uma casa nova.
– O tio não? – Ela deixou a cabeça cair para um lado, fazendo uma
carinha engraçada.
Abaixei-me e a chamei até meus braços. Elizabeth veio entre minhas
pernas e segurou meu rosto com as mãos pequeninas.
– Tio James vai ficar aqui nesse apartamento. Vou cuidar para que
ninguém faça mal a você ou a mamãe.
– E depois você vai até a gente? Vai me visitar lá com a mamãe?
A pergunta foi só um sussurro. Olhei por sobre o ombro dela e
encontrei os olhos aflitos e melancólicos de Lisa. Respirei fundo antes de
olhar para Lis.
– Vai demorar, pequena. Talvez só quando você já estiver bem grande.
Elizabeth olhou para a mãe e voltou o rostinho fofo para mim. Um
sorriso sapeca em seus lábios.
– Então eu vou comer muito todo dia. Pa quesse mais rápido.
Deixei uma gargalhada escapar.
Queria que as coisas fossem fáceis assim. Gostaria que a vida ganhasse
a simplicidade do olhar inocente de uma criança. Beijei aquela garotinha à
minha frente.
— Lis, acho que sua boneca ficou no quarto. Vai lá buscar?
Levantei-me e assim que Lis sumiu pelo corredor, puxei Lisandra para
meus braços, beijando seus lábios. Deixei minha língua deslizar dentro de sua
boca.
Encostei minha testa na de Lisa e limpei a lágrima que deslizou em sua
bochecha.
– Não posso te prometer que nos veremos novamente. Pode ser que
depois de tudo o FBI te mantenha lá por precaução, mas eu prometo, eu juro
Lisandra, com a minha vida, que passarei os próximos meses lutando pela sua
liberdade, para que você tenha a sua vida de volta.
– Eu quero que você volte para mim. Promete isso? – sua voz
embargou.
Desci uma das minhas mãos em direção a dela e entrelacei nossos
dedos.
– Promete que não vai morrer? Que vai se cuidar e que quando isso
acabar você vai voltar para mim?
– Não quero que pare sua vida, Lisa. Não sei quanto tempo as coisas
vão durar por aqui. Estou fazendo isso para que seja livre. Você tem direito
de ser feliz e isso não precisa esperar. – Engoli em seco.
– Isso é decisão minha. Só promete.
– Prometo que vou tomar todo o cuidado do mundo e que quando as
coisas se resolverem, vou correr até vocês.
Seus lábios encostaram nos meus.
– Amo você.
– Amo você.
Soltei Lisandra quando Lis já estava de volta. Ela se agarrou em minhas
pernas e deixei meus dedos acariciarem os cabelos ralos.
Respirando fundo abri a porta. Os três agentes estavam na porta
esperando. Vi Lisandra sair com as malas e Lis abraçada em suas pernas, da
mesma forma que aconteceu meses atrás. Esperei que todos entrassem no
elevador. Assim que ele se fechou, meu coração se partiu.
TERMINEI DE ORGANIZAR AS MINHAS COISAS NA MALA
EM silêncio. Andei por aquele quarto, o lugar onde dividi momentos
importantes com a minha garota. Correndo os olhos pela cama, lembrei-me
de nossa primeira noite. A declaração de amor que saiu de meus lábios de
maneira tão inocente e imprevisível…
Antes daquele momento eu não tinha me dado conta de como as duas
enraizaram-se em mim. Do amor que eu já sentia e como havia perdido os
limites entre o pessoal e o profissional há muito tempo. Eu precisava e queria
resolver aquela merda toda por elas, o mais rápido possível.
Fechei a porta do quarto em que dividimos o prazer pela primeira vez.
Foram tão poucas chances que tivemos de estar juntos… Se eu soubesse que
elas seriam tiradas dos meus braços tão precocemente, eu teria aproveitado
mais os meus dias com Lisandra.
Caminhei até o quarto das duas. Os rastros de Lis ainda estavam ali.
Paredes pintadas com giz de cera, folhas brancas espalhadas, massinha
grudada em vários espaços do chão. O lugar deixava claro a correria com que
elas foram embora.
Nem tive tempo de me despedir, aproveitar os últimos dias ao lado
delas. Levei a mão ao peito e esfreguei, numa inútil tentativa de diminuir a
dor dilacerante que me consumia.
Não sabia quanto tempo demoraria para Hope me procurar de novo, ou
o que precisaria fazer para convencê-la a contar-me seus segredos. Pela
primeira vez, estava perdido. Eu só queria que o tempo corresse e pudesse
pular esse período sem elas.
Terminei de caminhar pelo apartamento, na tentativa de guardar na
lembrança os momentos vividos ali. Ter uma última memória de como foram
os dias com elas ao meu lado.
Talvez deixar o apartamento fosse a pior parte. O FBI pediu que
liberasse o local rapidamente para ser utilizado em outras missões. Em troca,
eu ficaria hospedado em um dos apartamentos do prédio de apoio. Fazia mais
sentido, já que era lá que eu estacionava para deixar o maldito carro de
mafioso. Assim ganharia um tempo precioso para o meu descanso.
Assim que escutei a ordem, quis me rebelar. Aquele lugar era tudo o
que me restava delas. Aquele espaço, o que dividimos ali, os rabiscos, os
brinquedos, os esmaltes para pintar tanto as unhas de Lisandra quanto as das
bonecas.
Engolindo em seco, concordei com Richard. Agora estava ali dando
adeus ao lugar que foi como meu lar por um tempo.
Respirei fundo, decidido a continuar essa loucura. Pronto para sair,
busquei entre as chaves em cima do aparador as que eu levaria. Pegaria a do
meu novo apartamento e a do carro que usava como agente. Ali havia
também um pequeno envelope com meu nome que não tinha reparado antes.
Abri e achei um pequeno presente.
O colar de Lisandra.
Deslizei meu dedo pela medalha prateada de Santa Mônica. O colar de
proteção dela. Aquele que lhe dava forças toda vez que as coisas se
apertavam ou o medo gritava alto.
Eu não precisava de palavras de amor, declarações ou promessas de
espera. Ali, eu tinha uma das poucas coisas preciosas para minha Lisa. Era o
suficiente para me impulsionar a continuar. A dar meus próximos passos.
Fechei os olhos e pensei nelas. As duas mereciam o meu melhor. Com
isso em mente, abri-os e dei uma última olhada no apartamento e saí.
Assim que cheguei ao corredor deparei-me com Richard. Tranquei o
apartamento sem dar um segundo olhar. Com muito cuidado, pendurei a
medalha em meu pescoço e puxei a alça da mala.
– Difícil, eu sei.
– Não senhor. Você não compreenderia o tamanho da minha dor. –
Cada passo dado em direção ao elevador era uma punhalada no coração.
– Você sabe que quando Hope Romano estiver nas mãos do FBI, o
Bureau ficará te devendo muito. – Richard levou a mão até a barba e alisou
os pelos.
– Estarei presente na cerimônia de entrega de qualquer medalha que
vocês queiram me dar. – Apertei o botão do elevador, controlando-me para
não olhar para trás.
– É mais que isso, James. – Os olhos do velho senhor estavam firmes. –
Posso pedir para os superiores algo mais em agradecimento. Você pode
escolher um novo lugar para viver, decidir se quer burocracia, missões ou
aposentadoria.
Deixei escapar um riso irônico. Tudo o que eu mais queria antigamente.
Entrei no elevador e encostei-me no metal frio. Não dignei-me a responder
meu superior. O que me serviria escolher o futuro se quem eu desejava que o
dividisse comigo estava tão longe? Para que uma medalha ou favores do
Bureau se nada disso importava?
– James, estou dizendo que poderá fazer o que quiser, no lugar que
desejar e será protegido… Assim como sua família.
Levantei meu rosto, apenas porque as palavras dele tinham um toque de
segredo, como se eu tivesse que entendê-las nas entrelinhas. O brilho nos
olhos do antigo agente do FBI mostrou que ele sabia mais do que deixou
transparecer todos esses dias.
– Você…
– Não foi difícil perceber. – Ele balançou uma das mãos no ar, sem se
importar com o fato de ter confessado algo tão grandioso. – O que eu preciso
é que continue com a missão, James. Preciso que se concentre nessa
assassina. Quando as coisas se resolverem, eu te entregarei a localização
delas.
– E se não liberarem elas da proteção? Não é só Hope que está
procurando-as.
– A localização será sua. – Uma promessa. Richard deu-me sua palavra
de que saberia onde encontrá-las.
Senti o coração acelerar. Uma luz no fim do túnel me enchia de
esperança. Fazendo o trabalho bem feito, teria a chance de vê-las novamente!
Não pude conter o sorriso ao pensar que as encontraria bem mais cedo do que
o imaginado. Se o rosto do homem a minha frente não estivesse tão sério, eu
seria capaz de beijá-lo em agradecimento. Enchi-me de ânimo para os
próximos passos.
O elevador apitou ao chegar na garagem. Levantei meu rosto e dei um
leve aceno de cabeça para meu gerenciador antes de deixar que os passos me
levassem ao carro.
Stuart Harris, temos uma missão a cumprir.

Ela estava sedutora. O short jeans curto mostrando as longas pernas, o


decote da blusa preta deixando os seios quase todo à mostra. Os cabelos
foram cortados depois da última vez que a vi no escritório da Brix. A garota
era um maldito camaleão.
Hope continuava uma menina, mas o olhar transmitia uma malícia que
não deveria estar estampada em alguém tão novo.
Duas longas semanas depois que Lisa fez suas malas e foi embora a
mulher a minha frente entrou em contato comigo. Uma simples mensagem de
texto marcando um encontro em certo apartamento.
Não saberia dizer se era o local onde ela vivia, mas já era mais do que
imaginava saber tão cedo. Estava em um ambiente fechado e sozinho com
ela. E tudo o que eu precisava era ganhar sua amizade de volta.
Ela continuava a insistir em paquerar-me, mas tentava manter o
máximo de distância como fazia antigamente. Mudar minha forma de vê-la
ou agir deixaria na cara que tenho algum interesse em me reaproximar. Tinha
que ganhar a confiança dela.
O apartamento ficava perto do salão de beleza de Lisa. Estava todo
mobiliado e decorado. Havia fotos de Hope com a família, amigos e comigo
espalhadas pelo espaço. Os longos sofás brancos eram luxuosos, assim como
a cozinha e o resto do que consegui ver do local.
Seja lá como ela conseguiu sair das garras do pai, o fez com muito
dinheiro no bolso. Aquela garota não passava necessidades.
Sentei-me ao lado dela no sofá. Antes de decidir qual tática usar eu
precisava analisá-la para não me meter em confusão ou deixar que percebesse
minhas reais intenções. Lidar com Hope seria um jogo difícil. Dessa vez
sobrou pouco do amigo que um dia fui. Restava apenas o homem apaixonado
que tinha a missão de prender a mulher que ameaçava sua amada.
Olhei para ela mais uma vez. O que aconteceu com você, menina?
– Conte-me mais sobre essa suposta morte.
– Você sumiu. – Ela deu de ombros – Fiquei doente por um tempo.
Triste, desanimada. Papai aproveitou para reforçar a teoria machista e ridícula
de que mulheres não servem para a máfia. Cansei.
– E como fez para enganá-lo? – Levantei minha sobrancelha.
Hope deixou um risinho escapar e levou um dedo para os cabelos,
enrolando uma mecha.
– Conquistei o segurança. – O riso transformou-se em uma gargalhada
– Foi fácil fazê-lo mentir por mim.
– Um segurança mentiu para a máfia em seu nome? – Minha voz saiu
aguda fazendo Hope gargalhar.
– Ai, Stu… Já te falei que o amor engana as pessoas. – Ela bateu-me no
braço antes de encostar o rosto em meus ombros.
– Menina, você desdenha demais do amor.
– Nasci na máfia, Stuart. O amor é uma fraqueza para nós.
Não era possível ver o rosto da garota na posição em que estava, mas
foi fácil perceber a tristeza em sua voz. No final era isso que ela era. Uma
menina sem amor e muito carente. Hope precisava de cuidados.
Levei minha mão para os curtos cabelos e massageei seu couro
cabeludo. Ela era doce, sensual e ficava difícil lembrar-me que, acima de
tudo, eu estava ao lado de uma assassina. Uma mulher que matou, no
mínimo, duas pessoas: um chefe da máfia e um segurança inocente. Ao
menos era isso que as provas nos mostravam.
Ela provavelmente ainda estava à procura de Lisandra e Elizabeth. Eu
não podia deixar que a cobra me enrolasse e jogasse seus encantos fingindo
ser apenas uma pobre garota.
– Vamos!
Ela saiu de meu ombro e jogou-se no sofá com a mão esticada,
empinando a bunda em minha direção. Com um pouco de esforço, pegou o
controle remoto que estava no final do sofá e o jogou em meu colo.
– Vamos assistir a um filme que ganhamos mais. Estamos aqui para
matar saudades e não falarmos de trabalho.
– Mas não estamos nos divertindo? – Puxei-a até que deitasse a cabeça
em meu colo.
– Shiii, calado. Vamos ver o filme.
– Hope! – Puxei uma mecha de seu cabelo.
– Aí! – Ela soltou um risinho agudo e bateu na minha mão – Nada de
trabalho agora, Stu. Teremos muito tempo depois…
Sorri para ela e liguei a televisão. Assim que o rosto de Hope voltou-se
para a tela, parei de fingir deixando que o sorriso morresse em meus lábios...
É, pelo jeito as coisas seriam mais lentas do que eu imaginava.
QUATRO MESES DEPOIS

– Mary! Mary! Estou te chamando. – Senti uma mão segurar meu


cotovelo e virei-me com a mão no coração – Desculpe! Não queria te
assustar.
– Desculpe Brian, estava distraída. Não te escutei.
Ele sorriu para mim e tentei fazer o mesmo.
Quatro meses se passaram e ainda não me acostumei com o novo nome,
a nova vida ou os amigos.
As pessoas acreditavam que eu era desligada. Chamavam-me e
dificilmente recebiam alguma resposta. Por mais que o tempo passasse eu
ansiava por ser chamada de Lisandra novamente. Sentia saudades da doce
voz de James sussurrando meu nome real.
Queria minha vida de volta. Odiava pensar que não tinha expectativa de
que isso acontecesse. Estava todo esse tempo sem notícias de James, do FBI
ou dos U. S. Marshalls. A única informação que eu tinha do passado resumia-
se ao que via nos jornais sobre Bruce, seu assessor e o escândalo no qual
envolveram-se.
No mais, era como se minha vida fosse a de Mary Barnes. Uma
atendente de supermercado que perdeu o marido antes que a filha, Lis
Barnes, nascesse. Após a morte dos pais no ano passado, procurou uma nova
cidade onde recomeçar com a filha e encontrou a pequena Bell Buckle, em
Tennessee.
Elizabeth adaptou-se rápido a nossa nova vida. Meus cabelos voltaram
ao tom natural, assim como os de Lis. Em pouco tempo ela cometeu o erro de
dizer que seu nome era Elizabeth Hall aos amigos. Mas isso foi apenas uma
vez. Nada que os adultos prestassem muita atenção devido à pouca idade
dela.
O aniversário de minha pequena foi realizado já nessa nova realidade.
Um dos dias mais difíceis para mim desde que chegamos aqui. Elizabeth
perguntou por James o tempo todo. No final do dia, quando dormiu, chorei
toda a angústia e o medo pelo homem que tomava conta de meu coração.
Acima de toda a saudade que eu sentia, o medo também me paralisava
muitas vezes. Onde ele estava, com quem? Corria perigo, a missão acabou?
Quando todo o medo por sua vida sumia, meu coração se apertava com a
possibilidade dele ter me esquecido. Estaria com outra mulher? Ainda
pretendia vir me buscar?
Nessas horas eu parava e respirava, disposta a mandar embora essas
dúvidas e medos. Tinha de confiar nas palavras dele. Sabia que faria o
possível para nos encontrar, na hora certa.
– Tudo bem. Eu entendo. – O sorriso não sumiu do rosto do moreno à
minha frente – Estava pensando em chamar Lis para ir lá em casa, o que
acha? Sarah está tão empolgada com a ideia.
– Brian… – Respirei fundo antes de negar. Não me sentia bem
deixando Lis sozinha.
– Você pode ir também. O que acha? Enquanto as crianças brincam
podemos beber um vinho, conversar.
O pai de Sarah apontou para as duas garotinhas brincando no parquinho
de areia da escolinha.
Eu gostaria de dizer não. Ainda sentia tanto receio das pessoas ao meu
redor. Não sabia em quem confiar, se eram boas pessoas ou se a qualquer
momento eu poderia ser sequestrada por alguém. Era impossível ter uma
reação diferente. O problema era que Lis merecia ter uma vida normal de
novo e eu precisava me esforçar para dar isso a ela.
– Obrigada Brian. Seria interessante. – Sorri para o homem antes de
balançar minha mão no ar, chamando minha filha.
Assim que Lis me viu, correu até mim. Estava toda suada, com os
cabelos revoltos e a roupa da creche suja e fora do lugar. Apesar do caos que
parecia, tinha um sorriso no rosto.
– Mamãe, mamãe!
Agachei-me e abri os braços para receber aquele pequeno tornado.
Deixei a bolsa no chão e recebi os dois pequenos bracinhos ao redor do
pescoço.
– Se divertiu, pequena? – Deixei vários beijos na bochecha dela.
Elizabeth ria sem parar. Sem me conter e com saudades de cenas do
nosso passado, a enchi de cócegas.
– Para, mamãe. – Ela respirava com dificuldade.
Obedeci-a e fitei seus olhos brilhando de alegria.
– De novo! – Ela gritou e voltei a brincar com ela. Aquilo havia
começado com James.
Quando o corpinho demonstrou sinais de cansaço, dei beijos estalados
no rosto dela e afastei-me. Como a mãe meticulosa que era, arrumei a roupa e
ajeitei os cabelos desgrenhados.
– Mamãe, quando vou ver o tio James? Estou com saudades.
– Eu também, filha. – Engoli em seco antes de respondê-la.
– Ele disse que eu tinha que quece. Então acho que vou come muito
hoje. – Sua inocência era tocante.
Beijei a pontinha de seu nariz e tentei não deixar os olhos se encherem
de lágrimas. Mas aquela era uma tarefa muito difícil de realizar.
– Vamos torcer para que funcione.
– Vamos? — Brian materializou-se ao meu lado.
Se esse homem continuasse aparecendo misteriosamente eu ainda
infartaria. Levei a mão a testa e limpei o suor. Peguei a bolsa e Lis no colo.
– Quer passar umas horinhas na casa da Sarah?
– Você vai tabaiá? – Os olhinhos baixaram enquanto ela brincava com
minha roupa.
– Não pequenina. Eu vou com você.
– Eba! – Recebi um abraço bem apertado que me fez rir.
Como eu não tinha carro, pegamos carona com Brian. As garotas foram
conversando no banco de trás enquanto os adultos conversavam na frente.
As meninas estavam muito animadas quando chegamos, mas
obedeceram quando pedi que fossem ao banheiro lavar as mãos. Brian
colocou a mesa do jantar enquanto eu ajeitava as crianças na mesa. Lis já
havia aprendido a comer sozinha, então apenas sentei-me ao seu lado.
Era difícil conversar com adultos, principalmente com Brian. Eu tinha
que me lembrar constantemente da mentira que minha vida havia se tornado,
evitando que alguma informação escapasse e pusesse tudo a perder.
Estressava-me responder perguntas sobre minha vida, o pai de Lis e
todo o resto. Por isso, sempre tentava fugir desses assuntos.
Limpei Lis e Sarah e ajudei-o a guardar a comida e limpar as coisas. Já
estava rezando para aquele dia terminar. Apenas o risinho empolgado de Lis
me fazia permanecer naquela casa, escutando as mil perguntas que aquele pai
me fazia.
As crianças corriam e aproveitavam o grande quintal dos Jenkins
enquanto eu e Brian observávamos a distância.
Comecei também a enchê-lo de perguntas. Escutei sobre o casamento
perfeito que ele teve com sua esposa, que faleceu durante o parto de Sarah.
Ouvi atentamente e me penalizei sobre a vida difícil que o homem passou,
sobre como teve a ajuda dos avós maternos na criação da neta e de como ele
era grato pelo bom relacionamento que tinha com os mesmos.
Enquanto as meninas brincavam, ele abriu um vinho que aceitei, apesar
de garantir que não passaria de uma taça.
– Você disse que não tinha parentes vivos, mas já escutei Lis falando
sobre o tio James tantas vezes. Por onde anda seu irmão?
Quase cuspi o vinho que estava em minha boca. James, meu irmão? De
onde ele tirou isso?
– James não é meu irmão. – Limpei um pouco do vinho que deixei
escapar em meus lábios com a língua.
Vi os olhos de Brian acompanhar o movimento. Fechei os olhos,
desanimada. Mas é claro, Lisandra. Passou tanto tempo com a cabeça
enfiada em seu próprio rabo que não percebeu as verdadeiras intenções
desse homem.
– Desculpe, é que Lis sempre falou do tio, imaginei…
– Eu entendo. Ele é… alguém especial para minha filha. – E para mim.
Podia falar, mas preferi guardar aquelas palavras.
– Desculpe, nem quis me meter. Parece que ela gosta muito dele, então
fiquei curioso para saber quem era. – Deixando a taça de vinho na mesa de
centro, ele virou-se para mim.
Os braços se apoiaram no joelho, deixando os músculos mais
proeminentes. Brian Jenkins era um homem lindo. Alto, forte e com uma pele
negra de dar inveja. Os dentes brancos e alinhados constantemente a mostra o
deixavam mais interessante. Simpático e carinhoso. Ele daria um ótimo
partido.
Em outra vida, talvez na época em que eu era dona de salão de beleza,
adoraria encontrar esse homem e deixá-lo me conquistar. Tentar um
relacionamento com um pai solteiro, que compreendia minha vida, as
obrigações e que tinha tudo para me levar a loucura na cama. Ao menos era o
que me parecia.
Mas meu coração já deixou de me pertencer há muito tempo. James
Willians reclamou minha alma e corpo. Aquele anjo protetor tomou conta do
meu ser e deixou-me vazia quando se despediu de mim.
Quando tive que deixar minha vida nas mãos dele, não imaginei que a
levaria para onde fosse, tirando de mim o controle.
Essa realidade só aumentou o vazio que andava sentindo nos últimos
meses.
Sobrevivi ao presenciar um assassinato, à perseguição de carros, à falta
de meus amigos, ao medo pela vida de Lis, ao tombo e a batida na cabeça, a
mudar de nome, cidade, amigos e emprego. Mas não à James.
Sua falta rasgou e despedaçou meu coração e nem sabia quanto tempo
eu ainda levaria para reerguer-me do baque que foi a presença dele em minha
vida.
Tudo o que eu queria e rezava para acontecer era que ele retornasse
para nos buscar, antes que meu coração se esquecesse a quem pertencia. Eu
não queria me recuperar de James, eu o queria de volta. E foi por isso, que
depois de tantos meses, eu deixei a primeira verdade sair da minha boca.
– James é o homem que eu amo e o único homem que Lis tem como
exemplo de pai. — Levantei-me e gritei por Elizabeth. — Acho que está na
hora de ir.
O rosto de Brian não escondeu seu desapontamento. Tinha esperanças e
pouco importava-me com isso. Eu poderia mentir e deixar que ele
continuasse a jogar seu charme, mas que Mary Barnes fosse para o inferno.
Quando o assunto era James, Lisandra Hall era quem comandava meu ser.

— Eu as levo em casa.
Suspirei aliviada ao perceber que o homem entendeu meu recado.
OLHEI NERVOSO PARA OS PAPÉIS EM MINHAS MÃOS
NOVAMENTE. Há duas horas lia e analisava todas as informações que
consegui nos últimos quatro meses, à procura de respostas, mas não
encontrava nada concreto. Alguma coisa eu tinha de ter deixado escapar.
— Assim vai queimar os neurônios sem encontrar nada.
Léo sentou-se ao meu lado, no sofá da sala de Richard. Pegou uma
das folhas jogadas na mesa diante de nós e virou-a, olhando os dados
impressos ali com interesse.
— Tem que ter alguma coisa, Léo! Não posso continuar desse jeito.
— Achou algo? — Richard entrou com alguns copos de café sobre
uma caixa de pizza. Afastou os documentos para um lado e colocou tudo na
mesa, sentando-se no sofá à minha frente.
– Nada! Eu não entendo…
Larguei os papéis num rompante e esfreguei meu rosto com as mãos.
Estava há quatro meses encontrando Hope com frequência. Ela ligava,
eu ia. Eu ligava, ela vinha. Vários encontros, todos com flertes por parte dela.
Enquanto isso, tentava a todo custo tirar qualquer informação, mas a garota
era escorregadia.
Apesar de atender algumas ligações perto de mim, nunca consegui
escutar nada que me fizesse compreender o motivo do assassinato de Romano
ou qualquer outro tipo de conversa que parecesse uma confissão. Estava de
mãos atadas.
Escutar as gravações que fiz e ler as informações que anotei não
estavam ajudando-me em nada. Parecia perda de tempo e isso me estressava.
Não aguentava mais fingir ser amigo de Hope. Ela já deixou há muito
de ser aquela garota inconsequente. A maldade cresceu no coração da menina
que um dia conheci. Estava visível nas conversas, no ódio que transmitia
quando falava do pai, nas mãos que se esfregavam como um vilão de desenho
animado enquanto planejava algo ruim.
Escutava suas conversas ao telefone. Cada comando para os
subordinados, as ameaças feitas, as ordens de matar ou pegar dinheiro de
alguém. Ela estava formando a sua própria Máfia.
E para piorar acabei tornando-me um espião. Ela pedia informações e
eu as dava. Era isso ou perder a preciosa proximidade conseguida.
Tinha noção do perigo que corria, nunca fui inocente. Estava no meio
de três grandes organizações e tinha que tomar todos os cuidados possíveis
para não despertar a suspeita de nenhuma delas. A máfia, Hope e o FBI.
Todos queriam algo de mim e tudo o que eu fazia era uma forma de salvar
Lisa e Lis.
– Estou dizendo que nada disso vai adiantar. – Leo jogou a folha em
sua mão na mesa e pegou um pedaço de pizza.
– Para de falar em etapas e diz logo o que está pensando. – Bati as
mãos na mesa, nervoso com a enrolação de meu colega de trabalho.
Eu ainda devia minha vida para ele, mas o cara não precisava saber
dessa merda.
– Bom… – Léo falava de boca cheia, continuando a linha de raciocínio.
– Você está muito pacífico, James. Um cara bonzinho demais.
– Tem razão… – Richard levantou-se, empolgado.
Meu chefe andou de um lado para o outro da sala, a mão no queixo, o
dedo batendo repetidas vezes na boca.
– O quê? – Eles estavam doidos?!
– Oras, você vive nos dizendo que não reconhece mais a garota, que ela
mudou e tal… Se ela está ruim assim, não vai abrir a boca para um cara
bonzinho como você está sendo. – Ele concluiu o raciocínio com um sorriso
no rosto. – Se ela for contar algo, precisa saber que poderá contar contigo.
– Ser o amigo bonzinho e cheio de medo da máfia não te transforma em
um aliado interessante para ela.
Suspirei e apoiei a cabeça nas mãos, escondendo o rosto. Eles tinham
razão. Hope era esperta e nunca daria um passo em falso.
– E o que tornaria?
– Eu tenho uma ideia. – Léo mordeu outro pedaço de pizza antes de
fazer uma careta para mim. – Só que acho que você não vai gostar nadinha
dela.
– Eu tenho escolha, Léo? – Levei automaticamente mão para o colar no
meu pescoço.
Se essa missão durasse muito mais, eu morreria.
Desde que as meninas se foram, eu estou sem notícias. Haviam se dado
bem na nova cidade? Como Lis estava se dando com a nova escola, a volta da
rotina? E Lisa, teria escutado meus conselhos e seguido a vida? Estaria feliz
com as mudanças? Eu esperava que sim. Ao mesmo tempo meu coração
apertava-se com a possibilidade de me esquecerem.
Que bobagem a minha. A gente se amava, da forma mais pura e
sincera. Não se apaga algo assim em quatro meses.
E para conseguir revê-las, faria o que fosse necessário.

Bati a porta do apartamento de Hope e usei minhas chaves para trancá-


la. Escutei os saltos batendo no piso e respirei fundo para me preparar.
Em minhas mãos haviam duas sacolas. Uma com o jantar, que
encomendei no restaurante italiano que ela gostava, e a segunda com um
ótimo vinho para combinar.
– Eu não quero saber quanto você vai gastar, nem o que precisará fazer.
Só preciso que ache essa maldita mulher. — O grito quase histérico de Hope
chegou aos meus ouvidos.
Vi-a saindo do longo corredor que dava para os quartos. Ela sorriu
como uma colegial assim que notou que cheguei, passando a língua pelo
lábio inferior enquanto olhava-me de cima a baixo. Encarava-me com malícia
e odiei-me por ter de corresponder.
Sorri carinhosamente para ela. Puxei-a pelo braço e aproximei-a de
mim. Ela continuava concentrada em quem falava ao celular, mas não
deixava de me analisar, estreitando os olhos.
Dei um beijo em sua testa e respirei fundo, sentindo o aroma de seus
cabelos. A mão delicada deslizou por meu tórax, que contraiu-se com a
audácia. Eu definitivamente odiava aquela parte do plano.
– Eu entendi essa parte, mas todos nessa vida possuem o seu preço.
Não será diferente nesse caso. – O tom de comando na voz dela era nítido,
carregado de ira. – Sequestre a mulher dele, se precisar. Não me importo!
Hope desligou o celular e o jogou no sofá com um movimento brusco.
Fechando os olhos, puxou o ar algumas vezes, parecendo por um momento a
doce menina novamente, que um dia tentou me conquistar.
– O que aconteceu? – Puxei-a em direção a cozinha.
– Nada importante, Stu. – Ela balançou a mão no ar, como se tentasse
dispensar o pensamento.
Balancei a cabeça em negação, com um sorriso no rosto. Larguei a mão
dela enquanto procurava as coisas na cozinha para organizar nosso jantar.
– Pode colocar o vinho na geladeira?
– Claro. — Ela pegou a garrafa, dando-me as costas por um momento.
– Como foi o dia? – Coloquei os pratos na pequena mesa de quatro
lugares da sala.
Deixei que Hope apenas observasse meus movimentos, enquanto fingia
ignorar completamente a conversa que escutei. Parar de perguntar e
pressionar era a primeira regra da nova estratégia.
– Cansativa. Resolvendo problemas, falando com pessoas.
Preocupações normais.
– Entendo.
Peguei meu celular e coloquei uma música no pequeno aparelho de som
da sala. Selecionei uma italiana, que a agradaria. Andrea Bocelli e Ed
Sheeran com Perfect Symphony preencheram o ambiente. Com um sorriso
largo, ela me chamou para dançar.
Aquela era uma garota peculiar. Nunca perdeu as raízes antiquadas de
uma italiana. Talvez a insistência em ser vista como uma opção viável para o
pai a fizesse manter alguns hábitos ou fosse apenas o fato de ter crescido em
um ambiente genuinamente italiano.
Segurei-a firme pela fina cintura e trouxe-a para mais perto. Com os
corpos colados, ela deixou ser guiada por uma dança romântica, algo que
jamais pensaria fazer antes.
– E você, como foi o dia? – a pergunta foi feita sussurrada em meu
ouvido.
– Um porre. Ainda bem que combinamos de nos ver hoje. – Deslizei
minha mão por suas costas, fazendo com que se arrepiasse.
– O que aconteceu?
A voz tão constante de Hope falhou um pouco e congratulei-me por
alcançar meus objetivos aos poucos.
– Matt é um velho ultrapassado. Tem me tratado como um garotinho
apenas porque não confia mais em mim. Estou de saco cheio disso. – Ela
afastou-se e um vinco se formou em sua testa.
– Está se revoltando com a máfia?
– Todos chegamos a esse ponto em algum momento. Ao menos é no
que começo a acreditar.
– Meu Deus, quem é você e o que fez com meu Stu? – Ela sorriu e
aconchegou-se a mim novamente.
– Muito engraçadinha você. – Puxei uma mecha dos cabelos loiros.
Hope já havia mudado tanto os cabelos que já nem me assustava mais
ao vê-la diferente em casa ocasião. Ela nunca me disse o real significado das
mudanças. Algo me dizia que era para esconder-se o máximo possível.
Na verdade, ela evitava conversar comigo sobre o motivo de sua falsa
morte, o chefe Santori ou a Família. Eram assuntos que, percebi logo no
início, estavam proibidos entre nós.
Isso nunca a impediu de atender telefones perto de mim, por exemplo.
Ainda bem, porque aquelas eram as poucas informações que conseguia dela.
Assim que a música acabou, deixei-a balançando com a música que
vinha a seguir. Dessa vez a voz de Matteo Bocelli preencheu o recinto.
Voltei pouco depois com a travessa de espaguete à carbonara,
colocando-a no centro da mesa. Busquei as taças e o vinho Vernaccia di San
Gimignano. Não era um dos mais caros, mas cairia bem com o prato, o que
era importante.
– Você precisa ter mais dias ruins. – Ela molhou os lábios.
O gesto já deixou de ser sensual, mas os olhos brilharam, encantados
pela mesa posta.
A música, o jantar, o clima… Tudo direcionando para um casal em
início de relacionamento. O romance no ar era exatamente a atmosfera que eu
precisava criar para dar o próximo passo.
Meus próximos momentos seriam para convencer Hope Santori de que
havia apaixonado-me por ela. Segundo Léo, para conquistar a confiança
daquela garota eu necessitava conquistar seu coração.
O amor era cego. Essas palavras saíram da boca dela uma vez.
Esperava que conseguisse fazer o feitiço voltar-se contra a feiticeira.
– Gostou?
Um sorriso despontou-me nos lábios. Hope mordeu o canto da boca
quando deixou o dela surgir também. Com passos lentos e sensuais foi até a
ponta da mesa. Dei a volta e puxei a cadeira para que sentasse. Deixei meus
dedos resvalarem pelos braços dela, fazendo a pele branca arrepiar-se
novamente.
Fechei os olhos e respirei fundo. A noite foi regada a muito flerte,
conversa leve e alguns deslizes que deram-me algumas informações. Era
essa, afinal de contas, a nova estratégia. Eu tinha a árdua missão de fingir
uma paixão e um desejo que não sentia. Mas como encenar isso, se meus
pensamentos mais românticos e pervertidos estariam sempre ligados a
Lisandra?
Fechei os olhos e pensei na mulher que eu amava. Isso ajudaria-me a
manter a mentira, mas tornava todas aquelas noites em tortuosas feridas
apertando-me o coração com a terrível sensação de traição.
SENTEI-ME NO BANCO, DE FRENTE A CAIXA
REGISTRADORA. O mercado onde trabalhava era um negócio pequeno,
que tinha apenas o suficiente para garantir o atendimento aos moradores da
região. Além dos alimentos e legumes, vendíamos bebidas e alguns artigos
para casa. Dois caixas e quatro corredores, nada mais.
Olhei para o uniforme branco com listras azuis e pensei que não era
aquela a vida que desejei para mim. Nem de longe o lugar que havia
almejado quando comecei a trabalhar para os democratas. Nada parecido com
o que meus pais sonharam para sua filha. Não era um lugar ruim de estar, só
diferente.
Caixa de um mercado pequeno no meio de uma cidade no interior do
Tennessee. Uma filha pequena para criar que não conhecia o pai. Apaixonada
por um homem que, muito provavelmente, nunca mais veria. Estava parada
no tempo, apenas vendo a vida passar.
Parei de estudar, de dedicar-me a algo, de desejar algo melhor para nós.
Sentia falta da minha vida. Eu só não sabia de qual, exatamente. Seria da
Embeleze-se e as tardes entre risos e conversas com as clientes? De Brianna,
Kate e Dylan? Céus, não pude nem ir ao enterro de meu amigo para me
despedir.
Só que ao mesmo tempo queria as tardes ao lado de James. Daquelas
que eu odiava sentir-me presa e rezava para acabar logo todo o sofrimento.
Depois de passar por tanta coisa, de mudar de vida inúmeras vezes tão
rapidamente, eu já nem sabia mais quem eu era de verdade. A jovem
sonhadora que estudava política? A dona de salão e mãe dedicada? A mulher
apaixonada?
Eu só queria um pouco de normalidade na vida. Por que eu não podia
juntar o melhor dos três mundos? Meu salão de beleza de volta, as aulas de
Lis com suas amigas e minha cama preenchida com o incrível corpo de
James?
– 52 dólares. – Olhei para a bela senhora ao terminar de passar suas
compras.
– Oh querida, você pode passar para mim? – Ela estendeu o cartão e dei
um sorriso simpático – Como está, Mary?
Mary! Nem mesmo o meu nome eu tinha mais.
– Tudo bem, senhora Roberts.
– E a pequena Lis? Aquela garotinha é um amor.
– Ela está agitada como sempre. – Estendi a máquina de cartão e ela
digitou a senha.
– Estão acostumadas a cidade já?
Era sempre difícil responder essa pergunta. Como seria possível
acostumar-se a um giro de 180 graus na vida? Já não era mais Lisandra e
jamais saberia quando ou se voltaria a ser. Era desanimador pensar que
terminaria a vida passando compras do mercado e com o coração trancado na
esperança de que o homem que eu amava voltasse para me resgatar.
– Sim! Lis está amando a escola e as novas amizades.
– E você? – A senhora estreitou os olhos e sorri.
– Ela ainda é apenas uma garotinha. Eu tenho muito mais coisas para
recuperar do que apenas uma mudança.
– Você amava o pai de Lis, não é mesmo?
Pensei em Bruce e tudo o que passamos juntos. Lembrei-me de anos
atrás quando eu era apenas uma estudante que trabalhava em comitês. Como
a vida mudou de lá para cá…
Nem doeu tanto quando tive que deixar a política e tornar-me uma dona
de salão. Então por que dessa vez estava sendo tão difícil?
– Sim, senhora Roberts. — A mentira escapou naturalmente.
– Oh, garota. Me chame apenas de Julie.
– Ok, Julie.
– De início mudanças sempre são difíceis. – Ela pegou minha mão e
deu uma leve batidinha acalentadora. – Estou falando das mudanças na
alma… Algo me diz que vocês ficarão muito tempo por aqui e seremos
grandes amigas.
– Deus te ouça. – Abri um sorriso e ela retribuiu com uma piscadinha.
Assim que a senhora passou pela saída do mercado, deixei a máscara de
cordialidade cair junto com os ombros.
Tinha em mim a esperança de que as coisas voltassem a ser como antes,
mas talvez Julie estivesse certa. Teria de acostumar-me, deixar de afastar as
pessoas e permitir que Lis criasse raízes por ali.
No final, deveria torcer para dar certo, assim minha garotinha não teria
que mudar tudo novamente, mas estava sendo egoísta demais pensando no
que eu queria.
Talvez acostumar-se fosse a palavra da vez. Ou melhor ainda,
aceitação. Estava na hora de seguir com a vida, voltar a ser protagonista da
minha história. Eu não podia mais me sentar e esperar que as coisas
resolvessem sem dar os passos necessários para reconstruir o que perdi ao
longo do tempo.
Mesmo apaixonada por James, mesmo na esperança de que ele
voltasse, eu tinha que me permitir viver. Afinal, não era isso que esperei
acontecer durante todos aqueles dias em que estive presa naquele
apartamento?
Depois de mais uma longa tarde, fechei o caixa e despedi-me de Célia,
minha supervisora. Meus passos até em casa foram lentos, mas cheios de uma
nova determinação. Olhei ao redor, observando as belezas daquela cidade
pequena. Uma escola de balé no caminho para casa fez-me sorrir. Talvez Lis
gostasse da experiência. Seria um começo para nos restabelecermos e uma
forma de firmar, tanto para Lis quanto para mim, que ficaríamos por lá.
Aceitar e criar raízes.
Olhei para o relógio e vi que ainda tinha mais de uma hora até a saída
de minha pequena da escola. Decidi passar em casa e fazer o jantar para ela.
Entrei e fui tirando as roupas do trabalho. Tomei um longo banho e
deixei que a água levasse embora o desânimo. Precisava voltar a ser a
Lisandra Hall que sempre fui, por mais que ninguém me conhecesse ali dessa
forma. Eu ainda era a mesma, e não era um nome que mudaria isso.
Assim que saí fui até o armário. Abri-lo foi outro tapa em minha cara.
Minhas roupas ainda estavam na mala. Prontas para uma nova partida, para a
próxima parada. Tirei uma por uma e fui colocando nos cabides, organizando
nas gavetas. Agora, aquela era a minha vida. Faria o mesmo com as roupas de
Lis. Onde eu estava com a cabeça? O que minha filha devia achar ao ver
tudo fora do guarda roupa?
Depois de tudo pronto por ali fui até a cozinha preparar algo para
comermos. Teria pouco tempo e por isso decidi preparar um sanduíche
rápido. Ovo, tomate, queijo, pão. Respirei fundo e antes de pegar a faca para
começar a cortar os tomates, senti uma mão em minha cintura e outra na
minha boca, segurando o grito que tentei dar.
Debati-me nos braços fortes que conseguia ver.
Ela me achou.
Depois de todo o sofrimento que passamos, ali estava nas mãos do
inimigo. Não podia deixar aquilo acontecer.
Utilizei de toda a força que consegui para tentar livrar-me.
— Quietinha, querida. — A voz masculina fez meu coração acelerar.
Um rosto desconhecido apareceu diante de mim. Era mais de um. Eu
não tinha saída. Engoli em seco e vi quando o segundo homem tirou um pano
branco do bolso e o embebedou com algo saído de um vidro. Tremi com a
possibilidade de perder a consciência. Era clorofórmio aquilo, só podia ser.
O pano ocupou o espaço que o primeiro raptor deixou ao tirar a mão da
minha boca. Fiquei enjoada com o cheiro forte e o coração bateu acelerado.
Lis veio em minha mente. Estaria segura na escola? Em poucos segundos não
consegui mais manter meus olhos abertos e desmaiei.
A dor de cabeça que estava sentindo era intensa. Abrir os olhos tornou-
se um desafio que eu não sabia se conseguiria concretizar. Apalpei minha
cama à procura de Lis, mas meus movimentos estavam lentos. Achei estranho
o lençol macio, muito parecidos com os de Bruce. Onde estavam os de
algodão que eu tinha em casa?
Bem devagar, consegui focar a visão. Uma pequena luz vinha de um
abajur em algum lugar do imenso quarto. Minhas mãos estavam amarradas
em frente ao corpo, assim como as pernas.
As memórias vieram para me assombrar. Eu estava em casa, Lis na
escola. Mãos ao redor do meu corpo, um rosto desconhecido, um pano no
rosto.
Merda! Eu havia acabado de aceitar a minha nova vida, queria
recomeçar, e alguém roubava-me tudo que eu tinha mais uma vez?
– Só pode ser alguma brincadeira de mau gosto mesmo! – reclamei para
ninguém em especial, apenas para extravasar o nervosismo.
Minhas mãos correram até o pescoço, na busca por conforto. Lembrei-
me então que a corrente não estava mais comigo. Mais de quatro meses se
passaram e eu ainda esquecia que deixei minha medalha de proteção para
James.
James! Meus olhos encheram-se de lágrimas. Passei a rezar para Santa
Mônica, para Deus e para todos que pudessem me ouvir.
– Por favor, por favor! Ele tem que me encontrar!
O medo aumentou quando dei-me conta disso. Eu sempre tive James
para garantir nossas vidas. Agora eu estava sabe-se Deus onde, longe de
minha filha que poderia estar em perigo também.
Não sei por quanto tempo fiquei lá, parada, rezando e pedindo para que
as coisas voltassem a ser como antes. Seja lá qual antes. Eu só não queria
estar sozinha porque isso era pior do que qualquer coisa.
A porta abriu-se e um homem com os cabelos cortados em estilo militar
entrou. Os olhos eram pretos e o corpo forte vestia um terno de corte
elegante. Nas mãos, trazia uma bandeja com comida.
– Bom que acordou. Aqui está seu jantar. – Fiquei calada quando o
medo me paralisou – Bom, você não é das falantes, certo? Vou deixar que o
chefe te mostre como o silêncio não é muito apreciado por aqui.
O sorriso dele abriu-se e fiquei gelada.
Ele aproximou-se e deixou a bandeja no cômodo ao lado. Meus olhos
seguiram o movimento e o coração perdeu um compasso quando vi o anel
brilhar em seu dedo.
“Mafiosos são homens de negócio e vaidosos. As roupas sempre
impecáveis, o rosto livre de barbas e as unhas feitas em manicures, sem o
esmalte… Claro, e usam o anel. Joias iguais são oferecidas as pessoas,
quando eles desejam ter a pessoa como amigos, ou aliados. Eles nunca são
do tipo que se escondem.”
As palavras ditas por James há tantos meses invadiram a cabeça e
fechei os olhos desesperada. Eles me acharam.
TERMINEI DE PASSAR O BATOM NOS LÁBIOS. Apertei-os,
espalhando o tom vermelho vivo antes de mandar um beijo para o espelho.
Verifiquei a maquiagem bem demarcada no rosto, os olhos pretos e
chamativos a me fitarem, cheios de promessas e perigo.
Afastei-me e olhei o corpo todo, admirando o resultado. O vestido
preto e curto justo dava-me um ar de mulherão. Os saltos vermelhos
combinavam com a lingerie que usava.
Vestida para matar…
Tinha tudo pronto para esperar Stuart… O homem que ganhou meu
coração.
Desde que eu o conheci, ainda uma adolescente, sou apaixonada por
ele. Além daquele moreno ser um pedaço de mal caminho, o homem era um
mafioso esperto, carismático e o melhor de tudo, ambicioso. Foi por isso que
o procurei meses atrás.
Nunca disse a ele, mas percebia a eterna curiosidade dele sobre tudo,
a disposição para aprender cada vez mais. Sabia que quando estreitou laços
comigo não foi por interesse na minha pessoa. Tanto que passei anos
tentando seduzi-lo, sem êxito. James ficava ao meu lado, claramente, por
interesse em aproximar-se de meu pai, tornando-se um de seus queridinhos.
Eu poderia ter me sentido usada, mas assumo que isso só fez eu sentir
ainda mais tesão por ele. A sede por poder… Assim que me tornasse a chefe
da máfia no lugar de papai, ele seria um ótimo marido e braço direito.
Alguém forte, destemido e que almejava mais.
Quando me contaram sobre a morte dele, passei meses difíceis. Fui
acometida por uma depressão tamanha que meu pai tratava-me como se fosse
feita de vidro.
Depois de um tempo, aquilo me irritou a tal ponto que me tirou da
inércia do luto. Comecei então a correr para provar o meu valor.
E tudo estava saindo exatamente como planejei… Estava próxima de
realizar meus desejos e ainda, de sobra, teria ele ao meu lado. Ao lado de
Stuart eu cresceria mais rápida e forte. Eu o manipularia para que escolhesse
o meu lado, e na hora certa fosse o mediador que precisava, capaz de mostrar
minha lealdade à Máfia, senão seria a minha cabeça a rolar.
Assim que os chefões vissem como eu cresci e tornei alguém, mesmo
longe dos olhos deles, confiariam a mim a famiglia. Eu herdaria aquele trono
do velho, fazendo-o ver como a garotinha dele podia comandar quantos
homens fosse necessário.
Eu já havia conquistado muita coisa naquele ano. Alguns de meus
homens eram agentes infiltrados na casa Santori, entre outros lugares. Outros
de meus homens conquistei com o dinheiro que consegui esconder durante os
anos de filhinha de papai. Agora, as minhas garotas, as mulheres que faziam
parte da minha máfia particular, essas eu consegui demonstrando meu valor.
Matando e roubando tantas pessoas quanto possível, envolvendo-me com o
lado negro.
Ao meu lado possuía mais de cinquenta pessoas, chefiadas por mim,
capazes de fazer o dinheiro aumentar consideravelmente com todo o tipo de
atividade ilícita que conseguíamos nos infiltrar.
Há uma semana percebi que estava na hora de angariar para o grupo a
peça que faltava. Stuart estava pronto. E aquele seria o meu próximo passo.
Foi delicioso vê-lo irritado com a máfia, deixando o lado puritano de
lado e deixando vir à tona as ambições que sempre soube que estiveram ali, à
espreita.
Também percebi nele outros interesses. Afinal, eu deixei de ser a
garotinha de antes. Tornei-me mulher e isso não passou desapercebido. Prova
disso eram os atuais flertes.
Cansado de ser um espectador de meus planos e escutar apenas
algumas conversas aleatórias — detalhes que eu fazia questão de soltar
apenas para atiçar sua curiosidade —, ele passou a questionar, mesmo
tentando disfarçar. Provava assim ser o homem que eu imaginei.
Ambicioso e delicioso Stuart Harris...
Só aquela história sobre a suposta morte dele ainda me parece
estranha. Ele era o tipo de homem que tinha apreço e amor pela família, então
não duvidava de que o bom samaritano tenha deixado tudo para trás a fim de
cuidar da mãe doente. Ele me falou tanto da velha nos tempos que ficamos
juntos, sempre com tanto carinho no olhar…
Depois veio toda aquela confusão com a polícia. Sim! Ele
definitivamente ficaria longe para não trazer complicações para a máfia.
Peguei meu celular na cômoda e li a mensagem do meu número um.
“Ela está aqui.”
Sorri.
Escutei o barulho da porta batendo. Ele havia chegado e estava pronta
para seduzi-lo. Durante esse jantar pretendia contar tudo o que precisava
saber para se juntar a mim.
Deixei meu quarto e caminhei calmamente até a sala. Encontrei o
homem tirando o paletó e abrindo os primeiros botões da camisa. Aquilo sim
era a visão do paraíso.
— Bem na hora. – Encostei a lateral do meu corpo na parede e mordi
o canto do lábio enquanto o olhava de cima a baixo.
— Que bom! Temi me atrasar.
— Algum problema?
— Nada que eu não pudesse resolver. Apenas Matt sendo
insuportável, para variar.
— Você está bem insatisfeito com tudo – pontuei enquanto observava
ele desfazer os botões das mangas e dobrá-las até o cotovelo.
— Entrei na máfia esperando mais do que alguns trocados de vez em
quando. – Ele deu de ombros e sorriu. – Mas ao que parece as coisas não
estão andando como eu gostaria.
— Conte-me mais.
Ele riu e aproximou-se de mim. O braço dele enlaçou minha cintura e
o rosto desceu até o pescoço. Senti o nariz subir e descer por minha pele,
arrepiando-me inteira.
— Acho melhor apenas jantarmos.
— Por quê? – ronronei vergonhosamente.
— Porque não somos esse tipo de casal.
— E por acaso somos um casal? – Minhas mãos subiram por seus
braços fortes e desceram, deslizando as unhas.
— Pode apostar que sim. – Ele mordeu o lóbulo da minha orelha
antes de sair.
Fiquei um longo minuto parada, esperando que as pernas voltassem a
responder aos comandos do cérebro.
Fui atrás dele e encontrei-o pegando duas taças na cristaleira, no canto
da sala. Ele sentou-se no sofá e pegou o vinho que trouxera da rua. Enquanto
deixava o líquido vermelho deslizar pelo cristal, arrepiei-me toda com a
rapidez com que desejava levar as coisas.
Sem jantar, sem conversa furada. Apenas o flerte descarado.
— Por que não somos o tipo de casal que divide certas informações?
– Sentei-me ao lado dele e cruzei as pernas.
Examinou-me por um momento, como se estivesse nua. Os dentes
prenderam o lábio inferior e um suspiro intenso saiu de seus pulmões.
— Não sei, diga-me você. – Ele me estendeu a taça que aceitei de
bom grado.
— Como assim?
— Hope, é você quem me esconde coisas. – Estreitei os olhos e ele
levantou as mãos em rendição. – Estou apenas constatando um fato. E tudo
bem.
— O que eu escondo?
— Muitas coisas. Por exemplo, por que encenou a própria morte?
Quem é a mulher que você tanto quer encontrar e vive falando disso por
telefone?
— Stu… – Deixei a palavra morrer nos lábios para atiçar-lhe a
curiosidade e observar as reações dele.
— Está vendo? – Ele me acusou. – Você não confia em mim. E quer
saber? Se isso não vai passar de encontros bobinhos entre dois conhecidos,
vamos apimentar as coisas logo. Eu te como e acabamos com isso que, pelo
jeito, apenas fingimos ser um relacionamento.
— Acabamos? – Levei a taça até a boca e bebi um gole, despreparada
para ouvir aquilo.
Passei um longo ano acreditando que ele estava morto. Eu não
aceitaria que se separasse de mim. Não agora, pelo menos.
— Eu estou cansado de pessoas que não confiam em mim. Não dá pra
fazer nada desse jeito. Não preciso dos mafiosos para crescer, Hope. Seria
bem mais interessante, mas eu posso sair daqui e montar meu império sem a
ajuda deles.
— Sair? – Engasguei e deixei um pouco do vinho deslizar por meu
pescoço. Os olhos dele arregalaram-se. Ele chegou mais perto de mim e
deixou a língua passar por onde o líquido escorreu. — Quero provar ao meu
pai que mereço um voto de confiança – confessei sem dar a mínima para o
que minha boca dizia.
— E como vai fazer isso?
— Assim que eu tiver meu império montado, que as fofocas sobre
uma nova ameaça à Nova York estiverem rondando a máfia, farei uma visita
ao velho. Então ele verá que mereço comandar tudo.
Os lábios dele tocaram o meu pescoço, as mãos firmes passeando por
minha coxa.
— O que você quer provar e como?
Ele afastou-se. Levei as mãos até seus cabelos, puxando-o. Se ele
queria respostas que trabalhasse por isso. Ele sorriu e voltou a beijar-me no
pescoço.
— Ele não me deixava fazer nada. Então, fingi uma morte e estou
trabalhando firme em criar um pequeno império e tirá-lo do poder. Quando
souber o que fiz, ele entenderá que pode confiar em mim… – gaguejei um
pouco, sem saber como me concentrar diante daquela provocação.
Um assobio de admiração saiu por sua boca e senti-me como uma
rainha.
— Quer dizer que você é uma traidora? – Os lábios abriram-se e
chuparam a base do meu pescoço.
— Não! Ele saberá a diferença.
— E o que a tal garota tem a ver com isso?
Pensar em Lisandra e a dor de cabeça que aquela maldita me causou
quase fez com que o tesão fosse embora. Mas os dedos ousados de Stu
deslizando vagarosamente entre as minhas pernas não deixaram isso
acontecer.
Meu corpo acendeu. Puxei o rosto na minha direção e, depois de
tantos anos desejando, beijei-lhe na boca.
Mostrando o homem dominante que era, segurou firme em meus
cabelos e os puxou antes de aprofundarmos o beijo.
— Tsc, tsc, tsc… – Ele negou e mordeu o canto do meu lábio. – Fala
mais gatinha.
Como resistir àquilo?
— Ela é uma testemunha. Lisandra Hall. Uma ponta solta que deixei
escapar, mas que já estou perto de resolver também. Ao menos para isso
esses mafiosos prestam.
— Testemunha de quê? – A língua alcançou o decote do meu seio.
— Eu matei Frank Bonanno e ela assistiu da sacada do prédio dela.
— Você fez o quê?! – Ele se afastou com os olhos arregalados.
Adorei surpreendê-lo.
— Aquele velho descobriu que eu estava viva. Disse que contaria
tudo ao meu pai. Insinuou que ficaria calado caso eu transasse com ele.
Trouxa… Encontrei-o no apartamento dele na Upper East Side. Fiz com que
se sentasse, olhando para a região que comandava na maldita máfia. Fiz
sentir-se um Deus em vez daquele velho decrépito… Uma última sensação de
poder antes de eu cortar a garganta dele.
Stuart Harris puxou uma imensa quantidade de ar e deixou a cabeça
pender em direção ao meu pescoço, antes de sussurrar.
— Vocês já têm tudo o que precisam. Acabem com isso. Por favor.
A voz saiu com uma súplica… Do que ele estava falando? Estava
prestes a perguntar quando a porta foi arrombada e dois tiras apareceram.
Pelo uniforme eram do FBI.
— Você está presa…
Assim que escutei aquelas palavras saindo da boca do policial, James
se afastou de mim e só então compreendi a única verdade que nunca esperava
acontecer.
O desgraçado me entregou!
Um misto de raiva, impotência e desespero me acometeu naquele
momento.
— Você me entregou? Stuart, você me entregou para o maldito FBI?!
– Joguei-me em cima dele e passei a socá-lo descontroladamente.
— Ei, mocinha… Vai com calma. – Um dos malditos policiais
segurou-me pelos braços. – Você tem o direito de permanecer em silêncio.
Qualquer coisa que disser poderá ser usada contra você no tribunal. Tem
direito a um advogado e se não puder pagar por um, o Estado indicará. – O
aviso de Miranda sendo recitado só me deixou mais irritada.
— Bom trabalho, James. – O infeliz deu uma batidinha nas costas
dele.
Espera! James? Que nome é esse?!
— Obrigado, senhor.
— James? – Procurei o pouco que me restava de sanidade e parei de
protestar.
Os cabelos estavam bagunçados, a respiração descompassada, os olhos
cheios de lágrimas não derramadas, mas não me importava com meu estado,
poisa raiva borbulhava dentro de mim.
— Vamos, garota. – Fui puxada, mas fiz toda a força necessária para
ficar no lugar.
— Eu mereço a merda da verdade! – Bati os saltos agulhas no chão.
Ele acenou com a cabeça para o agente e então deixou as palavras que
terminariam de destruir meu coração saírem pela boca que até pouco tempo
estava correndo pelo meu corpo.
— Sou agente do FBI, Hope.
O OLHAR DE HOPE SOBRE MIM ERA ASSASSINO.
E não podia culpa-la. Usei essa garota para ter informações por mais
de três anos. Fiz com que acreditasse em minha amizade, fidelidade e, por
último, em meu desejo… Dane-se se ela era uma maldita assassina à sangue-
frio, mafiosa e manipuladora. Ela merecia a verdade.
Melhor saber por mim do que pelos corredores da prisão. Mas a
raiva que emanava dela não me atingia.
Acabou! Depois de meses atrás dela, conseguimos encontrá-la e fazê-
la confessar. Tínhamos áudio que corroborava com a versão de Lisandra.
Teria que ser suficiente.
Agora só teria de esperar mais alguns meses, até que o julgamento
acabasse… Então minhas garotas estariam livres e poderia vê-las. O FBI
conseguiu o que queria. Eu merecia a minha recompensa, como Richard
prometeu.
— Então foi esse o motivo do seu sumiço? Esse ano... – A voz dela
saiu em um sussurro, trazendo-me de volta à realidade. Fechei meus olhos
antes de responder.
— Não, Hope. Eu sempre fui um agente do FBI. Desde o começo. –
Respirei fundo e deixei as palavras saírem, afinal, apesar de tudo, elas eram
verdadeiras – Sinto muito, mas era meu trabalho. Não queria te enganar por
tanto tempo e jamais imaginei que sairia tão afetada por minhas mentiras.
— Como… – Ela balançou a cabeça e fechou os olhos. Assim que os
abriu, vi o quanto ficou desapontada. – Como eu não percebi isso? Burra,
burra, BURRA!
— É fácil enganar pessoas que estão cegas de amor – repeti a frase
dita por ela há tantos anos.
— EU TE ODEIO!
Léo entrou no apartamento naquela hora, acompanhado de mais dois
agentes, para começar a limpeza do local. O FBI passaria um bom tempo
procurando provas que pudessem nos ajudar no julgamento. Papéis,
telefones, vídeos e qualquer coisa que nos desse mais informações.
Dei-lhe as costas enquanto os oficiais a obrigavam a sair.
-– Bom que tudo acabou. Lisandra ficará feliz…
— Lisandra? – A voz de Hope se sobrepôs a nossa, com um ar de
sarcasmo. Logo em seguida, a mulher começou a gargalhar. Aquilo deu-me
um maldito frio na espinha.
Eles já estavam com ela no corredor, mas a gargalhada daquela garota parecia
aumentar. Principalmente ao ver eu me aproximar.
— Hope!
Richard entrou na frente e balançou a cabeça, em negativa.
— Não deixe-a te envenenar.
— Você está mesmo apaixonado por ela? Por aquela cabeleirazinha
chinfrim? – A voz dela alcançou-me, e a gargalhada aumentou.
— Hope, o que você fez?
Isso não podia acontecer.
— Eu achei aquela infeliz fofoqueira no Tennesse. Você nunca mais
verá ela ou aquela pestezinha. Eu as matei! – Ela berrou e foi levada por
Richard a força.
Minhas pernas falharam e caí de joelhos no chão. Segurei firme no
batente da porta, rezando para que aquelas palavras não tivessem surgido. O
ar faltava-me nos pulmões e a visão estava embaçada pelas lágrimas que
empoçavam nos olhos.
Encostei na parede e deslizei o corpo até encontrar o chão. Levei os
joelhos até o peito e os abracei.
Eu trabalhei, lutei, fiz tanto para nada? Fui incapaz de cuidar delas.
Minha mão correu para a medalha no pescoço. Era para estar com ela,
protegendo-a. Eu falhei…
Eu não era um bom agente. Eu não conseguia fazer as coisas certo.
Todos estavam certos. Eu só tinha que protegê-las e não o fiz. Minhas
garotas. Eu não as salvei…
— James! – Senti um maldito tapa em minha cara.
Léo estava ajoelhado no chão do corredor, segurando meu rosto com
firmeza.
— Me escuta com atenção. Fui verificar com o pessoal de lá e
Lisandra está sumida desde ontem. Não nos disseram porque sabiam que a
investigação aqui estava em um momento crucial. – O coração voltou a bater
acelerado – Lis está bem, com a polícia de lá. Quando a mãe não foi buscá-la
na escola, eles perceberam que tinha algo errado.
— Lis!
Eu precisava ver a minha pequena. Ela devia estar com medo. Apoiei
as mãos na parede, tentando me levantar, mas Léo segurou-me pelos ombros.
— Eu preciso ir até lá…
— Escuta, caralho. Preciso que raciocine comigo. Lis não está com
Lisa. – As palavras foram ditas pausadamente.
Olhei para Léo e percebi que ele esperava alguma reação minha.
Levei minhas mãos até o cabelo e os puxei, tentando evitar o desespero.
Eu achei aquela infeliz fofoqueira no Tennesse. Você nunca mais verá
ela ou aquela pestezinha. Eu as matei!
As palavras de Hope voltaram para me assombrar.
— Eu as matei. Ela disse…
— Sim. Ela disse.
— Ela mentiu. Não foi Hope que as pegou.
O agente diante de mim balançou a cabeça, acompanhando o meu
pensamento.
Aquilo deu-me esperanças. Lisa devia estar em algum lugar,
precisando que eu agisse rápido. Precisava encontrá-la.
Léo ajudou-me a levantar. Eu precisava pensar. Andei de um lado
para o outro, tentando entender ao máximo a situação. Puxei Leo para dentro
do apartamento. Deixei que ele se ocupasse em procurar provas e voltei todas
as falas dela em minha cabeça.
Eu achei aquela infeliz fofoqueira no Tennesse.
Eu as matei.
Pelo discurso, Hope sabia onde Lisandra estava, mas nem imaginava
que Lis ficou para trás. Talvez algum capanga dela tenha sequestrado minha
garota?
Ela é uma testemunha. Lisandra Hall. Uma ponta solta que deixei
escapar, mas que já estou perto de resolver também. Ao menos para isso
esses mafiosos prestam.
Ao menos para isso esses mafiosos prestam.
— Foi a máfia! – Gritei e me virei a procura de Leo.
O homem estava agachado em frente a um armário e retirava todo
tipo de utensílio doméstico de dentro.
— A máfia?
— Sim! Ela disse que eles a encontraram para ela.
— Merda! – O homem se levantou e limpou as mãos na calça – A
máfia é muito grande James. Você tem que ser mais específico.
— Se ela soube do sequestro, então alguém a informou.
— Continua sendo muita gente. Ela pode ter informante em qualquer
lugar da máfia.
Pensa James. Ela deve ter deixado essa informação passar. Quem a ajudou
esse tempo todo?
— E como fez para enganá-lo?
— Conquistei o segurança. Foi fácil fazê-lo mentir por mim.
— Um segurança mentiu para a máfia em seu nome?
Uma das inúmeras conversas que tivemos nesses últimos meses
voltou a minha mente.
— Não. Hope é uma Santori.
— Você acha que…
— Eu tenho certeza.
Estiquei minha mão para Léo, em silêncio. Ele me entregou sua arma
e respirou fundo.
— Cara…
— Eu vou atrás de quem está com minha mulher. – Minha mão
buscou o colar em meu pescoço e pensei na pequena Lis. – Devolverei
Lisandra para sua filha. Irei salvá-las Leo, custe o que custar.
— O que vai fazer James? O que digo para Richard?
— Diga que fui fazer um pacto com o diabo.
Deixei as palavras escaparem de meus lábios antes de colocar a arma
em minha cintura. Despedi-me de Léo e fui atrás de ser o anjo protetor que
Lisandra acreditava que eu era.
E que Deus me perdoasse, porque eu tinha minhas suspeitas sobre o
que aconteceria quando eu me encontrasse com o maldito que a tinha pego.
NÃO OUSEI TOCAR NA COMIDA QUE ME DAVAM. Estava
enjoada e com dor de cabeça, mas resistia. Literalmente, minha vida tornou-
se uma louca história de terror nos últimos tempos, aqueles filmes de ação
bem mal elaborados.
A única coisa em mente era que antes de dar-me por vencida e aceitar
morrer nas mãos desses babacas, precisava saber se Lis estava bem.
Uma hora depois, o homem de sempre entrou no quarto. Estreitou os
olhos ao notar o prato intacto.
– Cedo ou tarde você terá que comer, belezinha…
– Se depender de mim, será o mais tarde possível. – Levantei o rosto,
incapaz de aceitar que me diminuíssem.
Dane-se se ele achasse ruim! Tudo já tinha dado errado mesmo. Não
terminaria minha vida amedrontada.
– Você dará mais trabalho do que imaginei…
– Onde está minha filha? — Cortei-o no mesmo instante.
– Com a polícia – a resposta veio sem pestanejar.
Tentei ficar melhor com aquilo, mas o medo ainda me assolava. Ela
estaria mesmo segura? James dissera certa vez que eles poderiam usar Lis
para me fazer falar, que a machucariam se fosse necessário. Eu faria tudo
pelo bem-estar dela, ninguém podia duvidar disso.
Respirando fundo, ele chegou até perto da cama e sentou-se ao meu
lado. Afastei-me e segurei firme os lençóis da cama. Minha respiração
acelerou e o filho da puta do mafioso diante de mim riu, notando o meu
estado.
– Não é tão corajosa quanto quer transparecer, hein? – Ele deslizou a
mão pela cama deixando os dedos chegarem perto de mim. – Bom, podemos
fazer as coisas do jeito certo. Sua filha está com a federal e ficará segura
enquanto manter a boca fechada.
Surpresa, estreitei meus olhos. Mas que merda ele estava dizendo?
– Sabe, minha garota lutou muito para chegar onde está e você é uma
ameaça aos planos dela. Para corrigir isso, faremos assim: quando te
perguntarem sobre o assassinato, negue ou dê falsas características sobre a
verdadeira assassina, é simples. Se te mostrarem alguma foto e conseguir
reconhecê-la, finja que não. Simples assim.
– Sua garota é a Kimberly? – Não precisava de muito para entender
essa parte. O resto me deixava um pouco confusa.
– Na verdade não! O nome da minha garota é outro, mas você pode
chamá-la do jeito que quiser… Desde que não diga nada para o pai dela.
– Não estou te entendendo…
– Presta atenção! – Olhou para a porta por um momento e depois
voltou o rosto para mim. – Você está na casa dos Santori, um dos chefes da
máfia. Sorte minha que ele te encontrado antes dos outros. – Passou as mãos
pelo cabelo. – A verdade é que eles querem pegar a minha garota, mas nós —
Ele apontou para nós dois. — não vamos deixar isso acontecer. Lembre-se: se
perguntarem qualquer coisa sobre Hope, minta!
No tom dele, via que aquilo não era uma pergunta, mas sim uma
ordem.
– Mas... – Meu coração acelerou quando escutei a porta sendo aberta
de repente, encerrando o assunto.
– O chefe está terminando o café da manhã e virá aqui em seguida. –
O mafioso na porta do quarto soltou.
– Ok! – Meu acompanhante levantou-se da cama e deu um sorriso
antes de murmurar para mim. – Lembre-se que sei onde sua filha está.
Meu coração apertou-se ao ouvir aquilo.
Oh céus, o que farei agora?

JAMES

Depois dos comentários de Hope, Léo agiu rapidamente, entrando em


contato com o escritório. Pegou todas as informações conseguidas para
ajudar-me a pensar com clareza e sair do desespero que sentia assim que
escutei as palavras da filha de Santori.
Ligamos as peças e de acordo com o raciocínio lógico, se ela não
tinha pegado a minha Lisandra, só outra pessoa poderia ter feito.
Eu sabia onde ir e o que fazer.
Horas depois, eu atravessava o imenso portão de ferro após mostrar
meu sorriso para a câmera de segurança. Estacionei meu Continental GT em
frente a porta da imensa mansão. Cheguei lá sem marcar um horário,
pegando-os de surpresa.
Respirando fundo, saí do carro e abotoei o paletó antes de puxar as
mangas da camisa branca. A grande porta de madeira foi aberta por um
funcionário vestido com um fraque.
Estava com a horrível sensação de estar em um filme de gangster dos
anos 50. Um arrepio subiu por minha espinha e deixei uma prece sair por
meus lábios antes de dar os próximos passos. Levei minha mão até a medalha
de Santa Mônica na busca por proteção.
Pelo menos, Lis estava em segurança. Falei com ela por telefone e fiz
Jake pegar um maldito avião para onde a menina estava. Só quando soube
que ele já estava ao lado da garotinha e a manteria a salvo, coloquei meus
planos em prática.
Resolveria tudo aquela manhã e depois levaria Lisa para junto de sua
filha. Tinha de fazer isso.
A máfia queria a localização da assassina de Romano? Bem, eu daria
isso a eles.
Mas será que estavam prontos para a verdade?
Os passos que dei em direção à entrada da casa foram rápidos. Tinha
pressa de garantir a segurança da mulher que amo, tê-la em meus braços,
acabar com o medo que me consumia.
Eu não sabia ao certo quanto tempo estavam com ela ou se haviam lhe
machucado. Na pior das hipóteses, ela estava amedrontada e isso já era o
suficiente para a angústia que sentia no peito.
Entrei sem cumprimentar o funcionário e parei em frente as extensas
escadas de madeira. Olhei para a imponente sala de estar e lembrei-me da
primeira vez que estive naquela casa… Ali foi o início de uma missão que
teve impressionantes resultados para a Bureau. Meu coração pesou um pouco
ao dar-me conta de como eu estraguei a vida de Hope para conseguir isso.
A garota havia aprendido bem com o pai. Por mais que tentássemos,
até o momento, ela não deixou nenhum nome escapar. Não sabíamos quem
mais estava ajudando-a durante todo aquele tempo em que fingiu-se de
morta. Após o FBI interrogar alguns funcionários do prédio, encontraram
mais dois apartamentos no nome dela, onde encontraram mais quatro
homens.
Os apartamentos estavam cheios de armas, drogas e dinheiro. O
suficiente para prendê-los. Mas eles tampouco falaram algo.
– Stuart Harris! – A voz do homem que aguardava encontrar estava
fraca. – A que devo a honra?
O chefe de uma das famílias mais conhecidas da máfia estava velho.
Fiquei apenas um ano fora, mas pareceu que havia passado dez anos para ele.
O rosto estava abatido, um olhar distraído, o corpo curvado. Não se parecia
em nada com o grande chefe de outrora.
– Santori! – Não ousei aproximar-me do homem. – Há quanto tempo.
– Queira me desculpar Stuart, mas não tenho tempo para enrolações.
Duvido que tenha vindo me ver apenas para matar as saudades.
O velho ainda tinha muito do típico autoritarismo na voz.
– Será que poderíamos conversar? – Indiquei a porta que eu sabia ser
a da biblioteca dele.
Olhando para o lado, ele encontrou a esposa no batente da porta nos
observando.
– Já faz um certo tempo que não escondo nada da senhora Santori,
Stuart. Acho melhor você ser direto, pois estou com um assunto bem
importante para resolver agora. Se veio para entender o motivo da minha
ausência, volte depois. Você não é mais alguém importante para mim.
Apoiando-se em móveis, ele sentou-se em um longo sofá branco e
balançou a cabeça na minha direção, esperando que eu começasse a falar.
Depois, abaixou a cabeça e apoiou a testa na mão, escondendo parte do rosto.
Ah dane-se! Eu conhecia Santori há tempo suficiente para saber que
se queria suas respostas teria que dançar de acordo com a música orquestrada
por ele. Olhei para a esposa dele e respirei fundo antes de soltar as palavras.
– Eu acredito que minha mulher esteja sobre os seus cuidados.
Lentamente, a cabeça do chefe da máfia levantou-se. Ele estreitou os
olhos para mim e depois pendeu o rosto para o lado. A mulher levou a mão
até o pescoço e engoliu em seco, a grande aliança brilhando na mão já
enrugada.
– Sua mulher?
– Lisandra Hall. – Já que ele queria sinceridade, ali estava.
– A testemunha da morte de Romano é sua esposa?
O maldito velho tinha que colocar palavras na minha boca?
– Ainda não. – Estiquei os ombros e levantei o rosto levemente.
– E por que – Usando o apoio do braço do sofá levantou-se e veio em
minha direção, o rosto cada vez mais vermelho. – Eu deveria entregá-la a
você?
– Querido… – A voz hesitante da mulher surgiu entre nós.
Os olhos azuis do homem viraram-se para a esposa e senti pena dela.
Ele voltou novamente a atenção para mim.
– Você quer saber quem assassinou Romano, não é isso? Por isso está
com ela? Bom, eu sei quem foi e te direi se quiser, assim que Lisa estiver ao
lado da filha.
– Ah sim! O bom príncipe está aqui para salvar a donzela em perigo.
– O velho jogou os braços para cima e balançou-os.
— Estou aqui para garantir a segurança dela. — Levantei meu rosto e
cheguei mais perto dele.
Ficamos cara a cara, como um homem de verdade faria, de acordo
com os padrões de Santori. Um sorriso presunçoso surgiu em seu rosto.
— Está muito corajoso, Harris. Tome cuidado com a petulância.
— Querido, não estrague a vida de Stuart. Gostamos dele, certo?
Lembra-se?
— Gostava antes desse desgraçado matar a minha filha. Ele a deixou
à própria sorte, fazendo-a se matar de desgosto. Agora ele chega aqui e tem a
ousadia de me pedir por essa mulher?
Aquilo não estava indo bem.
— Para de agir como se só você estivesse sofrendo pela morte dela.
— A voz baixa e embargada da mulher deixou o homem desconcertado por
um momento. — Tenho certeza de que não foi fácil para Stuart também.
Engoli em seco. Não podia dizer que sofri muito tempo pela morte da
filha deles, já que ninguém tinha morrido. Estava na hora de acabar com o
sofrimento deles? Ou apenas mudar o foco?
– Eu posso explicar tudo, Santori.
– Pode? – Os cabelos mais longos do homem foram jogados para o
lado quando ele virou-se com brusquidão. – Então como, magicamente,
reportagens sobre você apareceram nos jornais de LA nos últimos meses,
datadas do ano passado? Ou porque sumiu da face da terra por um maldito
ano? Ou a causa pelo qual sua mãe nunca foi vista em nenhum maldito
hospital? Explique qualquer uma dessas merdas.
— O que ele está querendo dizer… — A senhora Santori andou com
passos hesitantes em direção ao marido e segurou-o pelo braço. Como um
anestésico potente, o homem respirou fundo e levou a mão na direção da
esposa. — Você não podia encher o coração de nossa pequena de esperanças,
se não tinha intenção de se casar com ela. Não precisava fugir como um
covarde.
— Porque foi isso o que você fez, não foi? — Balançando a cabeça, o
homem encarou-me, ameaçador. — Estava com medo dos nossos planos e
resolveu fugir? É a única maldita explicação que encontro para essa fuga.
Passei seis meses procurando pelo seu assassino!
— Só paramos quando Hope morreu — a senhora Santori completa as
palavras do marido. — Foi quando a famiglia perdeu um pouco de nossa
atenção.
— E então de repente você volta, como mágica. Depois de meses da
morte de Hope. Não engolimos essa maldita história que você tentou nos
vender. Não sei como fez isso, mas não caímos na sua maldita armadilha,
Stuart Harris.
Aquele havia sido um longo ano para aquela família. Meias verdades
e enrolação não resolveriam nada, eu sabia. Então respirei fundo e joguei a
bomba, esperando que o homem não morresse do coração depois de ouvir
aquilo.
– Meu nome é James Willians, sou agente do FBI e sei quem matou
Romano. – Os olhos do casal arregalaram-se. Puxei o ar com força e terminei
de estraçalhar o coração daquela família. – E tenho provas de que sua filha
está viva.
Colocando a mão na testa e perdendo um pouco a cor rosada do rosto,
a esposa do chefe caiu nos braços do marido, desmaiada. Fechei os olhos,
mas não perdi o olhar atordoado que o homem lançava para a mulher em seus
braços.
SANTORI SENTOU-SE AO LADO DA ESPOSA
DESFALECIDA NO SOFÁ. Acariciou os cabelos loiros em um carinho
suave. Era engraçado ver um bandido como ele ser cuidadoso com alguém,
mas sabia o quanto a esposa era o bem mais precioso dele. Talvez perdesse
para a filha, mas quem poderia garantir? O homem fechou o semblante e
apertou o maxilar antes de começar a latir suas ordens:
— Tragam a garota. Rápido! — Suas palavras foram quase gritadas,
mas seus olhos não deixavam a mulher.
Um dos seguranças, que ficava sempre ao redor, tratou de correr para
a casa da piscina. Senti-me aliviado ao perceber que ela estava bem próxima
de nós. O que provavelmente significava que ele não tinha intenção de matá-
la. Não faria isso dentro da própria casa.
— Obrigado. — Exprimi minha gratidão apesar de não ver sentido
naquilo.
— Não me agradeça ainda, Stuart… Ou seja lá qual for seu nome.
Você ainda tem muito o que explicar.
Levantando-se, ele começou a andar de um lado para o outro. Parecia
um leão enjaulado. A notícia de que o FBI esteve dentro de sua casa durante
todo esse tempo, serviu-se de sua comida e foi cogitado como genro ainda
estava sendo digerida, com toda certeza.
— Diga logo o que tem para me dizer. E peço que respeite meu luto e
de minha esposa, poupando-nos das mentiras. Não pretendia matar sua
garota, apenas colocar um pouco de medo. E, de qualquer maneira, ganhou
minha atenção quando ladrou a palavra FBI.
— Sinto te informar que não é mentira. Tenho provas, mas se vai
acreditar nelas já não me diz respeito.
Santori parou de andar. Os olhos estreitos analisavam-me como um
gavião. A procura por algum deslize ou sinal de mentira? Infelizmente, nada
encontraria.
— Ela sabe quem é? Restou alguma sequela do acidente.
— Ela nunca sofreu acidente algum, Santori. Sua filha fingiu tudo.
As palavras saíram em um sussurro. Não podia imaginar o que seria
para ele aquela traição. Logo ele, um homem conhecido por sua sagacidade,
que ganhava dinheiro pela esperteza e agilidade.
A cabeça ia de um lado para o outro. Atordoado, irritado, incapaz de
acreditar em minhas palavras.
— Tenho provas.
Os olhos azuis me observaram. Ele podia se deixar destruir com as
minhas palavras, mas era mais forte que isso. Endireitando o corpo, o
mafioso tomou as rédeas da situação, deixando o pobre pai amoroso de lado.
— Onde a encontrou? – A voz falhou um pouco, deixando-me
desconcertado.
— Foi ela quem me encontrou.
— James!
A voz de Lisandra chegou aos meus ouvidos, aliviando meu
desespero. Por sobre as largas portas de vidro que dava até a casa da piscina,
o maldito do segurança apertava forte o braço de minha garota. A raiva
borbulhava e a vontade de socar o infeliz era grande, mas não estava no
melhor dos terrenos para dar uma de galo de briga.
Com um puxão do braço, ela livrou-se do segurança e correu ao meu
encontro. Abracei-lhe e enrolei meus dedos em seus cabelos. Respirei fundo,
permitindo que todos meus sentidos confirmassem que ela estava ali. Senti
seu cheiro, toquei-a nas curvas, escutei suas preces de agradecimento em meu
ouvido, afastei-me para ver os olhos lagrimosos e beijei-lhe os lábios com um
selinho demorado para sentir o gosto doce.
— Você está aqui — sussurrei, encostando as testas.
— Você veio. — Ela abraçou-me forte.
— Desembucha, tira. — Santori estava irado.
— Depois que ela sair e entrar no carro que a espera.
— Não! — Lisandra soltou um grito fino e segurei firme em seus
braços — Não, James. Como posso te deixar aqui?
Beijei-a uma vez mais. Deslizei as mãos por seus cabelos, colocando-
os atrás das orelhas. O olhar desesperado apertou-me o coração, mas ela não
correria mais riscos se eu pudesse evitar.
— Tem um carro do outro lado da rua. Preciso que você seja rápida e
vá até ele — sussurrei em seu ouvido, na esperança de que não colocasse as
coisas a perder e fosse o mais rápido possível até Léo. — Lis está te
esperando, amor.
Apelei para o lado maternal dela. Os olhos então encheram-se de
lágrimas mais rápido e respirei aliviado quando ela acenou levemente.
Limpando os olhos, ela me abraçou.
— Não tenho tempo para isso. Ela não sai antes de você me contar
tudo.
— Daí eu perco minha moeda de troca? Nem pensar, Santori. Sou
mais esperto que isso.
— E eu perco a minha se ela sair.
— Eu ficarei aqui e ainda pretendo sair dessa casa com vida. —
Engoli em seco, rezando para que isso fosse o suficiente para o homem.
— Deixe que a garota saia. — A voz da senhora Santori fez que todos
a olhassem.
Com movimentos leves, a mulher começou a levantar-se. O marido
correu para ajudá-la.
— Querida, acho melhor se deitar.
— Ele disse que minha Hope está viva, Santori. Eu quero saber sobre
isso e se preciso que ela saia daqui para que isso aconteça, assim será.
Com toda certeza, Milena Santori era a única pessoa no mundo que
ousava desafiar o chefe daquela família e ter sucesso.
— Um dos seguranças é capacho de Kimberly. — Lisandra sussurrou
em meu ouvido. — Ele está com um anel no dedo, de terno e tem os cabelos
cortados iguais ao seu.
Bom, aquilo servia para qualquer um dos homens ali dentro, mas
decorei tudo o que foi dito de qualquer maneira. Teria de encontrar a minha
maneira de encontrá-lo.
Com um sinal de cabeça, Lisandra foi puxada de meus braços. Segui
o segurança para garantir que ela entraria no carro de Léo. Permaneci na
porta enquanto Lisandra andava até o carro. Os passos vacilantes e a cabeça
inclinada para trás enquanto ia para frente mostrava a dúvida que lhe corroía.
Mas Elizabeth sempre seria a prioridade e por isso ela entrou no carro.
Quando Léo colocou-se em movimentou, eu voltei para a casa,
respirando aliviado.
— Agora diga logo.
— Talvez você queira que um dos seus seguranças dê a versão dele
dos fatos.
Pensa rápido, James. Agora você precisa de um trunfo, uma
informação valiosa para sair daquela maldita casa com vida.
A máfia não matava agentes do FBI, mas toda regra pode ser
quebrada quando as coisas se tornam pessoais demais.
— O que quer dizer com isso? — O homem trovejou e dei de ombros.
— Santori, como acha que sua filha fingiu a própria morte?
— Fingiu? — Milena deixou a voz escapar e levantou-se para ficar ao
lado do marido.
— Olha, eu posso dar todas as informações que vocês quiserem. Sua
filha confiava em mim e abriu-se comigo. Sei porque ela fingiu a morte, sei
de seus planos e tudo o que fez nos últimos meses. Ela…
— Ainda está apaixonada por você. — A sensibilidade da mãe era
tocante.
— Também já sabe como se enganou em relação ao seu caráter? — A
voz continha uma nota de desprezo.
— Já. — Engoli em seco, temendo por dar mais notícias do que
deveria antes da hora.
Mas a informação foi muito bem processada por todos, inclusive pelo
segurança que trouxe Lisandra até a casa principal. Sorri ao perceber que o
pobre coitado condenou-se ao apertar forte os punhos e ficar vermelho de
raiva. Ele não sabia que Hope era apaixonada por mim?
— Quem a acobertou?
— Um dos seguranças dela. O mesmo que te disse que ela se jogou da
ponte, Santori. Eu acho que é aquele ali. — Levantei meu dedo e delatei o
pobre coitado.
Todos os olhos dirigiram-se para o homem, que começou a tremer.
Sabia o que viria pela frente, mas dane-se. Agora era a minha vida em jogo.
— Leve-o daqui.
Ele não tinha saída. Eram muitos ao seu redor. Já estava na máfia o
suficiente para saber que não havia volta e nem perdão por traição.
A ordem foi obedecida tão rápido que nem deu tempo de piscar.
Aquele segurança teria algumas explicações a dar e então responderia por
seus crimes de acordo com a lei da máfia. Ou seja, não sairia vivo dali.
— Conte-me mais.
— Teremos que negociar minha liberdade, com vida. — Frisei a
última parte para garantir. Palavras podiam ser interpretadas de muitas
maneiras.
— E por que acha que sou de confiança? Você acabou de me dizer
que é do FBI. Permaneceu em minhas terras, conheceu meus segredos,
tornou-se amigo de minha filha. Com toda certeza me delatará.
— E você cumprirá seu tempo na prisão com orgulho e não delatará
sua organização. É assim que funciona, certo? Manter-se calado como o
homem leal que é. — Arrumei o terno. Mais um maldito vício para mostrar
segurança e sagacidade.
— Pelo amor de Deus, Santori. Diga logo as palavras.
— Não se meta no que não é da sua conta, Milena! — O grito não
assustou a mulher.
— Uma ova que não! Sou uma Santori tanto quanto você. — Ela
balançou a mão e andou até nós dois. — Hope nunca entendeu como as
coisas funcionam e nem que nós, mulheres, somos mais importantes nessa
maldita organização do que vocês. Nunca compreendeu como é no quarto,
antes de dormir, nas conversas despretensiosas, que você acaba agindo de
acordo com a voz da razão, que sou eu! Faça, fale e acabe com isso —
voltou-se mais uma vez para o marido.
Em algum momento de minha vida teria que enviar uma carta de
agradecimento para essa mulher. Ela tornou minha missão muito mais fácil.
– Diga tudo. Hope, a máfia, o assassinato de Romano. Só então
analisarei sua oferta. – Era melhor que nada.
– Tipo o fato de que Matt Bianco tortura suas vítimas? – Levantei
uma sobrancelha, aproveitando para acabar com aquela imagem que não saia
da minha cabeça.
Eu desejava muito contar essa maldita informação para alguém.
Agora que não tinha mais nenhuma obrigação de agradar o infeliz para
conseguir informações, podia acabar com aqueles dois malditos psicopatas de
uma vez.
– Uma informação que eu não saiba, James. Dane-se a perversão
daqueles dois! O maldito conselho já decidiu por expulsá-los da nossa
família. Já estamos de olho neles há mais tempo do que você está aqui. – Ele
andou de um lado para o outro.
Bom. Alguém devia resolver essa merda mesmo.
– Ok. Mas acho melhor você sentar-se. E aconselharia a retirar os
seguranças. Talvez você não queira que eles escutem o que tenho a dizer.
Manter aquela conversa em sigilo era minha última esperança de
salvar a vida de Hope, mas eu não hesitaria se o homem de terno a minha
frente se recusasse a escutar meus conselhos.
– Eles ficam.
Deixei o ar sair pelo nariz. Do jeito dele então. Abri o terno e retirei
fotos dos últimos meses que passei ao lado de Hope. Os cabelos cortados de
tons diferentes e a gravação, confessando o assassinato de Romano. Tudo que
consegui reunir no pouco tempo entre a prisão de Hope e minha chegada até
a casa. Teriam que ser suficiente.
Passar a próxima meia hora narrando os acontecimentos foi
estressante. Os olhos marejados da mulher partiam o meu coração, assim
como a raiva que crescia no rosto de Santori. Sabia o que aquilo representava
e contava com a segurança que o FBI daria à Hope para que aquela garota
sobrevivesse à fúria do pai.
– Ela matou Romano? – As palavras ditas entredentes saíram da boca
do chefe da família assim que a gravação foi desligada. – Aquela vadia matou
Romano?
– Santori! – Milena levantou-se de um salto, ofendida pelas palavras
do marido.
– Ela traiu a famiglia. – Ele bradou, já não tão mais bonzinho com a
esposa.
Os olhos da mulher voltaram-se para os meus. Tensa, entristecida.
– Você a condenou…
– Sinto muito, Milena, mas Lisandra não pediu para ficar na mira de
sua filha. Eu fiz o melhor que podia para salvar a vida daquelas inocentes
garotas.
Em passos rápidos, Santori se dirigiu à adega que ficava perto da sala
e serviu-se de um copo de vinho. Levou o copo para perto dos olhos e
observou o líquido vermelho-sangue.
– Você a condenou. – A senhora murmurou com a voz embargada
mais uma vez.
– Uma pequena menina de três anos. Sua filha queria matar uma
menininha de três anos. – Tentei mais uma vez me justificar.
– Ela queria matar sua mulher. – A calma havia sumido do rosto
bondoso dela.
– Você não pode culpá-lo por isso. – Santori bebeu tudo em um único
gole. – Faria o mesmo por você. Já fiz coisas piores por sua causa.
Ela engoliu em seco e abaixou o rosto. Envergonhada? Nunca saberei
tudo o que eles passaram juntos, mas sendo quem ele era, muitas decisões
deviam ser tomadas para salvar a vida da família e nem todos deveriam ser
fáceis.
– Vá. – A ordem foi dada com ele ainda de costas.
Eu gostaria de dizer que cada ação da filha foi para agradá-lo, fazê-lo
enxergá-la como uma opção e que, muito provavelmente, se eu e Lisandra
não tivéssemos entrado no jogo, ela teria ganhado aquela merda toda.
Só que eu não podia. Já havia destruído muito da família dos Santori.
E nem estava falando da máfia. Por isso, acenei com a cabeça e saí sem olhar
para trás, decidido a deixar tudo aquilo no passado. De uma vez por todas.
DUAS HORAS DE BRONCA. CENTO E VINTE MINUTOS
ONDE Richard me repreendia sem parar sequer para tomar fôlego. Onde
estava com a cabeça? Que tipo de agente você é? Como teve coragem de
passar por cima de tudo? Está louco?!
Escutei tudo calado. Richard estava certo em me repreender, mas na
verdade não dava a mínima para aquelas palavras. Ao final de tudo, avisou-
me que ficaria suspenso por três meses.
Antes delas, aquele seria um castigo e tanto. Agora, porém, era tudo o
que mais queria. Teria todo aquele tempo para me dedicar as duas, ajudar
Lisandra a restabelecer-se e aproveitaria para analisar o que faria da minha
vida dali em diante.
Quando todo o sermão terminou, acenei e, respirando fundo, ousei
fazer a pergunta que ficou na minha cabeça o tempo todo.
— Senhor, eu sei que você não está nada feliz com minhas atitudes,
mas eu preciso da localização delas. — Engoli em seco. Medo de que agora
ele voltasse atrás com a palavra.
— Eu te prometi, James. — Ele suspirou. — Vou entrar em
contato com Jake e descobrir onde elas estão. A equipe agiu rápido e, uma
hora dessas, Lisandra já deve estar com a filha
— Meu irmão ainda está com elas?
— E você acha que ele sairia de perto antes de você chegar?
Minhas pernas balançavam enquanto Richard digitava, à espera de uma
resposta. Mas o celular que tremeu em seguida foi o meu. Tennesse. Elas
estão no Tennesse.
— Obrigado, senhor!
Levantei de pronto, ansioso para ir até minhas garotas. Assim que dei
um passo para fora da sala de meu superior, senti a mão do homem me deter.
— James. — Virei-me e senti dois tapinhas nas minhas costas. —
Parabéns por agir rápido.
Arregalei os olhos com a mudança de tom e o sorriso no rosto dele. Ali,
a pequenos passos de distância, Richard já não era mais meu superior.
Tornou-se, então, o amigo de longa data que se importava comigo.
— Nunca repita essas minhas palavras, ok? — Assenti. — Apesar de
ter infringido todas as regras do Bureau, você salvou a vida de Lisandra. E
depois de tudo, merecem um final feliz.
Sorri para aquele que apoiou-me tantas vezes.
— Obrigado, Richard. — Segurei a emoção. Estava orgulhoso de tudo
o que fizemos para fechar aquele caso.
Corri então para o aeroporto.
Então, foram mais de duas longas horas de voo para chegar à
Knoxville, no Tennesse, onde as duas encontravam-se, seguido de uma
maratona alucinada até o endereço do hotel que Jake enviara por mensagem.
Isso não foi o suficiente para diminuir o meu nervosismo.
Eu só queria tê-las em meus braços.
Mostrando meu distintivo, consegui entrar sem ser avisado. Assim
que cheguei na porta do quarto comecei a bater, e só parei quando ela se
abriu.
Jake apareceu na porta e relaxou ao ver quem era. Atrás dele, sua
suposta noiva sorriu, vestindo um roupão.
— Elas estão no quarto ao lado. — Emily inclinou a cabeça e meu
coração voltou a disparar.
Ameacei correr de novo, mas meu irmão segurou-me pelo braço antes
que desse qualquer passo.
— Vai com calma, Dom Juan. As duas ainda estão assustadas. Você
não pode bater na porta do quarto delas desse jeito maluco.
Como não conseguia falar, apenas acenei. Com passos lentos, ele
levou-me até a porta ao lado. Antes de chegarmos, puxei-o para um abraço.
— Obrigado, Jake. — A voz saiu embargada.
Senti as fortes mãos baterem em minhas costas.
— Eu que agradeço, irmão. — A voz dele não estava em nada
diferente da minha. — Você cuidou de mim desde quando éramos pequenos,
matou um homem para garantir minha segurança, enfiou-se em cada
enrascada por mim… Céus! E ainda teve que aguentar o meu mau humor. —
O riso saiu anasalado.
— Nada se compara ao fato de que vou bater naquela porta, encontrar
minha mulher, aquela pequena garotinha e apertá-las em meus braços.
— Parem já com esse sentimentalismo. — Emily apareceu na porta
segurando firme o roupão. — Entra logo, homem de Deus.
Sorri para minha colega e respirei fundo, preparado enfim para o
reencontro.
Assim que chegamos à porta indicada, Jake bateu levemente. A voz
de Lisandra foi apenas um sussurro ao perguntar quem era.
— Tenho uma surpresa para você, cunhadinha.
Como se entendesse o que estava acontecendo, Lisandra escancarou
tudo, chorando e balançando a cabeça como desacreditasse naquilo que via.
— Tio James! — A voz de Lis chegou aos meus ouvidos antes dos
bracinhos enrolarem nas minhas pernas.
Agachei-me e segurei a pequenina. As lágrimas que segurei
heroicamente até ali romperam-se e solucei vergonhosamente no meio do
corredor daquele hotel cinco estrelas.
Senti os braços de Lisandra envolverem-nos e tive a certeza de que,
finalmente, estava em casa.
— Amo você. — Beijei a testa de Lis.
— Também te amo, tio James.
Vi a emoção no rosto da pequena e isso fez-me chorar mais.
— Amo você. — Repeti as palavras, agora dirigindo-me a linda
mulher ajoelhada ao meu lado.
— Amo você. — Ela respondeu-me na mesma intensidade antes de
me dar aquele beijo com gosto de boas-vindas.
Acordei com um maldito som martelando em meu ouvido. Abri os
olhos e encontrei as duas mulheres de minha vida dormindo serenamente na
grande cama king size. Meu braço rodeava ambas, que estavam com os rostos
grudados. O barulho voltou a me perturbar e só então dei-me conta de que
meu celular tocava. O nome de Richard apareceu e amaldiçoei-me em ter que
atender. Sabia que coisa boa não era.
Levantei-me e coloquei alguns travesseiros onde estava. Fui até a
varanda, fechando a porta para não atrapalhar o sono das duas.
— Senhor.
— Está sentado?
— Não. — Senti minha mão suar.
— Deveria. — Ele suspirou antes de continuar. — Encontraram o
corpo de Hope hoje de manhã. Envenenaram a comida dela na prisão.
Soltei um longo suspiro. Santori não perdoou mesmo a filha e quis
garantir que ninguém o veria como um fracote. A famiglia estava acima da
famíliae ele deixava isso claro ao matar a traidora.
Sabia que correria o risco de algo parecido acontecer, mas quis
acreditar que o amor paternal dele falaria mais alto. Pelo visto, estava
enganado.
— James…
— Não sei o que dizer, Richard.
— Que tal que não dará mais nenhum passo sem conversar comigo
antes? — Ele esbravejou e não tive nada mais a fazer além de concordar. —
Talvez três meses não sejam suficientes para sua ausência.
— Receberei a sanção que achar necessária, senhor.
— Claro, claro. — Ele bufou do outro lado da linha. —
Conversaremos em seis meses.
O silêncio em seguida foi suficiente para entender que ele desligara a
ligação na minha cara.
Voltei para o quarto e encontrei Lisandra com os olhos bem abertos,
observando-me. Tirei os travesseiros e voltei para o meu lugar, ao lado de
Lis.
— O que aconteceu? — A ansiedade em sua voz partiu-me o coração.
Santori havia dado a garantia de que a máfia não nos procuraria mais,
Hope estava morta e os mais próximos dela estavam presos, ou tiveram o
mesmo fim que ela. Foi por isso, mais calmo, que tive a alegria de proferir as
próximas palavras.
— Estamos livres, amor. Livres!
Os olhos de Lisandra encheram-se de lágrimas. Um sorriso singelo
brotou em seus lábios. Puxei-lhe a mão e beijei os nós dos dedos.
Apaixonado. As lágrimas começaram a cair.
Aquela visão ficaria para sempre guardada em meu coração. A morte
de Hope doeria em mim. Sempre me sentiria culpado por dar as informações
que Santori precisava, mas o alívio no rosto de Lisa encobriria meus pecados.

LISANDRA

TRÊS MESES DEPOIS


COLOQUEI MINHAS MALAS E AS DE LIS NA BALANÇA. A
mulher do outro lado sorriu e pregou os adesivos de identificação antes de
deixá-las rolarem pela esteira para longe de nós. Entregou-me meus
documentos e agradeci.
Foram dois meses em Nova York. Visitei Bruce na cadeia e o mandei à
merda, deixando bem claro que cortaríamos nossos laços daquele momento
em diante: ele não me procuraria mais e eu permaneceria calada quanto a
toda a merda que sabia dele. Vendi o apartamento e resgatei o dinheiro do
seguro de meu salão. Reencontrei Brianna e Kate, que já haviam se
reestruturado, encontrado novos empregos e recomeçado as vidas após todo o
caos. Depois disso, fiz minhas malas e comprei aquelas passagens de avião.
— Prontas?
James estendeu a mão e esperou que eu a pegasse. Entrelaçamos
nossos dedos e olhei para o grande telão com todos os próximos voos.
— Ainda temos duas horas até a decolagem. — Ele ajeitou a alça da
mochila nos ombros. Sua única bagagem nos dois meses que ficamos por ali.
— Eu quero comer, tio James. — Elizabeth levantou o rostinho na
direção do meu namorado.
Agachando-se, ele pegou-a no colo e abriu um extenso sorriso,
beijando-lhe o rostinho.
— O que a madame desejar, ela terá.
Balancei a cabeça em negação. Nunca minha filha tinha sido tão
paparicada assim…
Fomos para a praça de alimentação e pedimos nossos almoços.
Depois de comermos, Lis pegou o tablet para assistir desenho. James pegou
minha mão e começou a brincar com meus dedos. Respirei fundo e passei a
olhar por todo LaGardia.
Passei a lembrar toda a loucura dos últimos meses e aquilo foi o
suficiente para reafirmar que havia tomado as decisões certas. Eu precisava
abandonar aquela cidade para me sentir segura novamente. Gostaria de poder
ir a um simples restaurante e não me perguntar se os homens de terno e
gravata que entrassem sejam da máfia. Queria essa espécie de libertação.
Algo tirou-me dos pensamentos. Olhei para baixo ao sentir um peso
extra em meu dedo. Perdi o ar e uma batida do coração. Uma enorme pedra
adornava o anel que James havia colocado em meu anelar direito. Eu não
podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Meu coração batia acelerado.
Estava feliz com a possibilidade. Senti um nó na garganta ao me dar conta da
emoção que queria irromper por meus olhos.
Encarei James naquele momento.
— Eu pensei em frases bonitas, escrevi textos e organizei um jantar
com minha família para amanhã. — Os olhos dele permaneciam
concentrados no anel — Mas então eu pensei que eu queria te dar a escolha
do não. — Sua voz embargou e sorri para meu protetor, acalmando-o. —
Além do que, fomos nós três desde o começo. Queria que fosse assim
também nesse momento.
Eu tremia, ainda sem voz para responder. Ele continuou.
— Eu gostaria de dar esse passo no momento em que a vida de vocês
se refaz. Quero entrar naquele avião com a certeza de que recomeçaremos
juntos, como uma família. Quando chegarmos lá, quero que você não se
preocupe em comprar ou alugar um lugar para ficar, já que meu apartamento
é o lugar ideal.
— James… Esse passo é… Enorme. — Obriguei-me a dizer.
— Eu sei. E tenho certeza do que quero, Lisa. E não é continuar sendo
o tio James, mas sim o pai dela, inclusive no papel. — Olhou para Lis, que
piscou e virou-se para nós dois. Ficou curiosa por um momento, tentando
compreender porque a encarávamos, mas logo voltou a atenção para o
desenho novamente. — Eu batalhei para tê-las vivas e agora vou batalhar
para mantê-las ao meu lado. Eu só quero…
— Sim!
Cortei a fala dele, pensamentos e, muito provavelmente, a lógica, já
que a boca dele abriu-se e não fechou mais. Sorri, abobalhada com a situação.
O riso se tornou uma gargalhada. James levantou-se e puxou-me para seus
braços. Os dedos buscaram abrigo nos cabelos sedosos que puxei para beijar
os lábios carnudos. Quando seu rosto se escondeu na curvatura de meu
pescoço observei o anel em meu dedo.
— Voo 958 com destino a Reagan/ Washington: primeira chamada.
— A voz da funcionária reverberou por todo o local.
— Vamos recomeçar. Juntos.
— Juntos e seguros. Vou garantir isso. — Senti seus lábios selarem a
promessa.
— Sob sua proteção eu não tenho medo.
Voltei a beijá-lo até que senti uma mão pequenina em minhas pernas
e olhei para baixo.
— Já pode parar de beijar agora.
Gargalhamos com a intromissão e então, pegando nossa garotinha no
colo, James ofereceu o rosto dela e cada um beijou uma das bochechas,
prensando a pobre coitada no meio de nosso abraço.
Aquela era a nossa família.
ENCOSTEI AS COSTAS NO PEITO MUSCULOSO DE MEU
MARIDO. Suas mãos vieram de imediato até minha proeminente barriga de
oito meses. Como se soubesse que o pai estava lhe acariciando, Leon chutou.
Senti o sorriso de James assim que o ar que ele soltou mexeu com os meus
cabelos.
— Ei, garotão. O papai está aqui. — A voz sussurrada em meu ouvido
arrepiou-me.
Olhei para o grande mar diante de mim. Lis estava sentada na areia há
alguns metros de distância de nós, com seus baldinhos e brinquedos.
Havíamos tirado uma longa semana de férias para comemorar nossos
três anos de casamento. Seriam as últimas antes de Leon nascer e, portanto, a
única que teríamos por um bom tempo.
Nos quase seis anos que James e eu nos conhecemos, tanta coisa havia
mudado… Meu salão de beleza agora era em Washington, onde morávamos
em uma casa térrea com jardim e espaço para as crianças. Minha pequena já
estava na escola fazia um bom tempo e James havia dado seu sobrenome para
ela.
Casamos pouco mais de um ano após o pedido dele no aeroporto. O
tempo suficiente para organizar a cerimônia simples na igreja de Santa
Mônica, na Califórnia. Depois, passamos um final de semana ao lado da
família em um dos hotéis à beira da praia. Foi nossa pequena lua de mel. O
início do felizes para sempre.
O terror dos primeiros meses assaltava-me de vez em quando. O tempo
de fuga, de isolamento no apartamento, o Tennesse e, principalmente, os
momentos que vieram após a morte de Hope.
Um misto de dor e liberdade que nos perseguiu por meses.
Seria fácil aceitar a benção do fim nos momentos de tensão, se a máfia
não tivesse matado a assassina. James culpava-se por tudo o que aconteceu e
partia-me o coração ver que, por mais que lutasse, aquela dor nunca o
deixaria. Somado ao fato de que ele amou aquela garota um dia, como um
amigo, as coisas só pioravam.
— Por onde essa cabecinha anda? — O nariz dele passeou pelo meu
pescoço e sorri com o carinho.
— Em nada. Em tudo. — Suspirei e olhei para o alto. — Pelo que
passamos para desfrutar de um lugar maravilhoso como esse, em um
momento de tranquilidade como o de agora.
— Que bom. Agradecer às graças que recebemos é bom. — Ele
deslizou o dedo por meu colar.
— Tornou-se um homem religioso, marido? — Endireitei-me em seu
colo, virando o tronco parcialmente para poder enxergá-lo.
— Acho que precisei de um pouco de fé depois de tudo. — Ele deve ter
visto a confusão em meu rosto, pois passou as mãos no cabelo e sorriu sem
jeito. — Passei muito tempo remoendo o que aconteceu, Lisa. Revivendo os
momentos e pensando no que tive de fazer para garantir a segurança de
vocês. Nada do que fiz foi simples, mas todas as decisões foram muito fáceis
de serem tomadas. A morte de Hope e de Sandro, assim como aquela
garotinha com a mãe que presenciaram meu silêncio… — Uma longa lufada
de ar deixou os pulmões dele. — Passei um bom tempo sem dormir pensando
em meus pecados.
— Amor… — Levei a mão para seu rosto e ele inclinou a cabeça,
deixando um beijo na palma.
Não sabia o que dizer para diminuir o clima, para explicar-lhe que, na
minha opinião, ele nunca errou nas escolhas feitas. Antes que pudesse
formular palavras de conforto e carinho, ele continuou a linha de raciocínio.
— Está tudo bem. Eu entendi, depois de muito tempo, que eu não
poderia ser culpado pelas decisões que nenhum dos dois tomaram durante a
vida. Mesmo quando usava Hope como informante na máfia, sempre tentei
levá-la a pensar em uma vida longe daqueles homens. Queria que ela
repensasse aquela ideia estúpida de tomar conta da máfia. E não por achar
que ela não daria conta…
Um maldito frio subiu por minha espinha ao me lembrar das imagens
daquela sacada.
— Depois de tudo o que passei, o que a vi fazer, tenho que confessar
que ela seria bem capaz de gerir aquela organização.
— Hope seria melhor que quase todos os homens que trabalham lá.
Ela tinha astúcia, malícia e determinação o suficiente para conseguir o que
queria.
Fiz uma careta que fez meu marido rir. Eu jamais ficaria feliz com o
fato de que aquela mulher tentou levá-lo para a cama e nem os meios que ele
utilizou para conseguir aquela confissão. Não era fácil pensar nele duro perto
dela… Mas assumo que fiquei infeliz com os resultados.
— Para com esses pensamentos, sua maluca. — Ele bateu em meu
nariz com o dedo. — Odiei cada minuto do que tive de fazer, você sabe. —
Encostando-se no sofá, ele nos ajeitou e levou os olhos para Lis. — Se eu não
tivesse ido até aquela casa e contado a verdade para Santori, ele ficaria
sabendo das boas novas quando a mídia explodisse com informações sobre o
julgamento dela. A filha acabaria sendo morta do mesmo jeito e eu não
estaria aqui com vocês.
— Ele faria mesmo isso, né? — Levei minhas mãos para a barriga.
— Sim Lisa, ele faria. E jamais vou entender como ele pode escolher a
máfia à própria filha. Ao mesmo tempo que sei que Hope também faria a
mesma escolha, se precisasse. — Deu de ombros. — Então não me sinto mais
culpado por nada e tive que pedir muito a Deus para me dar discernimento e
conseguir me perdoar.
— Fico feliz que tenha conseguido.
— A única coisa que jamais seria capaz de me perdoar é se te
magoasse. A você, a Lis e agora… — As mãos cobriram as minhas. — Ao
Leon.
— Ele vai se achar o resto da vida, não é? — Mudei o assunto de forma
drástica, na tentativa de desanuviar o clima pesado.
— Eu falei que colocar o n no final não o enganaria.
— E nem ao Jake. — Comecei a rir e senti o beliscão na barriga. —
Jamais me esquecerei do rosto indignado do seu irmão ao ver que
homenageamos o Léo com o nome do nosso menino.
— Leo também não. Inclusive, Jake diz que tem pesadelos com o
sorriso do gato de Cheshire que nosso amigo lançou, e de todas as piadas que
escuta até hoje. Você me colocou em maus lençóis com meu irmão, garota.
— Ele mordeu meu ombro e ri. — Emily diz que ela ainda o trocará pelo ex.
Afinal de contas, nós o trocamos.
— Desculpa amor, mas Léo foi muito importante para mim naqueles
meses.
Suas mãos deslizaram por meus cabelos. O sorriso morrendo um pouco.
— Eu sei. E apenas por isso aceitei esse nome.
— Papai! — Lis gritou e acenou para que James fosse até ela.
— Estou sendo requisitado. — Afastei-me, ele se levantou e beijou
meus lábios antes de correr até nossa filha.
Os dois brincaram até a chegada do almoço, quando eu os chamei.
Sobre protestos, ambos vieram até nossa mesa à beira mar. Antes de
chegarem, o telefone de James tocou e atendi, ao ver o nome do meu
cunhado.
— Oi cunhadinho querido.
— Lisa! — Balancei a cabeça em negação ao pressentir o que viria. O
tom de sua voz denunciava as intenções.
— Férias, Jake, férias.
James olhou-me com o cenho franzido e sussurrei o nome de seu irmão
para que soubesse com quem eu estava falando. Ele mordeu o lábio e fez uma
pequena careta.
— Não é hoje. Juro para você que espero vocês voltarem. — Silêncio
por pouco segundos. — Quando voltam mesmo?
— Vou passar para seu irmão, Jake. — Estendi o celular.
James o recebeu e cumprimentou o irmão enquanto ajeitava Lis na
cadeira.
— Volto em quatro dias. Sobre o que é? O que precisa? Ok. Sim.
Tráfico de drogas? Pode ser. Me manda um e-mail com as informações. Ok,
irmão. Tchau!
Assim que desligou, a mão foi até os cabelos e os bagunçou. Os olhos
iam para todos os lugares, menos para mim.
— James?
— É só… É que… Não vamos interromper nossas férias. Juro.
Respirei aliviada e passei a servir o meu prato para o almoço. Puxei
firme o ar para sentir o delicioso aroma do filé com fritas à minha frente.
— Se não vai interromper minhas férias. — Dei de ombros.
James puxou meu rosto e beijou-me.
— Eu te amo. Já falei isso?
— Também.
O que mais eu poderia dizer? Eu casei-me com um agente. O melhor,
mais lindo e gostoso do FBI. Missão dada era missão cumprida e eu sou a
prova viva disso.

FIM
LEIA TAMBÉM:

Sinopse:
Natália Fonseca era uma mulher independente que precisava urgentemente se casar
para herdar a empresa da família. Essa era a única cláusula obrigatória. O problema
era que ela não tinha nenhuma intenção de se prender a um homem.
Ricardo Valença era um famoso dono de boates. Filho de Fernando Valença, um
poderoso político, Ricardo vê-se obrigado a lançar candidatura para governador a fim
de agradar seus pais. Mas para isso, necessitava de uma melhor imagem para poder
vencer as eleições.
Uma proposta que beneficiaria os dois...
O que não estava nos planos era ficarem fisicamente atraídos. Render-se a essa
vontade poderia atrapalhar o plano de ambos.
Como viver dia a dia com alguém que você deseja, mas não deve ter?
Link: https://www.amazon.com.br/dp/B07W31DP24
Sinopse:
Após descobrir que seu marido a traía com uma de suas melhores
amigas, Flávia sente-se devastada. Seu mundo estava de cabeça para
baixo e a única certeza que tinha era que precisava de algo novo e
estimulante para se reerguer. Com o apoio das amigas ela se matricula
em uma academia para ajudar na mudança do corpo, mas precisando
mesmo é de uma mudança na alma.
Anderson e Pedro são dois grandes amigos, professores de educação
física e trabalham na academia Corpo e Alma. Dois mulherengos que,
por obra do destino se interessam pela mesma mulher. A doce e
inocente Flávia mexerá com a cabeça deles e causar uma bela de uma
confusão.
Como lidarão com o redescobrimento do amor próprio, a amizade e a
atração? O que falará mais alto?
Encontros e Desencontros do amor é uma série de livros que conta a
história de quatro amigas e suas aventuras no amor. Nesse primeiro,
vamos conhecer Flávia e sua busca em se redescobrir mulher.
Link: https://www.amazon.com.br/dp/B07ZLV1754
Sinopse:
Tatiana Amorim está grávida. De ninguém mais, ninguém menos que
uma antiga paixão platônica. Tem uma família muito religiosa e não
sabe como contar a eles o que está acontecendo. Para não decepcionar
muito seus pais, faz um pedido para o pai de seu filho.
Leonardo Brandão descobriu que será pai da mulher de seus sonhos. A
mulher que ele insiste em conquistar e que ela insisti em dispensá-lo.
Sua fama de mulherengo faz ela querer distância dele. Ela faz um
pedido, ele vê como uma ótima oportunidade e estar mais perto dela e
de conquistá-la.

O filho aproxima. As dificuldades virão. Apenas o amor será capaz de


mantê-los juntos e fortes.
Link: https://www.amazon.com.br/dp/B0863C8D9F
Agradecimentos
Meu muito obrigada, primeiro, a você leitor que chegou até aqui. As
minhas leitoras do Wattpad, que votaram, apoiaram, comentaram e me
apoiaram durante todos esses dias, na escrita desse livro e tantos outros.
Ao meu marido pelo apoio e carinho. Por acreditar em mim e estar
sempre me incentivando a não desistir. Aos meus filhos, que são os amores
de minha vida e dão razão para tudo o que faço.
Aos meus irmãos, familiares, pais e amigos que estão sempre ao meu
lado, que topam ler meus livros e apoiam.
À Naty, que sempre acha os melhores avatares da vida para meus
personagens e lê minhas histórias estando sempre disposta a ser sincera
quanto a tudo. Rs
À Mônica Nunes, uma amiga literária, que me deu todo o suporte, dicas
e indicações para tornar esse livro possível.
Às meninas do @crazyforhotbooks e todas as autoras assessoradas por
elas, pelo apoio, força e garra nessa nova fase da minha carreira.
Ao Danilo Barbosa, apesar de ser um processo doloroso, eu sei da
importância do seu trabalho e Sob sua Proteção está melhor depois de seus
toques.
E ao Michael, pela diagramação perfeita.

[1]
Expressão utilizada para referir-se à homens que tenham interesse em entrar na máfia e
estão sob os cuidados de algum cappi.
[2]
Expressão utilizada para referir-se à homens que já tenham sido aceitos na máfia.

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