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Daniel Turner
Olhei para minha mãe, pronto para repreendê-la, mas ela não deu
tempo. Bateu em meu ombro e puxou Melissa, falando sobre algum assunto,
enquanto Melissa me olhava debochando da minha sina. Eu me contive em
um suspiro derrotado e voltei para dentro da casa dos meus pais.
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Minha mãe teve um dia feliz. Era quase impossível não enxergar toda a
felicidade estampada em seus olhos por ter seus filhos em volta de sua mesa.
Ela era dessas mães que fazia questão de que todos os filhos estivessem ao
seu redor, e fazia desse feito um acontecimento. Seus filhos e o intruso, que
ela também chamava de filho. Confesso que a provocação era apenas isso,
provocação. Nate era um cara bom, quando Milla foi sequestrada há três
anos, ele não pensou em sua carreira ou em nada que pudesse dar errado
para ele, seu único objetivo era salvar Milla. Me ajudou a resolver o
problema que era Steven, o perseguidor da minha irmã, com as próprias
mãos. Ele abandonou um jogo decisivo para salvar minha irmã. Foi ali que
ele ganhou um irmão, embora eu jamais fosse assumir isso publicamente. O
que começou com um namoro fingido se tornou uma história de amor e essas
balelas. Mas era verdadeiro, ninguém poderia negar.
— O melhor presente de aniversário, com toda a certeza do mundo, é
ter vocês aqui. — Minha mãe afirmou com os olhos marejados — Quando
vocês tiverem os filhos de vocês, verão que são esses os momentos que mais
valem a pena. A família reunida.
Melissa segurou a mão de mamãe por cima da mesa e meu pai beijou-
lhe o topo da cabeça. Eles eram um exemplo de amor e companheirismo que
com certeza, se eu um dia fosse me casar, o que não aconteceria nunca, mas
se acontecesse, eu não iria querer menos que isso. Essa adoração explícita e
companheirismo em todos os momentos.
— Quando será o casamento? — Meu pai perguntou aos noivos.
— Por mim, casaríamos neste fim de semana em um cartório, Patrick.
— Mas de jeito nenhum! Melissa é muito acomodada e nem vamos
falar de Daniel, mas Milla é minha única esperança de fazer uma festa de
casamento! Tem que ser uma festa linda!
Melissa fez uma cara de ultraje e eu apenas suspirei resignado.
— Nate está sendo bobo, mamãe. Claro que haverá uma festa, nos
casaremos em seis meses. — Enquanto ela falava, Nate beijou-lhe o topo da
cabeça como meu pai fez com minha mãe. De alguma forma, o ato mexeu
comigo. Porque ela ainda era a minha irmã mais nova, a mais nova dos três
porque, como Melissa afirmou a vida inteira, era mais velha três minutos.
Milla também era a mais ingênua, bondosa e vulnerável das duas, sempre foi
a mais protegida. Ver o carinho de Nate, mais uma vez confirmou o que eu já
sabia: ele cuidaria dela. Era difícil perder o cargo de irmão protetor, mas
pelo menos, ela ficaria bem. — Será aqui no rancho, para poucas pessoas,
somente família e amigos próximos.
Com esse comentário mamãe se levantou aos gritos de prazer e
Melissa a acompanhou, todas rindo e fazendo planos de como tudo seria.
Nate alugaria o maior hotel de Livingston para os convidados e fariam a
recepção no rancho. Enquanto as mulheres se afastavam agitadas, eu olhei
para Nate.
— Estou pensando em como ficará Livingston, caso descubram que
será aqui o casamento da grande estrela do hóquei, O Raio do Gelo — Dei
um riso sarcástico — Essa cidadezinha vai ferver.
Porque Nate não era somente um jogador de hóquei. Era o melhor
jogador da liga e vencedor da Copa Stanley por quatro anos consecutivos.
Sucesso em todas as áreas da vida e completamente preso pelas bolas pela
minha ingênua irmã.
— Tudo o que não queremos, embora devamos estar preparados para
isso. — Ele disse com uma careta.
— Você a pediu em casamento na final do jogo do ano, em frente às
milhares de pessoas que assistiam na arena e em casa. Se queria discrição,
começou da pior forma.
Embora meu tom tivesse uma nota de crítica ao olhar Nate, ele tinha
um leve sorriso no rosto, como se a mera lembrança mexesse com ele. Eu
revirei os olhos internamente, porém o olhar de meu pai dizia que ele sabia
exatamente o que eu estava pensando.
— Me faria o homem mais feliz do mundo que o casamento de vocês
acontecesse aqui no Rancho, onde Milla cresceu. Contudo, temo que, por
segurança, seja melhor o realizarem em um lugar mais seguro. Não será um
casamento simples. Ivana e Melissa viram em um jornal que já está sendo
considerado o casamento do ano.
— Vamos tomar todas as medidas necessárias para que o casamento
ocorra sem problemas. É o sonho de Milla se casar na casa onde cresceu e
eu estou mais do que disposto a realizar o sonho dela. — Nate respondeu,
decidido.
— Certo. — Papai concordou rindo.
Minha mãe e irmãs voltaram para a sala de jantar e o resto da noite
passou sem intercorrências. Era cada vez mais raro nos juntarmos desse jeito
e ainda assim, maravilhoso. Minha família teve seus problemas ao longo dos
anos, mas éramos munidos de amor e cumplicidade.
Na sala, papai colocou um filme de comédia, e à luz da lareira e vinho,
em uma noite de inverno, a nostalgia me tomou. Melissa tinha a cabeça no
colo de minha mãe e ocupava um sofá quase inteiro. Meu pai estava no chão,
próximo à minha mãe. Milla e Nate estavam aninhados juntos em um sofá
menor, e eu estava na poltrona de um só lugar. Parece que foi ontem quando
minhas irmãs eram duas pirralhas brigando por chocolate, com pantufas e
pijamas e, embora o tempo houvesse passado, eu só poderia ser grato por
todo o amor que permanecia.
CAPÍTULO 02
Ashley Mackenzie
O primeiro sinal de que algo deveria estar errado, foi a rapidez que
consegui pegar um táxi no sábado à noite em Chicago. Isso nunca aconteceu
comigo quando precisei. Hoje foi a última reunião da temporada com a
equipe de saúde do Chicago Winters, o time de hóquei do momento e do qual
eu sou fisioterapeuta há três anos. Quando saí de Helena, Montana, aos vinte
e dois anos com uma proposta de emprego no Winters em Chicago, um
diploma na bolsa e minha melhor amiga Milla a tiracolo, jamais imaginaria
quantas coisas eu conquistaria.
Com o Chicago Winters, eu, que até então era somente uma garota que
nunca tinha saído de Montana, viajei pelo país e até mesmo fora dele.
Conquistei meu próprio apartamento, meu carro (embora estivesse no
conserto) e um namorado lindo. Eu e Fred estamos juntos há dois anos e
tenho fortes indícios de que em breve ele irá me pedir em casamento.
Principalmente porque há exatamente uma semana, Nate pediu Milla em
casamento e ele me deu a entender que em breve seria a nossa vez.
Ele é médico, loiro, com olhos escuros como a noite, um sorriso
matador e alguém que eu conheci através de Nate. Eu o conheci em um
simpósio de medicina esportiva e o interesse foi instantâneo. Não muito
tempo depois, estávamos namorando. Eu sempre fui aquela garota
sonhadora, que idealizava um relacionamento de cumplicidade e
companheirismo e tinha encontrado tudo isso com Fred. E era por isso que
eu estava, neste exato momento, indo para o apartamento dele, vestida com
uma lingerie por baixo de um sobretudo preto e botas altíssimas.
O segundo sinal de que algo não estava bem, foi o carro de Fred na
garagem. Olhei para o meu relógio sim, ainda faltava uma hora para que
acabasse o seu plantão. Provavelmente, algo deveria ter acontecido. Sacudi
a cabeça e peguei a minha cópia da chave na bolsa. Tínhamos combinado de
almoçar com seus pais amanhã, então resolvi lhe fazer uma surpresa.
O terceiro sinal bateu em meu rosto assim que abri a porta. Fred
sempre foi organizado ao extremo, então não foi por nada que fiquei pasma
com a trilha de roupas que começava na porta da frente e subia as escadas.
Roupas de Fred e… Roupas femininas. Meu estômago se revoltou. Como se
estivesse condicionada, segui a trilha de roupas que, como esperava, deu no
quarto de Fred.
Um quarto que era um pouco meu também.
Levantei os olhos da trilha de roupas e me deparei com a bunda branca
de Fred impulsionando ferozmente entre as pernas de uma bela mulher
asiática. Olivia Gessinger, a residente de pediatria linda de morrer e
orientada por Fred. As mãos de Olivia estavam na cabeceira, que se chocava
contra a parede, e em um desses impulsos, o porta-retrato com uma foto
minha e de Fred em nossas férias em Austin, inverno passado, caiu no chão e
trincou.
Tão simbólico.
Eu não saberia dizer por quanto tempo fiquei ali, estática diante da
cena que se desenrolava em minha frente. Em algum momento, Olivia
pareceu perceber a minha presença e empurrou Fred. Quando ele olhou em
minha direção, seu rosto estava branco.
— Ursinha…
Eu apenas levantei uma das mãos.
— Não. Fale. Nada.
— É uma pesquisa…
Meu temperamento normalmente dócil e gentil, explodiu.
— Cale a boca, Fred! Está me achando com cara de trouxa? O que
você estava pesquisando com seu pau na vagina dela?
— Ursinha, n…
— Não me chame assim!
Olivia já terminava de vestir seu sutiã e já tinha a calcinha de volta ao
corpo. Acredito que eu deveria estar no caminho do resto de suas roupas.
Mas meus olhos assassinos estavam mesmo em Fred. Porque, por mais
desleal que Olivia tivesse sido, meu compromisso era com Fred. E o dele
era comigo.
— Some daqui, garota.
Ela não esperou por outro comando e saiu em disparada. Fred me
encarava ainda nu, pedindo misericórdia com os olhos. Eu fui em direção ao
seu closet e passei a pegar todas as minhas coisas com raiva. Senti seus
passos hesitantes vindo em minha direção.
— Ash, meu amor, não significou nada para mim. Ela ficava marcando
em cima, quando eu vi…
— Pois então que ruim para você, Fred. Acabou de jogar dois anos de
relacionamento no lixo por algo que não significou nada. — Minha voz nesse
momento estava mais para desanimada. Como foi que não vi esse lado de
Fred? Ele não foi nem mesmo homem o suficiente para reconhecer que errou,
culpando apenas Olivia. A decepção no momento era maior que a raiva.
— Não fale assim, Urs… — Ele parou ao ver o meu olhar em sua
direção — Ash. Amanhã será um dia único e especial para nós. Eu já tinha
comprado um anel, seria o meu pedido oficial…
Foi ali que eu perdi tudo, enquanto pegava meus sapatos e algumas
roupas. Parei de recolher meus pertences e olhei para Fred estilo Samara
Morgan, de O Chamado. Meu cabelo negro estava no rosto enquanto eu
olhava, pelos espaços entre as mechas no meu rosto, a cena mais ridícula do
mundo.
Fred estava nu, ajoelhado no chão ostentando um anel em uma caixa
vermelha de veludo. Sua boca inchada pelos beijos de outra mulher, o quarto
emanava perfume doce e feminino que não era meu, seu pau ainda semiereto
por uma mulher que não era eu. Olhei para o sapato em minha mão, era um
Jimmy Choo, nude. Sem pensar nas consequências, joguei e acertou sua
cabeça. O barulho do sapato acertando sua cabeça foi seguido de um urro de
dor e surpresa.
— Sabe o que eu quero que você faça com esse anel, Fred?
— Enlouqueceu, Ash?
Eu peguei outro sapato, agora um tênis dele de corrida e voltei a jogar
em sua direção.
— Quero que você enfie o seu pau nele! — Joguei um terceiro sapato
— E depois as bolas!
Eu estava transtornada. Passei a jogar todos os sapatos em direção a
ele enquanto gritava todos os tipos de obscenidades. Eu sempre tive uma
natureza dócil, então desconhecia o espírito que se apoderava do meu corpo
no momento.
— Ashley, pare, vamos conversar!
Eu comecei a rir como uma psicopata louca.
— Você quer conversar, Fred querido? — Eu me aproximei em falsa
doçura, agora com um sapato de salto nas mãos — Então converse com o
salto desse sapato, idiota!
Fred tentou se esquivar, mas pelo menos duas sapatadas eu consegui
acertar em suas costas. Ele correu e se fechou no banheiro, dizendo que só
sairia quando eu estivesse mais calma. Eu respirava com dificuldade pelo
esforço, meu sobretudo agora um pouco aberto. Olhei em direção ao espelho
e se não fosse tão trágico, eu teria rido da minha situação. Olhei para os
sapatos espalhados pelo quarto, minhas roupas no chão, minha situação
deplorável e decidi ir embora.
Eu já não tinha mais nada ali. Nada para fazer ali. Com as mãos
trêmulas, olhos queimando e voz falhada, pedi um Uber. No caminho para
casa, somente um pensamento não me abandonava: Fred me pediu em
casamento minutos após estar transando com outra mulher. Fred, que eu via
como um príncipe encantado, perfeito e como eu sempre sonhei, tinha
acabado de quebrar meu coração.
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Achei que você não viria mais. — Milla reclamou assim que me viu
aproximar.
— E porque eu faria isso? — Disse dando-lhe um beijo na bochecha,
evitando tirar meus óculos para que ela não visse meus olhos vermelhos.
— Você claramente está me evitando.
— Claramente, não.
Eu não atendi as ligações de Milla no dia anterior. Ela acabaria
sabendo que eu não estava mais com Fred, mas queria evitar por pelo menos
um dia, só queria um dia de paz para lamber minhas feridas.
— Eu já sei o que aconteceu. — Claro que ela sabia — Você terminou
com Fred.
Mantive minha expressão neutra ao responder.
— O que eu posso dizer? Não é como se eu tivesse uma escolha a
respeito.
— O que aconteceu?
— Não quero falar sobre isso agora. Vamos falar sobre o casamento
do ano.
Ela pareceu ainda querer discutir, mas falar do casamento suavizou sua
expressão.
— Do ano que vem, né? Estamos em novembro e preparando o
casamento para junho do ano que vem.
— Que seja, ainda assim, será um dos eventos mais esperados do ano.
Agora ela tinha um sorriso largo nos lábios.
— Será em Montana e já prepare tudo. Você, Natalie e Melissa serão
minhas damas de honra.
Eu quase chorei, estava muito feliz por Milla. Se eu imaginei, enquanto
estávamos na faculdade, que aos vinte e cinco teríamos encontrado o homem
dos nossos sonhos? Sim, acreditei. Com Milla aconteceu e eu não poderia
ser egoísta de ficar triste por não ter dado certo comigo. Ela merecia o
melhor.
— Obrigada.
— Boba. Não acredito que passou pela sua cabeça que poderia ser
diferente.
— Mesmo assim. É uma honra e você sabe. — Eu ainda me
surpreendia com esses pequenos gestos. Nunca tinha ido a um casamento,
muito menos fui dama de honra.
— Só não nos vista com um vestido horroroso.
Olhei para cima, para a dona da voz, já recebendo um beijo no rosto
de Natalie. Ela estava com o cabelo negro preso no alto em um rabo de
cavalo desajeitado e tinha um copo de café na mão. Provavelmente vinha da
arena.
— Claro que não. Vou deixá-las livres para escolher o modelo.
— É ou não a melhor noiva? — Natalie disse, dando um abraço de
lado na cunhada. Natalie era a segunda no comando do time, uma vez que era
de fato, uma das herdeiras.
— Bondade de vocês. — Milla afirmou já envergonhada.
— Nate já avisou que o casamento será em Montana. Teremos que
pensar em várias estratégias para que funcione. Você sabe, a mídia vai ficar
em cima. — Natalie ponderou.
— Não quero nada extravagante. Uma cerimônia simples para os
amigos mais próximos.
— E como foi o aniversário da sua mãe? — Natalie perguntou
animada.
— Foi maravilhoso! Embora tenha sido em um dia de semana,
conseguimos organizar para que Daniel e Melissa estivessem presentes.
Daniel.
Argh.
Só a menção do nome já me deixou enjoada. Daniel Turner, irmão mais
velho da minha melhor amiga e também o homem mais cínico, insuportável e
a representação de tudo o que um homem não deve ser. Era de se esperar que
um homem criado por uma mulher maravilhosa como Ivana Turner e tendo
duas irmãs mais novas, fosse um príncipe, e esse foi o meu erro. Mas,
príncipe é tudo o que Daniel não é.
Está mais para bad boy ultrapassado.
Há um tempo eu até achei que fosse um príncipe, mas logo me desiludi.
Daniel usa as mulheres, ou como ele mesmo diz, deixa que elas o usem. Não
ajuda que ele seja lindo, mas eu detesto sua personalidade. E detesto ainda
mais que ele adore zombar das minhas idealizações românticas.
Nunca me esqueceria da fatídica noite, quando eu tinha dezoito anos e
fui passar o dia de ação de graças na casa dos pais de Milla. E foi quando o
conheci. Em uma noite, eu estava na cozinha e ele chegava da cidade,
bêbado, junto com outros colegas. Eles começaram a dizer que, já que as
irmãs de Daniel estavam fora de cogitação, ele tinha algo a dizer sobre a
amiga da irmã, no caso, eu. Suas palavras foram:
“— Façam o que quiserem, mas já aviso que ela é cilada. Bonitinha
sim, mas muito nova e bobamente romântica. Se beijar, apaixona e já quer
casamento e filhos”
Ele riram de mim e eu fiquei mortificada com a situação. Tão
mortificada que deixei o copo cair no chão e estilhaçar em pequenos
pedaços. O que seguiu foi uma onda insuperável de constrangimento, onde eu
corri de volta para o quarto que estava ocupando. A partir dali, qualquer
idealização a Daniel se foi. Ele era um idiota e não mudou com o passar dos
anos. Se alguma coisa, ficou pior.
E nunca conseguimos nos dar bem.
— O que você acha, Ash? — Milla perguntou, me tirando do devaneio.
— O que? — Perguntei.
— Menina, onde está com essa cabeça? Sobre a cor dos nossos
vestidos. Eu gosto de azul claro. — Natalie disse, porém seus olhos azuis
estavam estreitos em minha direção.
— Eu gosto. — Disse, tentando me entrosar no assunto.
— Ela terminou com Fred. — Milla afirmou com o mesmo olhar de
Natalie. Agora eu era alvo da atenção das duas e ainda não tinha entendido
como isso tinha ocorrido.
— Oh, meu Deus, você está bem? — Natalie disse.
Olhei para ambas, suspirei e então contei o episódio. Ao terminar,
Milla valentemente ostentava uma expressão solidária, em contrapartida,
Natalie urrava chamando a atenção de todos no café para nossa mesa. Ela
chorava de rir.
— Me desculpe… Me desculpe... Você mandou ele enfiar o pau e as
bolas no anel?
Ela voltou a rir histericamente. Logo, Milla já não estava mais
resistindo e até mesmo eu passei a rir da minha tragédia.
— Amiga, me desculpe. Mas é que eu nunca te imaginei falando essas
coisas, então está difícil processar. Mas podemos matá-lo e esconder o
corpo, o que acha? — Natalie disse enquanto se recuperava.
Mais uma onda de risos nos acometeu. Ri tanto que meu abdome doeu.
— A única pessoa que é alvo de sua raiva é meu irmão Daniel,
considerando que nos últimos três anos vocês estiveram na garganta um do
outro.
Pronto. Meu semblante se fechou. Porque eu já poderia imaginar o
semblante satisfeito dele quando soubesse do desastre do meu
relacionamento. Segundo ele, o último homem fiel era seu pai e, talvez, Nate.
Provavelmente começaríamos uma discussão onde Nate, Milla ou Natalie
interviria e só então parávamos de nos ofender. Essa era a nossa dinâmica.
— Seu irmão é a representação de tudo o que eu não quero em um
homem.
— Mamãe estava pegando no pé dele sobre sossegar, mas ele continua
irredutível. Eu digo que é por ele nunca ter se apaixonado de verdade. No
dia que ele se apaixonar, será um homem rendido.
— Eu também acredito nisso. Se você baixasse um pouco a guarda,
veria que por baixo de toda aquela aura cínica há um bom coração. —
Natalie afirmou antes de tomar o resto de seu café.
O que mais me irritou no grande advogado workaholic que só pensa
em mulheres e dinheiro, além do óbvio e da mortificação que passei em sua
presença aos dezoito anos, não foi sua personalidade superficial, e sim o
fato dele também repudiar tudo o que eu represento. Ele detesta que eu,
diferente dele, queira estabilidade, romance e segurança. Ele zomba disso.
Ele adora rir às minhas custas e eu fiz um juramento de nunca deixar barato
suas implicâncias. Eu nunca mais abaixaria minha cabeça diante dele. E isso
fez com que travássemos uma guerra ao longo dos anos.
E é por isso que eu o odeio.
Cerrei os dentes ao responder.
— É aí que vocês se enganam: para se apaixonar é necessário ter
coração e isso, Daniel Turner não tem.
CAPÍTULO 03
Daniel Turner
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Às vezes era muito difícil ser o irmão mais velho e chefe de Milla. Era
uma linha que, mesmo ao longo dos anos, não tínhamos conseguido
estabelecer. Ela saiu com Natalie mais cedo e tinha esquecido o celular no
escritório. E claro, me ligou do celular de Nate implorando para que o
levasse na cobertura que morava com Nate, pois estavam com uma
emergência.
Fiz todo o caminho com um humor de merda, pois tudo o que eu queria
mesmo era chegar em casa e ficar nu, tomando meu uísque. Tudo o que eu
queria era a paz do meu lugar para recuperar as energias deste dia cheio de
problemas. Tive mais duas reuniões desgastantes e minha cabeça estava
latejando de dor. Depois de dizer pela enésima vez que seria a última vez
que faria favores para ela, cá estava eu, fazendo favores para Milla. Minha
irmã cabeça de vento.
Entrei no elevador privativo, e logo que se abriu na cobertura de Nate
e Milla, escutei uma terceira voz que me causava arrepios e não de um jeito
bom. A garota magra, de comprido cabelo liso, do mesmo tom escuro dos
olhos, estava em pé enquanto falava energicamente sobre algum assunto. De
onde eu estava, me aproximando aos poucos, vi Nate e Milla no sofá, em
frente a garota que gesticulava. Quando seus olhos pousaram em mim, ela
parou. Brasas vivas me encaravam e sua boca se tornou uma linha fina. Eu
não perdi a oportunidade de dar-lhe uma dose do meu sorriso sarcástico, que
eu sabia que a irritaria.
— Boa noite, Mackenzie. Como está Fred?
Vi a tempestade se formar em seus olhos negros. Eu poderia ver, à
medida que me aproximava, o olhar reprovador de Milla em minha direção e
o revirar de olhos de Nate com algum resmungo, mas meus olhos estavam na
baixinha “dócil e meiga” com todos, exceto comigo.
— E como está sua vida, Turner? Vazia e infeliz, como sempre?
Eu segurei minha raiva. Porque essa era a garota de ouro, educada e
gentil que todos faziam questão de enaltecer. Ela só não era assim comigo e
eu nunca entendi o porquê, muito menos procurei saber; ela nunca foi
importante o suficiente para que eu perguntasse o motivo de sua hostilidade.
Mesmo quando ela se mudou para Chicago, as vezes em que a vi
esporadicamente no Rancho ou alguma outra vez na faculdade de Milla, ela
era quase invisível. Mas então, ela se mudou para cá e se mostrou uma
pessoa desagradável.
— Não comecem. — Nate disse se levantando e vindo me
cumprimentar.
— Eu disse isso hoje, baby. Nem parecem ter trinta e quatro e vinte e
seis anos.
— Vinte e cinco. — Ashley corrigiu sem tirar os olhos soberbos de
mim.
— Se eu não participasse em primeira mão desse ódio todo, poderia
dizer que é paixão reprimida. — Nate disse com um sorriso sacana e minha
careta só não foi pior que a de Ashley.
— Eu prefiro comer um caminhão de merda.
— Eu tinha que estar muito desesperado, ela iria querer me levar para
o altar na primeira oportunidade.
— Pois saiba, seu idiota, que se você fosse o último homem na terra,
eu ficaria sozinha. Nem imagino a quantidade de doença que…
— Cuidado com o que você fala, garota. — Eu disse ao dar um passo
em sua direção. Porque ela era insuportavelmente julgadora e metida a
superior. Ela nem piscou com a minha proximidade e manteve o olhar em
mim, mas se calou.
— Chega. Cadê meu celular, Daniel?
Meus olhos ainda estavam na mulher à minha frente, enquanto eu
pegava o celular do bolso e o entregava a Milla. Por algum motivo, Ashley
Mackenzie estava ainda mais ácida que o costume, geralmente havia uma
linha invisível que não atravessamos.
Ela virou-se de costas e pegou a bolsa.
— Eu estou de saída, Milla. Obrigada por tudo.
E então ela saiu.
— Eu não sei onde vocês pretendem chegar com essa infantilidade; —
Nate disse do seu lugar no sofá. — Poderia ter pego mais leve com ela,
Ashley não está em um bom momento.
— E o que eu tenho com isso? Sorte do Fred que terminou logo essa
relação, imagina aguentar essa garota o resto da vida.
Escutei o barulho de algo cair atrás de mim e soltei um palavrão em
pensamento. Quando me virei, Ashley estava muito vermelha, visivelmente
irritada, mas havia algo a mais: mágoa. Ela deveria estar muito mal, pois
normalmente jamais me deixaria ver através da fachada dela.
— Eu esqueci a chave do carro. — Ela pegou a chave na mesa lateral
do sofá suntuoso — Boa noite.
Pela primeira vez eu fiquei me sentindo um idiota por ofender Ashley.
E vendo a mágoa em seu olhar, e o olhar muito mais reprovador que o de
costume de Milla, até mesmo de Nate, penso que talvez eu tenha exagerado.
Tomando uma decisão, fiz o caminho até o elevador para… Eu não fazia
ideia do que iria dizer. Só que parecia que eu precisava fazer algo.
— Mackenzie. — Ela parou em frente ao elevador, mas não me olhou,
continuando de costas. Ela sabia que somente eu a chamava pelo sobrenome,
por pura provocação. Então, eu posso ter começado mal com meu suposto
pedido de desculpas. Respirei fundo e então continuei — Sobre o que você
escutou…
Ela se virou para mim com uma rapidez que me calou, a bolsa de alça
longa em seus ombros dando a volta em seu corpo pela brusquidão do
movimento, o rosto dela estava corado de raiva e tinham duas fornalhas no
lugar dos olhos.
— Poupe-me do seu discurso de pena, Turner. Eu não penso muito
melhor sobre você. Sim, eu posso ser uma idiota que sonha com um
relacionamento estável, mas pelo menos não sou uma pessoa vazia e infeliz
como você. Eu sou insuportável e você é egocêntrico, idiota, desprovido de
qualquer sentimento. Frio, tão frio, que eu duvido que tenha um coração
batendo aí. Então eu ainda prefiro a minha versão insuportável a ser pelo
menos um pouco parecida com você.
A cada palavra dita sua respiração ficava ainda mais superficial, seus
olhos mais inflamados, o rosto mais vermelho e eu via seu coração pulsando
na garganta. Eu queria falar, abri a boca para replicar suas ofensas como
sempre fizemos, mas as palavras ficaram presas na minha garganta.
De repente, ela estava próxima demais, um perfume doce e suave
tomou conta do meu olfato me fazendo, pela primeira vez, ter dificuldade em
contra argumentar. O cabelo dela se soltou do coque, caindo como uma
cascata pelos ombros e deu a ela um ar de garota da faculdade. Novamente
eu abri a boca, mas nada saiu. Contive a vontade louca que me deu de beijá-
la até que ela retirasse todas as palavras ao meu respeito.
De onde saiu isso?
Vontade que duelava com a de torcer seu pescoço por me deixar
confuso em meio a uma discussão, quando isso nunca acontecia. Ela nem
mesmo fazia o meu tipo. Era o tipo de garota de quem eu corria léguas, então
me irritou que a achei atraente, ainda que por alguns segundos.
Como se finalmente percebendo o quão próximos estávamos, ela se
endireitou e afastou dois passos. Já dentro do elevador, antes que esse se
fechasse, ela ainda soltou um pouco mais do seu veneno.
— Eu espero que fique sozinho mesmo. Você não tem nada de bom
para oferecer a alguém.
E assim o elevador se fechou e pela primeira vez, eu fiquei sem
palavras.
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Daniel Turner
Seis horas da manhã eu estava ligando para minha irmã, Milla. Com
muito cuidado, coloquei a garotinha em minha cama, apaguei as luzes do
quarto e me deitei no sofá. Eu não consegui dormir e qualquer ruído me
deixava em pânico. Eu tinha medo de que a garota acordasse, chorasse ou
pedisse pela Mary Allen. Eu não sabia o que fazer. Tive duas irmãs mais
novas, mas jamais tive que me responsabilizar por cuidados básicos. Ela
saberia tomar banho sozinha? Cereal e leite eram uma comida saudável
suficiente para uma criança de cinco anos? Eu não fazia ideia do que fazer
primeiro, mas imaginei que essas seriam as coisas básicas no momento.
Então, liguei para Milla e torci para que a garotinha não acordasse.
Muito mal-humorada, Milla atendeu, mas algo em meu tom a fez
entender que nem tudo estava bem. Ela não perdeu tempo discutindo comigo
e disse que logo estaria em minha casa. Cada tic-tac do relógio me deixava
mais apreensivo. Eu precisava entrar em contato com a família dela. Esse tio
tinha mais familiaridade com ela, talvez fosse o melhor. Mas uma lembrança
do rosto retorcido de dor de Mary me fazia pensar que não, esse tio não era
bom.
Eu não consegui ir lá e ficar olhando para a garota. Não quando ela era
uma lembrança constante de que Mary Allen poderia estar certa. Eu poderia
sim ter uma filha de cinco anos, que vinha com a carga de ser uma das
maiores herdeiras do país. Olhei o envelope em cima da mesa. Peguei e o
guardei na gaveta da estante. Eu já tinha merda suficiente para resolver, tinha
que ser prático. Primeiro um exame de DNA e só então eu veria que decisão
tomar. Não seriam meras palavras em uma carta que me fariam acreditar na
história da mulher.
Milla tinha acesso direto a minha cobertura, então não fiquei surpreso
quando a vi entrando, com seu cabelo agora na altura dos ombros, jeans e
camiseta, e dois cafés. Quando me olhou, torceu o nariz.
— Você está péssimo.
— Obrigado.
Ela perdeu o ar de zombaria e veio ao meu lado, me entregou o café e
se sentou no sofá. A mala chamou atenção dela.
— Visita? Ah não, Daniel, espero que não tenha me chamado para se
livrar de alguma garota. Se você me fez levantar e ficar preocupada por
causa de alguma foda ruim...
— Fale baixo. — Grunhi em resposta.
— E eu ainda tenho que me preocupar com o sono da boneca? Ah,
estou indo em...
Deus.
— Cala a boca, Milla. Meu Deus! Você não muda!
Me aproximei e falei, bravo porém baixo.
— Então o que é, e por que você está brigando baixo comigo?
Ela respondeu no mesmo tom baixo, porém com zombaria.
— Tem uma menina de cinco anos lá em cima.
O rosto de Milla foi de surpresa e horror puro. Isso não estava saindo
do jeito que eu esperava. Minha irmã me olhava como se não me
reconhecesse.
— Porque tem uma menina de cinco anos na sua casa?
Suspirei percebendo que não haveria uma forma fácil de fazer isso.
— Ao que tudo indica, ela é minha filha, Milla.
O rosto de Milla ficou em branco. Emudecida. Eu a olhei e esperei,
mas somente o silêncio reinou por tanto tempo que eu não soube dizer.
Poucas coisas nessa vida calavam a boca da minha irmã, pouquíssimas. Ela,
que tinha se levantado, voltou a se sentar e respirou fundo. Eu esperei.
☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★
— Então você é pai de uma das maiores herdeiras do país, e, junto com ela,
vem um tio de caráter duvidoso. Que história, Daniel. Tem alguma chance
dela ser mesmo a sua filha?
— Eu fiz as contas. A idade bate.
— Mas você viu essa Grace somente essa vez em Nova Iorque, e se
ela tivesse algum namorado? Tem possibilidade de não ser?
— Tem mais uma coisa. Ela... Ela se parece comigo.
Um sorriso tímido surgiu no rosto de Milla. Ela segurou minha mão e
eu fiquei dividido entre o incômodo e a emoção do gesto. Não satisfeita, ela
se aproximou mais e me abraçou.
— Nós vamos dar um jeito, Dan.
Nesse momento, um barulho na escada nos chamou a atenção.
Levantamos a cabeça e lá estava, no primeiro degrau, a garotinha de meias e
um conjunto de calça e blusa rosa. Eu tinha tirado apenas o casaco e o
calçado dela. Seus olhos estavam imensos e agora, à luz do dia, era
assombrosa a semelhança comigo. Meu coração pulsou na garganta e fiquei
congelado no lugar esperando a reação da garotinha. Se eu não estivesse tão
preocupado, teria rido da situação. Estava intimidado por uma garota de
cinco anos. Milla, percebendo minha falta de ação, se levantou do sofá (o
que me fez ficar de pé também) e se aproximou da pequena, com um sorriso
radiante.
— Oi. Eu sou a Milla.
— Você é a namorada dele? — A garotinha perguntou e apontou para
mim. “Ele” era eu. Milla sorriu mais e respondeu.
— Não, eu sou irmã dele.
A menina estudou o rosto de Milla, então voltou os olhos para mim,
depois olhou ao redor e pareceu se preocupar.
— Onde está Mary?
Milla me olhou e eu engoli o caroço na garganta. Era apenas uma
criança com dois estranhos em um lugar desconhecido. Eu saí do lugar onde
estava e fui mais longe que Milla. Parei em frente à menina e me abaixei,
para ficar do seu tamanho.
— Mary terá que passar alguns dias fora, mas ela disse que voltaria.
Por enquanto, você ficará comigo. Eu sou Daniel. — Disse com a maior
suavidade que pude reunir e com um sorriso. Essa não era a filha de um
amigo ou alguma prima distante que eu poderia sorrir e ignorar. Tinha
grandes chances de ela ser mesmo a minha filha. Ela estudou o meu rosto
com tanta intensidade e inocência que o meu coração se apertou um pouco.
Eu senti uma emoção que não soube definir. — Você está com fome?
— Vamos lá em cima, querida? Eu vou te ajudar a se lavar e quando
descermos, Daniel terá nos feito panquecas de chocolate e leite quente. O
que acha?
Os olhinhos da menina se iluminaram e um sorriso quase apareceu. Ela
aceitou a mão de Milla e eu subi atrás com a mala. Antes que elas
terminassem de subir as escadas, Milla me deu um olhar conhecedor e
marejado.
Ela acreditava que a história era real.
Eu não sabia dizer o que estava sentindo, eu só tinha uma intuição que
me dizia que o exame de DNA era apenas uma formalidade, tão nítida que
era a nossa semelhança. Não poderia ser uma coincidência, não era um golpe
por dinheiro, uma vez que a garota tinha muito em seu nome. Ela era uma
mina de ouro, sendo até perigoso se caísse em mãos mal-intencionadas.
A realização caiu como um forte tapa em meu rosto, depois que fiz as
panquecas e liguei para o laboratório marcando o exame. Eu já sabia que
resultado sairia dali, pois nada mais que a verdade faria sentido.
Eu tinha uma filha de cinco anos.
Liguei para o escritório e deixei algumas orientações para que Johnson
passasse aos meus estagiários, deixei avisado que eu e Milla estaríamos fora
e planejei o resto do dia. Quando o exame saísse oficialmente, eu planejaria
meus próximos passos.
Algo me dizia que eu teria que planejar muito mais que os próximos
passos.
Eu teria que planejar toda a minha vida.
CAPÍTULO 05
Ashley Mackenzie
Daniel Turner
☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★
— Onde está ela? — Minha mãe perguntou ao passar direto por mim,
entrando em minha casa, olhando para todos os lados. Sua ansiedade era
visível. Meu pai entrou em seguida, Melissa em seu encalço.
— Dormindo, mãe.
Melissa me abraçou animadamente e logo, meu pai fez o mesmo.
Minha mãe então virou-se para mim e me abraçou.
— Uma filha, Dan.
— Sim, uma filha.
— Apesar da surpresa, eu estou muito emocionada. — Seus olhos
vermelhos denunciavam que ela já tinha chorado antes.
— Pela foto ela parece uma bonequinha. — Melissa falou
animadamente. Era discrepante a maneira como cada um estava lidando com
a novidade. — Oh meu Deus, eu sou tia! Isso é muito emocionante!
— Tenho certeza de que é ainda mais linda pessoalmente. — Meu pai
disse, abraçando minha mãe.
— Só, por favor, não fiquem muito emocionados ao redor dela. Ela
ainda está se adaptando a nós e somos todos estranhos.
— Não me diga como me comportar com minha neta, Daniel. Eu criei
vocês três, sei como lidar com uma criança de cinco anos.
Segurei minha resposta, porque, apesar da minha personalidade
argumentadora, Ivana Turner era minha mãe e sempre vencia. Eu tinha a
mesa do café da manhã pronta, e enquanto todos me enchiam de perguntas
sobre Victoria, Nate e Milla se juntaram a nós.
— Tem certeza que não quer deixá-la passar um tempo em Montana?
— Minha mãe falou em um momento. Apertei a xícara em minha mão, mas
respondi casualmente:
— Tenho. Victoria fica comigo.
Minha mãe suspirou e então olhou para meu pai. Anos de casamento
fez com que conseguissem se comunicar apenas assim, e seu olhar dizia que
era para ela deixar ir.
— Você tem uma vida muito ocupada, Dan. Vive trabalhando, isso sem
contar…
Melissa não terminou a frase, mas o silêncio que se seguiu afirmou que
todos sabiam o que ela queria dizer. Sim, eu era um solteiro convicto e nunca
quis amarras na vida, mas agora era diferente, e apesar de ser um golpe em
meu ego que nem minha família acreditassem que eu era capaz de cuidar da
minha filha, eu não demonstrei.
— Eu sei o que você quer dizer. Eu tenho que cuidar da legalidade da
questão para que Victoria fique definitivamente comigo, mas já aviso de
antemão que eu vou cuidar dela. — Eu disse reunindo toda a calma em meu
sistema para que não soasse rude.
— Meu medo é você estar fazendo isso por teimosia, Daniel. Para se
provar e acabar se esquecendo de que uma criança de cinco anos precisa de
atenção e tem necessidades que não são somente materiais. Principalmente
uma criança como ela, que já perdeu muito. — Minha mãe falou, e embora
soasse calma, havia uma urgência em sua voz.
Minha cabeça começou a latejar de dor. Eu sabia de tudo isso, mas era
só me lembrar do abraço de Victoria na noite anterior (apenas por saber que
ela moraria nessa casa) para me fazer querer manter minha decisão. Victoria
era minha filha, minha obrigação.
— Eu não vou mudar minha decisão.
Minha mãe suspirou, Milla, Nate e Melissa se concentraram em seus
pratos, porém meu pai me deu um meio sorriso que eu bem conhecia. Ele
estava orgulhoso. Passamos mais um tempo falando sobre amenidades, mas o
clima ainda estava tenso depois da nossa rápida conversa.
Um movimento perto da porta me chamou a atenção e lá estava
Victoria. Ela olhava para todos com olhos muito grandes, curiosos e
assustados, mas continuou na porta. Meu olhar chamou a atenção dos outros,
e então, todos os olhos estavam nela. Minha mãe pôs sua mão na boca e os
olhos ficaram marejados e eu poderia afirmar com toda a certeza que a
emoção era pela aparência da minha filha. Meu pai segurou seu antebraço
em apoio.
— Ei, baixinha, não vai me dar um beijo? — Milla chamou sua
atenção.
Victoria olhou e ficou visivelmente aliviada ao ver Nate e Milla, e
com passos calculados, foi em direção a eles. Milla se levantou e a pegou no
colo, beijou seu rosto pelo menos dez vezes e Nate, que também havia se
levantado, a jogou para cima fazendo cócegas. Uma gargalhada deliciosa
saiu dela. Victoria adorava Nate desde a primeira vez que o viu.
Melissa e meus pais ainda estavam olhando para tudo emocionados e
sem dizer uma só palavra, mal se mexiam. E para minha surpresa, já que eu
tinha feito as pazes com o fato de Victoria preferir Nate e Milla. Eu estava
jurando que ela ficaria no colo dele, quando a pequena desceu e parou ao
meu lado. Ela me olhou e eu a olhei.
— Oi, papai.
Suas palavras me pegaram desprevenido. Eu a olhei por alguns
segundos até que ouvi alguém limpar a garganta, então a peguei no colo e a
abracei, tendo me esquecido naquele momento como falar. Era a primeira
vez que ela me chamava de papai. Uma emoção totalmente nova e
desconhecida se acendeu em mim e eu só fiquei ali, abraçado a ela. Não
soube dizer quanto tempo se passou até alguém quebrar o silêncio.
— Querida, eu quero te apresentar a algumas pessoas. — Milla
resolveu tomar a iniciativa, visto que eu estava totalmente inerte. Todos
tinham os olhos marejados. Ainda em meu colo, Victoria se virou para a
mesa e encarou os outros. Minha mãe então se levantou e veio em nossa
direção. — Esta é Ivana, sua avó. Ela estava ansiosa para conhecê-la.
Milla continuou e Victoria encarou minha mãe.
— Oi.
Minha mãe tirou Victoria do meu colo e eu tive que me esforçar para
não segurá-la ali, por medo de ela não estar à vontade no colo de uma
pessoa que via pela primeira vez.
— Oi querida, eu estou muito feliz em saber que você é minha neta.
Victoria sorriu e eu respirei aliviado. Então ela olhou para meu pai,
que já estava ao lado da minha mãe.
— E eu sou o vovô Patrick.
Enquanto meu pai começava a falar, arrancando algumas risadas de
Victoria, minha mãe me lançou um olhar ainda mais emocionado. Milla
chorava agarrada a Nate, Melissa se aproximou e a pegou no colo também.
— Eu sou a titia Melissa.
— Você é linda igual uma princesa da Disney. — Victoria disse e
todos nós rimos.
— Você é que é uma princesa. É a nossa princesa real.
Enquanto todos se familiarizavam a paparicavam Victoria, uma parte
do meu coração ficou em paz e eu sorri. Minha família já a amava e eu a
manteria conosco, porque aqui ela teria tudo o que precisava.
☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★
Ashley Mackenzie
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Daniel Turner
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Ashley Mackenzie
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Dizer que eu não dormi à noite seria um eufemismo. Mesmo depois que as
meninas foram embora, os pensamentos incertos e confusos continuaram.
Demorei a noite inteira, mas finalmente estava certa de que decisão tomar.
Sabia dos riscos e consequências da minha escolha então, após acordar,
tomar um banho e um café da manhã reforçado, liguei para o número de
Daniel.
— Alô — Sua voz estava sonolenta, como se ele nem tivesse olhado
no celular para atender. Eu sabia que ele chegou de viagem esta madrugada
porque Milla e Melissa disseram. E sabia que ele estaria sozinho em casa, já
que Victoria e Melissa dormiram na Milla e elas gostavam de dormir,
principalmente em um sábado de manhã.
— Turner, eu estou indo para a sua casa.
Falei com a voz firme. Ele não perguntou quem era.
— Estou te aguardando. — Foi sua única resposta.
A forma como sua voz rouca soou em meu ouvido fez um arrepio subir
pela minha espinha. Eu tinha que me lembrar todo o tempo que este era
Daniel, a representação de tudo o que eu não queria e, ironicamente, aquele
que estava prestes a se tornar o meu marido.
Claro, se ele concordasse com as minhas condições, o que poderia ser
improvável. Não me despedi, desliguei o telefone, peguei o carro e fui em
direção a Ravenswood, região onde fica a cobertura de Daniel. Eu vestia
uma meia calça preta e grossa, um vestido casaco creme e sapatilhas baixas.
Meu cabelo estava solto e eu usava um gorro preto. Passei uma maquiagem
mínima para que eu me sentisse um pouco segura e repassei todo o meu
argumento em mente.
Cheguei em frente ao seu condomínio e permitiram a minha entrada,
após minha identificação. Durante todo o caminho até a sua cobertura eu
tentava esconder o leve tremor de minhas mãos. Antes que eu pressionasse a
campainha, Daniel abriu a porta.
Ele usava calça de pijama, uma camiseta e meias. Eu nunca tinha visto
Daniel tão… Normal. E então me veio a picada de que ele não fez questão
nem de se trocar, mesmo sabendo que eu viria. Desviei os olhos dos
músculos protuberantes, mesmo sob a camiseta branca enquanto ele
ostentava um sorriso idiota.
— Vai me deixar entrar ou não? — Perguntei, impaciente. Péssimo
começo Ashley.
— Claro, Mackenzie.
Entrei no antro do demônio de bom grado e logo fui atingida pelo
contraste do ambiente. Tinha uma boneca no sofá da sala. Ao mesmo tempo,
a decoração era claramente de um homem que vivia há muito tempo sozinho.
Minimalista e vazio. Mas no balcão, descansava um copo rosa de alguma
princesa da Disney. Tinha papel e giz de cera na mesinha de centro e um
desenho horroroso. Claramente, era um momento de fusão, em plena
exibição, do choque entre a vida de Daniel e a de Victoria. E em breve eu
entraria na fórmula também. Após minha rápida impressão, eu me virei para
ele.
— Quer tomar alguma coisa? — Ele perguntou ainda ostentando o
sorriso de lado que eu odiava, pois ele sempre vinha acompanhado de uma
farpa. Resolvendo meu conflito interior, soltei a minha resposta sem preparo
algum.
— Eu aceito.
Ele me olhou com olhos arregalados e ficou em silêncio. O sorriso
cínico? Sumiu. Eu quase ri de sua expressão assustada e desconcertada.
— Certo… — Ele respondeu e limpou a garganta.
— Mas eu tenho algumas condições. — Eu comecei, nunca deixando
meu olhar vacilar.
— Claro que tem. — Ele disse mais para ele do que para mim.
— Primeira condição: — Continuei, ignorando sua picada. — Quero
fidelidade. Você é uma pessoa conhecida, presta serviços para o time em que
trabalho, temos várias pessoas conhecidas em comum e eu não vou permitir
que você me humilhe publicamente. Se prepare para um longo e sabático
ano, Turner.
Ele não pareceu gostar muito da ideia, mas permaneceu em silêncio.
Logo, eu continuei.
— Não quero dinheiro, Turner. Isso faria de mim uma prostituta,
alguém que pode ser comprada.
Ele abriu a boca e então a fechou. Abriu novamente e enfim, perguntou:
— Então o que você quer?
Firmei ainda mais o meu olhar e, embora em meu interior eu estivesse
insegura sobre o que ele decidiria após essa condição, eu falei com a maior
convicção que pude reunir:
— Eu quero adotar Victoria.
Daniel ficou atônito.
— O que?
— Eu quero guarda compartilhada. Quero ser a mãe dela, mesmo
depois do fim do contrato.
Ele me olhou como se eu fosse louca. Talvez eu fosse, mas não abriria
mão disso.
— Você só pode estar brincando. Eu ainda nem tenho minha filha e já
vou ter que dividi-la com você?
— Não é por isso que estou aqui? Porque precisa de mim? Vou
conviver com ela, Turner. Vou me apegar, eu já tenho um carinho enorme por
aquela garotinha, e tenho muita identificação com a história dela. Depois que
você conseguir o que quer e se livrar de mim, eu ficarei apenas com o vazio
de tudo. Se me quiser nesse plano, terá que aceitar minha condição.
— O que você está pedindo é…
— Perfeitamente razoável. Eu serei a melhor mãe possível para
Victoria, tem a minha palavra nisso, mesmo depois do divórcio. Eu quero
fazer parte da vida dela de forma permanente. Eu quero ter al…
Me interrompi. Eu queria ter alguém também. Alguém que eu pudesse
chamar de meu. Mesmo não terminando a frase, vi nos olhos de Daniel a
compreensão. E talvez foi esse deslize, essa fraqueza que o fez desmanchar a
expressão de choque e então suspirar. Ele estava cogitando a possibilidade
de me deixar ter Victoria e meu coração passou a bater
descompassadamente. Os segundos que se seguiram foram os mais tensos da
minha vida e Turner parecia travar uma luta interna difícil, mas eu aguentei
firme. Finalmente, ele se aproximou de mim e com um suspiro, me deu a sua
resposta:
— Tudo bem, Mackenzie. Você venceu. Acho que temos um acordo.
Abri a boca, um pouco chocada. Eu achei que seria mais difícil
convencê-lo, mais complicado, haveria uma discussão maior. Mas simples
assim, eu estava noiva e teria uma filha. E olha a ironia, com Daniel, de
todas as pessoas do mundo.
Agora não tinha mais volta.
— Certo.
Ficamos nos olhando de forma desconfortável, talvez incertos de como
agir a partir daqui.
— Eu vou dar entrada na papelada para o casamento. Semana que vem
vamos anunciar o noivado e logo após eu conseguir a guarda definitiva de
Victoria, entraremos com o processo de adoção oficial por sua parte. Não
será complicado, já que você será minha… Minha esposa. — Seu tom era
baixo e rouco. Ele estava perto, tão perto que eu tinha que levantar minha
cabeça para olhá-lo nos olhos.
— Tudo bem. — Respondi em um sussurro.
— E eu preciso que se mude o quanto antes para o meu apartamento.
— Mas… Já? — Perguntei em um assalto de ansiedade, alarmada.
— O mais rápido possível. Não podemos perder tempo, Mackenzie.
Luke Ford quer Victoria e vai procurar qualquer falha em mim para
conseguir vencer. Precisaremos parecer uma unidade.
Essa versão de Daniel ainda me deixava desconcertada. Mas então, a
realização do que estava prestes a acontecer me bateu com força. Afastei
dois passos e me virei para a janela. Eu teria que mudar de casa, de vida,
tudo. Então, olhei para a boneca no sofá, pensei na linda garotinha e me
tranquilizei.
Ela teria toda a minha dedicação.
Eu teria alguém.
Foi o suficiente para que me sentisse segura novamente.
CAPÍTULO 10
Ashley Turner
Era oficialmente o meu primeiro dia na casa de Daniel. Casa que seria
minha por um ano e eu estava com Melissa montando meu novo quarto. Meu
apartamento era grande, mas a cobertura de Daniel era outro nível de
grandeza. Ele estava todo o tempo estranhamente pensativo, embora
tenhamos passado um recorde de tempo juntos sem brigar; ele me ajudou
com a mudança e estava sendo educado e prestativo. Eu não sabia como agir
com esse Daniel, mas teria que aprender. Embora tivéssemos declarado uma
trégua, ainda não estávamos confortáveis um com o outro.
Prova disso foi ele terminar de trazer minhas coisas para sua casa e ter
saído com uma desculpa qualquer, como se não soubesse como agir comigo.
Como se me evitasse.
— Você vai se casar com o meu pai, Ash? Então você vai ser uma
princesa também!
Eu sorri para Victoria. Falar com ela era a parte mais fácil de todo o
processo. Ela me aceitou muito bem e estava em êxtase por morarmos juntas.
Eu beijei sua bochecha. Melissa se aproximou.
— Milla e Natalie estão malucas com a festa de noivado. Papai e
mamãe estão chegando amanhã.
— Acho um exagero dar uma festa. — Eu me sentia péssima por mentir
para Ivana e Patrick, que sempre foram maravilhosos comigo, mas eu tinha
que concordar que quanto menos pessoas soubessem sobre a natureza do meu
casamento mais seguro seria.
— Mamãe espera por esse momento há anos e Milla adora festas.
Relaxa, curta seu noivado.
A recepção do noivado, que deveria ser apenas um anúncio, acabou
virando um evento. Um evento grande demais. Graças às minhas amigas,
claro. Depois de nós três arrumarmos o meu novo quarto na casa de Daniel,
fizemos um lanche e logo, Victoria caiu no sono. A colocamos em seu quarto
de unicórnio e voltamos para a sala. Melissa abriu um vinho e passamos a
beber um pouco.
— Eu vou voltar para Nova Iorque logo depois do seu noivado. Agora
que as coisas estão se alinhando, voltarei para minha vida.
Ela não pareceu muito animada com a perspectiva.
— Porque parece que você não está feliz?
— Eu só vou cumprir mais esse contrato e então darei um novo rumo à
minha vida.
— Você é muito corajosa.
Ela suspirou preguiçosamente.
— Eu tenho mais dinheiro do que poderia gastar em uma vida. Durante
meus anos eu fiz alguns investimentos e quero ficar mais perto da minha
família. Chega de perder tantas datas comemorativas, momentos que valem
mais que qualquer coisa... Eu quero ver a Victoria crescer.
— Se eu tivesse uma família assim, provavelmente pensaria como
você. — Disse nostálgica, certamente por causa do álcool. Minha
declaração chamou a atenção de Melissa e ela segurou minha mão.
— Agora você tem.
Desviei meus olhos, que agora queimavam.
— Não é permanente, Melissa.
— Quem poderá dizer? Um ano é muito tempo…
Comecei a rir.
— Não comece, a situação já é estranha o suficiente.
— Eu vou voltar para seu casamento. Agora, vamos nos deitar, pois
amanhã é sábado e o seu segundo grande dia.
☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★
O dia foi uma loucura, da hora que acordei até o momento atual. Victoria
tinha ido passar o dia com Nate e Daniel e eu fiquei com dois amigos de
Melissa, que estavam decididos a me deixar irreconhecível. Eles eram
demais.
— Victoria vai se arrumar na casa de Milla?
— Sim, será mais fácil, já que a festa vai ser lá.
Confesso que foi divertido. Era meu segundo dia na cobertura de
Daniel e eu particularmente ainda não me sentia à vontade. O fato de ter
Melissa e outras pessoas, e eu ter visto Daniel apenas no café da manhã,
ajudou.
— Um jornalista amigo meu estará presente. Ele irá publicar uma nota
sobre o noivado, tudo o que precisamos.
Fiquei ainda mais nervosa, mas evitei sofrer com antecedência. As
coisas aconteceriam e eu me preocuparia quando elas acontecessem. Duas
horas depois, os amigos de Melissa tinham ido e eu olhava minha aparência
refletida no espelho. O vestido champanhe tinha um corpete em renda com
algumas flores rosas espalhadas. A alça era trabalhada em renda e o decote
acentuado. Na cintura ele se soltava em ondas de seda, dando um aspecto
angelical e sedutor ao mesmo tempo. Meu cabelo estava ondulado, caindo
em cascatas negras em minhas costas, dando um ar sofisticado. Minha
maquiagem era em tons claros, estilo romântica. E novamente, a ironia sorriu
para mim, porque a situação era tudo, menos romântica. Minha pele muito
pálida se destacava pelos olhos e cabelos escuros. Eu sabia que não era um
padrão de beleza, mas também não era um desastre.
— Você está espetacular! — Melissa disse atrás de mim, dando alguns
pulinhos.
— Eu estou bem. — Respondi, tentando soar animada, embora tenha
falhado miseravelmente. Meu estômago estava castigado. Eu precisava me
acalmar.
Foi nesse momento que dois toques soaram na porta e combinaram com
os saltos do meu coração, principalmente quando Melissa gritou um “entra”.
Daniel apareceu na porta, vestindo um smoking e parecendo ainda mais lindo
do que já era. Ele olhou para mim rapidamente e então para a irmã… e
então, ainda mais rapidamente, voltou os olhos para mim. Sua boca estava
um pouco aberta. Como em câmera lenta, observei-o fechar a boca e engolir
em seco. Eu o observava pelo espelho e então, encorajada por sua reação,
me virei, fazendo a fenda do vestido desnudar minha perna direita. Não
perdi o detalhe de que os olhos dele acompanharam a fenda descaradamente.
Ao perceber que eu vi seu momento de apreciação, Daniel colocou a
máscara cínica em seu rosto e sorriu.
— Está quase bonita, Mackenzie. — A voz não saiu tão cínica quanto a
expressão e eu segurei um sorriso.
— E você, só nascendo de novo para ser minimamente apresentável.
— Foi a vez dele sorrir. Algo esquentou em meu baixo ventre e eu quase
achei Daniel divertido.
— Vou tirar uma foto de vocês e postar no Instagram.
E como por magia, a resignação e o incômodo se apossou de nós dois.
Desajeitadamente, Daniel veio ao meu lado. Havia uma distância
considerável entre nós e eu nunca, jamais, seria a pessoa que cortaria ela.
— Se aproximem mais. — Melissa pediu.
Daniel, muito sem jeito, se aproximou e me senti em um daqueles
retratos de casais dos anos 50. Eu sabia que era ridículo. Melissa pediu mais
algumas vezes para que ficássemos mais próximos, até parar e nos encarar
com um semblante indecifrável. O incômodo ficou pior, me deixando ainda
mais nervosa. Porque eu estava quase gritando histericamente que não
conseguiríamos.
— Isso não vai funcionar. — Melissa deu voz ao que eu pensava.
— O que? — Perguntei, embora soubesse exatamente o que ela estava
dizendo.
— Vocês estão indo para o noivado de vocês, não para um enterro.
Precisam parecer apaixonados ou não vão convencer nem Victória de que
vão se casar porque se gostam. Se chegarem à festa assim, todos vão
perceber. Se esforcem mais.
Senti meu rosto arder e não me atrevi a olhar no rosto de Daniel. Senti
que ele puxou uma respiração profunda, porém, nenhum de nós disse uma
palavra por um tempo. Até Daniel quebrar o silêncio.
— Melissa, deixe-nos a sós.
Meu coração começou a acelerar. Queria ceder à infantilidade e pedir
para que Melissa permanecesse na sala, mas não consegui me mexer. Meu
coração estava batendo tão forte que eu tinha a sensação de que todos no
condomínio poderiam escutar. Era absurdo que eu ficasse afetada com a
possibilidade de ficar sozinha com ele, pelo amor de Deus, eu era uma
mulher adulta e independente.
Assim que a porta se fechou, Daniel me pegou pelos braços e me girou
para sua frente. O susto me fez arfar, só então me dando conta de que sua
mão estava em minhas costas e a outra em minha nuca, segurando um pouco
do cabelo. E então, sua boca desceu na minha.
Simples assim.
Daniel não foi delicado ou mesmo cuidadoso. Ele parecia estar com
fome, e como se um espírito poderoso do mal se apossasse de mim, eu o
devorei de volta, segurando seu smoking e respirando seu cheiro masculino,
ficando a cada segundo mais insana.
Algo se fundiu naquele momento, como se a comoção que acontecia
dentro de mim tomasse vida para o exterior também. Ele me empurrou com
força até a parede mais próxima, ainda me beijando, mordiscando meus
lábios. Suas mãos desceram até a fenda do vestido e me levantou do chão
pelas pernas, colocando-me à sua altura, sem deixar de me beijar. Sua língua
invadiu a minha boca e eu apertei o cabelo sedoso de sua nuca. Eu sabia que
precisava respirar e que o ar era necessário, mas continuei aquela doce
tortura, fundindo nossas bocas. Não havia espaço para mais nada, nem
mesmo ar, até sentir que pontos pretos nublavam minha mente. Daniel se
afastou e respirou com dificuldade e eu também, além de extremamente
confusa.
Após alguns segundos, Daniel calmamente me deslizou até o chão.
Criando coragem, olhei para o seu rosto e ele já ostentava a mesma cara
cínica que eu odiava. Eu estava uma bagunça e ele estava tão… Normal.
Com um olhar mortal, confusa e com raiva dele e de mim, por reagir
como uma louca ao seu beijo, eu me afastei e ajeitei o meu vestido, me
mantendo de costas. Daniel foi até o banheiro e lavou o rosto sem dizer uma
única palavra. Eu ainda estava com dificuldade para entender o que diabos
tinha acabado de acontecer, mas Daniel já estava indo para a porta. Antes de
sair, ele parou e olhou para mim.
— Mackenzie, seu batom está borrado.
☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★
A festa estava linda, porém o que era para ser íntimo e pessoal tinha
virado um grande evento. Havia o pessoal do escritório de Daniel, o pessoal
do Chicago Winters, e assim que entramos, a primeira a me abraçar foi Ivana
Turner. Daniel tinha uma mão em volta da minha cintura e eu nem queria
pensar sobre o quanto o toque me deixava confortável.
— Minha querida. — Ela me abraçou e eu me senti mal pela sua
emoção genuína. Ela se afastou e olhou para Daniel. — Eu sempre
desconfiei que aquelas implicâncias fossem amor.
Gelei dos pés à cabeça, mas Daniel não pareceu nem um pouco
afetado.
— O que eu posso dizer? Algumas pessoas têm uma maneira única de
demonstrar interesse. Eu e Mackenzie demonstramos brigando. — Daniel
disse e eu olhei sua expressão perfeitamente afável. Eu gostaria de ser uma
atriz melhor, mas como era péssima, apenas concordei com um sorriso
nervoso.
— Concordo com você, sogrinha. — Nate se aproximou, com Victoria
nos braços. — Aquelas brigas eram apenas preliminares.
Ivana socou Nate de brincadeira e logo soltou uma risadinha e eu senti
meu rosto queimar. Patrick acompanhou a risada e eu queria matar Nate.
Então, meu futuro sogro me abraçou e me sussurrou um “bem-vinda
oficialmente à família”, que mexeu com algo dentro de mim.
Tantas pessoas vieram nos cumprimentar. Algumas eu já conhecia, mas
muitas eu estava encontrando pela primeira vez e logo, minha mente estava
girando. Em um momento de tranquilidade, fui para a sacada, precisando de
ar. O ar gelado de Chicago encheu os meus pulmões e eu fechei os olhos.
Mais uma vez, a insegurança me tomou. O beijo que troquei com
Daniel me deixou confusa, mas ao mesmo tempo, o toque dele em mim me
ajudou a ficar mais tranquila durante a noite. Foi estranho no início, mas
logo me acostumei a isso. Contudo, agora, longe de todos, eu me perguntava
se estava fazendo o que era certo. Um puxão em meu vestido me fez olhar
para baixo, onde Victoria me chamava a atenção.
— Ashley, você está triste? — Ela me perguntou e só então percebi
algumas lágrimas deslizando em meu rosto. Limpei rapidamente e abri um
sorriso.
— Não, meu amor. Eu só estou pensando.
— Eu estou feliz que agora você vai morar comigo e com o papai. Eu
vou poder te chamar de mãe?
Mais lágrimas insistiram em rolar dos meus olhos.
— Claro que sim.
— Então, eu vou ter um papai e uma mamãe. Um papai príncipe e uma
mamãe Princesa da Disney.
Eu a levantei nos braços e a apertei, as dúvidas indo embora como se
nunca tivessem existido. Porque mesmo que no fim não me sobrasse nada, eu
ainda teria Victoria. E tê-la se mostrava motivo suficiente para eu nunca me
arrepender dessa decisão.
CAPÍTULO 11
Daniel Turner
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Ashley Mackenzie
Daniel Turner
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Ashley Mackenzie
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Daniel Turner
Luke Ford não tinha ideia de com quem tinha se metido. Eu poderia
jogar dentro das leis, mas também sabia jogar sujo. Ele não tinha ideia do
que estava vindo.
— Tem alguma possibilidade de ser sobre algum caso que esteja
envolvido, filho?
— Não sei, mãe.
— Meu Deus, que horror. Pobrezinha da Ashley, está em choque. —
Minha mãe colocou as mãos na boca e se afastou após ser chamada por
Milla e Melissa, que estavam com Ashley.
Minha esposa estava encolhida no sofá com um chá de alguma coisa
nas mãos, olhando para a mesa de centro, na sala de Nate. Sim, ela estava
em choque. Por alguns momentos achei que ela não conseguiria responder a
todas as perguntas dos policiais, mas ela o fez valentemente. Agora, estava
apática. E uma onda de fúria me tomou por saber que quase a machucaram.
Nosso casamento poderia ser de conveniência, mas mantê-la segura
era minha responsabilidade, independente da natureza do nosso
envolvimento. Ela viu o perigo primeiro e me avisou. Eu estava tão
envolvido em deixá-la irritada só para ver o rubor em seu rosto, estava rindo
como há muito tempo não ria e eu não percebi o filho da puta suspeito. Mas
ela o viu e nos salvou.
— Daniel, espero que não faça nada estúpido. Você vai deixar essa
situação nas mãos da polícia? — Meu pai perguntou, com uma ponta de
angústia. Patrick já estava grisalho, assim como minha mãe. Era grande em
estrutura, alto e estava em forma. Seu bigode grisalho estava torcido dos
lados, mais um sinal do seu nervosismo.
— Não confio na polícia.
Meu pai suspirou e Nate apenas desviou os olhos. Nate sabia o que eu
estava pensando e eu sabia que ele faria o mesmo em meu lugar. Aliás, ele já
o fez, quando a vida de Milla esteve nas mãos de Steven. Eu resolveria por
meus próprios meios, como resolvemos com Milla.
— Eu não gosto quando você faz as coisas assim… Já basta Steven, eu
não te criei para isso.
— Não precisa gostar, pai. — Olhei para Victoria, que agora se
acomodava no colo de Ashley e um sentimento de proteção, fúria e algo mais
que não soube nomear, me apertou por dentro — Vou protegê-las. Não me
importo de jogar sujo com quem merece.
— Você não é uma criança, Dan. Sabe dos riscos. Só espero que você
saiba o que está fazendo.
À noite, enquanto estávamos em casa, eu dei espaço para que Ashley
fizesse o que sentisse confortável. Como eu esperava, ela colocou Victoria
na cama e foi para o seu quarto. Ela não me disse uma palavra desde que
chegamos da delegacia e fiquei com uma sensação incômoda no peito. Sabia
que ela não estava bem, mas não seria mais invasivo do que já tinha sido.
Foi de madrugada quando senti um corpo quente se aconchegar a mim.
Abracei o pequeno corpo de Ashley, sentindo o cheiro de seu shampoo me
inundar. Não resisti em provocá-la um pouco.
— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você viria para mim, só não
sabia que seria tão rápido.
— Cala a boca. — Ela respondeu com o rosto em meu peito e eu sorri
— Só não quero acordar Victoria.
Dei uma risada leve e então respondi com toda a gota de verdade em
mim.
— Durma, Ash. Eu vou cuidar de você.
Ela me apertou mais e eu correspondi ao seu aperto.
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Mais que depressa, fiz Melissa sair com Victoria e passei a tirar
qualquer objeto de teor sexual da vista. Fiz uma nota mental em fazer o
mesmo na cobertura. Essa merda nunca mais deveria estar acontecendo.
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Ashley Mackenzie
Tiros.
Estilhaços de vidro.
Meu grito preso na garganta.
Meu coração pulsando violentamente.
Abri os olhos em alerta, sentindo os braços de Daniel como troncos ao
redor de mim, na penumbra da noite. O relógio marcava 03h30 da manhã.
Acordar de madrugada tem sido frequente desde o dia seguinte ao meu
casamento. Eu tinha um medo terrível por Daniel e sempre ficava
imaginando que tinha alguém seguindo Victoria ou a mim Ele disse que me
deixaria segura, e por algum motivo que ainda não soube dizer, acreditei.
Talvez fosse aquele olhar determinado, dizendo que estava disposto a fazer
qualquer coisa para fazer valer a sua palavra. Qualquer coisa mesmo.
Assustador, emocionante e confuso, tudo junto e misturado dentro de
mim, fazendo uma salada de emoções aflorar em meu peito. Acendi o abajur
no meu lado da cama e me virei com cuidado, estudando seu rosto. Daniel
era um enigma. Lá no fundo eu sabia que ele era bom de cama, afinal, ele
tinha “bom de cama” estampado em todo o seu rosto. O que me admirava era
a minha resposta ao seu apelo.
Eu parecia uma louca e virava uma pamonha cada vez que ele me
tocava. Me sentia em total desvantagem quando ele me abraçava ou me
beijava. Como agora, enquanto seus braços estavam ao meu redor, eu não me
sentia solitária. Não como fui pela maior parte de minha vida. Agora eu tinha
uma sensação de pertencimento e me assustava demais, porque este era
Daniel Turner e eu deveria ter muito, muito cuidado. Principalmente com a
direção das minhas emoções.
E então havia esses lábios perfeitos. Lábios que eu mordi como uma
selvagem, devorei como se fosse a última refeição na face da Terra. Fechei
os olhos e me lembrei da nossa noite de núpcias. Deus, eu estava tão
devassa, como nunca fui; eu sempre fiz amor. Sempre foi lento e amável,
com uma pessoa segura e de confiança. Com Daniel, o sexo foi inflamado,
destrutivo, com potencial para um incêndio de grande escala. Assustador.
E emocionante.
E então, sem pensar muito no que diabos eu estava fazendo, aproximei
meus lábios dos dele. No início, foi um sutil encostar de lábios. Eu me
afastei somente para ver a sua reação, que foi… Nada. Um tremular quase
invisível de cílios me fez ter a certeza de que o filho da mãe estava
acordado. Então me aproximei com mais firmeza, mordi seu lábio inferior e
o puxei com os dentes.
E foi o que bastou.
Daniel abriu os olhos, duas labaredas me olhando de volta, seus
braços se apertaram ao meu redor. Sem que eu me desse conta, Daniel estava
entre minhas pernas e meu braços presos acima da minha cabeça. O
movimento foi orquestrado por uma quase gargalhada da minha parte e um
sorriso relutante dele. Daniel parou e ficou olhando para meu rosto, pelo que
pareceram minutos. Meu sorriso foi morrendo aos poucos e uma mudança no
ar fez meu coração acelerar.
— Você é linda.
Meus olhos se abriram um pouco mais pelo elogio inesperado; minha
voz ficou presa e eu só consegui olhar de volta. Lentamente Daniel abaixou a
cabeça, quase como se estivesse testando algo novo, e beijou meus lábios
com delicadeza. Pela primeira vez com delicadeza.
Eu acompanhei seu ritmo, não que pudesse fazer muito a respeito, já
que eu estava totalmente presa embaixo do seu corpo forte. Não que eu
estivesse reclamando. Ele me beijou e me beijou, nunca aprofundando o
toque, por um tempo que eu não soube precisar. E então, Daniel me olhou
como se me visse pela primeira vez e havia algo estranho em seus olhos. Foi
então que ele realmente me beijou, com uma intensidade que eu nunca tinha
experimentado antes. E ele me segurava como se temesse que eu pudesse
fugir de sua cama.
Seu beijo era desesperado, suas mãos soltaram as minhas e foram para
os dois lados do meu rosto. Uma parte minha queria confrontar seu
comportamento, porque era isso que fazíamos metade do tempo, nos
confrontávamos além do necessário. Mas nesta madrugada, uma parte maior
me fez abraça-lo e me apertar a ele, como ela estava fazendo comigo, e
receber o que ele me dava.
Eu já estava além de excitada enquanto seus beijos foram para o meu
pescoço, suas mãos desesperadas em minha regata, arrancando-a do meu
corpo. Com meus pés, abaixei sua calça de moletom e logo, seu corpo quente
estava em cima do meu, totalmente nu. Senti seu pênis liso e macio em minha
coxa, e instantaneamente, abri as pernas para acomodá-lo. Lentamente,
Daniel entrou em mim. Foi lento, mas ainda assim, avassalador, porque era a
sensação de me sentir sendo esticada misturada ao tumulto em meu interior.
Quando ele me completou, ficamos respirando com dificuldade, ainda com
os olhos presos um no outro. Uma batida de coração, duas e ele começou a
bombear dentro de mim.
A cada investida, eu sentia meu interior tremer. Eu só conseguia sentir,
minha mente se apagou. Senti sua respiração em meu rosto, seus grunhidos
angustiados, seu rosto se desfazendo como se sentisse dor, uma angústia que
eu compartilhava em meu íntimo. Foi assim a cada encontro de nossas
partes, a cada respiração e a cada som emitido. Foi mais íntimo do que a
própria intimidade. Foi mais intenso que qualquer sentimento que já senti na
vida e quando nos desfazemos no clímax, foi como a descrição de ser
arrebatada da realidade.
Nós não usamos preservativo. O pensamento nem mesmo me apavorou,
pois eu fazia o uso de pílula anticoncepcional. Após alguns segundos, Daniel
saiu da cama e foi em direção ao banheiro. Voltou com alguns lenços e me
limpou também. Eu poderia ficar constrangida, caso tivesse forças para isso,
mas só consegui virar para o lado e fechar os olhos. Antes que o sono me
levasse, senti o corpo de Daniel atrás de mim e um beijo no meu cabelo
emaranhado, pós foda.
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Daniel Turner
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— Ai meu Deus, Patrick, nossa família está crescendo, que emoção,
tudo o que eu pedi a Deus está se realizando.
Minha mãe parecia uma criança ao nos receber e eu quase sentia
remorso. Quase. Segurei as mãos de Ashley firmemente na minha, e com a
graça de todos os seres divinos, ela não me rechaçou. Ela faria o papel de
esposa e isso ainda me irritava por algum motivo.
Após todos os cumprimentos e felicitações, meu pai pegou Victoria nos
braços.
— O presente de todos está na árvore, mas o da nossa princesinha não
está.
A expressão de Vic foi impagável.
— Eu não vou ganhar presentes, vovô? — Victoria resistiu, mas
acabou fazendo cara de choro.
— O seu presente está no estábulo.
Após alguns segundos, seus olhos se iluminaram e ela abriu um grande
sorriso, um dos maiores que já vi.
— Eu vou ter um unicórnio?
Todos olhavam hipnotizados para Vic e soltaram pequenas risadas com
sua alegria.
— Quase, princesa. É um pônei.
Os gritos de Victoria foram ouvidos mesmo enquanto ela se afastava
com meu pai. Ashley também sorria ao ver a alegria de Vic, mas tinha um
semblante preocupado, e logo, soltou a minha mão e passou a acompanhá-
los. Milla e Nate também acompanharam meu pai, e eu não vi outra
alternativa que não fosse segui-los.
Assim que nos aproximamos, Ashley acompanhava todos os
movimentos de Victoria no pônei, soltando um “cuidado” vez ou outra. Eu
teria feito uma piada se ela já não estivesse tão brava comigo, então, resolvi
uma tática diferente. Me afastei de onde estava a euforia em volta de
Victoria e fui para Otto, meu cavalo. Ele era de raça pura, negro e pouco
sociável.
— Hey, rapaz.
Otto se aproximou da minha mão em reconhecimento. Uma pontada no
peito foi suficiente para que a sensação de nostalgia me tomasse. Olhei ao
redor e várias memórias invadiram minha mente. Às vezes, eu sentia falta de
tudo isso, de ser o garoto criado em um rancho de Montana e não o advogado
sofisticado de Chicago. Esse lugar era toda a minha base, minhas vivências,
todas as minhas primeiras vezes. As montanhas, a neve, os cavalos, os
amigos, a escola, as festas na pequena cidade. Era toda a minha essência.
Assim que montei em Otto, aproveitando que ainda não tinha nevado,
apesar do frio, corri em direção a Victoria que se equilibrava no pônei com
a ajuda do meu pai, sob os olhares atentos de Ashley. Milla e Nate estavam
em sua própria bolha.
Vic me olhou com olhos deslumbrados e gritou ainda mais alto
enquanto eu corria em volta dela. O riso feliz de Vic havia se tornado um dos
meus sons favoritos do mundo. A alegria dela era minha prioridade.
Quando ela se afastou com meu pai, peguei o olhar de apreciação de
Ashley, enquanto via a nossa interação. Era um olhar de desejo e ela o
desviou depressa demais quando percebeu que eu a olhava, o que só a
entregou ainda mais. Então, só porque eu não tinha amor à vida, cheguei
perto dela, encorajado pelo seu deslize, porque eu sentia falta dessa
tentação.
Sentia falta até mesmo de brigar com ela.
Quando viu eu me aproximando seus olhos se abriram, mas logo ela
adotou uma postura desinteressada, quase entediada.
— Vamos?
Ela abriu a boca e então fechou. Eu a desconcertei com meu convite e
adorei vê-la perder um pouco da pose.
— Não estou a fim de quebrar o pescoço, obrigada. — Ela respondeu
e embora o som fosse hostil, seus olhos brincavam.
— O que, nunca andou a cavalo? — Zombei.
— Posso ser de Montana, mas nasci na capital.
Estreitei os olhos para ela e seu tom impertinente, então, sem que ela
esperasse, levantei-a em minha direção, sentando-a praticamente montada
em meu colo. Um suspiro e um “ouch” foi seu único som e antes que ela se
desse conta, e quando julguei ser seguro, saí em disparada, em direção às
montanhas, longe dos outros.
— Turner, eu te odeio! — Ela gritou quando um vento cortante nos
envolvia.
— Eu sei, Ashley. — Falei em seu ouvido, rindo.
Ela soltou um grunhido irritado, mas tinha os braços trancados ao meu
redor. Senti que ela tremia, apesar de agasalhada e passei a trotar ao invés
de correr, até que paramos no alto de um precipício, um dos meus lugares
preferidos. Ele dava uma visão linda, privilegiada da beleza que era
Livingston. Inicialmente eu achei que o tremor era pelo frio, mas ela
realmente estava com medo, quase apavorada.
— Tranquila. — Falei em seu cabelo, e passei um braço ao redor de
sua cintura.
— Eu não sou seu cavalo para falar assim comigo, nesse tom.
Eu ri.
Tive que rir.
Porque essa era Ashley, no fim das contas.
Então, parei o cavalo, segurei seu cabelo e ergui seu rosto em direção
ao meu. Ela soltou um suspiro irritado e disse entre dentes:
— Eu vou descer daqui em algum momento e vai ter retorno!
Inclinei mais a sua cabeça, segurando o seu cabelo cheio em minhas
mãos. Seus olhos estavam cravados em mim e foi a minha perdição. Era uma
merda do tamanho do Lago Michigan, mas eu queria Ashley com a
intensidade de mil sóis. Eu a queria e essa merda me assustava. Algo mudou
em seus olhos, como se, naquele momento, ela também se desse conta de que
me queria. Ou talvez fosse apenas o meu desejo de que fosse isso. Essa
última teoria caiu por terra quando Ashley subiu as mãos por meu pescoço e
fechou os olhos lentamente.
E eu me perdi em seus lábios.
Me perdi no sabor doce de sua boca, no suspiro lânguido que deu,
respirando o beijo enquanto o ar gelado das montanhas de Livingston enchia
meus pulmões. Era puro como ela. Seus lábios se mexeram sobre os meus e
a apertei ainda mais contra mim. Eu não queria pensar sobre como, a cada
dia, minha necessidade por ela só aumentava apesar do quanto ela me
irritava.
Nós nos beijamos pelo que pareceram eras, sem pressa, sem
desespero, apenas degustando de cada centímetro da boca um do outro. Eu
abracei sua cintura e ela se agarrou ainda mais eu meu pescoço, passando as
pernas em volta da minha cintura. Ela era o céu na terra quando ocupava
essa boca venenosa para me beijar. Eu não sabia o que faríamos, mas eu não
aceitaria mais essa merda de frieza da parte dela.
Eu a queria assim, entregue e desejosa, desesperada por mim, como eu
estava por ela. Eu a queria gritando comigo, me xingando, me odiando, mas
reconhecendo minha existência. Eu a queria com uma força desconhecida e
queria que ela me quisesse da mesma forma, porque se eu estivesse entrando
em alguma merda sentimental, eu a queria tão envolvida quanto eu. Não
cairia nessa desgraça sozinho, levaria Ashley comigo ou morreria tentando.
Me afastei de seus lábios e fiquei preso em suas esferas escuras.
Escuras como a noite, tão escuras que contrastavam com a palidez de sua
pele.
Uma beleza única, ímpar.
— A gente tem que parar com isso. — Ela sussurrou, fechando os
olhos com força.
— Pare de ser teimosa, Ash. Por que parar, se é tão bom? — Eu
respondi, dando pequenos beijos em sua boca, seu rosto.
— Porque é confuso. — Ela abriu os olhos e me encarou com firmeza.
— E eu não quero me machucar.
Sua declaração fez meu coração galopar como o cavalo minutos atrás.
Eu respondi com seriedade, sem desviar meus olhos dos dela.
— Você já parou para pensar que eu poderia também sair machucado?
Ela riu.
— Pouco provável.
Franzi o cenho em confusão.
— Por quê?
— Eu não faço essas coisas: ficar por ficar, sem compromisso. Você
passou a vida fazendo isso, então, volto a dizer: Pouco provável você se
magoar.
— Quer um compromisso mais sério que casamento?
Ela revirou os olhos.
— Mas é um casamento de mentira.
Era engraçado como toda vez que ela dizia isso eu queria socar algo.
— O papel que assinamos diz o contrário.
— Você complica tudo, Turner. — Ela respondeu com uma ponta de
irritação.
— Não, você complica. — Eu respondi com a minha própria dose de
irritação.
Não tinha jeito, nós já estávamos brigando novamente. Por que a garota
que estava me deixando obcecado tinha que ser Ashley Mackenzie? Justo
Ashley. Insuportável, chata e arrogante Ashley. Julgadora Ashley. Gostosa,
linda e deusa do sexo Ashley. Droga.
— Você gosta de ficar comigo? — Tentei mudar a tática, vendo que
não chegaríamos em lugar algum se continuássemos seguindo a linha.
— Gosto do seu pau.
Comecei a rir e ela também, enquanto descansava a cabeça em meu
peito. Comecei lentamente a voltar para o Rancho, pois pequenos flocos de
neve já começavam a cair.
— Então vamos deixar fluir. Temos um ano para convivemos, uma
filha que em breve será oficialmente nossa e uma tensão sexual devastadora.
Vamos apenas desfrutar de tudo.
Ela não respondeu, apenas me abraçou por todo o caminho e uma
sensação de paz me tomou, somando a paisagem e o corpo de Ashley
aninhado ao meu.
Eu tomei isso como um sim.
CAPÌTULO 18
Ashley Mackenzie
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E eu estava ferrada.
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Daniel Turner
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— Você vai precisar nomear alguém para cuidar das ações de Victoria
na Ford. — Eric disse, se sentando na cadeira à minha frente. Viemos para
casa assim que saímos do tribunal e ele me acompanhou. Porque a tutela da
minha filha vinha com uma responsabilidade imensa.
— Eu preciso que me ajude a nomear alguém de nossa confiança.
Quero assegurar os direitos dela, mas não quero me envolver muito.
— Eu conheço uma pessoa, vamos marcar uma reunião essa semana
para vocês se conhecerem.
— Confio em você para isso. Luke tentou fazer um acordo, ele quer
comprar as ações de Victoria.
Talvez fosse o melhor. Talvez fosse o mais seguro.
Mas eu não tiraria de Victoria a decisão do que fazer com a própria
herança. Quando ela crescer, ela decidirá o que fazer. Por enquanto, as
coisas seriam assim. Suspirei e passei a debater outros assuntos com Eric. O
tempo passou, até ser quase noite e Eric se despediu.
Subi para o meu quarto, escutando as risadas de Ashley e Victoria.
Tropecei em um urso no caminho e fui abraçado pelo perfume de Ashley
assim que entrei no quarto. Nós estávamos dividindo o quarto, minha casa já
não tinha a organização impecável de antes, mas eu nunca tinha sentido tanta
vivacidade nela. Eu estava feliz, de um jeito que eu nem sabia que poderia
ser.
Depois que me arrumei, desci para onde as duas estavam. Ashley
segurava a mão de Vic e a ajudava a confeitar um cupcake.
— Tá parecendo um unicórnio, mamãe? — A pequena careta de Vic
foi fofa quando ela perguntou. Ashley tentou manter um semblante sério
quando respondeu:
— Ah, está sim. É um lindo touro.
A seriedade durou dois segundos. As duas se olharam e começaram a
rir.
— Vamos tentar mais uma vez, esse está parecendo um touro com um
chifre. — Ashley disse e as duas foram para o próximo.
— Vamos.
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Ashley Mackenzie
Não era a primeira vez que eu tinha essa sensação. A de ser seguida.
As aulas de Victoria tinham retornado nesta semana e como a escola não era
muito longe da arena eu fazia todo o caminho andando. Eu amava uma boa
caminhada matinal e gostava de fazer a minha corrida logo de manhã, depois
de deixá-la. E na próxima semana os treinos do Chicago Winters retornariam
e eu deveria estar todo o tempo por lá.
Baixei a música que estrondava nos meus ouvidos e novamente parei.
Não queria parecer uma mulher histérica ou surtada. Queria acreditar que
Luke Ford tinha desistido de conseguir a tutela de Victoria por ter perdido
para nós no tribunal. Queria acreditar que ele não arranjaria mais problemas
e, principalmente, queria acreditar que eu já tinha superado cem por cento o
tiroteio no estacionamento do hotel. Era o que eu repetia para mim todos os
dias.
O mês que transcorreu foi… Um sonho. Um sonho do qual eu queria
cada vez menos acordar. Daniel ainda me irritava, mas era um excelente pai,
e por mais que me assustasse admitir, era um excelente marido. Às vezes, era
difícil me lembrar que era apenas uma conveniência. Estávamos vivendo
todos os dias como se tudo fosse realidade. Eu sentia o contrato pairar ao
nosso redor, mas nem eu, nem Daniel, mencionávamos a real natureza do
nosso casamento.
Parei novamente e olhei para trás, tendo aquela sensação ruim se
apossando de mim novamente. Tirei os fones, percebendo que não tinha
quase ninguém na trilha onde estava. Eu tinha ficado muito tempo em casa e
tinha aberto mão de muito pelo meu medo desde o tiroteio, então hoje resolvi
estender a minha corrida. E eu já estava mortalmente arrependida, pois
olhando mais ao meu redor, não havia mais ninguém.
Apesar do frio de início de fevereiro em Chicago, minha regata por
baixo do moletom colava em minhas costas. Eu dei o primeiro passo de
volta, quando o vi. Um homem estava no meu caminho, alguns metros à
minha frente. Ele vestia roupas negras e tinha uma arma apontada em minha
direção.
Eu congelei.
Não consegui gritar, apenas fiquei olhando para o homem, mesmo com
o pânico cada vez mais crescente dentro de mim. Eu iria morrer, ele atiraria
em mim. Talvez esse seja o legado da minha família, talvez esse seja o meu
destino. Pensar assim inicialmente me trouxe paz enquanto eu olhava o
homem que me apontava a arma. Mas então me lembrei de Vic, de Daniel.
De tudo o que compartilhamos nos últimos meses, mesmo contra todas as
possibilidades. E uma vontade louca de lutar pela minha vida me tomou. Eu
dei um passo para trás e ele um para frente.
— Não faça nenhuma besteira, lindinha. — A forma lasciva com que
ele me olhou fez a bile subir em minha garganta. Sua voz fazia promessas
horríveis e eu senti meus olhos queimarem. — Você vai me acompanhar
agora, está me ouvindo? Vai me acompanhar até o meu carro, que está a
alguns metros daqui. E depois nós iremos dar uma volta, só nós dois.
Eu não conseguia me mexer. Finalmente, olhei ao meu redor, quase
histericamente. Quando voltei os olhos para o homem em minha frente, ele
estava se aproximando de mim, então não estava mais. Algo em sua
expressão mudou, ele parou abruptamente e destravou a arma, com olhos
arregalados.
E eu ouvi o som de um tiro.
Levei minhas mãos à boca para parar o grito, quando percebi que a
mão não era minha. Uma mão preta e enluvada segurava minha boca fechada
enquanto eu assistia a cabeça do primeiro homem ser lançada para trás e ele
cair de costas, sem vida, seus olhos ainda abertos. A arma tinha um
silenciador, mas ainda assim, o estrondo de mim foi como se não tivesse.
— Quieta. Venha comigo.
O segundo homem, que ainda me segurava de costas para ele, passou a
me arrastar para o outro lado do parque. A histeria me tomou e eu comecei a
me debater ferozmente. Eu tinha saído da mão de um assassino para cair nas
mãos de outro? Esse homem acabou de matar um homem na minha frente.
Comecei a tentar me soltar, eu só queria voltar para casa, eu só queria não
ter tido a ideia horrível de correr mais longe.
— Quieta, você está segura.
Não foi o suficiente para me parar. Eu era pequena, mas estava dando
trabalho para ele. Ele resmungou algo parecido com não querer me
machucar, mas então ele tirou a mão da minha boca e apertou meu pescoço.
Se eu consegui gritar por dois segundos foi muito, pois logo senti minha
visão escurecer e a última sensação que senti antes de apagar, foi que o
homem me levantava nos braços.
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Eu acordei em um sobressalto.
Olhei ao meu redor, me dando conta de que estava em um quarto
estranho. Tudo o que aconteceu veio como uma bomba em minha mente e eu
me levantei um pouco tonta. Eu teria sido sequestrada? Que lugar era esse?
O quarto ostentava uma decoração cara e antiga. Era impessoal, mas ainda
assim, tinha um apelo totalmente inalcançável.
Me levantei com os pés descalços e fui direto para a porta,
encontrando-a aberta. Luke teria me sequestrado para o que, exatamente? Ele
era tão confiante que deixaria tudo aberto assim? A adrenalina me fez ficar
frenética e sem pensar, saí pelo corredor, em direção a uma escada, que eu
pararia para admirar, se não fossem as circunstâncias.
Foi quando escutei rugidos que eu conhecia muito bem.
Era Daniel.
Daniel estava aqui e o reconhecimento me fez correr. Ele teria vindo
me buscar? Ou ele teria sido trazido para cá também? Sem pensar muito,
terminei de descer as escadas e parei na entrada da sala, igualmente perfeita
como o resto da casa. Daniel estava em pé, desalinhado e falava com um
homem de cabelos negros e uma imponência quase impossível de não
perceber, mesmo que ele se mantivesse sentado. Outro homem também
estava na sala e foi quando o reconheci.
O homem que me trouxe para cá...
Foi aí que parei e continuei olhando aquela estranha dinâmica.
O homem de cabelos negros soava como uma espécie de chefe, tinha
uma perna sobre a outra e parecia entediado. Seus olhos encontraram os
meus e um arrepio me tomou dos pés a cabeça. Os olhos dele eram
assustadores, embora eu não soubesse exatamente o motivo. Ele não me
delatou ali na entrada, mas seu olhar firme fez com que Daniel, e o outro
também, olhassem para mim.
Quando vi Daniel, ele me olhou primeiro com surpresa, seguido de
alívio e depois, com uma ponta de remorso, quando ele deu um passo à
frente. Foi quando ele parou e seu olhar era de raiva pura. Ele voltou com
um rugido e acertou o meu captor no rosto. Eu tampei a boca com a mão e
sufoquei um grito.
— Eu disse para nunca tocá-la! — Daniel gritou para o homem que me
capturou e eu fiquei ainda mais confusa.
O homem limpou o canto da boca e, calmamente, pegou a arma que
estava no aparador. Meu coração disparou no peito, porque eu já tinha visto
este homem cometer um assassinato hoje e ele faria o mesmo com Daniel.
Ele apontou a arma para Daniel, que apenas o olhou, sem remorso ou
qualquer sinal de que estava arrependido.
— Carl, chega. — A voz foi do homem que estava sentado. Carl ainda
olhou Daniel por alguns segundos e então abaixou a arma.
— De nada por salvar a vida da sua vadia.
Daniel fez menção de ir novamente em direção ao homem, mas o de
cabelo preto se levantou, como se a situação toda fosse apenas uma dor de
cabeça.
— Saia, Carl.
Ele olhou para Daniel, depois para mim, em seguida para o homem que
parecia ser o chefe e então se foi. Eu fiquei aliviada quando o vi deixar a
sala. Daniel veio até mim, finalmente, e olhou para meu pescoço. Levantou
as mãos e passou os dedos em um local específico ali e depois beijou minha
testa. Abracei Daniel como se ele fosse a minha tábua de salvação. Eu ainda
tinha inúmeras questões não respondidas, como por exemplo, quem eram
essas pessoas, por que ele estava aqui, o que estava acontecendo que ele não
tinha me falado. E eu sabia lá no fundo que não gostaria das respostas.
Contudo, agora, eu só queria a presença de Daniel.
— Vamos embora daqui. — Ele disse com a cabeça enfiada no meio
do meu cabelo. Era tudo o que eu mais queria, mas ainda me vi perguntando.
— Não vai me apresentar o seu amigo.
O corpo de Daniel ficou tenso. Eu me afastei do seu abraço para que
pudesse olhar para ele e para o homem de olhos estranhos.
— E então, Dan? Não vai me apresentar à sua esposa?
Esta parecia ser era a última coisa que Daniel queria fazer na vida,
mas então, ele nos apresentou:
— Ashley, este é Vicenzo, um velho amigo.
O homem se aproximou com um copo de uísque em uma das mãos e a
outra, segurou uma das minhas.
— Muito prazer, senhora Turner. Eu sinto muito pelo que aconteceu
esta manhã com você, mas sei que o seu marido irá lhe explicar tudo.
Ele tinha a voz mansa e estranhamente autoritária. Apesar das palavras
gentis, eu estava morta de medo por dentro. Vicenzo não era um cara bom,
ele não era um mocinho, eu apostaria minha alma nisso. Daniel interrompeu
o nosso contato, puxando minha mão e eu agradeci internamente por isso.
— Amanhã nos falamos, Vicenzo.
Um aceno com a cabeça foi a única resposta, e logo, estávamos saindo
da casa. Havia homens armados na entrada da porta, em alguns pontos
isolados no imenso pátio e jardim, os muros altíssimos dando ideia de uma
fortaleza, os portões com guardas tanto dentro, quanto fora da casa e a
localização distante… E isso só serviu para afirmar o que eu pensei
inicialmente. Mas a questão que ficou em minha mente, que predominou, foi
que tipo de relação Daniel teria com Vicenzo?
CAPÍTULO 21
Daniel Turner
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Ashley estava calada e distante. Eu dei tempo dela, para que ela
pudesse digerir o que tinha acontecido. Ela não tinha saído do nosso quarto,
o que foi um alívio e um sopro de esperança. As duas vezes em que fui vê-la,
ela estava dormindo profundamente. Pedi para que Milla ficasse por hoje
com Vic. Ela tinha ouvido parte da história, o suficiente para entender que eu
precisava de um tempo com Ashley.
Eu ainda estava sem entender qual o objetivo de Luke Ford ao atentar
contra a vida de Ashley. Porque não eu? Ou mesmo Victoria? O que eu
estava perdendo com toda essa situação? Dominado por esses pensamentos,
liguei para Vicenzo.
— Tomou um chá de boceta para se acalmar?
— Matar Ashley não está fazendo sentido.
O silêncio do outro lado da linha era o mesmo que uma resposta
positiva. Vicenzo odiava não entender as situações, claramente, ele estava
tão confuso quanto eu.
— Por que Ashley?
— A pergunta correta seria: por que Ashley seria um risco para Ford,
mais que Victoria? Ele sabe de algo que não sabemos. O que sabe sobre sua
esposa?
Por algum motivo, enrijeci. A vida de Ashley era um livro aberto,
todos nós sabíamos que ela perdeu os pais quando criança e foi criada pela
avó. Não era segredo. Nunca foi.
— Ashley não tem segredos.
— Você não pode ter certeza.
— Ashley é uma das pessoas mais sinceras que conheci em toda minha
vida. Ela é a melhor amiga da minha irmã e apesar de um pouco chata, é
inofensiva.
Vicenzo deu um suspiro quase irritado e, por fim, disse.
— Eu vou investigar a vida de sua esposa, Daniel. É a segunda vez que
tentam matá-la. Ela, não você ou sua filha. Eu sempre desconfiei de que algo
nessa história não fazia sentido. O filho da puta está um passo à nossa frente
e devemos descobrir o que não sabemos.
— Será uma perda de tempo, mas faça o que achar necessário.
Vicenzo apenas desligou o telefone, como sempre.
Ele investigaria a vida de Ashley, e mesmo que eu tivesse certeza de
que Ashley era um livro aberto, algo dentro de mim começou a cogitar a
possibilidade de Vicenzo ter razão. Subi as escadas até parar na entrada do
nosso quarto. Ashley estava sentada na beira da cama, encarando o chão.
Olhei para o relógio e eram quase 21h00. Devagar, me aproximei e sentei ao
seu lado. Automaticamente, sua cabeça pendeu para o meu ombro e eu acolhi
como se fosse a coisa mais normal do mundo. E estava se tornando.
— Vic?
— Está com Nate e Milla.
Ela fechou os olhos e vi quando algumas lágrimas caíram de seus
olhos. Meu peito apertou e eu a trouxe para o meu colo desejando apagar o
que quer que estivesse tirando a paz dela. Era horrível a sensação de
impotência.
— Tem alguns dias que sinto alguém me seguindo. — Ela disse, com a
cabeça em meu peito.
— Sobre isso… — Ela levantou os olhos para mim, o quarto
iluminado apenas pelo abajur. — Eu pedi para que os homens de Vicenzo
ficassem de olho em você e Vic. E em Nate e Milla também. E em meus pais
e claro, Melissa.
— Acha que todos nós estamos em perigo? — Ela perguntou,
alarmada.
— Eu não vou arriscar nenhum de vocês.
Seus olhos passaram de alarmados para emocionados. Ela segurou os
dois lados da minha cabeça e aproximou os nossos rostos, uma expressão
chorosa tomando conta.
— Ah, Daniel…
Quando nossos lábios ficaram alinhados, um beijo que mais parecia
uma carícia, começou a se desenhar em nossos lábios. O sabor salgado de
suas lágrimas só deixou a intimidade do momento mais intensa. Ela virou
uma perna e montou o meu colo e ficamos assim por um tempo. Então ela me
abraçou com pernas e braços e encostou a cabeça em meu ombro.
— Não podemos deixar que nada aconteça com Vic, Daniel. Eu
morreria se perdesse mais alguém que amo.
— Eu prometo que não vou deixar você perder mais ninguém.
Um risinho fez cócegas em meu ombro.
— Não pode me prometer isso.
— Eu prometo que vou te fazer feliz, Ash.
— Enquanto durar o contrato?
A voz dela tinha o tom de uma brincadeira, mas quando eu a puxei
suavemente pelo cabelo e a fiz me encarar, minha resposta foi séria. Real e
verdadeira.
— Pelo tempo que você me quiser.
Talvez fosse cedo. Talvez ela não compartilhasse do turbilhão que me
causava toda vez que se aproximava de mim, da montanha russa de
sentimentos que eu sentia quando se tratava dela. Talvez ela ainda me
achasse um babaca idiota, mas eu não cederia. Eu teria essa mulher para
sempre ou passaria a vida tentando conquistá-la. Ela me olhou com uma
expressão em branco, sem me dizer nem uma palavra ou me dar nem uma
indicação que fosse do que estava pensando. Ela apenas fechou os olhos, e
quando os abriu, me deu um beijo rápido e se levantou do meu colo, indo em
direção ao banheiro.
Eu me deitei na cama e fechei os olhos. Talvez eu merecesse um pouco
desse comportamento por ter sido por tanto tempo um idiota com ela. Não
que ela fosse muito agradável, mas eu estava me apaixonando por Ashley,
mesmo contra todas as possibilidades.
Eu só precisava descobrir como fazer ela se apaixonar por mim
também.
CAPÍTULO 22
Ashley Mackenzie
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Daniel Turner
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Ashley Mackenzie
Duas vitórias.
Bons ventos sopravam na direção do Chicago Winters e a equipe
vibrava de emoção na vitória contra o Michigan. Era muito bom quando
vencemos e, desde que entrei no time, seguimos invictos. Havia até uma
brincadeira entre os caras de que eu era o chaveirinho da sorte. De longe, vi
Nate dando entrevista e, pela maneira que sorria como um pateta, tinha
certeza de que perguntavam sobre Milla.
Eles eram tão ridiculamente apaixonados, de uma maneira fofa e linda.
Nate era um romântico, apesar daquele tamanho todo. Tinha toda a pinta de
bad boy, até ser dominado pela caipirinha de Montana, como ele a chamava.
— Vai para o bar?
Natalie disse ao meu lado. Eu não estava no clima de ir para o bar, o
que eu queria mesmo era um bom banho quente, colocar meus pijamas velhos
e fazer uma chamada de vídeo para Vic e Daniel. Fizemos disso um ritual
durante toda a semana e tem sido meu consolo. Com essa perspectiva, neguei
mais uma noite baladeira com Natalie.
— Acho que não, eu vou dormir.
— De jeito nenhum. A semana inteira você foi dormir, o que significa
ficar no telefone com Daniel. Será que só vocês não perceberam que estão
apaixonados e que esse casamento é mais real que o iminente de Nate e
Milla?
Fiz uma careta, mas me vi obrigada a acompanhar o time. Era verdade,
eu estava me afastando de todos, na ânsia de falar com Daniel. Fizemos isso
durante toda a semana, depois que ele desligava a chamada de vídeo.
Ficávamos conversando sobre tudo e nada e era… realmente, era ridículo,
muito adolescente, mas me fazia bem, mais do que eu gostaria de admitir.
—Me deixa só dar o beijo de boa noite em Vic.
Fui em direção ao vestiário com Natalie em meu encalço. Já não tinha
quase ninguém, estava mais vazio, entrei, peguei o telefone e disquei o
número de Daniel.
— Mamãaaae.
— Oi princesinha linda, você está fazendo o que?
— Eu acabei de tomar banho, Anne já foi e papai está escolhendo a
história para ler para mim.
— Ah, é? E cadê o papai?
— Está aqui ao meu lado.
— Oi — A voz rouca de Daniel ressoou e então seu rosto apareceu na
tela, ao lado de Vic.
— Eu vou ao bar com o pessoal hoje, então não vou ter como te ligar
mais tarde. Resolvi ligar mais cedo para dar boa noite.
Daniel fez uma careta, mas era mais que uma simples careta. Era uma
preocupação. Ele estava preocupado comigo.
— Hey, foi tudo bem durante a semana. Vai ficar tudo bem. — Falei
com suavidade.
— Tem algo que precisamos conversar assim que você chegar. — Ele
disse e eu me preocupei. Cenários onde ele me pedia para me afastar dele e
da vida dele começaram a se formar em minha mente. Daniel estava quase
perturbado e uma única teoria ganhou força em mim: Ele queria a vida dele
de volta. Ele tinha cansado.
— Tudo bem. — Forcei um sorriso.
— Se cuida. E fique com esse celular ligado.
Revirei os olhos diante do seu tom.
— Tchau, Daniel.
Desliguei o telefone, tão inerte que me esqueci de me despedir de Vic.
— O que foi? — Natalie perguntou ao ver a minha expressão.
— Nada. Vamos.
Eu não gastaria energia pensando em Daniel. Eu deveria ter sabido
desde o início que esse envolvimento tinha data e hora marcadas para
terminar. Não adiantava reclamar agora, só me conformar.
Talvez não seja isso, uma voz dizia, bem lá no fundo. Mas estávamos
falando de Daniel, Daniel Turner. Ele não se apaixonava, nunca. Mastigando
minha raiva irracional, eu bem sabia que era irracional, acompanhei Natalie
e já comecei bebendo um shot de tequila.
E mais dois.
E mais três.
Às quatro da manhã eu estava muito maluca, como nunca estive. Eu
nunca bebia enquanto trabalhava, nunca, mas hoje eu tinha perdido a linha.
Porque eu me dei conta de que caí na armadilha do amor com a única pessoa
que nunca deveria ter caído. Estava apaixonada. Tinha me ferrado
duplamente.
— Eu quero ir ao banheiro.
— Tá lotado.
— Então eu vou fazer xixi aqui. Na pista.
Natalie, que também estava bêbada, começou a rir sem parar.
— Doida! Vamos para aquela fila horrenda.
Enquanto caminhávamos, ela me puxou para um corredor.
— Ethan conhece o dono e uma vez ele me mostrou um banheiro aqui
em cima. Vamos lá.
— Natalie você está tão bêbada quanto eu, tem certeza que acerta o
caminho?
Ela me olhou e então começamos a rir.
— Não, não. Mas vamos mesmo assim.
Enquanto eu subia, os degraus pareciam sair do lugar. Antes de
terminar de subir as escadas, escutei um baque. Virei com dificuldade ao ver
que Natalie estava caída no chão. Um vulto atrás de mim, na extremidade
mais escura, se movimentou em minha direção e eu não tive a oportunidade
de ver com clareza. O grito ficou preso em minha garganta e então tudo
escureceu.
CAPÍTULO 24
Ashley Mackenzie
E então eu desmaiei.
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Daniel Turner
Ashley Mackenzie
Daniel Turner
[1]
O Pâtisserie é um chef de estação em uma cozinha p rofissional, esp ecializada na confecção de doces, sobremesas, p ães e
outros p rodutos de p anificação.