Você está na página 1de 211

JOGADA DA VIDA

Autora: Harin Adna


Copyright © Harin Adna, 2021
Capa: Thatyanne Tennório - @designerttenorio
Revisão: Ana Karolina Araújo – @anakarolina6530
Diagramação: 318 Serviços Editoriais & Design - @tresumoito
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos
reais é mera coincidência.

JOGADA DA VIDA / Harin Andreo 1ª Edição – 2021


Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento, e/ou reprodução de qualquer parte dessa
obra – física ou eletrônica – através de quaisquer meios (tangível ou
intangível) sem o consentimento escrito da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.2018.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.


SINOPSE

É natural ter um crush no irmão gostoso mais velho da melhor amiga,


correto?
Errado.
Não quando esse irmão é Daniel Turner.
Ele é arrogante, irritante e tem o senso de humor mais ácido que existe. É
por isso que nos odiamos.
Até aparecer uma garotinha carente em sua vida que muito lembra a mim
mesma.
Até ele precisar da minha ajuda para não perdê-la.
Até eu conhecer uma parte dele que nunca imaginei existir.
Até perceber que eu estou muito, muito encrencada.

Ashley Mackenzie é insuportável de todas as formas possíveis.


Ela julga todos com sua régua, acha que só o seu modo de vida é correto,
tem uma língua venenosa e não poupa ofensas em minha direção.
Mas então minha vida muda radicalmente, de uma forma que jamais
imaginei, e eu preciso da ajuda de Ashley.
E, para que eu não perca o que a vida me deu de mais valioso, teremos que
trabalhar juntos, como um time. E então, Ashley não é mais tão insuportável
assim. E sua língua ferina pode fazer muito mais que distribuir ofensas
gratuitamente.

Perigos colocam a vida da minha nova família em risco e eu me vejo capaz


de qualquer coisa para protegê-los.
Qualquer coisa.
PRÓLOGO

O interfone não parava de tocar.


Olhei para o relógio e eram quatro da manhã. Um pouco frustrado, me
levantei e atendi.
— Sr Turner, tem uma senhora aqui no hall junto de uma criança, elas
pedem para falar com o senhor.
— Qual o nome?
Tentei puxar em minha mente algum caso do escritório que envolvesse
crianças, mas não consegui me lembrar de nenhum. Intrigado e alerta, esperei
a resposta de August, o recepcionista.
— Não quis dizer, apenas que falaria somente com o senhor. Parece
urgente.
Apertei os olhos com a mão, sabendo que só poderia ser algum
problema.
— Estou descendo.
Coloquei meu casaco e chinelos sobre as meias, pois estava frio, e
desci, não tendo ideia do que iria encontrar. Uma senhora e uma criança
foram a última sugestão de visitas na madrugada para mim. Assim que
cheguei, de longe, vi uma mulher com uma roupa modesta e uma criança.
Mesmo com o rosto encostado na perna da mulher, eu poderia dizer com
certeza que era uma menina. O cabelo era longo, escuro e estava solto,
tampando o rosto. Ela estava agasalhada com uma roupa rosa. Assim que me
aproximei, agora ainda mais curioso, pois poderia dizer que nunca havia
visto a mulher em minha vida, fui surpreendido com a pergunta da mulher:
— Você é Daniel Turner?
A mulher me olhou com firmeza e, embora seu tom fosse educado, não
deixava de ter uma nota severa. A garotinha levantou os olhos para mim e
assim pude vê-la com mais precisão.
E eu quase perdi o ar.
A voz ficou presa em minha garganta, um calafrio tomou meu corpo
inteiro, porque eu estava olhando para o meu próprio retrato. Grandes olhos
azuis, cabelo escuro, sorriso tímido e cansado. A garotinha era muito
parecida comigo.
— Você é Daniel Turner?
Tentando recuperar a minha voz, justo eu, um advogado renomado, que
cresci profissionalmente graças à segurança e firmeza que passei aos meus
clientes através das palavras, respondi.
— Quem é você?
— Bom, é só olhar o seu rosto para ter certeza de que é você. — A
mulher disse mais para ela do que para mim. Por algum motivo eu previ e
temi na mesma proporção as próximas palavras da mulher — Meu nome é
Mary Allen, sou a governanta de Victoria Grace. — Ela olhou para a
garotinha. — Sua filha.
CAPÍTULO 01

Daniel Turner

Observei Milla e Nate em meio a uma guerra de bola de neve.


Estávamos em Livingston, Montana, a cidade em que nasci e vivi até os
dezoito anos. Milla é minha irmã mais nova e Nate é seu noivo, jogador de
hóquei do Chicago Winters. Eles estão juntos há três anos e na última
semana, na Copa Stanley, o idiota a pediu em casamento, em frente à arena
lotada. Mesmo indo contra todos os meus instintos de irmão mais velho
protetor, vendo a forma como agora ele a levantava no colo e caía no chão
com ela, para em seguida beijá-la, eu tinha que admitir. Nate era decente e
amava Milla.
— Eles chegam a ser nojentos de tão fofos!
Olhei para Melissa, minha outra irmã mais nova e gêmea de Milla. A
diferença entre as duas ia muito além da aparência. Enquanto Milla
trabalhava na área de finanças, na Jhonson&Turner, escritório de advocacia
no qual sou sócio, Melissa era modelo. Fisicamente também eram bem
distintas: Milla tinha cabelos escuros e os olhos verdes de minha mãe,
Melissa era loira de olhos azuis. Opostas em todos os sentidos, mas
compartilharam o útero ao mesmo tempo.
Ela apoiou a cabeça em meu ombro e escorou os antebraços na grade
da grande varanda do Rancho dos nossos pais. Era novembro, inverno, os
dias eram nublados e nevava muito. Era o aniversário de nossa mãe e
viemos todos para comemorar com ela.
— Ela está feliz. — Eu respondi.
—Mamãe também está nas nuvens, agora que decidiram se casar. Acha
que logo terá netos, finalmente.
Fiz uma careta ao imaginar minha irmã mais nova grávida. Casamento
e compromisso nunca foram o meu ideal de vida. Os filhos, a cerca branca,
os cachorros e todas essas merdas, nada disso combinava comigo.
— Dan, não seja ranzinza, veja pelo lado bom: se Milla tivesse um
bebê, mamãe pararia de pegar no seu pé para arrumar uma mulher e se
acalmar.
Minha careta se intensificou porque era uma realidade. Mamãe não
perdia uma oportunidade de alfinetar sobre como eu já tinha trinta e quatro
anos e ainda não tinha esposa ou filhos. Eu procurava desconversar e fugir
de cada tentativa sua de me encurralar ou mesmo de apresentar a filha de
alguma amiga. Se ela soubesse da minha aversão a toda essa
tradicionalidade, certamente teria seus sentimentos feridos.
Eu não era um homem revoltado que não acreditava no amor, nem tive
meus sentimentos feridos por alguma desilusão. Eu apenas não queria esse
tipo de vida para mim. Gosto da minha vida do jeito que é, meu espaço só
para mim, ir e vir sem dar satisfações a ninguém.
— Ela não desiste. — Resmunguei.
— Só não consigo entender o porquê de tanta resistência. Você não
será jovem e bonito para sempre. Eu só não namoro porquê... Bem, não
conheci ninguém que fizesse isso comigo.
Olhei para onde Melissa encarava Nate e Milla. Ele novamente a
girava no colo, rindo e parecendo duas crianças brincando na neve. Era meio
fofo, embora eu jamais admitisse.
— Alguém para te girar no colo como um idiota? — Perguntei
zombeteiro.
—Que faça eu me sentir boba. — Ela respondeu suspirando, olhando
para ambos.
— Eu passo. — Respondi.
— Pois não deveria — Fechei os olhos ao escutar a voz da minha mãe,
antes de ela me abraçar e parar ao meu lado. — Não há nada mais lindo que
um casal apaixonado.
Olhei novamente para o casal apaixonado. Agora eles se beijavam e eu
fui obrigado a desviar os olhos, porque ela ainda era a minha irmã mais
nova.
— Daniel, você ainda vai se apaixonar e de uma forma tão intensa que
mal vai se reconhecer. Vai ter uma linda família, mais rápido do que Milla e
Nate e vai agradecer todos os dias por isso.

Olhei para minha mãe, pronto para repreendê-la, mas ela não deu
tempo. Bateu em meu ombro e puxou Melissa, falando sobre algum assunto,
enquanto Melissa me olhava debochando da minha sina. Eu me contive em
um suspiro derrotado e voltei para dentro da casa dos meus pais.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Minha mãe teve um dia feliz. Era quase impossível não enxergar toda a
felicidade estampada em seus olhos por ter seus filhos em volta de sua mesa.
Ela era dessas mães que fazia questão de que todos os filhos estivessem ao
seu redor, e fazia desse feito um acontecimento. Seus filhos e o intruso, que
ela também chamava de filho. Confesso que a provocação era apenas isso,
provocação. Nate era um cara bom, quando Milla foi sequestrada há três
anos, ele não pensou em sua carreira ou em nada que pudesse dar errado
para ele, seu único objetivo era salvar Milla. Me ajudou a resolver o
problema que era Steven, o perseguidor da minha irmã, com as próprias
mãos. Ele abandonou um jogo decisivo para salvar minha irmã. Foi ali que
ele ganhou um irmão, embora eu jamais fosse assumir isso publicamente. O
que começou com um namoro fingido se tornou uma história de amor e essas
balelas. Mas era verdadeiro, ninguém poderia negar.
— O melhor presente de aniversário, com toda a certeza do mundo, é
ter vocês aqui. — Minha mãe afirmou com os olhos marejados — Quando
vocês tiverem os filhos de vocês, verão que são esses os momentos que mais
valem a pena. A família reunida.
Melissa segurou a mão de mamãe por cima da mesa e meu pai beijou-
lhe o topo da cabeça. Eles eram um exemplo de amor e companheirismo que
com certeza, se eu um dia fosse me casar, o que não aconteceria nunca, mas
se acontecesse, eu não iria querer menos que isso. Essa adoração explícita e
companheirismo em todos os momentos.
— Quando será o casamento? — Meu pai perguntou aos noivos.
— Por mim, casaríamos neste fim de semana em um cartório, Patrick.
— Mas de jeito nenhum! Melissa é muito acomodada e nem vamos
falar de Daniel, mas Milla é minha única esperança de fazer uma festa de
casamento! Tem que ser uma festa linda!
Melissa fez uma cara de ultraje e eu apenas suspirei resignado.
— Nate está sendo bobo, mamãe. Claro que haverá uma festa, nos
casaremos em seis meses. — Enquanto ela falava, Nate beijou-lhe o topo da
cabeça como meu pai fez com minha mãe. De alguma forma, o ato mexeu
comigo. Porque ela ainda era a minha irmã mais nova, a mais nova dos três
porque, como Melissa afirmou a vida inteira, era mais velha três minutos.
Milla também era a mais ingênua, bondosa e vulnerável das duas, sempre foi
a mais protegida. Ver o carinho de Nate, mais uma vez confirmou o que eu já
sabia: ele cuidaria dela. Era difícil perder o cargo de irmão protetor, mas
pelo menos, ela ficaria bem. — Será aqui no rancho, para poucas pessoas,
somente família e amigos próximos.
Com esse comentário mamãe se levantou aos gritos de prazer e
Melissa a acompanhou, todas rindo e fazendo planos de como tudo seria.
Nate alugaria o maior hotel de Livingston para os convidados e fariam a
recepção no rancho. Enquanto as mulheres se afastavam agitadas, eu olhei
para Nate.
— Estou pensando em como ficará Livingston, caso descubram que
será aqui o casamento da grande estrela do hóquei, O Raio do Gelo — Dei
um riso sarcástico — Essa cidadezinha vai ferver.
Porque Nate não era somente um jogador de hóquei. Era o melhor
jogador da liga e vencedor da Copa Stanley por quatro anos consecutivos.
Sucesso em todas as áreas da vida e completamente preso pelas bolas pela
minha ingênua irmã.
— Tudo o que não queremos, embora devamos estar preparados para
isso. — Ele disse com uma careta.
— Você a pediu em casamento na final do jogo do ano, em frente às
milhares de pessoas que assistiam na arena e em casa. Se queria discrição,
começou da pior forma.
Embora meu tom tivesse uma nota de crítica ao olhar Nate, ele tinha
um leve sorriso no rosto, como se a mera lembrança mexesse com ele. Eu
revirei os olhos internamente, porém o olhar de meu pai dizia que ele sabia
exatamente o que eu estava pensando.
— Me faria o homem mais feliz do mundo que o casamento de vocês
acontecesse aqui no Rancho, onde Milla cresceu. Contudo, temo que, por
segurança, seja melhor o realizarem em um lugar mais seguro. Não será um
casamento simples. Ivana e Melissa viram em um jornal que já está sendo
considerado o casamento do ano.
— Vamos tomar todas as medidas necessárias para que o casamento
ocorra sem problemas. É o sonho de Milla se casar na casa onde cresceu e
eu estou mais do que disposto a realizar o sonho dela. — Nate respondeu,
decidido.
— Certo. — Papai concordou rindo.
Minha mãe e irmãs voltaram para a sala de jantar e o resto da noite
passou sem intercorrências. Era cada vez mais raro nos juntarmos desse jeito
e ainda assim, maravilhoso. Minha família teve seus problemas ao longo dos
anos, mas éramos munidos de amor e cumplicidade.
Na sala, papai colocou um filme de comédia, e à luz da lareira e vinho,
em uma noite de inverno, a nostalgia me tomou. Melissa tinha a cabeça no
colo de minha mãe e ocupava um sofá quase inteiro. Meu pai estava no chão,
próximo à minha mãe. Milla e Nate estavam aninhados juntos em um sofá
menor, e eu estava na poltrona de um só lugar. Parece que foi ontem quando
minhas irmãs eram duas pirralhas brigando por chocolate, com pantufas e
pijamas e, embora o tempo houvesse passado, eu só poderia ser grato por
todo o amor que permanecia.
CAPÍTULO 02

Ashley Mackenzie

O primeiro sinal de que algo deveria estar errado, foi a rapidez que
consegui pegar um táxi no sábado à noite em Chicago. Isso nunca aconteceu
comigo quando precisei. Hoje foi a última reunião da temporada com a
equipe de saúde do Chicago Winters, o time de hóquei do momento e do qual
eu sou fisioterapeuta há três anos. Quando saí de Helena, Montana, aos vinte
e dois anos com uma proposta de emprego no Winters em Chicago, um
diploma na bolsa e minha melhor amiga Milla a tiracolo, jamais imaginaria
quantas coisas eu conquistaria.
Com o Chicago Winters, eu, que até então era somente uma garota que
nunca tinha saído de Montana, viajei pelo país e até mesmo fora dele.
Conquistei meu próprio apartamento, meu carro (embora estivesse no
conserto) e um namorado lindo. Eu e Fred estamos juntos há dois anos e
tenho fortes indícios de que em breve ele irá me pedir em casamento.
Principalmente porque há exatamente uma semana, Nate pediu Milla em
casamento e ele me deu a entender que em breve seria a nossa vez.
Ele é médico, loiro, com olhos escuros como a noite, um sorriso
matador e alguém que eu conheci através de Nate. Eu o conheci em um
simpósio de medicina esportiva e o interesse foi instantâneo. Não muito
tempo depois, estávamos namorando. Eu sempre fui aquela garota
sonhadora, que idealizava um relacionamento de cumplicidade e
companheirismo e tinha encontrado tudo isso com Fred. E era por isso que
eu estava, neste exato momento, indo para o apartamento dele, vestida com
uma lingerie por baixo de um sobretudo preto e botas altíssimas.
O segundo sinal de que algo não estava bem, foi o carro de Fred na
garagem. Olhei para o meu relógio sim, ainda faltava uma hora para que
acabasse o seu plantão. Provavelmente, algo deveria ter acontecido. Sacudi
a cabeça e peguei a minha cópia da chave na bolsa. Tínhamos combinado de
almoçar com seus pais amanhã, então resolvi lhe fazer uma surpresa.
O terceiro sinal bateu em meu rosto assim que abri a porta. Fred
sempre foi organizado ao extremo, então não foi por nada que fiquei pasma
com a trilha de roupas que começava na porta da frente e subia as escadas.
Roupas de Fred e… Roupas femininas. Meu estômago se revoltou. Como se
estivesse condicionada, segui a trilha de roupas que, como esperava, deu no
quarto de Fred.
Um quarto que era um pouco meu também.
Levantei os olhos da trilha de roupas e me deparei com a bunda branca
de Fred impulsionando ferozmente entre as pernas de uma bela mulher
asiática. Olivia Gessinger, a residente de pediatria linda de morrer e
orientada por Fred. As mãos de Olivia estavam na cabeceira, que se chocava
contra a parede, e em um desses impulsos, o porta-retrato com uma foto
minha e de Fred em nossas férias em Austin, inverno passado, caiu no chão e
trincou.
Tão simbólico.
Eu não saberia dizer por quanto tempo fiquei ali, estática diante da
cena que se desenrolava em minha frente. Em algum momento, Olivia
pareceu perceber a minha presença e empurrou Fred. Quando ele olhou em
minha direção, seu rosto estava branco.
— Ursinha…
Eu apenas levantei uma das mãos.
— Não. Fale. Nada.
— É uma pesquisa…
Meu temperamento normalmente dócil e gentil, explodiu.
— Cale a boca, Fred! Está me achando com cara de trouxa? O que
você estava pesquisando com seu pau na vagina dela?
— Ursinha, n…
— Não me chame assim!
Olivia já terminava de vestir seu sutiã e já tinha a calcinha de volta ao
corpo. Acredito que eu deveria estar no caminho do resto de suas roupas.
Mas meus olhos assassinos estavam mesmo em Fred. Porque, por mais
desleal que Olivia tivesse sido, meu compromisso era com Fred. E o dele
era comigo.
— Some daqui, garota.
Ela não esperou por outro comando e saiu em disparada. Fred me
encarava ainda nu, pedindo misericórdia com os olhos. Eu fui em direção ao
seu closet e passei a pegar todas as minhas coisas com raiva. Senti seus
passos hesitantes vindo em minha direção.
— Ash, meu amor, não significou nada para mim. Ela ficava marcando
em cima, quando eu vi…
— Pois então que ruim para você, Fred. Acabou de jogar dois anos de
relacionamento no lixo por algo que não significou nada. — Minha voz nesse
momento estava mais para desanimada. Como foi que não vi esse lado de
Fred? Ele não foi nem mesmo homem o suficiente para reconhecer que errou,
culpando apenas Olivia. A decepção no momento era maior que a raiva.
— Não fale assim, Urs… — Ele parou ao ver o meu olhar em sua
direção — Ash. Amanhã será um dia único e especial para nós. Eu já tinha
comprado um anel, seria o meu pedido oficial…
Foi ali que eu perdi tudo, enquanto pegava meus sapatos e algumas
roupas. Parei de recolher meus pertences e olhei para Fred estilo Samara
Morgan, de O Chamado. Meu cabelo negro estava no rosto enquanto eu
olhava, pelos espaços entre as mechas no meu rosto, a cena mais ridícula do
mundo.
Fred estava nu, ajoelhado no chão ostentando um anel em uma caixa
vermelha de veludo. Sua boca inchada pelos beijos de outra mulher, o quarto
emanava perfume doce e feminino que não era meu, seu pau ainda semiereto
por uma mulher que não era eu. Olhei para o sapato em minha mão, era um
Jimmy Choo, nude. Sem pensar nas consequências, joguei e acertou sua
cabeça. O barulho do sapato acertando sua cabeça foi seguido de um urro de
dor e surpresa.
— Sabe o que eu quero que você faça com esse anel, Fred?
— Enlouqueceu, Ash?
Eu peguei outro sapato, agora um tênis dele de corrida e voltei a jogar
em sua direção.
— Quero que você enfie o seu pau nele! — Joguei um terceiro sapato
— E depois as bolas!
Eu estava transtornada. Passei a jogar todos os sapatos em direção a
ele enquanto gritava todos os tipos de obscenidades. Eu sempre tive uma
natureza dócil, então desconhecia o espírito que se apoderava do meu corpo
no momento.
— Ashley, pare, vamos conversar!
Eu comecei a rir como uma psicopata louca.
— Você quer conversar, Fred querido? — Eu me aproximei em falsa
doçura, agora com um sapato de salto nas mãos — Então converse com o
salto desse sapato, idiota!
Fred tentou se esquivar, mas pelo menos duas sapatadas eu consegui
acertar em suas costas. Ele correu e se fechou no banheiro, dizendo que só
sairia quando eu estivesse mais calma. Eu respirava com dificuldade pelo
esforço, meu sobretudo agora um pouco aberto. Olhei em direção ao espelho
e se não fosse tão trágico, eu teria rido da minha situação. Olhei para os
sapatos espalhados pelo quarto, minhas roupas no chão, minha situação
deplorável e decidi ir embora.

Eu já não tinha mais nada ali. Nada para fazer ali. Com as mãos
trêmulas, olhos queimando e voz falhada, pedi um Uber. No caminho para
casa, somente um pensamento não me abandonava: Fred me pediu em
casamento minutos após estar transando com outra mulher. Fred, que eu via
como um príncipe encantado, perfeito e como eu sempre sonhei, tinha
acabado de quebrar meu coração.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Achei que você não viria mais. — Milla reclamou assim que me viu
aproximar.
— E porque eu faria isso? — Disse dando-lhe um beijo na bochecha,
evitando tirar meus óculos para que ela não visse meus olhos vermelhos.
— Você claramente está me evitando.
— Claramente, não.
Eu não atendi as ligações de Milla no dia anterior. Ela acabaria
sabendo que eu não estava mais com Fred, mas queria evitar por pelo menos
um dia, só queria um dia de paz para lamber minhas feridas.
— Eu já sei o que aconteceu. — Claro que ela sabia — Você terminou
com Fred.
Mantive minha expressão neutra ao responder.
— O que eu posso dizer? Não é como se eu tivesse uma escolha a
respeito.
— O que aconteceu?
— Não quero falar sobre isso agora. Vamos falar sobre o casamento
do ano.
Ela pareceu ainda querer discutir, mas falar do casamento suavizou sua
expressão.
— Do ano que vem, né? Estamos em novembro e preparando o
casamento para junho do ano que vem.
— Que seja, ainda assim, será um dos eventos mais esperados do ano.
Agora ela tinha um sorriso largo nos lábios.
— Será em Montana e já prepare tudo. Você, Natalie e Melissa serão
minhas damas de honra.
Eu quase chorei, estava muito feliz por Milla. Se eu imaginei, enquanto
estávamos na faculdade, que aos vinte e cinco teríamos encontrado o homem
dos nossos sonhos? Sim, acreditei. Com Milla aconteceu e eu não poderia
ser egoísta de ficar triste por não ter dado certo comigo. Ela merecia o
melhor.
— Obrigada.
— Boba. Não acredito que passou pela sua cabeça que poderia ser
diferente.
— Mesmo assim. É uma honra e você sabe. — Eu ainda me
surpreendia com esses pequenos gestos. Nunca tinha ido a um casamento,
muito menos fui dama de honra.
— Só não nos vista com um vestido horroroso.
Olhei para cima, para a dona da voz, já recebendo um beijo no rosto
de Natalie. Ela estava com o cabelo negro preso no alto em um rabo de
cavalo desajeitado e tinha um copo de café na mão. Provavelmente vinha da
arena.
— Claro que não. Vou deixá-las livres para escolher o modelo.
— É ou não a melhor noiva? — Natalie disse, dando um abraço de
lado na cunhada. Natalie era a segunda no comando do time, uma vez que era
de fato, uma das herdeiras.
— Bondade de vocês. — Milla afirmou já envergonhada.
— Nate já avisou que o casamento será em Montana. Teremos que
pensar em várias estratégias para que funcione. Você sabe, a mídia vai ficar
em cima. — Natalie ponderou.
— Não quero nada extravagante. Uma cerimônia simples para os
amigos mais próximos.
— E como foi o aniversário da sua mãe? — Natalie perguntou
animada.
— Foi maravilhoso! Embora tenha sido em um dia de semana,
conseguimos organizar para que Daniel e Melissa estivessem presentes.
Daniel.
Argh.
Só a menção do nome já me deixou enjoada. Daniel Turner, irmão mais
velho da minha melhor amiga e também o homem mais cínico, insuportável e
a representação de tudo o que um homem não deve ser. Era de se esperar que
um homem criado por uma mulher maravilhosa como Ivana Turner e tendo
duas irmãs mais novas, fosse um príncipe, e esse foi o meu erro. Mas,
príncipe é tudo o que Daniel não é.
Está mais para bad boy ultrapassado.
Há um tempo eu até achei que fosse um príncipe, mas logo me desiludi.
Daniel usa as mulheres, ou como ele mesmo diz, deixa que elas o usem. Não
ajuda que ele seja lindo, mas eu detesto sua personalidade. E detesto ainda
mais que ele adore zombar das minhas idealizações românticas.
Nunca me esqueceria da fatídica noite, quando eu tinha dezoito anos e
fui passar o dia de ação de graças na casa dos pais de Milla. E foi quando o
conheci. Em uma noite, eu estava na cozinha e ele chegava da cidade,
bêbado, junto com outros colegas. Eles começaram a dizer que, já que as
irmãs de Daniel estavam fora de cogitação, ele tinha algo a dizer sobre a
amiga da irmã, no caso, eu. Suas palavras foram:
“— Façam o que quiserem, mas já aviso que ela é cilada. Bonitinha
sim, mas muito nova e bobamente romântica. Se beijar, apaixona e já quer
casamento e filhos”
Ele riram de mim e eu fiquei mortificada com a situação. Tão
mortificada que deixei o copo cair no chão e estilhaçar em pequenos
pedaços. O que seguiu foi uma onda insuperável de constrangimento, onde eu
corri de volta para o quarto que estava ocupando. A partir dali, qualquer
idealização a Daniel se foi. Ele era um idiota e não mudou com o passar dos
anos. Se alguma coisa, ficou pior.
E nunca conseguimos nos dar bem.
— O que você acha, Ash? — Milla perguntou, me tirando do devaneio.
— O que? — Perguntei.
— Menina, onde está com essa cabeça? Sobre a cor dos nossos
vestidos. Eu gosto de azul claro. — Natalie disse, porém seus olhos azuis
estavam estreitos em minha direção.
— Eu gosto. — Disse, tentando me entrosar no assunto.
— Ela terminou com Fred. — Milla afirmou com o mesmo olhar de
Natalie. Agora eu era alvo da atenção das duas e ainda não tinha entendido
como isso tinha ocorrido.
— Oh, meu Deus, você está bem? — Natalie disse.
Olhei para ambas, suspirei e então contei o episódio. Ao terminar,
Milla valentemente ostentava uma expressão solidária, em contrapartida,
Natalie urrava chamando a atenção de todos no café para nossa mesa. Ela
chorava de rir.
— Me desculpe… Me desculpe... Você mandou ele enfiar o pau e as
bolas no anel?
Ela voltou a rir histericamente. Logo, Milla já não estava mais
resistindo e até mesmo eu passei a rir da minha tragédia.
— Amiga, me desculpe. Mas é que eu nunca te imaginei falando essas
coisas, então está difícil processar. Mas podemos matá-lo e esconder o
corpo, o que acha? — Natalie disse enquanto se recuperava.
Mais uma onda de risos nos acometeu. Ri tanto que meu abdome doeu.
— A única pessoa que é alvo de sua raiva é meu irmão Daniel,
considerando que nos últimos três anos vocês estiveram na garganta um do
outro.
Pronto. Meu semblante se fechou. Porque eu já poderia imaginar o
semblante satisfeito dele quando soubesse do desastre do meu
relacionamento. Segundo ele, o último homem fiel era seu pai e, talvez, Nate.
Provavelmente começaríamos uma discussão onde Nate, Milla ou Natalie
interviria e só então parávamos de nos ofender. Essa era a nossa dinâmica.
— Seu irmão é a representação de tudo o que eu não quero em um
homem.
— Mamãe estava pegando no pé dele sobre sossegar, mas ele continua
irredutível. Eu digo que é por ele nunca ter se apaixonado de verdade. No
dia que ele se apaixonar, será um homem rendido.
— Eu também acredito nisso. Se você baixasse um pouco a guarda,
veria que por baixo de toda aquela aura cínica há um bom coração. —
Natalie afirmou antes de tomar o resto de seu café.
O que mais me irritou no grande advogado workaholic que só pensa
em mulheres e dinheiro, além do óbvio e da mortificação que passei em sua
presença aos dezoito anos, não foi sua personalidade superficial, e sim o
fato dele também repudiar tudo o que eu represento. Ele detesta que eu,
diferente dele, queira estabilidade, romance e segurança. Ele zomba disso.
Ele adora rir às minhas custas e eu fiz um juramento de nunca deixar barato
suas implicâncias. Eu nunca mais abaixaria minha cabeça diante dele. E isso
fez com que travássemos uma guerra ao longo dos anos.
E é por isso que eu o odeio.
Cerrei os dentes ao responder.
— É aí que vocês se enganam: para se apaixonar é necessário ter
coração e isso, Daniel Turner não tem.
CAPÍTULO 03

Daniel Turner

Já passavam de duas da tarde e eu ainda não tinha saído do escritório,


enrolado com o caso de um cliente. Eu também não tinha almoçado e
suspirei agradecido quando minha irmã Milla acenou da porta avisando que
meu almoço estava na copa. Um caso complicado iria para julgamento essa
semana e eu estava reunido com dois estagiários, montando as estratégias
para a defesa do meu cliente.
Era um caso de divórcio sem acordo pré-nupcial. A mulher, com um
ano de casada, decidiu que o segurança era mais interessante que o marido,
trinta anos mais velho e agora, o marido não queria que a ex-mulher tivesse
direito a nada. Novamente, era complicado pela falta do acordo pré-nupcial,
porém usamos de qualquer argumento para que meu cliente conseguisse o
que queria ou o resultado mais próximo do esperado.
— Me tragam o que conseguirem amanhã de manhã. Quero três
possíveis soluções de cada, pelo menos.
O casal de estagiários acenou positivamente e mais que depressa,
juntou suas coisas e saiu da minha sala. Eu suspirei aliviado e cansado,
vendo que Mariah entrava e fechava a porta. Mariah, minha secretária há
dois dias, já tinha deixado várias dicas de que estava disposta a um
relacionamento mais íntimo. Houve uma época em que seus sinais não
ficariam no vácuo. Houve uma época que, no estado de estresse em que me
encontrava agora, nada me daria mais prazer do que uma boca ao redor do
meu pau.
— Senhor Turner, aqui estão os relatórios do caso de Rupert Mathews,
como pediu.
— Obrigado, Mariah.
— Há algo mais que eu possa fazer por você?
Evitei, de propósito, seu tom sedutor e respondi com rispidez:
— Não, Mariah. Você está dispensada.
A decepção passou por seu rosto, mas ela logo se recuperou e se
afastou. Eu suspirei, agora ainda mais estressado pelo tesão reprimido.
Olhei para o meu telefone e passei pela lista de contatos. Kelly poderia estar
disponível hoje à noite. Eu poderia mandar uma mensagem e foder o estresse
fora do meu sistema ou estaria com um humor de merda o resto da semana.
Ela poderia chamar sua amiga como da última vez...
— Dan?
Olhei para minha irmã na porta, com meu almoço, me tirando de vez de
meus pensamentos libidinosos. Milla trabalhava na área de Finanças do
escritório e sempre me salvava nesses dias em que tudo saía do controle. Ela
se aproximou e eu peguei a comida chinesa que já aromatiza o ambiente.
— Hoje é a típica segunda-feira. Almocei e já voltei, mas vou ter que
sair mais cedo.
Olhei para ela com as sobrancelhas erguidas enquanto devorava a
comida.
— Preciso começar a resolver alguns assuntos relacionados ao
casamento. Não sabia que eram tantas coisas, minha cabeça não para de dar
voltas. Ainda bem que Natalie e Ashley estão me ajudando em tudo, já que
mamãe está em Montana e Melissa em Berlim. E amanhã ela estará em
Milão.
A menção de Ashley me fez vacilar um momento. A melhor amiga de
minha irmã era… Chata pra caralho. Quando Milla nos contou sobre a nova
amiga, companheira de quarto da faculdade, há alguns anos, pela descrição,
parecia uma garota simples, humilde, meiga e gentil.
A realidade foi muito diferente.
Enquanto ela estava na faculdade e eu em Chicago, quase não nos
víamos, e ela parecia tímida ao meu redor, mas depois que ela veio para
Chicago, conheci sua verdadeira face. A garota tem uma régua julgadora e
um senso de superioridade insuportável, foi para o mundo da imaginação e
esqueceu de voltar. Acha que a vida é um conto de fadas, e, se não fosse
apenas isso, ela não perde uma oportunidade de apontar as inadequações dos
outros segundo suas próprias convicções. Eu a evito como o diabo, embora,
às vezes seja impossível, visto que meu escritório representa o Chicago
Winters, time de hóquei em que ela trabalha. E temos muitos amigos em
comum.
— Aliás, saiba que você será o padrinho, junto com Ashley. — Se eu
já não tivesse engolido a porção que mastigava, teria engasgado. Milla
começou a rir ao perceber minha cara de espanto e repulsa. — Não faça essa
cara, Dan. Você é meu irmão e ela minha melhor amiga, é meio óbvio.
Tentem não se matar, por favor.
— Ela não tem namorado?
— Tinha. Longa história.
— Tem que ser muito guerreiro para suportar aquela garota. Mas achei
que ela levaria o idiota para o altar, visto que ela olha para o seu anel com
corações nos olhos.
— Não fale assim, Daniel. Ela não merecia o que Fred fez.
— Tenho certeza que ela tentou forçá-lo a pedi-la em casamento. É só
sobre isso que ela fala desde que se mudou para cá. Namoro, casamento,
filhos...
— Daniel. Pega leve e eu espero que vocês aprendam a se comportar
como dois adultos. Vocês se transformam quando estão perto um do outro,
parecem duas crianças. Nem parecem ter trinta e quatro e vinte e seis anos.
Revirei os olhos diante do seu tom de repressão. A verdade é que
qualquer homem com dois neurônios funcionando perceberia a fria que é
Ashley Mackenzie. Ela é uma garota linda, isso nem entra em questão, mas
seu objetivo de vida é se casar. Ela olha para os homens como uma besta
caçadora à procura de possíveis candidatos a marido e só o pensamento me
dá arrepios. Ela enrolou Fred em sua teia e gostaria de parabenizá-lo por se
livrar a tempo. Mas claro que jamais diria algo assim em voz alta, pois
Milla seria capaz de cortar relações comigo. Ela adora a amiga.

Logo, ela passou a tagarelar sobre o casamento e eu voltei a devorar o


meu almoço. O casamento de Milla me daria alguns meses de paz com meus
pais sobre minha inexistente vida amorosa e eu curti a sensação maravilhosa
que o pensamento me causou.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Às vezes era muito difícil ser o irmão mais velho e chefe de Milla. Era
uma linha que, mesmo ao longo dos anos, não tínhamos conseguido
estabelecer. Ela saiu com Natalie mais cedo e tinha esquecido o celular no
escritório. E claro, me ligou do celular de Nate implorando para que o
levasse na cobertura que morava com Nate, pois estavam com uma
emergência.
Fiz todo o caminho com um humor de merda, pois tudo o que eu queria
mesmo era chegar em casa e ficar nu, tomando meu uísque. Tudo o que eu
queria era a paz do meu lugar para recuperar as energias deste dia cheio de
problemas. Tive mais duas reuniões desgastantes e minha cabeça estava
latejando de dor. Depois de dizer pela enésima vez que seria a última vez
que faria favores para ela, cá estava eu, fazendo favores para Milla. Minha
irmã cabeça de vento.
Entrei no elevador privativo, e logo que se abriu na cobertura de Nate
e Milla, escutei uma terceira voz que me causava arrepios e não de um jeito
bom. A garota magra, de comprido cabelo liso, do mesmo tom escuro dos
olhos, estava em pé enquanto falava energicamente sobre algum assunto. De
onde eu estava, me aproximando aos poucos, vi Nate e Milla no sofá, em
frente a garota que gesticulava. Quando seus olhos pousaram em mim, ela
parou. Brasas vivas me encaravam e sua boca se tornou uma linha fina. Eu
não perdi a oportunidade de dar-lhe uma dose do meu sorriso sarcástico, que
eu sabia que a irritaria.
— Boa noite, Mackenzie. Como está Fred?
Vi a tempestade se formar em seus olhos negros. Eu poderia ver, à
medida que me aproximava, o olhar reprovador de Milla em minha direção e
o revirar de olhos de Nate com algum resmungo, mas meus olhos estavam na
baixinha “dócil e meiga” com todos, exceto comigo.
— E como está sua vida, Turner? Vazia e infeliz, como sempre?
Eu segurei minha raiva. Porque essa era a garota de ouro, educada e
gentil que todos faziam questão de enaltecer. Ela só não era assim comigo e
eu nunca entendi o porquê, muito menos procurei saber; ela nunca foi
importante o suficiente para que eu perguntasse o motivo de sua hostilidade.
Mesmo quando ela se mudou para Chicago, as vezes em que a vi
esporadicamente no Rancho ou alguma outra vez na faculdade de Milla, ela
era quase invisível. Mas então, ela se mudou para cá e se mostrou uma
pessoa desagradável.
— Não comecem. — Nate disse se levantando e vindo me
cumprimentar.
— Eu disse isso hoje, baby. Nem parecem ter trinta e quatro e vinte e
seis anos.
— Vinte e cinco. — Ashley corrigiu sem tirar os olhos soberbos de
mim.
— Se eu não participasse em primeira mão desse ódio todo, poderia
dizer que é paixão reprimida. — Nate disse com um sorriso sacana e minha
careta só não foi pior que a de Ashley.
— Eu prefiro comer um caminhão de merda.
— Eu tinha que estar muito desesperado, ela iria querer me levar para
o altar na primeira oportunidade.
— Pois saiba, seu idiota, que se você fosse o último homem na terra,
eu ficaria sozinha. Nem imagino a quantidade de doença que…
— Cuidado com o que você fala, garota. — Eu disse ao dar um passo
em sua direção. Porque ela era insuportavelmente julgadora e metida a
superior. Ela nem piscou com a minha proximidade e manteve o olhar em
mim, mas se calou.
— Chega. Cadê meu celular, Daniel?
Meus olhos ainda estavam na mulher à minha frente, enquanto eu
pegava o celular do bolso e o entregava a Milla. Por algum motivo, Ashley
Mackenzie estava ainda mais ácida que o costume, geralmente havia uma
linha invisível que não atravessamos.
Ela virou-se de costas e pegou a bolsa.
— Eu estou de saída, Milla. Obrigada por tudo.
E então ela saiu.
— Eu não sei onde vocês pretendem chegar com essa infantilidade; —
Nate disse do seu lugar no sofá. — Poderia ter pego mais leve com ela,
Ashley não está em um bom momento.
— E o que eu tenho com isso? Sorte do Fred que terminou logo essa
relação, imagina aguentar essa garota o resto da vida.
Escutei o barulho de algo cair atrás de mim e soltei um palavrão em
pensamento. Quando me virei, Ashley estava muito vermelha, visivelmente
irritada, mas havia algo a mais: mágoa. Ela deveria estar muito mal, pois
normalmente jamais me deixaria ver através da fachada dela.
— Eu esqueci a chave do carro. — Ela pegou a chave na mesa lateral
do sofá suntuoso — Boa noite.
Pela primeira vez eu fiquei me sentindo um idiota por ofender Ashley.
E vendo a mágoa em seu olhar, e o olhar muito mais reprovador que o de
costume de Milla, até mesmo de Nate, penso que talvez eu tenha exagerado.
Tomando uma decisão, fiz o caminho até o elevador para… Eu não fazia
ideia do que iria dizer. Só que parecia que eu precisava fazer algo.
— Mackenzie. — Ela parou em frente ao elevador, mas não me olhou,
continuando de costas. Ela sabia que somente eu a chamava pelo sobrenome,
por pura provocação. Então, eu posso ter começado mal com meu suposto
pedido de desculpas. Respirei fundo e então continuei — Sobre o que você
escutou…
Ela se virou para mim com uma rapidez que me calou, a bolsa de alça
longa em seus ombros dando a volta em seu corpo pela brusquidão do
movimento, o rosto dela estava corado de raiva e tinham duas fornalhas no
lugar dos olhos.
— Poupe-me do seu discurso de pena, Turner. Eu não penso muito
melhor sobre você. Sim, eu posso ser uma idiota que sonha com um
relacionamento estável, mas pelo menos não sou uma pessoa vazia e infeliz
como você. Eu sou insuportável e você é egocêntrico, idiota, desprovido de
qualquer sentimento. Frio, tão frio, que eu duvido que tenha um coração
batendo aí. Então eu ainda prefiro a minha versão insuportável a ser pelo
menos um pouco parecida com você.
A cada palavra dita sua respiração ficava ainda mais superficial, seus
olhos mais inflamados, o rosto mais vermelho e eu via seu coração pulsando
na garganta. Eu queria falar, abri a boca para replicar suas ofensas como
sempre fizemos, mas as palavras ficaram presas na minha garganta.
De repente, ela estava próxima demais, um perfume doce e suave
tomou conta do meu olfato me fazendo, pela primeira vez, ter dificuldade em
contra argumentar. O cabelo dela se soltou do coque, caindo como uma
cascata pelos ombros e deu a ela um ar de garota da faculdade. Novamente
eu abri a boca, mas nada saiu. Contive a vontade louca que me deu de beijá-
la até que ela retirasse todas as palavras ao meu respeito.
De onde saiu isso?
Vontade que duelava com a de torcer seu pescoço por me deixar
confuso em meio a uma discussão, quando isso nunca acontecia. Ela nem
mesmo fazia o meu tipo. Era o tipo de garota de quem eu corria léguas, então
me irritou que a achei atraente, ainda que por alguns segundos.
Como se finalmente percebendo o quão próximos estávamos, ela se
endireitou e afastou dois passos. Já dentro do elevador, antes que esse se
fechasse, ela ainda soltou um pouco mais do seu veneno.
— Eu espero que fique sozinho mesmo. Você não tem nada de bom
para oferecer a alguém.
E assim o elevador se fechou e pela primeira vez, eu fiquei sem
palavras.

Porque, pela primeira vez, eu temia que ela estivesse certa.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Tomei um banho e deitei na minha cama, com as palavras de Ashley


queimando em minha mente. Quem ela pensava que era para julgar meu
estilo de vida? Agora, pensando com mais clareza, percebi que foi um erro
tentar me desculpar. Eu nunca me desculpava e não deveria importar se
minhas palavras a haviam ferido. Tentei focar no que importava.
Estava em minha casa. Era o meu ambiente, meu espaço. Eu tinha trinta
e quatro anos e já tinha conquistado mais do que muitos em minha idade.
Meu escritório, minha cobertura, mulheres, uma família que eu amava e
admirava, amigos leais. Eu não precisava de nada mais, pois eu já tinha
tudo. Não tinha motivos para pensar diferente, não seriam as palavras ferinas
de uma mulher frustrada que tirariam minha paz, e com esse sopro de
confiança e otimismo, adormeci.
O interfone não parava de tocar.
Olhei para o relógio e eram quatro da manhã. Um pouco frustrado, me
levantei e atendi.
— Sr Turner, tem uma senhora aqui no hall junto de uma criança, elas
pedem para falar com o senhor.
— Qual o nome?
Tentei puxar em minha mente algum caso do escritório que envolvesse
crianças, mas não consegui me lembrar de nenhum. Intrigado e alerta, esperei
a resposta de August, o recepcionista.
— Não quis dizer, apenas que falaria somente com o senhor. Parece
urgente.
Apertei os olhos com a mão, sabendo que só poderia ser algum
problema.
— Estou descendo.
Coloquei meu casaco e chinelos sobre as meias, pois estava frio, e
desci, não tendo ideia do que iria encontrar. Uma senhora e uma criança
foram a última sugestão de visitas na madrugada para mim. Assim que
cheguei, de longe, vi uma mulher com uma roupa modesta e uma criança.
Mesmo com o rosto encostado na perna da mulher, eu poderia dizer com
certeza que era uma menina. O cabelo era longo, escuro e estava solto,
tampando o rosto. Ela estava agasalhada com uma roupa rosa. Assim que me
aproximei, agora ainda mais curioso, pois poderia dizer que nunca havia
visto a mulher em minha vida, fui surpreendido com a pergunta da mulher:
— Você é Daniel Turner?
A mulher me olhou com firmeza e, embora seu tom fosse educado, não
deixava de ter uma nota severa. A garotinha levantou os olhos para mim e
assim pude vê-la com mais precisão.
E eu quase perdi o ar.
A voz ficou presa em minha garganta, um calafrio tomou meu corpo
inteiro, porque eu estava olhando para o meu próprio retrato. Grandes olhos
azuis, cabelo escuro, sorriso tímido e cansado. A garotinha era muito
parecida comigo.
— Você é Daniel Turner?
Tentando recuperar a minha voz, justo eu, um advogado renomado, que
cresci profissionalmente graças à segurança e firmeza que passei aos meus
clientes através das palavras, respondi.
— Quem é você?
— Bom, é só olhar o seu rosto para ter certeza de que é você. — A
mulher disse mais para ela do que para mim. Por algum motivo eu previ e
temi na mesma proporção as próximas palavras da mulher — Meu nome é
Mary Allen, sou a governanta de Victoria Grace. — Ela olhou para a
garotinha. — Sua filha.
Eu continuei sem palavras por alguns instantes e os segundos se
estenderam de forma que pareceram minutos. Eu olhava da mulher para a
menina, e da menina para a mulher. A menina então voltou a encostar o rosto
na perna Mary Allen e pareceu muito cansada. Foi quando eu pensei no
horário, no tempo, e mesmo sem entender merda nenhuma e incrédulo de
tudo, percebi que deveria receber ambas em minha casa, nem que fosse para
ouvir a história por trás daquela declaração. Lutando para encontrar minha
voz, depois do tamanho do golpe que havia sofrido, limpei a garganta.
— A criança parece cansada e na privacidade da minha casa, a
senhora poderá me explicar porque veio me procurar.
Mary Allen acenou e me acompanhou. O caminho foi feito em um
silêncio constrangedor, porém, assim que entramos em minha sala, eu a
convidei para sentar. Eu não sabia como abordar o absurdo da situação.
Ainda estava um pouco inerte com tudo o que a mulher tinha me dito até
agora, então tentei ir por um caminho educado.
— Aceita um café?
A mulher demonstrou uma emoção pela primeira vez: preocupação e
um pouco de impaciência.
—Na verdade, não. Eu preciso resolver essa situação e como o seu
recepcionista deve ter dito, é uma emergência.
Mary se acomodou no sofá, a menina se sentou timidamente ao lado
dela, com olhos grandes, porém sonolentos. Ela se encostou no braço do sofá
e pareceu que não demoraria a sucumbir ao sono. Eu deveria me lembrar que
havia uma criança ali e não me deixar dominar pelo pânico.
— Eu não tenho filhos, senhora, então, não sei qual o propósito de sua
vinda até aqui.
— Não tem filhos que sejam de seu conhecimento, senhor. Tenho
certeza de que se lembra de Grace Ford.
Grace Ford. Eu a conheci em um encontro de advogados em Nova
Iorque há alguns anos. Passamos duas semanas juntos e então não nos vimos
mais. Me levantei em um rompante e fui até a estante onde tinha um
certificado do curso que fiz em Nova Iorque, na mesma época. Sem me virar
para Mary, perguntei.
— Quantos anos ela tem? — Pelo espelho, vi que a garotinha já
dormia.
— Cinco.
Fechei os olhos com força. Quase seis anos. Todo o meu corpo passou
a tremer, agora de fúria.
— Se essa história é verdade, porque Grace nunca me procurou?
— Grace faleceu após dar à luz a Victoria. Ela iria te dizer, assim que
a menina nascesse, mas não foi possível. — Havia uma nota de pesar no tom
de Mary Allen, embora ela estivesse composta — Geofrey e Lucy, os avós,
resolveram criar a neta e decidiram que não te contariam. Já que você não
sabia da existência dela, isso não doeria. Eles tinham em Victoria uma
extensão de Grace, e foi um consolo.
Cada palavra era como se um peso de chumbo caísse em meu
estômago. Eu sabia quem eram Geofrey e Lucy Ford. Donos de uma das
maiores exportadoras de Petróleo do país, talvez do mundo, na Dakota do
Norte, e eram uma família de muito prestígio e renome. Agora, parecia
besteira que eu nunca tivesse ligado Grace à família Ford, uma vez que ela
tinha dito que era de Dakota. Contudo, em Nova Iorque quando nos
conhecemos, eu estava mais interessado em entrar nas calças de Grace do
que saber suas origens.
Eu também sabia que Geofrey e Lucy estavam mortos, devido a um
acidente de carro. Há semanas que não se falava em outra coisa que não
fosse o trágico acidente que matou os donos da Companhia Ford.
— Como você bem deve saber, Geofrey e Lucy morreram.
— E agora vocês resolveram se lembrar de que a criança tem um pai.
Foi impossível conter a picada em meu tom. A mulher se levantou e me
encarou. Sua voz, quando falou, pareceu sombria, de uma forma quase
assustadora. Eu me virei inteiramente para ela, embora em meu interior
vários sentimentos duelarem por controle.
— A situação é muito mais grave do que imagina, senhor Turner. Você
sabe que a família Ford é muito influente, é muito rica. Eu me arrisquei
muito vindo até aqui, mas meu primeiro compromisso é com Victoria Grace.
— Ela abaixou os olhos e depois os levantou, determinada — Luke Ford é o
filho mais novo de Geofrey e Lucy e Ele agora divide toda a herança com
Victoria. Ocorre que Lucy e Geofrey deixaram setenta e cinco por cento das
ações para Victoria. Luke tem apenas vinte por cento, Victoria herdou a parte
da mãe e dos avós. Não se engane achando que Luke foi um bom tio, ele
nunca se importou com ela. A chamava de bastarda em todo momento
possível. Ele não é um homem bom e faz qualquer coisa por controle. Ele
proibiu que falássemos com o senhor e planejava levar a menina para um
internato na Inglaterra.
A mulher agora tinha os olhos marejados. Mesmo com a voz firme,
seus olhos choravam.
— Ela é só um bebê. E você é o pai.
—Como pode ter tanta certeza de que sou o pai? Eu não tive qualquer
relacionamento com Grace, mal a conhecia. Pode ser de outra pessoa.
— Ela me contou, e deixou tudo esclarecido em uma carta. — Ela tirou
um envelope da bolsa — Essa é para você.
Algo dentro de mim estalou ao olhar o envelope.
— Eu não quero ser grosseiro, senhora, mas você veio parar em minha
casa com uma criança afirmando ser minha filha, me contou toda uma
história fantasiosa e agora me vem com uma carta e quer o que? Que eu me
emocione com a sua história, por conta de algumas palavras em uma carta?
Eu acredito em fatos. Fico sensibilizado pela história da menina por já ter
perdido tanto em poucos anos de vida, mas isso não significa que ela seja
minha filha.
A mulher não se intimidou.
— Eu tentei ser razoável. Entendo que seja um choque, mas aqui há
problemas maiores que sua sensibilidade, se trata da segurança de Victória.
Faça um teste de DNA, embora eu não precise dele para ter certeza.
Acredito em Grace e só me bastou olhar em seu rosto para saber que era o
pai dela.
A mulher se levantou e eu fui tomado pelo pânico. Onde ela estava
indo? E porque deixava a menina?
— Hey, onde você pensa que vai?
— Eu preciso desaparecer por alguns dias. — Ela me deu um cartão
— Me ligue apenas se necessário. Eu fui contra uma ordem de Luke ao trazer
Victória para você. Mesmo que você seja o pai e tenha direitos legais,
estávamos todos proibidos de entrar em contato com você e mencionar a
existência de Victoria. — A mulher olhou para a menina com dor iluminando
seus olhos — Grace disse que você era decente e sua família também.
— Grace mal me conhecia.
— Ela o investigou. Lucy também.
— Você não pode me deixar com uma criança. Não pode deixar uma
criança com alguém que nunca viu, isso é negligência, é crim...
— Eu estou deixando-a com o pai. Espero que faça o que é certo. Luke
não se importa com ela — A mulher me olhou nos olhos — Victoria só tem
você.
Eu fiquei atordoado absorvendo suas palavras. Era madrugada, eu mal
tinha dormido, e do nada, uma filha apareceu em minha vida. Quando voltei
o olhar para o lugar onde a mulher estava, só encontrei o lugar. Vazio.
Na mesinha de centro, o cartão que ela havia me dado e alguns
documentos.
No canto do sofá, uma mala grande, rosa, e uma mochila em formato de
cachorrinho.
No sofá, a garotinha dormindo, alheia a toda confusão.
Passei a mão do rosto ao meu cabelo, dividido entre cansaço e pânico,
em uma sensação letárgica.
Que merda eu faria agora?
CAPÍTULO 04

Daniel Turner

Seis horas da manhã eu estava ligando para minha irmã, Milla. Com
muito cuidado, coloquei a garotinha em minha cama, apaguei as luzes do
quarto e me deitei no sofá. Eu não consegui dormir e qualquer ruído me
deixava em pânico. Eu tinha medo de que a garota acordasse, chorasse ou
pedisse pela Mary Allen. Eu não sabia o que fazer. Tive duas irmãs mais
novas, mas jamais tive que me responsabilizar por cuidados básicos. Ela
saberia tomar banho sozinha? Cereal e leite eram uma comida saudável
suficiente para uma criança de cinco anos? Eu não fazia ideia do que fazer
primeiro, mas imaginei que essas seriam as coisas básicas no momento.
Então, liguei para Milla e torci para que a garotinha não acordasse.
Muito mal-humorada, Milla atendeu, mas algo em meu tom a fez
entender que nem tudo estava bem. Ela não perdeu tempo discutindo comigo
e disse que logo estaria em minha casa. Cada tic-tac do relógio me deixava
mais apreensivo. Eu precisava entrar em contato com a família dela. Esse tio
tinha mais familiaridade com ela, talvez fosse o melhor. Mas uma lembrança
do rosto retorcido de dor de Mary me fazia pensar que não, esse tio não era
bom.
Eu não consegui ir lá e ficar olhando para a garota. Não quando ela era
uma lembrança constante de que Mary Allen poderia estar certa. Eu poderia
sim ter uma filha de cinco anos, que vinha com a carga de ser uma das
maiores herdeiras do país. Olhei o envelope em cima da mesa. Peguei e o
guardei na gaveta da estante. Eu já tinha merda suficiente para resolver, tinha
que ser prático. Primeiro um exame de DNA e só então eu veria que decisão
tomar. Não seriam meras palavras em uma carta que me fariam acreditar na
história da mulher.
Milla tinha acesso direto a minha cobertura, então não fiquei surpreso
quando a vi entrando, com seu cabelo agora na altura dos ombros, jeans e
camiseta, e dois cafés. Quando me olhou, torceu o nariz.
— Você está péssimo.
— Obrigado.
Ela perdeu o ar de zombaria e veio ao meu lado, me entregou o café e
se sentou no sofá. A mala chamou atenção dela.
— Visita? Ah não, Daniel, espero que não tenha me chamado para se
livrar de alguma garota. Se você me fez levantar e ficar preocupada por
causa de alguma foda ruim...
— Fale baixo. — Grunhi em resposta.
— E eu ainda tenho que me preocupar com o sono da boneca? Ah,
estou indo em...
Deus.
— Cala a boca, Milla. Meu Deus! Você não muda!
Me aproximei e falei, bravo porém baixo.
— Então o que é, e por que você está brigando baixo comigo?
Ela respondeu no mesmo tom baixo, porém com zombaria.
— Tem uma menina de cinco anos lá em cima.
O rosto de Milla foi de surpresa e horror puro. Isso não estava saindo
do jeito que eu esperava. Minha irmã me olhava como se não me
reconhecesse.
— Porque tem uma menina de cinco anos na sua casa?
Suspirei percebendo que não haveria uma forma fácil de fazer isso.
— Ao que tudo indica, ela é minha filha, Milla.
O rosto de Milla ficou em branco. Emudecida. Eu a olhei e esperei,
mas somente o silêncio reinou por tanto tempo que eu não soube dizer.
Poucas coisas nessa vida calavam a boca da minha irmã, pouquíssimas. Ela,
que tinha se levantado, voltou a se sentar e respirou fundo. Eu esperei.

— Me conte essa história desde o começo.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Então você é pai de uma das maiores herdeiras do país, e, junto com ela,
vem um tio de caráter duvidoso. Que história, Daniel. Tem alguma chance
dela ser mesmo a sua filha?
— Eu fiz as contas. A idade bate.
— Mas você viu essa Grace somente essa vez em Nova Iorque, e se
ela tivesse algum namorado? Tem possibilidade de não ser?
— Tem mais uma coisa. Ela... Ela se parece comigo.
Um sorriso tímido surgiu no rosto de Milla. Ela segurou minha mão e
eu fiquei dividido entre o incômodo e a emoção do gesto. Não satisfeita, ela
se aproximou mais e me abraçou.
— Nós vamos dar um jeito, Dan.
Nesse momento, um barulho na escada nos chamou a atenção.
Levantamos a cabeça e lá estava, no primeiro degrau, a garotinha de meias e
um conjunto de calça e blusa rosa. Eu tinha tirado apenas o casaco e o
calçado dela. Seus olhos estavam imensos e agora, à luz do dia, era
assombrosa a semelhança comigo. Meu coração pulsou na garganta e fiquei
congelado no lugar esperando a reação da garotinha. Se eu não estivesse tão
preocupado, teria rido da situação. Estava intimidado por uma garota de
cinco anos. Milla, percebendo minha falta de ação, se levantou do sofá (o
que me fez ficar de pé também) e se aproximou da pequena, com um sorriso
radiante.
— Oi. Eu sou a Milla.
— Você é a namorada dele? — A garotinha perguntou e apontou para
mim. “Ele” era eu. Milla sorriu mais e respondeu.
— Não, eu sou irmã dele.
A menina estudou o rosto de Milla, então voltou os olhos para mim,
depois olhou ao redor e pareceu se preocupar.
— Onde está Mary?
Milla me olhou e eu engoli o caroço na garganta. Era apenas uma
criança com dois estranhos em um lugar desconhecido. Eu saí do lugar onde
estava e fui mais longe que Milla. Parei em frente à menina e me abaixei,
para ficar do seu tamanho.
— Mary terá que passar alguns dias fora, mas ela disse que voltaria.
Por enquanto, você ficará comigo. Eu sou Daniel. — Disse com a maior
suavidade que pude reunir e com um sorriso. Essa não era a filha de um
amigo ou alguma prima distante que eu poderia sorrir e ignorar. Tinha
grandes chances de ela ser mesmo a minha filha. Ela estudou o meu rosto
com tanta intensidade e inocência que o meu coração se apertou um pouco.
Eu senti uma emoção que não soube definir. — Você está com fome?
— Vamos lá em cima, querida? Eu vou te ajudar a se lavar e quando
descermos, Daniel terá nos feito panquecas de chocolate e leite quente. O
que acha?
Os olhinhos da menina se iluminaram e um sorriso quase apareceu. Ela
aceitou a mão de Milla e eu subi atrás com a mala. Antes que elas
terminassem de subir as escadas, Milla me deu um olhar conhecedor e
marejado.
Ela acreditava que a história era real.
Eu não sabia dizer o que estava sentindo, eu só tinha uma intuição que
me dizia que o exame de DNA era apenas uma formalidade, tão nítida que
era a nossa semelhança. Não poderia ser uma coincidência, não era um golpe
por dinheiro, uma vez que a garota tinha muito em seu nome. Ela era uma
mina de ouro, sendo até perigoso se caísse em mãos mal-intencionadas.
A realização caiu como um forte tapa em meu rosto, depois que fiz as
panquecas e liguei para o laboratório marcando o exame. Eu já sabia que
resultado sairia dali, pois nada mais que a verdade faria sentido.
Eu tinha uma filha de cinco anos.
Liguei para o escritório e deixei algumas orientações para que Johnson
passasse aos meus estagiários, deixei avisado que eu e Milla estaríamos fora
e planejei o resto do dia. Quando o exame saísse oficialmente, eu planejaria
meus próximos passos.
Algo me dizia que eu teria que planejar muito mais que os próximos
passos.
Eu teria que planejar toda a minha vida.
CAPÍTULO 05

Ashley Mackenzie

Depois de mais uma sessão de fisioterapia com Ethan, defensor dos


Winters, me encostei no rinque e olhei a arena. Não estávamos em
temporada, e não estaríamos por mais alguns meses, mas Ethan teve uma
torção no joelho que precisaria de acompanhamento para que quando os
jogos recomeçassem, ele estivesse inteiro e bem. Então, eu tinha que
trabalhar, mesmo que quase ninguém viesse nesse período.
— Você acha que até março estarei bem? — Ele disse antes de sair
completamente do local de terapia.
— Claro. E só continuar colocando gelo e tomando o anti-inflamatório
nos horários corretos.
— Eu acredito em você, Ash. — O grande jogador ruivo de olhos
verdes me beijou no rosto e se despediu. O tempo que passei com os caras
do hóquei fez com que tivéssemos uma boa amizade. Era quase como se
todos fossem de alguma forma meus irmãos.
Como sempre, cansada depois de uma sessão, preguiçosamente fui até
minha sala e verifiquei meu celular. Como esperava, tinha pelo menos dez
ligações e mensagens de Fred, que eu estava prontamente ignorando. Eu não
voltei a vê-lo e nem queria, precisava de tempo para colocar minha cabeça
em ordem.
Outra situação que estava me intrigando era a falta de notícias de
Milla, desde o incidente com seu insuportável irmão. Tinha pelo menos três
dias que Milla tinha desaparecido. Ela sempre me mandava uma mensagem
ou outra, mas há exatamente três dias ela não me respondia. Eu já estava
passando de chateação à preocupação. Em um golpe de misericórdia liguei
para Melissa. Por mais que estivesse em qualquer canto do mundo, Melissa
sempre sabia de Milla. Dois toques e ela atendeu.
— Ash?
— Desculpe te ligar. Não sei onde você está, então poderia bem ser
madrugada né.
— Estou em Londres. É fim de tarde, pode falar.
— Estou preocupada com Milla. Ela me atormenta diariamente, mas
nos últimos dias desapareceu. Nem ela, nem Nate atendem minhas ligações
ou respondem as minhas mensagens.
Silêncio do outro lado, o que me deixou ainda mais preocupada.
— Mel?
— Desculpe, Ash. Semana que vem eu estarei em Chicago, porque sim,
aconteceu algo. Mas fique tranquila, Milla está bem. Em breve ela irá falar
com você, tenho certeza.
Me despedi de Melissa, embora ainda estivesse preocupada e agora
curiosa. O que poderia ter acontecido? Se fosse algo com seus pais, ela com
certeza já teria me ligado. Seria algo com Daniel? A perspectiva me deixou
um pouco ansiosa, mas tentei me tranquilizar. Não poderia ser algo ruim ou
com certeza ela teria me procurado. E eu não deveria me importar de jeito
nenhum. Não que eu desejasse algum mal a ele, só distância mesmo.
Me distraí com o trabalho por mais algum tempo e então fui para casa,
por volta das duas da tarde. O apartamento que comprei era muito próximo a
arena, em frente ao Lake Michigan, o que me proporcionava uma agradável
caminhada. Eu consegui construir uma boa vida em Chicago, estava satisfeita
com o que a vida tinha me dado.
De longe, vi um casal com dois filhos adolescentes. Eles pareciam se
divertir, rindo, brincando e logo o pai deixou um beijo na testa de um dos
filhos. Não vá lá, eu exigia a minha mente. Não vá lá. Como acontecia em
raros momentos, sempre que eu via uma família assim, me lembrava que não
tinha nada parecido com isso. Fomos eu e minha avó. Sem irmãos, pais,
primos, tios. Os que existiam em algum lugar do mundo nunca se
preocuparam em saber de mim. Talvez por isso que eu tenha tanta fixação em
ter uma família, talvez a psicologia explicasse ser um trauma de infância.
Porque todos se foram, todos foram tirados de mim.
Agora sou somente eu. Desviei os olhos e limpei uma lágrima solitária
que teimou em descer, ocupei minha mente com outros pensamentos, como
minhas realizações. Eu cheguei longe, mais do que imaginei que chegaria, e
estava feliz por isso.
Chegando no hall do meu condomínio meu celular tocou e vi o nome de
Milla brilhar. Mais que depressa atendi, coração acelerado, enquanto ia em
direção aos elevadores.
— Milla.
— Ash! Ash, eu preciso muito de sua ajuda!
Eu estaquei no lugar em preocupação.
— Claro, pode falar. Estou muito preocupada com você, onde você
está?
— Eu estou chegando em seu apartamento. Sei que não está
trabalhando hoje à tarde, só na parte da manhã com Ethan, e eu preciso muito
de sua ajuda. É uma emergência.
Fiquei paralisada de preocupação. Parei perto dos elevadores e
escutei a respiração de Milla ofegante. Um ruído infantil também fez eco,
mas logo, uma Milla afobada entrava no hall do meu condomínio, segurando
o celular em uma mão, e a outra segurava uma menininha e uma mochila
rosa. Milla, que meio andava, meio corria e arrastava a menina, parou em
minha frente com o celular ainda no ouvido.
— Ash, eu não tinha mais a quem recorrer.
— Milla...
— Essa é Victoria Grace.
Quando olhei mais claramente o rosto da menina, um suspiro ficou
preso e meus olhos se arregalaram. Cabelo escuro e grandes olhos azuis me
fitavam, um meio sorriso e uma covinha somente de um lado.
Essa menina era a cara de Daniel.
— Oh. — Foi o único som que saiu de mim.
— Sim.
— Sim?
— Depois de hoje, é um sim muito confirmado. — Ela afirmou, uma
nota de aflição em seu tom. Eu não sabia o que pensar.
— Oh meu Deus — Minha mão foi em minha boca, chocada.
— É uma longa história. Ele não sabia até pouco tempo. A questão é
que, o escritório está um caos, Daniel está no tribunal e eu preciso resolver
um problema que só tenho hoje para resolver. Houve um furo nas finanças e
tudo indica que é o novo estagiário. Que eu contratei, Ash, você tem ideia do
quanto Eric e Daniel estão loucos? Preciso que fique com Victoria. Daniel
ainda tem que tomar uma série de decisões como contratar uma babá, mas
essa semana foi uma loucura.
— Entendi. — Respondi, porque não havia mais nada que eu pudesse
falar.
— Você fica com ela?
A menina tinha os olhos muito expressivos. Ela estava assustada com
toda a situação e me comoveu. Eu abaixei para ficar do tamanho dela e
segurei sua mão livre, pois a outra ela estava agarrada a um ursinho fofo,
como se a vida dela dependesse disso.
— Claro que sim. Demore o tempo que precisar, nós iremos nos
divertir muito, não é?
Ela não me respondeu. Olhou para Milla com olhos chorosos. Eu não
sabia de toda a história, mas agora entendia o silêncio. Tinha algo grande
nessa situação, e a menina estava assustada, mesmo que não entendesse. Meu
choque não deve ter contribuído para que ela se sentisse melhor. Milla,
percebendo a hesitação da pequena, abaixou conosco e a abraçou.
— Querida, a titia promete que não vai demorar, okay?
A pequena concordou, mas era visível que estava segurando o choro.
Milla deu-lhe um beijo na bochecha, um abraço em mim e saiu, embora fosse
visível que estava triste por deixar a pequena. Assim que Milla desapareceu,
eu ofereci a minha mão para ela e subimos para o meu andar.
Ela ficou um pouco deslocada no apartamento e eu logo a levei ao
sofá. Depois de acomodá-la, fiz um balde enorme de pipoca e coloquei um
filme de animação.
— Você já assistiu esse filme?
— Ainda não. — Sua voz era apenas um sussurro.
— Então, você gosta de Milla?
Ela ainda estava retraída e só concordou com a cabeça, comendo um
pouco de pipoca. Meu coração mais uma vez se comoveu. Uma curiosidade
gritante tomou conta de mim para saber mais da história dessa garota. A mãe
tinha a deixado com Daniel?
— Meu nome é Ashley.
— Você também é amiga de Daniel?
Reprimi a careta. Eu não poderia dizer que estava mais para inimiga
de Daniel a uma garotinha de cinco anos que acabava de conhecer o pai.
— Sou — Respondi — Você morava onde?
— Bismarck.
— Nossa, que longe.
— Mary vai voltar em breve e eu vou morar com ela.
Fiquei me perguntando quem seria Mary. A mãe? Então por que ela não
dizia mãe? Apreensiva por estar invadindo a história da pequena, resolvi
mudar de assunto.
— Então, seu nome é Victoria Grace? É um lindo nome.
— Obrigada. Minha avó disse que Grace é por causa da minha mãe.
Então a mãe dela se chamava Grace. Não era essa Mary.
— É uma linda homenagem.
— Minha mãe é uma estrelinha no céu. Mary disse que vovó e vovô
também são, agora. Eu perguntei a ela se eu poderia ser também, porque
queria ficar com eles, mas ela disse que eu era uma estrelinha na terra.
A inocência que ela disse as palavras fez minha garganta apertar de
emoção. Eu já tinha entendido tudo. Ela perdeu a mãe, os avós e estava
sozinha; por isso estava com Daniel. Ela só tinha o pai agora. Imaginei
Daniel, solteiro convicto e anti-relacionamentos com uma responsabilidade
real: uma filha. Se alguém me perguntasse, eu jamais imaginaria Daniel
sendo pai. Acariciei o cabelo negro e longo, que ia até a cintura e arrumei a
sua franjinha.
— Sim, Victoria. Você é uma linda estrelinha aqui na terra.
Ela me olhou com seus olhos vívidos. Então resolvi compartilhar um
pouco da minha história com ela.
— Meu pai, minha mãe e minha avó também são estrelinhas no céu.
— E você é uma estrela na terra.
Deus, eu iria acabar chorando. Eu via tanto de mim nessa garotinha.
Não resistindo, eu a abracei e a fiz escorar ao meu lado. Como eu fiquei
assustada quando meus pais morreram. Porém eu tinha um vínculo com
minha avó, o que facilitou a transição, a mudança. Victoria parecia um pouco
perdida e me emocionou, pois eu sabia que, quando passasse o
estranhamento inicial, ela estaria em boas mãos, mãos maravilhosas. A
família de Milla era puro amor e estariam radiantes com a nova adição.
Quanto a esse vazio, a dor da perda, ele jamais iria embora.
Após o filme, eu ajudei Victoria a se lavar e ela colocou um conjunto
de moletom creme que estava em sua mochila. Eu fiz duas tranças em seu
cabelo, uma de cada lado do rosto e fiz o nosso jantar. Ela voltou para a TV
visto que eu não tinha mais nada para entretê-la. Após o jantar, enquanto
Victoria via o filme eu tomei um banho rápido, coloquei um short de pijama
e uma camiseta. Victoria passou a conversar mais comigo, depois de
inicialmente retraída, ficando mais parecida com uma criança de cinco anos.
Ela me contou um monte de histórias de sua casa antiga, de seus avós e eu
fiquei abismada com o tanto que ela falou, visto que passou grande parte do
tempo silenciosa.
Era por volta de oito da noite quando tocaram minha campainha. Só
poderia ser Milla, ela era a única que tinha o cartão de acesso ao meu
apartamento, então fui despreocupada para atender a porta.
Ocorreu que quando a abri, meu sorriso congelou no rosto. Não era
Milla, era Daniel que estava do outro lado da porta, desalinhado, o cabelo
um pouco bagunçado e o semblante demonstrando exaustão. Mesmo assim,
sem o terno ou o sorriso (que mais parecia que ele estivesse rindo de você
do que com você), ele tinha certo apelo. Um apelo que eu me recusava a
reconhecer já que teria que ser muito idiota para cair no encanto superficial
desse homem. Seu olhar varreu meu corpo e eu me senti esquentar sob o seu
escrutínio.
— Mackenzie.
Endireitei minha coluna com seu tom rouco e levemente resignado.
Mesmo que eu não simpatizasse com Daniel, ele me pareceu… Perdido. E eu
não sou o tipo de pessoa que chuta cachorro morto, como ele fez comigo no
outro dia.
— Turner.
Sem mais palavras, me afastei da porta para que ele entrasse. Seu
olhar passou pelo meu apartamento rapidamente e pousou em Victoria no
sofá. Ela estava adormecida.
— Ela dormiu. Passamos um bom tempo juntas. — Resolvi dizer
mediante o seu silêncio. Estava um pouco desconfortável com ele ali no meu
espaço e eu nunca me dei muito bem com silêncios constrangedores.
Ele se aproximou do sofá e olhou para a filha. Seus olhos estavam
enigmáticos, e mesmo não sendo amiga de Daniel, eu senti pena de sua
situação. Não seria nada fácil para ele adaptar-se e responsabilizar-se por
outra pessoa. Muito boêmio, vida fácil, descomprometido. Seria um
tremendo desafio.
— Ela é ótima. Parabéns.
Ele desviou os olhos da filha e olhou em minha direção, visivelmente
surpreso, como se fosse a primeira vez que alguém lhe desse os parabéns
pela existência dela. Então havia uma vulnerabilidade que eu nunca tinha
visto em Daniel. Ele se sentou no sofá e soltou um longo suspiro, parecendo
ainda mais exausto. A cabeça dele caiu para as mãos, os antebraços estavam
nas coxas e eu fiquei sem ação, porque jamais imaginei que um dia veria o
tão seguro Daniel Turner parecer tão desolado e bem na minha frente. O que
eu fiz? Nada. Mesmo correndo o risco de parecer insensível.
— Hoje saiu o exame de DNA. Ela é mesmo minha filha.
Obrigando-me a me mexer, sentei na mesinha de centro, em frente a
ele, comovida com a situação que Daniel se encontrava. Eu não sabia o que
dizer. Continuava não gostando dele, mas no fim das contas, ele era um ser
humano suscetível aos mesmos medos e inseguranças que qualquer outro.
— Achei que esses exames demorassem mais. — Disse com
suavidade, um pouco para não acordar Victoria, um pouco para… Eu não
sabia muito bem o motivo. Talvez eu pensasse que, se falasse muito alto, nos
lembraríamos que não gostávamos um do outro.
— Eu conheço alguém que conhece alguém, e esse alguém conseguiu
que dessem preferência ao meu exame.
Seu tom estava distante, como se não conseguisse lidar com a
quantidade de pensamentos em sua mente. Eu resolvi colaborar com o
momento de trégua, meu coração amolecido um pouco pela situação tão
atípica.
— Imagino que tenha sido um choque.
Novamente, Daniel me olhou, tão surpreso quanto eu pelo momento
normal entre nós. O silêncio e seu olhar intenso me fez perceber que eu
prendia a respiração. Então ele disse:
— Ela é herdeira do grupo Ford, de Dakota do Norte.
Mais uma vez, nesse dia cheio de surpresas, eu fiquei sem saber o que
dizer. O Grupo Ford que eu conhecia era o de Petróleo. Logo que ele disse
isso, me lembrei do que a pequena Victoria havia dito, sobre ser de Dakota.
Em choque eu resolvi perguntar o óbvio.
— A empresa de Petróleo?
— Sim. — Ele respondeu como se fosse um fardo. Talvez fosse.
— Meu Deus.
Daniel olhou para mim e só então percebi o quanto estávamos
próximos, principalmente quando seu olhar prendeu o meu. Aquela
infinidade cinza, tão semelhante ao de Victoria. Se eu pudesse dizer algo, um
exame era totalmente desnecessário se fossemos considerar a semelhança. A
diferença era que os de Victoria eram inocentes e tristes, e agora, Daniel me
olhava de um jeito predador, que fez meu coração acelerar. Ficamos assim
por algum tempo e foi… Estranho. E então, muito consciente do ambiente e
não gostando nem um pouco de como esse Daniel preocupado e vulnerável
mexia comigo, eu me levantei depressa demais.
— Veja o lado positivo: sua filha é linda e saudável — Falei alegre.
Alegre demais.
Ele não se moveu, apenas me acompanhou com o olhar. Um brilho
diferente estava ali, na borda, para além do cansaço que estava quando
chegou. Seu olhar me deixou ainda mais instável porque era muito mais
confortável o olhar de zombaria e desdém que ele costumava me lançar. Com
o Daniel idiota eu sabia lidar. Esse olhar… Enigmático me fazia querer
correr para as colinas.
— Ela é. — Ele falou por fim, voltando a olhar para Victoria — Ainda
estamos nos adaptando.
E foi quando me dei conta de que Daniel estava reticente quanto ao
fato de ser pai. Como se, mesmo com o exame, ele estivesse em negação. A
palpitação em meu coração foi maior e eu me esqueci do incômodo que a
proximidade dele causava. Me aproximei novamente e me sentei ao seu lado,
embora ainda houvesse certa distância entre nós. Porque eu me vi naquela
garotinha e eu precisava que Daniel entendesse a importância dele na vida
dela.
— Ela só tem você, é o pai dela. Entendo que esteja assustado, mas ela
também está. Ela é só uma criança que perdeu tudo e caiu de paraquedas em
uma família que não sabia que tinha. Eu também perdi meus pais e a minha
salvação foi minha avó. Você é a salvação de Victoria, não se esqueça disso
em momento algum, por favor.
E como magia, o velho Daniel Turner estava de volta. Ele deu um
sorriso desdenhoso.
— Como sempre, você está pensando o pior de mim.
Me recuperei do choque logo e fiquei de pé.
— Não é isso! Eu só estou percebendo que você está assust…
— Eu não estou assustado coisa nenhuma e o que eu vou fazer ou
deixar de fazer, não te diz respeito.
Seu tom era baixo, porém cortante como uma navalha. Mas sua
grosseria sempre alimentava a minha raiva e eu sentia que meu rosto
esquentava.
— Eu vou ignorar a sua grosseria porque entendo que não está em seu
melhor momento.
Ele manteve o seu olhar no meu e disse no mesmo tom de antes:
— Muito obrigada por ter cuidado de Victoria, Mackenzie. — Seu
agradecimento mais pareceu um insulto. Ele se levantou e com um cuidado
que eu jamais imaginei possível, principalmente sabendo que estava com
raiva, ele pegou a pequena e a mochila nos braços e foi em direção à porta.
A cena me deixou um pouco abalada, tanto que eu nem consegui responder o
seu agradecimento ácido. — Boa noite.
Ao mesmo tempo em que foi fofo vê-lo com a filha, eu queria gritar
com ele por ser um estúpido. Mas o que eu estava pensando? Que Daniel se
tornaria uma pessoa melhor do dia para a noite só por ter descoberto uma
filha? Claro que não! Ele continuava um homem frio e arrogante. Eu só
esperava que esse lado não se estendesse ao seu tratamento com Victoria. E
que ele se esforçasse por ela. Porque vê-lo com a filha por alguns segundos
quase me fez esquecer do porque eu o odiava.
CAPÍTULO 06

Daniel Turner

Depois de deixar Victoria em meu quarto, me troquei e me deitei no


sofá, minha cama nas últimas noites. Eu precisava... Organizar tudo. Um
quarto para Victoria, uma babá, escola... Meu corpo estava exausto, porém
minha mente tinha vida própria. Pensamentos me envolviam em um espiral
que quase me fazia sucumbir ao desespero. Victoria Grace Ford era minha
filha. Uma filha que eu nunca quis, nunca soube que existia, acabara de cair
em meu colo.
O consolo foi saber que meus pais estavam vindo para Chicago. Eu
podia afirmar que nunca precisei mais deles do que no momento. Eles
estavam ansiosos para conhecer Victoria, assim como Melissa. Passariam o
fim de semana aqui e Melissa ficaria por uma semana, até que eu
conseguisse uma babá. Minha mãe também se ofereceu para ficar com
Victoria por um tempo, mas algo nessa proposta parecia errado. Por mais
reticente que eu estivesse, ela era a minha filha, minha responsabilidade, não
de meus pais. Eu deveria trabalhar em um vínculo com ela, pois ainda
pisamos em ovos ao redor um do outro.
Ela tinha olhos tristes e assombrados, mas parecia muito mais a
vontade quando Milla estava por perto e até mesmo com Nate ela abriu um
sorriso. Eu nunca fui bom com crianças e elas nunca pareceram gostar muito
de mim também; todavia, não restava opção. Eu tinha que conquistar a
confiança e o afeto de Victoria e provar que eu daria conta de cuidar da
minha filha.
Minha filha.
Ainda era um pensamento mais abstrato que concreto.
Me lembrei das palavras de Ashley Mackenzie. Por um momento achei
que ela me entenderia, que deixaria de ser uma julgadora chata pra caralho e
se comportaria como um ser humano. Por um momento até imaginei que ela
poderia usar de bondade comigo. Mas não, ela tinha que me acusar de não
querer a minha filha, tinha que me chamar a atenção.
Chata, insuportável.
Erro meu. Eu tinha problemas suficientes em minha vida para ter que
lidar com os julgamentos de Ashley. Com esses pensamentos, o turbilhão em
minha mente diminuiu e eu acabei adormecendo.
No meio da madrugada uma mão pequena e cálida me sacudiu
levemente. Abri os olhos assustado, pois não estava acostumado a dormir
com outras pessoas e foi quando vi Victoria ao lado do sofá. Ela segurava o
ursinho, tinha as tranças bagunçadas e os olhos brilhavam. Me sentei no sofá
e liguei o abajur, meu coração disparado.
— Estou com sede.
Um pouco mais aliviado, penteei o cabelo com as mãos. Eu tinha que
me acostumar com isso, com ter outra pessoa que dependia de mim. E não
me assustar com qualquer coisa, porque crianças tinham demandas. Eu não
poderia quase ter um infarto toda vez que Victoria falasse comigo.
— Certo. Venha comigo.
Minha casa não era adaptada para crianças, ela provavelmente ainda
não se sentia à vontade em abrir a geladeira. Ou ela não sabia fazer isso? Eu
não entendia nada sobre crianças de cinco anos. Me levantei e fui em
direção à cozinha. Ela me acompanhou com seus passinhos leves, pés
cobertos por pantufas fofas com cara de coelho. Eu peguei a água e dei em
suas mãos.
— Quando a Mary vai voltar? — Ela perguntou após alguns goles.
Novamente, a sensação do peso de chumbo se apoderou do meu
estômago. Eu esperei que ela tomasse a água e então me abaixei para falar
com ela. Respirei fundo pelo menos duas vezes, porque as palavras
precisavam fazer sentido não somente para ela, mas também para mim.
— Victoria, eu acho que você já deve saber que eu sou o seu pai.
Ela piscou algumas vezes. Seu silêncio me fez ficar mais apreensivo
do que eu gostaria, mas então, ela começou a falar.
— Minha avó me contou. Ela me mostrou uma foto sua quando
perguntei por que eu não tinha papai ou mamãe.
Novamente, um nódulo estava em minha garganta. E uma raiva sem
precedentes explodiu dentro de mim, raiva essa que eu reprimi. Que sentido
teria odiar duas pessoas que já não viviam? Ainda que essas pessoas tenham
achado justificado privar Victoria e eu de um relacionamento pai e filha. Eu
segurei sua mãozinha.
— Ela disse que eu era linda igual a você. Eu tinha uma foto sua na
minha gaveta, sua e da mamãe. Mas a mamãe é uma estrelinha no céu. —
Novamente, as palavras ficaram presas em minha garganta — Mary não vai
vir, né?
Juntando a força necessária para controlar meu temperamento e os
sentimentos conflituosos dentro de mim, respondi.
— Eu não sei, Victoria. O que eu posso te dizer é que eu sou o seu pai
e essa agora é a sua casa.
Finalmente dizer as palavras em voz alta para Victoria foi como tirar
parte do peso de minhas costas. Ela continuou me fitando com os seus olhos,
os mesmos que eu via em frente ao espelho diariamente.
— Eu gosto da sua casa.
Eu mordi um sorriso pela forma como ela olhou a casa e depois me
encarou.
— Que bom. Vamos fazer um quarto bonito para você.
Seu rosto se iluminou e foi a primeira vez que vi uma criança de cinco
anos em Victoria.
— De unicórnio?
Eu sorri.
— Do que você quiser. Amanhã você vai conhecer mais uma tia,
também aos seus avós e nós vamos começar a montar o seu quarto.
O semblante dela caiu um pouco.
— Eu vou ter que morar com eles?
Sua pergunta foi quase melancólica. Imaginei como não estaria a
cabeça dela com tantas mudanças repentinas. Eu confesso que considerei a
hipótese dela morar com meus pais ou mesmo com o tio, mas parecia muito
errado. Principalmente agora, olhando para o seu rosto e percebendo que ela
queria morar comigo. Independente do tipo de vida que eu tive até agora, eu
faria de tudo para dar a segurança de um lar para ela. Era o meu dever.
— Não, você vai morar comigo. Aqui, nessa casa, eu e você.

Ela abriu um sorriso lindo e me abraçou. Tão espontâneo que me


emocionou. Eu abracei seu pequeno corpo e deixei a emoção extravasar,
sorrindo aberto e sem ressalvas. E foi nesse momento que eu fiz um pacto
com Victoria Grace: Eu não abriria mão dela.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Onde está ela? — Minha mãe perguntou ao passar direto por mim,
entrando em minha casa, olhando para todos os lados. Sua ansiedade era
visível. Meu pai entrou em seguida, Melissa em seu encalço.
— Dormindo, mãe.
Melissa me abraçou animadamente e logo, meu pai fez o mesmo.
Minha mãe então virou-se para mim e me abraçou.
— Uma filha, Dan.
— Sim, uma filha.
— Apesar da surpresa, eu estou muito emocionada. — Seus olhos
vermelhos denunciavam que ela já tinha chorado antes.
— Pela foto ela parece uma bonequinha. — Melissa falou
animadamente. Era discrepante a maneira como cada um estava lidando com
a novidade. — Oh meu Deus, eu sou tia! Isso é muito emocionante!
— Tenho certeza de que é ainda mais linda pessoalmente. — Meu pai
disse, abraçando minha mãe.
— Só, por favor, não fiquem muito emocionados ao redor dela. Ela
ainda está se adaptando a nós e somos todos estranhos.
— Não me diga como me comportar com minha neta, Daniel. Eu criei
vocês três, sei como lidar com uma criança de cinco anos.
Segurei minha resposta, porque, apesar da minha personalidade
argumentadora, Ivana Turner era minha mãe e sempre vencia. Eu tinha a
mesa do café da manhã pronta, e enquanto todos me enchiam de perguntas
sobre Victoria, Nate e Milla se juntaram a nós.
— Tem certeza que não quer deixá-la passar um tempo em Montana?
— Minha mãe falou em um momento. Apertei a xícara em minha mão, mas
respondi casualmente:
— Tenho. Victoria fica comigo.
Minha mãe suspirou e então olhou para meu pai. Anos de casamento
fez com que conseguissem se comunicar apenas assim, e seu olhar dizia que
era para ela deixar ir.
— Você tem uma vida muito ocupada, Dan. Vive trabalhando, isso sem
contar…
Melissa não terminou a frase, mas o silêncio que se seguiu afirmou que
todos sabiam o que ela queria dizer. Sim, eu era um solteiro convicto e nunca
quis amarras na vida, mas agora era diferente, e apesar de ser um golpe em
meu ego que nem minha família acreditassem que eu era capaz de cuidar da
minha filha, eu não demonstrei.
— Eu sei o que você quer dizer. Eu tenho que cuidar da legalidade da
questão para que Victoria fique definitivamente comigo, mas já aviso de
antemão que eu vou cuidar dela. — Eu disse reunindo toda a calma em meu
sistema para que não soasse rude.
— Meu medo é você estar fazendo isso por teimosia, Daniel. Para se
provar e acabar se esquecendo de que uma criança de cinco anos precisa de
atenção e tem necessidades que não são somente materiais. Principalmente
uma criança como ela, que já perdeu muito. — Minha mãe falou, e embora
soasse calma, havia uma urgência em sua voz.
Minha cabeça começou a latejar de dor. Eu sabia de tudo isso, mas era
só me lembrar do abraço de Victoria na noite anterior (apenas por saber que
ela moraria nessa casa) para me fazer querer manter minha decisão. Victoria
era minha filha, minha obrigação.
— Eu não vou mudar minha decisão.
Minha mãe suspirou, Milla, Nate e Melissa se concentraram em seus
pratos, porém meu pai me deu um meio sorriso que eu bem conhecia. Ele
estava orgulhoso. Passamos mais um tempo falando sobre amenidades, mas o
clima ainda estava tenso depois da nossa rápida conversa.
Um movimento perto da porta me chamou a atenção e lá estava
Victoria. Ela olhava para todos com olhos muito grandes, curiosos e
assustados, mas continuou na porta. Meu olhar chamou a atenção dos outros,
e então, todos os olhos estavam nela. Minha mãe pôs sua mão na boca e os
olhos ficaram marejados e eu poderia afirmar com toda a certeza que a
emoção era pela aparência da minha filha. Meu pai segurou seu antebraço
em apoio.
— Ei, baixinha, não vai me dar um beijo? — Milla chamou sua
atenção.
Victoria olhou e ficou visivelmente aliviada ao ver Nate e Milla, e
com passos calculados, foi em direção a eles. Milla se levantou e a pegou no
colo, beijou seu rosto pelo menos dez vezes e Nate, que também havia se
levantado, a jogou para cima fazendo cócegas. Uma gargalhada deliciosa
saiu dela. Victoria adorava Nate desde a primeira vez que o viu.
Melissa e meus pais ainda estavam olhando para tudo emocionados e
sem dizer uma só palavra, mal se mexiam. E para minha surpresa, já que eu
tinha feito as pazes com o fato de Victoria preferir Nate e Milla. Eu estava
jurando que ela ficaria no colo dele, quando a pequena desceu e parou ao
meu lado. Ela me olhou e eu a olhei.
— Oi, papai.
Suas palavras me pegaram desprevenido. Eu a olhei por alguns
segundos até que ouvi alguém limpar a garganta, então a peguei no colo e a
abracei, tendo me esquecido naquele momento como falar. Era a primeira
vez que ela me chamava de papai. Uma emoção totalmente nova e
desconhecida se acendeu em mim e eu só fiquei ali, abraçado a ela. Não
soube dizer quanto tempo se passou até alguém quebrar o silêncio.
— Querida, eu quero te apresentar a algumas pessoas. — Milla
resolveu tomar a iniciativa, visto que eu estava totalmente inerte. Todos
tinham os olhos marejados. Ainda em meu colo, Victoria se virou para a
mesa e encarou os outros. Minha mãe então se levantou e veio em nossa
direção. — Esta é Ivana, sua avó. Ela estava ansiosa para conhecê-la.
Milla continuou e Victoria encarou minha mãe.
— Oi.
Minha mãe tirou Victoria do meu colo e eu tive que me esforçar para
não segurá-la ali, por medo de ela não estar à vontade no colo de uma
pessoa que via pela primeira vez.
— Oi querida, eu estou muito feliz em saber que você é minha neta.
Victoria sorriu e eu respirei aliviado. Então ela olhou para meu pai,
que já estava ao lado da minha mãe.
— E eu sou o vovô Patrick.
Enquanto meu pai começava a falar, arrancando algumas risadas de
Victoria, minha mãe me lançou um olhar ainda mais emocionado. Milla
chorava agarrada a Nate, Melissa se aproximou e a pegou no colo também.
— Eu sou a titia Melissa.
— Você é linda igual uma princesa da Disney. — Victoria disse e
todos nós rimos.
— Você é que é uma princesa. É a nossa princesa real.
Enquanto todos se familiarizavam a paparicavam Victoria, uma parte
do meu coração ficou em paz e eu sorri. Minha família já a amava e eu a
manteria conosco, porque aqui ela teria tudo o que precisava.

O que eu não sabia era que a guerra só estava começando.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Tirei a segunda-feira de folga, algo que eu nunca faria, devido à


quantidade de trabalho que tinha me esperando. Porém, mais uma vez a vida
me provava que era feita de prioridades e no momento, minha prioridade era
a minha família. Após passarmos um reunidos, agora com nossa mais nova
adição, eu estava mais seguro e tranquilo. Melissa tinha levado uma mala do
tamanho do Lago Michigan para minha casa, segundo ela, ficaria comigo
conseguir me organizar com Victoria.
Eu só poderia ser grato.
Melissa tinha uma aura vivaz e Victoria já a adorava. Tanto ela quanto
Milla estavam em êxtase por ter uma sobrinha, e Melissa era o tipo de tia
que se jogava no chão apenas para tirar um riso de Victoria. Ela, que
pareceu tímida e contida inicialmente, no fim do dia enchia a casa de risos e
alegrias. De repente, meu espaço minimalista estava cheio de pessoas
falando ao mesmo tempo e muitas gargalhadas.
Na segunda à tarde, meus pais voltaram para Montana e, enquanto eu e
Melissa voltávamos para casa, Mariah me ligou afirmando precisar de mim
com urgência no escritório. Olhei para o relógio e ainda era 15h00. Deixei
Melissa e Victoria na cobertura e fui para o escritório, resmungando sobre o
que poderia ser tão urgente.
Assim que entrei em minha sala, Mariah soltou a bomba.
— Luke Ford. Ele pediu urgência.
O nome me fez congelar. Ford.
Luke Ford era o tio de Victoria. Não deixei transparecer para minha
secretária a minha raiva de toda essa gente e apenas acenei para que ela o
trouxesse para minha sala. Luke Ford, assim como toda a sua família, sabia
que Victoria era minha filha e, mesmo após a morte de seus pais, não queria
que o fato fosse de meu conhecimento. Se as coisas que Mary Allen, até hoje
desaparecida, disse fossem verdade, então ele não era uma boa pessoa.
Ford entrou acompanhado de mais dois homens em meu escritório. Ele
tinha olhos castanhos e cabelo claro. O modo como andava e seu semblante
soberbo era suficiente para dizer muito sobre ele. Dinheiro, poder,
arrogância, olhando para o meu escritório como se fosse superior a tudo.
Havia um brilho em seu olhar e se eu fosse compará-lo a um animal, eu diria
que Luke Ford era uma cobra. Ele me deu um sorriso distante ao me estudar
com o mesmo escrutínio que eu o estudava.
— Daniel Turner. Prazer em conhecê-lo, finalmente.
— Eu gostaria de poder dizer o mesmo, mas não serei hipócrita. —
Respondi.
Seus olhos brilharam perigosamente, porém, ele aceitou meu convite
para se sentar. Mesmo com minha resposta fria, ele se sentou como se fosse
o dono do lugar, e isso me irritou.
— Presumo que saiba o motivo pelo qual estou aqui. — Na minha falta
de resposta, ele continuou. — A governanta de minha sobrinha a sequestrou
e já temos uma ordem de prisão contra a mulher. Acredito que ela deva ter
vindo contar alguma história fantasiosa sobre você ser pai de Victoria. O pai
de Victoria morreu, todos sabem disso.
— Considerando que o pai de Victoria Grace sou eu e estou muito
vivo, acredito que algo nessa história não faça sentido.
— Eu não sei o que aquela velha louca te contou, mas…
— Eu acredito em fatos, senhor Ford e fiz um exame de DNA. Victoria
Grace Ford em breve será Turner também.
A mandíbula do homem ficou cerrada. Suas mãos se apertaram em
punhos e no lugar do homem arrogante surgiu um filho da puta rico e
mimado.
— Victoria não te conhece. Eu sou a única família dela, o melhor para
ela é ficar comigo.
— O melhor para o seu bolso.
— Você não sabe o que está dizendo!
— Sei que você pretendia mandá-la para algum colégio interno na
Europa. Sua família mesquinha privou a mim e a minha família do convívio
com a minha filha. Eu já entrei com uma ação de reconhecimento e guarda,
Victoria é minha filha e ficará comigo, de hoje em diante.
O homem se levantou em uma névoa de fúria, os dois homens que o
acompanhavam se levantaram também. Eu aproveitei o momento e também
me coloquei de pé em toda minha altura, olhando para o homem de cima. Ele
tinha um porte físico mediano, mas era mais baixo que eu. Então, para minha
surpresa ele sorriu, um sorriso que me arrepiou.
— Certo, então você vai escolher o caminho mais difícil. — Ele
caminhou até a porta e então se virou. — Eu sou casado e posso dar
estabilidade a Victoria; ela já está familiarizada comigo. Você é um homem
que não tem estabilidade alguma para assumir essa responsabilidade, é
boêmio e não gosta de relacionamentos. Eu vou jogar qualquer carta que
estiver na mesa para ter o que é meu por direito, não deixarei o legado da
minha família nas mãos de um estranho. Esteja pronto, porque eu vou levar a
situação às últimas consequências.
E com essa despedida, ele se foi.
Suas palavras me fizeram questionar o processo que eu já tinha dado
como certo. Sim, eu era da área do Direito e sabia que muitas coisas que ele
disse faziam sentido. No fim das contas, ele vinha de uma família de
prestígio e renome. Eu já estava há tempo suficiente nesse meio para saber o
que o dinheiro era capaz de fazer.
A dor de cabeça voltou de forma intensa e eu me sentei. Eu poderia
mesmo, olhando pela praticidade, deixar que ele ficasse com Victoria.
Talvez fosse o mais lógico, mas depois do que Mary Allen disse a respeito
desse tio, e após ver com meus próprios olhos que ele estava mesmo
interessado no dinheiro, eu fiquei ainda mais determinado.
Lembrei do dia de ontem, Victoria com meus pais, com as tias e com
Nate. Victoria sorrindo, brincando, se divertindo como uma criança da idade
dela, só o pensamento dela ir para longe me abalou. Eu prometi que ela
ficaria comigo e faria qualquer coisa para que isso acontecesse.
Qualquer coisa.
CAPÍTULO 07

Ashley Mackenzie

Era quarta-feira e depois de trabalhar com Ethan durante a manhã,


passei em uma padaria no caminho para meu apartamento. Eu vestia uma
calça de moletom da época de faculdade e um casaco também muito velho,
mas eu amava minhas roupas velhas. Elas me lembravam de Montana, me
lembravam da minha avó. Com a Arena vazia por estarmos ainda a alguns
meses da temporada, eu não me importava muito com minha aparência. Meu
cabelo longo e pesado estava preso em um coque bagunçado no alto da
cabeça, o que apenas reforçava minha aparência mais largada.
Eu tinha uma queda do Niágara por doces e os donuts pareciam
surreais e deliciosos pelo vidro. Não resisti. Graças a todos os deuses, meu
metabolismo acelerado me fazia menos propensa a ganhar peso. Escolhi
minhas delícias, paguei por elas e antes que chegasse à porta, alguém me
chamou a atenção. Bem no canto da confeitaria vi Melissa acenando em
minha direção e junto dela estava Victoria.
Um pouco apreensiva, olhei em volta, porém não vi sinal algum do
Idiota. Mais tranquila, me aproximei de Melissa, que eu não via há algum
tempo.
— Que saudade de você, Ashhhh! — Ela disse enquanto me abraçava e
eu retribuía com um largo sorriso no rosto.
— Eu também estava com saudade, Ash.
Meu coração apertou diante do som da voz de Victoria e da maneira
fofa como ela disse o meu nome. Eu me abaixei em seu banco e dei-lhe um
beijo estalado no rosto, fazendo-a soltar uma gargalhada. Ela estava mais
feliz do que a última vez que a tinha visto, degustava de seu donuts de
chocolate e sorria amplamente.
— Essa é a minha tia princesa da Disney. — Ela falou com um brilho
nos olhos enquanto Melissa beijava o outro lado de seu rosto, deliciada com
o elogio. Melissa realmente era linda, uma perfeição no quesito beleza e uma
ótima pessoa também.
— Oh, mas eu jurava que a princesa da Disney da família era você. —
Falei dando uma piscada para Melissa, enquanto me juntava a elas na mesa.
— Eu sou a princesinha. E a tia Milla é a rainha do tio Nate. — Foi
impossível não começar a rir. Ela estava alegre como uma criança de cinco
anos deveria ser e não aquela garotinha assustada de outro dia no
apartamento.
— Então vocês são a família real, que sortuda eu sou de ter vocês
como amigas.
Falei enquanto tirava meus preciosos donuts da embalagem para
viagem e começava a devorá-los junto com elas.
— E meu pai é um príncipe — Segurei o sorriso diante da inocência
da pequena. Eu tinha algum senso, não falaria para a pequena sobre o ogro
que o pai dela era — E você seria uma princesa se namorasse o meu pai.
Melissa cuspiu o donuts de sua boca e eu paralisei. Então Melissa
gargalhou e eu queria chutá-la. Olhei para Victoria que continuou comendo
seu doce alheia a tudo como se não tivesse acabado de dizer uma blasfêmia.
— Estou muito feliz em ser apenas súdita do reino de vocês, meu amor.
— Minha tia Melissa me matriculou em uma escola e amanhã eu já vou
começar a estudar. Ela também ficará por um tempo aqui até meu pai
conseguir alguém para cuidar de mim. Ele não vai me devolver para o tio
Luke e também não vou morar com os meus avós. Eu gosto do vovô e da
vovó, eles se vestiram de rei e rainha e brincaram comigo de princesa, mas
eu quero ficar com o papai. Eu nunca tive um pai.
Apesar da chuva de palavras que Victoria derramou em nós, não
lembrando em nada a tímida garotinha que ficou comigo no outro dia, suas
palavras emocionaram tanto a mim quanto a Melissa, que limpou
rapidamente as lágrimas de seus olhos para que Victoria não visse. Então,
Victoria se levantou e pediu outro donut; Melissa autorizou e a pequena foi
saltando, enquanto a acompanhamos com o olhar. Melissa tinha um ar triste
nada característico dela.
— Quanto tempo você planeja ficar? — Perguntei.
— Ainda é por tempo indeterminado.
— Você parece distante. — Eu não queria pressionar, mas queria
deixar implícito que estava ali, caso ela precisasse conversar. Ela suspirou.
— De repente me dei conta de que passo pouco tempo com minha
família. Tenho 26 anos, Ashley, preciso mudar a rota. Preciso de um novo
propósito.
Melissa modelava desde os dezessete anos, fazia muito sucesso em seu
meio e sempre me pareceu apaixonada pelo mundo da moda, então eu fiquei
muito surpresa com seu discurso.
— Eu tenho uma sobrinha e já perdi cinco anos da vida dela. — Ela
continuou — Quero ser uma tia presente, quero estar por aqui sempre que ela
precisar. Ela já perdeu muita gente.
Eu acreditava no discurso de Melissa, mas tinha algo mais. Melissa
sempre foi alto astral e hoje ela estava emotiva e pensativa. Ou talvez fosse
eu que estivesse vendo coisas onde não existia. A existência da pequena
Victoria tinha mexido com toda a família Turner.
— O tio de Victoria procurou Daniel, disse que vai lutar pela guarda
de Victoria. Ele não gosta da menina, Ash. Mary Allen, a governanta, já tinha
avisado que Luke só queria o dinheiro que está no nome de Victoria e bastou
um encontro para Daniel ter a certeza de que o homem não é bom.
Fiquei congelada e não pelo frio de novembro em Chicago.
— Mas ele pode tirá-la de vocês?
— Eu quero acreditar que não, mas essa gente tem dinheiro, tem nome
e poder.
— Mas Daniel é o pai. — Disse alarmada.
— Mas não tem estabilidade emocional. É algo que ninguém diz em
voz alta, mas todos nós sabemos. Luke Ford é casado e teve convivência
com Victoria enquanto Daniel é um pai solteiro que nunca tinha visto a filha
até uma semana atrás. Eu tenho medo de a perdermos novamente.
As últimas palavras de Melissa saíram falhadas e eu apertei sua mão
por cima da mesa. Daniel tinha certa fama aqui em Chicago. Fama de
boêmio, de festeiro e isso poderia pegar mal para ele. De nada adiantaria ele
ser bem sucedido profissionalmente se não desse a estabilidade que Victoria
precisava. E mais uma vez eu tive uma raiva irracional de Daniel, porque
sua vida fácil poderia ter um custo muito alto.
— Se pelo menos Daniel namorasse alguém... Se ele tivesse intenção
de se casar, talvez as coisas fossem mais fáceis.
— Eu conheço seu irmão há anos e nunca o vi com uma mulher em
público, mas todo mundo sabe que ele tem várias em off. — Foi impossível
não revirar os olhos.
— Daniel já reconheceu a Victoria. Agora só falta ganhar a guarda, o
que seria simples, se o tio não a tivesse solicitado também.
Olhei para Victoria, que tinha um sorriso radiante no rosto enquanto
falava com o atendente. Ela veio triste de Bismarck e agora, ela vibrava de
tanta alegria. Eu esperava de coração que Daniel conseguisse a guarda da
filha, porque claramente, ela estava feliz com a família que acabou de
conhecer. Victoria então começou a me chamar e eu fui em sua direção
enquanto Melissa se recompunha.
— Oi, Princesinha da Disney.
— Eu queria dois.
— Você não acha que já comeu doce demais?
— Quero levar um para o meu pai.
Eu quase chorei. Daniel não tinha noção da sorte que tinha ao ter essa
fofura como filha.
— Então pegue dois.
— Me levanta para eu escolher?
— Claro!
Eu a levantei nos braços enquanto ela escolhia um donut para levar
para seu pai. Ela sempre perguntava o que eu achava de um ou outro e eu
respondia prontamente, achando fofa a preocupação dela em escolher o
“mais gostoso do mundo” para o pai. Enquanto ainda estava em meus braços,
olhei para a mesa e vi Daniel sentado no lugar que eu estava, nos olhando
com olhos enigmáticos.
De novo.
Eu não gostava desse olhar, então desviei rápido, rápido demais para
parecer casual. Victoria demorou algum tempo para escolher seu doce e
então fomos em direção a mesa com ela ainda em meus braços. Eu a sentei
na cadeira ao lado do pai dela e me sentei do outro lado, junto de Melissa.
— Mackenzie. — Ele me cumprimentou com seu tom sarcástico
característico e eu contive a ímpeto de revirar os olhos. Apenas respondi,
indiferente.
— Turner.
— Papai, eu comprei o donut mais gostoso do mundo para você.
Ao receber o donut e um beijo da filha, Daniel suavizou a expressão de
um jeito que eu nunca tinha visto. Automaticamente, minha expressão se
suavizou também. Ele parecia ainda não saber o que fazer, então apenas a
abraçou, lutando para esconder a emoção. E mais uma vez, Daniel pareceu
humano. Eu sempre o vi como frio e insensível, arrogante ao extremo e, com
as irmãs, até mesmo autoritário. Então, pela segunda vez, eu vi Victoria
desvendando uma parte de Daniel que até então era desconhecida para mim e
talvez para o mundo também.
E eu não estava gostando nem um pouco de estar percebendo essa
mudança.
Limpei a minha garganta e me pus de pé.
— Bem, eu já vou.
—Ah, venha conosco às compras. Vamos montar o quarto de Victoria.
— Melissa disse em tom de súplica.
— Sim Ash, meu quarto vai ser de unicórnio. Vamos comigo, por
favor, por favor.
Eu sorri para ambas, o sorriso morrendo um pouco ao notar a
expressão de Daniel. Ele me olhava com aquele desdém característico que
me fez saber na hora. Se passasse uma tarde com esse homem provavelmente
eu iria presa por assassinato. Ignorando seu olhar, respondi a Victoria.
— Princesinha, prometo que vou na próxima vez. Eu não estou nem
vestida adequadamente para ir às compras.
— Realmente, Mackenzie, parece que você assaltou um mendigo.
— Daniel! — Melissa falou muito alto, mas dois homens que
passavam escutaram sua tirada idiota e riram. — Você está ótima, Ash. Você
é linda de qualquer jeito.
Daniel segurava uma gargalhada, o que só me deixou mais nervosa. Ele
tinha o dom, aquele dom de despertar o pior de mim. Em um impulso de
coragem ou idiotice, eu refletiria mais tarde, me aproximei de onde estava
com um sorriso no rosto. O dele deu uma leve vacilada e eu sorri
amplamente por dentro.
— Tem razão, Mel.
Respondi com os olhos presos em Daniel. Havia um apelo enorme no
fato dele estar sentado e eu em pé. Tirei meu casaco por cima da cabeça,
enquanto Daniel arregalava os olhos, sem o sorriso idiota. Então tirei a
regata também, mais lentamente. Fiquei somente com o sutiã esportivo e a
calça de moletom que, agora sem o casaco, moldava minhas pernas e bunda.
O que era para ser só uma provocação acabou virando algo quase sedutor.
Os caras que riram da piada infame de Daniel pararam em seu caminho,
assobiaram e uivaram e eu quase dei vazão ao constrangimento, porque não
era para ir por esse caminho. Daniel passou os olhos rapidamente pelo meu
corpo, mesmo que parecesse estar fazendo uma força sobre humana para não
olhar.
— Aproveite e faça uma boa ação, Turner. Encontre o mendigo e
devolva as roupas a ele.
Joguei as roupas em seu colo e sai. Estava frio? Muito. Já sentia meus
braços dormentes. Não saberia dizer o que me deu, mas eu tinha que tirar
aquele sorriso idiota do rosto dele.
Eu tinha que ficar longe, muito longe de Daniel, pois ele me fazia
parecer irracional e louca. E eu sou equilibrada, uma pessoa de natureza
doce e tranquila.
Até a saída da confeitaria recebi pelo menos dois convites para
carona, mas não respondi, começando a tremer. Faltava pouco para chegar
em casa e eu já estava começando a me arrepender de me comportar como
uma criança idiota, quando escutei meu nome ser chamado atrás de mim.
Apressei os passos, só para ter meu caminho interrompido.
— Você está maluca? — Um Daniel muito bravo apareceu em minha
frente, me parando e colocando meu casaco de volta em meus ombros. Não
queria parecer tão agradecida, mas foi maravilhoso me sentir um pouco
aquecida — Quer pegar uma pneumonia? Eu queria saber onde está a pessoa
doce e meiga que todo mundo diz que você é! Você, além de grosseira, é
louca!
Apertei o casaco em volta dos meus ombros, meu cabelo agora solto
do coque, o que foi bem vindo, pois ajudou a me aquecer mais rápido. Eu
apenas o olhei com raiva por seu tom mandão e autoritário, o contornei e
continuei andando. Claro, ele ficou com mais raiva.
— Qual é o seu problema? Está se comportando como uma adolescente
birrenta!
— E você como um troglodita das cavernas! — Gritei de volta e
continuei andando.
Mesmo com o casaco enrolado em volta do meu corpo, sentia meus
lábios secos e trêmulos. Fosse pela raiva, fosse pelo frio rigoroso. Dei dois
passos e senti meus braços serem puxados e minha frente se chocou com o
corpo duro de Daniel. Apesar da raiva por ele estar me tocando, o calor do
seu corpo foi mais que bem-vindo, tanto que amoleci um pouco em seus
braços. Seus olhos imediatamente caíram para meus lábios e minha língua os
umedeceu por instinto. Eu caí na armadilha dos olhos azuis acinzentados de
Daniel, e como a participante ativa de uma cena em câmera lenta, vi quando
alguns flocos de neve começaram a cair, destacando seu cabelo negro como
um corvo.
Minha respiração ficou suspensa porque o filho da mãe era lindo.
Lindo de morrer, lindo de fazer qualquer mulher implorar. A mão de Daniel,
que agora descansava em minhas costas, se contraiu sobre o casaco, me
apertando um pouco demais em seu corpo. Eu estremeci e Daniel, que
entendeu o meu estremecimento como frio, xingou baixinho, levantou os
olhos por cima da minha cabeça, suspirando. E então, passou a me arrastar
pelo braço.
— O que você está fazendo? Me solte! — Falei alarmada, saindo do
meu transe.
Ele não respondeu, apenas continuou me puxando enquanto eu sentia
mais e mais frio, agora que estava longe do corpo quente dele. Logo,
identifiquei a BMW de Daniel e tentei parar. Inutilmente.
— Me solte, seu ogro estúpido!
Ele só parou quando abriu a porta e praticamente me jogou no banco
do passageiro. Deu a volta e se sentou no banco do motorista. Colocou a
chave na ignição, ligou o aquecedor e soltou um suspiro frustrado.
— Eu deveria deixar sua bunda congelando no frio, porque é isso que
você merece depois do show que fez na confeitaria e na rua!
— E eu deveria denunciar você por tentativa de sequestro! Me trouxe
aqui contra a minha vontade! — Apesar de toda a raiva eu estava aliviada
por me sentir aquecida. Ele soltou um riso sarcástico tão, tão característico,
como se eu fosse inacreditável, e começou a dirigir.
Ficamos em um silêncio enervante enquanto ele dirigia por duas
quadras até o meu apartamento. Assim que chegamos em frente, Daniel parou
e me lançou um olhar quase cansado.
— Entregue.
Forcei meus lábios a agradecer, porque apesar de tudo era o certo.
— Obrigada. — Ele sorriu vitorioso. — Embora tenha sido
desnecessário.
Ele revirou os olhos e eu saí com a minha própria versão de sorriso
vitorioso. Às vezes eu me sentia uma idiota por ter esses embates com
Daniel. Eu sabia que era ridículo, até mesmo infantil, mas era mais forte que
eu. Ele dava vida a criança dentro de mim, e não aquela criança fofa como
Victoria, mas a criança mal-educada e desafiadora. Enquanto chegava ao
meu apartamento, sorri ao me lembrar do olhar embasbacado de Daniel
quando comecei a tirar as minhas roupas.
Eu venci essa, idiota.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Eu odiava ser acordada.


Odiava.
A campainha do meu apartamento estava tocando e era madrugada.
Poucas pessoas tinham acesso direto, então, desnorteada e confusa, ainda
com sono, atendi a porta sem olhar o olho mágico. Ao fazer isso, me deparei
com Fred. Ele estava muito desalinhado para um homem perfeccionista
quanto ele e cheirava a álcool.
— Fred.
— Perdão.
— Você está…
— Ursinha, me perdoe. Eu tenho sido um miserável sem você. Preciso
que me perdoe, amor. — Então o impensável aconteceu. Fred se ajoelhou em
minha frente e novamente, estava com a caixinha vermelha de veludo nas
mãos — Vamos dar continuidade aos nossos planos. Case-se comigo.
Meu coração batia descompassadamente, mas não era por estar
emocionada. Novamente, Fred estragava o que eu mais sonhei em toda minha
vida. Ele me pediu em casamento pela segunda vez, bêbado e desalinhado,
enquanto implorava perdão por sua traição. Onde estavam os homens
românticos desse mundo? Eu queria sentar e chorar. Nunca mais eu veria um
pedido de casamento com os mesmos olhos.
— Vai embora, Fred.
Ele me olhou confuso. Sério que ele pensou que me pedir em
casamento bêbado e depois de me trair, iria funcionar? Eu achava que Fred
era um dos homens mais inteligentes que eu conhecia, agora tinha sérias
dúvidas. Olhando a forma como ele me encarava parecendo um pateta idiota,
eu me questionava se fui mesmo apaixonada por ele. E como isso foi
possível.
— Ursinha, nós temos uma história.
— Que eu quero esquecer.
— Você está sendo cruel, Ash.
— Não mais do que você merece. Vá! E não volte!
Ele me olhou magoado e eu não senti nenhuma pena. A vida era feita
de escolhas e ele fez a dele ao ficar com sua residente. E agora eu fazia a
minha, que era manter distância dos homens. De todos. Ele se afastou e eu
bati a porta com um pouco de força demais. E um desânimo me tomou,
porque eu estava muito exausta.
Exausta de doar e sempre receber o que eu dava de volta em meu
rosto, como se não fosse nada. Cansada de brincarem com meus sentimentos
como se não fosse grande coisa. Este era o meu terceiro relacionamento. O
terceiro que terminava com meus sentimentos não correspondidos e não
valorizados da maneira como era esperado. Eu sempre me entregava demais
e acabava ferida. Talvez eu devesse ser mais como o inominável e
insuportável Daniel. Acredito que ele não passou pelas frustrações que eu
passei.
Eu deveria realmente estar muito mal por estar considerando a
hipótese de Daniel Turner estar certo sobre a vida. De uma coisa eu sabia:
coração partido nunca seria um problema para Daniel, porque coração era
algo que ele não tinha.
Talvez eu devesse abrir mão do meu também.
CAPÍTULO 08

Daniel Turner

— Você sabe o que precisa fazer.


— Não faço a mínima ideia.
— Você precisa mostrar ao juiz que tem estabilidade emocional para
lidar com uma filha.
Eric Johnson, meu sócio e agora advogado, estava à minha frente.
Estávamos em meu escritório após o expediente. Com mais de cinquenta
anos e muito mais experiência na bagagem que eu, eu sabia que suas
palavras eram mais que meros conselhos. Eram a saída para o meu
problema.
— Tenho pelo menos sua idade de experiência em tribunal, Daniel, eu
sei como essas coisas funcionam. Nosso país grita modernidade, mas ainda
tem uma grande veia conservadora. O bom juiz vai pensar no melhor para o
desenvolvimento da sua filha. Um juiz de caráter duvidoso vai considerar
poder e glória. Nas duas situações você está em desvantagem. Nós
conseguimos a guarda provisória, mas não posso fechar os olhos para as
possibilidades.
— Mary Allen disse que Luke nunca gostou da minha filha.
— Mary Allen até o momento é uma mulher que sumiu no mundo e têm
uma denúncia de sequestro nas costas.
— Está mais do que claro que esse homem quer Victoria pelo que ela
vale.
Uma elevação de sobrancelha desenhou o seu rosto.
— Ele alegou o mesmo sobre você.
— Droga! — Eu disse me levantando e indo para a janela.
— Parece até que você não vive diariamente nesse meio, Daniel. Você
sabe como funciona, a verdade é relativa. Precisamos de provas.
Eu fechei os olhos com força, sabendo em meu íntimo que ele estava
certo. Hoje Victoria acordou antes que eu saísse de casa e me deu um abraço
e um beijo, e no final disse que sentiria saudades de mim.
Saudades de mim.
Na maioria das situações, eu não sabia qual a maneira mais apropriada
de agir com Victoria. Eu apenas a abracei sem conseguir saber o que
responder, mas essa era uma das coisas que mais me encantava nela, dia a
dia: como toda criança, seu carinho e atenção eram desinteressados. Ela saiu
do meu abraço e voltou a dormir, pois ainda faltava um tempo para que fosse
para a escola.
Eu sabia que a cada dia eu perdia parte do meu coração para ela. E
cada dia era mais e mais difícil imaginar a possibilidade de não tê-la em
casa.
— Eu não namoro, Johnson. Nem tenho a intenção. — Disse entre
dentes.
Ele sorriu diante da minha resposta.
— Prioridades mudam, Daniel. Você precisa se casar.
Fechei os olhos com força, de costas para o homem que foi o meu
mentor. Eric Johnson sabia jogar o jogo e dançava conforme a música. Ele
jogava limpo e me ensinou a jogar limpo também. Mas ele também me
ensinou a jogar sujo.
— Isso é impossível. Eu nunca planejei me casar.
Era uma verdade universalmente conhecida.
— Você só precisa vender a ideia. — Ele disse e algo estalou dentro
de mim. Eu me virei em sua direção.
— O que você está dizendo?
Ele não desviou os olhos dos meus. Disse com o brilho maligno que eu
aprendi a admirar, mas que agora eu estava odiando.
— Não precisa ser real. Só precisa parecer real.
— Isso é uma loucura. — Eu resmunguei pensando na ideia insana
dele.
— Bem, certamente essa é a forma mais fácil de você conseguir a
guarda definitiva de sua filha. Mas se quiser o caminho complicado, saiba
dos riscos.
Ele disse se levantando e saindo, me deixando sozinho com meus
pensamentos. Um casamento falso? Lembrei daqueles clientes em situações
parecidas com a minha e que eu aconselhei inúmeras vezes. E agora a
situação vinha rindo sarcasticamente atrás de mim e mordia minha bunda. Eu
teria rido se não fosse tão desesperador.
No entanto, eu era um homem prático. Eric tinha razão, as prioridades
transformavam um homem. Eu tinha uma filha que precisava de mim. Que
poderia até mesmo estar em risco nas mãos de um tio que só a via por seu
valor monetário. Se o preço para o bem-estar de minha filha (que já perdera
tanto em sua curta vida e que hoje parecia feliz com minha família) fosse a
minha liberdade, então eu estaria disposto a pagar esse preço.

Eu precisava arranjar uma noiva.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Você não pode estar falando sério! — Milla se levantou em um


rompante. — Daniel, isso só acontece e dá certo em filmes e livros.
— Você acha que eu não sei? Acha que eu quero isso?
Me sentei na poltrona e olhei para minha filha que brincava com Nate
no tapete da sala da casa de Milla. Ele adorava minha filha e ela o adorava.
Ele fazia coisas que eu ainda não sabia como fazer, como sentar-se no chão e
fazer barulhos só para que ela caísse na gargalhada.
— Eu devo isso a ela. — Respondi ainda olhando para o sorriso lindo
de Victoria.
— Isso não é uma brincadeira, Dan. Você quer mesmo colocar uma
mulher que você não tenha confiança para conviver com sua filha? Eu nem
vou falar sobre o tipo de mulher com quem você costuma se envolver! Sem
julgamentos aqui, mas não é o que o juiz consideraria um exemplo de mãe.
— Você tem alguém em mente? — Melissa, que até então estava mais
silenciosa, perguntou por fim.
— Não. Não tenho ideia de quem toparia uma loucura dessas.
— Natalie. Ela poderia topar. Mas, bem. Natalie acabou de assumir
um relacionamento. Uma namorada, na verdade.
— Eu sempre desconfiei. — Melissa respondeu com um sorriso
cúmplice para Milla, que sorriu também.
— Ela está feliz, então acho que nesse momento não é muito oportuno
fazer uma proposta dessas.
— Nenhuma amiga no escritório, Daniel? Alguma colega de trabalho?
— Não consigo pensar em ninguém.
— Bom então só resta uma opção.
— Tentar a sorte?
— Lógico que não. Você precisa de alguém confiável, alguém que
goste da sua filha. Alguém que conhecemos. — Melissa olhou Victoria. —
Não vamos arriscar perder a nossa menina.
— Ainda acho uma loucura. — Milla soltou.
— Então, você precisa convencer Ashley.
Levantei minha cabeça, que estava em minhas mãos, e olhei para
Melissa como se ela fosse louca. Milla a olhava da mesma maneira.
— Está maluca? Aquela garota quer se casar por amor. E ela me odeia.
Milla então se pôs a gargalhar histericamente. Melissa continuava a me
olhar como se fosse um gênio e não uma louca. A risada de Milla chamou a
atenção de Nate e Victoria, que vieram em nossa direção. Melissa pegou
Victoria no colo e deu um beijo estalado na bochecha dela.
— Porque estão rindo tanto? — Nate perguntou.
— Eu estou convencendo Daniel a fazer o óbvio.
— E isso seria...?
— Ele precisa se casar. Com Ashley. Ou corre sérios riscos de perder
a guarda de Victoria.
Nate olha embasbacado para minha louca irmã.
— Mas eles não se suportam. — Nate diz o óbvio.
— E isso que eu estou dizendo.
— E o que você pretende fazer? Contratar alguém para que se case
com você? Uma desconhecida para que conviva com a minha sobrinha? Ou
uma de suas fodas aleatórias? Você não entendeu a gravidade da situação,
Daniel. Não é sobre sua birra infantil com Ashley, é sobre sua filha, algo
muito, muito mais importante.
Eu me levantei, abalado pela explosão de Melissa, principalmente ao
perceber que ela falava sério. E pior, que sua linha de pensamento era
razoável.
— Você não tem tempo de se abrir a finalmente conhecer alguém, você
precisa de uma pessoa adequada e confiável agora. — Melissa continuei,
firme.
— Ninguém vai comprar essa ideia. — Eu respondi, embora todo o
meu corpo tremesse.
— Vamos dizer que todas aquelas brigas eram tesão reprimido. Todo
mundo já acha isso mesmo. — Ela disse e eu saltei.
— Como é que é?
— Eu vi a forma como você encarou o corpo quando ela estava usando
aquele sutiã esportivo, Dan. Os dois estão em negação, mas isso não importa
agora. Você precisa de alguém que goste e respeite Victoria e que não veja
nisso a oportunidade de finalmente amarrar você. E essa pessoa é a Ashley.
— Quando foi isso? — Olhamos para Milla.
— Ashley tirou a roupa em uma confeitaria. Para provocar Daniel. —
Melissa contou com um sorriso maldoso.
Nate começou a rir alto e eu revirei os olhos. Milla ainda estava entre
divertida e curiosa. Claro que eu iria olhar. Ashley, de boca fechada, era
uma das mulheres mais lindas que conheci. Acontece que a beleza veio junto
com uma personalidade intragável.
— Depois quero detalhes dessa história. Jesus Cristo, vocês se
transformam quando estão próximos. Estou imaginando vocês casados, como
isso seria.
Um inferno, eu penso.
— Sua amiga é louca. Eu não vou colocar uma louca para conviver
com a minha filha.
— Ah Dan, por favor. Você provocou e sabe disso. Ashley é ótima. É
só parar de antagoniza-la que tudo vai ficar bem. — Melissa disse,
impaciente.
Olhei para Milla e Nate procurando algum apoio, pois nunca em minha
vida me vi tão perdido, mas eles só acompanharam a troca, não dizendo nem
uma palavra sobre o assunto em questão. A ideia era a mais insana possível.
Ashley é absolutamente louca para se casar, mas casar comigo nunca foi uma
opção para ela.
Ela me odeia porque eu nunca quis me envolver seriamente com
ninguém e em contrapartida, talvez isso fosse algo bom. Isso manteria
alguma distância entre nós. Ela com toda a certeza jamais tentaria fazer com
que o casamento fosse mais do o planejado: um casamento falso. Ela
provavelmente faria uma festa quando nos divorciássemos. Talvez Melissa
não fosse tão louca assim, afinal. Ou talvez eu seja tão louco quanto Melissa,
por estar considerando a ideia dela.
Nesse momento, Victoria veio em minha direção, embora um pouco
mais tímida, e se sentou em meu colo. Eu a abracei, ainda incerto sobre
como me comportar com ela ou o que dizer e ao mesmo tempo, me
recriminando por não conseguir lidar com tudo tão naturalmente quanto
minhas irmãs e Nate. Até Ashley era melhor com ela do que eu. Inocente
sobre meu conflito e cobrança interior, Victoria encostou a cabeça em meu
peito.
Conforto.
Eu era seu conforto.
A realização me atingiu como um caminhão desgovernado.
Victoria Grace, minha filha, minha responsabilidade, ela só tinha a
mim agora.
O nó em meu peito ficou mais apertado e estava difícil até mesmo
engolir. Esperei que ela pegasse no sono, sua calmaria contrastando com o
meu tormento interior. Então, em um rompante, me levantei, e coloquei
Victoria adormecida no colo de Milla, mais próxima a mim.
Percebi então que todos me olhavam. Foi demais para mim.
Eu resmunguei que precisava de um tempo e saí da cobertura de Nate e
Milla, escutando meu nome ser chamado. Eu não poderia falar, eu não
saberia o que dizer. Fui em direção ao estacionamento, entrei no carro e saí
pelas ruas de Chicago, sem destino definido. Dirigi no automático por tanto
tempo que não saberia dizer. Meus pensamentos, uma tempestade sombria.
Victoria era minha filha. E agora, ela só tinha a mim. Eu precisava me
casar, precisava arrumar uma boa mulher e não poderia ser qualquer uma. A
responsabilidade como nunca antes, se apossou de mim e por alguns
instantes eu me questionei se seria mesmo capaz de ser o que ela precisava.
Isso acontecia com razoável frequência, principalmente nos momentos em
que Victoria me procurava, como se eu fosse a sua rocha, como se eu
pudesse tudo. E o pensamento mais aterrorizante foi saber que eu a queria
em minha vida para sempre. Mesmo que eu a tivesse comigo há pouco
tempo, foi tempo suficiente para que eu soubesse que estaria incompleto sem
ela.
Eu faria o que fosse necessário, sacrificaria qualquer coisa para
conseguir isso.
Parei o carro me dando conta de que estava em frente ao apartamento
de Ashley. Suspirei e mesmo com todos os alarmes tocassem em minha
cabeça sobre o quanto a ideia era insana, visto que não conseguíamos ficar
tempo suficiente em um espaço sem estarmos na garganta um do outro.
Apesar disso, Ashley era confiável, tinha boa índole e parecia gostar
de Victoria. Eu sabia que para ela, só isso não era suficiente. Ela
provavelmente riria na minha cara, zombaria da minha proposta, mas eu não
tinha opção melhor. Estava disposto a dar o que ela quisesse.
Enquanto fazia o caminho até seu apartamento (eu passei direto, pois
ainda tinha o cartão de acesso, do dia em que Milla me deu para que eu
pegasse Victoria), eu tinha certeza que iria me arrepender amargamente
desse rompante. Cheguei em frente ao seu apartamento e apertei a
campainha. Era uma terça-feira, tarde da noite, eu diria que umas dez horas.
Exatamente quatro dias desde a última vez em que a vi, quando ela resolveu
tirar a roupa em uma confeitaria.
Quando Ashley abre a porta, está vestindo um short de pijama e uma
camiseta com a frase “Dona da porra toda”. Seu cabelo está preso no alto da
cabeça e seu rosto está entre confuso e irritado. Era quase suficiente para
que eu virasse as costas e fosse embora, sabendo que isso nunca iria dar
certo. Depois de alguns segundos, quando eu achei que ela fecharia a porta
em meu rosto, ela se afastou e me deu passagem.
Entrei e olhei em volta, agora com mais atenção, considerando que na
última e única vez em que estive aqui, estava transtornado. Não que eu esteja
muito diferente hoje. Ela acenou para o sofá e eu me sentei.
— Estou perdida. O que você quer?
Seu tom revelava… Nada. Ela realmente não tinha ideia do que estava
vindo. Me coloquei de pé, tentando passar uma confiança que eu não tinha e
me aproximei, embora não muito. Ela arregalou os olhos levemente, mas
encontrou meu olhar calmamente.
— Eu… Eu quero te fazer uma proposta. — Ela franziu a testa. Pensei
se ainda daria tempo de fugir, pois essa situação era muito irônica. Eu estava
prestes a pedir para que Ashley, de todas as pessoas do mundo, se casasse
comigo. Tentei não ir por esse caminho ou acabaria cedendo à tentação de
sair correndo — Eu quero que você se case comigo.
Então eu vi quase todas as emoções do mundo passarem pelo rosto de
Ashley. Choque, confusão, medo, então… Raiva. O silêncio se estendeu no
que pareceu uma eternidade. A boca dela se apertou em uma linha fina até
que calmamente ela se afastou. Então, pegou uma almofada do sofá e olhou
para mim. Eu continuei calado e curioso, esperando o que ela faria em
seguida e então, ela me atingiu com força.
— Que palhaçada é essa?! Essa é a sua nova forma de curtir com a
minha cara?! — Ela passou a me atacar com a almofada, como uma pinscher
raivosa. Eu levei o primeiro golpe, então, por instinto corri em volta do sofá.
— Dá para me deixar falar?? — Mas ela continuava tentando me
alcançar com a almofada, gritando que eu não conhecia limites e que me
odiava por tirar "onda" com ela. Foram necessários vários segundos para
que eu me desse conta de nossa situação ridícula. Então, fui em direção a ela
e em um único movimento, segurei seus braços atrás do corpo. — Me deixe
falar, mulher!
Foi quando ela parou de tentar se soltar do meu aperto e levantou os
olhos em minha direção. Olhos escuros e furiosos. Ashley parecia capaz de
me matar apenas com o olhar.
— Sua crueldade não tem limites!
— Eu não tenho ideia de porque você está reagindo assim!
— Não tem ideia?! O que está acontecendo com os homens, meu
Deus?? Você está me pedindo em casamento?? Fred também me pediu em
casamento! De repente, todo mundo resolveu me pedir em casamento,
fazendo parecer uma piada algo que eu almejo e valorizo!
— Eu não tenho ideia do problema que você tem com Fred, mas posso
garantir que não estou brincando. — Eu soltei seus braços calmamente e ela
logo deu dois passos para trás — Eu preciso da sua ajuda, Ashley.
Seu rosto ficou branco. E então eu me dei conta de que, pela primeira
vez em muito tempo, eu a chamei pelo primeiro nome. O descuido acabou
sendo benéfico para mim, pois ela se sentou no sofá, parecendo ainda menor
do que era e colocou a cabeça entre as mãos, se dando conta de que eu
falava sério. Eu aproveitei o seu silêncio para continuar.
— A última vez em que estive aqui você não perdeu tempo em
salientar a importância que tenho na vida de Victoria. Que ela só tem a mim.
Agora, eu preciso da sua ajuda para que ela esteja definitivamente em minha
vida.
Me sentei ao seu lado, mantendo uma distância. Como ela continuou
fitando a mesa de centro, eu continuei.
— Estou disposto a negociar e estou engolindo o meu orgulho. Posso
não ter nada que te interesse, mas quero que saiba que estou disposto a pagar
o preço. Qualquer coisa.
Ela me olhou espantada. Sim, eu também estava espantado com minhas
palavras, me sentia fazendo um pacto com o diabo. Seus olhos e os meus se
trancaram e algo se passou entre nós. Um entendimento, como se ali, naquele
momento, eu tivesse conquistado um pouco do seu respeito.
Não que me importasse.
Eu precisava dela e estava disposto a pagar o preço.
Por Victoria.
Ashley se levantou e foi até a janela e eu fiquei esperando em
expectativa.
— Porque eu? — Perguntou de costas para mim. Eu fiz uma careta
diante da pergunta, mas respondi.
— Você pode ser insuportável, mas é confiável. — Ela se virou em
minha direção, os olhos estreitados — E será por apenas um ano, podemos
fazer um contrato para que se sinta mais segura. Posso te pagar, dinheiro não
é problema. Também tem a questão mais importante: Você jamais esperaria
mais de mim, porque você sabe que não receberia nada mais e porque me
odeia. Então, estaremos seguros.
— O fato de eu te odiar é motivo mais que suficiente para que tudo dê
muito errado.
— Talvez tenhamos que fazer uma trégua e finalmente nos comportar
como adultos.
Eu vi a negativa em seus olhos. Ela diria que não, então me adiantei
dois passos.
— Pense no assunto, pelo menos. Eu vou te dar três dias. — Deixei
meu cartão em sua mesinha de centro, apesar de saber que ela não teria
dificuldade em conseguir meu número. Com isso, eu fui até a sua porta com a
intenção de ir embora, mas quando cheguei a maçaneta, escutei sua voz.
— As coisas não são do seu jeito, Turner. Até sábado eu te dou a
resposta, ou seja, terei cinco dias para pensar sobre isso.
Parei alguns segundos, mas não me virei.
Passei minha língua nos meus dentes da frente em um sorriso sarcástico
me sentindo um miserável. Claro que ela iria querer ficar com a última
palavra. Eu queria mesmo me casar com ela? A resposta era um sonoro não.
Eu tinha escolha? A resposta era a mesma.
— Boa noite, Mackenzie.
CAPÍTULO 09

Ashley Mackenzie

A semana passou como um borrão e quando eu me dei conta, era sexta-


feira. Eu comecei um curso de confeitaria para sair do tédio e para não
enlouquecer com a proposta de Daniel Turner. Apesar de achar a ideia idiota
em vários níveis, confesso que a atitude dele me deixou positivamente
surpresa. Em primeira mão, eu poderia dizer o quanto era difícil para ele, O
Intocável, pedir um favor exatamente ao seu maior desafeto. E apesar de
entender a lógica de sua linha louca de raciocínio, eu ainda achava a ideia
absurda.
O curso de confeitaria me tirou um pouco da ansiedade, pois cozinhar
me acalma e me deixa mais feliz. O curso era na esquina do meu
condomínio, com um renomado chef pâtisserie[1], e hoje aprendemos a fazer
cupcakes. Então, ao chegar em casa, fiz tantos deles, mais do que poderia
comer.
Olhei para a quantidade ridícula de doces em minha bancada da
cozinha e uma sensação louca tomou conta de mim. Eu precisava ocupar
minha mente e não pensar sobre o dia seguinte, o dia em que eu teria que dar
uma resposta a Daniel. Então, liguei para Natalie e Milla e as convidei para
vir em casa. A reboque viria Melissa e a pequena Victoria, que estavam na
casa de Milla.
Quarenta minutos depois, todas chegaram juntas ao meu apartamento.
Ver a pequena Victoria fez o meu coração doer um pouco.
— Que cheiro delicioso é esse? — Natalie perguntou, entrando em
meu apartamento.
— Cupcakes. — Respondi.
— Tem assados aqui para o mês inteiro. — Milla disse.
— Posso ter me empolgado. — Falei timidamente. Realmente, eu tinha
feito muitos cupcakes.
— Está fazendo curso de confeitaria? — Melissa perguntou já pegando
um dos bolinhos. Você diria que ela, uma modelo, não poderia comer tantas
calorias, mas ela sempre respondia que tinha uma ótima genética.
— Estou sim.
— Pelo menos foi um curso que a gente pôde aproveitar. Na temporada
passada foi curso de Francês. — Milla disse enquanto escolhia seu cupcake
e eu revirei os olhos.
— E na outra foi de antiguidades. — Natalie contribuiu.
— Eu estou bem aqui. — Falei, irônica.
— Sim, Ash. Sabemos. — Ela respondeu, rindo.
— Ash, eu estava com saudades. — Victoria abraçou a minha perna e
eu a levantei nos braços dando-lhe um beijo no rosto, esquecendo um pouco
o quão irritante minhas amigas poderiam ser.
— Eu também estava, Princesinha da Disney.
Ela sorriu com o apelido e eu lhe dei um cupcake de chocolate.
Ela pegou um tablet em uma mão e o bolinho na outra e foi para o sofá.
Eu e as meninas fomos para a cozinha, embora desse para ficar de olho na
pequena com sala conjugada à cozinha. As meninas fizeram uma roda em
minha volta, devorando os assados e me olhando com expectativa.
Elas sabiam.
— Claro que vocês sabem. — Resmunguei e as três me olharam sem
culpa.
— Okay, corte a besteira. Vai aceitar a proposta de Daniel? — Natalie
perguntou, direta.
— Eu sou a única que acha essa uma ideia terrível? — Eu perguntei
enquanto recheava outro cupcake com chantilly sem olhá-las, mesmo
sentindo três pares de olhos em mim.
— Eu confesso que fico um pouco temerosa. — Milla disse e eu a
olhei, enquanto ela dizia entre mordidas no cupcake. — Deus do céu, Ash,
você está muito boa nisso. Os doces estão maravilhosos.
— Deliciosos. — Melissa suspirou.
— Vocês sabem tudo o que penso a respeito de casamento. Ele disse
que seria um casamento por contrato, por um ano e que vai me dar qualquer
coisa, mas eu ainda queria me casar por amor.
— Eu nunca vi Daniel tão empenhado e perturbado. Esse Daniel pai é
capaz de qualquer coisa para ter a filha, inclusive se comprometer. — Milla
disse, séria.
— Com alguém que ele detesta. — Eu complementei.
— Vocês têm as suas diferenças, mas você é praticamente da família,
Ashley. — Meu coração saltou um pouco com a fala de Melissa — É
perfeita para a situação. Sei que tem suas idealizações românticas, mas nem
todas as histórias de amor começam de forma tradicional.
Meus olhos se alargaram de forma humanamente impossível. Ela não
poderia estar dizendo o que achava que estava dizendo.
— Eu ainda acho que esse ódio todo é tesão. — Natalie apenas soltou
e Melissa deu a ela um sorriso conspirador.
Eu me irritei.
— Eu acho que vocês estão muito enganadas. Daniel Turner é
insensível e eu preferia mil vezes morrer solteira do que ter qualquer
envolvimento real com ele.
— Então você não vai aceitar? — Milla perguntou, uma ruga de
preocupação em sua testa. Suspirei incerta, porque qual a resposta certa para
a questão? Eu não sabia. A verdade é que eu estava confusa.
— Eu acho que seria péssimo. — Consegui responder.
— Então avise-o logo, Ash. Ele precisa encontrar outra pessoa. Porque
isso está além de vocês dois, trata-se de uma garotinha que já perdeu toda a
família uma vez.
Olhei para Victoria no sofá e mais uma vez meu coração torceu. E se
Daniel perdesse a guarda dela? Eu me sentiria culpada, sabia disso. Mas ao
mesmo tempo, eu teria que abrir mão da minha vida, de conhecer alguém,
quem sabe até a pessoa certa. O pensamento de encontrar um grande amor já
não tinha o mesmo apelo inicial. Eu já não tinha tantas esperanças após os
últimos envolvimentos que tive e estava muito magoada com os homens em
geral.
— Vamos falar sobre outro assunto. Que tal sobre a namorada secreta
de Natalie.
Natalie enrubesceu. Já tinha um tempo que sabíamos sobre sua
orientação sexual e ela tinha todo o nosso apoio. Embora seu pai ainda
estivesse se adaptando à ideia, ninguém a recriminou, ainda que o mundo
continuasse preconceituoso.
— Vou apresentá-la a vocês em breve. Estou feliz, meninas.
Todas gritamos em uníssono e abraçamos nossa amiga.
— E você, Melissa? — Perguntei, adorando que todas tiraram o foco
de mim.
— Ela deixa um coração partido em cada cidade que passa. — Milla
ofereceu e recebeu um olhar ameaçador da irmã. Era muito possível que a
declaração fosse verdadeira, visto que Melissa era a idealização de beleza
da maioria das pessoas e nunca tinha um envolvimento sério.
— Que poder. — Eu disse por provocação.
— Eu ainda não encontrei ninguém que fizesse meu interior vibrar.
— Eu já encontrei pelo menos três e digo que não valeu a pena —
Falei desanimada.
— Você não encontrou o Senhor Certo, Ashley. Você apenas projeta
todas as suas idealizações em sapos que não são príncipes. Quando menos
esperar, vai ver o príncipe em quem menos espera. — Milla me analisou.
— Eu já não quero saber de príncipes nem de sapos. Sem expectativas
aqui.
Todas riram, solidárias, e assim passamos a noite. Entre cupcakes,
risadas e um pouco de conversa sem sentido.

Um pouco da angústia sumiu.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Dizer que eu não dormi à noite seria um eufemismo. Mesmo depois que as
meninas foram embora, os pensamentos incertos e confusos continuaram.
Demorei a noite inteira, mas finalmente estava certa de que decisão tomar.
Sabia dos riscos e consequências da minha escolha então, após acordar,
tomar um banho e um café da manhã reforçado, liguei para o número de
Daniel.
— Alô — Sua voz estava sonolenta, como se ele nem tivesse olhado
no celular para atender. Eu sabia que ele chegou de viagem esta madrugada
porque Milla e Melissa disseram. E sabia que ele estaria sozinho em casa, já
que Victoria e Melissa dormiram na Milla e elas gostavam de dormir,
principalmente em um sábado de manhã.
— Turner, eu estou indo para a sua casa.
Falei com a voz firme. Ele não perguntou quem era.
— Estou te aguardando. — Foi sua única resposta.
A forma como sua voz rouca soou em meu ouvido fez um arrepio subir
pela minha espinha. Eu tinha que me lembrar todo o tempo que este era
Daniel, a representação de tudo o que eu não queria e, ironicamente, aquele
que estava prestes a se tornar o meu marido.
Claro, se ele concordasse com as minhas condições, o que poderia ser
improvável. Não me despedi, desliguei o telefone, peguei o carro e fui em
direção a Ravenswood, região onde fica a cobertura de Daniel. Eu vestia
uma meia calça preta e grossa, um vestido casaco creme e sapatilhas baixas.
Meu cabelo estava solto e eu usava um gorro preto. Passei uma maquiagem
mínima para que eu me sentisse um pouco segura e repassei todo o meu
argumento em mente.
Cheguei em frente ao seu condomínio e permitiram a minha entrada,
após minha identificação. Durante todo o caminho até a sua cobertura eu
tentava esconder o leve tremor de minhas mãos. Antes que eu pressionasse a
campainha, Daniel abriu a porta.
Ele usava calça de pijama, uma camiseta e meias. Eu nunca tinha visto
Daniel tão… Normal. E então me veio a picada de que ele não fez questão
nem de se trocar, mesmo sabendo que eu viria. Desviei os olhos dos
músculos protuberantes, mesmo sob a camiseta branca enquanto ele
ostentava um sorriso idiota.
— Vai me deixar entrar ou não? — Perguntei, impaciente. Péssimo
começo Ashley.
— Claro, Mackenzie.
Entrei no antro do demônio de bom grado e logo fui atingida pelo
contraste do ambiente. Tinha uma boneca no sofá da sala. Ao mesmo tempo,
a decoração era claramente de um homem que vivia há muito tempo sozinho.
Minimalista e vazio. Mas no balcão, descansava um copo rosa de alguma
princesa da Disney. Tinha papel e giz de cera na mesinha de centro e um
desenho horroroso. Claramente, era um momento de fusão, em plena
exibição, do choque entre a vida de Daniel e a de Victoria. E em breve eu
entraria na fórmula também. Após minha rápida impressão, eu me virei para
ele.
— Quer tomar alguma coisa? — Ele perguntou ainda ostentando o
sorriso de lado que eu odiava, pois ele sempre vinha acompanhado de uma
farpa. Resolvendo meu conflito interior, soltei a minha resposta sem preparo
algum.
— Eu aceito.
Ele me olhou com olhos arregalados e ficou em silêncio. O sorriso
cínico? Sumiu. Eu quase ri de sua expressão assustada e desconcertada.
— Certo… — Ele respondeu e limpou a garganta.
— Mas eu tenho algumas condições. — Eu comecei, nunca deixando
meu olhar vacilar.
— Claro que tem. — Ele disse mais para ele do que para mim.
— Primeira condição: — Continuei, ignorando sua picada. — Quero
fidelidade. Você é uma pessoa conhecida, presta serviços para o time em que
trabalho, temos várias pessoas conhecidas em comum e eu não vou permitir
que você me humilhe publicamente. Se prepare para um longo e sabático
ano, Turner.
Ele não pareceu gostar muito da ideia, mas permaneceu em silêncio.
Logo, eu continuei.
— Não quero dinheiro, Turner. Isso faria de mim uma prostituta,
alguém que pode ser comprada.
Ele abriu a boca e então a fechou. Abriu novamente e enfim, perguntou:
— Então o que você quer?
Firmei ainda mais o meu olhar e, embora em meu interior eu estivesse
insegura sobre o que ele decidiria após essa condição, eu falei com a maior
convicção que pude reunir:
— Eu quero adotar Victoria.
Daniel ficou atônito.
— O que?
— Eu quero guarda compartilhada. Quero ser a mãe dela, mesmo
depois do fim do contrato.
Ele me olhou como se eu fosse louca. Talvez eu fosse, mas não abriria
mão disso.
— Você só pode estar brincando. Eu ainda nem tenho minha filha e já
vou ter que dividi-la com você?
— Não é por isso que estou aqui? Porque precisa de mim? Vou
conviver com ela, Turner. Vou me apegar, eu já tenho um carinho enorme por
aquela garotinha, e tenho muita identificação com a história dela. Depois que
você conseguir o que quer e se livrar de mim, eu ficarei apenas com o vazio
de tudo. Se me quiser nesse plano, terá que aceitar minha condição.
— O que você está pedindo é…
— Perfeitamente razoável. Eu serei a melhor mãe possível para
Victoria, tem a minha palavra nisso, mesmo depois do divórcio. Eu quero
fazer parte da vida dela de forma permanente. Eu quero ter al…
Me interrompi. Eu queria ter alguém também. Alguém que eu pudesse
chamar de meu. Mesmo não terminando a frase, vi nos olhos de Daniel a
compreensão. E talvez foi esse deslize, essa fraqueza que o fez desmanchar a
expressão de choque e então suspirar. Ele estava cogitando a possibilidade
de me deixar ter Victoria e meu coração passou a bater
descompassadamente. Os segundos que se seguiram foram os mais tensos da
minha vida e Turner parecia travar uma luta interna difícil, mas eu aguentei
firme. Finalmente, ele se aproximou de mim e com um suspiro, me deu a sua
resposta:
— Tudo bem, Mackenzie. Você venceu. Acho que temos um acordo.
Abri a boca, um pouco chocada. Eu achei que seria mais difícil
convencê-lo, mais complicado, haveria uma discussão maior. Mas simples
assim, eu estava noiva e teria uma filha. E olha a ironia, com Daniel, de
todas as pessoas do mundo.
Agora não tinha mais volta.
— Certo.
Ficamos nos olhando de forma desconfortável, talvez incertos de como
agir a partir daqui.
— Eu vou dar entrada na papelada para o casamento. Semana que vem
vamos anunciar o noivado e logo após eu conseguir a guarda definitiva de
Victoria, entraremos com o processo de adoção oficial por sua parte. Não
será complicado, já que você será minha… Minha esposa. — Seu tom era
baixo e rouco. Ele estava perto, tão perto que eu tinha que levantar minha
cabeça para olhá-lo nos olhos.
— Tudo bem. — Respondi em um sussurro.
— E eu preciso que se mude o quanto antes para o meu apartamento.
— Mas… Já? — Perguntei em um assalto de ansiedade, alarmada.
— O mais rápido possível. Não podemos perder tempo, Mackenzie.
Luke Ford quer Victoria e vai procurar qualquer falha em mim para
conseguir vencer. Precisaremos parecer uma unidade.
Essa versão de Daniel ainda me deixava desconcertada. Mas então, a
realização do que estava prestes a acontecer me bateu com força. Afastei
dois passos e me virei para a janela. Eu teria que mudar de casa, de vida,
tudo. Então, olhei para a boneca no sofá, pensei na linda garotinha e me
tranquilizei.
Ela teria toda a minha dedicação.
Eu teria alguém.
Foi o suficiente para que me sentisse segura novamente.
CAPÍTULO 10

Ashley Turner

Era oficialmente o meu primeiro dia na casa de Daniel. Casa que seria
minha por um ano e eu estava com Melissa montando meu novo quarto. Meu
apartamento era grande, mas a cobertura de Daniel era outro nível de
grandeza. Ele estava todo o tempo estranhamente pensativo, embora
tenhamos passado um recorde de tempo juntos sem brigar; ele me ajudou
com a mudança e estava sendo educado e prestativo. Eu não sabia como agir
com esse Daniel, mas teria que aprender. Embora tivéssemos declarado uma
trégua, ainda não estávamos confortáveis um com o outro.
Prova disso foi ele terminar de trazer minhas coisas para sua casa e ter
saído com uma desculpa qualquer, como se não soubesse como agir comigo.
Como se me evitasse.
— Você vai se casar com o meu pai, Ash? Então você vai ser uma
princesa também!
Eu sorri para Victoria. Falar com ela era a parte mais fácil de todo o
processo. Ela me aceitou muito bem e estava em êxtase por morarmos juntas.
Eu beijei sua bochecha. Melissa se aproximou.
— Milla e Natalie estão malucas com a festa de noivado. Papai e
mamãe estão chegando amanhã.
— Acho um exagero dar uma festa. — Eu me sentia péssima por mentir
para Ivana e Patrick, que sempre foram maravilhosos comigo, mas eu tinha
que concordar que quanto menos pessoas soubessem sobre a natureza do meu
casamento mais seguro seria.
— Mamãe espera por esse momento há anos e Milla adora festas.
Relaxa, curta seu noivado.
A recepção do noivado, que deveria ser apenas um anúncio, acabou
virando um evento. Um evento grande demais. Graças às minhas amigas,
claro. Depois de nós três arrumarmos o meu novo quarto na casa de Daniel,
fizemos um lanche e logo, Victoria caiu no sono. A colocamos em seu quarto
de unicórnio e voltamos para a sala. Melissa abriu um vinho e passamos a
beber um pouco.
— Eu vou voltar para Nova Iorque logo depois do seu noivado. Agora
que as coisas estão se alinhando, voltarei para minha vida.
Ela não pareceu muito animada com a perspectiva.
— Porque parece que você não está feliz?
— Eu só vou cumprir mais esse contrato e então darei um novo rumo à
minha vida.
— Você é muito corajosa.
Ela suspirou preguiçosamente.
— Eu tenho mais dinheiro do que poderia gastar em uma vida. Durante
meus anos eu fiz alguns investimentos e quero ficar mais perto da minha
família. Chega de perder tantas datas comemorativas, momentos que valem
mais que qualquer coisa... Eu quero ver a Victoria crescer.
— Se eu tivesse uma família assim, provavelmente pensaria como
você. — Disse nostálgica, certamente por causa do álcool. Minha
declaração chamou a atenção de Melissa e ela segurou minha mão.
— Agora você tem.
Desviei meus olhos, que agora queimavam.
— Não é permanente, Melissa.
— Quem poderá dizer? Um ano é muito tempo…
Comecei a rir.
— Não comece, a situação já é estranha o suficiente.
— Eu vou voltar para seu casamento. Agora, vamos nos deitar, pois
amanhã é sábado e o seu segundo grande dia.

Forcei um sorriso, quando o que eu realmente queria era vomitar de


ansiedade. Ainda era estranho e era difícil me adaptar. Era meia-noite
quando finalmente nos recolhemos e meu último pensamento, antes do sono
me levar, foi que Daniel ainda não tinha voltado.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

O dia foi uma loucura, da hora que acordei até o momento atual. Victoria
tinha ido passar o dia com Nate e Daniel e eu fiquei com dois amigos de
Melissa, que estavam decididos a me deixar irreconhecível. Eles eram
demais.
— Victoria vai se arrumar na casa de Milla?
— Sim, será mais fácil, já que a festa vai ser lá.
Confesso que foi divertido. Era meu segundo dia na cobertura de
Daniel e eu particularmente ainda não me sentia à vontade. O fato de ter
Melissa e outras pessoas, e eu ter visto Daniel apenas no café da manhã,
ajudou.
— Um jornalista amigo meu estará presente. Ele irá publicar uma nota
sobre o noivado, tudo o que precisamos.
Fiquei ainda mais nervosa, mas evitei sofrer com antecedência. As
coisas aconteceriam e eu me preocuparia quando elas acontecessem. Duas
horas depois, os amigos de Melissa tinham ido e eu olhava minha aparência
refletida no espelho. O vestido champanhe tinha um corpete em renda com
algumas flores rosas espalhadas. A alça era trabalhada em renda e o decote
acentuado. Na cintura ele se soltava em ondas de seda, dando um aspecto
angelical e sedutor ao mesmo tempo. Meu cabelo estava ondulado, caindo
em cascatas negras em minhas costas, dando um ar sofisticado. Minha
maquiagem era em tons claros, estilo romântica. E novamente, a ironia sorriu
para mim, porque a situação era tudo, menos romântica. Minha pele muito
pálida se destacava pelos olhos e cabelos escuros. Eu sabia que não era um
padrão de beleza, mas também não era um desastre.
— Você está espetacular! — Melissa disse atrás de mim, dando alguns
pulinhos.
— Eu estou bem. — Respondi, tentando soar animada, embora tenha
falhado miseravelmente. Meu estômago estava castigado. Eu precisava me
acalmar.
Foi nesse momento que dois toques soaram na porta e combinaram com
os saltos do meu coração, principalmente quando Melissa gritou um “entra”.
Daniel apareceu na porta, vestindo um smoking e parecendo ainda mais lindo
do que já era. Ele olhou para mim rapidamente e então para a irmã… e
então, ainda mais rapidamente, voltou os olhos para mim. Sua boca estava
um pouco aberta. Como em câmera lenta, observei-o fechar a boca e engolir
em seco. Eu o observava pelo espelho e então, encorajada por sua reação,
me virei, fazendo a fenda do vestido desnudar minha perna direita. Não
perdi o detalhe de que os olhos dele acompanharam a fenda descaradamente.
Ao perceber que eu vi seu momento de apreciação, Daniel colocou a
máscara cínica em seu rosto e sorriu.
— Está quase bonita, Mackenzie. — A voz não saiu tão cínica quanto a
expressão e eu segurei um sorriso.
— E você, só nascendo de novo para ser minimamente apresentável.
— Foi a vez dele sorrir. Algo esquentou em meu baixo ventre e eu quase
achei Daniel divertido.
— Vou tirar uma foto de vocês e postar no Instagram.
E como por magia, a resignação e o incômodo se apossou de nós dois.
Desajeitadamente, Daniel veio ao meu lado. Havia uma distância
considerável entre nós e eu nunca, jamais, seria a pessoa que cortaria ela.
— Se aproximem mais. — Melissa pediu.
Daniel, muito sem jeito, se aproximou e me senti em um daqueles
retratos de casais dos anos 50. Eu sabia que era ridículo. Melissa pediu mais
algumas vezes para que ficássemos mais próximos, até parar e nos encarar
com um semblante indecifrável. O incômodo ficou pior, me deixando ainda
mais nervosa. Porque eu estava quase gritando histericamente que não
conseguiríamos.
— Isso não vai funcionar. — Melissa deu voz ao que eu pensava.
— O que? — Perguntei, embora soubesse exatamente o que ela estava
dizendo.
— Vocês estão indo para o noivado de vocês, não para um enterro.
Precisam parecer apaixonados ou não vão convencer nem Victória de que
vão se casar porque se gostam. Se chegarem à festa assim, todos vão
perceber. Se esforcem mais.
Senti meu rosto arder e não me atrevi a olhar no rosto de Daniel. Senti
que ele puxou uma respiração profunda, porém, nenhum de nós disse uma
palavra por um tempo. Até Daniel quebrar o silêncio.
— Melissa, deixe-nos a sós.
Meu coração começou a acelerar. Queria ceder à infantilidade e pedir
para que Melissa permanecesse na sala, mas não consegui me mexer. Meu
coração estava batendo tão forte que eu tinha a sensação de que todos no
condomínio poderiam escutar. Era absurdo que eu ficasse afetada com a
possibilidade de ficar sozinha com ele, pelo amor de Deus, eu era uma
mulher adulta e independente.
Assim que a porta se fechou, Daniel me pegou pelos braços e me girou
para sua frente. O susto me fez arfar, só então me dando conta de que sua
mão estava em minhas costas e a outra em minha nuca, segurando um pouco
do cabelo. E então, sua boca desceu na minha.
Simples assim.
Daniel não foi delicado ou mesmo cuidadoso. Ele parecia estar com
fome, e como se um espírito poderoso do mal se apossasse de mim, eu o
devorei de volta, segurando seu smoking e respirando seu cheiro masculino,
ficando a cada segundo mais insana.
Algo se fundiu naquele momento, como se a comoção que acontecia
dentro de mim tomasse vida para o exterior também. Ele me empurrou com
força até a parede mais próxima, ainda me beijando, mordiscando meus
lábios. Suas mãos desceram até a fenda do vestido e me levantou do chão
pelas pernas, colocando-me à sua altura, sem deixar de me beijar. Sua língua
invadiu a minha boca e eu apertei o cabelo sedoso de sua nuca. Eu sabia que
precisava respirar e que o ar era necessário, mas continuei aquela doce
tortura, fundindo nossas bocas. Não havia espaço para mais nada, nem
mesmo ar, até sentir que pontos pretos nublavam minha mente. Daniel se
afastou e respirou com dificuldade e eu também, além de extremamente
confusa.
Após alguns segundos, Daniel calmamente me deslizou até o chão.
Criando coragem, olhei para o seu rosto e ele já ostentava a mesma cara
cínica que eu odiava. Eu estava uma bagunça e ele estava tão… Normal.
Com um olhar mortal, confusa e com raiva dele e de mim, por reagir
como uma louca ao seu beijo, eu me afastei e ajeitei o meu vestido, me
mantendo de costas. Daniel foi até o banheiro e lavou o rosto sem dizer uma
única palavra. Eu ainda estava com dificuldade para entender o que diabos
tinha acabado de acontecer, mas Daniel já estava indo para a porta. Antes de
sair, ele parou e olhou para mim.
— Mackenzie, seu batom está borrado.

Eu odiava Daniel Turner.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

A festa estava linda, porém o que era para ser íntimo e pessoal tinha
virado um grande evento. Havia o pessoal do escritório de Daniel, o pessoal
do Chicago Winters, e assim que entramos, a primeira a me abraçar foi Ivana
Turner. Daniel tinha uma mão em volta da minha cintura e eu nem queria
pensar sobre o quanto o toque me deixava confortável.
— Minha querida. — Ela me abraçou e eu me senti mal pela sua
emoção genuína. Ela se afastou e olhou para Daniel. — Eu sempre
desconfiei que aquelas implicâncias fossem amor.
Gelei dos pés à cabeça, mas Daniel não pareceu nem um pouco
afetado.
— O que eu posso dizer? Algumas pessoas têm uma maneira única de
demonstrar interesse. Eu e Mackenzie demonstramos brigando. — Daniel
disse e eu olhei sua expressão perfeitamente afável. Eu gostaria de ser uma
atriz melhor, mas como era péssima, apenas concordei com um sorriso
nervoso.
— Concordo com você, sogrinha. — Nate se aproximou, com Victoria
nos braços. — Aquelas brigas eram apenas preliminares.
Ivana socou Nate de brincadeira e logo soltou uma risadinha e eu senti
meu rosto queimar. Patrick acompanhou a risada e eu queria matar Nate.
Então, meu futuro sogro me abraçou e me sussurrou um “bem-vinda
oficialmente à família”, que mexeu com algo dentro de mim.
Tantas pessoas vieram nos cumprimentar. Algumas eu já conhecia, mas
muitas eu estava encontrando pela primeira vez e logo, minha mente estava
girando. Em um momento de tranquilidade, fui para a sacada, precisando de
ar. O ar gelado de Chicago encheu os meus pulmões e eu fechei os olhos.
Mais uma vez, a insegurança me tomou. O beijo que troquei com
Daniel me deixou confusa, mas ao mesmo tempo, o toque dele em mim me
ajudou a ficar mais tranquila durante a noite. Foi estranho no início, mas
logo me acostumei a isso. Contudo, agora, longe de todos, eu me perguntava
se estava fazendo o que era certo. Um puxão em meu vestido me fez olhar
para baixo, onde Victoria me chamava a atenção.
— Ashley, você está triste? — Ela me perguntou e só então percebi
algumas lágrimas deslizando em meu rosto. Limpei rapidamente e abri um
sorriso.
— Não, meu amor. Eu só estou pensando.
— Eu estou feliz que agora você vai morar comigo e com o papai. Eu
vou poder te chamar de mãe?
Mais lágrimas insistiram em rolar dos meus olhos.
— Claro que sim.
— Então, eu vou ter um papai e uma mamãe. Um papai príncipe e uma
mamãe Princesa da Disney.
Eu a levantei nos braços e a apertei, as dúvidas indo embora como se
nunca tivessem existido. Porque mesmo que no fim não me sobrasse nada, eu
ainda teria Victoria. E tê-la se mostrava motivo suficiente para eu nunca me
arrepender dessa decisão.
CAPÍTULO 11

Daniel Turner

Eu nunca tive dificuldade em mentir, então o sentimento de quase culpa


dentro de mim era no mínimo estranho. Eu gostaria de contar para meus pais
que o casamento era apenas um acordo, porém, minha mãe ficaria muito
decepcionada. Foi por isso que resolvi dar a ela um motivo para ficar feliz,
não contando a natureza do meu relacionamento com Ashley. Todavia, a
felicidade dela estava começando a me deixar com um leve incômodo.
— Você arrumou uma candidata a esposa em tempo recorde. — Eric
Jhonson afirmou ao meu lado, enquanto eu passava os olhos pela sala de
Nate a procura de Ashley, que tinha sumido.
— Era necessário.
— É uma bela mulher. Sem antecedentes, tem um emprego estável, é
próxima à sua família e, pelo que vejo, gosta de sua filha. — Olhei para a
direção de seu olhar, na sacada e Ashley estava entrando novamente na sala,
carregando Victoria. Em um momento ela colocou Victoria no chão, abaixou-
se e beijou-lhe o rosto, disse algo que fez minha filha sorrir e então, Victoria
correu para onde estavam meus pais. — E você ainda vai conseguir uma nota
no jornal, é uma ótima sacada. Ela é perfeita para nosso propósito.
— Agradeça a Natalie — Falei, enquanto terminava minha bebida, sem
desviar os olhos de Ashley, que olhava pelo ambiente com um sorriso
congelado no rosto, enquanto as pessoas a cumprimentavam. — Ela me
cobrou um alto preço.
— Imagino que dinheiro não seja um problema para você. — Eu olhei
para o meu amigo e mentor.
— Ela vai adotar Victoria.
Isso me olhou com uma expressão alerta. Então ele se recompôs.
— Você não aceitou essa loucura. — Meu olhar foi sua única resposta
— Você aceitou.
— Como você disse, ela é perfeita.
Eu gostaria de poder dizer que Ashley era perfeita apenas para a
situação atípica que eu estava vivenciando. Perfeita por ser boa e confiável,
apesar dos pesares. Mas agora eu também sabia que por trás daquela
imagem de tranquilidade, e até mesmo um pouco sem graça, havia paixão.
Sua boca poderia fazer muito melhor do que cuspir palavras venenosas em
minha direção: poderia me arrebatar em um beijo, me fazendo quase perder
o controle.
Olhei mais uma vez para ela, que agora me encarava de volta. Ela
levantou o copo em minha direção e se virou, indo em direção a Natalie e
Milla. Era pura ironia. O diferente foi que meu coração estava acelerado e o
sentimento queimando dentro de mim, não era de raiva como sempre
acontecia. Era um tipo diferente de queimação. Era desejo e eu odiei Ashley
um pouco mais por me fazer desejá-la. E também achei insano e sem sentido
um desejo dessa magnitude crescer em mim depois de anos não suportando
qualquer proximidade com ela.
— Tome cuidado. Tem certeza de que ela não irá usar isso contra você
futuramente? Uma filha juntos é um laço eterno, Daniel. Ela pode querer
arrancar dinheiro de você, terá direito de opinião no futuro da sua filha e até
mesmo quanto ao dinheiro. Ela é confiável a esse ponto? Ela pode usar
dessa situação até mesmo para tentar te prender, definitivamente.
Se fosse qualquer outra pessoa no universo, eu poderia cogitar essa
possibilidade, mas estávamos falando da mulher que criticava e julgava tudo
o que eu fazia. A mulher que já tinha deixado claro em mais de uma ocasião
que eu nunca fui e nunca seria uma opção para ela e talvez Ashley fosse a
única que já tenha dito algo dessa natureza para mim. E eu conhecia a
história de Ashley, sabia que ela estava vendo em Victoria a possibilidade
de ter alguém na própria vida, já que era tão sozinha.
Eu sabia, tinha uma certeza quase viva dentro de mim de que não me
arrependeria. Para um homem pragmático e objetivo como eu, poderia ser
loucura, mas era o que era. Victoria precisaria de um modelo de mãe e
Ashley precisava da certeza de que, com o fim desse contrato, não perderia
ninguém. Ela seria uma ótima mãe, independente do casamento.
— Ashley Mackenzie será uma boa mãe para Victoria, mesmo depois
do divórcio.
Eric suspirou.
— Espero que você saiba o que está fazendo.
Apenas assenti.

Eu também esperava isso.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Assim que chegamos à minha cobertura Ashley resmungou uma


desculpa e foi para o seu quarto. Estávamos somente eu e ela, o restante da
minha família ficou com Nate e Milla, inclusive Victoria, para que nos
dessem certa privacidade. O que seria totalmente aceitável, caso o
relacionamento fosse real.
Ashley estava me evitando. Mal olhou em minha direção no caminho
de volta e eu também não me preocupei em quebrar o clima, mas eu sabia
que deveríamos conversar sobre essas questões, até então despercebidas.
Foi por isso que após trocar minha roupa por um pijama, bati em sua porta.
Depois de alguns segundos, ela abriu a porta, seu cabelo solto, sem
maquiagem e uma camisola branca de cetim e alças. Uma mistura de
angelical, sedutora e confortável. Desviei os olhos rapidamente das curvas
suaves de seu corpo e olhei em seus olhos.
— Podemos conversar?
Seus olhos não encontraram os meus, mas ela se afastou da porta para
me ceder passagem.
— Claro. Entre.
Mesmo com algumas caixas no canto do quarto, ele já tinha uma
identidade própria, a identidade de Ashley e seu perfume adocicado já
banhava o ar. E eu não deveria estar prestando atenção nesses detalhes.
Entrei e me sentei em uma cadeira próxima à escrivaninha em um canto, onde
alguns livros de anatomia estavam espalhados. Olhei para Ashley, que agora
se sentava na ponta da cama, de frente para mim, havendo uma distância
considerável entre nós dois.
— Sobre o que quer falar? — Ela queria soar indiferente, mas notei
um leve tremor em sua voz. Eu tinha ido ao quarto de Ashley para me
desculpar pelo beijo, para que esse clima estranho entre nós se evaporasse,
já que tínhamos um longo caminho até que tudo se resolvesse; eu precisava
que ela confiasse em mim e não me evitasse. Mas vê-la em minha frente, tão
tentadoramente irresistível, sua pele, seu cabelo, seu perfume, fez o desejo
que eu estava guardando culminar em chamas. Lentamente, me aproximei
com a cadeira giratória e vi quando seus olhos se expandiram. Era o meu
corpo agindo em vontade própria. Uma respiração profunda foi puxada e eu
me deliciei internamente em saber que não era o único afetado.
— Nosso casamento será em algumas semanas. — Falei com a voz
rouca, nunca desviando meus olhos dos dela. Eu tinha que parar de dar vazão
a isso, eu sabia que nada de bom poderia vir desse tipo de relacionamento
com Ashley, mas eu já não pensava racionalmente.
— Eu sei. — Ela respondeu em um sussurro que me fez imaginar mil
situações em que ela usaria esse tom. Comigo.
— Embora seja um relacionamento falso, as pessoas não sabem que é
falso. — Eu falei novamente, me aproximando alguns centímetros. Ela não se
afastou, estava congelada.
— Eu também estou ciente desse fato.
Minha mão foi em direção ao seu braço exposto, do cotovelo à
clavícula, como se tivesse vontade própria, deixando um rastro de arrepio
em sua pele leitosa. Minha mão parecia imensa em seu pescoço e as visões
de minha mão em outras partes do seu corpo apertado nublaram minha mente.
Parece que tínhamos um impasse aqui: apesar de todas as nossas diferenças,
havia desejo de ambos os lados.
Era emocionante e era uma merda.
— Então você precisa estar familiarizada com meu toque, Ashley.
Ela fechou os olhos por quase dois segundos e então os abriu.
Novamente eu a chamei pelo primeiro nome. Sempre foi Turner e Mackenzie
entre nós, talvez porque eu soubesse que chamá-la de Mackenzie a irritava.
Ela parecia buscar por algum controle e devia ter encontrado, pois se
levantou em um rompante, se afastou alguns passos em direção a janela e deu
uma risada sem graça.
— E por isso que você resolveu enlouquecer e me beijar daquele
jeito? — Perguntou, petulante.
Uma onda de cinismo e sarcasmo me tomou e eu sorri para o seu
discurso injusto. Ela também me beijou, porra.
— Você não pareceu se importar. Aliás, me lembro de você ser muito
participativa.
Ela se virou em minha direção com o rosto em chamas. Sua boca era
uma linha apertada e irritada e ver meu sorriso a deixou ainda mais nervosa.
Ashley aproximou até onde eu estava, com o dedo em riste e eu virei a
cadeira giratória em sua direção, confiante e ainda ostentando meu sorriso.
— Você não sabe o que está falando. Me pegou de surpresa e eu não
estava pensando dir…
Eu não a deixei terminar, mais irritado do que deveria com a sua
negação. Sem pensar nas consequências eu me levantei, e, segurando sua
mão atrevida, a girei para que ficasse com as costas em meu peito, seus
braços presos.
— Sim, Mackenzie, você me odeia, eu sei disso. — Falei em seu
ouvido, inalando o cheiro do seu cabelo, ficando cada vez mais duro. —
Mas também sei que você me deseja, mesmo que odeie admitir. Vamos ser
justos e adultos aqui.
Ela se contorceu, tentando sair do meu aperto, mas parou quando sentiu
meu pau em sua bunda. Eu coloquei meu rosto na curva do seu pescoço,
esquecendo totalmente o meu discurso. Pela segunda vez, eu não sabia o que
dizer a Ashley. Não resistindo, eu dei um leve beijo ali. Ela estremeceu e
soltou um gemido, que me trouxe para a realidade. Era errado, eu não tinha
ido ali para nada daquilo e ainda assim, tonto e desconcertado, me vi lutando
contra a razão, contra a necessidade de continuar ali — E a porra do
problema é que eu te desejo também.
Soltei seu corpo e saí do quarto sem olhar para trás, com o coração
aos saltos, a boca seca, a visão turva. Se eu ficasse, a jogaria em cima da
cama e a faria gritar comigo, mas dessa vez de prazer e não de raiva. Entrei
direto para um banho muito necessário, e enquanto a água escorria por meu
corpo, eu fechei os olhos.
Que merda eu estava pensando?
Eu fui lá para falar com Ashley, para tentar amenizar o clima entre nós
e o que eu fazia? Atacava minha noiva. Como uma besta selvagem. Eu nunca
perdia o controle com as mulheres, elas perdiam o controle comigo.
Eu precisava transar, mas o acordo com Ashley me impedia. Muito a
contragosto, passei a acariciar meu pau, imaginando quando foi a última vez
que fiz algo parecido, não conseguindo me lembrar. Talvez com quinze,
dezesseis anos. Eu odiava Mackenzie, mas foi a visão dela nua em meus
lençóis, me olhando com aqueles olhos escuros e gemendo meu nome
enquanto eu estava entre as suas pernas, que me fez gozar como um louco.
Eu odiava Mackenzie por me reduzir a isso.
E mesmo assim, eu queria transar com ela.
CAPÍTULO 12

Ashley Mackenzie

Duas semanas haviam se passado desde o noivado. Faltava uma


semana para o casamento e nós tínhamos caído em uma rotina. De manhã eu
deixava Victoria na escola e ia para a arena. À tarde eu ficava em casa com
Victoria e Daniel assumia os cuidados com quando chegava do escritório.
Nós não voltamos a falar sobre a sua visita ao meu quarto no dia do
noivado ou mesmo sobre o beijo que trocamos. No dia seguinte, Daniel
acordou educadamente distante e eu não seria a pessoa a abordar o assunto.
Inicialmente, fiquei grata por sua indiferença, mas depois de alguns dias,
fiquei levemente decepcionada. Eu queria que ele voltasse a me confrontar?
Era melhor deixar as coisas como estavam.
O casamento seria apenas no civil e depois um jantar com a família em
um restaurante. Dessa vez, eu assumi as rédeas da situação e deixei claro
que não queria evento algum. Primeiro porque quando eu me casasse de
verdade, aí sim faria questão do vestido, festa e declarações de amor.
Agora… Não via sentido. Seria mexer em uma ferida que eu nem sabia que
tinha.
Ethan não pode comparecer à nossa sessão de fisioterapia, então,
resolvi deixar mais cedo alguns documentos no escritório de Daniel para o
casamento. Eu nunca tinha ido ao escritório e tentei manter o semblante mais
tranquilo possível, imaginando que não deveria ser um grande negócio
aparecer em seu trabalho. Estávamos nos comportando como adultos
razoáveis e tentei não pirar com a possibilidade de ele não gostar de me ver
ali.
Assim que cheguei ao seu escritório, a primeira coisa que percebi foi
que Daniel estava bem. Ele tinha conseguido se tornar um dos melhores em
sua área, algo que Milla sempre comentou e secretamente, eu fiquei muito
feliz pelas conquistas dele.
Após as orientações, segui até sua sala. Na mesa em frente à porta, vi
uma ruiva de olhos azuis sentada, usando uma saia muito curta para um
trabalho. A boca dela parecia uma flor desabrochando, vermelha como seu
cabelo. Ela era grande nos lugares certos e eu me senti intimidada por sua
beleza. Assim que me aproximei, ela me olhou com um pouco de
condescendência, que logo desapareceu.
— Pois não?
Seu tom era profissional, mas seu olhar era superior e eu não iria
permitir que me intimidasse, então respondi em um tom cordial, porém
firme:
— Eu gostaria de falar com Daniel.
Ela me olhou por mais tempo do que seria confortável.
— Ele está ocupado. E vai demorar.
Eu queria discutir com ela infantilmente, afinal, para todos os efeitos,
ele era meu noivo. Eu deveria dizer isso a ela? Por algum motivo, sentia uma
vontade louca de dizer a ela quem eu era. Com dificuldade, contive meu
temperamento, que se acendia sempre que eu falava sobre ou com Daniel, e
relevei sua arrogância.
— Certo. Então eu vou deixar esses documentos com você, poderia
entregá-lo por fav…
Foi quando escutei uma voz estrondosa. Um rugido quase animal e em
seguida, a voz de Daniel ressoou mais tranquila ao fundo. A secretária pouco
simpática, eu e todos que estavam nas repartições próximas, olhamos
assustados em direção à porta.
— Estou disposto a te dar muito dinheiro, Daniel! Você está sendo
estúpido! Acha que não sei que você adora sua vida de solteiro? Eu te
investiguei! Aceite a minha oferta e vá viver a sua vida.
— Se eu fosse fazer alguma festa, te mandaria o convite, Ford.
Daniel usava um tom cínico, que eu sabia em primeira mão como era
irritante, mas pela primeira vez, eu estava torcendo por ele. Porque eu sabia
quem era esse Ford.
— Vai brincar de casinha?! Até quando?!
— Minha filha não tem preço, agora é melhor aceitar a sua derrota de
uma vez por todas, pois não venderei a minha filha!
A voz de Daniel soou firme e definitiva. Um silêncio tenso e gelado se
apoderou, de forma que conseguimos senti-lo de onde estávamos.
— Você vai se arrepender de ter ficado em meu caminho!
— Boa viagem de volta, Ford.
Ouvimos alguns passos e a porta se abriu. Um homem mais baixo que
Daniel, com cabelos claros e olhos escuros saiu do escritório. Ele estava
muito furioso, mas assim que bateu os olhos em mim, uma espécie de choque
o tomou. Ele desacelerou os passos até parar em minha frente, uma
expressão aterrorizada.
— Ashley Mackenzie, presumo?
— Desculpe, nós nos conhecemos? — Perguntei. Eu sabia quem ele
era, mas não daria essa satisfação a ele. Seus olhos brilharam
maliciosamente e algo estranho e medonho passou por sua expressão. Era
como se ele se desse conta de algo que eu não sabia e eu senti um arrepio em
minha espinha.
— Que erro da minha parte. Luke Ford. — Ele estendeu a mão, uma
expressão suave demais no rosto, nada parecida com a de alguns segundos
atrás. Olhei para a mão estendida, incerta, e assim que eu fiz menção de
segurá-la, senti os braços de Daniel vir ao meu redor, segurando minha mão
na dele.
— Luke Ford já estava de saída, querida.
Os olhos dele foram para Daniel e um ódio mortal passou ali. Tão
intenso que eu estremeci com a sensação ruim que tomou conta de mim. Meu
estômago se apertou em angústia, pois eu vi em seu olhar que ele seria capaz
de qualquer coisa para conseguir o que queria. E pela forma como Ford
olhava para Daniel, parecia querer se livrar dele de qualquer forma.
Involuntariamente eu apertei as mãos de Daniel até que o homem se
afastasse e eu escutasse o elevador dando sinal de descida. Olhei para trás e
finalmente puxei uma respiração profunda.
— Mariah, cancele a reunião das 10h00, por favor. — A voz de Daniel
foi taxativa e firme.
— Mas, senhor Turner, j…
— Cancele, Mariah. Eu preciso conversar com a minha noiva.
Os olhos de Mariah saltaram e sua boca ficou aberta. Confesso que
também fiquei surpresa com a forma incisiva que ele utilizou a palavra noiva
e confesso que me deu certa satisfação também. Entramos em sua sala e eu
me sentei no sofá, mesmo sem um convite direto.
— Você quer água, alguma coisa…? — Daniel perguntou enquanto ia
em direção à sua cadeira.
— Era o tio de Victoria? — Perguntei sem rodeios, ignorando sua
pergunta anterior. Daniel suspirou.
— Sim, ele veio me ameaçar. Sabe que com o nosso casamento, não
haverá qualquer argumento válido para que Victoria não fique
definitivamente conosco.
— Ele não vai aceitar isso facilmente. — Não foi uma pergunta.
— Infelizmente para ele, o fato de aceitar ou não, não fará diferença. É
uma questão de formalidade, Ash. Victoria é nossa.
Ele estava tão arrogantemente seguro que, por um instante, eu não me
dei conta de que ele usou meu apelido. Ele pareceu notar, desviando os
olhos em direção à janela. Ainda era estranho que eu e Daniel estivéssemos
do mesmo lado nesse embate, que fossemos aliados. Me lembrei da forma
como ele me segurou na frente de Luke Ford e de como parecemos um time.
— Bom, eu vim trazer esses documentos. — Falei, mudando de assunto
e com sorte, a direção dos meus pensamentos.
— Claro, pode deixar aqui.
Eu me aproximei e deixei a pasta em sua frente e ele me entregou um
papel.
— Esse é o nosso contrato de casamento. Dê uma olhada, caso tenha
alguma objeção. Tenho certeza que você dirá, caso a tenha.
Meus olhos foram do contrato para seu rosto estupidamente lindo, já
com uma resposta na ponta da língua e então percebi que ele sorria. Revirei
os olhos pela provocação aberta e voltei ao contrato.
Me sentei na sua frente enquanto lia, embora estivesse muito certa de
que me olhava todo o tempo. Depois de um tempo, comecei a ficar
autoconsciente demais e já não me concentrava nas palavras que lia. Sem
tirar os olhos do contrato, acabei deixando escapar.
— Dá para parar de encarar, por favor?!
— Estou bem assim, obrigado.
Com um suspiro irritado, levantei os olhos para Daniel. Ele estava
inclinado para trás na cadeira, seu cabelo na testa, dando-lhe um ar
desarrumado. Parecia um anjo caído. Oh meu Deus, o que estava
acontecendo comigo? De repente, um calor começou a tomar conta dos meus
ossos, mesmo que estivéssemos em pleno inverno. Tive que convocar cada
grama de força necessária para conter o impulso de pular em Daniel e tirar
aquela expressão cínica dele com um beijo.
Me levantei de súbito.
— Vou ler com calma em casa. Passar bem.
Daniel não respondeu, apenas deu um sorriso idiota. Um sorriso que
parecia dizer que sabia exatamente o que estava passando em minha mente.
Eu odiei Daniel Turner um pouco mais por isso.
Durante todo o caminho até em casa, eu fui enumerando todas as razões
pelas quais seria uma péssima ideia dar vazão à minha atração por Daniel
Turner. Eu não era idiota, sabia que havia sim uma atração distorcida entre
nós dois. Poderia ser pela convivência, até mesmo pela minha repulsa por
sua personalidade, mas havia uma atração. Uma parte mais crua queria jogá-
lo na cama e consumir cada pedaço gostoso dele. Era assustador, um desejo
que eu nunca tinha experimentado com ninguém antes.
Contudo, Daniel não tinha compromissos. Não que eu quisesse um
compromisso com ele, apesar já termos um relacionamento falso. Mas, como
nome diz, é falso. Além disso, ele não fica muito tempo com a mesma
mulher. Eu já o ouvi falando com Nate sobre não ter tempo para cortejar ou
mimar mulher alguma e achei sua colocação ridícula. Então, caso eu ficasse
com ele, como faríamos depois? Daniel não teria como se livrar de mim na
manhã seguinte e ficaria apenas constrangimento.
Tinha o fato de que eu não tinha relacionamentos casuais, ia contra a
minha crença em comprometimento e responsabilidade. E vamos considerar
que é no mínimo estranho ter sexo casual com seu falso marido. Mesmo que
estivesse um pouco desiludida com os homens, eu ainda sonhava encontrar o
Senhor Certo, aquele que vai fazer da minha felicidade uma prioridade para
ele. Foi quase impossível não sorrir com o pensamento. Eu acharia a pessoa
certa, mesmo que agora fosse demorar um pouco mais.
CAPÍTULO 13

Daniel Turner

O casamento civil aconteceu em um fim de tarde, com a presença de


meus pais, minhas irmãs, Nate, Natalie e meu sócio, Eric. E claro, Victoria.
Eu, que nunca tinha imaginado ou sequer considerado me casar, estava diante
de um juiz de paz, declarando votos de amor, proteção e fidelidade, até o fim
dos meus dias. Eu, a pessoa mais improvável do mundo.
Ashley, que sempre foi bonita, ainda que um pouco sem graça, não
tinha nada de sem graça hoje. Ela usava um vestido branco e solto, na altura
da panturrilha. Os cabelos negros estavam soltos e um pouco selvagens, e na
lateral orelha esquerda havia uma flor branca. A flor que Victoria colocou
em seu cabelo antes de sairmos de casa.
Tinha quase um mês que estávamos morando na mesma casa e
conseguimos construir uma rotina em que ficávamos a maior parte do tempo
fora do caminho um do outro. Era estranho dividir a casa com uma pessoa
que fugia de mim em cada oportunidade, mas eu não forcei. Certo dia,
levantei de madrugada e a encontrei dormindo no sofá. Eu queria bater minha
cabeça na parede por achá-la tentadora em seu sono, com short de pijama e
regata, então desisti de acordá-la para que fosse para o próprio quarto. Ela
acordaria com dor no pescoço, mas era o mínimo que merecia por me deixar
duro com a mera visão dela. Pelo menos já não estávamos mais brigando,
era difícil brigar quando não trocamos mais que três palavras durante o dia.
E se eu fosse sincero, sentia falta do rubor em seu rosto toda vez que eu a
tirava do sério.
Fomos declarados marido e mulher e quando fui beijá-la, eu não
consegui conter a vontade infantil de irritá-la, e arrancar alguma reação da
princesa de gelo em que ela estava se tornando. Ela me olhou em expectativa
e senti sua respiração falhar minimamente. Seus lábios estavam vermelhos e
eu me aproximei calmamente, sem nunca desviar os olhos dela. Quando suas
pálpebras começaram a se fechar, a brincadeira que eu pretendia fazer
custaria para mim também, percebi. Porque eu queria beijá-la, queria morder
sua boca inteligente, mas no último segundo, desviei dando um casto beijo
em sua testa.
Ela fechou os olhos com força. Quando os abriu, eu valentemente
segurei meu riso, vendo suas bochechas ficarem ruborizadas. Ela desviou as
esferas negras de mim e olhou para a família, recebendo os cumprimentos.
Minha mãe veio em nossa direção com olhos chorosos.
— Oh meu Deus, eu sabia que não iria embora dessa terra antes de ver
você sossegar, Daniel. E ainda com Ashley, que é como uma filha para mim.
— Vi o sorriso de Ashley quase vacilar, mas ela o manteve. — Estou muito
feliz!
Minha mãe tinha lágrimas não derramadas nos olhos e uma ponta de
remorso apertou meu peito. Contudo, olhei para Victoria que estava
animadamente entre minhas irmãs e Nate e me convenci de que estava
fazendo o certo. Todas as noite eu passava um tempo com ela, brincando,
conhecendo e me apaixonando por cada nova faceta da minha filha. Ela tinha
muito de mim e de minha família. E era por ela que eu tinha arrumado toda
essa confusão.
— Obrigada, Senhora Turner.
— Não se esqueça de que você também é uma Turner agora.
— É. Ent… — Ashley empalideceu, mas logo se recuperou com um
sorriso amarelo. — Claro, eu devo me acostumar com o tempo.
Eu quase ri de seu desespero, imaginando como ela diria meu nome
com desprezo já que agora era o nome dela também.
— Você agora é minha mãe, Ashley.
Ashley olhou para onde Victoria, em seu vestido de princesa que ela
tanto quisera, puxava a barra do vestido de noiva. Então, ela a levantou nos
braços, se soltando de mim e beijou Vic, que a abraçou.
— Sim, agora eu sou sua mamãe.
Eu não saberia dizer nesse momento, mas algo estrutural dentro de mim
tinha mudado de forma irreversível ao vê-las juntas. Um instinto que eu
nunca tinha sentido antes, de responsabilidade e dever. Eu tinha um dever de
vida com Victoria. E agora com Ashley, enquanto ela fosse minha esposa.
E foi também nesse exato momento que eu soube que tinha feito o
correto ao aceitar a proposta de Ashley. Quando meu casamento acabasse,
Victoria ainda teria uma mãe. Ela não perderia mais ninguém, o que era um
alívio quando eu pensava no sofrimento que isso pouparia à minha filha. Ela
é uma pessoa tão pequena, mas que já tinha perdido tanto.
Saindo do cartório, fomos jantar no Girl & The Goat. Em todo
momento, enquanto a conversa corria, eu segurei a mão de Ashley. Também
fiquei próximo a ela, sempre pensando que era o que um casal recém-casado
faria. Ela ficou um pouco tensa no início, mas logo passou a retribuir meus
sorrisos e gentilezas. Em todo o momento Melissa nos encarava com um
olhar enigmático. Eu queria dar-lhe o dedo do meio, mas não seria
apropriado. Não com meus pais e Victoria na mesa.
— Como a vida é engraçada. Quantas vezes vocês se viram, antes de
se envolverem? Quem diria que acabariam casados?
— Uma ironia da vida, não é mesmo? — Ashley falou com um tom
sarcástico demais e eu apertei sua mão, temeroso que alguém percebesse. —
Mas eu me rendi quando Daniel veio me dizer que na verdade, todo o tempo,
foi apaixonado por mim. Que tudo não passava de uma forma de chamar
minha atenção, visto que eu não o levava a sério.
Milla roncou alto e Melissa engasgou. Natalie apenas comprimiu os
lábios enquanto minha mãe ouvia, embevecida com a história fantasiosa de
Ashley. Senti meu maxilar contrair, mas forcei um sorriso.
— Querida, não seja exagerada. Eu só me aproximei de você porque
me senti encorajado. Você também estava apaixonada.
— Homens! — Ela deu um sorriso para minha mãe — Vocês
acreditariam… — Ela me olhou. — Espero que não se importe querido, mas
sua mãe precisa saber que por trás dessa aura cínica existe um romântico —
Segurei minha respiração sabendo que ela aprontaria alguma para mim. —
Ele chorou.
— Daniel chorou? — Meu pai perguntou, perplexo. Ele não estava
acreditando e nem deveria.
— Sim, chorou. Me pediu perdão por todas as vezes que me provocou,
disse que tudo era amor. Que ele nunca se envolveu a sério com ninguém
porque estava me esperando. — Todos olhavam para Ashley enquanto ela
fazia um suspense dramático. Eu a estrangularia. — Então ele se ajoelhou.
Uma onda de “Oh” ressoou em volta da mesa. Da minha mãe de puro
deleite. Do meu pai de surpresa. De Nate, Milla, Natalie e Melissa de pura
ironia. Eu iria matar Ashley.
— E então? — Minha mãe perguntou, para lá de emocionada.
— Ele disse que queria passar o resto da vida comigo. — Então
Ashley trouxe a mão para minha bochecha como se eu fosse uma criança. —
Disse que sempre sofreu por me ver em outros relacionamentos e se sentia
intimidado com o quanto eu era decidida e corajosa, não é meu bebê?
Eu não consegui responder. Não sabia como minha mãe estava
engolindo aquele teatro. Tirei a mão de Ashley do meu rosto e apertei um
pouco demais, enquanto a segurava na mesa. Ela soltou um uff exasperado,
mas logo ela voltou a sorrir.
— Filho, que orgulho!
Eu senti meu rosto queimar, mas me recusava a acreditar que estava
ruborizando. Infelizmente, pelos olhos sapecas de Ashley, acreditei que era
exatamente isso que estava acontecendo. E então, para reivindicar
completamente minha carteirinha de homem, ela deu o golpe final.
— Seu filho é um fofo. Um urso de pelúcia grande e fofo.
Quando seus olhos voltaram para mim, enquanto Nate rugia de rir junto
a Natalie e minhas irmãs, eu apenas semicerrei os olhos para Ashley. Não
havia nada de fofo em mim e se eu tivesse sorte, em breve ela saberia disso.
Como se lesse os meus pensamentos, o seu sorriso escorregou e ela olhou
para os outros.

Ela não me olhou mais em momento algum durante o jantar.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Ao fim, nos despedimos de todos, Victoria foi alegremente para a casa


de Nate e eu e Ashley fomos para o que supostamente seria a nossa noite de
núpcias. Esperavam que passássemos a noite em algum hotel chique, Nate
fez questão de pagar a melhor suíte de Chicago e não tivemos como negar. O
idiota fez isso na frente dos meus pais, mesmo sabendo que meu casamento
não era de verdade. Durante todo o percurso, Ashley se recolheu em seu
afastamento habitual e não trocamos palavras.
Assim que abri a porta da suíte, somente um pensamento me ocorreu:
Merda do caralho! Havia pétalas de rosas da porta, fazendo um caminho até
o quarto. Por alguma razão, fiquei tímido em frente a Ashley porque eu não
queria nem imaginar o tipo de pensamentos que estavam na mente dela após
esse show. Caminhei até o quarto, onde tinha uma banheira também
preparada, champanhe e morangos e na cama… mais pétalas de rosas.
Eu queria socar a cara de Nate Hoffman!
Criei coragem e olhei para Ashley, que estava tão pasma e
desconfortável quanto eu e novamente fiquei sem palavras. Eu esperava que
ela percebesse que eu não tinha nada a ver com essa merda romântica. Ela
limpou a garganta e foi em direção ao sofá:
— Espero que essa não seja mais uma tentativa sua de me levar para a
cama.
Uma onda de fúria se apossou de mim. Quanta soberba desta
insuportável. Eu andei até parar em frente a ela.
— Claro, seria o seu sonho. Depois da história fantasiosa que contou
aos meus pais, me ocorreu que era o que você esperava que acontecesse, —
Me aproximei de seu rosto e falei com quase desdém. — Anda sonhando
comigo, Mackenzie?
Ela não se abalou com a forma em que cresci diante dela.
— Claro que seu ego não suportaria perder e iria arrumar uma forma
de virar o jogo e alimentá-lo. Não percebeu que eu estava rindo de você?
Que você é uma piada para mim, que se não fosse esse arranjo, eu só
chegaria perto de você com uma vara de dois metros?
— Não foi isso que você deu a entender o dia que te beijei, Ash.
— Você nem beija tão bem assim.
Suas palavras me irritaram mais, porém eu dei um sorriso que a fez
ficar ainda mais furiosa. E linda. Merda, merda. Como se notasse quão perto
estávamos, ela deu um passo para trás. Eu sorri ainda mais, porque embora
estivesse decepcionado por ela se afastar, eu sabia que era por ela sentir o
mesmo que eu: desejo.
Apesar daquela língua ferina e personalidade insuportável, eu
desejava Ashley. Ela era bonita, ainda que não fosse o tipo de mulher com
quem eu costumava me envolver. Não tinha nada que a fizesse um padrão de
beleza, mas mesmo assim, era uma das mulheres mais lindas que já vi… Eu
andava sonhando com o dia em que eu enterraria o meu pau em sua entrada
apertada. Droga, eu só poderia estar louco, mas eu queria essa mulher.
Algo mudou no olhar de Ashley quando me afastei, com um sorriso
ainda maior, dando uma leve risada baixa, meu olhar dizendo o que eu
pensava: Você também me deseja, baby. Percebi seus olhos estreitando e
uma determinação tomar conta de toda a sua linguagem corporal.
E então, sem que eu esperasse, ela se aproximou, ainda furiosa, mas
com outro tipo de raiva. Ela parou em minha frente, segurou as lapelas do
meu terno, ficou na ponta dos pés e colou nossos lábios. Eu abri os olhos
diante do seu comportamento inesperado, perplexo, enquanto ela me soltava
e me olhava com um sorriso vitorioso.
— Eu odeio esse sorriso idiota que você ostenta. Essa cara de
paspalho combina mais c…
Eu não a deixei terminar. A levantei nos braços e beijei sua boca
venenosa e ferina, mais uma vez me dando conta do perigo de seu veneno,
que era doce, viciante.
E foi como uma explosão.
Eu já não conseguia pensar, apenas agir. Levantei Ashley e ela passou
as pernas em volta de mim. Correspondeu ao beijo tão enlouquecida quanto
eu, enquanto eu a levava para o quarto. Assim que me aproximei da cama,
joguei-a em cima das pétalas. Eu estava bravo e cheio de tesão.
Ela se sentou e se livrou do vestido, revelando apenas uma calcinha
branca minúscula. Fiquei salivando com a visão do seu corpo quase nu e em
como sua pele pálida se destacava entre as pétalas vermelhas. Ashley era a
realização de um sonho que eu não sabia que tinha.
Comecei a me livrar da camisa, gravata, calça e sapatos de forma
frenética, ficando apenas de boxer. Ashley veio em minha direção e deu um
tapa em minha mão quando fiz menção de tirar até mesmo isso. Ela então me
olhou como se eu fosse um picolé gigante que ela queria lamber. Eu sorri,
mas quando ela viu meu sorriso, passou as unhas perfeitamente feitas em
minha virilha, enquanto descia a boxer. Seus olhos foram para o meu pau, em
adoração.
— Quero ver você ostentar esse sorriso odioso quando eu te levar para
outra dimensão com a minha boca.
Suas palavras enviaram uma série de arrepios por todo o meu corpo,
mas eu me forcei a responder por puro hábito. Agora, era uma espécie de
jogo diferente do que jogávamos antes.
— Faça mais e fale menos, Mackenzie.
Ela semicerrou os olhos e então fez o prometido, me tomando em sua
boca. Ela subia e descia com a língua, provocando, me levando ao limite.
Ashley era uma provocadora chata, mas sabia chupar um pau, eu tinha que
dar isso a ela.
— Eu te odeio Turner, mas esse pau… Esse pau é um presente divino.
— Eu sou um presente divino, baby.
Ela passou a usar as mãos em meu pau e abriu a boca para responder.
Mas será possível que nem fazendo um boquete essa garota parava de me
provocar? Antes que me respondesse, levei sua boca aberta ao meu pau,
torcendo para que não o mordesse. Passei a foder sua boca venenosa com
vigor e ela pegou tudo. Parecia uma espécie de luta onde ela tinha como
desafio me levar ao limite do prazer.
E estava conseguindo.
Tanto que senti minhas pernas bambas, meu corpo suando e fiquei
levemente tonto, sentindo que iria gozar em sua boca. Antes que de fato
acontecesse, eu a deitei na cama cobrindo meu corpo com o dela. Então
passei a retribuir o favor, enlouquecendo-a.
Dei pequenas mordidas em seu pescoço, o que a fez soltar pequenos
suspiros e gemidos, barulhos que estavam me deixando no limite mais uma
vez. Foi tanto que precisei parar alguns segundos, antes que gozasse so com
os sons que ela emitia. Merda de descontrole, isso nunca tinha acontecido
antes. Eu estava parecendo um iniciante.
— Acho que é muita propaganda enganosa, Turner. — Ela disse com
uma risadinha esnobe.
Eu olhei para seus olhos, com raiva e com tesão.
— Essa sua boca esperta ainda vai te dar problemas.
— Estou esperando.
Atrevida.
Dei uma mordida punitiva no bico do seu seio, o que a fez puxar uma
lufada de ar. Seus olhos encapuzados só me disseram que ela gostou, então
desci até o seu centro e passei a devorá-la como um animal, segurando suas
pernas abertas, impedindo-a de se retorcer. Ela estava ao meu bel prazer,
como eu nem sabia que precisava. Brinquei com seu ponto, fiz de sua boceta
molhada meu parque de diversão. Eu estava mais e mais duro e, quando a
senti se desfazer em minha boca, suguei seu clitóris até seu corpo parar de
contrair.
Me levantei enquanto ela ainda revirava os olhos, coloquei um
preservativo que tinha no bolso e voltei a cobrir seu corpo. Segurando suas
mãos acima da cabeça, entrei em sua boceta quente e molhada. E quase
desmaiei com o prazer que me tomou. O desejo com Ashley era algo como
eu nunca havia encontrado com nenhuma outra mulher. Talvez porque não a
suportava e compensávamos isso no sexo. Fosse o que fosse, era
maravilhoso.
Ela passou a encontrar minhas investidas no caminho e o som de
nossos corpos crus se chocando era como música para meus ouvidos e seus
gemidos, a harmonia que acompanhava e meus rugidos ditavam o ritmo.
Estávamos tocando a canção perfeita do desejo, em sua forma mais
primitiva.
Antes de finalmente sucumbir e gozar, eu não me contive em marcá-la.
Era um sentimento novo pra mim, então mordi seu pescoço e chupei com
força. Enquanto a observava gozando novamente em meu pau, vendo a
bagunça linda em que estava, esparramada naquele lençol, meu pau dentro
dela, sua boca em um perfeito O, eu soube.
Eu odiava Ashley, mas precisava de mais doses dela.
CAPÍTULO 14

Ashley Mackenzie

Acordei com a sensação de cócegas em minha orelha. Passei a mão


por instinto e, fosse o que fosse, tinha uma textura suave entre meus dedos.
Abri os olhos com dificuldade, me dando conta de que já era de manhã.
Levemente desorientada, levei um susto ao ver a pétala em minha mão.
A cama com pétalas.
Os morangos que, oh Deus, seria uma sacrilégio dizer o que eu e
Daniel fizemos com os morangos. As lembranças da noite anterior vieram
com uma onda de desespero. A cama estava vazia e só isso já respondia à
minha pergunta sobre se o que fizemos tinha sido um erro. Me levantei
enrolada no lençol e olhei meu reflexo no espelho do banheiro. Eu estava…
Bem fodida. Em todos os sentidos. Boceta dolorida, boca inchada, cabelo
emaranhado, uma leve dor de cabeça pelo champanhe, e tinha… Filho da
puta. Passei a mão pelas marcas em meu pescoço. A descrença foi
substituída por raiva líquida. Aquele idiota. Aquele… Aquele…
Furiosa, entrei na ducha tentando acalmar meus ânimos. Bem, o
casamento havia sido consumado, eu só precisava ser adulta e lidar com isso
com tranquilidade. Provavelmente Daniel agiria como se nada tivesse
acontecido e era como eu agiria também. Afinal, foi só uma transa e nem foi
tão boa assim.
Fechei os olhos e imagens de Daniel com o morango entre as minhas
pernas tomaram minha mente, uma pontada de umidade tomou conta do meu
centro, e não era só por conta da água do chuveiro. O cara era um deus do
sexo, não havia como negar. Também foi a transa mais louca que tive em
toda minha vida, a mais emocionante. Porque tinha que ser justo o Daniel?
Ele era um idiota, mas o pau dele… Céus, o pau dele deveria ser a oitava
maravilha da Terra.
Fui para minha mochila onde estava uma camisola confortável e um
par de jeans e camiseta. Coloquei o jeans e a camiseta com uma frase
qualquer de Ghandi e amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo. Ia passar
uma maquiagem básica, mas desisti. Barulhos do lado de fora da suíte me
davam indícios de que Daniel estava lá, não queria dar a impressão de que
estava tentando impressionar. Passei apenas um pouco de maquiagem no
pescoço para que amenizasse meu constrangimento
Quando abri a porta da suíte não estava nem um pouco preparada para
o que iria encontrar. Daniel estava sentado no sofá, de calça de moletom,
sem camisa, com óculos no rosto e profundamente concentrado em algo no
notebook à sua frente. Pai das perseguidas, esse homem poderia ser sexy sem
precisar fazer força. Seu cenho estava franzido e eu fiquei parada,
absorvendo sua visão. Ele estava trabalhando, após a nossa noite juntos e
mal se deu conta de que eu estava aqui.
Parada, sem saber o que fazer exatamente, olhei o ambiente, até ver
uma bandeja com frutas, chocolate e biscoitos. Ela não tinha sido mexida,
então imaginei que era para mim. Encorajada, decidi que o educado era dar
bom dia e depois tomar o café da manhã.
— Bom dia.
Daniel não levantou os olhos e apenas murmurou uma resposta que
mais pareceu algo dito em latim. Eu caminhei com meus pés descalços para
onde estava o café na mesa e percebi que ao lado tinha uma rosa. Uma rosa
branca, muito parecida com a que usei no casamento. Por um momento,
imaginei que pudesse ser Daniel quem tivesse trazido. Mas então me lembrei
de que ele nem levantou os olhos em minha direção, e, bem, era Daniel.
Impossível que fosse ele.
Assim que puxei a cadeira, senti a presença e o perfume dele atrás de
mim. Por instinto me virei, me chocando com seus gominhos e peito, que na
noite passada, eu lambi e mordi. Levantei os olhos rapidamente para Daniel
e ele já levantava as mãos para o meu rosto.
— O que…
Eu não tive a oportunidade de terminar minha pergunta, pois ele desceu
a boca na minha e me roubou a respiração com um beijo. Sua boca dançou
com a minha e por alguns segundos eu esqueci onde estava, ou os motivos de
estarmos ali, pensando apenas em como sua língua brincava com a minha em
uma dança profundamente erótica. Sua mão foi para minha bunda e ele a
apertou com gosto, fazendo todos os meus pelos se arrepiarem. Quando
Daniel finalmente se afastou, enquanto eu me conectava com a realidade, ele
pegou a rosa atrás de mim, e delicadamente, a colocou em meu cabelo, na
lateral da orelha. Eu fiquei surpresa, confusa e fascinada com suas ações. Eu
não conseguia entender esse ataque de gentileza, embora seu beijo fosse
qualquer coisa, menos gentil.
— Você dormiu bem? — Perguntou casualmente.
— Você trouxe a rosa? — Perguntei ainda confusa.
— Não comece a fantasiar as coisas, Ash. É só uma rosa, não uma
declaração de amor.
Ele respondeu enquanto se sentava e começava a comer. E foi como
despertar de um sonho para o pesadelo, porque esse era o idiota, o
verdadeiro e odioso Daniel Turner.
— Como se eu quisesse alguma declaração de amor de sua parte! —
Falei furiosa me sentando também, enquanto Daniel ria. Deus, eu odiava esse
sorriso.
— Dezembro está chegando e vamos passar o Natal com meus pais em
Montana. Sei que não está trabalhando por agora, somente com Ethan.
Não respondi, apenas acenei enquanto mastigava um biscoito. Me servi
de um pouco de chocolate quente, que estava mais para morno.
— Você quer passar em Helena? Tem alguém que gostaria de visitar?
E ali estava o assunto tão delicado. Helena, capital de Montana, era
minha cidade natal. Foi em Helena que conheci Milla e ela tinha vindo de
Livingston, interior de Montana. Era educado Daniel perguntar, mas todos
estavam cansados de saber que eu não tinha ninguém. Geralmente, eu viajava
sozinha ou passava com a família de algum namorado. Meu coração se
apertou com a perspectiva de que passaria o Natal com pessoas que eu tinha
muito amor e carinho e mesmo assim, era uma mentira. Um sopro de alívio
foi pensar que agora eu tinha Victoria.
— Não. Podemos ir direto para Livingston.
— Bom, Victoria está alucinada para ir visitar o Rancho. Meu pai fez
tanta propaganda do lugar que está muito difícil mantê-la sob controle.
— Ela é uma garotinha esperta e cheia de alegria. Você tem muita
sorte, Daniel.
Ele segurou minha mão por cima da mesa, me dando um sorriso
sincero.
— Nós temos. Ela é sua também.
O gesto de Daniel e suas palavras fizeram meus olhos umedecerem. Eu
os desviei antes que as lágrimas caíssem. Sei que ele era bem capaz de usar
isso contra mim no futuro.
— Obrigada.
Ele soltou minha mão e voltou para o seu tom casual. Eu tinha que
reconhecer, era incrível a velocidade com que ele fazia isso.
— Falei com Eric agora. Essa semana será a decisão da guarda
definitiva de Victoria e ele disse que não teremos problema algum. Eu sou o
pai biológico, fui privado dos primeiros anos de vida dela e agora não há
mais motivos para duvidar da minha capacidade de ficar com ela.
— Que bom! — Respondi animadamente, terminando meu chocolate.
— Também falei com Nádia. Ela já colocou suas roupas no meu closet.
O mundo congelou.
Olhei para Daniel que apenas soltou o que soltou agindo como se
estivesse dando qualquer informação banal. Alguns segundos de silêncio se
passaram enquanto eu pensava se havia mesmo escutado o que escutei ou se
era uma piada da parte dele. Ele tinha pedido para sua funcionária levar as
minhas coisas para o quarto dele? Sem me consultar?
— Me diga que isso é uma piada. — Minha voz soou baixa, porém
fria.
Ele me olhou e falou como se estivesse explicando algo a uma criança.
— Suas coisas. Em meu quarto. — Seu tom gotejou desafio.
O biscoito estava esfarelado em minha mão. Eu comecei a respirar
fundo ou teria uma crise de raiva ali. Tentei não pensar em quão
desequilibrada eu seria se jogasse o que restava do chocolate nele.
— Eu posso saber por que você pediu para que Nádia fizesse isso? —
Perguntei baixo, embora minha voz vibrasse em fúria.
— Porque agora você é minha esposa. — Ele respondeu como se não
fosse grande coisa.
— Esposa de mentira.
Seus olhos brilharam com malícia quando respondeu:
— Depois da noite passada, não há mais nada mentiroso nesse
casamento, querida.
— Não me chame de querida, não tome decisões por mim! O que você
está pensando?! — Gritei ficando em pé. Ele se levantou e respondeu
calmamente.
— Não tem sentido você viver em outro quarto.
— Não tem sentido você achar que só porque dormi com você agora
tem algum direito de decidir a minha vida. Chegando em casa, vou colocar
todas as minhas coisas de volta em meu quarto, pois não quero dormir
olhando para essa sua cara arrogante!
Daniel se aproximou e me segurou com uma mão, a outra foi em meu
pescoço. Eu fiquei incerta sobre o que ele iria fazer. Ele tocou minha pele,
exatamente onde tinha me deixado marcada. Eu tentei sair do seu aperto, mas
não foi muito tempo até eu relaxar. Porque eu odiava Daniel Turner, mas seu
corpo quente contra o meu, me deixava… Com uma sensação de moleza. Ele
falou bem em meu ouvido:
— Dói? — Parecia fascinado pelo feito.
— Não dói. Mas não significa que eu gostei do que você fez, seu
idiota.

— Você não pareceu se importar ontem à noite. — Disse dando um


beijo no exato local, como a cena de crepúsculo onde Edward finge morder
a Bella. E o sentimento que me tomava era o de uma adolescente burra,
porque era erótico, tanto que fechei os olhos. Quando os abri, Daniel me
olhava. — Não vai demorar e você vai vir para minha cama por vontade
própria, Ashley. Eu estarei esperando ansiosamente.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Assim que saímos do hotel, fomos em direção ao carro. Eu ainda


estava muito brava com a coragem de Daniel de tirar minhas coisas do meu
quarto. Para terminar de ferrar com a minha vida, ele segurou minha mão por
todo o caminho, mesmo que eu quisesse soltá-la. Ele fingia que eu não o
estava rechaçando e continuava segurando. Eu queria chutá-lo. E gritar com
ele. Mas a sensação da sua mão na minha não era ruim, embora eu nunca
fosse dizer algo assim em voz alta.
— Deixe que eu guardo suas coisas.
Daniel estava me confundindo além da razão com esse empurra e puxa.
Minha bolsa foi tirada da minha mão e colocada no porta-malas. Eu estava
prestes a abrir a porta do passageiro quando percebi o mesmo carro que
tinha acabado de passar por nós, voltar lentamente. Um sentimento ruim me
tomou. O carro parou a alguns metros e enquanto o vidro descia... Vi o cano
de uma arma apontada… Pra mim? Para Daniel?
Pânico tomou conta de mim e eu só consegui gritar:
— Daniel, abaixa!
Daniel olhou para mim confuso e então para o carro. Em câmera lenta,
vi quando Daniel percebeu o carro, e muito rápido veio em minha direção.
Ele se jogou em cima de mim, me levando ao chão e me protegendo com seu
corpo, quando uma onda de tiros veio sobre o carro, que nos protegia.
Daniel, para o meu terror, se levantou e tirou uma arma de uma pasta que
tinha nas mãos.
Eu estava desesperada, congelada deitada no chão do estacionamento,
enquanto Daniel revidava os tiros. Coloquei ambas as mãos na boca para
impedir o grito que estava preso na garganta. Tiros vindo, tiros indo e após
alguns segundos, o carro deu partida ao escutar o barulho da polícia. Os
segundos pareceram horas.
Daniel se endireitou e então me sentou no chão, colocando ambas as
mãos em meu rosto, me fazendo olhar para ele.
— Ashley, olhe para mim. Você está machucada?
Eu não conseguia falar então somente neguei.
— Baby, olhe para mim. Já acabou. — Sua voz foi a mais suave que já
escutei. Ele encostou minha cabeça em seu peito largo e eu só consegui
fechar os olhos e tentar acalmar as batidas do meu coração.
Alguém havia tentado matar Daniel. Alguém o queria fora do caminho
e eu tinha certeza de quem era.
— Luke Ford.
Todo o corpo de Daniel se retesou, e ele respondeu acima do meu
rosto.
— Eu sei.
— Precisamos avisar a polícia. Ele atirou na gente, poderíamos ter
morrido. — A histeria começou a querer me dominar.
— Olhe para mim. — Daniel levantou meu rosto para o seu — Eu vou
resolver isso.
Eu não gostei da forma como ele disse isso. Não gostei nem um pouco.
Mas assenti de qualquer forma porque me faltava energia para discutir com
ele. Eu não disse nada quando a polícia veio nos questionar sobre quem
poderia ter feito algo. Não falei sobre minhas suspeitas e apenas confirmei a
história de Daniel. Ele tinha porte de arma, então não teria problema
nenhum.
Depois de todo o processo burocrático, fomos para a casa de Nate. Ele
tinha ido com Patrick Turner nos buscar no local, já que a lateral do carro de
Daniel estava destruído. Daniel tinha um braço em volta do meu ombro e não
o tinha afastado de mim em momento algum. Agora, para além da
preocupação, ele ostentava um olhar distante e… Perigoso.
E eu tive a impressão de que estava prestes a conhecer outra faceta de
Daniel.
CAPÍTULO 15

Daniel Turner

Luke Ford não tinha ideia de com quem tinha se metido. Eu poderia
jogar dentro das leis, mas também sabia jogar sujo. Ele não tinha ideia do
que estava vindo.
— Tem alguma possibilidade de ser sobre algum caso que esteja
envolvido, filho?
— Não sei, mãe.
— Meu Deus, que horror. Pobrezinha da Ashley, está em choque. —
Minha mãe colocou as mãos na boca e se afastou após ser chamada por
Milla e Melissa, que estavam com Ashley.
Minha esposa estava encolhida no sofá com um chá de alguma coisa
nas mãos, olhando para a mesa de centro, na sala de Nate. Sim, ela estava
em choque. Por alguns momentos achei que ela não conseguiria responder a
todas as perguntas dos policiais, mas ela o fez valentemente. Agora, estava
apática. E uma onda de fúria me tomou por saber que quase a machucaram.
Nosso casamento poderia ser de conveniência, mas mantê-la segura
era minha responsabilidade, independente da natureza do nosso
envolvimento. Ela viu o perigo primeiro e me avisou. Eu estava tão
envolvido em deixá-la irritada só para ver o rubor em seu rosto, estava rindo
como há muito tempo não ria e eu não percebi o filho da puta suspeito. Mas
ela o viu e nos salvou.
— Daniel, espero que não faça nada estúpido. Você vai deixar essa
situação nas mãos da polícia? — Meu pai perguntou, com uma ponta de
angústia. Patrick já estava grisalho, assim como minha mãe. Era grande em
estrutura, alto e estava em forma. Seu bigode grisalho estava torcido dos
lados, mais um sinal do seu nervosismo.
— Não confio na polícia.
Meu pai suspirou e Nate apenas desviou os olhos. Nate sabia o que eu
estava pensando e eu sabia que ele faria o mesmo em meu lugar. Aliás, ele já
o fez, quando a vida de Milla esteve nas mãos de Steven. Eu resolveria por
meus próprios meios, como resolvemos com Milla.
— Eu não gosto quando você faz as coisas assim… Já basta Steven, eu
não te criei para isso.
— Não precisa gostar, pai. — Olhei para Victoria, que agora se
acomodava no colo de Ashley e um sentimento de proteção, fúria e algo mais
que não soube nomear, me apertou por dentro — Vou protegê-las. Não me
importo de jogar sujo com quem merece.
— Você não é uma criança, Dan. Sabe dos riscos. Só espero que você
saiba o que está fazendo.
À noite, enquanto estávamos em casa, eu dei espaço para que Ashley
fizesse o que sentisse confortável. Como eu esperava, ela colocou Victoria
na cama e foi para o seu quarto. Ela não me disse uma palavra desde que
chegamos da delegacia e fiquei com uma sensação incômoda no peito. Sabia
que ela não estava bem, mas não seria mais invasivo do que já tinha sido.
Foi de madrugada quando senti um corpo quente se aconchegar a mim.
Abracei o pequeno corpo de Ashley, sentindo o cheiro de seu shampoo me
inundar. Não resisti em provocá-la um pouco.
— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você viria para mim, só não
sabia que seria tão rápido.
— Cala a boca. — Ela respondeu com o rosto em meu peito e eu sorri
— Só não quero acordar Victoria.
Dei uma risada leve e então respondi com toda a gota de verdade em
mim.
— Durma, Ash. Eu vou cuidar de você.
Ela me apertou mais e eu correspondi ao seu aperto.

Ela estava segura.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

No dia seguinte eu estava em meu escritório na primeira hora da


manhã. Foi quando Mariah entrou e anunciou Vicenzo Capello, também
conhecido como Dead Eyes. Vicenzo era o meu contato no submundo de
Chicago e ele era ninguém menos que o dono de tudo aquilo. Ele reinava no
caos de Chicago.
Vicenzo foi para a faculdade de Nova Iorque no mesmo ano que eu. Eu
não diria que somos amigos, não saberia nem mesmo dizer ele sabia como
ser amigo de alguém. Vicenzo sempre teve uma aura perigosa, mesmo
quando mais jovem. Na faculdade de direito, professores e alunos
reconheciam o perigo e o poder de seu nome.
Eu tive a sorte de salvá-lo de um envenenamento no primeiro ano.
Escutei a conversa de uma garota com um homem de sotaque russo em uma
festa e ouvi claramente que as instruções eram para envenenar Vicenzo
Capello naquela noite. Eu, que até então desviava meu caminho do dele, o
chamei e contei o plano da garota. Ele me exigiu silêncio, e apenas disse que
resolveria a situação. A garota foi dada como desaparecida no dia seguinte e
nunca foi encontrada.
Sabia que havia algo de muito errado com ele, mas tive inteligência
suficiente para não abrir a boca e com isso, ele passou a me dever a vida. Eu
não era bobo, sabia que a família de Vicenzo estava do lado errado da lei.
No terceiro ano, algo aconteceu. Sua irmã foi assassinada junto com
seu pai, e ele teve que voltar para Chicago antes de terminar a faculdade. Ele
nunca retornou a Nova Iorque.
O fato de eu ter ganho uma proposta de emprego em Chicago foi uma
coincidência, nos reencontramos e passamos a trabalhar juntos.
Ao longo dos anos desenvolvemos uma camaradagem. Meu escritório
representava seus homens e garantia que nada respingasse em seu nome.
Claro, todos sabiam que o dinheiro dos Capello era tão sujo quanto os
esgotos de Chicago, mas eu garantia que nunca houvessem provas. E
Vincenzo garantia a minha proteção.
Vicenzo me ajudou há três anos, quando Milla foi sequestrada por
Steven. Ele me ajudaria agora também, sabendo que tinha alguém querendo
me matar. Talvez não por gostar de mim, mas por honra, por saber que me
devia. Ele era intocável em Chicago e eu o ajudava a se manter assim. Ele só
tinha vindo porque era eu quem o tinha chamado.
— Daniel Turner. — Ele resmungou e se sentou — Fiquei sabendo que
se casou. Me decepcionei por não receber um convite.
Ignorei sua alfinetada.
— Estão tentando me matar. — Disse sem rodeios. Nenhuma expressão
em seu rosto, o que não foi uma surpresa.
— Já estava na hora.
— Atiraram contra mim e minha esposa. — Eu falei com uma pontada
de irritação.
Ele se endireitou na cadeira.
— Você tem alguma ideia de quem seja? — Ele perguntou.
Eu joguei uma foto em sua direção.
— Luke Ford. Sim, do Petróleo.
Os olhos de Vicenzo voltaram para mim, opacos como sempre.
Vicenzo parecia um vampiro com suas roupas negras, cabelo preto liso,
comprido e olhos vazios. Ele parecia desprovido de qualquer emoção
humana e também ter presenciado o pior da vida.
Talvez tivesse.
Parecia um ser totalmente vazio.
— Conte-me tudo.
No fim da história, Vicenzo tinha uma expressão séria e pensativa. E
então, ele olhou para mim e arrumou a postura na cadeira.
— Vou colocar alguns homens à distância para fazer a segurança da sua
família. Principalmente de sua esposa e filha. Também vou descobrir quem
eram os homens que atiraram contra vocês. Se não eram os meus, ou
autorizados por mim, são invasores. E ninguém brinca em minha cidade sem
permissão.
Eu não precisava perguntar como, nem o que ele faria quando os
encontrassem, eu sabia exatamente do que Vicenzo era capaz. E não me
importava.
— Quanto a Luke Ford, se confirmarmos sua participação, talvez
tenhamos que neutralizá-lo. Mas acho que você pode lidar com isso.
— Faça o que achar necessário.
Nesse momento, a porta do meu escritório se abriu em um rompante e
minha filha entrou correndo, vindo para os meus braços. Eu fiquei um pouco
desconfortável por ficar com ela na frente de um homem como Vicenzo, mas
seu semblante continuou em branco.
— Tia Mel comprou para mim uma boneca da Frozen!
Olhei para o sorriso radiante de Victoria e a coloquei sentada em meu
colo.
— Ainda tem lugar para você colocar bonecas em seu quarto? Tenho a
impressão de que todas as bonecas de Chicago estão lá. — Disse e fiz
cócegas nela.
— E quem resiste a um pedido dessa baixinha? — Respondeu Melissa
entrando no escritório em seguida.
Melissa era um padrão de beleza, daquelas que arrancam suspiros por
onde passa, mesmo quando usava tênis e um conjunto rosa de moletom, de
grife. Melissa chamaria a atenção de qualquer homem, até vestida de saco.
Ela parou ao meu lado e olhou para Vicenzo.
Eu conhecia aquele olhar.
Não. De jeito nenhum.
Ela arrumou o cabelo e me olhou em expectativa, esperando uma
apresentação. Mas o pavor que me tomou, não foi pela atitude de Melissa,
porque Melissa adorava a arte da conquista e flertar.
Foi a de Vicenzo. Pela primeira vez em mais de dez anos em que
conhecia e trabalhava com Vicenzo, vi seus olhos brilharem enquanto olhava
para minha irmã.
Com interesse.
De jeito nenhum, porra!
— Não vai me apresentar ao seu amigo, Dan? — Ela perguntou sem
tirar os olhos dele.
— Melissa, me espera lá fora. — Falei na esperança que ela me
ouvisse.
Como eu sabia que iria acontecer, ela revirou os olhos.
— Muito prazer, eu sou Melissa Turner. — Ela se apresentou,
estendendo a mão para Vicenzo.
Afaste-se dela! Ignore-a, como te vi fazendo um milhão de vezes antes,
com outras mulheres! Seja o filho da puta frio que sempre foi!
Para minha total surpresa, Vicenzo, que olhava com olhos predadores
para Melissa, se levantou, segurou sua mão e a levou nos lábios. Sem nunca
tirar os olhos de Melissa.
— Vicenzo Capello.
Melissa mordeu o lábio inferior e sorriu de lado. Ela estava encantada
com ele. Sempre teve uma queda pelos meninos maus, e agora estava prestes
a pagar o preço de sua loucura. Porque ela não tinha ideia de quem era esse
homem à sua frente.
— Como eu nunca te vi antes… — Resmungou, mais para si mesma do
que para nós.
— Estou me perguntando o mesmo. — Ele respondeu no mesmo tom.
Eu tinha que acabar com isso.
— Vicenzo, acho que terminamos, obrigado por ter vindo e qualquer
novidade, eu entro em contato.
Vicenzo virou seus olhos para mim e eu teria me encolhido se fosse um
de seus soldados. Eu sustentei o seu olhar, deixando claro que minha irmã
estava fora dos limites. Se seu olhar tivesse uma voz, diria que ninguém
impõe limites no que ele quer. E eu não precisava perguntar. Para meu total
desespero, ele queria Melissa.
Ele assentiu e, com mais um olhar para Melissa, se afastou.
— Daniel, porque nunca me apresentou? — Melissa disse com um
olhar risonho, assim que Vicenzo saiu, alheia ao tremor que me dominava.
Coloquei Victoria na cadeira, mas ela se levantou comigo, as mãozinhas no
ar.
— Papai, minha mão está suja de sorvete.
— No banheiro tem a pia, meu anjo. Vá lá.
Victoria foi em direção ao banheiro e eu dei um olhar tenso para
Melissa, me aproximando dela.
— Fique longe dele.
Como esperado, Melissa suspirou impaciente.
— Não comece com esses ciúmes ridículos de irmão mais velho. Ele
funcionava em Milla, nunca em mim.
Segurei seus ombros para que ela não tivesse dúvidas do que eu
falava.
— Estou falando sério, Melissa. Ele não é bom.
— Ninguém nunca será bom para mim. Nate não era bom para Milla,
lembra? — Respondeu com uma careta.
Resolvi falar com mais firmeza.
— Melissa, preste atenção. Fique longe de Vicenzo Capello. Fique
longe do mundo dele. Se você se envolver nesse mundo, poderá não
conseguir sair. Não sem se machucar.
Era verdade o que eu dizia. Vicenzo estava envolvido em vários
esquemas ilegais, grandes, de nível internacional e tinha inimigos poderosos.
Não era bom em essência. Ele era um assassino frio e cruel. Melissa seria
esmagada, caso se envolvesse com um homem como ele. Ela me olhou com
olhos arregalados, talvez reconhecendo meu medo. Ótimo, eu tinha
conseguido chamar sua atenção.
— Por quê?
— Acredite em mim, você não quer saber. Só me prometa que ficará
longe dele. Por favor, eu prometo nunca problematizar mais nenhum namoro
seu, mas fique longe de Vicenzo.
Vi o medo dominando a curiosidade em seus olhos e quando finalmente
respondeu, disse seriamente:
— Tá Bom. Certo, se queria me assustar, conseguiu. Não vou me
aproximar dele.
Só então eu consegui soltar um suspiro aliviado, embora eu soubesse
que Vicenzo não desistiria. Algo tinha brotado em seus olhos mortos e ele
não era um homem que desistia sem lutar.
Um barulho no banheiro chamou a nossa atenção. Em seguida, outro, de
forma que eu me preocupei. Esse negócio de ser pai ainda me deixaria de
cabelos brancos, pois era impossível nunca imaginar o pior cada vez que Vic
sumia de vista.
— Vic, está tudo bem, filha?
— Eu achei um balão, papai.
Olhei para Melissa, que tinha a mesma expressão confusa que a minha.
Nos aproximamos da porta do banheiro e a abrimos, porque eu não me
lembrava de nenhum balão em meu escritório. Quando a porta se abriu, Vic
estava no chão e, puta que pariu. Uma caixa inteira de preservativo estava no
chão e ela estava no meio, onde já abria a segunda embalagem.
Era um preservativo cheio.
Horror puro passou por mim e eu soltei um palavrão.
Melissa começou a rir e me deu um soco por conta do palavrão. Em
seguida, se sentou em minha cadeira, tendo uma crise de riso.
— Papai, olha só, eu achei um montão de balão!
— Explica isso, papai. — Melissa disse rindo e eu queria mesmo era
sair correndo daquela situação.
— Filha, venha aqui, esses balões estão sujos. — Falei, tirando ela do
meio do banheiro e a levantando no colo.
— Eu bem que desconfiei.
— Estão estragados, amor. Venha, papai vai comprar um de coração
para você.
Ela olhou para as embalagens com o rosto desanimado, tendo de fundo
a risada louca de Melissa. Ela bem que poderia me ajudar, mas eu sabia que
ela não faria isso.
— Tudo bem. Uma pena, eu queria levar para a escola — Victoria
respondeu.

Mais que depressa, fiz Melissa sair com Victoria e passei a tirar
qualquer objeto de teor sexual da vista. Fiz uma nota mental em fazer o
mesmo na cobertura. Essa merda nunca mais deveria estar acontecendo.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Assim que entrei na cobertura, escutei o som de música na cozinha. E


algumas risadas. Era assim quase todos os dias. As risadas, os gritos de
Victoria pela casa, algum brinquedo espalhado. Era vida. Achei que ficaria
incomodado, que demoraria a me acostumar, se um dia me acostumasse. Mas
eu me via gostando cada dia mais dessa nova rotina.
Me aproximei com passos calculados e então vi Ashley confeitando
alguns cupcakes. Quando saí hoje pela manhã, deixei-a dormindo em minha
cama, enrolada em meus lençóis. Eu sabia que ela não tinha atendido Ethan
hoje, nem saiu com Melissa e Victoria. Em vez disso, passou o dia no
apartamento. Acredito que ainda estivesse abalado com o que aconteceu.
— Mamãe, faz uma carinha de Papai Noel nesse.
Os olhos de Ashley foram para Victoria. Estavam marejados e uma
ponta de emoção me abraçou. O laço era importante para ambas.
— Vamos tentar, então. Mas não sou boa desenhista, você sabe.
— Vamos treinar para fazer no Natal no Rancho do vovô Patrick
A animação de Victoria era contagiante, ela não via a hora de ir para
Montana. Não parecia que tinha menos de dois meses que a tínhamos,
parecia que ela sempre tinha feito parte de nossas vidas. Minha casa, minha
rotina, já não eram as mesmas. Ainda assim, me dei conta de que não
mudaria nada nessa minha nova vida.
— Papai, olha os cupcakes que estamos fazendo. E mamãe está
assando o jantar, eu ajudei a fazer!
Victoria pulou da cadeira e veio em minha direção, animada, pulando
com suas pantufas.
— Então esse vai ser o melhor jantar que eu já comi na minha vida!
Eu estava pegando o jeito de lidar com ela. Nunca foi falta de amor.
Era falta de saber o que fazer. A peguei nos braços e ela me deu um beijo no
rosto. Ashley olhava para nós dois em admiração, que disfarçou assim que a
peguei encarando, voltando para os cupcakes. Ela não era boa em disfarçar,
percebi. Era transparente demais.
— Victoria, vá lavar suas mãos enquanto eu arrumo a mesa. — Eu a
soltei e ela foi correndo, com toda a energia de uma criança de cinco anos.
Eu me aproximei de Ashley, mais que o necessário, só para vê-la
segurar a respiração. Ela me desejava tanto quanto eu a ela, e eu estava
disposto a não ser celibatário no próximo ano. Não quando eu tinha como
esposa uma deusa do sexo que sentia o mesmo por mim. Não fazia sentido.
— Você está melhor?
Ela colocou ambas as mãos em meu peito quando me aproximei mais.
— Estou. E se afaste.
— Acho que não. — A peguei no colo, sentando-a no balcão.
— Victoria já vai descer, eu preciso arrumar a mesa e…
Não a deixei terminar a frase. Apesar dos protestos, suas pernas já
estavam em volta da minha cintura, seus braços enlaçando meu pescoço,
enquanto eu enfiava a língua em sua garganta. Ashley era deliciosa, cheirava
a cupcakes e algum outro aroma que pertencia só a ela.
Era o cheiro de Ashley.
Cheiro que estava me deixando viciado.
— Vai dormir na minha cama? — Perguntei entre beijos.
— De jeito nenhum.
Mordi seu lábio inferior como punição por sua negativa. Ela mordeu
de volta. Minhas mãos se espalharam em suas coxas e eu fiquei me
perguntando por que queria tanto que ela dormisse comigo. Eu não passava a
noite com outras mulheres, mas desde a nossa noite de núpcias, eu queria
Ashley ao alcance do meu braço. Porque eu não tinha me cansado dela. Dei
até minha última gota de sêmen naquela noite, dormimos exaustos e eu ainda
acordei querendo mais. Se ela não quisesse, eu nunca a forçaria, mas ela
queria, a resposta estava na maneira como correspondia os meus beijos, ela
só estava com medo. E confusa.
Caralho, eu também estava, mas que a confusão vá à merda, eu quero
Ashley em minha cama.
Eu a convenceria.
Poderia ser muito persuasivo.
Escutamos os passinhos corridos de Victoria descendo a escada e nos
afastamos de imediato, Ashley limpando a boca com um sorriso travesso.
Jantamos juntos, comemos alguns cupcakes; todo nosso assunto voltado para
Victoria e as nossas férias em Montana. Como de costume, Ashley estava se
preparando para subir e dormir, me deixando passar tempo com Victoria,
quando eu disse:
— Filha, porque você não chama sua mãe para assistir Frozen com a
gente?
— Mamãe, por favor, vamos assistir todos juntos!
Ashley parou em seu caminho e se virou.
— Querida, eu estou cansada. — Ela me fuzilou com os olhos e eu
sorri.
— Por favorzinho, mamãe. — Vic implorou com as mãozinhas juntas.
Como eu esperava, Ashley não resistiu. Ela colocou Victoria no meio
de nós dois e se sentou na outra ponta do sofá. Pela milésima vez, eu estava
assistindo à saga de Anna e Elsa com Victoria e como esperado, ela
adormeceu no meio do filme. E Ashley também.
Me levantei e levei Victoria para o quarto, gentilmente. Voltei e olhei
para minha linda e teimosa esposa. Com cuidado, levantei Ashley em meus
braços e a levei para o meu quarto. Fechei a porta e me deitei ao seu lado,
trazendo-a para perto de mim. Ela se aconchegou e me abraçou de volta.
— Eu ainda te odeio, Turner.
Eu sorri, apertando-a um pouco mais.
E nunca nada pareceu tão certo.
CAPÍTULO 16

Ashley Mackenzie

Tiros.
Estilhaços de vidro.
Meu grito preso na garganta.
Meu coração pulsando violentamente.
Abri os olhos em alerta, sentindo os braços de Daniel como troncos ao
redor de mim, na penumbra da noite. O relógio marcava 03h30 da manhã.
Acordar de madrugada tem sido frequente desde o dia seguinte ao meu
casamento. Eu tinha um medo terrível por Daniel e sempre ficava
imaginando que tinha alguém seguindo Victoria ou a mim Ele disse que me
deixaria segura, e por algum motivo que ainda não soube dizer, acreditei.
Talvez fosse aquele olhar determinado, dizendo que estava disposto a fazer
qualquer coisa para fazer valer a sua palavra. Qualquer coisa mesmo.
Assustador, emocionante e confuso, tudo junto e misturado dentro de
mim, fazendo uma salada de emoções aflorar em meu peito. Acendi o abajur
no meu lado da cama e me virei com cuidado, estudando seu rosto. Daniel
era um enigma. Lá no fundo eu sabia que ele era bom de cama, afinal, ele
tinha “bom de cama” estampado em todo o seu rosto. O que me admirava era
a minha resposta ao seu apelo.
Eu parecia uma louca e virava uma pamonha cada vez que ele me
tocava. Me sentia em total desvantagem quando ele me abraçava ou me
beijava. Como agora, enquanto seus braços estavam ao meu redor, eu não me
sentia solitária. Não como fui pela maior parte de minha vida. Agora eu tinha
uma sensação de pertencimento e me assustava demais, porque este era
Daniel Turner e eu deveria ter muito, muito cuidado. Principalmente com a
direção das minhas emoções.
E então havia esses lábios perfeitos. Lábios que eu mordi como uma
selvagem, devorei como se fosse a última refeição na face da Terra. Fechei
os olhos e me lembrei da nossa noite de núpcias. Deus, eu estava tão
devassa, como nunca fui; eu sempre fiz amor. Sempre foi lento e amável,
com uma pessoa segura e de confiança. Com Daniel, o sexo foi inflamado,
destrutivo, com potencial para um incêndio de grande escala. Assustador.
E emocionante.
E então, sem pensar muito no que diabos eu estava fazendo, aproximei
meus lábios dos dele. No início, foi um sutil encostar de lábios. Eu me
afastei somente para ver a sua reação, que foi… Nada. Um tremular quase
invisível de cílios me fez ter a certeza de que o filho da mãe estava
acordado. Então me aproximei com mais firmeza, mordi seu lábio inferior e
o puxei com os dentes.
E foi o que bastou.
Daniel abriu os olhos, duas labaredas me olhando de volta, seus
braços se apertaram ao meu redor. Sem que eu me desse conta, Daniel estava
entre minhas pernas e meu braços presos acima da minha cabeça. O
movimento foi orquestrado por uma quase gargalhada da minha parte e um
sorriso relutante dele. Daniel parou e ficou olhando para meu rosto, pelo que
pareceram minutos. Meu sorriso foi morrendo aos poucos e uma mudança no
ar fez meu coração acelerar.
— Você é linda.
Meus olhos se abriram um pouco mais pelo elogio inesperado; minha
voz ficou presa e eu só consegui olhar de volta. Lentamente Daniel abaixou a
cabeça, quase como se estivesse testando algo novo, e beijou meus lábios
com delicadeza. Pela primeira vez com delicadeza.
Eu acompanhei seu ritmo, não que pudesse fazer muito a respeito, já
que eu estava totalmente presa embaixo do seu corpo forte. Não que eu
estivesse reclamando. Ele me beijou e me beijou, nunca aprofundando o
toque, por um tempo que eu não soube precisar. E então, Daniel me olhou
como se me visse pela primeira vez e havia algo estranho em seus olhos. Foi
então que ele realmente me beijou, com uma intensidade que eu nunca tinha
experimentado antes. E ele me segurava como se temesse que eu pudesse
fugir de sua cama.
Seu beijo era desesperado, suas mãos soltaram as minhas e foram para
os dois lados do meu rosto. Uma parte minha queria confrontar seu
comportamento, porque era isso que fazíamos metade do tempo, nos
confrontávamos além do necessário. Mas nesta madrugada, uma parte maior
me fez abraça-lo e me apertar a ele, como ela estava fazendo comigo, e
receber o que ele me dava.
Eu já estava além de excitada enquanto seus beijos foram para o meu
pescoço, suas mãos desesperadas em minha regata, arrancando-a do meu
corpo. Com meus pés, abaixei sua calça de moletom e logo, seu corpo quente
estava em cima do meu, totalmente nu. Senti seu pênis liso e macio em minha
coxa, e instantaneamente, abri as pernas para acomodá-lo. Lentamente,
Daniel entrou em mim. Foi lento, mas ainda assim, avassalador, porque era a
sensação de me sentir sendo esticada misturada ao tumulto em meu interior.
Quando ele me completou, ficamos respirando com dificuldade, ainda com
os olhos presos um no outro. Uma batida de coração, duas e ele começou a
bombear dentro de mim.
A cada investida, eu sentia meu interior tremer. Eu só conseguia sentir,
minha mente se apagou. Senti sua respiração em meu rosto, seus grunhidos
angustiados, seu rosto se desfazendo como se sentisse dor, uma angústia que
eu compartilhava em meu íntimo. Foi assim a cada encontro de nossas
partes, a cada respiração e a cada som emitido. Foi mais íntimo do que a
própria intimidade. Foi mais intenso que qualquer sentimento que já senti na
vida e quando nos desfazemos no clímax, foi como a descrição de ser
arrebatada da realidade.
Nós não usamos preservativo. O pensamento nem mesmo me apavorou,
pois eu fazia o uso de pílula anticoncepcional. Após alguns segundos, Daniel
saiu da cama e foi em direção ao banheiro. Voltou com alguns lenços e me
limpou também. Eu poderia ficar constrangida, caso tivesse forças para isso,
mas só consegui virar para o lado e fechar os olhos. Antes que o sono me
levasse, senti o corpo de Daniel atrás de mim e um beijo no meu cabelo
emaranhado, pós foda.

E, em paz, voltei a dormir.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— O que está fazendo aqui?


Me assustei com a voz de Daniel e pelo alarme em seu tom. Eu acordei
e voltei para o meu próprio quarto, para separar minhas roupas. Nós iríamos
para Montana no próximo fim de semana, para Natal e Ano Novo.
— Separando minhas roupas.
Ele se aproximou e me enlaçou pela cintura. Como se fosse meu… nem
sei. Aliás, eu estava muito confusa com tudo. Daniel, em essência, me
confundia. Acordei sozinha na cama, ele estava indiferente durante toda a
manhã. À tarde, saiu e não disse onde iria e nem quando voltaria. Eu não
sabia como agir com ele e, depois de passar uma tarde inteira na geladeira,
sem saber o que esperar, decidi desistir. Ele sentiu a tensão no meu corpo,
porque se afastou um pouco e colou os olhos em mim.
— Seu jantar está no micro-ondas e Victoria já dormiu.
— E você está aqui, por quê? — Perguntou, casualmente, as mãos
ainda em minha cintura.
— Porque este é o meu quarto, Daniel.
Ele apertou os olhos um pouco. A boca, em uma linha fina.
— Nós tínhamos combinado que você iria dormir comigo.
Soltei um riso sem humor e me afastei dois passos.
— Não, eu não combinei nada, foi você quem levou minhas coisas
para o seu quarto sem a minha autorização, permita-me salientar.
Ele suspirou, irritado.
— Qual é o problema? Até essa madrugada você estava mais do que
disposta a dividir a cama comigo, o que mudou?
Levantei o dedo indicador para ele.
— Tudo mudou e é exatamente esse o problema, Turner, eu não vou
ficar dividindo a cama com você porque eu não sou mais uma das garotas
que você pega por aí!
Eu acertei um nervo, porque antes que ele ostentasse o olhar cínico,
uma sombra de mágoa passou ali. Eu vi. E quase me senti mal, quase.
— Não comece a fantasiar, Mackenzie. Eu não vou me apaixonar por
você.
Em outras palavras, eu não era diferente das outras. Uma onda de fúria
me tomou e eu o acertei com o cabide em minha mão, soltando um grunhido.
Ele me olhou, chocado.
— Idiota! Quem disse que eu gostaria que você se apaixonasse por
mim? Acontece que eu não faço essa merda casual, então esqueça que não
vou voltar a dormir com você! — Gritei.
— Nós estamos casados, Mackenzie, isso é tudo, menos casual, sua
louca! — Eu o acertei novamente.
— Eu não tenho vocação para transar à noite e receber indiferença
durante o dia, Turner! E louca é a sua avó!
Ele suspirou e colocou ambas as mãos na cabeça enquanto eu me
afastava dois passos. Quando abaixou as mãos, Daniel olhou para mim com
puro desânimo.
— O que você quer? Um pedido de namoro antes de transarmos?
Eu achei que era impossível ficar mais brava, mas não,
definitivamente, Daniel Turner tinha um dom. Então, o empurrei até a porta.
— Eu teria que gostar minimamente de você para isso. — Quando ele
atravessou a porta, eu acrescentei com um sorriso. — Você é gostoso,
Turner, mas eu ainda odeio você.
E com isso bati a porta e a tranquei.
Por algum motivo que eu desconhecia, um buraco se abriu em meu
estômago e junto com isso, senti uma pontada em meu coração. Voltei para
minhas roupas e quando terminei, tentei não me arrepender por rechaçar a
cama de Daniel.
CAPÍTULO 17

Daniel Turner

— Ela te mataria, se pudesse. — A voz de Nate me tirou da névoa de


pensamentos confusos e irritados. — Definitivamente. Como você conseguiu
foder seu casamento de mentira em menos de duas semanas de casado, Dan?
Me diga, para que eu nunca faça nada parecido.
— Vá à merda, Nate.
Olhei para onde Milla, Victoria e Ashley estavam. Nosso voo para
Montana atrasou e estávamos aguardando na área VIP. Ashley tem falado
apenas o necessário comigo desde a nossa briga no quarto, briga que até
agora eu não fui capaz de entender. Por que diabos ela estava com raiva, em
primeiro lugar? Repassei a nossa conversa mil vezes em minha cabeça e
ainda não consegui entender o porquê de ela estar com tanta raiva.
Mas a verdade é que lá no fundo, eu sabia: eu me afastei dela logo
após a transa mais intensa da minha vida, mas eu precisava colocar algum
espaço entre nós ou eu começaria a confundir as linhas. Era irônico que eu
cogitasse a mera possibilidade de isso acontecer, contudo, era a verdade.
Com Ashley, tudo ficava em um nível inédito e isso me assustava pra
caralho.
O resultado disso foi ela se afastar de mim.
O pior de tudo? Eu estava sentindo falta daquela víbora em minha
cama. Língua venenosa, feiticeira de pau. Meu coração inchou com a
violência do sentimento que se acendeu nele: Raiva e algo novo,
desconhecido. Como se sentisse meu olhar, ela se virou para mim e o sorriso
que dava para Vic morreu em seus lábios. Se olhares matassem, eu estaria
morto com o olhar que ela me deu. Então, virou-se de costas para mim e
continuou rindo com minha irmã e minha filha.
Bruxa.
Desviei os olhos.
— Quando Melissa foi embora?
— Três dias atrás. Foi ajudar mamãe com alguma coisa.
Nate então suspirou entediado.
— Vamos, Dan. Deixe de história, nós somos brothers. Algo está
diferente entre você e a Ash. Vocês se envolveram além do contrato?
Meu rosto ficou impassível, mas minhas mãos se fecharam com força.
— Não sei o que está errado. Ashley segue me odiando, tudo normal
por aqui.
— Olhe para ela... — Cedi à tentação, mesmo não querendo, e olhei
em direção a Ashley. Novamente, seu semblante estava fechado. Mas
realmente, para além de raiva, seu olhar denotava um pouco de tristeza. Senti
um incômodo no peito ao notar isso. — Ela está desanimada. Como se
estivesse… Decepcionada. Será que você não teve um bom desempenho?
Eu olhei para o meu cunhado e me perguntei se Milla me odiaria muito
caso ficasse viúva antes de se casar. Às vezes eu realmente queria cometer
um homicídio quando ficava com Nate, mas ele apenas caiu na gargalhada ao
notar o meu olhar. Eu não tive tempo de reagir ao seu comentário, pois notei
um movimento onde estavam as meninas.
Um homem gritando.
Fred.
Ele segurava Ashley pelo pulso. Porra, não. Porra, nunca.
Sem que me desse conta, estava indo em direção onde eles estavam e
escutando os passos pesados de Nate atrás de mim.
— Fred, me solta, caramba! — Ela tentava se soltar, mas falava baixo
por conta de Vic.
— Então é verdade, Ash? Você realmente se casou?
O rosto de Ashley estava torcido de surpresa e angústia. Apertei o
pulso do homem até que ele soltasse o de Ash, onde já se formava um
hematoma. Virei-me de frente ao seu corpo, ainda apertando seu braço.
— Nunca mais chegue perto da minha esposa. Você entendeu, Fred?
O rosto de Fred estava torcido em cólera e ele cheirava a bebida.
Estava embriagado.
— Desde quando estão juntos? — O homem perguntou, mesmo estando
visivelmente com dor onde eu o segurava. — Eu sempre achei que aquela
raiva toda era suspeita. Sempre. — E então ele olhou além de mim, para
Ashley — Você nunca valeu a pena mesmo, Ash.
Vi a dor passar pelos olhos de Ash e foi o suficiente. Levantei o braço
para acertar o homem quando senti a mão de Ashley em meu braço.
— Por favor, não. Pense em Victoria.
Olhei para minha filha, encolhida no colo de Milla. Ao nosso redor,
outras pessoas pararam para ver o que acontecia. Um homem estava com o
celular na mão e eu me lembrei de Nate. Olhei para Fred e falei de forma
que somente quem estava muito perto pudesse escutar.
— Acredito que um médico precise de suas mãos para trabalhar. Fale
qualquer palavra sobre o caráter da minha esposa, toque-a ou mesmo olhe
em direção a ela novamente e eu juro por Deus, você nunca mais vai ser
capaz de fazer uma cirurgia.
O homem pareceu entender que eu falava sério. Se afastou lentamente,
e com um último olhar para Ashley, sumiu no meio da multidão, ainda com ar
engomadinho e arrogante. Olhei para Ashley que começava a se afastar,
passando as mãos dos ombros ao cotovelo. Que a raiva dela fosse para o
caramba, eu precisava confortá-la. Abracei-a e ela aceitou sem me afastar.
Beijei o topo de sua cabeça.
— Está tudo bem? — Perguntei.
— Sim.
Sua voz foi um sussurro.
Nate e Milla nos olhavam com olhos curiosos. Ash pareceu se dar
conta também, pois se afastou de mim em um movimento rápido demais,
antinatural, o que só levantou ainda mais as suspeitas de Milla. Nate
ostentava um sorrisinho de merda. Eu revirei os olhos e voltei a me sentar,
agora mais próximo de onde elas estavam. Ashley pegou Vic pela mão e
resmungou algo sobre precisar ir ao banheiro.
Ela estava se afastando, novamente.
Eu suspirei.

Seria um longo feriado.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★
— Ai meu Deus, Patrick, nossa família está crescendo, que emoção,
tudo o que eu pedi a Deus está se realizando.
Minha mãe parecia uma criança ao nos receber e eu quase sentia
remorso. Quase. Segurei as mãos de Ashley firmemente na minha, e com a
graça de todos os seres divinos, ela não me rechaçou. Ela faria o papel de
esposa e isso ainda me irritava por algum motivo.
Após todos os cumprimentos e felicitações, meu pai pegou Victoria nos
braços.
— O presente de todos está na árvore, mas o da nossa princesinha não
está.
A expressão de Vic foi impagável.
— Eu não vou ganhar presentes, vovô? — Victoria resistiu, mas
acabou fazendo cara de choro.
— O seu presente está no estábulo.
Após alguns segundos, seus olhos se iluminaram e ela abriu um grande
sorriso, um dos maiores que já vi.
— Eu vou ter um unicórnio?
Todos olhavam hipnotizados para Vic e soltaram pequenas risadas com
sua alegria.
— Quase, princesa. É um pônei.
Os gritos de Victoria foram ouvidos mesmo enquanto ela se afastava
com meu pai. Ashley também sorria ao ver a alegria de Vic, mas tinha um
semblante preocupado, e logo, soltou a minha mão e passou a acompanhá-
los. Milla e Nate também acompanharam meu pai, e eu não vi outra
alternativa que não fosse segui-los.
Assim que nos aproximamos, Ashley acompanhava todos os
movimentos de Victoria no pônei, soltando um “cuidado” vez ou outra. Eu
teria feito uma piada se ela já não estivesse tão brava comigo, então, resolvi
uma tática diferente. Me afastei de onde estava a euforia em volta de
Victoria e fui para Otto, meu cavalo. Ele era de raça pura, negro e pouco
sociável.
— Hey, rapaz.
Otto se aproximou da minha mão em reconhecimento. Uma pontada no
peito foi suficiente para que a sensação de nostalgia me tomasse. Olhei ao
redor e várias memórias invadiram minha mente. Às vezes, eu sentia falta de
tudo isso, de ser o garoto criado em um rancho de Montana e não o advogado
sofisticado de Chicago. Esse lugar era toda a minha base, minhas vivências,
todas as minhas primeiras vezes. As montanhas, a neve, os cavalos, os
amigos, a escola, as festas na pequena cidade. Era toda a minha essência.
Assim que montei em Otto, aproveitando que ainda não tinha nevado,
apesar do frio, corri em direção a Victoria que se equilibrava no pônei com
a ajuda do meu pai, sob os olhares atentos de Ashley. Milla e Nate estavam
em sua própria bolha.
Vic me olhou com olhos deslumbrados e gritou ainda mais alto
enquanto eu corria em volta dela. O riso feliz de Vic havia se tornado um dos
meus sons favoritos do mundo. A alegria dela era minha prioridade.
Quando ela se afastou com meu pai, peguei o olhar de apreciação de
Ashley, enquanto via a nossa interação. Era um olhar de desejo e ela o
desviou depressa demais quando percebeu que eu a olhava, o que só a
entregou ainda mais. Então, só porque eu não tinha amor à vida, cheguei
perto dela, encorajado pelo seu deslize, porque eu sentia falta dessa
tentação.
Sentia falta até mesmo de brigar com ela.
Quando viu eu me aproximando seus olhos se abriram, mas logo ela
adotou uma postura desinteressada, quase entediada.
— Vamos?
Ela abriu a boca e então fechou. Eu a desconcertei com meu convite e
adorei vê-la perder um pouco da pose.
— Não estou a fim de quebrar o pescoço, obrigada. — Ela respondeu
e embora o som fosse hostil, seus olhos brincavam.
— O que, nunca andou a cavalo? — Zombei.
— Posso ser de Montana, mas nasci na capital.
Estreitei os olhos para ela e seu tom impertinente, então, sem que ela
esperasse, levantei-a em minha direção, sentando-a praticamente montada
em meu colo. Um suspiro e um “ouch” foi seu único som e antes que ela se
desse conta, e quando julguei ser seguro, saí em disparada, em direção às
montanhas, longe dos outros.
— Turner, eu te odeio! — Ela gritou quando um vento cortante nos
envolvia.
— Eu sei, Ashley. — Falei em seu ouvido, rindo.
Ela soltou um grunhido irritado, mas tinha os braços trancados ao meu
redor. Senti que ela tremia, apesar de agasalhada e passei a trotar ao invés
de correr, até que paramos no alto de um precipício, um dos meus lugares
preferidos. Ele dava uma visão linda, privilegiada da beleza que era
Livingston. Inicialmente eu achei que o tremor era pelo frio, mas ela
realmente estava com medo, quase apavorada.
— Tranquila. — Falei em seu cabelo, e passei um braço ao redor de
sua cintura.
— Eu não sou seu cavalo para falar assim comigo, nesse tom.
Eu ri.
Tive que rir.
Porque essa era Ashley, no fim das contas.
Então, parei o cavalo, segurei seu cabelo e ergui seu rosto em direção
ao meu. Ela soltou um suspiro irritado e disse entre dentes:
— Eu vou descer daqui em algum momento e vai ter retorno!
Inclinei mais a sua cabeça, segurando o seu cabelo cheio em minhas
mãos. Seus olhos estavam cravados em mim e foi a minha perdição. Era uma
merda do tamanho do Lago Michigan, mas eu queria Ashley com a
intensidade de mil sóis. Eu a queria e essa merda me assustava. Algo mudou
em seus olhos, como se, naquele momento, ela também se desse conta de que
me queria. Ou talvez fosse apenas o meu desejo de que fosse isso. Essa
última teoria caiu por terra quando Ashley subiu as mãos por meu pescoço e
fechou os olhos lentamente.
E eu me perdi em seus lábios.
Me perdi no sabor doce de sua boca, no suspiro lânguido que deu,
respirando o beijo enquanto o ar gelado das montanhas de Livingston enchia
meus pulmões. Era puro como ela. Seus lábios se mexeram sobre os meus e
a apertei ainda mais contra mim. Eu não queria pensar sobre como, a cada
dia, minha necessidade por ela só aumentava apesar do quanto ela me
irritava.
Nós nos beijamos pelo que pareceram eras, sem pressa, sem
desespero, apenas degustando de cada centímetro da boca um do outro. Eu
abracei sua cintura e ela se agarrou ainda mais eu meu pescoço, passando as
pernas em volta da minha cintura. Ela era o céu na terra quando ocupava
essa boca venenosa para me beijar. Eu não sabia o que faríamos, mas eu não
aceitaria mais essa merda de frieza da parte dela.
Eu a queria assim, entregue e desejosa, desesperada por mim, como eu
estava por ela. Eu a queria gritando comigo, me xingando, me odiando, mas
reconhecendo minha existência. Eu a queria com uma força desconhecida e
queria que ela me quisesse da mesma forma, porque se eu estivesse entrando
em alguma merda sentimental, eu a queria tão envolvida quanto eu. Não
cairia nessa desgraça sozinho, levaria Ashley comigo ou morreria tentando.
Me afastei de seus lábios e fiquei preso em suas esferas escuras.
Escuras como a noite, tão escuras que contrastavam com a palidez de sua
pele.
Uma beleza única, ímpar.
— A gente tem que parar com isso. — Ela sussurrou, fechando os
olhos com força.
— Pare de ser teimosa, Ash. Por que parar, se é tão bom? — Eu
respondi, dando pequenos beijos em sua boca, seu rosto.
— Porque é confuso. — Ela abriu os olhos e me encarou com firmeza.
— E eu não quero me machucar.
Sua declaração fez meu coração galopar como o cavalo minutos atrás.
Eu respondi com seriedade, sem desviar meus olhos dos dela.
— Você já parou para pensar que eu poderia também sair machucado?
Ela riu.
— Pouco provável.
Franzi o cenho em confusão.
— Por quê?
— Eu não faço essas coisas: ficar por ficar, sem compromisso. Você
passou a vida fazendo isso, então, volto a dizer: Pouco provável você se
magoar.
— Quer um compromisso mais sério que casamento?
Ela revirou os olhos.
— Mas é um casamento de mentira.
Era engraçado como toda vez que ela dizia isso eu queria socar algo.
— O papel que assinamos diz o contrário.
— Você complica tudo, Turner. — Ela respondeu com uma ponta de
irritação.
— Não, você complica. — Eu respondi com a minha própria dose de
irritação.
Não tinha jeito, nós já estávamos brigando novamente. Por que a garota
que estava me deixando obcecado tinha que ser Ashley Mackenzie? Justo
Ashley. Insuportável, chata e arrogante Ashley. Julgadora Ashley. Gostosa,
linda e deusa do sexo Ashley. Droga.
— Você gosta de ficar comigo? — Tentei mudar a tática, vendo que
não chegaríamos em lugar algum se continuássemos seguindo a linha.
— Gosto do seu pau.
Comecei a rir e ela também, enquanto descansava a cabeça em meu
peito. Comecei lentamente a voltar para o Rancho, pois pequenos flocos de
neve já começavam a cair.
— Então vamos deixar fluir. Temos um ano para convivemos, uma
filha que em breve será oficialmente nossa e uma tensão sexual devastadora.
Vamos apenas desfrutar de tudo.
Ela não respondeu, apenas me abraçou por todo o caminho e uma
sensação de paz me tomou, somando a paisagem e o corpo de Ashley
aninhado ao meu.
Eu tomei isso como um sim.
CAPÌTULO 18

Ashley Mackenzie

Eu estava para além de emocionada.


Depois de muitos anos, eu finalmente me sentia parte de algo grande e
importante. Mesmo que aquela vozinha lá no fundo não deixasse de zumbir
em meu ouvido, dizendo que nada disso era real. Eu ignorava essa voz e
olhava para Vic. Ela era minha também, faria parte da minha vida para
sempre e esse era o melhor presente que eu já havia recebido na vida. E era
a ironia de toda uma vida que Daniel Turner, agora sentado no chão e
brincando de LEGO com a Vic, fosse o responsável para que eu me sentisse
tão completa.
Ele me deu uma filha. Quando no mundo eu poderia imaginar tal coisa?
Porque, no fim das contas, era isso. Victoria era filha apenas dele, mas no
coração… Ela era nossa.

Eu não impedia Daniel de se aproximar de mim, em público ou quando


estávamos sozinhos. Eu me permitia viver aquela ilusão. Permitia os beijos,
o aconchego e os abraços, como se o nosso casamento fosse real, como se
aquela família fosse verdadeiramente minha. Por um momento, pequeno, me
peguei desejando que realmente fosse verdadeiro.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Eu gostaria de falar, antes da Ceia.


A mãe de Daniel se pôs de pé, muito emocionada. Durante todo o dia,
um nódulo fez morada em minha garganta. Eu me lembrei dos natais com
minha avó, antes de ela falecer. Éramos somente eu e ela, mas nunca foi
menos especial ou menos importante. Eu gostaria que ela conhecesse
Victoria. Daniel percebeu que me fechei durante o dia, e, apesar de estar
sempre por perto, não ficou questionando meu estado de espírito.
— Os motivos para agradecer são muitos. É o primeiro natal com a
minha neta. — Lágrimas desceram em seu rosto quando olhou para Vic. — E
também é o primeiro natal com nossa família ampliada. Quando Daniel e as
meninas eram crianças dentro dessa casa, eu imaginava como estaríamos em
dez, vinte anos. E aqui estamos, o tempo passou e hoje cada um tem sua
própria vida. A mim, cabe as lembranças e a espera. A lembrança dos belos
momentos que passamos aqui; e a espera por cada vez que vocês aparecem.
E eu não imaginei que poderia ser tão grata, e eu sou muito grata. Grata
porque, por mais que eu sinta saudade a maior parte do tempo, vocês voltam
e vocês nos presenteiam com pessoas que poderíamos nunca ter tido o prazer
de conhecer, se não tivessem crescido e voado.
Milla, emocionada como sempre, se levantou e abraçou a mãe,
chorando também. Melissa se juntou ao abraço e logo, todos estavam
abraçados e eu os assistia, à parte. Daniel então, surpreendendo toda a
merda em mim, me puxou para o abraço também. Era para ter sido lindo. Era
para ter sido perfeito. Mas algo dentro de mim se quebrou em mil
pedacinhos, de um jeito que eu nunca tinha quebrado antes.
A noite se passou como um borrão. Eu consegui sorrir apenas um
pouco e logo estava visível que algo não estava certo comigo. Em um certo
momento, foi demais. Aquele nódulo em minha garganta pareceu me asfixiar
e eu me levantei, derrubando a cadeira atrás de mim. Ter todos os olhos em
mim, fez um pânico me tomar e eu murmurei um pedido de desculpas, saindo
da sala de jantar no meio da ceia.
Eu precisava respirar.
Eu precisava de espaço.
Eu saí para a varanda na noite fria de Livingston e fechei os olhos com
força. Porque a realidade que eu evitei todos os dias que passamos no
Rancho me bateu com a força de um meteoro no rosto: Era uma mentira, uma
mentira, uma mentira. Eu não tinha família, eu estava mentindo para os pais
de Daniel e talvez eles nunca me perdoassem. No próximo Natal eu não
estarei com eles, provavelmente estarei sozinha em meu apartamento,
fazendo algum curso que ninguém se interessa, ou mesmo idealizando um
futuro que agora parece mais e mais distante. E seria ainda pior agora que eu
sabia exatamente o que estaria perdendo.
Era uma mentira. Era tudo mentira. Meus pais morreram, minha avó
morreu, eu não tinha ninguém. Lágrimas rolaram pelo meu rosto mesmo com
os olhos fechados. Eu pensei em Victoria. Por mais que a cada dia, ela
estivesse se tornando tudo para mim, ainda havia um vazio, um doloroso
vazio que eu não entendia. E eu não queria entender. Sentir já era doloroso
suficiente.
Deus, eu precisava me recompor, mas a cada segundo, uma nova onda
de lágrimas e desespero me consumia. Foi quando senti um corpo quente
atrás de mim. O perfume era inconfundível, a mão em minha cintura estava
cada dia mais familiar, e mesmo contra todos os pretextos, senti que
relaxava. Com firmeza, Daniel me puxou para ele e me virando, envolveu
seus braços ao meu redor
Foi reconfortante.
E um alívio.
As lágrimas continuaram descendo em meu rosto, mas algo dentro de
mim foi tomado por uma calma inesperada. Eu me deixei ser abraçada pelo
homem que jurei detestar, que representava tudo o que eu não queria para
mim. Por ironia, agora ele era meu marido. Por ironia, ele estava me
consolando. Por ironia ele estava se transformando em algo mais.
Eu precisava tomar cuidado ou mais uma vez teria meu coração
partido. E algo, lá no fundo, me dizia que eu não me recuperaria tão
facilmente.
Por quanto tempo ficamos em silêncio eu não saberia dizer, seu abraço
me confortando até a tormenta dentro de mim se acalmar e as lágrimas
secarem em meu rosto. Em algum momento, meus olhos se levantaram para
Daniel, ou foi ele quem puxou meu pescoço, ou foi um gesto automático de
ambos que já estava virando rotina. Os olhos de Daniel, daquele azul
oceânico, estavam indecifráveis. Não tinha pena, não tinha calor… Não
revelava nada. Até que seus olhos desceram para minha boca e um fogo
passou em seu olhar. E sua boca desceu na minha.
Meu coração batia tão forte em minha caixa torácica que eu achei que
poderia quebrar meus ossos. Não tinha a fome sexual das outras vezes, nem
uma pitada de encenação. Não, era real, o mais real que eu já vivi. Daniel
beijava Ashley, eu, não Mackenzie, ou qualquer outro apelido rancoroso que
já me arrumou. Ele me beijou como um homem beijava a sua mulher. Como
se eu fosse dele. Como se eu pertencesse de corpo e alma a ele. E eu me vi
esquecendo tudo e desejando que fosse tão real como parecia naquele
momento. Seu corpo se apertou no meu, sua mão me aproximou o máximo
possível do corpo dele, visto a quantidade de roupa que estávamos usando
devido ao frio.
Quando ele afastou nossos lábios, mantendo nosso corpo tão colado
quanto antes, seus olhos pareciam um mar revolto. Eles estavam tomados de
determinação e arrogância que já não me irritavam.
Me emocionaram.
— Eu quero você, Ashley.
Eu já não via motivos para mentir sobre o meu desejo. Não fazia
sentido, estávamos nessa corda, nesse jogo de empurra e afasta há algum
tempo agora, e já não fazia sentido fugir. Eu o queria, tanto que me assustava.
Quanto às consequências, eu lidaria com elas no tempo certo.
— E eu quero você, Daniel.
Alívio era a sua expressão. Ele fechou os olhos e aproximou nossos
rostos. Daniel parecia tão perdido no turbilhão de emoções quanto eu. Eu
sentia que ele compartilhava da mesma confusão que eu. O que diabos era
isso entre nós? Desde quando Daniel eu tínhamos atração entre nós? Ou
qualquer sentimento que não fosse desprezo mútuo? De onde veio tudo isso?
Eu não pude pensar muito quando senti que meus pés deixavam o chão
e Daniel entrava comigo na casa, subia as escadas e me levava para o nosso
quarto. O quarto que compartilhávamos no Rancho. Daniel então começou a
me despir com uma paciência que eu não sabia que ele tinha até então. Uma
por uma, minhas peças de roupas e as dele foram caindo no chão. Os olhos
de Daniel ao me ver nua em sua frente parecia de adoração. Ou talvez eu
estivesse ficando louca.
Novamente, ele me pegou nos braços como se eu não pesasse nada e
me deitou na cama, deitando-se ao meu lado. A tranquilidade do momento
era muito diferente do turbilhão interior que eu sentia. Beijos foram
distribuídos por todo o meu corpo, como nenhum outro antes dele tinha feito.
Eu pensei então que não era à toa que as mulheres se apaixonavam por ele,
porque era um amante exímio. Antes que eu seguisse por esse caminho, que
me incomodava profundamente, Daniel atingiu a minha intimidade com a
língua.
E eu não vi mais nada. Só senti.
Algo sobre a calma, perspicácia e paciência que ele me provocava, me
levou ao limite de uma forma totalmente nova. Eu parecia insana, totalmente
fora de mim. E então a calma não era mais calma. Não quando ele me
penetrou e muito menos quando ele segurou meu rosto e exigiu meus olhos e
eu prontamente os dei. Cada arremetida em mim, novamente me deixava no
limite e ter os olhos de Daniel nos meus, sem se desviar por um segundo que
fosse, fez o ato ainda mais íntimo do que já era. Cada estocada vinha com
uma promessa que eu ainda não entendia. E quando chegamos ao clímax, foi
como se cada promessa professada pela linguagem dos nossos corpos fosse
selada.
Foi maravilhoso.

E eu estava ferrada.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Meu irmão está diferente — Milla se sentou na cadeira ao meu lado


e me entregou uma caneca com café, na varanda com vista esplendorosa da
casa de seus pais. Estava frio, mas era lindo demais para que eu não ficasse
olhando.
Eu tinha tido uma noite maravilhosa, e antes de sair com seu pai e
Nate, Daniel me acordou, me beijou até que eu quase perdesse os sentidos e
disse que só voltaria no fim do dia.
— Não quero falar, Milla.
— Só me diga então que você está bem.
Olhei para ela e sorri.
— Eu estou bem, prometo.
— Eu amo você. E amo Daniel. Quero vê-los felizes. Sei que está
acontecendo algo entre vocês e caso não queira falar, eu respeito. Só quero
que saiba que você tem todo o meu apoio.
Eu olhei para minha melhor amiga e então para as montanhas
salpicadas de neve.
— Eu não quero falar porque realmente não sei dizer o que está
acontecendo. Só sei que algo está acontecendo. É o que eu posso te dizer.
Era o que era. Algo que eu ainda não entendia, mas não iria me
desesperar, iria apenas viver um dia de cada vez.
CAPÍTULO 19

Daniel Turner

A audiência foi como esperada, Victoria Grace Ford Turner era


oficialmente nossa. O primeiro abraço foi de Ashley e foi impossível conter
o meu impulso de levanta-la do chão e girá-la. E eu estava pensando em
quão patética era a cena, porque eu estava feliz, muito feliz.
— Ela é nossa! — Ashley gritou em meu ouvido.
— Nossa!
Meu sorriso se alargou ainda mais vendo o quanto ela estava feliz com
a nossa vitória. Ela amava minha filha como uma mãe ama um filho, eu não
tinha dúvidas disso. Ainda em meus braços, ela segurou meu rosto e me
beijou com entusiasmo. Não foi um ato isolado. Estávamos cada dia mais
próximos desde o Natal, há duas semanas. A única novidade era a estranha
palpitação em meu peito toda vez que ela estava perto de mim ou comigo. Ou
quando ouvia sua voz. Mesmo quando brigava comigo. Droga, isso era uma
merda sentimental e eu estava caindo.
— Precisamos comemorar! Natalie vai levar a namorada dela para
conhecermos hoje; Milla e Nate também vão para nossa casa.
A maneira como ela disse casa, se apropriando, tornando-a sua
também, fez mais uma vez eu sentir aquela estranha palpitação, um aperto
quase angustiante, mas ainda assim, bom. Eu a beijei para que ela não me
lesse, até sentir um toque em minhas costas. Quando me afastei, Luke Ford
estava atrás de mim, mal conseguindo esconder seu ódio.
— Eu vou estar de olho em cada passo seu, Turner. Não pense que a
guerra está ganha, esta foi apenas uma batalha. Não deixarei o legado da
minha família nas mãos de um golpista interesseiro como você.
Eu coloquei Ashley atrás de mim e encontrei Luke peito a peito, meus
olhos firmes nos seus.
— Fique. Longe. Da minha. Família. Eu sei o que você fez e esse é
meu último aviso. Talvez você não enxergue acima de sua arrogância, mas
não tem ideia de com quem está se metendo.
Luke Ford apenas sorriu e se afastou com seus seguranças e homens
engomadinhos. Seu sorriso continha uma ameaça velada. O que ele não sabia
é que eu também tinha deixado o meu aviso. Eu iria até as últimas
consequências pela família que estava construindo.
O pensamento me surpreendeu.
Quando me virei para Ashley, ela estava pálida, mais que o normal. Eu
segurei os dois lados de seu rosto até seus olhos encontrarem os meus. Ela
estava levemente trêmula e seu lábio inferior tremeu.
— Ele ameaçou a gente…
— Ashley, preste atenção. Olhe em meus olhos. — Ela olhou e eu
disse com toda a convicção que pude reunir — Eu nunca vou deixá-lo fazer
nada com você nem com Victoria. Você me entendeu?
— Eu tenho medo por você. — Ela sussurrou e eu congelei.
Nos olhamos pelo que pareceu uma eternidade, enquanto eu me dava
conta de que ela se preocupava comigo. Que tinha medo por mim. Após a
sua declaração e a força da compreensão, um clima estranho ficou entre nós.
E então, para quebrar um pouco a tensão, por claramente não sabermos o que
fazer com o momento, dei um sorriso.
— Acho que você gosta de mim, Mackenzie.
Ela sorriu, parecendo aliviada.
— Não se anime, Turner. Eu só não quero Milla ou Victoria de coração
partido.

Eu soltei uma pequena gargalhada, porque esse era o nosso Modus


Operandis e eu já não odiava tanto assim. Ficamos ali, abraçados, enquanto
eu não conseguia formar um único pensamento lógico que pudesse explicar o
que diabos estava acontecendo comigo.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Você vai precisar nomear alguém para cuidar das ações de Victoria
na Ford. — Eric disse, se sentando na cadeira à minha frente. Viemos para
casa assim que saímos do tribunal e ele me acompanhou. Porque a tutela da
minha filha vinha com uma responsabilidade imensa.
— Eu preciso que me ajude a nomear alguém de nossa confiança.
Quero assegurar os direitos dela, mas não quero me envolver muito.
— Eu conheço uma pessoa, vamos marcar uma reunião essa semana
para vocês se conhecerem.
— Confio em você para isso. Luke tentou fazer um acordo, ele quer
comprar as ações de Victoria.
Talvez fosse o melhor. Talvez fosse o mais seguro.
Mas eu não tiraria de Victoria a decisão do que fazer com a própria
herança. Quando ela crescer, ela decidirá o que fazer. Por enquanto, as
coisas seriam assim. Suspirei e passei a debater outros assuntos com Eric. O
tempo passou, até ser quase noite e Eric se despediu.
Subi para o meu quarto, escutando as risadas de Ashley e Victoria.
Tropecei em um urso no caminho e fui abraçado pelo perfume de Ashley
assim que entrei no quarto. Nós estávamos dividindo o quarto, minha casa já
não tinha a organização impecável de antes, mas eu nunca tinha sentido tanta
vivacidade nela. Eu estava feliz, de um jeito que eu nem sabia que poderia
ser.
Depois que me arrumei, desci para onde as duas estavam. Ashley
segurava a mão de Vic e a ajudava a confeitar um cupcake.
— Tá parecendo um unicórnio, mamãe? — A pequena careta de Vic
foi fofa quando ela perguntou. Ashley tentou manter um semblante sério
quando respondeu:
— Ah, está sim. É um lindo touro.
A seriedade durou dois segundos. As duas se olharam e começaram a
rir.
— Vamos tentar mais uma vez, esse está parecendo um touro com um
chifre. — Ashley disse e as duas foram para o próximo.
— Vamos.

Em breve nossos convidados viriam comemorar conosco termos


conseguido a tutela de Vic. Eu me aproximei e Victoria soltou um grito
absurdamente alto para uma criança do tamanho dela, me contando sobre o
touro que deveria ser unicórnio. Os olhos de Ashley também estavam
brilhando e eu beijei a testa de Vic e a boca de Ashley, bem rapidamente. A
palpitação estava de volta, mas eu não pensei sobre isso. Hoje era um dia
para comemorar, e eu comemoraria. Deixaria qualquer outro assunto para
depois.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Mesmo contra todas as apostas, você e Ashley estão se dando bem.


Parecem um casal loucamente apaixonado. E nem parece encenação.
Nate, como sempre, se sentou ao meu lado no sofá, apenas para me
atormentar. Ashley estava junto com Milla e Natalie, conhecendo sua
namorada, Jenny. Elas estavam envolvidas em alguma conversa e rindo
muito. Victoria, que estivera grudada em Nate desde que ele passou pela
porta, pegou o tablet e foi jogar, mas se eu conhecia minha filha, logo ela
estaria dormindo. Eu poderia afirmar pela forma como ela esfregava os
olhos com as mãos, uma vez e outra. Quando olhei para Ashley, ela também
olhava Vic e parecia ter chegado à mesma conclusão que eu. Então, ela se
aproximou, falou algo e Vic respondeu com uma negação. Ashley deu um
beijo na testa dela e eu escutei um “só mais dez minutinhos” e se afastou. No
caminho de volta para as garotas, ela olhou em minha direção e deu uma
piscada. Eu sorri para ela. Quando olhei para Nate, ele sorria de orelha a
orelha.
— Cale a boca.
— Eu não ia dizer nada, mas já que tocou no assunto…
— Não toquei em assunto algum.
— Eu só ia dizer que estou feliz por vocês.
— Feliz com o que?
— Não seja um idiota, Daniel. Eu não fui, então me vejo no direito de
te dizer isso. Mas muitos caras por aí perdem a oportunidade de ser feliz,
por puro orgulho ou por não enxergar o óbvio. — Ele olhou para Milla, que
lhe soprou um beijo e ele soprou outro de volta. — Quando eu me dei conta
de que sua irmã era a única, eu não perdi tempo e tratei de garantir ela em
minha vida.
— Não estou a fim de ouvir sua história melosa com minha irmã, Nate.
Era mentira. Nate estava falando de algo que internamente sempre
admirei. Nate foi muito homem e quando se deu conta de que amava minha
irmã, ele foi até as últimas consequências por ela. O que não significava que
estava ocorrendo o mesmo comigo.
— Vocês estão construindo algo bonito, Dan. Te digo agora, como
irmão. Você não é tão ruim quanto quer parecer, ou tão desapegado quanto
demonstra. Você ama Victoria. E está desenvolvendo sentimentos por Ashley.
Olhei para onde Ashley estava. Era a terceira taça de vinho que ela
tomava e eu já poderia ver que ela estava levemente alegre demais. Seu
cabelo negro, liso, caía para um lado do rosto e ela sorria amplamente. Eu
poderia ficar olhando para ela por minutos seguidos, pois era hipnotizante
como o cabelo dela adornava seu rosto, ou como ela ria e sorria.
— Cara, se me permite um alerta, você já foi fisgado. — Nate disse
com uma sonora gargalhada que chamou a atenção das garotas. Elas se
aproximaram e Milla já caiu no colo de Nate. Ashley também se sentou ao
meu lado e passou o braço no meu, assim, naturalmente. Nate apenas
continuou sorrindo.
— Do que vocês estão rindo? — Natalie perguntou.
— Das jogadas da vida — Nate respondeu com um sorriso de merda.
Ninguém pareceu entender, mas eu mantive o olhar em Nate, querendo
que ele entendesse a quantidade de ameaças que continha ali. Ele continuou
sorrindo, sem se preocupar com meu olhar ameaçador (o que eu já
esperava), mas pelo menos não disse nada. A conversa prosseguiu, mas eu
estava muito inclinado nas sensações que o pequeno corpo de Ashley ao meu
lado despertava em mim. Eu estaria mesmo me apaixonando por essa
baixinha insuportável? Mesmo que esporadicamente eu participasse de uma
conversa ou outra, Nate tinha conseguido entrar em minha mente.
Esse contrato acabaria em meses. Eu estaria pronto para deixá-la ir
embora da minha vida? Compartilhar a guarda de Victoria, enquanto
voltávamos a ser basicamente dois estranhos? Eu estaria pronto para vê-la
se casar novamente e ter outro homem participando da vida da minha filha?
Onde eu estava com a cabeça quando aceitei um acordo desses, sem
visualizar todas as variáveis? Pensar em tudo isso me deixou levemente
enjoado. Agora ela estava aqui, com o braço no meu, o corpo aconchegado
ao meu, seu perfume me inebriando, e assim estava perfeito. Mas e depois?
Com o tempo, o pessoal começou a se despedir. Após o último
convidado sair, eu levantei Victoria do sofá, onde ela tinha adormecido, e
subi com ela para o seu quarto. Eu estava distante, perdido em todos esses
pensamentos. Então fui para o meu quarto e coloquei uma calça de pijama,
me deitando na cama e olhando para o teto.
Era uma merda do caralho essa incerteza. Mas eu estava desesperado,
o que mais eu poderia ter feito? A verdade é que Victoria não poderia ter
tido uma mãe melhor que Ashley. Ela era cuidadosa, atenciosa e amava a
minha filha. Que também era filha dela, independente do nosso
relacionamento.
Ashley não tinha subido ainda e eu estava ficando mais e mais
angustiado, sozinho aqui no quarto. Então meu celular tocou e eu quase não
fui ver o que era, mas ver o nome na tela me deixou intrigado.
Era Ashley.
— Por que está me ligando?
— Victoria está dormindo?
— Está. Você saiu?
— Venha aqui na cozinha.
— O q…
A cobrinha desligou.
Eu queria ignorar, mas enquanto eu pensava, meu corpo já estava em
movimento, saindo do quarto e descendo as escadas. Passei pela sala e
entrei na cozinha.
E a visão me fez perder o fôlego.
Ashley estava curvada no balcão, à meia luz, e parecia usar somente
uma pequena calcinha preta de seda. E eu tive certeza de que era só isso
quando ela se virou com um sorriso safado no rosto. Eu engoli em seco, meu
pau já duro em minha calça. Ela olhou o volume na calça e sorriu.
— Vai ficar me olhando?
Eu estava em frente a ela em quatro passos. Sem pudores, levantei-a
sobre o balcão e abocanhei um dos seus seios. Ela puxou minha cabeça para
trás pelo cabelo e com a outra mão, pegou uma porção do chantilly, usado
para confeitar os cupcakes mais cedo. E ela o passou no bico que eu tinha
acabado de chupar.
— Você quer brincar, Mackenzie? — Falei enquanto ela me olhava
ansiosamente. Muito devagar eu me aproximei, passando somente a língua
em seu bico intumescido. Ela suspirou e mordeu o lábio inferior.
— Não me provoque, Turner.
— Ou o que?
O desafio passou em seus olhos e em seguida, ela me empurrou no
balcão, ficando de joelhos na minha frente. Em um movimento brusco, ela
abaixou minha calça e pegou o pote de chantilly.
Ela deslizou uma porção em meu pau latejante. Suspirei pesadamente,
até que senti a ponta de sua língua em todo o meu cumprimento. Desci os
olhos para os dela e ela estava me dando seu sorriso vitorioso assim que
percebeu minha respiração superficial.
Víbora.
Ela continuou com essa brincadeira até eu perder a paciência. Segurei
seu cabelo em minha mão e forcei meu pau em sua boca. A bruxa ainda teve
a audácia de rir, me vendo perder o controle. Isso só serviu de combustível
para que eu fodesse a boca dela ao meu bel prazer. Quando eu achei que iria
gozar, levantei-a e voltei e sentá-la no balcão. Passei uma porção de
chantilly novamente em seus seios e os devorei, até que deixasse minha cota
de marcas em sua pele alva.
Seus suspiros e gemidos logo foram engolidos por minha boca. E então
eu a penetrei sem aviso. Ashley revirou os olhos e curvou-se para trás.
Ficamos ali, unidos, curtindo a sensação um do outro. E então, ela voltou o
rosto em minha direção, seu cabelo grudando nas laterais do seu rosto. Eu
sentia cada terminação nervosa da nossa união. Fiquei tonto, uma intensidade
jamais sentida antes. Ela estava linda assim, com a face ruborizada, cheia de
mim, suada pelo nosso prazer. Ela não precisava dizer nada, eu vi ali que era
tão maravilhoso para ela quanto para mim.
E foi quando eu decidi, a certeza se concretizando com cada
arremetida em seu interior, perseguindo um prazer que eu só senti com
Ashley.
Já tínhamos tudo.
E eu não abriria mão dela.
CAPÍTULO 20

Ashley Mackenzie

Não era a primeira vez que eu tinha essa sensação. A de ser seguida.
As aulas de Victoria tinham retornado nesta semana e como a escola não era
muito longe da arena eu fazia todo o caminho andando. Eu amava uma boa
caminhada matinal e gostava de fazer a minha corrida logo de manhã, depois
de deixá-la. E na próxima semana os treinos do Chicago Winters retornariam
e eu deveria estar todo o tempo por lá.
Baixei a música que estrondava nos meus ouvidos e novamente parei.
Não queria parecer uma mulher histérica ou surtada. Queria acreditar que
Luke Ford tinha desistido de conseguir a tutela de Victoria por ter perdido
para nós no tribunal. Queria acreditar que ele não arranjaria mais problemas
e, principalmente, queria acreditar que eu já tinha superado cem por cento o
tiroteio no estacionamento do hotel. Era o que eu repetia para mim todos os
dias.
O mês que transcorreu foi… Um sonho. Um sonho do qual eu queria
cada vez menos acordar. Daniel ainda me irritava, mas era um excelente pai,
e por mais que me assustasse admitir, era um excelente marido. Às vezes, era
difícil me lembrar que era apenas uma conveniência. Estávamos vivendo
todos os dias como se tudo fosse realidade. Eu sentia o contrato pairar ao
nosso redor, mas nem eu, nem Daniel, mencionávamos a real natureza do
nosso casamento.
Parei novamente e olhei para trás, tendo aquela sensação ruim se
apossando de mim novamente. Tirei os fones, percebendo que não tinha
quase ninguém na trilha onde estava. Eu tinha ficado muito tempo em casa e
tinha aberto mão de muito pelo meu medo desde o tiroteio, então hoje resolvi
estender a minha corrida. E eu já estava mortalmente arrependida, pois
olhando mais ao meu redor, não havia mais ninguém.
Apesar do frio de início de fevereiro em Chicago, minha regata por
baixo do moletom colava em minhas costas. Eu dei o primeiro passo de
volta, quando o vi. Um homem estava no meu caminho, alguns metros à
minha frente. Ele vestia roupas negras e tinha uma arma apontada em minha
direção.
Eu congelei.
Não consegui gritar, apenas fiquei olhando para o homem, mesmo com
o pânico cada vez mais crescente dentro de mim. Eu iria morrer, ele atiraria
em mim. Talvez esse seja o legado da minha família, talvez esse seja o meu
destino. Pensar assim inicialmente me trouxe paz enquanto eu olhava o
homem que me apontava a arma. Mas então me lembrei de Vic, de Daniel.
De tudo o que compartilhamos nos últimos meses, mesmo contra todas as
possibilidades. E uma vontade louca de lutar pela minha vida me tomou. Eu
dei um passo para trás e ele um para frente.
— Não faça nenhuma besteira, lindinha. — A forma lasciva com que
ele me olhou fez a bile subir em minha garganta. Sua voz fazia promessas
horríveis e eu senti meus olhos queimarem. — Você vai me acompanhar
agora, está me ouvindo? Vai me acompanhar até o meu carro, que está a
alguns metros daqui. E depois nós iremos dar uma volta, só nós dois.
Eu não conseguia me mexer. Finalmente, olhei ao meu redor, quase
histericamente. Quando voltei os olhos para o homem em minha frente, ele
estava se aproximando de mim, então não estava mais. Algo em sua
expressão mudou, ele parou abruptamente e destravou a arma, com olhos
arregalados.
E eu ouvi o som de um tiro.
Levei minhas mãos à boca para parar o grito, quando percebi que a
mão não era minha. Uma mão preta e enluvada segurava minha boca fechada
enquanto eu assistia a cabeça do primeiro homem ser lançada para trás e ele
cair de costas, sem vida, seus olhos ainda abertos. A arma tinha um
silenciador, mas ainda assim, o estrondo de mim foi como se não tivesse.
— Quieta. Venha comigo.
O segundo homem, que ainda me segurava de costas para ele, passou a
me arrastar para o outro lado do parque. A histeria me tomou e eu comecei a
me debater ferozmente. Eu tinha saído da mão de um assassino para cair nas
mãos de outro? Esse homem acabou de matar um homem na minha frente.
Comecei a tentar me soltar, eu só queria voltar para casa, eu só queria não
ter tido a ideia horrível de correr mais longe.
— Quieta, você está segura.

Não foi o suficiente para me parar. Eu era pequena, mas estava dando
trabalho para ele. Ele resmungou algo parecido com não querer me
machucar, mas então ele tirou a mão da minha boca e apertou meu pescoço.
Se eu consegui gritar por dois segundos foi muito, pois logo senti minha
visão escurecer e a última sensação que senti antes de apagar, foi que o
homem me levantava nos braços.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Eu acordei em um sobressalto.
Olhei ao meu redor, me dando conta de que estava em um quarto
estranho. Tudo o que aconteceu veio como uma bomba em minha mente e eu
me levantei um pouco tonta. Eu teria sido sequestrada? Que lugar era esse?
O quarto ostentava uma decoração cara e antiga. Era impessoal, mas ainda
assim, tinha um apelo totalmente inalcançável.
Me levantei com os pés descalços e fui direto para a porta,
encontrando-a aberta. Luke teria me sequestrado para o que, exatamente? Ele
era tão confiante que deixaria tudo aberto assim? A adrenalina me fez ficar
frenética e sem pensar, saí pelo corredor, em direção a uma escada, que eu
pararia para admirar, se não fossem as circunstâncias.
Foi quando escutei rugidos que eu conhecia muito bem.
Era Daniel.
Daniel estava aqui e o reconhecimento me fez correr. Ele teria vindo
me buscar? Ou ele teria sido trazido para cá também? Sem pensar muito,
terminei de descer as escadas e parei na entrada da sala, igualmente perfeita
como o resto da casa. Daniel estava em pé, desalinhado e falava com um
homem de cabelos negros e uma imponência quase impossível de não
perceber, mesmo que ele se mantivesse sentado. Outro homem também
estava na sala e foi quando o reconheci.
O homem que me trouxe para cá...
Foi aí que parei e continuei olhando aquela estranha dinâmica.
O homem de cabelos negros soava como uma espécie de chefe, tinha
uma perna sobre a outra e parecia entediado. Seus olhos encontraram os
meus e um arrepio me tomou dos pés a cabeça. Os olhos dele eram
assustadores, embora eu não soubesse exatamente o motivo. Ele não me
delatou ali na entrada, mas seu olhar firme fez com que Daniel, e o outro
também, olhassem para mim.
Quando vi Daniel, ele me olhou primeiro com surpresa, seguido de
alívio e depois, com uma ponta de remorso, quando ele deu um passo à
frente. Foi quando ele parou e seu olhar era de raiva pura. Ele voltou com
um rugido e acertou o meu captor no rosto. Eu tampei a boca com a mão e
sufoquei um grito.
— Eu disse para nunca tocá-la! — Daniel gritou para o homem que me
capturou e eu fiquei ainda mais confusa.
O homem limpou o canto da boca e, calmamente, pegou a arma que
estava no aparador. Meu coração disparou no peito, porque eu já tinha visto
este homem cometer um assassinato hoje e ele faria o mesmo com Daniel.
Ele apontou a arma para Daniel, que apenas o olhou, sem remorso ou
qualquer sinal de que estava arrependido.
— Carl, chega. — A voz foi do homem que estava sentado. Carl ainda
olhou Daniel por alguns segundos e então abaixou a arma.
— De nada por salvar a vida da sua vadia.
Daniel fez menção de ir novamente em direção ao homem, mas o de
cabelo preto se levantou, como se a situação toda fosse apenas uma dor de
cabeça.
— Saia, Carl.
Ele olhou para Daniel, depois para mim, em seguida para o homem que
parecia ser o chefe e então se foi. Eu fiquei aliviada quando o vi deixar a
sala. Daniel veio até mim, finalmente, e olhou para meu pescoço. Levantou
as mãos e passou os dedos em um local específico ali e depois beijou minha
testa. Abracei Daniel como se ele fosse a minha tábua de salvação. Eu ainda
tinha inúmeras questões não respondidas, como por exemplo, quem eram
essas pessoas, por que ele estava aqui, o que estava acontecendo que ele não
tinha me falado. E eu sabia lá no fundo que não gostaria das respostas.
Contudo, agora, eu só queria a presença de Daniel.
— Vamos embora daqui. — Ele disse com a cabeça enfiada no meio
do meu cabelo. Era tudo o que eu mais queria, mas ainda me vi perguntando.
— Não vai me apresentar o seu amigo.
O corpo de Daniel ficou tenso. Eu me afastei do seu abraço para que
pudesse olhar para ele e para o homem de olhos estranhos.
— E então, Dan? Não vai me apresentar à sua esposa?
Esta parecia ser era a última coisa que Daniel queria fazer na vida,
mas então, ele nos apresentou:
— Ashley, este é Vicenzo, um velho amigo.
O homem se aproximou com um copo de uísque em uma das mãos e a
outra, segurou uma das minhas.
— Muito prazer, senhora Turner. Eu sinto muito pelo que aconteceu
esta manhã com você, mas sei que o seu marido irá lhe explicar tudo.
Ele tinha a voz mansa e estranhamente autoritária. Apesar das palavras
gentis, eu estava morta de medo por dentro. Vicenzo não era um cara bom,
ele não era um mocinho, eu apostaria minha alma nisso. Daniel interrompeu
o nosso contato, puxando minha mão e eu agradeci internamente por isso.
— Amanhã nos falamos, Vicenzo.
Um aceno com a cabeça foi a única resposta, e logo, estávamos saindo
da casa. Havia homens armados na entrada da porta, em alguns pontos
isolados no imenso pátio e jardim, os muros altíssimos dando ideia de uma
fortaleza, os portões com guardas tanto dentro, quanto fora da casa e a
localização distante… E isso só serviu para afirmar o que eu pensei
inicialmente. Mas a questão que ficou em minha mente, que predominou, foi
que tipo de relação Daniel teria com Vicenzo?
CAPÍTULO 21

Daniel Turner

Terror ainda corria em minhas veias enquanto saíamos da casa de


Vicenzo Capello em direção à nossa cobertura. Só senti tanto medo assim em
minha vida nas vezes em que minha irmã Milla tinha sido sequestrada. Eu
estava indo para o tribunal quando Vicenzo me ligou, afirmando que os
homens que seguiam Ashley a salvaram de uma tentativa de assassinato.
Vicenzo conseguiu limpar o local a tempo e desovar o corpo do atacante em
algum ponto distante do lago Michigan.
Saber que Ashley esteve na mira de uma arma e por muito pouco não
tinha morrido, me deixou em um pânico irracional, de uma maneira que eu
não esperava. Eu sabia que era normal ficar preocupado com ela, afinal, eu a
coloquei nessa situação em primeiro lugar. Mas a angústia que predominou
em mim foi quase insuportável, o ar faltou em meus pulmões e eu estive a
beira de um verdadeiro ataque de pânico. E mesmo depois de vê-la, seu
pescoço marcado fez minha última gota de sanidade escapar.
A única verdade que consegui visualizar em toda essa situação era que
Ashley era muito mais importante para mim do que eu imaginava. Não por
ser a minha esposa, a melhor amiga da minha irmã ou a mãe da minha filha.
Todas essas coisas já a fariam uma das pessoas mais importantes da minha
vida, apenas por consequência, mas era mais que isso. Era por ela mesma e
por toda a presença que já fazia parte do meu dia-a-dia. Perder Ashley não
seria inaceitável apenas pelo sofrimento que causaria nas pessoas que eu
amo. Perder Ashley seria inaceitável por mim, porque eu não conseguiria
imaginar sequer um dia sem a sua boca inteligente, seu humor ácido ou
mesmo aquele lado meigo e gentil que ela mostrava cada dia mais para mim.
Era simplesmente por ela ser ela. Pelo que representava para mim. Algo que
eu ainda não sabia como nomear, ou talvez soubesse, mas ainda assim, a
representação de algo que eu não conseguiria viver sem. Nunca.
— Quem é Vicenzo? — Sua voz saiu sussurrada e cansada. Seus olhos
estavam vermelhos, mas ainda tinha aquela nota de teimosia. Suspirei
pesadamente e então respondi.
— Nós nos conhecemos na faculdade.
— Ele não é um homem bom.
Desviei os olhos da estrada por um segundo e estudei o perfil de
Ashley. Não adiantaria mentir, não havia sentido. Ela ainda não sabia, mas
nunca sairia da minha vida, então eu não deveria esconder nada dela.
— Não.
— Não é só amizade. — Ela me olhou. — Você faz negócios com ele.
Apertei o volante, lamentando a inteligência afiada da minha esposa e
sua sensibilidade. Era algo cada vez mais marcante em Ashley, ela conseguia
sentir a energia das pessoas no ambiente. Era um dom, um que eu admirava,
mas nesse momento exato, estava me irritando.
— Faço.
Ela fechou os olhos e eu prendi a respiração.
— Que tipo de negócios?
— Exatamente o que você está pensando.
— Vocês são o que? Você faz parte de algum sistema do crime
organizado? Quais são os tipos de negócios que vocês têm? Já pensou nas
consequências de tudo isso, se Luke Ford descobrir algo assim? Você pode
perder Vic! Nós podemos perder Vic!
— Não queira ensinar um padre a rezar a missa, Ashley, nosso mundo
funciona à base de cordas. Sabe aquele homem que você acabou de sair da
casa? Ele manda em Chicago. Ele mexe os cordões e escolhe quem vive e
quem morre. Meu trabalho? Manter sua ficha limpa. Sabe o homem que
quase atirou em você? — A cada palavra dita, ela estremecia um pouco mais
pela veemência de minha voz — Ele foi mandado por Luke. Eu não vou
cruzar os braços e esperar que ele tire de minha vida você ou Victoria. Se eu
tiver que sujar minhas mãos para proteger vocês, eu vou sujar.
Entramos no estacionamento, contudo, mesmo depois que
estacionamos, ninguém se mexeu. Ashley fechou os olhos e encostou a
cabeça na parte de trás do banco.
— Então o que é, tipo uma máfia?
— Eu não sei de todos os negócios de Vicenzo, Ash. Só os que são
convenientes e eu prefiro assim. Vicenzo é um homem poderoso e perigoso,
e sim, ele está fazendo a nossa proteção no momento. Seremos seguidos por
seus homens, até…
— Até o que?
— Até que ele resolva a situação.
— Matando Luke, presumo que seja essa a solução. — Ela disse
sarcasticamente.
— Se for necessário, sim. E se me permite uma opinião honesta, eu
prefiro esse homem morto a alguém importante para mim.
Os olhos de Ashley foram para os meus e palavras não ditas flutuaram
em nosso olhar. Eu queria que ela me dissesse o que estava em sua mente,
mas ao mesmo tempo, estava apavorado. Ela se assustaria? Me afastaria? A
intensidade do nosso momento a fez decidir desviar o olhar do meu.
— Não sei o que pensar sobre isso. Parece errado. Isso é perigoso. —
Ela sussurrou e então fechou novamente os olhos, algumas lágrimas rolando
pelo rosto. — Que confusão, meu Deus.
Eu a segurei pelos ombros e a virei em minha direção.
— Jamais deixarei que algo de ruim te aconteça, Ash. Nunca. Você
nunca mais estará sozinha. Nunca mais.
Eu esperava que ela entendesse o real significado dessas palavras,
queria que ela soubesse, embora eu não estivesse pronto para falar
abertamente. Queria que ela se sentisse segura como quando me viu na casa
de Vicenzo e seus olhos se aqueceram para mim. Queria que fosse sempre
assim, que ela sentisse que poderia confiar em mim.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Ashley estava calada e distante. Eu dei tempo dela, para que ela
pudesse digerir o que tinha acontecido. Ela não tinha saído do nosso quarto,
o que foi um alívio e um sopro de esperança. As duas vezes em que fui vê-la,
ela estava dormindo profundamente. Pedi para que Milla ficasse por hoje
com Vic. Ela tinha ouvido parte da história, o suficiente para entender que eu
precisava de um tempo com Ashley.
Eu ainda estava sem entender qual o objetivo de Luke Ford ao atentar
contra a vida de Ashley. Porque não eu? Ou mesmo Victoria? O que eu
estava perdendo com toda essa situação? Dominado por esses pensamentos,
liguei para Vicenzo.
— Tomou um chá de boceta para se acalmar?
— Matar Ashley não está fazendo sentido.
O silêncio do outro lado da linha era o mesmo que uma resposta
positiva. Vicenzo odiava não entender as situações, claramente, ele estava
tão confuso quanto eu.
— Por que Ashley?
— A pergunta correta seria: por que Ashley seria um risco para Ford,
mais que Victoria? Ele sabe de algo que não sabemos. O que sabe sobre sua
esposa?
Por algum motivo, enrijeci. A vida de Ashley era um livro aberto,
todos nós sabíamos que ela perdeu os pais quando criança e foi criada pela
avó. Não era segredo. Nunca foi.
— Ashley não tem segredos.
— Você não pode ter certeza.
— Ashley é uma das pessoas mais sinceras que conheci em toda minha
vida. Ela é a melhor amiga da minha irmã e apesar de um pouco chata, é
inofensiva.
Vicenzo deu um suspiro quase irritado e, por fim, disse.
— Eu vou investigar a vida de sua esposa, Daniel. É a segunda vez que
tentam matá-la. Ela, não você ou sua filha. Eu sempre desconfiei de que algo
nessa história não fazia sentido. O filho da puta está um passo à nossa frente
e devemos descobrir o que não sabemos.
— Será uma perda de tempo, mas faça o que achar necessário.
Vicenzo apenas desligou o telefone, como sempre.
Ele investigaria a vida de Ashley, e mesmo que eu tivesse certeza de
que Ashley era um livro aberto, algo dentro de mim começou a cogitar a
possibilidade de Vicenzo ter razão. Subi as escadas até parar na entrada do
nosso quarto. Ashley estava sentada na beira da cama, encarando o chão.
Olhei para o relógio e eram quase 21h00. Devagar, me aproximei e sentei ao
seu lado. Automaticamente, sua cabeça pendeu para o meu ombro e eu acolhi
como se fosse a coisa mais normal do mundo. E estava se tornando.
— Vic?
— Está com Nate e Milla.
Ela fechou os olhos e vi quando algumas lágrimas caíram de seus
olhos. Meu peito apertou e eu a trouxe para o meu colo desejando apagar o
que quer que estivesse tirando a paz dela. Era horrível a sensação de
impotência.
— Tem alguns dias que sinto alguém me seguindo. — Ela disse, com a
cabeça em meu peito.
— Sobre isso… — Ela levantou os olhos para mim, o quarto
iluminado apenas pelo abajur. — Eu pedi para que os homens de Vicenzo
ficassem de olho em você e Vic. E em Nate e Milla também. E em meus pais
e claro, Melissa.
— Acha que todos nós estamos em perigo? — Ela perguntou,
alarmada.
— Eu não vou arriscar nenhum de vocês.
Seus olhos passaram de alarmados para emocionados. Ela segurou os
dois lados da minha cabeça e aproximou os nossos rostos, uma expressão
chorosa tomando conta.
— Ah, Daniel…
Quando nossos lábios ficaram alinhados, um beijo que mais parecia
uma carícia, começou a se desenhar em nossos lábios. O sabor salgado de
suas lágrimas só deixou a intimidade do momento mais intensa. Ela virou
uma perna e montou o meu colo e ficamos assim por um tempo. Então ela me
abraçou com pernas e braços e encostou a cabeça em meu ombro.
— Não podemos deixar que nada aconteça com Vic, Daniel. Eu
morreria se perdesse mais alguém que amo.
— Eu prometo que não vou deixar você perder mais ninguém.
Um risinho fez cócegas em meu ombro.
— Não pode me prometer isso.
— Eu prometo que vou te fazer feliz, Ash.
— Enquanto durar o contrato?
A voz dela tinha o tom de uma brincadeira, mas quando eu a puxei
suavemente pelo cabelo e a fiz me encarar, minha resposta foi séria. Real e
verdadeira.
— Pelo tempo que você me quiser.
Talvez fosse cedo. Talvez ela não compartilhasse do turbilhão que me
causava toda vez que se aproximava de mim, da montanha russa de
sentimentos que eu sentia quando se tratava dela. Talvez ela ainda me
achasse um babaca idiota, mas eu não cederia. Eu teria essa mulher para
sempre ou passaria a vida tentando conquistá-la. Ela me olhou com uma
expressão em branco, sem me dizer nem uma palavra ou me dar nem uma
indicação que fosse do que estava pensando. Ela apenas fechou os olhos, e
quando os abriu, me deu um beijo rápido e se levantou do meu colo, indo em
direção ao banheiro.
Eu me deitei na cama e fechei os olhos. Talvez eu merecesse um pouco
desse comportamento por ter sido por tanto tempo um idiota com ela. Não
que ela fosse muito agradável, mas eu estava me apaixonando por Ashley,
mesmo contra todas as possibilidades.
Eu só precisava descobrir como fazer ela se apaixonar por mim
também.
CAPÍTULO 22

Ashley Mackenzie

“Pelo tempo que você me quiser”


Deus.
Eu estava ouvindo coisas? Ele tinha mesmo dito isso? Não era a
primeira vez que Daniel soltava algumas frases de duplo sentido e que
davam nós em minha mente. Era de propósito? Era mais uma de suas piadas,
suas brincadeiras? Ah, mas se fosse, eu que não iria cair em sua conversa.
Enquanto a água morna caía em meu corpo, eu soltei um riso nervoso.
É claro que ele não estava falando literalmente. Pode até ser que ele não
estivesse brincando, eu acreditava que ele se importava mesmo comigo, vi a
sua preocupação e não tinha nada de mentirosa nela. Ele esmurrou um
mafioso, pelo amor de Deus. Mas isso não significava que ele estivesse
desenvolvendo sentimentos reais por mim. Ele era Daniel, galinha e
descomprometido. Egoísta e workaholic.
Embora eu continuasse repetindo isso, eu sabia que já não era uma
verdade absoluta. Ele era todas essas coisas, mas não somente isso. Daniel
era um excelente pai, um bom ouvinte, um protetor de todos em sua família e
não importava o preço que ele tivesse que pagar.
Deus, minha mente estava tão confusa. Quem era Daniel Turner, afinal?
Um homem que tinha contato com a Máfia. Essa faceta sombria e perigosa de
Daniel não era tudo o que ele era. Ele era mais. Mas ainda assim, havia
tantas questões éticas e corretas nessa situação.
Um baque no box quase me fez pular. Daniel abriu a porta e um pouco
do vapor saiu. Ele apenas sentou no banco em frente ao chuveiro a alguns
metros e ficou me olhando, lindo, tão lindo em sua camisa branca e calça de
moletom.
— O que você sabe sobre a sua família?
A pergunta me pegou de surpresa. Eu fiquei olhando para ele, pois era
a primeira vez que ele me perguntava algo tão pessoal.
— Por quê?
— Só por curiosidade.
— Minha mãe era filha única e meu pai… Bom, minha avó só falava
que ele não tinha um bom relacionamento com a família dele.
— Então você não conheceu a família dele?
— Não.
— E nunca se interessou em saber?
— Por que todas essas perguntas? — Perguntei irritada. Eu nunca quis
ir atrás da família do meu pai, pois minha avó disse que eles cortaram
relações com ele por ficar com minha mãe. Uma vez ela até me deu um nome
e um número de telefone, afirmando que eram de uma tia, mas eu nunca fui
atrás. Eu estava feliz sendo somente minha avó e eu, não iria atrás de
pessoas que viraram as costas aos meus pais por eles se apaixonarem.
— Calma, baby. É só uma curiosidade.
Havia uma sombra no rosto de Daniel que não estava ali antes.
Era sexy.
Me deixou molhada, e não pela água que estava escorrendo pelo meu
corpo.
— Por que você não para de curiosidade sem sentido e vem aqui me
fazer companhia, hum?
Ele abriu um sorriso sarcástico e tirou a camisa. Minha boca salivou
ainda mais quando ele abaixou a calça e caminhou lentamente em minha
direção. Quando sua boca e sua pele tocaram a minha, todo o sentido e
mágoas do passado me abandonaram. Existia apenas ele e eu e nada mais
importava naquele momento.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

— Semana que vem começa a pré-temporada. — Falei assim que me


sentei à mesa de café da manhã. Daniel fazia um café e arrumava uma mesa,
impecavelmente. Ele já estava lindo em seu terno de três peças, preto e Vic
em seu uniforme escolar.
— O que é pré-temporada, mamãe? — Vic perguntou.
— São os jogos do tio Nate, meu amor.
— Ele disse que vai me ensinar a patinar. Você já viu os meus patins
de unicórnio, papai?
— Eu vi, meu anjo. São lindos. — Daniel respondeu, mas seus olhos
estavam em mim.
— Sim, e eu vou patinar mais rápido que o tio Nate.
— Que Deus tenha misericórdia. — Daniel resmungou revirando os
olhos e eu dei risada de sua preocupação. — Você vai ficar quanto tempo
fora? — Ele perguntou, me olhando intensamente. Como vinha acontecendo
com frequência.
— Uma semana.
— Vou sentir saudades.
Senti meu rosto ruborizar com sua declaração descarada de saudade.
Eu não tinha pudor algum em transar com Daniel, mas quando ele era doce
comigo, eu ainda não sabia como agir. Então, apenas sorri.
— A nova babá começa hoje, para ir pegando familiaridade com Vic.
— Disse enquanto mastigava meu cereal de aveia. — Eu vou passar a rotina
de Vic e vou avisar aos… Seguranças.
— Alguém vai te acompanhar também, Ash.
— Não acho que seja necessário, eu vou estar com o time.
Ainda não estava totalmente confortável, sabendo que alguém sempre
me seguia, mesmo depois do que aconteceu no parque. Eu voltei a fazer
terapia para lidar melhor com a situação. Às vezes eu tinha pesadelos, mas
era sempre amparada por meu marido. Daniel segurou minha mão por cima
da mesa.
— Não abro mão disso. É a única forma de eu ter alguma paz.
Sua preocupação era tão genuína que acabei concordando. Ele
realmente se preocupava comigo e isso me deixava com uma sensação
gostosa no peito. Daniel era uma definição real de “homão da porra” e tinha
um apelo gigante ser o alvo de sua preocupação e cuidado. Eu só tinha que
ser cautelosa ou iria me acostumar rápido com isso.
Depois do café, Daniel parou em frente à arena para me deixar e
depois levar Vic à escola. Antes que eu descesse do carro, Daniel olhou
para minha roupa, estilo academia, e fez uma careta.
— O que foi? — Eu perguntei, já fora do carro.
— Nada. — Ele respondeu meio sério. Fiz uma careta e então
respondi:
— Então tá.
Quando virei as costas, percebi que ele desligava o carro e escutei a
porta abrir e fechar. Antes que eu me desse conta, ele segurou meu braço e
me fez bater em seu peito.
— Você não deveria usar um jaleco ou algo assim?
Olhei para minha roupa sem entender, até ele se colocar na frente de
Victoria, nos tirando de sua visão e dar uma apalpada de mão cheia em
minha bunda.
— Está reclamando das minhas roupas? — Perguntei quando a
realização de que Daniel estava com ciúmes me tomou.
— Não. — Respondeu muito rápido — Sim. Droga, isso é uma merda.
— Ele disse e me soltou. Eu comecei a rir até ele se voltar para mim de
maneira predatória. — Quão babaca eu seria se dissesse que não gosto de
pensar na quantidade de marmanjos babando em você, nessas roupas?
— Muito. — Respondi enquanto meu eu feminista me aplaudia, mas
aquele um por cento estava em êxtase pela demonstração possessiva de
Daniel.
— Desculpe. — Então ele me beijou até meus pulmões gritarem por ar.
— Mas não posso fazer nada se eu estou sentindo isso, baby.
Ele se virou e voltou para o carro, onde Vic nos olhava com os
olhinhos curiosos. Ela perguntou algo, ele respondeu com um sorriso e
saíram sem olhar para trás. Eu ainda fiquei ali, degustando da sensação que
era ter Daniel ciumento. Oh, merda prazerosa.
Na arena, fui direto para o meu consultório e passei a rever o
prontuário dos jogadores com lesão. Depois, eu me sentaria com os
educadores físicos para passar exercícios específicos para cada um.
Enquanto analisava um por um, Natalie entrou em minha sala, sem bater, e se
sentou na cadeira da frente.
— Pode entrar, Natalie. Por favor, sente-se.
— Ah, cale a boca. Eu estou entediada. Na verdade, preciso de uma
opinião sua.
Levantei os olhos para a bela morena de olhos azuis.
— Jenny me chamou para morar com ela. — Ela soltou em uma única
respiração. Eu a olhei por alguns segundos, deixei o prontuário na mesa e
então perguntei.
— Você quer?
— Eu não sei — Ela disse e se levantou, passando a andar de um lado
para o outro na minha frente. — Papai está só agora começando a aceitar a
ideia de que tem uma filha que curte mulheres. Ele está se esforçando, então,
não quero que ele, sei lá, me vire as costas. — Ela parou e me olhou com os
olhos lacrimejando. — Seria muito doloroso.
Me levantei até parar em sua frente. Natalie era alta, muito alta, acima
da média. Eu sabia que ela vivia esse conflito e finalmente ela estava
dividindo suas angústias conosco, então, tentei ser o mais sensível possível.
— Seu pai te ama, e mesmo que ele fique reticente agora, com o tempo
ele vai entender e respeitar. Eu sei que você ama e respeita seu pai, mas não
se esqueça que a sua vida é sua. E você, mais do que ninguém, merece ser
feliz. Faça suas escolhas, pensando no que será melhor para você.
Natalie me abraçou em um movimento brusco.
— Eu te amo, sabia. — Disse fungando.
— Te amo, Girafa.
Um tapa em minha bunda foi sua resposta. Ela se afastou e se sentou na
poltrona e eu sentei na outra em frente a ela.
— O casamento tem feito bem para você. Está linda e radiante, como
se estivesse transando todos os dias.
Pelo olhar provocativo de Natalie, imaginei que eu estava vermelha.
Logo ela uivou e eu queria enforcá-la pelo escândalo. Eu ouvia passos do
lado de fora da sala e ficava horrorizada com a possibilidade de alguém
escutá-la.
— Você não sabe o que é discrição. — Sibilei.
— Eu sabia, eu sabia! Aquele ódio todo era desejo enrustido. Sempre
achei os olhares de Daniel para você aquecidos demais.
Jamais contaria a ela que sua declaração fez meu coração acelerar.
— Transar é uma necessidade humana, Nat. Daniel é bonito e dorme
todos os dias na mesma casa que eu.
Ela me ignorou totalmente.
— E os boatos são verdadeiros? Ele realmente, realmente?
Tentei manter uma cara séria para não encorajá-la, mas foi impossível.
Pelo meu rosto ela começou a rir novamente, como uma louca e eu, mais uma
vez, contive o desejo de enforcá-la.
— Oh meu Deus, você está caidinha por ele.
— Eu não estou. É apenas sexo.
— Meu amor, vocês estão casados, oficialmente têm uma filha juntos e
estão transando como coelhos, isso está por todo o seu olhar. Sabe qual o
resultado óbvio disso? A palavrinha com A.
Eu a estapeei no braço, me inclinando em sua direção, alarmada.
— Nem brinca com algo assim. Até parece que você não conhece
Daniel Turner, Natalie. Se eu me apaixonar por Daniel vou ganhar uma
passagem só de ida para a Cidade do Coração Partido.
Ela parou de rir e me encarou seriamente, antes de responder:
— Não fale assim, Ash. Tome cuidado para que seu medo de se
machucar não a torne cruel.
Olhei para Natalie como se tivesse levado um choque.
— E por que eu seria cruel?
— Já pensou que ele pode se apaixonar por você?
— Claro que não! Desde quando Daniel Turner se apaixona? Ele pega
e não se apega, lembra? — Falei rindo sarcasticamente.
— Está vendo? Em uma coisa o Daniel tem razão, Ash: Você o julga
duramente.
— Eu o julgo? — Disse ultrajada. Ela era amiga de quem afinal?
— Quantos caras do time falam o mesmo e você não os julga como
julga Daniel? Você tem um julgo mais pesado quando se trata dele, resta
saber o porquê.
Me levantei, incomodada com esse assunto. Eu não era uma julgadora,
eu só não gostava dessa objetificação da mulher que muitas vezes vi Daniel
fazer. O pior de tudo era que Natalie estava fazendo um pouco de sentido e
eu estava me sentindo terrivelmente mal. Porque eu odiava ser injusta.
— Vi que está pensando em como eu sou brilhante e tenho razão.
— Não seja uma vadia.
— Não, às vezes você é uma vadia, Ash. Mas — Ela se aproximou e
me deu um beijo estralado no rosto. — Eu ainda te amo.
Ela saiu, fechando a porta, e eu fiquei perdida em meus pensamentos.
Não poderia ser verdade, poderia? Não, não poderia. Daniel era… Daniel.
Eu nunca disse uma mentira. Ele sempre foi um idiota, principalmente
comigo. Me sentei em minha cadeira e peguei uma barra de chocolate.
Daniel apaixonado? E por mim, de todas as pessoas? Isso era
impossível, impensável. Nós éramos compatíveis sexualmente e eu adorava
como ele era com Vic. Ou como era capaz de qualquer coisa para nos manter
seguras. Ou como ele me abraçava e dizia que eu nunca mais estaria sozinha.
Ou, como ele disse, pelo tempo que eu quisesse.
Droga.
DROGA!
Mordi o chocolate ainda mais brava e mais confusa.
Eu não poderia cair nessa armadilha, não com Daniel Turner. O pior?
Eu estava começando a achar que já tinha caído.
CAPÍTULO 23

Daniel Turner

— Senhor Turner, aquele seu amigo está na recepção.


Levantei os olhos do notebook irritado por, mais uma vez, estar sendo
interrompido. Estava com alguns casos complicados e atrasados e precisava
me concentrar.
— O nome, Mariah.
— Vicenzo Capello.
A maneira sussurrada como ela disse o nome só serviu para me irritar
mais. As pessoas que trabalhavam no escritório passavam longe de Vicenzo,
nas raras vezes em que ele vinha aqui. E ele só vinha pessoalmente quando
era algum assunto sério.
— Peça para que entre.
Massageei a testa com a ponta dos dedos. Só um assunto urgente traria
Vicenzo em minha sala e esse assunto era minha teimosa esposa, que hoje
viajou com o time para os jogos da pré-temporada. O motivo maior de me
fazer perder a calma, não por ela viajar. Este era o seu trabalho, mas por ela
poderia estar em risco, Luke Ford estava marcando Ashley. E mesmo com
todos os meus avisos e tentativas de fazê-la desistir de viajar, teimosamente
ela ainda viajou.
Vicenzo entrou e se sentou na cadeira à minha frente. Ele tinha um meio
sorriso raro, muito raro no rosto, assustador pra caralho. Fiquei apreensivo,
embora esperasse não estar demonstrando.
— Diga logo. — Falei com impaciência. Vicenzo poderia ser o rei de
Chicago, mas eu nunca demonstraria medo ou fraqueza em sua frente.
— Eu tinha que vir aqui pessoalmente para te dizer que você pouco
sabe sobre sua adorada esposa.
Ouvi-lo falar assim de Ashley me fez apertar o braço da cadeira. Eu
estava parecendo um homem das cavernas ultimamente, com ciúmes e
possessivo a tudo que se referia a Ashley. Algo dentro de mim gritava que
ela era minha e eu quase ria da voz idiota, mesmo que soubesse que era a
isso que tinha sido reduzido. Um homem apaixonado com medo de ser
rejeitado.
— Diga de uma vez.
Vicenzo continuou olhando com ar de triunfo, para só então começar a
dizer o que o fez descer do trono e vir até aqui.
— Ashley Mackenzie, filha de Peter Mackenzie e que até 1995, era
Peter Mackenzie-Ford. Sua esposa é prima de Luke Ford. Os pais de Peter
nunca o tiraram do testamento, apesar de todas as tentativas dele de se
afastar da família. A parte dele da companhia só foi para Laura Ford, mãe de
Luke e Grace, por crerem que Peter morreu sem descendentes. Ashley é um
perigo para os planos de Luke, muito maior que a pequena Victoria, que ele
pode controlar, caso tire vocês de circulação.
Fiquei atônito.
Não consegui discernir os sentimentos que me tomavam ao pensar em
todas as possibilidades e consequências que essa descoberta traria para
minha família. Para Vic, para Ash.
Ashley provavelmente não sabia nada sobre isso. Ela era uma herdeira
Ford, tinha laços sanguíneos com Victoria. Como ela reagiria ao saber de
toda essa história? Me lembrei de nossa conversa outro dia. Me levantei e
fui até a janela, olhando para Chicago. Os ventos balançavam as árvores
fortemente e o sol estava escondido entre nuvens cinzentas. Muito parecido
com o meu humor no momento.
Como a vida poderia nos surpreender. Como caminhos já destinados a
se cruzar, se encontram, independente da distância ou mesmo de grandes
diferenças. Eu tive aquele sentimento tosco, mas verdadeiro de que eu e
Ashley estávamos destinados a acontecer. Que ela encontraria sua família e
eu faria dela a minha própria.
Porque Ashley era meu lar.
Meu verdadeiro lar.
— Eu acho que essa era a peça que faltava para que entendêssemos o
que está acontecendo. Converse com sua esposa, se resolva com ela e
decidam o que irão fazer.
— Certo.

Eu não me virei, mas escutei os passos de Vicenzo em direção à porta


e o barulho da mesma se fechando. Eu precisava falar com Ashley, precisava
contar tudo sobre sua vida, mas teria que esperar até que ela voltasse da
temporada. Até lá, eu teria que remoer a realidade da situação dentro de
mim.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Ashley Mackenzie

Duas vitórias.
Bons ventos sopravam na direção do Chicago Winters e a equipe
vibrava de emoção na vitória contra o Michigan. Era muito bom quando
vencemos e, desde que entrei no time, seguimos invictos. Havia até uma
brincadeira entre os caras de que eu era o chaveirinho da sorte. De longe, vi
Nate dando entrevista e, pela maneira que sorria como um pateta, tinha
certeza de que perguntavam sobre Milla.
Eles eram tão ridiculamente apaixonados, de uma maneira fofa e linda.
Nate era um romântico, apesar daquele tamanho todo. Tinha toda a pinta de
bad boy, até ser dominado pela caipirinha de Montana, como ele a chamava.
— Vai para o bar?
Natalie disse ao meu lado. Eu não estava no clima de ir para o bar, o
que eu queria mesmo era um bom banho quente, colocar meus pijamas velhos
e fazer uma chamada de vídeo para Vic e Daniel. Fizemos disso um ritual
durante toda a semana e tem sido meu consolo. Com essa perspectiva, neguei
mais uma noite baladeira com Natalie.
— Acho que não, eu vou dormir.
— De jeito nenhum. A semana inteira você foi dormir, o que significa
ficar no telefone com Daniel. Será que só vocês não perceberam que estão
apaixonados e que esse casamento é mais real que o iminente de Nate e
Milla?
Fiz uma careta, mas me vi obrigada a acompanhar o time. Era verdade,
eu estava me afastando de todos, na ânsia de falar com Daniel. Fizemos isso
durante toda a semana, depois que ele desligava a chamada de vídeo.
Ficávamos conversando sobre tudo e nada e era… realmente, era ridículo,
muito adolescente, mas me fazia bem, mais do que eu gostaria de admitir.
—Me deixa só dar o beijo de boa noite em Vic.
Fui em direção ao vestiário com Natalie em meu encalço. Já não tinha
quase ninguém, estava mais vazio, entrei, peguei o telefone e disquei o
número de Daniel.
— Mamãaaae.
— Oi princesinha linda, você está fazendo o que?
— Eu acabei de tomar banho, Anne já foi e papai está escolhendo a
história para ler para mim.
— Ah, é? E cadê o papai?
— Está aqui ao meu lado.
— Oi — A voz rouca de Daniel ressoou e então seu rosto apareceu na
tela, ao lado de Vic.
— Eu vou ao bar com o pessoal hoje, então não vou ter como te ligar
mais tarde. Resolvi ligar mais cedo para dar boa noite.
Daniel fez uma careta, mas era mais que uma simples careta. Era uma
preocupação. Ele estava preocupado comigo.
— Hey, foi tudo bem durante a semana. Vai ficar tudo bem. — Falei
com suavidade.
— Tem algo que precisamos conversar assim que você chegar. — Ele
disse e eu me preocupei. Cenários onde ele me pedia para me afastar dele e
da vida dele começaram a se formar em minha mente. Daniel estava quase
perturbado e uma única teoria ganhou força em mim: Ele queria a vida dele
de volta. Ele tinha cansado.
— Tudo bem. — Forcei um sorriso.
— Se cuida. E fique com esse celular ligado.
Revirei os olhos diante do seu tom.
— Tchau, Daniel.
Desliguei o telefone, tão inerte que me esqueci de me despedir de Vic.
— O que foi? — Natalie perguntou ao ver a minha expressão.
— Nada. Vamos.
Eu não gastaria energia pensando em Daniel. Eu deveria ter sabido
desde o início que esse envolvimento tinha data e hora marcadas para
terminar. Não adiantava reclamar agora, só me conformar.
Talvez não seja isso, uma voz dizia, bem lá no fundo. Mas estávamos
falando de Daniel, Daniel Turner. Ele não se apaixonava, nunca. Mastigando
minha raiva irracional, eu bem sabia que era irracional, acompanhei Natalie
e já comecei bebendo um shot de tequila.
E mais dois.
E mais três.
Às quatro da manhã eu estava muito maluca, como nunca estive. Eu
nunca bebia enquanto trabalhava, nunca, mas hoje eu tinha perdido a linha.
Porque eu me dei conta de que caí na armadilha do amor com a única pessoa
que nunca deveria ter caído. Estava apaixonada. Tinha me ferrado
duplamente.
— Eu quero ir ao banheiro.
— Tá lotado.
— Então eu vou fazer xixi aqui. Na pista.
Natalie, que também estava bêbada, começou a rir sem parar.
— Doida! Vamos para aquela fila horrenda.
Enquanto caminhávamos, ela me puxou para um corredor.
— Ethan conhece o dono e uma vez ele me mostrou um banheiro aqui
em cima. Vamos lá.
— Natalie você está tão bêbada quanto eu, tem certeza que acerta o
caminho?
Ela me olhou e então começamos a rir.
— Não, não. Mas vamos mesmo assim.
Enquanto eu subia, os degraus pareciam sair do lugar. Antes de
terminar de subir as escadas, escutei um baque. Virei com dificuldade ao ver
que Natalie estava caída no chão. Um vulto atrás de mim, na extremidade
mais escura, se movimentou em minha direção e eu não tive a oportunidade
de ver com clareza. O grito ficou preso em minha garganta e então tudo
escureceu.
CAPÍTULO 24

Ashley Mackenzie

— Confesso que fiquei surpreso.


A voz me era familiar, embora com a dor de cabeça gritante eu não
soubesse dizer exatamente de onde a conhecia ou a quem pertencia. Tentei
abrir os olhos pelo menos três vezes, antes que finalmente conseguisse. Foi
quando me dei conta de que meus braços estavam mobilizados e eu não
estava exatamente deitada. Estava sentada e amarrada.
O local, agora que conseguia olhar claramente, era uma sala grande e
pouco mobiliada. Seria um apartamento? O que importava. Eu não fazia
ideia de onde estava, mas fazia uma ideia de quem seria: Luke Ford.
— Onde estou? — Falei, embora não reconhecesse a minha própria
voz. Merda. Eu estava de ressaca e minha cabeça latejava.
Luke apareceu em meu campo de visão. Seus olhos eram indecifráveis.
— Você se parece com ela.
— Eu não tenho ideia do que porra você está falando. — Falei
irritada.
— Você não faz ideia, não é?
Eu estava odiando o ar de mistério.
— Se for para ficar falando em códigos, é melhor calar a boca, eu
estou com dor de cabeça.
Ele continuou me estudando e soltou um riso nervoso. Quase como um
bufo.
— Não importa mais, de qualquer forma.
Eu desisti de tentar entender esse louco. Mas foi aí que ele veio e me
trouxe uma foto, parecia um pouco antiga e gasta, mas claramente, a mulher
parecia… Comigo. Mesmos olhos, mesmo cabelo, mesmo tom de pele.
Fiquei olhando para a foto sem entender, até ele voltar a falar.
— Você é uma Ford, Ashley. Filha de tio Peter, aquele perdedor. —
Minha boca se abriu e eu fiquei olhando para aquele homem, sem acreditar
que ele ousasse falar mal do meu pai e inventar uma história tão absurda. —
Seu pai abandonou o legado da família para ficar com a sua mãe. E nunca
soubemos da sua existência. Seria melhor se nunca tivéssemos ficado
sabendo mesmo, depois de todo o desgosto que seu pai deu ao nosso avô.
Ele morreu de tristeza por ser abandonado por seu único filho homem.
— O que…
— Cala a boca e me escuta, sua vadia! — Ele gritou e se aproximou do
meu rosto. — Era para ter sido eu. Desde o início era para ter sido eu. Eu
deveria ser o presidente da companhia, eu, eu, eu. Depois que vovô perdeu o
filho, depois que ele soube da morte de Peter, ele definhou. Era para ter sido
eu, mas a linda Grace tomou a frente. Minha irmã, sua prima, mãe da
bastarda.
— Não fala da Victoria! — Eu gritei, já com grandes lágrimas nos
olhos, diante de tudo o que ele falava. Minha família era uma ferida exposta
e aberta, e ele estava esfaqueando o que já era um machucado.
— Você é petulante, priminha. Sabia que o legado ainda é seu? —
Então ele se virou e jogou o abajur na parede, me fazendo pular na cadeira
de susto — Vovô nunca deserdou o perdedor de seu pai! Mas até então,
estava tudo bem. — Ele passou a rir como um louco — Até porque você
nunca deveria ter existido. Eu dei um jeito em todo mundo. A companhia
finalmente seria minha, estava tudo certo. — Ele repetia as palavras para ele
mesmo como um maluco. — Mas então você apareceu. Você apareceu para
estragar tudo!
Ele veio em minha direção e começou a apertar o meu pescoço. Eu
tentei me soltar, tentei impedir, mas mal conseguia gritar. Ele estava louco.
Meu Deus o que era tudo isso? Eu era uma herdeira Ford? Não poderia ser
possível, não, eu não poderia acreditar. Estava prestes a perder a minha vida
devido à ganância desse homem.
— Eu não… Não quero nada… Prometo.
— Você nunca terá essa oportunidade. Eu me livrei dos meus pais, da
vadia da Grace e vou me livrar de você, da bastarda e do seu maridinho
também! Vocês não vão ficar no meu caminho, eu não cheguei até aqui para
ser derrubado por uma bastarda, renegada!
Eu iria morrer. Oh Deus, eu iria morrer. Era isso.
O rosto de Luke estava civilizado, ódio e raiva em minha direção, ódio
que ele destilava em minha direção. A força do seu ódio era quase mais
agressivo que a força de suas mãos em minha garganta.
Minha cabeça era um espiral de confusão, de repente eu era uma das
principais herdeiras do país e morreria por isso. Morreria como todos da
minha família, por conta da ganância e da sede por poder. Pontos negros
começaram a nublar meus olhos e minha mente ficou em branco.
Foi então que escutei um barulho na porta, um estrondo que fez com
que o louco do Luke me soltasse e eu caísse com a poltrona para o lado,
tossindo desesperada por ar. Vi que alguns homens entraram e começaram a
atirar e eu só fechei os olhos e rezei. Eram os homens de Vicenzo. Eu sabia
que eram.
Senti que a minha cadeira era levantada e dei de cara com dois olhos
macabros. Vicenzo poderia ter salvo minha vida, mas eu nunca poderia me
ver não sentindo medo do homem. Olhei para o lado, onde tinha visto Luke
pela última vez e vi Luke com uma arma. Antes que eu gritasse, Vicenzo foi
mais rápido, em uma velocidade quase sobrenatural, deu um golpe na mão de
Luke, fazendo a arma cair no chão. A arma estava carregada e cada vez que
batia no chão, um tiro era disparado. Eu gritei e tampei os ouvidos, e no
terceiro tiro, senti uma queimação na coxa.
E sangue.
Vicenzo levantou Luke pelo pescoço e passou a acertar socos em seu
rosto, repetidamente. Ele não tinha expressão, era como se estivesse vendo
um filme entediante. Eu estava assustada com o nível de violência e comecei
a tremer. Achei que ele mataria Luke aos socos e não percebi que estava
gritando. Vicenzo pareceu se dar conta de que não era o único no ambiente e
soltou com um movimento gracioso, o corpo mole e quase sem vida de Luke.

E então eu desmaiei.

☆ »»------(¯` ´¯)------«« ★

Daniel Turner

A espera estava me custando cada gota de sanidade.


Vicenzo havia me ligado há duas horas afirmando que Ashley estava
segura. Não era o suficiente. Eu disse a Vicenzo que acabasse com a
existência de Luke Ford ou eu nunca teria paz. Quando soube pelos homens
de Vicenzo que Ashley havia sido levada, achei que jamais me recuperaria,
porque ela significava o meu mundo inteiro. E eu queria ter dito isso a ela.
Queria, mas não disse. Prometi a todos os santos que, se tivesse outra
oportunidade, eu diria a Ashley o que ela era para mim: ela era meu tudo.
Milla, Nate e Natalie entraram como um furacão em minha casa, Nate
com Victoria nos braços. Eles ficaram com Vic porque eu passei a pior noite
da minha vida enquanto esperava. Vicenzo não me deixou ir, segundo ele, eu
estava passional demais para participar.
Eu estava descontrolado e com sede de sangue.
— Me desculpe, Dan. Ela estava comigo, nós estávamos bêbadas. Ela
estava delirante sobre saber que você iria terminar com ela, tomou shots e
mais shots de tequila.
— O que você está dizendo, Nat?
— Ela disse que queria terminar com ela.
Ashley achou que eu queria terminar com ela? De onde diabos ela tirou
essa loucura?
— Segundo ela, você disse que queria conversar, então…
— Merda! Aí vocês foram beber como loucas e ela foi levada!
— Daniel. — Nate disse, em tom de aviso.
— Eu já entendi.
Nesse momento, meu elevador abriu e Vicenzo entrou, junto com
Ashley. Ela estava com um cobertor em volta dos ombros e parecia terrível.
Olhos enormes, marcados por olheiras, cabelo bagunçado.
Eu não pensei.
Era a segunda vez que Vicenzo salvava Ashley e eu não queria que
essa cena virasse rotina. Um nó estava em minha garganta e meus olhos
queimavam.
Medo.
Medo de perdê-la para sempre.
— Dan... — Ela disse com a voz chorosa, mas eu não deixei que
terminasse.
Eu a beijei.
Beijei com vontade, com loucura, com toda a dor, preocupação e
saudade que estava dentro de mim. Eu queria espancar sua bunda linda por
sequer cogitar, imaginar, que eu poderia viver sem ela.
— Preste atenção, Ash. Olhe bem para mim: você é a pessoa mais
irritante que existe em toda a face da terra, mas é a minha coisa irritante. Eu
te amo, te amo e nunca vou te deixar ir, está me entendendo? Eu nunca vou te
deixar ir.
Os olhos de Ashley se arregalaram com a minha declaração. Eu não a
deixei me aceitar ou rechaçar, voltei a beijá-la, eu nem precisava do amor de
Ashley. Se ela não pudesse me amar de volta eu estaria plenamente feliz em
tê-la comigo.
Mentiroso, eu era um bom mentiroso.
Eu queria o amor de Ashley como queria viver plenamente com ela e
minha filha. Eu passaria a vida lutando para tê-la completamente.
— Oh, Daniel. — Ela me abraçou chorando.
— Não diga nada, Ash. Não agora.
Victoria veio como um furacão e abraçou as pernas de Ashley, que se
sentou no chão e devolveu o abraço, chorando. Seus olhos ainda se voltaram
para mim, como se quisesse dizer algo, mas eu não queria ouvi-la, não
agora. Eu só precisava falar o que quase me matou enquanto ela
desapareceu.
Milla chorava e Nate segurava o choro. Vicenzo desviou o olhar da
cena e eu resolvi aproveitar o pequeno interlúdio para agradecer novamente.
Vicenzo salvou minha bunda pela segunda vez.
— Obrigado. Por fazer isso pessoalmente.
— Parceria é isso.
— Você poderia mandar alguém, mas ainda assim, você foi. Obrigado
por isso.
Enigmaticamente, ele olhou para Milla e então para Ashley, que
conversavam com Vic.
— É a sua família. — Foi sua única resposta. Ele não diria mais e
estava desconfortável com o meu agradecimento.
— E Luke?
— Nunca mais será um problema.
Olhei para Ashley.
— Alguma chance disso respingar em Ashley?
— Não faço nada pela metade, Daniel.
E sem mais palavras, virou e se foi.
Não pensaria nos pormenores. Ashley precisava descansar, se
recuperar e então, com Luke fora das nossas vidas de vez, poderíamos
começar a viver os próximos passos. Como a família que tínhamos nos
tornado.
CAPÍTULO 25

Ashley Mackenzie

Eu dormi por horas seguidas. Quando finalmente acordei, senti o


abraço aconchegante de Daniel junto ao meu. Sua respiração estava
superficial, o que delatava que estava acordado.
Ele disse que me amava.
Disse que nunca me deixaria partir.
O que ele não sabia era que eu nunca partiria, não quando tudo o que
eu mais queria era ficar. Para sempre. Mesmo com toda a dor e toda a
confusão em que minha vida estava, Daniel e Victoria eram o que tinha de
certo, de paz, de lar. Era o consolo. A mão de Daniel passou a descer e subir
em meus ombros e eu senti a onda de arrepios em meu corpo.
— Eu ia te contar.
Ele disse com sua voz rouca, de modo pensativo.
— Sobre o que? — Perguntei.
— Sobre a sua origem. — Senti meu corpo retesar. — Vicenzo
desconfiou de algo assim e investigou. Ele me contou quando você já tinha
viajado. Eu te contaria assim que voltasse, era isso que eu queria conversar.
Respirei fundo, me lembrando da noite louca que tive ao imaginar que
Daniel terminaria comigo.
— Eu achei que...
— Que eu iria querer me afastar de você. Terminar. — Fiquei
emudecida com a forma como ele afirmou o que era. Ele segurou os dois
lados da minha cabeça e me inclinou em sua direção. Quando disse, sua voz
era séria e firme: — Eu jamais faria isso. Não quando estou perdidamente
apaixonado por você.
Me perdi no cinza de seus olhos. Como sempre, o efeito Daniel em
mim me deixava meio boba e sem palavras.
— Então, você disse. — Eu queria me chutar depois dessa resposta.
Ele ficou me olhando em expectativa, mas então deitou a cabeça no
travesseiro e riu. Riu com vontade e eu fiquei constrangida.
— Ah, Ashley, você será a minha morte.
Estava rindo de mim o idiota.
Eu montei em seu colo, deixando somente a minha calcinha e sua calça,
separando as nossas intimidades. Ele parou de rir e puxou uma respiração
profunda.
— Então o todo poderoso e intocável Daniel Turner está perdidamente
apaixonado por mim. — Comecei a dizer enquanto rebolava em seu pau,
duro e pronto.
— Eu sei que esse é o seu maior feito na vida, Mackenzie. — Ele bem
que tentou usar o tom de voz desdenhoso, mas falhou miseravelmente. Eu
sorri.
— Não desvie do assunto, Turner. E o assunto aqui é o quanto você me
acha incrível e maravilhosa. E o quanto você está ap…
Um tapa estalado em minha bunda me fez pular e soltar um gritinho
agudo. Seguido de outro tapa. E mais outro. Então Daniel se sentou na cama,
comigo montada em seu colo. Eu fiquei com a boca seca, esperando a
safadeza. Contudo, o que veio foi um momento fofo e raro.
— Sim, eu sou perdidamente apaixonado por você, Ash. — Ele disse
após alguns segundos, com seriedade. — E quero ter você para sempre. —
Ele começou a passar o meu cabelo para trás, em minhas costas. —
Brigando, brincando e colecionando os melhores momentos de nossas vidas.
Você me aceita?
Meu coração estava disparado, porque, mais uma vez, fui pega de
surpresa com as palavras de Daniel.
— Já somos casados. — Sussurrei.
— Me aceita em seu coração? — Ele sussurrou de volta.
A vulnerabilidade de Daniel, como sempre, torceu algo profundamente
dentro de mim. Essa era a melhor versão de Daniel, essa quando ele
abaixava todas as suas defesas e era nada mais que um homem despido. Um
homem que sentia e que dizia o que sentia.
— Eu te amo, Daniel. Só não fui tão corajosa quanto você em dizer,
mas eu te amo. Muito. — Os olhos de Daniel brilharam. — Uma vez eu disse
que você não tinha nada de bom a oferecer. Eu estava errada. Você me
salvou, é o melhor pai para Vic e de quebra, o marido dos meus sonhos.
Aquele dos contos de fadas que você tanto zombava de mim. No fim das
contas, você realizou.
Nos olhamos por alguns segundos. O quanto a vida, o destino,
poderiam brincar com a gente? Quando eu poderia imaginar que o detestável
Daniel Turner seria o homem da minha vida? Eram essas jogadas, jogadas da
vida, que nos faziam pensar que tudo era possível, até o mais improvável.
Nós nos perdemos um no outro. Daniel cuidava de cada parte do meu
corpo como se eu fosse uma preciosidade. Nos amamos, nos entregamos ao
amor que crescia dentro de nós. Era isso.
Cada beijo, cada peça de roupa que deixava meu corpo e o dele, o
toque de nossos corpos, a adoração de cada gesto, tornou o momento único.
Lentamente, ele entrou em meu corpo, lentamente, ele me amou. Lentamente,
o orgasmo me tomou e, lentamente, eu me deixei ir.
Isso era amar e ser amada.
Isso era lar.
EPÍLOGO

Daniel Turner

Milla estava deslumbrante.


Eu poderia dizer que eram as firulas e o vestido, mas a verdade é que
era o seu sorriso. Era o maior e mais feliz que eu já tinha visto dar. Quando
meu pai a entregou a Nate, o grande homem chorava, assim como minha
irmã. Melissa estava no altar, um pouco mais controlada, porém,
visivelmente emocionada. Ashley chorava e sorria ao mesmo tempo, assim
como Natalie.
A cerimônia foi recheada de fofas declarações e demonstrações de
amor, promessas e coisas de casamentos. Eu só tinha olhos para Ashley, que
agora se abaixava e arrumava o vestido de daminha de Victoria. Minha filha
estava levando as alianças, enquanto usava um vestido de princesa, como
tanto queria.
Em apenas seis meses, eu tinha ido de solteiro convicto a homem de
família e, como minha mãe sabiamente previu, eu era muito feliz. Mais do
que um dia imaginei ser.
Visitamos Bismarck em abril, Victoria levou flores ao túmulo dos seus
avós e sua mãe. Luke Ford foi encontrado morto, segundo os jornais, vítima
de um assalto. Obra de Vicenzo Capello. Ashley ainda estava resignada com
toda a sua história e origem, mas nos acompanhou e foi nossa primeira
viagem sozinha, em família. Mary Allen também mandou notícias, estava no
México, tirando finalmente suas merecidas férias, contudo, mantinha contato
com Victoria, que a adorava. Mary Allen era o seu elo com a família
materna. E nós estávamos nos saindo muito bem como uma família.
Não que a vida fosse perfeita, não, ela não era. Ashley era teimosa,
difícil. Eu estava me saindo um babaca ciumento, uma faceta que eu nem
sabia que tinha, mas Ashley firmemente me colocava no lugar quando
parecia que eu sairia do controle. Todavia, estávamos conseguindo viver,
nos entender.
Porque, era o corpo dela que eu precisava abraçar a noite para que
tivesse um sono de paz. Era a ela que eu recorria quando estava com dúvidas
sobre algo que julgava importante. Era a opinião dela que me interessava.
— Vocês são ridiculamente fofos.
— Quem?
— Você e Ashley. Repugnantemente fofos.
Eu olhei para Melissa, me lembrando da conversa que tivemos nesse
mesmo local, alguns meses atrás. Ela disse exatamente o mesmo sobre Nate
e Milla, e aqui estávamos nós em Montana, casando minha irmã. Começamos
a rir da nossa própria piada interna.
— Ela abriu mão do legado Ford.
— Sim, Mel. Ela não quer ter nada com isso. Então, 95% é de
Victoria.
— E o que você vai fazer?
— Tem alguém de confiança a representando. Quando ela for adulta,
decidirá o que fazer com tudo isso.
Olhamos para onde Ashley agora vinha em nossa direção, com Vic no
colo. Assim que ela se aproximou, eu peguei Vic de seus braços. Ela então
encostou a lateral do rosto em meu braço e olhou para Mel.
— Já não consigo carregar Vic por muito tempo. Mais um pouco e ela
me passará de tamanho.
— Digamos que passar você não é um desafio muito grande, baby.
— Ah, Turner, não comece.
Eu comecei a rir e roubei um beijo de seu bico emburrado.
— Como eu disse, repugnantemente fofos. Vou andar um pouco.
Olhei para Vic e dei uma piscadinha para ela. Prontamente, minha filha
inteligente saiu do meu colo e foi em direção ao pequeno palco, chamando a
atenção de todos os presentes. A cerimonialista entregou um microfone que
parecia gigante na mão dela, e ela começou o que tínhamos combinado.
— Eu queria agradecer ao papai do céu por ter me dado uma família
linda como a que eu tenho. Tio Nate e tia Milla, feliz casamento — Uma
onda de risos tomou os presentes — Mamãe, eu quero dizer que te amo
muito, você é a melhor mãe do mundo inteiro. E agora o meu pai também
quer falar.
Olhei para Ashley, que estava rindo e chorando vendo a nossa filha tão
desinibida dar um discurso, olhar para mim com ar suspeito. Então eu me
desvinculei dela e subi no palco fazendo a merda que sabia, daria material
para Nate rir às minhas custas para o resto da vida. Olhei para Ashley, que
estava alarmada e confusa, e uma onda de palmas e assobios tomou a
multidão.
— Eu não sou de grandes atos românticos, todos sabem. — Comecei e
todos riram — Mas por ela, eu vou tentar. Ashley, você sempre quis um
príncipe encantado e eu sinto muito, baby. Você conseguiu um homem que
está muito longe de um príncipe. Mas que te ama mais que qualquer príncipe
poderia te amar.
Outra onda de assobios e palmas tomaram a multidão. Eu estava
tremendo, normalmente, jamais faria algo parecido, mas minha esposa era
adoravelmente romântica. E por ela eu faria qualquer coisa, até mesmo me
humilhar deliberadamente. Ela estava chocada. Seus olhos estavam
marejados e alguém a empurrou na minha direção.
O seu perfume chegou primeiro.
E então eu enlacei minha esposa pela cintura, encarando seus olhos
negros como a noite, em contraste com as montanhas verdes de Montana no
verão. Seu vestido lilás rendado e muito decotado girou entre minhas pernas
e fiquei hipnotizado no seu sorriso.
— O que foi tudo isso? — Ela perguntou, enlaçando meus ombros,
escondendo o rosto.
— O quanto eu sou apaixonado por você. O quanto você merece ser
publicamente valorizada, mesmo que eu seja um merda nisso.
Duas lágrimas desceram por seu rosto. Eu as limpei com um beijo, era
como se não existisse mais ninguém. Victoria subiu no palco também e se
enfiou entre nós. Logo, eu a levantei nos braços.
— Eu sei que estou longe de ser o que você sonhava, mas prometo
tornar a minha melhor versão, porque você merece. Victoria merece.
— Você já é tudo, Dan.
Nos abraçamos, sob os aplausos de todos.
Eu nunca tinha sido tão feliz.

[1]
O Pâtisserie é um chef de estação em uma cozinha p rofissional, esp ecializada na confecção de doces, sobremesas, p ães e
outros p rodutos de p anificação.

Você também pode gostar