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TEORIA ESSENCIAL DO DIREITO DA FAMÍLIA E SUCESSÕES

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Sumário
NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 3

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 4

2. O CONCEITO DE FAMÍLIA ................................................................. 5

3. DIREITOS CONSTITUCIONAIS/FUNDAMENTAIS QUE


NORTEIAM O DIREITO DE FAMÍLIA................................................................ 6

3.1. Princípio da proteção da dignidade da pessoa humana ................... 8

3.2. Princípio da solidariedade familiar .................................................... 9

3.3. Princípio da igualdade entre filhos .................................................. 10

3.4. Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros .................. 12

3.5. Princípio da igualdade na chefia familiar ........................................ 15

3.6. Princípio da afetividade................................................................... 16

4. O DIREITO DE FAMÍLIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ............... 18

5. ENTIDADES FAMILIARES EXPLÍCITAS NA CONSTITUIÇÃO


FEDERAL (ART. 226, CF/1988) ....................................................................... 19

5.1. Casamento (Família matrimonial) ................................................... 19

5.2. União estável .................................................................................. 21

5.3. Família monoparental ..................................................................... 23

6. ENTIDADES FAMILIARES NÃO EXPLÍCITAS NA CONSTITUIÇÃO


24

6.1. Família Homoafetiva ....................................................................... 24

6.2. União Estável Homoafetiva ............................................................. 25

6.3. Casamento Homoafetivo ................................................................ 27

6.4. Família Anaparental ........................................................................ 29

6.5. Famílias Reconstituídas ou Recompostas ...................................... 30

6.6. Família Unipessoal ......................................................................... 31

7. CONCEITO E FUNDAMENTO DO DIREITO DAS SUCESSÕES 33

1
8. DA SUCESSÃO EM GERAL ........................................................ 34

8.1. ABERTURA DA SUCESSÃO, ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA


HERANÇA 34

9. HERANÇA JACENTE E VACANTE (ARTS 1819 A 1823) .......... 37

10. EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE ................................................ 38

11. SUCESSÃO LEGÍTIMA ................................................................ 39

11.1. VOCAÇÃO DOS HERDEIROS LEGÍTIMOS............................ 39

11.2. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO (ARTS. 1851 A 1856) ............ 41

12. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E TESTAMENTO ..................... 42

12.1. Capacidade Testamentária Ativa .......................................... 43

12.2. Capacidade Testamentária Passiva ...................................... 43

12.3. Restrições do testamento ......................................................... 44

12.4. FORMAS DE TESTAMENTO ...................................................... 44

12.5. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS ........................................ 48

12.6. LEGADOS ................................................................................. 49

12.7. DIREITOS DE ACRESCER ENTRE OS HERDEIROS ............ 52

12.8. HERDEIROS NECESSÁRIOS E REDUÇÃO DAS


DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS............................................................... 52

12.9. SUBSTITUIÇÕES E FIDEICOMISSO ...................................... 53

12.10. DESERDAÇÃO ...................................................................... 56

12.11. REVOGAÇÃO E DO ROMPIMENTO DOS TESTAMENTOS 57

13. INVENTÁRIO E PARTILHA ......................................................... 61

14. COLAÇÕES.................................................................................. 64

15. SONEGADOS .............................................................................. 65

16. PAGAMENTO DAS DÍVIDAS....................................................... 65

17. CONCLUSÃO ............................................................................... 66

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 67

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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1. INTRODUÇÃO

Não se pode negar que, principalmente no século XIX, a relação entre


Constituição e Código Civil era muito precisa. Formavam dois mundos, e não se
tocavam. Um determinava as normas públicas, regendo a relação entre Estado
e particulares; o outro entrava na relação entre particulares.

O Código Civil surge em 1916 com a missão de garantir os direitos e


formalizar as relações entre particulares. Neste sentido, e levando em conta o
momento histórico de sua criação, nasce pautado no patrimonialismo e
individualismo.

Porém um pouco mais de setenta anos depois, nasce a Constituição


Federal de 1988. Contrariando as demais Constituições, está se mostra
extremamente analítica, e acaba por adentrar em temas que nunca haviam sido
tratados em outras Constituições.

O direito civil passa então a ter de obedecer a novos princípios. Não se


permitia mais falar em Direito Público e Direito Privado. A relação entre eles se
torna indivisível. Assim, o Código Civil passa a ter de ser lido em consonância
com a Constituição. Tem-se, portanto, o início do Direito Civil Constitucional.
O Direito Civil passa a ser um direito constitucionalizado, quer nas regras, quer
nos princípios, ambos compondo a categoria das normas. Advindo muitas
alterações, merecendo atenção especial as do Direito de família, por ser
uma transformação fundamental.

A família matrimonializada, hierarquizada, transpessoal e de natureza


patriarcal, com número expressivo de filhos, cede espaço a um texto
constitucional que mantém o casamento, mas retira-lhe a exclusividade, para
reconhecer que também há família quando não há casamento, que ao direito de
casar corresponde o direito de não casar e de não permanecer casado. O afeto
supera o patrimônio, o Ser coloca em segundo plano o Ter.

É o nascimento de um novo Direito Civil, de um novo Direito de Família.


Sendo que ainda hoje não se instalou por completo, ainda faz surtir
perplexidades e também paradoxos.

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Não é a sociedade, contudo, que deve se adaptar ao Direito. O Direito
sempre deve se adaptar a sociedade. Nesse aspecto, merecem aplausos
brilhantes decisões jurisprudenciais e opiniões doutrinárias, que se mostram à
frente de nosso tempo, e que neste curso serão citadas. É o Direito se
mostrando, é a prova que o Direito Civil pode –e deve ser – um Direito
Constitucional.

2. O CONCEITO DE FAMÍLIA

O Direito de família é o conjunto de regras e princípios que


disciplinam os direitos pessoais e patrimoniais decorrentes das relações
de parentesco; neste sentido, família é uma realidade sociológica e constitui a
base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização
social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma
instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do
Estado.
A Constituição Federal da República Brasileira (1988, p.1) conceitua
família em seu art. 226, a saber: “A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado”.
Nessa seara, Rolf Madaleno (2015, p.36) faz importante comentário
acerca das mudanças ocorridas no conceito tradicional de família:

A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada,


heteroparental, biológica, institucional vista como unidade
de produção cedeu lugar para uma família pluralizada,
democrática, igualitária, hétero ou homoparental, biológica
ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de
caráter instrumental.

No bojo da Carta Magna, são explícitas como entidades familiares os


seguintes modelos: casamento (art. 226 § 1º e § 2º, CF), união estável (art. 226

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§ 3º, CF) e família monoparental (art. 226 § 4º, CF), os quais serão tratados
individualmente neste estudo.

Embora a Constituição Federal apenas liste em seu texto, explicitamente,


apenas esses três tipos de entidades familiares, Paulo Lobo (2015) menciona
que várias outras entidades devem ser consideradas. Tais entidades estão
pautadas na afetividade, na estabilidade e na ostensibilidade.

3. DIREITOS CONSTITUCIONAIS/FUNDAMENTAIS
QUE NORTEIAM O DIREITO DE FAMÍLIA

Após as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, o princípio


da Dignidade da Pessoa Humana passou a ser o mais importante princípio,
observado em todas as relações. Pois o rastro de destruição que o Pós-Guerra
deixou não havia precedentes e não poderia mais ser tolerado. O cidadão tem o
direito de viver em um Estado que ofereça o mínimo para uma sobrevivência
digna.

Depois da implementação desse princípio no ordenamento jurídico


brasileiro a família teve seu direito resguardado de não ter a obrigatoriedade
de seguir um modelo padronizado. Pois, tanto o homem como a mulher não
podem ser compelidos a contrair matrimônio já que a Constituição Federal afirma
que todo cidadão é livre (art. 3º, I, CF/88) se quiserem constituir família, sendo
que a imposição do casamento viola o direito a dignidade da pessoa humana
(art.1º, III, CF/88).

Ressaltando esse princípio tem-se o §7º do art. 226, CF/88 que no seu
corpo legislativo diz:

§7°- Fundado nos princípios da dignidade da pessoa


humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício

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desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.

O princípio da igualdade também tem suas raízes no Direito de Família.


Nas palavras de Maria Helena Diniz:

A Constituição Federal de 1988, no art. 226, §5°,


estabeleceu a igualdade no exercício dos direitos e deveres
do homem e da mulher na sociedade conjugal, que deverá
servir de parâmetro à legislação ordinária, que não poderá
ser antinômica a esse princípio. Os cônjuges devem exercer
conjuntamente os direitos e deveres relativos à sociedade
conjugal, não podendo um cercear o exercício do direito do
outro. (DIAS, 2011, p.35)

Desse artigo vislumbra-se a importância da revogação do Código Civil de


1916, pois a mulher era totalmente subordinada ao Estatuto da Mulher Casada
e tinha como função auxiliar o marido, porém não lhe era reconhecido o direito
de igualdade.

Contudo, é no art. 226 CF que são estabelecidos os princípios atinentes


ao direito de família em específico. A família foi reconhecida como base da
sociedade e recebe proteção do Estado. A família como formação social, na
visão de Pietro Perlingieri (2002) é garantida pela Constituição não por ser
portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local ou
instituição onde se forma a pessoa humana.

A família é valor constitucionalmente garantido nos limites


de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores
que caracterizam as relações civis, especialmente a
dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas
modalidades de organização, ela é finalizada à educação e
à promoção daqueles que a ela pertencem.

O merecimento de tutela da família não diz respeito


exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo,

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àquelas afetivas, que se traduzem em uma comunhão
espiritual e de vida.

Exercendo influência cada vez maior no direito civil, a Constituição


Federal se torna determinante no estudo do direito de família. Segundo Maria
Berenice Dias (2010):

(...) grande parte do Direito Civil está na Constituição, que


acabou enlaçando os temas sociais juridicamente relevantes
para garantir-lhes efetividade. A intervenção do Estado nas
relações de direito privado permite o revigoramento das
instituições de direito civil e, diante do novo texto
constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do
Direito Civil à luz da nova Constituição.

É preciso destacar a importância dos princípios em nosso ordenamento.


Sobretudo, dos princípios constitucionais. Estes surgem complementando os já
tão conhecidos princípios gerais de direito (art 4º LICC) e exercem sua influência
ao atuarem como cláusulas gerais dentro de um texto de lei. Ajudam o intérprete
a solucionar o caso concreto com a maior justiça possível, ainda que não haja
norma prevista. Atuam na margem de liberdade que passou a existir no
CC/2002.

3.1. Princípio da proteção da dignidade da pessoa


humana

Este princípio já vem estampado no art. 1º CF, constituindo um dos


fundamentos da República Federativa do Brasil. Devido a sua grande
importância, é considerado como um super princípio, ou, ainda mais, como um
princípio de onde derivam os demais princípios que serão estudados.

O princípio da dignidade da pessoa humana foi o responsável pela


grande transformação que ocorreu no Direito Civil. Dele é que derivou toda
a mudança de paradigma, a despatrimonialização do direito em prol da

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personalização. O desvio de atenção do eixo patrimônio para o eixo pessoa. Diz
Paulo Luís Netto Lobo (2012), em já citado artigo:

O princípio da dignidade humana pode ser concebido como


estruturante e conformador dos demais, nas relações
familiares. A Constituição, no artigo 1º, o tem como um dos
fundamentos da organização social e política do país, e da
própria família (artigo 226, § 7º).

Especial influência exerce este princípio no direito de família, quando o


afeto passa a ser fundamental na constituição da relação e não mais apenas a
constituição do patrimônio.

3.2. Princípio da solidariedade familiar

O princípio em questão constitui um dos objetivos a serem alcançados.


Está presente no art. 3º, I da nossa Carta Magna.

É bem verdade que o dispositivo não trata da solidariedade familiar, mas


da solidariedade em seu todo. A solidariedade deve pautar as relações humanas
e pessoais. Mais ainda deve pautar a relação familiar.

A solidariedade não deve ser apenas patrimonial, mas também


emocional. Os integrantes do núcleo familiar devem se tratar com respeito,
atenção e afeto. E, caso não seja a relação assim constituída, caberá ao Estado
intervir.

O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de


cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir
a violência no âmbito de suas relações. (Art. 226, § 8º, da
CF/88)

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3.3. Princípio da igualdade entre filhos

Outro importante princípio do Direito de Família é o que trata o art. 227,


§6º da CF/88, que confere igualdade entre os filhos havidos na constância do
casamento ou não e abrangendo também os adotivos. Em outras palavras, a
Constituição Federal proibiu que se fizesse distinção entre filhos legítimos,
naturais e adotivos para efeitos civis.

A situação jurídica dos filhos no Brasil foi marcada por preconceitos e


discriminações, normalmente relacionados ao estado civil dos pais. O Código
Civil de 1.916 fazia expressa distinção entre filhos legítimos, ilegítimos,
legitimados e adotivos.

Os primeiros eram aqueles cujos genitores uniam-se pelo casamento.


Todos os direitos decorrentes da relação paternofilial eram-lhe garantidos.

Os segundos, denominados ilegítimos, procediam de relações outras,


diversas das decorrentes das justas núpcias. Eram agrupados em naturais (filhos
de pais sem impedimento para casar) e espúrios, estes últimos subdivididos em
adulterinos (um ou ambos os genitores eram casados com terceiros) e
incestuosos (originados de relações entre parentes próximos). De regra, eles
eram destituídos de qualquer direito e sequer poderiam ser reconhecidos (art.
358).

Filhos legitimados eram aqueles que, em decorrência do matrimônio de


seus procriadores, adquiriam a condição de legítimos e a estes se equiparavam
para todos os efeitos (art. 352 a 354).

A legislação infraconstitucional, através do Decreto-lei nº 3.200, de 19 de


abril de 1.941; do Decreto-lei nº 4.737, de 27 de setembro de 1.942; da Lei nº
883, de 21 de outubro de 1.949; e da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1.977
(Lei do Divórcio), ampliou significativamente os direitos dos filhos ilegítimos,
mitigando a discriminação da prole, mas nunca os igualou aos legítimos. As
desigualdades de tratamento compreendiam, entre outros, os direitos ao
reconhecimento, alimentos e sucessão.

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Aos filhos legítimos e ilegítimos somavam-se os filhos adotivos, fruto de
parentesco civil, cujos vínculos se restringiam ao adotante e adotado. Eles
também não gozavam de tratamento isonômico.

O Poder Constituinte de 1988, albergando os movimentos sociais da


época e sob a influência do discurso psicanalítico, elevou a fundamento do
Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, rompendo de vez
com a tendência patrimonialista até então em vigor (art. 1º, III). Ao mesmo
tempo, extirpou do ordenamento jurídico pátrio a famigerada desigualdade
de gênero (art. 5º, I), elevou a princípio constitucional a isonomia entre os
filhos (art. 227, § 6º) e desvencilhou o conceito de família da noção de
casamento (art. 226, §§ 3º e 4º).

A origem dos filhos e a forma de constituição da entidade familiar


perderam importância diante da expressa e especial proteção a eles conferida
pela Magna Carta.

Acerca dos filhos adotivos, a questão de estar sedimentada na norma


constitucional brasileiro demonstra a preocupação do Estado em oferecer
segurança para os filhos em tais situações, evitando assim que os mesmos
acabem por ficar desprotegidos caso os pais adotantes se neguem a oferecer o
apoio necessário.

Deste modo, pode-se dizer que a adoção estabelece um


parentesco civil entre adotante e adotado, gerando efeitos
pessoais e patrimoniais, e conferindo ao filho adotado todos
os direitos e deveres inerentes a qualquer outro filho, em
razão do princípio da igualdade jurídica entre os filhos
(CASTELO, 2011, p. 35).

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3.4. Princípio da igualdade entre cônjuges e
companheiros

Semelhante à igualdade entre os filhos, a CF reconhece a igualdade entre


os companheiros, advindos do casamento ou união estável. (Art. 226, §§ 3º e 5º,
da CF/88).

Lembramos que o art. 1º do atual Código Civil utiliza o termo pessoa, não
mais homem, como fazia o art. 2º do Código Civil de 1916, deixando claro que
não será admitida qualquer forma de distinção decorrente do sexo.

O Código Civil traz no bojo do parágrafo primeiro do seu artigo 1.565, que
qualquer dos cônjuges poderá acrescer ao seu nome o sobrenome do outro,
aplicando mais uma vez o princípio da isonomia, igualando os direitos dos
cônjuges e, assim, tanto o homem pode adotar o sobrenome da mulher, quanto
a mulher acrescer ao seu nome o sobrenome do marido.

A tradição de nosso Direito de Família impunha-se de forma diversa, por


se tratar de uma família patriarcal, a regra era a esposa adotar o patronímico do
marido, pois a idéia desse conceito de família é que a mulher com o casamento,
ingressava na família do homem que ela desposava, deixando de fazer parte de
sua família para fazer parte da família de seu marido – tal como um bem.

Tanto o era, que o artigo 240 do Código Civil de 1916 impunha a


obrigatoriedade da adoção do patronímico do marido, apesar da doutrina
majoritária defender a eletividade. Esse entendimento permaneceu mesmo após
a edição da Lei do Divórcio em 1977, que adotou expressamente a forma
optativa da adoção do patronímico do marido para as mulheres, podendo estas
acrescerem ou não aos seus nomes os sobrenomes do marido. Porém, as
mulheres sentiam-se constrangidas com tal direito de opção adquirido pela nova
legislação, e na maioria das vezes não o utilizavam. O Código Civil de 2002
veio mais uma vez, para igualar os direitos dos cônjuges dentro da vida conjugal.
Observe que, hoje, através desse novo preceito qualquer dos nubentes pode
acrescer ao próprio apelido o sobrenome do consorte, ou então, pode conservar
seu nome de solteiro.

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A liberdade para fixação do domicílio conjugal sempre foi uma batalha das
mulheres, pois este sempre foi determinado e imposto pelo marido, sem que a
esposa pudesse se opor ou mesmo argumentar sobre o assunto, como consta
no artigo 233, inciso III, e artigo 36, parágrafo único, do Código Civil de 1916.
Competia somente ao marido fixar o domicílio do casal, bem como, modificá-lo
sem qualquer restrição, e o pior, conforme a legislação antiga os cônjuges tinham
o dever de viverem no mesmo domicílio. Desta forma, cada vez que ao marido
aprouvesse alterá-lo a mulher tinha a obrigação de acompanhá-lo.

A harmonia com relação a esta desigualdade e discriminação somente foi


alcançada com a Constituição Federal de 1988, que através do princípio da
isonomia, revogou tal preceito, que foi corrigido e corretamente elaborado no
Código Civil de 2002. Agora, o domicílio do casal será escolhido pelos
cônjuges de comum acordo, sendo que se houver divergências, o juiz decidirá
qual das partes desfruta das melhores razões. Há também a possibilidade de
qualquer dos cônjuges se afastar do domicílio conjugal, o que diminui as causas
de divergências.

Em relação à guarda dos filhos, o Código Civil inovou e a guarda dos filhos
será atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. Atualmente,
grande parte das mulheres trabalha fora do lar, alteraram-se os costumes,
ambos os cônjuges exercem profissões e dividem as tarefas e os cuidados com
os filhos, de modo que devem ser tidos, a princípio, em iguais condições de
guardá-los, cabendo ao juiz, no caso concreto, avaliar qual deles está mais
habilitado ao exercício da guarda, sem qualquer prevalência feminina.

Assim, o princípio da isonomia, neste aspecto vale também para igualar


pai e mãe, que com o advento do Código Civil de 2002 devem ser tratados pela
lei em absoluta igualdade de condições, excluindo completamente o fator "culpa
na separação" como razão determinante da perda da guarda. A guarda dos filhos
deve ser estabelecida com base no princípio da prevalência dos interesses dos
menores, observando que nem sempre o cônjuge inocente pode preservar tais
interesses.

Neste sentido, o atual Código Civil atende aos princípios constitucionais


da plena igualdade entre homens e mulheres e da proteção à criança e ao

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adolescente, excluindo a prevalência da mãe na atribuição da guarda dos filhos,
bem como, eliminou o regime de perda da guarda por culpa na separação
judicial, valorizando, sobretudo, as relações de afinidade e afetividade para sua
fixação, de modo que preserve a dignidade dos filhos.

As mulheres conquistaram direitos legítimos de igualdade jurídica, e essa


igualdade trouxe para as mesmas não só direitos, mas também deveres e
julgamentos afinados com a modernidade. Esse é o caso dos alimentos que
decorrem da mútua assistência, um dever que persiste diante da isonomia
consagrada pelo artigo 226, parágrafo quinto, da Constituição Federal.

O dever de alimentos aos filhos menores cabe a ambos os pais,


subordinando-se a necessidade do alimentando e a capacidade econômica do
alimentante.

O Código Civil contemporâneo traz também em seus artigos 1694 e 1702,


que um dos cônjuges também pode requerer alimentos ao outro no caso de
separação do casal, desde que o requerente seja considerado inocente na ação
de separação e que o requerido possua possibilidades financeiras para tanto.
Mais uma vez, o problema da "inocência" do cônjuge na separação, se apresenta
como forma de discriminação, já que na maioria dos casos não há como o juiz
verificar qual o culpado pelo término do casamento, e muitas vezes, não importa
em nada tal verificação. E também foi fixado pelo nosso atual código, que se na
separação houver "culpa recíproca" dos cônjuges, ambos perderão o direito aos
alimentos.

O dever de prestar alimentos fundamenta-se na solidariedade familiar, no


dever legal de assistência em relação ao cônjuge ou companheiro necessitado.

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3.5. Princípio da igualdade na chefia familiar
Colocando fim ao machismo eivado no CC 1916, a CF e o CC/2002
igualaram o pai e a mãe no processo de educação de sua prole. Hoje não se
pode falar mais em pátrio poder, não é o pai mais o único chefe da família.

Pai e mãe passaram a assumir idênticas funções na criação dos filhos, o


que deve ser feito de acordo com as possibilidades financeiras e emocionais de
cada um.

Complementando, prevê o art. 1631 do atual Código Civil que durante o


casamento ou união estável o poder familiar compete aos pais. Na falta ou
impedimento de um deles, o outro exercerá esse poder com exclusividade. Em
casos de eventual divergência dos pais quanto ao exercício do poder familiar, é
assegurado a qualquer um deles recorrer ao juiz para a solução do desacordo.

Esse exercício de forma igualitária também consta do art. 1634 do Código


Civil, que traz as suas atribuições, a saber: a) dirigir a criação e a educação dos
filhos; b) ter os filhos em sua companhia e guarda; c) conceder aos filhos ou
negar-lhes consentimento para casarem; d) nomear-lhes tutor por testamento ou
documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou se o sobrevivo
não puder exceder o poder familiar; e) representar os filhos, até aos 16 anos,
nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento; f) reclamá-los de quem ilegalmente os
detenha; g) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios
de sua idade e condição.

Do art. 1630 aos 1638 do CC/2002 pode-se extrair o princípio da


consagração do poder familiar que disciplina ser incumbência dos pais zelar
pelos seus filhos menores, conferindo a eles educação e criação.

A redação do art. 227, caput, da CF/88 é clara ao dizer:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

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comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.

3.6. Princípio da afetividade

O princípio da afetividade talvez seja, ao lado do já estudado super


princípio da dignidade da pessoa humana, o mais importante. Embora não seja
expresso no regramento constitucional, ou nem mesmo em qualquer
ordenamento, este princípio surge quebrando paradigmas e estabelecendo
novos valores.

A relação construída entre pessoas deve ser pautada em afeto, respeito


e atenção. Agora o que é valorizado não é mais o ter propriamente dito, como o
era no CC 1916, mas o ser. Não importa mais o que um tem materialmente a
oferecer ao outro, mas o que se sente e o que podem construir juntos. É a
valorização da pessoa, já tão amplamente debatida neste trabalho.

Para o Estado Democrático de Direito a base da família é o afeto e como


conclui Maria Helena Diniz

[...] levando em consideração os valores positivados na


Constituição Federal, a exaltação de uma reforma do direito
civil e o respeito à dignidade da pessoa humana. Isto é assim
porque será preciso acatar as causas da transformação do
direito de família, visto que são irreversíveis, procurando
atenuar seus excessos, apontando soluções viáveis para
que a prole possa ter pleno desenvolvimento educacional e
para que os consortes ou conviventes tenham uma relação
firme, que integre respeito, tolerância, diálogo, troca
enriquecedora de experiência de vida, etc [...]. A família
continua e deve sobreviver feliz. Este é o desafio para o
século XXI. (DINIZ, 2011, p.40)

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Em decorrência deste princípio, é que se pode falar na famosa
paternidade socioafetiva, predominante sobre a paternidade biológica.

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – ADOÇÃO À


BRASILEIRA – PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. O
registro de nascimento realizado com o ânimo nobre de
reconhecer a paternidade socioafetiva não merece ser
anulado, nem deixado de se reconhecer o direito do filho
assim registrado. “Negaram provimento”. (Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, 00502131NRO-
PROC70003587250, DATA 21/03/2002, Relator Rui
Portanova, ORIGEM RIO GRANDE).

Todos esses princípios corroboram para que o instituto familiar sobreviva


a todas as mudanças ocasionadas pela transformação social que o mundo passa
todos os dias. Por isso se faz necessário estudar o Direito de Família tendo como
objetivo preservar a essência fundamental da família que é a afetividade.

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4. O DIREITO DE FAMÍLIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Depois da Constituição Federal de 1988 houve a necessidade que o
Código de 1916 passasse por mudanças legislativas, pois muitos artigos ali
presentes feriam os princípios norteadores do novo Estado Brasileiro
Democrático e igualitário.

O Código Civil de 2002 trouxe inovações em termos de direito da família,


uma vez que consagrou diferentes arranjos familiares, considerando as
evoluções sociais que o país sofreu ao longo dos anos. Bem como conferindo
um conteúdo mais moderno e atual ao anteriormente ensejado pelo CC de 1916,
introduzindo princípios e normas constitucionais antes não tratadas com a
veemência com que será exposta nesta sequência.

Em complemento a esta concepção, Gonçalves (2005, p. 6) diz que “as


alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais,
conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade
social atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges e
os companheiros e aos elevados interesses da sociedade”.

Em termo do Código Civil de 2002, o direito de família foi reforçado a partir


dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica entre os
cônjuges, da igualdade jurídica de todos os filhos. Além do pluralismo familiar,
da liberdade de construir uma comunhão de vida familiar, da consagração do
poder familiar, do superior interesse da criança e do adolescente, da afetividade
e da solidariedade familiar.

Zelar pela boa estrutura familiar é dever do Estado, pois se a família


vai bem com toda a certeza a economia fluirá melhor, o índice de mortes diminui
assim como o número de crianças a adolescentes vivendo nas ruas e
consequentemente a mercê do crime também diminui.

Uma família que experimente a convivência do afeto, da


liberdade, da veracidade, da responsabilidade mútua haverá
de gerar um grupo familiar não fechado egoisticamente em
si mesmo, mas sim voltado para as angústias e problemas

18
de toda a coletividade, passo relevante à correção das
injustiças sociais (PEREIRA, 2004, p. 19).

Ou seja, quando o governo investe no planejamento familiar e cria


mecanismo para que todos vivam de forma afetiva está a investir no bem da
coletividade.

5. ENTIDADES FAMILIARES EXPLÍCITAS NA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 226, CF/1988)

Primeiramente, é necessário analisar à luz da doutrina e da jurisprudência


cada uma das entidades familiares explícitas na Constituição, a saber:
casamento (art. 226 § 1º e § 2º, CF), união estável (art. 226 § 3º, CF) e família
monoparental (art. 226 § 4º, CF). Em seguida, serão consideradas as entidades
não especificadas na Carta Magna.

5.1. Casamento (Família matrimonial)

O Código Civil (2002, p. 1) expõe em seu art. 1.511 que: “O casamento


estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges”. O mesmo diploma dispõe os deveres conjugais no art.
1.566, in verbis: “São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV -
sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração
mútuos”.

Nesse contexto, para alguns doutrinadores, o casamento possui posição


privilegiada em relação às demais entidades familiares:

Sempre desfrutou de especial proteção legal. Antes da


CF/88, o Estado só reconhecia a família formada pelo
casamento solene, que jamais poderia ser desconstituído;

19
somente anulado. Tudo isso para atender aos interesses do
Estado e da Igreja, que impunham um padrão na tentativa
de conservar a moralidade. (BAPTISTA, 2014, p. 27)

Como se observa, em alguns momentos, o casamento era tido como tão


sagrado que jamais poderia ser desfeito. Hoje, com as diversas mudanças
constitucionais e legislativas, é possível casar-se pela manhã e divorciar-se à
tarde, de modo que se manter ou não casado é uma escolha pessoal, um direito
postestativo, não cabendo ao Estado decidir a continuidade ou não de uma
relação familiar.

Em se tratando do casamento, importante destacar na jurisprudência


brasileira o seguinte julgado:

ALIMENTOS. ESPOSA QUE NÃO TRABALHA. FIXAÇÃO


DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. CABIMENTO. 1. O dever
de mútua assistência existente entre os cônjuges se
materializa no encargo alimentar, quando existente a
necessidade. 2. Se o varão sempre foi o provedor da família
e a mulher sempre se dedicou às atividades do lar e aos
filhos comuns, é cabível a fixação de alimentos em favor da
esposa. 3. Os alimentos devem ser suficientes para atender
as necessidades da esposa, mas dentro da capacidade
econômica do alimentante. 4. Os alimentos poderão ser
revistos a qualquer tempo, durante o tramitar da ação, seja
para reduzir ou majorar, seja até para exonerar o
alimentante, bastando que novos elementos de convicção
venham aos autos. Recurso provido, em parte. (Agravo de
Instrumento Nº 70066175159, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de
Vasconcellos Chaves, Julgado em 04/11/2015. Data de
publicação: 05/11/2015).

No caso acima, entendeu o Tribunal que caberia fixação de alimentos para


a esposa, pois “o varão sempre foi o provedor da família e a mulher sempre se
dedicou às atividades do lar e aos filhos comuns”. A esposa, de certo modo, por

20
exclusivamente ocupar-se da criação dos filhos e do cuidado com o lar, deixou
de realizar investimentos educacionais e profissionais ao longo de sua vida,
sendo assim cabível a fixação de alimentos, uma vez que seria mais difícil sua
recolocação no mercado de trabalho para sustento próprio.

5.2. União estável

O art. 1723 do Código Civil (2002, p. 1) traz os requisitos para


caracterização da união estável: “É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua
e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Como se
verifica, basta a convivência ser pública, contínua e duradoura, com ânimo
de constituição de família para que seja configurada a união estável.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal entende não ser requisito


para a união estável a vida debaixo do mesmo teto. É o que ficou estabelecido
no enunciado de súmula 382 do STF, in verbis: “A vida em comum sob o mesmo
teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato”.

Além disso, os tribunais têm entendido que o fato de nascerem filhos


durante o relacionamento, por si só, não significa a existência de reconhecimento
da união estável, é o que se extrai do julgado a seguir:

Reconhecimento e dissolução de união estável. Prova. 1 - A


união estável exige convivência pública, contínua e
duradoura, com o objetivo de constituir família. 2 - A
estabilidade do relacionamento é externada pela
durabilidade e continuidade da convivência com aparência
de casamento. O nascimento de filho, por si só, não significa
a existência de reconhecimento da união estável. 3 -
Apelação não provida. (TJ-DF - 20150910163729 Segredo
de Justiça 0016198-94.2015.8.07.0009 (TJ-DF). Data de
publicação: 30/08/2016).

Um ponto de destaque recente no tema união estável se refere à


sucessão, pois o companheiro(a), em relação à sucessão do casamento, saía

21
em desvantagem, nos moldes do art 1790 do CC. O assunto estava sob
repercussão geral e foi recentemente julgado pelo STF:

DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL
QUE PREVEEM DIREITOS DISTINTOS AO CÔNJUGE E
AO COMPANHEIRO. ATRIBUIÇÃO DE REPERCUSSÃO
GERAL. 1. Possui caráter constitucional a controvérsia
acerca da validade do art. 1.790 do Código Civil, que prevê
ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles
outorgados ao cônjuge pelo art. 1.829 do mesmo Código. 2.
Questão de relevância social e jurídica que ultrapassa os
interesses subjetivos da causa. 3. Repercussão geral
reconhecida. (RE 878694 RG, Relator (a): Min. ROBERTO
BARROSO, julgado em 16/04/2015, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-
05-2015).

De igual modo, também estava em repercussão geral a questão


sucessória no tocante às uniões estáveis homoafetivas:

UNIÃO ESTÁVEL – COMPANHEIROS – SUCESSÃO –


ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL – COMPATIBILIDADE
COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ASSENTADA NA
ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO –
REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui
repercussão geral a controvérsia acerca do alcance do artigo
226 da Constituição Federal, nas hipóteses de sucessão em
união estável homoafetiva, ante a limitação contida no artigo
1.790 do Código Civil. (RE 646721 RG, Relator (a): Min.
MARCO AURÉLIO, julgado em 10/11/2011, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 06-12-2011 PUBLIC 07-
12-2011)

Nesse contexto, o plenário STF decidiu em 10/05/2017, por 7 votos a 3,


que possuem o mesmo valor jurídico em termos de direito sucessório, tanto o

22
casamento quanto a união estável, tendo o companheiro os mesmos direitos que
o cônjuge no casamento.

Nessa mesma sessão plenária, o Supremo Tribunal afirmou que a


equiparação entre companheiro e cônjuge, para fins de herança, abrange as
uniões estáveis de casais homoafetivos. O placar dessa decisão foi de 6 votos
a favor e 2 contrários.

Por fim, cabe mencionar que ambas as decisões, por terem sido decididas
na sistemática da repercussão geral, servem de parâmetro para todas as
disputas sucessórias nas diferentes instâncias da Justiça. Pela tese firmada, o
art. 1.790 do CC foi considerado inconstitucional, por determinar regras distintas
para a herança nos casos de uniões estáveis.

5.3. Família monoparental

O art. 226 § 4º, CF/88, dispõe sobre o conceito de família monoparental,


a saber: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. (BRASIL, 1988, p. 1)

Paulo Lôbo (2015, p. 78) expõe que: “A Constituição limitou-se à


descendência em primeiro grau. Assim, não constitui família monoparental a que
se constitui entre avô e neto, mas é entidade familiar de natureza parental, tal
como se dá com a que se forma entre tio e sobrinho”.

Hoje, é muito comum encontrar famílias monoparentais. Nessa seara, Rolf


Madaleno (2015, p.36) comenta o que tem contribuído para o aumento desse
tipo de família:

(...) é fruto, sobretudo, das uniões desfeitas pelo divórcio,


pela separação judicial, pelo abandono, morte, pela
dissolução de uma estável união, quando decorrente da
adoção unilateral, ou ainda da opção de mães ou pais
solteiros que decidem criar sua prole apartada da
convivência com o outro genitor.

23
Cabe ainda mencionar que o fundamento da família monoparental está no
art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê o direito da
criança ao convívio familiar, mesmo na falta de um dos pais.

6. ENTIDADES FAMILIARES NÃO EXPLÍCITAS NA


CONSTITUIÇÃO

Diante da dinâmica social, existem várias entidades familiares não


expressas na Carta Magna, mas que não podem ser desconsideradas. Tais
entidades são muito frequentes na atualidade e baseadas, principalmente na
afetividade, tendo a doutrina discorrido sobre o tema, alcançando avanços
jurisprudenciais.

Nesse diapasão, a doutrina leciona que: “Hoje, pode-se dizer que o


elemento da consanguinidade deixou de ser fundamental para a constituição da
família. (...), a doutrina e a jurisprudência vêm aumentando o rol das modalidades
de família, já sendo aceitas por alguns juristas outras formas, tais como a
homoafetiva, a anaparental” (...) (BAPTISTA, 2014, p.24).

6.1. Família Homoafetiva

Para doutrina especializada, esta entidade familiar se caracteriza pela


relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo. Antes, com o conceito tradicional
de família, não seria possível a admissão de modelos familiares incapazes de
procriar, mas hoje a procriação não é fator essencial, é o que expõe Silvio Neves
Baptista (2014, p. 30): “A base da família deixou de ser procriação, a geração de
filhos, para se concentrar na troca de afeto, de amor, é natural que mudanças
ocorressem na composição dessas famílias.”

Para Paulo Lôbo (2015, p. 79), ‘a união homoafetiva é reconhecidamente


uma entidade familiar, desde que preenchidos os requisitos de afetividade,

24
estabilidade e ostensibilidade e a finalidade de constituição de família’. Além
disso, para o autor, outra prova de que esse tipo constitui família é o fato de que
a Constituição Federal “não veda o relacionamento entre pessoas do mesmo
sexo com finalidades familiares”.

Nesse sentido, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) trouxe


interessante inovação. Em seu texto originário, ao tratar da violência doméstica
contra a mulher, menciona, no art. 5º, parágrafo único: “As relações pessoais
enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. (BRASIL, 2006,
p. 1)

Alguns argumentam que a família homoafetiva não pode ser considerada


família devido à impossibilidade de filiação. No entanto, são argumentos
contrários a essa tese o fato de que: 1) a família sem filhos é tutelada
constitucionalmente; 2) a procriação não é finalidade indeclinável da família
constitucionalizada; e 3) a adoção é permitida a qualquer pessoa,
independentemente do estado civil (art. 42, ECA), não impedindo que a criança
se integre à família, ainda que o parentesco civil seja apenas com um dos
parceiros.

Nesse contexto, a jurisprudência tem se baseado nos seguintes aspectos:


1) na existência de normas constitucionais que tutelam especificadamente as
relações familiares; e 2) no fato de que a doutrina tem encontrado fundamento
para as uniões homossexuais no âmbito dos direitos fundamentais, constantes
no art. 5º da Carta Magna, em especial à igualdade.

6.2. União Estável Homoafetiva

O art. 226, § 3º, CF, dispõe que: “Para efeito de proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

No mesmo sentido, o art. 1723, CC, estabelece que: “É reconhecida como


entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família”.

25
Observa-se que, em ambos os diplomas, consta a expressão “homem e
mulher”, ou seja, duas pessoas para caracterização da união estável, porém, de
sexos distintos. No entanto, o STF, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4.277 estabeleceu o seguinte entendimento:

O STF, na ADI n. 4.277, em 2011, tendo em vista a omissão


do legislador ordinário na disciplina da matéria e as
controvérsias reinantes na jurisprudência dos tribunais,
decidiu, aplicando diretamente a Constituição, que a união
homoafetiva é espécie do gênero união estável. Para o
STF, a norma constante do art. 1.723 do CC, que alude à
união estável entre homem e mulher, não obsta que a união
de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como
entidade familiar apta a merecer a proteção estatal. Assim,
sua interpretação em conformidade com a Constituição
exclui qualquer significado que impeça o reconhecimento da
união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como
sinônimo perfeito de família. Esse reconhecimento deve ser
feito segundo as mesmas regras e com idênticas
consequências da união estável heterossexual” (LÔBO,
2015, p. 80).

Outros julgados mostram que o entendimento sobre uniões estáveis


homoafetivas foi consolidado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR
MORTE. UNIÃO HOMOAFETIVA. LEGITIMIDADE
CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E
QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO
MESMO SEXO COMO ENTIDADE FAMILIAR.
POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DAS REGRAS E
CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS VÁLIDAS PARA A UNIÃO
ESTÁVEL HETEROAFETIVA. DESPROVIMENTO DO
RECURSO. 1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no

26
julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, ambas da
Relatoria do Ministro Ayres Britto, Sessão de 05/05/2011,
consolidou o entendimento segundo o qual a união entre
pessoas do mesmo sexo merece ter a aplicação das
mesmas regras e consequências válidas para a união
heteroafetiva. 2. Esse entendimento foi formado utilizando-
se a técnica de interpretação conforme a Constituição para
excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento
da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como
sinônimo perfeito de família. Reconhecimento que deve ser
feito segundo as mesmas regras e com idênticas
consequências da união estável heteroafetiva. 3. O direito
do companheiro, na união estável homoafetiva, à percepção
do benefício da pensão por morte de seu parceiro restou
decidida. No julgamento do RE nº 477.554/AgR, da Relatoria
do Ministro Celso de Mello, DJe de 26/08/2011, (...) 4.
Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 687432
AgR, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado
em 18/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-193
DIVULG 01-10-2012 PUBLIC 02-10-2012)

Como se observa, a união homoafetiva é espécie do gênero união estável.


Para o STF, o art. 1723 do CC, que alude à união estável entre homem e mulher,
não obsta que a união seja entre pessoas do mesmo sexo. A decisão tomada
em sede de ADI tem eficácia erga omnes e efeito vinculante, significando força
normativa equivalente à lei.

6.3. Casamento Homoafetivo

No ano de 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do


REsp 1.183.378, evocou os princípios constitucionais e decidiu pela legalidade
e constitucionalidade do casamento direto de casais homossexuais e não
apenas por conversão da união estável.

27
A doutrina, analisando a ementa do acórdão em tela, tece comentários
importantes sobre o tema:

Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código


Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma
vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta
aos princípios constitucionais, como o da igualdade, o da
não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os
do pluralismo livre planejamento familiar. (LÔBO, 2015, p.
81)

Um avanço notável da temática se deu com a edição da Resolução n.º


175, de 2013, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual passou a
determinar que os oficiais de registro de casamento recebam as
habilitações para casamento homoafetivo, ou seja, entre pessoas do mesmo
sexo, vedando às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração
de casamento civil ou conversão de união estável em casamento entre essas
pessoas.

Depois dessas inovações, os institutos do casamento ou da união estável


podem ser utilizados por qualquer casal, seja heterossexual ou homossexual. É
como dispõe Paulo Lôbo (2015, p. 81):

Todos os direitos e deveres jurídicos decorrentes do


casamento ou da união estável são iguais para o casal
heterossexual ou homossexual, assim na relação entre os
cônjuges ou companheiros, como entre os pais e filhos.
Nenhuma restrição ou limitação pode haver em razão do
sexo igual ou distinto, notadamente quanto à natureza
familiar dessas uniões, aos filhos, regimes de bens, aos
alimentos, à sucessão hereditária.

Dentre os direitos concedidos aos casais homoafetivos, seja em sede de


união estável, seja no âmbito de casamento, está o direito de adoção, não
havendo, sob a ótica dos tribunais superiores, qualquer impedimento
constitucional para que duas pessoas do mesmo sexo adotem uma mesma

28
criança. Pelo contrário, até mesmo famílias formadas por uma só pessoa podem
adotar uma criança, bastando preencher os requisitos legais da adoção.

6.4. Família Anaparental

Esta modalidade familiar não foi contemplada expressamente na


Constituição. Trata-se de modelo familiar constituído “por pessoas que
convivem em uma mesma estrutura organizacional e psicológica visando
a objetivos comuns, sem que haja a presença de alguém que ocupe a
posição de ascendente. Têm-se como exemplos dois irmãos que vivem juntos
ou duas amigas idosas que decidem compartilhar a vida até o dia de sua morte”
(BAPTISTA, 2014, p.23).

Para Maria Berenice Dias (2006, p. 184): “Quando não existe uma
hierarquia entre gerações e a coexistência entre ambos não dispõe de interesse
sexual, o elo familiar que se caracteriza é de outra natureza, é a denominada
família anaparental”.

Nesse tipo de entidade familiar, as pessoas sem laços de parentesco


convivem em caráter permanente, com ajuda mútua e afetividade, porém, não
há entre seus membros finalidade econômica, nem sexual.

Alguns se perguntam se uma república repleta de estudantes poderia ser


considerada família anaparental. A doutrina versa sobre o tema:

Observam Renata Almeida e Walsir Rodrigues Júnior não


existir família anaparental onde ausente a pretensão de
permanência, por maior que sejam os vínculos de
afetividade do grupo, como, por exemplo, em uma república
de estudantes universitários, cujos vínculos não foram
construídos com a intenção de formar uma família e
certamente serão desfeitos com o término do curso.
(MADALENO, 2015, p.11).

A jurisprudência tem-se debruçado sobre situações envolvendo famílias


anaparentais, como no julgado a seguir:

29
EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI Nº 8.009/90.
IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMÍLIA. IRMÃOS
SOLTEIROS. Os irmãos solteiros que residem no imóvel
comum constituem uma entidade familiar e por isso o
apartamento onde moram goza de proteção de
impenhorabilidade, prevista na Lei nº 8.009/90, não podendo
ser penhorado na execução de dívida assumida por um
deles. Sem embargo do fim proposto da impenhorabilidade,
a decisão cuida de entidade familiar que se insere totalmente
no conceito de família do art. 226, pois dotada do requisito
de afetividade, estabilidade e ostensibilidade. Não há, nesse
caso, “sociedade de fato” mercantil ou civil, e não se poderá
considerar como tal a comunidade familiar de irmãos
solteiros (Recurso Especial nº 159.851-SP, DJ de
22.06.1998).

Nesse interessante julgado, o tribunal reconheceu a impenhorabilidade do


bem de família habitado por irmãos solteiros, reconhecendo a constituição de
uma família por possuir os requisitos da afetividade, estabilidade e
ostensibildade. Como se vê, a jurisprudência abraçou e consolidou, de maneira
formal, a noção de família anaparental.

6.5. Famílias Reconstituídas ou Recompostas

Este tipo de entidade familiar “com frequência abrangem filhos de duas


estirpes, padrastos e madrastas, depois de uma nova união dos cônjuges”.
(VENOSA, 2016, p. 9) Trata-se de modelo familiar formado pela junção de
famílias anteriormente existentes, como menciona Giselda Hironaka (2015, p.
57): “Família mosaico, modelo pelo qual se reconstitui família pela junção de
duas famílias anteriores, unindo filhos de um e de outro dos genitores, além dos
filhos comuns que eventualmente venham a ter”.

Nos casos envolvendo famílias recompostas, os tributais têm levado em


consideração alguns princípios, como a dignidade da pessoa humana e a
afetividade, uma vez que “o Código Civil não traçou desenho claro dessas

30
famílias, não definindo as prerrogativas parentais dos padrastos, nem seu
eventual dever de alimentar ao enteado.” (VENOSA, 2016, p. 9)

Paulo Lôbo (2015, p. 82) comenta os motivos de atualmente existirem


tantas famílias reconstituídas:

A incidência elevada de separações de fato e divórcios, no


Brasil, faz aflorar o problema das relações jurídicas, além
das afetivas, das famílias recompostas (stepfamily, familles
recomposés), assim entendidas as que se constituem entre
um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro, vindos de
relacionamento anterior.

De fato, com a facilidade do divórcio, é comum hoje serem verificadas


famílias recompostas, de modo que as demandas sobre esse tipo de entidade
têm aumentado. Apenas para exemplificar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ),
no julgamento do REsp nº 1106637, “reconheceu a legitimidade de padrasto para
pedir a destituição do poder familiar, em face do pai biológico, como medida
preparatória para a adoção da criança, quando comprovada qualquer das
causas de perda do poder familiar. A situação corrente é o abandono do filho
pelo genitor separado” (LÔBO, 2015, p. 85)

6.6. Família Unipessoal

Mas o que dizer das famílias formadas por uma só pessoa? Podem ser
consideradas famílias? Muitas são as moradias brasileiras habitadas por apenas
uma pessoa, sejam solteiras, separadas ou viúvas.

Na doutrina, esse tipo de entidade familiar tem sido conceituada


como: “famílias singles”, onde seus habitantes, sozinhos, ganham
reconhecimento jurídico, a exemplo da aplicação em seu favor do instituto
do bem de família, a tornar impenhorável o imóvel onde residam,
independentemente da constituição de família tradicional.” (BAPTISTA,
2014, p. 32) Acolhendo esse entendimento, o STJ editou a súmula n.º 364, a
qual dispõe que "o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".

31
A jurisprudência tem admitido a família unipessoal como família,
conferindo-lhes direitos:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA.


MÓVEIS GUARNECEDORES DA RESIDÊNCIA.
IMPENHORABILIDADE. LOCATÁRIA/EXECUTADA QUE
MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR.
CARACTERIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA.
LEI 8.009/90, ART. 1º E CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART.
226, §4º. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O
Conceito de entidade familiar deduzido dos arts. 1º da Lei
8.009/90 e 226, §4º da CF/88, agasalha, segundo a
aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como
na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da
impenhorabilidade, destarte, proteger os bens móveis
guarnecedores de sua residência. 2. Recurso especial
conhecido e provido. (Recurso Especial nº 205.170-SP, DJ
de 07.02.2000).

E não só reconhecendo a impenhorabilidade dos bens que guarnecem a


residência, mas, também, a própria residência, como no julgado a seguir:

PROCESSUAL. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE.


IMÓVEL – RESIDÊNCIA. DEVEDOR SOLTEIRO E
SOLITÁRIO. LEI 8.009/90. A interpretação teleológica do
Art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao
resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de
um direito fundamental da pessoa humana: o direito à
moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem
vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais
doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por
efeito do preceito contido no Art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel
em que reside, sozinho, o devedor celibatário. (EREsp
182.223/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES

32
DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/02/2002,
DJ 07/04/2003, p. 209).

Para alguns autores, a exemplo de Paulo Lôbo (2018, p. 1), a inclusão da


pessoa sozinha no conceito de entidade familiar é relativa, ou seja, apenas para
fins de impenhorabilidade do bem de família. Isso porque essa entidade sofre
algumas críticas, dentre elas o fato de que, por ser uma só pessoa, não estaria
preenchido o requisito da afetividade para caracterização como entidade familiar
não expressa na Constituição, pois a afetividade somente pode ser concebida
em relação ao outro.

7. CONCEITO E FUNDAMENTO DO DIREITO DAS


SUCESSÕES

Direito das Sucessões é o conjunto de normas que disciplinam a


transferência do patrimônio (ativo e passivo – créditos e débitos) de alguém,
depois de sua morte, em virtude de lei ou testamento. Está regulado nos
arts. 1.784 a 2.027 CC. A Constituição Federal assegura o direito de herança
(artigo 5º, XXX).

O fundamento do direito sucessório é a propriedade, conjugada ou não


com o direito de família.

33
8. DA SUCESSÃO EM GERAL

A sucessão pode ser classificada em:


Sucessão Legítima (ou ab intestato) - decorre da lei; morrendo a
pessoa sem testamento transmite-se a herança aos herdeiros legítimos
indicados pela lei. Também será legítima se o testamento caducar ou for
declarado nulo.
Sucessão Testamentária - ocorre por disposição de última vontade
(testamento). Havendo herdeiros necessários (cônjuge sobrevivente,
descendentes ou ascendentes), o testador só poderá dispor de metade da
herança (art. 1.789 CC). A outra metade constitui a “legítima”, assegurada aos
herdeiros necessários. Não os havendo terá plena liberdade de testar. Mas se
for casado sob o regime da comunhão universal de bens (art. 1.667 CC) o
patrimônio do casal será dividido em duas meações e a pessoa só poderá
dispor da sua meação.

Nosso ordenamento proíbe qualquer outra forma de sucessão,


especialmente a contratual. São proibidos os pactos sucessórios, não podendo
ser objeto de contrato a herança de pessoa viva (art. 426 do C.C. – pacta
corvina). No entanto admite a cessão de direitos.
A título universal - o herdeiro é chamado para suceder na totalidade da
herança, fração ou parte dela, assumindo a responsabilidade relativamente ao
passivo. Ocorre tanto na legítima como na testamentária.
A título singular - o testador deixa ao beneficiário um bem certo e
determinado (legado). O herdeiro não responde pelas dívidas da herança.

8.1. ABERTURA DA SUCESSÃO, ACEITAÇÃO E


RENÚNCIA DA HERANÇA

A Abertura da Sucessão (também chamada de delação ou devolução


sucessória) se dá no momento da constatação da morte comprovada do de
cujus (expressão latina abreviada da frase de cujus successione agitur – aquele
de cuja sucessão se trata, ou seja, a pessoa que faleceu; de cujus também é
chamado de autor da herança).

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O Princípio Básico do Direito das Sucessões é conhecido como Droit de
Saisine (direito de posse imediata), ou seja, transmite-se automaticamente e
imediatamente, o domínio e a posse da herança aos herdeiros legítimos e
testamentários do de cujus, sem solução de continuidade (ou seja, sem
interrupção) e ainda que estes (os herdeiros) ignorem o fato (art. 1.784 CC).
Não necessita da prática de qualquer ato. No entanto deve-se proceder a um
inventário para se verificar o que foi deixado e o que foi transmitido.
Só se abre sucessão se o herdeiro sobrevive ao de cujus. O herdeiro
que sobrevive ao de cujus, ainda que por um instante, herda os bens por ele
deixado e os transmite aos seus sucessores, se falecer em seguida. Há
necessidade de apuração da capacidade sucessória.
Além disso, é válido frisar que o herdeiro sucede a título universal e o
legatário a título singular.

Aceitação da herança ou adição – (arts. 1.804 e seguintes do CC)– é


o ato jurídico unilateral pelo qual o herdeiro (legítimo ou testamentário)
manifesta livremente o desejo de receber a herança que lhe é transmitida. A
aceitação consolida os direitos do herdeiro. É também indivisível e
incondicional porque não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte e
sob condição ou a termo, isto para se preservar a segurança nas relações
jurídicas; a aceitação deve ser pura e simples. Não pode haver retratação da
aceitação da herança. No entanto pode ser anulada e revogada, se após a sua
ocorrência se verifica que o aceitante não é herdeiro.
A aceitação pode ser classificada em:
• expressa – declaração escrita (pública ou particular).
• tácita – atos compatíveis com a aceitação da qualidade de herdeiro.
• presumida – quando o herdeiro permanece silente, depois que é
notificado para que declare se aceita ou não a herança.

Renúncia da herança – Consiste no ato jurídico unilateral pelo qual o


herdeiro declara expressamente que não aceita a herança a que tem direito,
despojando-se de sua titularidade. É ato solene, devendo ser feito por escritura
pública (perante o tabelião) ou termo nos autos (perante o juiz).

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Se o herdeiro “renunciar” em favor de outrem, isto não se configura em uma
renúncia propriamente dita. Na verdade é uma aceitação e imediata
transmissão, havendo a incidência de tributação causa mortis e também inter
vivos. Também é chamada de renúncia translativa. A renúncia válida é a
abdicativa, isto é, cessão gratuita, pura e simples.

Requisitos para a renúncia:


• Capacidade jurídica do renunciante. Os incapazes não podem
renunciar, senão por seu representante legal, autorizado pelo Juiz.
• Forma prescrita em lei; sempre por escrito (escritura pública ou ato
judicial); não há renúncia tácita nem presumida.
• Impossibilidade de repúdio parcial da herança. Esta é indivisível até à
partilha.
• Respeito a direitos de eventuais credores. Se a renúncia prejudica
credores, estes podem aceitar a herança.
• Se o renunciante for casado, depende de outorga (uxória ou marital),
pois o direito à sucessão é considerado bem imóvel.

Efeitos da renúncia:
• O renunciante é tratado como se nunca tivesse sido chamado à
sucessão; seus efeitos retroagem à data da abertura da sucessão. O que
repudia a herança pode aceitar legado.
• O quinhão hereditário do repudiante, na sucessão legítima, transmite-
se de imediato aos outros herdeiros da mesma classe (direito de acrescer). Os
descendentes do renunciante não herdam por representação. No entanto se
ele for o único da classe seus filhos herdam por direito próprio e por cabeça.
• O renunciante não perde o usufruto e nem a administração dos bens
que, pelo seu repúdio, foram transmitidos aos seus filhos menores.
• A renúncia da herança é irretratável e irrevogável.

36
9. HERANÇA JACENTE E VACANTE (ARTS 1819 A
1823)

Para falar em herança jacente e vacante é necessário falar em sucessão


do Município, do Distrito Federal e da União. Na verdade a administração
pública não é herdeira, não lhe é dado o direito de saisine, isto é, não se torna
proprietária dos bens da herança no momento da morte do de cujus, como
acontece com os demais herdeiros.
Quando o falecido não deixar testamento nem herdeiros
conhecidos ou quando estes repudiarem a herança, os bens irão para o
Município ou Distrito Federal (se localizados nas respectivas
circunscrições) ou União (se situados em Território Federal). Mas não de
imediato. Há um procedimento legal:

Herança Jacente
Falecendo uma pessoa na situação acima, seus bens são arrecadados.
Nomeia-se uma pessoa (curador) para conservá-los e administrá-los. A
característica principal da herança jacente é a transitoriedade da situação dos
bens. Não goza de personalidade jurídica; é uma universalidade de direito. São
expedidos editais convocando eventuais sucessores. Após a realização de
todas as diligências, não aparecendo herdeiro e decorrido um ano após o
primeiro edital, haverá a declaração de vacância.

Herança Vacante
Superada esta primeira fase, os bens passam, então, para a propriedade
do Estado (em sentido amplo). Mas ainda não de forma plena, mas apenas
resolúvel (propriedade resolúvel - é a que pode se “resolver”, ou seja, se
extinguir). Somente após 05 (cinco) anos da abertura da sucessão a
propriedade passa para o domínio público (Município, Distrito Federal ou
União). Comparecendo herdeiro, converte-se a arrecadação em inventário
regular.

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O Poder Público, pelo atual Código, não consta mais do rol de herdeiros
apontados na ordem de vocação hereditária. É, portanto, um sucessor irregular,
desde que haja sentença que declare a vacância dos bens.

10. EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE

Indignidade (arts. 1.814/1.818 CC) é uma espécie de incapacidade


sucessória que priva uma pessoa de receber a herança. É uma pena civil,
criada pelo legislador, atingindo os herdeiros necessários, os legítimos e os
testamentários. A pena de indignidade só alcança o indigno, sendo
representado por seus sucessores, como se morto fosse. São excluídos por
indignidade os herdeiros ou legatários que:
a) houverem sido autores, co-autores ou partícipes em crime de
homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se
tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente.
b) houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança, ou
incorreram em crime contra a sua honra (calúnia, difamação e injúria), ou de
seu cônjuge ou companheira (o).
c) por violência ou fraude, a inibiram ou obstaram o autor da herança de
livremente dispor dos seus bens por ato de última vontade.
Os descendentes do indigno herdam como se ele fosse falecido
(representação). O indigno não terá direito ao usufruto nem administração dos
bens que seus filhos menores herdaram. A exclusão do herdeiro, ou legatário,
em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença em
ação ordinária, movida por quem tenha interesse na sucessão (art. 1.815 CC).
O prazo é de 04 (quatro) anos, sob pena de decadência. Os efeitos da sentença
declaratória de indignidade retroagem (ex tunc) à data da abertura da
sucessão, considerando o indigno como pré-morto ao de cujus.
Reabilitação – O art. 1.818 CC permite ao ofendido reabilitar o indigno,
desde que o faça de forma expressa em testamento ou outro ato autêntico (ex.:
escritura pública). É o perdão do indigno.

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11. SUCESSÃO LEGÍTIMA

Arts. 1829 – 1844 do Código Civil. Sucessão Legítima é aquela em que


o de cujus faleceu sem testamento (ou ab intestato), ou o testamento deixado
caducou, ou é ineficaz. Há uma relação preferencial das pessoas que são
chamadas a suceder o finado. Se deixou testamento, mas havia herdeiro
necessário, é possível que ocorra uma redução das disposições testamentárias
para respeitar a quota dos mesmos, prevista em lei.
Portanto, na sucessão legítima os herdeiros são apresentados pelo
legislador e essa sequência é denominada ordem de vocação hereditária.

11.1. VOCAÇÃO DOS HERDEIROS LEGÍTIMOS

Arts 1829 – 1844 do Código Civil. O chamamento dos sucessores é feito


de acordo com uma sequência denominada ordem de vocação hereditária, que
é uma relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que são
chamadas para suceder o de cujus na sucessão legítima.
Classes: 1ª descendentes + cônjuge; 2ª ascendentes + cônjuge; 3ª
cônjuge; 4ª colaterais até 4º grau. (Art 1829)
Descendentes: mais próximos excluem mais remotos. Os de mesmo
grau sucedem nos mesmos direitos, sucessão por cabeça e não por estirpe.
Ascendentes: mais próximos excluem remotos. Não há distinção entre
linha materna e paterna (Art 1836, § 2º), o que interessa é o grau. Não há direito
de representação para ascendentes (Art 1852).
Colaterais: mais próximos excluem mais remotos, exceção: direito de
representação para filho de irmão pré-morto. Irmãos germanos ou bilaterais e
irmãos unilaterais: os últimos têm metade do quinhão dos primeiros (Art 1841
e ss). Tio e sobrinho são colaterais de 3º grau, na falta de outros herdeiros, a
herança deveria ser dividida entre eles, porém o direito sucessório estabelece
que sobrinho exclui tio da sucessão, pois, devido ao direito de representação,
o sobrinho entra no lugar do irmão pré-morto, que é um colateral de 2º grau,
enquanto o tio, por ser ascendente, não possui direito de representação, se

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mantendo no 3º grau, como mais próximos afastam mais remotos, logo,
sobrinho exclui tio (Arts 1840, 1843 caput e 1851 ss).
Observações importantes:
1. Uma classe só será chamada quando faltarem herdeiros da classe
precedente. Exemplo: os ascendentes só serão chamados na sucessão se não
houver descendentes.
2. Dentro de uma classe, o grau mais próximo, em princípio, exclui o
mais remoto. Exemplo: o de cujus deixou um filho e este possui dois filhos (que
são netos do de cujus); a herança irá somente para o filho, excluindo, neste
caso, os netos.
3. Os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivente são
considerados herdeiros necessários; neste caso o testador só poderá dispor
por testamento de metade da herança. Isto é, metade de seus bens irá
obrigatoriamente para os herdeiros necessários (salvo alguma hipótese de
deserdação). A outra metade ele poderá dispor em testamento.
4. Todos os filhos herdam em igualdade de condições (Constituição
Federal, art. 227, § 6º: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou
por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação”). Assim, um filho não pode ser
chamado de adulterino ou bastardo. Tanto faz seja ele proveniente de um
casamento ou de uma relação extraconjugal: é filho do mesmo jeito e terá
direito à herança.
5. Se houver um testamento essa ordem pode não prevalecer
exatamente desta forma, ou seja, pode haver algumas modificações.

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11.2. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO (ARTS. 1851
A 1856)

Dá-se o direito de representação quando a lei chama certos parentes do


falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivesse
(art. 1.851 CC). Só tem aplicação na sucessão legítima.
Exemplo: A faleceu deixando 05 filhos. Dois deles (B e D) faleceram
anteriormente (ou seja, antes de A). Um desses (B) tinha um filho (G) e o outro
(D) tinha dois filhos (H eI).
Cada um dos filhos de A irá receber 20% do patrimônio do
pai. G representará seu pai na herança de seu avô e receberá a totalidade que
seu pai receberia (20%). No entanto H e I representam D e irão herdar apenas
10% cada um da totalidade da herança. Os filhos herdam por cabeça ou por
direito próprio. Já os netos herdam por estirpe ou por direito de representação.
Mas neste mesmo exemplo se todos os filhos já fossem pré-mortos,
concorrendo apenas os netos, todos do mesmo grau, a sucessão não seria
mais deferida por representação (ou estirpe), mas por cabeça. Assim, como só
há três netos, cada um herdará um terço da totalidade da herança. Essas cotas
chamam-se avoengas, por serem transmitidas diretamente do avô para os
netos.
O direito de representação se aplica ao herdeiro pré-falecido e também
ao excluído por indignidade ou deserdação.
Somente se verifica o direito de representação na linha reta descendente
(operando-se ad infinitum), nunca na ascendente (art. 1.852 CC). Na linha
colateral, só ocorrerá em favor dos filhos de irmãos do falecido (sobrinhos),
quando com irmão deste concorrerem. Mas não há representação na renúncia
nem na herança testamentária, não se aplicando, também aos legados.

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12. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E
TESTAMENTO

Sucessão Testamentária é aquela em que a transmissão hereditária se


opera por ato de última vontade, revestido da solenidade requerida por lei. Em
outras palavras, é a sucessão que se faz por meio de um testamento.
Permite a instituição de herdeiro (sucessor a título universal) ou legatário
(sucessor a título singular). Como já vimos, tem certas limitações, pois deve
respeitar a legítima (que é a parte que cabe aos herdeiros necessários).
A sucessão testamentária rege-se pela:
• Lei vigente no momento da feitura do testamento, que regula a
capacidade testamentária ativa e a forma do ato de última vontade.
• Lei que vigorar ao tempo da abertura da sucessão, que rege a
capacidade testamentária passiva e a eficácia jurídica do conteúdo das
disposições testamentárias.

Testamento — é um ato personalíssimo, unilateral, solene e revogável


pelo qual alguém dispõe no todo ou em parte de seu patrimônio para depois de
sua morte.
O testamento serve também para a nomeação de tutores,
reconhecimento de filhos, deserdação de herdeiros, revogação de testamentos
anteriores e outras declarações de última vontade.
O testamento é ato unilateral e individual, não podendo ser feito em
conjunto com outra pessoa (é nulo o testamento conjuntivo). Proíbe-se, os
pactos sucessórios, ou seja, estipulações bilaterais, de feição contratual, em
favor dos estipulantes ou de terceiros, afastando-se a possibilidade de
contratos que tenham por objeto herança de pessoa viva (art. 426 C.C. – pacta
corvina). É ato personalíssimo, podendo ser revogado.
O testamento, por ser um negócio jurídico, requer para a sua validade
agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. É um negócio
jurídico que requer uma série de solenidades. Caso não sejam observadas, o
ato será considerado nulo (conforme a regra geral do art. 166, V do CC).
Também é necessária a análise da capacidade testamentária ativa e passiva.

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12.1. Capacidade Testamentária Ativa
A capacidade testamentária ativa é a capacidade para fazer o
testamento. O Código Civil estabelece apenas como incapazes de testar
(art. 1.860 CC): os menores de dezesseis anos, os desprovidos de
discernimento (ex.: os que não estiverem em perfeito juízo, surdos-mudos, que
não puderem manifestar a sua vontade, etc.) e a pessoa jurídica.
Assim, podem testar o cego, o analfabeto, o pródigo, o falido, etc. Os maiores
de 16 anos, mas menores de 18 anos, apesar de relativamente incapazes,
podem testar, mesmo sem a assistência de seu representante legal.
A incapacidade posterior à elaboração do testamento não o invalida. A
capacidade para testar deve existir no momento em que o testamento é feito,
pois a incapacidade superveniente não invalida o testamento eficaz. O
testamento do incapaz não pode ser convalidado com a superveniência da
capacidade.

12.2. Capacidade Testamentária Passiva

A capacidade testamentária passiva é a capacidade para adquirir por


testamento. Rege-se pela regra genérica de que são capazes todas as
pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, maiores ou menores,
existentes ao tempo da morte do testador.
Não podem ser contemplados por testamento as coisas inanimadas, os
animais e as entidades místicas. Se o beneficiário do testamento já morreu
(pré-morto), a cláusula é considerada caduca.
São absolutamente incapazes para adquirir por testamento:
• Os indivíduos não concebidos (o nascituro possui capacidade, pois já
foi concebido) até a morte do testador, salvo se a disposição deste se referir à
prole eventual de pessoas por ele designadas e existentes ao abrir-se a
sucessão.
• As pessoas jurídicas de direito público externo relativamente a imóveis
situados no Brasil.

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São relativamente incapazes para adquirir por testamento, proibindo que
se nomeiem herdeiros ou legatários:
• A pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, seu cônjuge, seus
ascendentes, descendentes e irmãos.
• As testemunhas do testamento.
• O concubinário (amante) do testador casado, salvo se este, sem culpa
sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de 05 anos.
• O tabelião, civil ou militar, o comandante, ou escrivão, perante o qual
se fizer, assim como o que fizer, ou aprovar o testamento.

12.3. Restrições do testamento

Não se pode dispor de mais da metade dos bens havendo herdeiros


necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente), salvo se os
mesmo forem deserdados. As disposições que excederem à metade disponível
será reduzida ao limite dela. Reduzem-se também as doações feitas em vida,
que atingiram a legítima dos herdeiros necessários (são chamadas doações
inoficiosas).
Um testamento pode ser revogado por outro (de qualquer espécie), total
ou parcialmente. Não há uma hierarquia entre os testamentos.

12.4. FORMAS DE TESTAMENTO


1) ORDINÁRIO: a) Público; b) Particular; c) Cerrado
2) ESPECIAL: a) Militar; b) Marítimo; c) Aeronáutico

TESTAMENTO ORDINÁRIO
Testamento Público (arts. 1.864 a 1.867 CC)
Testamento público é o lavrado por tabelião em livro de notas, de acordo
com a declaração de vontade do testador, exarada verbalmente (o mudo não
pode) em língua nacional, perante o oficial. É o testamento mais seguro. Porém
tem o inconveniente de permitir a qualquer pessoa conhecer o seu teor. Podem
testar de forma pública: os analfabetos, os surdos (desde que não sejam

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mudos). O cego só pode testar por testamento público. Só não podem assim
testar os mudos e os surdos-mudos.
Os requisitos essenciais dessa forma estão nos incisos do
art. 1864 do CC.
Com a abertura da sucessão, o traslado é apresentado em juízo. Depois
de lido e não tendo vícios o Juiz ordena o registro e cumprimento.

Testamento cerrado (arts. 1.868 a 1.875 CC)


Testamento cerrado é o escrito em caráter sigiloso, feito e assinado pelo
testador ou por alguém a seu rogo, completado por instrumento de aprovação
lavrado por oficial público em presença de 02 (duas) testemunhas idôneas.
Também é chamado de secreto ou místico.
O analfabeto e o cego não podem testar desta forma. O surdo-mudo só
poderá fazer esse testamento se souber ler e escrever. Ao entregá-lo ao oficial
deve escrever na face externa “que é seu testamento cuja aprovação lhe pede”.
Contém quatro elementos:
a) Cédula testamentária – escrita pelo testador (ou alguém a seu rogo,
desde que não seja beneficiário), em caráter sigiloso. As disposições
testamentárias estão nesta fase.
b) Auto de entrega – o testador (não se admite portadores) entrega a
cédula ao tabelião na presença das testemunhas, que não precisam saber do
teor do testamento.
c) Auto de aprovação – lavrado pelo oficial público para assegurar a
autenticidade do ato; todos (oficial, testador, testemunhas) assinam o
instrumento.
d) Cerramento – o tabelião lacra o envelope com cera derretida, costura
a cédula com cinco pontos de retrós e lança pingos de lacre sobre cada um.
Após isso o tabelião entrega ao testador, lançando em seu livro nota do lugar,
ano, mês e dia em que o testamento foi aprovado e entregue.

Requisitos:
• Escrito (em língua nacional ou estrangeira – art. 1.871 CC) e assinado
pelo testador; pode ser escrito mecanicamente, desde que todas as páginas

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sejam numeradas e autenticadas com sua assinatura (art. 1.868, parágrafo
único CC).
• Entregue ao oficial na presença de 02 (duas) testemunhas.
• Oficial pergunta se este é o testamento e exara o auto de aprovação,
tendo-o por bom, firme e valioso.
• Leitura do auto de aprovação.
• É cerrado (fechado e lacrado) e costurado.

Morto o testador, deve o testamento cerrado ser apresentado ao Juiz


para as formalidades da abertura, e para que o Juiz mande registrar, arquivar
e cumprir (arts. 1.125 e 1.126 do C.P.C.).

Observações:
1. Estão proibidas de usar este testamento as pessoas que não saibam
ler (analfabetos e cegos).
2. As testemunhas, ao contrário do testamento público, não sabem quais
são as disposições testamentárias.
3. Desvantagens: possui muitas formalidades, pode ser ocultado;
qualquer vício o invalida (ex: lacre rompido).

Testamento particular (arts. 1.876 a 1.880 CC)


O testamento particular (também chamado de aberto, ológrafo ou
privado), é o escrito pelo testador e lido em voz alta perante três testemunhas
idôneas, que também assinam. É a forma menos segura de se testar, porque
depende de confirmação em juízo pelas testemunhas. É permitido aos que
sabem ler e escrever. Não pode ser utilizado pelo cego, analfabeto e os
incapacitados de escrever.

Requisitos:
• Escrito de próprio punho pelo testador ou mediante processo mecânico
(art. 1.876 CC) – neste caso não pode conter rasuras ou espaços em branco.
• 03 (três) testemunhas.
• Leitura do testamento pelo testador.
• Publicação, em juízo, após a morte do testador.

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• Homologação do testamento pelo Juiz.
• Sobrevivência de pelo menos uma das testemunhas. Se as
testemunhas forem afirmativas (contestes) sobre o fato ou pelo menos da
leitura perante elas e reconheçam suas assinaturas o testamento será
confirmado. Em casos excepcionais o testamento sem testemunhas poderá ser
confirmado pelo Juiz, desde que se convença da sua veracidade.

Morto o testador, será publicado em juízo, com citação dos herdeiros


legítimos. Pelo menos uma das testemunhas deve reconhecer sua
autenticidade. Após isso e ouvido o Ministério Público o Juiz confirmará o
testamento.

TESTAMENTOS ESPECIAIS
São os de caráter provisório, feitos em situações de emergência.

Testamento Marítimo e Aeronáutico


O testamento marítimo ou aeronáutico consiste na declaração de
vontade feita a bordo de navios ou aeronaves de guerra ou mercantes, em
viagem de alto mar. Deve ser lavrado pelo comandante ou escrivão de bordo
perante duas testemunhas idôneas.
Observação: se o testador não morrer na viagem ou nos 90 dias
subsequentes após o desembarque, o testamento perde a validade (caduca).

Testamento Militar
Testamento militar é a declaração de última vontade feita por militares e
demais pessoas a serviço do exército em campanha, dentro ou fora do país.
Deve ser escrito por autoridade militar, na presença de duas testemunhas.
Admite a forma nuncupativa, isto é, feita por pessoa ferida; neste caso, pode
ser feito de viva voz na presença de duas testemunhas.
Em qualquer hipótese, se o testador não morrer na guerra ou nos 90 dias
subsequentes em lugar onde possa testar na forma ordinária, o testamento
caducará.

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Registro, Arquivamento e Cumprimento
Após a morte do testador, o testamento deve ser apresentado ao Juiz
que o mandará registrar, arquivar e cumprir, se não houver vício externo que o
torne suspeito de nulidade ou falsidade. Depois de efetuado o registro, o mérito
das disposições testamentárias será examinado no inventário ou em ação
ordinária própria.

12.5. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

O Código Civil Brasileiro dispõe de um Capítulo somente sobre as


Disposições Testamentárias, ou seja, aquelas coisas que podem ou não ser
ditas em testamentos.
A rigor, predomina o Princípio da Autonomia da Vontade do Testador, ou
seja, a maneira que ele dispor será absoluta quanto aos bens. Contudo, nem
mesmo a disposição de última vontade do de cujus poderá ferir a legislação,
nem mesmo a vontade do testador pode se opor à licitude da lei ou os princípios
morais.
Como sabemos, no testamento podem conter disposições patrimoniais
ou disposições exclusivamente pessoais. As disposições patrimoniais podem
ser encontradas mais facilmente nos testamentos comuns, e, até certos autores
veem o testamento apenas como meio de disposição do patrimônio. Contudo,
existem também diversas disposições de ordem não patrimonial que podem ser
aditadas a um testamento, por exemplo, reconhecimento de filho, nomeação
de tutor, recomendações sobre o funeral, o destino do corpo do de cujus, e
outras relativas a direito pessoal.
Convém salientar que serão consideradas como não escritas quaisquer
cláusulas chamadas de derrogativas, aquelas onde o testador contraria o
Princípio da Irrevogabilidade do Testamento, ou dispensa qualquer das suas
solenidades.
Existem, contudo, uma variada gama de cláusulas possíveis de serem
apostas em um testamento.
Pode-se num testamento, instituir herdeiros, através de um antigo
instituto conhecido desde o Direito Romano como heredis institutio, válido ainda

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em nosso ordenamento jurídico. Existem duas regras gerais, a primeira, onde
diz que somente o testador tem o poder de instituir os herdeiros, e a segunda,
é que não existem nenhuma restrição acerca da quantidade de herdeiros. A
Instituição de algum herdeiro gera efeitos imediatos, cabendo aos herdeiros
testamentários o direito à sua parte.
É lícito ao testador impor alguma condição sobre os bens dispostos em
testamento, de modo que podem haver condições que enquanto não forem
atendidas, o bem não se transmitirá. Por exemplo, um herdeiro testamentário
receberá o bem quando colar grau em curso superior.
Conforme a vontade do testador, podem ser apostos sobre os bens
determinados encargos, que podem variar indefinidamente. Podendo ser o
encargo em favor de terceira pessoa, ou da sociedade em geral.
O testador, da mesma forma, pode colocar no testamento, algumas
razões que levaram ele a realizar a divisão dos bens como foi feita, dá-se o
nome dessa disposição de Disposição Causal.
Finalmente, pode impor ônus e gravames sobre os bens que serão
herdados. Os mais conhecidos desses ônus são as cláusulas restritivas à
propriedade, que consistem na cláusula de incomunicabilidade,
inalienabilidade e impenhorabilidade. Sobre essas últimas, se faz necessário
que o disponente, no próprio instrumento, mencione um motivo bastante
justificado para a aposição dessas cláusulas no testamento.

12.6. LEGADOS

Legado é a disposição testamentária a título singular, pela qual o


testador deixa a pessoa estranha ou não à sucessão legítima, um ou mais
objetos individualizados ou uma certa quantia em dinheiro. O legado é típico de
sucessão testamentária, recaindo sobre uma coisa certa e determinada (ex.:
deixo a meu amigo minha biblioteca; deixo a meu sobrinho o meu piano, etc.).
O conceito jurídico atual de legado é um ato de liberalidade feita em
testamento a uma pessoa determinada, chamada de legatário.
O legatário não é obrigado a aceitar o legado, podendo renunciar tácita
ou expressamente. Os legados podem caducar (ex.: anulação do testamento;

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alienação, modificação ou perecimento da coisa; falecimento do legatário antes
do testador; revogação; indignidade, etc.).
Enquanto a herança consiste na totalidade ou de uma fração ideal dos
bens do de cujus, como uma universalidade de bens, sendo considerada um
único bem imóvel, conforme o art. 80, II do CC, o legado é a sucessão que
incide sobre uma coisa certa e determinada. A herança é indefinida e o legado
é definido.
Quando o legado é deixado para um herdeiro legítimo, que passa a
acumular os papéis de herdeiro e legatário, é chamado de legado precípuo ou
prelegado.
O legado, quanto ao objeto, pode ser de coisas corpóreas ou
incorpóreas, crédito ou de quitação de dívidas, alimentos; usufruto, imóvel,
dinheiro; renda ou pensão periódica.
O legado de coisas pode se dar sobre uma coisa específica ou genérica,
de modo que, nesse último caso, a escolha somente será feita depois, pelo
legatário, ou outra pessoa designada pelo testador. Como a coisa legada é
definida apenas pelo gênero, o legado se cumprirá mesmo que tal coisa não
exista entre os bens do testador, segundo reza o art. 1.915 do CC. Além disso,
o código veda totalmente o legado de coisa alheia, conforme o disposto no
art. 1.912.
Também pode um crédito de propriedade do de cujus ser objeto de
legado, para se transferir ao legatário, de modo que o novo crédito agora seja
devido ao mesmo, de modo igual ao que ocorre em uma cessão de crédito.
Pode ser transmitida uma quitação de dívida ao legatário, e se transfere pela
própria entrega do instrumento de quitação do herdeiro para o legatário.
Os alimentos podem ser transmitidos por legado. Através dessa
modalidade de legado, cria-se uma relação jurídica que obriga o pagamento da
pensão alimentícia, como aquela devida aos filhos. Os alimentos devem
compreender o necessário à manutenção da vida do legatário (alimentado),
levando sempre em conta as circunstâncias e o meio-termo, de modo que o
valor estipulado dos alimentos não seja praticamente uma “esmola”, mas
também não seja muito alto, de modo que seja um aproveitamento ilícito do
alimentado.

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Em geral, os alimentos são fixados levados em conta as possibilidades
do alimentante e as necessidades do alimentado. Essa modalidade de legado
tem fulcro legislativo no art. 1.920 do CC: “O legado de alimentos abrange o
sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da
educação, se ele for menor.”
O testador, se possuir plena propriedade de um bem, pode legar o seu
usufruto para uma terceira pessoa, de modo que essa fique no uso e fruição do
bem, em todo o prazo estipulado. Se não houver um prazo estipulado pelo
testador, há uma presunção iure et de iure de que este prazo seja vitalício com
relação ao legatário, conforme o disposto no art. 1.921.
Quanto ao legado de bem imóvel deve-se observar a disposição do art.
1.922: “Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições,
estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo expressa
declaração em contrário do testador”. E, no parágrafo único: “Não se aplica o
disposto neste artigo às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas
no prédio legado”.
Pode-se também legar dinheiro. O pagamento deve ser feito logo após
a partilha, de forma que os juros correrão a partir do momento em que o
herdeiro pagador se constituir em mora, ou seja, no momento em que for feito
a partilha e o legatário não receber o dinheiro.
O Legado de Renda ou Pensão Periódica é o gênero do qual o legado
de Alimentos é espécie. Nesta modalidade, é legada uma renda, de caráter
vitalício ou não, renda esta fixada pelo próprio testador.
Há o legado alternativo quando o testador coloca duas ou mais opções
de legado ao herdeiro incumbido de cumprir o legado. Está amparado no art.
1.932 do Código: “No legado alternativo, presume-se deixada ao herdeiro a
opção.”
O art. 1.924 do Código Civil assinala que o direito de pedir o legado não
se exercerá, enquanto se litigue sobre a validade do testamento, e, no legados
condicionais, ou a prazo, enquanto esteja pendente a condição ou o prazo não
se vença.

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12.7. DIREITOS DE ACRESCER ENTRE OS
HERDEIROS

Quando vários herdeiros ou legatários, pela mesma disposição


testamentária, forem conjuntamente chamados à herança em quinhões
determinados, e qualquer deles não puder (ex.: pré-morte, indignidade,
renúncia, etc.) ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos outros co-
herdeiros ou co-legatários (salvo direito do substituto). Exemplo: A deixa seus
bens a B, C e D. Se um deles falecer antes de A, sua parte retornará ao monte,
acrescendo ao quinhão dos outros dois. Mesmo que D tenha filhos estes não
receberão os bens por representação.
Obs. Não haverá direito de acrescer se a cédula testamentária for
declarada nula ou anulada, caso em que subsistirá a sucessão legítima
(art. 1.788 CC).

Requisitos
• Nomeação de co-herdeiro ou co-legatário, na mesma disposição
testamentária.
• Deixa dos mesmos bens ou da mesma porção de bens.
• Ausência de cotas hereditárias.

12.8. HERDEIROS NECESSÁRIOS E REDUÇÃO


DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Herdeiros Necessários não estão, obrigatoriamente, ligados a um tipo de


Sucessão. São assim considerados por ser uma qualidade dada somente a
alguns parentes próximos do de cujus, determinados pelo art. 1.845: “São
herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”
Não é aquele somente tipificado em Lei, como o Herdeiro Legítimo.
Como possui a qualidade de necessário, a lei confere ao mesmo o direito à
Legítima. O de cujus de maneira alguma pode, por arbítrio próprio, se furtar a
transferir ao herdeiro necessário a Legítima a que este possui direito. Contudo,

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nada impede que o herdeiro necessário renunciar a herança, na conformidade
da Lei.

Legítima e Metade Disponível do patrimônio do de cujus – Distinção


O patrimônio de uma pessoa, enquanto viva, pode ser dividido em duas
metades: a Legítima e a metade disponível. Entretanto, tal distinção somente
produzirá efeitos práticos se houverem herdeiros necessários em jogo
(Descendentes, Ascendentes e/ou Cônjuge sucessíveis).
A metade chamada de Legítima é aquela que a lei transmite
obrigatoriamente, e de maneira igual, aos herdeiros necessários, a não ser que
eles mesmos (e seus cônjuges, se houver), de maneira expressa, renunciem à
herança, por força do art. 1.846 do Código Civil: “Pertence aos herdeiros
necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a
legítima.”
No caso dessa ressalva, nem o próprio autor da herança poderá deixar
de transferir a Legítima para algum herdeiro necessário.
A outra metade do patrimônio, chamada de Metade Disponível, é aquela
que o autor da herança pode deixar para quem quiser, mediante um ato de
disposição de última vontade (Testamento ou Codicilo), a priori, não há
restrições visíveis quanto à forma de disposição da metade disponível, contudo,
mesmo a disposição de última vontade deve obedecer a certas determinações
emanadas da lei.

12.9. SUBSTITUIÇÕES E FIDEICOMISSO

Substituição hereditária é a disposição testamentária na qual o testador


chama uma pessoa para receber, no todo ou em parte, a herança ou o legado,
na falta ou após o herdeiro ou o legatário nomeado em primeiro lugar. O
testador, prevendo a hipótese de um herdeiro ou legatário não aceitar ou não
poder aceitar a herança, nomeia-lhe substitutos.
Pode ocorrer nas hipóteses de premoriência (morrer primeiro), exclusão
por indignidade, renúncia, não implemento de condição imposta pelo testador,
etc.

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Espécies de substituição:
1) Vulgar ou Ordinária
a) simples (ou singular)
b) coletiva (ou plural)
c) recíproca
2) Fideicomissária
3) Compendiosa

1 – Substituição Vulgar ou Ordinária – Ocorre a substituição vulgar


quando o testador designa uma ou mais pessoas para ocupar o lugar do
herdeiro ou legatário que não quiser ou não puder aceitar o benefício.
Estabelece a vocação direta (é uma substituição direta), pois o substituto herda
diretamente do de cujus, e não do substituído.
A substituição vulgar pode ser:
• Simples – quando é designado um só substituto ao herdeiro ou
legatário. Exemplo: deixo meus bens para A. Se ele não quiser os bens irão
para B.
• Coletiva – quando há mais de um substituto. Exemplo: deixo meus
bens para A. Se ele não quiser os bens irão para B e C.
• Recíproca – quando o testador, ao instituir uma pluralidade de
herdeiros ou legatários, os declara substitutos uns dos outros (admite-se
também a nomeação de uma pessoa estranha). Exemplo: deixo meus bens
para A, B ou C. Se um deles não quiser (ou não puder aceitar) a quota dele irá
para os demais herdeiros (ou para uma outra pessoa, D).

2- Substituição Fideicomissária – O Fideicomisso é forma de


substituição indireta. Consiste a substituição fideicomissária na instituição de
herdeiro ou legatário com a obrigação de, por sua morte, a certo tempo ou sob
condição preestabelecida, transmitir a herança ou o legado a uma outra
pessoa. Estabelece-se uma vocação dupla: direta (para o herdeiro ou legatário
instituído, que desfrutará do benefício por um certo tempo estipulado pelo de
cujus) e indireta (ou oblíqua para o substituto). Exemplo: deixo minha fazenda
para A (que é meu caseiro há muitos anos), mas com a sua morte estes bens

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passarão a ser dos filhos de B (que é irmão). Notem que neste caso B não é
herdeiro necessário do de cujos. Seus filhos são meus sobrinhos.
Assim, no fideicomisso participam três pessoas:
a) fideicomitente – é o testador.
b) fiduciário (ou gravado) – é a pessoa que é chamada a suceder em
primeiro lugar e que deverá passar os bens para o fideicomissário; é titular da
propriedade resolúvel e pode praticar todos os atos inerentes ao domínio.
c) fideicomissário – é o último destinatário da herança ou legado.
Segundo o atual Código, o fideicomissário deve ser pessoa não concebida ao
tempo da abertura da sucessão. Caso o fideicomissário já tenha nascido, não
haverá fideicomisso, mas usufruto. O fideicomissário será o proprietário dos
bens fideicomitidos e o fiduciário passará à condição de usufrutuário, pelo
tempo de duração que fora previsto originalmente. Se o fideicomissário não
nascer a propriedade plena se consolida nas mãos do fiduciário.
O fideicomisso só pode ser instituído sobre a metade disponível, não
podendo comprometer a legítima. Possui três modalidades:
• vitalício – a substituição ocorre com a morte do fiduciário.
• a termo – a substituição ocorre no momento fixado pelo testador.
• condicional – quando depende de cumprimento de condição resolutiva.

Fideicomisso X Usufruto
Usufruto – é um direito real sobre coisa alheia, sendo que o domínio se
divide em duas partes, cada uma com seu titular (nu proprietário – direito de
dispor e reaver – e usufrutuário – direito de usar e fruir), que exercem seus
direitos simultaneamente.
Fideicomisso – é espécie de substituição testamentária em que as
partes (fiduciário e fideicomissário) exercem a propriedade plena, mas de forma
sucessiva, permitindo que se beneficie prole eventual.

3 – Substituição Compendiosa – A substituição compendiosa constitui


um misto de substituição vulgar e substituição fideicomissária. O testador dá
substituto ao fiduciário ou ao fideicomissário, prevendo que um ou outro não
queira ou não possa aceitar a herança ou o legado.

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12.10. DESERDAÇÃO

Deserdação é o ato unilateral pelo qual o de cujus exclui da sucessão,


mediante testamento com expressa declaração de causa, herdeiro necessário,
privando-o de sua legítima, por ter praticado alguma conduta prevista na lei
como causa.

Requisitos de Eficácia: A deserdação exige a concorrência dos


seguintes requisitos:
• Existência de herdeiros necessários.
• Testamento válido (só pode haver deserdação por testamento, sendo
proibido por escritura pública, instrumento particular, termo judicial ou codicilo
– veremos este termo mais adiante).
• Expressa declaração da causa prevista em lei.
• Propositura de ação ordinária.

Causas de Deserdação: Além das causas que autorizam a indignidade


(art. 1.814 CC), acrescenta-se:
A) Deserdação dos descendentes por seus ascendentes (art. 1.962 CC):
ofensa física, injúria grave; relações ilícitas com a madrasta ou padrasto;
desamparo do ascendente, em alienação mental ou grave enfermidade.
B) Deserdação dos ascendentes pelos descendentes (art. 1.963 CC):
ofensa física; injúria grave; relações ilícitas com a mulher ou companheira do
filho ou a do neto com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
desamparo do filho ou do neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

Efeitos da Deserdação: Os efeitos da deserdação são pessoais, isto é,


atingem o herdeiro excluído, como se ele morto fosse. Mas os seus
descendentes herdam por representação, ante o caráter personalíssimo da
pena civil.
Não basta que o testador deserde o herdeiro. Cumpre aos outros
herdeiros promover, no prazo de 04 anos (contados da abertura do testamento)
ação de deserdação para confirmar a vontade do morto. O deserdado terá

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direito de defesa. Não se provando o motivo da deserdação, o testamento
produzirá efeitos em tudo o que não prejudicar a legítima do herdeiro
necessário.
Mera reconciliação do testador com o deserdado não gera ineficácia da
deserdação. Deve ser realizada a revogação por testamento (trata-se do
perdão).

Distinção entre Indignidade e Deserdação:


1) A exclusão por indignidade se refere à sucessão legítima e afasta da
sucessão tanto os herdeiros legítimos, quanto os testamentários, necessários
ou não, inclusive o legatário; a deserdação se refere à sucessão testamentária,
servindo apenas para privar da herança os herdeiros necessários
(descendentes, ascendentes e cônjuge), inclusive quanto à parte legítima.
2) A exclusão por indignidade funda-se exclusivamente nos casos do
art. 1.814 CC e a deserdação repousa na vontade exclusiva do autor da
herança, desde que fundada em motivo legal.

12.11. REVOGAÇÃO E DO ROMPIMENTO DOS


TESTAMENTOS

Sendo o testamento um ato jurídico, para que possa produzir efeitos


jurídicos, deverá satisfazer as condições genéricas (capacidade do testador,
objeto lícito e possível, forma solene e consentimento válido), sob pena de
nulidade e anulabilidade. Além disso, ainda existem causas que impedem o
testamento de produzir seus efeitos jurídicos:
• Revogação
• Rompimento
• Caducidade
• Nulidade Absoluta ou Relativa

Revogação

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Revogação é o ato pelo qual o testador, conscientemente, torna ineficaz
o testamento anterior, manifestando vontade contrária à que nele se encontra
expressa. Um testamento só pode ser revogado por outro, mesmo que de
modalidade diversa (um testamento público pode revogar um cerrado; um
testamento particular pode revogar um cerrado, etc.). O importante é que o
novo testamento seja válido. No entanto é irrevogável o testamento na parte
em que o testador reconhece filho havido fora do casamento.
O testamento revogado não se restaura pelo fato deste ter sido revogado
posteriormente (não há repristinação no testamento).
Um codicilo não pode revogar um testamento, mas este pode revogar o
codicilo.
A revogação, quanto a sua extensão, pode ser classificada em:
a) total – o testamento superveniente retira a eficácia de todas as
disposições testamentárias anteriores.
b) parcial – retira algumas das disposições, subsistindo as demais.
Já quanto à forma utilizada, pode ser classificada em:
a) expressa (ou direta) – declaração inequívoca, explícita do testador —
» novo testamento revoga o anterior (pode ser total ou parcial).
b) tácita (ou indireta) —> quando o testador não declara que revoga o
anterior, mas há incompatibilidade entre as disposições deste e as do novo
testamento ou em caso de dilaceração ou abertura do testamento cerrado, pelo
testador, ou por outrem, com o seu consentimento, ou quando o testado alienar
voluntariamente a coisa legada.

Rompimento
É a inutilização do testamento por perda de validade em razão da
ocorrência de certos fatos previstos em lei. Exemplo: superveniência de
descendente sucessível ao testador, que o não tinha ou não o conhecia quando
testou ou quando o testamento foi feito na ignorância de existirem outros
herdeiros necessários. O testador não teria disposto de seus bens em
testamento se soubesse da existência de algum herdeiro necessário. Também
é chamado de revogação presumida (o testamento é chamado de rupto).

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Caducidade
Ocorre a caducidade quando as disposições testamentárias não
prevalecerão, embora válidas, pela ocorrência de obstáculo superveniente.
Exemplo: herdeiro morreu antes do testador; herdeiro renuncia ou foi excluído;
perecimento da coisa legada, etc. Caducará o testamento marítimo e o militar,
três meses após o momento em que o testador podia testar de forma ordinária
e não o fez.

Nulidade e Anulabilidade
O testamento pode ser anulado se contiver defeito leve ou grave. Pode
atingir o testamento em sua totalidade (neste caso abre-se a sucessão legítima)
ou em parte (prevalece a parte válida do testamento, abrindo-se sucessão
legítima, se for o caso, quanto ao que for anulado).
a) Nulidade: incapacidade do testador; impossibilidade ou ilicitude do
objeto; inobservância das formas legais e nulidade das disposições.
Requerimento de qualquer interessado, do Ministério Público ou de ofício pelo
Juiz.
b) Anulabilidade: erro substancial na designação da pessoa do herdeiro,
legatário ou da coisa legada; dolo; coação ou fraude. Requerimento apenas do
interessado, respeitando o prazo decadencial de quatro anos.

TESTAMENTEIRO
Art. 1976 do Código Civil. O testamenteiro é a pessoa encarregada de
executar o testamento. Quando o testador nomeia um, este será o
testamenteiro instituído. Caso o testador não tenha nomeado, o juiz nomeará
um testador dativo, de acordo com uma ordem estabelecida por lei. Podem
também haver mais de um testamenteiro, quando trabalham em conjunto (dois
ou mais testamenteiros agindo ao mesmo tempo, podendo cada um ter uma
função específica ou não) ou separados (testamentária sucessiva, apenas um
atua, mas, havendo necessidade, é substituído pelos outros testamenteiros já
nomeados).
Os atos do testador são pessoais e indelegáveis, podendo constituir
formalmente um mandato para outro. Pode também o indicado recusar, já que
não é obrigatório.

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Extensão dos poderes: UNIVERSAL: posse e administração da herança.
Deve requerer a abertura do inventário (o testador não pode ter herdeiros
necessários). PARTICULAR: sem posse e administração da herança.
Obrigações: (a) propugnar pela validade do testamento. (b) Cumprir as
disposições do testamento no prazo estabelecido pelo testador ou em até 180
dias após a aceitação da testamentária caso não haja prazo. (c) Fiscalizar o
cumprimento das disposições testamentárias, podendo até se substituir a um
herdeiro que não esteja cumprindo tais disposições. (d) Prestar contas. (e) O
testamenteiro universal deve defender a posse de atos de turbação, esbulho e
ameaça.
Remuneração: VINTENA, 20% ou 1/5 da herança deferida por sucessão
testamentária, já que ele presta um serviço. Caso o testamenteiro também seja
herdeiro ou legatário nomeado pelo testador, pode escolher entre receber a
vintena ou a herança/legado. O que é herdeiro legítimo recebe normalmente a
vintena.
Perda do Direito da Vintena: (a) Negligência, (b) Não cumprimento das
disposições por dolo ou culpa, (c) Prestação de contas julgada negativamente.
Observação 1: O valor da vintena é de 5%, sendo que o testador ou o
juiz pode fixar um valor menor do que os 5%, dependendo do grau de
dificuldade e complexidade do cumprimento das disposições.
Observação 2: A vintena é paga ao final do cumprimento das atribuições
do testamento, mas o testador pode pedir adiantamento.

60
13. INVENTÁRIO E PARTILHA

I. Inventário: procedimento de formalização da transmissão dos bens do


de cujus aos sucessores. A figura do inventário está em outras situações, como
o usufruto e o fundo de comércio, mas no Direito Sucessório diz respeito aos
bens que compõem o acervo hereditário, por meio de identificação de bens e
apuração de valores para dar o quinhão ao sucessor.
Sentido técnico: procedimento especial de jurisdição contenciosa. É
sempre judicial, com participação do Estado-juiz; jurisdição contenciosa, pois,
o litígio está na iminência devido à existência de pretensões resistidas.

Espécies de inventário:
a) Tradicional ou propriamente dito – procedimento completo, atos
bem identificados, prazos, aplicação subsidiária do arrolamento (Art 982 CPC);
b) Arrolamento – mais simplificado, com atos concentrados, prazos
reduzidos, mais célere e econômico; Sumário: interessados maiores e capazes
de comum acordo com a forma da partilha (não importa o valor); Comum:
herança de pequeno valor (índice adotado pelo Estado), mesmo com menores
e incapazes, porém se há conflito, mesmo sendo o valor pequeno, deve-se usar
o inventário tradicional.

II. Partilha: atribuição do bem individualizado que compunha o acervo


hereditário ao sucessor. Ela, em geral, complementa o inventário, lembrar
novamente que a propriedade já se transmitiu no momento da morte do de
cujus (Art 1784).

Inventários sem partilha: a) Herdeiro Universal – há adjudicação e não


partilha, com certidão de pagamento do quinhão hereditário; b) Dívidas
absorvem toda a herança; c) Inventário Negativo – sem bens a declarar, serve
para comprovar a inexistência de bens, promovendo um acerto na situação
patrimonial do de cujus, comprova que o de cujus faleceu sem bens, logo,
credores não serão satisfeitos, de cujus pode ter deixado obrigações a cumprir
(ex: outorgar escrituras de compra e venda de imóveis que ele vendeu) e forma

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de evitar imposição de finalidades civis (ex: viúvo para casar novamente sem
ser com separação obrigatória de bens deve apresentar inventário do cônjuge
falecido).

Espécies de partilha: a) Judicial: (Art 2016) após falecimento do de


cujus, há herdeiros menores e incapazes ou se não há acordo sobre a partilha;
b) Amigável (Art 1029 CPC): b’) Ato “inter vivos” (Art 2018) – ato de deliberação
do de cujus antes do falecimento, de natureza contratual ou via testamento, ele
pode doar os bens a futuros sucessores e estabelecer usufruto vitalício em seu
favor (o falecimento do de cujus dá a propriedade plena aos sucessores dos
bens já partilhados); b”) Ato “causa mortis” – sucessores, de comum acordo,
estabelecem entre si qual quinhão cabe a cada um (Art 2015).

Anulação ou rescisão da partilha (Art 2027): estão vinculadas às


espécies de partilha (ver CPC 1022 e ss). A decisão do juiz sobre o conflito tem
natureza de sentença, por isso, transitando em julgado, só será rescindida
por ação rescisória proposta diretamente no Tribunal (prazo prescricional de 2
anos – Arts 1030 e 485 CPC). Na partilha amigável, os vícios de consentimento,
de natureza negocial, podem levar à anulação, por meio de ação anulatória no
juízo de 1ª instância (prazo prescricional de 1 ano) !!! Cabe ação rescisória
para anular partilha amigável quando houver pessoa absolutamente incapaz,
pois o prazo dessa ação é mais dilatado, beneficiando-a.

Emenda da partilha: juiz pode alterar o conteúdo de sua decisão de 1ª


instância para sanar erro ou inexatidão materiais ou inexatidão na descrição ou
identificação dos bens.

Sobrepartilha (Art 2022): nova partilha nos próprios autos do inventário


da partilha inicial, ocorre quando nem todos os atos são partilhados,
possibilidades: a) bens sonegados: bem retirado do sonegador e partilhado; b)
bens desconhecidos no momento do inventário; c) bens litigiosos – ainda se
discute a propriedade do bem (falta?).

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Destituição do inventariante: impossibilidade de continuar no cargo por
causas externas ao processo de inventário. (inventariante – Arts 990 e ss CPC
falta no caderno)

Bens não sujeitos ao inventário (exceções): a) bem de família


convencional estabelecido por escritura pública (Art 20, Dec 3200/40), cessada
a situação que assim o caracteriza, será inventariado; b) bens da Lei 6854/80
podem ser levantados administrativamente.

Prazos do inventário: a) início (Art 983 CPC): 30 dias após a morte –


não é muito seguido, porque a única sanção é fiscal (há multa após 60 e ela
dobra após 180); b) fim – 180 a partir do requerimento da abertura. Legitimidade
para requerer abertura (Arts 987 e ss CPC). Bens situados no Brasil – inventário
tramita aqui e a recíproca é verdadeira, independentemente de nacionalidade
ou domicílio do de cujus e sucessores.

Competência de foro: domicílio do de cujus, local de situação dos bens


e local de falecimento. Vis attractiva: ações de natureza sucessória tramitam
no mesmo foro do inventário, a competência do juízo do foro do inventário é
relativa, não atraindo ações sem ligação com a sucessão ou de competência
absoluta (ações imobiliárias).

Valor da causa: somatório dos bens vinculados ao acervo hereditário


(influi no valor das custas), bens imóveis: critérios fiscais mais objetivos, bens
móveis: critérios aleatórios e arbitrários (se houver irregularidade pode-se
impugnar por perícia).

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14. COLAÇÕES
Noção: ato de retorno à herança de bens que foram retirados por ato de
liberalidade do de cujus. Bens que ultrapassaram os limites da legítima. (Arts
1014 e ss CPC).
O Art 2002 – retorno das doações feitas aos descendentes, não
menciona o cônjuge, há críticas: muitos falam que os bens doados aos
cônjuges também deveriam retornar por ser herdeiro necessário, mas o CC não
prevê isso, há projeto de lei para mudar.

Excluído ou deserdado (Arts 2008 e 1015 CPC), descendente deve


trazer bens a ele doados à colação.
Observar que a colação, que ocorre nos autos do processo de inventário
em prazo de 10 dias após citação do último herdeiro (Arts 1000 e 1014 CPC),
não traz o bem de volta ao espólio (§ ún Art 2002), por isso, sobre eles não
incide imposto causa mortis (Art 155, I, CF), ela também não aumenta a parte
disponível da herança, mas sim soma bens à parte indisponível.

Sonegação: quem sonega sofre penal civil – perde o bem sonegado, se


este for o inventariante ou o testamenteiro perde a função e o bem, o último
ainda perde a vintena.

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15. SONEGADOS

É a ocultação dolosa de bens que devem ser inventariados ou levados à


colação. Pode ser praticada pelo inventariante (quando omite intencionalmente
bens e valores ao prestar as primeira e as últimas declarações) ou pelos
herdeiros (que não indicam bens em seu poder).
A pena de sonegados tem caráter civil e consiste, para o herdeiro, na
perda do direito sobre o bem sonegado, que é devolvido ao monte e partilhado
aos outros herdeiros, como se o sonegador nunca tivesse existido. Se o bem
não existir mais, será responsável por seu valor, mais perdas e danos. Quando
o sonegador for o inventariante a pena imita-se à remoção da inventariança.
A ação de sonegados prescreve em 10 anos e deve ser ajuizada no foro
do inventário e pode ser proposta pelos herdeiros legítimos, testamentários e
credores.

16. PAGAMENTO DAS DÍVIDAS

Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do


inventário o pagamento de dívidas. Só serão partilhados os bens e valores que
restarem depois de pagas as dívidas. A cobrança das dívidas faz-se, em regra,
pela habilitação do credor ao inventário.
Não sendo impugnada a dívida vencida e exigível, o Juiz declarará
habilitado o credor e mandará que se faça a separação do dinheiro ou bens,
para o seu pagamento.
Depois de efetivada a partilha os credores devem cobrar seus créditos
não mais do espólio, mas dos próprios herdeiros, proporcionalmente. Além
disso, o herdeiro não pode responder por encargos superiores às forças da
herança.
Obs. – Determina o art. 1.998 CC que as despesas funerárias sairão do
monte da herança, haja ou não herdeiros legítimos. As despesas de sufrágios

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por alma do falecido só obrigarão a herança quando ordenadas em testamento
ou codicilo.

17. CONCLUSÃO

O estudo da do Direito de Família e Sucessão é complexo, isto é, deve


ser visto de forma interdisciplinar, com vários elementos colaborando para a
compreensão do objeto.
Com os vários aspectos e sua importância para a configuração do Direito
para que se exercite a cidadania, haja vista o efeito de lesões causadas na vida
das pessoas.
Acredita-se, que há, pelo estudo do Direito de Família e Sucessão, um
ordenamento jurídico organizado com leis, doutrina e jurisprudência
encadeadas, no sentido de se preservar o bem comum, a vida e não permitir que
se tenha lesão efetiva.

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REFERÊNCIAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26°ed. V.5. São Paulo:
Saraiva, 2011.

Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo:
Saraiva V.5, 21ªed. 2006, p. 436-437.

FILHA, RAMOS Iaci Gomes da Silva. Paternidade sociafetiva e a


impossibilidade de sua desconstituição posterior. Macapá, 2008. Disponível
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