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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

Dr. Francisco Pereira Coelho


Dr. Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho
Dr. Guilherme Oliveira
Dra. Rosa Martins
Curso de Direito da Família – Volume I

DIREITO DA FAMÍLIA
E DOS MENORES

Diana Esteves
3º ANO 1º Semestre

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

Índice
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 4
A. Noção jurídica de família ...................................................................................................... 4
B. Princípios constitucionais do direito da família ................................................................... 8
1. Direito à celebração do casamento ............................................................................... 9
2. Direito a constituir família ................................................................................................... 9
3. Equiparação do casamento civil ao casamento canónico ...................................... 11
4. Admissibilidade do divórcio ............................................................................................ 13
5. Igualdade dos cônjuges .................................................................................................. 13
6. Atribuição aos pais do direito/dever de educação dos filhos .................................. 14
7. Inseparabilidade dos filhos em relação aos pais ......................................................... 14
8. Não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento ....................................... 14
9. Protecção da adopção .................................................................................................. 16
10. Protecção da família ................................................................................................... 16
11. Protecção da maternidade e da paternidade ....................................................... 16
12. Protecção da infância................................................................................................. 17
Consequências da inconstitucionalidade ............................................................................. 17
C. União de Facto ..................................................................................................................... 17
1. Introdução ......................................................................................................................... 17
2. Constituição, prova e condições de eficácia ............................................................. 19
3. Efeitos pessoais e patrimoniais ........................................................................................ 20
4. O Efeitos resultantes da extinção da união de facto .................................................. 21
DIREITO MATRIMONIAL ...................................................................................................................... 22
A. Conceito e carateres gerais do casamento .................................................................... 22
1. O conceito de casamento; sentido e “finalidades” “essenciais” ............................. 22
2. O casamento como acto por que se interessam o Estado e as religiões ................ 22
3. O casamento como negócio jurídico ........................................................................... 26
4. O casamento como contrato celebrado por duas pessoas de qualquer sexo ..... 26
5. O casamento como negócio pessoal e solene ........................................................... 27
6. Unidade ou “exclusividade” ........................................................................................... 28
7. Vocação de perpetuidade ............................................................................................ 28
B. Promessa de casamento ..................................................................................................... 28
1. Regime ............................................................................................................................... 28
2. Natureza Jurídica .............................................................................................................. 29
3. Efeitos ................................................................................................................................. 29
C. Requisitos de fundo do casamento civil............................................................................ 30
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1. Requisitos relativos ao consentimento ........................................................................... 30


2. Requisitos relativos à capacidade ................................................................................. 32
D. Requisitos de forma .............................................................................................................. 36
1. A forma “comum” ............................................................................................................ 37
2. Formas especiais ............................................................................................................... 38
E. Invalidade do Casamento. Casamento Putativo ............................................................ 39
1. Generalidades: especialidades do regime de invalidade ......................................... 39
2. Inexistência: casos, regime e efeitos .............................................................................. 40
3. Anulabilidade: casos, regime e efeitos ......................................................................... 40
4. O casamento putativo .................................................................................................... 41
F. Efeitos Pessoais do casamento ........................................................................................... 42
1. Princípios fundamentais (artigo 1671.º) .......................................................................... 42
2. Deveres pessoais dos cônjuges ...................................................................................... 43
3. Nome .................................................................................................................................. 47
G. Efeitos Patrimoniais do casamento – Remissão ................................................................ 47
H. Separação de Pessoas e Bens ............................................................................................ 48
1. Generalidades. ................................................................................................................. 48
2. Formas, causas e processo: remissão ............................................................................ 48
3. Efeitos: o artigo 1795.º-A .................................................................................................. 48
4. Reconciliação e conversão em divórcio ...................................................................... 49
I. Divórcio .................................................................................................................................. 49
1. Generalidades .................................................................................................................. 49
2. Divórcio por mútuo consentimento ............................................................................... 51
3. Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges ...................................................... 54
4. Efeitos ................................................................................................................................. 57
Direito da Filiação ............................................................................................................................. 63
A. Generalidades ...................................................................................................................... 63
1. Princípios fundamentais ................................................................................................... 63
2. A reforma de 77 e o direito da filiação ......................................................................... 64
B. Estabelecimento da filiação ............................................................................................... 64
1. Noções preliminares ......................................................................................................... 64
2. Estabelecimento da maternidade ................................................................................. 65
3. Estabelecimento da paternidade .................................................................................. 70
C. Efeitos da filiação ................................................................................................................. 81
1. Princípios gerais; deveres recíprocos ............................................................................. 81
2. Responsabilidades parentais .......................................................................................... 81

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INTRODUÇÃO
A. Noção jurídica de família
1. Noção geral
A noção jurídica de família contém -se, implicitamente, no art. 1576.º do nosso código civil,
que considera “fontes das relações jurídicas familiares” o casamento, o parentesco, a
afinidade e a adoção. O artigo é pouco rigoroso, visto que:

o parentesco e a afinidade são, eles próprios,


O casamento e a adoção, como atos
relações familiares, derivadas, respetivamente, da
jurídicos, são, verdadeiramente, fontes das
geração (ou de uma série de gerações) e da
correspondentes relações jurídicas familiares
geração e do casamento.

A primeira das relações de família é assim a relação matrimonial, que afeta a condição
dos cônjuges de maneira profunda e duradoura, influenciando no seu regime, pode dizer -se, a
generalidade das relações jurídicas obrigacionais ou reais de que eles sejam titulares.

Relações de família são ainda as relações de parentesco, que se estabelecem entre


pessoas que têm o mesmo sangue, porque descendam umas das outras ou porque provenham
de um progenitor comum. As relações de filiação — a relação de maternidade e a de
paternidade, logo que uma e outra se encontrem estabelecidas — são de longe e sem dúvida
as mais importantes das relações de parentesco, constituindo o seu estudo objeto do direito da
filiação, que é uma das grandes divisões do direito da família.

A maternidade estabelece -se por simples A paternidade pode estabelecer -se por
menção desta no registo de nascimento do presunção legal ou, tratando-se de filho
filho ou, quando o registo seja omisso, por nascido fora do casamento, por perfilhação
declaração de maternidade ou ou decisão judicial em ação de investigação
reconhecimento judicial de paternidade.

Há relações em si mesmas não familiares, mas obrigacionais ou reais, que nascem e se


desenvolvem na dependência de uma relação de parentesco ou matrimonial, e cujo regime é
influenciado por tal circunstância, por isso mesmo sendo abrangidas e estudadas no direito da
família (por exemplo a obrigação de alimentos aos filhos menores – arts. 1878.º e 2009.º CC e
arts. 45.º e ss. da lei nº 141/2015)

Em terceiro lugar, também são de considerar como relações de família as relações de


afinidade, elas mesmas um dos efeitos da relação matrimonial; tratam-se das relações que, em
consequência do casamento, ficam a ligar um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge.

Por último há a referir as relações de adoção, que, à semelhança da filiação natural mas
independentemente dos laços de sangue, se estabelecem entre adotante e adotado ou entre
um deles e os parentes do outro.

Em face do art. 1576.º do CC, pode entender -se que, além das que foram mencionadas,
não haja outras relações familiares que como tais devam ser consideradas para a
generalidade dos efeitos no direito português. À família de uma pessoa pertencem, pois, não
só o seu cônjuge como ainda os seus parentes, afins, adotantes e adotados: este conceito
assim tão lato é que corresponde à noção jurídica de família.
contrata
* artigo 1577°
: casamento | constituir família =
simplesmente viver juntos =
plena 4
comunhão de vida
entre

}
/ I \ os

comunhão comunhão
comunhão tripla / doin
deleito de mesa
de
habitação comunhão -

condição
constituir de unida .

economia de
comum
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Mas também pode haver quem desvalorize o elenco expresso, aliás incorretamente, no
art. 1576.º e julgue que devem ser acrescentadas as relações emergentes da união de facto;
ou o apadrinhamento civil e a paternidade não biológica consentida no quadro da
procriação medicamente assistida.

Explicitando melhor o conteúdo da noção, cumprem 3 observações:

1) advertir em primeiro lugar que a família, em sentido jurídico, constitui um grupo de


pessoas — as pessoas ligadas umas às outras pelas sobreditas relações —, mas não é
ela própria uma pessoa jurídica. Não quer isto dizer que a lei não reconheça o grupo
familiar como portador de interesses próprios, interesses distintos, de alguma maneira,
dos interesses individuais das pessoas que formam o grupo; simplesmente, o
“interesse” ou “bem” da família é prosseguido, não através de um novo ente jurídico
a que o direito reconheça personalidade, mas através das próprias pessoas
singulares que integram o grupo familiar.
2) Trata -se de um grupo de pessoas entre as quais se estabelece uma teia muito
extensa de relações, mas estas relações, tendo a mais diversa relevância social, têm
também, naturalmente, a mais diversa relevância jurídica; a relação matrimonial e as
relações de filiação têm conteúdo e efeitos incomparavelmente mais ricos que os
das relações, algumas de escassa relevância jurídica, que ligam entre si parentes e
afins mais afastados.
3) A noção proposta é uma pura noção jurídica, a que não corresponde qualquer
realidade social; de facto, como grupo social, e nas modernas sociedades industriais,
a família é hoje quase sempre a “pequena família”, formada, em regra, pelos
cônjuges e pelos filhos menores, mas que, como veremos adiante, pode ainda
revestir e não raramente reveste diversa composição.

2. As "fontes" de relações jurídicas familiares


a) Casamento (remissão)
Iremos ver o casamento detalhadamente no âmbito do direito matrimonial.
paimãe
b) Parentesco
O parentesco é uma relação de sangue; são parentes as pessoas que descendem uma das outras
mâ¥m
(parentesco em linha reta) ou procedem de progenitor comum (parentesco em linha transversal ou colateral)
Noção e limite

mmff.fm
– art. 1578.º { remissão para artigo 1580°
remissão

Deve já ter -se em conta, porém, o limite à relevância jurídica do parentesco posto no art. 1582.º: salvo
disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau na linha reta, mas só
até ao 6.º grau na colateral. São raras as disposições que contrariam este limite; podemos dar como o
exemplo o art. 2042.º, segundo o qual, na sucessão legal, a representação tem sempre lugar, na linha
colateral, em benefício dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja o grau de parentesco.
Pelo contrário, são muito numerosos os casos em que a lei restringe ainda mais, para determinados efeitos, a
relevância jurídica do parentesco – por exemplo, os colaterais que não sejam descendentes de irmãos só têm
direitos sucessórios até ao 4.º grau (art. 2133.º, al. d) do n.º 1).
artigo 1581°

{
:

- 1 : na linha reta se canta


,

todas as
pessoas na linha , menos
primeiro
progenitor
o

E
OTII dívida
grau
{OTII 1-

tirar depois retornar
-
2 :
na linha colateral se conta
para aprender
contar 5
,
da mesma na cor
contando todos forma ,

a elementos
subindo um ramo ,
parentescos
e
descendo pelo outro ramo
0¥, } ii. grau
D ☐
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As relações de parentesco são numerosas e diversas, e por isso mesmo o direito concede-lhes efeitos
diferentes. E é mediante a contagem do parentesco que se torna possível definir, ordenar e estabelecer uma
hierarquia entre elas. O parentesco conta -se por linhas e por graus. Nos termos do art. 1579.º, “cada geração
forma um grau, e a série dos graus constitui a linha de parentesco”. Já aludimos à distinção, que o art. 1580.º,
n.º 1, faz, entre a linha reta e a linha transversal, mas ocorre fazer ainda outras distinções. Assim:
→ a linha reta pode ser descendente ou ascendente (art. 1580.º, n.º 2), consoante a encaramos num sentido
Contagem

ou noutro. A distinção releva, p. ex., para efeitos da ordem legal da sucessão estabelecida no art. 2133.º.
→ pode distinguir -se entre linha paterna e materna, tanto quanto à linha reta como quanto à transversal. A
distinção releva, p. ex., quanto à constituição do conselho de família (art. 1952.º, n.º 3) e à nomeação do
protutor (art. 1955.º, n.º 2).
Definida a linha de parentesco, importa depois saber qual é o grau de parentesco dentro da respetiva linha.
O cômputo dos graus faz -se segundo as regras do art. 1581.º: → Entre A e B há uma
→ na linha reta há tantos graus quantas as pessoas que relação de parentesco de
formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor; 1º grau na linha reta
→ na linha colateral os graus contam -se pela mesma → Entre B e C há uma
forma, subindo por um dos ramos e descendo pelo relação de parentesco de
outro, mas sem contar o progenitor comum. 2º grau na linha colateral
Efeitos gerais:
→ O efeito principal do parentesco é o sucessório. Trata-se de um efeito comum às várias relações de
parentesco, mas a lei, recorrendo ao princípio da proximidade de classe ou grupo sucessório e ao princípio
da proximidade de grau de parentesco dentro de cada classe sucessória, estabelece sob este aspeto uma
hierarquia entre elas. Os parentes na linha reta descendente ou ascendente, que ocupam, ao lado do
cônjuge, as duas primeiras classes sucessórias do n.º 1 do art. 2133.º, são herdeiros legitimários (art. 2157.º).
→ Outro efeito muito importante do parentesco é a obrigação de alimentos, que a lei impõe a determinados
parentes: os descendentes, os ascendentes, os irmãos e os tios (estes, os tios, durante a menoridade do
alimentando), justamente pela ordem indicada (art. 2009.º). Sendo vários, respondem todos na proporção
das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando – art. 2010.º, n.º 1
→ Note-se também que, por morte do arrendatário, e na falta de cônjuge com residência no locado ou
pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em união de facto há mais de um ano, o direito ao
arrendamento para habitação se transmite aos seus parentes que com ele residiam há mais de um ano em
economia comum, nos termos previstos no art. 1106.º CC, e o direito ao arrendamento rural aos seus
parentes na linha reta que viviam com ele em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum
há mais de um ano consecutivo (art. 20.º, n.º 2, a), do Decreto-lei n.º 294/2009, de 13 de outubro).
→ Da qualidade de parente pode derivar a obrigação de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de
Efeitos

família, nos termos dos arts. 1931.º, n.º 1, e 1952.º, n.º 1, respetivamente.
→ Há ainda a referir o art. 1639.º, que confere legitimidade para intentar a ação de anulação do casamento
fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela se o autor falecer na pendência da causa, a
qualquer parente dos cônjuges na linha reta ou até ao 4.º grau na linha colateral; além disso, nos termos
dos arts. 1640.º, n.º 2, e 1641.º, a ação de anulação do casamento fundada em falta (à parte a simulação)
ou em vício da vontade pode ser prosseguida por qualquer parente do cônjuge a quem a lei confere
legitimidade para a propor (o cônjuge cuja vontade faltou ou que foi vítima do erro ou da coação).
Efeitos das relações de filiação (a relação de maternidade e a de paternidade):
As responsabilidades parentais, reguladas nos arts. 1877.º e ss., são o complexo de poderes e deveres que a
lei atribui ou impõe aos pais para regerem as pessoas e os bens dos filhos menores.
Efeitos do parentesco que se traduzem em limitações ou restrições à capacidade jurídica:
→ As als. a) e b) do art. 1602.º ditam que não podem contrair casamento entre si os parentes na linha reta,
nem os parentes em 2.º grau na linha colateral – impedimento dirimente relativo à celebração do
casamento. Também os parentes em 3.º grau na linha colateral não podem casar (art. 1604.º, al. c)) – mas
o impedimento é agora meramente impediente, e admitindo dispensa (art. 1609.º, n.º 1, al. a)).
→ Se, existindo perfilhação, a pretensa mãe e o perfilhante forem parentes em linha reta ou no 2.º grau da
linha colateral, não é admitida a averiguação oficiosa da maternidade (art. 1809.º, al. a)); do mesmo
modo, não é admitida a averiguação oficiosa da paternidade se a mãe e o pretenso pai estiverem ligados
por iguais relações de parentesco (art. 1866.º, al. a)).
→ Existem outros exemplos constantes de legislação especial que seria fastidioso mencionar aqui
6
é uma
fonte de
família ,
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pouquíssimos efeitos
(
mar há
upacão gerava mais
/
" jurídicas associados
discussões na
da
afinidade
c) Afinidade } depende
(
casa do
da existência de um casamento
divórcio

A afinidade não é, como o parentesco, uma relação de sangue. Pode definir -se como o vínculo que liga um
Noção, fonte e duração

dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge (art. 1584.º CC).


Aos parentes e não aos afins: é o que se costuma exprimir na máxima afinidade não gera afinidade.
A fonte da afinidade, ou das várias relações de afinidade, é, pois, o casamento. Um casamento,
naturalmente, ainda não dissolvido. E como o casamento é que é a causa da afinidade, esta só começa
com a celebração do casamento. A afinidade não é retroativa, e sobre isto não se levantam dúvidas.
Mas a afinidade cessará igualmente quando se dissolve o casamento que lhe deu origem?
A questão foi sempre discutida, sobretudo acerca da dissolução por morte, que era a causa mais frequente;
chegou a prevalecer temporariamente a cessação da afinidade no caso de segundas núpcias. O código de
1966 manteve a solução tradicional de que a afinidade “não cessa pela dissolução do casamento” (art.
1585.º, 2.ª parte). A solução pode compreender -se no caso de dissolução por morte, em que, regra geral, o
falecimento de um dos cônjuges não faz cessar as relações do sobrevivo com os parentes do finado; tratando
-se de dissolução por divórcio, porém, na generalidade dos casos as relações de afinidade deixam de ter
relevância social, mal se justificando, por isso, que mantenham a sua relevância jurídica. Pelo menos no caso
de divórcio, a solução do art. 1585.º suscitava assim de iure condendo as maiores reservas, e a Lei n.º 61/2008
determinou que a afinidade só não cessa no caso de dissolução do casamento por morte.
Contagem

As relações de afinidade, como as de parentesco, são muito numerosas, e há necessidade de as definir e


ordenar procedendo à respetiva contagem. Mas a este respeito nada há a acrescentar ao que dissemos
quanto ao parentesco. Também a afinidade se conta por linhas e por graus, e conta -se da mesma maneira.
Quer isto dizer que um cônjuge é afim em linha reta dos parentes em linha reta do seu cônjuge e afim na linha
colateral dos parentes do seu cônjuge na linha colateral; por outro lado, é afim no 2.º grau dos parentes em
2.º grau do seu cônjuge, afim no 3.º grau dos parentes em 3.º grau, etc.

Em confronto com os do parentesco, os efeitos da afinidade são menos extensos.


Efeitos gerais:
→ Os afins não têm direitos sucessórios
→ No tocante à obrigação de alimentos, a lei só a impõe ao padrasto ou madrasta, relativamente a
enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste (art.
2009.º, n.º 1, al. f)).
→ Também podem suceder e no direito ao arrendamento rural (art. 20º, nº 2, al. a), do Decreto -lei 294/2009,
de 13 de outubro) no caso de falecimento do arrendatário.
Efeitos

→ Quanto à obrigação de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de família, pode igualmente recair
sobre os afins, nos termos dos arts. 1931.º, n.º 1, e 1952.º, n.º 1, atrás referidos.
Efeitos do parentesco que se traduzem em limitações ou restrições à capacidade jurídica:
→ O art. 1602.º, al. c), considera a afinidade em linha reta impedimento dirimente relativo à celebração do
casamento
→ os arts. 1809.º, al. a), e 1866.º, al. a), já mencionados, proíbem, respetivamente, a averiguação oficiosa da
maternidade e a da paternidade, quando a pretensa mãe e o perfilhante, no 1.º caso, ou a mãe e o
pretenso pai, no 2.º caso, estiverem ligados por relações de afinidade em linha reta.
Os restantes efeitos da afinidade constam de legislação especial, que não vamos referir aqui. Notaremos
apenas que embora a afinidade tenha, teoricamente, o mesmo limite do parentesco e, portanto, se estenda
até ao 6.º grau, a verdade é que são poucas as normas que atribuem efeitos às relações de afinidade, na
linha colateral, para além do 2.º grau.

( parentes com afinidade na /


com divórcio
pode

linha reta , não


podem se \
casar com morte
não pode

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4 de
( fonte
d) Adoção
relações
L
jurídicas familiares não são pais biológicos,

( mar
legalmente constitui se como se
-
,
,

fosse .

O art. 1586.º dá a noção de adoção; esta é o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas
Noção e espírito do

independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos
termos dos arts. 1973.º e segs. Por oposição ao parentesco natural, que é o verdadeiro -da
novo espírito
adoção
parentesco, a adoção é assim um parentesco legal, criado à semelhança daquele. ↳ hoje se

Admitindo a adoção como fonte de relações familiares, à semelhança do que sucede em quasetem grandes
instituto

todos os direitos modernos, o Código de 1966 reatou a tradição do nosso antigo direito, tradição alterações dor
instituto se
.

que o Código de Seabra cortara em 1867; a adoção já desde o séc. XVI caíra em desuso no país.
A adoção readquire a sua vitalidade e suscita novo interesse aos legisladores depois de um longo
período de desfavor e esquecimento. Este novo interesse pela adoção corresponde, de resto, a
uma modificação radical no espírito do instituto, o qual, centrado antigamente na pessoa do
adotante e ao serviço do seu interesse de assegurar, através da adoção, a perpetuação da
família e a transmissão do nome e do património, visa hoje servir sobretudo o interesse dos
menores desprovidos de meio familiar normal.
vínculo, processo Modalidades

A adoção pode ser conjunta ou singular, conforme é feita por um casal (por duas pessoas
casadas ou que vivam em união de facto) ou por uma só pessoa, casada ou não casada.

A adoção também podia ser plena ou restrita, mas esta última modalidade foi eliminada.
Constituição do

A constituição do vínculo de adoção está sujeita a vasto conjunto de regras, umas do Código
Civil (arts. 1973.º e ss.), outras de legislação estranha ao Código e que tem sido revista múltiplas
e efeitos

vezes.

O processo da adoção é complexo, ao mesmo tempo judicial e administrativo, com larga


intervenção dos organismos de segurança social.

A matéria exige demorado estudo e pareceu mais correto inseri-la no volume dedicado ao
Direito da Filiação.

Adoecia { ao ser adotado

{
mas até 2015 existia ainda
, .

ima deixa de ser .


tratar a
adoção restrita
que já não
-

mente . filho dar vai ste

B. Princípios constitucionais do
pais
biológicos

direito da família
Os arts. 36.º, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição consagram um certo número de princípios, que
delimitam, neste domínio, o âmbito em que o legislador ordinário pode mover-se. Os princípios
constitucionais do direito da família são os que se referem a seguir. Os princípios 1 a 9 estão
inseridos no Título II (“Direitos, liberdades e garantias”) da Parte I da Constituição; são por isso
diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, nos termos do art. 18.º.
Pelo contrário, os princípios 10 a 12 inserem -se no Título III (“Direitos e deveres económicos,
sociais e culturais”). Não têm a mesma força jurídica dos primeiros, constituindo normas de
carácter “programático”, o que não quer dizer que os tribunais não devam tê-los em conta na
aplicação das leis.

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1. Direito à celebração do casamento


O princípio está expresso no art. 36.º, n.º 1, 2.ª parte, mas não pode entender -se
literalmente, pois isso levaria a que fossem consideradas inconstitucionais quaisquer normas que
estabelecessem impedimentos ao casamento, o que, sem dúvida, estava fora dos propósitos
do legislador. Porém, não deve a legislação ordinária (e tal será uma das aplicações do
princípio) estabelecer impedimentos que não sejam justificados por interesses públicos
fundamentais.

O art. 16.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de harmonia com a qual
o art. 36.º, n.º 1, CRP deve ser interpretado (art. 16.º, n.º 2, CRP), atribui aos nubentes,
justamente, o direito de casar e de constituir família “sem restrição alguma de raça,
nacionalidade ou religião”.

Mas será que o artigo 36.º, n.º 1, 2.ª parte concede apenas um direito fundamental a
contrair casamento? Ou, mais do que isso ou ao mesmo tempo do que isso, é uma norma de
garantia institucional? Embora a Constituição não formule de modo explícito um princípio de
“proteção do casamento” (só a família é “protegida” no art. 67.º), temos entendido que a
instituição do casamento está constitucionalmente garantida, pois não faria sentido que a
Constituição concedesse o direito a contrair casamento e, ao mesmo tempo, permitisse ao
legislador suprimir a instituição ou desfigurar o seu “núcleo essencial”.

O princípio da liberdade de contrair casamento seria necessariamente convocado se o


legislador ordinário viesse exigir um exame médico pré-nupcial, à semelhança do direito
francês. A conclusão sobre a constitucionalidade desta exigência dependeria de se entender
que a prevenção da saúde de cada cônjuge e dos filhos teria o valor suficiente para impor um casamento o
que
rastreio obrigatório pré-nupcial; e, certamente, seria fundamental saber de que modo se ta CRP quer
tem
processaria o rastreio. discute se CRP não
ou
garantir quais
se a
quer características
-

:
casamento
garanti institucionalmente
o

2. Direito a constituir família (


✓ versão
antiga :

i.
contrratualidade
c-
monogamia
3-
exogamia (maneirar abominamque)
Independentemente do “direito de constituir família” atribuído pelo art. 36.º, n.º 1, 1.ª parte, y heterossexualidade
-

perpetuidade tendem
5-

CRP, o art. 67.º, n.º 1 concede ainda à própria família, considerada “elemento fundamental da ciãe
.

sociedade”, um “direito à proteção da sociedade e do Estado”, tornando-a deste modo


objeto de uma garantia institucional. já não é
mais
realidadeuma

É o princípio consagrado no art. 36.º, n.º 1, 1.ª parte, CRP, o qual, obscuro como é, permite
diferentes interpretações:
Podendo existir
.

matrimoniais
µ
Impedimentos
Cremos que a primeira foi a defendida por Castro Mendes , que entendia que
“a conjunção e que une (aparentemente) dois direitos conferidos é um pouco estranha”,
pois, em face da noção de casamento do art. 1577.º CC, “contrair casamento é constituir
família”. E concluía que “os dois direitos se reduzem a um só e a ordem da enunciação dos
aspetos do seu objeto é infeliz, pois parte do efeito — “constituir família” — para a causa —
“contrair casamento”.
→ Não cremos, porém, que seja esta a melhor interpretação do artigo. Julgamos que
o propósito da disposição foi o de conceder efetivamente dois direitos e não
apenas um, e que, embora a formulação utilizada possa parecer menos curial, foi
intencionalmente que o legislador redigiu o preceito do modo como o fez. Com
efeito, parece manifesto que o art. 36.º, n.º 1, ao distinguir a “família” do
“casamento”, quis deixar bem claro que se trata de realidades diversas, como na
realidade acontece, pois ao lado da família conjugal, fundada sobre o casamento,

9
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

há ainda lugar para a família natural, resultante do facto biológico da geração,


para a família adotiva e, dir-se-á hoje, para a família baseada na união de facto.
Terá sido, inclusivamente, o propósito de distinguir entre “casamento” e “família”
que levou o legislador constitucional a não utilizar formulação semelhante à dos
arts. 16.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 12.º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem e 9.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia: o legislador terá receado que, se o art. 36.º, n.º 1, atribuísse o “direito de
celebrar casamento e de constituir família”, nos termos daquelas disposições, viesse
a entender -se que o direito conferido era o de celebrar casamento e, através
dessa celebração, constituir família, o que não correspondia à sua verdadeira
intenção. Por outras palavras: ao mencionar no art. 36.º, n.º 1, por esta ordem, o
“direito de constituir família” e o “direito de contrair casamento”, o propósito do
legislador constitucional terá sido justamente o de arredar uma interpretação do
preceito como a que lhe viria a ser dada por Castro Mendes.
Interpretação diversa e, de alguma maneira, oposta à anterior é a defendida ou admitida
por Gomes Canotilho e Vital Moreira , que entendem que a redação do artigo visa
fundamentalmente a união de facto. “Conjugando, naturalmente, o direito de constituir
família com o de contrair casamento — escrevem aqueles autores — a Constituição não
admite, todavia, a redução do conceito de família à união conjugal baseada no
casamento, isto é, à família “matrimonializada”. Para isso apontam, não apenas a clara
distinção das duas noções no texto (“constituir família” e “contrair casamento”), mas
também o preceito do n.º 4 sobre a igualdade dos filhos, nascidos dentro ou “fora do
casamento” (e não: “fora da família”). O conceito constitucional de família não abrange,
portanto, apenas a “família jurídica”, havendo assim uma abertura constitucional — se não
mesmo uma obrigação — para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares “de
facto”. Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto também é família e, ainda
que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges, seguramente que não há
distinções quanto às relações de filiação daí decorrentes”.
→ Decerto que o artigo não reduz o conceito de família à união conjugal baseada no
casamento. “Família” e “casamento” são realidades distintas, como dissemos, e o
legislador constitucional terá tido o propósito de marcar a distinção. Mas não é
forçoso que dessa circunstância possa tirar -se argumento favorável à qualificação
da união de facto como relação de família. Só assim seria se o direito de “constituir
família” previsto no art. 36.º, n.º 1, ficasse sem conteúdo útil se não se referisse à
união de facto. Mas não é o que acontece, pois além da família conjugal há ainda
a natural e até a adotiva. O “direito de constituir família” concedido pelo art. 36.º,
n.º 1, 1.ª parte já poderia assim abranger a própria faculdade de adotar, mas o
ponto está expressamente previsto no n.º 7 do preceito, acrescentado pela Revisão
de 1982, que tornou ainda a adoção objeto de uma garantia institucional. E
também seria algo insólita a atribuição enfática, no art. 36.º, n.º 1, do direito de
estabelecer a união de facto e do direito de contrair casamento como formas
alternativas de organização da vida familiar e seria ainda estranho, até, a própria
menção em primeiro lugar daquele direito, designado como “direito a constituir
família”. O princípio da não discriminação entre filhos nascidos do casamento e
fora do casamento e o facto de o art. 36.º, n.º 4 falar em filhos nascidos “fora do
casamento” (e não em filhos nascidos “fora da família”) também parecem
desprovidos de significado. Além de ser aquela, hoje, a terminologia corrente nas
legislações, a designação “filho nascido fora da família” seria manifestamente
incorreta. Todos os filhos nascem dentro da família, mesmo os nascidos fora do

10
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

casamento, pois a relação que se estabelece entre cada um dos progenitores e os


filhos que procedam de união de facto é obviamente uma relação familiar.
Nas edições anteriores do Curso, com base nestes argumentos, concluímos que o “direito a
constituir família” conferido a todas as pessoas, casadas ou não, pelo art. 36.º, n.º 1, 1.ª parte
seria, em primeiro lugar, um direito a procriar e, em segundo lugar, um direito a estabelecer
as correspondentes relações de paternidade e maternidade”. Hoje — apesar de se manter
que aquela formulação contém um direito a procriar e a estabelecer as correspondentes
relações de paternidade e de maternidade — deve reconhecer -se que, salva a já aludida
diferença de redação, o preceito reproduz no essencial os arts. 16.º, n.º 1, da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, 12.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 9.º
da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e a “nota explicativa” oficial deste
art. 9.º afirma que se pretendeu “abranger os casos em que as legislações nacionais
reconhecem outras formas de constituir família além do casamento”, o que aponta no
sentido do reconhecimento da união de facto como relação de família; embora esta ideia
ainda não se vislumbrasse, de qualquer modo, dos trabalhos preparatórios da Constituição
da República, em 1975. Também Jorge Miranda considera, “num entendimento
dinâmico da Constituição e num sistema aberto de interpretação”, que o art. 36.º, n.º 1 não
exclui do seu âmbito de aplicação “as novas relações familiares e parafamiliares do nosso
tempo”, e entende que o direito fundamental de “constituir família” foi concretizado, pelo
legislador democrático, na Lei n.º 6/2001, que adotou medidas de proteção das pessoas
que vivem em economia comum, e na Lei n.º 7/2001, que tutelou as uniões de facto, entre
pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo128.

Para além da discussão apontada, seriam sem dúvida inconstitucionais, por violarem o
direito de constituir família, normas que, por exemplo, impusessem a esterilização de pessoas
portadoras de determinadas doenças, penalizassem as pessoas não casadas que tivessem
filhos, estabelecessem, em execução de uma política demográfica malthusianista, o número
máximo de filhos que os casais poderiam ter, etc.; por outro lado, e por violarem o segundo dos
aludidos direitos, seriam do mesmo modo inconstitucionais, designadamente, as normas que
proibissem ao pai perfilhar ou à mãe declarar a maternidade de filho adulterino ou incestuoso.

Decerto que também seriam inconstitucionais as normas que, inversamente, proibissem ao


filho nascido fora do casamento estabelecer a sua filiação intentando ação de investigação de
paternidade, ou condicionassem esta ação, formulando, como na legislação anterior à Reforma
de 1977, exigências não justificadas pela diversidade das condições de nascimento do filho; mas
a inconstitucionalidade de tais normas resultaria mais claramente do art. 36.º, n.º 4, CRP.

Resta advertir que apesar da formulação maximalista do art. 36.º, n.º 1, que a todos
concede “em condições de plena igualdade” o direito de constituir família, admitimos que a
atribuição deste direito conheça limitações ou restrições na lei ordinária, as quais poderão até
art.si/2CRP-
quando
ser impostas por outros princípios constitucionais do direito da família.

se
redigiu este
artigo
nunca houve o
,

propósito de µ
A primis o
artigo

provão
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.

1625°
em ( ou
seja
causa colocar -

iguaria católicaregulação
a ,

do
) casamento
✓ pela
portanto acresce se

equiparação
optuam aquilo
,

exceção não explicitada


-

uma

µ
-
te

3. Equiparação do casamento civil ao casamento / Comp exclusiva


°o° " "
""
+
.

da lei
civil

canónico ( quer civil


regulação civil
casamento
religiosa
crp atribuir à lei a do casamento e do

É o princípio consagrado no n.º 2 do art. 36.º, que visa, fundamentalmente, subtrair ao 1-


direito canónico a regulamentação das matérias aí previstas. católica ou

outra
qualquer
Os efeitos do casamento católico, quer os patrimoniais quer os pessoais, já eram regulados
pelo direito civil mesmo antes da Constituição. Não assim, porém, no que se refere aos
requisitos do casamento católico, pois o art. 1625.º CC, que reproduz, praticamente, o art. XXV,
11
Estado Pt

|

/ Estado Católica essa


concordata
deixa de
convenção existir
a
internacional Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020
RATO RATIFICADO PELO PADRE NÃO CONSUMADO =
NÃO Foi
CONSUMADO
=

1.º par., da Concordata de 1940, dispõe que o conhecimento das causas respeitantes à SEXUAI

MENTIU
_

nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é /


competência
reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes. No entanto, note-se que o Exclusiva
DA lei
CANÔNICA
casamento católico só pode ser celebrado por quem tiver a capacidade matrimonial exigida
na lei civil – artigo 159.º CC. desde 2004 não é mais
obrigada

pela
convenção
A conformidade do art. XXV, 1.º par., da Concordata de 1940 e do art. 1625.º CC ao art. internacional
se dá
pela ,

36.º, n.º 2, CRP foi, porém, controvertida. Analisando a questão na vigência da Concordata permanência
conta da vontade
por
anterior, admitimos que a constitucionalidade daqueles preceitos pudesse legitimamente pôr- do Estado
admissibilidade se em dúvida.
Português
de divórcio
independentemente
,

do
Na verdade, o art. 8.º, n.º 2, CRP não coloca as convenções internacionais em plano
tipo de casamento
celebrada
superior ou sequer idêntico ao das normas constitucionais. A norma constitucional contrária a
regra convencional anterior põe decisivamente em causa a vigência desta, se contradição
existisse entre o art. XXV, 1.º par., da Concordata de 1940, que o art. 1625.º CC reproduzira, e o
art. 36.º, n.º 2, CRP, aqueles preceitos tinham sido revogados pela Constituição ou pelo menos,
conforme as regras gerais, não podiam ser aplicados pelos tribunais (art. 207.º CRP) e a sua
inconstitucionalidade podia ser declarada com força obrigatória geral (art. 281.º). A Reforma
do Código Civil de 1977, porém, mantivera o art. 1625.º, talvez porque, como dizíamos, ele se
limitava a reproduzir, quase ipsis verbis, o 1.º par. do art. XXV da Concordata de 1940, que o
art. 2.º do respetivo “Protocolo Adicional”, de 15 de fevereiro de 1975, expressamente
considerara em vigor. Tendo sido convencionado esse Protocolo há tão pouco tempo, não era
crível que os constituintes tivessem querido derrogar unilateralmente, e em ponto tão
importante, o compromisso estabelecido, tanto mais que, se essa intenção existira, nos debates
parlamentares não havia rasto dela. O elemento histórico devia prevalecer assim sobre o literal
na interpretação do art. 36.º, n.º 2, CRP, o qual, na parte em que se refere aos “requisitos” do
casamento, devia ser objeto de adequada interpretação restritiva. De resto, o ponto não tinha
suscitado dúvidas na jurisprudência do STJ, a qual, tanto quanto sabíamos, sempre entendera
que as causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato
e não consumado eram da exclusiva competência dos tribunais e repartições eclesiásticas, nos
termos dos arts. XXV, 1.º par., da Concordata e 1625.º CC. Por último, notávamos ainda que o
art. 40.º do Regulamento (CE) n.º 1347/2000 do Conselho de 29 de maio de 2000 ressalvava a
Concordata entre a Santa Sé e Portugal e dispunha que qualquer decisão relativa à invalidade
do casamento regulada pela Concordata seria reconhecida nos Estados-Membros nas
condições previstas no Capítulo III do Regulamento.

Com esta argumentação, sustentámos na vigência da Concordata anterior que o


conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do
casamento rato e não consumado era reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas
competentes, nos termos dos arts. XXV, 1.º par., da Concordata e 1625.º CC. Mas a questão
tem de ser reapreciada em face da Concordata de 2004, a qual não contém preceito idêntico
ao art. XXV, 1.º par., da Concordata de 1940, sem que, porém, na legislação interna, o art.
1625.º CC tenha sido revogado ou modificado. Que significado atribuir a esta omissão?

As decisões relativas à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado (as quais
também produzem efeitos jurídicos, nos termos do art. 16.º da Concordata) são obviamente da
competência exclusiva das autoridades eclesiásticas; apenas quanto às decisões relativas à
nulidade do casamento se põe a questão de saber se são da competência exclusiva dessas
autoridades ou também da competência dos tribunais civis.

Cremos que essa omissão, que julgamos ter sido deliberada, não pode deixar de significar
que Portugal deixou de estar vinculado a reservar aos tribunais eclesiásticos a competência
12
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

para declarar a nulidade dos casamentos católicos. Não havendo na nova Concordata
norma idêntica ao art. XXV, 1.º par., da Concordata anterior, mas tendo o legislador português
mantido na nossa ordem jurídica o art. 1625.º CC, que reproduz aquele preceito, certamente
que a situação anterior a 2004 não se alterou, mas “desapareceu o obstáculo
jusinternacionalístico à sua alteração, uma vez que Portugal pode agora livremente modificar o
artigo 1625.º do CC sem receio de, ao fazê-lo, violar os seus compromissos internacionais”. É
claro, porém, que Portugal só pode alterar o artigo no sentido de permitir que também sejam
propostas nos tribunais civis ações de anulação dos casamentos católicos; uma alteração no
sentido de conferir aos tribunais civis competência exclusiva para anular esses casamentos
violaria o compromisso concordatário, pois o art. 16.º, n.º 1, da Concordata permite que as
decisões das autoridades eclesiásticas competentes relativas à nulidade do casamento
produzam efeitos civis, nas condições previstas no n.º 2 daquele artigo.

Em conclusão, cremos que a omissão na Concordata de 2004 de norma correspondente ao


art. XXV, 1.º par., da Concordata de 1940 tem importante significado, mas não fez cair por si o art.
1625.º CC, que continua plenamente em vigor. Digamos que a Concordata deixou nas mãos do
legislador nacional a opção a tomar: se este não modificar o art. 1625.º CC, ou enquanto o não
fizer, a Concordata de 2004 não terá alterado, neste ponto, o regime do direito anterior.

4. Admissibilidade do divórcio
Seria inconstitucional a norma que proibisse o divórcio, em geral ou mesmo só quanto aos
casamentos católicos. O art. 36.º, n.º 2, in fine, não deixa dúvidas a este respeito.

Aparentemente, a Constituição apenas impõe que haja divórcio na legislação ordinária,


deixando ao legislador a possibilidade de conformar o respetivo regime como lhe aprouver.
Mas o ponto pode oferecer alguma dificuldade.

O TC já teve ensejo de se pronunciar sobre um caso em que fora alegada a


inconstitucionalidade da al. a) do art. 1781.º CC (que permitia a qualquer dos cônjuges, mesmo
ao culpado, pedir o divórcio com fundamento em separação de facto) por violação do
princípio da “dignidade da pessoa humana”, enunciado no art. 1.º da Constituição. O TC não
se pronunciou pela inconstitucionalidade, e a decisão mereceu-nos inteira concordância.
Julgávamos, até, que uma norma que revogasse aquele preceito, permitindo ao cônjuge
inocente prender o outro e impedindo -o de refazer a sua vida, porventura para sempre, seria
contrária, não só ao “direito ao desenvolvimento da personalidade” (art. 26.º, n.º 1), mas mesmo
ao “direito de contrair casamento” a todos reconhecido no art. 36.º, n.º 1, 2.ª parte CRP.

Quanto ao divórcio por mútuo consentimento, não cremos que fosse inconstitucional a
norma que exigisse um prazo de duração do casamento, mais ou menos longo, para o divórcio
poder ser requerido, ou até suprimisse o divórcio por mútuo consentimento, admitindo apenas
o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

5. Igualdade dos cônjuges


O art. 36.º, n.º 3, consagra o princípio da igualdade dos cônjuges, que é uma aplicação do
princípio geral do art. 13.º e tem o maior interesse prático, tanto no âmbito do direito
matrimonial como no do direito da filiação.

No âmbito do direito matrimonial, o princípio da igualdade dos cônjuges feriu de


inconstitucionalidade as normas do Código Civil que colocavam a mulher casada em situação

13
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

de desfavor relativamente ao marido, normas que a Reforma de 1977 suprimiu ou adaptou aos
novos imperativos constitucionais.

No âmbito do direito da filiação, o princípio assume relevo sobretudo quanto às


responsabilidades parentais, que são exercidas por ambos os pais (art. 1901.º, n.º 1, 1911.º e
1912.º), ao contrário do que acontecia no Código de 1966. Outro corolário do princípio parece
ser o de que a ação de impugnação de paternidade deverá ser concedida tanto ao marido
da mãe como à própria mãe, como está hoje expresso no art. 1839.º, n.º 1140.

6. Atribuição aos pais do direito/dever de educação


dos filhos ( também é um direito
filhos quem na relação entre pais e
manda são
pais que
, os
conversa com as

O princípio, formulado no art. 36.º, n.º 5, CRP, tem duas faces distintas. obrigações da Estrada nesse
ventinho e
por isso
→ Trata -se, em primeiro lugar, de um poder em relação aos filhos, cuja educação é dirigida articula
,
,

se
-

pelos pais (art. 1878.º, n.º l, CC), embora com respeito da personalidade dos filhos (arts. outros preceitos
1874.º, n.º 1, e 1878.º, n.º 2); quanto à liberdade religiosa, cfr., porém, o art. 1886.º. constitucionais
→ Por outro lado, trata -se igualmente de um poder em relação ao Estado, ao qual pertence
“cooperar com os pais na educação dos filhos” (art. 67.º, n.º 2, al. c), CRP), mas que não
poderá “programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas” (art. 43.º, n.º 2). Antes da Revisão de 1982, o art. 73.º, n.º 2,
parecia dar sugestão diversa, mas a sua doutrina devia entender -se em harmonia com a do
art. 43.º, n.º 2. Neste sentido podia argumentar -se com o art. 16.º, n.º 2, CRP, sendo certo que
o art. 26.º, n.º 3, da Declaração Universal dos Direitos do Homem confere aos pais a
“prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos”.

7. Inseparabilidade dos filhos em relação aos pais



Yummmmmrnrmm
É o princípio enunciado no art. 36.º, n.º 5, CRP, segundo o qual os filhos não podem ser
situações
EM AVE
SE DEVE separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com
E PODE SEPARAR eles e sempre mediante decisão judicial.
OS Filtros DOS PAIS

Empurrem Assim, os filhos podem ser separados dos pais, por decisão judicial, sempre que se verifique
suas
responsabilidades
o condicionalismo previsto no art. 1915.º, n.º 1, CC, ou seja, quando qualquer dos pais infrinja
parentais
| culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou, por inexperiência,
deve haver
uma sempre enfermidade, ausência ou outras razões, se não mostre em condições de cumprir esses
,

decisão
,

judicial
sentidodeveres; do mesmo modo, se a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do
neste

menor estiverem em perigo mas não for caso de inibição do exercício das responsabilidades
parentais, pode o tribunal, nos termos do art. 1918.º, confiar o menor a terceira pessoa ou a
estabelecimento de educação ou assistência. era antes já
pâmpanos 1- também / oposto
o

|
| é
jurídico princípio inovador
um

r
e
plano

8. Não discriminação dos filhos nascidos fora do hoje to . não -

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respondia
dos

casamento
-

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e
.

Estado
artigo
, .

além desse ,
isto
interessa
que , vistam outras disposições

O princípio está expresso no art. 36.º, n.º 4, CRP e reveste grande interesse prático.

A 2.ª parte da disposição enuncia o princípio da não discriminação em sentido formal, não
permitindo o uso de designações discriminatórias como as de filho “ilegítimo”, “natural”,

14
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

“bastardo” ou outras que não se limitem a mencionar o puro facto do nascimento fora do
casamento dos progenitores.

Note -se que a circunstância de o registando ter nascido do casamento ou fora do


casamento dos pais não é mencionada, inclusivamente, no assento de nascimento (e nas
certidões dele extraídas), mas a lei vem afinal a revelar aquela circunstância, fazendo constar
do registo o estado dos pais (CRegCiv, art. 102.º, n.º l, al. e)) e mandando averbar o casamento
dos pais posterior ao registo de nascimento do filho (art. 69.º, n.º 1, al. c)).

Mas o casamento dos pais pode ser integrado no texto do assento de nascimento, a
requerimento verbal dos interessados ou dos seus representantes legais, mediante a realização
de novo registo de nascimento: art. 123.º, n.º 1, CRegCiv.

A 1.ª parte do art. 36.º, n.º 4 formula o princípio da não discriminação em sentido material,
não permitindo que os filhos nascidos fora do casamento sejam, por esse motivo, “objeto de
qualquer discriminação” – ou seja, não permite que os filhos nascidos fora do casamento sejam
objeto de qualquer discriminação que lhes seja desfavorável e que, além disso, não seja
justificada pela diversidade das condições de nascimento. Assim, decerto que o art. 36.º, n.º 4
não feria de inconstitucionalidade o art. 1911.º, n.º 1 e 2, CC, que atribuía à mãe, em princípio,
o exercício do poder paternal relativamente ao filho nascido fora do casamento. Tratava -se
de uma diferença de regime que não pretendia desfavorecer os filhos nascidos fora do
casamento, mas até visava favorecê-los, supondo que os filhos nascidos fora do casamento
estariam mais ligados à mãe e à família da mãe do que ao pai e à família deste. Por outro
lado, há diferenças de regime que na verdade desfavorecem os filhos nascidos fora do
casamento, mas que também parecem conciliáveis com o princípio da não discriminação,
enquanto sejam suficientemente justificadas pela diversidade das condições de nascimento
dos filhos. É o caso, sobretudo, da presunção pater is est (art. 1826.º, n.º 1), que só vale em
relação aos filhos nascidos do casamento, não beneficiando, compreensivelmente, os
nascidos fora do casamento, mesmo de união de facto ou concubinato duradouro (cfr.,
porém, o art. 1871.º, n.º 1, al. c)). Igualmente justificada pela diversidade das condições do
nascimento, e por isso conciliável com o princípio da não discriminação, é a solução referida
no art. 1883.º.

O art. 36.º, n.º 4 teve aplicação imediata, revogando, designadamente, a legislação


precedente (cfr. art. 293.º CRP) que dava melhores direitos sucessórios aos parentes “legítimos”,
quer no sentido de uma preferência absoluta dos “legítimos” sobre os “ilegítimos” (os
“legítimos” excluíam os “ilegítimos”), quer no sentido de uma preferência relativa (os
“ilegítimos” concorriam com os “legítimos”, mas eram desfavorecidos na partilha). Nos primeiros
anos de vigência do novo regime chegou a discutir -se se este valeria, inclusivamente, para as
heranças abertas antes da data da entrada em vigor da Constituição mas ainda não
partilhadas a essa data; mas a jurisprudência fixou-se, e com razão, no entendimento de que o
princípio da não discriminação só se aplicava às heranças abertas depois de 25 de abril de
1976, data em que a Constituição entrou em vigor.

Outra questão que o art. 36.º, n.º 4 colocou foi a de saber se o preceito não teria ferido de
inconstitucionalidade o art. 1860.º CC, antiga redação, que sujeitava a ação de investigação
de paternidade a determinados pressupostos ou condições de admissibilidade; é questão que
perdeu interesse prático, pois a ação de investigação de paternidade não está hoje sujeita a
pressupostos (art. 1871.º).

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

9. Proteção da adoção
Como dispõe o n.º 7 do art. 36.º CRP, a adoção “é regulada e protegida nos termos da lei,
a qual deve estabelecer formas céleres para a respetiva tramitação”.

O princípio de que a adoção “é regulada e protegida nos termos da lei” tornou a adoção
objeto de uma “garantia institucional”; a Constituição assegura a sua existência e a sua
estrutura fundamental, não podendo, pois, o legislador ordinário suprimi-la nem tão-pouco
desfigurá-la ou descaracterizá-la essencialmente.

O princípio de que a lei deve estabelecer formas céleres para a tramitação da adoção
implicará, sobretudo, a proibição de retrocesso nesta matéria, pelo que seria inconstitucional, p.
ex., a norma que revogasse o art. 32.º da Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, segundo o qual os
processos relativos ao consentimento prévio para adoção e à tramitação judicial do processo
de adoção têm carácter urgente. Mas também dele resultará uma obrigação positiva de o
legislador abreviar, sem prejuízo da necessária segurança e tanto quanto for possível, os prazos
fixados no processo de adoção; o incumprimento dessa obrigação gerará apenas, porém, uma
inconstitucionalidade por omissão, com as consequências previstas no art. 283.º CRP.

10. Proteção da família


É o princípio enunciado no art. 67.º CRP o qual, como já tivemos ensejo de referir, concede
à própria família — trate -se de família assente no casamento ou união de facto, natural ou
adotiva — um direito à proteção da sociedade e do Estado, tornando -a, assim, objeto de uma
garantia institucional.

É de notar que a Revisão Constitucional de 1982 modificou o teor do preceito, merecendo


destaque a afirmação enfática de que a família constitui “elemento fundamental da
sociedade” e, por outro lado, a conceção individualista ou personalista vazada na parte final
da disposição.

Note-se que o preceito está integrado, como os outros que mencionaremos adiante, no
Capítulo II (“Direitos e deveres sociais”) do Título III (“Direitos e deveres económicos, sociais e
culturais”) da Parte I (“Direitos e deveres fundamentais”) da Constituição da República. Não
goza assim da força jurídica que o art. 18.º confere aos preceitos respeitantes aos direitos,
liberdades e garantias, revestindo antes carácter essencialmente programático, como a
generalidade das normas constitucionais que atribuem direitos económicos, sociais e culturais.
Nesta conformidade, o n.º 2 do art. 67.º enumera nas suas várias alíneas, a título exemplificativo,
algumas das ações que o Estado deverá promover em ordem à proteção da família.

O carácter “programático” do art. 67.º não significa porém que a norma não se imponha
aos tribunais.

11. Proteção da maternidade e da paternidade


Iguais observações merece o art. 68.º, que considera a paternidade e a maternidade
“valores sociais eminentes” e concede aos pais e às mães, nesta qualidade, sejam ou não
unidos pelo matrimónio, um direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua
ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à educação destes, para que a
paternidade e a maternidade não os impeçam de se realizarem profissionalmente e de
participarem na vida cívica do país.

Foi a Revisão Constitucional de 1982 que equiparou a paternidade à maternidade.


16
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

12. Proteção da infância


Por último, o art. 69.º CRP atribui igualmente às crianças um direito à proteção da
sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. Relativamente ao disposto
no n.º 2, na parte em que este concede especial proteção às crianças contra o exercício
abusivo da autoridade na família, devem ter -se em conta as disposições respeitantes à
inibição das responsabilidades parentais (art. 1915.º CC), às providências limitativas dessas
responsabilidades (art. 1918.º) e, naturalmente, todas as disposições que integram o sistema de
proteção de crianças e jovens em perigo.

Consequências da inconstitucionalidade
As normas que infrinjam os princípios constitucionais do direito da família, a que acabamos
de fazer referência, são inconstitucionais (art. 277.º CRep), não podendo ser aplicadas pelos
tribunais se a inconstitucionalidade for suscitada no processo (art. 280.º, n.º 1, al. b)) e
competindo ao Tribunal Constitucional declarar a sua inconstitucionalidade com força
obrigatória geral, nos termos dos arts. 281.º e 282.º; a declaração produz efeitos desde a
entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas
que ela eventualmente tenha revogado.

Os princípios constitucionais do direito da família (particularmente o 10.º, o 11.º e o 12.º)


podem ainda ser violados por omissão, cumprindo ao Tribunal Constitucional, que verifique o
incumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar
exequíveis as normas constitucionais, dar conhecimento ao órgão legislativo competente da
inconstitucionalidade verificada (art. 283.º).

Apenas são relações familiares as que derivam das fontes mencionadas no art. 1576.º. No entanto,
para além destas, existem as relações parafamiliares: relações que, não sendo propriamente
relações de família, são conexas com elas, estão equiparadas a relações de família para certos
efeitos ou são condição de que dependem, em certos casos, os efeitos que a lei atribui à relação
conjugal ou às relações de parentesco, afinidade e adoção.

A mais importante destas relações é a união de facto.

C. União de Facto
há lei

facto |
uma
maio
1. Introdução 712001 artigo 172
lei de 11 de
/ da união

f-
de
-

/
há mais de da Lei 712001

dois anos
Noção e terminologia
A união de facto é a vida em comum em condições análogas às dos cônjuges; os unidos
de facto vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, simplesmente não estão unidos pelo
vínculo formal do casamento. Note-se que:

→ Relações sexuais passageiras, fortuitas, acidentais não configuram uma união de facto.
→ A união de facto distingue-se igualmente do concubinato duradouro (apesar de haver
comunhão de leito, não há de mesa e habitação).
→ A vivência em condições análogas às do casamento exige também a unidade ou
exclusividade (uma pessoa não pode viver em união de facto com mais do que uma pessoa).

17
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

A união de facto pode revestir várias formas: por vezes, é uma situação transitória; outras,
definitiva. Também pode ter várias motivações: o meio social pode ter influência nas
motivações para a união de facto; ou estas podem ser de natureza fiscal ou patrimonial.
realmente
primeira lei que ,
,

História legislativa se dedicou à União

facto
de

1. A união de facto começou por ser institucionalizada em 1999, pela Lei 135/99, ainda que
antes já existissem certas normas dispersas que atribuíssem alguns direitos aqueles que
vivessem em união de facto, por exemplo, a propósito de benefícios para Segurança Social.
agosto
de 28 de

Neste sentido, o regime da Lei 135/99 não consagrava um regime inteiramente novo, porém
foi a primeira lei que se dedicou inteiramente à disciplina. f teve vida curta pois logo a
, depois foi substituída
amor

2. A Lei 7/2001 veio revogar e substituir a lei anterior, apesar de se tratar de uma lei de
continuidade e não de rutura: as soluções eram praticamente as mesmas, com uma
novidade: veio alargar a proteção da união de facto às uniões de facto entre homossexuais.
agosto
de 30 de

3. Hoje ainda vigora a Lei 7/2001, todavia com importantes alterações – a Lei 23/2010 introduziu
profundas alterações, cuja linha geral foi no sentido de aumentar os efeitos que se produzem
depois da morte ou da rutura, sobretudo quando já não é possível decidir por acordo e quando
tiverem como objetivo a proteção social do membro sobrevivo que fique em situação débil, no
que diz respeito à manutenção da habitação e aos meios de sustento mínimos, ou ainda em
momentos de sofrimento particular, como nos casos de lesão de que proveio a morte.

A união de facto em face da CRP


A Constituição não fala da união de facto nem dispõe diretamente sobre ela.

pela
união de

→ O art. 36.º estabelece a "constituição fundamental da família"; o n.º 1 diz que todos têm o facto ? naõ há
proteção
direito de constituir família e de contrair casamento, em plena igualdade, consagrando, constitucional
portanto, dois direitos: o direito de contrair casamento e o direito de constituir família.
Baseados neste duplo direito, alguma doutrina, onde se integram GOMES CANOTILHO
e VITAL MOREIRA , veio afirmar que, se a Constituição distinguia estes dois direitos,
então o direito de constituir família referir-se-ia ao direito de união de facto.
• Esta posição é discutível – ao direito de constituir família é normalmente atribuído o
sentido de direito de procriação, em primeiro lugar, e de estabelecimento das
consequentes relações de filiação, em segundo lugar (esta será a posição de
Pereira Coelho ). Assim, não é no art. 36.º/1, 1ª parte, que vamos encontrar a
proteção constitucional da união de facto.
→ Outros autores vieram interpretar que tal proteção estaria antes na 2ª parte, na vertente
negativa do direito de casamento – o direito de não casar significaria o direito de viver
em união de facto.
• Simplesmente, não casar é não casar, logo esta não é uma interpretação correta
da vertente negativa do direito de casamento.
→ Excluindo o art. 36.º/1, viramo-nos para o direito ao livre desenvolvimento da
personalidade, consagrada no art. 26.º/1. Assim, a união de facto não está
expressamente prevista na constituição fundamental da família, mas estará incluída no
amplo direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Em resultado disto, podemos
concluir que:
• Viver em união de facto é um direito que resulta daquele direito fundamental, logo
não pode vir a lei ordinária penalizar, proibir ou punir a união de facto.
• Mas também é verdade que a lei pode tratar a união de facto de forma diferente
do casamento, já que se tratam de realidades distintas – o casamento é um
contrato, e a união de facto é precisamente apenas um puro facto, no qual os

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

sujeitos se querem manter afastados do direito (diferença que se manifesta, por


exemplo, ao nível do tratamento sucessório). Isto não viola o princípio da igualdade,
pois o desfavor da proteção da união de facto em relação ao casamento é
objetivamente fundado, justificando-se até onde seja um meio proporcionado de
favorecer o estabelecimento de uniões estáveis, no interesse geral.
• Mas não só pode a lei ordinária tratar a união de facto de forma diferente, como o
deve fazer – seria inconstitucional aquela lei ordinária que tratasse de igual forma o
casamento e a união de facto, ou que a elevasse ao nível do casamento,
regulando-a de forma exaustiva. Isto violaria o art. 36.º/2, que garante o instituto
matrimonial, que o legislador não pode suprimir nem descaracterizar
essencialmente; violaria ainda o direito de não casar; e o princípio da igualdade.
• Em conclusão: a Constituição não permite penalizar a união de facto nem
equipará-la ao casamento: entre estas duas vale o princípio democrático, que
permite ao legislador ordinário conformar livremente o regime da união de facto.

A união de facto, relação de família? Apesar de a união de facto não caber na noção restrita
e técnica de família do art. 1576.º, devemos entender que o direito português admite noções
mais amplas e menos técnicas de família, válidas em certos domínios ou para determinados
efeitos. É o que sucede no direito da segurança social e no direito da locação, para os quais a
união de facto faz parte da noção ampla de familiares.

2. Constituição, prova e condições de eficácia


constitui pela simples verificação dos pressupostos constituí la
Constituição } para
-

se

A união de facto constitui-se quando os sujeitos da relação se juntam. No entanto, para


que esta produza os efeitos previsto no art. 3.º da Lei 7/2001, a lei exige a duração mínima
efetiva de 2 anos (art. 1.º), como forma de garantir uma certa estabilidade.

Prova | não há restrições a


qualquer meio de
prova a ser admitido

Depois de 2010, passou a haver um artigo que regula expressamente esta matéria – o art.
2.º-A, que admite que se possa provar a união de facto por declaração da Junta de Freguesia
baseada numa declaração dos unidos de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em
união de facto há mais de 2 anos.


a não ser

para alguns
Condições de eficácia requisito não outros
efeitos
aplicação certos
Para que os efeitos da união de facto se produzam, é necessário que se verifiquem
tem mais
/
requisitos de eficácia: antigamente era um

que requisito aca

1. A partir da Lei 7/2001, não constitui requisito para a união de facto af-
-

heterossexualidade bau em

(e, a partir da Lei n.º 2/2016, de 29/02, também já não constitui requisito para a adoção 2001

conjunta) requisita que conferi


na
própria noção de
( união de facto
condição -0 2. A união de facto só produz efeitos se durar há mais de dois anos (art. 1.º).
de
ufiácia 3. Não deve existir impedimento dirimente ao casamento dos membros da união de facto –
,

segunda
perspectiva
da Dr é o que resulta do art. 2.º, que reproduz o disposto nos arts. 1601.º e 1602.º do CC. Isto
Francisco
.

Coelho .
com duas exceções:
a) Em separação de pessoas e bens, as pessoas podem entrar numa união de facto
relevante com outra pessoa, art. 2.º/c).
⑤ impedimentos b) Os sujeitos têm de ter 18 anos à data do reconhecimento da união de facto, logo
( matrimoniais
d
podem juntar-se aos 16.
EM
•modão

pessoa
-

µ
*
já casada /
quase igual
que será é à
Pantera / afinidade antiga ao fã da União
linha
19 ceia

F.
facto vista
treta t
linha colateral ZE de tinuam
dos
impedimentos
grau (
diferença aparente casa .

⑦ f?
" "
unidos
forem menores de vamos à data da
dor. mas
sepa . Matrimoniais
salvo se tiver sido decretada
separação } reconhecimento içadas
separação de
e bens peuoastf
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

3. Efeitos pessoais e patrimoniais


Como a união de facto não é um negócio jurídico, não produz efeitos negociais diretos,
ao contrário do casamento.

Efeitos pessoais
A união de facto não produz os mesmos efeitos que o casamento – deste resultam certos
deveres pessoais dos cônjuges, aos quais os unidos de facto não estão vinculados. Todavia, o
direito não desconhece a relação pessoal que une os unidos de facto, pelo que a união de
facto produz certos efeitos pessoas indiretos:

a) Duas pessoas unidas de facto podem adotar nas mesmas condições de duas pessoas casadas
b) As responsabilidades parentais dos pais unidos de facto em relação ao filho, enquanto for
menor, regem-se pelas mesmas regras que regulam as responsabilidades parentais dos pais
casados (enquanto dura a união de facto, mas também depois da sua separação). Nos
termos do art. 7.º, a possibilidade de adoção conjunta não prejudica a aplicação das
disposições legais respeitantes à adoção por pessoas não casadas. Cada um dos membros da
união de facto pode pois fazer uma adoção singular, que não carece do consentimento do
outro.
c) O estrangeiro que viva em união de facto com nacional português há mais de três anos pode
adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração de vontade, desde que tenha
obtido o reconhecimento judicial da situação (art. 3.º/3, da “Lei da Nacionalidade”)
d) Entre muitas outras soluções legais

Efeitos patrimoniais
Não há um regime próprio para o património dos unidos de facto, ao contrário do que
sucede no casamento, que é um contrato. Não se produzem efeitos negociais patrimoniais
f-✗ ar
diretos; para este efeito os unidos de facto são dois estranhos, ficando as suas relações regime
de
bens
patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais. Mas também aqui há | da
casa men -

certos efeitos que se podem produzir, ou cuja produção se discute: convenção antenupcial
ta

g-
→ Discute-se se os unidos de facto não poderão celebrar um contrato a regular os seus |
T
interesses patrimoniais – o "contrato de coabitação", que será possível, ou seja, não se como não
levanta qualquer obstáculo, desde que não exceda os limites da autonomia privada e casaram entende se
, -

regule apenas os efeitos patrimoniais e não pessoais (Contra, CARBONNIER , que que não
entende que a sua “dinâmica de conjunto” tornava o contrato suspeito, não de imoral, haveria" "

sentido /ne
foram mas de ilícito, “porque quer dar força obrigatória a uma espécie de casamento privado,
-

☒ caridade ou
de

coelho violando assim o monopólio do Estado em matéria de casamento”. Mas o argumento emitir um contra
para não parece decisivo, em face dos condicionamentos que referimos no texto); porém, da de coabitação
Orfanato
.

circo ,

( ve- se
entre nós esta não é uma prática comum. mar nada
impede
lembre
estagio → No regime dos efeitos patrimoniais do casamento, regula-se a responsabilidade por que seja fita

}
se ,
dívidas no art. 1691.º/b). Não deverá isto valer para a união de facto? PEREIRA
-

este é um

caso de COELHO entende que sim, uma vez que não se veem obstáculos a esta ideia, que
ameba
constava mesmo do projeto inicial da lei que veio alterar o regime legal da união de
.

E. entre o facto. Este não será um argumento definitivo, mas podemos recorrer à analogia entre os
casamento e a casos do casamento e o da união de facto, já que em ambos os casos há uma vida
união de
facto familiar que gera encargos; e ainda à criação de uma aparência matrimonial na união
de facto, que pode suscitar a confiança de terceiros.
→ No regime do casamento, se os cônjuges se divorciarem ou um deles falecer, o outro
recebe pensão de alimentos, ou de sobrevivência, mas se casar com outra pessoa, deixa

20
rvdecretalaislhroth Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

de a receber. A partir de 2010, o art. 2019.º do CC (pensão de alimentos) diz cessar a


pensão de alimentos também com a constituição de uma união de facto.
→ Há ainda a possibilidade de os unidos de facto poderem apresentar uma declaração de
IRS conjunta – art. 3.º/d). ruptura ( facto quando acabar ) -

4. O Efeitos resultantes da extinção da união de facto


1. Enquanto que o cônjuge é herdeiro legitimário, o unido de facto não o é (esta será, talvez, a
maior diferença). Na união de facto, não há efeito sucessório; no entanto, provando-se que
o unido de facto sobrevivo precisa de alimentos, o art. 2020.º determina que o membro
sobrevivo tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido. Este direito só se verifica
que estiverem preenchidas as duas condições do regime geral do dever de alimentos: a
longa duração
Ex : da UF( +) pessoa que pede os alimentos tem de ter necessidade deles; e alimentador tiver
5 anos

fvibunol possibilidade de os prestar. Antes de 2010, o art. 2020.º estabelecia que o unido de facto

mecanismo

Ü
protetiva
|
.ci/4:prorrooPfuando- tinha de pedir, sem sucesso, alimentos às quatro primeiras pessoas do art. 2009.º, antes de
"
/
µ
pode corri daqui
.
-

verificação
prazos
/
poder exigir alimentos da herança. Hoje, a herança do falecido é o primeiro obrigado,
princípio / de
(
duplo um

o
dade podendo o unido de facto dirigir-se logo a ela. herança dos herdeiros trem devem de direito de alimentar
a

| artigo 2020° do
( requisito
CC

direito condi
de 2. Quanto à casa de morada de família: a lei, desde sempre, foi muito sensível à ideia de proteção
-

"
do unido de facto sobrevivo. O art. 5.º da Lei da União de Facto dispõe que, no caso do
casa por 5 amor ,

como titular de proprietário ser o falecido, o membro sobrevivo (que não é herdeiro) pode ficar na casa, pelo
direito real
um
menos por 5 anos, como titular de um direito real de habitação e direito de uso do recheio.
de habitavam
u m
a) O tempo de duração do direito de habitação é igual à duração da união de facto
↳ não lá
mora

como arrendatário b) O tribunal, apesar de haver este limite, pode prolongar os prazos, atendendo a
proprietária
ou como
razões de equidade (por exemplo, por situação de extrema carência).
• direito real de c) Deixando de viver na qualidade de titular de direito de habitação, passa a viver na
habitação direita depois de esgota f- Arrendamento imposto
qualidade de arrendatário –g-
=
senhorio
art. 7.º dos os Prazos
-

ao
de usosobre um

local para
d) Este é o regime depois de 2010; antes, este direito podia ser afastado pelo unido de
morar

facto; e não existia no caso de haver descendentes que tivessem necessidade da casa.
3. Nos termos do art. 5.º/9, o membro sobrevivo tem direito de preferência na compra da casa. E
4. Outro efeito importante é a transmissão do direito ao arrendamento para habitação, por
direito à indemnização por
morte da pessoa que viva com ele em união de facto – art. 1106.º/1. ( danos não patrimoniais
5. No caso de a morte tiver sido provocada por um facto culposo de alguém, gerador de o próprio dano da ,

responsabilidade civil, poderá o unido de facto sobrevivo exigir ao autor da lesão uma perdadarrata ( como
também danos
Inclui SE REFERÊNCIA Explícita AO UNIDO DE FACTO

indemnização pelos prejuízos sofridos? Em 2010,[a lei introduziu uma alteração ao artigo patrimoniais
-

f-
)
496.º, introduzindo o n.º 3, segundo o qual o unido de facto sobrevivo pode exigir uma
indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos. Tratando-se de danos patrimoniais, a
indemnização pode fundar-se no art. 495.º/3
6. Quanto aos regimes da Segurança Social, em caso de morte de um dos cônjuges, o
sobrevivo tem direito a proteção (pensão de sobrevivência). Com efeito, segundo o art. 3.º/e)
da Lei da União de Facto, as pessoas em união de facto têm direito a proteção social no
caso de morte do beneficiário, nos termos do regime geral (equiparação ao casamento).
Antes de 2010, a atribuição destas pensões não era automática, ao contrário do que sucede
hoje, pois tinha de se provar que tinha necessidade e tentar obter alimentos dos vários
obrigados a alimentos. Note-se que esta pensão tem uma lógica diferente da dos alimentos.
7. Há igualmente outros subsídios previstos para os cônjuges sobrevivos, que também se
aplicam aos unidos de facto por força do art. 3.º/f) e g): subsídio por acidente de trabalho,
por doença profissional, por preço de sangue, por serviços excecionais e relevantes
prestados ao Estado, etc.
8. Por fim, refira-se que o art. 251.º/2 do Código do Trabalho permite ao trabalhador faltar
justificadamente por falecimento da pessoa com quem vivia em união de facto há mais de dois anos.

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

DIREITO MATRIMONIAL /
ato : contrato
testada /estatuto
: casado

A. Conceito e carateres gerais do casamento


L fundamentais
1. O conceito de casamento; sentido e “finalidades”
Feito
“essenciais”
vão _

"
à
habitação já refere não se

heterossexualidade

mim
O casamento é um contrato,
plena ! (
celebrado entre duas pessoas, que pretendem constituir
família mediante umapcomunhão de vida (art. 1577.º). Apesar de a lei não explicitar em que
consiste esta comunhão de vida infere-se de outras disposições que esta é:

▪ os cônjuges estão reciprocamente vinculados por certos deveres; 2 disciplinar

|
Jurídicas
▪ exclusiva; algemar
/
\

Código Código
▪ tendencialmente perpétua
as Religiões
destas
tanto Estado Civil

um ato pelo qual se interessam quantoo ,
regiões
Note-se que, noutros sistemas e noutras épocas, ao casamento era dado uma segunda
finalidade, para além da instituição de uma comunhão de vida entre os cônjuges: a
procriação e educação da prole; pode dizer-se que o Código adotou uma conceção
minimalista do casamento.

Para o Direito Canónico, o casamento é integrado por três elementos essenciais, os “bens
do matrimónio”:

1. Procriação e educação dos filhos;


2. Mútua fidelidade;
3. Indissolubilidade.

2. O casamento como ato por que se interessam o


Estado e as religiões
O casamento é um ato que interessa não apenas ao Estado, mas também à Igreja (ou
melhor, as religiões): antes de ser regulado pelos códigos civis, o casamento era já um
sacramento, previsto na lei canónica. Porém, com a consagração dos princípios da
inconfessionalidade do Estado e da liberdade religiosa, surgiu a necessidade de um direito
matrimonial estadual, instituindo-se o casamento civil.

a) Os diversos “sistemas” matrimoniais e interesses em jogo


Podem surgir conflitos, colisões - como se articulam as regulações do casamento
provenientes do Estado e da Igreja? A propósito desta conciliação, fala-se em vários sistemas
matrimoniais, ou seja, vários sistemas de articulação. Mas quais os interesses que estão aqui em
jogo?
preservar
a Impregnaram
→ Em primeiro lugar, ao Estado interessa assegurar a liberdade religiosa, que inclui a
liberdade de casar segundo os rituais católicos.
→ Mas também tem interesse em assegurar a igualdade entre religiões, tratando de forma
igual todas elas.} Estado Laico equidistante dar diversas religiões
:

→ Deve evitar-se, tanto quanto possível, que uma pessoa tenha de realizar dois casamentos.
L vans durar o casamento
uuligiora válida para produção de efeitos jurídicos
é mais
fácil que seja feita , apenas ,
um casamento
22
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

→ Finalmente, o Estado tem interesse em unificar os casamentos, dando os mesmos efeitos e


regimes a todos eles – art. 36.º/2 da CRP. as fitas do casamento
formas pauiveir de articular
pnatrimoniais
:

entre as
o Estado e Religiões
Têm surgido, historicamente, vários sistemas (muitos deles já desaparecidos).

Sistema de
Sistema de casamento civil
casamento religioso ÷ Estado Laico
obrigatório
ESTADO SÓ RECONH .

Os Efeitos

obrigatório
ECE Do

da dai cidade casamento civil


( Pureza ( y
o Estado só reconhece efeitos civis aos casamentos civis,
Estado confessional celebrando segundo as suas leis e regulados por elas. O
- só é possivel
em um

Não se admite o casamento civil. É um Estado dará inteira liberdade aos nubentes para casarem
sistema abstratamente possível que, de segundo as normas da sua confissão religiosa, mas não
facto, existiu no nosso espaço atribuirá à sua celebração quaisquer efeitos jurídicos. Este
civilizacional, tendo vigorado na Grécia sistema tem a vantagem de tratar igualmente todas as
até 1982. religiões, todavia obriga as pessoas que professam uma dada
único casamento em religião a realizar dois casamentos. Existe em muitos países da
reconhecimento
que Estado confere
Europa Central.
o
é
o religiosa

Sistema do
casamento
Sistema de casamento civil facultativo
civil
subsidiário
É o que existe entre nós, evitando o inconveniente da celebração de
dois casamentos. As pessoas podem escolher casar civil ou
( um princípio , o Estado
catolicamente (ou ainda segundo as regras de outra religião), sendo uró reconhece o casamento
que a este último casamento o Estado atribui também efeitos civis. aceita o
valigiasa ,
mas

Dentro deste sistema, distinguem-se duas modalidades possíveis


Primeira Segunda subsidiariamente
casamento
!
civil


modalidade modalidade existiu em Espanha até 1981.
Em princípio, os nubentes
é a que vigora entre nós. O Estado
devem realizar casamento
reconhece eficácia civil ao
vigora em países como os EUA, religioso, só podendo deixar
casamento católico, todavia admite-
Inglaterra, países do Norte da de o celebrar naqueles casos
o como tal, ou seja, como é regulado
Europa, Brasil, etc. O casamento em que a própria igreja
pelo direito da Igreja. Assim, não
católico é equiparado ao católica autorizar o
temos apenas duas formas diversas
casamento civil, ou seja, tem casamento civil (no caso dos
de celebração do casamento, mas
exatamente os mesmos efeitos, não batizados). Ou seja, o
dois institutos diferentes, já que a lei
trata-se do mesmo instituto. Não casamento católico é o
canónica regula certos aspetos do
é regulado pela lei católica, mas único que o Estado
casamento católico. Esta modalidade
antes pelo Estado, divergindo reconhece, sendo o
poupa aos nubentes a celebração
apenas na forma de celebração. casamento civil apenas
de um duplo matrimónio, mas à custa
Evita o conveniente de se ter de admitido subsidiariamente.
da unidade do direito matrimonial –
celebrar dois casamentos,
esta é a maior desvantagem. Pode
garantindo simultaneamente a
notar-se ainda que não consegue pá não é um
existência de um único direito casamento civil , é
harmonizar as duas ordens jurídicas
matrimonial, válido para todos os um casamento
em termos de as uniões legítimas à
nacionais. religioso
casamento civil face da Igreja também o serem à
no
fundo é
,
um
art 1825°
face do Estado (e inversamente).
.

23
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

b) Evolução do direito português

convencerão
a

internacional
y
acordo celebra -

do entre igreja
(
Não era claro qual o sistema As coisas Durante a vigência do Estado Novo, em 1940, e esta
-

do
matrimonial previsto – parecia que se modificaram-se foi assinada uma Concordata com a Santa
adotava o sistema do casamento civil radicalmente, tendo Sé, nos termos da qual voltámos a um sistema
subsidiário, mas, como não era sido uma das de casamento civil facultativo. O Estado
investigada a religião dos nubentes e primeiras medidas passou a reconhecer o casamento católico e
o casamento civil não podia ser adotadas a a atribuir-lhe efeitos civis, dando competência
anulado por motivo da sua religião, instituição do sistema de regulação quase integral ao Código de
na prática valia um sistema civil do casamento civil Direito Canónico e demitindo o Código Civil
facultativo. E valia na sua segunda obrigatório – o desta tarefa (com poucas e insignificantes
modalidade, uma vez que as leis casamento seria um exceções); e consagrou a regra da
canónicas eram recebidas no país e o contrato “puramente indissolubilidade do casamento por divórcio,
casamento católico só podia ser civil”. Assim, estabelecido na lei canónica. Mas a Igreja
declarado nulo no juízo eclesiástico e estabeleceu-se que também fez algumas concessões em relação
nos casos previstos nas leis da Igreja. as pessoas só ao Estado: este pôde aplicar o seu sistema de
Havia alguns esforços no sentido de poderiam celebrar o impedimentos ao casamento católico,
aproximar os dois sistemas, a nível de casamento católico regular o processo preliminar e o registo, e
impedimentos, e os párocos deveriam se primeiro decretar a separação de pessoas e bens
enviar a ata paroquial ao registo civil. celebrassem o civil. relativamente aos casamentos católicos.
Com a nova Constituição, passou a atribuir-se cada vez Estabelece uma regra
menos competência à lei canónica para regulação do de equiparação,
casamento. Mesmo antes da Constituição, foi alterado o todavia sabemos que há
Manteve o
regime da lei canónica quanto à admissibilidade do divórcio, certas áreas que
estabelecido na
já que a inadmissibilidade do divórcio era um problema continuam a ser
Concordata,
premente: logo após a Revolução, surgiu um movimento de reguladas pela lei
praticamente sem
casais que exigiam esta alteração, tendo sido por isso canónica. Continuamos
alterações.
renegociada a Concordata através da aposição de um Ata com o sistema de
Adicional em 1975. O sistema continuou, todavia, a ser o do casamento civil
casamento civil facultativo, ainda que se tivesse dado um facultativo, naquela
grande passo no sentido da unificação dos dois casamentos. segunda modalidade.

É necessário mencionar ainda algumas alterações posteriores à Constituição:

1. Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001): Com esta lei, passou a admitir-se que as pessoas
que professam outras religiões possam celebrar o casamento segundo os ritos dessas
religiões, e o Estado reconhece-lhe efeitos civis. Há religiões que se podem considerar
radicadas em Portugal: o Ministério da Justiça, uma vez feito o requerimento pela religião,
tendo em conta a sua presença e o número de crentes considera ou não como radicada
em Portugal. Mas há um requisito obrigatório para que se possa apresentar um

24
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

requerimento – que a religião já exista em Portugal com presença social organizada há 30


têm
anos ou, noutro local do mundo, há 60 anos –, como indicador de seriedade e as pessoas

estabilidade. Há um registo nacional das pessoas coletivas religiosas. Só depois destes informadas
de ser
previamente
passos todos os sujeitos que professam a religião podem celebrar o casamento segundo os que seu cara -

menta tem
seus ritos. Mas há uma diferença importante em relação ao casamento católico, já que os
casamentos celebrados segundo outras religiões estes são regulados integralmente pelo
efeitos
civis
/
Código Civil, ou seja, vale aquela primeira modalidade do sistema de casamento
facultativo. Têm até nome diferente, "casamento civil celebrado sob forma religiosa".
civis não cara
mmmmmmmmriaomnoTT.TW e
-

2. Alteração à Concordata: em 2004, foi revista a Concordata, com duas grandes alterações:
/
a. Até 2004, o Estado português reservava a competência para apreciar a nulidade do
substitui
velha
casamento católico e a dispensa de casamento rato ou não consumado aos tribunais
concordata eclesiásticos. Esta obrigação desapareceu, ou seja, o art. 1625.º está lá apenas porque o
a

Estado português quer, pois em termos de direito internacional já não é obrigado a isso.
b. Antes de 2004, quando houvesse uma sentença proferida por um tribunal eclesiástico,
esta produzia automaticamente efeitos no ordenamento jurídico civil. Já não é assim –
os interessados têm, em primeiro lugar, de apresentar um requerimento (por ex: para
nulidade do casamento), e o tribunal tem de seguir um processo de revisão e
confirmação da sentença de tribunal eclesiástico.
II.
c) Caracterização do sistema (português) atual
→ Em relação aos católicos, o sistema é o do casamento civil facultativo na segunda
modalidade. Mas note-se que os católicos sempre puderam optar indiferentemente pelo
casamento católico ou civil, daí o nosso sistema não ser de casamento civil subsidiário
→ Em relação aos que professam outra religião que se considere “radicada no País”, o
sistema é o do casamento facultativo civil na primeira modalidade.
→ Em relação aqueles que não professam qualquer religião ou professam uma religião não
radicada, o sistema é o do casamento civil obrigatório.

O direito português procurou, todavia, atenuar os inconvenientes do nosso sistema


matrimonial, através de três meios:

1) Exigência de capacidade civil para celebração do casamento católico (art. 1596.º).


2) Por forma a conseguir uma unificação do registo do casamento, o Código de Registo Civil
impõe ao pároco, sob cominação de sanções, a obrigação de enviar à conservatória do
registo civil competente o duplicado do assento paroquial, a fim de ser transcrito no livro
de casamentos. A transcrição é condição de eficácia civil do casamento.
3) Tanto o casamento civil como o católico podem ser dissolvidos por divórcio, com os
mesmos fundamentos e nos mesmos termos. verifica preenchem
civis para
-
se se

→ •
requisitoscasamento catá
casamento celebrar o
do
Do casamento católico: Viste um
processo preliminar lica

Regulado pela lei Regulado pela


Regulado por ambas
canónica lei civil
vontade
▪ requisitos de capacidade (artigo
tiver
1596.º)| capacidade católico canônica celebrada por
pode vá
casamento quem
ser

▪ vícios do consentimento (artigo civil e

▪ formalidades prévias e posteriores do ▪ efeitos do casamento,


1625.º) aplica apenas casamento civil
-
se , , ao

próprio casamento ( canônica /


civil lei
tanto pessoais como
excessão do
▪ ritual do casamento do próprio lei ,
o
"
casamento não

▪ dissolução do casamento (porque a cons mado patrimoniais


"

casamento
dispensa do casamento rato e consumido
dvibunaier que podem invalidar casamentos
hmmmmm mrm

é uma causa não prevista na lei civil)


↳ únicos , os

sribunavrecleioistucosm.mn
vó conhecem e

aplicam sua própria


Lei
um
veria
25
neste se
por isca
invalidada caso

|
,
-

não pode ser


registro
,
i, mas

dessa forma impedimento quanto ao

civil !


aplica aplica apenas,

/
se ←
matar se
- -

{
.

quantos
aos
anteriores

formalidades civis →

efeitos
as regras
da lei

posteriores ✓
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020
e civil
aplica -

se as
regras
canônicas todo esse prrcur
-

em

mmEEiimma.ae
A discussão em torno da constitucionalidade do nosso sistema matrimonial:
questões de constitucionalidade

1. Certos autores argumentaram que a própria forma do casamento católica seria


contrária à Constituição, que permitiria apenas a forma civil de casamento. Este

formas vmrrmrrrnmnnsiümdepemdentementedahno
argumento não faz qualquer sentido, já que a própria Constituição admite várias
mmmnmm de celebração de casamento no art. 36.º/2.Tforma de celebração
"

2. A verdadeira questão de constitucionalidade está por isso em saber se a possibilidade


de regulação do casamento pela lei canónica é ou não constitucional. São invocados
os seguintes fundamentos de inconstitucionalidade:
a) Art. 36.º/2: estabelece o aparente princípio de equiparação, mas já vimos que é
necessário interpretar restritivamente este artigo, tendo em conta os dados
históricos do momento em que a Constituição foi feita.
b) Princípio da laicidade do Estado: a admissibilidade do casamento católico iria contra
o Estado laico. Mas não é pelo simples facto de permitir a celebração do casamento
pelos ritos católicos e a regulação do casamento pela lei canónica que o Estado
passa a adotar a religião católica, logo este argumento também é rejeitado.
c) Princípio da liberdade religiosa: o que este princípio exige é que qualquer pessoa
que professe um credo religioso possa celebrar o casamento segundo os ritos da sua
religião, e que, por outro lado, as pessoas que não professam qualquer credo não
sejam obrigadas a celebrar casamento religioso. Este princípio não exige que o
casamento religioso seja reconhecido pelo Estado como uma mera forma de
celebração – logo, permitindo o nosso sistema aos católicos optar entre o
casamento civil e católico, não se vê como ofende o princípio da liberdade religiosa.
d) Princípio da igualdade em matéria religiosa: é o argumento mais pertinente. Com
efeito, não há igualdade entre as religiões, a religião católica é favorecida – até
2001, apenas se admitia mesmo o casamento católico; hoje, apesar de se admitir
outros casamentos, mantém-se uma certa desigualdade pelo facto de se permitir a
regulação da lei canónica. Esta é uma questão difícil, e o argumento de favorecer
a religião católica por ser maioritária é um argumento vicioso.

Apesar de ser discutível a constitucionalidade do nosso sistema por violação da igualdade em matéria
não trans
religiosa, hoje a questão está pacificada entre as várias religiões, sendo o nosso sistema bem aceite. forma em
.

/ ata vadm .

da
3. O casamento como negócio jurídico
terceira conservador
registro
=

G- guria? ( civil

↳a
O casamento é um negócio jurídico, no entanto a margem de autonomia, que está presença
pressuposta na ideia de negócio jurídico, dos nubentes é mínima. Todavia, existe alguma pertence ao plano
da
autonomia, ainda que reduzida: na escolha do parceiro, na forma de celebração, e na decisão
desse formalização
sobre o modo de cumprimento de alguns dos deveres impostos pela lei (art. 1671.º/2 e 1673.º). contrato .

4. O casamento como contrato celebrado por duas


pessoas de qualquer sexo; evolução legislativa e
problemas de constitucionalidade
há várias Sendo um negócio jurídico, é um contrato – art. 1577.º. Há doutrinas anti-contratualistas,
fases e estados que qualificam o casamento como acordo, como instituição, ou ainda como ato
de evolução administrativo. Esta última ideia tem sido desenvolvida de modos diferentes:

1. Uma orientação extrema é aquela que vê na declaração do funcionário do registo


civil o elemento constitutivo do casamento, sendo o consentimento das partes um
26
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

simples pressuposto dessa declaração: o casamento seria um puro ato do poder


estadual.
2. Há porém orientações mais moderadas – segundo uma delas, o casamento seria um
negócio plurilateral, com três partes: os cônjuges e o conservador do registo civil; outra
ainda diz que é um complexo de atos, integrado por um negócio bilateral (declarações
dos nubentes) e por um ato do poder estadual (declaração do conservador).
3. Todavia, em bom rigor, a presença do conservador do registo civil existe apenas no
plano da forma; e não é necessária a sua presença efetiva na celebração – é o que
sucede com os casamentos urgentes.
se dá
primeiro pano que

{
inicialmente
Hoje, é admitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Numa fase intermédia, começou
completamente
era

proibida a permitir-se a união de facto entre pessoas do mesmo sexo; de seguida, admitiu-se um
contrato com efeitos equivalentes ao casamento, mas com um nome diferente por questões
de pudor (por exemplo, "união civil registada"); finalmente, admitiu-se o casamento entre
dei não chamava esse pessoas do mesmo sexo.
contrato como casamento
=

Também em relação ao casamento homossexual se levantaram problemas de


inconstitucionalidade.

Antes da admissão deste casamento, discutiu-se o contrário – a questão da


inconstitucionalidade da proibição do casamento homossexual por violação do princípio de
discriminação. O Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se num caso sobre o
regime anterior, tendo-se decidido pela não inconstitucionalidade. Não haveria violação do
princípio da igualdade pois tanto os heterossexuais como os homossexuais poderiam casar,
todavia apenas o poderiam fazer heterossexualmente. Este é um argumento puramente
formal, pois será antes no recorte do casamento que estará a questão da
inconstitucionalidade.
Noutro caso, discutiu-se se seria o casamento discriminatório ou haveria razões objetivas a
fundar a discriminação. O Tribunal Constitucional decidiu que sim, que havia: a lei ordinária
terá autonomia para regular o casamento como quiser, com o mínimo de razoabilidade.
Assim, a ideia do casamento heterossexual teria algum fundamento objetivo.
Hoje, discute-se a constitucionalidade do regime do casamento homossexual. Mais uma vez,
o Tribunal Constitucional manifestou-se no sentido de que a Constituição não se pronuncia
sobre este assunto, ou seja, o legislador ordinário pode regular o casamento como quiser
desde que o faça com base em razões objetivas. Certo, a Constituição de 1976 supunha um
certo modelo de casamento – o heterossexual –, mas não o impõe, ou seja, apenas pode
exigir que haja um instituo chamado casamento.

5. O casamento como negócio pessoal e solene


O casamento é um negócio pessoal, em dois sentidos:

1. Tem efeitos pessoais;


2. Em princípio, deve ser feito através da própria pessoa (entre nós, em certas situações
admite-se o casamento por procuração – esta é uma situação rara, praticamente só
existente no nosso ordenamento jurídico).
( cheia de pormenores )
formal completo
,

É um negócio solene, o mais formal de todos: a forma exigida para o casamento consiste
na cerimónia da celebração do ato. Quanto ao casamento civil, este tem de ser celebrado
perante o funcionário do registo civil (art. 155.º CRegCiv). As formalidades que a lei teve em

27
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

vista são as finalidades genéricas do formalismo negocial; além disso, pode dizer-se que a lei
pretendeu acentuar aos olhos dos nubentes o alcance e a significação do ato matrimonial.

6. Unidade ou “exclusividade”
É um negócio em que há exclusividade ou unidade – uma pessoa apenas pode estar
casada com outra.

7. Vocação de perpetuidade} é um contrato tendencialmente


perpétua ,
não se pode conter condições ou

O casamento é um estado tendencialmente duradouro, porém sabemos como esta


resolutivas
termas
realidade se está a alterar, sendo que a lei introduz cada vez mais possibilidades de divórcio.
No entanto, ainda podemos dizer que o casamento é tendencialmente perpétuo em dois
sentidos:

1. Enquanto não houver nem acordo dos cônjuges no sentido do divórcio, nem um
pedido fundamentado numa razão objetiva por parte de um deles (não existe entre
nós o divórcio por pedido), o casamento dura.
2. impossibilidade de aposição de prazo – nos negócios patrimoniais pode-se apor uma
condição ou termo, mas não no casamento contratos
duradouros

=/ dos
não
aqui comer ,

B. Promessa de casamento
" "

contrato
se
pode denunciar o

justificativa
sem .

✓divórcio sem acordo


e divórcio por acorda

1. Regime
Nos termos do art. 1591.º do CC, o contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou
qualquer outro, duas pessoas se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a
celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras indemnizações
que não sejam as previstas no art. 1594.º, mesmo quando resultantes de cláusula penal.

A especialidade da promessa de casamento está nisto apenas: o contraente que não


cumpre a promessa de casamento90 não responde pela totalidade dos prejuízos causados,
nos termos gerais do direito dos contratos, ou pela cláusula penal convencionada: responde só
por certas despesas, sem que as partes possam estipular cláusula penal de montante superior.

Ainda que a promessa de casamento fosse plenamente eficaz (tão eficaz como qualquer
outra promessa de contratar), nunca dela resultaria uma obrigação de casar cujo
cumprimento fosse exigível judicialmente, devido à natureza pessoal que reveste,
patentemente, a obrigação de casar.

A lei estabeleceu este regime porque o consentimento para o matrimónio seria menos livre
— ou a lei receou que o fosse — se a promessa de casamento fosse plenamente eficaz, como
os outros contratos-promessa. Claro que os outros contratos-promessa têm inconveniente
semelhante e a lei admite-os em geral. Se em relação à generalidade dos contratos, porém, tal
limitação da liberdade não repugna ao sistema jurídico, já em matéria de casamento a lei tem
especial empenho em que o consentimento dos nubentes seja livre, tanto quanto possível, até
ao momento da celebração do casamento. Matrimonia libera esse debent. E a tal ponto que
vale mais — segundo a lei — assegurar o consentimento livre e espontâneo dos nubentes do
que impor-lhes até ao fim o rígido princípio do respeito pela palavra dada. Pode dizer -se que é
este o fundamento ou a explicação prática da doutrina do art. 1591.º

28
Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

2. Natureza Jurídica
Mas cumpre agora dar-lhe também uma explicação teórica, construindo as soluções da
lei e definindo, ainda que em termos sumários, a natureza jurídica da promessa de casamento.

O Código de 1966 limitou-se a dispor que o contrato não dá direito a reclamar, na falta de
cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no art. 1594.º, pelo que
podemos apontar que os efeitos previstos nos arts. 1591.º -1595.º são efeitos da promessa como
verdadeiro negócio jurídico válido.

Se fossem nulas as obrigações resultantes da promessa, nulas seriam também (e por que
razão haviam de sê-lo?) as garantias constituídas à sua segurança. E também a cláusula penal
convencionada seria nula, por ser nula a obrigação principal (art. 810.º, n.º 2); não se vê,
porém, porque não há de admitir-se uma cláusula penal que não exceda o montante das
despesas autorizadas e indemnizáveis.

Pode discutir -se se a capacidade requerida para os esponsais será a mesma que se exige
para o matrimónio (como nos parece mais razoável) ou se será a que é necessária, em geral,
para os negócios jurídicos.

Por outro lado, e em conformidade com a conceção aludida, a responsabilidade em que


incorra o nubente que se retrate ou dê justo motivo à retratação do outro, embora circunscrita
nos limites do art. 1594.º, não deverá ter -se como responsabilidade extracontratual ou pré -
contratual mas como responsabilidade contratual, para todos os efeitos em que essa
qualificação assuma relevância jurídica.

3. Efeitos
1. Do contrato-promessa de casamento resultam duas obrigações de casar; porém, como já
vimos, não dá direito a exigir judicialmente a celebração do casamento.
2. A especificidade do regime deste contrato face ao regime geral do contrato-promessa está
no facto de, havendo incumprimento do contrato, a promitente vítima de incumprimento só
pode exigir certas indemnizações, circunscritas a certas obrigações e despesas, e não uma
indemnização correspondente à totalidade dos danos.
a) O limite é estabelecido no art. 1594.º: se um dos promitentes incumprir o contrato sem
motivo justificado (ou seja, de acordo com padrões do "noivo médio"), o outro
promitente só pode exigir indemnização quer das despesas feitas, quer das obrigações
contraídas na previsão do casamento. Daí ser uma indemnização limitada. Pode pedir
a indemnização quem tenha feito as despesas, seja o noivo, os pais ou terceiros.
b) A indemnização é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, isto é, a indemnização
pode ser inferior aquele limite. Deve atender-se, no cálculo, apenas às despesas e
obrigações que sejam razoáveis, e às vantagens que as despesas ainda possam
proporcionar (ex: a compra de um carro não é um dano).
c) Não haverá lugar, logicamente, a uma indemnização por responsabilidade extracontratual.
3. Rompendo-se o noivado, haja ou não justo motivo, em regra a lei determina que cada um
dos esposados é obrigado a restituir os donativos que o outro ou terceiro tenha recebido em
virtude na expectativa do casamento, art. 1592.º. Para o caso de morte de um dos noivos, a
lei estabelece um regime especial no art. 1593.º: o sobrevivo pode pedir os donativos de
volta aos herdeiros ou reter os donativos do falecido (duas alternativas); e ainda reter nas
suas mãos todas as cartas e retratos pessoais. Apesar de a lei utilizar a expressão
“ineficácia”, a obrigação de restituição justifica-se pela anulabilidade ou nulidade do
negócio jurídico, nos termos do art. 289.º.
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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

C. Requisitos de fundo do casamento civil


1. Requisitos relativos ao consentimento
Em matéria de casamento, não vigora a regra do regime geral dos negócios segundo o
qual, quando o negócio violar uma regra imperativa, a solução é a sua nulidade se a lei nada
disser. No casamento, só há as invalidades que estão taxativamente previstas na lei – art. 1627.º.

a) Consentimento “pessoal”
Em regra, a declaração de casar deve ser prestada pessoalmente, pelo próprio nubente,
vontade de \
no ato da celebração. Esta é uma das principais manifestações do casamento enquanto
contrair
negócio pessoal (art. 1619.º). A nossa lei prevê, porém, a possibilidade (rara) de o casamento
casamento ser realizado por procuração, arts. 1620.º e 1621.º do CC e arts. 43.º e 44.º Código de Registo
é especial -
Civil (devido ao facto de Portugal ser um país com uma elevada emigração).
mas
logo na
mente peseoal Esta procuração é, todavia, uma procuração muito especial: artigo seguinte se

tem essa
possibilidade
1. Requisitos materiais: a lei só admite no art. 1620.º que um dos nubentes se faça
representar (n.º 1), e não os dois; e esta procuração é uma procuração para casar
(isto é, é específica e não genérica), devendo constar a indicação expressa do
outro nubente e da modalidade.
2. Requisitos formais: a procuração deve ser outorgada por documento escrito
assinado pelo representado, com reconhecimento presencial da assinatura, por
documento autenticado ou por instrumento público.
3. Art. 1626.º/d): o casamento por procuração é inexistente nas situações previstas.
4. Cessam todos os efeitos da procuração com a sua revogação. A revogação da
procuração é não recetícia, ou seja, produz efeitos logo que é emitida, art.
1621.º/2.

Discute-se na doutrina se esta procuração, por ser tão especial, é verdadeiramente uma
procuração. Normalmente os representantes, apesar de representarem uma pessoa, têm
alguma autonomia, distinguindo-se assim do núncio: neste caso, parece que o procurador é
meramente um núncio, que se limita a proferir a declaração (não se admite, por exemplo, a
procuração para casar com pessoa indeterminada). Pereira Coelho entende que, apesar
de a autonomia da procuração ser muito limitada, apesar de tudo guarda alguma liberdade –
se o procurador descobrir no noivo uma característica que julga que o outro nubente
desconhece, o procurador deverá ter autonomia para se recusar a casar (salvo se o contrário
resultar do acordo entre eles). Assim, a qualificação mais correta do procurador será antes a
de representante, ainda que com escassíssimos poderes.

b) Consentimento “puro e simples”


O casamento é um negócio incondicionável e inaprazável. Se forem apostas cláusulas
condicionais ou de termo (ou ainda se se subordinar os efeitos do casamento à preexistência
de algum facto), o art. 1618.º/2 diz que se consideram não escritas essas cláusulas, ou seja, o
casamento continua a valer sem essas cláusulas.

Esta é uma solução discutível: por exemplo, se se apuser uma condição de o noivo
receber uma herança, este é um casamento não querido, logo a solução da lei valida um
casamento não querido. Isto vai contra as regras gerais da condição, segundo a qual a
condição nula invalida o negócio (art. 271.º). Há razões, como a dignidade e a estabilidade do
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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

matrimónio, que são invocadas a favor deste regime, no entanto Pereira Coelho entende
que estas não são suficientes.

c) Consentimento “perfeito”
O consentimento deve ser perfeito, não apenas no sentido de que devem ser
concordantes as duas declarações de vontade, mas também, e sobretudo, no sentido de que
não devem ocorrer divergências entre a vontade e a declaração – algo que a lei presume no
art. 1634.º.

Havendo uma divergência entre a vontade No casamento, não se passa bem assim: se
e a declaração, no regime geral, temos dois um dos nubentes se engana, terá interesse
interesses conflituantes: o interesse do em invalidar o casamento; mas não há o
declarante que emitiu a declaração interesse do declaratário na manutenção.
divergente na invalidação do negócio; e o -
No entanto, há um interesse no mesmo
interesse do declaratário que confiou na sentido deste, o interesse social na
manutenção da validade do negócio. estabilidade do casamento.

Quais são as divergências entre a vontade e a declaração que a lei prevê no casamento?
Estas vêm taxativamente previstas no art. 1635.º, dando origem à anulabilidade do casamento:

1. Incapacidade acidental: falta de vontade de ação e de consciência da declaração


(isto constitui um desvio à regra do art. 246.º, nos termos do qual a declaração não
produz qualquer efeito).
2. Erro de declaração: o nubente está em erro relativamente à identidade física do
nubente (é o único erro na declaração sancionado).
3. Coação física
4. Simulação

A anulação da simulação pode ser requerida


nos restantes casos, só pode ser requerida pelo
pelos próprios cônjuges e por quaisquer pessoas
cônjuge cuja vontade faltou (art. 1640.º/2).
prejudicadas pelo casamento (art. 1640.º/1)
O art. 1644.º estabelece o prazo de 3 anos subsequentes à celebração do casamento.

d) Consentimento “livre”
Por último, o consentimento tem de ser livre, o que a lei presume igualmente no art. 1634.º.
Para que tal aconteça, não pode ocorrer nenhum vício da vontade. Quais são os vícios da
vontade sancionados no casamento?

1. Art. 1636.º: prevê o erro-vício. O único erro-vício que conta é o erro sobre o
declaratário, e sobre certas características deste: as qualidades essenciais do cônjuge,
de acordo com a sensibilidade do nubente médio. O erro tem ainda de ser:
a) Próprio, ou seja, não pode recair sobre qualquer requisito legal da existência ou
validade do casamento;
b) Desculpável – este é um requisito que não se exige no regime geral.
c) Essencial, ou seja, incidente sobre uma circunstância que tenha sido determinante
e decisiva na formação da vontade, de tal maneira que se mostre que sem ele o
casamento não teria sido celebrado. Esta essencialidade é, ao contrário do que
sucede no regime geral, não apenas subjetiva, mas também objetiva
(“razoavelmente”).

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

2. Art. 1638.º/1: prevê a coação moral. A lei estabelece dois requisitos para a sua
relevância (que equivalem aos requisitos que a lei impõe, em geral, para a coação de
terceiro, art. 256.º):
a) O mal de que for ameaçado seja grave;
b) Seja justificado o receio da consumação da ameaça.

O art. 1638.º/2 prevê ainda o estado de necessidade.

E o dolo? É um erro induzido, logo se não está especificamente previsto significa que não
tem relevância especial, sendo tratado como um erro: vale nos termos do art. 1636.º. No
regime geral, distingue-se erro e dolo porque neste último não há qualquer interesse do
declaratário a proteger; ora, como vimos, no casamento não se justifica proteger qualquer
confiança do declaratário.

Regime da anulabilidade
1. O casamento é anulável, nos termos do art. 1631.º/b).
2. A ação de anulação só pode ser intentada pelo cônjuge enganado ou
coato, dentro dos seis meses subsequentes à cessação do vício (art.
1645.º), mas pode ser prosseguida nos termos do art. 1641.º.

2. Requisitos relativos à capacidade


a) Generalidades
→ Por um lado, por ser um negócio especial, há certas incapacidades para casar que
não estão previstas nas incapacidades gerais, como os impedimentos relativos.
Mas, por outro lado, a lei quer favorecer o casamento: assim, pode haver
incapacidades gerais que não se justificam no casamento. Por exemplo, os interditos
por surdez-mudez ou cegueira têm plena capacidade para casar, precisamente porque os
interesses resultantes do casamento não colidem com os défices resultantes da sua
condição.
→ No regime civil do casamento, a sanção-regra é a anulabilidade (havendo
também casos de inexistência), logo é esta a consequência da celebração do
casamento sem capacidade. Mas, em certos casos, as consequências da
anulabilidade são tão graves que se aproximam da nulidade, designadamente
quanto às pessoas que a podem arguir.
→ A lei tem um tão elevado interesse em saber se os nubentes têm capacidade que
antes de o casamento se celebrar organiza um processo destinado a averiguar a
capacidade: é o processo preliminar do casamento.
→ A apreciação dos impedimentos reporta-se ao momento da celebração do
casamento, não sendo invocáveis circunstâncias supervenientes.

As incapacidades para casar são tradicionalmente designadas por impedimentos


matrimoniais; estes não são propriamente incapacidades, reportando-se antes às causas das
incapacidades. Dentro dos impedimentos matrimoniais, há várias distinções que se costumam fazer:

Impedimentos dirimentes Impedimentos impedientes


não levam à invalidade do casamento. significa que o conservador
uma vez verificados, levam à invalidade do do registo civil deve recusar-se a celebrar o casamento; no entanto,
casamento. Ex: o casamento de um indivíduo se for celebrado, o casamento mantém-se.
com idade inferior a 16 anos. Ex: o casamento de um indivíduo com idade de 16 ou 17 anos, sem
autorização dos pais ou do tutor.

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

impedimentos absolutos impedimentos relativos


referem-se à ausência de qualidades em si
mesmas do nubente, isto é, o nubente sofre referem-se à relação entre os dois nubentes, e é nessa relação que
de uma qualquer incapacidade para casar está a incapacidade. Ex: os nubentes são irmãos
Ex: a menoridade
Impedimentos dispensáveis e não dispensáveis
Há impedimentos que podem ser dispensados a requerimento dos sujeitos pelo conservador, havendo razões
ponderosas que justifiquem o casamento. Aplica-se apenas ao art. 1609.º/1

b) Impedimentos dirimentes
1) Falta de idade nupcial, art. 1601.º/a): o casamento é anulável se algum dos nubentes não
tenha atingido ainda a idade nupcial, ou seja, aquela idade mínima que indicia suficiente
maturidade física e psíquica e que a lei exige para que se possa celebrar casamento válido.
• Este é um impedimento absoluto.
• 16 anos é, entre nós, a idade nupcial.
• Antes da Reforma de 1977, havia uma diferenciação da idade núbil devida a uma
discriminação de base em relação à mulher, cuja idade nupcial era de 14 anos, tendo
sido eliminada.
• Quanto ao regime:
o A legitimidade está prevista nos arts. 1639.º e 1643.º
o O prazo está previsto no art. 1643.º/a)
o A anulabilidade considera-se sanada, convalidando-se o casamento desde a
data de celebração, se antes de transitar em julgado a sentença o menor
confirmar o casamento (art. 1633.º/1/a)).
2) Demência notória e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, art. 1601.º/b):
• Dado o casamento ser um negócio pessoal, envolvendo interesses pessoais, só os
interditos por anomalia psíquica, que não estão em condições de o celebrar, é que
são incapazes de casar, não os outros.
• A "demência notória" tem aqui um significado diferente da que é usada na
incapacidade acidental – para efeitos do art. 257.º, a demência é notória quando o
homem médio está em condições de a conhecer. Como sabemos, a perspetiva e a
confiança do declaratário não interessa para o casamento, pelo que a demência
notória aqui significa apenas uma demência grave do ponto de vista clínico.
• Pela mesma ordem de razões, mesmo que o indivíduo que sofra de demência notória
tenha casado num intervalo lúcido, tal não é relevante. Também sabemos que
apenas releva a demência anterior ao casamento.
• A demência é aqui um estado permanente ou habitual, não se abrangendo aqui os casos
de demência acidental – nestes casos, o casamento é anulável por falta de vontade.
• Nas Lições, diz-se que outra razão que estaria por trás deste impedimento, para além
da incapacidade natural de assumir os efeitos do casamento, seria a de evitar que se
constituíssem "famílias menos sãs". Esta é uma ideia algo ultrapassada, de depuração
da raça.
• Regime:
o Legitimidade: art. 1639.º/1 e 2
o Prazos: art. 1643.º/a)
o Convalidação: art. 1633.º/1/b)

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3) Vínculo matrimonial anterior não dissolvido, católico ou civil, art. 1601.º/c):


• Este impedimento explica-se por o casamento ter precisamente a característica de
exclusividade, evitando a bigamia.
• Os casamentos católicos, para terem eficácia civil, têm de ser transcritos no registo
civil. Assim, "ainda que o respetivo assento não tenha sido lavrado no registo do
estado civil", o casamento anterior constitui impedimento.
• Pode acontecer que uma pessoa seja casada, e o casamento não tenha sido
registado, e possa casar novamente: quando os cônjuges pretendam casar
novamente um com o outro. Esta questão pode revestir interesse, tratando-se
designadamente de casamento celebrado no estrangeiro e em que seja difícil e
demorado obter os documentos necessários à transcrição – nestes casos, o novo
casamento pode ser um expediente prático, estando excluída a bigamia que este
impedimento pretende evitar.
• Se o casamento anterior estiver dissolvido, não há razões que impeçam o casamento.
Mas há aqui uma hipótese especial, de uma pessoa ser casada mas entretanto o seu
cônjuge desaparece: a morte presumida dissolve o casamento para este efeito? A
regra do art. 115.º é a de que a morte presumida não dissolve o casamento (civil ou
católico) porém o art. 116.º estabelece um regime mais temperado – o cônjuge do
ausente pode contrair novo casamento, considerando-se o casamento anterior...
o dissolvido por morte, se o cônjuge desaparecido não regressar - a lei não o diz
expressamente.
o Dissolvido por divórcio, no caso de o cônjuge desaparecido regressar.
4) Parentesco e afinidade, art. 1602.º, al. a), b) e c):
• O parentesco em linha reta, o parentesco em 2º grau na linha colateral (irmãos) e a afinidade
na linha reta são os únicos vínculos familiares que constituem impedimentos dirimentes;
todavia, deve entender-se que o impedimento de parentesco também compreende, no
caso de adoção plena, as relações: entre o adotante e adotado e as relações entre os
descendentes do adotado e o adotante ou entre os ascendentes do adotante e o adotado;
e ainda as relações entre o adotado e outros filhos do adotante (art. 1986.º)
• Estão em causa os valores da proibição do incesto, e ainda razões de moral familiar,
para além do respeito pelas convenções sociais.
• Os impedimentos de parentesco e afinidade valem mesmo que a maternidade ou
paternidade não se encontrem estabelecidas, art. 1603.º, admitindo a lei que a
respetiva prova se faça no processo de impedimento ou na ação de declaração de
nulidade ou anulação do casamento. Todavia, esta prova só vale para efeitos de
impedimento e não para efeitos de estabelecimento de filiação.
5) Condenação anterior de um dos nubentes pelo homicídio do anterior cônjuge da
pessoa com quem quer casar, art. 1602.º, al. d), ainda que não tenha sido praticado com
o dolo específico de libertar o cônjuge para casar.

c) Impedimentos impedientes
São circunstâncias que apenas impedem o casamento, mas não o tornam anulável se ele
chegar a celebrar-se. São simples proibições legais de contrair casamento, sob pena de
sanções distintas da anulabilidade e menos severas.

1) Falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do menor, art. 1604.º/a):
• O menor a partir dos 16 anos passa ter capacidade de gozo para casar, atingiu idade núbia,
mas sendo ainda menor, necessita de autorização dos pais ou de tutor. Esta autorização
pode ser dada antes da realização do casamento, ou no próprio ato de celebração.

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• A lei, no próprio artigo 1604.º al. a), fala também na possibilidade de a falta de autorização
ser suprida pelo conservador do registo civil. O Código de Registo Civil (art. 255.º e segs.)
acrescenta em que condições é que o conservador do registo civil pode suprir as
autorizações que os pais não quiseram dar:
o Quando o menor, apesar de o ser, já revele maturidade física e psíquica;
o Por outro lado, têm de existir razões ponderosas que justifiquem o casamento –
PEREIRA COELHO não compreende bem esta condição, sendo que apesar
de a lei a mencionar, à luz das ideias que dominam o direito nos dias de hoje,
não consegue descortinar onde se quer chegar (antigamente talvez uma
gravidez motivaria o casamento, preocupações que nos dias de hoje não
existem).
• Sendo conhecido este impedimento impediente, e não suprida a autorização pelo
conservador do registo civil, isso impede a celebração do casamento. Mas se o casamento
apesar disso se celebrar, mantém-se válido, embora a lei determine que se apliquem certas
sanções – artigo 1649.º CC. O menor não fica plenamente emancipado, continuando a ser
considerado menor quanto:
o À administração dos bens que levou para o casamento e os bens que
posteriormente lhe advenham por título gratuito até à maioridade (herança,
doação), que cabe aos pais, tutor ou administrador legal.
o Porém, dos rendimentos desses bens serão arbitrados ao menos os alimentos
necessário ao seu estado.
2) Prazo internupcial, art. 1605.º: se houve um casamento, e este casamento anterior foi
dissolvido, a lei exige um prazo até a pessoa poder casar de novo. Nos termos do n.º1, este prazo
é de 180 ou 300 dias conforme se trate de homem ou mulher.
• Porque é que a lei impõe o prazo internegocial? Duas ordens de razões:
o No caso de morte há sempre um tempo de luto, e o nosso Código, movimentando-se
ainda dentro de certas linhas ideológicas, exige este tem pus lugendi. Este tempo de
luto apenas existe no caso de dissolução por morte; no caso de divórcio, embora não
haja luto, há razões de decoro social que fazem impor o prazo.
o A segunda razão é específica da mulher e justifica a diferença de tratamento
acima mencionada: para evitar problemas de apuramento da paternidade
(turba Tio sanguinis), e as dificuldades que daí advêm, a lei impõe um prazo
maior para a mulher. Porquê o prazo de 300 dias? Por força da presunção do
art. 1826.º: se fosse possível um segundo casamento imediatamente a seguir ao
primeiro e nascesse um filho nos 300 dias subsequentes à dissolução, este filho
seria havido como filho do primeiro marido por ter sido concebido durante o
primeiro casamento (por força do período legal de conceção, art. 1798.º), e do
segundo marido (por ter nascido na constância do segundo casamento). É
certo que o art. 1834.º resolve os conflitos de presunções de paternidade, mas
há interesse em evitar que o conflito surja.
• A regra geral do prazo comporta três exceções:
o Art. 1605.º/2, 1ª parte: se a única razão que justifica a existência de um prazo
superior para a mulher é evitar uma dupla presunção de paternidade, essa
razão deixa de estar presente se a mulher provar que não está grávida ou que
tiver tido algum filho entretanto. Apesar de o artigo mencionar «declaração
judicial de que não está grávida», isto já não é assim– o DL n.º276/2001 alterou
isto, sendo que a competência para atestar que a mulher não está grávida para
a ser das conservatórias do registo civil, mediante atestado médico apresentado
pela interessada, ou então munida da prova de que teve uma criança no
período intermédio. Assim, o prazo a aplicar à mulher é de 180 dias.
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o Art. 1605.º/2, 2ª parte: se os cônjuges estavam separados judicialmente de


pessoas e bens e o casamento se dissolveu por morte do marido, pode a
mulher celebrar segundo casamento decorridos 10 dias, se da mesma maneira
fizer prova ou tiver tido algum filho.
o Art. 1605.º/4 e 5: nos casos em que a coabitação já cessara entre os cônjuges
quando o casamento se dissolveu, não se exige qualquer prazo, uma vez que não
se coloca nem a razão de decoro social, nem a de turba tio sanguinis.
• A partir de que data se conta o prazo internupcial? Art. 1605.º/3: depende do modo de
extinção da relação matrimonial anterior:
o Morte: o prazo conta-se a partir da data do óbito
o Divórcio: se a sentença tiver fixado a data em que cessou a coabitação dos
cônjuges, conta-se a partir desta data; senão, conta-se a partir da data do
trânsito em julgado da sentença.
• Qual a sanção estabelecida para a celebração de casamento quando se verifique este
impedimento? O cônjuge perde todos os bens que haja recebido em testamento do seu
primeiro cônjuge, art. 1650.º n.º1.
3) Parentesco entre tio e sobrinhos, art. 1604.º/c): este requisito pode ser dispensado a
requerimento dos interessados. Não sendo dispensado, é um impedimento impediente, ou seja,
impede a realização do casamento, mas a realizar-se, mantém-se válido. Também aqui há
sanções: segundo o art. 1650.º, o tio/tia ficam incapazes para receber do seu consorte quaisquer
benefícios por doação ou testamento.
4) Adoção restrita, art. 1604.º/e) e 1607.º: na adoção restrita o adotado não é totalmente
integrado na família adotante (o adotado não é considerado filho como na adoção plena). É
suscetível de dispensa; não sendo dispensado, o casamento mantém-se. A sanção aplicável é
igualmente a do art. 1650.º/2.
5) Vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens, art. 1604.º/d) e 1608.º: este
vínculo é impedimento enquanto não tiver decorrido um ano sobre o termo da incapacidade e
não estiverem aprovadas as respetivas contas. A lei quis assim evitar que o tutor, curador ou
administrador se exima da obrigação de prestar contas; e ainda que o consentimento do incapaz
não seja totalmente livre, por aquele ter ainda uma grande influência sobre este (daí o prazo de 1
ano). Se não for dispensado, e se realizar na mesma, temos as mesmas sanções acima previstas –
art. 1650.º n.º 2.
6) Pronúncia por homicídio: enquanto não houver condenação da pessoa que matou o cônjuge
da pessoa que agora se quer casar com o homicida (impedimento dirimente a este casamento),
a lei estabelece um impedimento impediente.

D. Requisitos de forma
O casamento é um negócio formalíssimo, uma vez que a lei exige que os nubentes
realizem um verdadeiro ritual de casamento. As razões em geral da forma não explicam a
particular natureza que reveste a forma de cerimónia (e não documento escrito) exigida para
o ato matrimonial, pelo que existem razões específicas que para tal concorrem:

A cerimónia civil terá querido imitar a cerimónia religiosa, até porque o casamento
civil é posterior ao católico;
O casamento envolve seriedade dos vínculos que os nubentes estabelecem um
com o outro, querendo a lei vincar no seu ânimo, através da forma, essa seriedade
e importância do ato do casamento.

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1. A forma “comum”
a) Processo preliminar do casamento
Antes de o casamento se realizar, há formalidades a observar, que formam o processo preliminar,
para o qual tem competência qualquer conservatória do registo civil (art. 134.º CodRegCiv). Este
processo não é tão complexo como já foi; havia uma preocupação de publicidade extrema que já
não existe, garantindo-se a publicidade mediante a possibilidade de qualquer pessoa interessada
poder dirigir -se à conservatória e pedir uma cópia da declaração para casamento.

Tramitação:
1. A primeira peça do processo é a declaração, prevista no art. 135.º.
2. Nos termos do art. 143.º, compete ao conservador verificar a identidade e
capacidade patrimonial dos nubentes.
3. Feitas todas as diligências, deve o conservador, no prazo de um dia a contar da
última diligência efetuada, proferir despacho a autorizar os nubentes a celebrar
casamento ou a mandar arquivar o processo, art. 144.º/1.

Podem verificar-se certos “incidentes” do processo:

→ Se os cônjuges manifestarem a intenção de celebrar casamento católico ou casamento civil sob


forma religiosa, na declaração inicial ou posteriormente, deve o conservador emitir um certificado
autorizando o casamento após o despacho, remetendo-o ao pároco competente (art. 146.º/1 e 2).
→ Pode tornar-se necessário obter dispensa dos impedimentos impedientes, estando o
processo de dispensa regulado nos arts. 252.º a 254.º.
→ O mais importante incidente é, porém, a denúncia de impedimentos: a existência de impedimento
pode ser declarada por qualquer pessoa até ao momento da celebração, sendo esta obrigatória
para o Ministério Público ou para os funcionários do registo civil (este processo foi essencialmente
previsto para pessoas já separadas, mas que, não podendo divorciar-se, continuavam ainda
casadas e queriam casar novamente). Este processo está regulado nos arts. 245.º a 252.º.

b) Celebração do casamento
se o despacho final for favorável, o casamento deverá celebrar-se nos seis meses seguintes
– art. 1614.º CC e 145.º/1 CRCiv. A cerimónia de celebração está regulada no art. 155.º.

c) Registo
Ideias gerais sobre o registo civil:
→ Quando a lei sujeita a registo civil certos factos, a única prova admitida desses factos é a
certidão extraída dos registo (art. 2.º).
→ O registo constitui prova plena dos factos sujeitos a registo (art. 371.º), isto é, uma vez
registado um facto e uma vez plenamente provado através do registo, essa prova só pode
ser afastada se se provar o contrário mediante ação judicial própria. Constitui, portanto,
uma prova fortíssima.
→ As modalidades do registo são as mencionadas nos arts. 50.º e 51.º: o registo civil dos factos
é lavrado por meio de assento ou averbamento, podendo os assentos ser lavrados por
inscrição ou transcrição.
→ Depois de lavrados os assentos, nenhuma alteração pode ser introduzida ao texto (art.
61.º/1), o que não exclui a possibilidade de retificação (arts. 92.º e segs.).

Estes princípios gerais aplicam-se ao casamento, como facto sujeito a registo – art. 1.º/1/d).

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Notas quanto ao registo do casamento:


→ O registo é a única prova legalmente admitida do casamento, o qual, enquanto não for
registado, não pode ser invocado.
→ Há duas formas de registo do casamento:
a) Registo por inscrição: os dados do casamento são inscritos pelo conservador
diretamente nos seus livros de registo (é a forma normal).
b) Registo por transcrição: este tem lugar quando já existe um outro registo, que é o que
acontece no casamento católico, em que o padre na sua paróquia faz o registo, e
depois envia uma cópia desse assento paroquial e o conservador transcreve.
→ O assento é lavrado imediatamente a seguir à celebração do casamento (art. 180.º). 4. Quais
os efeitos do registo? O registo não é constitutivo, ou seja, não é requisito da validade do
casamento, constituindo antes uma formalidade probatória. Mas o casamento já existia, já
era eficaz, produzia efeitos. O Código Civil regula este aspeto no art. 1670.º.
• O artigo 1670.º fixa um princípio de retroatividade do registo: efetuado o registo, os
efeitos civis do casamento retroagem à data da celebração de casamento, tudo
se passando como se o registo tivesse sido efetuado logo após o casamento.
• Todavia, o artigo faz uma ressalva: ficam ressalvados os direitos de terceiro que
sejam compatíveis com os direitos e deveres de natureza pessoal dos cônjuges e
dos filhos – ex.: com a morte no período intermédio de um dos cônjuges, não
podendo ser provado o casamento, os herdeiros seriam não havendo pais, os
irmãos do cônjuge falecido. Estão aqui em causa apenas direitos patrimoniais,
visando tutelar as expectativas de terceiros que tivessem contratado com os
cônjuges sobre a base, em que confiaram, de o casamento não existir.
• Mas mesmo quanto a estes direitos de terceiros a lei diz que, se se tratar do tal
registo por transcrição, há eficácia retroativa plena, caso a transcrição se faça nos
sete dias subsequentes à data de celebração do casamento.

2. Formas especiais
a) Casamento urgente
Está previsto nos arts. 1622.º, 1623.º e 1624.º CC.

Em que condições se pode usar esta forma?


1. Na iminência de morte de um dos nubentes, em que não há tempo para todas as
formalidades acima mencionadas;
2. Iminência de parto: além de convenções sociais um pouco ultrapassadas, há aqui uma razão
jurídica prática objetiva, relacionada com a presunção de paternidade do marido da mãe.

Como se faz este casamento?


1. As formalidades preliminares reconduzem-se a uma proclamação oral ou escrita,
feita à porta de casa onde se encontram os nubentes, pelo funcionário do registo ou
outra pessoa, de que se vai celebrar o casamento – art. 156.º/a).
2. A alínea b) dispõe sobre a celebração, que exige uma declaração expressa do
consentimento dos nubentes perante quatro testemunhas.

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3. Nos termos da alínea c), é redigida uma ata do casamento, assinada por todos os intervenientes.
a) Se tiver havido processo preliminar, o despacho final do conservador é
proferido no prazo de 3 dias (art. 159.º/2).
b) Se não tiver havido processo preliminar, o conservador organiza este processo,
arts. 134.º e segs. Se verificar a existência de impedimentos dirimentes, não
deve homologar o casamento urgente, e o casamento é inexistente; se não
verificar a existência de impedimentos homologa o casamento, e este torna-se
um casamento igual aos outros, com a diferença que neste caso a lei impõe
imperativamente que o regime de bens seja de separação de bens (1720.º).
4. O registo aqui é feito por transcrição, na medida em que o conservador se limita a
transcrever a mencionada ata feita no momento do casamento (este é mais um
caso de registo por transcrição).

d) Casamentos civis sob forma religiosa


Esta forma especial vale para as outras religiões que não a católica, e que se consideram
radicas em Portugal.

Notas:

1. Existe à mesma um processo preliminar na qual se averigua a capacidade para casar;


2. As formalidades do casamento serão as religiosas;
3. O registo é feito por transcrição, ou seja, o conservador transcreve o documento
proveniente da religião.

E. Invalidade do Casamento. Casamento


Putativo
1. Generalidades: especialidades do regime de
invalidade
A consequência que a lei estabelece para a não verificação dos requisitos do casamento
é a invalidade, tirando obviamente aqueles requisitos cuja omissão não leva à invalidade (os
impedimentos impedientes).

Há duas grandes diferenças entre o regime geral das invalidades do negócio jurídico e o
regime especial do casamento:

1) Em matéria de negócio jurídico, não está prevista explicitamente uma sanção da


inexistência. Todavia, os autores interpretam certas expressões usadas em certos artigos
como não querendo a lei que o negócio produza qualquer efeito, nem mesmo os
poucos previstos para a nulidade. Assim, surgiu a categoria doutrinal da inexistência,
mais drástica que a própria nulidade. No casamento, está prevista expressamente a
categoria da inexistência para vícios mais graves.
2) No regime geral, as duas sanções previstas (invalidades típicas) são a anulabilidade e a
nulidade. No casamento, apenas estão previstas a anulabilidade e a inexistência. É
certo que há artigos no Código Civil que falam do "casamento nulo", mas isto porque a
nulidade é uma sanção casamentos católicos (e apenas destes).

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2. Inexistência: casos, regime e efeitos


Quais as razões que fundamentam a previsão da inexistência?
1. A inexistência está prevista para vícios muito graves.
2. Enquanto que o casamento anulável pode ainda produzir efeitos (casamento putativo),
já o casamento inexistente carece de qualquer efeito.

Casos em que está prevista

Regulados no art. 1628.º:

• Casamentos celebrados por quem não tenha competência funcional para o ato,
alíneas a) e b)
• Casamentos em que falte a declaração de vontade dos nubentes, alíneas c) e d)

Anteriormente havia uma alínea e) que previa como inexistente o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, mas foi entretanto revogada.

Qual o regime da inexistência?


→ O casamento inexistente não produz efeitos, nem mesmo putativos – art. 1630.º/1.
→ Pode ser invocado a todo o tempo, por qualquer pessoa, e independentemente de
declaração judicial art. 1630.º/2. Assim, ao contrário da anulabilidade (art. 1632.º), a
inexistência pode ser reconhecida por sentença em ação não especificamente
intentada para esse fim, pode ser invocada por via de exceção e declarada
oficiosamente pelo tribunal.

3. Anulabilidade: casos, regime e efeitos


Os casos de anulabilidade correspondem à omissão de todos aqueles requisitos, quer de
fundo, quer de forma (com a exceção dos impedimentos impedientes). As causas de
anulabilidade estão previstas no art. 1631.º:

• Alínea a): existência de impedimento dirimente.


• Alínea b): casamento celebrado com divergência entre a vontade e a declaração
ou vício de vontade (erro sobre as qualidades essenciais do outro cônjuge).
• Alínea c): omissão de um requisito de forma, considerado menos grave, que é a
celebração sem a presença de testemunhas quando tal seja exigido por lei.

Regime da anulabilidade
→ Não opera ipso iure, não sendo invocável para quaisquer efeitos, judiciais ou
extrajudiciais, enquanto não for reconhecida por sentença em ação especialmente
intentada para esse fim (art. 1632.º);
→ Só pode ser proposta por certas pessoas, arts. 1639.º a 1642.º, e dentro de certos prazos,
arts. 1643.º a 1646.º
→ É sanável em certas hipóteses, art. 1633.º.

Acontece que as anulabilidades, ou seja, o regime das anulabilidades consoante as


causas, podem ser completamente diferentes umas das outras. Apesar de ser uma categoria
única, há muitas formas de anulabilidade.

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As Lições fazem uma tripartição das anulabilidades, consoante os interesses em causa.

surge quando esta é estabelecida não só no interesse do cônjuge, mas também no interesse
público. É o caso dos impedimentos dirimentes – há um interesse de ordem pública na proibição
de casar uma pessoa já casada. Assim, a lei estabelece um regime muito aberto, segundo o qual
podem invocar a anulabilidade um grupo muito vasto de pessoas, arts. 1639.º e segs., tendo
legitimidade também o Ministério Público. Há ainda uma distinção a fazer entre:
• Casos em que o motivo da anulabilidade é temporário: a lei admite que a anulabilidade seja
tipo
1.º

sanada e marca um curto prazo para a propositura da ação, ou não permite que a
anulabilidade seja requerida depois de o motivo ter cessado. É o que sucede com a falta de
idade nupcial, demência notória, interdição ou inabilitação por anomalia psíquica e
casamento anterior não dissolvido.
• Casos em que o motivo da anulabilidade é permanente: a lei não permite a sanação e pode
ser arguida em prazo muito mais longo. Inserem-se aqui os impedimentos de parentesco e
condenação por homicídio.
está em jogo apenas um interesse público. Cabe aqui um único caso, a celebração do
tipo
2.º

casamento sem a presença das testemunhas. Como só está em causa um interesse do Estado, de
ordem pública, apenas pode invocar a anulabilidade o Ministério Público (1640.º).
estabelece-se no interesse particular de um dos cônjuges. Estão aqui todos os casos de
divergências entre a vontade e a declaração ou de vícios da vontade. Neste sentido, só o
tipo
3.º

cônjuge protegido pode vir invocar a anulabilidade do casamento, com a exceção da simulação
– quando dois nubentes celebram casamento, visando enganar e prejudicar terceiros, a
anulabilidade pode ser também arguida pelos terceiros que os simuladores visaram enganar

4. O casamento putativo
a) Noção e fundamento geral
O instituto do casamento putativo permite a subsistência de certos efeitos – o casamento anulado
ou declarado nulo (no caso do católico) pode produzir efeitos putativos, como se fosse válido.

No regime geral do negócio jurídico, a declaração de nulidade e a anulação têm eficácia


retroativa – art. 289.º/1. No casamento, vigora a regra inversa: há eficácia prospetiva. Quer isto dizer
que todos os efeitos do casamento se mantêm enquanto não foi proferida a sentença de anulação.
Compreende-se que assim seja, pois caso contrário seriam destruídos efeitos que não faria sentido
destruir, chegando-se a resultados irrazoáveis. Assim, a regra geral, quanto aos efeitos do casamento
putativo, é a de que se mantêm para o futuro, até ao momento da declaração de nulidade ou
anulação, os efeitos do casamento até aí produzidos, mas não se produzem novos efeitos.

b) Pressupostos
Para se verificar a eficácia prospetiva, é necessário que se cumpram certos requisitos:

1. O casamento tem de ser existente, não se produzindo efeitos putativos no casamento


inexistente (art. 1630.º/1).
2. Tem de haver uma declaração de nulidade ou uma anulação, isto é, uma sentença (art. 1632.º).
3. A terceira condição, que acrescenta algo de novo, é que a lei só permite que os
efeitos produzidos se mantenham se pelo menos um dos nubentes estiver de boa fé. A
boa fé traduz-se no desconhecimento desculpável do vício que afeta o casamento
(sentido subjetivo), pelo que, se ambos os nubentes estiverem de má fé – como
sucede na simulação – não se produzem efeitos putativos. O art. 1648.º dá uma noção
de boa fé: note-se que não basta o desconhecimento, pois em casos como os da

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coação, é óbvio que a vítima conhece o vício. Daí a lei acrescentar que, em
alternativa à boa fé subjetiva, releva o facto de a declaração ter sido extorquida por
coação (boa fé objetiva). A lei presume a boa fé dos nubentes no n.º 3.

c) Efeitos
Resulta do art. 1647.º/2 que os únicos efeitos que se mantêm são os dos efeitos favoráveis
ao do cônjuge de boa fé. O instituto do casamento putativo também visa proteger terceiros,
pelo que a eficácia putativa se deve estender também em relação a eles. É preciso distinguir
três situações:

Em relação a terceiros Em relação aos cônjuges


Estando ambos os o casamento inválido produz todos os seus
mantêm-se todos os efeitos
cônjuges de boa fé efeitos
o cônjuge de boa fé pode opor efeitos só se mantêm os efeitos que lhe
favoráveis a terceiros, mas desde que a relação são favoráveis. Ex.: A casa com B,
com o terceiro se trate de "mero reflexo das tendo sido B coagido, e entretanto A
relações havidas entre os cônjuges" (art. morre. Mais tarde, o casamento é
Estando só um dos anulado. O cônjuge sobrevivo é
1647.º/2); pelo contrário, se se tratar de relações
herdeiro? Se a anulação tivesse
cônjuges de boa fé que se estabeleçam diretamente entre cada
eficácia retroativa plena, B não
um dos cônjuges e terceiros mas que estejam poderia ser herdeiro. B está de boa fé,
dependentes do estado pessoal de casado, o logo o efeito sucessório do casamento
casamento não produz quaisquer efeitos (por produz-se, por ser um efeito favorável
exemplo, doação para casamento feita por terceiro) ao cônjuge de boa fé.
Estando ambos os o casamento não tem eficácia
o casamento não produz efeitos
cônjuges de má fé putativa em relação a eles

Note-se que, nos efeitos em relação a filhos, não há que fazer esta distinção; estes
produzem-se sempre independentemente da boa fé.

F. Efeitos Pessoais do casamento


1. Princípios fundamentais (artigo 1671.º)
a) Igualdade dos cônjuges (n.º1)
É um dos princípios constitucionais do direito da família (art. 36.º/3) e um reflexo do princípio
geral do art. 13.º/2; foi introduzido com a Reforma de 1977, ferindo de inconstitucionalidade
todas as normas do Código que estabeleciam uma desigualdade entre marido e mulher.

b) Direção conjunta da família e correlativo dever de


estabelecer “acordos”
A direção da família pertence a ambos os cônjuges, ou seja, são estes que, de comum
acordo, decidem a direção da família. Este é um corolário do princípio anterior: se os cônjuges
são iguais, a direção da família deve pertencer aos dois. Notas:

→ Este é um preceito imperativo.


→ Está aqui implícito um dever de colaboração entre eles para chegar a comum acordo
nestas matérias, logo podemos falar num princípio de direção conjunta da família
associado a um dever dos cônjuges de chegar a comum acordo.

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→ Este princípio limita-se aos aspetos da vida em comum e não aos da vida privada de
cada um.
• Uma matéria que pertence à escolha pessoal de cada um é a profissão. O art.
1677.º-D, acrescentado pela Reforma de 77, afirma precisamente isto. Antes da
Constituição de 76, a mulher só poderia exercer certas profissões com
autorização do marido, salvo no exercício da função pública. Mas aqui há
deveres conjugais a respeitar, pois estão sempre presentes os limites do próprio
casamento. Assim, se um dos cônjuges escolher uma profissão "desonrosa" (ou
profissões demasiado arriscadas ou absorventes), tal poderá representar um não
cumprimento dos deveres conjugais.
→ Nas Lições discute-se a natureza jurídica dos acordos que os cônjuges estabelecem no
casamento: serão verdadeiros contratos? Seja qual for a sua natureza (há duas teses
principais, negócio jurídico ou consensus continuado) tem de se ter em conta dois
aspetos:
• em primeiro lugar, que não são suscetíveis de execução específica;
• em segundo lugar, podem ser denunciados unilateralmente por qualquer das partes.
→ Imaginemos que há uma matéria da vida comum e não se chega a acordo. Quid
juris?
• A lei não parece permitir ser o tribunal a decidir, pois só refere três casos em que
o tribunal é chamado a decidir uma disputa entre os cônjuges: nome a dar aos
filhos (art. 1875.º/2), residência da família (art. 1673.º/3) e questões de
responsabilidades parentais (art. 1901.º/2).
• Em relação a outras matérias que não estas, parece que não pode ser o tribunal
a decidir: todos os dias há desacordos, seria absurdo permitir aos cônjuges levá-
los aos tribunais para que sejam estes a decidir; e também há uma ideia lógica –
se chegaram a acordo quanto ao casamento, a lei espera que cheguem
naturalmente a acordo nestes aspetos.

2. Deveres pessoais dos cônjuges


a) Ideias gerais
A enumeração da lei não é taxativa; a doutrina fala de alguns direitos que não estão
expressamente previsto na lei, como o dever de sinceridade e informação (apesar de, como
defende PEREIRA COELHO , estes deveres se poderem reconduzir ao dever de respeito).

Estes serão deveres imperativos, que se impõem aos cônjuges, não podendo ser afastados
por estipulação em contrário (por ex., em convenção antenupcial). Mas também é verdade
que, dada a sua natureza, estes podem sempre ser executados de forma flexível: o conteúdo
dos deveres conjugais depende da forma como os cônjuges conformarem a sua relação.

Em termos práticos, qual a importância de a lei civil impor certos deveres? Antes da
reforma do divórcio em 2008, um dos fundamentos (senão o principal) do divórcio litigioso era a
violação culposa dos deveres conjugais, quando a sua gravidade pusesse em causa a
subsistência do casamento. Depois de 2008, desapareceu esse fundamento do divórcio, tendo
sido substituído por um diferente: qualquer facto que, independentemente da culpa dos
cônjuges, mostra a rutura definitiva do casamento. Já não se fala em deveres conjugais, nem
sequer em culpa, mas em factos objetivos não culposos, pelo que parece que estes deveres
conjugais perderam muito do seu valor como deveres – a sua violação não vale por si mesma
como fundamento de divórcio, mas por originar a rutura do casamento. Daí termos de concluir
que os deveres perderam grande parte da sua importância prática; traduzem antes a ideia de

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que a lei espera que os cônjuges adotem certos comportamentos – deixando de os adotar,
haverá uma rutura.

Os deveres estão previstos no art. 1672.º, e alguns são desenvolvidos em artigos subsequentes.

b) Respeito
O dever de respeito é um dever tão amplo que podemos considerar que é um dever de
natureza residual: só são violações do dever de respeito atos ou comportamentos que não
constituam violações diretas de qualquer dos outros deveres.

Este é um dever ao mesmo tempo positivo e negativo:

Conteúdo negativo Conteúdo positivo


o dever de respeito é essencialmente um dever negativo, de não atentar contra
o dever de respeito deve
os direitos de personalidade do outro cônjuge, ou seja, contra a sua integridade
ter também uma vertente
física e moral. Haverá uma violação deste dever se houver uma violação dos
positiva, que se traduz na
direitos de personalidade do outro cônjuge. A doutrina antiga distinguia dois tipos
obrigação de um dos
de atentados aos direitos de personalidade:
cônjuges dar sempre um
Injúrias indiretas: não deixam de se traduzir na
Injúrias diretas: traduzem-se mínimo de atenção ao
violação de um dever de respeito, pois apesar de
numa violação direta do outro. Esta ideia existe
não o violar diretamente, põem em causa o casal
dever de respeito. Ex: a sobretudo na jurisprudência
enquanto unidade moral. Ex: o cônjuge tem
agressão de um cônjuge. em matéria do casamento.
comportamentos desonrosos em público.

c) Fidelidade
Este é um puro dever negativo, e significa a imposição a ambos os cônjuges de não ter
relações com outra pessoa. Segundo a jurisprudência entende, para haver uma infidelidade
não tem de haver relações sexuais com outra pessoa, basta que exista uma relação, ainda
que não consumada, muito intensa com outra pessoa, por exemplo, uma longa troca de
correspondência, uma relação platónica muito forte, etc. Sobretudo antes da reforma de 2008,
estas eram questões muito discutidas.

d) Cooperação
Refere-se a este dever especificamente o art. 1674.º, sendo que podemos dizer que integra:

1) Uma obrigação de socorro e auxílio mútuo;


2) Uma obrigação de cumprimento das tarefas familiares a que estão obrigados, ou seja, de
assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida familiar que fundaram. Assim,
o cônjuge que mostrar absoluto desinteresse pela saúde e educação dos filhos não
infringe apenas um dever em relação a estas, mas também em relação ao outro cônjuge.

e) Coabitação
A coabitação significa a comunhão de leito, mesa e habitação, em que se traduz a
comunhão de vida que caracteriza a relação entre os cônjuges.

Em conexão com este dever de coabitação, o art. 1673.º refere-se à morada de


habitação de família, que deve ser escolhida por comum acordo, e uma vez escolhida, deve
ser adotada por ambos. Notas:

→ É escolhida de comum acordo (n.º 1), ambos os cônjuges têm a obrigação de viver aí
(n.º 2); e aquele acordo não pode ser revogado unilateralmente (n.º 3).

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→ É um dos poucos casos em que, não havendo acordo, a lei prevê que seja o juiz a decidir.
→ Por vezes, pode haver necessidades transitórias (geralmente de trabalho) em que não
haja uma residência da família. Ainda que isto seja possível, as situações em que os
cônjuges não cumprem este dever de coabitação são excecionais, ou então
correspondem a um ilícito conjugal ou ao início de uma situação de rutura
→ No nosso direito não se prevê a possibilidade de os cônjuges viverem em habitações
separadas, o que não sucede noutros ordenamentos, nos quais se começa a
questionar se isto não será possível.

f) Assistência
Está previsto nos arts. 1675.º e 1676.º e compreende dois sub-deveres.

Dever de alimentos
Este só assume autonomia se os cônjuges estiverem separados de facto. Se viverem juntos,
é absorvido pelo dever geral de contribuir para os encargos normais da família.

Porém, o número 2 do artigo 1675.º parece indicar que este dever só existe se a separação
não for imputável a qualquer dos cônjuges, ou ainda se for igualmente imputável a ambos. Se
nenhum deles tiver culpa ou ambos forem culpados, estão os dois obrigados a dar alimentos
um ao outro numa situação de igualdade. Mas se um tiver a culpa exclusiva, ou se um tiver
mais culpa, esse cônjuge culpado é que é obrigado a alimentar o outro. Mesmo nestas
hipóteses, o Código admite que excecionalmente, por motivos de equidade, pode-se impor
dever de alimentos ao outro.

O art. 1675.º/3, que faz referência à culpa dos cônjuges, não foi revogado pela reforma
de 2008. Se isto é verdade, também o é que se colocam dois problemas:

1. Qual o padrão, a medida, do dever de alimentos? Antes de 2008, existia a ideia de que
os alimentos prestados deveriam corresponder ao padrão de vida, quer na separação
de facto, quer após o divórcio. Hoje, a lei determina no art. 2016.º-A, n.º 3, que o
cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida. Isto está
aqui para o divórcio, logo surge esta dúvida: se a lei alterou esta medida para os
alimentos pós-divórcio, apenas faria sentido que também alterasse para a separação
de facto, que aliás é uma situação anterior ao divórcio. Não há motivos para um
tratamento diferente. Qual é, então, o padrão? Será um montante intermédio, entre o
padrão de vida e o estritamente necessário.
2. A lei deixou de atribuir relevo à culpa no regime do divórcio, não apenas como
fundamento de divórcio, mas também como fator relevante na determinação das suas
consequências, por exemplo, na aferição do dever de alimentos. Se a lei alterou estes
critérios, é estranho que permaneça o relevo da culpa no quadro da separação de
facto. Na verdade, houve um esquecimento por parte do legislador.

Dever de contribuir para os encargos da vida familiar


Está previsto no art. 1676.º, estabelecendo-se no n.º 1 que este se afere na medida das
possibilidades de cada um, e que pode ser cumprido de várias formas possíveis (afetação dos
recursos ou trabalho em casa).

O n.º 2 e segs. introduzem aqui uma regra que foi alterada profundamente na reforma do
divórcio de 2008, regra do crédito compensatório. A anterior norma presumia que, se um dos
cônjuges assumia maiores encargos, esse excesso significava uma renúncia à correspondente
compensação, ou seja, que havia um acordo dos cônjuges nesse sentido. Esta presunção

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podia ser, porém, afastada. Com a reforma de 2008, é reconhecido um direito a uma
compensação, quando a contribuição de um dos cônjuges tenha atingido um grau
consideravelmente superior à que era devida, por ter renunciado de forma excessiva à
satisfação dos seus interesses em favor da vida comum, com prejuízos patrimoniais importantes.

→ O direito à compensação torna-se exigível com o divórcio.


→ Quais os fundamentos da compensação nestas situações?
• Esta obrigação de compensação foi estabelecida com a intenção de concretizar
e reforçar a valorização do trabalho feminino no contexto da família, com as
renúncias a ele inerentes; é assim um mecanismo de correção do desequilíbrio que
se verificará no fim da comunhão de vida, por causa desta maior dedicação ao
trabalho em casa. Durante o casamento, o trabalho proporcionado à família
aproveitava a todos e era contrabalançado pela manutenção do padrão de vida;
após o divórcio, estes benefícios aproveitam apenas a um dos cônjuges. É no fundo
uma forma de partilha, não dos bens materiais, mas do "capital humano".
• A compensação percebe-se ainda por o casamento ser uma "empresa", para o
qual se trabalha, esperando retorno (na duração do casamento, há um retorno, o
próprio casamento).
→ O art. 1676.º/3 diz que este montante compensatório só pode ser exigido no momento da
partilha, mas esta expressão não é correta: devemos entender que o crédito
compensatório deve ser exigido no momento do divórcio, uma vez que o nosso sistema de
divórcio não abrange a liquidação do regime de bens e a divisão do património. Assim, há
divórcios sem partilhas (ex: casamento sem separação de bens) e partilhas sem divórcios
(ex: situações como a insolvência de um dos cônjuges)
• A referência à partilha deverá ser entendida como uma indicação do momento
processualmente idóneo para exigir o direito aí consagrado, e tem subjacente o
objetivo de que seja ponderado, de forma global, o equilíbrio entre as
contribuições de cada um dos cônjuges, incluindo o resultado da liquidação do
regime de bens.
• A ressalva feita para o caso de o regime de bens ser o da separação
compreende-se uma vez que, não existindo bens comuns, não há lugar a partilha.
• Porém, no caso de os cônjuges casarem no regime de comunhão, o direito à
compensação deve ser exigido na partilha subsequente ao divórcio, de modo a
permitir que a ponderação das contribuições seja global.
→ Quais os pressupostos? Este direito visa evitar o aproveitamento injustificado dos benefícios
resultantes do trabalho não remunerado de um dos cônjuges e o seu empobrecimento
injustificado, logo o principal elemento de ponderação será a existência de prejuízos
patrimoniais importantes, nomeadamente se existir um grave desequilíbrio económico
entre os cônjuges após o divórcio.
→ Esta deverá constituir uma obrigação de prestação única, embora possa prever-se o seu
cumprimento faseado.

O nº 4 prevê a hipótese, algo inversa, de um dos cônjuges não pagar aquilo que deve, na
qual o cônjuge pode pedir ao tribunal que o outro lhe entregue aquilo que devia. Isto parece
ser pensado essencialmente para as situações da separação de facto.

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3. Nome
O art. 1677.º prevê a regra geral de que cada um dos cônjuges conserva o seu próprio
apelido, podendo qualquer dos cônjuges adotar o apelido do outro até ao máximo de dois
nomes. Notas:

→ Antes da Reforma de 77, esta faculdade era apenas concedia à mulher, tendo sido
estendida ao homem por força do princípio da igualdade.
→ Pode um acrescentar no fim e outro no meio, formando um nome comum.
→ Nos termos do n.º 2, não se pode acrescentar apelidos de vários cônjuges, mas apenas de um.

O art. 1677.º-A refere-se à hipótese de viuvez, no qual o cônjuge sobrevivo conserva o


apelido do cônjuge falecido, mesmo casando novamente, se declarar essa intenção.

O art. 1677.º-B prevê as situações de divórcio ou de separação de pessoas e bens.

1. separação judicial de pessoas e bens: cada um dos cônjuges conserva os apelidos,


mas nada os impede de renunciar a eles.
2. Divórcio: surgem algumas complicações – em princípio, cada um dos cônjuges perde os
apelidos do outro que tenha adotado cônjuge divorciado, sendo que só se pode manter
os apelidos do ex-cônjuge “se este o permitir ou se o tribunal autorizar”.
a) A lei refere-se ao tribunal, mas já não é bem assim: este processo tendente ao
uso do nome depois do divórcio corre hoje na conservatória do registo civil e
recebe o nome de “processo tendente à formação de acordo das partes”, está
previsto no DL 272/2001, de 13 de outubro. Este decreto veio transferir a
competência dos tribunais para outras entidades, designadamente o Ministério
Público e as conservatórias do registo civil.
b) Este processo começa hoje por correr na conservatória do registo civil: o
conservador recebe o pedido e, numa primeira fase, tentará formar o acordo
das partes. No caso de não conseguir, remete o caso para o tribunal, logo, não
havendo acordo, quem decide é sempre o tribunal.
c) Isto ressalvadas as hipóteses em que o pedido de autorização de utilização dos
apelidos for deduzido no próprio processo do divórcio, e não em processo
autónomo.

O art. 1677.º-C prevê que o cônjuge que conserve o apelido do outro pode ser privado do
direito de os usar quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro cônjuge ou da
sua família – por exemplo, por se entregar a uma atividade criminosa. Também aqui funciona o
tal procedimento tendente à formação do acordo das partes, decidindo no caso de não
haver acordo o tribunal.

G. Efeitos Patrimoniais do casamento –


Remissão
Os efeitos patrimoniais do casamento são abordados na disciplina de Direito Patrimonial
da Família e das Sucessões, pelo que não os estudamos aqui.

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H. Separação de Pessoas e Bens


1. Generalidades.
Se o casamento se mantém e há uma separação, pode conceber-se uma separação: só de
pessoas, só de bens, e só de pessoas e bens. A primeira não existe entre nós, mas já existe uma
separação só de bens, e uma separação de pessoas e bens; iremos apenas falar desta última.

Em que consiste a separação de pessoas e bens?


Como as próprias palavras o indicam, há uma separação de pessoas, que deixam de
coabitar; e separam-se os bens, ou seja, o património comum; vem regulada nos arts. 1794.º e
segs, e embora tenha sido em tempos judicial, já não é, pelo que a epígrafe está incorreta.

Sentido do instituto num sistema que admite o divórcio


Este foi um instituto muito importante historicamente, em sistemas em que não era
permitido o divórcio, designadamente no casamento católico; funcionava como um
mecanismo permanente, isto é, como uma espécie de divórcio.

Mais tarde, com a introdução da possibilidade de divórcio nos casamentos católicos, a


separação de pessoas e bens passou a ser uma coisa rara, que raramente acontece; e passou
a ser um mecanismo meramente temporário. Com efeito, no direito atual, em que todos os
casamentos se podem dissolver por divórcio, a separação de pessoas e bens apenas pode ter
a natureza de antecâmara do divórcio.

Liberdade de opção e preferência da lei pelo divórcio


A separação de pessoas e bens e o divórcio são dois mecanismos que a nossa lei admite lado
a lado, logo há uma liberdade de opção dos cônjuges. Porém, a lei mostra uma preferência pelo
divórcio, o que é notório pelo instituto da conversão. Assim, se os cônjuges preferirem a separação,
o interesse público não prevalece contra a vontade dos cônjuges; mas se apenas um deles preferir
a separação e o outro o divórcio, permite-se a qualquer dos cônjuges requerer a conversão.

2. Formas, causas e processo: remissão


Quanto às modalidades de separação de pessoas e bens no art. 1794.º, a lei faz uma
remissão para as regras do divórcio, pelo que as mesmas modalidades de divórcio (por mútuo
consentimento e sem consentimento) existem para a separação de pessoas e bens. Da mesma
forma, as causas com base nas quais pode ser intentada uma ação de separação são as
mesmas que podem fundamentar uma ação de divórcio.

Por outro lado, as formas de processo e regras processuais do divórcio valem também
para a separação de pessoas e bens.

3. Efeitos: o artigo 1795.º-A


Quanto aos efeitos, estes visam conciliar duas ideias:

por um lado, é preciso que o vínculo por outro, a separação não é o divórcio, logo
matrimonial afrouxe o suficiente para que a têm de se manter todos os efeitos do casamento
crise seja resolvida através da separação que lhes são absolutamente essenciais

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

Plano dos efeitos pessoais


→ Extinguem-se os deveres de coabitação, de assistência (na dimensão e contribuir para
os encargos para a vida familiar) e de respeito (na dimensão positiva)
→ Subsistem os outros deveres, nomeadamente o de fidelidade
→ Cada um dos cônjuges conserva os apelidos do outro

Plano dos efeitos patrimoniais


→ Cessa o regime matrimonial em vigor, qualquer que seja, e produzem-se todos os
efeitos que produziria a dissolução do casamento

4. Reconciliação e conversão em divórcio


Como termina a separação de pessoas e bens? É uma espécie de prelúdio do divórcio, e
como é um instituto pensado para ser temporário, acaba de duas formas: ou os cônjuges se
reconciliam, ou converte-se esta separação em divórcio (é o mais frequente).

a) Reconciliação dos cônjuges (artigo 1795.º-C)


Está prevista no art. 1795.º-C; hoje corre, segundo o que resulta do DL 272/2001, exclusivamente
na conservatória do registo civil (as referências às competências do juiz nesta matéria que ainda
constam do Código devem considerar-se revogadas por aquele DL). Podem os cônjuges, a todo o
tempo, restabelecer a vida comum e o exercício pleno dos direitos e deveres matrimoniais. Deve
entender-se que a reconciliação dos cônjuges repõe em vigor o mesmo regime de bens que
vigorava antes da separação, embora estes possam escolher regime diverso.

b) Conversão em divórcio (artigo 1795.º-D)


→ A conversão pode ser requerida por ambos os cônjuges ou por apenas um deles.
• Se for requerida por ambos, o conservador decide de imediato (art. 11.º DL 272/2001).
• Se for por um deles, e se não existir acordo, o processo é remetido para o tribunal
(art. 7.º/3).
→ Foi alterada a redação do n.º 1, no sentido de que, durante o primeiro ano após ser
decretada a separação, a conversão em divórcio tem de ser acordada entre os dois
cônjuges; passando um ano, como que a lei perde a esperança na reconciliação,
facilitando a conversão ao ponto de permitir que qualquer um dos cônjuges possa
pedir unilateralmente e sem fundamento o divórcio.
→ O procedimento que tem lugar é igualmente o procedimento tendente à formação
de acordo entre as partes previsto naquele DL.

I. Divórcio
1. Generalidades
a) A “questão do divórcio”
Antigamente, discutia-se "a questão do divórcio", que era a da própria admissibilidade do
divórcio. Esta questão está hoje ultrapassada – ninguém discute que, seja qual for a
modalidade do casamento, os cônjuges têm a faculdade de se divorciar.

Todavia, há outras questões do divórcio que ainda subsistem, nomeadamente a das


causas do divórcio por pedido unilateral de um dos cônjuges (antigamente litigioso). Em

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relação a esta segunda questão, podemos dizer que há uma tendência no sentido de se
admitir que basta a invocação da simples rutura do casamento.

Mas sobretudo há quem diga que as questões do divórcio que têm mais interesse prático
são de outra ordem – relativas às consequências do divórcio, algumas das quais são ainda hoje
muito debatidas (nomeadamente a do dever de alimentos e a forma de exercício das
responsabilidades parentais se houver filhos menores).

Quanto à evolução legislativa:


O divórcio foi admitido em 1910, com a Nova
República, independentemente da modalidade
de casamento. Admitia-se tanto o divórcio por
mútuo consentimento como o litigioso.
A Concordata de 1940 veio suprimir a possibilidade
do divórcio para o casamento católico
Com o Código Civil de 66, manteve-se a solução
da Concordata de apenas permitir a dissolução
do divórcio nos casamentos civis, mas em relação
aos casamentos civis veio dificultar o divórcio,
introduzindo certas alterações significativas.
Com a Revolução de 25 de Abril e a Constituição de 76, tudo mudou. A queda da ditadura reforçou a
contestação à indissolubilidade por divórcio dos casamentos católicos, iniciando-se logo após a revolução
negociações com a Santa Sé em vista da revisão da Concordata, concluídas com a celebração do Protocolo
Adicional em 1975. Assim, num período inicial, foi admitido o divórcio no casamento católico; foi eliminada a
possibilidade de o juiz recusar o pedido de divórcio; foram reintroduzidos os velhos fundamentos objetivos e foi
eliminado o prazo de 3 anos para a conversão.
A partir de 1995, com alterações ao Código de Registo Civil (permitiu-se que alguns processos corressem nas
conservatórias) começou um novo movimento legislativo, que culminou na Lei 61/2008. Principais traços deste
movimento:
• Progressiva transferência de competências dos tribunais para as conservatórias do registo civil.
• Facilitação progressiva do divórcio por mútuo consentimento:
• Progressiva redução do tempo de duração das denominadas causas objetivas do divórcio
• Supressão das causas subjetivas do divórcio

Até 2008 era o divórcio litigioso, e o Código continua a usar


esta expressão, por esquecimento do legislador. A lei não quer
b) Modalidades do divórcio que o divórcio seja visto como um litígio, há a preocupação
São duas as modalidades do divórcio: que seja "limpo", pelo que recorreu a uma expressão neutra.

Por mútuo consentimento Sem consentimento de um dos cônjuges


Administrativo Judicial É forçosamente judicial

Note-se que o divórcio por mútuo consentimento procede no Código Civil o divórcio sem
consentimento, o que sugere, de alguma forma, que a lei prefere o divórcio por mútuo
consentimento. Isto resulta ainda da possibilidade de conversão do divórcio sem
consentimento em divórcio por mútuo consentimento, o que deve ser aliás procurado pelo juiz
no caso de a tentativa de reconciliação naquele divórcio falhar.

O direito ao divórcio é um direito:


• Potestativo • Pessoal • Irrenunciável

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

2. Divórcio por mútuo consentimento


a) Noção e Espírito
Antes de 2008, distinguia-se as duas modalidades de divórcio com base na causa: este
divórcio era um divórcio com causa não revelada, enquanto que o divórcio litigioso era um
divórcio com causa. Hoje, esta distinção perdeu interesse, se alguma vez o teve – está de tal
forma facilitado este divórcio que podemos dizer que corresponde a um pedido apresentado
por ambos e em que não existe causa.

b) Pressupostos – a recente evolução legislativa


Verificou-se uma evolução legislativa quanto aos pressupostos, tendo desaparecido certas
condições:

→ Desapareceu o tempo mínimo de casamento. Antes de 98, a lei impunha uma


duração mínima (três anos) numa ideia de superproteção, visando evitar que os
cônjuges se precipitassem. Hoje, entende-se que não faz sentido o Estado impor a sua
vontade à dos cônjuges.
→ Até 2008, os cônjuges tinham ainda se de pôr de acordo em relação a três outras

{
não matérias (para além do divórcio em si) – acordos complementares (art. 1775.º):
mesmo
que
tenha consenso a) Eventual prestação de alimentos;
enervar
matérias , o di-
b) Destino da casa de morada de família;
vai cio é permitido e c) Forma de exercício das responsabilidades parentais, existindo filhos menores e
não quando não tenha havido previamente regulação judicial.
umas
questões
definidas pelo tribunal Estes três acordos deveriam acompanhar o pedido de divórcio, se tal não
acontecesse ou se os acordos não fossem considerados razoáveis, o pedido de
divórcio por mútuo consentimento era simplesmente indeferido e os cônjuges não
se podiam divorciar. Hoje, mesmo que os cônjuges não estejam de acordo sobre
nenhum destes pontos, têm uma alternativa, a de apresentar o pedido de divórcio
junto do tribunal, cabendo então ao juiz decidir – art. 1778.º-A. O mesmo acontece
se tiverem apresentado o pedido ao conservador e este ou o Ministério Público
entenderem que os acordos não são razoáveis. Antes de 2008, este juízo de
irrazoabilidade era fundamento de indeferimento; hoje, o processo é remetido para
o tribunal, art. 1778.º. Em termos práticos, a existência de acordo deixou de ser
fundamento para o indeferimento, pois basta o simples facto de se quererem
divorciar para a lei garantir que tal aconteça. Continua no entanto a exigir-se a
apresentação de uma relação especificada de bens comuns, podendo os
cônjuges juntarem acordo sobre partilha (art. 272.ºA, n.º 2, CodRegCiv).
judicial -
tribunal
,
c) Processo \ administrativo -
conservatória do registro civil

Principais alterações trazidas pela reforma de 2008:

→ Antes de 2008, tinha havido uma tentativa de entregar a competência processual nas
matérias de divórcio por mútuo consentimento às conservatórias. Em 2008, houve um
retrocesso, ou seja, um retorno de competências aos tribunais no divórcio por mútuo
consentimento – permitiu-se que os cônjuges que não estejam de acordo sobre os aspetos
complementares se possam divorciar, apresentando diretamente um requerimento no
tribunal e cabendo-lhe decidir. Percebe-se assim este retorno, que se deve à conjugação
de dois aspetos: a lei quer garantir que os cônjuges se possam divorciar, mas por outro lado
também quer que cheguem a acordo quanto aos aspetos complementares.
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→ Outra alteração, trazida em 2007 e alargada em 2008, tem a ver com as formas de
processo do divórcio por mútuo consentimento:
• os cônjuges chegam a acordo e apresentam o requerimento na conservatória –
forma de processo administrativo
• os cônjuges não têm acordo e apresentam-no nos tribunais – forma de processo judicial.
Acontece que, em 2008, a lei veio facilitar a tarefa dos cônjuges que se querem
divorciar mas têm dificuldade em redigir os acordos: como o processo administrativo
é mais célere, a lei veio permitir que fossem os conservadores ou oficiais de registo
que redijam os acordos – isto resultou das alterações introduzias pelo DL 324/2007 ao
art. 272.º do CRegCiv. Estes dão apenas uma forma técnico-jurídica à vontade
manifestada pelos cônjuges.
→ Até 2008, quando dois cônjuges chegavam à conservatória ou tribunal para se
divorciar por mútuo consentimento, havia uma imposição legal de um passo inicial no
qual o conservador ou o juiz teriam de tentar reconciliar as partes. A lei veio proibir as
tentativas de conciliação no sentido de manter o casamento. Houve algo que veio
substituir esta tentativa, mas é diferente: o conservador ou juiz têm de informar os
cônjuges da existência e objetivos dos serviços de mediação familiar, que servem para
mediar a conversa entre os cônjuges mas sem nunca procurar induzir soluções. Estes
serviços são recentes, e vêm referidos no art. 1774.º do CC e no DL 272/2001.
→ Deixou de haver a possibilidade de um requerimento de divórcio por mútuo
consentimento ser indeferido por os cônjuges não apresentarem acordos
complementares ou estes serem considerados irrazoáveis. A lei garante sempre que, se
se querem divorciar, conseguem fazê-lo.

Processo administrativo:
1) Inicialmente, há um requerimento apresentado nas conservatórias, juntamente com os
acordos complementares, havendo casa de morada de família, dever de alimentos ou
filhos menores – art. 1775.º. Podem requerer ao conservador ou a um oficial de registo que
o redijam.
2) Uma vez apresentado o requerimento e os acordos, o conservador informa os cônjuges da
existência e objetivos dos serviços de mediação familiar, art. 1774.º. Se quiserem recorrer a
estes serviços, o processo de divórcio suspende-se, retomando-se se da mediação nada
resultar.
3) Há uma convocatória para uma conferência (espécie de audiência que se passa na
conservatória), com o conservador e os cônjuges, na qual o conservador confirma que
estão cumpridos os pressupostos procedimentais a aprecia os tais acordos, art. 1776.º. Na
sequência desta apreciação, o conservador pode chegar a duas conclusões: ou
homologa os acordos complementares, ou acha que estes desprotegem de forma
excessiva as pessoas envolvidas (cônjuges ou filhos), não homologando os acordos e
convida os cônjuges a reformular os acordos, ainda no âmbito da primeira conferência. Se
os cônjuges refizerem o acordo e este já for considerado razoável, é homologado; senão,
o conservador não homologa em termos definitivos o acordo.
4) Sendo os acordos homologados, é assinado um despacho que decreta o divórcio por
mútuo consentimento; caso contrário, o processo é remetido para o tribunal nos termos do
art. 1778.º. O processo converte-se em judicial. 5. Há um dos acordos cuja apreciação é
feita, não pelo conservador, mas pelo Ministério Público: acordo sobre as
responsabilidades parentais, art. 1776.º-A.

* estes acordos

homologadas
são sempre

pelo conservador .

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Processo judicial:
Em que casos é que é possível?

1. Remessa do processo da conservatória para o tribunal em consequência da não


homologação dos acordos, art. 1778.º: inicialmente, os cônjuges apresentaram
requerimento de divórcio nas conservatórias e estes não foram considerados razoáveis.
2. Apresentação direta do pedido no tribunal quando faltem os acordos
complementares, art. 1778.ºA/1: os cônjuges não estavam de acordo desde o início
quanto a matérias dos acordos complementares.
3. Conversão do processo de divórcio sem consentimento em processo por mútuo
consentimento, art. 1779.º/2: os cônjuges chegaram a acordo no sentido de se
divorciarem por mútuo consentimento, e como o processo já estava a correr nos
tribunais continua a fazê-lo.

As duas primeiras hipóteses serão as mais relevantes.

1. O juiz deverá apreciar os acordos eventualmente apresentados, convidando os


cônjuges a alterá-los no caso de não acautelarem os interesses dos filhos – art.
levar
1778.º-A/2. deve promover
contao
ou em

acordo entre os
2. O juiz deverá, não apenas promover o acordo entre os cônjuges, mas tê-lo em cãnjuger
conta na determinação das consequências do divórcio, n.º 6.
3. Nos termos do n.º 3, se não for possível obter acordos que acautelem os interesses
de algum dos cônjuges ou do filho (n.º 2), o juiz fixará as consequências do divórcio
O juiz sempre
decide no sentido como se se tratasse de um divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges.
vadiazinha ↳ juiz fixou as condições são
Tramitação do processo judicial: quando não reguladas pelos cônjuges

1) Apresentação do requerimento;
2) Informação acerca da existência e objetivos dos serviços de mediação familiar;
3) Também aqui há uma conferência, na qual o juiz está perante os cônjuges – antes, havia
várias conferências, que foram objeto de unificação. O juiz irá tentar que os acordos sejam
acordados entre eles, apreciando logo a sua razoabilidade. Se não chegarem a acordo,
então quem vai decidir será o próprio juiz, nos termos do art. 1778-ºA.
4) Finalmente, o juiz decreta o divórcio, fixando simultaneamente as suas consequências.

Em relação ao artigo 1778.º-A, podem suscitar-se algumas questões.

→ A remissão para o art. 1775.º/1 abrange o acordo sobre a partilha dos bens comuns;
ora, aqui, nem os cônjuges estão obrigados a apresentar este acordo, nem o Tribunal
deverá ter a iniciativa de proceder à mesma. No entanto, quanto à mera elaboração
da relação de bens comuns, esta será obrigatória.
→ A ordem de tarefas do n.º 2 e 3 pode suscitar alguma perplexidade, sendo que se
deve entender que os acordos apresentados não podem ser apreciados
independentemente das outras consequências do divórcio.
→ O dever colocado no n.º 6, de o juiz promover e considerar o acordo dos cônjuges,
deve entender-se como consagrando uma disposição genérica, uma orientação de
carácter geral, mesmo para os casos de divórcio sem consentimento.
→ No caso de o juiz não conseguir promover o acordo dos cônjuges, haverá alguma
incerteza sobre o processo a seguir. Nos termos do n.º 4, o juiz deve promover as
diligências necessárias, sendo que, na situação em que tem de fixar as consequências
do divórcio, será necessário que os cônjuges tragam ao processo, alegando e

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provando, os factos que servirão de fundamento à decisão do juiz. Este deverá por isso
marcar uma audiência final para este efeito.
chamada de divórcio litigioso
aquelas matérias
não precisam ficar
( antigamente /
definidas primeira se
3. Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges
,

divorcia e

depois
resolve
se

a) Noção | há um
pedido com uma base , é necessariamente
.
baseada em um
facto
matá
virar
usar -

Esta modalidade foi introduzida com a Lei n.º 61/2008, e corresponde ao anterior divórcio
litigioso; a lei pretende que seja um processo que não agrave os conflitos e evite a devassa
sobre os comportamentos conjugais. Neste contexto, a lei veio eliminar completamente a
relevância da verificação de um ilícito conjugal culposo em contexto de divórcio.

No entanto, este continua a ser um divórcio contencioso, ou seja, requerido por um dos
cônjuges contra o outro, e é sempre judicial. Tem como fundamento qualquer facto que,
“independentemente da culpa dos cônjuges, mostre a rutura definitiva do casamento” (art.
1781.º/d)), designadamente a separação de facto (alínea a)), a alteração das faculdades
mentais do outro cônjuge (alínea b)) e a ausência (alínea c)).

b) Conceção de divórcio
Ao longo dos tempos, foram-se sucedendo várias conceções históricas do divórcio litigioso:

surge uma terceira concepção,


Na vigência do Código Depois começou a surgir uma
que corresponde a algumas
outra concepção do divórcio,
anterior, que associada a novas causas que
situações hoje previstas, por
deliberadamente eliminou exemplo, o divórcio com
foram surgindo: por exemplo, o
as causas objectivas, estava fundamento na separação de
divórcio com fundamento na
subjacente uma concepção facto, no qual qualquer dos
ausência do outro cônjuge, ou
dos cônjuges cônjuges pode pedir o
do divórcio como por alteração grave das qualquer
pode pedir divorcio divórcio. Fala-se assim do
sanção, aplicada ao faculdades mentais. Estes são
igualmente divórcios litigiosos, divórcio como
cônjuge que violava
culposamente deveres
mas não está a ser aplicada constatação da rutura:
nenhuma sanção. Assim, em ambos os cônjuges podem
conjugais – este era o único relação a estes casos, os autores pedir o divórcio com
fundamento do divórcio
começaram a falar do divórcio fundamento na ruptura do seu
admitido. Em coerência com casamento, no plano dos
este fundamento, o divórcio como remédio, protegendo factos. O que importa é a
representava uma infracção. o cônjuge inocente, vítima de
existência de uma situação de
uma situação tão intolerável que
Mas já aqui esta concepção não pode ser exigida a
ruptura do casamento, e que o
era discutida divórcio deve pura e
manutenção do casamento.
simplesmente constatar
divórcio só pode ser
dos cônjuges
pedida por um

O nosso sistema atual consagra essencialmente um sistema de divórcio como constatação da rutura
– há uma causa genérica indeterminada de qualquer facto que constate a rutura, contribuindo
também para esta a causa da separação de facto. Já a causa de alteração das faculdades
mentais e a ausência revelam ainda uma conceção de divórcio como remédio; não obstante, a
tendência principal é a de constatação de rutura.

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São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos
cônjuges:

c) Causas de divórcio sem consentimento | art 1781


. _               a) A separação de facto por um ano consecutivo;
casamentos
. com ruptura               b) A alteração das faculdades mentais do outro
definitiva cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua
ca oas ,

determin das gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;


              c) A ausência, sem que do ausente haja notícias,
A nossa doutrina dedicou-se, em certo momento histórico, à "teoria das causas", por tempo não inferior a um ano;
              d) Quaisquer outros factos que,
independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a
elaborando certas sistematizações e distinções das causas do divórcio: ruptura definitiva do casamento.

Causas determinadas Causas indeterminadas


a causa é determinada se a lei individualiza e especifica com
precisão o facto que pode fundamentar o pedido. As causas a causa é indeterminada se o facto que
determinadas são muitas vezes taxativas, o que não sucede pode fundamentar o pedido não está
entre nós – a separação de facto, as alterações das especificado mas cabe numa cláusula geral
faculdades mentais e a ausência são causas. Ex.: "qualquer facto que mostre a rutura"
Ex.: separação de facto
Causas perentórias ou absolutas Causas facultativas ou relativas
só são causa de divórcio quando, pela sua gravidade,
servem de fundamento ao divórcio sem
impeçam a subsistência em comum – por exemplo, a
necessidade de uma averiguação concreta da
alteração das faculdades mentais. A lei exige assim uma
sua gravidade – a separação de facto é uma
prova complementar da gravidade da situação e, em
causa absoluta, pois basta a prova da separação
consequência dela, a impossibilidade em concreto de
para que haja fundamento do divórcio
continuação da vida em comum.
Causas subjetivas Causas objetivas
desapareceram do nosso ordenamento; baseavam-se na Hoje, só temos causas objetivas, que não se
violação culposa dos deveres conjugais por um dos baseiam na prática de um ato culposo mas em
cônjuges. factos objetivos.
Causas unilaterais Causas bilaterais
só podem ser invocadas por um dos cônjuges (como a alteração podem ser invocadas por ambos (qualquer
das faculdades mentais e ausência, pois só o cônjuge saudável e o facto que mostre a rutura e a separação de
cônjuge não ausente pode intentar o pedido de divórcio) facto)

O quadro atual das causas de divórcio, após a Lei n.º 61/2008


Em 2008 desapareceu o fundamento subjetivo da violação culposa dos deveres
conjugais, logo a culpa dos cônjuges foi eliminada, quer como causa do divórcio, quer como
critério de definição dos efeitos do divórcio.

1) Separação de facto – art. 1781.º/a) e art. 1782.º


→ caracteriza-se por dois elementos:
• Elemento objetivo: inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges. No entanto, não
basta este elemento, pois o dever de coabitação é revestido de grande plasticidade
• Elemento subjetivo: é, assim, necessário juntar ao corpus da separação de facto o animus, que
se traduz, da parte de ambos ou de um deles, no propósito de não restabelecer a vida em
comum. Não consistirá uma situação de separação de facto, por falta deste elemento, a
prisão de um dos cônjuges, por exemplo. Há autores que dizem que o elemento subjetivo se
manifesta pelo simples facto de um dos cônjuges estar a propor uma ação de divórcio. É
verdade que a propositura de ação mostra que o cônjuge que intenta a ação não tem
intenção de retomar a vida em comum, mas o facto de intentar a ação de divórcio só mostra
essa intenção nesse mesmo momento.
→ O prazo da duração mínima tem vindo a ser diminuído, sendo atualmente de um ano.
• Há uma dúvida que se coloca: a realidade dos factos mostra que os cônjuges se vão
separando aos poucos, não há uma separação ex abrupto. Entende-se que para estes efeitos
não contam as "meias separações", tem de haver uma separação completa e definitiva.
• Uma outra dúvida é a de saber o prazo de um ano tem de ser contínuo ou se podem somar as
separações interruptas. Parece evidente, embora haja quem entenda o contrário, que o

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tempo de reconciliação inutiliza completamente o período de separação anterior – o que


mostra a rutura do casamento é o prazo de um ano ininterrupto, consecutivo, ou seja, o prazo
contínuo corresponde ao próprio fundamento da separação de facto.
→ É uma causa bilateral – qualquer dos cônjuges pode intentar uma ação de divórcio
com este fundamento; e não é forçoso que a separação de facto tenha sido
acordada. Aliás, o cenário normal é a de um dos cônjuges decidir sair de casa.

2) Alteração das faculdades mentais – art. 1781.º/b) | ideia de divórcio remédio

→ Esta foi mais uma das causas admitidas em 1910 e retomada pela Reforma de 77.
→ O seu período mínimo de duração foi igualmente sendo reduzindo, sendo que hoje tem
de durar um ano; têm de estar verificados outros dois requisitos: a alteração das
faculdades mentais tem de ser grave, e de tal maneira que comprometa a vida em
comum, tanto no presente como no futuro.
→ Pode-se achar estranho que um dos cônjuges adoeça e o outro possa pedir o divórcio,
em vez de lhe dar assistência. Estas são situações delicadas, sendo que até 1998 o juiz
poderia indeferir este pedido se o divórcio agravasse o estado do outro cônjuge. Estão
em causa dois interesses conflituantes, a da preservação da saúde mental de um dos
cônjuges e a de permitir ao outro libertar-se de uma situação difícil, tendo sido esta a
opção da lei. No entanto, a lei tentou equilibrar os interesses em jogo, impondo ao
cônjuge que pediu o divórcio uma obrigação de indemnização por danos não
patrimoniais resultantes do divórcio, art. 1792.º/2 (designadamente, o agravamento do
estado de saúde do outro cônjuge).
→ Não é uma causa perentória, mas sim facultativa: a lei exige, além de uma prova de
alteração das faculdades mentais, que a alteração seja de tal maneira grave que
comprometa a vida em comum.

3) Ausência sem notícias: art. 1781.º/c) | ideia de divórcio remédio

→ Mais uma vez, este foi um fundamento admitido em 1910 e retomado pela Reforma de
1977, cujo tempo de duração mínima foi sendo progressivamente diminuído.
→ A ausência é a não presença com ausência de notícias; quando dure um ano, constitui
fundamento de divórcio.
→ Pode colocar-se a questão de saber se a situação não cabe na alínea a), que prevê a
separação de facto. Isto tem a ver com o próprio conceito da separação de facto – na
ausência, não é forçoso que exista o elemento subjetivo.

4) Qualquer facto que mostre a rutura do casamento: art. 1781.º/d).


alíneas a ) e → O que é a rutura do casamento? Esta é uma pergunta difícil, sendo porém assente que
c)
basta
do
verificação o começo de uma rutura não é suficiente, mas também não se exige um corte radical
facto
de relações. O que tem de haver é uma rutura a tal ponto que se mostre que o retorno
causa absoluta ou
não é possível e isso torna inexigível a subsistência do casamento.
peremptória
→ Um outro ponto que se discute é como se articula esta causa indeterminada com as outras
alínea b ) não basta
:
causas determinadas: as causas determinadas funcionam como um modelo, ou seja, são
facto sim situações exemplificativas em que há rutura. Havendo uma situação de rutura tal que
prova de e
,
um
complemento uma
prova concreta corresponde mais ou menos ao modelo que retira das três causas determinadas, ou seja,
dura relatoria uma situação grave como elas, temos um facto que mostra a rutura do casamento.
→ Há quem entenda que, estando formulada esta causa indeterminada, o próprio facto
de se intentar o pedido de divórcio funciona como um facto que mostra a rutura do
casamento, portanto a nossa lei terá ido longe de mais, consagrando aqui o divórcio
por mero pedido. A nossa jurisprudência entende que não é assim, a nossa lei continua

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a exigir a verificação e prova de um facto objetivo que mostre que o casamento


acabou. Pode discutir-se se o facto de se pedir o divórcio mostra ou não o fim do
casamento, mas o facto é que a opção da nossa lei é outra, no sentido de dificultar
mais o divórcio. A causa vai ser então apreciada pelo juiz, no sentido de saber se os
factos apresentados mostram ou não uma rutura do casamento.
processual
d) Processo | matéria
Consta do art. 1779.º do CC e do art. 931.º e 932.º do CPC. Como corre este processo, em
termos simples?

1) É deduzido um pedido de divórcio; o processo corre nos tribunais de competência


especializada, os tribunais da família e menores (se tiver competência geográfica, senão
corre nos tribunais comuns).
2) O tribunal tem de primeiro informar os cônjuges da existência e objetivos dos serviços de
mediação familiar, o que é um passo comum a todos os divórcios – art. 1774.º. Na
hipótese de optarem por estes serviços, a sua decisão implicará a suspensão da
instância; e, no caso de o resultado de a mediação ter sido a obtenção de acordos, o
juiz mantém o seu poder de apreciação e de recusa de homologação.
3) Contrariamente ao divórcio por mútuo consentimento, não foi eliminada a tentativa de
conciliação. De acordo com o art. 1779.º, haverá sempre esta tentativa, já que o divórcio
é litigioso, que se traduz numa ação que é deduzida por um dos cônjuges contra o outro.
4) Falhada essa tentativa, o juiz deve em segunda via tentar que se divorciem por mútuo
consentimento – n.º 2. Note-se que em qualquer fase do processo os cônjuges podem decidir
divorciar-se por mútuo consentimento. Falhando as duas tentativas, o processo continua.
5) O juiz deve tentar obter acordo entre os cônjuges nas matérias complementares; se não
houver acordo, o máximo que o juiz pode fazer é o de fixar regimes transitórios que
vigoram enquanto que o processo dura (art. 931.º/7 CPC). No antigo divórcio litigioso, o
juiz podia definir estas matérias.
6) Há sempre possibilidade de contestação do divórcio pelo outro cônjuge; não o fazendo,
ou se a petição inicial prevalecer sobre os motivos da contestação, o juiz decreta o
divórcio sem ter de definir o regime daquelas três matérias complementares. Sendo este
um divórcio litigioso, não está condicionado à obtenção de acordo.
7) Na sentença de divórcio, hoje, contrariamente ao que sucedia antes de 2008, não há
qualquer referência à culpa dos cônjuges. Uma referência que pode continuar a constar
da sentença do divórcio é a indicação da data que cessou a coabitação dos cônjuges,
se estes assim o requererem, e se dos elementos trazidos para o processo resultar essa
prova – isto pode ter interesse para vários efeitos, designadamente patrimoniais.

4. Efeitos
a) Generalidades
Quais os efeitos da dissolução do casamento por divórcio?
O princípio geral está estabelecido no art. 1788.º: o divórcio tem os mesmos efeitos que a
dissolução por morte, salvo algumas exceções: não há efeitos sucessórios, o cônjuge só pode
manter o nome se o ex-cônjuge permitir ou o tribunal autorizar, etc. Assim, podemos dizer que o
divórcio dissolve o casamento, ou seja, extingue a relação matrimonial e faz cessar, para o
futuro, os efeitos da relação, mantendo porém os efeitos já produzidos.

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A partir de que data se produzem os efeitos do divórcio?


→ A regra, ou as regras, quanto ao momento de produção dos efeitos, estão no art. 1789.º:
• tratando-se de um divórcio resultante de sentença judicial, produzem-se a partir do trânsito em
julgado da respetiva;
• tratando-se de um divórcio administrativo, a partir do momento em que é emitido o despacho
próprio proferido pelo conservador do registo civil.
→ Isto com duas exceções:
• A lei permite que certos efeitos do divórcio se retrotraem à data em que é apresentado o
pedido no tribunal ou conservatória, quanto aos efeitos patrimoniais (n.º 1).
• Mas a lei não fica por aqui: no n.º 2 prevê que se a separação de facto esteja provada, os
cônjuges podem pedir que os efeitos patrimoniais retroajam à data em que cessou a
coabitação (daí o interesse em que a sentença o declare).

b) Termo da comunhão; partilha (artigo 1790.º)


Em termos patrimoniais, o que acontece?

→ Com o divórcio, cessam todas as relações patrimoniais e pessoais entre os cônjuges, art.
1688.º, concretamente a liquidação do regime de bens que, no caso de ter sido um
regime de comunhão, dá lugar à partilha dos bens comuns.
→ A irrelevância do ilícito culposo conjugal no contexto do divórcio foi acompanhada da
eliminação da exigência da declaração do cônjuge culpado ou principal culpado, que
influía na determinação de alguns efeitos patrimoniais – nomeadamente, estabelecia-se
que o anterior cônjuge culpado não podia na partilha receber mais do que receberia se o
casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de bens adquiridos.
→ Hoje, para qualquer dos cônjuges, vale a regra de que, na partilha, nenhum dos cônjuges
casados com comunhão geral pode ficar com mais do que ficaria se se tivessem casado
com comunhão de bens adquiridos, art. 1790.º . Já que eles se divorciaram, não faz
sentido manter a comunhão geral, que pressupunha a subsistência do casamento, daí
esta mutação do regime de bens; sendo que a lei quer evitar igualmente que o divórcio se
torne num negócio, num meio legítimo de ganho. Esta solução é criticada por RITA LOBO
XAVIER . Notas:
• Só tem aplicação quando o regime de bens for o da comunhão geral, mas não implica a
substituição deste regime pelo da comunhão de adquiridos.
• Antes, era apenas aplicável ao divórcio litigioso; hoje, parece ser de aplicar também ao
divórcio por mútuo consentimento.
• RITA LOBO XAVIER entende poderem os ex-cônjuges, ainda assim, partilharem os bens
comuns segundo o regime convencionada por acordo, embora não possam afastar esta
consequência por convenção antenupcial.
→ A partilha não é feita obrigatoriamente, pode haver acordo. Mas pode também
acontecer que a partilha seja feita muito tempo depois do casamento, tendo a
comunhão entre os cônjuges mudado de natureza jurídica – qualquer dos contitulares
pode pedir a partilha a qualquer momento, e pode alienar a sua parte. É diferente da
comunhão conjugal, mais semelhante à comunhão dos herdeiros que ainda não fizeram a
partilha (indivisão das comunhões hereditárias).

c) Destino da casa de morada de família (1793.º e 1105.º)


Em consequência do divórcio, há normas específicas do Código Civil que regulam estes
efeitos. Essas normas são o art. 1393.º e o art. 1105.º: o primeiro refere-se à hipótese de casa
própria ou comum a ambos; o segundo à hipótese de viverem em casa arrendada.

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Art. 1793.º: destino de casa própria ou comum Art. 1105.º: destino de casa
arrendada
a) Lembre-se que há sempre a possibilidade de chegarem a a) Tal como na outra hipótese, também aqui
acordo sobre o destino. Não havendo acordo, pode o podem chegar a acordo quanto à
tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges a transmissão do direito de arrendamento
casa, a seu pedido, tendo em conta as necessidades do (se este pertencer a um deles) ou à sua
cônjuge e dos filhos. Quanto à situação patrimonial dos concentração (se o direito de
cônjuges, trata-se de saber quais são os rendimentos de um arrendamento pertencer a ambos).
e outro, uma vez decretado o divórcio, assim como os b) Não chegando a acordo, o cônjuge que
respetivos encargos; e, no que se refere ao interesse do filho, tenha mais necessidade da casa pode
com qual dos cônjuges este ficou a residir e se é do interesse pedir ao tribunal que o direito ao
dele viver na casa do casal. No entanto, haverá ainda que arrendamento se transfira ou se
considerar outros aspetos relevantes, como a idade e o concentre nele.
estado de saúde dos cônjuges, a localização da casa, etc. c) Quer a concentração ou transmissão seja
b) É o tribunal que constitui este contrato de arrendamento, ou decidida por acordo, quer seja imposta
seja, o contrato resulta não de um acordo entre as partes por decisão judicial, esta é imposta ao
mas de uma decisão judicial, uma situação anómala. Todas senhorio, contrariando a regra geral que
as condições do contrato são definidas pelo juiz. exige o consentimento do senhorio. Este é
c) Tal como é o juiz que cria a relação de arrendamento, um casos excecional em que o senhorio
também em princípio pode o contrato ser "caducado" (n.º 2; não pode opor-se a uma transmissão ou
certos autores entendem ser mais correto falar em concentração da posição do
resolução) a requerimento do senhorio, ou seja, o juiz pode arrendatário. Isto já resultaria do espírito
fazer cessar o contrato. geral, porém o n.º 3 confirma isto, dizendo
que basta a simples notificação.

d) Perda de direitos sucessórios


Quer no âmbito da sucessão legal, que resulta da lei (art. 2133.º/3), quer no de sucessão
testamentária, que resulta do testamento (art. 2317.º/d)), a consequência do divórcio é a
perda de direitos sucessórios.

e) Perda de benefícios (artigo 1791.º)


Se o cônjuge recebeu, do outro cônjuge ou de terceiro, liberalidades ou benefícios em
vista do casamento ou em consideração do estado de casal, essas liberalidades perdem-se –
caducam ou, havendo doação, são revertidas, art. 1791.º.

→ Este preceito abrange as doações entre esposados, entre vivos ou por morte, em vista do
futuro casamento, as doações feitas por terceiro em vista do casamento, as doações entre
cônjuges, as doações feitas a ambos os cônjuges por familiar de um deles em
consideração do estado de casado do beneficiário, e as deixas testamentárias com que
um cônjuge tenha beneficiado o outro.
→ Também aqui houve uma alteração da redação pela Reforma de 2008: antes da reforma,
apenas o cônjuge considerado culpado ou mais culpado perdia os benefícios. Tendo a
culpa sido eliminada do regime do divórcio, qualquer dos cônjuges perde estes benefícios.
→ As doações para casamento ou doações entre esposados caducam nos termos da lei –
arts. 1760.º e 1766.º. Por lapso, o legislador não eliminou aqui as referências à culpa, pelo
que estas devem assim ser revogadas (interpretação revogatória).

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f) Alimentos
Este é um problema cada vez mais discutido, dado o crescente número de divórcios e
segundos casamentos. Está previsto nos arts. 2016.º e 2016.º-A. O art. 2016.º/1 consagra o
princípio de que cada cônjuge, depois do divórcio, deve prover à sua subsistência, o que já
resultaria do art. 2004.º/2. Esta norma deve ser interpretada no sentido de que cada um dos
cônjuges deve prover à sua subsistência se tiver possibilidades de o fazer – assim, enquanto não
conseguir encontrar fonte de rendimento, poderá ter direito a alimentos do outro, mas esta é
em regra uma situação transitória. Esta ideia do carácter temporário do direito a alimentos
estava no projeto inicial da Reforma de 2008, mas não ficou consagrada – talvez por haver
situações excecionais em que o cônjuge, dada a sua idade avançada, poderá não conseguir
arranjar fonte de rendimentos. Resumindo: enquanto razoavelmente o cônjuge não conseguir
obter fonte de rendimento terá direitos a alimentos, mas esta será uma situação transitória.

Subjacente à Reforma de 2008, está a conceção da obrigação de alimentos, não como


um dever de solidariedade pós-conjugal, mas como uma prestação compensatória, que
permita recomeçar uma nova vida após o fracasso matrimonial anterior. É nesta linha que a lei
manda atender, por exemplo, à duração do casamento na fixação dos alimentos.

Quem deve prestar alimentos a quem?


→ Sabemos que foi eliminado o critério da culpa – o cônjuge culpado estava obrigado a dar
alimentos ao outro. Assim, o n.º 2 vem dizer que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos.
→ Todavia, pode haver situações em que isto é um pouco chocante, por exemplo, o marido
bate sistematicamente na mulher, divorciam-se, e a mulher fica obrigada a prestar
alimentos. Daí o n.º 3, que diz que, por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos
pode ser negado.

Como se estabelecem os alimentos?


Os alimentos podem ser:

→ Definitivos:
• Pode resultar de um acordo entre os ex-cônjuge, que não é mais do que um negócio jurídico,
sujeito às regras gerais do art. 2014.º.
• Pode nascer de um acordo entre os ex-cônjuges em vista de um divórcio por mútuo
consentimento.
• Pode assentar num acordo, estimulado pelo juiz, em processo de divórcio sem consentimento
de um dos cônjuges (art. 931.º/2 CPC).
• Pode resultar de uma decisão do tribunal sobre um pedido acessório do pedido de divórcio
sem consentimento, ou em processo comum autónomo, quando a obrigação de alimentos
surgir posteriormente.
→ Provisórios:
• No divórcio por mútuo consentimento, terão os cônjuges de acordar sobre eles.
• No divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, podem ser pedidos na pendência da
ação (art. 384.º Código Processo Civil) ou fixados pelo juiz (art. 931.º/7 CPC).

Qual o montante dos alimentos?


→ Numa orientação restritiva, o montante dos alimentos será o indispensável ao sustento,
vestuário e habitação – é isto que vale para as regras gerais dos alimentos, art. 2003.º. Por outro
lado, segundo outra orientação, o montante de alimentos deve ser o suficiente para procurar
manter ao ex-cônjuge o nível de vida que levava antes do divórcio.

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→ O legislador veio rejeitar a segunda orientação em relação aos alimentos do divórcio, art.
2016.º-A, n.º 3. Assim, deve entender-se que o montante não é tanto que tenha de
corresponder ao nível de vida que ambos levavam, mas também não será apenas o
estritamente necessário para garantir a sobrevivência do credor de alimentos – uma vez que o
art. 2016.º-A, n.º 1, manda atender a uma série de outros fatores na fixação do montante.
Daqui se pode concluir que o montante estará num patamar intermédio entre a manutenção
do nível de vida e a sobrevivência.
→ Deve conjugar-se o direito a alimentos com outras disposições: por ex., no dever de assistência,
o cônjuge teria direito a um crédito compensatório. Os dois créditos - compensatório e de
alimentos - deve ser articulado de duas formas. Se já recebeu crédito compensatório, terá
direito a menos alimentos. Houve uma mudança do espírito do direito a alimentos: antes, era
visto como uma espécie de "esmola". Hoje, sobretudo em relação aos alimentos na sequência
do divórcio, fala-se na ideia de compensar um dos cônjuges pelo facto de não ter meios de
subsistência e essa independência económica resultar do divórcio. Tende a ser visto mais como
uma compensação, e não como uma pura assistência.

Como se prestam os alimentos?


→ O regime supletivo constante do art. 2005.º é o de que os alimentos serem prestados
mensalmente. Mas pode não ser assim; podem os cônjuges acordar ou o tribunal decidir por
outra forma.
→ Dentro das outras formas possíveis, hoje assiste-se a uma tendência no sentido de substituição
dos alimentos mensais pela entrega de um só montante, o pagamento em capital. Qual o
pensamento que subjaz a esta tendência? A lei quer que o divórcio seja limpo (é a ideia de
clean break), evitando conflitos, logo faz-se um pagamento inicial por forma a procurar cortar
de vez as relações económicas entre os ex-cônjuges. Mas a verdade é que não é bem assim: o
regime geral diz-nos que, havendo alteração das circunstâncias, o direito a alimentos pode ser
revisto (art. 2012.º) logo o pagamento em capital não extingue a obrigação (será uma simples
forma de pagamento).

Indisponibilidade
O que significa dizer que os direitos a alimentos são indisponíveis?

→ Significa, desde logo, que não podem ser transmitidos (intransmissibilidade); não são
renunciáveis (irrenunciabilidade); e não são suscetíveis de penhora (impenhorabilidade). Isto é
assim para os elementos em geral, art. 2008.º.
→ Porém, quanto aos alimentos prestados na sequência do divórcio, só são rigorosamente
indisponíveis na parte em que visem garantir a sobrevivência. Tudo o que exceda esse
montante, o que pode suceder, já é suscetível de disposição.

Qual a garantia do cumprimento da obrigação?


→ O credor de alimentos pode constituir hipoteca legal para garantir o seu crédito, que incidirá
sobre qualquer bem do devedor, art. 755.º/d). Também se admite a hipoteca judicial (art.
710.º). Ainda segundo as regras gerais, pode o credor requerer arresto dos bens do devedor
(art. 619.º), e pode ser exigida a prestação de caução (art. 624.º).
→ Em caso de incumprimento, o Código de Processo Civil fixa um processo de execução especial
por alimentos, art. 933.º e segs.
→ O Código Penal pune o pagamento pontual das obrigações de alimentos (art. 250.º).

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Como cessa a obrigação de alimentos?


→ Desde logo, aplicam-se razões gerais que justificam a cessação da obrigação de quaisquer
alimentos, previstas no art. 2013.º: morte do credor, morte do devedor; ausência de
necessidade do credor ou falta de possibilidades do devedor (já não se aplicará a terceira
causa geral prevista).
→ O art. 2019.º prevê hipóteses suplementares para o caso de os alimentos entre cônjuges ou ex-
cônjuges:
• Celebração de novo casamento ou constituição de união de facto.
• Comportamento moral indigno do credor – esta é uma hipótese algo estranha, devendo
entender-se como um critério auxiliar de aplicação.

g) Obrigação de indemnizar (artigo 1792.º)


O art. 1792.º/2 diz-nos que o cônjuge deve indemnizar o outro pelos danos não patrimoniais
resultantes do divórcio, mas apenas quando este seja intentado com fundamento em
alteração das faculdades mentais. Este pedido deve ser intentado na própria ação de
divórcio, ficando assim precludida ao lesado a possibilidade de pedir a indemnização depois
de transitada em julgado a sentença. Antes da Reforma de 2008, também o cônjuge
declarado único ou principal culpado tinha esta obrigação de indemnizar, para além do
cônjuge que intentou o divórcio com fundamento em alteração das faculdades mentais.

Além disto, o n.º 1 diz-nos que, em geral, o cônjuge lesado tem direito a pedir a reparação
dos danos não patrimoniais causados pelo outro cônjuge. Embora isto seja discutido, deve
entender-se que estes danos indemnizáveis são apenas os danos resultantes da violação de
direitos que os cônjuges já tinham independentemente de serem casados – não está em causa
a violação de deveres especificamente conjugais, como o dever de infidelidade ou
coabitação, mesmo que esta traga danos. Há alguns autores que entendem que também os
danos resultantes da violação de deveres conjugais devem ser indemnizáveis, sendo que os
tribunais oscilam num sentido ou no outro. PEREIRA COELHO entende que não faz muito
sentido haver um dever de indemnização no caso de violação de deveres conjugais.

h) Termo das ilegitimidades


Do casamento resultam certas ilegitimidades conjugais, ou seja, limitações à liberdade de
alienação e administração. Estas limitações deixam de existir a partir da dissolução do
casamento. Com efeito, com o trânsito em julgado da sentença, se o regime de bens era o da
comunhão, deixa de haver um património comum como património coletivo, ficando a
situação idêntica à da herança indivisa – cada um dos cônjuges pode dispor da meação, bem
como pedir a separação das meações.

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Direito da Filiação
A. Generalidades
1. Princípios fundamentais
a) Princípios constitucionais
Como já vimos, o art. 36.º da CRP contém princípios fundamentais do direito da família,
sendo os mais relevantes para o estabelecimento da filiação:

▪ Direito de constituir família;


▪ Não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento;
▪ Proteção da adoção;
▪ Proteção da família, proteção da maternidade e paternidade, e proteção da infância.

Além destes, há outros princípios constitucionais na matéria da filiação:

▪ O direito à identidade pessoal (uma das suas dimensões é o direito à historicidade pessoal,
o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores e à “localização familiar”)
▪ O direito ao desenvolvimento da personalidade

b) Outros princípios
Fora dos princípios constitucionais, encontramos outros.

Princípio da taxatividade dos meios de estabelecimento da filiação


A maternidade e paternidade apenas se estabelecem pelos meios expressamente
previstos na lei, com exclusão de quaisquer acordos privados através dos quais se pretenda
constituir vínculos diferentes ou com fundamentos diferentes.

Princípio da primazia da verdade biológica


Tanto quanto possível, no estabelecimento da filiação deve procurar saber-se quem são os
pais biológicos, que devem ser os pais jurídicos. Assim, em princípio a filiação jurídica deve
corresponder à filiação biológica: o sistema de estabelecimento da filiação pretende que os
vínculos biológicos tenham uma tradução jurídica fiel, devendo este princípio guiar o intérprete
na aplicação das normas e na integração de eventuais lacunas. Isto não é assim em todos os
sistemas: entre nós, não o era antes de 1977; e continua a não ser este o princípio, por exemplo,
do direito italiano e francês, que por vezes fecham os olhos à realidade biológica uma vez que
este não é o único interesse a merecer respeito (por exemplo, pode ceder perante a
estabilidade da família).

Princípio do primado do interesse do filho


Sobretudo nas questões dos efeitos da filiação (exercício das responsabilidades parentais),
o que interessa é o interesse dos filhos, não os interesses particulares dos cônjuges.

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2. A reforma de 77 e o direito da filiação


Estes princípios foram consagrados, na nossa lei, sobretudo a partir da Reforma de 77.
Antes da reforma, havia várias situações em que a lei admitia que podia haver um pai jurídico
distinto do biológico. Esta alteração pode ver-se em dois aspetos:

1) Ação de impugnação da paternidade presumida: era muito difícil impugnar-se a


paternidade presumida, pois só poderia fazê-lo o próprio marido enganado. O próprio
filho não o podia fazer
2) Ação de investigação da paternidade: também a ação de investigação de
paternidade só podia ser intentada se se verificassem certos pressupostos de
admissibilidade; hoje, é muito fácil intentar esta ação.

B. Estabelecimento da filiação
1. Noções preliminares
a) O “período legal de conceção (art. 1798.º): as duas
presunções aí contidas e a possibilidade do seu afastamento
A determinação do momento da conceção do filho pode ser juridicamente relevante,
para vários efeitos. A contrário do parto, que é um facto ostensivo e testemunhado, a
conceção é um facto secreto; assim, os sistemas jurídicos tiveram de encontrar um instrumento
que permitisse resolver os problemas em que o momento da conceção releva – o período legal
da conceção. Como a gestação costuma demorar um tempo mínimo de 180 dias e um tempo
máximo de 300 dias, estabeleceu-se uma presunção de que a gestação ocorre nos 120 dias
dos 300 dias que antecedem ao nascimento. Isto inclui duas presunções:

1. presunção de que a conceção ocorreu nos primeiros 120 dias dos 300 dias; pode,
mediante ação própria, ser afastada por prova em contrário, provando uma gestação
excecionalmente longa ou curta. (art. 1800.º).
2. Também se presume que a conceção ocorreu em qualquer dos 120 dias. Mais uma vez,
pode-se provar que a conceção ocorreu num período específico desses 120 dias (por
exemplo, por os cônjuges só terem coabitado num dado período). Esta prova só passou
a ser admitida após a Reforma de 1977: antes, valia a regra da indivisibilidade dos 120
dias, acompanhada de uma presunção de que o filho tinha nascido no momento que
lhe fosse mais favorável (favorecendo a legitimidade). A alterações desta solução
justifica-se por uma tendência para o respeito da verdade biológica, apoiada no
progresso da ciência (simultaneamente, o favorecimento da legitimidade perdeu
terreno para a preocupação de não discriminar os filhos nascidos fora do casamento).

PEREIRA COELHO discute qual o meio processualmente idóneo para exercitar a fixação
do momento provável da conceção, ou seja, se o art. 1800.º exige ou não uma ação judicial
autónoma para o efeito. Conclui que não é forçoso que haja uma ação judicial autónoma,
devendo a forma de processo ser a mais adequada aos interesses que se querem fazer valer,
sendo que se podem identificar três grupos de casos em que esta prova é relevante:

1) Pode interessar como simples prova numa ação de estado típica (ex: impugnação
da paternidade do marido);

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2) Pode constituir causa decisiva de um pedido exclusivamente patrimonial (ex:


habilitação de um nascituro como sucessor legítimo);
3) Pode ainda resolver o litígio acerca da verificação de um requisito de que
depende a presunção legal da paternidade do marido (reconduzindo-se a uma
retificação do registo).

b) “Sistemas de filiação” e “sistemas de reconhecimento”:


ideia geral e tendências do nosso direito de filiação
Em abstrato, há dois sistemas de estabelecimento de filiação:

Sistema de filiação Sistema de reconhecimento


uma vez provada uma relação de filiação é necessário mais qualquer coisa além da prova da
biológica, está automaticamente relação biológica – ou que o próprio progenitor
constituída a relação jurídica de filiação. É reconheça que é pai, ou que haja uma ação judicial,
mais ou menos este sistema que vale entre que é de certa forma condicionada. Este é o sistema
nós para a maternidade. que vigora entre nós para a paternidade.

2. Estabelecimento da maternidade
a) Generalidades
Já vimos que o sistema de estabelecimento da maternidade é o sistema de filiação: a
maternidade é entendida como uma simples decorrência do puro facto biológico que é o
parto (art. 1796.º/1) – este facto é levado ao conhecimento do registo civil, que considera a
parturiente como a mãe do filho que nasceu, sem que esta tenha de intervir. As razões que
sustentam este regime são:

• Respeito incondicional pelo direito do filho ao estabelecimento dos vínculos;


• Um sentimento forte de auto-responsabilização social e familiar;
• Respeito absoluto pela verdade biológica.

Também seria possível, e é isto que sucede noutros ordenamentos, um sistema de


reconhecimento, que possibilita a rejeição do estatuto de mãe (com o propósito de evitar que
as mulheres grávidas interrompam a sua gravidez sempre que não possam ou não queiram
assumir o estatuto da maternidade).

Antes da Reforma de 1977, qual era o sistema adotado?

→ Valia o sistema de filiação quanto ao estabelecimento da maternidade das mulheres


casadas, uma vez que os seus filhos tinham de ser considerados filhos legítimos delas e
dos seus maridos, sem que se pudesse fazer qualquer declaração em contrário.
→ Valia o sistema de reconhecimento quanto ao estabelecimento da maternidade das
mulheres solteiras, que tinham de praticar um ato juridicamente autónomo de perfilhação.

São três – e apenas três, na linha do princípio da taxatividade – as formas de


estabelecimento da maternidade:

1) Menção ou indicação da identidade da mãe no registo de nascimento;


2) Declaração de maternidade;
3) Reconhecimento judicial da maternidade.

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b) Menção ou indicação da entidade da mãe na


declaração de nascimento
Esta forma de estabelecimento está prevista no art. 1803.º e segs. No formulário da
conservatória do Registo Civil da declaração de nascimento, é necessário indicar-se a identidade
da mãe, o que é suficiente para que o conservador faça menção do nome da mãe no assento
de nascimento e para que fique automaticamente estabelecida a filiação (art. 1803.º). Não é
necessário que esta indicação seja feita pelos pais; pode ser feita por qualquer pessoa.

→ Nos termos do art. 1804.º, se o nascimento tiver ocorrido há menos de um ano, a


maternidade considera-se estabelecida, restando notificar a mãe deste facto, se não tiver
sido ela ou o marido a fazer a declaração.
→ No entanto, se a declaração ocorrer mais de um ano depois do nascimento, o legislador
entende que a anormalidade da situação impõe certas cautelas, pois a indicação pode
não ser certa. Rege aqui o art. 1805.º:
• Se for a própria mãe a declarante, a lei considera que a maternidade fica estabelecida
• Mas no caso de a declaração ser apresentada por outras pessoas, é necessária
confirmação, notificando a pessoa que é notificada como mãe para esta ter a
possibilidade de se opor; o seu silêncio valerá, porém, como concordância. Se a
mulher indicada como mãe negar a maternidade, ou se não se conseguir
notificar, a menção da maternidade não chega a ser convertida em
estabelecimento da maternidade e fica sem efeito.

c) Declaração de maternidade
Pode acontecer que no registo de nascimento seja omisso quanto à identidade da mãe:
nestes casos, o art. 1806.º diz-nos que o meio para desencadear o estabelecimento da
maternidade é a declaração de maternidade feita pela própria mãe (n.º 1, 1ª parte), ou a
indicação ou identificação da mãe, feita por outra pessoa (n.º 2). Se a declaração for feita por
terceiro e de o nascimento tiver ocorrido há mais de um ano aplica-se o regime do art. 1805.º.

Apesar de o modo normal de declaração ser a declaração feita perante o funcionário do


registo civil, a declaração pode também ser feita por testamento, escritura pública ou termo
lavrado em juízo.

Em casos especiais, a lei veda a inscrição tardia do nome da mãe (n.º 1, 2ª parte): quando
o registo é omisso quanto à maternidade e contém uma perfilhação, e a mãe é casada com
um homem diferente do perfilhante. Nestes casos, o estabelecimento da maternidade tem de
ser feito através de uma ação judicial, art. 1824.º. A razão de diferença do regime está no
problema que o estabelecimento da maternidade geraria: ao funcionar a presunção de
paternidade do marido, gerava-se um conflito de paternidades. Já houve tempos em que o
funcionamento da paternidade do marido afastava a do perfilhante; porém, hoje não se
aceita esta solução em nome do primado da verdade biológica, pelo que é necessário uma
ação judicial, em que se chame todos os interessados e se apresente as provas convenientes.
Nesta ação, abre-se a possibilidade de se impugnar a paternidade do marido (1824.º/2 e
1823.º), o que, tendo êxito, deixa de pé a perfilhação que já constava do registo.

A veracidade do estabelecimento da maternidade está sujeito a um controlo posterior,


através da ação de impugnação da maternidade – art. 1807.º. Trata-se de um meio de ataque
da maternidade estabelecida, independentemente dos vícios que possam ter afetado o meio
utilizado para levar a maternidade ao registo e possam originar uma ação autónoma de
invalidação.
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Notas:
→ O direito de impugnar a maternidade não caduca, podendo esta ação ser intentada a todo o
tempo. O interesse público da coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica
sobrepõe-se às exigências de segurança e estabilidade das situações familiares adquiridas.
→ Tem legitimidade ativa:
• O Ministério Público, o que manifesta o interesse do Estado no estabelecimento da filiação
biológica. No entanto, é duvidoso que seja sempre justificado a prevalência deste
interesse e a impugnação oficiosa sem limites.
• A pessoa declarada como mãe
• O filho.
• Qualquer outra pessoa com interesse moral ou patrimonial na procedência da ação (terão
de provar e alegar o seu interesse. Inclui-se aqui, sem dúvida, aquela que se declarar
como mãe do registado).

d) Referência à averiguação oficiosa da maternidade


O processo de averiguação oficiosa da maternidade está previsto nos arts. 1808.º e segs:
trata-se de uma averiguação a cargo das autoridades públicas da maternidade, sempre que no
registo não se mencione a identidade da mãe. Na sequência deste processo, pode suceder que:

→ O tribunal não descobre quem é a mãe e o processo é arquivado;


→ O tribunal fica com uma suspeita ou uma convicção de que certa pessoa é mãe. Se chegar
a esta suspeita ou convicção, deve ser chamada essa pessoa para confirmar a maternidade.
• Se confirmar, é lavrado um termo de declaração de maternidade.
• Se não confirmar e mesmo assim o tribunal continuar convencido, o n.º 4 diz que o
processo é remetido para o Ministério Público, que vai intentar a ação de reconhecimento
judicial da paternidade.

Assim, este processo não é uma forma autónoma de estabelecimento da paternidade –


na sua sequência, pode vir a paternidade a ser estabelecida através da declaração de
maternidade ou através do reconhecimento judicial.

Há dois casos em que não é iniciada esta averiguação oficiosa, art. 1809.º:

1. Hipótese de filhos incestuosos, alínea a). Não se proíbe exatamente a averiguação


oficiosa, mas apenas a ação no fim que é intentada pelo Ministério Público, já que
se pressupõe que houve alguma averiguação para saber quem é a mãe.
2. Hipótese de ter decorrido dois anos sobre a data do nascimento, alínea b). A lei
não ocupa os recursos do Estado em averiguar a maternidade de filhos nascidos há
muito tempo.

e) Reconhecimento judicial da maternidade


O reconhecimento judicial da maternidade é o terceiro modo de estabelecimento da
maternidade, previsto no art. 1814.º e segs. Notas:

→ Não pode promover-se o estabelecimento judicial da maternidade contra uma mulher se,
porventura, o registo de nascimento exibir uma outra pessoa como mãe (art. 1815.º): se há
uma maternidade estabelecida, ela é verdadeira até que seja impugnada através da ação
de impugnação da maternidade.
→ Segundo o art. 1814.º, o estabelecimento da maternidade tem de resultar de ação
especialmente intentada para esse efeito, o que significa que não pode haver
reconhecimento judicial da maternidade em incidente de outra ação.

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Legitimidade ativa
Tanto a ação de investigação de maternidade, tanto a de investigação de paternidade,
são concebidas pelo legislador como ações propostas pelo filho que, suspeitando que o seu
pai ou mãe é certa pessoa, intentam esta ação. É este o espírito que subjaz estas ações – art.
1814.º. Se isto é verdade, todavia há situações especiais em que podem outras pessoas intentar
estas ações:

→ Art. 1822.º/2: no caso do filho ser menor e for nascido na constância do casamento da
pretensa mãe, como há uma presunção de paternidade do filho nascido do casamento,
pode o marido da mãe ter interesse em propor esta ação, para que fique esclarecida a
situação. A lei manifesta aqui a preocupação de trazer a juízo todos os interessados no
esclarecimento dos vínculos de filiação.
→ Art. 1824.º: prevê uma ação especialíssima, em que a própria mãe pode intentar uma ação
contra si própria, nos casos do art. 1806.º/1, 2ª parte: na hipótese de mais tarde a mãe querer
perfilhar e existir perfilhação por pessoa diferente do marido, a lei impede a mãe de fazer
uma declaração de maternidade, já que isto iria desencadear o tal conflito.
→ Havendo processo para averiguação oficiosa, se o tribunal chegar a uma suspeita séria e a
mãe não quiser fazer uma declaração e maternidade, em último termo o tribunal deverá
remeter o processo para o Ministério Público, que deverá intentar esta ação – art. 1810.º.

Prova
Vai-se provar que o filho nasceu da pretensa mãe (art. 1816.º/1). A doutrina aponta que a
maternidade, como é um facto exterior, se prova por dois factos: prova do parto e prova da
identidade da parturiente. Quando seja possível a prova direta por meios científicos, dispensa-
se a prova destes dois factos. Em casos em que haja dificuldade em provar a identidade da
parturiente (a prova do nascimento é, em regra, fácil), a lei prevê no art. 1816.º/2 certos factos
que funcionam como presunções de maternidade no âmbito da ação judicial, que podem ser
ilididas quando existam dúvidas sérias sobre a maternidade (n.º 3):

→ "Posse do estado de filho": apesar de não ser filho juridicamente, já tem a posse de estado de filho.
Esta posse de estado é densificada pelos autores, estabelecendo-se três critérios cumulativos:
1. A mãe reputa-o como filho – nomen;
2. A mãe trata-o como filho – tractatus;
3. O público considera-o como filho daquela mãe – fama.
→ Existir uma carta ou outro escrito em que a pretensa mãe declara inequivocamente a
maternidade.

Prazos para a propositura da ação


Os prazos constam do art. 1817.º:

→ O prazo regra consta do n.º 1: enquanto o investigante for menor, ou nos 10 anos posteriores à
maioridade (até aos 28 anos).
→ Mas pode suceder que só mais tarde o investigante venha a obter elementos que levantem
suspeitas sobre a identidade da mãe. Assim, o n.º 3, alínea c), diz que a ação pode ainda ser
proposta nos 3 anos seguintes ao conhecimento destes factos.
→ Outros prazos ainda:
• N.º 2: quando constar do registo de nascimento uma maternidade diferente daquela que
se pretende estabelecer, a ação só será permitida depois de se ter afastado esse “registo
inibitório” – art. 1815.º. O prazo é de 3 anos contados a partir da retificação do registo.
• N.º 3, al. a): quando tiver sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do
investigante, a ação pode ser intentada nos 3 anos posteriores a esse facto.
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• N.º 3, al. b): o investigante pode intentar a ação nos 3 anos posteriores à cessação do
tratamento pela pretensa mãe. Refere-se aos casos em que um filho, beneficiando de
atos de tratamento do pretenso progenitor, não tem condições para intentar uma
ação contra ele, ou seja, encontrava-se num estado de impossibilidade moral de agir.
Esta inibição desaparece quando a suposta mãe termina os atos de tratamento.

A questão da constitucionalidade dos prazos: o art. 1817.º é uma norma é comum à ação
de investigação de paternidade – como esta ação é muito mais frequente, a questão dos
prazos foi bastante discutida. A partir de 1988, a fixação pela lei de prazos curtos começou a
levantar dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade, embora o Tribunal Constitucional tenha
deliberado sempre no sentido da compatibilidade das normas com os princípios
constitucionais. Tradicionalmente, apontavam-se três ordens de razões que justificavam a
imposição de prazos para estas ações:

1) Se o filho pudesse sempre intentar uma ação, o pretenso pai ou mãe estariam sempre
numa situação de insegurança, sob a ameaça de ver a paternidade reconhecida.
2) Se fosse possível intentar estas ações muito depois do nascimento, seria muito difícil
fazer a prova, pois há o risco de perda ou envelhecimento de provas.
3) Imaginemos que há um filho que sempre soube que dada pessoa é o seu pai ou
mãe, mas nunca intentou uma ação. Quando o pai ou mãe estão prestes a morrer,
o filho vai intentar uma ação para ver se consegue receber a herança. A lei,
pretende evitar estas situações de utilização de ações como "caça de fortunas".

Todavia, com o movimento científico e social em direção ao conhecimento das origens, e


com a introdução, pela Revisão de 1997, do direito fundamental à identidade pessoal, o
quadro começou a mudar de figura. Os interesses tradicionais começaram a perder força:

→ O argumento da insegurança perdeu sentido: estão aqui em causa interesses pessoais;


mas, sobretudo, se o pai ou mãe sentem insegurança, é porque porventura são mesmo
mãe ou pai, e aí têm o dever de declarar a maternidade ou perfilhar. Se não têm a
consciência de poderem ser declarados progenitores, não se sentem inseguros.
→ O argumento do risco do envelhecimento das provas perdeu também a sua pertinência: este é
um risco do próprio investigante; e, hoje em dia, há uma generalização das provas científicas.
→ O argumento da caça às heranças continua a ser o mais pertinente, mas também pode ser
afastado: verifica-se que na maior parte dos casos a motivação do filho é, efetivamente, a
de esclarecer a existência do vínculo familiar, e não pretensões familiares. Porém, mesmo que
haja este risco, pode ser afastado de outra forma – o filho poderia intentar a ação a todo o
tempo, mas o estabelecimento da filiação não teria efeitos sucessórios. Em casos-limite,
poderia afastar-se a eficácia patrimonial do estabelecimento do vínculo.

Assim, na sequência de vários acórdãos do TC, este acabou por, num acórdão de 2005,
declarar o prazo de 2 anos inconstitucional por violação do princípio à identidade pessoal
(onde se inclui o direito a saber de quem se é filho). Este acórdão declarou inconstitucional o
prazo de 2 anos, mas não fixou qualquer prazo, pelo que houve um período, entre 2006 e 2009,
no qual não se sabia qual o prazo que deveria valer. Só mais tarde, em 2009, através da Lei
14/2009, é que se veio fixar o novo prazo de 10 anos posteriores à maioridade.

Apesar de este prazo ser muito maior, continua a discutir-se, quer nos tribunais civis quer no
Constitucional, a constitucionalidade da simples imposição de um prazo destas ações. O TC já
se pronunciou em sede de fiscalização concreta no sentido da constitucionalidade do prazo
de 10 anos. No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça não está a aplicar estes prazos,
admitindo as ações de investigação da maternidade e da paternidade a todo o tempo.

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3. Estabelecimento da paternidade
a) Generalidades
Também aqui há 3 formas de estabelecimento:

1. Presunção de paternidade do marido da mãe – presunção pater is est, art. 1826.º;


2. Ato unilateral e voluntário mediante o qual o pai reconhece a paternidade –
perfilhação;
3. Ação judicial intentada em princípio apenas pelo filho – ação de investigação da
paternidade.

b) Presunção da paternidade do marido da mãe


Noção, fundamento e âmbito
Segundo o art. 1826.º, presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do
matrimónio da mãe tem como pai o marido. Esta norma foi introduzida pela Reforma de 1977,
assentando a presunção numa forte probabilidade do que geralmente acontece; mas não era
esta a regra do legislado de 1966. A presunção que valia era uma presunção de legitimidade:
a presunção de paternidade era um efeito do casamento e não um facto, com vista à
generalização do estatuto de filho legítimo.

Qual o âmbito de aplicação desta presunção? Esta aplica-se aos seguintes casos (art. 1826.º):

• Filho concebido e nascido durante o matrimónio;


• Filho nascido durante o matrimónio, mas concebido antes;
• Filho concebido durante o matrimónio, mas nascido depois (o casamento dissolveu-se);

No entanto, parece ser de aplicar também à hipótese especial de o filho ser concebido
antes do casamento da mãe, a mãe ter casado e pouco tempo depois o casamento se ter
dissolvido, tendo o filho nascido depois do casamento. Embora a conceção e o nascimento
não tenham ocorrido durante o casamento, dado a sua curta duração, parece que a
presunção também se aplica a estes casos, por analogia.

Esta disposição tem de ser vista em articulação com o art. 1798.º, que fixa o período legal
de conceção, para sabermos se o filho foi concebido ou não durante o casamento.

Qual o fundamento da presunção da paternidade?

→ Em primeiro lugar, seria inviável e inconveniente – pela multiplicação de processos e


mobilização excessiva de recursos de biologia forense, bom como pelo escrutínio
sistemático da fidelidade das mulheres – pretender a aquisição generalizada da certeza
biológica nos tribunais.
→ Por outro lado, é normal que os filhos nascidos do casamento da mãe sejam filhos do
seu marido, não só por haver um dever de coabitação e fidelidade, mas sobretudo
porque a realidade mostra que existe uma relação de coabitação e fidelidade;
também as estatísticas apoiam esta realidade, pelo que esta presunção se funda num
juízo de normalidade, das experiências comuns, que por sua vez implica um juízo de
probabilidade.

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A presunção pater is est e a união de facto


A propósito deste fundamento, pode perguntar-se porque é que a lei não estendeu esta
presunção à união de facto: também aqui existe uma relação de coabitação e fidelidade
sendo conforme aos juízos de experiência comum que os filhos nascidos de uma mulher em
união de facto são também do seu companheiro. PEREIRA COELHO defende assim que, no
plano do direito constituído, se justificaria o alargamento da presunção à união de facto,
rejeitando os seguintes argumentos:

→ O facto de haver um dever no de coabitação e fidelidade no casamento, mas já não na


união de facto (a realidade mostra que há esta relação na união de facto na mesma).
→ A falta de rigor dos limites da união de facto (também podem haver dúvidas quando
ao funcionamento da presunção dentro do casamento – por exemplo, quando cessou
a coabitação conjugal).

Esta é apenas uma presunção, pelo que pode ser afastada por prova em contrário (não é
bem uma prova em contrário neste caso, como iremos ver), através de um meio próprio que é
a ação de impugnação da paternidade presumida. A profunda exigência de verdade e a
circunstância de os juízos de probabilidade que fundam a presunção admitirem, por sua
própria natureza, um risco, levam a que consideremos esta presunção como iuris tantum.

Casos de cessação da presunção


A lei estabelece casos de cessação de presunção da paternidade: são casos em que a
presunção excecionalmente não funciona, ou seja, não surge sequer, uma vez que a lei
entende que a probabilidade do marido da mãe ser o pai é remota. A lei prefere assim excluir
desde logo a presunção, admitindo o seu restabelecimento, a cargo dos interessados, quando
se provem circunstâncias excecionais (art. 1831.º). Estas hipóteses estão previstas nos arts.
1828.º, 1829.º e 1832.º. Os dois primeiros são anteriores a 1977, enquanto que o segundo, e a
disciplina do art. 1831.º, são posteriores.

Art. 1828.º: relativamente ao filho que nasceu pouco tempo depois de celebrado o casamento
(nos 180 dias subsequentes), isto é, relativamente aos filhos concebidos antes do casamento (art.
1798.º), temos uma presunção mais fraca. Tanto é que a lei diz que esta pode cessar se a mãe
ou o marido declararem no registo que o marido da mãe não é o pai. Apesar de este ser um
meio suscetível de uso indevido, é e supor que a mulher ou o seu marido só farão a declaração
contrária à maternidade de estiverem fortemente convencidos de que o marido não é o pai; de
qualquer forma, sempre restarão os meios gerais de repor a verdade. Não sendo a paternidade
estabelecida por esta via, fica aberto o caminho ao reconhecimento voluntário ou judicial da
paternidade de um terceiro ou, eventualmente, do marido.
Art. 1829.º: prevê as hipóteses em que o nascimento do filho ocorreu passados pelo menos 300
dias depois de finda a coabitação dos cônjuges – apesar de o filho ser concebido no
casamento da mãe, nasceu pelo menos 300 dias depois de ter cessado a coabitação, logo,
considerando que o prazo máximo de gestação é de 300 dias, é razoável supor-se que resultou
da coabitação com outrem que não o marido. Isto só pode resultar dos factos previstos no n.º 2,
ou seja, só existe cessação da relação de coabitação para este efeito nas hipóteses previstas: 1.
→ Alínea a): tratando-se de um processo de divórcio por mútuo consentimento ou
separação de bens, considera-se que cessa a coabitação na data da primeira
conferência. A lei presume que, pelo menos, na altura da primeira conferência já foram
tomadas disposições sérias acerca da subsistência do vínculo, e estará provavelmente
acabada a comunhão conjugal.

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→ Alínea b): tratando-se de um divórcio sem consentimento, considera-se que a


coabitação cessou na data da citação do réu, e o nascimento se tiver dado 300 dias
depois desta data. Isto mantém-se mesmo havendo alterações à ação (conversão em
separação de bens) ou esta não proceda.
• A data do termo da coabitação pode ser fixada pelo juiz (na sentença do divórcio ou em
sede de outro processo).
• Pode suceder que a presunção já esteja estabelecida, e a sentença do divórcio venha a
estabelecer a data do termo da coabitação em momento anterior à conceção, caso em
que a menção da paternidade deve ser retificada.
→ Alínea c): na data em que deixou de haver notícias do marido – estamos a pensar nas
hipóteses de ausência. Os três processos previstos têm de fixar a data em que deixou de
haver notícias do ausente.

Nos casos em que a presunção não funciona, a paternidade fica omissa e estabelece-se
nos termos gerais, a não ser que a presunção de paternidade do marido seja restabelecida nos
termos do art. 1831.º. Assim, o art. 1831.º estabelece situações de renascimento da presunção,
que é algo diferente do reinício (art. 1830.º): aqui, a presunção funciona, excecionalmente,
apesar de o nascimento se ter dado mais de 300 dias depois da cessação da coabitação - são
exceções às exceções.

Assim, apesar de já se ter dado a tal conferência no processo de divórcio por mútuo
consentimento ou se ter dado a citação no processo de divórcio sem consentimento (art.
1829.º(a) e b)), funciona a presunção se se provar:

→ A existência de relações sexuais entre os cônjuges.


→ A verosimilhança da paternidade – exige-se ao juiz apenas uma convicção acerca da
probabilidade razoável do nexo causal entre as relações sexuais demonstradas e a
paternidade do marido.
→ A coabitação ter ocorrido durante o período legal de conceção do filho (o que está
incluído na verosimilhança).
→ Independentemente desta prova, também funciona o renascimento quando, na altura
do nascimento (e não na altura da ação, uma vez que esta condição não protegeria da
mesma forma a verdade biológica), o filho beneficiou da posse de estado em relação a
ambos os cônjuges, mesmo ao pai que se estava a divorciar.

Notas:

→ Tem legitimidade ativa qualquer dos cônjuges ou o filho.


→ Tem legitimidade passiva, por força da aplicação analógica do art. 1846.º, a mãe, o filho e o
marido da mãe, quando não figurem como autores (se forem os três, terá o Ministério Público).

Ainda em relação a esta hipótese, o art. 1830.º prevê situações de reinício da presunção
de paternidade – o fim da coabitação dos cônjuges, para este efeito de cessação de
paternidade, funciona como uma espécie de dissolução de casamento; mas pode mais tarde
suceder que a coabitação regresse, pelo que a lei estabelece situações de reinício da
presunção de paternidade:

→ Alínea a): reconciliação dos cônjuges (atenção: está incorreta a expressão "separação
judicial de pessoas e bens", pois hoje a separação pode ser judicial ou administrativa).
→ Alínea b): regresso do ausente.
→ Alínea c): no caso do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, pode suceder
que a parte que tenha intentado a ação não se consiga divorciar, nomeadamente por
não ter conseguido provar a causa alegada. Aí, a lei diz que a presunção se reinicia na
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data de trânsito em julgado da sentença que não decretou o divórcio, embora a


coabitação tenha cessado na data de citação do réu.

Art. 1832.º: a mulher casada pode fazer uma declaração, aquando do ato do registo do
nascimento, no sentido de que o seu marido não é o pai do filho, ou seja, basta isto para fazer
cessar a presunção. Se a mulher casada pode fazer cessar sempre a presunção mediante uma
simples declaração, então qual a utilidade do art. 1828.º?
→ Na hipótese específica do filho nascido nos 180 dias subsequentes, não é só a mãe que
pode fazer a declaração, logo temos aqui alguma utilidade do art. 1828.º;
→ Mas também, enquanto que no art. 1828.º, uma vez feita a declaração a presunção não
funciona, no art. 1832.º pode haver a possibilidade de renascimento da presunção
quando se prove que no período legal de conceção houve relações entre os cônjuges
que tornem verosímil a paternidade do marido da mãe – também funciona o art. 1831.º.

Este artigo 1832.º foi inserido posteriormente, pelo Reforma de 1977, e parece não fazer
muito sentido. Foi sobretudo pensada para os casos em que a mulher casada teve um filho,
mas já estava separada de facto há muitos anos, tendo outro companheiro: para tornar
possível que nem sequer funcionasse a presunção, a lei introduziu este preceito, dado que
antes o processo de divórcio era mais complicado.

Impugnação da paternidade presumida


A ação de impugnação da paternidade está prevista nos arts. 1838.º e segs. Esta matéria
foi profundamente alterada na Reforma de 1977, que veio facilitar esta ação, na linha da
tendência geral de tornar os mecanismos de estabelecimento da paternidade mais flexíveis:
por um lado, ampliou-se o número de pessoas com legitimidade ativa para propor estas ações;
e, por outro, alargou-se os fundamentos e facilitou-se a prova.

Quem tem legitimidade para propor esta ação? Nos termos do art. 1839.º/1, são as
pessoas envolvidas, implicadas, na relação de paternidade:

→ O marido da mãe – antes de 1977, era o único com legitimidade;


→ O filho – antes de 1977, argumentava-se contra a legitimidade ativa deste, visto que o
seu interesse seria sempre o de permanecer legítimo, e nunca o de rejeitar esse estado; a
discussão foi ultrapassada com o princípio da equiparação de filhos legítimos e ilegítimos,
e com o reconhecimento do direito fundamental à integridade pessoal
→ A própria mãe – esta tem um interesse pessoal e autónomo, que não se confunde com o
do marido, do filho, ou do pai natural, em ver corrigida uma atribuição de paternidade
falsa. Ao exercer o direito de impugnar, pode criar as condições para um futura
perfilhação pelo pai biológico, e pode ainda querer excluir o marido do poder paternal
sobre um filho que não é dele. A legitimidade foi alargada à mãe também por força do
princípio da igualdade entre os cônjuges, pois esta é uma questão familiar e conjugal; 4.
→ E ainda o Ministério Público, nos termos do art. 1841.º, a requerimento do terceiro que se
declara como pai do filho. Na sequência deste requerimento, o Ministério Público pode
intentar esta ação, mas só o faz depois de uma investigação mínima, que indique a
viabilidade da ação. Este regime parece ser aceitável pois abre uma via de verdade no
estabelecimento da filiação, ao mesmo tempo que rodeia a intervenção do terceiro de
cautelas tendentes a evitar prejuízos à família conjugal, cautelas estas que não vão ao
ponto de obstar uma impugnação que seja justificada; e é ainda aceitável por
reconhece ao pai natural o interesse e o direito de ver reconhecida a sua paternidade
verdadeira. Porém, PEREIRA COELHO não vê motivos para que, uma vez reconhecida
a viabilidade da ação pelo tribunal, não pudesse ser o próprio pai natural a intentar e
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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

conduzir a ação, tendo o Ministério Público uma legitimidade supletiva apenas nos casos
em que a impugnação não viesse a ser intentada por desinteresse do pai natural.

O legislador define a legitimidade passiva no art. 1846.º, com o intuito de fazer participar
no processo todos os principais interessados:

→ A ação deve dirigir-se contra o presumido pai, a mãe e o filho, em litisconsórcio. Sendo o
pedido formulado por um deles, deverá obviamente ser dirigido contra os outros. Na hipótese
de a ação ser intentada pelo Ministério Público, devem estar em juízo aqueles três sujeitos.
→ No caso de morte de algum dos legitimados passivos, aplica-se a regra do art. 1844.º.

Qual o objeto do processo? O regime tradicional era o das causas determinadas de


impugnação, ou seja, a lei tipificava as situações em que o autor podia obter uma sentença
de impugnação. Este sistema tornou-se alvo de muitas críticas, pois não permitia o livre
apuramento da verdade biológica, e o princípio da igualdade jurídica dos filhos deixou de
justificar que se procurasse manter a presunção de paternidade legítima.

Contrariamente à regra geral das presunções legais, que diz que as presunções legais
podem ser ilididas mediante prova em contrário (art. 350.º/2), não se vai provar a
impossibilidade de o marido da mãe ser o pai (que seria o que decorreria da regra geral); de
acordo com o art. 1838.º/2, o autor deve provar que é manifestamente improvável a
paternidade do marido da mãe. Com isto, o legislador furtou-se ao risco de uma eventual
tendência demasiado rigorosa da jurisprudência (antes da Reforma de 1977, exigia-se a prova
da impossibilidade); e quis que o tribunal exigisse a demonstração de uma improbabilidade
manifesta, que valesse como certeza para qualquer juiz razoável.

Há uma situação em que, curiosamente, a lei nem sequer exige prova: art. 1840.º/1 – a
mãe ou o marido podem impugnar a paternidade do marido do filho que nasceu nos 180 dias
subsequentes ao casamento. Em relação a filhos concebidos antes do casamento, quer a
mãe, quer o marido, podem intentar uma ação de paternidade sem ter de fazer prova, pois a
improbabilidade como que já resulta do próprio facto de o filho ter sido concebido antes do
casamento. Isto relaciona-se com o art. 1828.º: a mãe ou o marido podem afastar a presunção
através de simples declaração; porém, uma vez inserida a paternidade no registo, é necessária
uma ação judicial para a destruir (art. 3.º Código Registo Civil).

Os prazos estão previstos no art. 1842.º. Já falámos destes prazos a propósito da ação de
investigação da maternidade (a norma é a mesma): porque a lei quer que se saiba quem é o
pai, que se apure a verdade biológica na linha do princípio do primado da verdade biológica;
e em função do direito à identidade pessoal, alargou-se muito estes prazos.

→ Para o filho, de 10 anos após ter atingido a maioridade (antes, o prazo era de 1 ano).
→ Para o marido e a mãe, de 3 anos contados, respetivamente, de que teve conhecimento de
circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade e do nascimento (antes, o
prazo era de 2 anos)
→ Note-se que este artigo não se refere ao Ministério Público – porém, a caducidade opera
através do art. 1841.º/2, que determina que a impugnação depende do requerimento, que
tem de ser apresentado no prazo de sessenta dias a contar da data em que a paternidade
do marido da mãe conste do registo.

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c) Perfilhação
Noção e natureza jurídica
A perfilhação é o ato mediante o qual o pai (assume-se o biológico) declara ou assume a
sua paternidade em relação a um filho que não tem ainda a paternidade estabelecida. Esta
manifestação passa a constar do registo civil, e a paternidade considera-se estabelecida, com
efeito retroativo até à data do nascimento do filho.

→ Discute-se se este ato é um ato ou negócio jurídico – a perfilhação é um ato jurídico, através
do qual o declarante não causa mas desencadeia os efeitos jurídicos que se produzem por
força da lei.
fundamentos tradicionalmente apontados perderam hoje força, pelo que apenas se
Pode perguntar-se por que razão o ato de perfilhação é pessoal, (o estabelecimento
da maternidade não o é): são admitidas muitas pessoas a indicar a maternidade. Os

pode dizer que assentará no receio de que a mãe e o filho fossem tentados a fazer

→ Também se discute se este ato consiste numa declaração de vontade, ou numa declaração
de ciência. É mais correta a tese da declaração de ciência: esta não é uma declaração da
vontade de produção de efeitos, mas antes uma declaração de um facto, ao qual depois a
“ declarações de paternidade levianas ou intencionalmente falsas.

lei mandará aplicar as consequências jurídicas, que se produzem não ex vontade mas sim ex
lege.

Carateres
Quais as características deste ato?

→ unilateral: a mera atividade do perfilhante é suficiente para a perfeição e a validade do ato.


A isto não obsta o art. 1857.º: quando o filho for maior, é necessário o seu consentimento para
a eficácia da perfilhação, mas esta é sempre válida; nem o regime do art. 1833.º.
→ pessoal – art. 1849.º:
• não se destina a constituir, modificar ou extinguir relações patrimoniais.
• deve ser feito pelo próprio perfilhante, não se admitindo em princípio a procuração. Isto
embora a lei admita a procuração com poderes especiais - art. 1849.º, in fine.
→ livre – art. 1849.º:
• Significa, em primeiro lugar, que a perfilhação deve resultar de uma vontade esclarecida,
formada com exato conhecimento das coisas; e com liberdade exterior, sem a pressão de
violências ou ameaças (se a vontade tiver sido extorquida por coação ou esteja viciada
por erro, pode ser anulada).
• Num segundo sentido, parece que a lei quer dizer com "livre" que o perfilhante só perfilha
se quiser, ou seja, não existe um dever jurídico de perfilhar – de facto, foi sempre assim
que se entendeu. Mas PEREIRA COELHO adota um entendimento contrário, de que
existirá um verdadeiro dever jurídico de perfilhar: isto resulta, desde logo, do direito à
identidade pessoal, mas também de o interesse de saber quem é o pai ser um interesse
público (de tal modo que existe um processo de averiguação oficiosa da paternidade).
Assim, deveriam ser eliminadas todas as diferenças entre o regime de estabelecimento
da maternidade e o da paternidade que não se fundem em dificuldades de provas; e a
omissão culposa da perfilhação geraria um dever de indemnização nos termos gerais da
responsabilidade civil. O Professor entende que há um dever jurídico de perfilhar nas
hipóteses em que é possível intentar uma ação de investigação, pois se pode ser
condenado judicialmente a ser pai, tem alguma lógica que este tenha esse dever. Já nas
situações em que não é possível intentar uma ação, quer por ter passado o prazo, quer
por não ser possível fazer a prova, parece que não há um dever jurídico. Isto são matérias
muito discutidas e sujeitas a evolução.
→ puro e simples: não pode comportar cláusulas que limitem ou modifiquem os direitos que a lei
lhe atribui, sejam cláusulas típicas como a condição e termo, sejam cláusulas atípicas (art.
1852.º). A sanção para a aposição de uma destas cláusulas é a de as considerar não escritas.

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

→ irrevogável: se posteriormente vir a descobrir que não é pai, terá de impugnar a sua própria
perfilhação, mas não poderá revogá-la através de simples declaração em contrário que
cesse os seus efeitos, art. 1858.º. Se houver uma perfilhação através de testamento, a
perfilhação não é prejudicada pela sua revogação (o testamento é livremente revogável,
mas se se revogar o testamento esta não abrange a eventual filiação).

Formas possíveis
As formas possíveis estão previstas no art. 1853.º (se a perfilhação não constar de uma
destas formas, será nula por força do art. 220.º):

→ Declaração prestada no registo civil – é a forma mais comum (ou a declaração é


registada no assento de nascimento, ou, se for feita em momento posterior, á
averbada);
→ Testamento – se este for nulo por vício de forma (mas já não por vício material),
também será nula a perfilhação;
→ Escritura pública;
→ Termo lavrado em juízo – o caso típico é aquele em que o pretenso progenitor
confirma a paternidade no curso de uma averiguação oficiosa (art. 1865.º/2 e 3),
apesar de poder ocorrer no curso de qualquer ação judicial.

A perfilhação pode ser estabelecida a todo o tempo, art. 1854.º, mas com algumas ressalvas:

→ Tratando-se da perfilhação de filho maior, o art. 1857.º prevê que este tenha de dar o seu
consentimento, que é condição de eficácia (mas não de validade) da perfilhação. PEREIRA
COELHO levanta algumas dúvidas acerca deste regime:
• A preservação do bom nome ou da esfera de relações do filho maior contra a investia
tardia de um progenitor indecoroso (fundamentos tradicionais deste regime) debatem-se
hoje com a recente hiperbolização da verdade biológica.
• Não está previsto um controlo equivalente que aproveite ao filho menor; nem quanto ao
estabelecimento da maternidade. Assim, este regime só pode ser encarado como uma
exceção insólita, que ou não deveria existir num sistema puramente biologista, ou devia
estar acompanhado de outras exceções em casos paralelos.
→ A perfilhação é admitida mesmo depois da morte do filho, art. 1856.º. No entanto, para
impedir que o perfilhante pudesse retirar daqui vantagens, a eficácia da perfilhação só se
verifica em relação aos descendentes do perfilhado.

Impugnação e anulação
A perfilhação pode ser anulada com fundamento em erro ou coação, ou em
incapacidade, com os regimes constantes doas arts. 1860.º, 1861.º e 1862.º. A capacidade
para perfilhar consta do art. 1850.º.

E se a perfilhação não corresponder à verdade – ou inicialmente falsa, ou por o indivíduo ter


descoberto mais tarde que não era o pai? A lei prevê uma ação de impugnação de perfilhação,
art. 1859.º, que constitui o modo de controlar a verdade do reconhecimento (um controlo prévio
teria vários inconvenientes). Apesar de se chamar “impugnação da perfilhação”, o que na
verdade se está a fazer é impugnar a paternidade estabelecida por perfilhação.

Quanto à legitimidade ativa, esta é conferida:

→ Ao perfilhante – quer no caso em que se enganou, quer no caso daquele que perfilhou ainda
que soubesse que não era o progenitor. Esta última possibilidade justifica-se pelo facto de a
lei não querer a permanência de um vínculo que poderá trazer prejuízos ao próprio filho, e

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

pela prevalência do interesse público da verdade biológica. No entanto. PEREIRA COELHO


defende que o perfilhante faltoso poderá ter de indemnizar o perfilhado pelos danos
causados (obrigação que se pode fundar na obrigação de alimentos, no abuso de direito ou
na perfilhação ilícita).
→ Ao perfilhado.
→ A quem tiver interesse, moral ou patrimonial, para impugnar – no primeiro caso caberá a mãe
e no segundo os herdeiros, por exemplo.
→ O Ministério Público – PEREIRA COELHO critica, mais uma vez, esta legitimidade,
defendendo que o interesse público da verdade biológica não pode prevalecer em
absoluto, devendo admitir-se a ponderação, por exemplo, do interesse da estabilidade das
relações familiares.

Qual o objeto do processo?

→ Deve provar-se que o perfilhante não é o progenitor do indivíduo perfilhado, ou seja, o


fundamento do pedido é a desconformidade entre a verdade biológica e a verdade jurídica
. O autor pode usar qualquer meio de prova, sendo hoje as provas científicas as indicadas.
Vale aqui o sentido do art. 1839.º/2.
→ O art. 1839.º/3 estabelece uma inversão do ónus da prova: quando seja a mãe ou o filho a
impugnar, permite-se que estes impugnem a relação estabelecida sem prova da não-
paternidade – a impugnação “por mera negação”. Assim, só terão de provar que o
perfilhante não é pai se este demonstrar que é verosímil a sua paternidade, ou seja, o ónus da
prova cabe assim ao perfilhante num primeiro momento. Pretende-se assim facilitar a
eliminação das paternidades falsas.

Esta ação pode ser intentada a todo o tempo, o que demonstra o interesse público da
procura da verdade biológica (n.º 2, 1ª parte).

d) Referência à averiguação oficiosa da paternidade


Também no estabelecimento da paternidade há um processo de averiguação oficiosa da
paternidade, no caso de haver um registo omisso quanto à identidade do pai. O processo de
averiguação segue as mesmas regras e tem o mesmo espírito do da maternidade, previsto nos
arts. 1864.º e segs.:

→ Se a conservatória do registo civil nota a falta do estabelecimento da filiação, deve abrir um


processo com os elementos que permitam averiguar a identidade e mandá-lo para o
tribunal.
→ O tribunal competente inicia as averiguações, através do curador.
→ Se este não conseguir obter qualquer indicação útil da parte da mãe ou da pessoa que
declarou o nascimento, ou seja, se não obtiver o nome de um pai possível, o curador
arquivará o processo.
→ Se conseguir obter o nome de um eventual pai (é o mais frequente), este será convocado e
confrontado com a possibilidade de ser o progenitor verdadeiro. Se se convencer de que é
pai e se proponha a assumir o estado correspondente, será feita uma perfilhação, na forma
de termo lavrado em juízo.
→ Se o progenitor possível não se convencer ou, mesmo após a produção de provas científicas,
persistir em não assumir o estado correspondente, o curador promoverá uma ação de
investigação da paternidade.

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

Tal como acontecia no da maternidade, este processo não constitui um modo autónomo
de estabelecimento de paternidade, mas sim um procedimento instrumental que pode acabar
numa perfilhação ou numa ação de investigação, esses sim, meios autónomos.

Também aqui a averiguação é proibida nos mesmos dois casos - art. 1866.º:

→ Alínea a): a mãe e o pai são parentes próximos. A averiguação oficiosa já se fez, só assim se
chegou a esta suspeita; o que não pode ter lugar é a ação intentada pelo Ministério Público.
Admite-se a averiguação, mas não a ação.
→ Alínea b): a data de nascimento tiver ocorrido há mais de dois anos, não há interesse em
ocupar os recursos do Estado.
→ O art. 1867.º prevê um caso em que excecionalmente, ainda que o nascimento tenha
ocorrido há mais de 2 anos, pode haver averiguação oficiosa e ação de investigação: se
tiver havido cópula comprovada em processo crime.

e) Reconhecimento judicial da paternidade


Este meio de estabelecimento da paternidade, previsto nos arts. 1869.º e segs., sofreu uma
grande revolução com a Reforma de 1977: antes, a própria propositura da ação de
investigação era muito limitada, pois para ser possível um filho intentar uma ação, a lei fixava
certos pressupostos taxativos de admissibilidade. Hoje, reconhecendo-se o direito à identidade
pessoal, e por força do princípio da não discriminação entre filhos nascidos fora e dentro do
casamento, a lei deixou de pôr este tipo de entraves à investigação da maternidade, pelo que
desapareceram os pressupostos de admissibilidade.

Legitimidade ativa
Esta cabe a duas entidades, filho e Ministério Público.

→ Também aqui (à semelhança da de maternidade) estas ações de investigação são ações


pensadas para serem propostas pelo filho. Todavia, acontece que aqui é só praticamente
este que pode intentar a ação, ao contrário do que sucede na maternidade. Só tem
legitimidade o filho capaz; no caso de ser incapaz, a representação caberá à mãe (1869.º, se
a maternidade ainda não estiver estabelecida, será representado pelo Ministério Público).
→ O único caso em que outra pessoa, que não o filho, pode intentar a ação é o caso do
processo de averiguação oficiosa, quando o suspeito pai não quer perfilhar e o tribunal
continua convencido que é ele o pai. Aí, o Ministério Público pode, no termo do processo de
averiguação, intentar esta ação.

Prova
O ónus da prova cabe ao filho, de acordo com as regras gerais. A prova da maternidade
é mais fácil, uma vez que é um facto exterior – parto e identidade da parturiente. Como se faz
a prova da paternidade? Existem três meios de prova.

1) As questões da prova da paternidade têm sofrido uma certa revolução, pelo


aparecimento e divulgação dos métodos científico-laboratoriais, nomeadamente o
confronto de ADN. Dá-se a esta prova o nome de prova direta da paternidade, através
de métodos científico-laborais.
• Havia tempos em que os tribunais recusavam estas provas, pois nunca havia 100% de
certeza; exigia-se a prova da coabitação durante o período de conceção. Esta
tendência foi aos poucos sendo abandonada.
• Questão que se discute muito é a de saber se, caso o filho intente uma ação contra o
suposto pai mas este não quiser dar os elementos necessários para a prova do ADN,

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

pode o tribunal forçar o pai a dar elementos orgânicos. Não pode haver provas
extorquidas fisicamente (antigo art. 519.º do Código do Processo Civil), logo o pai não
pode ser coagido fisicamente a fornecer elementos orgânicos. Se o pai se recusar a
colaborar na descoberta da vontade, incorre em consequências, designadamente terá
de pagar uma multa.
• Há autores que defendem que, como neste caso a prova da paternidade só não se fez
porque o pai se recusou, funciona a norma no CPC sobre a repartição do ónus da prova
que diz que, quando a parte contrária tiver culposamente impossibilitado a prova pelo
onerado, o ónus da prova inverte-se, como que se presumindo o facto que se queria
provar e não se conseguiu. Isto é discutido; PEREIRA COELHO (pai) defende esta
visão, mas PEREIRA COELHO (filho) tem dúvidas – quando o pai se recusa a dar o
seu ADN, impossibilitou a prova por aquele meio direto, mas subsistem (pelo menos em
abstrato) outros meios de prova.
2) Há casos em que não é possível obter a prova direta, recorrendo-se assim à prova
indireta, a única prova tradicionalmente admissível antes da divulgação dos métodos
científicos. É constituída por dois elementos:
1. Coabitação: tem de se provar que, durante o período legal de conceção,
houve relações entre a mãe e o pretenso pai.
2. Coabitação em exclusividade: é ainda necessário fazer-se prova de que a mãe
só teve relações com o pai.

Uma vez provado este duplo facto, está provada indiretamente a paternidade. Houve
um período em que os tribunais decidiram que bastaria a prova da coabitação, e não
a coabitação em exclusividade, uma vez que se presumiria judicialmente a fidelidade
da mulher. O ónus de provar o facto positivo de uma coabitação concorrente caberia
ao réu. Esta divergência originou a produção de um Assento do Supremo Tribunal de
Justiça, em 1983, que veio confirmar a necessidade de se fazer a prova da coabitação
em exclusividade. Com o desenvolvimento dos métodos científicos, os autores vieram
assim fazer uma interpretação restritiva deste Assento, no sentido de que, quando a
filiação pudesse ser demonstrada por meios científicos, se prescindia da prova da
exclusividade, bastando a prova da coabitação conjugada com a prova laboratorial
(“coabitação causal”). Hoje, admite-se apenas a prova da paternidade apenas com
fundamento nos métodos científicos, a prova direta. Há autores que rejeitam a
pertinência da prova indireta, defendendo que o Assento de 1983 foi revogado pela Lei
n.º 21, de 1998: esta veio acrescentar à lista de factos que desencadeiam a presunção
de paternidade a prova das relações entre o réu e a mãe do filho.

3) Mas mesmo esta prova, da existência de relações entre a mãe e o pretenso pai no
período da coabitação, e sobretudo a prova da fidelidade, pode ser difícil. Assim, a
Reforma de 1977 veio prever certas situações de facto que desencadeiam presunções
de paternidade – art. 1871.º. Note-se que estas presunções só funcionam dentro da
ação de investigação da paternidade, e correspondem às anteriores condições de
admissibilidade desta ação, tendo hoje um significado diferente – assumem o valor de
índices de verdade biológica, factos expressivos de uma probabilidade forte, que
beneficiam o investigante. Quais os factos constitutivos da presunção de paternidade
(art. 1871.º/1)?
• Alínea a): refere-se à hipótese de posse do estado de filho. Sabemos que a posse de
estado é composta por três elementos constitutivos:
o O pai reputa-o como filho – nomen. Reputar como filho significa estar convencido
da paternidade, considerar ou pensar que outrem é seu filho

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maior parte dos casos, os pretensos pai e filho viveram separados, mantiveram o O pai trata-o como filho – tractatus.
contactos discretos, logo são suficientes alguns gestos expressivos, praticados
Tratar como filho é proceder para com uma pessoa como os pais procedem

o O filho é reputado como tal pelo público – fama.


com os filhos; apesar de alguns atos de reputação serem também atos de
tratamento, a reputação e o tratamento são dois requisitos diferentes. Na

• Alínea b): existência de escrito no qual o pai declare inequivocamente a sua


paternidade, que interessa pelo valor de probabilidade do vínculo biológico que se
possa atribuir à declaração, e não pelo seu valor formal. Estas duas primeiras alíneas
traduzem uma hipótese de confissão, de declaração voluntária.
• Alínea c): quanto tenha existido uma relação de união de facto ou uma relação de
concubinato duradoura no período legal de conceção. A lei presume a exclusividade.
Não é exigível que a relação dure por todo o período legal de conceção (art. 1800.º, que
admite a divisibilidade deste período).
• Alínea d): quando o pai tenha seduzido a mãe no período legal da conceção, num
ao longo de vários anos.

quadro em que terá abusado da sua inexperiência ou com promessas de casamento, a


lei presume que, como a sedução se deu num quadro de abuso, a jovem só terá tido
relações sexuais com aquele homem.
• Alínea e): a Lei 21/98 veio acrescentar um novo facto-base da presunção, segundo o
qual a paternidade se presume quando se prove que o pretenso pai teve relações
sexuais com a mãe durante o período legal de conceção. Assim, basta a prova de um
ato sexual isolado. Notas:
o Esta será uma presunção com um carácter diferente das outras, pois só mostra a
possibilidade de o réu ser o pai.
o Isto parece algo contraditório, pondo em causa as outras presunções. Como
interpretar? Esta alínea foi acrescentada posteriormente, sob pressão de certos
grupos, alegando que é cada vez mais fácil os pais investigados provarem a sua
não paternidade através das provas científicas. Assim, a lei decidiu facilitar
também a vida ao investigante, já que o investigado pode facilmente provar o
contrário. Por outro lado, também se quis contrariar as faltas aos exames científicos
que se vinham a tornar frequentes – ao presumir -se a paternidade, inverte-se o
ónus da prova e o réu passa a ter interesse em colaborar.
o Quais as consequências para o nosso ordenamento? As alíneas c) e d) ficam
desprovidas de utilidade, pois basta a prova das relações sexuais. pode-se dizer
que as presunções destas alíneas são mais fortes, todavia esta "intensidade" das
presunções não está na lei.

Verificado estes factos previstos nas cinco alíneas, presume-se a paternidade, pelo que o
ónus da prova passaria a cair sobre o pai investigado. Se, nos termos gerais do direito civil, as
presunções são ilididas mediante prova em contrário (art. 350.º/2), não é isto que sucede na
investigação da paternidade. O legislador estabeleceu que o réu pode ilidir a presunção legal
de paternidade com alegações de que resultem dúvidas sérias; não se exige a prova de que
não é o pai – art. 1871.º/2. Esta norma foi acrescentada com a Reforma de 1977, pretendendo
criar um regime suave para o réu uma vez que não estavam generalizadas como hoje as
provas científicas e poderia ser difícil provar o contrário. Claro que, se o réu recorrer a uma
prova negativa de paternidade, este preceito não terá utilidade; pode, no entanto, servir para
aqueles casos em que ele pretende recorrer a esse meio mas não obtém a colaboração da
mãe e do filho.

Prazos (remissão)
Aplicam-se os mesmos prazos do reconhecimento judicial da maternidade (ver página 68 e
seguintes).

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C. Efeitos da filiação
1. Princípios gerais; deveres recíprocos; especiais
direção, conteúdo e intensidade desses deveres
quando o filho é menor
O desenho legal da relação entre pais e filhos é, a partir da Constituição de 1976 e da Reforma
de 1977, orientada pelo modelo da pequena família, de feição igualitária e democrática, assente
na afetividade, solidariedade, respeito e auxílio mútuos. Nos termos do art. 1874.º, existe um dever
recíproco de respeito, auxílio e assistência entre os pais e filhos. O n.º 2 densifica o dever de
assistência, que compreende a obrigação de prestar alimentos; e, se viverem juntos, existe uma
obrigação genérica de pais e filhos contribuírem para os encargos da vida em comum.

É certo que estes deveres são recíprocos, mas também é verdade que:

→ Assumem uma configuração específica em relação aos pais.


→ Assumem um conteúdo específico, o das responsabilidades parentais. As responsabilidades
parentais consistem no complexo de direitos e deveres que a ordem jurídica concede ou
impõe a ambos os pais para que estes, no seu exercício, cuidem de todos os aspetos
relacionados com a pessoa e os bens dos filhos menores de idade no interesse destes últimos
(art. 1878.º/1). A estes direitos e deveres corresponde o dever de obediência dos filhos menores
de idade (n.º 2), que todavia não se traduz numa anulação da personalidade do filho.
→ São mais intensos na menoridade.

Ainda dentro das normas gerais, o art. 1875.º regula as questões atinentes ao nome do
filho: se não houver acordo entre os pais, o n.º 2 estabelece uma daquelas exceções em que o
juiz pode intervir. O art. 1876.º prevê um caso específico, em que a paternidade do filho não
está estabelecida: se isto acontecer e a mãe estiver casada, pode-se atribuir ao filho apelidos
do marido da mãe, se esta o declarar no registo civil. No entanto, nos 2 anos seguintes à sua
maioridade, o filho pode pedir que estes sejam eliminados.

2. Responsabilidades parentais
a) Noções fundamentais
Estas responsabilidades parentais, tratando-se de uma responsabilidade e não de um
direito subjetivo, são irrenunciáveis e intransmissíveis. É o princípio da irrenunciabilidade das
responsabilidades parentais, art. 1882.º.

Evolução terminológica
A expressão "responsabilidades parentais" é uma expressão recente, tendo sido introduzida
com a Reforma de 2008. Antes da reforma, estes "poderes-deveres" (os pais têm certos poderes
sobre os filhos, mas esses poderes têm de ser exercidos no interesse do filho) recebiam o nome
de poder paternal. A que se deve esta evolução terminológica?

→ “poder” traz consigo a carga ideológica do poder de domínio ilimitado e arbitrário do pai
traduzido na completa sujeição do filho aos seus desígnios; na verdade, falamos antes num
conjunto de poderes funcionais, atribuído pela ordem jurídica aos pais para que eles possam
desempenhar a sua função de cuidar dos filhos, e que não podem ser exercidos livremente,

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mas sim do modo e na medida em que o interesse do filho o exigir. A lei quis apenas clarificar
esta situação.
→ “paternal” poderia sugerir que é apenas do pai, pelo que a lei quis evitar esta ambiguidade.

Duração
Quanto tempo é que dura as responsabilidades parentais?

A regra geral é a de que as responsabilidades parentais devem ser exercidas até à


maioridade do filho ou até à sua emancipação, art. 1877.º. Todavia, pode haver situações
excecionais:

→ Casos em que cessam mais cedo, art. 1879.º: os pais deixam de custear as despesas dos filhos
menores na medida em que estes estejam em condições de se sustentar, nomeadamente se
já trabalharem. Tal como pode acontecer que, mesmo que não trabalhe, o menor tenha
bens (esta hipótese é algo improvável: por exemplo, se o filho receber uma grande herança).
Assim, nas situações em que o filho esteja em condições de suportar, por produto do seu
trabalho ou outros bens, os seus encargos, as responsabilidades parentais cessam mais cedo,
na medida em que os pais deixam de ter a obrigação de custear as suas despesas.
→ Casos em que cessam mais tarde, art. 1880.º: pode acontecer que esta responsabilidade de
pagar as despesas do filho se prolongue para além dos 18 anos, se no momento em que
atingir a maioridade este não tenha completado a sua formação profissional. Isto só sucede
na medida em que estejam verificadas duas condições:
• Seja razoável exigir aos pais o pagamento dessas despesas;
• Sobretudo, apenas pelo período que seja normalmente necessário para completar a
formação.

Modo de exercício
Tratando-se de poderes-deveres ou poderes funcionais, as responsabilidades parentais não
podem ser exercidas livremente, mas sim do modo e na medida em que o interesse do filho o
exigir. Numa palavra, os pais devem exercer as responsabilidades no interesse do filho. Esta
ideia do primado do interesse do filho informa todo este regime das responsabilidades
parentais, nomeadamente o art. 1878.º/1.

Obviamente que existe, de certa forma, um poder dos pais sobre os filhos – tanto é assim
que a lei estabelece, no art. 1878.º/2, que os filhos devem obediência aos pais (sem que isto
implique, como vimos, uma submissão total). Aliás, durante algum tempo, o Código Civil tinha
uma disposição que admitia a “correção física”, que foi obviamente eliminada. Hoje, o Código
Penal criminaliza os maus-tratos a filhos.

Finalidades
Podemos dizer que há fundamentalmente duas finalidades, de sinal contrário:

→ Finalidade protetiva: os pais devem cuidar do filho, protegendo a sua integridade física, a sua
integridade moral e o seu equilíbrio emocional (art. 1878.º/1, 1ª parte). No entanto, a
finalidade da proteção visa também a proteção do património do filho (2ª parte) –
simplesmente, esta finalidade de proteção não tem hoje o relevo que teve no passado.
→ Finalidade de promoção da independência: os pais devem ainda habilitar os filhos para a sua
autonomia pessoal e independência económica, favorecendo o pleno desenvolvimento das
suas competências (art. 1885.º/1).

Como se relacionam estas duas finalidades? Inicialmente, os pais cuidam essencialmente


dos filhos; à medida que este cresce, a finalidade protetiva vai desaparecendo, dando lugar à
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outra. Existe aqui uma relação de tensão, de proporcionalidade inversa: quanto mais
protegem, menos promovem a independência; e vice-versa. Estas duas finalidades não se
apresentam, porém, com o mesmo peso quanto ao modo de exercício das responsabilidades
parentais – este é um instituto principalmente orientado para a proteção do filho.

b) Conteúdo, ideias gerais


Quais os poderes-deveres que integram o conteúdo das responsabilidades parentais? Estes
não são exaustivamente enumeráveis, variando, naturalmente, com as particulares
necessidades dos filhos, as circunstâncias reais em que se encontra, etc. No entanto, podemos
identificar algumas “linhas de força”, suscetíveis de serem concretizadas, que são as que se
encontram no art. 1878.º. Aqui estão vertidos os principais aspetos em que se manifesta o
conteúdo das responsabilidades, dividindo-se em aspetos de natureza:

→ Pessoal (gestão da pessoa)


→ patrimonial (gestão dos bens)

Concebendo -se as responsabilidades parentais como tradução jurídica da relação de


proximidade existencial entre pais e filhos, a primazia tem de ser dada ao plano pessoal.

Responsabilidades parentais de natureza pessoal


1) Poder-dever de guarda: o poder-dever de guarda, entendido num sentido restrito traduz-se
no direito de ter o filho em sua companhia, de fixar a residência do filho e de exigir que ele aí
permaneça. O art. 1887.º afirma o princípio segundo o qual os menores não podem
abandonar a casa:
→ Esta obrigação é imposta ao filho, que não deve abandonar a casa; e também aos
terceiros e ao Estado, como dever de o não retirar daquela (n.º 1).
→ Os pais, no sentido de fazer cumprir tais deveres, podem recorrer ao tribunal ou à
autoridade competente (n.º 2).
→ A este direito dos pais corresponde necessariamente um dever, o de ter o filho em sua
companhia, criando as condições materiais e morais para terem o filho em casa.
2) Poder-dever de vigilância: apresenta-se intimamente ligado ao poder-dever de guarda.
Traduzindo-se este último no dever de ter o filho em sua companhia, este assegura a
possibilidade de vigiar e controlar o filho, afastando-o de situações de perigo.
3) Poder-dever de manutenção: este reconduz-se à obrigação de alimentos dos pais para
com o filho menor, que não se confunde com a obrigação geral de alimentos entre parentes
(art. 2003.º e segs.). Esta é uma obrigação muito mais densa, que se traduz na assunção pelos
pais de prover às necessidades relacionadas com a alimentação, saúde, segurança e
educação do filho – art. 1879.º. Notas:
→ Já vimos que esta obrigação pode cessar mais cedo, se o filho conseguir suportar as
suas despesas com o produto do seu trabalho ou outros rendimentos (art. 1879.º, in
fine)
→ O art. 1896.º consagra a possibilidade dos pais, no exercício de tal poder-dever, utilizarem
os rendimentos dos bens do filho menor. Esta norma pretende ser a tradução e uma nova
ideia de família, cujos membros se encontram vinculados por laços afetivos e por direitos
e deveres recíprocos, nomeadamente o de assistência (art. 1874.º/2).
4) Poder-dever de velar pela saúde: este poder-dever reconduz-se a duas dimensões.
→ A primeira relaciona-se com o dever de fornecer uma alimentação saudável, observar
as regras de higiene, assegurarem cuidados médicos essenciais, etc.

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Diana Esteves | Direito da Família e dos Menores |2019-2020

→ A segunda traduz-se no direito e no dever de decidir pelo filho no que respeita a


intervenção cirúrgica ou tratamento médico, ou seja, de dar a autorização para a
prática destes atos médicos.
5) Poder-dever de educação: este é o poder-dever principal, sendo todos os outros
instrumentais em relação a ele, ou seja, aparecem como manifestações da realização e
desenvolvimento da função educativa.
→ Há uma norma específica, o art. 1885.º, que enuncia mais algumas ideias sobre a
responsabilidade educativa dos pais: educar é promover o desenvolvimento físico,
emocional e intelectual dos filhos. Traduz-se não só na promoção do desenvolvimento
das faculdades físicas e intelectuais, mas também na promoção da aquisição de
competências técnicas e profissionais, bem como na sua formação moral, religiosa,
cívica e política – ou seja, a educação é a atividade dirigida à formação da
personalidade do filho. Esta promoção é feita atendendo às aptidões e inclinações
dos filhos.
→ O art. 1886.º diz respeito à opção religiosa do filho. Tendo em conta a ponderação de
valores em causa, a lei dispõe no art. 1886.º que os pais podem impor uma religião aos
filhos, no entanto apenas até aos 16 anos.

Responsabilidades parentais de natureza patrimonial


Nas responsabilidades parentais de natureza patrimonial, temos dois aspetos – o poder de
representação e o poder de administração.

1) Poder de representação: os pais representam os filhos nos atos jurídicos que estes tenham
de praticar. O art. 1881.º diz-nos em que consiste este poder de representação, sendo que
este não se verifica em relação aos seguintes atos:
→ Atos puramente pessoais:
• A partir dos 16 anos, os menores adquirem capacidade para casar e perfilhar.
• Em relação a outros atos de natureza especificamente pessoal, como uma
intervenção jurídica, a doutrina defende que nestas matérias o menor adquire
capacidade mais cedo. Há uma norma do CP que diz que o consentimento é
válido como causa de exclusão de ilicitude se o menos tiver mais de 16 anos e
tiver capacidade para compreender o alcance das coisas – podemos aproveitar
para aqui esta ideia.
→ Atos que o menor pode praticar livremente: estão previstos no art. 127.º.
→ Atos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais: pode haver bens
do filho que não estejam entregues à administração dos pais, art. 1888.º (exemplo:
bens deixados em testamento em que se diga que estes serão administrados pelo
menor e não pais; e bens adquiridos pelo trabalho).

Mas há limites ao próprio exercício do poder de representação:

→ O interesse do filho é uma limitação genérica, pois é com base nele que as
responsabilidades parentais têm de ser exercidas
→ Para além desta limitação, é enunciada uma série de atos que os pais, como
representantes, apenas podem praticar com autorização do tribunal – art. 1889.º. Tem
de haver um certo controlo do poder representativo dos pais, em relação aos atos mais
graves que estão enunciados. Atenção que uma das competências que o DL 272/2001
transferiu dos tribunais para, neste caso, o Ministério Público foi precisamente esta: assim,
já não compete ao tribunal autorizar estes atos, mas sim ao Ministério Público.
→ Note-se o n.º 2 deste artigo: os pais podem aplicar o capital do menor na aquisição de
bens.
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2) Poder de administração dos bens dos filhos: se os filhos tiverem bens, quem os administra
são os pais, com exceção dos bens excluídos da administração, previstos no art. 1888.º. Notas
essenciais:
→ O art. 1895.º/1 diz que há certos bens que, embora sejam produzidos pelo filho,
pertencem aos pais: são os bens produzidos pelo trabalho prestado aos pais e com
capitais pertencentes a estes. Já o n.º 2 estabelece que, se o filho trabalhar para os
pais, estes não têm de pagar um salário, mas têm a obrigação de compensar o filho
pelo trabalho, que é uma obrigação natural.
→ Art. 1896.º: normalmente, os rendimentos dos bens do administrado revertem para o
património do administrado e não para o administrador. Também deveria ser assim em
relação à administração dos bens dos filhos pelos pais; simplesmente sempre houve,
na nossa lei, regras especiais para os rendimentos dos bens dos filhos. Antes de 1977, os
pais tinham o usufruto legal dos rendimentos dos bens dos filhos, ou seja, os
rendimentos passavam a pertencer aos pais. Este usufruto legal desapareceu, porém
os pais podem utilizar os rendimentos dos bens dos filhos para o seu sustento, mas
ainda para satisfazer necessidades da vida familiar (onde se incluem os pais). Os bens
não revertem só no interesse do filho, mas no interesse da vida familiar. Não temos aqui
um comum administrados de bens alheios, pois aqui os rendimentos podem reverter
de alguma forma para ele.
→ Outra situação em que o critério estabelecido é o inverso ao geral é a do art. 1897.º. O
padrão de diligência que a lei costuma adotar na administração é a do homem
médio; logo seria de pensar que na administração dos bens dos filhos a lei exigisse um
maior cuidado. Mas não: a diligência que os pais são obrigados a utilizar é apenas a
diligência que usariam na administração dos seus próprios bens. Isto porque a lei
confia mais nos pais, logo não lhe exige muito, contentando-se com isto.
→ Art. 1898.º e 1899.º: a lei dispensa os pais de prestar caução. Normalmente, o
administrador privado tem de prestar uma caução quando inicia a administração,
como uma garantia de que irá fazer uma boa administração; e tem de prestar contas
finais. Aqui, a lei dispensa quer a caução inicial, quer a prestação de contas final.

c) Exercício
Havendo dois corresponsáveis, como se articula as responsabilidades entre eles?

Na constância do casamento
Regem os arts. 1901.º e 1902.º. O art. 1901.º fixa o princípio segundo o qual as
responsabilidades pertencem a ambos os pais. E como as exercem?

→ O n.º 2 diz-nos que os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo:


à partida, todos os atos que integram as responsabilidades exigem comum acordo -
princípio da exigência de acordo. Nos casos de desacordo entre os progenitores
casados em relação à forma de exercício das responsabilidades, a lei prevê a
possibilidade de recorrer ao tribunal (uma das situações excecionais em que a lei o
permite). Se o juiz não conseguir que cheguem a acordo, ouve o filho antes de decidir
(n.º 3), salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem. Antes de 2008, o
Tribunal apenas ouviria o filho maior de 14 anos.
→ Mas não se pode exigir o acordo dos pais em relação a tudo: assim, a lei fixa no art.
1902.º uma presunção de acordo quando o progenitor age sozinho, a não ser que a
lei exija expressamente o acordo ou se trate de um ato de particular importância.

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Os arts. 1903.º e 1904.º preveem as hipóteses de impedimento de um dos pais ou morte de


um deles, nas quais será ao cônjuge não impedido ou sobrevivo que caberá o exercício
exclusivo das responsabilidades.

Em caso de divórcio, separação ou invalidade


Aplicam-se aqui os arts. 1905.º e 1906.º, que sofreram profundas alterações com a Lei
61/2008. Temos três questões fundamentais a responder.

Quem paga as despesas do filho? Em princípio, ambos terão a obrigação de custear as


despesas com a educação, saúde, etc. do filho, dentro das possibilidades de cada um –
art. 1905.º. Esta questão deverá ser regulada por acordo, sujeito a homologação, que será
recusado se não corresponder ao interesse do filho (a lei esqueceu-se de mencionar o
caso em que é regulado pelo tribunal e não por acordo). Poderá aqui haver obrigação de
prestar alimentos, que normalmente caberá ao progenitor com direito de visita.

Com quem é que o filho ficará a viver? Com a Lei 61/2008, já não se fala de "guarda". O
Código Civil praticamente não regula este aspeto, mas apenas pressupõe que o filho,
após o divórcio, será entregue a um dos progenitores, ficando o outro com direito de visita
– art. 1906.º/5. Isto é o que normalmente acontece após o divórcio, sendo o progenitor
residente a mãe. Há um outro diploma que prevê estes aspetos em maior pormenor
("Organização Tutelar dos Menores"). Com a Reforma de 2008, acentuou-se aqui a
responsabilidade decisória do Tribunal, sendo o acordo entre os pais quanto a este aspeto
remetido para segundo plano.
Note-se que, noutros sistemas, se permite a "guarda alternada": em vez de o filho ficar a
residir com apenas um dos cônjuges, admite-se que o filho fique por períodos iguais a
residir alternadamente com os progenitores, por forma a pô-lo em contacto com os dois
progenitores de igual modo. Não sendo este o sistema geral, nem o sistema pressuposto na
nossa lei, é possível. A lei não proíbe a isto, aliás, está no próprio espírito do nosso sistema
(art. 1906.º/7) que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do filho,
preocupando-se que este mantenha uma relação de proximidade com ambos os
cônjuges. O regime da residência alternada cabe assim no espírito do nosso sistema: se os
progenitores optarem pelo regime de guarda alternada em condições de igualdade, e o
tribunal entender que este serve o interesse do filho, deve ser homologado pelo tribunal.

Mas a questão que mais problemas levanta, e que está regulada em pormenor no nosso
Código, é a seguinte: quem toma as decisões quanto à vida do filho? Podemos destacar
dois passos na evolução inicial desta matéria:
→ Reforma de 1977: introduziu o sistema de que o progenitor ao cuidado de quem o filho
fosse entregue é que decidia as questões relativas à vida do filho. Na prática, sendo os
filhos entregues à mãe, era esta que decidia as questões. Ao outro progenitor cabia,
nos termos da lei, o direito de "vigiar" a forma como o progenitor residente exercia as
suas responsabilidades.
→ Aos poucos, este sistema começou a ser contestado – o pai deveria ter o poder de
decidir. Assim, através da Lei 84/95 (posteriormente alterada pelo DL 59/99), introduziu-
se uma primeira alteração no sistema: o progenitor não residente poderia ser
chamado a decidir em certas questões, se os cônjuges o tivessem fixado no acordo
das responsabilidades parentais. O regime do exercício unilateral das
responsabilidades deixou de ser imperativo e passou a ser supletivo, podendo ser
afastado pelo acordo dos progenitores.

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A reforma de 2008 trouxe grandes alterações nesta matéria:

→ A regra passou a ser a de que, em relação às questões de particular importância, as


responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores – art.
1906.º/1. Esta é a regra, em princípio com carácter imperativo, embora possa ser
afastada em certas situações excecionais: situações de urgência, ou situações em
que o exercício em comum das responsabilidades possa afetar o interesse do filho (por
exemplo, situações em que os pais não se falem). Aqui, o tribunal pode, através de
decisão fundamentada, determinar que as responsabilidades serão exercidas por um
dos progenitores, mesmo em relação às questões de particular importância – art.
1906.º/2.
→ Além destas questões de particular importância, há outras – o Código diz, no n.º 3, que
o exercício das responsabilidades parentais em relação às questões de vida corrente
é decidido pelo progenitor com quem o filho está naquele momento. Estes conceitos
de "questões de vida corrente" e "questões de particular importância" são altamente
discutidos.
→ Simplesmente, a lei diz ainda no n.º 3 que o progenitor com direito de visita tem de
respeitar as orientações educativas decididas pelo progenitor. Assim, a lei atribui a
competência unilateralmente ao progenitor residente de definir as orientações
educativas fundamentais do filho, devendo entender-se aqui a "educação" em
sentido amplo (atividades extracurriculares, horários do estudo, horas de ir para a
cama, etc.).

Outras notas acerca da Reforma de 2008:

→ Destaca-se ainda o n.º 6 do art. 1906.º, que impõe ao progenitor que exerce as
responsabilidades parentais, ou que atue sozinho, um dever de prestar informações ao
outro (também n.º 1, in fine); e o n.º 7, que explicita o critério de decisão do tribunal, no
sentido do interesse do filho, incluindo o de manter uma relação de grande
proximidade com ambos os progenitores e o de que as responsabilidades parentais
sejam partilhadas.
→ A Reforma procurou concretizar o objetivo de evitar que o divórcio ou a separação
dos pais provoque o afastamento de um dos progenitores em relação ao filho: a ideia
subjacente é a de que, no interesse do filho, ambos os progenitores se devem manter
comprometidos com o seu desenvolvimento. Esta imposição do exercício conjunto das
responsabilidades parentais é contrabalançada pelo esclarecimento de que a
atuação conjunta diz respeito apenas às questões de particular importância. Quando
o filho estiver temporariamente a residir com o progenitor com direito de visita, este
tomará decisões relativas aos atos da vida corrente do filho, mas sem contrariar as
orientações educativas definidas pelo outro.

Há uma corrente de "mulheres familiaristas" que criticam o regime da Reforma de 2008, mas
as suas críticas são facilmente afastadas; ainda assim, subjazem algumas dúvidas pertinentes:

→ Se os pais podem estabelecer um acordo acerca das responsabilidades parentais, se


estes por acordo decidissem atribuir as responsabilidades apenas a um, esse acordo
deveria ser homologado pelo Ministério Público ou pelo juiz? Esta foi uma orientação que
surgiu nos nossos tribunais, mas não teve êxito: a norma do art. 1906.º/1 é uma norma
imperativa, que não pode ser afastada pelo acordo dos progenitores. O que pode
acontecer é que haja esse acordo, e simultaneamente com outros fatores o tribunal
chegue à conclusão de que, no interesse da criança, as responsabilidades devem ser

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entregues exclusivamente a um dos progenitores. O acordo pode ser homologado (não


deve), e só se simultaneamente houver outros fatores que para tal concorram.
→ Quando se fala em questões de particular importância, esta "importância" é a
importância para o filho (por exemplo, quando se discute colocar ou não o filho numa
escola privada muito cara, esta decisão é importante para os pais em termos
financeiros, mas não é esta importância que conta).
→ Nas decisões do juiz nesta matéria, interessa ouvir a opinião do próprio filho, quer em
relação ao problema de com quem irá residir, quer ao de saber quem tomará as decisões.
Discute-se hoje muito se a opinião do filho deve ser considerada mesmo quando um dos
progenitores fez uma espécie de "lavagem cerebral do filho" – "síndrome da alienação
parental", em que um dos progenitores ensina ao filho a não gostar do outro.

Havendo ou tendo havido união de facto


Havendo separação de facto, o art. 1909.º manda aplicar as disposições que regem as
responsabilidades em caso de divórcio.

O art. 1910.º diz que, se a filiação se encontrar estabelecida em relação a um dos


progenitores, só esse é que exerce as responsabilidades.

Se os progenitores viverem em união de facto, o art. 1911.º/1 manda aplicar as normas


aplicáveis às responsabilidades parentais na vigência do casamento (art. 1901.º a 1904.º). Se houver
rutura da união de facto, o n.º 2 manda aplicar as normas aplicáveis à rutura do casamento (art.
1905.º a 1908.º). A solução do n.º 1 pode suscitar algumas dúvidas, uma vez que não existe qualquer
registo para as uniões de facto, enquanto que a regulação das responsabilidades parentais é um
facto obrigatoriamente sujeito a Registo Civil (art. 1.º/1/f) CRegCiv).

Não existindo relação


Finalmente, o art. 1912.º prevê uma situação em que a filiação está juridicamente
estabelecida, mas os pais nunca tiveram qualquer relação. Neste caso, a lei manda aplicar ao
exercício das responsabilidades parentais o regime do divórcio. Esta é uma solução não muito
ideal, uma vez que os progenitores nunca tiveram qualquer tipo de relação, mas têm de se pôr
agora de acordo nas questões de particular importância. No divórcio, há uma base mínima
que permite pensar que se podem pôr de acordo; neste caso, os progenitores mal se
conhecem, logo a exigência de acordo pela lei é criticável. Claro que o próprio regime do
divórcio permita que o tribunal atribua em exclusivo o exercício das responsabilidades a uma
pessoa, pelo que há sempre esta escapatória.

d) Inibição e limitações; inibição de pleno direito e


inibição judicial
Os pais podem deixar de exercer as responsabilidades parentais, ou seja, podem ser
inibidos de tomar decisões. A lei vai arranjar assim outras formas de tomar decisões. A lei prevê
inibições e limitações.

Nas inibições, os progenitores são afastados totalmente da faculdade de tomar decisões


em relação ao filho:
→ Art. 1913.º: inibição automática ou de pleno direito. São casos em que, em
consequência da verificação de certos factos, um dos progenitores ou ambos são
afastados automaticamente. Exemplo: o progenitor ser inabilitado ou interdito; a
ausência do progenitor; etc.

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→ Art. 1915.º: inibição judicial. O tribunal pode decretar a inibição quando há um


incumprimento culposo dos deveres dos pais para com os filhos ou, ainda que não
haja infração culposa, quando por inexperiência ou outras razões os progenitores não
se mostrem objetivamente em condições de cumprir os deveres. Nestes casos, e
sempre em consequência de uma sentença judicial, o progenitor pode ser inibido das
responsabilidades.

Uma vez inibidos os progenitores, pode suceder que mais tarde retomem as
responsabilidades, se as razões que levaram à inibição cessarem - ex: a interdição é levantada.

Nas limitações, não há uma privação total – o progenitor conserva, em relação a tudo que
não colida com o âmbito da limitação, o exercício das responsabilidades.
→ Limitações de natureza pessoal: art. 1918.º. Ocorre quando a saúde, educação, etc.
do filho está em perigo, mas não há razões para a inibição. Os pais conservam as
responsabilidades quanto ao resto – art. 1919.º.
→ Limitações de natureza patrimonial: art. 1920.º. Aqui, o que está em causa é a má
administração dos bens dos filhos, e não seja caso de inibição.

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