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2022-2023

Direito da Família
Universidade Católica Portuguesa

Mariana Calado
Mariana Calado

Índice
Notas introdutórias de Direito da Família................................................................................................ 3
A importância da família para o Desenvolvimento do Ser Humano ....................................................... 4
Noção jurídica de família ........................................................................................................................ 5
As Relações Parafamilaires ................................................................................................................ 6
O direito da família e as suas divisões ............................................................................................ 6
O Direito da Família ................................................................................................................................ 7
Relações familiares distintas da relação matrimonial ............................................................................. 9
Parentesco .......................................................................................................................................... 9
Noção e limite .................................................................................................................................. 9
Contagem ........................................................................................................................................ 9
Efeitos ............................................................................................................................................ 10
Afinidade ........................................................................................................................................... 10
Contagem ...................................................................................................................................... 11
Efeitos ............................................................................................................................................ 11
Adoção .............................................................................................................................................. 11
Outras relações familiares .................................................................................................................... 11
União de Facto .................................................................................................................................. 11
Interpretação constitucional da União de Facto ............................................................................ 12
Conteúdo da relação: efeitos pessoais e patrimoniais ...................................................................... 12
A. Princípios gerais ................................................................................................................. 12
B. Condições de eficácia ............................................................................................................ 12
C. Efeitos Pessoais ..................................................................................................................... 13
D. Efeitos Patrimoniais ............................................................................................................ 13
Extinção da relação ........................................................................................................................... 14
A. Princípios gerais ................................................................................................................. 14
Princípios Constitucionais do Direito da Família................................................................................... 14
Direito à celebração do casamento ................................................................................................... 15
Direito de Constituir Família .............................................................................................................. 15
Competência da lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução,
independentemente da forma de celebração .................................................................................... 20
Admissibilidade do divórcio para quaisquer casamentos.................................................................. 20
Atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos e inseparabilidade dos filhos dos seus
progenitores ...................................................................................................................................... 21
Não discriminação entre filhos nascidos no casamento e fora do casamento.................................. 21
Direitos dos membros da família perante o Estado: protecção da adopção ..................................... 22
Protecção da família.......................................................................................................................... 22
Protecção da paternidade e da maternidade .................................................................................... 22
Principio da proteção da infância ...................................................................................................... 23
Filiação baseada no consentimento, no contexto de reprodução assistida ...................................... 23


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Aspetos sociológicos ............................................................................................................................ 23


Características do direito da familia ...................................................................................................... 24
Os caracteres dos direitos familiares .................................................................................................... 25
Os direitos familiares pessoais como poderes funcionais................................................................. 25
Fragilidade de garantia...................................................................................................................... 26
Carácter relativo ................................................................................................................................ 26
Tipicidade dos direitos reais .............................................................................................................. 26
Relação Matrimonial ............................................................................................................................. 27
O casamento católico e civil .............................................................................................................. 27
Características Gerias do Casamento .............................................................................................. 28
O casamento como negócio jurídico ................................................................................................. 29
O casamento como contrato.......................................................................................................... 30
O casamento e a diversidade de sexo .............................................................................................. 30
O casamento como negocio pessoal ................................................................................................ 31
O casamento como negócio solene .............................................................................................. 31
Caracteres do casamento como Estado ........................................................................................... 31
Casamento Civil .................................................................................................................................... 31
O consentimento ............................................................................................................................... 32
Caracter pessoal do Consentimento ............................................................................................. 32
Caracter puro e simples do consentimento ....................................................................................... 33
Perfeição do consentimento .............................................................................................................. 33
Liberdade do consentimento – vícios do consentimento ............................................................... 34
A Capacidade .................................................................................................................................... 37
Quanto aos Impedimentos Dirimentes Absolutos.......................................................................... 37
Quanto aos Impedimentos Dirimentes Relativos........................................................................... 38
Os Impedimentos Impedientes ...................................................................................................... 40
Formalidades do casamento ............................................................................................................. 41
Celebração do casamento ............................................................................................................. 42
Registo do casamento ................................................................................................................... 43
Casamentos Urgentes ................................................................................................................... 43
Casamento de Portugueses no Estrangeiro .................................................................................. 44
Casamento de Estrageiros em Portugal ........................................................................................ 44
Capacidade Matrimonial de Estrangeiros ...................................................................................... 45
Invalidade do Casamento.................................................................................................................. 45
O casamento Putativo ................................................................................................................... 45
O casamento como Estado................................................................................................................... 47
Efeitos Pessoais ................................................................................................................................ 47
O principio da Igualdade dos Conjugues ....................................................................................... 47
Principio da Direção conjunta da Família ...................................................................................... 47
Dever de Respeito Reforçado ........................................................................................................... 49
Dever de Fidelidade .......................................................................................................................... 50


Mariana Calado

Dever de Coabitação......................................................................................................................... 50
Dever de Cooperação ....................................................................................................................... 50
Dever de Assistência......................................................................................................................... 51
Obrigação de alimentos entre ex-cônjuges v. obrigação de alimentos a filhos: ............................ 54
NOME E NACIONALIDADE .......................................................................................................... 57
EFEITOS PATRIMONIAIS ................................................................................................................ 58
EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO INDEPENDENTES DO REGIME DE BENS ........ 58
PODERES DO CÔNJUGE ADMNISTRADOR .............................................................................. 60
RESPONSABILIDADE PELA ADMNISTRAÇÃO .......................................................................... 60
PODERES DO CÔNJUGE NÃO ADMNISTRADOR ..................................................................... 63
ILEGITIMIDADES CONJUGAIS ........................................................................................................... 63
CONSENTIMENTO CÔNJUGAL ...................................................................................................... 65
RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS DOS CÔNJUGES ................................................................ 66
DIVIDAS DA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS CÔNJUGES .............................................. 66
DIVIDAS DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DE UM CÔNJUGE ......................................... 68
COMPENSAÇÕES DEVIDAS PELO PAGAMENTO DE DIVIDAS ............................................... 69
TERMO DAS RELAÇÕES PATRIMONIAIS .................................................................................. 69
SEPARAÇÃO DE BENS PRÓPRIOS ................................................................................................... 69
LIQUIDAÇÃO DO PATRIMÓNIO ...................................................................................................... 70
PARTILHA ......................................................................................................................................... 71
DIVÓRCIO......................................................................................................................................... 75
MODALIDADES DO DIVÓRCIO ................................................................................................... 75
CARACTERISTICAS DO DIREITO AO DIVÓRCIO .......................................................................... 76
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO ............................................................................. 78
NATUREZA JURÍDICA .................................................................................................................. 80
ACORDO SOBRE O DIVÓRCIO E ACORDOS COMPLEMENTARES ........................................ 80
DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES ..................................................... 81
CAUSAS DE DIVÓRCIO ............................................................................................................... 82
CAUSAS DO DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CONJUGES ........................... 82
EFEITOS DO DIVÓRCIO .................................................................................................................. 85
CONVENÇÕES ANTENUPCIAIS ..................................................................................................... 86
REGIME DE BENS DO CASAMENTO .......................................................................................... 86
REGIME DA COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS ...................................................................................... 89
REGIME DE COMUNHÃO GERAL ...................................................................................................... 94
REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS.................................................................................................. 95
UNIÃO DE FACTO ............................................................................................................................... 95
Constituição da União de Facto ........................................................................................................ 96
EFEITOS PESSOAIS E PATRIMONIAIS DA UNIÃO DE FACTO ................................................ 97
EXTINÇÃO DA UNIÃO DE FACTO .................................................................................................. 98

Notas introdutórias de Direito da Família



Mariana Calado

Devemos nos referir A Família no âmbito desta cadeira, considera-se a esta como instituição
(artigo 67 nº1 da CRP). Esta diferença tem pendor político, sendo que esta nomenclatura tem
grande diferença. Nesta universidade trata-se de Direito da Família. O nosso programa tem esta
visão.
Na nossa cultura hoje, parece que o direito nada tem a ver com a família. EX: temos um vínculo
matrimonial/conjugal, relação jurídica familiar – não esta no gostar ou não gostar, mas sim no
vínculo jurídico subjacente.
A Família ou as realidades familiares, não são uma construção legal, não foi o legislador, que
decidiu pensar numa realidade chamada família. O pressuposto fundamental é que a Família é
uma realidade antropológica com determinadas características. A família é intrinsecamente
jurídica, em si mesmo a realidade familiar, são crianças jurídicas, não são afetos.
Previsto no artigo 1878 nº1 – para além do dever legal, há também um entendimento que isto é
justo que os pais sejam quem cuide dos filhos, sejam os seus pais. É jurídico, porque é um
dever/ser, isto porque os afetos não são suficientes e a realidade primordial antropológica é
jurídica.
Neste sentido, a Professora Rita Lobo Xavier tem uma ideia de repudio, sobre a politização da
família. A Família é um fenómeno social de fisionomia (ou seja, a aparência externa) é variável,
em cada momento histórico. De acordo com a nossa CRP, o essencial da família enquanto
instituição é a solidariedade entre o sexo e as gerações.
Na ideia da juridicidade intrínseca está, na sociedade contemporânea em Portugal e
consequentemente no seu pensamento jurídico, no qua o conceito de pessoa é pré-cristão, mas
que leva um grande turbo do cristianismo, já leva em si, muitas notas importantes, que distingui
pessoa de individuo. Atualmente, pessoa e individuo está se a confundir.
Durante a pandemia, uma das medidas que o governo tomou, teve a ver com as aulas online no
secundário e muitas delas, o governo torno-as, esquecendo-se que as famílias são constituídas
por pais e filhos. Legislando para pais ou para filhos/alunos, esquecendo-se que na mesma casa
existia professores do ensino secundário e filhos a recebê-las. Quando se percebeu que na
mesma casa, que existia necessidade de partilha de equipamentos informáticos. O governo
esqueceu-se de quem ia ficar em casa, de que existem situações em que ambos os progenitores
não poderiam ficar com os filhos, nos casos, por exemplo de monoparentalidade (para a
professora não caracteriza a família, mas sim é a situação da família). De repente, existiam
situações em que as pessoas não poderiam sair do mesmo distrito, etc.… que tinham a ver com
as situações familiares.

A importância da família para o Desenvolvimento do Ser


Humano
A vulnerabilidade e dependência do ser humano, significa que o ser humano não é
autossuficiente. A vulnerabilidade é uma condição humana, esta manifesta-se quando somos
bebes/crianças; no desemprego; doença; velhice, entre outras. Esta vulnerabilidade, dá origem
à interdependência, ou seja, somos dependentes uns dos outros, no qual a família suporta as
vulnerabilidades, mas também pode dar origem a vulnerabilidade. O ser humano, só existe na
relação com o outro, ou seja, depende destas relações de família, o nucleio mais próximo, para
se entender a si próprio como ser humano. Assim algumas políticas de desagregação da família,
são naturalmente mais complicadas. Esta relação, para além de fazer parte da nossa espécie,
fazem-nos bem. A relação íntima e amorosa, particularmente significativo e a estabilidade, são,
portanto, fundamentas na formação da identidade.


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O mundo da pós-modernidade, deu origem a perda da autoridade da igreja, do estado, no fundo,


a autoridade, perdeu-se. Mesmo a nossa função perdeu-se. Antigamente, sabíamos o nosso
papel determinado, assim hoje, o ser humano vive um pouco de instabilidade.
Ao mesmo tempo, projetemos a nossa família, no qual em que tudo vai ser fantástico e
maravilhoso. Assim a vida não é ideal, assim o amor tornou-se mais frágil. Apesar de o
queremos, ele torna-se mais desafiante, contudo, continua a ser o último refúgio da nossa
sociedade.

Noção jurídica de família


A noção jurídica de família está prevista no artigo 1576 do CC. Podemos definir o direito
da família como o conjunto das normas jurídicas que regulam as relações de família (a relação
matrimonial e as relações de parentesco, afinidade e adoção), as relações “parafamiliares” e
ainda as que, não sendo, em si mesmas, familiares ou parafamiliares, se constituem e
desenvolvem na sua dependência.

• Será o casamento uma fonte de relações jurídico familiares ou é um ato jurídico? É fonte.
• De que forma é constituído o vínculo da adoção? Por sentença judicial.
o O casamento e a adoção são de facto fontes.

A filiação (pais e filhos) estabelece-se em observância do pp. da verdade biológica: o


legislador tem como pretensão que os vínculos legais que se estabelecem sejam a transposição
legal da verdade que resulta da biologia/genética. A mãe será quem deu à luz. Já o pai, presume-
se o marido da mãe (pode ser afastada por via da impugnação da ação de paternidade). Quando
uma mulher recorre a sémen de dador para conseguir gerar uma vida, o seu marido será o pai
da criança porque consentiu com a técnica de procriação assistida, pelo que mais do que a
verdade biológica temos a vontade do pai. Esta vontade impede que no futuro seja impugnada
uma ação de averiguação da paternidade por parte do pai – art. 1584o nº3 CC.

Þ Casamento: primeira das relações de família é assim a relação matrimonial, a relação


que em consequência do casamento liga os cônjuges entre si. Esta é uma relação que
tem relevância não sou meramente obrigacional, mas também real.

Þ Parentesco: estabelecem entre pessoas que têm o mesmo sangue, porque descendam
umas das outras ou porque provenham de um progenitor comum. São relações de
parentesco, v. g., a relação entre o filho e o pai ou a mãe, as relações entre irmãos, entre
primos, etc.

o Importa não entanto realçar que relações entre os ais e filhos, são aquelas que
demonstram um valor mais importantes das relações de parentesco, constituindo
o seu estudo objeto do direito da filiação, que é uma das grandes divisões do
direito da família.

Þ Afinidade: um dos efeitos da relação matrimonial. Dizem-se relações de afinidade as


que, em consequência do casamento, ficam a ligar um dos cônjuges aos parentes do
outro cônjuge.

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Þ Adoção: à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços de sangue,


se estabelecem entre adotante e adotado ou entre um deles e os parentes do outro.

Neste sentido, importa por isso referir que: família, em sentido jurídico, constitui um
grupo de pessoas, sendo que estas se encontram ligadas umas às outras, devido as suas
especificas relações, contudo esta não é uma própria pessoa jurídica. Þ “família, como
elemento fundamental da sociedade, “tem direito à proteção da socie- dade e do Estado”
não significa que à família seja atribuída personalidade jurídica. É uma maneira de dizer
que a família, ela própria, é objeto de uma garantia institucional, merecendo por isso a
proteção do Estado.
A noção proposta é uma pura noção jurídica, a que não corresponde, patente- mente,
qualquer realidade social.

As Relações Parafamilaires
As relações mencionadas no artigo 1576 do CC são verdadeiras e inerentes às relações
familiares, sendo que podem se acrescer umas as outras, não acabano assim, em si próprias. As
relações parafamiliares são relações conexas com relações de família equiparando-se às
segundas para determinados efeitos ou sendo condições de que dependem os efeitos que a lei
atribui à relação conjugal, parentesco, afinidade e adoção.

9 Relações entre esposados: não há relação de família entre pessoas que estão para casar,
mas pode ser tida em conta para certos efeitos. Ex: contrato promessa de casamento;
doações entre esposados, feitas em vista do casamento, etc.
9 Relações entre ex-cônjuges: divórcio extingue a relação matrimonial, mas a relação
entre os ex-cônjuges continua a ter relevância jurídica.
9 Vida em economia comum: lei no6/2001 de 11 de maio. Vivem em economia comum
as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham
estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos. Não se
exige, pois, que as pessoas ponham em comum os seus rendimentos e recursos; é
suficiente uma vivência em comum de “entreajuda”, em que as pessoas vivem em
comunhão de mesa e habitação contribuindo para os respetivos encargos.
9 A “vida em economia comum” é distinta da “união de facto”, regulada pela Lei no
7/2001, de 11 de maio, mas, como dispõe o art. 1 nº3, da Lei no 6/2001, a coabitação
em união de facto não impede a aplicação dos preceitos desta lei. Quem vive em união
de facto vive em economia comum, mas não necessariamente ao contrário.
9 Relação entre tutor e tutelado: o tutor pode ou não ser da família do tutelado–1931º
9 Pessoa a cargo de outra
9 Pessoa criada e sustentada por outra: nos termos do art. 5º nº1 al. b) do DL nº1 466/99
permite-se que seja estabelecida em benefício da pessoa que tenha criado e sustentado
o falecido a pensão de preço de sangue.

O direito da família e as suas divisões


Em conformidade com a noção enunciada, podemos definir o direito da família como o
conjunto das normas jurídicas que regulam as relações de família (a relação matrimonial e as
relações de parentesco, afinidade e adoção), as relações “parafamiliares” e ainda as que, não


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sendo em si mesmas familiares ou parafamilaires, todavia se constituem e desenvolvem na sua


dependência.

Neste ramo do direito há 3 principais funções:

§ Direito Matrimonial: ao qual pertence o estudo do casamento e dos seus efeitos -


constituição, modificação e extinção da relação jurídica matrimonial;
§ Direito da Filiação: as relações de filiação e no qual se insere ainda por vezes a matéria
da adoção;
§ Direito da Tutela: estuda a organização tutelar na sua constituição e funcionamento.

O Direito da Família

Podemos definir o direito da família como o conjunto das normas jurídicas que regulam
as relações de família (a relação matrimonial e as relações de parentesco, afinidade e adoção),
as relações “parafamiliares” e ainda as que, não sendo, em si mesmas, familiares ou
parafamiliares, se constituem e desenvolvem na sua dependência.

Será o casamento uma fonte de relações jurídico familiares ou é um ato jurídico? É fonte. De
que forma é constituído o vínculo da adoção? Por sentença judicial. O casamento e a adoção
são de facto fontes.

A filiação (pais e filhos) estabelece-se em observância do pp. da verdade biológica: o legislador


tem como pretensão que os vínculos legais que se estabelecem sejam a transposição legal da
verdade que resulta da biologia/genética. A mãe será quem deu à luz. Já o pai, presume-se o
marido da mãe (pode ser afastada por via da impugnação da ação de paternidade). Quando uma
mulher recorre a sémen de dador para conseguir gerar uma vida, o seu marido será o pai da
criança porque consentiu com a técnica de procriação assistida, pelo que mais do que a verdade
biológica temos a vontade do pai. Esta vontade impede que no futuro seja impugnada uma ação
de averiguação da paternidade por parte do pai – art. 1584o no3 CC.

Atualmente, a família é essencialmente conjugal, constituída por pais e filhos. A família nuclear
mantém-se muitas vezes para além da maioridade dos filhos. Há, muitas vezes, um alargamento
da família, nomeadamente pela presença dos avós, que desempenham uma função de
assistência.

9 Temos ainda as famílias incompletas. Ex: viuvez – inicialmente tínhamos uma família
nuclear que sofreu uma redução.
9 Família mono parental ad início: as mulheres, por si só, podem gerar sozinhas uma vida
recorrendo a sémen de dador.

Que outras funções eram comumente apontadas à família (para além da função assistencial)?

9 Função política:antigamente,asfamíliasestavamsubordinadasaohomemdafamília.
9 Função económica da unidade de produção: já não se verifica, atualmente, só se verifica
a de unidade de consumo.

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9 Função educacional: é uma função exteriorizada atualmente, porque quem assume esta
função é o estado e cooperativas de ensino.
9 Função assistencial: também está exteriorizada, nomeadamente, relativamente aos
membros mais idosos (lares).

A desfuncionalização da família teve como contraponto o facto de passar a estar centrada num
vetor de intimidade. A família tem sofrido grandes alterações ao longo dos séculos. Antes do
séc. 19, o casamento era uma aliança, com vista à perpetuação de determinados grupos sociais
e a junção de certas famílias. Ainda assim, o casamento não obedece a regras universais estritas,
tendo cada um dos cônjuges papeis estritamente delimitados. A mulher tinha o dever de
governação doméstica e o homem a função de sustento da família. A realização pessoal da
mulher tinha de se subsumir à realização do marido, e o marido tinha a sua realização pessoal
fora de casa.

O CC sofreu, após o 25 de abril, a reforma de 1977.

• Igualdade entre marido e mulher. A mulher passa a ter a liberdade de exercer qualquer
profissão, inclusive o comércio.
• Relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, antes incumbia ao marido.
• Liberdade de realização pessoal de cada cônjuge - autonomia. Esta liberdade tem como
contrapeso uma maior facilidade de dissolução. Atualmente, o casamento dissolve-se se
houver mútuo consentimento e desde que seja passível de demonstração a rutura
definitiva da vida conjugal.
• O casamento é um contrato, gerador de obrigações e direitos para os cônjuges.
• O fracasso de um projeto familiar assente no casamento não prejudica 2o e 3o
casamentos ou uniões de facto. O fenómeno que marca sem dúvida o séc. XXI em
termos familiares: família mosaico/família recombinada.
• O casamento tem determinadas traves-mestras. O casamento é uma comunhão plena de
vida: leito, mesa e habitação. Estabelece-se entre duas pessoas, pelo que se proíbe a
poligamia (é crime em Portugal).
• Casamento homossexual: lei nº9/2021.
• Se eu me casar e não tiver filhos, tenho uma família? A família não está definida pela
lei, é um conceito aberto e plural, porque está sujeito à dinâmica própria e evolutiva da
sociedade. O conceito de família é anterior ao direito e é imutável, pelo que o legislador
tem de fazer acompanhar o conceito de família a essas mesmas evoluções sociais –
acórdão TC 121/2010. Há autores, designadamente a professora Rita Lobo Xavier que
não concordam com esta teoria evolucionista. Entende que a finalidade intrínseca da
família é a procriação, a manutenção das gerações. A CRP não define família, mas ainda
assim podemos dizer que existe um conceito constitucional de família que assenta em 4
pilares:
o A família é uma realidade previa ao direito e é um conceito aberto.Ageração e
educação dos filhos é um elemento definidor da família constitucionalmente
protegida, sendo a maternidade e paternidade valores sociais iminentes.
o Existe uma equivalência entre maternidade e paternidade dentro e fora do
casamento. Existe uma solidariedade intergeracional.
o Família casamento e adoção são garantias institucionais.
o Intervenção subsidiaria do Estado, ainda que seja chamado a complementar a
função social dos pais.


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HÁ NECESSIDADE DE UM DIREITO DA FAMILIA?

9 O Estado tem uma relação de competição e de ajuda para com a família, tendo interesse
em regulá-la. Se a família não cumprir as suas funções, há consequências para o Estado,
que em legitimidade, para intervir, não podendo, porém, interferir na privacidade de
cada um.
9 Quanto ha necessidade de um direito da família, há quem diga que a família tem uma
capacidade intrínseca, de criar regras próprias. É necessário haver regras escritas? Há
quem entenda que o Direito da Família vai ser cada vez mais, menos necessário.
9 A família carecede um direito especial para proteger relações, debilidade,
interdependência, despesa patrimonial, cuidar dos filhos para o outro progredir na
carreira, cuidar do outro.
9 O Direito da Família é verdadeiro Direito? Muitas vezes não há sanção no cumprimento
dos deveres – isto é um grande problema do direito da família
9 Qual o foco da sua atenção: o indivíduo ou o grupo familiar? Autonomia relacional.

Relações familiares distintas da relação matrimonial


Parentesco

Noção e limite
O parentesco é uma relação de sangue, por isso se chamando também consanguinidade: são
parentes as pessoas que descendem uma das outras ou procedem de progenitor comum (art.
1578). Diz-se que:
§ 1ºcaso o parentesco é em linha reta ou direta;
Ver 1580 do CC
§ 2º em linha transversal ou colateral.

Previsto no artigo 1582 do CC – segundo a lei, os efeitos de parentesco dão-se em qualquer


grau na linha reta até ao sexto grau colateral. São raras, as disposições legais, dão relevância às
relações de parentesco na linha colateral para além do 6º grau. – EXCEÇAO: 2042 do CC.
Assim, os colaterais que não sejam descendentes de irmãos só têm direitos sucessórios
até ao 4.o grau (art. 2133º al. d) do nº 1).

Contagem
Há parentes mais próximos e mais distantes e o direito não o ignora, pois dá às várias
relações de parentesco efeitos diferentes. E é mediante a contagem do parentesco que se torna
possível definir, ordenar e estabelecer uma hierarquia entre elas. O parentesco conta-se por
linhas e por graus – 1579 do CC.
Para além da linha direta e da linha transversal (1580), importa aludir a linha reta e a
linha transversal. A linha reta pode ser descendente ou ascendente (art. 1580.o, n.o 2), consoante
a encaramos num sentido ou noutro. Por outro lado, pode distinguir-se entre linha paterna e
materna, tanto quanto à linha reta como quanto à transversal.
Definida a linha de parentesco, importa depois saber qual é o grau de parentesco dentro
da respetiva linha. A contagem dos graus, faz-se segundo o artigo 1581 do CC:
§ Linha reta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentes-
co, excluindo o progenitor;
§ Linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos
ramos e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum;

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Segundo este processo de contagem, os irmãos, ou os avós e os netos, são parentes em 2.o grau,
os tios e os sobrinhos em 3.o, os primos direitos em 4.o grau, etc...

Efeitos
• Existem vários efeitos do parentesco, sendo que o principal é o sucessório,
previsto no artigo 2133 nº1 e 2157 do CC. Outro efeito muito importante do
parentesco é a obrigação de alimentos, que a lei impõe a determinados parentes
(2009 do CC), sendo vários, respondem todos na proporção das suas quotas
como herdeiros legítimos do alimentando (art. 2010 nº1). Se algum deles não
puder prestar os alimentos ou não tiver possibilidade económica de saldar
integralmente a sua responsabilidade, o encargo recairá sobre os onerados
subsequentes (art. 2009 nº 3).

Se quiséssemos mencionar agora os efeitos especialmente atribuídos a certas relações


de parentesco, destacaríamos as relações de filiação (a relação de maternidade e a de
paternidade), que são, sem dúvida, as mais importantes de todas. Dos vários efeitos destas
relações o mais significativo são as chamadas responsabilidades parentais, reguladas nos arts.
1877 e ss., e que é o complexo de poderes e deveres que a lei atribui ou impõe aos pais para
regerem as pessoas e os bens dos filhos menores.
Estes efeitos, podem também traduzir-se em impedimentos: a) e b) do art. 1602.o,
segundo as quais não podem contrair casamento entre si os parentes na linha reta, nem os
parentes em 2ºgrau na linha colateral (irmãos). Também os parentes em 3.o grau na linha
colateral (tio e sobrinha, tia e sobrinho) não podem casar (art. 1604.o, al. c)).

Afinidade
A afinidade não é, como o parentesco, uma relação de sangue. Pode definir-se como o vínculo
que liga um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge (art. 1584º CCiv).
• Será que após cessar o casamento a afinidade também cessa?

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Esta questão sempre foi discutida, contudo o nosso código manteve a solução tradicional de
que a afinidade “não cessa pela dissolução do casamento” (art. 1585º, 2.ª parte). Mesmo se
estivermos perante uma situação de divórcio, esta não cessa.

Contagem
As relações de afinidade, como as de parentesco, são muito numerosas, neste sentido há
necessidade de as ordenar, através da contagem. A este respeito, segue-se as regras que se utiliza
parar contar os graus de parentesco (ou seja, através de linhas e graus).

Efeitos
Comparativamente com os efeitos de parentesco, os efeitos da afinidade são menos extensos.
Para além de que a lei só impõe ao padrasto ou madrasta, relativamente aos enteados menores
obrigação de alimentos – 2009 nº1 do CC. Destes surgem impedimentos, como por exemplo os
previstos no artigo 1602 al. C) do CC.
Embora a afinidade tenha, teoricamente, o mesmo limite do parentesco e, portanto, se estenda
até ao 6.o grau, a verdade é que são poucas as normas que atribuem efeitos às relações de
afinidade, na linha colateral, para além do 2º grau.

Adoção
Por oposição ao parentesco natural, a adoção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural
mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos
termos dos arts. 1973º ss.
Neste sentido, o parentesco é por isso, legal, criado a semelhança do parentesco natural. Isto
não significa que é uma ficção legal, assenta no entanto noutra verdade, uma verdade afetiva e
sociológica, distinta da verdade biológica em que se funda o parentesco.
Neste sentido, existem as seguintes modalidades de adoção:
• Conjunta - feita por um casal (por duas pessoas casadas ou que vivam em união
de facto).
• Singular - conforme é ou por uma só pessoa, casada ou não casada.

Outras relações familiares


União de Facto
A legislação anterior definia a união de facto como: “vida em comum em condições análogas
às dos cônjuges”. As pessoas vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, como se fosse
casada, sendo que a única diferença destes, é o facto de não estarem ligadas ao vinculo formal
do casamento. A circunstância de viverem como se fossem casadas cria uma aparência externa
de casamento, em que terceiros podem confiar, o que explica alguns efeitos atribuídos à união
de facto.
Porque existe a união de facto?
Þ Situação transitória: pessoas querem casar, mas há um impedi- mento temporário ao
casamento e, entretanto, decidem “juntar-se”.
Þ Situação definitiva: uma vez que estamos perante indivíduos que podem rejeitar o
casamento como instituição ou u então, logo de início, preveem que a sua relação possa
deteriorar-se, e pensam que, se casarem e se se desentenderem, o divórcio será moroso
e difícil.
11 —
Mariana Calado

Þ Situação Fiscal: casar iria trazer ao casal desvantagens da ordem fiscal ou patrimonial.

Interpretação constitucional da União de Facto


No que toca a provisão constitucional, nada nos diz que este é inconstitucional e
consequentemente está abrangido no “direito ao desenvolvimento da personalidade” do nº1 do
artigo 26 da CRP. Apesar disto, não existe o mesmo grau de proteção entre a união de facto e
o casamento. Vemos exatamente essa situação no artigo 2133 do CC, no qual o conjugue faz
parte da linha sucessória, enquanto o unido de facto, beneficia de um direito a alimentos sobre
os bens da herança, nos termos do art. 2020.
Casamento e união de facto são situações materialmente diferentes: os casados assumem o
compromisso de vida em comum; os membros da união de facto não assumem, não querem ou
não podem assumir esse compromisso. O desfavor ou desproteção da união de facto
relativamente ao casamento é assim objetivamente fundado, justificando-se até onde seja um
meio proporcionado de favorecer o estabelecimento de uniões estáveis ou potencialmente
estáveis, no interesse geral. Isto também e traduz no facto de que, no âmbito de casamento,
existe obrigações e deveres que não existem na união de facto.
Segundo o manual seguido, caso a legislação equipara-se juridicamente os dois institutos
poderíamos estar até perante uma matéria julgada como inconstitucional. E se as pessoas vivem
em união de facto porque não querem casar, embora pudessem fazê-lo, seria uma violência
impor-lhes o estatuto matrimonial, que elas deliberadamente rejeitaram.
Em conclusão, cremos que a Constituição da República não permite penalizar a união
de facto nem a equiparar ao casamento: entre estas duas balizas vale o princípio democrático,
que permite ao legislador ordinário conformar livremente o regime da união de facto, de acordo
com a opção mais “progressista” ou “conservadora” da política familiar adotada.

Conteúdo da relação: efeitos pessoais e patrimoniais

A. Princípios gerais
A união de facto, só tem os efeitos que são atribuídos por lei, sendo que não é permitido, aplicar
de modo analógico, as disposições previstas para o casamento.

B. Condições de eficácia
Importa remarcar que existem alguns requisitos para que efetivamente estejamos perante uma
união de facto. Neste sentido importa referir que no enquadramento legal atual, não se impõe
um requisito da heterossexualidade, isto porque a união de facto das pessoas do mesmo sexo,
encontra-se hoje equiparada.
Hoje, podem também os unidos de facto adotar. Contudo, os unidos de facto do mesmo
sexo, continua-lhes vedado a possibilidade de recorrer a técnicas de PMA (Procriação
Medicamente Assistida).
Segundo a nossa legislação atual, a união de facto apenas produz efeitos se esta durar
há mais de dois anos.
Por último, não deve existir um impedimento de casamento aos membros da união de
facto, tal encontra-se previsto na Lei nº7/2001 de 11 de maio, no seu artigo 2 c), devido à
proteção de interesses públicos fundamentais, como a monogamia, proibição do incesto,
liberdade matrimonial, entre outros. Apesar disto, o legislador, não quer que a união de facto,
mesmo naquelas em que existam impedimentos de um ou de ambos unidos, seja considerada
juridicamente irrelevante, especialmente, naquilo que toca aos interesses legítimos de terceiro,
que de outro modo poderiam vir a ser prejudicados.
• EX: presunção e paternidade relativamente ao homem.
12 —
Mariana Calado

No que toca a idade dos unidos, entende-se que o prazo de contagem da união de facto,
apenas começa a contar, quando o unido mais novo completar os 18 anos de idade. E já no que
toca à separação de pessoas e bens, esta apenas é exigida desta forma “simplista” e não de forma
judicial.

C. Efeitos Pessoais
Não assumindo compromissos, os membros da união de facto não estão vinculados por
qualquer dos deveres pessoais que os arts. 1671º nº2 e 1672º impõem aos cônjuges e nenhum
deles pode acrescentar aos seus apelidos do outro (art. 1677º). O direito não desconhece, porém,
a relação pessoal que liga um ao outro os membros da união de facto.
Como tal, podemos verificar que a união de facto, permite a aquisição da nacionalidade,
quando estejamos perante um estrangeiro que se encontre unido há mais de 3 anos, mediante
declaração de vontade.
Quanto aos filhos, a paternidade presume-se quando tenha havido comunhão duradoura de
vida entre a mãe e o pretenso pai no período legal da concepção (art. 1871 nº1 , al. c), CCiv), e
que, se os progenitores conviverem maritalmente, o exercício das responsabilidades parentais
pertence a ambos, sendo aplicáveis as disposições que regem as responsabilidades parentais na
constância do matrimónio (arts. 1901 a 1904º do CC) e bem assim as relativas à regulação do
exercício das responsabilidades parentais no caso de divórcio, separação de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento (arts. 1905 a1908º), como prescreve o art.
1911.
Note-se, por último, que os filhos nascidos de união de facto, como quaisquer outros nascidos
fora do casamento, estão equiparados aos nascidos dentro dele, por força do nº 4 do art. 36da
Constituição.

Duvida esclarecida em aula sobre a filiação de casais do mesmo sexo:


• Quando estamos perante esta situação, importa-nos basear na que questão que esta
norma é “discriminativa”, para os casais do mesmo sexo masculinos, uma vez que a
questão da PMA apenas é permito, se estivermos perante um casal feminino.
o Lei a consultar é: nº6/2016
§ Artigos 2 e 20
• Sendo que haverá filiação natural.

D. Efeitos Patrimoniais
No que toca a este tema, quando estamos perante um casal casado, existe um regime de bens
de casamento. Algo que na união de facto não existe. Não há por isso um regime de bens. Os
membros da união de facto em princípio são estranhos um ao outro, ficando as suas relações
patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.

Nota:

Este é o principio geral - regime geral das relações obrigacionais e reais, contudo existem exceções,
como o art. 953 do CC, no qual se deve aplicar o disposto do art. 2196 do CC. Assim, nos termos
da lei, é nula a doação à pessoa com quem o doador casado “cometeu adultério”.

Visando proteger o cônjuge do doador e sancionar a violação dos deveres matrimoniais, em


particular dos deveres de fidelidade e respeito (art. 1672º), parece claro que, para que a doação seja
nula, é necessário que o adultério seja anterior; a doação que já tinha sido feita e aceita pelo
donatário antes do adultério é plenamente válida 13 —
Mariana Calado

Segundo as regras do direito comum, cada um pode vender bens móveis ou imóveis, dar
ou tomar de arrendamento, contrair dívidas. Podem também os dois contratar um com o outro:
fazer contratos de com- para e venda, de trabalho, locação, depósito, comodato e mútuo, etc. O
art. 1714º CCiv, que proíbe determinados contratos entre cônjuges, não tem aplicação à união
de facto.
A chamada “comunhão de mesa”, ou seja, a vida em economia comum é um dos aspetos,
no qual se exprime a união de facto, algo que se pode prolongar durante vários anos. Durante
estes lapsos temporais, podem as pessoas, adquirir bens, contrair dividas, movimentar contas,
etc... sendo que no fundo, acabam no entanto por ter interferências nos respetivos patrimónios.
Apesar de em certos OJ ser claro o que acontece nestes “contratos de coabitação”, em Portugal,
tal não tem sido entendido de forma visível e extremamente clara.
Este “contrato”, apenas pode regular como objetivo, matéria patrimonial, sendo que não
poderia, por exemplo vir a sancionar uma das partes por rutura da união. Algo, que não seria
considerado válido. Algo terá certamente o mesmo entendimento é no caso de estarmos perante
a morte de um dos membros da união e que este atribuísse os bens a outro, algo que, se for feito
através do pacto sucessório, seria considerado como proibido (Art. 2028 nº2 CC).
Os membros da união de facto, que vivem em comunhão de leito, mesa e habitação,
como se fossem casados, podem vir a suscitar a confiança de 3º, que contratem com um dos
unidos ou ambos. Neste sentido é por isso razoável, aplicar e estender aos unidos de facto o
artigo 1695 nº1 do CC e 1691 nº1 b). Sendo que neste sentido, as dividas podem ser respondidas
de modo solidário, sobre encargos normais da vida comum.
Se um dos unidos, beneficiava de benefícios, como pensão de alimentos do ex-marido,
caso se encontre unido de facto, perderá direito a esta pensão, como indica o art. 2020 nº3 do
CC. A circunstância de a pessoa passar a viver em união de facto influencia naturalmente as
suas necessidades.

Extinção da relação
A. Princípios gerais

A união de facto pode extinguir-se, quer pela rutura da relação, rutura por mútuo consentimento
ou por iniciativa de um dos seus membros, quer em consequência da morte de algum deles.

Princípios Constitucionais do Direito da Família

O direito constitucional da família encontra-se presente nos artigos 26º , 36º, 67º, 68º e
69º da CRP. Temos nestes cinco artigos a convivência de duas grandes categorias de direitos
fundamentais: direitos liberdades e garantias e direitos sociais.
A prof RLX diz que a família entrou na constituição para que a constituição entrasse na família.

A CRP reconhece a família enquanto elemento fundamental da sociedade, e tutela-a


impondo ao estado o dever de a proteger, paralelamente ao dever de intervenção subsidiária do
estado. Atualmente, o Estado não pode interferir nas responsabilidades parentais, que cabem
14 —
Mariana Calado

apenas aos pais – artigo 1878º. Compete aos pais dirigir a educação dos filhos, sendo que cabe
ao Estado auxiliar os pais nessa tarefa, mas nunca substitui-los.
A tutela constitucional da família pretende não só tutelar a autonomia de cada um dos seus
membros, como também tutelar a sua vertente de garantia institucional.

Na conceção matrimonial da família encontra-se presente o direito ao livre desenvolvimento


da personalidade. Este está também presente noutras figuras:

• Adoção conjunta por pessoas do mesmo sexo. Lei 2/2016 de 20 de fevereiro.


• Técnicas de procriação medicamente assistidas.
• Gestação de substituição. Existe o direito a ter filhos, de gerar descendência, sendo que
os contratos de gestação de substituição são a forma mais patente de demonstração desse
direito.

Direito à celebração do casamento


Previsto o artigo 36 nº1 da CRP, esta norma não deve ser entendida de forma literal, isto, porque
determinaria todas as normas contrárias a esta inconstitucionais.

Artigo 36.º - (Família, casamento e filiação)

1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
2. A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio,
independentemente da forma de celebração.
3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos
filhos.
4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou
as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.
5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para
com eles e sempre mediante decisão judicial.
7. A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva
tramitação.

Assim, todas as normas que se viessem a basear a norma que estabelecesse


impedimentos fundados na raça, na religião ou na nacionalidade dos nubentes; que proibisse ao
transexual, na sua nova identidade sexual, contrair casamento, são consideradas como
inconstitucionais.
Embora a Constituição não formule de modo explícito um princípio de “proteção do
casamento” (só a família é “protegida” no art. 67º), a instituição do casamento está
constitucionalmente garantida, pois não faria sentido que a Constituição concedesse o direito a
contrair casamento e, ao mesmo tempo, permitisse ao legislador suprimir a instituição ou
desfigurar o seu “núcleo essencial”.

Direito de Constituir Família


Este principio encontra-se consagrado no artigo 36 nº1 da CRP, contudo uma vez que
não é extremamente explicito, existem várias interpretações sobre este mesmo tema.

Vejamos por isso várias interpretações doutrinárias sobre a matéria:

• Castro Mendes: no que toca ao artigo 1577, para o professor, a formulação do artigo 36
é considerada infeliz, uma vez que o direito de casamento de constituir casamento, está
15 —
Mariana Calado

intrinsecamente ligado, uma vez que para constituir familia, é necessário contrair
casamento.
o Posição que é criticada pelo professor Francisco De Oliveira: segundo o
professor, a CRP pretendia conceder 2 direitos e não apenas 1. Sendo que ao
quis deixar bem claro que se trata de realidades diversas, como na realidade
acontece, pois ao lado da família conjugal, fundada sobre o casamento, há ainda
lugar para a família natural, resultante do facto biológico da geração.

• Gomes Canotilho e Vital Moreira: não só vem entende que o direito de constituir
familia e de contrair casamento são 2 direitos e não apenas 1, admitem que a CRP não
admite todavia a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento,
isto é, à família “matrimonializada”. Assim sendo, apontam também para o nº4 do
artigo, igualdade dos filhos, nascidos dentro ou “fora do casamento” (e não: “fora da
família”). O conceito constitucional de família não abrange, portanto, apenas a “família
jurídica”, havendo assim uma abertura constitucional — se não mesmo uma obrigação
— para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares “de facto”.
Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto também é família e, ainda que
os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges, seguramente que não há distinções
quanto às relações de filiação daí decorrentes”
o Posição da partilhada pela professora Raquel.
• O professor Jorge Miranda também entende que cabem outras realidades na norma,
nomeadamente, a união de facto e a economia comum. Autores mais conservadores
(Jorge Duarte Pinheiro) entende que a união de facto não pode ser relação familiar
porque não tem a projeção externa do casamento (ato publico e solene).

Neste artigo que se refere o direito de constituir família em condições de plena igualdade
entre todos, que se discute então se a união de facto é ou não é, uma relação jurídico-
familiar, precisamente por ter esta tutela. Importa, agora, avaliar a definição deste termo
“família”.

Os autores foram evoluindo quanto ao conceito de família. No momento dos trabalhos


preparatórios, discutia-se muito se faria algum sentido contemplar aqui a união de facto. A
posição maioritária, era a de que não havia espaço para tal. Houve, claramente, uma evolução
natural.

Atualmente, precisamente porque temos uma lei que protege a união de facto (Lei no 7/2001),
já esta querela ficou desprovida de sentido. Foi criado um diploma avulso que protege a
realidade da união de facto.

ANA FILIPA ANTUNES entende que a união de facto é uma verdadeira relação jurídico-
familiar já que:

1. tem assento legal;


2. tem carácter perpétuo/duradouro;
3. há uma convivência análoga à dos cônjuges, assente em três pilares – partilha de
teto, partilha de mesa e partilha de leito.
a. “contrair casamento em condições de igualdade”: quer dizer que ninguém
pode ser discriminado em função da sua nacionalidade, raça ou religião em
função do casamento.

16 —
Mariana Calado

Artigo 36 nº2: “a lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por
morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração” – competência da lei civil para
regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, independentemente da forma
como este foi celebrado.

Þ O casamento pode ser civil, canónico ou casamento civil sob a forma religiosa.
Casamento canónicoàrequisitos: capacidade matrimonial e consentimento. Para
celebrar casamento têm de se cumprir os requisitos presentes no CC.
Þ O casamento é dissolvido através do divórcio ou da morte e através do casamento de
nulidade no caso do casamento católico. Para o casamento civil há ainda a possibilidade
de recorrermos à anulação, com base nas causas taxativamente previstas no CC. O
casamento católico é declarado nulo, sendo que a competência cabe à Igreja - art. 1625o
CC.
Þ O divórcio é admissível em todos os tipos de casamento? Até 1975 não era possível o
divórcio em casamentos católicos. Esta impossibilidade foi abolida.

Assim, atualmente os casamentos católicos podem ser dissolvidos, mas a igreja não permite
novo casamento pela igreja católica.

Art.36 nº3: “os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à
manutenção e educação dos filhos”:

1. Igualdade dos cônjuges: inexistência de papéis pré-definidos dentro do casamento.


Significa que qualquer um dos cônjuges pode contribuir para os encargos da vida
familiar, através do exercício das responsabilidades parentais e através dos rendimentos
profissionais, desde que em concordância coma vontade de ambos.

No que diz respeito ao exercício das responsabilidades parentais elas incumbem a ambos os
progenitores em condições de igualdade. As responsabilidades têm de ser exercidas de comum
acordo por ambos os pais no que diz respeito às questões do dia corrente. Nas questões de
particular importância, o consentimento de ambos não se presume e a falta de consentimento
terá de se suprida por via judicial (neste último caso estão em causa questões de saúde, viagens
para o estrangeiro, escola, etc).

A igualdade dos pais na educação e manutenção dos filhos é ainda visível nas ações de
paternidade, que podem ser impugnadas quer pela mãe, quer pelo pai quer pelo filho.

Art. 36 nº4: “os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objeto de
qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações
discriminatórias relativas à filiação.” – não discriminação entre filhos nascidos fora ou dentro
do casamento.

Os filhos nascidos fora do casamento eram muitas vezes conotados negativamente pela
sociedade, pretendendo esta norma eliminar essa discriminação, considerando-se a relação de
filiação como igual à dos filhos legítimos. Assim, desde logo o assento do nascimento não pode
referir que a pessoa é filha fora do casamento.

Para além disso, já vimos que a paternidade no casamento se presume. Então e se a criança
nascer no âmbito de uma união de facto? Designa-se perfilhação (ato voluntário). Fora do
17 —
Mariana Calado

casamento, se não houver um ato voluntário, ninguém pode obrigar a perfilhar a criança, a
menos que seja intentada uma ação de averiguação oficiosa da paternidade. Ora, esta presunção
faz distinção entre filhos dentro e fora do casamento, não será isto violador da proibição da
discriminação?

2. Para além disso, já vimos que a paternidade no casamento se presume. Então e se a


criança nascer no âmbito de uma união de facto?

Designa-se perfilhação (ato voluntário). Fora do casamento, se não houver um ato voluntário,
ninguém pode obrigar a perfilhar a criança, a menos que seja intentada uma ação de averiguação
oficiosa da paternidade. Ora, esta presunção faz distinção entre filhos dentro e fora do
casamento, não será isto violador da proibição da discriminação?

Art. 36 nº5: “os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos”. – Atribuição aos pais do
poder-dever de educação dos filhos.

Duas vertentes:

1. A educação dos filhos é dirigida pelos pais – art. 1878o no1. Esta educação tem de
respeitar a opinião da criança, que tem direito a ser ouvida – art. 1874º, 1878 nº2 e 67
nº2 c) CRP
2. Princípio da inseparabilidade dos filhos em relação aos pais: o lugar natural e
próprio das crianças é com os seus pais, sendo que só em situações excecionais e
graves é que podem ser afastadas dos pais. Ex: um pai que bate repetidamente na filha
menor não tem condições para continuar a exercer as responsabilidades parentais,
pelo que pelo menos uma limitação temporal sofrerá.

Art. 36nº6: “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os
seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”. –
Inseparabilidade dos filhos dos pais.

O adotado integrar plenamente e para todos os efeitos legais a família do adotante. Há um corte
com a família biológica. A adoção é uma garantia institucional, ou seja, o legislador não pode
suprimi-la ou alterar de forma radical as suas características fundamentais. Ex: o legislador não
pode dizer que o adotado não integra a família do adotante. O legislador deve consolidar e
garantir que os seus alicerces essenciais não são desvirtuados.

Art. 36nº 7: proteção da adoção. O princípio de que a adoção “é regulada e protegida nos
termos da lei” tornou a adoção objeto de uma “garantia institucional” (para usar a linguagem
dos constitucionalistas): a adoção, como instituição, é garantida pela Constituição, que assegura
a sua existência e a sua estrutura fundamental.

Art.68º - proteção da paternidade e da maternidade

Este artigo considera a paternidade e a maternidade “valores sociais eminentes” e concede aos
pais e às mães, nesta qualidade, sejam ou não unidos pelo matrimónio, um direito à proteção da
sociedade e do Estado na realização da sua ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto
à educação destes, para que a paternidade e a maternidade não os impeçam de se realizarem
profissionalmente e de participarem na vida cívica do país.

18 —
Mariana Calado

Art.69º - proteção da infância

Este artigo atribui às crianças um direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu
desenvolvimento integral. Relativamente ao disposto no n.o 2, na parte em que este concede
especial proteção às crianças contra o exercício abusivo da autoridade na família, deve ter-se
em conta as disposições relativas à inibição das responsabilidades parentais – art. 1915º - às
providencias limitativas dessas responsabilidades – art. 1918º - e todas as disposições que
integram o sistema de proteção de crianças e jovens em perigo.

Art.26º - direito à identidade pessoal e livre desenvolvimento da personalidade

Estamos a falar, essencialmente, do direito a ter um nome, a conhecer as suas origens e a ter
uma história. Tem trazido algumas alterações na nossa legislação ordinária, inclusivamente no
âmbito da procriação medicamente assistida.

O Acórdão nº 225/2018 de 24 de abril do Tribunal Constitucional (processo no 95/17) levou a


uma alteração na lei da procriação medicamente assistida, considerando que a regra vigente na
procriação medicamente assistida não pode ser a do anonimato dos doadores. Isto,
precisamente pela existência deste direito fundamental à identidade pes- soal. Chegámos a este
Acórdão porque um grupo de 30 deputados da AR veio requerer. Por violação dos direitos à
identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e à identidade genética- artigo 26º nº1
e 3 da CRP.

Quanto ao livre desenvolvimento da personalidade, este é uma concretização do direito à


identidade pessoal. Estamos a falar de uma liberdade geral de ação, todos têm uma liberdade
geral de ação para poderem desenvolver da forma mais adequada a sua personalidade.

A propósito deste direito, há um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de junho de


2019 e que se refere à “conversão” de um casamento em união de facto. O Tribunal da Relação
veio dizer que se há a possibilidade de dois unidos de facto acabarem de imediato com a relação
de união de facto pelo casamento porque se decidem casar, porque é que não se lhes pode ser
dada a mesma liberdade de, não obstante continuarem a viver na mesma casa, terem relações
afetivo-sexuais, serem considerados pelos terceiros como cônjuges por comportamentos
análogos à dos cônjuges, por que razão é que estas pessoas não podem passar a ter este
comportamento e viver simplesmente numa união de facto, tendo feito o seu divórcio
previamente?

É frequente termos divórcios por mútuo consentimento simulados, com o único objetivo de
fugir a determinadas dívidas de credores, relativamente ao casal. Isto acontece muito quando
temos casais em regimes de comunhão de bens (comunhão geral de bens ou comunhão de
adquiridos). Em Portugal, vigora o princípio da imutabilidade do regime de bens. Isto significa
que depois de casar, em princípio, não se pode alterar o regime matrimonial de bens.

Numa situação em que os cônjuges estão num regime de comunhão e um deles esteja prestes a
ter uma situação de insolvência, frequentemente recorria-se ao divórcio, para tentar
salvaguardar o máximo possível do património. O que o Tribunal veio dizer, é uma coisa nova,
isto não existe só para esta realidade, precisamente porque há este direito de desenvolvimento
pessoal. Se as partes, honestamente e legitimamente, não gostarem dos vínculos matrimoniais
(nomeadamente os deveres pessoais que existem no matrimónio), por exemplo o vínculo da

19 —
Mariana Calado

fidelidade, o Tribunal veio dizer que isto é legítimo e que as partes podem deixar de ter um
casamento para passarem a ter uma união de facto, precisamente com base neste direito.

As normas que infrinjam estes princípios são inconstitucionais – art. 277º CRP – não podendo
ser aplicadas pelos tribunais se a inconstitucionalidade for suscitada no processo. A declaração
produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a
repristinação das normas que ela eventualmente tenha revogado.

Os princípios constitucionais do direito da família podem ainda ser violados por omissão,
competindo ao Tribunal Constitucional, que verifique o incumprimento da Constituição por
omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais,
dar conhecimento ao órgão legislativo competente da inconstitucionalidade verificada (art.
283º).

Competência da lei civil para regular os requisitos e os efeitos do


casamento e da sua dissolução, independentemente da forma de
celebração

A norma consagrada no art. 36º/2 (a lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e


da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração) CRP
visa, sobretudo, retirar ao Direito canónico a competência para regular as matérias aí previstas.I
ntegra-se nesta secção Direitos de ser humano, na medida em que o seu objetivo de princípio é
assegurar a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, implicando-lhes o mesmo estatuto,
necessariamente o Direito civil.

Algumas dúvidas tem levantado o art. 1625º CC (o conhecimento das causas respeitantes à
nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado
aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes) quanto à sua constitucionalidade, na
medida em que reserva para o Direito canónico os problemas relativos ao consentimento
(divergências entre a vontade e a declaração, vícios de vontade etc.), que passam, portanto, a
ser apreciados pelos Tribunais eclesiásticos. Contudo, a doutrina tem-se inclinado
maioritariamente no sentido da constitucionalidade do art. 1625º CC.

Þ O casamento pode ser civil, canónico ou casamento civil sob a forma religiosa.
o Casamento canónico à requisitos: capacidade matrimonial e consentimento. Para
celebrar casamento têm de se cumprir os requisitos presentes no CC.
Þ O casamento é dissolvido através do divórcio ou da morte e através do casamento de
nulidade no caso do casamento católico. Para o casamento civil há ainda a possibilidade
de recorrermos à anulação, com base nas causas taxativamente previstas no CC. O
casamento católico é declarado nulo, sendo que a competência cabe à Igreja - art. 1625o
CC.
Þ O divórcio é admissível em todos os tipos de casamento? Até 1975 não era possível o
divórcio em casamentos católicos. Esta impossibilidade foi abolida.

Admissibilidade do divórcio para quaisquer casamentos

20 —
Mariana Calado

O art. 36º/2 CRP, ao estabelecer que a lei regula os requisitos e os efeitos da dissolução
do casamento por divórcio, independentemente da forma de celebração, tem um duplo sentido.
O primeiro é o de garantir a igualdade de todos os cidadãos, independentemente da forma de
celebração do casamento, quanto ao divórcio. Seria inconstitucional uma norma que excluísse
o divórcio para uma qualquer modalidade de casamento, inclusive o católico, como sucedia até
ao Protocolo Adicional de 1975 à Concordata de 1940. O outro sentido é o da admissibilidade
do divórcio para qualquer casamento. Consagra-se aqui um verdadeiro direito ao divórcio dos
cônjuges.
O art. 36º/3 (os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e
política e à manutenção e educação dos filhos) CRP, consagra a igualdade de direitos e deveres
dos cônjuges quanto à sua capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.
Vem na esteira do princípio da igualdade estabelecido no art. 13º CRP.

Atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos e


inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores
A atribuição dos pais do poder-dever de educação dos filhos vem consagrado no art.
36º/5 CRP (Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos). Também aí
vem prevista a inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores. Trata-se de dois princípios
que tem de ser compreendidos em íntima conexão, por se completarem um ao outro. Deles
resulta que a educação dos filhos – e por educação compreende-se a usa manutenção física, a
sua educação espiritual, a transmissão dos conhecimentos e técnicas, a coabitação com os pais
– é pertença dos pais.
Este poder-dever dos pais só lhes pode ser retirado por decisão judicial, sempre que se
verifiquem as condições previstas no art. 1915º/1 CC (a requerimento do Ministério Público,
de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de
direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício do poder paternal quando qualquer dos
pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando,
por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de
cumprir aqueles deveres).É Direito das Sucessões mais antigos “princípios constitucionais” do
Direito da Família que se deve considerar Direito Natural.

Não discriminação entre filhos nascidos no casamento e fora do


casamento
O art. 36º/4 CRP (os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser
objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações
discriminatórias relativas à filiação), proíbe a discriminação em relação aos filhos nascidos fora
do casamento.

21 —
Mariana Calado

Na sua vertente formal, o princípio proíbe o uso de designações discriminatórias, como


as de “filho ilegítimo”, “natural”, etc., ou quaisquer outras que não se limitem a mencionar o
puro facto do nascimento fora do casamento dos progenitores.
Sob o ponto de vista material, também se não permite qualquer discriminação: não poderá criar-
se para os filhos nascidos fora do casamento um estatuto de inferioridade em relação aos outros
que não decorra de insuperáveis motivos derivados do próprio facto do nascimento fora do
casamento.
A norma constitucional levou, nomeadamente, à revogação das regras de direito civil
que atribuíam melhores direitos sucessórios aos filhos “legítimos” em relação aos “ilegítimos”,
ou que limitavam o reconhecimento de certas categorias de filhos “ilegítimos”.

Direitos dos membros da família perante o Estado: protecção da


adopção
Esta norma foi introduzida pela revisão de 1982 que acrescentou ao art. 36º CRP o actual n.º 7
(A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres
para a respectiva tramitação). Impedirá alterações da legislação ordinária que diminuírem, sem
invocar um interesse público fundamental, os Direitos dos adoptados, os deveres dos
adoptantes, ou restringiria demasiadamente, também sem justificação bastante, os requisitos da
adopção. Por maioria de razão, essa norma proibirá o desaparecimento do instituto da adopção
do Direito Civil português.

Protecção da família
A norma do art. 67º CRP compreende não só a família conjugal, como a natural e a
adoptiva.A família “natural” é constituída pelos filhos e pelo progenitor biológico. É uma
família unilinear.
Esta norma está integrada, tal como os seguintes princípios, no Capítulo II (“Direitos e
Deveres Sociais”), Título III (“Direitos Económicos, Sociais e Culturais”) da Parte I (“Direitos
e Deveres Fundamentais”) da Constituição. Não tem pois a força jurídica que o art. 18º, confere
aos preceitos respeitantes aos Direitos Liberdades e Garantias (em sentido tradicional), não
sendo de aplicação imediata. Tem um carácter “programático”, com tudo o que isto significa.

Protecção da paternidade e da maternidade


O art. 68º CRP (os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na
realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua
educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país), ao
considerar a paternidade e a maternidade “valores sociais eminentes”, concede aos pais e às
mães, sejam ou não unidos pelo matrimónio, um direito à protecção da sociedade e do Estado
na realização da sua acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à educação destes,
22 —
Mariana Calado

garantindo-lhes a realização profissional e a participação na vida cívica do país. As mulheres


trabalhadoras têm Direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, incluindo a
dispensa de trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.
Os pais e mães desempenham, no momento da geração e da educação dos filhos, uma
tarefa do mais profundo interesse social. O art. 68º CRP, garante-lhes por parte do Estado uma
particular protecção. Atribuindo, desde logo, às mulheres trabalhadoras dispensa do trabalho
pelo período adequado durante a gravidez e após o parto, sem perda de retribuição ou de
quaisquer regalias.
Na esteira destes princípios, o art. 69º CRP, atribui às crianças um Direito à protecção
da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. O n.º 2 (O Estado
assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de
um ambiente familiar normal) concede-lhes uma especial protecção da sociedade e do Estado
contra todas as formas de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade da família e
demais instituições.

Principio da proteção da infância


Previsto no artigo 69 da CRP, este artigo atribui às crianças um direito à proteção da
sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. Relativamente ao disposto
no n.o 2, na parte em que este concede especial proteção às crianças contra o exercício abusivo
da autoridade na família, deve ter-se em conta as disposições relativas à inibição das
responsabilidades parentais – art. 1915º- às providencias limitativas dessas responsabilidades –
art. 1918º - e todas as disposições que integram o sistema de proteção de crianças e jovens em
perigo.

Filiação baseada no consentimento, no contexto de reprodução


assistida

Segundo a Lei nº32/2006 de 26 de junho, a lei considera o vinculo de filiação e de paternidade,


como vinculo, sendo que nesse sentido, não se duvida que estamos perante uma relação
familiar. Estes vínculos são baseados no consentimento para a utilização de técnicas de
procriação assistida.

Aspetos sociológicos
O tipo familiar comum europeu, hoje, já não passa tanto pela familiar nuclear e os filhos
menores, mas sim, por outras vicissitudes, como o maior, que continua a viver com os pais,,
etc... devido ao aumento da esperança média de vida, muito mudou, contudo algo que é verdade,
quase imutável hoje, é que hoje, em média, temos famílias mais pequenas. Sendo que assim, as
famílias “agrárias”, são hoje uma não realidade na Europa.

23 —
Mariana Calado

Hoje, por isso, a familia já não tem o mesmo papel social, que outrora teve. Sendo essa,
politica, educativa, entre outras. Contudo esta desfuncionalização da familia, reforçou a sua
intimidade e revelou assim as funções essências do grupo familiar, como a gratificação afetiva
entre os conjugues, a transmissão cultural e afetiva, dos pais para os filhos, apesar do papel
quase exclusivo nesta matéria da sociedade e escola, as famílias hoje são o grande mediador da
cultura dos filhos.
O casamento e o seu valor, passou de um casamento aliança, para um casamento nuclear,
no século XIX e XX, ou seja, o casamento romântico. Este no entanto, era baseado em papeis
diferentes entre os conjugues e um código de valores comuns da burguesia industrial da época.
Como diria BECK: “o homem ganhava o pão de cada dia, e a mulher punha-lhe manteiga”. Em
suma, os conjugues eram “dois numa só carne, mas a carne era do homem”.

Com a libertação da mulher, no inicio dos anos 70 e a democratização dos valores


familiares, a guerra, a obtenção de um salário, minimamente equiparado, a realidade familiar
mudou muito.
Assim, hoje, temos, nas sociedades modernas, casais, que tem como objetivo, na sua relação a
comunhão de vida, maior satisfação e realização pessoal. Exigindo assim do outro, muito mais
do que alguma fora exigido. Há por isso um enfraquecimento da união matrimonial e da familia.
Há por isso, “uma familia relacional”.

A igualdade entre parceiros, a privatização do amor, e o enfraquecimento do casamento


tem alterado sem precedentes os sistemas jurídicos. A abertura e a possibilidade de
desenvolvimento, de uma biografia própria, forçou os sistemas jurídicos a atribuir capacidade
jurídica às mulheres. De acordo como principio da igualdade dos conjugues , é possível
estabelecer-se a independência dos conjugues. Sendo que hoje, já “não são dois na mesma
carne”.
Por último, a privatização do casamento, deu origem a era do divórcio sem culpa. Sendo
que tem se vindo a dar origens de formas mais céleres de sair do casamento, de forma quase tao
fácil, como se entra nele. Assim, hoje, o divorcio assenta na mera rutura do casamento, do
mutuo consentimento, ativo ou passivo, no qual, aquele que decide pedir o final do casamento,
não vê no outro a oposição do seu conjugue. Apesar de isto, o casamento não perdeu a sua
atração, uma vez que há hoje um fenómeno, que apesar de ainda não ser dominante, estar cada
vez mais presente – “a familia recombinada”. Daqueles que tem 2, 3, ou 4 núpcias.

Características do direito da familia


Este ramo do direito, distancia-se dos demais, por várias razoes, sendo uma delas a
predominância de normas imperativas, que não podem ser inderrogáveis pelos os particulares.
São imperativas, p. ex., as normas que regulam os impedimentos matrimoniais e, em geral, os
requisitos de fundo e de forma do casamento; os direitos pessoais dos cônjuges; as modalidades
e as causas do divórcio e da separação de pessoas e bens; os modos de estabelecimento da
filiação; as presunções de maternidade e paternidade, o seu valor e o modo como podem ser
impugnadas, entre outras. Apenas as relações familiares patrimoniais são regidas por normas
dispositivas, sendo que, nalguns casos, continuamos a ter normas imperativas – como é o caso
dos art. 1714 nº1, 17200º, etc...

O direito da familia, é por isso um direito institucional. Sendo que existem por isso 2
perspetivas, sobre o mesmo:

24 —
Mariana Calado

1. Conceção positivista: o direito é criado pelo legislador, sendo que assim, só estamos
perante verdadeiro direito, se este estiver presente na lei.
2. Conceção institucionalista: o direito vive sobretudo nas instituições.

Uma vez que a familia é, por natureza, mais velha que o estado, segundo o Professor Guilherme
de Oliveira, este é um direito institucional. No qual o direito escrito e o legislador, apenas o
reconhece legalmente, regulando as relações de família, a reconhecer esse direito que vive e
constantemente se realiza na instituição familiar.

Nota: isto, contudo, não significa que, não seja necessário, por decisão técnica jurídica, a
tipificação de normas legais, de âmbito do direito da família – ex: a ordenação institucional de
1977; divorcio; casamento do mesmo sexo, apadrinhamento civil.

No que toca a questão da coexistência entre o direito civil e o direito canónico, importa
mencionar a importância do artigo 1625º CC se deve julgar conforme à Constituição e continua
em vigor, mesmo depois da Concordata de 2004, pelo que o conhecimento das causas
respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado
é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes. O legislador português como
que terá renunciado à sua soberania, devolvendo para o direito canónico e, portanto, para uma
outra ordem jurídica, a regulamentação de determinados aspetos do regime dos casamentos
católicos – regido pelo o Codex Iuris Canonici.

Já na matéria do direito da familia às transformações sociais, este, é altamente permeável


ao contexto de cada sociedade. Assim sendo, hoje, apesar de haver uma extrema dificuldade da
unificação mundial do direito da familia, podemos mencionar um direito quase natural, no que
toca a certos princípios, como: a secularização do casamento, a liberdade de celebração de
casamento, a não discriminação entre filhos nascidos fora ou dentro do casamento, etc...

Acaba, assim, por ser uma ramo legal, que tem uma grande ligação às clemencias
humanas, por exemplo, a biológica, progressos científicos, estudos, etc...

Os caracteres dos direitos familiares


Importa de modo prévio, referir, que os chamados direito familiares patrimoniais, são relações
que são originárias e estruturalmente obrigacionais ou reais, contudo, não se pode distinguir das
relações familiares, uma vez que são influenciadas por esse mesmo regime, de modo que a sua
autonomia se torne em dependência, da relação familiar.

Os direitos familiares pessoais como poderes funcionais


Importa começar, no que toca a este tema, os direitos familiares pessoais não são direitos
subjetivos propriamente ditos, mas antes poderes funcionais, poderes deveres, sendo por isso
irrenunciáveis e indisponíveis

Þ O que é um direito subjetivo? É um poder de exigir de outrem um certo comportamento,


ou, então de produzir certas consequências jurídicas. É uma noção estrutural, em que
este direito se define como poder.

25 —
Mariana Calado

Contudo, importa reparar, que esta não é a única ferramenta jurídica utilizada pelo legislador
para atribuir ou tutelar interesses.

A visão tradicional de direito subjetivo, contudo, tem alguns reparos, no que toca a
matéria familiar, isto, porque não são direitos cujo titulares, possa exercer, como queria, muito
pelo contrário, tem de exercê-los de certo modo. São irrenunciáveis e intransmissíveis e soa
controlados objetivamente. Assim, sendo são direitos funcionais, que incubem ao seu titular,
condutas, pelo qual se tem de dirigir.

Fragilidade de garantia

Segundo a doutrina tradicional, outra característica dos direitos familiares pessoais seria a de
que estes teriam uma garantia mais frágil que a dos direitos de crédito, pois não existiria uma
sanção organizada para o não cumprimento dos deveres respetivos. Com efeito, essa sanção
não poderia ver-se no divórcio ou na separação de pessoas e bens em si mesmos, nem tão pouco
nos efeitos previstos nos arts. 1790º e 1791º CC anterior a 2008.

Hoje não há divórcio-sanção – a culpa não interessa no divórcio. Por causa do direito ao livre
desenvolvimento da personalidade, não podemos sancionar aquele que se quis divorciar. As
regras gerais da responsabilidade civil (art. 483º CC) não teriam aplicação à violação dos
deveres familiares pessoais, devendo fazer-se, em conformidade, uma interpretação restritiva
dessas regras gerais. Obviamente que, depois de um dos cônjuges pedir o divórcio ou a
separação, já não faria sentido fazer essa interpretação restritiva do art. 483º (interpretação essa
que ia no sentido de não se abrangerem os direitos familiares pessoais), pois essas razões de
manter paz familiar e etc. já não teriam peso.

A Lei n.o 61/2008 pretendeu esclarecer, no art. 1792º, que há lugar para o recurso às regras da
responsabilidade civil; porém, ao eliminar o divórcio por violação dos deveres conjugais e toda
a relevância da culpa, deixou os deveres conjugais sem garantia.

A responsabilidade civil que o art. 1792º menciona é apenas aquela que se funda na violação
de direitos absolutos. Ou seja: Se houver violação de um direito do cônjuge, essa só terá sentido
e só pode ser reconhecida como tal se constituir a violação de um direito fundamental do outro
(o que seria igual em relação a qualquer outra pessoa que não um cônjuge).

Carácter relativo

Normalmente, os direitos familiares pessoais são relativos, e não direitos absolutos. Porém, há
alguns casos em que a proteção a alguns direitos familiares é uma proteção absoluta –
nomeadamente, art. 49º nº 2 e 496º nº 2.

No caso de “lesão de que proveio a morte”, os familiares do lesado que lhe podiam exigir
alimentos (art. 2009º) ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma
obrigação natural (art. 402º) têm direito de pedir ao lesante uma indemnização dos danos
patrimoniais sofridos. E os familiares referidos no art. 496º nº2, podem exigir-lhe indemnização
dos danos não patrimoniais que a morte do seu familiar lhes causou.

Tipicidade dos direitos reais

26 —
Mariana Calado

À semelhança dos direitos reais, existe um princípio de numerus clausus de direitos e negócios
familiares. Apesar da possibilidade de celebrar contratos de coabitação, não será válido o
contrato entre duas pessoas que assumam entre si as obrigações que a lei impõe aos cônjuges,
sem que para tal se recorra à forma matrimonial. Mais, não está na vontade das partes tornar
uma pessoa filha, neta ou sobrinha de outra, por exemplo.

Assim, só se admitem os atos ou negócios que a lei estabelece, no Código Civil ou em legislação
avulsa, sendo que estes estão revestidos de garantias específicas e cuja fonte não pode ser outra.

Exemplo: Não seria válido o contrato, feito por duas pessoas, em que estas assumissem uma
para com a outra as obrigações que a lei impõe aos verdadeiros cônjuges, mas sem quererem
recorrer à forma matrimonial.

Relação Matrimonial
O casamento católico e civil

O casamento pode ser católico ou civil – art. 1587o no1 CC.

Antes da Constituição de 1976, não se duvidava de que o casamento civil e o casamento católico
fossem institutos diferentes. Porém, pelo disposto no art. 36º CRP é atribuída à lei civil
competência para regular os requisitos do casamento católico, logo, poderia pôr-se em questão
a constitucionalidade do art. 1625º CC e do art. XXV, 1ª parte da Concordata de 1940, que o
art. 1625º reproduzira, pois na hierarquia das fontes não pode dar-se à Concordata valor
supraconstitucional ou sequer constitucional: como os demais acordos internacionais, a
Concordata tem valor supralegal, mas infraconstitucional. Todavia, a ideia de que a CRP
revogou o art. 1625º não tem justificação.

Casamento: não há um conceito universal de casamento sendo diferente em todos os


ordenamentos jurídicos. Este baseia-se na ideia de um acordo entre um homem e uma mulher
feito segundo as determinações da lei e dirigido ao estabelecimento de uma plena comunhão de
vida entre eles.

• Esta comunhão de vida deve ser exclusiva, isto é, nenhum dos cônjuges pode fazer
igual acordo com terceira pessoa enquanto o anterior vigorar, e não é livremente
dissolúvel, teremos apontadas as características fundamentais do casamento em vasto
número de sistemas jurídicos a que subjaz o mesmo ou idêntico substrato cultural.

Casamento civil: presente no art. 1577o, é o contrato celebrado entre duas pessoas que
pretendem constituir família mediante uma comunhão plena de vida.
Trata-se de uma comunhão de vida em que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos
deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art. 1672o), comunhão de
vida exclusiva (al. c) do art. 1601o) e não livremente dissolúvel (art. 1773o).

Casamento católico: é definido como o ato de vontade pelo qual o homem e a mulher, por
pacto irrevogável, se entregam e recebem mutuamente a fim de constituírem o matrimónio.

Os elementos essenciais que individualizam o casamento exprimem-se em direitos e deveres


recíprocos dos cônjuges, e se estes têm intenção de não assumir esses deveres.
27 —
Mariana Calado

Características Gerias do Casamento

O casamento é um ato jurídico, pelo qual não interessa somente o Estado, mas também as
diferentes concreções religiosas, como a católica. Nesse sentido, existem variados sistemas de
casamento. Vejamos:

Sistema de casamento religioso obrigatório ≠ sistema de casamento civil obrigatório: o


sistema de casamento religioso obrigatório é um sistema que não permite o casamento civil. O
sistema de casamento civil obrigatório é um sistema em que o Estado não admite outra forma
de casamento senão o casamento civil, celebrado segundo as suas leis e regulado por elas; o
direito patrimonial do Estado é obrigatório para todos os cidadãos, inde- pendentemente da
religião que professem.

• Sistema de casamento civil facultativo: as pessoas podem escolher livremente entre o


casamento civil e o casamento católico ou celebrado segundo os ritos de outra religião,
atribuindo o Estado efeitos civis ao casamento em qualquer caso. Este casamento
facultativo civil tem duas modalidades:
o Segundo uma delas, o Estado permite que os seus nacionais celebrem
casamento católico e dá a esse casamento efeitos legais, mas dá-lhe os mesmos
efeitos e sujeita-o ao mesmo regime do casamento laico ou civil.
§ O sistema de casamento civil facultativo, nesta modalidade, oferece, em
confronto com o sistema de casamento civil obrigatório, a vantagem de
evitar aos nubentes uma dupla celebração, e ao mesmo tempo conserva
a vantagem substancial desse sistema, que é a de haver um único direito
matrimonial, válido para todos os nacionais do país.
o Segundo a outra modalidade do sistema de casamento civil facultativo, quando
o Estado admite como válido e eficaz o casamento católico admite-o como tal,
ou seja, como é regulado pelo direito da Igreja. Portanto, o Estado não reconhece
apenas a forma de celebração religiosa; o Estado reconhece a própria legislação

• Sistema de casamento civil subsidiário: o Estado reconhece o casamento católico e


admite o casamento civil apenas de forma subsidiária, ou seja, apenas naqueles casos
em que o direito canónico considera o casamento civil legitimo. Compreende-se, pois,
que todas as uniões legítimas em face da Igreja sejam agora legítimas em face do Estado
e, ao contrário, todas as uniões legítimas em face do Estado o sejam igualmente em face
da Igreja. É esta a vantagem do sistema de casamento civil subsidiário. O que não se vê,
po- rém, é como ele possa conciliar-se com o princípio da liberdade religiosa, que em
muitos países é protegido constitucionalmente – art. 41o CRP. Com efeito, segundo este
sistema, o Estado vai obrigar os cidadãos à prática de um ato religioso.

Atualmente, o nosso sistema pode ser caracterizado (face à lei da liberdade religiosa):

Þ para os católicos, continua a ser um sistema de casamento civil facultativo na “segunda


modalidade”, referida no nº79, em que o casamento católico não é apenas outra forma
de celebração do casamento, mas um instituto diferente, disciplinado em vários aspetos
por normas diversas das que regem o casamento civil;

28 —
Mariana Calado

Þ para os que pertençam a igrejas ou comunidades religiosas que se considerem ou


venhama considerar-se “radicadas no País”, é igualmente um sistema de casamento
civil facultativo mas na “primeira modalidade” indicada, ou seja, um sistema em que o
casamento religioso é apenas uma forma de celebração do casamento, o qual, à parte a
forma, fica sujeito em todos os aspetos às mesmas normas por que se rege o casamento
civil
Þ para os que pertençam a outras igrejas ou comunidades religiosas, não “radicadas no
País”, é um sistema de casamento civil obrigatório, pois a lei não dá qualquer valor à
respetiva cerimónia religiosa

A lei da liberdade religiosa reconhece efeitos civis aos casamentos celebrados de forma
religiosa – art. 19o nº1.

Aproximado do casamento civil sob estes três aspetos, o casamento católico continua a ser,
todavia, diferente do casamento civil e regido por outras normas jurídicas. Ora, para
caracterizarmos com precisão o sistema matrimonial português, interessa justamente saber por
que normas — de direito civil ou de direito canónico — se rege o casamento católico em cada
um dos seus aspetos:

Þ Quanto à promessa de casamento, parece claro que os arts.1591º e ss. se aplicam, quer
à promessa de casamento civil, quer à promessa de casamento católico.
Þ Quanto aos requisitos de fundo do casamento católico há uma distinção a fazer. No que
respeita aos vários problemas relativos ao consentimento (divergências intencionais e
não intencionais entre a vontade e a declaração, vícios da vontade, casamento sob
condição ou a termo, etc.), é o direito canónico que se aplica. Como isto trata da
validade do ato os tribunais civis não podem atuar.
Þ Quanto à capacidade, ou seja, quanto aos impedimentos matrimoniais, vimos que se
aplicam as duas ordens jurídicas. Claro que o casamento católico está sujeito, em
primeiro lugar, ao sistema de impedimentos do direito canónico, mas também o está ao
sistema de impedimentos do direito civil, por força do art. 1596o.
Þ A forma do casamento é regida, em geral, pelo direito civil e pelo direito canónico.
Assim, quanto às formalidades preliminares, há ao mesmo tempo formalidades
canónicas e formalidades civis a cumprir. No que toca à celebração do casamento
católico é que não há formalidades civis. Quanto ao registo ambos têm intervenção.
Þ Quanto às causas de nulidade do casamento e ao regime processual das respetivas
ações, já vimos que só o direito e o foro eclesiástico são competentes – art. 1625o. Mas
é ao direito civil que pertence, uma vez declarada a nulidade do casamento católico
pelo tribunal eclesiástico, regular os efeitos da nulidade e a eventual aplicação ao caso
do instituto do casamento putativo.
Þ No que se refere aos efeitos do casamento, tanto pessoais como patrimoniais aplica-se
o direito civil.
Þ No que toca à separação de pessoas e bens aplicam-se as regras do casamento civil.
Þ No que respeita à dissolução do casamento católico aplicam-se as duas ordens jurídicas.

O casamento como negócio jurídico

Um negocio jurídico, tem como base o seu caracter negocial, nesse sentido, podemos referir
que este é subliminar a duma declaração de vontade, dirigida a produzir certos efeitos jurídicos,

29 —
Mariana Calado

correspondente ao fim que o declarante/declarantes tem em vista. Este é primado pela a


autonomia privada. No âmbito do direito da familia e dos negócios familiares, o casamento é o
mais importante de todos eles.

Os seus efeitos pessoais – como os direitos e deveres dos conjugues, são fixados
imperativamente na lei, sem que seja possível derrogações ou desvios, pelas partes – 1699 nº1
al. B). Assim sendo, não podem por isso os nubentes inserir no contrato condição ou termo, em
vista de modificar os efeitos leais do contrato – 1618 nº2 do CC.

Ainda assim, importa referir que os conjugues, devem acordar sobre a orientação da vida em
comum – 1671 nº2, o acordo de residência – 1673 do CC; e a forma como cada um irá cumprir
o dever de contribuir para os encargos da vida familiar, nos termos do 1676 do CC.

O casamento como contrato

Como negócio jurídico, o casamento é um contrato. Porém, a contratualidade do casamento


civil tem sido contestada pela doutrina. Vejamos:

Þ Uma orientação extrema é a que vê na declaração do funcionário do registo civil o


elemento verdadeiramente constitutivo do casa- mento, sendo o consentimento das
partes um simples pressuposto dessa declaração, sendo assim o casamento um ato do
poder estadual ou administrativo.
Þ Uma orientação mais moderada diz-nos que o casamento é um negócio plurilateral
com três partes: os cônjuges e o conservador do registo civil. É uma doutrina que, ao
contrário da anterior, já põe a declaração do funcionário ao lado das declarações dos
nubentes. Mas a declaração do conservador não está no mesmo plano das dos nubentes;
não é sequer uma declaração de vontade (o conservador não é parte no casamento nem
é atingido pelos seus efeitos).
Þ Uma outra orientação concebe o casamento como ato complexo. Ora, o casamento
seria um conjunto integrado por um negócio bilateral (formado pelas declarações dos
nubentes) e por um ato do poder estadual, um ato administrativo (a declaração do
conservador do registo civil).

A doutrina tradicional vê o casamento como um simples contrato de direito privado, sendo a


intervenção do conservador a forma do ato (forma constitutiva, pois as declarações de vontade
dos nubentes devem ser prestadas perante o conservador). Crê-se ainda, mais além, que o
consentimento dos nubentes é o que constitui o núcleo essencial e fundamental do matrimonio.

O casamento e a diversidade de sexo

Somente, neste seculo, deixou o casamento de ser exclusivo à heterossexualidade, tanto na


modalidade civil, como católica. Atualmente, com a alteração legislativa da CRP de 2004, seria
inconstitucional, alguma lei que não permitisse aos casais do mesmo sexo (13 da CRP) casar-
se, perfilhar, declarar maternidade ou adotar.

30 —
Mariana Calado

O casamento como negocio pessoal

O casamento é um negócio familiar, e por sua vez, os negócios familiares são negócios pessoais.
Os negócios pessoais são negócios que não se destinam a constituir, modificar ou extinguir
relações de carácter patrimonial, mas a influir no estado das pessoas, familiar ou de outra ordem.

O casamento como negócio solene


Tanto o casamento católico como o casamento civil são negócios que estão sujeitos a
forma. Enquanto a forma exigida para os outros negócios solenes consiste no documento escrito
a que as respetivas declarações de vontade devem ser reduzidas, a forma requerida para a
validade do casamento consiste na cerimónia da celebração do ato e não propriamente no
documento escrito que deve ser lavrado após a celebração do casamento – art. 180º Código do
Registo Civil. O casamento civil tem de ser celebrado perante o funcionário do registo civil,
estando as suas formalidades presentes no art. 155º do CRegCiv.

Caracteres do casamento como Estado


Em primeira analise, algo que é importante referir, é que existem duas características do estado
matrimonial: unidade ou exclusividade – ou seja, que a pessoa não pode estar casada com duas
ou mais pessoas ao mesmo tempo – ou seja, a poligamia não é válida Þ (art. 1601o al. c) CC).
De seguida, a Perpetuidade: a doutrina tradicional falava em perpetuidade do casamento para
exprimir a ideia de que este só se dissolve quando algum dos cônjuges falecer. Todavia, o
casamento não é perpetuo.

Þ Porque é que o casamento não é perpetuo?

Até à “Lei do Divórcio” de 1910 o casamento era mesmo perpétuo, pois o Código de Seabra
não admitia o divórcio mas só a separação judicial de pessoas e bens. Passou a ser apenas
presuntivamente perpétuo com a legislação da 1ª República, que veio permitir o divórcio.
O divórcio por mútuo consentimento não podia pedir-se diretamente, tendo de passar pela
antecâmara da separação judicial de pessoas e bens, e na delimitação das causas do divórcio
litigioso o Código consagrou o sistema do divórcio-sanção, eliminando, em conformidade,
todas as causas de divórcio objetivas.

Com a reforma de 1977 – o divórcio por mútuo consentimento passou a poder ser pedido
diretamente, sem a mediação da separação de pessoas e bens.

A Lei no 47/98, de 10 de agosto, facilitou ainda mais o divórcio por mútuo consentimento,
permitindo que este fosse pedido “a todo o tempo”, mesmo ato contínuo à celebração do
casamento. Por último, a Lei no 61/2008, que admitiu o divórcio por mútuo consentimento
ainda que os cônjuges não consigam resolver as questões enun- ciadas no art. 1775º nº1, que
eliminou a importância da culpa e que alargou os fundamentos relevantes da rutura do
matrimónio (art. 1781º, al. d) CCiv), tornou ainda mais simples a dissolução.

Casamento Civil
Importa, com base de nota, referir os requisitos para que se possa contrair casamento:
Þ A capacidade das partes;
Þ O consentimento;
31 —
Mariana Calado

Þ O objeto possível.

Nota: os requisitos mais importantes são o consentimento e a capacidade.

O consentimento
Para que o casamento seja celebrado validamente, este exige o consentimento, sendo que é este
que faz o mesmo, e não por exemplo a coabitação. Assenta-se este por isso, no principio da
vontade. O principio da atualidade do mutuo consentimento (1617 do CC), e a ideia que este
tem caracter pessoal, está expresso no artigo 1634 e ss. do CC.
Assim sendo, é importante referir que um ou ambos os nubentes, tenha casado, com falta de
vontade ou com vontade viciada por erro ou coação – será aplicado o regime da anulabilidade
dos artigos 1634 e ss. do CC.

A forma de expressão do consentimento é regra geral verbal, mas solene. Outras formas de
manifestação de vontade: carta, fax e email, não são admitidos.

Assim sendo, deve o consentimento ser: pessoal, puro, simples, perfeito e livre.

Caracter pessoal do Consentimento


Tem de ser expresso pelos próprios nubentes, pessoalmente, no ato de celebração – 1619 do
CC.

Casamento por procuração


Este instituto está regulado no 1620 do CC e 43 e 44 do CRC, no qual dá origem a certas
exigências, para a sua verdadeira celebração:
Þ Caracter formal: deve ser outorgada por documento assinado pelo o representado, com
reconhecimento presencial da assinatura, por documento autentico ou por instrumento
publico.
Þ Caracter substancial:
o Por um lado os nubentes pode fazer-se representar por um procurador (1620 nº1
do CC + 44 nº1 do CRC).
o A procuração tem de ser, como denomina a doutrina, de especialíssima, ou seja,
tem de se individualizar a pessoa do outro nubente e se indique a modalidade do
casamento (1620 nº2 do CC + 44 nº2 do CRC).

O art. 162º al. d) do CC, determina que o casamento celebrado por intermédio do procurador,
quando celebrado depois de terem cessado os efeitos da procuração, ou quando não tenha sido
outorgada por quem dela figurou como constituinte, ou sendo nula por falta de concessão de
poderes, será considerado inexistente.

Nos termos do artigo 1621º nº1 do CC, os efeitos da procuração cessam por uma de duas vias:
pela revogação ou pela morte do constituinte, do procurador, ou do acompanhante de qualquer
deles, quando a sentença que haja decretado o acompanhamento assim o determine.

Þ Pode o procurador recusar legitimamente a celebrar o casamento por uma circunstância


superveniente que o leve a crer que o constituinte, conhecendo-a, não o celebraria?

32 —
Mariana Calado

Esta questão prende-se com saber se o procurador tem a possibilidade de decidir sobre a
conclusão do matrimónio, isto é, se estamos perante um verdadeiro representante ou um mero
núncio. Por existirem estes casos extremos, deve considerar-se que o procurador ad núpcias
deve ser tido como representante, ainda que com pouquíssimos poderes.

Þ Atualidade: o consentimento tem de ser atual, ou seja, o consentimento tem de ser


prestado no ato de celebração do casamento – art. 1617º.
Þ Tem de ser um ato puro e simples, ou seja, a vontade de contrair casamento não pode
ter associado qualquer condição – se tiver condições estas são consideradas nulas –
art. 1618º.
Þ O consentimento tem de ser dirigido à constituição da plena comunhão de vida (ex:
contrair casamento para adquirir a nacionalidade – simulação).

Caracter puro e simples do consentimento


Solução prevista no artigo 1618 nº2 do CC, que vem a proibir, que os efeitos do casamento
fiquem submetidos a preexistência de algum facto. Neste sentido, pode-se, por isso, invocar a
própria dignidade da instituição matrimonial e sobretudo a ideia de como o casamento é um
negocio que afeta o estado das pessoas, não podendo por isso ficar depende de acontecimento
futuro incerto (condição) ou mesmo de prazo (termo).

Perfeição do consentimento
Entre os nubentes deve haver uma concordância entre a vontade a declaração, no qual
ambos queriam celebrar o matrimonio. Art. 1634 do CC. contudo, pode acontecer, por vezes,
que a vontade manifestada ou declarada, seja diferente da vontade real ou efetiva. Sendo que
nesses casos, estamos perante um consentimento imperfeito.
Segundo o artigo 1635 do CC, quando há uma diverge nica entre a vontade e a
declaração, o casamento por ser anulado, por falta de vontade + 1627 do CC.

Só constituem causas de invalidade do casamento aquelas especificamente previstas no direito


da família.

Art. 1631o do CC: causas de invalidade do casamento

Þ Art.1631oal.b): “com falta de vontade” – remete para o art. 1635º


“com vontade viciada com erro ou coação” – remete para o art. 1636º e 1638º.
o Causas de invalidade do casamento por falta de vontade: a falta de vontade
caracteriza-se por a vontade declarada não corresponder à vontade real.
A reserva mental para os casos do casamento não é tal e qual o regime geral, não
se exige que a outra pessoa conheça, se a outra pessoa conhecer teremos uma
simulação. No casamento se houver reserva mental por parte de um dos nubentes
temos uma simulação.

Art. 1635º: anulabilidade do casamento por falta de vontade

Þ Art.1635º al.a): casos em que o declarante não tinha consciência do ato que praticava–
erro na declaração.
33 —
Mariana Calado

o Causas extrínsecas ou intrínsecas:


§ Ex: embriaguez, hipnose, delírios, entre outros do género
§ As doenças não têm de ser do conhecimento do destinatário

Quanto ao erro na declaração, o artigo 1635º al. a) do CC estabelece um desvio à regra do


regime da incapacidade acidental, artigo 246º do CC. Está em causa a anula- ção do casamento
por falta de vontade, quando o nubente não tinha consciência do facto que praticava.
Contrariamente ao regime geral, não se exige o conhecimento ou notoriedade da incapacidade
do lado do declaratário.

Þ Art.1635º al.b): erro sobre a identidade física do outro contraente.


Ex: A quer casar com B, mas acaba por casar com C. A não tem vontade de casar com C.
Þ Art. 1635º al. d): “quando tenha sido simulado” – quer dizer reserva mental conhecida do
destinatário.

A anulação do casamento simulado pode ser requerida pelos cônjuges ou por terceiros
prejudicados, artigo 1640º, nº 1 do CC, dentro dos 3 anos subsequentes ou, se o casamento era
ignorado do requerente, nos 6 meses seguintes à data do conhecimento (artigo 1644º do CC).
Nos termos do negócio simulado, não podem os cônjuges provar por testemunhas ou por pre-
sunções o acordo simulatório – artigos 394º nº 2 e 351º do CC.

Nos termos do artigo 243º do CC, a anulação do casamento simulado não pode ser oposta a
terceiros que, de boa-fé, acreditavam na validade do casamento.

O art. 1635º tem de ser lido de forma conjunta com o art. 1640º e 1644º. O que interessa é
tutelar a vontade do cônjuge que não teve vontade de celebrar casamento, sendo o único
legitimado para tutelar a ação, sendo que se este falecer na pendencia da causa outras pessoas
podem intervir.

Prazos: três anos depois da celebração, ou se o requerente não tinha conhecimento do


casamento, nos 6 meses depois ao seu conhecimento.

Liberdade do consentimento – vícios do consentimento

A lei presume no art. 1634º que o consentimento deve ser livre. Ora, a vontade dos nubentes
tem de ser esclarecida e formada sem pressão de violências ou ameaças – não pode haver erro,
nem coação.

Erro -vicio

Vicio da vontade: divergência entre a vontade declarada e a vontade hipotética O erro vicio
vem previsto no art. 1636º. Requisitos:
o Tem de incidir sobre as qualidades essenciais do outro cônjuge
§ O que são qualidades essenciais?
• Podem ser qualidades físicas, designadamente a infertilidade ou
doença rara hereditária; qualidades morais ou de caracter, por
exemplo, a prática de um crime; qualidades jurídicas, como por

34 —
Mariana Calado

exemplo, uma situação de insolvência; estado religioso, estado


de insolvência.

A qualidade tem de ser essencial ao ponto de determinar a fronteira entre a vontade de casar e
não casar.

1. Temos de olhar ao patamar subjetivo: o declarante terá de provar na ação de anulação


que a descoberta daquela qualidade que erra existente à data da celebração do casamento
é de tal forma grave para si que se tivesse tido consciência de que ela existia não teria
declarado casar com aquela pessoa.
2. Temos de ver o patamar objetivo: a norma diz-nos “razoavelmente”, ou seja, temos
de ver se o contexto cultural e socioeconómico em que o casal está inserido seria ou não
essencial.

o Tem de ser desculpável


o Tem de ser subjetiva e objetivamente essencial

Ou seja, o erro tem de versar sobre uma circunstância decisiva ou determinante na formação da
vontade. O mesmo é dizer que se o erro não existisse e o nubente tivesse um conhecimento
exato dessa circunstância, não teria querido celebrar o casamento. Aqui também vigoram o
duplo critério: objetivo e subjetivo.

O Tribunal da Relação de Évora, a 04/12/2018, esclarece que o erro que vicia a vontade de
casar tem de ser determinante, presente no momento do casamento e incidir sobre qualidades
essenciais e ocultas do outro cônjuge. Mais, esclarece que as mudanças de comportamento de
um dos cônjuges perante o outro não integram o erro que permite a anulação do casamento.

Coação
O casamento pode ser anulado tendo como fundamento a coacao moral nos termos do art. 1638o
do CC.

Coação: enquanto vício da vontade, reconduz-se ao receio ou temor ocasionado no


declarante pela cominação de um mal, dirigido à sua própria pessoa, honra ou fazenda ou de
um terceiro.

Em sede de casamento, não se distingue quem é o autor da coação: se o outro contraente ou um


terceiro. Para que o casamento seja anulável com base em coação moral, basta que seja grave
o mal com que o nubente é ilicitamente e intencionalmente ameaçado e justificado o receio
da sua consumação, e a coação seja essencial.

Ora, temos 5 requisitos:

• Ameaça ilícita e intencional


• A ameaça tem de versar sobre um mal grave
• Tem de haver justificação do receio de consumação: para isto temos que atender às
qualidades do coator e aos meios que ele dispõe para consumar a ameaça, e ver se o
homem médio se sentiria efetivamente ameaçado
• A ameaça tem de ser essencial: se não, não se teria prestado o consentimento para casar

35 —
Mariana Calado

O consentimento prestado em erro ou sob coação relevantes é anulável, nos termos do


artigo 1631o al. b) do CC.

Quanto à legitimidade, a ação apenas pode ser intentada pelo cônjuge enganado ou coagido,
dentro dos 6 meses posteriores à cessação do vício. No entanto, se o autor falecer na pendência
da causa, podem nela prosseguir os seus parentes, afins na linha reta, herdeiros ou adotantes.
Este regime resulta dos artigos 1641o e 1645o do CC. O prazo conta, nos casos de coação moral,
findo o medo da consumação da ameaça.

A anulabilidade é sanável por confirmação, expressa ou tácita, nos termos gerais do artigo
288o do CC.

A convalidação objetiva acontece mediante a falta de propositura da ação no prazo


indicado.

36 —
Mariana Calado

A Capacidade

Esta noção de capacidade em Direito da Família é diferente do que aquela que estudamos em
Direito Civil. Na verdade, vamos falar de impedimentos matrimoniais, uma averiguação prévia
da capacidade que não tem paralelo noutros negócios jurídi- cos. O artigo 1600º do CC é claro
ao dizer que têm capacidade matrimonial todos os sujeitos que não sejam, pela lei, impedidos
de casar.

Um impedimento matrimonial é uma circunstância que, de alguma forma, im- pede a


celebração do casamento. Os impedimentos não são incapacidades, mas antes as circunstâncias
onde elas se originam. A averiguação dos impedimentos matrimoniais reporta-se ao momento
da celebração do casamento.

Temos por isso dois tipos de Impedimentos:

o Impedimentos dirimentes;
o Impedimentos impedientes;

Quanto aos Impedimentos Dirimentes Absolutos

Art.1631º alínea a)–a celebração do casamento em que exista um impedimento dirimente


conduz à sua anulabilidade.

Quanto à demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a decisão


de acompanhamento, quando a respetiva sentença assim o determine, artigo 1601o, al.
b) do CC, importa ter presente que demência para o direito civil significa anomalia mental ou
psíquica. O regime de acompanhamento limita-se ao necessário, nos termos do artigo 145o
37 —
Mariana Calado

no1 do CC, e o exercício pelo acompanhado de direitos pessoais é livre, exceto lei ou
sentença judicial disponham e contrário, artigo 147o do CC, daí a referência a “quando a
respetiva sentença assim o determine”.

Art. 1639º do CC – têm legitimidade para intentar a ação de anu- lação fundada em
impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou qual- quer parente deles
na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como os herdeiros e adotantes
dos cônjuges, e o Ministério Público (no1). Nos termos do no2 do artigo, o tutor do menor
também tem a mesma legitimidade.

Art. 1643º do CC – no que respeita a prazos a lei distingue consoante o sujeito que intente
a ação. Se for o próprio menor, até seis meses após atingir a maioridade. Se for outro
sujeito com legitimidade para tal, a anulação deve ser requerida nos 3 anos seguintes à
celebração do casamento, mas nunca depois da maioridade.

Art. 1633º nº1 al. a) – casos em que o casamento se tem por convalidado desde a sua
celebração.

Quanto aos Impedimentos Dirimentes Relativos

O art. 1603º enuncia 5 tipos de impedimentos

O parentesco na linha reta e no segundo grau da linha colateral e pela afinidade na linha
reta, artigo 1602o als. a), c) e d) do CC, respetivamente. Estes são os únicos vínculos familiares
que constituem impedimento dirimente, devendo ter-se em conta que também estão, aqui,
compreendidas as relações estabelecidas em caso de adoção, dado o princípio expresso no artigo
1986o do CC.

o Legitimidade e prazos igual ao anterior:


o No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643 nº1, al. c) do CC, a lei
refere um prazo de seis meses após a dissolução do casamento Não nos
esqueçamos que depois da Lei no 61/2008 (“lei do divórcio”), a afinidade
cessa com a dissolução do casamento por divórcio, artigo 158º do CC,
cessando, assim, o impedimento.

Quanto à condenação por homicídio, releva o crime anterior cometido, como autor ou
cúmplice, o crime doloso, ainda que não consumado, de um dos nubentes contra o cônjuge,
leia-se, ex-cônjuge, do outro, artigo 1602º al. e) do CC. A lei suspeita que o crime tenha sido
cometido com a intenção de permitir o casamento. Por este impedimento apenas operar após
o trânsito em julgado da sentença, surge- nos o artigo 1604º, al. f) do CC com um impedimento
impediente, de forma a não se contrariar a lei durante o período que decorre até ao trânsito em
julgado da sentença

38 —
Mariana Calado

39 —
Mariana Calado

Os Impedimentos Impedientes

Os impedimentos impedientes são menos gravosos, pelo que as sanções são diversas e não
passam pela anulabilidade – artigo 1604º do CC.

1604º al. a): estamos a falar de menores entre os 16 e os 18 anos. A autorização deve ser
concedida pelos progenitores que exerçam as responsabi- lidades parentais ou pelo tutor, antes
ou no próprio ato de celebração do casamento, artigo 149º nº1 do CRC.

Se for prestado antes da celebração do mesmo, deve revestir uma das formas do artigo 150º nº1
do CRC, identificar o outro nubente e indicar a modalidade de casa- mento (nº2 do mesmo
artigo). Se esta autorização for anterior à data de instauração do processo preliminar, deve ser
junta ao processo, artigo 149º nº2 do CRC.

O menor pode pedir ao conservador o suprimento da autorização para casamento que lhe
seja negada por quem de direito lhe competia conceder tal autorização, nos termos de um
processo regulado nos artigos 255º e ss do CRC.

Após apresentação do pedido em qualquer conservatória (artigo 255ºdo CRC); autuada petição
com os documentos que lhe respeitam, o conservador faz citar os pais ou o tutor, no prazo de 8
dias (artigo 256º nº1 do CRC); concluída a instrução, a supressão da autorização dos pais
obedece à maturidade física do menor e à existência de razões ponderosas que justifiquem o
casamento, sendo que tal decisão é da exclusiva competência do conservador e passível de
recurso judicial (artigo 257º nº1 a 3).

Se o menor contrair casamento sem autorização ou respetivo suprimento, não se emancipa


plenamente, artigo 132º do CC, continuando a ser considerado menor quanto à administração
dos bens que tenha levado para o casal ou que lhe advenham por título gratuito até à maioridade,
bens cuja administração não é confiada ao outro cônjuge como o seria segundo as regras gerais
(artigo 1678º nº2, al. f) do CC).

1604º al. c): é impedimento impediente o parentesco no terceiro grau da linha colateral. Nos
termos do artigo 1609º nº1, al. a) do CC, este impedimento é dispensável por decisão do
conservador do registo civil, no2 do mesmo artigo.

O processo de dispensa de impedimento segue o regime dos artigos 253º e 254º do CRC,
sendo que se recomenda a leitura integral dos mesmos preceitos. Atente-se no artigo 142º nº2
e 3 do CRC para a suspensão do processo preliminar de casamento e remissão para este regime
quando se venha a conhecer tal impedimento. Caso não haja dispensa, o artigo 1650o no2 do
CC dá-nos a sanção aplicável.

1604ºal. d) e 1608º: é impedimento impediente a tutela, acompanhamento de maior ou a


administração legal de bens, bem como o não decurso de um ano sobre o termo da incapacidade
e não estiverem aprovadas as respetivas contas, havendo lugar a elas.

Nos termos do art. 1609º nº1 al. b) este impedimento é dispensável por decisão do conservador
do registo civil. O processo de dispensa de impedimento tem o seu regime nos art. 253º e 254º

40 —
Mariana Calado

do CRC. Se não houver dispensa a sanção aplicável encontra-se presente no art. 1650º nº2 do
CC.

Referido na lei no 103/2009, o apadrinhamento civil é tido também como impedimento


dirimente. O artigo 22º nº2 da mesma lei estabelece que o impedimento é dispensável pelo
conservador, ao passo que o nº3 estatui uma sanção para a celebração do mesmo casamento
sem dispensa do impedimento.

Distingue-se entre impedimentos dispensáveis e impedimentos não dispensáveis, consoante


admitam dispensa – ato pelo qual uma autoridade, atendendo ao caso concreto, autoriza o
casamento, não obstante a existência de tal impedimento. O processo de dispensa de
impedimentos está regulado nos artigos 253º e 254º do CRC.

Por fim, distingue-se entre impedimentos de direito civil e impedimentos de direito canónico –
não esquecendo que os primeiros também se aplicam ao casamento católico, nos termos do
artigo 1596º do CC.

Formalidades do casamento

O casamento carece, por via de regra, de um processo preliminar, regulado pela lei do registo
civil e com o fim de verificar pela inexistência de impedimentos – art. 1610º e seguintes CC e
134º CRC.

41 —
Mariana Calado

O processo inicia-se junto de qualquer conservatória do registo civil (artigo 134º do CRC),
mediante declaração pessoal ou por intermédio de procurador (artigo 135 nº1 do CRC) em tal
sede, requerendo a instauração do processo de casamento. Note-se, aqui, que a representação
por procuração não obedece às limitações do procu- rador ad nuptias, artigo 1620o do CC.

Nos termos do artigo 135o no5 do CRC, os nubentes podem cumular com este pedido:

a. o pedido de dispensa de impedimentos, artigos 253o e ss do CRC;


b. o pedido de autorização para o casamento de menor, artigos 255o e ss do CRC;
c. o pedido de suprimento de certidão de registo, artigos 266o e ss do CRC
A declaração para casamento deve conter as menções do artigo 136º nº1 do CRC, bem como
regular as matérias dispostas nas alíneas do nº2. Mais, deve estar instruída com os documentos
mencionados nas als. a) e b) do no1 do artigo 137o do CRC.

Pode haver lugar a denuncia de impedimentos por qualquer pessoa até ao momento da
celebração do casamento – art. 1611º CC e 142ºCRC.

Feita a declaração ou se a existência do impedimento chegar ao conhecimento do conservador,


este deve fazê-lo constar do processo preliminar de casamento, cujo andamento é suspenso
até que o impedimento cesse, seja dispensado ou julgado improcedente por decisão judicial,
artigos 1611º nº3 do CC e 142o no 2 e 3 do CRC.

O processo de impedimento do casamento está regulado nos artigos 245º a 252º do CRC.
Havendo declaração de impedimento apresentada e instruída nos termos dos artigos 245º e 246º
do CRC, o conservador faz citar os nubentes para impugnarem o impedimento sob pena de este
se ter por confessado, no prazo de 20 dias, artigo 247º nº1 do CRC. Se não for impugnado, o
conservador profere um despacho a considerar o impedimento procedente e arquiva o processo
preliminar, artigo 248º do CRC. Havendo impugnação, há remissão do processo para o juiz da
comarca, nos termos dos artigos 249º e ss do CRC, donde resulta o restante procedimento.

Feitas todas as diligências, deve o conservador, no prazo de 1 dia a contar da última diligência
efetuada, proferir despacho a autorizar os nubentes a celebrar casamento ou a mandar
arquivar o processo, artigo 144º do CRC. Nos termos do no 2 do artigo 144º do CRC, no
despacho devem ser identificados os nubentes, feita referência à existência ou inexistência de
impedimentos ao casamento e apreciada a capacidade matrimonial dos nubentes. em caso de
despacho desfavorável, este deve ser notificado aos nubentes, que dele podem recorrer nos 8
dias seguintes à data da notificação, artigos 144º nº4 e 292º do CRC.

Celebração do casamento

Em caso de despacho final favorável, pode proceder-se à celebração do casamento dentro


dos seis meses posteriores à sua emissão – art. 1614º CC e 145º nº1 CRC.

No entanto, o processo pode ser revalidado se o casamento não for celebrado dentro do prazo
de seis meses – art. 145º nº2 e 3 CRC – sendo que a revalidação só pode ter lugar no prazo de
um ano a contar da data do despacho final – no4.

42 —
Mariana Calado

No ato da celebração devem verificar-se as presenças de ambos os nubentes, ou um deles e o


procurador do outro, e do conservador. É obrigatória a presença de duas testemunhas quando
a identidade de qualquer dos nubentes ou do procurador não possa ser verificada por uma
das formas previstas – art. 154º nº3 al. a), b) e c) CRC e 1616º al. c) CC.

Registo do casamento

O registo é obrigatório – art. 1651º e seguintes do CC. O registo não se relaciona com a validade
do casamento, mas sim como meio de prova, sendo que quando não registado não pode ser
invocado – art. 1669º CC e 2º CRC.

Pode ser feito por inscrição ou por transcrição – art. 52º al e) CRC e 53º no1 al. c), d) e e) CRC.

Na sede de casamento civil não urgente o registo é lavrado por inscrição em suporte
informático, nos termos do art. 14º do CRC.

A omissão de registo do casamento só pode ser suprida por decisão do conservador em


processo de justificação administrativa nos termos do art. 83º nº1, al. a) do CRC.

Não sendo o registo constitutivo, os efeitos do casamento produzem-se ex tunc, de acordo


com o princípio da retroatividade, isto é, desde a data da sua celebração, e não com a data do
registo. Este princípio resulta dos art. 1670º nº1 do CC e 188o nº1 do CRC. O art. 1670º nº2 do
CC exceciona o este princípio.

Casamentos Urgentes

Para termos a celebração de um casamento urgente tem de se verificar UM dos seguintes


pressupostos (art. 1590o, 1622o no1 e 156o CRC):

1. Receio de morte próxima de álbum dos nubentes


2. Iminência de parto para que se aplique a presunção de paternidade

Formalidades do casamento urgente: 156º CRC

Os efeitos do casamento urgente traduzem-se num duplo desvio, já que é permitida a


celebração do casamento sem processo preliminar e sem intervenção do funcionário do registo
civil – art. 1622 nº1 CC e 156º CRC.

Apresentada a ata do casamento ao conservador, e havendo já processo preliminar de


casamento organizado, o despacho final é proferido no prazo de 3 dias a contar da data da ata
ou da última diligência do processo, artigo 159 nº2 do CRC. Se não houver processo
preliminar de casamento organizado, nos termos dos artigos 159 nº1 e 134º e ss do CRC, o
conservador organiza oficiosamente o seu início, sendo que este deve estar concluído, em regra,
nos 30 dias subsequentes à data da ata (artigo 159 nº4 do CRC).

Está sujeito a homologação nos termos do art. 1623º CC e 159 nº5 CRC. Importa, no entanto,
perceber qual a consequência da não homologação do ca-samento urgente. Não existem
dúvidas na doutrina que falamos de uma inexistência nos termos do artigo 1628º do CC. No

43 —
Mariana Calado

entanto, existem algumas dúvidas quanto à inserção nas causas de inexistência aí descritas. Para
a professora Raquel Vieira:

1. o artigo 1628º al. a) do CC aplica-se quando o casamento urgente tenha sido celebrado
sem verificação de um dos requisitos de fundo exigido por lei, artigo 1624 nº1, al. a),
1.a parte do CC;
2. ao passo que o artigo 1628o al. b) do CC aplica-se quando o casamento urgente tenha
sido celebrado sema observação das respetivas formalidades (exigidas no artigo
156º do CRC), artigo 1624º nº1, al. a), 2.a parte do CC.

Relativamente ao regime de bens que é aplicável imperativamente, no âmbito dos casamentos


urgentes, o regime de separação de bens, como consta do artigo 1720º al. a) do CC, dado que
não houve processo preliminar do casamento. Esta é a única especialidade substancial deste
regime.

Casamento de Portugueses no Estrangeiro

Este casamento vem regulado nos art. 49ºe ss. do CC e 161º e ss do CRC.

O artigo 51º do CC enuncia desvios ao princípio locus regit actum, disposto no artigo 50o do
CC, isto é, ao “lugar de celebração rege o ato”. O casamento aqui em causa pode ser celebrado
por uma de três formas, nos termos do artigos 51o no2 do CC e 161o do CRC:

o perante ministros de culto católico;


o perante os nossos agentes diplomáticos ou consulares no estrangeiro, pela forma
estabelecida na lei civil;
o peranteasautoridadeslocaiscompetentes,pelaformaprevistanaleidolugardacelebração.

Nos termos do artigo 162º do CRC, qualquer que seja o casamento, este deve ser sempre
precedido do processo preliminar respetivo, organizado nos termos dos artigos 134º e ss do
CRC. O artigo 49º do CC estabelece que a capacidade para contrair casamento ou celebrar
convenção antenupcial é regulada, no tocante a cada nubente, pela lei pessoal (artigo 31o do
CC), isto é, a nubente(s) português(es) aplica-se a lei portuguesa no tocante à aferição
desta capacidade. Assim, o português, residente em Portugal, que pretenda casar no
estrangeiro pode requerer, em qualquer conservatória a verificação da sua capacidade
matrimonial e a passagem do respetivo certificado mediante a organização prévio de processo
de casamento, nos termos do artigo 163º nº1 e 2 do CRC.

Se, porém, se tratar de português residente no estrangeiro e que pretenda aí casar, o artigo 163º,
nº3 do CRC impõe que a verificação da capacidade matrimonial pode ser feita por qualquer
conservatória do registo civil ou pelos agentes diplomáticos ou consulares competentes para a
organização do processo preliminar de casamento.

Casamento de Estrageiros em Portugal

O casamento de estrangeiros em Portugal pode ser celebrado segundo a lei nacional de qualquer
um dos nubentes, perante os respetivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que igual
competência seja reconhecida pela mesma lei aos agentes diplomáticos ou consulares
portugueses – art. 51º nº1 CC e 165º, 166º CRC.

44 —
Mariana Calado

Capacidade Matrimonial de Estrangeiros

Casos em que temos um nacional de um país a pretender casar com um sujeito de outro país.
Estas situações plurilocalizadas são resolvidas pelas chamadas normas de conflitos, que acabam
por determinar a que lei cabe a competência de solução do caso. No entanto, as normas de
conflitos podem vir a considerar competente a lei estrangeira, mas o ordenamento que dela
resulta não vir a ser, materialmente, aplicado. Isto pode acontecer por várias razões – art. 22º
CC. Este artigo aplica- se quando o conteúdo da regulamentação da lei estrangeira e de tal
ordem que a sua aplicação à situação plurilocalizada em análise ofenderia gravemente os
princípios fundamentais de justiça em que se funda o sistema português.

Nos termos do artigo 49º do CC, a capacidade matrimonial de um sujeito averigua-se ao abrigo
da lei pessoal de tal ente. O artigo 31 nº1 do CC postula que a lei pessoal é, em princípio, a lei
nacional do Estado de que tal sujeito é nacional.

Invalidade do Casamento

Existem casamentos civis inexistentes ou anuláveis. Os casamentos nulos são, somente, os


católicos.

Casos de inexistência: art. 1628ºº CC Þ Estes casamentos não produzem quaisquer efeitos–
art.1630º - podendo a inexistência ser invocada a qualquer momento e por qualquer pessoa.

Casos de anulabilidade: art. 1631ºCC Þ Devem considerar-se válidos todos os casamentos


relativamente aos quais não se verifique nenhuma causa de anulabilidade ou inexistência
especificada na lei.

• A anulabilidade não opera ipso iure, não sendo invocável para qualquer efeito, enquanto
não for reconhecida por sentença – art. 1632ºCC. A legitimidade para intentar a ação de
anulação é restringida a certas pessoas e só pode ser requerida nos prazos estabelecidos
na lei – art. 1639º a 1642º e 1643º a 1646ºCC.
• É sanável– a sanação leva a uma validação do casamento–art.1633oCC.

O casamento Putativo

Chama-se casamento putativo àquele que mantém os efeitos de um casamento declarado


nulo ou anulado que se produziram até à data de anulação ou declaração de nulidade, mediante
a verificação de certos pressupostos. Está presente nos art. 1647º e 1648º CC.

Face ao princípio da retroatividade da anulação ou declaração de nulidade não se deveriam


atribuir efeitos ao casamento anulado ou declarado nulo. A união dos cônjuges seria tida como
uma União de Facto, sendo que se um falecesse, a única proteção a dar ao sobrevivo passaria
pelo artigo 2020o do CC.

Dadas as consequências, surge o instituto do casamento putativo, que postula que o interesse
da sociedade em fazer cessar a união conjugal não deve abarcar a destruição dos efeitos
jurídicos produzidos no passado. A produção de efeitos putativos depende da verificação
cumulativa de três pressupostos:
45 —
Mariana Calado

o O casamento tem de ser existente – não podemos ter um casamento inexistente por uma
das causas do art. 1628º.
o É preciso que o casamento tenha sido declarado nulo (no âmbito dos casamentos
católicos) ou anulável (no âmbito dos casamentos civis, nos termos do artigo 1647º nº3
e 1, respetivamente, do CC, sabendo, sempre, que a invalidade do casamento não opera
ipso iure, leia-se, carece de reconhecimento por sentença proferida em ação intentada
para o efeito, artigo 1632º do CC;
o Pelo menos um dos cônjuges tem de estar de boa-fé para que se produzam efeitos
putativos em relação a esse(s) sujeito(s), bem como a terceiros.
o A eficácia putativa em relação aos filhos não depende da boa-fé dos cônjuges,
como resulta do artigo 1827º do CC.

O artigo 1648 nº3 do CC presume a boa-fé dos cônjuges, que consiste na ignorância desculpável
do vício causador da invalidade ou na declaração de vontade ter sido extorquida por coação.
No entanto, nos termos do artigo 1647º do CC, esta boa-fé reporta-se somente ao momento da
celebração do casamento.

Efeitos

Os efeitos do casamento produzem-se até ao trânsito em julgado da sentença de anulação de


casamento civil ou até ao averbamento da sentença declarativa de nulidade de casamento
católico proferida por tribunal eclesiástico afastando-se a regra do art. 289º do CC. Os efeitos
produzidos no passado mantêm-se para o futuro, sendo que apenas não se criam novos efeitos
após um dos momentos supramencionados.

A eficácia nas relações entre os cônjuges depende de distinguir-se cada um deles


estava,ou não, de boa-fé. Estando os dois de boa-fé, opera a regra geral que o casamento produz
todos os seus efeitos até ao momento que é invalidado, bem como mantém para o futuro efeitos
nascidos no passado. Se apenas um estiver de boa-fé, o casamento inválido produz, em relação
a ambos os cônjuges, os efeitos concretamente mais favoráveis aos cônjuge de boa fé. Se
nenhum estiver de boa-fé, o casamento não tem eficácia putativa entre eles.

o No que toca à eficácia em relação aos filhos, o artigo 1827º do CC não distingue a boa
ou má-fé dos cônjuges.
o Quanto à eficácia em relação a terceiros, sabemos que o casamento putativo visa,
ainda que lateral e reflexamente, proteger os interesses de terceiros. Estando os dois
cônjuges de boa-fé, opera a regra geral que o casamento produz todos os seus efeitos
até ao momento que é invalidado, bem como mantém para o futuro efeitos nascidos no
passado. Se só um dos cônjuges estava de boa-fé, o artigo 1647º nº2 do CC distingue
duas situações, na esteira de PIRES DE LIMA:

Þ se estivermos perante relações entre os cônjuges que afetem interesses de ter-


ceiros, os respetivos efeitos produzem-se quanto ao cônjuge de boa-fé, e
reflexamente quanto a terceiros, se forem favoráveis ao primeiro;
Þ se se tratarem de relações estabelecidas entre cônjuge e terceiro que
dependam do estado de casado, GUILHERME DE OLIVEIRA entende que
a tutela do terceiro não deve depender de avaliar a boa-fé com quem este haja
contratado, pelo que se deve aplicar a invalidade, sendo que o casamento não
produz, nessas relações, quaisquer efeitos.
46 —
Mariana Calado

Qual a mais-valia deste regime?

o Há efeitos que se destruiriam por completo e com o regime do casamento putativo


impede- se esta situação. Relativamente aos filhos a presunção opera sempre
independentemente da boa-fé de um ou ambos os cônjuges.

O casamento como Estado


Efeitos Pessoais
Em base os efeitos pessoais do casamento podem resumir-se um conjunto de deveres, os efeitos
sobre o seu nome e a nacionalidade.

O principio da Igualdade dos Conjugues

Presente no art.36º nº 3CRP e1671 nº1CC, este deriva do princípio da igualdade do art. 13º
CRP. O artigo 36º da CRP, prevê o direito de constituir família e de contrair casamento em
condições de igualdade. Isto significa que os cônjuges são iguais em direitos e deveres quanto
à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.

Quando contrapomos os artigos 13º nº2 e 36 nº3 da CRP, chegamos à conclusão de que o último
não é um mero corolário do primeiro, mas antes que: o homem e a mulher são iguais perante a
lei (artigo 13º da CRP) e não deixam de o ser pelo facto de estarem casados (artigo 36º da
CRP).

Principio da Direção conjunta da Família

Presente no art. 167 nº2 do CC. Deriva do princípio da igualdade dos cônjuges. Quer-se, aqui,
garantir que aos cônjuges, por serem iguais, cabe, em conjunto, a direção da família que ambos
formam, e não exclusivamente a um deles. Isto significa que ambos têm de escolher a morada
da família, que o exercício das responsabilidades parentais cabe a ambos, durante e após o
casamento, etc.

Estamos perante um preceito imperativo, sendo nulo todo o contrato que atribua poderes
exclusivos a um dos cônjuges para administrar a família.

Deveres dos Conjugues

Segundo o artigo 1672 do CC os cônjuges estão ambos vinculados por deveres pessoais de
respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. Estes deveres são responsáveis pela
materialização do conceito de plena comunhão de vida.

Desde logo, existem autores, ainda hoje em dia, que defendem que não falamos de deveres em
sentido técnico-jurídico, mas de meras obrigações naturais, uma vez que veem, no casamento,
“um encontro de vontades atinente a uma esfera livre e íntima dos cônjuges representado num
projeto de vida com larga margem de modelação por aqueles, renovado ao longo do tempo, o
que será incompatível com a noção de casamento enquanto contrato e a inerente atribuição de
sinalagmaticidade no exercício do afeto e a correspondente atribuição do regime jurídico
previsto para os contratos de que será exem- plo a inaplicabilidade do regime da resolução ou
modificação das circunstâncias e a ex- ceção de não cumprimento do contrato.
47 —
Mariana Calado

No entanto, não é esta a visão partilhada pela doutrina maioritária moderna e clássica, já que os
autores que defendiam a tese da fragilidade da garantia não afirmavam que os deveres
conjugais se tratavam de obrigações naturais.

No que toca à violação dos deveres pelos cônjuges, olhamos à teoria da fragilidade da garantia.
Esta tese postulava que não haveria lugar a uma obrigação de indemnização por
responsabilidade civil pela violação dos deveres conjugais. Entendiam, os autores que a
defendiam, que a violação de deveres conjugais tinha sanções especificas dentro do Direito da
Família que, como boas normas especiais que era, afastavam o regime geral da responsabilidade
civil, como o dever de assistência e a obrigação de alimentos e, maxime, o divórcio ou a
separação de pessoas e bens.

Assim, interpretava-se restritivamente os artigos 483º e ss do CC, não cabendo, entre eles, a
violação de deveres conjugais, de modo a proteger a família a uma exposição pública. O atual
artigo 1792º nº1 do CC tinha uma redação que apenas permitia tal responsabilização após o
divórcio, e sobre os danos que esta dissolução causara ao ex-cônjuge vítima, solução típica nos
casos de divórcio-sanção.

A Lei no 61/2008 veio eliminar a referência à culpa no seio do divórcio, sendo que introduziu
várias mudanças ao Código. Na versão que nos chega hoje, consagra-se, especificamente, a
possibilidade de se intentar uma ação de responsabilidade civil por violação dos deveres
conjugais, nos termos gerais.

Até à entrada desta lei, não havia nenhum mecanismo específico do Direito português de
resposta indemnizatória a violações de deveres matrimoniais. A doutrina e jurisprudência
foram, progressivamente, admitindo esta responsabilização nos termos gerais, por se considerar
que o divórcio não era a sanção adequada.

O artigo 496º do CC vem, efetivamente, permitir que o cônjuge lesado peça ao outro
uma indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais, sofridos anteriormente ao
divórcio ou por conta do mesmo.

O anterior artigo 1792º do CC previa a possibilidade de indemnização do cônjuge culpado ou


principal culpado ao inocente pelos danos sofridos pelo divórcio. Desta formulação não
resultava a consideração, para a determinação da indemnização, dos danos diretamente
decorrentes da violação de deveres conjugais.

Outra tese era a que admitia a responsabilidade civil mitigada. Esta tese consagrava
que a indemnização por violação de deveres conjugais poderia ser arbitrada se,
concomitantemente, fossem violados direitos de personalidade. Desta forma, a tese da
fragilidade da garantia era contornada pela sanção provocada pela violação simultânea de um
outro direito subjetivo. Ultrapassada a noção de divórcio-sanção, e não sendo este equiparável
a uma sanção por força da violação de deveres conjugais, não estamos perante um instituto
especial que afaste o regime da responsabilidade civil, acabando este por vigorar.

Esta tese, desde os anos 80, era seguida nos nossos tribunais, ainda que pouca jurisprudência se
encontrasse quanto a uma ação autónoma à ação de divórcio que con- cedesse uma
indemnização por violação dos deveres conjugais. Os autores que a defen- dem vêm, na falta
de referência literal ao tipo de responsabilidade a remissão tem de ser para o regime do art.
483º CC.
48 —
Mariana Calado

Uma outra tese admitia a responsabilidade civil obrigacional. Autores e professores como Jorge
Pinheiro, Rita Lobo Xavier, Raquel Vieira, consideravam que a tese anterior não apresentava
qualquer sanção para a simples violação de deveres conjugais, quando não acompanhados por
uma violação de direitos de personalidade, o que implicaria um regresso à tese da fragilidade
da garantia, algo que já não merece suporte legal no nosso ordenamento jurídico.

RUTE TEIXEIRA DUARTE admitia, então, duas vias em casos de violações de deveres
conjugais:

(1) por um lado, é possível recorrer ao artigo 483º nº1 do CC, independentemente
de uma concreta violação de um direito absoluto pessoal; ou
(2) por outro lado, dada a conceção de casamento como relação contratual
matrimonial vigente entre nós, a responsabilização em sede de responsabilidade
civil obrigacional, que se figura como muito proveitosa pela presunção de culpa
e pelas diferenças ao nível da prescrição.

Estes autores arrogam que não temos que nos indagar acerca da consunção de regimes de
responsabilidade, já que se segue a via que se considerar mais proveitosa. A primeira tese, aqui,
não levanta o problema da consunção de regimes por não permitir outra responsabilidade que
não seja a aquiliana.

Dever de Respeito Reforçado

Nos termos do art. 1672º do CC, o dever de respeito é reforçado, na medida em que cada
cônjuge têm uma obrigação especial de cumprir os deveres que lhe incum- bem, bem como têm
um direito especial de ver satisfeitas as suas expetativas que surgem no âmbito dos deveres de
cooperação e de direção conjunta da vida familiar.

Abrange-se aqui um dever de abstenção de lesões de direitos absolutos – basicamente um dever


geral de respeito.

O dever de respeito é um dever ao mesmo tempo negativo e positivo:

• Como dever negativo, ele é, em primeiro lugar, o dever que incumbe a cada um dos
cônjuges de não ofender a integridade física ou moral do outro. Mas o dever de respeito
como dever de non facere é ainda, em segundo lugar, o dever de cada um dos cônjuges
não se conduzir na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer no
conceito público.
• Na vertente positiva podemos considerar o dever de construir a pela comunhão de vida
e que viola este dever o cônjuge que não fala ao outro, que não mostra o mínimo
interesse pela família que constituiu, que não mantém com o outro qualquer comunhão
espiritual, não respeita a personalidade do outro cônjuge.

GUILHERME DE OLIVEIRA considera um dever residual. Professora RAQUEL VIEIRA


discorda, pois como está elencado no artigo gera responsabilidade civil caso seja violado.

49 —
Mariana Calado

Dever de Fidelidade
O dever de respeito obriga a que cada um dos cônjuges a não ter relações sexuais
consumadas com um terceiro. Para haver violação do dever de fidelidade, tem de haver um
elemento objetivo (prática da relação sexual consumada com outra pessoa) e um elemento
subjetivo (a intenção ou a mera consciência de violação esse dever). Por isso, não haverá
violação do dever de fidelidade se o cônjuge que teve relações sexuais com terceira pessoa só
o fez, por exemplo, por erro, ou sob coação.
Para fazer prova destes factos, o tribunal poderia lançar mão de presunções ou de outros
factos que, pelas regras da experiência comum, permitem inferir com elevado grau de
probabilidade a prática de relações sexuais consumadas, artigo 349º do CC.

Dever de Coabitação
Presente no artigo 1672 do CC, significa viver em comunhão de leito, mesa e habitação.

Þ A comunhão de leito inclui duas situações:


o (1) dever de ter relações sexuais com o outro cônjuge, exceto por motivos de
saúde;
o (2) dever de abstenção de relações sexuais com terceiros.

Þ A comunhão de mesa significa os cônjuges terem uma vida em económica comum.


Þ A comunhão de habitação significa que os cônjuges têm de habitar na casa morada de
família. A casa de morada de família tem grande impor- tância no nosso direito, sendo
objeto de uma proteção adicional face a qualquer outro imóvel. Esta casa deve ser
escolhida em acordo comum, expresso ou tácito, tendo em conta o disposto no artigo
1673º do CC.

O artigo 1682º- A nº 2 do CC estabelece que, independentemente do regime de bens escolhido,


a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoas de gozo sobre a
casa mora de família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges, mesmo que seja
um bem próprio de um deles.

Dever de Cooperação

Nos termos dos artigos 1671º nº 2 e 1674º do CC, o dever de cooperação abrange a orientação
conjunta da vida comum e inerentes responsabilidades, bem como as obrigações de auxílio
mútuo e de socorro, consoante se trate, respetivamente, de uma situação de normalidade ou de
um caso de urgência.

Quanto à orientação da vida comum segue-se o princípio da direção conjunta da vida familiar.
Quando se está em desacordo sobre a orientação da vida comum, ao contrário do que sucede
com questões de natureza patrimonial, artigo 1684 nº3 do CC, está vedada a intervenção
judicial. A lei admite, apenas, três exceções, previstas nos artigos 1673 nº3, 1875 nº2 e 1901nº2
do CC, por serem casos que necessitam de urgência na solução.

50 —
Mariana Calado

Dever de Assistência
Importa distinguir o dever de assistência presente no art. 1675o do dever de cooperação
presente no art. 1674º. A professora Raquel Vieira considera que o primeiro tem natureza
pecuniária e o segundo natureza moral.
No tocante ao dever de contribuir para os encargos da vida familiar, há que atentar no
artigo 1676º do CC. A contribuição esperada é igualitária, no sentido de que é proporcional às
possibilidades de cada um.
Este dever pode ser cumprido por qualquer uma de duas formas, a desempenhar por
qualquer um dos cônjuges: a afetação dos seus recursos, rendimentos e proventos, aos encargos
da vida comum, ou através do trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos
filhos. É possível que cada cônjuge cumpra a obrigação de uma forma distinta da do outro
cônjuge, bem como que ambos a cumpram da mesma forma.

Þ Para GUILHERME DE OLIVEIRA, decorrente do princípio da boa-fé, artigo 762 nº2


do CC, um dever assessório de informação correta sobre os rendimentos e proventos de
cada cônjuge.

Se um dos cônjuges contribuir mais do que devia ao abrigo da proporcionalidade


devida, a lei não estabelece, em princípio, qualquer consequência. Na verdade, o sacrifício
adicional que cada cônjuge pode fazer cabe na respetiva esfera de liberdade individual. No
entanto, a lei prevê um caso excecional em que pode haver lugar a um crédito compensatório.

A excecionalidade abarca as situações em que um dos cônjuges tenha sacrificado de


forma manifestamente desproporcional os seus interesses particulares, com relevo muito
negativo na sua esfera patrimonial, de tal modo que na situação de rutura do casamento se veja
muito empobrecido. Há por isso 3 pressupostos:

1. contribuição excessiva para os encargos da vida familiar;


2. renúncia a interesses pessoais, em particular profissionais;
3. prejuízos patrimoniais importantes, pressuposto que deriva do enriquecimento sem
causa. É aqui que este crédito é difícil de operar, já que se ressarce o dano da perda da
capacidade aquisitiva, calculado por um juízo de prognose, em que o tribunal tende a
definir por equidade aplicando critérios médios ou de, na falta de informação, tendo
por base o salário mínimo nacional, valor manifestamente insuficiente.

Nos termos do artigo 1676 nº3 do CC, estes prejuízos só se relevam após o divórcio, porque até
então as contas foram se equilibrando.

Assim, quanto ao momento em que o crédito exigível existe um regime dual. No entanto,
a professora RAQUEL VIEIRA discorda da visão de GUILHERME DE OLIVEIRA e de
MARTA COSTA, defendendo uma interpretação corretiva deste preceito. Partindo do
pressuposto que este crédito é um efeito do divórcio, só com ele é que localizamos o prejuízo
patrimonial. Até lá, as trocas recíprocas do casal anulam este efeito. Assim, a professora
considera que a partilha é sempre necessária para a exigibilidade deste crédito.

A violação grave ou reiterada do dever de contribuir para os encargos da vida familiar é um


sinal de rutura do casamento, nos termos do artigo 178º al. d) do CC.

51 —
Mariana Calado

O dever de assistência também inclui a obrigação de prestar alimentos, artigo 1675o no1 do
CC. Esta obrigação só tem sentido caso os cônjuges estejam separados de bens ou de Direito,
já que se vivem juntos a resposta é dada pelo dever de cooperação. Esta matéria esta regulada
nos artigos 2003º e ss do CC, em especial nos artigos 2015º e ss do CC.

A rutura de casamento, ou a separação de facto, por norma não dá lugar à obrigação de


alimentos, artigo 2016º do CC, princípio da autossuficiência, que vigora desde 2008. Antes,
por o divórcio ter de ser culposo, havia esta obrigação. O divórcio deve ser um ato único em
que se resolvam definitivamente todas as questões matrimoniais do casamento dissolvido –
princípio do clean break. Mas, no entanto, pode haver uma situação de carência, nomeadamente
nas situações em que pode haver crédito compensatório.

Se houver determinação de crédito compensatório a situação que justificaria a obrigação de


alimentos desaparece. Assim, a obrigação de alimentos necessita de carência de alimentos, que
não existe se o ex-cônjuge trabalhar. Esta obrigação visa a distribuição equitativa da riqueza
adquirida ao longo do casamento.

Este dever pode ser cumprido por qualquer uma de duas formas, a desempenhar por
qualquer um dos cônjuges: a afetação dos seus recursos, rendimentos e proventos, aos encargos
da vida comum, ou através do trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos
filhos. É possível que cada cônjuge cumpra a obrigação de uma forma distinta da do outro
cônjuge, bem como que ambos a cumpram da mesma forma.
Þ Existe, para GUILHERME DE OLIVEIRA, decorrente do princípio da boa-fé, artigo
762º nº2 do CC, um dever assessório de informação correta sobre os rendimentos e
proventos de cada cônjuge.

A violação grave ou reiterada do dever de contribuir para os encargos da vida familiar é um


sinal de rutura do casamento, nos termos do artigo 1781º al. d) do CC.

Se um dos cônjuges contribuir mais do que devia ao abrigo da proporcionalidade devida, a lei
não estabelece, em princípio, qualquer consequência. Na verdade, o sacrifício adicional que
cada cônjuge pode fazer cabe na respetiva esfera de liberdade individual. No entanto, a lei prevê
um caso excecional em que pode haver lugar a um crédito compensatório (quanto ao crédito
compensatório – é um efeito do divórcio estando mal integrada no CC, pois este crédito só pode
ser peticionado em cede de divórcio e só pode ser exigido após o decretamento do divórcio).

A excecionalidade abarca as situações em que um dos cônjuges tenha sacrificado de


forma manifestamente desproporcional os seus interesses particulares, com relevo muito
negativo na sua esfera patrimonial, de tal modo que na situação de rutura do casamento se veja
muito empobrecido.

52 —
Mariana Calado

Há três pressupostos para a conceção do crédito compensatório (isto resulta do art. 1676º):
1. contribuição excessiva para os encargos da vida familiar;
2. renúncia a interesses pessoais em favor da vida em comum, em particular
profissionais;
3. produção de prejuízos patrimoniais importantes; este pressuposto deriva do
enriquecimento sem causa. É aqui que este crédito é difícil de operar, uma vez que
há dificuldades em demonstrar este pressuposto, já que se ressarce o dano da perda
da capacidade aquisitiva, calculado por um juízo de prognose, em que o tribunal
tende a definir por equidade aplicando critérios médios ou de, na falta de
informação, tendo por base o salário mínimo nacional, valor manifestamente
insuficiente.

RITA LOBO XAVIER diz que se deve fazer prova de factos o objetivos que comprovem que
de facto houve trabalho doméstico sem haver remuneração e que foi exercido em exclusivo ou
trabalho que foi feito renunciando-se à vida profissional.

Nos termos do artigo 1676º nº3 do CC, estes prejuízos só são relevantes após o divórcio, porque
até então as contas foram se equilibrando.

Qual a finalidade do crédito compensatório? Temos um cônjuge que se encontra agora, após o
divórcio, numa situação mais desfavorável. Este crédito visa exercer uma função distributiva
da riqueza gerada ao longo do casamento. Este crédito é dado de uma só vez pois faz sentido
permitirmos ao cônjuge em questão organizar a sua vida novamente.

Art.1676º nº2 remissão para art. 1689º nº3 – o crédito compensatório é um crédito entre
cônjuges.

Assim, quanto ao momento em que o crédito exigível existe um regime dual. No entanto, a
professora RAQUEL VIEIRA discorda da visão de GUILHERME DE OLIVEIRA e de
MARTA COSTA, defendendo uma interpretação corretiva deste preceito. Partindo do
pressuposto que este crédito é um efeito do divórcio, só com ele é que localizamos o prejuízo
patrimonial. Até lá, as trocas recíprocas do casal anulam este efeito. Assim, a professora
considera que a partilha é sempre necessária para a exigibilidade deste crédito.

Se algum destes requisitos falhar podemos aplicar a obrigação de alimentos – art. 1675º. O
dever de assistência também inclui a obrigação de prestar alimentos, artigo 1675º nº1 do
CC. Esta obrigação só tem sentido caso os cônjuges estejam separados de bens ou de Direito,
já que se vivem juntos a resposta é dada pelo dever de cooperação.

Esta matéria esta regulada nos artigos 2003º e ss do CC, em especial nos artigos 2015º e ss do
CC. A rutura de casamento, ou a separação de facto, por norma não dá lugar à obrigação de
alimentos, artigo 2016º do CC, princípio da autossuficiência, que vigora desde 2008. Antes,
por o divórcio ter que ser culposo, havia esta obrigação. O divórcio deve ser um ato único em
que se resolvam definitivamente todas as questões matrimoniais do casamento dissolvido –
53 —
Mariana Calado

princípio do clean break (significa que com o divórcio se devem resolver todas as consequências
patrimoniais associadas à dissolução do casamento). A relação de ex-cônjuges é uma relação
para-familiar, e a obrigação de alimentos encontra-se prevista como uma espécie de ulta
atividade da vida conjugal agora dissolvida. Se houver uma situação de carência grande pode
haver lugar à obrigação de prestar alimentos.

No entanto, pode haver uma situação de carência, nomeadamente nas situações em que pode
haver crédito compensatório. Se houver determinação de crédito compensatório a situação que
justificaria a obrigação de alimentos desaparece. Assim, a obrigação de alimentos necessita de
carência de alimentos, que não existe se o ex-cônjuge trabalhar. Esta obrigação visa a
distribuição equitativa da riqueza adquirida ao longo do casamento.

Modalidades da obrigação de alimentos:


o Prestação mensal
o Prestação única – determina-se no global a prestação – acontece sobretudo nos casos
dos ex-cônjuges

Com a reforma de 2008 o cônjuge credor de alimentos não pode exigir mais do que o suposto.
A doutrina e jurisprudência divergem:
o Relativamente aos filhos o onerado com o pagamento deve manter o nível de vida a que
o filho estava habituado na vigência do casamento dos pais
o Quanto aos cônjuges, GUILHERME DE OLIVEIRA, entende que não se pode manter
a vida que havia durante o casamento, mas deve atingir um limiar intermedio até que o
ex-cônjuge consiga sustentar.
o Os tribunais de relação entendem que o padrão de vida após o divorcio deve ser o
mínimo indispensável à subsistência.

Obrigação de alimentos entre ex-cônjuges v. obrigação de alimentos a filhos:

9 Art. 2016º - A nº2 remissão para 1878º nº1 “prover ao seu sustento”.

RESPONSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO DE DEVERES CONJUGAIS


(contrapor no caso prático a teoria clássica da fragilidade de garantir a teoria atual que não
é escrita de que é possível haver indemnização pois há responsabilidade civil caso se violem
os deveres conjugais):

A previsão de uma obrigação de indemnizar assente nos princípios gerais da responsabilidade


civil por violação dos deveres conjugais era tradicionalmente afastada no nosso ordenamento
jurídico, prevalecendo a teoria da fragilidade da garantia. Paralelamente, entendia -se que a
violação dos deveres conjugais tinha sanções específcas dentro do Direito da Família que
afastavam a obrigação de indemnizar resultantes das regras gerais da responsabilidade civil. No
domínio das relações familiares existem certos institutos, como o dever de assistência e a

54 —
Mariana Calado

obrigação de alimentos, ou mesmo o divórcio e a separação de pessoas e bens, que tornariam


dispensável o recurso a outras medidas.
9 Em todo o caso, sempre se entendeu que o divórcio e a separação de pessoas e bens não
eram verdadeiras sanções para a violação dos direitos pessoais conjugais. De facto, nem
o divórcio nem a separação de pessoas e bens pretendem ser sanções contra o não
cumprimento dos deveres conjugais, mas remédios para uma situação de vida
matrimonial intolerável ou, mais exatamente, constatação da rutura do casamento – v.,
PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA.

As regras da responsabilidade civil (arts. 483.º e segs. do Código Civil)3 não se aplicariam no
caso de violação dos deveres familiares pessoais, devendo fazer -se, consequentemente, uma
interpretação restritiva daquelas regras gerais.

A entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, trouxe uma nova redação ao art.
1792.º, consagrando no seu n.º 1 a possibilidade de o cônjuge lesado poder intentar uma ação
de responsabilidade civil contra o outro cônjuge, por violação dos deveres conjugais, nos termos
gerais dos arts. 483.º e segs., e nos tribunais comuns.
Verifcados os pressupostos da responsabilidade civil, poderá surgir uma obrigação de
indemnizar por parte de um cônjuge violador dos deveres conjugais, ou seja, haverá lugar a
indemnizações e a responsabilidade no âmbito dos direitos familiares?

Era no contexto da responsabilidade entre cônjuges por violação dos deveres conjugais que
predominava a doutrina da fragilidade da garantia. Os deveres familiares pessoais (arts. 1672.º
e segs.) não estariam sujeitos à tutela mais consistente dos deveres jurídicos, que é a
possibilidade de o credor exigir do devedor o seu cumprimento e/ou obter deste uma
indemnização.
Assim, perante casos de incumprimento dos deveres conjugais, a única possibilidade que
assistia ao lesado era dissolver o vínculo, sendo inaceitável um pedido de indemnização na
hipótese de violação de qualquer dos deveres recíprocos dos cônjuges. Tratar-se-ia de uma
tutela jurídica exclusivamente familiar.
Até à Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que deu nova redação ao art. 1792.º, o direito português
não previa uma ação de responsabilidade civil especifcamente pela violação dos deveres
conjugais, limitando-se ao princípio geral disposto no art. 483.º, n.º 1.

Progressivamente a doutrina e a jurisprudência passaram a admitir que um dos cônjuges


pudesse intentar uma ação de responsabilidade civil contra o outro cônjuge por violação dos
deveres conjugais, gerando uma obrigação de indemnizar que, verdadeiramente, será a sanção
para o não cumprimento dos deveres matrimoniais, pois essa sanção não é o divórcio –
PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA.

Sempre se aceitou que a violação dos deveres conjugais pudesse implicar, ao mesmo tempo,
uma violação de outro bem jurídico, como a violação de um direito de personalidade. Esta
violação de um direito autónomo faria incorrer o lesante, o cônjuge faltoso, em responsabilidade

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Mariana Calado

civil e, se fosse caso disso, em responsabilidade penal, como acontece com lesões corporais,
não obstante o carácter íntimo da vida familiar. Nestes casos, a fragilidade da garantia era
contornada por força da sanção provocada pela violação simultânea de um outro direito
subjetivo privado em relação ao qual a garantia funcionava.

Todavia, tal simultaneidade poderá não existir. Era aqui que se colocava a questão de saber se
ao cônjuge lesado restava apenas como sanção o divórcio, afastando-se as regras gerais da
responsabilidade civil - o divórcio não é tido como sanção. Nada impede a aplicação dos meios
comuns à tutela dos deveres conjugais pessoais, não podendo a celebração do casamento abrir
um regime de exceção ao regime geral da responsabilidade civil. Assim, a tutela jus -familiar
dos deveres conjugais é compatível com a responsabilidade civil comum.

Com a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, o cônjuge lesado pode requerer, nos termos gerais da
responsabilidade civil (arts. 483.º e segs.), e não na ação de divórcio, a reparação dos danos
causados pelo outro cônjuge (art. 1792.º, n.º 1). Na ação de divórcio são apenas indemnizados
os danos não patrimoniais causados ao cônjuge pela dissolução do casamento requerida pelo
outro cônjuge por alteração das faculdades mentais daquele (arts. 1792.º, n.º 2, e 1781.º, al. b)).
Ao admitir a possibilidade de um cônjuge intentar uma ação de responsabilidade civil contra o
outro afastam- -se os resquícios ainda existentes da teoria da fragilidade da garantia, admitindo
o funcionamento das regras da responsabilidade civil por incumprimento dos deveres conjugais.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 -10, e face à nova redação dada ao art. 1792.º
do CC, reforçou -se a tese da 2.ª perspetiva, embora existam ainda alguns autores a sustentar,
face à abolição do divórcio -sanção, que a violação dos deveres conjugais pessoais deixou de
merecer a tutela direta por via do instituto geral da responsabilidade civil.
Por sua vez, a jurisprudência tem mantido a linha que vinha seguindo, no sentido da
admissibilidade daquela tutela, nomeadamente em sede de indemnização dos danos não
patrimoniais, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito nos termos do art.
496.º, n.º 1, do CC.

Este ponto gerou alguma controvérsia na sua interpretação no sentido de saber se deveria
admitir-se uma ação de responsabilidade civil apenas quando a violação dos deveres conjugais
implicasse uma violação dos direitos de personalidade do cônjuge lesado.

PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA entendem que a responsabilidade a que


se refere o art. 1792.º apenas ocorre se paralelamente à violação de um dever conjugal houver
violação de um direito de personalidade do cônjuge. Ou seja, a violação de deveres conjugais
em si não geraria qualquer responsabilidade, implicando apenas consequências endofamiliares.
A ser assim teríamos um regresso à teoria da fragilidade da garantia. Julgamos que o objetivo
de uma interpretação como esta é apenas a de desvalorização dos deveres conjugais mas que
não nos parece ter suporte legal no nosso ordenamento jurídico atual.

56 —
Mariana Calado

A doutrina e a jurisprudência dominantes têm defendido a plena aplicação de toda a


responsabilidade civil, incluindo a responsabilidade contratual por violação dos deveres
conjugais, ainda que os atos não tenham ofendido direitos de personalidade do lesado

RITA LOBO XAVIER entende que sendo o casamento assente numa figura de um contrato, a
violação dos deveres conjugais, deve ser vista ao abrigo da responsabilidade civil contratual.

Não podemos entender que vigora um regime de absorção do regime especial –


responsabilidade contratual v. extracontratual – temos de ver o que é que permite acomodar a
proteção da pessoa.

NOME E NACIONALIDADE

Quanto ao nome a nossa lei é bastante igualitária em matéria de direito ao nome e nunca foi
ver- dadeiramente discriminatória como tantos outros países na europa, que exigia que a
cônjuge mulher acrescentasse obrigatoriamente os apelidos do cônjuge marido. Assim, nos
termos do artigo 1677º do CC tanto o cônjuge mulher como o cônjuge marido podem
acrescentar ao seu nome, apelidos do outro até ao máximo de dois apelidos, de modo a que se
adote um nome comum. Esta faculdade está regulada nos artigos 167º nº1 e 181º al. g) do CRC,
para o casamento católico e civil, respetivamente.
Esta possibilidade não existe para os cônjuges que conservam apelidos do cônjuge de anterior
casamento, artigo 1677º nº2 do CC. Com o divórcio, por norma, caduca o direito de utilização
do apelido do outro cônjuge, a menos que haja uma autorização do cônjuge titular do apelido
ou se houver decisão do tribunal nesse sentido.
Os artigos 1677º -A e 1677º -B do CC esclarecem esta questão. Em caso de divórcio deixa de
haver direito de utilização dos apelidos do outro cônjuge, salvo se o tribunal expressamente o
autorizar ou o cônjuge titular desse direito o autorizar. No caso de morte de um dos cônjuges,
o nome comum mantém-se, ainda que o tribunal possa decretar a privação judicial do seu uso.

Quando à nacionalidade nos termos do art. 3º e 8º da Lei da Nacionalidade, Lei nº 37/81, e 14º
do respetivo Regulamento, DL nº 322/82, para que um cônjuge estrangeiro possa adquirir a
nacionalidade portuguesa tem de estar casado há mais de 3 anos com nacional português. O
mesmo se aplica para o unido de facto, sendo, neste caso apenas, preciso fazer prova, através
de ação judicial, para o reconhecimento dessa união durar há, pelo menos, 3 anos.
Aqui há que pensar num dos efeitos do casamento putativo, já que a declaração de nulidade
ou a anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo ônjuge que o tenha
contraído de boa-fé, artigo 3º nº2 da Lei da Nacionalidade. Caso contrário, estaremos perante
um casamento simulado (sendo que os casamentos por con- veniência são, aqui, exemplos
paradigmáticos).

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Mariana Calado

EFEITOS PATRIMONIAIS

A disciplina dos efeitos patrimoniais também foi profundamente alterada pela Reforma de
1977, em conformidade com o princípio constitucional da igualdade dos cônjuges (art. 36º nº3,
CRep), embora possa notar-se que, sob este ponto de vista, se o Código de 1966 regredira, em
relação às leis da família de 1910, no tocante aos efeitos pessoais do casamento, em matéria de
efeitos patrimoniais o Código tinha feito algum progresso relativamente à legislação anterior.
Eram iguais os poderes de disposição do marido e da mulher quanto a bens imóveis; por outro
lado, enquanto no Código de 1867 o regime de “separação de bens” era um regime de aparente
separação, pois o marido, mesmo nesse regime, continuava a ser, em princípio, o administrador
de todos os bens do casal, incluindo os da mulher, o regime da separação do Código de 1966
era já um regime de verdadeira separação, não só de bens, mas também de administrações.

EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO INDEPENDENTES DO REGIME DE BENS

Administração dos bens dos cônjuges

Estas regras são imperativas não podendo os nubentes estabelecer regras diferentes – art. 1699º
nº1.

Esta imperatividade não exclui que um cônjuge ceda ao outro todos ou parte dos seus poderes
sobre bens próprios ou bens comuns, desde que o faça por mandato, que é livremente revogável
(arts. 1678º nº2, al. g), e 1170º nº1). Na verdade, o que o legislador quis proibir foi a concessão
de poderes em convenção antenupcial, que vincularia o cedente até uma revogação por mútuo
consenso; sendo certo que esta revogação poderia tornar--se impossível tanto por causa de um
princípio de imutabilidade das convenções como por causa da falta de colaboração do outro
cônjuge (art. 1714º).

Regras gerais da administração de bens: art. 1678º.

Administração de bens próprios ≠ administração de bens comuns: quanto aos bens próprios
cada cônjuge administra os seus – art. 1678º nº1. Mas há exceções: um dos cônjuges pode
administrar os bens do outro nos termos do art. 1678º nº2 al. a) e seguintes. Parece que nada
obsta, também, a que os dois cônjuges administrem um bem próprio de qualquer deles, desde
que o dono tenha concedido poderes de administração ao seu cônjuge, por mandato; na verdade,
se é permitido ceder a totalidade dos poderes de administração, também é lícito ceder parte
deles, instaurando uma coadministração sobre um bem próprio.

Quanto aos bens comuns, poderia ter-se entregado a cada um dos cônjuges a administração de
uma certa massa de bens, como os que cada um levasse para o casal ou trouxesse posteriormente
para o casal. Também poderia ter-se admitido que cada cônjuge administrasse sozinho todo o
património comum (administração disjunta).

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Mariana Calado

A Reforma de 1977 seguiu, basicamente, a regra da administra- ção conjunta (art. 1678º nº3, 2ª
parte): ambos os cônjuges são os administradores do património comum. Constitui exceção a
este princípio a concessão de poderes de administração ordinária a qualquer dos cônjuges – art.
1678º nº3 1ª parte.

Constituem também desvios a esta regra o caso dos bens que, embora comuns, devem ser
administrados por um dos cônjuges, quer porque tenham com esse cônjuge uma ligação
privilegiada, quer porque o outro esteja ausente ou impedido de os administrar ou tenha
conferido àquele, por mandato revogável, poderes de ad- ministração. Assim, e embora se trate
de bens comuns, o nº2 do art. 1678º exclui alguns bens da administração exclusiva:

§ proventos pelo trabalho de cada um, ainda que o regime de bens do casa- mento os
considere bens comuns (artigos 1724º al. a) e 1734º do CC), a administração compete
ao sujeito que os aufere, al. a);
§ direitos de autor de cada um, ainda que o regime de bens do casamento os considere
bens comuns (artigos 1724º al. a) e 1734º do CC), a administração compete apenas a
um cônjuge, al. b);
§ os bens que levou para o casal ou adquiriu depois do casamento a título gratuito e dos
sub-rogados em lugar deles, al. c)1/2;
§ bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da
administração de um dos cônjuges, exceto se se tratar de bens doados ou deixados a
este último por conta da legítima, al. d);
§ móveis comuns por um exclusivamente utilizados como instrumento de tra- balho,
cabendo aqui a administração extraordinária (artigo 1682º nº2 do CC), al. e);
§ todos os bens do casal, se o outro cônjuge se encontrar ausente ou impedido de
administrar, al. f) – interpretação por maioria de razão, já que a lei apenas fala dos bens
próprios do ausente ou impedido;
§ todos os bens do casal, ou parte deles, se o outro cônjuge houver conferido tais poderes
por mandato revogável, al. g) – interpretação por maioria de razão, já que a lei apenas
fala dos bens próprios do outro cônjuge.

Importante, nesta sede, é saber como distinguir um ato de administração ordinária de um ato
de administração extraordinária.
§ Para MANUEL DE ANDRADE, um ato de administração ordinária abrange a
frutificação, gestão normal ou conservação do bem, não implicando grande esforço
financeiro nem recurso relevante às reservas financeiras; ou antes que não impliquem
um grande risco (gestão prudente como chave da teoria). Ao passo que um ato de
adminis- tração extraordinária abrange a frutificação não normal ou a gestão
extraordinária do bem, o que implica um grande esforço financeiro ou recurso relevante
às reservas financeiras.
§ PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA utilizam uma analogia ao regime das
benfeitorias. Assim, tal como as benfeitorias necessárias, os atos de administração
ordinária servem a frutificação normal ou a conservação do bem. Ao passo que, tal

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Mariana Calado

como as benfeitorias úteis ou voluptuárias, os atos de administração extraordinária são


os atos que alteram a forma do bem ou visam uma frutificação anormal do mesmo,
aumentando o seu valor, mas recorrendo a elevadas quantias.
§ RAQUEL VIEIRA conjuga as duas teses. No entanto, certos atos que, em abs- trato,
são de administração ordinária, podem ter um elevado peso financeiro, que os leve a ser
qualificados como de atos de administração extraordinária – critério do valor.

Violação do art. 1678º nº3: qual a solução a dar aos casos em que um cônjuge leva a cabo um
ato de administração extraordinária, sem consentimento do outro?

§ Para JORGE DUARTE PINHEIRO e RUTE TEIXEIRA PEDRO, aplica-se ana-


logicamente o artigo 1687º nº1 do C, até porque no artigo 1678º nº3 do CC vem-se
exigir consentimento, sendo esta a razão para a analogia.
§ ANTUNES VARELA e CRISTINA ARAÚJO DIAS afirmam que uma norma
excecional (o artigo 1687º nº1 do CC) não comporta aplicação analógica, artigo 11º do
CC. Assim há nulidade, pelo artigo 294º do CC, bem como pelos artigos 1687º nº4 e
892º do CC
§ ANA FILIPA MORAIS ANTUNES e RAQUEL VIEIRA afirma, desde logo, em
Direito da Família a nulidade não é o desvalor regra. Por exemplo, a alienação sem con-
sentimento de ambos os cônjuges da CMF é sancionada com anulabilidade, logo aqui
que sentido faria que sancionássemos atos de administração extraordinária, que podem
não comportar a alienação, com a nulidade? Nenhum. O mesmo se diga quanto aos
vícios do casamento, que são sancionados com a anulabilidade. Assim, tal ato é ineficaz
quanto ao cônjuge que não consentiu.
§ A ineficácia tem um efeito mais proveitoso, já que o ato é ineficaz em relação ao
cônjuge não presente, sendo o cônjuge que atuou em violação do artigo 1678º nº3 do
CC é responsável por suportar o ato, por se tratar de uma dívida não comunicável –
1691º nº1, al. c) do CC, a contrario. Esta tese também tutela, de forma mais vincada,
um eventual terceiro com quem o cônjuge que violou o artigo 1678º nº3 do CC
contratou, já que ambos se mantêm vinculados pelo negócio celebrado.

PODERES DO CÔNJUGE ADMNISTRADOR

Poderes do cônjuge administrador – art. 1682º - poderes de administração, disposição de moveis


comuns ou próprios. O artigo 1680º do CC dá a ambos os cônjuges o poder de fazer depósitos
ban- cários em seu nome exclusivo, podendo movimentá-los livremente. No entanto, não
significa isto que o depósito em conta própria torne o dinheiro em causa apenas pertencente a
esse cônjuge.

RESPONSABILIDADE PELA ADMNISTRAÇÃO

A lei distingue vários tipos de situações que merecem tratamentos específicos.

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Mariana Calado

Começando pelos casos em que o cônjuge tem o poder, por força da lei, de administrar bens
que não são apenas seus – artigo 1678º nº2, als. a) a f) do CC. Sendo estas as situações mais
frequentes, o legislador determinou que o administrador não é obrigado a prestar contas da
sua administração, bem como só responde pelos atos intencionalmente praticados em
prejuízo do casal ou do outro cônjuge, nos termos do artigo 1681º nº1 do CC.
Existe, então, um regime de relativa impunidade, evitando-se que os cônjuges se envolvam
em ações de responsabilização que perturbariam seria ou irremediavelmente as relações,
quando os atos sejam fundados em mera culpa ou em simples omissões.
Exige-se, como vimos, um elemento subjetivo, a atuação intencional, onde cabe qualquer dos
tipos de dolo. A prova de tais factos e elementos recai sobre o cônjuge lesado, nos termos do
artigo 487º nº1 do CC.

Nos casos previstos no artigo 1681º nº2 do CC, já falamos de um poder de administração (não
normal) assente numa decisão dos cônjuges (artigo 1678º nº2, al. g) do CC), e não numa
atribuição geral da lei, de celebrar um contrato de mandato de administração que afasta o
regime geral. Este contrato regulado nos artigos 1159º e ss do CC pode ser celebrado de forma
expressa ou tácita, artigos 217º nº1 e 219º do CC.
Por esta possibilidade aberta e livre de celebração do mandato, concebe-se uma
responsabilidade muito mais ampla entre os cônjuges, nos termos do regime geral do contrato
de mandato. No entanto, como o casamento envolve uma intimidade tal entre os cônjuges,
limita-se esta invocação da prestação de contas aos 5 anos anteriores.

Nos casos previstos no artigo 1681º nº3 do CC, o legislador olha para as relações matrimoniais
com as suas idiossincrasias comuns: duradouras, potencialmente conflituantes, íntimas e
informais. Esta proximidade conduz a uma eventual dificuldade em definir se houve, de facto,
uma celebração tácia de um mandato, ou se não se chegou a obter vontades opostas e
convergentes que conduziriam a um contrato.
Temos que dividir o artigo em duas partes, consoante haja ou não haja oposição à
administração pelo cônjuge administrador:
§ A primeira parte consiste nos casos em que um cônjuge administra abusivamente os
bens comuns ou próprios do outro, e embora o titular ou cotitular dos bens administrados
tenha conhecimento da prática abusiva, parece adotar uma atitude passiva e tolerante.
Evitando as dificuldades probatórias de um eventual mandato tácito, o legislador
soluciona o problema com uma remissão para o regime do número anterior, que
acabámos de estudar – o que implica a limitação temporal dos 5 anos.
§ A segunda parte consiste no titular ou cotitular dos bens administrados opor-se
expressamente à intervenção abusiva, o que sugere a inexistência de um contrato e
agrava a responsabilidade do outro cônjuge, ao se remeter para o regime do possuidor
de má-fé, em que o cônjuge vai:
1. responder pela perda da coisa mesmo que tenha agido sem culpa, artigo
1269º do CC;
2. restituir os frutos que não colheu, mas que um proprietário diligente teria
obtido, artigo 1271º do CC; e

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Mariana Calado

3. perder as benfeitorias voluptuárias que tenha feito, artigo 1275º nº2 do CC.
Este regime é alheio às relações entre os cônjuges, desde logo porque a oposição de um deles é
fundamento para a violação de um dever de respeito aquando da atuação do outro.

Em caso de se pedir responsabilidades ao cônjuge administrador, temos que distinguir se o


crédito de indemnização é próprio ou comum. Não há, de facto, muita jurisprudência que
incida sobre este tema, até porque são raras as intervenções dos nossos tribunais em matéria de
administração dos bens dos cônjuges. A solução é discutível, porém, a maioria da doutrina
defende uma distinção entre os casos em que a indemnização é referente a um dano que se deu
num bem comum ou num bem próprio do cônjuge não administrador.
§ Se estivermos perante um dano num bem próprio, o crédito é incomunicável por via
legal, artigo 1733º nº1, al. d) do CC, aplicável por maioria de razão a qualquer outro
regime de comunhão por força da ratio do artigo 1699º al. d) do CC. No entanto,
GUILHERME DE OLIVEIRA defende que a parte da indemnização relativa à
delapidação de frutos, que são comuns, ou a falta de perceção deles, deve seguir as
regras que ficarem estabelecidas para os créditos por danos no património comum.
§ Se estivermos perante um dano em bens comuns temos duas soluções: ou (1) o crédito
pertence ao património comum; ou (2) o crédito corresponde a metade do dano e
pertence ao cônjuge meeiro que se achou prejudicado.

A primeira forma de resolver a questão reconhece ao cônjuge autor a qualidade de defensor da


comunhão, ou seja, protege mais o património comum como um todo, restabelecendo o valor
total do património. Contudo, pode parecer estranho que o cônjuge lesado pague indemnização
no que diz respeito ao prejuízo total e, portanto, mesmo no que diz respeito à sua metade no
património comum, embora esta solução interesse bastante aos credores comuns que veem a
sua garantia restabelecida.

A segunda forma de resolver a questão só tem sentido se o cônjuge credor puder considerar o
crédito (correspondente à sua metade do dano) como um bem próprio; de facto, não tem sentido
considerar este crédito (de metade do dano) como um valor co- mum, sujeito a partilha.

Quanto ao momento em que se pode exigir o pagamento de um destes créditos, se


imediatamente ou apenas no momento da partilha, o regime do artigo 1697º do CC e a harmonia
do sistema poderiam levar a que apenas se considerasse o momento da partilha. Porém, tem
sido entendimento das nossas doutrina e jurisprudência que é possível exigir esta indemnização
ainda durante a constância do casamento, por se tratar de um verdadeiro crédito de
indemnização. Se, contudo, se seguir o entendimento clássico da espera pelo momento da
partilha, ao menos a prescrição não começa nem corre entre cônjuges, artigo 318º al. a) do CC.
Quando a administração seja ruinosa a ponto de o cônjuge não administrador correr o risco
de perder o que é seu, pode requerer a simples separação judicial de bens, artigos 1767º e ss
do CC.

62 —
Mariana Calado

PODERES DO CÔNJUGE NÃO ADMNISTRADOR

Nos termos do artigo 1679º do CC, “o cônjuge que não tem a administração dos bens não está
inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar, por qualquer causa,
impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências pude- rem resultar prejuízos”.
O artigo visa os casos de impedimento ou impossibilidade tem- porária, dando poderes de
administração ao outro cônjuge, circunscritos às providências referidas.

ILEGITIMIDADES CONJUGAIS

Cada um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, não pode:

o Alienar bens imóveis, próprios ou comuns – artigo 1682.º -A, n.o1, al. a) do CC.

Este regime mostra bem a importância que o nosso Direito atribui à riqueza imo- biliária ou
fundiária, uma vez que nos termos do artigo 1682º nº2 do CC, esta regra não é extensível aos
bens móveis. É ponto assente que o simples contrato-promessa de alienação não carece de
consentimento entre ambos os cônjuges, por não transmitir o direito real. Esta norma é uma
daquelas que se inclui na “pela sua razão de ser” do artigo 410º nº1 do CC.

Mais, esta norma não deve ser aplicada quando a alienação de imóveis, ou a res- petiva
oneração, praticada pelo empresário, constituir o objeto da empesa; como acontece, por
exemplo, com um construtor civil que venda andares. Nestes casos, a alienação de imóveis
constitui um ato de administração ordinária da empresa, sendo que só a alie- nação da própria
empresa careceria do consentimento de ambos.

o Onerar bens imóveis, próprios ou comuns, através da constituição de direitos reais de


gozo ou de garantia, e ainda dar de arrendamento ou constitui sobre eles outros direitos
pessoais de gozo – artigo 1682º-A, nº1, al. a) do CC.

Os direitos reais de gozo são uma limitação pesada ao uso e fruição, equivalente à perda do
valor do bem; o mesmo se diga quanto ao arrendamento. A constituição de garantia pode
conduzir à alienação forçada do bem.

o Alienar o estabelecimento comercial, próprio ou comum – artigo 1682.º-A, n.º1, al. b)


do CC.

o Onerar ou locar o estabelecimento comercial, próprio ou comum – artigo 1682.º - A,


nº1, al. b) do CC.

63 —
Mariana Calado

o Alienar a casa de morada de família – este regime é aplicável qualquer que seja o
regime de bens do casamento, nos termos do artigo 1682.º-A, n.º2, al. b) do CC.

Falamos de uma defesa da estabilidade da habitação familiar, sendo que é discutível se apenas
se insere, neste conceito, a residência principal, ou se abarcam eventuais residências
secundárias.

o Onerar a casa de morada da família, através da constituição de direitos reais de gozo


ou de garantia, e ainda dar de arrendamento ou constitui sobre eles outros direitos
pessoais de gozo – artigo 1682º - A, n.º2 do CC.

o Dispor do direito ao arrendamento da cada de morada da família – artigo 1682º -B do


CC.

Assim, não é livre o ato individual de resolução ou denúncia, de revogação por mútuo
consentimento, de cessão da posição de arrendatário, de subarrendamento ou de empréstimo.
No entanto, não parece estar incluído o ato livre de cessação dos efeitos pessoais que justificam
a tomada de arrendamento, e a consequente caducidade, artigo 1051º al. g) do CC.

o Alienar ou onerar bens móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente pelos


cônjuges na vida do lar – artigo 1682º nº3, al. a) do CC.

É razoável considerar que estes bens podem, também, ser os utilizados pelos filhos ou outros
familiares a cargo dos cônjuges, cuja utilização seja indispensável, útil ou, até, supérflua.
Quanto ao processo de execução por dívidas, restringe-se este núcleo de bens aos
imprescindíveis a qualquer economia doméstica, artigo 737º nº3 do CPC.

o Alienar os bens móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente pelos côn- juges
como instrumento comum de trabalho, artigo 1682º nº3. al. a) do CC.
o PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA consideram que a norma torna-se
inapta quando os bens se tornem inúteis para os fins profissionais destinados.
o Alienar os bens móveis próprios ou comuns quando a administração cabe ao outro –
artigo 1682º nº2 e 3, al. b) do CC.
o Repudiar heranças ou legados – artigo 1683º nº2 do CC.

Ao contrário da aceitação da herança, de legados ou de doações, cujo consentimento dos


cônjuges não é necessário, artigo 1683º nº1 do CC, o repúdio, por significar uma perda
patrimonial equivalente a qualquer outra perda económica, carece de consentimento de
ambos os cônjuges.
Não obstante os bens doados serem bens próprios no regime da comunhão de adquiridos (artigo
1722º nº1, al. b) do CC), se um dos cônjuges no regime de comunhão de adquiridos ou
comunhão geral de bens quiser repudiar uma herança ou legado, apenas o poderá fazer com o
consentimento do outro cônjuge.

64 —
Mariana Calado

CONSENTIMENTO CÔNJUGAL

O consentimento conjugal é diferente dependendo dos atos que vão ser praticados – art. 1684º
nº1 – podendo ser expresso ou tático. O consentimento conjugal está sujeito à forma exigida
para a procuração (art. 1684º nº2), ou seja, à forma exigida para o respetivo negócio ou ato
jurídico (art. 262º nº2).

Normalmente, o consentimento é prestado através da intervenção de ambos os cônjuges.

A autorização do cônjuge pode ser revogada enquanto o ato para que foi concedida não estiver
começado; mas, se este tiver tido começo de execução, o cônjuge só a poderá revogar reparando
qualquer prejuízo de terceiro que resulte da revogação.

No que se refere à forma a lei é omissa, mas parece razoável estender à revogação do
consentimento conjugal as mesmas exigências de forma que os arts. 1684º nº2 CC e 117º CNot
fazem quanto ao próprio consentimento.

O efeito da autorização é o de validar os atos que o outro cônjuge praticar, no caso de este não
ter legitimidade para eles. Quando o outro cônjuge já tinha legitimidade para praticar o ato
(exemplo: contrair dívidas — art. 1690º nº1) o efeito da autorização é o de responsabilizar o
cônjuge que a concede.

O art. 1684º nº3, prevê a possibilidade de suprimento do con- sentimento, quando um cônjuge
não tem legitimidade para praticar sozinho, validamente, um ato jurídico que lhe pareça
necessário ou conveniente. No caso de injusta recusa do outro cônjuge também pode haver
suprimento do consentimento.

O art. 1687º nº1, considera anuláveis os atos praticados contra o disposto nos nº 1 e 3 do art.
1682º nos arts. 1682º -A e 1682º -B e no nº 2 do art. 1683º. Como anuláveis deverão considerar-
se igualmente as alienações de móveis comuns feitas pelo cônjuge não administrador.
GUILHERME DE OLIVEIRA, aqui, inclui as alienações de móveis comuns feitas pelo
cônjuge não administrador, artigo 1682º nº2 do CC – ao invés do regime do artigo 1687º nº4
do CC, que, para este autor, apenas se aplica quando há uma falta de legiti- midade total, leia-
se, não existe qualquer tipo de legitimidade (o que aqui não é verdade, já que a legitimidade é
partilhada).
Legitimidade para anulação – art. 1678º.

A anulabilidade é sanável mediante confirmação nos termos do art. 288º CC.

O artigos 1687º nº4 e 892º do CC protegem o adquirente de boa-fé nos casos de nulidade, ao
passo que o artigo 1687º nº3 do CC protege o adquirente de boa-fé nos casos de
anulabilidade. ANTUNES VARELA tem algumas reticências quanto a este regime que
sacrifica os interesses do cônjuge do alienante em favor dos interesses do adquirente, sobretudo
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Mariana Calado

quando se alienam ou oneram móveis utilizados conjuntamente por ambos na vida do alar ou
como instrumento comum de trabalho.

Como mencionamos, o artigo 1687º nº4 do CC, para GUILHERME DE OLIVEIRA, tem
aplicação nos casos em que o cônjuge que aliena ou onera bens pró- prios do outro cônjuge,
sem que com eles tenham qualquer ligação de propriedade ou de administração. Inversamente,
quando o cônjuge aliena ou onera um bem próprio do outro, mas é administrador do
mesmo, a sanção é a anulabilidade, por força do artigo 1687º nº1 do CC.
O nº4 restringe-se aos atos de alienação e de oneração, ao passo que o nº1 inclui outros atos
considerados ilegítimos como o arrendamento e a constituição de direitos reais de gozo.
MARIA LEONOR BELEZA considera que estamos perante um lapso, sendo que o texto do
nº4 deve ser alargado por via de uma interpretação extensiva.

RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS DOS CÔNJUGES

Atualmente cada um dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas. Antes da reforma de
1977 não era assim: já que o cônjuge-mulher precisava da autorização do cônjuge-marido para
as contrair. Foi com a adoção do princípio da igualdade entre côn- juges que esta regra caiu e,
hoje-em-dia, qualquer um dos cônjuges pode contrair dívidas sem qualquer consentimento.

Este princípio está até espelhado no artigo 1690º do CC “legitimidade para contrair dívidas”:
qualquer cônjuge tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro
cônjuge, independentemente do regime de bens.

Na teoria é isto que acontece, porém, coisa diferente é que na prática um credor permita que
um cônjuge contraia a dívida sem o consentimento do outro cônjuge. Por exemplo, se um A e
B casaram num regime de comunhão de adquiridos e A quiser ad- quirir um imóvel com recurso
ao crédito à habitação, na verdade, o cônjuge A pode fazê-lo, pois não há nada que legalmente
o impeça. Contudo, o banco que vai fazer o emprés- timo, uma vez que a coisa será um bem
comum, só vai ceder o crédito se o outro cônjuge também for devedor (responsabilidade
solidária de ambos).

NOTA: a casa de morada da família é impenhorável – art. 65º CRP.

DIVIDAS DA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS CÔNJUGES

Nos termos do art. 1691º nº1 e 2, são da responsabilidade de ambos os cônjuges:

o As dividas contraídas por ambos, ou por um só com o consentimento do outro, anteriores


ou posteriores à celebração do casamento – al. a); O consentimento aqui referido não
está sujeito a regras especiais, pelo que há liberdade de forma e pode ser tácito

66 —
Mariana Calado

o Dividas contraídas por qualquer um dos cônjuges para ocorrer aos encargos normais da
vida familiar – al. b)

o Dividas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em


proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração – al. c); Por
um lado, é necessário averiguar o nexo causal entre a dívida e os bens admi- nistrados.
Por outro, a noção de proveito comum levanta algumas questões. Nos termos do artigo
1691º nº3 do CC, este não se presume, exceto quando a lei o declarar. Mais, o proveito
comum afere-se pela aplicação da dívida, leia-se, pelo fim visado pelo devedor que a
contraiu, à luz de uma pessoa média, e não pelo resultado. O interesse pode ser material
ou económico, bem como moral ou intelectual.
Assim, averiguar este proveito comum depende de uma questão-de-facto, isto é, o
destino dado ao dinheiro; e de uma questão-de-direito, ou seja, determinar se, com base
nesse destino, a dívida foi ou não contraída em proveito do casal.

o Dividas contraídas por qualquer um dos cônjuges no exercício do comércio – al. d); Esta
norma completa o artigo 15º do Código Comercial, assegurando o alargamento da
garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio,
facilitando o acesso ao crédito, o que favorece as atividades mercantis. Os cônjuges,
comerciante ou o não comerciante, podem querer afastar a comunicabilidade da
dívida, se se provar que não foi contraída em proveito comum do casal ou se vigorar
entre os cônjuges o regime de separação de bens. Mais, pode-se provar que a dívida não
tem rela- ção com a atividade de comércio, mas mesmo aí tem que se provar que não há
proveito comum, já que se houver, a dívida continua a responsabilizar ambos os
cônjuges.

o Dividas que onerem os bens doados, herdados ou legados, quando esses bens tenham
ingressado o património comum – al. e) e nº2 do 1693º.

o Dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges em proveito co- mum
do casal, quando vigore o regime da comunhão geral de bens – art. 1691º nº1

o Dividas que onerem bens comuns – art. 1694º nº1

o Dividas que, nos regimes de comunhão, onerem bens próprios, se tiverem como caus aa
perceção dos respetivos rendimentos – art. 1694º nº2.

Bens que respondem pelas dívidas de responsabilidade comum: respondem os bens comuns,
e na falta ou insuficiência deles, os bens próprios de qualquer dos cônjuges – art. 1695º nº1.
Mais, nos termos do nº1 e 2 desse mesmo artigo, a responsabilidade dos cônjuges é solidária
nos regimes de comunhão e parciária no regime de separação.
A parte de cada cônjuge na responsabilidade não é, necessariamente, de 50%. Pelo menos
quando as dívidas visem acorrer aos encargos normais da vida familiar, a respon- sabilidade de
67 —
Mariana Calado

cada um deve corresponder à medida do seu dever de contribuir para os encargos, artigo 1676º
nº1 do CC.

DIVIDAS DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DE UM CÔNJUGE

Nos termos do art. 1692º são da responsabilidade exclusiva de um cônjuge as seguintes dividas:

o Dívidas contraídas sem o consentimento do outro cônjuge, exceto nos casos da al. b) e
c) do art. 1691º - al. a); incluem-se as dívidas anteriores e posteriores ao casamento.

o Dívidas provenientes de crimes ou factos imputáveis a um dos cônjuges – al. b);


Quando, no entanto, se trate de casos de responsabilidade civil abrangidos pelo artigo
1691º do CC, este regime não opera. Poder-se-á discutir se o proveito comum terá que
ser direto para o casal (atuação no interesse do casal), ou se basta proveito indireto
(atuação no interesse alheio, beneficiando o casal). A jurisprudência tende a exigir que
o proveito comum seja direto – STJ em 06-07-1993 e em 12-10-2015, relatores
Eduardo Martins e Abrantes Geraldes, respetivamente. Em qualquer caso de
responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, nada obsta a que se lance mão do
enriquecimento sem causa para quando o casal haja beneficiado da respetiva atividade.

o Dívidas que onerem bens próprios; em regimes de comunhão, os rendimentos são de


bens comuns, logo, se as dívidas tiverem como causa a perceção dos rendimentos são
de responsabilidade comum.

o Dívidas que onerem doações, heranças ou legados quando os respetivos bens sejam
próprios – art. 1693º nº1.

Bens que respondem pelas dívidas de exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges: nos
termos do artigo 1696º do CC, respondem por estas dívidas os bens próprios do cônjuge
devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns. Não respondem, também, os
bens que são da responsabilidade administrativa do cônjuge devedor, mas cuja titularidade não
lhe pertence, o que faz com que se interprete restritivamente este artigo.
Na falta ou insuficiência de bens próprios do devedor, é possível penhorar imediatamente
os bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do
cônjuge do executado para requerer, querendo, a separação de bens.
O art. 1692º diz-nos que bens que respondem ao lado dos bens próprios do cônjuge devedor.
A lei sacrificou o património comum em favor das expectativas do casal. Assim, o credor pode
penhorar indistintamente estes bens ou os bens próprios, já que esta norma especial afasta a
graduação oferecida pelo nº1 do artigo 1692º do CC.
O texto legal não parece limitar a responsabilidade ao valor de metade dos bens comuns
penhorados, o que pode dar lugar a compensação, no momento da partilha.

68 —
Mariana Calado

COMPENSAÇÕES DEVIDAS PELO PAGAMENTO DE DIVIDAS

Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respon- dido bens de
um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia
satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser
que vigore o regime da separação – artigo 1697º nº1 do CC.
Surge, assim, um crédito de compensação a favor do cônjuge que pagou mais que a sua parte,
sobre o outro cônjuge, sendo que tal crédito só é exigível no momento da partilha dos bens
do casal. Discute-se se a menção do regime da separação tem algum efeito, já que na constância
do matrimónio, os deveres conjugais eliminam assimetrias.

Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham


respondido bens comuns, é a respetiva importância levada a crédito do património comum no
momento da partilha – artigo 1697º nº2 do CC.
Aqui, surge um crédito de compensação do património comum sobre o património do cônjuge
devedor, no momento da partilha.

TERMO DAS RELAÇÕES PATRIMONIAIS

A dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento ou a separação de bens


provocam a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges.

Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal,
artigo 1689º do CC. Esta partilha também tem ugar no caso de ser decretada simples separação
judicial de bens, artigo 1770º do CC, ou declara a ausência, artigo 108º do CC, ou a insolvência
de qualquer dos cônjuges, artigo 141º nº1, al. b) do CIRE.

A partilha é composta por 3 operações:


1. Separação de bens próprios
2. Liquidação do património comum
3. Partilha propriamente dita

SEPARAÇÃO DE BENS PRÓPRIOS

O primeiro passo é fazer a separação dos bens próprios de cada cônjuge. Estes bens não
carecem de qualquer intervenção, simplesmente separam-se para que as operações
subsequentes incidam apenas sobre bens comuns que, estes sim, carecem de divisão.
Excecionalmente, a separação ganha uma grande importância quando a propriedade sobre
um bem se torna objeto de litígio. Estas questões acabarão por ter que ser solucionadas em sede
de ação comum, fora do processo de inventário, artigo 1092º do CC.

69 —
Mariana Calado

LIQUIDAÇÃO DO PATRIMÓNIO

O relacionamento dos bens comuns inclui os bens e os direitos qualificados como comuns
pelas regras do regime de bens que vigorou durante o casamento, salvas as exceções previstas
nos artigos 1719º e 1790º do CC, para a dissolução por morte ou por divórcio, respetivamente.
No âmbito do artigo 1790º do CC, tratamos como bens próprios aqueles que o regime da
comunhão de adquiridos trata como tal, excluindo o regime da comunhão geral, para este efeito.
Assim, apenas se dividirá aquilo que integrou o pa- trimónio comum a título oneroso por virtude
do matrimónio.

Em seguida, há que versar sobre as compensações. Durante o casamento dão-se transferências


de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimó- nios próprios.
Exemplos em que o património comum é credor são os que resultam dos artigos 1726º 1727º
e 1728º do CC, bem como dos artigos 1697º nº2, 1682º nº4 e 1728º nº1 e 1733º nº2 do CC.
Como exemplos em que um património próprio é credor do património comum temos os
casos dos artigos 1726º 1697º nº1 e 1723º al. c) do CC, consoante a história em causa.
Ainda que alguns preceitos mencionem que o momento em que se pode exigir o pagamento
é na partilha, enquanto outros são omissos quanto a esse aspeto, os trabalhos preparatórios
sugerem que se pretendeu um regime igual para todos os casos, o que faz com que a
exigibilidade do pagamento seja diferida para o momento da partilha.
Uma dúvida que se coloca é se as compensações, no momento da partilha, devem ser feitas pelo
valor nominal ou pelo valor atualizado. Ainda que o artigo 550º do CC imponha o princípio
do nominalismo, este não pode ser aplicado cegamente, sob pena de reverter a intenção do
regime das compensações. O artigo 550º do CC admite convenção em contrário, mas
GUILHERME DE OLIVEIRA entende que, por estarmos perante uma obrigação legal, e por
força do regime que é aplicado na colação e no pagamento de tor- nas, artigos 2109º nº3 e 2029º
nº3 do CC, respetivamente, bem como porque a tutela legal é dada ao património empobrecido
(reconstituindo, agora, o valor que dele deveria constar), deve atender-se ao valor atualizado
(especialmente devido à crescente desva- lorização monetária sucessiva). O autor encontra uma
lacuna e aplica por analogia os regimes supramencionados.
Os créditos de compensação não vencem juros, dado que estes dependem da mora, artigo 806º
do CC, ao passo que a realidade aqui em análise só se vence no mo- mento da partilha.

Quanto ao pagamento de dívidas, dívidas dos cônjuges um ao outro, são pagas pela meação do
cônjuge devedor no património comum, e só em caso de insuficiência pelos bens próprios do
devedor, artigo 1689º nº3 do CC. Estas dívidas podem nascer da responsabilidade civil por
administração de bens do outro cônjuge intencionalmente pre-judicial (artigo 1681º nº1 do CC)
ou abusiva (artigo 1681º nº3 do CC).
As dívidas a terceiros são reguladas pelo artigo 1689º nº2 do CC – o património comum paga,
em primeiro lugar, as dívidas comuns e só depois as dívidas próprias. Os bens próprios pagam
ambas as dívidas indistintamente, sendo que no caso de dívidas comuns o recurso a tais
patrimónios só acontece quando esgotado o património comum. Os credores comuns estão em
vantagem, pois beneficiam da solidariedade legal do artigo 1695º nº1 do CC.
70 —
Mariana Calado

Esta sistematização de GUILHERME DE OLIVEIRA é distinta, ligeiramente, da proposta por


RAQUEL VIEIRA. Para a professora, após a 1ª operação de separação de bens próprios, a 2ª
operação, a liquidação do património comum, artigo 1689º do CC, implica, antes de mais, a
distinção de três realidades:
1. As dívidas a terceiros comunicáveis, que responsabilizam os bens descritos no artigo
1695º do CC.
2. As dívidas a terceiros incomunicáveis, que oneram o património próprio do deve- dor e
os bens descritos no artigo 1696º nº2 do CC.
3. As compensações, que podem ter como fontes: os artigos 1697º nº2 e 1682º nº4 do CC;
bem como a aquisição de bens próprios à custa do património comum, ou o
financiamento com valores ou bens próprios a aquisição de bens que integram o
património comum (artigos 1723º al. c) e 1726º do CC), ou as benfeitorias feitas com
dinheiro próprio num bem comum. Estas compensações estão sujeitas a atualização
com base no índice de preços, artigo 551º do CC.

Em seguida, a professora afirma que a diferença entre o património comum e as dívidas


comunicáveis e as compensações dá-nos o ativo líquido, se o valor for superior a 0. Este ativo
será responsável pelo pagamento das dívidas entre os cônjuges, artigo 1689º nº3 do CC, como
as que resultem de um crédito compensatório, por exemplo, na parte da meação do cônjuge
devedor. Só se esta meação for inexistente ou insuficiente, é que respondem os bens próprios
do cônjuge devedor.
Por fim, procede-se à partilha propriamente dita, preenchendo as meações de cada um dos
cônjuges, com dedução das compensações eventualmente ao património comum e/ou ao
património do outro cônjuge, nos termos do artigo 1697º nº2 do CC.

PARTILHA

Após o termo das relações patrimoniais conjugais, mas antes da conclusão da partilha, decorre
um período denominado por comunhão pós-conjugal. Este período serve para conhecer o
regime legal aplicável a vários temas concretos. A doutrina oscila entre a compropriedade e
a comunhão hereditária (CRISTINA DIAS). GUILHERME DE OLIVEIRA defende que se
se quiser eleger um regime específico, tem que se afastar o artigo 1404º do CC, leia-se, afastar
a aplicação das regras subsidiários da comproprie- dade. Mais, o autor não defende que haja
uma verdadeira lacuna, antes parece postular que se aplicam as normas que, aqui e ali, se vão
encontrando sobre cada tema concreto.

Especialidades da divisão dos bens:

o Quanto à forma: se houver acordo e não houver imóveis os procedimentos da partilha


não carecem de forma; se houver bens imóveis tem de haver forma (escritura pub. ou
documento particular autenticado); quando não há acordo entre os interessados a
partilha faz-se no âmbito de um processo de inventário.
71 —
Mariana Calado

o Contrato-promessa de partilha: O contrato de partilha celebrado antes do divórcio (ou


antes do casamento) não é válido, mas o contrato-promessa já o é. Depois de realizado
tal contrato-promessa, todos os bens comuns continuam a ser bens comuns e todos os
bens próprios continuam a ser bens próprios, ou seja, nenhuma das massas patrimoniais
do casal se modifica – o que faz com que nem os cônjuges, nem terceiros, corram perigo.
Este contrato-promessa pode ser anulado ou declarado nulo como um qualquer outro
negócio jurídico. Está, no entanto, sujeito a um especial limite imperativo: não pode
conduzir a uma divisão do património em partes desiguais, leia-se, tem que respei- tar
a regra da metade, sob pena de nulidade – art. 1730º nº1.
o Partilha sob condição suspensiva: o mesmo regime deve ser aplicado ao contrato de
partilha sob condição suspensiva. Já vimos que o contrato-promessa de partilha é
válido, uma vez que não reper- cute os seus efeitos durante a vigência das relações
patrimoniais conjugais. Assim, o contrato que esteja sujeito a uma condição
suspensiva, por garantir a mesma paralisação dos efeitos, deve ser considerado válido,
nos termos em que o contrato-promessa o é, leia-se, respeitando as normas imperativas,
mormente a regra da metade.
o Descendentes comuns e comunhão geral: o art. 1719º permite que os cônjuges acordem
na convenção antenupcial que no caso de dissolução do casamento por morte, e
havendo descendentes comuns, a partilha far-se-á segundo o regime da comunhão
geral, mesmo que outro tenha sido o regime de bens que norteou a vida matrimonial do
casal.
o Caso especial de divórcio: nos termos do art. 1790º - em caso de divórcio - nenhum dos
cônjuges pode receber mais do que receberia, na partilha, se o regime de casamento
tivesse sido o da comunhão de adquiridos. Este regime não implica a substituição do
regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos, que levaria a que cada
cônjuge pudesse pedir a inscrição a seu favor dos bens que levou para o casamento ou
depois lhe advieram a título gratuito com base no regime típico da comunhão de
adquiridos. Se houver comunhão geral, esses bens integram a comunhão e só com a
partilha se sabe a quem pertencem. Assim, a lei não impõe que, na partilha, cada cônjuge
seja encabeçado nos bens que lhe pertenceriam se vigorasse o regime da comunhão de
adquiridos; apenas quer evitar que cada cônjuge receba mais do que receberia se este
último fosse o regime adotado. Ou seja, a lei não se importa pelos bens em si, mas
antes pelo seu valor.
Se o casamento terminar por morte, a partilha é feita segundo o regime convencionado
pelos cônjuges, respeitando o plano inicial conservado durante o matrimónio. No
divórcio, as expectativas iniciais de que a união seria para sempre foram frustradas, daí
a razão para esta tutela acrescida.
o Casa tomada de arrendamento e casa própria: o art. 1105º permite aos cônjuges acordar,
depois do divorcio ou da separação de pessoas e bens, que a posição de arrendatário
fique para um só deles – na falta de acordo o tribunal decide. O artigo 1793º do CC
prevê o caso de os cônjuges divorciados ou separados de pessoas e bens viverem em
casa própria, permitindo ao tribunal dar de arrendamento, a qualquer dos cônjuges, a
seu pedido, a CMF, quer esta seja comum, quer seja própria do outro.

72 —
Mariana Calado

No âmbito do divorcio há um bem com proteção especial – a casa de morada da família – o


legislador atribui uma especial proteção à casa de morada de família tando durante o casamento,
como quando cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges ou mesmo perante um
divórcio.

Nestas situações o legislador teve especial preocupação, vindo consagrar que se a casa de
morada de família for arrendada, mesmo que o seja por um dos cônjuges o outro tem direito a
ficar na mesma, sendo isto diretamente oponível ao senhorio – prescinde de qualquer
consentimento do senhorio. Não havendo acordo, é o tribunal que atribui o direito de locação
da casa de morada de família e no caso de arrendamento o direito de permanecer no contrato
de arrendamento.

No artigo 1105º estabelece-se que vivendo os cônjuges em casa arrendada, podem decidir
denunciar o contrato de arrendamento, mas assumindo que um deles tem um interesse em
continuar a residir naquela casa pode fazê-lo. Havendo acordo, tanto o tribunal como a
conservatória (dependendo de quem leva a cabo o divórcio), devem levar a cabo oficiosamente
ao senhorio esta nova concentração ou transmissão. Havendo acordo o processo é fácil, a
posição mais desprotegida é a do senhorio que pode mudar de arrendatário, podendo não lhe
dar as mesmas garantias. Ou seja, a relação com o senhorio ocorre nos termos do contrato de
arrendamento celebrado unicamente, havendo possibilidade de denúncia do contrato de
arrendamento o senhorio poderá fazê-lo, mas não é por ter ocorrido a alteração de titularidade.

Em suma, a eventual alteração de titularidade não confere direito de denúncia ou de


resolução desse contrato de arrendamento, é imposto ao senhorio e é comunicado oficiosamente
pelo tribunal se o divórcio tiver sido decretado no âmbito de qualquer ação judicial ou
conservatória no caso do divórcio ter sido administrativo e ter sido decretado pela conservatória
do registo civil.

Não havendo acordo, a situação é mais complicado porque ter-se-á que dar entrada de uma
ação judicial para atribuição do direito de arrendamento ao cônjuge que mais dele precisa.
Estamos a falar de uma análise subjetiva, já que o tribunal apenas vai conseguir perceber qual
o cônjuge que mais precisa deste direito de arrendamento depois de olhar para a situação
concreta e perceber:

(1) rendimentos de ambos;


(2) se existir filhos, perceber com quem vão viver;
(3) se algum deles tem ou não uma casa própria livre para se puderem mudar para lá;
(4) se algum deles trabalha ou nunca trabalho durante o casamento;
(5) se algum deles tem um problema de saúde que o incapacite de ter uma vida normal.

Tudo isto são circunstâncias exemplificativas que podem e devem ser consideradas pelo
tribunal para decidir quem é que tem mais necessidade de permanecer naquela casa arrendada.
Sendo isto muitas vezes determinante, podemos estar a falar de um con- trato de arrendamento
muito proveitoso e que para um cônjuge que se vai divorciar, seja fundamental, porque vai
passar a ter menos rendimentos porque os rendimentos dos cônjuges em comum são sempre
mais do que separados (deixamos de ter a economia de escala, separados as despesas serão
muito maiores o que não é proporcional, duas pessoas que vivem na mesma casa não pagam o
mesmo que duas pessoas que vivem separadas em casa diferentes, isto é muito mais caro não
73 —
Mariana Calado

só porque há numerosas taxas porque do ponto de vista do consumo é muito menos rentável).
Ou seja, economicamente o divórcio é uma circunstância a ser considerada, tanto que há
famílias que em conjunto conseguem suportar as despesas, colocando o casal divorciado um
deles pode não conseguir pagar as despesas, tornando-se mais relevante olhar para a questão do
arrendamento.

Quanto à casa própria também há regras específicas que constam do artigo 1793º. Se houver
acordo (artigos 1775º nº1, al. d) do CC e 272º nº1, al. f) e nº2 do CRC) entre os cônjuges o
direito de locação (não é um direito de propriedade) ficará atribuída a um dos cônjuges, sendo
este o regime normal, podendo este ser alterado a todo o tempo, desde que haja circunstâncias
supervenientes que justifiquem esta alteração.

Não havendo acordo, o direito de locação é atribuído, sob a forma de arrenda- mento, a um
dos cônjuges, com o pagamento de uma renda ao cônjuge que fica prejudicado. Esta renda não
tem de ter o valor de mercado, não obstante a lei dizer que o contrato de arrendamento vai ser
sujeito às regras do contrato de arrendamento para habitação, o tribunal pode fixar um valor de
renda muito inferior àquele que resultaria das condições de mercado e pode fazê-lo atendendo
às condições específicas do cônjuge que vai passar a ser arrendatário, bem como às condições
específicas do cônjuge que vai passar a receber a renda e ao interesse dos filhos.

Por decisão judicial o tribunal vai determinar o pagamento de um valor de renda, renda essa
que pode ter um valor muito inferior àquele que seria resultante das condições de mercado, ou
não. Se ambos os cônjuges tiverem condições favoráveis e próximas, aí não há razão nenhuma
para a renda ter um valor inferior àquele que resultaria das condições de mercado.

Se a casa for comum a solução será exatamente a mesma. A renda daquele que não ficar na
casa, que em princípio ainda é proprietário, porque em princípio ainda é um bem comum será
um pouco mais baixa porque 50% da propriedade é do outro que fica lá a viver. Este regime
opera independentemente do regime matrimonial de bens e opera inclusivamente nos casos de
separação de bens.

o Atribuições preferenciais: nos termos dos art. 1731º e 2103º - A atribui-se a um


determinado cônjuge, preferencialmente, certos bens comuns face ao outro no âmbito
da partilha. Estamos a discutir a partilha e o momento da cessação das relações
patrimoniais face ao fim do casamento.

O art. 1731º refere-se aos instrumentos de trabalho e prevê uma atri- buição preferencial.
Ora, se estivermos a falar de um instrumento de trabalho que seja comum, não obstante apenas
um dos cônjuges o utilizar para o trabalho, no momento da partilha o cônjuge que utiliza para
o seu trabalho tem o direito a ser encabeçado preferencialmente nesse bem. Ou seja, o seu
quinhão ou meação começa a ser preenchida logo, preferencialmente, por esse bem. A menos
que esse cônjuge não queira, é uma atribuição preferencial, tem a preferência, sendo esta um
direito e não uma obrigação.

O art. 2103º - A faz referência ao direito de habitação da casa de morada de família e


direito de uso do recheio, mas esta atribuição preferencial já não ocorre no âmbito do divórcio,
mas antes no âmbito de uma partilha por morte. Está em causa de direito habitação da casa de
morada de família, mas inclui o direito de uso do recheio dessa casa (os móveis, as pratas,
74 —
Mariana Calado

talheres e televisores), todo o recheio que costumava ser o recheio daquele casal.
Estabelecendo-se neste preceito que o cônjuge sobrevivo tem um direito na casa de morada de
família, bem como direito de continuar a usar o recheio da mesma, contudo isto terá valor,
devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e
meação, se a houver. Entra aqui o regime matrimonial dos cônjuges, sendo que não há meação
no regime da separação de bens, porque não há bens comuns.

Discute-se se os cônjuges podem convencionar outras atribuições preferenciais - sendo que


à partida isto seria possível, não havendo nada na lei que o impeça, mas isto só é possível na
medida em que respeite a lei stricto sensu e os ditames de ordem pública. Ou seja, se tal for
feito relativamente à casa de morada de família não terá valor porque há um regime previsto,
imperativo, face à atribuição do direito de habitação da CMF. Assim, os cônjuges podem de
forma válida incluir, na convenção antinupcial, uma cláusula em que atribuem um direito
preferencial a ficar com um certo bem que um deles levou para o casamento (sempre a favor
do pp. da boa-fé).

DIVÓRCIO

Entende-se por divórcio, justamente, a dissolução do casamento decretada pelo tribunal ou pelo
conservador do registo civil, a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois, nos termos
autorizados por lei.

A evolução que agora se apresenta mostra, quanto ao divórcio por mútuo consentimento, o
desaparecimento progressivo dos requisitos de maturidade15 que assentavam na idade dos
cônjuges e/ou na duração do casamento; os requisitos de convicção, que impunham um período
de reflexão, traduzido pela necessidade de renovar o pedido dentro de um certo prazo; e os
requisitos de responsabilidade, que obrigavam os cônjuges a atingir os acordos
complementares sobre os alimentos, a casa de morada e o destino dos filhos, sob pena de o
pedido ser indeferido. Quanto ao divórcio litigioso ou sem consentimento de um dos cônjuges,
a evolução mostra a coexistência de uma via baseada na violação culposa dos deveres conjugais
ao lado de uma via assente na rutura objetiva do matrimónio, e o movimento para a consagração
de uma via única, fundada na rutura definitiva do casamento por qualquer motivo.

Em Portugal o divórcio foi introduzido pouco depois da República, pelo Decreto de 3 de


Novembro de 1910, chamado “Lei do Divórcio”.

MODALIDADES DO DIVÓRCIO

Pode ter duas modalidades:

o Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: este tipo de divórcio é pedido por um
dos cônjuges contra o outro e com fundamento em determinada causa
o Divórcio por mútuo consentimento: este tipo de divórcio é pedido por ambos os
cônjuges, de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedido

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Mariana Calado

A disciplina do divórcio por mútuo consentimento, que é hoje de longe o mais frequente na
prática, precede no Código a do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges; além disso,
a lei permite às partes, em qualquer altura do processo de divórcio sem consentimento de um
dos cônjuges, convolar para o divórcio por mútuo consentimento, e obriga o juiz a procurar o
acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento no caso de a tentativa de
conciliação em processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges não resultar.
Por sua vez, o divórcio por mútuo consentimento pode ser judicial ou administrativo, conforme
é requerido e/ou decidido no tribunal ou na conservatória do registo civil.

De acordo com a Lei nº 61/2008, o divórcio por mútuo consentimento continua a ser pedido na
conservatória do registo civil, em princípio, mas alargou-se a competência dos tribunais para
esta modalidade de divórcio. Para além do caso já conhecido de os cônjuges, em processo de
divórcio sem consentimento de um cônjuge, acordarem em se divorciar por mútuo
consentimento, os tribunais também são agora competentes quando os cônjuges estiverem de
acordo acerca do divórcio, mas não conseguirem fazer acordo sobre algum dos temas previstos
no art. 1775º, ou quando o acordo apresentado não for considerado razoável e não puder ser
homologado; o processo é apresentado no tribunal, ou é enviado para o tribunal, respetivamente.
O juiz decretará o divórcio por mútuo consentimento, depois de ter determinado as
consequências do divórcio que os cônjuges não conseguiram combinar.

CARACTERISTICAS DO DIREITO AO DIVÓRCIO

O direito ao divórcio, sem consentimento de um dos cônjuges ou por mútuo consentimento, é


um direito potestativo, pessoal e irrenunciável.

9 É um direito potestativo pois não se traduz no poder de exigir qualquer prestação ou


comportamento de outrem mas no poder de produzir determinado efeito jurídico, a
dissolução do vínculo matrimonial. Por outro lado, pode classificar-se como direito
potestativo extintivo, pois o efeito jurídico que se destina a produzir não consiste na
constituição ou modificação, mas na extinção de uma relação jurídica.

9 É um direito pessoal pois diz respeito ao estado das pessoas. A lei atribui
exclusivamente aos cônjuges ou a um deles, uma ideia que tem no regime do instituto
manifestações muito importantes.

§ Uma primeira manifestação do carácter pessoal do direito ao divórcio é a sua


intransmissibilidade, quer inter vivos, quer mortis causa.

Neste segundo aspeto, o da intransmissibilidade por morte, há porém a ter em conta a


doutrina do art. 1785º nº3. Se os herdeiros do cônjuge titular do direito ao divórcio não podem
intentar a ação e esta não pode ser proposta contra os herdeiros do cônjuge falecido, o art. 1785º

76 —
Mariana Calado

nº3, permite, porém, que a ação seja continuada pelos herdeiros do autor ou contra os herdeiros
do réu para efeitos patrimoniais.

§ Outra manifestação da ideia de que o direito ao divórcio é pessoal é que não é aqui
admitida em princípio a representação voluntária. Só no caso de estarem ausentes
do continente ou da ilha onde corre o processo o autor e o réu podem fazer-se
representar por mandatário com poderes especiais na tentativa de conciliação em
processo de divórcio litigioso (art. 931º nº1, CProcCiv); do mes- mo modo, só
quando estejam ausentes do continente ou da ilha em que tenha lugar a conferência
em processo de divórcio por mútuo consentimento, ou se encontrem
impossibilitados de comparecer, podem os cônjuges fazer-se representar por
procurador com poderes especiais (art. 995º nº2, CProcCiv). A representação legal
é porém admitida no art. 1785º nº1; estando interdito, o cônjuge ofendido pode ser
representado na ação de divórcio nos termos aí previstos.

§ É um direito irrenunciável porque a lei quer que o cônjuge a quem pertença esse
direito tenha, sempre, a faculdade de decidir, com inteira liberdade e em face das
circunstâncias atuais, sobre a oportunidade do divórcio; a lei quer defender os
cônjuges contra a sua precipitação, que poderia levá-los a renunciar — se a lei o
permitisse — a exercer ou a exercer livremente o seu direito ao divórcio.

Renúncia ao divórcio ≠ desistência do pedido de divórcio: Na primeira o sujeito renuncia a


um direito existente, a um direito que tem; ao passo que na segunda o sujeito reconhece a
improcedência da ação e, portanto, a inexistência do direito que fez valer, reconhece que não
tinha esse direito. Isto embora a desistência possa equivaler praticamente à renúncia.

9 Assim, o direito ao divórcio é insuscetível quer de renúncia an- tecipada quer de


renúncia superveniente: não pode renunciar-se de antemão — ainda antes de se ter
verificado, ou de ser conhecida pelo cônjuge renunciante, uma causa legal de divórcio
— à mera faculdade legal de pedir o divórcio se e quando essa causa se verificar; nem
qualquer dos cônjuges poderá demitir-se do direito que adquiriu de pedir o divórcio com
base em determinados factos já verificados.
9 É insuscetível quer de renúncia genérica quer de renúncia específica: não é válida a
renúncia a pedir o divórcio em geral e por qualquer dos fundamentos da lei, e não é
válida tão-pouco a renúncia a pedir o divórcio com determinado ou determinados
fundamentos.
9 Por último, o direito ao divórcio é insuscetível quer de renúncia total quer de renúncia
parcial, de modo que não pode sequer limitar-se o direito ao divórcio, obrigando-se os
cônjuges a só o exercerem em certas condições ou com certos encargos, ou sujeitando-
se para o caso de o exercerem a determinadas sanções ou penalidades.

77 —
Mariana Calado

DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO

O divórcio por mútuo consentimento não é pedido por um dos cônjuges contra o outro, mas
pelos dois, de comum acordo, e os cônjuges não têm de revelar a causa ou as causas por que
pretendem o divórcio – art. 1775º a 1778º - A CC.

Mais que um divórcio sem causa (ou cuja causa seja pura e simplesmente o mútuo
consentimento dos cônjuges), o divórcio por mútuo consentimento é verdadeiramente um
divórcio por causa não revelada, por causa que a lei permite aos cônjuges manter secreta.

Pressupostos:
o Vontade comum dos cônjuges quanto ao divórcio
o Estes têm de chegar a acordo sobre o próprio divorcio.

Dantes era pressuposto o acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles carecesse,
sobre o exercício do poder paternal e o destino da casa de morada da família – art. 1775º nº2
CC.

O divórcio deixa muitas vezes um dos cônjuges (muitas vezes a mulher, mas pode ser o marido)
em situação económica difícil, e a prestação de alimentos ao cônjuge que deles carecesse
constituía um dos aspetos mais importantes do contencioso do divórcio. A obrigação de
prestação de alimentos, no caso de divórcio por mútuo consentimento, incumbia a qualquer dos
cônjuges (art. 2016º nº1, al. c), CCiv), e a lei condicionava o decretamento do divórcio a prévio
acordo dos cônjuges sobre o montante dos alimentos devidos e à homologação desse acordo.

Havendo filhos menores, deviam os cônjuges entender-se igualmente sobre a guarda dos filhos
e o exercício do poder paternal. A lei permitia-lhes várias possibilidades e os cônjuges deviam
escolher uma delas. Deviam decidir se queriam que o menor ficasse à guarda de um ou do outro;
se o poder paternal seria exercido conjuntamente pelos dois, e em que termos, ou apenas pelo
progenitor que tivesse a guarda do menor e, neste caso, de que modo o progenitor que não
ficasse com a guarda do filho podia relacionar-se com ele (“direito de visita”; “direito de
vigilância”). O acordo a que os cônjuges tivessem chegado estava sujeito a homologação, do
conservador do registo civil ou do juiz (no único caso em que o divórcio por mútuo
consentimento era judicial, ou seja, no caso de acordo obtido no âmbito de processo de divórcio
litigioso), devendo a homologação ser recusada se a vontade dos pais não fosse genuína e
autêntica ou o acordo não correspondesse ao interesse do menor.

Por último, para se divorciarem por mútuo consentimento os cônjuges deviam acordar sobre o
destino da casa de morada da família. Assim, os cônjuges poderiam acordar em que, sendo a
casa bem comum do casal, se destinasse a habitação de um dos cônjuges ou, sendo propriedade
de um deles, se destinasse a habitação do outro, a título de arrendamento ou de comodato; em
que, tomada a casa de arrendamento por um dos cônjuges, a posição de arrendatário ficasse a
pertencer ao outro, nos termos do art. 1105º nº1, CCiv; em que o cônjuge a quem fosse destinada

78 —
Mariana Calado

a casa de morada da família ficasse responsável pelo pagamento das rendas ou das prestações
do empréstimo contraído numa instituição bancária para aquisição da casa; em que o acordo
estabelecido só valesse durante certo tempo.

De acordo com a lei nº 61/2008 o acordo dos cônjuges para a dissolução do casamento é o único
pressuposto que subsiste para o divórcio por mútuo consentimento. A celebração de acordos
complementares – sobre alimentos, responsabilidades parentais e sobre o destino da casa de
morada da família – deixou de ser um verdadeiro pressuposto do divórcio. É certo que a
necessidade de os cônjuges deixarem resolvidos aqueles assuntos principais continuou presente
na Lei nº 61/2008 (já não sendo um pressuposto necessário de ser verificado para procedermos
à dissolução do casamento pelo divórcio).

Processo:

9 Divorcio administrativo:

o O processo de divórcio por mútuo consentimento está regulado no art. 14º do Decreto-
lei nº 272/2001.
o O processo pode ser instaurado em qualquer conservatória do registo civil mediante
requerimento assinado pelos cônjuges ou pelos seus procuradores – art. 271º CRC e 12º
nº2 e 14º nº1 do DL mencionado acima.
o Nos termos do art. 1776º nº1, o conservador deve homologar na conferência os acordos
destinados a valer na pendência do processo, podendo alterá-los, ouvidos os cônjuges,
se o interesse dos filhos o exigir; e apreciar os acordos que valerão depois de decretado
o divórcio, convidando os cônjuges a alterá-los se os acordos não acautelarem
suficientemente os interesses de algum deles ou dos filhos.
o Vejamos agora a hipótese de os cônjuges terem filhos menores e o exercício das
responsabilidades parentais ainda não estar judicialmente regulado, hipótese em que
o art. 14º nº2, do Decreto-lei nº 272/2001 manda acrescentar aos documentos referidos
no art. 272º nº1, CRegCiv o acordo dos cônjuges sobre o exercício das responsabilidades
parentais.

Divorcio judicial:
Já vimos que o divórcio por mútuo consentimento reveste ca- ráter judicial quando, em
processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, estes acordarem em se divorciar
por mútuo consentimento.
Ao divórcio litigioso convertido em divórcio por mútuo consen- timento são aplicáveis
os arts. 1775º a 1778º-A CCiv e os arts. 994º a 999º CProcCiv. Como já foi assinalado, em
qualquer via para o divórcio, os cônjuges devem ser informados sobre a existência de serviços
de mediação familiar (art. 1774º CCiv).

79 —
Mariana Calado

NATUREZA JURÍDICA

É uma questão complexa que supõe um acordo dos cônjuges e a homologação desse acordo
pelo conservador do registo civil ou pelo juiz. A questão da natureza jurídica do divórcio por
mútuo consentimento é a de saber como se articulam esses dois elementos, que lugar ocupa
cada um deles em tal “fattispecie” complexa, como influem um e outro na produção do
respetivo efeito jurídico.

Temos três posições:


o Pode pensar-se que o elemento constitutivo, a verdadeira causa da instauração do
divórcio é o acordo dos cônjuges, relativamente ao qual a homologação é uma simples
condição legal de eficácia (conditio juris).
o Pode pensar-se que o acordo e a homologação representam dois elementos igualmente
necessários e constitutivos relativamente à instauração do estado de divórcio entre os
cônjuges.
o E pode pensar-se que o acordo é um simples pressuposto da homologação, só a esta
devendo reconhecer-se função ou carácter constitutivo.

Destas três orientações, a 1ª corresponderá a uma conceção privatista do divórcio por mútuo
consentimento, a 2ª a uma conceção mista ou intermédia e a 3ª a uma conceção publicista.

ACORDO SOBRE O DIVÓRCIO E ACORDOS COMPLEMENTARES

Entre o acordo sobre o divórcio e estes acordos há assim uma união ou coligação negocial que
se traduz aqui numa certa dependência bilateral.

Antes da Lei nº 61/2008, a dependência bilateral era rigorosa. Por um lado, os acordos previstos
no nº 1 do art. 1775º CCiv caducavam e ficavam sem efeito se os cônjuges ou algum deles não
dessem o seu acordo ao divórcio por mútuo consentimento na conferência a que se refere o
artigo seguinte, ou retirassem esse consentimento antes da data em que o divórcio seria
decretado. Por outro lado, o acordo sobre o divórcio dependia daqueles acordos e da sua
homologação pelo conservador do registo civil ou pelo juiz; se, no termo do processo, os
acordos previstos no nº 1 do art. 1775º CCiv não fossem homologados por não acautelarem
suficientemente os interesses de algum dos cônjuges ou dos filhos, o pedido de divórcio era
indeferido (arts. 1778º e 1778º-A, na redação anterior). Claro, porém, que o acordo sobre o
divórcio ficava apenas dependente da celebração desses acordos e da homologação dos
mesmos, e não do seu cum- primento. Por exemplo, o facto de um dos cônjuges não cumprir o
acordado quanto à prestação de alimentos ou ao exercício do poder paternal não prejudicava o
divórcio que tivesse sido decretado.
Depois da Lei nº 61/2008, a relação de dependência não é tão rigorosa. Na verdade, o acordo
sobre o divórcio não depende daqueles acordos complementares; a falta de algum deles, ou da
sua homologação, apenas determina que a competência seja do tribunal, onde o processo

80 —
Mariana Calado

iniciará os seus termos, ou para onde será remetido, conforme o caso. O acordo fundamental
sobre a dissolução não caduca pela falta de algum, ou de todos os acordos complementares. O
divórcio pode acabar por ser decretado por mútuo consentimento, ainda que os cônjuges tenham
conseguido obter acordos sobre o resto das coisas.

DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES

Este é o chamado divórcio litigioso. “Litigioso” diz-se o divórcio pedido por um dos cônjuges
contra o outro e com fundamento em determinada causa.

≠ do divórcio por mútuo consentimento que por sua vez é pedido pelos dois cônjuges de comum
acordo e sem indicação da causa por que é pedido. Outra diferença é que o divórcio por mútuo
consentimento pode ser judicial ou administrativo, enquanto o divórcio “litigioso” é sempre
judicial.

O divórcio litigioso pode conceber-se como sanção, como remédio ou como simples
constatação da rutura do casamento.

o No sistema do divórcio-sanção o divórcio pressupõe um ato ou procedimento culposo


de algum dos cônjuges e quer ser a sanção contra esse ato ou procedimento.
o Distinto é o sistema do divórcio-remédio, em que o divórcio pressupõe apenas uma
situação de crise do matrimónio, um estado de vida conjugal intolerável, e quer ser o
remédio para um tal estado ou situação
o Na literatura mais recente distingue-se porém entre o sistema do divórcio-remédio e o
do divórcio-constatação da rutura do casamento. Como remédio para uma situação de
crise em que a vida matrimo- nial se tornou intolerável, o divórcio visará sempre libertar
dessa situação um cônjuge inocente, embora não se requeira (como no sistema do
divórcio-sanção) que tal situação de crise seja imputável ao outro cônjuge a título de
culpa. Não se pretende agora castigar um culpado, que até pode não existir, mas
simplesmente proteger um inocente: no sistema do divórcio-remédio é sempre um
cônjuge inocente que pede o divórcio, com fundamento em comportamento culposo ou,
pelo menos, em facto relativo à pessoa do outro cônjuge.

Perante este quadro, pode dizer-se que o direito português, depois de 2008, consagra um sistema
de divórcio-constatação da rutura do casamento, em que a causa do divórcio é a própria rutura
em si, independentemente das razões que a tenham determinado.

No nosso direito, admite-se um princípio geral de dissolução por divórcio com fundamento em
rutura definitiva da vida em comum, que pode ser indiciada pela verificação de qualquer facto,
nos termos do art. 1781º d).

81 —
Mariana Calado

O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é um divórcio com causa, o que quer dizer
que um dos cônjuges só pode pedir o divórcio contra o outro desde que alegue e prove uma
circunstância que seja fundamento para o divórcio.
9 O direito português, depois de 2008, segue este último critério. A “rutura definitiva da
vida em comum” é o fundamento do divórcio, que pode ser revelado através de
“quaisquer factos – o que mostra uma verdadeira cláusula geral onde cabem todos os
factos relevantes”

Causa do divórcio ≠ causa de pedir na ação de divórcio: a causa do divórcio é uma categoria
abstrata enquanto a causa de pedir na ação de divórcio é, como resulta do conceito do art. 581º
nº4, CProcCiv, o facto concreto que se invoca. É, portanto, uma determinada separação de facto,
determinadas ações de violência física ou psicológica, etc. Daqui a consequência de que,
intentada mas julgada improcedente uma ação de divórcio proposta, v. g., com fundamento em
violência do marido, não esteja a mulher impedida de intentar uma segunda ação de divórcio
com fundamento em outros atos de violência que mostrem a rutura definitiva da vida em
comum.

CAUSAS DE DIVÓRCIO

As causas do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges podem classificar-se a partir de


diferentes critérios:

o Causas determinadas ou indeterminadas: a causa é determinada se a lei individualiza e


especifica com precisão o facto que pode fundamentar o pedido de divórcio; sendo
indeterminada se esse facto não está concretamente especificado, mas cabe numa
cláusula geral, a que a lei recorreu para definir as causas do divórcio.
o Causas perentórias ou absolutas e causas facultativas ou relativas: nas primeiras o juiz
apurados os factos que as integram tem de decretar o divórcio sem qualquer apreciação
sobre a gravidade dos factos; no caso das causas facultativas o juiz tem de averiguar
ainda, uma vez apurados os factos se eles turvaram a harmonia conjugal em termos de
passar a ser intolerável para cada um a vida em conjunto.
o Causas subjetivas e causas objetivas: as causas subjetivas são culpas e as objetivas não
são culposas.
o Causas unilaterais ou bilaterais: são uniliterais quando podem ser invocadas por um só
cônjuge e unilaterais quando podem ser invocadas pelos dois cônjuges.

CAUSAS DO DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CONJUGES

o Divórcio fundado em violação culposa dos deveres conjugais


o Divórcio fundado em rutura da vida em comum:

§ Separação de facto: prevista no art. 1781º CC. Como causa do divórcio, a


separação exige em primeiro lugar a separação de facto dos cônjuges,
82 —
Mariana Calado

integrada por dois elementos, um objetivo e outro subjetivo. O elemento


objetivo é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que
passam a ter residências diferentes. Mas o elemento objetivo é muitas vezes
equívoco, pois o dever de coabitação reveste-se de grande plasticidade.

Outras vezes, pelo contrário, respeitos humanos ou o interesse dos filhos levam os
cônjuges a manter uma aparência de vida em comum que não corresponde à realidade. Ao
elemento objetivo, que é a matéria da separação de facto, há de pois acrescer um elemento
subjetivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido. Tal elemento subjetivo consiste
numa disposição interior ou, como diz o art. 1782º, num “propósito”, da parte de ambos os
cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial. Por falta desse
elemento subjetivo, não haverá separação de facto se os cônjuges estão separados em
consequência, por exemplo, de prisão ou ausência de um deles em cumprimento de deveres
militares ou no exercício de outras funções públicas ou de serviço particular por conta de outrem
no país ou no estrangeiro.

Não basta que o propósito de não restabelecer a comunhão de vida exista no momento
em que a ação é proposta (nesse momento, e da parte do cônjuge requerente, tal propósito existe
sempre, como é óbvio); é necessário que ele exista desde a data em que a separação teve início,
e que se mantenha durante um ano consecutivo. Só esse animus dá sentido ao corpus da
separação. Só quando não exista comunhão de vida entre os cônjuges e haja da parte de ambos,
ou de um deles, o propósito de não restabelecer a comunhão de vida, e quando aquela situação
e este propósito se mantenham durante determinado prazo, é que a esperança de reconciliação
se torna remota e o legislador deixa de acreditar nela, permitindo a qualquer dos cônjuges pedir
o divórcio com fundamento nas als. a) do art. 1781º CCiv. Só assim, aliás, se respeita a
exigência, formulada na 2ª parte do nº 1 do art. 1782º de que haja da parte de ambos os cônjuges,
ou de um deles, o propósito de não restabelecer a comunhão de vida

Em segundo lugar, a separação de facto dos cônjuges, integrada pelos referidos dois
elementos, deve durar em princípio há um ano consecutivo.

Por último, deve ter-se em atenção que o ano deve ser consecutivo. Não admite
interrupção. Como é evidente, o decurso do prazo não é interrompido porque os cônjuges se
encontrem, por exemplo, para acertar contas em aberto ou regular questões respeitantes aos
filhos comuns. Já não assim, porém, se decidem fazer nova tentativa de restabelecimento da
vida matrimonial. Se a tentativa não resulta e voltam a separar-se, inutiliza-se o tempo decorrido
e começa a correr novo prazo.

§ Alteração das faculdades mentais: a Reforma de 1977 exigia que a alteração das
faculdades mentais durasse há mais de seis anos (art. 1781º, al. c), na antiga redação),
mas a Lei nº 47/98 reduziu os seis anos para três e a Lei n.o 61/2008 reduziu os três
anos para um ano. A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge que dure há
mais de um ano, quando, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade da vida em
comum, é pois causa de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. Trata-se,
como é evidente, de causa autónoma em face da separação de facto: o divórcio pode

83 —
Mariana Calado

ser pedido com fundamento em alteração das faculdades mentais mesmo que o doente
não tenha sido hospitalizado e não haja, portanto, sequer o corpus de uma separação
de facto entre os cônjuges.

A verdade, porém, é que a alteração das faculdades mentais, quando seja grave, destrói à
partida, ao contrário do que acontece quando se trata de outras doenças, a plena comunhão de
vida que é a essência do casamento (art. 1577º), uma comunhão de vida, não apenas física, mas
também intelectual e afetiva.

O art. 1781º al. c), refere o condicionalismo exigido para que o divórcio possa ser pedido por
um dos cônjuges com fundamento em alteração das faculdades mentais do outro.
1. Em primeiro lugar é necessária uma alteração das faculdades mentais, qualquer
que seja a causa de que essa alteração proceda.
2. Em segundo lugar tal alteração deve ser grave e durar há mais de um ano, o que
naturalmente há de ser provado por peritos.
3. Por último, é preciso que a alteração das faculdades mentais, pela sua gravidade,
“comprometa a possibilidade de vida em comum”.

Não é muito claro o alcance desta expressão: o comprometimento da possibilidade de


vida em comum refere-se ao presente ou ao futuro? Cremos que a lei deve ser entendida num
sentido global, que abrange os dois aspetos. A alteração das faculdades mentais não só há de
ter determinado a destruição da comunhão de vida entre os cônjuges no momento a que a
sentença se reporta, como há de comprometer a possibilidade de restabelecimento dessa
comunhão no futuro. Não exige a lei a prova da incurabilidade da doença, prova que aliás
dificilmente se poderia fazer; mas é mani- festo que a doença que ofereça boas possibilidades
de cura não será suficientemente grave para justificar o pedido de divórcio.

§ Ausência sem notícias: pode assim o cônjuge do ausente, decorridos um ano sobre a
data das últimas notícias, pedir o divórcio com fundamento na própria ausência e
passar a segundas núpcias se o desejar. Se esta causa do divórcio não fosse admitida,
poderia pedir o divórcio com base em separação de facto, provando a existência do
elemento subjetivo correspondente. E se não conseguisse fazer essa prova teria de
aguardar dez anos sobre a data das últimas notícias do ausente, ou cinco se entretanto
este tivesse completado oitenta anos de idade (art. 114º nº1), para, declarada a morte
presumida, poder contrair segundas núpcias nos termos do art. 116º.

§ Qualquer situação que mostre a rutura do casamento: a lei nº 61/2008 adotou a ideia
do divórcio-rutura, ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode
sempre fundar-se na rutura definitiva do matrimónio, e de que esta rutura pode ser
demonstrada através da prova de quaisquer factos (alínea d)).

No âmbito da alínea d), o tribunal ganha uma margem de apre- ciação que as anteriores
alíneas não lhe confere. Assim, o tribunal fica com a liberdade indispensável para reconhecer
84 —
Mariana Calado

quando é que certos factos (não previstos na lei), mostram a rutura definitiva do casamento; e
o juiz não tem um elenco de factos relevantes, nem um prazo mínimo de duração, que o possa
guiar no seu juízo.

Outros factos – menos graves mas reiterados – podem fundamentar a mesma conclusão sobre
a rutura, desde que forneçam uma prova tão clara como a que resulta da separação de facto por
um ano. Mas não terá sentido que o tribunal aplique a nova alínea d) de um modo mais
condescendente do que quando aplica a alínea a). Isto é: o caminho previsto na nova alínea não
deve autorizar uma dissolução mais “facilitada”, baseada numa prova menos consistente da
rutura do casamento ou num juízo sobre uma rutura verosímil, em vez de “definitiva”.

EFEITOS DO DIVÓRCIO

O divórcio dissolve o casamento: extingue a relação matrimonial e faz cessar, para o futuro, os
efeitos da relação, mantendo-se, porém, os efeitos já produzidos.

A sentença que decreta o divórcio só opera ex nunc e não ex tunc.

9 Mas o casamento deixa de produzir efeitos. Doravante, os ex-cônjuges são em princípio


estranhos um ao outro. Extinguem-se os deveres de fidelidade, coabitação e cooperação.
Também se extingue o dever de respeito, como dever positivo e, ainda, como dever
negativo de não cometer “injúrias indirectas”. Subsiste o dever de respeito como dever
geral que continua a vincular os ex-cônjuges.
9 Como já não há vida familiar extinguem-se as obrigações de contribuir para os seus
encargos, mas pode manter-se a obrigação de prestar alimentos ou outro que parta do
dever de assistência.
9 Quanto ao nome, já vimos que o cônjuge que tenha adotado apelidos do outro perde em
princípio o direito de os usar, mas pode conservá-los se o ex-cônjuge o consentir ou o
conservador do registo civil ou o tribunal o autorizar, tendo em atenção os motivos
invocados.
9 Quem se divorcia pode casar novamente. Uma aplicação do princípio de que o vínculo
matrimonial se dis- solve é que os divorciados podem casar de novo, uma vez decorrido
o prazo internupcial, pois cessa com o divórcio o impedimento do art. 1601º, al. c),
sendo esta a diferença prática mais relevante entre o divórcio e a separação de pessoas
e bens. Os divorciados podem casar de novo com qualquer pessoa, nos termos gerais,
como podem casar de novo um com o outro. Nem estão obrigados, neste caso, a adotar
o mesmo regime de bens do seu casamento anterior, pois se trata de outro casamento.

85 —
Mariana Calado

CONVENÇÕES ANTENUPCIAIS

REGIME DE BENS DO CASAMENTO

Chama-se regime de bens do casamento o conjunto de regras cuja aplicação define a


propriedade sobre os bens do casal, isto é, a sua repartição entre património comum, o
património de um cônjuge e o património do outro cônjuge.
A este conjunto de regras somam-se muitos outros, como as que versam sobre a administração
dos bens, sobre a responsabilidade por dívidas e pelos encargos da vida familiar, todas elas de
natureza imperativa, nos termos do artigo 1699º nº1 do CC, sendo que se tratam do regime
primário matrimonial ou, também, dos limites materiais das convenções antenupciais. Por
outro lado, o regime de bens é, quase sempre, da escolha dos cônjuges.

Existem, porém, casos de regime de bens imperativo, nos termos do artigo 1720º nº1 do CC.
São dois: os casamentos celebrados sem precedência de processo preliminar e os celebrados
por quem tenha 60, ou mais, anos de idade. Só aqui existe imperatividade absoluta. Este
último caso está desadequado com o aumento da esperança média de vida e por ser uma
proibição altamente paternalista, havendo dúvidas quanto à constitucionalidade da mesma em
face dos artigos 13º e 26º da CRP, por não ser proporcional (artigo 18º nº3 da CRP) o tratamento
desigual dos nubentes em função da idade, nem a restrição desmedida ao livre desenvolvimento
da personalidade. O primeiro caso parte de uma suspeição do legislador de que o casamento
tenha um pesado interesse económico para um dos nubentes, que também se crê ser o motivo
que levou à consagração da segunda limitação.

Nos termos do artigo 1698º do CC, existe um princípio da liberdade de regime de bens.
Temos 3 regimes dispostos no CC: o regime da separação de bens, o regime da comunhão de
adquiridos e o regime da comunhão geral de bens. A lei permite que existam regimes atípicos,
desde que respeitados todas as normas imperativas. Parece contraditório pois podemos ter
regimes atípicos que são bastante distintos dos tipificados e que acabam por tentar
compatibilizar de normas dos diferentes regimes. No entanto, neste âmbito, temos
maioritariamente normas imperativas, logo, materialmente, a liberdade é bastante reduzida.

Importa ter presente que, por força do artigo 1717º do CC, vigora, entre nós, supletivamente,
o regime da comunhão de adquiridos. Ou seja, na falta de convenção antenupcial, ou no
silêncio desta, e caso não exita um regime imperativo de bens, o regime de bens casamento é o
da comunhão de adquiridos.

O regime supletivo de bens até 31 de maior de 1967 era o regime da comunhão geral de bens.
Posteriormente a essa data os casamentos são celebrados segundo o regime de comunhão de
adquiridos nos termos do art. 1717º CC.

Regime de comunhão de adquiridos: é considerado comum tudo aquilo que pode ser
considerado representativo do esforço comum do casal, ou seja, tudo o que é adquirido
86 —
Mariana Calado

onerosamente na constância do casamento deve ser qualificado, provia de regra, um bem


comum.
Neste regime há bens comuns e bens próprios de cada um dos cônjuges.

≠ com a comunhão geral de bens: enquanto neste regime, em princípio, são comuns todos os
bens dos cônjuges, presentes e futuros, no regime da comunhão de adquiridos nem os bens
levados para o casal nem os adquiridos a título gratuito se comunicam. Só se comunicam os
bens adquiridos depois do casamento a título oneroso. É esta a ideia geral que define o regime
e que corresponde, basicamente, à ideia de só tornar comum aquilo que exprime a cola- boração
de ambos os cônjuges no esforço patrimonial do casamento

Nos termos do art. 1724º são considerados bens comuns dos cônjuges:
o Os proventos decorrentes da atividade profissional – mas a administração cabe a quem
recebe os rendimentos profissionais nos termos do art. 1678º nº2 al. a);
o Os bens adquiridos na constância do casamento que não sejam excetuados por lei são
bens comuns – art. 1724º al. a) e b).

Nos termos do art. 1725º, no que toca aos bens móveis, presume-se a comunicabilidade, ou
seja, na dúvida os bens são considerados comuns (mesmo que os bens sejam unicamente
administrados pelo cônjuge que os usa, continuam a ser bens comuns do casal) – art. 1678º nº2
al. e).

Existe um leque de bens que ainda neste regime de comunhão de adquiridos são tidos como
bens próprios – art. 1722º:
o Os bens que os cônjuges têm no momento da celebração do casamento
o Os bens que são adquiridos depois por doação ou sucessão
o Os bens adquiridos por virtude de direito próprio anterior – ver o nº2 da norma
9 Al. a): sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois do casamento (ex: heranças que
só são abertas depois do casamento)
9 Al. b): bens comprados antes do casamento fundado em posse (ex: aquisição de um
direito por usucapião que retroage à data do início da posse)
9 Al. c): bens adquiridos depois do casamento com reserva de propriedade (ex: para
celebrar a licenciatura X vai comprar um Tesla dando uma entrada de 5 mil euros para
o carro. Casa, entretanto, e continua a pagar o crédito. Com que dinheiro? Com o salário
que recebe que é um bem comum. Porém, a titularidade do automóvel pertence a X)
9 Al. d): os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação
já existente à data do casamento

O regime da comunhão de adquiridos vigora, como regime suple- tivo, na falta de convenção
antenupcial ou “no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção” (art. 1717º),
relativamente aos casamentos celebrados depois de 31 de maio de 1967; e, como regime
convencional, quando tenha sido estipulado em convenção antenup- cial. Claro, porém, que

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Mariana Calado

essa estipulação será rara, só se verificando na prática quando os nubentes pretendam adotar
regime misto, que tome por base a comunhão de adquiridos mas com determinadas alterações.

Convenção antenupcial: é um contrato formal e acessório do casamento, que exige


escritura pública, feita ou no notário ou diretamente no registo civil quando se acompanha um
processo preliminar de casamento. A convenção antenupcial tem também de ser registada. Se
a convenção antenupcial não for celebrada sob forma de escritura pública não tem qualquer
validade.
Vigoram, nesta sede, dois princípios dominantes: o princípio da liberdade e o princípio da
imutabilidade.

o Quanto ao princípio da liberdade: os esposos podem fixar por convenção antenupcial


o regime de bens aplicável ao casamento, bem como odem incluir disposições estranhas
à escolha do regime de bens, como aquelas que estão previstas nos artigos 1700º e ss do
CC. Em suma, pode dizer-se que esta liberdade lhes permite incluir quaisquer negócios
que possam constar de escritura pública, tanto de natureza patrimonial, como de
natureza não patrimonial.

Qualquer cláusula fica sujeita a uma apreciação de validade, nomeadamente quanto à


sua conformidade com normas imperativas, com a ordem pública ou com os bons
costumes – art. 36º nº1 e 1765º nº1.

No que toca à inserção de cláusulas que versem sobre a gestão da vida comum, bastante
frequentes nos EUA, importa esclarecer que em Portugal a sua validade depende de se
apor, expressa ou tacitamente, uma cláusula rebus sic satntibus bastante aberta (que
inclua a mera mudança de vontade), o que acaba por conduzir a que este acordo se
renove diariamente, sob pena de violação do princípio da direção conjunta da vida
familiar.

Limites da convenção antenupcial ou regime primário matrimonial: art. 1698º e 1699º CC.

o Quanto ao princípio da imutabilidade: o art. 1714º nº1 estipula que não é permitido
alterar depois do casamento, nem as convenções antenupciais, nem os regimes de bens
nelas estipulados. Exceções – art. 1715º e 1º al. e), 189º a 191º CRC.

Requisitos da convenção:
1. Consentimento de ambos os cônjuges
2. Capacidade dos cônjuges – avaliada da mesma forma que é avaliada para a celebração
do casamento – art. 1708º nº1

Forma e publicidade das convenções antenupciais: art. 1710º e 1711º.

88 —
Mariana Calado

REGIME DA COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS

- primeiro ver acima o que já foi dito.

Este regime pode advir da falta de escolha de convenção antenupcial de um outro regime
(supletividade do artigo 1717º do CC) ou da própria escolha desse regime. Ou seja, não é por
ser um regime supletivo, que não pode ser convencionado através de convenção antenupcial
para o efeito. Nos termos do artigo 1720º do CC, já sabemos que são dois os casos em que este
regime não pode vigorar, por imperatividade absoluta do regime da separação de bens.

Bens próprios: art. 1722º, 1723º, 1726º a 1729º.

Mais, a enumeração do artigo 1722º nº2 do CC é enumerativa.

Art. 1722º al. d) relativamente ao direito de preferência:

o Há a dizer que os professores GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO


restringem o artigo 1722º nº2, al. d) do CC, afirmando que só se aplica quando estão em
causa direitos de preferência ou contratos promessa com eficácia real.
o A jurisprudência maioritária tem entendido apenas se insere na al. d) direitos de
preferência com carácter legal. Porém o exercício deste direito de preferência tem de
estar/ou tem de ter dado origem ao negócio aquisitivo (considerando-se que houve uma
notificação para preferência).
o Contrariamente, temos RAQUEL VIEIRA, LEITE DE CAMPOS e CASTRO
MENDES que nos dizem que independentemente de haver ou não exercício do direito
de preferência, existindo um direito de preferência independentemente da sua natureza
este está associado diretamente à posição de um dos cônjuges em concreto, é uma
posição que existe num momento anterior ao casamento. Por isso se o cônjuge celebra
um contrato de compra e venda adquirindo o direito de propriedade, não podemos dizer
que esse contrato de compra e venda não teve em consideração o direito de preferência
que o cônjuge tinha, .
o Ainda a este propósito, nomeadamente quanto ao artigo 1091º do CC, o STJ
pronunciou-se afirmando que temos que distinguir os casos em que há ativação da
preferência dos casos em que não há ativação da preferência. Ora, basicamente não
se deve exigir o exercício concreto do direito de preferência, bastando o facto de existir
a faculdade legal de acionar esse direito.

NO CASO PRÁTICO: ver se há direito de preferência – art. 1091º nº1 + qualificá-lo (legal ou
convencional) + doutrina e jurisprudência.

89 —
Mariana Calado

Bens sub-rogados no lugar de bens próprios – art. 1723º

Os bens adquiridos tomam o lugar dos anteriores, fazendo as vezes deles, por aplicação do
princípio da sub-rogação real.

A questão era muito discutida antes do Código de 1966, tanto na doutrina como na
jurisprudência, que davam ao caso duas soluções. Segundo uma delas, mais favorável à sub-
rogação real, a prova da referida conexão poderia fazer-se por qualquer meio, e mesmo na
ocasião da partilha; e, feita essa prova, os bens adquiridos com dinheiro próprio ou o produto
da venda de bens próprios deveriam considerar-se próprios.

Segundo outra orientação, a conexão em causa deveria resultar expressamente do título de


aquisição, de modo que, v. g., os bens comprados com o produto da venda de bens próprios só
poderiam considerar-se próprios se na escritura de compra fosse declarado, por ambos os
cônjuges, que o preço da compra proviera da venda de bens próprios. Se esta declaração não se
fizesse, os bens adquiridos seriam comuns. Nem por isso, todavia, a comunhão se enriqueceria
em detrimento do cônjuge titular dos bens ou direitos próprios, pois a este pertenceria um direito
de compensação — salvo se da alienação dos bens próprios não proviesse beneficio para o casal
ou derivasse uma aplicação improdutiva.

Foi esta segunda solução que o art. 1723º al. c), consagrou: a sub-rogação real admite-se
expressamente nos casos de troca direta (al. a)) e de alienação de bens próprios quanto ao
respetivo preço (al. b)); no que se refere aos bens adquiridos ou às benfeitorias feitas com
dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges exige-se que a proveniência do dinheiro ou
valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição ou em documento
equivalente (p. ex. um título de empreitada), com assinatura de ambos os cônjuges (al. c)). Se
não for devidamente mencionada a proveniência do dinheiro ou dos valores com que foram
adquiridos os bens ou efetuadas as benfeitorias, estes bens ou benfeitorias serão comuns.

Deve considerar-se o caso de o outro cônjuge colaborar com dinheiro próprio, para a aquisição.
Se a colaboração foi a título de empréstimo ou de doação, terá o regime destes atos e não influi
na qualificação do bem adquirido, que entrará no património do adquirente; se o outro cônjuge
mobilizou valores próprios, adquiriu para si e também cumpriu os requisitos da sub-rogação,
acabaremos por ver constituída uma compropriedade de ambos os cônjuges sobre o bem
adquirido

A declaração sobre a proveniência do dinheiro tem de ser feita “com intervenção de ambos os
cônjuges”. Esta exigência de participação de ambos torna mais pacífica a declaração do que se
ela fosse feita apenas pelo cônjuge adquirente, embora se pudesse sempre ressalvar a
possibilidade de o outro cônjuge, ou os credores comuns, contestarem a declaração.

Mas, por outro lado, a exigência de declaração conjunta suscita a eventualidade de o cônjuge
do adquirente se recusar a intervir, por impossibilidade, capricho ou má fé. Nesses casos, se o

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Mariana Calado

adquirente persistir na aquisição, não cumpre o requisito legal e o bem entrará para o património
comum. A maneira mais simples de fazer a justiça possível nas relações internas do casal, sem
prejudicar os interesses de terceiros, seria a de reconhecer ao adquirente um crédito de
compensação.

Exemplo art. 1723º al. c): João, que já tem um automóvel próprio antes de casar. João casa no
regime da comunhão de bens e, depois do casamento, decide trocar esse automóvel, por um
outro automóvel. Este novo automóvel, já integrou a sua esfera depois deste estar casado. Se
não se conseguisse fazer prova de que João teria dado o seu anterior automóvel, em troca do
novo, não haveria dúvidas de que o novo automóvel seria um bem comum. Mas a verdade, é
que ele já tinha um bem próprio que utilizou para fazer esta sub-rogação, logo o novo automóvel
também é um bem próprio. Quando estamos a falar de bens móveis, não há muitas dúvidas,
relativamente a esta questão. Quando, todavia, estão em causa bens imóveis, a jurisprudência é
divergente.
Por exemplo, João tem um T1 antes de casar. Entretanto casa, e decide comprar um T2. Permuta
o seu T1, pelo novo T2 e dá a diferença em dinheiro próprio. Se nada tiver ficado estipulado na
escritura pública, na qual teria que incluir o outro cônjuge, a verdade é que, nos termos da lei,
o T2 seria um bem comum.

Todavia, já temos jurisprudência a entender que se não estiver em causa nenhuma tutela de um
interesse de terceiro, e se as relações em causa foram apenas entre os cônjuges, nomeadamente
uma partilha na sequência de um divórcio, qualquer forma de prova da conexão entre a
proveniência do dinheiro ou dos valores próprios e o bem adquirido é admissível.

§ AUJ n.º12/2015 estatui que: estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que
não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do artigo
1723º, al. c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios
utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo
da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo,
prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens
próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão
conjugal. Esta era a tese que JORGE DUARTE PINHEIRO, GUILHERME DE
OLIVEIRA e PEREIRA COELHO defendiam, mesmo antes do AUJ (doutrina
minoritária).

Quando há necessidade de tutela de interesses de terceiros, têm que se preencher os dois


requisitos do artigo para que o bem possa ser considerado próprio: (1) dinheiros ou valores
próprios de um dos cônjuges; e (2) a proveniência desse dinheiro seja mencionada no
documento de aquisição, ou equivalente, com a intervenção de ambos os cônjuges..

Para RITA LOBO XAVIER, a natureza de bem comum resulta da inobservância dos requisitos
legais e da aplicação de uma norma imperativa; é, por isso, uma qualificação imutável. Assim,
neste casos a professora considera que quanto aos terceiros estes ficam com uma maior garantia

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Mariana Calado

patrimonial. Quanto aos cônjuges estes ficam com os seus patrimónios estabilizados, não
havendo assim qualquer instabilidade.

Algumas opiniões que se têm manifestado sublinham os riscos e inconveniências de os bens


poderem ser qualificados de uma maneira e voltarem a ser qualificados de outra, e sublinham
os riscos da falta de “veracidade” da prova.
Vale a pena sublinhar que normalmente o problema da sub-rogação se apresentou no âmbito da
partilha do património comum, depois do divórcio, ou seja, quando estavam a terminar as
relações patrimoniais.
Num sentido hostil à “incerteza” que resultaria de um bem poder ser con- siderado ora como
comum ora como próprio, consoante o terceiro interessado estivesse na causa ou não,
pronunciaram-se: o voto de vencido no ac. do S.T.J. de 14.12.1995, e os acs. de 15.10.1998 e
de 25.5.2000. Mas essa incerteza não resulta da solução defendida neste Curso. De facto,
segundo esta solução, o bem é comum, em princípio, na falta de menção expressa da
proveniência do dinheiro, como resulta do art. 1723.º al. c), mesmo que o terceiro interessado
não esteja na causa a defender o seu direito; na verdade, basta que se traga ao conhecimento do
tribunal que o interesse do terceiro existe para que o cônjuge que pretende provar a sub-rogação
por qualquer meio não tenha sucesso — e o outro cônjuge, que pretende fazer valer a qualidade
de bem comum não deixará de trazer a juízo esse conhecimento.

(doutrina maioritária) CRISTINA DIAS, DIOGO LEITE CAMPOS, PIRES DE LIMA e


ANTUNES VARELA afirmam que só a menção expressa da proveniência do dinheiro “garante
capazmente a veracidade da declaração”. O não cumprimento dos requisitos cumulativos gera
uma presunção que não pode ser ilidida relativamente ao ingresso deste bem no património
comum.

Porém, julgamos que o problema em causa não é o de saber qual é o meio de prova mais seguro
para a descoberta da verdade — a prova livre ou a prova por menção expressa no documento
de aquisição com intervenção de ambos os cônjuges; o único problema é o de saber qual dos
meios garante a publicidade de que os terceiros precisam, acerca da origem do dinheiro
empregado na aquisição onerosa.

A presunção de comunicabilidade do art. 1725º diz apenas respeito a bens móveis. Se não
houver uma regra específica e foi adquirido na constância do casamento, considera-se um bem
comum.

Art. 1726º: se o bem adquirido tiver sido adquirido com uma parte de dinheiro ou de bens
próprios de um dos cônjuges, se essa parte representar o valor superior do bem, então será um
bem próprio. Se representar um valor inferior, então será um bem comum. Se for 50/50 trata-
se de um bem comum se não houver regra especial.
Nos termos do artigo 1726º nº2 do CC, haverá sempre lugar à compensação devida em sede de
partilha.

92 —
Mariana Calado

O artigo 1728º do CC diz respeito aos bens adquiridos por virtude da titularidade dos bens
próprios. Importa ter presente que os frutos dos mesmos são considerados bens próprios, na
medida em que se podem considerar, eles próprios, como rendimentos, para aplicação do artigo
1724º al. a) do CC. Não nos esqueçamos que os juros não são frutos civis, pelo que, se
provenientes de depósitos ou investimentos próprios, são acessórios a esse bem, considerando-
se, também bens próprios.

1728º al. d) “outros valores mobiliários” – por excelência refere-se às participações sociais.

Art. 1727º: diz respeito à aquisição de bens indivisos já pertencentes em parte a um dos
cônjuges. Ora, isto é para evitar a confusão entre os patrimónios. Estamos a falar de uma
situação em que um cônjuge é já comproprietário e, portanto, se se tratar de um diviso, o
património do comproprietário vai ficar beneficiado, não obstante haver um direito de
compropriedade.

Art. 1729º: 1722º nº1 al. a) e b) remissão para o art. 1729º.

1729º nº2: Quanto temos uma sucessão mortis causa e temos um descendente legitimário
teríamos de convocar o art. 1729º nº2 que nos diz que não podem integrar a comunhão os bens
que visam preencher a legitima. Tínhamos de ver se a moradia foi disposta a título da quota
disponível do de cuiús ou se visou preencher o quinhão hereditário do herdeiro legitimário.
Assim, poderíamos concluir que tínhamos a violação do princípio da indisponibilidade da
legitima – neste caso o bem seria próprio.

Art. 1733º: reporta-se aos bens incomunicáveis, aqui aplicável por força de um argumento
de maioria de razão e pelo artigo 1699º nº1 al. d).

Art. 1757º: estabelece a incomunicabilidade dos bens doados por um esposado ao outro, salvo
estipulação em contrário, independentemente do regime de bens adotado.

EM CASO PRÁTICO QUANDO TEMOS POR EXEMPLO UMA COMPRA REALIZADA


COM BENS PRÓPRIOS E BENS COMUNS:
(1) determinar o regime de bens
(2) especificar se o bem é próprio ou comum
(3) se porventura, tivermos duas parcelas distintas – por exemplo, x% do preço pago com
bens próprios e y% com bens comuns temos de convocar o art. 1723º al. c) para saber se a
proveniência dos valores próprios foi atestada em documento aquisitivo e teve intervenção de
ambos os cônjuges + doutrina e jurisprudência
(4) se tivermos diferentes prestações convocar o 1726º que nos diz que o bem será próprio ou
comum consoante a mais elevada das prestações.

93 —
Mariana Calado

REGIME DE COMUNHÃO GERAL

Presente nos art. 1732º a 1734º do CC.

Nos termos dos artigos 1699º nº2 e 1720º do CC, são três os casos em que está, às partes, vedada
a estipulação do regime da comunhão geral de bens.

Nos termos do artigo 1734º do CC, são aplicáveis a este regime as disposições relativas à
comunhão de adquiridos.

1734º - vem alargar o âmbito de aplicação da comunhão geral – remete para o art. 1723º al. c)
Quando haja dúvidas aplica-se também o art. 1725º
Os bens adquiridos com parte de bens próprios e comuns aplica-se também o art. 1726º
Aplica-se também o art. 1727º e 1728º.
Aplica-se também a regra da metade da partilha do casal nos termos do art. 1730º
Aplica-se também o art. 1731º que nos diz que na partilha cada um dos cônjuges tem direito de
encabeçar os bens que apesar de comuns eram por si utilizados como instrumentos de trabalho.

Nos termos do artigo 1732º do CC, integram o património comum dos cônjuges todos os bens
que não excetuados por lei que os cônjuges detenham à data da celebração do casamento, bem
os que lhes advenham posteriormente ao mesmo, a qualquer título.

No regime da comunhão geral de bens, pode haver bens próprios? Sim, os bens que estão
previstos no artigo 1733º do CC, são incomunicáveis em qualquer regime. Os bens próprios,
neste regime, são residuais.
No regime da comunhão de adquiridos, pode haver inúmeros bens próprios. O 1733º é uma
norma que embora prevista para a comunhão geral tem também aplicação no regime da
comunhão de adquiridos.
Porquê?
1. Primeiro um dos limites à liberdade de convenção esta previsto no art. 1699º nº1 al. d)
que nos diz que não é possível estipular na convenção antinupcial os bens enumerados
no art. 1733º.
2. Em segundo lugar, por maioria da razão, se este núcleo de bens tem a natureza de bens
próprios, no regime da comunhão de adquiridos que é um regime menos comunitário
do que o da comunhão geral também devem ser considerados bens próprios.

O artigo 1699º do CCC, consagra na sua alínea d), que não podem ser objeto de convenção
antenupcial, os bens enumerados no artigo 1733º do CC, demonstrando assim a imperatividade
desta regra.

94 —
Mariana Calado

REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS

Encontra-se previsto nos artigos 1735º e 1736º do CC. Aqui há uma separação absoluta e
completa, entre os bens de cada cônjuge, sendo que cada um conserva o domínio e a fruição
de todos os seus bens presentes e futuros, de que pode dispor livremente, exceto em casos
esdrúxulos, como a tutela da CMF, artigo 1682º -A, nº2 do CC. Há, ainda, uma liberdade quase
absoluta de administração dos bens próprios, exceto nos casos dos artigos 1678º nº2, 1682º nº3
e 1682º -A, nº 2 do CC.

Este regime é imposto por lei quando, nos termos do artigo 1720º do CC: (1) um dos cônjuges
tenha mais de 60 anos; ou (2) não tenha sido respeitado o processo preliminar de casamento.

Nos termos do artigo 1736º do CC, para evitar compropriedade, no âmbito de convenção
antenupcial, pode haver regras de presunção sobre os bens móveis. Porque é uma presunção,
mesmo que seja oponível a terceiros, é possível fazer prova do contrário. O nº 2 tem uma
presunção de compropriedade de ambos os cônjuges, relativamente aos bens móveis.

Remetemos para o artigo 1412º do CC, já que os bens que não são próprios, neste regime são
bens detidos em compropriedade, que determina que, em regime de com- propriedade, cada
um dos comproprietários pode requerer a divisão da coisa comum, a qualquer momento,
seguindo o processo especial de divisão de coisa comum, artigos 925º e ss do CPC.

UNIÃO DE FACTO

Segundo um entendimento tradicional, só são relações familiares as que derivam de alguma das
quatro “fontes” mencionadas no art. 1576º CC. Já vimos, porém, que há entendimentos
diversos, que incluem outras relações no âmbito da “família”. A união de facto é a relação cuja
qualificação como relação familiar tem sido mais controvertida; embora seja razoável pensar
que, se não for considerada ainda como tal, parece estar a caminho de consolidar essa natureza.

A lei que regula, atualmente, a união de facto é a lei 7/2001 de 11 maio.

• A Lei nº 135/99, de 28 de agosto, não definia a união de facto, e a Lei no 7/2001, de 11


de maio, continua a não a definir, mas é fácil caracterizar a situação assim designada. A
legislação anterior referia-se-lhe como “vida em comum em condições análogas às dos
cônjuges”. As pessoas vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, como se fossem
casadas, apenas com a diferença de que não o são, pois não estão ligadas pelo vínculo
formal do casamento.
• Até à lei 7/2007, a união de facto cobria apenas as relações entre pessoas de sexo
diferente, que viviam como marido e mulher; com esta lei, passou a prever-se a união
de facto entre pessoas do mesmo sexo, com o mesmo regime da anterior.
• Os sujeitos da união de facto designam-se “membros da união de facto” (já não se
emprega o termo “concubinos”).
• Às vezes trata-se de convivência pré-matrimonial, assumida como situação transitória.
As pessoas querem casar, mas há um impedimento temporário ao casamento e,
95 —
Mariana Calado

entretanto, decidem “juntar-se”, pensando casar logo que cesse o impedimento. Pode
tratar-se de impedimento de facto ou de impedimento legal. Outras vezes, pelo
contrário, a situação é aceite como definitiva. Os membros da união de facto,
deliberadamente, não querem casar.

No que toca à CRP mencionar a união de facto, esta não o fazia. Alguma doutrina entende
que a união de facto se encontra presente no art. 36º nº1 1a parte. Segundo esta doutrina esta
está contemplada na expressão “direito de constituir família” de onde decorre uma abertura
constitucional para conferir este direito.

Encontra-se ainda abrangida pelo direito ao livre desenvolvimento da personalidade


presente no art. 26n º1 da CRP. Estabelecer uma união de facto é certamente uma manifestação
ou forma de exercício desse direito. A legislação que proibisse a união de facto, que a
penalizasse, impondo sanções aos membros da relação e coartando de modo intolerável o
direito de as pessoas viverem em união de facto, seria pois inconstitucional.

• O princípio de proteção da união de facto decorrente do “direito ao desenvolvimento da


personalidade” a todos reconhecido no art.26 nº1, da Constituição não exige, todavia,
que o legislador dê à união de facto efeitos idênticos aos que dá ao casamento,
equiparando as duas situações.

Em conclusão, cremos que a Constituição da República não permite penalizar a união de


facto nem equipará-la ao casamento: entre estas duas balizas vale o princípio democrático, que
permite ao legislador ordinário conformar livremente o regime da união de facto, de acordo
com a opção mais “progressista” ou “conservadora” da política familiar adotada (ora, não há
violação do art. 13º pois são duas situações diferentes).

• A união de facto é uma relação de família?

Há quem considere que sim e há quem considere que não. Quem considera que não justifica
que a união de facto não é tida como relação familiar uma vez que as únicas que o são, são
aquelas elencadas no art. 1576º do CC. Mas a questão da qualificação da união de facto como
relação de família não deve ser enfatizada. Ao lado da noção restrita e técnica de família, que
apenas compreenderia o cônjuge e os parentes, afins, adotantes e adotados, o direito português
regista ainda noções mais amplas e menos técnicas de família, válidas em certos domínios ou
para determinados efeitos.

Quem considera que a união de facto é uma relação familiar olha ao art. 9º da CDFUE que usa
a expressão “direito de constituir família” com um sentido virado a abranger novas formas de
constituir família.

As legislações, ao longo das últimas décadas, tem vindo a atribuir à união de facto cada vez
mais efeitos, sobretudo no direito da segurança social, mas é uma ques-ão controversa, ainda
hoje, a de saber se a união de facto deve ser institucionalizada num diploma legal que regule
os seus requisitos e efeitos. Em Portugal, a união de facto, foi de certo modo institucionalizada,
pela lei nº7/2001 de 11 de maio que substitui e adota medidas de proteção da união de facto.

Constituição da União de Facto

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Mariana Calado

A união de facto constitui-se quando os sujeitos da relação “se juntam”, ou seja, passam a
viver em comunhão de leito, mesa e habitação. A questão de saber como se prova a união de
facto e a data em que ela começou reveste-se assim de grande interesse – de modo a sabermos
a partir de que momento começamos a contar os dois anos que devem decorrer para que a
união de facto produza efeitos segundo o art. 3º da lei mencionada – quer a união de facto seja
invocada pelos sujeitos da relação (ou por um deles contra o outro), quer seja invocada contra
eles. A união de facto pode ser provada de forma testemunhal ou documental. A prova pode
ser ilidida.

EFEITOS PESSOAIS E PATRIMONIAIS DA UNIÃO DE FACTO

Os efeitos encontram-se presentes no art. 3º da lei nº7/2001, sendo que esta enumeração não é
taxativa como dispõe o no2 do artigo mencionado. Todavia, a união de facto só tem os efeitos
que lhe são atribuídos por lei. Os efeitos da união de facto só se produzem quando estão
preenchidos os seguintes requisitos:

Tem de durar há mais de dois anos–art.1º da lei nº 7/2001 – Não pode existir impedimento
dirimente ao casamento dos membros da união de facto–art. 2º da lei nº 7/2001
9 O legislador permite que os efeitos da união de facto se produzam se estivermos perante um
impedimento impediente.

• Efeitos pessoais da união de facto:

9 Não estão vinculados por nenhum dos deveres pessoais dos art.1671º;
9 O art.1672º nº2 impõe aos cônjuges não acrescentaremos apelidos do outro;
9 Podem adotar os termos previstos para os cônjuges presentes no art. 1979º, ou seja, se
a relação durar há mais de 4 anos e ambos tiverem mais de 25 anos de idade, podem
fazê-lo o O estrangeiro que viva em união de facto com nacional português há mais de
três anos pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração de vontade,
desde que tenha obtido o reconhecimento judicial da situação
9 Quanto aos filhos, há anotar que a paternidade se presume quando tenha havido
comunhão duradoura de vida entre a mãe e o pretenso pai no período legal da concepção
– art. 1871º nº1 a. c) CC.

• Efeitos patrimoniais da união de facto:


o Não há regime de bens como se verifica no caso do casamento. Os membros da
união de facto em princípio são estranhos um ao outro, ficando as suas relações
patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.
o O princípio da vida em economia com um aplica-se à união de facto. Uma vez
que esta pode prolongar-se por muitos anos, durante os quais as pessoas
adquirem bens, contraem dívidas, movimentam contas bancárias em nome de
um deles ou de ambos, tudo com interferências nos respetivos património. E,
desde logo, põe-se a questão de saber se os membros da união de facto poderão
regular eles próprios, em instrumento notarial, os aspetos patrimoniais da
relação que estabeleceram ou vão estabelecer. De um modo geral, crê-se que não
há razões para considerar estes contratos nulos. O que é necessário é que este
não exceda os limites da autonomia privada, violando disposições imperativas
da lei.

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o É nula a doação feita a pessoa com quem o doador casado cometeu adultério.
Visando proteger o cônjuge do doador e sancionar a violação dos deveres
matrimoniais, em particular dos deveres de fidelidade e respeito (art. 1672º),
parece claro que, para que a doação seja nula, é necessário que o adultério seja
anterior.
o Os membros da união de facto vivem em comunhão de leito, mesa e habitação,
como se fossem casados, o que cria uma aparência de vida matrimonial, que
pode suscitar a confiança de terceiros que contratem com os membros da relação
ou com um deles. Estende-se assim à união de facto o art. 1691º al. b) do CC.
o Segundo o art. 2019ºCC a união de facto também faz cessar a obrigação de
alimentos que poderia decorrer de um casamento anterior. Porém, também é
razoável dizer-se que, apesar de a união de facto não criar uma obrigação
recíproca de alimentos, faz parte da própria definição da união de facto a partilha
de recursos para a vida em comum; e que não parece razoável que se mantenha
uma prestação derivada de uma situação familiar prévia, que foi substituída por
uma nova situação familiar, ainda que não fundada no casamento.

EXTINÇÃO DA UNIÃO DE FACTO

• A união de facto pode extinguir-se, quer pela rutura da relação, rutura por mútuo
consentimento ou por iniciativa de um dos seus membros, quer em consequência da
morte de algum deles.

Extinta a relação, há que proceder à liquidação e partilha do património do casal, que pode
suscitar dificuldades, sobretudo, quando a vida em comum durou muito tempo. Aplicam-se as
regras que tenham sido acordadas no contrato de coabitação eventualmente celebrado. Se este
não tiver siso celebrado aplica-se o direito comum das relações reais e obrigacionais.

Os membros da união de facto não assumem qual- quer compromisso; cada um pode romper a
relação quando quiser, livremente e sem formalidades, sem que o outro possa pedir uma
indemnização pela rutura. Relativamente ao destino da casa de morada de família há que
distinguir conforme se trata de casa própria (comum ou própria de um dos membros da relação)
ou de casa tomada de arrendamento.

• Tratando-se de casa própria, o art. 4o da Lei no 7/2001 manda aplicar ao caso o art.
1793º CCiv. Assim, se a casa de morada da família pertencer em compropriedade a
ambos os membros da união de facto, qualquer deles pode pedir ao tribunal que lhe dê
de arrendamento a casa, verificadas as condições e nos termos prescritos naquele artigo;
do mesmo modo, se a casa for propriedade de um dos membros da relação pode o outro
fazer pedido idêntico.
• Se os membros da união de facto viviam em casa tomada de arrendamento, o mesmo
art. 4º manda aplicar, com as necessárias adaptações, o art. 1105º CC. Assim, podem os
dois acordar em que o arrendamento se transmita ao não arrendatário ou, se o arrenda-
mento tinha sido feito pelos dois, “se concentre a favor de um deles” (art. 1105º nº1,
CCiv). Na falta de acordo decide o tribunal.

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Que direitos assistem ao membro sobrevivo se o outro morrer?

9 Tem direito a exigir alimentos da herança do falecido


9 Tem o direito real de habitação da casa de morada da família pelo prazo de 5anos
9 Tem um direito de arrendamento depois desses 5anos
9 Tem o direito de preferência na venda da casa pelo prazo de 5 anos–art.9º
9 Transmissão do direito ao arrendamento para habitação por morte doa rrendatário à
pessoa que vivia com ele em união de facto

No caso da morte provir de lesão, o sobrevivo pode exigir ao autor da lesão uma
indemnização pelos prejuízos sofridos?

Tratando-se de danos patrimoniais, a pretensão pode fundar-se no nº3 do art. 495º CC


se o falecido prestava alimentos ao sobrevivo, e a prestação, embora não judicialmente exigível,
correspondia nas circunstâncias do caso a um dever de justiça e, portanto, ao cumprimento de
uma obrigação natural (art. 402º). Quanto aos danos não-patrimoniais, a questão era complexa.
Em primeiro lugar, podia pensar-se que o art. 496, nº2, CC escusava de prever uma lista fechada
de titulares eventuais de uma indemnização, deixando a porta aberta para uma apreciação dos
pedidos formulados ao abrigo do nº1; mas um regime assim gerava uma grande incerteza e
colocava o lesante no risco de ter de indemnizar um número muito maior de pessoas do que
deveria desde que apresentassem pretensões convincentes. Hoje, considera-se que há
indemnização por ambos os danos.

9 Direito a subsídio por morte e à pensão de sobrevivência

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