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DIREITO
DOCENTES:
Prof.ª Doutora Marta Costa
Mestre Raquel Vieira
DIREITO DA
FAMÍLIA
Sebenta conjunta de Isabel Andrade, João Tomás, Larisa
Tovmasyan, Maria João Lucas e Patrícia Romão
Prof.ª Dra. Marta Costa Universidade Católica Portuguesa 2021/2022
ÍNDICE
ÍNDICE .........................................................................................................................................................3
PARTE I: INTRODUÇÃO
1. Noções fundamentais
1.1. Generalidades
efeitos sucessórios. De modo simplista significa isto que no direito de representação legal
o descendente aparece na posição sucessória do seu ascendente, porque este não aceitou
a herança. Por exemplo: o avô faleceu, sendo que temos o filho, o neto, o bisneto, e por
aí em diante – todas estas pessoas têm direito de representação, ou seja, para haver efeitos
sucessórios face a elas têm de aceitar a herança e não se restringe até ao 6.º grau, na
verdade os efeitos sucessórios podem ir até ao grau infinito, mas esta é uma exceção ao
artigo 1582.º do CC.
O artigo 1582.ºCC refere-se aos limites do parentesco e refere que “salvo dispo-
sição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau na linha
reta e até ao sexto grau na colateral”. O exemplo supramencionado é o único exemplo em
que a lei atribui efeitos depois do sexto grau, porém são vários os exemplos em que a lei
atribui efeitos até um grau mais reduzido: normalmente no plano sucessório os efeitos
verificam-se só até ao quarto grau da linha colateral, artigo 2133.º do CC.
Quanto ao cômputo dos graus de parentesco, este obedece às regras do artigo
1581.º do CC. Numa linha reta, existem quantos graus como as pessoas que formem a
linha de parentesco, excluindo o progenitor (figura da esquerda). Numa linha colateral,
os graus contam-se da mesma forma, subindo por um dos ramos (linha reta), encontrando
o progenitor comum, e descendo por outro (outra linha reta), nunca contando o progenitor
comum (figura da direita).
Entre F e H não há qualquer relação jurídica familiar e não são parentes entre si,
não obstante possíveis relações afetivas que existiam. Semelhante em C e E que não são
parentes visto que não descendem um do outro nem têm um progenitor em comum, ape-
nas terão uma relação de afinidade.
Por fim, quando aos impedimentos matrimoniais, pelo facto de dois indivíduos
serem parentes entre si, então em determinados casos não vão poder contrair casamentos
porque legalmente há um impedimento. No artigo 1602.º do CC encontramos impedi-
mentos dirimentes (contrapõem-se aos impedientes, sendo estes últimos menos gravosos)
relativos, como o caso da al. a), os parentes em linha reta independentemente de qualquer
que seja o grau.
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A sucessão legal é a que decorre da lei pela inexistência de um testamento para colmatar a vontade do
testador. No âmbito da sucessão legal temos 2 tipos de sucessão: a sucessão legítima e legitimária. A su-
cessão legitimária reporta-se aos herdeiros imperativos que não podem ser afastados por vontade do autor
da sucessão, já a sucessão legítima é aquela que opera quando não existir nem sucessão legitimária nem
testamentária.
Por fim, quanto à adoção, esta é uma relação em tudo semelhante à filiação natural
não tendo, no entanto, laços de sangue e que se estabelece entre adotado e adotante/s,
bem como se estende às relações familiares do adotante/s, criando posterior relações de
parentesco e afinidades.
Na verdade, a adoção é uma criação artificial de uma relação jurídico familiar,
constituída por um ato jurídico, e por isso verdadeiras fontes de relações jurídica famili-
ares.
por dar alguma margem de poder estar lado a lado, na adoção de soluções jurídicas para
a realidade.
Pelas mesmas razões, não seria admissível, desde logo por violação deste princí-
pio constitucional, que fosse imposto um exame médico a demonstrar determinadas ca-
racterísticas saudáveis aos nubentes para poderem celebrar casamento.
Até há relativamente pouco tempo atrás, o casamento entre duas pessoas do
mesmo sexo, não era permitido. Passou de ser inexistente, para não ter qualquer restrição.
Era inexistente porque naquele momento os princípios que moldavam a nossa sociedade,
ainda não eram suficientemente flexíveis para se entender que fazia sentido. Temos então
mais um caso de evolução natural e de acompanhamento da lei ao que acontece na soci-
edade.
O Direito da Família é um direito tendencialmente com evolução. Aquilo que
existe em determinado momento, precisamente por isso, pode ser alterado. As realidades
às quais o mesmo se aplica são mutáveis.
direito a constituir família”, havia outras realidades para além do casamento que pode-
riam ser aqui englobadas, mas que não eram a união de facto. Nomeadamente, as famílias
monoparentais. Ninguém duvidava que as famílias monoparentais aqui estivessem inclu-
ídas, desde logo, porque essas resultariam do Código Civil, na medida em que, são uma
relação de parentesco. A posição do Professor CAPELO DE SOUSA, nesta perspetiva,
não era tão adequada, no entendimento da Professora MARTA COSTA.
Houve, claramente, uma evolução natural. Hoje em dia, precisamente porque te-
mos uma lei que protege a união de facto (Lei n.º 7/2001), já esta querela ficou desprovida
de sentido. Foi criado um diploma avulso que protege a realidade da união de facto, tendo
vido a ser objeto de avaliações e específicos relativamente a alguns dos direitos contem-
plados. Parece-nos que é a posição mais coerente entender que, hoje em dia, a união de
facto é uma relação jurídico-familiar. Na tese de doutoramento da Professora MARTA
COSTA, este tema é abordado. Nesse momento, a Professora definiu que a união de facto
era uma relação jurídica parafamiliar. Hoje em dia, a Professora não tem dúvidas em dizer
que é uma relação jurídico-familiar.
ANA FILIPA ANTUNES entende que a união de facto é uma verdadeira relação
jurídico-familiar já que: (1) tem assento legal; (2) tem carácter perpétuo/duradouro; (3)
há uma convivência análoga à dos cônjuges, assente em três pilares – partilha de teto,
partilha de mesa e partilha de leito.
O direito de constituir família, é também muito comum em várias fontes de origem
internacional, inclusivamente da União Europeia.
Por exemplo, o artigo 16.º, n.º1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(DUDH) que tem uma formulação muito abrangente do direito a constituir família. O
artigo 12.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). O artigo 9.º da Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A norma explicativa deste artigo 9.º, re-
fere, de forma expressa, que pretendeu abranger os casos em que as legislações nacionais
reconhecem outras formas de constituir família, além do casamento (como é o caso da
união de facto em Portugal, com a Lei n.º 7/2001).
Aliás, o Professor GUILHERME DE OLIVEIRA também evoluiu nesse sentido,
se há anos atrás entendia que a união de facto era uma relação jurídica parafamiliar, hoje
em dia, ainda não diz preto no branco, mas diz, por exemplo, relativamente a esta Carta,
que aponta no sentido do reconhecimento da união de facto como uma relação de família.
Se olharmos para o artigo 36.º, n.º2 da CRP, este tem uma especificidade. Passa
por visar subtrair ao Direito Canónico a regulamentação das matérias que nele se encon-
tram previstas. Tem como função garantir que estas matérias ficam na competência ex-
clusiva do Direito Civil e não do Direito Canónico.
Se formos, no entanto, ao artigo 1625.º do CC que se refere à competência dos
tribunais eclesiásticos, este diz expressamente que a nulidade do casamento católico e a
dispensa do casamento rato e não consumado é da competência exclusiva dos Tribunais
eclesiásticos, retirando assim a competência dos Tribunais civis.
Quanto ao direito dos filhos a um regime igualitário, artigo 36.º, n.º4 da CRP,
estamos perante outra concretização do princípio da igualdade.
Até há alguns anos tínhamos expressões como filho ilegítimo, bastardo e consta-
vam de documentos oficiais. Neste âmbito, é importante o artigo 123.º, n.ºs 1 e 2.º do
Código do Registo Civil, que veio permitir eliminar este tipo de menções. Na verdade, o
artigo 212.º, n.º 4 desse Código, veio consagrar que as certidões de registo que tenham
uma menção discriminatória e hajam sido emitidas por meios informáticos, deve automa-
ticamente, sem qualquer pedido, ser eliminadas. Este é o sentido formal deste direito.
Há, também um sentido material, que impõe que se deve dar um tratamento igua-
litário aos filhos nascidos dentro e fora do casamento, o que também não era assim. Mais
uma vez, sito não significa que não possa haver qualquer diferença, tem é que ser fundada
em interesses superiores. Isto tem especial relevância no âmbito sucessório.
Por exemplo, em Portugal existe a presunção de paternidade que se aplica no âm-
bito de filhos nascidos na constância de um casamento. Uma criança nascida na constân-
cia de um casamento, presume-se filha do marido do cônjuge. Assim não é, se não for da
constância do matrimónio. A ideia é unicamente facilitar o registo perante uma situação
da relação jurídica familiar existente e constituída como tal. Também, no âmbito dos
princípios da boa-fé, pois no casamento há o dever pessoal de fidelidade, o que faz com
que, o filho do cônjuge, deva ser filho de ambos. Mas é uma presunção ilidível.
No entanto, importa reter que uma distinção material entre os dois “tipos” de fi-
lhos sem justificação relevante e atendível tem-se com inconstitucional, exatamente por
apelo a este direito.
Quanto ao direito-dever dos pais de dirigir a educação dos filhos, este encontra
assento constitucional no artigo 36.º, n.º5 da CRP.
No artigo 1872.º do CC, vemos a concretização deste direito. Estamos a falar do
princípio das responsabilidades parentais. O exercício das responsabilidades parentais é
um poder-dever. Este direito recai normalmente sobre os pais, a menos que estes estejam
inibidos dos seus direitos, mas não é um poder que possa ser exercido livremente, tem de
ser exercido no interesse dos filhos e com respeito pela autonomia crescente que, em cada
idade, o filho vai assumindo.
Começa, então, por ser um poder relativamente aos filhos, mas evolui para se tor-
nar num poder em relação ao Estado, por lhe competir cooperar com os pais na educação
dos filhos, artigo 67.º, n.º2, al. c) da CRP.
Quanto ao direito dos pais a terem os filhos consigo, decorre ainda do artigo
36.º, n.º5 da CRP, que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo se os pais in-
cumprirem os seus deveres essenciais para com os filhos e mediante decisão judicial,
como no caso previsto no artigo 1915.º, n.º1 do CC.
Interpretado com o artigo 33.º, n.º1 da CRP, este direito impede a expulsão do
território de cidadão estrangeiro que “tenha os filhos a seu cargo, com eles mantenha
uma relação de proximidade, que contribua decisiva e efetivamente para o seu sustento e
para o desenvolvimento das suas personalidades”, Acórdão do TC n.º232/04. A expulsão
separaria o pai dos filhos ou implicaria a expulsão de sujeitos não abrangidos pela mesma,
os filhos.
Quanto à proteção da adoção, o artigo 36.º, n.º7 da CRP é claro quando a protege
enquanto instituto fundamental que é.
O artigo 36.º da CRP deve ser conjugado com o artigo 67.º da CRP, donde retira-
mos a proteção da família, enquanto instituição autónoma, em face da sociedade e em
face do Estado. A família não é uma pessoa em si mesma, é um grupo de pessoas, mas
aqui o legislador constitucional vai tao longe, e diz que esse grupo merece uma proteção
do Estado e também da sociedade
Mais, a Lei da Organização do Sistema Judiciário, Lei n.º62/2013, atribui aos ju-
ízos de família e menores competência para julgar certos litígios (artigos 122.º a 124.º
da Lei em causa), sendo que na ausência de tribunal de família e menores em certa co-
marca, é competente o tribunal de comarca.
A Lei n.º61/2008 esclareceu, no artigo 1792.º do CC, que há lugar parra o recurso
às regras da responsabilidade civil. No entanto, ao eliminar o divórcio por violação dos
deveres conjugais e toda a relevância da culpa em outros domínios, o legislador deixou
os deveres conjugais sem uma garantia especificamente matrimonial.
Assim, o sentido do artigo 1792.º é de afirmar que apenas são indemnizáveis: as
violações de direitos absolutos e nos termos da responsabilidade civil extracontratual.
Isto faz com que os atos dos cônjuges ou ex-cônjuges serão irrelevantes ao nível da qua-
lificação dos sujeitos, sendo que apenas relevem como atos de cidadãos lesivos de direitos
de personalidade e direitos fundamentais alheios.
Apesar de não ser muito usual os ordenamentos jurídicos conterem uma noção de
casamento, Portugal é, neste campo, excecional. “Ter noção” do que é um casamento é
fácil, no entanto, saber dar uma “noção” de casamento é bastante mais complexo. Um
conceito que abarque toda a evolução histórica nacional e internacional será inútil, mera-
mente formal e sem interesse prático.
Até há relativamente pouco tempo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era
inexistente; hoje em dia, não temos essa restrição.
Considerando os três tipos de sistemas jurídicos: civil law, common law e sharia
law, conseguimos depreender que a unicidade de uma noção de casamento seria, para
além de inconcebível, absolutamente irrelevante – pela contextualização e definição de
família e do próprio casamento.
Em Portugal, o casamento poligâmico não é permitido, mas na maior parte dos
países com sharia law já o é, por exemplo. Isto para mostrar que aquilo que é certo para
nós, não é necessariamente certo noutros países e vice-versa.
Podemos afirmar que algumas características fundamentais comuns ocidentais
do casamento são: casamento como um estado; comunhão de vida exclusiva; não ser li-
vremente dissolúvel.
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Durante muito tempo, defendia-se que a plena comunidade de vida tinha como objetivo final a constituição
da prole, mas hoje em dia, não é de todo uma característica de casamento. Do ponto de vista do direito
canónico, também não é uma característica essencial, mas tem mais relevância do que no direito civil.
Começámos por falar sobre o casamento católico não só devido às formas, mas
também porque face à população portuguesa, é aquele que reúne o maior número, não
obstante estarmos num Estado laico.
Durante muitos anos, não havia a perceção de que havia outras religiões que me-
reciam igual tutela. É a Lei da Liberdade Religiosa que permite que haja uma forma1
religiosa, no âmbito de determinadas religiões, para a celebração de casamentos em Por-
tugal. No entanto, não se permite a celebração de casamento de todas as religiões, mas
religiões previstas em Portugal e adotadas como tal (noção de igrejas ou comunidades
religiosas radicadas no país): ou têm mais de 30 anos de implantação em Portugal ou
têm mais de 60 anos de implantação internacional, nos termos do artigo 37.º, n.ºs 1 e 2 da
Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º16/2001).
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Não obstante se tratar de um casamento civil quanto à modalidade.
casamento putativo. Os artigos 1647.º e 1648.º do CC não estão abrangidos pela reserva
do artigo 1625.º do CC.
Nos termos do artigo 1588.º do CC, os efeitos (pessoais e patrimoniais) do casa-
mento são regulados pelo direito civil.
O mesmo há a dizer sobre as disposições relativas a separação de pessoas e bens,
já que é o direito civil que se aplica a casamentos católicos.
Por fim, quanto à dissolução do casamento católico, as duas ordens têm aplica-
ção: quando a dissolução se dá por morte (mesmo que presumida) ou divórcio, o artigo
36.º, n.º2 da CRP impõe que seja a lei civil a regular esta matéria. No entanto, o casamento
católico tem uma forma de dissolução própria: dispensa do casamento rrato e não con-
sumado, artigo 1625.º do CC.
Quanto ao artigo 1592.º do CC, este vem dizer que sendo a promessa de casamento
um contrato, aplicam-se as regras previstas para os contratos em geral (“termos prescritos
para a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico”). Não obstante isso, o legislador
prevê várias exceções, pois trata-se de um contrato com várias particularidades, nomea-
damente quanto aos efeitos.
O contrato pode não ser celebrado, entre outras razões (irrelevantes para o artigo
1592.º do CC) por incapacidade, como é o exemplo dos maiores acompanhados, sempre
que na decisão que determine o acompanhamento esteja prevista a impossibilidade de
casar; ou por retratação (quando um dos nubentes muda de ideias) sem ter de dar um
motivo validamente sério, mas se esse motivo não for dado, vai haver consequências.
Ora, se o casamento deixar de ser celebrado por incapacidade ou por retratação de
algum dos promitentes, cada um deles deve restituir os donativos que tanto o outro,
como qualquer terceiro lhe tenham dado em função de promessa1. Com o fim desta pro-
messa, a lei prevê que sejam restituídos os donativos, por cada um deles, independente-
mente do rompimento ter sido fruto vontade de um ou de outro.
O artigo 1592.º, n.º2 do CC acrescenta, ainda, que são abrangidas, pelo dever de
restituição, as cartas e retratos pessoais, mas não as coisas que hajam sido consumidas
antes da retratação ou da verificação da incapacidade. Precisamente porque o aspeto pes-
soal é tão relevante, o legislador não esquece os retratos e as cartas. Estamos a falar de
um negócio jurídico em que a parte pessoal é tudo, pelo que não seria justo que o outro
pudesse ficar com as cartas e os retratos pessoais de alguém.
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Tradicionalmente, nas festas de noivado, muitos dos convidados faziam oferendas generosas em vista do
casamento.
Será um justo motivo todo aquele que a sociedade contemporânea entender que é um
justo motivo. Por exemplo, de acordo com as conceções contemporâneas será justo mo-
tivo se um dos nubentes descobrir que o outro tem uma outra vida ou família paralelas,
um unido de facto ou simplesmente alguém com quem se relaciona com muita regulari-
dade.
Há casos na jurisprudência onde discute o que é justo motivo. As conceções pes-
soais, subjetivas e os valores de cada um acabam por ter relevância, por isso, tem sido
tendência olhar objetivamente para a questão, mas também dar valor aquilo que são con-
vicções do nubente em causa – porque é um negócio pessoal, as suas convicções são
relevantes, desde que com alguma objetividade associada. Por exemplo, não é por um
nubente dizer ao outro tirar um sinal é um justo motivo que esse comportamento reveste
essas vestes.
Repare-se que as partes podem acordar que determinados valores têm relevância,
contudo tem de se acordar que estão em causa valores relevantes. Podemos estar a tratar
de coisas muito específicas em determinadas religiões ou comunidades. Por exemplo, se
A é de uma religião onde é crucial que não haja consumo de álcool, sendo um princípio
que está acordado entre A e o seu nubente e vem a descobrir que este consome álcool
regularmente, sem significar com isso que esteja sempre alcoolizado, pode ser conside-
rado um justo motivo.
Os valores de cada um têm relevância, ou seja, os tribunais têm olhado para o
“justo motivo” objetivamente, mas têm em conta as convicções do nubente em causa, até
porque estamos a tratar de um negócio vincadamente pessoal, ainda que com alguma
objetividade associada.
Quanto à segunda possibilidade descrita, o nubente que “por culpa sua der lugar
a que o outro se retrate”, há que dizer que a culpa tanto pode ser sob a forma de negli-
gência como sob a forma de dolo.
Repare-se que no preceito é utilizado a expressão “inocente”, mesmo face ao justo
motivo, o que significa que o legislador entende que não havendo justo motivo há culpa,
mesmo que seja negligente – estamos perante uma presunção de culpa.
comprometeram contratualmente, e por essa razão foram feitas outras despesas que têm
a vista a celebração do matrimónio, não tendo outro fim, sendo que no caso de um deles
mudar de ideias, alguém tem de suportar os prejuízos, e por isso terá de indemnizar os
danos que por causa da sua livre decisão causou ao esposado inocente e a terceiros.
A questão é mais controversa no que toca às despesas que foram feitas sem o
conhecimento do noivo que não pretende casar. Está em causa um noivo que não foi
envolvido, portanto, a obrigação de indemnizar não se verificaria porque não se pode
entender que foi este que levou a esta contratação, assim, o prejuízo não lhe poderá ser
imputável.
Um caso paradigmático é o de aquisição de casa, futura morada de família. Se
dois nubentes, que celebram uma promessa de casamento, decidem adquirir uma casa
para morada de família, contraindo um crédito à habitação. Mesmo que só um deles seja
parte no contrato-promessa de aquisição do imóvel (ou de mútuo), estamos perante uma
obrigação assumida na previsão do casamento.
A casa de morada de família exige a escolha de ambos os cônjuges, por força do
dever de coabitação. Mesmo não tendo titularidade (ou mesmo que não se figure como
parte no contrato), basta que o outro promitente saiba do contrato promessa de compra e
venda de imóvel, e que nunca tenha sido objetivo apenas o suporte da despesa por um dos
nubentes, há obrigação de indemnizar.
Se, porém, o promitente faltoso não tivesse conhecimento do contrato promessa
de compra e venda do imóvel, sendo o promitente fiel titular do imóvel, independente-
mente do regime de comunhão de pessoas e bens a ser escolhido, já seria mais difícil
sustentar o dever de indemnizar. Mesmo neste segundo cenário, caso se demonstrasse que
o promitente fiel apenas estava a adquirir a casa porque o promitente faltoso o tinha aju-
dado a escolher, tendo como objetivo único que fosse a casa de morada de família, e de
outra forma o primeiro nunca a adquiriria, seria uma questão discutível que ia depender
da avaliação feita a nível de prova e da avaliação de cada juiz, mas suscetível de caber no
âmbito indemnizatório.
cônjuge que dela carece. Sendo irrelevante se antes do divórcio tinham um nível de vida
muito elevado, a pensão de alimentos é fixada em função da subsistência do cônjuge que
deles carece.
Pelo contrário, no caso em apreço, a análise é feita de uma forma diferenciada,
precisamente porque é um cálculo que não pode ser antecipado e porque as despesas fo-
ram contraídas em função daquilo que eram as condições dos contraentes. Por fim, im-
porta ainda atender às vantagens que, independentemente do casamento, possam um e
outro vir a proporcionar.
Uma última referência ao artigo 1595.º do CC, que estabelece um prazo de cadu-
cidade, curto, para fazer face a estes pedidos (indemnizatório e restitutório – artigos
1592.º a 1594.º do CC). O prazo conta-se do rompimento da promessa (onde se inclui a
vontade e a incapacidade) ou da morte do promitente.
Poder-se-ia questionar, face aos terceiros que fizeram investimentos, se a conta-
gem do prazo depende de conhecimento. Ou seja, poderia decorrer 1 ano a contar do
rompimento da promessa, sem que estes terceiros tomassem conhecimento de tal rompi-
mento, ficando assim sem o direito de pedir a sua indemnização ou restituição. São casos
teóricos, de facto, porque quem faz um pagamento de um catering, por exemplo, terá
proximidade suficiente para saber do rompimento, contudo também não será estranho que
o casamento tenha sido programado para um período posterior a 1 ano face à promessa.
Os casamentos civis tanto podem ser celebrados por forma civil, perante o con-
servador do registo civil, como celebrados por forma religiosa, perante o ministro do
culto de igreja ou comunidade religiosa radicada no país.
1.3.1.1. Consentimento
Nos termos do artigo 1620.º, n.º2, do CC, a vontade do constituinte não pode ser
uma vontade incompleta, lacunosa e sujeita à vontade de atuação do procurador.
Perante uma procuração deste género, já pode o conservador recusar licitamente celebrar
o casamento, por não poder ser deixada tanta liberdade de decisão pessoal ao procurador
ad nuptias.
Pode o procurador recusar legitimamente a celebrar o casamento por uma cir-
cunstância superveniente que o leve a crer que o constituinte, conhecendo-a, não o cele-
braria? Esta questão prende-se com saber se o procurador tem a possibilidade de decidir
sobre a conclusão do matrimónio, isto é, se estamos perante um verdadeiro representante
ou um mero núncio. Por existirem estes casos extremos, deve considerar-se que o procu-
rador ad nuptias deve ser tido como representante, ainda que com escassíssimos pode-
res.
Para além disto, sendo um casamento a termo, a partilha dos bens, provavelmente,
estará definida à partida, nunca estando esta definida a priori no casamento por se consi-
derar perpétuo.
Por fim, a extorsão por coação física da declaração de vontade também conduz
à anulação do casamento, nos termos do artigo 1635.º, al. c) do CC.
Qual a razão para a sanção em causa ser a anulabilidade, e não uma qualquer
mais gravosa? A consequência normal de incumprimentos no âmbito do casamento, que
não seja o casamento católico onde a consequência normal é a nulidade, é a anulabilidade.
Apenas em casos muito excecionais, há a referência à inexistência, dado que é uma rela-
ção familiar que está no limbo entre a esfera do Estado e a esfera dos afetos familiares,
até porque destas relações nascem filhos. Por exemplo, nos casamentos putativos, existe
um regime que visa proteger os cônjuges que foram induzidos em erro, mas este regime
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Onde coexistem dois negócios: o simulado e o dissimulado. Este último tem-se como válido.
Quanto ao erro, este releva nos termos do artigo 1636.º do CC. O erro tem de
recair sobre as qualidades essenciais do outro cônjuge; seja próprio (ao invés de recair
sobre um requisito legal); tem de ser desculpável; tem que ser demonstrado que sem esse
erro, razoavelmente, o casamento não tinha sido celebrado.
Em primeiro lugar, o erro tem de versar sobre qualidade essencial da pessoa
do outro cônjuge. Pode ser uma qualidade natural ou jurídica, onde se insere o erro sobre
o estado civil, por exemplo. Esta qualidade essencial tem que ser objetivamente avaliada
(pelo critério do homem médio e das conceções sociais dominantes), bem como subjeti-
vamente avaliada (pelo critério da situação concreta). Falamos de um erro que recaia
sobre as qualidades que, em abstrato, sejam idóneas à construção do consentimento. A
essencialidade objetiva traduz-se na legitimidade e razoabilidade, em face das circuns-
tâncias concretas e da consciência social dominante, de tal aspeto.
Em segundo lugar, o erro tem de ser próprio, não podendo recair sobre qualquer
requisito legal de existência ou de validade do casamento – GUILHERME DE
OLIVEIRA e PEREIRA COELHO exigem este requisito, postulando, em bom rigor, que
não pode haver outro fundamento de anulação do casamento para que o erro-vício possa
operar. Se um dos nubentes desconhecia que outro ainda estava casado, o casamento não
vai ser anulado por erro, mas sim por falta do requisito legal (independentemente do erro).
Este requisito resulta dos princípios gerais do concurso de normas: as normas sobre o erro
não consumidas pelas que regem os requisitos legais nesta matéria. RAQUEL VIEIRA
discorda deste requisito, por não resultar expressamente da lei, e numa ação convém mu-
nirmo-nos de todos os argumentos possíveis – a professora aponta, assim, apenas 3 re-
quisitos de relevância do erro nesta sede.
Em seguida, o erro tem de ser desculpável. O erro indesculpável ou grosseiro,
em que não cairia uma pessoa normal colocada na mesma situação, não pode ser invocado
nesta sede.
Por fim, o erro tem de versar sobre uma circunstância decisiva ou determi-
nante na formação da vontade – RAQUEL VIEIRA chama a este requisito essenciali-
dade. O mesmo é dizer que se o erro não existisse e o nubente tivesse um conhecimento
exato dessa circunstância, não teria querido celebrar o casamento. Aqui também vigoram
o duplo critério: objetivo e subjetivo.
O Tribunal da Relação de Évora, a 04/12/2018, esclarece que o erro que vicia a
vontade de casar tem de ser determinante, presente no momento do casamento e incidir
sobre qualidades essenciais e ocultas do outro cônjuge. Mais, esclarece que as mudanças
de comportamento de um dos cônjuges perante o outro não integram o erro que permite
a anulação do casamento.
Quanto à coação moral, o casamento pode ser anulado com fundamento em coa-
ção moral, nos termos do artigo 1638.º do CC.
Em sede de casamento, não se distingue quem é o autor da coação: se o outro
contraente ou um terceiro. Para que o casamento seja anulável com base em coação mo-
ral, basta que seja grave o mal com que o nubente é ilicitamente e intencionalmente
ameaçado e justificado o receio da sua consumação, e a coação seja essencial.
Vejamos, na esteira da RAQUEL VIERA, o esquema da coação moral obedece a
cinco pressupostos.
Como já vimos, a ameaça tem que ser ilícita e intencional.
A ameaça tem que versar sobre um mal grave e tem que haver justificação do
receio de consumação. Para isto temos que atender às qualidades do coator e aos meios
que ele dispõe para consumar a ameaça, e ver se o homem médio se sentiria efetivamente
ameaçado.
A ameaça tem que ser essencial: se não fora a ameaça, não se teria prestado o
consentimento para casar.
1.3.1.2. Capacidade
Quanto à falta de idade nupcial, artigo 1601.º, al. a) do CC, estabelece que é
impedimento dirimente absoluto a idade inferior a 16 anos, independentemente do sexo
do nubente.
Por fim, quanto à condenação por homicídio, releva o crime anterior cometido,
como autor ou cúmplice, o crime doloso, ainda que não consumado, de um dos nubentes
contra o cônjuge, leia-se, ex-cônjuge, do outro, artigo 1602.º, al. e) do CC. A lei suspeita
que o crime tenha sido cometido com a intenção de permitir o casamento.
Jorge Miranda tem algumas reservas quanto à constitucionalidade da produção
automática deste efeito necessário da condenação que envolve a perda de um direito civil,
contrapondo-o com o artigo 30.º, n.º4 da CRP.
Por este impedimento apenas operar após o trânsito em julgado da sentença, surge-
nos o artigo 1604.º, al. f) do CC com um impedimento impediente, de forma a não se
contrariar a lei durante o período que decorre até ao trânsito em julgado da sentença.
Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de um casamento em que
exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.
Nos termos do artigo 1639.º, n.º1 do CC, têm legitimidade para intentar a ação
de anulação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou
qualquer parente deles na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como
os herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público.
No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643.º, n.º1, al. b) do CC, a lei refere
um prazo de três anos após a celebração do casamento.
título gratuito até à maioridade, bens cuja administração não é confiada ao outro cônjuge
como o seria segundo as regras gerais (artigo 1678.º, n.º2, al. f) do CC).
Nos termos dos artigos 1604.º, al. d) e 1608.º do CC, é impedimento impediente
a tutela, acompanhamento de maior ou a administração legal de bens, bem como o não
decurso de um ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respetivas
contas, havendo lugar a elas.
O artigo 1608.º do CC alarga este impedimento a parentes ou afins na linha reta,
irmãos, cunhados e sobrinhos, não se bastando com o tutor, acompanhante ou adminis-
trador.
Nos termos do artigo 1609.º, n.º1, al. b) do CC, este impedimento é dispensável
por decisão do conservador do registo civil, n.º2 do mesmo artigo. O processo de dis-
pensa de impedimento segue o regime dos artigos 253.º e 254.º do CRC, sendo que se
recomenda a leitura integral dos mesmos preceitos. Atente-se no artigo 142.º, n.ºs 2 e 3
do CRC para a suspensão do processo preliminar de casamento e remissão para este
regime quando se venha a conhecer tal impedimento.
Caso não haja dispensa, o artigo 1650.º, n.º2 do CC comina a sanção aplicável.
O impedimento do artigo 1604.º, al. f) do CC tem que ser lido em conjunto com
o do artigo 1602.º, al. e) do CC. Tendo havido modificações ao processo penal, nos termos
do artigo 286.º, n.º2 do CPP a abertura de instrução é facultativa, sendo que só nessa sede
o juiz proferirá, se for o caso, despacho de pronúncia, artigo 307.º, n.º1 do CPP. Assim,
GUILHERME DE OLIVEIRA defende que quando o processo não passe por esta fase e
seja diretamente remetido para julgamento, deve equiparar-se ao despacho pronúncia o
despacho do juiz que, confirmando ou consolidando a acusação, marca dia para a audi-
ência, artigo 312.º, n.º1 do CPP.
Por fim, não referido no artigo 1604.º do CC, mas antes no artigo 22.º, n.º1 da Lei
n.º103/2009, que criou a figura do apadrinhamento civil, o vínculo entre padrinhos e
afilhados é impedimento impediente à celebração do casamento – não sendo este
impedimento extensivo a outros familiares. O artigo 22.º, n.º2 da mesma lei estabelece
que o impedimento é dispensável pelo conservador, ao passo que o n.º3 estatui uma san-
ção para a celebração do mesmo casamento sem dispensa do impedimento.
Nos termos dos artigos 1611.º do CC e 142.º do CRC, pode haver lugar a denún-
cia de impedimentos, declarada por qualquer pessoa até ao momento de celebração do
casamento em contrariedade ao que aqui se encontra disposto incorre num crime de de-
sobediência, nos termos dos artigos 296.º, n.º1, al. a) do CRC e 348.º, n.º2 do CP.
Em segundo lugar, pode tornar-se necessário obter dispensa dos impedimentos
impedientes que podem ser dispensados, nos termos do artigo 1609.º do CC. Este pro-
cesso de dispensa, como já vimos, vem regulado nos artigos 253.º e 254.º do CRC.
Em terceiro lugar, como acabamos de ver, pode haver denúncia de impedimen-
tos, sendo este o incidente mais relevante do processo preliminar.
pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão artigo 211.º, n.º1 do
CRC. O registo não contende com a existência ou validade do ato, mas somente com a
sua prova: já que é a única prova legalmente admitida do casamento, sendo que quando
não registado, não pode ser invocado, artigos 1669.º do CC e 2.º do CRC.
O registo do casamento pode ser lavrado, nos termos do artigo 1652.º do CC, por
inscrição, artigo 52.º, al. e) do CRC, ou por transcrição, artigo 53.º, n.º1, als. c), d) e e)
do CRC, sendo de considerar o artigo 179.º do CRC em certos casos.
Na sede de casamento civil não urgente o registo é lavrado por inscrição em
suporte informático, nos termos do artigo 14.º do CRC.
A omissão de registo do casamento só pode ser suprida por decisão do conser-
vador em processo de justificação administrativa, artigo 83.º, n.º1, al. a) do CRC.
Estando estas verificadas, nos termos dos artigos 1622.º, n.º1 do CC e 156.º do
CRC, os efeitos do casamento urgente traduzem-se num duplo desvio, já que é permitida
a celebração do casamento sem processo preliminar e sem intervenção do funcionário do
registo civil.
1
Como conclui o TRL em 22-01-2019, no Processo n.º938/12.2.TMLSB.L1-7.
O casamento urgente fica sujeito a homologação, nos termos dos artigos 1623.º
do CC e 159.º, n.º5 do CRC.
Nos termos dos artigos 1624.º do CC e 160.º do CRC, as causas justificativas da
não homologação do casamento são as que deles resultam.
Importa, no entanto, perceber qual a consequência da não homologação do ca-
samento urgente. Não existem dúvidas na doutrina que falamos de uma inexistência nos
termos do artigo 1628.º do CC. No entanto, existem algumas dúvidas quanto à inserção
nas causas de inexistência aí descritas.
Para RAQUEL VIEIRA:
(1) o artigo 1628.º, al. a) do CC aplica-se quando o casamento urgente tenha
sido celebrado sem verificação de um dos requisitos de fundo exigido por lei, artigo
1624.º, n.º1, al. a), 1.ª parte do CC;
(2) ao passo que o artigo 1628.º, al. b) do CC aplica-se quando o casamento ur-
gente tenha sido celebrado sema observação das respetivas formalidades (exigidas
no artigo 156.º do CRC), artigo 1624.º, n.º1, al. a), 2.ª parte do CC.
Nos termos do artigo 160.º, n.º2 do CRC, o despacho de recusa é notificado aos
interessados, podendo o MP, os cônjuges ou os seus herdeiros recorrem de tal decisão
para tribunal, nos termos dos artigos 1624.º, n.º3 do CC e 292.º do CRC (sendo de sali-
entar, nesta última noma, o seu n.º3 que estabelece um prazo de 8 dias para a interposição
de tal recurso).
O despacho que homologação deve fixar os elementos que o assento deve conter,
assento este a ser lavrado no prazo de 2 dias a contar da data em que o despacho de
homologação tenha sido proferido, nos termos do artigo 182.º do CRC, o que remete para
o artigo 53.º do CRC, já que o registo é lavrado por transcrição em todos os casos de
casamentos urgentes.
Nesta sede importa ter presente que a limitação da retroatividade do artigo 1670.º,
n.º2 do CC sofre alguns desvios, já que pode não fazer sentido a aplicação do prazo de
7 dias para se iniciar a tutela dos direitos de terceiro, uma vez que o casamento urgente é
precedido de processo preliminar antes da sua homologação e averbamento, contraria-
mente ao que sucede normalmente. Assim concluiu o STJ no Acórdão de 22-01-2002,
Processo n.º02A4340.
O artigo 51.º do CC enuncia desvios ao princípio locus regit actum, disposto no artigo
50.º do CC, leia-se, o “lugar de celebração rege o ato”. O casamento aqui em causa pode
ser celebrado por uma de três formas, nos termos do artigos 51.º, n.º2 do CC e 161.º
do CRC:
(1) perante ministros de culto católico;
(2) perante os nossos agentes diplomáticos ou consulares no estrangeiro, pela
forma estabelecida na lei civil; ou
(3) perante as autoridades locais competentes, pela forma prevista na lei do lugar
da celebração.
Nos termos do artigo 162.º do CRC, qualquer que seja o casamento, este deve ser
sempre precedido do processo preliminar respetivo, organizado nos termos dos artigos
134.º e ss do CRC. O artigo 49.º do CC estabelece que a capacidade para contrair ca-
samento ou celebrar convenção antenupcial é regulada, no tocante a cada nubente, pela
lei pessoal (artigo 31.º do CC), leia-se, a nubente(s) português(es) aplica-se a lei por-
tuguesa no tocante à aferição desta capacidade.
Assim, o português, residente em Portugal, que pretenda casar no estrangeiro pode
requerer, em qualquer conservatória a verificação da sua capacidade matrimonial e a pas-
sagem do respetivo certificado mediante a organização prévio de processo de casamento,
nos termos do artigo 163.º, n.ºs 1 e 2 do CRC.
Avaliando, agora, cada um dos três casos supramencionados, há que começar por
ver o casamento católico contraído no estrangeiro perante os ministros de culto ca-
tólico.
Nos termos do artigo 51.º, n.º4 do CC, é havido como católico o casamento:
(1) celebrado no estrangeiro;
(2) em que, pelo menos, um nubente seja português;
(3) perante ministro do culto católico;
(4) em harmonia com as leis canónicas;
(5) seja qual for a forma legal de celebração do atoo segundo a lei local.
Não pode este casamento ser celebrado sem a apresentação do certificado referido
no artigo 146.º do CRC, por remissão dos artigos 151.º, 152.º e 164.º do CRC, salvo
tratando-se de casamento urgente, o que faz depender este registo da existência de um
processo preliminar, nos termos dos artigos 163.º, 185.º e 134.º e ss do CRC.
Nos termos do artigo 152.º, n.º2 do CRC, são competentes para a elaboração do
processo preliminar de casamento qualquer conservatória do registo civil ou os agentes
diplomáticos ou consulares portugueses da residência dos nubentes.
Nos termos do artigo 178.º do CRC, a transcrição do casamento de português ou
portugueses celebrado no estrangeiro tem por base o assento paroquial. Este registo é
obrigatório nos termos dos artigos 1651.º do CC e 53.º, n.º1, al. d) do CRC.
À transcrição são aplicáveis as regras dos artigos 184.º e ss do CRC, por remissão
do artigo 178.º, n.º2 do CRC, podendo a mesma ser recusada nos mesmos termos do artigo
174.º do CRC.
Por fim, o casamento celebrado pela forma prevista na lei do lugar da celebração
perante as autoridades locais é registado por transcrição, no consulado, do documento
comprovativo do casamento, passado de harmonia com a lei local, artigos 50.º e 1651.º,
al. b) do CC e 53.º, n.º1, al. d) e 184.º, n.º2 do CRC; ou diretamente junto de uma conser-
vatória do registo civil nos termos do artigo 187.º, n.º1 do CRC.
Nos termos do artigos 163.º e 185.º do CRC, o casamento deve ser precedido de
um processo preliminar de casamento necessário para que possa haver transcrição do
mesmo para a nossa ordem jurídica. Esta transcrição deve ser recusada se por tal processo
ou por outro modo, o cônsul verificar que o casamento foi celebrado com impedimento
dirimente ainda subsistente.
abrigo do artigo 1651.º, al. b) do CC – ainda que exista o artigo 31.º, n.º2 do CC, mas que
apenas versa sobre casos situações menos relevantes, leia-se, não constituintes do orde-
namento familiar português, como o caso da proibição da poligamia).
Este caso foi resolvido em aula, passando agora a deixar algumas considerações.
A Ordem Pública Internacional, nesta sede do casamento, pode ser convocada em situa-
ções a constituir ou em situações já constituídas. No primeiro caso temos os artigos
22.º e 49.º do CC, ao passo que no segundo caso temos o artigo 1651.º, n.º2 do CC.
A lei dos EAU consentia a poligamia da parte nubente homem. No entanto, a lei
portuguesa veda essa possibilidade. A instituição matrimonial tem assento constitucional
e assenta num princípio de exclusividade (aliás, a bigamia é censurada penalmente). A
Ordem Pública Internacional impediria à celebração deste casamento, mesmo que à luz
da lei de um dos nubentes se permitisse a poligamia – não podendo operar o princípio da
reciprocidade. Esta OPI serve para impedir que a aplicação de normas estrangeiras con-
duza a resultados intoleráveis para o nosso ordenamento, por violação de interesses su-
periores da nossa ordem constitucional.
Assim, conjugando os artigos 49.º e 22.º do CC, perceberíamos que este casa-
mento não poderia ser constituído (celebrado) em Portugal, uma vez que, em sede de
processo preliminar, o nubente homem pediria um certificado de verificação de capaci-
dade matrimonial ao seu Estado de origem, nos termos do artigo 166.º do CRC, mas o
conservador do registo civil, responsável pelo processo preliminar, perceberia que está-
vamos perante um casamento poligâmico, algo vedado à luz da ordem pública internaci-
onal e, na esteira de GUILHERME DE OLIVEIRA, por se tratar de um impedimento
bilateral. O processo preliminar seria, então, arquivado, nos termos do artigo 144.º,
Outra situação em que a OPI interviria era no caso de o casamento ser celebrado
nos EAU, onde seria validamente celebrado à luz dessa lei, e se pretender o reconheci-
mento dessa situação jurídica em Portugal, isto é, tratar-se de uma situação já consti-
tuída. Este casamento careceria de registo no nosso ordenamento, nos termos do artigo
1651.º, al. b) do CC, registo esse que pode ser recusado ao abrigo do artigo 1651.º, n.º2
do CC.
1
Por exemplo, a tutela parcelar em determinados aspetos como direito a uma pensão de alimentos de uma
das mulheres de um bígamo, em Portugal, faz com que a OPI tenha um efeito mais atenuado, permitindo o
reconhecimento de certos direitos (sociais) decorrentes do estado de casado, mesmo em poligamia.
Quanto ao regime da anulabilidade, há a dizer que esta não opera ipso iure, não
sendo invocável parar qualquer efeito, judicial ou extrajudicial, enquanto não for reco-
nhecida por sentença em ação especialmente intentada para esse fim, artigo 1632.º do
CC.
A legitimidade para a ação de anulação é restringida a certas pessoas, nos termos
dos artigos 1639.º a 1642.º do CC; sendo que só pode ser intentada nos prazos referidos
nos artigos 1643.º a 1646.º do CC.
Pode, ainda, sanar-se a anulabilidade, o que conduz a uma validação do casa-
mento, nos termos restritos do artigo 1633.º do CC.
(2) é preciso que o casamento tenha sido declarado nulo (no âmbito dos casamen-
tos católicos) ou anulável (no âmbito dos casamentos civis, nos termos do artigo 1647.º,
n.ºs 3 e 1, respetivamente, do CC, sabendo, sempre, que a invalidade do casamento não
opera ipso iure, leia-se, carece de reconhecimento por sentença proferida em ação inten-
tada para o efeito, artigo 1632.º do CC;
(3) pelo menos um dos cônjuges tem de estar de boa-fé para que se produzam
efeitos putativos em relação a esse(s) sujeito(s), bem como a terceiros. No entanto, ve-
jamos melhor este pressuposto.
A eficácia putativa em relação aos filhos não depende da boa-fé dos cônjuges,
como resulta do artigo 1827.º do CC.
O artigo 1648.º, n.º3 do CC presume a boa-fé dos cônjuges, que consiste na ig-
norância desculpável do vício causador da invalidade ou na declaração de vontade ter
sido extorquida por coação. No entanto, nos termos do artigo 1647.º do CC, esta boa-fé
reporta-se somente ao momento da celebração do casamento.
Declarada, por tribunal eclesiástico, a nulidade de casamento católico, é ao direito
civil que compete regular os efeitos de tal declaração e a eventual aplicação do casamento
putativo. Assim, surge o artigo 1648.º, n.º2 do CC, que estatui que é de exclusiva compe-
tência dos tribunais do Estado o conhecimento judicial da boa-fé.
ao momento que é invalidado, bem como mantém para o futuro efeitos nascidos no pas-
sado.
Se só um dos cônjuges estava de boa-fé, o artigo 1647.º, n.º2 do CC distingue duas
situações, na esteira de PIRES DE LIMA:
(1) se estivermos perante relações entre os cônjuges que afetem interesses de ter-
ceiros, os respetivos efeitos produzem-se quanto ao cônjuge de boa-fé, e reflexamente
quanto a terceiros, se forem favoráveis ao primeiro; e
(2) se se tratarem de relações estabelecidas entre cônjuge e terceiro que dependam
do estado de casado, GUILHERME DE OLIVEIRA entende que a tutela do terceiro não
deve depender de avaliar a boa-fé com quem este haja contratado, pelo que se deve aplicar
a invalidade, sendo que o casamento não produz, nessas relações, quaisquer efeitos.
de vontade), o que acaba por conduzir a que este acordo se renove diariamente, sob pena
de violação deste princípio. Obviamente, falamos de um acordo em que não pode haver
recurso à execução específica, daí a referência à renovação diária do mesmo.
Desde logo, existem autores, ainda hoje em dia, que defendem que não falamos
de deveres em sentido técnico-jurídico, mas de meras obrigações naturais, uma vez
que veem, no casamento, “um encontro de vontades atinente a uma esfera livre e íntima
dos cônjuges representado num projeto de vida com larga margem de modelação por
aqueles, renovado ao longo do tempo, o que será incompatível com a noção de casamento
enquanto contrato e a inerente atribuição de sinalagmaticidade no exercício do afeto e a
correspondente atribuição do regime jurídico previsto para os contratos de que será exem-
plo a inaplicabilidade do regime da resolução ou modificação das circunstâncias e a ex-
ceção de não cumprimento do contrato”1. Nesta linha, falamos de autores como JOSÉ
PAMPLONA CORTE REAL e JOSÉ SILVA PEREIRA.
No entanto, não é esta a visão partilhada pela doutrina maioritária moderna e clás-
sica, já que os autores que defendiam a tese da fragilidade da garantia não afirmavam
que os deveres conjugais se tratavam de obrigações naturais.
Entrando na questão específica da violação destes deveres, importa começar por
estudar a teoria da fragilidade da garantia, uma posição clássica que, entre nós, já se
encontra, maioritariamente, abandonada. Esta tese postulava que não haveria lugar a
uma obrigação de indemnização por responsabilidade civil pela violação dos deveres
conjugais. Entendiam, os autores que a defendiam, que a violação de deveres conjugais
tinha sanções especificas dentro do Direito da Família que, como boas normas especiais
que era, afastavam o regime geral da responsabilidade civil, como o dever de assistência
e a obrigação de alimentos e, maxime, o divórcio ou a separação de pessoas e bens.
Assim, interpretava-se restritivamente os artigos 483.º e ss do CC, não cabendo,
entre eles, a violação de deveres conjugais, de modo a proteger a família a uma exposição
1
Acórdão do STJ de 12 de Maio de 2016, Processo n.º2325/12.3TVLSB.L1.S1.
A Lei n.º61/2008 veio eliminar a referência à culpa no seio do divórcio, sendo que
introduziu várias mudanças ao Código, onde o artigo 1792.º, n.º1 do CC não foi exceção.
Na versão que nos chega hoje, consagra-se, especificamente, a possibilidade de se intentar
uma ação de responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais, nos termos gerais.
Até à entrada desta lei, não havia nenhum mecanismo específico do Direito por-
tuguês de resposta indemnizatória a violações de deveres matrimoniais. A doutrina e ju-
risprudência foram, progressivamente, admitindo esta responsabilização nos termos ge-
rais, por se considerar que o divórcio não era a sanção adequada.
Argumentar-se que o casamento teria um cariz ético-privado tal, que impossibili-
taria a abertura, em tribunal, de discussão sobre tal relação, não poderia sobrepor-se à
necessária tutela jurídica perante estas situações. O artigo 496.º do CC vem, efetivamente,
permitir que o cônjuge lesado peça ao outro uma indemnização por danos patrimoniais
ou não patrimoniais, sofridos anteriormente ao divórcio ou por conta do mesmo.
O anterior artigo 1792.º do CC previa a possibilidade de indemnização do cônjuge
culpado ou principal culpado ao inocente pelos danos sofridos pelo divórcio, maxime,
desconsideração social. Desta formulação não resultava a consideração, para a determi-
nação da indemnização, dos danos diretamente decorrentes da violação de deveres con-
jugais.
Uma tese que admitia a responsabilidade civil mitigada, de GUILHERME DE
OLIVEIRA e PEREIRA COELHO, postulava que a indemnização por violação de deve-
res conjugais poderia ser arbitrada se, concomitantemente, fossem violados direitos de
personalidade. Desta forma, a tese da fragilidade da garantia era contornada pela sanção
provocada pela violação simultânea de um outro direito subjetivo. Ultrapassada a noção
de divórcio-sanção, e não sendo este equiparável a uma sanção por força da violação de
deveres conjugais, não estamos perante um instituto especial que afaste o regime da res-
ponsabilidade civil, vigorando este em pleno.
Esta tese, desde os anos 80, era seguida nos nossos tribunais, ainda que pouca
jurisprudência se encontrasse quanto a uma ação autónoma à ação de divórcio que con-
cedesse uma indemnização por violação dos deveres conjugais. Os autores que a defen-
dem vêm, na falta de referência literal ao tipo de responsabilidade, que a remissão
tem que ser para regime dos artigos 483.º e ss do CC, até por ser na responsabilidade
civil aquiliana que se pode dar relevância à violação concomitante de direitos de perso-
nalidade.
Uma outra teoria admitia a responsabilidade civil obrigacional, já que autores
como JORGE DUARTE PINHEIRO, RITA LOBO XAVIER, CRISTINA DIAS e
DIOGO LEITE DE CAMPOS, arrogavam, a nosso ver (e de RAQUEL VIERA) bem,
que a anterior tese não apresentava qualquer sanção para a simples violação de deveres
conjugais, quando não acompanhados por uma violação de direitos de personalidade, o
que implicaria um regresso à tese da fragilidade da garantia, algo que já não merece
suporte legal no nosso ordenamento jurídico.
RUTE TEIXEIRA DUARTE admitia, então, duas vias em casos de violações de
deveres conjugais: (1) por um lado, é possível recorrer ao artigo 483.º, n.º1 do CC, inde-
pendentemente de uma concreta violação de um direito absoluto pessoal1; ou (2) por ou-
tro, dada a conceção de casamento como relação contratual matrimonial vigente entre
nós, a responsabilização em sede de responsabilidade civil obrigacional, que se figura
como muito proveitosa pela presunção de culpa e pelas diferenças ao nível da prescrição.
Estes autores arrogam que não temos que nos indagar acerca da consunção de
regimes de responsabilidade, já que se segue a via que se considerar mais proveitosa. A
primeira tese, aqui, não levanta o problema da consunção de regimes por não permitir
outra responsabilidade que não seja a aquiliana.
Uma nota final, relevante em todo o regime exposto e que resulta de um Acórdão
do STJ de 12 de Maio de 2016, Processo n.º2325/12.3TVLSB.L1.S1. O artigo 1792.º do
CC, após a mudança, importantíssima, que sofreu em 2008, não se coaduna com a respe-
tiva inserção sistemática, já que surge na subsecção dos “Efeitos do Divórcio”, mas as
pretensões indemnizatórias nele previstas são anteriores (reportam ao período matrimo-
nial), extravasam e peticionadas em ação autónoma à ação de divórcio. Apenas o artigo
1792.º, n.º2 do CC está, na visão do tribunal, corretamente inserido.
1
Estes autores desconsideram a necessidade de concomitante violação de direito de personalidade para que
haja responsabilidade civil. No entanto, para que se responsabilize um sujeito em sede aquiliana, haverá,
sempre, que ter que ter sido violado um direito (artigo 483.º, n.º1, 1.ª parte do CC). Neste caso, pensamos
que este direito poderá ser de respeito pelos deveres conjugais do outro cônjuge, à falta de melhor entendi-
mento.
uma abstenção mais qualificada que um mero dever geral de respeito. Assim, as violações
do mesmo são tidas como qualificadas.
Para MARTA COSTA, há que dividir este dever em duas vertentes, uma positiva e outra
negativa:
(1) pelo lado positivo, falamos do dever de construir a plena comunhão de vida
e demonstrar respeito, confiança especial e consideração recíprocas;
(2) pelo lado negativo, falamos de uma garantia de abstenção de comportamen-
tos lesivos para o outro cônjuge, o que abrange as integridades física e moral.
(2) se a cônjuge mulher recorrer a uma interrupção voluntária de gravidez sem o con-
sentimento do cônjuge marido, estamos perante uma violação do dever de respeito?
Temos uma situação em que o cônjuge mulher descobre que está grávida e aqui,
temos duas opções: sem comentar com o marido, decide abortar; a segunda opção é que
comenta com o marido e este diz o aborto está fora de questão, mas a mulher fá-lo na
mesma.
Trata-se de perceber se estaremos perante uma situação em que não há violação
do dever de respeito porque, uma vez que cabe a mulher dar vida, gerar uma pessoa e
permitir que ocorram alterações no seu corpo e, por isso, a última palavra deverá ser a da
mulher; ou temos de considerar a perspetiva de que não é por termos a possibilidade de
tomar uma decisão, que isso significa que não estamos a violar um dever de respeito.
Importa perceber que todas as posições devem ser expostas e serem tidas em
conta, porque no momento da decisão judicial num caso concreto, naturalmente, a con-
vicção do juiz terá peso na decisão. Podemos ter casos idênticos com decisões muito di-
versas, consoante o juiz que proferir a decisão.
MARTA COSTA não concorda que a última palavra tenha de ser a da mu-
lher, porque não considera que a gravidez seja apenas da mulher, mas sim dos dois
cônjuges, apesar de ocorrer no corpo da mulher. Com isto, é importante ter em conta que
os projetos a dois têm de ser feitos com respeito de ambos os intervenientes.
O dever de respeito obriga a que cada um dos cônjuges a não ter relações sexu-
ais consumadas com um terceiro. Para MARTA COSTA, GUILHERME DE
OLIVEIRA e PEREIRA COELHO, o conceito de relações sexuais consumadas abrange
a cópula, o coito anal e o coito oral, já que o Código Penal faz esta equiparação em
variadíssimos casos.
Para haver violação do dever de fidelidade, tem de haver um elemento objetivo
(prática da relação sexual consumada com outra pessoa) e um elemento subjetivo (a in-
tenção ou a mera consciência de violação esse dever). Por isso, não haverá violação do
dever de fidelidade se o cônjuge que teve relações sexuais com terceira pessoa só o fez,
por exemplo, por erro, ou sob coação.
Mais também se inclui tentativa de adultério, a conduta com pendor sexual de
um cônjuge com terceiro, a ligação sentimental e a correspondência amorosa, na es-
teira dos autores supramencionados. Para fazer prova destes factos, o tribunal poderia
lançar mão de presunções ou de outros factos que, pelas regras da experiência comum,
permitem inferir com elevado grau de probabilidade a prática de relações sexuais consu-
madas, artigo 349.º do CC.
Pode ser relevante a figura do venire contra factum proprium, na medida em que
as relações sexuais consentidas pelo casal em que participe um ou mais terceiros não
poderão ser utilizadas para fundamentar um divórcio por violação do dever de fidelidade.
Na comunhão de habitação quer-se dizer que os cônjuges têm que habitar con-
juntamente, na casa morada de família. A casa de morada de família tem grande impor-
tância no nosso direito, sendo objeto de uma proteção adicional face a qualquer outro
imóvel. Esta casa deve ser escolhida em acordo comum, expresso ou tácito, tendo em
conta o disposto no artigo 1673.º do CC. Nos termos do n.º2 desse artigo, é nessa CMF
que se cumpre o dever de coabitação, admitindo-se exceções, temporárias, justificadas e
ponderosas. A alteração de residência carece do mesmo acordo, artigo 1673.º, n.º3 do CC.
Não havendo acordo, cabe a qualquer dos cônjuges a faculdade de requerer a
intervenção do tribunal, ao abrigo de uma ação especial regulada no artigo 991.º do
CPC.
O artigo 1682.º-A, n.º2 do CC estabelece que, independentemente do regime de
bens escolhido, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos
pessoas de gozo sobre a casa mora de família carece sempre do consentimento de ambos
os cônjuges, mesmo que seja um bem próprio de um deles.
GUILHERME DE OLIVEIR sugere que pode não existir CMF, quando não haja
efetiva coabitação dos cônjuges ao abrigo da excecionalidade do artigo 1673.º, n.º2 do
CC. No entanto, MARTA COSTA e o próprio legislador consideram que tem que haver
sempre CMF, ainda que excecional e temporariamente um dos cônjuges nela não coabite.
Nos termos dos artigos 1671.º, n.º2 e 1674.º do CC, o dever de cooperação
abrange a orientação conjunta da vida comum e inerentes responsabilidades, bem
como as obrigações de auxílio mútuo e de socorro, consoante se trate, respetivamente,
de uma situação de normalidade ou de um caso de urgência. Nestes últimos dois casos, o
dever de cooperação1 pode ser muito mais específico, abrangendo uma prestação efetiva
de cuidados.
Quanto à orientação da vida comum, é importante ter em mente o que já estudá-
mos a propósito do princípio de igualdade entre os cônjuges e respetivo corolário, o prin-
cípio da direção conjunta da vida familiar.
1
Importa ter presente que GUILHERME DE OLIVEIRA inclui as duas obrigações mencionadas num dever
de cuidar. Seguimos, no entanto, a sistematização do legislador.
Nos termos do artigo 1676.º, n.º3 do CC, estes prejuízos só se relevam após o
divórcio, porque até então as contas foram se equilibrando.
Assim, quanto ao momento em que o crédito exigível existe um regime dual. No
entanto, RAQUEL VIEIRA discorda da visão de GUILHERME DE OLIVEIRA e de
MARTA COSTA, defendendo uma interpretação corretiva deste preceito. Partindo do
pressuposto que este crédito é um efeito do divórcio, só com ele é que localizamos o
prejuízo patrimonial. Até lá, as trocas recíprocas do casal anulam este efeito. Assim, a
professora considera que a partilha é sempre necessária para a exigibilidade deste cré-
dito.
2.1.3.1. Nome
A nossa lei é bastante igualitária em matéria de direito ao nome e nunca foi ver-
dadeiramente discriminatória como tantos outros países na europa, que exigia que a côn-
juge mulher acrescentasse obrigatoriamente os apelidos do cônjuge marido. Assim, nos
termos do artigo 1677.º do CC tanto o cônjuge mulher como o cônjuge marido podem
acrescentar ao seu nome, apelidos do outro até ao máximo de dois apelidos, de modo a
que se adote um nome comum. Esta faculdade está regulada nos artigos 167.º, n.º1 e
181.º, al. g) do CRC, para o casamento católico e civil, respetivamente.
Esta possibilidade não existe para os cônjuges que conservam apelidos do cônjuge
de anterior casamento, artigo 1677.º, n.º 2 do CC. Com o divórcio, por norma, caduca o
direito de utilização do apelido do outro cônjuge, a menos que haja uma autorização do
cônjuge titular do apelido ou se houver decisão do tribunal nesse sentido.
Os artigos 1677.º-A e 1677.º-B do CC esclarecem esta questão. Em caso de divór-
cio deixa de haver direito de utilização dos apelidos do outro cônjuge, salvo se o tribunal
expressamente o autorizar ou o cônjuge titular desse direito o autorizar. No caso de morte
de um dos cônjuges, o nome comum mantém-se, ainda que o tribunal possa decretar a
privação judicial do seu uso.
2.1.3.2. Nacionalidade
Nos termos dos artigos 3.º e 8.º da Lei da Nacionalidade, Lei n.º37/81, e 14.º do
respetivo Regulamento, DL n.º322/82, para que um cônjuge estrangeiro possa adquirir
a nacionalidade portuguesa tem de estar casado há mais de 3 anos com nacional portu-
guês. O mesmo se aplica para o unido de facto, sendo, neste caso apenas, preciso fazer
prova, através de ação judicial, para o reconhecimento dessa união durar há, pelo menos,
3 anos.
Aqui há que pensar num dos efeitos do casamento putativo, já que a declaração
de nulidade ou a anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo
cônjuge que o tenha contraído de boa-fé, artigo 3.º, n.º2 da Lei da Nacionalidade. Caso
contrário, estaremos perante um casamento simulado (sendo que os casamentos por con-
veniência são, aqui, exemplos paradigmáticos).
As regras da administração dos bens do casal são imperativas, ou seja, não podem
ser afastadas pela vontade das partes, artigo 1699.º, n.º1, al. c)
Isto não significa que um dos cônjuges não possa atribuir poderes de gestão a
outro cônjuge através de um mandato, não pode é alterar as regras da gestão. Este man-
dato é livremente revogável (artigos 1678.º, n.º 2 al. g) e 1170.º, n.º1 do CC), sendo a
regra de que cada um dos cônjuges tem a administração dos seus bens próprios.
Assim, o que o legislador quis proibir foi que, por convenção antenupcial, um
dos nubentes ficasse com a administração de certos bens próprios do outro, algo que ape-
nas poderia ser alterado por mútuo consentimento, artigo 406.º do CC – não esquecendo
que tal alteração se impossibilitaria pelo princípio da imutabilidade das convenções, ar-
tigo 1714.º do CC.
Importa recordar que pode estar em causa um regime de separação, de comunhão
de adquiridos e da comunhão geral de bens. Ora, a diferença essencial entre o regime da
comunhão geral e o regime da comunhão de adquiridos é que na comunhão geral todos
os bens são comuns, ao passo que na comunhão de adquiridos são comuns apenas os bens
adquiridos a título oneroso na constância do matrimónio. No regime da separação de bens
não há bens comuns, cada cônjuge conserva a propriedade dos seus bens e tudo o que for
adquirido em conjunto é adquirido em regime de compropriedade.
Nos termos do artigo 1678.º, n.º1 do CC, cada cônjuge administra os respetivos bens
próprios. Existem, desde logo, exceções introduzidas no n.º2 do referido artigo, em que
um dos cônjuges pode administrar os bens próprios do outro, onde se inserem os atos de
administração ordinária e extraordinária, até por maioria de razão com o artigo 1682.º,
n.º2 do CC, já que a alienação é o ato máximo, por excelência, da administração extraor-
dinária:
(1) quando se trate de bens móveis exclusivamente utilizados como instrumento
de trabalho pelo cônjuge administrador, al. e);
(2) no caso de ausência ou impedimento do outro cônjuge, al. f); ou
(3) quando o outro lhe confira poderes de administração por mandato revogável.
No que toca à administração de bens comuns, vigoram dois regimes, consoante se tra-
tem de atos de administração extraordinária ou atos de administração orindinária. Para os
primeiros vigora a regra da administração conjunta, artigo 1678.º, n.º3, 2.ª parte do
CC. Para os segundos, vigora a regra da administração disjunta, artigo 1678.º, n.º3, 1.ª
parte do CC.
Novamente, existem algumas exceções no artigo 1678.º, n.º2 do CC, nomeada-
mente à regra da administração conjunta:
(1) proventos pelo trabalho de cada um, ainda que o regime de bens do casa-
mento os considere bens comuns (artigos 1724.º, al. a) e 1734.º do CC), a administração
compete ao sujeito que os aufere, al. a);
(2) direitos de autor de cada um, ainda que o regime de bens do casamento os
considere bens comuns (artigos 1724.º, al. a) e 1734.º do CC), a administração compete
apenas a um cônjuge, al. b);
(3) os bens que levou para o casal ou adquiriu depois do casamento a título gra-
tuito e dos sub-rogados em lugar deles, al. c)1/2;
(4) bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão
da administração de um dos cônjuges, exceto se se tratar de bens doados ou deixados a
este último por conta da legítima, al. d);
(5) móveis comuns por um exclusivamente utilizados como instrumento de tra-
balho, cabendo aqui a administração extraordinária (artigo 1682.º, n.º2 do CC), al. e);
(6) todos os bens do casal, se o outro cônjuge se encontrar ausente ou impedido
de administrar, al. f) – interpretação por maioria de razão, já que a lei apenas fala dos
bens próprios do ausente ou impedido;
(7) todos os bens do casal, ou parte deles, se o outro cônjuge houver conferido tais
poderes por mandato revogável, al. g) – interpretação por maioria de razão, já que a lei
apenas fala dos bens próprios do outro cônjuge.
1
A lei não menciona os rendimentos destes bens, mas o regime é extensível por força da identidade de
razão com a alínea que trata o produto do trabalho, bem como pela referência do artigo 1692.º, n.º2, al. a)
do CC.
2
A sub-rogação no lugar de bens comuns vale em qualquer das suas modalidades: troca direta, preço dos
bens alienados ou troca indireta. Pode ser provada por qualquer meio, não se aplicando o artigo 1723.º, al.
c) do CC.
Nos casos previstos no artigo 1681.º, n.º2 do CC, já falamos de um poder de ad-
ministração (não normal) assente numa decisão dos cônjuges (artigo 1678.º, n.º2, al. g)
do CC), e não numa atribuição geral da lei, de celebrar um contrato de mandato de
administração que afasta o regime geral. Este contrato regulado nos artigos 1159.º e ss do
CC pode ser celebrado de forma expressa ou tácita, artigos 217.º, n.º1 e 219.º do CC.
Por esta possibilidade aberta e livre de celebração do mandato, concebe-se uma
responsabilidade muito mais ampla entre os cônjuges, nos termos do regime geral do
contrato de mandato. No entanto, como o casamento envolve uma intimidade tal entre os
cônjuges, limita-se esta invocação da prestação de contas aos 5 anos anteriores.
Nos casos previstos no artigo 1681.º, n.º3 do CC, o legislador olha para as rela-
ções matrimoniais com as suas idiossincrasias comuns: duradouras, potencialmente con-
flituantes, íntimas e informais. Esta proximidade conduz a uma eventual dificuldade em
definir se houve, de facto, uma celebração tácia de um mandato, ou se não se chegou a
obter vontades opostas e convergentes que conduziriam a um contrato.
Temos que dividir o artigo em duas partes, consoante haja ou não haja oposição
à administração pelo cônjuge administrador.
Este regime é alheio às relações entre os cônjuges, desde logo porque a oposição
de um deles é fundamento para a violação de um dever de respeito aquando da atuação
do outro.
que diz respeito à sua metade no património comum, embora esta solução interesse bas-
tante aos credores comuns que veem a sua garantia restabelecida.
A segunda forma de resolver a questão só tem sentido se o cônjuge credor puder
considerar o crédito (correspondente à sua metade do dano) como um bem próprio; de
facto, não tem sentido considerar este crédito (de metade do dano) como um valor co-
mum, sujeito a partilha.
Nos termos do artigo 1679.º do CC, “o cônjuge que não tem a administração dos
bens não está inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar,
por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências pude-
rem resultar prejuízos”. O artigo visa os casos de impedimento ou impossibilidade tem-
porária, dando poderes de administração ao outro cônjuge, circunscritos às providências
referidas.
2.2.2.1. Generalidades
(1) Alienar bens imóveis, próprios ou comuns – artigo 1682.º-A, n.º1, al. a) do CC.
Este regime mostra bem a importância que o nosso Direito atribui à riqueza imo-
biliária ou fundiária, uma vez que nos termos do artigo 1682.º, n.º2 do CC, esta regra não
é extensível aos bens móveis.
É ponto assente que o simples contrato-promessa de alienação não carece de
consentimento entre ambos os cônjuges, por não transmitir o direito real. Esta norma é
uma daquelas que se inclui na “pela sua razão de ser” do artigo 410.º, n.º1 do CC.
Mais, esta norma não deve ser aplicada quando a alienação de imóveis, ou a res-
petiva oneração, praticada pelo empresário, constituir o objeto da empesa; como acon-
tece, por exemplo, com um construtor civil que venda andares. Nestes casos, a alienação
de imóveis constitui um ato de administração ordinária da empresa, sendo que só a alie-
nação da própria empresa careceria do consentimento de ambos.
(2) Onerar bens imóveis, próprios ou comuns, através da constituição de direitos reais
de gozo ou de garantia, e ainda dar de arrendamento ou constitui sobre eles outros
direitos pessoais de gozo – artigo 1682.º-A, n.º1, al. a) do CC.
Os direitos reais de gozo são uma limitação pesada ao uso e fruição, equivalente
à perda do valor do bem; o mesmo se diga quanto ao arrendamento. A constituição de
garantia pode conduzir à alienação forçada do bem.
(5) Alienar a casa de morada de família – este regime é aplicável qualquer que seja
o regime de bens do casamento, nos termos do artigo 1682.º-A, n.º2, al. b) do CC.
Falamos de uma defesa da estabilidade da habitação familiar, sendo que é discu-
tível se apenas se insere, neste conceito, a residência principal, ou se abarcam eventuais
residências secundárias.
(9) Alienar os bens móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente pelos côn-
juges como instrumento comum de trabalho, artigo 1682.º, n.º3. al. a) do CC.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA consideram que a norma torna-se
inapta quando os bens se tornem inúteis para os fins profissionais destinados.
(10) Alienar os bens móveis próprios ou comuns quando a administração cabe ao ou-
tro – artigo 1682.º, n.ºs 2 e 3, al. b) do CC.
uma perda patrimonial equivalente a qualquer outra perda económica, carece de consen-
timento de ambos os cônjuges.
Não obstante os bens doados serem bens próprios no regime da comunhão de ad-
quiridos (artigo 1722.º, n.º1, al. b) do CC), se um dos cônjuges no regime de comunhão
de adquiridos ou comunhão geral de bens quiser repudiar uma herança ou legado, apenas
o poderá fazer com o consentimento do outro cônjuge,
O consentimento conjugal deve ser especial para cada um dos atos que dele ca-
reça, artigo 1684.º, n.º1 do CC. Assim, a lei obriga a que haja uma reflexão e ponderação
sobre a oportunidade de cada ato.
O consentimento conjugal está sujeito à forma exigida para a procuração, artigo
1684.º, n.º2 do CC. Em regra, nos termos do artigo 262.º, n.º2 do CC, a forma legal da
procuração é a mesma que a exigida para o ato a celebrar. No entanto, o artigo 116.º do
Código do Notariado permite que o consentimento se preste por escrito.
Enquanto o ato não estiver começado, admite-se a revogação da procuração. Se
o ato já estiver começado, a revogação só pode acontecer se forem reparados eventuais
prejuízos para terceiros. Quanto à forma, tecem-se as mesmas considerações.
O efeito do consentimento é o de validar os atos que o outro cônjuge praticar, no
caso de este não ter legitimidade para eles. Quando já haja legitimidade, o efeito do con-
sentimento é o de responsabilizar o cônjuge que o concede, artigo 1690.º, n.º1 do CC, por
exemplo.
O consentimento conjugal pode ser suprido quando um cônjuge não tem legiti-
midade para praticar sozinho certo ato necessário ou conveniente. Este suprimento do
consentimento só pode ter lugar nos casos de impossibilidade ou nos casos de injusta
recusa, sendo que se segue os artigos 1000.º e 1001.º do CPC.
Atualmente cada um dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas. Antes
da reforma de 1977 não era assim: já que o cônjuge-mulher precisava da autorização do
cônjuge-marido para as contrair. Foi com a adoção do princípio da igualdade entre côn-
juges que esta regra caiu e, hoje-em-dia, qualquer um dos cônjuges pode contrair dívidas
sem qualquer consentimento.
Este princípio está até espelhado no artigo 1690.º do CC de epígrafe “legitimidade
para contrair dívidas”: qualquer cônjuge tem legitimidade para contrair dívidas sem
o consentimento do outro cônjuge, independentemente do regime de bens.
Na teoria é isto que acontece, porém, coisa diferente é que na prática um credor
permita que um cônjuge contraia a dívida sem o consentimento do outro cônjuge. Por
exemplo, se um A e B casaram num regime de comunhão de adquiridos e A quiser ad-
quirir um imóvel com recurso ao crédito à habitação, na verdade, o cônjuge A pode fazê-
lo, pois não há nada que legalmente o impeça. Contudo, o banco que vai fazer o emprés-
timo, uma vez que a coisa será um bem comum, só vai ceder o crédito se o outro cônjuge
também for devedor (responsabilidade solidária de ambos).
(1) As dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento
do outro, anteriores ou posteriores à celebração do casamento – artigo 1691.º, n.º1,
al. a) do CC.
O consentimento aqui referido não está sujeito a regras especiais, pelo que há
liberdade de forma e pode ser tácito, artigos 219.º e 217.º do CC, respetivamente. Mais,
aqui não vale os casos em que um dos consentimentos foi judicialmente suprido.
(2) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos normais
da vida familiar – artigo 1691.º, n.º1, al. b) do CC.
Os encargos normais da vida familiar é, por exemplo, a compra do frigorífico, o
pagamento da escola dos miúdos, a ida ao supermercado, a ida à farmácia. Justifica-se a
aplicação analógica desta norma às uniões de facto.
(4) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio – artigo
1691.º, n.º1, al. d) do CC.
Esta norma completa o artigo 15.º do Código Comercial, assegurando o alarga-
mento da garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio,
(5) Dívidas que onerem os bens doados, herdados ou legados, quando tais bens te-
nham ingressado no património comum – artigos 1691.º, n.º1, al. e) e 1693.º, n.º2
do CC.
(6) Dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges em proveito co-
mum do casal, quando vigore o regime da comunhão geral de bens – artigo 1691.º,
n.º1 do CC.
(7) Dívidas que onerem bens comuns – artigo 1694.º, n.º1 do CC.
No regime da separação de bens não existem bens comuns, logo este artigo não
se aplica. Falamos de exemplos como as dívidas de IMI, de saneamento, etc.
(8) Dívidas que, nos regimes de comunhão, onerarem bens próprios, se tiverem como
causa a perceção dos respetivos rendimentos – artigo 1694.º, n.º2 do CC.
As dívidas podem ser relacionadas com os bens em si ou com a perceção dos
rendimentos desses bens. Só este último caso é que torna a responsabilidade pela dívida
comum, por tais rendimentos se tratarem de bens comuns, nos regimes de comunhão.
(1) Dívidas contraídas por um dos cônjuges sem o consentimento do outro, exceto os
casos já estudados das als. b) e c) do n.º1 do artigo 1691.º do CC – artigo 1692.º, al.
a) do CC
Não havendo circunstâncias especiais (encargos da vida familiar e proveito co-
mum) que se prendem com a vida conjugal, valem as regras gerais do Direito das Obri-
gações e cada um fica responsável pelas dívidas que contrai. Ou seja, este artigo aplica-
se quando falha um dos requisitos das alíneas b) e c). Nunca se aplica às outras alíneas
do artigo 1691.º, n.º1 do CC.
Incluem-se as anteriores e as posteriores ao casamento.
(3) Dívidas que oneram bens próprios de qualquer dos cônjuges – artigos 1692.º, al.
c) e 1694.º, n.º2 do CC.
Sendo, em regimes de comunhão, os rendimentos bens comuns, se as dívidas
tiverem como causa a perceção dos rendimentos, são da responsabilidade comum.
(4) Dívidas que onerem doações, heranças ou legados, quando os respetivos bens sejam
próprios – artigo 1693.º, n.º1 do CC.
Nos termos do artigo 1696.º do CC, respondem por estas dívidas os bens próprios
do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns. Não respon-
dem, também, os bens que são da responsabilidade administrativa do cônjuge devedor,
mas cuja titularidade não lhe pertence, o que faz com que se interprete restritivamente
este artigo.
Na falta ou insuficiência de bens próprios do devedor, é possível penhorar ime-
diatamente os bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora,
peça a citação do cônjuge do executado para requerer, querendo, a separação de bens.
Para demais trâmites, veja-se o artigo 740.º do CPC.
Veja-se o artigo 1692.º, n.º2 do CC, para saber os bens que respondem ao lado
dos bens próprios do cônjuge devedor. A lei sacrificou o património comum em favor
das expectativas do casal. Assim, o credor pode penhorar indistintamente estes bens
ou os bens próprios, já que esta norma especial afasta a graduação oferecida pelo n.º1 do
artigo 1692.º do CC.
O texto legal não parece limitar a responsabilidade ao valor de metade dos bens
comuns penhorados, o que pode dar lugar a compensação, no momento da partilha.
comum, destinada a apurar o valor do ativo comum líquido, através do cálculo das com-
pensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e (3) a partilha
propriamente dita.
O primeiro passo é fazer a separação dos bens próprios de cada cônjuge. Estes
bens não carecem de qualquer intervenção, simplesmente separam-se para que as opera-
ções subsequentes incidam apenas sobre bens comuns que, estes sim, carecem de divisão.
Excecionalmente, a separação ganha uma grande importância quando a propri-
edade sobre um bem se torna objeto de litígio. Estas questões acabarão por ter que ser
solucionadas em sede de ação comum, fora do processo de inventário, artigo 1092.º do
CC.
preparatórios sugerem que se pretendeu um regime igual para todos os casos, o que faz
com que a exigibilidade do pagamento seja diferida para o momento da partilha.
Uma dúvida que se coloca é se as compensações, no momento da partilha, devem
ser feitas pelo valor nominal ou pelo valor atualizado. Ainda que o artigo 550.º do CC
imponha o princípio do nominalismo, este não pode ser aplicado cegamente, sob pena de
reverter a intenção do regime das compensações. O artigo 550.º do CC admite convenção
em contrário, mas GUILHERME DE OLIVEIRA entende que, por estarmos perante uma
obrigação legal, e por força do regime que é aplicado na colação e no pagamento de tor-
nas, artigos 2109.º, n.º3 e 2029.º, n.º3 do CC, respetivamente, bem como porque a tutela
legal é dada ao património empobrecido (reconstituindo, agora, o valor que dele deveria
constar), deve atender-se ao valor atualizado (especialmente devido à crescente desva-
lorização monetária sucessiva). O autor encontra uma lacuna e aplica por analogia os
regimes supramencionados.
Os créditos de compensação não vencem juros, dado que estes dependem da
mora, artigo 806.º do CC, ao passo que a realidade aqui em análise só se vence no mo-
mento da partilha.
Após o termo das relações patrimoniais conjugais, mas antes da conclusão da par-
tilha, decorre um período denominado por comunhão pós-conjugal. Este período serve
para conhecer o regime legal aplicável a vários temas concretos. A doutrina oscila entre
a compropriedade e a comunhão hereditária (CRISTINA DIAS). GUILHERME DE
OLIVEIRA defende que se se quiser eleger um regime específico, tem que se afastar o
artigo 1404.º do CC, leia-se, afastar a aplicação das regras subsidiários da comproprie-
dade. Mais, o autor não defende que haja uma verdadeira lacuna, antes parece postular
que se aplicam as normas que, aqui e ali, se vão encontrando sobre cada tema concreto.
Vamos, agora, versar sobre as especialidades da divisão dos bens, em sete cam-
pos.
2.2.4.3.1. Forma
Quando haja acordo entre os interessados então houver bens imóveis, os proce-
dimentos da partilha não carecem de forma. Se houver bens imóveis, podem formali-
zar-se através de escritura pública ou de documento particular autenticado, artigo 22.º, al.
f) do DL n.º116/2008. Podem ser realizadas na conservatória do registo civil, no âmbito
de um processo de divórcio ou de separação de pessoas e bens por mútuo consentimento,
ou depois de um processo desses; ou, ainda, na sequência de qualquer processo de divór-
cio, artigos 272.º-A a 272.º-C do CRC e artigos 5.º a 7.º da Portaria n.º1594/2007.
1
O princípio da imutabilidade do regime de bens significa que não é suscetível de alteração o regime
matrimonial adotado pelos cônjuges que tenha sido através da escolha, convenção antenupcial ou através
da aplicação da norma supletiva do regime da comunhão de adquiridos.
2
Significa isto que é imperativo que cada um dos cônjuges receba metade do património comum. Portanto,
o tribunal entendeu que se há violação dessa regra, o contrato é inválido, mas mais: se não há elementos
necessários para determinar se há ou não violação dessa regra, então, mantém-se a invalidade.
com o outro cônjuge. Sendo sempre necessário considerar todas as circunstâncias, dado
que se, por exemplo, tiver condições piores mas tem os progenitores que têm uma casa
disponível e que se ofereceram para poderem ir viver para lá, se o outro cônjuge conseguir
fazer prova deste facto, este deve ser considerado.
Durante muitos anos entendeu-se que era critério determinante os filhos ficarem
a viver com um ou com outro dos cônjuges, hoje em dia já não se considera um critério
determinante, sendo a regra a da residência alternada, portanto, este argumento acabou
por perder alguma relevância.
Quanto à casa própria também há regras específicas que constam do artigo 1793.º
que se apresenta um preceito fundamental.
Se houver acordo (artigos 1775.º, n.º1, al. d) do CC e 272.º, n.º1, al. f) e n.º2 do
CRC) entre os cônjuges o direito de locação (não é um direito de propriedade) ficará
atribuída a um dos cônjuges, sendo este o regime normal, podendo este ser alterado a todo
o tempo, desde que haja circunstâncias supervenientes que justifiquem esta alteração.
Não havendo acordo, o direito de locação é atribuído, sob a forma de arrenda-
mento, a um dos cônjuges, com o pagamento de uma renda ao cônjuge que fica prejudi-
cado. Esta renda não tem de ter o valor de mercado, não obstante a lei dizer que o contrato
de arrendamento vai ser sujeito às regras do contrato de arrendamento para habitação, o
tribunal pode fixar um valor de renda muito inferior àquele que resultaria das condições
de mercado e pode fazê-lo atendendo às condições específicas do cônjuge que vai passar
a ser arrendatário, bem como às condições específicas do cônjuge que vai passar a receber
a renda e ao interesse dos filhos.
Por decisão judicial o tribunal vai determinar o pagamento de um valor de renda,
renda essa que pode ter um valor muito inferior àquele que seria resultante das condições
de mercado, ou não. Se ambos os cônjuges tiverem condições favoráveis e próximas, aí
não há razão nenhuma para a renda ter um valor inferior àquele que resultaria das condi-
ções de mercado.
Se a casa for comum a solução será exatamente a mesma. A renda daquele que
não ficar na casa, que em princípio ainda é proprietário, porque em princípio ainda é um
bem comum será um pouco mais baixa porque 50% da propriedade é do outro que fica lá
a viver. Este regime opera independentemente do regime matrimonial de bens e opera
inclusivamente nos casos de separação de bens.
Há alguma jurisprudência que entende que regime equivalente pode ser aplicado
a uma casa de férias em que os cônjuges passem muito tempo. Ou seja, em que os côn-
juges vão todos os fins-de-semanas, feriados e férias para essa casa, havendo alguma ju-
risprudência que se pronuncia no sentido de esta ser uma segunda casa de morada de
família. Em sentido contrário, pronuncia-se MARTA COSTA, precisamente por estar
em causa um regime muito excecional apenas se justificando quando esteja em causa a
casa de morada de família, não é possível as pessoas viverem em dois sítios. Até porque
este regime implica muitas restrições ao cônjuge que fica prejudicado, que fica impedido
de utilizar a casa de morada de família, pelo que não se entende qual seria a motivação
para se permitir isto mesmo em duas situações.
levou para o casamento (quando celebrado em regime de comunhão geral), mas já não o
podem fazer com validade relativamente à CMF, por exemplo.
Esta estipulação não pode vir prejudicar direitos e interesses de terceiros, bem
como não pode ser contrária à boa-fé, leia-se, manifestando um abuso de direito.
necessário averiguar se esta sociedade não foi constituída com o propósito de defraudar
o princípio da imutabilidade. Nestes últimos casos, concluiríamos que o legislador tinha
usado a palavra "participação" num sentido restrito, que supunha a presença de outro só-
cio, para além dos cônjuges.
Quanto à forma, aplicam-se as regras das doações em geral, artigo 947.º do CC,
com duas especificidades.
A doação de coisas móveis, mesmo quando acompanhadas da tradição, o artigo
1763.º, n.º1 do CC que determina que a doação tem de ser reduzida a escrito. A tradição
tem como objetivo publicitar a transmissão da coisa, porém, não há publicidade se a tra-
dição opera de um cônjuge para outro dentro de casa. O objetivo é também evitar confu-
sões entre empréstimos e doações entre os cônjuges.
As doações recíprocas no mesmo ato estão proibidas, de modo a que não se
abale a autonomia e a liberdade do consentimento dos cônjuges – se A doar a B, seu
cônjuge um relógio e receber, em doação de B, uma joia, a liberdade de ambos os cônju-
ges parece abalar-se, ainda que implicitamente, nomeadamente quanto à livre revogabi-
lidade de cada doação. Com as doações recíprocas parece que a revogação de um impli-
caria também a revogação do outro.
No entanto existe uma exceção, artigo 1763.º, n.º3 do CC. Por exemplo, João ca-
sado com Maria decide fazer a doação do imóvel aos filhos e constitui o usufruto sobre
esse imóvel com cláusula de usufruto desses bens até à morte do último doador – onde
têm já que intervir ambos cônjuges.
Quanto ao objeto, as doações entre casados só podem ter por objeto bens presen-
tes, nos termos do regime geral dos artigos 942.º, n.º1 e 1753.º, n.º2 do CC. Por outro
lado, só podem estar em causa bens próprios do cônjuge doador. As doações de bens
comuns ofenderia, gravemente, os interesses de terceiros, pois permitira a transferência
de bens do património comum para o património dos cônjuges, o que ofende o princípio
da imutabilidade entendido num sentido lato. Assim, estas doações seriam nulas.
Nos casos de doações entre esposados (ou feitas por terceiros a um, ou a ambos,
os cônjuges – sendo que o regime é o mesmo, com as devidas adaptações) não falamos
de negócios entre os cônjuges, mas antes de negócios que têm em vista a existência futura
do estado de casado.
Não falamos de meros donativos, que resultam do artigo 940.º, n.º2 do CC, já que
estes têm lugar a serem ponderados no regime das promessas de casamento, como tive-
mos oportunidade de estudar.
Estas doações podem ter por objeto bens presentes, nos termos do artigo 942.º,
n.º1 do CC, bem como, em certos casos, bens futuros, uma vez que podem ter por objeto
parte ou totalidade da herança do doador, sendo dos poucos casos em que a lei admite a
doação mortis causa, bem como a sucessão contratual, artigo 946.º do CC.
Podemos ter três modalidades: (1) doações intervivos de bens presentes, artigos
1753.º e ss do CC; (2) doações mortis causa de bens presentes, certos e determinados,
artigos 1700.º e ss do CC; e (3) doações mortis causa de parte ou totalidade da herança,
artigos 1700.º e ss do CC.
Quanto à forma, o artigo 1756.º do CC apenas faz referência à convenção ante-
nupcial. No entanto, GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO entendem
que esta formulação legal é muito restritiva, conduziria à intervenção de terceiros em sede
de convenção antenupcial, sendo que se existisse nova doação, ter-se-ia que revogar a
anterior convenção (revogável a todo o tempo até ao momento da celebração do casa-
mento), chamar eventuais anteriores doadores que quisessem manter as doações, e inserir
as novas doações feitas. Mais, os cônjuges que quisessem ver ser-lhes aplicável o regime
supletivo, não poderiam beneficiar destas doações. Assim, os autores entendem que a
forma a seguir é a escritura pública, até por ser esta a forma exigida para a convenção
antenupcial.
Quanto aos efeitos, estes variam consoante a modalidade que esteja em causa.
Nas doações intervivos, nenhuma diferença quanto ao regime geral se levante.
Nas doações mortis causa de bens presentes, certos e determinados só com a
morte do doador é que a propriedade (ou a titularidade doutro direito que se constitua) se
transfere para o donatário. Estas doações são irrevogáveis, nos termos do artigo 1701.º,
n.º1 do CC, sendo que a disposição a título oneroso só pode ser feita nos termos do n.º2
do mesmo artigo, ressalvando-se os direitos do n.º3.
Nas doações mortis causa de parte ou da totalidade da herança também só com
a morte do doador se transfere a propriedade dos bens para o donatário, que, também
aqui, não tem, em vida, qualquer poder sobre esses bens. No entanto, a expetativa jurídica
que existe neste caso é menos forte do que no anterior, pelo que apenas se veda a dispo-
sição dos bens a título gratuito.
Existem duas causas de caducidade, as descritas nos artigos 1760.º, n.º1 e 1703.º,
n.º1 do CC. No primeiro caso, basicamente, inserem-se as situações em que o casamento
não seja celebrado dentro de um ano após a doação ou se, sendo-o, for declarado nulo ou
anulável, ressalvando o regime da boa-fé e da produção dos efeitos do casamento puta-
tivo, exposto a propósito das doações entre casados e para onde remetemos; bem como
quando haja divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, sendo que é de ignorar a
segunda parte da al. b) do artigo 1760.º, n.º1 do CC, já que a referência à culpa em sede
de divórcio já não faz sentido. No segundo caso, a caducidade opera sempre que o doador
seja pré-morto em relação ao donatário.
Com o divórcio Maria perde o direito a esta doação, mas de acordo com o artigo
1761.º, n.º2 do CC, os pais de João podem determinar que esse valor reverta para os filhos
do casal, sendo que estamos perante um prerrogativa dos doadores.
Esta perda do benefício da doação abrange todas as doações, independentemente
de valor, exceto aquelas que sejam consideradas simples donativos, artigo 940.º, n.º2 do
CC, que são avaliados pelos usos, pelo respetivo valor económico, dadas as condições
económicas subjacentes aos intervenientes.
Ainda que falemos de uma matéria que se insere dentro dos efeitos patrimoniais
do casamento, a sua importância impõe um tratamento autónomo.
Importa ter presente que, por força do artigo 1717.º do CC, vigora, entre nós,
supletivamente, o regime da comunhão de adquiridos. Ou seja, na falta de convenção
antenupcial, ou no silêncio desta, e caso não exita um regime imperativo de bens, o regime
de bens casamento é o da comunhão de adquiridos.
Já sabemos que, neste regime, temos bens próprios e bens comuns. Este regime
pode advir da falta de escolha de convenção antenupcial de um outro regime (supletivi-
dade do artigo 1717.º do CC) ou da própria escolha desse regime. Ou seja, não é por ser
um regime supletivo, que não pode ser convencionado através de convenção antenupcial
para o efeito. Nos termos do artigo 1720.º do CC, já sabemos que são dois os casos em
que este regime não pode vigorar, por imperatividade absoluta do regime da separação de
bens.
Neste regime, temos um património comum. Isto não significa que cada um dos
cônjuges tenha direito a 50% de cada bem concreto que faz parte do património, mas
antes que há um direito unitário entre os cônjuges sobre a totalidade do património.
No momento em que for dividido, cada cônjuge terá direito a 50% do valor do património
comum, mas não a 50% de cada bem concreto. Isto, porque se trata de uma propriedade
coletiva. O artigo 1730.º, n.º1 do CC estabelece a regra da metade do valor do património.
O nosso legislador, entendeu que era fundamental a igualdade dos cônjuges na parte pa-
trimonial e, portanto, não vem permitir que um dos cônjuges recebesse mais do que o
outro na partilha.
Os bens próprios encontram-se presentes nos artigos 1722.º, 1723.º e 1726.º a
1729.º do CC. Nos termos da alínea b) do artigo 1722.º, constam os bens que lhes advie-
rem, depois da celebração do casamento, por título gratuito. MARTA COSTA costuma
dizer que, por regra, são comuns, no âmbito da comunhão de adquiridos, todos os bens
adquiridos após a celebração do casamento, a título oneroso (artigo 1724.º, al. b) do CC).
Esta é uma regra que espelha bem quais são os bens próprios e os bens comuns. Em sede
de exame, na falta de qualquer outra informação em contrário, presume-se que o bem é
comum.
Mais, a enumeração do artigo 1722.º, n.º2 do CC é enumerativa. Há a dizer que
os professores GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO restringem o artigo
1722.º, n.º2, al. d) do CC, afirmando que só se aplica quando estão em causa direitos de
preferência ou contratos promessa com eficácia real. Contrariamente, temos RAQUEL
VIEIRA, LEITE DE CAMPOS e CASTRO MENDES. Ainda a este propósito, nomea-
damente quando ao artigo 1091.º do CC, o STJ pronunciou-se afirmando que temos que
distinguir os casos em que há ativação da preferência dos casos em que não há ativação
da preferência. Só nos primeiros é que se aplica o artigo 1722.º, n.º2, al. d) do CC.
Quanto ao artigo 1723.º, al. c) do CC, pense-se no João, que já tem um automóvel
próprio antes de casar. João casa no regime da comunhão de bens e, depois do casamento,
decide trocar esse automóvel, por um outro automóvel. Este novo automóvel, já integrou
a sua esfera depois deste estar casado. Se não se conseguisse fazer prova de que João teria
dado o seu anterior automóvel, em troca do novo, não haveria dúvidas de que o novo
automóvel seria um bem comum. Mas a verdade, é que ele já tinha um bem próprio que
utilizou para fazer esta sub-rogação, logo o novo automóvel também é um bem próprio.
Quando estamos a falar de bens móveis, não há muitas dúvidas, relativamente a
esta questão. Quando, todavia, estão em causa bens imóveis, a jurisprudência é diver-
gente.
Por exemplo, João tem um T1 antes de casar. Entretanto casa, e decide comprar
um T2. Permuta o seu T1, pelo novo T2 e dá a diferença em dinheiro próprio. Se nada
tiver ficado estipulado na escritura pública, na qual teria que incluir o outro cônjuge, a
verdade é que, nos termos da lei, o T2 seria um bem comum.
Todavia, já temos jurisprudência a entender que se não estiver em causa nenhuma
tutela de um interesse de terceiro, e se as relações em causa foram apenas entre os côn-
juges, nomeadamente uma partilha na sequência de um divórcio, qualquer forma de
prova da conexão entre a proveniência do dinheiro ou dos valores próprios e o bem
adquirido é admissível.
O AUJ n.º12/2015 estatui que: estando em causa apenas os interesses dos cônju-
ges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do
artigo 1723.º, al. c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios
utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo
da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo,
prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens
próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão con-
jugal. Esta era a tese que GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO defen-
diam, mesmo antes do AUJ.
Quando há necessidade de tutela de interesses de terceiros, têm que se preencher
os dois requisitos do artigo para que o bem possa ser considerado próprio: (1) dinheiros
ou valores próprios de um dos cônjuges; e (2) a proveniência desse dinheiro seja menci-
onada no documento de aquisição, ou equivalente, com a intervenção de ambos os côn-
juges1.
O artigo 1726.º do CC tem uma regra particular. Se o bem adquirido, tiver sido
adquirido com uma parte de dinheiro ou de bens próprios de um dos cônjuges, se essa
parte representar o valor superior do bem, então será um bem próprio. Se representar um
valor inferior, então será um bem comum. Se for 50/50, não havendo uma regra especial,
trata-se de um bem comum, por força do artigo 1724.º, al. b) do CC. Nota que, nos termos
do artigo 1726.º, n.º2 do CC, haverá sempre lugar à compensação devida em sede de
partilha.
1
Esta segunda parte assegura-se com a inserção de uma cláusula de que o outro cônjuge toma conhecimento
da proveniência dos valores utilizados e com a sua assinatura no negócio em causa.
Nos termos dos artigos 1699.º, n.º2 e 1720.º do CC, são três os casos em que está,
às partes, vedada a estipulação do regime da comunhão geral de bens.
Nos termos do artigo 1734.º do CC, são aplicáveis a este regime as disposições
relativas à comunhão de adquiridos.
Nos termos do artigo 1732.º do CC, integram o património comum dos cônjuges
todos os bens que não excetuados por lei que os cônjuges detenham à data da celebração
do casamento, bem os que lhes advenham posteriormente ao mesmo, a qualquer título.
No regime da comunhão geral de bens, pode haver bens próprios? Sim, os bens
que estão previstos no artigo 1733.º do CC, são incomunicáveis em qualquer regime.
Os bens próprios, neste regime, são residuais. No regime da comunhão de adquiridos,
pode haver inúmeros bens próprios.
O artigo 1699.º do CCC, consagra na sua alínea d), que não podem ser objeto de
convenção antenupcial, os bens enumerados no artigo 1733.º do CC, demonstrando assim
a imperatividade desta regra.
Encontra-se previsto nos artigos 1735.º e 1736.º do CC. Aqui há uma separação
absoluta e completa, entre os bens de cada cônjuge, sendo que cada um conserva o do-
mínio e a fruição de todos os seus bens presentes e futuros, de que pode dispor livre-
mente, exceto em casos esdrúxulos, como a tutela da CMF, artigo 1682.º-A, n.º2 do CC.
Há, ainda, uma liberdade quase absoluta de administração dos bens próprios, exceto
nos casos dos artigos 1678.º, n.º2, 1682.º, n.º3 e 1682.º-A, n.º2 do CC.
Este regime é imposto por lei quando, nos termos do artigo 1720.º do CC: (1) um
dos cônjuges tenha mais de 60 anos; ou (2) não tenha sido respeitado o processo prelimi-
nar de casamento.
Nos termos do artigo 1736.º do CC, para evitar compropriedade, no âmbito de
convenção antenupcial, pode haver regras de presunção sobre os bens móveis. Porque
é uma presunção, mesmo que seja oponível a terceiros, é possível fazer prova do contrá-
rio. O n.º 2 tem uma presunção de compropriedade de ambos os cônjuges, relativamente
aos bens móveis.
Remetemos para o artigo 1412.º do CC, já que os bens que não são próprios, neste
regime são bens detidos em compropriedade, que determina que, em regime de com-
propriedade, cada um dos comproprietários pode requerer a divisão da coisa comum, a
qualquer momento, seguindo o processo especial de divisão de coisa comum, artigos
925.º e ss do CPC.