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FACULDADE DE

DIREITO

DOCENTES:
Prof.ª Doutora Marta Costa
Mestre Raquel Vieira

DIREITO DA
FAMÍLIA
Sebenta conjunta de Isabel Andrade, João Tomás, Larisa
Tovmasyan, Maria João Lucas e Patrícia Romão
Prof.ª Dra. Marta Costa Universidade Católica Portuguesa 2021/2022

ÍNDICE
ÍNDICE .........................................................................................................................................................3

PARTE I: INTRODUÇÃO ........................................................................................................................5

1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS .................................................................................................................6


1.1. Generalidades........................................................................................................................6
1.2. As relações jurídico-familiares .............................................................................................8
2. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE DIREITO DA FAMÍLIA ....................................................................12
3. CARACTERES DO DIREITO DA FAMÍLIA ...........................................................................................19
4. CARACTERES DOS DIREITOS FAMILIARES PESSOAIS .......................................................................20
4.1. Fragilidade da garantia dos direitos familiares pessoais ...................................................20
4.2. Carácter relativo e excecionalidade da proteção absoluta.................................................21
4.3. Tipicidade dos direitos familiares pessoais ........................................................................22

PARTE II: A RELAÇÃO MATRIMONIAL.........................................................................................23

1. CONSTITUIÇÃO DA RELAÇÃO MATRIMONIAL .................................................................................24


1.1. Conceito e caracteres gerais do casamento ........................................................................24
1.1.1. Conceito do casamento .................................................................................................................. 24
1.1.1.1. Conceito de casamento civil ................................................................................................ 24
1.1.1.2. Conceito de casamento católico .......................................................................................... 25
1.1.2. O sistema matrimonial português................................................................................................... 26
1.2. Promessa de casamento: descrição geral, justificação e efeitos ........................................29
1.3. Casamento civil ...................................................................................................................34
1.3.1. Requisitos de fundo ........................................................................................................................ 34
1.3.1.1. Consentimento ..................................................................................................................... 34
1.3.1.1.1. Necessidade do consentimento e modo como deve ser prestado .................................... 34
1.3.1.1.2. Carácter pessoal do consentimento ................................................................................. 34
1.3.1.1.3. Carácter puro e simples do consentimento...................................................................... 36
1.3.1.1.4. Perfeição do consentimento ............................................................................................ 37
1.3.1.1.5. Liberdade do consentimento ........................................................................................... 39
1.3.1.2. Capacidade .......................................................................................................................... 41
1.3.1.2.1. Impedimentos dirimentes absolutos ................................................................................ 41
1.3.1.2.2. Impedimentos dirimentes relativos ................................................................................. 43
1.3.1.2.3. Impedimentos impedientes.............................................................................................. 45
1.3.1.3. Formalidades do casamento ................................................................................................ 47
1.3.1.3.1. Processo preliminar de casamento e possíveis incidentes............................................... 47
1.3.1.3.2. Celebração do casamento ................................................................................................ 49
1.3.1.3.3. Registo do casamento ...................................................................................................... 49
1.3.1.3.4. Casamentos urgentes ....................................................................................................... 50
1.3.1.3.5. Casamentos de portugueses no estrangeiro ..................................................................... 52
1.3.1.3.6. Casamento de estrangeiros em Portugal ......................................................................... 54
1.3.1.3.7. Capacidade matrimonial de estrangeiro .......................................................................... 54
1.3.1.4. Invalidade do casamento. Casamento putativo. Generalidades........................................... 56
1.3.1.4.1. Inexistência do casamento............................................................................................... 56
1.3.1.4.2. Anulabilidade do casamento ........................................................................................... 57
1.3.1.4.3. Casamento putativo ......................................................................................................... 58
2. EFEITOS DO CASAMENTO: O CASAMENTO COMO ESTADO...............................................................61
2.1. Efeitos pessoais ...................................................................................................................61
2.1.1. Princípios fundamentais: igualdade dos cônjuges e direção conjunta da família .......................... 61
2.1.2. Deveres dos cônjuges ..................................................................................................................... 62

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2.1.2.1. Dever de respeito reforçado................................................................................................. 64


2.1.2.2. Dever de fidelidade.............................................................................................................. 66
2.1.2.3. Dever de coabitação ............................................................................................................ 66
2.1.2.4. Dever de cooperação ........................................................................................................... 67
2.1.2.5. Dever de assistência ............................................................................................................ 68
2.1.3. Nome e nacionalidade .................................................................................................................... 71
2.1.3.1. Nome ................................................................................................................................... 71
2.1.3.2. Nacionalidade ...................................................................................................................... 71
2.2. Efeitos patrimoniais.............................................................................................................73
2.2.1. Efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de bens .......................................... 73
2.2.1.1. Administração dos bens dos cônjuges ................................................................................. 73
2.2.1.1.1. Violação dos artigo 1678.º, n.º3 do CC........................................................................... 75
2.2.1.2. Especialidades da administração dos bens do casal: poderes do cônjuge administrador .... 75
2.2.1.3. Responsabilidade pela administração .................................................................................. 76
2.2.1.4. Poderes do cônjuge não administrador ................................................................................ 78
2.2.2. Ilegitimidades conjugais................................................................................................................. 78
2.2.2.1. Generalidades ...................................................................................................................... 78
2.2.2.2. Ilegitimidades conjugais ...................................................................................................... 79
2.2.2.3. Consentimento conjugal ...................................................................................................... 81
2.2.3. Responsabilidade por dívidas dos cônjuges ................................................................................... 82
2.2.3.1. Dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges ............................................................ 83
2.2.3.2. Bens que respondem pelas dívidas de responsabilidade comum ........................................ 84
2.2.3.3. Dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges ............................................... 85
2.2.3.4. Bens que respondem pelas dívidas de exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges..... 85
2.2.3.5. Compensações devidas pelo pagamento de dívidas ............................................................ 87
2.2.4. Termo das relações patrimoniais .................................................................................................... 87
2.2.4.1. Separação de bens próprios ................................................................................................. 88
2.2.4.2. Liquidação do património comum (3 realidades) ................................................................ 88
2.2.4.3. Partilha propriamente dita ................................................................................................... 90
2.2.4.3.1. Forma .............................................................................................................................. 90
2.2.4.3.2. Contrato-promessa de partilha ........................................................................................ 91
2.2.4.3.3. Partilha sob condição suspensiva .................................................................................... 92
2.2.4.3.4. Descendentes comuns e comunhão geral ........................................................................ 92
2.2.4.3.5. Caso especial de divórcio ................................................................................................ 92
2.2.4.3.6. Casa tomada de arrendamento e casa própria ................................................................. 93
2.2.4.3.7. Atribuições preferenciais ................................................................................................ 96
2.2.5. Contratos entre os cônjuges ........................................................................................................... 97
2.2.5.1. Contrato de sociedade.......................................................................................................... 97
2.2.5.2. Contrato de doação entre os cônjuges ................................................................................. 98
2.2.5.3. Contratos de compra e venda entre cônjuges .................................................................... 100
2.2.6. Doações para casamento .............................................................................................................. 100
2.3. Regime de bens do casamento ...........................................................................................103
2.3.1. Convenções antenupciais ............................................................................................................. 104
2.3.2. Regime da comunhão de adquiridos ............................................................................................ 106
2.3.3. Regime da comunhão geral .......................................................................................................... 109
2.3.4. Regime da separação de bens ....................................................................................................... 109

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PARTE I: INTRODUÇÃO

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1. Noções fundamentais

1.1. Generalidades

Em tempos iluministas, pensou-se que as normas de Direito da Família eram per-


feitas, sendo que o cumprimento estrito das mesmas garantiria um bem-estar generali-
zado. Não é, contudo, concebível, hoje em dia, afirmar que o Direito pode garantir esta
premissa.
Atualmente, o Direito da Família tem um importante papel a determinar, não
sendo este exclusivo ou determinante. Não são aceites intromissões do Estado em maté-
rias de intimidade da vida privada e familiar numa época de individualismo.
A Família nunca foi uma instituição autónoma, nem um fim em si mesma – foi
sempre uma organização fulcral para prosseguir certos objetivos relevantes em cada
época, em favor dos membros que a compõem. No fundo, o que justificou sempre a or-
ganização da Família foi a vulnerabilidade física e emocional de cada ser humano, que
depende permanentemente dos outros para a satisfação das suas necessidades profundas.
Assim, não colhem as visões do Estado Social que dispensavam a Família, por
crer-se que o Estado poderia substituir-se a tal organização na satisfação de tais necessi-
dades.
O modo de organização familiar oscilou, ao longo dos anos, entre dois pilares: o
pilar da estabilidade, dos vínculos formais e das regras de distribuição do poder interno;
e o pilar da liberdade individual. Tem-se visto, sucessivamente, uma transferência da
importância do primeiro pilar para o segundo.
As novas formas de organização, afastadas das famílias nucleares, traduzem-se
numa renovação do significado do conceito de familiares. Como nenhum ordenamento
consagra um conceito puro de Família, vemos uma alternância entre noções funcionais
do grupo familiar (mais instáveis, mais modernas) e noções formais (mais estável, mais
clássica) de Família.
Uma consagração disto mesmo é o facto de todos os manuais de Direito da Família
apresentarem uma noção de familiares, ao passo que raramente definem ou tentam definir
o conceito de “Família”. Guilherme de Oliveira diz que isto não choca por duas razões:
(1) não existe absoluta necessidade desta definição; e (2) não é possível encontrar uma
noção única e satisfatória.
A definição mais tentadora, adotada pelo nosso Código, passa por enunciar taxa-
tivamente as relações jurídicas consideradas familiares, artigo 1576.º do CC. Esta defi-
nição, porém, já foi acusada de várias deficiências: desde logo, mistura fontes das rela-
ções jurídico-familiares (casamento e adoção – não deixam de ser um ato jurídico em
sentido amplo) com o conteúdo de outras relações jurídico-familiares (parentesco e afi-
nidade – em que não existe qualquer ato jurídico constitutivo).

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Em seguida, é uma definição com um carácter puramente formal, já que pressu-


põe-se que só cabem na noção de Família as relações jurídico-familiares que tenham pas-
sado por uma certificação prévia oficial, independente do conteúdo real da relação em
causa. Por exemplo, um casamento que tenha durado 3 meses tem maior relevância, ou
parece ter maior relevância, do que uma união de facto duradoura.
Assim, Guilherme de Oliveira defende que esta definição deveria ter em conta
novas realidades, tidas como mais informais, mas que têm grande valor funcional con-
soante cada caso.

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1.2. As relações jurídico-familiares

Como já vimos, as relações jurídicas familiares estão enunciadas no artigo 1576.º


do CC, que considera, sem grande rigor, que o casamento, o parentesco, a afinidade e a
adoção como fontes das relações jurídicas familiares.
Esta falta de rigor resulta do facto de o casamento e adoção, como atos jurídicos,
são verdadeiramente fontes das correspondentes relações jurídicas familiares. No entanto,
o mesmo já não é verdade quanto ao parentesco e a afinidade, que são relações jurídicas
familiares derivadas, respetivamente, da geração (ou série de gerações) e do casamento
(e respetiva geração do cônjuge). Veremos cada uma destas relações com mais pormenor.

A relação matrimonial, enquanto fonte da relação jurídica familiar, é a relação


que, em consequência do casamento, liga duas pessoas entre si, os cônjuges. Assim,
ao contrário do parentesco e da afinidade que ligam entre si várias pessoas, o casamento
liga exclusivamente duas pessoas entre si.

Quanto ao parentesco, encontramos a noção legal no artigo 1578.º do CC. O pa-


rentesco é a relação jurídica familiar entre pessoas que têm uma ligação de sangue,
porque ou descendem um do outro, ou descendem de um progenitor comum. Na
primeira situação temos por exemplo um pai e um filho e a título exemplificativo na se-
gunda situação temos dois irmãos ou até dois primos.
Importa ainda atender ao artigo 1579.º do CC, de epígrafe “elementos do paren-
tesco” que esclarece que o parentesco determina-se pelas várias gerações que vinculam
os parentes um ao outro, sendo que cada geração forma um grau e a série dos graus cons-
titui a linha de parentesco.
O artigo 1580.º do CC define as linhas de parentesco. Ora, quando estamos pe-
rante um caso em que um dos indivíduos descende de outro estamos perante parentes
em linha reta ou direta, mas quando os indivíduos descendem de um progenitor co-
mum serão parentes em linha colateral ou transversal.
O n.º2 do artigo 1580.º do CC, acrescenta ainda que a linha reta é ascendente ou
descendente, ou seja, dependendo da perspetiva que estivermos a analisar, a mesma pode
assumir-se como ascendente ou descendente. Se estivermos a discutir a relação de paren-
tesco de um filho face ao pai, então a linha é ascendente, mas se estivermos a discutir a
relação de parentesco do pai face ao filho a linha já será descendente.
Normalmente a lei atribui determinados efeitos ao parentesco até um determinado
grau, por norma até ao 6.º grau, ou seja, regra geral este é o máximo grau ao qual a lei
atribui efeitos no âmbito da relação de parentesco. Porém, existem exceções no âmbito
sucessório, na matéria de representação, artigo 2042.º do CC: sempre que houver repre-
sentação legal no âmbito sucessório, não é relevante o grau de parentesco para que haja

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efeitos sucessórios. De modo simplista significa isto que no direito de representação legal
o descendente aparece na posição sucessória do seu ascendente, porque este não aceitou
a herança. Por exemplo: o avô faleceu, sendo que temos o filho, o neto, o bisneto, e por
aí em diante – todas estas pessoas têm direito de representação, ou seja, para haver efeitos
sucessórios face a elas têm de aceitar a herança e não se restringe até ao 6.º grau, na
verdade os efeitos sucessórios podem ir até ao grau infinito, mas esta é uma exceção ao
artigo 1582.º do CC.
O artigo 1582.ºCC refere-se aos limites do parentesco e refere que “salvo dispo-
sição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau na linha
reta e até ao sexto grau na colateral”. O exemplo supramencionado é o único exemplo em
que a lei atribui efeitos depois do sexto grau, porém são vários os exemplos em que a lei
atribui efeitos até um grau mais reduzido: normalmente no plano sucessório os efeitos
verificam-se só até ao quarto grau da linha colateral, artigo 2133.º do CC.
Quanto ao cômputo dos graus de parentesco, este obedece às regras do artigo
1581.º do CC. Numa linha reta, existem quantos graus como as pessoas que formem a
linha de parentesco, excluindo o progenitor (figura da esquerda). Numa linha colateral,
os graus contam-se da mesma forma, subindo por um dos ramos (linha reta), encontrando
o progenitor comum, e descendo por outro (outra linha reta), nunca contando o progenitor
comum (figura da direita).

Em primeiro grau de parentesco temos B; e em segundo grau de parentesco


temos C. Assim, no caso concreto temos apenas 2 graus de parentesco

Assim, D e E são parentes em segundo


grau na linha colateral (irmãos). Relati-
vamente ao grau de parentesco entre H e
I: são parentes em quarto grau na linha
colateral (primos direitos).

Entre F e H não há qualquer relação jurídica familiar e não são parentes entre si,
não obstante possíveis relações afetivas que existiam. Semelhante em C e E que não são
parentes visto que não descendem um do outro nem têm um progenitor em comum, ape-
nas terão uma relação de afinidade.

Quanto aos efeitos da relação de parentesco, começamos pelos efeitos sucessó-


rios, sendo que o primeiro deles é o direito de representação, artigo 2042.º do CC: sempre
que houver representação legal no âmbito sucessório, não é relevante o grau de parentesco
para que haja efeitos sucessórios. Assim, no âmbito da representação não tem limitações
face ao grau.

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Mais, também em matéria de efeitos sucessórios os parentes no âmbito da suces-


são legal1, seja ela legítima ou legitimária, podem ser sucessores. Na sucessão legítima,
que é uma das modalidades da sucessão legal, encontramos no artigo 2133.ºCC a ordem
pela qual são chamados os herdeiros. Na al. a) temos cônjuge e descendentes, o cônjuge
está ligado pela relação matrimonial, mas os descendentes são parentes do autor da su-
cessão; na al. b) encontramos os cônjuge e ascendentes, sendo os últimos também paren-
tes do autor da sucessão; a al. c) prevê irmãos e seus descendentes, e mais uma vez esta-
mos perante parentes (2º grau da linha colateral – irmãos – e os seus descendentes serão
do 3º grau e sucessivos); na al. d) outros colaterais até ao 4º grau, sendo que no âmbito
das relações jurídico familiares esta é a última opção; por fim temos o Estado.
Assim, apesar de se dizer que os efeitos do parentesco normalmente vão até ao 6.º
grau da linha colateral, já vimos exceções para mais e para menos no âmbito do direito
sucessório

Em segundo lugar, quanto ao direito de alimentos no artigo 2009.º do CC encon-


tramos uma ordem hierárquica, ou seja, só passamos aos indivíduos da al. b) se os da al.
a) não puderem. Ora, olhando para o conteúdo do artigo na al. a) não estamos perante
uma relação de parentesco visto que entre os cônjuges não estão cumpridos os requisitos
para tal; na al. b), os descendentes, há uma relação de parentesco, na al. c) e d) e e) tam-
bém encontramos parentes; na al. f) já não são parentes. Com efeito, podemos retirar a
conclusão de que a maioria das pessoas obrigadas a prestar alimentos são parentes entre
si, à exceção da al. a) e f).
O direito a alimentos é um direito que uma pessoa recebe por dele carecer para
subsistir e por o obrigado a o prestar ter condições económicas suficientes para o respe-
tivo pagamento. Desde modo, para haver direito a alimentos têm de ser preenchidas duas
condições: por um lado a necessidade, alguém que requer alimentos tem que deles care-
cer; por outro lado, temos de ter alguém que os possa pagar.

Por fim, quando aos impedimentos matrimoniais, pelo facto de dois indivíduos
serem parentes entre si, então em determinados casos não vão poder contrair casamentos
porque legalmente há um impedimento. No artigo 1602.º do CC encontramos impedi-
mentos dirimentes (contrapõem-se aos impedientes, sendo estes últimos menos gravosos)
relativos, como o caso da al. a), os parentes em linha reta independentemente de qualquer
que seja o grau.

1
A sucessão legal é a que decorre da lei pela inexistência de um testamento para colmatar a vontade do
testador. No âmbito da sucessão legal temos 2 tipos de sucessão: a sucessão legítima e legitimária. A su-
cessão legitimária reporta-se aos herdeiros imperativos que não podem ser afastados por vontade do autor
da sucessão, já a sucessão legítima é aquela que opera quando não existir nem sucessão legitimária nem
testamentária.

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Quanto à relação jurídica familiar de afinidade, a noção de afinidade está con-


sagrada no artigo 1584.º do CC: “afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges
aos parentes do outro”, ou seja, tratamos da ligação entre um cônjuge e os parentes do
outro cônjuge. A título de exemplo, no esquema da direita, temos uma relação jurídica
familiar de afinidade entre C e E; todos os parentes de D terão com C uma relação de
afinidade a partir do momento em que C e D casam.
Será que a afinidade deve cessar com a dissolução do casamento? Esta matéria foi
objeto de alterações e atualmente o legislador estabelece que em caso divórcio cessa a
relação de afinidade, mas em caso de morte mantém-se a relação de afinidade, que resulta
a contrario da letra do artigo 1585.º do CC. Ora, significa isto que a pessoa pode ter
vários sogros.
Os efeitos da afinidade são muito menos relevantes do que os do parentesco por
razões óbvias. O efeito essencial no âmbito da afinidade é no âmbito do direito a alimen-
tos: al. f) do artigo 2009.º do CC, padrasto e madrasta relativamente a enteados menores
que ainda estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste. Nas
relações de afinidade também encontramos efeitos em matérias de ausências e direito do
trabalho. Além disto, também existem impedimentos matrimoniais em função da afini-
dade, no artigo 1602.º, al. d) do CC – a afinidade na linha reta.

Por fim, quanto à adoção, esta é uma relação em tudo semelhante à filiação natural
não tendo, no entanto, laços de sangue e que se estabelece entre adotado e adotante/s,
bem como se estende às relações familiares do adotante/s, criando posterior relações de
parentesco e afinidades.
Na verdade, a adoção é uma criação artificial de uma relação jurídico familiar,
constituída por um ato jurídico, e por isso verdadeiras fontes de relações jurídica famili-
ares.

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2. Normas constitucionais de Direito da Família

O Código Civil subordina-se a uma lei fundamental que é a Constituição da Re-


pública Portuguesa e que com ela tem de estar de acordo. O Direito Constitucional tem
uma relevância importante no âmbito do Direito da Família e tem sido frequentemente
motor de aceleração de uma maior correspondência entre aquilo que é a realidade social
familiar do momento, e aquilo que era a interpretação de normas jurídico civilísticas.
Temos tido alguns acórdãos do Tribunal Constitucional bastante inovadores e a trazer
perspetivas novas, mais adequadas à realidade social da nossa época e às famílias. Iremos,
posteriormente, analisar um Acórdão.
Há vários direitos constitucionais com um impacto direto no Direito da Família,
nomeadamente, previstos no capítulo dos Direitos Fundamentais. Este, é o capítulo por
excelência da CRP, com aplicação direta (artigo 18.º da CRP) e onde estão aqueles que,
do ponto de vista material, são os mais relevantes.

Quanto ao direito a celebrar casamento, este relaciona-se com a primeira relação


jurídico-familiar prevista no Código Civil, que é a relação matrimonial. Este direito en-
contra-se previsto no artigo 36.º, n.º1, 2.ª parte da CRP. É um artigo altamente dinâmico
e altamente discutido pela doutrina ao longo das décadas.
“Todos têm direito de contrair casamento, em igualdade de condições”. Este ar-
tigo, foi adotado num contexto em que a igualdade se tornou fundamental e que não exis-
tia até então. Surgiu como consequência das revoluções políticas no país, e da adoção da
CRP e que depois veio ter inúmeros impactos na reforma de 1977 do Código Civil. Ape-
sar da redação deste artigo, não significa que não possa haver impedimentos. Significa é
que só impedimentos objetiva e validamente justificados por interesses superiores,
em particular pelo interesse público, são aceites. Aliás, já vimos anteriormente, exceções
legais a este princípio.
Por exemplo, o artigo 1602.º do CC, que consubstancia o parentesco em linha reta.
Este não permite que os respetivos parentes se casem entre si, pois as razões de interesse
público aqui prevaleceram. Não só porque o incesto choca a sociedade portuguesa, assim
como a europeia, mas também temos aqui razões de saúde pública. Sabe-se que os filhos
de parentes têm uma probabilidade muito superior de nascer com deficiências profundas.
Naturalmente, por causa deste princípio, não seria válida, por exemplo uma legis-
lação que dissesse que os casamentos entre diferentes raças seriam proibidos. Parece-nos
chocante que assim não fosse, mas isto mostra a evolução da sociedade e o acompanha-
mento do Direito da Família à evolução da sociedade. Normalmente, a sociedade evolui
mais rapidamente que o Direito, pois este só sente a necessidade de se adequar, perante a
realidade que já existe. Por vezes, o que acontece é que ganhamos experiências dos ou-
tros. Situações que existem noutros países e que ainda não existem em Portugal, acabam

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por dar alguma margem de poder estar lado a lado, na adoção de soluções jurídicas para
a realidade.
Pelas mesmas razões, não seria admissível, desde logo por violação deste princí-
pio constitucional, que fosse imposto um exame médico a demonstrar determinadas ca-
racterísticas saudáveis aos nubentes para poderem celebrar casamento.
Até há relativamente pouco tempo atrás, o casamento entre duas pessoas do
mesmo sexo, não era permitido. Passou de ser inexistente, para não ter qualquer restrição.
Era inexistente porque naquele momento os princípios que moldavam a nossa sociedade,
ainda não eram suficientemente flexíveis para se entender que fazia sentido. Temos então
mais um caso de evolução natural e de acompanhamento da lei ao que acontece na soci-
edade.
O Direito da Família é um direito tendencialmente com evolução. Aquilo que
existe em determinado momento, precisamente por isso, pode ser alterado. As realidades
às quais o mesmo se aplica são mutáveis.

Quanto ao direito de constituir família, no entendimento do legislador, a cele-


bração do casamento, é a forma por excelência de constituir família. Tanto assim, que
este direito está previsto no artigo 36.º, n.º1, 1.ª parte da CRP. A ideia de que o legislador
constitucional nos passa, é a de que todos têm direito a constituir família e que todos têm
direito a celebrar casamento. Parece haver aqui uma relação direta entre o privilégio dado
ao casamento como forma de constituir família.
É neste artigo que se refere o direito de constituir família em condições de plena
igualdade entre todos, que se discute então se a união de facto é ou não é, uma relação
jurídico-familiar, precisamente por ter esta tutela. Importa, agora, avaliar a definição
deste termo “família”.
Os autores foram evoluindo quanto ao conceito de família. No momento dos
trabalhos preparatórios, discutia-se muito se faria algum sentido contemplar aqui a união
de facto. A posição maioritária, era a de que não havia espaço para tal.
O Professor VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO (mais progressistas),
defendiam que já havia espaço para considerar a união de facto como uma relação
jurídico-familiar, até por ser o que resultava deste preceito constitucional.
O Professor GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO, estavam no
meio e entendiam que, pelo menos, devia ser considerada uma relação parafamiliar. De-
fendiam que este artigo tinha como objetivo a tutela da filiação, sendo que a eventual
tutela das uniões de facto dar-se-ia por intervenção do direito ao livre desenvolvimento
da personalidade. Este era, também, o entendimento de JORGE DUARTE PINHEIRO
já que a união de facto não está prevista no artigo 1576.º do CC e constitui-se e dissolve-
se sem intervenção estatal.
O Professor CAPELO DE SOUSA, entendia que não havia espaço para a união
de facto porque, não obstante a expressão legislativa ser ampla e referir-se a “todos terem

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direito a constituir família”, havia outras realidades para além do casamento que pode-
riam ser aqui englobadas, mas que não eram a união de facto. Nomeadamente, as famílias
monoparentais. Ninguém duvidava que as famílias monoparentais aqui estivessem inclu-
ídas, desde logo, porque essas resultariam do Código Civil, na medida em que, são uma
relação de parentesco. A posição do Professor CAPELO DE SOUSA, nesta perspetiva,
não era tão adequada, no entendimento da Professora MARTA COSTA.
Houve, claramente, uma evolução natural. Hoje em dia, precisamente porque te-
mos uma lei que protege a união de facto (Lei n.º 7/2001), já esta querela ficou desprovida
de sentido. Foi criado um diploma avulso que protege a realidade da união de facto, tendo
vido a ser objeto de avaliações e específicos relativamente a alguns dos direitos contem-
plados. Parece-nos que é a posição mais coerente entender que, hoje em dia, a união de
facto é uma relação jurídico-familiar. Na tese de doutoramento da Professora MARTA
COSTA, este tema é abordado. Nesse momento, a Professora definiu que a união de facto
era uma relação jurídica parafamiliar. Hoje em dia, a Professora não tem dúvidas em dizer
que é uma relação jurídico-familiar.
ANA FILIPA ANTUNES entende que a união de facto é uma verdadeira relação
jurídico-familiar já que: (1) tem assento legal; (2) tem carácter perpétuo/duradouro; (3)
há uma convivência análoga à dos cônjuges, assente em três pilares – partilha de teto,
partilha de mesa e partilha de leito.
O direito de constituir família, é também muito comum em várias fontes de origem
internacional, inclusivamente da União Europeia.
Por exemplo, o artigo 16.º, n.º1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(DUDH) que tem uma formulação muito abrangente do direito a constituir família. O
artigo 12.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). O artigo 9.º da Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A norma explicativa deste artigo 9.º, re-
fere, de forma expressa, que pretendeu abranger os casos em que as legislações nacionais
reconhecem outras formas de constituir família, além do casamento (como é o caso da
união de facto em Portugal, com a Lei n.º 7/2001).
Aliás, o Professor GUILHERME DE OLIVEIRA também evoluiu nesse sentido,
se há anos atrás entendia que a união de facto era uma relação jurídica parafamiliar, hoje
em dia, ainda não diz preto no branco, mas diz, por exemplo, relativamente a esta Carta,
que aponta no sentido do reconhecimento da união de facto como uma relação de família.
Se olharmos para o artigo 36.º, n.º2 da CRP, este tem uma especificidade. Passa
por visar subtrair ao Direito Canónico a regulamentação das matérias que nele se encon-
tram previstas. Tem como função garantir que estas matérias ficam na competência ex-
clusiva do Direito Civil e não do Direito Canónico.
Se formos, no entanto, ao artigo 1625.º do CC que se refere à competência dos
tribunais eclesiásticos, este diz expressamente que a nulidade do casamento católico e a
dispensa do casamento rato e não consumado é da competência exclusiva dos Tribunais
eclesiásticos, retirando assim a competência dos Tribunais civis.

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No âmbito da concordata de 2004, o que aconteceu foi que o conhecimento destas


causas se manteve reservado aos tribunais eclesiásticos. No entanto, face a este artigo da
CRP, tem-se entendido que é assim (está reservado aos tribunais eclesiásticos), mas não
tem de ser assim, podendo a qualquer momento ser alterado porque a nossa CRP nos dá
essa liberdade. Como temos a concordata, só poderíamos alterar este artigo 1625.º do CC
no sentido de permitir tais causas de nulidade, bem como a dispensa do casamento rato e
não consumado, se fossem também analisadas no âmbito dos tribunais civis e não reti-
rando a competência a tribunais eclesiásticos, sob pena de violação da concordata.

Quanto ao direito à identidade pessoal, este encontra-se presente no artigo 26.º


da CRP. Estamos a falar, essencialmente, do direito a ter um nome, a conhecer as suas
origens e a ter uma história. Tem trazido algumas alterações na nossa legislação ordinária,
inclusivamente no âmbito da procriação medicamente assistida.
O Acórdão n.º 225/2018 de 24 de abril do Tribunal Constitucional (processo n.º
95/17) levou a uma alteração na lei da procriação medicamente assistida, considerando
que a regra vigente na procriação medicamente assistida não pode ser a do anonimato dos
doadores. Isto, precisamente pela existência deste direito fundamental à identidade pes-
soal. Chegámos a este Acórdão porque um grupo de 30 deputados da AR veio requerer.
Por violação dos direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e à
identidade genética- artigo 26.º, n.ºs 1 e 3 da CRP.

Quanto ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade, este faz parte do


artigo 26.º do CRP, é uma concretização do direito à identidade pessoal. Estamos a falar
de uma liberdade geral de ação, todos têm uma liberdade geral de ação para poderem
desenvolver da forma mais adequada a sua personalidade.
A propósito deste direito, há um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25
de junho de 2019 e que se refere à “conversão” de um casamento em união de facto. O
Tribunal da Relação veio dizer que se há a possibilidade de dois unidos de facto acabarem
de imediato com a relação de união de facto pelo casamento porque se decidem casar,
porque é que não se lhes pode ser dada a mesma liberdade de, não obstante continuarem
a viver na mesma casa, terem relações afetivo-sexuais, serem considerados pelos terceiros
como cônjuges por comportamentos análogos à dos cônjuges, por que razão é que estas
pessoas não podem passar a ter este comportamento e viver simplesmente numa união de
facto, tendo feito o seu divórcio previamente?
É frequente termos divórcios por mútuo consentimento simulados, com o único
objetivo de fugir a determinadas dívidas de credores, relativamente ao casal. Isto acontece
muito quando temos casais em regimes de comunhão de bens (comunhão geral de bens
ou comunhão de adquiridos). Em Portugal, vigora o princípio da imutabilidade do regime
de bens. Isto significa que depois de casar, em princípio, não se pode alterar o regime
matrimonial de bens.

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Numa situação em que os cônjuges estão num regime de comunhão e um deles


esteja prestes a ter uma situação de insolvência, frequentemente recorria-se ao divórcio,
para tentar salvaguardar o máximo possível do património. O que o Tribunal veio dizer,
é uma coisa nova, isto não existe só para esta realidade, precisamente porque há este
direito de desenvolvimento pessoal. Se as partes, honestamente e legitimamente, não gos-
tarem dos vínculos matrimoniais (nomeadamente os deveres pessoais que existem no ma-
trimónio), por exemplo o vínculo da fidelidade, o Tribunal veio dizer que isto é legítimo
e que as partes podem deixar de ter um casamento para passarem a ter uma união de facto,
precisamente com base neste direito.

Quanto ao direito dos cônjuges a um regime igualitário, este encontra-se con-


sagrado n artigo 36.º, n.º3 da CRP.
Antigamente, os cônjuges não eram vistos como iguais, o cônjuge mulher, para
contrair dívidas precisava da autorização do cônjuge marido e para trabalhar também.
Houve a necessidade de instituir como princípio fundamental do nosso direito, este direito
dos cônjuges a um regime igualitário. Este artigo é uma derivação do artigo 13.º da CRP
que prevê o direito da igualdade.
No âmbito do direito da filiação este princípio assume especial relevância, já que
ambos exercem os poderes parentais, artigos 1901.º, n.º1, 1911.º e 1912.º do CC). O
mesmo encontra-se expresso na ação de impugnação de paternidade, artigo 1839.º, n.º1
do CC.

Quanto ao direito dos filhos a um regime igualitário, artigo 36.º, n.º4 da CRP,
estamos perante outra concretização do princípio da igualdade.
Até há alguns anos tínhamos expressões como filho ilegítimo, bastardo e consta-
vam de documentos oficiais. Neste âmbito, é importante o artigo 123.º, n.ºs 1 e 2.º do
Código do Registo Civil, que veio permitir eliminar este tipo de menções. Na verdade, o
artigo 212.º, n.º 4 desse Código, veio consagrar que as certidões de registo que tenham
uma menção discriminatória e hajam sido emitidas por meios informáticos, deve automa-
ticamente, sem qualquer pedido, ser eliminadas. Este é o sentido formal deste direito.
Há, também um sentido material, que impõe que se deve dar um tratamento igua-
litário aos filhos nascidos dentro e fora do casamento, o que também não era assim. Mais
uma vez, sito não significa que não possa haver qualquer diferença, tem é que ser fundada
em interesses superiores. Isto tem especial relevância no âmbito sucessório.
Por exemplo, em Portugal existe a presunção de paternidade que se aplica no âm-
bito de filhos nascidos na constância de um casamento. Uma criança nascida na constân-
cia de um casamento, presume-se filha do marido do cônjuge. Assim não é, se não for da
constância do matrimónio. A ideia é unicamente facilitar o registo perante uma situação
da relação jurídica familiar existente e constituída como tal. Também, no âmbito dos

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princípios da boa-fé, pois no casamento há o dever pessoal de fidelidade, o que faz com
que, o filho do cônjuge, deva ser filho de ambos. Mas é uma presunção ilidível.
No entanto, importa reter que uma distinção material entre os dois “tipos” de fi-
lhos sem justificação relevante e atendível tem-se com inconstitucional, exatamente por
apelo a este direito.

Quanto ao direito a pedir divórcio em qualquer casamento surge o artigo 36.º,


n.º2 da CRP.
Em Portugal, o direito de pedir o divórcio ocorre independentemente de termos
um casamento civil ou católico. Mais, aparentemente a Constituição apenas impõe a le-
gislador ordinário preveja o divórcio, mas a questão pode não ser assim tão simples, como
veremos adiante, a propósito do estudo do divórcio.

Quanto ao direito-dever dos pais de dirigir a educação dos filhos, este encontra
assento constitucional no artigo 36.º, n.º5 da CRP.
No artigo 1872.º do CC, vemos a concretização deste direito. Estamos a falar do
princípio das responsabilidades parentais. O exercício das responsabilidades parentais é
um poder-dever. Este direito recai normalmente sobre os pais, a menos que estes estejam
inibidos dos seus direitos, mas não é um poder que possa ser exercido livremente, tem de
ser exercido no interesse dos filhos e com respeito pela autonomia crescente que, em cada
idade, o filho vai assumindo.
Começa, então, por ser um poder relativamente aos filhos, mas evolui para se tor-
nar num poder em relação ao Estado, por lhe competir cooperar com os pais na educação
dos filhos, artigo 67.º, n.º2, al. c) da CRP.

Quanto ao direito-dever dos pais de assegurarem a manutenção dos filhos,


este encontra assento constitucional no artigo 36.º, n.º5 da CRP. É uma concretização do
que acabámos de ver e passa por assegurar alimentos, sendo que estes incluem tudo o
que é necessário à subsistência da pessoa e à própria educação dos filhos.

Quanto ao direito dos pais a terem os filhos consigo, decorre ainda do artigo
36.º, n.º5 da CRP, que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo se os pais in-
cumprirem os seus deveres essenciais para com os filhos e mediante decisão judicial,
como no caso previsto no artigo 1915.º, n.º1 do CC.
Interpretado com o artigo 33.º, n.º1 da CRP, este direito impede a expulsão do
território de cidadão estrangeiro que “tenha os filhos a seu cargo, com eles mantenha
uma relação de proximidade, que contribua decisiva e efetivamente para o seu sustento e
para o desenvolvimento das suas personalidades”, Acórdão do TC n.º232/04. A expulsão
separaria o pai dos filhos ou implicaria a expulsão de sujeitos não abrangidos pela mesma,
os filhos.

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Quanto à proteção da adoção, o artigo 36.º, n.º7 da CRP é claro quando a protege
enquanto instituto fundamental que é.

O artigo 36.º da CRP deve ser conjugado com o artigo 67.º da CRP, donde retira-
mos a proteção da família, enquanto instituição autónoma, em face da sociedade e em
face do Estado. A família não é uma pessoa em si mesma, é um grupo de pessoas, mas
aqui o legislador constitucional vai tao longe, e diz que esse grupo merece uma proteção
do Estado e também da sociedade

O artigo 68.º da CRP consagra a proteção da paternidade e da maternidade,


proteção essa que deve ser conjugada com o artigo 36.º da CRP.

Por último, o artigo 69.º da CRP atribui às crianças um direito da infância à


proteção da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento.

Sempre que tivermos violações destes princípios constitucionais, significa que


as normas em causa não podem ser aplicadas e serão, mediante um acórdão nesse sentido,
com força obrigatória geral, declaradas inconstitucionais, aplicando-se os artigos 281.º e
282.º da CRP. Poderemos também ter inconstitucionalidades por omissão, nos termos do
artigo 283.º da CRP.

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3. Caracteres do direito da família

Por razões evidentes, as normas no Direito da Família, são, essencialmente, im-


perativas. O recuo legislativo em matérias familiares, comum na grande maioria de or-
denamentos, não impede que os atos e negócios jurídicos familiares continuem a ser re-
gidos por disposições imperativas.
A razão de ser da imperatividade consiste no facto do legislador intervir, no âm-
bito do Direito da Família, no mínimo que entende que deve intervir. O legislador inter-
vém em termos estritos, que entende serem do interesse público. Se só intervém quando
entende que o deve fazer, e não criando normas supletivas, para o caso de as partes não
terem previsto determinada situação, então as normas que prevê têm que ser imperativas,
pois são relativas a interesses que merecem ser especialmente tutelados.
Há, naturalmente, algumas normas supletivas, que se centram, sobretudo, nas re-
lações patrimoniais e não nas relações pessoais.
Por exemplo, quando os cônjuges casam, têm a possibilidade de fazer uma con-
venção matrimonial, escolhendo qual o regime de bens que pretendem que se aplique às
suas relações entre cônjuges (estamos então a falar do regime matrimonial de bens). Se
não fizerem essa escolha, o legislador indicou que se aplica o regime da comunhão de
adquiridos.

No âmbito do Direito da Família, temos uma particularidade face ao restante Di-


reito Civil. Para determinadas matérias, temos uma coexistência na ordem jurídica de
Direito Civil, com o Direito Canónico.

Mais, a Lei da Organização do Sistema Judiciário, Lei n.º62/2013, atribui aos ju-
ízos de família e menores competência para julgar certos litígios (artigos 122.º a 124.º
da Lei em causa), sendo que na ausência de tribunal de família e menores em certa co-
marca, é competente o tribunal de comarca.

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4. Caracteres dos direitos familiares pessoais

4.1. Fragilidade da garantia dos direitos familiares pessoais

Salta à vista a fragilidade da garantia dos direitos familiares. Estamos a falar de


direitos que normalmente, face a uma violação, têm uma garantia bastante frágil.
Por exemplo, os direitos pessoais entre cônjuges estão previstos na nossa lei civil
e vinculam os cônjuges, como por exemplo, os deveres de fidelidade e de assistência. A
verdade é que se um dos cônjuges violar o seu dever de fidelidade, as consequências que
daí advêm são desiguais. No fundo, perante uma violação de um dever de fidelidade, que
consequência é podemos daí retirar? Poderá haver um divórcio. Mas o divórcio, hoje em
dia, não é visto como um divórcio-sanção. Não existe, atualmente, um divórcio baseado
na culpa. Este é um direito constitucionalmente protegido e, assim, não é uma sanção para
alguém que violou o dever de fidelidade. É irrelevante nas consequências do divórcio
(nomeadamente na partilha de bens), se houve culpa de um, de ambos, ou de ninguém.
Poderá haver uma “garantiazinha”, que em consequência do divórcio, a parte que
se sentiu afetada na sua dignidade, nomeadamente por ter sido traída inúmeras vezes. Este
cônjuge traído, poderia avançar com uma ação de responsabilidade civil extracontratual
(artigo 483.º do CC, por violação de um dever específico de fidelidade, artigo 1672.º do
CC), mas aqui já não estamos no âmbito de um instituto específico do Direito da Família.
Poderia exigir uma indemnização pelos danos que sofreu, mas não é um instituto especí-
fico do direito matrimonial.
Importa ter presente que tal entendimento é contrário ao da doutrina tradicional,
que defendia a responsabilidade civil não se poderia aplicar à violação dos deveres fami-
liares, por se abrir demasiado as portas da vida familiar e íntima dos cônjuges/ex-cônju-
ges. No entanto, PEREIRA COELHO admitia que essa solução, que considerava rara,
acontecesse.

A Lei n.º61/2008 esclareceu, no artigo 1792.º do CC, que há lugar parra o recurso
às regras da responsabilidade civil. No entanto, ao eliminar o divórcio por violação dos
deveres conjugais e toda a relevância da culpa em outros domínios, o legislador deixou
os deveres conjugais sem uma garantia especificamente matrimonial.
Assim, o sentido do artigo 1792.º é de afirmar que apenas são indemnizáveis: as
violações de direitos absolutos e nos termos da responsabilidade civil extracontratual.
Isto faz com que os atos dos cônjuges ou ex-cônjuges serão irrelevantes ao nível da qua-
lificação dos sujeitos, sendo que apenas relevem como atos de cidadãos lesivos de direitos
de personalidade e direitos fundamentais alheios.

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4.2. Carácter relativo e excecionalidade da proteção absoluta

Embora os direitos familiares pessoais sejam direitos relativos, existem exce-


ções. As posições dos sujeitos em virtude das relações jurídico-familiares que estabele-
cem entre si ganham relevância externa em casos como os dos artigos 495.º, n.º3 e 496.º,
n.º2 do CC.
Assim, no caso de “lesão de que proveio a morte”, os familiares do lesado que lhe
podiam exigir alimentos, nos termos do artigo 2009.º do CC, ou aqueles a quem o lesado
os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, artigo 402.º do CC, têm o direito
de pedir ao lesante indemnização dos danos patrimoniais sofridos – artigo 495.º, n.º3
do CC.
Quanto aos danos não patrimoniais, e obedecendo ao princípio da tipicidade, os
familiares mencionados no artigo 496.º, n.º2 do CC, e apenas esses familiares, podem
exigir do lesante indemnização pelo sofrimento desses mesmos danos não patrimoniais.

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4.3. Tipicidade dos direitos familiares pessoais

À semelhança dos direitos reais, existe um princípio de numerus clausus de di-


reitos e negócios familiares. Isto, obviamente, contrariamente ao que se sucede com o
direito das obrigações.
Apesar da possibilidade de celebrar contratos de coabitação, não será válido o
contrato entre duas pessoas que assumam entre si as obrigações que a lei impõe aos côn-
juges, sem que para tal se recorra à forma matrimonial.
Mais, não está na vontade das partes tornar uma pessoa filha, neta ou sobrinha de
outra, por exemplo.
Assim, só se admitem os atos ou negócios que a lei estabelece, no Código Civil
ou em legislação avulsa, sendo que estes estão revestidos de garantias específicas e cuja
fonte não pode ser outra.

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PARTE II: A RELAÇÃO MATRIMONIAL

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1. Constituição da relação matrimonial

1.1. Conceito e caracteres gerais do casamento

1.1.1. Conceito do casamento

Apesar de não ser muito usual os ordenamentos jurídicos conterem uma noção de
casamento, Portugal é, neste campo, excecional. “Ter noção” do que é um casamento é
fácil, no entanto, saber dar uma “noção” de casamento é bastante mais complexo. Um
conceito que abarque toda a evolução histórica nacional e internacional será inútil, mera-
mente formal e sem interesse prático.
Até há relativamente pouco tempo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era
inexistente; hoje em dia, não temos essa restrição.
Considerando os três tipos de sistemas jurídicos: civil law, common law e sharia
law, conseguimos depreender que a unicidade de uma noção de casamento seria, para
além de inconcebível, absolutamente irrelevante – pela contextualização e definição de
família e do próprio casamento.
Em Portugal, o casamento poligâmico não é permitido, mas na maior parte dos
países com sharia law já o é, por exemplo. Isto para mostrar que aquilo que é certo para
nós, não é necessariamente certo noutros países e vice-versa.
Podemos afirmar que algumas características fundamentais comuns ocidentais
do casamento são: casamento como um estado; comunhão de vida exclusiva; não ser li-
vremente dissolúvel.

1.1.1.1. Conceito de casamento civil


O artigo 1577.º do CC define o casamento como o contrato celebrado entre duas
pessoas que pretendam constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos
termos das disposições deste Código.
Menciona-se, especificamente, duas pessoas no conceito de casamento do direito
português, o que proíbe, desde logo e liminarmente, a poligamia.
Além disso, trata-se de duas pessoas que pretendam constituir família mediante
uma plena comunhão de vida. Qual o significado desta expressão?
Este conceito não está definido, mas tem-se entendido que a plena comunhão de
vida (já) não remete necessariamente para a procriação1, mas sim um interesse fundamen-
tal em que os cônjuges se vinculam reciprocamente por deveres pessoais,

1
Durante muito tempo, defendia-se que a plena comunidade de vida tinha como objetivo final a constituição
da prole, mas hoje em dia, não é de todo uma característica de casamento. Do ponto de vista do direito
canónico, também não é uma característica essencial, mas tem mais relevância do que no direito civil.

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nomeadamente, o dever de fidelidade, respeito, coabitação, cooperação e assistência, ar-


tigo 1672.º do CC. Como já vimos, a eliminação da relevância da culpa na dissolução do
casamento e a simplificação do regime de divórcio enfraquece o sistema de garantia de
cumprimento destes deveres.
Mais, trata-se de uma comunhão de vida exclusiva, artigo 1601.º, al. c) do CC,
que refere que um dos impedimentos dirimentes consiste no casamento anterior não
dissolvido. A própria lei sobre a união de facto, Lei n.º7/2001, no seu artigo 2,º, alínea c),
menciona-se o mesmo quanto aos unidos de facto, no entanto, a segunda parte tem sido
altamente discutível: “salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens”. Al-
guns autores dizem que esta exceção permite que se esteja numa situação que põe em
causa a exclusividade do casamento.
Esta exceção surge no momento em que ainda muitas vezes, era preciso esperar
durante muito tempo para conseguir o divórcio. Ainda hoje, existem divórcios bastante
longos, dependendo das características. Ora, o legislador, ao estabelecer esta exceção,
entendeu que, se as pessoas estavam efetivamente separadas, não deveriam continuar a
aguardar pelo consentimento do outro cônjuge para poder ser considerada uma união de
facto – mas a regra é da exclusividade.
O casamento também consiste numa relação tendencialmente perpétua e não
livremente (leia-se, por decisão unilateral) dissolúvel, artigo 1773.º do CC. A tendencial
perpetuidade não significa que não haja em todos os casamentos, sejam eles civis ou não,
direito ao divórcio, direito este é constitucionalmente consagrado em Portugal.
Em suma, que o casamento é uma relação jurídica solene, tendencialmente perpé-
tua, em que os cônjuges se vinculam, reciprocamente, a deveres pessoais. Estes aplicam-
se unicamente aos cônjuges (não se aplicando aos unidos de facto, por exemplo), pelo
princípio do numerus clausus.

1.1.1.2. Conceito de casamento católico


O Direito Canónico também tem definição de casamento no cânone 1057, §2, do
Código Internacional Canónico: ato da vontade pelo qual o homem e a mulher, por pacto
irrevogável, se entregam e recebem mutuamente a fim de constituírem o matrimónio.
O Código Canónico de 1983, no cânone 1055, §1, define o casamento como: co-
munhão íntima de toda vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à
procriação e educação da prole. Continua a ter relevância, não como ato constitutivo,
mas como fundamento da indissolubilidade, a consumação.
Podemos encontrar várias diferenças relevantes: não só estamos a falar do homem
e da mulher, contrariamente ao que acontece no nosso Código Civil que se refere a duas
pessoas, como estamos a falar de um pacto irrevogável, que no Código Civil atual cor-
responde ao tendencialmente perpétuo; “se entregam e recebem mutuamente” acaba por
se assemelhar a atual plena comunhão de vida.

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1.1.2. O sistema matrimonial português

No sistema matrimonial português temos duas, e só duas, modalidades de casa-


mento: civil (sendo nestes que se engloba o casamento celebrado sob forma religiosa) ou
católico – artigo 1587.º do CC.
O casamento católico é, na verdade, mais do que uma forma, revestindo uma ver-
dadeira modalidade de casamento. Não se trata apenas de um casamento que se distan-
cia do civil por ter que ser formalmente celebrado através de determinado rito na Igreja
Católica. Aliás, desde logo, há tribunais eclesiásticos com competência para resolver de-
terminados aspetos no casamento católico, nomeadamente, as nulidades. Já vimos que
estes tribunais têm competência exclusiva.
Num casamento católico, como vimos, há mais do que uma forma, há também
alguma substância. Acontece que o casamento católico é celebrado por uma instituição
religiosa e o Estado confere-lhe direitos e deveres civis. O próprio padre celebrar o casa-
mento católico, fica obrigado a determinadas obrigações legais, onde se insere o dever de
garantir que a certidão de casamento é enviada para a Conservatória do Registo Civil.
O direito civil e o direito canónico têm requisitos de validade diferentes. Para col-
matar a possibilidade de termos um casamento válido numa ordem e inválido na outra, o
artigo 1596.º do CC exige capacidade civil para a celebração de casamento católico,
aplicando-se, em regra, a esta último todo o sistema de impedimentos do casamento civil.
Assim, a lei proíbe ao pároco, sob pena de graves sanções (artigo 296.º, n.º1, al.
a) do CRC), que celebre casamento católico sem que lhe seja entregue certificado, pas-
sado pelo conservador do registo civil, que declare que os nubentes podem contrair casa-
mento, artigos 1598.º, n.º1 do CC e 146.º e 151.º do CRC.

Começámos por falar sobre o casamento católico não só devido às formas, mas
também porque face à população portuguesa, é aquele que reúne o maior número, não
obstante estarmos num Estado laico.
Durante muitos anos, não havia a perceção de que havia outras religiões que me-
reciam igual tutela. É a Lei da Liberdade Religiosa que permite que haja uma forma1
religiosa, no âmbito de determinadas religiões, para a celebração de casamentos em Por-
tugal. No entanto, não se permite a celebração de casamento de todas as religiões, mas
religiões previstas em Portugal e adotadas como tal (noção de igrejas ou comunidades
religiosas radicadas no país): ou têm mais de 30 anos de implantação em Portugal ou
têm mais de 60 anos de implantação internacional, nos termos do artigo 37.º, n.ºs 1 e 2 da
Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º16/2001).

1
Não obstante se tratar de um casamento civil quanto à modalidade.

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Se olharmos para o DL n.º308/2003, percebemos que a qualificação de igreja ou


comunidade religiosa, para estes efeitos, “radicadas no País” tem de ser atestada pelo
Ministro da Justiça em vista do número de crentes e da respetiva história, depois de ou-
vida a Comissão da Liberdade Religiosa. De salientar o DL n.º134/2003, em especial o
artigo 33.º, que rege o registo destas igrejas ou comunidades.
Para quem pertença a uma igreja ou comunidade religiosa que não cumpra os re-
quisitos para a sua qualificação como radicação no País, apenas resta o casamento na
modalidade e forma civis.
Em suma, até agora temos duas modalidades de casamento:
(1) o casamento católico que, para além de forma especial, releva também no
plano das instituições especificas para resolver determinadas questões, nomeadamente
as nulidades; e
(2) o casamento civil que pode observar, ou não, forma religiosa; assim:
(2.1) o casamento civil pode ser celebrado sob forma religiosa, desde
que as comunidades religiosas estejam radicadas e registadas em Portugal; res-
salva-se que a modalidade de casamento é a civil, apenas mudando a forma.

Como temos duas modalidades de casamento, e vamos estudar aprofundadamente


o regime do casamento civil, importa atentarmos nas normas que regem o casamento
católico em casa um dos seus aspetos: se normas de direito canónico ou normas de direito
civil.
No que toca à promessa de casamento, os artigos 1591.º e ss do CC aplicam-se
às promessas de casamento civil, católico ou em que ainda não se haja decidido a moda-
lidade pretendida.
Quanto aos requisitos de fundo, já há uma distinção a fazer no que toca ao casa-
mento católico. Quanto aos vários vícios de que o consentimento pode padecer, é o di-
reito canónico que se aplica. Trata-se de requisitos de validade do ato, sendo que os
tribunais civis não têm competência para pronunciar-se sobre a validade ou nulidade do
casamento católico, artigo 1625.º do CC. Quanto à capacidade (impedimentos matrimo-
niais) o casamento católico está sujeito ao próprio sistema de impedimentos, mas sempre
ao sistema civil, por força do artigo 1596.º do CC.
A forma do casamento é regida pelas duas ordens, civil e canónica. As formali-
dades preliminares podem ser canónicas (celebração especial) e civis. O chamado pro-
cesso preliminar de casamento civil ou católico corre na conservatória do registo civil e
a lei regula-o minuciosamente. Quanto à celebração em si, não há formalidades civis no
casamento católico. Quanto ao registo, voltam a aplicar-se as duas ordens.
Quanto às causas de nulidade do casamento e respetivo regime processual, só o
artigo 1625.º do CC é competente. Uma vez declarada a nulidade do casamento católico,
é o direito civil que regula os efeitos da nulidade e a eventual aplicação do instituto do

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casamento putativo. Os artigos 1647.º e 1648.º do CC não estão abrangidos pela reserva
do artigo 1625.º do CC.
Nos termos do artigo 1588.º do CC, os efeitos (pessoais e patrimoniais) do casa-
mento são regulados pelo direito civil.
O mesmo há a dizer sobre as disposições relativas a separação de pessoas e bens,
já que é o direito civil que se aplica a casamentos católicos.
Por fim, quanto à dissolução do casamento católico, as duas ordens têm aplica-
ção: quando a dissolução se dá por morte (mesmo que presumida) ou divórcio, o artigo
36.º, n.º2 da CRP impõe que seja a lei civil a regular esta matéria. No entanto, o casamento
católico tem uma forma de dissolução própria: dispensa do casamento rrato e não con-
sumado, artigo 1625.º do CC.

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1.2. Promessa de casamento: descrição geral, justificação e


efeitos

A base legal da promessa de casamento encontra-se nos artigos 1591.º e ss do CC.


Trata-se de um contrato com vontades convergentes, a título de esponsais, desposório
ou outro, em que duas pessoas se comprometem a contrair o matrimónio.
Sendo uma promessa recíproca, terá de revestir os requisitos para a celebração de
um negócio jurídico: proposta negocial e aceitação. A particularidade deste contrato é
que, mesmo existindo esta promessa, ainda assim, não se pode exigir a celebração do
casamento, ou seja, não é suscetível de execução específica – artigos 1591.º e 830.º,
n.º1, in fine do CC.
Voltando à definição de casamento, percebemos que esta visa uma plena comu-
nhão de vida, onde os deveres pessoais são o elemento fundamental que o caracteriza.
Nesta perspetiva, o casamento é um negócio onde o aspeto pessoal se sobrepõe ao patri-
monial. O objetivo do legislador é garantir que o consentimento é sempre atual, livre e
pessoal, evitando estarmos perante um matrimónio menos livre, nomeadamente para se
atender ao artigo 1617.º do CC e manter a atualidade do consentimento.
Se fosse exigível não só a celebração do casamento, mas inclusivamente outras
indemnizações, que não sejam as previstas no artigo 1594.º do CC, o que aconteceria é
que deixaríamos de ter um consentimento atual, livre e pessoal. Assim, só haverá lugar
ao pagamento de certas despesas, previstas no artigo 1594.º do CC.
O legislador vem prever que as partes possam ter estabelecido uma cláusula penal
neste contrato-promessa, o que não é frequente, mas quis afastar todos os institutos jurí-
dicos que pudessem levar a conclusão diferente no âmbito da promessa de casamento. A
regra é que a promessa de casamento pode não ser respeitada, e se, de facto, não for
respeitada, não a vamos tratar nos termos normais de qualquer outro contrato-promessa,
ainda que haja uma cláusula penal.

Quanto ao artigo 1592.º do CC, este vem dizer que sendo a promessa de casamento
um contrato, aplicam-se as regras previstas para os contratos em geral (“termos prescritos
para a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico”). Não obstante isso, o legislador
prevê várias exceções, pois trata-se de um contrato com várias particularidades, nomea-
damente quanto aos efeitos.
O contrato pode não ser celebrado, entre outras razões (irrelevantes para o artigo
1592.º do CC) por incapacidade, como é o exemplo dos maiores acompanhados, sempre
que na decisão que determine o acompanhamento esteja prevista a impossibilidade de
casar; ou por retratação (quando um dos nubentes muda de ideias) sem ter de dar um
motivo validamente sério, mas se esse motivo não for dado, vai haver consequências.
Ora, se o casamento deixar de ser celebrado por incapacidade ou por retratação de
algum dos promitentes, cada um deles deve restituir os donativos que tanto o outro,

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como qualquer terceiro lhe tenham dado em função de promessa1. Com o fim desta pro-
messa, a lei prevê que sejam restituídos os donativos, por cada um deles, independente-
mente do rompimento ter sido fruto vontade de um ou de outro.
O artigo 1592.º, n.º2 do CC acrescenta, ainda, que são abrangidas, pelo dever de
restituição, as cartas e retratos pessoais, mas não as coisas que hajam sido consumidas
antes da retratação ou da verificação da incapacidade. Precisamente porque o aspeto pes-
soal é tão relevante, o legislador não esquece os retratos e as cartas. Estamos a falar de
um negócio jurídico em que a parte pessoal é tudo, pelo que não seria justo que o outro
pudesse ficar com as cartas e os retratos pessoais de alguém.

No artigo 1593.º do CC temos regime diferente daquele da incapacidade e retra-


tação: o caso de morte de um dos promitentes.
Quando o contrato de casamento não chegou a ser celebrado porque um dos nu-
bentes faleceu, o legislador, por uma questão de sensibilidade, veio dizer que o nubente
sobrevivo pode conservar o que tiver recebido do falecido, mas nesse caso também
não pode exigir a restituição dos bens que tiver dado ao de cuius, integrando a herança
do mesmo.
É estabelecido um regime distinto para a correspondência (hoje em dia, mais do
que apenas cartas em formato de papel) e retratos pessoais: é proibido aos herdeiros exigir
a restituição do que o nubente recebera do de cuius, mas já pode exigir a restituição do
que enviara ao de cuius. Pode ficar com o que enviou e o que recebeu do falecido, já que
são coisas que têm valor afetivo e sentimental. Como o casamento não foi celebrado ape-
nas pela morte este foi o regime que o legislador considerou mais adequado e justo.

Como já mencionamos, a não celebração do casamento, leia-se, o incumprimento


do contrato-promessa de casamento, é insuscetível de execução específica ou de respon-
sabilização, exceto no que toca às indemnizações previstas no artigo 1594.º do CC.
Quanto aos sujeitos da obrigação de indemnizar, há que referir que a indemnização
pode:
(1) do lado creditório, ser pedida pelo esposado inocente, pelos pais deste ou por
terceiros que tenham agido em nome dos pais; e
(2) do lado debitório, ser pedida ao nubente culpado, que rompeu a promessa
sem justo motivo ou que, por culpa sua, deu lugar a que o outro se retratasse.

Quanto à primeira possibilidade descrita, o legislador não define o que entende


por “justo motivo” e, portanto, estamos perante um conceito indeterminado que deve ser
avaliado de acordo com as conceções vigentes na sociedade num determinado momento.

1
Tradicionalmente, nas festas de noivado, muitos dos convidados faziam oferendas generosas em vista do
casamento.

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Será um justo motivo todo aquele que a sociedade contemporânea entender que é um
justo motivo. Por exemplo, de acordo com as conceções contemporâneas será justo mo-
tivo se um dos nubentes descobrir que o outro tem uma outra vida ou família paralelas,
um unido de facto ou simplesmente alguém com quem se relaciona com muita regulari-
dade.
Há casos na jurisprudência onde discute o que é justo motivo. As conceções pes-
soais, subjetivas e os valores de cada um acabam por ter relevância, por isso, tem sido
tendência olhar objetivamente para a questão, mas também dar valor aquilo que são con-
vicções do nubente em causa – porque é um negócio pessoal, as suas convicções são
relevantes, desde que com alguma objetividade associada. Por exemplo, não é por um
nubente dizer ao outro tirar um sinal é um justo motivo que esse comportamento reveste
essas vestes.
Repare-se que as partes podem acordar que determinados valores têm relevância,
contudo tem de se acordar que estão em causa valores relevantes. Podemos estar a tratar
de coisas muito específicas em determinadas religiões ou comunidades. Por exemplo, se
A é de uma religião onde é crucial que não haja consumo de álcool, sendo um princípio
que está acordado entre A e o seu nubente e vem a descobrir que este consome álcool
regularmente, sem significar com isso que esteja sempre alcoolizado, pode ser conside-
rado um justo motivo.
Os valores de cada um têm relevância, ou seja, os tribunais têm olhado para o
“justo motivo” objetivamente, mas têm em conta as convicções do nubente em causa, até
porque estamos a tratar de um negócio vincadamente pessoal, ainda que com alguma
objetividade associada.

Quanto à segunda possibilidade descrita, o nubente que “por culpa sua der lugar
a que o outro se retrate”, há que dizer que a culpa tanto pode ser sob a forma de negli-
gência como sob a forma de dolo.
Repare-se que no preceito é utilizado a expressão “inocente”, mesmo face ao justo
motivo, o que significa que o legislador entende que não havendo justo motivo há culpa,
mesmo que seja negligente – estamos perante uma presunção de culpa.

A indemnização abrange as despesas feitas e as obrigações contraídas na pre-


visão do casamento. Por exemplo: em vista do casamento agendado para setembro, os
pais da noiva contrataram um local e uma banda para o casamento e gastaram €15.000
com a contratação; entretanto o noivo chega à conclusão de que não quer casar. Questi-
ona-se, se os pais da promitente têm direito a ser indemnizados pelos €15.000. A posição
do noivo é legítima, contudo não há um justo motivo nos termos em que o legislador o
prevê para não cumprir o contrato-promessa.
Isto é importante porque estamos perante a confluência de uma questão puramente
moral onde se vão aplicar as regras do contrato. Repare-se que, apesar de tudo, ambos se

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 31


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comprometeram contratualmente, e por essa razão foram feitas outras despesas que têm
a vista a celebração do matrimónio, não tendo outro fim, sendo que no caso de um deles
mudar de ideias, alguém tem de suportar os prejuízos, e por isso terá de indemnizar os
danos que por causa da sua livre decisão causou ao esposado inocente e a terceiros.
A questão é mais controversa no que toca às despesas que foram feitas sem o
conhecimento do noivo que não pretende casar. Está em causa um noivo que não foi
envolvido, portanto, a obrigação de indemnizar não se verificaria porque não se pode
entender que foi este que levou a esta contratação, assim, o prejuízo não lhe poderá ser
imputável.
Um caso paradigmático é o de aquisição de casa, futura morada de família. Se
dois nubentes, que celebram uma promessa de casamento, decidem adquirir uma casa
para morada de família, contraindo um crédito à habitação. Mesmo que só um deles seja
parte no contrato-promessa de aquisição do imóvel (ou de mútuo), estamos perante uma
obrigação assumida na previsão do casamento.
A casa de morada de família exige a escolha de ambos os cônjuges, por força do
dever de coabitação. Mesmo não tendo titularidade (ou mesmo que não se figure como
parte no contrato), basta que o outro promitente saiba do contrato promessa de compra e
venda de imóvel, e que nunca tenha sido objetivo apenas o suporte da despesa por um dos
nubentes, há obrigação de indemnizar.
Se, porém, o promitente faltoso não tivesse conhecimento do contrato promessa
de compra e venda do imóvel, sendo o promitente fiel titular do imóvel, independente-
mente do regime de comunhão de pessoas e bens a ser escolhido, já seria mais difícil
sustentar o dever de indemnizar. Mesmo neste segundo cenário, caso se demonstrasse que
o promitente fiel apenas estava a adquirir a casa porque o promitente faltoso o tinha aju-
dado a escolher, tendo como objetivo único que fosse a casa de morada de família, e de
outra forma o primeiro nunca a adquiriria, seria uma questão discutível que ia depender
da avaliação feita a nível de prova e da avaliação de cada juiz, mas suscetível de caber no
âmbito indemnizatório.

O artigo 1594.º, n.º2 do CC estatui que em caso de incapacidade só há obrigação


de indemnizar se houver dolo por parte promitente faltoso, não bastando a negligência.

No que toca à fixação da indemnização, o artigo 1594.º, n.º3 do CC estabelece


que é do prudente arbítrio do tribunal, em face das circunstâncias concretas, fixar o valor
da indemnização, ainda que devendo atender-se a despesas e obrigações razoavelmente
assumidas. O resultado final tem de ser avaliado em respeito pelas circunstâncias concre-
tas do caso e a condição dos contraentes.
Não é comum que as circunstâncias dos contraentes relevem na determinação de
indemnizações. Por exemplo, na pensão de alimentos entre cônjuges não se considera
estas circunstâncias, porque esta existe para fazer face às necessidades de subsistência do

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 32


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cônjuge que dela carece. Sendo irrelevante se antes do divórcio tinham um nível de vida
muito elevado, a pensão de alimentos é fixada em função da subsistência do cônjuge que
deles carece.
Pelo contrário, no caso em apreço, a análise é feita de uma forma diferenciada,
precisamente porque é um cálculo que não pode ser antecipado e porque as despesas fo-
ram contraídas em função daquilo que eram as condições dos contraentes. Por fim, im-
porta ainda atender às vantagens que, independentemente do casamento, possam um e
outro vir a proporcionar.

Uma última referência ao artigo 1595.º do CC, que estabelece um prazo de cadu-
cidade, curto, para fazer face a estes pedidos (indemnizatório e restitutório – artigos
1592.º a 1594.º do CC). O prazo conta-se do rompimento da promessa (onde se inclui a
vontade e a incapacidade) ou da morte do promitente.
Poder-se-ia questionar, face aos terceiros que fizeram investimentos, se a conta-
gem do prazo depende de conhecimento. Ou seja, poderia decorrer 1 ano a contar do
rompimento da promessa, sem que estes terceiros tomassem conhecimento de tal rompi-
mento, ficando assim sem o direito de pedir a sua indemnização ou restituição. São casos
teóricos, de facto, porque quem faz um pagamento de um catering, por exemplo, terá
proximidade suficiente para saber do rompimento, contudo também não será estranho que
o casamento tenha sido programado para um período posterior a 1 ano face à promessa.

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1.3. Casamento civil

Os casamentos civis tanto podem ser celebrados por forma civil, perante o con-
servador do registo civil, como celebrados por forma religiosa, perante o ministro do
culto de igreja ou comunidade religiosa radicada no país.

1.3.1. Requisitos de fundo

1.3.1.1. Consentimento

1.3.1.1.1. Necessidade do consentimento e modo como deve ser prestado


Diz-se que é o consentimento dos nubentes que faz o casamento, por tão impor-
tante que é. O consentimento é um elemento determinante do casamento e esta importân-
cia também é dada inclusivamente na promessa de casamento, de forma a assegurar que
este consentimento é livre, atual e esclarecido.
O consentimento é a pedra de toque do casamento: sem vontade de casar, da parte
de ambos os nubentes, e sem a manifestação segundo as formalidades legais, não temos
um casamento válido.
O consentimento tem que ser atual (artigo 1617.º do CC), pessoal , puro e sim-
ples (artigo 1618.º, n.º2 do CC) e consciente (artigo 1618.º, n.º1 do CC). RAQUEL
VIERIA fala, ainda, em completude, ou perfeição, onde se insere: liberdade, licitude e
completude.

O casamento é um contrato solene, mas verbal: há inclusivamente determinadas


palavras previstas para que o casamento se considere celebrado (artigo 155.º, n.º1, al. e)
do CRC). Discute-se se tem de ser aquelas ou podem ser palavras próximas, mas isso é
que atribui a solenidade, ainda que verbal, ao contrato de casamento.
Os artigos 41.º e 42.º do CRC regem os casos em que um dos nubentes seja mudo,
surdo-mudo ou não souber falar a língua portuguesa. Os surdos e os surdos-mudos que
saibam ler e escrever, manifestam a vontade por escrito (artigo 41.º, n.º2 do CRC). Aos
sujeitos que sejam analfabetos ou não dominem a língua portuguesa, é nomeado um in-
térprete idóneo (artigos 41.º, n.º1 e 42.º do CRC).
Assim, outras formas de manifestação de vontade, além destas excecionais,
não são admitidas.

1.3.1.1.2. Carácter pessoal do consentimento


O consentimento tem de ser pessoal: tem de ser expresso pelos próprios nuben-
tes, pessoalmente, no ato de celebração.

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O artigo 1619.º do CC, de epígrafe caráter pessoal do mútuo consenso, no âmbito


do casamento civil estabelece que a vontade de contrair casamento é estritamente pessoal.
No entanto, existe uma exceção ao princípio as pessoalidade, o artigo 1620.º do
CC, que prevê a possibilidade de um dos nubentes fazer-se representar por procurador na
celebração do casamento. Contudo, apenas um dos nubentes o pode fazer.
Este instituto, para GUILHERME DE OLIVEIRA, não abre uma verdadeira ex-
ceção ao princípio da atualidade do mútuo consenso, já que é prestado no próprio ato
da celebração (embora através de procurador).
O casamento por procuração está regido no artigo 1620.º do CC e nos artigos
43.º e 44.º do CRC.
Contudo, esta procuração é especial: tem de ter poderes especiais, conter a de-
signação expressa do outro nubente e a indicação da modalidade do casamento (civil
ou católico).
Tem sido uma relativamente prática recorrente no âmbito das conservatórias exi-
gir-se que se fizesse prova de que o nubente que conferiu a procuração não podia estar
presente no ato. Se o casamento é feito por procuração é necessária apresentação prova
de que o nubente não poderia objetiva estar presente, por estar no estrangeiro ou outra
causa. Contudo, a jurisprudência vem considerar que não é legitimo esta exigência, visto
que seria mais um requisito para a celebração do casamento que não está previsto em
nenhum ato legal.
Contudo, continuam a existir algumas dificuldades nas conservatórias. Dificulda-
des estas que também se verificam no âmbito do divórcio onde não é necessário que ne-
nhum dos cônjuges esteja presente, ambos se podem fazer representar, mas também aqui
as conservatórias têm recorrentemente exigido que se faça prova que o cônjuge represen-
tado não pode estar presente. Ora, isto parece-nos manifestamente ilegítimo e ilícito.
Os casamentos por procuração foram muito frequentes no período da Guerra Co-
lonial, em que havia uma impossibilidade objetiva de estar presente.
O Tribunal da Relação de Lisboa já frisou, num Acórdão de 22/01/2019, que a
interpretação restritiva do artigo 1620.º, n.º1 do CC, no sentido de admitir o casamento
por procuração apenas quando os nubentes estão separados geograficamente, trata-se da
adição de um novo requisito que não encontra fundamento na lei civil ou registal.
São ainda frequentes casamentos por procuração nos casamentos simulados, ou
seja, casamentos meramente de conveniência para permitir uma autorização de residên-
cia. A consequência jurídica associada a estes casos é a nulidade, como veremos a seu
tempo.

O artigo1628.º, al. d) do CC, determina que o casamento celebrado por inter-


médio do procurador, quando celebrado depois de terem cessado os efeitos da procura-
ção, ou quando não tenha sido outorgada por quem dela figurou como constituinte, ou
sendo nula por falta de concessão de poderes, será considerado inexistente.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 35


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Exemplos em que cessou a procuração: já passou o prazo da procuração; a procu-


ração foi revogada; quando a procuração não tenha sido outorgada por quem nela figura
como constituinte (o mandate não é a pessoa que está identificada como tal – não é muito
frequente, mas por vezes sucedia haver problemas nos nomes, em que havia dois ou três
nomes muito similares).

A não estipulação da modalidade de casamento (civil ou católico), nos termos


do artigo 1620.º, n.º2, do CC, na procuração não gera a inexistência do casamento, por
não estar prevista na alínea em análise, nem a nulidade da procuração.
Nos termos do artigo 1621.º, n.º1 do CC, os efeitos da procuração cessam por
uma de duas vias: pela revogação ou pela morte do constituinte, do procurador, ou do
acompanhante de qualquer deles, quando a sentença que haja decretado o acompanha-
mento assim o determine.

Nos termos do artigo 1620.º, n.º2, do CC, a vontade do constituinte não pode ser
uma vontade incompleta, lacunosa e sujeita à vontade de atuação do procurador.
Perante uma procuração deste género, já pode o conservador recusar licitamente celebrar
o casamento, por não poder ser deixada tanta liberdade de decisão pessoal ao procurador
ad nuptias.
Pode o procurador recusar legitimamente a celebrar o casamento por uma cir-
cunstância superveniente que o leve a crer que o constituinte, conhecendo-a, não o cele-
braria? Esta questão prende-se com saber se o procurador tem a possibilidade de decidir
sobre a conclusão do matrimónio, isto é, se estamos perante um verdadeiro representante
ou um mero núncio. Por existirem estes casos extremos, deve considerar-se que o procu-
rador ad nuptias deve ser tido como representante, ainda que com escassíssimos pode-
res.

1.3.1.1.3. Carácter puro e simples do consentimento


O consentimento deve ser puro e simples. Isto significa que não podem ser
apostos condições e termos ao casamento, artigo 1618.º, n.º2 do CC. Nestes casos con-
sidera-se a cláusula como não escrita. O casamento é válido como tivesse sido puro e
simples o consentimento prestado.
Questiona-se se, face ao número elevado de divórcio, não iremos considerar o
casamento cada vez menos como tendencialmente perpétuo, atendendo a possibilidades
novas de atrair nubentes novos em eventuais termos diferentes, acompanhando a evolu-
ção da sociedade. Repare-se que um casamento a termo sabemos que recorrido 10 anos,
ele acaba. No divorcio há que praticar determinados atos para o terminar, isto do ponto
de vista processual.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 36


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Para além disto, sendo um casamento a termo, a partilha dos bens, provavelmente,
estará definida à partida, nunca estando esta definida a priori no casamento por se consi-
derar perpétuo.

1.3.1.1.4. Perfeição do consentimento


O casamento deve ser perfeito na medida em que entre as declarações de vontade
deve haver concordância entre a vontade e a declaração.
Os casos de divergência entre a vontade e a declaração são quatro e estão taxati-
vamente tipificados no artigo 1635.º do CC. Falamos de taxatividade destas hipóteses
típicas pelo exposto no artigo 1627.º do CC.

Quanto ao casamento simulado, a questão da sua invalidade raramente se punha


aos nossos tribunais, mas hoje em dia já há significativa jurisprudência sobre ela. Poderá
fazer sentido em casos como: aquisição de nacionalidade portuguesa, aquisição de visto
de residência ou de trabalho que evite expatriação, para aquisição de benefícios, para
contornar uma qualquer disposição legal.
Nos termos do artigo 180.º, n.º1 da Lei n.º26/2018 (entrada, permanência, saída e
afastamento de estrageiros do território nacional), é cancelada a autorização de residência
com base em casamento cujo fim único seja a obtenção da mesma. O artigo 186.º desse
diploma pune como crime, com pena de prisão de 1 a 5 anos, a mesma conduta no res-
peitante ao “cartão azul UE”.
No entanto, se esse motivo for um dos que levou os nubentes a casar, mas existem
outros, sendo que levam uma comunhão de vida, não há simulação e o casamento é
válido.
Assim, apenas releva a simulação de casamento em que haja uma recusa da “co-
munhão de vida” aliada à prossecução de um certo fim com a celebração do negócio
simulado. Falamos dos casos em que se presta, perante o Conservador do Registo Civil,
uma declaração de casamento (artigo 155.º, n.º1, al. e) do CRC) que não corresponde à
vontade real.
O casamento simulado é anulável, nos termos do artigo 1635.º, al. d) do CC. A
anulação pode ser requerida pelos cônjuges ou por terceiros prejudicados, artigo
1640.º, n.º1 do CC, dentro dos 3 anos subsequentes ou, se o casamento era ignorado do
requerente, nos 6 meses seguintes à data do conhecimento (artigo 1644.º do CC). Nos
termos do negócio simulado, não podem os cônjuges provar por testemunhas ou por pre-
sunções o acordo simulatório – artigos 394.º, n.º2 e 351.º do CC.
Nos termos do artigo 243.º do CC, a anulação do casamento simulado não pode
ser oposta a terceiros que, de boa-fé, acreditavam na validade do casamento.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 37


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A anulação apenas se refere aos casos de simulação total. Se estivermos pe-


rante uma simulação relativa ou parcial1, o casamento será civilmente válido. Para o
direito canónico, por haver uma desfiguração do instituto, continua a ser uma causa de
nulidade.

Quanto ao erro na declaração, o artigo 1635.º, al. a) do CC estabelece um desvio


à regra do regime da incapacidade acidental, artigo 246.º do CC. Está em causa a anula-
ção do casamento por falta de vontade, quando o nubente não tinha consciência do
facto que praticava. Contrariamente ao regime geral, não se exige o conhecimento ou
notoriedade da incapacidade do lado do declaratário.

Quanto ao erro relativamente à identidade física do outro contraente, falamos


de um caso em que há um casamento por procuração entre A e B, que era um presidiário,
sendo que os sujeitos nunca tinham estado juntos, mas tinham trocado várias cartas. Não
havia nenhum problema com a procuração, mas as fotografias recebidas não correspon-
diam à realidade. Este é um caso que tem importância sobretudo teórica porque não acon-
tece com grande regularidade. O casamento é anulável nos termos do artigo 1635.º, al.
b) do CC. Outro caso, até na ratio deste artigo, passa pelo casamento com um nubente
tapado por um véu que impossibilite a visão.

Por fim, a extorsão por coação física da declaração de vontade também conduz
à anulação do casamento, nos termos do artigo 1635.º, al. c) do CC.

Diferentemente ao que acontece no casamento simulado, as outras três hipóteses


de divergência entre a vontade e a declaração apenas podem ser arguidas pelo cônjuge
cuja vontade faltou, artigo 1640.º, n.º2 do CC, dentro dos 3 anos subsequentes ou, se o
casamento era ignorado do requerente, nos 6 meses seguintes à data do conhecimento
(artigo 1644.º do CC). Contudo, a ação de anulação pode ser continuada pelos seus pa-
rentes, afins na linha reta, adotantes ou herdeiros, caso o autor faleça na pendência da
causa.

Qual a razão para a sanção em causa ser a anulabilidade, e não uma qualquer
mais gravosa? A consequência normal de incumprimentos no âmbito do casamento, que
não seja o casamento católico onde a consequência normal é a nulidade, é a anulabilidade.
Apenas em casos muito excecionais, há a referência à inexistência, dado que é uma rela-
ção familiar que está no limbo entre a esfera do Estado e a esfera dos afetos familiares,
até porque destas relações nascem filhos. Por exemplo, nos casamentos putativos, existe
um regime que visa proteger os cônjuges que foram induzidos em erro, mas este regime

1
Onde coexistem dois negócios: o simulado e o dissimulado. Este último tem-se como válido.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 38


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faz maioritariamente sentido quando a consequência de tal matrimónio seja a anulabili-


dade. Portanto há aqui um misto de interesses públicos com a proteção máxima do casa-
mento mesmo quando é inválido.

1.3.1.1.5. Liberdade do consentimento


O consentimento deve ser livre, algo que a própria lei presume no artigo 1634.º
do CC. Isto pressupõe que a vontade dos nubentes seja esclarecida e formada sem pres-
são de violências ou ameaças – assim, não pode haver erro, nem coação.
Nos termos do artigo 1627.º do CC, apenas estas figuras relevam no âmbito ma-
trimonial, pelo que nem o dolo, nem o estado de necessidade desempenha, aqui, qualquer
papel. Mesmo o erro e a coação apenas vão relevar nos termos, estritos, dos artigos 1636.º
e ss do CC.

Quanto ao erro, este releva nos termos do artigo 1636.º do CC. O erro tem de
recair sobre as qualidades essenciais do outro cônjuge; seja próprio (ao invés de recair
sobre um requisito legal); tem de ser desculpável; tem que ser demonstrado que sem esse
erro, razoavelmente, o casamento não tinha sido celebrado.
Em primeiro lugar, o erro tem de versar sobre qualidade essencial da pessoa
do outro cônjuge. Pode ser uma qualidade natural ou jurídica, onde se insere o erro sobre
o estado civil, por exemplo. Esta qualidade essencial tem que ser objetivamente avaliada
(pelo critério do homem médio e das conceções sociais dominantes), bem como subjeti-
vamente avaliada (pelo critério da situação concreta). Falamos de um erro que recaia
sobre as qualidades que, em abstrato, sejam idóneas à construção do consentimento. A
essencialidade objetiva traduz-se na legitimidade e razoabilidade, em face das circuns-
tâncias concretas e da consciência social dominante, de tal aspeto.
Em segundo lugar, o erro tem de ser próprio, não podendo recair sobre qualquer
requisito legal de existência ou de validade do casamento – GUILHERME DE
OLIVEIRA e PEREIRA COELHO exigem este requisito, postulando, em bom rigor, que
não pode haver outro fundamento de anulação do casamento para que o erro-vício possa
operar. Se um dos nubentes desconhecia que outro ainda estava casado, o casamento não
vai ser anulado por erro, mas sim por falta do requisito legal (independentemente do erro).
Este requisito resulta dos princípios gerais do concurso de normas: as normas sobre o erro
não consumidas pelas que regem os requisitos legais nesta matéria. RAQUEL VIEIRA
discorda deste requisito, por não resultar expressamente da lei, e numa ação convém mu-
nirmo-nos de todos os argumentos possíveis – a professora aponta, assim, apenas 3 re-
quisitos de relevância do erro nesta sede.
Em seguida, o erro tem de ser desculpável. O erro indesculpável ou grosseiro,
em que não cairia uma pessoa normal colocada na mesma situação, não pode ser invocado
nesta sede.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 39


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Por fim, o erro tem de versar sobre uma circunstância decisiva ou determi-
nante na formação da vontade – RAQUEL VIEIRA chama a este requisito essenciali-
dade. O mesmo é dizer que se o erro não existisse e o nubente tivesse um conhecimento
exato dessa circunstância, não teria querido celebrar o casamento. Aqui também vigoram
o duplo critério: objetivo e subjetivo.
O Tribunal da Relação de Évora, a 04/12/2018, esclarece que o erro que vicia a
vontade de casar tem de ser determinante, presente no momento do casamento e incidir
sobre qualidades essenciais e ocultas do outro cônjuge. Mais, esclarece que as mudanças
de comportamento de um dos cônjuges perante o outro não integram o erro que permite
a anulação do casamento.

Quanto à coação moral, o casamento pode ser anulado com fundamento em coa-
ção moral, nos termos do artigo 1638.º do CC.
Em sede de casamento, não se distingue quem é o autor da coação: se o outro
contraente ou um terceiro. Para que o casamento seja anulável com base em coação mo-
ral, basta que seja grave o mal com que o nubente é ilicitamente e intencionalmente
ameaçado e justificado o receio da sua consumação, e a coação seja essencial.
Vejamos, na esteira da RAQUEL VIERA, o esquema da coação moral obedece a
cinco pressupostos.
Como já vimos, a ameaça tem que ser ilícita e intencional.
A ameaça tem que versar sobre um mal grave e tem que haver justificação do
receio de consumação. Para isto temos que atender às qualidades do coator e aos meios
que ele dispõe para consumar a ameaça, e ver se o homem médio se sentiria efetivamente
ameaçado.
A ameaça tem que ser essencial: se não fora a ameaça, não se teria prestado o
consentimento para casar.

O consentimento prestado em erro ou sob coação relevantes é anulável, nos ter-


mos do artigo 1631.º, al. b) do CC.
Quanto à legitimidade, a ação apenas pode ser intentada pelo cônjuge enganado
ou coato, dentro dos 6 meses posteriores à cessação do vício. No entanto, se o autor fale-
cer na pendência da causa, podem nela prosseguir os seus parentes, afins na linha reta,
herdeiros ou adotantes. Este regime resulta dos artigos 1641.º e 1645.º do CC. O prazo
conta, nos casos de coação moral, findado o medo da consumação da ameaça.
A anulabilidade é sanável por confirmação, expressa ou tácita, nos termos gerais
do artigo 288.º do CC.
A convalidação objetiva acontece mediante a falta de propositura da ação no
prazo indicado.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 40


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1.3.1.2. Capacidade

Esta noção de capacidade em Direito da Família é diferente do que aquela que


estudamos em Direito Civil. Na verdade, vamos falar de impedimentos matrimoniais,
uma averiguação prévia da capacidade que não tem paralelo noutros negócios jurídi-
cos. O artigo 1600.º do CC é claro ao dizer que têm capacidade matrimonial todos os
sujeitos que não sejam, pela lei, impedidos de casar.
Um impedimento matrimonial é uma circunstância que, de alguma forma, im-
pede a celebração do casamento. Os impedimentos não são incapacidades, mas antes as
circunstâncias onde elas se originam. A averiguação dos impedimentos matrimoniais re-
porta-se ao momento da celebração do casamento.
Temos duas grandes qualificações de impedimentos: impedimentos dirimentes
(absolutos e relativos) e impedimentos impedientes.
Os impedimentos dirimentes são os mais gravosos, em que a consequência da
sua violação é a anulabilidade. A grande diferença entre os impedimentos dirimentes ab-
solutos e os impedimentos dirimentes relativos é que os primeiros se referem à relação
entre uma pessoa com todas as outras, enquanto os segundos se referem à relação entre
uma pessoa e outra pessoa específica – artigos 1601.º e 1602.º do CC.
Os impedimentos impedientes são menos gravosos, pelo que as sanções são di-
versas e não passam pela anulabilidade – artigo 1604.º do CC.

Mais, distingue-se entre impedimentos dispensáveis e impedimentos não dispen-


sáveis, consoante admitam dispensa – ato pelo qual uma autoridade, atendendo ao caso
concreto, autoriza o casamento, não obstante a existência de tal impedimento. O processo
de dispensa de impedimentos está regulado nos artigos 253.º e 254.º do CRC.
Por fim, distingue-se entre impedimentos de direito civil e impedimentos de direito
canónico – não esquecendo que os primeiros também se aplicam ao casamento católico,
nos termos do artigo 1596.º do CC.

1.3.1.2.1. Impedimentos dirimentes absolutos


Começando pelos impedimentos dirimentes absolutos, o artigo 1601.º do CC
enuncia três tipos de impedimentos. Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a cele-
bração de um casamento em que exista um impedimento dirimente conduz à sua anu-
labilidade.

Quanto à falta de idade nupcial, artigo 1601.º, al. a) do CC, estabelece que é
impedimento dirimente absoluto a idade inferior a 16 anos, independentemente do sexo
do nubente.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 41


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Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de um casamento em que


exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.
Nos termos do artigo 1639.º do CC, têm legitimidade para intentar a ação de anu-
lação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou qual-
quer parente deles na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como os
herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público (n.º1). Nos termos do n.º2 do
supramencionado artigo, o tutor do menor também tem a mesma legitimidade.
No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643.º, n.º1, al. a) do CC, a lei distingue
consoante o sujeito que intente a ação. Se for o próprio menor, até seis meses após
atingir a maioridade. Se for outro sujeito com legitimidade para tal, a anulação deve ser
requerida nos 3 anos seguintes à celebração do casamento, mas nunca depois da maiori-
dade.
Atente-se, contudo, no artigo 1633.º, n.º1, al. a) do CC que nos dá os casos em
que o casamento tem-se por convalidado desde a data da sua celebração.

Quanto à demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a decisão de


acompanhamento, quando a respetiva sentença assim o determine, artigo 1601.º, al. b)
do CC, importa ter presente que demência para o direito civil significa anomalia mental
ou psíquica. O regime de acompanhamento limita-se ao necessário, nos termos do artigo
145.º, n.º1 do CC, e o exercício pelo acompanhado de direitos pessoais é livre, exceto lei
ou sentença judicial disponham e contrário, artigo 147.º do CC, daí a referência a “quando
a respetiva sentença assim o determine”.
Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de um casamento em que
exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.
Nos termos do artigo 1639.º do CC, têm legitimidade para intentar a ação de anu-
lação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou qual-
quer parente deles na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como os
herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público (n.º1). Nos termos do n.º2 do
supramencionado artigo, o acompanhante com poderes para o efeito também tem a
mesma legitimidade.
No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643.º, n.º1, al. a) do CC, a lei distingue
consoante o sujeito que intente a ação. Se for o próprio incapaz, até seis meses após
cessar a incapacidade natural ou cessar ou ser revisto, nesse sentido, o acompanhamento.
Se for outro sujeito com legitimidade para tal, a anulação deve ser requerida nos 3 anos
seguintes à celebração do casamento, mas nunca depois da cessação da incapacidade na-
tural.
Atente-se, contudo, no artigo 1633.º, n.º1, al. b) do CC que nos dá os casos em
que o casamento tem-se por convalidado desde a data da sua celebração.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 42


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Mais, é impedimento dirimente absoluto o vínculo matrimonial anterior não dis-


solvido, artigo 1601.º, al. c) do CC. A lei pretende evitar a bigamia, assegurando a pro-
teção da unidade matrimonial.
Não importa que o assento do anterior casamento não esteja lavrado, pretendendo-
se visar os casamentos celebrados no estrangeiro e os casamentos católicos não transcri-
tos.
Nos termos dos artigos 115.º e 116.º do CC, a morte presumida não dissolve o
casamento. Decorridos um ano sobre a data das últimas notícias, pode o cônjuge pedir o
divórcio nos termos do artigo 1781.º, al. c) do CC.
Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de um casamento em que
exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.
Nos termos do artigo 1639.º do CC, têm legitimidade para intentar a ação de anu-
lação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou qual-
quer parente deles na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como os
herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público (n.º1). Nos termos do n.º2 do
supramencionado artigo, o 1.º cônjuge do bígamo também tem a mesma legitimidade.
No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643.º, n.º1, al. c) do CC, a lei refere
um prazo de seis meses após a dissolução do casamento, mas não pode a ação prosseguir
enquanto estiver pendente a ação de declaração de nulidade ou de anulação do primeiro
casamento do bígamo, artigo 1643.º, n.º3 do CC.
Atente-se, contudo, no artigo 1633.º, n.º1, al. c) do CC que nos diz que se o pri-
meiro casamento do bígamo for declarado nulo ou anulado, o segundo casamento tem-
se por convalidado desde a data da sua celebração.

1.3.1.2.2. Impedimentos dirimentes relativos


Passando aos impedimentos dirimentes relativos, o artigo 1603.º do CC enuncia
cinco tipos de impedimentos. Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de
um casamento em que exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.

Começando pelo parentesco na linha reta e no segundo grau da linha colateral


e pela afinidade na linha reta, artigo 1602.º, als. a), c) e d) do CC, respetivamente.
Estes são os únicos vínculos familiares que constituem impedimento dirimente,
devendo ter-se em conta que também estão, aqui, compreendidas as relações estabeleci-
das em caso de adoção, dado o princípio expresso no artigo 1986.º do CC.
A ratio destas proibições passa pela proibição do incesto, no tocante ao paren-
tesco, e por razões de moral familiar decisivas.
Estes impedimentos valem mesmo que a paternidade ou maternidade não se en-
contre estabelecida, artigo 1603.º do CC, e seja um mero vínculo de facto, admitindo a
lei que a respetiva prova se faça no processo preliminar do casamento (artigos 134.º e ss

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 43


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do CRC), no processo de impedimento do casamento (artigos 245.º e ss do CRC), ou, em


caso de celebração do casamento, em ação de declaração de nulidade ou de anulação do
mesmo.
Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de um casamento em que
exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.
Nos termos do artigo 1639.º, n.º1 do CC, têm legitimidade para intentar a ação
de anulação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou
qualquer parente deles na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como
os herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público.
No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643.º, n.º1, al. c) do CC, a lei refere
um prazo de seis meses após a dissolução do casamento.
Não nos esqueçamos que depois da Lei n.º61/2008 (“lei do divórcio”), a afini-
dade cessa com a dissolução do casamento por divórcio, artigo 1585.º do CC, ces-
sando, assim, o impedimento.

No que toca à relação anterior de responsabilidades parentais, artigo 1602.º, al.


b) do CC, importa saber que este impedimento resulta da Lei n.º135/2015.
Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de um casamento em que
exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.
Nos termos do artigo 1639.º, n.º1 do CC, têm legitimidade para intentar a ação
de anulação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou
qualquer parente deles na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como
os herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público.
No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643.º, n.º1, al. c) do CC, a lei refere
um prazo de seis meses após a dissolução do casamento.

Por fim, quanto à condenação por homicídio, releva o crime anterior cometido,
como autor ou cúmplice, o crime doloso, ainda que não consumado, de um dos nubentes
contra o cônjuge, leia-se, ex-cônjuge, do outro, artigo 1602.º, al. e) do CC. A lei suspeita
que o crime tenha sido cometido com a intenção de permitir o casamento.
Jorge Miranda tem algumas reservas quanto à constitucionalidade da produção
automática deste efeito necessário da condenação que envolve a perda de um direito civil,
contrapondo-o com o artigo 30.º, n.º4 da CRP.
Por este impedimento apenas operar após o trânsito em julgado da sentença, surge-
nos o artigo 1604.º, al. f) do CC com um impedimento impediente, de forma a não se
contrariar a lei durante o período que decorre até ao trânsito em julgado da sentença.
Nos termos do artigo 1631.º, al a) do CC, a celebração de um casamento em que
exista um impedimento dirimente conduz à sua anulabilidade.
Nos termos do artigo 1639.º, n.º1 do CC, têm legitimidade para intentar a ação
de anulação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou

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qualquer parente deles na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como
os herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público.
No tocante a prazos, nos termos do artigo 1643.º, n.º1, al. b) do CC, a lei refere
um prazo de três anos após a celebração do casamento.

1.3.1.2.3. Impedimentos impedientes


Nos termos do artigo 1604.º do CC, existem quatro tipos de impedimentos im-
pedientes em vigor. Note-se, porém, que estes impedimentos não conduzem à anulabi-
lidade do casamento, já que o artigo 1631.º, al. a) do CC apenas refere impedimentos
dirimentes.

Começando pela falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento de


menores, quando não suprida pelo conservador do registo civil, artigo 1604.º, al. a) do
CC, falamos, obviamente, de menores entre os 16 e os 18 anos.
A autorização deve ser concedida pelos progenitores que exerçam as responsabi-
lidades parentais ou pelo tutor, antes ou no próprio ato de celebração do casamento,
artigo 149.º, n.º1 do CRC.
Se for prestado antes da celebração do mesmo, deve revestir uma das formas do
artigo 150.º, n.º1 do CRC, identificar o outro nubente e indicar a modalidade de casa-
mento (n.º2 do mesmo artigo). Se esta autorização for anterior à data de instauração do
processo preliminar, deve ser junta ao processo, artigo 149.º, n.º2 do CRC.
Se ainda não tiver sido prestada a autorização até ao momento da celebração do
casamento, nem haja a mesma sido suprida pelo conservador, este deve interpelar para o
efeito as pessoas que o devem prestar (pessoalmente ou por intermédio de procurador),
artigo 155.º, n.º1, al. b) do CRC, o que deve ser mencionado no assento do casamento,
artigos 150.º, n.º3 e 181.º, al. d) do CRC.
O menor pode pedir ao conservador o suprimento da autorização para casa-
mento que lhe seja negada por quem de direito lhe competia conceder tal autorização, nos
termos de um processo regulado nos artigos 255.º e ss do CRC. Após apresentação do
pedido em qualquer conservatória (artigo 255.º do CRC); autuada petição com os docu-
mentos que lhe respeitam, o conservador faz citar os pais ou o tutor, no prazo de 8 dias
(artigo 256.º, n.º1 do CRC); concluída a instrução, a supressão da autorização dos pais
obedece à maturidade física do menor e à existência de razões ponderosas que justifiquem
o casamento, sendo que tal decisão é da exclusiva competência do conservador e passível
de recurso judicial (artigo 257.º, n.ºs 1 a 3, respetivamente).
Se o menor contrair casamento sem autorização ou respetivo suprimento, não
se emancipa plenamente, artigo 132.º do CC, continuando a ser considerado menor
quanto à administração dos bens que tenha levado para o casal ou que lhe advenham por

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título gratuito até à maioridade, bens cuja administração não é confiada ao outro cônjuge
como o seria segundo as regras gerais (artigo 1678.º, n.º2, al. f) do CC).

Nos termos do artigo 1604.º, al. c) do CC, é impedimento impediente o parentesco


no terceiro grau da linha colateral. Nos termos do artigo 1609.º, n.º1, al. a) do CC, este
impedimento é dispensável por decisão do conservador do registo civil, n.º2 do mesmo
artigo.
O processo de dispensa de impedimento segue o regime dos artigos 253.º e 254.º
do CRC, sendo que se recomenda a leitura integral dos mesmos preceitos. Atente-se no
artigo 142.º, n.ºs 2 e 3 do CRC para a suspensão do processo preliminar de casamento
e remissão para este regime quando se venha a conhecer tal impedimento.
Caso não haja dispensa, o artigo 1650.º, n.º2 do CC comina a sanção aplicável.

Nos termos dos artigos 1604.º, al. d) e 1608.º do CC, é impedimento impediente
a tutela, acompanhamento de maior ou a administração legal de bens, bem como o não
decurso de um ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respetivas
contas, havendo lugar a elas.
O artigo 1608.º do CC alarga este impedimento a parentes ou afins na linha reta,
irmãos, cunhados e sobrinhos, não se bastando com o tutor, acompanhante ou adminis-
trador.
Nos termos do artigo 1609.º, n.º1, al. b) do CC, este impedimento é dispensável
por decisão do conservador do registo civil, n.º2 do mesmo artigo. O processo de dis-
pensa de impedimento segue o regime dos artigos 253.º e 254.º do CRC, sendo que se
recomenda a leitura integral dos mesmos preceitos. Atente-se no artigo 142.º, n.ºs 2 e 3
do CRC para a suspensão do processo preliminar de casamento e remissão para este
regime quando se venha a conhecer tal impedimento.
Caso não haja dispensa, o artigo 1650.º, n.º2 do CC comina a sanção aplicável.

O impedimento do artigo 1604.º, al. f) do CC tem que ser lido em conjunto com
o do artigo 1602.º, al. e) do CC. Tendo havido modificações ao processo penal, nos termos
do artigo 286.º, n.º2 do CPP a abertura de instrução é facultativa, sendo que só nessa sede
o juiz proferirá, se for o caso, despacho de pronúncia, artigo 307.º, n.º1 do CPP. Assim,
GUILHERME DE OLIVEIRA defende que quando o processo não passe por esta fase e
seja diretamente remetido para julgamento, deve equiparar-se ao despacho pronúncia o
despacho do juiz que, confirmando ou consolidando a acusação, marca dia para a audi-
ência, artigo 312.º, n.º1 do CPP.

Por fim, não referido no artigo 1604.º do CC, mas antes no artigo 22.º, n.º1 da Lei
n.º103/2009, que criou a figura do apadrinhamento civil, o vínculo entre padrinhos e
afilhados é impedimento impediente à celebração do casamento – não sendo este

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impedimento extensivo a outros familiares. O artigo 22.º, n.º2 da mesma lei estabelece
que o impedimento é dispensável pelo conservador, ao passo que o n.º3 estatui uma san-
ção para a celebração do mesmo casamento sem dispensa do impedimento.

1.3.1.3. Formalidades do casamento

1.3.1.3.1. Processo preliminar de casamento e possíveis incidentes


O casamento carece, por via de regra, de um processo preliminar, regulado pela
lei do registo civil e com o fim de verificar pela inexistência de impedimentos, artigos
1610.º e ss do CC e 134.º e ss do CRC. A articulação entre estes dois diplomas, nesta
sede, é importantíssima.
O processo inicia-se junto de qualquer conservatória do registo civil (artigo
134.º do CRC), mediante declaração pessoal ou por intermédio de procurador (artigo
135.º, n.º1 do CRC) em tal sede, requerendo a instauração do processo de casamento.
Note-se, aqui, que a representação por procuração não obedece às limitações do procu-
rador ad nuptias, artigo 1620.º do CC.
Nos termos do artigo 135.º, n.º5 do CRC, os nubentes podem cumular com este
pedido: (1) o pedido de dispensa de impedimentos, artigos 253.º e ss do CRC; (2) o pedido
de autorização para o casamento de menor, artigos 255.º e ss do CRC; e (3) o pedido de
suprimento de certidão de registo, artigos 266.º e ss do CRC.

A declaração para casamento deve conter as menções do artigo 136.º, n.º1 do


CRC, bem como regular as matérias dispostas nas alíneas do n.º2. Mais, deve estar ins-
truída com os documentos mencionados nas als. a) e b) do n.º1, d artigo 137.º do CRC.
Importa fazer uma ressalva, o artigo 136.º, n.º2, al. e) do CRC fala em regime de
bens imperativo, o que remete para o artigo 1699.º, n.º2 do CC, que estabelece exceções
materiais à livre escolha do regime de bens. No entanto, é no artigo 1720.º do CC que
encontramos o regime da separação de bens como imperativo. A indicação de filhos
não comuns na sede de processo preliminar serve para tutelar as respetivas expetativas
sucessórias.
Após a declaração inicial, é imediata e oficiosamente consultada a base de dados
do registo civil, sendo nela integrados os documentos necessários a comprovar os factos
referidos nas als. a) a c) do n.º4 do artigo 137.º do CRC.
O processo preliminar é público na parte e nos termos do artigo 140.º do CRC.

Nos termos dos artigos 1611.º do CC e 142.º do CRC, pode haver lugar a denún-
cia de impedimentos, declarada por qualquer pessoa até ao momento de celebração do

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casamento, sendo que tal declaração é obrigatória para o MP e para os funcionários do


registo civil logo que dele tenham conhecimento.
Feita a declaração ou se a existência do impedimento chegar ao conhecimento do
conservador, este deve fazê-lo constar do processo preliminar de casamento, cujo anda-
mento é suspenso até que o impedimento cesse, seja dispensado ou julgado improcedente
por decisão judicial, artigos 1611.º, n.º3 do CC e 142.º, n.ºs 2 e 3 do CRC.
O processo de impedimento do casamento está regulado nos artigos 245.º a 252.º
do CRC. Havendo declaração de impedimento apresentada e instruída nos termos dos
artigos 245.º e 246.º do CRC, o conservador faz citar os nubentes para impugnarem o
impedimento sob pena de este se ter por confessado, no prazo de 20 dias, artigo 247.º,
n.º1 do CRC. Se não for impugnado, o conservador profere despacho a considerar o im-
pedimento procedente e arquiva o processo preliminar, artigo 248.º do CRC. Havendo
impugnação, há remissão do processo para o juiz da comarca, nos termos dos artigos 249.º
e ss do CRC, donde resulta o restante procedimento.

Nos termos do artigo 143.º do CRC, compete ao conservador verificar a identidade


e capacidade matrimonial dos nubentes, podendo colher informações junto de autorida-
des, exigir prova testemunhal e documental complementar e convocar os nubentes ou os
seus representantes legais quando tal se mostra necessário.
Feitas todas as diligências, deve o conservador, no prazo de 1 dia a contar da úl-
tima diligência efetuada, proferir despacho a autorizar os nubentes a celebrar casa-
mento ou a mandar arquivar o processo, artigo 144.º do CRC. Nos termos do n.º2 do
artigo 144.º do CRC, no despacho devem ser identificados os nubentes, feita referência à
existência ou inexistência de impedimentos ao casamento e apreciada a capacidade ma-
trimonial dos nubentes. em caso de despacho desfavorável, este deve ser notificado aos
nubentes, que dele podem recorrer nos 8 dias seguintes à data da notificação, artigos
144.º, n.º4 e 292.º do CRC.

Como já vimos, o processo preliminar do casamento termina com o despacho


previsto no artigos 1613.º do CC e 144.º do CRC. No entanto, podem verificar-se alguns
incidentes durante o processo.
Em primeiro lugar, se os nubentes, na declaração inicial ou posteriormente, tive-
rem manifestado a intenção de celebrar casamento católico ou casamento civil sob
forma religiosa, o conservador deve passar, dentro do prazo de 1 dia a contar da data do
despacho ou daquela em que os nubentes se tenham manifestado nesse sentido, um certi-
ficado em que se declara que os nubentes podem contrair casamento, artigo 146.º, n.ºs 1
e 2 do CRC. Atente-se no que é exigido no artigo 146.º, n.º5 do CRC. Mais, o artigo 151.º
do CRC faz depender a celebração do casamento católico da apresentação ao pároco
celebrante do certificado referido no artigo 146.º do CRC. O pároco que celebre

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 48


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casamento em contrariedade ao que aqui se encontra disposto incorre num crime de de-
sobediência, nos termos dos artigos 296.º, n.º1, al. a) do CRC e 348.º, n.º2 do CP.
Em segundo lugar, pode tornar-se necessário obter dispensa dos impedimentos
impedientes que podem ser dispensados, nos termos do artigo 1609.º do CC. Este pro-
cesso de dispensa, como já vimos, vem regulado nos artigos 253.º e 254.º do CRC.
Em terceiro lugar, como acabamos de ver, pode haver denúncia de impedimen-
tos, sendo este o incidente mais relevante do processo preliminar.

1.3.1.3.2. Celebração do casamento


Em caso de despacho final favorável, pode proceder-se à celebração do casa-
mento dentro dos seis meses posteriores à sua emissão, artigos 1614.º do CC e 145.º, n.º1
do CRC.
No entanto, o processo pode ser revalidado se o casamento não for celebrado
dentro do prazo de seis meses, mediante a junção dos documentos que tenham excedido
o prazo de validade, artigo 145.º, n.ºs 2 e 3 do CRC; sendo que a revalidação do processo
só pode ter lugar dentro do prazo de um ano a contar da data do despacho final, artigo
145.º, n.º4 do CRC.

O dia, a hora e o local da celebração do casamento são acordados entre os nubentes


e o conservador, artigo 153.º do CRC, sendo que é possível a celebração do mesmo em
casa, nos termos do artigo 57.º do CRC. Qualquer conservador tem competência para
esta celebração, independentemente da freguesia e conselho, artigo 153.º, n.º2 do CRC.

No ato da celebração devem verificar-se as presenças de ambos os nubentes, ou


um deles e o procurador do outro, e d conservador. É obrigatória a presença de duas
testemunhas quando a identidade de qualquer dos nubentes ou do procurador não
possa ser verificada por uma das formas previstas nas als. a), b) e c) do n.º3 do artigo
154.º do CRC, conjugado com o artigo 1616.º, al. c) do CC.

A cerimónia da celebração é pública e está regulada no artigo 155.º do CRC.


Importa atentar no artigo 1615.º, al. a) do CC, conjugado com o artigo 155.º, n.º1, al. e)
do CRC, para percebermos que a forma do casamento civil é oral (ainda que se discuta
a necessidade de exatidão nas palavras proferidas), sendo que existem formas excecio-
nais para os casos previstos nos artigos 41.º e 42.º do CRC.

1.3.1.3.3. Registo do casamento


O registo do casamento é obrigatório, nos termos dos artigos 1651.º e ss do CC,
e de bastante importância, por ser um dos factos sujeitos a registo apenas comprovável

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 49


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pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão artigo 211.º, n.º1 do
CRC. O registo não contende com a existência ou validade do ato, mas somente com a
sua prova: já que é a única prova legalmente admitida do casamento, sendo que quando
não registado, não pode ser invocado, artigos 1669.º do CC e 2.º do CRC.
O registo do casamento pode ser lavrado, nos termos do artigo 1652.º do CC, por
inscrição, artigo 52.º, al. e) do CRC, ou por transcrição, artigo 53.º, n.º1, als. c), d) e e)
do CRC, sendo de considerar o artigo 179.º do CRC em certos casos.
Na sede de casamento civil não urgente o registo é lavrado por inscrição em
suporte informático, nos termos do artigo 14.º do CRC.
A omissão de registo do casamento só pode ser suprida por decisão do conser-
vador em processo de justificação administrativa, artigo 83.º, n.º1, al. a) do CRC.

Não sendo o registo constitutivo, os efeitos do casamento produzem-se ex tunc,


de acordo com o princípio da retroatividade, isto é, desde a data da sua celebração, e
não com a data do registo. Este princípio resulta dos artigos 1670.º, n.º1 do CC e 188.º,
n.º1 do CRC. O artigo 1670.º, n.º2 do CC exceciona o este princípio.

1.3.1.3.4. Casamentos urgentes


Nos termos dos artigos 1590.º (sendo de ressalvar que não estamos perante uma modali-
dade de casamento, como já tivemos oportunidade de ver1) e 1622.º, n.º1 do CC e 156.º
do CRC, é possível a celebração de casamento urgente, verificado um, de dois possí-
veis, requisito de fundo:
(1) receio de morte próxima de algum dos nubentes, ainda que derivada de cir-
cunstâncias externas; ou
(2) iminência de parto, para que se aplique a presunção de paternidade dos arti-
gos 1796.º, n.º2 e 1826.º e ss do CC.

Verificados os requisitos de fundo, passamos às formalidades descritas no artigo


156.º do CRC. Existem formalidades preliminares (artigo 156.º, al. a) do CRC), for-
malidades respeitantes à celebração (artigo 156.º, al. b) do CRC) e formalidades
quanto ao registo (artigo 156.º, al. c) do CRC).

Estando estas verificadas, nos termos dos artigos 1622.º, n.º1 do CC e 156.º do
CRC, os efeitos do casamento urgente traduzem-se num duplo desvio, já que é permitida
a celebração do casamento sem processo preliminar e sem intervenção do funcionário do
registo civil.

1
Como conclui o TRL em 22-01-2019, no Processo n.º938/12.2.TMLSB.L1-7.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 50


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Apresentada a ata do casamento ao conservador, e havendo já processo prelimi-


nar de casamento organizado, o despacho final é proferido no prazo de 3 dias a contar
da data da ata ou da última diligência do processo, artigo 159.º, n.º2 do CRC. Se não
houver processo preliminar de casamento organizado, nos termos dos artigos 159.º,
n.º1 e 134.º e ss do CRC, o conservador organiza oficiosamente o seu início, sendo que
este deve estar concluído, em regra, nos 30 dias subsequentes à data da ata (artigo 159.º,
n.º4 do CRC).

O casamento urgente fica sujeito a homologação, nos termos dos artigos 1623.º
do CC e 159.º, n.º5 do CRC.
Nos termos dos artigos 1624.º do CC e 160.º do CRC, as causas justificativas da
não homologação do casamento são as que deles resultam.
Importa, no entanto, perceber qual a consequência da não homologação do ca-
samento urgente. Não existem dúvidas na doutrina que falamos de uma inexistência nos
termos do artigo 1628.º do CC. No entanto, existem algumas dúvidas quanto à inserção
nas causas de inexistência aí descritas.
Para RAQUEL VIEIRA:
(1) o artigo 1628.º, al. a) do CC aplica-se quando o casamento urgente tenha
sido celebrado sem verificação de um dos requisitos de fundo exigido por lei, artigo
1624.º, n.º1, al. a), 1.ª parte do CC;
(2) ao passo que o artigo 1628.º, al. b) do CC aplica-se quando o casamento ur-
gente tenha sido celebrado sema observação das respetivas formalidades (exigidas
no artigo 156.º do CRC), artigo 1624.º, n.º1, al. a), 2.ª parte do CC.

Para GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO, aplicamos sempre o


artigo 1628.º, al. b) do CC, uma vez que a parte final da al. a) desse artigo apenas tem
aplicação, para o professor, nos casos em que o casamento é homologado. Para a pro-
fessora RAQUEL VIEIRA, no entanto, a inexistência de um requisito de fundo obsta à
impossibilidade de qualificação de tal matrimónio como urgente, o que não permite, na
sua visão, a aplicação da al. b) do supramencionado artigo.

Nos termos do artigo 160.º, n.º2 do CRC, o despacho de recusa é notificado aos
interessados, podendo o MP, os cônjuges ou os seus herdeiros recorrem de tal decisão
para tribunal, nos termos dos artigos 1624.º, n.º3 do CC e 292.º do CRC (sendo de sali-
entar, nesta última noma, o seu n.º3 que estabelece um prazo de 8 dias para a interposição
de tal recurso).

O despacho que homologação deve fixar os elementos que o assento deve conter,
assento este a ser lavrado no prazo de 2 dias a contar da data em que o despacho de
homologação tenha sido proferido, nos termos do artigo 182.º do CRC, o que remete para

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 51


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o artigo 53.º do CRC, já que o registo é lavrado por transcrição em todos os casos de
casamentos urgentes.
Nesta sede importa ter presente que a limitação da retroatividade do artigo 1670.º,
n.º2 do CC sofre alguns desvios, já que pode não fazer sentido a aplicação do prazo de
7 dias para se iniciar a tutela dos direitos de terceiro, uma vez que o casamento urgente é
precedido de processo preliminar antes da sua homologação e averbamento, contraria-
mente ao que sucede normalmente. Assim concluiu o STJ no Acórdão de 22-01-2002,
Processo n.º02A4340.

Relativamente ao regime de bens que é aplicável imperativamente, no âmbito dos


casamentos urgentes, o regime de separação de bens, como consta do artigo 1720.º al.
a) do CC, dado que não houve processo preliminar do casamento. Esta é a única especi-
alidade substancial deste regime.

1.3.1.3.5. Casamentos de portugueses no estrangeiro


Falamos do casamento entre dois portugueses ou entre um português e um não
português, no estrangeiro, regulado nos artigos 49.º e ss do CC e 161.º e ss do CRC.

O artigo 51.º do CC enuncia desvios ao princípio locus regit actum, disposto no artigo
50.º do CC, leia-se, o “lugar de celebração rege o ato”. O casamento aqui em causa pode
ser celebrado por uma de três formas, nos termos do artigos 51.º, n.º2 do CC e 161.º
do CRC:
(1) perante ministros de culto católico;
(2) perante os nossos agentes diplomáticos ou consulares no estrangeiro, pela
forma estabelecida na lei civil; ou
(3) perante as autoridades locais competentes, pela forma prevista na lei do lugar
da celebração.

Nos termos do artigo 162.º do CRC, qualquer que seja o casamento, este deve ser
sempre precedido do processo preliminar respetivo, organizado nos termos dos artigos
134.º e ss do CRC. O artigo 49.º do CC estabelece que a capacidade para contrair ca-
samento ou celebrar convenção antenupcial é regulada, no tocante a cada nubente, pela
lei pessoal (artigo 31.º do CC), leia-se, a nubente(s) português(es) aplica-se a lei por-
tuguesa no tocante à aferição desta capacidade.
Assim, o português, residente em Portugal, que pretenda casar no estrangeiro pode
requerer, em qualquer conservatória a verificação da sua capacidade matrimonial e a pas-
sagem do respetivo certificado mediante a organização prévio de processo de casamento,
nos termos do artigo 163.º, n.ºs 1 e 2 do CRC.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 52


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Se, porém, se tratar de português residente no estrangeiro e que pretenda aí casar,


o artigo 163.º, n.º3 do CRC impõe que a verificação da capacidade matrimonial pode ser
feita por qualquer conservatória do registo civil ou pelos agentes diplomáticos ou consu-
lares competentes para a organização do processo preliminar de casamento.

Avaliando, agora, cada um dos três casos supramencionados, há que começar por
ver o casamento católico contraído no estrangeiro perante os ministros de culto ca-
tólico.
Nos termos do artigo 51.º, n.º4 do CC, é havido como católico o casamento:
(1) celebrado no estrangeiro;
(2) em que, pelo menos, um nubente seja português;
(3) perante ministro do culto católico;
(4) em harmonia com as leis canónicas;
(5) seja qual for a forma legal de celebração do atoo segundo a lei local.
Não pode este casamento ser celebrado sem a apresentação do certificado referido
no artigo 146.º do CRC, por remissão dos artigos 151.º, 152.º e 164.º do CRC, salvo
tratando-se de casamento urgente, o que faz depender este registo da existência de um
processo preliminar, nos termos dos artigos 163.º, 185.º e 134.º e ss do CRC.
Nos termos do artigo 152.º, n.º2 do CRC, são competentes para a elaboração do
processo preliminar de casamento qualquer conservatória do registo civil ou os agentes
diplomáticos ou consulares portugueses da residência dos nubentes.
Nos termos do artigo 178.º do CRC, a transcrição do casamento de português ou
portugueses celebrado no estrangeiro tem por base o assento paroquial. Este registo é
obrigatório nos termos dos artigos 1651.º do CC e 53.º, n.º1, al. d) do CRC.
À transcrição são aplicáveis as regras dos artigos 184.º e ss do CRC, por remissão
do artigo 178.º, n.º2 do CRC, podendo a mesma ser recusada nos mesmos termos do artigo
174.º do CRC.

Em seguida, no que toca ao registo do casamento celebrado no estrangeiro pe-


rante os nossos agentes diplomáticos ou consulares, é lavrado por inscrição nos termos
dos artigos 1651.º, al. b) do CC e 52.º, al. e) e 184.º, n.ºs 1 e 2 do CRC.
Não se esqueça a remissão do artigo 163.º do CC para a necessidade de precedên-
cia de um processo preliminar de casamento para avaliar a capacidade matrimonial do
nubente português, a ser organizado nos termos dos artigos 134.º e ss do CRC. Isto vale
para o nubente português, sabendo que a capacidade matrimonial de cada nubente é ava-
liada pela sua lei pessoal, nos termos do artigo 49.º do CC, onde por “lei pessoal” se
entende, por via de regra e na esteira do artigo 31.º do CC, a lei do estado de nacionalidade
do nubente, como veremos adiante.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 53


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Por fim, o casamento celebrado pela forma prevista na lei do lugar da celebração
perante as autoridades locais é registado por transcrição, no consulado, do documento
comprovativo do casamento, passado de harmonia com a lei local, artigos 50.º e 1651.º,
al. b) do CC e 53.º, n.º1, al. d) e 184.º, n.º2 do CRC; ou diretamente junto de uma conser-
vatória do registo civil nos termos do artigo 187.º, n.º1 do CRC.
Nos termos do artigos 163.º e 185.º do CRC, o casamento deve ser precedido de
um processo preliminar de casamento necessário para que possa haver transcrição do
mesmo para a nossa ordem jurídica. Esta transcrição deve ser recusada se por tal processo
ou por outro modo, o cônsul verificar que o casamento foi celebrado com impedimento
dirimente ainda subsistente.

1.3.1.3.6. Casamento de estrangeiros em Portugal


Nos termos dos artigos 51.º, n.º1 do CC e 165.º e 166.º do CRC, o casamento de
estrangeiros em Portugal pode ser celebrado segundo a lei nacional de qualquer um dos
nubentes, perante os respetivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que igual com-
petência seja reconhecida pela mesma lei aos agentes diplomáticos ou consulares portu-
gueses. O artigo 166.º do CRC fala da necessidade de instruir processo preliminar de
casamento no Estado de origem do nubente.

1.3.1.3.7. Capacidade matrimonial de estrangeiro


Já vimos que o artigo 163.º do CRC remete para o processo preliminar de casa-
mento para aferir a capacidade matrimonial do nubente português. Importa, no entanto,
saber como se determina a capacidade matrimonial do nubente estrangeiro, à luz dos
artigos 49.º e 31.º do CC e 166.º do CRC.
Importa, esdruxulamente, pensar no caso de um sujeito nacional dos Emirados
Árabes Unidos, onde se admite a poligamia, que pretende casar com uma sujeita portu-
guesa, em Portugal.
Estas situações plurilocalizadas têm que ser, e são, resolvidas pelas denominadas
normas de conflitos, que acabam por determinar a que lei cabe a competência de solução
do caso. No entanto, as normas de conflitos podem vir a considerar competente a lei es-
trangeira, mas o ordenamento que dela resulta não vir a ser, materialmente, aplicado. Isto
pode acontecer por várias razões, sendo que aqui releva-nos o artigo 22.º do CC, a aplicar
quando o conteúdo da regulamentação da lei estrangeira e de tal ordem que a sua
aplicação à situação plurilocalizada em análise ofenderia gravemente os princípios
fundamentais de justiça em que se funda o sistema português – sendo que falamos da
exceção dita ordem pública internacional, referida, novamente, no artigo 1651.º, n.º2 do
CC, a propósito da recusa de registo (caso que aconteceria se, no exemplo, os sujeitos
casassem nos EAU, pretendendo, mais tarde, vir registar esse casamento em Portugal, ao

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 54


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abrigo do artigo 1651.º, al. b) do CC – ainda que exista o artigo 31.º, n.º2 do CC, mas que
apenas versa sobre casos situações menos relevantes, leia-se, não constituintes do orde-
namento familiar português, como o caso da proibição da poligamia).

Nos termos do artigo 49.º do CC, a capacidade matrimonial de um sujeito averi-


gua-se ao abrigo da lei pessoal de tal ente. O artigo 31.º, n.º1 do CC postula que a lei
pessoal é, em princípio, a lei nacional do Estado de que tal sujeito é, salvo o pleonasmo,
nacional.
Este artigo 49.º do CC consagra um sistema de aplicação distributiva, combi-
nada ou acoplada de duas leis, já que a validade do consentimento e a existência de
capacidade serão apreciadas, em relação a cada nubente, pela respetiva lei pessoal. Tra-
tando-se, contudo, de impedimentos bilaterais, poderá, esta solução, conduzir a um resul-
tado semelhante do que teria sido obtido se se tivesse optado por um sistema de aplicação
cumulativa.
Revestem carácter bilateral os impedimentos relativos ou os impedimentos abso-
lutos que impedem a válida celebração do casamento quando contidos na lei pessoal de u
dos nubentes, ainda que digam respeito ao outro, e não sejam relevantes para a lei pessoal
deste. Este é o entendimento de GUILHERME DE OLIVEIRA, entendendo que as als.
b) e c) do artigo 1601.º do CC são impedimentos absolutos bilaterais.

Este caso foi resolvido em aula, passando agora a deixar algumas considerações.
A Ordem Pública Internacional, nesta sede do casamento, pode ser convocada em situa-
ções a constituir ou em situações já constituídas. No primeiro caso temos os artigos
22.º e 49.º do CC, ao passo que no segundo caso temos o artigo 1651.º, n.º2 do CC.
A lei dos EAU consentia a poligamia da parte nubente homem. No entanto, a lei
portuguesa veda essa possibilidade. A instituição matrimonial tem assento constitucional
e assenta num princípio de exclusividade (aliás, a bigamia é censurada penalmente). A
Ordem Pública Internacional impediria à celebração deste casamento, mesmo que à luz
da lei de um dos nubentes se permitisse a poligamia – não podendo operar o princípio da
reciprocidade. Esta OPI serve para impedir que a aplicação de normas estrangeiras con-
duza a resultados intoleráveis para o nosso ordenamento, por violação de interesses su-
periores da nossa ordem constitucional.
Assim, conjugando os artigos 49.º e 22.º do CC, perceberíamos que este casa-
mento não poderia ser constituído (celebrado) em Portugal, uma vez que, em sede de
processo preliminar, o nubente homem pediria um certificado de verificação de capaci-
dade matrimonial ao seu Estado de origem, nos termos do artigo 166.º do CRC, mas o
conservador do registo civil, responsável pelo processo preliminar, perceberia que está-
vamos perante um casamento poligâmico, algo vedado à luz da ordem pública internaci-
onal e, na esteira de GUILHERME DE OLIVEIRA, por se tratar de um impedimento
bilateral. O processo preliminar seria, então, arquivado, nos termos do artigo 144.º,

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n.º1 do CRC. No Acórdão do STJ de 19/02/2008, o tribunal considerou que a definição


do casamento é um princípio de OP relativamente ao qual o Estado não concede qualquer
exceção1.

Outra situação em que a OPI interviria era no caso de o casamento ser celebrado
nos EAU, onde seria validamente celebrado à luz dessa lei, e se pretender o reconheci-
mento dessa situação jurídica em Portugal, isto é, tratar-se de uma situação já consti-
tuída. Este casamento careceria de registo no nosso ordenamento, nos termos do artigo
1651.º, al. b) do CC, registo esse que pode ser recusado ao abrigo do artigo 1651.º, n.º2
do CC.

1.3.1.4. Invalidade do casamento. Casamento putativo. Generalidades

Existem casamentos civis inexistentes ou anuláveis. Os casamentos nulos são, so-


mente, os católicos.

1.3.1.4.1. Inexistência do casamento


Os casos de inexistência encontram-se previstos no artigo1628.º do CC, sendo que
o artigo 1629.º do CC também trata uma especificidade relevante face a isto, sendo, nesta
sede, relevante a menção para o artigo 154.º, n.º4 do CRC.
Por exemplo, alguém que, não obstante não ser funcionário do Registo Civil, to-
dos os dias vai lá e comporta-se como sendo funcionário, sendo que em determinado dia
celebra um casamento. Ora, este casamento não vai ser considerado inexistente, salvo se
os cônjuges soubessem que este senhor não era funcionário do Registo Civil. Denomi-
nam-se, tais sujeitos, por de funcionários de facto, já que se comportam como se fossem,
de facto, funcionários, tomam todas as formalidades associadas à prática do ato de casa-
mento, mas na verdade, não sendo, contudo, funcionários de iure. A mesma regra se
aplica no artigo 369.º, n.º2 do CC. Apesar do casamento ser válido, é nulo o respetivo
registo, por violação do artigo 87.º, al. c) do CRC.
O casamento inexistente tem um regime simples. Nos termos do artigo 1630.º do
CC, este casamento não produz quaisquer efeitos. Isto porque a inexistência é a sanção
mais gravosa que temos e está prevista para casos absolutamente excecionais, onde não
há possibilidade de termos um casamento putativo, ou seja, não há efeitos que sejam
ressalvados no âmbito do casamento inexistente. Esta inexistência, na esteira do artigo
1630.º do CC, pode ser invocada a qualquer tempo e por qualquer pessoa.

1
Por exemplo, a tutela parcelar em determinados aspetos como direito a uma pensão de alimentos de uma
das mulheres de um bígamo, em Portugal, faz com que a OPI tenha um efeito mais atenuado, permitindo o
reconhecimento de certos direitos (sociais) decorrentes do estado de casado, mesmo em poligamia.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 56


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Assim, a inexistência, ao contrário do artigo 1632.º do CC, não carece de decla-


ração por sentença proferida em sede de ação especialmente intentada para esse fim.
Dada esta gravidade de sanção, apenas existem quatro casos de inexistência, als.
a) a d) do artigo 1628.º do CC. As duas primeiras alíneas referem.se a casos em que o
casamento foi celebrado perante quem não tinha capacidade funcional para o ato,
ao passo que as seguintes duas alíneas dizem respeito aos casos dos casamentos celebra-
dos em que tenha faltado a declaração de vontade dos nubentes ou de um deles.

1.3.1.4.2. Anulabilidade do casamento


Nos termos do artigo 1627.º do CC, vigora o princípio pas de nullité sans texte,
ou seja, ao contrário do artigo 294.º do CC, não existem nulidades tácitas, mas só expres-
sas. Aliás, nulidades, em sede matrimonial, só existem no casamento católico.
Assim, devem considerar-se válidos todos os casamentos relativamente aos quais
não se verifique nenhuma causa de anulabilidade ou inexistência especificada na lei. As-
sim, por exemplo, todos os casamentos: em que não tenha ocorrido processo preliminar,
em que a declaração para casamento não contenha os elementos referidos no artigo 136.º,
n.º2 do CRC, em que não tenha sido pública a cerimónia de celebração do casamento,
entre outros exemplos, são válidos, por nada na lei indicar o contrário.

Nos termos do artigo 1631.º do CC, são anuláveis, exclusivamente, os casamentos:


(1) contraídos com impedimento dirimente, absoluto ou relativo (artigos 1601.º
e 1602.º do CC);
(2) celebrados com falta de vontade de um ou de ambos os nubentes (casos do
artigo 1635.º do CC);
(3) em que tenha havido vício de vontade juridicamente relevante (artigos 1636.º
e 1638.º do CC); e
(4) celebrados sem a presença das testemunhas exigidas por lei.

Quanto ao regime da anulabilidade, há a dizer que esta não opera ipso iure, não
sendo invocável parar qualquer efeito, judicial ou extrajudicial, enquanto não for reco-
nhecida por sentença em ação especialmente intentada para esse fim, artigo 1632.º do
CC.
A legitimidade para a ação de anulação é restringida a certas pessoas, nos termos
dos artigos 1639.º a 1642.º do CC; sendo que só pode ser intentada nos prazos referidos
nos artigos 1643.º a 1646.º do CC.
Pode, ainda, sanar-se a anulabilidade, o que conduz a uma validação do casa-
mento, nos termos restritos do artigo 1633.º do CC.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 57


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Podemos, no entanto, ter três tipos ou regimes diferentes de anulabilidade, con-


soante os interesses em vista dos quais se estatui a invalidade.
Se a anulabilidade do casamento for no interesse dos cônjuges, suas famílias e
interesse público, leia-se, quando estamos perante um impedimento dirimente, o círculo
de pessoas com legitimidade para intentar a ação é muito amplo, artigo 1639.º do CC,
onde, por força da tutela do interesse público, também se atribui legitimidade ao Minis-
tério Público.
Se a anulabilidade do casamento for só no interesse público, como quando o ca-
samento é celebrado sem a presença de testemunhas exigidas por lei, o artigo 1642.º do
CC apenas atribui legitimidade ao Ministério Público.
Se a anulabilidade do casamento for no interesse particular dos cônjuges, só
esse cônjuge pode intentar, por via de regra, a ação de anulação, artigos 1640.º, n.º2 e
1641.º do CC.

1.3.1.4.3. Casamento putativo


Chama-se casamento putativo àquele que mantém os efeitos de um casamento
declarado nulo ou anulado que se produziram até à data de anulação ou declaração de
nulidade, mediante a verificação de certos pressupostos.
Este instituto resulta dos artigos 1647.º e 1648.º do CC. A ratio é de fácil compre-
ensão. Em face do princípio da retroatividade da anulação ou da declaração de nulidade
(artigo 289.º do CC), não se deveriam atribuir quaisquer efeitos jurídicos ao casamento
declarado nulo ou anulado. A união dos cônjuges seria tida como uma União de Facto,
sendo que se um falecesse, a única proteção a dar ao sobrevivo passaria pelo artigo 2020.º
do CC. Os filhos nascidos na constância do matrimónio ter-se-iam como nascidos fora
dele, afastando-se a presunção de paternidade do artigo 1826.º do CC. Um contrato em
que se permitia que um dos cônjuges interviesse como administrador de bens comuns ou
próprios do outro: se o casamento fosse invalidade, a administração ter-se-ia como irre-
gular, o contrato não produziria efeitos e o terceiro com quem se haja contratado sairia
prejudicado.
Dadas estas consequências, surge o instituto do casamento putativo, que postula
que o interesse da sociedade em fazer cessar a união conjugal não deve abarcar a des-
truição dos efeitos jurídicos produzidos no passado. Não se deve esquecer que os efeitos
de facto não se podem apagar.

A produção de efeitos putativos depende da verificação cumulativa de três pressupostos:


(1) o casamento tem que ser existente, leia-se, não pode ser um casamento ine-
xistente por uma das causas previstas no artigo 1628.º do CC, como resulta do artigo
1630.º, n.º1 do CC;

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(2) é preciso que o casamento tenha sido declarado nulo (no âmbito dos casamen-
tos católicos) ou anulável (no âmbito dos casamentos civis, nos termos do artigo 1647.º,
n.ºs 3 e 1, respetivamente, do CC, sabendo, sempre, que a invalidade do casamento não
opera ipso iure, leia-se, carece de reconhecimento por sentença proferida em ação inten-
tada para o efeito, artigo 1632.º do CC;
(3) pelo menos um dos cônjuges tem de estar de boa-fé para que se produzam
efeitos putativos em relação a esse(s) sujeito(s), bem como a terceiros. No entanto, ve-
jamos melhor este pressuposto.

A eficácia putativa em relação aos filhos não depende da boa-fé dos cônjuges,
como resulta do artigo 1827.º do CC.
O artigo 1648.º, n.º3 do CC presume a boa-fé dos cônjuges, que consiste na ig-
norância desculpável do vício causador da invalidade ou na declaração de vontade ter
sido extorquida por coação. No entanto, nos termos do artigo 1647.º do CC, esta boa-fé
reporta-se somente ao momento da celebração do casamento.
Declarada, por tribunal eclesiástico, a nulidade de casamento católico, é ao direito
civil que compete regular os efeitos de tal declaração e a eventual aplicação do casamento
putativo. Assim, surge o artigo 1648.º, n.º2 do CC, que estatui que é de exclusiva compe-
tência dos tribunais do Estado o conhecimento judicial da boa-fé.

Quanto aos efeitos do casamento putativo, há a referir que, em geral, os efeitos


do casamento se produzem até ao trânsito em julgado da sentença de anulação de casa-
mento civil ou até ao averbamento da sentença declarativa de nulidade de casamento
católico proferida por tribunal eclesiástico. Assim, afasta-se a regra do artigo 289.º do
CC (efeitos da invalidade operam ex tunc), sendo que os efeitos da invalidade apenas
operam, nesta sede, ex nunc. Os efeitos produzidos no passado mantêm-se para o futuro,
sendo que apenas não se criam novos efeitos após um dos momentos supramencionados.
Estamos perante uma situação muito semelhante ao que se verifica no caso de divórcio.
A eficácia nas relações entre os cônjuges depende de distinguir se cada um deles
estava, ou não, de boa-fé. Estando os dois de boa-fé, opera a regra geral que o casamento
produz todos os seus efeitos até ao momento que é invalidado, bem como mantém para o
futuro efeitos nascidos no passado. Se apenas um estiver de boa-fé, o casamento invá-
lido produz, em relação a ambos os cônjuges, os efeitos concretamente mais favoráveis
aos cônjuge de boa-fé. Se nenhum estiver de boa-fé, o casamento não tem eficácia pu-
tativa entre eles.
No que toca à eficácia em relação aos filhos, o artigo 1827.º do CC não distingue
a boa ou má-fé dos cônjuges.
Quanto à eficácia em relação a terceiros, sabemos que o casamento putativo
visa, ainda que lateral e reflexamente, proteger os interesses de terceiros. Estando os dois
cônjuges de boa-fé, opera a regra geral que o casamento produz todos os seus efeitos até

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 59


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ao momento que é invalidado, bem como mantém para o futuro efeitos nascidos no pas-
sado.
Se só um dos cônjuges estava de boa-fé, o artigo 1647.º, n.º2 do CC distingue duas
situações, na esteira de PIRES DE LIMA:
(1) se estivermos perante relações entre os cônjuges que afetem interesses de ter-
ceiros, os respetivos efeitos produzem-se quanto ao cônjuge de boa-fé, e reflexamente
quanto a terceiros, se forem favoráveis ao primeiro; e
(2) se se tratarem de relações estabelecidas entre cônjuge e terceiro que dependam
do estado de casado, GUILHERME DE OLIVEIRA entende que a tutela do terceiro não
deve depender de avaliar a boa-fé com quem este haja contratado, pelo que se deve aplicar
a invalidade, sendo que o casamento não produz, nessas relações, quaisquer efeitos.

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2. Efeitos do casamento: o casamento como estado

2.1. Efeitos pessoais

2.1.1. Princípios fundamentais: igualdade dos cônjuges e direção con-


junta da família

O princípio da igualdade dos cônjuges encontra-se consagrado no artigo 36.º,


n.º3 da CRP (e vertido no artigo 1671.º, n.º1 do CC), e deriva da cláusula geral do prin-
cípio da igualdade, artigo 13.º CRP. O artigo 36.º da CRP, prevê o direito de constituir
família e de contrair casamento em condições de igualdade. Isto significa que os cônjuges
são iguais em direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e
educação dos filhos, como resulta literalmente do n.º3 do supramencionado artigo. No
entanto, GUILHERME DE OLIVEIRA entende que não nos devemos cingir à letra do
preceito, já que este princípio também se aplica a muitas outras situações, como, por
exemplo, a responsabilidade por dívidas e a administração dos bens dos filhos.
Quando contrapomos os artigos 13.º, n.º2 e 36.º, n.º3 da CRP, chegamos à con-
clusão de que o último não é um mero corolário do primeiro, mas antes que: o homem e
a mulher são iguais perante a lei (artigo 13.º da CRP) e não deixam de o ser pelo facto
de estarem casados (artigo 36.º da CRP). Este é o entendimento de MARIA LEONOR
BELEZA.
Esta igualdade dos cônjuges conduz, também, à tutela da manutenção da indi-
vidualidade de cada cônjuge na constância do matrimónio, por cada sujeito ter direito
ao livre desenvolvimento da personalidade, artigo 26.º da CRP.

O princípio da direção conjunta da família encontra-se presente no artigo 1671.º,


n.º2 do CC. Este princípio é um corolário do princípio da igualdade dos cônjuges que
vem enunciado no n.º1 do mesmo artigo.
Quer-se, aqui, garantir que aos cônjuges, por serem iguais, cabe, em conjunto, a
direção da família que ambos formam, e não exclusivamente a um deles. Isto significa
que ambos têm de escolher a morada da família, que o exercício das responsabilidades
parentais cabe a ambos, durante e após o casamento, etc.
Estamos perante um preceito imperativo, sendo nulo todo o contrato que atribua
poderes exclusivos a um dos cônjuges para administrar a família. A reforma de 1977 quis
abolir, de vez, as referências ao poder marital em toda a relação matrimonial, especial-
mente no que toca à direção da família.
No que toca a acordos sobre a gestão da vida comum, bastante frequentes nos
EUA, importa esclarecer que em Portugal a sua validade depende de se apor, expressa ou
tacitamente, uma cláusula rebus sic satntibus bastante aberta (que inclua a mera mudança

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 61


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de vontade), o que acaba por conduzir a que este acordo se renove diariamente, sob pena
de violação deste princípio. Obviamente, falamos de um acordo em que não pode haver
recurso à execução específica, daí a referência à renovação diária do mesmo.

2.1.2. Deveres dos cônjuges

Nos termos do artigo 1672.º do CC, os cônjuges estão, reciprocamente, vincula-


dos por deveres pessoais de: respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Estes deveres são responsáveis pela materialização do conceito de plena comunhão de
vida. A natureza jurídica e a possível violação destes deveres são, sem dúvida, das ques-
tões doutrinárias mais debatidas em Direito da Família, sabendo que a resposta à primeira
tem consequências diretas e imediatas na resposta à segunda.

Desde logo, existem autores, ainda hoje em dia, que defendem que não falamos
de deveres em sentido técnico-jurídico, mas de meras obrigações naturais, uma vez
que veem, no casamento, “um encontro de vontades atinente a uma esfera livre e íntima
dos cônjuges representado num projeto de vida com larga margem de modelação por
aqueles, renovado ao longo do tempo, o que será incompatível com a noção de casamento
enquanto contrato e a inerente atribuição de sinalagmaticidade no exercício do afeto e a
correspondente atribuição do regime jurídico previsto para os contratos de que será exem-
plo a inaplicabilidade do regime da resolução ou modificação das circunstâncias e a ex-
ceção de não cumprimento do contrato”1. Nesta linha, falamos de autores como JOSÉ
PAMPLONA CORTE REAL e JOSÉ SILVA PEREIRA.
No entanto, não é esta a visão partilhada pela doutrina maioritária moderna e clás-
sica, já que os autores que defendiam a tese da fragilidade da garantia não afirmavam
que os deveres conjugais se tratavam de obrigações naturais.
Entrando na questão específica da violação destes deveres, importa começar por
estudar a teoria da fragilidade da garantia, uma posição clássica que, entre nós, já se
encontra, maioritariamente, abandonada. Esta tese postulava que não haveria lugar a
uma obrigação de indemnização por responsabilidade civil pela violação dos deveres
conjugais. Entendiam, os autores que a defendiam, que a violação de deveres conjugais
tinha sanções especificas dentro do Direito da Família que, como boas normas especiais
que era, afastavam o regime geral da responsabilidade civil, como o dever de assistência
e a obrigação de alimentos e, maxime, o divórcio ou a separação de pessoas e bens.
Assim, interpretava-se restritivamente os artigos 483.º e ss do CC, não cabendo,
entre eles, a violação de deveres conjugais, de modo a proteger a família a uma exposição

1
Acórdão do STJ de 12 de Maio de 2016, Processo n.º2325/12.3TVLSB.L1.S1.

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pública, evitando-se a abertura, em tribunal, “das portas do santuário familiar”. O atual


artigo 1792.º, n.º1 do CC tinha uma redação que apenas permitia tal responsabilização
após o divórcio, e sobre os danos que esta dissolução causara ao ex-cônjuge vítima, solu-
ção típica nos casos de divórcio-sanção.
Por serem deveres resultantes de relações tão íntimas e privadas, seria impossível
forçar, externamente, a respetiva observância. A única possibilidade de resposta à viola-
ção destes deveres baseava-se no pedido de dissolução do vínculo.

A Lei n.º61/2008 veio eliminar a referência à culpa no seio do divórcio, sendo que
introduziu várias mudanças ao Código, onde o artigo 1792.º, n.º1 do CC não foi exceção.
Na versão que nos chega hoje, consagra-se, especificamente, a possibilidade de se intentar
uma ação de responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais, nos termos gerais.
Até à entrada desta lei, não havia nenhum mecanismo específico do Direito por-
tuguês de resposta indemnizatória a violações de deveres matrimoniais. A doutrina e ju-
risprudência foram, progressivamente, admitindo esta responsabilização nos termos ge-
rais, por se considerar que o divórcio não era a sanção adequada.
Argumentar-se que o casamento teria um cariz ético-privado tal, que impossibili-
taria a abertura, em tribunal, de discussão sobre tal relação, não poderia sobrepor-se à
necessária tutela jurídica perante estas situações. O artigo 496.º do CC vem, efetivamente,
permitir que o cônjuge lesado peça ao outro uma indemnização por danos patrimoniais
ou não patrimoniais, sofridos anteriormente ao divórcio ou por conta do mesmo.
O anterior artigo 1792.º do CC previa a possibilidade de indemnização do cônjuge
culpado ou principal culpado ao inocente pelos danos sofridos pelo divórcio, maxime,
desconsideração social. Desta formulação não resultava a consideração, para a determi-
nação da indemnização, dos danos diretamente decorrentes da violação de deveres con-
jugais.
Uma tese que admitia a responsabilidade civil mitigada, de GUILHERME DE
OLIVEIRA e PEREIRA COELHO, postulava que a indemnização por violação de deve-
res conjugais poderia ser arbitrada se, concomitantemente, fossem violados direitos de
personalidade. Desta forma, a tese da fragilidade da garantia era contornada pela sanção
provocada pela violação simultânea de um outro direito subjetivo. Ultrapassada a noção
de divórcio-sanção, e não sendo este equiparável a uma sanção por força da violação de
deveres conjugais, não estamos perante um instituto especial que afaste o regime da res-
ponsabilidade civil, vigorando este em pleno.
Esta tese, desde os anos 80, era seguida nos nossos tribunais, ainda que pouca
jurisprudência se encontrasse quanto a uma ação autónoma à ação de divórcio que con-
cedesse uma indemnização por violação dos deveres conjugais. Os autores que a defen-
dem vêm, na falta de referência literal ao tipo de responsabilidade, que a remissão
tem que ser para regime dos artigos 483.º e ss do CC, até por ser na responsabilidade

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 63


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civil aquiliana que se pode dar relevância à violação concomitante de direitos de perso-
nalidade.
Uma outra teoria admitia a responsabilidade civil obrigacional, já que autores
como JORGE DUARTE PINHEIRO, RITA LOBO XAVIER, CRISTINA DIAS e
DIOGO LEITE DE CAMPOS, arrogavam, a nosso ver (e de RAQUEL VIERA) bem,
que a anterior tese não apresentava qualquer sanção para a simples violação de deveres
conjugais, quando não acompanhados por uma violação de direitos de personalidade, o
que implicaria um regresso à tese da fragilidade da garantia, algo que já não merece
suporte legal no nosso ordenamento jurídico.
RUTE TEIXEIRA DUARTE admitia, então, duas vias em casos de violações de
deveres conjugais: (1) por um lado, é possível recorrer ao artigo 483.º, n.º1 do CC, inde-
pendentemente de uma concreta violação de um direito absoluto pessoal1; ou (2) por ou-
tro, dada a conceção de casamento como relação contratual matrimonial vigente entre
nós, a responsabilização em sede de responsabilidade civil obrigacional, que se figura
como muito proveitosa pela presunção de culpa e pelas diferenças ao nível da prescrição.
Estes autores arrogam que não temos que nos indagar acerca da consunção de
regimes de responsabilidade, já que se segue a via que se considerar mais proveitosa. A
primeira tese, aqui, não levanta o problema da consunção de regimes por não permitir
outra responsabilidade que não seja a aquiliana.

Uma nota final, relevante em todo o regime exposto e que resulta de um Acórdão
do STJ de 12 de Maio de 2016, Processo n.º2325/12.3TVLSB.L1.S1. O artigo 1792.º do
CC, após a mudança, importantíssima, que sofreu em 2008, não se coaduna com a respe-
tiva inserção sistemática, já que surge na subsecção dos “Efeitos do Divórcio”, mas as
pretensões indemnizatórias nele previstas são anteriores (reportam ao período matrimo-
nial), extravasam e peticionadas em ação autónoma à ação de divórcio. Apenas o artigo
1792.º, n.º2 do CC está, na visão do tribunal, corretamente inserido.

2.1.2.1. Dever de respeito reforçado

Nos termos do artigo 1672.º do CC, o dever de respeito é reforçado, na medida


em que cada cônjuge têm uma obrigação especial de cumprir os deveres que lhe incum-
bem, bem como têm um direito especial de ver satisfeitas as suas expetativas que surgem
no âmbito dos deveres de cooperação e de direção conjunta da vida familiar. Em espe-
cial, aqui abrange-se um dever especial de se abster de lesões de direitos absolutos,

1
Estes autores desconsideram a necessidade de concomitante violação de direito de personalidade para que
haja responsabilidade civil. No entanto, para que se responsabilize um sujeito em sede aquiliana, haverá,
sempre, que ter que ter sido violado um direito (artigo 483.º, n.º1, 1.ª parte do CC). Neste caso, pensamos
que este direito poderá ser de respeito pelos deveres conjugais do outro cônjuge, à falta de melhor entendi-
mento.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 64


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uma abstenção mais qualificada que um mero dever geral de respeito. Assim, as violações
do mesmo são tidas como qualificadas.

Para MARTA COSTA, há que dividir este dever em duas vertentes, uma positiva e outra
negativa:
(1) pelo lado positivo, falamos do dever de construir a plena comunhão de vida
e demonstrar respeito, confiança especial e consideração recíprocas;
(2) pelo lado negativo, falamos de uma garantia de abstenção de comportamen-
tos lesivos para o outro cônjuge, o que abrange as integridades física e moral.

Existem, contudo, casos de fronteira no que toca a violações da vertente negativa


do dever de respeito.
(1) será a doação do esperma do cônjuge marido, sem o consentimento do cônjuge mu-
lher, para terceiros, uma violação do dever de respeito?
No Direito da Família, muitas vezes, fala-se em convicções pessoais que o legis-
lador fixa no tempo consoante aquilo que são as convicções maioritárias da população ou
consoante o Governo que temos no momento (às vezes mais à esquerda, outras à direita).
MARTA COSTA considera que o exemplo acima mencionado é uma violação do dever
de respeito, visto que, de acordo com a definição que temos atualmente na lei, tal com-
portamento viola o dever de respeito, na medida em que atenta contra a vontade de ter
uma plena comunhão de vida entre os cônjuges.

(2) se a cônjuge mulher recorrer a uma interrupção voluntária de gravidez sem o con-
sentimento do cônjuge marido, estamos perante uma violação do dever de respeito?
Temos uma situação em que o cônjuge mulher descobre que está grávida e aqui,
temos duas opções: sem comentar com o marido, decide abortar; a segunda opção é que
comenta com o marido e este diz o aborto está fora de questão, mas a mulher fá-lo na
mesma.
Trata-se de perceber se estaremos perante uma situação em que não há violação
do dever de respeito porque, uma vez que cabe a mulher dar vida, gerar uma pessoa e
permitir que ocorram alterações no seu corpo e, por isso, a última palavra deverá ser a da
mulher; ou temos de considerar a perspetiva de que não é por termos a possibilidade de
tomar uma decisão, que isso significa que não estamos a violar um dever de respeito.
Importa perceber que todas as posições devem ser expostas e serem tidas em
conta, porque no momento da decisão judicial num caso concreto, naturalmente, a con-
vicção do juiz terá peso na decisão. Podemos ter casos idênticos com decisões muito di-
versas, consoante o juiz que proferir a decisão.
MARTA COSTA não concorda que a última palavra tenha de ser a da mu-
lher, porque não considera que a gravidez seja apenas da mulher, mas sim dos dois

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 65


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cônjuges, apesar de ocorrer no corpo da mulher. Com isto, é importante ter em conta que
os projetos a dois têm de ser feitos com respeito de ambos os intervenientes.

(3) e se um dos cônjuges é visto diariamente em intimidades com outra pessoa?


Independentemente da não violação de um dever de fidelidade, tem-se entendido
que há uma violação do dever de respeito, uma vez que a sociedade olha para este
comportamento e entende que poderá haver ali uma violação do dever de respeito.

2.1.2.2. Dever de fidelidade

O dever de respeito obriga a que cada um dos cônjuges a não ter relações sexu-
ais consumadas com um terceiro. Para MARTA COSTA, GUILHERME DE
OLIVEIRA e PEREIRA COELHO, o conceito de relações sexuais consumadas abrange
a cópula, o coito anal e o coito oral, já que o Código Penal faz esta equiparação em
variadíssimos casos.
Para haver violação do dever de fidelidade, tem de haver um elemento objetivo
(prática da relação sexual consumada com outra pessoa) e um elemento subjetivo (a in-
tenção ou a mera consciência de violação esse dever). Por isso, não haverá violação do
dever de fidelidade se o cônjuge que teve relações sexuais com terceira pessoa só o fez,
por exemplo, por erro, ou sob coação.
Mais também se inclui tentativa de adultério, a conduta com pendor sexual de
um cônjuge com terceiro, a ligação sentimental e a correspondência amorosa, na es-
teira dos autores supramencionados. Para fazer prova destes factos, o tribunal poderia
lançar mão de presunções ou de outros factos que, pelas regras da experiência comum,
permitem inferir com elevado grau de probabilidade a prática de relações sexuais consu-
madas, artigo 349.º do CC.
Pode ser relevante a figura do venire contra factum proprium, na medida em que
as relações sexuais consentidas pelo casal em que participe um ou mais terceiros não
poderão ser utilizadas para fundamentar um divórcio por violação do dever de fidelidade.

2.1.2.3. Dever de coabitação

O dever de coabitação, incluído no elenco do artigo 1672.º do CC, significa viver


em comunhão de leito, de mesa e de habitação.
A comunhão de leito inclui duas situações: (1) dever de ter relações sexuais com
o outro cônjuge, exceto por motivos de saúde; e (2) dever de abstenção de relações sexuais
com terceiros.

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Na comunhão de mesa não falamos, somente, de os cônjuges terem refeições em


conjunto, mas antes de partilharem uma vida em economia comum. Isto tem de ser ava-
liado e considerado consoante a vida concreta do casal, dentro daquilo que é razoável.
Contudo, se nunca tomam refeições em conjunto porque não obstante terem condições
para isso, não lhes apetece já está em causa uma violação deste dever, por exemplo.

Na comunhão de habitação quer-se dizer que os cônjuges têm que habitar con-
juntamente, na casa morada de família. A casa de morada de família tem grande impor-
tância no nosso direito, sendo objeto de uma proteção adicional face a qualquer outro
imóvel. Esta casa deve ser escolhida em acordo comum, expresso ou tácito, tendo em
conta o disposto no artigo 1673.º do CC. Nos termos do n.º2 desse artigo, é nessa CMF
que se cumpre o dever de coabitação, admitindo-se exceções, temporárias, justificadas e
ponderosas. A alteração de residência carece do mesmo acordo, artigo 1673.º, n.º3 do CC.
Não havendo acordo, cabe a qualquer dos cônjuges a faculdade de requerer a
intervenção do tribunal, ao abrigo de uma ação especial regulada no artigo 991.º do
CPC.
O artigo 1682.º-A, n.º2 do CC estabelece que, independentemente do regime de
bens escolhido, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos
pessoas de gozo sobre a casa mora de família carece sempre do consentimento de ambos
os cônjuges, mesmo que seja um bem próprio de um deles.
GUILHERME DE OLIVEIR sugere que pode não existir CMF, quando não haja
efetiva coabitação dos cônjuges ao abrigo da excecionalidade do artigo 1673.º, n.º2 do
CC. No entanto, MARTA COSTA e o próprio legislador consideram que tem que haver
sempre CMF, ainda que excecional e temporariamente um dos cônjuges nela não coabite.

2.1.2.4. Dever de cooperação

Nos termos dos artigos 1671.º, n.º2 e 1674.º do CC, o dever de cooperação
abrange a orientação conjunta da vida comum e inerentes responsabilidades, bem
como as obrigações de auxílio mútuo e de socorro, consoante se trate, respetivamente,
de uma situação de normalidade ou de um caso de urgência. Nestes últimos dois casos, o
dever de cooperação1 pode ser muito mais específico, abrangendo uma prestação efetiva
de cuidados.
Quanto à orientação da vida comum, é importante ter em mente o que já estudá-
mos a propósito do princípio de igualdade entre os cônjuges e respetivo corolário, o prin-
cípio da direção conjunta da vida familiar.

1
Importa ter presente que GUILHERME DE OLIVEIRA inclui as duas obrigações mencionadas num dever
de cuidar. Seguimos, no entanto, a sistematização do legislador.

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GUILHERME DE OLIVEIRA insere, no que intitula de dever de cuidar, um de-


ver de companhia em casos de solidão. Mais, o autor inclui, neste sede, a obrigação de
prestação de alimentos, artigo 1675.º do CC, algo que nós estudamos e sistematizamos
ao nível do dever de assistência. Por outro lado, o dever de cooperação, aos olhos do
autor, inclui apenas a orientação conjunta da vida comum (artigo 1671.º, n.º2 do CC),
bem como o exercício das responsabilidades inerentes à vida comum (artigo 1674.º, in
fine do CC) e, ainda, o dever de contribuição para os encargos da vida familiar (artigos
1675.º, n.º1, 2.ª parte e 1676.º do CC).
Quando se está em desacordo sobre a orientação da vida comum, ao contrário do
que sucede com questões de natureza patrimonial, artigo 1684.º, n.º3 do CC, está vedada
a intervenção judicial. A lei admite, apenas, três exceções, previstas nos artigos 1673.º,
n.º3, 1875.º, n.º2 e 1901.º, n.º2 do CC, por serem casos que necessitam de urgência na
solução.

2.1.2.5. Dever de assistência

Importa, desde já, distinguir o dever de assistência do artigo 1675.º do CC, do


dever de cooperação do artigo 1674.º do CC. RAQUEL VIEIRA, nesta sede, é bastante
clara, ao afirmar que o primeiro tem natureza pecuniária, ao passo que o segundo tem
natureza moral.
Mais uma vez, mencionamos que o artigo 1675.º, n.º1 do CC é, para
GUILHERME DE OLIVEIRA dissecável em dois deveres distintos, em que a primeira
parte do mesmo consubstancia um dever de cuidar, ao passo que a segunda parte funda-
menta o dever de cooperação, que, para o autor, apenas abrange os artigos 1671.º, n.º2,
1674.º in fine e 1675.º, n.º1, 2.ª parte e 1676.º do CC.

No tocante ao dever de contribuir para os encargos da vida familiar, há que


atentar no artigo 1676.º do CC. A contribuição esperada é igualitária, no sentido de que é
proporcional às possibilidades de cada um – falamos de um dever de geometria vari-
ável.
Este dever pode ser cumprido por qualquer uma de duas formas, a desempenhar
por qualquer um dos cônjuges: a afetação dos seus recursos, rendimentos e proventos,
aos encargos da vida comum, ou através do trabalho despendido no lar ou na manuten-
ção e educação dos filhos. É possível que cada cônjuge cumpra a obrigação de uma forma
distinta da do outro cônjuge, bem como que ambos a cumpram da mesma forma.
Existe, para GUILHERME DE OLIVEIRA, decorrente do princípio da boa-fé,
artigo 762.º, n.º2 do CC, um dever assessório de informação correta sobre os rendimentos
e proventos de cada cônjuge.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 68


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Se um dos cônjuges contribuir mais do que devia ao abrigo da proporcionali-


dade devida, a lei não estabelece, em princípio, qualquer consequência. Na verdade, o
sacrifício adicional que cada cônjuge pode fazer cabe na respetiva esfera de liberdade
individual. No entanto, a lei prevê um caso excecional em que pode haver lugar a um
crédito compensatório.
A excecionalidade abarca as situações em que um dos cônjuges tenha sacrificado
de forma manifestamente desproporcional os seus interesses particulares, designada-
mente os de cariz profissional, com relevo muito negativo na sua esfera patrimonial, de
tal modo que na situação de rutura do casamento se veja muito empobrecido.
Falamos, então, de três pressupostos:
(1) contribuição excessiva para os encargos da vida familiar;
(2) renúncia a interesses pessoais, em particular profissionais; e
(3) prejuízos patrimoniais importantes, pressuposto que deriva do enriqueci-
mento sem causa. É aqui que este crédito é difícil de operar, já que se ressarce o dano da
perda da capacidade aquisitiva, calculado por um juízo de prognose, em que o tribunal
tende a definir por equidade aplicando critérios médios ou de, na falta de informação,
tendo por base o salário mínimo nacional, valor manifestamente insuficiente. É neste con-
texto que MARIA JOÃO VAZ TOMÉ apresenta dados do fenómeno do mommytrack,
leia-se, do empobrecimento das mulheres e mães em virtude de um casamento, já não por
apenas se ocuparem das lides domésticas e da educação dos filhos, mas por terem que
conciliar isso tudo com o emprego que desempenham, o que lhes causa prejuízos profis-
sionais relevantes.

Nos termos do artigo 1676.º, n.º3 do CC, estes prejuízos só se relevam após o
divórcio, porque até então as contas foram se equilibrando.
Assim, quanto ao momento em que o crédito exigível existe um regime dual. No
entanto, RAQUEL VIEIRA discorda da visão de GUILHERME DE OLIVEIRA e de
MARTA COSTA, defendendo uma interpretação corretiva deste preceito. Partindo do
pressuposto que este crédito é um efeito do divórcio, só com ele é que localizamos o
prejuízo patrimonial. Até lá, as trocas recíprocas do casal anulam este efeito. Assim, a
professora considera que a partilha é sempre necessária para a exigibilidade deste cré-
dito.

Importa referir que a perda da capacidade aquisitiva é um dano de difícil prova,


nomeadamente quanto ao nexo causal. Se o casamento se baseia numa cooperação altru-
ísta, é difícil individualizar gastos, despesas ou dispêndios considerados excessivos à luz
da proporcionalidade contributiva necessária. Nesta sede, RITA LOBO XAVIER ensina
que é mais fácil, e desejável, provar o que se deu em excesso, do que provar o que não se
recebeu em medida proporcional. Mas mais, uma compensação pecuniária não consegue

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 69


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ressarcir uma perda em definitivo de qualidades e valências profissionais de quem saiu


do mercado de trabalho.
No tocante às uniões de facto, este crédito não opera, já que não se pode aplicar analogi-
camente o regime, por falarmos de situações materialmente distintas. Se aplicássemos
analogicamente era contraproducente à existência da figura da União de Facto e contrária
à vontade inicial das partes em não terem optado pelo casamento. O STJ, num Acórdão
de 14/01/2021, diz que uma contribuição excessiva para a vida familiar no sei de uma
união de facto merece tutela após a respetiva rutura, sendo que único regime capaz de
tutelar isto é o enriquecimento sem causa. Há, verdadeiramente, um empobrecimento
que tem que ser tutelado e que tem causa direta na contribuição excessiva.

A violação grave ou reiterada do dever de contribuir para os encargos da vida


familiar é um sinal de rutura do casamento, nos termos do artigo 1781.º, al. d) do CC.

O dever de assistência também inclui a obrigação de prestar alimentos, artigo


1675.º, n.º1 do CC. Esta obrigação só tem sentido caso os cônjuges estejam separados de
bens ou de Direito, já que se vivem juntos a resposta é dada pelo dever de cooperação.
Esta matéria esta regulada nos artigos 2003.º e ss do CC, em especial nos artigos 2015.º
e ss do CC.
A rutura de casamento, ou a separação de facto, por norma não dá lugar à obriga-
ção de alimentos, artigo 2016.º do CC, princípio da autossuficiência, que vigora desde
2008. Antes, por o divórcio ter que ser culposo, havia esta obrigação. O divórcio deve ser
um ato único em que se resolvam definitivamente todas as questões matrimoniais do ca-
samento dissolvido – princípio do clean break. Mas, no entanto, pode haver uma situação
de carência, nomeadamente nas situações em que pode haver crédito compensatório.
Se houver determinação de crédito compensatório a situação que justificaria a
obrigação de alimentos desaparece. Assim, a obrigação de alimentos necessita de carên-
cia de alimentos, que não existe se o ex-cônjuge trabalhar. Esta obrigação visa a distri-
buição equitativa da riqueza adquirida ao longo do casamento.
As formas de prestação da obrigação de alimentos são as que resultam do artigo
2005.º do CC, isto é, ou uma prestação paga periodicamente ou uma prestação paga de
uma só vez (prestação una tantum).
Os critérios para determinar o montante da obrigação encontram-se no artigo
2016.º-A do CC, sendo que, ainda que existam alguns semelhantes ao crédito compensa-
tório, nem todos são os mesmos. Isto é, o crédito compensatório visa ressarcir danos que
se manifestam com o divórcio, mas que são um culminar de todo o período de matrimó-
nio; ao passo que a obrigação de alimentos visa a subsistência futura do ex-cônjuge após
a rutura do casamento.
Há, no entanto, que reparar o artigo 1675.º do CC, quando ainda faz referência à
imputabilidade e à culpa no seio de uma rutura de casamento. O regime que vigora, entre

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nós, quanto ao divórcio, alterado em 2008, eliminou todas as referências à relevância da


culpa em sede de divórcio, o que faz com que este artigo tenha que ser interpretado
corretivamente. Surge, nestes casos, ainda o problema de saber como preencher os con-
ceitos de necessidade e possibilidade de prestação dos alimentos, nos termos do artigo
2004.º do CC e transversais a todo o regime da obrigação de alimentos.

2.1.3. Nome e nacionalidade

2.1.3.1. Nome

A nossa lei é bastante igualitária em matéria de direito ao nome e nunca foi ver-
dadeiramente discriminatória como tantos outros países na europa, que exigia que a côn-
juge mulher acrescentasse obrigatoriamente os apelidos do cônjuge marido. Assim, nos
termos do artigo 1677.º do CC tanto o cônjuge mulher como o cônjuge marido podem
acrescentar ao seu nome, apelidos do outro até ao máximo de dois apelidos, de modo a
que se adote um nome comum. Esta faculdade está regulada nos artigos 167.º, n.º1 e
181.º, al. g) do CRC, para o casamento católico e civil, respetivamente.
Esta possibilidade não existe para os cônjuges que conservam apelidos do cônjuge
de anterior casamento, artigo 1677.º, n.º 2 do CC. Com o divórcio, por norma, caduca o
direito de utilização do apelido do outro cônjuge, a menos que haja uma autorização do
cônjuge titular do apelido ou se houver decisão do tribunal nesse sentido.
Os artigos 1677.º-A e 1677.º-B do CC esclarecem esta questão. Em caso de divór-
cio deixa de haver direito de utilização dos apelidos do outro cônjuge, salvo se o tribunal
expressamente o autorizar ou o cônjuge titular desse direito o autorizar. No caso de morte
de um dos cônjuges, o nome comum mantém-se, ainda que o tribunal possa decretar a
privação judicial do seu uso.

2.1.3.2. Nacionalidade

Nos termos dos artigos 3.º e 8.º da Lei da Nacionalidade, Lei n.º37/81, e 14.º do
respetivo Regulamento, DL n.º322/82, para que um cônjuge estrangeiro possa adquirir
a nacionalidade portuguesa tem de estar casado há mais de 3 anos com nacional portu-
guês. O mesmo se aplica para o unido de facto, sendo, neste caso apenas, preciso fazer
prova, através de ação judicial, para o reconhecimento dessa união durar há, pelo menos,
3 anos.
Aqui há que pensar num dos efeitos do casamento putativo, já que a declaração
de nulidade ou a anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo

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cônjuge que o tenha contraído de boa-fé, artigo 3.º, n.º2 da Lei da Nacionalidade. Caso
contrário, estaremos perante um casamento simulado (sendo que os casamentos por con-
veniência são, aqui, exemplos paradigmáticos).

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2.2. Efeitos patrimoniais

2.2.1. Efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de


bens

2.2.1.1. Administração dos bens dos cônjuges

As regras da administração dos bens do casal são imperativas, ou seja, não podem
ser afastadas pela vontade das partes, artigo 1699.º, n.º1, al. c)
Isto não significa que um dos cônjuges não possa atribuir poderes de gestão a
outro cônjuge através de um mandato, não pode é alterar as regras da gestão. Este man-
dato é livremente revogável (artigos 1678.º, n.º 2 al. g) e 1170.º, n.º1 do CC), sendo a
regra de que cada um dos cônjuges tem a administração dos seus bens próprios.
Assim, o que o legislador quis proibir foi que, por convenção antenupcial, um
dos nubentes ficasse com a administração de certos bens próprios do outro, algo que ape-
nas poderia ser alterado por mútuo consentimento, artigo 406.º do CC – não esquecendo
que tal alteração se impossibilitaria pelo princípio da imutabilidade das convenções, ar-
tigo 1714.º do CC.
Importa recordar que pode estar em causa um regime de separação, de comunhão
de adquiridos e da comunhão geral de bens. Ora, a diferença essencial entre o regime da
comunhão geral e o regime da comunhão de adquiridos é que na comunhão geral todos
os bens são comuns, ao passo que na comunhão de adquiridos são comuns apenas os bens
adquiridos a título oneroso na constância do matrimónio. No regime da separação de bens
não há bens comuns, cada cônjuge conserva a propriedade dos seus bens e tudo o que for
adquirido em conjunto é adquirido em regime de compropriedade.

Nos termos do artigo 1678.º, n.º1 do CC, cada cônjuge administra os respetivos bens
próprios. Existem, desde logo, exceções introduzidas no n.º2 do referido artigo, em que
um dos cônjuges pode administrar os bens próprios do outro, onde se inserem os atos de
administração ordinária e extraordinária, até por maioria de razão com o artigo 1682.º,
n.º2 do CC, já que a alienação é o ato máximo, por excelência, da administração extraor-
dinária:
(1) quando se trate de bens móveis exclusivamente utilizados como instrumento
de trabalho pelo cônjuge administrador, al. e);
(2) no caso de ausência ou impedimento do outro cônjuge, al. f); ou
(3) quando o outro lhe confira poderes de administração por mandato revogável.

No que toca à administração de bens comuns, vigoram dois regimes, consoante se tra-
tem de atos de administração extraordinária ou atos de administração orindinária. Para os
primeiros vigora a regra da administração conjunta, artigo 1678.º, n.º3, 2.ª parte do

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CC. Para os segundos, vigora a regra da administração disjunta, artigo 1678.º, n.º3, 1.ª
parte do CC.
Novamente, existem algumas exceções no artigo 1678.º, n.º2 do CC, nomeada-
mente à regra da administração conjunta:
(1) proventos pelo trabalho de cada um, ainda que o regime de bens do casa-
mento os considere bens comuns (artigos 1724.º, al. a) e 1734.º do CC), a administração
compete ao sujeito que os aufere, al. a);
(2) direitos de autor de cada um, ainda que o regime de bens do casamento os
considere bens comuns (artigos 1724.º, al. a) e 1734.º do CC), a administração compete
apenas a um cônjuge, al. b);
(3) os bens que levou para o casal ou adquiriu depois do casamento a título gra-
tuito e dos sub-rogados em lugar deles, al. c)1/2;
(4) bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão
da administração de um dos cônjuges, exceto se se tratar de bens doados ou deixados a
este último por conta da legítima, al. d);
(5) móveis comuns por um exclusivamente utilizados como instrumento de tra-
balho, cabendo aqui a administração extraordinária (artigo 1682.º, n.º2 do CC), al. e);
(6) todos os bens do casal, se o outro cônjuge se encontrar ausente ou impedido
de administrar, al. f) – interpretação por maioria de razão, já que a lei apenas fala dos
bens próprios do ausente ou impedido;
(7) todos os bens do casal, ou parte deles, se o outro cônjuge houver conferido tais
poderes por mandato revogável, al. g) – interpretação por maioria de razão, já que a lei
apenas fala dos bens próprios do outro cônjuge.

Importante, nesta sede, é saber como distinguir um ato de administração ordi-


nária de um ato de administração extraordinária.
Para MANUEL DE ANDRADE, um ato de administração ordinária abrange a
frutificação, gestão normal ou conservação do bem, não implicando grande esforço fi-
nanceiro nem recurso relevante às reservas financeiras; ou antes que não impliquem um
grande risco (gestão prudente como chave da teoria). Ao passo que um ato de adminis-
tração extraordinária abrange a frutificação não normal ou a gestão extraordinária do
bem, o que implica um grande esforço financeiro ou recurso relevante às reservas finan-
ceiras.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA utilizam uma analogia ao regime das
benfeitorias. Assim, tal como as benfeitorias necessárias, os atos de administração

1
A lei não menciona os rendimentos destes bens, mas o regime é extensível por força da identidade de
razão com a alínea que trata o produto do trabalho, bem como pela referência do artigo 1692.º, n.º2, al. a)
do CC.
2
A sub-rogação no lugar de bens comuns vale em qualquer das suas modalidades: troca direta, preço dos
bens alienados ou troca indireta. Pode ser provada por qualquer meio, não se aplicando o artigo 1723.º, al.
c) do CC.

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ordinária servem a frutificação normal ou a conservação do bem. Ao passo que, tal


como as benfeitorias úteis ou voluptuárias, os atos de administração extraordinária são
os atos que alteram a forma do bem ou visam uma frutificação anormal do mesmo,
aumentando o seu valor, mas recorrendo a elevadas quantias.
RAQUEL VIEIRA conjuga as duas teses. No entanto, certos atos que, em abs-
trato, são de administração ordinária, podem ter um elevado peso financeiro, que os leve
a ser qualificados como de atos de administração extraordinária – critério do valor.

2.2.1.1.1. Violação dos artigo 1678.º, n.º3 do CC


Vamos estudar qual a solução a dar aos casos em que um cônjuge leva a cabo um
ato de administração extraordinária, sem consentimento do outro,
Para JORGE DUARTE PINHEIRO e RUTE TEIXEIRA PEDRO, aplica-se ana-
logicamente o artigo 1687.º, n.º1 do C, até porque no artigo 1678.º, n.º3 do CC vem-se
exigir consentimento, sendo esta a razão para a analogia.
ANTUNES VARELA e CRISTINA ARAÚJO DIAS afirmam que uma norma
excecional (o artigo 1687.º, n.º1 do CC) não comporta aplicação analógica, artigo 11.º do
CC. Assim há nulidade, pelo artigo 294.º do CC, bem como pelos artigos 1687.º, n.º4 e
892.º do CC
ANA FILIPA MORAIS ANTUNES e RAQUEL VIEIRA afirma, desde logo, em
Direito da Família a nulidade não é o desvalor regra. Por exemplo, a alienação sem con-
sentimento de ambos os cônjuges da CMF é sancionada com anulabilidade, logo aqui que
sentido faria que sancionássemos atos de administração extraordinária, que podem não
comportar a alienação, com a nulidade? Nenhum. O mesmo se diga quanto aos vícios do
casamento, que são sancionados com a anulabilidade. Assim, tal ato é ineficaz quanto ao
cônjuge que não consentiu.
A ineficácia tem um efeito mais proveitoso, já que o ato é ineficaz em relação ao
cônjuge não presente, sendo o cônjuge que atuou em violação do artigo 1678.º, n.º3 do
CC é responsável por suportar o ato, por se tratar de uma dívida não comunicável –
1691.º, n.º1, al. c) do CC, a contrario. Esta tese também tutela, de forma mais vincada,
um eventual terceiro com quem o cônjuge que violou o artigo 1678.º, n.º3 do CC contra-
tou, já que ambos se mantêm vinculados pelo negócio celebrado.

2.2.1.2. Especialidades da administração dos bens do casal: poderes do cônjuge


administrador

Nos termos do artigo 1682.º do CC, os poderes do cônjuge administrador extra-


vasam a mera administração, abarcando poderes de disposição de móveis comum ou pró-
prios.

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 75


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O artigo 1680.º do CC dá a ambos os cônjuges o poder de fazer depósitos ban-


cários em seu nome exclusivo, podendo movimentá-los livremente. No entanto, não sig-
nifica isto que o depósito em conta própria torne o dinheiro em causa apenas pertencente
a esse cônjuge.

2.2.1.3. Responsabilidade pela administração

A lei distingue vários tipos de situações que merecem tratamentos específicos.


Começando pelos casos em que o cônjuge tem o poder, por força da lei, de ad-
ministrar bens que não são apenas seus – artigo 1678.º, n.º2, als. a) a f) do CC. Sendo
estas as situações mais frequentes, o legislador determinou que o administrador não é
obrigado a prestar contas da sua administração, bem como só responde pelos atos
intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge, nos termos do
artigo 1681.º, n.º1 do CC.
Existe, então, um regime de relativa impunidade, evitando-se que os cônjuges
se envolvam em ações de responsabilização que perturbariam seria ou irremediavelmente
as relações, quando os atos sejam fundados em mera culpa ou em simples omissões.
Exige-se, como vimos, um elemento subjetivo, a atuação intencional, onde cabe qual-
quer dos tipos de dolo. A prova de tais factos e elementos recai sobre o cônjuge lesado,
nos termos do artigo 487.º, n.º1 do CC.

Nos casos previstos no artigo 1681.º, n.º2 do CC, já falamos de um poder de ad-
ministração (não normal) assente numa decisão dos cônjuges (artigo 1678.º, n.º2, al. g)
do CC), e não numa atribuição geral da lei, de celebrar um contrato de mandato de
administração que afasta o regime geral. Este contrato regulado nos artigos 1159.º e ss do
CC pode ser celebrado de forma expressa ou tácita, artigos 217.º, n.º1 e 219.º do CC.
Por esta possibilidade aberta e livre de celebração do mandato, concebe-se uma
responsabilidade muito mais ampla entre os cônjuges, nos termos do regime geral do
contrato de mandato. No entanto, como o casamento envolve uma intimidade tal entre os
cônjuges, limita-se esta invocação da prestação de contas aos 5 anos anteriores.

Nos casos previstos no artigo 1681.º, n.º3 do CC, o legislador olha para as rela-
ções matrimoniais com as suas idiossincrasias comuns: duradouras, potencialmente con-
flituantes, íntimas e informais. Esta proximidade conduz a uma eventual dificuldade em
definir se houve, de facto, uma celebração tácia de um mandato, ou se não se chegou a
obter vontades opostas e convergentes que conduziriam a um contrato.
Temos que dividir o artigo em duas partes, consoante haja ou não haja oposição
à administração pelo cônjuge administrador.

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A primeira parte consiste nos casos em que um cônjuge administra abusivamente


os bens comuns ou próprios do outro, e embora o titular ou cotitular dos bens administra-
dos tenha conhecimento da prática abusiva, parece adotar uma atitude passiva e tolerante.
Evitando as dificuldades probatórias de um eventual mandato tácito, o legislador soluci-
ona o problema com uma remissão para o regime do número anterior, que acabámos de
estudar – o que implica a limitação temporal dos 5 anos.
A segunda parte consiste no titular ou cotitular dos bens administrados opor-se
expressamente à intervenção abusiva, o que sugere a inexistência de um contrato e
agrava a responsabilidade do outro cônjuge, ao se remeter para o regime do possuidor de
má-fé, em que o cônjuge vai:
(1) responder pela perda da coisa mesmo que tenha agido sem culpa, artigo 1269.º
do CC;
(2) restituir os frutos que não colheu, mas que um proprietário diligente teria ob-
tido, artigo 1271.º do CC; e
(3) perder as benfeitorias voluptuárias que tenha feito, artigo 1275.º, n.º2 do CC.

Este regime é alheio às relações entre os cônjuges, desde logo porque a oposição
de um deles é fundamento para a violação de um dever de respeito aquando da atuação
do outro.

Em caso de se pedir responsabilidades ao cônjuge administrador, temos que dis-


tinguir se o crédito de indemnização é próprio ou comum. Não há, de facto, muita juris-
prudência que incida sobre este tema, até porque são raras as intervenções dos nossos
tribunais em matéria de administração dos bens dos cônjuges. A solução é discutível,
porém, a maioria da doutrina defende uma distinção entre os casos em que a indemniza-
ção é referente a um dano que se deu num bem comum ou num bem próprio do cônjuge
não administrador.
Se estivermos perante um dano num bem próprio, o crédito é incomunicável
por via legal, artigo 1733.º, n.º1, al. d) do CC, aplicável por maioria de razão a qualquer
outro regime de comunhão por força da ratio do artigo 1699.º, al. d) do CC. No entanto,
GUILHERME DE OLIVEIRA defende que a parte da indemnização relativa à delapida-
ção de frutos, que são comuns, ou a falta de perceção deles, deve seguir as regras que
ficarem estabelecidas para os créditos por danos no património comum.
Se estivermos perante um dano em bens comuns temos duas soluções: ou (1) o
crédito pertence ao património comum; ou (2) o crédito corresponde a metade do dano e
pertence ao cônjuge meeiro que se achou prejudicado.
A primeira forma de resolver a questão reconhece ao cônjuge autor a qualidade
de defensor da comunhão, ou seja, protege mais o património comum como um todo,
restabelecendo o valor total do património. Contudo, pode parecer estranho que o cônjuge
lesado pague indemnização no que diz respeito ao prejuízo total e, portanto, mesmo no

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que diz respeito à sua metade no património comum, embora esta solução interesse bas-
tante aos credores comuns que veem a sua garantia restabelecida.
A segunda forma de resolver a questão só tem sentido se o cônjuge credor puder
considerar o crédito (correspondente à sua metade do dano) como um bem próprio; de
facto, não tem sentido considerar este crédito (de metade do dano) como um valor co-
mum, sujeito a partilha.

Quanto ao momento em que se pode exigir o pagamento de um destes créditos,


se imediatamente ou apenas no momento da partilha, o regime do artigo 1697.º do CC e
a harmonia do sistema poderiam levar a que apenas se considerasse o momento da parti-
lha. Porém, tem sido entendimento das nossas doutrina e jurisprudência que é possível
exigir esta indemnização ainda durante a constância do casamento, por se tratar de um
verdadeiro crédito de indemnização. Se, contudo, se seguir o entendimento clássico da
espera pelo momento da partilha, ao menos a prescrição não começa nem corre entre
cônjuges, artigo 318.º, al. a) do CC.

Quando a administração seja ruinosa a ponto de o cônjuge não administrador


correr o risco de perder o que é seu, pode requerer a simples separação judicial de bens,
artigos 1767.º e ss do CC.

2.2.1.4. Poderes do cônjuge não administrador

Nos termos do artigo 1679.º do CC, “o cônjuge que não tem a administração dos
bens não está inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar,
por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências pude-
rem resultar prejuízos”. O artigo visa os casos de impedimento ou impossibilidade tem-
porária, dando poderes de administração ao outro cônjuge, circunscritos às providências
referidas.

2.2.2. Ilegitimidades conjugais

2.2.2.1. Generalidades

Como sabemos, a capacidade depende de uma qualidade, leia-se, de um modo de


ser do sujeito em si; ao passo que a legitimidade resulta duma posição, leia-se, de um
modo de ser para com os outros.

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Assim, se a interdição de concluir o negócio jurídico se inspira na tutela de inte-


resses alheios, podendo o negócio ser concluído pelo titular (ou representante) destes in-
teresses ou com o consentimento dele, estamos no campo da ilegitimidade. Inversamente,
se a interdição obedecer a uma ideia de proteção do titular, em razão de uma diminuída
capacidade natural, falamos de uma incapacidade.

2.2.2.2. Ilegitimidades conjugais

Iremos estudar as ilegitimidades conjugais referentes aos regimes de comunhão,


sendo que depende da interpretação das normas legais a aferição da validade de certa
ilegitimidade para o regime da separação de bens. Apesar de não mencionarmos indivi-
dualmente a aplicação de cada ilegitimidade ao regime da separação de bens, não signi-
fica que não se apliquem.
Cada um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, não pode:

(1) Alienar bens imóveis, próprios ou comuns – artigo 1682.º-A, n.º1, al. a) do CC.
Este regime mostra bem a importância que o nosso Direito atribui à riqueza imo-
biliária ou fundiária, uma vez que nos termos do artigo 1682.º, n.º2 do CC, esta regra não
é extensível aos bens móveis.
É ponto assente que o simples contrato-promessa de alienação não carece de
consentimento entre ambos os cônjuges, por não transmitir o direito real. Esta norma é
uma daquelas que se inclui na “pela sua razão de ser” do artigo 410.º, n.º1 do CC.
Mais, esta norma não deve ser aplicada quando a alienação de imóveis, ou a res-
petiva oneração, praticada pelo empresário, constituir o objeto da empesa; como acon-
tece, por exemplo, com um construtor civil que venda andares. Nestes casos, a alienação
de imóveis constitui um ato de administração ordinária da empresa, sendo que só a alie-
nação da própria empresa careceria do consentimento de ambos.

(2) Onerar bens imóveis, próprios ou comuns, através da constituição de direitos reais
de gozo ou de garantia, e ainda dar de arrendamento ou constitui sobre eles outros
direitos pessoais de gozo – artigo 1682.º-A, n.º1, al. a) do CC.
Os direitos reais de gozo são uma limitação pesada ao uso e fruição, equivalente
à perda do valor do bem; o mesmo se diga quanto ao arrendamento. A constituição de
garantia pode conduzir à alienação forçada do bem.

(3) Alienar o estabelecimento comercial, próprio ou comum – artigo 1682.º-A, n.º1,


al. b) do CC.

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(4) Onerar ou locar o estabelecimento comercial, próprio ou comum – artigo 1682.º-


A, n.º1, al. b) do CC.

(5) Alienar a casa de morada de família – este regime é aplicável qualquer que seja
o regime de bens do casamento, nos termos do artigo 1682.º-A, n.º2, al. b) do CC.
Falamos de uma defesa da estabilidade da habitação familiar, sendo que é discu-
tível se apenas se insere, neste conceito, a residência principal, ou se abarcam eventuais
residências secundárias.

(6) Onerar a casa de morada da família, através da constituição de direitos reais de


gozo ou de garantia, e ainda dar de arrendamento ou constitui sobre eles outros
direitos pessoais de gozo – artigo 1682.º-A, n.º2 do CC.

(7) Dispor do direito ao arrendamento da cada de morada da família – artigo 1682.º-B


do CC.
Assim, não é livre o ato individual de resolução ou denúncia, de revogação por
mútuo consentimento, de cessão da posição de arrendatário, de subarrendamento ou de
empréstimo. No entanto, não parece estar incluído o ato livre de cessação dos efeitos
pessoais que justificam a tomada de arrendamento, e a consequente caducidade, artigo
1051.º, al. g) do CC.

(8) Alienar ou onerar bens móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente


pelos cônjuges na vida do lar – artigo 1682.º, n.º3, al. a) do CC.
É razoável considerar que estes bens podem, também, ser os utilizados pelos filhos
ou outros familiares a cargo dos cônjuges, cuja utilização seja indispensável, útil ou, até,
supérflua. Quanto ao processo de execução por dívidas, restringe-se este núcleo de bens
aos imprescindíveis a qualquer economia doméstica, artigo 737.º, n.º3 do CPC.

(9) Alienar os bens móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente pelos côn-
juges como instrumento comum de trabalho, artigo 1682.º, n.º3. al. a) do CC.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA consideram que a norma torna-se
inapta quando os bens se tornem inúteis para os fins profissionais destinados.

(10) Alienar os bens móveis próprios ou comuns quando a administração cabe ao ou-
tro – artigo 1682.º, n.ºs 2 e 3, al. b) do CC.

(11) Repudiar heranças ou legados – artigo 1683.º, n.º2 do CC.


Ao contrário da aceitação da herança, de legados ou de doações, cujo consenti-
mento dos cônjuges não é necessário, artigo 1683.º, n.º1 do CC, o repúdio, por significar

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uma perda patrimonial equivalente a qualquer outra perda económica, carece de consen-
timento de ambos os cônjuges.
Não obstante os bens doados serem bens próprios no regime da comunhão de ad-
quiridos (artigo 1722.º, n.º1, al. b) do CC), se um dos cônjuges no regime de comunhão
de adquiridos ou comunhão geral de bens quiser repudiar uma herança ou legado, apenas
o poderá fazer com o consentimento do outro cônjuge,

2.2.2.3. Consentimento conjugal

O consentimento conjugal deve ser especial para cada um dos atos que dele ca-
reça, artigo 1684.º, n.º1 do CC. Assim, a lei obriga a que haja uma reflexão e ponderação
sobre a oportunidade de cada ato.
O consentimento conjugal está sujeito à forma exigida para a procuração, artigo
1684.º, n.º2 do CC. Em regra, nos termos do artigo 262.º, n.º2 do CC, a forma legal da
procuração é a mesma que a exigida para o ato a celebrar. No entanto, o artigo 116.º do
Código do Notariado permite que o consentimento se preste por escrito.
Enquanto o ato não estiver começado, admite-se a revogação da procuração. Se
o ato já estiver começado, a revogação só pode acontecer se forem reparados eventuais
prejuízos para terceiros. Quanto à forma, tecem-se as mesmas considerações.
O efeito do consentimento é o de validar os atos que o outro cônjuge praticar, no
caso de este não ter legitimidade para eles. Quando já haja legitimidade, o efeito do con-
sentimento é o de responsabilizar o cônjuge que o concede, artigo 1690.º, n.º1 do CC, por
exemplo.
O consentimento conjugal pode ser suprido quando um cônjuge não tem legiti-
midade para praticar sozinho certo ato necessário ou conveniente. Este suprimento do
consentimento só pode ter lugar nos casos de impossibilidade ou nos casos de injusta
recusa, sendo que se segue os artigos 1000.º e 1001.º do CPC.

O artigo 1687.º, n.º1 do CC considera anuláveis os atos praticados contra o dis-


posto nos artigos 1682.º, n.ºs 1 e 3, 1682.º-A, 1682.º-B e 1683.º, n.º2 do CC.
GUILHERME DE OLIVEIRA, aqui, inclui as alienações de móveis comuns feitas pelo
cônjuge não administrador, artigo 1682.º, n.º2 do CC – ao invés do regime do artigo
1687.º, n.º4 do CC, que, para este autor, apenas se aplica quando há uma falta de legiti-
midade total, leia-se, não existe qualquer tipo de legitimidade (o que aqui não é verdade,
já que a legitimidade é partilhada).
A anulação pode ser pedida pelo cônjuge que não deu o consentimento, ou seus
herdeiros, nos seis meses subsequentes à data do conhecimento do ato, mas nunca decor-
ridos três anos da sua celebração. Nos termos do artigo 288.º do CC, a anulabilidade é

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 81


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sanável mediante confirmação, expressa ou tácita (aqui cabe o recebimento do produto


da venda).
O artigos 1687.º, n.º4 e 892.º do CC protegem o adquirente de boa-fé nos casos
de nulidade, ao passo que o artigo 1687.º, n.º3 do CC protege o adquirente de boa-fé
nos casos de anulabilidade. ANTUNES VARELA tem algumas reticências quanto a este
regime que sacrifica os interesses do cônjuge do alienante em favor dos interesses do
adquirente, sobretudo quando se alienam ou oneram móveis utilizados conjuntamente
por ambos na vida do alar ou como instrumento comum de trabalho.

Como mencionamos, o artigo 1687.º, n.º4 do CC, para GUILHERME DE


OLIVEIRA, tem aplicação nos casos em que o cônjuge que aliena ou onera bens pró-
prios do outro cônjuge, sem que com eles tenham qualquer ligação de propriedade ou
de administração. Inversamente, quando o cônjuge aliena ou onera um bem próprio do
outro, mas é administrador do mesmo, a sanção é a anulabilidade, por força do artigo
1687.º, n.º1 do CC.
O n.º4 restringe-se aos atos de alienação e de oneração, ao passo que o n.º1 inclui
outros atos considerados ilegítimos como o arrendamento e a constituição de direitos reais
de gozo. MARIA LEONOR BELEZA considera que estamos perante um lapso, sendo
que o texto do n.º4 deve ser alargado por via de uma interpretação extensiva.

2.2.3. Responsabilidade por dívidas dos cônjuges

Atualmente cada um dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas. Antes
da reforma de 1977 não era assim: já que o cônjuge-mulher precisava da autorização do
cônjuge-marido para as contrair. Foi com a adoção do princípio da igualdade entre côn-
juges que esta regra caiu e, hoje-em-dia, qualquer um dos cônjuges pode contrair dívidas
sem qualquer consentimento.
Este princípio está até espelhado no artigo 1690.º do CC de epígrafe “legitimidade
para contrair dívidas”: qualquer cônjuge tem legitimidade para contrair dívidas sem
o consentimento do outro cônjuge, independentemente do regime de bens.
Na teoria é isto que acontece, porém, coisa diferente é que na prática um credor
permita que um cônjuge contraia a dívida sem o consentimento do outro cônjuge. Por
exemplo, se um A e B casaram num regime de comunhão de adquiridos e A quiser ad-
quirir um imóvel com recurso ao crédito à habitação, na verdade, o cônjuge A pode fazê-
lo, pois não há nada que legalmente o impeça. Contudo, o banco que vai fazer o emprés-
timo, uma vez que a coisa será um bem comum, só vai ceder o crédito se o outro cônjuge
também for devedor (responsabilidade solidária de ambos).

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 82


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Antes de avançarmos, importa ter presente que a cada de morada da família é


impenhorável, um desígnio constitucional do artigo 65.º da CRP, mas que conflitua com
o acesso a créditos hipotecários.

2.2.3.1. Dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges

Nos termos do artigo 1691.º, n.ºs 1 e 2, são da responsabilidade de ambos os cônjuges:

(1) As dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento
do outro, anteriores ou posteriores à celebração do casamento – artigo 1691.º, n.º1,
al. a) do CC.
O consentimento aqui referido não está sujeito a regras especiais, pelo que há
liberdade de forma e pode ser tácito, artigos 219.º e 217.º do CC, respetivamente. Mais,
aqui não vale os casos em que um dos consentimentos foi judicialmente suprido.

(2) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos normais
da vida familiar – artigo 1691.º, n.º1, al. b) do CC.
Os encargos normais da vida familiar é, por exemplo, a compra do frigorífico, o
pagamento da escola dos miúdos, a ida ao supermercado, a ida à farmácia. Justifica-se a
aplicação analógica desta norma às uniões de facto.

(3) Dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em


proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração – artigo
1691.º, n.º1, al. c) do CC.
Por um lado, é necessário averiguar o nexo causal entre a dívida e os bens admi-
nistrados.
Por outro, a noção de proveito comum levanta algumas questões. Nos termos do
artigo 1691.º, n.º3 do CC, este não se presume, exceto quando a lei o declarar. Mais, o
proveito comum afere-se pela aplicação da dívida, leia-se, pelo fim visado pelo devedor
que a contraiu, à luz de uma pessoa média, e não pelo resultado. O interesse pode ser
material ou económico, bem como moral ou intelectual.
Assim, averiguar este proveito comum depende de uma questão-de-facto, isto é,
o destino dado ao dinheiro; e de uma questão-de-direito, ou seja, determinar se, com
base nesse destino, a dívida foi ou não contraída em proveito do casal.

(4) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio – artigo
1691.º, n.º1, al. d) do CC.
Esta norma completa o artigo 15.º do Código Comercial, assegurando o alarga-
mento da garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio,

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 83


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facilitando o acesso ao crédito, o que favorece as atividades mercantis. Os cônjuges, co-


merciante ou o não comerciante, podem querer afastar a comunicabilidade da dívida,
se se provar que não foi contraída em proveito comum do casal ou se vigorar entre os
cônjuges o regime de separação de bens. Mais, pode-se provar que a dívida não tem rela-
ção com a atividade de comércio, mas mesmo aí tem que se provar que não há proveito
comum, já que se houver, a dívida continua a responsabilizar ambos os cônjuges.
Importa atentar no artigo 13.º do Código Comercial para preencher o conceito de
comerciante.

(5) Dívidas que onerem os bens doados, herdados ou legados, quando tais bens te-
nham ingressado no património comum – artigos 1691.º, n.º1, al. e) e 1693.º, n.º2
do CC.

(6) Dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges em proveito co-
mum do casal, quando vigore o regime da comunhão geral de bens – artigo 1691.º,
n.º1 do CC.

(7) Dívidas que onerem bens comuns – artigo 1694.º, n.º1 do CC.
No regime da separação de bens não existem bens comuns, logo este artigo não
se aplica. Falamos de exemplos como as dívidas de IMI, de saneamento, etc.

(8) Dívidas que, nos regimes de comunhão, onerarem bens próprios, se tiverem como
causa a perceção dos respetivos rendimentos – artigo 1694.º, n.º2 do CC.
As dívidas podem ser relacionadas com os bens em si ou com a perceção dos
rendimentos desses bens. Só este último caso é que torna a responsabilidade pela dívida
comum, por tais rendimentos se tratarem de bens comuns, nos regimes de comunhão.

2.2.3.2. Bens que respondem pelas dívidas de responsabilidade comum

Pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens co-


muns e, na falta ou insuficiência deles, os bens próprios de qualquer dos cônjuges,
artigo 1695.º, n.º1 do CC.
Mais, nos termos dos n.ºs 1 e 2 desse artigo, a responsabilidade dos cônjuges é
solidária nos regimes de comunhão e parciária no regime de separação.
A parte de cada cônjuge na responsabilidade não é, necessariamente, de 50%. Pelo
menos quando as dívidas visem acorrer aos encargos normais da vida familiar, a respon-
sabilidade de cada um deve corresponder à medida do seu dever de contribuir para os
encargos, artigo 1676.º, n.º1 do CC – a, já estudada, geometria variável.

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2.2.3.3. Dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges

Nos termos do artigo 1692.º do CC, são da exclusiva responsabilidade as:

(1) Dívidas contraídas por um dos cônjuges sem o consentimento do outro, exceto os
casos já estudados das als. b) e c) do n.º1 do artigo 1691.º do CC – artigo 1692.º, al.
a) do CC
Não havendo circunstâncias especiais (encargos da vida familiar e proveito co-
mum) que se prendem com a vida conjugal, valem as regras gerais do Direito das Obri-
gações e cada um fica responsável pelas dívidas que contrai. Ou seja, este artigo aplica-
se quando falha um dos requisitos das alíneas b) e c). Nunca se aplica às outras alíneas
do artigo 1691.º, n.º1 do CC.
Incluem-se as anteriores e as posteriores ao casamento.

(2) Dívidas provenientes de crimes ou outros factos imputáveis a um dos cônjuges –


artigo 1692.º, al. b) do CC
Quando, no entanto, se trate de casos de responsabilidade civil abrangidos pelo
artigo 1691.º do CC, este regime não opera. Poder-se-á discutir se o proveito comum
terá que ser direto para o casal (atuação no interesse do casal), ou se basta proveito in-
direto (atuação no interesse alheio, beneficiando o casal). A jurisprudência tende a exigir
que o proveito comum seja direto – STJ em 06-07-1993 e em 12-10-2015, relatores
Eduardo Martins e Abrantes Geraldes, respetivamente.
Em qualquer caso de responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, nada obsta
a que se lance mão do enriquecimento sem causa para quando o casal haja beneficiado
da respetiva atividade.

(3) Dívidas que oneram bens próprios de qualquer dos cônjuges – artigos 1692.º, al.
c) e 1694.º, n.º2 do CC.
Sendo, em regimes de comunhão, os rendimentos bens comuns, se as dívidas
tiverem como causa a perceção dos rendimentos, são da responsabilidade comum.

(4) Dívidas que onerem doações, heranças ou legados, quando os respetivos bens sejam
próprios – artigo 1693.º, n.º1 do CC.

2.2.3.4. Bens que respondem pelas dívidas de exclusiva responsabilidade de um


dos cônjuges

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 85


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Nos termos do artigo 1696.º do CC, respondem por estas dívidas os bens próprios
do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns. Não respon-
dem, também, os bens que são da responsabilidade administrativa do cônjuge devedor,
mas cuja titularidade não lhe pertence, o que faz com que se interprete restritivamente
este artigo.
Na falta ou insuficiência de bens próprios do devedor, é possível penhorar ime-
diatamente os bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora,
peça a citação do cônjuge do executado para requerer, querendo, a separação de bens.
Para demais trâmites, veja-se o artigo 740.º do CPC.

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 204/16.4T8CHV-D.G1, de


09-05-2019
Título executivo contra um dos cônjuges.
Comunicabilidade da dívida
I - Não obstante a instauração de execução apenas contra um dos cônjuges, é per-
mitido ao exequente alegar fundadamente que a dívida é comum a ambos os cônjuges,
conquanto estejamos perante um título executivo diverso de sentença (artigo 641.º, n.º 1,
do Código de Processo Civil).
II - Assim, nos casos em que a estejamos perante uma dívida comum, mas em que
a execução se baseia em sentença que apenas constitui título executivo contra um dos
cônjuges, o executado, que não chamou o cônjuge a intervir no processo declarativo, para
o convencer da sua responsabilidade (artigo 316.º, n.º 3, al. a), do Código de Processo
Civil), não pode alegar no processo executivo que a dívida é comum. Segue-se assim o
regime da penhora das dívidas de responsabilidade exclusiva do executado, sem prejuízo
do apuramento ulterior de contas entre os cônjuges (artigo 1697.º, n.º 1, do CC) e da
possibilidade de o credor ainda propor nova ação declarativa contra o cônjuge não con-
denado.

Notas da professora MARTA COSTA:


Tivemos uma ação executiva e no âmbito dessa ação declarativa relativamente à
existência de uma dívida, e no âmbito dessa ação declarativa apenas um dos cônjuges foi
chamado. Houve uma sentença judicial que dizia que de de facto, havia uma dívida de A.
Entretanto A não pagou a dívida e o credor deu entrada com uma ação de execução. O A
vem agora, no âmbito da ação executiva, dizer que esta dívida é uma dívida comuns dos
cônjuges pois foi contraída em proveito comum do casal.
O tribunal veio dizer que A tinha de o ter referido na ação declarativa, agora na
ação executiva, A já não vai a tempo porque já há uma sentença que declara que a dívida
é de A, ou seja, que a dívida é própria. Isto porque o proveito comum do casal não se
presume.

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Veja-se o artigo 1692.º, n.º2 do CC, para saber os bens que respondem ao lado
dos bens próprios do cônjuge devedor. A lei sacrificou o património comum em favor
das expectativas do casal. Assim, o credor pode penhorar indistintamente estes bens
ou os bens próprios, já que esta norma especial afasta a graduação oferecida pelo n.º1 do
artigo 1692.º do CC.
O texto legal não parece limitar a responsabilidade ao valor de metade dos bens
comuns penhorados, o que pode dar lugar a compensação, no momento da partilha.

2.2.3.5. Compensações devidas pelo pagamento de dívidas

Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respon-


dido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do
que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos
bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação – artigo 1697.º, n.º1 do CC.
Surge, assim, um crédito de compensação a favor do cônjuge que pagou mais
que a sua parte, sobre o outro cônjuge, sendo que tal crédito só é exigível no momento
da partilha dos bens do casal. Discute-se se a menção do regime da separação tem algum
efeito, já que na constância do matrimónio, os deveres conjugais eliminam assimetrias.

Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges te-


nham respondido bens comuns, é a respetiva importância levada a crédito do património
comum no momento da partilha – artigo 1697.º, n.º2 do CC.
Aqui, surge um crédito de compensação do património comum sobre o patrimó-
nio do cônjuge devedor, no momento da partilha.

2.2.4. Termo das relações patrimoniais

A dissolução, a declaração de nulidade ou anulação do casamento, artigo 1688.º


do CC, ou a separação de pessoas e bens, artigo 1795.º-A do CC, provocam a cessação
das relações patrimoniais entre os cônjuges.
Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos
bens do casal, artigo 1689.º do CC. Esta partilha também tem ugar no caso de ser decre-
tada simples separação judicial de bens, artigo 1770.º do CC, ou declara a ausência, ar-
tigo 108.º do CC, ou a insolvência de qualquer dos cônjuges, artigo 141.º, n.º1, al. b) do
CIRE.
A partilha, numa noção ampla, compõe-se de três operações básicas: (1) a sepa-
ração de bens próprios, como operação ideal preliminar; (2) a liquidação do património

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 87


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comum, destinada a apurar o valor do ativo comum líquido, através do cálculo das com-
pensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e (3) a partilha
propriamente dita.

2.2.4.1. Separação de bens próprios

O primeiro passo é fazer a separação dos bens próprios de cada cônjuge. Estes
bens não carecem de qualquer intervenção, simplesmente separam-se para que as opera-
ções subsequentes incidam apenas sobre bens comuns que, estes sim, carecem de divisão.
Excecionalmente, a separação ganha uma grande importância quando a propri-
edade sobre um bem se torna objeto de litígio. Estas questões acabarão por ter que ser
solucionadas em sede de ação comum, fora do processo de inventário, artigo 1092.º do
CC.

2.2.4.2. Liquidação do património comum (3 realidades)

O relacionamento dos bens comuns inclui os bens e os direitos qualificados como


comuns pelas regras do regime de bens que vigorou durante o casamento, salvas as exce-
ções previstas nos artigos 1719.º e 1790.º do CC, para a dissolução por morte ou por
divórcio, respetivamente. No âmbito do artigo 1790.º do CC, tratamos como bens pró-
prios aqueles que o regime da comunhão de adquiridos trata como tal, excluindo o regime
da comunhão geral, para este efeito. Assim, apenas se dividirá aquilo que integrou o pa-
trimónio comum a título oneroso por virtude do matrimónio.
Existem vários acórdãos a este respeito. Um deles é do Tribunal da Relação do
Porto, 24/01/2018 (acórdão nº 86/17.9T8PRD.P1) diz o seguinte:
O património comum a partilhar deve ser definido não só pelo que nele
existir no momento da dissolução do matrimónio, mas também por aquilo que
cada um dos cônjuges lhe deve conferir, por lho dever.

Em seguida, há que versar sobre as compensações. Durante o casamento dão-se


transferências de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimó-
nios próprios.
Exemplos em que o património comum é credor são os que resultam dos artigos
1726.º, 1727.º e 1728.º do CC, bem como dos artigos 1697.º, n.º2, 1682.º, n.º4 e 1728.º,
n.º1 e 1733.º, n.º2 do CC.
Como exemplos em que um património próprio é credor do património comum
temos os casos dos artigos 1726.º, 1697.º, n.º1 e 1723.º, al. c) do CC, consoante a história
em causa.
Ainda que alguns preceitos mencionem que o momento em que se pode exigir o
pagamento é na partilha, enquanto outros são omissos quanto a esse aspeto, os trabalhos

Direito da Família Sebenta Conjunta FD-UCP 88


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preparatórios sugerem que se pretendeu um regime igual para todos os casos, o que faz
com que a exigibilidade do pagamento seja diferida para o momento da partilha.
Uma dúvida que se coloca é se as compensações, no momento da partilha, devem
ser feitas pelo valor nominal ou pelo valor atualizado. Ainda que o artigo 550.º do CC
imponha o princípio do nominalismo, este não pode ser aplicado cegamente, sob pena de
reverter a intenção do regime das compensações. O artigo 550.º do CC admite convenção
em contrário, mas GUILHERME DE OLIVEIRA entende que, por estarmos perante uma
obrigação legal, e por força do regime que é aplicado na colação e no pagamento de tor-
nas, artigos 2109.º, n.º3 e 2029.º, n.º3 do CC, respetivamente, bem como porque a tutela
legal é dada ao património empobrecido (reconstituindo, agora, o valor que dele deveria
constar), deve atender-se ao valor atualizado (especialmente devido à crescente desva-
lorização monetária sucessiva). O autor encontra uma lacuna e aplica por analogia os
regimes supramencionados.
Os créditos de compensação não vencem juros, dado que estes dependem da
mora, artigo 806.º do CC, ao passo que a realidade aqui em análise só se vence no mo-
mento da partilha.

Quanto ao pagamento de dívidas, dívidas dos cônjuges um ao outro, são pagas


pela meação do cônjuge devedor no património comum, e só em caso de insuficiência
pelos bens próprios do devedor, artigo 1689.º, n.º3 do CC. Estas dívidas podem nascer da
responsabilidade civil por administração de bens do outro cônjuge intencionalmente pre-
judicial (artigo 1681.º, n.º1 do CC) ou abusiva (artigo 1681.º, n.º3 do CC).
As dívidas a terceiros são reguladas pelo artigo 1689.º, n.º2 do CC – o património
comum paga, em primeiro lugar, as dívidas comuns e só depois as dívidas próprias. Os
bens próprios pagam ambas as dívidas indistintamente, sendo que no caso de dívidas co-
muns o recurso a tais patrimónios só acontece quando esgotado o património comum. Os
credores comuns estão em vantagem, pois beneficiam da solidariedade legal do artigo
1695.º, n.º1 do CC.

Esta sistematização de GUILHERME DE OLIVEIRA é distinta, ligeiramente, da


proposta por RAQUEL VIEIRA. Para a professora, após a 1.ª operação de separação de
bens próprios, a 2.ª operação, a liquidação do património comum, artigo 1689.º do CC,
implica, antes de mais, a distinção de três realidades:
1. As dívidas a terceiros comunicáveis, que responsabilizam os bens descritos no
artigo 1695.º do CC.
2. As dívidas a terceiros incomunicáveis, que oneram o património próprio do deve-
dor e os bens descritos no artigo 1696.º, n.º2 do CC.
3. As compensações, que podem ter como fontes: os artigos 1697.º, n.º2 e 1682.º,
n.º4 do CC; bem como a aquisição de bens próprios à custa do património comum,
ou o financiamento com valores ou bens próprios a aquisição de bens que

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integram o património comum (artigos 1723.º, al. c) e 1726.º do CC), ou as ben-


feitorias feitas com dinheiro próprio num bem comum. Estas compensações estão
sujeitas a atualização com base no índice de preços, artigo 551.º do CC.

Em seguida, a professora afirma que a diferença entre o património comum e


as dívidas comunicáveis e as compensações dá-nos o ativo líquido, se o valor for su-
perior a 0. Este ativo será responsável pelo pagamento das dívidas entre os cônjuges,
artigo 1689.º, n.º3 do CC, como as que resultem de um crédito compensatório, por
exemplo, na parte da meação do cônjuge devedor. Só se esta meação for inexistente ou
insuficiente, é que respondem os bens próprios do cônjuge devedor.

Por fim, procede-se à partilha propriamente dita, preenchendo as meações de cada


um dos cônjuges, com dedução das compensações eventualmente ao património comum
e/ou ao património do outro cônjuge, nos termos do artigo 1697.º, n.º2 do CC. Este é o
regime que passamos a estudar.

2.2.4.3. Partilha propriamente dita

Após o termo das relações patrimoniais conjugais, mas antes da conclusão da par-
tilha, decorre um período denominado por comunhão pós-conjugal. Este período serve
para conhecer o regime legal aplicável a vários temas concretos. A doutrina oscila entre
a compropriedade e a comunhão hereditária (CRISTINA DIAS). GUILHERME DE
OLIVEIRA defende que se se quiser eleger um regime específico, tem que se afastar o
artigo 1404.º do CC, leia-se, afastar a aplicação das regras subsidiários da comproprie-
dade. Mais, o autor não defende que haja uma verdadeira lacuna, antes parece postular
que se aplicam as normas que, aqui e ali, se vão encontrando sobre cada tema concreto.

Vamos, agora, versar sobre as especialidades da divisão dos bens, em sete cam-
pos.

2.2.4.3.1. Forma
Quando haja acordo entre os interessados então houver bens imóveis, os proce-
dimentos da partilha não carecem de forma. Se houver bens imóveis, podem formali-
zar-se através de escritura pública ou de documento particular autenticado, artigo 22.º, al.
f) do DL n.º116/2008. Podem ser realizadas na conservatória do registo civil, no âmbito
de um processo de divórcio ou de separação de pessoas e bens por mútuo consentimento,
ou depois de um processo desses; ou, ainda, na sequência de qualquer processo de divór-
cio, artigos 272.º-A a 272.º-C do CRC e artigos 5.º a 7.º da Portaria n.º1594/2007.

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Quando não havia acordo entre os interessados, a partilha fazia-se no âmbito de


um processo de inventário. No entanto, desde 1 de janeiro de 2020, vale o novo regime
da Lei n.º117/2019, que alterou, sobretudo, os artigos 1082.º e ss do CPC.
Cada cônjuge (ou herdeiros, no caso da dissolução por morte), receberá na partilha
os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o
que dever a este património, artigo 1689.º, n.º1 do CC.

2.2.4.3.2. Contrato-promessa de partilha


O contrato de partilha celebrado antes do divórcio (ou antes do casamento) não é
válido, mas o contrato-promessa já o é. Assim, podem os cônjuges, durante a constância
do casamento, celebrar um contrato-promessa de partilha, onde se divide o património
comum. Este contrato demonstra a vontade dos cônjuges de imputar bens comuns con-
cretos à meação de cada um dos cônjuges. Depois de realizado tal contrato-promessa,
todos os bens comuns continuam a ser bens comuns e todos os bens próprios continuam
a ser bens próprios, ou seja, nenhuma das massas patrimoniais do casal se modifica – o
que faz com que nem os cônjuges, nem terceiros, corram perigo.
Este contrato-promessa pode ser anulado ou declarado nulo como um qualquer
outro negócio jurídico. Está, no entanto, sujeito a um especial limite imperativo: não
pode conduzir a uma divisão do património em partes desiguais, leia-se, tem que respei-
tar a regra da metade, sob pena de nulidade, artigo 1730.º, n.º1 do CC. Mais ainda,
estes acordos violadores do limite em causa poderiam esconder doações, o que violaria o
artigo 1764.º, n.º1 do CC, conduzindo, também, à nulidade.

A este respeito, vejamos o Acórdão nº 1238/16.4T8MTS.P1 do Tribunal da Relação do


Porto, de 11/4/2019:
I- O contrato-promessa de partilha de bens, celebrado pelos cônjuges, su-
bordinado à condição suspensiva do decretamento do divórcio, é válido por
não ofender o princípio da imutabilidade do regime de bens1 do casamento
imposto pelo artigo 1714º do Código Civil.
II- A lei proíbe, contudo, as estipulações ou cláusulas contrárias à "regra
da metade" imperativamente imposta pelo artigo 1730º do mesmo diploma
legal, proibição extensiva aos casos em que do contrato não constem os ele-
mentos necessários que permitam ajuizar sobre a observância dessa regra2.
II - É, assim, nulo, por violação do nº 1 do artigo 1730º, o contrato-pro-
messa de partilha que não contemple a totalidade das situações jurídicas

1
O princípio da imutabilidade do regime de bens significa que não é suscetível de alteração o regime
matrimonial adotado pelos cônjuges que tenha sido através da escolha, convenção antenupcial ou através
da aplicação da norma supletiva do regime da comunhão de adquiridos.
2
Significa isto que é imperativo que cada um dos cônjuges receba metade do património comum. Portanto,
o tribunal entendeu que se há violação dessa regra, o contrato é inválido, mas mais: se não há elementos
necessários para determinar se há ou não violação dessa regra, então, mantém-se a invalidade.

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ativas e passivas que compõem o património comum do casal, nem contenha


a indicação do valor integral do conjunto dessas situações.

2.2.4.3.3. Partilha sob condição suspensiva


O mesmo regime deve ser aplicado ao contrato de partilha sob condição sus-
pensiva. Já vimos que o contrato-promessa de partilha é válido, uma vez que não reper-
cute os seus efeitos durante a vigência das relações patrimoniais conjugais. Assim, o con-
trato que esteja sujeito a uma condição suspensiva, por garantir a mesma paralisação dos
efeitos, deve ser considerado válido, nos termos em que o contrato-promessa o é, leia-se,
respeitando as normas imperativas, mormente a regra da metade.

2.2.4.3.4. Descendentes comuns e comunhão geral


O artigo 1719.º do CC, como vimos, permite que os cônjuges acordem na con-
venção antenupcial que no caso de dissolução do casamento por morte, e havendo des-
cendentes comuns, a partilha far-se-á segundo o regime da comunhão geral, mesmo que
outro tenha sido o regime de bens que norteou a vida matrimonial do casal.
Obviamente não falamos de uma violação do princípio da imutabilidade do re-
gime de bens, uma vez que estamos perante um mecanismo que está previsto, a priori, na
convenção antenupcial.

2.2.4.3.5. Caso especial de divórcio


Segundo o artigo 1790.º do CC, em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode
receber mais do que receberia, na partilha, se o regime de casamento tivesse sido o da
comunhão de adquiridos. Este regime não implica a substituição do regime da comu-
nhão geral pelo da comunhão de adquiridos, que levaria a que cada cônjuge pudesse pedir
a inscrição a seu favor dos bens que levou para o casamento ou depois lhe advieram a
título gratuito com base no regime típico da comunhão de adquiridos. Se houver comu-
nhão geral, esses bens integram a comunhão e só com a partilha se sabe a quem perten-
cem. Assim, a lei não impõe que, na partilha, cada cônjuge seja encabeçado nos bens que
lhe pertenceriam se vigorasse o regime da comunhão de adquiridos; apenas quer evitar
que cada cônjuge receba mais do que receberia se este último fosse o regime adotado. Ou
seja, a lei não se importa pelos bens em si, mas antes pelo seu valor.
Veja-se o Acórdão do STJ, de 26/03/2019, Processo n.º199/10.8TMLSB-
C.L1.S1:
I – O artigo 1790º do CC, na redação da Lei n° 61/2008, de 31-10, é apli-
cável a todos os casamentos celebrados segundo o regime da comunhão geral
de bens, mesmo aos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor (01-
12-2008), desde que, neste caso, subsistam nessa data.

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II – O mesmo artigo não altera o regime de bens a que se encontra sujeito


o casamento celebrado, pelo que a partilha continua a fazer-se tratando
como bens comuns aqueles que o são de acordo com esse regime.
III – Tendo vigorado o regime da comunhão geral de bens no casamento,
no inventário subsequente ao divórcio devem ser relacionados todos os bens
comuns para, na fase da partilha, poder ser considerado o teor do citado
artigo 1790º.
IV – Este artigo não se preocupa com a determinação do acervo dos bens
a partilhar, mas com o resultado a que se chega finda a partilha.

Se o casamento terminar por morte, a partilha é feita segundo o regime conven-


cionado pelos cônjuges, respeitando o plano inicial conservado durante o matrimónio. No
divórcio, as expectativas iniciais de que a união seria para sempre foram frustradas, daí
a razão para esta tutela acrescida.

2.2.4.3.6. Casa tomada de arrendamento e casa própria


Quando os cônjuges vivam em casa tomada de arrendamento, o artigo 1105.º
do CC permite-lhes acordar, obtido o divórcio ou a separação de pessoas e bens, em que
a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer deles; sendo que, na falta de
acordo, o tribunal decidirá, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo.
O artigo 1793.º do CC prevê o caso de os cônjuges divorciados ou separados de
pessoas e bens viverem em casa própria, permitindo ao tribunal dar de arrendamento, a
qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a CMF, quer esta seja comum, quer seja própria do
outro.
No âmbito do Divórcio há um bem que tem uma proteção especial – a casa de
morada de família – o legislador atribui uma especial proteção à casa de morada de
família tando durante o casamento, como quando cessadas as relações patrimoniais entre
os cônjuges ou mesmo perante um divórcio.
A casa de morada de família é vista como um seio para a vida familiar, como
essencial no sentido de ser onde a plena comunhão de vida se desenrola. Repare-se que
não é apenas um bem imóvel. É aqui que os cônjuges têm o dever de coabitação, partilham
mesa, leito e habitação.
Também no seguimento destas ordens de consideração é que no divórcio e na
cessação da união de facto o legislador teve especial preocupação, vindo consagrar que
se a casa de morada de família for arrendada, mesmo que o seja por um dos cônjuges o
outro tem direito a ficar na mesma, sendo isto diretamente oponível ao senhorio – pres-
cinde de qualquer consentimento do senhorio. Não havendo acordo, é o tribunal que atri-
bui o direito de locação da casa de morada de família e no caso de arrendamento o direito
de permanecer no contrato de arrendamento.

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No artigo 1105.º, estabelece-se que vivendo os cônjuges em casa arrendada, po-


dem decidir denunciar o contrato de arrendamento, mas assumindo que um deles tem um
interesse em continuar a residir naquela casa pode fazê-lo. Havendo acordo, tanto o tri-
bunal como a conservatória (dependendo de quem leva a cabo o divórcio), devem levar a
cabo oficiosamente ao senhorio esta nova concentração ou transmissão. Havendo acordo
o processo é fácil, a posição mais desprotegida é a do senhorio que pode mudar de arren-
datário, podendo não lhe dar as mesmas garantias. Ou seja, a relação com o senhorio
ocorre nos termos do contrato de arrendamento celebrado unicamente, havendo possibi-
lidade de denúncia do contrato de arrendamento o senhorio poderá fazê-lo, mas não é por
ter ocorrido a alteração de titularidade.
Em suma, a eventual alteração de titularidade não confere direito de denúncia ou
de resolução desse contrato de arrendamento, é imposto ao senhorio e é comunicado ofi-
ciosamente pelo tribunal se o divórcio tiver sido decretado no âmbito de qualquer ação
judicial ou conservatória no caso do divórcio ter sido administrativo e ter sido decretado
pela conservatória do registo civil.
Não havendo acordo, a situação é mais complicado porque ter-se-á que dar entrada
de uma ação judicial para atribuição do direito de arrendamento ao cônjuge que mais dele
precisa. Estamos a falar de uma análise subjetiva, já que o tribunal apenas vai conseguir
perceber qual o cônjuge que mais precisa deste direito de arrendamento depois de olhar
para a situação concreta e perceber: (1) rendimentos de ambos; (2) se existir filhos, per-
ceber com quem vão viver; (3) se algum deles tem ou não uma casa própria livre para se
puderem mudar para lá; (4) se algum deles trabalha ou nunca trabalho durante o casa-
mento; (5) se algum deles tem um problema de saúde que o incapacite de ter uma vida
normal.
Tudo isto são circunstâncias exemplificativas que podem e devem ser considera-
das pelo tribunal para decidir quem é que tem mais necessidade de permanecer naquela
casa arrendada. Sendo isto muitas vezes determinante, podemos estar a falar de um con-
trato de arrendamento muito proveitoso e que para um cônjuge que se vai divorciar, seja
fundamental, porque vai passar a ter menos rendimentos porque os rendimentos dos côn-
juges em comum são sempre mais do que separados (deixamos de ter a economia de
escala, separados as despesas serão muito maiores o que não é proporcional, duas pessoas
que vivem na mesma casa não pagam o mesmo que duas pessoas que vivem separadas
em casa diferentes, isto é muito mais caro não só porque há numerosas taxas porque do
ponto de vista do consumo é muito menos rentável). Ou seja, economicamente o divórcio
é uma circunstância a ser considerada, tanto que há famílias que em conjunto conseguem
suportar as despesas, colocando o casal divorciado um deles pode não conseguir pagar as
despesas, tornando-se mais relevante olhar para a questão do arrendamento.
O juiz, quando não há acordo, tem de fazer uma análise meticulosa de ambos,
sendo claro que o ónus da prova recai sobre quem vem invocar o direito, é este que tem
de provar que as suas condições são muito piores economicamente quando comparadas

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com o outro cônjuge. Sendo sempre necessário considerar todas as circunstâncias, dado
que se, por exemplo, tiver condições piores mas tem os progenitores que têm uma casa
disponível e que se ofereceram para poderem ir viver para lá, se o outro cônjuge conseguir
fazer prova deste facto, este deve ser considerado.
Durante muitos anos entendeu-se que era critério determinante os filhos ficarem
a viver com um ou com outro dos cônjuges, hoje em dia já não se considera um critério
determinante, sendo a regra a da residência alternada, portanto, este argumento acabou
por perder alguma relevância.

Quanto à casa própria também há regras específicas que constam do artigo 1793.º
que se apresenta um preceito fundamental.
Se houver acordo (artigos 1775.º, n.º1, al. d) do CC e 272.º, n.º1, al. f) e n.º2 do
CRC) entre os cônjuges o direito de locação (não é um direito de propriedade) ficará
atribuída a um dos cônjuges, sendo este o regime normal, podendo este ser alterado a todo
o tempo, desde que haja circunstâncias supervenientes que justifiquem esta alteração.
Não havendo acordo, o direito de locação é atribuído, sob a forma de arrenda-
mento, a um dos cônjuges, com o pagamento de uma renda ao cônjuge que fica prejudi-
cado. Esta renda não tem de ter o valor de mercado, não obstante a lei dizer que o contrato
de arrendamento vai ser sujeito às regras do contrato de arrendamento para habitação, o
tribunal pode fixar um valor de renda muito inferior àquele que resultaria das condições
de mercado e pode fazê-lo atendendo às condições específicas do cônjuge que vai passar
a ser arrendatário, bem como às condições específicas do cônjuge que vai passar a receber
a renda e ao interesse dos filhos.
Por decisão judicial o tribunal vai determinar o pagamento de um valor de renda,
renda essa que pode ter um valor muito inferior àquele que seria resultante das condições
de mercado, ou não. Se ambos os cônjuges tiverem condições favoráveis e próximas, aí
não há razão nenhuma para a renda ter um valor inferior àquele que resultaria das condi-
ções de mercado.
Se a casa for comum a solução será exatamente a mesma. A renda daquele que
não ficar na casa, que em princípio ainda é proprietário, porque em princípio ainda é um
bem comum será um pouco mais baixa porque 50% da propriedade é do outro que fica lá
a viver. Este regime opera independentemente do regime matrimonial de bens e opera
inclusivamente nos casos de separação de bens.
Há alguma jurisprudência que entende que regime equivalente pode ser aplicado
a uma casa de férias em que os cônjuges passem muito tempo. Ou seja, em que os côn-
juges vão todos os fins-de-semanas, feriados e férias para essa casa, havendo alguma ju-
risprudência que se pronuncia no sentido de esta ser uma segunda casa de morada de
família. Em sentido contrário, pronuncia-se MARTA COSTA, precisamente por estar
em causa um regime muito excecional apenas se justificando quando esteja em causa a
casa de morada de família, não é possível as pessoas viverem em dois sítios. Até porque

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este regime implica muitas restrições ao cônjuge que fica prejudicado, que fica impedido
de utilizar a casa de morada de família, pelo que não se entende qual seria a motivação
para se permitir isto mesmo em duas situações.

2.2.4.3.7. Atribuições preferenciais


A lei, nos artigos 1731.º e 2103.º-A do CC, prevê algumas atribuições preferen-
ciais – consistem em atribuir a um determinado cônjuge, preferencialmente, certos bens
comuns face ao outro no âmbito da partilha. Estamos a discutir a partilha e o momento
da cessação das relações patrimoniais face ao fim do casamento.
O artigo 1731.º do CC refere-se aos instrumentos de trabalho e prevê uma atri-
buição preferencial. Ora, se estivermos a falar de um instrumento de trabalho que seja
comum, não obstante apenas um dos cônjuges o utilizar para o trabalho, no momento da
partilha o cônjuge que utiliza para o seu trabalho tem o direito a ser encabeçado preferen-
cialmente nesse bem. Ou seja, o seu quinhão ou meação começa a ser preenchida logo,
preferencialmente, por esse bem. A menos que esse cônjuge não queira, é uma atribuição
preferencial, tem a preferência, sendo esta um direito e não uma obrigação.
Já no artigo 2103.º-A do CC, estamos perante uma atribuição preferencial um
pouco distinta. Trata do direito de habitação da casa de morada de família e direito
de uso do recheio, mas esta atribuição preferencial já não ocorre no âmbito do divórcio,
mas antes no âmbito de uma partilha por morte.
Está em causa de direito habitação da casa de morada de família, mas inclui o
direito de uso do recheio dessa casa (os móveis, as pratas, talheres e televisores), todo o
recheio que costumava ser o recheio daquele casal. Estabelecendo-se neste preceito que
o cônjuge sobrevivo tem um direito na casa de morada de família, bem como direito de
continuar a usar o recheio da mesma, contudo isto terá valor, devendo tornas aos co-
herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver.
Entra aqui o regime matrimonial dos cônjuges, sendo que não há meação no regime da
separação de bens, porque não há bens comuns.

Discute-se se os cônjuges poderão convencionar outras atribuições preferenci-


ais – por exemplo, quando celebram convenção antinupcial, se podem convencionar
desde logo que o bem A, que é um bem comum porque optaram pelo regime da comunhão
geral de bens (sendo um bem que foi levado por um dos cônjuges para o casamento), deve
ser preferencialmente atribuído ao cônjuge x. Questiona-se esta possibilidade, sendo que
à partida isto seria possível, não havendo nada na lei que o impeça, mas isto só é possível
na medida em que respeite a lei stricto sensu e os ditames de ordem pública. Ou seja, se
tal for feito relativamente à casa de morada de família não terá valor porque há um regime
previsto, imperativo, face à atribuição do direito de habitação da CMF.
Assim, os cônjuges podem validamente incluir, na convenção antinupcial, uma
cláusula em que atribuem um direito preferencial a ficar com um certo bem que um deles

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levou para o casamento (quando celebrado em regime de comunhão geral), mas já não o
podem fazer com validade relativamente à CMF, por exemplo.
Esta estipulação não pode vir prejudicar direitos e interesses de terceiros, bem
como não pode ser contrária à boa-fé, leia-se, manifestando um abuso de direito.

2.2.5. Contratos entre os cônjuges

A imutabilidade das convenções antenupciais, intacta após a reforma de 1977,


sempre andou associada a uma grande restrição à capacidade negocial dos cônjuges. As-
sim, parece vigorar um princípio geral de proibição de contratação entre os cônjuges. As
exceções que estes regimes de incapacidade ou ilegitimidade são em relação à autono-
mia privada devem ser interpretadas, sempre, no sentido menos restritivo da capaci-
dade negocial dos cônjuges.
As proibições têm como ratio a preocupação do legislador em que estes contratos
afastem o regime de bens convencionado e que haja um certo temor reverencial e/ou
vulnerabilidade de um cônjuge face ao outro.

2.2.5.1. Contrato de sociedade

Os contratos de sociedade entre os cônjuges sofreram várias alterações ao longo


das décadas, nomeadamente o artigo 8.º, n.º1, do Código das Sociedades Comerciais al-
terou os n.ºs 2 e 3 do artigo 1714.º do CC no âmbito das sociedades comerciais e das
sociedades civis sob forma comercial.
Hoje em dia "é permitida a constituição de sociedades entre cônjuges, bem como
a participação deste em sociedades, desde que só um deles assuma responsabilidade ili-
mitada" Logo, a proibição de constituir sociedades ou de participar em sociedades com
outrem foi reduzida aos casos que os dois cônjuges assumam responsabilidade ilimitada
pelas dívidas sociais.
Os autores que dão um sentido muito amplo ao princípio da imutabilidade discu-
tem se o artigo 8.º, n.º1 do CSC derrogou o princípio da imutabilidade no domínio das
sociedades comerciais ou se, pelo contrário, é compatível com a sua vigência plena.
A doutrina e jurisprudência questionam o significado de “participação dos dois
cônjuges na mesma sociedade”, n.º3 do artigo 1714.º do CC. Alguns autores entendem
que o legislador utilizou “participar” para significar fazer parte integrante, e, portanto,
era irrelevante que se tratasse de uma sociedade apenas com os dois cônjuges ou que nela
figurassem outros sócios. Outros consideram que é necessário fazer essa distinção: (1)
caso em que na sociedade estão os cônjuges e terceiros – nestes casos não haveria pro-
blemas; e (2) caso em que na sociedade estão apenas os cônjuges – nestas hipóteses é

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necessário averiguar se esta sociedade não foi constituída com o propósito de defraudar
o princípio da imutabilidade. Nestes últimos casos, concluiríamos que o legislador tinha
usado a palavra "participação" num sentido restrito, que supunha a presença de outro só-
cio, para além dos cônjuges.

2.2.5.2. Contrato de doação entre os cônjuges


As doações entre cônjuges são permitidas, mas não sem reservas, precisamente
porque se entende que um cônjuge pode abusar da sua posição psicologicamente domi-
nante face a outro para o levar a fazer a doação.
Em regra, as doações entre cônjuges são permitidas, sendo que podem ser revo-
gadas a todo o tempo na constância do casamento, artigo 1765.º, n.º1 do CC – e é preci-
samente por esta razão que são admitidas.
De facto, as doações entre cônjuges não são admitidas sem reservas em todos os
sistemas jurídicos, porquê? Por um lado, pelo receio de que a doação resulte do ascen-
dente ou influência de um dos cônjuges sobre o outro. A comunhão de vida, de um modo
geral, e o sentimento de que os bens doados "ficam na família" podem levar um dos côn-
juges a beneficiar o outro irrefletidamente.
Por outro lado, por tutela dos interesses de terceiros, nomeadamente dos credores
dos cônjuges, que estarão contra a possibilidade de os cônjuges fazerem doações um ao
outro, transformando bens comuns em bens próprios ou bens próprios em bens comuns.

Quanto à capacidade, nos termos do artigo 1762.º do CC é nula a doação entre


casados nos casos em que vigore imperativamente o regime da separação de bens, o que
remete para os dois casos do artigo 1720.º do CC: o casamento não precedido de processo
preliminar e o quando um dos cônjuges seja maior de 60 anos.

Quanto à forma, aplicam-se as regras das doações em geral, artigo 947.º do CC,
com duas especificidades.
A doação de coisas móveis, mesmo quando acompanhadas da tradição, o artigo
1763.º, n.º1 do CC que determina que a doação tem de ser reduzida a escrito. A tradição
tem como objetivo publicitar a transmissão da coisa, porém, não há publicidade se a tra-
dição opera de um cônjuge para outro dentro de casa. O objetivo é também evitar confu-
sões entre empréstimos e doações entre os cônjuges.
As doações recíprocas no mesmo ato estão proibidas, de modo a que não se
abale a autonomia e a liberdade do consentimento dos cônjuges – se A doar a B, seu
cônjuge um relógio e receber, em doação de B, uma joia, a liberdade de ambos os cônju-
ges parece abalar-se, ainda que implicitamente, nomeadamente quanto à livre revogabi-
lidade de cada doação. Com as doações recíprocas parece que a revogação de um impli-
caria também a revogação do outro.

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No entanto existe uma exceção, artigo 1763.º, n.º3 do CC. Por exemplo, João ca-
sado com Maria decide fazer a doação do imóvel aos filhos e constitui o usufruto sobre
esse imóvel com cláusula de usufruto desses bens até à morte do último doador – onde
têm já que intervir ambos cônjuges.

Quanto ao objeto, as doações entre casados só podem ter por objeto bens presen-
tes, nos termos do regime geral dos artigos 942.º, n.º1 e 1753.º, n.º2 do CC. Por outro
lado, só podem estar em causa bens próprios do cônjuge doador. As doações de bens
comuns ofenderia, gravemente, os interesses de terceiros, pois permitira a transferência
de bens do património comum para o património dos cônjuges, o que ofende o princípio
da imutabilidade entendido num sentido lato. Assim, estas doações seriam nulas.

Em seguida, importa atentar na livre revogabilidade postulada no artigo 1765.º,


n.º1 do CC, sendo que este direito é irrenunciável por qualquer forma. Esta livre revo-
gabilidade vai além do regime da ingratidão do donatário, artigo 970.º do CC. Assim,
vigora o princípio da revogabilidade ad nuntum, ou seja, não carece de ser motivada
ou fundamentada.
Este princípio aplica-se às doações direitas e indiretas, mas não os simples dona-
tivos, que se avaliam em face dos usos e do respetivo valor económico, dadas as condi-
ções económicas dos cônjuges.
Nos termos do artigo 1765.º, n.º2 do CC, há que distinguir duas situações: (1) a
morte do donatário, o direito de livre revogação mantém-se, mesmo que o bem já esteja
integrado na esfera dos herdeiros; e (2) a morte do doador, em que tal direito de revogação
não se transmite aos seus herdeiros.

Por fim, quando à caducidade, importa atentarmos no artigo 1766.º do CC e identificar-


mos 3 situações:
(1) Nos termos da al. a), as doações entre cônjuges caducam, em primeiro lugar,
se o donatário falecer antes do doador, salvo se este confirmar a doação nos
três meses subsequentes à morte do donatário, devendo a confirmação revestir
a forma para a doação.
(2) Nos termos da al. b), as doações entre cônjuges caducam também no caso de
declaração de nulidade ou anulação do casamento, mas isto sem prejuízo dos
princípios do casamento putativo, artigos 1647.º e 1648.º do CC. Assim, em
função da boa-fé dos cônjuges:
a. Ambos de boa-fé: a doação não caduca.
b. Apenas um de boa-fé: atendendo a esse cônjuge, temos que ver se
beneficia com a caducidade. Se sim, ela existe e opera. Assim, se o
cônjuge de boa-fé for o doador, há caducidade; se for o donatário, não
há caducidade.

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c. Nenhum de boa-fé: caduca a doação.


(3) Nos termos da al. c), apenas podemos dizer que é de ignorar toda e qualquer
referência à culpa, ou seja, a doação caduca com o divórcio ou com a separa-
ção judicial de pessoas e bens, sem mais.

2.2.5.3. Contratos de compra e venda entre cônjuges


Nos termos do artigo 1714.º, n.º2 do CC, a menos que os cônjuges se encontrem
separados judicialmente de pessoas e bens, existe uma proibição de celebração de con-
tratos de compra e venda.
O legislador entendeu que se as compras e vendas fossem válidas os cônjuges
podiam fazer um ao outro, sob aparência de vendas, verdadeiras doações, para afastar o
princípio da livre revogabilidade das doações entre casados – bastaria omitir o pagamento
de um preço ou pagamento de um preço simbólico
Uma outra hipótese em que a venda entre casados é permitida, além dos casos de
separação judicial de pessoas e bens, é a de venda executiva. Como o cônjuge remidor
tem de pagar o maior preço oferecido, também aqui a proibição não teria razão de ser.
Por outro lado, trata-se, seguramente, de uma venda, e nunca de uma doação dissimulada,
artigos 842.º a 845.º do CPC.

2.2.6. Doações para casamento

Nos casos de doações entre esposados (ou feitas por terceiros a um, ou a ambos,
os cônjuges – sendo que o regime é o mesmo, com as devidas adaptações) não falamos
de negócios entre os cônjuges, mas antes de negócios que têm em vista a existência futura
do estado de casado.
Não falamos de meros donativos, que resultam do artigo 940.º, n.º2 do CC, já que
estes têm lugar a serem ponderados no regime das promessas de casamento, como tive-
mos oportunidade de estudar.
Estas doações podem ter por objeto bens presentes, nos termos do artigo 942.º,
n.º1 do CC, bem como, em certos casos, bens futuros, uma vez que podem ter por objeto
parte ou totalidade da herança do doador, sendo dos poucos casos em que a lei admite a
doação mortis causa, bem como a sucessão contratual, artigo 946.º do CC.
Podemos ter três modalidades: (1) doações intervivos de bens presentes, artigos
1753.º e ss do CC; (2) doações mortis causa de bens presentes, certos e determinados,
artigos 1700.º e ss do CC; e (3) doações mortis causa de parte ou totalidade da herança,
artigos 1700.º e ss do CC.
Quanto à forma, o artigo 1756.º do CC apenas faz referência à convenção ante-
nupcial. No entanto, GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO entendem

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que esta formulação legal é muito restritiva, conduziria à intervenção de terceiros em sede
de convenção antenupcial, sendo que se existisse nova doação, ter-se-ia que revogar a
anterior convenção (revogável a todo o tempo até ao momento da celebração do casa-
mento), chamar eventuais anteriores doadores que quisessem manter as doações, e inserir
as novas doações feitas. Mais, os cônjuges que quisessem ver ser-lhes aplicável o regime
supletivo, não poderiam beneficiar destas doações. Assim, os autores entendem que a
forma a seguir é a escritura pública, até por ser esta a forma exigida para a convenção
antenupcial.
Quanto aos efeitos, estes variam consoante a modalidade que esteja em causa.
Nas doações intervivos, nenhuma diferença quanto ao regime geral se levante.
Nas doações mortis causa de bens presentes, certos e determinados só com a
morte do doador é que a propriedade (ou a titularidade doutro direito que se constitua) se
transfere para o donatário. Estas doações são irrevogáveis, nos termos do artigo 1701.º,
n.º1 do CC, sendo que a disposição a título oneroso só pode ser feita nos termos do n.º2
do mesmo artigo, ressalvando-se os direitos do n.º3.
Nas doações mortis causa de parte ou da totalidade da herança também só com
a morte do doador se transfere a propriedade dos bens para o donatário, que, também
aqui, não tem, em vida, qualquer poder sobre esses bens. No entanto, a expetativa jurídica
que existe neste caso é menos forte do que no anterior, pelo que apenas se veda a dispo-
sição dos bens a título gratuito.

Existem duas causas de caducidade, as descritas nos artigos 1760.º, n.º1 e 1703.º,
n.º1 do CC. No primeiro caso, basicamente, inserem-se as situações em que o casamento
não seja celebrado dentro de um ano após a doação ou se, sendo-o, for declarado nulo ou
anulável, ressalvando o regime da boa-fé e da produção dos efeitos do casamento puta-
tivo, exposto a propósito das doações entre casados e para onde remetemos; bem como
quando haja divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, sendo que é de ignorar a
segunda parte da al. b) do artigo 1760.º, n.º1 do CC, já que a referência à culpa em sede
de divórcio já não faz sentido. No segundo caso, a caducidade opera sempre que o doador
seja pré-morto em relação ao donatário.

Quanto ao regime da perda de benefícios na sequência de divórcio, artigo


1761.º do CC, podemos atentar no seguinte exemplo: Maria e o João são casados e foram
passar o Natal com os pais de João. Os pais de João ofereçam a João um cheque de
10.000€ e a Maria um outro cheque de 10.000€. Decorridos 3 meses a Maria e o João
divorciaram-se. Os pais de João teriam feito esta doação mesmo que Maria não fosse
casada com João? Com grande probabilidade poderíamos dizer que não, ou seja, muito
provavelmente que esta doação foi feita em função do casamento.

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Com o divórcio Maria perde o direito a esta doação, mas de acordo com o artigo
1761.º, n.º2 do CC, os pais de João podem determinar que esse valor reverta para os filhos
do casal, sendo que estamos perante um prerrogativa dos doadores.
Esta perda do benefício da doação abrange todas as doações, independentemente
de valor, exceto aquelas que sejam consideradas simples donativos, artigo 940.º, n.º2 do
CC, que são avaliados pelos usos, pelo respetivo valor económico, dadas as condições
económicas subjacentes aos intervenientes.

Atente-se, por fim, no artigo 1757.º do CC, que estabelece a incomunicabilidade


dos bens doados por um esposado ao outro, salvo estipulação em contrário, independen-
temente do regime de bens adotado.

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2.3. Regime de bens do casamento

Ainda que falemos de uma matéria que se insere dentro dos efeitos patrimoniais
do casamento, a sua importância impõe um tratamento autónomo.

Chama-se regime de bens do casamento o conjunto de regras cuja aplicação de-


fine a propriedade sobre os bens do casal, isto é, a sua repartição entre património co-
mum, o património de um cônjuge e o património do outro cônjuge.
A este conjunto de regras somam-se muitos outros, como as que versam sobre a
administração dos bens, sobre a responsabilidade por dívidas e pelos encargos da vida
familiar, todas elas de natureza imperativa, nos termos do artigo 1699.º, n.º1 do CC, sendo
que se tratam do regime primário matrimonial ou, também, dos limites materiais das
convenções antenupciais. Por outro lado, o regime de bens é, quase sempre, da escolha
dos cônjuges.

Existem, porém, casos de regime de bens imperativo, nos termos do artigo


1720.º, n.º1 do CC. São dois: os casamentos celebrados sem precedência de. processo
preliminar e os celebrados por quem tenha 60, ou mais, anos de idade. Só aqui existe
imperatividade absoluta. Este último caso está desadequado com o aumento da espe-
rança média de vida e por ser uma proibição altamente paternalista, havendo dúvidas
quanto à constitucionalidade da mesma em face dos artigos 13.º e 26.º da CRP, por não
ser proporcional (artigo 18.º, n.º3 da CRP) o tratamento desigual dos nubentes em função
da idade, nem a restrição desmedida ao livre desenvolvimento da personalidade. O pri-
meiro caso parte de uma suspeição do legislador de que o casamento tenha um pesado
interesse económico para um dos nubentes, que também se crê ser o motivo que levou à
consagração da segunda limitação.
No entanto, nos termos do artigo 1699.º, n.º2 do CC, o regime da comunhão geral
de bens está vedado a quem já tenha filhos anteriores ao casamento, e de pessoa diversa
do cônjuge. MARTA COSTA considera que não há uma válida justificação para esta
restrição à liberdade do nubente.

Nos termos do artigo 1698.º do CC, existe um princípio da liberdade de regime


de bens. Temos 3 regimes dispostos no CC: o regime da separação de bens, o regime da
comunhão de adquiridos e o regime da comunhão geral de bens. A lei permite que existam
regimes atípicos, desde que respeitados todas as normas imperativas. Parece contraditório
pois podemos ter regimes atípicos que são bastante distintos dos tipificados e que acabam
por tentar compatibilizar de normas dos diferentes regimes. No entanto, neste âmbito,
temos maioritariamente normas imperativas, logo, materialmente, a liberdade é bas-
tante reduzida.

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Importa ter presente que, por força do artigo 1717.º do CC, vigora, entre nós,
supletivamente, o regime da comunhão de adquiridos. Ou seja, na falta de convenção
antenupcial, ou no silêncio desta, e caso não exita um regime imperativo de bens, o regime
de bens casamento é o da comunhão de adquiridos.

2.3.1. Convenções antenupciais

A convenção antenupcial é um contrato formal e acessório do casamento, que


exige escritura pública, feita ou no notário ou diretamente no registo civil quando se
acompanha um processo preliminar de casamento. A convenção antenupcial tem também
de ser registada. Se a convenção antenupcial não for celebrada sob forma de escritura
pública não tem qualquer validade.
Vigoram, nesta sede, dois princípios dominantes: o princípio da liberdade e o
princípio da imutabilidade.

Quanto ao princípio da liberdade, os esposos podem fixar, por CA, o regime de


bens aplicável ao casamento, bem como podem incluir disposições estranhas à escolha
do regime de bens, como aquelas que estão previstas nos artigos 1700.º e ss do CC. Em
suma, pode dizer-se que esta liberdade lhes permite incluir quaisquer negócios que pos-
sam constar de escritura pública, tanto de natureza patrimonial, como de natureza não
patrimonial.
Qualquer cláusula fica sujeita a uma apreciação de validade, nomeadamente
quanto à sua conformidade com normas imperativas, com a ordem pública ou com os
bons costumes – como a estipulação que proíba segundas núpcias, violadora do artigo
36.º, n.º1 da CRP, ou que estabeleça a irrevogabilidade das doações entre casados, artigo
1765.º, n.º1 do CC.
No que toca à inserção de cláusulas que versem sobre a gestão da vida comum,
bastante frequentes nos EUA, importa esclarecer que em Portugal a sua validade depende
de se apor, expressa ou tacitamente, uma cláusula rebus sic satntibus bastante aberta (que
inclua a mera mudança de vontade), o que acaba por conduzir a que este acordo se renove
diariamente, sob pena de violação do princípio da direção conjunta da vida familiar. Ob-
viamente, falamos de um acordo em que não pode haver recurso à execução específica,
daí a referência à renovação diária do mesmo.
Os limites da lei que ao artigo 1698.º do CC refere são os que resultam do artigo
seguinte, os chamados limites materiais da convenção antenupcial ou regime primário
matrimonial.
Quanto à al. a) do artigo 1699.º do CC, a proibição de regulação da sucessão he-
reditária sofre exceções nos artigos 1700.º a 1707.º do CC.

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Quanto à al. b) do artigo 1699.º do CC, a proibição de cláusulas de alteração dos


direitos ou deveres conjugais ou paternais abrange as cláusulas de conteúdo patrimonial
e não patrimonial, sendo que não vale uma interpretação a contrario que afirme a validade
destas disposições posteriores ao casamento, por se tratarem sempre de normas impe-
rativas.
Quanto à al. c) do artigo 1699.º do CC, importa dizer que a alteração por conven-
ção às regras de administração dos bens do casal é proibida, mas o mandato livremente
revogável, por este mesmo aspeto, já não é, artigo 1678.º, n.º2, al. g) do CC.
Quanto à al. d) do artigo 1699.º do CC, importa ter presente que o artigo 1733.º
do CC, por força desta alínea e por um argumento de maioria de razão, também se
aplica ao regime de comunhão de adquiridos.

Quanto ao princípio da imutabilidade, o artigo 1714.º, n.º1 do CC estipula que


não é permitido alterar, depois do casamento, nem as convenções antenupciais, nem os
regimes de bens nelas estipulados. As exceções resultam do artigo 1715.º do CC, sendo
que devem ser conjugados com os artigos 1.º, al. e) e 189.º a 191.º do CRC. As alterações
são registadas por averbamento ao assento de casamento, artigos 70.º, n.º1, al. h) e 190.º,
n.º2 do CRC.
Até ao momento da celebração do casamento, a convenção é livremente revogá-
vel ou modificável, artigo 1712.º do CC.

Os requisitos de fundo da convenção são: (1) o consentimento de ambos os


cônjuges, ou dos seus representantes, e dos doadores, nos casos de doação para casa-
mento; e (2) capacidade dos nubentes, avaliada nos mesmos moldes que para a celebra-
ção do casamento, artigo 1708.º, n.º1 do CC.

Os artigos 1710.º e 1711.º do CC dizem respeito à forma e à publicidade das con-


venções antenupciais.
Como qualquer negócio jurídico, a convenção antenupcial pode ser inválida,
tendo casos de nulidade e de anulabilidade, de acordo com as regras gerais. Há uma regra
específica, que se contra presente no artigo 1709.º do CC, que é a anulabilidade por falta
de autorização. Se houver alguma cláusula nula aposta na convenção, não vamos consi-
derar nula toda a convenção, mas vamos proceder à sua redução, nos termos do artigo
292.º do CC.
Se o casamento não for celebrado no ano subsequente à celebração da convenção,
ou se vier a ser declarado nulo ou anulado, salvo o que está previsto para os casamentos
putativos (onde releva a boa-fé dos cônjuges), a convenção antenupcial caduca, nos ter-
mos do artigo 1716.º do CC.

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2.3.2. Regime da comunhão de adquiridos

Já sabemos que, neste regime, temos bens próprios e bens comuns. Este regime
pode advir da falta de escolha de convenção antenupcial de um outro regime (supletivi-
dade do artigo 1717.º do CC) ou da própria escolha desse regime. Ou seja, não é por ser
um regime supletivo, que não pode ser convencionado através de convenção antenupcial
para o efeito. Nos termos do artigo 1720.º do CC, já sabemos que são dois os casos em
que este regime não pode vigorar, por imperatividade absoluta do regime da separação de
bens.
Neste regime, temos um património comum. Isto não significa que cada um dos
cônjuges tenha direito a 50% de cada bem concreto que faz parte do património, mas
antes que há um direito unitário entre os cônjuges sobre a totalidade do património.
No momento em que for dividido, cada cônjuge terá direito a 50% do valor do património
comum, mas não a 50% de cada bem concreto. Isto, porque se trata de uma propriedade
coletiva. O artigo 1730.º, n.º1 do CC estabelece a regra da metade do valor do património.
O nosso legislador, entendeu que era fundamental a igualdade dos cônjuges na parte pa-
trimonial e, portanto, não vem permitir que um dos cônjuges recebesse mais do que o
outro na partilha.
Os bens próprios encontram-se presentes nos artigos 1722.º, 1723.º e 1726.º a
1729.º do CC. Nos termos da alínea b) do artigo 1722.º, constam os bens que lhes advie-
rem, depois da celebração do casamento, por título gratuito. MARTA COSTA costuma
dizer que, por regra, são comuns, no âmbito da comunhão de adquiridos, todos os bens
adquiridos após a celebração do casamento, a título oneroso (artigo 1724.º, al. b) do CC).
Esta é uma regra que espelha bem quais são os bens próprios e os bens comuns. Em sede
de exame, na falta de qualquer outra informação em contrário, presume-se que o bem é
comum.
Mais, a enumeração do artigo 1722.º, n.º2 do CC é enumerativa. Há a dizer que
os professores GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO restringem o artigo
1722.º, n.º2, al. d) do CC, afirmando que só se aplica quando estão em causa direitos de
preferência ou contratos promessa com eficácia real. Contrariamente, temos RAQUEL
VIEIRA, LEITE DE CAMPOS e CASTRO MENDES. Ainda a este propósito, nomea-
damente quando ao artigo 1091.º do CC, o STJ pronunciou-se afirmando que temos que
distinguir os casos em que há ativação da preferência dos casos em que não há ativação
da preferência. Só nos primeiros é que se aplica o artigo 1722.º, n.º2, al. d) do CC.

Quanto ao artigo 1723.º, al. c) do CC, pense-se no João, que já tem um automóvel
próprio antes de casar. João casa no regime da comunhão de bens e, depois do casamento,
decide trocar esse automóvel, por um outro automóvel. Este novo automóvel, já integrou
a sua esfera depois deste estar casado. Se não se conseguisse fazer prova de que João teria
dado o seu anterior automóvel, em troca do novo, não haveria dúvidas de que o novo

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automóvel seria um bem comum. Mas a verdade, é que ele já tinha um bem próprio que
utilizou para fazer esta sub-rogação, logo o novo automóvel também é um bem próprio.
Quando estamos a falar de bens móveis, não há muitas dúvidas, relativamente a
esta questão. Quando, todavia, estão em causa bens imóveis, a jurisprudência é diver-
gente.
Por exemplo, João tem um T1 antes de casar. Entretanto casa, e decide comprar
um T2. Permuta o seu T1, pelo novo T2 e dá a diferença em dinheiro próprio. Se nada
tiver ficado estipulado na escritura pública, na qual teria que incluir o outro cônjuge, a
verdade é que, nos termos da lei, o T2 seria um bem comum.
Todavia, já temos jurisprudência a entender que se não estiver em causa nenhuma
tutela de um interesse de terceiro, e se as relações em causa foram apenas entre os côn-
juges, nomeadamente uma partilha na sequência de um divórcio, qualquer forma de
prova da conexão entre a proveniência do dinheiro ou dos valores próprios e o bem
adquirido é admissível.
O AUJ n.º12/2015 estatui que: estando em causa apenas os interesses dos cônju-
ges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do
artigo 1723.º, al. c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios
utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo
da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo,
prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens
próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão con-
jugal. Esta era a tese que GUILHERME DE OLIVEIRA e PEREIRA COELHO defen-
diam, mesmo antes do AUJ.
Quando há necessidade de tutela de interesses de terceiros, têm que se preencher
os dois requisitos do artigo para que o bem possa ser considerado próprio: (1) dinheiros
ou valores próprios de um dos cônjuges; e (2) a proveniência desse dinheiro seja menci-
onada no documento de aquisição, ou equivalente, com a intervenção de ambos os côn-
juges1.

O artigo 1726.º do CC tem uma regra particular. Se o bem adquirido, tiver sido
adquirido com uma parte de dinheiro ou de bens próprios de um dos cônjuges, se essa
parte representar o valor superior do bem, então será um bem próprio. Se representar um
valor inferior, então será um bem comum. Se for 50/50, não havendo uma regra especial,
trata-se de um bem comum, por força do artigo 1724.º, al. b) do CC. Nota que, nos termos
do artigo 1726.º, n.º2 do CC, haverá sempre lugar à compensação devida em sede de
partilha.

1
Esta segunda parte assegura-se com a inserção de uma cláusula de que o outro cônjuge toma conhecimento
da proveniência dos valores utilizados e com a sua assinatura no negócio em causa.

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A presunção de comunicabilidade do artigo 1725.º do CC, apenas diz respeito ao


bens móveis. Se não houver uma regra específica e foi adquirido na constância do casa-
mento, considera-se um bem comum.
O artigo 1728.º do CC diz respeito aos bens adquiridos por virtude da titularidade
dos bens próprios. Importa ter presente que os frutos dos mesmos são considerados bens
próprios, na medida em que se podem considerar, eles próprios, como rendimentos, para
aplicação do artigo 1724.º, al. a) do CC. Não nos esqueçamos que os juros não são frutos
civis, pelo que, se provenientes de depósitos ou investimentos próprios, são acessórios a
esse bem, considerando-se, também bens próprios.

O artigo 1727.º diz respeito à aquisição de bens indivisos já pertencentes em parte


a um dos cônjuges. Ora, isto é para evitar a confusão entre os patrimónios. Estamos a
falar de uma situação em que um cônjuge é já comproprietário e, portanto, se se tratar de
um diviso, o património do comproprietário vai ficar beneficiado, não obstante haver um
direito de compropriedade.

O artigo 1733.º do CC reporta-se aos bens incomunicáveis, aqui aplicável por


força de um argumento de maioria de razão e pelo artigo 1699.º, n.º1, al. d) do CC.
Vamos ver apenas as alíneas mais importantes.
Nos termos da alínea a), se um doador ou um administrador, administrar um dos
cônjuges, um bem com uma cláusula de incomunicabilidade, esse, por respeito à vontade
do doador ou do testador, não vai fazer parte do património comum do casal, mesmo que
sejam casados no regime da comunhão geral de bens.
Quanto à alínea d), esta tem sido alvo de alguma divergência jurisprudencial e que
se reporta às indemnizações, por exemplo, por cessação do contrato de trabalho. Discutiu-
se, em tempos, se isto seria uma indemnização incomunicável. Ainda que com algumas
vozes dissidentes, tem-se entendido que esta é comunicada. Esta não é mais do que uma
antecipação ou um pagamento, em determinado momento, de um valor superior relativo
àquilo que seriam os frutos do trabalho normal. Não há dúvida que o rendimento do tra-
balho dos cônjuges, em regimes de comunhão, é um bem comum, então, por essa razão,
também se tem entendido que estas indeminizações devem ser consideradas um bem co-
mum.
Quanto à alínea f), esta está prevista de acordo com um padrão de medida econó-
mica do casal. A pergunta é, se um casal tem os rendimentos bastante limitados e um
deles começa a comprar carteiras com um valor muito elevado, questiona-se se, ainda
assim, deve operar esta cláusula de incomunicabilidade. Há também aqui alguma diver-
gência, há autores que consideram que se mantém a incomunicabilidade, mas há um di-
reito de compensação do cônjuge lesado. Há outros que defendem, inclusivamente, que
já não há incomunicabilidade, precisamente porque seria abusivo o comportamento deste
cônjuge.

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Atente-se, por fim, no artigo 1757.º do CC, que estabelece a incomunicabilidade


dos bens doados por um esposado ao outro, salvo estipulação em contrário, independen-
temente do regime de bens adotado.

2.3.3. Regime da comunhão geral

Nos termos dos artigos 1699.º, n.º2 e 1720.º do CC, são três os casos em que está,
às partes, vedada a estipulação do regime da comunhão geral de bens.
Nos termos do artigo 1734.º do CC, são aplicáveis a este regime as disposições
relativas à comunhão de adquiridos.
Nos termos do artigo 1732.º do CC, integram o património comum dos cônjuges
todos os bens que não excetuados por lei que os cônjuges detenham à data da celebração
do casamento, bem os que lhes advenham posteriormente ao mesmo, a qualquer título.
No regime da comunhão geral de bens, pode haver bens próprios? Sim, os bens
que estão previstos no artigo 1733.º do CC, são incomunicáveis em qualquer regime.
Os bens próprios, neste regime, são residuais. No regime da comunhão de adquiridos,
pode haver inúmeros bens próprios.
O artigo 1699.º do CCC, consagra na sua alínea d), que não podem ser objeto de
convenção antenupcial, os bens enumerados no artigo 1733.º do CC, demonstrando assim
a imperatividade desta regra.

2.3.4. Regime da separação de bens

Encontra-se previsto nos artigos 1735.º e 1736.º do CC. Aqui há uma separação
absoluta e completa, entre os bens de cada cônjuge, sendo que cada um conserva o do-
mínio e a fruição de todos os seus bens presentes e futuros, de que pode dispor livre-
mente, exceto em casos esdrúxulos, como a tutela da CMF, artigo 1682.º-A, n.º2 do CC.
Há, ainda, uma liberdade quase absoluta de administração dos bens próprios, exceto
nos casos dos artigos 1678.º, n.º2, 1682.º, n.º3 e 1682.º-A, n.º2 do CC.
Este regime é imposto por lei quando, nos termos do artigo 1720.º do CC: (1) um
dos cônjuges tenha mais de 60 anos; ou (2) não tenha sido respeitado o processo prelimi-
nar de casamento.
Nos termos do artigo 1736.º do CC, para evitar compropriedade, no âmbito de
convenção antenupcial, pode haver regras de presunção sobre os bens móveis. Porque
é uma presunção, mesmo que seja oponível a terceiros, é possível fazer prova do contrá-
rio. O n.º 2 tem uma presunção de compropriedade de ambos os cônjuges, relativamente
aos bens móveis.

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Remetemos para o artigo 1412.º do CC, já que os bens que não são próprios, neste
regime são bens detidos em compropriedade, que determina que, em regime de com-
propriedade, cada um dos comproprietários pode requerer a divisão da coisa comum, a
qualquer momento, seguindo o processo especial de divisão de coisa comum, artigos
925.º e ss do CPC.

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