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Direito da Família

Regente Margarida Silva Pereira

Raquel Castro Guerreiro

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Índice
Fontes e relações jurídicas familiares ........................................................................................... 4
Art. 1577 – Casamento .......................................................................................................... 5
Art. 1578 – Parentesco .......................................................................................................... 6
Art. 1584, 1585 – Afinidade .................................................................................................. 9
Art. 1586 – Adoção .............................................................................................................. 10
Casamento .................................................................................................................................. 10
Natureza Jurídica do Casamento: Contrato ou Ato ................................................................ 10
Deveres Conjugais na Lei e na Jurisprudência ........................................................................ 12
Formalidades do Casamento................................................................................................... 16
O Casamento Civil e Católico Urgente .................................................................................... 18
Formalidades do casamento católico...................................................................................... 19
Modalidades do Casamento.................................................................................................... 20
Requisitos de fundo do casamento ............................................................................................. 23
Dogmática das Invalidades do Casamento ................................................................................. 33
Convenções antenupciais- Art. 1691º e ss. ................................................................................. 43
Regime de Bens ........................................................................................................................... 50
Regime de bens supletivo e imperativo .................................................................................. 50
Comunhão de bens adquiridos ............................................................................................... 51
Comunhão geral de bens ........................................................................................................ 54
Regime da separação de bens ................................................................................................. 55
Administração de bens no casamento .................................................................................... 56
Poderes de alienação dos bens pelo cônjuge administrador ................................................. 57
Atos de alienação dos bens pelos cônjuges ............................................................................ 58
Responsabilidade por dívidas.................................................................................................. 60
União de Facto ............................................................................................................................ 61
Introdução ............................................................................................................................... 61
Contagem do Prazo para a Constituição da União de Facto ................................................... 61
Requisitos de Constituição da União de Facto ........................................................................ 63
União de Facto Constituída tendo um ou ambos os Unidos de Facto o Estado de Casado.... 64
Início e Cessação ..................................................................................................................... 64
Efeitos Patrimoniais da União de Facto .................................................................................. 64
Responsabilidade por Dívidas na Constância da União de Facto............................................ 65
Medidas de Proteção Específicas da União de Facto: Caso de Rutura e Direito à Casa de
Família ..................................................................................................................................... 66
Direito à Casa de Morada de Família em Caso de Morte ....................................................... 67

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Outros Efeitos da União de Facto ........................................................................................... 68
Divórcio ....................................................................................................................................... 69
Introdução ............................................................................................................................... 69
Modalidades do Divórcio - Generalidades .............................................................................. 70
Divórcio por Mútuo Consentimento ....................................................................................... 71
Divórcio Rutura ....................................................................................................................... 72
Ficção do Regime de Bens do Casamento para efeitos de Partilha por Divórcio ................... 74
Responsabilidades Parentais ................................................................................................... 75
Crédito Compensatório ao Cônjuge Especialmente Onerado na sua Contribuição para os
Encargos da Vida Familiar ....................................................................................................... 75
Momento da Atribuição da Compensação nos Casamentos Celebrados no Regime de
Separação de Bens .................................................................................................................. 76
Direito a Alimentos do Cônjuge e dos Filhos .......................................................................... 77
Partilha .................................................................................................................................... 78

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Fontes e relações jurídicas familiares

No dto. da família proliferam conceitos distintos dos que são usados no discurso
corrente e pela legislação informal, tal dificulta obviamente, a interpretação de
várias normas jusfamiliares. Conceitos herméticos como o nubente, o esposado, o
afim etc.

As relações familiares exprimem os direitos e deveres que ligam as pessoas pelo


facto de pertencerem a uma família e variam de acordo com a posição ou estado
que o sujeito possua.

Art. 1756: “são fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a
afinidade e a adoção”.

Há um erro dogmático na identificação dos conceitos contidos no art. 1576ºCC. A


epígrafe refere-se apenas a «fontes das relações familiares»; mas sucede que não
são apenas as fontes de tais relações que a norma integra. Na verdade, só o
casamento e a adoção representam fontes de relações familiares, ou seja, formas de
originar relações familiares. O parentesco e a afinidade são já relações familiares.

Ex: o casamento baseia-se numa decisão constitutiva de vida conjugal – duas pessoas
decidem constituir família e atuam de forma juridicamente idónea a que isso
aconteça: celebram o casamento, sendo este, fonte da relação familiar que
constituem.

Quanto ao parentesco e à afinidade, são relações familiares que existem e se


constituem independentemente da vontade que possamos ter de sermos parentes
ou afins de alguém.

Ex: se os nossos progenitores tiverem outro filho, este será nosso irmão – nós em
nada contribuímos, através de um comportamento, para que esta relação familiar,
o parentesco, com o nosso irmão, exista.

Faltou ainda referir neste artigo a união de facto. Esta é reconhecida por lei como
um modo de vida juridicamente relevante que promana da vida em condições
análogas às dos cônjuges, mas prescindindo a sua constituição e extinção da
formalidade que o casamento requer para se constituir e dissolver. E prescindindo
também das consequências patrimoniais do casamento.

Portanto, quanto ao art. 1576ºCC: nem todos são fontes. EX: o parentesco é uma
relação jurídica familiar, cuja fonte é a filiação. Já o casamento trata-se de uma
verdadeira fonte. A união de facto tem bastante relevância, mas não é referida (art.

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2020ºCC, art. 143º quanto ao acompanhamento). O legislador não define
propriamente o conceito de família, sendo que este conceito como já vimos tem
evoluído.

FONTE RELAÇÕES
CASAMENTO- 1577ºCC CONJUGAL, AFINIDADE (1584ºCC)
FILIAÇÃO PARENTESCO (1578ºCC), AFINIDADE
ADOÇÃO VÍNCULO DE ADOÇÃO = PARENTESCO
(1986ºCC)
UNIÃO DE FACTO VÍNCULO (efeitos restritivos a título
fiscal e sucessório)

Art. 1577 – Casamento

“Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir


família mediante uma plena comunhão de vida (...)”.

A relevância do instituto, por demais reconhecida, impôs-se a partir de então em


moldes diferentes, pela força da prática social, da cultura e do Direito.

Características:

→ O casamento é um instituto solene; representa hoje o arco de integração


de três modalidades diferentes de vida comum entre pessoas em razão
do género: heterossexual, homossexual, transsexual;
→ Após a entrada em vigor da lei nº 9/2010, de 31 de Maio, o casamento
passou a poder realizar-se entre pessoas do mesmo sexo passando a ser
mais conglobante e mais amplo do que anteriormente;
→ É a origem de uma relação constituída por dois familiares, os cônjuges.
Estes, quando heterossexuais podem procriar e tornar o casamento fonte
de parentesco. Os casais de cônjuges do sexo feminino podem, como
veremos, procriar acedendo à procriação medicamente assistida. Os
casais homossexuais masculinos podem adotar crianças;
→ O casamento tem caráter público, assim, não será considerado existente
um casamento contraído sem que a comunidade circundante tenha tido
possibilidade de conhecer, ainda que minimamente, a sua futura
celebração, os preparativos que a lei impõe para esse efeito. O caráter
público impõe-se para o casamento católico (art. 1596ºCC e ss) e para o
casamento civil (art. 1610º ess). A lei admite uma exceção à existência

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preliminar quando os nubentes não possam, no momento do matrimónio,
iniciar o processo preliminar por razões ponderosas (ex: iminência de
morte, iminência de parto) poderão mesmo assim casar, celebrando um
“casamento urgente”, o qual, todavia, não dispensa alguma publicidade
(art. 1622);
→ O fim do casamento, voluntário ou sem o consentimento de um dos
cônjuges, ocorre em conservatória do registo ou em tribunal,
respetivamente. O divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges
será decidido judicialmente;
→ O casamento tem caráter imperativo: a lei impõe sanções ao casamento
que não obedeça à tramitação exigida. Assim, há casamentos sancionados
em virtude de irregularidades ocorridas. Nesses casos, os casamentos
serão considerados válidos, mas terão efeitos específicos contemplados
pela lei. Expressão do caráter imperativo: imposição de um regime de
bens em função da idade dos nubentes ou da existência de filhos
anteriores à celebração do casamento. Quanto ao casamento contraído
sem processo preliminar, entender-se-á celebrado em regime de
separação de bens;
→ Com a celebração do casamento gera-se uma nova família.

Art. 1578 – Parentesco

“é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da


outra ou de ambas procederem de um progenitor comum”.

O parentesco é a emergência ou consequência familiar mais direta de qualquer


relação heterossexual.

O parentesco é a relação mais expressiva das relações familiares, aquela de que


todas as pessoas são titulares.

Ex: se A é pai de B, esta relação entre ambos é uma relação familiar, com toda a
evidência. A sua existência transcende a vontade de ambos e nenhum a poderá
extinguir pelo seu alvedrio.

Parentesco em linha reta:

Em caso de parentesco em linha reta, um dos parentes descende de outro. Dizemos


que um deles é o ascendente e o outro o descendente.

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No parentesco há linhas e graus. Cada geração forma um grau e a série de gerações
constitui a linha do parentesco (art. 1579). Pais e filhos são parentes em linha reta,
no grau mais próximo. Já pai e filho do filho, neto, têm um maior distanciamento. A
lei diz que haverá tantos graus quantas as gerações envolvidas, excluindo o
progenitor (art. 1581ºCC).

António

Bernardo

Cidália

O António é pai de Bernardo e avô de Cidália. Pais e filhos são parentes no 1º grau
em linha reta; avós e netos no 2º grau em linha reta.

AC=
AC=parentes
parentes(1578º+1579º)
(1578º+1579º)
Linha
Linhareta
reta(1580º/1,
(1580º/1, 1º
1º parte)
parte)

Descendente
Descendente(1580º/2)
(1580º/2)

2ºgrau (1581º/1)

As relações de sangue e proximidade social e afetiva dentro da família não são


desprovidas de consequências jurídicas. Estas têm como principais efeitos:

→ Direito ao nome: os descendentes têm o direito a receber apelidos dos


pais (art. 1876);
→ Efeitos em negócios jurídicos: as doações feitas por ascendentes têm
implicações no dto. das Sucessões e as doações entre casados têm um
regime próprio (art. 1761 a 1766);

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→ Direitos sucessórios: os ascendentes e descendentes são herdeiros
legítimos e legitimários, reciprocamente (art. 2131 e ss e 2154 e ss,
respetivamente);
→ Incapacidades: os parentes na linha reta não deverão contrair casamento.
O casamento entre ascendentes e descendentes é sempre vedado, seja
qual for o grau de parentesco que os separa. Este casamento é anulável –
art. 1602.

Parentesco em linha colateral:

Quando dois parentes não descendem um do outro, mas de um ascendente comum,


serão colaterais.

Segundo a ordem jurídica portuguesa, o horizonte de referência é o 6º grau.

António

Benedita Carla

Dalila João

Eva

→ António é pai de Benedita e de Carla. Benedita e Carla são colaterais em 2º grau


(irmãs);

→ Benedita tem uma filha a Dalila. Dalila é colateral de Carla em 3º grau (sobrinha e
tia);

→ João é filho de Carla e colateral de Benedita em 3º grau (tia sobrinho);

→ Dalila e João são primos colaterais em 4º grau (diríamos primos direitos);

→ Eva, filha de Dalila, é colateral em 4º grau de Carla (tia-avó).

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→ Concluímos assim que, o 4º grau é uma realidade compósita (não
identifica apenas uma determinada tipologia, mais que uma padronização) porque
nele cabem várias relações: se Carla morre sem testamento e Eva sobrevive, por ela
também se divide a herança; Quanto a Dalila e João que são primos direitos, só se
Dalila não tivesse cônjuge, ascendentes, descendentes e irmãos é que João era
chamado a herdar.

Os irmãos podem:

→ Ter sido gerados pelo mesmo casal: tendo pai e mãe comuns – são irmãos
germanos;
→ Ser filhos apenas de pai comum – irmãos consanguíneos;
→ Ser filhos apenas de mãe comum – irmãos uterinos.
Estes beneficiam de direitos sucessórios diferentes, de acordo com a classificação
apontada.

Uma das principais consequências jurídicas do parentesco é a obrigação de


alimentos, imposta a certos parentes.

Art. 1584, 1585 – Afinidade

“afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro”. Ex: se
A casa com B e B é filho de C, C passa a ser afim de A.

Estes não são parentes, são pessoas cujo relacionamento resulta do matrimónio que
foi contraído. Por isso, se compreende também que tenda a terminar caso este
matrimónio se extinga.

A lei determina que os efeitos da afinidade são bem menos amplos que os do
parentesco. A consequência que mais ilustra a diferença reside na possibilidade de a
afinidade cessar, diferentemente do que vimos suceder com o parentesco

A afinidade não cessa em caso de morte de um dos cônjuges, mas sim se após essa
morte o cônjuge sobrevivo contrair matrimónio com um terceiro. Ex: Se A que é
casado com B morre e B contrai matrimónio com C, então, os pais de A que eram
afins de B deixam de o ser. Afinidade cessa também por divórcio. Antes de 2008,
mantinha-se a afinidade com o divórcio. Isto metia alguns problemas- art. 1602ºCC.
Antes de 2008, não podia então casar com a minha ex sogra mas agora já posso. A
professora faz uma interpretação ab-rogante: vê na afinidade uma forma de arranjar
2ºs pais, irmãs, análogo aos que já temos e não faz sentido termos uma nova família,

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estando ligado a outra. Assim sendo, a afinidade não cessa por morte, mas cessa
quando o cônjuge sobrevivo casar com outra pessoa (pois ganha uma nova família).

Se dois parentes casam, os restantes membros da família mantêm-se parentes,


tornam-se afins ou são parentes e afins?

→ A afinidade é um vínculo ex-novo, e se já existe um vínculo de parentesco,


não faz sentido formar-se novo vínculo.

Nota: afinidade não gera afinidade.

Art. 1586 – Adoção

A adoção é um vínculo estritamente legal, ou seja, sem laços de sangue, que se


estabelece entre duas pessoas em condições e nos termos do art. 1973 e ss.

A legislação em matéria de adoção foi recentemente alterada pela lei nº 143/2015,


de 8 de setembro, que revogou o art. 1604 que pôs fim à adoção restrita.

Este regime será estudado a fundo, mais adiante.

Casamento

Natureza Jurídica do Casamento: Contrato ou Ato

A doutrina sempre divergiu a este respeito, e com base em argumentos que não
coincidem.

A generalidade dos Autores afirma que o casamento é um contrato, um negócio


jurídico bilateral, seguindo, aliás, o conceito – contrato – utilizado pela lei.

Todavia, mesmo os Autores que afirmam ser o casamento um contrato, ressalvam


que, diversamente do que acontece com os contratos em geral, a autonomia dos
nubentes é muito reduzida no casamento. Pois a quantidade de normas imperativas
que a lei contém em matéria de efeitos pessoais e patrimoniais do matrimónio o
determina. Como contrato, o casamento é um contrato pessoalíssimo sui generis por
isso.

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Por outro lado, deverá considerar-se o casamento não um contrato, mas antes um
ato?

Tradicionalmente, a justificação para a visão do casamento como ato jurídico olhava


a importância que os entes públicos assumiam na celebração. Na verdade, no
casamento interfere um pároco ou um conservador, conforme católico ou civil.

Poderá fundamentar-se de outra maneira. Assim, afirma certa doutrina que, posto
que o casamento se afasta da liberdade contratual, não será um tratado em sentido
rigoroso. O casamento será assim um ato jurídico, por via do qual cada nubente se
afirma perante o outro na vontade de integrar o estado de casado (o novo status),
sendo indispensável uma entidade pública para que isso ocorra.

Segundo esta conceção, o casamento é uma fattispecie especifica. Ao consenso dos


nubentes alia-se o assentimento ou aval do Estado. Contudo, o casamento não
dispensa subordinação à disciplina legal:

Sintetizando:

➢ Para alguns dos Autores que sustentam que o casamento é um negócio


jurídico unilateral (ato) releva acima de tudo a vontade do Estado na
celebração matrimonial e nas normas a que o casamento se sujeita; é a
visão estritamente publicista do casamento como ato.
➢ Para outros, o casamento como ato sublinha a liberdade de casar,
pessoalíssima, ou seja, a liberdade de cada nubente, aliada à intervenção
de uma entidade pública. é a visão mista do casamento como ato ou
atenta às suas dimensões pública e privada.

Opinião da Professora Regente

A professora pensa que não seja essencial qualificar o casamento como contrato ou
como negócio unilateral.

A professora considera que defender a contratualidade do casamento significa


acentuar a paridade jurídica dos cônjuges, a sua liberdade de casar: o contrato,
historicamente, exprime a igualdade das partes negociais.

Mas assiste também obvia razão a quem olha o conjunto importante de normas
imperativas que condicionam a liberdade negocial dos cônjuges.

Assim, mais importante do que o entendimento do casamento como contrato ou


como ato é a acentuação de que ele só vale, em Estado de Direito democrático, como

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acordo que provem da vontade dos nubentes e respeita, em todos os seus
momentos, a liberdade dos cônjuges.

Acresce que a contratualidade do casamento enfrenta ainda uma objeção


importante. Há efeitos pessoais do casamento cujo cumprimento jurídico não se faz
valer. Assim acontece com os deveres conjugais que não têm expressão patrimonial:
não há maneira de obrigar um cônjuge infrator de deveres conjugais pessoais a exigir
o seu cumprimento.

O uso da expressão legal “contrato” no artigo 1577º CC tem uma inegável vantagem:
não suscitar equívocos sobre a pré-compreensão jurídica do casamento enquanto
negócio jurídico em que imperam a liberdade e a igualdade dos cônjuges. Importa
não perder de vista que o casamento já tinha a designação de contrato no tempo em
que a família tinha um chefe e a mulher devia obediência ao marido. A razão pela
qual é importante acentuar a contratualidade do casamento nos nossos dias advém
de esta contratualidade se inserir num contexto jurídico em que a igualdade das
partes contratantes perpassa o Direito.

Deveres Conjugais na Lei e na Jurisprudência

→ Dever de Coabitação:

Encontra-se consagrado no art. 1673 do CC. Por dever de coabitação entende-se a


comunhão de leito, mesa e habitação.

Do casamento resulta uma limitação à liberdade sexual: a pessoa casada fica


obrigada, por um lado, a ter relações sexuais com o seu cônjuge e, por outro lado, a
não as ter com outra ou outras pessoas.

É certo que, se um cônjuge se recusar a consumar o casamento, ou manter relações


sexuais, se verifica a violação do dever de coabitação.

Nos casos em que se verifique impotência subsequente ao casamento ou outra


doença impeditiva do relacionamento sexual, a violação do dever de coabitação, na
vertente de dever de comunhão de leito não se verifica: sedia destituído de
articulação com a natureza das coisas entender o contrário.

Porém, que efeitos resultam desta violação?

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→ Como se afirmou, nenhum cônjuge pode fazer valer judicialmente o dever de
comunhão de leito. Sobra-lhe a capacidade de tolerância com a imposição do seu
cônjuge ou intentar uma ação de divórcio.

A culpa deixou de ter relevância no processo de aferição da sustentabilidade do


casamento: em rigor, ver-se-á que o divórcio não depende de culpa dos cônjuges,
nem a culpa tem qualquer relevância no processo de dissolução do casamento. Há
outros aspetos a considerar. Pois a culpa no incumprimento de um dever conjugal
(no caso, o dever de coabitação) pode ser reveladora de rutura insanável da vida
conjugal; mas pode igualmente não o ser: o que competirá ao juiz analisar, em ação
que um dos cônjuges intente para obter o divórcio.

O dever de comunhão de mesa é outro dever contido no dever de coabitação e


reporta-se à vida comum.

O dever de comunhão de habitação respeita à fixação da casa de morada de família.

O dever de coabitação deverá ser entendido de acordo com a especificidade do


casal, ou seja, com o seu perfil de vida. Se sempre assim foi, hoje é-o em razão de
eventos profissionais e de opções comuns, tomadas em muitos casos antes do
casamento, mesmo que levam à necessidade de compatibilizar a coabitação com a
existência de períodos mais ou menos longos de distanciamento, determinados por
fatores que relevam da privacidade e não compete a terceiros discutir.

O dever de coabitação não se confunde com a existência obrigatória de uma única


residência. Pois, segundo a lei, o dever de habitar a residência de família pode não
impender sobre os cônjuges, nos casos em que se verifiquem motivos ponderosos
(art. 1673/2).

Nos termos do art. 1673/3, o acordo sobre a residência da família não pode ser
revogado unilateralmente por qualquer dos cônjuges. E do mesmo modo, a
alteração da residência de família supõe o acordo dos cônjuges.

E se os cônjuges incumprirem o dever de residência?

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→ É certo que o legislador admite intervir nos casos de incumprimento deste dever.
Pode haver lugar a intervenção judicial. Porém, não competindo ao juiz lesar o
direito à liberdade, não será este que determinará o regresso à casa conjugal do
infrator. Resta-lhe advertir, tentar persuadir. A sua intervenção tem uma margem
muito restrita.

→ Dever de Fidelidade:

O dever de fidelidade coloca em evidência a obrigação de não manter relações


sexuais com terceiro.

Mas será este o único âmbito?

→ Porventura, a disponibilidade psicológica para com o outro cônjuge não deverá


entender-se menos relevante, nesta sede: cada cônjuge tem a obrigação de não
sobrepor o interesse que manifeste por terceiros ao interesse manifestado pelo
cônjuge e este é uma vertente do dever de fidelidade.

A consequência jurídica do incumprimento do dever de fidelidade é de novo sui


generis.

Valem aqui as considerações expendidas a propósito da violação do dever de


coabitação.

Por um lado, compreende-se que o dever de fidelidade não gere obrigação de


indemnizar, em caso de incumprimento. Por outro lado, tem por si a virtualidade de
ser um forte indício de que a instituição matrimonial está em situação de crise grave:
assim foi entendido sempre. De tal modo, a sua prova é sobretudo elemento
essencial a atender para efeitos de possível divórcio, caso algum dos cônjuges o
reclame, e só por si.

→ Dever de Cooperação:

Art. 1674.

Traduz-se num dever de colaboração no bem comum da família, mas materializa-se


na cooperação com o outro cônjuge nessa função.

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O dever de cooperação impõe aos cônjuges obrigações de socorro e de auxílio da
vida familiar que decorre do casamento que contraíram. Significa isto que deverão
assumir as obrigações que têm para com os filhos ou adotados, representando estas
verdadeiros deveres dos cônjuges entre si, para além de serem, naturalmente,
responsabilidades de cada um deles para com os filhos ou adotados. Ou seja, o
cônjuge que incumpre deveres para com os filhos viola, através desse
incumprimento, também o seu dever conjugal de cooperação.

→ Dever de Assistência:

Com sede no art. 1675/1, o dever de assistência tem um cunho patrimonial: será o
dever de prestar alimentos e o dever de contribuir para os encargos da vida familiar.

Cumpre ter em conta que o dever de prestar alimentos ao cônjuge que deles careça
subsiste nos casos de separação de facto dos cônjuges e mesmo no caso de
separação judicial de pessoas e bens. Nestes casos, o casamento não se dissolveu e
o legislador tem em conta a virtualidade de a vida conjunta ser viabilizada.

→ Dever de Respeito:

Densifica-se este dever como a obrigação de admitir no convívio privado, íntimo e


na sua projeção pública a personalidade do cônjuge, na sua total singularidade.

O dever de respeito constitui um critério orientador subjacente a todos os deveres


conjugais. Daí que a lei opte por enunciá-lo logo em primeiro lugar, no art. 1672, sem
cuidar de lhe atribuir um sentido autónomo.

Se bem que o art. 1671 o elenque em primeiro lugar, não deixa de ser um dever
residual. Impõe a cada cônjuge a obrigação de não ofender a integridade física ou
psíquica do outro e, por outro lado, a obrigação de manifestar interesse pelo outro,
ainda que, naturalmente, a determinação ou densificação desta “manifestação de
interesse” seja profundamente vaga e casuística.

Será muito difícil para o aplicador do Direito sancionar esta violação quando
invocada: em boa verdade, ela sugere bem mais a rutura do casamento, do que uma
abreviada e menos consistente reparação moral. No entanto, a violação dos deveres
conjugais não funda, ainda que culposa, o divórcio. Torna-se necessários demonstrar
hoje a rutura do casamento.

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→ Dever de Contribuir para os Encargos da Vida Familiar:

O dever em causa (art. 1676) reporta-se às prestações financeiras e ao trabalho


despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos que impende sobre cada
cônjuge, na medida das suas possibilidades.

Significa isto que se trata de um dever que tanto pode cumprir-se através da outorga
familiar de rendimentos (contribuição patrimonial) pode ser cumprido por qualquer
deves de duas formas: pela afetação dos seus recursos (rendimentos e proventos)
como através de trabalho com a educação dos filhos ou com a vida doméstica em
sentido estrito.

Formalidades do Casamento

O casamento exige a concretização de um processo preliminar. As diligências do


casamento católico seguem a tramitação essencial relativa às formalidades do
casamento civil.

O processo preliminar tem sede no CC – art. 1610 a 1615.

A competência para a organização do processo preliminar é deferida a qualquer


conservatória do registo civil.

A declaração para contrair casamento deverá ser prestada pessoalmente ou por


intermediário do procurado e requerer a instauração do processo. É, assim, a
declaração para contrair casamento que dá início ao mesmo processo preliminar. A
declaração para a instauração do processo relativa ao casamento católico pode ainda
ser prestada pelo pároco competente para a organização do processo canónico, sob
a forma de requerimento assinado pelo pároco.

A declaração para instauração do processo relativo ao casamento civil sob forma


religiosa pode ainda ser prestada pelo ministro do culto da igreja ou comunidade
religiosa radicada no país, mediante requerimento, por si assinado.

Segundo a lei, apenas um dos nubentes se poderá fazer representar por procuração
na celebração do casamento: a lei não permite procurações cumulativas. E bem se
entende, dada a natureza eminentemente pessoal do casamento (art. 1619 e
1620/1).

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Discute a doutrina se o procurador deverá ser entendido juridicamente como um
representante ou antes como um núncio dos nubentes.

MSP: a caracterização jurídica do representante como procurador, tendo em conta,


designadamente, os critérios de ordem pública que inerem ao casamento. Quem
tenha conhecimento de que se vai celebrar um casamento inválido deve ter a
legitimidade para o evitar. A pessoa que substitui um dos nubentes deve ser titular
dessa legitimidade. Seria incoerente com a importância que o direito reconhece à
celebração do casamento que o procurador não tivesse legitimidade para fazer valer
a relevância dos seus conhecimentos acerca de razões que obstam ao mesmo
casamento.

A declaração para o casamento deve conter elementos identificadores dos nubentes


e das respetivas famílias, bem como, em caso de novas núpcias de algum dos
nubentes, a data do óbito ou da morte presumida do cônjuge anterior, bem como a
data da sentença que a declarou, em caso de divórcio. A lei exige ainda documentos
complementares.

O processo preliminar tem início com a tomada oficial de conhecimento da vontade


de casar, manifestada por pessoas determinadas. Será da organizado numa
conservatória do registo civil.

Em síntese, afirma-se:

➢ Quando duas pessoas decidem casar, deverão apresentar a sua pretensão


numa conservatória do registo civil que, por regra, será a conservatória
que corresponda ao domicílio de qualquer dos nubentes. Mas podem
fazê-lo em qualquer conservatória do registo civil.
➢ Segue-se a apresentação do requerimento num prazo, durante o qual se
pode sindicar a capacidade nupcial dos dois requerentes e bem assim a
sua circunstância pessoal.
➢ Findo o mesmo prazo, e tendo verificado o circunstancialismo que
determina a possibilidade de realizar o casamento ou antes, que tal
circunstancialismo obsta ao mesmo, o conservador lavra o despacho final
de notificação dos nubentes para marcação do casamento (art. 144).

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➢ Esgotado este procedimento, poderá ter lugar a celebração do
casamento, que sempre requer duas testemunhas, caso os nubentes não
apresentem meios de identificação legalmente idóneos para o efeito.

O Casamento Civil e Católico Urgente

A lei, contudo, abre exceção à existência do processo preliminar de casamento.


Trata-se do chamado casamento urgente.

Nos termos do art. 1599 vem referido o casamento católico urgente e nos termos do
art. 1622 o casamento civil urgente.

O casamento urgente é raro, mas emblemático. A sua possibilidade evidencia o


respeito do legislador pela vontade de quem não tenha como levar por diante um
processo preliminar adequadamente tramitado em tempo útil, mas veja na
celebração matrimonial um momento muito importante da sua vida: e o considere
determinante.

Em que circunstâncias ele terá lugar?

→ O legislador atende à importância que o estado de casado pode assumir na


personalidade de quem sabe que pode morrer a todo o momento e quer celebrar
previamente casamento, bem como à vontade de quem não pretende dar vida a uma
criança que não seja dentro de uma relação institucionalizada matrimonial.

O reconhecimento da figura do casamento urgente é o reflexo de consciência que a


lei tem do papel que o casamento desempenha na nossa antropologia cultural.

O casamento urgente não exige as mesmas formalidades que o casamento geral,


mas nem por isso se realizará sem um percurso legal tipificado. O CC referencia os
pressupostos da celebração, a indispensabilidade de ata do mesmo casamento
urgente e homologação obrigatória, sob pena de inexistência (art. 1622/1 e 2 e
1623). Já a matéria relativa às formalidades do casamento urgente, são remetidas
para o CRC.

O casamento urgente não subsiste caso não venho a ser homologado. Ou seja, sem
tal homologação subsequente ele considera-se inexistente (art. 1628 alínea b).

18
O casamento urgente não será homologado sempre que não se tenham verificado
os requisitos formais da sua celebração requeridos neste caso.

Mas não só. Torna-se necessário que não existia impedimento dirimente.

Há assim, uma diferença entre a extensão dos elementos aferíveis em processo


preliminar e em sede de homologação do casamento urgente.

No primeiro caso, como vimos, todos os fundamentos que obstam ao casamento e


podem ser conhecidos serão tidos em conta. Já no casamento urgente, apenas refere
a lei a verificação de impedimentos dirimentes. Ou seja, qualquer impedimento
impediente que se verifique não é agora submetido ao conservador, para que este
decida da celebração do casamento, mas são-no apenas os mais graves, dando-se
por homologado um casamento em que subsistam impedimentos impedientes.

A sanção que a que a ordem jurídica comete ao casamento não homologado,


determinando a sua inexistência, pode suscitar à primeira vista que tal é a única
consequência que pode reair sobre o casamento urgente.

Porém, a lei afasta esta conclusão. Se é verdade que o processo de homologação se


concentra em muitos dos requisitos essenciais do casamento verificando a sua
existência e correspetiva possibilidade de homologação o casamento, uma
invalidade se evidencia, dando-se a possibilidade de ser requerida a sua anulação.

Ex: suponha-se que o casamento urgente celebrado entre A e B ocorreu, estando um


dos nubentes em erro sobre qualidades essenciais do outro. Neste caso, será
invocável a invalidade pela nubente vítima do erro.

O casamento católico urgente pode ser celebrado, para além dos motivos que
determinam a celebração do casamento civil urgente “por grave motivo de ordem
moral”.

Formalidades do casamento católico

O casamento católico aproxima-se do casamento civil na submissão a processo


preliminar, pois que este constitui, como dissemos, também a regra nesse domínio.

A diferença essencial entre as formalidades requeridas para o casamento civil e para


o casamento católico reside no facto de a celebração do casamento católico não
dispensar a intervenção de pároco no processo preliminar. Passando um certificado
19
em como não há impedimentos à celebração do casamento, pelo conservador, tal
certificado será apresentado ao pároco e só assim sustada a celebração do
casamento.

O assento paroquial do casamento católico será enviado à conservatória


competente, depois de lavrado em duplicado. A obrigação de remessa não se verifica
nos casos do casamento de consciência ou secreto, de casamento urgente que não
possa ser transcrito e de casamento que careça de convalidação simples.

Quanto à natureza jurídica da transcrição do casamento católico, esta não passará


de um mero efeito probatório.

Modalidades do Casamento

O casamento comporta mais de uma modalidade. Há casamentos celebrados pela


Igreja e casamentos celebrados pelo Estado. E fora da religião católica casam em
Portugal pessoas pertencentes a outros credos religiosos e em harmonia com o
regime matrimonial desses cultos.

A proeminência jurídica matrimonial incide sobre o casamento civil e o casamento


católico. No entanto, a doutrina denomina por vezes de modalidades matrimoniais
as formas de casamento não civil ou católico.

O entendimento de casamento católico como única modalidade de casamento


alternativa ao casamento civil supõe que se entenda por modalidade de casamento
aquele casamento cujos efeitos jurídicos não são apenas formais, mas respeitem a
questões de fundo, sejam admitidos por ordem jurídica (conceito de modalidade em
sentido estrito). Em sentido amplo, seriam modalidades de casamento todos os
casamentos celebrados em Portugal cujos requisitos formais se regulassem pela lei
portuguesa.

Casamento civil e casamento católico depois da República

Depois da implantação da República a evolução do casamento em Portugal conheceu


duas fases essenciais.

A primeira fase caracteriza-se por sucessivos afastamentos e aproximações do


regime civil ao regime conforma à doutrina e adesão da Igreja Católica.

20
A República afasta a ordem civil do casamento religioso e vai ao ponto de não
reconhecer validade aos matrimónios celebrados no país.

A solução redundava numa clivagem demasiado forte com os costumes para que
pudesse ter ficado incólume a consequências. Mas ia mais longe: desconsiderava a
dignidade daqueles que, com maior ou menos conhecimento, optavam por tal
casamento e se viam reconduzidos a uma situação jurídica de concubinato, que
consideravam injusta.

A discussão ideológica que se travou a respeito do casamento não penetrou na


opinião do país profundo. Foi uma discussão fechada, que não concitou a formação
de um movimento social com outro vulto, animado por qualquer propósito de
pedagogia do casamento civil.

Um forte analfabetismo, literacia escassa, favoreciam esta incompreensão. Mas,


sobretudo, a nova opção do casamento apenas laico nunca foi compreendida pela
generalidade da população. A injustiça e a indignação foram elementos ponderosos
no discurso anti-republicano da Igreja Portuguesa, ela própria, vítima de repressão e
deposta na sua legitimidade social, não obstante exprimir a opção de largos setores
do país.

A legislação portuguesa da família mostra a que ponto matéria aparentemente de


natureza muito técnica, como é a inexistência do casamento pode gerar uma onda
de rejeição política e indignação social profunda.

Terão contado com ela os seus mentores?

→ Muito provavelmente não. Mas revelou-se desastrosa para a República em razão


dos efeitos provocados. O clero descontente, aliou-se ao descontentamento popular
e esta simbiose em muito contribuiu para o seu caráter efémero.

Concomitantemente, o divórcio não era aplaudido por setores intelectuais.

Deposta a República, a aproximação à Igreja faz-se sentir. A partir da Concordata


com a Santa Sé, o casamento será católico, a menos que o não pretenda a população.
Do mesmo modo, as possibilidades de acesso ao divórcio diminuem.

Em 1975, ante a reação da sociedade portuguesa à rigidez da noca opção, o Ato


Adicional, vem permitir o divórcio católico, ou seja, o divórcio perante as leis do
21
Estado, deixando exarada a discordância absoluta da Igreja face ao mesmo e apenas
o aceitando em nome de tolerância com situações familiares entretanto criadas.

E as alterações sucessivas à Lei do Divórcio irão caminhar no sentido de uma sua


aplicação.

O casamento católico, modalidade autónoma

O casamento católico tem relevância em domínios que excedem a forma de


celebração. Na ordem jurídica portuguesa não se verificam diferenças muito
salientes a separar as duas modalidades do casamento, ao contrário do que sucede
noutros países.

Exemplos da aproximação/não aproximação entre estes dois casamentos:

➢ Um exemplo de aproximação é a idade núbil – esta coincide nos dois


ordenamentos, católico e português, nos 16 anos.
➢ O casamento católico recusa a união conjugal entre pessoas do mesmo
sexo, ao contrário do casamento civil que o aceita.
➢ Também a anomalia psíquica, podendo fundamentar a invalidade do
casamento católico, não é impedimento ao mesmo casamento,
diferentemente do que sucede da lei civil.
➢ Diferença relevante surge em matéria de erro. O dolo, uma vez
preenchido o requisito do Cânone 1098, releva: desde que se trate de um
“(…) dolo, perpetrado para obter o consentimento, acerca de uma
qualidade da outra parte, que, por sua natureza, possa perturbar o
consorcio da vida conjugal (…)”. Assim, para efeito de relevância do dolo,
o que importa não é o objeto do mesmo mas a gravidade das
consequências que pode assumir na vida conjugal.

Convém referir que sim, existem grandes diferenças entre o casamento civil e o
casamento católico, todavia, tem existido uma tendência à sua diminuição entre as
modalidades com o passar do tempo.

(O casamento católico está sujeito a registo. E o mesmo sucede em relação ao


processo preliminar de casamento católico urgente (artigo 134º CRC).)

22
Requisitos de fundo do casamento

O casamento é um negócio jurídico assente na vontade dos nubentes:

→ A vontade de casar deve ser atual – art. 1617;


→ A vontade de casar é incondicional e inaprazível. Por isso, o casamento é
incondicional e insuscetível de celebração a prazo – não deverão ser
apostos ao casamento condições ou termos. Ex: o casamento dura 5 anos.
Art. 1618;
→ A vontade de casar deve ser livre e esclarecida, sob pena de o acordo
matrimonial estar inquinado juridicamente – art. 1619;
→ A vontade de casar deve ser determinada.

A lei admite que um dos nubentes, e só um deles, se faça representar na celebração


do seu casamento. O casamento pode, assim, realizar-se com procuração de um dos
nubentes, mediante documento público, ou mediante escrito assinado pelo
representante e com conhecimento da assinatura (art. 1620).

NOTA: se faltar
NOTA: faltar algum
algum dos
dos requisitos
requisitosdadaprocuração
procuração(que
(queconstam
constamdo doart.
art.1620º/2),
1620º/2),
como
como a modalidade
modalidade do do casamento,
casamento,temos
temosumaumainobservância
inobservânciadedeforma
formalegal,
legal,que
que
leva à nulidade
nulidade dada procuração
procuração (art.
(art. 220ºCC).
220ºCC). Assim
Assim sendo,
sendo,oocasamento
casamentoseriaseria
inexistente,
inexistente, por
porfalta
faltada
dadeclaração
declaraçãode devontade
vontadededeum
umdos
dosnubentes-
nubentes-art. 161628º/c).
art.

A lei estabelece a fronteira entre “casamento” e “não casamento”. Os casos de


inexistência de casamento estão previstos no art. 1628 – trata-se dos casamentos
celebrados por quem não tenha competência funcional e dos casamentos em que
falte a declaração de um dos nubentes.

Ex: uma celebração que não se realize perante o conservador do registo civil ou em
que o procurador não tenha apresentado a procuração, ou celebrado mediante a
procuração cujos efeitos tenham cessado é inexistente (art. 1628 alíneas a), c) e d)).
Também será inexistente o casamento em que os nubentes não declaram a vontade
de casar, mantendo-se em silêncio quando questionados sobre tal vontade. Também
o casamento urgente será inexistente desde que não tenha lugar a sua homologação
(art. 1628 alínea b)).

23
O tema da inexistência do casamento encontra-se aqui apresentado porque
representa a contraimagem do casamento, aquilo que o legislador aparta como
figura legal.

A inexistência jurídica não tem a extensão, na ordem jurídica portuguesa, que teve
até há pouco.

Pois era “inexistente”, até à entrada em vigor da lei nº 9/2010, de 31 de maio, o


casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta lei alterou de forma radical o
conceito de casamento, integrando os negócios de casamento entre pessoas do
mesmo sexo no domínio da existência matrimonial.

Os casamentos inexistentes são destituídos de efeitos. A inexistência pode ser


invocada a todo o momento e não depende de declaração judicial – art. 1630 nº 1 e
2.

Pressupostos da vontade, da liberdade e da capacidade para contrariar casamento

Há casamentos juridicamente existentes cuja validade a lei não admite, por entender
que não são livres, ou porque não cumprem todos os requisitos de vontade e
capacidade por parte de algum dos nubentes ou de ambos.

São inválidos:

→ Os casamentos nos quais se verifique falta ou vício de vontade de


qualquer nubente no momento da celebração; erro sobre identificação do
outro nubente, simulação, coação moral (art. 1635) e erro vício (art.
1636);
→ Os casamentos com impedimentos dirimentes (art. 1600ºCC).

 Casamentos nos quais se verifique falta ou vício de vontade de qualquer


dos nubentes no momento da celebração:

Nem sempre o nubente que afirma querer casar com outrem o pretende realmente.
Pode dar-se o caso de se encontrar enganado acerca da identidade de outra pessoa.
Este facto inquina a vontade matrimonial e o casamento assim celebrado padece de
invalidade por erro.

O nubente pode, em situação muito menos plausível, mas nem por isso afastável,
estar em estado de sonambulismo aquando da celebração.

24
E não se exclui a possibilidade de o nubente responder, no momento da celebração,
a uma outra pergunta que não a de saber se quer contrair casamento: responde, por
hipótese, à madrinha, que sabe da sua hesitação em casar e o questiona sobre a
vontade de que o ajude nesse sentido, que sim, que pretende que ela efetivamente
o ajude a sair do local e não casar.

Estes casos, aparentemente teóricos, não deixam de requerer um tratamento


jurídico adequado. Pois em todos eles faltou a vontade de casar e em todos eles a
invalidade do casamento se verifica.

Veremos, mais adiante, que a solução legal para as situações de erro sobre a
identidade do outro nubente, a invalidade, prevista no art. 1635 nº 1 alíneas a) e b),
diverge do regime geral das consequências jurídicas atribuídas às demais
declarações negociais inválidas em geral pelo art. 246.

Por outro lado, recorda-se que a doutrina vem entendendo que os vícios requeridos
para o casamento civil não coincidem com os vícios existentes em sede de
casamento católico.

O que dizer acerca do dolo matrimonial?

Pode suceder que um dos nubentes engane o outro sobre a sua personalidade ou
vida pessoal, a fim de conseguir que este outro se seduza pela sua alegada
personalidade ou vivência e assim opte por casar.

A lei não atribui relevância à figura do dolo nesta sede – não o considera fundamento
de invalidade do casamento. Em matéria de casamento, a vontade de enganar não
releva. Com efeito, segundo o entendimento legislativo, na senda de uma opção
doutrinária discutível, mas que tem acolhimento na lei, a sedução e o desejo de
agradar compatibilizam-se com a estratégia das relações pré-nupciais. E, com efeito,
seria uma impossibilidade evidente procurar motivo relevante para inquinar o
casamento pela circunstância de um dos nubentes ter procurado ludibriar o outro
acerca da sua personalidade e afigura-se destituído de sentido, invalidar tal
casamento.

Leite Campos: “julgo que o legislador foi demasiado influenciado por um a certa ideia
de proteção ao casamento, de garantia de permanência dos casamentos
“validamente” celebrados”.

REGENTE: a solução a adotar será hoje de favorabilidade ao regime legal. Com efeito,
a abertura legislativa que se propiciou ao divórcio constitui forma direta de pôr cobro
a uma situação cuja prova quase nunca será suscetível de se fazer com facilidade. É

25
mais ágil, em muitos casos em que o erro provoca uma rejeição do cônjuge, provar
a verificação de rutura do casamento, caso entenda que o erro em que incorreu
torna a vida comum insustentável do que produzir a prova de que o ardil ocorreu
antes do casamento se celebrar.

Já é fundamento de invalidade matrimonial o facto de, com um comportamento


enganador acerca de aspetos determinantes da personalidade, alguém provocar, na
pessoa com quem vai contrair uma relação de vida matrimonial, a decisão de casar
baseada em pressupostos que, falseando a verdade, desvirtuam a autenticidade da
decisão. Ex: ser casado e afirmar-se que tem o estado de solteiro.

Pode suceder que, muito embora se releve uma vontade de celebrar o contrato de
casamento, este não tenha finalidade matrimonial. Ou seja, que não pretendam os
nubentes constituir plena comunhão de vida, apenas utilizando a celebração do
casamento como um expediente para obter outro efeito. Ex: dois nubentes que se
casam para obter a nacionalidade a nacionalidade do outro. Caso de simulação do
casamento (art. 1635º/1/d). Esta simulação também pode ocorrer por outros
motivos, como benefícios fiscais.

O casamento supõe vontade livre. Não deve ser celebrado havendo coação sobre
qualquer dos nubentes. Caso tal aconteça, será anulável, nos termos do art. 1638.

A coação pode ser:

→ Física: C constrange violentamente o nubente A, que decidira não casar,


a deslocar-se à conservatória do registo civil onde o casamento com B se
encontra marcado. Receando que C a mate, como afirmou fazer, A afirma
querer casar com B. Situação de falta de vontade. (art. 1635º/c).
→ Moral: C ameaça A de que matará D, mãe de A, se A não casar com B.
Receando que isso aconteça, A casa com B. Ou seja, seja, nesta situação
existia vontade, mas foi viciada por um fator externo.

Art. 1634ºCC- presunção de vontade. Mas estas situações de vícios excluem esta
presunção de vontade. No entanto, tem de haver prova para a exclusão da mesma.

26
Erro Vício

A lei requer que a vontade do nubente não se sustente em erro sobre as qualidades
essenciais da pessoa do outro. Nos termos do art. 1636 “o erro que vicia a vontade
só é relevante para efeitos de anulação quando recaia sobre qualidades essenciais
da pessoa do outro cônjuge; seja desculpável e se mostre que sem ele,
razoavelmente, o casamento não teria sido celebrado”.

A lei suscita neste ponto dificuldades de certa relevância. Tais dificuldades reportam-
se à determinação da expressão legal: “qualidades essenciais da pessoa do cônjuge.

O que são qualidades essenciais?

→ Serão aquelas que relevam aspetos muito relevantes da circunstância pessoal e


do próprio modo de ser (“modo de viver e de estar”).

Se se considerar que o conhecimento de uma doença, da nacionalidade e da etnia


do outro nubente constitui qualidade essencial deste, o desconhecimento implicará
que o nubente desconhecedor incorre em erro vício.

Mas deverão colocar-se no mesmo plano realidades tão diferentes como


conhecimento da saúde, da nacionalidade ou da etnia?

Por vezes, o conhecimento da etnia do outro nubente é determinante pois lhe pode
ser conatural uma certa forma de interpretar certos aspetos da existência, e
consequentemente, de agir sobre eles. A vida comum pode ser completamente
diferente se o nubente se pauta por certos ritos e o omitiu à pessoa com quem vai
casar.

Era importante há 100 anos saber se o cônjuge era europeu nascido em Espanha,
Portugal ou na Bélgica. Mas considerar hoje a nacionalidade um fator determinante
da razão de casar ou de não casar com A, afigura-se muito improvável, em vários
casos.

Admitimos que seja chocante e censurável que não tenha sido dita a verdade sobre
qualquer um dos aspetos referenciados. Mas esse é outro ângulo da questão. Releva
um traço de caráter, não uma qualidade essencial da pessoa.

Por isso, é tão difícil identificar um critério de determinação dos casos que
consubstanciam erro vício.

27
O legislador de 77 criou no art. 1636 um conceito aberto, a preencher por via
doutrinária e jurisprudencial. É difícil eleger os casos juridicamente relevantes que
podem constituir candidatos à integração no conceito de erro sobre as qualidades
essenciais.

É hoje inquestionável, sim, que a Reforma aboliu os símbolos de Direito Autoritário:


aboliu o erro que constrangia um sexo e o erro sobre a nacionalidade, representando
este último a expressão da soberania autocrática.

Mas é do mesmo modo hoje claro e compreensível que a maioria da doutrina não
aceitou a leitura interpretativa de 77 como um repto no sentido da continência.
Escreve-se que vale o erro sobre a esterilidade, sobre a nacionalidade... Como se a
complexidade do género humano não incutisse tolerância e abertura, antes
acrisolamento num paradigma estreito, que ou se aceita e está bem, ou se rejeita.

A esterilidade suscita que se pondere a sua constitucionalidade. Esta não se coloca


no mesmo problema probatório da virgindade, já que ela é comprovável
independentemente do sexo do nubente.

Mas é a sua apreciação compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana


e o direito à privacidade? Pode o tribunal assumir-se competente para a aferir?

A lei, tentando obtemperar a dificuldade, desfoca a questão e impõe novos suportes


de sustentação das qualidades essenciais. O que muda então, não é a sua extensão
(as qualidades essenciais continuam a elencar-se profusamente na doutrina), mas os
requisitos do erro que independe sobre as mesmas.

→ O erro não pode ser desculpável;


→ Não pode recair sobre qualquer condição de validade ou de eficácia do
casamento – erro próprio;
→ Deve ser de tal ordem que a sua cognoscibilidade impediria a celebração
do casamento.
O que se entende por erro desculpável?

→ É todo aquele em que incorre quem está sendo vítima de astúcia, um estratagema
tal, que a perspicácia corrente não permitiria desfazer.

Há casos em que uma doença séria se evidencia: sintomas permanentes, desmaios,


vertigens, farão desconfiar de síndrome patológica. Noutros casos ainda, a doença

28
tem natureza que aumenta exponencialmente os talentos de ocultação do paciente,
no caso, do nubente que oculta a verdade. A esquizofrenia fará parte do leque.

O erro deve ser próprio, ou seja, não deve recair sobre a existência do casamento
ou sobre circunstâncias que, logo e só por si, obstem ao casamento.

Trata-se dos chamados impedimentos dirimentes ao casamento. Assim, o erro não


deve recair sobre a idade núbil, sobre a existência de relação de parentesco no 1º
grau da linha reta ou do 2º grau da linha colateral com o outro cônjuge, ou sobre o
estado de casado deste com outra pessoa (bigamia). Pois, se isto acontecer, o
casamento é inválido por outro motivo.

Para o prof. Jorge Duarte Pinheiro o erro só é impróprio quando recai sobre a
inexistência do casamento. Nos casos em que recai sobre circunstâncias que
inquinam a validade do casamento (Ex: a idade dos nubentes) são um erro próprio.

Assim, se A casa com B convencido de que B tem idade núbil, quando na verdade
apenas tem 15 anos, pode suceder que só venha a descobrir este facto anos mais
tarde, em altura em que já não poderá invocar a invalidade do casamento. Porém,
como o momento da descoberta do erro é o momento a partir do qual se inicia o
prazo para o fazer valer, estará em tempo útil para intentar uma ação de invalidação
do casamento.

Á primeira vista, assiste-se razão ao prof. Com efeito, o logro só foi conhecido muito
tempo depois e questiona-se se não deverá ainda revelar como fundamento de
invalidade do casamento contraído sob embuste.

A prof. Margarida da Silva Pereira defende que não deve ser invocada a invalidade.
Aquilo que ao tempo da celebração do casamento era uma qualidade essencial da
pessoa de B há muito que deixou de o ser e o casamento não foi dissolvido por outro
motivo.

Tem coerência jurídica invalidar agora este casamento? A regente afirma que não,
pois caso contrário, estaria a admitir-se que o dolo releva e não o erro sobre as
qualidades essenciais do cônjuge. Ora, anos depois de cessar a falta da idade núbil,
não persiste a qualidade essencial que fundava o erro.

29
É ainda necessário que, caso fosse conhecido o motivo que fundamenta o erro, o
casamento não tivesse sido contraído. Ou seja, não basta que um nubente incorre
em erro sobre a qualidade essencial, mas adita-se o juízo que a generalidade das
pessoas faria: era, para o senso comum, aceitável que o nubente em erro não
contraísse o casamento? O legislador apõe um critério puramente objetivo à
valoração do erro. O erro vício é o erro que a generalidade das pessoas aceita como
obstáculo ao casamento. REGENTE: o pressuposto legal é deveras infeliz.

Impedimentos Dirimentes Absolutos e Relativos

Consideram-se impedimentos matrimoniais as circunstâncias que obstam à


celebração do casamento, sob pena de sobre ele, uma vez celebrado impenderem
sanções.

Os impedimentos mais graves, na ordem jurídica portuguesa, são os denominados


impedimentos dirimentes.

A lei enumera-os de acordo com uma técnica que separa duas categoriais:

→ Impedimentos dirimentes absolutos – art. 1601: obstam ao casamento de


certa pessoa com qualquer outra;
→ Impedimentos dirimentes relativos – art. 1602: impedem o casamento
com certa pessoa (ex: parente, afim, etc.).

A dicotomia entre impedimentos dirimentes absolutos e relativos não indica a maior


ou menor gravidade de qualquer das categorias. Ambos são fonte de uma situação
ou relação pessoal, cujas consequências se sabem incompatíveis com o estado de
casado em si.

A diferença de conceitos apenas incide face a quem produzem os impedimentos


consequenciais.

Depois de estabelecer a regra geral, de acordo com a qual os titulares de


impedimentos matrimoniais não poderão celebrar o casamento, por incapacidade,
o legislador procede ao seu elenco, no art. 1601:

30
 Impedimento dirimente absoluto por falta de idade núbil:

Por um lado, a idade nupcial que vigorou até 1977 era a de que as raparigas podiam
casar com 14 anos e os rapazes com 16 anos. A lei mudou, em nome do princípio da
igualdade e do incremento de oportunidades de formação e de escolaridade.

Hoje, o menor de 16 anos, embora podendo casar, carece do consentimento dos pais
ou tutores e, na falta deste, da autorização do conservador do registo civil. Mas
pode, ainda assim, adquirir o estado de casado.

Mas a idade núbil situa-se nos 16 anos. Quem tiver menos de 16 anos, não pode
casar validamente.

 Impedimento dirimente absoluto por demência notória e decisão de


acompanhamento:

O casamento válido requer, segundo a lei, ausência de anomalia psíquica notória por
parte de ambos os nubentes. A anomalia psíquica notória determina, pois, a
invalidade do casamento. E a notoriedade para efeitos jurídico-familiares não é
apenas a notoriedade para o conservador, mas a notoriedade que significa
evidência, suscetibilidade de reconhecimento comum.

Há que apurar este ponto, cuja sensibilidade é evidente.

A lei usa uma expressão aparentemente clara (“demência notória”) mas não explicita
o que por tal conceito se entende. À doutrina compete esta determinação do
pensamento legislativo.

Ora, em termos jurídico-familiares, demência notória significa estado mental grave.


Pode ser uma doença de que o agente padeça desde sempre e pode ser doença
subsequente à natalidade. Será uma gravidade percetível pela generalidade das
pessoas.

A lei, cuidadosamente, diz que haverá demência notória mesmo nos “intervalos
lúcidos”.

Assim, se não tiver ocorrido decisão judicial de acompanhamento e não ocorrer


durante o processo preliminar de casamento comunicação de que a demência
notória existe, o casamento poderá ocorrer. Facilitará a sua celebração a
circunstância de o agente se encontrar em intervalo lúcido, ou seja, em fase em que
a sua doença não seja percetível.

31
A demência notória é aferível socialmente. Já em caso de decisão de
acompanhamento do maior, verifica-se impedimento dirimente, como referenciado
no art. 1601. Nestas situações, houve lugar a decisão judicial de acompanhamento e
o conhecimento no processo preliminar está bem mais facilitado.

Entende-se que a demência se dá como provada quando exista atestado de médico


da especialidade.

O problema mais complexo diz respeito àquelas patologias que são de gravidade
indiscutível, mas nem sempre cognoscíveis pela generalidade das pessoas.

Estes casos consubstanciam demência notória?

→ Cremos que se deverá entender que sim (MSP). A doença mental é muito grave e
sobretudo isso importa ao legislador, como fundamento de invalidade de um
casamento.

STJ, 27-01-2005: Para efeitos do disposto no art. 1601º, alínea b) do CC, deve
entender-se como demência o conjunto de perturbações mentais graves que
alteram a estrutura mental das pessoas em causa, com profunda diminuição da sua
atividade psíquica, tornando-se incapaz de reger a sua pessoa e bens. A demência é
notória, designadamente quando seja objetivamente reconhecível ou reconhecida
no meio.

 Impedimento dirimente absoluto por casamento anterior não dissolvido,


católico ou civil:

A lei procura evitar o casamento que dê origem a situação de bigamia. Assim, até à
dissolução do casamento anterior, não pode alguém contrair novo casamento.

A bigamia constitui crime, nos termos do Código Penal (art. 247). Mas o Código Cívil
acautela toda a tramitação que faz cessar o casamento anterior,
independentemente de o agente ter ou não ter plena consciência dessa tramitação.
Por motivos de segurança jurídica, também, enquanto decorrerem diligências
relativas à invalidação ou cessação do primeiro casamento, não terá lugar o segundo.

32
Trata-se de um impedimento dirimente que vigora erga omnes1.

 Impedimentos dirimentes relativos:

Refere o art. 1602 do CC:

→ O parentesco em linha reta (alínea a): descendentes e ascendentes não


poderão casar;
→ Quem tenha tido relação anterior de responsabilidades parentais não
poderá igualmente casar (alínea b);
→ Tão pouco poderão casar colaterais no segundo grau (alínea c);
→ Ou afins na linha reta (alínea d).

Da mesma forma, obsta ao casamento a condenação por homicídio, em autoria ou


cumplicidade, contra a pessoa do cônjuge do nubente (alínea e).

Dogmática das Invalidades do Casamento

Invalidades

Inexistência- art. 1628ºCC. A inexistência, como vimos, é uma consequência jurídica


invocável em qualquer altura, independentemente de ação judicial (art. 1630ºCC).

Decorreu dos efeitos da vontade, liberdade e capacidade para contrair casamento a


consequência de serem inválidos os casamentos que não preenchem tais requisitos.

A nulidade é a sanção motriz do Direito português para um NJ inválido- art. 286ºCC.


Ora, a invalidade do casamento civil furta-se à inclusão no seu âmbito. A invalidade
matrimonial pela qual opta o legislador é a anulabilidade (art. 287 do CC).

Em que situações será um casamento considerado inválido?

→ Os fundamentos da anulabilidade constam do art. 1631 e, segundo a lei, a


anulabilidade não será invocável para nenhum efeito enquanto não for reconhecida
por sentença judicial transitada em julgado, especialmente intentada para a
invalidação do casamento (art. 1632ºCC).

1
Vigora face a todos os indivíduos.

33
Regime das invalidades do casamento contraído com impedimentos dirimentes

→ Legitimidade:

O art. 1639ºCC determina as consequências dos casamentos contraídos com um


impedimento dirimente.

A legitimidade para intentar ou prosseguir a ação incumbe nestes casos:

→ Aos cônjuges;
→ Aos seus parentes na linha reta e aos parentes até ao 4º grau da linha
colateral;
→ Aos herdeiros ou adotantes;
→ Ao Ministério Público.

Em caso de menoridade dos cônjuges ou de um deles, além das pessoas


mencionadas supra, podem ainda intentar a ação ou prosseguir nela:

→ O tutor;
→ O acompanhante com poderes para o efeito;
→ O primeiro cônjuge do infrator, no caso de bigamia.

→ Prazos para intentar a ação:

Os prazos para proposição das ações de invalidade não são os mesmos para todos
os casamentos contraídos com impedimento dirimente.

Segundo a lei:

→ Caso o menor, o maior acompanhado, ou o demente, recupere a sua


capacidade matrimonial, podem eles próprios propor esta ação até 6
meses depois de terminado o impedimento que obstava ao casamento.
MSP: justifica-se que assim seja, o interesse deste cônjuge é pessoalíssimo
e a legitimidade processual é coerente com a natureza do seu interesse;
→ Outra pessoa de entre as previstas na lei, poderá agir nos primeiros 3 anos
seguintes à celebração do casamento. Mas com a ressalva de que nunca
será legítimo que os terceiros mencionados proponham a ação uma vez
terminado o impedimento dirimente (art. 1643º/1/a);

34
→ Nos casos de condenação por crime de homicídio ou por cumplicidade no
homicídio ou cumplicidade no homicídio contra pessoa do anterior
cônjuge daquele cônjuge que celebrou casamento com o viúvo, o prazo
da ação e de 3 anos após a celebração do novo casamento (art.
1643º/1/b).
→ Ao Ministério Público é reconhecida legitimidade para instaurar a ação de
invalidade, em todas as situações já mencionadas, até à dissolução do
casamento (art. 1643/2). Assim, pergunta-se: o que acontece quando
menor completa os 18 anos, casara-se com 15, a ação não é posta por
ninguém, e o menor não confirma o casamento? O ministério público
pode depois vir a anular o casamento (até à sua dissolução- não tem um
prazo), durante toda a vigência do casamento, sendo que o fundamento
continua a ser o impedimento;
→ E, em todos os outros casos em que o casamento tenha sido celebrado
com impedimentos dirimentes, o prazo competido às pessoas referidas
decorre até 6 meses após a dissolução do casamento. Que casos são
estes? (art. 1643º/1/c):
o A existência de grau de parentesco que obste ao casamento;
o A existência de relação de afinidade em grau que obste ao
casamento (1º grau);
o O casamento anterior não dissolvido, católico ou civil, ainda que o
respetivo assento não tenha sido lavrado no registo do estado civil;

Pergunta-se o que justifica a aposição de prazo de instauração de ação de


anulabilidade que ultrapassa a vigência do casamento, como sucede nos últimos nos
últimos 3 casos referidos. É a gravidade das situações em questão que pode
fundamentar a legitimidade do pedido judicial de invalidação por pessoas a quem a
circunstância do casamento inválido afete. De novo, questiona-se que este regime
severo abranja a afinidade no 1º grau.

Regime das invalidades dos casamentos contraídos com falta ou vício da vontade
de casar

O art. 1640ºCC comtempla o casamento celebrado com falta de vontade de um ou


de ambos os nubentes, prevendo a anulação por simulação no nº 1 e os restantes
casos no nº 2.

35
→ Legitimidade:

Em caso de simulação de casamento, poderá a ação ser intentada pelo cônjuge cuja
vontade não existiu, bem como por outras pessoas prejudicadas com este
casamento.

Nos outros casos, poderá o cônjuge instaurar a ação, sendo possível prosseguirem
nela os seus parentes ou afins na linha reta, herdeiros ou adotantes, em caso de
falecimento do cônjuge durante a causa (nº 2 do art. 1640).

Os colaterais são assim afastados deste âmbito, que se revela muito restrito. A
questão de acompanhamento não se coloca, pois estamos perante cônjuges não
carentes de acompanhamento legal.

Para os casos de vício da vontade de casar, apenas o cônjuge que tenha sido alvo da
atitude enganadora do seu nubente, pode intentar a ação. Já podem prosseguir nela,
se falecer o autor da sua pendência, os parentes e afins na linha reta, herdeiros ou
adotantes (art. 1641).

Não faria sentido, também neste caso, conceber pessoas lesadas com o casamento
que não o próprio cônjuge alvo de erro. Terceiros podem de novo, prosseguir na
ação. Procura-se circunscrever a um grupo restrito de agentes, familiares próximos,
a propositura da ação, em quase todas estas situações.

→ Prazo:

O art. 1644ºCC admite um prazo de 3 anos subsequentes ao casamento para a


propositura da ação fundada em falta de vontade de um dos nubentes.

No caso de erro vício a ação caduca, se não for instaurada no prazo de 6 meses
subsequentes à cessação do vício (art. 1645).

Validação do casamento celebrado com impedimento dirimente

O regime das invalidades do casamento é diferente do regime das invalidades dos


restantes NJ. Há uma forte favorabilidade legislativa à validação do casamento
contraído com impedimento dirimente, permitindo a lei a validação pela cessação
do vício inicial, nos casos em que tal seja possível.

36
A lei admite a validação do casamento anulável desde que verificados 2
pressupostos:

→ Que o comportamento que desencadeia a validação ocorra antes de transitar


em julgado a sentença de anulação (art. 1633º/1);
→ Desde que a invalidade respeite:
o Ao casamento de menor núbil. Nesse caso, uma vez atingida por ele
a maioridade, poderá validar o casamento que celebrou (art.
1633º/1/a);
o Ao casamento de demente notório ou de maior acompanhado, desde
que o casamento seja confirmado por ele, depois de cessar ou ser
revisto; ou tratando-se de demência notória, depois de este fazer
verificar judicialmente a cessação das causas do impedimento,
poderá confirmar o casamento (art. 1633º/1/a);
o Ao casamento celebrado com falta de testemunhas requeridas por
lei. Se a falta de testemunhas for motivada por circunstâncias
atendíveis, o casamento pode ser validado (art. 1633º/1/d);
o Ao casamento contraído na vigência de casamento anterior, no caso
de o primeiro casamento do cônjuge bígamo ser declarado nulo ou
anulado. Neste caso, uma vez declarada a invalidade do casamento
anterior, a validação opera-se automaticamente, não sendo
necessário ao nubente agir nesse sentido.

Todos estes casos obedecem a um princípio comum: o fundamento da invalidade


deixou de existir, podendo ganhar sentido a relação conjugal entre os cônjuges,
sustentada numa vontade livre e esclarecida ou dissipada a potencial ilegalidade
que obstara à celebração do casamento.

Uma relação de parentesco é inalterável: não há como validar o casamento


contraído por ascendentes e descendentes, colaterais no 2º grau… Porém, o
casamento contraído por menor está ferido por uma incapacidade muito diferente:
o menor vai tornar-se adulto. A lei confere-lhes a possibilidade de irem manifestar a
sua vontade de validar o casamento. E, posto que o façam ante o funcionário do
registo civil, dar-se-á a validação.

Impedimentos Impedientes ao Casamento

37
Estes são casamentos que a lei considera válidos, pois os cônjuges tinham a
necessária liberdade e capacidade para celebração, mas são ainda casamentos que
contêm irregularidades. Os impedimentos impedientes possuem, pois, gravidade
bem menor do que os impedimentos dirimentes.

O legislador considera grave a celebração de casamentos com impedimentos


impedientes. Logo a nomenclatura aponta nessa direção: existem nestes casos
impedimentos, de novo e, como tal, obstam à celebração do casamento.

São eles:

 A falta de autorização do pai ou do tutor para o casamento de menor,


desde que não tenha sido suprida pelo conservador do registo civil
(alínea a) do art. 1604):

Pode o conservador concluir que há razões ponderosas para a realização e que o


menor tem maturidade física e psíquica indiscutíveis para casar.

Haverá condições poderosas para a celebração do casamento se, por hipótese, os


nubentes estiverem prestes a ser progenitores e o conservador entender que é do
interesse de ambos, e/ou superior interesse da criança, que os progenitores se
encontrem no estado de casados por ocasião do nascimento e do correspetivo
exercício das responsabilidades parentais.

O conservador pode reconhecer que a maturidade física e psicológica dos nubentes


menores é compatível com a celebração do casamento e o decorrente estado de
casado. Porém, se não concluir nesse sentido, o casamento não se celebrará.

 O Parentesco em 3º grau em linha colateral:

Se colaterais no 3º grau pretendem casar, a lei permite que se desencadeiem


mecanismos que evitem o casamento em circunstâncias ponderosas.

O casamento de colaterais do 3º grau deve ser, aliás, analisado pelo conservador


logo no processo preliminar: para que se verifique em que medida um dos nubentes
pretende ou exerce efetivamente ascendente sobre o outro: pode um destes
colaterais ser bem jovem; ter vivido uma relação familiar com o seu colateral do
terceiro grau que, gerando temor reverencial, se afigura impeditiva da relação

38
conjugal igualitária. O conservador dando-se conta de tais circunstâncias, não
celebra o casamento.

 Vínculo de tutela, acompanhamento de maior ou administração legal de


bens:

Entendeu o legislador que as pessoas referidas neste preceito podem tentar


locupletar-se à custa do nubente de quem foram tutoras, acompanhantes,
administradoras legais de bens. Nos casos do acompanhante do maior, seria sempre
obviamente necessário que o fundamento do acompanhamento tivesse cessado,
posto que, de outra forma, a solução fundamentadora do acompanhamento
constituiria impedimento dirimente relativo ao casamento. Com efeito, o
beneficiário do acompanhamento é, nos termos do art. 138 “o maior impossibilitado,
por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena,
pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os
seus deveres”.

A lei acautela ainda todos aqueles que tenham sido destinatários de vínculos de
tutela ou cujos bens tenham sido administrados pelo ora nubente, estipulado que o
impedimento impediente ao casamento se estende ainda aos “parentes ou afins em
linha reta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, enquanto não tiver decorrido um ano
sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respetivas contas” –
art. 1608.

 Pronúncia do nubente por homicídio ou tentativa de homicídio


intencional contra o cônjuge do outro nubente, quando ainda não tiver
ocorrido despronúncia ou absolvição:

O que separa a situação da condenação, que vimos ser impedimento dirimente


relativo ao casamento?

→ Neste caso não houve ainda condenação do nubente. O que existe, é a forte
suspeita pelo tribunal de que o agente matou ou tentou matar o anterior cônjuge do
seu nubente. Mas ainda não decidiu nesse sentido e pode nem sequer vir a decidir.

A presunção de inocência impende sobre todos os cidadãos até sentença


condenatória.

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Há casos em que a celebração de casamentos com impedimentos impedientes se
verifica, por não terem estes impedimentos sido devidamente observados e
dispensados pelo conservador, ou ainda, nos casos em que isto não é possível,
embora a lei aplique sanções que entende adequadas. Estes casamentos terão
irregularidades e impendem sobre eles sanções.

Examinando-os, concluímos:

→ O menor que casa sem consentimento continuará sendo tratado como menor,
sendo os bens que leve para o casal administrados por quem exercia a
responsabilidade sobre si (art. 1649/1 e 2); e nunca respondem tais bens por
dívidas contraídas por um ou pro ambos os cônjuges no mesmo período. Esta
consequência jurídica visa sobretudo proteger o menor. Atendendo
fundamentalmente aos interesses do menor, não se configura uma verdadeira
sanção em sentido técnico-jurídico, mas antes, um expediente para acautelar os
interesses do menor e também de terceiros com quem ele se relacione no
comércio jurídico no estado de casado, durante a sua menoridade;
→ Tio/a e sobrinha/o que casem sem terem obtido a dispensa do conservador não
podem receber doações um do outro, nem tão pouco deixas testamentárias (art.
1609 e 1650). A mesma sanção vale para casamentos referenciados na alínea d)
do art. 1604. Quem o celebra deve receber uma sanção, que será em regra
patrimonial (ex: perdem as doações que tenham recebido um do outro). Na
nossa ordem jurídica são sempre muito precárias, porque são revogáveis a todo
o momento (art. 1765). Quanto às deixas testamentárias a um cônjuge, aplicar-
se-ão à quota disponível do testador;

Casamento Católico

O art. 1625 determina que «o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do


casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado
aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes».

Jorge Duarte Pinheiro: a nulidade é um desvalor exclusivo do casamento católico,


que não pode ser inexistente nem anulado.

O regime de conhecimento da nulidade do casamento católico compete aos


tribunais eclesiásticos. Uma vez obtida a decisão da Nunciatura o processo é hoje
entregue aos tribunais do Estado que, nos termos do art. 1626, apreciarão a

40
invalidade. No entanto, a Igreja pode intervir neste processo, apresentando
documentos e todo o material probatório que entenda pertinente.

Entrou em vigor o decreto-lei nº 100/2019, de 11 de maio, que determinou a


intervenção dos tribunais portugueses na apreciação das decisões dos tribunais
eclesiásticos sobre invalidades dos casamentos católicos.

A decisão eclesiástica relativa à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato


e não consumado será tomada pela autoridade eclesiástica competente e verificada
pelo órgão de controlo eclesiástico superior, bem como notificada às partes. Mas só
produzirá efeitos civis após revisão e confirmação, nos termos da lei processual, pelo
competente tribunal do Estado. É a este que compete o seu averbamento no registo
civil.

Nos termos do nº 3 do preceito, é reconhecida às autoridades eclesiásticas


competentes a faculdade de requisitar aos tribunais judiciais a citação ou notificação
das partes, peritos ou testemunhas, bem como diligências de caráter probatório de
outra natureza.

Casamento Putativo

Ao casamento inválido e como tal declarado judicialmente, não está vedado produzir
efeitos. O conceito que a lei elege para retratar o casamento judicialmente declarado
inválido é o de casamento putativo. A sede legal é o art. 1647.

Há quem afirme que o casamento putativo, enquanto realidade matrimonial


inválida, mas que produz efeitos, é um casamento ficcionado ex post, uma ficção
jurídica, que produziu alguns efeitos enquanto durou.

Segundo outros, o casamento putativo é apenas uma modalidade de invalidade com


consequências específicas para um casamento inválido, uma exceção à regra geral
das invalidades.

E uma terceira corrente entende que se trata de uma instituição autónoma (Prof.
Pires de Lima).

Conclui-se que toda a doutrina parte do mesmo pressuposto: o casamento inválido


produz efeitos diversos da generalidade dos negócios jurídicos inválidos. Mas trata-
se de uma especificidade decorrente da natureza pessoalíssima do casamento.
Assim, não entendemos o casamento putativo como um casamento ficcionado, nem
como um casamento inválido que produz efeitos de um casamento válido.

41
O casamento putativo não é um casamento, é uma realidade nula ou anulada, que
produz efeitos jurídicos próprios, mas não se aproxima do casamento nem repristina
o seu sentido na ordem jurídica.

A lei determina que, apesar da invalidade (nulidade no casamento católico e


anulabilidade no casamento civil) o casamento nulo ou anulado vai produzir efeitos
mitigados.

O que justifica o regime tão particular do casamento putativo?

É que, se fossem aplicadas ao casamento putativo as regras dos negócios jurídicos,


em geral, criava-se grande perturbação na esfera jurídica.

Assim, os seus efeitos estão dependentes de:

→ Transito em julgado da sentença declaratória de invalidade do casamento;


→ Boa fé por parte dos nubentes que celebram o casamento, ou de, pelo
menos um deles;
→ Existência do casamento: só um casamento existente pode ser invalidado.

Entende-se que está de boa fé matrimonial “o cônjuge que tiver contraído o


casamento por ignorância desculpável do vício causador da nulidade ou
anulabilidade, ou cuja declaração de vontade tenha sido extorquida por coação física
ou moral (art. 1648/1).

Assim, há boa fé matrimonial sempre que o cônjuge ignore o vício de que o


casamento padece, mas igualmente, há boa fé sempre que o nubente não tenha tido
consciência do significado do ato inválido que praticou. Ex: o demente e o maior
acompanhado, agem segundo o entendimento legislativo, de boa fé; também age de
boa-fé o nubente que casou sob coação.

Conclui-se que o conceito legal de boa fé não é apenas psicológico, mas normativo,
pautado por critérios éticos, visando proteger quem celebrou o casamento com
consciência do vício em que este incorria (caso de coação), mas em circunstância
compreensível.

E, para o caso de apenas se verificar boa fé por parte de um dos cônjuges, dispõe o
nº 2 que só esse cônjuge pode arrogar-se dos benefícios do estado matrimonial e
opô-los a terceiros.

42
Assim, mantém-se produção de efeitos:

→ Relativos à descendência;
→ Relativos aos próprios cônjuges (o cônjuge de boa fé conserva o seu
direito a receber alimentos do cônjuge putativo- art. 2017ºCC; também se
fala no casamento putativo no âmbito das doações para o casamento e
entre casados- art. 1760º1/a) e art. 1766º/1/b)).
→ Relativos à proteção de terceiros que tenham negociado com os cônjuges.

STJ: O decisor teve em consideração que a boa fé, presumida, carece de ser provada.
E reconheceu a ligação intrínseca entre a declaração de existência de casamento
putativo e os seus efeitos possíveis.

Convenções antenupciais- Art. 1691º e ss.

Negócio que pode anteceder o casamento, diferente da promessa de casamento


(art. 1591ºCC). Diferenças:

→ A promessa de casamento é um negócio jurídico bilateral com um conteúdo


totalmente autónomo face ao do casamento;
→ A convenção antenupcial interfere no conteúdo do casamento. Esta pode
incidir em vicissitudes da vida pessoal dos cônjuges, mas sobretudo em
efeitos patrimoniais do casamento, e principalmente, no regime de bens que
vigorará no mesmo casamento. Nos termos do art. 1698ºCC, «Os esposos
podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do
casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer
estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei.»
Esta norma é elucidativa do objetivo fundamental destas convenções: fixar,
através delas, os cônjuges, o regime de bens que vigorará no casamento. A
convenção antenupcial tem um alcance jurídico muito mais importante do
que a promessa de casamento. São ambas figuras antigas, no entanto, a
promessa de casamento é de aplicação muito pontual, ao contrário desta
figura.

Para além da determinação do regime de bens do casamento, matéria sobre a qual


versa a maioria das convenções antenupciais em Portugal, vêm surgindo com cada
vez mais frequência convenções antenupciais com o fito de os cônjuges assumirem
a renúncia ao estatuto de herdeiros legitimários um do outro.

43
Portanto, são negócios jurídicos bilaterais que antecedem o casamento e que
pretendem fixar o regime de bens do casamento, ainda que, o seu conteúdo se
estenda a outras matérias.

Sujeitos das convenções antenupciais


São sujeitos da convenção antenupcial os nubentes e terceiros que nela
intervenham. Nos termos do art.1711º/2, não são considerados terceiros, na
convenção antenupcial, para além dos nubentes, os demais outorgantes e ainda os
herdeiros dos cônjuges. Quanto aos terceiros intervenientes, são parte no NJ.
Relativamente aos herdeiros, os cônjuges devem ter a faculdade de opor a
convenção antenupcial aos herdeiros um do outro. E também os herdeiros dos
cônjuges poderão beneficiar da titularidade do direito de opor a convenção
antenupcial uns aos outros, e também aos herdeiros de todos os outorgantes na
escritura, mesmo que a convenção antenupcial não tenha sido registada. Tirando
esta situação, a regra é a do art. 1711º/1: «as convenções antenupciais só produzem
efeitos em relação a terceiros depois de registadas.»

Capacidade dos nubentes e formalidades das convenções antenupciais


A convenção antenupcial exige capacidade dos nubentes. É a mesma capacidade que
se exige para o casamento (art. 1708º/1). Aos menores só é permitido celebrar
convenções antenupciais com autorização dos respetivos representantes legais e aos
maiores acompanhados, quando devam ser representados para a realização de atos
de disposição entre vivos ou quando os mesmos dependam de autorização, só é
permitido celebrar convenções antenupciais com o acordo expresso do
acompanhante (lei 48/2018).

Art. 1710ºCC: as convenções antenupciais são válidas desde que celebradas por
declaração prestada perante funcionário do registo civil ou, em alternativa, por
escritura pública. O art. 1711ºCC visa estipular a obrigatoriedade do registo como
condição de produção de efeitos relativamente a terceiros (atender ao nº2 do
mesmo preceito).

Imutabilidade das convenções antenupciais


As convenções antenupciais são pautadas pelo princípio da imutabilidade- art.
1714º/1- afirma não ser possível, exceto se a lei determinar o contrário, alterar o seu
conteúdo, incluindo a alteração do regime de bens fixado. A explicação disto é evitar
que um dos cônjuges adquira vantagem patrimonial, enriquecimento, injustificado e
por isso indevido, à custa do outro, durante o casamento.
44
Mas, o art.1713º/1- podem estipular-se convenções antenupciais sob condição ou a
termo.

Interpretação do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais não é


unanime na doutrina:
→ Entendimento amplo: serão imutáveis:
- as cláusulas constantes da convenção antenupcial;
- as normas do regime de administração e de disposição de bens;
- a situação concreta dos bens dos cônjuges que interessa às relações entre
estes. Ou seja, a imutabilidade da convenção antenupcial veda qualquer NJ
que implique uma modificação na composição das massas patrimoniais
pertencentes ao casal.
→ Entendimento restrito: quaisquer NJ sobre bens concretos e para os quais
não exista norma especial estariam fora deste princípio, podendo ser
celebrados com base no princípio da autonomia privada e de acordo com as
regras gerais.

Em causa está determinar o sentido do art. 1714º/2. Deve seguir-se a tese restritiva.
Porquê?
• Porque o regime da imutabilidade das convenções antenupciais é muito
rígido e a ponto de ter deixado de vigorar em alguns países. Por exemplo, na
Alemanha e Suiça vigora regra da mutabilidade;
• Porque o art. 1714º/2 não surge em nexo de continuidade temática com o
regime estipulado no nº1. Ao passo que no nº1 se determina a proibição de
alterar o conteúdo das convenções antenupciais, o nº2 institui, sim, uma
regra de proibição de certos NJ. Trata-se de uma extensão dos efeitos do nº
anterior a NJ claramente identificados pelo nº2. O legislador não afirma que
estes NJ estão submetidos ao princípio da imutabilidade das convenções. O
que determina é a aplicabilidade da proibição (consequência jurídica vertida
no nº1) a certos NJ. O entendimento legislativo é que a participação com
outrem em sociedades de capitais não favorece a dissipação de bens (má
administração) nem fraudes no regime de bens.

O art. 1714º/3 vem admitir a participação de 2 cônjuges na mesma sociedade de


capitais, e bem assim, a dação em cumprimento feita pelo cônjuge devedor ao seu
consorte. A norma representa uma exceção atribuída à proibição de sociedades
entre os cônjuges, prevista no nº2.

45
Princípio da liberdade
As convenções antenupciais regem-se pelo princípio da liberdade. Estas têm uma
importância decisiva no domínio do regime de bens do casamento. É aqui que o
princípio da liberdade de estipulação do seu conteúdo tipicamente se manifesta.
Pois só é possível alterar o regime de bens supletivo (regime de comunhão de
adquiridos), desde que isso ocorra no âmbito de uma convenção. As convenções
antenupciais são o lugar jurídico de estipulação de um regime de bens diferente do
pré-estabelecido na lei.

A lei, fiel ao princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, impõe que o


regime de bens se mantenha idêntico durante a constância do casamento. Optar por
um regime de bens tendo em conta o momento do casamento é garantia de muito
pouco, em termos patrimoniais (maior celeridade do comércio jurídico e vicissitudes
da vida profissional). Os objetivos que se tiveram em preferir comunhão ou
separação de bens podem mudar com facilidade.

Art. 1698ºCC- efeito mais importante da convenção antenupcial reside na


capacidade de determinar o regime de bens do casamento. Regimes convencionais
substituem o regime legal supletivo.

Quem não celebra convenção antenupcial é casado no regime legal supletivo, o


regime de comunhão de adquiridos, a não ser que se verifiquem situações raras e
que determinam um regime próprio.

Art. 1720ºCC:

REGIME IMPERATIVO

1. Consideram-se sempre contraídos sob o regime da separação de bens:

a) O casamento celebrado sem precedência do processo preliminar de


casamento; (casamento urgente)- cautelas patrimoniais.
b) O casamento celebrado por quem tenha completado sessenta anos de
idade. (considerados frágeis- CC toma por princípio que já não têm capacidade
plena no regime de bens que muito bem entenda).

A lei acolhe ainda outra modalidade limitativa da liberdade de estipular o regime de


bens do casamento. É o que ocorre sempre que um dos nubentes tenha descendente
anterior ao casamento: casará segundo outro regime que não a comunhão geral e
sem inclusão dos bens mencionados no art. 1722º/1 entre os seus bens próprios. Ou

46
seja, abrem-se-lhe as portas da comunhão de bens adquiridos. Assim decorre do art.
1699º/2.

Fora estes casos, o âmbito de aplicação das convenções antenupciais em matéria de


regimes de bens do casamento é vasto. O regime de comunhão de bens adquiridos
é o regime legal supletivo: vigora caso a convenção antenupcial não se pronuncie
sobre o regime de bens do casamento. Apesar de a lei o impor como regime
supletivo, podem os nubentes enfatizar a escolha, declarando-a em convenção
antenupcial- enfase redundante.

Pode, assim, determinar-se um regime que não o supletivo: optarem os nubentes


pela comunhão geral, ou pela separação de bens. Havendo 3 regimes de bens
tipificados (comunhão geral de bens, comunhão de adquiridos e separação de bens)
nada impede aos nubentes uma outra opção, que escolha elementos de várias
soluções ditadas por qualquer destes regimes- regime de bens atípicos. EX: podem
os nubentes estipular que no geral o regime de bens do seu casamento será o da
comunhão de adquiridos, se bem que, contrariamente ao que vigora para esse
regime, o salário auferido pelos cônjuges seja um bem próprio.

Estipulação de regimes de bens sob condição ou termo em convenção antenupcial

→ A lei admite que o regime de bens convencionado mude em razão de


verificação de condição ou termo, desde que a condição ou o termo constem
da convenção antenupcial. Mas mantém-se imutável: é ela própria a estipular
as condições ou os termos que poderão ser apostos para que o regime de
bens mude- art. 1713º/1 CC. EX: nos primeiros 3 anos vigorará regime de
comunhão de adquiridos, depois regime de separação de bens; mudaremos
o regime de bens para comunhão geral, caso nasça um filho nosso. Com o
preenchimento da condição ou a ocorrência do termo, não produzirão efeito
retroativo em relação a terceiros (art. 1713º/2 CC), ou seja, os créditos de
terceiros, constituídos antes da verificação da condição ou termo, serão
pagos de harmonia com o regime de bens que vigorava antes- princípio da
segurança do comércio jurídico;
→ A lei contempla a possibilidade de alterar o regime de bens convencionado,
no caso de ter havido revogação de doações mortis causa feitas por terceiros
aos nubentes (art. 1715º/1/a) porque a composição das massas patrimoniais
pode sofrer, por esse facto, alterações que justifiquem uma nova decisão dos
cônjuges sobre o regime de bens.
→ AC. 26-05-1993 STJ: Imutabilidade de modo a: afastar o risco de um dos
cônjuges se aproveitar; evitar que as convenções se pudessem alterar por

47
simples decisão dos cônjuges; necessidade de salvaguardar interesses de
terceiros

Conteúdo de cláusulas patrimoniais nas convenções antenupciais para além dos


regimes de bens. Doações para casamento

Liberdade de escolha do regime de bens. Mas é possível que o conteúdo de uma


convenção antenupcial não se circunscreva ao regime de bens: pode nem estipular
nada sobre essa matéria.

É possível celebrar doações para casamento inter vivos numa convenção


antenupcial- art. 1756º/1 CC.

NOTA:
NOTA:AC-AC-As
Asdoações
doaçõesentre
entreesposados
esposadossão
sãoas
asdoações
doaçõesfeitas
feitaspor
porumum esposado
esposadoaa
favor
favordodooutro e em
outro vistavista
e em do futuro casamento-
do futuro doações
casamento- condicionais,
doações cuja eficácia
condicionais, cuja
fica dependente da verificação da condição legal (suspensiva) da futura celebração
eficácia fica dependente da verificação da condição legal (suspensiva) da futura
do casamento- facto incerto e do qual depende a eficácia da doação- esta já existe,
celebração do casamento- facto incerto e do qual depende a eficácia da doação-
mas não tem efeitos. Art. 1756ºCC- se os nubentes aceitarem o regime supletivo e
esta já existe, mas não tem efeitos. Art. 1756ºCC- se os nubentes aceitarem o
fizerem uma escritura de doação, deixando claro que se trata de um negócio
regime supletivo e fizerem uma escritura de doação, deixando claro que se trata
prénupcial e por causa do casamento, estaremos perante uma convenção
de um negócio pré-nupcial e por causa do casamento, estaremos perante uma
antenupcial e a doação será formalmente válida.
convenção antenupcial e a doação será formalmente válida.

Doações para casamento-as que visem beneficiar nubentes celebradas no âmbito da


convenção. Art. 1753º/1- doações feitas a um dos esposados ou a ambos, em vista
do seu casamento. Tais doações poderão ser feitas pelos futuros cônjuges um ao
outro, ou por terceiro ou terceiros a qualquer dos cônjuges, ou a ambos.

As doações para o casamento deverão constar de convenção antenupcial e obedecer


aos requisitos de forma de tais convenções para produzirem efeitos- art. 1756ºCC.

Estão excluídas das doações para o casamento quaisquer liberalidades, inter vivos
ou mortis causa, que os esposados estipulem, na convenção antenupcial, a favor de
terceiros- exógena aos interesses do casamento. Regimes jurídicos diferentes:
consequências jurídicas em caso de ingratidão para com o doador. Nos termos gerais
do contrato de doação, poderá a mesma ser revogada pelo doador, unilateralmente,
uma vez que preencha os requisitos legais da ingratidão (art. 974ºCC). Porém, sendo
a doação feita para o casamento, não é revogável unilateralmente (art. 975º/a). A
doação para o casamento caduca se o casamento vier a ser declarado inválido (art.
1760º/1/a).

48
Doações por morte e deixas testamentárias

Art. 1700ºCC. Podem celebrar-se, na convenção antenupcial, pactos sucessórios,


seja nomeando os nubentes terceiras pessoas como suas herdeiras ou legatárias,
seja vindo terceiras pessoas à convenção antenupcial nomear um dos nubentes, ou
ambos, seus herdeiros ou legatários. Dependem de aceitação (art. 1701º/1). São,
assim, verdadeiros contratos e não podem revogar-se, a menos que se verifiquem
apertados requisitos legais. Aplicação às doações para casamento mortis causa-
regime idêntico ao vertido no art. 1758ºCC. Assim, as doações entre os esposados
não são revogáveis por mútuo consentimento. As disposições feitas aos esposados
por terceiros poderão ser revogáveis, verificando-se mútuo consentimento- art.
1701º/1 CC.

São permitidas cláusulas de reversão ou fideicomissárias nas liberalidades que


constem da convenção antenupcial- art. 1700º/2.

Art. 1705º/3: «a irrevogabilidade da disposição (disposição mortis causa a favor de


terceiro, realizada por algum dos nubentes ou pro ambos) não a isenta do regime
geral da revogação das doações por ingratidão do donatário (…)».

Lei nº48/2018 de 14 de agosto: reconhece a possibilidade de renúncia recíproca à


condição de herdeiro legitimário nas convenções antenupciais. Art. 1700º/1/c)- a
convenção antenupcial pode conter «a renúncia recíproca à condição de herdeiro
legitimário do outro cônjuge». Nº3 do mesmo preceito- apenas é admitida se o
regime de bens for o da separação.

Restrições ao conteúdo das convenções antenupciais: efeitos pessoais: art.


1699ºCC.

Invalidade e caducidade

→ A convenção antenupcial é um NJ bilateral. Pode enfermar de vício e em razão


desse facto, ser inválida. Se uma cláusula da convenção é inválida, não
significa que toda a convenção o seja, pelo princípio do aproveitamento dos
NJ.
→ Uma convenção antenupcial declarada nula ou anulável não invalida o
casamento, dado a sua autonomia face ao casamento. Caso esta
estabelecesse o regime de bens, o casamento, válido, reger-se-ia pelo regime
legal supletivo de comunhão de bens adquiridos.
→ Qualquer convenção antenupcial pode ser alterada até à celebração do
casamento;

49
→ A convenção antenupcial caduca em certas circunstâncias: «no caso de o
casamento não ser celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a
ser declarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento
putativo» - art. 1716ºCC.

Regime de Bens

O regime de bens consiste na determinação da titularidade do património dos


cônjuges – a qual deles pertence dado imóvel, a qual deles pertence certa conta
bancária, etc.

O art. 1698 afirma o princípio da liberdade do regime de bens: “os esposos podem
fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento (...)”.

Regime de bens supletivo e imperativo

Art. 1717: “na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade


ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da
comunhão de adquiridos”.

Regime de bens supletivo.

Contudo, há casos em que vigoram regimes de bens imperativos, bem como


situações matrimoniais que proíbem introduzir um regime de comunhão de bens
legal ou um regime de bens atípico próximo daquele.

Assim sucede:

 Se um dos nubentes tiver já completado os 60 anos;


 No caso de casamentos que não tenham sido precedidos de processo
preliminar;
 A lei veda o regime de comunhão geral e proíbe a comunhão de certos
bens aos nubentes que tenha filhos de outrem, anteriores ao casamento.

50
Comunhão de bens adquiridos

A comunhão de adquiridos está prevista no art. 1721 e ss e concebe-se como um


regime intermédio entre a comunhão geral e o regime da separação de bens.

O princípio ínsito ao nosso atual regime legal supletivo é o de que devem ser próprios
– ou seja, integrados na comunhão – os bens de que cada cônjuge for titular antes
do casamento, e também os que receba por doação ou a título de herança. E
consideram-se bens comuns os bens que os cônjuges angariam no decurso da sua
comunhão de vida matrimonial.

A regra equacionada é muito genérica. Pois os bens obtidos depois do casamento


revelam-se, na prática, como bens próprios ou comuns em função do cônjuge a
quem compete administrá-los e de modo mais ou menos partilhado, dialogado com
o outro cônjuge, como os administra.

Por outro lado, o regime de comunhão de bens adquiridos que vigora entre nós
traduz em grande incoerência entre a titularidade dos bens e os poderes efetivos de
cada cônjuge sobre alguns bens próprios do outro.

Apesar de todas as críticas feitas a este regime, a prof. Margarida Silva Pereira,
afirma que o legislador andou bem em considerar que o salário dos cônjuges é um
bem comum, caso dois cônjuges contraiam casamento e, não celebrando convenção
antenupcial, seja a comunhão de adquiridos que vigora no seu casamento.

Pois o que os cônjuges estabeleceram, foi uma “plena comunhão de vida”. Ora, os
salários dos cônjuges são, por regra, a sua única ou principal fonte de rendimento, e
são desiguais tendencialmente, uma vez que, persiste, a nível mundial, uma
desigualdade que reflete um desequilíbrio salarial e de perceção de rendimentos do
trabalho em geral entre homens e mulheres mesmo com iguais níveis de
habilitações.

Nesse contexto, a comunhão do salário que o regime de comunhão de bens


adquiridos impõe mitiga a desigualdade social, se bem que não a solucione.

 Bens próprios dos cônjuges:

Nos termos do art. 1722 do CC, são bens próprios:

51
→ Os bens que cada cônjuge tenha ao tempo da celebração do casamento 2;
→ Os bens que advierem a cada cônjuge depois do casamento por sucessão
ou doação;
→ Os bens adquiridos do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.

A lei apresenta casos em que um bem pode ser adquirido na constância do


casamento e por virtude de direito próprio anterior, mas sem prejuízo de o
adquirente ter o dever de compensar, caso tal seja devido, o património comum.
Assim estipula o art. 1722/2, enumerando tais bens:

→ Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores sobre


patrimónios ilíquidos partilhados depois dele. Ex: herança indivisa;
→ Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu
início antes do casamento. Ex: A adquire a posse relativa ao direito de
propriedade de um prédio rustico (art. 1263), antes do casamento, e
depois do mesmo adquire a propriedade do mesmo por usucapião (art.
1287);
→ Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade. Ex:
Contratos de compra e venda a prestações;
→ Os bens adquiridos no exercício do direito de preferência fundado em
situação existente à data do casamento;

A lei vai mais longe no elenco de bens próprios. Assim, são-no também:

→ Os bens sub-rogados no lugar dos bens próprios de um dos cônjuges por


meio de troca direta. Art. 1723 alínea a). Ex: um terreno adquirido por
troca de um bem próprio;
→ O preço dos bens próprios alienados (art. 1723 alínea b);
→ Os bens adquiridos ou benfeitorias feitas com dinheiro ou valores
próprios de um dos cônjuges, desde que a sua proveniência seja
devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento
equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges (art. 1723 alínea c).

 Bens comuns aos cônjuges:

2 Inclui-se aqui também as poupanças realizadas com salários auferidos antes do casamento.

52
Em regime de comunhão de bens adquiridos há um acervo expressivo de bens
integrados na comunhão, que o legislador não deixou de enumerar.

Assim determina o art. 1724:

→ O produto do trabalho dos cônjuges;


→ Os bens adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam
excetuados por lei.

O princípio geral é o de que os bens adquiridos na constância do casamento são


comuns, a menos que a lei imponha exceções.

Vigora a presunção de comunicabilidade sobre os bens móveis, sempre que haja


dúvidas acerca da sua titularidade (art. 1725).

A lei atendeu ainda à determinação da titularidade daqueles bens que, tendo sido
adquiridos em parte como bens próprios de um dos cônjuges e em parte como bens
comuns, revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações (art. 1726/1).

Mas, nos casos em que a aquisição se realiza em parte com bens próprios e em parte
com bens comuns, e as prestações são desiguais, a natureza do bem é a natureza da
prestação mais valiosa. O legislador louvou-se na vantagem que representa atribuir
a mesma natureza a todo o bem que se adquire. Esta razão de ser da solução vertida
no nº 1 do art. 1726.

O cônjuge cujo património tenha sido lesado apenas poderá ser compensado,
contudo, no momento da dissolução e partilha da comunhão (art. 1726/2).

A lei indica no art. 1727 ao art. 1729, outras situações em que os bens são
considerados próprios de um dos cônjuges.

Compete distinguir, no domínio das doações feitas a um dos cônjuges, e bem assim
no caso de deixas testamentárias, os casos em que o próprio doador ou testador
afirma que tais bens entram na comunhão. Nesse caso, a liberalidade considera-se
conjunta e os bens são comuns (art. 1729). Do que verdadeiramente se trata, é de
doação ou deixa testamentária que realmente visou beneficiar ambos os cônjuges.

Nos termos do art. 1730, cada um dos cônjuges participa por metade no ativo e no
passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso. Cada
cônjuge pode fazer doações em favor de terceiro por conta da sua meação
(compósito de bens suscetíveis de divisão) nos bens comuns.

53
O art. 1731 versa sobre o regime jurídico dos instrumentos de trabalho que tenham
entrado no património comum por força do regime de bens. O cônjuge que deles
necessita tem o direito a ser encabeçado neles no momento da partilha, com caráter
prioritário.

Há consequências jurídicas do regime de comunhão de bens adquiridos que


desvirtuam verdadeiramente a titularidade dos bens. Assim, o cônjuge que possui
bens imóveis próprios, não poderá aliená-los sem a autorização do seu cônjuge. E
também não os poderá onerar (ex: arrendar), sem a mesma autorização. A
titularidade própria mantém-se, mas as consequências do direito de propriedade
sobre esses vens são fortemente comprimidas.

Justifica-se que assim aconteça?

→ a opção legislativa foi claramente acentuar a conjugação das decisões dos


cônjuges sobre bens de maior importância o que não se ajusta, necessariamente, à
composição das massas patrimoniais dos cônjuges.

Comunhão geral de bens

A lei regula este regime atualmente nos art. 1732 e ss, estipulando que, nestes casos,
o património comum é constituído por todos os bens, presentes e futuros, dos
cônjuges.

A enumeração dos bens incomunicáveis neste regime surge de seguida, no art. 1733,
de acordo com a tipicidade apertada.

Segundo esta tipicidade normativa, excetuam-se da comunhão:

 Os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a


cláusula de incomunicabilidade. A lei integra aqui bens adquiridos por
doação inter vivos ou mortis causa, bem como deixas testamentárias;
 Os legados por conta da legítima, desde que abrangidos pela cláusula de
incomunicabilidade;
 Os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão ou
fideicomissária, a não ser que a cláusula tenha caducado;
 O usufruto, o uso ou habitação ou demais bens pessoais. Sendo direitos
reais, a relação que se estabelece entre o titular e o objeto do direito real
é de tal modo relevante que a lei não admite a possibilidade de ser
comunicada, apesar de vigorar o regime de comunhão geral de bens;

54
 Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para
cobertura de riscos sofridos por bens próprios;
 Os vestidos, roupas e outros objetos de uso pessoal e exclusivo de cada
um dos cônjuges, bem como os seus diplomas e a sua correspondência;
 As recordações de família de diminuto valor económico;
 Os animais de companhia que cada um dos cônjuges tiver ao tempo da
celebração do casamento.

A lei determina a aplicação ao regime da comunhão geral de bens as regras do


regime da comunhão de adquiridos, com as necessárias adaptações (art. 1734). Ou
seja, vigora um regime de supletividade do regime de comunhão de adquiridos face
ao de comunhão geral. Assim, caso o regime de comunhão geral de bens não
explicite regras aplicáveis na sua constância, recorrer-se-á às regras próprias do
regime de comunhão de bens adquiridos.

Aplicam-se aos bens incomunicáveis as regras da sub-rogação legal (art.1723), que


fixa a natureza dos bens adquiridos em parte com bens próprios e em parte com
bens comuns (art.1726).

Ex: Admita-se que um bem é adquirido no regime de comunhão geral de bens, em


parte por bens próprios de um dos cônjuges (por ex, doação com cláusula de
incomunicabilidade), e, em parte, com dinheiro ou bens comuns. Por aplicação
doart.1726/1, o bem reveste a natureza da mais valiosa das duas prestações. E vigora
o correspetivo direito a compensação pelo património comum aos patrimónios
próprios dos cônjuges (art.1726/2).

Igualmente se aplicará a regra que determina a natureza do bem adquirido por


titularidade de bens próprios (art.1728); a regra relativa à participação dos cônjuges
no património comum (art.1728).

Regime da separação de bens

Este é o regime de bens imperativo para alguns casamentos. Pode, também, ser a
opção de qualquer casal que não esteja vinculado ao regime de separação de bens,
de acordo com estipulação em convenção antenupcial.

55
Art. 1735: “Se o regime de bens imposto por lei ou adotado pelos esposados for o da
separação, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens
presentes e futuros, podendo dispor deles livremente”.

Conclui-se, pois, que em regime de separação de bens, cada membro do casal


mantém a titularidade dos seus bens. Não há uma verdadeira comunhão e os
poderes de disposição são totais.

A lei entendeu por bem que mesmo em regime de separação de bens existem regras
que desvirtuam a total separação patrimonial entre os cônjuges.

Assim, não é possível exercer direitos sobre a casa de morada de família, mesmo que
esta seja o bem próprio de um dos cônjuges, sem a autorização do outro.

Administração de bens no casamento

O art. 1678/1 defere, por regra, ao cônjuge a administração dos bens de que seja
proprietário. Contudo, em circunstâncias especiais, esta regra da administração dos
bens de que o cônjuge é proprietário não se aplica.

Assim:

→ Se o móvel X pertence a um dos cônjuges, mas é usado como instrumento


de trabalho do outro, e sendo este cônjuge que o usa exclusivamente, é
ele o cônjuge administrador (alínea c do mesmo artigo);
→ Pode verificar-se a ausência ou impedimento do outro cônjuge para
administrar os bens próprios do outro cônjuge: de novo, a administração
é deferida àquele cônjuge que mostra estar em condições de administrar
(alínea f do mesmo artigo);
→ E pode suceder que o próprio cônjuge administrador tenha, através de
mandato revogável, incumbido o cônjuge não administrador de o fazer
(alínea g).

Em relação aos bens comuns, é regra a administração conjunta, sem prejuízo de casa
cônjuge poder praticar por si só atos de administração ordinária (nº 3 do mesmo
artigo).

56
Existem, ainda, bens comuns que deverão ser administrados exclusivamente pelo
cônjuge titular de uma ligação especial com os mesmos bens (nº 2 do mesmo
preceito).

O art. 1681 estabelece que o cônjuge administrador de bens comuns ou próprios do


outro cônjuge, ao abrigo das alíneas a) a f) do art. 1678, não é obrigado a prestar
contas da sua administração. Mas isso não o exime de responder por atos
intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge.

No caso de a administração pelo cônjuge se fundar em mandato, há lugar à aplicação


das regras do contrato de mandato (nº 2 do art. 1681), embora com ressalvas
(apenas prestará contas e entregará o saldo, se o tiver, de atos praticados durante
os últimos 5 anos, salvo estipulação em contrário).

O nº 3 deste artigo atende aos casos em que, sem mandato escrito, mas com
conhecimento e sem oposição expressa do outro cônjuge, um dos cônjuges entra na
administração dos bens próprios daquele ou dos bens comuns que não administre,
aplicando as regras da administração fundamentada em mandato.

Poderes de alienação dos bens pelo cônjuge administrador

Em princípio, cabe a cada cônjuge a administração dos bens de que é proprietário


(art. 1678/1).

O conceito jusfamiliar de administração tem em consideração o significado


económico do ato praticado no estatuto do casal. Assim, apenas nos casos em que a
dimensão financeira do gasto praticado seja muito relevante para o casal, deveras
onerosa para o seu padrão de vida, deverá considerar-se o gasto fora do âmbito do
conceito de administração ordinária (será, portanto, um ato de administração
extraordinária). Se, inversamente, se tratar de uma despesa avultada, mas
compatível com o padrão financeiro do casal, será considerada um ato de
administração ordinária.

A alienação ou oneração dos imóveis próprios e comuns, contantes das alíneas a),
b), c), d) e), f) do art. 1678/2 cabe a cada cônjuge.

57
A administração dos bens do casal é considerada relevante pelo legislador, ao ponto
de admitir que uma má administração constitua fundamento de separação judicial
de bens. Assim, nos termos do art.1767, qualquer cônjuge pode requerer esta
separação, sempre que entenda estar em perigo de perder o que é seu devido à má
administração do outro cônjuge.

Em nome da reserva da vida familiar, tem legitimidade para a ação de separação de


bens o cônjuge lesado ou o seu representante legal, mas apenas no caso de ele estar
interdito (ou vir a ser, futuramente, maior acompanhado) e ouvido o conselho de
família – art.1769/1.

Nos casos em que o representante legal seja o cônjuge considerado mau


administrador, a ação poderá ser intentada por parente na linha reta ou até ao 3º
grau da linha colateral. (1769/2).

Em caso de inabilitação do cônjuge lesado, pode ser intentada por ele ou pelo
curador, mediante autorização judicial (1769/3).

Uma vez decretada a separação de bens por esta via, será esse o regime de bens que
vigora, procedendo-se à partilha, tal como se o casamento tivesse sido dissolvido –
art.1770/1.

A lei acautela a posição do cônjuge não administrador face aos comportamentos que
entenda não corresponderem a uma boa gestão dos bens do casal pelo outro
cônjuge. Assim, poderá tomar providências: tanto no caso de haver impossibilidade
por parte do outro cônjuge de administrar e ele não diligencie uma alternativa, como
no caso de o retardamento das providências de administração que se impõem estar
a provocar prejuízos (art. 1679).

As providências que o cônjuge não administrador pode tomar consubstanciam atos


de administração pontuais, em caso de eventual impossibilidade de atuação do
cônjuge administrador.

Atos de alienação dos bens pelos cônjuges

Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração de imóveis


cuja administração caiba a ambos, a menos que se trate de atos de administração
ordinária – art.1682.

58
Cada cônjuge pode legitimamente alienar ou onerar inter vivos os móveis próprios
ou comuns que administre, nos termos do art.1678/1 e das alíneas a) a f) desse
artigo, segundo o art.1682/2.

A lei impõe o consentimento para a alienação ou oneração de certos bens:

 Os móveis usados conjuntamente na vida do lar ou como instrumentos de


trabalho;
 Os móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que não administra,
a menos que se trate de ato de administração ordinária. A lei sanciona
expressamente as alienações gratuitas indevidas. Assim, o valor desses
bens será levado em conta na sua meação, a menos que se trate de
doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais
(1682º/4).
Os demais atos de alienação indevida são anuláveis, nos termos do art.1687º.

Art.1682-A – carece sempre de consentimento de ambos os cônjuges, a menos que


entre eles vigore o regime da separação de bens:

 A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de direitos pessoais


de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.
 A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio
ou comum.

Art.1682-A/2- a alienação ou constituição de direitos pessoais de gozo sobre a casa


de morada de família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges,
independentemente do regime de bens.

Ampliando esta proteção, a lei impõe o consentimento de ambos os cônjuges nos


casos previstos nas alíneas do art.1682-B.

A lei exige para o consentimento do cônjuge, nestes casos, a forma requerida para a
procuração; a admite que possa haver suprimento judicial do consentimento, nos
casos estritos em que se verifique injusta recusa. – art.1684/2. Também a
impossibilidade de o prestar poderá determinar que a autorização seja judicialmente
suprida (art. 1684/2 e 3).

59
Responsabilidade por dívidas

Vigora o princípio da liberdade de cada cônjuge para contrair dívidas sem o


consentimento do outro – art.1690/1.

Art.1691 atribui responsabilidade a ambos os cônjuges por um conjunto de dívidas


(ver alíneas do nº1 deste artigo).

O elenco sofre extensão no regime de comunhão de bens. Nesse regime, as dívidas


contraídas por qualquer dos cônjuges antes do casamento em proveito comum do
casal são da responsabilidade de ambos – art.1691/2.

Há que fazer a distinção entre dívidas para ocorrer aos encargos da vida familiar, e
dívidas que aproveitam ao casal. Estas últimas são dívidas que interessam a ambos
os cônjuges, se bem que possam não ocorrer a encargos da vida familiar (ex.
investimento em bens artísticos ou na remodelação de um prédio; os encargos da
vida familiar não foram satisfeitos deste modo e, todavia, a dívida contraída
aproveitou o casal).

O proveito comum não se presume, exceto nos casos em que a lei o declare (1691/3).
Deverá o cônjuge que contraiu a dívida prová-lo.

Art.1692 - outras dívidas são da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges.

O art.1693 estipula um regime específico para as dívidas que oneram doações,


heranças ou legados: são da exclusiva responsabilidade do cônjuge aceitante,
mesmo nos casos em que a aceitação tenha sido efetuada com o consentimento do
outro cônjuge.

Apenas nos casos em que os bens em questão ingressem no património comum por
força do regime de bens, a responsabilidade pelas dívidas será comum. O cônjuge
aceitante poderá, todavia, impugnar o seu cumprimento, fundamentando a
impugnação com base na insuficiência dos bens para a satisfação dos encargos
(1693/2).

Também as dívidas que oneram bens certos comuns são da responsabilidade de


ambos os cônjuges, mesmo que tenham sido contraídas e se tenham vencido antes
da comunicação dos bens.

Importa agora determinar que bens respondem, respetivamente, pelas dívidas da


responsabilidade de um dos cônjuges ou de ambos:

60
 Quando as dívidas são da responsabilidade do casal, respondem primeiro
os bens comuns e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, os bens
próprios de qualquer deles; apenas no regime de separação de bens a
responsabilidade não é solidária (1695º/1 e 2).
 Quando os bens são da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges,
respondem os bens próprios do cônjuge devedor; subsidiariamente,
responde a sua meação nos bens comuns (1696/1).

1696/2 - Para além dos bens próprios do cônjuge devedor, respondem certos bens
comuns.

Os bens comuns do casal podem ser penhorados de imediato, podendo terceiros


exigir e satisfazer o seu crédito.

A lei prevê um mecanismo de compensação, sempre que um só dos cônjuges tenha


respondido por dívidas da responsabilidade de ambos. Neste caso, o cônjuge que
efetuou a prestação torna-se credor do outro, na medida em que tenha efetuado
uma prestação que exorbite a que lhe competia fazer. Porém, a compensação é
devida apenas no momento da partilha dos bens do casal.

Exceciona-se o regime de separação de bens. Neste regime, sempre que um dos


cônjuges responde por dívida da responsabilidade de ambos apenas com os seus
bens, o crédito é exigível a todo o tempo – art.1697/1 in fine.

União de Facto

Introdução

As uniões de facto são uniões informais de casais heterossexuais e/ou homossexuais


com modo de vida tipicamente conjugal, às quais se atribuem efeitos jurídicos, mais
parcimoniosos na generalidade dos casos, do que os efeitos do casamento.

Contagem do Prazo para a Constituição da União de Facto

São necessários dois anos de vida conjunta para se qualificar o casal como unido
de facto.

61
A qualificação familiar da união de facto coloca fim, no nosso entendimento, a uma
dúvida sobre motivos que poderiam suspender ou determinar a interrupção da
contagem do prazo para a produção de efeitos jurídicos.

Pois a vida em condições análogas às dos cônjuges implica que não haja fundamento
para distinguir as consequências jurídicas da vida conjugal e da vida em união
informal.

Mas que sucede se um dos companheiros deixa de residir com o outro,


designadamente, porque se desloca para outro lugar em virtude de cumprimento de
deveres profissionais, para ingressar no mercado de trabalho, ou mesmo para tratar
de familiar ou outra pessoa que dele necessite?

→ Sabe-se que o distanciamento físico entre os cônjuges não é impeditivo do


cumprimento dos deveres conjugais.

Por outro lado, relembra-se que o dever de coabitação do art. 1673 conhece
exceções. Assim de acordo com o art. 1673/2, os cônjuges devem adotar a residência
da família “salvo motivos ponderosos em contrário”.

Pergunta-se: não será um tal motivo ponderoso a deslocação em trabalho, para


estudo, que implique a residência separada por certo ponto?

→ Não se afigura que haja motivo para considerar que seja impeditivo de união de
facto e que esta seja interrompida em casos de domicílio não coincidente, quando
este é determinado por razões ponderosas.

É certo que a prova do decurso de dois anos, se é sempre complexa, se torna ainda
mais complicada nestas circunstâncias. Assim, no caso de ser solicitado à junta de
freguesia documento comprovativo de que a união de facto existe, esta apenas
poderá atestar que os companheiros iniciaram vida comum na mesma residência,
que esta residência continua a ser, apesar da distância que os separa, um ponto de
referência da vida comum.

De salientar que o período de dois anos, essencial para a existência jurídica e para a
produção de direitos e benefícios aos membros da união de facto, não impede,
todavia, que se salvaguardem os interesses legítimos de terceiros que se relacionem
com duas pessoas que vivem em condições análogas às dos cônjuges antes d
completado este período.

Assim acontecerá no caso de incompatibilidades, garantias de isenção, presunção de


paternalidade relativamente ao membro masculino da união de facto heterossexual.
62
Requisitos de Constituição da União de Facto

Tal como no casamento, a união de facto exige: capacidade, liberdade e vontade


de vida em comum.

Impõe requisitos que, como se verá, se diferenciam em vários aspetos dos termos
em que o art. 1601 regula os requisitos do casamento.

Segundo o art. 2 da LUF, “impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida


dos cônjuges ou por morte, fundados na união de facto”:

 Idade não inferior a 18 anos à data do reconhecimento da união de facto.


Significa isto que o legislador não admite a constituição de vida em
condições análogas à dos cônjuges antes da maioridade, diferentemente
do que sucede com o casamento, que pode contrair-se a partir dos 16
anos. No entanto, porque o prazo de duração necessário para a produção
de efeitos jurídicos é de dois anos, a partir dos 16 anos (idade núbil) é
possível iniciar uma vida de tipo conjugal suscetível de obter relevância
jurídica.
 Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos e situação de decisão
judicial de acompanhamento de maior, se assim se estabelecer na
sentença que haja decretado, salvo se posteriores ao início da união de
facto.
 Parentesco em linha reta ou no 2º grau da linha colateral e afinidade no
1º grau (alínea c do art. 2 da LUF). Atualmente, obsta ao casamento, como
referido supra, a existência prévia de exercício de responsabilidades
parentais de um nubente relativamente ao outro. A prof. MSP entende
que, deveria entender-se o mesmo quanto à constituição de união de
facto.
 Condenação anterior de uma das pessoas como autora ou cúmplice por
homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.

A lei não atribui, na união de facto, qualquer relevância aos impedimentos


impedientes que se aplicam ao casamento. É perfeitamente compreensível.

63
União de Facto Constituída tendo um ou ambos os Unidos de Facto o Estado de
Casado

É possível constituir união de facto mesmo na constância de matrimónio, desde que


os cônjuges tenham obtido a separação de pessoas e bens (art. 1794).

É verdade que esta situação não configura o crime de bigamia previsto no art. 247
do CP. No entanto, o legislador abstrai agora do desvalor, também ético, que esteve
na origem do crime de bigamia, entrado em vigor muito antes do reconhecimento
pela lei de outras instituições de tipo conjugal.

MSP: A solução legislativa admite a sobreposição entre casamento e união de facto


e afigura-se atentar neste ponto contra a ordem pública.

Início e Cessação

A união de facto dissolve-se:

 Por morte de um dos seus membros (art. 8/1 alínea a) da LUF);


 Pela vontade de qualquer deles (art. 8/1 alínea b) da LUF). A dissolução é
informal, diferentemente do casamento. Terá, contudo, que ser declarada
judicialmente, quando se pretendam fazer valer direitos dependentes da
sua existência;
 Com o casamento de um dos membros (alínea c).

A cessação da união de facto submete-se às mesmas regras informais da sua


constituição. Pode, contudo, um documento ser subscrito por ambos os membros
mencionando a data da cessação, ou por um deles apenas, no caso de o outro não
pretender subscrever o documento.

A declaração, conjunta ou singular, constitui elemento importante para a


comprovação da cessação dos efeitos jurídicos da união de facto.

Tenha-se em conta que a prova da cessação é essencial para a contagem do prazo


caducente à produção de efeitos jurídicos de união de facto subsequente.

Efeitos Patrimoniais da União de Facto

64
A união de facto não possui regime de bens, nem regras jurídicas sobre
administração de patrimónios, nem ilegitimidades de disposição, responsabilidade
por dívidas, proibição de contratos, nem regulação de participação em sociedades.

Os efeitos sucessórios também não existem para os unidos de facto. São, por isso,
aplicáveis as regras gerais do direito das obrigações ao relacionamento patrimonial
dos cônjuges entre si e com terceiros. Assim, podem os membros adquirir bens em
compropriedade e a título pessoal.

Não há bens comuns, nem regras de administração específicas para os bens, ainda
que utilizamos em proveito dos membros da união de facto ou que sejam
considerados utensílios domésticos.

O mesmo vale para o caso de bens de um dos membros utilizados como


instrumentos de trabalho do outro membro, e também para os casos em que um
dos membros se ausenta ou está incapacitado. Em todos estes casos se aplicam as
regras gerais e não o regime de administração e alienação de bens do casamento.

A prof. MSP entende que, a aplicação da figura matrimonial do regime de bens não
é solução adequada. Ela é própria do casamento, e, sendo este uma realidade
constitutiva de família diversa da união de facto, não é admissível a sua aplicação
por analogia com esta última. A maior informalidade que a união de facto exprime
não legitima tal equiparação.

Pode ainda admitir-se que a aplicação de um regime de bens à união de facto, sem
introdução da correspetiva base legal, significaria fraude à lei. Pois, nesse caso,
poderia vigorar um regime de bens idêntico ao do casamento e sem as formalidades
requeridas para este, admitindo que um casal que se constitui informalmente
beneficiasse de todos os efeitos patrimoniais do regime de bens conjugal.

Responsabilidade por Dívidas na Constância da União de Facto

Na constância da união de facto poderão ser contraídas dívidas por qualquer dos
membros.

A maioria das dívidas contraídas pelos unidos de facto não se regem pelo regime
instituído pelo Código Civil para as dívidas contraídas pelos cônjuges.

Sendo os contratos que se realizam no decurso da união de facto contratos


indiferenciados de quaisquer outros, vinculam as partes que nele intervêm, pelo que
a responsabilidade pelas dívidas recairá, sobre o companheiro que a contraiu.

65
Não há lugar à aplicação analógica do regime do casamento, pois estão em causa
institutos materialmente distintos, o que, atendendo à dimensão material do
princípio da igualdade (art. 13/1 da CRP), desde logo impediria que fossem tratados
da mesma forma.

Na vigência da união de facto, os conviventes podem efetuar livremente compras e


vendas entre si, dado que não estão abrangidos pela proibição legal prevista no art.
1714/1. Podem, igualmente, em princípio, realizar doações sem qualquer limitação,
estando apenas sujeitos ao regime geral da doação, previsto nos art. 940 a 979.

Sucede muitas vezes que apenas um dos membros da união de facto consta como
adquirente no título de aquisição. Nestes casos, o proprietário é quem efetivamente
constar no título de aquisição do bem, não funcionando uma presunção de
compropriedade semelhante à que vigora no casamento para o regime de separação
de bens para os bens móveis (art. 1736/2).

Medidas de Proteção Específicas da União de Facto: Caso de Rutura e Direito à


Casa de Família

O art. 3 da LUF elenca, entre os direitos dos membros da união de facto, a proteção
da casa de morada de família.

Os efeitos que a união de facto gera depois da morte de um dos seus membros ou
da rutura, quando tiverem como objetivo a proteção social do membro sobrevivo
que fique em situação débil, não poderão ser desatendidos. Mesmo que os unidos
de facto tenham pretendendo uma quase separação patrimonial em vida, depois da
morte o unido sobrevivo tem direitos que não decorrem da autonomia da vontade.

É a casa de morada de família, que surge no regime jurídico do casamento, a


expressão a que o legislador recorre. O conceito suporta a maior densidade da
proteção concedida aos membros da união de facto quanto à residência, em caso de
rutura (art. 4 da LUF) ou dissolução por morte de um deles (art. 5 da LUF).

Assim, em caso de rutura de facto, o membro que vida em casa arrendada pelo
outro, terá direito a optar pela transmissão do arrendamento ou pela concentração
a seu favor. O art. 1105/1 pressupõe, para que este direito se constitua, que o
casamento cesse por acordo. Em vigor, aplica-se, pois apenas às uniões de facto que
cessem por acordo.

66
E, no caso de a rutura da união de facto ser unilateral, caberá ao tribunal decidir,
“tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores
relevantes”.

Segundo o art. 1793, em caso de rutura da união de facto, podem o tribunal dar de
arrendamento a qualquer dos cônjuges a casa de morada de família, seja ela comum
ou própria do outro, considerando, nomeadamente, as suas necessidades e o
interesse dos filhos. Esse arrendamento fica sujeito às regras do arrendamento para
habitação, podendo, contudo, o tribunal definir as condições do contrato, ouvindo
os cônjuges, bem como fazer caducar o arrendamento, quando circunstâncias
supervenientes o justifiquem – art. 1793/2.

Direito à Casa de Morada de Família em Caso de Morte

Em caso de decesso do membro da união que era proprietário da casa de morada de


família, a titularidade segue as regras da sucessão por morte. Todavia, ao membro
sobrevivo é reconhecido o direito de permanecer na casa como titular de um direito
de habitação por um prazo de 5 anos e de um direito de uso do recheio (art. 5/1 da
LUF).

O direito de uso e habitação (art. 1485) consiste em servir-se o titular de certa coisa
aleia e de colher os respetivos frutos, na medida das suas necessidades e das
necessidades da sua família.

No caso de os companheiros serem comproprietários da casa, o direito de uso e


habitação é exclusivo do companheiro sobrevivo (art. 5/3 da LUF). Vertido o direito
no art. 1406 do CC, nos termos do mesmo, qualquer dos comproprietários poderia
reclamar esse uso. Através de um regime especial para o membro sobrevivo da união
de facto, a lei afasta essa possibilidade.

O prazo de 5 anos alarga-se sempre que a união de facto tenha tido duração superior
a 5 anos. Em tais casos, a titularidade do direito de uso e habitação tem duração igual
à duração da união de facto – art. 5/2 da LUF.

E qualquer destes prazos pode ainda ser prorrogado por decisão judicial, atendendo
a razões de equidade – art. 5/4 da LUF.

67
A lei estipula, no entanto, uma cláusula de caducidade do direito de habitação e do
uso do recheio de não utilização da casa pelo prazo de 1 ano – art. 5/5 da LUF.

O direito apenas não é reconhecido se o companheiro sobrevivo tiver casa própria


na área do respetivo concelho – art. 5/6 da LUF.

Uma vez esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o


companheiro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de
arrendatário, “nas condições gerais do mercado” – art. 5/7 da LUF.

Por último, o companheiro sobrevivo tem direito de preferência em caso de


alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título (art. 5/8
da LUF).

Outros Efeitos da União de Facto

Nos termos do art. 3 da LUF, as pessoas que vivem em união de facto juridicamente
relevante têm direito a:

 Beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de


férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos
trabalhadores da Administração Pública;
 Beneficiar do regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas
vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas
e licenças;
 Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados
e não separados de pessoas e bens;
 Proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação
do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente
lei;
 Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença
profissional, por aplicação dos regimes jurídicos respetivos e da presente
lei; e
 Pensão de preço de sangue e por serviços excecionais e relevantes
prestados ao país, por aplicação dos regimes jurídicos respetivos e da
presente lei.

68
Divórcio

Introdução

Divórcio significa dissolução do casamento em vida dos cônjuges – é o modo jurídico


de pôr fim voluntariamente ao casamento.

O divórcio distingue-se das invalidades matrimoniais.

Quando o casamento cessa por efeito de qualquer invalidade matrimonial, dão-se


por não produzidos efeitos a partir da data da sua declaração por sentença
transitada em julgado. Excepto no cado de casamentos contraídos por cônjuge ou
por cônjuges de boa-fé, relevarão os efeitos patrimoniais para os cônjuges ou para
terceiros, nos termos do art. 1647/1 e 2.

Mas este reconhecimento de efeitos não significa que a lei reconheça igualmente a
relação matrimonial anterior enquanto verdadeira relação matrimonial.

No caso do casamento putativo não existe casamento a se, mas antes, efeitos
jurídicos de um negócio jurídico declarado inválido. É a efeitos seus que o direito
atende e, por isso, não se poderá afirmar que cessou um casamento, pois, nos
termos do regime próprio das invalidades, a declaração de invalidade retroai ao
momento da celebração do mesmo negócio jurídico. Surge uma exceção no que toca
às relações de filiação e aos efeitos produzidos para os cônjuges de boa fé e para as
relações com terceiros reflexas.

O divórcio distingue-se também da separação judicial de bens e da separação de


pessoas e bens.

Nesses casos, o que sucede é que o casamento se mantém, e de tal forma que a
separação que foi decretada pode conhecer o seu termo, não por dissolução do
casamento, mas sim reatando os cônjuges a sua relação matrimonial e com todos os
seus efeitos.

A lei aplica, nos termos do art. 1794, à separação de pessoas e bens o regime do
divórcio, mas com efeitos específicos. Verifica-se que a separação de pessoas e bens
não dissolve o casamento, mas extingue a generalidade dos deveres conjugais,
excecionando o direito a alimentos. Também o dever de respeito se mantém,
implicitamente. Só quanto aos bens se produzem os mesmos efeitos que
decorreriam do divórcio.
69
Diferentemente do divórcio, que termina o casamento e determina, pois, em caso
de mudança de vontade dos ex-cônjuges, que estes voltem a casar um com o outro,
podem os cônjuges pôr termo à separação de pessoas e bens a todo o momento (art.
1795 B) e retomar em plenitude o mesmo casamento.

De acordo com o art. 1796, a reconciliação dos cônjuges, que pode ter lugar a todo
o tempo, deve fazer-se por escritura pública ou por termo do processo de separação
de pessoas e bens, estando sujeita a homologação. Em caso de reconciliação por
termo do processo de separação, a sentença deverá ser oficiosamente registada.

Modalidades do Divórcio - Generalidades

→ Divórcio por mútuo consentimento resulta de um acordo entre os cônjuges


no sentido de porem fim à sua sociedade conjugal. Neste caso a declaração
dos cônjuges é consensual.
Este tipo de divórcio depende de certos requisitos:

• Idade: não pode ser obtido antes de certa idade- requisito da maturidade;
• Duração mínima do casamento: o casamento deve durar há certo tempo
para que possam os cônjuges requerer o divórcio por acordo- requisito de
convicção;
• Pode estar submetido a procedimentos mais ou menos exigentes: há
regimes jurídicos que impõe um período de reflexão dos cônjuges e outros
admitem o recurso ao divórcio por mútuo consentimento sem tais
imposições;
• Pode ser requerido e decidido judicialmente ou em conservatória do registo
civil: requisito de responsabilidade.

Este tipo de divórcio sofreu alterações no que diz respeito aos seus requisitos.

→ O divórcio litigioso tem lugar quando um dos cônjuges propõe ação contra
o outro cônjuge, alegando violação culposa dos deveres conjugais. Poderá
alegar violação de um ou mais deveres conjugais, assim como imputar ao
outro cônjuge uma culpa mais ou menos intensa quanto a essa violação. O
pedido judicial de divórcio não se fundamenta hoje, em Portugal, na violação
de deveres conjugais – a causa de pedir não é a culpa.

Por culpa entende-se algo que “decorre de um juízo de censurabilidade sobre a


conduta do cônjuge, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que
justificam que lhe seja dirigida essa censurabilidade”.
70
→ Divórcio remédio ou divórcio por rutura da vida conjugal, corresponde a
uma figura híbrida e mais complexa do que as que abordamos primeiro.
Neste caso o divórcio ocorre sempre que se verifiquem ocorrências que, não
provindo de comportamento culposo do cônjuge que não pretende o
divórcio, indiquem que a vida em comum perdeu a sua razão de ser. Este não
vigora atualmente na nossa ordem jurídica.

Divórcio por Mútuo Consentimento

O divórcio por mútuo acordo, contante nos art. 1795 e ss, mantém-se com a
introdução da nova lei – lei nº 61/2008, de 31 de Outubro.

Este deverá ser requerido na conservatória do registo civil e instaurado a todo o


tempo, mediante documento assinado pelos dois cônjuges ou pelos seus
procuradores.

Para que ele ocorra, porém, o legislador impõe exigências muito relevantes:

 Prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça (art. 1775/1 alínea


c);
 Acordo sobre o destino da casa de morada de família (art. 1775/1 alínea
d);
 Acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais (art. 1775/1
alínea e);
 Acordo sobre o destino dos animais de companhia, caso existam (art.
1775/1 alínea f).

No caso de o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais não acautelar


o interesse menor ou menores, segundo o entendimento do Ministério Público, a
quem será enviado, poderão os cônjuges alterá-lo e submeter a alteração a nova
apreciação.

Se, ainda assim, não for considerado este novo acordo satisfatório pelo Ministério
Público, a sua homologação é recusada e o processo será remetido ao tribunal,
seguindo nesse caso, e com as adaptações que se impõem, a via do divórcio sem
consentimento dos cônjuges, nos termos do art. 1779.

71
A mesma regra se aplica em relação aos acordos sobre alimentos e sobre o destino
da casa de morada de família

Conclui-se, deste modo que, a lei não permite o divórcio por mútuo consentimento
extrajudicial sem acautelar interesses sociais fundamentais, como o direito a
alimentos, à casa de morada de família, o interesse do menor ou menores sobre
quem os cônjuges exerçam as responsabilidades parentais e, por último, o destino
dos animais de companhia.

Divórcio Rutura

Este é o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges. A nova lei aboliu a culpa
como fundamento do divórcio. O legislador decide agora que não será a violação
culposa dos deveres conjugais a fundamental o divórcio, mas antes a “rutura do
casamento”, ou seja, a verificação da existência de fatores que determinam a
insustentabilidade da vida comum.

Trata-se de um divórcio requerido no Tribunal por um dos cônjuges contra o outro –


art. 1793/3.

O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges obedecerá a um dos


fundamentos que o art. 1781 enumera.

Segundo este preceito, são “fundamento do divórcio sem consentimento de um


dos conjugues”:

 A separação de facto por um ano consecutivo;


 A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há
mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida
em comum;
 A ausência, sem que o ausente haja notícias, por tempo não inferior a um
ano;
 Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges,
mostrem a rutura definitiva do casamento.

72
O divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges é precedido de tentativa de
conciliação. E, nos casos em que esta não resultar, o juiz procurará obter o acordo
dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento. A lei revela, também nesta
decisão, vertida no art. 1779/1 e 2, a preocupação de evitar a conflitualidade no final
do casamento.

O ponto em que a lei atual amplia a fundamentação do divórcio é a cláusula geral


constante da alínea d): “Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa
dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento”.

Como interpretar este preceito?

→ Os factos suscetíveis de mostrar a rutura do casamento terão esse sentido de


incompatibilidade com a continuação da vida conjugal para a generalidade das
pessoas. O critério de aferição é assim, um critério social e, neste sentido, um critério
objetivo.

Deste modo, não bastará que um cônjuge valore dado comportamento ou atitude
reiterada do seu cônjuge como incompatível com a continuação da vida comum. É
necessário que essa conduta seja socialmente entendida como tal.

O divórcio pode ser requerido a todo o tempo.

Vejamos os princípios a que ele obedece:

 Obedece ao princípio da última ratio. O juiz evita que o divórcio sem


consentimento de um dos cônjuges corra, sem proceder a tentativa de
reconciliação dos cônjuges ou a acordo para a alteração para divórcio por
mútuo consentimento (art. 1779);
 Obedece ao princípio da judicialidade. Tal como se verificava na legislação
anterior, deve ser requerido em tribunal, naturalmente, por um dos
cônjuges contra o outro (art. 1785);
 Não é passível de suscitar a aplicação de sanções a nenhum dos cônjuges.
Não Importa à lei que um dos cônjuges tenha dado culposamente motivo
à rutura da vida conjugal. Se isso aconteceu, o legislador não o tem em
conta para efeito de sanções patrimoniais; e

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 Caso um cônjuge tenha provocado danos ao outro, estes serão apreciados
em processo autónomo à ação de divórcio.

Excetuam-se apenas os casos previstos no art. 1792/2, bem como a alínea b) do art.
1781. Nestes, são apreciadas no processo de divórcio os danos morais causados ao
cônjuge que sofra de alterações das suas faculdades mentais e veja ser proposta uma
ação contra si por esse motivo.

O desaparecimento da referência à culpa teve ainda efeitos no domínio das doações


realizadas em vista do casamento. De forma radical, caducam agora todas as
doações, em questão, independentemente, da culpa dos cônjuges (art. 1791/1). E,
nos termos do nº 2, pode o doador fazer a doação reverter para os filhos do casal.

Ficção do Regime de Bens do Casamento para efeitos de Partilha por Divórcio

O art. 1790 determina que, nenhum dos cônjuges, poderá, em caso de divórcio,
receber na partilha mais do que lhe competiria receber nos casos em que o regime
de bens estipulado seja o de comunhão de adquiridos.

Que significado tem esta regra?

→ Trata-se de uma disposição que não afeta os casamentos celebrados em regime


de separação de bens. Em tais casos, cada cônjuge é titular dos seus próprios bens,
seja a aquisição dos mesmos anterior ou posterior ao casamento.

E não afeta, igualmente, os regimes de bens acordados em convenção antenupcial,


sempre que os cônjuges tenham optado por regimes inominados ou atípicos, em que
os bens comuns sejam menos extensos e diferentes dos bens considerados comuns
ao regime de comunhão de adquiridos.

Mas o mesmo não se passa com os casamentos realizados em regime de comunhão


geral e outros regimes inominados, nos quais a comunhão é menos ampla do que a
resultante da comunhão de adquiridos.

Nestes outros casos, cada cônjuge seria titular dos bens anteriores ao casamento, tal
como de todos os bens posteriores, excetuados os bens que o art. 1699 contempla
como natureza pessoalíssima.
74
A regra aplica-se também aos casamentos entre duas pessoas, no caso de um dos
nubentes ter filho ou filhos de terceiro, anteriores ao casamento, cujo decesso se
verificou, entretanto. O art. 1699 impede a atribuição da qualidade de bens comuns
aos bens referidos no art. 1722, ou seja, a bens que o regime de comunhão de
adquiridos não integra na comunhão.

Responsabilidades Parentais

Diferentemente do que acontece estando os titulares das responsabilidades


parentais casados, situação em que um desacordo sobre “questões de particular
importância” da vida da criança requerem intervenção judicial, competindo ao
tribunal ouvir o menor sobre a matéria e decidir em função (também) dessa audição
(art. 1901/3), em caso de divórcio o procedimento a seguir é minuciosamente
indicado pela lei e tem, sobretudo, em conta o interesse da criança.

Assim, propugna-se que as questões de particular importância para a vida do menor


incumbam a ambos os titulares das responsabilidades parentais. Apenas em casos
urgentes. Regra deverá ser derrogada (art. 1906/2).

A lei orienta-se pelo princípio de que a proximidade entre os progenitores em


relação à vida das crianças é fundamental para o seu desenvolvimento e,
consequentemente, para um processo educativo eficaz, e assim orienta as suas
decisões, fomentando uma pedagogia de partilha das responsabilidades parentais
(nº 7).

Quanto a esta matéria cumpre ainda ter em conta o disposto no art. 1903, 1904,
1904-A, 1905, 1906, 1913 e 1914.

Crédito Compensatório ao Cônjuge Especialmente Onerado na sua Contribuição


para os Encargos da Vida Familiar

Nos termos do art. 1671/2, cabe a cada um dos cônjuges acordar acerca do modo de
distribuição das funções a desempenhar por ambos em prol da vida familiar.

Porém, uma vez extinta por divórcio a vida conjugal, vem reconhecer a importância
do trabalho doméstico. E assim, estipula que, sempre que um dos cônjuges tivesse

75
ficado especialmente onerado com esta incumbência, deverá ter lugar uma
compensação, devida pelo património comum ao património próprio do cônjuge
domesticamente mais onerado.

A nova lei elimina a presunção de renúncia a tal compensação. Trata-se de uma


medida que visa repor a justiça, não só patrimonial, como social.

A lei explicita os pressupostos da atribuição da compensação de modo muito


enfático, mas abrindo as portas a sérias dúvidas interpretativas.

Deverá, por um lado, ter havido, por parte do cônjuge requerente da compensação,
uma contribuição “consideravelmente superior” para os encargos da vida familiar; e
esta superioridade deve ser aferida pela demonstração de que houve uma “renúncia
excessiva” à satisfação dos seus interesses, em favor da vida em comum (art.
1676/1).

O sentido da compensação ao cônjuge mais sacrificado implica uma análise da vida


comum e das suas vicissitudes, só no final da mesma sendo possível determinar se
um dos membros da sociedade conjugal foi verdadeiramente prejudicado, nos
termos do art. 1976/2.

A lei afirma que o momento em que o direito à compensação é exigível é o momento


da partilha, “a menos que vigore entre os cônjuges o regime da separação” – art.
1676/3.

Por outro lado, a lei contempla a partilha no art. 1689, deixando claro que esta tem
lugar a partir do momento em que “cessem as relações patrimoniais dos cônjuges”.
E, não existindo no regime do divórcio a contemplação específica, será através da
partilha que se procede à divisão dos bens; será então que cada cônjuge recebe os
bens próprios e a meação nos bens comuns.

Momento da Atribuição da Compensação nos Casamentos Celebrados no Regime


de Separação de Bens

No final do casamento, a partilha pode realizar-se extrajudicialmente, e, não


havendo consenso, a qualquer dos cônjuges é admitido requerer o inventário.

76
Em regime de separação de bens não se realiza partilha. Poderá, sim, haver lugar a
ações de divisão de coisa comum para o caso de os cônjuges serem comproprietários
(art. 1412 e 1735).

Mais problemático é o sentido da ressalva que a lei adota: “a não ser que vigore o
regime da separação”.

Poderá entender-se que a lei veio afastar o crédito compensatório nos regimes da
separação de bens?

→ MSP: a compensação tem um lugar legítimo, inequívoco, também no regime de


separação de bens, sem prejuízo de dever ser um regime compensatório específico.

Aliás, nunca se justificaria que o regime de separação de bens excluísse uma


compensação e o mesmo não acontecesse com um regime e de bens atípico, muito
semelhante ao de separação de bens.

É de excluir que a lei tenha pretendido a exigibilidade do crédito compensatório a


todo o tempo, caso vigore este regime.

Direito a Alimentos do Cônjuge e dos Filhos

O direito de crédito atribuído ao cônjuge que mais contribuiu para a vida familiar
não é compatível com um outro direito a alimentos, nos termos do art. 2016.

A lei rege a pensão de alimentos pelo critério de necessidade aplicando o art. 1676
de modo autónomo.

E torna expresso, pelo art. 2106/1, que não é reconhecido ao cônjuge o padrão de
vida de que beneficiava na constância do matrimónio.

Acerca do direito a alimentos dos filhos compete atender ao art. 1905.

A lei nº 77/98, de 19 de Novembro e o decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio,


estruturam o regime de atribuição de alimentos a crianças nos casos de
incumprimento pelos titulares da obrigação de alimentos.

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Partilha

A dissolução do casamento determina a cessação das relações patrimoniais entre os


cônjuges.

Precede-se, pois, coerentemente, à partilha dos bens dos ex-cônjuges.

A partilha pode ser acordada ou obtida judicialmente, em processo de inventário


(art. 2102/1 do CC e 1404 do CPC).

Cada um receberá os seus bens próprios e a sua meação no património comum,


conferindo o que dever a esse património (art. 1699).

No caso de haver passivo a liquidar, este seguirá a ordem indicada:

 Dívidas comunicáveis até ao valor do património comum;


 Restantes dívidas depois.

Os créditos de cada cônjuge sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge
devedor no património comum. Só responderão os bens próprios do cônjuge
devedor caso estes sejam inexistentes ou insuficientes.

Nos termos do art. 1689, uma vez terminadas as suas relações patrimoniais, os ex-
cônjuges ou os seus herdeiros receberão os bens próprios e a meação no património
comum.

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