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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

Bruna Monteiro Vala


1º Ano

Sebenta de Direito Romano


Ano Letivo 2021/2022
Turma A

Regência do Prof. Eduardo Vera-Cruz Pinto

Esta sebenta foi feita de modo a permitir aos alunos acompanhar as tutorias e tem por base sobretudo apontamentos
das aulas teóricas e práticas, pelo que não dispensa a consulta dos manuais recomendados para o estudo da cadeira.

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A história romana surge dividida em cinco épocas, marcadas por diferentes sistemas
políticos, que tiveram implicações na forma de criar e dizer Direito:
1. Período da monarquia/ período do rex e das gentes - 753 a.C. a 509 a.C.
2. Período de transição da monarquia para a república - 509 a.C. a 367 a.C. (data
da Lex Liciniae Sextiae)
3. Período da república/ período do populus/ período da res publica - 367 a.C. a
27 a.C. (data em que Júlio César sobe ao poder como pro-cônsul)
4. Período do principado/ período do prínceps inter pares (período entre iguais) -
27 a.C. a 285 d.C.
5. Período dominano/ do império/ prínceps cum rex – 285 d.C. a 385 d.C (fim da
Roma ocidental)

A Monarquia Romana
Introdução:

O Rex e as gentes, as duas principais instituições deste período, marcaram a


criação jurídica primitiva dos romanos.

Organização política:

A organização política de Roma, neste período, assenta em três grandes pilares


constantes:
• O Rex: está no topo da pirâmide hierárquica das estruturas religiosas,
políticas e militares romanas. É a ligação entre o profano e o divino, escolhido
por manifestação visível dos deuses e desempenha várias funções:
1. Imperium militae (poder militar para defender militarmente Roma) - o rei
pode organizar o exército, comandar a cavalaria e escolher órgãos militares;
2. Imperium domi (administração civil) – é o rei quem administra a cidade e
procura dirimir os litígios entre as pessoas, nomeadamente através da aplicação
das lex regiae, propostas de lei que resultavam da formalização de regras
consuetudinárias ordenada pelo rei.
3. Poder de mediação divina - o rei é o sumo pontífice, pelo que tem o poder de
percecionar e descodificar a vontade divina. Este poder de mediação entre os
homens e os deuses era fundamental, pois constitui a base do poder político do
rex e a fonte da sua legitimidade.

Como era eleito o rex?


Podemos considerar que o rei de Roma não era eleito através de um processo
político comum, mas sim escolhido pelos deuses, que revelavam a sua escolha

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através de sinais, nomeadamente o voo das aves (auguratio), ao interrex, que


indicava o nome do escolhido. O fundamento do poder político e militar do rex
era mágico e religioso, sendo o cargo vitalício.

Ou seja, quando o rex morria, sucedia o seguinte:


o O poder sagrado do rex de ler os auspícios ia para o senado, que elegia
entre os seus membros um interrex pelo prazo de cinco dias.
o O interrex, lendo os auspícios (indicação de sinais divinos no voo das
aves), indicava o nome do novo rei, de entre os senadores, a propor aos
comitia curiata no suffragium, como apontava a lex curiata de imperium.
o Submetida a votação nos comitia curiata, o nome proposto era
aprovado, procedendo-se seguidamente à cerimónia religiosa de
aceitação pelos Deuses do novo rex.
o O rei era empossado dos seus poderes de imperium pelos comitia
curiata, com autorização do senado, que era sempre detentor da última
palavra

• O Senado: Órgão que representava os patrícios, ou seja, a aristocracia


romana. Como órgão consultivo do rei, só este o podia convocar. Na
monarquia primitiva, o Senado é apenas uma assembleia constituída pelos
chefes das gentes (pater famílias), que detém o direito de vida e morte sobre
cada um dos membros da família. As competências do Senado neste período
são as seguintes:
1. Interregnum (5 dias) - forma de garantir a continuidade dos auspícios-
aquando da morte do rei, é o Senado que assegura, com a sua faculdade de
nomear alguém que substitua o rei (interrex), que se continuam a interpretar
os sinais divinos enquanto o novo rei não é nomeado
2. Auctoritas- permite a ratificação das deliberações de outros órgãos (ex.: a lex
rogata dos comitia curiata), após a verificação da conformidade das leis com
a tradição moral e jurídica de Roma.
3. Conselho e auxílio ao rex na governação.

• A Comitia Curiata: Reunião de homens livres/assembleias populares, que


reunia todo o populus de Roma. Tinha como competência:
1. Votar as propostas de lei do rei que, uma vez aprovadas pelo Senado,
vigoravam como leges regiae.
2. Aprovar o nome do futuro rei de Roma, proposto pelo interrex.
3. Realizar a segunda votação para reconhecimento e investidura do novo rex
nos poderes de imperium (lex curiata de império). O seu presidente era um
sacerdote, o curio maximus e as votações eram levadas a cabo por um ato de
adesão ou de rejeição (sim ou não).

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As fontes de Direito:

• Consuetudo: Corresponde ao atual costume. Consistia no direito não escrito,


cuja origem se prendia com uma prática reiterada acompanhada de
convicção de obrigatoriedade, que acabava por se tornar num
comportamento obrigatório, que caso não fosse cumprido dava origem a
uma punição.
• Mores maiorum: Consistiam num conjunto de regras fundadas no
património de valores e crenças dos romanos, que era conservado pela força
da tradição e que expressavam a moralidade socialmente aceite e de
aplicação comprovada, desenvolvidas e adaptadas na resolução de casos
concretos pelos sacerdotes romanos, pela inovação da intervenção divina
que interpretavam caso a caso. Serviam de referência padrão para elaborar
regras do direito.
Não eram costume e por isso não tinham punição se não fossem seguidos.
Eram transmitidos pelos deuses à sociedade, através dos pontífices e foram
parcialmente formalizados na Lei das XII Tábuas, embora não se tenha
esgotado aí o processo criador/ adaptador dos mores maiorum em Roma.
• Lex regiae

A Queda da Monarquia e o Período de Transição para a República


(509 a.C. a 367 a.C.)
Para percebermos como se deu a transição da monarquia para a república, é importante
recordar o que sucedeu nos diversos reinados que ocuparam o período monárquico.
Em 753 a.C., Rómulo, escolhido em detrimento do irmão Remo pelos augúrios divinos,
funda, no Palatino, a cidade de Roma. Durante o seu reinado, que termina em 715 a.C.,
este:
• Define os limites da cidade (pomerium) como fronteiras invioláveis do território
divino da urbs
• Traça a chamada Roma quadrada
• Funda o Senado com 100 patres, cujos descendentes passaram a ser designados
como patrícios, porque conheciam a sua ascendência (os clãs patrícios
designavam-se gentes).
No final do reinado de Rómulo, o povo da cidade de Roma é divido em 30 cúrias e 3
tribos. Sucede a Rómulo Numa Pompílio, eleito por unanimidade após ser aprovado por
um oráculo do capitólio (rocha tarpeia), e o seu reinado é fortemente marcado pelo
domínio dos sacerdotes.

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É no reinado de Sérvio que se dá um grande progresso: para além de organizar o censo


e o exército, este construiu a muralha de proteção e aumentou o poder da plebe
romana. Este acaba por ser assassinado pelo sobrinho Arrunte, que adota o nome de
Tarquínio, o soberbo. Considerado um usurpador pela forma como chegou ao poder, o
rei retira aos plebeus os direitos anteriormente concedidos e fecha as instituições,
concentrando em si todas as decisões. Isto dura até que, em 510 a.C., Lúcio Júnio Bruto,
apoiado pelo povo e pelas tropas romanas e latinas, depõe Tarquínio, último rei etrusco
de Roma.
Após este acontecimento, estabelece-se uma espécie de República aristocrática,
dominada pelo Senado (agora com 300 membros) e pelos comitia curiata. Os cônsules,
em conjunto com o povo, juram que jamais será permitido que algum rei reine em
Roma: odium regnum – o poder vitalício e monocrático do rei nunca mais seria admitido
pelos romanos.
Aos poucos, Roma vai-se tornando numa República instituída e disciplinada por regras,
com os patrícios a tentarem controlar os conflitos com os plebeus (que lutavam pela
igualdade de direitos políticos e maior proteção jurídica). Para fazer valer as suas
reivindicações, era frequente os plebeus em protesto abandonarem a cidade e não
trabalharem nem participarem nas suas atividades (secessio). A primeira secessio
ocorreu em 494 a.C. e uma outra, ocorrida em 451 a.C., levou à instituição dos
decênviros que acabaram por redigir a Lei das XII Tábuas.

Concluindo: A transição da monarquia para a república em Roma deu-se, em parte, por


esgotamento progressivo e gradual dos poderes do rei, num lento processo de
institucionalização política das magistraturas iniciado com as reformas da Tarquínio e de
Sérvio Túlio. Com a queda da monarquia, que se tinha tornado corrupta, Roma vai
reestruturar-se com base nalgumas instituições já existentes na monarquia e outras
novas: mantém-se o Senado e os Comitia (mas estes deixam de ser os comitia curiata, e
aparecerem os comitia centuriata – colunas de 100 homens), e surgem os magistrados,
com base nos quais se desenvolve a República.

A luta entre patrícios e plebeus


A formação da estrutura constitucional da república foi moldada no conflito entre
plebeus e patrícios, aberto em 494 a.C.
A plebe precisava de encontrar elementos uniformizadores que unissem o grupo contra
o bem estruturado patriciado romano. A sua luta era pela igualdade política e pela
paridade face ao Direito. Os plebeus tinham liberdade e cidadania na civitas romana,
mas eram privados de poder, do acesso às magistraturas, dos direitos inerentes à
liberdade cívica e eram considerados de condição inferior. Os plebeus pretendiam então
poder participar plenamente na vida política da civitas e na vida social de Roma.
Os elementos fundamentais da coesão identitária de Roma:

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• Abolição da proibição de casamentos entre patrícios e plebeus


• Igualdade jurídica
• Equiparação no acesso a cargos de Estado

A Lei das XII Tábuas


Portanto, até ao século V a.C.:
• Os plebeus não ocupavam cargos de comando
• Os pontífices1, que interpretavam e aplicavam os mores maiorum ao caso
concreto, eram sempre patrícios
Por isso, os plebeus começaram a verificar que pontífices interpretavam os Mores
Maiorum de forma injusta, pois a solução era sempre mais favorável aos patrícios, e
revoltam-se. Por esse motivo, os comitia decidem elaborar um corpo jurídico que
garanta certeza e a segurança jurídica e que consagre os mores maiorum. Assim, origina-
se a primeira Lex Rogata, cuja elaboração é aprovada pelos plebeus e patrícios nos
comitia – Decemviri Legibus Scribundis.
Para elaborar a lex, são nomeados 10 homens (todos patrícios), e é aqui que temos o
primeiro decenviriato, destinado a elaborar o primeiro corpo legislativo de Roma. Para
isso, os mesmos organizam uma expedição até à Grécia com o objetivo de estudar e
conhecer as Leis de Sólon, que serviram como inspiração. Após este processo, a
comissão de patrícios elabora e grava em 10 tábuas de bronze as leges, que são
apresentadas aos comitia e aprovadas. Estas são essencialmente leges de direito
privado, pois o direito público continua a ser aplicado com recurso aos mores maiorum.
No entanto, os comitia entenderam que faltava um reforço jurídico a nível de Direito
Penal e, por isso, em 451 a.C., os comitia nomeiam o segundo decenvirato, desta vez
constituído por plebeus e patrícios, para elaborar mais duas tábuas. No entanto, como
os Comitia só́ tinham mandato para 1 ano, não aprovaram as duas leis elaboradas e
demitiram os decenviriatos, no sentido de perdurarem no poder.
Mais tarde, os Comitia nomeiam dois patrícios (Valério e Horácio) para elaborarem as
tábuas que faltavam. Os mesmos propõem as duas novas tábuas aos comitia, que as
aprovam, através da Lex Valeria Horatia.
Forma-se assim a Lei das XII Tábuas, que constitui o primeiro momento da positivação
jurídica e laicização do Direito Romano e que, após 450 a.C., passam a ser aplicadas e
interpretadas pelos sacerdotes pontífices. Estando dispostas para o público, estas

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Os pontífices eram sacerdotes que faziam a ponte entre o divino e o humano, através da leitura
dos augúrios. Por terem a capacidade de falar com os deuses e interpretar os seus sinais, estes
controlavam toda a sociedade (exemplo: faziam o calendário da cidade de Roma, fazendo a divisão
entre os dias nefastos – maus e os dias fastos – bons). O sacerdote pontífice era aquele que tinha a
obrigação de aplicar os mores maiorum ao caso concreto.

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marcam o surgimento do ius civile (direito dos cidadãos) Relativamente ao seu


conteúdo, estas podem ser divididas:
• Livro 1 ao 3: Processo Civil
• Livro 4 ao 5: Família e sucessões
• Livro 6: Negócio jurídico
• Livro 7 ao 12: Direito Penal

Concluindo: a lei das XII Tábuas surge em 450 a.C. e faz com que o direito nelas contido
tenha de ser aplicado. Até aqui, tudo se passava num plano religioso e de tradição
imposta sem argumentação explicativa, sem juridicidade. Uma das principais
reivindicações dos plebeus era a limitação do arbítrio dos julgadores, primeiro do Rex,
depois dos sacerdotes e dos supremos magistrados. Tal derivava de os problemas serem
resolvidos com base em regras consuetudinárias, oralmente interpretadas pela
aristocracia patrícia. O desfasamento entre os sacerdotes e os plebeus levou a que os
plebeus iniciassem processos de revolta. Criou-se então uma comissão, designada de
decemviri legibus scrbumdi, que tem como função elaborar as leis.

As Leges Valeria Horatia


• Lex Valeriae Horatia de Tribunícia Potestate: de 449 a.C., cria o Tribunado
da Plebe, magistratura permanente que surge de uma situação de
reconhecimento do passado, após guerras civis, na qual o Tribuno é uma
figura protegida na lex, que tem o poder de intercessiones sobre o cônsul.
• Lex Valeria Horatia de Provocatione: permite aos comitia ganhar o poder de
permutar penas e decidir sobre a vida e a morte das pessoas. Data de 509
a.C., e cria o instituto provocatio ad populum, que permite que aquele que
fosse condenado pelos cônsules ou pretores (magistrado com imperium) à
pena de morte, podia requerer aos comitia (primeiro curiata depois
centuriata), uma reavaliação do seu processo e da sua pena. Este mecanismo
existia para evitar a aplicação arbitrária de penas. Recorria-se aos comitia,
uma vez que este era o órgão representante da comunidade e o processo
levado a cabo por eles dividia-se em duas fases: o inquérito, no qual se
tentava perceber o que sucedera, ouvindo as várias partes envolvidas e a
decisão da Assembleia, que opinava acerca da sua concordância ou não com
a pena aplicada pelos magistrados.
• Lex Valeria Horatia de Plebiscitis: data de 287 a.C., e vem permitir a
aplicação dos plebiscitos aos patrícios, leis propostas pelo tribuno da plebe e
aprovadas pelos concílios da plebe, que inicialmente vinculavam apenas os
plebeus.

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Com esta lei, os plebeus ganham maior poder, pois passam a vincular essa lei
aos patrícios sem estes poderem opinar. Estamos, por isso, perante o eclodir
da luta dos plebeus contra os patrícios.

Nota: Os comitia distinguem-se dos concilia porque, enquanto os comitia são reuniões
de todo o povo em assembleia, os concilia são reuniões apenas da plebe

A República Romana
Introdução:

A República romana funda-se no equilíbrio entre:


1. o poder político, que é exercido pelas Assembleias populares, pelo Senado que
é detentor de autoridade política (auctoritas) e pelos magistrados, que
garantem o limite e o equilíbrio do seu exercício e são dotados de imperium
2. a soberania (maiestas) do povo
3. a igualdade entre imperium e auctoritas, que permite a existência de um direito
criado por jurisprudentes e aplicado por juízes não profissionais, escolhidos pelas
partes, que seguem a opinião dos jurisprudentes.

Este equilíbrio efetivava-se através da:


• limitação/ separação dos poderes
• igualdade da lei para todos
• separação entre política, direito e religião
• participação cívica
• independência dos criadores de regras
• limitação recíproca de intervenção dos titulares dos órgãos fora da sua área
exclusiva de ação.

Com a invenção do ius como o conjunto de regras criadas, interpretadas e aplicadas de


forma livre por jurisprudentes (munidos de auctoritas e desprovidos de imperium),
separado das leis e das determinações religiosas, os romanos puseram fim à grande
crença do mundo antigo de que a natureza impõe uma ordem aos homens através da
causalidade. O início da iurisprudentia faz com que o homem deixe de ser mera criatura
obediente aos seus criadores divinos e súbdito de um rei que acata soluções de conflitos
e decisões políticas não fundamentadas.
Com a República, ficou então firmada a separação entre o mundo dos Deuses e o mundo
dos homens. O direito passa a ser de criação exclusivamente humana e o iurisprudente
a garantia de que isto acontece e de que são encontradas soluções justas para os

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conflitos, que se traduzem em regras que admitem exceções sempre que a sua aplicação
a um caso concreto resulte numa injustiça.

Organização política da Roma Republicana:


Quando a monarquia caiu, o poder ficou assente nos seguintes órgãos políticos:
• Magistraturas: surgem como o início da divisão de poderes (que antes
estavam concentrados no rei) e são inicialmente ocupadas por cidadãos
romanos – patrícios eleitos pelos comícios para governar a cidade. Estas
dividem-se em dois tipos:
1. Magistraturas ordinárias- incluem as magistraturas maiores, que são a
censura, que surgiu em 443 a.C. e o consulado, que surgiu em 509 a.C. e inclui
também a magistratura menor, que é a questura e surgiu em 450 a.C.
2. Magistraturas extraordinárias- associadas a situações excecionais.

As magistraturas têm as seguintes caraterísticas:


• São eletivas: existia um programa de mandato, o edicto, que cada magistrado
apresentava aos comicia, que o discutia e votava. O magistrado que era eleito
era aquele cujo programa fosse mais votado.
• Estão sujeitas ao princípio da colegialidade/ dualidade: cada magistratura
tem dois titulares que se vigiam mutuamente e as decisões tomadas
necessitam da assinatura/da aprovação dos dois, pelo que cada magistrado
tem o poder de vetar a decisão do outro (ius intercessionis) – este princípio
pretende garantir a imparcialidade.
• São gratuitas- eram exercidas por uma classe social que já tinha rendimentos
próprios, pelo que não eram remuneradas.
• Estão sujeitas ao princípio da temporalidade: por regra, cada magistratura
tem a duração de um ano (exceto a ditadura).
Esta ideia ainda hoje se aplica na política para que as pessoas que ocupam os
cargos não cultivem vícios resultantes do grande conhecimento da dinâmica
do mesmo, viciando as regras e obtendo vantagens injustas.
• Estão sujeitas ao princípio da pluralidade: os poderes que eram
anteriormente detidos pelo Rex estão distribuídos por diferentes
magistraturas

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• Estão sujeitas ao princípio do cursus honorum: os magistrados não repetem


cargos e a sua carreira é nomeada como carreira das honras, pois cada
magistrado serve, de forma gratuita, a cidade. As magistraturas estão
hierarquizadas da seguinte forma (ordem crescente):
o Questor
o Edil Esta hierarquia não é fixa nem consensual, mas
o Pretor corresponde à que é apresentada e defendida pelo regente
o Cônsul
o Censor
Em que consiste a carreira das honras dos magistrados? Nas magistraturas,
estabelece-se uma rigorosa separação de poderes, assente em regras e
impedimentos marcados pelo cursos honorum, que possibilita a existência do ius
criado pela auctoritas dos jurisprudentes, que permanece separado da lex
composta pelo Imperium dos políticos. A carreira das honras dos magistrados é
marcada por uma hierarquia, que permite que o titular de um cargo vá
ascendendo, tendo de começar no mais baixo (questor), para mais tarde poder
chegar ao mais alto (censor). Portanto, a república romana fixou um sistema de
incompatibilidades e de impedimentos que tornava impossível aos titulares de
imperium criarem sozinhos ius; e àqueles a quem era reconhecida auctoritas,
envolverem-se nos processos políticos que terminavam nas leges. Portanto,
surgem mecanismos normativos – combinações institucionais que permitiam
manter separado o ius civile, assente nos mores maiorum – entendidos como
regras consensuais entre as pessoas que compunham a comunidade – e
adaptado por jurisprudentes com um saber fundado na experiência, socialmente
reconhecido e que viam aceites as soluções dadas por eles, através da auctoritas
e do seu prestígio.
• Estão sujeitas ao princípio da responsabilidade: cada magistrado é
responsável pelas suas decisões e no fim do período da magistratura, o
magistrado é julgado pelas suas ações durante o exercício político.

Os magistrados têm também quatro grandes poderes:


I) Ius edicendi: poder de apresentar o programa de governo anual aos comitia,
cujo conteúdo deverá ser integralmente cumprido pelo magistrado (edicto
perpetum) e de emitir providências para a resolução de situações especiais,
não previstas antes e que, por isso, não constavam no edicto perpetum
(edicto repentinum)
II) Imperium: só os magistrados maiores é que têm o poder de comando que é
um poder de governo, que engloba, o poder militar, o poder de administrar
a cidade e o poder de convocar as assembleias (agendi cum popullos e agendi
cum patribos);

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III) Potestas: todo o magistrado romano tem o poder de representar o povo


romano e de o vincular com a sua vontade - o magistrado cria direitos e
obrigações que impõe ao popullos;
IV) Iurisdictio: poder de dizer e de aplicar o direito e a justiça, associado aos
cônsules e pretores, que são intérpretes, aplicadores e criadores de Direito.

Distinção entre auctoritas, imperium e potestas


A auctoritas política está entregue ao senado, órgão de conselho e consulta dos
magistrados, e consiste no poder de ratificação das deliberações dos outros órgãos. Ou
seja, compete ao senado conceder à lex rogata a auctoritas patrum, isto é, comprovar a
conformidade da lei aprovada pelos comitia com os mores maiorum. A auctoritas está
também associada aos iurisprudentes, pois estes detêm um saber socialmente aceite e
reconhecido, através do qual dizem o direito e fazem com que as suas soluções sejam
aceites pela população.
A potestas é o poder comum a todos os magistrados, através do qual estes vinculam o
popullus romano às suas decisões.
Já o imperium é o poder máximo, que pertence apenas aos magistrados maiores, com
exceção do censor (ou seja, apenas ao cônsul e ao pretor). Este dava-lhes a possibilidade
de:
• exercer o supremo comando militar
• convocar os comícios (ius agendi cum popullus) e o senado (ius agendi cum
patribus)
• praticar a jurisdição (iurisdictio)
• fazer edictos (ius edicendi)
• impor decisões (coercitio)
Os outros magistrados que não os cônsules e os pretores apenas detinham potestas, a
não ser para questões muito concretas da sua função, para as quais detinham imperium.

Nota: o edicto era um programa das atividades a desenvolver durante o mandato pela
pessoa que se apresentava para exercer a magistratura do pretor. Este era fixado
publicamente na apresentação da candidatura, logo antes do início das funções.

Conforme vimos anteriormente, as magistraturas estavam divididas em magistraturas


ordinárias, e as magistraturas extraordinárias (associadas a situações excecionais).

Nas magistraturas extraordinárias, incluem-se duas:


1. Ditadura: adveio dos tempos primórdios e era instaurada no período de iustício,
devido a catástrofes naturais ou guerras, por decisão do Senado, que indica as
caraterísticas da pessoa que deve ocupar o cargo, de modo que o cônsul a possa

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nomear. Esta abule todas as restantes magistraturas, pois o ditador concentra


em si todos os poderes, durante um prazo máximo de seis meses – mesmo esta
magistratura está também sujeita ao princípio da temporalidade.
2. Tribunado da Plebe: magistratura permanente que foi criada pela Lex Valeriae
Horatia de tribunícia potestate em 449 a.C., e surge de uma situação de
reconhecimento do passado, após guerras civis, na qual o Tribuno é uma figura
protegida na lex, que tem o poder de intercessiones sobre o cônsul

Já nas magistraturas ordinárias, incluem-se cinco: as magistraturas maiores, que são a


censura, que surgiu em 443 a.C. e o consulado, que surgiu em 509 a.C. e inclui também
a magistratura menor, que é a questura e surgiu em 450 a.C. Há ainda o pretor e o edil.
1. Censor: magistratura ordinária não permanente, visto que o titular exercia funções
não contínuas. Era eleito por cinco anos, e corresponde ao magistrado maior, sem
imperium, que não é administrador nem chefe militar. Compete-lhe:
• Fazer o recenseamento da população romana (census)
• Determinar a propriedade do território
• Fazer o cadastro predial, isto é, determinar quem eram os proprietários das
propriedades romanas
• Fiscalizar o cumprimento das regras morais e éticas de Roma, ou seja, o
censor era o guardião do mores maiorum
• Nomear e destituir os senadores

2. Cônsul: magistratura com imperium domi e imperium militae (poder na cidade e


poder militar). Era um cargo anual que dividia os poderes com outras
magistraturas. Tinha poderes de:
• Coercitio e iudicatio- acusar, julgar e executar as sentenças sem obrigação
de seguir o consilium por ele convocado e liberto de qualquer formalidade
ou vínculo processual
• Exercer todas as competências residuais que não competem aos outros
magistrados
• Ius agendi cum patribus e ius agendi cum populo- convocar o Senado e
convocar as assembleias populares, o que lhe dava iniciativa legislativa,
através da apresentação de propostas de lei ao Senado – lex rogata

3. Pretor: magistratura criada pela Lex Licinia Sextiae de 367 a.C. (pretor urbano). Até
à Lex Aebutia de Formulis (130 a.C.), o pretor era apenas um interpretador da lei,
não podendo criticá-la ou alterá-la. Tinha um imperium igual ao do cônsul, mas
uma potestas de menor amplitude e era responsável por:
• Aplicar a justiça (iurisdicito), sobretudo civil, ou seja, interpretar, aplicar e
criar o Direito, através do edicto

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• Tratar do Ius civile de aplicação pessoal – aplica-se não em função do


território, mas sim em função da pessoa;
• Substituir o cônsul nos seus impedimentos no governo civil da cidade;
• Convocar os comícios para a eleição dos magistrados menores;
• Apresentar propostas de lei para aprovação nos comícios.

Há que fazer uma distinção entre o pretor urbano, antes mencionado, que
apenas desempenha funções na cidade, e o pretor peregrino, encarregue de
regular as relações jurídicas com os estrageiros.
Assim, é o pretor peregrino que cria o ius gentium (direito aplicado aos
estrangeiros), de modo a regular as relações entre cidadãos e estrangeiros ou as
situações jurídicas dos estrangeiros entre si.

Portanto, o pretor é um magistrado que segue o cursus honorum, mas não é


necessariamente um jurista, pois este não tem necessariamente de saber direito. Por
isso, necessita então de ajuda do iurisprudente, que estudava, conhecia
verdadeiramente e interpretava o direito. Estes iurisprudentes foram então os grandes
criadores de direito romano por detrás do pretor, que influenciaram o desenvolvimento
interpretativo e a desconstrução de lacunas.

Nota: os magistrados maiores eram eleitos pelos comitia centuriata, ao contrário dos
magistrados menores, que eram eleitos pelos comitia tributa, órgão cuja esfera de
influência estava restrita ao âmbito local. Assim, podemos dizer que os magistrados
eram eleitos pelo povo, uma vez que os comitia eram a reunião do povo em assembleia
(daí que uma das caraterísticas das magistraturas seja a sua eletividade)

Mas para além das magistraturas, há ainda outros órgãos sobre os quais assenta a
organização política romana no período da república:

Comitia Centuriata: após a consolidação das magistraturas, os comitia curiata tinham a


sua importância circunscrita às questões de direito sacro. Uma vez que o poder político
deixou de ter significado jurídico-sacral, este passou para os comitia centuriata, que têm
como funções:
• Aprovar as declarações de guerra, em conjunto com o Senado;
• Eleger as magistraturas maiores;
• Aprovar as leges rogata;
• Aprovar os tratados de paz;
• Comutar penas e decidir sobre a vida e a morte das pessoas: desde 509 a.C.,
havia uma lei chamada Lex Valeria de Provocatione, que deu origem à provocatio
ad populum. Ou seja, aquele que fosse condenado pelos cônsules ou pretores

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(magistrado com imperium) à pena de morte, podia requerer aos comitia


centuriata, uma reavaliação do seu processo e da sua pena. Este mecanismo
existia para evitar a aplicação arbitrária de penas. Recorria-se aos comitia, uma
vez que este era o órgão representante da comunidade e o processo levado a
cabo por eles dividia-se em duas fases: o inquérito, no qual se tentava perceber
o que sucedera, ouvindo as várias partes envolvidas e a decisão da Assembleia,
que opinava acerca da sua concordância ou não com a pena aplicada pelos
magistrados.

Comitia Tributa: surgem com a queda da monarquia e são assembleias de tribo,


reduzidas aos cidadãos daquela tribo, que têm menor importância, não podendo
aprovar decisões fundamentais para Roma. Têm funções restritas aos homens da tribo,
tais como:
• Aprovar regras jurídicas aplicadas à tribo;
• Nomear e eleger os magistrados menores;
• Julgar e aprovar penas pecuniárias para pequenas infrações cometidas;
• Aprovar pequenos impostos locais.

Senado: órgão representativo dos patrícios, ao qual os plebeus, a partir do final do


século III a.C. podem também ascender. Este tem como funções:
• Garantir o cumprimento dos mores maiorum;
• Conceder auctoritas patrum (conformidade da lei aprovada pelos comitia aos
mores maiorum) à lex rogata;
• Receber as embaixadas de outros povos;
• Declarar a guerra, em conjunto com a comitia centuriata;
• Organizar as províncias;
• Aprovar as despesas das operações militares;
• Fixar os cultos públicos autorizados;
• Auxiliar a função dos cônsules;
• Aprovar tratados internacionais;
• Conduzir a política externa

Concilia Plebis: assembleias de plebeus, que aprovam essencialmente os plebiscitos


(leis que vinculam os plebeus). Estas leis são propostas pelo tribuno da plebe e
aprovadas pelos concílios da plebe, que, em regra, só́ têm nome de um magistrado, ao
contrário da lex rogata, que tem nome de dois magistrados.
No entanto, a Lex hortencia de plebiscitis, de 287 a.C., veio permitir a aplicação dos
plebiscitos aos patrícios. Os plebeus ganham então um poder incalculável em Roma, pois

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passam a vincular essa lei aos patrícios sem estes poderem opinar. Estamos, por isso,
perante o eclodir da luta dos plebeus contra os patrícios.

Os iurisprudentes e a Laicização do direito


Analisando a atividade dos iurisprudentes, é possivel perceber como se mantinha uma
forte separação entre a lex, composta pelo imperium dos políticos, e o ius, conjunto de
regras criadas e interpretadas de forma livre pela auctoritas dos iurisprudentes e
aplicado pelo iudex, um juiz independente, não conhecedor do direito, escolhido pelas
partes litigiosas, que dá a solução para o caso seguindo a opinião do iurisprudente. E é
o início da iurisprudentia que põe fim à grande crença do mundo antigo de que a
natureza impõe uma ordem aos homens através da causalidade. Assim, é na república
que o homem deixa de ser uma mera criatura obediente aos seus criadores divinos e
súbdito de um rei que acate soluções de conflitos e decisões políticas não
fundamentadas. Fica então firmada a separação entre o mundo dos deuses e o mundo
dos homens. E o direito passa a ser uma criação exclusivamente humana, sendo o
iurisprudente a garantia de que isto acontece e de que são encontradas soluções justas
para os conflitos, o que se traduz em regras que admitem exceções sempre que a sua
aplicação a um caso concreto resulte numa injustiça.
Mas então, quando é que surge a figura do iurisprudente? Este surge quando ocorre a
laicização do direito.

A laicização ou secularização do direito consiste no processo pelo qual a forma de se


construir o direito é retirada da esfera divina para ser atribuída à esfera humana. Isto
está também associado à positivação do direito, e é composta por três fases:
I) Lei das XII Tábuas: como já vimos, consagra os principais aspetos do direito,
divididos em 12 tábuas dispostas para o público, sendo que cada uma consagra
uma matéria fundamental. Surgem aproximadamente em 450 a.C. e marcam o
início do ius civile, ao fazerem a positivação dos mores maiorum (critérios de
decisão que consistiam na fonte de direito por excelência no período da
monarquia e precisamente até à Lei das XII Tábuas, que tinham uma forte
componente de religiosidade e eram interpretados pelos pontífices, sacerdotes
que garantiam a paz entre os deuses e os homens).

II) Ius flavium: foi através de Flávio que os romanos descobriram que as respostas
não vinham dos deuses, pois este mostrou que para construir direito não era
necessário escutar os deuses, mas sim usar a racionalidade e o saber.
No século IV a.C. surge o pontífice Ápio Cláudio, que lia os sinais divinos e
aconselhava as partes nas decisões jurídicas. Mas vem-se a perceber que, por
detrás das aparências, o seu trabalho estava a ser feito por um escravo – Flávio,
que fazia secretamente a consulta jurídica. Assim, percebe-se que aquilo que se

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

pensava ser um poder específico de um pontífice é também possível para outros


homens, até escravos. Flávio escreve então um livro com as actiones e surge o
ius flaviano, que consiste na compilação das actiones civiles existentes em 304
a.C.
Este é um grande momento de laicização do direito e é com ele que se aprende
que, para dizer, interpretar e pensar o direito, não era necessário ser-se patrício
ou pontífice, mas sim estudá-lo.

III) Ensino do direito em praça pública: quando Tibério Coruncâneo começa a


ensinar o direito em praça pública, este possibilita que todos possam ter acesso
e contacto com o direito.

Portanto, na monarquia, o iurisprudente equivalia ao pontífice, aquele que conseguia


ter conhecimento dos mores maiorum e ler e interpretar a vontade dos deuses, mas a
partir da república, a figura do iurisprudente laiciza-se, ou seja, perde o seu cunho divino
e permite que outros cidadãos, que não sejam patrícios, possam também ser
iurisprudentes.
O iurisprudente não é um magistrado, pois não tem imperium nem potestas, pelo que a
sua opinião não pode ser imposta, não vincula as partes. Este tem essencialmente três
grandes funções:
i) Cavere: aconselhar os particulares na realização dos negócios jurídicos
ii) Agere: dar assistência às partes no processo, incluindo opinar acerca de qual
a melhor estratégia de defesa e relativamente à via processual
iii) Respondere: emitir pareceres não vinculativos aos particulares ou aos
magistrados sobre questões jurídicas (prestar aconselhamento jurídico). Este
responde, clarifica e elucida os cidadãos a nível do direito
Portanto, mesmo não vinculando os cidadãos com a sua opinião, os iurisprudentes têm
um papel extraordinário na construção do direito em Roma, sendo que a sua opinião é
totalmente iniciadora da alteração jurídica e da própria construção do direito.

A iurisprudentia é fonte de direito?


As opiniões e respostas dos jurisprudentes eram consideradas uma fonte de direito, uma
vez que tinham na sua base a liberdade criadora do jurisprudente com auctoritas e
desprovido de imperium (condição sine qua non), bem como a independência do poder,
a autonomia de expressão, a sua larga experiência na resolução de conflitos, a cultura
jurídica e a aplicação do princípio da justiça do caso concreto.
Assim, os jurisprudentes utilizavam o seu saber jurídico reconhecido pela sociedade
(sapientia) para criar, aplicar, afastar, adaptar e excecionar as regras do Direito. A
legitimidade dos jurisprudentes para fazer regras de Direito prende-se com a auctoritas,
que por sua vez assenta no reconhecimento pelas pessoas que estão em conflito e os

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

procuram para obter uma solução e na comunidade que ouve a segue a argumentação
que sustenta a aplicação das regras e a sua exceção. O direito criado pelos
jurisprudentes é concretizado pela adesão das pessoas às suas soluções, e não pelo
exercício do poder coercivo por parte do Estado através dos tribunais, das polícias, da
administração pública. O direito não requer a força física, a ameaça estadual ou a sanção
legal. As leis sim. A solução do iurisprudente, a que as partes voluntariamente
recorreram, aceitando a solução antes de a conhecerem por ser uma solução
argumentada, fundada numa regra (ou numa exceção), é explicada e inserida nas chaves
de compreensão da comunidade, com um discurso partilhado com todos e por todos
compreendido – porque confiam no jurisprudente (base do compromisso prévio de
aceitação da sentença) não carece de nenhum poder coercivo.
Assim, as fontes de aplicação da regra de Direito pelo jurisprudente são a adesão
voluntária das partes à sua auctoritas, o seu compromisso e comprometimento com a
solução por ele encontrada e a proximidade entre a iurisprudência e as pessoas de uma
sociedade. O método de aplicação do direito é no sentido do caso concreto para a regra
geral e desta para a solução concreta justa e aplicável, ou para a sua exceção
argumentada como exigência de equidade.
Concluindo: a regra de direito é de criação jurisprudencial, fundada na auctoritas do
autor (que não pode ter imperium) a partir da casuística na repetição de soluções para
casos idênticos e visando a justiça do caso concreto, e a estabilização das formas de
resolver atenta segurança jurídica. Já a norma legal é criada pelo poder público
soberano, visando o Governo da cidade (civitas), a certeza e a segurança pública.

Concluindo:
• A seguir às leges liciniae sextiae, foi possível dividir, hierarquizar e conectar as
magistraturas num sistema de regras e princípios que garantisse a estabilidade
e continuidade ao modelo político-institucional, legitimado e preservado pelo
Direito.
• O poder político é exercido em nome da comunidade e entregue aos magistrados
detentores de imperium
• O senado, dotado de auctoritas política, é o órgão de conselho e consulta dos
magistrados
• É neste período da república que o populus passa a ter uma organização
institucionalizada que expressa as suas posições através de deliberações das suas
assembleias

Processo de elaboração da lex rogata


A sua deliberação era proposta por um magistrado (cônsul ou pretor), que depois a
apresentava aos comitia centuriata, que tinha a função de a discutir, alterar e votar. O
processo de aprovação desencadeava-se em várias fases:

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1) Fase da promulgatio: apresentação da proposta aos comicia;


2) Fase das conceciones: os cidadãos, juntamente com os magistrados vão discutir
a lei em praça pública e sugerir ou não a sua alteração;
3) Fase da rogatio: os comicia reunidos em assembleia vão votar a lei,
4) Fase da votação: o voto é oral e dado com palavras sacramentais, podendo ser
favorável, desfavorável ou de abstenção. Após a Lex Papiria Tabellaria de 131
a.C., o voto passa a ser escrito e secreto.
5) Fase da aprovação pelo Senado: após a votação favorável pelos comitia, a lei era
referendada pelo Senado, que verificava a sua conformidade com os mores
maiorum. Após a Lex Publilia Philonis, de 339 a.C., a autoritas passa a ser
concedida antes da proposta ser votada pelos comitia
6) Fase de afixação: a nova lex era afixada no fórum, em tábuas de madeira ou de
bronze, e era aplicada.

Mas a partir de 339 a.C., com a Lex publilia philonis, o processo de feitura da lex rogata,
que era produzida nos comitia, integrava o ius civile e contava com a intervenção do
senado, muda drasticamente.

Anteriormente a esta data, quem apresentava as propostas de lei era o magistrado,


habitualmente o pretor. Nos comitia votava-se a lei, que era depois aprovada ou não e
de seguida, o texto era levado ao senado, que habitualmente só intervinha nesta fase
final. Grande parte das vezes, o senado desempenhava habitualmente o papel de
ratificação, e não vetava a lei, pois esta já tinha passado por um longo processo.

No entanto, a partir desta data, o senado passa a intervir logo antes de o magistrado
apresentar a proposta, de modo a analisar e controlar o texto que viria a ser discutido
nos comitia. Este texto tinha então de ser primeiro aprovado pelo Senado, pelo que este
passou a vincular a discussão que havia depois nos comitia. Há então um controlo e
sobreposição do senado relativamente às magistraturas, quando este passou a querer
que o texto que era discutido nos comitia seguisse determinado conteúdo. É então que
o senado assume a função de atribuir à lex rogata a auctoritas patrum (autoridade
política).

O senado assume esta função argumentando que a capacidade que este tinha no
processo legislativo seria mais eficaz se fosse realizada no início – capacidade de
assegurar que o texto que vai ser discutido tem todos os requisitos para a discussão. No
entanto, do ponto de vista real, o senado ganhou uma função de controlo sobre as leis
aprovadas, visto que este determinava o conteúdo do texto.

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

E é esta mudança e a consequente intervenção acentuada do senado no processo de


elaboração da lex rogata que, em parte, marca a degradação da grande atividade que
era rogar as leges.

O Pretor

O pretor é o protótipo de homem preocupado e totalmente dominado pelo espírito da


justiça, que procura atribuir a cada um o que é seu e que, historicamente, é o elemento
de poderação colocado entre o ius e a lex, uma vez que este era o intérprete da lex, mas
sobretudo o defensor do ius e da justiça.
Em 367 a.C., pelas Leges Liciniae Sextiae foi criada a magistratura do pretor. O termo
pretor, que anteriormente servia para designar o chefe de qualquer organização,
sobretudo os cônsules, que eram os magistrados mais antigos, considerados os
imediatos continuadores do rex como detentores do poder supremo no período de
transição da monarquia para a república, deixou de ter caráter genérico, e passou a
indicar apenas o magistrado especificamente encarregado de administrar a justiça de
uma forma normal nas causas civis.
De início só havia um pretor. Só́ a partir do ano 242 a.C. é que a administração da justiça
é distribuída por dois: o pretor urbano, encarregado de organizar, de acordo com as
normas do ius civile, os processos civis em que só́ interviessem cidadãos romanos; e o
pretor peregrino, incumbido de organizar, dentro das normas do ius gentium, os
processos em que, pelo menos uma das partes era um peregrino, ou seja, um non-civis.

O ius praetorium
O edicto do pretor, que consistia no programa de mandato, com base no qual este era
eleito, formava o ius praetorium, que se enquadra dentro do ius honorarium, que é todo
o ius romanum não civile, criado pelos magistrados. O ius praetorium, em rigor, é uma
parte do ius honorarium, mas uma parte tão grande, que acaba por simbolizar todo o
ius honorarium. O ius praetorium forma um sistema diferente do ius civile, mas não o
derroga. Completa-o, sobretudo adaptando a estática do ius civile à dinâmica das
condições sociais e económicas, e concretamente, o pretor obtém esse resultado de
permanente adaptação, mediante expedientes seus,
O verdadeiro e primitivo ius romanum é o ius civile; no entanto, o ius praetorium é
também ius romanum. São, pois, dois grandes sistemas dentro do mesmo Direito.

As fases da atividade do pretor


Considerando apenas o ius praetorium stricto sensu, isto é, criado pelo pretor urbano,
a sua atividade comporta duas fases:

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

1. 1ª fase (século IV até 130 a.C.) – nesta fase, a função do pretor era administrar a
justiça, fundada no ius civile. A sua atividade é essencialmente interpretativa e
muito discreta, tanto mais que o seu trabalho era vigiado pelo collegium
pontificum, cioso de manter, ainda nesta época, quase em exclusivo, a
interpretacio. Aqui, o cidadão apresentava a sua pretensão ao pretor, que
procurava perceber se esta encontrava proteção jurídica no ius civile. Se a
pretensão beneficiasse desta proteção, então o pretor concedia a ação. Até à Lex
Aebutia de Formulis, só há actiones civiles, isto é, baseadas no ius civile. Por isso,
também são designadas “actiones in ius (civile) conceptae”.
2. 2ª fase (a partir de 130 a.C.) – a partir da Lex Aebutia de Formulis, do ano 130
a.C., o pretor, baseado na sua iurisdictio, e mediante expedientes adequados,
cria também direito (ius praetorium), embora por via processual, e portanto, a
sua função assume um caráter criativo. E assim, em vários casos não previstos
pelo ius civile, o pretor concede uma actio própria, por isso denominada de actio
praetoria, desde que este considere que, à luz dos princípios de justiça e
equidade, a situação em causa merece proteção jurídica. O inverso pode
também acontecer, ou seja, caso determinada situação social beneficie de
proteção jurídica nos termos do ius civile, mas, no caso concreto, a concessão
dessa proteção jurídica torne a situação desequilibrada ou injusta, pode o pretor
anular a actione. E como no direito romano, ter actio é ter ius, o pretor,
concedendo actios, cria diretamente ius. Tudo isto funciona diante do iudex, juiz
escolhido pelas partes, não particularmente conhecedor do direito, mas cidadão
exemplar e imparcial, a quem o pretor dá ordem para que, na verificação dos
factos, a ação seja negada ou conferida.

Portanto, o processo em que se enquadrava o pretor, estava dividido, nesta segunda


fase, em dois momentos:

1. Fase in iure: o pretor preside a esta primeira fase, ouvindo as partes e


determinando se a pretensão do demandante é protegida pelo ius civile. Se sim,
era-lhe concedida a actio, verificando-se um ius-dicere, uma afirmação solene da
existência de direito (que o pretor declarava com base na sua iurisdictio). Esse
ius-dicere concretizava-se numa ordem dada pelo pretor ao juiz para proferir
sentença neste ou naquele sentido, conforme se provasse ou não determinado
facto.
2. Fase apud iudicem: desenrola-se perante o iudex, que embora não seja
conhecedor de direito, é um homem de bom senso, escolhido pelas partes
envolvidas no processo, que aprecia a questão de facto, sobretudo o problema
da prova, e conforme esta apreciação, decreta a sentença. Nesta segunda fase
do processo, não há um ius-dicere, mas um simples ius-dicare, um aplicar o
direito, ou seja, uma decisão conforme uma ordem jurídica já anteriormente
fixada.

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

O Principado

Introdução:
A data de 27 a.C. está associada ao fim da República romana e ao início do principado,
iniciado com a morte de Júlio Cesar. O principado é a forma de designar uma tentativa
política de concretizar no governo de Roma numa síntese entre instituições da res
pública e outras de pendor monárquico, atendendo à situação em que se encontram as
instituições do “Estado” após as sucessivas guerras civis.
Octávio Augusto exerceu o poder político supremo, a partir de 43 a.C., através de um
triunvirato e com um mandato de 5 anos depois renovado. Em 33 a.C., Augusto declara-
se prínceps por consensus universorum e a partir de 31 a.C., Augusto renova, sem
oposição, os seus poderes de cônsul único.
Estava aberto o caminho para um regime que, mantendo as instituições republicanas a
funcionar sem qualquer poder ou intervenção real na vida política e nas decisões a
tomar, concentrava todos os poderes nas mãos de um só homem: o
prínceps/imperador/augustus.

A fase de transição da República para o Principado vai ser conturbada, marcada por
escassez alimentar, guerras perdidas, crise económica, etc. E é devido a estes fatores
que ocorrem diversas mudanças:

• O Senado, que nunca tinha tido poder, vai assumir o poder legislativo, que será́
retirado aos comitia por força das circunstâncias;
• Os Comitia deixam de ser convocados perdem o seu relevo
• Os magistrados, que representavam a pluralidade do poder político em Roma,
vão inicialmente, continuar a ter funções. No entanto, César Augusto vai
considerar-se cônsul vitalício.

Com a tribunícia potestas (poder vitalício de tribuno), Augusto adquire várias funções:
• o poder de iniciativa na propositura de alterações “constitucionais” controlando
a renovação jurídica do “Estado”;
• o grau de qualidade de sacrosantus;
• o poder de intercessio contra tudo e qualquer ato de magistrados e do senado;
• e o ius agendi cum plebe, podendo votar os plebiscitos e convocar o Senado, com
os poderes de um tribuno da plebe.
• o Imperium proconsulare maius, que se traduz no comando militar supremo; que
se estende até aos confins do império.

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

• a cura legum et morum: o poder de controlar a legislação e aquilo que era aceite
como costume, sobretudo no sentido da aceitação sociojurídica dos conteúdos
dos mores maiorum;
• o direito de commendatio: o poder de indicar ou recomendar, às assembleias
com poder de eleger os magistrados, os nomes dos candidatos a esses cargos.

Assim, o principado como regime primums inter pares é o que melhor caracteriza este
período da história do Direito Romano, no plano político, uma vez que, foi dada a
possibilidade a um só homem de decidir sozinho sobre todos os aspetos da vida romana
até ai dispersos pelas magistraturas, numa rigorosa separação assente em regras e
impedimentos marcados pelo cursos honorum, que determinou o fim da possibilidade
de um ius criado pela auctoritas dos jurisprudentes permanecer separado da lex
composta pelo Imperium dos políticos.
Toda a história do principado é marcada pelo acentuar das tendências monárquicas e o
enfraquecimento dos órgãos da república, que se mantiveram como instituições
políticas vazias, sem importância política e sem competências substantivas, numa
formalidade vegetativa como era do interesse do prínceps.

As fontes de Direito:

O ius publice respondendi e o fim da iurisprudenctia:


No início do principado, a iurisprudentia enfrenta uma crise de objetivos: a atividade de
criação do ius novum, enuciando regras jurídicas por interpretacio das velhas regras do
ius civile e dos mores maiorum, para responder aos novos casos, estava globalmente
cumprida; a atividade de integração do edictum do pretor estava também relativamente
esgotada. Pedia-se agora aos jurisprudentes que aperfeiçoassem, organizassem e
sistematizassem, para compreensão e aplicação, o conjunto de regras e princípios do ius
Romanum.
Ao mesmo tempo, surgem questões relativas à jurisprudência, pois dá-se uma
proliferação de jurisprudentes devido à expansão do império e ao desenvolvimento das
relações jurídicas, e por isso,
começa a questionar-se qual a opinião de qual jurisprudente se deve seguir. E é face a
esta questão que Augusto reconhece a necessidade de criar regras e segurança jurídica,
através da Ius Publice Respondendi, que consiste numa autorização/ direito dado pelo
prínceps que permitia aos jurisprudentes vincularem com a sua opinião aqueles que os
consultavam.

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

Com a mudança do regime político, o princeps vai assumindo progressivamente um


poder cada vez mais intenso e extenso na forma como intervinha nas instituições
republicanas que ainda sobreviviam, mas que restava apenas o nome.
Todas as regras jurídicas despendiam da vontade do princeps, tal como todos os
mecanismos de equilíbrio e controlo. Sob a capa de um respeito escrupuloso da
independência da iurisprudentia e de garantir a manutenção de uma das principais
fontes de criação de ius, deixou entender que só intervinha para pôr em ordem a
jurisprudência. Mas ao criar o ius publice respondendi, ainda que não tenha impedido
ninguém de exercer a atividade de jurisprudente, esta deixou de fazer sentido, uma vez
que os outros jurisprudentes viram a sua palavra desvalorizada e deixaram de ser
procurados pelos particulares.
E uma vez instituído este processo, os jurisprudentes faziam tudo para agradar àquele
que tinha a faculdade de os colocar numa lista que dava às opiniões expressas a força
de valerem como as opiniões do próprio princeps. É certo que a resposta dos
jurisprudentes dotados de ius publice respondendi não eram fonte imediata de Direito.
No entanto, passaram a ser uma importante fonte de criação do Direito.
Seja como for, o ius publice respondendi não só atraiu os jurisprudentes para a área
política e o círculo do poder, como tornou a jurisprudência uma atividade oficial,
fiscalizada pelo poder político e subordinada à vontade do prínceps. E a natureza da
auctoritas na qual se baseava a atuação do jurisprudente altera-se, deixando de ser
social para passar a ser política.

Senatus consulta
O senatus consulta era a consulta dada pelo Senado a um magistrado ou plebeu, a
pedido destes últimos. Os magistrados da república eram obrigados a ouvir/consultar o
Senado, mas não a seguir a sua deliberação. O Senado era, então, um órgão consultivo
e por isso as suas deliberações tinham natureza de pareceres ou consultas e a sua
abrangência estava limitada à pessoa ou entidade que solicitava o parecer.
Assim a sua participação estava limitada a:
• Conceder ou não a auctoritas patrum às leges rogatae votadas nos comícios;
• Dar conselhos aos magistrados com ius agendi cum populos para os projetos
normativos que estes apresentavam aos comícios.

Quando a lex aebutia de formulis, de 130 a.C. permite ao pretor criar ações próprias e,
assim, criar direito, o senado que aconselha o pretor no exercício da sua atividade, com
intervenção crecente para o seu prestígio, passa a ser fonte mediata de Direito, através
do seu edicto. A situação atingiu um ponto tal que se criou a ideia que era o senado
quem verdadeiramente legislava e acaba por assumir-se que os senatus consulta tinham
força de lei. Não há nenhuma intervenção nem alteração política, há sim uma
conformidade dos cidadãos à opinião do Senado.

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

Esta valoração dos senatus consulta como fonte legislativa resultou da lenta afirmação
da auctoritas patrum dos senadores, que passou, com a Lex Publilia Philonis, de 339 a.C.,
de uma expressão formal posterior à deliberação dos comitia que aprovava a proposta
do magistrado, para uma intervenção anterior à apresentação da proposta aos comícios.
Assim, começa-se a questionar, no principado, a problemática da natureza das decisões
do Senado como fontes legislativas autónomas de Direito. Augusto aproveita-se desta
situação e despoleta o início de um trabalho de alteração dos poderes em Roma, que
vai:
• Retirar competência política ao senado
• Tirar o papel legislativo aos comitia, que começam a desaparecer e a deixar de
reunir, sendo que as leis passam a ser propostas ao senado e não ao comitia.
• Tirar o poder ao pretor, ao mesmo tempo que o cônsul deixa de ser eleito

Oracio Prínceps - nova fonte de direito que surge no fim do séc. I d.C., corresponde à
evolução do senatus consulta.

Constituições imperiais - Diploma que emana da vontade do prínceps. A partir do século


III, estas passam a ter força de lei e a partir do século IV, passam a ser a única fonte de
direito. Até aqui, o direito era desenvolvido nos casos concretos, mas com as
constituições imperiais, o imperador cria a lei geral e abstrata, que se aplica a todas as
pessoas e a todas as circunstâncias.

A regra geral do ius civile transformada em lei geral e abstrata:


Como vimos anteriormente, a república romana fixou um sistema de incompatibilidades
e de impedimentos que tornava impossível aos titulares de imperium criarem sozinhos
ius; e àqueles a quem era reconhecida auctoritas, envolverem-se nos processos políticos
que terminavam nas leges.
Foi neste período que se criaram os mecanismos normativos que permitiam manter
separado o ius civile, assente nos mores maiorum e adaptado por jurisprudentes com
um saber fundado na experiência, socialmente reconhecido e que viam aceites as
soluções dadas por eles, através da auctoritas e do seu prestígio.
O definhamento progressivo das fontes criadoras, a corrupção crescente nas formas de
acesso aos favores do imperador, na nomeação para cargos, etc., tornou impossível
manter o ius ligado apenas à auctoritas.
Foi, por isso, necessário iniciar o processo de transferência da regra jurídica, formulada
e adaptada pelos jurisprudentes, com base no caso e na contextualização das situações
em que se aplica, para a lei geral e abstrata.
Cria-se assim um direito oficial em Roma, que traduz a transformação do direito livre a
aplicar aos casos concretos para um direito de funcionalização do principado e do
império.

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

Concluindo: os principais traços caraterísticos do principado são:


• a concentração progressiva de poderes políticos nas mãos do prínceps
• a propaganda imperial centrada na figura do chefe e no culto da sua
personalidade
• o desgaste constante, mas inevitável, dos órgãos de expressão colegial (comícios
e senado), que passam a desempenhar um papel meramente formal
• a dificuldade em deliberar e a debilidade executória, resultante da fragilidade
institucional, que contribuíram para uma identificação, cada vez mais aceite,
entre a colegialidade e a ineficácia/incompetência
• os poderes autoritários e despóticos que exploraram, através de discursos bem
montados, estas fraquezas e apresentaram a ditadura como solução, solução
essa que acabou por ser aceite pela maioria, e que deu origem ao regime do
principado

Dominado

A queda definitiva da iurisprudentia


Nos séculos IV e V, houve então vários fatores que provocaram a decadência dos
iurisprudentes, que deixaram de ser criativos e que, estando no conselho do prínceps, já
não tinham capacidade para opinar livremente. As suas opiniões passam a ser cada vez
mais condicionadas, na medida em que, depois, o prínceps estabelece, com a Lei das
Citações, um conjunto de cinco iurisprudentes, cujas opiniões eram as únicas que
podiam ser invocadas em tribunal:
• Gaio
• Papiniano
• Ulpiano
• Modestinus
• Paulo

Diz-se que este era o tribunal dos mortos, pois só se podia invocar a opinião de autores
já mortos, o que consistia numa mais-valia na perspetiva do imperador, uma vez que
este determinava quais dessas opiniões eram válidas, ou seja, este escolhia as fontes de
direito que entendia que deviam ser utilizadas. Se houvesse empate de opiniões, seguia-
se a opinião de Papiniano, e só se Papiniano não se pronunciasse sobre o assunto, é que
ficava a cargo do juiz escolher o que aplicar.

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Direito Romano Bruna Monteiro Vala

Para além disso, os textos destes iurisprudentes estavam bastante deturpados, pelo que
cabia ao imperador decidir quais as partes deles que deviam ser aplicados.

Codificação
A codificação cominou com o Código de Justiniano, feito no século VI, por Justiniano,
imperador do oriente. As razões que levaram à elaboração desta obra foram:
• o desejo de Justiniano de ser perpetuado, através de uma obra que imortalizasse
a sua identidade
• restaurar a unidade do império e o seu controlo sob todo o território
• demonstrar a grandeza de Roma, no âmbito político, religioso, militar e jurídico

Este corpo de normas tinha essencialmente duas fontes: a opinião dos iurisprudentes
(iura) e as leges (constituições imperiais). Estas últimas encaixam-se na parte do Codex,
que continha as Constituições imperiais até Justiniano. O Digesto, o segundo livro do
Código Justiniano, continha a iurisprudência. Temos ainda incluídas as novelas (novas
constituições imperiais que surgiram depois de Justiniano) e o manual de ensino, em
que se incluía a sua opinião sobre a forma como se devia ensinar.
Portanto, o Corpus luris Civilis compreende quatro partes:
• Codex: conjunto das leges (constituições imperiais)
• Digesto: coletânea de iura (opiniões de iurisprudentes), que entra em vigor em
533
• Instituciones: manual para o ensino oficial do Direito
• Novelas: conjunto de constituições imperiais posteriores a Justiniano, que foram
publicadas depois da segunda edição do Codex (534)

A legitimidade política para criar e determinar qual o direito vigente ganha aqui um
impulso decisivo, através de uma ideologia monárquica absolutista totalizante.
O Direito passa a ter como fonte exclusiva a lei, e isso é juridicamente legitimado,
através da política implementada pelo imperador, segundo a qual o direito está
centrado na codificação, e esta é vista como um instrumento de legitimação do controlo
do poder político sobre o Direito.
Quando aparece o Digesto, a lei das citações deixa de estar em vigor. Aqui, o objetivo
era dar harmonia às regras e às soluções do direito jurisprudencial, eliminando dúvidas,
repetições e contradições e, portanto, proibiu-se a utilização de direito jurisprudencial
que não constasse e estivesse publicado no Digesto. Este acontecimento simboliza o
verdadeiro fim da jurisprudência.

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