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Resumo da Tutoria

2ª sessão – 17/10/2022

A Queda da Monarquia e o Período de Transição para a República


(509 a.C. a 367 a.C.)
Para percebermos como se deu a transição da monarquia para a república, é importante
recordar o que sucedeu nos diversos reinados que ocuparam o período monárquico.
Em 753 a.C., Rómulo, escolhido em detrimento do irmão Remo pelos augúrios divinos,
funda, no Palatino, a cidade de Roma. Durante o seu reinado, que termina em 715 a.C.,
este:
• Define os limites da cidade (pomerium) como fronteiras invioláveis do território
divino da urbs
• Traça a chamada Roma quadrada
• Funda o Senado com 100 patres, cujos descendentes passaram a ser designados
como patrícios, porque conheciam a sua ascendência (os clãs patrícios
designavam-se gentes).
No final do reinado de Rómulo, o povo da cidade de Roma é divido em 30 cúrias e 3
tribos. Sucede a Rómulo Numa Pompílio, eleito por unanimidade após ser aprovado por
um oráculo do capitólio (rocha tarpeia), e o seu reinado é fortemente marcado pelo
domínio dos sacerdotes.
É no reinado de Sérvio que se dá um grande progresso: para além de organizar o censo
e o exército, este construiu a muralha de proteção e aumentou o poder da plebe
romana. Este acaba por ser assassinado pelo sobrinho Arrunte, que adota o nome de
Tarquínio, o soberbo. Considerado um usurpador pela forma como chegou ao poder, o
rei retira aos plebeus os direitos anteriormente concedidos e fecha as instituições,
concentrando em si todas as decisões. Isto dura até que, em 510 a.C., Lúcio Júnio Bruto,
apoiado pelo povo e pelas tropas romanas e latinas, depõe Tarquínio- último rei etrusco
de Roma.
Após este acontecimento, estabelece-se uma espécie de República aristocrática,
dominada pelo Senado (agora com 300 membros) e pelos comitia curiata.

Transição da Monarquia para a República


Espúrio Lucrécio, o autarca de Roma, preside à eleição dos primeiros cônsules, pondo
fim à monarquia etrusca. Os cônsules, em conjunto com o povo, juram que jamais será
permitido que algum rei reine em Roma: odium regnum – o poder vitalício e
monocrático do rei nunca mais seria admitido pelos romanos.
Aos poucos, Roma vai-se tornando numa República instituída e disciplinada por regras,
com os patrícios a tentarem controlar os conflitos com os plebeus (que lutavam pela
igualdade de direitos políticos e maior proteção jurídica). Para fazer valer as suas
reivindicações, era frequente os plebeus em protesto abandonarem a cidade e não
trabalharem nem participarem nas suas atividades (secessio). A primeira secessio
ocorreu em 494 a.C. e uma outra, ocorrida em 451 a.C., levou à instituição dos
decênviros que acabaram por redigir a Lei das XII Tábuas.

Concluindo: A transição da monarquia para a república em Roma deu-se, em parte, por


esgotamento progressivo e gradual dos poderes do rei, num lento processo de
institucionalização política das magistraturas iniciado com as reformas da Tarquínio e de
Sérvio Túlio. Com a queda da monarquia, que se tinha tornado corrupta, Roma vai
reestruturar-se com base nalgumas instituições já existentes na monarquia e outras
novas: mantém-se o Senado e os Comitia (mas estes deixam de ser os comitia curiata, e
aparecerem os comitia centuriata – colunas de 100 homens), e surgem os magistrados,
com base nos quais se desenvolve a República.

A luta entre patrícios e plebeus


A formação da estrutura constitucional da república foi moldada no conflito entre
plebeus e patrícios, aberto em 494 a.C.
A plebe precisava de encontrar elementos uniformizadores que unissem o grupo contra
o bem estruturado patriciado romano. A sua luta era pela igualdade política e pela
paridade face ao Direito. Os plebeus tinham liberdade e cidadania na civitas romana,
mas eram privados de poder, do acesso às magistraturas, dos direitos inerentes à
liberdade cívica e eram considerados de condição inferior. Os plebeus pretendiam então
poder participar plenamente na vida política da civitas e na vida social de Roma.
Os elementos fundamentais da coesão identitária de Roma:
• Abolição da proibição de casamentos entre patrícios e plebeus
• Igualdade jurídica
• Equiparação no acesso a cargos de Estado

A Lei das XII Tábuas


Portanto, até ao século V a.C.:
• Os plebeus não ocupavam cargos de comando
• Os pontífices, que interpretavam e aplicavam os mores maiorum ao caso
concreto, eram sempre patrícios
Por isso, os plebeus começaram a verificar que pontífices interpretavam os Mores
Maiorum de forma injusta, pois a solução era sempre mais favorável aos patrícios, e
revoltam-se. Por esse motivo, os comitia decidem elaborar um corpo jurídico que
garanta certeza e a segurança jurídica e que consagre os mores maiorum. Assim, origina-
se a primeira Lex Rogata, cuja elaboração é aprovada pelos plebeus e patrícios nos
comitia – Decemviri Legibus Scribundis.
Para elaborar a lex, são nomeados 10 homens (todos patrícios), e é aqui que temos o
primeiro decenviriato, destinado a elaborar o primeiro corpo legislativo de Roma. Para
isso, os mesmos organizam uma expedição até à Grécia com o objetivo de estudar e
conhecer as Leis de Sólon, que serviram como inspiração. Após este processo, a
comissão de patrícios elabora e grava em 10 tábuas de bronze as leges, que são
apresentadas aos comitia e aprovadas. Estas são essencialmente leges de direito
privado, pois o direito público continua a ser aplicado com recurso aos mores maiorum.
No entanto, os comitia entenderam que faltava um reforço jurídico a nível de Direito
Penal e, por isso, em 451 a.C., os comitia nomeiam o segundo decenvirato, desta vez
constituído por plebeus e patrícios, para elaborar mais duas tábuas. No entanto, como
os Comitia só́ tinham mandato para 1 ano, não aprovaram as duas leis elaboradas e
demitiram os decenviriatos, no sentido de perdurarem no poder.
Mais tarde, os Comitia nomeiam dois patrícios (Valério e Horácio) para elaborarem as
tábuas que faltavam. Os mesmos propõem as duas novas tábuas aos comitia, que as
aprovam, através da Lex Valeria Horatia.
Forma-se assim a Lei das XII Tábuas, que constitui o primeiro momento da positivação
jurídica e laicização do Direito Romano e que, após 450 a.C., passam a ser aplicadas e
interpretadas pelos sacerdotes pontífices. Estando dispostas para o público, estas
marcam o surgimento do ius civile (direito dos cidadãos) Relativamente ao seu
conteúdo, estas podem ser divididas:
• Livro 1 ao 3: Processo Civil
• Livro 4 ao 5: Família e sucessões
• Livro 6: Negócio jurídico
• Livro 7 ao 12: Direito Penal

A República Romana
Introdução:

A República romana funda-se no equilíbrio entre:


1. o poder político, que é exercido pelas Assembleias populares, pelo Senado que
é detentor de autoridade política (auctoritas) e pelos magistrados, que
garantem o limite e o equilíbrio do seu exercício e são dotados de imperium
2. a soberania (maiestas) do povo
3. a igualdade entre imperium e auctoritas, que permite a existência de um direito
criado por jurisprudentes e aplicado por juízes não profissionais, escolhidos pelas
partes, que seguem a opinião dos jurisprudentes.

Este equilíbrio efetivava-se através da:


• limitação/ separação dos poderes
• igualdade da lei para todos
• separação entre política, direito e religião
• participação cívica
• independência dos criadores de regras
• limitação recíproca de intervenção dos titulares dos órgãos fora da sua área
exclusiva de ação.

Com a invenção do ius como o conjunto de regras criadas, interpretadas e aplicadas de


forma livre por jurisprudentes (munidos de auctoritas e desprovidos de imperium),
separado das leis e das determinações religiosas, os romanos puseram fim à grande
crença do mundo antigo de que a natureza impõe uma ordem aos homens através da
causalidade. O início da iurisprudentia faz com que o homem deixe de ser mera criatura
obediente aos seus criadores divinos e súbdito de um rei que acata soluções de conflitos
e decisões políticas não fundamentadas.
Com a República, ficou então firmada a separação entre o mundo dos Deuses e o mundo
dos homens. O direito passa a ser de criação exclusivamente humana e o iurisprudente
a garantia de que isto acontece e de que são encontradas soluções justas para os
conflitos, que se traduzem em regras que admitem exceções sempre que a sua aplicação
a um caso concreto resulte numa injustiça.

Organização política da Roma Republicana:


Quando a monarquia caiu, o poder ficou assente nos seguintes órgãos políticos:
• Magistraturas: surgem como o início da divisão de poderes (que antes
estavam concentrados no rei) e são inicialmente ocupadas por cidadãos
romanos – patrícios eleitos pelos comícios para governar a cidade. Estas
dividem-se em dois tipos:
1. Magistraturas ordinárias- incluem as magistraturas maiores, que são a
censura, que surgiu em 443 a.C. e o consulado, que surgiu em 509 a.C. e inclui
também a magistratura menor, que é a questura e surgiu em 450 a.C.
2. Magistraturas extraordinárias- associadas a situações excecionais.

As magistraturas têm as seguintes caraterísticas:


• São eletivas: existia um programa de mandato, o edicto, que cada magistrado
apresentava aos comicia, que o discutia e votava. O magistrado que era eleito
era aquele cujo programa fosse mais votado.
• Estão sujeitas ao princípio da colegialidade/ dualidade: cada magistratura
tem dois titulares que se vigiam mutuamente e as decisões tomadas
necessitam da assinatura/da aprovação dos dois, pelo que cada magistrado
tem o poder de vetar a decisão do outro (ius intercessionis) – este princípio
pretende garantir a imparcialidade.
• São gratuitas- eram exercidas por uma classe social que já tinha rendimentos
próprios, pelo que não eram remuneradas.
• Estão sujeitas ao princípio da temporalidade: por regra, cada magistratura
tem a duração de um ano (exceto a ditadura).
Esta ideia ainda hoje se aplica na política para que as pessoas que ocupam os
cargos não cultivem vícios resultantes do grande conhecimento da dinâmica
do mesmo, viciando as regras e obtendo vantagens injustas.
• Estão sujeitas ao princípio da pluralidade: os poderes que eram
anteriormente detidos pelo Rex estão distribuídos por diferentes
magistraturas
• Estão sujeitas ao princípio do cursus honorum: os magistrados não repetem
cargos e a sua carreira é nomeada como carreira das honras, pois cada
magistrado serve, de forma gratuita, a cidade. As magistraturas estão
hierarquizadas da seguinte forma (ordem crescente):
o Questor
o Edil Esta hierarquia não é fixa nem consensual, mas
o Pretor corresponde à que é apresentada e defendida pelo regente
o Cônsul
o Censor
• Estão sujeitas ao princípio da responsabilidade: cada magistrado é
responsável pelas suas decisões e no fim do período da magistratura, o
magistrado é julgado pelas suas ações durante o exercício político.

Os magistrados têm também quatro grandes poderes:


I) Ius edicendi: poder de apresentar o programa de governo anual aos comitia,
cujo conteúdo deverá ser integralmente cumprido pelo magistrado (edicto
perpetum) e de emitir providências para a resolução de situações especiais,
não previstas antes e que, por isso, não constavam no edicto perpetum
(edicto repentinum)
II) Imperium: só os magistrados maiores é que têm o poder de comando que é
um poder de governo, que engloba, o poder militar, o poder de administrar
a cidade e o poder de convocar as assembleias (agendi cum popullos e agendi
cum patribos);
III) Potestas: todo o magistrado romano tem o poder de representar o povo
romano e de o vincular com a sua vontade - o magistrado cria direitos e
obrigações que impõe ao popullos;
IV) Iurisdictio: poder de dizer e de aplicar o direito e a justiça, associado aos
cônsules e pretores, que são intérpretes, aplicadores e criadores de Direito.
Dúvidas:
Quem eram, então, os pontífices?
Os pontífices eram sacerdotes que faziam a ponte entre o divino e o humano, através
da leitura dos augúrios. Por terem a capacidade de falar com os deuses e interpretar os
seus sinais, estes controlavam toda a sociedade (exemplo: faziam o calendário da cidade
de Roma, fazendo a divisão entre os dias nefastos – maus e os dias fastos – bons).
O sacerdote pontífice era aquele que tinha a obrigação de aplicar os mores maiorum ao
caso concreto.

O que é o edicto?
O edicto era um programa das atividades a desenvolver durante o mandato pela pessoa
que se apresentava para exercer a magistratura do pretor. Este era fixado publicamente
na apresentação da candidatura, logo antes do início das funções.

Qual a distinção entre auctoritas, imperium e potestas?


A auctoritas política está entregue ao senado, órgão de conselho e consulta dos
magistrados, e consiste no poder de ratificação das deliberações dos outros órgãos. Ou
seja, compete ao senado conceder à lex rogata a auctoritas patrum, isto é, comprovar a
conformidade da lei aprovada pelos comitia com os mores maiorum. A auctoritas está
também associada aos iurisprudentes, pois estes detêm um saber socialmente aceite e
reconhecido, através do qual dizem o direito e fazem com que as suas soluções sejam
aceites pela população.
A potestas é o poder comum a todos os magistrados, através do qual estes vinculam o
popullus romano às suas decisões.
Já o imperium é o poder máximo, que pertence apenas aos magistrados maiores, com
exceção do censor (ou seja, apenas ao cônsul e ao pretor). Este dava-lhes a possibilidade
de:
• exercer o supremo comando militar
• convocar os comícios (ius agendi cum popullus) e o senado (ius agendi cum
patribus)
• praticar a jurisdição (iurisdictio)
• fazer edictos (ius edicendi)
• impor decisões (coercitio)
Os outros magistrados que não os cônsules e os pretores apenas detinham potestas, a
não ser para questões muito concretas da sua função, para as quais detinham imperium.

Em que consiste o princípio do cursos honorum (a carreira das honras dos


magistrados)?
Nas magistraturas, estabelece-se uma rigorosa separação de poderes, assente em
regras e impedimentos marcados pelo cursos honorum, que possibilita a existência do
ius criado pela auctoritas dos jurisprudentes, que permanece separado da lex composta
pelo Imperium dos políticos. A carreira das honras dos magistrados é marcada por uma
hierarquia, que permite que o titular de um cargo vá ascendendo, tendo de começar no
mais baixo (questor), para mais tarde poder chegar ao mais alto (censor).
Portanto, a república romana fixou um sistema de incompatibilidades e de
impedimentos que tornava impossível aos titulares de imperium criarem sozinhos ius; e
àqueles a quem era reconhecida auctoritas, envolverem-se nos processos políticos que
terminavam nas leges. Portanto, surgem mecanismos normativos – combinações
institucionais que permitiam manter separado o ius civile, assente nos mores maiorum
– entendidos como regras consensuais entre as pessoas que compunham a comunidade
– e adaptado por jurisprudentes com um saber fundado na experiência, socialmente
reconhecido e que viam aceites as soluções dadas por eles, através da auctoritas e do
seu prestígio.

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