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Resumo da Tutoria

6ª sessão – 12/11/2022
(Início da matéria referente ao período do principado)

Introdução:
A data de 27 a.C. está associada ao fim da República romana e ao início do principado,
iniciado com a morte de Júlio Cesar. O principado é a forma de designar uma tentativa
política de concretizar no governo de Roma numa síntese entre instituições da res
pública e outras de pendor monárquico, atendendo à situação em que se encontram as
instituições do “Estado” após as sucessivas guerras civis.
Octávio Augusto exerceu o poder político supremo, a partir de 43 a.C., através de um
triunvirato e com um mandato de 5 anos depois renovado. Em 33 a.C., Augusto declara-
se prínceps por consensus universorum e a partir de 31 a.C., Augusto renova, sem
oposição, os seus poderes de cônsul único.
Estava aberto o caminho para um regime que, mantendo as instituições republicanas a
funcionar sem qualquer poder ou intervenção real na vida política e nas decisões a
tomar, concentrava todos os poderes nas mãos de um só homem: o
prínceps/imperador/augustus.

A fase de transição da República para o Principado vai ser conturbada, marcada por
escassez alimentar, guerras perdidas, crise económica, etc. E é devido a estes fatores
que ocorrem diversas mudanças:

• O Senado, que nunca tinha tido poder, vai assumir o poder legislativo, que será́
retirado aos comitia por força das circunstâncias;
• Os Comitia deixam de ser convocados perdem o seu relevo
• Os magistrados, que representavam a pluralidade do poder político em Roma,
vão inicialmente, continuar a ter funções. No entanto, César Augusto vai
considerar-se cônsul vitalício.

Com a tribunícia potestas (poder vitalício de tribuno), Augusto adquire várias funções:
• o poder de iniciativa na propositura de alterações “constitucionais” controlando
a renovação jurídica do “Estado”;
• o grau de qualidade de sacrosantus;
• o poder de intercessio contra tudo e qualquer ato de magistrados e do senado;
• e o ius agendi cum plebe, podendo votar os plebiscitos e convocar o Senado, com
os poderes de um tribuno da plebe.
• o Imperium proconsulare maius, que se traduz no comando militar supremo; que
se estende até aos confins do império.
• a cura legum et morum: o poder de controlar a legislação e aquilo que era aceite
como costume, sobretudo no sentido da aceitação sociojurídica dos conteúdos
dos mores maiorum;
• o direito de commendatio: o poder de indicar ou recomendar, às assembleias
com poder de eleger os magistrados, os nomes dos candidatos a esses cargos.

Assim, o principado como regime primums inter pares é o que melhor caracteriza este
período da história do Direito Romano, no plano político, uma vez que, foi dada a
possibilidade a um só homem de decidir sozinho sobre todos os aspetos da vida romana
até ai dispersos pelas magistraturas, numa rigorosa separação assente em regras e
impedimentos marcados pelo cursos honorum, que determinou o fim da possibilidade
de um ius criado pela auctoritas dos jurisprudentes permanecer separado da lex
composta pelo Imperium dos políticos.
Toda a história do principado é marcada pelo acentuar das tendências monárquicas e o
enfraquecimento dos órgãos da república, que se mantiveram como instituições
políticas vazias, sem importância política e sem competências substantivas, numa
formalidade vegetativa como era do interesse do prínceps.

As fontes de Direito:

O ius publice respondendi e o fim da iurisprudenctia:


No início do principado, a iurisprudentia enfrenta uma crise de objetivos: a atividade de
criação do ius novum, enuciando regras jurídicas por interpretacio das velhas regras do
ius civile e dos mores maiorum, para responder aos novos casos, estava globalmente
cumprida; a atividade de integração do edictum do pretor estava também relativamente
esgotada. Pedia-se agora aos jurisprudentes que aperfeiçoassem, organizassem e
sistematizassem, para compreensão e aplicação, o conjunto de regras e princípios do ius
Romanum.
Ao mesmo tempo, surgem questões relativas à jurisprudência, pois dá-se uma
proliferação de jurisprudentes devido à expansão do império e ao desenvolvimento das
relações jurídicas, e por isso,
começa a questionar-se qual a opinião de qual jurisprudente se deve seguir. E é face a
esta questão que Augusto reconhece a necessidade de criar regras e segurança jurídica,
através da Ius Publice Respondendi, que consiste numa autorização/ direito dado pelo
prínceps que permitia aos jurisprudentes vincularem com a sua opinião aqueles que os
consultavam.
Com a mudança do regime político, o princeps vai assumindo progressivamente um
poder cada vez mais intenso e extenso na forma como intervinha nas instituições
republicanas que ainda sobreviviam, mas que restava apenas o nome.
Todas as regras jurídicas despendiam da vontade do princeps, tal como todos os
mecanismos de equilíbrio e controlo. Sob a capa de um respeito escrupuloso da
independência da iurisprudentia e de garantir a manutenção de uma das principais
fontes de criação de ius, deixou entender que só intervinha para pôr em ordem a
jurisprudência. Mas ao criar o ius publice respondendi, ainda que não tenha impedido
ninguém de exercer a atividade de jurisprudente, esta deixou de fazer sentido, uma vez
que os outros jurisprudentes viram a sua palavra desvalorizada e deixaram de ser
procurados pelos particulares.
E uma vez instituído este processo, os jurisprudentes faziam tudo para agradar àquele
que tinha a faculdade de os colocar numa lista que dava às opiniões expressas a força
de valerem como as opiniões do próprio princeps. É certo que a resposta dos
jurisprudentes dotados de ius publice respondendi não eram fonte imediata de Direito.
No entanto, passaram a ser uma importante fonte de criação do Direito.
Seja como for, o ius publice respondendi não só atraiu os jurisprudentes para a área
política e o círculo do poder, como tornou a jurisprudência uma atividade oficial,
fiscalizada pelo poder político e subordinada à vontade do prínceps. E a natureza da
auctoritas na qual se baseava a atuação do jurisprudente altera-se, deixando de ser
social para passar a ser política.

Senatus consulta
O senatus consulta era a consulta dada pelo Senado a um magistrado ou plebeu, a
pedido destes últimos. Os magistrados da república eram obrigados a ouvir/consultar o
Senado, mas não a seguir a sua deliberação. O Senado era, então, um órgão consultivo
e por isso as suas deliberações tinham natureza de pareceres ou consultas e a sua
abrangência estava limitada à pessoa ou entidade que solicitava o parecer.
Assim a sua participação estava limitada a:
• Conceder ou não a auctoritas patrum às leges rogatae votadas nos comícios;
• Dar conselhos aos magistrados com ius agendi cum populos para os projetos
normativos que estes apresentavam aos comícios.

Quando a lex aebutia de formulis, de 130 a.C. permite ao pretor criar ações próprias e,
assim, criar direito, o senado que aconselha o pretor no exercício da sua atividade, com
intervenção crecente para o seu prestígio, passa a ser fonte mediata de Direito, através
do seu edicto. A situação atingiu um ponto tal que se criou a ideia que era o senado
quem verdadeiramente legislava e acaba por assumir-se que os senatus consulta tinham
força de lei. Não há nenhuma intervenção nem alteração política, há sim uma
conformidade dos cidadãos à opinião do Senado.
Esta valoração dos senatus consulta como fonte legislativa resultou da lenta afirmação
da auctoritas patrum dos senadores, que passou, com a Lex Publilia Philonis, de 339 a.C.,
de uma expressão formal posterior à deliberação dos comitia que aprovava a proposta
do magistrado, para uma intervenção anterior à apresentação da proposta aos comícios.
Assim, começa-se a questionar, no principado, a problemática da natureza das decisões
do Senado como fontes legislativas autónomas de Direito. Augusto aproveita-se desta
situação e despoleta o início de um trabalho de alteração dos poderes em Roma, que
vai:
• Retirar competência política ao senado
• Tirar o papel legislativo aos comitia, que começam a desaparecer e a deixar de
reunir, sendo que as leis passam a ser propostas ao senado e não ao comitia.
• Tirar o poder ao pretor, ao mesmo tempo que o cônsul deixa de ser eleito

Oracio Prínceps - nova fonte de direito que surge no fim do séc. I d.C., corresponde à
evolução do senatus consulta.

Constituições imperiais - Diploma que emana da vontade do prínceps. A partir do século


III, estas passam a ter força de lei e a partir do século IV, passam a ser a única fonte de
direito. Até aqui, o direito era desenvolvido nos casos concretos, mas com as
constituições imperiais, o imperador cria a lei geral e abstrata, que se aplica a todas as
pessoas e a todas as circunstâncias.

A regra geral do ius civile transformada em lei geral e abstrata:


Como vimos anteriormente, a república romana fixou um sistema de incompatibilidades
e de impedimentos que tornava impossível aos titulares de imperium criarem sozinhos
ius; e àqueles a quem era reconhecida auctoritas, envolverem-se nos processos políticos
que terminavam nas leges.
Foi neste período que se criaram os mecanismos normativos que permitiam manter
separado o ius civile, assente nos mores maiorum e adaptado por jurisprudentes com
um saber fundado na experiência, socialmente reconhecido e que viam aceites as
soluções dadas por eles, através da auctoritas e do seu prestígio.
O definhamento progressivo das fontes criadoras, a corrupção crescente nas formas de
acesso aos favores do imperador, na nomeação para cargos, etc., tornou impossível
manter o ius ligado apenas à auctoritas.
Foi, por isso, necessário iniciar o processo de transferência da regra jurídica, formulada
e adaptada pelos jurisprudentes, com base no caso e na contextualização das situações
em que se aplica, para a lei geral e abstrata.
Cria-se assim um direito oficial em Roma, que traduz a transformação do direito livre a
aplicar aos casos concretos para um direito de funcionalização do principado e do
império.

Conclusão
Os principais traços caraterísticos do principado são:
• a concentração progressiva de poderes políticos nas mãos do prínceps
• a propaganda imperial centrada na figura do chefe e no culto da sua
personalidade
• o desgaste constante, mas inevitável, dos órgãos de expressão colegial (comícios
e senado), que passam a desempenhar um papel meramente formal
• a dificuldade em deliberar e a debilidade executória, resultante da fragilidade
institucional, que contribuíram para uma identificação, cada vez mais aceite,
entre a colegialidade e a ineficácia/incompetência
• os poderes autoritários e despóticos que exploraram, através de discursos bem
montados, estas fraquezas e apresentaram a ditadura como solução, solução
essa que acabou por ser aceite pela maioria, e que deu origem ao regime do
principado

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