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Direito Romano I

1.º semestre

Professor regente: Prof.ª Doutora Susana Videira

Colaboradores: Prof.ª Doutora Susana Videira/Mestre Madalena Santos/Dr. Pedro Correia


Gonçalves/Mestre Ulisses Gagliano

O nosso Direito tem origem romano-germânica.


Roma foi fundada no ano de 753 a.C. e passou por várias fases:

 Monarquia (período do qual não se tem muito conhecimento devido às múltiplas lendas,
à ausência de fontes, etc.)
 República
 Principado (período marcado pelos ideais de Cícero)
 Império
 Dominado (período iniciado por Diocleciano)
Monarquia
Em 753 a.C. começa, assim, o primeiro período da história política e de Direito de Roma, com
uma forte influência grega, não fossem os gregos os grandes fundadores da política, e Etrúria, já
que foram os etruscos que governaram Roma durante a monarquia (1.º rei – Tarquínio Prisco).
Em termos sociais, Roma encontrava-se dividida entre:

 Patriciado (patronato) – homens que combatem em cima de um cavalo (patrícios),


aristocratas, possuem acesso a cargos políticos
 Plebeus (clientela) – trabalhadores dos campos, não possuem acesso a cargos políticos
Entre o Patronato (patronos) e a Clientela (clientes) estabelecia-se um vínculo jurídico em
que ambas as partes possuem direitos e deveres (por exemplo, enquanto os clientes tinham o
dever de prestar lealdade e apoio militar, o patronato tinha o dever de os proteger e, se não o
fizesse, poderia até enfrentar a morte). Havia, portanto, uma relação de dependência e laços de
subjugação, estes últimos por parte dos clientes. Este vínculo jurídico podia surgir por vários
motivos como a libertação de escravos ou a criação de um laço entre um Pater familias (“pai de
família”) com um patrono.
Em Roma, a sociedade tinha por base a família (patriarcal). Nessa altura o termo “família”
englobava todos aqueles que se encontravam dependentes e subjugados ao Pater familias que os
poderia alienar ou até decidir sobre a sua vida e morte. Assim, verifica-se que à época o que
definia a família eram as relações de dependência, os laços de subordinação (Agmatitío). Por
oposição, atualmente, a família mede-se por laços de consanguinidade (Cognatitio).
Ainda nessa época já se afirmava a estreita ligação entre o Direito, a Política, a Moral e a
Religião.
Em termos políticos, para além da existência do Rei (que assegura os destinos do reino atavés
da leitura dos auspícia, ou seja, os deuses; administra o território; conduz o exército), existia o
Senado, um órgão de cúpula que congregava a os melhores de Roma, os mais ricos, sábios e
prestigiados (a elite, os Pater familias, os Patrícios, o Censor – realiza censos e determina quem
deve pertencer ao Senado). O Senado não é um órgão deliberativo, ou seja, não tem qualquer
tipo de poder (Potestas), mas sim órgão consultivo (do Rei) com autoridade (Auctoritas). (Nota:
Poder = razão da força; Autoridade = força da razão, saber socialmente reconhecido).
As funções do Senado eram:

 Senatus consultum (advém do facto de possuir auctoritas; emite opiniões quando o


monarca o consulta; os reis podem ou não segui-las; no entanto, foi por não convocar o
Senado que o último rei romano foi morto e o período da monarquia terminou em 509
a.C.)
 Auctoritas patrum (intervém no processo de aprovação das leis, tendo de as ratificar
apesar de não deter o poder legislativo que apenas pertencia ao povo; está ligada à
racionalidade e advém do reconhecimento por parte dos seus pares da justeza das suas
opiniões)
 Ratificar os acordos internacionais (atua numa frente externa)
 Interregnum (assume a função de inter Rex, ou seja, assegura o poder durante o período
em que não existe ainda um rei)
Como se processa a sucessão dinástica durante a Monarquia?
Na época da Monarquia romana, a sucessão dinástica não se dava através da hereditariedade ou
da eletividade, mas sim através do inter Rex: quando o Rei romano morre, o poder fica entregue
ao Senado que vai escolher/cooptar um Senador; este, por sua vez, lendo os auspícios, propõe
ao Senado um novo Rei para que aprove. Para além do Senado, também o povo, representado
pela Assembleia Popular Comicia Curiata, tem de aprovar o Rei. Depois, é o povo quem
investe o Rei em comicia através da Lex Curiata de Imperium (momento de investidura).
Senado – Senador – proposta
(aprovada pelo:)
Senado Povo
Investidura do Rei pelo Povo

Um outro órgão que existia era a Comicia Centuriata (comícios das centúrias) que tinha a
função de decidir a guerra e a paz.
Existiam também mais dois órgãos (mas que não são de poder) que ilustram o sintetismo
religioso, a estreita conexão entre o Direito e a Religião:
- o Colégio Sacerdotal, composto por pontífices que são intermediários entre os deuses e os
homens;
- o Colégio dos Augres, que interpreta os sinais dos deuses (por exemplo, através das entranhas
dos animais) de modo a comunicar ao Rei as suas vontades.
República
Quando a Monarquia cai, o poder fica entregue a magistrados, mais particularmente a dois
cônsules que só poderiam ser patrícios. O poder encontrava-se dividido por duas pessoas para
que não houvesse o seu exercício não fosse absoluto, sendo que qualquer um deles poderia
exercer o poder de intercessio contra o outro (possibilidade de revogar os efeitos de uma
decisão tomada por alguém que está no mesmo “patamar”).
Nesta época, verifica-se a ascensão dos plebeus que aumentam a sua riqueza devido à atividade
comercial. Isto manifesta-se, por exemplo, no exército: a infantaria é tão numerosa e quase tão
importante quanto a cavalaria. Por outro lado, o mesmo não acontecia com o poder político: os
plebeus não podiam, por exemplo, ascender a cônsules, como já foi dito. Progressivamente, os
plebeus foram apercebendo-se deste contraste, o que resultou numa luta pela paridade em
relação aos patrícios. A partir de 367 a.C., a paridade desejada é tendencialmente alcançada e a
divisão entre plebeus e patrícios desvanece-se – todos passam a ser cíveis.
Com esta “Revolução Plebeia” foram criados vários novos institutos:

 509 a.C. – Tribuno da Plebe (surge este novo tipo de magistrado que é eleito pelo
Consilium Plebis e tem como objetivo salvaguardar os interesses dos plebeus)
 509 a.C. – Provocatio Ad Populum (consiste numa interpelação à Assembleia Popular
por parte de um plebeu para que esta abrisse um processo e evitasse uma condenação à
morte, uma vez que os cônsules, patrícios, podiam condenar à morte plebeus)
 450 a.C. – Lei das 12 Tábuas (resulta da exigência plebeia de que o Direito passasse a
ser escrito para que houvessem certezas e segurança; de facto, gerava-se uma
desconfiança em relação à aplicação da justiça que provinha dos mores maiorum
interpretados pelos patrícios sacerdotes através da leitura dos auspícios; assim, em 451
a.C., 10 patrícios, aos quais se juntam mais tarde alguns plebeus, ficam encarregues de
redigir as leis em 12 tábuas; a Lei das 12 Tábuas não é, em si, inovadora no conteúdo,
mas apenas a expressão dos princípios fundamentais à vida jurídica, para que já não
fosse preciso recorrer aos deuses)
 367 a.C. – Legis Liciniae Sextiae (estas leis principiam a República; algumas delas: 1.
um dos cônsules pode ser plebeu; 2. redistribuição da terra – cada Pater familias pode
possuir apenas 500 jeiras de terra, para que os plebeus também possum usufruir dela; 3.
os juros de um emprestémio – chamado de “mútuo” – ficam limitados a 1%, uma vez
que, na maioria dos casos, os plebeus ficavam quase numa situação de escravidão; 4.
permite-se que metade dos guardiões dos “Livros Sibilinos” – de caráter religioso –
possam ser plebeus)

 Fontes do ius romanum


Uma fonte de direito é um modo de formação e revelação das normas jurídicas. As normas
que contribuem para a formação de outras são as normas essendi; as normas que contribuem
para a revelação são as normas cognoscendi.
As fontes de Direito durante a Monarquia não são certas na medida em que não existem grandes
sinais do Direito desta época. No entanto, aceita-se com alguma relutância que existiu o ius
papirianum, uma compilação de normas cognoscendi propostas pelo Rei e aprovadas pelos
Comicia Curiata. (Nota: o iuris papirium serviu, mais tarde, de argumentação política para o
poder do imperador.)
As fontes de Direito, consagradas durante os vários períodos por que Roma passou, eram:
1. o próprio Direito Romano
2. o consuetudo = costume (está na base do Direito consuetudinário; pode ser interpretado
como o uso (usus), uma prática reiterada/um comportamento repetido – elemento
objetivo, ou como uma convicção de obrigatoriedade jurídica – elemento subjetivo)
3. o senatus consultum (apesar de não ser vinculativo, é importante)
4. os mores maiorum (a primeira e a principal fonte; são tradições de uma comprovada
moralidade; conjunto de princípios de justiça essenciais que os romanos consideram
estruturadores do ordenamento jurídico; exemplo: “não há pena, sem culpa”; neles
vigoram a “Lei das 12 Tábuas” de 450 a.C.)
5. os plebiscita (regras aprovadas pelo Consilium Plebis que asseguram em exclusivo os
interesses dos plebeus, mas que começam por não ter um caráter vinculativo; em 480
a.C. passam a vincular os plebeus e só em 287 a.C. é que passam a vincular todo o
populus de Roma – plebeus e patrícios, que deixam de ser distinguidos e passam todos a
ser reconhecidos como cíveis/quirit; no período republicano, só se fala em cidadãos a
partir de 287 a.C.; a atribuição da cidadania romana poderia dar-se através da
hereditariedade – filhos de romanos são romanos – ou por decisão dos Comicia ou dos
magistrados)
6. a iurisprudencia (capacidade de distinguir entre o justo e o injusto atribuída ao
sacerdote pontífice)
7. a Lei, mais precisamente, a Lex Rogata (a Lei Romana por excelência)
A Lex Rogata é um processo normativo que se caracteriza pela generalidade e pela
abstração. Como é que se dá a sua aprovação? Por meio de um equilíbrio entre a
soberania do povo (a sua aprovação é obrigatória), o poder dos magistrados e a
auctoritas do Senado:
a) só um magistrado pode propor iniciativas legislativas aos Comicia; ao processo de
afixação do projeto dá-se o nome de Promulgatio; às reuniões para esclarecer o
povo sobre as virtualidades do projeto e justificá-lo dá-se o nome de Conciones;
b) o povo é convocado pelo magistrado em Assembleia (Comicia Centuriata – a mais
importante) e dá-se a Rogatio (pedido de aprovação do projeto por parte do
magistrado); o povo não pode introduzir alterações na proposta;
c) dá-se a votação escrita do povo;
d) depois da votação, o projeto é submetido ao Senado para o ratificar (porque possui
auctoritas patrum, um saber socialmente reconhecido);
e) depois da aprovação do Senado, o projeto é transformado em lei, e esta é afixada no
fórum para que todos tomem conhecimento dela.
Em 339 a.C., é aprovada uma nova Lex Rogata – a Lex publilia philomis – que
determina que a ratificação do Senado deve anteceder a votação do povo.
República (367 a.C. – 27 a.C.)
O período da República segue-se ao período monárquico e baseia-se num equilíbrio entre:
1. a maiestas do povo
2. o imperium e potestas dos magistrados
3. a auctoritas do Senado
1. A maiestas, ou soberania, do povo, característica da República Romana, pressupõe a
radicação do poder no povo. De que forma é exercida essa soberania? Através da reunião do
povo em Assembleia:
- na Comicia Curiata, que assumiu uma grande importância na Monarquia, mas durante a
República tem um caráter meramente simbólico, acabando por deixar de ser reunida;
- na Comicia Centuriata, a que obtém mais destaque agora no período republicano. A Comicia
Centuriata elege os magistrados mais importantes, aprova as leis (Lex Rogata), tem uma palavra
importante acerca das penas mais significativas (condenações de vida ou morte);
- na Comicia Tributa, típica da República. A Comicia Tributa elege os magistrados menos
importantes, bem como aplica as penas e a aprova as normas de menos importância;
- no Consilium Plebis, constituída apenas por plebeus que lutam pela paridade em relação aos
patrícios. O Consilium Plebis salvaguarda os interesses da plebe através a) dos plebiscita (já
mencionados como fonte de Direito e aprovados por este consílio) e b) da criação do cargo de
Tribuno da Plebe (um tipo de magistrado).
2. Com a República, preocupada em evitar a concentração de poderes nas mãos de um único
homem, surgiram as magistraturas (de um modo geral, com imperium e potestas). Para se ser
magistrado era necessário ter 28 anos ou mais (importância da experiência) e ser “ingénuo” (não
ser escravo ou escravo liberto, não ter sido condenado por infâmia, etc.). Os magistrados
integram uma carreira, a “carreira das honras”, conhecida por cursus honorum que possui várias
características: a pluralidade, a prestação de contas para progredir, a eletividade, a colegialidade
(num mesmo patamar existem vários titulares, com exceção do Pretor), a temporalidade (neste
caso a anualidade) e a gratuitidade (os cargos não eram remunerados). Existiam dois tipos de
magistraturas – as magistraturas ordinárias (permanentemente constituídas para governar) e
as magistraturas extraordinárias (como o nome indica, constituídas apenas em situações
extraordinárias).
As magistraturas ordinárias são compostas por magistrados maiores (o Censor, o Cônsul e o
Pretor) com imperium – as suas ordens têm obrigatoriamente de ser cumpridas até ao limite – e
potestas – ligado à função de representar o populus de Roma –, e por magistrados menores (o
Edil Curul e o Questor) que não possuem imperium nem potestas. Assim, por ordem da menos
para a mais importante, as magistraturas ordinárias são:
- Questor (450 a.C.)
- Edil Curul (367 a.C.)
- Pretor (367 a.C.)
- Cônsul (509/510 a.C.)
- Censor (443 a.C.)

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