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LUÍS DE CAMÕES, RIMAS

Vida e Obra

Poeta português, filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo, Luís Vaz de Camões terá nascido
por volta de 1524, não se sabe exatamente onde, e morreu a 10 de junho de 1580, em Lisboa. Atribuem-
se-lhe vários desterros, sendo um para Ceuta, onde se bateu como soldado e em combate perdeu o olho
direito e outro para Constância, entre 1547 e 1550. Depois de regressado a Lisboa, foi preso, em 1552, em
consequência de uma rixa com um funcionário da Corte, e metido na cadeia do Tronco. Saiu logo no ano
seguinte, inteiramente perdoado pelo agredido e pelo rei, conforme se lê numa carta enviada da Índia,
para onde partiu nesse mesmo ano, quer para mais facilmente obter perdão quer para se libertar da vida
lisboeta, que o não contentava. Em 1569, após 16 anos de desterro, regressou a Lisboa, tendo os seus
amigos pago as dívidas e comprado o passaporte. Só três anos mais tarde conseguiu obter a publicação da
primeira edição de Os Lusíadas, que lhe valeu de D. Sebastião, a quem era dedicado, uma tença anual de
15 000 réis pelo prazo de três anos e renovado pela última vez em 1582 a favor de sua mãe, que lhe
sobreviveu. A 10 de junho, comemora-se o Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.

Literatura

O século XVI, período em que Luís de Camões viveu, foi uma época de mudança, marcada essencialmente
por três conceitos intimamente ligados e fundamentais para a compreensão da sua obra: o Renascimento,
o Humanismo e o Classicismo.

 O Renascimento é o nome dado ao movimento cultural que surgiu o século XIV, na Itália, e que se
estendeu por toda a Europa, até ao século XVI, marcando a transição da Idade Média para a Idade
Moderna. Foi um período de renovação científica, literária e artística, fundada no desejo de fazer
“renascer” a Antiguidade Clássica, retomando os seus valores e seguindo os seus modelos.
 O Humanismo é o fundamento cultural do Renascimento. Caracteriza-se pela redescoberta e
renovação do culto das línguas, das literaturas e do pensamento da Antiguidade Clássica. O
entendimento do mundo passa a ser feito a partir da importância do homem, que é o responsável
pelas suas ações, bem como pela criação e desenvolvimento dos valores morais. Trata-se, portanto,
de uma doutrina centrada nos princípios e nos interesses do ser humano, sobrepondo-os aos
valores religiosos ou transcendentais, que prevaleciam na Idade Média.
 O Classicismo é um movimento estético que abrangeu os séculos XVI, XVII e XVIII (períodos do
Renascimento, do Barroco e do Neoclassicismo) e que vai buscar à antiguidade greco-romana, à sua
civilização e cultura, as fontes de inspiração. Além da imitação dos modelos clássicos greco-latinos,
são características do Classicismo o predomínio da razão sobre o sentimento, o antropocentrismo,
a busca da perfeição formal, a influência do pensamento humanista.

Temas

 A representação da amada.
 A experiência amorosa.
 A reflexão sobre o amor.
 A representação da Natureza.
 A reflexão sobre a vida pessoal.
 O desconcerto do mundo.
 A mudança.
Representação da Mulher Amada

Retrato realista

A obra camoniana retrata dois tipos de mulher. A primeira é uma imagem realista e aparece em algumas
redondilhas. […] A segunda é uma imagem petrarquista: está presente nos sonetos. […]

A própria temática da medida velha é muitas vezes retirada da vida quotidiana: por isso as suas heroínas
são mulheres apaixonadas, alegres, […] prontas a lutar pelos seus interesses e pelos seus sentimentos. A
imagem realista opõe-se à imagem petrarquista em que a mulher personifica várias ideias: beleza,
castidade, «alma gentil», «leda serenidade deleitosa», […] harmonia: a unidade profunda entre a beleza
externa e a beleza interna.

2. A mulher petrarquista

Petrarca (1304-1374) é o grande cultor do «amor elevado», que celebra com múltiplos jogos de antíteses.
Toda a sua obra é atravessada pela presença de Laura, a amada que conhece em 1327 e que lhe desperta
um amor platónico. Apesar de a sua musa ter morrido em 1348, vítima da peste negra, Petrarca continua a
cantá-la até ao fim dos seus dias, projetando o amor irrealizável numa cristalização perfeita que reflete a
transcendência divina. A poesia petrarquista, escrita sob o signo da ausência e da solidão, impõe um
modelo feminino, de cabelos loiros [pele nívea] e beleza serena, impalpável, abstrata, inacessível,
símbolo de harmonia e perfeição [tendo a capacidade de contaminar positivamente a natureza].

A experiência amorosa e a reflexão sobre o Amor

O amor é, para o poeta, um binómio de duas faces contraditórias, a espiritual e a carnal, correspondentes
a dois tipos de mulher: a ideal e a sensual. A primeira – criatura angelical de inspiração petrarquiana – é o
objeto de culto, ser de essência divina, intocável e distante. Com um retrato físico nem sempre evidente –
todavia sempre idealizado – quando o possui, este é o reflexo de uma superior beleza interior e moral, em
que sobreleva uma alma virtuosa. Eis o que sobressai em sonetos petrarquistas como «Um mover de olhos
brando e piedoso». […] Perante uma tal beleza [neste soneto], o sujeito lírico toma uma atitude reverente
em relação à dama.

A par destes sonetos em que o eu lírico aparece fascinado pelo etéreo amor petrarquista, outros há em
que o sujeito deseja o objeto amado e, como tal, surge dilacerado por uma torturante contradição interior.
[…]

Aqui [no soneto «Tanto do meu estado me acho incerto»] sobressai a dialética do desejo, «o estado
incerto» petrarquista, que é ainda o fascínio pela mulher superior, quase divina, de beleza inefável. Mas o
amor depurado, reduzido a manifestações espirituais, dá, não raro, lugar a um sentimento profundo, que
abrange a totalidade das manifestações eróticas, fortemente marcado de sensualidade. Este amor tangível,
sensual, expressão artística de quem «em várias flamas ardia» [«Tanto do meu estado me acho
incerto»] encontramo-lo em sonetos […] do Renascimento. [...]

O esquema dual de representação feminina ou amorosa camoniano não dissolve a dialética. E porque a
dualidade sistemática nunca se encaminha para uma solução, dessa questão permanentemente inconclusa
nasce a dramática reflexão entre o real e o ideal. Daqui resulta a insatisfação, a angústia, a desventura
existencial, o pathos amoroso que encontramos em sonetos como: «Erros meus, má fortuna, amor
ardente».
A representação da natureza

1. A natureza: cenário, testemunho e alegoria

Presença constante na pintura e na poesia quinhentistas, a natureza representa algo mais do que um
cenário decorativo dos retratos humanos, tanto físicos como psicológicos, mas uma companheira que
testemunha e alegoriza as vivências registadas. Não é já a interlocutora privilegiada das cantigas de amigo
galego-portuguesas, plena de magia quase omnisciente e omnipotente, mas também não é mera
convenção retórica, quase sempre simbólica de serenidade e harmonia, segundo o tópico clássico do locus
amoenus.

Nos sonetos camonianos, destaca-se um leque variado de ângulos e perspetivas em que o tema da
natureza é abordado e desenvolvido. Assim, a natureza:

 É a corresponsável demiúrgica pelas excelsas qualidades das figuras femininas exaltadas,


conferindo-lhes a sua beleza, «luz, graça e pureza» («Pelos extremos raros que mostrou»);
 Apresenta uma nota agónica e nostálgica no tópico clássico do locus amoenus, pela ausência da
amada («Alegres campos, verdes arvoredos»);
 Mostra insensibilidade, sendo incapaz de se solidarizar com a dor do sujeito poético («O céu, a
terra, o vento sossegado»);
 Provoca, apesar da sua amenidade, um distúrbio no sujeito lírico motivado pela ausência feminina
(«Alegres campos, verdes arvoredos»).

2. Locus amoenus (lugar ameno)

Expressão latina que designa a paisagem ideal, sempre presente na poesia amorosa em geral e, com maior
incidência, na poesia bucólica. Desde a Antiguidade Clássica que o termo locus amoenus nos remete para a
descrição da natureza e para um conjunto de elementos específicos: o campo fresco e verdejante, com um
vasto arvoredo e flores coloridas, cujo doce odor se espalha com a brisa. […] Esta natureza mágica é
conducente ao amor, ao encantamento sensorial e espiritual do Homem, que se integra na perfeição em
tal plenitude, marcada pela harmonia e homogeneidade. Enfim, estamos perante um paraíso terrestre,
onde se enquadra o ser humano que busca a satisfação pela simplicidade.

Reflexão sobre a vida pessoal

A poesia de Camões é infinitamente mais poderosa, rica e atual que a de Petrarca, justamente na medida
em que ele se recusa à mera evasão lírica e não se contenta com o objeto tradicional do amor, antes
procura integrar a experiência vivida.

O acontecimento, o facto, o tempo penetram repetidamente, por vezes sob o aspeto mais cru, na poesia
de Camões. A mais impressionante das suas canções [«Vinde cá, meu tão certo secretário»] é uma
autobiografia, e não uma autobiografia puramente espiritual, porque nela se conta como o Destino vergou
a vida do Poeta. Logo ao nascer, o horóscopo, as «estrelas infelizes», o predestinaram, forçando-lhe o livre
alvedrio; se trocou a vida de namorado pela de guerreiro, foi porque lho impôs o «Destino fero, irado»,
que o fez atravessar o mar, perder em combate um dos olhos, peregrinar.
O Poeta não evolui em vaso fechado; a sua história resulta do encontro do seu impulso espiritual com o
cego desencadeamento do caso, sorte ou fortuna: «Erros meus, má fortuna, amor ardente / em minha
perdição se conjuraram.»

A pretensão de reconstruir a biografia de Camões para melhor compreensão da sua lírica não é tão
insensata como se tem feito crer. Os biógrafos têm errado, sim: alguns pela extrema ingenuidade das suas
hipóteses, outros pelo excessivo recurso a uma fantasia gratuita, e quase todos por um método
incientífico.

Mas é evidente que a poesia camoniana ganharia muito com um adequado comentário biográfico,
justamente pela importância que nela tem o acontecimento externo.

O embate do Poeta com o acontecimento [a morte] reflete-se em gritos e acenos que são inteiramente
desconhecidos de Petrarca. Não são já meramente os suspiros e exclamações do amor insatisfeito, mas
manifestações de revolta desesperada e impotente, […] de cansaço, […] de remorso. […] Camões chama-
lhe morte «cega», caso «duvidoso». «Cega» é aqui sinónimo de irracional, incompreensível, arbitrária, sem
sentido; «duvidoso», de inesperado, ou, melhor, imprevisível.

O desconcerto do mundo

Enquanto para Petrarca não existe o problema da ordem do mundo, […] [para Camões], contrariamente, o
problema do desconcerto do mundo está constantemente presente.

É absurdo o caso duvidoso que destrói o puro amor; é absurda a morte, cuja existência brutal Camões
reconhece plenamente, sem querer consolar-se com a imortalidade da alma; é absurdo o tempo, que não
só traz consigo mágoas e desastres, como também altera a alma das pessoas, irreversivelmente,
incapacitando-as para o contentamento.

O mundo é um «desconcerto» – tal é um dos pensamentos favoritos de Camões. Uma extensa composição
em oitavas dedicadas «Ao desconcerto do mundo» desenvolve este pensamento especialmente em
relação à vida social.

O mundo é um «desconcerto» – tal é um dos pensamentos favoritos de Camões. Uma extensa composição
em oitavas dedicadas «Ao desconcerto do mundo» desenvolve este pensamento especialmente em
relação à vida social.

Alguém diria que este desconcerto não é coisa nova, pelo que parece não haver razão para espanto. Mas é,
muito pelo contrário, porque, por um lado, quanto mais se prolonga tal desconcerto, mais é para espantar;
e, por outro, ninguém se habitua a ele, antes todos o sentem e se inconformam.

O desconcerto do mundo aparece […] sob duas formas. É uma o disparate que preside à distribuição do
prémio e do castigo, a qual tem que ver com o merecimento, porque aqueles que vivem de latrocínios,
mortes e adultérios, e deveriam merecer castigo perpétuo, são protegidos pela fortuna. […] E, pelo
contrário, aqueles cuja vida limpa apareceria até mesmo a quem pudesse vê-los com o peito aberto, são
por ela perseguidos e veem negado o seu direito. […]

Resumindo: o desconcerto do mundo aparece a Camões sob diversas formas. É um facto objetivo os
prémios e castigos estarem distribuídos desencontradamente.
O tema da mudança

Que é o tempo? Objetivamente, é a sucessão das mudanças, decreto incompreensível da natureza.

As horas são diferentes na qualidade. A essência do tempo objetivo está nisso: a sucessão das qualidades
diferentes que resulta da mudança ou de que resulta a mudança. É o pensamento do soneto justamente
célebre «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».

Cingindo-se a um tópico tradicional, Camões, neste soneto, contrapõe a esta mudança do tempo a
constância da própria alma: essa é a tese que ele herdou e glosou repetidamente. Mas, passando além, o
reverso subjetivo do tempo tornou-se para ele um problema. O facto é que, verifica ele, a própria alma
muda.

Como dirá em «Sôbolos rios», todos os males vêm das mudanças e todas as mudanças vêm dos anos; e
mudando-se a vida se mudam os gostos dela.

O efeito do tempo é psicologicamente uma mudança qualitativa de estado – mais: uma mudança
qualitativa da própria alma.

Não se perde só o contentamento, mas o gosto de ser contente. Ao contentamento do passado contrapõe-
se o ser triste no presente. A contraposição entre passado e presente tende a converter-se em Camões
numa oposição de estados psíquicos. O passado torna-se meramente o oposto do presente.

Por esta oposição entre o passado contente e o presente descontente – oposição que transporta para o
presente o passado, retirando-lhe a qualidade de realidade empírica […] – Camões encaminha-se para uma
formulação metafísica do problema do tempo psicológico, a qual aparece acabadamente […] nas
redondilhas «Sôbolos rios». Mas, 25 na origem, o tempo aparece-lhe como uma dessas existências que a
consciência não reconhece, como a morte cega e o caso [acaso] duvidoso, e que fazem do mundo um
grande desconcerto.

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