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Lírica Camoniana

Camões produziu poemas nas duas vertentes que vigoravam no seu tempo,
a medieval/tradicional, expressa na “medida velha” (redondilhas), e a
clássica/renascentista, expressa pela “medida nova”, subdividida em lírica e
épica (“Os Lusíadas”).

VIDA E OBRA (luíz de Camões)

 Talvez tenha nascido em 1525


 Era de baixa nobreza- escudeiro, o que lhe permitia frequentar a corte
 Filho de Simão Vaz de Camões e Ana de Sá Macededo
 Estudou na Universidade de Coimbra
 Serviu como militar no Norte de África em 1549-Ceuta (perdeu o olho
direito)
 Primeiro aprisionamento (1552-1553) na prisão do Tronco, devido a
uma agressão a um funcionário do Paço (Gonçalo Borges)
 Esteve 17 anos afastado de Portugal
 Retorna em 1572
 Segundo rumores, era fogoso (temperamental), sedutor e compulsivo
 Frequentava o palácio real e as festas, saraus de música e poesia nos
salões da nobreza
 Terá perdido o olho direito numa batalha contra os celtas
 Segundo Diogo Cão, Camões esteve preso por libertinagem (vida de
corrupção) em Moçambique, onde viveu na miséria e da caridade de
amigos / libertino (pessoa imoral na época)
 Obras: poesias líricas, uma poesia épica, três peças para teatro e
algumas cartas
NA ÍNDIA…

 Surgiu a ideia para escrever a sua epopeia “Os Lusíadas” que tem como
tema central a expedição de Vasco da Gama à Índia
 Lendas contam que Camões terá sofrido um naufrágio quando navegava
no rio Mecong (Ásia), e terá nadado para salvar o seu grande poema
épico
 Em 1563, foi nomeado Provedor dos Defuntos, em Macau
 Lusíadas publicado em 1572
 Dedicatória: Rei D. Sebastião (que morreu ainda muito jovem na
batalha de Alcácer Quivir)
 Rei D. Sebastião atribuiu-lhe uma pensão 15 000 réis anuais, em
recompensa dos serviços prestados.
 Faleceu, em Lisboa, a 10 de junho de 1580
 O poeta terá amado várias mulheres, incluindo a sua amada chinesa,
Dinamene
 Os Lusíadas só foi publicado em 1595, cerca de quinze anos após a sua
morte por Fernão Rodrigues Lobo, e não teve responsabilidade pela
organização das suas rimas.

A forma verbal “terá” indica incerteza.

Na lírica camoniana coexiste a corrente tradicional e corrente renascentista.

Corrente tradicional
MEDida velha (de influência da poesia tradicional, como a
trovadoresca e palaciana)
Poesia lírica tradicional, composta em verso de 4 ou de 7 sílabas
(redondilha maior), existente nos cancioneiros peninsulares ao longo do
séc. XV e XVI.
É possível organizar a poesia tradicional de Camões em: tópicos de
circunstância; o desconcerto do mundo; o desengano e o amor.

FORMAS DE MEDIDA VELHA


modelos formais utilizados na vertente tradicional da poesia
camoniana.

 VILANCETE – Poema constituído por um mote (de 2 ou 3


versos) e por voltas (de 7 versos, sendo o último a repetição,
total ou parcial, do verso final do mote).

 CANTIGA – Poema composto por um mote de 4 ou 5


versos, e por voltas/glosas de 8,9 ou 10 versos, sendo o
último verso a repetição total ou parcial do último verso do
mote.

 ESPARSA – Composição poética de uma única estrofe de 8


a 16 versos.

 ENDECHA – Poema formado por um número variável de


estrofes (quadras ou oitavas), com versos de 5 ou 6 sílabas

MOTE – Verso ou conjunto de versos que introduzem o tema


do tema (comum em vilancetes).
TEMAS TRADICIONAIS DA MEDIDA VELHA/ TEMAS DA
CORRENTE TRADICIONALISTA

 a menina que vai à fonte (local de encontro amoroso)


 a verdura dos campos
 a beleza da mulher do campo (donzela) com algumas características da
influência clássica
 o amor simples, natural, puro e delicado
 a saudade e o sofrimento
 a dor e a mágoa
 ambiente de cortesão com as suas “cousas de folgar” e as futilidades
 exaltação da beleza de uma mulher de condição servil, de olhos pretos e
pele morena (“Bárbora, escrava”)
 a infelicidade presente e a felicidade passada
 Representação da natureza: Locus amoenus (lugar ameno) – natureza
bela, serena, cheia de cores/verdejante e cheiros, transfigurada pela
amada.
 Experiência amorosa: Correspondência amorosa; alegria de amar.
 Representação da amada, geralmente na natureza ou fonte
 Reflexão sobre a vida pessoal
 Desconcerto do mundo: Perspetiva que o poeta demonstra
perplexidade (não entender), incompreensão do mundo que o rodeia,
prémios e castigos distribuídos injustamente, vida feita de sucessão de
males…
 Mudança: A vida muda sempre para pior. A mudança traz a tristeza
presente e elimina a felicidade passada.

Corrente renascentista
MEDIDA NOVA
A maior parte da lírica camoniana é escrita em medida nova.
 Poesia de influência renascentista, nomeadamente de Dante e
Petrarca.
 Algumas composições poéticas: sonetos, odes, canções, éclogas.
 Do ponto de vista temático, em sonetos como noutras composições,
Camões aborda temas de natureza sentimental- (amor platónico) o
Amor e as suas contradições, a mulher amada e os seus efeitos sobre
o sujeito lírico, o descontento sentimental que provoca no mesmo
(desconcerto do mundo), a Natureza e a relação som o sujeito lírico e
os sentimentos dos amantes, a mudança e a mulher petrarquista.

 O amor platónico (apenas idealizado e não concretizado) surge à


maneira petrarquista, como fonte de contradições – antíteses- (ex:
entre a vida e a morte; a água e o fogo).

 Experiência amorosa e reflexão sobre o amor: Complexidade do


sentimento amoroso; amar é causa de confusão e conflito (amor
carnal e espiritual), amar causa sofrimento, saudade dúvida, amor
como um sentimento contraditório.

 Reflexões sobre a vida pessoal: Poemas autobiográficos; destino


cruel; vida infeliz resultante dos erros, má sorte ou amor excessivo;
sentimentos de revolta, cansaço e remorso,

 Representação da amada: inalcançável, divina, estérea, em que a


sua beleza física é espelho da beleza interior. Retrato idealizado da
mulher petrarquista: pele clara/alva, cabelos e olhos claros (retrato
clássico da mulher).

 Representação da Natureza: (locus amoenus) depende da


presença/ausência da amada e é um espelho da mulher. A mulher
amada contagia a natureza. A Natureza está em harmonia ou
confronto com o estado de espírito do sujeito poético. Natureza
contrastante com o estado de espírito.

FORMAS DE MEDIDA NOVA

 SONETO: Poema constituído por 2 quadras e 2 tercetos de


versos decassilábicos. Em relação à estrutura interna, a
chave do significado do soneto encontra-se no segundo
terceto.

 Nas suas composições poéticas, Camões concilia a corrente


tradicionalista e a corrente renascentista, enquanto que os seus
contemporâneos tratavam a corrente tradicionalista.

Na corrente renascentista, o amor surge à maneira petrarquista

A REPRESENTAÇÃO DA AMADA (RETRATO


REALISTA VS MULHER PETRAEQUISTA)

A poesia camoniana retrata dois tipos de mulher, a imagem realista e a


imagem petrarquista.
Na poesia petrarquista, impõe-se um retrato feminino de cabelos louros,
pele e olhos claros, inacessível e distante, e que tem um poder
transformador na Natureza (positivo aquando da sua presença).
A mulher petrarquista é ideal, divina, perfeita quer fisicamente, quer
psicologicamente, ou seja, a sua beleza exterior é espelho da sua beleza
interior/ transparece na sua beleza interior. Características físicas em
equilíbrio com as psicológicas.
A mulher realista é apaixonada, alegre, pronta a lutar pelos seus interesses
e sentimentos, bela, serena. A representação da mulher realista é visível no
poema “Aquela cativa”, em que a mulher não tem de corresponder ao
convencionalismo petrarquista.

RENASCIMENTO: Movimento cultural e artístico baseado no desejo


de fazer “renascer” as culturas clássicas greco-latinas da antiguidade,
trazendo uma nova conceção do Homem e abrindo novas oportunidades
para a Humanidade.
Caracterizado pela importância dada às ciências e a razão e ainda pela
busca do conhecimento em várias áreas. (Itália-X)

HUMANISMO: Movimento intelectual (conjunto de ideais e


princípios) que acabou com a forte influência da Igreja e o pensamento
religioso da Idade Média, caracterizado por um novo interesse pelo Homem
(a sua valorização integral, do corpo, da mente e do espírito, ou seja, dos
atributos do Homem) e do que está à sua volta.
O teocentrismo dá lugar ao antropocentrismo, passando o Homem a ser o
centro de tudo.
O Humanismo estabeleceu os fundamentos ideológicos do renascimento.

CLASSICISMO: Movimento estético/cultural que vai buscar à


antiguidade greco-romana (à sua cultura) as fontes de inspiração, como
modelos artísticos e imitação dos clássicos greco-latinos.
Este movimento tem as suas normas: a harmonia, a simplicidade, o
equilíbrio, a precisão, a perfeição e a clareza das estruturas artísticas
(literatura, música, pintura e arquitetura). Itália-XV
Temáticas da Lírica Camoniana
Representação da Amada
Experiência amorosa e reflexão sobre o amor
Representação da natureza
Reflexão sobre a vida pessoal do poeta
Desconcerto do mundo
Mudança

Análise de alguns poemas


consoante o seu tema

A representação da amada
Leva na cabeça o pote
Vilancete onde o poeta faz uma descrição da mulher amada (mulher típica da
aldeia/donzela, de pele clara e cabelos claros).
Refrão: Lianor vai para a fonte insegura, pois a sua fermosura atraía vários
homens, o que a deixava desconfortável.
Tema: representação da amada.

Posto o pensamento nele


A temática presente nesta cantiga de amigo é o sofrimento amoroso em
que a donzela (Lianor) se encontra saudosa face à ausência do amado.

Mote: Apresenta-se Lianor, sofrendo face à ausência do amado


perguntando às suas confidentes sobre onde se encontrava seu amado.
1º,2º,3º estrofes: descreve-se o estado de espírito de Lianor.

Caracterização psicológica: Lianor, apaixonada pelo seu amado, e de quem não tem notícias,
demonstra-se saudosa (“Posto o pensamento nele” e “eram suspiros por ele”) e encontra-se num grande
sofrimento (“Olhai que extremos de dor!” e “mais pesada sente a dor”).

Os três versos que antecedem a exclamação final apresentam a causa da dor e sofrimento presente na
exclamação (as amigas deram más notícias de seu amado).

A fonte é o local secreto de encontro amoroso.


A aliteração no vv.17-20 (uso do som “s”) serve para reforçar o sofrimento.
O gerúndio utilizado serve para marcar o prolongamento dos sentimentos expressos (chorando).
Aspetos que aproximam a cantiga de amigo do lirismo tradicional:
 Tema da saudade
 Fonte como cenário
 Amigas como confidentes

A verdura amena

Mote: Se Helena afastar os olhos do campo (condição), nascerão espinhos/abrolhos


(consequência da ausência de Helena).
O vilancete tem como temática a representação da amada, e como assunto o poder
transformador do olhar de Helena no que lhe rodeia.

vv 4-14 – O sujeito poético refere os efeitos do olhar de Helena na Natureza.


vv. 15-24 – Abordam-se os efeitos do olhar de Helena nos humanos.
vv.1-12 - Na Natureza, os olhos de Helena transformam abrolhos em flores, fazem
florescer as serras, abrandam os ventos, purificam as fontes, e conferem a verdura
aos campos.
vv. 15-21 - Nos humanos, os seus olhos prendem corações e trazem-nos suspensos,
isto é, apaixonados.
Os três últimos versos concluem que até o próprio Amor, personificado, se rende
aos olhos de Helena (posto em giolhos = posto em joelhos).
Nesta composição poética é visível a influência petrarquista, pois a presença da mulher amada
transforma positivamente a Natureza e a Natureza é um espelho da beleza de Helena.

“gados, que paceis”- apóstrofe (indica o remetente do sujeito lírico que beneficia dos efeitos
transformadores de Helena).
“Faz serras floridas/ faz claras as fontes” – enfatiza o poder transformador do olhar de Helena.

vv. 15 “Trá-las suspendidas” - -as vidas


Caracterização dos olhos de Helena: verdes, serenos, belos e claros.

1ª volta: Os gados que pastam nos campos verdes, cuja verdura se deve ao olhar de Helena.
O poeta realça a beleza de Helena com recurso a adjetivos, verbos no presente do indicativo “os ventos
serena” e “corações prende” para tornar mais real e viva a presença dos olhos de Helena. E ainda
utiliza formas verbais no futuro do indicativo ”nascerão abrolhos” para exprimir os efeitos do
afastamento dos seus olhos.
Análise forma: Trata-se de um vilancete, uma vez que é constituído por um mote de três versos e
voltas de sete versos. Quanto à métrica é constituído por redondilhas menores.

Aquela Cativa

Assunto: O sujeito lírico enaltece a beleza exterior e interior de Bárbora, uma


escrava, exprimindo os sentimentos que esta suscita nele.

Tema: Representação da amada.


Nos versos 3 e 4 (primeiro verso- antes tem 2 versos que não está no poema ao
lado) está presente um trocadilho com a palavra “cativa”, pois Bárbora era uma
escrava, e “cativo” porque o eu lírico sentia-se como um escravo de seu amor
(aprisionado pelo seu amor).

Entre os versos 7-14, estão presentes várias comparações de Bárbora com elementos da Natureza que
servem para enaltecer as suas qualidades – a beleza da cativa supera a beleza da Natureza.

Retrato físico da cativa: bela “fermosa”, com um rosto invulgar “Rosto singular”, cabelos e olhos
pretos “olhos sossegados, pretos” “Pretos os cabelos”, e com um tom de pele negro “Pretidão de
Amor”.
O seu retrato físico não se encaixa com o estereotipo/ideal da mulher de Petrarca (mulher de pele
alva, olhos e cabelos claros). Nesta composição poética, Camões retrata uma imagem realista da
amada e não uma imagem petrarquista.

Retrato psicológico: Ao contrário do seu retrato físico, a caracterização psicológica de Bárbora já


corresponde ao convencionalismo da mulher petrarquista. Bárbora é serena “Presença serena”,
alegre, doce e graciosa.

Análise Formal: Endecha constituída por 5 oitavas com versos em redondilha menor (5 sílabas
métricas).
Vv 27-30 – até a neve queria ser negra
“Presença serena/ que a tormenta amansa” – hipérbole
“nela enfim descansa/ toda a minha pena” – sofrimento do poeta
No último verso da quarta volta há um trocadilho com a palavra ”bárbora” (nome Bárbora com
adjetivo bárboro – selvagem – intensifica o seu carácter doce).

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