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A expressão poética dos sentimentos

Poesia Palaciana
Em meados do século XIV, a poesia trovadoresca tinha praticamente desaparecido e
apenas um século depois os poetas regressariam às letras portuguesas. Desta vez, a
poesia nasceu no paço, onde o rei, protetor das letras, apadrinhava luxuosos serões
nos quais se ouvia música, se dançava, e os nobres recitavam poesia às damas.
A poesia que então se escreveu, sofisticada e aristocrática, ora em português ora em
castelhano, destinava-se, essencialmente, ao entretenimento dos serões na corte e, por
isso, muitos dos poemas mostram a habilidade dos seus autores em trabalhar com o
ritmo, a sonoridade, os jogos de palavras, os recursos de estilo que tornavam o poema
mais atrativo e surpreendente para os ouvintes.
Os poetas palacianos inspiravam-se nos
feitos históricos, na dramaticidade, no
lirismo sentimental, sutil e sofisticado sem
abandonar, contudo, temas comuns aos
trovadores medievais: a coita amorosa, a
súplica triste e apaixonada e a sátira. MOTE
O lirismo amoroso trovadoresco assume Coração, já repousavas,
uma nova conotação, a mulher idealizada, Já não tinhas sojeição,
inatingível, carnaliza-se e a sensualidade Já vivias, já folgavas;
reprimida nas cantigas de amor passa a Pois porque te sojigavas
ser frequente. Outra vez, meu coração?
A estrutura mais usada é a que consiste na VOLTA
utilização de um mote (pequena estrofe
inicial) que é desenvolvida na glosa (ou Sofre, pois te não sofreste
voltas), usando o vilancete (mote de 2 ou 3 Na vida que já vivias;
versos e volta de 7) e a catinga (mote de 4 Sofre, pois te tu perdeste,
ou 5 versos e glosa de 8, 9 ou 10 versos). Sofre, pois não conheceste
Existem ainda alguns géneros mais livres, Como t’outra vez perdias;
como é o caso da esparsa (uma estrofe Sofre, pois já livre estavas
com 8 a 16 versos) e as composições nem E quiseste sojeição;
número determinados de estrofes. Sofre, pois te não lembravas
Das dores de qu’escapavas:
Este conjunto de formas com preferência Sofre, sofre, coração!
pela redondilha constitui aquilo que, no
século XVI, se chamará a «medida velha»,
contraposta ao «estilo novo», de
inspiração italiana, que virá a ser
consagrado, entre nós, por Sá de Miranda
e desenvolvido por Camões.
Sá de Miranda introduziu a medida nova, ou seja, o decassílabo e o surgimento de
formas fixas, como o soneto.

Soneto
Os sonetos petrarquianos impuseram-se aos poetas quinhentistas como modelo a
imitar. Segue uma forma fixa:
✓ 14 versos, distribuídos em duas quadras e dois tercetos;
✓ As primeiras quadras são trabalhadas a partir de duas rimas emparelhadas e
interpoladas segundo o esquema abba/abba;
✓ Os tercetos apresentam maiores possibilidades combinatórias, destacando-se
contudo os esquemas de tipo cde/cde e cdc/dcd;
✓ Verso longo decassilábico.

Do ponto de vista do conteúdo, privilegia-se a expressão lírica da experiência


vivencial de um emissor.

O Renascimento em Portugal
O Renascimento diz respeito a um movimento cultural que se desenvolveu no continente
europeu ao longo dos séculos XV e XVI, chegando a cada país em tempos diferentes,
implicando reflexos nas artes, nas ciências e em outros ramos. A atenção é de novo
voltada para as grandes obras da antiguidade clássica greco-romana.
A sua chegada ao nosso país pode dizer-se que foi tardia. De facto, a arquitetura
renascentista nunca chegou a impor-se verdadeiramente, dada a elevada influência do
gótico no reinado de D. Manuel, originando o estilo manuelino, que se revela uma
espécie de modernização renascentista do gótico. Apenas
no reinado D. João III surgiram alguns edifícios
marcadamente renascentistas, nomeadamente um dos
claustros do Convento de Cristo em Tomar.
No que respeita à pintura, esta começou a sentir-se ainda
no século XV com Nuno Gonçalves e no século XVI
impuseram-se as oficinas de Lisboa, Coimbra e Viseu,
destacando-se Vasco Fernandes. De igual modo, a língua
portuguesa enriquece-se e surge a primeira gramática.
Os Descobrimentos, por outro lado, impulsionaram o
desenvolvimento científico, sobretudo ao nível da matemática (Pedro Nunes) e da
astronomia, geografia e botânica (Garcia de Orta).

Luís de Camões – vida e obra


Poeta português, filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo, Luís Vaz
de Camões terá nascido por volta de 1524/1525 e morreu a 10 de junho de 1580, em
Lisboa.
Atribuem-lhe vários desterros, sendo um para Ceuta, onde se bateu como soldado e em
combate perdeu o olho direto, e outro para Constância, obrigado, diz-se por ofensas a
uma certa dama da corte.
Depois de regressado a Lisboa, foi preso, em 1552, em consequência de uma rixa com
um funcionário da Corte, e metido na cadeia do Tronco. Saiu logo no ano seguinte,
inteiramente perdoado pelo agredido e pelo rei, conforme se lê numa carta enviada da
Índia, para onde partiu nesse mesmo ano, quer para mais facilmente obter perdão quer
para se libertar da vida lisboeta, que o não contentava.
A 10 de junho, comemora-se o Dia de Camões, de Portugal e das comunidades
portuguesas.
A Lírica de Camões
A lírica tradicional
Ao contrário de outros autores do Renascimento, Camões não pôs de lado, na sua lírica,
a herança literária medieval. Assim, parte da sua obra lírica apresenta uma estrutura
métrica e estrófica usada pela poesia palaciana.
Quanto às temáticas, encontramos na poesia de
Camões, particularmente nas redondilhas, motivos
característicos das cantigas de amigo medievais, com
a sua esfera e contextos populares. Encontramos
também a submissão amorosa, o cativeiro de amor e
o Amor «posto em giolhos» (joelhos), perante a
beleza sobrenatural da amada – herança do amor
trovadoresco e palaciano.
O que há de mais característico no nosso património lírico medieval, incorporou-o
Camões na sua poesia, nomeadamente na lírica tradicional.
A lírica de inspiração clássica
O modelo da poesia lírica renascentista é Petrarca, e Camões foi petrarquista, como
todos os poetas do seu tempo.
Francesco Petrarca, poeta italiano do século XIV, cantou nos seus poemas líricos o
amor-paixão, o Amor ideal, concebido como uma contemplação espiritual que exclui a
sensualidade. A mulher amada é, também ela, a
representação de um ideal de Beleza e Perfeição.
Camões retratou a mulher nos mesmos moldes que
Petrarca o fez: longos cabelos de «ouro», ondulados, pele
branca e delicada, olhos claros e cintilantes que refletem
um temperamento sereno, uma alegria discreta.
Discurso pessoal e marcas de subjetividade
Assumidamente petrarquista, a poesia de Camões afasta-se, contudo, do seu modelo.
Nem sempre a mulher retratada corresponde ao ideal feminino renascentista tal como
nem sempre o amor está isento de sensualidade.
É sobretudo nos poemas marcados pela experiência vivida que a diferença se evidencia.
Ao contrário de Petrarca, Camões, refletindo sobre a sua própria vida, tem
manifestações de perplexidade, de cansaço, de frustração e de revolta.
Temáticas da poesia lírica camoniana
Representação da amada Representação da Natureza
Por influência petrarquista, surge a Espaço alegre, tranquilo, sereno, propício
imagem de uma mulher angélica, um ser ao amor (locus amoenus).
divino, de pele e cabelos claros Espelho da alma do poeta, refletindo os
(elementos físicos reveladores das seus sentimentos.
qualidades da alma) com um poder Confidente, testemunha da dor. Espaço
transformador da Natureza e do Homem. onde o “eu” projeta os seus sentimentos.
Tema da mudança Reflexão sobre a vida pessoal

Consciente da irreversibilidade do tempo, O poeta reflete sobre:


o poeta reflete sobre a renovação cíclica → O Destino (que nunca lhe foi
da Natureza e a mudança da vida e das favorável);
coisas. → Os erros que cometeu;
→ O amor (fracassado).
Experiência amorosa e reflexão sobre
Tema do desconcerto
o amor
Reflexão sobre o desconcerto do mundo, Poeta divido entre a fascinação do amor
ao nível social e moral. Assim este resulta espiritual e a atração de um amor carnal,
da errada distribuição dos prémios e dos entre a mulher que admira e a que deseja.
castigos (os maus são galardoados, os Á luz do petrarquismo, a ausência da
bons severamente castigados); dos mulher amada é ocasião de purificação
contrastes entre a «opulência» e a amorosa; no entanto, por vezes, essa
«miséria» e do crescente interesse dos situação origina sofrimento, saudade e
homens por valores materiais. ânsia de reencontro físico. O poder
transformador do amor e os seus efeitos
contraditórios.

Linguagem, estilo e estrutura


Caracteriza-se por ter um estilo engenhoso (redondilhas – a medida velha) mas ao
mesmo tempo clássico, com versos decassilábicos (a medida nova).
Quanto à estrutura, predomina a redondilha menor ou maior com mote (vilancete ou
cantiga) ou sem mote (esparsa ou trova) e o soneto.
Recorre ainda ao uso de construções curtas a glosar um mote, com uma linguagem
sóbria, mas engenhosa. O uso da linguagem está ao serviço da descrição, da reflexão
e da confissão.
Utiliza um variado número de recursos expressivos, com um vocabulário e frase de
influência latinizante.

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