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A primeira coisa que temos que ter em mente sobre a obra camoniana é que ela é

multifacetada, ou seja, ela abrange diversas correntes artisticas e ideologicas do


seculo 16 em Portugal e alem dela ser elaborada principalmente sobre sua
experiencia pessoal, ele conseguiu expor os valores e topicos caracteristicos de sua
epoca.

Essa literatura de Camões carrega vozes de outros autores quinhentistas como


Bernadim Ribeiro, Antonio Ferreira, Fernão Mendes Pinto e João de Barros. Mas
comparados com estes outros autores, encontramos em Camões uma experiencia
humanista mais rica, pelo seu passado de episodios de fome, na guerra, na vida do
Oriente e na cadeia.

Podemos atribuir a Camões a capacidade de sintetizar a tradiçao literaria


portuguesa junto com as inovações vindas da Italia: - foi o melhor poeta portugues
da escola petrarquista – isto é, sonetos no estilo de Petrarca que são sonetos mais
voltados aos temas pessoais e amorosos e menos com temas religiosos. Alem
disso, foi o poeta que produziu uma epopeia que ficou marcada para a posteridade.
De todos os generos literarios, só não cultivou a tragedia.

Veremos alguns aspectos formais da lirica - Camões seguiu o estilo da escola


tradicional em redondilha maior e menor (versos de sete sílabas e versos de cinco
sílabas) respectivamente; vilancetes, cantigas, quintilhas. Tambem produziu em
hendecassílabo que são os versos de 11 silabas. Na linguagem, alternou entre o
portugues e o castelhano.

Camões é reconhecido pela excelencia de seu verso, que ultrapassou seus


antecessores com temas bastante variados que vão desde os motes tradicionais a
puras reflexões do espirito, como no poema Mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades. Também ha nas canções que compôs uma certa liberdade, que se
apresenta com temas bem humorados e pensamentos correndo soltos, brincando
com contradições. Um desses exemplos é Perdigão perdeu a pena. Isso fez de
Camões precursor de tendencias que viriam aparecer nos seculos seguintes como o
conceptismo que é uma das vertentes do barroco.

A poesia encontrada no Cancioneiro Geral, por sua vez, tendia ao formalismo das
figuras de linguagem como antiteses, paradoxos e comparaçoes e hipérboles.
Camões seguiu a mesma veia mas brincou com os versos com maestria e agilidade,
como nos versos em que atribui aos olhos de Helena a verdura dos campos e no
verso que exalta o encanto da pastora que faz parar a corrente de agua. No seu
conjunto, a estetica da redondilha de Camões faz uma ponte entre o estilo gótico do
Quatrocentos ao barroco dos Seiscentos, compondo seu proprio estilo muito mais
racional e geometricamente discursivo.

Camões encontra usos superiores para recursos tradicionais: com imagens-


simbolos, consegue impor ao leitor um senso do real bem diferente do senso comum
– certas qualidades tornam-se coisas substantivas, como o verde, a luz dos olhos
amados. E tambem consegue o efeito contrario: substantivos como agua, fogo,
neve, tornam-se qualidades do ser.

Em relação às formas italianas, encontramos as tendencias dos tormentos do amor,


o extase perante a bela figura que se pinta na alma do poeta, as metamorfoses que
o fazem transformar-se na cousa amada. Sem nunca deixar de ser um homem de
carne e osso, o poeta impõe um verdadeiro testemunho de fé amorosa. Em suas
éclogas – poesias de carater pastoril – Camões reconhece sua inspiraçao em Virgilio
e Sannazzaro. Nelas encontramos interessantes confissões sobre o amor e a
expressão de uma filosofia pan-erotica.

As odes são as composições mais graciosas da chamada medida nova (redondilha


menor– nelas acusam uma inspiração de Horacio, inclusive nas tematicas
mitologicas. Destacam-se Nunca manhã suave, de carater cortês, e Pode um desejo
imenso, uma meditação sobre o amor neoplatonico.

Nas canções é onde encontramos uma reflexão muito particular de Camões, sem
deixar de aproveitar os materiais da escola italiana, portuguesa e espanhola. Pode-
se dizer que a canção camoniana é um desabafo a sós. Temos como exemplo a
canção Vinde cá, meu tão certo secretário, onde o poeta fala ao proprio papel onde
é escrito e assume um carater autobiografico em busca de sentido para a vida.
Camões não elimina as convenções petrarquistas e neoplatonicas, mas persegue
em demasia os paradoxos, analogias e hiperboles destas escolas. O resultado é que
a beleza que o poeta ama sensibiliza os seres brutos ao mesmo tempo que
insensibiliza o poeta.

Nos sonetos é onde Camões atinge uma variedade admirável. Pela brevidade da
estrutura, o soneto favorece um tipo de discurso em tese e antitese, seguida de uma
conclusao. Mas é justamente por ser breve que se emprega grande carga emotiva.
Camoes utiliza esse jogo dedutivo como simples quadro de referencias para suas
variaçoes.

O tom conflitante e o individualismo exagerado, o inconformismo da luta pela


sobrevivência, são expressos com uma intensidade que não tem paralelo em outros
escritores e dão aos sonetos e cançoes de Camões uma particularidade que se
convencionará chamar de romanticos. Mas nesse desabafo, o poeta sempre se
conserva atento ao desenrolar dos seus estados de espirito, as sucessoes das
emoçoes, recordaçoes, desejos, pensamentos e ate a irracionalidade. Camões
conseguiu, assim, inovaçoes de estilo que superaram os ideais cavalheirescos e a
etica religiosa medieval, rompendo com o verbalismo das formas das composiçoes
da epoca.

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