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Em plena vigência do movimento presencista começam a surgir as primeiras reações contrárias, motivadas
pela inaceitação do seu carácter estético e pela descoberta da ficção norte-americana e brasileira dos anos de 30, de
fisionomia sócio-realista. Dentre os escritores norte-americanos que então se revelam, citam-se os seguintes: Michael
Gold, John Steinbeck, Upton Sinclair, Sinclair Lewis, John dos Passos, H. G. Carlisle, Erskine Caldwell, Ernest
Hemingway, etc. Concomitantemente, os romancistas brasileiros do Nordeste, em especial Jorge Amado, José Lins do
Rego, Graciliano Ramos, Amando Fontes, José Américo de Almeida e Raquel de Queirós chamam as consciências
para o grave problema socioeconômico das secas e para a luta de classes em torno do açúcar e do cacau. As duas
vertentes americanas de ficção se assemelham, grosso modo, nas "novidades" introduzidas: a objetividade, que não
pressupõe destruição do lirismo autêntico e realista, a simpatia comovida por tudo quanto determina altos propósitos
de reconstrução social, o desejo de fazer literatura sem heróis pré-fabricados, mas sim com os humildes, os
injustiçados, os marginais, uma tentativa de estruturação cinematográfica do romance, etc.
Seguem-se agora colaborações várias dentro do novo credo, dos quais merecem relevo as seguintes: Alves
Redol publica o conto "Lua de pé", a 26 de Agosto de 1939, já de carácter neorrealista, em torno de pescadores;
Seabra Novais trata da Literatura Populista, a 4 de Outubro do mesmo ano, António Ramos de Almeida publica umas
Notas para o Neorrealismo, a 21 de Setembro, 5 e 26 de Outubro e 9 de Novembro de 1940. O evidente carácter
polémico adquirido pelo periódico e a divisão extremista de campos ideológicos trazida pela II Grande Guerra
justificam-lhe o fechamento a 21 de Dezembro de 1940. Como se verá, trata-se apenas dum trocar de tocha olímpica,
pois o movimento renovador continua, embora doutro modo.
Nesse ínterim, a reação antipresencista ainda se faz presente através duma revista, Sol Nascente, que começa a
publicar-se a 30 de Janeiro de 1937, na qual seus dirigentes estampam em nota de abertura uma espécie de programa
de ação, afirmando entre outras coisas o seguinte: "Tendo como fim contribuir para o elevamento do nível cultural
português, juntando os seus esforços aos outros nobres esforços que se afirmam, Sol Nascente não esquece a frase
límpida do nosso Eça: "0 fim de toda a cultura humana consiste em compreender a Humanidade."
Decorridos pouco mais de dois anos, no editorial do número publicado a 1.° de Março de 1939, o carácter da
revista define-se limpidamente: "Sol Nascente surgiu como um quinzenário cultural de orientação um pouco esfumada
e imprecisa, limitando-se nos seus primeiros vinte números quase só à missão passiva de arquivar. Em dado momento,
porém, começou a pronunciar-se dentro da revista uma certa linha de pensamento, um certo método, que, pela simpatia
conquistada, depressa conduziu à aceitação de uma doutrina. A partir de então, a missão de Sol Nascente tornou-se
marcadamente ativa, dinâmica. Sol Nascente passou assim a ter o seu programa completo, e a sua posição
intransigente sobre múltiplos problemas. Assim é que reage contra a metafísica e contra o psicologismo, apoiando-se
na obra crítica do pensamento diamático; combate pelo neorrealismo como forma necessária da humanização da arte;
defende um Humanismo integral que seja verdadeiramente um humanismo humano."
O texto fala por si: a 15 de Abril de 1940, o Sol Nascente deixa de circular, certamente pelas mesmas razões
que determinaram o encerramento d’ O Diabo.
Em 1941, começa a publicar-se o Novo Cancioneiro, título geral de obras em que poetas jovens, alguns deles
parcialmente ligados à Presença, coletam suas composições, cada qual em volume separado. O primeiro deles é Terra,
de Fernando Namora, seguido pelas obras de Mário Dionísio (Poemas, 1941), João José Cochofel (Sol de Agosto,
1941), Joaquim Namorado (Aviso à Navegação, 1941), Álvaro Feijó (Os Poemas de..., 1941), Manuel da Fonseca
(Planície, 1941), Carlos de Oliveira (Turismo, 1942), Sidônio Muralha (Passagem de Nível, 1942), Francisco José
Tenreiro (Ilha de Nome Santo, 1942), Políbio Gomes dos Santos (A voz que escuta, 1944).
Dentro do espírito realista, ao Novo Cancioneiro seguiu-se a colecção Galo, dirigida por Carlos de Oliveira e
Joaquim Namorado, e onde se publicaram Poesia I (1948) e Poesia II (1950), de José Gomes Ferreira, Esperança
Desesperada (1948), de Armindo Rodrigues, e Post-Scriptum de um Combatente (1949), de Afonso Duarte.
No exame das manifestações precursoras do Neo-Realismo, há que levar em conta o facto de Ferreira de
Castro vir fazendo desde 1928 uma ficção bastante parecida com aquela que os neo-realistas objectivam criar.
Entretanto, a obra que se considera introdutora da nova tendência é Gaibéus, de Alves Redol, publicada em 1940 (na
verdade, a obra apareceu em Dezembro de 1939). Nesse romance, em que são flagrantes as infiltrações insinuativas do
lirismo realista dum Jorge Amado, retrata-se o drama anónimo mas comovente dos gaibéus, modestos trabalhadores do
campo, no Ribatejo. No pórtico da obra, o romancista declara:
Afinal, que pretendem os neorrealistas? Como se viu, sabem o que não querem ser, mais do que o que querem
ser: diferentemente da Presença, que foi um movimento crítico por excelência e precedido de um corpo definido de
teorias estéticas, o Neorrealismo instala-se em 1940 com relativa pobreza doutrinária. As doutrinas, essas vem sendo
discutidas nos anos seguintes, sem chegar a um definitivo acordo, pois ou as teorias colidem com as obras, ou estas,
quando lhes correspondem, acabam por se transformar em panfleto. Por outro lado, a evolução interna das obras
escritas e das ideias orientadoras justifica a dificuldade em ver com isenção um momento literário, como o
Neorrealismo, ainda vivo e a provocar polémicas e debates, não raro em torno de questões extraliterárias. António José
Saraiva, um dos principais críticos do movimento neorrealista, resume em três os seus aspectos fundamentais: "uma
visão mais completa e integrada dos homens, a consciência do dinamismo da realidade e a identificação do escritor
com as forças transformadoras do mundo." Se o materialismo histórico se entreve nessa tríade doutrinária, nos
romances neorrealistas, ao menos os ortodoxos e polêmicos, se torna patente. Daí que o Neorrealismo seja um
movimento em que se restaura a ideia de literatura social, de ação reformadora consciente, uma literatura engagée, a
serviço da redenção do homem do campo ou da cidade, injustiçado e humilhado por estruturas sociais envelhecidas: os
neorrealistas põem o problema da luta de classes, na equação senhor x escravo, que se desgastou à custa de tanto ser
repetida, e que não raro atrofiou a estrita carga literária de certas obras, transformando-as em panfletos, o que só
desserve à causa em mira.
Na ordenação dos adeptos do Neorrealismo, é preciso ter em conta o seguinte: 1) alguns foram ou são
conscientemente neorrealistas, de obra, de ação e, não raro, de pensamento político; 2) alguns outros foram ou são
neorrealistas por coincidência, quer seguindo os ditames da vocação literária pessoal, quer, ao mesmo tempo ou não,
recebendo os naturais eflúvios do ambiente neorrealista, em especial durante os anos da II Grande Guerra. Seja entre
os do primeiro grupo, seja entre os do segundo, houve escritores que não aceitaram senão parcialmente a nova moda, e
evoluíram por trilhas próprias, tornaram-se autónomos e muitas vezes contraditórios; também houve outros que foram
atenuando, no decurso de sua trajetória, a rigorosa ortodoxia do começo. Além de Alves Redol, podemos agrupá-los,
indistintamente: Soeiro Pereira Gomes, Faure da Rosa, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Romeu Correia, José
Marmelo e Silva, Leão Penedo, Manuel do Nascimento, Vergílio Ferreira, Fernando Namora, Rogério de Freitas,
Afonso Ribeiro, Aleixo Ribeiro, Assis Esperança, Alexandre Cabral, Tomás Ribas, Garibaldino de Andrade e tantos
outros. Ainda há que acrescentar a figura de Ferreira de Castro, cuja obra romanesca pressagia claramente o
movimento neorrealista.