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Direção

Benjamin Abdala Junior


Samira Voussef Campedelli 1
Sumário
Preparação de texto
José Roberto Miney
!
t 1. Apresentação: uma antologia de africanos para
Arte brasileiros 5
Coordenação e projeto gráfico/miolo
Antonio do Amaral Rocha As ignoradas 6
Arte·final
René Etiene Ardanuy f 2. Três literaturas distintas 7
Joseval Souza Fernandes
Capa Velhos tempos: literatura tradicional 7
Ary Normanha
Outros tempos: literatura colonial 9
Tempos novos: em direção de uma literatura nacional U
Entre os angolanos 12
Entre os cabo-verdianos 23

CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação
Entre os moçambicanos 28
Câmara Brasileira do Livro, SP

Santil1i, Maria Aparecida. 3. Estórias de Angola _ 31


S227e Estórias africanas : história e antologia / Maria Aparecida San-
tilli. - São Paulo : Ática, 1985. Alfredo Troni - Nga Muturi 31
(Sér.ie fundamentos)
l. Ficção angolana (Português) 2. Ficção angolana (Português) Castro Soromenho - "A morte da chota'_' 48
- História e crítica 3. Ficção cabo-verdiana (Português) 4. Ficção
cabo-verdiana (Português) - História e crítica 5. Ficção moçambicana Agostinho Neto - Náusea 53
(Português) 6. Ficção moçambicana (Português) - História e crítica
1. Título.
Antônio Jacinto - "Vôvô Bartolomeu" . 55
CDD-869.3 José Luandino Vieira - "O fato completo de Lucas
85-0403 -869.30\1 Matesso" " 58
Índices para catálogo sistemático: Antônio Cardoso - "O cipaio Mandombe'_' 69
I. Ficção: Literatura angolana em português 869.3
2. Ficção: Literatura angolana em português : História e crítica Costa Andrade - "Um conto igual a muitos'_' 78
869.309
3. Ficção: Literatura cabo-verdiana em português 869.3 Arnaldo Santos - "A menina Vitória'_' 82
4. Ficção: Literatura cabo-verdiana em português : História e crítica
869.309 Uanhenga Xitu - "Mestre Tamoda'_' 87
5. Ficção: Literatura moçambicana em português 869.3
6. Ficção: Literatura moçambicana em português : História e crítica
KhQ.309 Boaventura Cardoso - "Nostempo de miúdo" 103
Jofre Rocha - "Estória da confusão que entrou na vida do
ajudante Venâncio João e da desgraça de seu cunhado
1985 Lucas Manuel 106
Todos os direitos reservados
Editora Ática S.A. - Rua Barão de Iguape, 110
Tel.: (PABX) 278-9322 - Caixa Postal 8656 4. Estórias de Cabo Verde 1l2
End. Telegráfico" Bomlivro" - São Paulo
Gabriel Mariano - "O rapaz doente'_' 112
Baltasar Lopes - "A seca" 124
Manuel Ferreira - "Puchinho" 129
Orlanda Amarilis -

5. Estórias de Moçambique
"Cais-do-Sodré" 135

143
1
João Dias - "Godido" 143 Apresentação:
Luís Bernardo
Orlando Mendes -
Honwana -
Portagem
"Nhinguitimo" 147
161
uma antologia de
Carneiro Gonçalves - "MaJidza" 169 africanos para brasileiros
6. Cronologia histórico-literária 171
Informação histórico-literária 176 Os livros têm seu destií1O.Como sem registro público, ou no aban-
tudo. dono e esquecimento até 1975, o
Quando um llvro é concebido, ano primeiro de Angola, Cabo
assim como um filho, fica nas Verde e Moçambique, entre os
sombras de seu primeiro mistério, .outros povos libertados.
o mistério do que virá a ser. Ul- O destino das literaturas afri-
trapassado este, restará o outro, canas ficou, por isso, definitiva-
até o fim: o mistério de cada su- mente ligado às antologias. Nes-
cessivo dia desconhecido de sua sas duras décadas, e onde calha-
peregrinação pelo mundo. ram, as antologias foram a via
Os livros dos escritores africa- possível para o trânsito e a reu-
nos modernos - cuidamos aqui nião dos clãs literários da Africa
de angolanos, cabo-verdianos e no penoso caminho de firmarem
moçambicanos, desde a geração sua identidade e de definirem seu
de 1930 - já têm hoje seu tra- lugar no mapa da literatura uni-
jeto inaugural descoberto. Todo versal.
o mundo acabou por conhecê-lo. Como tantas outras que a pre-
Cerados no espaço ou no tem- cederam, quem sabe esta nova an-
po da Africa colonial, quase sem- tologia de prosadores angolanos,
pre viveram sua primeira infân- cabo-verdianos e moçambicanos,
cia como os filhos proibidos: às cuidadosamente preparada para
escondidas, na marginalidade. O os brasileiros, estará cumprindo
grosso deles inscreveu seu "gêne- mais uma parte do vaticínio que
sis" entre memórias do cárcere, cercou seu nascimento.
do exílio, das guerras coloniais. Que possa, então, abreviar o
Os primeiros passos foram difi- caminho dessas literaturas, para
cultados. Pouco alcançaram. Até circulação entre todos nós, que,
os anos 60, uma ou outra edição, do lado de cá do Atlântico, pelas
quando houve, sem os alardes e o teias caprichosas da História, aca-
alcance de praxe. Não fossem as bamos por ter "um pouco" (ou
antologias e muita escrita estaria muito?) "de Africa por dentro".
2
As "ignoradas" angolana, a cabo-verdiana e a
moçambicana? Quantas ou quais
I, oi Manuel Ferreira, incansá- as informações, no espaço dispu-
1'1'1 divulgador das literaturas afri- tado de uma antologia, seriam su-
IIIIU/'\' de língua portuguesa,
(/\' chamou de "literaturas ignora-
quem ficientes para entender essas mes-
mas literaturas no contexto histó- Três literaturas
d,H",
li verdade é que entre nós, pa-
rico, cultural, ideológico de que
são parte? Qualquer decisão em distintas
torno dessas questões traz insatis-
l('fl/CS tão próximos, os escritores
fação, já que toda escolha, por
africanos também não são menos
definição, é redutiva. Em todo
desconhecidos e esta antologia, a
caso, os dados de ordem geral,
exemplo de suas antecessoras, tem
ao informarem, anteciparão, em
11 missão de tornar-se uma opor- A segunda classe seria a das
menor ou maior parte, as razões Velhos tempos:
/unidade de fazê-los conhecidos, estórias verdadeiras ou tidas como
flOr um conjunto de textos que,
de ordem estética ou cultural, his- literatura tradicional
tórico-literária ou ideológica que tal. Chamadas maka, tanto eram
da melhor maneira possível, os de finalidade útil, para instruir e
orientaram a seleção dos autores Quando se quer pegar o fio da
apresente, através de sua prosa prevenir, como também lúdica
e textos. Muitos outros que já prosa de ficção angolana, cabo-
de ficção. para lazer ou prazer. '
se notabilizaram ainda desta vez -verdiana ou moçambicana, onde
Não é projeto fácil de realizar. não chegarão aos leitores. Por é que se vai buscar as pontas do Outra classe seria a das ma-
A s dificuldades são óbvias: quan- fatalidade de seus limites, esta re- seu princípio? -lunda (ou mi-sendu), nas quais
/al' ou quais obras seriam adequa- colha não os pôde abranger. Que os feitos da nação ou tribo eram
As nações de Angola, Cabo
das a caracterizar essas literatu- não falte, num futuro breve, sua transmitidos entre velhos e an-
Verde e Moçambique eram origi-
ras, especificamente a literatura hora e vez. ciãos, de uma geração a outra,
nariamente ágrafas, não tinham
na forma de um segredo de Es-
escrita, embora houvessem culti-
tado, só em partes revelado fora
vado uma literatura oral. Como
desse estrito círculo de compe-
revelariam pesquisadores dessa
tência e autoridade.
literatura, ela foi praticada em
diversas modalidades. Basta lem- Os provérbios, que freqüente-
brar que Héli Chatelain, missio- mente são a síntese de uma estó-
nário suíço que chegou a Angola ria, comporiam a quarta classe.
em 1885 e que se dedicou a reco- Conhecidos como ji-sabu em
lher e estuMr a literatura oral de quimbundo, representam a filoso-
outros povos africanos, chegou a fia da nação ou tribo, no que
definir seis categorias nas quais a toca a seus costumes e tradições.
literatura oral angolana se apre- Mas há, ainda, a quinta e sexta
sentava. classes: a da poesia e música, que
Propôs Chatelain que a primei- aparecem juntas, em canções cha-
ra seria a das estórias de ficção, madas mi-embu, com vários esti-
denominadas mi-soso em quim- los, desde o épico até o dramá-
bunda, estórias que pendem para tico; e a das adivinhas, ji-non-
o maravilhoso, o fantástico, o ex- gongo, que tanto se destinavam a
cepcional. As fábulas aí também entreter quanto a incitar a inteli-
caheriam. gência e a memória.
M THnS 1.1nmATURAS DISTINTAS OUTROS TEMPOS: LITERATURA COLONIAL 9

/\'IIC/uanlo Chatelain publica, Além dos contos, Parsons jun- vividas e transmitidas". Dessa for- não só na historiografia, nas crô-
('/1/ /894, cinqüenta contos popu- tou uma série de provérbios, dita- ma, a literatura oral, por si, de- nicas, como na poésia, nos depoi-
larcs de Angola, o angolano Os- dos e adivinhas. moliria o pensamento hoje descar- mentos científicos e religiosos da-
('(lI' Ribas edita, entre 1961 e Ferreira faz ainda menção às tado de que as sociedades africa- vam seu testemunho ou impres-
./964, três volumes, respectiva- dezenas de contos da Guiné, reco- nas seriam estáticas, não passíveis sões sobre a Africa "bárbara",
mente: 26 contos, mais quinhen- lhidos em português, dando rele- de evolução. exótica, a que os levara a expan-
tos provérbios; a psicologia dos vo à contribuição do guineense No elenco da literatura oral, são ultramarina. Entre outros es-
nomes, comidas, bebidas, des- Marcelino Marques de Barros para Orlando Mendes inclui também os critores da expansão, citam-se:
déns, passatempos; finalmente, esse fim. provérbios e as adivinhas, a cujas Gomes Eanes de Zurara, João de
adivinhas, canções, súplicas, pran- Da literatura oral moçambicana finalidades próprias acrescenta as Barros, Diogo do Couto, Fernão
tos por morte e instantâneos da nos dá conta Orlando Mendes, características que tinham em co- Mendes Pinto, Damião de Góis,
vida africana, não sem antes lembrar que as re- mum: um repositório da "filosofia Garcia de Orta, Duarte Pacheco
Esses dados são indício do rico colhas estiveram a cargo de estran- de experiências acumuladas e dia- Pereira.
palrimônio oral que ainda falta geiros que nem sempre a have- léticas do quotidiano". Mas os ecos das descobertas
recuperar, trazendo outros ele- riam compreendido no tocante à Em quaisquer modalidades, sua alcançam também a poesia do
mentos para sua devida avaliação. "verdade histórica de que a tradi- importância no prazer e no conví- Cancioneiro e chegam até a de
Quanto a essa questão em Cabo ção era veículo e as realizações vio não excluiria a de suas fun- Camões, com passagem pelo tea-
Verde, Manuel Ferreira, incansá- dramáticas do povo". ções que, antes exercidas sobre a tro de Gil Vicente.
vel colecionador, historiador e Orlando Mendes considera a sociedade e' estrutura de poder
ensaísta no campo das literaturas literatura africana em suas múlti- feudais, deslocaram-se para as
africanas de língua portuguesa, plas manifestações, desde histórias correspondentes do sistema de Outros tempos:
referiu-se à sua quantidade e va- de acontecimentos, que interpre- ocupação colonial. literatura colonial
riedade, em contraposição à "ma- tariam conjunturas específicas ou Se já não existia uma escrita
gra" coleta que desse patrimônio genéricas, até lendas e fábulas, entre esses africanos, o coloniza-
se tem feito, citando a de Elsie O desenvolvimento cultural no
que testemunham as experiências dor português também não fez interior das colônias africanas de-
Clews Parsons, reunida em dois ancestrais do conhecimento feito por dar-lhes logo o código grafa-
volumes. morou para receber os influxos
da prática vivida, "do domínio do de sua língua, da língua que de fora. Basta lembrar que os
Publicada pela primeira vez nos imperfeito da Natureza com que lhes levava de empréstimo. portugueses iniciaram a rota da
Estados Unidos, em 1923, a cole- se estava em permanente luta e Africa no século XV, mas, apesar
ção da investigadora norte-ameri- A história da colonização por-
das relações mutáveis dos homens de medidas isoladas anteriores
cana reúne 133 contos, em duas tuguesa revela que do século XVI
com a Natureza e entre si". Com por parte da Metrópole, na área
versões, crioulo e inglês. Os con- ao século XIX uma fração insig-
isso, Mendes assinala o caráter do ensino, só a partir do século
los foram recolhidos de imigrantes evolutivo dessa literatura, em opo- nificante da população negra che-
XIX é que sua influência se fez
do arquipélago de Cabo Verde, sição ao conceito equivocado de gara a ler e a escrever. E as
sentir ponderavelmente.
nos Estados Unidos, em 1916- que ela se repetia e firmava-se estatísticas de Angola, Guiné-Bis-
sau, Moçambique, São Tomé e Quanto a' Cabo Verde, o mes-
-1917. A colecionadora observou sobre formas cristalizadas.
Príncipe mostravam 95% de anal- mo Manuel Ferreira repassa a in-
que a maior parte dos contos tem O Escritor refere-se, ainda, a formação segundo a qual, entre
origem européia e muito prova- uma linha da oralidade constituí- fabetos entre a população nacio-
1853 e 1892, fundaram-se na
velmente narrados como em Por- da de contos, fábulas e lenrias, nal ao tempo da guerra de liber- Praia desde 1858 treze associa-
tURal;outros, ainda que de prove- povoados de animais das flores- tação que há poucos anos lhes ções recreativas e culturais, como
fll~ncla européia, aclimataram-se tas, dos elementos da Natureza, deu autonomia política. a Sociedade de Gabinete de Lite-
ao contexto islenho ou africano; dos "espíritos e símbolos do A produção literária restringiu- ratura (1860) e a Associação
finalmente, há os que são inteira- sobrenatural, da sociedade, dos -se, então, à literatura de viagens. Literária Grêmio Cabo-verdiano
m~nte africanos. antepassados, das transformações Eram os próprios portugueses que, (1880).
10 TRI\S LITERATURAS DISTINTAS
TEMPOS NOVOS: EM DIREÇÃO DE... 11

A,lwin(lla, ainda, que, por essa além de advogado e "personagem Troni explora a desadaptação século XIX, no bojo desse surto
altura, se cria a imprensa de An- política de pouco agrado do go- remanescente no procedimento da de jornalismo, lançaram-se os fun-
gola e Moçambique e que aí se dá verno", em Luanda, foi deputado personagem transplantada, bem damentos para as modernas lite-
um notável surto de jornalismo. eleito para representar Angola como os comportamentos coleti- raturas africanas de língua portu-
Aparecem os primeiros periódi- junto às cortes portuguesas. Mar- vos onde a colisão de culturas guesa.
cos, como A Aurora (1856), A cou presença na literatura como deixa espaços de desgaste ou ins-
Civilização da África Portuguesa precursor da prosa moderna em Como em Angola e em Cabo
taura os do sincretismo. Assim Verde, a imprensa moçambicana
(1866), O Eco de Angola (1881), Angola, com a noveleta Nga Mu- é o rito das missas de "réquiem"
O Futuro de Angola (1882), O turi (Senhora viúva). Publicada também se instala nesse período,
mestiçado pelo toque festivo das mais precisamente em 1854, quan-
Farol do Povo (1883), O Serão em folhetins na imprensa de Lis- cerimônias locais nessas ocasiões,
(1886), A Civilização da África boa em 1882, só reaparece em do se inicia, então, o Boletim Ofi-
assim como as "sembas" (umbiga- cial. Em 1869 surge o primeiro
Portuguesa (1886), O Arauto Afri- 1973, ou seja, quase um século das), nas comemorações pelo ani-
cano (1889), Ensaios Literários depois, edição que veio, então, periódico moçambicano, O Pro-
versário do óbito. gresso, e despontam páginas ou
(1891), Luz e Crença (1902- possibilitar o acesso do grande
Nga Muturi tem sido conside- seções literárias e de artes na im-
-1903). Colaborou para O Fa- público leitor de hoje.
rol do Povo e O Arauto Africano
rada precursora pela sensibilidade prensa. Precursores de periodici-
A noveleta de Troni faz a es- voltada já para os dados do mun- dade semanal foram O Africano
Joaquim Dias Cordeiro, que já tória de uma menina, negra fula,
então exortava os filhos do país do africano "nessa época recua- (1877), O Vigilante (1882), Cla-
que, de escrava (buxila) e con- da". mor Africano (1892).
a desenvolverem a literatura nas- cubina de comerciante branco,
cente. passa à condição Nga Muturi, Em Cabo Verde tem-se notícia
com a morte deste. Depois dos de uma obra em prosa, O escravo,
Muitos jornais surgem e, em-
bora a maior parte tivesse curta primeiros acontecimentos, "numas de José Evaristo de Almeida, da Tempos novos:
duração, até o final do século já terras muito longe", onde se lo- qual haveria um único exemplar em direção de uma
se enumeravam 46 deles, os quais caliza seu povo, os demais irão conhecido, em mãos de seus des- literatura nacional
ocorrer na cidade de Luanda, cendentes, em Cabo Verde. A
contaram com a participação de
para a qual é trazida. narrativa giraria em torno de A virada do século já é mar-
europeus e de africanos.
acontecimentos ocorridos na pri- cada pelos movimentos da "Ne-
A dois jornalistas da época Como num rito de passagem, meira metade do século passado,
cabe especial menção: Pedro Félix ela se despede de seus hábitos gritude" e as questões africanas
na ilha de Santiago, com perso-
Machado e Alfredo Troni, porque clânicos, desfazendo-se do pen- nagens idealizadas ao gosto do alcançam o estágio de polêmica
cultivaram também a prosa de teado e das vestes de sua longa Romantismo, movimento literário em foros internacionais.
ficção. Pedro Machado escreveu viagem de entrega. E, assim, en- ainda em voga na época. Como Em 1905, no Manifesto saído
um romance, Scenas d'África, volve-se num processo progressi- o nome indica, a estória versa do movimento de Niágara, procla-
cuja primeira edição deu-se em vo de antropofagia cultural, na sobre o tema da escravidão, res- ma-se a "igualdade absoluta entre
folhetim na Gazeta de Portugal, medida em que vai sendo cultural- saltando-se o ponto de vista abo- todos os cidadãos brancos e ne-
sendo reeditado em 1882. mente tragada pelo homem-civili- licionista do narrador e sua pers- gros". Entre suas ressonâncias,
Alfredo Troni, que nasceu em zação branca que se atravessa no pectiva direcionada para a valo- surge, em 1910, a NACP (As-
Coimbra mas passou a maior par- seu caminho. A estória assinala rização do homem africano. sociação Nacional para o Progres-
te da sua vida em Luanda, onde os lances da assimilação que aca- Recentemente localizaram-se ou- so das Pessoas de Cor), que deu
morreu em 1904, fundou e dirigiu bam por levar Nga Muturi a rezar tros textos até então esquecidos, base ao "Black Renaissance", con-
() Jornal de Luanda (1878), Mu- em mbundu, a achar que a terra demonstrando-se a existência de gregando intelectuais' e políticos
kuarimi (1888?) e Os Concelhos do rei de Portugal, "Muene Putu", uma prosa colonial cabo-verdiana negros, que se constituíram numa
de Leste (1891). Troni, que fora é muito melhor que o mato, a mais encorpada a ser conhecida. pujante geração de lutadores em
contemporâneo de Eça de Quei- pagar seus impostos e viver de Os dados referidos vêm mos- defesa dos direitos do homem dt
rál' na Universidade de Coimbra, juros ... trar como na segunda metade do cor.
ENTRE OS ANGOLANOS 13
12 TR~S LITERATURAS DISTINTAS

Nessa altura, a revista The za-se em Paris, em torno da re- diz Henrique Guerra no prefácio desemaranhar-se o principal. Tem-
Crisis propõe-se a despertar a vista estudantil Légitime Défense da última edição, O segredo da -se, assim, uma reminiscência do
consciência para "o grande pro- e, em 1934, ao redor de outra, morta ocupa todo um vazio lite- gosto pelas adivinhas a que se
blema do século - a questão da L'Étudiant Nair, editada por Aimé rário, como ponte entre duas ge- referem os conhecedores dos há-
cor". Cesaire, Léopold Sédar Senghor rações de escritores preocupados bitos populares de tradição ango-
e Léon Damas. com a revitalização angolana, duas lana. Na pródiga imaginação do
Todo o projeto, que se deno-
gerações que se representavam an- Autor, elas permitem criar situa-
minou "Pan-africanismo", não se Mais uma revista, Présence
i, teriormente por Cordeiro da Mata ções engenhosas, em que cada
confinava ao âmbito dos ameri- Africaine (1947-1968), e a Antho-
e posteriormente por Castro So- enigma funciona como uma espé-
canos. Estendia-se às reivindica- logie de La Nouvelle Poésie Negre
romenho. cie de adivinha para movimentar
ções dos negros onde quer que et Malgache (1948), organizada
Segundo as palavras da "Adver- uma microestória no conjunto da
fosse. Seus reflexos chegam a por Senghor e prefaciada por Sar-
tência", do próprio Assis Júnior, macroestória. Surpreendentemen-
Portugal, onde se funda, em 1912, tre, com toda sua polêmica, e es-
a obra seria oferecida à leitura de te, o mistério, cifrado num código
a "Junta de Defesa dos Direitos ses movimentos - do "Pan-afri-
todos aqueles "pretos e brancos" simbólico, começa a rarefazer-se
de África", que continua mais canismo" e da "Negritude" -
que se "interessam pelo conheci- por tradução para outro código
tarde na Liga Africana. logravam carrear consideráveis
mento das coisas da terra. " A mais permeável, menos vago. É
Em 1919 realiza-se o I Con- proveitos à causa africana.
vida do angolense que a civiliza- o caso dos sonhos, que irão pro-
gresso do "Pan-africanismo", em ção totalmente não obliterou - liferar como formas cifradas de
Paris. É quando se dá a Confe- aquela civilização que se lhe im- outros tantos mistérios a coloca-
rência da Paz, ocasião oportuna Entre os angolanos pôs mais por sugestão e medo do rem-se e desvendarem-se progres-
para se reivindicar a decisão do que por persuasão e raciocínio -, sivamente. Dessa forma, as tradu-
destino da África para os africa- Embora no século passado co- vivendo ao seu modo e educan- ções para diferentes códigos nas
nos. meçassem a surgir condições para do-se consoante os recursos ao micro estórias promovem uma rea-
Na literatura, ao projeto huma- a criação das modernas literaturas seu alcance ... " firmação de mensagens que se ilu-
nista-universalista do "Pan-africa- nacionais, os resultados pouco ul- Assis Júnior cria, assim, uma minam reciprocamente, deixando,
nismo" correspondeu o da "Afri- trapassaram o aparecimento de atmosfera de tensa expectativa em cada tradução, um saldo reve-
can Personality", na busca de de- publicações esparsas em jornais e antes de relatar os fatos, aliciando lador, de resposta a algum "por
terminar uma identidade coletiva revistas. o leitor como se fossem verídicos quê?", em função do qual as mi-
do africano, vítima da dispersão Daí a razão da importância his- e como se o Escritor não tivesse cro e macroestórias se organizam.
pelo mundo. Obras dessa linha tórico-literária que teve para An- resistido a revelá-los, porque cons- As incógnitas das estórias va-
de afirmação da personalidade gola a obra de autoria de Antônio tituiriam "um forte apoio para a lem, pois, como adivinhas que as
negra começam a aparecer, como de Assis Júnior, O segredo da formação da história das coisas, impulsionam a abrir alternativas
o romance Batouala (1921), do morta, romance de costumes an- ainda mal conhecidas, e das pes- para um desfecho. A moral que
martiniquenho René Maron, fun- golanos, publicada em 1929 nos soas que, com poder e mereci- delas procede vai ter respaldo nos
cionário da administração fran- folhetins do jornal A Vanguarda, mento, nasceram, passaram e vi- provérbios. São tantos que, jun-
cesa no hoje império Centro-afri- de Luanda, e reeditada em livro, veram" em sua terra. tos, fazem um pano de amostras
cano, onde a alma negra se des- em 1935, pela tipografia A Lusi- A crítica enfatizou, nesse livro, do adagiário local. E, se as adi-
vela. Divulga-se a música negra tana, também em Luanda. sua "forte angolanidade". De vinhas apelam para o lúdico, para
- o jazz, os blues espirituaIs - Esse romance tornou-se um fato, essa angolanidade mostra-se o jogo das descobertas, os pro-
e os escritores negros norte-ame- marco notável no encaminhamen- logo na concepção do romance. vérbios solicitam a reflexão, uma
ricanos chamam a atenção geral to da literatura angolana para sua Alguns ou vários mistérios fazem avaliação, uma dedução.
para a causa que defendem. identidade nacional. o tecido narrativo. Para desven- Na rede da estória, tecida pelo
Na década de 30 o movimento Escrito, então, no período que dar o maior deles, o segredo da impulso dos enigmas e sustentada
dll ItNegritude" - de que Ba- vai de 1910 a 1940, de "quase morta, há que decifrar outros nos pilares ideológicos dos pro-
tuuala fora um marco - organi- não-literatura" em Angola, como (entrelaçados ou subsidiários) até vérbios, a mística e a História se
14 TRÊS LITERATURAS DISTINTAS ENTRE OS ANGOLANOS 15

conjugam para que o romance Os lundas de quem Soromenho africano a perder seu sistema de À Antologia se segue a revista
totalize um painel. Aí se recupera tratou são vistos até a crise que organização com o auxílio dos Mensagem (1951-1952), onde co-
a vida colonial ao tempo do flo- os abalaria, já mal com os deuses, próprios angolanos que fazem o laboraram escritores que se torna-
rescimento de uma faixa de afri- enquanto outra tribo, a dos quio- jogo do colonizador, atuando co- ram grandes nomes da literatura
canos assimilados que constitui- cos, chegava à supremacia sobre mo cipaios e capitas. angolana: Agostinho Neto, Alda
riam, pelos fins do século XIX, eles, como se vê em A morte da A força agônica das tribos, já Lara, Antero Abreu, Antônio Car-
uma pequena burguesia ao lado chota. minadas por dentro e por fora, se doso, Antônio Jacinto, Mário An-
da burguesia compradora ou in- Dessa convivência e aprendiza- reduz à luta isolada do negro pela tônio, Mário de Andrade, Óscar
termediária, localizadas sobretudo do no sertão angolano, surgem as terra, in extremis: em seu reduto Ribas, Viriato da Cruz e até mo-
nas povoações ao longo do rio primeiras narrações de Sorome- final, o último soba, Xá-Macuari, çambicanos, como o poeta José
Kuanza. Por aí se dera a pene- nho, Lendas negras, Nhári; o dra- suicida-se para escapar à caçada Craveirinha, além de portugueses
tração e colonização portuguesas. ma da gente negra, Rajada e dos brancos, e seus poucos fiéis radicados em Angola. Os objeti-
Nesse romance de Assis Júnior, outras histórias e Calenga. liderados o sepultam, incendeiam vos da revista centravam-se na
ditos, diálogos ou manifestações Aos contos e novelas seguem-se as palhoças da aldeia, para depois busca da redefinição e valorização
espontâneas das personagens já os romances, Noite de angústia, passarem a vau o rio Luita e se- dos dados básicos de caracteriza-
aparecem em quimbundo. A lín- Homens sem caminho, Terra mor- guirem o destiná de nômades. ção nacional. Os escritores pro-
gua local passa, pois, a ser mais ta, Viragem, A chaga. Quem os punham-se à alfabetização e me-
A partir de então, o conflito
uma senha da identidade nacional percorre atravessa uma terra em entre brancos e negros, coloniza- lhoria das condições culturais do
que a obra assinala. transe, desde a tensão interna do dores e colonizados de seus dois operário, a diversificadas ativida-
Mas outro escritor apareceria primeiro, ainda entre lundas. Tra- últimos romances aprofunda-se na des no setor da cultura nacional.
para fazer a ponte de acesso à ta-se de um crime de morte por sondagem dos sofrimentos impos- Cultura (lI) (1957-1961) é ou-
moderna prosa de ficção angola- feitiçaria e conseqüente punição, tos ao povo angolano, e, com A tra revista a juntar os escritores,
na. Trata-se de Fernando M on- que vão dar a medida do rigor chaga, na luxúria dos brancos, de alguns já militantes em Mensagem.
teiro de Castro Soromenho (1910- dos códigos de bravura e honra, quem as negras e as mulatas são Em Cultura (lI) levantava-se a
-1968). Natural de Moçambique, de coragem e lealdade, pelos quais vítimas indefesas. questão cultural em suas vincula-
Castro Soromenho fez-se angola- eles mantiveram, outrora, suas Ao longo da obra de Sorome- ções com os problemas sócio-eco-
no de vivência. Filho de um alto forças de coesão. nômicos de Angola, de forma que
nho depara-se, pois, com a ima-
funcionário da administração co- No segundo romance, a deca- se considerava a ação cultural
gem de inocência do mundo afri-
lonial, transfere-se para Angola, dência dos lundas se acentua em "defeituosa" enquanto tais proble-
cano que se vai desfigurando, no
onde mais tarde, em vez de as- seus confrontos com os quiocos, mas não se resolvessem. Aí se
quadro de uma experiência de ca- agruparam Agostinho Neto, An-
pirar a um posto de localização com o saldo negativo dos temores
privilegiada, opta por instalar-se tiveiro, como um inferno existen- tero Abreu, Mário Lopes Guerra
pelas ameaças que então os cer-
na Lunda, a nordeste de Angola. cial do homem negro. (Benúdia), Carlos Ervedosa, Costa
cam.
Aí trabalhou como funcionário, Por volta dos anos 40 os escri- Andrade (Angolano Andrade ou
Já em Terra morta se faz a
mas alternava essa tarefa com a imagem da Angola sujeita ao pro- tores africanos de língua portu- Africano Paiva), Luandino Vieira,
peregrinação pelas aldeias negras, grama chamado "indigenato", con- guesa começam a se organizar à Óscar Ribas.
nas quais pôde observar costumes, vertendo o homem angolano de volta de canais de divulgação, es- Outras revistas circularam, co-
recolher informações. Nesse trato membro de uma comunidade en- pecialmente as revistas. mo a Mensagem (1949), da Casa
com os negros que devia recen- tendida como "primitiva" à con- Em Angola, com o impulso do dos Estudantes do Império, em
sear, entendeu a situação que os dição de assimilado pela cultura "Movimento dos Jovens Intelec- Lisboa, por onde passaram gran-
angustiava e não tardou que sua do colonizador, proposta como tuais de Angola" e com a ban- des escritores africanos que parti-
simpatia e adesão fosse por eles, "civilizada" . deira de "Vamos Descobrir An- cipavam dos movimentos de liber-
então miseráveis e oprimidos, cuja Assiste-se, assim, a um proje- gola" surge a Antologia dos novos tação das colônias portuguesas da
causa não mais abandonou. to visando destribalizar, levar o poetas de Angola (1950). África.
16 TRÊS LITERATURAS DISTINTAS
ENTRE OS ANGOLANOS 17

As idéias da "Negritude", trans- ou explicitamente remete a uma de preto - e Neto, em troca, en- guerra de libertação, sobretudo o
postas nas vozes de Senghor e comparação. É o que Neto vai viou-lhe uma cópia de Náusea. dos momentos da conspiração an-
Césaire, dos escritores negros explorar. No confronto do mar ticolonialista, preâmbulo da luta
norte-americanos Richard Wright, Como Neto, Antônio Jacinto
ali/agora, com o mar além/pre- (Orlando Távora) faz com Vôvô armada que a partir daí se desen-
Countee Cullen e Langston térito, a memória estabelece as cadearia. São horas de terrores,
Hughes, do cubano Nicolas Guil- Bartolomeu um relato linear, cujo
relações conseqüentes do espaço- atrativo está na própria singeleza em que as etapas da resistência se
lén, então ganham terreno e im- -tempo. O contraste mar versus organizam e nas quais o êxito ou
pressionam os da África Portu- de sua concepção, desde as per-
interior resulta em paralelos so- sonagens até o conflito em torno malogro de cada passo dado em
guesa, envolvendo nomes como o ciais: de um lado, a miserabilidade segredo torna-se uma questão de
do angolano Mário de Andrade das questões primárias, mas, por
conhecida dos musseques, sempre isso mesmo, básicas à sobrevivên- vida ou morte; são horas de temo-
e do são-tomense Francisco José recuados; de outro, a prosperida- res, quando a desconfiança gene-
Cia.
Tenreiro. de dos lugares amenos, do litoral,
Sobre o Bartolomeu dessa es- ricamente instalada lança confu-
A partir dos anos 60 vêm os que os turistas da vida acabam sões e dúvidas entre todos; são
tempos de mais aguda repressão, por ocupar. Nesses paralelos so- tória, assim como sobre outros
vavôs e vavós tão presentes na horas de tremores, quando a dela-
e, além dos escritores já citados, ciais cruzam-se também os parale- ção precipita os exílios e torturas
ligam-se a essa geração: Ernesto los do tempo. O presente do mar, literatura de Angola, recaem a es-
tima e o apreço 'das novas gera- de que é exemplar A vida verda-
Lara Filho, Henrique Guerra (An- do mar que se atualiza, remete ao deira de Domingos Xavier e "O
diki), Arthur Maurício Pestana passado de onde emergem as man- ções. O respeito aos velhos, típico
fato completo de Lucas Matesso".
dos Santos (Pepetela), Jofre Ro- chas da História, da diáspora e da tradição africana, não impede,
entretanto, que no conto de An- O espaço das estórias de Luan-
cha, Jorge Macedo, Arnaldo San- escravidão africanas, que se pro-
jetam no ali e agora da revisita- tônio Jacinto se delegue à juven- dino é, por excelência, o dos mus-
tos, Manuel dos Santos Lima,
Agostinho Mendes de Carvalho ção desse nhô João simbólico, tude o papel de rompimento com seques, bairros proletários fora do
(Uanhenga Xitu), Manuel Paca- por isso mesmo irremediavelmente um estado de coisas ou de espírito perímetro urbanizado da cidade.
vira, Carlos Gouveia, Bobela Mot- comprometida. que tem de ser superado em favor Sem as condições mínimas de sa-
ta, Manuel Rui. de novas perspectivas de futuro. lubridade ou conforto, tornam-se,
Em sua esporádica passagem É a ideologia da resistência que
Quanto aos prosadores desta pela prosa, Neto dá-nos uma obra portanto, indicadores da faixa so-
já se insinua. Ainda que aí se cial mais discriminada ou desfa-
Antologia, Agostinho Neto foi so- com um enredo sem complicações. trate de resistência diante das for-
bretudo um poeta. Com Náusea, Chamado conto, mas quase crô- vorecida, de que é muito típica
ças brutas da Natureza, é preciso sua gente, retratada desde os pri-
conto publicado em 1952 na re- nica, o texto manifesta menos a sobrepô-la à interpretação fatalista
vista Mensagem, Neto faz sua intenção de relatar um aconteci- meiros contos, os de A cidade e
da sorte do negro e aos sentimen-
incursão na prosa, com rápidas mento do que a necessidade de a infância e de Luuanda, até os
tos de inferioridade que compro-
pinceladas de um retrato ango- exteriorizar um estado de ânimo, metem sua autoconfiança e deli- últimos, de Macandumba e de
lano, e, como em seus poemas, as uma disposição íntima da perso- beração. Laurentino Dona Antónia de Sou-
figuras humanas preenchem espa- nagem, tal como se daria na poe- za Neto e eu, assim como nas nar-
ços de admiração e ternura. Além sia, o que confirma, assim, a vo- E, ao abordar a literatura da
rativas Nós, os do Mukulusu, e
do anônimo individual ou coleti- cação de poeta. resistência, outro prosador toma
João Vêncio e seus amores.
vo, seus versos povoam-se de ima- vulto: é José Mateus Vieira da
Nas páginas que precedem o Graça, que se fez conhecido com Esse é um espaço de amplo
gens fraternas, como as de família prefácio à segunda edição de Náu- o pseudônimo de José Luandino espectro para a aprendizagem da
ou do "Mussunda amigo". sea, outro escritor, também poeta, Vieira. Sua já extensa produção vida - a infância que se recons-
Esse exercício na prosa se pro:- Antônio Jacinto, refere-se à cor- literária conta com edições tanto titui do nevoeiro da memória e
cessa com o tema do mar, o mar respondência mantida com Neto: em português como em traduções por isso mesmo se traduz meta-
revisitado. A repetição de uma Jacinto remetera-lhe uma cópia nas línguas de vários países. foricamente no texto mais ambí-
experiência - no caso a experiên- de seu conto, Vôvô Bartolomeu guo, mais opaco, de Luandino
O tempo histórico recoberto
cia vivida com o mar - implícita - que então se denominava Sorte pela ficção de Luandino é o da Vieira, No antigamente na vida
ENTRE OS ANGOLANOS 19
18 TRÊS LITERATURAS DISTINTAS

Mandombe passa pelos testes experiência em experiência vivida,


Suas personagens são pessoas da na pnsao ou no exílio. É o
que provem sua "fidelidade" no esboçam uma consciência da con-
comuns do povo. É na prática do poeta Antônio Cardoso, com uma
cumprimento da nova missão. Mas dição a que foram reduzidas e
quotidiano que elas crescem e se coleção de contos marcados como
a estória tenta reabilitar sua ima- uma compreensão, se tanto, ainda
destacam pela dura conquista da os de Luandino pelo espaço co- estreita do sistema que as absor-
capacidade de relutância, de opo- mum, Baixa e musseques, onde gem como a daqueles que, nessa
conjuntura e não obstante as apa- veu.
sição, de recusa ao sistema domi- transcorrem suas estórias.
nante, razão pela qual podem ser rências, representam também, de Costa Andrade reproduz esse
Para Antônio Cardoso, as va- alguma forma, a resistência ango-
sacrificadas. percurso da sociedade angolana
riantes de situação de vida no lana. É pela solidariedade que, a nos descaminhos da própria lín-
Luandino dá a imagem da so- contexto comum dos bairros mise- duras penas, se preserva entre os gua, pela expressão popular, onde
ciedade angolana em processo de ráveis são a via de abertura para cidadãos nacionais, jogados assim a infração às normas gramaticais
simbiose ou de influências, onde os momentos de iluminação da em posições antagônicas. revela a apropriação em processo
traços de diferentes culturas se consciência de sua gente. Fazem
Como Antônio Cardoso, outro do português.
atritam e disputam primazias. Um ver claro o estado de limitações
desses traços, a fala, isto é, o a que está sujeita, desde a explo- poeta, Costa Andrade, fará a lite- Dois outros escritores, Arnaldo
quimbundo ou o português diale- ração de sua força de trabalho ratura das injustiças sociais, cen- Santos e Agostinho. Mendes de
tizado, por oposição à língua, o até as demais discriminações quer tradas nas específicas circunstân- Carvalho (Uanhenga Xitu), po-
português de Portugal, funciona aos homens, quer às mulheres, em cias da época colonial. dem ilustrar diferentes formas de
também como um código de iden- seus específicos e típicos proble- O contrato, isto é, o trabalho pressão tendentes a descaracteri-
tificação no conjunto de fatores mas sociais. forçado é o grande tema de seu zar, por um lado, a cultura ango-
que passam a caracterizar a ango- "O cipaio Mandombe" é uma livro de contos, por isso mesmo lana e a impedir, por outro lado,
lanidade. amostra significativa da obra de declaradamente Estórias de con- a descaracterização da cultura
Cardoso, onde se explora uma das tratados. Dos anos 1958 e 59, portuguesa. Tanto um escritor
Pelos denominadores comuns,
formas de aliciamento para o ser- quando a luta armada pela liber- quanto o outro souberam, cada
desde a fala, seus angolanos se
viço de manutenção do sistema tação não estava ainda declarada, qual a seu modo, mostrar não só
reconhecem como tal e estabele-
colonial. O cipaio, figura que as estórias de Costa A ndrade mos- a defesa do angolano, mas tam-
cem entre si os vínculos, fortale-
aparece com freqüência na litera- tram as alterações produzidas no bém a do português, na preserva-
cidos no sentimento de solidarie-
tura angolana, como representa- Planalto Central de Angola pela ção de seus respectivos patrimô-
dade que oferece sustentação à
ção de uma das mais embaraçosas penetração portuguesa, como foi, nios culturais. É o que dá à luta,
resistência coletiva, organizada,
funções, é o angolano recrutado sobretudo, a desagregação das co- assim bifronte, o tom de choque
e viabiliza sua libertação.
para servir no quadro policial por- munidades angolanas, que perde- cultural.
A obra de Luandino Vieira ram sua estrutura natural sob
ocupa um lugar proeminente na tuguês. Desempenha, assim, o pa- Nas Prosas que escreveu o poe-
pel de instrumento de ação contra pressões de vária ordem, ao longo ta Arnaldo Santos, os conflitos de
moderna literatura de Angola, pe- do tempo. Quando não por isso,
las qualidades estéticas, pela im- os seus próprios patrícios, nos raça e de classe da colonização
a degringolada dessas comunida- enraízam-se também no espaço
portância histórico-literária. Como mais dramáticos constrangimentos
des resultaria das migrações, ou físico dos musseques, ou eventual-
escrita transgressiva, de ruptura criados pelos esquemas de repres-
são. da imigração, quer compulsória, mente outros, enquanto tecido so-
tanto com o modelo ideológico quer deliberada, por decorrência
quanto com o padrão lingüístico Nesse conto de Cardoso recons- ciocultural representativo da An-
dos impactos ecológicos e sociais. gola da maioria, na aventura da
do português, é, portanto, um tituem-se os passos da "carreira"
novo marco na arrancada em di- "Um conto igual a muitos" é vida diária em que se peculiariza.
do cipaio, a partir do ritual vio-
reção de uma literatura nacional. lento da iniciação, quando é des- uma medida da transformação da Entre seus contos o centro de
Da mesma forma que Agosti- pojado do que o caracteriza em fisionomia dos grupos interioranos. interesses freqüentemente oscila
O contratado de São Tomé aí está de retratos a casos humanos, ou
nho Neto, Antônio Jacinto e José sua angolanidade para assumir, do
como protótipo das populações o inverso, de modo que se tem um
Luandino Vieira, outro escritor outro lado, a nova identidade que
assim dispersadas que, por fim, de conjunto significativo de tipos, de
teria sua experiência literária vivi- lhe é outorgada.
20 TRÊS LITERATURAS DISTINTAS
ENTRE OS ANGOLANOS 21
homens e mulheres de uma socie- fera o quimbundo, transtorna-se
dade crioulizada. o português, não obstante as for- tirá um forte efeito de estranha- gatória a consciência do perigo,
"A menina Vitória" é bem ilus- ças em contrário. mento, o de estar em convivência que a cada dia é preciso reavivar.
trativo de um reconhecimento Essa espontaneidade e vivaci- com falantes que não usam o mes- A infração às leis de "seguran-
africano que se opera nas Prosas, dade da linguagem popular defi- mo português. ça" que a criança comete na estó-
então pela perspectiva crítica com nem, por excelência, a qualidade Esses usuários da língua, que ria corresponde à infração que a
que Arnaldo Santos apreende o de escrita de Agostinho Mendes dela vão fazendo o seu português, escrita comete contra as leis de
projeto didático da professora, da de Carvalho. são preferencialmente os angola- "segurança" da norma culta por-
menina Vitória. É o projeto que Como acontecerá em outra nos dos últimos tempos coloniais. tuguesa.
incorpora o objetivo metropolita- obra, Manana, a perspectiva crí- A atribulação, o infortúnio, os A estória de Boaventura relata
no de preservação das normas da tica em que vê o assimilado acaba contratempos parecem estar sem- a partida de futebol interrompida
linguagem, leutralizando a ango- por deixar clara a crise que pode pre à espera deles, como na fá- pela polícia. Como os meninos
lanidade de pronúncia ou da sin- também surgir da não-resistência, bula do lobo e do cordeiro. Por na estória, o narrador no discurso
taxe do aluno, ou excluindo do da entrega tácita ou até prazerosa isso mesmo, vivem os estados tí- escapa da repressão, driblando to-
"modelo" o universo angolano, do angolano àquilo que degenera picos do clima repressivo, de dos os códigos de garantia e esta-
cuja criatividade fica fadada ao o caráter nacional. prontidão, de sobreaviso, como bilidade que reprimem seu livre
grau zero de identificação pessoal que de pré-mobilização para a jogo que visa à autonomia na-
e nacional. No encalço de uma literatura
própria estão também prosadores luta organizada que os libertaria. cional.
Entre os contos de Uanhenga mais recentes, como Boaventura É o clima que se sustenta na fofre Rocha também recupera
Xitu, ao lado dos fortemente mar- Cardoso e fofre Rocha. prepotência, no menosprezo da pelas memórias de infância os cos-
cados pela angolanidade dos cos- dignidade humana, resultante das tumes trai'icionais remanescentes
Boaventura Cardoso é prosador
tumes, das crenças, das tradições discriminações sociais, na corres- nos bairros pobres de periferia.
que se posiciona no treinamento
retidas, como Vozes na sanzala ou pondência ou não entre ideologia Em suas Estórias do musseque, a
de uma redação nacional. Isso fica
Bola com feitiço, há lugar também e ação anticolonialista, na proble- criança contracena com os vavôs
claramente expresso em seu se-
para aquele que, no processo de matização do trabalho e até nos e vavós. Em visível simpatia por
gundo livro de contos, O fogo da
aculturação, dá ênfase aos traços desníveis de compreensão da fase essas faixas etárias, o Escritor fo-
fala, pelo subtítulo "Exercícios de
mal incorporados da cultura es- pós-libertadora ou dos espaços de
estilo". O fogo da fala não é tí- caliza as desventuras das famílias,
trangeira, aos traços que o auto- exercício da liberdade.
tulo de nenhuma das estórias que freqüentemente desfalcadas quer
didatismo não consegue assimilar. "Nostempo de miúdo", de Di-
aí se relatam, mas, no conjunto, pelo êxodo de seus membros vá-
Assim acontece em "Mestre Ta- zanga dia muenhu, é um conto
título e subtítulo caracterizam a lidos em busca de sobrevivência,
moda", onde o jogo desproposi- ilustrativo dos grandes motivos e
escrita como processo, o texto em fuga ou na prisão devido às
tado com as palavras torna-se o do processo do Escritor.
como produção verbal. lutas com o colonizador, quer por
próprio motivo da estória. Nesse
Desse visível trabalho da maté- As crianças, cuja presença é outras decorrências próprias da
caso, o cômico da situação esbar-
ria da ficção com os utensílios da marcante em sua ficção, respiram
ra no trágico ou no grotesco, po- discriminação e miséria.
linguagem resultam já seus primei- esses ares pesados que, no limite,
dendo provocar tanto o riso, pelo Como correspondente interiora;'
ros contos, reunidos em Dizanga invadem o espaço delas e as pri-
nonsense do vocabulário distor- no do musseque, a sanzala tam-
dia muenhu (A lagoa da vida). vam da descontração natural da
cido, quanto a comoção, pela in- bém aparece enquanto cenário da
f á nesses textos ficam acentuadas sua idade.
sólita figura de Tamoda, o "eti- desorganização dos grupos étni-
mologista", "dicionarista", descido as características do uso lingüís- Por outras palavras, Boaventu-
tico, a qualificação angolana de ra, como a maior parte dos pro- cos, pela prepotência sobre os
na sanzala. sobas, o desafio à sua liderança,
quem fala. Qualquer leitor de sadores angolanos contemporâ-
Nessa caricatura da indigestão língua portuguesa, não-angolano, neos, assinala a participação da pelo trabalho obrigatório, estranho
cultural, Uanhenga Xitu ganha como nos outros casos menciona- criança no processo da libertação, aos esquemas de preservação do
espaço para as falas locais: proli- dos desde Luandino Vieira, sen- sua grande escola, onde a peda- equilíbrio em suas sociedades e
gogia da luta tem como lição obri- na Natureza.
ENTRE OS CABO-VERDIANOS 23
22 TRÊS LITERATURAS DISTINTAS

artística do Escritor, mas que não Nessa obra de Pepetela, abre-se


"A estória da confusão que saio poético, com Muana Puó espaço para uma revisão dos gru-
deixam de resultar num painel,
entrou na vida do ajudante Ve- Pepetela tem-se dedicado mais d também didático, das tensões in- pos de conflito na sociedade colo-
nâncio João e a desgraça do seu prosa de ficção. nial e para uma reavaliação dos
cunhado Lucas Manuel" mostra o ternas nos quadros da luta de li-
!"-s.ave?turas de Ngunga, seu bertação, quando da guerrilha nas papéis que cada um nela desem-
agravamento do conflito entre pnmelro lzvro publicado, editou-se penhou, ficando assinalada a re-
portugueses e angolanos. São já matas de Mayombe.
em plena luta armada, na Frente sistência angolana nos vários e
os tempos de recrudescimento da As várias vozes que se alter-
Leste de Angola, quando apare- subseqüentes focos de luta entre
repressão, em conseqüência dos nam na narrativa, questionando-
ceram trezentos exemplares mi- redutos nacionais e grupos de con-
foc~s de l~ta armada pela liber- meografados. -se umas às outras, convertem o
texto num corajoso debate, cujo trole do colonizador.
taçao da Africa. Os preconceitos Com declarado caráter didático
en:ão se somam e se reforçam. princípio está na perspectiva de
a estória do menino N gunga mos~ autocrítica com que a realidade
Nao serão mais os de raça ou cul- tra o processo de escolarização do angolana é, então, apreendida. Entre os cabo-verdianos
t~~a apenas, mas os de ordem po- pequeno herói, processo em que
lztlca e social que aceleram os No último romance, Yaka, re-
aprender a ler e escrever integra- Em Cabo Verde, o caldeamento
desastres não só das famílias con- centemente publicado, Pepetela
-se com aprender a defender a étnico ou cultural de europeus e
sangüíneas, mas da grande família retoma uma linha tradicional de
revolução. africanos foi intenso, o que resul-
dos musseques que elas consti- romances, os romances de família.
A r:roposta da alfabetização tou numa forte mestiçagem mar-
tuem. Vale-se dela para fundir na es-
como Instrumento de lutq dá um cada desde a língua corrente no
No conto de Jofre Rocha já tória de consecutivas gerações dos Arquipélago, o crioulo, instrumen-
sentido norteador às aventuras do
nenhuma neutralidade se faz viá- Semedo, a partir do primeiro emi- to de comunicação do cabo-ver-
"pioneiro", palavra sugestiva com
vel, porque o contexto é de radi- grado para a "colônia", um seg- diano nos vários níveis de suas
qu.e os angolanos designam as
c~:ização de posições. Qualquer mento da História de Angola, que
cnanças. relações sociais.
dl.alogo ·entre colonizador e colo- vai de fins do século passado aos
Na escola, cujo espaço é o da recentes anos 60, período deci- Já não é, portanto, o homem
n~z~do, mesmo aleatório a prin- europeu ou o homem africano
Guerra de Independência, o co- sivo, portanto, na definição do
CIpIO, vai-se tornando impossível
nhecimento é o meio e a liberta- presente nacional. que representa essa sociedade,
com a sobrecarga de guerra decla-
ção, .0 fim. Um homem "só pode mas o homem crioulo, em cuja
rada em que se comprometem ir- Dessa forma, chega para o lei-
ser lzvre se deixar de ser ignoran- maneira de ser as culturas conver-
reversivelmente. tor um grande contingente de in-
te", diz o professor. gentes teceram mais cedo a uni-
E, como nos outros contos a formações que o ficcionista habil- dade cultural cabo-verdiana.
Como o objetivo da luta é cole-
linguagem também constitui ~m tivo, Ngunga aprende a pautar seu mente organiza num amplo cená- Estariam aí as razões pelas
divisor de águas, na medida em raciocínio sobre o plural, ou seja, rio da vida angolana. quais as questões de raça não se
que põe do mesmo lado as per- na e pela sociedade de que faz Como a máscara de Muana colocam ou não assumem o relevo
sonagens angolanas e o seu cria- parte. Assim, vai chegando à Puó, a enigmática estátua Yaka que têm na literatura angolana.
dor. consciência mais clara das contra- desse romance só no último mo- A o analisar-se a prosa moderna
Os dias de alta tensão entre dições, dos concertos e desacertos mento revela o segredo que Ale- de Cabo Verde, a partir dos anos
colonizador e colonizados são os desse .mundo em que vive, através xandre Semedo sempre dela pro- 30, quando ela decisivamente flo-
que vivem também os heróis do dos nscos de vida e de morte de curara tirar. Nesse momento, to- resce, outros motivos aí se encon-
escritor Arthur Maurício Pestana que estão cheios os seus caminhos. da a simbologia da odisséia ango- trarão, muito próprios da gente
dos Santos, conhecido por seu Os dois romances seguintes não do Arquipélago.
lana se decifra, o final da saga
pseudônimo, Pepetela. abandonariam essa perspectiva di- épica aparece claro através da Agrupados em torno da revista
Embora tenha passado pela vi- dática. Em Mayoill])e, Pepetela morte que simboliza a última ge- Claridade, de 1936, prosadores
vência de compor textos de tea- desenvolve técnicas de ficção' que ração de colonizadores, o princí- como Manuel Lopes e Baltasar
tro, com A corda e A revolta da acentuam a literariedade de seu Lopes propuseram-se partir ao
pio de Angola livre.
casa dos ídolos, de escrever en- novo texto, revelam a maturidade
ENTRE OS CABO-VERDIANOS 25
24 TRÊS LITERATURAS DISTINTAS

reencontro da identidade cultural táveis decorrências economzco- ciado da vida", em sua participa- Gabriel Mariano, cujos contos fo-
de seu país, delinear o perfil psi- -financeiras para Cabo Verde, ou ção, portanto, com as associações ram reunidos no volume Vida e
cológico de seu povo. São os tem- de referência cultural e simbólica operárias que então se formam. morte de João Cabafume.
pos de influência do Modernismo como a morna, típico gênero de A té que se torne "professor de Nas estórias de Gabriel Ma-
brasileiro que, pela afinidade de música popular, ou o farol do posto", vive aí a euforia da che- riano o espaço e o tempo preen-
causa, empolgaria os escritores Ilhéu dos Pássaros, marco espa- gada dos navios e a disforia da chem-se com personagens que vi-
cabo-verdianos. cial e temporal na paisagem. decadência do porto, as festas tí- vem as agruras de um quotidiano
No segundo número de Clari- Caberá, depois, a Baltasar Lo- picas com a morna, o jazz-blue, repassado de problemas velhos, de
dade, aparece um excerto do conto pes rasgar caminho para o roman- a valsa brasileira, ou os ritos do soluções preteridas, que criam as
"O galo que cantou na baía", ce de Cabo Verde, com Chiqui- sincretismo religioso. tensões características às quais se
considerado o primeiro texto de nho, publicado em 1947. Trata-se Os acordes de fim de história fez referência.
ficção da moderna literatura de da história de uma típica família são os da vida adulta de Chiqui- No caso de "O rapaz doente",
Cabo Verde, mais tarde republi- cabo-verdiana, centrada na perso- nho, na bonança das chuvas e nas desnuda-se o ângulo do emigrado
cado numa coletânea de contos, nagem que lhe dá nome e a relata agruras do estio. para São Tomé, tão freqüente
que receberia o prêmio Fernão retrospectivamente. O pai, emi- Como na literatura nordestina também na literatura angolana,
Mendes Pinto. grado para os Estados Unidos na brasileira, tem-se o quadro sinis- com as implicações que Gabriel
Em torno de um caso de con- grande seca de 1915, deixa à mãe tro dos retirantes pela perspectiva Mariano aqui explora: as do tra-
trabando de algumas garrafas de as funções de condutor da famí- da insolvência, no contexto agra- balho forçado na época colonial
aguardente e dos passageiros do lia, como era então freqüente nas vado pelas exíguas probabilidades e o conseqüente corte precoce de
barco que fazia o transporte, Ma- Ilhas. das Ilhas. São, pois, os tempos vidas, que aproxima seus heróis
nuel Lopes não escreve apenas Dessa forma, enquanto a me- de tentação da terra-longe que anônimos de outros da epopéia do
uma estória cheia de emoções, mória do contador recupera desde vem com o cheiro do mundo nos trabalho braçal dos operários do
que culmina no mau sucesso dos sua vida de menino em Santiago navios e toma corpo na conjun- mundo.
contrabandistas porque um galo até a de mestre-escola que, à ma- tura da crise, e os de Chiquinho Esses motivos se retomariam
inoportuno cantou na baía, mas neira do pai, acaba também dei- emigrante, na cadeia de exílios pelo grupo de escritores que cola-
com os pobres agentes da peri- xando Cabo Verde, a prática do em que se amarram sucessivas ge- boram em outro periódico, Certe-
pécia cria um espaço de ca- dia-a-dia se reconstitui. Dos tem- rações da família cabo-verdiana. za, alguns anos depois, em 1944.
tálise para os grandes motivos pos da infância vem a casa mater- É entre eles que se incluem Ma-
Inspirado nos versos de batu-
da literatura cabo-verdiana dessa na, com o patrimônio de hábitos que da ilha de Santiago - "O nuel Ferreira e Orlanda Amarilis.
época. Assim é a dialética do domésticos cabo-verdianos, o cam- Corpo que é escravo, vai; o cora- Era a década de eclosão do
ir/ficar, permanecer nas ilhas ou po com as práticas agrícolas ca- ção que é livre, fica ... " -, o movimento neo-realista em Portu-
emigrar. Dividido, portanto, entre racteristicamente locais, a escola, romance de Baltasar Lopes é um gal, cujos reflexos chegavam a
o apelo profundo de suas raízes e ainda com a tradição européia da marco decisivo no direcionamento Cabo Verde. Assim, embora o
a perspectiva de libertar-se das palmatória. da literatura cabo-verdiana ao seu programa em torno da cabo-ver-
poucas ou nenhuma alternativa de Com tudo isso, a grande apren- futuro nacional. dianidade se preservasse, tratava-
trabalho, dos problemas da seca, dizagem: do ritmo da vida cabo- A seca, a fome e a emigração, -se de um etnocentrismo já menos
das lestadas, da miséria enfim, -verdiana marcado pelos compas- que massacram minorias desprivi- inclinado a definir a identidade
vê-se o cabo-verdiano diante de sos da chuva e da seca. legiadas do mundo, atravessam as nacional do que os conflitos so-
sua mais dramática necessidade páginas dos prosadores que se li- ciais do Arquipélago.
Na adolescência são seus tem-
de opção. pos de estudante, na ilha de São garam direta ou indiretamente ao Nesse contexto está Manuel
Chegam à prosa cabo-verdiana Vicente, de contatos mais freqüen- grupo de Claridade, como as do Ferreira, português de nacionali-
motivos como a decadência do tes com o mundo exterior. É onde próprio Manuel Lopes de Os flage- dade, mas também cabo-verdiano
porlo de São Vicente, substituído se organiza o grupo cultural da lados do vento leste, ou as de nar- por afinidades eletivas. Tendo
p"los de outros países, com inevi- mocidade das escolas "não-divor- rativas como "O rapaz doente", de contribuído para a ficção neo-
26 TRM LITERATURAS DISTINTAS
ENTRE os CABO-VERDIANOS 27

portuguesa com Grei e


-realista jaria os amotinados de Hora di
do, embora transportando a cida- então, o mundo pela perspectiva
A casa dos Matas, Manuel Fer- bai, como nhô Ambrose, conver-
dania sempre acordada no peito. feminina.
reira adere definitivamente à mo- tido em herói nacional.
O próprio título da primeira Em "Cais-do-Sodré" já se vê
tivação cabo-verdiana com as his- A obra de Manuel Ferreira
coleção de contos pode sugerir como ela busca a identidade da
tórias que publica em 1948. procede, no conjunto, a uma am-
essa característica de suas narrati- mulher cabo-verdiana, colocando
Agruparam-se sob o título de plificação temática, explorando a em confronto a que ainda se re-
vas, Cais-do-Sodré té Salamansa.
Morna, a dileta forma de compo- vertente do pacato viver nas Ilhas, vela com espontaneidade e a que
São estórias que ligam afetiva ou
sição musical cabo-verdiana que do fascínio tropical de que se im- já não a quer revelar, embora aca-
simbolicamente pelo Cais-do-So-
o escultor Luís Romano definiu pregnam muitas cenas, onde trans- be por deixá-la evidente no gesto
parece a "amorabilidade" própria dré, ponto de entrecruzamento ou
como "gerada pela melancolia", final de solidariedade, de "mora-
de convergências das gentes de
"adequada" à serenata, à saudade, da psicologia dos ilhéus. Ou, pelo beza", com o qual a estória ter-
variada procedência em Lisboa,
ao isolamento. contrário, focalizando a náusea mina.
ou por Salamansa, a praia "sabe
No conto "Puchinho", com que cabo-verdiana, na versão rústica Este conto deixa ver, também,
de mundo", de Cabo Verde, a
se abre a série de Morna, a per- local, gerada com a pressão do um dos recursos literários dos
vida dos caminhantes de Orlanda.
sonagem que dá o nome à estória colonizador, agressiva ao patrimô- quais iria valer-se mais assidua-
nio ético e estético nacional. São, assim, estórias nostálgicas,
recebe uma qualificação diferen- mente: o dos processos associati-
de homens ou' mulheres perdidos
cial não tanto pela proeza que Em Morna, morabeza, como vos da memória, que carregam
na multidão anônima, que carre-
pudesse praticar, mas sobretudo em Hora di bai e Voz de prisão, para o leito principal de suas nar-
gam consigo a sofrida experiência
pela motivação psicológica, pró- os quadros significativos da vida rativas algum ou muitos afluentes,
cabo- verdiana.
pria da genealogia dos cabo-ver- de Cabo Verde, delineados pelos que lhes dão a palpitação de atua-
dianos confusos entre ficar e par- escritores de Claridade, são redi- Se ouviram a voz das origens,
lidade.
tir. mensionados por propostas esté- quase sempre se sujeitam a ficar
Com as mulheres de "Cais-do-
ticas cada vez mais eficazes, que em Cabo Verde para vegetar, com
Além dessa imagem identifica- -Sodré", Orlanda Amarilis mani-
representam o próprio caminho de os riscos mais eminentes de pal-
dora da juventude posta em situa- festa os resíduos da "nostalgia en-
milharem o caminho dos miserá-
ção característica, nas obras de conscientização do povo cabo-ver- tre o exílio e o desenraizamento" ..
veis, ou até dos suplicantes da
Manuel Ferreira faz-se também o diano em busca de seu pleno reco- como uma nuança do terra-Iongis-
esmola estrangeira.
dose para os indigentes que emer- nhecimento no contexto social que mo, pela força do qual o universo
gem do cenário devastado das Se tentados a partir, cabe-lhes cabo-verdiano se reorganiza nas
o peculiariza.
Ilhas, como suas parentas literá- atirarem-se à incógnita dos mares, teimosas e inevitáveis recordações.
Em Voz de prisão, na tagarelice como aspirantes a cidadãos de ou-
rias de Chiquinho, de Baltasar As lembranças viabilizam - que
das salas de visita, pelo "papiar" tras pátrias, marcados pela iden-
Lopes, de Os, flagelados do vento se reconstituam com êxito um
tão do gosto cabo-verdiano, a tidade étnica que conseqüente-
leste, de Manuel Lopes, ou de corpo de princípios e preconceitos,
simbólica matriarca de Cabo Ver- mente lhes traria os ônus da dis-
Famintos, de Luís Romano. Assim um sistema de valores próprio da
de cairá nas armadilhas da cons- criminação social. gente das Ilhas.
ocorre com seus contos na linha
de Quando as chuvas não voltam ciência e ouvirá a voz que a ad- "Cais-do-Sodré", o primeiro E como se veria desde Manuel
mais, ou com o romance Hora di verte sobre a insurreição cabo- conto do livro de estréia de Orlan- Lopes, a literatura começa a in-
bai, no qual a dicotomia ficar / -verdiana em marcha, na qual da Amarilis, uma história de reen- corporar a fala do povo de Cabo
/ partir será dialeticamente resol- acabará envolvida. contros de cabo-verdianos emi- Verde.
vida pela resistência cabo-ver- Como Manuel Ferreira, a cabo- grados, pode ser tomado como Nos contos de Orlanda, com
diana. -verdiana Orlanda Amarilis tam- uma amostra da prosa de ficção suas aberturas para o crioulo, faz-
Essa resistência - tão bem de- bém escreve histórias do quotidia- que ela iria praticar. Através -se um exercício de redação cabo-
finida também por outros escri- no, que poderá ser o de seus patrí- de mulheres, como predominante- -verdiana. A mestiçagem os dis-
cios em Cabo Verde ou o dos dis- mente fará nessa coleção de con- tingue lingüisticamente, e no mais,
tores, como o poeta Ovídio Mar-
tos e em seu segundo livro, Ilhéu de qualquer contexto não-nacio-
tins - no ficar e lutar é que for- persos por outros lugares do mun-
dos pássaros, Orlanda apreende, nal.
ENTRE os MOÇAMBICANOS 29
28 TRM LITERATURAS DISTINTAS

outras palavras, a estória ilustra sempre, pela perspectiva da crian-


Entre os moçambicanos assimilação da cultura estran- o juízo com que se abre o conto, ça que aprende a ler a fereza do
geira. sobre a tomada do espaço afri- mundo, quer por indução, quer
Em Moçambique, a penetração Quando se trata da literatura cano pelo branco. casualmente. Nesse caso, escre-
da cultura portuguesa teria sido escrita em prosa, cita-se como vem-se num tom de ingenuidade
A situação descrita é a da pra-
insignificante por um largo tempo pioneiro O livro da dor, de 1925, menineira, comovente pela distân-
xe no sistema colonial e Godido,
e, portanto, a população nacional, de crônicas e contos do jornalista cia que implicitamente estabelecem
principal personagem, um fruto
maciçamente analfabeta, perma- João Albasini, enquanto se apon- com a visão deformada da matu-
típico, que as relações de patrão
neceu em suas práticas tradicio- tam, como primeiros textos de ridade.
português e empregada africana
nais, no uso da transmissão oral. poesia, os Sonetos, de Rui de No- Em "Nhinguitimo" se ensina a
geram. Proposto o esquema ini-
De 1908 a 1920 circula o pe- ronha, publicados em 1943, e os cial, os demais incidentes decor- violência da sociedade colonial,
riódico O Africano e em 1918 da Poesia em Moçambique, de rem como conseqüência pre- agudizando as relações entre co-
surge O Brado Africano, cujos co- 1951, primeira mostra coletiva da visível. lonos e colonizadores, na linha
laboradores, entretanto, pratica- Casa dos Estudantes do Império, de "Godido", de João Dias, as de
A surpresa da estória está na
ram a crônica e a poesia ainda em Lisboa. Citam-se, ainda, as apropriação da terra pelo estran-
consciência que Godido tem da
presos à tradição romântica. revistas Itinerário, de 1941, e geiro, com ênfase sobre o senti-
engrenagem social que o condi-
Em 1941 aparece o Itinerário, Msahü, de 1952, que recolhem mento, de um lado, de posse da-
ciona e na resistência em manter-
desenvolvendo uma linha de ma- uma produção heterogênea, por- quele que a apropria e, de outro,
-se nas grades dela.
térias sociais ou culturais varia- tanto incaracterística de determi- de perda daquele que com ela
nada fase no processo de nacio- Caracteriza-se, pois, como uma manteve a relação ancestral de fe-
das, mas raramente no setor da
literatura. nalização da literatura moçambi- obra de transição entre a fase da cundá-la.
cana. alvorada nacionalista e a de pro- Como em outros contos, ao co-
É só no final da década de 40 testo, que ocorreria a partir dos
que a administração portuguesa Nesse período de manifestação locar em confronto personagens
anos 50. em tais situações, Honwana põe
se empenha em colonizar. nacionalista, em que se destacam
poetas como Noêmia de Souza, Com Nós matamos o cão ti- em xeque também conceitos opos-
Caberia, então, ao periódico O nhoso, de Luís Bernardo Honwa-
Brado Africano receber a produ- Marcelino dos Santos (Kalunga- tos, como coragem e medo, teme-
no), José Craveirinha, Rui Nogar, na, publicado em 1964, e outros ridade e timidez.
ção dos jovens africanos ou des- contos seus, a ficção moçambica-
cendentes de colonos, onde co- Orlando Mendes, aparece tam- Portagem, de Orlando Mendes,
bém a literatura em prosa, a par- na dará novos passos em direção publicado em 1966, tem sido sau-
meçam as manifestações naciona- da maturidade.
listas, suporte da resistência cul- tir de 1949. O Itinerário publica dado como um romance de pers-
tural e dos ideais de independên- contos de Sobral de Campos, Ruy Suas estórias apresentam um pectiva efetivamente moçambi-
cia .política que se expandiriam Guerra, Augusto dos Santos lastro simbólico e uma motivação cana.
progressivamente até a luta de Abranches, Vieira Simões, Ver- variada, desde a aprendizagem A estória gira em torno de um
libertação nacional. gílio de Lemos, Ilídio Rocha. dos atos de violência, como nos mulato, João Xilim, sob o ângulo
extremos de vida ou de morte. dos preconceitos que cercam a
Entre 1955 e 1958, esse jor- Por outro lado, a Casa dos
Poderá ser entre os homens com mestiçagem, desde os genéticos
nal, órgão da Associação Africa- Estudantes do Império lançava
outras espécies da Natureza e até os políticos e sociais.
na, cobriria, então, uma fase de em Lisboa, em 1952, Godido e
suas correspondentes implicações Daí o fato de ser uma longa es-
forte vida cultural que teria se outros contos, de João Dias, uni-
psicológicas e éticas, como na- tória, alimentada por muitos inci-
dissipado, entretanto, em virtude versitário moçambicano prematu-
quela que dá o nome à sua cole- dentes, movimentada por redo-
dos constrangimentos entre dois ramente falecido em Portugal.
ção de contos; ou dar-se entre bradas peripécias.
esforços opostos. De um lado, Em "Godido", João Dias in- essas outras espécies com as quais Mas João Xilim difere fun-
estimulava-se a tendência da ati- troduz direta e incisivamente a os homens se envolvem.
vidade provocada por uma cons- damentalmente do herói pícaro:
oposição de colono e coloniza- Nos textos de Honwana a ima- não é um ladino e muito menos
ciência cultural e política nacio- dor, como um motivo a ser de-
nais e, de outro, fomentava-se a gem da realidade faz-se, quase um cínico. Em vez de aplicar
senvolvido pela estória. Por
30 TRÊS LITERATURAS DISTINTAS

mais a sagacidade na observação dos assuntos, motivos e até pro-

3
das fraquezas dos poderosos, per- cessos de escrita. Há espaço para
siste em avaliar sobretudo as suas, o tema da guerra, cujo quotidiano
numa visão pessimista e pouco de previsibilidades e surpresas aí
pragmática que lhe agrava todas vem à baila, assim como para o
as dificuldades.
Por isso seu problema não é
das aventuras passionais ou até
destas com as do próprio homem- Estórias de Angola
apenas vencer os obstáculos ex- -escritor. E ficam sobras para o
ternos, mas absorver seus pró- questionamento de realidade e
prios componentes étnicos, o "eu" fantasia, de realidade do sonho e
branco e o negro, que ele reite- sonho da realidade.
radamente vê distinto~ e antagô- "Malidza", por ser uma das
nicos. duas lendas que precedem os con-
Assim, são necessárias muitas tos, escapa das motivações novas;
aventuras até que, em sua per- contudo, já pelo lugar que o ALFREDO TRONI
sonalidade, a consciência dura- Autor lhe destinou no conjunto,
mente experimentada vislumbre a formaliza a religação com o pa- Nasceu em Coimbra, em 1845. Viveu grande parte de sua vida em
Angola. Faleceu em Luanda. em 1904. Jornalista, colaborou em diversos
síntese. trimônio tradicional moçambica- jornais e publicou em capítulos, no Diário da Manhã, a noveleta Nga Muturt.
Carneiro Gonçalves, em seus no, o qual, por sua vez, no que posteriormente editada em volume. em 1882.
Contos e lendas, republicados em toca a amores contrariados por
1980, apresenta uma versão atua- impedimentos da ordem social,
lizada de transfusão de culturas, entra em sintonia com as fontes
de permuta de parâmetros histó- temáticas universais. Por ora,
ricos e culturais, que ele dramati- mais fecunda na poesia que na
za em seu conto "A guerra dos
cem anos", ou dos desajustes en-
prosa, a literatura moçambicana
de expressão portuguesa, escrita
Nga Muturr
tre atos e conceitos em contextos numa língua que já não coincide
ético-sociais de convenções cul- com a falada em Angola, no Bra- I
sil ou em Portugal, começa tam-
turais diferentes, como transpare-
bém a ensaiar seus passos no sen- Nga Ndreza (nome que tem na sociedade de Luanda, uma socie-
ce em "A lua do advogado". tido de definir-se como instru- dade onde só avultam os panos, sim, mas que guarda um certo número
Mas essa coleção de contos ca- mento de comunicação de outra de conveniências) afirma que é livre, que foi criada em Novo Redondo,
racteriza-se pela heterogeneidade cultura emergente que é. e pertenceu à família de F ... ; e, quando muito, cala-se quando lhe
perguntam se é buxila.
Também ninguém faz questão disso já. E que a fizesse! Ela, à
força de afirmar que não foi escrava, esqueceu-se de [não] ter sido
sempre livre. E contudo quando se senta à porta da casa com a face
fincada entre os joelhos apertados pelos braços seguros pelas mãos
enclavinhadas, nas noites de luar quentes e sossegadas, e cujo silêncio
é só quebrado a espaços pelo seco bater, na areia da rua, dos pés
dos gingamba que carregam uma machila, ou pelos gritos estridentes
das molecas da vizinhança que apregoam ruidosas banzo - ni massa

* Reproduzido de TRONI, Alfredo. Nga Mullai. Lisboa, Ed. 70, 1973. p. 31-64.

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