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LUIS VAZ DE CAMÕES

• Pouco se conhece da vida de Luís Vaz de Camões.


• Teria nascido em 1524 ou 1525, talvez em Lisboa, Alenquer,
Coimbra ou Santarém.
• Entroncádo numa possível família aristocrática da Galiza,
teria tido acesso à vida palaciana durante sua juventude,
de onde haurira algum benefício para sua formação
intelectual.
• Nesses anos, talvez acompanhasse algum curso esco66lar.
• Lê Homero, Horácio, Virgílio, Ovídio, Petrarca, Boscán,
Garcilaso, e outros.
• Talentoso e culto, naturalmente provocaria paixão em
damas da Côrte, dentre as quais a lnfanta D. Maria, filha de
D. Manuel e irmã de D. João III, e, sobretudo, D. Catarina
de Ataíde
• Por causa desses amores proibidos, é
"desterrado" algum tempo para longe da
Corte, até que resolve "exilar-se" em Ceuta
(1549), como soldado raso.
• Perde um olho, e regressa a Lisboa.
• Em 1552, na procissão de Corpus Christi, fere
a Gonçalo Borges, servidor do Paço.
• Preso, logo mais é liberto sob a condição de
engajar-se no serviço militar ultramarino.
• Com efeito, em fin 1553, chega à índia.
• Em 1556, dá baixa, e é nomeado "predor mor dos
bens de defuntos e ausentes", em Macau.
• Ali, teria escrito parte dos Lusíadas.
• Acusado de prevaricação, vai a Goa defender-se,
mas naufraga na foz do rio Mecon: salva-se a nado,
levando Os Lusíadas, como quer a lenda, e
perdendo sua companheira, Dinamene.
• Finalmente, chega a Goa, é encarcerado e solto
pouco depois.
• Está-se em 1563.
• Quatro anos depois, em Moçambique, dá outra vez
com os costados na cadeia por causa de dívidas.
• Pôsto em liberdade, arrasta uma vida
miserável, até que Diogo do Couto o encontra
e se empenha em recambiá-lo para a Pátria,
aonde chega a 23 de abril de 1569.
• Em 1572, publica Os Lusíadas e recebe como
recompensa uma pensão anual de 15 000 réis,
que, porém, não o tira da miséria em que vive
até o fim.
• Morre pobre e abandonado, a 10 de junho de
1580.
• Escreveu teatro ao modo vicentino (Auto de
Filodemo e El-Rei Seleuco) e ao clássico
(Anfitriões), mas sem alcançar maior nível,
relativamente à sua poesia e aos
comediógrafos do tempo.
• Sua correspondência contém valor biográfico
ou histórico-literário.
Camões é grande, dentro e fora dos quadros
literários portugueses, por sua poesia.
Esta, divide-se em duas maneiras fundamentais,
conforme as tendências predominantes ou em
choque no século XVI:
I. de um lado, a maneira medieval, tradicional, a
"medida velha", expressa nas redondilhas;
II. de outro, a maneira clássica, renascentista, a
"medida nova", subdividida em lírica, vazada nos
sonetos, odes, elegias, canções, églogas, sextinas
e oitavas, e em épica, nos Lusíadas (1572).
• Tendo permanecido viva no decorrer do século
XVI (1501-1600) a poesia medieval de cunho
popularesco ou folclórico, o lirismo
tradicio67nal exprime-se notadamente em
redondilhas (nome genérico dos poemas
formados do verso redondilho maior, isto é, de
sete sílabas, ou redondilho menor, de cinco
sílabas).
• Camões empresta ao velho popularismo
ingênuo, o das cantigas de amigo, dimensões
mais vastas, fruto de suas experiências pessoais
e do singular talento que possui.
• O poeta ultrapassa as limitações formais próprias das
redondilhas e insufla-lhes uma problemática nova, que o
exemplo da poesia amorosa de Petrarca e do Cancioneiro
Geral de Resende, estruturada sobre antíteses e
paradoxos, ajuda a compreender.
• Daí resultam quadros de aliciante beleza em torno de
cenas da vida diária, protagonizadas, não raro, por
alguma mulher do povo, a quem o poeta conheceria
muito de perto.
• Quase que apenas compostas para durar o tempo de sua
enunciação murmurante, essas redondilhas deixam no ar
uma sonoridade e uma "atmosfera" que perduram
indefinidamente, como ressonância dentro dum búzio.
• É o caso, por exemplo, da obra-prima em matéria de
redondilha, começada com o verso "Descalça vai pera a
fonte".
• Quando não, uma gravidade tensa, dramática, ocupa o
lugar dessa jovialidade distendida, manifesto vão", ou
"Babel e Sião": numa solenidade quase litúrgica, trágica, o
poeta plasma em versos cuja cadência vai num crescendo
sufocante, toda a sua angustiosa escalada para o plano
das transcendências.
• Seguindo na esteira de Platão, o poeta considera-se
"caído" no plano humano, o mundo "sensível", esmagado
pelas "reminiscências" do mundo "inteligível", onde
moram as "ideias", a verdadeira realidade, de que as
coisas deste mundo são apenas lembranças ou sombras.
• Para alcançar o seu desígnio, Camões apela
para o auxílio da Graça, "que dá saúde" ( =
salvação), mas o seu Deus não deve ser
confundido com o Deus do Catolicismo.
• Tratar-se-ia duma espécie de "para além do
Bem e do Mal", síntese dum absoluto estético-
filosófico-religioso, atingido ou atingível
diretamente pela inteligência e a sensibilidade
do poeta, sem qualquer mediação pré-
estabelecida (isto é, religiões, sistemas
filosóficos ou estéticos)
• Chegado a esse ponto, Camões transitava da poesia
tradicional para a clássica.
• As excepcionais virtualidades camonianas encontram
plena realização na poesia de inspiração clássica.
• De certa forma, Camões seria clássico mesmo sem
que existisse o Classicismo; por isso, aderiu
vivamente à nova moda (e superou-a em mais de um
aspecto, com isso volvendo-se um poeta de
permanente valor e anunciando a poesia barroca),
visto ela conter meios de alcançar resposta às suas
angustiantes interrogações de homem culto e
ultrassensível, vivendo uma quadra de tremenda
crise na história da cultura ocidental.
• Nasce daí uma poesia que espelha a confissão
duma torturada vida interior, referta de
paradoxos e incertezas, a reflexão em torno
dos magnos problemas que lhe assolavam o
espírito, não só provocados por suas vivências
pessoais mas da tomada de consciência duma
espécie de inquietação universal, em que
todos os homens estivessem imersos.
• Convocando saber, experiência, imaginação,
memória, razão, sensibilidade e tudo o mais que
lhe confere a romântica aura de gênio e de
"maldito" (pela vida desgraçada que levou e o
quanto "sofreu" na carne o drama da condição
humana), Camões põe-se freneticamente a sondar
o sombrio mundo do "eu", da mulher, da Pátria, da
vida e de Deus.
• É uma ascensão, ou descensão, pois o poeta
"mergulha" num verdadeiro labirinto, descortinado
pela escavação no próprio "eu", escavação essa
marcada por estágios de angústia crescente, à
medida que progride a viagem interior.
• Daí o tom permanente de dor, mas de dor
cósmica, no sentido em que é mais do que o
sofrimento individual do poeta, é o universal
ecoando nele e nele encontrando meio de
expressão.
• Por conseguinte, o resultado dessa profunda
sondagem nos escaninhos da "alma“ consiste
numa confissão ou autobiografia transcendental,
quer dizer, do que vai por dentro do poeta
enquanto "ânsia de infinito" e não dos
acontecimentos datáveis de sua vida. IMIN
• Assim, à proporção que avança em sua peregrinação
interior, o poeta vai desintegrando o próprio "eu" a fim de
erguer o retrato do "Eu", ou do "Nós", isto é, composto da
soma de todos os eu-individuais alheios que lhe ficaram
impressos na inteligência e na sensibilidade.
• Serve de exemplo a canção "Junto de um sêco, fero e estéril
monte", verdadeira obra-prima de auto-análise realizada
num plano de grandeza cósmica.
• Dessa angustiosa perquirição no "eu" nasce o problema em
que se debate Camões: ser e não-ser.
• O dilema, que seria universalizado 69por Hatilet, já se revela
em Camões como uma torturante e essencial questão. No
terreno amoroso, a dúvida atroz faz clue o poeta abstraia a
mulher, ou as mulheres, em favor da Mulher.
• Partindo das várias criaturas que amou, Camões pinta com
o auxílio da Razão o retrato da Mulher, formado da reunião
de todas e de nenhuma em particular, porque subordinado
a um ideal de beleza perene e universal.
• Adotando uma concepção racionalista e platônica da bem
amada, o poeta ama a mulher não por ela própria mas por
encontrar nela refletido o sentimento do Amor em grau
absoluto;
• amor do Amor, e não do ser que o inspirou.
• Amor, portanto, mais pensado que sentido, ou, ao menos,
sempre submetido ao crivo da Razão.
• O poeta procura conhecer, conceituar o Amor, o que só
consegue realizar lançando mão de antíteses e paradoxos
(V. o soneto "Amor é fogo que arde sem se ver").
• Mas pensá-lo é sofrê-lo duplamente;
• de onde a dualidade inalterável em que
imerge o poeta, expressa, de um lado, pelo
doloroso sentimento do bem perdido que não
mais se alcança e por isso é mais desejado, e,
de outro, pela presença irremediável da
morte, revelando o plano transcendente para
onde emigrou a bem-amada, deixando-o
sentir-se "bicho da terra, vil e pequeno".
• O célebre soneto à Dinamene ("Alma minha gentil, que
te partiste") é exemplo típico desse idealismo
amoroso de base racionalista.
• A dicotomia interna da poesia lírico-amorosa
camoniana resolve-se numa espécie de contraditória
esperança, contraditória porque só lhe resta a morte
como refrigério à dor provocada pela ausência da
mulher.
• À longa e dramática meditação acerca dos mistérios do
Amor, Camões acrescenta idêntica reflexão a propósito
da condição humana.
• A vida, tema muito mais vasto que o da mulher e o
amor, é que agora lhe interessa.
• Para tanto, porém, o poeta somente conta com o
recurso da auto sondagem, pois em si encontra a
súmula da tragédia humana espalhada pelos quatro
cantos do mundo.
• E à proporção que aprofunda a análise, vai reparando
que uma espécie de fatalismo, o "fado", o impede
mesmo de recorrer ao desespero.
• A mente debate-se, enfebrecida, num mar de
paradoxos e pensamentos desencontrados, e não pode
interromper o processo nem com a ajuda da
desesperação: o poeta não consegue desesperar, pois
"que até desesperar se (lhe) defende".
• Então onde a salvação? na morte?:
• "Não cuide 70 o pensamento / Que pode achar na morte /
O que não pôde achar tua longa vida."
• Aí o núcleo da poesia reflexiva de Camões: a vida não tem
razão de ser, e descobri-lo e pensá-lo incessantemente é
inútil, além de perigoso, pois apenas acentua quão
irremediavelmente miserável é a condição humana.
• O poeta vive num cárcere, um beco sem saída, e só lhe
resta procurar o desespero e viver conscientemente a dor
de pensar, ou alçar voo para outras zonas, transferindo
para mais largos horizontes sua angústia existencial: Pátria
é o passo seguinte, de que nascem Os Lusíadas, e depois
Deus, ou a razão primeira e última da sem-razão da vida, e
fonte dum consolo defeso ao poeta enquanto estiver
enclausurado no seu envoltório de carne.
• Essa poesia de reflexão, que é também de confissão no
mais alto sentido da palavra, exprime-se notadamente
nos poemas longos, em especial as canções.
• Muito identificado com a melhor tendência cultural de
seu tempo, Camões confessa, ao longo de sua
torturada reflexão, um pronunciado amor e respeito
pelo Homem, o que confere a tal espécie de poesia
uma permanência indiscutível.
• Os Lusíadas representam a faceta épica da poesia
camoniana.
• Publicaram-se em 1572, em duas edições simultâneas,
uma delas falsa, a que traz o pelicano do frontispício
voltado para a direita do leitor.
• Considerada o "Poema da Raça", "Bíblia da Nacionalidade", etc.,
a epopeia teve o condão dúplice de constituir o feliz retrato da
visão do mundo e dos homens, própria dos quinhentistas
portugueses, e a sincera e comovida reportagem do momento
exato em que Portugal atingia o ápice de sua evolução histórica
• O poema tem o núcleo narrativo a viagem empreendida por
Vasco da Gama a fim de estabelecer contato marítimo com as
índias (a frota portuguesa levantou âncora a 8 de julho de 1497, e
arribou a Calicut, fim da viagem, a 24 de maio de 1498).
• Contém 10 cantos, 1102 estrofes ou estâncias e, portanto, 8816
versos;
• as estâncias estão organizadas em oitava-rima (compõem-se de
oito versos com o seguinte esquema rítmico: abababcc);
• os versos são decassílabos heroicos (com cesura na 2.a sílaba, ou
3.', ou 4.a, na 6.8 e na 10.a).
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• Divide-se em três partes:
• 1 ', Introdução (18 primeiras estâncias), subdividida em
Proposição (estâncias 1-3):
• o poeta se propõe cantar as façanhas das "armas e os barões
assinalados", isto é, os feitos bélicos de homens ilustres;
• Invocação (estâncias 4-5) : o poeta invoca as Tágides, musas do
rio Tejo;
• Oferecimento (estâncias 6-18) : o poema é dedicado a D.
Sebastião, a cujas expensas se deve a sua publicação;
• 2.', Narração (canto I, estância 19 - Canto X, estância 144); 3.a,
Epílogo (Canto X, estâncias 145-156).
• Quando a ação do poema começa (estância 19), as naus estão
navegando em pleno Oceano Indico, portanto a meio da
viagem.
• Enquanto isso, no Olimpo se reúnem os deuses em concílio, a deliberar
acerca dos navegantes.
• Júpiter é-lhes favorável, Baco opõe-se lhes;
• com a adesão de Vênus e Marte, o concílio desfaz-se a bem dos
portugueses.
• Chegam à Moçambique;
• Vasco da Gama desce à terra;
• Baco arma-lhe uma cilada, mas o comandante da frota triunfa e segue
viagem.
• Chegada à Mombaça; não atraca graças à ajuda de Vênus, que percebera
outra cilada de Baco.
• Indignada, reclama a Júpiter maior proteção aos portugueses, e
consegue-a.
• Chegada a Melinde, onde são magnificamente recebidos.
• O rei de Melinde vem a bordo e pede ao Gama que lhe conte a história
de Portugal.
• O Gama descreve a Europa e inicia seu relato
desde Luso, fundador da Lusitânia, passa por D.
Henrique de Borgonha, e prossegue com uma
série de episódios históricos: o de Egas Moniz, Inês
de Castro, a batalha de Ourique, a batalha do
Salado, a batalha de Aljubarrota, a tomada de
Ceuta, o sonho profético de D. Manuel, os aprestos
da viagem, a fala do Velho do Restêlo e a largada;
• a seguir, o Gama conta a primeira parte da viagem,
cujas peripécias mais importantes são: o fogo de
Santelmo, a tromba marinha, a aventura de
Veloso, o Gigante Adamastor, chegada a Melinde.
• Partida. Baco desce ao fundo do mar para incitar os
deuses marinhos contra a frota.
• Éolo, deus dos ventos, decide soltá-los.
• Enquanto dura a calmaria, conta-se o caso dos "doze da
Inglaterra".
• Desata pavorosa tempestade, mas Vênus envia as ninfas
amorosas para abrandar o furor dos ventos.
• Cessada a tormenta, chegam a Calicut.
• O Gama desembarca e é recepcionado pelo Samorim.
• Enquanto isso, Paulo da Gama recebe a bordo da nau
capitania o Catual, a quem comunica o significado das
figuras desenhadas nas bandeiras;
• uma última tentativa de Baco é desfeita.
Regresso à Pátria
• Chegada à Ilha dos Amôres, onde os navegantes são favorecidos
pelas ninfas em recompensa do heroico feito praticado.
• Depois do banquete, Tethys conduz Vasco da Gama ao ponto
mais alto da ilha e desvenda-lhe a "máquina do mundo" e o
futuro glorioso dos portugueses.
• Partida. Chegada a Portugal.
• Os Lusíadas representam fidedignamente o espírito novo trazido
pela Renascença, de modo que suas características resultam em
ser um tanto heterodoxas quando postas em face da epopéia
clássica (Odisséia e Ilíada, de Homero, e Eneida, de Virgílio).
• A começar do herói, que não é Vasco da Gama, salvo enquanto
porta-voz dos que levaram a cabo tão ousada empresa, ou
símbolo de todo o povo português em suar temerária arremetida
contra os mares no encalço de amplos horizontes geográficos e
humanos.
• Os navegantes como uma unidade, ou mesmo Portugal como
terra de "armas e barões assinalados", é que representam o
papel de herói no poema.
• Mais ainda: a viagem às índias carecia de força dramática,
como episódio histórico e motivação literária, para justificar
por si só uma epopeia de tão alto sentido e intenção.
• Além de ser então muito recente para se tornar mito
(condição básica da epopeia), faltava-lhe o porte heroico, isto
é, faltava-lhe instituir-se num cometimento que transcendesse
o plano humano e se aproximasse do divino (o herói clássico
resultava do consórcio entre um deus e uma mortal;
• daí o seu caráter de semideus, e as façanhas sobrenaturais que
operava;
• seu lado humano se revelava numa imperfeição, como o
calcanhar de Aquiles).
• Só assim a viagem poderia ser tida como base
da obra-padrão do povo português. As
observações seguintes procurarão explicar o
procedimento camoniano.
• Na verdade, o poeta se viu obrigado a colocar
maior ênfase naquilo que era excrescente ou
meramente marginal ao eixo central da
epopeia, como se pode observar na fisionomia
de alguns episódios fundamentais: a Ilha dos
Amôres, os Doze de Inglaterra, Inês de Castro, o
Gigante Adamastor, a fala do Velho do Restêlo
• Tais inovações, e outras que se lhes poderiam juntar,
significam a edificação duma epopeia renascentista,
moderna,72 73 se esgalharia em tantas partes
quantas tinham sido, as zonas geográficas em que o
domínio lusitano se exercera de modo mais efetivo:
Europa, Africa, Asia, América Portuguêsa (Brasil).
• Só chegou a executar a parte referente à Ásia, que
dividiu em períodos de dez anos, ou Décadas, como
são vulgarmente conhecidas, das quais em vida
publicou três (1552, 1553 e 1563), e as quatro
restantes apareceram postumamente.
• Várias de suas obras se perderam.

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