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4924172
matutino
Nárgyla lourenção Pinheiro
4924172
matutino
O universo da cultura conhecida como obscura ou de terror representa um
segmento extremamente amplo e que se irradia por várias direções e por
diferentes manifestações artísticas, englobando não só a sub-cultura gótica, mas
muitas outras expressões que podem estar ligadas à face sombria da alma
humana, como o romantismo ou o medievalismo.
Narrativa de terror, novela gótica, poesia tumular, balada romântica, são
apenas algumas denominações dadas aos enredos sobrenaturais vivenciados em
cenários sombrios que compõem a principal linha de criação desta literatura que
teve sua origem na segunda metade do século XVIII, com os escritores ingleses
da era vitoriana.
Nascendo em 1765, com a publicação de O Castelo de Otranto, de Horace
Walpole, a novela gótica tem como principal ingrediente o terror que é
despertado pelo próprio enredo e pela intervenção do sobrenatural. Deste modo,
as novelas góticas possuem certos elementos que lhe são indispensáveis, como
paisagens sombrias, bosques tenebrosos, ruínas medievais e castelos com seus
respectivos porões e criptas povoados de fantasmas, ruídos suspeitos, esqueletos,
demônios, maldições, etc. Em outras palavras, o romance gótico se constrói com
base nos símbolos que habitam nas profundezas de nossa mente, como ocorre
nos sonhos (ou pesadelos).
Coincidindo com a narrativa de terror, pouco a pouco, foram aparecendo
em Portugal, vestígios de uma poesia também de origem inglesa e que
influenciou toda a Europa, a chamada poesia noturna e sepulcral. Sob o signo da
liberdade da imaginação e em nome do regresso a uma natureza autêntica, esta
poesia enveredou pelo caminho do apelo à sensibilidade suscitando idéias
sombrias e macabras.
Tal como outros gêneros pré-românticos e românticos, a literatura de
terror só entrou em Portugal tardiamente. Nos fins do século XVIII, mesmo com
a forte vigilância da Censura, essas novas idéias começaram a penetrarem
Portugal, onde os clássicos da poesia tumular e dos romances góticos foram
sendo traduzidos; e claro, adquirindo características muito particulares.
Devido a condições culturais, as primeiras narrativas românticas
portuguesas são romances tão sombrios, que bem poderíamos classifica-los de
“góticos”. Há também uma variante que se mantém em Portugal até fins do
século XIX, e que adquire uma posição de certo destaque: o romance em verso. Em
algumas destas narrativas encontramos as três características fundamentais do
gótico puro: ambiente medieval, terror e sobrenatural. Essas narrativas ficaram
sendo conhecidas como baladas românticas.
Apesar da origem etimológica do termo (lat. Ballare), as investigações
disponíveis apontam sua origem não para a Antiguidade Romana, mas para a
Baixa Idade Média Européia. O que pode ser demonstrado devido a grande
importância adquirida por esse tipo de poesia nas civilizações germânicas,
eslavas e escandinavas, entre outras, assumindo a posição simultânea de veículo,
repositório e memória de patrimônios históricos, lendários e mitológicos.
Enquanto nas regiões ibéricas, a balada não adquiriu uma posição tão
privilegiada, uma vez que a preferência desses povos no tocante à poesia popular
se voltava para o romance.
Gênero difícil de definir, a balada poderia ser apresentada como um tipo
de poema narrativo que tende a organizar a história num enredo muitas vezes
centrado numa só personagem, num só acontecimento, num só conflito ou numa
só temática, narrado de forma linear, sintética ou lacônica. À balada, vem se
juntar o elemento mágico, maravilhoso ou sobrenatural (tão característico da
tradição oral), e que se torna responsável pelo seu caráter irreal. “Na verdade,
trata-se de forma literária mista, pois reúne elementos de poesia dramática e
lírica bem como de narrativa. Mas em geral pode ser descrita como uma breve
canção-histórica (era normalmente cantada), que vai direto ao ponto, emprega
escassos detalhes, e via de regra sugere mais do que explora largas porções do
enredo. O processo dramático de pergunta-resposta, ou diálogo é geralmente
utilizado para desenvolver a fabulação, e a chave do seu desenlace
freqüentemente se adia até próximo do fim.”(Moisés: 2004, 49)
No plano formal, se tomarmos como exemplo o caso inglês, o modelo
estrófico dominante é a quadra com versos ímpares de quatro sílabas tônicas
(oito sílabas métricas) e pares de três sílabas tônicas (seis sílabas métricas),
podendo ou não haver refrão. Quanto à rima, prevalecem os padrões /abcb/
ou /abab/, dispondo por vezes o terceiro verso de rima interna. Já a balada
francesa, cultivada, sobretudo nos séculos XIV e XV através de Eustace
Deschamps e François Villon, trata de uma forma lírica palaciana com
características formais mais complexas. Adotando como regra geral três oitavas
com rima /ababbcbc/ e uma quadra com rima /bcbc/(envoi) que assumia a
função de conclusão, usava o último verso de cada estrofe e do envoi como refrão.
Em Portugal, as baladas românticas se dividiram em duas vertentes: de
um lado a tradicionalista e popularizante (balada popular), como em Almeida
Garret, e de outro a terrífica e macabra (balada erudita), de inspiração anglo-
germânica, mas com caráter nacionalizante. A balada popular raramente é
trágica, sendo seu ambiente geralmente risonho. Podem surgir traços em comum
com a balada macabra, mas bastante amenizados. Neste caso podemos ver o
sobrenatural, que será representado pela alma penada e pelas lendas da moura
encantada.
A balada erudita, por sua vez, tratava geralmente da narração do amor de
uma donzela e de um cavaleiro que partia para o combate em terras estrangeiras.
Sua difusão por toda a Europa se deu graças a Lenore, de Bürger (1773), que foi
traduzida para o português por Alexandre Herculano em 1834. Considerada a
primeira balada moderna, Lenore foi responsável pelo grande surto do macabro
na poesia dos fins do século XVIII e primeira metade do XIX.
Mas mesmo a balada erudita, em Portugal, foi muitas vezes tratada sem
“cores negras”, e em alguns casos de modo até satírico, numa atitude bem
diferente da seriedade com que os autores ingleses trataram o sobrenatural.
“Mais uma vez, a percentagem secundária da balada negra em relação ao
conjunto desta literatura se deve interpretar não como desprezo pelos processos
‘terríficos’, mas como resultado das características da sensibilidade romântica
portuguesa e, neste caso, especialmente pela tendência fortemente nacionalista
do nosso Romantismo.”(Calixto: 1955, 56-57)
Ainda assim, a literatura portuguesa também tem o seu representante
gótico, a exemplo da Lenore de Bürger, ou da Noiva do sepulcro de Spencer
(também traduzida por Alexandre Herculano). O Noivado do Sepulcro de Soares
de Passos, publicado em 1852, na revista O Bardo, é o ponto mais alto e mais
macabro deste tema, ao mesmo tempo em que é o poema mais popular do
romantismo nacional português. Era recitado nos salões da burguesia do Porto e
de Lisboa, com acompanhamento de piano, ao mesmo tempo em que era
também cantado pelo povo nas ruas.
BALADA