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Uso a expressão inglesa romance para definir um tipo de narrativa, em cujo enredo são descritos
acontecimentos fantásticos que não poderiam existir no mundo real, tais a aparição de um polvo
gigantesco (Vinte Mil Léguas Submarinas) ou a existência de seres bestiais e canibais (os molocks de A
Máquina do Tempo).
Também não podemos deixar de mencionar outra maravilha tecnológica, capaz
de romper as barreiras do tempo e do espaço, que aparece de forma destacada no enredo
de A Máquina do Tempo, de Wells. Em seu prefácio sobre essa obra, Braúlio Tavares
explica o funcionamento desse tipo de veículo futurista e sua relevância para o
desenvolvimento da ficção cientifica:
Assim, Verne e Wells por meio de suas criações inovadoras contribuíram de forma
significativa para popularização da ficção científica, baseando-se em experimentos e
teorias desenvolvidas por estudiosos e cientistas do século XIX. A influência de ambos
os autores sobre o steampunk pode ser comprovada, uma vez que uma característica
específica desse gênero é a minuciosa descrição de máquinas, equipamentos e veículos
que se configuram como maravilhas tecnológicas. O enfoque dado às invenções que são
criadas pelo uso da Tecnologia e também a partir dos conhecimentos em Mecânica
também é encontrado no enredo de A Máquina Diferencial. Em muitas passagens do
romance destaca-se o aparecimento de inventos que chamam nossa atenção por sua
aparência peculiar, de contornos fantásticos.
Starling e Gibson demonstram criatividade e inventividade na maneira como os
descreve. Um dos mais instigantes, o cinétropo que faz lembrar o cinematógrafo, –
precursor do projetor cinematográfico e inventado no final do século XIX -, é capaz de
projetar imagens, de modo a produzir um efeito semelhante ao da realidade virtual:
Também neste capítulo é enfatiza a existência de um cheiro pútrido que emana das
águas do rio Tâmisa, - um evento real causado por uma falha no sistema de esgoto da
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“A cidade moderna, industrial, escura e labiríntica é o lócus do horror, da violência e da corrupção. As
descobertas científicas fornecem os instrumentos do terror, e o crime e a mente criminosa criam novas
figuras ameaçadoras de desintegração social e individual. ” (minha tradução)
cidade-, que contribui de forma significativa para reforçar a instauração de uma
atmosfera opressiva de terror:
Durante a Era Vitoriana, as mulheres que queriam direitos iguais aos dos
homens, possuíam conhecimentos científicos ou exerciam livremente sua sexualidade,
eram vistas como criaturas monstruosas, uma vez que elas poderiam ameaçar a
supremacia do poder masculino. Vale lembrar que obras inseridas no gótico do século
XIX, tais como Great God Pan (1890), de Arthur Machen e, principalmente Drácula,
de Bram Stoker (1897) promoveram o que podemos chamar de “demonização da
mulher”, associando-a a perversão sexual e a morte. No livro de Stoker, as vampiras são
retratadas como agentes da degeneração física e mental, evocando assim os sintomas
nefastos da Sífilis. Elas sugam aos poucos a vida dos homens, deixando-os fracos e
envelhecidos.
Em uma passagem de Drácula, Jonathan Harker exprime uma reação de intenso
horror diante da possibilidade de ser novamente atacado pelas servas do Conde e
também conclui com alívio que sua noiva Mina, por estar de acordo com os padrões
morais da sociedade vitoriana, é uma mulher virtuosa:
Estou sozinho no castelo com aquelas mulheres horríveis. Argh! Mina é uma
mulher; e nada há em comum. São demônios saídos do próprio inferno! Não
vou ficar aqui sozinho com elas. Tentarei escalar o castelo e chegar mais
longe do que até o momento tentei. Levarei comigo uma deste ouro, pois
posso precisar dele mais tarde. Talvez eu encontre uma saída deste lugar
terrível.
Então para casa! Para o trem mais próximo e mais rápido! Para desse lugar
maldito, desta terra maldita, onde o demônio e sua prole ainda caminham
com pés humanos. (STOKER, 2010, p. 283)
Embora, não seja capaz de provocar reações de terror entre os vitorianos, outra
personagem feminina, Augusta Ada Byron (1815-1852) – filha de George Byron, um
dos expoentes do movimento romântico inglês-, também representa o perigo da “Nova
Mulher”. Conhecida como a “Rainha das Máquinas”, por ter ajudado Babbage a criar
um invento tecnológico, uma atividade essencialmente “masculina”, ela é vista pela
perspectiva do pensamento masculino vitoriano como uma mulher excêntrica, “nervosa”
e propensa a sucumbir ao vício do jogo. Defeitos que evidenciam a natureza degenerada
de Ada, e demonstram seu rompimento com os rígidos padrões de comportamento
feminino na esfera da sociedade inglesa:
Não é Londres... sim praças espelhadas do mais puro cristal, as avenidas são
relâmpagos atômicos, o céu um gás super-resfriado, enquanto o Olho
persegue a própria visão através do labirinto, saltando fissuras de energia que
não são causa, contingência, acaso. Fantasmas elétricos são lançados à
existência, examinados, dissecados, iterados infinitamente. (GIBSON;
STERLING, 2015, p. 428)
3.CONSIDERAÇOES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOTTING, Fred. Gothic. Londres: Routledge, 1996.
GIBSON, William; STERLING, Bruce. Posfácio. In: A Máquina Diferencial. Tradução
de Ludimila Hashimoto. São Paulo: Aleph, 2015.
CAUSO, Roberto de Souza. Ficção científica, fantasia e horror no Brasil: 1875 a
1850. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
LACERDA, Rodrigo. Apresentação. In: Vinte mil léguas submarinas. Rio de Janeiro:
Jahar, 2012.
STOKER, Bram. Drácula. In: Frankenstein, Drácula, o médico e o monstro. Tradução
de Adriana Lisboa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
TAVARES, Braúlio. Prefácio. In: A Máquina do Tempo. Rio de Janeiro: Objetiva,2010.