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A ficção científica é um campo que estendeu a mão e abraçou todos os setores

da imaginação humana, cada esforço, cada ideia, cada desenvolvimento tecnológico, e


cada sonho.
- Ray Bradbury

FICÇAO CIENTÍFICA ORIENTAL

Por Silvio Alexandre

A Ficção Científica (FC) é fértil em produzir a imaginação sobre vastos


horizontes, não somente para o espaço, mas para todas as direções onde se dirige o
desenvolvimento humano, quer seja tecnológico, espiritual, comportamental, político,
entre outros.
A atual FC foi transformada. Não se trata mais de viagens espaciais e seres
extraterrestres, mas de nosso relacionamento com a natureza e as máquinas, e nossa
psique estranha e doente. Ela não está mais interessada em um futuro remoto, mas em
um tão próximo que é quase o presente. Esse sentimento foi muito bem captado pelos
mangás de FC, tão populares no Japão.
Mangás é a palavra que define as histórias em quadrinhos no Japão. Para Paul
Gravett, em seu livro basilar “Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos”, os
japoneses transformaram os quadrinhos em uma poderosa literatura de massa, capaz de
fazer frente ao aparentemente imbatível domínio da tevê e do cinema. Na verdade, os
mangás exercem uma espécie de controle sobre a tevê e o cinema japonês. Grande parte
das obras bem-sucedidas dessas duas mídias tem origem em mangás, que são adaptados
na forma de desenhos animados ("animês”) e filmes com atores (“live-action”).
No Japão, é bom que se diga, desde abril de 2000, o novo currículo nacional de
arte para o ensino, no nosso equivalente Ensino Fundamental, orienta para que os
mangás sejam trazidos à sala de aula. Talvez seja uma das razões que ajude a explicar
porque o mangá corresponde a quase 40% de todos livros e revistas vendidos no país.
Como a FC nos mostra uma tensão permanente entre o conhecido e o
desconhecido, as situações apresentadas forçam os personagens (e o leitor) a se
depararem com situações “além da imaginação”. Em termos de enredo, por exemplo,
isso se manifesta muitas vezes através da chegada de um personagem estranho em nosso
mundo, ou da viagem de um de nós a um espaço (ou tempo) diferente no nosso.
Assim, vamos fazer uma pequena jornada por alguns mangás de FC para
começar a conhecer um pouso da produção de FC oriental, através dos quadrinhos
japoneses.

AKIRA
Akira é uma das obras mais revolucionárias de toda a FC. Obra-prima de
Katsuhiro Otomo (1954- ) foi inspiração para diferentes mangakás (autores de mangás)
e escritores estrangeiros de FC.
A trama de Akira, cheia de intrigas e situações paranormais, se passa em Neo
Tokyo City, em 2030. Um grupo de motoqueiros se envolve em um misterioso acidente
e um dos membros é levado por uma organização governamental.
Apesar de ter sido recebido no Ocidente como parte da onda “cyberpunk’
liderada por Neuromancer (1984), de William Gibson, não é bem isso. Otomo citou
como sua inspiração nos romances de FC japonesa de Seishi Yokomozo e sua
preocupação com as “novas raças” de humano em processo e mutação em sua adaptação
às condições voláteis.

EDEN
Criado por Hiroki Endou (1970-), ‘Eden: it's an Endless World’ tem como palco
uma Terra pós-apocalíptica, onde grande parte da população mundial foi dizimada por
um temível vírus. Em meio à busca pela cura dessa nova doença, as Nações Unidas
tentam guiar a população como podem em direção a um futuro. Mas qual? "Nem Deus é
capaz de mudar o que já aconteceu. Mas, cada um é livre para aceitar o passado da
forma como quiser."

GANTZ
Uma série de FC escrita por Hiroya Oku (1968-), Gantz é um mangá seinen
(possui nudez e sexo), que conta a história de Kei Kurono, de 15 anos. Ele e seu amigo
de infância, morrem atropelados por um trem. Em seguida, são transportados para
participar de um jogo comandado por uma esfera negra, o Gantz.
Com ação frenética e ultraviolenta, a narrativa aborda questões como ‘o que nos
torna humanos’. O confronto com os alienígenas coloca os humanos em uma
perspectiva ateísta e provocadora.

GHOST SHELL
Um dos clássicos japoneses de FC, de influências cyberpunk, criado por
Masamune Shirow, inspirou a criação de Matrix, e influenciou os diretores James
Cameron e Quentin Tarantino.
A narrativa segue a Major Motoko Kusanagi, uma ciborgue que comanda a
Seção 9, da Segurança Pública do Japão, em 2029, responsável por combater o crime.
Ao longo da trama, vemos uma mescla de elementos filosóficos ao lado da
tecnologia. Discussões sobre a perda da humanidade dentro do novo ser cibernético, e
perguntas sobre o que é o ser humano neste mundo.

NEON GENESIS EVANGELION


Criado por Yoshiyuki Sadamoto (1962-), a história se passa num futuro
desolado, um grupo de adolescentes é convocado para pilotar bio-robôs de combate
gigantes (os EVAs), e assim salvar o mundo de misteriosos seres denominados “Anjos”,
que ninguém sabe se são enviados de Deus para castigar a humanidade ou alienígenas
invasores. Uma trama de suspense nunca vista sobre robôs gigantes, em que a FC se
mistura aos sentimentos mais complexos e profundos do ser humano.

BOX
De onde surgiu a palavra “Mangá”

A origem dos mangás é o Teatro das Sombras ou Oricom Shohatsu, no qual um


grupo de artistas japoneses percorria vilarejos (na época feudal) contando lendas por
meio de fantoches. As lendas acabaram sendo escritas nos Ê-kimono, desenhos pintados
em grandes rolos de papel, dando origem a histórias sequênciais.
O termo “mangá” surgiu em 1814, nos Hokusai Mangá, do gravurista japonês
Hokusai Katsuhika (1760-1849), que traz caricaturas e ilustrações sobre a vida mundana
e temas populares. Para descrever seus rabiscos ilustrados, ele usou dois caracteres
chineses man (irreverente, involuntário) e ga (imagem, desenho). Traduzindo fica algo
como “esboços involuntários” ou “imagens não intencionais”.
Estes desenhos de forma caricatural – exagerando a forma dos seres humanos –
tinham como tema a vida urbana, as classes sociais, a natureza fantástica e a
personificação dos animais.
Porém, Hokusai é famoso não por causa de mangá, mas por uma série de
xilogravuras (ukiyo-ê) chamada "As 36 Vistas do Monte Fugi” (Fugaku Sanju Rokkei),
em que está o desenho “A Grande Onda de Kanagawa” (Kanagawa oki nami ura), que
se tornou referência no mundo ocidental.

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De onde surgiu a palavra “Ficção Científica”

O primeiro registro que apareceu o termo “science fiction” (ficção científica),


foi em 1851, no Capítulo 10, do livro A Little Earnest Book upon a Great Old Subject,
de William Wilson (1826-1886), em que se lê: “Science-Fiction, in which the revealed
truths of Science may be given interwoven with a pleasing story which may itself be
poetical and true” (Ficção Científica, em que as verdades reveladas da Ciência podem
ser oferecidas entrelaçadas a uma história agradável, que por sua vez pode ser poética e
verdadeira).
Mas o termo só foi se consolidar no auge das publicações de pulp magazine
entre 1920 e 1940, que tiveram papel preponderante para a formação da FC na forma
como a conhecemos hoje. A denominação “pulp”, vem de “polpa”, parte menos nobre
da madeira, usada na fabricação do papel usado nessas revistas. Foi Hugo Gernsback
(1884-1967), um imigrante de Luxemburgo, o primeiro a cunhar o termo “ficção
científica”, em 1929, em sua revista Science Wonder Stories, depois que ele perdeu o
controle de sua primeira revista de FC, Amazing Stories. No Editorial escreve: “as
histórias que serão publicados têm sua base nas leis científicas como as conhecemos, ou
na dedução lógica de novas leis a partir do que conhecemos”.
Em Amazing Stories (1926), Gernsback tinha cunhado o termo “Scientifiction”
(Cientificção), “romance encantador misturado com fatos científicos e visão profética”,
que não pegou.

Gernsback teria cunhado "scientifiction" antes mesmo de lançar Amazing


Stories, ainda na revista Electrical Experimenter, em 1916.

A ficção científica é um campo que estendeu a mão e abraçou todos os setores


da imaginação humana, cada esforço, cada ideia, cada desenvolvimento tecnológico, e
cada sonho.

Segundo Brave New Worlds:


The Oxford Dictionary of Science Fiction, de Jeff Prucher (2007), a expressão
"science-fiction" é anterior à existência do gênero literário que ela veio a denominar:
"1851 W. Wilson Little Earnest Book upon Great Old Subject 139:
Campbell diz que 'Ficção em Poesia não é o reverso da verdade, mas seu reflexo
suave e encanador'. Agora isso se aplica especialmente à Ficção-Científica, na qual as
verdades reveladas da Ciência podem ser reveladas, misturadas com uma história
agradável que pode em si ser poética e verdadeira -- assim circulando um conhecimento
da Poesia da Ciência, revestido nos trajes da Poesia da Vida."
Depois vem aquele uso de Hugo Gernsback: "1927 Amazing Stories (Jan.)
974/2: lembre-se que Jules Verne foi um tipo de Shakespeare na ficção científica."

A ficção científica é um campo que estendeu a mão e abraçou todos os setores


da imaginação humana, cada esforço, cada ideia, cada desenvolvimento tecnológico, e
cada sonho.
- Ray Bradbury

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Mangá feito por uma Inteligência Artificial

A empresa Kioxia, especializada em dispositivos de armazenamento de memória


criou o Phaedo, um mangá inteiramente inspirado no estilo de Osamu Tezuka, mas com
um toque de tecnologia, já que os personagens e a história foram criados por uma
Inteligência Artificial (IA).
Eles usaram uma tecnologia de IA chamada GAN (Generative Adversarial
Networks), para aprender e criar conteúdo de mangás. A IA usou como referência os
dados coletados das obras Tezuka, um artista tão influente que é chamado de “Deus
Mangá”, e gerou um mangá com traços característicos de como se fosse um novo
mangá produzido por ele.
Para você ler o mangá PHAEDO e saber mais informações sobre o projeto, o site
TEZUKA 2020, da Kioxia é
https://tezuka2020.kioxia.com/en-jp/index.html

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