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E Porto

Editora
Índice

3 Poetas contemporâneos no projeto 37 “Laranjas instantâneas”


Outras Expressões - outros poemas “O Poema - |”
40 “As musas cegas - VII”
4 Recursos multimédia do Caderno 43 “hoje, que eu estava conforme o dia fundo”
Poetas contemporâneos 43 “já não tenho mão com que escreva”
48 “Para o leitor ler de/vagar”
Nuno Júdice 46 “Um espelho em frente de um espelho”
46 “Trabalha naquilo antigo”
“Como se faz o poema”
o

46 “O olhar é um pensamento”
“Chuva”
oOo

47 “disseram: mande um poema para a revista


“Convívio”
do

onde colaboram todos” Questionário resolvido


“Relendo Camões”
“Imagem do mundo”
“Acordar” Questionário resolvido Ruy Belo
+

48 “Cólofon ou epitáfio”

Jorge de Sena 49 “Génese e desenvolvimento do poema”


50 “Esta rua é alegre”
12. “Para o aniversário do poeta”
51 “Exercício”
14 “Ostrabalhos e os dias”
DZ “Algumas proposições com pássaros
15 “Os paraísos artificiais”
e árvores que o poeta remata com
16 “Humanidade” uma referência ao coração”
17. “Ode para o futuro” 33 “Peregrino e hóspede sobre a terra”
18 “Cabeça Grande” 4 “Uma vez que já tudo se perdeu”
19 “Quematem...” Questionário resolvido da “José o homem dos sonhos”
Questionário resolvido

Alexandre O'Neill
20 “Albertina' ou 'O inseto-insulto' ou Manuel Alegre
'O quotidiano recebido como mosca” 36 “O Poeta”
22 “Bome expressivo” 38 “As Palavras”
23 “Homem” 59 “Balada dos Aflitos”
24 “Guichê/1" 60 “Crónica de Abril [Segundo Fernão Lopes)”
26 “O Macaco” 62 “D. Sebastião”
27 “Mendigo com lugar cativo” 63 “Poemarma”
Questionário resolvido 69 “A Foice ea Pena” Questionário resolvido

Antônio Ramos Rosa Luiza Neto Jorge


29 “Poema” 66 “O Poema (II)
30 “Todo aquele que abre um livro” 67 “O Poema Ensina a Cair”
31 “O funcionário cansado” 67 “Eu, artífice”
32 “Há uma chama que queima” 68 “Recanto 2”
34 “Este poema é absolutamente desnecessário” 69 “Acordar na rua do mundo”
34 “O meu braço estende-se” 70 “Endecha dos mais novos”
35 “Sou um homem vazio” Questionário resolvido n “Natureza morta com Bernardo Soares”
72 “Encantatória” Questionário resolvido

Herberto Helder
36 “Não toques nos objetos imediatos” » Sugestões de resolução
ISBN 978-972-0-84812-3
Poetas contemporâneos no projeto Outras Expressões - outros poemas

Nuno Júdice

Manual “Zoologia: o gato” [p. 34)


“Mar” [p. 119)
“Arte poética” [p. 197)
“Poetas” (p. 225)
“Breve poética” [p. 386)

Dossiê do Professor “Epigrama” (p. 322)

Caderno de Testes e Questões de aula “Arredores” (p. 81)

Jorge de Sena

Caderno de Atividades “Domingo” [p. 65]

Alexandre O'Neill

Manual “Perfilados de medo” (p. 386]

Caderno de Atividades “O tempo sujo” (pp. 22-23)


“Redação” (p. 23]
“Fim de semana” (p. 23)
“Amigos pensados: Alice” (p. 42)
“A Bicicleta” [p. 79)

Patas
Jul (o Das Tantoje pose

Manual “O poema deve


/ aparecer” (p. 196]

Herberto Helder

Manual “nada pode ser mais complexo que um poema” [p. 196]

Ruy Belo

Manual “Ah, poder ser tu, sendo eu!” [p. 38)

Dossiê do Professor “Soneto superdesenvolvido” (p. 105)

Caderno de Testes e Questões de aula “O Portugal Futuro” (p. 36)

Manuel Alegre

Caderno de Atividades “É preciso um país...” (p. 44]


& Porto Editora

Luiza Neto Jorge


OEXPL2PC

Manual “O Poema (1) [p. 196]


A
Recursos multimédia do Caderno Poetas contemporâneos

EICOUNPA OHOg & DATIAXITO


| da Nome do recurso

6 Interatividade Vida e obra de Nuno Júdice

12 Interatividade Vida e obra de Jorge de Sena

20 Interatividade Vida e obra de Alexandre O'Neill

28 Interatividade Vida e obra de Antônio Ramos Rosa

36 Interatividade Vida e obra de Herberto Helder

48 Interatividade Vida e obra de Ruy Belo

56 Vídeo Vida e obra de Manuel Alegre

so Vídeo Comparar a Crónica de D. João |, de Fernão Lopes, com “Crónica de Abril”,


de Manuel Alegre

66 Interatividade Vida e obra de Luiza Neto Jorge

Recursos genéricos .

— Interatividade Poetas contemporâneos

— Tutorial Analisar um poema

— PowerPoint? Poetas contemporâneos

— Áudio (CD 2) Texto informativo - Poetas contemporâneos


o Word? Fichas de trabalho por domínio - Educação Literária — Poetas
contemporâneos
— Word” Grelha de autoavaliação - sequência 3
o Word? Caderno de Testes e Questões de aula - Questão de aula - Poetas
contemporâneos
— Word” Caderno de Testes e Questões de aula — Teste 5: Poetas contemporâneos

= Word” Caderno de Testes e Questões de aula - Teste 5 - Matriz

— Word” Caderno de Testes e Questões de aula - Grelha de correção dos testes

— Word” Caderno de Testes e Questões de aula — Teste 5 - Sugestões de resolução

— PowerPoint? Correção do Teste 5


Poetas
contemporaneos

| Nuno Júdice
12 | Jorge de Sena
20 | Alexandre O'Neill
28 | António Ramos Rosa
R ia Ds ig
“48 | Ruy Belo.
56| Manuel Alegre
66 | Luiza Neto Jorge
Nuno Júdice ,

OdZLAXTO
Poeta, ensaísta, ficcionista e professor na Universidade Nova de Lisboa (1949). O seu
livro de estreia, 4 Noção do Poema, é, no começo dos anos 70, um dos primeiros sinais

BIOUPa OUOT
de uma nova sensibilidade que então se define na poesia portuguesa, em contraste
com a tendência dominante do decénio anterior, [...] que, por caminhos diferentes, [...]
está absorvida com a palavra, a linguagem, o textual. Assiste-se, com os primeiros li-
vros de Nuno Júdice, a uma atitude mais liberta, mais solta perante a linguagem, a
uma recuperação do que se chamou a “tradição discursiva”, e a um interesse por
tudo o que [...] “devolva [o poema] para além dele”. A reabilitação do discursivo com-
preende também [...] a utilização de um verso invulgarmente longo, apontando para
uma indistinção entre poesia e prosa [...].
MARTINHO, Fernando J. B., 1997. “JÚDICE (Nuno]”. In Biblos - Enciclopédia Verbo
das Literaturas de Lingua Portuguesa. Vol. 2. (pp. 1300-1301] [adaptado]

Algumas obras: 4 Noção de Poema, 1972; Crítica Doméstica dos Paralelepípedos, 1973;
Nos Braços da Exígua Luz, 1976; A Partilha dos Mitos, 1982: As Regras da Perspetiva,
1990; Um Canto na Espessura do Tempo, 1992; Meditação Sobre Ruínas, 1994: Teoria
Geral do Sentimento, 1999; Linhas de Água, 2000; Rimas e Contas, 2000: Poesia Reunida
1967-2000, 2000; Pedro, Lembrando Inês, 2001; O Estado dos Campos, 2003; Geometria
Variável, 2005; A Matéria do Poema, 2008; O Breve Sentimento Eterno, 2008; Navegação
de Acaso, 2013; O Fruto da Gramática, 2014; A Convergência dos Ventos, 2015.

Como se faz o poema


Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples que não
precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se E
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
a

ou nos mercados. É um flor de sílabas, em que as


pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põôe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
wo buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
Nuno Júdice

1 de encontrar cores mais naturais do que essas


que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto — a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
se confundem, com o brilho da vida. Depois,
» deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
o

para as folhas, como a seiva que corre pelos


veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.
JÚDICE, Nuno, 2005. Geometria Variável. Lisboa: Dom Quixote (p. 35)

Chuva
Chove como sempre. E,
como sempre que chove,
as pessoas abrigam-se
(as que não estavam à
espera que chovesse);
w

ou abrem, simplesmente,
o chapéu de chuva - de
preferência com fecho
automático. Porque, quando
chove, todos temos de
5

fazer alguma coisa: até


nós, que estamos dentro
de casa. Vão, uns, até
à janela, comentando:
5 “Que inverno!”; sentam-se,
outros, com um papel
à frente: e escrevem
um poema, como este.
JÚDICE, Nuno, 2000. “Um Canto na Espessura do Tempo”.
In Poesia Reunida 1967-2000. Lisboa: Dom Quixote (p. 498)
Joan Miró, Poema |, 1968. Fundação Joan Miró, Barcelona

Rise E
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EE Os dois poemas configuram uma breve arte poética.

1.1. Explicita a conceção de poesia apresentada nas composições, fundamen-


tando a tua resposta com elementos textuais.
Poetas contemporâneos

Convívio
A mulher da caixa espera que os últimos clientes
saiam para fechar a caixa. Faz contas de cabeça,
e não olha para a rua onde a neve permanece
sem que o céu faça alguma coisa para a levar
dali. A neve e a mulher da caixa juntam-se, assim,
en

num fim de tarde, enquanto as olho do outro lado


da rua, onde um café me abriga para olhar o
que se passa na rua e do outro lado dela. Mas
ao fim da tarde os elétricos passam entre mim
e a mulher da caixa com as luzes acesas, e deixam
com a sua passagem uma sensação de efémero. A
mulher da caixa não olha para a rua, e não vê
os elétricos nem me vê a mim. Faz contas de cabeça
enquanto eu penso nela, embora saiba que a podem
ver do outro lado da rua; e talvez não olhe para
fora para que o seu olhar não se cruze com o de
alguém como eu que, do outro lado da rua, se pergunta
de que cor serão os olhos dela. É verdade que o café
se enche de gente neste fim de tarde: sentam-se,
20 em silêncio, fingindo que leem jornais para justificar
não estarem a fazer nada. Eu, ao menos, olho para a neve
e para a mulher da caixa, e enquanto não chega a hora
do meu elétrico vou fazendo contas na cabeça dela.
JÚDICE, Nuno, 2000. “O Movimento do Mundo”. In Poesia Reunida 1967-2000. Lisboa: Dom Quixote (p. 708)

Leitura | Compreensão

Identifica os elementos que contribuem para o carácter narrativo do poema.

8 Compara a situação e os sentimentos do sujeito poético com os da “mulher da


caixa” (v. 1), confirmando as tuas afirmações com passagens textuais.

Es Explica em que medida o “eu” se sente diferente dos outros com os quais partilha
o espaço do “café” (v. 18).

Gramática

Sm Classifica a oração subordinada presente em “É verdade que o café / se enche de


gente neste fim de tarde” (w. 18-19] e refere a função sintática que desempenha.
Nuno Júdice

Relendo Camões
Vejo ainda coisas por dizer: em cada mudança
não somos já quem costumávamos; e quando mudamos,
é quem fomos que fica ainda por mudar. Um ser pode
ser tudo o que quisermos, se o tempo o deixar;
s mas não será outro se entre ontem e hoje
se não souber transformar: pois é o desejo,
mais do que a fortuna, que faz com que sejamos
amanhã o que hoje não esperamos ser; a não ser
que o amor nos prenda à sua sorte constante. Então,
w de dentro da alma, o sereno rosto procura novas
inquietações; o teu riso o desperta de entre dias
e estações, convidando-o para a vida que é assim:
feita de mudança, quando tudo vai ficar;
e insistindo em ser o que tinha de mudar.
JÚDICE, Nuno, 2003. O Estado dos Campos. Lisboa: Dom Quixote (p. 129) Júlio Pomar, Camões, sem data. Galeria de Arte do
Clube Nacional de Artes Plásticas, Lisboa

Leitura | Compreensão

EB Identifica a modalidade de intertextualidade presente no poema.


1.1. Relaciona-a com o tema do texto.

Es Apresenta uma interpretação das frases dos versos 1a 3.

Justifica o recurso à conjunção adversativa no início do verso 5.

Explicita a relevância do amor no contexto das reflexões do sujeito poético.

Ra Classifica a oração introduzida por “quem” no verso 2.

a Atenta na passagem: “Um ser pode / ser tudo o que quisermos, se o tempo o deixar”
(uv. 3-4).

2.1. Refere o valor modal da frase.

2.2. Identifica o mecanismo de coesão textual concretizado com o recurso ao pro-


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“or
nome o.

2.3. Transcreve a oração subordinada adverbial presente na passagem e indica a


função sintática que desempenha.
Poetas contemporâneos

Imagem do mundo EB
É
3
5
Vejo o mundo. E ao ver as coisas do mundo, 3
m
5
Ex

com a sua realidade própria, vejo também
a diversidade que existe em cada coisa,
distinguindo-a, múltipla ou plural,
como se diz. No entanto, o que eu vejo
a

é sempre igual ao que eu penso


que o mundo é; e tudo se torna
semelhante, dentro deste mundo que é
o meu, e é sempre diferente do mundo que
existe no pensamento de outro. É por isso
o

que não penso nas coisas do mundo como


se fossem minhas; e que o deixo para os outros,
para que eles façam o mundo como quiserem,
para que seja diferente do meu, quando o
olho, e o que vejo me restitui o mundo
a

como eu o quero, diferente do mundo que


os outros pensam.
JÚDICE, Nuno, 2005. Geometria Variável. Lisboa: Dom Quixote (p. 115)

Jean Hélion, Equilibre, 1934. Museu Coleção Berardo, Lisboa

ut]

O Escreve um texto, de duzentas a trezentas palavras, em que explicites a tua opinião


sobre a perspetiva desenvolvida no poema de Nuno Júdice.
Apresenta de forma clara o teu ponto de vista [introdução] e fundamenta-o com
recurso a, pelo menos, dois argumentos, ilustrados com exemplos [desenvolvi-
mento). No final [conclusão], retoma e reforça a tua posição inicial,
Planifica previamente o teu texto, atendendo ao género, e aplica-te na textualiza-
ção. Faz a sua revisão e aperfeiçoamento e, caso recorras às tecnologias de infor-
mação na edição do teu trabalho, utiliza-as com acerto.
E ETEs »
Leitura | Compreensão

Lê atentamente o poema de Nuno Júdice que se segue. ps

Acordar
Um dia, quando começa, parece igual aos
outros. A mesma luz que entra pela janela,
ruídos de obras e automóveis, vozes... Mas
o que nesse dia me falta é outra coisa: a tua
voz, a surpresa de cada instante que me dás,
a

uma luz diferente que não vem de fora, da


mesma rua e do mesmo céu, mas de dentro
de ti. Assim, o que faz a mudança do mundo
e das coisas não é o mundo nem as coisas:
1» somos nós, e a relação que nos prende um ao
outro — isso que, não sendo nada para fora
de nós, é tudo o que temos nesta vida.
JÚDICE, Nuno, 2001. Pedro, Lembrando Inês.
Lisboa: Dom Quixote (p. 31)

1. Refere os três momentos em que se estrutura o texto, considerando os conectores


que os introduzem e o desenvolvimento do assunto.
O primeiro momento do texto ocupa os versos 1 a 3. Nele, o sujeito poético destaca a
aparente indiferença das vivências diárias. Contudo, a conjunção coordenativa adversa-
tiva do final do verso 3 anuncia uma alteração: o dia específico evocado é diferente dos
“outros” [x 2), uma vez que coincide com a ausência de um “tu” a quem o sujeito poético
se dirige e cuja falta assume. Em jeito de conclusão, que o conector “Assim” lv 8) intro-
duz, o “eu” enunciador constata que a “mudança” [v 8) é, mais do que uma transforma-
ção motivada por circunstâncias externas, um estado emocional.

2. Justifica a utilização dos dois pontos nos versos 4 e 9.


No verso 4, os dois pontos introduzem a identificação da “coisa” cuja “falta” funda-
menta o sentimento de que o dia em que se expressa o sujeito poético é diferente dos
restantes. No verso 9, os dois pontos anunciam a fundamentação da ideia expressa ante-
riormente.

3. Identifica o recurso expressivo presente nos dois últimos versos e explicita o seu valor.
Nos dois últimos versos do poema, a antítese coloca em confronto a importância que a
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presença do ser amado tem na relação amorosa do sujeito poético e a aparente insignifi-
cância de que isso se reveste para quem observa de "fora”. A ligação sentimental é,
assim, “tudo” para os envolvidos, ainda que possa, externamente observando, parecer
“nada”.
Jorge de Sena g

BIONPT 0107 6 OdTIAXÃO


Jorge de Sena [Lisboa, 1919 - Santa
Bárbara, Califórnia, 1978), poeta, ficcionista,
dramaturgo, ensaísta, crítico literário, teatral e de cinema, historiador da cultura,
tradutor e cidadão do mundo, é uma das figuras centrais da nossa cultura e da lite-
ratura do século XX. [...] Ao receber o Prémio Internacional de Poesia Etna-Taor-
mina, em abril de 1977, Jorge de Sena disse da sua poesia o que podemos dizer
de
toda a sua obra: que é “a poesia de um homem que viveu muito, sofreu muito, parti-
lhou a vida pelo mundo adiante, sempre exilado, e sempre presente com uma
von-
tade de ferro. [...] Uma poesia que, sempre que se forma, não sabe nada, porque é
precisamente a busca ansiosa e desesperada de um sentido que não há, se não
for-
mos nós mesmos a criá-lo e a fazê-lo”.
LOURENÇO, Jorge Fazenda, 2010. In SENA, Jorge de, 2010, Antologia Poética.
Lisboa: Guimarães/Babel [excerto das badanas]

Algumas obras: Poesia - As Evidências, 1955; Metamorfoses, 1963: Arte da Música,


1968; Peregrinatio ad Loca Infecta, 1969; 90 e Mais Quatro Poemas de Constantino
Cavafy, 1970; Camões Dirige-se aos Seus Contemporâneos e Outros Textos, 1973:
Conheço o Sal... e Outros Poemas, 1974:
Teatro — O Indesejado [António, Rei), 1951; Amparo de Mãe e Mais 5 Pecas em 1 Ato,
1974;
Prosa - Andanças do Demónio, contos,1960: O Físico Prodigioso, novela,1977; Sinais
de Fogo, romance, 1979.

Para o aniversário do poeta


ao Ruy Cinatti
Não passam, Poeta, os anos sobre ti,
embora sejas mais mortal que os mais:
no tempo, viverás longe daqui,
no espaço, apenas deixarás sinais.

5 E quando, pelos campos silenciosos,


lá te encontrar's nas ondas dos trigais,
repara como fogem receosos,
para poente, os ventos luminosos —
— antes que os homens nasçam teus iguais.
SENA, Jorge de, 2010. “Pedra Filosofal”.
In Antologia Poética. Lisboa: Guimarães (p. 74)

Pablo Picasso, O poeta, 1911.


The Soloman Guggenheim
Museum, Nova lorque
Jorge de Sena

Leitura | Compreensão

Identifica a alínea que, na tua opinião, introduz de forma mais expressiva o tema do
texto, justificando.
(A) [| A poesia contemporânea.
(B)[ | O dia de aniversário do poeta.
(C)[ | A mortalidade do poeta.
(D)( | Aimortalidade do poeta.
(E) |) As metáforas poéticas.

gm Interpreta o recurso à apóstrofe [v. 1) e à segunda pessoa ao longo da composição.

a O poema alude a diferentes tempos da vida do “Poeta” lv. 1). Identifica-os.

Explicita a relevância futura do poeta “no tempo” e “no espaço”.

a Identifica o recurso expressivo concretizado nos versos 5 e 6 e esclarece o seu valor.

Ba Interpreta o sentido do último verso, tendo em conta a figuração do poeta que se


constrói ao longo do texto.

Es Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1,3., seleciona a única opção que
permite obter uma afirmação correta.

1.1. A oração subordinada presente na primeira estrofe é


(A). adverbial consecutiva.
(B)! | adverbial concessiva.
(Cc)! adverbial temporal.
(D)[ | substantiva relativa.
1.2. Na quadra, estão presentes deíticos
(A)[ | temporais e pessoais.
([B)! | temporais e espaciais.
[c)[ | pessoais e espaciais.
(D)| | espaciais, temporais e pessoais.
1.3. Na evolução fonológica de ponentem para “poente” lv. 8] intervieram
(A)! | a apócope e a síncope.
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(B)! | a apócope e epêntese.


(C)[ | asíncope e a assimilação.
(D)[ | a sonorização e a paragoge.
Poetas contemporâneos

Os trabalhos e os dias À
Sento-me à mesa como se a mesa fosse o mundo inteiro
e principio a escrever como se escrever fosse respirar
o amor que não se esvai enquanto os corpos sabem
de um caminho sem nada para o regresso da vida.

5 À medida que escrevo, vou ficando espantado A


com a convicção que a mínima coisa põe em não ser nada.
Na mínima coisa que sou, pôde a poesia ser hábito.
Vem, teimosa, com a alegria de eu ficar alegre,
quando fico triste por serem palavras já ditas
w estas que vêm, lembradas, doutros poemas velhos.

Uma corrente me prende à mesa em que os homens comem.

ca OIT LIXÃO
E os convivas que chegam intencionalmente sorriem
e só eu sei porque principiei a escrever no princípio do mundo

PIONPT OO
e desenhei uma rena para a caçar melhor
15 € falo da verdade, essa iguaria rara:
este papel, esta mesa, eu apreendendo o que escrevo.
SENA, Jorge de, 2010. “Coroa da Terra”. In Antologia Poética. Lisboa: Guimarães (p. 45)

[Ridge Compreensão

fa Refere o tema da composição poética.

a Interpreta o recurso expressivo em que se baseia a primeira estrofe.

Explica o “espanto” do sujeito poético, desenvolvido na segunda estrofe.

Identifica o recurso expressivo presente no verso 11 e explicita o seu valor.

a Transcreve da terceira estrofe expressões que definam o papel do poeta.

B Comenta o último verso da composição.

Gramática

a] Identifica a função sintática dos constituintes:


a. “a poesia” (v. 7);
b. “em que os homens comem” (v. 11);
c. “essa iguaria rara” (v. 15).
Jorge de Sena

Os paraísos artificiais
Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.


s As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
Gar e a Câmara tem máquinas especialissimas para
[desenraizar as árvores.

O cântico das aves - não há cânticos,


mas só canários de 3.º andar e papagaios de 5.º
E a música do vento é frio nos pardieiros'.

» Na minha terra, porém, não há pardieiros,


que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis?. Maluda, Lisboa |, 1973. Coleção particular

A minha terra não é inefável.


A vida da minha terra é que é inefável.
5 Inefável é o que não pode ser dito.
SENA, Jorge de, 2010. “Pedra Filosofal” In Antologia Poética. Lisboa: Guimarães (p. 59)

1, casas arruinadas, pobres, toscas; edifícios velhos;


2. que não se podem exprimir por palavras;
deslumbrantes, encantadores.

Leitura | Compreensão

Eu O poema desenvolve-se com base na negação e na afirmação.

1.1. Fundamenta a afirmação com elementos textuais.

Explicita o valor da anáfora na estruturação da composição poética.

Atenta nas duas estrofes finais.


3.1. Interpreta o recurso ao conector “porém”, no verso 10.
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3.2. Comenta a expressividade da repetição do adjetivo “inefável”, relacionando-o


com a possivel intenção crítica do poema, redigido em 1947.

Estabelece uma relação de sentido entre o conteúdo e o título do poema.


Poetas contemporâneos

Humanidade
Na tarde calma e fria que circula

PIONPT OOg DOAEITXIO


por entre os eucaliptos e a distância,
olhando as nuvens quase nada rubras
e a névoa consentida pelos montes,
s névoa não subindo por não ser
fumo da vida que trabalha e teima,
e olhando uma verdura fugitiva
que a noite no céu queima tão depressa,
esqueço-me que há gente em cada parte,
» gente que, de sempre, sofre e morte,
e agora morre mais ou sofre mais,
esqueço-me que a esperança abandonada,
a não ser de ninguém, é sempre minha,
esqueço-me que os homens a renovam, René Magritte, O Império das Luzes, 1954.
is que o fumo dos seus lares sobe nos ares... Hiitees Eiifilalas nua idos
ruxeltas
Esqueço-me de ouvir cheirar a Terra,
esqueço-me que vivo... E anoitece.
SENA, Jorge de, 2010. “Coroa da Terra” In Antologia Poética. Lisboa: Guimarães (p. 57)

Leitura | Compreensão

E Descreve o ambiente que envolve o sujeito poético.


1.1. Refere as sensações representadas no poema, transcrevendo elementos tex-
tuais comprovativos.

a O verso 9 delimita os dois momentos da composição.

2.1. Justifica a afirmação.

E Relaciona os aspetos “esquecidos” pelo sujeito poético com o título da composi-


ção.

Identifica os recursos expressivos presentes nos excertos e comenta o seu valor:


a. “névoa não subindo por não ser / fumo da vida que trabalha e teima” tw. 5-6);
b. “ouvir cheirara Terra” (v. 16);
c. “esqueço-me” [w. 9, 12,14, 16e 17).

a Pronuncia-te sobre a expressividade da última frase do texto.


Jorge de Sena

Ode para o futuro


Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
a

Éramos livres. Falávamos, sabíamos,


e amávamos serena e docemente.

Uma angústia delida!, melancólica,


sobre ela sonhareis.

E as tempestades, as desordens, gritos,


violência, escárneo, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
RB René Magritte, A Grande Família, 1963.
as lágrimas e as lutas, Coleção particular
o desespero da vida que nos roubam
— apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.

E, em segredo, saudosos, enlevados,


2 falareis de nós - de nós! - como de um sonho.
S

SENA, Jorge de, 2010. “Pedra Filosofal” In Antologia Poética. Lisboa: Guimarães (p. 45)

1. desfeita, arruinada, gasta.

Leitura | Compreensão

Delimita os momentos da organização interna do poema, fundamentando a divisão


que efetuares.

a Comenta a expressividade do recurso com que se inicia e com que termina a com-
posição.
OEXPI2ZPC & Porto Editora

Explicita o valor da metáfora “idade de oiro” (v. 18), no contexto do poema.

Interpreta o título do texto, considerando o seu assunto.

OEXP12PC-02
Poetas contemporâneos

Cabeça Grande
Um dia o telúrico poeta

PIOUPA 0NOA MD DATIAXTO


passava férias proletárias entre os aristocratas
na praia que era deles.
O telúrico poeta andava sempre de ares,
s não de praia, mas telúricos,
populares, pé na terra, o povo, enfim, etc.

Ao fim da tarde, uma conversa em círculo


falava disto e daquilo, do passado arcaico
em que a mitologia funde a nobreza antiga
1 com o tal povo que não se sabe quem seja.
E alguém comentou que um dos azuis de sangue
presentes descendia do Gama Vasco ou de outro Add LITORAL
navegador de impérios e que tais coisas-glória. cabeça, 1915. Museu Calouste
O telúrico poeta agarrou no pretexto Gulbenkian, Lisboa
5 a línguas ambas: via-se nos olhos
do aristocrata o fundo azul marinho
(ó mar salgado quanto do teu sal etc. e vice-versa)
das descobertas que em seu sangue andavam.
À coisa foi tão snob, que o de sangue azul
2 lhe observou sorrindo: - Não creio: estes meus olhos
são antes os de minha avó varina que
foi um pecado do meu avô.
O telúrico poeta entupiu. Mais tarde,
escreveu um poema acerca da prioridade do povo
2 sobre os aristocratas no podar das vinhas.

SENA, Jorge de, 2010. Dedicácias. 2.º ed. Lisboa: Guerra e Paz (p. 51) (1.2 ed.: 1999)

pie E

O Redige uma apreciação crítica, de duzentas a trezentas palavras, do poema de


Jorge de Sena.
Segue as marcas próprias do género textual solicitado e a sua estrutura habitual:
descreve sucintamente o objeto da tua apreciação - o poema - e faz o seu comen-
tário crítico. Integra, além de outros elementos e juízos de valor que consideres
pertinentes, referências à relação existente entre o título e o conteúdo do poema e
à expressividade das manifestações de intertextualidade.
Planifica previamente a tua composição escrita e, no final, faz a sua revisão atenta
e cuidada.
+ ERES
2» 51257)
Jorge de Sena

pç] | Compreensão

Lê atentamente o poema de Jorge de Sena que se segue, escrito em 1956.

Ro
Quem a tem... NA
Ee
Não hei de morrer sem saber E gi
qual a cor da liberdade.

Eu não posso senão ser


desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
em

e sempre a verdade vença,


qual será ser livre aqui,
não hei de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,


10 é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
SENA, Jorge de, 2010. “Fidelidade”.
In Antologia Poética. Lisboa: Guimarães (p. 106)

1. Explicita a organização interna do poema, delimitando as suas partes constitutivas.


O texto apresenta três partes distintas. A primeira corresponde aos dois primeiros
versos, nos quais o sujeito poético introduz o tema, sugerindo a ausência de liberdade no
meio em que vive. Concretizando essa sugestão, nos versos 3 a 10, alude ao seu país
("terra em que nasci”, v 4), à falta de liberdade tw. 7-8] e à “maldade” lv 9) que o caracte-
rizam. Nos últimos quatro versos, insurge-se contra as limitações à liberdade, manifesta
o seu repúdio pela situação e reafirma a sua crença na mudança.

2. Interpreta o carácter circular do poema.


Com a repetição dos primeiros dois versos no final do texto, o sujeito poético reforça a
ideia da falta de liberdade no seu país e intensifica o seu desejo e a sua esperança de que
ainda seja possível reverter a situação.

3. Descreve formalmente a composição, considerando as estruturas estrófica, métrica e


rimática.
O poema é constituído por um dístico, seguido de duas sextilhas. Todos os versos são
heptassilábicos [em redondilha maior], à exceção dos correspondentes a “Não hei de
QEXPIZPC 8 Porta Editora

morrer sem saber” (w. 1, 8e 13), que são octossilábicos. A rima é interpolada e empare-
lhada nas sextilhas e os versos são brancos no dístico (rimando, contudo, com os das
estrofes seguintes].
Alexandre O'Neill *

BIOJPA OHOT E DATIAXTO


Escritor e poeta português (1924-1986). Foi um dos fundadores do Grupo Surrea-
lista de Lisboa (1947), juntamente com Mário Cesariny de Vasconcelos [...]. Em 1951
foi editado o primeiro livro de poemas do autor. Intitulava-se Tempo de Fantasmas
[...]. Com ele se demarcava O'Neill do Surrealismo, explicitando num “Pequeno
aviso do autor ao leitor” as razões do abandono: o impasse em que caíra a “aventura
surrealista”, reduzida as alegres atividades de dois ou três incorrigíveis pequenos
aventureiros”, o seu alheamento “dos verdadeiros problemas do seu meio” e o seu
excessivo formalismo. [...] O'Neill assume, pois, o seu empenhamento político, pro-
curando formas diversas de recusa da ordem estabelecida: a provocação, a sátira, o
escárnio, a blasfémia, o divertimento poético, o jogo como expressão do princípio de
prazer, o nonsense', o curto-circuito das metáforas insólitas, a imaginação como
hipótese de criação de um mundo outro que se sobrepõe ao mundo real. O poder
revolucionário do irracional torna-se, assim, aliado do poeta, que não enjeita, nesse
ponto, a lição surrealista. [...] O humor é, sem dúvida, o seu principal trunfo. Conti-
nuando uma rica tradição intertextual que vai das cantigas de escárnio e maldizer
até Nicolau Tolentino e Bocage, a faceta humorística de O'Neill [...] é a sua forma de
“soltar as feras” [Aragon] do inconsciente e de emancipar o espírito em relação a
todas as sentinelas da razão, da moral e do gosto.

ROCHA, Clara, 1999, “O'NEILL (Alexandre)”. In Biblos - Enciclopédia Verbo das Literaturas
de Lingua Portuguesa. Vol. 3. Lisboa: Verbo [pp. 1275-1276]

Algumas obras: Tempo de Fantasmas, 1951; No Reino da Dinamarca, 1958: Abandono


Vigiado, 1960; Poemas com Endereço, 1962; Feira Cabisbaixa, 1965: De Ombro na Om-
breira, 1969; A Saca de Orelhas, 1979; As Horas já de Números Vestidas, 1981; Deza-
nove Poemas, 1983; O Princípio de Utopia, O Principio de Realidade seguidos de Ana
Brites, Balada Tão ao Gosto Popular Português & Vários Outros Poemas, 1986.
1. sem sentido; disparate, despropósito.

“Albertina” ou “O inseto-insulto” ou
“O quotidiano recebido como mosca”
O poeta está só, completamente só.
Do nariz vai tirando alguns minutos
De abstração, alguns minutos
Do nariz para o chão
s Ou colados sob o tampo da mesa
Onde o poeta é todo cotovelos
E espera um minuto que seja de beleza.
Alexandre O'Neill

Mas o poeta é aos novelos;


Mas o poeta já não tem a certeza
o De segurar a musa, aquela
Que tantas vezes arrastou pelos cabelos...

A mosca Albertina, que ele domesticava,


Vem agora ao papel, como um inseto-insulto,
Mas fingindo que o poeta a esperava...

5 Quase mulher e muito mosca,


Albertina quer o poeta para si,
Quer sem versos o poeta.
Por isso fica, mosca-mulher, por ali...

- Albertina!, deixa-me em paz, consente


» Que eu falhe neste papel tão branco e insolente
Onde belo e ausente um verso eu sei que está! Marc Chagall, O Poeta, 1911.
. Philadelphia Museum of Art, Filadélfia
— Albertina! eu quero um verso que não há!...

Conjugal, provocante, moreno e azulado,


o inseto levanta, revoluteia, desce
2 E, em lugar do verso que não aparece,
No papel se demora como um insulto alado.

E o poeta sai de chofre, por uns tempos desalmado...


O'Neill, Alexandre, 2005. “Poemas com Endereço” In Poesias Completas.
4.º ed, Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 76-77) (1.º ed.: 2000)

Leitura | Compreensão

E Estabelece uma relação entre o título do poema [e as expressões que o constituem]


Ez
e o assunto do texto.
É8
a
E
á
a
a Descreve o modo como se configura o retrato do poeta” lv. 1] ao longo da composição.
U
É
a
E
Explica em que medida o poema pode ser considerado uma invulgar arte poética.
E
E
o
Poetas contemporâneos

Bom e expressivo
Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.

Vai-me a essas rimas que


a

G DATIAXIO
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos

PIOUPI OO
e torce-lhes o pescoço,

tal como o outro pedia


se fizesse à eloquência,
o

e se houver um vossa excelência


que grite: - Não é poesia!,

diz-lhe que não, que não é,


que é topada”, lixa três,
serração, vidro moído,
ma

papel que se rasga ou pe-

dra que rola na pedra...


Mas também da rima “em cheio” o
o. . Joan Miró, Pintura (0 Sol), 1925.
poderás tirar partido, Musée National d' Art Moderne, Paris
2 que a regra é não haver regra,
õ

a não ser a de cada um,


com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...
O'Neill, Alexandre, 2005. “Poemas com Endereço”.
In Poesias Completas. 4.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 203) (1.º ed.: 2000)

1, ato ou dito irrefletido ou inadequado a uma situação.

RT R jap fasso]

E, Explicita a forma como o poema está estruturado, comentando o sentido que a


conclusão produz.

Identifica o[s) recurso(s] expressivols] utilizado(s) na segunda estrofe e respetivo valor.

Es Caracteriza o poema, no que diz respeito a estrofe, métrica e rima.


Alexandre O'Neill

Homem
INSOFRIDO TEMÍVEL ADAMADO PURO SAGAZ INTELIGENTÍSSIMO
MODESTO RARO CORDIAL EFICIENTE CRITERIOSO EQUILIBRADO
RUDE VIRTUOSO MESQUINHO CORAJOSO VELHO RONCEIRO ALTIVO
ROTUNDO VIL INCAPAZ TRABALHADOR IRRECUPERÁVEL CATITA
POPULAR ELOQUENTE MASCARADO FARROUPILHA GORDO HILA-
am

RIANTE PREGUIÇOSO HIEROMÂNTICO MALÉVOLO INFANTIL SINIS-


TRO INOCENTE RIDÍCULO ATRASADO SOERGUIDO DELEITÁVEL
ROMÂNTICO MARRÃO HOSTIL INCRÍVEL SERENO HIANTE ONANISTA
ABOMINÁVEL RESSENTIDO PLANIFICADO AMARGURADO EGOCÊN-
1w TRICO CAPACÍSSIMO MORDAZ PALERMA MALCRIADO PONDEROSO
VOLÚVEL INDECENTE ATARANTADO BILTRE EMBIRRENTO FUGITIVO
SORRIDENTE COBARDE MINUCIOSO ATENTO JÚLIO PANCRÁCIO
CLANDESTINO GUEDELHUDO ALBINO MARICAS OPORTUNISTA GEN-
TIL OBSCURO FALACIOSO MÁRTIR MASOQUISTA DESTRAVADO AGITA-
5 DOR ROÍDO PODEROSÍSSIMO CULTÍSSIMO ATRAPALHADO PONTO
MIRABOLANTE BONITO LINDO IRRESISTÍVEL PESADO ARROGANTE
DEMAGÓGICO ESBODEGADO ÁSPERO VIRIL PROLIXO AFÁVEL TREPI-
DANTE RECHONCHUDO GASPAR MAVIOSO MACACÃO ESFOMEA-
DO ESPANCADO BRUTO RASCA PALAVROSO ZEZINHO IMPOLUTO MA-
2 GNÂNIMO INCERTO INSEGURÍSSIMO BONDOSO GOSMA IMPOTEN-
S

TE COISA BANANA VIDRINHO CONFIDENTE PELUDO BESTA BA-


RAFUNDOSO GAGO ATILADO ACINTOSO GAROTO ERRADÍSSIMO IN-
SINUANTE MELÍFLUO ARRAPAZADO SOLERTE HIPOCONDRÍACO
MALANDRECO DESOPILANTE MOLE MOTEJADOR ACANALHADO
2 TROCA-TINTAS ESPINAFRADO CONTUNDENTE SANTINHO SOTURNO
q

ABANDALHADO IMPECÁVEL MISERICORDIOSO VOLUPTUOSO AMAN-


CEBADO TIGRINO HOSPITALEIRO IMPANTE PRESTÁVEL MOROSO
LAMBAREIRO SURDO FAQUISTA AMORUDO BEIJOQUEIRO DELAMBI-
DO SOEZ PRESENTE PRAZENTEIRO BIGODUDO ESPARVOADO VALEN-
3 TE SACRIPANTA RALHADOR FERIDO EXPULSO IDIOTA MORALISTA
MAU NÃO-TE-RALES AMORDAÇADO MEDONHO COLABORANTE IN-
SENSATO CRAVA VULGAR CIUMENTO TACHISTA GASTO IMORALÃO
IDOSO IDEALISTA INFUNDIOSO ALDRABÃO RACISTA MENINO LADRA-
DOR POBRE-DIABO ENJOADO BAJULADOR VORAZ ALARMISTA INCOM-
3 PREENDIDO VÍTIMA CONTENTE ADULADO BRUTALIZADO COITA- a
a

DINHO FARTO PROGRAMADO IMBECIL CHOCARREIRO INAMOVÍVEL...

O'Neill, Alexandre, 2005. “Entre a cortina e a vidraça”. In Poesias Completas. 4.º ed.
Lisboa: Assírio & Alvim (p. 317) (1.º ed.: 2000)

Leitura | Compreensão

O Depois da leitura atenta do poema, identifica a classe a que pertencem todas as pala-
vras utilizadas [caso desconheças o significado de alguma, consulta um dicionário).
1.1. Relaciona a sua utilização com o título do texto.

Ba Justifica a integração do texto no modo lírico.


& Porto Editora

2.1. Aponta traços desviantes do poema em relação às marcas habituais da poesia.


OEXPI2PC

a Faz a tua interpretação pessoal do poema.


Poetas contemporâneos

Guichê /1
Quando o burocrata trabalha é pior do que quando destrabalha.

& DATITXIO
Antes quero esperar, aquém guichê, que ele discuta toda a bola ou pedal que
tem para discutir

TIOHPT 00
com os destrabalhadores dos seus colegas;
s antes quero esperar pelo meu burocrata
do que ter a desilusão de o ver trabalhar para mim mal eu chegue.
Isso custa-me pés e cotovelos, cáibras e suspiros, repentinos ódios vesgos,
projetos de cartas a diretores de vespertinos,
mas se o meu burocrata assomasse à copa do papel selado
1» e me convidasse, ato contínuo, a dizer ao que vinha pelo higiafone”,
da boca não me sairia um pedido, mas um regougo?,
e eu teria de ceder a vez
igarro que me queimasse a nuca.
preciso exercer a paciência e cultivar a doçura no canteiro do rosto,
15 enquanto o burocrata destrabalha.
Geralmente não serve de nada pigarrear ou dizer com voz-passadeira
“Fazmôbséquio”.
tar-se-iam, além guichê, as sobrancelhas de, pelo menos, três sujeitos.
Melhor será começar pelo globo que pende do teto

Ig !>
7» e que é um olho vazado sobrepujando? a cena.
Melhor será observar como a mosca dos tinteiros
nele pousa as patinhas escriturárias.
Depois (lição de coisas!) baixar os olhos para o calendário mural
e ver quantas cruzes a azul ainda faltam para liquidar o mês.
25 À seguir, circunvagar o olhar para ir enquadrar noutra parede
& um calendário perpétuo parado um mês atrás.
“Também aqui há zelo e desmazelo.
à Também aqui falta o tempo e sobra o tempo.
Por certo é o mantenedor” do calendário em dia 1. abertura na proteção
30 O que está a vir para estes lados. ade um gabinete;

Já olhou para mim. Sorrio-lhe. Passou. URNA qe


Volto ao globo e, geografia cega, 4, aquele que mantém.
pergunto aos meus botões “Onde será Paris?”
Mas não é o terráqueo. É um abafador
3 que trago desde a infância e não abafou népia.
Rompeu-me a algibeira e não abafou népia.
Curvo-me, enfio a cabeça pelo guichê e, num assomo,
comando em voz clara e alta: TODOS AOS SEUS LUGARES!
Quebrei o encanto!
«o Os burocratas que destrabalhavam correm pra mim à uma.
Trémulo de prazer, pergunto a um deles “É o senhor o meu?”
O'Neill, Alexandre, 2005. “Poemas com Endereço” In Poesias Completas. 4.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 333-334) (1.º ed.: 2000)
Alexandre O'Neill

Leitura | Compreensão

Interpreta a ironia utilizada nos primeiros seis versos do poema.

1.1. Aponta as consequências da sua preferência para o sujeito poético.

Es Apresenta uma justificação para o “regougo” (v. 11) do sujeito poético caso o “seu”
“burocrata assomasse à copa do papel selado” [v. 9) e o “convidasse, ato contínuo, a
dizer ao que vinha pelo higiafone” lv. 10).

Salienta o contributo dos versos 14 e 15 para o tom irónico do poema.


e

Enumera as diferentes etapas sugeridas pelo sujeito poético para superar a prova
da espera no guichê.

Refere o efeito de sentido produzido pela anáfora e pelo paralelismo nos versos 27 e 28.

Comenta a conclusão do poema.

Elen ldes]

E Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.3., seleciona a única opção que
permite obter uma afirmação correta.

1.1. A palavra “mal”, presente no verso 6, é


(A)! | um nome.
(B)| | um advérbio.
(C)( | uma conjunção.
(D)(| um adjetivo.
1.2. O constituinte “exercera paciência e cultivara docura no canteiro do rosto” [v. 14]
desempenha a função sintática de
(A)!) complemento direto. AN
(B)! | sujeito. e) 4
(C)( | complemento oblíquo. N
A
(D)( | complemento do adjetivo.
1.3. Os elementos “gue” usados nos versos 35 e 40 introduzem orações subordi-
A
nadas
(A) [| substantivas completivas.
(B)! | adjetivas relativas restritivas.
(C)( | adjetivas relativas explicativas.
OEXPI2PC & Porto Editora

(D)|| adverbiais consecutivas.

gs Identifica o antecedente do pronome pessoal de 3.3 pessoa presente no verso 31.


Poetas contemporâneos

O Macaco
(Valsa lisboeta)
(Comentário a desenhos de Júlio Pomar) 5
Nunca se sabe E
até que ponto 7
um macaco E
pode chegar Ê
na ânsia de
nos imitar
Dizem
alguns autores
ser o macaco
difícil de apanhar
— mas não
Em qualquer
mundana
reunião
num ombro
numa frase
num olhar
no jeito
“humanista”
de falar
aí temos
o macaco
a trabalhar
procurando
aproveitar
a confusão
Pessoalmente
sou de opinião
que o macaco
é fácil de caçar
até à mão.
O'Neill, Alexandre, 2005. “Poemas com Endereço”. In Poesias Completas.
42 ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 178-179) (1.º ed.: 2000)

Seg

1) Escreve uma apreciação crítica, de duzentas a


trezentas palavras, do poema de Alexandre
O'Neill, na qual incluas alusões à sua dimen-
são irónica e crítica.
Júlio Pomar, Macaco com Ovos
Planífica previamente o teu texto, redige-o de Estrelados, sem data.
fui Coleção particular
acordo com as marcas e a estrutura próprias Ra
do género e, no final, faz a sua revisão atenta e
cuidada e CJR IS STS RRO pp. 312-313
Alexandre O'Neill

Leitura | Compreensão

Lê atentamente o poema de Alexandre O'Neill.

Mendigo com lugar cativo


Com o tapa-misérias a escorre-lhe dos ombros,
o morse da bengala a percutir! o chão,
remorseando vai os passarões? que somos.
A dedo, a medo, a desfazer o gesto,
na ranhura da caixa a moeda metemos.
em

Metida a moeda, o espantalho fala


do céu que, sem dúvida, merecemos.

Que pragas calará quando não damos?

O'Neill, Alexandre, 2005. “As horas já de números vestidas”,


In Poesias Completas. 4.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 468) (1.º ed.: 2000)

L. tocar, bater; 2. indivíduos manhosos, espertalhões (popular).

1. Refere o efeito de sentido produzido com o recurso ao neologismo “remorseando” tv. 3).
O neologismo contribui para realçar o carácter repetitivo da ação do “mendigo” refe-
rido no título do poema e descrito na primeira estrofe. A palavra destaca o contínuo togue
“da bengala a percutir o chão” (v 2), que lembra um código [Morse] destinado a sensibili-
zar os transeuntes, e sugere, igualmente, o (longo) tempo demorado pelos que se cru-
zam com ele a dar-lhe uma moeda.

2. Relaciona o conteúdo da segunda estrofe com a interrogação retórica com que ter-
mina o poema.
À segunda estrofe remete para os que, como o sujeito poético (que é parte do “nós”
em nome do qual fala), se revelam solidários com o mendigo, mas “a medo” [y 4), receo-
sos das “pragas” (v 8) de que serão alvo se não contribuírem. A referência à doação com
a hesitação de “desfazer o gesto” (v 4) confirma/justifica a perceção do mendigo de que
lida com “passarões” (v. 3), cuja fraternidade não é espontânea.

3. Explicita als) críticals] desenvolvidals) na composição poética.


OEXPI2PC O Porto Editora

O poema apresenta, em tom humorístico, uma crítica às disparidades sociais e à falta


de genuína solidariedade. As relações humanas são marcadas pela hipocrisia [v 4), como
a ironia da expressão “sem dúvida” [v 7) realça.
Fei e
Antônio Ramos Rosa

BIONPA ONO] OD OdTIAXTO


Poeta e ensaísta português (1924-2013). [...] Amplamente reconhecido, o mérito do
poeta valeu-lhe, ao longo dos anos, a atribuição de vários galardões nacionais e in-
ternacionais, entre os quais avultam o Prémio Pessoa (1988), o Grande Prémio de
Poesia da APE [1989] e o Prémio Europeu de Poesia (1991). Após uma fase de apro-
ximação ao quotidiano, [...] António Ramos Rosa acabou por enveredar pelos cami-
nhos da indagação do eu e do mundo, na busca incessante de um conhecimento que
incessantemente se furta e a que só na linguagem e pela linguagem entende poder
aceder. Assumindo modulações diversas ao longo de quase cinco décadas de ativi-
dade criadora, o seu discurso poético mantém-se fiel a linhas programáticas há
muito definidas pelo ensaísta e confirmadas pelo poeta em seu ofício: a poesia mo-
derna, de que cedo se reclamou, não diz o já sabido, antes aspira ao desvendamento
de um mistério essencial, sempre renovado e sempre fecundo; não podendo satisfa-
zer-se com a reprodução de meras aparências, ela prefere questioná-las e criar
uma nova realidade, fundada no projeto de restituição das origens do homem e do
universo e nascida da tensão entre a palavra e o silêncio, entre o espaço preenchido
e o branco vazio da página, entre o tempo pleno da revelação e o intervalo em que
ela parece germinar. Concebida como ato precário, que por sê-lo não cessa de ape-
lar a um eterno recomeço, a poesia, homóloga da vida e como ela imprevisível, é
interrogação permanente, visando a harmonia cósmica e a paz interior: de poema
em poema, de Livro em livro, sempre em intensa comunhão com os elementos pri-
mordiais, um sujeito, empenhado num processo simultaneamente estético e ontoló-
gico, teima em descobrir e descobrir-se, em conhecer e dar a conhecer.

RIBEIRO, Cristina Almeida, 2001. “ROSA [António Ramos)”. In Biblos - Enciclopédia Verbo
das Literaturasde Lingua Portuguesa. Vol. 4. Lisboa: Verbo [pp. 995-997]

Algumas obras: O Grito Claro, 1958; Viagem Através duma Nebulosa, 1960: Voz Inicial,
19260; Sobre o Rosto da Terra, 1961; Ocupação do Espaço, 1963; A Construção do Corpo,
1969; Ciclo do Cavalo, 1975; Boca Incompleta, 1977; O Incêndio dos Aspetos, 1980;
Volante Verde, 1986; Acordes, 1989; Oásis Branco, 1991; Intacta Ferida, 1991; Noites
de Ninguém, 1997; A Imagem e o Desejo, 1998; O Princípio da Água, 2000; As Palavras,
2001; O Que Não Pode Ser Dito, 2003; Relâmpago de Nada, 2004; Passagens, 2004;
Génese seguido de Constelações, 2005; Horizonte a Ocidente, 2007; Em Torno do
Imponderável, 2012; Numa Folha, Leve e Livre, 2013.

ge Branco vazio
António Ramos Rosa

Poema
As palavras mais nuas
as mais tristes.
As palavras mais pobres
as que vejo
s sangrando na sombra e nos meus olhos.

Que alegria
8 elas sonham, q que outro dia,
para que rostos brilham?

Procurei sempre um lugar


onde não respondessem,
w onde as bocas falassem num murmúrio
quase feliz,
as palavras nuas que o silêncio veste.

Se reunissem
para uma alegria nova,
5 que o pequenino corpo Auguste Herbin, Composition, 1939.
o. Museu Coleção Berardo, Lisboa
de miséria
respirasse o ar livre,
a multidão dos pássaros escondidos,
a densidade das folhas, o silêncio
2» € um céu azul e fresco.
ROSA, António Ramos, 2014, “O Grito Claro”,
In Poesia Presente - Antologia. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 26)

iate DR jp o RE ]o

E Indica o grau em que se encontram os adjetivos na primeira estrofe e interpreta a


sua utilização.

o Refere o valor expressivo da interrogação retórica dos versos 6 e 7.

Es Explicita a conceção de poesia apresentada nas terceira e quarta estrofes.

Justifica o título da composição.


OEXPI2PC & Porto Editora

Gramática

EA Classifica a oração introduzida por “onde”, no verso 9.


Poetas contemporâneos

Todo aquele que abre um livro

PIONPT OUOZ & DATIAXIO


Todo aquele que abre um livro entra numa nuvem
ou para beber a água de um espelho
ou para se embriagar como um pássaro ingénuo
A sôfrega retina
vai-se tornando felina e inflada
e os seus liames! tremem entre o júbilo e a agonia
Um livro é redondo como uma serpente enrolada
e formado de fragmentos onde lateja o sangue de um pulso
que já não é de um autor que nunca o foi
e que será sempre o ritmo do que está a nascer
irrigando o nada e os terraços sobre os abismos
Nunca o livro se completa embora o redondo o circunde
e o mova para o seu interior sem nunca o envolver
Jamais a nuvem se dissipa mesmo quando a claridade ofusca
Como se fosse preciso adormecer nela como sobre os ombros do
mundo
para acompanhar o seu fluxo ingenuamente novo
com os delicados diademas? de fogo e espuma
O livro ora é de veludo ora de bronze
e os seus traços abrem janelas ou terraços
sobre o corpo latente como um arbusto entre pedras
Se a palavra vibra como um meteoro ou desliza como uma anémona
ou não é mais do que uma estrela de areia
a sua proa sulca o incessante intervalo
entre o ardor de incompletos liames
e a estátua aérea que se eleva à sua frente
e continuamente se forma e se deforma
por não ser nada e ser o alvo puro
de um movimento ingénuo sonâmbulo e incerto
ROSA, Antônio Ramos, 2014. “Delta seguido Pela Primeira Vez”. 1. aquilo que prende ou liga, laços, vínculos;
In Poesia Presente — Antologia. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 246-247) 2. coroas, símbolos de autoridade, de realeza.

Leitura | Compreensão

SE Explicita brevemente a noção de livro/criação Literária apresentada no poema.

E Apresenta uma interpretação dos versos 7 a 11.

Es Explica o valor das comparações e metáforas associadas à palavra”, nos versos 22 e 29.
António Ramos Rosa

O funcionário cansado
À noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
em

sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
w Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
A
Luigi Colombo Fillia, Paesaggio
tento escondê-la envergonhado
em

Scenografico - Idolo Meccanico, 1926.


o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente Museu Coleção Berardo, Lisboa
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
2 Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
o

Soletro velhas palavras generosas


Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
: São palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma só noite comprida
num quarto só
ROSA, António Ramos, 2014, “O Grito Claro”. In Poesia Presente - Antologia. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 20-21)

Leitura | (el! ASAE

Es Refere o efeito de sentido produzido pela repetição da expressão “num quarto só”
lw. 7,9e 28).

& Interpreta o verso 17, atendendo à caracterização do "funcionário cansado” desen-


OEXPI2PC & Porto Editora

volvida ao longo do poema.

Destaca o valor dos recursos expressivos presentes nos versos 1 e 27, relacio-
nando-os.
Poetas contemporâneos

Há uma chama que queima


Há uma chama que queima que vai queimando o mundo
e arde em volutas! leves no peito dos amantes
ou esmorece como uma lua ténue nos olhos apagados (
dos que não sabem despedir-se de um mundo em que brilharam

O mundo o que é o mundo um rumor redondo


para uns e para outros um obscuro rumor
Mas a chama verde que docemente treme
nos corações amantes é o mundo que nasce
e vibra em arcos tensos em túmidas? corolasº
Não podem morrer essas ondas de argila
de fogo tão fremente de tão redonda altura
O mundo canta nessas guitarras que se incendeiam
e se levantam e se estendem como violentas torrese desmaiadas praias
Eles habitam a redonda profundidade
e afastam com um sopro um rio de dentes
Tal é o mundo em que as espadas de sombra
ardem e respiram entre a lua e o sangue

Mas o mundo para outros é um planeta de aranhas


um abismo onde apodrecem os peixes
20 e as tentaculares entranhas se agitam como cobras
Esses já beijaram a lua quando não era negra
e vogaram em preguiçosos barcos sobre o ouro das ondas
Vibram ainda acaso entre espumas livres
ou querem adormecer para não ouvir os violentos martelos
23 que dilaceram um rosto que ondulava com a luz das suas veias?

O mundo ah o mundo tão inteiro e tão redondo


e tão estilhaçado em pétalas de cal
tão escuro como um pássaro de lama
tão fugidio como uma sombra errante
30 Ah o mundo irrevogável” irrevogavelmente perdido
para os que subiram as suas escadas solares
e agora se agitam sobre um violento leito negro!
ROSA, António Ramos, 2014. “Delta seguido Pela Primeira Vez”.
In Poesia Presente - Antologia. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 248-249)

1. voltas em espiral; 2. inchadas, orgulhosas; 3. conjuntos de pétalas de flor; coroas; 4. que não se pode anular, definitivo.
António Ramos Rosa

Tide Do eso leste ineo)

Sê Pronuncia-te sobre a simbologia da “chama que queima que


vai queimando o mundo”
lv. 1), no contexto da primeira estrofe.

Ea Comenta o valor expressivo da metáfora concretizada nos versos


5 e 6.
Justifica o recurso ao conector “Mas”, nos versos 7 e 18.

Identifica os recursos expressivos presentes nas passagens


que se seguem e ex-
plicita o seu valor.
a. “ah o mundo tão inteiro e tão redondo /e tão estilhacado”
[w. 26-27];
b. “tão escuro como um pássaro de lama” (v. 28).

a Interpreta a última frase do texto lw. 30-32).

as Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.3., seleciona


a única opção que
permite obter uma afirmação correta.

1.1, O constituinte “de um mundo em que brilharam”:(v. 4) desempenha a função


sintática de
(A)! | complemento oblíquo.
[B)! | modificador.
(C) | | complemento indireto.
(D)! | predicativo do sujeito.
1.2. Nos versos 7 e 12, a palavra “que” é
[A]! | um pronome em ambos os casos.
(B)! | uma conjunção em ambos os casos.
(C) || uma conjunção e um pronome, respetivamente.
(D)! | um pronome e uma conjunção, respetivamente.
1.3. Na evolução fonológica do étimo lectum para “leito” (v. 32) intervi
eram
(A)! | asíncope e a apócope.
[B)! | a sonorização e a paragoge.
(C)' | aapócopeea vocalização.
(D)! | a palatalização ea assimilação.

B Divide e classifica as orações que constituem os versos 21 e 22.


OEXPI2PC & Porto Editora

Es Transcreve os três modificadores restritivos do nome presentes nos dois últimos


versos.
DEXP12PC-03
Poetas contemporâneos

Este poema é absolutamente desnecessário

EIONPI OUOA 5 IATIAXTO


Este poema é absolutamente desnecessário
pela simples razão de que poderia nunca ser escrito
e ninguém sentiria a sua falta
Esta é a sua liberdade negativa a sua vacuidade dinâmica
e o movimento da sua abolição
em

a partir do seu vazio inicial


Mas qual é a sua matéria qual o seu horizonte?
Traçará ele uma linha em torno da sua nulidade
e fechar-se-á como uma concha de cabelos ou como um útero do nada?
vw Ou será a possibilidade extrema de uma presença inesperada
que surgiria quando chegasse a essa fronteira branca
que já não separaria o ser do nada e no seu esplendor absoluto
revelaria a integridade do ser antes de todas as imagens
a sua violência inaugural a sua volúvel gestação?

O meu braço estende-se


O meu braço estende-se Os dedos abrem-se um pouco
A mão move a esferográfica Qual vai ser o rumo?
Talvez tudo já esteja decidido sem o saber
porque tenho uma noção do nada ou do todo informulado
Só aparentemente coloco as palavras umas a seguir as outras
o

como se fosse de palavra em palavra


mas é de uma obscura noção que tudo parte
ou seja de um círculo completo
Não é a parte que forma o todo
mas o todo que forma o todo
ainda que não conheça o todo originário
De qualquer modo não preciso de saber o que vou escrever
porque o sei de outra maneira como quem vai numa corrente
e não separa os movimentos natatórios
da impulsão das ondas que o impelem para diante
[E

Assim o poema é um peixe que nada em diversos níveis numa corrente


E às vezes desce ao fundo para repousar entre as pedras
ROSA, António Ramos, 2001. Deambulações Oblíquas. Lisboa: Quetzal (pp. 69 e 78)

Escrita |:

na qual
Redige uma exposição bem estruturada, de duzentas a trezentas palavras,
apresentes as linhas de leitura dos poemas.
Planífica o teu texto, aplica-te na sua redação e revê-o atentamente.
2 BLOCO INFORMATIVO pp. 320-321
Antônio Ramos Rosa

EO LR a ssa

Lê atentamente o poema de António Ramos Rosa.

Sou um homem vazio


diz o poeta
sou um homem antes do homem
e depois do homem.
A minha ferida é uma página
a

do deserto.
O meu canto eleva-se
entre as mandíbulas da morte.

O que eu amo sobretudo


wo é a simplicidade de um solo
que não possuo.
O que eu espero é o improvável elemento
que aglutine os despojos do silêncio
e lhes dê um rosto
is maravilhosamente tranquilo,

O que eu desejo
vem depois de toda a esperança
e vai para o zero inaugural
como uma sílaba de silêncio ou de água.
ROSA, António Ramos, 2014. “Os Volúveis Diademas”
In Poesia Presente — Antologia. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 315)

1. Comenta a figuração de poeta construída na primeira estrofe.


O sujeito poético apresenta o poeta como “um homem vazio” (v 1), “antes do homem”
lv 3) e “depois do homem” (v 4), ou seja, com uma dimensão interior distinta
e indepen-
dente da sua humanidade física. Sugere-o, ainda, como um ser dominad
o pelo sofri-
mento no seu trabalhode criação artística lw. 5-6), mas capaz, simultaneamente, de
ganhar, através dela, a imortalidade tw. 7-8].

2. Explicita o conceito de poesia apresentado na segunda estrofe.


A noção de poesia apresentada na segunda estrofe é metaforicamente associad
a à
“simplicidade de um solo” (v 10) que o poeta não possui e que tem de desbrava
r no “de-
serto” (v ó), referido anteriormente. Ela assumir-se-á como o “improvável elemento”
lx 12) capaz de transformar “os despojos do silêncio” (v 13) num “rosto / maravilh
osa-
mente tranquilo” (w 14-15), a imagem poética acabada.
OEXPIZPC & Porto Editora

3. Identifica os recursos expressivos presentes no último verso é respetivo


valor.
A comparação e a metáfora remetem para o desejo do poeta de conseguir para
a sua
poesia a espontaneidade e a naturalidade próprias dos elementos puros.
e
Herberto Helder

TIONPZ ONO] O DATIAXTO


Herberto Helder nasceu em 1930 no Funchal, onde concluiu o 5.º ano. Em 1948
matriculou-se em Direito mas cedo abandonou esse curso para se inscrever em Fi-
lologia Românica, que frequentou durante três anos. [...] Em 1969 trabalhou como
diretor Literário da editorial Estampa. [...] Em 1994 foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa,
que recusou. Faleceu em Cascais a 23 de março de 2015, tinha 84 anos.

“Herberto Helder”. In Assírio & Alvim.


http://www.assirio.pt/autores/ficha?id=7053 [Consult. 2017-02-10]

Para Fernando Guimarães (cf. A Poesia Contemporânea Portuguesa e o Fim da Moder-


nidade, 1989), na poesia de Herberto Helder confluem duas tendências poéticas:
uma de libertação da palavra, que liga a sua obra à experiência surrealista pelo en-
contro da imaginação com a linguagem e pela aproximação ao poder mágico da pa-
lavra; e uma poética de encontro com a palavra, que encerra o poeta no domínio da
linguagem, pela experimentação lúdica, pela criação de grandes espaços metafóri-
cos construídos a partir da recorrência de temas e termos condutores.

“Herberto Helder”. In Infopédia.


https://www.infopedia.pt/$herberto-helder [Consult. 2017-02-10]

Algumas obras: 4 Colher na Boca, 1961; Lugar, 1962; A Máquina Lírica, 1964; Húmus,
1967; O Bebedor Noturno, 1968; Vocação Animal, 1971; Cobra, 1977; O Corpo o Luxo a
Obra, 1978; Photomaton & Vox, 1979; Flash, 1980; A Plenos Pulmões, 1981; A Cabeca
entre as Mãos, 1982; As Magias, 1987; Última Ciência, 1988; Do Mundo, 1994; Doze Nós
Numa Corda: poemas mudados para português, 1997; Fonte, 1998; A Faca Não Corta o
Fogo - Súmula & Inédita, 2008; Servidões, 2013; A Morte Sem Mestre, 2014; Poemas
Canhotos, 2015; Letra Aberta, 2016.

Não toques nos objetos imediatos


Não toques nos objetos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chávena,
são loucos todos os objetos.
5 Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.
HELDER, Herberto, 2004. “Última Ciência”,
In Ou o Poema Contínuo. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 452)
Herberto Helder

Laranjas instantâneas
Laranjas instantâneas, defronte — e as íris ficam amarelas.
A visão da terra é uma obra cega. Mas as laranjas
atrás das costas, as mais
pesadas, as mais
s lentamente maduras, as laranjas que mais tempo demoram
a unir o dia à noite, que têm uma força maior em cima
das mesas, essas.
Operatórias. São laranjas ininterruptas trabalhando em imagens
as regiões ofuscantes da cabeça.
o Enriquecem o ofício sentado com um incêndio
quarto a quarto da alma. Enriquecem, devastam.
— Constelação ao vento avassalando a casa.
HELDER, Herberto, 2004, “Última Ciência”. In Ou o Poema Contínuo. Lisboa: Assírio & Alvim (p- 443-444)

Pablo Picasso, Natureza morta


com limão e laranjas, 1936.
Musée Picasso, Paris

Leitura | Compreensão

0] Ambos os textos deixam transparecer a relação do sujeito poético com o real.


1.1. Justifica a afirmação, recorrendo a elementos textuais comprovativos.

Considera o poema “Laranjas instantâneas”.


2.1. Explicita a arte poética que desenvolve.
OEXPI2PC & Parto Editora

2.2. Interpreta a utilização do adjetivo “ininterruptas” [v. 8], no contexto em que ocorre.

2.3. Identifica o recurso expressivo concretizado na frase “Enriquecem, devastam.”


(v. 11) e refere o seu valor.
Poetas contemporâneos

O Poema

Um poema cresce inseguramente

PAOUPT HOT & DdTTANTO


na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
m

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência


ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuinos e inalteráveis
w do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
E folhas dormindo o silêncio
Joan Miró, O Sol Vermelho, 1948. - a hora teatral da posse.
The Phillips Collection,
Washington D.C.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

s E já nenhum poder destrói o poema.


Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
» e a redonda e livre harmonia do mundo.
Ss

— Em baixo o instrumento perplexo ignora


a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra a carne e o tempo.


HELDER, Herberto, 2004. “A Colher na Boca”. In Ou o Poema Contínuo, Lisboa: Assírio & Alvim (p. 28)

Eta pe Re] pao ESTO

se Identifica a origem do “poema” [v. 1), segundo a perspetiva do sujeito poético.

1.1. Apresenta as suas características no momento em que surge, considerando


o conteúdo da primeira estrofe.

Gi Da primeira para a segunda estrofe, o sujeito poético estabelece uma dicotomia


espacial.

2.1. Explicita-a, recorrendo a expressões textuais comprovativas.


Herberto Helder

[3º Identifica o recurso expressivo presente no verso 12 e refere o seu valor.

Apresenta uma interpretação do verso “E o poema cresce tomando tudo em seu re-
gaço.” [v. 14).

8 Comenta o efeito de sentido produzido com o recurso à anáfora na penúltima es-


trofe.

B Relaciona o último verso com o desenvolvimento do poema.

7) Descreve a estrutura formal da composição, considerando estrofes, métrica e


rima.

Gramática

1) Classifica como verdadeiras [V) ou falsas (F] as afirmações que se seguem e cor-
rige devidamente as que considerares falsas.
a.) O advérbio utilizado na primeira frase do poema desempenha a função sin-
tática de modificador.
b. || Os dois últimos versos da primeira estrofe apresentam um valor modal de
certeza.
c. || O sujeito da primeira oração do verso 6 é indeterminado.
d. | | A expressão “o silêncio”, usada no verso 12, desempenha a função sintática
de complemento direto.
e. | No contexto em que ocorrem, as palavras “violência” (v. 6], “sol” lv. 8), corpos”
(x. 9), “rios” (v. 11) e “folhas” [v. 12) integram o campo semântico de “mundo”
[v. 6).
f. || Os adjetivos presentes no verso 16 são modificadores apositivos do nome.
g.! | Os versos 21 e 22 são constituídos por uma frase simples, que integra um
verbo intransitivo.
h. | | Na evolução do étimo latino mensam para “mesa” [v. 17) intervieram os pro-
cessos fonológicos da apócope e da sincope.
|. | | Aconjunção “e” liga, nos versos 17 a 20, orações coordenadas.
j. |] O último verso do poema apresenta um valor aspetual genérico.
k.| | Arepetição de “o poema”, ao longo da composição, constitui um mecanismo
de coesão interfrásica.

O nome “regaço” Iv. 14] foi formado a partir do verbo “regacar” [sinónimo de “arrega-
OEXPI2PC O Porto Editora

car”).
2.1, Considerando a informação, identifica o processo de formação que está na
origem de “regaço”.
Poetas contemporâneos

As musas cegas - VII

TIOUPI QUOZ D DdTLAXIO


Bate-me à porta, em mim, primeiro devagar.
Sempre devagar, desde o começo, mas ressoando depois,
ressoando violentamente pelos corredores
e paredes e pátios desta própria casa
s que eu sou. Que eu serei até não sei quando.
É uma doce pancada à porta, alguma coisa
que desfaz e refaz um homem. Uma pancada
breve, breve —
e eu estremeço como um archote. Eu diria
1 que cantam, depois de baterem, que a noite
se move um pouco para a frente, para a eternidade.
Eu diria que sangra um ponto secreto
do meu corpo, e a noite estala impercetivelmente
ou se queima como uma face. Escuta:
15 que a noite vagarosamente se queima
como a minha face.

Essa criança tem boca, há tantas finas raízes


que sobem do meu sangue. Um novo instrumento,
uma taça situou-se na terra, e há tantas
2 finas raízes que sobem do meu sangue. E uma candeia,
uma flor, uma pequena lira,
podem erguer-se de um rio de sangue, sobre o mundo —
um novo instrumento rodeado pelas campânulas
inclinadas, por ligeiras pedras húmidas,
= pelos animais que movem no seu calmo halo de fogo
as grandes cabeças sonhadoras.

Wassily Kandinsky,
Yellow-Red-Blue, 1925.
Musée Nationald' Art
Moderne, Paris
Herberto Helder

Essa criança dorme sobre os meus lagos de treva.


Pensei algumas palavras para oferecer-lhe. Esqueço-me
tantas vezes dos mistérios dessa porta.
3 Porque então é muito estreita com seus espelhos
5

detrás, com o vestíbulo frio.


Mas é tão belo uma criança ainda enevoada,
uma criança que ascende com uma
grande música
desta rede de ossos, deste espinho de sexo,
q

da confusa pungência, escuta: da pungente


confusão
de um homem restrito com a sua vida tão lenta.

Essa criança é uma coisa que está nos meus dedos.


4 Às vezes debruço-me sobre as cisternas, e as vertigens,
S

e as virilhas em chama.
É a minha vida. Mas essa criança
é tão brusca, tão brusca, ela destrói e aumenta
o meu coração.
«s No outono eu olhava as águas lentas,
ou as pistas deixadas na neve
de fevereiro, ou a cor feroz,
ou a arcada do céu com um silêncio completo.
Misturava-se o vinho dentro de mim, misturava-se
so a ciência da minha carne
o

atónita. Escuta: cada vez a minha vida


é mais hermética.
Essa criança tem os pés na minha boca
dolorosa.

Se ela um dia adormecer com cerejas junto à respiração


en
aq

pequena, e sonhar
estes imensos arcos que os séculos vão colocando
sob os astros — e se de tudo
a sua cabeça estremecer como numa loucura,
4 com altos picos em volta, com enormes faróis
S

acendendo e apagando - escuta: se essa criança


imaginar, e todas as cordas se juntarem tensamente
para que ela invente o seu próprio rio
OEXPI2ZPC & Porto Editora

sem nome —
6 será ainda que do meu sangue se erguem finas
[2]

raízes, e o tenebroso tumulto


Poetas contemporâneos

das minhas sombras

VIOUPA QUO & IJTIAXIO


está no fundo, no fundo da sua ingénua vida,
da sua terrível vida sem remédio.
» Se ela morrer, escuta, será que a minha boca
diz lá em baixo
essas majestosas e violentas palavras
dos poemas.

Essa criança que aperta as veias que iluminam


7 a minha garganta. Ela dorme. Escuta:
em

a sua vida estala como uma brasa, a sua vida


deslumbrante estala e aumenta.
Se um dia os archotes incendiarem essa boca,
e as faúlhas cercarem
8 o silêncio tremendo dessa pequena boca, escuta:
3

a minha boca, lá em baixo, está coberta de fogo.


HELDER, Herberto, 2004. “A Colher na Boca”,
In Ou o Poema Contínuo, Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 22-95)

Leitura | Compreensão

EE Relaciona a metáfora utilizada pelo sujeito poético na primeira estrofe com o as-
sunto do poema.

Es O poema é marcado pelas sucessivas referências a um ser infantil.

2.1, Apesenta uma interpretação das passagens em que o sujeito poético des-
creve “essa criança”:
a. “Essa criança tem boca, há tantas finas raízes / que sobem do meu sangue.”
[vv 17-18).

b. “Essa criança dorme sobre os meus lagos de treva.” lv. 27).


c. “essa criança / é tão brusca, tão brusca, ela destrói e aumenta / o meu cora-
q ção.” [w. 42-44).
d. “Essa criança tem os pés na minha boca / dolorosa.” lw. 53-54].
NR é e. “Essa criança que aperta as veias que iluminam / a minha garganta.” lw. 74-75).

E A quinta estrofe introduz um cenário hipotético sobre o qual o sujeito poético re-
flete.

3.1. Comprova a afirmação.


*

Refere o efeito de sentido concretizado com a repetição da forma verbal no impera-


tivo “escuta” lw. 14, 36,51, 61, 70 e 80).
Herberto Helder

hoje, que eu estava conforme o dia fundo


hoje, que eu estava conforme ao dia fundo!,
fui-me a reler alguns dos meus poemas,
e então caí abaixo de mim mesmo,
e era só o que faltava:
sáfara? safra?
“e

— nem as mãos me serviam,


nem a dor escrita e lida me serve para nada
HELDER, Herberto, 2013, Servidões. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 64)

1. profundo, denso; 2. árido, agreste; 3. trabalho, azáfama,

já não tenho mão com que escreva


já não tenho mão com que escreva nem lâmpada,
pois se me fundiu a alma,
já nada em mim sabe quanto não sei
da noite atrás da luz: livros, frutas na mesa, o relógio que mede
minha turva eternidade
en

e o tempo da terra monstruosa,


já nada tenho com que morrer depressa,
exceto
tanta hora somada a nada:
acautela a tua dor que se não torne académica
o

HELDER, Herberto, 2013. Servidões. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 73) Mário Cesariny, sem titulo, 1949.
Coleção particular

iai Rs
o fais To

Sm Identifica o tema das composições poéticas.

Ea Descreve o estado de espírito do sujeito poético e o motivo que o determina, em


cada um dos poemas, confirmando a tua resposta com elementos textuais.

E Interpreta:
(& Porto Editora

a. o recurso à intertextualidade [com “Autopsicografia” de Fernando Pessoal, no


final do primeiro poema.
OEXPI2PE

b. o verso com que termina o segundo poema.


Poetas contemporâneos

Para o leitor ler de/vagar


Volto minha existência derredor! para. O leitor. As mãos
espalmadas. As costas
das. Mãos. Leitor: eu sou lento.
Esta candeia que rodo amarela por fora,
e ardentescura por dentro.
a

Candeia tão baixa-viva. Sou lento numa luminos-


idade como em meio de ilusão.
Volto o que é um rosto ou um

DATIAXTO
esquecimento. Uma vida distribuída

FIMIPa QUO 1
por solidão.
o

Sou fechado
como uma pedra pedríssima. Perdidíssima
da boca transata. Fechado
como uma. Pedra sem orelhas. Pedra una
reduzida a. Pedra.
a

Pedra sem válvulas. Com a cor reduzida


a. Um dia de louvor. Proferida lenta.
Escutada lenta.
Tamara de Lempicka,
— Todo o leitor é de safira, é The Reader Ill [asbtract), c. 1956.
Coleção Lempicka Estate
20 de. Turquesa.
E a vida executada. Devagar.
Torna-se a infiltrada cor da. Pedra
do leitor.
Volto para essa pedra absoluta. Relativa
2 à minha pedra.
o

Minha pedra pensada com a forma


de. Uma lenta vida elementar.

Leitor acentuado, redobrado leitor moroso.


Que entende o relato sem poros,
3 o mês arroz dealbado? sobre a pedra 1.à volta, em redor;
o

sem orelhas, pedra sem boca. E que desce os dedos 2. Purificado, depurado,

sobre. Meus dedos pelo ar. E toca e passa.


Pelas pálpebras paradas. Pelos
cerrados lábios até às raízes.
E cai com seus dedos em meus dedos.
m

E espera devagar.
Leitor que espera uma flor atravancada,
balouçando baixa
sobre. Mergulhados
Herberto Helder

40 filamentos no terror
devagar

Mas que espera. Doce. Contra o hermético


movimento do mundo.
E que o mundo movimenta contra.
4 As ondas de Deus auxiliado
a

auxiliar. E que Deus movimenta contra. Suas ondas


muito lentas, amargas ondas muito.
Antigas, ignoradas, corridas. Sobre
a primitiva face do poema. Leitor
que saberá o que sabe dentro. Do que sabe
de mais selado. E esperará
dias e anos dobrado, leitor. Varrido
pelo movimento dos dias.
Contra o movimento noturno do. Poema devagar.

5 E que espera. Leitor: volto


a

E para quem volto. Muitas coisas sobre 7 para ti. Um livro que vai morrer depressa.
Uma coisa. Volto Depressa antes. Que a onda venha, a onda
uma exaltante morte de Deus. Auxiliado alague: A noite caída em cima de teus dedos.
auxiliar. O espírito, a pedra. De encontro à cor de encontro à. Paragem
40 Do poema. da cor. Este livro apertado nas estrelas
Leitor à minha frente. Vindo 7 da boca, estrelas.
o

do mais difícil lado Aderentes fechadas. Por fora


das noites. Ainda tocado e molhado leves às vezes, presas.
de suas flores aniquiladas. Para eu batê-las durante o tempo.
8 Rodo. Para esse rosto difuso e vagaroso Eterno, o tempo. De uma onda maior que o nosso
om

Meu sono. o tempo. O tempo leitor de um. Autor.


A fantasia minuciosa. A oblíqua inovação. Ou um livro e um Deus com ondas de um mar
A solidão. Trémula devagar. mais pacientes. —
Ondas do que um leitor devagar.
HELDER, Herberto, 2009. “Lugar”. In Ofício Cantante - Poesia
Completa. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 128-131)

Ga Relaciona a dupla interpretação do título com o assunto do poema.

a Comenta o efeito de sentido produzido com o uso peculiar da pontuação e com a


sintaxe inabitual que dele decorre.
OEXPIZPC (& Porto Editora

E Menciona o valor expressivo dos neologismos “ardentescura” lv. 5] e “pedríssima”


[v. 12] e da translineação de “luminosidade” (w. 6-7].

Interpreta as apóstrofes presentes nos versos 3 e 69.


Poetas contemporâneos

Um espelho em frente de um espelho

BIOIPI OUO] E DATIAXIO


Um espelho em frente de um espelho: imagem
que arranca da imagem, oh
maravilha do profundo de si, fonte fechada
na sua obra, luz que se faz
para se ver a luz.
HELDER, Herberto, 2004. “Do Mundo”. In Ou o Poema Contínuo. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 551)

Trabalha naquilo antigo


Trabalha naquilo antigo enquanto o mundo se move
para o centro de si mesmo,
como se todos os pontos em que trabalhas fossem o centro do mundo.
HELDER, Herberto, 2004. “Do Mundo”
In Ou o Poema Continuo. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 551)

O olhar é um pensamento
O olhar é um pensamento.
Tudo assalta tudo, e eu sou a imagem de tudo.
O dia roda o dorso e mostra as queimaduras,
a luz cambaleia,
a beleza é ameaçadora.
— Não posso escrever mais alto.
Transmitem-se, interiores, as formas.
HELDER, Herberto, 2004. “Do Mundo”. Joan Miró, Pintura (Mulher diante do
In Ou o Poema Contínuo. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 552) sol), 1950. Coleção particular

ei

EE Escreve um texto, de duzentas a trezentas palavras, em que explicites a tua opinião


sobre a perspetiva apresentada num dos poemas de Herberto Helder acima trans-
critos.
Introduz de forma clara o teu ponto de vista e fundamenta-o com recurso a, pelo
menos, dois argumentos, ilustrados com exemplos.
Planifica previamente o teu texto e redige-o com cuidado e atenção, considerando
as marcas do género. Faz a sua revisão e, caso recorras às tecnologias de infor-
mação na edição do teu trabalho, utiliza-as com acerto.
Pd] BLoco inFormarivo EE
Herberto Helder

Mt Rot aloe ET

Lê atentamente o poema de Herberto Helder.

disseram: mande um poema para a revista onde colaboram todos


e eu respondi: mando se não colaborar ninguém, porque
nada se reparte: ou se devora tudo
ou não se toca em nada,
s morre-se mil vezes de uma só morte ou
uma só vez das mortes todas juntas:
só colaboro na minha morte:
e eles entenderam tudo, e pensaram: que este não colabore nunca,
que o demónio o leve, e foram-se,
w e eu fiquei contente de nada e de ninguém,
e vim logo escrever este, o mais curto possível, e depressa, e vazio poema de sentido
[e de endereço e de razão deveras,
só porque sim, isto é: só porque não agora

HELDER, Herberto, 2013. Servidões. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 50-51)

1. O poema configura uma breve narrativa. Refere os elementos que a constituem.


O poema apresenta-se como um relato, na primeira pessoa, em que o sujeito poético
assume o papel de narrador e conta um episódio passado (e evocado no presente), rela-
cionado com a publicação de um poema numa revista, e em que foram igualmente per-
sonagens as figuras referidas através do pronome “eles” [v 8).

2. Interpreta o recurso às palavras “todos” e “nunca” no final do primeiro e do último


versos da primeira estrofe.
A palavra “tados” instaura a demarcação posterior do sujeito poético face ao grupo
por ela aludido. Em tom irónico, ele sugere a sua necessidade de protagonismo lw 3-5) e
insinua a sua incapacidade de colaboração tv 7). Estes traços de carácter levam a enti-
dade referida como “eles” lv 8] a rever a sua intenção de publicar o poema solicitado,
desejando que tal “nunca” viesse a acontecer. Ambas as palavras, pois, contribuem para
acentuara diferença do “eu” face aos outros poetas.

3. Explicita a crítica veiculada pelo poema.


O poema aborda, em tom humorístico, uma insinuada necessidade de publicitação e
exibição pública dos poetas, contra a qual o sujeito poético se manifesta, através da re-
cusa em aderira essa estratégia. Essa opção, que, afinal, apenas o faz ficar “contente de
OBEXPI2PC & Porto Editora

nada e de ninguém” (v 10), indiferente, corresponde à assunção da sua autonomia, recu-


sando a criação de poemas com “endereço” lu 71) e a exposição do seu trabalho 'só por-
que sim”, “só porque não agora” lv 12).
Ruy Belo a

BIOHPT 01107 & DZIAXTO


Poeta e ensaísta [1933-1978]. [...] Tratando-se de um poeta que sempre
intercalou o
labor poético com o exercício da crítica e da reflexão teórica [...], será
curioso verifi-
car como o espaço aberto por Ruy Belo é equidistante, quer do Surrealismo
Ecos
quer da “poesia pobre” e reduzida ao essencial [...]. Ruy Belo abre uma
senda, que
começa por procurar romper com a tradição discursivista da poesia portugue
sa.
Essa renovação passa pelo sistemático dinamitar dos núcleos sintáticos e semânti-
cos, 0 que produz as mais inesperadas e insólitas contiguidades no interior
dos poe-
mas, por forma a provocar a desintegração da função utilitária, em favor da dimen-
são estética da linguagem. Num discurso caudaloso como o seu, estes elemento
s,
aliados a uma permanente experimentação formal, sobretudo ao nível
da camada
fónica — através da insistência em repetições, anáforas, aliterações, assonânc
ias,
rimas internas e externas — contribuem para a perplexidade e a permanen
te sur-
presa do leitor- decifrador hábil e ativo -, que os poemas explicitamente
convocam.
NEVES, Margarida Braga, 1995. "BELO (Ruy de MouraJ”. In Biblos - Enciclopédia Verbo
das Literaturas de Língua Portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Verbo (pp. 636-637)

Algumas obras: Aquele Grande Rio Eufrates, 1961: O Problema da Habitação - Alguns
Aspetos, 1962; Boca Bilingue, 1966; Na Senda da Poesia, 1969; Homem de Palavras,
1973; Transporte no Tempo, 1973; País Possível, 1973; A Margem da Alegria, 1974;
Toda
a Terra, 1976; Despeco-me da Terra da Alegria, 1977.

Colofon ou epitáfio
Trinta dias tem o mês
e muitas horas o dia
todo o tempo se lhe ia
em polir o seu poema
s a melhor coisa que fez
ele próprio coisa feita
tuy belo portugalês
Não seria mau rapaz
quem tão ao comprido jaz
o ruy belo, era uma vez
BELO, Ruy, 2004, “Primavera”. In Todos os Poemas 1.
2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 362) (1.º ed.: 2000)

a Estabelece uma relação entre o título e o conteúdo do poema. Se necessário, con-


sulta um dicionário para esclareceres o sentido dos dois nomes usados no título.
Ruy Belo

Génese e desenvolvimento do poema


Vozes vizinhas vindas da infância
através do sotaque de quem fala aqui ao lado
o sol inexorável sobre as águas
pressentimentos vindos com o vento
s a velha fortaleza a vista da baía
a maré cheia a tarde as nuvens o azul
memória disto tudo noutro verão noutro lugar
e pelo meu olhar visivelmente vitimado
tudo possível pela mesa e pela esferográfica
w pelo papel desculpa ó minha amiga pelo bar
a solidão assegurada pela multidão
a luz a hora as férias o domingo
o cruzeiro de pedra o largo o automóvel
tudo isto não importa importam só
1 as mínimas e únicas palavras que me ficam disto tudo
e tudo isto fixam: “tempo suspenso” ou “mar imóvel”
ou “sinto-me bem” ou — que sei eu? — “alguém morreu”
Paul Klee, Lemon Harvest, 1937.
BELO, Ruy, 2004. “Naus dos Corvos”. In Todos os Poemas II. Fondation Pierre Gianadda,
2º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 58) (1 " ed. 2000) Martigny (Suíça)

Leitura | Compreensão

Es Identifica o recurso expressivo presente no primeiro verso e esclarece o seu valor

ga Identifica os motivos de poetização mencionados pelo sujeito poético.

Ea Explica o sentido dos versos 8 a 10, no contexto em que surgem.

Interpreta os versos:
“tudo isto não importa importam só
as mínimas e únicas palavras que ficam disto tudo
e tudo isto fixam [...]” [wy. 14-16].

6 Destaca a intencionalidade das expressões colocadas entre aspas nos dois últimos
OEXPI2PC & Porto Editora

versos do poema.

ga Comenta a expressividade do título, considerando o conteúdo do texto.

DEXP12PC-04
Poetas contemporâneos

Esta rua é alegre


Esta rua é alegre. Não é alegre uma rua anónima
mas a rua de são bento em vila do conde
vista por mim certa manhã após a chuva ,
e o nevoeiro a dissipar-se já junto de santa clara sé
E no entanto não é a rua de são bento que é alegre
o

Alegre sou eu. E nem mesmo é que eu seja alegre


Acontece simplesmente que me sirvo destas palavras
numa manhã de chuva para falar falar por falar
e não falar de mim ou de uma certa rua
Não costumo por norma dizer o que sinto
mas aproveitar o que sinto para dizer qualquer coisa
Isto, porém, são coisas que há já algum tempo se sabem
e talvez venham aqui para salvar este momento
para salvar romanticamente este momento
ou então para ilustrar um pouco desta vida que se perde
e não só ao viver-se mas ao pensar-se sobre ela
ao atraiçoá-la tantas vezes como condição indispensável do poema
Mas que dizia eu? Dizia apenas “esta rua é alegre”
O mais é só comigo e com a subjetiva forma como passo a minha vida
BELO, Ruy, 2004. “Outono” In Todos os Poemas 1,
2.º ed, Lisboa: Assírio & Alvim (p. 303) (1.º ed.: 2000)

raia Die gi lS)

1] Explica a dimensão irónica dos versos 1 a 9.

é Refere o valor do advérbio conetivo “porém” (v. 12) no contexto em que surge.

Eu Interpreta o recurso ao advérbio “romanticamente”, no verso 14.

Comenta o valor expressivo da interrogação retórica presente no verso 18.

8 Explicita a forma como o sujeito poético encara a relação entre a vida e a poesia.

Gramática

Es Identifica a função sintática dos constituintes da primeira oração do verso 6.

a Classifica a oração introduzida por “que”, no verso 12.


Ruy Belo

Exercício
Nos dias em que o vento anima a roupa
suspensa desta ou daquela janela
o meu olhar perdido não a poupa
e vai seguindo os movimentos dela

Aqui estou tristezas alegrias


a

Nesta colina do instante canto


esta vida indecisa de maresias
ó vida ameaçada enquanto

a minha grande esperança é o café


Agora que o tomei
a

com pressa e frenesim até


o que vai ser a vida ainda não sei

Mosteiro dos jerónimos fachada


impassível ao vão vaivém humano
is aqui ando eu perdido de ano em ano
ó vida noves fora nada
Tomás de Melo - Tom, Rua de
si a
Nos dúbios Em
dias da destruição 3
do verão Lisboa com Tejo 20 fundo, 1960.
Coleção particular
quando tudo parece ir acabar
regresso então à versificação
o e encontro nos papéis o meu segundo mar
S

BELO, Ruy, 2004. “Outono” In Todos os Poemas I.


2º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 307) (1.2 ed.: 2000)

Elis De io ju= iso)

Ee Indica o tema da composição poética.

Sintetiza a forma como o tema se desenvolve ao longo do poema.

a Identifica os recursos expressivos presentes nos versos seguintes e refere o seu valor:
a. Aqui estou tristezas alegrias” (v. 5);
b. "Mosteiro dos jerónimos fachada / impassível ao vão vaivém humano” lw,. 13-14).

Interpreta a caracterização da “vida” presente nos versos 8 e 16, atendendo ao as-


OEXPI2PC & Porto Editora

sunto do poema.

8 Destaca a importância da última estrofe, enquanto conclusão do texto.


Poetas contemporâneos

Algumas proposições com pássaros e árvores que

EIONPI 0NOg O DdÉldXdO


o poeta remata com uma referência ao coração
Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de frutos dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
s Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
w Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
s Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Gustav Klimt, 4 Árvore da Vida (projeto Eu passo € muda-se-me o coração
de obra para O Friso Stoclet), c. 1905-1909. . .
Ôsterreichisches Museum fúr Angewandte BELO, Ruy, 2004. “Outono”. Tn Todos os Poemas 1.
Kunst, Viena 2º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 306) (1.º ed.: 2000)

ja Do pole EE=(o]

as Comenta a expressividade do título, considerando a estrutura interna do poema.

E Refere o efeito de sentido produzido com:


a. a anáfora, nos versos 3a 5;
b. a comparação dos versos 8-9.

Interpreta a dimensão irónica da frase dos versos 10 a 13.

Refere a expressividade das interrogações retóricas do final do poema.

Identifica os mecanismos de coesão textual concretizados nas frases dos versos 1a 5.

Divide e classifica as orações dos versos 10-11.


Ruy Belo

Peregrino e hóspede sobre a terra


Meu único país é sempre onde estou bem
é onde pago o bem com sofrimento
é onde num momento tudo tenho
O meu país agora são os mesmos campos verdes
que no outono vi tristes e desolados
a

e onde nem me pedem passaporte


pois neles nasci e morro a cada instante
que a paz não é palavra para mim
O malmequer a erva o pessegueiro em flor
o asseguram o mínimo de dor indispensável
a quem na felicidade que tivesse
veria uma reforma e um insulto
À vida recomeça e o sol brilha
a tudo isto chamam primavera
5 mas nada disto cabe numa só palavra
abstrata quando tudo é tão concreto e vário
O meu país são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
Os meus amigos são os mais recentes
» Os dos demais países os que mal conheço e
tenho de abandonar porque me vou embora
pois eu nunca estou bem aonde estou
nem mesmo estou sequer aonde estou
Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
o por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez
So

BELO, Ruy, 2004. “Naus dos Corvos” In Todos os Poemas IT. 2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim
(p. 164) (1.º ed.: 2000)

Tiate Do Tools (o

O Comenta a relação de sentido que o título estabelece com os três primeiros e os


dois últimos versos do poema.
OE XPIZPC & Porto Editora

a Apresenta a tua leitura dos versos 24 a 28.

Ea Identifica dois recursos expressivos presentes no texto e explicita o valor de cada


um deles.
Poetas contemporâneos

Uma vez que já tudo se perdeu

eIONPA OO & DATIAXÃO


Que o medo não te tolha a tua mão
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te em nome seja de quem for

5 No princípio de tudo o coração


como o fogo alastrava em redor
Uma nuvem qualquer toldou então
céus de canção promessa e amor

Mas tudo é apenas o que é


1 levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu

Não temas porque tudo recomeça


Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu
BELO, Ruy, 2004. “Outono” In Todos os Poemas T.
2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 310) (1.º ed.: 2000)

Esteban Francés, Paisaje


Surrealista, 1946. Museu
Colecção Berardo, Lisboa

Escrita q

1] Escreve um texto, de duzentas a trezentas palavras, em que apresentes o teu ponto


de vista sobre o medo, partindo da perspetiva desenvolvida no poema de Ruy Belo.
Explicita de forma clara a tua opinião e fundamenta-a com recurso a, pelo menos,
dois argumentos, confirmados com exemplos.
Planifica previamente o teu texto, redige-o atentamente, considerando as marcas
do género. No final, faz a sua revisão e aperfeiçoamento. Se utilizares as tecnolo-
gias de informação na edição do teu trabalho, utiliza-as com acerto.

PA sioco nsormarvo PED


Ruy Belo

Leitura | Compreensão

Lê atentamente o poema de Ruy Belo.

josé o homem dos sonhos


Que nome dar ao poeta
esse ser dos espantos medonhos?
Um só encontro próprio e justo:
o de josé o homem dos sonhos

Eu canto os pássaros e as árvores


em

Mas uns e outros nos versos ponho-os


Quem é que canta sem condição?
É josé o homem dos sonhos
Deus põe e o homem dispõe
1 E aquele que ao longo da vereda vem
homem sem pai e sem mãe
homem a quem a própria dor não dói
bíblico no nome e a comer medronhos
só pode ser josé o homem dos sonhos
BELO, Ruy, 2004. “Primavera”. In Todos os Poemas I.
2* ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 332) (1.2 ed.: 2000)

1. Explicita a relevância da interrogação retórica dos versos 1 e 2 para a organização in-


terna do poema.
À interrogação retórica introduz o tema da composição - o “poeta” -, através do ques-
tionamento acerca do hipotético nome (simbólico) que se lhe poderia atribuir. Essa per-
gunta apresenta, igualmente, uma primeira caracterização do poeta, que remete para a
sua extrema capacidade de se admirar e inquietar perante o mundo, e que será desen-
volvida nas duas estrofes seguintes.

2. Explica a oposição estabelecida na segunda estrofe entre o “Eu” lv. 5]e “josé o homem
dos sonhos” [v. 8).
Na segunda quadra, o sujeito poético apresenta-se como alguém que “canta” (cele-
bra, elogia) “os pássaros e as árvores”, mas que, para isso, se sujeita aos limites los
constrangimentos formais] dos “versos”. Pelo contrário, “josé o homem dos sonhos”,
tal como é apresentado pelo “eu” lírico, é o poeta que “canta” livre e “sem condição”.

3. Justifica a atribuição do nome “josé” ao poeta.


Segundo o sujeito poético, o único nome “próprio e justo” (v 3) para o poeta é “josé”,
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por corresponder a um nome “biblico” [v 13] [gue sugere a origem transcendente da poe-
sia, a qual, como se insinua no verso 9, nasce do que o homem “dispõe” a partir do que
“Deus põe”).
Manuel Alegre

BIOMA ONO MD OdTLAXÃO


Poeta e político português (1936). Data de 1965 a publicação do seu primeiro volume
Poético, Praça da Canção. Esta coletânea evidencia, desde o próprio título, uma ima-
gem do poeta como cidadão corresponsabilizado nos destinos da comunidade e um
entendimento da poesia como canto apelativo, grito de protesto lançado na ágora!.
Poeta maior da literatura de intervenção dos anos 60, Manuel Alegre carrega na sua
poesia as angústias e os anseios de uma geração profundamente marcada pela di-
tadura e pela guerra colonial. Os seus versos são a crónica de um tempo histórico
comum e a expressão da saudade de um espaço, que é simultaneamente o topos?
português lembrado pelo “Lusíada exilado” e a utopia de um Portugal que há de ser.
São também o apelo a um percurso coletivo de regresso [...], de reencontro com a
pátria verdadeira, depois da passada aventura históricade partida. Esse chama-
mento passa pela convocação dos arquétipos, dos valores míticos e literários que
constituem o nosso património cultural [...]. Na poesia de Manuel Alegre conjugam-
-se [..] as tonalidades épica e lírica: ora se impõe a força da declamação, simbolica-
mente oposta ao silêncio, ora vem à tona um tom mais intimista, a que não é alheia,
no entanto, a preocupação sónica? [...).
ROCHA, Clara, 1995. “ALEGRE [Manuel)”. In Biblos - Enciclopédia Verbo das Literaturas de
Lingua Portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Verbo (pp. 121-122] ladaptado)

Algumas obras: Praça da Canção, 1965; O Canto e as Armas, 1967; Um Barco para
Ítaca, 1971; Coisa Amar - Coisas do Mar, 1976; Atlântico, 1981; Com que Pena - Vinte
Poemas para Camões, 1992; Sonetos do Obscuro Qué, 1993; As Naus de Verde Pinho,
1996; Alentejo e Ninguém, 1996; Senhora das Tempestades, 1998; Doze Naus, 2007;
Nada Está Escrito, 2012: Bairro Ocidental, 2015.
1. praça pública das antigas cidades gregas, semelhante ao fórum romano. 2. Tópico temático; 3. Relativa ao som, fonética.

O Poeta
Ele aprendeu o preço exato da canção.
Seus pulsos estão abertos e a vossa boca bebeu
o sangue puro de uma vida.
Que mais quereis de um homem?
s Vós não podeis roubar-lhe esse luar na alma.
Vós não podeis mais nada. É um homem a cantar
um homem que sorriu aos tambores noturnos
dos vossos cárceres depois cantou
de pé no seu poema.
Manuel Alegre

o Vinde com vossas leis e vossas máscaras


vossas palavras cheias de fantasmas.
Nada podeis. O medo nunca pôde nada.
Vós não podeis despir um homem que está nu.
Pendurai-lhe no sexo uma coroa de espinhos
ele fará na própria dor um filho mais robusto
m

porque ele é pai de alegria


ele povoa a solidão de raparigas
as suaves raparigas que trazem no ventre
a cidade dos homens.

2 Vinde com vossas máscaras e vossos tribunais


S

e os mortos-vivos que recitam os parágrafos


do livro das sentenças.

Vós não podeis mais nada. É um homem a cantar


um homem que está nu com todos os seus músculos
: a soluçar numa guitarra destroçada
e todavia iluminada evlva. Otto Freundlich, sem título, 1934.
. Museu Coleção Berardo, Lisboa
Um homem que sorriu aos tambores noturnos
dos vosso cárceres depois cantou
de pé no seu poema.

3 Vós não podeis mais nada.


S

É um homem que merece a poesia.


ALEGRE, Manuel, 2000. “Praça da Canção”,
In Obra Poética. 2.º ed, Lisboa: Dom Quixote (pp. 141-142) (1.2 ed.: 1999)

Tita DR oo lesie Ef)

ge Relaciona a interrogação retórica do verso 4 com as afirmações dos versos ante-


riores.

Caracteriza o “Vós” a quem se dirige o sujeito poético ao longo da composição.

Interpreta a repetição da expressão “Vós não podeis” [w. 5, 6, 13, 23 e 30), conside-
rando a oposição que se estabelece entre o “ele” [v. 1) e os outros.
3.1. Apresenta uma leitura do verso “Vós não podeis despir um homem que está
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nu.” (v. 13).

Comenta o retrato do poeta construído ao longo do texto, considerando que a obra


em que se integra — Praça da Canção - foi publicada pela primeira vez em 1965.
Poetas contemporâneos

As Palavras
Palavras tantas vezes perseguidas

BIOIPT ONOZ GS DdTIAXTO


palavras tantas vezes violadas
que não sabem cantar ajoelhadas
que não se rendem mesmo se feridas.

s Palavras tantas vezes proibidas


e no entanto as únicas espadas
que ferem sempre mesmo se quebradas
vencedoras ainda que vencidas.

Palavras por quem eu já fui cativo


o na língua de Camões vos querem escravas
palavras com que canto e onde estou vivo.
Alfréd Réth, sem título, 1938.
Museu Coleção Berardo, Lisboa
Mas se tudo nos levam isto nos resta:
estamos de pé dentro de vós palavras.
Nem outra glória há maior do que esta.
ALEGRE, Manuel, 2000. “O Canto e as Armas”.
In Obra Poética. 2.º ed. Lisboa: Dom Quixote (p. 235) (1.º ed.: 1999)

Leitura | Compreensão

Em Identifica os recursos expressivos da primeira estrofe e explicita o seu valor.

a Interpreta a dimensão metafórica dos versos 5 a 8.

Comenta o sentido crítico do primeiro terceto, considerando o contexto em que a


coletânea O Canto e as Armas, em que se inclui o poema, foi publicada - 1967.

Explica a relevância da última estrofe, enquanto conclusão do poema.

a Descreve formalmente a composição, considerando as estruturas estrófica, mé-


trica e rimática.

Classifica as orações subordinadas presentes na primeira estrofe e refere a função


sintática que desempenham.

É Indica a classe de palavras a que pertence o elemento “onde” (v. 11).


Manuel Alegre

Balada dos Aflitos


Irmãos humanos tão desamparados
a luz que nos guiava já não guia
somos pessoas — dizeis - e não mercados
este por certo não é tempo de poesia
gostaria de vos dar outros recados
a

com pão e vinho e menos mais-valia.

Irmãos meus que passais um mau bocado


e não tendes sequer a fantasia
de sonhar outro tempo e outro lado
w como António digo adeus a Alexandria
desconcerto do mundo tão mudado
tão diferente daquilo que se queria.

Talvez Deus esteja a ser crucificado


neste reino onde tudo se avalia
15 irmãos meus sem valor acrescentado
rogai por nós Senhora da Agonia
irmãos meus a quem tudo é recusado
talvez o poema traga um novo dia.

Rogai por nós Senhora dos Aflitos


» em cada dia em terra naufragados
mão invisível nos tem aqui proscritos! 1. exilados, condenados.
em nós mesmos perdidos e cercados
venham por nós os versos nunca escritos
irmãos humanos que não sois mercados.
ALEGRE, Manuel, 2012. Nada Está Escrito. Lisboa: Dom Quixote (pp. 13-14)

Leitura | Compreensão

Caracteriza os destinatários das palavras do sujeito poético, transcrevendo passa-


gens textuais que comprovem as tuas afirmações.

Aponta duas circunstâncias referidas no texto ilustrativas de que “este por certo
não é tempo de poesia” lv. 4].

Clarifica as críticas veiculadas no poema ao Portugal presente.


OEXPI2PC & Porto Editora

Analisa o efeito expressivo do cruzamento de linguagens do domínio da economia


e da religião ao longo do texto.

Explicita a relação semântica que o título estabelece com o texto.


Poetas contemporâneos

& DATIAXITO
Crônica de Abril

BIOUPA QUO
(Segundo Fernão Lopes]
A rosa a espada o Tempo a lua cheia
entre Abril e Abril memória e ato
este oculto invisível coração.
E a trote dos cavalos os blindados
(quem me acorda no meio do meu sono?)
m

“Lisboa está tomada”. A rosa e a espada.


Subitamente às três da madrugada.

Andando o Povo levantado andando


Álvaro Pais de rua em rua: “Acudam
ao Mestre cá ele é filho d'El-rei. D.
Pedro”. Entre Abril e Abril. Memória e ato.
Verás florir as armas: lua cheia. Vieira da Silva, XXV de Abril de 1974 [A Poesia está na
Rual, 1975 [Cartaz]. Coleção da Fundação Arpad
Szenes e Vieira da Silva
Saiu de Santarém o Capitão
já o Mestre matou o Conde Andeiro
e Álvaro Pais nas ruas cavalgando: E começava a gente de juntar-se
Matam o Mestre nos Paços da Rainha. e tanta que era estranha de se ver.
Não cabiam nas ruas principais
E o microfone às três e tal. E as gentes
cada um desejando ser primeiro
que isto ouviam saíam pelas ruas
ê e todos feitos dum só coração.
a ver que coisa era. E começando
o

2 a falar uns com outros começavam Não sei se a História tem um fio se
o

a tomar armas. Aqui Posto de não tem. Mas já de Santarém partiu


Comando. E soavam vozes de arruído o Capitão. De negro vem vestido
pela cidade. E assim como viúva em cima da Chaimite!. Ouves? É o trote
que rei não tinha se moveram todos 4 das lagartas?. Cavalos e cavalos.
m

2 com mão armada. E Álvaro Pais gritando:


O exército da noite e seus blindados.
aq

Acudamos ao Mestre meus amigos


Ó com quanto cuidado e diligência
Acudamos que o matam sem porquê. escrever verdade sem outra mistura.
E o rouxinol cantou. Ouvi dizer
Andando o Povo levantado andando
que na torre soaram badaladas.
so um Major aos seus homens perguntando:
O doce cheiro a terra. O respirar
30
Adere ou não adere? É só. Mais nada.
da amada. “E sobre cada povo (Nietzche)
E o segundo-sargento perfilando-se:
está suspensa uma tábua de valores”. Há vinte anos que espero este momento.
Verás florir o Tempo. A rosa e a espada.
Nel mezzo del camin di nostra vita. Verás florir o Tempo. E as armas de-
3 Subitamente às três da madrugada. ss sabrochadas: às três da madrugada.
FE

1. viatura blindada; 2. Correias metálicas, interpostas entre as rodas do veículo e o solo.


Manuel Alegre

Soem às vezes altos feitos ter as De cortinas corridas está o Carmo.


começo por pessoas cujo azo Da torre da Chaimite uma rajada
nenhum povo podia imaginar. saltam vidros e cal da frontaria
E pois assim aveio que em Lisboa e o tempo vai correndo sem resposta.
60 um cidadão chamado Álvaro Pais:
E não parava gente de juntar-se.
Onde matam o Mestre? Que é do Mestre?
90 Onde matam o Mestre? Que é do Mestre?
De cima não faltava quem gritasse
que o Mestre estava vivo e o Conde morto.
De cima não faltava quem gritasse
Mas isto já ninguém o queria crer. que o Mestre estava vivo e o Conde morto.
Se está vivo mostrai-o e vê-lo-emos.
65 Continuidade. Descontinuidade.
E a gente não parava de juntar-se.
E o que é rutura? E a História? Um caos de acasos.
Quem fechou estas portas? perguntavam.
Kairos (dizem os gregos). Conjunturas
a
favoráveis. E já o blindado toma posição.
Verás florir as armas. O Capitão olha o relógio e conta
7 E já o Capitão entra na Praça e antes que diga três irrompem vivas.
andando o Povo levantado andando Verás florir o Tempo: espada e rosa.
apoiando a coluna quando avança
para cercar o Carmo às doze e trinta.
10: Já saiu a cavalo Álvaro Pais
a

já o Mestre matou o Conde Andeiro


Traziam uns carqueja e outros lenha está caído no Paço trespassado
75 alguns pediam escadas e bradavam ó Lisboa prezada venham ver
que viesse lume para porem fogo o Capitão em cima do blindado
e queimarem o traidor e a aleivosa. 10 Arraial Arraial. E então o Mestre
[E

assomando à varanda a todos diz:


E em tudo isto era o tumulto assim
Amigos sossegai: estou vivo e são.
tão grande que uns aos outros não se ouviam
80 e não determinavam coisa alguma. E o rouxinol cantou. Olhai as armas
desabrochadas. Cravo a cravo (ouvi
E o trote dos cavalos os blindados.
dizer). Andando o Povo levantado.
(Quem te acorda no meio do teu sono?)
o

Verás florir o Tempo: rosa e espada. E não vereis na crônica senão


Subitamente às três da madrugada. (sem falsidade) a certidão da História.

ALEGRE, Manuel, 2000. “Atlântico” In Obra Poética. 2º ed. Lisboa: Dom Quixote (pp. 435-439) (1: ed.: 1999)

ti DR le Jesi=ipEtTo]
Editora

E
O O título do poema sugere duas linhas de leitura.
OEXPIZPC & Pori

1.1. Explica como se articulam, ao longo do poema.


1.2. Justifica a sua associação.
Poetas contemporâneos

D. Sebastião
Haverá sempre um porto por achar

POUPA OHOd & DdTIAXTO


Em outro mar que não o navegado
Haverá sempre o que não é e o que não vem
Sua verdade está em o sonhar
s E D. Sebastião é quem
Conquista em nós o inconquistado.

Haverá sempre em nós um além-sul


Um lugar que só é onde não está
Haverá outro espaço e um mais azul
o Um buscar sem sentido e sem
Porquê
Haverá sempre o reino que não há
E D. Sebastião é quem
Dentro de nós o vê Costa Pinheiro, D. Sebastião, 1966.
Coleção particular

is Haverá sempre em nós um rei perdido


Por seu excesso de saudade e ânsia
Um ser de ainda não ser ou já ter sido
Outro tempo no tempo outra distância
À nossa pátria é sempre outro lugar
o E quando alguém voltar Ninguém Ninguém
Haverá sempre um não chegar
E D. Sebastião é quem
ALEGRE, Manuel, 2000. “Aicha Conticha”
In Obra Poética. 2.º ed. Lisboa: Dom Quixote
(pp. 552-553) (1.º ed.: 1999)

Leitura | Compreensão

[1] Interpreta as definições de “D. Sebastião” apresentadas nos versos 5-6 e 13-14, no
contexto das estrofes em que surgem.

E Apresenta uma leitura dos primeiros dois versos da última estrofe.

Es Explicita a simbologia associada à figura de D. Sebastião ao longo do poema.

Identifica e interpreta as manifestações de intertextualidade presentes na última


estrofe.
Manuel Alegre

Poemarma
Que o poema tenha rodas motores alavancas
que seja máquina espetáculo cinema.
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas.
Que seja um autocarro em forma de poema.

Que o poema cante no cimo das chaminés


en

que se levante e faça o pino em cada praça


que diga quem eu sou e quem tu és
que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema


o e seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule


que seja pulga e faça cócegas ao burguês
15 que o poema se vista subversivo de ganga azul
e vá explicar numa parede alguns porquês.

Que o poema se meta nos anúncios das cidades


que seja seta sinalização radar
que o poema cante em todas as idades
(que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar. *
to
S

Que o poema seja microfone e fale


uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

= Que o poema seja encontro onde era despedida.


Que participe. Comunique. E destrua
para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua.

Que seja experimentado muito mais que experimental


3 que tenha ideias sim mas também pernas.
S

E até se partir uma não faz mal:


antes de muletas que de asas eternas.

Que o poema assalte esta desordem ordenada


OEXPL2PC & Porto Editora

que chegue ao banco e grite: abaixo a pança!


3 Que faça ginástica militar aplicada
[é]

e não vá como vão todos para França.


Poetas contemporâneos

3 DdTIAXHO
FIONPA 00d
Fernand Léger, Composition, 1953. Museu Coleção Berardo, Lisboa

Que o poema fique. E que ficando se aplique


a não criar barriga a não usar chinelos.
Que o poema seja um novo Infante Henrique
o voltado para dentro. E sem castelos.

Que o poema vista de domingo cada dia


e atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia
ao menos uma vez em cada ano.

ss Que o poema faça um poeta de cada


funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo acorde no lusíada
a saudade do novo, o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso


s que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui.
ALEGRE, Manuel, 2000. “O Canto e as Armas” In Obra Poética.
2.º ed. Lisboa: Dom Quixote (pp. 246-248) (1.º ed.: 1999)

e gire]

ae Redige uma apreciação crítica, de duzentas a trezentas palavras, do poema de Ma-


nuel Alegre.
Segue as marcas próprias do género textual solicitado e a sua estrutura habitual:
descreve sucintamente o objeto da tua apreciação — o poema - e faz o seu comen-
tário crítico. No momento que considerares mais pertinente, explora a relação
existente entre o título e o conteúdo do poema.
Planifica previamente o teu texto e, no final, faz a sua revisão atenta e cuidada.

Ed BLOCO INFORMATIVO [iiMRAPARAE


Manuel Alegre

Leitura | Compreensão

Lê atentamente o poema de Manuel Alegre.

A Foice e a Pena
Com outra que não pena arma trabalhas.
Se é minha a pena é tua a foice. Mas
se acaso são diferentes nossas armas
as penas são as mesmas e as batalhas.

s Eu ceifo com a pena ervas daninhas


ea mentira que a todos envenena.
E tu ceifando penas essa pena
que fraterna se junta às penas minhas.
Onde tu ceifas eu ceifeiro sou
1 da tua dor ceifeira e dessas queixas
que dizes a ceifar e nunca ceifas. e

Se já teu canto a foice te ceifou


canta ceifeira canta: a dor destrói-se
juntando a foice à pena e a pena à foice.
ALEGRE, Manuel, 2000. “O Canto e as Armas” In Obra Poética.
2ºed. Lisboa: Dom Quixote (pp. 235-236) (1.º ed: 1999)

1. Explicita o valor expressivo da anástrofe presente no verso 1, considerando o conteúdo


da primeira estrofe.
Com a anástrofe do primeiro verso, o sujeito poético altera a ordem sintática habitual e
aproxima as palavras “pena” e “arma”. Desse modo, sugere o poder da poesia (metoni-
micamente aludida por meio da referência ao instrumento que usa para a criar, a “pena”)
e instaura a relação com um “tu” subentendido que trabalha com uma “arma” diferente,
posteriormente identificada com “a foice”, mas com o qual partilha “penas” e “batalhas”.

2. Relaciona a exploração do campo semântico de “pena” ao longo do poema com a dico-


tomia “eu” [v.5)/ “tu” (v. 7).
O sujeito poético - “Eu” — recorre à sua “pena”, utensílio de escrita lw 1,2,5e 14), para
denunciara corrupção moral lw 5-6) e a dor, als) “penals)" w 4, 7e 14) que o “tu” “pena”,
ou seja, sofre lv 7) e que não expressa e que não consegue eliminar lu 11).

3, Esclarece o sentido da última estrofe, enquanto conclusão do soneto.


O último terceto constitui um apelo do sujeito poético ao “tu” a quem se dirigiu ao
longo do poema e agora identificado: uma “ceifeira” lv 13]. Incentiva-a a cantar, ainda que
OEXPI2PC O Porto Editora

o trabalho lhe tenha tirado a vontade, pois só desse modo, “juntando a foice à pena”,
poderá ultrapassar a sua “dor” [v 13), que será denunciada por aqueles que, como ele,
podem, através da sua pena” (v 14), falar da “foice” [u 14) e de quem com ela trabalha.

DEXPIZPC-D5
Luiza Neto Jorge E

TIONPA ONO] O DALIAXIO


Poeta e tradutora [1939-1989]. Sem anular a relação do texto com o contexto histórico
-so-
cial, na poesia de Luiza Neto Jorge há um espaço que se inventa na linguagem
. Ler o seu
primeiro livro - A Noite Vertebrada [1960] - é já perceber como a expressão
da poesia, a
partir da leitura da realidade, transforma os significados socialmente cristaliza
dos em sig-
nificantes produtores de novos sentidos. [..] A poesia de Luiza Neto Jorge tem [...] algo
de
encenação dramática. Nela questionam-se as relações socioculturais,
familiares, afetivas,
políticas, questionando os próprios discursos que as veiculam. Razão teve Gastão Cruz
ao
defini-la uma poesia de situações, de acontecimentos. [...] Versos perfeitos, harmonios
a-
mente irregulares, com uma musicalidade intensa, cortados por elipses frasais
e semânti-
cas e por uma afiada ironia de comparação difícil na literatura de língua portugues
a.
SILVEIRA, Jorge Fernandes da, 1997. “JORGE (Luiza Neto)”. In Biblos - Enciclopédia
Verbo
das Literaturas de Língua Portuguesa. Vol, 2. Lisboa: Verbo (pp. 1278-1280)

Algumas obras: 4 Noite Vertebrada, 1960; Quarta Dimensão, 1961; Terra Imóvel,
1964: 0
Seu a Seu Tempo, 1966; Dezanove Recantos, 1969; Os Sítios Sitiados, 1973; A Lume,
1989.

O Poema (II)
Piso do poema
chão de areia

Digo na maneira
mais crua e mais
intensa
m

de medir o poema
pela medida inteira

o poema em milímetro
de madeira

'º ou apodrece o poema


ou se ateia

ou se despedaça
a mão ateia

ou cinco seis astros


5 se percorre

antes que o deserto


mate a fome
+" JORGE, Luiza Neto, 2001. “Os Sítios Sitiados”, In poesia,
* 24ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 57-58) (1.º ed.: 1993)
Luiza Neto Jorge

O Poema Ensina a Cair


O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
em

do cabo onde a terra abate e


a fecunda ausência excede

até à queda vinda


da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
So

numa curva delgada subtil


uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.
JORGE, Luiza Neto, 2001. “O Seu a Seu Tempo” Im poesia. 2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 41) (1.º ed.: 1993)

Eu, artífice
Atento agora ao traço,
corrijo o mais da matéria,
ergo a minha arte do poço
onde flutua.

Como o brilho se desprende


em

do metal mais bravo,


no forro de cada um
o desgaste é tanto

que eu, artífice, colho


o que de mim alimenta,
falo do que estou sendo,
da sua mão em desordem,
dos pRRSOs: das lágrimas baixas Manuel Cargaleiro, sem título, 1969.
que se vão constituindo. Museu Calouste Gulbenkian

JORGE, Luiza Neto, 2001. “Os Sítios Sitiados”. In poesia. 2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 135) (1.º ed.: 1993)
OEXPI2PC & Porto Editora

[Ria Rep)
e ess PELO)

gs Comenta a arte poética e a figuração do poeta apresentadas nos poemas.


Poetas contemporâneos

Recanto 2
Viver, entretanto, é ver, ir vendo
e também ver inclui dormir
sem que nada se desfaça ou exclua
no interior dos sonhos.

s Pensemos no comércio de viver: passagem dos navios


quando, a passar, se retém a espessa

BIONPA LDA D OATIAXHO


água do tempo, da tempestade.

Um comércio, apenas — desvio da moeda


da trajetória do ouro
19 para o papel.

Sempre viver incluiu andar percorrer voar


de avião ou com os braços ou num ser de mais
rodas que nos conduza
a outro sentido ambulatório.
JORGE, Luiza Neto, 2001. “Os Sítios Sitiados”.
In poesia. 2.2 ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 179) (1.º ed.: 1993) Florence Henri, sem título, 1926-1929.
Museu Coleção Berardo

Leitura | Compreensão

fe Identifica o tema da composição poética.


1.1. Expõe brevemente a forma como o sujeito poético o perspetiva.

ER Explica o sentido do exemplo apresentado nas segunda e terceira estrofes.

A última estrofe apresenta uma evolução relativamente ao que é expresso na pri-


meira.

3.1. Justifica a afirmação.

Identifica o recurso expressivo utilizado no verso 11 e refere o seu valor.

Gramática

E Identifica a função sintática desempenhada por “no comércio de viver” lv. 5).

E Refere os processos fonológicos ocorridos na evolução do étimo monêtam para


“moeda” lv. 8).
Luiza Neto Jorge

Acordar na rua do mundo


madrugada. passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos j
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
s por esse mundo. que dia é hoje?
soa o sino sólido as horas. os pombos
alisam as penas. no meu quarto cai o pó.

um cano rebentou junto ao passeio.


um pombo morto foi na enxurrada
o junto com as folhas dum jornal já lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.

's sirenes e buzinas. ainda ninguém via satélite


sabe ao certo o que aconteceu. Estragou-se o alarme
da joalharia. os lençóis na corda
abanam os prédios. pombos debicam

o azul dos azulejos. assoma à janela


o quem acordou. o alarme não para o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
não gravou

e duma varanda um pingo cai


de um vaso salpicando o fato do bancário
JORGE, Luiza Neto, 2001. “A Lume” In poesia. 2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 284-285) (1.º ed.: 1993)

Rial DR Jia ass)

Es Identifica o tema da composição.

a Refere as sensações representadas no poema, transcrevendo os elementos do


texto em que te fundamentas.

É Identifica os recursos expressivos presentes nas expressões que se seguem e re-


fere o seu valor.
a. “soa o sino sólido as horas” lv. 6];
OEXPI2PC & Porto Editora

b. “os lençóis na corda /abanam os prédios” lw. 17-18).

Evidencia, através de exemplos, a perspetiva crítica do sujeito poético.


Poetas contemporâneos

Endecha dos mais novos


Enquanto o nosso coração voraz

BIOUPA MIO] & DATIAXTO


bate a descompasso com o da Terra,
não queremos ripostar demais à guerra,
fugimos de apostar demais na paz.

Compêndios de nojo, atas de festa,

en
são escrita tremida para nós,
mas não se lembrem doutores de erguer a voz
a dizer o que purga e o que molesta.

Só a voz do sangue ouvimos bem


quando ao leme do ventre almareámos!;
fomos inocentes, já nos naufragámos,
corpos de delito, almas de refém.
Vangel Naumovsky, 1973, Pearls of Fouth. JORGE, Luiza Neto, 2001, “A Lume”. In poesia.
National Gallery of Macedonia 2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 245) (1.º ed.: 1993)
[Exposição]
1. de almarear — ter uma sensação de vertigem, tontura, enjoo.

Leitura | Compreensão

Com a ajuda de um dicionário, justifica a classificação do poema como “endecha”.


1.1. Interpreta o título do poema, considerando o seu assunto.

E Delimita os diferentes momentos da organização interna do texto, fundamentando


a divisão que efetuares.

a Identifica os recursos expressivos presentes nos versos seguintes e explicita o seu


valor:
a. “não queremos ripostar demais à guerra, / fugimos de apostar demais na paz”
(vv. 3-4);
b. "Só a voz do sangue ouvimos bem” (v. 9).

Destaca a dimensão crítica da composição poética.

8 Divide os dois primeiros versos em sílabas métricas e classifica-os.

8 Descreve a estrutura rimática do poema.


Luiza Neto Jorge

Natureza morta com Bernardo Soares


Esta mesa de mármore
mó absorvente onde
as folhas espadanam!
põe-me na rota dessoutro
bojo? calipígio? onde o poeta
a

ele-mesmo copiava a escrita.

Vagueia a paisagem, irradiando-me;


embaciado sol me localiza
sou eu, é minha a mesa,
meu o sossego, e mói.

Sobre o ringue sem patinadores,


cisterna seca à minha frente,
poluídas tílias em flor.
Ousarei invocar outro terreiro,
o sola sol do só, a poluída vida,
a

os duplicados que o poeta fez?

Plagiadas arcadas:
Fernand Leger, Nature morte, 1914.
e o meu olhar margina In Les Soirées de Paris: recueil mensuel,
as águas, pródigas águas n.º 26-27, julho e agosto de 1914.
Biblioteca Nacional de França, Paris
2 que redemoinham após a seca.
S

JORGE, Luiza Neto, 2001. “A Lume” In poesia.


2.º ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 239) (1.º ed.: 1993)

1. jorram;
2. parte mais reservada e fundamental, âmago;
3. de nádegas formosas.

Escrita

A | Redige uma exposição bem estruturada, de duzentas a trezentas palavras, na qual


OEXPIZPC O Porto Editora

apresentes as linhas de leitura do poema.


Planifica previamente o teu texto, atendendo ao género, e aplica-te na textualiza-
ção. Faz a sua revisão e aperfeiçoamento e, caso recorras às tecnologias de infor-
mação na edição do teu trabalho, utiliza-as com acerto.

E BLOCO INFORMATIVO [ui BKrALEK


IA
Luiza Neto Jorge

Leitura | Compreensão

Lê atentamente o poema de Luiza Neto Jorge.

Encantatoria

PIOPE OMOM 6» DdTLAXIO


Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
s quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.
w Custa é saber
como se emenda morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
15 a porcaria.

JORGE, Luiza Neto, 2001. “A Lume” In poesia.


2º ed, Lisboa: Assírio & Alvim (p. 240) (1.º ed.: 1993)

1. Apresenta o estado de espírito do sujeito poético, tal como evidenciado na primeira


estrofe.
O sujeito poético deixa transparecer a dificuldade na concretização da sua poesia
lim. 1-3), associada à falta de inspiração ("como se afina a má- / quina que a dita”, w 4-5) e
ao aprisionamento em que se sente [como no cárcere / nu se evita / emparedado, / à
lá- / grima soltar, w 6-9).

2. Descreve a estrutura interna do poema, relacionando o assunto das duas estrofes.


Depois das referências da primeira estrofe ao processo poético e ao sofrimento que
dele faz parte, surge, na segunda, a escrita/poesia como elemento purificador [que “ar-
reda / do branco suporte / a porcaria”, w 13-15), que ainda que custoso, permite, pela
palavra, “emendar” ou “desviar” realidades negativas.

3. Explicita o valor das repetições dos versos 1 e 10.


As anáforas intensificam as dificuldades e o intenso sofrimento do sujeito poético na
procura da palavra poética, transpondo para a composição um ritmo intenso e ansioso.
Sugestões
de resolução

74| Nuno Júdice


Za Jorge de Sena
VER Alexandre O'Neill
ri António Ramos Rosa
E Herberto Helder
SR Ruy Belo
AA Manuel Alegre
Jo Luiza Neto Jorge
74 Sugestões de resolução

3. Presente: "Não passam... os anos sobre ti” [v. 1]. Futuro: “viverás
Nuno Júdice

BIOUP ONO & DATIAXHO


longe daqui” (v. 3); “deixarás sinais” lv. 4]; “te encontrar's” [y. 6).
“Como se faz o poema” / “Chuva” [pp. 6-7)
&. “No tempo”, o poeta terá uma outra vida, longe do mundo real co-
Leitura | Compreensão
nhecido; “no espaço”, na realidade em que se move, deixará sinais da
1.1. Em “Como se faz o poema”, a arte poética é apresentada como
sua presença, deixará a sua poesia e o rasto da sua memória.
um ato simples e sem requintes nem fórmulas [w. 2-3], metaforica-
5. Eufemismo. Os versos remetem para o futuro do poeta, referindo a
mente identificado com o ato de apanhar e de cuidar de uma flor
morte através de expressões que a suavizam: “campos silenciosos” e
(vv. 3-4]. No poema “Chuva”, a poesia é vista como um reflexo do
“nas ondas dos trigais”.
mundo exterior e a sua concretização corresponde a uma ação natu-
6. O último verso remete para a dimensão única do poeta, diferente,
ral, como outras apresentadas na composição, decorrente da chuva
pela imortalidade, dos outros homens.
[vv. 9-13 e 15-18].
Gramática
“Convívio” (p. 8] 1.1. (B). 1.2. [D). 1.3. [A].
Leitura | Compreensão
1. Contribuem para o carácter narrativo do poema a breve história do “Os trabalhos e os dias” [p. 14)
quotidiano apresentada (ação), a existência de personagens (o sujeito Leitura | Compreensão
poético e a “mulher da caixa”, v. 1), a localização temporal (num fim 1. O tema da composição é a arte poética ou a relação do poeta com a
de tarde”, v. 6] e espacial (o estabelecimento comercial, 0 “café”, v. 7, sua produção artística e com o mundo.
ea “rua”, v. 8). Junta-se a estes elementos o verso longo utilizado na 2. Com base na comparação, a primeira estrofe constitui uma afir-
construção da composição, que lhe confere um tom prosaico. mação da arte poética e do ofício poético. A mesa de trabalho do
2. O sujeito poético, em solidão e curiosidade, encontra-se num café poeta adquire uma condição de universalidade partilhada e a escrita
e vê [v. 7), do outro lado da rua, num estabelecimento comercial, a é aproximada da respiração permanente do amor e da vida.
“mulher da caixa”, que descreve, concentrada no seu trabalho [faz 3. O “espanto” do sujeito poético advém do reconhecimento das po-
contas de cabeça”, v. 2] e fechada sobre si mesma [talvez não olhe tencialidades da escrita, da poesia [Na mínima coisa que sou, pôde a
para / fora para que o seu olhar não se cruze com o de / alguém como poesia ser hábito”, v. 7), na sua influência sobre o mundo, ainda que as
eu”, vv. 15-17]. suas palavras tenham já sido ditas, tenham já outras concretizações
3. 0 “eu” poético sente-se diferente das restantes pessoas que en- poéticas anteriores.
chem o “café” por considerar que está verdadeiramente ocupado 4. Metáfora. O sujeito poético encontra-se preso ao seu ofício poético
(“olho para a neve /e para a mulher da caixa, e [...]vou fazendo contas na e à comunhão com os homens.
cabeça dela”, vv. 21-23), ao contrário dos outros que se sentam, em 5. “principieia escrever no princípio do mundo” [v. 13] - testemunho e
silêncio, e fingem ler o jornal “para justificar/ não estarem a fazer ação universal: “desenhei uma rena para caçar melhor” (v. 14] - forma
nada” [w. 20-21). de facilitar a ação da poesia; "falo da verdade, essa iguaria rara” [v. 15)
Gramática - sinceridade do poeta, relacionada com a função utilitária da ação
1. Oração subordinada substantiva completiva com a função sintática poética.
de sujeito. 6. No último verso, em articulação com a verdade reclamada no an-
terior, o sujeito poético aponta para a sua própria aprendizagem,
“Relendo Camões” (p. 9] numa ação de reciprocidade, em função da relação que estabelece
Leitura | Compreensão entre a sua poesia e o mundo ["como se a mesa fosse o mundo inteiro”,
1. A modalidade de intertextualidade é a alusão. v. 1), numa visão da poesia enquanto conhecimento e experiência e
1.1. Trate-se da alusão ao soneto de Camões “Mudam-se os tempos, enquanto transmissão de ambos.
mudam-se as vontades” e a essa temática explorada pelo poeta re-
nascentista, de que esta composição, com o mesmo tema - mudança Gramática
1. a. Sujeito. b. Modificador restritivo do nome. c. Modificador aposi-
- pretende ser uma continuação ["Vejo ainda coisas por dizer”, v. 1).
2. As frases transmitem a ideia de que a mudança é contínua. tivo do nome.
3. A conjunção adversativa “mas”, no início do verso 5, marca a oposi- “Os paraísos artificiais” [p. 15)
ção relativamente ao expresso na frase anterior. O sujeito poético, Leitura | Compreensão
depois de referir a possibilidade de se poder ser o que se quiser, se 0 1.1. O texto desenvolve-se com base na referência ao que não existe
tempo o permitir [wv. 3-4], estabelece uma ideia que se lhe opõe: isto na “ferra” do sujeito poético, em confronto com o que existe (“não há
não acontecerá se não souber efetuar as transformação necessárias terra, há ruas”, v. 1; “não há árvores nem flores”, v. &; “As flores [...]
através do “desejo” lv. 6). mudam ao mês”, v. 5; “não há cânticos, / mas só canários de 3.º andar e
4. O amor será a única razão que poderá impedira mudança. papagaios de 5.º", vv, 7-8).
Gramática 2. A anáfora (“Na minha terra”, vv. 1, 4, 10], reforçada pela repetição
1. Oração subordinada substantiva relativa. do constituinte “A minha terra” [w. 13 e 14], intensifica a identificação
2.1. Valor de probabilidade. do sujeito poético com o seu lugar de origem, pelo uso do deítico pes-
2.2. Coesão referencial. soal (“minha”), deixando transparecer nas suas afirmações uma in-
2.3. “se o tempo o deixar” - Modificador. tencionalidade crítica muito significativa.
3.1. O conector “porém” marca uma oposição relativamente ao que
“Imagem do mundo” (p. 10)
anteriormente foi expresso. Depois da afirmação do verso anterior,
Escrita
1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género. “Ea música do vento é frio nos pardieiros” [v. 9], o sujeito poético pa-
rece negar, ironicamente, a existência de pardieiros na sua terra,
Jorge de Sena apontando-os a locais distantes ["Pérsia” e “China” ou “inefáveis”.
“Para o aniversário do poeta” (p. 12] 3.2. O adjetivo “inefável” significa “que não se pode exprimir por pala-
vras; deslumbrante, delicioso, encantador”, Parece existir nesta re-
Leitura | Compreensão
1. (D). A imortalidade do poeta lw. 1-3). petição um jogo de palavras entre a ideia do que não pode ser dito
2. A apóstrofe ao “Poeta” e o uso da 2.3 pessoa conferem ao texto um por não haver palavras para o exprimir, pelo seu carácter positivo, e a
tom coloquial, que instaura a proximidade e a intimidade entre o sujeito ideia do que não pode ser dito por não ser permitido dizer, pelo con-
poético e o destinatário das suas palavras, poeta, como ele próprio. texto político repressivo da ditadura.
Sugestões de resolução

4. À organização do poema em torno da inexistência e da existência,


“Cabeça Grande” (p. 18)
da negação e da afirmação, do que se diz e do que pode ser dito cons- Escrita
trói no poema o “paraíso artificial” que é a “terra” do sujeito poético. 1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género.
“Humanidade” (p. 16)
Alexandre O'Neill
Leitura | Compreensão
“Albertina” ou “O inseto-insulto” ... (pp. 20-21)
1, Uma “tarde calma e fria” (v. 1) com “nuvens quase nada rubras” [v. 3)
Leitura | Compreensão
e “névoa” [v. 4), ao cair da noite que “queima tão depressa” [v. 8) a “ver-
1. O titulo do poema está relacionado com o assunto desenvolvido: a
dura fugitiva” lv. 7).
criação poética e a inspiração. No “quotidiano” do poeta, a sua fonte
1.1. As sensações representadas são tácteis (“tarde [.J fria" v. We
de inspiração, a sua musa é a mosca “Albertina” [v. 12), “O inseto-in-
visuais ["olhando as nuvens quase rubras / e a névoa”, w. 3-4; “e
sulto” [v. 13] que o atormenta.
olhando uma verdura fugitiva”, v. 7).
2. O poeta apresenta-se, no início do poema, em solidão e em espera,
2.1. Depois de um conjunto de versos de descrição do ambiente, rmar-
numa descrição humorística e desconstrutiva [w. 2 a 7), e inseguro
cada pelas sensações do sujeito poético, o verso 9 inicia a afirmação
relativamente à sua ação [w. 9-11). E é no debate com a inspiração
repetida do esquecimento [“esqueco-me”) e da menção às realidades que “A mosca Albertina” surge e a composição poética se desenvolve,
esquecidas. Porém, quem esquece, objetivamente, não se lembra ou 3. O poema representa uma arte poética invulgar, uma vez que o ato
não consciencializa o objeto do esquecimento. Este ato corresponde de criação poética é aparentemente banalizado e vulgarizado, quer
exatamente ao seu contrário, corresponde a um ato de memória. pela atitude do poeta quer pela forma como encara a inspiração - “A
3. Os aspetos esquecidos pelo sujeito poético, a “gente” [v.9], a “espe- mosca Albertina”, “um inseto-insulto”.
rança” [v. 12), os “homens” lv. 14), que a renovam, “ouvir cheirar a
Terra” [v. 16) e a vida, representam a sua visão da humanidade ou a “Bom e expressivo” (p. 22)
sua humanidade. Leitura | Compreensão
4. a. Metáfora. Nos versos, refere-se o “fumo da vida”, aquilo que se 1.0 poema pode ser dividido em duas partes. Na primeira, dos versos 1 a
liberta da combustão da vida humana “que trabalha e teima” e que 17, o sujeito poético sugere aquilo que a poesia não deve ser: algo apenas
ascende ao céu, que atinge a sublimação, ao contrário da “névoa” “bonito” [v. 4), com recurso excessivo a jogos formais, como as “rimas”
que, por não ser resultado da vida, apenas é “consentida pelos mon-
lv. 5). Na segunda parte, introduzida pelo conector “Mas” [v. 18), 0 “eu” li-
rico torna o seu discurso menos radical e admite o recurso à rima, já que
tes”. b. Sinestesia. A mistura de sensações (“ouvir cheirar”), na sua
“a regra é não haver regra” lv. 20), “a não ser a de cada um” [v. 21), na cons-
afirmação de esquecimento que é, simultaneamente, memória, re-
trução poética. À conclusão do texto, expressa essencialmente nos dois
força a ligação do sujeito poético à Terra e às sensações que nele
últimos versos, anuncia aquilo que o poeta deve procurar alcançar, isto é,
desperta. c. Anáfora. A repetição da forma verbal na primeira pessoa
0 poema “bom e expressivo” (v. 24], sugerindo que a beleza estilística e
da singular reforça a aparente negação memorial do sujeito poético.
formal não deve sobrepor-se à expressividade da mensagem.
5. A última frase, “E anoitece”, corresponde a uma conclusão do 2. Através da metáfora e da ironia presentes no verso 7 ('são o pão de
poema e do esvaziamento memorial do sujeito poético. A noite “que
ló dos tolos”), o sujeito poético critica os que apenas valorizam um
queima tão depressa” (v. 8) a “verdura fugitiva” lv. 7) parece queimar
poema em função da presença de rima. A personificação, mais uma
também a memória do “eu” poético. vez associada à ironia, em “Vai-me a essas rimas [..] /e torce-lhes o
“Ode para o futuro” [p. 17] pescoço.” [wv. 5 e 8), intensifica o repúdio do sujeito poético face ao
Leitura | Compreensão constrangimento formal que a rima constitui e à sua assunção en-
1.0 poema organiza-se em três partes. Nas duas primeiras estrofes, quanto critério determinante da qualidade de um poema.
o sujeito poético aponta para o futuro, eventualmente após o seu de- 3. O poema é constituído por seis quadras de versos que seguem a
saparecimento, momento em que os seus interlocutores falarão do tradição literária portuguesa ao nível da métrica, pois são heptassilá-
seu tempo como de um “sonho” passado [w. 1 e 8-9), marcado por bicos [redondilha maior). Em termos de rima, ainda que alguns ver-
características positivas [w. 2-7). A segunda parte, que se inicia com sos coincidam nos sons finais, eles são essencialmente soltos ou
a conjunção coordenativa copulativa “E” [v. 10] e ocupa a terceira es- brancos, não se desenvolvendo um esquema rimático fixo e regular.
trofe, apresenta os aspetos mais negativos do tempo em que vive “Homem” (p. 23)
(vv. 10-17), que suscitarão uma mera “angústia melancólica” (v. 17] no Leitura | Compreensão
futuro, tempo em que, com alguma indiferença face ao passado, se 1. As palavras são adjetivos.
desejará uma “idade de oiro” [v. 18). O momento final, que corres- 1.1. Os adjetivos permitem caracterizar o Homem (ser humano], ob-
ponde ao dístico com que termina a composição, retoma, no verso 20, jeto de análise neste texto.
o verso inicial - “falareis de nós como de um sonho” - num fechar de 2. Trata-se de um texto de carácter lírico, uma vez que o assunto do
ciclo que recupera a ideia de que, no futuro, o tempo anterior adgui- poema é apresentado de acordo com o ponto de vista subjetivo do seu
rirá uma dimensão onírica e será entrevisto, na sua complexidade, autor e a sua leitura permite também interpretações distintas e pessoais.
quase como se nunca tivesse existido como existiu. 2.1. Este poema não apresenta as marcas habituais da poesia, pois não
2. À composição inicia-se e termina com a comparação: “Falareis de se encontra organizado em versos e estrofes e não apresenta rima.
nós como de um sonho”, v. 1; “falareis de nós - de nós! - como de um 3. Resposta pessoal,
sonho”, v. 20. O sujeito poético reforça o facto de, no futuro, o seu
“Guichê/ 1º [p. 24)
tempo vir a ser objeto de análise ["Falareis de nós... '). Leitura | Compreensão
3. Face à lembrança do passado disfórico, a “idade de oiro” representa
1. Aironia nos seis primeiros versos resulta do facto de o sujeito poé-
e sugere um tempo diferente, áureo e próspero. tico assumir que prefere a ineficácia dos funcionários públicos a tera
4, O título do poema aponta para uma composição poética, a ode, cul-
expectativa de que o sistema funcione.
OEXPI2PC & Porto Editora

tivada, segundo os modelos clássicos, desde o Renascimento, que se 1.1, O facto de o sujeito poético aceitar esta situação faz com que ele
caracteriza pela eloguência, pela solenidade e pela elevação de es- sinta o desconforto próprio de quem tem de estar muitas horas em
tilo. Ao retomar o género, o poeta recupera uma forma poética da pé para ser atendido. [v. 7).
tradição literária para o tratamento da relação futura dos seus inter- 2. A verificar-se a hipótese levantada pelo sujeito poético, e face ao
locutores com a sua memória. insólito da situação de ser imediatamente atendido, ele apenas
Poetas contemporâneos

conseguiria resmungar e não produzir um discurso coerente, pois já “O funcionário cansado” (p. 31)
está habituado a aceitar os incómodos da espera. Subentende-se Leitura | Compreensão
que, caso as coisas funcionassem, isso causaria o seu descontenta- 1. A repetição da expressão “num quarto só” intensifica os sentimentos

PIOIPI OUO & DdTIdXÃO


mento. Daí a razão para reclamar. de solidão, de isolamento e de opressão do sujeito poético. Na primeira
3. As referências à “paciência” e à “doçura” necessárias face ao “buro- parte do texto, a expressão assume uma função mais intensa (“num
crata” que “desirabalha” ironizam sobre a forma lenta como cumpre guarto só num quarto só”, v. 7], sendo retomada no último verso, mar-
as suas obrigações. cando definitivamente, com grande destaque, a solidão do “eu” poético.
4. Deve começar por se observar o “globo que pende do teto” [v. 19), 2. No verso 17, o sujeito poético refere a represália que sofreu por
seguidamente olhar a “mosca dos tinteiros” [v. 21], depois atentar no parte do “chefe” por não estar concentrado no seu trabalho - viu
“calendário mural” (v. 23] afixado numa parede e, finalmente, exami- valor debitado da sua “conta de empregado”. O “eu” poético repre-
nar o “calendário perpétuo parado um mês atrás” [v. 26), pendurado senta o seu dilema de vida, enquanto “funcionário” e enquanto poeta,
noutra parede. demonstrando o seu desconforto na primeira função quotidiana ["Sou
5. À anáfora e o paralelismo revelam, ironicamente, a forma pouco dedi- um funcionário apagado / um funcionário triste”, vv. 10-11; “a minha
cada com que os burocratas se envolvem nas tarefas do seu quotidiano. alma não acompanha a minha mão”, v. 12; “Sou um funcionário can-
6. Resposta pessoal, salientando a ideia de que os “burocratas” só sado”, v. 18] e a sobreposição que a segunda impõe ['a minha alma
trabalham sob [aparente] ameaça, não dança com os números / tento escondê-la envergonhado”, v. 14-15;
Gramática “o chefe apanhou-me cam o olho lírico”, v. 16; “Porque me sinto irreme-
1.1. [C). 1.2. (B). 1.3. (B). diavelmente perdido no meu cansaço”, v. 20).
2. “o mantenedor do calendário em dia” [v. 29]. 3. Com a metáfora do verso 1 - “A noite trocou-me os sonhos e as
mãos” — é atribuída à noite uma ação direta que provoca confusão no
“O Macaco [Valsa lisboeta)” (p. 26] sujeito poético, uma desordem entre o seu interior e a ação poética.
Escrita Através da hipérbole do verso 27 - “todas as noites do mundo uma só
1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género, noite comprida” - a “noite comprida” de solidão e sofrimento do su-
jeito poético surge ampliada na associação a “todas as noite do
Antônio Ramos Rosa mundo”, intensificando-se, desta forma, os sentimentos do “eu” poé-
“Poema” (p. 29) tico. A composição inicia-se com a ação metafórica da noite, compro-
Leitura | Compreensão vando-se os seus efeitos de forma mais intensa no final.
1. Os adjetivos da primeira estrofe encontram-se no grau superlativo
relativo de superioridade [As palavras mais nuas / as mais tristes. / As “Há uma chama que queima” (pp. 32-33)
Leitura | Compreensão
palavras mais pobres”) e remetem para o grau superior de pureza, de
1. Esta “chama” simboliza um fogo de vida, que arde positivamente
simplicidade e para o sentimento máximo da poesia que o sujeito
poético procura. “no peito dos amantes” [v. 2] ou “esmorece [...] nos olhos apagados”
(v. 3] dos desistentes, dos que “não sabem despedir-se de um mundo
2. Após a apresentação das palavras poéticas, da primeira estrofe, o
em que brilharam” v. 4).
sujeito poético questiona-se sobre qual será a “alegria” e o “outro dia”
que elas desejam ("sonham"), ou seja, em que poema quererão figu- 2. Na definição de mundo, o sujeito poético identifica-o com “um
rumor redondo” para uns [conotação positiva] e com “um obscuro
rar, e a quem transmitem o seu verdadeiro brilho.
rumor” para outros [conotação negativa). Na definição, salienta-se a
3. À poesia é apresentada como a arte de procurar o lugar certo para
ação do “rumor” e destaca-se, antiteticamente, a perfeição ['re-
as palavras mais puras ["as palavras nuas que o silêncio veste”, v. 12),
numa aspiração da perfeição poética, metaforicamente representada
dondo”] e a dimensão sombria (“obscuro”).
3. À primeira concretização do conector [v. 7) introduz um conjunto de
na última estrofe: a poesia enquanto “alegria nova” [v. 14), “a multidão
reflexões que descrevem o mundo eufórico, enquanto “rumor re-
dos pássaros escondidos / a densidade das folhas, o silêncio / e um céu
dondo” (v. 5], em contraste com “obscuro rumor” [v. 6). A segunda con-
azule fresco” (vv. 18-20).
cretização veicula um contraste disfórico, apresentando “o mundo
&. O título do poema assume-se como a síntese absoluta da realidade
para outros”, em especificações do mundo “obscuro rumor” anterior-
cuja constituição o sujeito poético descreve ao longo do poema.
mente referenciado.
Gramática 4.a. Antitese. A oposição entre os adjetivos “inteiro” / “redondo” e “es-
1. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva. tilhaçado” evidencia a dimensão contrastiva do “mundo”, entre a per-
“Todo aquele que abre um livro” [p. 30) feição e a imperfeição. b. Comparação e metáfora, numa relação de
Leitura | Compreensão
aproximação da tonalidade do “mundo” - “tão escuro” - a “um pássaro
de lama”, um elemento com conotação negativa.
1. O livro é apresentado numa dimensão sublime, etérea ['nuvem”,
5. A última frase do texto, no mesmo tom sentencioso, crítico e impli-
L. 1, “que jamais [...] se dissipa”, v. 14), de perfeição absorvente ["re-
cado que se desenvolve na composição, classifica o mundo de “irre-
dondo como uma serpente enrolada”, v. 7) e vibrante de vida [formado
vogável”, definitivo, e definitivamente perdido para os que ascende-
de fragmentos onde lateja o sangue de um pulso”, v. 8).
ram dernasiado alto [subiram as suas escadas solares”) e se agitam
2. Com a caracterização do livro através do adjetivo “redondo” (v. 7), o
num violento leito de morte ['sobre um violento leito negro”).
sujeito poético parece querer transmitir uma ideia de perfeição, de
plenitude e, com a comparação com “uma serpente enrolada” [v. 7), de Gramática
sabedoria, de renovação ou de eternidade - algumas das simbologias 1.1. (AJ. 1.2. (A). 1.3. (C).
mais positivas da serpente. Os versos 8 a 10 abordam a formação do 2. "Esses já beijaram a lua” - Oração subordinante e coordenada.
livro, atribuindo aos seus fragmentos uma vida intrínseca [“onde la- “quando não era negra” - Oração subordinada adverbial temporal.
teja o sangue”) cuja origem é anterior ao próprio autor ['já não é de um “e vogaram em preguiçosos barcos sobre o ouro das ondas” - Oração
autor que nunca o foi”, v. 9] e que corresponde a um ritmo de nasci- coordenada copulativa.
mento constante ['será sempre o ritmo do que está a nascer”, v. 10).
3. solares”, “violento” e “negro”,
3. No verso 22, o sujeito poético representa a palavra poética na sua “Este poema é absolutamente desnecessário” (p. 34)
ambivalência de ação, vibrante ou suave; no verso 29, define a ação “O meu braço estende-se”
poética, pura e imprecisa, um “movimento ingénuo sonâmbulo e in- Escrita
certo”, na procura da palavra, 'o alvo puro” (v. 28). 1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género.
Sugestões de resolução

Herberto Helder corpo do sujeito poético, invadindo-o. b. A recordação da criança


“Não toques nos objetos imediatos” (pp. 36-37) dorme sobre as águas imensas da obscuridade do interior do sujeito
“Laranjas instantâneas” poético, sobre o seu lado mais sombrio. c. Os versos parecem apon-
Leitura | Compreensão tar para os momentos de violência do surgimento poético da criança,
1.1. No primeiro poema, o sujeito poético alerta o leitor para o sofri- que provoca sofrimento no sujeito poético. d. O verso parece dar a
mento provocado pelos “objetos imediatos” [v. 1), que queimam, “são entender a iminência comunicativa da criança, através das palavras
loucos” [v. 4], assustadores. Até o seu nome e o facto de se pronuncia- do sujeito poético. e. Os versos indiciam o efeito sufocante das recor-
rem provoca sofrimento, “A boca fica em chaga” (v. 9). A perspetiva do dações da criança que o “eu” foi e cuja presença recorda.
segundo poema é distinta, remetendo para a utilidade poética do real 3.1. A quinta estrofe inicia-se com a conjunção subordinativa condi-
lv. 2], apontando as potencialidades da sua intelectualização, para a cional “se”, que entretanto se repete, introduzindo à hipótese de a
imagem mental provocada pelo real. “criança” adormecer, de desaparecer. O sujeito poético vai condicio-
2.1. O poema remete para uma arte poética de intelectualização do nando a sua existência perante esta situação hipotética.
real, não constituindo este, contudo, o desencadear da ação poética. 4. A repetição do imperativo “escuta” parece ser uma forma de o su-
São as imagens mentais que são verdadeiramente “Operatórias” [v. 8) jeito poético recentrar a sua própria reflexão ou de conferir um valor
e Enriguecem o ofício” poético. didático ao seu poema, lembrando a importância do que diz a um
2.2. O adjetivo “ininterruptas” aponta para a mutabilidade e persistên- possível interlocutor.
cia das imagens mentais, por oposição à inoperabilidade física dos
“hoje, que eu estava conforme o dia fundo” lp. 43)
objetos, que existem imutáveis e sem efeito poético.
“já não tenho mão com que escreva”
2.3. Gradação. Do enriguecimento reiterado das imagens mentais, o
Leitura | Compreensão
sujeito poético evolui para a ideia de devastação e sofrimento que elas
1. O tema das composições é a poesia e o seu valor para 0 sujeito
provocam, enquanto “incêndio / quarto a quarto da alma” [vv. 10-11).
poético.
“O Poema -I” (pp. 38-39) 2. No primeiro poema, o sujeito poético mostra-se desalentado ['caí
Leitura | Compreensão abaixo de mim mesmo”, v. 3) com a sua própria poesia, que caracte-
1. O poema cresce, de forma insegura, em desordem, no interior do riza como trabalho árido ['sáfara safra”, v. 5]. No segundo texto, o
corpo do sujeito poético (“na confusão da carne”, v. 2). “eu” poético lamenta a falta de inspiração ("pois se me fundiu a alma”,
1.1. 0 poema nasce ainda sem palavras, assumindo-se em agitação v. 2), mostrando-se incapaz de a encontrar [noite atrás da luz", v. 4).
feroz e estética ainda indefinida, num movimento comparado ao do Resta-lhe apenas “tanta hora somada a nada” [v. 9), numa visão clara-
sangue, sustento de vida, no interior do ser. mente negativa da sua produção poética.
2.1. Se a primeira estrofe remete para o interior do sujeito poético e 3.a. À intertextualidade com “Autopsicografia” serve ao sujeito poé-
para o surgimento do poema, a segunda estrofe aponta para a exis- tico para referenciar a “dor escrita” e a dor “lida”, negando-lhes vali-
tência do exterior [“Fora”, vv. 6, 9], para o mundo, positivamente co- dade [serve para nada] e qualquer préstimo em termos de senti-
notado ['a esplêndida violência / ou os bagos de uva onde nascem / as mentalidade. b. O sujeito poético parece apelar a si próprio para que
raizes minúsculas do sol”, vv. 6-8; “os corpos genuínos e inalteráveis”, a dor a que se refere o verso, o sofrimento criativo e criado, não
v. 9; a grande paz exterior das coisas”, v. 11). venha a corresponder a algo determinado por uma qualquer regra ou
3. Animismo / metáfora. No seguimento da referência à “grande paz convenção, perdendo, assim, a sua essência.
exterior das coisas” [v. 11), surge-nos o animismo apaziguado das fo-
“Para o leitor ler de/vagar” (pp. 44-45]
lhas que repousam, que sustentam o silêncio [metáfora], numa ima- Leitura | Compreensão
gem de serenidade. 1. Otítulo, pela construção “de/vagar”, permite a dupla interpretação:
&. Depois da descrição eufórica do mundo exterior, na “hora teatral da para o leitor ler devagar, lentamente, ou para o leitor ler no vagar dos
posse” lv. 13], o poema cresce e absorve tudo, assumindo nele os ele- seus tempos livres. À composição poética desenvolve-se em torno do
mentos de uma nova existência. E é agora indestrutível e invasor. “leitor” e da forma como o sujeito poético o vê, enquanto recetor da
5. À anáfora da conjunção coordenativa copulativa “e”, aumentando o sua poesia e na relação com a sua poesia, bem como ele próprio
ritmo da composição, intensifica a intenção comunicativa da invasão perspetiva a sua arte poética.
concretizada pelo poema. 2. O ponto final tem, na composição, uma utilização que não respeita,
6. O último verso funciona como síntese do assunto desenvolvido. O muitas vezes, as convenções determinadas para 0 seu uso, O que
poema, que cresce 'na confusão da carne” [v. 2), desenvolve-se por si e provoca um imediato estranhamento. Pode, em primeiro lugar, des-
absorve tudo para uma nova existência, construindo-se contra o poeta tacar-se a intenção de estabelecer pausas para promover a leitura
[a came") e contra o mundo e a sua existência temporal ['o tempo"). “de/vagar” enunciada no título, Porém, estas pausas provocam tam-
7.0 poema, composto por cinco estrofes (uma quintilha, duas oitavas bém o destaque das palavras ou grupos isolados, numa desvincula-
e dois monósticos] não apresenta regularidade métrica ou rimática. ção da estruturação sintática que, não afetando de forma determi-
Gramática nante a semântica textual, enriquece a sua expressividade.
1.a. V. b. F — Valor modal de probabilidade. c. F - Sujeito simples; 3. “ardentescura” [v. 5). A candeia, metáfora da poesia, é caracteri-
d.V. e. F - Campo lexical de “mundo”. f. V. g. F - Frase simples que zada como amarela por fora, isto é, brilhante naquilo que se vê, “ar-
integra um verbo transitivo direto. h. V.i. F - Liga elementos coorde- dentescura”, ardente e escura, no seu interior. Este neologismo faz a
nados. j. V. k. F - Coesão lexical (por repetição). amálgama dos dois adjetivos, atribuindo à essência criativa da poe-
2.1. Derivação não afixal. sia, de forma una, as dimensões de sofrimento/pulsação lardente) e
de sombra/fechamento [escura).
“As musas cegas - VII” [pp. 40-42] “pedrissima” [v. 12]. Para caracterizar a palavra “pedra”, usada pelo
Leitura | Compreensão sujeito poético para a ela se comparar no seu fechamento, é utilizado
1. O sujeito poético identifica-se metaforicamente com uma casa o mesmo nome, estranhamente flexionado como adjetivo com um
(desta própria casa que eu sou”, wv. 4-5), a cuja porta bate uma sufixo do grau superlativo absoluto sintético. A expressividade re-
“criança”, a pulsação poética do seu interior que vai sendo referen- sulta do estranhamento, reforçando as características de dureza e de
& Port

ciada ao longo da composição. fechamento — hermetismo — do sujeito poético e/ou da sua poesia.
OEXPLZPG

2. a. À passagem remete para a capacidade de comunicação da “luminos-idade” (vv. 6-7]. A translineação efetuada desta forma per-
“criança”, da poesia inocente e pura que pulsa em “finas raízes” no mite a interpretação da palavra “luminos-idade”, associada a
Poetas contemporâneos

“candeia” (vv. 4 e 6), como luminosa idade, tempo luminoso “em meio são bento em vila do conde” [v. 2]. Introduz, pois, um reposicionamento

BIOMPA ONO & DdT LINHO


de ilusão” poética. do foco poético na realidade.
4. O sujeito poético invoca o “Leitor”, o recetor do seu ato poético, o 5. Segundo o sujeito poético, a vida inspira a poesia [wv. 11 e 15) e esta
criador último de sentidos, para se desvendar e para o alertar para a permite a reflexão sobre aquela, ainda que, por vezes, “como condição
sua forma de arte. indispensável do poema”, a atraiçoe lv. 17), não a reproduza de forma
[Será interessante referir que este poema, no conjunto publicado em exata.
1962 na obra “Lugar”, surge logo no início, depois de uma composi- Gramática
ção com o título “Aos amigos”1 1. “Eu” - sujeito; “sou alegre” - predicado; “alegre” - predicativo do
sujeito.
“Um espelho em frente de um espelho” [p. 46)
2. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
“Trabalha naquilo antigo” /“O olhar é um pensamento”
Escrita “Exercicio” [p. 51)
1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género. Leitura | Compreensão
Ruy Belo 1. O tema é a vida e o quotidiano do sujeito poético.
2. O sujeito poético, no seu espaço, de “olhar perdido” [v. 3] no movi-
“Cólofon ou epitáfio” (p. 48)
mento da roupa que vê pendurada em qualquer janela, reflete sobre
Leitura | Compreensão
a sua vida: os sentimentos contraditórios (“tristezas alegrias”, v. 5], a
1.0 título, com a palavra “Cólofon”, remete para uma inscrição final,
indecisão [esta vida indecisa de maresias”, v. 7), a impassibilidade
usada nos manuscritos medievais, que fornecia referência sobre o
[impassível ao vão vaivém humano”, v. 14), a indefinição ou a errância
autor, sobre a obra, transcrição, impressão, lugar e data da sua fei-
(“ando eu perdido de ano em ano”, v. 15] e a salvação que reencontra na
tura [etimologicamente significa 'remate') e, com a palavra “epitáfio”,
poesia (“regresso então à versificação / e encontro nos papéis o meu
para uma inscrição tumular que corresponde a um elogio fúnebre. A
segundo mar”, wv. 19-20).
composição poética parece ser efetivamente uma nota final ou um
3. a. Antítese. Reforça o estado de espírito contraditório do sujeito poé-
elogio fúnebre escrito pelo próprio poeta. Inicia-se com uma referên-
tico. b. Metáfora. O sujeito poético identifica-se com o monumento, cen-
cia à passagem do tempo e à sua utilização pelo poeta a “polir o seu
trando-se na “fachada / impassível”, demonstrando assim a perspetiva
poema / a melhor coisa que fez” lwv. 4-5). Centrando-se depois em si
fria e dura em relação ao movimento humano que existe à sua volta.
(“ele próprio coisa feita”, v. 6), caracteriza-se genericamente de forma
4. No verso 8, na invocação à vida, esta é caracterizada como “amea-
condicional e irónica [Não seria mau rapaz / quem tão ao comprido
cada”, sem perspetiva segura, considerando que a grande esperança
jaz”, vv. 8-9). A composição termina com uma das expressões recor-
do sujeito poético “é o café”. No verso 16, a caracterização evolui signi-
rentes da literatura popular, que remete para um tempo passado in-
ficativamente para a assunção da ausência de valor (“noves fora nada”).
determinado, mas muito distante ["era uma vez”, v. 10).
5. A última estrofe, enquanto conclusão do poema, corresponde a
“Génese e desenvolvimento do poema” [(p. 49) uma pacificação, à afirmação da salvação do sujeito poético, encon-
Leitura | Compreensão trada na poesia.
1. A aliteração sugere as “vozes”,
“Algumas proposições com pássaros e árvores que
2. As vozes “de quem fala” Iv. 2), Lembrando a “infância” [v. 1), “o sol”
o poeta remata com uma referência ao coração” (p. 52)
sobre a água [v. 3), o som do “vento” lv. 4), “a velha fortaleza” lv. 5), “a
Leitura | Compreensão
vista da baia” (v. 5), “a maré cheia” (v. 6), “a tarde” lv. 6), “as nuvens”
4. O título, muito longo, corresponde a uma síntese, quase irónica, do
(v. 6), “o azul” (v. 6], as memórias do sujeito poético [v. 7], “a luz” [v. 12),
conteúdo da composição, que é, efetivamente, constituída por “prapo-
“a hora” lv. 12), “as férias” [v. 12), “o domingo” [v. 12], “o cruzeiro de
sições com pássaros e árvores” até ao verso 16 e que inclui, no verso
pedra” (v. 13], “o largo” (v. 13] e “o automóvel” [v. 13). No fundo, as vi-
17, “uma referência ao coração”.
vências e lembranças do sujeito poético e o ambiente que o circunda
2.a. A anáfora de “Os pássaros” foca a atenção nestes animais, de-
constituem motivos de poetização.
monstrando a sua centralidade semântica na construção do poema.
3. Os versos remetem para o poder que a escrita poética possui de
b. A comparação parece querer atribuir características de vida e mo-
captar o real.
vimento às folhas que caem das árvores e poisam no chão.
4. Segundo o sujeito poético, mais relevante do que a vivência é a
3. A ironia destes versos está na sugestão de utilização de uma forma
forma como a consegue registar poeticamente.
de dizer rebuscada [v. 10), mas que o sujeito poético rejeita por se lhe
5. As expressões colocadas entre aspas sintetizam a perceção que o
assemelhar “complicada” lv. 12] e que atribui “20 romancista” [v. 11],
sujeito poético tem do meio que o envolve e que exemplificam as
pois entende que “não se dá bem na poesia” [v. 12). Sugere, assim, a
“únicas palavras” [v. 15] que 0 “fixam” [v. 16).
simplicidade da linguagem poética.
6. O título anuncia o assunto do poema, que começa por referir os
4. As interrogações retóricas finais remetem para uma reflexão sobre
motivos inspiradores do poema, a sua origem (génese), e que des-
o real, para um questionamento sobre a sua origem.
creve, em seguida, a forma como ele se desenvolve.
Gramática
“Esta rua é alegre” (p. 50) 1. Coesão lexical Irepetição de “árvores” e “pássaros”; coesão frásica
Leitura | Compreensão (concordâncias e complementos exigidos pelos verbos - “Os pássaros
1. Nos versos 1 a 9, o sujeito poético ironiza com o convencionalismo nascem na ponta das árvores"); coesão interfrásica [subordinação -
das palavras, jogando com o valor do adjetivo “alegre”. “Os pássaros começam onde as árvores acabam”), coesão temporal
2. O advérbio estabelece uma ideia de oposição face ao que foi dito [uso correlativo de tempos verbais - formas no presente do indicativo
anteriormente, introduzindo no texto um novo momento em que o - “nascem”, “vejo”, “dão”.
sujeito poético reflete sobre as relações entre as fontes de inspiração 2. “Gostaria de dizer” - oração subordinante; “que os pássaros emanam
e a sua captação subjetiva no “poema” [v. 17). das árvores” — oração subordinada substantiva completiva; “mas deixo
3. O advérbio remete para a afirmação do sujeito poético segundo a essa forma de dizer ao romancista” - oração coordenada adversativa.
qual aproveita o que sente “para dizer qualquer coisa” [v. 11), salien-
tando a dimensão emotiva associada à construção do poema. “Peregrino e hóspede sobre a terra” [p. 53)
&. A interrogação retórica interrompe a divagação subjetiva do “eu” Leitura | Compreensão
sobre a “vida” [v. 15] e o “pensar-se sobre ela” [v. 16] na poesia, recu- 1. O título do poema anuncia o carácter peregrino do sujeito poético,
perando o início do poema e a [aparente] descrição objetiva da “rua de confirmado pela ideia de que não possui apenas um país, mas que
Sugestões de resolução

pertence aos locais onde está bem e onde “num momento tudo” tem 3. No primeiro terceto, o sujeito poético, através da intertextualidade
lv. 3). Confirmando a ideia de que só é português por ter nascido em com a poesia de Camões ["Endechas a Bárbora escrava”) refere q
Portugal e de que pertence aos sítios onde se vai estabelecendo seu cativeiro, a sua prisão, no período da ditadura, motivada pelo uso
(w. 29-30), o adjetivo “hóspede” é utilizado no título para o apresentar
da palavra [Pal auras por quem eu já fui cativo”), que o poder político
como mero frequentador da Terra toda, por onde deambula e onde,
queria “escrava”, submissa e sem voz.
em certos locais, se fixa temporariamente.
4. O último terceto marca uma posição final do sujeito poético relati-
2. Resposta pessoal, com destaque para o contraste entre as ambições
vamente ao que foi expresso: apesar de tudo poder ser levado, serão
do sujeito poético e a pequenez (física? moral?) do país em que nasceu.
as palavras a possibilitar a integridade.
3. É possível identificar no texto os seguintes recursos expressivos:
5. À composição poética é um soneto [duas quadras e dois tercetos).
- a anáfora, nos versos 2 e 3, que contribui para a apresentação do
Os versos decassilábicos apresentam rima interpolada e empare-
“único país” (v. 1] concebido pelo sujeito poético;
lhada nas quadras e cruzada nos tercetos, segundo o esquema rimá-
- a enumeração Ú O malmequera erva o pessegueiro em flor", v. 9), que tico:abba/abba/cbc/dbha.
associa o “país”, tal como preconizado pelo “eu”, ao espaço natural
e às suas características; Gramática
- a antítese, usada, por um lado, no verso 16, para destacar o carác- 1. Orações subordinadas adjetivas relativas restritivas, com função
ter imaterial da palavra “país” face ao concretismo das realidades sintática de modificador restritivo do nome.
que, afinal, o devem constituir, e, por outro, nos versos 17-18, para, 2. Pronome relativo.
através da alusãoà amizades conquistadas e perdidas, salientar a “Balada dos Aflitos” (p. 59)
instabilidade e a itinerância de quem se sente* peregrino e hóspede Leitura | Compreensão
sobre a terra”. 1. Os destinatários das palavras do sujeito poético são os seus com-
“Uma vez que já tudo se perdeu” [p. 54] patriotas, que apelida de “Irmãos”. São caracterizados como “desam-
Escrita parados” (v. 1), desorientados, sem luz para os guiar ['a luz que nos
1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género. guiava já não guia”, v. 2), estando numa situação difícil [que passais
um mau bocado”, v. 7), sem capacidade para sonhar (“não tendes se-
Manuel Alegre quer a fantasia / de sonhar outro tempo e outro lado”, vv. 8-9], conside-
“O Poeta” (pp. 55-57) rados sem valia (“sem valor acrescentado”, v. 15] e a quem tudo se
Leitura | Compreensão recusa ['a quem é recusado”, v. 17]. São ainda caracterizados - in-
1. Ainterrogação retórica funciona como conclusão do sujeito poético cluindo-se nestas palavras também o sujeito poético - como “pros-
sobre a definição de poeta que apresentou nos versos anteriores: critos” [v. 21), “perdidos e cercados” [v. 22).
aquele que, tendo aprendido a “preço”, o custo da sua arte, está em 2. O sujeito poético condiciona, neste verso, a oportunidade da poe-
sofrimento, com “os pulsos abertos”, deles escorrendo “sangue puro”, sia, Uma vez que os seus interlocutores passam por grandes dificul-
a pura poesia que alimenta. dades e precisariam antes de alimento [ "gostaria de vos dar outros
2. O interlocutor do sujeito poético, o “Vós” a quem se dirige, corres- recados/ como pão e vinho”, vv. 5-6] e não conseguem encontrar
ponde a uma entidade coletiva repressora, à qual o “eu” afirma o poder forma de as ultrapassar, nem através do sonho (“não tendes sequera
do poeta e da poesia, sobre o qual essa entidade não pode agir ["Vós não fantasia / de sonhar outro tempo e outro lado”, vv. 8-9].
podeis mais nada”, vv. 6, 23, 30; “Nada podeis”, v. 12). Trata-se de uma 3. No texto poético, são claramente criticadas as difíceis condições
entidade de “cárceres” [v. 8, 28), “leis” [v. 10], “máscaras” (v. 10), “pala- em que vivem os cidadãos e a indiferença que o poder manifesta em
vras cheias de fantasmas” [v. 11] e “tribunais” (v. 20), que impõe o medo, relação às condições da sua existência, obcecado que está com a di-
3. A repetição da expressão "Vós não podeis”, ao longo da composi- mensão económica e afastado da necessária visão social.
ção, intensifica a posição de força moral e de coragem assurnida pelo 4. A poetização do real efetuada pelo sujeito poético articula, com fina
“ele” a quem se refere o sujeito poético, “um homem que sorriu aos ironia, a linguagem economicista do poder político “mercados”, vv, 3
tambores noturnos / dos vossos cárceres depois cantou / de pé no seu e 24; “mais-valia”, v. 6; “tudo se avalia”, v. 14: “valor acrescentado e
e “lvy. 7-9), por oposição aos outros, sintetizado no pronome v.15] e a linguagem do domínio religioso, mais ligada ao sentimento
» que, apesar do poder físico efetivo que detem, o vê repetida- popular ("Talvez Deus esteja a ser crucificado”, v. 13: “rogai por nós Se-
gente negado. nhora da Agonia”, v. 16; "Rogai por nós Senhora dos Aflitos”, v. 19]. Este
3.1. O verso reforça a impotência repressiva sobre o homem que já cruzamento concretiza a relação de forças incomparável entre o
está despojado de tudo aquilo que Lhe poderiam tirar, através de uma poder e a fé destes “Irmãos humanos tão desamparados” (v. 1).
metáfora que demonstra que o seu poder está naquilo que lhe não 5. O titulo remete para a concretização poética [balada] do seu con-
podem tirar: o canto. teúdo semântico - uma composição que apresenta a aflição das pes-
4. O retrato do poeta corresponde à do lutador incansável contra a dita- soas, uma aflição que tem de se socorrer do divino e da poesia, como
dura, pela força da sua poesia, das suas palavras e das suas ideias. tentativas de superação de um contexto de dificuldades económicas
“As palavras” [p. 58) às quais a economia não dá resposta,
Leitura | Compreensão “Crónica de Abril (Segundo Fernão Lopes)” (pp. 60-61]
1. Através da anáfora, associada ao paralelismo sintático, nos versos Leitura | Compreensão
1e 2, sugere-se a frequência dos maus-tratos de que são vítimas as 1.1. Ao longo do poema, cruzam-se os relatos do assassinato do
“palavras”, que, contudo, como a anáfora dos versos 3 e 4 realça, re- Conde de Andeiro por D. João, Mestre de Avis, e a aclamação deste,
sistem a esses ataques. Por meio da personificação, as “palavras” através da intertextualidade [citação ou alusão] com a Crónica de
são apresentadas como tendo vida própria, sendo “perseguidas” (v. 1), D. João |, de Fernão Lopes, e do golpe militar que esteve na base da
“violadas” [v. 2), não sabendo cantar 'ajoelhadas” lv. 3], e não se ren- revolução de 25 de Abril de 1974, por meio de passagens discursivas
dendo “mesmo se feridas” [v. 4). Esta personificação remete para a relativas a esse acontecimento. Ambos os relatos se concretizam em
OEXPIZPC & Porto Editora

força (por vezes, mesmo de conotação política) da palavra poética. progressão cronológica, interligando-se e fundindo-se as vozes poé-
2. À dimensão metafórica da segunda estrofe intensifica o sentido da tico-narrativas até ao clímax.
estrofe anterior, reforçando a ideia de que as palavras são a única 1.2. Os dois acontecimentos descritos remetem para momentos de
forma de combate, que, apesar de proibidas e vencidas, continuam a afirmação da independência e da liberdade nacional e de manifesta-
ferir, pela sua essência. ção da consciência coletiva na defesa do bem comum.
Poetas contemporâneos

“D. Sebastião” (p. 62) 2. Sensações auditivas — “passos soltos da gente que saiu [...]/no meu

BIONPA OHOg 3 DAZIAXÃO


Leitura | Compreensão guarto caio som” [vv. 1-3]; “soa o sino sólido das horas” lv. 6); sirenes e
1. “D. Sebastião” corresponde à metáfora da força que em nós pulsa e buzinas” lv. 15]; “Estragou-se o alarme / da joalharia” [wv. 18-17), “o
que nos impele à procura da utopia essencial da nossa existência. alarme não para” [v. 20); sensações visuais - “depois /a luz” [vv. 3-4];
2. Os versos 15 e 16 parecem assumir como identitárias as caracte- “no meu quarto cai o pó” [v. 7]; “um cano rebentou junto ao passeio”
rísticas da personalidade mitificada do “rei perdido”, D. Sebastião, [v. 8]; “um pombo morto foi na enxurrada / junto com as folhas dum jor-
pelo “excesso de saudade e ânsia”. naljá lido” [wv. 9-10]; “os lençóis na corda / abanam os prédios” (vv. 17-
3. O rei representa, no poema, o sonho e a esperança de o alcançar, -18); “o azul dos azulejos” tv. 19), “e duma varanda um pingo cai/ de um
numa luta e espera permanentes, num caminho sempre inacabado. vaso salpicando o fato do bancário” (vu. 23-24].
4.0 verso 17 relaciona-se com os versos do poema "D. Sebastião, Rei 3. a. Aliteração. A repetição de sons sibilantes intensifica o efeito
de Portugal” (Mensagem, Fernando Pessoa) “Por isso onde o areal está/ causado pelo som do sino no sujeito poético. b. Hipérbole. O efeito
Ficou meu ser que houve, não o que há”, numa perspetiva de continuação visual dos lençóis que abanam nas cordas é transmitido pelo sujeito
da mitificação - “um ser ainda não ser ou já ter sido”. O verso 20 contém poético como tendo ação sobre os prédios visíveis.
uma referência intertextual a Frei Luís de Sousa de Almeida Garreite a &. Apresentando uma situação quotidiana, numa madrugada, o su-
palavras do Romeiro [D. João de Portugal], na peça — “E quando alguém jeito poético perspetiva o real dando-lhe uma dimensão crítica consi-
voltar Ninguém Ninguém” - no entendimento de que o surgimento de derável, que pode verificar-se em algumas passagens: “ninguém
algo ou de alguém, que prenuncia o atingir do objetivo, corresponderá a sabe o que vai
/ por esse mundo” [vv. 4-5) - desconhecimento do que
um “não chegar”, ficando ainda dentro de nés esta ânsia. acontece à nossa volta, porque temos fechada “no ovo do sono a nossa
gema” (v. 14]; “ainda ninguém via satélite / sabe ao certo o que aconte-
“Poemarma” (pp. 63-54] ceu”, vv. 15-16 ou “não veio via satélite a querida imagem” lv. 21) - im-
Escrita portância dada ao visionamento das coisas através da televisão, ape-
1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género.
sar de elas poderem estar bem visíveis à nossa frente, como acontece
Luiza Neto Jorge com os eventos apresentados no poema.
“O Poema (ll]” /“O Poema Ensina a Cair” /“Eu, artífice” (pp. 66-67) “Endecha dos mais novos” (p. 70)
Leitura | Compreensão Leitura | Compreensão
1. Em “O Poema (II]”, o sujeito poético enuncia uma arte poética de mi- 1. O tom do poema corresponde ao que no título se enuncia, conside-
núcia objetiva e intensa [digo na maneira / mais crua e mais / intensa”, rando que endecha é um poema lírico, geralmente melancólico. E
v. 3-5], procurando a sua perfeição orgânica [mediro poema / pela me- este sentimento é evidenciado pelo sujeito poético relativamente aos
dida inteira”, vv. 6-7; “o poema em milímetro / de madeira”, vv. 8-9). Após “mais novos”, à geração mais jovem.
a ação do poeta, ganha o poema a sua própria autonomia. “O Poema 1.1. A melancolia e a tristeza do sujeito poético, sugeridas no título,
Ensina a Cair” assume uma perspetiva didática relativamente à ação do decorrem dos sentimentos e atitudes “dos mais novos, apresentados,
poeta e da poesia [“O poema ensina a cair/ sobre vários solos”, vv. 1-2). na primeira pessoa, ao longo do poema.
Os efeitos poderão ser rápidos e repentinos [perder o chão repentino 2. Podemos considerar no poema três partes, que correspondem à
sob os pés”, v. 3) ou mais lentos ("queda vinda / da lenta volúpia de cair”, divisão estrófica:
vv. 8-9), e o sujeito poético não deixa de reclamar para si algo de reco- 1.3 estrofe — apresentação geral dos sentimentos dos “mais novos”, que
nhecimento pela sua arte poética [ou especialmente a nós uma homena- estão a “descompasso” [v. 2) com os da Terra, distantes da oposição &
gem / póstuma”, wv. 13-14]. “Eu, artífice” aponta, logo a partir do título, guerra e, simultaneamente, pouco apostados na paz, ou seja, num posi-
para um conceção de poeta de ação laboriosa na arte da palavra [atento cionamento de quase indiferença em relação ao que se passa à sua volta;
agora ao traço / corrijo o mais da matéria”, wv. 1-2). O poeta “ergue” a sua 2.3 estrofe - referenciação de exemplos que concretizam as ideias da
arte “do poço / onde flutua” [vv. 3-4] - o seu íntimo — e vai desprendendo estrofe anterior: “Compêndios de nojo” lv. 5] e “atas de festa” lv. 5) são
oseu brilho” [v. 5) na palavra poética que nasce dentro de si. para os “mais novos” “escrita tremida” (v. 6], cuja leitura e inteligibilidade
se torna difícil, não aceitando, contudo, que quem sabe ["doutores”, v. 7]
“Recanto 2” lp. 68) lhes diga o que lhes custa ouvir ["o que purga e o que molesta”);
Leitura | Compreensão
3.3 estrofe — definição do momento único, passado, em que os “mais
1. O tema da composição é a vida.
novos” estiveram em harmonia com a “voz do sangue” lv. 9), com o
1.1. Segundo o sujeito poético, viver coincide com a ação de “ver”
sentimento íntimo da humanidade, que corresponde ao momento em
[v. 1), que inclui sonhar, atribuindo, desta forma, uma dimensão ex-
que estavam no ventre de suas mães; perdida a inocência, a pureza,
tremamente sensorial à vida.
naufragaram, sendo apenas “corpos de delito” [v. 12], “almas de refém”
2. Para confirmação da ideia expressa na primeira estrofe, o sujeito
[v. 12], presas a algo a “descompasso” “com a Terra” lv. 2).
poético apresenta o exemplo do “comércio de viver” lv. 5], das transa-
3.a. Antitese. A oposição entre “guerra” e “paz”, associada à oposição
ções, das trocas existentes na vida, que transporta para 0 “papel”
“ripostar” e “apostar”, intensifica o posicionamento passivo “dos mais
(v. 10], para a poesia. novos”. b. Metáfora. A “voz do sangue” remete para o sentimento ín-
3.1. Além da ação de “ver” da primeira estrofe, viver inclui também
timo, de ligação intensa e profunda.
“andar percorrer voar” [v. 11), num “sentido ambulatório” que comple-
&. À composição, construída na primeira pessoa do plural, coloca na
menta aquela dimensão sensorial.
voz “dos mais novos” um conjunto de sentimentos e atitudes negati-
4. Gradação. A noção de “viver” enunciada no primeiro verso da com-
vos, como a indiferença [1.2 estrofe), o desconhecimento e a arrogân-
posição evolui, no verso 11, através da apresentação das ações de
cia [2.2 estrofe) e a perda da ligação à pureza [3.º estrofe).
“andar percorrer voar”, perspetivando percursos de progressiva liber-
5. En/quan/too/no/sso/co/ra/ção/vo/raz/
tação que culminam na sublimação do voar “com os braços” [v. 12).
ba/tea/des/com/pa/sso/com/o/da/Te
Gramática Versos decassilábicos.
1. Complemento oblíquo. 6. Todas as estrofes apresentam rima interpolada entre o primeiro e
2. Apócope, síncope e sonorização. o quarto versos e emparelhada entre o segundo e o terceiro.

“Acordar na rua do mundo” (p. 69) “Natureza morta com Bernardo Soares” [p. 71)
Leitura | Compreensão Escrita
1. O tema é o mundo contemporâneo do sujeito poético. 1. Texto pessoal, respeitando as marcas do género.

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