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Eugénio de Andrade

Poema
«Ao Miguel, no seu 4.º aniversário,
e contra o nuclear, naturalmente»
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Caveira desenhada com velas — protesto de ativistas da Greenpeace


contra a energia nuclear na Roménia (10 de março de 2013).
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Vais crescendo, meu filho, com a difícil


luz do mundo. Não foi um paraíso,
que não é medida humana, o que para ti
sonhei. Só quis que a terra fosse limpa,
nela pudesses respirar desperto
e aprender que todo o homem, todo,
tem direito a sê-lo inteiramente
até ao fim. Terra de sol maduro,
redonda terra de cavalos e maçãs,
terra generosa, agora atormentada
no próprio coração; terra onde teu pai
e tua mãe amaram para que fosses
o pulsar da vida, tornada inferno
vivo onde nos vão encurralando
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o medo, a ambição, a estupidez,


se não for demência apenas a razão;
terra inocente, terra atraiçoada,
em que nem sequer é já possível
pousar num rio os olhos de alegria,
e partilhar o pão, ou a palavra;
terra onde o ódio a tanta e tão vil
besta fardada é tudo o que nos resta;
abutres e chacais, que do saber fizeram
comércio tão contrário à natureza
que só crimes e crimes e crimes pariam.
Que faremos nós, filho, para que a vida
seja mais que cegueira e cobardia?
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«e contra o nuclear, naturalmente»


Advérbio que destaca a opinião
transmitida no título
«Vais crescendo, meu filho» (v. 1)
Todos os homens se devem
O «tu» a quem opor à energia nuclear
o sujeito poético
se dirige: «[seu] filho»

Posição sensata
ou «natural»

Questão discutida na época


em que Miguel celebra
o 4.º aniversário O poema descreve
a Terra onde o sujeito poético
deseja que o «tu» cresça
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Onde a vida possa ser «mais Onde não existam «o medo,


que cegueira e cobardia» (v. 27) a ambição, a estupidez» (v. 15)

Onde os homens vivem «todo o homem,


de uma forma plena, todo, / tem direito a
verdadeiramente humana sê-lo inteiramente»
(vv. 6-7)
«Só quis que a terra
Terra sem poluição
fosse limpa» (v. 4)

Não é um paraíso, porque «Não foi um paraíso,


não existem realidades / que não é medida
humanas perfeitas humana» (vv. 2-3)

O poema descreve
a Terra onde o sujeito poético
deseja que o «tu» cresça
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Jack W. Aeby, A explosão de Trinity (1945).

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