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A gente mira no amor e

acerta na solidão
Disciplina Optativa III – Contribuições à Psicologia do Amor
Professora: Ana Luisa Ribeiro
• Livro não é um manual – talvez nada devesse ser! Escrever não é cuspir
verdades!

• Não há amor que nos livre da solidão.

• Amor e solidão são temas fundamentais. Falar sobre eles é falar sobre a
vida. As duas palavras rimam, embora a língua portuguesa discorde. Para
ela, fez mais sentido que o sentimento rime com dor. Para Ana Suy, amor
rima com solidão, não com dor, porque estar sozinho não é um sofrimento.
• Só que se sentir solitário é um pré-requisito para amar. Precisamos nos
sentir sós com a gente mesmo para que possamos amar o outro
plenamente. É enganosa a ideia de que o amor pode nos livrar da
solidão. Sempre estamos sós ao amar, porque cada um ama do seu
próprio jeito, com sua história, seus perrengues e suas dificuldades
psíquicas.
• No fim, sempre comparecemos com a gente mesmo. No coração do
amor está a solidão. Por isso, se não suportamos ficar sós, também não
suportamos amar.
• O ser humano é o único animal que depende do amor para viver.
Viemos ao mundo sem ferramentas para sobreviver na ausência do
acolhimento humano. Um bebê desamparado tem poucas chances de
vida. É pelo amor que vivemos, ainda que possa ser fruto de um
instinto amoroso meio torto.
• Isso torna o amor o tema fundamental da existência. A maior parte das
pessoas se interessa pelo tema, seja estudando ou amando. As histórias
da literatura, as letras das músicas e os poemas são quase todos sobre
o amor. Ao falar sobre o assunto, nem sempre precisamos falar de um
casal ou um par sexualmente envolvido.
Nem sempre sabemos aquilo que sabemos

• A amizade, por exemplo, é uma boa modalidade amorosa,


capaz de trazer muita alegria e salvar vidas. O amor não se
restringe a só uma modalidade. Existem inúmeras formas de
amar. Mas nenhuma é fácil, porque não existe uma forma que
nos livra de nós mesmos e da solidão.
• Às vezes, o que nos encanta é a parte de nós que descobrimos
ao interagir com o outro. A sensação de que um desconhecido
romântico é especialista em nós mesmos é uma das marcas do
nosso psiquismo. Isso tem origem no amor materno, já que as
mães antecipavam nossas necessidades quando éramos
crianças.
• Para a autora, se tudo der certo, as mães serão decepcionantes. Isso
acontece porque as figuras maternas só podem ser suficientemente boas.
Se forem boas além da conta, não iremos querer nos separar e nunca
estaremos preparados para o mundo. Herdamos essa dificuldade de nos
separar do amor materno e passamos a buscar delirantemente a alma
gêmea.
• Isso acontece porque temos uma eficiente capacidade de não saber
aquilo que sabemos. Os psicanalistas chamam isso de recalque, um
mecanismo de defesa que nos faz não conhecermos o que já é
conhecido. Isso faz com que algumas das coisas mais difíceis de perceber
também sejam as mais óbvias.
Amar é dobrar a falta

• É frequente a busca pela alma gêmea, que também é a metade


da laranja e a tampa da panela. Por isso, passamos a olhar
para nosso umbigo e a procurar um outro que supra a nossa
falta. Assim, seríamos completos. No entanto, isso é um
engano.
• Na verdade, ao amar, nossa falta dobra. Quando encontramos
alguém, não encontramos a parte faltante, mas a que vai fazer
falta a partir dali. Por isso, miramos no amor e acertamos na
solidão. Somos todos naturalmente insuficientes, isso não é
necessariamente um problema. Lidar bem com a nossa falta é
o que livra o outro da posição de salvador.
• Na verdade, precisamos de alguma falta para
sobreviver porque a presença excessiva do outro nos
gera angústia. Nesse caso, passamos a sentir
saudades da saudade. Queremos ser amados pela
presença, mas também pela falta. É isso que acontece
quando nos perguntamos se nosso par romântico se
importará caso fiquemos algum tempo sem ligar ou
mandar mensagem.
Ponte entre solidões

• Nossa cultura costuma patologizar a solidão. Isso é fruto da confusão


entre estar só e sentir-se só. Todos vivemos solitariamente, porque
habitamos o corpo e a mente apenas com nós mesmos. Às vezes, a falta
de solidão é justamente o que gera sofrimento.
• A autora cita como exemplo a protagonista Nina, do filme Cisne negro,
que sofre justamente porque se sente invadida pela mãe. Temos a
necessidade de ficar a sós, ainda que na presença dos outros. De certa
forma, somos inventores da própria solidão, porque precisamos criar um
espaço, dentro de nós mesmos, que o outro não alcance.
• Um dos sinais de que uma criança está amadurecendo é quando ela
conta mentiras. Isso é positivo porque mostra que o filho se desenvolveu o
suficiente a ponto de criar um espaço psíquico que os pais não chegam.
Por isso, as pessoas pedem palavras umas às outras. É o que cria a
ponte entre as solidões no amor.
Amamos na diferença

• Esperamos demais do instinto amoroso, acreditando que é infinito,


inquebrável e imortal. Só aprendemos a usar o amor no gerúndio, porque
temos dificuldade de conjugá-lo no passado. Achamos que temos que
suportar tudo para amar, mas esse é o melô de um relacionamento
abusivo. É perigoso presumir que a experiência amorosa nos salvará de
nós mesmos.
• Às vezes, a ânsia por amar faz com que vejamos a diferença como
desamor. Tendemos a achar que o outro não nos ama porque é ciumento,
fumante ou não quer ter filhos. A diferença vira rejeição. No entanto, a
experiência amorosa está no contrário. Amamos genuinamente o outro
porque ele é ele mesmo.
• O amor está na diferença. Quando mudamos a nós mesmos para nos
adequar aos padrões do par romântico, distanciamos de nós mesmos.
Não amamos um espelho na forma do outro, mas aquele que mostra que
existe um mundo além do nosso umbigo. O amor só é possível quando
furamos nosso narcisismo.
Não existe felicidade sem infelicidade

• A autora revela a crença de Freud de que a felicidade é episódica. Só


conhecemos uma coisa em contraste com a outra. Nada existe sem a
diferença. Se todas as cores fossem azul, seríamos incapazes de
compreender o azul. Só conseguimos entender as cores porque são
várias.
• Assim é com ideias como baixo e cima, acordar e dormir, luz e escuridão.
Isso também vale para os momentos felizes. Para os conhecermos,
precisamos também entrar em contato com a infelicidade. Por isso, o
sofrimento não é ruim. Na verdade, é o que torna a felicidade possível.
• Para Freud, um dos objetivos da psicanálise é fazer com que o infortúnio
neurótico lide com o cotidiano. Afinal, todos estamos expostos ao
sofrimento corriqueiro. O problema surge quando nos apegamos ao
sentimento infeliz e nos viciamos na tristeza.
A perda de quem somos para o outro

• Nós existimos a partir do olhar do outro. Não temos essência puramente


nossa, absolutamente independente. Um traço nosso aparece diante dos
amigos, outro diante da família. Às vezes, há algum que aparece diante
de todos, mas não quando estamos sozinhos. Por isso, quando perdemos
alguém, perdemos também quem éramos para esse outro.
• Se um par romântico nos deixa para se relacionar com outra pessoa,
temos também que elaborar o luto pela perda do que somos para ele.
Outro sofrimento vem da perda da versão que idealizamos de quem
amamos. O que torna as coisas mais complicadas é nossa dificuldade de
assimilar que o amor acaba.
• Pode parecer injusto, porque, às vezes, o amor acaba para um e
permanece vivo para outro. Isso faz com que uma pessoa insista em uma
relação quando algo do par romântico já não está mais ali. Não tem razão
específica para isso. O instinto amoroso pode ter fim e, em alguns casos,
tem mesmo.
O medo de se perder perdendo o outro

• Chegamos à vida cedo e imaturos. O bebê nasce sem ferramentas para


sobreviver sozinho e precisa de amor e acolhimento para se manter no
mundo. Ou é cuidado, ou não há vida. Nossa chegada ao mundo tem a
premissa de sermos radicalmente desamparados. É no amor do outro que
nos ligamos à vida.
• Só que o medo do desamparo nunca desaparece. Não existe nada tão
humano quanto o medo de perder o outro, e até o medo de se perder
perdendo o outro. Por isso, o filho precisa, aos poucos, aprender a se
afastar da mãe. Assim, pode descobrir que, caso o outro vá, ele é capaz
de ficar com ele mesmo.
• Outra fantasia assustadora é a de sermos trocados, um instinto baseado
na inveja. Quando invejamos, não queremos o que é do outro, mas
desejamos que ele não tenha o que temos. Essa é a base para o famoso
complexo de édipo do Freud.
O amor começa a morrer quando inicia

• O amor é mais uma gangorra do que uma linha do tempo. Possibilidades


como paixão, solidão e afeto se misturam circunstancialmente até chegar
ao fim. Tudo começa a terminar no momento que se inicia. Só estamos
vivos porque, em algum dia, não estaremos mais.
• Isso faz com que, quando nos apaixonamos, queremos que o tempo com
a pessoa pare. Só que desejar só faz sentido porque o que desejamos
está protegido da realidade. Sem seu término, o objeto de desejo não
seria desejado. Assim também é a vida, que só existe diante da
possibilidade da morte.
• O problema é que não lidamos bem com os términos. Tentamos prolongar
todas as coisas infinitamente. Esse instinto não se sustenta porque
começamos a morrer assim que nascemos. O amor funciona da mesma
forma. Começa a morrer quando se inicia. Por isso, há quem queira
preservar o ideal na eternidade do amor platônico,
A amizade é o amor que deu certo

• A amizade é a modalidade de amor que mais salva vidas e, ainda assim, é


colocada em segundo plano. Não é raro que uma pessoa se afaste dos
amigos quando uma relação começa, e volte quando ela termina. Isso
acontece porque as amizades são pontos de apoio compartilhados por
pessoas que conhecem um lado nosso que fica de fora da relação
romântica.
• Os amigos são as escadas de incêndio para quando o prédio está
pegando fogo e o elevador da paixão é pouco confiável. Nesse sentido, é
possível dizer que a amizade é também um estado digno do amor.
A gente mira no amor e acerta na solidão

• O amor e a solidão são parentes próximos. Um depende do outro. Por


isso, contrariam nosso hábito de colocá-los intuitivamente nos extremos,
como se fossem antônimos. Nem sempre estar só é sinal de
individualismo ou isolamento.
• Quando nos livramos dos imperativos do superego, temos um estado
solitário apaziguante. Quanto ao amor, somos muito exigentes com ele.
Nos debruçamos sobre esse sentimento com muitas demandas que
nascem das nossas fantasias.
Notas finais

• A solidão está no coração de toda forma do amor,


já que nenhuma nos livra de nós mesmos. Ana
Suy mostra que todos temos faltas, desamparos,
inseguranças e perrengues psíquicos.
“O fato de algumas borboletas durarem horas e algumas tartarugas
150 anos, não faz com que uma vida seja melhor do que a outra. Na
verdade, eu acho, inclusive, que a beleza da flor natural é ela morrer. E
é o horror da flor de plástico: nunca morre e, por isso, nunca vive.”
(KARNAL, 2017, p. 85)
Para refletir...

• Tempo é dinheiro. É?

• Será que existe alguém que nunca desejou amar (amor conjugal)?
Referências

• SUY, A. A gente mira no amor e acerta na solidão. São Paulo: Planeta


Brasil, 2022.

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