Camões produziu poemas nas duas vertentes que vigoravam no seu
tempo, a medieval, expressa na “medida velha” (redondilhas), e a clássica, expressa pela “medida nova” renascentista (sonetos, odes, elegias, canções etc), subdividida em lírica e épica (“Os Lusíadas”). Em ambas as vertentes, Camões foi o maior poeta do seu tempo. Na lírica Camoniana predomina o tema do amor, cantado em todos os tons: ligeiro, espirituoso ou mesmo picante, pelas variações que passam pelo elogio até ao tom sério quando não trágico, complicando-se com a temática da saudade, da insatisfação, da morte e com o sentimento do pecado. Além dos temas amorosos salienta-se também o do desconcerto ou do absurdo. Temos ainda composições de temática religiosa, e finalmente poemas de circunstância, quer para apresentar a obra de um contemporâneo, quer para interceder generosamente por uma pobre mulher condenada ao degredo, quer para lembrar jocosamente uma dívida ou para pedir protecção contra um credor,quer ainda para convidar os amigos para uma ceia onde apenas comerão trovas. Quanto às formas, Camões usou a redondilha com muita graça em composições de estilo semelhantes a textos do cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Mas como é natural, a maioria das composições adotam a medida nova que o renascimento põe em voga e alguns dos subgéneros líricos herdados da estética clássica: o soneto, a oitava rima, a canção, a ode, a elegia e a écloga. No conjunto da obra lírica sente-se a influência clássica: Virgílio, Horácio e Ovídeo. Torna-se mais potente a influência de Petrarca: a mulher como ser superior, quase divino, de beleza inefável; a atitude infinitamente do amante perante a senhora; o sentimento da distância que os separa; a morte por amor, etc... Características da poesia lírica de Luís de Camões • A obra lírica camoniana é marcada por uma dualidade: por um lado, a poesia de carácter trovadoresco dos cancioneiros, por outro, as novas composições introduzidas pelo Renascentismo. • Como poeta do Renascentismo, a sua produção lírica é uma expressão desse dolce stil nuevo. • Trabalhou quase todos os géneros restaurados: a écloga, a ode, a elegia, e as formas fixas novas - o soneto e a canção. • A sua poesia é sustentada em pólos antagónicos: mulher ideal e perfeita / mulher feiticeira; amor espiritual /amor sensual; humildade / orgulho; inocência / sentimento de culpa; natureza como espelho da alma / natureza contrastante com o estado de alma. • Petrarca e Dante são seus principais mestres. Áreas temáticas: • O amor: amor físico vs amor platónico; a divisão interior do sujeito poético causada pelo conflito amoroso; o poder transformador do amor e os seus efeitos contraditórios. • A mulher: retrato da mulher perspetivada na conceção de Petrarca e Dante; a amada surge umas vezes como ser angélico, outras como ser maléfico; a mulher ideal é inacessível e intocável. • A natureza: encarada como fonte de recursos expressivos, sempre ligada à poesia amorosa; o locus ameno. • A saudade: faz sofrer, mas inspira; a ausência da amada é insuportável e divide o sujeito poético. • O tempo e a mudança: a mudança é cíclica e o tempo anula qualquer esperança. • O destino: é sobretudo na sua vida amorosa que Camões sente a presença maleficiado destino: tentando lutar contra a má fortuna, o sujeito poético recorda, muitas vezes, o bem passado. Medida velha: escritas na mocidade do poeta, as suas redondilhas são, em geral, leves, brincalhonas, destinando-se à recitação na corte. Mas, ao género popular e folclórico da poesia medieval, Camões oferece dimensões mais vastas, fruto da sua grande experiência pessoal e de seu genial talento. O uso das antíteses e dos paradoxos ultrapassa as limitações formais das redondilhas, dando-lhes uma problemática nova, recheada de ambiguidades, trocadilhos, imagens e de magia verbal. • De influência da poesia tradicional portuguesa nomeadamente da trovadoresca e palaciana. • Algumas composições poéticas: cantigas, vilancetes, esparças, endechas… • Redondilha menor (cinco sílabas métricas) e maior (sete sílabas métricas). Temas tradicionais e populares da medida velha: • a menina que vai à fonte; • o verde dos campos e dos olhos; • o amor simples e natural; saudade e o sofrimento; a dor e a mágoa; • o ambiente cortesão com as suas “cousas de folgar” e as futilidades; • a exaltação da beleza de uma mulher de condição servil, de olhos pretos e tez morena (a “Barbara, escrava”); • a infelicidade presente e a felicidade passada. 1. Cantiga A Cantiga constitui uma composição medieval galego-portuguesa do tema religioso ou profano, destinado a ser cantada. Formalmente, corresponde a uma composição poética composta por um mole de quatro ou cinco versos e por uma ou vários glosas de oito, nove ou dez versos, que repetem no final pelo menos o último verso do mote. 2. Vilancete Etimologicamente, vilancete quer dizer “cantiguinha vilã” e o termo surge pela primeira vez no Cancioneiro Geral. Esta composição poética nasce de um mote pequeno (de dois ou três versos), popular ou alheio, e desenvolve-se nas voltas. Distingue-se da cantiga pelo facto de o mote não ser repetitivo textualmente e o metro utilizado é o tradicional de 5 ou 7 sílabas métricas. 3. Esparsa Trova de cariz triste e melancólico generalizada na Península Ibérica a partir do seculo XV que não é precedida nem de glosa nem de mote, constituída por uma única estrofe de redondilha maior, com oito a dezasseis. 4. Endecha Composição lírica proveniente do Cancioneiro Geral que exprime sentimentos tristes e plangentes, aspeto que, entre nós, nem sempre foi observado. Constituída por quadras, caracteriza-se pela utilizada de redondilha menor ou pelo verso de 6 sílabas. Temática da Medida Velha • Representação da amada: Menina descrita objetivamente em quadros do quotidiano (fonte, natureza), porém há personagens femininas dissimuladas que conduzem ao engano amoroso. • Representação da natureza: “Locus Amoenus”, natureza bela e serena, cheia de cores e cheiros, transfigurada pela figura da amada. • Experiência Amorosa e reflexão: Correspondência amorosa: plano de igualdade entre sujeito poético e amada; alegria de amar; perspetiva leve e harmónica do sentimento amoroso, mas também exaltação da força do amor, para além de todos os códigos, denúncia da subversão do sentimento amoroso, através da mentira da amada ou do seu proferimento perante interesses materiais. • Reflexão sobre a vida pessoal: Exame de vida; tópicos de circunstâncias tornam-se, por vezes, questões de interpretação existencial; auto inimizade; protesto ou notação de incongruências de caráter ético ou metafísico. • Desconcerto do mundo: Perspetiva que demonstra (perplexidade, incompreensão do mundo que o rodeia; prémios e castigos distribuídos injustamente; violação da ordem dos valores; vida feita de sucessão de males) • Mudança: A vida muda sempre para pior; A mudança traz a tristeza (presente) e elimina a felicidade (passado).