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Direito Romano

Apontamentos das aulas teóricas e práticas do Professor Doutor


Carlos Sardinha

2015

Aluno – Pedro Da Palma Gonçalves


Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2014/2015

Faculdade de Direito

Familia, gens, curia, tribus


- A Família Romana era um agregado de coisas e pessoas sujeitas à auctoritas do
paterfamilias (chefe de família, já que pai é genitor). O vínculo que une as pessoas ao
paterfamilias não é de sangue, necessariamente, mas de sujeição ao seu poder,
tendencialmente absoluto, na vida e na morte, sobre todas as coisas e pessoas dentro
da sua organização política.

- A gens é formada por um conjunto de famílias submetidas à auctoritas do


patergentis. Os membros usavam, por vezes, o mesmo nome (nomem gentilicium),
pela convicção de descendência de um antepassado comum.

Nota: os romanos usavam 3 nomes, o praenomen (nome próprio ou individual), o


nomen gentilícum (apelido familiar) e o cognome que indica um ramo especial dentro
da gens, muitas vezes confundido com o sobrenome (agnomen), alusivo a alguma
característica pessoal diferenciadora.

- Com o culto conjunto de divindades superiores às domésticas, os romanos instituíram


uma organização em cúrias, onde várias famílias se reuniam na adoração de uma
divindade, por abandono do culto particular. Era nomeado um curião, sacerdote que
presidia aos ritos religiosos.

- Com o crescer das cúrias, nascem as tribus, mais vastas, mas que partilhavam o fim
religioso e a estrutura organizativa.

- A civitas surge finalmente quando as tribus, por acordo ou necessidade de defesa, se


coligam nomeando um rex e levantando altares às divindades comuns da comunidade.
A 1ª grande missão do rex é a de sumo-sacerdote, isto porque a religião era entendida
como o grande vínculo adesivo da comunidade. A criação da civitas não eliminava os
corpos políticos menores já referidos, que conservavam plenas funções. Em Roma, a
nomeação do 1º Rei deu-se com a fundação da civitas em 600 a.C., nascendo aqui o
domínio etrusco.

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Monarquia (rex, senatus, comitia curiata; a lex curiata de


imperio)
- Rex é o sumo-sacerdote, o chefe militar, o supremo juiz, enfim, o reitor da civitas.
Possui um cargo vitalício, mas não hereditário, podendo, ainda assim, designar o
sucessor, que só o seria realmente após a investidura formal de poder pela Lex Curiata
de Imperio nos comícios por cúrias (soberania popular delegada).

- Para além dos auxiliares, o rex também era auxiliado pelo Senado. Originariamente
constituído pelos patergentis fundadores da civitas romana, mais tarde pelos mais
experientes (senex), e progressivamente pelos plebeus (312 a.C., com a Lex Ovinia,
definitivamente) – passando-se a designar paters et conscripti. Tinha como funções
principais: Conselho do Rex; Nomeação do Interrex no Interregnum; Dar a Sanção
Senatorial (auctoritas patrum) às leis comiciais; e resposta a consulta jurídica
(senatusconsultum).

- O Povo romano era constituído por patrícios, a classe aristocrática, detentora de


todos os direitos, e plebeus, a classe humilde, detentora de poucos, o que, desde cedo,
originou lutas políticas acérrimas pela equiparação política. Ambos pertenciam ao
Populus Romanus, e detinham a mesma condição de membros da organização político-
militar por centuriae (companhias de soldados) e tribus (divisão territorial de carácter
militar dominada pela plebe que instituía um sub-Estado, nomeando um chefe próprio,
o tribuno da plebe).

- A vontade do povo, detentor de uma parcela da soberania, era expressa nos comitia
(assembleias, comícios). Reunindo regularmente ou por designação, os comitia curiata
eram os mais antigos, originariamente acessíveis só a patrícios, mais tarde a todo o
populus. Eram muito importantes na Lex Curiata de Imperio (voto por cúria) e em
funções religiosas, até serem absorvidas pelos tributa e centuriata no período
republicano.

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República (cúrias, tribos, centúrias: comitia curiata,


comitia tributa, comitia centuriata; magistraturas:
pluralidade, temporalidade, colegialidade)
- Em 510 a.C., com a expulsão dos rex etruscos, é instituída a República. O poder do
mesmo dividiu-se por 2 magistrados, designados de Cônsules (originariamente Brutu e
Colatino) que assumiram todas as funções político-militares do rex.

- Ambos os Cônsules então instituídos gozavam, portanto de imperium – poder


tendencialmente absoluto e incontestável. Ainda assim, este poder não escapava a
três princípios limitadores constitucionais: o princípio da temporalidade – o mandato
consular é de 1 ano, sujeito a eleição popular e sem hipótese de designação sucessória
–, o princípio da pluralidade – traduzido na existência de, não uma, mas várias
magistraturas sucessivamente criadas – e o princípio da colegialidade – em cada
magistratura há, em princípio, mais de um magistrado que goza de direito de veto (ius
intercessionis) às decisões do colega ou do magistrado inferior.

- Nos 1ºs tempos, o populus romanus é chamado a pronunciar-se por cúrias (comitia
curiata, que foram decaindo) e por centúrias (comitia centuriata). Mais tarde surgem,
ainda, os comícios por tribos (comitia tributa) e os concílios da plebe (concilia plebis,
com funções predominantemente legislativas, que após a Lex Hortensia de 287 a.C.
passam a vincular todo o populus romanus enquanto plebiscito).

Cursus honorum (censor, cônsul, pretor, edil curul,


questor); Leges Liciniae Sextiae
- Paulatinamente vão sendo somadas novas magistraturas à magistratura original
(cônsul): a questura, em 450 a.C., a censura, 7 anos depois em 443 a.C., a pretura e a
edilidade curul, com as Leges Liciniae Sextiae de 367 a.C.

- Eram estas as chamadas magistraturas ordinárias da carreira diplomática (cursus


honorum), designadas por contraposição às extraordinárias (ditador e tribuno da
plebe). Respeitavam a seguinte hierarquia dignatária, que assumia particular
importância no que ao ius intercessionis concerne: Censor, Cônsul, Pretor (colega
minor do anterior), Edil Curul e Questor.

- A censura (2 magistrados) era eleita de 5 em 5 anos e era a magistratura de maior


prestígio. Tinham como principais funções: o recenseamento (censos) que procedia à
avaliação das fortunas individuais actualizando, assim, os cadernos eleitorais e
contribuintes, fazendo depois a repartição do escrutinado populus por classes e tribus;
a lectio senatus, direito de escolher os membros do Senado (Lex Ovinia de 312 a.C.); a

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vigia dos costumes do povo (regímen morum) e possível atribuição de nota censória
que provocava desonra; o cobrar dos impostos, a fiscalização dos fornecimentos e
tudo o necessário para a construção e reparação de obras públicas (opera publica). O
seu mandato terminava com o lustrum, cerimónia de purificação dos seus atos. Mais
tarde, a Lex Publilia Philonis de censore plebeio creando estabelece que um dos
censores tem de ser sempre plebeu.

- A pretura (prae-itur, “o que vai à frente”) foi instituída peles Leges Liciniae Sextiae de
367 a.C. como magistratura própria, deixando de significar apenas chefe militar
(cônsul, questor ou censor). Essas Leges postularam uma dupla inovação: o acesso dos
plebeus ao consulado, mas, como contrapartida, a criação simultânea de duas
magistraturas reservadas ao patriciado, a pretura e a edilidade curul (só no ano
seguinte), que auxiliará a já existente edilidade plebeia. O pretor gozava do comando
militar (imperium) e, especialmente, da iurisdictio, o poder de “dizer o direito” e de
administrar a justiça de forma normal e corrente, em causas civis. Presidia à 1º parte
do processo, – fase in iure – onde era analisado o aspeto jurídico da causa, a matéria
de Direito, ou falta dela. Após o ius-dicere, são analisadas as questões de facto pelo
iudex, no desenrolar da 2ª parte do processo – fase apud iudicere. Então, o iudex (juiz
particular) decide se segue ou não a apreciação do pretor e profere a sentença,
consoante se dessem como provados, ou não, os factos, mas sempre dentro dos
parâmetros de Direito previstos pelo pretor na 1ª fase. Em 242 a.C., é estabelecida a
colegialidade na pretura, surgindo a figura do pretor urbano, encarregue das questões
de ius civile, ou seja, pleitos entre cives, e do pretor peregrino, que aplica o ius
gentium a questões entre peregrinos (não cives romanos) ou entre peregrinos e cives.
Em 227 a. C. são criados 2 pretores para Sicília e Sardenha, e em 197 mais 2, para a
Hispânia Citerior e Ulterior.

- A edilidade curul (2 magistrados) surgiu, como já referido, 1 ano após as Leges


Liciniae Sextiae de 367 a.C.. A designação deriva da exclusividade patrícia e do direito a
exercer suas funções sentado na sella curullis (insígnia patrícia). Suas funções
abrangiam, essencialmente, três aspectos: fiscalização da limpeza da civitas (cura
urbis); abastecimento e polícia dos mercados (cura annonae); e organização das festas
públicas (cura ludorum). Gozava ainda dos poderes de iurisdictio e coercicio nos litígios
entre privados em matérias da sua competência.

- O consulado, 1ª magistratura criada no momento da queda da monarquia em 510


a.C., superintendia à política da civitas, por intermédio da iniciativa legislativa e pelas
consultas ao Senado (senatusconsultum). Têm uma competência ilimitada, onde se
destaca o comando militar, e o garante da ordem interna. Pode gozar de poder em
todos os âmbitos que os outros magistrados não o exercerem. Para além da pretura,
mas hierarquicamente acima, possui imperium, potestas e iurisdictio. Presidia, ainda, à

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fase in iure do processo antes da criação da pretura, até às Leges Liciniae Sextiae, em
367 a.C..

- A questura foi a 1ª magistratura ordinária a ser criada depois do consulado, logo em


450 a.C.. Inicialmente só 2, estavam incumbidos da gestão das finanças públicas
(aerarium populi Romani). Em 421 tornam-se 4, sendo os 2 novos assistentes dos
cônsules em funções militares. Em 267 passaram a 8, e no decorrer do séc. I, a 20
questores, como auxiliares de Governadores provinciais, e ainda com faculdades
próprias de iurisdictio, semelhantes ao edil curul.

Imperium (comando militar, ius agendi cum populo, ius


agendi cum patribus, iurisdictio)
- O imperium era o poder de soberania. Continha as faculdades maiores: comando
militar; convocar e consultar o Senado (ius agendi cum patribus); de convocar as
assembleias populares (ius agendi cum populo); e, finalmente, de administrar a justiça
(iurisdictio). Esta última competência do detentor de imperium viu-se reduzida à forma
extraordinária após a criação da pretura, pelas Leges Liciniae Sextiae, em 367 a.C.. Era
um poder soberano reservado ao Cônsul, ao Pretor e ao Ditador, ao contrário da
potestas (poder de representar o Populus Romanus), de que todas as magistraturas
gozavam.

Legis actiones, agere per formulas


- As legis actiones eram declarações solenes, acompanhadas de formalidades rituais,
que o particular prenuncia, em geral, diante do magistrado, a fim de proclamar um
direito que lhe é contestado ou de executar um direito já reconhecido. A tradição
ligava as legis actiones à Lei das XII Tábuas, se bem que algumas sejam anteriores, a
verdade é que se regulamentavam pelas mesmas.

- Quando um particular intentava uma acção deveria proceder da seguinte maneira:


dirigir-se aos pontífices – detentores do monopólio da interpretação do Direito – para
que estes o habilitassem com a acção da lei; declamar solenemente e
sacramentalmente a actio perante o pretor; o magistrado, seguidamente, verificava se
a parte utilizava a legis actio adequada ao pleito, e se repetia, sem hipótese de erro
(perda automática do processo), as palavras sagradas. Um motivo de revolta da
população era, precisamente, esta solenidade hermética do processo, cujas palavras
eram, não raras vezes, bastante difíceis de memorizar, levantando problemáticas
graves de memória e boa-fé (especialmente no que às testemunhas concerne). Tudo

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isto decorre do carácter religioso e místico em que o Direito se via revolto na Roma
Arcaica.

- Todavia, com a publicação das legis actionis que as torna acessíveis a todo o Populus
Romanus, iniciou-se o processo de laicização do Direito. Esta conquista plebeia fez com
que os pontífices (patriciado) perdessem paulatinamente o monopólio do Direito.
Surgiram os 1ºs jurisconsultos, mestres conhecedores do Direito, a quem um cidadão
recorria, particularmente, no intento da justiça.

- Este passo laicizante também logrou tornar mais robusto o poder do pretor na fase in
iure, na medida em que deixou de analisar somente a correta pronúncia da legis actio,
mas passou a apreciar juridicamente com muito maior liberdade a justiça ou injustiça
da pretensão. A laicização foi favorável à pretura, e desfavorável para os sacerdotes.

- Em meados do séc. II a.C., é introduzido pela Lex Aebutia de formulis o processo


formulário (agere per formulas). Inicialmente apenas instituído com carácter opcional
ou supletivo relativamente às legis actiones, é consolidado definitivamente em 17 a.C.
por uma (ou duas, como alega Gaio) Lex Iulia iudiciorum privatorum, que suprimiu
definitivamente o antigo sistema de legis actio, relegado para raras excepcionalidades.

- As duas definições de fórmula:

1- A fórmula é um pequeno texto redigido pelo magistrado, em colaboração


com as partes, em que resume o litígio existente, fixando a pretensão deduzida
e ordenando ao juiz (iudex) que condene ou absolva o réu, consoante a prova
vier, ou não, a ser aceite.

2- A fórmula é um texto preparado pelo magistrado e publicado no seu


Edictum (programa de acção político-jurisdicional publicado pelo pretor no
início do seu mandato anual, em que indica quais as situações previstas, ou
não, pelo ius civile, que se compromete a tutelar no exercício das suas funções.
Este Edictum poderia ser alterado ou acrescido in media res, através dos edicta
repentina. Até o pretor se ver juridicamente vinculado ao seu edictum, pela Lex
Cornelia de 67 a.C., o pretor poderia não seguir o estabelecido atendendo ás
particularidades do caso. Não obstante as determinações da Lex Cornelia, o
pretor gozava ainda de larga margem de manobra, já que podia rejeitar a acção
- denegare actionem - ou introduzir novos elementos nos já referidos edicta
repentina), em que contempla as situações litigantes a que dará protecção e
permitirá a passagem à fase apud iudicem (julgamento).

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- Ou seja, a “fórmula 1” é a concretização prática, jurisdicional, do enquadrado


“edictorialmente” pela “fórmula 2”. As fórmulas protegidas pelo ius civile eram
desginadas de formula in ius concepta, enquanto as que adquiriam carácter inovador e
atendiam às particularidades do caso, eram criadas pelo magistrado e designavam-se
de formulas in factum concepta.

- O edicto constituía, assim, a forma por excelência do direito pretório (ius pretorium),
também chamado de ius honorarium. Este era inserido no ordenamento jurídico com
o fim de apoiar, completar ou até corrigir (!) o ius civile. Esta correcção não constituía,
contudo, uma revogação, mas sim um afastamento no caso concreto, na medida em
que o ius civile perpetuava-se intacto. É, somente, paralisado nos seus efeitos pelo ius
honorarium, atendendo às particularidades observadas pelo magistrado no caso
concreto. Pela sua consecutiva aprimoração do ordenamento jurídico vigente, os
edictos pretórios de qualidade tendiam a ganhar nova vida no edicto do pretor
seguinte, e assim por diante. Estas disposições “hereditárias” eram intituladas de
edictum tralaticium ou vetus. A actividade jurígena do pretor vai, assim, diminuindo,
até à cristalização definitiva, já no Principado, por Salvio Juliano a mando de Adriano,
por volta de 130 d.C.: o edictum prepetuum, em que fica reservado ao imperador o
direito de emendar o edicto pretório. Cessa o carácter inovador do ius honorarium.

Ius civile; ius gentium


- Ius Civile (o antigo ius quiritium, dos quirites) é o direito aplicado entre os cidadãos
romanos. A evolução de ius quiritum para ius civile deu-se, essencialmente, através de
um processo de laicização do Direito, este, encarado na Roma Arcaica como um
fenómeno místico e sacralizado. Superintendia-o o pretor urbano (pós-242, com a Lex
Plaetoria de Preatore Urbano).

- Ius Gentium era o direito criado pelos romanos aquando da expansão das fronteiras
de Roma, com vista a regular as relações entre estrangeiros, ou entre Romanos e
estrangeiros (non cives). Superintendia-o o pretor peregrino (pós-242, com a Lex
Plaetoria de Preatore Urbano).

Magistraturas extraordinárias: tribunado da plebe, ditadura


- As magistraturas extraordinárias eram o bote salva-vidas do Estado sempre que as
magistraturas ordinárias falhavam nalgum propósito. Eram convocadas em casos de
extrema necessidade.

- A ditadura existe desde os 1ºs tempos da República e permanecerá nos seus


elementos essenciais até às guerras púnicas (Roma vs. Cartago), assumindo a sua
maior expressão nas ditaduras de Sila e César. A ditadura era instituída pela dictio de

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um dos cônsules após acordo com o colega e com o Senado, e empreendia um


mandato que não poderia exceder os 6 meses ou o mandato do cônsul que emitiu a
dictio. O imperium do dictator imponha-se a qualquer outra, não podendo nenhuma
magistratura exercer direito de veto às suas decisões. O seu auxiliar, nomeado pelo
próprio, era o magíster equitum.

- Por sua vez, os tribunos da plebe começaram por ser os chefes revolucionários da
mesma na luta contra os patrícios, pela conquista da equiparação política, até
atingirem uma estabilidade institucional, no amainar das tensões sociais. Não
detinham imperium, nem auspicia, nem eram considerados magistratus, sendo a sua
grande arma o ius intercessionis a todos os atos do governo ou poder público. Era
responsável pelo auxilium aos plebeus em todas as questões requeridas e acolhia a
apellatio de um cidadão que pretendia exercer o derradeiro recurso a uma decisão
judicial. Inicialmente um único, na época dos decênviros contavam-se 10, podendo,
inclusive, vetar os intercessio dos restantes, por forma a revestir o exercício do direito
de veto duma relativa unanimidade. Antes da criação do tribunado da plebe, a mesma
encontrava-se representada por 2 edis plebeus, que posteriormente se tornaram
auxiliares do tribuno. Era no concilium plebis que a plebe debatia, elegia os tribunos e
edis, e votava ainda plebiscitos (pela Lex Hortensia de 287 a.C. adquirem força de lei e
passam a vincular todo o povo romano).

Senado republicano: composição; poderes


- Órgão por excelência da República (aparece 1º que o povo nos documentos
internacionais - Senatus Populusque Romanus), o Senado era constituído por 300
elementos desde Tarquínio Prisco, onde se contavam as pessoas mais reputadas e
influentes da civitas. Inicialmente reservado ao patriciado é aberto aos plebeus em 312
a.C. com a Lex Ovinia, adquirindo a designação de patres et conscripti. O Senado era
convocado e presidido pelo magistrado com ius agendi cum patribus (cônsul, dictator,
interrex, pretor e, mais, tarde, tribuno da plebe). Ao Senado competem as altas
orientações políticas da República, que no exercício das suas competências assumem o
nome de consultum (mero parecer, mas que na prática amarrava o magistrado à sua
resolução, por força da autoritas, o prestigio senatorial). Os poderes mais significativos
são a auctoritas patrum e o interregnum. A auctoritas patrum era a sanção,
confirmação dada pelo Senado à validade das leis votadas pelos comícios. Esta tornou-
se, ulteriormente, preventiva, num manifesto reforço dos poderes senatoriais, com a
Lex Publilia Philonis de 339 a.C.. A auctoritas torna-se numa autorização para
apresentar propostas de lei aos comícios por centúrias (rogationes).

Assembleias populares (comitia) no período


republicano: poderes
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- Os comitia curiata entram em manifesta decadência no período republicano,


cingindo-se, quase exclusivamente a funções religiosas ou simbólicas. Constituídas em
exclusivo, ainda, pelos descendentes das 3 antigas tribos fundadoras de Roma –
Ramnes, Ttities e Luceres -, muitos já desconheciam a que cúrias pertenciam, se era
que pertenciam. O seu número conserva-se de 30, mas, dada a sua parca actividade,
surge o costume de apenas se reunirem os 30 lictores curiatii (representantes de cada
cúria). Mantinham a emissão da Lex Curiata de Imperio que revestia desse mesmo
poder supremo os magistrados eleitos e ainda da adrogatio – adoção de um pater
famílias por outro, que poderia constituir uma passagem de plebeu a patrício, ou vice-
versa.

- Por seu turno, a composição dos comitia centuriata é bastante complexa e,


recorrentemente, com aspectos, de relevo, pouco claros. Estes, tinham por base toda a
população romana e não já só os descendentes das antiquae tribus, e conservavam um
fim eminentemente militar, pois em tempo de guerra todo o Populus Romanus era
chamado à batalha. Era um exército não-profissional, de cidadãos. A composição era,
então, a seguinte: 193 centúrias. 18 equites (cavalaria), 170 de pédites (infantaria) e 5
de não armados, os auxiliares. Os 170 pedites estavam divididos em 5 classes: 80 na
1ª, 20 na 2ª, 3ª e 4ª, e 30 na 5ª. As centúrias de homens não armados eram
constituídas pelos capite censi – sem bens de fortuna – pelos tunicines e os cornicines
– elementos da fanfarra – e pelos aerarii e tignarii, que forneciam operários para o
armamento e acampamento. Cada centúria de pédites dividia-se internamente e
paritariamente em iuniores (17 aos 45 anos) e seniores (45 a 60 anos, ou seja, na
reserva). A pertença a cada centúria tinha como fundamento a avaliação patrimonial
levada a cabo no último censos e só pertenciam aos equites quem possuísse um
património 4X superior ao da 1ª classe dos pédites.

- É de salientar, ainda, que o voto conjunto dos equites e da 1ª classe de pédites


(80+18=98) era superior a todas as outras juntas (voto por centúria, não por cabeça). A
distribuição paritária dos iuniores e seniores também discriminava os mais jovens, em
muito maior número, mas com igual expressão eleitoral prática. Legislativamente,
votavam a lex de bello indicendo (declaração de guerra), elegiam os magistrados
superiores (cônsul, pretor e censor) e deliberavam as capite civis (pena capital para um
cidadão romano, após recurso apellatio ad populum) e podiam autorizar o censor a
fazer uso de imperium.

- Pertenciam às tribus – 21 no início da república e 35 a partir de 241 a.C. - todos


aqueles que fossem proprietários de um fundus (propriedade rústica). Nem sempre os
comitia tributa funcionavam com a totalidade das tribus. Exemplo disso eram os
comitia tributa religiosa, onde se elegia o pontifex maximus e outros sacerdotes, e
eram sorteadas 17 tribus que poderiam votar. Eram, na sua essência, mais

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democráticos que os comícios por centúrias, pois todos os proprietários eram


colocados no mesmo plano eleitoral independentemente do património ou idade. Os
comitia tributa eram convocados pelo magistrado competente e deliberavam sobre
todas as matérias, da natureza legislativa, electiva à judicial.

Crise da República;
- A causa principal da crise da república foi a falta de idoneidade funcional das
estruturas organizativas da cidade-estado, já desfasadas, para reger a complexa
realidade do mundo romano. A verdade é que as magistraturas tinham sido pensadas
e criadas para uma realidade proporcional à Roma cidade-estado. Conforme
salientado, a temporalidade e pluralidade das magistraturas, a intercessio e a direcção
política do Senado constituíam um duro entrave à eficácia interna, mas especialmente
externa, da política romana.

- Como concausas surgem ainda o aumento vertiginoso da escravatura e consequentes


revoltas pululantes, o notável crescimento do ager publicus que criava graves abusos
de poder - gestão danosa - onde proliferava o clima de corrupção.

- Causa a considerar, foi ainda a criação de um imenso exército profissionalizado, após


as reformas de Mário em 107 a.C.., imposto pelas crescentes necessidades de primor e
eficácia marcial alargada. Esta formação de militares de profissão ligava-os ao seu
general e afastava-os da res publica, essencialmente na expectativa de prémios e
benesses aquando da distribuição do saque de guerra.

- Outra grave crise a considerar, prendeu-se com um choque moral e cultural após a
tomada da civilização helenística. À original e exacerbada moralidade sóbria e
conservadora da civilização romana, subentrou uma moralidade de tipo individualista,
crítica e reivindicativa, convicta da capacidade revolucionária e mutante da acção
humana.

- Por tudo isso, nos últimos tempos da República, Roma vivia numa verdadeira selva
política, onde as disputas pelo poder, as guerras civis, as revoltas e contra-revoluções a
qualquer preço, conta e medida floresciam como uma gangrena que corroía a
eficiência e credibilidade do sistema dia após dia.

- A este clima de caos, sobrevinha a banalização de dois instrumentos políticos: a


declaração de hostis rei publicae (inimigo da Pátria) pelo Senado a um cidadão, em que
o privava da provocatio ad populum; e as listas de proscrições (inimigos políticos a

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eliminar), para os quais se reservavam graves penas, que podiam chegar à execução
sumária ou perda do ius honorum (elegibilidade para as magistraturas). Roma
mergulha numa busca incessante pelo homem carismático, que afiguram como única
hipótese de devolver a paz e harmonia ao mundo romano. Até que surge Octávio,
futuro Octávio César Augusto, neto por adoção e herdeiro político da vítima dos “idos
de Março”, Júlio César.

Principado; princeps: poderes (tribunicia potestas; imperium


proconsulare maius et infinitum)
- O povo romano, descontente com sucessivos homens fortes de Roma que não logram
restabelecer a paz ansiada por todo o Populus, vira-se finalmente, em 30 a.C., para a
figura de Octávio. Este, vencedor de Marco António e Cleópatra na afamada batalha de
Ácio, regressa a Roma como um verdadeiro herói, pacificador (pax augusta) do caos
moral, político, social e económico que impregnava Roma há décadas. Todos viram
nele o prínceps civitas, o homem providencial. E ele, revelando-se um político
muitíssimo hábil, enquanto as rejeita sistematicamente, a história mostra que absorve
todas as honras e poderes constitucionais. Muito se tem divergido na definição da
natureza jurídica do principado, uns alegando que Octávio não instaurou nenhuma
nova forma constitucional mas sim tornou-se num eficaz e robusto “poder moderador-
orientador” relativamente às já existentes e respeitadas magistraturas do cursus
honorum, outros defendendo que com a paulatina concentração de poderes na figura
de Octávio, conservando a sua aparência formal, o regime assume na verdade uma
postura monárquica de tendência absolutista.

- É esta posição que se nos afigura como mais adequada. De facto, Octávio nunca
desprezou as instituições republicanas, procurando, de início, interferir o mínimo
possível no seu normal funcionamento. Ele próprio preferia que o tratassem como
mero cônsul, e não como prínceps. Todavia, a verdade é que vai instituindo em torno
da sua figura uma monarquia sui generis, um verdadeiro “império democrático”, bem
característico da sua personalidade moderada e racional.

- Mas o que é o prínceps? O prínceps é a figura central, o grande eixo gravitacional da


ordem constitucional e a grande novidade do recém-criado regime de 27 a.C., quando
se dá a agraciação com o título de Augustus pelo Senado à sua pessoa. 5 anos mais
tarde, empreende a grande jogada política que constituirá o segundo grande passo
definidor do novo regime: em 23 de agosto de 23 a.C., Augustus renuncia ao mandato
de cônsul, a aceita que lhe seja atribuída, com carácter irrevogável, a tribunícia
potestas e, por um decénio (sucessivamente prorrogado) o imperium proconsulare
maius et infinitum. O prínceps deixa de ser um magistrado, para se revelar, agora sim,

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um novo órgão constitucional, distinto e superior às magistraturas, por não se ver


limitado pelas velhas características da temporalidade (agora vitalícia), da pluralidade
e colegialidade (é o único prínceps e nenhuma magistratura se lhe opõe veto). Com o
decorrer do tempo, vai adquirindo cada vez mais imperium, absorvendo na sua pessoa
a auctoritas do Senado (e até dos jurisconsultus) e ainda a maiestas do populus. De
salientar ainda a designação de imperator, que, contudo, não adquire
sobreimportância por não remeter para o conceito actual de imperador, mas
constituindo somente um elogio público às suas capacidades militares de comando
(aquele que imperat).

- Na posse da tribunícia potestas vitalícia, Octávio César Augusto vê-lhe atribuído os


direitos e deveres de um tribuno da plebe, nomeadamente e especialmente a
imunidade (sacrosanctitas), o direito de veto (ius intercessionis), o direito de convocar
o Senado e as Assembleias populares (ius agendi cum populo e ius agendi cum
patribus) e de apresentar nas mesmas propostas de lei (rogatios).

- Por sua vez, o imperium proconsulare maius et infinitum correspondia ao imperium


militare (poder de comandar os exércitos de Roma). Maius porque superior em
autoridade a todos os outros procônsules, e infinitum porque não se limitava à
fiscalização e coordenação das funções dos Governadores de uma só província, mas de
todas as províncias romanas (quer imperiais, quer senatoriais). Foi ainda agraciado, em
12 a.C., com o título de pontifex maximus, a mais alta autoridade religiosa do mundo
romano.

- Perante todo este fortalecimento progressivo e incrível da figura do prínceps, as


antigas magistraturas, apesar de não encerrado o seu funcionamento, vão adquirindo
cada vez menos importância prática, por verem as suas prerrogativas sugadas ou
estorvadas pelos poderes do prínceps. Os altos magistrados tornam-se meros
funcionários executivos do governo do prínceps (nomeadamente os cônsules e os
pretores).

Administração provincial (prorogatio imperii; provinciae


senatus ou populi romani, provinciae Caesaris ou principis)
- Inicialmente era atribuído o governo de todos os territórios extra itálicos a um
magistrado com imperium (cônsul ou pretor), que veria posteriormente, no termo do
seu mandato, o seu mandato prorrogado (prorogatio imperii), tornando-se governador
da província (procônsul ou propretor). Mais tarde, Augusto reserva para sim o poder
de nomear os governadores das províncias ainda sob processo de pacificação. Ficou
assim estabelecida a divisão entre províncias senatoriais (provinciae senatus) e
províncias imperiais (provinciae Caesaris), consoante o organismo que procedesse à
vigilância do governo e sua nomeação.

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- A lei fundamental de cada província era estabelecida pela lex provinciae. Dentro de
cada província, há cidades com diferentes estatutos: civitates foederatae –
formalmente independentes -, civitates liberae – com autonomia administrativa-,
civitates imunes – que não pagavam impostos-, civitates stipendiariae – adstritas ao
pagamento de uma tributação fixa (stipendium), fiscalizado por um questor adjunto do
governador provincial.

- Para além de imperium, os governadores gozavam de iurisdictio. Também


publicavam o seu edictum no início do mandato, onde definiam as suas linhas de acção
político-jurisdicional. No tratamento de questões entre cidadãos romanos, aplicavam
as normas do Ius Romanum corrente e a lex provinciae, e nas questões entre
elementos dos povos autóctones podiam proceder de forma discricionária, atendendo
somente aos costumes locais. De salientar ainda, que na administração da justiça
provincial, o governador assumia o papel de praetor e de iudex.

Crise do Principado (crise do séc. III d.C.)


- A constituição principesca de Roma entra definitivamente em crise com o chamado
período de anarquia militar (235-284 d.C.) iniciado com a morte do último dos Severos
(Alexandre Severo, dinastia 193-235 d.C.) e que só a subida ao poder de Diocleciano
pôs um ponto final, em 284 d.C.. No interregno, sucederam-se imperadores como
formigas, chegando ao número impressionante de 24 imperadores legítimos e muitos
mais usurpadores.

- Este período de 50 anos até à chegada de Diocleciano ao poder caracterizou-se, como


já referido, pelas lutas incessantes pelo poder que culminaram numa sucessão incrível
de imperadores, pela crescente exigência das províncias romanas obterem
equiparação com Roma e consequente desprestígio da autoridade central, pela
expansão do Cristianismo que minou moral e religiosamente o império com toda uma
nova filosofia, pela crise económica que se fazia sentir, pelas já iniciadas invasões
bárbaras nos limites do Império - que se havia tornado de tal maneira extenso, que se
revelava impossível de administrar e policiar eficazmente. Roma era vítima do seu
próprio inaudito sucesso.

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Dominatus ou Monarquia Absoluta. Reformas de Diocleciano


- Tradicionalmente associa-se a subida ao poder de Diocleciano (284 d.C.) com o
começo de uma nova era romana, cuja evolução política se designou de Dominatus ou
Monarquia Absoluta (de inspiração oriental). Agora, sim, o poder é absolutizado. Não
mais o prínceps é somente o mais proeminente dos cidadãos, mas sim um dominus
noster e até um “eleito dos deuses” (dominus et deus). A sua eleição deixa de ser
levada a cabo por qualquer Lex Curiata de Imperio ou consenso senatorial, mas tão-
somente uma aclamação militar após concílio de generais e posterior entrega do
diadema e do manto de púrpura (símbolos do poder supremo). O próprio palácio era a
“morada divina” (domus divina), e à presença do monarca todos se deviam ajoelhar e
beijar a orla de suas vestes.

- Diocleciano, pai deste regime, entendeu que a administração do território


extremamente extenso de Roma se havia tornado impossível, ainda mais, sofrendo
esta duros reveses bárbaros pelas fronteiras do Império. O absolutismo traz, assim,
consigo o separatismo, e a 1ª grande reforma de Diocleciano. O Império vê-se dividido
ao meio, ficando Diocleciano na metade oriental, com capital em Nicomedia e
Maximiano no Ocidente, com capital em Milão, por questões de defesa. Certos autores
discutem se isto afectou, ou não, a efectiva unidade do Império, advogando que terá
representado somente uma divisão administrativa e não uma verdadeira cisão
estrutural, na medida em que apesar da existência formal de 2 imperadores,
Maximiano e Diocleciano, este conservava um poder, dignidade e influência muito
superiores àquele (exemplo disso é a dignidade de Iovius, atribuído por Júpiter, face a
um mero Herculius).

- Diocleciano ficou famoso igualmente por outras reformas, nomeadamente: no campo


económico, com a cunhagem maciça de moeda (que falhou rotundamente o seu
intento resolutivo da crise para resultar, somente, numa galopante inflação); com o
famoso e rapidamente revogado, edictum de pretiis rerum venalium que intentou uma
fixação do preço máximo de bens e serviços, condenando à pena capital quem os não
respeitasse.
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A tetrarquia imperial. O cristianismo e o


Império Romano. Queda do Império Romano
do Ocidente
- Decorrente da grande reforma política de Diocleciano – a inédita bipartição
administrativa do Império – foi paralelamente instituído o sistema de tetrarquia
imperial. Este sistema consistia no seguinte: Diocleciano e Maximiano, imperadores,
respectivamente, das metades Orientais e Ocidentais do Império, eram oficialmente
auxiliados por dois Caesares, escolhidos pelos próprios, que os acompanhariam em
todos os atos de Estado que levariam a cabo em vida e, quando finda esta, assumiriam
o lugar do Imperador. Estava, portanto, definido um regime sucessório. Estes
imperadores eram ainda auxiliados e aconselhados por um consistorium (Conselho de
Estado, formado por altos dignatários civis, militares, e mais tarde também
eclesiásticos).

- Diocleciano nunca escondeu a sua ferocidade face ao novo culto emergente: o


Cristianismo. A sua determinação era defender e repristinar a velha tradição pagã
romana, intentou-o por intermédio de 4 edictos: o 1º, de 303, proibiu o culto cristão
por todo o Império, ordenou a destruição de basílicas e determinou a pena de morte
aos cristãos que confessassem o credo e se recusassem a abjurá-lo.

- Mais tarde, após as mortes prematuras dos Césares, feitos imperadores, de


Diocleciano e Maximiano, Caio Galério e Constâncio Cloro, o regime mergulha
novamente numa acesa luta política sem quartel pelo poder. Sucessivos episódios
anárquicos proliferam, até que, em 324, Constantino surge, restabelece a ordem e,
com ela, a unidade administrativa total do poder imperial bifurcada por Diocleciano.

- Consegue manter a paz durante o seu reinado, e ficou famoso por se revelar a
antítese religiosa do pai do Dominatus: Constantino era um fervoroso adepto do
Cristianismo, que ficara para sempre marcado pelo aclamado Acordo de Milão, de 313
(ainda quando o Império se encontrava dividido entre o mesmo Constantino e Licínio)
em que fora permitido, novamente, o culto da religião cristã – restituindo liberdade
religiosa – e o retorno de todos os bens confiscados aos mesmos. Haviam terminado

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então os 10 anos da sangrenta e implacável perseguição de Diocleciano. Esta sua


inclinação no domínio moral e religioso culmina, em 325, com a convocatória do
Concílio de Niceia, em que se definiu e esclareceu questões fundamentais da Doutrina
da Igreja, enquanto estabelecia, implicitamente, a sua posição como chefe supremo do
catolicismo. Em 330 marca indelevelmente a história de Roma, transferindo a capital
do Império para Constantinopla (cidade de Constantino). Com a sua morte, em 337,
vê-se de novo destruída a paz e estabilidade garantida pela mão forte de Constantino.

- Sucedem-se então, mais uma vez, lutas atrozes pelo domínio do poder imperial,
travadas entre os 5 pretendes ao trono: 3 filhos e 2 sobrinhos de Constantino, que
acaba por ser dividido, novamente, por dois dos filhos, Constâncio e Constante a quem
competirá o governo ocidental e oriental, respectivamente. Pouco duraria esta
diarquia, pois morto Constante às mãos de Magnêncio (proeminente general), este
último procura ainda concentrar todo o poder imperial sob a sua égide pessoal, mas
sem sucesso. Constâncio acaba por retomar o poder, desta feita de forma total e
indivisível. Sucedeu-lhe em 360 Juliano, a quem a história foi pouco grata, pois levou a
cabo boas reformas, revelando-se um homem de verdadeira virtude que muito
poderia ter dado a Roma, não fosse a sua morte prematura. Finalmente sucede-lhe
Teodósio I, em 379, cuja memória ficará eternamente associada ao Edictum de
Tessalónica de 380, 1 ano decorrido da sua subida ao poder, em que institui o
Cristianismo como religião oficial do Império Romano.

- Com a morte de Teodósio I, em 394, sucedem-lhe os seus dois filhos, Arcádio e


Horácio, na metade oriental, o primeiro, e ocidental o segundo. A partir da morte de
Teodósio I a divisão do Império em dois distintos, com duas esferas políticas,
económicas, sociais e, até, culturais distintas, é definitiva. Estava formalmente
instituída a cisão do Império Romano em Império Romano do Ocidente e do Oriente
(bizantino).

- Contudo, o Império Ocidental já vai dando os derradeiros passos. A penetração,


quase insensível, dos povos bárbaros vai criando um verdadeiro regionalismo e um
choque cultural de tal ordem, que toda a estrutura constitucional e social do Império
vai sendo paulatinamente abalada, até à ruina final de todas as suas fundições. Essa
gangrena alastra rapidamente nos exércitos, aquando da aceitação de estrangeiros nas
fileiras das legiões. Em 476, o fim chega. Após já ter visto todo a Europa ser tomada
por sucessivas invasões de povos bárbaros (Visigodos, Ostrogodos, Hunos, Vândalos,
Suevos, Hérulos, etc.) a que o poder militar de Roma se viu impotente, Roma é
assassinada e saqueada por Odoacro, general hérulo que é proclamado rei da Itália,
em nome do Imperador do Oriente, por deposição de Rómulo Augusto.

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- Subsistirá então, o Império Romano do Oriente, mais bem organizado, menos


atemorizado por povos bárbaros, melhor dirigido e, especialmente, de menor
dimensão, até 1453, sucumbindo às mãos dos turcos.

Fontes do Direito Romano:

Mores maiorum; consuetudo


- O costume, na história jurídica, e até certo ponto de importância, é a 1ª fonte de
direito manifestandi, sendo sua fonte exsistendi o populus. E, como todos os Direitos
primitivos, o Ius Romanum tinha, inicialmente, como fonte única, o costume (ius
consuetudinarium).

- Nas fontes jurídicas e extrajurídicas romanas, 3 expressões, só aparentemente


equivalentes, surgem para designar costume: usus, mos (ou mores maiorum, no plural)
e consuetudo.

- A 1ª, usus, só por uma vez (numa constituição do imperador Constantino, do ano de
319) fora empregue com o suposto sentido de fonte de direito, pelo que o seu uso -
passando a redundância - frequente era como forma de designar um mero hábito,
desprovido, pois, de obrigatoriedade.

- Quanto à 2ª aproximação a costume, apesar das opiniões divergirem, há que aderir à


definição de mores maiorum, expressão antiquíssima, como uma tradição de
comprovada moralidade, plena de lealdade, honestidade e sabedoria: o costume dos
venerandos antigos. Uma tradição inveterada que se impunham ao povo romano
como normas e como fonte de normas (correspondente ao nómos, dos gregos). De
salientar ainda que os romanos criam que as novas normas não eram mais do que uma
extracção explorativa dos antigos costumes, moldados sob o prisma e as necessidades
atuais, conduzida intelectualmente pelos prudentes (juristas). Como se sabe, esta
tarefa estava reservada aos sacerdotes pontífices (interpretatio, o revelar – tirar o véu)
dada a conexão incontestável na Antiguidade entre Direito, Moral e Religião. E como

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toda a ciência jurídica se reduzia à interpretatio, iurisprudentia confundia-se com a


mesma.

- Finalmente a 3ª designação, o consuetudo, surge em textos muito posteriores (ainda


não post-clássicos) e designa basicamente o entendimento moderno de costume,
enquanto prática social reiterada provida de convicção de
obrigatoriedade/juridicidade.

Lei das XII Tábuas


- A Lei das XII Tábuas é a mais famosa fonte de Direito de toda a Antiguidade. A sua
elaboração foi, para todo o sempre, um motivo de exacerbado orgulho romano (tão
considerável, que o distanciamento temporal foi-lhes atribuindo qualidades
anacrónicas – “fonte de todo o direito público e privado” - que, na sua originalidade,
descrê-se seriamente que possuíssem), ilustrado pelas palavras de Cícero que as
disponha como de memorização obrigatória na escola (carmen necessarium).

- No relato tradicional da sua elaboração, fala-se numa incessante luta plebeia pela
publicação de leis escritas, por forma a suprimir o arbítrio do magistrado na
prossecução do processo penal ou civil, e do sacerdote que procedia à interpretatio.
Todos os magistrados e sacerdotes pontífices eram, então, exclusivamente patrícios.
Também era reivindicada a inclusão nessas novas leis do acesso plebeu ao ager
publicus (tesouro), a equiparação de direitos políticos, a abolição da servidão por
dívidas e a permissão do casamento (connubium) entre patrícios e plebeus. O
patriciado teria repelido estas pretensas por alguns anos mas, no ano de 451 a.C.,
todas as magistraturas ordinárias foram suspensas, bem como a provocatio ad
populum, e nomeada uma comissão regedora da civitas que ficaria encarregue da
elaboração das Leges (decemviri legibus scribundis – decênviros encarregados de pôr
por escrito as leis). O colégio dos decênviros, presidido por Ápio Cláudio, trabalhou por
1 ano e concluiu a escritura de 10 tábuas que foram sujeitas à aprovação dos comitia
centuriata. Todavia, sentindo que a obra não estava ainda completa, o seu mandato foi
reeleito por 1 ano mais. Esta 2ª comissão ficou encarregue da elaboração de 2 novas
tábuas, e não escapou à memória da tirania com que governou Roma no seu mandato.
O próprio conteúdo destas duas últimas tabuas ficou recordado como tabulae iniquae
(tábuas injustas, por oposição às 1ªs 10, equae).

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- Muitos historiadores contestam a veracidade deste relato, nomeadamente, por


terem sido eleitos 3 plebeus para o 2º decênviro e, como tal, como teria sido possível a
aprovação de tabulae iniquae? Houve mesmo quem negasse tudo, afirmando que as
XII Tábuas nunca existiram, tampouco o decênviro encarregue da sua produção. Mas,
ainda assim, aderimos ao relato tradicional.

- Outro problema gerador de acesa discussão entre a Doutrina foi a alegada influência
grega quanto à ideia da compilação, e ainda quanto ao seu efectivo conteúdo. No que
à “ideia” concerne, a opinião é quase unânime de que a intenção codificadora é
claramente de influência helénica, pois trata-se, assim como no direito grego e nas
antigas Leis de Sólon, de leis profanas cuja técnica utilizada é de um primor e rigor com
um único precedente grego, que sugere inclusive a hipótese de um empréstimo
directo. Quanto à influência no conteúdo, é mais discutida, mas parece-nos óbvia nos
preceitos de certas Tábuas, como a abolição das carpideiras, que Cícero refere como
originária das Leis de Sólon.

- Finalmente, no que ao conteúdo real importa, é necessário afirmar que a codificação


original é desconhecida. Só a sua tradição oral e manuscrita foi passando de geração
em geração, pelo que o conhecimento possível é somente fragmentário, por vezes
contraditório, mas certamente avultado. Antes de mais, há que referir que a feitura da
Lei das XII Tábuas não revestiu um propósito regulador se todos os aspectos da vida
cívica, mas uma intenção compilatória parcial e alusiva. Não exaustiva, portanto. A
maior parte dos aspectos jurídicos do quotidiano eram leixados ao tratamento
costumeiro (mores). Esta regulamentação era essencialmente relacional (per
relationem), predominando as normas de relação, que estruturam situações
subjectivas, poderes e formas de actos. Necessárias regulamentações, como os
poderes do paterfamilias, por exemplo, não foram consideradas, a não ser na perda da
potestas do filho após a 3ª venda.

- Em jeito de conclusão, e num tom marcadamente pessimista, opiniões recentes


remetem para a definição das XII Tábuas como um “código de camponeses”, com um
primitivismo social, económico e relacional muitas vezes gritante, em que só o orgulho
republicano e de Augusto as investiu de proporções qualitativas nunca existentes.

Lex Populi Romani, Leis comiciais (leges


comitiales)
- Como inúmeras enumerações das fontes de Direito Romano nos transmitem, o
primeiro lugar é sempre atribuído à Lex populi Romani, sendo a Lex “o que o povo
manda e estabelece sob proposta de um magistrado”. Esta definição traduz, desde
logo, uma das características dos comícios/assembleias populares: não possuem
iniciativa legislativa própria, só reunindo quando um magistrado com ius agendi cum

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populo lhes apresenta uma proposta de lei (rogatio). Daí a designação alternativa de
leges comitiales - leges rogatae -, decorrente do processo legislativo de pergunta-
resposta.

- À nula iniciativa legislativa era acrescida a impossibilidade do comícios modificarem


ou proporem emendas na rogatio. Esta situação conduzia, por vezes, a abusos de
poder por parte dos magistrados, fazendo conter na mesma rogatio uma proposta
favorável e outra desfavorável e assim o povo, obrigado a votar ambas conjuntamente,
consentia na desfavorável para se não ser privado do benefício alcançado (eram as
chamadas leges saturae). Esta situação só veio a ser regulada em 98 a.C., com a Lex
Caecilia Didia de modo legum promulgationis, que a proibiu.

- Procedamos a uma descrição do processo legislativo: o magistrado expunha


publicamente a rogatio nas chamadas tabulae dealbatae durante um período mínimo
de 3 mercados (cada mercado são 9 dias, 27 dias portanto); a isto chamava-se a
promulgatio. Durante esse período do tempo o povo estudava a proposta de lei, e
discutia sobre a mesma. Se em tom elogioso os populares se referissem à rogatio, esse
discurso eram suasiones, se repudiasse, dissuasiones. Isto transmitia uma ideia ao
magistrado preponente do ambiente em torno do projecto.

- No dia da votação (dias não fastos- administração da justiça –, nem dias nefastos –
festas religiosas –, nem dias de mercado), o povo, chamado por meio de arauto,
reunia-se no Forum (comitia tributa) ou no Campo de Marte (comitia centuriata). No
início da cerimónia, o magistrado proferia uma oração (carmen precationis) e fazia um
sacrifício aos deuses. De seguida, após o pregoeiro (preco) ler a rogatio, iniciava-se a
votação. Esta era feita individualmente, inicialmente por expressão oral para um
rogator que anotava o voto, e, mais tarde, secretamente, através da inserção de uma
tabuinha (tesserae) numa urna (cistae). As tabuinhas podiam conter VR- aprovação, A-
rejeição ou NL- abstenção. Feita a votação, os escrutinadores (diribitores)
comunicavam o voto da respectiva tribo ou centúria ao magistrado, enquanto o
pregoeiro ia comunicando cada voto à assembleia. A proclamatio do preco terminava
quando estava assegurada a aprovação ou rejeição da rogatio. Seguia-se, finalmente, a
publicação da lei comicial, nas, já referidas, tabulae dealbatae. De referir ainda, como
nota, que a identificação das leges era feita geralmente com o nome do, ou dos,
magistrados que proponham a lei e por vezes com a referência ao assunto tratado.

- Quanto à sua estrutura, a lei comicial via-se tripartida: praescripto, rogatio e sanctio.
Na 1ª ficava a indicação do magistrado ou tribuno proponente, a assembleia votante, o
local e a data da votação, a tribo ou centúria que 1º votou e ainda o cidadão que
primeiro exerceu o direito de voto. A rogatio continha o texto da proposta de lei

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apresentada à assembleia popular. Rogatio pode significar, então, tanto o texto da lei
aprovada, como a proposta da mesma. Relativamente à 3ª, a sanctio, afastamos desde
já as posições que lhe atribuíam a estatuição da violação do disposto no 2º elemento
estrutural, na medida em que tanto a previsão como as consequências para o violador
da referida constavam no texto central integral da rogatio. Como tal, define-se este
último elemento como hipotéticas cláusulas adicionais ao conteúdo normativo da lei
comicial. 5 tipos de cláusulas, ou capita, são mormente destacadas, a que nos
referiremos seguidamente:

- 1ª – Imposição ao magistrado de prestação de juramento, para obrigar a aplicar


incondicionalmente a lei; 2ª - penalização com multa a quem, no exercício de funções
públicas devesse aplicar a lei e, dolosamente, não o faça. Estas 1ªs cláusulas prendem-
se com o clima de caos político institucional dos finais da República e personificam um
derradeiro intento de estabilização; 3ª – proibição de abrogar ou derrogar a Lei (ou de
sequer discutir tal no Senado). Esta cláusula não era, segundo Cícero, juridicamente
eficaz, mas somente um argumento de pressão política; 4ª – estabelece-se que o
cidadão que, doravante, entrar em incumprimento com leis anteriores, não deve ser
por isso censurado. A necessidade da interposição desta cláusula, para a sociedade de
hoje inquestionável, justificava-se pelo carácter predominantemente eterno do ius
civile, como entendido pelo populus Romanus. Na sua óptica, as novas leis não eram
mais que interpretações actualizadas de princípios etéreos, sagrados e perpétuos, pelo
que está intimamente ligada à conexão ancestral entre o Direito e a Religião; 5ª –
determina a invalidade da lex em questão, se posteriormente se considerar que trata
de matéria sagrada, social ou jurídica de que não deveria tratar. Para grande parte da
Doutrina, esta cláusula não é mais do que a inadmissibilidade da modificação do velho
ius, dos mores, pelas leges. Para outras, é somente um resquício da anterior realidade
da imutabilidade do Direito enquanto fenómeno jurídico-religioso, celeremente
ultrapassado pelo galopante processo de laicização do Direito na Sociedade romana.

- Um problema surgiu com a classificação tripartida de leges chegada até nós num
fragmento de obra intitulado Tituli ex corpore Ulpiani. Este texto estabelecia três tipos
de leges: a lex perfecta, a lex minus quam perfecta e a lex imperfecta. De atender que
nestas situações já surge o moderno conceito de sanctio (sanção) - não o atrás referido
aquando da estrutura das leges comitiales - e ainda que esta tripartição se refere a leis
proibitivas/limitativas.

- Quanto à lex perfecta não surgem problemas: a ordem jurídica prevê a nulidade do
acto para quem, na sua prática, viole um preceito juridicamente tutelado,
desrespeitando o comando. Mas surgem problemas com as lex imperfecta e minus
quam perfecta.

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- Nesta última, se se dá a violação de um determinado comando, porque não anular o


ato, e simplesmente decretar uma multa (lex minus quam perfecta – o ato levado a
cabo através da violação do Direito não é inválido, o agente sofre somente uma
penalização pecuniária)? Padece de coerência. Ainda mais estranho é o traço definidor
de lex imperfecta: há violação de norma, todavia não se prevêm consequências para o
infractor, nem se decreta a nulidade do ato. Qual a utilidade de tal comando:
pergunta-se então. Os defensores da primitiva proibição de modificação do ius pela lex
alegam que estas três leis correspondem, não a categorias, mas a um processo
evolutivo histórico romano no campo da legislação e da sua eficácia, constituindo a lex
imperfecta o exemplo mais antigo; Há uma proibição, mas a lex não tem poder de
conformar o ius. Todavia, uma coisa é explicar a existência, outra é constatar a sua
existência histórica, por isso há que admitir a existência das mesmas.

Plebiscitos (plebiscita);
- Nas enumerações Gaianas e Justinianeias, bem como em Ulpiano ou Papiniano, os
plebiscitos surgem sempre no 2º lugar, logo após as já abordadas leges comitiales.
Estes definem-na como “o que a plebe manda e estabelece, sob proposta de um
magistrado plebeu, como o tribuno”. Mais uma vez, a carência de iniciativa legislativa
própria.

- Historicamente, o plebiscito começa por ser uma deliberação ilegal numa, igualmente
ilegal, assembleia da plebe, e como o seu processo de convocação costumava ter por
base as tribus, vestia por vezes o nome de concilia plebis tributa. Todavia, só o populus
romani tinha o poder de ordenar (iubere) e criar leges vinculativas para todos, ficando
à plebe o direito parco de sciscere (estabelecer), não vinculativamente, claro está.

- Como se procedeu então, há equiparação definitiva entre leges comitiales e


plebiscita? A partir de que momento os plebiscitos passaram a vincular a plebe, e a
partir de que momentos incluíram na sua esfera de influência todos os quirites? Ou
seja, quando se tornaram verdadeira fonte de direito? São questões imensamente
discutidas, mas que convergem unanimemente num ponto: com a Lex Hortensia de
287 a.C., os plebiscitos adquirem equiparação total às leges, tornando-se, inclusive, a
forma primordial de legiferação, na medida em que os magistrados com ius agendi
ausentavam-se longamente nas suas tarefas militares, ao passo que, por seu turno, o
tribuno da plebe não pode nunca abandonar os domínios do pomerium (território
sagrado da urbs romana).

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- Quanto ao alcance da Lex Valeria Horacia de 449 a.C. a dúvida é demasiado


persistente para se tomar um partido, mas crê-se que teriam passado a vincular
somente a plebe, poder esse que sofre um duro revés com a Lex Publilia Philonis de
339 a.C., que tornou a auctoritas patrum (sanção senatorial) preventiva. Por tudo isso,
a Lex Hortensia torna os plebiscita no mais importante instrumento de produção
legislativa da história constitucional republicana romana.

Senatusconsultos (senatusconsulta);
- Nas já referidas Institutas de Gaio e Justiniano, o senatusconsulta surgem na 3ª
posição, logo após as leges e os plebiscitas. Todavia, inicialmente, os senatusconsulta
não possuíam valor de lei nem força normativa.

- Nos tempos da República, o Senado intervinha, sim, no processo legislativo,


essencialmente através da auctoritas patrum (sucessiva, e mais tarde preventiva - Lex
Publiliae Philonis 339 a.C.) relativamente às leges e aos plebiscita; emitia
senatusconsultus respeitantes à rogatio de um magistrado proponente; aconselhava
os magistrados nas suas decisões políticas ou atos legislativos (rogatios ou edictos). No
final da República, o Senado reivindicou o poder de derrogar certas leis e mais, de
julgar sobre a validade das leges votadas nas assembleias populares. Mas em todas
estas situações, o senatusconsultus não é fonte de direito, somente influencia e
condiciona o processo legislativo.

- Só a partir do séc. I, advento do Principado, com a concentração do poder


administrativo nas mãos do princeps e consequente inabilitação prática das
magistraturas, é que o Senado se torna o centro da maior parte da actividade
normativa. Esta legiferação é notoriamente rica e inovadora, nomeadamente no que
ao direito privado e criminal concerne sem que haja registo, ainda assim, de alguma
legitimação formal do Senado como órgão produtor de direito – verdadeira fonte de
direito. Aparte a discussão sobre a fundamentação da actividade legislativa, a verdade
é que muitos juristas de então, entre eles Gaio confirmam que o Senado detinha o
poder de “atingir o iure civile nos status das pessoas e com normações referentes ao
direito criminal”. Politicamente, o valor de lex dos senatuscunsultus deveria provir da
auctoritas do Princeps, que detinha o controlo efectivo do órgão senatorial.

- Todavia, a partir de meados do séc. II d.C., o poder normativo do Senado entra em


franca decadência, fruto, mormente, da oratio principis in senatus habita. Esta
constituía um mero discurso escrito pelo prínceps e lido pelo questor perante o
Senado, onde o Augusto dava conhecimento da sua proposta, que era invariavelmente
aprovada acriticamente pela votação senatorial. O Senado passa a ser tão-só o local
onde se manifesta a vontade do prínceps, e não a vontade aristocrática. Estes
discursos apareciam, não raras vezes, sujeitos à votação envolvidos pela mesma

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técnica das leges saturae, situação que nunca foi regulamentada. Posteriormente
poderiam ser, ou não, afixadas na praça públicas, nas tabulae dealbatae

- Quanto à sua forma, os senatusconsultos iniciavam-se com uma menção à questão


abordada na câmara com indicação de quem as tinha proposto, seguindo-se, enfim, o
texto da deliberação. Era ainda referida a data e o nome dos senadores encarregados
da redacção do senatuscultum. Na identificação da consulta senatorial surgia, com
frequência, o nome do magistrado/prínceps proponente.

Constitutiones principum;
- É, mais uma vez, de salientar que as constitutiones principum surgem, tanto nas
Institutas de Gaio como de Justiniano em 4º lugar, após as leges, os plebiscita e os
senatusconsulta. São entendidas como “aquilo que o imperador estabelece por
decreto, por edicto ou por epistula”. A razão de ser deste poder vinculativo das
constituições imperiais tem suscitado alguma discórdia na comunidade estudiosa, mas
a larga maioria dos textos jurídicos da época atribui a sua legitimidade ao imperium do
prínceps, através de transferência popular pela lex de imperio. Há claro quem procure
argumentar que não há uma expressão unitária do fundamento das constituições,
proclamando que cada acto jurídico deva ser olhado sob o prisma das magistraturas
correspondentes, mas não é de crer que assim seja.

- O processo histórico que conduziu ao estabelecimento das constitutiones principum


como fonte (progressivamente única) de direito desenrolou-se pela força das coisas
que tinham levado o poder legislativo a concentrar-se no Senado – a mesma força das
coisas, a incapacidade do Senado em legislar e administrar eficazmente as províncias
do Império – conduziu invariavelmente ao assumir exclusivo da criação do direito pelo
prínceps.

- São distinguíveis seis tipos de constituições imperiais, que se subdividem em 2


grandes grupos: segundo o critério da sua generalidade e abstracção (edicta, mandata
e oratio in senatus habita), ou segundo o seu carácter particular no respeito pelo caso

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concreto (epistulae, rescripta e decreta). Analisemos então, uma a uma, estas


subcategorias.

- Os edicta representam a transposição para o plano imperial dos edicta dos


magistrados republicanos, decorrente do ius edicendi. Há quem procure atacar esta
posição, argumentando com o âmbito de aplicação do edictum, que nos magistrados
se cingia à sua acção pessoal discricionária, mas que nos imperadores rege uma
multiplicidade de actividade normativa e organizativa e ainda com o âmbito territorial,
que no caso do prínceps conformava todo o território. Todavia, não nos deixamos
impressionar e fazemos valer a posição inicial.

- Os mandata não eram mais que instruções enviadas pelo imperador aos seus
subordinados – incluindo governadores das províncias imperiais e senatoriais. Está
claro que estas ordens revestiam carácter pessoal, quanto ao seu destinatário. Embora
a enumeração das fontes não lhes faça regularmente menção, a verdade é que tinham
poder vinculativo, revestindo uma importância extra no direito administrativo e
privado (testamentos militares, proibições de casamento, etc.). Quem teria a ousadia
de desrespeitar uma ordem do prínceps? Impensável.

- Estavam inicialmente implícitas nos senatusconsultus, mas, no tempo de Adriano, a


oratio, enquanto “proposta” de lei, adquire uma importância acrescida, pois é criado o
hábito de aclamatio da mesma: o elemento definidor da cerimónia passou a ser a
oratio in senatus habita, enquanto o senatusconsulto se reduzia à mera formalidade.
Assim, substitui gradualmente o senatusconsulto na lista de fontes de direito romanas.
De salientar que todas estas formas adquiridas pelas constitutiones derivam da
potestas, do imperium proconsulare maius et infinitum e claro, da lex de imperio.

- Entremos agora nas constituições que adquirem um carácter individual e concreto,


mais adaptado (muitas vezes aguerridamente) às especificidades do caso concreto.
“Decretum” é um termo que na terminologia romana adquire um significado bastante
amplificado, podendo tratar-se simplesmente da decisão de um magistrado na
autorização ou ordem de realização de um certo ato. Mas a decreta imperial a que nos
referimos, todavia, remete para as sentenças proferidas pelo imperador no exercício
da sua iurisdictio, que adquiriam um carácter vinculativo.

- Quanto às epistulae e às rescripta, são ambas respostas imperiais a interrogações de


direito, dúvidas relativas a um processo corrente, futuro ou hipotético, diferindo
somente no destinatário e na forma. Enquanto a epistulae (carta) era somente uma
resposta por escrito a uma outra epistula enviada por um funcionário imperial, um
magistrado ou uma assembleia (romana ou provincial) cuja resposta era seguida pelo
remetente, a rescripta não é mais que a resposta escrita a uma questão de direito
invocada por um privado. Estes pedidos de esclarecimento intitulavam-se de libelli,

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preces, supplicationes e eram apresentados pessoalmente ou através de um


procurador num dia de audiência do imperador. A resposta era preparada por um
officium a libellis. As rescripta eram, ainda, ao contrário das epistulae, afixadas
publicamente no local onde o imperador concedia a audiência. Em ambas o imperador
resolvia somente a questão de direito, o estabelecimento do critério de decisão,
deixando o julgamento da matéria de facto a cargo do juiz, caso os factos se
apurassem como veros.

- Inicialmente, estas últimas formas constitucionais valeriam e extinguir-se-iam no caso


concreto. Contudo, com o decorrer do tempo e fundado na habitual potestas e lex de
imperio do prínceps, adquiriram paulatinamente poder vinculativo, e passaram a ser
consideradas fontes de direito. Há que fazer, ainda, uma ressalva ao alcance
processual do vínculo: compreendia-se que só as epistulae e rescripta que possuíssem
um carácter minimamente genérico fossem passíveis de aplicação analógica. Afigura-
se-nos, claro está, como risível, que, por exemplo, uma atribuição de uma
condecoração por epistulae ou rescripta fosse alguma vez aplicada analogamente.

Iurisprudentia (noção, valor da iurisprudentia enquanto fonte


de direito; laicização da jurisprudência; ius publice respondendi
ex auctoritate principis; funções dos iurisprudentes)
- Nas palavras de Ulpiano, a iurisprudentia “é o conhecimento das coisas divinas e
humanas, a ciência do bom e do justo”. Nos tempos primitivos, um dos pontífices era
encarregado pelo Colégio de dar responsa às consultas formuladas por privados no
tocante aos mores, mais tarde às XII Tábuas, e posteriormente às leges. A ciência da
interpretação estava, assim, monopolizada pelo Colégio dos Pontífices.

- As responsa, muitas vezes, eram desprovidas de qualquer construção argumentativa


ou racional, pois onde há auctoritas, dispensa-se a ratio. Era uma ciência
soberbamente marcada pelo prestígio de quem a empreendia. Esse Colégio também
guardava o secreto calendário judicial, os formulários nos quais se anotavam os mores,
as regras processuais e as melhores responsa. Contudo, com a publicação da Lei das XII
Tábuas, está definitivamente aberto o caminho da laicização do Direito Romano. Ainda
assim, os romanistas de hoje descrêem das circunstâncias e particularidades do
segredo pontífice da responsa. Como pode ser secreta uma actividade que, pela sua
natureza, se destina ao público? Como tal, a tendência recente é para se considerar o
secretismo da iurisprudentia não como relativo aos formulários das pouquíssimas
leges actiones, mas sim quanto à arte de actualizar os antigos formulários às novas
necessidades. Isto depois, claro, da criação das primeiras leges actiones, pois no tempo
do puro ius consuetudinarium esta questão não se colocava.

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- Mas o que era, então, o iurisconsultus? Após a laicização, quais as suas funções e/ou
o seu método de trabalho? Antes de prosseguir, há que estabelecer uma fronteira
entre iurisconsultos e orator. O jurisconsulto é aquele que sabe e conhece o ius civile;
o orator, por sua vez, é o mestre na arte da eloquência e de bem falar, a retórica. Este
último, na maior parte dos casos não pussui conhecimentos de ius civile, limitando-se
a exteriorizar o ministrado pelo colega iurisconsultus. Apesar da rivalidade que muitas
vezes os separava, orator e iurisconsultus estavam no topo da pirâmide social romana,
e personificavam, melhor que ninguém, o protótipo do cidadão perfeito – eram
homens riquíssimos (apesar de exercerem as suas profissões de forma gratuita,
recebiam chorudas comissões e prémios, conquistando o prestígio para uma futura
carreira política), nobilíssimos, eloquentíssimos, sumos juristas e pontífices máximos.

- Mas centremo-nos na definição e funções do iurisconsultus. Como descreveu Cícero:


“sou aquele que conhecendo as leis e os costumes que os privados usam na civitas,
torno-me perito ad respondendum (respondere, dar responsa) et ad agendum et ad
cavendum (agere e cavere)”. Respondere, agere e cavere, eram assim os atributos
essenciais do jurisconsulto.

- Relativamente ao respondere é de salientar, desde logo, a sua incapacidade de


iniciativa, entrando somente em acção quando um problema jurídico lhe for
apresentado. Esta resposta jurídica, conselho, ou parecer poderiam ser dados em
público ou em privado, ao cidadão proponente. Em jeito de particularidade, é
necessário esclarecer que não existiam “escolas de direito”, sendo as primeiras do
período pós-clássico, inspiradas na metodologia Sabiniana (conservadora, do regime)
ou Proculiana (libertária, inovadora, de tradição republicana). O ensino do direito era
meramente de observação, estudo analítico das responsas publicas do iurisconsultus
com maior auctoritas - gabarito que só a experiência, o mérito e o sucesso podiam
granjear. O poder de responsa era de mormente importância, pois o Direito Romano
era um direito de casos, de resolução do problema concreto, e a sua evolução dava-se
da mesma forma, casuística, pela qualidade das responsa.

- Quanto aos destinatários, seriam de variadíssima ordem: o particular, o juiz, o pretor,


e mais tarde, o prínceps. No caso do pretor o conselho era sobejamente importante,
pois, regra geral, era somente um político sem formação jurídica, pelo que o auxilium
do iurisconsultus se revelava precioso, nomeadamente na elaboração do edictum (e na
criação do ius honorarium/praetore).

- Cavere e agere eram, literalmente, “precaver” e “agir”. Cavere destinava-se a evitar


litígios e o segundo, agere, a aconselhar na correta prossecução da acção judicial, do
processo em todas as suas especificidades e formalidades. Nomeadamente o agere,
era crucial nos resquícios de sacralidade que ainda sobrevinham, não raras vezes, no
direito processual, como a competente indicação da fórmula. Estava intimamente

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conexo aos “ritos processuais”. Há quem fale ainda numa função jurisconsulta de
guardar, conservar e transmitir o Direito de geração em geração, falando-se,
recorrentemente, no jurista como um “arquivo vivo”, pelo menos até às primeiras
teorizações por escrito - os primeiros livros da doutrina - que explanavam a opinião
dos clássicos, como verdadeiros manuais de Direito.

- Falemos agora dos métodos de interpretação utilizados pelo iurisconsultus romano,


tendo já sido sublinhado o casuísmo que dominava a prática jurisprudencial do Direito
Romano. Mas como se procedia a essa produção e elaboração casuística do direito?
Kaser dá-nos uma resposta: por vezes fazendo uso da intuição, por outras construindo
uma elaboração jurídica racional, por uma formulação de juízos genéricos, e ainda por
outras, raras todavia, pelo intermédio de regulae e definititiones. Abordemo-las
separadamente.

- A resolução de um caso segundo a intuição do jurista, dá-se através do alcance da


solução mediante uma compreensão instantânea que não vê necessidade de
argumentação lógica ou racional. Esta argumentação seca e lapidar, é fruto da grande
experiência já recolhida pelo iurisconsulto e ganha peso com a auctoritas já
proclamada, sua, ou dos seus mestres. Está igualmente ligada à filosofia clássica
romana bastante propensa ao pragmatismo, que os fazia encontrar soluções
complexas na chamada “natureza das coisas”, pelo que esta posição prende-se
bastante com a tradição, pois o que é novidade não se lhes afigura como definido ou
legitimado.

- A segunda hipótese, relativa à elaboração racional da responsa jurídica, justifica-se


com a não-necessidade de, em determinados casos, o jurista recorrer a normas ou
conceitos, mas invocar, sim, a justiça material do caso. Isto era conseguido através,
essencialmente, de argumentos a simili (analogia), ad absurdum (enaltecimento de
que se o juiz não resolver segundo uma certa via, cair-se-á no ridículo, no ilógico) ou ad
contrario sensu (pela invocação de casos diametralmente opostos). São ainda descritos
pela doutrina, casos em que o jurista afasta-se deliberadamente do caso em resolução,
formulando normas ou conceitos abstractos e independentes, que podem revestir a
forma de juízos genéricos (como que alusões teóricas distantes, mas simples), de
regulae (regras que só valem no caso concreto, mantendo uma certa distância do ius)
ou de definitiones (descrições práticas de institutos jurídicos), se bem que, como
postulado por Schultz, definir nunca foi o forte dos romanos.

- Como já sabemos, de início o poder de respondere podia ser exercido por qualquer
pessoa, privado ou funcionário público, variando a sua admissibilidade apenas em
função do seu prestígio (auctoritas) e na confiança na qualidade e rigor dos seus
estudos. Todavia, a situação rapidamente se alterou com a chegada de Augustus ao
poder, e no redemoinho político provocado pelos adventos da nova forma

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constitucional, o Principado. Com efeito, o prínceps passa a conferir a alguns juristas o


chamado ius publice respondendi (direito de responder juridicamente em público).
Pensa-se que terá sido instituído primeiramente por Augusto, mas as fontes divergem,
atribuindo, outros, essa inovação a Tibério.

- Uma referência indispensável à extensão do ius publice respondendi: apesar de


também coexistirem posições diversas na doutrina, nomeadamente na questão de se a
concessão deste direito de responder juridicamente proibia, ou não, todos os outros
juristas de darem responsa, estabelecendo basicamente quem podia e não podia
respondere, ou se instituía somente uma divisão de iurisconsultus providos ou
desprovidos de auctoritas principis. Contudo, é de aderir à tese mais radical, por se
tratar de um direito efectivo, subjectivo: que nos diz que o ius publice respondendi
exclusivava a responsa aos juristas que gozassem dessa auctoritas principis. Todos os
restantes poderiam trabalhar em outras áreas do direito, mas ficava-lhes vedada a
possibilidade de responder publicamente a problemas jurídicos.

- Finalmente uma última referência ao poder, ou não, dos iurisconsultus e do seu


parecer em adquirirem o estatuto de fonte de direito: há um relativo consenso em
reconhecer que a jurisprudência num determinado caso não vincula o juiz. Ainda
assim, o que na prática se passava, era o raríssimo postergar do juiz da solução
discernida pelo iurisconsultus com auctoritas principas. O juiz era, salvo raras
exceções, um particular sem formação jurídica, posto isto, como ousaria ele, julgando
perante um proeminente jurista “condecorado” pelo principis, afastar-se do seu
erudito e mui sábio parecer? Tal nunca sucederia, como nos confirmam as fontes
coevas. O juiz conservava, ainda assim, liberdade de escolha, caso no mesmo caso se
confrontassem duas responsas (sentenças e opiniões daqueles a quem é permitido
criar o direito) distintas do mesmo, ou de diferentes juristas com auctoritas principis.

Corpus iuris civilis. Constituições Deo auctore (530),


Imperatoriam maiestatem (533), Tanta / Δέδωκεν (533) e Cordi
(534). Compilações de novelas (Iuliani Epitome, Authenticum e
Coletânea Grega).
- 528 – Constituição Haec quae necessario: publicada por Justiniano, nomeia uma
comissão de dez membros com o encargo de preparar uma nova compilação de
constituições imperiais (leges) com base nos Codices Gregorianus, Hermogenianus e
Theodosianus e em todas as constituições posteriores. Os compiladores deviam, para
tanto, cortar os proémios das constituições, escolher, de entre constituições
semelhantes ou contraditórias, apenas as mais recentes e, sempre que necessário,
dividir o texto de uma constituição em várias partes, integrando-as sistematicamente
em títulos diferentes, fundir várias constituições ou alterá-las, introduzindo-lhes
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acrescentos ou suprimindo partes dos respectivos textos. Enfim, alterá-las tanto


quanto necessário por forma a representarem um corpo unitário e coeso.

- 07/04/529 d.C. – Constituição Summa rei publicae: publicada por Justiniano,


promulga o novo Codex (também conhecido por Primeiro Código, ou Código Antigo),
determinando a sua entrada em vigor no dia 16 de Abril desse ano. A partir desta data,
todas as constituições não recolhidas no novo Codex, com excepção das que
consagravam privilégios pessoais (pragmaticae sanctiones), ficaram revogadas.

- 11/529-finais de 530 d.C. – Quinquaginta decisiones: cinquenta constituições


publicadas e coligidas por Justiniano entre a publicação do Primeiro Código (07/04/529
d.C.) e antes do começo dos trabalhos do Digesto (inícios de 531 d.C.) com objectivo de
dar solução definitiva a controvérsias jurídicas surgidas durante a redacção do
primeiro. Sabemos da existência desta colectânea apenas através da referência que
lhe faz a constituição que promulgou o Segundo Código (constituição Cordi, de
16/01/534).

- 15/12/530 – Constituição Deo auctore, que inicia os trabalhos do Digesto/Pandectas:


publicada por Justiniano, comete a Triboniano, quaestor sacri palatii, o encargo de
preparar uma compilação do direito jurisprudencial (iura), devendo, para tanto,
nomear uma comissão escolhida entre professores (fecundissimis auctoribus) e
advogados do supremo tribunal de Constantinopla. Segundo a constituição que
publicou o Digesto (constituição Tanta de 16/12/533 d.C.), Triboniano escolheu para
integrar a comissão Constantino, dois professores de Direito de Constantinopla, Teófilo
e Cratino, que também ocupava o cargo de comes sacrarum largitionum, dois de
Beirute, Doroteu e Anatólio, e ainda onze advogados do tribunal do prefeito do
pretório do Oriente (praefectus praetorio per Orientem).

- Três aspectos foram claramente postulados por Justiniano na Constituição Deo


Auctore: 1- a necessidade de ius publice respondendi (auctoritas principis) na escolha
dos juristas; 2- a exclusividade da obra no ensino doutrinal e nas fontes de direito
existentes doravante; 3- e a autorização concedida aos juristas encarregues de alterar
e emendar os textos. A comissão deveria utilizar, portanto, apenas os escritos dos
juristas clássicos a quem havia sido concedido o ius publice respondendi (apesar de
tardiamente terem sido incluídas obras de Gaio, Aelio Gallo, entre outros) sem dar
preferência às obras de nenhum em particular, especialmente de Papiniano. Ordena-
se a identificação por extenso do autor e obra dos fragmentos recolhidos, autorizando-
se, contudo, os compiladores a alterar os originais sempre que necessário, por forma a
actualizá-los e a evitar antinomias e repetições.

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- 21/11/533 d.C. – Constituição Imperatoriam maiestatem: publicada por Justiniano e


dirigida à “juventude desejosa de leis” (cupida legum iuventus), aprova e atribui força
de lei às Instituições (Institutiones), manual em que se expõem os rudimentos da
ciência jurídica elaborado por uma comissão presidida por Triboniano, quaestor sacri
palatii, e composta por Teófilo, professor de Direito em Constantinopla, e por Doroteu,
professor de Direito em Beirute. Ao contrário do Digesto, as Institutiones constituem
um texto único, sem indicação das respectivas fontes, mas a influência deu-se, desde
logo, através das Institutiones de Gaio (meados do séc. II d.C., época clássica), mas
também as de Florentino (mesma época), Ulpiano (c.170-223 d.C., época clássica
tardia) e Marciano (finais do séc. II-princípios do séc. III d.C., época clássica tardia),
para além dos grandes comentários da época clássica tardia, de constituições
recolhidas no Primeiro Código e de constituições publicadas posteriormente durante a
feitura do Digesto. De reforçar ainda que as Institutiones eram, simultaneamente,
doutrina e fonte de direito.

- 16/12/533 d.C. – Constituição Tanta: publicada por Justiniano, promulga o Digesto


(em latim, Digesta, no plural), determinando a sua entrada em vigor, com força de lei,
no dia 30 de Dezembro desse ano. Proíbe, além disso, a elaboração de comentários
que tenham por objecto os textos jurídicos aí recolhidos, permitindo-se apenas
traduções literais para grego, índices e pequenas notas remissivas para outros títulos.
O objectivo é evitar que, através dos comentários, se lance a dúvida e a confusão entre
os intérpretes.

– (Na mesma data) - Constituição Omnem: publicada por Justiniano juntamente com a
constituição Tanta, decreta uma reforma do ensino do direito, que passa assentar nas
Institutiones de Justiniano, no Digesto e no Código.

- 16/01/534 d.C. – Constituição Cordi: publicada por Justiniano, promulga o Codex


repetitae praelectionis, segunda edição do Codex de 529 d.C. (também conhecida por
Segundo Código ou Codex Iustinianus) preparada por uma comissão presidida por
Triboniano, quaestor sacri palatii, Doroteu, professor de Direito em Beirute e os
advogados Menas, Constantino e João, que já haviam feito parte da comissão que
elaborara o Digesto. A revisão do Primeiro Código visava acrescentar-lhe as
constituições publicadas depois de Abril de 529 d.C. (e que ainda não estavam
desactualizadas, como as constantes nas Quinquaginta decisiones), bem como adaptá-
lo às alterações do direito jurisprudencial (iura) efectuadas através de interpolações
nos textos do Digesto.

- Após 534 d.C. – Depois de promulgado o Segundo Código, Justiniano (principalmente


até 542 d.C., data da morte de Triboniano) publica abundante legislação avulsa, as
“novas constituições” ou “novelas” (novellae constitutiones post codicem, o Segundo,
claro está), a maioria escritas em grego, que completam ou actualizam o direito

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codificado. Embora prevista a sua compilação (na Constituição Cordi), nunca chegaram
a ser oficialmente compiladas, sendo conhecidas apenas através de três compilações
de mão particular e desconjuntas:

1) A chamada Iuliani Epitome (Novellarum – Constituições Imperiais), elaborada à


volta de 555 d.C. por Juliano, professor de Direito em Constantinopla, reúne resumos
em latim de 124 constitutiones novellae publicadas nos 20 anos compreendidos entre
535 e 555 d.C..

2) O chamado Authenticum, versão latina de 134 novelas publicadas entre 535 e 556
d.C. preparada, muito provavelmente, em Itália nos finais do reinado de Justiniano
(falecido em 565 d.C.; assim chamado por, na Idade Média, se acreditar estar-se
perante o texto original das novelas (tratando-se, na verdade, de traduções latinas de
novelas originariamente redigidas em grego).

3) A chamada Colectânea Grega, elaborada, provavelmente, em Constantinopla


durante o reinado do imperador Tibério II, reúne, para além de 158 (3 das quais
repetidas) novelas de Justiniano, 4 de Justino II e 3 de Tibério II na versão original, bem
como três decretos de prefeitos do pretório (praefecti praetorio). Um dos manuscritos
da Colectânea Grega, o Codex Marcianus de Veneza, onde ainda se encontra, contém,
ainda, um apêndice com 13 novelas de Justiniano (Edicta Iustiniani). Foi a mais
completa de todas as compilações de novellae (embora mais tarde se tenham provado
ser, na verdade, edictas ou decretas de prefeitos do pretório).

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