Você está na página 1de 9

1

11. O Domínio Romano


11.1. A “Pax Romana” chega a Jerusalém
11.1.1. Da Intervenção de Pompeu a Herodes Magno

Nos anos seguintes à interferência de Pompeu (63 a.C.) há paz na Palestina. Porém, em Roma
as coisas se complicam. De 62 a 69 a.C. Roma é governada pelo triunvirato Crasso, Pompeu e
César. Depois, enquanto César luta nas Gálias, governam os cônsules Crasso e Pompeu (55-54
a.C.), mas Crasso é derrotado em 53 a.C. pelos partos, ficando somente Pompeu como cônsul
(51-49 a.C.). Entretanto, chega César, toma a Itália e a Espanha, confronta-se com Pompeu, que
é finalmente vencido em Farsália, na Grécia, no ano 48 a.C. No Egito, um pouco mais tarde,
Pompeu é assassinado.
César nomeia Cleópatra VII, a famosa herdeira dos Ptolomeus, rainha do Egito e, nesta luta pelo
controle do Egito, recebe apoio de Hircano II que lhe envia tropas comandadas por Antípater. São
estas tropas que conquistam Pelúsio, no delta do Nilo, para César.
Quando, em 47 a.C., César chega à Síria, como prêmio, dá a Hircano II o título de etnarca
(governador de um grupo racial com o seu território) da Judéia, confirmando-o também no cargo
de sumo sacerdote. Antípater recebe a cidadania romana e é nomeado prefeito ou procônsul da
Judéia, enquanto seus dois filhos Fasael e Herodes são nomeados respectivamente estrategos
de Jerusalém e da Galiléia.
César é assassinado em meados de março de 44 a.C., e Roma volta a ser governada por
triúnviros: Antônio, Otaviano e Lépido.
Entretanto, as intrigas palestinenses continuam: Antípater é envenenado em 43 a.C. pelo copeiro
de Hircano II. Em 41 a.C. Antônio nomeia Herodes e Fasael etnarcas, enquanto Hircano II
permanece apenas como sumo sacerdote.
Devido à fraqueza do controle romano na província da Síria, esta é invadida, em 40 a.C., pelos
partos, descendentes do antigo império persa. Os partos colocam Antígono, filho de Aristóbulo II,
como sumo sacerdote e rei na Judéia (40-37 a.C.).
Antígono corta as orelhas de Hircano II, seu tio, incapacitando-o, assim, para o cargo de sumo
sacerdote (cf. Lv 21,17-23). Fasael se suicida. Herodes foge para Roma e no final do ano 40 a.C.
e nomeado, pelo Senado romano, rei da Judéia, com uma única condição: terá que conquistar
seu reino.
Em 37 a.C. Herodes torna-se o senhor da Palestina. Casa-se com Mariana I, neta de Aristóbulo II
e Hircano II, entrando definitivamente para a família asmonéia.
Herodes Magno governa o povo judeu durante 34 anos (37-4 a.C.).
Herodes se equilibra no delicado jogo do poder porque sabe ser servil a Roma. Primeiro apóia
Antônio, mas quando este é vencido por Otaviano na famosa batalha naval de Áccio, no ano 31
a.C., Herodes vai imediatamente visitar o vencedor, que está na ilha de Rodes, e, em gesto
teatral, depõe a coroa a seus pés.
Resultado: volta para casa reconfirmado rei por Otaviano e ainda consegue favores: como o
engrandecimento de território, a exoneração de tributo a Roma, a isenção de tropas de ocupação,
a autonomia interior para as finanças, a justiça e o exército.
Herodes luta com decisão para consolidar o seu poder. Isto significa, antes de mais nada, que ele
elimina, através de assassinatos e intrigas várias, adversários seus, inclusive alguns membros de
sua família - como esposas, filhos, sogra, sobrinhos.
Consolidado o poder, constrói obras grandiosas na Judéia. Templos, teatros, hipódromos,
ginásios, termas, cidades, fortalezas, fontes. Reconstrói totalmente o Templo de Jerusalém, a
partir do inverno de 20-19 a.C.
Reconstrói Samaria, dando-lhe o nome de Sebaste, feminino grego de Augusto, em homenagem
ao Imperador romano; constrói um importante porto, Cesaréia Marítima; Mambré, lugar sagrado
ligado a Abraão, recebe uma grande construção que o valoriza; fortalezas são reedificadas ou
2
totalmente construídas como Alexandrium, Heródion, Massada, Maqueronte, Hircania etc. Jericó
é embelezada e torna-se sua residência favorita.
Observemos os nomes de suas construções, reveladores de seu espírito político:
Sebaste (Samaria), em homenagem a Augusto
Cesaréia (Marítima), em homenagem a César Augusto
Antipátrida, em homenagem a seu pai Antípater
Fasélida, em homenagem a seu irmão Fasael
Cipros, em homenagem a sua mãe
Heródion, em homenagem a si mesmo
fortaleza Antônia (em Jerusalém), em homenagem a Marco Antônio.
Valorizando o culto, Herodes Magno ganha para si o povo. Construindo fortalezas, controla
possíveis revoltas. Matando seus inimigos, seleciona seus herdeiros. Apoiando a cultura
helenística, aparece diante do mundo. Servindo fielmente a Roma, conserva-se no poder...
Entretanto, Herodes não tem legitimidade judaica, pois descende de idumeus e sua mãe é
descendente de árabe. Assim, por ser estrangeiro, não tem para com os judeus nenhuma relação
de reciprocidade e sua legitimidade se funda na própria estrutura do poder exercido.
Quando vence os seguidores de Antígono, Herodes constrói uma estrutura de poder
independente da tradição judaica:
 nomeia o sumo sacerdote do Templo: destitui os Asmoneus e nomeia um sacerdote da família
sacerdotal babilônica e, mais tarde, da alexandrina
 exige de seus súditos um juramento que obriga a pessoa a obedecer às suas ordens em
oposição às normas tradicionais; se a pessoa recusar o juramento, é perseguida
 interfere na justiça do Sinédrio
 manda vender os assaltantes e os revolucionários políticos capturados como escravos no
exterior, sem direito a resgate
 a venda à escravidão e a execução pessoal (a morte) tornam-se normas comuns do
arrendamento estatal.
Mas, se ele viola assim a tradição, como consegue legitimidade?
A estrutura de poder do Estado sob Herodes é bem diferente da estrutura da época dos
Macabeus:
 o rei é legitimado como pessoa e não por descendência
 o poderio não se orienta pela tradição, mas pela aplicação do direito pelo senhor
 o direito à terra é transmitido pela distribuição: o dominador a dá ao usuário: é a "assignatio"
 a base filosófica helenística é que legitima o poder do rei, quando diz que o rei é "lei viva"
(émpsychos nómos), em oposição à lei codificada, ou seja: o rei é a fonte da lei, porque ele é
regido pelo "nous": o rei tem função salvadora e, por isso, dá aos seus súditos uma ordem
racional, através das normas do Estado. "O rei em sua pessoa é a continuação do seu reino e o
salvador de seus súditos", diz H. G. Kippenberg.
 o poder militar de Herodes se baseia em mercenários estrangeiros que ficam em fortalezas ou
em terras dadas aos mercenários (cleruquias) por ele (terras no vale de Jezrael), e nas cidades
não-judaicas por ele fundadas, a cujos cidadãos ele dá como posse o território que as rodeia,
com os camponeses dentro!
Seus herdeiros: Arquelau, Herodes Antipas e Felipe.
3
11.1.2. Os Imperadores Romanos de 30 a.C. a 138 d.C.
A situação em Roma, cidade fundada, segundo a tradição, em 734 a.C., é a seguinte:
Otaviano, eliminados seus rivais, torna-se o único Imperador de Roma, sendo declarado vitalício
em 29 a.C. e Augusto (= venerável), em 27 a.C. Otaviano, Augusto, ou César Augusto, governou
de 30 a.C. a 14 d.C.
“Augusto era pessoa de grandes predicados pessoais: inteligente, diplomata, administrador
eficientíssimo, e pessoa dotada de um grande encanto pessoal, mas firme e exigente no que se
referia à execução dos seus planos. Soube cativar as várias categorias da população, desde as
mais altas até as mais humildes, comenta Oliveira Leite Gonçalves. Deixou fama de grande
pacificador do mundo.
Tibério (14-37 d.C.), enteado de Augusto, é seu sucessor. Homem capacitado e bom
administrador, mas que enfrenta grandes dificuldades no seu governo, criadas por seus
colaboradores. Por isso, não pode evitar muitas crueldades surgidas na luta pelo poder. Além
disso, é muito indeciso.
Quem o descreve impiedosamente é Suetônio, que viveu de aproximadamente 70 a 160 d.C.
Também Tácito (ca. 55-117 d.C.), apoiando o Senado, que não gosta do governo de Tibério, diz:
“Na sua qualidade de Imperador, procurou simular um caráter virtuoso, enquanto Germânico e
Druso viviam. Também enquanto sua mãe estava viva, sua vida foi uma mistura de bem e de
mal. Embora sua crueldade fosse execrável, ele sabia esconder suas concupiscências, enquanto
amava ou temia Sejano. Por último, pondo de lado o pejo e o temor, deixou-se levar pela loucura
e devassidão, obedecendo tão somente aos seus instintos agora liberados”
A Dinastia Júlio-Cláudia
Calígula (37-41 d.C.) deixou fama de cafajeste e monstro, um demente pródigo que dilapidou as
riquezas acumuladas por Tibério e desonrou o cargo imperial. Morre assassinado por alguns
conspiradores.
Cláudio (41-54 d.C.), o Imperador seguinte, é tio de Calígula, e é muito manobrado por
Messalina e Agripina, duas mulheres terríveis. Agripina é a mãe de Nero, o tristemente famoso
Nero.
Nero (54-68 d.C.), enteado de Cláudio, também deixou péssima fama, como dissoluto, frívolo e
péssimo governante. Odiado pelo povo, acaba se suicidando, quando parte de suas legiões se
rebela. É Nero quem incendeia Roma em agosto de 64 d.C. É também sob seu governo que
explode a grande revolta na Judéia, para onde ele manda um grande exército, comandado pelo
general Vespasiano e seu filho Tito.
Galba, Otônio e Vitélio são aclamados sucessivamente Imperadores, mas não se firmam no
poder.
 Galba dura seis meses e é assassinado.
 Otônio fica três meses e se suicida.
 Vitélio morre em luta contra Vespasiano.
Vespasiano (69-79 d.C.), aclamado Imperador pelas legiões de todo o Oriente, deixa seu filho
Tito no comando da guerra contra os judeus e assume o poder. Deixou fama de ter sido um bom
Imperador, pois, segundo os historiadores da época, governa com moderação e pacifica o
império, pondo fim às várias lutas e intrigas.
Tito (79-81 d.C.) continua o governo do pai. É ele quem ataca Jerusalém na Páscoa de 70 d.C.
com quatro legiões (cerca de 24 mil homens), conquistando-a totalmente até setembro. Seus
habitantes são mortos, vendidos ou condenados a trabalhos públicos.
Domiciano (81-96 d.C.), irmão de Tito, tem apenas 28 anos quando é feito Imperador. Deixou
fama de ser orgulhoso, antipático e autoritário. É assassinado.
Nerva (96-98 d.C.), um velho senador, é fraco no governo.
Trajano (98-117 d.C.), chamado de “Pai da Pátria”, é considerado ótimo Imperador.
4
Adriano (117-138 d.C.), seu sobrinho, ordenou a reconstrução de Jerusalém como cidade greco-
romana e assim suscitou a insurreição chefiada por Bar Kokhba entre 131 e 135.

11.1.3. Os Herdeiros de Herodes Magno


O reino de Herodes Magno é assim dividido após a sua morte:
 Arquelau ( 4 a.C.- 6 d.C.) é nomeado etnarca da Judéia, Samaria e Iduméia.
 Herodes Antipas (4 a.C.- 39 d.C.) herdou, como tetrarca, a Galiléia e a Peréia.
 Felipe (4 a.C.- 34 d.C.) recebeu como tetrarca, a Gaulanítide, Batanéia, Traconítide,
Auranítide e Ituréia.

Vocabulário
Tetrarca: do grego téttara, téssara = quatro, e árcho = senhorio; portanto, tetrarca = senhor de
um quarto (de território). Os romanos usavam o título mesmo quando o território era dividido em
apenas duas ou três partes.
Gaulanítide: região da Transjordânia, assim chamada por causada cidade de Golan
Batanéia: região que ocupava parte da antiga Basan
Traconítide: região situada ao sul de Damasco, entre as montanhas do Antilíbano e a Batanéia.
Significa “região pedregosa”
Auranítide: nome proveniente de uma antiga província assíria denominada Auran
Ituréia: região da Transjordânia, ocupada por uma tribo árabe aramaizada. Sua capital era
Cálcis.

Arquelau é deposto por Augusto no ano 6 d.C., por causa das numerosas arbitrariedades que
comete, entre elas a troca indevida de sumos sacerdotes. Uma delegação de judeus influentes
vai a Roma falar com o Imperador e é atendida. A Judéia, a Samaria e a Iduméia passam, então,
a ser governadas diretamente por procuradores romanos. A capital da província passa a ser
Cesaréia.
Herodes Antipas constrói, no ano 17 d.C., a capital de sua tetrarquia às margens do lago de
Genezaré e chama-a de Tiberíades, em homenagem ao Imperador Tibério. É muito amigo dos
romanos e parecido com o pai. Casado com uma filha do rei nabateu Aretas IV, Herodes Antipas
acaba por repudiá-la e casa-se com Herodíades, mulher de seu irmão Felipe. Isto lhe custa uma
represália do rei nabateu Aretas IV, que, para vingar a filha, ataca Antipas, derrotando-o em 36
d.C.
João Batista paga com a vida a denúncia que faz desta união ilegítima. É preso e decapitado no
começo do ano 29 d.C. Conhecemos deste episódio, em geral, a versão de Mc 6,17-29. Mas há
também a de Flávio Josefo, que diz:
“Herodes o mandara executar, embora este fosse uma figura nobre, que exortava os judeus à
busca da perfeição. Aconselhava-os a praticar a justiça uns para com os outros e, em seguida, a
fazer-se batizar (...) Seus discursos possuíam extraordinária força de atração. Por isso, Herodes
temia que o prestígio deste homem, cujos conselhos pareciam ser observados universalmente,
levasse o povo à revolta. Por isso achou melhor eliminá-lo, enquanto ainda era tempo, do que,
depois, cair sob a ameaça de mudanças da situação, e arrepender-se, quando já fosse
demasiado tarde. Levado por esta suspeita, Herodes mandou prendê-lo e levá-lo para a fortaleza
de Maqueronte ... e aí executá-lo”.
É a Herodes Antipas que Pilatos manda o preso Jesus, segundo Lc 23,8-12.
Herodes Antipas é acusado por Herodes Agripa I, irmão de Herodíades, de preparar um golpe
contra os romanos. O Imperador Calígula o depõe no ano 39 d.C. e o bane para a Gália. Sua
tetrarquia passa para Herodes Agripa I.
5
Felipe é um bom governante. Transforma a aldeia de Betsaida em capital e lhe dá o nome de
Julias, em homenagem à filha de Augusto. Reedifica Panéias e lhe dá o nome de Cesaréia (de
Felipe) em honra de Augusto.
Morre sem herdeiros e sua tetrarquia é anexada à província da Síria. Felipe é casado com
Salomé III, a de Mc 6,22-28.
Herodes Agripa I, amigo de juventude de Calígula (37-41 d.C.), recebe deste a tetrarquia de
Felipe, com o título de rei (37-44 d.C.). Dois anos depois, ao ser desterrado Antipas, recebe sua
tetrarquia e as terras de Abilene, tetrarquia de Lisânias. Em 41, quando Calígula é feito
Imperador, Herodes Agripa I torna-se também rei da Judéia, Samaria e Iduméia. Torna-se, assim,
rei de um território tão grande quanto o de seu avô, Herodes Magno.
É judeu observante e piedoso, amigo dos fariseus. Começa a construção da terceira muralha de
Jerusalém, que tornaria a cidade simplesmente inexpugnável. Contudo, não pôde concluí-la, pois
o Imperador, alertado pelo governador da Síria, proíbe-o de continuar a obra.
Morre repentinamente no ano 44 d.C., em Cesaréia.

11.1.4. Os Prefeitos e Procuradores Romanos da Judéia


Copônio : 6-8 d.C.
Marcos Ambívio : 8-12 (?)
Ânio Rufo : 12-15 (?)
Valério Grato : 15-26
Pôncio Pilatos : 26-36
Marcelo : 36-37
Marulo : 37-41 (?)
Cúspio Fado : 44-46
Tibério Alexandre : 46-48
Ventídio Cumano : 48-52
Antônio Félix : 52-60
Pórcio Festo : 60-62
Lucéio Albino : 62-64
Géssio Floro : 64-66
O procurador ou prefeito era um administrador em ligação com o legado que governava a
província romana da Síria e dependia dele. Residia em Cesaréia, mas subia a Jerusalém e podia
lá permanecer conforme as circunstâncias ou as necessidades.
Por causa de Flávio Josefo se pensava que a Judéia fora governada por procuradores (epítropos,
em grego, procurator, latim), mas hoje se sabe, graças a uma inscrição sobre Pilatos encontrada
em Cesaréia[10], que, até Cláudio, os governadores romanos da Judéia tinham o título de
éparchos ou praefectus = prefeito. Após Cláudio, que se tornou Imperador no ano 41, podemos
falar de “procuradores”. Portanto, a partir de Cúspio Fado (44-46). Entretanto, os dois títulos, para
as províncias imperiais, como era o caso da Judéia, eram equivalentes, tendo perdido o
significado original da época da República. Tanto o prefeito como o procurador tinham funções
fiscais, militares e judiciais.
Pôncio Pilatos, prefeito da Judéia, que pronuncia a sentença de morte contra Jesus de Nazaré,
é um governante duro e decidido, que nunca simpatizou com os judeus.
Herodes Agripa I, escrevendo ao Imperador Calígula, descreve-o como inflexível por natureza e
cruel por causa de sua obstinação. Acusa-o de venal, violento, extorsivo e tirânico.
Pertence à ordem dos cavaleiros, classe de pessoas ricas, muitos de origem humilde e até
descendentes de escravos, que fizeram fortuna das mais variadas maneiras.
6
Pilatos é nomeado procurador por Tibério, graças à influência de Sejano, o poderoso prefeito da
guarda pretoriana em Roma que é realmente quem manobra o poder.
Sejano faz de tudo para prejudicar os judeus. E consegue. Sob um pretexto qualquer, faz com
que Tibério tome decisões anti-judaicas.
Pilatos faz muitas coisas contrárias aos costumes judeus, desrespeitando-os deliberadamente,
para irritá-los e reprimi-los.
Embora saiba que os judeus abominam a reprodução de imagens de qualquer espécie, ele
manda cunhar moedas com símbolos gentios. Símbolos como o lituus “um bastão recurvado
numa das extremidades, em forma de chifre, que servia para demarcar o recinto onde os
sacerdotes pagãos observavam as aves do sacrifício”, e o simpulum, espécie de concha sagrada.
Pilatos é o único governante romano que tem tal ousadia.
Certa vez, Pilatos manda que seus soldados entrem em Jerusalém, à noite, levando efígies do
Imperador nos estandartes. Quando amanhece, o povo se revolta com tal afronta, e ele tenta
reprimi-lo. Mas tem que ceder diante da grande coragem dos judeus que preferem morrer a
transgredir a Lei. Nas palavras de Flávio Josefo:
“Certa feita, Pilatos mandou levar, de noite, para Jerusalém, um certo número de imagens
veladas do César, que os romanos chamavam de ‘estandartes’. Mal o dia clareou, uma grande
agitação tomou conta da cidade. Todos quantos chegavam perto, enchiam-se de indignação com
o espetáculo, que eles tomaram como uma zombaria grave à lei que proibia colocar qualquer
imagem que fosse no interior da cidade. Pouco a pouco a exacerbação dos habitantes da cidade
atraiu grandes multidões de pessoas que moravam no campo. E todos se dirigiram a Cesaréia,
para falar com Pilatos. Suplicavam-lhe que mandasse tirar as imagens de Jerusalém e desistisse
de agir contra as normas da religião judaica. Pilatos recusou-se a atender ao pedido deles. Então
os judeus se lançaram por terra e ficaram imóveis, no lugar, durante cinco dias e cinco noites.
No sexto dia Pilatos sentou-se numa tribuna, no grande hipódromo da cidade, e convocou o
povo, como se quisesse comunicar-lhe uma notícia. Em seguida, porém, fez aos soldados o sinal
antes combinado, para cercarem os judeus, de armas na mão. Envolvidos por três fileiras de
homens armados, os judeus foram tomados de violenta comoção diante do fato inesperado.
Pilatos mandou massacrá-los, caso não admitissem a presença de imagens do Imperador em
seu meio. Fez então novo sinal aos soldados para desembainharem as espadas. Os judeus, à
uma, jogaram-se por terra, como se tivessem combinado entre si, e ofereceram o pescoço
desnudo, declarando em alta voz que preferiam deixar-se matar a transgredir a Lei. Esta atitude
heróica do povo em defesa de sua religião causou grande espanto em Pilatos. Ele ordenou,
então, que as insígnias do Imperador fossem retiradas de Jerusalém”.

11.1.5. De Agripa II ao Fim da Judéia


Quando morre Herodes Agripa I (44 d.C.), os romanos não quiseram entregar logo o governo
para seu filho Agripa II que é apenas um garoto de 17 anos e vive em Roma. O país é
governado, então, pelos procuradores.
Mas em 48 d.C. Agripa II recebe o governo de Cálcis, território antes dirigido por seu tio. Em 52
d.C. Agripa recebe também a antiga tetrarquia de Felipe e partes da Galiléia e da Peréia. Já
antes, em 49 d.C., ele havia sido nomeado Inspetor do Templo, com direito de designar o sumo
sacerdote, embora a Judéia continue governada por procuradores romanos. Agripa II é o último
governante da família herodiana. Quando Jerusalém é destruída em 70 d.C., ele muda-se para
Roma, onde morre após o ano 93 d.C.
Agripa II vive incestuosamente, dizem, com sua irmã Berenice e não é bem visto pelos judeus,
especialmente pelos sacerdotes, graças às mudanças arbitrárias de sumos sacerdotes que
sempre fez. Teve pouca influência sobre a comunidade judaica.
É diante de Agripa II e Berenice que Paulo comparece, quando prisioneiro em Cesaréia, segundo
At 25,23-26,3.
7
A crescente revolta judaica contra a ocupação romana é, com freqüência, atribuída ao sempre
vivo espírito nacionalista judaico e à sua imorredoura fé na libertação messiânica, mas
historicamente é condicionada e ocasionada pela inabilidade dos procuradores e até mesmo de
alguns Imperadores.
Vimos como Pilatos cometera arbitrariedades sem conta, muitas delas com o deliberado
propósito de irritar os judeus, julgados totalmente impotentes frente ao poderio romano.
E esta atitude prepotente não pára com Pilatos, que afinal é punido pelo que fizera, sendo
destituído por Tibério e chamado a Roma, onde tem que se explicar.
O Imperador seguinte, Calígula, proclama-se deus e obriga todas as províncias, inclusive a
Judéia, a cultuá-lo, oferecendo-lhe sacrifícios. Quando os judeus se recusam a cultuá-lo, são
perseguidos tanto na diáspora (em Alexandria, por exemplo) como na Judéia e demais
províncias.
Calígula chega a exigir que uma estátua do Imperador seja colocada no Templo, contra todo o
bom senso. Petrônio, legado da Síria, tenta demover o Imperador de seus propósitos: é
condenado à morte, ou seja, recebe ordem do Imperador para se suicidar. Só que assassinam
Calígula em 41 d.C., e Cláudio, seu sucessor, dispensa os judeus do culto ao Imperador,
salvando também a vida de Petrônio.
Na Palestina do século I d.C. havia um verdadeiro clima de terror. Richard L. Rohrbaugh, na
Introdução de um volume sobre “As Ciências Sociais e a Interpretação do Novo Testamento ”, diz
sobre a expectativa de vida da população do Império Romano nesta época: “Cerca de 1/3
daqueles que ultrapassavam o primeiro ano de vida (portanto, não contabilizados como vítimas
da mortalidade infantil) morriam até os 6 anos de idade. Cerca de 60% dos sobreviventes
morriam até os 16 anos. Por volta dos 26 anos 75% já tinha morrido e aos 46 anos, 90% já
desaparecido, chegando aos 60 anos de idade menos de 3% da população”.
É claro que estes dados não são uniformemente distribuídos por toda a população da época. Os
que mais sofriam pertenciam às classes mais pobres das cidades e povoados, já que um pobre
em Roma, no século I de nossa era, tinha uma expectativa de vida de 30 anos, quando muito. E o
autor acrescenta: “Estudos feitos por paleopatologistas indicam que doenças infecciosas e
desnutrição eram generalizadas. Por volta dos 30 anos a maioria das pessoas sofria de
verminose, seus dentes tinham sido destruídos e sua vista acabado (...) 50% dos restos de
cabelo encontrados nas escavações arqueológicas tinham lêndeas”.
Com moradias precárias, sem condições sanitárias adequadas, sem assistência médica, com
uma má alimentação... Olhemos para a audiência de Jesus, por exemplo: este mesmo Jesus,
com seus trinta e poucos anos de idade, era mais velho do que 80% de sua audiência. Uma
audiência doente, desnutrida e com uma expectativa de mais 10 anos de vida, se tanto!
Douglas E. Oakman, em um estudo sobre as condições de vida dos camponeses palestinos da
época de Jesus , mostra que a violência que sofriam era brutal. Fraudes, roubos, trabalhos
forçados, endividamento, perda da terra através da manipulação das dívidas atingiam a muitos.
Existia uma violência epidêmica na Palestina.
Quando Vitélio Cumano (48-52 d.C.) é procurador, acontece violenta revolta dos judeus durante
a festa da Páscoa, por causa de um ultraje cometido por um soldado romano. Cumano reprime o
tumulto e vinte mil judeus perdem a vida.
No tempo de seu sucessor Antônio Félix (52-60 d.C.) a tensão aumenta perigosamente. É no
seu tempo que surge o grupo dos sicários, assim chamados por usarem em suas ações uma
adaga curva e curta chamada “sica”. Sua tática é provocar tumultos e desestabilizar o governo
através de assassinatos inesperados de personagens importantes. Escondem a sica sob as
vestes e misturados na multidão eliminam não só romanos, mas também quem colabora com a
ocupação estrangeira. Um dos assassinados neste tempo pelos sicários é o sumo sacerdote
Jônatas.
8
Outros grupos tentam despertar no povo os sentimentos messiânicos, proclamando-se profetas e
fazendo promessas utópicas. Tais grupos são duramente reprimidos pelos romanos através de
grandes matanças. Félix manda crucificar inúmeros zelotas durante o seu mandato.
Outro procurador terrivelmente corrupto e repressor é Lucéio Albino (62-64 d.C.). Seu sucessor
Géssio Floro (64-66 d.C.) consegue então jogar a gota d’água para que o ódio acumulado pelos
judeus derrame.
Quando, após muitas arbitrariedades, G. Floro requisita 17 talentos do tesouro do Templo, a
revolução estoura. Os judeus escarnecem do procurador, fazendo uma coleta para o
“pobrezinho” Floro.
Resultado: Floro entrega para os seus soldados uma parte de Jerusalém, para que seja
saqueada e crucifica alguns homens importantes da comunidade judaica. O povo, em supremo
desprezo, não reage diante do saque, e o desprezo é vingado: há uma carnificina geral.
Então, os revolucionários chefiados por Eleazar, filho do sumo sacerdote, ocupam o Templo e a
fortaleza Antônia. Agripa II tenta conter a revolta e não consegue. Céstio Galo, legado da Síria,
ataca com uma legião, mas é rechaçado com pesadas perdas, assim como antes Floro teve que
se retirar para Cesaréia ao ser derrotado. É a guerra definitiva.
Começam os preparativos para o que der e vier. A Galiléia é entregue ao sacerdote fariseu
Josefo, o nosso conhecido historiador Flávio Josefo. Josefo fortifica várias cidades e se prepara.
Também as fortalezas de Massada e Heródion são ocupadas pelos rebeldes.
“Reuniu-se um grande número daqueles judeus que queriam a guerra a qualquer preço. Tinham
se dirigido para uma fortaleza chamada Massada. Aí surpreenderam a guarnição romana,
massacraram-na e em seu lugar colocaram um destacamento constituído pela própria gente.
Nessa época, Eleazar, filho do sumo sacerdote Ananias, um jovem de grande atrevimento que
comandava então a guarda do Templo, incitou os sacerdotes em exercício a não aceitar
donativos ou sacrifícios da parte de não-judeus. Este foi o começo propriamente dito da guerra
contra os romanos, pois nesta ocasião foi praticamente rejeitado o oferecimento de sacrifício em
favor dos romanos e do Imperador”.
O Imperador Nero confia então a Palestina a um experiente general: Vespasiano. Em companhia
de seu filho Tito, Vespasiano ataca a Galiléia na primavera de 67 com 10 legiões (60 mil
soldados, sem contar as tropas auxiliares, o que duplica este número). Conquistam facilmente o
território, mas a fortaleza de Jotapata só cai após 47 tentativas de assalto. Josefo é aprisionado e
muito bem tratado. Até o outono a Galiléia está nas mãos dos romanos, que então podem
hibernar tranqüilamente.
Na primavera de 68 Vespasiano ocupa sucessivamente a Peréia, a costa, as montanhas da
Judéia, a Iduméia e a Samaria. Está para atacar Jerusalém quando Nero se suicida.
Vespasiano espera se definir a situação em Roma. Três Imperadores passam pelo trono, mas
nenhum pára. Finalmente Vespasiano é aclamado Imperador no dia primeiro de julho de 69 e
marcha para Roma, deixando a guerra sob o comando de Tito.
Tito cerca Jerusalém pouco antes da Páscoa de 70, com quatro legiões (24 mil soldados). A
cidade está repleta de peregrinos. Uma cidade com cerca de 30 mil habitantes fixos. Mas nesta
época ultrapassava os 180 mil.
Tito ocupa o setor norte da cidade, abre um fosso ao seu redor para que ninguém escape e em
julho de 70 toma a fortaleza Antônia, um dos redutos rebeldes. Como os muros do Templo não
cedem, Tito o incendeia. É agosto de 70. Toda a construção é consumida pelas chamas, mas os
rebeldes conseguem se refugiar no palácio de Herodes.
Em setembro de 70 também o palácio cai. Os chefes rebeldes, João de Gíscala, zelota, e Simão
Bargiora, sicário, são aprisionados e levados triunfalmente para Roma. A cidade é saqueada e os
habitantes assassinados, vendidos ou condenados a trabalhos públicos.
Estão ainda de pé três fortificações rebeldes: Heródion, Massada e Maqueronte, defendidas
pelos sicários e zelotas. Heródion e Maqueronte caem logo, mas Massada resiste um ano de
9
cerco. Quando finalmente é tomada, os rebeldes incendeiam-na e se suicidam em massa para
não caírem em mãos romanas.
Vespasiano manda cunhar moedas sobre as quais estão um soldado romano, uma mulher de luto
e uma palmeira simbolizando Israel. A inscrição dizia: Judaea capta. Em Roma, o arco do triunfo
de Tito, de pé ainda hoje, celebra a vitória romana. A Judéia é separada da Síria e torna-se uma
província imperial, dirigida por um governador que mora em Cesaréia.
Quando reina Adriano (117-138 d.C.), há ainda nova revolta judaica. É que o Imperador, em giro
pelo Oriente, decide reconstruir Jerusalém com o nome de Aelia Capitolina e manda fazer um
templo dedicado a Júpiter no mesmo local onde existira o Templo de Salomão.
Simeão Bar-Kosibah é o chefe desta nova revolta, começada em 131 d.C. Ele é chamado
também de Bar-Kokhba (filho da estrela), numa interpretação messiânica de Nm 24,17, feita por
Rabi Aqiba.
Os rebeldes ocupam Jerusalém e algumas fortalezas espalhadas pelo território judaico. Depois
de muita luta, um enviado especial de Adriano, Júlio Severo, consegue dominar a revolta,
vendendo, em seguida, os rebeldes como escravos. É o ano 135 d.C.
Jerusalém torna-se, então, Colonia Aelia Capitolina e o templo a Júpiter é levantado no local do
antigo Templo dos judeus, além dos outros templos construídos na cidade.
Aos judeus Jerusalém foi proibida, sob pena de morte. A Judéia torna-se parte da província Síria-
Palestina.

Você também pode gostar