Você está na página 1de 3

Universidade Federal do Amazonas | Faculdade de Tecnologia

Arquitetura e Urbanismo | História da Arquitetura I


Fichamento: 1
Aluna: Juliana de Oliveira Cambeiro
Grupo de Seminário: B
Nome do Texto: Construção de monumentos régios e simbolização do espaço no antigo Egito
Autor: Ciro Flamarion Cardoso
Ano: junho de 2012

O artigo científico a ser discutido se trata do texto “Construções de monumentos régios


e simbolização do espaço no antigo Egito (Reino Novo, séculos XVI – XI a.C.)”, de autoria do
pesquisador Ciro Flamarion Cardoso, professor titular em História Antiga da Universidade
Federal Fluminense (UFF). O texto se insere na produção do autor abrangida pelo Grupo de
Estudos em Egiptologia MAAT (GEEMAAT), do qual Cardoso faz parte e é coordenador. Se
trata de um artigo publicado na Revista Mundo Antigo e indica ser parte de uma pesquisa maior
a respeito do Egito Antigo, possivelmente organizada pela GEEMAAT.
O texto busca comprovar que os povos egípcios do Reino Novo possuíam conceitos
bem desenvolvidos de espaço para a construção de monumentos simbólicos e míticos,
desmentindo a noção de que essa civilização contava apenas com um sentido de tempo e faltava
com o ângulo espacial. Exemplos claros da faceta espacial podem ser vistos na organização de
certos monumentos egípcios, tal como a maneira pela qual se iniciava a construção dos templos
– delimitação dos contornos e marcação dos limites com tijolos para apenas depois erguer as
estruturas iniciais – ser uma alusão à história egípcia da criação do mundo, segundo a qual Ptah,
o deus criador, ergueu a colina inicial das Águas Primordiais. Um caso análogo seria a defesa da
cidade de Uaset (futura Tebas), a qual era estruturada por quatro santuários ao deus da guerra
Montu que se espalhavam no entorno da cidade demarcando de maneira simbólica o espaço
protegido.
A primeira parte do artigo busca expor o ângulo espacial nos monumentos simbólicos
através da análise dos templos axiais desenvolvidos no Reino Novo. Durante o Reino Antigo os
templos eram pequenos e feitos principalmente de tijolos, madeira, juncos e ocasionalmente
pedra; a chegada do Reino Médio trouxe a sofisticação dos santuários, agora cobertos por
decorações, e o aumento do uso da pedra, mas foi somente no Reino Novo que o templo axial
posterior começou a apresentar os elementos mais marcantes desse tipo de monumento. Os
templos continham um grande pórtico seguido por um pátio aberto, sala hipóstila, um santuário
para barca divina de Osíris, santo dos santos e é delimitado por um alto muro ondulado que
representava as águas primordiais. Havia, também, uma preocupação estrutural com o curso do
sol, motivando os egípcios antigos a construir os templos de maneira que certas vezes ao longo
do ano o sol penetrasse no fundo do templo representando o poder superior divino. Os muros
em ondas e a construção centrada no curso do sol expõem o espaço simbólico de fundo mítico
que era criado a partir do ângulo espacial explorado pela civilização egípcia.
Ademais, outras estruturas dos templos também podem ser analisadas como
representações de fundo mítico. Primeiramente, o pórtico de entrada com seus obeliscos pode
ser visto como uma alusão ao sol nascente no horizonte, horizonte este que representa na
religião egípcia o ponto onde o mundo divino se encontra com o mundo humano. Os demais
exemplos se referem ao percurso do sol ao longo do dia, com o pátio representando o meio-dia
repleto de luz, a sala hipóstila representando o crepúsculo e o pântano primordial com suas
colunas adornadas com detalhes vegetais, o teto decorado com estrelas representando o céu
noturno e o santo dos santos simbolizando a colina primordial da criação.
O templo era visto como um microcosmo, representava o mundo inteiro em sua
extensão. Outro fator estrutural de alta relevância são as rampas que conduzem os indivíduos
entre os diferentes níveis do santuário, e que quando vistas por uma direção certa formam um
dos hieróglifos que grafa a palavra Maat, o símbolo de ordem cósmica e social. A genialidade
demonstrada na construção do hieróglifo nas rampas é prova concludente da presença de senso
de espaço desenvolvido na arquitetura do Egito Antigo, bem como a representação do universo
nas salas do templo.
A segunda parte do texto analisa os palácios monárquicos, em especial os palácios
cerimoniais, a fim de traçar uma relação entre o ângulo espacial dos monumentos egípcios e o
simbolismo representado nas construções. O principal exemplo para essa seção se trata do
palácio cerimonial de Merenptah (1213 – 1203 a.C.), da XIX a dinastia em Mênfis, o monumento
não possuía aposentos residenciais ou depósitos para alimentos e bebidas, mas mostrava clara
ênfase em grandes salas cobertas nas quais supostamente eram realizadas as cerimônias.
Semelhante aos templos, o teto do palácio se assemelhava ao céu noturno, discos folhados de
ouro adornavam as portassem uma alusão ao sol e as colunas eram esculpidas de forma a
representarem enormes plantas do pântano primordial.
A principal divergência entre a arquitetura dos templos e a arquitetura dos palácios
cerimoniais se encontra no fato de que os palácios “representavam o cosmo como seria visto do
ponto de vista do faraó” (O’CONNOR, 1993, p.184), ou seja, mostravam as cenas divinas
centradas na superioridade do faraó e na extensão de seu domínio na terra, enquanto os templos
no geral representavam a divindade dos próprios deuses. Nos palácios, o trono do faraó
representava a colina primordial associando o mesmo com o próprio deus criador, de igual
maneira a decoração mostrava o domínio do monarca egípcio sobre todos os povos, retratando
os estrangeiros como agentes do caos e posicionando o faraó na função de agente dos valores de
Maat.
A terceira parte do texto se refere à decoração e arquitetura dos hipogeus régios, os
túneis subterrâneos encontrados embaixo das pirâmides e outros túmulos dos faraós. Na tumba
do faraó Thotmés III há textos que mostram exatamente onde o processo de ressurreição
ocorreria, bem como onde se localiza a Câmara Oculta, domínio dos deuses Osíris e Ra. Esse
exemplo é de alta relevância pois expõe como a decoração dos hipogeus não fazia meras alusões
a certos ritos religiosos e locais sagrados, eles eram efetivamente tais locais onde ocorreriam os
verdadeiros ritos. Podemos ver nesse exemplo a relação entre o aspecto espacial no mundo
físico e a cosmografia do mundo divino e invisível.
Um segundo exemplo pode ser visto na tumba de Ramsés VI (1142 – 1134 a.C.). Nesse
monumento os materiais são ordenados em pequenas cavernas e os seres estão em espaços
delimitados por sarcófagos; ambos os cenários são alusões ao Livro de Amduat¸ com as
cavernas representando a divisão do mundo inferior e os sarcófagos se referindo aos seres das
cavernas que se encontram encerrados em um espaço oval. A única sessão explícita desse
hipogeu se trata da arca de Osíris na Câmara Oculta, na qual jaz efetivamente o corpo do deus.
Esses exemplos fazem uma referência clara à espacialidade, especialmente o que se trata do
deus Osíris uma vez que o mesmo é vinculado à temporalidade não-cíclica e, portanto, mais
relacionado ao espacial que ao temporal.
O artigo descrito se trata de um estudo de pesquisa bem formulado e defendido por
obras literárias qualificadas, fatores que lhe classificam como um ensaio de qualidade. Os
exemplos apresentados são de alta pertinência e o histórico social e mítico oferecido permitiu a
melhor compreensão do assunto, abrangendo a totalidade da tese a respeito do ângulo espacial
das construções simbólicas na civilização egípcia antiga. Contudo, pode ser considerado um
certo exagero a posição tomada a respeito do simbolismo das pirâmides quando o autor defende
a possibilidade de a mesma representar uma rampa para o céu ou a forma de quatro raios solares
divergentes. Por vezes estudiosos de antigas civilizações buscam por significados maiores onde
não há nenhum.
A evolução dos modelos de pirâmide ao longo dos anos nos mostra que, provavelmente,
os egípcios estavam apenas buscando uma maneira de construir monumentos os mais altos
possíveis para se aproximar do céu, possivelmente sem se importar com o formato de rampa ou
a forma gerada por quatro raios. Assim, podem-se formular questionamentos a respeito do que
foi apresentado no texto, entre eles: a) haveria um real motivo simbólico e/ou mítico na escolha
do formato piramidal para os túmulos dos faraós? b) A diferenciação na decoração de palácios
cerimoniais e templos mostrava que o faraó seria o representante dos deuses da terra, mas será
que essa separação não causaria também uma divisão maior entre os dois conceitos,
ocasionando o povo a deixar de validar a divindade do monarca? c) Seria possível que os
antigos egípcios realmente vissem seus monumentos não como representações das moradas e
locais de atuação dos deuses, e sim efetivamente como tais lugares com suas conotações
divinas?

Você também pode gostar