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19º Seminário de Pesquisa/Seminário de Iniciação Científica-UNIANDRADE 2021

A PAISAGEM SAGRADA DE AKHETATON: CONSIDERAÇÕES SOBRE A CIDADE


CONCEBIDA COMO UM TEMPLO

Liliane Cristina Coelho*

*UNIANDRADE, Curitiba, Brasil


*Docente do curso de História no Centro Universitário Campos de Andrade-UNIANDRADE
e-mail: liliane.coelho@uniandrade.edu.br

Resumo: A mudança religiosa proposta Aten, the city can be understood as a large
pelo faraó Akhenaton (c. 1353-1335 a.C.) temple dedicated to the deity when viewed
resultou não apenas em uma religião solar from a focal point located in the Royal
centrada no culto ao deus Aton, o disco Tomb. The scenes present in one of its
solar, mas na construção de uma cidade chambers, when studied in conjunction
para ser o centro de culto à divindade: with the border stelae, make it possible to
Akhetaton, o Horizonte do Aton. Delimitada think of a sacred landscape, which
por estelas de fronteira que apresentam expands across the entire area occupied
uma iconografia na qual a família real é by the city. The aim of this work, then, is to
representada homenageando o Aton, a present the first results of an analysis
cidade pode ser entendida como um carried out on sources related to the sacred
grande templo dedicado à divindade landscape of Akhetaton, seeking to
quando analisada a partir de um ponto understand the city as a sacred space.
focal localizado na Tumba Real. As cenas Keywords: Akhetaten, Amarna Period,
presentes em uma de suas câmaras, sacred landscape, Egyptian cities.
quando estudadas em conjunto com as
estelas de fronteira, tornam possível INTRODUÇÃO
pensar em uma paisagem sagrada, que se
expande por toda a área ocupada pela A construção de cidades por ordem
cidade. O objetivo deste trabalho, então, é régia era bastante comum no Egito antigo,
apresentar os primeiros resultados de uma tendo sido um expediente adotado por
análise efetuada nas fontes relacionadas à faraós desde o Reino Antigo e até o
paisagem sagrada de Akhetaton, Período Tardio, quando considerado
buscando entender a cidade como um apenas o período anterior ao domínio
espaço sagrado. greco-romano. Erigir uma nova cidade não
Palavras-chave: Akhetaton, Período de tinha como objetivo apenas aumentar o
Amarna, paisagem sagrada, cidades poder ou o controle sobre uma
egípcias. determinada região, mas também
estabelecer novos centros de cultos a
Abstract: The religious change proposed divindades que eram adotadas como
by Pharaoh Akhenaten (c. 1353-1335 BC) dinásticas por novos monarcas. Este é o
resulted not only in a solar religion centered caso da cidade de Akhetaton, construída
on the worship of the god Aten, the sun disk, no Médio Egito sob as ordens de
but in the construction of a city to be the Amenhotep IV / Akhenaton, que governou
center of the worship of divinity: Akhetaten, o Egito entre creca de 1353 e 1335 a.C.,
the Horizon of Aten. Delimited by border conforme a cronologia proposta por Baines
stelae that feature an iconography in which e Málek (1996, p. 36).
the royal family is depicted honoring the Akhetaton, no entanto, torna-se um
caso único na Egiptologia pois, de acordo
2[IFMBE PROCEEDINGS]

com Barry Kemp (2008, p. 330), poucos No entorno da área onde a cidade foi
assentamentos do mundo pré-clássico construída, nas falésias que delimitam as
possuem um traçado tão claro ou são tão regiões desérticas, são conhecidas 15
bem documentados como este. Por meio estelas de fronteira, que foram esculpidas
dos textos das estelas de fronteira é na rocha em ambos os lados do rio Nilo,
possível conhecer quais foram as sendo 12 na margem leste e 3 na margem
primeiras estruturas a serem construídas e oeste. Nelas, aparecem cenas, algumas
os estudos arqueológicos realizados vezes acompanhadas por estátuas, dos
desde o século XIX permitem visualizar a membros da família real (Akhenaton,
organização do espaço urbano presente Nefertiti e as filhas mais velhas) cultuando
na cidade (COELHO, 2015). ao Aton. São essas cenas, das quais
Por meio deste estudo, então, busca-se aquela da estela S é apresentada na figura
compreender a organização espacial da 1, que nos fornecem os primeiros
cidade de Akhetaton, inserida em sua elementos para compreender a paisagem
paisagem, pensando a cidade como um sagrada de Akhetaton.
grande templo ao céu aberto. Para tal,
parto de um estudo da localização e da
iconografia presente nas estelas de
fronteira que delimitam a cidade em
conjunto com cenas da Tumba Real que a
identificam com um ponto de encontro
entre o deus Aton e o faraó a fim de
fornecer vida à cidade. Como base teórica,
utilizo minha tese de doutorado, defendida
em 2015, bem como os estudos de
egiptólogos especialistas neste período,
como Kemp (2008) e Malisson (1999).
Figura 1: Luneta da estela de fronteira S,
METODOLOGIA apresentando a família real de Amarna em
cena de culto ao Aton. Referência: DAVIES,
A antiga cidade de Akhetaton, erigida 1907, pl. XLI.
por ordem de Akhenaton no Médio Egito,
foi ocupada por cerca de vinte a vinte e A metodologia desenvolvida para esta
cinco anos, desde o quinto ano de reinado pesquisa relaciona-se tanto à análise
de Akhenaton até o início do governo de iconográfica quanto a um estudo da
Tutankhamon (c. 1333-1323 a.C.), quando paisagem, que pode ser realizado a partir
a corte retornou para Tebas. Sabemos, por de elementos como a posição das estelas
meio dos textos das Estelas de Fronteira, funerárias em relação à cidade e à tumba
que a justificativa para a escolha do local real. Os elementos iconográficos foram
estaria relacionada ao fato de aquele ser analisados levando em consideração a
um lugar que não havia antes pertencido a metodologia proposta pelo egiptólogo
nenhum deus ou deusa, ou a nenhum Richard Wilkinson (2003; 2004), por meio
governante homem ou mulher, ou a da qual as imagens podem ser entendidas
nenhum outro homem ou mulher que tenha como texto ou como parte de um texto, e o
habitado aquelas terras ou feito qualquer espaço da cidade foi analisado por meio de
coisa com elas. Aspectos relacionados à plantas do assentamento disponibilizadas
geografia do local, no entanto, indicam que pelo Amarna Project em seu sítio eletrônico.
objetivos políticos e estratégicos foram
levados em consideração para tal escolha RESULTADOS
(COELHO, 2015, p. 65).

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Ao analisar a iconografia presente nas outro temos a ideia de uma divindade que
lunetas das diversas estelas de fronteira, se une ao faraó para iluminar e fornecer
observa-se que a posição da família em vida à cidade, por meio de sua
relação ao Aton muda. No caso da figura 1, representação tradicional: o disco solar
por exemplo, há uma imagem em espelho, com raios que terminam como pequenas
ou seja, a família real é representada em mãos que carregam o símbolo ankh, que
ambos os lados enquanto a divindade significa vida.
ocupa uma posição central na cena. Há um Ao analisarmos as fontes iconográficas
grupo de estelas em que a família régia em conjunto com o espaço da cidade fica
está à direita da divindade e outro grupo no ainda mais clara a ideia da concepção da
qual ocupa o lado esquerdo do monumento. cidade como um templo. Na figura 3
Este posicionamento, de acordo com os apresento, de forma imagética, uma
estudos aqui desenvolvidos, está sempre proposta do egiptólogo Michael Mallinsson
relacionado à vista da cidade por parte dos (1999, p. 78), que considera que a tumba
membros da família real, ou seja, em todas rela funcionaria não apenas como um local
as estelas de fronteira Akhenaton, Nefertiti de rejuvenescimento para o rei, mas
e suas filhas estão voltados para a cidade, também como o local onde ele se uniria ao
que contém em seu interior o Aton. Aton e ambos proveriam tanto o mundo
Um segundo conjunto de fontes dos vivos quanto o dos mortos. Para provar
iconográficas que podem ser utilizadas sua teoria, Mallinson traçou linhas
para elucidar a paisagem sagrada de imaginárias que partem de um ponto no
Akhetaton trata-se de cenas presentes na centro da tumba real e se unem às estelas
Tumba Real de Amarna, estudada por de fronteira, resultando em um desenho
Geoffrey Martin e publicada na década de semelhante àquele presente na
1970. Nestas cenas, conforme é mostrado representação descrita e apresentada na
na figura 2, a família real aparece figura 2.
cultuando ao Aton, que espalha seus raios
sobre a cidade.

Figura 2: Aton espalha seus raios sobre Figura 3: Relação da posição da tumba
a cidade. Referência: MARTIN, 1974, pl. real com as estelas. Nesta imagem é
37. possível verificar o alinhamento proposto,
de forma que Akhenaton pudesse se reunir
Conforme pode-se perceber, o culto ao ao Aton para garantir a vida aos vivos e aos
Aton é uma constante quando se trata da mortos. Desenho de Moacir Elias Santos
iconografia presente nos monumentos baseado em Mallinson (1999, p. 78).
pertencentes à cidade. Por um lado, temos
uma série de estelas de fronteiras, Por meio da análise da figura 3 também
posicionadas de maneira estratégica a fim é possível compreender o espaço da
de delimitar um espaço, enquanto por cidade em sua completude. Todas as áreas
4[IFMBE PROCEEDINGS]

relacionadas ao Aton, desde os templos COELHO, L. C. Mudanças e


aos sunshades e até a margem oposta à Permanências no Uso do Espaço: a
da cidade fazem parte de um espaço cidade de Tell el-Amarna e a questão do
dominado pelo deus, que a ele pertence e urbanismo no Egito antigo, Niterói, 2015,
que, por si só, é um espaço de culto à 308 p. Tese (Doutorado) – Programa de
divindade, que ocupa e está presente em Pós-Graduação em História, Universidade
todos os lugares pelos quais seus raios se Federal Fluminense, Niterói, 2015.
espalham. DAVIES, N. de G. The Rock Tombs of El-
Amarna. V: Smaller tombs and boundary
CONCLUSÃO stelae. London: Egypt Exploration Fund,
1907.
Ao idealizar sua nova cidade, HORNUNG, E. Akhenaten and the
Akhenaton não deixou nada ao acaso. Religion of Light. Ithaca: Cornell
Tanto sua localização quanto a University Press, 1999.
organização dos espaços urbanos foram KEMP, B. J. El antiguo Egipto. Anatomía
pensadas levando em consideração a ideia de una civilización. Barcelona: Crítica,
de uma teologia solar, conforme nomeou 2008.
Erick Hornung (1999, p. 70). O Aton, o MALLINSON, M. The Sacred Landscape.
disco solar, poderia ser cultuado em todos In: FREED, R. E.; MARKOWITZ, Y. J. &
os espaços, evidenciando assim seu poder D’AURIA, S. H. Pharaohs of the Sun.
sobre a cidade. Uma análise da iconografia Akhenaton, Nefertiti, Tutankhamon.
presente nas estelas funerárias e na Boston : Museum of Fine Arts, 1999. p. 72-
Tumba Real, em conjunto com a 79.
distribuição espacial das estelas de MARTIN, G. T. The Royal Tomb of el-
fronteira, deixa evidente que a ideia de se Amarna. London: Egypt Exploration
conceber a cidade como um grande templo Society, 1974. 2 v.
dedicado ao Aton pode ser comprovada. WIKINSON, R. H. Magia y Símbolo en el
Mesmo sendo esta uma análise inicial, é Arte Egipcio. Madri: Alianza Editorial,
possível afirmar que a posição das figuras 2003.
presentes na luneta das estelas de WILKINSON, R. H. Cómo Leer el Arte
fronteira em relação ao Aton e à cidade, Egipcio: Guía de jeroglíficos del antiguo
bem como o posicionamento dessas Egipto. Barcelona: Crítica, 2004.
mesmas estelas, evidencia a ideia de que
todas as coisas que estão entre aqueles
limites pertencem ao Aton e são por ele
iluminados. Uma análise mais aprofundada,
que leve em consideração fontes de teor
religioso, como os Hinos ao Aton, pode
trazer mais respostas à pergunta inicial
desta pesquisa, que trata de entender a
cidade de Akhetaton concebida, desde seu
projeto, como um grande templo ao céu
aberto.

REFERÊNCIAS

BAINES, J. & MÁLEK, J. O mundo


egípcio: deuses, templos e faraós. Madrid:
Ediciones del Prado, 1996. 2 v.

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