Você está na página 1de 50

Sebeca

- Finanças Públicas -

Regente com Ensino Integral: Doutora Maria d’Oliveira Martins

Rebeca Louro - 2017 1


Introdução
Conceito de Finanças Públicas

è A preocupação com as Finanças Públicas existe desde sempre, mas o momento em


que surgem e se começam a institucionalizar está associado à Magna Carta:
“nenhum tributo será imposto no nosso Reino exceto pelo Conselho Comum do
nosso Reino” – esta ideia foi sendo renovada sucessivamente na nossa história.
è Conceito: “Atividade económica de um ente público tendente a afetar bens à
satisfação de necessidades que lhes estão confinadas” – é uma matéria de
soberania por excelência. Há três formas de as ver:
o Sentido Orgânico: conjunto de órgãos a quem compete gerir recursos
económicos para a satisfação de certas necessidades;
o Sentido Objetivo: atividade através da qual o Estado afeta bens económicos à
satisfação de certas necessidades sociais;
o Sentido Subjetivo: disciplina científica que estuda os princípios e regras que
regem a atividade do Estado com o fim de satisfazer as necessidades que lhe
estão confiadas.
è Hoje é a Assembleia da República que aprova o Orçamento, é uma reserva
absoluta, ou absolutíssima segundo Jorge Miranda, pois trata-se de uma
competência originária, competências políticas por excelência da Assembleia da
República, sem a qual não se pensaria na existência da Assembleia da República,
sem ela ficaria esvaziada, um órgão meramente técnico.
è Não são um tema nacional, joga-se cada vez menos nos palcos nacionais, e cada
vez mais na União Europeia.
è É uma espécie de Direito Administrativo especial e não geral. Ministro das Finanças
vê quais as necessidades que é mesmo necessário satisfazer e, tendo em conta
estas necessidades, arranjar recursos para as pagar.

A Atividade Financeira do Estado

è Baseada em decisões políticas: a atividade financeira constrói-se em função da


satisfação das necessidades em concreto sentidas por uma comunidade e que são
assumidas pelo poder político.
o Já na Roma Antiga se faziam opções sobre a maneira como gastavam os
dinheiros públicos baseadas em requisitos necessárioa à vida em comum.
o O Estado tem a atividade financeira que for ditada pala decisão política =
despesa pública de um Estado é ditada por decisão política:
§ Regimes liberais – princípio do mínimo;
§ Regimes intervencionistas – regra do ótimo;

Rebeca Louro - 2017 2


è Baseada numa racionalidade económica, tendo em vista a prossecução da eficiência
no mercado e da justiça na distribuição de bens: por trás de muitos gastos públicos
encontra-se a racionalidade económica – paradigma do Estado de bem-estar
è Conduz o Estado a afetar receitas na prossecução do ótimo social e à procura de
soluções para a manutenção de um mercado eficiente e justo.
1. Eficiência: mercados competitivos em equilibrio caracterizam-se por uma
afetação de recursos eficiente; é preciso dotar os agentes com rendimentos
adequados, através de um processo de transferência que não provoque
desperdícios em termos de bem-estar – a busca de eficiência leva o Estado a
atuar no mercado (colmatação de falhas de mercado).
2. Justiça: o Estado pode proceder à correção das distribuições, de forma a
promover uma afetação de recursos socialmente mais justa, através de
subcritérios: igualdade, equidade e critérios utilitaristas.
• Estatização económica promovida pelo Estado, por meio da
sua atividade financeira: reconduz-se à procura de eficiência e
justiça no mercado.

è Atividade finandeira provocada por falhas de intervenção do Estado: grande parte


dos gastos da despesa pública acaba por ser influenciado pelos problemas que se
manifestam no exercício do poder, a despesa pública chega mesmo a absorver
estes problemas, ou seja, acaba também por ser determinada por falhas na
intervenção do Estado ou falhas do Governo.

Falhas de Mercado:
è Quando estamos perante um bem que não é produzido pelo mercado de forma
eficiente – existência de um desequilíbrio entre a utilidade individual e a utilidade
social na produção e utilização de um bem, que faz com que este não se produza ou
se produza insuficientemente:
o Gera custos ou benefícios para a comunidade sem que esta possa imputá-los
a quem os provoque;
o A produção de certos bens conduz à destruição da concorrência nesse
mercado;

1. Bens coletivos ou bens públicos puros:


è Há bens que não são produzidos no mercado ou são insuficientes em relação às
necessidades que se fazem sentir, se não forem essenciais – podemos prescindir
deles –, se forem essenciais – não poderão deixar de ser produzidos e fornecidos
pelo Estado (bens coletivos ou públicos puros).
è São bens coletivos e por isso há necessidade de intervenção do Estado:
o De apropriação coletiva;

Rebeca Louro - 2017 3


o Em função das suas características;
o Consequente dificuldade do seu produtor em retirar lucro da sua atividade;
è Defesa Nacional é um bem económico, apto a satisfazer necessidades, tem
características peculiares que dificulta serem os privados a financiar. É necessária
porque se não existisse a defesa pública, a defesa privada que existiria não seria
suficiente para assegurar a ordem e segurança de todos – vigoraria a lei do mais
forte. A Defesa Nacional é equiparável a um faról, a luz brilha para todos, mas não é
possível fazer uma lista de todas as pessoas que beneficiaram deste nem obrigar
todas as pessoas que beneficiaram deste a pagar – não estão sujeitos à
concorrência, utiliza-se independentemente de outras pessoas os utilizarem, são
bens públicos puros, têm três características:
o Não são exclusivos, não se pode privar ninguém da sua utilização;
o Bens de satisfação passiva, mesmo que não haja esforço, este benefícia o
do bem;
o Não emulativos, os consumidores não entram em concorrência para
beneficiarem deles.
è Bens que, pela sua natureza, o mercado não tem capacidade suficiente para
assegurar todas as necessidades de toda a coletividade. Os bens públicos puros
são aqueles que o Estado produz em primeiro lugar, com prioridade.
è Necessidade que é sentida por todas as pessoas que não é satisfeita pelo mercado,
exige a atuação da coletividade.

2. Falhas na concorrência ou Concorrência Imperfeita:


è A existência de custos decrescentes na produção de um determinado bem –
Monopólios Naturais.
è Por determinação do Governo – Monopólios Artificiais:
o Renda do Monopolista corresponde ao sobrelucro das empresas – preço
acima do nível normal.
è O Estado intervém:
o Chamando a si a atividade;
o Reduzindo a renda través de um abaixamento administrativo dos preços;

3. Exterioridades\Externalidades:
è Correspondem aos efeitos externos dos comportamentos económicos:
o Provoca benefícios a terceiros – positivas;
o Implica a imposição de custos – negativas;
è Não é incorporada pela empresa produtora e é regulada pelo bom senso dos
sujeitos económicos;
è As positivas geram um défice no fornecimento dos bens – a utilidade social supera a
utilidade de quem suportou os seus custos – provocam benefícios a outros sujetos
económicos sem que os seus fornecedores possam receber por isso uma
recompensa (ex.: escolas públicas);
è As negativas geram uma proliferação das atividades que as causam – provocam
prejuízos a outros, sem que se possa impor uma compensação;

Rebeca Louro - 2017 4


è O Estado intervém:
o Promovendo a socialização da exterioridade;
o Estabelecendo regras no sentido da sua resolução através do regresso à
justiça;
o Recorrendo à tributação;

4. Assimetrias de Informação:
è Os vendedores podem assegurar que transmitem toda a informação, mas nada
garante que assim seja (ex.: vender medicamentos pela internet, os consumidores
só estão descansados se houver um vendedor qualificado e informado a vender).
Desequilíbrio entre a oferta e a procura;
è O Estado intervém:
o Impondo o fornecimento de mais informação;
o Criando serviços de certificação de qualidade;
o Assumindo alguns serviços de informação;

5. Mercados Incompletos:
è Reconhecimento de que nem sempre o mercado provê todas as necessidades
sentidas pelos consumidores;
è Casos de incerteza e risco na atividade económica, podem conduzir a situações de
aprovisionamento insuficiente de bens correspondentes a necessidades sentidas por
uma comunidade, e ainda os casos em que se faz sentir a falta de coordenação dos
agentes do mercado.

5.1. Incerteza e risco na atividade económica:


§ Há riscos que são compensados no mercado, de forma eficiente. Há
riscos tão elevados que o mercado só poderia cobri-los com custos
muito elevados, desporporcionados em relação ao risco corrido.

Génese e evolução histórica do Direito Financeiro


è Consentimento popular dos impostos que está na base dos Parlamentos – génese
dos Parlamentos.
è Os reis, numa altura em que o poder nem era limitado, tinham necessidade de
invocar as Cortes, relativamente a casamentos, guerra e outros tipos de gastos, pois
tinham que se reunir com as pessoas que tivessem dinheiro para consentirem em
contribuir com este a favor daquilo que eram as ações do Reino.

Rebeca Louro - 2017 5


Capítulo I – Os Dois Braços Do Direito Financeiro
Receita Pública
è A despesa pública é produzida por razões de justiça, essas despesas são pagas
pela receita pública.
è Há três tipos de receitas:
o Tributárias: impostos, taxas, contribuições financeiras.
o Patrimoniais: provém da gestão de bens. O Estado tem regras próprias para
militar o gestor público naquilo que compra e vende, pode ter essencialmente
dois tipos de bens:
§ Do domínio Público: definidos na Constituição no artigo 84º (ex.:
água, minas, linhas férrias, estradas). Especificidade destes bem no
seu regime, são inalienáveis, insuscétiveis de ser adquiridas por
usucapião, impenhoráveis. Não é possível fazer uma utilização
privativa destes bens. O Estado pode ceder a concessão destes bens
de domínio público, não discriminatória.
§ Do domínio Privado: tem regras mais parecidas com aqueles bens
com que lidamos todos os dias (podem ser vendidos, podem ser
adquiridos por usucapião, etcetera). Há regras específicas, por
exemplo quando o Estado quer vender determinado bem tem que
fazer uma consulta ao mercado, na aquisição de imóveis há regras
específicas (a aquisição onerosa pelo Estado tem que ser feita pelo
Ministro das Finanças; se for um instituto público tem que ser o
Ministro das Finanças e o Ministro da Tutela).
o Creditícias: dívida financeira, é aquela dívida que o Estado assume pela
compra ou alienação de títulos de crédito. Mas tem mais dívidas para além
da financeira:
§ Dívida administrativa: corresponde à esfera de pagamentos a quem
presta serviços ao Estado (ex.: hospitais, farmacêuticas);
§ Dívida empresarial: o Estado por ter participação em determinadas
empresas tem que assumir alguma dívida;
§ Dívida aquisitiva: resulta da aquisição dos bens que decorrem dos
meios de financiamento de privados.
Todas elas cumulam com a dívida financeira (quando se fala de dívida
pública). A dívida financeira pode ser:
§ Curto prazo ou flutuante: é contraída e paga no espaço de 1 ano;
§ Médio ou longo prazo ou fundada: é paga fora do exercício
orçamental.
è Restruturação da dívida: procurar diminuir a dívida, reduzindo as taxas de juros,
pagando mais tarde por exemplo. É em grande parte contraída por particulares,
famílias, significa que os nossos investimentos no banco, se houver restruturação
perdemos o nosso crédito.
o Contra a restruturação da dívida: instabilidade do sistema financeiro (ex.: os
Estados não querem investir mais num determinado Estado, pois deixa as
dívidas por pagar); fuga massiva de capitais para o exterior.
o Favor à restruturação da dívida: a dívida que temos é muito elevada, é muito

Rebeca Louro - 2017 6


difícil de fazer face no curto prazo; temos juros muito elevados, calcula-se
que os juros hoje correspondam ao que se paga para o serviço nacional de
saúde.

Despesa Pública
è O Estado tem despesa (ex.: obras públicas, o plano nacional de vacinação,
empresas, segurança, transportes públicos, etc.), porque é esta que gera toda a bola
de neve da criação financeira do Estado. O Estado precisa de ter muito dinheiro e de
criar impostos.
è Temos despesa pública, porque vivemos num Estado Social.
è Visão histórica de Estado Social:
o Antiguidade: Aristóteles – flautista, o princípio que está por trás da atribuição
de bens é atribuir a cada um o que é seu.
o Idade Média: S. Tomás de Aquino, corrigiu este formalismo clássico –
introduz uma regra de artibuição de bens aparentemente injusta, a
apropriação de bens pode, em certos casos, saltar esta regra, dando como
exemplo casos de perigo eminente que permite a apropriação de bens
alheios (ex.: se os mais fortes tiverem fome podem roubar comida).
o Século XVIII: encara-se o cuidado com os outros como uma dever de justiça
pública e do Estado.
§ Rosseau, o Estado não deve ser indiferente aos mais pobres, deve
fazer o que puder para que não exista riqueza ou pobreza excessiva
(ninguém deve sentir a necessidade de se vender e ninguém deve
sentir o poder de comprar outras pessoas) – meramente inspirador
(um dos inspiradores de Kant, ensina a amar a liberdade).
§ Adam Smith – o Estado deve assumir as suas obrigações sociais (é
uma faculdade, uma conveniência), na riqueza das nações
encontramos esta ideia: “nenhuma sociedade pode seguramente ser
flurescente e feliz, se a maior parte das suas pessoas que a compõe
for pobre e infeliz”, primeiro a criticar a ridicula noção de que não se
deve pagar ou se deve pagar o menos possível para as pessoas
trabalharem, pois quanto menos receberem mais indolente é o seu
trabalho – dizia-se que se devia pagar menos aos pobres porque eles
eram os bebâdos, resolvia facilmente o problema da pobreza, fáceis
de irradicar, deixava-los morrer a fome – Adam Smith contrariou.
§ Kant – é um verdadeiro dever do Estado, quando está perante uma
necessidade alheia, avança com uma proposta de um sistema público
de ajuda aos mais pobres, só isto faz com que seja encarado como
um favor. Devemos traçar um caminho mais racional ao sermos
moralistas, só criando no Estado este dever, que devia ser subsidiado
por meio de impostos (ex.: criar orfanatos, apoiar o cuidado aos mais
pobres, manter os indivíduos que não conseguem assegurar de outra
forma a sua prórpia existência).
o Século XIX: já se estava a preparar (1822), consagra-se pela primeira vez

Rebeca Louro - 2017 7


um direito social – direito aos socorros mútuos –, a grande influência
económica era de influência social. Assistia-se ao nascimento de direitos
sociais, mas só em casos extremos de desgraça é que o Estado atuaria, por
isso só no século XX é que surge verdadeiramente.
o Século XX: a Europa é muito marcada pela questão social (fruto da revolução
industrial, concentração de pessoas nas cidades, degradação da vida dos
trabalhadores), colocou-se a questão a nível político sobre o que fazer com
tantos pobres (as mulheres engravidavam, em média, vinte vezes na vida, as
famílias eram muito numerosas). A qualquer momento podia surgir uma
revolta, por isso é que se pergunta o que fazer com estes pobres todos
dentro da cidade.
§ Primeiro Ministro Inglês David Lloyde George: foi um dos políticos
pioneiros, ficou conhecido como o “people’s budgets” – Orçamento do
Povo –, mas achava-se que o orçamento era perigosamente
socialista, este ministro perdeu o poder de aprovar o Orçamento.
§ Preocupação de começar a instituir um Estado Social para evitar
conflito que podia surgir deste desespero social associado à pobreza.
Fala-se na instituição de um welfare state (estado de bem estar) por
oposição de um warfare state (estado de consumir).
§ A Alemanha foi a primeira a avançar com um sistema de segurança
social, universal, com subsídio de emprego, proteção de
trabalhadores e restrição de horas de trabalho.
§ Keynes: o idela liberal era muito preocupado com a saúde das
finanças públicas, as receitas e as despesas devem estar
equilibradas, só podem não estar em casos de calamidade pública –
ideia económica era liberal, o Estado não deve intervir no mercado,
pois este equilibra-se a si próprio, é um ciclo económico. Keynes foi
chamado para resolver a crise de 29: “no longo prazo estamos todos
mortos”, o Estado tem na mão instrumentos para resolver a crise
económica, tem dinheiro para intervir na economia, apenas faltava
liquidez, mas não era problema, o Estado só tinha que pôr o dinheiro
a circular, através do multiplicador a despesa tinha repercurssões em
futuras distribuições de rendimentos – em épocas de crise o Estado
tinha que aumentar a intervenção pública resolvendo os problemas
que o mercado não conseguia resolver.
o Hoje ainda somos um pouco Keynesianos, pois no século XX todos os livros
de finanças públicas falavam de Keynes. Os seus seguidores achavam que
se podia aplicar a mesma receita de Keynes a sempre qua havia uma
ameaça de crise económica, mas este apenas foi contratado para resolver
aquela crise.
è Sem dúvida firmou-se a ideia de Estado Social que assenta em três pilares:
o Segurança Social;
o Saúde;
o Educação;
è Toda esta evolução mostra que aos poucos se foi avançando no sentido do
crescimento da intervenção pública e de uma exigência cada vez maior perante o
Estado.

Rebeca Louro - 2017 8


è Há dois tipos de finanças:
o Finanças neutras: relacionadas com a existência do Estado Liberal. A
despesa está reduzida ao mínimo, a despesa pública é considerada um
desperdício, o Estado não conseguia gerar nenhuma riqueza. O Estado pode
ter uma visão estratégica, mas tem uma visão afastada dos diferentes
setores, por isso não é o melhor para fazer investimentos. O melhor
investimento que se podia fazer era um investimento privado, por causa da
ideia de dispersão de informação, ninguém melhor do que os diferentes
sujeitos económicos, metidos na sua vida e nos seus negócios concretos,
sabem o que é melhor para aquele tipo de negócio. Traços característicos:
§ Separação entre economia e finanças;
§ Abstenção económica do Estado perante o mercado;
§ As finanças não devem perturbar o funcionamento da economia;
§ A instituição financeira mais importante é o Parlamento (é este que dá
o consentimento para a cobrança de impostos);
§ O imposto é a principal receita;
§ O Estado tem um património reduzido;
§ O Estado rege-se pelo princípio do equilibrio Orçamental (receitas
iguais às despesas).
o Finanças funcionais: relacionadas com a existência do Estado Social.
Associadas a um Estado intervencionista, a ideias Keynesianas, à ideia de
que o Estado não consome, Estado redistributivo. A despesa pública não é
um desperdício, contribui para o desenvolvimento económico e ajuda a
colmatar o investimento privado, que é insuficiente. O Estado é muito melhor
a emprestar dinheiro do que os privados, porque o Estado procura gastar
aquilo que os privados queriam poupar. Traços característicos:
§ Intervenção entre economia e as finanças;
§ O Estado não é passivo, é interventivo;
§ As finanças devem alterar o funcionamento do mercado;
§ Principal instituição financeira é o Governo (a própria organização do
Estado é complexa, nem todos são capazes de interpretar a lei o
orçamento);
§ O imposto continua a ser a principal receita do Estado;
§ O património do Estado é mais numeroso, tem cada vez mais bens
para gerir (como vai tendo cada vez mais funções, precisa de
construir mais edifício, etcetera, que depois vai ter que gerir);
§ Admite-se que o equilibrio orçamental não seja anual (se as finanças
passam a atuar sobre o ciclo económico, então, o equilibrio
orçamental deve ser ciclico: na fase recessiva quer-se que o Estado
gaste mais, na fase expansiva quer-se que o Estado poupe);
è Conceito: conjunto de consumos (o custo do próprio funcionamento é significativo,
gestão corrente e funcionamento normal do Estado), investimentos (ex.: construção
de hospitais, do metro, etcetera. – formação de capital do Estado contemporâneo) e
transferências (maior parte da despesa pública está dentro desta categoria:
prestações dirigidas a outro ente económico público-privado), promovidos com a
utilização de meios ecónomicos e monetários por parte do Estado.
è Diferentes conceções de despesa pública presentes no quadro dos partidos políticos

Rebeca Louro - 2017 9


em Portugal:
o Esquerda: solidariedade – ideia de aproveitamento dos núcleos das
empresas, das mais valias em benefício da classe trabalhadora, muito
assente nos ideiais comunistas e socialistas.
§ PCP: o seu programa está feito defendendo a destruição do
monopólio, a entrega da terra a quem a trabalha, nacionalizações de
empresas, controlo da economia, salário mínimo, direitos dos
trabalhadores. Muito influenciado pelos autores socialistas, o Estado
deve utilizar os excedentes económicos em benefício dos
trabalhadores. Defende o aumento da despesa pública. O Estado
financia escolas, hospitais, centros culturais. Planeamento central da
economia por parte do Estado.
§ Bloco de esquerda: federação de vários partidos. Defende o fim do
imperialismo ou do regresso à soberania orçamental (fim do euro),
aumento da despesa pública com trabalhadores, aumento de
remunerações e pensões, nacionalização do setor bancário (para
controlo do investimento), mais intervenção na economia,
expropriação de terrenos (promoção de pequenos e médios
agricultores), mais obras públicas, distribuição das mais valias (lucros
para o aumento dos salários, das férias e da redução de horas de
trabalho).
§ PS: assume-se como um partido do socialismo democrático. Aceita a
existência de um economia aberta de mercado (aceita que haja
iniciativa privada equilibrada com a iniciativa pública), entende-se que
a economia pode ser dirigida pelo Estado em função da coesão social
e territorial. Pode intervir na economia, mas não dominá-la por
completo. Promoção de políticas sociais. Concessão de direitos
sociais aos trabalhadores. Meios ao dispor do Estado: não precisa de
dominar a economia, mas pode assumir a gestão de alguns setores
estratégicos ou essenciais para o desenvolvimento ou para a
competitividade.
o Direita: reciprocidade – todos os cidadãos têm direito a benefícios num
sistema de cooperação, ideia de que os mais pobres recebem se cumprirem
a sua parte na sociedade.
§ PSD: contesta a ideia de que a mais valia é dos trabalhadores, luta
pelos seus direitos, mas não prescinde da existência de uma
economia de mercado. Matriz liberal, recebemos do Estado se
dermos algo em troca. É iluminista aceita a limitação da liberdade
orçamental, e aumentar a iniciativa privada, menos intervenção
pública.
§ CDS: próximo do catolicismo social, inspirado em ideias liberais,
consequentemente, na iniciativa privada. Já foi eurocético, mas hoje
aceita a integração na união europeia e no euro. Defende uma
economia de mercado, dando prevalência a uma iniciativa privada.
Apoia as famílias.
§ PAN: surgiu com a preocupação dos direitos dos animais, pois há
cada vez mais pessoas a defender que os animais são seres que, tal

Rebeca Louro - 2017 10


como nós, sofrem. É preciso acabar com algumas condições de
sofrimento do animal.

Capítulo II – Estrutura e Dimensão do Setor


Público Português

Conceito e esquema do setor público


è Divide-se em duas grandes partes:
o Administrativo: não visa o lucro.
§ Serviço Integrados.
§ Serviços e Fundos Autónomos.
o Empresarial: visa o lucro.

A distinção entre o setor público administrativo e o setor


empresarial do Estado: a primeira grande fronteira a
estabelecer, no seio do setor público

Dentro do Orçamento do Estado:

O setor público administrativo

è Separação da política e da administração. Os atores políticos dão ordens e


instruções que a Administração Pública deve cumprir, os agente administrativos são
aqueles que surgem num sistema hierarquizado e impessoal (a burocracia serve
para dar um tratamento mais igualitário perante os cidadãos, evitando
discricionariedades) que se ocupam da aplicação mecânica e individualizada das
regras.
è Os serviços hoje têm autonomia, mas, no século XX, na década de 90, os serviços
eram simples, em quase todas as despesas o Ministro das Finanças tinha que
intervir, ou então a direção geral, para autorizar toda e qualquer despesa (ex.: até
mesmo para comprar um lápis para o Serviço). Houve uma complexicação da
Administração Pública e um esforço da redução do peso burocrático do Estado.
Contribui para a dita separação entre política e o poder administrativo, para um
administração mais eficiente e descentralizada.
o Aspetos negativos: a grande parte dos serviços que pedem a autonomia
administrativa e financeira, utilizaram-na para subir as suas remunerações

Rebeca Louro - 2017 11


dos serviços e fundos autónomos, está associado a um maior descontrolo
orçamental – tem sido combatido com uma forte centralização do Ministro
das Finanças.
o Aspetos positivos: desburocratização, descetralização, lógica diferente da
atividade administrativa – os agentes são avaliados pelo seu desempenho e
resultado que apresentam. Permite que o Governo fixe metas para cada um
dos organismos, permite-nos favorecer um controlo mais profundo do que
era introduzido.
è Quando não se saiba qual o regime aplicável a determinado serviço, aplica-se o
regime regra.
è A atividade destes serviços não esgota toda a intervenção do Estado. As entidades
privadas são cada vez mais colaborantes com a intervenção pública, quer na partilha
de responsabilidades, quer no aproveitamento das capacidades privadas.
è As despesas públicas são tomadas pelos meios de atuação do direito administrativo:
o Atos administrativos: ato individual e concreto.
o Regulamentos: gerais e abstratos, concretizam as leis, pois estão abaixo
delas.
o Contratos: supõe duas partes, acordo de que resulta uma prestação, decisão
da administração tomada em concordância com outra entidade pública ou
privada.
è Dentro dos organismos administrativos há limitações.
è É preciso ter presente toda a legalidade administrativa por trás de cada uma das
decisões administrativas. O que numa decisão de despesa pode ser controlado ou
não (ex.: a forma). Parâmetros a ter em consideração quando se avalia uma decisão
pública de despesa:
o Conformidade legal: forma, quem é que pode praticar atos, regulamentos e
contratos; competência e atribuições daqueles órgãos.
o Regularidade financeira: verificação do cabimento orçamental (está ou não
no orçamento).
o Economia, eficiência e eficácia: avaliação do custo – economia quer um
menor custo possível; eficiência quer uma otimização dos meios investidos e
os resultados obtidos; com a eficácia vê-se o grau de realização dos
objetivos e dos resultados.
o Há outros elementos: elementos discricionários das despesas, não passíveis
de ser controlados. Os Tribunais têm tentado diminuir a discricionariedade,
através de um controlo mais apertado dos três “e”s.
è Estes Serviços permitem saber o que está no Orçamento do Estado, pois são
grande parte deste.
è Tem sido uma tarefa difícil afinar o que cai dentro do Orçamento e o que cai fora.

Serviços Integrados:

è Separação entre a política e a administração. Estão muito marcados pela direção de


membros do Governo – departamentos administrativos, pelos quais o Governo é
responsável (ex.: vários Ministérios e Serviços que existem dentro dos própriso
Ministérios).
è Serviços sujeitos ao regime regra: autonomia administrativa.

Rebeca Louro - 2017 12


o Têm autonomia para praticar os atos de gestão corrente, ou seja, tudo aquilo
que tenha a ver com o desenvolvimento das competências e atribuições do
organismo respetivo.
o Corresponderia à Administração Direta.
è Pode realizar atos administrativos. Os Serviços Integrados não podem fazer
regulamentos. Podem fazer contratos, mas se a despesa que esses contratos
previrem é para mais de um ano, têm que pedir autorização ao Ministro das
Finanças e ao Ministro da Tutela.

Serviços e Fundos Autónomos:

è Separação estrutural, pois, normalmente, há uma separação física – têm


personalidade jurídica distinta da do Estado, para que este não tenha que assumir
todas as tarefas (ex.: institutos públicos) – descentralização administrativa. São
superintendidos pelo Governo, mas têm a sua gestão entregue aos seus dirigentes e
aos seus serviços.
è Serviços sujeitos a um regime excessional: autonomia administrativa e financeira.
o Têm maior autonomia, vão poder gerir receitas próprias e, em princípio,
gerem também as suas despesas.
o Corresponderia à Administração Indireta.
o Maneiras de obter este regime:
§ Constituição prevê – prevê um caso no artigo 76º às Universidades
(estão ligadas à liberdade de ensino, de investigação);
§ A lei di-lo em certos casos;
§ Aplicar a Lei de Bases da Contabilidade Pública, artigo 6º, requisitos
cumulativos:
1. Tem que ter receitas próprias que cubram pelo menos 2\3
das despesas;
2. O regime tem que se justificar para a adequada gestão
desse serviço;
3. Tem que haver uma lei ou decreto-lei que reconheça esse
regime excessional.
o Como a verificação destes requisitos é mais fácil do que se estava à espera,
há organismos da administração direta que têm autonomia administrativa e
financeira.
è Podem fazer atos administrativos. Os serviços e fundos autónomos não têm
limitação na lei, à partida, neste sentido. Estão sujeitos à mesma limitação dos
serviços integrados, as despesas plurianuais têm que ser autorizadas sempre antes
por meio de portaria pelo Ministro das Finanças e o Ministro da Tutela.

Fora do Perímetro Orçamental:


Têm os seus próprios Orçamentos
è Têm os seus próprios Parlamentos, os seus próprios Governos e os seus próprios
Orçamentos, segundo a Constituição. Têm uma base democrática própria, portanto,

Rebeca Louro - 2017 13


justifica-se que possam aprovar os seus próprios Orçamentos.

Autarquias Locais

è Artigo 238º da Constituição.


è Lei das Finanças das Autarquias Locais.
è Têm o seu próprio orçamento, são elas que o aprovam sem condicionamentos
externos, são elas que o gerem, são elas que gerem o seu próprio património e o
seu dinheiro.
è Receitas que financiam as despesas – quadro das receitas locais:
o Transferências do Orçamento do Estado – artigos 25º e seguintes (fora estas
tranferências, não são permitidas mais por parte do Estado, artigo 22º [não
pode haver auxilios financeiros especiais] – em casos de grandes
calamidades pode haver assistência financeira, mas é completamente
discricionária):
§ Há uma percentagem de IRS, IRC e IVA que é distribuída por fundos,
os quais, por sua vez, vão distribuir o dinheiro pelos Municípios e
Freguesias. Estes fundos fazem a distribuição através da aplicação
de fórmulas matemáticas definidas.
§ Há uma parte que corresponde às competências que o Estado
transfere para as Autarquias Locais, cada vez que há esta
transferência, tem que haver uma transferência automática de verbas.
Lógica de partilha de tarefas.
§ Possibilidade dos Municípios pedirem uma parcela do IRS até 5%,
mas oneram os restantes Municípios.
o Receitas Tributárias: os Municípios têm algum poder tributário (não podem
criar impostos, se o fizerem são ilegais e dá direito ao que se chama
resistência fiscal – não pagar impostos) – artigo 15º:
§ Poder de liquidação e cobrança do IMI e do IMT.
§ Podem lançar derramas, adicionais a impostos, até 1,5% do IRC.
§ Podem conceder isenções e benefícios fiscais.
o Receitas Patrimoniais – artigo 14º f) e l):
§ Vem da venda de participações sociais (em empresas).
§ Venda de bens móveis ou imóveis.
è Será que as Autarquias Locais podem contrarir empréstimos? As Autarquias Locais
em princípio podem, com limitações:
o As Freguesias são as mais limitadas de todas, só podem contrarir
empréstimos se corresponder a dívida flutuante – só podem acorrer a
pequenas necessidades de tesouraria, se amortizarem esses empréstimos
dentro do ano orçamental (até dia 31 de Dezembro).
o Os Municípios, artigo 48º e seguintes, podem contrair dívida flutuante e
dívida fundada. A Assembleia Municipal autoriza estes empréstimos:
§ Empréstimos de curto prazo – artigo 50º – acorrer a necessidades de
tesouraria.
§ Empréstimos de médio e longo prazo – artigo 51º – servem ou para
investimento ou para recuperação financeira municipal, ou seja, para
pagar empréstimos antigos.

Rebeca Louro - 2017 14


Há limites para estes empréstimos:
§ Artigo 52º – não se pode endividar mais do que uma vez e meia da
receita corrente desse ano – sempre que ultrapasse há uma
informação ao Governo e ao Banco de Portugal, o Município é sujeito
ao mecanismo de recuperação financeira:
• Saneamento financeiro, para casos menos graves:
o Contenção de despesa corrente;
o Racionalização de investimentos;
o Maximização de receita;
o Contração de empréstimos, tendo em vista a
reprogramação da dívida e a consolidação de
passivos.
• Plano de assistência económica-financeira, para casos mais
graves, quem paga este plano:
o Estado;
o Outros Municípios;
§ Ambos vão impor algumas condições, aquele
Município sujeito a este plano fica com uma
autonomia orçamental limitada, não pode fazer
o que quiser com as suas receitas e com as
suas despesas, devido ao seu défice excessivo.
§ Todos os anos há um artigo no Orçamento do Estado que diz qual o
limite de endividamento. Sempre que a dívida dos Municípios
ultrapasse a média de receita dos últimos 3 anos, há uma informação
ao Governo.

Regiões Autónomas

è Artigo 227º nº1 p) da Constituição.


è Lei das Finanças Regionias.
è Gozam de independência orçamental. Têm o seu próprio orçamento são elas que o
aprovam sem condicionamentos externos, são elas que o gerem, são elas que
gerem o seu próprio património e o seu dinheiro – o mesmo que se aplica às
Autarquias Locais.
è Quadro das receitas regionais:
o Receitas Tributárias: todos os impostos cobrados nas Regiões Autónomas
revertem a seu favor (ex.: IRS, IRC, IVA, impostos sobre o consumo,
impostos sobre o selo, etcetera) – artigo 25º, 26º e 28º. Acresce o poder
tributário das Regiões Autónomas, em sentido próprio:
§ Adaptação do Sistema Fiscal Nacional às especificidades regionais-
artigo 59º – na prática consiste na possibilidade de reduzir os
impostos que existem em todo o país para as Regiões Autónomas.
§ Criação de impostos, desde que não incidam sobre matéria que seja
objeto já do imposto nacional – artigo 55º e seguintes.
§ Criar adicionais impostos, até 10% – artigo 55º e seguintes.
§ Pode criar e fixar taxas – artigo 55º e seguintes.

Rebeca Louro - 2017 15


o Transferências Orçamentais – artigo 48º:
§ Para compensar a assunção da generalidade das tarefas do Estado,
o Estado abre repartições próprios nos Açores e na Madeira, deixa
que seja o próprio Goveno destas a fazê-lo.
§ Compensação do caráter ultra periférico das Regiões.
o Receitas Patrimoniais: também têm o seu próprio património e dele podem
dispor, à semelhança das Autarquias Locais.
o Receitas Creditícias – podem contrair empréstimos, autorizados pela
Assembleia Legislativa de cada Região Autónoma, exceto se for dívida
contraída em moeda estrangeira, nesses casos é a Assembleia da
República:
§ Dívida Flutuante ou de Curto Prazo: serve para acorrer a
necessidades de tesouraria.
§ Dívida Fundada ou de Médio ou Longo Prazo: serve para
investimentos e para pagar empréstimos de anos anteriores.
Limites ao endividamento:
§ Limites em cada ano no Orçamento do Estado – artigo 40º – (já
houve anos em que previu endividamento 0) – se o passivo
ultrapassar os limites – artigo 44º:
• Se ultrapassar a média da receita liquida dos útlimos 3 anos,
há uma informação ao Governo – igual às Autarquias Locais;
• Se ultrapassar uma vez e meia a média da receita corrente a
Região tem que apresentar um plano – que diz que a Região
Autónoma tem que reduzir em cada ano 1\20 da dívida;
§ Sempre que houver ultrapassagem dos limites de dívida há uma
retenção (igual ao valor em dívida) das transferências do Orçamento
de Estado – artigo 45º.

è As Regiões Autónomas têm levantado alguns problemas em relação a alguns


aspetos que lhes são impostos na Lei de Finanças Regionais, pois contrariaria o seu
Estatuto Político-Administrativo:
o Todas as normas dos Estatutos Político-Administrativos que tratem de
relações financeiras entre as Regiões e o Estado, não podem ser
consideradas ou abrangidas pelo valor reforçado desse Estatuto, pois são
matérias da competência da Assembleia da República – não precisa de
prescindir dessa competência.

Federalismo Financeiro:

è Não se consegue falar das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais sem falar
do Federalismo Financeiro. Será que as finanças autarquicas e regionais podem ser
consideradas parasitárias?
o A principal receitas das regiões e das autarquias resulta dos impostos que
são cobrados a nível nacional.
o Em Portugal optou-se por ter um modelo centralizado de finanças, mas não
tinha que ser assim, pois há possíbilidade de se dizer que estas tendo
autonomia podem arranjar as suas próprias receitas. Criaria problemas:

Rebeca Louro - 2017 16


§ Nem todas as regiões e autarquias estão ao mesmo nível de
desenvolvimento. Haveria uma desigualdade de partilha que foi
resolvida com a centralização das finanças, tudo se passa com a
intermediação do Estado. As principais receitas têm que ser obtidas
por intermédio do estado.
§ Há a vantagem de haver uma igualização ou equiparação sobre todas
as regiões e autarquias do país.
§ Há desvantagens: cria insensibilidade dos Municípios e dos
habitantes das Regiões Autónomas em relação à despesa autárquica
e regional. Cria uma desresponsabilização por parte dos órgãos
autárquicos e regionais relativamente a despesas, não têm que
justificar tanto, pois não têm que pedir que os contribuintes avancem
para pagar a sua despesa – há um afastamento entre aquilo que é a
administração regional e autárquica e os cidadãos.
o Um modelo mais descentralizado permitiria uma maior responsabilização e
uma maior sensibilidade em relação às despesas a nível local e regional,
traria outra vantagem – concorrência fiscal entre as várias regiões e
autarquias, pois incentivaria a um maior desenvolvimento para oferecerem
melhores condições.

Situação Orçamental:

è Desde 1974 não houve um único ano sem défice orçamental.


è Houve três intervenções do FMI: 1977, 1983, 2011.
è Grandes fases orçamentais:
o 1974-1984: situação orçamental marcada por uma enorme subida dos
salários dos funcionários públicos, um alargamento das prestações sociais e
muitos défices nas empresas públicas – a dívida pública subiu de 14,2% para
51,4%.
§ 1977: FMI – deveu-se devido à confusão que se instalou por causa do
25 de Abril.
§ 1983: FMI – privatizações, desvalorização do escudo, cortes na
despesa e aumento dos impostos.
o 1984-1989: período marcado pela intervenção do FMI e pela adesão à CEE,
esta permitiu uma redução significativa da despesa pública e tivemos que
fazer privatizações libertando peso do setor público.
o 1994: tivemos a preparação para a união económica e monetária, muito
marcado pelo cumprimento dos critérios de convergência, não conseguiamos
aderir ao euro se não reduzissemos a despesa pública, os juros –
conseguimos cumprir.
o 2000: registou-se um crescimento dívida pública, em 2000 tinhamos 48,5%
até 2011 crescemos 100%.
o 2005-2007: aparente redução de despesa pública, deveu-se, em grande
parte, à saída de muitas entidades da Administração Pública para o Setor
Empresarial, prestar os mesmo serviços que o Estado já prestava mas com o
nome de empresa.

Rebeca Louro - 2017 17


o 2011: TROIKA – obrigou à privatização, subida de impostos. O Governo
tentou reduzir a despesa pública através do corte de remunerações dos
funcionários, mas Tribunal Constitucional impediu que fosse feito por essa
via. A despesa pública tem vindo paulatinamente a aumentar (aumento da
esperança média de vida, contestação na medida de subidas salariais,
aumento da autonomia dos serviços), foi contida na parte do investimento,
mas tem tido uma tendência crescente. Com a crise criou-se o Conselho das
Finanças Públicas, que é uma entidade administrativa independente, nunca
houve em Portugal uma entidade que se pudesse pronunciar-se sobre o
conjunto das execuções orçamentais, supre essa falha, as suas funções são:
§ Faz análises independetes sobre as execuções orçamentais.
§ Funciona como um semáforo – como é recente não tem um modelo
de atuação afinado, mas ainda assim não é inútil.
§ Lei dos compromissos e pagamentos em atraso – obriga a haver uma
assunção de compromissos controlada tendo em conta os fundos
realmente disponíveis.

O setor empresarial do Estado

è Por via de regra está fora do Orçamento, mas ainda não é um imperativo
constitucional, é por uma razão prática contabilística, as empresas têm como
objetivo gerar lucro, o que é incompatível com a lógica de funcionamento do Estado,
é a lógica de prestar serviço. Regra tendencial, pois a União Europeia tem
encontrado várias situações de entidades públicas empresarializadas para efeitos de
melhoramento das contas públicas. Por isso há entidades reclassificáveis para
integrarem no Orçamento de Estado, se economicamente as entidades forem de
prestação de atividades administrativas do Estado.
è Critério económico para distinguir do setor administrativo, faz com que algumas
empresas passem para dentro do orçamento do Estado, aplica-se o regime da
autonomia financeira (o legislador abusou na classificação das empresas):
o Só é considerada uma empresa do Estado se cobrar preços que cubram
significativamente os custos;
o Essa empresa tem que assegurar que os seus lucros e receitas paguem 50%
dos custos.
è Há dois grandes conjuntos de entidades:
o Empresas Públicas: o Estado tem uma influência dominante, ou porque
detém a maioria do capital, ou a maioria dos direitos de voto, ou pode
nomear e destituir os membros do Conselho da Administração, ou porque
tem golden shares (participações qualificadas ou direitos especiais dentro de
certas empresas – têm vindo a acabar, pois põe em causa a concorrência
que deve existir no mercado). Podem ter duas formas de criação:
§ Entidades Públicas empresariais: é o Estado a criá-las, para
prosseguir fins do Estado, com meios que este lhes dá.
§ SA: empresas constituídas nos termos da lei comercial.
o Empresas Participadas: o Estado não tem influência dominante, por causa

Rebeca Louro - 2017 18


desta possibilidade de algumas empresas poderem vir a estar no âmbito do
Orçamento do Estado, o Ministro das Finanças tem que ter muito cuidado
com o endividamento destas empresas.

Segurança Social
è Está dentro do Orçamento do Estado, porque têm também serviços e fundos
autónomos.
è Lei de Bases da Segurança Social.
è Despesas divididas em despesas com:
o Proteção social de cidadania: não contributiva – pagas com recurso às
verbas do Orçamento de Estado (ex.: IRC, etcetera); solidariedade é a fonte
principal de financiamento pelo Orçamento de Estado (servem para pagar
rendimento social de inserção, pensões de velhice, etcetera) – prestações
que o Estado entende que devem ser pagas por razões de justiça, dignidade
da pessoa humana, niguém deve estar sujeito a determinadas condições.
o Sistema complementar: base contributiva – tem uma lógica diferente: cada
pessoa reserva a si, para auferir no futuro, uma parte dos seus rendimentos.
É facultativo, reforma organizada pelo Estado, permitindo às pessoas que
não estão satisfeitas com a perspetiva daquilo que vão ganhar poderem pôr
mais dinheiro do Estado junto da segurança social, para mais tarde ser
convertido numa pensão.
o Sistema previdencial: base contributiva – despesas que cobrem falhas nos
rendimentos do trabalho, pagas a partir de contribuições feitas pelos
trabalhadores e empregadores – todas as prestações substitutivas do
rendimento de trabalho quando ele, por algum motivo, não consiga ser
auferido (ex.: desemprego, materinidade, velhice, morte, etcetera).
è Estão separados por causa de uma ideia ou princípio de “adequação seletiva dos
recursos financeiros”:
o As receitas que financiam cada um destes sistemas, variam de acordo com a
natureza dos objetos em causa.
è Sustentabilidade da Segurança Social (não é da sustentabilidade de todos estes
sistemas): problema do sistema previdencial – objetivo do legislador é que seja
integralmente pago pelas contribuições dos trabalhadores e dos empregadores, para
o conseguir, pode ser feito de duas formas:
o Adotando um sistema de capitalização – constituição de contas individuais,
cada um entrega à Segurança Social uma parte do seu rendimento e esta
parte é igualada pela Segurança Social, para que no fim da carreira
contributiva reverta para o trabalhador.
o Adotando um sistema de repartição – princípio do “pay as you use” geral que
obriga os beneficiários a financiar, de forma equitativa, as despesas cuja
utilidade se prolongue no tempo. Para as várias futuras gerações também, há
racionalidade na necessidade de contrair dívidas para que as gerações
futuras paguem o que vão usar também.
§ Na Segurança Social este princípio foi aplicado com o nome “pay as

Rebeca Louro - 2017 19


you go”: contrato geracional, a geração presente paga contribuições
para pagar as pensões dos reformados presentes (paga dívida à
geração precedente, contraindo dívida para as gerações futuras). É
muito apelativo, mas gera problemas dificuldade em manter o nível
das pensões, pois o sistema foi pensado para uma estrutura e
densidade demográfica que não corresponde à de hoje. Os mais
novos fazem cada vez mais esforço para pagar as pensões dos
reformados e menos esperança para receber menos no futuro.

è Segurança Social no contexto europeu:


o Entendimento que o Tribunal tem feito à liberdade de circulação.
o Foi um dos argumentos fortes que sustentaram o BREXIT:
§ Dentro da União Europeia há liberdade de circulação, inerente à
cidadania europeia, pode ser impedida se houver entraves à
circulação de trabalhadores, subsídio de desemprego etcetera, mas
será em todos ou só no de origem? Todos, se não contradizia-se a
liberdade de circulação, seria só para turismo, a União Europeia não
quer isso, quer que as pessoas circulem para trabalhar, viajar e fazer
negócios, por isso tem havido um esforço de coordenação da
Segurança Social.
§ No que respeita aos regimes contributivos não há qualquer entrave,
pois quem paga as contribuições são os próprios trabalhadores.
Problema: o que fazer quando não auferirem nenhum rendimento e
podem estar a fazer até turismo social – vontade dos Estados-
membros é a de que as pessoas para circularem precisam de um
seguro, quanto a prestações não contributivas, se os cidadãos
querem governar, os privados solucionem melhor.
§ O Tribunal restringe a liberdade de circulação, tem que se permitir
que se vá de um sítio para o outro, é como os estudantes, a pessoa
pode estar à procura de um primeiro emprego, também nestes casos
tem que haver esforço de coordenação – cabe ao Estado provar que
põe em causa o Sistema de Segurança Social, os casos devem ser
averiguados individualmente. Este movimento tem levado a uma
política cada vez mais generosa desta liberdade de circulação
(cidadãos, famílias dos cidadãos, cidadãos no estrangeiros,
estrangeiros carenciados [refugiados]).

Rebeca Louro - 2017 20


Capítulo III – A Atividade Financeira Pública do
Ponto de Vista Constitucional

O percurso constitucional de um Estado socializante a um


Estado de bem-estar
è Começa a revelar que há uma queda no espírito revolucionário de 1974.
è Em 1975 quase despolotou uma guerra civil, pois não se conseguia encontrar um
meio termo entre a esquerda e a direita. Havia uma convulsão social, mas começou-
se a marcar o passo e nasceu a Constituição.
è A cisão que começa a haver na sociedade explica a cisão presente na Constituição
de 1976. É um texto com uma base promissória, permitiu uma evolução no sentido
liberal, embora o texto fosse muito pouco liberal. Propõe-se fazer a reconstrução da
realidade social, por isso assume um compromisso entre duas grandes correntes de
pensamento:
o Corrente revolucionária, anti-capitalista de matriz marxista-leninista – o
Estado devia ser colocado ao serviço da luta de classes, “propriedade é
roubo”, pois pertence a toda a gente, contudo, Locke diz que o trabalho é a
fonte da propriedade, se trabalho nela ela pertence-me, logo os proprietários
das empresas não se podem apropriar delas, o empresário é um ladrão, pois
não distribui a propriedade por todos os trabalhadores (Proudhon).
Constituição de 1976:
§ Artigo 2º: transição para o socialismo e a assunção da ideia de que o
poder é das classes trabalhadoras.
§ Artigo 76º: acesso à Universidade pensado para os trabalhadores e
seus filhos.
§ Artigo 82º: nacionalizações e socializações dos meios de produção,
ideia de apropriação coletiva dos lucros das grandes empresas e
explorações; expropriações dos latifundios e empresas sem que se
paguem indemnizações.
§ Artigo 83º: não se vai voltar atrás com as conquistas que já foram
feitas desde 1974. Assunção pelo Estado de todos os aspetos da
economia, deixam de ser os empresários e os proprietários que
decidem qual a exploração económica que vão fazer, para ser o
Estado a definir o plano económico e determinar a inserção na
economia.
o Corrente que defendia o modelo constitucional ocidental, democrático – os
direitos sociais devem ser compreendidos sempre com base numa ideia de
solidariedade entre as pessoas e a sociedade, esta corrente influenciou o
texto, mas de forma menos marcante – forma como aparece o catálogo dos
direitos fundamentais (ex.: direito à vida).
è A Constituição conseguiu o equilibrio. Ressalva as ideias revolucionárias marxista,
há a consagração de direitos para conviver com os direitos da burguesia, vemos
muitos direitos sociais, uma preocupação enorme com proteção dos direitos dos

Rebeca Louro - 2017 21


trabalhadores e dos camponeses.
è O consenso deu origem a um texto Constitucional marcadamente defensor de um
Estado Interventivo, não é um Estado mínimo, liberal. Ainda assim, não espelha
aquilo que a Constituição se tornou.
è Desde os anos 80 começa a evidenciar-se cada vez mais uma corrente capitalista,
reconhece a propriedade privada, reconhece a liberdade económica e reconhece a
liberdade de mercado.
o Na revisão de 1982: foram apagadas as referências ao poder da classe
trabalhadora e foi acumulada a reforma agrária.
o Na revisão de 1989: registou-se o apagamento de expressões como
“sociedade sem classes”, “transição para o socialismo”, “socialização dos
meios de produção”, “abolição da garantia da irreversibilidade das
nacionalizações”.
o Na revisão de 1997: o trabalho de desmarxização foi concluido, houve o
cuidado de se apagarem todas as expressões que pudessem remeter para
este passado socialista, o único sítio que se deixou foi o preâmbulo, que não
tem força normativa.
§ Este esforço foi acompanhado por uma prática progressivamente
liberalizante do mercado. Enquanto se manteve na Constituição uma
norma que dizia que havia setores vedados à iniciativa privada, o
Tribunal Constitucional foi muito liberal na interpretação desta norma,
foi considerando como conformes à Constituição as sucessivas leis
que foram sendo feitas pelo Governo, no sentido de restringir cada
vez mais estes setores vedados. A Constituição deixa de ser
dirigente, passou a ser mais programática e assentou cada vez mais
a liberdade de conformação do legislador, do juíz e da Administração.
Assume-se ainda hoje como interventiva, mas ao longo dos anos foi
procurando desfazer aquilo que tinha sido feito.

è Hoje temos uma Constituição perfeitamente continental, não é revolucionária.


o Artigo 80º:
§ b) – coexistência do setor público, do setor privado e do setor social;
§ c) – consolidação da liberdade de iniciativa;
o Artigo 81º: economia de mercado – baseada na propriedade privada e na
liberdade de iniciativa económica;
o Artigo 86º: incentiva a atividade empresarial;
§ Nº3: ainda existem setores básicos vedados;
è A Constituição atual assume a liberdade das privatizações, direitos dos
trabalhadores, mas também liberdade de empresa, prossecução de políticas
públicas e agrícolas, assume a coexistência dos setores privados, cooperativos e
públicos e a redução de desigualdade.
è Esta diferença dos textos constitucionais aponta para duas conceções muito
distintas de despesa pública:
o No modelo revolucionário é imensa, o Estado a partir do momento em que se
apropria dos lucros das empresas e das explorações agrícolas, compromete-
se em aproveitar esses lucros para tomar conta das instituições sociais, de
que todos precisamos no dia-a-dia (ex.: hospitais, escolas, etcetera), para

Rebeca Louro - 2017 22


depois poder fornecer estes bens aos cidadãos. Torna-se o garante do gasto
desse lucro em função dos trabalhadores, o Estado assume o setor da
atividade irreversivelmente. Assume algumas funções para poder prover
estes bens – ideia de solidariedade – não se demitiu de algumas das funções
que assumiu logo na década de 70.
o No modelo regulador, não é possível privatizar tudo, pois a Constituição
assume alguns compromissos.

Como a Constituição enquadra a intervenção do Estado?


è Alternativa defendida pelo Professor Paulo Otero: aplicação do princípio da
subsidiariedade, a intervenção deve ser excessional.
o Princípio que se retira do reconhecimento da dignidade da pessoa humana,
pois implica uma proibição da instrumentalização da pessoa ao serviço do
Estado, serve melhor a dignidade da pessoa humana uma intervenção
excessional.
o Artigo 6º: tal como foi redigido pela visão de 1997, houve uma introdução
implícita deste princípio.
o É uma decorrencia do insentivo público à liberdade de iniciativa privada.
§ Modelo de Estado muito limitado na sua ação, quase limitado a suprir
as falhas de mercado, Estado mínimo. Poderia até promover os
direito sociais, mas ficaria muito limitado, assumiria apenas o papel
de legislador e regulador do sistema económico.
è Alternativa defendida pela Professora Maria d’Oliveira Martins: Estado de bem-estar
constitucional pode ser mais amplo do que o princípio da subsidiariedade. A própria
intervenção que está concebida pela Constituição ultrapassa as falhas de mercado
(ex.: serviço de televisão e rádio, serviço de saúde, educação), a própria
Constituição tem um modelo de intervenção do Estado que não se limita às falhas
de mercado (bens de mérito são os bens que a sociedade decide produzir, porque
considera que são importantes, embora possam ser bens que são produzidos pelo
mercado).
o Leitura mostra que o próprio Estado é produtor de bens de mérito, é difícil de
ver o Estado reduzido ao princípio da subsidiariedade.
è Mas a Constituição é elástica o suficiente para conter ambas, mas o próprio
Professor Paulo Otero considera que o Estado até tem uma intervenção bastante
ampla.

Direitos Fundamentais e Despesa Pública

Visão clássica

è Está associada ao liberalismo, resulta daquilo que foi explicado por Locke – os
direitos devem ser vistos como ações negativas por parte do Estado, este deve
respeitar a esfera de liberdade não intervindo nela:
o Direitos, liberdades e garantias são direitos de abstenção.
o Direitos económicos, sociais e culturais são direitos de intervenção do

Rebeca Louro - 2017 23


Estado.
è Esta visão tem reflexos na forma como olhamos para a despesa pública. Os
primeiros são baratos (são apenas direitos de abstenção, não implicam custos) e os
segundos são direitos caros.
è Explica o próprio regime a que estão sujeitos os direitos fundamentais:
o Artigo 18º: o legislador não tem medo dos direitos, liberdades e garantias,
pois são diretamente aplicáveis. Os direitos económicos, sociais e culturais
não estão sujeitos a este artigo, não se aplica este regime, são aplicados
mediante intervenção legislativa. Há direitos, liberdades e garantias que
estão fora do seu capítulo e se inserem nos direitos económicos, sociais e
culturais, não há uma separação perfeita (ex.: direito de propriedade), o
artigo 18º não basta.
o Artigo 17º: há direitos fundamentais de natureza análoga. Normas
determináveis (normas a partir das quais se consegue auferir o conteúdo do
direito apenas olhando à Constituição) e normas indetermináveis (normas
cujo conteúdo não resulta diretamente da Constituição – mais expostas ao
mandato legislativo, o legislador é que as concretiza – ideia privada). Abre a
porta para perceber que há elementos determinados pela Constituição (ex.:
direito à educação) aplica-se o artigo 18º, e há elementos não determinados
pela Constituição (ex.: número de escolas, número de turmas).
§ Desta distinção de normas determináveis e indetermináveis resulta
um conceito importante: reserva do financeiramente possível, aplica-
se naturalmente às normas indetermináveis, porque é onde cresce o
espaço de intervenção do lesgislador (permite ao legislador invocar a
escassez de bens), este conceito teve origem num Acórdão no
Tribunal Constitucional Alemão, no Acórdão Numerus Clausus:
colocava-se uma questão, se qualquer pessoa podia invocar o direito
de acesso ao ensino superior e podia entrar na faculdade que essa
pessoa tinha escolhido, ou será que o Estado pode barrar a entrada
de acesso ao ensino superior dizendo que tem as vagas preenchidas.
• O Tribunal veio dizer claro que pode haver numerus clausus,
mesmo havendo um direito fundamental, está sujeito a uma
intervenção legislativa e um cabimento orçamental e, por isso
as prestações públicas neste domínio devem ser limitadas
áquilo que é razoável pedir do Estado (só é razoável que
receba os alunos que está em condições de receber, pois é
um direito indeterminado, portanto, o Estado pode organizar-
se como entender – tem um limite máximo que tem que ser
definido em função do que é razoável).
• Será que esta reserva, de alguma forma, põe em causa os
direitos fundamentais, diminui-os? Não, pois a ponderação
não pode conduzir a um direito definitivo, mas sim a uma
garantia de um procedimento de seleção que confere a todos
uma oportunidade suficiente – processo de seleção justo.
è Os direitos não podem ficar em ponto morto: se se permitir que os direitos fiquem
apenas a ser tratados e concretizados pelo legislador, pode-se cair no erro de se
demitir dos direitos (direitos menores), põe-se em causa o reconhecimento

Rebeca Louro - 2017 24


constitucional desses direitos. Proibição do retrocesso – corresponde a uma
fiscalização de certos juízos de oportunidade, impedindo que o legislador volte atrás
naquilo que já realizou.
o Acórdão 39\84, relativo ao serviço nacional de saúde, o Tribunal
Constitucional é mais radical na proibição do retrocesso – o lesgilador fez
uma lei, esta começava a constituir o serviço nacional de saúde, o Governo
seguinte não podia voltar atrás. É bastante criticável, pois o serviço nacional
de saúde só existia na lei, não estava concretizado na prática, ainda assim o
Tribunal foi absolutamente peremptório.
o Nos anos seguintes houve um aligeiramento desta proibição, pois a doutrina
começou a criticar: se o Tribunal é tão rijo naquilo que são as concretizações
dos direitos fundamentais, não entende as consequências deste
entendimento (como se estivessemos sempre a ficar mais ricos e com mais
capacidade de resposta, o que tira a possibilidade do Estado reagir, tira-lhe
margem de manobra, nunca pode voltar atrás).
o Em 2009\2010 o Tribunal reconhece uma aceção mais restrita da proibição
do retrocesso: um dos argumentos contra tem a ver com a alternância
democrática, espaço para que as pessoas e o povo se possam ir
manifestando ao longo da história, nem sempre se quer que o Estado tenha
mais despesa, impede que haja novas ideias e novas ideias de concretizar
os direitos até melhores, mais eficazes, menos dispendiosas. Impede, no
fundo, que haja estas alternativas. Esta proibição conferia aos Tribunais um
certo controlo.

Teoria dos Custos dos Direitos

è “The Cost of Rights”, Stephen Holmes and Cass R. Sustein. Não há direitos
gratuitos, todos são caros e implicam a despesa pública, “um direito só existe
quando e se tiver custos orçamentais”. A ideia de abstenção do Estado é falsa (ex.:
para manter o direito à vida o Estado tem que construir hospitais), há toda uma
máquina do Estado que trabalha também para que os direitos, liberdades e
garantias tenham efetividade. Todos os custos estão escondidos na ideia do
funcionamento do próprio Estado. Consequências desta ideia inovadora:
o Escassez de recursos vale para todos os direitos, a reserva do possível,
nalguma medida, tem que se aplicar aos direitos, liberdades e garantias, mas
numa medida menor, pois há uma parte maior logo determinada pela
Constituição (ex.: direito à vida, desde logo, da vida intra-uterina – forma
mais barata é criminalizar o aborto, as prisões já foram construídas; forma
mais cara é o Estado apoiar as mães grávidas para que não abortem),
mesmo dentro dos direitos, liberdades e garantias há opções, o Estado tem
discricionariedade.
o Os direitos fundamentais deixam de ter grandes diferenças estruturais,
reconhece-se a todos uma componente de intervenção do Estado, todos têm
uma dimensão positiva e uma dimensão negativa.
o Dever de proteção do Estado em relação a todos os direitos fundamentais,
acaba por uniformizar os direitos, todos têm uma dimensão positiva e
negativa – Gomes Canotilho, grande novidade do direito público

Rebeca Louro - 2017 25


contemporâneo.
o Os direitos sociais são uma moeda de troca dos direitos, liberdades e
garantias, há direitos que são inverso de outros (ex.: o direito ao trabalho é
um pressuposto do direito de propriedade, se não tiver nenhum rendimento
nunca poderá ter propriedade) – aceita-se proteger os direitos básicos se
houver oportunidade de ter direitos próprios para proteger. Os direitos sociais
são, em grande medida, a guarda avançada dos direitos, liberdades e
garantias (ex.: o direito à saúde é a guarda avançada do direito à vida).
o Todos os direitos estão sujeitos a constrangimentos orçamentais, significa
que não há direito absolutos, acaba por enfraquece todos os direitos. É
possível ultrapassar este constrangimento: os direito não são todos iguais,
percebe-se isso só de olhar para a Constituição. A regra do financeiramente
possível não é passível de ser aplicada em certas situações. Limites da regra
do financeiramente possível:
§ Dignidade da pessoa humana;
§ O Estado não pode pôr em causa aquilo que são as determinações
da Constituição.
§ Concretização progressiva de uma ideia de justiça social, a ideia de
trazer a escassez para todos os direitos não pode significar uma
desvalorização para todos os direitos sociais, todos os direitos estão
no mesmo plano, também os direitos sociais devem poder valer.

Visão Contemporânea

è Todos os direitos valem o mesmo? Nem tudo o que a doutrina disse estava errado,
para entender o valor dos direitos é preciso olhar ao que a doutrina constitucional
clássica chama elementos determináveis e indetermináveis. Devem valer mais os
elementos determináveis e é verdade que os direitos, liberdades e garantias têm
mais elementos determináveis.
è Concretização dos direitos, liberdades e garantias é cristalizável? A proibição do
retrocesso não deve ser tida como um bem a proteger em todos os casos, deve
prevalecer a alternância democrática.
è Tese de Doutoramento de Maria d’Oliveira Martins: as Finanças Públicas têm por
trás juízos de justiça distributiva. Questão ética, não envolve apenas contas, estas
são meramente instrumentais.
o Visão substancialista – à medida que a justiça social se vai realizando e
desenvolvendo, alguns elementos têm que ficar cristalizados (ex.: ensino
obrigatório, a Constituição só fala de ensino básico obrigatório, hoje é dos 4
aos 18. O legislador hoje não pode voltar a fixar o ensino obrigatório é até à
4ª classe, a nossa consciência jurídica tem enraizada o ensino obrigatório até
ao 12º ano). Sempre que vemos um elemento de justiça social que começa a
ficar enraizado, aí deixa de ser possível voltar atrás. Há certas conquistas
que damos como irreversíveis.
o Não há direitos de primeira e de segunda, deve-se olhar para a sua
concretização e às conquistas que já foram alcançadas e exigir ao Estado
que não volte atrás nisso.

Rebeca Louro - 2017 26


o Para além dos direitos e da despesa que implicam, destaca uma despesa
prioritária do Estado que decorre de uma visão da dignidade da pessoa
humana. A despesa que devia ser prioritária e às vezes não é, é a despesa
do mínimo de subsistência, ou seja, o Estado antes de orçamentar tudo o
resto, devia assegurar que nenhum dos cidadãos morre à fome, é uma
condição mínima da cidadania – uma das funções dos impostos deve ser
garantir que cada um tem o mínimo de subsistência. Infelizmente, nos
últimos tempos tem-se invertido a lógica, não tem tido importância nenhuma.
o A Constituição vai-se concretizando ao longo do tempo, não se pode olhar
para esta com os olhos da década de 70\80, mas sim com os olhos de
2017\2018. Deve entender-se que a Constituição se vai alterando.
è Proibição de défice: visão simétrica à visão de excesso, o Estado não pode fazer de
mais nem ficar aquém, por isso todos os direitos têm um conteúdo mínimo, se não
há direitos sem significado prático.

Solidariedade entre gerações

è A Constituição, sem dúvida, contém um princípio implícito de prioridade à geração


presente.
è Geração presente: olhando para o catálogo dos direitos, entendendo que têm
despesa por trás e a sua concretização vai ficando cristalizada em certos casos,
significa que os fundos devem ser avocados para o presente. A geração presente
tem prioridade sobre todas as outras gerações.
è Geração futura: a Constituição tutela as diferentes gerações. Em termos financeiros
há uma consideração minimalista dos interesses da geração futura, apenas os
consideramos relativamente a despesas plurianuais, que se estendem para além de
um ano. Se devemos evitar a derrocada para as gerações presentes, deve-se evitar
também para as gerações futuras, princípio da proteção das gerações futuras é
minimalista, vale para estes casos.

Solidariedade internacional:

è Pessoas vagas e indetermináveis, não há proximidade.


è A geração presente extra-nacional tem menos prioridade que a gerações nacionais
presentes e futuras. Tem prioridade sobre a geração futura extra-nacional, pois a
falta de cooperação presente prejudica a solidariedade futura.
è A geração futura extra-nacional não tem prioridade sobre nenhuma das referidas
supra. Há uma consideração extra-minimalista dos interesses para aproveitamento
racional dos recursos naturais.

Rebeca Louro - 2017 27


Capítulo IV – A Atividade Financeira Pública: Atos,
Contratos e Regulamentos

Relevância financeira da atividade administrativa, em


especial da contratação pública
è Direito administrativo e direito financeiro. Existem muitas relações entre estes dois
ramos do direito:
o Princípio do interesse público.
o Dever de boa administração.
o Temas em comum:
§ Serviços administrativos devem ou não ser gratuitos?
è A própria atividade financeira do Estado tem movido e tem perpetrado em função da
parte administrativa.
è A atividade administrativa é responsável por quase toda a realização da despesa
pública, esta realiza-se através de regulamentos, atos e contratos.
è Em muitos pontos estes chocam:
o Questão da eficiência, se pode ser controlável judicialmente:
§ Tribunal de Contas: parâmetro de controlo jurídico
§ Administrativistas: controlo de mérito, faz parte do juizo da
Administração.
o Relacionamento da jurisdição administrativa e financeira.
§ Deve o Tribunal de Contas ter o monopólio do controlo dos atos e dos
contratos? Qual é o espaço que deve ser reservado aos Tribunais
Administrativos?
• Tribunal de Contas é responsável pelo visto, a maior parte dos
atos e contratos antes de irem para os tribunais
administrativos têm que passar pelo Tribunal de Contas.
Quando este recusa o visto, a maioria das vezes os Tribunais
Administrativos recusam-se a apreciar o ato ou contrato
administrativo que esteve na base dessa recusa do visto.
§ O que são normas administrativas e o que são normas financeiras?
Se se conseguir separar bem cada tribunal foca-se em fazer cumprir
o cumprimento das normas correspondentes.
• O princípio da legalidade da despesa pública tem-se vindo a
alargar para o Tribunal de Contas – são todas aquelas (mas
não só) que podem alterar o resultado financeiro da
intervenção do Estado – ter-se-á que considerar algumas
normas típicas administrativas como tendo relevância
financeira.
è Visto, é uma decisão jurisdicional ou administrativa

Rebeca Louro - 2017 28


A actividade regulamentar e suas implicações financeiras
è Regulamentos: normas gerais e abstratas que concretizam as leis. É execida no
poder administrativo.
è Permitem à Administração assumir despesa plurianual.
è Portarias de Extensão de Encargos (Decreto-Lei 197\99, artigo 22º, nº1 e 2): sempre
que é assumida uma despesa a pagar nos próximos anos e tem que ser sempre
assumida primeiro por regulamento ou lei, se fosse assumida por ato administrativo,
obrigaria o Ministro das Finanças, todos os anos, na altura em que ia fazer o
Orçamento, a passar em revista todos os atos administrativos para ver o que tinha
que orçamentar – só as portarias é que permitem um controlo mais fácil, pois têm
que ser publicadas nos Diários da República, assim o Ministro das Finanças só tem
que fazer uma recolha dos Diários da República e das Portarias de Extensão de
Encargos.
è Adquirem grande importância na contratação pública, se os regulamentos
padecerem de alguma inválidade, esta será, naturalmente, transmitida aos
contratos administrativos.

O acto administrativo e os seus efeitos financeiros


è Atos Administrativos: podem ser praticados pelos dirigentes máximos dos serviços,
embora tenha certas limitações.
o Têm que ter cabimento orçamental.
o Tem que obedecer à legalidade (a todo o enquadramento jurídico que se
aplique, não apenas às normas financeiras).
o Três “e”s: economia, eficiência e eficácia.

Aspetos financeiros a ter em conta na formação dos


contratos públicos
è Contratos: são muito importantes na vida da Administração, pois representam cerca
de 25% a 30% da despesa pública total. São tão importantes que o orçamento tem
que contemplar obrigatoriamente as despesas que estão previstas quer em lei
anterior quer em contratos.

A Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso

Controlo do Tribunal de Contas:

è Em relação à atividade administrativa não intervém.


è Intervém a pedido das entidades públicas a propósito do pedido de visto. O visto
destaca-se porque é uma condição de eficácia dos atos e contratos – se podem ou
não produzir efeitos jurídicos.

Rebeca Louro - 2017 29


è Os atos, contratos e regulamentos podem chegar ao Tribunal de Contas por várias
vias:
o Visto: atos e contratos com valor superior a 350.000€ estão sujeitos a visto;
sendo que, os atos e contratos com valor superior a 950.000€ não podem
produzir nenhum efeito jurídico antes do visto.
o Auditorias: às contas de determinado organismo e chegar à conclusão que é
necessário apreciar, com mais detalhe, certos atos ou contratos:
§ Não foram sujeitos a visto.
§ Tiveram alterações no visto.
§ Contêm elementos que apontam para responsabilidade financeira.
o Responsabilidade financeira: violação de normas financeiras.

Validade versus Eficácia:

è O Tribunal de Contas pode, naturalmente, avaliar a validade dos atos, contratos e


regulamentos que chegam até si (para efeitos de recusa de visto, auditorias ou
responsabilidade).
è Validade:
o A invalidade pode estar em causa, a Lei dos Compromissos e Pagamentos
em Atraso (impede que o Estado se atrasasse nos pagamentos, a lei cria um
novo mecanismo de autorização de despesa) estabelece:
§ Nulidade para a assunção de compromissos sem validação (sem
esta, a assunção de compromissos é nula). Princípio da segregação
de funções obriga a que, para se autorizar uma despesa, não se pode
ter acesso ao pagamento propriamente dito, ao ato do pagamento.
São duas coisas diferentes e feito por duas pessoas diferentes, pois é
preciso garantir que quem autoriza a despesa pública não está a tirar
dinheiro para si ou desviar dinheiro. A Lei dos compromissos obriga a
quem autoriza o pagamento das despesas a ver o que está na caixa,
obriga a aproximar a autorização de despesa e a autorização de
pagamento – tem que ser validada e ter um número de série.
§ Artigo 59º nº2 c), Lei 75\2013 – são nulos os atos que determinem ou
autorizam despesa, não permitida por lei, praticados pelas Autarquias
Locais.
§ Artigo 14º da Lei 34\87 de 16 de Julho – constituem crime, logo são
nulos (artigo 133º c) CPA), os atos praticados por titulares de cargos
políticos, no caso de contrairem encargos não permitidos por lei.
§ Artigo 161º k) do Código de Procedimento Administrativo – atos
constitutivos de despesa pública praticados contra a lei são nulos – o
direito evolui neste sentido. Mas a nulidade não é sempre aplicável –
162º nº3 – em certos casos, tendo em conta a boa fé, o decurso do
tempo, a proteção da confiança esses atos podem produzir alguns
efeitos – LCPA artigo 5º nº4 –, em termos financeiros pode haver uma
ponderação (casos em que efeitos financeiros foram produzidos e
podem ser salvaguardados).
è Eficácia:
o Relativamente aos atos que produzem despesa, como estão sujeitos a visto,

Rebeca Louro - 2017 30


sobretudo a cima dos 350.000€, têm que cumprir uma condição de eficácia,
que é o visto, se não não produzem efeitos jurídicos, ou pelo menos efeitos
jurídicos completos. Podem produzir alguns efeito financeiros:
§ Esses atos, embora assim que o contrato é assinado ou um ato é
praticado sejam remetidos para o Tribunal de Contas num prazo
apertado, vão poder começar a ser executados, a Lei do Tribunal de
Contas estabelece que produz efeitos apenas de acordo com o
calendário de programação orçamental para essa despesa. Os
empreiteiros começavam a executar depois alegavam não ter que
pagar pelo ato, pois não teve visto, mas havia enriquecimento sem
causa – esta nova exigência da Lei do Tribunal de Contas é uma
salvaguarda contra este tipo de abusos, se o empreiteiro se decidir
adiantar trabalho, azar o dele, pois não estava calendarizado, o
Estado não paga para além do que está calendarizado.
§ Se não for concedido o visto, já produziu alguns efeitos financeiros,
as despesas que tiverem que ser pagas são, de resto não há nada
mais é pago.
o Contratos com valor superior a 950.000€ já não existe sequer a possibilidade
de se começarem a executar.
è O Tribunal de Contas faz primeiro um controlo da validade, para além disso, verifica
se cumpre outras condições de legalidade que possam afetar financeiramente estes
atos. A Lei de Enquadramento Orçamental estabelece como requisito de realização
de qualquer despesa a verificação dos três “e”s: economia, eficiência e eficácia. O
Tribunal de Contas não faz só um mero controlo da legalidade, faz também e entra
muitas vezes no controlo de eficiência (no fundo faz um controlo de legalidade mais
largo) – este controlo da eficiência é mais evidente e comum nas auditorias, não há
tanto problema que o Tribunal de Contas faça isto, pois são atos não-jurisdicionais,
faz uma espécie de relatório (permitem à Assembleia da República fazer um melhor
controlo político), não atua propriamente como um tribunal, por isso sente-se mais
livre.
è A recusa do visto por ilegalidade trava a atividade dos Tribunais Administrativos?
o Não, o contrato administrativo pode não produzir efeitos jurídicos, mas os
Tribunais Administrativos vão poder fiscalizar a legalidade do ato
administrativo.
o Se o Tribunal Administrativo chegar à conclusão que o contráto é válido e o
Tribunal de Contas disser que é nulo, por recusa do visto?
§ Se o visto for tipo um ato judicial, a decisão contrária do Tribunal
Administrativo nunca pode ir contra a decisão da recusa do visto, pois
o Tribunal de Contas é superior.
§ O visto é um ato judicial esquisito, pois os atos judiciais normalmente
produzem casos julgados (não pode ser julgado de novo), o visto
pode ser reapreciado, o caso julgado não é eficaz para sempre.
Alguns autores têm vindo a dizer que não é um ato judicial, se calhar
tem natureza administrativa, então poderá ser reapreciado pelos
Tribunais Administrativos.
• Enverdar por esta via é no fundo enfraquecer ou procurar
enfraquecer aquilo que é o controlo financeiro, reduzir o

Rebeca Louro - 2017 31


Tribunal de Contas a um mero verificador da regularidade
financeira, mas que a sua palavra pode ser ultrapassada pelos
Tribunais Administrativos. Não está certo, pois é o único
garante da legalidade dos dinheiros públicos.

Capítulo V – Portugal, Estado-Membro da União


Europeia

As Finanças Públicas da União Europeia: breve nota em


relação à atividade financeira da União Europeia

è As finanças da União Europeia têm dois braços:


o Despesas:
§ De administração, do próprio funcionamento e existência da União
Europeia: dos órgãos dela.
§ Ligadas à cidadania, segurança, justiça, etcetera.
§ Desenvolvimento dando apoio aos Estados em termos de agricultura,
desenvolvimento rural, ambiente, pescas, etcetera.
§ Coesão dos vários Estados-membros: redução das diferenças que se
verificam entre eles.
§ Com os Estados que não são da União Europeia:
• Auxílio a Estados terceiros, por norma vizinhos, pois
queremos ter relações amistosas, evitar guerras em todos os
lados – cooperação com algumas organizações internacionais.
• Paga alguns investimentos estruturais dos países que são
candidatos à União Europeia e auxilia monetariamente a
realização de algumas reformas para ficarem a altura dos
parâmetros da União Europeia (para poderem modernizar-se).
o Receitas:
§ Quando a União Europeia foi criada, criaram-se receitas tradicionais
que revertiam sempre a favor da União Europeia:
• Direitos aduaneiros cobrados nas fronteiras da União Europeia
revertem a favor desta e não a favor dos próprios países.
• Direitos de importação de terceiros Estados com produtos
agrícolas.
• Quotização sobre a produção de açúcares, xarópes, etcetera.
§ Recurso baseado no IVA, por isso é que todos os Estados têm que o
cobrar.
§ Recurso baseado no Rendimento Nacional Bruto dos Estados-
membros – foi criado para ser residual, mas tornou-se no mais
importante e substancial – 75% do total das receitas da União
Europeia.

Rebeca Louro - 2017 32


è Problemas:
o O Rendimento Nacional Bruto é um dos problemas que está na origem da
distância que se sente em relação à União Europeia (nunca somos
chamados a fazer nada diretamente com a União Europeia, com os Estados
somos chamados à repartição de finanças), os Estados são os mediadores
entre os cidadãos e a União Europeia. Não temos a mínima perceção dos
gastos da União Europeia, não sabemos quanto e para que pagamos. Esta
forma de financiamento acaba por minar as próprias relações entre os
Estados-membros, pois nas negociações sobre as distribuições de fundos,
em vez de estarem preocupados sobre quais as prioridades, estes fazem
contas sobre o défice, contas para si e exigem o retorno (traduz-se em
fundos comunitários). As negociações orçamentais de distribuição de fundos
são sempre, invaliavelmente, pouco solidárias, os Estados-membros apenas
vêem se não ficam verdadeiramente prejudicados em relação ao que estão a
pagar.
o Problema mais jurídico: o Tratado de Funcionamento da União Europeia, no
seu artigo 311º, impõe que o Orçamento seja financiado por recursos
próprios, o rendimento que é baseado no Rendimento Nacional Bruto, que é
variável que permite ao Orçamento fazer o que quiser, o Orçamento é feito e
depois é acautelado o que é exigido a cada um dos Estado-membro. Isto não
é um recurso próprio, não foi com esta ideia que o Tratado foi feito –
problema não só político, mas também jurídico.

è O Orçamento é equilibrado, pois acautela-se a despesa e depois a receita. Os


Estados-membros acabam por ter que pagar o que for necessário, mas dentro do
que estes autorizam. O Orçamento é também um Orçamento pequeno, responde a
cerca de 1% do PIB.
è O Orçamento é feito pela Comissão (órgão executivo) e aprovado pelo Conselho e
pelo Parlamento. É executado pela Comissão, ou diretamente o Orçamento, ou a
partilhar essa execução ou ainda a confiar essas tarefas a Estados-membros ou
Organizações Internacionais.
è É controlado pela Comissão – quem dá a cara pela execução orçamental sempre,
anda em cima dos Estados-membros para garantir que as regras são aplicadas – e
pelo Tribunal de Contas Europeia – diferente do nosso Tribunal de Contas, não é um
órgão jurisdicional, é sim uma Câmara de auditorias, só faz auditorias.
è Tem sido contestada, em relação a esta realidade Orçamental:
o Argumentos que sustentam o BREXIT:
§ Contribuição excessiva para União Europeia, esta tomava o poder de
decisão das suas prórpias prioridades, assim, saindo da União
ficavam livres.
§ O Reino Unido queria recuperar a possibilidade de ditar as
prioridades em matéria de investigação e desenvolvimento, precisava
de ter disponível algum dinheiro.
§ O Reino Unido não queria ter que pagar pela defesa da União
Europeia, pois considerava mais importante investir na NATO ou na
ONU;

Rebeca Louro - 2017 33


o Em França, por Marie Le Pen:
§ Contestação da perda de direitos alfandegários, implicava a perda de
proteção dos produtores franceses;
§ Queria sair do euro, mas saia também da União Europeia? Os seus
opositores diziam que a PAC (Política Agrícola Comum) existe por
causa dos agricultores franceses, são eles que mais beneficiam dela.

O direito da União Europeia que se impõe na ordem


jurídico-financeira portuguesa

è O Direito da União Europeia é responsável pelo limite à soberania nacional.


è Limites à soberania orçamental da União Europeia:
o União Económica e Monetária:
§ Primeira fase, 1990-1993, previu-se a integração de todas as moedas
num sistema monetário europeu, juntava as moedas todas num cabaz
ECU, foi feito para perceber os limites dentros dos quais a moeda
pode flutuar, o Estado não pode desvalorizar a moeda a baixo ou a
cima desses limites. Não deu grande resultado.
§ Segunda fase, 1994-1998, avançou-se para um grau de integração
maior, para os Estados não ficarem limitadas no que diz respeito ao
valor da moeda, impuseram-se-lhes vários limiites, os chamados
critérios de convergência:
• Em termos de inflação;
• No que toca à fixação de taxas de câmbio;
• No que toca à fixação de taxas de juro;
• Relativamente aos défices orçamentais;
• Relativamente à dívida pública;
Ficou marcada também pela fixação ou congelamento das moedas
que faziam parte do cabaz europeu. Todos os Estados interessados a
integrar a UEM deviam apresentar programas de convergência.
Decidiu-se quais os países que avançavam para a terceira fase.
Houve uma maior criatividade orçamental, promessa do euro era a
promessa do marco nacional (moeda alemã).
§ Terceira fase, 1999-2002, fixação irrevogável da paridade das
moedas, houve um período de adaptação jurídica e institucional à
nova moeda (o Banco de Portugal deixou de poder cunhar moeda,
tornou-se como que uma filial do Banco Europeu). Em 2002 inicia-se
a fase de circulação do euro, os Estados perderam os instrumentos
convencionais de estabilização macroeconómica, perdendo também o
poder de fixar as suas próprias políticas monetárias e câmbiais
(deixamos de poder mexer na moeda, nas taxas de juro, nas taxas de
câmbio, etcetera, deixaram de poder contar apenas com os seus
Orçamentos para fazer face aos problemas económicos). A União

Rebeca Louro - 2017 34


Europeia assumiu algumas despesas libertando os Orçamentos
Nacionais e alguns encargos

o Fez-se sobre uma grande discussão, grandes críticas que se fazia:


1. Americanos: muitos alertavam para o facto de quererem ter o
dolar na Europa sem terem os mecanismos institucionais
Americanos – nos Estados Unidos da América o Banco Federal
produz moeda, manda criar mais moeda, o Banco Central
Europeu não pode criar mais moeda do que a que existe; não
temos um Ministro das Finanças comum; não temos um
Orçamento da União Europeia capaz de resolver a sua situação
económica. Alertaram, na altura, para a necessidade de
implementação do Federalismo Orçamental para dar resposta aos
choques assimétricos que iam surgir inevitavelmente – podem
gerar a extinção do euro.
2. Esta é uma imposição dos critérios de convergência que se tem
continuado a manter, esta limitação dos instrumentos de
estabilização macroeconómica, são marcados por uma ideologia
libertária (libertação das despesas do Estado), quando a maior
parte dos países ainda se rege pela lógica keynesiana. Surgiram
dois Governos contra esta resistência keynesiana. Chegou-se a
propor critérios de convergência mais sociais (baseados no
desemprego, etcetera), mas não impedindo a limitação do
investimento do Estado e, no fundo, permitindo aos países
continuar a utilizar a despesa pública para controlar o nível de
emprego. Prevaleceu a lógica avessa à aplicação do pensamento
keynesiano e esta lógica libertária de limitação dos défices
orçamentais e das dívidas (países com défices e dívidas baixas,
acabariam por compensar o custo com os défices mais elevados).
o Hoje mantemos a observância a estes critérios de convergência, embora os
mais importantes em termos financeiros seja a limitação ao défice e à dívida
– não podemos ter uma situação de défice orçamental que exceda os 3% do
PIB e não podemos ter uma dívida pública que exceda os 60% do PIB. Para
que estes objetivos hoje continuem a ser cumpridos:
§ Pacto de Estabilidade e Crescimento – corresponde a um acordo
entre os Estados membros que se comprometem a cumprir os limites,
a Comissão que acompanha a situação Orçamental e o montante do
défice e da dívida, o Conselho que se compromete a tomar decisões
rápidas e instar os Estados membros a apresentar uma situação
orçamental controlada. Tem dois grandes braços:
• Preventivo: obrigação de apresentação anual de programas,
dentro da zona euro chamam-se programas de estabilidade,
fora da zona euro chamam-se programas de convergência.
São feitos de acordo com um conjunto de orientações
fornecidas pela União Europeia e apresentam objetivos e
metas em matéria de disciplina orçamental e endividamento.
Consubstanciam-se em projeções a 4 anos, devem ser

Rebeca Louro - 2017 35


apresentadas metas e é aí que se devem descrever reformas
estruturais e de sustentabilidade a longo prazo do sistema
financeiro. São apresentadas à União Europeias no final de
Abril, em Portugal são apresentadas com o quadro plurianual,
devem ser apresentados até ao dia 15 de Abril, pois seguem
em Abril para a União Europeia, em Junho esta vai dizer quais
as orientações para o Orçamento do ano que tem que ser feito
em Outubro.
• Sancionatório: é acionado se um país ultrapassar os limites de
défice e de dívida fica sujeito ao PDE (Procedimento de
Défices Excessivos). Quem declara este procedimento é o
Conselho, sob proposta da Comissão – 126º nº6 do Tratado
de Funcionamento da União Europeia. Tem várias fases, que
vão desde recomendações do Conselho até à aplicação de
multas.

Capítulo VI – Orçamento do Estado

Compreensão da realidade orçamental portuguesa


è Orçamento do Estado: é uma previsão das receitas e das despesas que se podem
gastar ou arrecadar ao longo do ano. Mas não é apenas isto, se não, não valia mais
que o orçamento do mestre de obras (possibilidade de imprevistos).
è A ideia de previsão é uma ideia económica, o orçamento tem também um conteúdo
jurídico, permite perceber porque vale mais do que o orçamento do mestre de obras:
é uma autorização ou consentimento relativamente a cobrar impostos, para se
poderem pagar despesas do Estado. É alem da previsão, uma autorização.
è O orçamento corresponde juridicamente a uma limitação de poderes, a
Administração Publica não vai poder gastar mais do que está previsto no orçamento
(assim tem o seu poder limitado).
è O orçamento vem tratado na lei de enquadramento orçamental de 2015, esta lei é
exigida no artigo 105º na Constituição: remete para uma lei que trata da forma como
se faz o orçamento, executa e controla.
o Professor Gomes Canotilho: como é exigida pela constituição, a sua violação
implica uma inconstitucionalidade indireta, pois é a própria Constituição que
exige a existência desta lei.
è É nesta lei que se encontram os princípios e as regras a que vai obedecer a
elaboração do orçamento, encontra-se descrito o processo de elaboração do
orçamento, percebe-se como se executa, se é possível alterá-lo e como é que é
controlado.

Rebeca Louro - 2017 36


O Orçamento do Estado como instrumento financeiro
dirigente e não como um entre os demais
è Principio da unidade e da universalidade: plenitude orçamental – artigo 9º Lei de
Enquadramento Orçamental –, isto é, um só orçamento e tudo no orçamento. Mas
existem mais orçamentos: os das Autarquias Locais e Regiões Autónomas.
o O alcance deste princípio da unidade é relativamente às despesas da
Administração Pública e do Estado, estas têm de estar todas concentradas
num só orçamento. Só a parte que corresponde às Autarquias Locais e às
Regiões Autónomas é que pode ficar fora do orçamento. Este princípio
obriga a que não haja orçamentos à parte, que as contas não estejam
espalhadas. As contas, as receitas e despesas têm que estar todas juntas,
assim torna-se mais fácil perceber a atividade financeira do Estado.
o A universalidade: todas as receitas e todas as despesas têm que constar
deste orçamento do Estado.
è Princípio da estabilidade orçamental – artigo 10º nº2 Lei de Enquadramento
Orçamental – mostra que o orçamento do estado não existe sozinho e, como tal, tem
que haver uma relação que se estabelece entre este orçamento e o das Autarquias
Locais e Regiões Autónomas, para que o saldo de todos eles esteja dentro dos
limites exigidos pela União Europeia. O orçamento não é feito independentemente
dos outros mais em conjunto com os outros, mas não estão todos juntos porque a
Constituição obriga que sejam feitos em separado, mas tem que contribuir para a
mesma finalidade.
è Sustentabilidade das finanças públicas – artigo 11º – todos os orçamentos têm que
ser feitos de forma a que as entidades públicas consigam assumir todos os seus
compromissos – não vale a pena sobrecarregar as entidades públicas de despesas
se não terão receitas para pagar. Os orçamentos têm que ser realistas.
è Solidariedade recíproca – artigo 12º – obriga o orçamento de estado a relacionar-se
com os outros orçamentos das Autarquias Locais e das Regiões Autónomas, mas
sem os onerar especialmente. Todos devem contribuir proporcionalmente para a
estabilidade orçamental, ou seja, contribuir proporcionalmente para respeitar os
limites do défice e da divida impostos pela União Europeia.
è Equidade intergeracional – artigo 13º – genericamente equivale ao princípio de não
onerar excessivamente as gerações futuras. Na prática, obriga a ter atenção com as
despesas com carácter plurianual, isto é, aquelas que à partida se espalham por
vários anos (ex.: investimentos públicos, encargos com passivos financeiros,
necessidades de financiamento das entidades do setor empresarial do estado,
etcetera). Olha-se para estes contratos plurianuais para perceber se hoje, à luz dos
olhos de hoje, conseguimos detetar algum desequilíbrio entre as gerações presentes
e as gerações futuras. Detetar desvios para a salvaguarda dos interesses das
gerações futuras, não é que tenhamos que poupar para essas gerações, mas se
detetarmos hoje que pode haver dificuldade em pagar essas despesas daqui a uns
anos, devemos corrigir (preocupação minimalista).
è Anualidade e plurianualidade:

Rebeca Louro - 2017 37


o Anualidade: despesas e receitas votadas e executadas todos os anos, ou
seja, coloca-se dentro do orçamento todas as receitas e despesas que se
espera ou cobrar ou ganhar nesse ano. Aquelas despesas que são
originadas naquele ano, mas não se podem pagar já devem ser feitas por
forma especial – por regulamento ou lei, publicadas no Diário da República, o
legislador não tem que as inscrever no orçamento, só têm que estar inscritas
no ano que vão ser realizadas.
§ Esta anualidade tem tido uma atualização na jurisprudência e o
Tribunal Constitucional da crise: este princípio pode, em anos de crise
em que é necessário tomar medidas excecionais, permitir tomar estas
medidas, porque o horizonte é de um ano, mas com o decurso do
tempo o Estado não pode continuar a esconder-se atrás destas
medidas excecionais, há juízos de anualidade que devem poder ser
considerados e deixar passar as medidas, mas não se podem
perpetuar. Por isso permitiu os cortes dos funcionários públicos por
alguns anos, mas agora tem chamado a atenção que tal tem que
acabar, pois o Governo tem que resolver o problema tomando
medidas estruturais e não conjeturais nem recorrer a estas medidas
(resolver a crise).
§ Outra dúvida sobre este princípio: casos em que se chega a 1 de
janeiro e não há Orçamento, ocorre quando Governo toma posse
tardia no ano anterior. Nestes casos tem 3 meses para elaborar o
orçamento, pois tem que haver sempre Orçamento, se não, não
temos a autorização para realizar despesa e arrecadar receita:
assim se no dia 1 de janeiro não há orçamento, prolonga-se
automaticamente a vigência do orçamento do ano anterior. Quando
se aprova um novo orçamento há uma ficção de que sempre esteve
em vigor desde o dia 1 (para não quebrar este principio da
anualidade) – mesmo que só vigore por 6 ou 8 meses, é como se o
orçamento tivesse sempre estado em vigor.
o Plurianualidade: hoje seria ridículo fazer orçamentos puramente anuais, é
como navegar à vista, sem nos podermos afastar. Hoje a União Europeia
exige mais que isso, exige a apresentação de programas de estabilidade que
supõem programas de 4 anos. No fundo, faz-se uma projeção financeira,
temos que demonstrar sustentabilidade das receitas e despesas e inserir
tudo isso num programa de médio e longo prazo. Se temos que mostrar
estes programas, isso teve reflexo no nosso enquadramento orçamental.
Além de o orçamento ser anual tem que estar inserido num programa
plurianual (que permite perceber quais são para aquele Governo as suas
prioridades).
§ Esta Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 só entra em vigor a
1 de janeiro de 2018: como não entrou ainda em vigor, esta
programação plurianual é feita através da Lei das Grandes Opções
em Matéria de Planeamento e Organização Plurianual (LGOP). As
LGOPs passam a ser aprovadas anualmente com esta programação
orçamental plurianual. Isto é apresentado em Abril, no momento em
que apresentamos a nossa programação de médio prazo à União

Rebeca Louro - 2017 38


Europeia, fazemos um documento para apresentar à Assembleia da
República com o mesmo teor (artigo 14º Lei de Enquadramento
Orçamental).
è Discriminação orçamental: subdivide-se em 3 grandes princípios: não compensação
– artigo 15º –, não consignação – artigo 16º –, especificação – artigo 17º. Explicam o
que podemos esperar do orçamento.
o Não compensação: exemplo – imaginar que o Ministro das Finanças prevê
um novo imposto (da batata frita), com uma receita de 5 milhões, mas vamos
ter que ajustar a máquina fiscal, é preciso haver mais inspetores e isso vai ter
custos de 1 milhão. Alternativas: diz que a receita é de 5 milhões e despesa
de 1 milhão ou abrevia e diz 4 milhões (diferença entre aquilo que se espera
arrecadar e o que se espera gastar). Este princípio impede a utilização da
segunda opção, sabemos a verdade orçamental (não há verbas
compensadas), transparência orçamental: pois a receita pode não
compensar a despesa e se houver abreviatura, os contribuintes podem não
perceber isso.
o Não consignação: significa não afetar determinadas receitas a determinadas
despesas. Exemplo – serviço A tem muitas receitas, e diz que como cobre
taxas, quer que fiquem só para o serviço, estas receitas só servem para
pagar as despesas deste serviço. Isto não é permitido, pois todas as receitas
devem ser distribuídas pelas prioridades do Governo e não pelas prioridades
por cada um dos Serviços (perder-se-iam as prioridades do todo).
o Especificação: obriga a que cada despesa e receita seja individualizada no
Orçamento, saber de onde vêm as receitas e para que servem as despesas.
Artigo 17º nº2 – obriga a utilização de uma classificação económica em
relação às receitas, obriga a que sejam colocadas num mapa e sejam
divididas entre as receitas correntes e receitas de capital. As correntes não
alteram o património duradouro do estado, as receitas de capital alteram o
património duradouro do estado (ex: venda de participações sociais a
empresas, venda de imóveis). Quanto às despesas o legislador é mais
exigente – artigo 17º nº1 –, pede uma classificação económica, classificação
funcional (divididas por funcionários), classificação orgânica (dividas pelos
diferentes Ministérios, no fundo), programas e ainda fontes de financiamento.
É tão exigente relativamente às despesas e não tão exigente em relação às
receitas, pois esta exigência prende-se com a limitação da própria despesa,
é um limite que se impõe à Administração Pública, excedendo aquela
despesa já não se pode gastar mais; a verba inscrita na parte das receitas
não é uma limitação ao Estado.
è Economia, eficiência e eficácia – artigo 18º – no artigo encontramos boas definições
de cada uma delas. Utilização do mínimo de recursos (economia), acréscimo de
produtividade com menor despesa (eficiência), utilização de recursos mais
adequados para atingir os resultados alcançados (eficácia).
è Transparência orçamental: todas as entidades sujeitas ao Orçamento têm que
disponibilizar informação clara, rigorosa, credível e precisa em relação à despesa ao
Ministro das Finanças.

Rebeca Louro - 2017 39


Regime do Orçamento do Estado
è Até aqui isto tem haver com regras de arrumação de regras e despesas no
Orçamento. Estes princípios pretendem mostrar o que deve caber no Orçamento.
Chegamos, agora, à parte mais complicada que é, no fundo, a de fazer contas –
receitas e despesas têm de estar equilibradas?
è De acordo com o artigo 105º nº5 da Constituição o Orçamento de Estado tem de
prever as receitas necessárias para cobrir as despesas – equilíbrio formal. Contudo,
ter-se-á de avançar com a ideia de equilíbrio substancial e aqui começam a surgir
algumas dúvidas: quais os critérios a utilizar?
o Critério clássico (período liberal de 1822-1928): diz que não pode haver
endividamento, porque corresponde a um imposto lançado sobre as
gerações futuras. Só pode haver dívida pública em situações de catástrofe.
o Critério do Orçamento ordinário (1928-1973): serve para perceber as
finanças do Estado Novo. Foram feitas à custa de muito investimento público
que era possível apenas com o endividamento público, não se utilizou o
critério clássico. Era possível haver dívida pública, mas ela deve servir ou
para pagar dívida pública anterior ou para pagar investimento (para pagar
despesas extraordinárias).
o Critério ativo patrimonial do Estado (1977-1991): permite o recurso à dívida
pública para pagar despesas de capital.
o Critério ativo de tesouraria (1991 em diante): voltamos a apertar o critério,
por causa da União Europeia. Diz-nos este critério que é possível contrair
dívida desde que essa dívida sirva para pagar dívida anterior, sendo que esta
dívida pode cobrir os juros da dívida anterior. Assim, vai ser claro que a
dívida cresce e não diminui.
è Com a nova lei (a Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 ainda não entrou em
vigor só a 1 de janeiro de 2018) o que passa a ser importante é o cumprimento do
saldo estrutural – artigo 20º da Lei de Enquandramento Orçamental de 2015. Isto
significa que todas as Administrações Públicas, isto é, todas entidades presentes no
Orçamento, Autarquias Locais e Regiões Autónomas, têm de ter como saldo 0,5%
do PIB (se a dívida for igual ou superior a 60% do PIB) ou 1% do PIB (se a dívida for
inferior a 60% do PIB) – este saldo é feito retirando todas as medidas temporárias,
extraordinárias ou ciclícas dessas contas, pois o importante para a União Europeia é
perceber as despesas e receitas permanentes. O que a União Europeia exige é que
tenhamos, por via de regra, receitas e despesas mais ou menos alinhadas, quando
não conseguirmos respeitar este equilíbrio teremos de justificar. Com este equilíbrio
orçamental passamos de uma lógica anterior de ver Orçamento a Orçamento se
cumprimos a dívida, para uma visão global de todos os Orçamentos, para ver se
estes cumprem o défice e a dívida.
o O critério de convergência é o défice de 3% do PIB, mas este não chegava,
daí que o défice estrutural tenha de ser de 0,5%, ou seja, não estamos
impedidos de apresentar o défice de 3%, mas entre os 0,5% aos 3% têm de
haver medidas extraordinárias.
è O Conselho das Finanças Públicas é a primeira entidade que consegue fazer a

Rebeca Louro - 2017 40


fiscalização global dos orçamentos (Orçamento de Estado + das Autarquias Locais +
das RegiõesAutónomas), nenhuma entidade ate agora conseguiu fazer isto, havia
entidades para cada um dos Orçamentos.
è Hoje a preparação do Orçamento tem duas fases:
o Abril (tem a ver com a apresentação do programa de estabilidade e das
LGOP). Esta fase está ligada ao semestre europeu, aquela fase que permite
a análise das instâncias comunitárias sobre as politicas orçamentais que
serão tomadas; até Junho – comissão elabora recomendações e comunica-
as aos Estados Membros (Junho – definição de limites de despesa pública
para cada Ministério; Julho – limites de despesa pública aprovados em
Conselho de Ministros; Agosto – preparação do Orçamento; Setembro –
entrega na Direção-Geral do Orçamento de propostas e a aprovação em
Conselho de Ministros) – artigos 32º a 34º.
o Segunda fase: proposta de Orçamento de Estado – artigo 36º da Lei de
Enquandramento Orçamental – deve ser entregue até ao dia 1 de Outubro.
Discussão de 45 dias.
§ Este prazo foi antecipado de 15 de Outubro para 1 para dar tempo a
uma fiscalização da constitucionalidade antes do Orçamento de
Estado entrar em vigor.

Traços específicos do regime do Orçamento do Estado

è O Orçamento é entregue na Assembleia da República e é feito pelo Governo, o


Governo tem matéria exclusiva de iniciativa Orçamental.
è A Assembleia da República tem 45 dias para aprovar o Orçamento e, tal como as
restantes leis, tem três votações: generalidade, especialidade e globalidade.
o A Assembleia da República não tem que se limitar a aceitar ou recusar as
propostas do Governo, esta pode propôr alterações áquilo que foi a proposta
do Governo (direito de emenda), no entanto, este não pode alterar a sua
própria proposta, não a pode emendar.
o Acontece que a Assembleia da República aprova um Orçamento com o qual
o Governo não se identifica, claro que está sujeita a certos limites (do défice
e da dívida, etcetera) e pode alterar dentro desses limites. O Governo tem
duas hipóteses:
§ Executa o Orçamento tal como está.
§ Demite-se.
o Se a discordância for muito profunda o Parlamento pode propôr uma moção
de censura e pedir ao Presidente que nomeie um novo Governo, dentro das
maiorias parlamentares.

Execução Orçamental:

è Princípio da segregação de funções: a autorização de pagamento e a autorização de


despesa tem que ser feita por duas pessoas diferentes.

Rebeca Louro - 2017 41


è Princípio da tipicidade qualitativa das receitas – artigo 52º, nº1 e 2 da Lei de
Enquadramento Orçamental – legalidade, inscrição orçamental e
classificação: relativamente às receitas só temos que verificar se a receita está
inscrita ou não no orçamento, verificar a legalidade e classificação orçamental.
è Tipicidade quantitativa das despesas: legalidade, cabimento e três “e”s, não basta o
mesmo que para as receitas. Temos que verificar o cabimento orçamental, se está
dentro do limite previsto no orçamento – não só a sua inscrição como o cabimento,
as verbas inscritas como despesa são um limite que não se pode ultrapassar.
è Princípio da execução por duodécimos: por via de regra, as despesas, em cada
mês, só podem ser executadas até 1\12 da despesa total prevista, ou seja, na
prática, cada serviço olha para a sua despesa e tem que a dividir pode 12, logo, em
cada mês só pode gastar uma parte que corresponda a essa parcela, isto é, 1\12. É
um princípio de gestão prudente, para impedir que se gaste tudo logo no início do
ano.
è Gestão flexível: enquanto está a ser executado, o Orçamento não pode ser
alterado, é aprovado e executado até ao fim, mas há algum espaço de manobra
para alterações orçamentais: se forem substancias têm que ser feitas pela
Assembleia da República (ex.: se alteram limites de despesa), se não forem
alterações substancias pode ser o Governo a alterar. Há alguma flexibilidade para
mexidas durante a execução orçamental.
è Lei travão – artigo 167º nº2 Constituição – o Orçamento de Estado é aprovado pela
Assembleia da República e executado pelo Governo, estabelecimento por parte da
Constituição de uma separação rígida de poderes.
o Há até quem entenda (Nuno Piçarra) que há uma reserva de administração
no que respeita à execução do Orçamento, por parte do Governo. Como há
uma separação rígida o legislador constituinte sentiu a necessidade de que
fosse um princípio que vigorasse durante a execução Orçamental, para que
quem não faça parte do Governo e que tenha iniciativa legislativa, não
procurar, por essa via, atrapalhar a execução Orçamental (uma redução de
receitas atrapalha, podem não chegar para cobrir despesas; o aumento de
despesas faz com que falhem receitas, etcetera).

Controlo Orçamental:

è É feito de três formas ou por três entidades diferentes:


o Controlo Administrativo: sistema de controlo interno, cada vez que se
executa o Orçamento, se faz um pagamento, se cobra uma receita, etcetera,
é desencaseado uma série de mecanismos de controlo por parte da
Administração Pública. Controlos:
§ Segregação de funções, feita pelos próprios funcionários.
§ Auto-controlo por parte do Serviço que executa o Orçamento.
§ Controlo setorial, cada serviço é tutelado por um Ministério, esse
Ministério tem uma inspeção geral que vai procurar controlar a
execução Orçamental feita pelas entidades que são tutelas por esse
Ministério, ou seja, é feito pelas inspeções gerais de cada Ministério.
§ Controlo estratégico pelo Ministério das Finanças.

Rebeca Louro - 2017 42


o Controlo Político: controlo feito pela Assembleia da República, é um controlo
triplo, pois está presente em todos os momentos do Orçamento, em todos
estes momentos a Assembleia da República pode acionar qualquer um dos
mecanismos previstos de controlo político do Governo.
§ A priori: a própria aprova o Orçamento.
§ Fiscalização concomitante: enquanto está a decorrer:
• Através de inquéritos, perguntas, chamar o Governo a
audições parlamentares , etcetera.
• Vai recebendo os relatórios de contas do Governo trimestrais
(de 3 em 3 meses), sabe o que já foi executado e o que falta
executar.
§ Fiscalização do Orçamento depois de ter sido executado:
• No princípio do ano seguinte ao da execução orçamental, tem
que aprovar a conta geral do Estado, aquilo que se opõe ao
Orçamento: registo das receitas e das despesas efetivamente
realizadas – não pode deixar atrasar a aprovação ou recusa
da conta geral do Estado, devem ser aprovadas o mais rápido
possível, se não significa um juizo negativo sobre aquela
execução orçamental.
o Controlo Jurídico: feito pelo Tribunal de Contas e pelos demais tribunais.

Capítulo VII – Contencioso Financeiro

A fiscalização feita pelo Tribunal de Contas

è O Tribunal de Contas é um tribunal (nos outros países é uma mera Câmara de


auditoria), que tem vindo a aumentar os seus poderes e a sua jurisdição. Qualquer
empresa privada que receba um fundo do Estado está sujeita à fiscalização,
algumas auditorias, pode ainda estar sujeita a visto e pode ainda ser sujeita a
responsabilidade financeira pelo Tribunal de Contas.
è O facto de ser um tribunal causa alguma confusão aos administrativistas, pois têm
competências:
o Não Jurisdicional:
§ Parecer da Conta Geral do Estado, um verdadeiro parecer.
§ Pode ser solicitado pela Assembleia da República para fazer
pareceres (não vinculativo) em matéria financeira.
§ Pode verificar contas e realizar auditorias, não fazem parte das
competências jurisdicionais do Tribunal de Contas (tem jurisdição
exclusiva em matéria financeira).
o Jurisdicional: atua em três momentos de realização de despesa:
§ Prévio: conceção ou recusa de visto – primeira secção do Tribunal de

Rebeca Louro - 2017 43


Contas. Previsto no artigo 44º e seguintes da Lei de Organização e
Processo do Tribunal de Contas.
• Visto: verificação de atos, contratos ou outros instrumentos
geradores de despesa, ou representativos de
responsabilidade financeira direta ou indireta.
• Só incide sobre atos e contratos acima de 350.000,00€.
• A conceção de visto faz com que os atos, contratos ou outros
instrumentos geradores de despesa produzam efeitos –
condição de eficácia.
• Contratos e atos entre 350.000,00€ e 950.000,00€ podem
produzir alguns efeitos antes do visto, desde que se siga
escrupulosamente a programação orçamental.
• Contratos e atos acima dos 950.000,00€ não há nenhum
efeito financeiro que possa produzir antes do visto.
• A recusa do visto pode ser por:
o Nulidade do ato ou contrato autorizativo.
o Falta de cabimento orçamental.
o Violação direta de normas financeiras (tema
controverso).
o Ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado
financeiro.
• Há casos em que se deteta irregularidades, mas que não são
suficientemente importantes e, por isso dão um visto com
recomendações.
• Processo do visto:
1. Contrato ou ato administrativo acima dos 350.000€, o
agente administrativo que autorizou essa despesa tem
20 dias para remeter esse ato ao Tribunal de Contas.
2. O processo segue para a Direção-Geral do Tribunal de
Contas, o diretor-geral recebe todos os processos de
vistos, faz a triagem:
i. O processo está incompleto – devolução para
diligências instrutórias (mais informação).
ii. Está tudo bem, não há dúvidas, é concedido o
visto – declaração de conformidade.
iii. Há dúvidas de legalidade, envia o processo
para a sessão de visto.
3. Na sessão de visto vai ser avaliado o processo
instruído pelo diretor-geral pelos juízes na sessão de
visto:
i. As dúvidas não têm fundamento, concedem o
visto – visto simples.
ii. As dúvidas são pertinentes, mas são meras
irregularidades ou é a primeira vez que a
entidade administrativa faz aquilo – visto com
recomendações.
iii. As dúvidas têm razão de ser e são graves,

Rebeca Louro - 2017 44


fundamento para recusa de visto – não é a
sessão de visto que faz a recusa de visto,
manda para a sessão plenário de visto.
4. Sessão plenária de visto:
i. É concedido o visto.
ii. Não é tão grave – é concedido o visto com
recomendações.
iii. Recusa de visto.
• Se o Tribunal de Contas não se pronunciar em 30 dias há
visto tácito (se pedir diligências instrutórias pode atrasar o
processo).
• Da recusa do visto há recurso? Dentro do Tribunal de Contas
– artigo 96º da Lei do Tribunal de Contas –, quem pode pedir
o recurso são o Ministério Público ou o autor do ato ou
entidade que autorizou o contrato. Se for um contrato entre
particulares e o Estado, é muito controverso:
o Há autores que dizem: os Tribunais Administrativos
aceitam o recurso e podem rever a decisão de recusa
de visto.
§ Crítica: não há em Portugual nenhum tribunal
superior cujas decisões estão sujeitas à
apreciação de outro tribunal superior.
o Maria d’Oliveira Martins: o Tribunal de Contas tem que
aceitar o recurso de visto, por causa do princípio da
tutela da jurisdição efetiva – artigo 20º e 268º nº4 da
Constituição, ou seja, todos temos o direito de ver as
nossas pretenções apreciadas pelo tribunal, se
nenhum outro pode apreciar, então o Tribunal de
Contas é obrigado a receber também estes recursos, o
artigo 96º da LOPTC está incompleto.
§ Concomitante: auditorias e controlo sucessivo – parte da primeira
secção e segunda secção do Tribunal de Contas. Auditorias – artigo
49º e seguintes da Lei de Organização e Processo do Tribunal de
Contas.
• A cargo da primeira secção, ação principal: fiscaliza-se os
contratos visados (para ver se estão a correr conforme
previsto) ou vai-se verificar aqueles que por muitas razões não
estão sujeitos a visto (convém ver o que se passa).
• A cargo da segunda secção: especialista em auditorias, fá-las
em geral (ex.: pode ir a uma entidade pública [escolhe a que
quiser] e fiscalizar de fio a pavio a atividade financeira nos
anos X, Y e Z, depois produz todo um relatório).
• Estas auditorias fazem uma fiscalização de legalidade, mas
também refletem considerações relativas à economia,
eficiência e eficácia das despesas fiscalizadas.
• Podem ir um pouco mais além daquilo que se exigia no texto
jurídico, muitas vezes entram naquilo que é chamado controlo

Rebeca Louro - 2017 45


de mérito da Administração – nas auditorias não estamos
dentro das funções jurisdicionais, o Tribunal de Contas atua
como Câmara de auditorias, muitas vezes estas servem
também para a Assembleia da República fazer um controlo
político, por isso convém que não se cinjam a um mero
controlo estrito da legalidade.
• Originam muitas vezes a formulação de recomendações (são
mesmo para cumprir, quem não as cumprir pode estar sujeito
a responsabilidade financeira) e novos projetos de políticas
públicas.
§ Sucessivo: sobre a atuação financeira do Estado, só julga casos de
responsabilidade financeira – terceira secção do Tribunal de Contas.
Pode ser feita através de auditorias (não têm que ser apenas relativas
atos ou contratos que estão a ser executados, mas também a atos ou
contratos que já foram executados) e uma componente jurisdicional,
ou seja, corresponde também à efetivação de responsabilidades
financeiras (como é que se pode ter conhecimento destas
responsabilidades financeiras? Por exemplo, podem ser detetadas as
auditorias, podem surgir aqui indícios de responsabilidade financeira).
Indícios:
• Têm que ser remetidos ao Ministério Público: vê se são
suficientes para abrir um processo.
• Se houver indícios suficientes para abrir um processo o
Ministério Público pede a abertura de um processo junto do
Tribunal de Contas: antes do julgamento responsabilidade
financeira tem que ser feito um processo de julgamento de
contas, ou seja, o Tribunal de Contas tem que ver, em função
dos números que estão em causa, se estamos ou não perante
situações de responsabilidade financeira. Depois de terem
sido aprovados os números por uma decisão jurisdicional,
então, cessa o julgamento de responsabilidade financeira.

A Responsabilidade financeira

è O Tribunal de Contas tem jurisdição exclusiva. É diferente de todos os outros tipo de


de responsabilidade.
è Não só os funcionários públicos estão sujeitos, mas qualquer um que lide com
dinheiros públicos está sujeito ao acionamento desta responsabilidade.
è Quem pode ser responsabilizado?
o Os Ministros não são os primeiros a ser responsabilizados, são antes os
últimos, pois a decisão do Ministro é, normalmente, a última. Há uma série de
pessoas que se pronunciam ao longo de todo o processo e o Ministro apenas
no fim diz se concorda (não é responsabilizado, pois está a decidir de acordo
com o que os seus funcionários estudaram a fundo) ou não (pode ser

Rebeca Louro - 2017 46


responsabilizado quando não concorde e aponte outras razões que caiam
sobre um dos casos de responsabilidade, pois chama a si a decisão daquela
despesa, neste caso, contrariando aquilo que lhe diziam os serviços).
o Todos os agentes exatores ou agentes contáveis, ou seja, aqueles que
ordenam ou autorizam despesa. Os primeiros a ser responsabilizados são
aqueles que instruem o processo.
è A responsabilidade é sempre pessoal, ou seja, nunca recai sobre um Órgão ou
Serviço, embora possa ser solidária ou subsidiária, mesmo nos órgãos colegiais está
afastada a responsabilização dos órgãos colegiais como um todo – convém não
ignorar o direito financeiro, convém estudá-lo, pois se votarem a favor num órgão
colegial, arcam com essa responsabilidade solidária ou subsidiária.
è Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
è A responsabilidade financeira pode ser de dois tipos:
o Reintegratória: condenação à reposição de verbas ao Erário Público,
acrescido de juros de mora – artigo 59º a 64º. Há cinco casos:
§ Alcance: desaparecimento de dinheiro ou valores do Estado. Se o
funcionário não conseguir justificar a razão do desaparecimento do
dinheiro é responsável. Prova:
• Ao funcionário: desapareceu por factos que não lhe podem ser
imputados.
• Ao Estado: compete apenas provar que o dinheiro
desapareceu.
§ Desvio de dinheiro ou valores públicos: por ação voluntária de
qualquer agente público se verifique o desaparecimento de dinheiros
ou valores do Estado – compete ao Ministério Público e ao Estado
provar a culpa do agente.
§ Pagamentos indevidos: pagamentos ilegais que tenham causado
dano ao Erário Público (ex.: contrato ou ato nulo) – o Estado não
pode fazer pagamentos desproporcionais em relação ao serviço que
está a ser prestado.
§ Violação de normas financeiras com prejuizo para o Erário Público: o
Estado celebra ou pratica um ato que viola normas financeiras.
§ Não arrecadação de verbas: comportamento doloso ou com culpa
grave pela cobrança dessas verbas – sempre que não se cobre um
imposto ou uma verba devida ao Estado, isto é, a não cobrança
indevida de receitas.
o Sancionatória: aplicação de multas – artigo 65º a 68º. Tudo o que o Tribunal
de Contas mandar fazer tem que ser feito, sob pena de responsabilidade
financeira sancionatória.
è É preciso verificar a culpa ou negligência, não há nenhum caso de responsabilidade
objetiva. É preciso ter a certeza que o funcionário em causa sabia que a prática
desse ato, que gera a responsabilidade, era ilícito.

Rebeca Louro - 2017 47


Responsabilidade financeira: sua relação com outros tipos
de responsabilidade (civil, penal, disciplinar)

è Pode acumular-se com todas as outras responsabilidades, mas o Tribunal de Contas


só pode julgar a responsabilidade financeira, não pode julgar mais nenhum outro
tipo.
è Na maior parte dos casos não vem sozinha. Acontece em inúmeras situações:
o Responsabilidade Penal – vários casos, é só procurar no Código Penal; Lei
34\87, artigo 14º: o titular de cargo político a quem incumbe dar cumprimento
a normas de execução orçamental que contraia encargos, previstos na lei – é
punido com pena de prisão até 1 ano.
o Responsabilidade Disciplinar: violação de deveres de zelo por parte do
funcionário, que podem resultar na aplicação de penas escritas até à
demissão dos funcionários.
o Responsabilidade Civil: danos ao Erário Público, os funcionários e agentes
administrativos podem ser chamados a pagar indemnizações.

Capítulo VII – Breve Introdução a Algumas


Questões Atuais de Direito Financeiro

Breve introdução ao tema das parcerias público-privadas

è Contratos duradouros em que uma entidade privada combina com o Estado uma
construção de uma obra vista (operação e manutenção de uma obra pelo privado
previamente projetada, financiada e construída) como um investimento de interesse
público.
è Estão muito relacionadas com o problema da dívida pública, os Estados têm cada
vez menos margem para fazer o investimento, pois o défice orçamental está cada
vez mais limitado (0,5%). Tem que haver um equilibrio entre receitas e despesas. A
questão que se coloca é como é que o Estado continua, ou a fazer novos serviços
que correspondem a novas necessidades das pessoas, ou continua a manter os já
existentes (ex.: Hospital Santa Maria – a sua manutenção é cara, não falando da
parte do pessoal, só a manutenção do edifício, tem que estar constantemente a ser
intervencionado, em termos exteriores [ex.: levar com um pedaço de teto em cima],
mas também interiores [ex.: caso da legionela no Hospital São Francisco Xavier]).
Uma vez que se abre a torneira da despesa não se consegue fechá-la, as despesas

Rebeca Louro - 2017 48


ficam para trás – por isso é que é difícil aplicar a política keynesiana (ex.: num hotel
de 5 estrelas é difícil de mantêr as 5 estrelas a longo prazo, é caro – há dinheiro
para fazer investimento, mas não há para manutenção).
è Forma de escapar aos constrangimentos orçamentais, não pode ser por via do gasto
público, tem que ser por outra via (arranjar dinheiro noutro sítio), os particulares
podem ter interesse em ajudar em certos investimentos, pois são eles quem tem
dinheiro. Fá-lo sem se endividar:
o Atribui a gestão de determinado negócio aos particulares. Muitas vezes estes
negócios não são atrativos para os privados se não estiver o Estado por trás.
Se tiverem um contrato com o Estado não podem cobrar aquilo que poderiam
cobrar, assim os particulares cobram o que podem e o Estado tem que dar o
resto (ex.: construir uma ponte, as portangens vão para os privados), quando
sejam infraestruturas necessárias para o Estado.
o O Estado tem que intervir na medida certa (não tem que pagar mais do que é
devido) – os riscos têm que ser repartidos.
§ Os riscos não eram previstos ou estavam mal calibrados e calculados
a favor dos privados, normalmente.
§ Na década e 90 começam a surgir as auditrias em relação a estes
contratos mal calibrados. O Tribunal de Contas queixou-se.
§ Em 2001 (a maior parte das parcerias foram feitas antes de 2001),
houve um enquadramento jurídico das parcerias público-privadas,
exigências:
• Comparador do setor público: comparação que o Estado é
obrigado a fazer antes de celebrar qualquer contrato de
parceria público-privada: contrato em moldes tradicionais (o
Estado assume o investimento e contrai dívidas para fazer
face a esse investimento) versus parcerias público-privadas:
o É preciso pesar ambas as alternativas e concluir que
há vantagens em fazer esta parceria. Se as soluções
forem iguais e não encontrar nenhuma vantagem, em
termos de vantagens, tem que se optar pelo molde
tradicional; apenas se opta pelas parcerias público-
privadas se a contratação for mais vantajosas em
relação ao modelo tradicional (o comparador do setor
público tem que estar bem feito, o que muitas vezes
nãos está, os riscos têm que estar bem calculados).
§ Já há um diploma mais recente.
è Porque é que não implicam aumento da dívida pública:
o Em termos contabilísticos o que se faz é a inscrição daquela despesa como
se fosse um “leasing” (paga-se para se fazer um bem) para que se ceda o
bem temporariamente.
o Relaciona-se com o ponto anterior, como não conta como dívida pública, é
uma maneira ótima de o Estado continuar a fazer investimento e assegurá-lo
sem se endividar, conta como despesa corrente. Quando o Estado faz o
comparador do setor público não vê vantagens, mas como não se pode
endividar, recorre às parcerias público-privadas para justificar os
investimentos que quer fazer naquele momento. O comparador acaba por ser

Rebeca Louro - 2017 49


turpediado por esta ideia de não contabilização das parcerias público-
privadas para o endividamento. A lei está bem feita, mas é muito recente.

Rebeca Louro - 2017 50

Você também pode gostar