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Finanças Públicas I

Aulas teóricas: Dra Matilde Lavouras


Aulas práticas: Dra Inês Serrano Matos - ines.serrano.matos@fd.uc.pt

1. Introdução

1.1. Noção e objeto de estudo das Finanças Públicas

A cadeira de Finanças Públicas tem como objeto "o estudo da aquisição e utilização
de meios financeiros pelas coletividades públicas". Estuda-se a atividade financeira do
operador G, reconduzido habitualmente à designação de "Administrações Públicas" (Estado,
Regiões Autónomas, entes locais e entidades estaduais não territoriais). Nessas coletividades
públicas, sobressai grandemente o Estado e, por isso, vamos ocupar-nos sobretudo das
finanças dele. Ficando abrangido o estudo da atividade económica e financeira estadual,
abrange-se igualmente as transferências financeiras do setor público para o setor privado.
O Estado tem as suas finanças porque precisa de fazer despesas com a produção de
bens. Se o Estado tem as suas finanças, e se as tem em virtude de despesas com a produção de
bens, é porque as finanças se destinam a satisfazer necessidades. Simplesmente, as
necessidades que o Estado satisfaz não podem ser necessidades dele próprio (não as tem),
mas dos indivíduos. Daí que essas necessidades, apesar de satisfeitas pelo Estado, tenham de
ser necessidades de indivíduos. Mas o Estado não satisfaz todas as necessidades; só algumas
são satisfeitas através da sua atividade financeira.

O objeto das finanças públicas foca a atuação do Estado como um agente económico
e estuda a aquisição e utilização de meios financeiros pelas coletividades públicas dotadas
de poder de império, maxime o Estado. O Estado é o único sujeito económico que é uno, que
é unico, o que não acontece com os outros agentes (as famílias e as empresas). O Estado
constitui uma unidade estratégica, daí que se chama "macrodecisor irredutível" - não se
trata de um agregado. O Dr Teixeira Ribeiro separa as finanças públicas e as finanças
privadas segundo 3 critérios:
* fontes de financiamento - financia-se ou com recurso à banca ou através dos seus
sócios; e este valor é recuperado através dos preços que a empresa pratica. Já o Estado
cobra impostos aos cidadãos para se financiar - é a sua principal fonte de receita;
* determinação das despesas - nas finanças do Estado, não são as receitas que
determinam as despesas, porque no caso das empresas privadas, estas só podem avançar
para despesas depois de adquirirem as suas receitas - no fundo, o Estado determina as
despesas (a construção de uma ponte, uma estrada, um hospital) e, só depois, pensa no
financiamento;
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* o móbil da atividade - numa empresa privada, o móbil é a maximização do lucro;
por seu turno, em relação ao Estado, o que sucede é que estamos aqui perante o móbil de
satisfação de necessidades coletivas.

Nas finanças públicas pretende-se dar resposta às questões da própria economia


política: o que produzir, como produzir e para quem produzir. Ou seja, também se estuda a
melhor forma de utilização de recursos escassos para a satisfação das necesssidades.
Durante muito tempo, discutiu-se se fazia sentido esta distinção objetual entre as FP e
a EP, sendo que Teixeira Ribeiro é um dos defensores da unidade do objeto. Aníbal Almeida
diz que, apesar do objeto ser idêntico, há uma diferença setorial importante: na EP estuda-se
o setor privado, enquanto que nas FP se estuda o setor público e a respetiva atividade
financeira.
Esta distinção setorial justifica que haja uma distinção para efeitos didáticos.
Justifica-se, ainda mais, pelas observações feitas a propósito de cada uma das intervenções:
no setor privado, a atuação das entidades tem como objetivo principal a obtenção de lucro; já
no setor público, o que se pretende em primeiro lugar é a satisfação das necessidades,
discutindo-se, em segundo lugar, quem deve suportar os custos dessa atuação. Os custos
podem ser suportados exclusivamente pelos utilizadores, repartidos entre utilizadores e a
coletividade ou suportados exclusivamente pela coletividade. O mesmo será dizer que o
financiamento público pode ser feito através de preços, de taxas ou de impostos.

O objeto de estudo das FP faz uma análise normativa e positiva da atividade


financeira do setor público, tendo em conta quais os efeitos que uma determinada alteração
na política de prossecução dos objetivos traçados na política orçamental, sejam estas
alterações decorrentes de alterações legais ou institucionais, mas sobretudo o impacto na
política financeira, ou seja, na receita e na despesa publicas.
A análise positiva permite medir e avaliar em certas variáveis objetivas a alteração de
uma ou mais variáveis instrumentais ou estruturais. Ou seja, permite analisar o que existe. Já
a analise normativa tem por objeto a emissão de juízos de valor acerca da situação atual e do
impacto que uma determinada decisão vai ter no futuro. Ou seja, permite avaliar as
consequencias de uma determinada alteração.

O Estado é habitualmente entendido com essencial para o funcionamento das


economias de mercado, reconhecendo-se-lhe uma virtude especial que o mercado não tem: a
capacidade de fornecer bens de forma gratuita ou com um custo inferior ao custo de produção.
Esta possibilidade decorre do facto do Estado ter receitas tributárias, ou seja, impostos e
taxas que lhe permitem financiar essa produção.

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A escolha dos bens de provisão pública (que o Estado financia) tem sido muito
debatida e tem como fundamento a equidade, a eficiência e a liberdade. Importa, então,
determinar quais são os fatores que determinam esta escolha pública.
A eficiência pode definir-se como a afetação de recursos de um modo ótimo, isto é,
de um modo tal em que não é possível melhorar o bem-estar de alguém sem prejudicar o
bem-estar de outro alguém. Como o Esatdo financira maioritariamente a sua atividade com
receitas públicas provenientes de impostos ou taxas, o bem-estar de todos os que as pagam é
afetado, mas nem sempre eles veêm o seu bem-estar aumentado através da atividade pública.
É, por isso, necessário em muitas ocasiões aceitar uma distribuição ótima, não no sentido de
primeiro ótimo, mas sim de segundo ótimo, em que o aumento de bem-estar de algusn é
apenas possível quando existe perda de bem-estar de outros, mas essa perda é menor que o
aumento ocorrido em alguns. Na maior parte dos casos, esta constatação basta ao Estado.
A equidade é, muitas vezes, entendida como correspondendo à justiça e à igualdade
em sentido material. Para nós, importa sobretudo determinar, de entre o elenco das soluções
possíveis, qual a menos prejudicial. É nesta determinação que temos de considerar a
liberdade em sentido negativo - há uma necessidade de delimitar, na esfera dos cidadãos e
das entidades com personalidade jurídica, uma esfera de liberdade e de autonomia inviolável.
E é com a conjugação destes três fatores que deve ser determinada a atuaçao estadual.
Que atuação é esta?

2. Teorias sobre o papel do Estado na economia

O papel do Estado na economia não foi constante ao longo dos tempos. Os autores
clássico-liberais consideram o Estado um intruso, é um "esbanjador". Assim, a sua
intervenção na economia é sempre nefasta. Eles dizem mesmo que o Estado é um
"consumidor improdutivo". Então, consideram que este deve cingir-se às suas tarefas
essenciais, que o privado não pode levar a cabo, designadamente a defesa nacional e a
justiça. Estes autores acreditavam no livre funcionamento do mercado - autoregulação do
mercado em que o mecanismo dos preços asseguraria a máxima eficiência e que a "mão
invisível" de Adam Smith garante o Bem Comum. Para os marginalistas, o Estado
encontra-se simplesmente excluído do obejto da Economia Politica - este objeto parte das
necessidades de indivíduos e da existência de bens escassos suscetíveis de usos alterantivos
para satisfação de necessidades de desigual importância. Tratam da análise das escolhas
racionais de um Homem abstrato e isolado. Crêm no funcionamento automático do mercado,
conduzindo este ao equilíbrio. Foi especialmente no séc XX, que teve lugar um
desenvolvimento inigualável do papel do Estado na economia. Especialmente a partir de
Keynes e da crise de 1929, começam a surgir mais vozes afirmando que o Estado deve
intervir na economia se necessário para complementar o mercado e que deve ser efetuada

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despesa por parte do Estado porque isso contribui para criar emprego e gerar mais
rendimento. Em especial após a Grande Depressão até à década de 70, vivenciou-se a
"Época Dourada", em que a despesa púbica aumentou bastante, e a população cada vez
mais ia exigindo do Estado coisas que este devia assegurar. A função de redistribuição
(função de Robin Woods - tirar aos ricos para dar aos pobres) foi alargado, quer em termos
dos seus benefeciários, quer em termos da sua própria profundidade. O Estado
intervencionista carateriza-se especialmente por algumas principais funções:
* a função de estabilização da economia atraves de políticas de combate ao
desemprego e à inflação
* a função de redistribuilção através de subsdídios de desemprego e pensões de
velhice;
* função de desenvolvimento económico;
* função de afetação de recursos - o mercado autoregulado não é capaz sozinho de
efetuar a melhor afetação de recursos.
Em caso de insuscetibilidade de levar a cabo todas estas funções, os Governos
tendem a privilegiar a função de desenvolvimento económico, pois acredita-se que as
vantagens são transversais a maior parte das classes.
Na década de 70, altas taxas de inflação e desemprego e um débil desenvolvimento
económico (estagflação) fizeram levantar críticas acerca do papel do Estado na economia.
Levantaram-se questões acerca do que seria o interesse coletivo, o interesse público.
Começou a temer-se que o Estado prossiga não os interesses coletivos, mas os interesses
próprios dos seus governantes - o que é fácil, porque o Estado pode cobrar receitas
unilateralmente. Há a possibilidade de a maioria eleita democraticamente nem sempre zelar
pelo Bem-Comum, estando então a prosseguir interesses próprios ou de terceiros. Este é o
motivo pelo qual vários economistas defendem a instituição de restrições de natureza
constitucional que acabem por limitar tanto a divida pública como o défice orçamental, no
fundo, com vista a evitar a tomada discricionária de decisão do poder público. Este
constitucionalismo financeiro tem sido defendida por vários autores como forma de travão à
deterioração orçamental que vai afetando vários países da zona euro.
As finanças públicas surgem como um corpo coeso de conhecimentos e é uma
unidade epistemológica, com uma ótima própria, onde se agregam conhecimentos de Direito
(financeiro, tributário e fiscal), Economia, Contabilidade.

Durante muito tempo, o Estado/Governo foi entendido como elemento hexógeno da


economia, isto é, exterior ao circuito económico. Muito antes de qualquer formulação teórica
sobre os bens públicos, desde cedo que estes bens têm sido "fornecidos" por diversas
entidades. Durante toda a Idade Média, estes bens, ou não eram produzidos de todo, ou a sua
provisão era assegurada por entidades privadas a um nível completamente descentralizado

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(por exemplo, o caso da saúde publica com hospitais da Igreja ou de instituições de caridade;
o caso da defesa, providenciada por cada senhor feudal). Não existia, antes dos Estados
modernos, uma entidade responsável pela identificação e produção dos bens públicos
considerados necessários para as populações.
Os mercantilistas foram, na verdade, os primeiros a dar-se conta da importância da
intervenção do estado na vida económica e a compreender a dinâmica do desenvolvimento
económico. O surgimento e consolidação dos Estados Monárquicos nos séculos XVII e
XVIII na Europa esteve ligado a uma forte tradição intervencionista, que pressupunha uma
presença constante do Estado nos aspetos sociais e económicos das comunidades.
Com o advento do capitalismo e do liberalismo, a provisão pública de bens teve um
retrocesso. É certo que, para os autores da época, devido ao mecanismo dos preços, os
mercados asseguram a máxima eficiência; que, através da "mão invisível", se garante a
prossecução do bem comum; e que, dada a natureza universal das leis que regem os mercados,
a atitude perante a realidade é de conformismo. Todavia, a conclusão lógica que, sendo assim,
as funções do Estado devem ser mínimas, nao pode ser retirada sem alguns reparos: por um
lado, o que se defende não é a ausência de Estado ou o primado da liberdade individual, mas
antes um Estado cuja função é precisamente criar e defender uma ordem na qual a liberdade
coletiva prevaleça, sendo nela integradas as liberdades individuais.
Foi, no entanto, no século XX que teve lugar um desenvolvimento inigualável no
papel e funções que o Estado desempenha na economia. Em particular, após a Grande
Depressão até à decada de 70 do século passado, vivemos a época do Keynesianismo e do
Estado-Providência, com as despesa pública a ultrapassar os 50% do PIB em inúmeros países
europeus. O aumento do rendimento das famílias trouxe, a par da melhoria das condições de
vida, um aumento da exigencia das populações relativamente ao que queriam ver assegurado
pelos Estados. E, assim, a provisão publica de bens altera-se: bens e serviços já fornecidos
anteriormente (como estradas ou educação) passam a sê-lo de uma forma muito mais
abrangente; novos bens e serviços passam a constar do elenco dos fornecimentos estatais,
como a saúde, o ensino superior ou os serviços sociais.
No entanto, este foi também um período transitório. Tal realidade alterou-se nos
inícios da década de setenta do século passado. Com efeito, durante muitos anos vigorou uma
perspetiva particular do Estado e do seu papel na economia: por um lado, defendia-se a
superioridade do funcionamento do mercado; por outro lado, o papel do Estado (sempre
redisual) ia crescendo em todas as áreas das chamadas "falhas de mercado". Mas o Estado era,
então, visto sob o mesmo prima do mercado: uma entidade sem motivações próprias, sem
interesses seus, que apenas existia para realizar o interesse dos indivíduos.
A partir da década de oitenta do século passado, houve um tendencial retrocesso da
intervenção dos Estados na economia. Todavia, não significa que tenham deixado ser
produzidos e fornecidos bens públicos, apenas que o seu leque foi diminuído e que a sua

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produção passou a ser feita, em muitos casos, por privados.
Quer dizer, mesmo em épocas de limitação do intervencionismo dos Estados, nunca a
provisão publica de certos bens foi questionada.
Modernamente, surgiram as designadas "Finanças Funcionais", que reconhecem a
existencia da necessidade e adequação da intervenção do Estado - Estado este que é um dos
elementos do circuito económico, a par das famílias e empresas, e que assume a posição de
"marcrodecisor" irredutível, i.é, não suscetível de ser subdividido porque não é um agregado,
contrariamente ao que acontece com as famílias e empresas. O Estado não é um somatório de
nada. É uma entidade abstrata, à qual o Direito e outras ciências reconhcem plena autonomia.
É uma entidade só, nao divisível, que representa cerca de 50% da economia (do PIB).

3. A provisão pública de bens

Existe provisão pública de bens quando não é o mercado, mas o Estado a definir as
características dos bens e as condiçoes de acesso a esses mesmos bens. São bens financiados
total ou parcialmente através de receitas públicas (maioritariamente, impostos). O Estado,
gozando de poder de império, obriga os cidadãos a contribuir para o financiamento dos
bens que satisfazem necessidades coletivas. Este montante (o imposto) é exigido
unilateralmente (sem contraprestação) - por isso, não se trata de um preço, mas de uma
prestação imposta. O Estado, naturalmente, tem de se financiar para poder ter verbas para
poder satisfazer necessidades dos indivíduos. Mas quais são essas necessidades e porque
tem de ser o Estado a intervir? Justamente porque a este respeito impõe-se o conheciemnto
de dois tipos de necesidades: as chamadas necessidades de satisfação ativa e necessidades
de satisfação passiva. As necessidades de satisfação ativa ou individuais são aquelas que
exigem uma certa atividade do cidadão ou do consumidor, exigem uma ação - por exemplo,
não basta que os alimentos existam para que eu sinta a minha necessidade de fome fique
satisfeita. Já as necessidades de satisfação passiva ou coletivas satisfazem-se pela mera
existência dos bens ou dos serviços, não exigindo qualquer atividade por parte do
cidadão-consumidor - por exemplo, a defesa nacional: basta que o Exército tenha sido
criado pelo Estado para que a necessidade coletiva de proteção e defesa esteja satisfeita.
Desta circunstância de haver necessidades que se satisfazem ativamente e outras
passivamente, decorre o seguinte: apenas no primeiro caso há uma procura ativa e
individualizada do bem e, por isso, apenas nestes casos o produtor dos bens pode exigir um
preço pela satisfação da necessidade respetiva. E, por isso, vale aqui o princípio da exclusão
pelo preço, segundo o qual o preço colocado exclui os sujeitos que não querem ou que não
podem pagá-lo. É justamente com esse preço cobrado pelo produtor que ele vai cobrir as
despesas correspondentes ao custo de produção dos bens. Assim, a cobrança de um preço
pela utilização do bem funciona como um mecanismo de exclusão. Funciona, também, como

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um mecanismo de relevação de preferências. Já no segundo caso, as necessidades de
satisfaçao passiva, nao é possivel exigir qualquer preço pela utilização do bem. Ninguém
está disposto, como é lógico, a pagar por um bem que não procura, pelo que não vale aqui o
princípio da exclusão. Assim sendo, o produtor não consegue, pela via da cobrança do preço,
cobrir os custos de produção caso produzisse aqueles bens. Por exemplo, um indivíduo
lembra-se de ele próprio organizar o serviço de Exército; existindo o serviço, todos passam
a poder usufruir dele, sem que o seu "produtor" possa cobrar um preço; claro está, os
utilizadores não têm qualquer incentivo de o pagar, colocando-se numa posição de "free
rider" - passageiro que vai à boleia - justamente porque essa pessoa que criou o serviço vai
custear totalmente as despesas, ele não se vê incentivado a prosseguir o serviço. Mas então
quem é que cobre estas despesas com a produção de bens que satisfazem necessidades
passivas? São os que usam passivamente os bens que o vão pagar, mas como não o pagam
voluntariamente, os cidadãos só coagidos é que contribuem para essas despesas. Este poder
de coação - de exigir unilateralmente um valor - cabe apenas a uma entidade dotada de
poder de império, especialmente o Estado, nomeadamente de poder de coação para exigir
dos beneficiários dos bens o respetivo custeio. Então, a passividade no consumo gera uma
inexcluibilidade (não-exclusão), ou seja, não é possível excluir o consumo de ninguém - por
isto não ser possível, não é atrativo para o particular ser ele a produzir o bem. Esta última
situação implica também uma indivisibilidade e, por isso, também uma irrivalidade
(não-rival), porque o consumo não é divisível por cada um dos utentes, ou seja, a utilização
do bem por um sujeito não impede ou prejudica a sua utilização por outrem. Isto significa
que é zero o custo marginal, pois em nada aumentam as despesas com o serviço pelo facto de
mais um cidadão o passar a consumir. Se é certo que os bens cujo consumo é inexcluível são
bens cujo consumo é irrival, já o contrário pode ou não ser - os bens cujo consumo é irrival
podem ou não ser inexcluíveis. Exemplo - bem cujo consumo é irrival e excluível é o cinema.
Conclusão: As necessidades de satisfação passiva são satisfeitas com bens cujo
consumo é inexcluível e irrival. As necessidades de satisfação ativa são satisfeitas com bens
cujo consumo é excluível, podendo ser rival (alimentos) ou irrival (cinema ousoftware).
Parece que o Estado só produz bens que satisfaçam necessidades passivas. Mas não
é assim. Há casos em que para serem produzidos em condições julgadas convenientes, tem
de ser o Estado a cobrir as despesas no todo ou em parte.
Os bens produzidos pelo Estado que satisfazem necessidades coletivas são sempre
bens públicos. Mas, muitas das vezes, muitos desses bens públicos satisfazem, em simultâneo.
necessidades de satisfação ativa e passiva. Entao temos de distinguir o seguinte:
* Bens públicos propriamente ditos/puros: são bens que satisfazaem necessidades
coletivas. Esta caracterização depende da verificação cumulativa da não rivalidade no uso e
não exclusão pelo preço. Notar que a não rivalidade pode ser absloluta ou parcial: o caso da
não rivalidade absoluta exemplifica-se com o exemplo do software (o uso do mesmo por

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várias pessoas não o vai esgotar - pode torná-lo mais lento, mas não o esgota), a parcial com
o exemplo do cinema (a irrivalidade é só até certo ponto - se eu comprar o último bilhete,
quem está atrás na fila já não pode assistir ao filme). Por sua vez, a não exclusão pelo preço
pode ser absoluta, técnica ou prática - a impossibilidade absoluta de cobrança de preços
acontece em face da impossibilidade de determinar os utilizadores; já a impossibilidade
técnica acontece sempre lado-a-lado com a impossibildiade absoluta; em relação à
impossibilidade prática, são as situações em que era possível fazê-lo mas não haveria
nenhuma justificação económica e social para tal (torniquete na porta férrea);
* Bens semi-públicos ou bens privados de provisão pública: são aqueles que
satisfazem simultaneamente necessidades coletivas e necessidades individuais. Por exemplo,
o serviço de vacinação individual. Dentro destes bens:
# bens tecnicamente semi-publicos: bens de provisão pública que são
fornecidos gratuitamente - há transferencia integral dos custos de produção para a
comunidade (ex: ensino básico);
# bens técnica e financeiramente semi-públicos: bens de provisão pública em
que existe uma contraprestação pecuniária paga pelo beneficiário ou utilizador do bem.
Esse valor pode ser inferior ao custo do bem (ex: propinas do ensino superior), igual ao
custo do bem ou superior ao custo mas inferior ao preço de mercado.
* Bens de mérito: bens produzidos em ordem às preferências não dos consumidores,
mas da elite governante que age como intérprete dos interesses da comunidade, numa
espécie de comportamento paternalista em relação à comunidade. Exemplo: o uso do cinto
de segurança - não falamos aqui na produção de cintos de segurança - a provisão publica
nao tem de ser atraves de produção - trata-se aqui de impôr uma conduta, caso nao seja
seguida aplica-se uma coima. Estamos no domínio da atuação do Estado não por meios
financeiros, mas ao impôr e ao regular esta conduta da utilização do cinto de segurança,
está a salvaguardar a segurança dos cidadãos.

O facto de ser o Estado a prover certos bens justifica-se, em certas situações que se
prendem com falhas de mercado. Num mundo ideal, o mercado competitivo seria
suficientemente eficiente para não ser necessária uma intervenção estatal. Não é assim,
justamente porque existem imperfeições no mercado. O Estado existe, assim, para regular,
complementar e corrigir o mercado, no sentido de resolver as falhas existentes. Estamos a
falar de circunstancias que justificam a intervençao pública, designadamente ao nível da
regulação.
O primeiro caso das falhas de mercado são as
externalidades/exterioridades/externidades. Os agentes ecómicos fazem as suas escolhas,
comparando as vantagens e os custos que decorrem de uma conduta. Para que a escolha
seja eficiente, é necessário que o agente suporte todos os custos mas também beneficie de

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todas as vantagens da sua escolha. Isto sem, naturalmente, que a sua conduta imponha
sacrifícios ou represente vantagens para terceiros. Mas nem sempre isto acontece. Por
exemplo, um empresário que considere dois métodos igualmente adequados à produçao de
um bem, ele vai escolher a produção que representa para ele um menor custo. Mas esse
menor custo para ele, pode ter custos muito superiores para os demais. Pode escolher um
meio mais poluidor - o custo social é superior, embora para o empresário seja o menor custo.
São estes efeitos externos que não são tidos em conta na ponderação individual entre os
custos e as vantagens. São as externalidades negativas - impacto negativo em terceiros. No
caso das externalidades positivas, justifica-se a provisão pública dos bens a um preço
inferior ao preço ao que seria determinado pelo mercado, de modo a que haja uma maior
procura. Exemplos: a educação ou os transportes públicos. As externalidades positivas têm
vários aspetos semelhantes aos identificados nos bens públicos puros: o efeito externo é
criador de uma utilidade que é apropriada por terceiros, sem que estes paguem o respetivo
preço. Existe, quanto a esse efeito externo, uma fruição passiva. No caso das externalidades
negativas, justifica-se a penalização das condutas, nomeadamente a nível fiscal. Esta é uma
das justificações encontradas para a tributação agravada de atividades poluentes. E, a este
respeito, estas externalidades que justificam a intervenção do Estado associam-se ao teste de
Kempt no argumento das indústrias nascentes.
O segundo exemplo das falhas de mercado são as situações de poder de mercado,
concretamente o caso dos monopólios naturais. A hipótese de eficiência dos mercados supõe
a existencia de mercados perfeitamente competitivos em que as empresas não têm qualquer
controlo sobre o preço; mas na realidade verificam-se situações em que há um grande poder
de mercado por parte do produtor. E ele está assim em condiçoes de fixar preços superiores
àqueles que resultariam numa afetação eficiente de recursos. Devido a este poder de
mercado acaba por acontecer que o consumo é ineficientemente baixo. O objetivo de
garantir as condições concorrenciais no mercado é, em regra, levado a cabo pelo direito da
concorrência; mas também há um mecanismo financeiro de atuação, que é a provisão
pública de bens, que se destina a assegurar a disponibilidade dos bens a um preço inferior
àquele que seria o de mercado a fim de repôr a eficiência. Nos monopólios maturais, por
razões técnicas, existe por regra uma só empresa - exemplos dos caminhos de ferro ou da
rede elétrica: a infraestrutura necessária uma vez instalada serve todos os consumidores,
não se justificando uma infraestrutra separada de outra empresa. Nestes serviços, a
provisão publica de bens tem ainda a vantagem de assegurar o seerviço tendencialmente
universal, sem discriminação de preços. Trata-se de serviços essenciais e dos quais
dependem outras atividades. Ora, o privado poderia não ter interesse em facultar esse
serviço universal a não ser a preços bastante elevados. Em Portugal, essas atividades,
quando ainda são publicas, são desenvolvidas por entidades que pertencem ao setor
empresarial do Estado. Mas como nestes casos, ainda permanece o incentivo para a

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formação de monopolios e para a discriminação de preços, às empresas que operam nestes
setores são impostas um conjunto de obrigações, nomeadamente no que respeita aos limites
dos preços praticados. A sujeição de um setor de atividade a este tipo de regras especiais é o
que se designa de "regulação".
Um outro exemplo de falha de mercado é a situação de assimetria de informação.
Dentro desta falha, vamos ver em particular o que se designa de "caso de seleção adversa".
A assimetria de informação trata-se de situações em que duas partes numa transação
possuem diferente informação sobre o bem-objeto dessa transação. À partida, em qualquer
transação, o vendedor do bem possui mais informação que o seu comprador. E esse facto
justifica a intervenção por parte do Estado. No domínio do direito contratual, consagram-se
vários regimes que tendem a proteger a parte mais fraca. E protegem, designadamente,
através da possibilidade de denunciar o contrato após a sua celebração. Falemos, agora, da
seleção adversa, que se trata de um mecanismo de intervenção do Estado por meios
financeiros. Esta seleção adversa existe sempre que nao é possivel distinguir os bons dos
maus produtos ou, por exemplo, os clientes cuidadosos daqueles que são menos cuidadosos.
Nestes casos, existe a tendência de se adquirir "gato por lebre". O exemplo clássico da
seleção adversa encontra-se no mercado dos carros usados - como só o dono do carro usado
consegue precisar os problemas do respetivo carro, o consumidor olha com alguma
desconfiança para este mercado. Os carros novos implicam custos superiores, mas, por sua
vez, conferem uma maior garantia à venda (pois acabam por elevar a expectativa da
qualidade do veículo). Outro dos exemplos é o dos seguros de saúde - a seguradora não sabe
o risco que o cliente carrega consigo; só ele mesmo é que é capaz de precisar quais os
problemas que tem ou hábitos que o tornam mais vulnerável (prática de desportos radicais),
que tenta esconder da seguradora (para esta olhar para esta pessoa e ver um risco baixo de
acidente). Por outro lado, já no cidadão de baixo risco - pessoa sem atividades perigosas - o
prémio de seguro desse cidadão vai ficar acima do que seria ideal, porque este acaba por
pagar a informação enganosa prestada por cidadãos que não assumem pertencer à classe de
risco. É fácil perceber que os cidadaos que oferecem maior risco à seguradora têm um
incentivo muito maior para contratar um segurodo do que aquele sujeito que, em tese,
consegue poupar recursos para se consultar quando esporadicamente tem algum problema
inesperado. O seguro tem a capacidade de atrair os sujeitos que a seguradora menos
quereria atrair. São os tais grupos de risco não assumido - isto porque a seguradora passa a
ter maiores riscos de retorno financeiro na sua atividade e o indivíduo que está fora desses
grupos de risco vai passar a pagar mais de seguro ou, simplesmente, vai deixar de o
contratar (ficando, por sua vez, mais desprotegido). Vale dizer, então, em relação a estes
casos de seleção adversa, que como a assimetria da informação existe desde o princípio
(precede a contratação) ela é uma assimetria ex-ante. Logo, se forem os particulares a
prestar o serviço de seguro, podem designdamente vedar o acesso aos grupos de risco,

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elevar excessivamente o prémio ou diminuir a cobertura dos riscos. Assim, o Estado tem de
intervir para garantir a qualidade dos serviços e a sua universalidade, porque o mercado
por si só não garante isso.

O Estado é uma coletividade com interesses que não são seus. Por isso, é distinto dos
grupos, associações e famílias e até mesmo das empresas, porque o Estado não é um
agregado de entidades uniformes. É um agregado de entidades com interesses muito distintos
e, por vezes, opostos. Por isso, habitualmente, diz-se que o Estado nao tem necessidades.
Quando as satisfaz, satisfaz necessidades dos indivíduos (física ou pessoas jurídicas).
Se o Estado nao tem necessidades, a sua atividade vai destinar-se à satisfação das
necessidades dos cidadãos pelos quais se sente responsável, ainda que a forma e intensidade
de satisfação dessas necessidades possa variA provisão pública de bens tanto é compatível
com a produção pública, como com a produção privada. Uma coisa é prover (=financiar),
outra é produzir. A produção publica implica que o bem seja total ou parcialmente produzido
pelo Estado. Mas a provisão publica significa apenas que as caracteristicas dos bens e as
condições de acesso ao mesmo são definidas pelo Estado, assegurando este total ou
parcialmente o financiamento da sua produção.

Os bens de provisão publica podem ser de três tipos: bens públicos, bens de mérito e
bens semipúblicos. A decisão sobre a provisão publica de bens, ou seja, sobre o
financiamento de determinados bens e em determinadas condições, é, em ultima análise, uma
escolha política, mas nao deixa de ter por trás uma justificação alicerçada em argumentos
jurídicos e económicos. A provisão publica nao implica necessariamente gastar meios
financeiros. Implica, sim, uma intervenção do Estado.
A análise dos fundamentos económicos para a previsão (ou não) de certos bens pode
ajudar a compreender as escolhas coletivas ou mesmo auxiliar o decisor político na tomada
de decisão; mas nao constitui uma resposta definitiva, porque essa resposta apenas pode ser
encontrada nas concretas decisões políticas, que dependem de uma certa comunidade e
decorrem de determinadas circunstancias economicas, sociais e culturais ao longo dos
tempos.

Quanto aos bens públicos, é necessário que se verifiquem duas características


cumulativas: a não rivalidade no uso (irrivalidade) e a não exclusão pelo preço
(inexcluibilidade). Por exemplo: o relógio da FDUC (não é possível cobrar um preço a quem
dele se servir, até porque é tecnicamente impossível de conhecer todas essas pessoas) ou os
faróis ao longo da costa (são financiados por entidades privados, mas são bens públicos, no
sentido em que iluminam todas as embarcações e pessoas que ali se encontrem, se que estas

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tenham de pagar por isso). Todos os bens consumíveis são bens rivais no uso, mas não
necessariamente excluídos pelo preço. Quando existe rivalidade no uso, estamos perante
situações em que a utilização do bem por uma pessoa impede uma identica utilização por
outrem. Podemos, então, dizer que o consumo de uma unidade adicional do bem tem um
custo marginal positivo. Para além disso, na generalidade dos casos, o produtor está em
condições de apenas fornecer o bem a quem estiver disposto a pagar um preço. O preço
funciona aqui como uma limitação da procura, mas também como uma forma de revelação
de preferencias, fazendo com que só compre o bem quem o possa pagar e atribua a esse bem
uma maior utilidade do que à quantia de dinheiro que pagará pelo bem.
Os bens que reunem estas caracteristicas da não rivalidade e da não exclusão são
designados "bens publicos". Os bens de uso rival e excluiveis pelo preço são bens privados.
A não rivalidade consiste na possibilidade de utilização do mesmo bem por vários
individuos sem que isso ponha em causa a utilização/consumo por outros. Estamos perante
bens cujo custo marginal é zero. Esta não rivalidade pode ser absoluta ou parcial.
Se um bem for não excluível pelo preço e irrival no uso, em regra, o mercado nao o
consegue produzir de forma eficiente, porque se nao houver exclusao pelo preço, os
produtores privados nao têm dorma de financiar a produção; e se o bem satisfaz a
necessidade sem que seja necessário pagar um preço, todos têm incentivo para se colocarem
numa posição de "freerider" ('aquele que vai à boleia').
* Situações de não exclusão pelo preço: impossibilidade técnica de cobrança
(situação do relógio da FDCU); impossibilidade prática (colocar portagens em todos os
passeios pedestres); impossibilidade absoluta.
Nos casos em que exista inexcluibilidade, apenas o Estado consegue obter formas de
financiamento para a produção do bem, porque dispõe de receitas coativas (impostos e taxas).
Já os bens de uso irrival, podem ser consumidos conjuntamente por várias pessoas se depois
de produzidos não for cobrado um preço. Há uma insuficiência na utilização de recursos,
porque a utilização do bem por várias pessoas nao implica o aumento do custo de produção (o
custo marginal é zero), mas se for colocado um preço, vai-se estar a excluir algumas pessoas
- aquelas que não podem/querem pagar esse mesmo preço por aquele determinado bem,
sendo assim menor a utildiade total desse bem.

Aqueles bens que o Estado produz porque substitui o seu juízo de valor sobre as
necessidades ao dos privados e porque considera que estes não são capazes de avaliar
corretamente o seu interesse são os chamados "bens de mérito". Tratam-se, em regra, de
intervenções paternalistas. O Estado avalia, em principio, melhor que nós as nossas
necessidades. Não falamos necessariamente em intervenções materiais. Por exemplo: a
obrigatoriedade do cinto de segurança, o agravamento do preço das bebidas açucaradas e do
tabaco, o ensino obrigatório e gratuito até aos 18 anos, etc. Os bens de mérito existem quando

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 12


a sociedade ou a classe dominante no poder, baseada em critério ético-sociológicos, entende
que devem ser produzidos e consumidos por todos os membros (independentemente da sua
capacidade para os pagar), ou, pelo contrário, entende que nao devem ser consumidos de todo
- é o caso dos estupefacientes. O Estado substituiu-se ao consumidor na escolha daquilo que
deve e nao deve ser consumido. Um exemplo típico encontra-se na obrigatoiedade de usar
cinto de segurança, mas vai mais longe, impondo o seu uso porque entende que os cutos do
seu não-uso nao são apenas os cuidados médicos prestados a quem não tinha o cinto ou os
decorrentes de mais mortes - há um custo social acima destes, que justifica uma tal
intervenção estatal. Do mesmo modo, o Estado podia apenas impor impostos pesados sobre
os estupefacientes; vai muito mais longe pela mesma ordem de razões.

Os bens semipúblicos são bens de uso rival ou excluíveis pelo preço. Estes bens vêm
a sua produção ser total ou parcialmente financiada pelo Estado sempre que exista uma
racionalidade económica que justifique a transferência do custo de produção dos utilizadores
para a comunidade coletiva. Isto é, em vez de se cobrar um preço, exige-se um financiamento
através de impostos. Sempre que estamos perante um bem semipúblico, em que nao é
cobrado qualquer quantia ao utilizador, falamos em "bens tecnicamente semipublicos"; nos
casos em que há provisao publica mas o beneficiário contribui com um valor para o seu
financiamento, estamos perante "bens tecnica e financeiramente semipublicos". Este valor
pode ser de três tipos: inferior ao custo, igual ou superior ao respetivo custo de produção, mas
sempre inferior ao custo de mercado. Olhemos o exemplo das consultas médicas no SNS, em
que são pagas as taxas moderadoras.
A provisão pública de bens semipúblicos tem por detrás uma racionalidade
económica que justifica a transferência do custo do utilizador para toda a comunidade.
Habitualmente, designam-se por "falhas de mercado". Podem ser corrigidas através de uma
intervenção legislativa para limitar certos comportamentos ou através de uma tributação
agravada. Também se justifica uma intervenção através do financiamento total ou parcial da
produção do bem (semipublico) pelo Estado.
Uma dessas falhas de mercado são as chamadas externalidades. Os agentes
económicos fazem as suas escolhas comparando as vantagens e as desvantagens das suas
opções. Naqueles casos em que os custos e as vantagens se verifiquem apenas para o
utilizador, essa escolha será racional. Mas isso nem sempre acontece. Em muitas situações de
escolha, resultam consequencias para terceiros. Consequencias essas negativas ou positivas.
Em regra, estes esfeitos não são tidos em conta na tomada de decisões. É por isso que,
nos casos em que existem externalidades, as decisoes dos agentes economicos nao sao
eficientes do ponto de vista social. As condutas que têm externalidades negativas sao
adotadas em quantidade superior à desejável; e as condutas com externalidades positivas sao
adotadas em quantidade inferior à desejável. Justifica-se, assim, a intervenção do Estado para

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tentar limitar as condutas com externalidades negativas e para aumentar a adoção de
condutas com externalidades positivas.
Exemplos: o agravamento do preço do tabaco e do combustível pelo Estado
justifica-se pelas externalidades negativas que esses dois bens envolvem; o ensino publico
obrigatório e gratuito relaciona-se com as externalidades positivas que daí advêm; o sistema
publico de tendencial obrigatoriedade de vacinação decorre tanto das externalidades
positivas (para a própria pessoa) como das negativas (o risco para a comunidade).
Outra falha de mercado importante são os monopólios naturais - situações em que
existem elevados custos iniciais e em que o retorno do investimento é a muito longo prazo;
mas constituem, ao mesmo tempo, a forma mais eficiente de produção do bem (REFER e
REN). Justifica-se que o financiamento venha do Estado.
Outra falha de mercado é composta pelas situações de poder de mercado. A eficiência
dos mercados tem como pressuposto a existência de mercados perfeitamente competitivos,
ou seja, mercados que funcionam de acordo com o modelo de mercado de concorrência pura
e pefeita, não tendo, por isso, as empresas qualquer controlo sobre o preço. No entanto, há
situações em que se verifica quase o inverso, em que o produtor está em condições de
influenciar de forma significativa a fixação do preço. Uma dessas situações de que já falámos
são os monopólios naturais. Mas há outros casos em que a vantagem em assegurar um
serviço tendencialmente universal sem discriminação de preços justifica a provisão pública.
Trata-se, em regra, de serviços essenciais e dos quais dependem outras atividades. E, apesar
de as entidades privadas conseguirem fornecer o bem, não têm interesse em fazê-lo a um
preço tendencialmente universal. São disso exemplo os serviços de correspondência postal
(os CTT) ou a distribuição de energia elétrica.
Na maior parte dos casos, estamos perante serviços e bens que já foram de provisão
pública, embora não necessariamente através de entidades do setor público-administrativo.
Em Portugal, durante muito tempo, essas atividades quando eram desenvolvidas pelo Estado
eram-no através de empresas que pertencem ao setor empresarial do Estado, existindo
atualmente uma tendência para a privatização dessas atividades.Contudo, mantêm-se o
incentivo para a formação de monopólios e, por isso, o Estado tem adotado nestes setores
políticas de regulação, fixando condições de funcionamento do mercado que limitam a
liberdade das empresas, nomeadamente no que diz respeito aos custos de serviço e de venda
de bens que podem ser imputados aos clientes.

Outra falha de mercado são as situações de assimetria de informação. Na economia


real, a informação disponibilizada pelos agentes económicos é limitada e a sua aquisição
implica custos. Porque existem custos, não há incentivos à procura de informação, a não ser
que se trate de uma informação cujo custo marginal seja inferior ao benefício marginal. Ou
seja, se aquilo que ela custa é menor do que o benefício que dela se retira. Por essa razão, a

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maior parte dos agentes económicos limita a procura de informação àquela que julga ser
essencial para a sua tomada de decisão. Exemplo do mercado das viaturas usadas.
Nos casos em que exista assimetria de informação, ou seja, diferente informação
sobre o bem que é objeto da transação, essa diversidade vai refletir-se no preço. E é
precisamente esta assimetria que justifica a intervenção publica por meios não financeiros e
por meios financeiros. São exemplo da intervenção publica por mecanismos financeiros, os
casos de seleção adversa que existem nos bens associados à saúde ou à segurança social; nos
meios não-financeiros, as obrigações de rotulagem dos produtos (p/ proteger aquele que tem
menos informação).

Pode acontecer também que haja Provisão publica de bens por razoes redistributivas.
A intervençao pública para diminuir as desigualdades decorrentes de uma economia de
mercado constitui uma obrigaçao decorrente do Estado de Direito Social, em que assentam a
generalidade das economias dos países ocidentais. No caso português, encontramos esta
consagração na alínea d) do artigo 9º, alínea b) do 81º, e no artigo CRP. Do lado da receita,
esta finalidade é levada a cabo sobretudo através de um sistema fiscal progressivo. Do lado
da despesa, pode fazer-se redistribuição de duas maneiras distintas: transferindo meios
financeiros para os mais pobres (apoio em certas despesas) ou ainda provisão pública de bens.
A provisão pública de bens justifica-se em determinadas situações para eliminar a exclusão
pelo preço: sendo o bem fornecido a título gratuito ou abaixo do custo e a diferença suportada
pela coletividade, através de receitas provenientes de impostos. A dificuldade existe na
seleção dos bens privados que vão ser de provisão pública, caso já em que a justificação
decorre de uma imposição do Estado para o consumo de um determinado bem. Exemplo:
ensino obrigatório - se o Estado impoe, nao pode alguem ser excluído por nao ter dinheiro
para pagar. Noutros casos, o Estado faz uma provisão abaixo do preço de mercado, podendo
ser uma provisão universal ou seletiva. Trata-se, sobretudo, de bens essenciais, em que
repugna ao nosso sentido étnico que alguém possa ser excluído por falta de rendimentos. É o
caso do Serviço nacional de saúde, política de habitação ou os programas de fornecimento
direto de bens alimentares. O efeito redistributivo verifica-se porque se atribui a certos
cidadãos uma vantagem que é total ou parcialmente suportada pela comunidade. Só por mero
acaso é que o valor dos bens semipúblicos de que cada um beneficia é igual ao valor dos
impostos que suporta. É por isso muito importante, numa politica redistributiva levada a cabo
através do fornecimento de bens e serviços, ter em atenção quem são os principais
benefeciários, ou seja, quem seriam os excluídos se o bem ou serviço não fosse de provisão
publica. Esta é a justificação por detrás de um valor tão elevado da propina do ensino
superior. Parte-se do pressuposto de que quem chega ao ensino superior é proveniente de
famílias com rendimentos superiores (justificação teórica).

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4. Despesa pública

A despesa pública vai ser classificada pelos efeitos económicos provocados e pelos
efeitos sobre o PIB.
De acordo com os efeitos económicos provocados distinguem-se as despesas
meramente produtivas e as despesas retributivas. As meramente produtivas satisfazem
necessidades publicas ou privadas, criando utilidades. Por exemplo, serviços de polícia. As
despesas retributivas, além de criarem utilidades, criam capacidade de produção. No fundo,
são despesas em investimento em bens de capital duradouro, por exemplo, contrução de
estradas e pontes.
Quanto aos efeitos provados sobre o PIB, temos as despesas-compra e as
despesas-transferência. As despesas-compra são feitas na aquisição de bens e serviços,
criam rendimento e geram um aumento do PIB do período em que se inserem (ex.: despesas
com o vencimento dos funcionários). Quanto às despesas-transferência, estas limitam-se a
transferir poderes de compra e, por isso, não criam rendimento. Os beneficiários é que
criarão rendimento ao dispender do montante da transferência. São todas as prestações do
Estado sem contrapartida atual dos beneficiários - as subvenções públicas (reforma por
velhice, subsidios de desemprego), os reembolsos e concessões de empréstimos. Neste caso,
há tão-somente uma mudança de mãos dos rendimentos (já criados) - passa das mãos dos
contribuintes para a dos beneficiários. Estes beneficiários, ao comprarem bens, estarão a
criar rendimentos.

Vamos estudar as teorias explicativas da evolução da despesa pública.


A primeira parte de Adolph Wagner. Em 1890, Wagner enunciou a dita "Lei de
Wagner", também designada "Lei do aumento das despesas públicas", segundo a qual entre
os povos progressivos (as nações industrializadas) verifica-se um desenvolvimento regular
da atividade do Estado e das administrações locais. Trata-se de uma lei empírica, i.e., de
uma mera generalização a partir de um conjunto de factos observados por Wagner, não tem
sido ainda validada a geenralização dessa "lei" para todos os casos. Em termos imediatos,
podemos dizer que esse aumento das despesas publicas em maior proporção que as despesas
privadas decorre da expansão da atividade do Estado. Não poderia ser de outra maneira,
aliás, uma vez que as despesas do Estado apenas se justificam para financiar atividades do
Estado. Wagner notou que essa expansão era intensiva e extensiva - intensiva devido ao
aumento registado nas atividades já desenvolvidas (p.ex. aumentaram-se os gastos com a
defesa ou a polícia) e extensiva devido ao aumento da despesa com o desenvolvimento de
novas atividades. Há autores que consideram que esta lei de Wagner é impropriamente
considerada como "lei", porque não é um enunciado científico, mas sim uma constatação
empírica. Em suma, Wagner procura explicar o aumento da despesa publica considerando

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 16


que a industrialização dos vários países seria um fator preponderante para explicar esse
aumento, pois exigiria uma intervenção crescente por parte do Estado, quer para organizar
as atividades coletivas, quer também para fazer face aos serviços sociais e culturais e às
necessidades de financiamento das empresas.

O segundo grupo de autores que procura explicar a evolução da despesa pública é


Peacok e Wiseman. Estes associam o aumento da despesa pública aos efeitos das grandes
perturbações sociais vivenciadas. Eles, trabalhando sobre os dados da Grã-Bretanha
relativos ao anos de 1960-1995, produziram uma explicação que associa o aumento das
despesas aos efeitos das pertirabçoes sociais. Com estas surge necessidade de aumentar
muito as despesas publicas, designadaemte com o material bélico, a organização e
manutenção do exercito, etc, verificando-se a deslocação destas despesas para um nível
mais alto. Este é designado o "efeito-deslocação" das despesas. Para as financiar, é
necessário aumentar impostos. Acontece que o contexto de perturbação social quebra, no
entanto, a resistência dos contribuintes a esse aumento que, assim, pode ocorrer,
conseguindo-se aumentar a despesa pública. Os contribuintes não ficam, assim, tão
resignados e resistentes em pagar mais impostos em alturas de guerra. No entanto, finda a
perturbação social, as despesas públicas, embora registem algum decréscimo, não
regressam ao nível primitivo, ficando a um nível superior. Esta resistência da despesa em
descer até ao nível anterior (antes da convulsão) justifica-se por duas razões: por um lado,
pelo facto da resistência dos contribuintes ter sido já quebrada (através do aumento do
impostos na época perturbada); mas sobretudo, porque as perturbações sociais tornam os
governos e o povo mais conscientes das novas necessidades a satisfazer e já não concordam
com a diminuição da despesa destinada a corrigir certos aspetos dessas perturbações:
fala-se aqui de um "efeito-apreciação", que representa um aspeto sucessivo às perturbações
sociais do efeito-deslocação. Contudo, nem sempre as perturbações sociais se manifestaram
num aumento da despesa pública, como veremos no terceiro grupo de autores.
Num dos textos colocados no Inforestudante, Vito Tanzi e Ludger Schuknech
defendem que a evolução da despesa traduz a mudança na conceção do papel do Estado na
economia. Estes autores procedem, então, à análise sobre a evolução das despesas públicas
nos países industrializados, nas principais economias da Europa e, ainda, Austrália,
Canadá, Japão e EUA. Esta obra encontra-se dividida em algumas partes. A parte I analisa
o comportamento da despesa pública - o seu crescimento desde 1870 até à década de 90 do
século XX. Depois, numa 2ª parte, fazem uma análise qualitativa dessa despesa - analisam a
composição da despesa pública. Põem em relevo que, desde 1960, o crescimento dos gastos
do Estado é, em grande medida, absorvida pela expansão dos programas sociais (educação,
saúde e segurança social). O problema é que, a partir da década de 60, o crescimento das
receitas públicas não acompanhou a expansão das despesas, gerando dificuldades

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 17


financeiras que ficaram patentes no aumento dos défices orçamentais e da divida publica.
No final do seu estudo, chegaram à conclusão que o comportamento da despesa publica nao
foi determinado por forças inevitáveis, mas que se relaciona sim com uma mudança nas
perceções sobre o papel do Estado na economia.

* Séc. XX.-1870
Nesta fase, vigora uma conceção liberal do Estado mínimo. Até meados dos anos 70
do século XX, defendia-se a existência de um Estado mínimo, cuja atuação se deveria reduzir
à polícia, à defesa nacional e pouco mais. A despesa publica média dos países considerados
pelos autores em causa rondava os 10% do PIB. A maior parte das despesas são
despesas-compra, sendo as despesas mais represenatntiva aquelas realizadas em defesa,
seguidas das com educação e construção de infraestruturas.

* 1970 - 1ª Guerra
Este período é dominado de ideias liberais de autores clássicos e pela defesa
acérrima da política de "laissez faire". A despesa pública tem, neste período, um
crescimento lento. Cresceu mais ou menos 4%. Também se destaca nesta fase a influencia do
pensamentro marxista e a inserção da função redistribuição como uma das funções
estaduais típicas/normais. Daí que se observe na Alemanha, no final do séc XX, o primeiro
sistema de segurança social instituído. A corrida ao armamento pré-1ª Guerra leva ao
aumento considerável das despesas militares em países como a Alemanha, a Austria, França
e o Reino Unido. Trata-se de despesas publicas associadas, em grande medida, à guerra.
Ainda assim, a subida média da despesa publica é bastante ligeira se considerarmos que se
tratou de uma época marcada por obras públicas de fundo ligadas à industrialização (p.ex:
os caminhos de ferro). Esta pouca expressão do aumento da despesa parece desmentir a lei
de Wagner.

* Período entre Guerras


O crescimento da despesa pública acentua-se aqui, à medida que emergem novas
conceções sobre o papel do Estado, que muito devem à influência de Keynes. Estas ideias de
Keynes vão-se propagando. Verifica-se um aumento acentudado da despesa publcia a partir
da década de 30 do século XX. Surge precisamente nesta altura a função de estabilização
economcia como funçao do Estado. Com a Grande Depressão, as ideias de Keynes foram
postas em prática. Esta época ficou conhecida pelo "New Deal Americano" e pelo
aparecimento de sistemas rudimentares de segurança social. Nesta altura, o nível médio de
despesa pública duplica em relação a 1913.

* Período entre o fim da 2ª Guerra Mundial e os anos 60 do séc XX

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 18


É fundalmente a partir da 2ª Guerra e, mais especificamente, entre 60 e 80, que se
observa um período de maior crescimento em que os gastos do Estado disparam, de 28% do
PIB para 42% do PIB. Isto deve-se à influencia crescente da Teoria Geral de Keynes, do
desenvolvimento da teoria dos bens públicos e do conceito de externalidade, do
aparecimento em 59 de uma obra célebre do autor Musgrave (onde se defende o papel de
afetação de recursos estabilizador e redistributivo do Estado, explicando com entusiasmo e
confiança a intervenção crescente do Estado na economia). É também de notar que, nesta
época, muitos dos direitos a prestações sociais passam a ter consagração constitucional,
como o direito à habitação, à segurança socaial, à educação grtuita. O aumento da despesa
surge fortemente incentivado pelo pensamento económico. Por um lado, surgem estudos
sobre avaliação e análise da despesa pública. Por outro lado, não se apontam
consequencias economicas negativas ao aumento da carga fiscal. Contudo, com o aumento
da despesa pública, surgem os "lobbies" económicos ou políticos para realização de
determinadas despesas (certas obras levadas a cabo por interesses dos próprios
emprenteiros). Como se compreende a atuação do Estado? De forma ingénua e otimista -
entendia-se que o Estado visava especialmente promover o bem-estar social e não o próprio.
Também se entendia que as decisões políticas seriam reversíveis (os funcionários públicos
poderiam ser despedidos, p.ex.) e os governantes teriam uma versão correta e completa do
funcionamento da economia. O crescimento rápido da despesa pública foi então justificado
por uma defesa da necessidade de maior intervenção do Estado nas economias capitalistas
para estabilização económica através de políticas anti-cíclicas (p.ex.: aumentando o
investimento público em altura de recessão; controlando a inflação em alturas de expansão)
e redistribuição e redução de riscos através de políticas sociais (p.ex.: evitar o desemprego
através de políticas de educação adequadas), mas também promoção do crescimento
económico através do investimento público e da planificação estadual na economia e, mais
recentemente, através de políticas de proteção do ambiente. Apesar de neste período se viver
um período de paz relativa, o facto é que a despesa públcia aumentou de um modo sem
precedentes, especialmente entre os anos 60 e 80 (de 28% para 42% do PIB). O que
acabámos de dizer destrói a análise de Peacock e Wiseman - as perturbações sociais foram
muito maiores na primeira metade do século e entre os anos 60 e 80 a maioria dos países
não estava envolvido em nenhum esforço de guerra, não houve qualquer depressão e até
mesmo a evolução demográfica foi fiscalmente favorável - no entanto, a subida da despesa
foi muito mais acentuada na segudna metade do século que na primeira. Esta subida reflete,
então, uma mudança de perceção acerca da atuação do Estado, de acordo com a defesa de
políticas keynesianas e de acordo com a ideia difundida que o Estado era o agente mais
eficiente na afetação de recursos e na sua redistribuição e, bem assim, na estabilização da
economia. Deve notar-se que o grande aumento da despesa pública foi, neste período, feito
sobretudo à custa do aumento das designadas despesas de transferênca e esse aumento tem

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 19


por base a decisão política de criação de novos programas de auxílio social ou o
alargamento dos programas já existentes a novos beneficiários. Este período corresponde
efetivamente ao da implantação do modelo do Estado Social.

* Período das décadas de 60 a 80:


Na década de 70, começam a surgir os sinais visíveis de uma nova atitude face ao
Estado - cria-se um certo ceticismo que vai crescendo ao longo da década de 80.
Os economistas monetaristas (=/ keynesianos) começaram uma crítica aos
mecanismos keynesianos de estabilização, defendendo que a estabilidade económico se
atinge com o controlo da quantidade de moeda em circulação e não com políticas de
redistribuição. Também nesta altura se faz uma crítica ao chamado "desvio de recursos" do
setor privado para o público, porque a cobrança de impostos implica que cada euro público
se traduza numa redução da capacidade de consumo e investimento do setor privado --» o
que se torna problema se se considerar novamente que o Estado é um esbanjador (como já
achavam os clássicos) e que não cuida convenientemente dos seus recursos.
Este ceticismo tem, ainda, outra vertente relacionada com a preocupação dos efeitos
do desincentivo da pressão fiscal sobre o trabalho, a poupança e a iniciativa. Há autores que
argumentam que a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e sobre a poupança
desincentivam o trabalho e a poupança, afetando a iniciativa privada.
Por fim, a última crítica diz-nos que a análise do processo político permite perceber
que grande parte da despesa não tem como destino a satisfação de necessidades coletivas
mas é orientada para a satisfação de interesses especiais (de uma categoria) - os chamados
lobbies. Os mandatos de Margaret Tatcher puseram em prática esta defesa da redução do
papel do Estado na economia, mas a verdade é que é difícil fazer essa redução,
especialmente por dois motivos: porque há compromissos assumidos já com o passado (ex.:
as reformas a pagamento não podem ser reduzidas sem violação do princípio da confiança)
e porque há uma forma resistência por parte dos grupos beneficiários de despesa estadual
(ex.: os subsídios atribuídos aos agricultores - um passo dado à frente que é difícil recuar).

* Período entre 80 e 96:


Regan e Margaret Tatcher iniciam uma série de reformas tendo em vista a redução
do papel do Estado e são seguidas por muitos países da OCDE. Embora a despesa pública
continuasse a crescer neste período, o ritmo de aumento desse crescimento abranda.

* Período de 96 até à atualidade (texto do inforestudante - a análise vai até 2002)


A análise dos vários países feita por estes autores mostra que a despesa pública
tende a diminuir (pg 15 e ss) - estes países estudados são divididos por categorias definidas
de acordo com o timing em que conseguem atingir o propósito de diminuir a despesa público

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e de acordo com os esforços necessários para tal. Portugal faz parte de uma pequena
categoria de países, nos quais as despesas primárias atingiram o seu limite em 2002 (tal
como o Japão e a Grécia) - esta categoria foi designado dos países "não reformadores".
Em relação ao período de 2005 até à atualidade, este não está contemplado na
análise destes autores. Decréscimo da despesa pública, embora com algumas oscilações.
Percebe-se que em PT o nível mais baixo de despesa pública foi atingido no ano de 2007,
que ascendeu a 44.5% do PIB. Por sua vez, o valor mais elevado ocorreu nos anos de 2010 e
2014 com os valores idênticos de 51.8% do PIB.

Vamos estudar três teorias explicativas da evolução da despesa pública: Wagner,


Peacock e Wiseman, Tanzi e Schuknecht.

O comportamento da despesa pública ao longo dos tempos tem vindo a ser estudado
por vários autores. O primeiro autor, que em finais do século XIX, se dedicou ao estudo da
despesa publica e tentou encontrar uma justificação para o comportamento da despesa
publica, não só justificando o seu crescimento intensivo, mas também as alterações no tipo de
despesa, foi Adolph Wagner em 1890. Este autor constatou que, no período pós-revolução
industrial, se deu o aumento não só da indústria da manufatura, mas também dos transportes
e dos serviços de comunicação, da energia e dos serviços de tratamento do lixo, sendo os
Estados apontados como as entidades que melhor poderiam forncer estes serviços.
Adolph Wagner sustenta, então, que nas sociedades industrializadas se verifica uma
tendencia para o aumento qualitativo e quantitativo da despesa publica, justificando-se este
aumento diretamente pela industrialização e pelas consequências decorrentes dessa mesma
industrialização. Esta teoria viria a ser fortemente criticada pela generalidade dos autores,
por se tratar não de uma lei com validade científica, mas de uma mera constatação empírica,
porque Wagner se limitou a discorrer sobre os dados que recolheu, não tendo
verdadeiramente avançado com uma justificação.

Em 1961, Peacock e Wiseman introduziram uma nova explicação, partindo, desde


logo, do pressuposto que a despesa pública se encontra limitada pela capacidade que os
cidadãos têm de pagar impostos. Entendem que existe uma resistência natural quer ao
pagamento, quer ao aumento dos impostos. O aumento da despesa publica é justificado por
dois efeitos: o efeito-deslocação, também designado por "displacement effect", e pelo
efeito-apreciação "inspection effect". O fundamental nesta teoria é o facto das decisões
relativas à despesa pública são decisões políticas e, por isso, são condicionadas pela opinião
pública, mas também que essas pressões são razoáveis. O aumento da despesa pública ocorre,
não de forma ciclica ou contínua, sendo antes provocado ou despoletado por fenómenos de
convulsão social (guerras ou crises graves). Perante a ameça de uma guerra, os Estados

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 21


tendem a aumentar a despesa pública em armamento e outros meios de defesa. Como se trata
de somas muito avultadas, em regra, é necessário aumentar os impostos. E os particulares,
apesar de habitualmente se oporem ao aumento dos impostos, não o fazem nestas situações
porque estão conscientes da importância que esta despesa pública tem. Nestas situações, a
despesa publica aumenta, deslocando-se para montantes superiores aos momentos de paz.
Finda a convulsão, é de esperar que a despesa pública se reduza, sendo até pensável que volte
aos valores anteriores aos da guerra. Mas não é isso que acontece, porque apesar de descer, a
despesa não retorna ao valor anterior, fixando-se, antes, num patamar intermédio. Isto
acontece por duas razões: primeiro, a resistência dos contribuintes já foi quebrada (já se
acostumaram a níveis de impostos mais elevados); em segundo lugar, porque os
contribuintes tomaram consciência da existência de necessidades que, até então,
desconheciam ou até consideradas pouco relevantes, mas que a convulsão tornou evidentes.
Este efeito é designado "efeito-apreciação". Esta teoria é relativamente simples.

Tanzic e Schuknecht não põem em causa a teoria anterior. Analisam a despesa


publica a partir de 1870 e também eles concluem de que há um fenómeno generalizado de
aumento da despesa publica e que este aumento se verifica independentemente da existencia
de divergencias institucionais, geográficas ou linguísticas entre os vários países. Concluem
ainda que o crescimento da despesa pública é percentualmente maior até 1980 e, que a partir
daí, o crescimento da despesa publica tende a ser menor.
Eles dividem o seu estudo em seis períodos: entre 1970 e a 1ª Guerra Mundial; o
período entre Guerras; o período entre o fim da 2ª Guerra Mundial e a década de 60; década
de 60 a 80; de 80 a 90; por fim, a atualidade (2005).

* Primeiro periodo. No século XIX, teoria economica dominante era a teoria liberal,
em que ao Estado eram reconhecidas funções económicas mínimas e limitadas. Por essa
razão, a despesa publcia situa-se a níveis muito baixos e apenas em alguns países como a
Suiça, a Itália ou a Austrália se afastavam consideravelmente os 10% do PIB, atingindo 20%.
Note-se que não se reconhecia ao Estado qualquer função de provisão publica de bens para
além de julgar e combater. Com funções tao reduzidas e com a predominância do poder do
mercado, seria de esperar que a despesa publica fosse tao baixa. No período pré-Primeira
Guerra Mundial, a tensão levaria ao aumento das despesas militares e de guerra,
verificando-se já nesse periodo um ligeiro aumento da despesa publica.

* Segundo período. Com o fim da 1ª Guerra Mundial, surge também uma alteração
significativa na teoria economica. A guerra tinha deixado a descoberto algumas necessidades
que até entao nao eram visiveis, mas mais do que isso, tinha tornado evidente a necessidade
de intervençao publica em dominios relacionados com a proteção dos mais desfavorecidos.

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 22


Constata-se que por volta do ano de 1920 a generalidade dos paises envolvidos na Guerra
tinha implementado sistemas de proteção social que, embora rudimentares, constituíam já
uma clara ideia da necessidade de intervençao publica nesse domínio. Esta necessidade foi
tornada clara por se tratar de pessoas que ficaram privadas de rendimento em virtude da
Guerra. Tratam-se de situações em que a justificação encontra apoio na perda de vidas e de
capacidade para gerar rendimento e que o mercado não consegue resolver. Neste período,
assiste-se ainda à publicação do livro de Keynes, em que é defendida a necessidade e a
bondade da intervenção publica em muitos domínios. A publicação desta obra aliada à
Grande Depressão levaria ao aumento da despesa pública. São exemplo desta despesa
publica as políticas do New Deal fortemente direcionadas para a ajuda às familias e para a
criação de emprego, a que surgem aliadas também, a partir de meados da decada de 30, as
despesas militares e de guerra por necessidade de prevenção contra as ameaças da Alemanha.
A despesa publica sobe, então, em finais deste período para valores acima dos 20% e, em
alguns casos, acima dos 30% do PIB. E pode já apreciar-se, não só esta alteração quantitativa,
mas também uma alteração qualitativa por terem aumentado as despesas com segurança
social e saúde.

* Terceiro peíodo: no período entre guerras assistiu-se, como já referimos, ao fim da


teoria do "laissez-faire". Aos poucos, começaram a ser implementadas políticas económicas
baseadas na ideia defendida por Keynes: que a despesa pública e a intervenção publica na
economia, não só não eram prejudiciais, como eram capazes de gerar efeitos positivos ao
nível do crescimento económico da diminuição da taxa de desemprego e do controlo da
inflação. Assiste-se, então, a um período de rápido e acentuado crescimento da despesa
pública, representando as despesas com efeito redistributivo uma parcela cada vez maior da
despesa pública. Os efeitos expansionistas da despesa tornam-se, então, evidentes. A
produção de bens públicos cresce e a análise custo-benefício torna-se uma constante no apoio
das decisões de despesa pública. Em termos de política fiscal, sente-se uma pressão no
sentido do aumento da receita pública, tornando evidente a necessidade de aumento e
diversificação das fontes de receita. Não se estranha, por isso, que comecemos a encontrar
um pouco por toda a Europa uma diversidade muito grande de impostos e a tentativa de
criação de impostos progressivos com um duplo objetivo: o financiamento da despesa e
diminuição das desigualdades.

* Quarto período: na década de 80, atingiu-se na generalidade dos países um nível de


despesa muito elevado, o que é explicado por alterações ao nível da configuração da despesa.
Aumentam as despesas com educação, mas também com saúde, pensões e outros programas
de transferência de rendimentos, isto é, assiste-se a uma generalização por todos os paises da
Europa das politicas de segurança social, sejam elas redistributivas ou não. Em alguns casos,

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 23


as políticas de saúde são enquadradas dentro das políticas de Sgurança Social. Em Portugal,
só em 76-77 é criado o SNS, consagrado ao abrigo da CRP 1976. A década de 80 é
hbaitualmente designada como a década dourada da despesa pública: isto porque, em muitos
países, se atingiram niveis elevadíssimos de despesa, como na Bélgica em que a despesa
pública chegou aos 60%, Dinamarca, Holanda ou Suécia.

* Quinto período: fim a década de 80 e até ao final da década de 90, continuamos a


assistir a um aumento da despesa publica. Mas com a mudança de século, esta realidade
mudou, tendo também sido alterada a forma como os Estados entendem a despesa pública e a
forma como os economistas vêm os efeitos da despesa pública.

* Sexto período: no início do século XXI, começamos então a assistir à


implementação de reformas mais ou menos ambiciosas e mais ou menos ceródeas para
controlo e limitação da despesa pública, sendo então possível dividir os países em vários
grupos, consoante o maior ou menor grau de contenção na despesa, e se se trata ou não de
reformistas precoces. Neste período há alguns países que são considerados não-reformistas
(Portugal, Grécia, Japão). Foi nesta época que as teorias Keynesianas e os efeitos da despesa
pública começaram a ser questionados. As análises a médio-prazo parecem demonstrar que
os efeitos da despesa pública no comportamento do desemprego a médio-prazo não são os
esperados. E quando os cortes na despesa pública são drásticos e elevados, os efeitos são, por
vezes, contrários ao esperado. É também por esta altura que começam a ser postas em causa
as posições que sustentam o sistema fiscal progressivo, tendência esta que ainda hoje se
verifica. Ao mesmo tempo, começa também a ser questionada a Justiça e a Equidade
decorrentes da intervenção pública na economia e ressurgem, um pouco por todo o lado, as
correntes neo-liberais, sustentando-se a necessidade e as vantagens da diminuição da
intervenção pública na economia, quer esta intervenção seja feita de modo direto através da
provisão pública de bens ou de modo indireto através de políticas não financeiras mas com
forte impacto a nível financeiro.

Em modo conclusivo, pode então dizer-se que a evolução da despesa publica desde
1970 até à atulidade decorre de estar fortemente ligada às teorias económicas sobre o papel
do Estado na economia e aos efeitos que a intervenção pública com impacto económico
possa originar. Para além disso, na UE a despesa pública encontra-se atualmente muito
limitada pelas disposições do Direito da União que impõem que o défice orçamental se situe
dentro de determinados limites.

5. Orçamento de Estado

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Interessa saber as origens do instituto, os desenvolvimentos que ao longo dos séculos
foram moldando a própria configuração do Orçamento de Estado. Bibliografia recomendada
pelo Dr. Felipe: pg. 115-140 e pg. 341 e 345 - obra do Dr Franco. Esta matéria não é
questionada em avaliação escrita.

Grécia e Roma. Sendo bastante controversa a identificação nessas civilizações de um


instituto orçamental, a verdade é que podemos já deslumbrar alguma organização na
atividade financeira dessas civilizações, embora muito rudimentar. Por exemplo, a
organização na tributação. Tanto na Antiguidade Clássica como na Idade Média, os tributos
desconsideravam a capacidade económica dos indivíduos (impostos por cabeça), o que hoje
nos parece absurdo já que hoje temos o princípio da capacidade contributiva.
Na Grécia surgiu uma das primeiras obras escritas da Humanidade, de autor
Xenofonte, com assuntos fiscais e orçamentais. Chegaram-nos também obras de Platão e
Aristóteles com temas relacionados com as Finanças. Já em Roma, podemos também
assinalar alguns marcos importantes para as Finanças: o Senado romano passou a ter a
competência para aprovar determinados gastos e autorizar a cobrança de alguns impostos;
apesar disso, nunca existiu um documento organizado e unitário similar a um orçamento de
Estado que previsse receitas e despesas; além disso, a expansão do império romano implicou
alguma organização financeira; mas, na verdade, a principal contribuição destas civilizações
foi o aprimoramento do Direito - o aprimoramento das ideias de Justiça.

É na Idade Média que muitos autores identificam algumas origens do Orçamento.


Um dos primeiros pontos é a indiferenciação entre as instituições públicas e as instituições
privadas - isto é, tanto o Rei, como a Igreja e os nobres podiam cobrar impostos. Nessa época,
ao nível financeiro, podemos identificar Estados e Reinos patrimonalistas, em que as receitas
dos Reis se misturavam com as receitas tributárias - indiferenciação entre as Finanças
Públicas e as Finanças Privadas dos Reis.
Além disso, nem toda a gente pagava impostos - essa realidade dependia da condição
social.
No século XII, as receitas financeiras dos monarcas atingiram níveis muito elevados,
devido aos gastos pessoais e militares. Por outro lado, a burguesia já tirava bons lucros da sua
atividade comercial. Quando os monarcas deram conta que o património financeiro do Reino
já nao era suficiente, eles voltaram-se para a Burguesia, de quem vão tentar tirar recursos em
troca de proteção, cobrando receitas extraordinárias (de modo a financiar as depesas pessoas
do Rei como as despesas militares do Reino).
Temos provavelmente o 1º momento da história em que as condiçoes da economia
local e nacional passam a ser verdadeiramente importantes para o monarca. Antes disso, a

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 25


atividade economica nao tinha relevo quase nenhum. Nesta época, verifica-se alguma
constestaçao popular contra as medidas arbitrárias que se faziam sentir a nível financeiro.
Esta contestação popular teve consequências. Na medida em que a burguesia ganhava poder
económico, ganhava influência política - passa a ocupar postos nas Cortes e trata também de
proteger os seus próprios interesses. É assim, portanto, que as Cortes passam a ter
competência para autorizar a cobrança de impostos e, enfim, autorizar a cobrança de receitas
extraordinárias (a par dos impostos). Foi nas Cortes de Leiria de 1254, durante a Idade
Média, que começou a debater-se a alta imposiçao tributária. Na consequência, nas Cortes de
Coimbra de 1261, reconheceu-se que o lançamento dos impostos não era uma prerrogativa
divina, mas sim uma conceção do povo, do país.
Ainda assim, nesses Estados +atrimonalistas, os impsotos tinham uma natireza
exccecional. pelo menos, no principio assim foi. com o passar do tempo, os tributos
acabaram por se tronar comuns. e ao lado das receiats patrimonaiais, os tributos passaram a
ser os recirsos expostos ao discpor do Rei. Por outro lado, nao existia uma necessidade de
autorização para despesas.
Ao nível literário, as obras de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino
influenciaram a teorização das Finanças Públicas.

Com o advento do absolutismo, verificou-se um retrocesso. Com a centralização do


poder real, as Cortes perderam a importância que ao longo da Idade Média tinham
conseguido alcançar. Ao longo do absolutismo monárquico, apesar da desvinculação do
monarca das conceções legais, a fim de se favorecer a gestão do património, passou a
verificar-se uma necessidade de se enquadar a atividade financeira do Estado numa
organização própria para o efeito. Foi nos reinados de D. Jose I e de D. Maria I que se
começou a modernizar a administraçao financeira em Portugal - criação do Erário Régio,
responsável por gerir o património, que era prejudicado com a dispersão da cobrança de
impostos.

O Liberalismo Político e Época das Revoluções Liberais veio romper com os


preceitos e valores em que assentava o absolutismo monárquico. É aqui que identificamos
claramente a origem da conceção moderna do Orçamento de Estado, principalmente em
Inglaterra. O elemento característico do moderno OE é a autorização política - é mais do que
um registo de receitas e despesa; é um registo que tem de ser autorizado, em última instância,
pelo povo. Sendo a propriedade um dos valores fundamentais do liberalismo, os indivíduos
tinham que se "proteger" dos tributos que incidiam sobre os seus bens patrimoniais. Daí que
se tenha afirmado, no "Bill of Rights" em 1789, "Sem representação, sem tributação" - passa
a ter de haver, portanto, um consentimento representativo para os impostos puderem ser
criados. Em 1791, foi proclamada a "Declaração Universal dos Direitos do Homem", que nos

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seus artigos 13º, 14º e 15º se refere a matérias fiscais e tributárias.
Já ao longo do séc XIX, essa instituição orçamental é irradiada pela generalidade das
democracias, designadamente em Portugal.
Acontece que não é só ao nivel orçamental que o liberalismo vem trazer mudanças à
atividade financeira dos Estados. Os impostos afirmam-se como a principal fonte de receitas
públicas (enquanto na Idade Média, eram as receitas patrimoniais). Consagrou-se a exigência
de orçamentos pequenos e equilibrados, pois não havendo receitas altas, também não se
podia colocar despesas elevadas,
Este é o plano geral do OE. Mas e a evolução da instituição portuguesa?

A 1ª Constituição Portuguesa é de 1822, resultado da Revolução de 1820, adepta do


liberalismo político que teve origem em Inglaterra, e assenta numa clara separação de
poderes (com o centro no poder legislativo). Como tal, este documento afirma em Portugal a
instituição orçamental com as ideias de autorização política (emanada do poder legislativo) e
de conformação legal da Administração. Antes de 1822, a administração das finanças
nacionais era feita discricionariamente como um mero registo de receitas (prevê as receitas)
e despesas (fixa as despesas), sem qualquer valor de autorização política.
As disposições desta Constituição mantiveram-se quase inalteráveis até 1911
(exceção na Carta Constitucional - onde foi criado o poder moderador). Com a Constituição
de 1933, fundacional do Estado Novo, há uma alteração significativa na instituição
orçamental. Com um caráter anti-parlamentar, a concentração de poderes orçamentais e
financeiros no Governo representa um retrocesso claro e esvazia muito a competência
legislativa parlamentar (ataca-se a ideia de representação popular e a ideia de autorização
política para o OE). Para esta mudança, teve um papel fundamental o chefe de Governo,
António Salazar, ainda como professor da Faculdade de Direito e Ministro das Finanças.
Na CRP de 1976, consequência da Revolução de 1975, manteve-se o sistema
tributário dualista (o que não acontece hoje) enquanto esteve em vigor a versão oiginária da
Constituição. No entanto, houve algumas mudanças significativas: o Parlamento voltou a
ganhar importância (o OE podia ser alvo de um controlo mais efetivo pelo Parlamento); a Lei
de Meios passou a ter um conteúdo mais efetivo e claro (modo de limitação dos poderes do
Governo); estabelecimento de um regime intermédio entre o autoritarismo da Constituição
de 1933 e o parlamentarismo da Constituição de 1976. Mas isto só se manteve até à primeira
revisão constitucional até 1982: voltava a caber ao Parlamento a aprovação do OE (161º),
que passava a constar de uma única lei; enquanto o Governo tinha apenas a função de o
elaborar e executar - renascem assim os princípios da autorização política e da representação,
que tinham sido gravemente feridos como já vimos.

O OE é o documento onde se faz a previsão das receitas e das despesa anuais

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 27


competentemente autorizadas pela AR. O OE é sempre uma previsão, porque as despesas e
receitas que dele constam são futuras. Esta previsão é anual, daí a chamada regra da
anualidade orçamental - ou seja, o OE é feito para uma base anual, nos termos do art
106º/1/1ª regra CRP. Esta regra envolve uma dupla exigência - votação anual do OE pelo
Parlamento e uma execução anual do OE pelo Governo e AP. O período financeiro (a que
respeita o OE) é o ano civil (1 de janeiro a 31 de dezembro).
Quais as despesas e receitas contempladas no OE? Depende do OE em causa - de
gerência ou do exercício? O atual OE é o oraçmento de gerência - já o é desde a reforma da
contabilidade pública de 1930. O Orçamento de Gerência é aquele em que se prevêm as
receitas que o Estado irá pagar e as despesas que irá pagar durante o período financeiro e é
uma previsão de receitas e despesas na sua fase terminal (de cobranças e de pagamentos). O
Orçamento de Exercício é aquele onde se prevêm as receitas que o Estado irá cobrar e as
despesas que irá pagar em virtude dos créditos e dívidas que irão surgir a seu favor e contra
si durante o período financeiro. É uma previsão de receitas e despesas na sua fase inicial, de
créditos e de dívidas.
Ex 1: O Governo prevê fazer uma ponte (incorrer numa despesa), que demora 3 anos
a ser construída e custa 30 milhões de euros. Foi acordado entre o Estado e a construtora o
pagamento faseado da obra em 3 anos. No Orçamento de exercício de 2018 são registados
30 milhões, que é a despesa resultante da dívida a nascer para o Estado esse ano. Já no
Orçamento de Gerência de 2018, vão ser registados 10 milhões - o valor que efetivamente se
vai pagar.
Ex. 2: O Estado cria um imposto, pelo qual prevê arrecadar 100 milhões. No OE
exercício, vão ser registados 100 milhões. No de Gerência, colocava-se um valor
aproximado daquilo que efetivamente vão ser cobrado (80 milhões) - há sempre
incumpridores.
Assim, a diferença está entre o registo da despesa ou da receita que nasce nesse ano
e da despesa e receita que é efetivamente suportada/cobrada nesse ano. Os dois orçamentos
nunca coincidem. E a diferença tem muita relevância especialmente no caso das despesas
plurianuais - cuja efetivação se prolonga por período superior a um ano, o que é muito
comum nas obras públicas. O Orçamento de exercício permite-nos o confronto entre o
montante das dívidas e créditos que surgiram contra e a favor do Estado no período
financeiro - isto é, permite-nos verificar o equilíbrio entre o que se vai pagar e receber
(vantagem de elucidar sobre a situação financeira do Estado). O problema deste tipo de
Orçamento é que não nos diz qual será a situação dos cofres do Estado, situação essa que
depende da entrada e saída de dinheiro, das entradas e saídas em virtude da cobrança de
créditos e de pagamento de dívidas que nascem durante o ano e da cobrança de créditos e
pagamento de dívidas que nasceram durante os anos anteriores e que só naquele serão
satisfeitos. Estes três pontos acabam por constituir vantagens do Orçamento de Gerência,

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 28


pois sendo uma previsão das cobranças e dos pagamentos a fazer no período permite ao
governo regular a tesouraria do Estado, ajuizando acerca da adequação entre entradas e
saídas de caixa. Sendo preferível o Ogerência, inscrevem-se apenas os encargos a satisfazer
no próprio ano, pelo que, tratando-se de despesas plurianuais, inscreve-se em cada
orçamento apenas os encargos a satisfazer no próprio ano. Em cada ano prevê as receitas
que vai obter efetivamente e as despesas que vai ter efetivamente. O inconveniente do
orçamento de gerência é que não permite a perfeita noção de quem foi verdadeiro
responsável da despesa - já o de exercício permite descobrir o responsável.

O Orçamento é diferente da conta. De uma forma muito simplista, no Orçamento


estipula quanto se gastará e receberá (reflete o futuro) = previsão. É diferente da Conta -
visa perceber quanto se gastou ou percebou (reflete no passado) = efetivação. O Orçamento
também é diferente do balanço - este é um retrato de uma situação patrimonial existente
(confronto entre o ativo e o passivo de um património em cada momento). As receitas e as
despesas do Orçamento são diferentes das do ativo e do passivo do Balanço (este trata-se da
efetivação de dados existentes no momento).

Noção de orçamento: O artigo 19º do Regumento de Contabilidade Pública de 31 de


agosto de 1881 diz que "o orçamento geral do Estado é o documento onde estão previstas e
computadas as receitas e as despesas anuais competentemente autorizadas". Esta noção de
OE, embora muito antiga, consegue ainda hoje responder a todas as questões relacionadas
com o Orçamento. Atualmente, esta noção encontra apoio nos artigos 105º a 107º da
Constituição e na Lei de Enquadramento Orçamental, lei esta aprovada em anexo à Lei nº
151/2015 de 11 de setembro e cujas disposições apenas entrarão plenamente em vigor a
12/9/2018 e, por essa razão, temos de considerar ainda a habitualmente designada de "Velha
L.E.O", aprovada pela Lei nº 91/2001 e já diversas vezes alterada.
O OE surge como o reflexo do Estado de Direito democrático e, por isso, tem também
um significado jurídico-político. Atualmente, é necessário considerar ainda que a elaboração
e execução do Orçamento, desde a entrada em vigor do Tratado de Maastricht que Portugal e
os demais Estados-membros da União, sejam ou não Estados-Membros pertencentes à zona
euro, ficam obrigados a observar algumas disposições dos Tratados da União Europeia, de
outras fontes normativas de Direito da UE (como sejam as diretivas e os regulamentos) ou
outras fontes de Direito Internacional (como o designado Tratado Orçamental), sem esquecer
as decisões em matéria orçamental tomadas pelos tribunais da UE.
O Orçamento delimita o quadro geral básico de toda a atividade estadual e permite
determinar as fontes de financiamento e o destino básico aos dinheiros públicos.
Habitualmente, diz-se que o OE é composto por três elementos (não referidos deste modo no
Dr Teixeira Ribeiro):

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 29


1. Elemento económico;
2. Elemento político;
3. Elemento jurídico.

Pelo elemento económico, o OE é um conjunto normativo que estabelece as fontes de


receita e as despesas estaduais para um determinado período, isto é, trata-se de uma previsão,
com caráter de vinculatividade, do plano financeiro do Estado.
Pelo elemento político, o OE é a autorização política do plano ou projeto de gestão
estadual, revelando a especifica relação de subordinação do executivo (Governo) ao
legislativo (Parlamento) e que se materializa numa relação suprainfraordenação ao longo de
todo o processo orçamental. Há fases de competência exclusiva: p.ex.: a proposta de OE pelo
Governo; a aprovação do OE pela AR - dependendo da fase, quem tem a preponderância é
um dos poderes (veremos mais à frente).
Pelo elemento jurídico, o OE é o instrumento pelo qual se processa a limitação dos
poderes dos orgãos de Estado no domínio financeiro, ficando também aqui subordinado à
observação do princípio da legalidade, que assume um especial relevo na fase da execução do
Orçamento. Ao aprovarem o Orçamento geral do Estado, as Assembleias representativas
autorizam o poder executivo a executar o Orçamento através dos seus organismos,
procedendo à cobrança de receitas e à realização de pagamento das despesas; mas, ao mesmo
tempo, limita os poderes financeiros do executivo.
Em jeito de síntese, podemos então definir o OE como um documento onde se
prevêem as receitas e as despesas públicas autorizadas para um dado período financeiro, o
designado "período orçamental". Este período de vigência da Lei do Orçamento coincide, na
generalidade dos países, com o ano civil, iniciando-se a 1 de janeiro e terminado a 31 de
dezembro, embora possamos encontrar em alguns países períodos orçamentais diversos
(como no Reino Unido e a Dinamarca, onde os períodos orçamentais começam em junho).
Fala-se, a este propósito, em regra ou princípio da "anualidade orçamental", que
atualmente se encontra previsto no art. 14º da LEO (a 151/2015). Esta regra não impede,
porém, que existam despesas plurianuais. Temos estado a dizer que no OE encontramos
previstas as receitas e as despesas, mas podem ser usados dois modelos distintos de
contabilização, que vão fazer variar as receitas e as despesas que nele vamos encontrar.
Estamos a referir-nos ao Orçamento de Gerência e ao Orçamento do Exercício - distinção
baseada em critérios estritamente jurídicos.
O Orçamento da Gerência é aquele em que se prevêm as receitas que o Estado irá
cobrar e as despesas que irá pagar durante o período financeiro. Trata-se, portanto, da
previsão de receitas e despesas na sua fase terminal. Isto é, cobranças e pagamentos.
No Orçamento do Exercício, encontram-se previstas as receitas e as despesas que o
Estado irá pagar naquele período em virtude dos créditos e dos débitos que irão surgir a

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 30


seu favor e contra si durante o período financeiro. As receitas e as despesas são previstas no
Orçamento tendo em consideração o período económico em que nasce, a favor do Estado,
crédito, e o momento em que nasce o dever de pagamento. Vejamos o exemplo:

Encontra-se inscrita no OE para 2018 uma verba de 1 milhão de euros destinada ao


financiamento da 1ª fase de construção de uma infraestrutura rodoviária. Prevê-se que seja
possível iniciar a construção em 1 de março de 2018 e que esta fase esteja concluída no dia
31 de outubro de 2020. No respetivo caderno de encargos e no contrato encontra-se previsto
o pagamento faseado desta intervenção do seguinte modo:
 40% no início das obras, ou seja, dia 1 de março de 2018;
 10% com a conclusão de 1/6 da obra que ocorrerá dia 30 de novembro de 2018;
 30% do valor com a conclusão de metade da obra que se prevê que ocorra no dia 31
de agosto de 2019;
 e os restantes 20% com a conclusão da obra, ou seja, dia 31 de outubro de 2020.

No Orçamento de Gerência de 2018 deve, então, inscrever-se o valor que terá de ser
pago pelo Estado naquele ano, ou seja, 50% do valor global (os 40% + os 10%) = 500.000€.
No Orçamento do Exercício de 2018 deve ser inscrito o valor global do débito que
nasceu naquele ano, ou seja, 1.000.000€.

No Orçamento de Gerência 2019 serão inscritos os 300.000€ e no de 2020 os


restantes 200.000€.
Já no Orçamento do Exercício de 2019 e 2020 não têm de ser inscritos quaisquer
valores.

O Orçamento do Exercício permite-nos o confronto entre o montante dos créditos e


das dívidas que vão surgir a favor e contra o Estado durante o período financeiro. Isto é,
permite-nos saber se as verbas de que o Estado se vai tornar credor são ou não suficientes
para cobrir os encargos por si assumidos.
Todavia, as receitas nem sempre são cobradas no momento em que o crédito nasce,
nem as despesas são pagas na sua totalidade no momento em que são assumidas. Deste modo,
o Orçamento do Exercício não nos permite determinar se num dado período financeiro existe
dinheiro suficiente para cobrir as despesas que é necessário pagar nesse mesmo período. Esta
falha é colmatada com o Orçamento da Gerência, porque ao ser uma previsão de cobranças e
pagamentos permite ao Estado saber em cada ano se existe dinheiro suficiente para pagar as
despesas que têm de ser pagas nesse mesmo ano.
Em Portugal, desde 1981, que se optou pelo Orçamento de Gerência, embora
mitigado pelo período complementar do ano económico. Parte desatualizada no Dr. Teixeira

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 31


Ribeiro - o período complementar do ano económico é um período fixado em cada ano no DL
de execução orçamental, que permite que seja efetuado o pagamento de despesas que tenham
sido autorizadas dentro do período financeiro num período que vai para além de 31 de
dezembro do ano em causa. Normalmente, este período termina a 15 de janeiro - depende de
vários fatores, nomeadamente os meios de pagamento.

O OE distingue-se de figuras afins. Uma das figuras é a designada "Conta do Estado".


Esta é um registo da execução orçamental (e não uma previsão) e permite-nos saber como foi
executado o OE. Também se encontra registada na Conta toda a atividade financeira estadual
do ano a que respeita. Mas, ao invés de uma previsão, temos uma concretização ou efetivação.
A Conta consitui o principal documento de prestação de contas.
O Orçamento distingue-se, ainda, do Balanço. Este é um mapa contabilístico que
permite ter acesso a uma avaliação do ativo e do passivo do Estado num determinado
momento. Não existe aqui qualquer previsão, porque diz respeito a um momento estático.
Para além disso, as rubricas que encontramos no ativo e no passivo do Balanço não são
passíveis de serem reconduzidas à categoria de Receitas e de Despesas - a correspondência
não é exata. Pensemos, por exemplo, no património do Estado - é um ativo, mas não é uma
receita ou despesa.

5.1. Funções do Orçamento

O OE cumpre três funções:


 Relacionação das receitas e das despeas;
 Fixação das despesas;
 Exposição de plano financeiro.

Quanto à primeira função, o Estado tem de orçar as suas despesas e receitas a fim de
assegurar que as receitas bastam para cobrir as despesas.
A fixação das despesas traduz-se: se as receitas têm de cobrir as despesas, tem de se
determinar/fixar o montante das despesas. O total das despesas é o somatório de todas as
despesas de todos os serviços do Estado (ex.: Proteção Civil, SNS). A cada um destes
serviços são atribuídos valores, valores que podem ser gastos como despesas - cada serviço
tem autorização para gastar até x e, por isso, se chamam créditos. Assim, o Orçamento das
despesas é uma série de aberturas de créditos aos serviços. Os serviços têm, então, de
confinar as suas despesas aos créditos que lhes foram atribuídos (não podendo ultrapassar
esse montante). Isto mostra que a previsão das receitas não tem o mesmo significado que a
previsão das despesas. Isto porque o Orçamento das Receitas é, e tem de ser, uma mera
estimativa, uma previsão o mais próxima da realidade possível. Mas as cobranças são

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 32


semrpe incertas. Já o Orçamento da Despesa prevê verbas, cujo montante os serviços não
podem ultrapassar.
Quando se tem um Orçamento de Exercício, os créditos orçamentais são
autorizações de contrair dívidas durante o período financeiro e de fazer pagamentos
durante este período e durante os períodos seguintes. Qaudno se tem um Orçamento de
Gerência, os créditos orçamentais são autorizações para se fazer pagamentos durante o
período e também autorizações de contrair dívidas a pagar no próprio período.
Quanto à última função - com a previsão das despesas fica a saber-se quanto se
propõe dispender com a organização e funcionamento de cada um dos serviços e com a
previsão das receitas fica a saber-se qual o contributo de cada um dos meios de
financiamento. O Orçamento é o próprio plano/programa financeiro anual do Estado.

Quanto à primeira, o Estado tem que enumerar/orçar as suas despesas e receitas, bem
como os respetivos valores para garantir que existem receitas suficientes para cobrir as
despesas que pretende efetuar. É precisamente nisto que consiste a relacionação das receitas
e das despesas. Do que se trata, no fundo, é de verificar a existência de uma igualdade global
entre receitas e despesas ou, então, um excesso de receitas totais. Em caso algum, o Estado
pode prever um montante de despesas superior ao das receitas que prevê arrecadar. Esta
função está subjacente à ideia de "equilíbrio formal", isto é, aquelas situações em que receita
total é igual a despesa total, igualdade esta que existe sempre. Expressão de Rocha Andrade
"Um Orçamento em que a receita total não seja igual à despesa total não é um Orçamento; é
um lixo que não serve para nada". Artigo 105º CRP. Esta relacionação permite uma gestão
mais racional e eficiente dos dinheiros públicos, na medida em que procura atingir a máxima
utilidade com o mínimo dispêndio de recursos. Nas palavras de Sousa Franco, "o improviso é
usualmente causa de desperdício", regra quer para públicos, quer para privados.
Quanto à segunda função - de fixação de despesas - a diferença entre a determinação
do montante das receitas e das despesas assume-se aqui como um fator preponderante Dada a
necessidade de previsão de receitas suficientes para cobrir as despesas apenas é possível
prever receitas suficientes se as despesas já estiverem fixadas. De nada serviria prever
receitas se as despesas pudessem variar. O total das despesas resulta do somatório das
despesas que cada serviço pode arrecadar. No OE são atribuídas a cada serviço verbas de
despesas que representam, em si mesmas, autorizações para gastar. E, por isso, se designam
por "créditos" ou "dotações" orçamentais. Como já vimos, o Orçamento das Despesas
constitui uma abertura de créditos aos serviços, falando-se a este propósito em "princípio da
tipicidade qualitativa (tipo de despesa) e quantitativa (montante da despesa)" (estudaremos
isto mais adiante). Já o Orçamento das Receitas contem uma discriminação das receitas, mas
o montante a arrecadar é incerto, porque também são incertas as cobranças que venham a ser
efetuadas. Não é correto dizer-se que o Orçamento das Receitas é uma mera previsão

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(divergência doutrinal com Teixeira Ribeiro - posição à época em que este escreveu as suas
Lições), porque isso leva a supôr que não é necessário existir uma previsão de receita para
que ela possa ser cobrada - o que é incerto numa mera previsão é o montante de cada uma das
despesas, pois de acordo com o princípio da tipicidade qualitativa, apenas podem ser
cobradas as receitas previstas no OE.
Quanto à última função, o OE apresenta-nos, nos termos do 105º/2 da CRP, o próprio
programa financeiro do Estado. Como resulta da própria CRP, a elaboração do Orçamento
não é arbitrária. O OE, do ponto de vista económico, é encarado como um elemento
fundamental para a definição das políticas financeiras, conseguindo-se, por meio dele,
conhecer a política económica global do Estado nos seus caractereres essenciais; servindo
também de guia ao setor privado da economia.

5.2. Regras e princípios de organização do Orçamento

A LEO de 2001 foi revogada em agosto de 2015 e entrou em vigor a 12 de setembro


de 2015 a designada "nova" LEO 151/2015 de 11 de setembro. Atualmente, vigora
parcialmente cada uma.
Nesta parte das regras e princípios de organização do Orçamento, vale a nova LEO.
Porém, algumas das concretizações destas regras estão compreendidas na parte dos
preceitos da LEO que apenas entrará em vigor a 12 de setembro de 2018. Vejamos o artigo
8º/2 da LEO/2015 - "entrada em vigor e produção de efeitos" -» Artigos 3º e 20º a 76º só
entram em vigor em 2018. Por isso, nessas matérias vale a velha LEO/2001. E no artigo 7º/2
da LEO/2015 são elencadas várias matérias nas quais vale a velha LEO (matérias às quais
se referem, mais ou menos, os artigos 20º a 76º).
Para atingir as funções do OE, há que o organizar de acordo com certas regras a que
deve subordinar-se a sua forma e conteúdo.

Nota breve: Nas lições do Dr Ribeiro fala-se em "regras clássicas de elaboração do


Orçamento". Tudo o que lá está (à exceções das menções legais) está correto. No entanto,
existe doutrinalmente uma separação meramente teórica entre as regras clássicas (os
"princípios" e as restantes regras. Atualmente, encontramos princípios (que são regras)
tipificados.

 A regra da unidade;
 A regra da especificação;
 A regra do Orçamento Bruto;não-compensação
 A regra da universalidade, ou não-consignação.

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 34


A Regra da Unidade encontra-se prevista no artigo 9º da LEO e no artigo 105º/3 CRP.
De acordo com esta regra, as receitas e as despesas dos serviços do Estado devem constar de
um único documento - pois sendo o OE o quadro geral básico de toda a atividade financeira
pública, compreende-se esta exigência. Note-se, porém, que o número 2 do mesmo artigo 9º
exclui do OE os Orçamentos das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais, o que nos leva
a dizer que não há uma coincidência entre o âmbito de aplicação do artigo 9º e o que resulta
do SEC 2010 - o que, na prática, equivale a dizer que o perímetro orçamental é diferente para
o Direito Interno e para o Direito da União Europeia. A justificação desta regra está
relacionada com as funções do Orçamento. Como vimos, o OE cumpre três funções, de entre
as quais relacionar receitas com despesas e expôr o plano financeiro. Ora, se as receitas e as
despesas se encontrarem todas no mesmo documento é mais fácil verificar se elas são ou não
suficientes e quais são as opções estaduais em matéria financeira. Mas regra da unidade
significa, não só que as receitas e as despesas devam constar de um documento único, mas
também que é desejável que, para cada período financeiro, seja elaborado apenas um
Orçamento, tentanto evitar-se, que através da utilização do mecanismo dos múltiplos
Orçamentos (incluindo Orçamentos retificativos), se atinjam situações em que uma parte
considerável de receitas ou de despesas escape materialmente à autorização política. O
fundamento deste princípio é claro: transparência nas contas.
O OE serve para relacionar as receitas com as despesas. Assim, é conveniente que as
receitas e as despesas estejam previstas no mesmo documento. Assim, sabe-se logo que o
montante total das despesas e também se sabe se o montante total das receitas é suficiente
para cobrer aquelas. Sendo outra função a de plano financeiro, apreende-se melhor o plano
quando ele consta de um só documento. Segundo a regra da unidade, as receitas e despesas
do Estado devem então ser inscritas num único documento. A unidade do OE é a unidade do
documento de que ele consta. Qual a razão de ser desta regra? Esta regra permite uma
maior transparência do Orçamento, permitindo um cumprimento cabal das funções da
relacionação das receitas e despesas e da exposição do plano financeiro. Há autores mesmo
que afirmam que a possibilidade de haver uma visão de conjunto é fator de haver disciplina
e rigor. 105º/3 CRP. Quais são as entidades que não dispõem de Orçamento separado? Art.
9º/1 LEO - "unidade e universalidade" - 9º/2 - Os Orçamentos das RA e das autarquias
locais são independentes do OE. O facto de serem independentes não quer dizem que não
sejam avaliados internacionalmente - fazem parte do "Orçamento integrado".
Apuramos que entre nós existe pluridade orçamental - não vai tudo para o OE (é
restrito ao nível nacional da Administração), havendo Orçamentos separados para as RA e
autarquias locais.
Apesar dessa pluridade, para que não haja perda de transparência no sistema, há a
obrigação de inscrever em cada um dos orçamentos existentes a totalidade das receitas e a
totalidade das despesas, tal como resulta dos números 1 e 2 do artigo 9º da nova LEO.

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 35


A regra da especificação encontra-se prevista no artigo 17º da LEO. De acordo com
este artigo, as receitas a inscrever no Orçamento devem ser especificadas. Isto é, devem ser
suficientemente individualizadas. Mas esta individualização não deve ser levada ao extremo,
para evitar que os serviços percam a possibilidade de se adaptarem às circunstâncias. Esta
regra encontra o seu fundamento na necessidade de clareza e nas finalidades do Orçamento
que, de outra forma, podiam ser desvirtuadas. Se fizéssemos apenas uma previsão total das
receitas e das despesas não conseguiríamos determinar quais as fontes de receita nem quais
os destinos que lhes seriam dados; e verdadeiramente, não teríamos uma exposição do plano
financeiro. No que diz respeito às receitas, estas devem ser especificadas de acordo com uma
classificação económica, que se encontra atualmente prevista no DL nº 26/2002 de 14 de
fevereiro, que distingue entre receitas correntes e receitas de capital. Exige-se, ainda, que as
receitas sejam classificadas por fonte de financiamento. Quanto às despesas, exige-se que
exista uma especificação por programas e fonte de financiamento e uma classificação
orgânica (que diz respeito aos orgãos), funcional (de acordo com as funções do Estado tal
como previstas no DL 171/94 de 24 de junho) e classificação económica (tal como nas
receitas, o DL 26/2002). Importa, ainda, referir que a regra da especificação tem algumas
exceções, sendo que a mais importante é a designação "dotação provisional" do Ministério
das Finanças e que constitui o montante inscrito no Orçamento do Ministério das Finanças
que pode ser usado para cobrir despesas resultantes de situações imprevivísiveis (=/ não
previstas) e inadiáveis.
Segundo esta regra, as receitas e as despesas devem ser previstas discriminadamente,
ou seja não devem ser previstas em globo, enquanto montante global de receita ou despesa
relativa a determinado serviço. Devem ser previstas especificadamente. Qual a razão de ser
desta regra? O cumprimento desta regra permite expôr verdadeiramente o plano financeiro.
Permite perceber que despesas em concreto o Estado se propõe realizar e com que tipo de
receitas contará para esse conjunto de despesas. Visa-se impedir a existencia de dotações ou
de fundos secretos. Visa-se também evitar a discricionariedade do Governo. O fundamento é
também o da clareza e transparência, veracidade e fiscalização. Porque a AR não dá um
"cheque em branco" ao Governo - autoriza aquelas despesas e aquelas receitas em concreto.
O Governo recebe instruções suficientemente discriminadas porque, caso contrário, não
seria suscetivel de um controlo político e seria posta em causa a relação de supra-infra
ordenação em matéria orçamental. Mas a especificação tem limites. E uma das dificuldades
é de saber qual o grau de pormenorização necessária. Não deve a especificação ser levada
até às últimas consequencias, sob pena de tolher demasiado os serviços, impedindo-os de se
adaptarem às circunstâncias. P.ex.: discriminam-se os gastos em envelopes, lápis, folhas,
etc -» se chegássemos a este pormenor, o serviço ficaria amarrado a cada uma destas verbas,
sem liberdade de movimentos. Podia acabar a verba dos lápis, não se podendo recorrer à

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 36


verba destinada para os envelopes. Este grau de pormenorização acaba por mariatar os
serviços, sob pena de termos um processo de revisão orçamental. Inscreve-se em cada
serviço uma verba para "despesas de consumo de secretaria". Não podemos ter um ao grau
de pormenorização que impeça o funcionamento normal dos serviços.
Esta regra, desde logo, está positivada na nossa Constituição no artigo 105º/1/a) e
na nova LEO no artigo 17º. Para cumprimento desta regra, prevê-se no artigo 17º a
existência de três classificações orçamentais: a económica para as receitas e para as
despesas e orgânica e funcional apenas para as despesas. A classificação económica é
regulada pelo DL nº 26/2002 de 14 de fevereiro - os códigos de classificação económica das
receitas e das despesas públicas procedem à distinção entre receitas correntes e receitas de
capital e despesas correntes e despesas de capital. Especial atenção ao artigo 3º deste
diploma, que faz remissão para o anexo I e II do respetivo diploma. Já a classifcação
funcional apenas opera para as despesas e esta classificação opera segundo a natureza das
funções exercidas pelo Estado. Há uma repartição em funções gerais de soberania, funções
sociais e funções de soberania e outras funções. Esta classificação funcional é regulada pelo
DL nº 171º/94 de 24 de junho - é por funções que há aqui uma alocação de verbas
(especificar as despesas segundo a natureza das funções exercidas pelo Estado). Quanto à
classificação orgânica, também apenas para as despesas, atende-se aos diferentes orgãos,
departamentos da administraçao financeira do Estado, entre outros - ou seja, cada despesa
aparece associada aos respetivos orgãos e serviços. A estrutura da classificação organica
no já referido DL nº 26/2002 de 14 de fevereiro, mais concretamente no seu artigo 5º. Temos
também a estruturação da despesa por programas, prevista no DL nº 131/2003 de 28 de
junho - artigo 6º -» a estrutura dos mapas orçamentais - 105º/3 CRP, 17º/1 LEO, 45º/1 e 5
LEO (este ainda não está em vigor). A estruturação da despesa por programas relaciona-se
com a definição de determinados objetivos e a orçamentação é feita para uma finalidade
pré-definida para objetivos económicos, por exemplo POPH (Programa Operacional
Potencial Humano). Assim, um programa de despesas é um conjunto de verbas que se
destina à realização de medidas articuladas e complementares que servem determinados
objetivos de caratér plurianual. Pode incluir vários orgãos, vários tipos de despesa e
satisfazer várias funções do Estado. Quanto à fonte de financiamento, tanto as receitas como
as despesas podem ser estruturadas por fontes de financiamento, ficando a conhecer-se a
origem dos montantes previstos para a realização de certa despesa ou para a angariação de
certa receita. No fundo, por exemplo, o que se faz é dizer que certa despesa terá como fonte
de financiamento 25% de impostos, outros 25% com financiamento europeu e por aí fora. E
isto permite conhecer e perceber a composição do financiamento do Estado e o peso de cada
componente. Há exceções à regra da especificação, que se constuma chamar "válvula de
segurança" no artigo 8º/5 VLEO, onde há uma dotação provisional do Ministério das
Finanças, ao que corresponde atualmente ao, ainda não em vigor, artigo 45º/11 da nova

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LEO. Esta exceção diz-nos que esta dotação provisional servirá para cobrir despesas não
previsíveis e inadiáveis - a dotação provisional corresponde à dotação orçamental que é
inscrita num capítulo específico do OE e que constitui uma provisão para fazer face às tais
despesas não previsíveis e inadiáveis (ou seja, uma verba não especificada). O artigo 45º/11
da atual LEO contém uma nova formulação de um mesmo instrumento. Uma dotação
provisional é uma "almofada financeira": montante de dinheiro que só será usado se houver
necessidade de realizar as tais despesas não previsíveis e inadiaveis (não se prevê
antecipadamente onde é que esse montante pode ser gasto; efetivamente até se espera que
não seja gasto). Serve para prevenir eventuais derrapagens das despesas que, pela sua
dimensão, não exigem que se retifique todo o orçamento.

A regra da não compensação está prevista no art 15º LEO. De acordo com esta regra,
as receitas e as despesas devem ser inscritas no orçamento sem qualquer dedução de despesas
de cobrança ou de outra natureza. Só deste modo se consegue verdadeiramente cumprir a
função de fixação das despesas, porque, se ao invés de prevermos receitas e despesas brutas,
estabelecessemos receitas e despesas líquidas, não conseguiríamos saber nem o valor das
receitas nem o valor das despesas. Suponhamos o seguinte exemplo: a UC pretende levar a
cabo uma obra de reconstrução de um edifício para instalação de uma biblioteca, estimando
que essa obra seja possível de realizar no prazo de um ano. Pressupõe ainda que, nessa obra
de reconstrução, vá ser possível e necessário demolir uma parte da construção; os materiais
resultantes da demolição, que serão também vendidos. Sabe-se de antemão que a diferença
entre o custo da obra e as receitas obtidas com a venda dos materiais resultantes da demolição
seja de 1 milhão de euros. Qual é o valor da receita e da despesa? Se fixarmos apenas o valor
da diferença, nunca conseguimos saber nem o valor da receita, nem o valor da despesa - o
milhão é a diferença entre 3 milhões e 2 milhões, como é a diferença entre 10 milhões e 9
milhões - um milhão é a diferença entre uma imensidade de números. E, por isso, não
estamos a fixar a despesa.
Este princípio tem várias exceções, todas elas elencadas no artigo 15º LEO. À época
das lições de Teixeira Ribeiro, esta regra era absoluta. Nas receitas provenientes dos tributos
(impostos, taxas e outros), o valor a inscrever no Orçamento corresponde à previsão do
montante a arrecadar do lado das receitas, mas este montante é subtraído do montante
relativo às receitas cessantes, aos benefícios tributários, reembolsos e restituições. Art. 15º/2.
No número 3 do mesmo artigo, encontramos as várias exceções à regra da não compensação
ou do orçamento bruto.
O Doutor Teixeira Ribeiro junta aqui vários nomes para esta regra: Orçamento
Bruto ou da não-compensação. Esta regra do Orçmaento Bruto implica que as receitas e as
despesas sejam previstas no OE pelo seu montante bruto, ou seja, sem qualquer
compensação ou desconto. E por isso se diz "regra da não-compensação". Concretizando

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 38


através de dois exemplos:
* Exemplo 1: para o ano de 2018 prevê-se uma receita fiscal total no montante de
1000 e, simultaneamente, que os encargos com a respetiva cobrança ascendam a 50. Se
previrmos esta receita em termos líquidos, inscrevemos 950 no OE - apresentamos a receita
deduzida dos encargos da cobrança. Mas se previrmos esta receita em termos brutos, que é
o que esta regra pretende, inscrevemos o montante de 1000 a título de receita e 50 a título de
despesa.
* Exemplo 2: para o ano 2018, prevê-se que o Estado dispenda o montante de 1000
para adquirir os terrenos para a construção do aeroporto de Alcochete. As árvores do
terreno terão de ser cortadas. Contudo, a venda dessas árvores permite um resultado de 50 a
título de receita. Se previrmos esta despesa em termos líquidos, inscrevemos o montante de
950 no orçamento. Ou seja, apresentamos a despesa deduzida das receitas que a sua
realização acarreta. Se previrmos a despesa em termos brutos, inscrevemos no orçamento
1000 de despesa e 50 de receita.
Qual é a razão de ser desta regra? Se a orçamentação dos montantes fosse feita em
termos líquidos, isso inviabilizaria uma função importante do Orçamento, a função de
fixação das despesas que o OE deve cumprir; porque, se assim fosse, os montantes inscritos
no Orçamento seriam diferenciais (subtrações entre receitas e despesas) e não, o que aqui
interessa, montantes máximos de despesa autorizada. Se o Orçamento fosse líquido,
poderíamos ter despesas ocultas e isso poria em causa a transparência e o rigor. Esta regra
obriga, no fundo, a que todas as receitas e despesas estejam orçadas sem qualquer exceção e,
por isso, se diz também "regra da universalidade". Esta regra encontra-se prevista no artigo
15º da nova LEO (antigo 6º da VLEO). O nº 1 diz respeito às receitas e o nº 3 às despesas -
inscrição integral dos montantes. Há exceções no artigo 15º/2. Exceção aparente - os
montantes correspondentes aos benefícios fiscais não chegam sequer a ser cobrados, dado
tratar-se de um valor de imposto que não tem de ser entregue ao Estado. Além disso, os
montantes dos reembolsos e restituições são arrecadados, mas como têm de ser devolvidos
aos contribuintes, não se pode dizer que sejam efetivamente cobrados e que, por isso,
podemos dizer que não são verdadeiras receitas e que, em rigor, não chegam a pertencer, de
facto, ao Estado.

A regra da não-consignação está prevista no art. 16º LEO. As receitas devem


destinar-se indiscriminadamente à cobertura de todas as despesas, isto é, não deve afetar-se o
produto de uma determinada receita à cobertura de uma determinada despesa. Proíbe-se que
seja criada uma receita cujo produto seja destinado a cobrir determinada despesa. Há, no
entanto, exceções- previstas no número 2 do mesmo artigo.
Nos casos em que seja possível existir, nos termos da lei, consignação de receitas (i.é.,
nos casos previstos no art.16º/2 da LEO), uma despesa para ser realizada necessita que se

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 39


verifique um duplo cabimento, ou seja, havendo consignação de receitas, a despesa que tem
receita consignada fica duplamente limitada e, por isso, falamos em "duplo cabimento". O
primeiro cabimento ou "cabimento geral", que é comum a todas as despesas, diz-nos que as
despesas têm de caber nos créditos orçamentais, não podendo ultrapassar o limite previsto no
OE. Para além disso, têm de cumprir ainda um segundo cabimento, ficando limitadas pelo
valor da receita que lhe estava afetada efetivamente cobrada.
Nos casos em que existe consignação de receitas, podem verificar-se situações de
favor ou situações de desfavor. Existirão situações de favor naqueles casos em que a receita
consignada efetivamente cobrada permita pagar a despesa que tinha sido autorizada para
aquele serviço. Mas, verdadeiramente, só existe uma situação de favor se as demais despesas
não gozarem da mesma possibilidade. Já nos casos em que a receita arrecadada seja inferior
ao valor da despesa autorizada, o serviço em causa vê a sua despesa limitada ao valor daquela
receita, ainda que os outros serviços tenham receitas suficientes para cobrir todas as suas
despesas. Exemplo: A UC é uma entidade que dispõe de receitas próprias e de receitas
consignadas. Dentro das receitas consignadas encontramos o valor das propinas pagas pelos
estudantes. Para o ano de 2017 previu-se que a receita das propinas seram de 1000 e
decidiu-se, nos termos do art. 16º/2/f), destinar esse valor (os 1000) à aquisição de livros para
a atualização do acervo bibliográfico. Suponhamos duas situações diferentes:
* em 2017, o valor arrecadado com a cobrança das proprinas foi de 2000.
* o valor arrecadado com a cobrança das propinas foi de 900.
Na primeira situação, em que o valor efetivamente cobrado é superior ao valor da
despesa autorizada, a UC apenas pode gastar 1000 - porque o valor previsto no Orçamento
para as despesas é o valor máximo que o serviço pode gastar (primeiro cabimento).
Na segunda hipótese, o serviço apenas pode gastar 900, apesar de ter sido autorizado
a gastar 1000, estando limitado na realização da despesa pelo valor da receita consignada
efetivamente cobrada (segundo cabimento).
Esta regra está prevista no artigo 16º LEO (antigo 7º da VLEO). Quando o Estado
cobra as receitas (que são incertas), fá-lo sem nenhuma finalidade específica, justamente
porque as receitas servem para cobrir a globalidade das despesas indistintamente, não
havendo uma destinação/afetação caso-a-caso. Então, segundo esta regra, as receitas
devem destinar-se indistinta ou indiscriminadamente à cobertura de todas as despesas, não
devendo afetar-se certas receitas à cobertura de despesas em especial. Qual é a razão de ser?
Caso houvesse consignação de receitas (afetação de receitas a determinada despesa), a
receita consignada poderia não ser suficiente para cobrir a despesa correspondente. Deste
modo, poderia acontecer que a despesa prevista deixasse de se poder realizar no todo ou em
parte.
Por exemplo, para a realização da despesa relativa ao pagamento dos vencimentos
dos funcionários de uma Conservatória, inscreve-se no OE a dotação de 1000. Ou seja, para

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pagar aos funcionários da Conservatória pode pagar-se até 1000. E consigna-se para essa
despesa a receita advinda das taxas pagas pelos registos das hipotecas. No fundo, a ideia é:
os salários destes funcionários vão ser pagos (ficando dependentes) através do produto dos
registos das hipotecas (sendo o limite 1000). Acontece que em 2018 só se conseguem
arrecadar 800 a título de taxas. Então, parte desses vencimentos não iriam ser pagos.
Deve perceber-se o que é a consignação e como funciona. Quando existe
consignação de receitas? Só existe consignação de receitas quando o Estado afeta
determinadas receitas à cobertura de determinadas despesas em termos tais que:
* número um: essas receitas não poderão destinar-se à cobertura de quaisquer
outras despesas;
* número dois: essas despesas apenas se poderão efetuar na medida em que sejam
arrecadadas receitas suficientes para cobrir essas tais despesas.
Exemplo: no OE de 2018, o Estado inscreve uma despesa relativa ao pagamento de
bolsas a atletas olímpicos no montante de 1000. E para o financiamento da despesa prevista,
cria um novo imposto "CR7" (todas as pessoas que forem ver um jogo de futebol, pagam esse
imposto no bilhete). Em 2018, a cobrança do imposto CR7 acaba por render ao Estado um
montante de 800.
Hipótese 1 - o Estado paga a totalidade do montante de 1000 para as bolsas dos
atletas;
Hipótese 2 - o Estado paga apenas o montante de 800 em bolsas aos atletas, mas
paga essas bolsas com outras receitas, até mesmo antes de saber qual o montante total de
receita que arrecadará com o imposto CR7 até ao final do período financeiro;
Hipótese 3 - o Estado apenas paga o montante de 800 em bolsas aos atletas e paga
esse montante usando exclusivamente as receitas provenientes do imposto CR7, que não
afeta à cobertura de quaisquer outras despesas.
Hipótese 4 - No ano de 2018, o imposto CR7 rende um montante de 1200. O Estado
usa 1000 para pagar as despesas de 1000 relativas às bolsas e, só depois de assegurar a
cobertura desse montante, é que afeta os restantes 200 à cobertura de outras despesas.
Apenas nas hipóteses 3 e 4 estamos perante a situação de consignação de receitas. E
estas hipóteses ilustram também a chamada "regra do duplo cabimento". Segundo esta
regra, havendo consignação de receita a determinadas despesas, essas DESPESAS têm de
caber em dois "sítios":
* primeiro cabimento ou cabimento geral para todas as despesas - tem de caber nos
respetivos créditos orçamentais, ou seja, não se pode realizar despesa superior à prevista no
orçamento. Não esquecer que no lado da despesa, o OE é um conjunto de autorizações para
gastar. Podemos ver este cabimento na hipótese número 4, naquela em que as receitas
ascendiam a 1200. Mesmo que existam receitas consignadas superiores à despesa prevista,
nem por isso se poderá gastar mais do que a autorização inicial prevista. Isto é, mesmo com

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 41


receitas consignadas que ascenderam a 1200, o montante de despesa a realizar é limitado
pelo primeiro cabimento. E podemos vê-lo logo nos artigos 42º, nº5 e nº6/b da VLEO.
Atenção que este cabimento é GERAL, para que o OE cumpra a sua função de fixação de
despesas, estas não poderão ultrapassar os montantes autorizados.
* segundo cabimento - tem de caber no produto das receitas que lhe foram afetadas.
Cabimento ilustrado na hipótese número 3. Embora, no caso, houvesse autorização para
gastar até 1000, apenas se pode efetuar despesa até ao montante da receita obtida (que no
exemplo foi de 800). Artigo 42º/9 VLEO.
Razões para a consignação de receitas? Esta tanto pode resultar numa situação de
favor para essas despesas como de desfavor. Quando o produto das receitas consignadas
excede ou iguala o montante previsto das despesas, essas despesas têm cobertura
assegurada, independentemente da situação financeira do Estado. Fica o Estado obrigado a
afetar as receitas consignadas àquelas despesas. Haverá sempre que realizar aquela
despesa. E, deste modo, a consignação pode servir para colocar permanentemente
determinadas despesas numa situação de favor. Por exemplo, receitas consignadas para o
pagamento de bolsas. Mas há outra hipótese: quando o produto das receitas é inferior ao
previsto das despesas - neste caso, o serviço nao poderá realizar todas as despesas previstas,
mas apenas as cabidas no montante das receitas. É uma limitação adicional à realização de
despesas - em vez de poder realizar despesa até ao limite autorizado (cabimento geral), tem
que respeitar um novo limite ditado pelo montante da receita arrecadada (segundo
cabimento). Assim, nestes casos, a consignação faz-se para que as despesas só possam
realizar-se até onde permitiram as receitas consignadas.
A regra é, então, a da não-consignação, mas há exceções elencadas no número 2.
Nos termos do 42º/9 VLEO, 55º/4 NLEO (não em vigor).

O Estado cria um serviço, consciente do aumento das despesas. Cria um imposto


para fazer frente a essas despesas. Não estamos aqui perante uma consignação: número 1,
as receitas do imposto podem destinar-se indiferemente à cobertura de quaisquer despesas,
estejam ou não cobertas as despesas do novo serviço; número 2, porque as despesas deste
serviço poderão realizar-se na medida em que foram rpevistas, e não apenas até ao
montante das receitas que vier a produzir o imposto - ou seja, não é limitado pelas receitas
obtidas. Mas se o Estado cria o imposto e estabelece que as suas receitas ficam destinadas à
cobertura das despesas desse novo serviço, aqui já temos consignação porque: um, as
receitas do imposto não podem destinar-se a outras despesas antes de assegurada a
cobertura dos créditos orçamentais a que foram afetadas (primeiro cabimento); dois, esses
créditos só poderão utilizar-se na medida do produto maior ou menor desse imposto
(segundo cabimento). Em Portugal, só a título excecional é que os serviços têm receitas
consignadas. Esses serviços podem ou não ter autonomia financeira, ou seja, ter receitas

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 42


próprias e orçamento próprio. Torna-se o serviço independente em matéria de receitas e
despesas, em que as receitas são suas e as despesas também. Distinguir duas situações:
serviços com autonomia administrativa - podem praticar atos de gestão definitivos e
executórios, mas com créditos incritos no OE (ex.: IP's); serviços com autonomia financeira
- além de gozarem de autonomia administrativa, também dispõem de receitas próprias,
permitindo-lhes autorizar com elas os pagamentos previstas no seu OE (ex.: as
Universidades).
Relativamente à regra da unidade, haverá pluridade orçamental sempre que as
receitas e despesas do Estado não apareçam num só documento, mas em vários. A unidade
pode ser quebrada com base: um, na autonomia financeira, sendo que, neste caso, há quebra
da regra da não-consignação e também da unidade; dois, na distinção entre despesas
ordinárias e extraordinárias; três, na distinção entre despesas correntes e de capital. Há
quem defenda que deve haver a organização de dois documentos orçamentais: um, em que se
prevejam as receitas e as despesas permanentes do Estado (Orç ordinário) e um outro em
que se prevejam as receitas e as despesas não-permanentes do Estado (Orç Extraordinário);
também a criação de um Orç de corrente (despesas em bens consumíveis e receitas
provenientes do rendimento) e um Orç de capital (despesas em bens duradouros e receitas
provenientes do aforro). Em suma, o facto de termos dois orçamentos não quer dizer que o
Estado tenha de violar a regra da unidade. O orç ordinário e o orç extraordinário podem
constar do mesmo documento, bem como o orç corrente e o de capital. Pelo que conclui que
estas ideias são compatíveis com a regra da unidade. Pode haver razões para que se
consignem receitas, mas que nao haverá para a multiplicidade orçamental.

Os artigos 9º-19º- são regras e princípios que devemos consultar.

Além destas regras clássicas, há alguns princípios que têm sido adotados em Portugal,
previstos na nossa LEO.
Um deles assume uma maior importância - assume-a porque, no fundo, estava
subentendido nas finanças públicos e o Tribunal de Contas tem vindo a dar-lhe importância.
É o princípio da sustentabilidade das finanças públicas (art. 11º), que impõe aos serviços que
sejam considerados como vinculados pelas normas orçamentais a obrigação de apresentação
de orçamentos equilibrados ou excedentários. Este equilíbrio há-de ser determinado por
referência às normas constantes da LEO, mas também às normas de DUE em matéria
orçamental e ainda ao designado Tratado Orçamental. Remissão no artigo 11º - este princípio
só consegue ser cumprido verdadeiramente se o for também o princípio previsto no art. 10º -
o princípio da estabilidade orçamental.
O segundo princípio é o solidariedade recíproca, previsto no art. 12º LEO, e diz-nos
que todos os subsetores da AP, seus serviços e entidades, devem contribuir

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 43


proporcionalmente para que seja possível cumprir as exigências de estabilidade orçamental e
das demais obrigações decorrentes das normas de direito orçamental em matéria de política
orçamental e das finanças públicas. Está aqui inerente o princípio da proporcionalidade, com
uma crescente importância no Direito financeiro.
Outro princípio é o da equidade intergeracional, previsto no art. 13º LEO. De acordo
com este princípio, a atividade financeira do setor das AP's terá de respeitar a equidade na
distribuição dos benefícios e custos entre as várias gerações para não onerar excessivamente
as gerações futuras ou a geração presente. Este princípio consegue comprir-se se for feita
uma distribuição equilibrada dos custos e dos benefícios nos vários orçamentos. Exige-se
atualmente que os serviços façam uma projeção sobre o impacto das receitas e das despesas
públicas sobre os compromissos futuros - ou seja, em que medida é que cada uma das opções
atuais de receitas e despesas vai influenciar as receitas e as despesas no futuro. Este princípio
tem uma ligação muito estreita com o princípio da sustentabilidade das finanças públicas e
tem por base a responsabilização da geração presente pelo bem-estar das gerações futuras e
vice-versa, podendo colocar, em alguns casos, problemas de ordem ética. Este é um princípio
complexo. Nenhuma das gerações, nem a presente nem as futuras, deve ficar excessivamente
onerada. Imaginem que eu quero construir uma ponte e tenho duas formas de a financiar:
através de impostos ou de empréstimos. Esta opção é difícil - coloco a geração futura a pagar
e a beneficiar; não se coloca a geração futura a pagar, mas ela vai beneficiar da ponte. A
distribuição equitativa pressupõe cálculos matemáticos de extrema importância.
O princípio da economia, eficiência e eficácia, previsto no art. 18º LEO, impõe que os
compromissos a assumir e as despesas a realizar permitam a utilização mínima de recursos e
a obtenção máxima de utilidade. Devem, assim, escolher-se os recursos mais adequados para
atingir o resultado que se pretende alcançar. Este princípio tem agora de ser observado na
elaboração do Orçamento quando, durante muito tempo, era apenas um princípio de
execução orçamental. E funciona como um limitador da discricionaridade financeira da AP.
Só na execução é que se consegue verdadeiramente cumprir - por isso, vamos falar deste
princípio na parte do controlo orçamental.
O princípio da transparência orçamental está previsto no art 19º LEO e não se limita a
estabelecer um dever geral de informação em matéria de aprovação e execução orçamental a
todos os serviços da AP, mas impõe ainda que essa informação seja fiável, completa,
atualizada, compreensível e comparável internacionalmente, de modo a permitir avaliar a
posição financeira do setor público, os custos e benefícios da sua atividade e as
consequências económicas e sociais presentes e futuras.
Por último, temos o princípio da estabilidade orçamental, previsto no artigo 10º LEO.
Este impõe que o OE apresentado esteja equilibrado não só em termos formais (receita
total=despesa total), mas também que esteja equilibrado do ponto de vista material, isto é,
que o valor de certas receitas seja suficiente para cobrir o valor de certas despesas.

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5.3. O equilíbrio orçamental

Aceção formal de equilíbrio orçamental - não faz sentido que se prevejam as


despesas sem que se prevejam receitas bastantes para as realizar. A totalidade das receitas
terá sempre de ser suficiente para cobrir a totalidade das despesas. O orçamento
aprensenta-se sempre ou com as receitas iguais ou superiores às despesas (equilibrado ou
superavitado). Este equilíbrio entre todas as receitas e todas as despesas é o equilíbrio
formal do Orçamento de Estado, que está sempre presente e é mesmo constitucionalmente
imposto - 105º/4 CRP. Também está previsto muito claramente no art 9º VLEO, apesar de já
não estar em vigor (e não tem um paralelo da nova LEO).
Mas entende-se que não basta a equivalência entre a totalidade das despesas e a
totalidade das receitas vistas de um modo indiscriminado. A saúde das finanças públicas
implicará que determinadas despesas devam ser cobertas com determinadas receitas. Por
exemplo: o OE prevê que a totalidade das despesas sejam cobertas com recurso a
empréstimos. Do ponto de vista formal, não há problema nenhum. Do ponto de vista de
sustentabiliiade das finanças, a decisão seria desastrosa.
Coloca-se a questão do défice. Se se fala nele é porque pode havê-lo mesmo quando
as receitas são iguais ou supeiores às despesas. É que o equilibrio orçamental não se define
pelo equilíbrio entre todas as despesas e todas as receitas, mas pelo equilíbrio entre certo
tipo ou categorias de despesas e certo tipo ou categorias de receitas. Então, o equilíbrio do
Orçamento afere-se em termos materiais, enquanto equilíbrio entre determinadas
categorias de despesa e determinadas categorias de receita.

O equilíbrio orçamental é uma das matérias que atualmente ocupa uma área de
discussão em termos mundiais, principalmente porque não é concebível pensar-se numa
situação em que o Estado preveja realizar despesas sem que preveja também cobrar receitas
suficientes para as pagar.
Por essa razão, dizemos sempre que o Orçamento está sempre equilibrado do ponto
de vista formal, tal como decorre do art. 105º/4 da Constituição e art. 10º LEO. Mas, nesse
caso do equilíbrio formal, contabilizamos como receitas todas as receitas estaduais, incluindo
as receitas provenientes dos empréstimos.
Compreende-se, assim, que quando se fala em equilíbrio orçamental se esteja a falar
de uma situação em que essa igualdade entre receitas e despesas não seja uma igualdade total,
mas apenas entre certas receitas e certas despesas. Vamos encontrar, assim, vários tipos de
equilíbrio em sentido material:
- Equilíbrio do orçamento efetivo;

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- Equilíbrio do orçamento corrente;
- Equilibrio do orçamento ordinário;
- Equilíbrio do orçamento primário;
- Saldo estrutural.

A distinção entre cada um destes equilíbrios tem por base a diferente classificação de
receitas e despesas e, principalmente, o tratamento que é dado às receitas provenientes dos
empréstimos.
Em todos estes critérios, o recurso a financiamento da despesa pública através de
empréstimos deve ser evitado. Contudo, em alguns deles, há uma racionalidade própria por
detrás do financiamento da despesa pública com recurso a receitas provenientes do
endividamento público. "Declaração de voto" da Dra Matilde.
A opção por cada um destes critérios não é, também, imune ao pensamento
económico sobre a evolução da despesa pública, os efeitos da despesa pública quer no
crescimento económico, quer no desenvolvimento, quer na despesa privada, mas também na
possibilidade e nos impactos que estas políticas tenham à escala global. Só em áreas muito
restritas podemos atualmente delimitar as implicações decorrentes da despesa pública ao
território nacional.
Importa ainda considerar, no caso português, que a opção por um determinado
critério de equilíbrio em sentido material tem de ser compatibilizado com as normas de DUE
e outras normas de direito internacional a que o Estado Português se encontra vinculado.

1. Equilíbrio do orçamento efetivo


Existe quando o montante das receitas efetivas for igual ao montante das despesas
efetivas. Se isso acontecer, o montante das receitas não-efetivas será igual ao montante das
despesas não-efetivas.
Receitas efetivas são as receitas que aumentam o património financeiro do Estado. E
as despesas efetivas são as despesas que diminuem o património financeiro do Estado. As
receitas não-efetivas são as receitas que não aumentam o património financeiro do Estado e
as despesas não efetivas são as despesas que não diminuem o património financeiro do
Estado.
Exemplo de receitas efetivas: impostos, taxas ou as receitas patrimoniais; como
despesas efetivas temos os subsídios, os salários da função pública, aquisição de bens e
serviços ou aquisição de imóveis. Nas receitas não-efetivas temos os empréstimos e a
aquisição de ativos financeiros. Nas despesas não-efetivas temos a amortização dos
empréstimos.
Esta classificação de empréstimos como receita não-efetiva pode causar dúvidas.
Explicação: o montante colocado no ativo é também colocado no passivo (assim, não altera o

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património financeiro do Estado).
A conceção de equilíbrio efetivo era defendida pelos autores clássicos, que
entendiam que as despesas públicas (com exceção do reembolso dos empréstimos) provocam
sempre a diminuição do património do Estado, quer se trate de despesas de consumo, quer de
despesas de investimento. Isto porque os bens duradouros não permitem obter qualquer
rendimento e, por isso, não têm valor de exploração. Considerava-se (e continua a considerar)
que era importante que o património do Estado se mantivesse inalterado, o que só era
garantido se todas as despesas estaduais (com exceção das despesas de reembolso dos
empréstimos) fossem cobertas com receitas que aumentam o património financeiro estadual.
O Estado era entendido à época como um mero consumidor e, por isso, todas as
despesas públicas diminuíam o seu património. Para além disso, entendia-se que a atividade
estadual deveria ser o mais reduzida possível, o que só era garantido com despesas públicas,
também elas reduzidas. Este entendimento encontra justificação numa específica conceção
de Estado (o da Época liberal), mas toma também em consideração as fontes de receita
estadual. A principal fonte de receita era e são os impostos, meio de financiamento este que
influencia de forma negativa o comportamento económico do setor privado. Cobrar muitos
(leia-se um elevado montente de) impostos significa uma intromissão do Estado na
economia, o que era para os autores da Escola Clássica algo de inaceitável.
Apesar de ter evoluído a concenção de Estado e atualmente já nao se entender o
Estado como um puro consumidor, continua a sustentar-se que esta conceção de equilíbrio
permite garantir a neutralidade das finanças. Se o montante dos impostos suportado pelo
setor privado provoca uma diminuição da despesa privada no exato montante desses
impostos e se o Estado utiliza esse valor para financiar a despesa pública, então, a redução da
despesa privada é igual ao aumento da despesa pública e a despesa total mantém-se
inalterada. Deste modo, haveria neutralidade.
Porém, constata-se que nem sempre os impostos fazem diminuir o consumo, podendo
também provocar uma diminuição do aforro (constituído pela poupança e pelo investimento).
Por ser assim, e se o Estado gasta tudo em consumo, então o Orçamento deveria ser também
pequeno, limitando este desvio de verbas. Se o orçamento equilibrado pode provocar
algumas distorções na economia, o orçament deficitário é ainda mais problemático. Havendo
défice, ou seja, não sendo o montante das receitas efetivas suficiente para cobrir as despesas
não efetivas, o Estado tem que recorrer a receitas não-efetivas, ou seja, empréstimos, para
cobrir essa diferença, afetando o aforro dos particulares, que, em vez de ser utilizado para
financiar o investimento no setor privado, seria utilizado para financiar a despesa pública de
consumo. Um défice do orçamento efetivo provoca assim uma diminuição da formação bruta
de capital fixo (isto é, investimento).
Sempre que exista uma igualdade entre receitas efetivas e despesas efetivas, existirá
também uma igualdade entre receitas não-efetivas e despesas não-efetivas. Nos casos em que

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exista um défice do Orçamento efetivo, existirá um superavit entre receitas não-efetivas e
despesas não-efetivas. No caso em que exista um superavit do orçamento efetivo, o montante
das receitas não-efetivas será inferior ao das despesas não-efetivas.

1. Equilíbrio do orçamento efetivo


A primeira conceção de equlibrio orçamental foi esta e surgiu com o corolário do
liberalismo económico dos clássicos. Os classicos acreditavam nos mecanismos de
reequilíbrio automático porque a economa tem uma capacidade de autoregeneração pelas
leis de mercado, tendendo para uma situação de equilíbrio. Daí que para estes autores,
situações de crise sejam apenas transitórias e temporárias. Os clássicos concebiam o Estado
como um mero consumidor improdutivo, incapaz de criar rendimento. Também para eles, o
imposto era considerado um triplo mal: menos investimento privado; menos consumo
privado; e menos aforro privado. Daí que se entenda que a intervençao do Estado se devesse
limitar ao mínimo indispensável para assegurar a ordem pública e a segurança dos
cidadãos. Esta conceção foi adotada no quadro do pensamento liberal e foi retomada com a
instauração da República, em 1910.
Esta conceção contrapõe receitas efetivas a despesas efetivas a receitas não efetivas
e despesas não efetivas. As receitas efetivas são receitas que aumentam o património
financeiro do Estado, de que são exemplos as receitas patrimoniais, as taxas e especialmente
os impostos. Despesas efetivas são, por seu turno, aquelas que diminuem o patrimonio
financeiro do Estado, de que são exemplo as despesas com a aquisição de quaisquer bens ou
seviços (ex.: pagamento dos vencimentos dos funcionários publicos). As receitas não efetivas
são receitas que não aumentam o património financeiro do Estado (ex.: os empréstimos
contraídos por este). As despesas não efetivas são despesas que não diminuem o património
financeiro do Estado (ex.: o reembolso dos empréstimos por parte do Estado).
De acordo com esta conceção, as despesas efetivas do Estado devem ser cobertas
pelas receitas efetivas, sendo a sua principal fonte os impostos.
Fundamentos deste tipo de equilíbrio? Se o montamte das despesas efetivas for igual
ao montante das receitas efetivas, este chegará ao final do período financeiro com o mesmo
património que tinha no início. De acordo com o pensamento clássico, esta conceção era
exigida para que se conseguisse a neutralidade das finanças. Entendia-se que os
contribuintes diminuíam as suas despesas na exata medida dos impostos que pagavam. Pelo
que se os impostos igualassem a despesa pública, o valor das despesas públicas seria
identico à redução das despesas privadas.
Os clássicos concebiam o Estado como um mero consumidor improdutivo, inapto à
produção. É também certo que os impostos não se limitavam a subtrair rendimentos dos
contribuintes destinados a consumo, mas também ao aforro - o que iria provocar uma
diminuição do investimento e, com isso, a formação de capital já que o Estado ia gastar

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improdutivamente esses rendimentos obtidos. Preconizava-se, então, a par do equilíbrio do
orçamento a redução das despesas ao mínimo. O melhor orçamento seria o mais pequeno. E
era bom que assim fosse, uma vez que as respetivas despesas do Estado se encontravam
limitadas ao total dos tributos que se pudesse arrecadar. E esta arrecadação de tributos
estava também limitada pela resistência dos contribuintes. Além do mais, o aumento da
carga tributária terá sempre efeitos nefastos. Então, o orçamento será pequeno e
equilibrado também para que não sejam contraídos emprestimos. Na verdade, o seu
pagamento acabará por se repercutir principalmente nas gerações futuras, passando-lhes o
ónus do seu oagamento. Mas mais do que isso, os capitais não são elásticos (esgotam-se) - o
Estado, ao dirigir-se ao mercado contrair emprestimos, vai diminuir o capital existente, o
capital disponível e, além disso, vai pagar juros altos. O que vai acontecer é que o valor do
crédito à disposiçao das familias e das empresas será menor e as taxas de juro tendem a
aumentar em virtude do aumento da procura de capitais. É certo que quanto menos despesa
pública fizer o Estado, menos impostos será necessário cobrar e, por consequencia, menor
valor é "retirado" ao particular. Assim, maior a sua capacidade para consumo e aforro. Era
também bom um orçamento pequeno e barato, porque uma despesa pública pequena
implicava que o Estado interviesse pouco e que se cingisse à "defense, police and arms".
Apesar desta limitação, pior ainda seria um cenário de dequilíbrio. É que se houvesse défice,
ou seja, se as receitas dos impostos fosse inferior às despesas públicas, o Estado teria, no
fundo, duas alternativas (a primeira meramente teórica): primeira hipótese, aumentar a
quantidade de moeda em circulação (o que seria conseguido através da emissão de notas
junto do banco emissor - "monetarização do défice" - atualmente isto não é possível devido à
integração na UE; mas mesmo que pudesse, isto geraria outro problema: aumento dos
preços tanto mais quanto mais estivermos perante uma situação de pleno emprego); segunda
hipótese é a do recurso a empréstimos - pagar despesas efetivas com receitas não efetivas -,
o que determinaria que o aforro dos particulares, em vez de ser gasto em investimento, seria
consumido improdutivamente pelo Estado.
Assim, o equilibrio do Orçamento adquiriu um sentido normativo - para que as
finanças públicas não prejudicassem a estabilidade e o progresso da economia nacional era
necessário que o Orçamento estivesse equilibrado.
Com o tempo, foi-se reconhecendo o caráter reprodutivo de algumas receitas
públicas e foi-se perdendo a ideia de que o melhor orçamento era necessariamente o mais
pequeno. Mas o equilibrio entre despesas públicas e as receitas (?), sempre limitaria o
montante total de despesa a efetuar ao montante total das receitas (impostos) que o Estado
pudesse cobrar, que era sempre limitado pela resistência dos contribuintes ao seu aumento.
Então, muitas vezes, o que acontecia era que o Estado não realizava despesas muito
relevantes para assegurar a manutenção do equilibrio. Vai ser esta limitação que vai dar
origem a outro critério de equilíbrio. Procurou-se um entendimento mais flexível de

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equilíbrio orçamental, que permitisse cobrir com empréstimos parte das despesas públicas.
Críticas a este equilíbrio? Primeira, o equilibrio entre despesas totais e impostos não
é neutro. Os impostos reduzem em menos do seu montante as despesas privadas, isto porque
a cobrança de impostos pode não advir de rendimento destinado a consumo (pode advir
também de aforro). Segunda crítica, a cobertura de despesas públicas com empréstimos nem
sempre gera efeitos nocivos. Se houver emissão de notas, só é gerada inflação se houver
pleno emrpego. E a contração de empréstimos, apenas afetará as finanças públicas se o
Estado os aplicar apenas em consumo.
Podemos ter um défice do orçamento efetivo ou um superavit do orçamento efetivo.
Um défice orçamental efetivo significa que a despesa efetiva é superior à receita efetiva.
Então, há aquela hipótese teórica de emitir moeda (impossível) e a outra hipótese de
contrair empréstimos (receitas não efetivas). Para que o orçamento efetivo deixe de estar
deficitário, é necessário recorrer a receitas não efetivas. Já o superavit orçamental efetivo
significa que a despesa efetiva é inferior à receita efetiva. Parte da receita efetiva é
mobilizada para pagar empréstimos. Pega-se no excedente da receita efetiva para pagar a
despesa não efetiva.
Apesar de já não estarem em vigor, é de salientar o artigo 9º da LEO, número 2, que
define as receitas e despesas efetivas. E o número 4 define o saldo global/efetivo. Se o saldo
for negativo, estamos perante uma situação deficitária. Se o saldo for positivo, significa que
as receitas são superiores às despesas.

2. Equilíbrio do Orçamento Ordinário


O equilíbrio do orçamento ordinário, por definição, consiste na igualdade entre o
montante das receiats ordinárias e das despesas ordinárias. As receitas ordinárias são as
receitas que o Estado cobra num determinado período financeiro e que, muito provavelmente,
continuará a cobrar nos restantes períodos financeiros. As despesas ordinárias são as
despesas que o Estado faz num determinado período financeiro e que, muito provavelmente,
fará nos períodos financeiros seguintes. Por essa razão, as despesas ordinárias constituem
uma espécie de encargos permanentes do Estado. Se existir equilibrio entre receitas
ordinárias e despesas ordinárias, existirá também um equilíbrio entre receitas extraordinárias
e despesas extraodinárias.
Receitas extraordinárias são as receitas que o Estado cobra num determinado período
financeiro, mas que não se sabe se ou quando voltarão a ser cobradas. Despesas
extraordinárias são as despesas públicas realizadas num determinado período financeiro e
que, muito provavelmente, não se vão repetir nos períodos financeiros seguintes.
Os defensores deste critério de equilíbrio entendem que deste modo se consegue
garantir um equilíbrio justo dos encargos que cada geração tem de suportar e os benefícios de
que essa geração tira vantagem. Para chegarem a esta conclusão partem do pressuposto de

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que as despesas ordinárias têm de se repetir em todos os períodos financeiros, porque as suas
utilidades se esgotam no período em que são realizadas. Já as despesas extraordinárias e que,
por definição, não se repetem em todos os períodos financeiros, têm uma utilidade duradoura
e que se prolonga por vários períodos orçamentais. Ao admitir que as despesas ordinárias
sejam financiadas com receitas ordinárias, então, estaríamos a defender que a geração
presente financiasse as despesas de que retira utilidade e que a geração futura financie apenas
as despesas de que vai beneficiar. Este equilíbrio intergeracional torna-se bem visível ao
nível da receita. São receitas ordinárias os impostos, as taxas e outras receitas patrimoniais -
receitas estas que, de forma direta, oneram apenas a geração presente (que os paga). Já as
receitas extraordinárias de que são exemplo os empréstimos oneram, sobretudo, as gerações
futuras que têm de pagar os juros e os reembolsos. Contudo, esta conceção que parece
bastante simples e fácil de formular levanta inúmeros problemas, desde logo, ao nível da
classificação das receitas e sobretudo das despesas como ordinárias e extraordinárias. Na
maior parte dos casos, esssa classificação é simples. Mas, noutros casos, isso já não acontece.
Vejamos o seguinte exemplo: o Estado prevê para o ano 2018 uma verba de 1000 para a
construção de um novo hospital, sendo de presumir que nos anos seguintes não vão ser construídos
mais hospitais. Contudo, nos orçamentos para 2019 e anos seguintes vamos encontrar sempre a verba
de 1000 para financiar a construção de edifícios públicos com outras finalidades (escolas, etc).
Constatamos assim que há um montante de despesa pública extraordinária que se repete, ou seja, há
um montante ordinário de despesas públcias extraordinárias. São as designadas "despesas
extraordinárias recorrentes" - são aquelas despesas que não se repetem em espécie mas em género.
Neste caso, em todos os orçamentos encontramos o montante de 1000 para despesa pública com
edifícios, despesa essa que não se repete em espécie (ou seja, não é sempre um hospital ou uma
escola), mas que, por se repetir em género, constitui também ela um encargo permanente do Estado e
deve, então, ser financiada através de receitas ordinárias.
Este critério de equilíbrio que vigorou em PT de 1928 a 1976 pode ainda ser criticado
por outras razões. Não se consegue comprovar que as despesas ordinárias esgotam a sua
utilidade no período em que são feitas. Aliás, parece inconstestável que algumas despesas
ordinárias, nomeadamente as de educação ou de saúde, têm uma utilidade duradoura, apesar
de serem encargos permanentes do Estado, ficando também por demonstrar que as despesas
extraordinárias têm uma utilidade duradoura. O que é certo é que as receitas extraordinárias
são encargos para as gerações futuras, mas as receitas ordinárias podem também
indiretamente colocar em causa o rendimento das gerações futuras e, por essa via, serem
também um encargo para essas gerações.

2. Equilíbrio do Orçamento Ordinário


Este surge ou decorre da necessidade de um entendimento mais flexivel de equilibrio
orçamental, de um conceito que permitisse cobrir com empréstimos parte da despesa pública.
Esta conceção contrapõe receitas ordinarias a despesas ordinárias e receitas

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extraordinárias a despesas extraordinárias.
Despesas ordinárias são as despesas que presumivelmente se repetirão em todos os
períodos financeiros, que constituem como que encargos permanentes do Estado (p.ex.:
despesas com os vencimentos dos funcionários públicos). Receitas ordinárias são as
cobradas em determinado período financeiro e que, com toda a probabilidade, voltarão a
ser cobertas nos períodos seguintes (ex: os impostos permanentes). Despesas extraodinárias
são despesas que presumivelmente não se repetirão todos os períodos, não sendo previsível
quando voltarão a surgir (p.ex.: a construção de uma certa estrada). Receitas
extraordinárias são aquelas obtidas num determinado período financeiro e que não se sabe
quando voltarão a ser obtidas (p.ex.: os empréstimos).
Ao abrigo desta conceção de equilibrio, defende-se que as despesas ordinárias
devem ser cobertas com receitas ordinárias e as despesas extraordinárias com receitas
extraordinárias.
Esta conceção foi inicialmente adotada por razões pragmáticas. E encontra-se
associada ao financiamento das redes de infraestruturas do século XIX. Nesta época de
realização de grandes obras publicas, imponha-se o respetivo financiamento, que não se
conseguiria fazer apenas com o recurso a impostos. Foi então necessário o recurso ao
crédito. Daí que tenha sido necessário que este fosse acolhido nos quadros do equilibrio
orçamental. Com o Estado Novo, regressou-se a este critério, mantido até 1977.
Razões para a defesa deste equilibrio? Primeira, esta regra assegura o equilibrio
entre as despesas e as receitas que presumivelmente se realizam todos os anos. Com a
recuperação pelo Estado Novo desta conceção, passou a associar-se este argumento a uma
ideia de 'finanças sãs', que se associa a uma tesouraria em equilibrio, dado um critério de
previsibilidade. Na tesouraria do Estado ingressavam anualmente recursos para satisfazer
encargos anuais e, nessa medida, provendo permanentemente a tesouraria de meios para
fazer face a encargos permanentes. Daí que Salazar frequentemente dissesse "vou gerir o
país como uma boa dona de casa gere o seu lar". Segunda, esta regra permite o equilíbrio
entre a utilidade usufruída por cada geração e a utilidade custeada por si mesma.
Entende-se que despesas ordinárias, porque todos os anos se repetem, esgotam a sua
utilidade no período em que são realizadas. Assim, por exemplo, os vencimentos pagos
anualmente aos funcionários apenas remuneram o trabalho que eles prestam nesse mesmo
ano. Por outro lado, as despesas que não se repetem em todos os períodos financeiros
oferecem uma utilidade duradoura. Assim, a construção de uma estrada aproveita também
aos que vierem em anos posteriores. Então, as despesas com utilidade passageira deveriam
ser custeadas com receita ordinária, por exemplo com receitas permanentes, taxas e
impostos cobrados num ano e presumivelmente gerados como rendimento desse ano. E as
despesas com utilidade duradoura poderiam ser pagas com empréstimos que gerariam
encargos para esse periodo e períodos futuros. Deve referir-se o princípio da equidade

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intergeracional - 10º VLEO e 13º LEO (ideia de justiça entre várias gerações). O ónus para
as gerações futuras significa simplisticamente que o que fazemos financeiramente neste
momento tem implicações no futuro. Ou seja, uma decisão financeira tem impacto no tempo.
A geração paga as despesas cuja utilidade se limita a um ano. E as gerações futuras pagarão
as duradouras.
Críticas? A primeira é de que o critério não se sustenta à luz da sua própria lógica. O
Dr Teixeira Ribeiro chama atenção para este ponto- o que determina o carater permanente
ou esporadico das despesas não é por estas retornarem em espécie, mas em genero ou
montante. Ou seja, mesmo que a despesa orçada num ano para realizar determinada obra ou
parte dessa obra, não volte a surgir em nos subsequentes, será muitas vezes presumível que o
Estado tenha que prever de novo igual montante nos períodos subsequentes para custear
outras obras públicas. Aí, descortinamos uma despesa permanente, porque na verdade o
Estado anualmente prevê a realização de um montante de despesas de um determinado
género. Por exemplo, a espécie da obra pode ser a ponte; o genéro é obra publica. Estamos
então em face de um montante ordinário de despesas extraordinárias. Despesa
extraordinária recorrente - despesa extraordinária que no seu montante se repete. Trata-se
aqui de uma despesa que não retorna em espécie, mas em género, que deveria ser coberta
com receita ordinária, porque em rigor elas constituem despesas permanentes. Segunda
crítica, arbritariedade da classificação - significa o quão pouco isenta de dúvidas é a
classificação de uma despesa como ordinária ou extraordinária. Mas mais ainda, é
altamente discutível se uma despesa retornará ou não em períodos ulteriores. Trata-se de
um critério vago que gera arbitrariedade. No fundo, é entregar à conveniência do Governo a
classificação das despesas, sabendo que a respetiva classificação como extraordinária
permitirá o seu financiamento com empréstimos. E então, ao governo coloca-se a seguinte
questaõ: para que o orçamento esteja equilibrado: ou considera-se a despesa x como
ordinária e para isso subir-se-iam os impostos; ou considerava-se uma despesa
extraordinária, optando o Governo por empréstimos. A conclusão é de que é mais fácil para
o Governo do ponto de vista politico pedir emprestimos do que aumenttar os impsotos -
possibildiade de manipulação na classificação tendo em conta o interesse públcio. Exemplo:
A construção de uma obra pública, à luz do orçamento efetivo seria uma despesa efetiva,
custeada com receita efetiva. Por sua vez, à luz do orçamento ordinário, é uma despesa
extraordinária, que deve ser custeada a receita extraordinária (com recurso ao crédito).
Não é indiferente a conceção de equilibrio adotada para aferição da existencia ou não de
equilibrio. Terceira crítica: invalidade da razão prática da igualdade dos sacrifícios das
gerações presentes e futuras. Critica-se porque não se demonstra que as despesas
extraordinárias tenham todas uma utilidade duradoura. Ex.: Nas palavras de Teixeira
Ribeiro "é no mínimo discutível que as despesas com a Guerra do Ultramar, que à época
convinha financiar com empréstimos, tenham gerado uma utilidade duradoura". E também

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não se demonstra que as despesas que todos os anos se repetem tenham uma utildiade
passageira. Ex.: pense-se no salário de uma professora primária e na duração da utilidade
que a aprendizagem da leitura e da escrita tem para cada turma nos vários anos.
Estamos perante uma conceção facilitadora da contração de empréstimos.

3. Equilíbrio do orçamento corrente


O equilíbrio do Orçamento Corrente pressupõe a igualdade entre receitas correntes e
despesas correntes. Receitas correntes são as receitas que provêm do rendimento do próprio
período financeiro. Despesas correntes são as despesas que o Estado faz em bens
consumíveis durante aquele período financeiro ou que se vão traduzir na compra de bens
consumíveis nesse mesmo período financeiro. Se o valor das receitas correntes for igual ao
das despesas correntes, haverá um equilíbrio entre a redução e o aumento do consumo
resultante da atividade financeira estadual.
Referimos há pouco que as receitas correntes provêm do rendimento do próprio
período financeiro e, nessa medida, seriam em regra destinadas ao consumo. Se admitirmos
que os impostos são sempre pagos com receitas que seriam destinadas a consumo, então
podemos dizer que o pagamento dos impostos reduz, na sua exata medida, o consumo
privado. São exemplos de impostos pagos com rendimento do próprio período os impostos
indiretos (p.ex.: IVA), impostos sobre bebidas alcoólicas ou açucaradas, imposto sobre o
tabaco, imposto sobre sacos de plástico.
Ora, as despesas estaduais financiadas pelas receitas provenientes dos impostos são
despesas em consumo e, então, existirá uma igualdade entre o aumento de consumo público e
a diminuição (=desincremento) do consumo privado. Se a atividade financeira não afeta,
numa visão unitária, os níveis de consumo, também não vai afetar os níveis do aforro.
Pressupõe-se o equilíbrio entre receitas de capital e despesas de capital. Receitas de capital
são as receitas que provêm do aforro dos privados. Despesas de capital são as despesas que o
Estado faz em bens duradouros ou que contribuem para a formação de aforro.
Neste tipo de orçamento, o equilíbrio é definido em função dos efeitos que a atividade
estadual tem sobre o consumo e o aforro, incluindo neste último o investimento e a
manutenção de capital em saldos líquidos. Trata-se, então, de grandezas de que depende o
equilíbrio económico. Este critério de equilíbrio permite, acima de tudo, o crescimento, o
desenvolvimento e a realização de grandes investimentos públicos em infraestruturas, porque
o financiamento de tais despesas pode fazer-se com recurso ao crédito, mantendo ao mesmo
tempo o orçamento equilibrado. O recurso a empréstimos por parte do Estado permite ainda
canalizar pequenas poupanças privadas para grandes investimentos públicos, permitidno
viabilizar alterações estruturais na economia nacional. Contudo, convém ter em consideração
que nem sempre os impostos são pagos com rendimento do próprio período financeiro: casos
há em que os impostos são pagos no todo ou em parte com rendimento aforrado ou com

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rendimento que se destinaria a aforro. Por essa razão, há que considerar que este equilíbrio
tem como especial vantagem o facto de permitir financiar despesa pública de investimento
com receitas provenientes dos empréstimos e, ao mesmo tempo, manter o orçamento
equilibrado.

3. Equilíbrio do Orçamento Corrente


Foi adotada em 77 e perdurou até 81. Pressupõe o equilíbrio em relação às seguintes
categorias: despesas e receitas correntes e despesas e receitas de capital.
Despesas correntes são as despesas que o Estado faz em bens consumíveis durante o
período financeiro (ex.: pagamento da conta da água de um Ministério) ou que se vão
traduzir na compra de bens consumíveis (p.ex.: o pagamento de um subsidio a uma família
carenciada, que em principio irá utilizar o valor do subsidio na compra de bens
consumíveis). Seguintes rubricas: gastos com a aquisição de bens cnsumíveis;
transferencias correntes (prestações estaduais sem contrapartida, que se destinarão ao
consumo); e quotas de amortização dos bens duradouros, em que estas representam o valor
da parte dos bens duradouros que vai ser consumido no período financeiro.
Receitas correntes são aquelas provêm do rendimento do próprio período (p.ex.: as
taxas e os impostos que geralmente são pagos com o rendimento auferido no perído). O
orçamento das receitas correntes contém as seguintes rubricas: receitas patrimoniais, taxas
e impostos e transferências correntes (prestações a favor do Estado que ele destina a
despesas correntes).
Despesas de capital são aquelas que o Estado faz em bens duradouros ou que
contribuem para a formação do aforro (p.ex.: construção de uma estrada e o reembolso de
um empréstimo). Seguintes rubricas: Despesas com bens duradouros, Empréstimos a
conceder pelo Estado, Reembolso dos empréstimos que o Estado contraiu, Transferências de
capital a favor de entidades publicas ou privadas.
Receitas de capital são aquelas que provêm do aforro (p.ex.: a contração dos
empréstimos). Seguintes rubricas: quotas de amortização dos bens duradouros (as
importancias que o Estado põe anualmente de parte para reintegrar o valor dos bens
duradouros para corresponder às despesas correntes que são as quotas de amortização);
reembolso dos empréstimos concedidos pelo Estado; empréstimos a contrair pelo Estado;
transferências de capital (prestações gratuitas a favor do Estado que ele destina a despesas
de capital).
Atendendo à obrigatoriedade de equilíbrio formal, questão: se o orçamento corrente
estiver em equilibrio, como estará o de capital? Em equilíbrio. Se o orçamento corrente
estiver equilibrado, também o estará o de capital, não sendo necessário corrigir
desequilibrios. Quando as despesas correntes (grosso modo, o consumo publico) são
cobertas por receitas correntes, há uma igualdade entre o aumento do consumo público e a

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diminuição do consumo privado, o que significa uma neutralidade em relação ao consumo
global. Se o orçamento corrente estiver deficitário, como vai estar o de capital?
Superavitado. Se o orçamento corrente estiver deficitario (quando as despesas correntes nao
forem suficientes para cobrir as receitas correntes) terá de corresponder a um superavit do
orçamento de capital de igual montante. Se as receitas correntes não cobrirem as despesas
correntes, teremos de recorrer a receitas de capital. E esta situação representa o desaforro
do Estado. Isto é, desvia-se do aforro (o superavit) para fazer face ao consumo, já que as
despesas correntes representam consumo do Estado ou são despesas que se vão traduzir em
consumo. Outra situação é a de défice do Orçamento de capital, a que corresponderá, do
mesmo modo, um superavit do Orçamento Corrente. Então, se o orçamento de capital for
deficitário, o corrente será superavit e isto represneta uma situaçao benefica - significa que
o Estado pode efetuar mais despesa de capital do que as receitas de capital permitiriam. Isto
porque o valor do superavit do orçamento corrente foi canalizado para o investimento, já
que as despesas de capital são aforro destinado ao investimento.
Qual é a racionalidade deste critério? A razão racional número um para este critério:
se as depesas correntes igualarem as receitas correntes, haverá um equilíbrio entre a
redução do consumo privado e o aumento do consumo público. Uma vez que as receitas
correntes são pagas com rendimento gerado no período financeiro e, admitindo-se que este
rendimento seria destinado pelos seus titulares a consumo, teremos que a cobrança da
receita corrente diminui o consumo privado no mesmo montante. Mas essa receita corrente
será destinada a cobrir despesa corrente no mesmo montante. Assim, o consumo público irá
aumentar na medida da diminuição do consumo privado e, portanto, mantém-se inalterado o
consumo total (é a ideia da neutralidade sobre o consumo). Segunda razão - esta conceção
de equilíbrio do orçamento corrente permite avaliar com clareza a ação do Estado sobre as
duas grandes variáveis maccroeconómicas (o consumo e o aforro). Com efeito, se houver
défice do orçamento corrente, o cenário é o seguinte: significa que as receitas correntes não
são suficientes para cobrir as despesas correntes e, por isso, as despesas correntes serão
financiadas com um superavit do orçamento de capital, ou seja, há receitas de capital a
financiar consumo público (há, portanto, desaforro público), aumentando o consumo total.
Esta é uma situação desvantajosa, porque pagar-se-á com empréstimos despesas correntes,
o que implica o pagamento de juros (a pagar no futuro) sem que, no entanto, se formem
novos bens capitais (que permitem a reprodução do capital). Pelo contrário, se houver
superavit do orçamento corrente, isso significa que há receita que, de outro modo, seria
destinada a consumo privado, que será afeta à poupança pública. -» Do que se percebe que
aumenta o aforro público e, por isso, também aumenta o aforro total, o que pode ser
aconselhável, por exemplo, para arrefecer a economia, nomeadamente numa situação de
inflação. Terceiro: a classificação de uma despesa ou uma receita como corrente ou de
capital presta-se a menos arbítrio do que a classificação que distingue entre receitas e

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despesas ordinárias e extraordinárias. Quarto: esta conceção fornece uma justificação
economicamente válida para a contração de empréstimos pelo Estado. Assim como uma
empresa financia com recurso a empréstimos os seus gastos em capital fixo (por este ser
apto a gerar rendimento), também o Estado deverá ser autorizado a financiar com
empréstimos os seus investimentos.
Contudo, esta conceção não está isenta de críticas. Começa, desde logo, por
criticar-se o seguinte: é que o pressuposto de que o montante com que se pagam os impostos
seria destinado pelos contribuintes a consumo nem sempre se releva correto, porque pode
tratar-se de um montante aforrado pelo contribuinte ou que se destinaria a aforro; no
entanto, é correto afirmar-se que a maioria do montante com que se pagam os impostos seria
destinado a consumo. Este é o critério sufragado pelo Dr Teixeira Ribeiro, que desconsidera
o critério do equilíbrio do orçamento ordinário, que considera falho de racionalidade
económica Considerando apenas o critério clássico (do orçamento efetivo) e do equilíbrio
corrente, o Dr Teixeira Ribeiro chama a atenção para alguns aspetos: a conceção do
orçamento corrente favorece as despesas de investimento, possibilitando a sua cobertura
com empréstimos e, por isso, o critério clássico prejudica grandemente a realização de
despesas de investimento por parte do Estado. Por outro lado, o critério do equilibrio do
orçamento corrente desincentiva as despesas em bens de consumo, porque têm de ser
financiadas com impostos. Também chama a atenção que o assegurar do equilibrio do
orçamento corrente evita que haja absorção do aforro privado para ser gasto em consumo
público. Por sua vez, o equilíbrio do orçamento efetivo (mais exigente) é adequado para
controlar processos inflacionistas, uma vez que limita o recurso ao crédito. O Dr Teixeira
Ribeiro prefere a conceção do equilibrio do orçamento corrente, porque a do orçamento
efetivo limita demasiado o investimento público e, assim, o alcance de prossecução da
agenda estadual, cuja importancia é mais duradoura, ou seja, o desenvolvimento
económico.

4. Equilíbrio do Saldo primário


Atualmente, já não se atribui um caráter de neutralidade à intervenção do Estado na
economia nem ao equilíbrio entre despesas totais e impostos.
Entende-se também que nem sempre o financiamento da despesa pública com recurso
a empréstimos é nocivo. Na verdade, já há muito tempo que, entre os economistas, é
consensual a ideia de que o financiamento da despesa pública com recurso ao crédito só
prejudica o investimento se os empréstimos contraídos pelo Estado servirem para financiar
despesas de consumo. Há até autores que defendem que, mesmo nesses casos, pode
indiretamente verificar-se um aumento do investimento total.
Apesar do que acabamos de dizer, continua a defender-se, maioritariamente, que o
critério de equilíbrio mais adequado é o equilíbrio efetivo, embora se reconheça que é

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necessário introduzir algumas especificações para que os dados obtidos permitam obter
informação adequada aos seus destinatários.
O critério do saldo primário parte do equibrio efetivo do orçamento, mas introduz ao
nível da despesa uma especificidade. No saldo primário, usamos as categorias de receita
efetiva e despesa efetiva, receita não efetiva e despesa não efetiva. Mas dá-se um tratamento
diverso aos juros da dívida pública. É que para calcular o saldo orçamental, o montante dos
juros da dívida pública é contabilizado conjuntamente com as despesas não efetivas, ao invés
de ser contabilizado conjuntamente com as despesas efetivas. Na prática, isto equivale a dizer
que os juros da dívida pública são tratados como uma despesa efetiva honorária,
permitindo-se que sejam pagos com recurso a receitas não efetivas sem que isso ponha em
causa o equilíbrio orçamental.
Teixeira Ribeiro e Aníbal Almeida eram fortes contestários desta conceção de
equilíbrio. Aníbal Almeida baseia a sua crítica no seguinte: "embora seja certo que os
contratos legalmente celebrados devam ser pontualmente cumpridos (art. 702º CC) e o
executivo deva honrar os compromissos assumidos, pagando os juros convencionados aos
credores do Estado, não sendo livre de o não fazer, essa realidade universal nada tem a ver
com os critérios do equilíbrio orçamental e com o respetivo sentido normativo." Continua
dizendo que "os juros da dívida pública são, no orçamento primário, elevados à categoria de
despesas efetivas honorárias, permitindo-se que sejam pagos com recurso a receitas
provenientes dos empréstimos (ou seja, receitas não efetivas), sem que isso ponha em causa o
equilíbrio orçamental". Acrescenta Teixeira Ribeiro que "o orçamento primário equilibrado
implica sempre o aumento da dívida pública no montante dos juros, porque é necessário
recorrer a receitas não efetivas para proceder ao seu pagamento. Não seria isto que sucederia
se o orçamento tivesse equilibrado de acordo com o critério do orçamento efetivo". Mas,
mais estranho que isto, é o facto do orçamento primário superavitário poder gerar um
aumento da dívida pública. É isso que sucederá se o valor do superavit primário for inferior
ao valor dos juros da dívida pública. Só não existirá aumento de endividamento se o
orçamento primário for superavitário e o valor do superavit for, pelo menos, igual ao valor
dos juros da dívida pública. Por essa razão, quer Aníbal Almeida quer Teixeira Ribeiro,
dizem que se trata de um critério cuja justificação é puramente política.
Os defensores desta conceção dizem, pelo contrário, que esta formulação de
equilíbrio orçamental é a única que permite eliminar das despesas estaduais aquelas que
verdadeiramente não são da responsabilidade daquele executivo.
Apesar de compreendermos que este critério de equilíbrio é difícil de justificar do
ponto de vista económico e financeiro, a verdade é que o seu cálculo pode ser muito útil. Ao
excluir do cálculo do défice o valor dos juros, estamos a expurgar da despesa pública uma
componente que não é discricionária, isto é, trata-se de uma despesa que, como diz Aníbal
Almeida, "tem que ser paga", uma despesa obrigatória e é também uma despesa cujo valor

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não é controlável pelo atual executivo. O valor dos juros depende de decisões tomadas em
períodos financeiros anteriores, que conduziram ao acumular de dívida, dívida esta que pode
originar um volume de despesas muito elevado. Embora influenciem o orçamento atual, os
juros têm origem em défices anteriores e, por isso, calcular o saldo primário permite-nos
saber se o período atual contribuiu ou não para o aumento da dívida pública.
Deste modo, este critério de equilíbrio permite-nos saber qual é o contributo do
período financeiro para o aumento da dívida e permite ainda comparar esses dados com
dados internacionais.

5. Equilíbrio do Saldo Estrutural


Artigo 12º/c) VLEO
O saldo orçamental estrutural (ou de pleno emprego) tem em consideração o nível da
atividade económica do país. Procura determinar-se o défice orçamental que se verificaria se
a economia estivesse a funcionar em pleno emprego.
Há três metodologias de cálculo: da OCDE, do FMI e da UE.
Recentemente, tornou-se muito evidente a necessidade de retirar também do saldo
orçamental outras variáveis que refletem alterações cíclicas e alterações estruturais. Isso é
possível fazer-se se calcularmos o saldo estrutural. Partindo do saldo efetivo, começamos por
retirar os valores correspondentes à componente cíclica e à componente estrutural ou, se
preferirmos utilizar, a nomenclatura que consta do artigo 12º/c) da VLEO e do art 3º do
Tratado Orçamental, retiramos as medidas temporárias e não recorrentes e os efeitos do ciclo
económico. Convém, porém, ter em atenção que nem sempre os efeitos das medidas
temporárias e não recorrentes e os efeitos do ciclo económico provocam uma descida de
défice. São disso exemplo as medidas temporárias e não recorrentes do lado da receita.
Para além do cálculo do saldo estrutural, atribuiu-se atualmente uma grande
importância à chamada "regra de ouro das finanças públicas", de acordo com a qual o valor
do défice não deve ultrapassar o valor das despesas públicas de investimento.

5.4. O equilíbrio orçamental em Portugal

Em matéria de equilíbrio orçamental, temos de considerar atualmente não só as


disposições de direito interno, como também o direito da União Europeia e o direito
internacional. De acordo com as normas de direito interno, em Portugal, já vigoraram o
equilíbrio efetivo, o equilíbrio ordinário, o equilíbrio primário e o equilíbrio corrente. Mas,
atualmente, a resposta a uma questão simples que é a de saber qual o critério de equilíbrio
vigente, implica que mobilizemos duas leis de enquadramento orçamental e um conjunto de
normas relativas à atividade financeira do Estado. Encontram-se atualmente em vigor, de

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acordo com o art 8º da Lei nº 151/2015 de 11 de setembro, os artigos 1º e 2º e 4º a 19º da
Nova LEO. Mas mantêm-se em vigor as normas dos art 12º/b) e sgs da Velha LEO, constante
da Lei nº 91/2011.

Quanto às normas de Direito Interno:


De acordo com o art 12ºC da VLEO, encontra-se consagrado entre nós a
obrigatoriedade de ser apresentado um orçamento que tenha em consideração o saldo
estrutural e os limites definidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Esta norma,
tal como o que sucede com o art. 12ºD a 12ºE da VLEO, são normas que foram introduzidas
na nossa LEO em 2011 e serviram para dar cumprimento ao estabelecido no Tratado sobre
Estabilidade e Governação na União Europeia (habitualmente conhecido por Tratado
Orçamental).
Com a revogação expressa do art 9º deixamos de encontrar na Lei de Enquadramento
Orçamental uma norma especificamente relacionada com equilíbrio orçamental na sua
globalidade, tendo-se mantido em vigor as restantes disposições relativas aos subsetores da
economia.
No art 23º, encontramos estabelecido para os serviços integrados a obrigatoriedade de
apresentarem um orçamento primário equilibrado ou superavitado. Os serviços integrados
são aqueles que não dispõem de autonomia financeira que, por isso, não têm orçamento
próprio, podendo ter ou não receitas próprias. Estes serviços estão regulados no art 2º e sgs
do Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE) e art 2º da Lei de Bases da
Contabilidade Pública (LBCP).
Já os serviços com autonomia administrativa e financeira e que. por isso, têm
orçamento próprio e, em regra, receitas próprias com base nas quais podem autorizar
despesas, têm que apresentar um orçamento equilibrado ou superavitário de acordo com o
critério do saldo global. Este saldo global corresponde ao saldo efetivo. Art 25º da VLEO.
Por último e de acordo com o art 28º VLEO, o orçamento da Segurança Social deve
estar, pelo menos, equilibrado, de acordo com o critério do orçamento efetivo.

O equilíbrio do orçamento efetivo é seguido relativamente ao orçamento dos serviços


e fundos autónomos - art 25º/1 VLEO, bem como relativamente ao orçamento da segurança
social - art 28º/1 VLEO.
Mas, já em relação aos serviços integrados, vale um critério diferente, que é o
equilíbrio primário do orçamento ou equilíbrio do saldo primário. O saldo primário está
definido no art 9º/5 VLEO - saldo global menos os juros da dívida pública. No art 23º,
percebemos que as receitas efetivas dos serviços integrados têm se ser superiores às
despesas efetivas do mesmo orçamento, excluindo os encargos correntes de dívida pública.
Trata-se, aqui, então do saldo primário ou do critério de equilíbrio primário, que parte do

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 60


equilíbrio do orçamento efetivo.
No entanto, o critério do equilíbrio do orçamento primário é menos exigente, porque
não exige que todas as despesas efetivas sejam cobertas com receita efetiva, proque deduz
do confronto os encargos com os juros da dívida, que sao uma despesa efetiva (porque
diminuem o património financeiro do Estado). Ao passo que o critério do orçamento efetivo
obrigava a que as despesas efetivas fossem pagas com receitas efetivas, o critério do
equilibrio do orçamento primário é mais flexível - permitindo que as despesas efetivas sejam
pagas com receitas não efetivas (os empéstimos). O que são encargos correntes da dívida
pública? Quando se contrai um empréstimo, recebe-se uma determinada soma contra a
obrigação de restituir essa soma no futuro (reembolsar). Quando esse empréstimo é
remunerado, o Estado tem a obrigação de pagar ao prestamista periodicamente um juro. Os
encargos correntes da dívida são exatamente os juros que anualmente ão devidos pelo
capital emprestado. São uma despesa efetiva, porque, além de diminuirem o património
financeiro do Estado, o pagamento de juros não tem contrapartida na anulação de uma
rubrica que existisse previamente no passivo. E que significa esta exclusão dos juros? Não
significa que não sejam contabilizados no orçamento. O pagamento de juros que não
constassem do orçamento implicaria, desde logo, a violação da regra da universalidade.
Por outro lado, os juros não podem deixar de ser constar no OE porque resultam de uma
obrigação contratual assumida pelo Estado. São, então, despesas obrigatórias. Para este
efeito - art 16º/1/a) VLEO e o 44º/2 LEO. A despesa com o pagamento de juros é apenas
desconsiderada para efeito de confronto com as receitas efetivas. Então, o orçamento
primário está equilibrado desde que as receitas efetivas cobram todas as despesas efetivas
sem contar com os juros da dívida pública.
No fundo, para efeitos de aferição do equilibrio do orçamento primário, tudo se
passa como se os juros da dívida tivessem natureza de despesa não efetiva. Os doutores
Teixeira Ribeiro e Aníbal Almeida criticavam duramente esta conceção, que consideravam
desprovida de lógica económica, pois não é neutral face à dívida pública, implicando
necessariamente o aumento desta. E aumenta porque sucessivamente se contrai nova dívida
para pagar antiga dívida e, não só isso, como também os juros dessa antiga dívida. Então,
estes autores consideravam que esta conceção servia razões puramente políticas. E diziam
que esta conceção permitia a um Estado endividado como o Estado português a
apresentação ao público de orçamentos equilibrados quando, na verdade, esse equilibrio
era meramente aparente e artificial. Fala-se ironicamente, a este respeito, da promoção
para fins políticos dos juros da dívida pública a "despesas não efetivas honorárias".
Mas será este critério totalmente desprovido de racionalidade? Não; são seus
defensores os Doutores Cavaco Silva e ? das Neves, que lhe apontam uma função útil, desde
logo: permitir apurar responsabilidade de cada um dos Governos pela situação financeira
do Estado. Tem uma racionalidade política e económica, que é especialmente a da confiança

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 61


transmitida aos agentes económicos, já que facilita a apresentação de um Orçamento de
Estado equilibrado. Para apurar este contributo há que compreender que existe uma grande
fatia de despesas relativas à dívida pública cuja realização não está na disponibilidade ou
discricionaridade de cada executivo. Artigos 16º VLEO e 44º/2. No fundo, são compromissos
que resultam de anos anteriores e que, grande parte das vezes, são alheios ao atual Governo.
Pense-se, por exemplo, no caso das despesas plurianuais e na emissão de obrigações por
parte do Estado. Sabemos que estas despesas têm um peso grande no nosso orçamento. São
obrigatórias - o Governo não tem liberdade de orçamentar (ou não) essas responsabilidades
inerentes a dívida contraída por executivos passados.
Assim, o equilibrio do orçamento primário permite ao executivo demonstrar que,
relativamente às despesas efetivas pelas quais é diretamente responsável, conseguiu um
equilíbrio orçamental. Não há, de facto, uma lógica económica, mas política. Os juros da
dívida são resultado de défices anteriores e poder-se-á ver se cada Governo gerou novo
défice e facilita-se, assim, a apresentação de orçamentos equilibrados, o que tem o já
referido económico - da confiança dos agentes económicos.
VLEO: arts 9º (revogado), 10ºA (revogado), 12ºC (em vigor), 23º (em vigor), 25º (em
vigor), 28º (em vigor), 87º (em vigor).
LEO: arts 10º (em vigor), 11º (em vigor), 20º (em vigor a partir de setembro/2018),
27º (vigor em setembro/2018), 28º ("").

Quanto às normas de Direito da União Europeia:


Apesar de podermos encontrar logo no Tratado de Roma disposições importantes
para preparar a União Económica e Monetária, só na década de 90 é que foram adotadas
medidas que permitiam avançar para uma moeda única no espaço da União. Isso aconteceu
com o Tratado de Mastricht, adotado em 1992, que entrou em vigor em 1993.
VER O TEXTO QUE A DRA VAI COLOCAR NO INFORESTUDANTE SOBRE
ESTA EVOLUÇÃO.

Cada vez mais, as Finanças não são nacionais; tornam-se da União Europeia. Além
das regras nacionais, também tem de se atender às regras da UE, que está sempre muito
atenta à elaboração e execução dos Orçamentos dos vários países membros. Em rigor, até
1999, os défices dos orçamentos dos vários países não eram propriamente uma preocupação
para os demais países. Contudo, e cada vez mais, a preocupação com o sucesso económico
dos países da UE prende-se com os efeitos de contágio entre as várias economias. Esta
terceira e última fase da UEM está em decurso ainda em vários países e diz respeito à
adoção do euro como moeda única. Quase todos os países que fazem parte da UE, adotaram
o euro como moeda única. Os países da UE devem cumprir um conjunto de requisitos
económicos e jurídicos antes de puderes aderir a esta terceira fase. No nosso caso português,

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 62


a questão não se coloca. Os requisitos económicos são os denominados 'critérios de
convergência' - assegurar uma economia e situação financeira estáveis no seio da UE, a fim
de preservar a estabilidade da área do euro. Também há requisitos jurídicos, que se
prendem com a compatibilização do direito interno com o direito comunitário. Logo que
preencha todos os requisitos, o país é autorizado a participar nesta 3ª fase.
Artigo 140º TFUE - 4 critérios prévios à adoção do euro, que tem de ser articulado
com o Protocolo nº 13: critério da taxa de inflação, das finanças públicas sustentáveis, das
taxas de câmbio e critério das taxas de juro a longo prazo. O critério das finanças públicas
interessa-nos enquanto critério de manutenção. Significa a necessidade de manter uma
situação orçamental sem défice excessivo. Esta é uma exigência para todos os países que
adotaram o euro e que decorre do relevantíssimo artigo 126º TFUE, conjuntamente com o
Protocolo nº 12. Este Protocolo nº 12 é relativo ao procedimento por défices excessivos.
Remissão do 126º/1 para o Protocolo 12/ art 2º/ 2º parág (=travessão).
Este 126º deve ser harmonizado com o PEC, criado em 1997, e inicialmente
composto por 3 documentos: uma Resolução do Conselho Europeu sobre o Pacto de
Estabilidade e Crescimento de Amsterdão de 17/06/97, onde se fixaram as linhas essenciais
do PEC; pelo Regulamento CEE 1466/97 do Conselho de 7 de julho (comporta um conjunto
de regras preventivas - supervisão para evitar que os países, numa fase precoce, se
apresentem numa situação de défice excessivo); e ainda, Regulamento CEE 1467/97 do
Conselho de 7 de julho (espelha regras corretivas). Em 2005, estes dois últimos
Regulamentos foram alterados pelo Regulamento CEE 1055/2005 do Conselho de 27 de
junho e pelo Regulamento 1056/2005, respetivamente.
Mais tarde, em 2011, mediante um pacote composto por cinco regulamentos e uma
diretiva ("six pack"), procedeu-se a um reforço das regras da governação económica da UE,
especialmente no sentido de reforçar aquelas duas vertentes de que já falávamos (a
preventiva e a corretiva do PEC). Dois desses regulamentos alteraram também aqueles
primeiros: o 1466 pelo Regulamento UE nº 1175/2011 do PE e do Conselho de 16 de
novembro de 2011; e o 1467 pelo Regulamento UE nº 1177/2011 do Conselho de 8 de
novembro de 2011.
Em 2013, cria-se o "two pack", que inclui dois regulamentos destinados a reforçar a
integração económica e a convergência entre os EM da área do euro. Esses regulamentos
têm por base complementar a reforma do "six pack". São os Regulamentos da UE nº
473/2013 e o 472/2013.
Em 2012, foi aprovado o comummente chamado "Tratado Orçamental".

Do artigo 1º do Protocolo nº 12 retira-se que existem dois limites, dentro do critério


das finanças públicas sustentáveis: limite do défice orçamental (que não pode ultrapassar
3% do PIB) e o limite da dívida pública, que não pode ser superior a 60% do PIB. No

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 63


número 3 - 126º, diz-se que a Comissão averiguará a situação caso um EM ultrapasse estes
limites. Se forem ultrapassados os critérios referidos, no relatório a preparar pela Comissão,
esta vai analisar se esta ultrapassagem dos limites se ficou a dever a despesas publicas de
investimento, ou seja, se os limites foram ultrapassados porque o Estado contraiu
empréstimos para pagar despesa pública de investimento. Desta análise, pode o Conselho,
sob proposta da Comissão, concluir que se não fosse para pagar essas despesas, o Estado
membro teria ficado dentro dos limites previstos e, assim, decidir que não se aplicará um
procedimento a esse país. Além disso, essas despesas impulsionam o crescimento económico
do país. Não é automaticamente por o EM ultrapassar esses critérios que lhe é aplicada uma
sanção.
Se um EM não cumprir os tais limites, não lhe é automaticamente aplicada uma
medida. Ao longo do artigo 126º, é dada oportunidade ao EM para alterar a situação e só
depois do EM nada fazer (ou fazer insuficientemente) é que se aplicará aquelas hipóteses de
realização de depósito não remunerado e da multa, que se aplicarão numa situação já
agravda.
Falando sobre o Protocolo nº 12, o art 2º dá-nos algumas definições úteis para a
análise deste art 126º TFUE. Começa logo por dizer o que se entende por "orçamental" -
esta definição pretende informar-nos que, apesar de em PT existir uma pluridade
orçamental (9º LEO), para este efeito há a consideração de um Orçamento único, porque na
contabilização comunitária são incluídas as contas consolidadas de todos os níveis da
Administração, ou seja, ao endividamento líquido estadual soma-se o endividamento dos
níveis da Administração Regional e autárquica. Assim, o perímetro das entidades que
interessam à UE avaliar vai para além daquelas que integram o OE. Este artigo 2º também
nos dá a definição de "défice" - este corresponde aos empréstimos líquidos contraídos, ou
seja, ao endividamento líquido, isto é, para a Comunidade, o défice público é igual à
totalidade dos empréstimos contraídos nesse ano, menos os reembolsos pagos nesse ano.
Então, o endividamento líquido deve atender-se à diferença entre receitas efetivas e
despesas efetivas, o que nos permite afirmar que, nos textos de direito comunitário, se
encontra expressamente consagrado o critério do orçamento efetivo. A manutenção do
défice dentro de certos limites é índice de estabilidade de um país, patenteando uma gestão
orçamental controlada e rigorosa e, por outro lado, esta limitação corresponde às
conceções teórica e politicamente dominantes de feição neoliberal. Assim, entende-se que a
intervenção estadual deve ser reduzida ao mínimo. Também nos dá este artigo 2º a definição
de "investimento" e dá também a definição de "dívida". Uma vez que a dívida, mais tarde ou
mais cedo, teria de ser paga com receitas orçamentais, entende-se que o facto de esta ter um
montante elevado condicionaria demasiado o comportamento orçamental futuro do Estado.
Ou seja, mais cedo ou mais tarde, implica que o Estado aumente os impostos ou adquira
mais dívida para pagar os juros ou para extinguir a anterior dívida. Uma vez que o aumento

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 64


dos impostos encontra um limite na resistência dos contribuintes, a existência de muita
dívida acumulada implicará certamente, a prazo, um aumento do défice.
Críticas a este critério das finanças sustentáveis? Os EM já abdicaram da sua
soberania monetária e cambial, estando muito limitados em matéria de instrumentos para
levar a cabo políticas de estabilização dos ciclos económicos. Ou seja, não podem
isoladamente desvalorizar a moeda ou aumentar a taxa de juro. Ora, os critérios fixados do
défice e da dívida leva a que os Estados deixem também de ter autonomia orçamental para
levar a cabo essas políticas expansionistas de aquecimento da economia, por exemplo,
investimentos em obras públicas. É que mesmo que seja necessário fazer despesa para
estimular a sua economia, os Estados estão espartilhados pelos limites de 60% de dívida e
3% de défice. E coloca-se a questão: poderão os EM ser substituídos no seu papel de
"aquecedores" da economia pelo BCE? Não, desde logo porque o BCE deve atender ao todo
(ao global) da zona euro, não podendo intervir no sentido de favorecer uma certa parte da
Comunidade designadamente intervindo no sentido mais favorável da taxa de juro para essa
parte. E, mais fundamentalmente, porque o BCE tem como objetivo primordial na sua
atuação a manutenção da estabilidade dos preços (127º TFUE). Por outro lado, o critério
adotado para aferir da existência de défice é o do equilíbrio efetivo, que é o mais restritivo
em termos de investimento público. É que, ainda hoje, este critério assenta nos seus
pressupostos iniciais: qualifica as despesas de investimento como despesas efetivas, não
permitindo o seu financiamento com empréstimos.
Os saldos global, primário e estrutural têm resultados diferentes porque transmitem
ao seu analisador informações diferentes. São indicadores orçamentais diferentes.

O saldo estrutural encontra-se previsto no art 20º LEO e no 12ºC da VLEO (ainda
em vigor). A definição de saldo estrutral encontra-se plasmada no art 3º/3 do Tratado
Orçamental. Ninguém sabe calcular o saldo estrutural; várias entidades o calculam, mas
chegam a resultados diferentes. A definição, concretamente, no 12ºC/3 da VLEO e diz-nos
que «corresponde ao saldo orçamental das AP corrigido de efeitos cíclicos e das medidas
extraordina´rias e temporárias». Os efeitos ciclicos referem-se à conjuntura económica, que
influencia automaticamente o saldo orçamental apurado. Por exemplo, num período de
recessão, os impostos arrecadados tendem a diminuir e os subsidios de desemprego pagos a
aumentar. Estes efeitos são deduzidos/retirados. As medidas extraordinárias e temporárias
são aquelas que não podem ser utilizadas de forma recorrente. Por exemplo, a resolução do
BES e do BANIF - dinheiros públicos injetados em bancos. Em termos práticos, o que é o
saldo estrutural? Se ao saldo global retiramos estas medidas temporárias ou não
recorrentes e esta componente cíclica, temos o valor do saldo estrutural. Se o valor for
negativo, estamos perante um défice do saldo estrutural.
CASO PRÁTICO PARA RESOLVER P/ A PRÓXIMA AULA: se o saldo global foi

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 65


igual a -7,2% do PIB, se as medidas temporárias ou não recorrentes foram de -3,6% do PIB
e a componente cícilica for de -1,5% do PIB, qual é o saldo estrutural?
Continuando o preceito do número 3, o saldo estrutural não pode ser inferior a um
determinado objetivo. Temos o objetivo de alcançar o limite de défice estrutural de 0,5% do
PIB. Cada EM, no fundo, acaba por ter de respeitar que ele próprio apresentou à UE -
previsto no art 12º VLEO.
O nº5 do 12ºC autoriza que, em determinadas situações, o limite de défice estrutural
possa ser de 1% do PIB. Cruzar a informação com o artigo do Tratado Orçamental.
O incumprimento desta exigência pode levar à aplicação de sanções, até mesmo pelo
TJUE, tal como decorre do art 8º do Tratado Orçamental.
O saldo orçamental, tendo natureza estrutural, significa que lhe foram deduzidos os
efeitos cíclicos e as medidas excecionais - permite-nos saber como é que teria sido o
panorama financeiro daquele país se esses efeitos ou medidas não tivessem acontecido.
Já no caso do saldo primário, este permite apurar a responsabilidade de cada um
dos Governos pela situação financeira do Estado, isto é, permite apurar a situação
financeira do Estado sem olhar para o passado. Permite, então, perceber como se
comportou o Governo nesse ano.
No caso do saldo global, é com base nele que se avalia especialmente a situação do
país, pois dele não são retirados os juros (como no saldo primário), nem os efeitos cíclicos e
as medidas extraordinárias (como acontece no saldo estrutural). O seu resultado
permite-nos um espelho exato do que realmente aconteceu no país naquele ano e, com base
nisso, analisar a saúde do país.

Do Direito da UE resulta, por conjugação do art 126º do Tratado de Funcionamento


da União Europeia, do Protocolo nº 12 e do PEC, bem como do Tratado Orçamental, a
obrigação dos Estados Membros evitarem défices excessivos. Não encontramos no Tratado a
definição de défice ou de excessivo - ficamos apenas a saber que existem limites, quer para a
relação entre o défice e o PIB a preços de mercado, quer para a relação entre a dívida pública
e o PIB, sendo estes limites estabelecidos em percentagem do PIB.

Decorre do artigo 126º TFUE que os EM devem evitar défices orçamentais


excessivos. Mas o artigo 126º ou os outros artigos do Tratado não define nem a noção de
'défice', nem a noção de 'orçamental' ou sequer a noção de 'excessivo'. Para compreendermos
o art 126º/1 temos, desde logo, de recorrer ao Protocolo 12 anexo ao Tratado relativo ao
défice excessivo, mas também a um dos Regulamentos do PEC - o Regulamento CE nº
1466/97. Em rigor, temos ainda de recorrer ao Regulamento CE nº 479/2009. Remissão no
126º para o Protocolo 12 e para estes dois Regulamentos; no Protocolo remeter para estes
dois Regulamentos.

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 66


De acordo com o Protocolo 12, a avaliação da situação orçamental é feita por
referência ao Governo geral, ou seja, ao setor Administrações Públicas, tal como definido no
Sistema Europeu de Contas Económicas e Integradas, habitualmente conhecido por 'SEC
2010'.
O perímetro de consolidação orçamental (o que conta para calcular o défice) definido
pelo art 126º TFUE é mais amplo do que o constante do art 2º LEO e, por isso, pode não
coincidir o saldo orçamental apurado de acordo com a nossa LEO e o saldo orçamental
calculada para efeitos do Tratado.
A noção de 'défice' é definida por referência aos empréstimos líquidos contraídos - art
2º/2 do Protocolo nº 12, 2º travessão - sabendo que temos de recorrer mais uma vez ao SEC
2010 para saber, afinal, de que défice estamos a falar. A expressão 'endividamento líquido'
remete-nos de forma quase direta para o equilíbrio efetivo do orçamento, ou seja, para a
diferença entre receitas efetivas e despesas efetivas. Assim, sendo, o valor do défice será
dado pela diferença entre os empréstimos existentes no início do ano financeiro e o volume
de dívida existente no final do mesmo período. Convém ter em atenção que este critério é
depois limitado quer pelo art 1º/1º travessão do Protocolo 12 e tem de ser conjugado com as
normas do art 2ºA do Regulamento nº 1466/97. A dívida é a dívida global bruta em valor
nominal existente no final do exercício - art 2º/4º travessão do Protocolo 12. E o investimento
é a formação bruta de capital fixo. Quais são os limites? O art 126º/2 TFUE, ao remeter para
o Protocolo nº 12, e este para o Regulamento 1466/97, estabelecem como limites para o
défice orçamental o seguinte. Os valores de referência a considerar para efeitos do art 126º
são, de acordo com o Protocolo 12, art 1º, 3% para a relação entre o défice orçamental e o PIB
a preços de mercado e 60% para a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de mercado.
Porém, o Protocolo 12 tem de ser lido em conjunto com o PEC, nomeadamente com o
Regulamento 1466/97, sendo de considerar o art 2ºA do citado Regulamento, introduzido
com a alteração do PEC feita pelo Regulamento UE nº 1175/2011. Assim, a vertente
preventiva do PEC impõe que sejam estabelecidos para cada EM objetivos de médio prazo
diferentes (diferentes limites ao défice), mas nunca podem permitir a ocorrência de um défice
superior a 3% do PIB, sendo desejável uma situação orçamental proxima do equilíbrio ou
excedentária. Esse valor deve permitir assegurar a sustentabilidade das finanças públicas.
Tratando-se de EM cuja moeda é o Euro (designados no Regulamento por 'Estados
participantes') exige-se, ainda, que o seu saldo estrutural não possa ultrapassar 1% do PIB.
Este valor pode também variar de país para país e é considerado como integrante dos
objetivos de médio prazo, tal como saldo efetivo. Estes objetivos de médio prazo são revistos
de 3 em 3 anos. Exigem-se estes valores porque se pretende um défice orçamental abaixo dos
mesmos, por se entender que, deste modo, se permite o funcionamento dos designados
'estabilizadores orçamentais', isto é, mecanismos que acentuam ou reduzem o défice,
consoante o ciclo ascendente ou descendente em economia que se encontre.

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 67


1. Pacto de Estabilidade e Crescimento - vertente preventiva
A vertente preventiva do PEC sofreu uma alteração profunda em 2011 com a
aprovação do 'six pack' e a introdução do Semestre Europeu. Este Semestre Europeu começa
com a análise do crescimento anual feita pelo Comissão, e que permita a esta verificar o
cumprimento de vários indicadores macroeconómicos e, com base nessa análise, fornecer
aos EM linhas orientadoras para as suas políticas económica e orçamental. Aliás, o principal
objetivo do Semestre Europeu consiste precisamente na coordenação das políticas
económicas dos EM.
O Semestre Europeu começa em janeiro e permite que, até julho, sejam analisados os
programas de estabilidade enviados pelos EM, bem como os seus Programas de
Convergência e o Plano de Reforma Nacional nas áreas do emprego, desenvolvimento,
inovação, energia e inclusão social. Até Junho-Julho, pode o Conselho enviar para os EM
algumas orientações, sempre que considere que os planos apresentados ou não são realistas
ou não permitem dar resposta às exigências feitas pelo Tratado e pelo Direito derivado,
nomeadamente nas áreas da consolidação fiscal, competitividade e consolidação orçamental.

Importa ainda referir que, em regra, também em julho, o Conselho Europeu e o


Conselho de Ministros enviam orientações para que os EM possam melhorar as suas
propostas de Orçamento.
Apesar de os limites de défice e dívida se manterem plenamente válidos, atualmente,
as preocupações da UE, após a Reforma de 2011, focam-se mais na dívida, impondo aos
Estados que ultrapassem o limite que reduzam, pelo menos, 5% da dívida em cada ano.
Sugere-se, também, que a despesa pública não apresente um crescimento superior ao
crescimento potencial do PIB. E para os Estados cuja moeda seja o €uro e que tenham dívida
pública superior a 60% do PIB, o saldo estrutural não deve ultrapassar os 0,5% do PIB,
podendo chegar a 1% em situações excecionais como decorre do Tratado Orçamental.
Pretende-se a implementação de uma ação preventiva mais eficaz e que atue mais
cedo e, quando existam desvios significativos dos objetivos traçados, a Comissão sugere a
retificação. Não existindo retificação, podem ser aplicadas coimas no montante de 0,2% do
PIB, valor este que será restituído caso o EM cuja moeda é o €uro corrija o desvio verificado.
Se um EM não cumprir os limites estabelecidos no art 126º é iniciado um procedimento por
défices excessivos, ficando esses Estados sujeitos a um regime apertado de vigilância, sendo
fixado um prazo para correção do desvio. Podem também ser aplicadas sanções (agora)
através de procedimento mais simples: as sanções são propostas e apenas são rejeitadas se a
maioria qualificada dos EMs as rejeitar. Mesmo os EM que não estejam sujeitos a
procedimento por défices excessivos, estão sujeitos a supervisão. E esta monitorização vai
muito para além da política económica. Pretende-se, sobretudo, fazer uma melhor prevenção

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 68


e detetar precocemente as situações de incumprimento para evitar a aplicação da vertente
corretiva do PEC, que habitualmente designamos por 'procedimento por défices excessivos'
(PDE).

2. Procedimento por défices excessivos - avaliado de certeza


Nos casos em que se considere que um país tem um défice excessivo, a Comissão vai
analisar a evolução da situação orçamental e o montante da dívida pública e, antes de abril de
cada ano, receberá no contexto do Semestre Europeu os dados enviados pelos Estados para
dar cumprimento ao Regulamento nº 479/2009. Nessa análise verifica se estamos perante
alguma das situações previstas no art 126º/2 TFUE, isto é, se apesar de o défice ultrapassar o
valor de referência, tiver baixado de forma substancial e contínua, aproximando-se do valor
de referência, ou se este excesso em relação ao valor de referência for excecional e
temporário e o desvio face ao valor de referência não for muito elevado. Conseguimos saber
se o desvio é excecional e temporário se olharmos para o art 2º/1 do Regulamento CE nº
1467/97 - excecional quando resultar de uma circunstância excecional não controlável pelo
EM em causa; temporária quando a Comissão o disser.
Importa, ainda, considerar que a redução do valor e a convergência são densificadas
no nº 2 do art. 2º do mesmo Regulamento.
Quanto à dívida pública, se for ultrapassado o limite é necessário verificar se, nos
termos da al b) do nº 2 do art 126 do TFUE e nos termos do art 2º- 1A do Regulamento
1467/97, se nos encontrarmos perante uma situação de diminuição significativa da dívida.
Ainda que um EM viole os limites estabelecidos para o défice e dívida, não há lugar a
procedimento nos casos em que o défice exceder as despesas públicas de investimento - art
126º/3 TFUE. Encontramos, assim, neste artigo a referência expressa à importância que o
equilíbrio do saldo corrente tem mesmo dentro do Direito da UE, que, apesar de continuar a
preferir orçamentos equilibrados de acordo com o critério efetivo e de dar relevo ao saldo
estrutural, não deixa ainda de considerar o saldo do orçamento corrente.
O PDE segue formalmente o roteiro traçado no art 126º e nos Regulamentos nº
1466/97, nº 1173/2011, podendo culminar com a aplicação de uma sanção pecuniária aos
Estados, o que nunca aconteceu.
Do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Economica e
Monetária decorre a obrigatoriedade de as partes contratantes apresentarem orçamentos com
um saldo estrutural equilibrado ou superavitado. Nos casos em que exista défice do saldo
estrutural, este não deve ser superior a 0,5% do PIB, permitindo-se que existam em
circunstâncias excecionais desvios temporários. Nos casos em que o valor da dívida em
percentagem do PIB seja significativamente inferior a 60% e os riscos para a sustentabilidade
das finanças públicas forem muito baixos, podem os Estados apresentar um saldo estrutural
com um défice até 1% do PIB.

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 69


Atenção à terminologia:
"Ratio capacidade/necessidade líquida de financiamento no PIBpm" == SUPERAVIT/
DÉFICE

5.5. O procedimento orçamental

O processo orçamental encontra-se regulado na LEO e também nas normas de Direito


da União. Atualmente, o processo inicia-se antes de abril com os estudos prévios necessários
à elaboração do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC). Este programa contém os
planos orçamentais a médio e longo prazo e, habitualmente, diz respeito a mais do que um
período orçamental, sendo revisto anualmente. O plano atual foi elaborado para 2017-2021 e
é revisto anualmente. É neste documento que encontramos a informação necessária para que
sejam definidos o objetivo orçamental de médio prazo (OMP), que varia de país para país,
embora tenha um limite máximo, bem como a trajetória de ajustamento, que deve ser adotada
para cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento. O Programa é elaborado pelo
Governo e aprovado pela AR, sendo posteriormente enviado para a Comissão Europeia,
preferencialmente até meados de abril e, no limite, até 30 de abril.
Este Programa é depois avaliado, podendo ser emitadas recomendações, quer quanto
às medidas constantes do programa, quer relativamente aos objetivos propostos, às metas
traçadas ou emitadas reservas quanto à metodologia utilizada.
Posteriormente, é elaborada a proposta de Lei de Orçamento de Estado, que agrega as
propostas de orçamento que são enviadas pelos diversos organismos e entidades. Esta
proposta de Lei tem obrigatoriamente de ser enviada até ao dia 15 de outubro de cada ano
para a AR, dispondo esta de um prazo para discussão, alteração e aprovação da Lei. Tendo
em conta as especificidades das várias matérias, algumas são aprovadas em Plenário, mas
noutras a votação na especialidade compete às Comissão Parlamentares. Só é discutido e
aprovado em Plenário as matérias que pertencem à competência exclusiva da AR. A
alteração da proposta é livre, mas condicionada (ter em conta os efeitos).
Aprovada a proposta de lei, segue para ratificação pelo PR e, se for promulgada,
segue-se a publicação em Diário da República. Mas o PR pode solicitar fiscalização
preventiva da constitucionalidade de todas ou de algumas normas do Orçamento.
Dependendo da extensão do pedido, a lei do Orçamento pode ser publicada ou pode ser
suspensa.
O Orçamento, depois de aprovado, é também enviado para a UE para cumprimento
das obrigações relativas ao mecanismo multilateral de supervisão (pelas instituições da UE e
pelos pares - EM).
E se o Orçamento não for aprovado até 31 de dezembro? O OE pode não ser aprovado

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 70


até 31 de dezembro por várias razões. A primeira delas consiste na verificação de algum dos
condicionalismos previstos no art 12ºE da VLEO, ou seja, se a 15 de outubro o Governo
estiver demitido, se o Governo tiver tomado posse entre 15 de julho e 14 de outubro, ou se o
termo da legislatura acontecer entre 15 de outubro e 31 de dezembro. Nestes casos, a
proposta de lei do orçamento tem de ser entregue no prazo de 3 meses a contar da posse do
novo Governo.
Nos casos em que, apesar de ter sido apresentado tempestivamente ou em que, por
outras razões, não tenha sido aprovado até ao dia 31 de dezembro, é prorrugada a vigência da
lei do orçamento do ano anterior - 12ºH VLEO. Esta prorrugação vigora durante um período
transitório, até que entre em vigor o novo Orçamento. Esta prorrugação não é total, ficando
de fora os elementos constantes do número 3 do mesmo artigo, ou seja, as disposições
relativas às autorizações legislativas, as autorizações para cobrança de impostos que
cessassem a 31 de dezembro e a autorização para realização de despesas que cessasse
também a 31 de dezembro. A própria execução do orçamento tem limitações. O orçamento
"prorrugado" é todo ele executado em regime de duodécimos - art 12ºH/4 VLEO, havendo
também limitações quanto à emissão de dívida pública. A execução do Orçamento por
duodécimos constitui, já em situações normais, a regra; mas aqui, nas situações de
prorrugação do orçamento do ano anterior, é imperativa.

5.6. Regras e princípios na Execução Orçamental

Convém, desde logo, referir que a execução do orçamento da receita e a execução do


orçamento da despesa obedecem a certos princípios.
Quanto ao Orçamento da Receita, há que considerar o princípio da tipicidade
qualitativa, previsto no art 42º/3 e 4 VLEO e no art 52º/1 e 2 LEO. Este princípio impõe que
apenas possam ser cobradas as receitas tipificadamente previstas no Orçamento, ou seja, para
que uma receita possa ser liquidada e cobrada ela tem de estar prevista no orçamento.
Contudo, o valor constante do Orçamento não constitui um limite à receita a cobrar. A receita
pode ser cobrada para além do montante previsto no OE, sendo esse valor indicativo.
Outro princípio é o da unidade de tesouraria. A gestão da tesouraria do Estado é feita
de forma descentralizada, mas cabe ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público,
I.P. (atualmente, Agência de gestão da tesouraria e do crédito publico) assegurar de forma
centralizada a cobrança de receitas.
Por último, o princípio da segregação de funções de liquidação e cobrança. Este
princípio está no art 42º/1 e 2 da VLEO e constitui um princípio básico de um sistema de
controlo interno que permite um maior controlo das operações, limitando a existência de
erros ou irregularidades, porque nenhum serviço detém o controlo total sobre o procedimento.
Ou seja, antes da cobrança de receitas, estas têm de ser liquidadas.

Liliana Andrade 2º ano – 2ª turma – Ano letivo 2017/2018 Página 71


Quanto ao Orçamento da Despesa, há muitos princípios que são comuns à execução
do Orçamento da Receita.
Quanto ao princípio da segregação de funções, no Orç da Despesa, as funções de
autorização de despesa, autorização de pagamento e pagamento (42º/1 e 2 VLEO) estão
obrigatoriamente distribuídas entre diferentes serviços ou entre agentes do mesmo serviço.
Quanto ao princípio da unidade de tesouraria, não há nada de novo.
Outro princípio é o da tipicidade qualitativa e quantitativa. A execução do
Orçamento da Despesa obedece não-só ao princípio da tipicidade qualitativa, como sucede
com o Orçamento da Receita e do qual decorre que apenas podem ser realizadas as despesas
tipificadamente previstas no OE, como decorre do art 42º/6 VLEO, alíneas a) e b); mas
exige-se ainda que o valor da despesa tenha como limite máximo o valor da dotação
orçamental. A dotação orçamental constitui assim o limite máximo que os serviços podem
utilizar na realização de despesa.
Outro princípio é o da execução do orçamento por duodécimos. Este princípio
constitui uma limitação imposta aos serviços no sentido de impeder, em regra, que o valor do
crédito orçamental seja gasto todo de uma vez, sobretudo se essa despesa se concentrar nos
primeiros meses do ano, altura em que ainda não foram cobradas muitas receitas estaduais.
Em cada mês, vence-se a duodécima parte do crédito orçamental e, se não for totalmente
utilizado, acumula para os meses seguintes. Assim, cada serviço pode gastar em cada mês o
valor correspondente aos duodécimos vencidos e que ainda não tenham sido totalmente
gastos - 42º/6 e 8 da VLEO e art 8º do RAFE. Porém, a lei prevê exceções a este princípio. No
DL de execução orçamental, são fixadas as regras de acordo com as quais pode ser pedida a
antecipação de duodécimos não vencidos.
O último princípio é o da boa gestão financeira - art 42º/ 6 e 8 VLEO. O Orçamento
da Despesa obedece ainda ao princípio da boa gestão financeira, devendo escolher-se o meio
que permita obter o máximo resultado com a utilização mínima de recursos (o que não
significa que seja o mais barato). Este princípio subdivide-se em três dimensões: a economia,
a eficiência e a eficácia. Na economia está em causa a opção que se revele financeiramente
menos dispendiosa. A eficiência impõe que a escolha maximize o resultado e a eficácia
sugere que a escolha tem de permitir a realização do objetivo e dos resultados pretendidos.

Após a aprovação na generalidade do OE em plenário da AR seguem-se os


procedimentos necessários à entrada em vigor da LOE e que culmina com a sua publicação
em Diário da República. Em regra, o OE entra em vigor e começa a ser executado a 1 de
janeiro do ano para o qual foi aprovado, podendo iniciar-se na data de entrada em vigor a
cobrança de receitas e a autorização para a realização de despesas e seu pagamento. No
artigo 199º da CRP, compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer

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executar o OE. Em cada país, a forma como o OE é executado obedece ao quadro normativo
traçado na legislação e, em Portugal concretamente, na LEO, na LOE, e no DL de execução
orçamental. Mas não só nestes, como também num conjunto de diplomas que regulam, de
uma forma específica, certas matérias que são ou devem ser tratadas aquando da execução.
A vida do OE e a sua execução fica condicionada pela necessidade de se cumprirem
certos princípios orçamentais. Temos princípios respeitantes à execução do Orçamento das
receitas e princípios para a execução do orçamento das despesas.

Em relação aos princípios de execução do orçamento das receitas são,


especialmente, três.
1. Princípio da tipicidade qualitativa
Estamos aqui perante um princípio geral da legalidade da atuação da Administração,
que se traduz, mas não se esgota, no princípio da tipicidade orçamental.
Artigo 42º/3 VLEO = 52º LEO. Só se podem liquidar ou cobrar receitas que tenham
inscrição orçamental (que lá estejam previstas no OE) e, estando inscritas, têm de estar
adequadamente classificadas. Está aqui plasmada a regra da especificação. O Orçamento
da Receita contém o elenco taxativo das receitas que, nesse ano, poderão ser cobradas e os
próprios montantes das inscrições orçamentais revelam o valor que, previsivelmente, será
obtido a partir das diversas fontes de receita. A norma do Orçamento que prevê e que
consagra a possibilidade de cobrança de uma determinada receita é condição necessária
para a operatividade da fase de liquidação do imposto e de cobrança. Contudo, o valor
arrecadado a título de receita pode ser superior ao previsto - art 42º/4 VLEO. Em relação às
receitas, não vale o princípio da tipicidade quantitativa, porque há uma previsão de um
determinado montante que se vai arrecadar, justamente porque podem ser arrecadadas num
montante superior.
2. Também temos em relação ao Orçamento da Receita um outro princípio: o da
unidade de tesouraria, previsto no 54º LEO que, embora não esteja em vigor, não tem
equivalente na VLEO, porque ele decorria do DL 191/99. Este princípio significa que a
gestão é feita de forma centralizada, sendo os dinheiros públicos mantidos numa única
entidade que se chama "o tesouro". Atualmente, na nova LEO chamam-lhe "tesouraria
central do Esatdo".
3. O terceiro princípio - o princípio da segregação das funções de liquidação e
cobrança - está plasmado no art 42º/1/1ª parte e no nº 2 da VLEO. O nº1/1ª parte significa
que as fases de liquidação da receita e da sua cobrança se encontram distribuídas por
orgãos ou entidades diferentes. Qual é a razão de ser deste princípio? Quem liquida não
cobra - por razões de transparência, fiscalização e rigor.

Em relação à execução do orçamento das despesas:

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1. O primeiro princípio que nos surge é o princípio da tipicidade qualitativa e
quantitativa. Diz-nos o 42º/5 VLEO que as «dotações constante do orçamento das despesas
constiutem um limite máximo a utilizar na realização destas». Estamos perante o princípio
da tipicidade quantitativa, na medida em que o montante inscrito no OE é um limite para a
realização de despesa - não se pode gastar mais do que um x previsto. É o espelho do
primeiro cabimento. Já o número 6 diz que nenhuma despesa pode ser autorizada paga sem
que, cumulativamente: o facto gerador da obrigação de despesa respeite as normas leglais;
a despesa disponha de incrição orçamental, tenha cabimento na correspondente dotação
(cabimento geral), esteja adequada classificada e obedeça ao princípio da execução do
orçamento por duodécimos. Ainda se diz que a despesa em causa tem de satisfazer o
princípio da economia, eficiência e eficácia.
2. Princípio da segregação das funções de autorização da despesa, de autorização de
pagamento e do pagamento.
A autorização da despesa, a autorização de pagamento e o pagamento não são, em
regra, coincidentes no tempo e encontram-se distribuídas entre diferentes serviços ou
agentes do mesmo serviço. A despesa não pode ser autorizada pela mesma entidade que
autoriza o seu pagamento e que efetua o seu pagamento, como decorre do art 42º/1/2ª parte
e o art 42º/2 da VLEO. Uma vez mais, a racionalidade deste princípio é a tranparência, o
rigor e a fiscalização.
3. Um terceiro princípio é o da unidade de tesouraria, igual ao do Orçamento das
Receitas.
4. O princípio da execução do orçamento por duodécimos encontra-se previsto no
42º/6/b). Encontra também referência no art 43º/5/a) VLEO. Este princípio significa que,
tendencialmente, não se permite que seja utilizado de uma só vez a totalidade do valor
inscrito na dotação orçamental para a despesa. Os encargos assumidos e os pagamentos
autorizados devem fazer-se de uma forma faseada ao longo do ano, com distribuição
uniforme ou tendencialmente uniforme pelos 12 meses. Não obriga a que cada mês seja
gasto 1/12 da dotação orçamental. Apenas se impede que, em cada mês, se autorize despesa
superior ao valor correspondente ao dos duodécimos vencidos e ainda não gasto. Em cada
mês vence-se a duodécima parte do crédito orçamental e, quando não for totalmente
utilizado, o valor acumula-se para o/os mes(es) seguinte(s). Assim, então, em cada mês, o
serviço pode utilizar o valor correspondente aos duodécimos vencidos e ainda não
totalmente utilizados na realização de despesa. Por exemplo, a um determinado serviço é
inscrita uma despesa de 12 000€. Quanto é que se vence em cada mês? 1000€. Vamos
imaginar que em Janeiro só gasta 200. Assim, em Fevereiro, esse serviço poderá gastar
1800€. A razão de ser desta limitação é uma questão de tesouraria. É a necessidade de evitar
a concentração de despesa logo nos meses iniciais do ano. Mas pode acontecer que se
concetre no final do período financeiro.

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No caso dos serviços que disponham de receita consignada, torna-se necessário que,
além destes princípios, seja ainda cumprida a regra do duplo cabimento. O primeiro
cabimento é a necessidade da despesa caber nos respetivos créditos orçamentais. E o
segundo é a necessidade de caber no produto das receitas consignadas.
4. O último princípio é o princípio da boa gestão financeira consubstancia-se no
princípio da economia, da eficiência e eficácia. 42º/6/c) VLEO + 18º LEO. Princípio
fundamental para a preparação do OE, como também para a sua execução.

Abordagem ao art 43º VLEO acerca do DL de execução orçamental. Anualmente, o


Governo estabelece, por meio de decreto-lei de execução orçamental, as disposições
necessárias à execução da Lei do OE, definindo as dotações orçamentais, relativamente às
quais não será aplicável o regime dos duodécimos, a indicação das cativações e das
condições para a sua mobilização total ou parcial, indicação das despesas cuja autorização
depende dos serviços centrais, os prazos para autorização de despesas e as demais normas
necessárias à execução do Orçamento.
O DL de execução orçamental para o ano de 2017 é o DL nº 25/2017 de 3 de março e
estabelece as disposições necessárias à execução do OE 2017, que foi aprovado pela Lei nº
42/2016 de 28 de dezembro. E esta última lei é a LOE que ainda temos. O DL contém as
regras necessárias e imprescindíveis a um rigoroso acompanhamento da execução
orçamental, como instrumento decisivo ao integral cumprimento dos princípios e linhas
orientadoras fixadas pelo OE para 2017.
As alterações orçamentais encontram-se previstas na VLEO nos artigos 49º e ss.
Estas alterações podem decorrer da necessidade de realizar despesas não inscritas no
Orçamento, da necessidade de aumentar o montante de uma despesa já prevista ou, também,
da necessidade de suprir falta de receitas.
A alteração do OE pode ser levada a cabo quer pela AR, quer pelo Governo,
definindo a VLEO, nos art 49º e ss, as regras a que devem obedecer as alterações
orçamentais, consagrando também a distribuição de competências nessa matéria.
Nota final e relevante: A limitação dos poderes parlamentares em matéria do
aumento da despesa ou de diminuição de receita fora do debate do orçamento encontra-se
prevista no art 167º/2 da Constituição e é a chamada "lei-travão". A ideia é que o OE não
pode ser 'desautorizado' por via legislativo. Pretende-se garantir a estabilidade da execução
do OE e impedir o desequilíbrio orçamental.
Qualquer alteração orçamental que venha a ser introduzida não deve implicar a
alteração da igualdade entre receitas e despesas, ou seja, terá de existir sempre a igualdade
entre receitas totais e despesas totais.

5.7. Controlo da execução orçamental - art 58º e ss VLEO

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Executado o orçamento e, em alguns casos, mesmo antes da prática de atos de
execução orçamental, torna-se necessário verificar se se encontram cumpridos todos os
requisitos e todas as exigências de legalidade relativos à legalidade financeira dos atos a
praticar. Esta necessidade de controlo decorre diretamente do artigo 266º/2 da CRP, ou seja,
do princípio da legalidade da atuação da Administração; neste caso concreto da legalidade
financeira, que se materializa nos atos de cobrança de receita e realização de despesa.
Compreende-se, assim, que seja necessário controlar a legalidade financeira dos atos
de execução do orçamento da receita e do orçamento da despesa. É assim importante recorrer
aos arts 58º e ss da VLEO.
Podemos distinguir o controlo da execução orçamental quanto ao tipo, isto é, nos
termos do nº 2 do art 58º, podemos encontrar um controlo administrativo, um controlo
jurisdicional e um controlo político. Para além disso, podemos estar perante um controlo
prévio, um controlo concomitante e um controlo sucessivo.
Esta última distinção tem em consideração o momento em que o controlo é efetuado,
podendo então existir um controlo anterior ao da prática do ato de execução orçamental, um
controlo feito durante a própria execução (um controlo 'on go') e um controlo sucesssivo, isto
é, um controlo feito depois da execulção orçamental.
De notar ainda que em Portugal se encontra consagrado o princípio da
responsabilidade pessoal dos titulares de cargos públicos e dos funcionários e agentes da
Administração Pública pela execução orçamental, mas não há responsabilidade de cada
Ministério ou Ministro pela boa execução orçamental, exceto nos casos em que exista uma
responsabilidade direta pelos atos de execução do orçamento. Esta verificação da legalidade
tem em consideração, em cada ano financeiro, as normas constantes do DL de execução
orçamental, que para o ano de 2017 encontra-se estabelecido no DL nº 25/2017 de 3 de
março.
O tipo de controlo e a forma como o mesmo é efetivado depende de se tratar do
orçamento da receita ou do orçamento da despesa; e depende também do tipo de serviço que
vai praticar o ato de execução.
O setor das Administrações Públicas divide-se entre serviços com autonomia
admnistrativa e serviços com autonomia administrativa e financeira. Atualmente, não
existem em Portugal os designados 'serviços dependentes'. Os serviços com autonomia
administrativa são serviços sem personalidade jurídica e sem orçamento próprio e cujos
creditos orçamentais se encontram inscritos no Orçamento do Estado. Podem ou não ter
receitas próprias, mas residuais. Os dirigentes têm competência para autorizar despesa nos
casos de atos de gestão corrente. Mensalmente, têm que efetuar um pedido de libertação de
créditos e, por isso, a liberdade de gestão encontra-se limitada pelo valor dos créditos que
podem ser libertados em cada mês. Os serviços com mera autonomia administrativa estão
dependentes, na execução do orçamento, das verbas inscritas no OE, tendo os seus

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dirigentes competênci para autorizar a realização de despesa quando se trate de atos de
gestão corrente, isto é, aqueles atos que integram a atividade que os serviços e orgãos
desenvolvem para a prosseucção das suas atribuições. Mas, mesmo nesses casos, estão
limitados pelos valores estabelecidos no art 17º do DL nº 197/99, bem como pelas normas
constantes do DL de execução orçamental. Dada a sua natureza, estes serviços têm de pedir
mensalmente a libertação dos créditos orçamentais a que tenham direito em cada mês ou
período.
Os serviços dotados de autonomia administrativa e financeira e que, atualmente, são
designados por 'serviços e fundos autónomos' são serviços que possuem personalidade
jurídica, têm património próprio e orçamento próprio. Este regime é atribuido e reconhecido
por decreto-lei ou decorre de imposição constitucional, sendo exemplo desta o caso das
Universidades. Nos demais casos, os serviços têm que possuir receita própria para cobrir,
pelo menos, 2/3 da despesa, excluindo da despesa a parte co-financiada pela UE. Estes
serviços têm um regime específico de gestão, ficando isentos do pedido de libertação de
créditos. São também serviços que podem ter receitas consignadas e, embora com limitações,
podem recorrer ao crédito.

A fiscalização da execução orçamental pode ser feita por três vias: via administrativa,
via judicial e via política; sendo que todos os tipos de controlo são, do ponto de vista teórico,
passíveis de aplicação quer ao orçamento da receita, quer ao orçamento da despesa. Mas há
diferenças substanciais quanto ao controlo da execução do orçamento das receita e ao
controlo da execução do orçamento da despesa.
Quanto à execução do Orçamento da Receita, há que ter em consideração que existe
um controlo efetivo dos atos de execução orçamental, tendo por base o princípio da
legalidade financeira e, sobretudo, o princípio da tipicidade qualitativa, sem esquecer a
possibilidade de mobilização de outros princípios com este relacionados, nomeadamente o
princípio da especificação que concretiza precisamente o princípio da tipicidade qualitativa.
Para além disso, o Orçamento da Receita é sobretudo alvo de controlo ao nível da execução
no controlo jurisdicional.
Já o Orçamento das Despesas está sempre sujeito a um tríplice controlo.

A. Controlo Administrativo
O controlo administrativo da execução do orçamento da despesa é regulamentado
pela VLEO, pela Lei de Bases da Contabilidade Pública e pelo Regime da Administração
Financeira do Estado, existindo regimes diferenciados consoante estejamos perante serviços
com autonomia administrativa ou serviços com autonomia administrativa e financeira.
Remissão no 58º/4 » LBCP e RAFE.

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Os serviços com mera autonomia administrativa estão sujeitos a:
 Um heterocontrolo interno prévio por parte da Direção Geral do Orçamento; Este
heterocontrolo é realizado por uma entidade que, embora pertença à Administração
Pública, não é um orgão da entidade que executa o Orçamento. Trata-se também de
um controlo que é feito num momento prévio ao da execução orçamental. Estes
serviços têm que enviar um pedido de autorização para a libertação de créditos todos
os meses, sendo este pedido acompanhado de mapas justificativos e de documentos
que permitam averiguar se a execução orçamental do mês anterior cumpriu o limite
estabelecido e se pode prever-se, pela análise dos mesmos, que a execução do mês em
causa também cumpra - art 3º/3 da LBCP.
 Estes serviços efetuam, também, o autocontrolo interno prévio designado por
"Conferência", previsto no art 26º do RAFE.
 E estão ainda sujeitos a um controlo interno sucessivo, por parte da DGO, abrangendo
a legalidade e a economia, eficiência e eficácia da execução orçamental - art 10º
LBCP e art 53º RAFE.
Convém ainda ter em consideração que todos estes controlos são efetivados com base
nos mapas enviados mensalmente à DGO, podendo ou não coincidir temporalmente.

Quanto aos serviços com autonomia administrativa e financeira, o tipo de controlo é


bastante diverso. Estes serviços têm, como já vimos, uma maior liberdade de gestão até
porque, em regra, geram receita própria, o que reduz ou elimina completamente a
necessidade de serem efetuadas transferências do Orçamento do Estado.
Nos casos em que, ainda assim, seja necessário e legalmente admissível transferir
receitas do OE para o Orçamento destes serviços, essas transferências são feitas sem controlo
prévio por parte da DGO, ou seja, o serviço em causa faz o pedido de libertação de créditos,
mas a DGO limita-se a transferir as verbas sem efetuar outro tipo de controlo que não seja o
do cabimento orçamental. Contudo, isto nao significa que a execução orçamental feita por
estes serviços não seja fiscalizada. Existe também um controlo administrativo interno, que é
efetuado por um serviço dentro do próprio serviço ou organismo, mas que é tecnicamente
independente dos orgãos de direção, a quem cabe realizar o autocontrolo interno prévio e o
autocontrolo interno sucessivo, nos termos do art 11º LBCP. E este controlo não se limita
necessariamente à verificação do cabimento, abragendo a eficiência, eficácia e regularidade
financeira das despesas efetuadas. Por conformidade legal entende-se «a prévia existência de
lei que autorize a despesa» e na regularidade financeira deve ser verificada a inscrição
orçamental, o cabimento e a adequada classificação da despesa. No DL de execução
orçamental, vamos encontrar normas relativas aos prazos para entrada dos pedidos de
libertação de créditos; prazos estes que são fixados por forma a permitir uma boa gestão dos
dinheiros públicos e, sobretudo, para garantir que a execução orçamental é feita dentro do

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período financeiro.

B. Controlo jurisdicional
O controlo jurisdicional cabe aos orgãos que constituem e integram o leque de
tribunais. Apesar de no modelo continental de fiscalização da atividade financeira do Estado
caber, maioritariamente, ao Tribunal de Contas, pode também ser feito pelos demais
tribunais, dentro do âmbito das suas competências. E esta possibilidade, consagrada
expressamente no nº 7 do art 58º da LEO, é aquela que permite controlar de forma muito
próxima quer a execução do orçamento da receita, quer a execução do orçamento da despesa;
até porque as competências do Tribunal de Contas são exercidas nos termos da 'Lei de
Organização e Processo no Tribunal de Contas', lei nº 98/97 de 26 de agosto, não estando
prevista a possibilidade de os particulares requererem a intervenção deste Tribunal. Aliás, o
Tribunal de Contas é um verdadeiro Tribunal, mas a sua constituição e as suas competências
ultrapassam, em larga medida, aquelas que são reconhecidas aos tribunais judiciais e,
sobretudo, aos tribunais administrativos e financeiros, pois pode julgar o mérito da decisão
ou da solução proposta.
O Tribunal de Contas é o principal orgão com respoonsabilidade na fiscalização da
execução orçamental e realiza três tipos de controlo: fiscalização prévia, fiscalização
concomitante e fiscalização sucessiva. Para além disso, o TContas é ainda competente para
elaborar o parecer sobre a Conta Geral do Estado.

O controlo jurisdicional compete, nos termos do art 58º da LEO, ao Tribunal de


Contas, que é, nos termos da Constituição e da lei, um orgão de soberania, sendo também um
Tribunal, embora com poderes muito específicos. O controlo dos atos de execução do
Orçamento, sejam eles atos de receita ou de despesa, bem como a efetivação de
responsabilidade não financeira cabem aos Tribunais administrativos e fiscais e aos tribunais
judiciais dentro das suas competências.
O Tribunal de Contas português herdou da Casa dos Contos, criada em 1389, e das
Instituições que se lhe seguiram, a função de controlo jurisdicional das contas públicas. Mas
foi com a Constituição Portuguesa de 1976 que foram recortadas a composição, os poderes e
a própria importância do Tribunal. Atente-se que o art 202º da Constituição estabelece que a
função jurisdicional é exercida pelos tribunais e que os tribunais são orgãos de soberania. E
encontramos, no art 209º/1/c), a referência expressa à existência do Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas (LOPTC – Lei nº 98/97) é competente para fiscalizar a
legalidade e a regularidade das receitas e das despesas públicas, mas também para apreciar a
boa gestão financeira e para efetivar as responsabilidades por infrações financeiras. Faz,
assim, um controlo financeiro e um controlo jurisdicional. O controlo financeiro diz respeito
à legalidade e regularidade da receita e despesa pública, mas também da boa gestão

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financeira. E o controlo jurisdicional reporta-se às responsabilidades por infrações
financeiras. No controlo financeiro, o Tribunal de Contas faz, não só, um juízo de legalidade;
mas também um juízo de mérito, sendo esta possibilidade um carater distintivo relativamente
aos demais tribunais. Aliás, basta que pensemos nos poderes dos tribunais administrativos e
fiscais, que têm competência para controlar a legalidade dos atos de execução do Orçamento,
para compreendermos o sentido e alcance desta especificidade do Tribunal de Contas. Do
que se trata, verdadeiramente, é da possibilidade dada ao Tcontas para controlar o mérito das
decisões; competência esta que assume uma maior importância no controlo da execução do
Orçamento da despesa.
A definição das competências específicas do Tcontas encontra-se definida na Lei de
Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), aprovada pela Lei nº 98/97 de 26
de agosto. O Tribunal de Contas exerce a sua competência a nível nacional, mas tem duas
secções regionais (nas Regiões Autónomas), sendo definidas no art 2º da LOPCT as
entidades que estão sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas. Estão, então, sujeitas a
controlo financeiro do Tribunal de Contas as entidades públicas, mas também as entidades
privadas, que sejam beneficiárias de tranferências do OE, podendo ser mais amplo ou mais
restrito o âmbito de fiscalização.

O Tribunal de Contas efetua um controlo financeiro prévio (art 44º e ss LOPTC),


concomitante (art 49º e ss LOPTC) e sucessivo (art 50º e ss LOPTC).
O controlo financeiro prévio, também designado por ‘fiscalização prévia’
encontra-se regulado no art 4º e art 44º e ss da LOPTC. Cabe ao Tribunal de Contas fiscalizar
previamente à realização do ato de despesa a legalidade e o cabimento orçamental, mas esta
fiscalização prévia apenas ocorre em situações específicas, ou seja, apenas é necessária nos
casos expressamente previstos na LOPTC. Aliás, apenas os atos das entidades referidas nas
alíneas a), b) e c) do nº 2 do art 2º e as entidades do nº 1 do mesmo artigo estão sujeitas a esta
fiscalização. A fiscalização prévia pretende, então, determinar se os atos, contratos ou outros
instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras
diretas ou indiretas estão conformes às leis, isto é, se foi seguido o procedimento legalmente
estabelecido para a prática do ato, mas também verificar o cabimento orçamental. É um juízo
de legalidade exatamente igual a qualquer juízo de legalidade.
Nos casos em que se trate de instrumentos de dívida pública, é ainda necessário
verificar se são cumpridos os limites da dívida estabelecidos pela Assembleia da República,
bem como se a finalidade a que o empréstimo se destina pode ser causa justificativa.
Depois de solicitado o visto, o Tcontas analisa o pedido e pode solicitar
esclarecimentos. A recusa do visto apenas é possível com base nos fundamentos constantes
no art 44º/3 da LOPTC, sendo de realçar que os atos sujeitos a fiscalização prévia podem
produzir todos os efeitos, exceto quanto aos pagamentos a que derem causa.

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E se o ato ou contrato começar a ser executado antes da decisão sobre a concessão ou
recusa do visto, apenas em situações muito específicas pode ser feito pagamento. Mas, a
recusa do visto implica a ineficácia do ato a partir da data da notificação de tal recusa.
Sempre que o ato tenha sido executado antes da decisão do visto, os trabalhos realizados ou
os bens e serviços adquiridos até à data da notificação da recusa podem ser pagos, desde que
o valor não ultrapasse a programação estabelecida para esse período. Os atos de valor
superior a 950.000 € não produzem quaisquer efeitos antes do visto, exceto se se tratar de
atos de ajuste direto por motivo de urgência imperiosa resultante de acontecimentos
imprevisíveis e não possam ser imputáveis à entidade.

O Tcontas exerce ainda, nos termos do art 49º LOPTC, o controlo concomitante, isto
é, um controlo que é feito ao longo da execução orçamental. Trata-se de uma fiscalização
eventual, que é realizada através de auditorias ou de fiscalização, também através de
auditorias, de contratos com despesa de pessoal que nao tenham que ser remetidos para
fiscalização prévia.

Por fim, o Tcontas faz também um controlo financeiro sucessivo, nos termos dos art
50º e ss da LOPTC. Trata-se de uma fiscalização feita a posteriori e que, para além da
avalização da legalidade, verifica também a economia, eficiência e eficácia da boa gestão
financeira. É também aqui que o Tcontas verifica, mais uma vez, a execução do Orçamento
da Receita no que diz respeito ao endividamento, contando com o apoio do IGCP, EPE.
Na fiscalização sucessiva, o Tcontas volta a preocupar-se com a legalidade, mas
avalia o mérito dos atos de gestão orçamental, utilizando como referência o critério da
economia, eficiência e eficácia. Apesar de ser extremamente importante, esta atividade de
fiscalização sucessiva, os poderes do Tcontas são ainda bastante limitados, podendo
verificar-se situações em que há um procedimento por responsabilidade financeira dos
titulares dos orgãos ou dos agentes que praticaram o ato de gestaõ orçamental. O problema é
que se fica por aqui, porque o ato já produziu efeitos. Pode acontecer é que agora se detetem
irregularidades.

C. Controlo politico
O controlo político é exercido pela AR, nos termos do art 59º da VLEO e pode ser
feito quer concomitantemente, quer sucessivamente, atingindo a sua importância máxima na
verificação e análise da Conta Geral do Estado, que tem de ser apresentada pelo Governo até
30 de julho do ano seguinte àquele a que diz respeito, sendo depois junto um parecer do
Tribunal de Contas, ficando a Assembleia obrigada a pronunciar-se até 31 de dezembro.
A apreciação pela AR (...) – art 71º e ss »» remissão art 41º LOPTC

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