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Marisa Duarte

Finanças Públicas 1º Frequência

PARTE I - Introdução

1. Considerações gerais

De facto, a atuação dos entes públicos tem sido objeto de grandes transformações.
Atualmente, as diferentes políticas para enfrentar questões de redistribuição numa economia que se encontre em
situação de crise, caracterizada pela escassez de meios para o financiamento do Estado social, fazem apelo a sucessivas
intervenções marcadas por políticas de rigor, com cortes significativos em matéria de despesa pública e recurso, na
vertente das receitas, as chamadas operações de “remodelação fiscal”.

A abertura das fronteiras e a globalização, têm exigido aos Estados e às suas finanças públicas respostas.
Nos dias de hoje, as nações sentem os benefícios de se apoiarem mutuamente, isto é, estas ajustam as suas políticas
monetárias e fiscais de forma a evitar desequilíbrios na economia mundial.
Para tal, os países dão atenção às despesas nacionais de forma a reduzir a pobre mundial e disponibilizar ajuda aos
países menos desenvolvidos.

As Finanças Públicas são responsáveis pela sua sociedade, tendo como exemplo os Estados falidos, onde se demarca
um aumento da violência social, em resultado da fome, do desemprego, agravada pela corrupção governamental e
ineficiências de acção das entidades públicas.

Nas sociedades modernas, os cidadãos elegem, através do seu voto, os políticos, esperando que eles tomem as decisões
sobre a despesa pública que se mostrem adequadas para influenciarem positivamente o seu modo de vida, fornecendo-
lhes os necessários financiamentos, geralmente pelo pagamento de impostos.

2. Finanças Públicas

As Finanças consistem numa ramificação da economia que lida com a a obtenção, a gestão e a distribuição do dinheiro
de forma optimizada, apresentando dois ramos principais – as finanças privadas e as finanças públicas.

- Finanças Públicas: são as receitas e despesas da economia ou do governo, em que se estuda o papel deste e o impacto
das suas atividades. Neste caso, o governo ajusta a receita de acordo com as despesas das varias secções e dos
diferentes niveis (local, regional, central), tendo como objetivo promover o bem social. Aqui incluí-se a divida
púbica, a administração financeira, o orçamento de estado, etc. Aqui, o governo apura primeiro o gasto total a ser
feito em diferentes sectores para, de seguida, identificar as fontes a partir das quais a receita pode ser gerada para
atender a essas despesas. Tendo em conta que o governo usa dinheiro público, a transparência é exigida, de forma a
que o indivíduo tenha noção e conhecimento para o qual contribui.

- Finanças Privadas: são um conjunto de receitas e despesas de indivíduos, famílias e empresas, sendo que neste caso,
os privados ajustam os seus gastos de acordo com o seu rendimento, tendo como objetivo maximizar o seu lucro, que
pode abranger poupança, investimentos, seguros, bancos, empréstimos pessoais, etc.

3. Finanças Públicas, Economia Política e Direito Financeiro

As finanças públicas têm como objectivo estudar os princípios e as formas que o poder público elege para obter os
recursos económicos de que necessita para funcionar e para assegurar a prossecução das actividades a desenvolver
visando a satisfação das necessidades da comunidade.
Marisa Duarte

Está aqui presente a regulação de três passos: a determinação das despesas públicas, a percepção das receitas públicas
necessárias e a regulação da sua aplicação. As formas pelas quais o Estado intervém no processo económico dependem
dos instrumentos de que dispuser para financiar a sua intervenção.

Quais são as atividades que devem corresponder ao setor publico, representado pelo Governo?
- Anos 90: o Governo deveria intervir apenas na administração da justiça e na segurança do Estado, devido às
ineficiências da atuação do Estado na época. Segundo estes, a atribuição de subsídios e a imposição de impostos e
limites à iniciativa privada distorceriam os preços de mercado, levando a uma concorrência. Uma actuação do Estado
com carácter de monopólio tenderia a baixar a produtividade dos serviços públicos, levando a uma diminuição da
qualidade do serviço.
- Primeira década de XXI: muitos governos retomaram as suas políticas de maior supervisão e intervenção na
economia devido às fraudes financeiras que levaram a uma desregulação governamental.

De facto, foram vários os acontecimentos, ao longo da história, que contribuíram para a atividade do estado nos dias de
hoje, tendo como exemplo:
- o fim das monarquias absolutas e o aparecimento dos regimes constitucionais (França, 1709); os processos de
industrialização dos séculos XVIII e XIX; as ideias defendidas pelos partidos políticos progressistas a respeito das
cargas tributárias correspondentes ao novo conceito de equidade e redistribuição; a enorme complexidade da
organização social devido ao crescimento da população, das guerras, do crescimento das dívidas públicas e da
competitividade nos mercados internacionais.
- o surgimento do fenómeno inflacionário que levou aos ensinamentos sobre os dois elementos essenciais das finanças
públicas: a Despesa Pública e a Receita Pública.

Em 1922, as Finanças Públicas eram definidas como a disciplina que “estuda de que maneira as autoridades estaduais e
locais procuram os meios necessários para obterem a riqueza material necessária à sua existência e às suas operações,
ou seja, estuda a actividade económica do Estado e das entidades colectivas menores, tais como os municípios e
organismos intermédios (em vários países, províncias, municípios, etc.). Estamos, portanto, perante uma disciplina que
tem um campo muito amplo, uma vez que nela entram em consideração todas as relações que se estabelecem como
resultado da arrecadação e uso de riquezas dadas pelos cidadãos”. A definição permanece quase a mesma, entendidas as
finanças públicas como a ciência que se ocupa de estudar a captação e administração dos recursos financeiros pelo
sector público e os seus efeitos no âmbito económico e social de um país.

Do ponto de vista contabilístico e económico, as finanças públicas constituem o estudo dos instrumentos operacionais
das entradas e saídas monetárias do sector público e o seu impacto em todas as esferas de produção e consumo da
economia nacional.

Apontam-se como factores de qualidade das Finanças Públicas: a composição e eficácia da despesa pública, a estrutura
e eficácia dos sistemas de receita pública, o nível e sustentabilidade da componente fiscal, a dimensão do governo e as
formas como as Finanças Públicas podem impactar o funcionamento dos mercados e o ambiente geral de negócios.

Direito Financeiro: conjunto de normas que regulam a actividade financeira do Estado e demais entes públicos e
organizam os recursos da Fazenda Pública quer quanto às Despesas Públicas quer quanto às Receitas Públicas, sempre
com o objectivo de prosseguir o interesse geral da sociedade.

Economia Política: orientada para dotar o Estado dos meios económicos de que necessita, e utilizando proposições
positivas que estudam a realidade dos factos e proposições normativas, que consideram alterações nessa mesma
realidade, propondo como ela deve ser, as quais dependem de juízos de valor, podendo ser enriquecidas com a
consideração de valores éticos e do comportamento humano que devem subjazer a todo o pensamento económico.
Marisa Duarte

4. A atividade financeira do Estado. Finanças neutras e finanças intervencionistas

A atividade financeira do Estado parte do princípio de que a iniciativa privada não consegue assegurar a realização de
certas tarefas indispensáveis ao bem estar comum, sendo para tal necessária a intervenção do Estado.
Exp.: defesa nacional, segurança interna, sistema judicial, fornecimento e manutenção de infraestruturas.

Por vezes, temos temos políticas publicas, como o estabelecimento da lei e ordem, da paz e segurança, da saúde pública
e da redução da pobreza que não sejam hoje produzidas e financiadas exclusivamente pelo Estado, mas por parcerias
publico – privadas.

Até aos anos 80, o Estado detinha um papel importante na maioria dos países, o que se reflectiu no aumento da despesa
pública. Os indivíduos confiavam plenamente na capacidade do Estado e desejavam a sua intervenção para corrigir as
falhas do mercado. Os defensores políticos do aumento da despesa pública tornaram-se mais críticos e passaram a
advogar um papel mais cauteloso do Estado, com parcerias interactivas, misturando cooperação e concorrência para
financiamento de várias componentes da acção pública. Atualmente as finanças públicas são bem mais do que receitas
tributárias e despesas públicas, envolvendo a actuação do sector privado e a partilha de responsabilidade e de risco com
prestadores não estaduais, com objetivo de reforçar a eficácia e a eficiência.

Os aspectos essenciais da actividade financeira pública podem agrupar-se em duas prestações:


- Fornecimento de bens públicos: um bem cujo consumo é disponível para todos, ou seja, são bens que podem ser
usufruídos por todos, tendo como único fornecedor o Estado. Temos como exemplos de bens públicos a defesa
nacional, a justiça, a segurança interna e a prestação publica de cuidados de saude e de educação, sendo que alguns
destes bens podem ser fornecidos por privados.
- Redistribuição do rendimento: o combate à pobreza e a à exclusão social deve ser apresentado como um bem
publico. A redistribuição seria no sentido de diminuição de desigualdades, através de uma maior ação
intervencionista do Estado, contribuindo para uma menor disparidade entre as classes sociais.

Finanças intervencionistas: intervencionismo estatal refere-se à interferência do Estado na atividade económica do país,
visando a regulação das atividades do setor privado ou o socorro a setores em crise.

Finanças Neutras: parte do princípio de que a economia privada, através do mercado, assegura o máximo de produção e
distribuição do rendimento.

5. Evolução histórica breve

A revolução industrial deu lugar ao aparecimento de grandes unidades fabris que trouxeram consigo uma nova
organização económica e social, levando a que a produção para o auto consumo se extingui-se, dando lugar a produções
para grandes mercados.

Em 1776, Adam Smith defendia a livre empresa e a abolição das barreiras que entravavam o comércio livre, sendo que
o indivíduo ao buscar o seu próprio interesse fomentava também a criação de uma sociedade mais eficaz. A actividade
económica era determinada por decisões tomadas por indivíduos, num ambiente caracterizado por ampla margem de
liberdade de actuação, que permitia aos produtores produzirem o que para si era mais vantajoso e aos consumidores
decidirem sobre o que comprar aos produtores com o seu rendimento.

Entretanto, os ideais da revolução francesa, o empirismo inglês e as ideias dos redactores da Constituição de Filadélfia
(primeiro código legislativo norte americano 1789), foram as correntes essenciais na configuração de um novo modelo
de Estado: Estado moderno nascente.

Em 1867, Karl Marx escrevia: “As formas políticas ou jurídicas e as transformações sociais ou religiosas, não se
explicam pela simples evolução do espírito humano, mas têm origem nas condições de vida materiais. Os instrumentos
de produção usados numa época explicam toda a vida social do momento”.
Marisa Duarte

Com esta nova visão, o mundo passou a conhecer dois diferentes modos de gestão económica e de organização político-
social:
- o liberalismo: elege como motor de desenvolvimento económico o mercado baseado na teria dos preços.
- o socialismo: elege como motor de desenvolvimento económico a produção planificada.

A evolução das finanças públicas até ao Liberalismo, distingue a actividade financeira do Rei e do Estado, assim como
o papel das Cortes nas finanças públicas. Desde a formação do Condado Portucalense, nunca existiu uma separação
efectiva entre os bens do Reino, enquanto Estado independente, e os bens do Rei (bens próprios).

Relativamente ao papel das Cortes no lançamento de impostos para realização de despesas do Reino, refere-se que “em
Portugal, a opinião geralmente recebida é a necessidade do consentimento do Reino, reunido em Cortes” para que os
“tributos fossem lícitos em face do ordenamento jurídico concreto”. Porém as Cortes não tinham um funcionamento
regular, eram convocadas pelo rei aleatoriamente e em função dos seus próprios interesses.
A finais do século XVIII, surge a primeira concretização em diploma legal do controlo das contas públicas pelas Cortes,
através de duas Cartas de Lei de 22 Dezembro de 1761. Nelas, “são claramente afirmados o primado do controlo, pelas
Cortes, das contas públicas, da elaboração pelas Cortes, sem possibilidade de veto real, das leis fiscais e orçamentos e
da dívida pública; da administração dos bens nacionais e do quantitativo e remunerações do funcionalismo, bem como
da publicidade relativa aos documentos fundamentais das finanças públicas, para além da generalização do imposto”.
No entanto, o papel legal atribuído às Cortes, acabou por nunca se concretizar pois as Cortes nunca se reuniram.
O princípio do controlo parlamentar das finanças públicas nasce em Portugal, de forma efectiva, com a entrada em
vigor da Constituição de 1822. Do texto emergia um conjunto de normas que determinavam o controlo das finanças
públicas pelas Cortes, afirmando o papel do Parlamento face ao soberano. Além disso, o facto de as Cortes Constituintes
terem assumido a consagração constitucional do princípio do controlo das finanças públicas, demonstrou uma nova
ordem política e social que realçava a separação entre a figura do Rei e a do Erário Régio.
Posto isto, até ao início do século XIX, as finanças públicas, na sua essência política e administrativa (os bens, receitas
e despesas pessoais da Coroa constituíam parte integrante do património), tinham um carácter mais pessoal que público.

Os ideais liberais da Revolução francesa, trouxeram transformações significativas, mais por razões exógenas (alterações
do regime político, integração em organizações económicas supranacionais como é o caso da UE), do que por razões
endógenas, reflectindo as finanças o contexto económico de cada época.

Fase do Liberalismo: Até 1929, a administração financeira era de relativa simplicidade, com bom cumprimento do
princípio da universalidade orçamental e implantação de uma administração tributária, aduaneira, patrimonial,
orçamental, cujo figurino, criado pelo Estado liberal se manteve, no essencial até aos nossos dias.

Fase dos Autoritarismos: desde o início da reconstrução do Estado operada por Oliveira Salazar (1929) até ao 25 de
Abril de 1974. Dada a extensão temporal deste período, podem considerar-se três sub-períodos:
- O período da implantação, organização e saneamento financeiro, de 1929 até à segunda guerra mundial;
- O período do pré-arranque industrial, desde a segunda guerra mundial até meados dos anos 50
- O período do arranque industrial, marcado na parte final pelos constrangimentos da guerra colonial.

A partir de 1974 e até 1986 (inicia-se com a revolução de 25 de Abril e vai até à adesão de Portugal à CEE), temos um
período de forte agitação política, marcado pela sucessão de governos constitucionais - uma grande turbulência nas
finanças públicas. A Constituição de 1976 institui uma nova visão política para as finanças públicas, reforçada ao longo
das sucessivas alterações constitucionais que ocorreram. No seu texto inicial se estabelece que o Orçamento é votado
anualmente pela AR, é unitário e há-de especificar as despesas e prever as receitas necessárias para as cobrir,
competindo ao Tribunal de Contas e ao Parlamento a fiscalização do Orçamento e ainda a apreciação e aprovação da
Conta Geral do Estado, incluindo a da Segurança Social.

Portugal adere à CEE, 1986: Apesar dos significativos fundos comunitários, não existia qualquer objectivo ou meta
assumidos por parte de Portugal junto da Comunidade. De facto, e durante muito tempo, a coordenação das políticas
económicas na Comunidade era mais virtual do que real: a Comissão analisava a situação económica, em Relatórios, e
publicava as suas recomendações; o Conselho de Ministros da Economia e Finanças (ECOFIN) debatia estes Relatórios,
e no fim de contas a verdade é que cada um dos EM tinha plena liberdade para determinar as suas próprias prioridades.
Marisa Duarte

Em 1992, com o Tratado de Maastricht (UE), a Comunidade assume o compromisso político de criar uma União
Económica e Monetária (UEM) com base no aprofundamento do Mercado Único, já em curso, e uma moeda única, a
implementar em 3 fases:
1. 1990 a1993, incluía uma maior cooperação entre os EM da UE em matéria económica, monetária e cambial, como
condição necessária ao funcionamento do Mercado Único, tal como definido no Acto Único Europeu, assinado no
Luxemburgo, em 1987.
2. 1994 a1998, visava preparar as condições institucionais e económicas para a introdução da moeda única (o Euro). A
criação nesta fase do Instituto Monetário Europeu, tinha como objectivo reforçar a coordenação das políticas
monetárias dos EM; garantir a estabilidade de preços; levar a efeito os trabalhos necessários à instituição do
Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e iniciar o processo de convergência nominal, com fixação de metas e
prazos a atingir como condição de entrada na moeda única.
3. 1999 com a criação do Euro, através da fixação irreversível das taxas de conversão entre o Euro e as moedas dos
EM da zona Euro (moedas que passaram a ser meras denominações nacionais do Euro), culminou com a introdução
física das notas e moedas a 1 de Janeiro de 2002.

Como vector fundamental da UEM, o Tratado de Maastricht previa um conjunto de critérios orçamentais, económicos e
jurídicos, de convergência (nominal), com o objectivo de assegurar que a nova moeda fosse estável e forte e se
estabelecesse num contexto de crescimento económico sustentado, através de regras rígidas aplicáveis de igual forma
em todos os países.
Nas regras de natureza orçamental, com o objectivo principal de evitar défices excessivos dos EM, duas merecem
destaque:
- Regra do défice orçamental: a relação entre o défice orçamental e o PIB não exceda os 3% (valor de referência),
admitindo-se a possibilidade de uma ultrapassagem ligeira desse valor, se se estiver perante um abaixamento
substancial e continuado, ou se o desvio for manifestamente excepcional e temporário e o rácio se mantenha próximo
do valor de referência;
- Regra da dívida pública, a exigir que a relação entre a dívida pública bruta e o PIB não exceda os 60%, a menos que
o rácio esteja a diminuir significativamente e a aproximar-se do valor de referência a um ritmo satisfatório.

Em 1997, surge o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), como instrumento de garantia de finanças públicas
sólidas e de redução do risco de inflação, tendo como objetivo um compromisso entre a disciplina e a autonomia no
plano orçamental, para evitar que políticas fiscais irresponsáveis tenham efeitos nocivos sobre o crescimento e a
estabilidade macroeconómica na UEM, concedendo-se alguma margem, em especial aos países do Euro, para
intervirem em caso de choques económicos nocivos.
Os EM devem apresentar programas anuais de estabilidade orientados para atingir ou manter situações orçamentais
sólidas a médio prazo, tendo em conta o impacto orçamental iminente do envelhecimento da população. Perante défices
excessivos, existe um procedimento (PDE) que é desencadeado sempre que for superado o limite de 3% do PIB previsto
no Tratado.

Se por um lado os EM passaram a confrontar-se com a apresentação de programas de estabilidade visando objectivos de
ajustamento e de controlo do endividamento público a médio prazo, por outro, introduziu-se alguma tolerância na
aplicação das sanções aos incumpridores que tivessem registado uma redução “anormal” do valor do PIB de referência.
Ou seja, houve uma incapacidade de aplicação do PEC motivada pela falta de credibilidade das regras orçamentais
estabelecidas e das sanções impostas.
No plano político sobressaiu a vontade de impor um modelo orçamental de prudência e sobriedade, com o intuito de
acalmar o comportamento dos mercados e travar os mecanismos de contágio que a crise da dívida soberana tem
revelado.

O posterior Tratado de Amesterdão (1997) limitou-se a introduzir um novo capítulo dedicado ao emprego, que em
resumo se pode dizer que o quadro de supervisão orçamental da UE se apresenta como um elemento chave do
funcionamento da UEM, cujas regras orçamentais visam evitar crises orçamentais e os elevados custos associados.

Tendo por base todo este enquadramento, analisaremos de seguida as duas componentes essenciais do Orçamento do
Estado, antes de voltar a análise para todo o processo orçamental desde a sua elaboração à respectiva execução e
controlo.
Marisa Duarte

De facto, desde que Portugal entrou na zona Euro, tem se vindo a debater com um problema de sustentabilidade das
contas públicas.

Além de défices excessivos em praticamente todos os anos desde 2001, Portugal viu a sua dívida pública passar de um
valor estável em torno dos 60% do PIB até 2008, para um patamar acima dos 110% no momento da assinatura com a
“Troika”, passando para um patamar em torno dos 120%, atualmente.

Além disso, a estrutura da despesa pública apresenta-se pesada e rígida, isto é, Portugal apresenta não só valores de
despesa corrente primária acima dos seus principais concorrentes (Europa do sul e do leste), o que implica também uma
carga fiscal mais elevada, mas também apresenta, na maioria das áreas de atuação do Estado, níveis baixos de eficiência
na utilização dos recursos públicos.
Portugal precisa de consolidar as suas Finanças Públicas, alcançando um equilíbrio orçamental estrutural, sendo que só
desta forma será possível tornar as Finanças Públicas relativamente imunes a choques externos e permitir alguma
margem para políticas contra cíclicas em momentos de recessão económica.
Estas restrições e a necessidade de equilíbrio orçamental obrigam a que se crie um “consenso orçamental”, sendo que
este visa apenas o equilíbrio das contas públicas, deixando à discussão política o modelo de sociedade e de Estado.
Este deve ainda permitir que num curto período a dívida pública desça para um patamar abaixo dos 100% do PIB
(sendo que o objetivo de longo prazo permanece reduzir para abaixo dos 60% do PIB previsto no Tratado de
Maastricht). Esse “consenso” deve também procurar uma gestão da dívida pública bastante adversa ao risco, sobretudo
enquanto esse patamar não for atingido.
“Consenso orçamental” que consiste em cumprir as regras orçamentais decorrentes dos compromissos europeus, mas de
todas as regras sobretudo a do saldo estrutural equilibrado. Ou seja, que o défice sem medidas “one-off” e sem o efeito
do ciclo económico esteja equilibrado. Isso implica excedentes nominais, quando a economia cresce, e défices
orçamentais abaixo dos 3% PIB, em períodos de recessão.

6. A situação atual face aos novos desafios em tempo de pandemia

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia do Covid 19, sendo esta uma pandemia que afetou vários países.
A incerteza quanto ao seu desenvolvimento e duração, conduziu ao desafio de tentar actuações de compromisso para
minimizar os efeitos sanitários, económicos e sociais dela derivados. Nunca antes se tinha assistido a medidas como as
que ditaram o encerramento de escolas e universidades, a suspensão de actividades comerciais e industriais e um
confinamento que foi longo. Todos os sectores da economia foram afectados.
Foram interrompidas várias cadeias de fornecimentos, diminuída a procura de bens e serviços, assistiu-se a uma enorme
queda no turismo, e, em geral, nas deslocações nacionais e internacionais. Subiu o número de desempregados, assistiu-
se a uma pressão significativa sobre os gastos com proteção social, incluindo pessoas idosas e dependentes, pessoas
com doenças crónicas ou de longa duração, famílias pobres e de baixo rendimento, sem-abrigo, etc.

A este acréscimo de despesa pública, associa-se uma forte queda nas receitas públicas em geral mas sobretudo nas
receitas fiscais. A diminuição da atividade económica, do emprego e do consumo, reduz automaticamente as receitas do
IRS, do IRC e do IVA. Além disso, medidas como incentivos fiscais, isenções, diferimentos e redução das taxas,
decididas na “recuperação” por parte dos governos, podem amplificar a queda das receitas fiscais. Acresce uma grande
redução nas taxas de utilização resultantes do encerramento temporário de instalações públicas e procura reduzida de
serviços públicos locais, como como transportes públicos, estacionamentos, portagens, etc., a que se juntam aumentos
das taxas não pagas em situações variadas (por exemplo, recolha de lixo, esgotos, fornecimento de água, etc. .).

Pode dizer-se que os efeitos orçamentais são negativos face ao impacto da doença nas regras do sistema económico-
orçamental do país instituídas antes da disseminação do vírus:
a) hospitais aumentam despesa, subsídios de doença e desemprego aumentam à medida que mais baixas médicas são
emitidas e mais pessoas perdem o posto de trabalho, e as receitas fiscais caem devido à redução na actividade
económica e ao aumento do desemprego;
b) tomam-se medidas de política para combater os danos na saúde, como é o caso do regime excepcional de gestão de
recursos humanos na saúde, na protecção civil e nos serviços prisionais, bem como o apoio à família para
acompanhamento de dependentes privados de actividades presenciais na escola ou em equipamentos sociais;
Marisa Duarte

c) combatem-se as consequências da doença na economia, com os apoios para manutenção do emprego, suspensão de
contratos, o diferimento do pagamento de contribuições para a Segurança Social, etc.

Segundo o Conselho de Finanças Públicas, “a redução do PIB em 2020 reflete a diminuição da procura externa dirigida
a Portugal com impacto nas exportações totais”. As medidas criadas pelo Governo para responder à crise tiveram um
impacto orçamental muito negativo : O “maior impacto orçamental das medidas é determinado pelas áreas económicas
e de saúde, onde se concentra a incidência das medidas de ‘lay-off’ simplificado e de saúde pública”.

Num recente comentário, Paul Krugman, referia “o que estamos a viver não é uma recessão convencional provocada
por uma queda na procura global, mas estamos entrando no equivalente económico de um coma induzido clinicamente,
no qual algumas funções cerebrais são deliberadamente desligadas para dar ao paciente tempo para se curar. E aí apenas
funciona a ajuda do Estado! O problema é o do respectivo financiamento, a significar aumento da dívida pública.

E na União Europeia o problema reflecte-se também nos limites do deficit e da divida pública dos EM, que
pressionaram no sentido da existência de um Plano de Ajuda para combate aos efeitos da pandemia.
Reunidos em Bruxelas, os líderes dos 27 EM chegaram por fim a um acordo que engloba um pacote total de mais de 1,8
biliões de euros para investir na recuperação da UE. O montante engloba um fundo de recuperação de 750 mil milhões
de euros e o novo quadro financeiro pluri-anual no valor de 1,074 biliões de euros.

O fundo de recuperação, apelidado de “Próxima Geração UE”, será financiado com a emissão conjunta de dívida
através da Comissão Europeia nos mercados financeiros, e o seu valor total é de 750 mil milhões de euros, comportando
montantes concedidos sob a forma de subsídios e sob a forma de empréstimos. O valor dos subsídios, a conceder a
fundo perdido, é de 390 mil milhões, e os apoios que serão concedidos através de empréstimos de 360 mil milhões de
euros.

Com estas contas do Conselho Europeu, Portugal acaba por ter disponíveis 15,7 mil milhões de euros em empréstimos
do Fundo de Recuperação — ligeiramente mais do que os 15,3 mil milhões de euros que garantiu a fundo perdido.
Nos próximos sete anos, vai receber a fundo perdido os tais 15,3 mil milhões de euros do Plano de Recuperação
Europeu e outros 29,8 mil milhões de euros por via do Quadro Financeiro Pluri-anual.

Do dinheiro a fundo perdido há ainda duas verbas — num total de 5,7 mil milhões de euros — que terão de ser
confirmadas no futuro. Por um lado, 30% das subvenções do Instrumento de Recuperação e Resiliência (3,9 mil
milhões de euros) dependem da variação do PIB em 2020 e 2021 (a serem confirmados em 2022); e há ainda 1,8 mil
milhões de euros que dependem da evolução dos indicadores do PIB, do desemprego e do desemprego jovem, no
âmbito do programa REACT EU (a serem confirmados no outono 2020 e 2021).
Os restantes 39,4 mil milhões de euros estão já determinados, com 29,8 mil milhões a serem entregues pelo Quadro
Financeiro Pluri-anual (e que podem ser gastos até 2029) e 9,6 mil milhões pelo Plano de Recuperação Europeu (até
2026).

Com tudo isto o que se pretende é a retoma da economia. A retoma deve ser objecto de análise e decisões
fundamentadas, vendo que sectores têm perspectivas de recuperar com êxito. Foi neste contexto que o Primeiro
Ministro encarregou António Costa e Silva de delinear um plano estratégico para o relançamento da economia após a
crise pandémica que ainda vivemos. Será um plano para os próximos 10 anos, que não só pretende responder a
problemas imediatos, como também criar um sistema que garanta uma economia forte e sustentável no futuro. O Plano
informará depois o Plano de Recuperação, com vista à utilização dos fundos europeus disponíveis. O documento
apresenta 10 eixos estratégicos em torno de uma Rede de Infraestruturas Indispensáveis, a Qualificação da População, a
Aceleração da Transição Digital, as Infraestruturas Digitais, a Ciência e Tecnologia, o Sector da Saúde e o Futuro,
Estado Social, a Reindustrialização do País, a Reconversão Industrial, a Transição Energética e Eletrificação da
Economia, a Coesão do Território, Agricultura e Floresta, um Novo Paradigma para as Cidades e a Mobilidade e
Cultura, Serviços, Turismo e Comércio.

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