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A Política Económica

O Estado tem muitas razões para intervir sobre o andamento da Economia.


Todas elas se relacionam com problemas que a livre decisão dos parti-
culares levanta na sua articulação. A miríade de temas que se levantam
relativamente à política económica ultrapassam em muito o âmbito deste
pequeno livro. Aqui serão tratados, tal como nos outros casos, apenas as
linhas essenciais dos problemas.
Nos capítulos seguintes serão analisados alguns dos temas mais canden-
tes e importantes de política económica moderna. Em particular, serão
abordados os problemas do ciclo económico, do desemprego, da inflação,
das relações internacionais e do desenvolvimento. Em cada um dos temas
será discutido o papel do Estado e a forma como ele pode e deve intervir.
Antes, porém, e fiéis à linha de abordagem que temos seguido até aqui,
é conveniente discutir as questões de fundo da intervenção do Estado. E
estas são duas: o Orçamento de Estado e o sistema monetário.

3.1. ORÇAMENTO

Para tentar resolver todos os problemas que se levantam à sociedade nas


suas múltiplas manifestações do dia-a-dia, o Estado intervém com a sua
política. Em termos de política económica, vimos que ele pretende pro-
mover a eficiência, a equidade e a estabilidade. Mas essa política exige

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Princípios de Economia Política

que o Estado gaste recursos. Para promover a eficiência, o Estado constrói


estradas e hospitais, cria empresas públicas; para conseguir maior equidade
tem de ser criado o sistema de Segurança Social, o aparelho fiscal que usa
os impostos para tirar aos ricos e dar aos pobres, etc.; finalmente, a busca
da estabilidade exige dar subsídios aos desempregados ou empregá-los no
funcionalismo público, fornecer bens mais baratos, etc., etc.
O Estado está encarregue de uma enorme quantidade de funções que
só ele pode fazer bem, desde a legislação e a justiça às câmaras municipais,
passando pela defesa do meio ambiente, o policiamento e a administração
do património. Os bens que o Estado produz, as regras que define, mani-
festam-se nos vários ministérios e organismos públicos e nas suas acções.

DINHEIRO GRÁTIS – Uma das funções do Estado de que mais se fala é a de apoiar
e ajudar empresas em dificuldades. Na verdade, o poder público tem a possibili-
dade de utilizar meios da sociedade para promover os interesses que ela considerar
adequados, e o apoio a sectores em dificuldades pode ser algo que a sociedade con-
sidere adequado. É importante, porém, referir alguns aspectos importantes desta
actividade.
Em primeiro lugar deve notar-se que o dinheiro grátis é um remédio muito
perigoso para as empresas. É claro que um subsídio é sempre um alívio bem-vindo
e significativo para empresas que lutam arduamente no mercado. Nesse sentido, o
dinheiro grátis é bom para a empresa. Mas o problema aparece quando o subsídio
sobe à cabeça do empresário, porque então desvirtua toda a sua actuação. Receber
dinheiro grátis representa precisamente o contrário da actividade normal da empresa.
Muitas são as empresas que, uma vez viciadas no subsídio, deixam praticamente de
trabalhar e produzir, para lutarem pela próxima migalha de apoio. A cultura do subsí-
dio pode destruir muitas empresas e isso vê-se bem por cá. Note-se que em Portugal
usam-se expressões como «apoio», «ajuda», «atenção dos poderes públicos», que
só se aplicam a dois tipos de pessoas: os empresários e os deficientes. Estas são pala-
vras que não se adequam a empresas saudáveis.
Por outro lado, é importante manter na atribuição de subsídios uma grande dose
de seriedade e realismo. Em Portugal, alegadamente, todas as empresas falidas têm,
alegadamente, «excelentes oportunidades», apesar de estarem falidas. Se têm boas
perspectivas porque estão falidas? Se receberem apoios, o que garante que não con-
tinuem com «boas perspectivas» e falidas?

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A Política Económica

Estas constituem as várias políticas nacionais, de educação e cultura, de


saúde, de defesa nacional, do ambiente, etc.
Para todas estas intervenções, o Estado tem de gastar recursos. Mas o
Estado não produz recursos. Quem produz são as empresas, os trabalha-
dores, as máquinas. Por isso, o Estado tem de ir buscar esses recursos a
qualquer lado. A discussão deste processo é a discussão do Orçamento de
Estado, o documento onde estão discriminados os montantes anuais de
despesa e de financiamento do Estado.
Existem três formas fundamentais de o Estado ir buscar recursos à
economia: os impostos, o endividamento e a emissão de moeda. Todas elas
têm importantes efeitos globais, mas eles são diferentes entre si, pelo que é
conveniente distinguir bem o que estamos a falar.

I) impostos

A primeira forma de financiamento do Estado, e aquela que é usada mais


intensamente são os impostos. Os impostos são uma subtracção pura e sim-
ples de recursos da economia, com o fim de permitir ao Estado cumprir as
suas funções.
Os impostos são a forma mais directa de financiar o Estado, pois neles
sente-se claramente o custo necessário para obter o benefício da acção do
Estado. Por outro lado, os impostos em si, mesmo que o dinheiro seja depois
destruído, já contribuem para a equidade e a estabilidade da economia. Ao
tributar os ricos mais do que os pobres, e ao tributar mais nas alturas em
que a economia está próspera do que quando está perturbada, os impostos
geram equidade e estabilidade. Mas, naturalmente, sendo uma subtracção à
actividade económica, reduzem a eficiência e o desenvolvimento económi-
cos da sociedade. Visto que o parlamento aprova, no Orçamento de Estado,
os impostos que serão lançados na economia, pode dizer-se que a sociedade
aceitou essa subtracção, visto que está disposta deste modo a sacrificar
desenvolvimento para conseguir os objectivos que o Estado se propõe.

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Princípios de Economia Política

Note-se que os impostos não tiram o dinheiro da sociedade, visto que


o Estado retira esses montantes com o propósito de os gastar na sociedade.
Assim, o total de recursos que a sociedade dispõe é igual. Mesmo que o
dinheiro seja desperdiçado, ele não chega a sair da sociedade. No entanto, o
controlo desse dinheiro é retirado às pessoas e às empresas, para ser entre-
gue ao Estado. Nesse sentido, o dinheiro sai do domínio da sociedade para
o do Estado.
O custo dos impostos é, portanto, aquilo que a sociedade deixa de obter
por lhe ter sido retirado o dinheiro dos impostos. Mas tem um benefício nas
escolas, estradas, segurança social e outras actividades que o Estado assegura.
Os impostos são o pagamento do «almoço» que o Estado dá à sociedade.
Mas existe um outro custo dos impostos, o qual não tem benefício relacio-
nado. E esse custo está ligado à possibilidade de «fuga legal aos impostos».
Todas as vezes que um contribuinte escapa ilegalmente às suas obri-
gações fiscais fica com dinheiro que deveria ser do Estado. Nesse caso, de
fuga ilegal, os impostos não chegam a ser cobrados, mas o dinheiro fica
na sociedade. Não houve custo dos impostos. O problema, no entanto,
verifica-se quando existe uma «fuga legal aos impostos». Essa fuga dá-se
quando alguém altera a sua decisão económica para pagar menos impostos.
O custo dos impostos consiste na distorção que realizam, ou seja, do
afastamento a que obrigam a economia em relação ao ponto de equilí-
brio. Os impostos sobre os preços perturbam os mercados, levando a uma
produção e consumo diferentes dos de equilíbrio; os impostos sobre o
rendimento reduzem o trabalho ou o investimento, pois ninguém quer
continuar a produzir tanto se o Estado leva os resultados, os impostos sobre
a riqueza acumulada (depósitos, propriedades, etc.) reduzem a poupança,
pois mais vale comer já do que vir o Estado e levar.
A única forma de imposto que não distorce a economia é aquele que é
colocado sobre algo que não influencie as decisões económicas, por exem-
plo, a altura das pessoas ou a cor do cabelo. A esse, não haveria «fuga
legal». Mas esse imposto seria extremamente injusto, pois nada tinha a

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A Política Económica

Despesas e receitas (--) Públicas/PIB


60

50

40
% PIB

30

20

10

0
1835 1895 1935 1985

Défice do Estado/PIB
4

0 1885
1835 1935 1985
-2
% PIB

-4

-6

-8

-10

-12

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ver com a capacidade de pagar das pessoas. Assim se vê que existe, nos
impostos, também um conflito eficiência-equidade: os impostos que não
distorcem a economia, e logo não reduzem a eficiência, podem perturbar
a equidade.
A figura anterior apresenta (em percentagem do produto nacional)
o valor dos impostos e das despesas públicas em Portugal desde 1836.
Repare-se no aumento da dimensão do Estado na economia portuguesa,
evolução semelhante à dos outros países desenvolvidos. Mas o aspecto
mais notório da figura é que a maior parte das despesas públicas são pagas
por impostos.
A diferença entre o dinheiro gasto pelo Estado e a parte arrecadada
em impostos é o chamado «défice das contas públicas» que também vem
apresentado (ver pág. anterior), em percentagem do produto nacional.
Esse défice tem de ser pago pelas outras duas formas do Estado obter
recursos.

II) dívida pública

Exactamente por serem claros e nítidos, os impostos têm elevados custos


políticos. Nenhum governo gosta de ser visto a lançar os impostos. Por isto
aparecem outras formas de financiar os problemas dos pobres, dos desem-
pregados, da necessidade de estradas, da polícia e do exército. Uma dessas
formas é a dívida pública, pela qual o Estado pede dinheiro emprestado,
dentro ou fora do país (dívida interna e externa).
À primeira vista este método parece mais suave, pois não se tira nada
a ninguém, e ainda se paga juros pelo dinheiro emprestado. Mas que fazer
quando se tem de pagar as dívidas? Como o Estado não produz nada, tem
de obter dinheiro através de impostos. Fica assim claro que a dívida pública
é apenas o adiamento de impostos. Hoje não se tira nada a ninguém, mas
no futuro vão pagar-se impostos. E, aliás, são mais impostos do que paga-
ria-se hoje porque é preciso pagar os juros, além do capital. Mas pode ser

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uma forma correcta de adiar o peso das despesas, pois, como alguns dos
benefícios da actividade do Estado recaem no futuro (quando a estrada ou o
hospital estiverem prontos), os custos devem ser pagos também no futuro.
Não é, como parece a alguns, um almoço grátis.
Aliás, olhando melhor, não é verdade sequer que a dívida interna seja
uma carga sobre as gerações futuras. Na verdade, o Estado hoje tira recursos
à sociedade, pedindo emprestado. É verdade que se compromete a pagar no
futuro, mas hoje a sociedade ficou sem dinheiro, enquanto o Estado ficou
com o dinheiro dela, tal como num imposto. Amanhã o Estado tira dinheiro
a uns (lançando impostos) para pagar aos primeiros (pagando a dívida).
Como se vê, no futuro existirá apenas uma redistribuição contemporânea
do produto dentro da sociedade, sem tirar dinheiro dela. Assim, uma dívida
representa um imposto já hoje.
Este resultado, da equivalência formal entre impostos e dívida, ficou
conhecido na ciência económica pelo nome de «equivalência ricardiana».
Ele foi apresentado pela primeira vez por David Ricardo (1772-1823), um
economista britânico, de uma família de origem portuguesa, que foi o
homem que formalizou as ideias de Smith num modelo científico.
A única situação em que a dívida pública significa uma carga sobre
as gerações futuras é no caso da dívida externa. Aí, verifica-se hoje uma
entrada real de recursos vindos do estrangeiro que, por isso mesmo, no
futuro exigirá a obrigação de os pagar ao exterior.
A figura seguinte apresenta a evolução da dívida pública portuguesa
desde meados do século passado. A figura descreve, em percentagem do
produto, os valores da dívida pública total e da dívida pública externa.
Note-se como os graves problemas financeiros dos finais da monarquia
se revelaram num endividamento crescente, que chegou a mais de 80%
do produto nacional, valor astronómico para a época. O «Estado Novo»
resolveu o problema, pagando a dívida externa e controlando a interna. As
últimas décadas criaram novas tensões nesse campo, que devem ser acau-
teladas no futuro próximo.

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Princípios de Economia Política

Dívida Pública (tot. e ext.) % PIB


140

120

100

80
%

60

40

20

0
1850 1900 1950 2000

III) moeda

O método de financiamento do Estado que parece mesmo um almoço grátis


é o terceiro: emitir mais moeda. O Estado (e só o Estado) é o responsável
pelas notas e moedas que usamos todos os dias. Só ele, através de um depar-

DAVID RICARDO (1772-1823)


Ricardo, filho de um operador da bolsa de Londres, aliás de
origem portuguesa, começou a ajudar o pai aos 14 anos. A
enorme fortuna que acumulou, que fez dele o economista
mais rico de todos os tempos, permitiu-lhe ser proprietário
rural e membro da Câmara dos Comuns a partir de 1819.
Interessado pelos problemas económicos, desde cedo,
publicou vários artigos que acabou, por insistência de ami-
gos, por alargar no grande tratado Dos Princípios de Eco-
nomia Política e Tributação, de 1817. Este tratado inclui a
primeira formulação científica das intuições de Adam Smith. A sua influência foi
imensa, estabelecendo a primeira ortodoxia da história da Economia. Os seus discípu-
los formaram a chamada «escola clássica» ou «escola ricardiana» que dominou a
teoria económica durante mais de 50 anos, até à «revolução marginalista» dos anos
70 do século passado.

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tamento especial chamado banco central (em Portugal é o Banco de Portu-


gal) pode emitir nova moeda. E cada vez que o faz, transforma um pedaço
de metal ou papel em dinheiro. Parece a «árvore das patacas» ou o «toque
do ouro» do rei Midas: ninguém paga, e consegue-se o dinheiro para pro-
mover os pobres e os desempregados, para eliminar as ineficiências, para
promover o desenvolvimento.
Será que encontrámos finalmente um modo de ter almoços grátis? Será
que o Estado pode resolver de graça os problemas da sociedade atirando-
-lhes dinheiro novo? A resposta, como já suspeitamos, é não. Também aqui
o almoço tem um custo. Só que é um pouco mais difícil de encontrar.
O problema de fazer uma nova emissão de notas e moedas é que, por
haver mais dinheiro, não quer dizer que haja mais coisas para comprar. E se
a economia e o Estado têm as mesmas coisas para comprar e mais dinheiro
para gastar, os preços das coisas, de todas as coisas, sobem. Este fenómeno
tem um nome pouco elegante: inflação.
Uma das principais características económicas da inflação é, pois, ser
um imposto, como outro qualquer. É uma forma de o Estado desvalorizar o
dinheiro que as pessoas têm no bolso, como contrapartida do novo dinheiro
que o Estado tem. A nota que a pessoa tinha no bolso e que valia 1000$00,
continua a dizer que vale o mesmo mas, na verdade, já não compra o que
comprava e, por isso, vale menos. E quem ganhou com isso foi o Estado,
que ficou com dinheiro novo. Logo é uma transferência de recursos para
o Estado, tal como os impostos. Por isso se fala no imposto de inflação. Só
que a inflação mais subtil é oculta. Mas embora seja escondida, e por isso
não tenha os custos políticos dos impostos normais, não deixa de ter outros
custos, que os impostos não têm.
Quais são esses outros custos? Qual é o mal da inflação? Se os preços
sobem, se todos os preços sobem (incluindo salários, pensões, juros, ren-
das, etc.) e todos sobem o mesmo, tudo fica na mesma. As coisas estão mais
caras, mas as pessoas têm mais rendimentos, logo o seu consumo e, conse-
quentemente, a sua utilidade (que é o que interessa e só o que interessa) fica

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na mesma. No fundo a inflação é como se o metro de medida ficasse mais


pequeno: todas as coisas ficam mais compridas, mas afinal estão iguais.
Um dos problemas característicos da inflação é a injustiça, pois normal-
mente ela não afecta todos igualmente. Alguns agentes económicos, que
não estão protegidos contra os efeitos da inflação, perdem, enquanto outros
até podem ganhar. Na verdade, os donos das empresas que vendem os
produtos, os trabalhadores que conseguem que as subidas de salários com-
pensem a subida dos preços (salários indexados) não perdem, e até podem
ganhar com a inflação (se os seus lucros ou salários cresceram mais ou mais
cedo que a inflação). Também as pessoas que devem dinheiro são muito
beneficiadas com a inflação, pois quando pagam, o dinheiro vale menos do
que quando o receberam emprestado. Por outro lado, os que compram os
bens, os que não têm poder para ajustar os seus rendimentos à inflação e os
que emprestaram dinheiro, todos esses perdem com a inflação. Assim, esta
afecta fortemente a equidade.
Mas a inflação também cria instabilidade. Se a subida de preços fosse
sempre prevista ou sempre igual, não havia problema nenhum, pois as pes-
soas teriam facilidade em se precaverem dos seus efeitos. Mas o problema é
que a inflação é normalmente imprevisível e quanto mais alta, mais tende
a sê-lo. Por esse motivo ela cria uma razão adicional que afecta a estabili-
dade.
Finalmente, a eficiência pode também ser prejudicada pela inflação.
Em primeiro lugar, ela gera um desperdício de recursos, pois prever a
inflação dá trabalho, que poderia ser usado noutras coisas. Por outro lado,
perturba o mecanismo de preços, pois como os preços mexem sem haver
alterações na situação real da economia isso tem custos na eficiência actual.
Mas também a eficiência dinâmica é perturbada, pois como os preços futu-
ros ficam muito incertos, a criação de novas empresas e os investimentos
que geram desenvolvimento podem ser perturbados.
Note-se que nenhum destes custos aparece se a inflação for perfei-
tamente previsível e neutra, afectando toda a gente de forma igual. Nesse

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caso a inflação é exactamente igual a um imposto, claro e nítido para toda a


gente, com os mesmos custos políticos dos outros impostos, por não poder
ser já escondida.
Mas se a inflação tem todos estes custos, porque insistem os Estados
em usar a emissão de moeda para se financiarem? A razão é o grande bene-
fício político de a inflação ser um imposto escondido. Trata-se de uma
forma de lançar um imposto sem ser logo claro que o fez. Esta forma de
obter dinheiro é tão simples que é muito utilizada pelo Estado, nas altu-
ras de crise, em que mais precisa de dinheiro e menos hipóteses tem de o
obter. Durante as guerras e as revoluções, quando é difícil cobrar impostos
e pedir dinheiro emprestado (até porque, nessas crises, é normal a pro-
dução nacional descer), muitos governos usam a rotativa das notas para
pagar aos soldados e satisfazer as outras necessidades. E por essa razão que
durante e após as guerras verificam-se, normalmente, períodos de grande
inflação.
Vimos como a eficiência e o desenvolvimento que o mercado consegue
não são tudo. A equidade e a estabilidade são muito importantes e são con-
flituantes com os primeiros. Cada sociedade tem de encontrar um equilíbrio
entre eles. O Estado, ao intervir neste equilíbrio, tem de gastar recursos,
mas não os produz. Impostos, dívida pública e emissão de moeda são as
formas de obter recursos, mas cada um com os seus problemas. A inflação,
o custo do terceiro, é o mais subtil.
Estas características do «imposto de inflação» levaram a maioria dos
países desenvolvidos a reduzir ou até a eliminar esta forma de o Estado
obter dinheiro. A discussão hoje frequente sobre a «independência do
banco central» tem precisamente a ver com este problema, pois se essa
instituição monetária for independente, o Estado não a pode usar para se
financiar. Por exemplo, na União Europeia, o Tratado de Maastricht proi-
biu o «financiamento monetário dos défices públicos», ou seja, tornou-se
impossível o recurso ao imposto de inflação.

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Princípios de Economia Política

A principal conclusão a tirar desta breve análise do Orçamento de


Estado é que a totalidade dos impostos que a sociedade paga não é igual
aos impostos que vêm discriminados no Orçamento. Na verdade, o défice
público, a parte das despesas que não é paga por impostos, é paga por dívida
ou por moeda que, no fundo, são economicamente equivalentes a impos-
tos. Assim, o total dos impostos que o Estado cobra é igual às suas despesas,
visto que todas as formas de as financiar constituem tipos diferentes de
impostos.

3.2. MOEDA

Depois de termos visto as formas de financiamento do Estado, corpori-


zadas no Orçamento de Estado, é conveniente determo-nos um pouco
na consideração da moeda e da política monetária. Como vimos, a moeda
constitui uma das três formas de o Estado se financiar, pelo que a relação
é imediata. Mas, mais importante do que isso, a importância da moeda no
sistema económico justifica uma intervenção forte do Estado sobre este
mecanismo, que constitui a política monetária, uma das mais importantes
formas de o Estado influenciar a sociedade.

I) a moeda e a economia

A moeda é a única realidade sobre a qual se tomam decisões e que não tem
qualquer utilidade. Aliás, olhando bem, temos mesmo dificuldades em
entender o que a moeda faz no mundo e no sistema económico. Todas as
escolhas e decisões incidem sobre coisas com utilidade, directa ou poten-
cial, e é essa utilidade que governa as decisões tomadas sobre elas. Porém,
temos de enfrentar o paradoxo de muitas transacções serem feitas com uma
coisa que não tem qualquer utilidade: a moeda.
Por que razão as sociedades usam moeda? À primeira vista este pro-
blema parece difícil de entender. A moeda não tem qualquer utilidade

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A Política Económica

directa, não serve para qualquer produção nem satisfaz qualquer necessi-
dade. A verdadeira finalidade da moeda só se torna clara quando analisamos
as transacções de valor.
O valor económico, como vimos, nasce da utilidade que atribuímos às
coisas. Mas, em certos casos, é preciso lidar com o valor em termos puros,
independentemente de qualquer bem em concreto. Existem muitos casos,
por exemplo, em que queremos guardar valor para o futuro sem saber ainda
em que coisa o queremos aplicar. Quando alguém acumula mais valor do
que deseja consumir imediatamente, encontra o problema de conservar
valor económico em estado puro.
A moeda é exactamente o símbolo do valor económico puro. Ela serve,
deste modo, para guardar e medir valor e facilitar as trocas. A existência da
moeda está estreitamente ligada às trocas, sejam elas contemporâneas ou
desfasadas no tempo. Pode ver-se a moeda como um lubrificante do sis-
tema geral de trocas, de interacção de decisões que, como vimos, é a base
da sociedade.
Deste modo, compreendemos o interesse da moeda. Mas também fica
claro o seu paradoxo profundo. A moeda representa valor, mas ela própria
não vale nada. Quando é usada nas transacções, ela aparece sempre em
substituição de um bem valioso, que o agente virá a adquirir no futuro. Mas,
como agora ele não sabe ou não pode comprar esse bem, coloca a moeda em
lugar dele, guardando o valor até ao momento da futura aquisição. A moeda
é o joker do baralho. Para a estudar não podemos usar a «teoria do valor»
que vimos antes.
É preciso construir uma nova abordagem: a teoria monetária.
Se fosse sempre possível na sociedade saber ou ter acesso ao bem em
que, no futuro, se pretende gastar o valor que se acumulou, a moeda não
seria necessária. Como não é, a moeda tem um papel essencial.
Assim, a moeda é uma entidade sumamente estranha na realidade
económica. Na verdade, tem a característica essencial de não ter qualquer
valor, visto que não satisfaz directamente qualquer necessidade. Este facto

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Princípios de Economia Política

MEDIDA DO VALOR – Ao longo dos tempos, os economistas procuram uma uni-


dade de medida de valor que fosse invariável com o tempo e o espaço. Queríamos
uma medida de valor que desse sempre a mesma avaliação das mesmas coisas. Tal
como um metro, que mede sempre um metro e, por isso, serve para medir o com-
primento, também se procurava uma coisa que tivesse sempre o mesmo valor, para
poder servir de padrão de medida do valor. A busca de uma «medida invariável
do valor» foi longa, mas infrutífera. O primeiro homem a intuir que não existia tal
medida foi o economista David Ricardo. Mas levou muitas décadas até se demonstrar
que, realmente, não existe nada com valor constante para poder servir de unidade
de medida. Assim, os economistas estão obrigados a usarem «metros elásticos»,
que fornecem valores diferentes ao medirem a mesma coisa. A moeda, o metro que
nós usamos normalmente para medir o valor das coisas, é uma dessas, mas todas as
outras alternativas seriam igualmente. No entanto, embora não haja medidas per-
feitamente estáveis, existem «metros de valor» melhores do que outros. O dólar e o
marco, moedas estáveis e sólidas, fornecem avaliações mais sólidas do que as moedas
brasileira ou portuguesa. Por isso são tão procuradas.

impede a utilização da teoria do valor para estudar a moeda. Mas, ao mesmo


tempo, a moeda que não tem valor é usada para representar o valor. É este
o paradoxo básico da teoria monetária e a sua principal dificuldade, que se
manifesta de várias formas.
A primeira questão que se levanta quanto à moeda é a sua aceitabilidade.
Por que razão alguém há-de aceitar moeda em troca dos bens? A ideia origi-
nal que algumas sociedades tiveram foi a de usar um bem que fosse conside-
rado útil por toda a gente, para garantir que ele era sempre aceite por todos.
Ao longo do tempo, muitos bens foram assim usados como moeda pelas
várias sociedades. Em alguns casos usavam-se bens que cumpriam funções
sociais ou religiosas: grandes pedras esculpidas, adornos de penas, etc. Mas
em geral um dos bens mais importantes da sociedade, vacas, vinho, cer-
veja, cigarros, era utilizado como moeda.
O problema de usar um bem muito útil como moeda, porém, é que,
exactamente porque esse bem era útil, ele tem outros usos para além das
trocas. Por isso, por vezes, havia falta de moeda para as trocas porque tinha
sido usado. Por exemplo, o vinho ia-se gastando ao longo do ano; por isso,

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A Política Económica

no Verão, antes das vindimas, havia pouco vinho que não chegava para
beber, quanto mais para trocar. Uma pessoa podia «beber» ou «fumar»
a riqueza da família, ou então, no caso das vacas, podia a fortuna de uma
pessoa fugir atrás de um boi...
Aqui aparecia o primeiro grande problema da moeda: para garantir
que o bem era aceite por todos era preciso que o bem fosse útil, e até muito
útil. No entanto, isso fazia com que a quantidade de moeda que havia em
circulação variasse fortemente, devido ao «consumo não monetário» desse
bem, o que gerava grande instabilidade na economia, sobretudo do nível
geral dos preços, como veremos adiante.
Note-se a grande contradição que se defronta na escolha de um bem
para moeda, e que resulta daqui: para ter um bem que apenas sirva como
moeda (não tenha procura não monetária) o bem deve ser inútil. Se for útil,
serve para muitas coisas e não apenas para moeda e o seu uso como moeda
ressente-se. Mas uma forma simples de ser aceite por todos, é a moeda
ser um bem útil (vinho, cigarros, vacas). Daqui um problema que durante
séculos a teoria monetária defrontou.
Se fosse possível encontrar um bem que as pessoas desejassem, mas que
quase não servisse para mais nada a não ser para fazer trocas, o problema
ficava resolvido. E essa foi a situação daquelas sociedades que passaram a
usar um tipo especial de bens, a que podemos chamar «bens decorativos
ou de luxo», que pouco consumo tinham, mas que eram aceites por todos.
As conchas, pérolas e, sobretudo, os chamados metais preciosos podiam ser
usados como moeda, por serem aceites por todos, sem medo de que o seu
montante total fosse alterado frequentemente de forma significativa pelo
consumo não monetário. Por isso, durante a maior parte da história, o ouro
foi a moeda utilizada em quase todo o mundo.
Nos tempos mais recentes, devido à falta de ouro para o crescente
número de trocas, apareceu uma outra solução. Os Estados, a pouco e
pouco, ao longo dos século  e , começaram a emitir papel que substi-
tuía o ouro como moeda. Esta moeda tinha a vantagem de não ter qualquer

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Princípios de Economia Política

outra utilidade para além de servir para as trocas, mas tinha uma razão
óbvia para ser aceite: a existência de uma lei que obrigasse as pessoas a acei-
tar e a transaccionar em moeda de papel, sem a poderem trocar por ouro.
A lei tornava o papel inconvertível em ouro. Primeiro esta medida era
tomada só em alturas de crise, mas em breve generalizou-se: não era pre-
ciso usar o ouro ou a prata se o papel servia na mesma. A moeda passou a
ser moeda fiduciária, o papel-moeda.
Agora, o Estado podia escrever num papel que ele valia 500 € e obri-
gar-nos a aceitá-lo, mesmo que não houvesse nenhum ouro representado
por esse papel, que «suportasse a emissão». Nos dias de hoje, inclusi-
vamente, muita moeda nem sequer tem um papel a suportá-la. Todas as
trocas feitas com cartão de crédito ou por transferência bancária não usam
mais do que um registo computacional. Assim se passou da «moeda mer-
cadoria» para o «papel-moeda» e deste para a «moeda desmaterializada».
Em relação ao problema relativo à dialéctica entre «aceitabilidade da
moeda» vs «procura não monetária», a evolução concreta levou-nos de
um extremo ao outro. Repare-se que inicialmente se usavam bens úteis
como moeda. Usando o papel, temos uma moeda que só é moeda. Hoje,
uma nota não serve para nada a não ser para troca e, como vimos, pode
nem sequer haver mais do que um registo informático a servir de moeda.
É claro que a aceitabilidade desta moeda é garantida pela obrigatoriedade
que o Estado lhe impõe, e na confiança que temos no sistema. Isso faz com
que, hoje, a moeda só vale porque nós dizemos que ela vale. Não há outro
suporte do valor da moeda senão a nossa confiança no sistema.

II) o negócio bancário

É importante referir, porém, que nem só o Estado emite moeda. A quan-


tidade de moeda é alterada pela sociedade, através de um negócio particular
que aparece sempre nas economias monetárias. Esse negócio, conhecido
por negócio bancário, consiste numa ideia muito simples.

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Princípios da economia - OUTUBRO 2018.indb 108 04/10/2018 16:16:51


A Política Económica

Uma entidade, o banco, convence os agentes económicos a entregar-


-lhe, por algum tempo, em depósito, a moeda excedentária que não querem
gastar. A forma como o banco atrai depositantes consiste em prometer-lhes
um acréscimo à moeda depositada, conhecido correntemente como juro.
Assim, quem entregar uma certa quantia ao banco recebe, ao fim do prazo
estabelecido, essa quantia acrescentada de um juro.
O banco, uma vez recebido esse dinheiro, e sem dizer nada ao depo-
sitante, usa esse dinheiro para o emprestar, a certo prazo, a quem dele
necessita. Claro que o banco só o faz porque o empréstimo custa um juro a
quem o pede, juro esse que é mais alto do que o que o banco prometera ao
depositante. No momento do reembolso do empréstimo, o banco recebe
esse acréscimo, paga o depósito e o juro que prometeu ao depositante, e fica
com a diferença.
Repare-se que, deste modo, o total do dinheiro em circulação aumenta.
Por um lado, o depositante, que não sabe de nada (ou mesmo que saiba),
continua a considerar o dinheiro depositado como sua moeda. Por outro
lado, a pessoa que o pediu emprestado usa-o como seu até ao momento do
reembolso. Os dois acham que a mesma moeda é sua.
É esta a forma como os bancos conseguem aumentar a moeda. Temos
de dizer que, em boa medida, este negócio tem características de burla. Na
verdade, a forma como o banco consegue aumentar a moeda em circula-
ção é através de convencer duas ou mais pessoas a chamar seu ao mesmo
dinheiro. Mas, como vimos atrás, «não há almoços grátis». Se a sociedade
consegue aumentar deste modo a moeda em circulação, ela paga um custo
elevado por isso. Esse custo é fácil de definir.
Como se disse, só é possível a um banco criar nova moeda porque
duas ou mais pessoas chamam sua à mesma moeda. Se essas pessoas,
simultaneamente, quiserem ver a sua moeda, o banco não a consegue fazer
aparecer! Assim, o grande custo da actividade bancária é a possibilidade de
uma grande parte dos depositantes acorrer, simultaneamente, ao banco para
levantar os seus depósitos. Nesse caso o banco não tem qualquer possibili-

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Princípios de Economia Política

dade de satisfazer os seus compromissos, porquanto, para o rentabilizar, o


banco teve de pôr o dinheiro a circular na economia. Nesse caso o banco vai
à falência. Entra em «bancarrota».
O significado do negócio bancário numa economia mede-se pelo
«multiplicador monetário», ou seja, pelo número de vezes que a moeda
emitida pelo banco central é aumentada pelos bancos comerciais. A figura
seguinte apresenta os valores do multiplicador monetário para Portugal nos
últimos 60 anos.
Note-se que no fim da guerra o nosso sistema bancário pouco mais
do que duplicava a moeda emitida pelo banco central. Mas, à medida que
o tempo passava, esse esforço ia aumentando e, em 1974, já ia em mais de
4 vezes. A revolução de 25 de Abril de 1974 e a nacionalização da banca em
1975 perturbou este sistema, lançando-o num período de alta instabilidade.
Só recentemente, na década de 90, podemos dizer que voltámos a ter um
sistema bancário a funcionar normalmente, onde o multiplicador tem o sig-
nificado comum. A descida após 2008 reflecte o impacto da crise mundial.

Multiplicador monetário em Portugal


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10

0
1945 1965 1985 2005

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A Política Económica

III) política monetária

Para além de ter monopólio da emissão de moeda, o Estado é responsável


pelo controlo do sistema, através do que é chamado a política monetária,
normalmente da responsabilidade do banco central. Vale a pena considerar
brevemente os métodos de intervenção usados nessa política.

a) lançar ou retirar moeda da circulação – a primeira responsabilidade do


banco central é, claro, a de emitir notas e moedas. Quais os meios que o
banco central tem para influenciar o montante total de moeda em circula-
ção? A primeira maneira é alterando directamente a moeda emitida (a
«base monetária»). Como é que o banco central lança moeda ou retira
moeda de circulação? Não pode atirar moeda da janela ou retirá-la, indo
pela rua roubar o passante. Tem de haver outra maneira.
A moeda circula sempre em troca de outras coisas. Logo o banco cen-
tral movimenta moeda em compras e vendas. Cada vez que compra uma
coisa, ele dá moeda em troca, e aumenta a moeda em circulação. Todas as
vezes que vende uma coisa, recebe moeda em troca de outras coisas, e sai
moeda de circulação. O banco central controla a base monetária através de
compras e vendas.
Mas não é comprando ou vendendo cadeiras ou gelados que o banco
altera a quantidade de moeda. O que ele compra e vende são títulos, sobre-
tudo obrigações do Estado. Assim a emissão de moeda é feita por «opera-
ções de mercado aberto» («open market»), O banco central compra (ou
vende) títulos do Estado quando quer emitir (ou contrair) a moeda.

b) redesconto – outra forma equivalente de emitir moeda, mas menos sofis-


ticada, é emprestar aos bancos. Esta forma é diferente pois aqui é preciso
convencer os bancos a pedir emprestado. Os bancos com falta de dinheiro,
para fazer negócios, pedem emprestado. Mas se eles não querem dinheiro,
não há forma de os obrigar a recebê-lo. A maneira de induzir os bancos a

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Princípios de Economia Política

pedirem dinheiro emprestado é através do preço desse crédito, a que se


chama a taxa de redesconto. Se o banco central desce essa taxa, os bancos
são levados a pedir dinheiro à fonte primária, para o emprestarem (a taxas
maiores) e fazerem lucros. Deste modo, o banco central está a emitir moeda.
Esta taxa é especialmente importante porque é o preço do dinheiro
para os bancos. Como a fonte do dinheiro novo é o banco central, se a taxa
de redesconto está baixa isso é incentivo para os bancos baixarem as suas
taxas de crédito. Se está alta, pode levar os bancos a subir as suas taxas.
A figura seguinte mostra a evolução da taxa de redesconto em Portu-
gal desde 1890. Note-se que esta taxa variou muito pouco durante a maior
parte do período, manifestando a sua fraca eficácia para manipular a moeda
em circulação. O seu uso mais intenso foi nas décadas de 70 e 80, altura
em que chegou a haver vários escalões, com taxas mais elevadas para os

Taxa de Redesconto do Banco de Portugal, 1891-1995

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A Política Económica

bancos que pedissem mais dinheiro emprestado (as taxas destes escalões
estão indicadas na figura; de 1970 a 1975 houve dois escalões e de 1976 a 1987
houve três escalões de redesconto).
O redesconto foi o método de política monetária utilizado durante
décadas para controlar a moeda em circulação em Portugal. Mas caiu em
desuso já na década de 90, devido aos seus defeitos e, sobretudo, devido ao
aparecimento do «open market», que é um sistema equivalente, mas mais
sofisticado e eficaz, de controlar a moeda.

c) influenciar as reservas dos bancos – para além de lançar ou retirar


moeda na economia, o banco central pode influenciar o crédito dos bancos,
intervindo nas suas reservas. A lei obriga os bancos a ter uma certa percen-
tagem dos seus depósitos em reservas, para evitar excessos na concessão de
crédito. É o banco central que controla essa lei, fixando a taxa de reserva
legal. Se o banco central subir essa taxa está a imobilizar mais dinheiro que,
por isso, não pode ser emprestado em crédito, e assim desce o montante de
moeda no país. Como as reservas são um elemento essencial do processo de
crédito, esta taxa de reserva legal é uma arma muito forte, pois afecta em
grande escala o multiplicador monetário.

d) regulação directa – finalmente, o banco central pode «mandar» nos


bancos, pois ele representa o poder do Estado. Dado que o banco central é o
responsável por toda a moeda em circulação, incluindo a emitida pelos ban-
cos, ele tem de ter os meios para cumprir essa missão. E a consequência é
que o banco central tem mais poder sobre os bancos do que qualquer outro
organismo do Estado tem sobre o sector de que se ocupa.
A sua influência pode ir desde «dar conselhos», que os bancos só
seguem se quiserem (embora seja perigoso desobedecer...), até ordenar a
eliminação de um banco que se esteja a «portar mal». Algumas das regu-
lações mais frequentes são a fixação das taxas de juro e os limites de crédito
(definindo quanto cada banco pode conceder de crédito). Estas são inter-

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Princípios de Economia Política

venções directas sobre o mercado bancário, ditando o preço ou a quanti-


dade do crédito (ou, às vezes, as duas!).
Deste modo, o banco central tenta manobrar a moeda em circula-
ção, para influenciar a economia. Mas o controlo de um sistema financeiro
nacional é uma tarefa muito complexa. A evolução do mercado português
manifesta bem essas dificuldades.

IV) o sistema financeiro português

Portugal teve um sistema financeiro moderno e pujante nos finais do sé-


culo . Pode dizer-se, sem grande erro, que a confiança conseguida pela
«Regeneração» permitiu uma evolução financeira que, não sendo das mais
sólidas e dinâmicas, foi do melhor que se conseguiu desde então. O Governo
acumulava dívidas quase sem controlo, mas as empresas financeiras goza-
vam de certa prosperidade.
Infelizmente, as confusões políticas e sociais do fim da Monarquia e da
«I República» foram fatais para o nosso sistema financeiro. Ao colapso do
sistema financeiro juntou-se a habitual falta de rigor nas contas públicas e,
pela primeira vez há décadas, um descontrolo monetário. Portugal, apesar
de ter um Governo gastador e endividado, tinha uma tradição de inflação
baixa que desrespeitou precisamente nesta altura.
Foi então o período da hiperinflação portuguesa, que se viu na figura 2.
Embora modesta, se comparada com alguns episódios estrangeiros recen-
tes, essa hiperinflação desvalorizou seriamente a nossa moeda, devido aos
excessos na sua emissão. O «real», nome com conotações monárquicas,
foi substituído pelo novo «escudo», mas que valia 1000 réis. No meio da
confusão financeira, grande parte das casas bancárias e mercados de capi-
tais sossobraram.
O novo regime, instaurado em 28 de Maio de 1926, tomou logo a tarefa
de repor ordem nesse campo. O professor Salazar, quando tomou o poder,
tomou como lema essencial a instauração de «finanças sãs». Era preciso

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A Política Económica

equilibrar as finanças públicas mas, também, estabilizar os mercados finan-


ceiros privados. É preciso dizer que já em meados da década de 20 havia
sinais de controlo monetário. A inflação estava a descer e havia alguma
acalmia financeira. Mas foi indubitavelmente o «Estado Novo» que ficou
com os louros da estabilização.
Depois de equilibrar as finanças, e de ter dominado um ligeiro surto de
inflação no final da II Guerra Mundial, normal como em todas as guerras,
iniciou-se o processo da industrialização do país. O desenvolvimento trazia
novas questões ao mercado financeiro. Neste período verificou-se a opção
que se revelou a mais importante para compreender a situação actual do
nosso sistema financeiro.
Portugal, como todos os países, tem memória longa quando se trata de
lembrar colapsos financeiros. A desconfiança da economia e do seu ditador
nas «modernices» financeiras era, por isso, grande. Este facto motivou
uma opção estratégica da maior importância. O nosso desenvolvimento
da década de 50 e 60 foi financiado apenas através de dois canais, ambos
controlados centralmente: o Estado, nos «planos de fomento», e alguns
poucos bancos, dominados pelos grandes grupos económicos. Esta solução
teve a vantagem de tornar o sistema extremamente sólido e controlado.
Mas, devido a esta opção, o desenvolvimento financeiro português ficou,
irremediavelmente, adiado. Portugal não acompanhou a sua industrializa-
ção com uma natural e saudável modernização financeira.
O desenrolar da história mais não fez do que confirmar a tendência.
Os defeitos dessa modernização eram já patentes durante a «primavera
marcelista», que assistiu a uma grande especulação bolsista. Começavam
a notar-se as dificuldades do sistema em adequar-se às necessidades do
desenvolvimento.
A revolução de Abril não só não resolveu o problema como o agravou.
Com a nacionalização da banca acabou-se de centralizar o que sempre tinha
sido centralizado. A partir de então, as duas vias do «Estado Novo» passa-
vam a ser só uma: o Estado assumia o financiamento da economia. Além

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Princípios de Economia Política

disso, a banca nacionalizada foi usada pelo Governo para fazer política agrí-
cola e industrial, além de se financiar a taxas favorecidas. Os créditos mais
injustificados eram concedidos por razões políticas. Ao longo da segunda
metade da década de 70 e primeira da de 80, o sistema bancário português
acumulou um grande montante de dívida incobrável.
Entretanto, o banco central utilizava a política monetária mais brutal
e restritiva, tabelando as taxas de juro e limitando os montantes concedi-
dos de crédito. Aliás, tinha de o fazer, porque o descontrolo orçamental do
Estado criava desequilíbrios graves nos mercados financeiros.
Este era o estado do nosso sistema à data da nossa adesão à CEE em
1986. Justamente, esse era uma das maiores preocupações que essa adesão
levantava. Com um sistema anquilosado, centralizado e estatizado e, recen-
temente, fragilizado em termos financeiros, seria muito difícil enfrentar a
concorrência aberta no espaço europeu. Além disso, não havia produ-
tos financeiros modernos, para além dos tradicionais depósitos e créditos
bancários e da dívida do Estado. Tudo funcionava então como tinha funcio-
nado há 40 anos e se havia alguma diferença era para pior.
Seguiu-se depois um período notável. Apesar dos erros e das hesitações,
temos de dizer que dificilmente se poderia ter feito mais em dez anos. A banca
foi privatizada e liberalizada; a política monetária foi normalizada, acabando
as limitações directas e retomando-se a condução corrente; o mercado cam-
bial foi liberalizado, voltando-se ao fim de 100 anos à flutuação livre das taxas
de câmbio; foi fomentado o aparecimento de novos produtos e empresas
financeiras que, embora artificiais no princípio, foram adquirindo solidez e
estabilidade; a bolsa de valores voltou a funcionar normalmente e, apesar
das muitas falhas que ainda apresenta, é já um mercado normal. E tudo isto
sem qualquer perturbação monetária para o público. Finalmente, o mercado
financeiro português foi aberto ao exterior e liberalizado totalmente após
1992.
Portugal tem hoje um dos sistemas financeiros mais livres e flexíveis
do Mundo. Apesar de a sua sofisticação ainda não ser muito grande, e ainda

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Princípios da economia - OUTUBRO 2018.indb 116 04/10/2018 16:16:51


A Política Económica

apresentar alguns desvios estruturais, a sua evolução foi impressionante em


tão pouco tempo. Podemos, e devemos, continuar a criticar os defeitos do
nosso mercado financeiro. Mas temos de ter consciência do muito que se
evoluiu em tão pouco tempo.
A entrada de Portugal na «união monetária europeia», em Janeiro de
1999, mudou alguns elementos importantes deste sistema, mas no essencial
as coisas mantêm-se. O escudo desapareceu e a moeda portuguesa passou a ser
o «euro», a mesma que vigora em vários outros países da Europa, seguindo a
taxa de conversão de 1 euro = 200$482. O Banco de Portugal, a autoridade
monetária tradicional em Portugal, continua a regular a situação, mas agora
como «filial portuguesa» do Banco Central Europeu. Todos os mecanismos
que foram descritos atrás permanecem a vigorar da mesma forma. A única
diferença é que a quantidade de moeda introduzida na praça portuguesa é
decidida pelo Banco de Portugal de forma coordenada com os outros bancos
centrais. Na verdade, o que é definido é o total de moeda do «espaço euro»,
combinada em termos centrais, que depois se aplica em cada praça nacional.
Obviamente que a grande diferença se sente no mercado financeiro.
Com a mesma moeda, e com a aproximação das leis e regulamentos, vão
desaparecendo as barreiras que isolavam os vários mercados de crédito.
Cada vez mais o espaço europeu se vai aproximando de um sistema finan-
ceiro único. Assim, as taxas de juro são muito próximas em todas as praças
e todos, quer os agentes económicos quer as instituições de crédito, tomam
as suas decisões levando em conta a totalidade do mercado europeu. A crise
financeira global que começou em 2008 mostrou como o mercado global,
de que Portugal faz parte, está muito integrado com efeitos benéficos e
nocivos.

Este capítulo abordou o Orçamento de Estado e o sistema monetário,


dois dos elementos mais importantes da política económica. De posse dos
conhecimentos básicos destes dois aspectos, é possível abordar os temas
mais polémicos e interessantes da economia agregada.

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Princípios da economia - OUTUBRO 2018.indb 117 04/10/2018 16:16:51

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