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Sumário desenvolvido (2022/2023)

Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

SUMÁRIO DESENVOLVIDO (2022/2023)1

Maria Matilde Lavouras


Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

PARTE I
UMA INTRODUÇÃO À NOÇÃO E OBJETO DAS FINANÇAS PÚBLICAS

1. Introdução: noção e objeto das Finanças Públicas

“Finalmente o [conselho da faculdade de direito], na congregação de 22 de maio de


1865, em resposta a uma consulta que baixou com a portaria de 21 de fevereiro d’aquelle anno,
propoz ao governo um plano de estudos jurídicos, económicos e administrativos; e, suprimindo
uma das duas cadeiras de direito romano, abriu «um campo mais vasto da sciencia e do direito
financial e um só curso exclusivo de tal interessante e indispensavel estudo» e ordenou logo que
no anno lectivo proximo se pozesse em execução a nova reforma, e effectivamente assim
aconteceu.”2

Este excerto da obra de António Jardim demostra bem a importância que, desde
cedo, se reconheceu ao ensino da disciplina de Finanças Públicas na Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra. Já naquela época, os argumentos dos que se opunham à
criação da nova disciplina assentavam nas dificuldades de delimitação do seu objeto de
estudo e na sua questionável autonomia face ao objeto de estudo da Economia Política.

1
O presente texto destina-se exclusivamente aos alunos da unidade curricular de Finanças Públicas
I, da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no ano letivo de
2023/2024, replicando-se em conjunto as versões dos sumários desenvolvidos correspondentes ao ano
letivo 2022/2023. O uso com outras finalidades e a sua reprodução não autorizados encontram-se
vedados.
Trata-se de um trabalho em execução, cuja consulta é disponibilizada excecionalmente aos referidos
alunos, como material de apoio ao estudo. Por essa razão, antecipa-se a possibilidade de existência de
lapsos formais (tipográficos, siglas e abreviaturas, relacionados com o modo de citar, entre outros)
na edição.
2
ANTÓNIO DOS SANTOS PEREIRA JARDIM, Princípios de Finanças “segundo as preleções feitas no ano
lectivo de 1868-1869”, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1870 p. 50. O mesmo autor, na
Oração de Sapiência recitada na Sala dos Grandes Atos da Universidade de Coimbra, no dia 16 de outubro
de 1886, refere a existência de duas disciplinas designadas uma por “Economia Política e Estadística” e
outra por “Sciência e Legislação Financeira”. ANTÓNIO DOS SANTOS PEREIRA JARDIM, Oração de Sapiência
recitada na Sala dos Grandes Atos da Universidade de Coimbra no dia 16 de outubro de 1885, Imprensa
da Universidade, Coimbra, (1885), ou, em publicação mais recente, RUI DE FIGUEIREDO MARCOS e MARIA
DE JOÃO PADEZ DE CASTRO (org.), Orações de Sapiência da Faculdade de Direito, Imprensa da
Universidade de Coimbra, Coimbra, 2007, pp. 93-94.

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Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

1.1. A noção e objeto das Finanças Públicas: afinal de que se trata?

A questão da delimitação do objeto das Finanças Públicas e da sua inserção ou


autonomização face ao objeto de estudo da Economia Política3 já teve uma maior
importância do que aquela que tem atualmente. Como veremos, atualmente é
inquestionável não só a separação didática do objeto de estudo das Finanças Públicas
como também o é a importância do estudo destas matérias numa disciplina jurídica
própria. O que continua ainda a ser discutido por alguns autores, mas agora como uma
questão secundária, é o da determinação da existência ou não de uma diferenciação de
objeto das finanças e da economia política4.
A economia do setor público – designação adotada por muitos autores sobretudo
nos países anglo-saxónicos ou de influência anglo-saxónica – parece abarcar o estudo de
matérias relacionadas com a política económica dos estados, sobretudo questões de
microeconomia, mas também as políticas macroeconómicas ligadas às políticas tributária,
aos sistemas tributários e aos efeitos que as mesmas provocam nos demais setores da
economia5. Mas, tão importante quanto esta questão é a da definição do objeto do Direito
Financeiro, entendido este como o “conjunto de normas que regulam a obtenção, a gestão
e o dispêndio dos meios públicos”6, mas que não se reduz nem ao direito fiscal nem ao
direito tributário. Num esquema comumente utilizado7, e que agora reproduzimos, o
direito financeiro aparece representado como o círculo exterior de três círculos

3
Sobre a noção e objeto da Economia Política veja-se A. J. AVELÃS NUNES, Noção e Objecto da Economia
Política, Almedina, Coimbra, 2014.
4
A autonomização do objeto de estudo das Finanças Públicas face ao objeto da Ciência da Economia
Política quer em termos setoriais quer apenas em termos objetuais está diretamente relacionada com a
possibilidade de poderem ou não ser reconhecidas às Finanças Públicas as características de ciência e, para
além disso, de se determinar se tem ou não carateres de distinção material face à Economia Política. A
resposta a esta questão está relacionada também com o entendimento que em cada época ou período se
reconheça ao próprio Estado e ao papel que este desempenha no circuito económico, mas,
independentemente desse facto, sempre teremos que concluir que ao menos do ponto de vista didático há
efetivamente razões que justificam a sua autonomização.
5
A esta separação faz-se corresponder, em certa medida, a divisão de matérias que na nossa Faculdade tem
vindo a ser feita nas unidades curriculares de Finanças Públicas I e Finanças Públicas II, pese embora o
facto de não existir uma separação absoluta.
6
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed. refundida e atualizada, Coimbra Editora,
Coimbra, 1996 (ou posterior), p. 46.
7
Podemos encontrar uma esquematização idêntica, entre outros, em ANÍBAL ALMEIDA, Estudos de Direito
Tributário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, p. 23.

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concêntricos em que está representado no círculo intermédio o direito tributário8 e, no


círculo mais pequeno, o direito fiscal:
Direito Financeiro

Direito Tributário

Direito Fiscal

Não se olvidando as correntes de pensamento económico que durante décadas,


senão mesmo séculos, negaram ao Estado ou Governo a classificação como agente
económico e que o remetiam para a esfera fora do circuito económico, reconduzindo-o,
nas palavras de Aníbal Almeida, a uma categoria de parente afastado dos agentes
económicos e cuja atividade ocorria à margem desse mesmo circuito9, destacaremos
doravante apenas aquelas posições que passariam a reconhecer ao Estado a inegável
condição de agente económico, aparecendo representado como operador G. É, contudo,
necessário determinar se as especificidades que decorrem da sua forma de atuação
implicam ou não uma cisão profunda com a ciência da economia política. É que enquanto
os agentes económicos E (empresas) e F (famílias), interagem como entidades paritárias,
o operador G, quando intervém pode fazê-lo numa esfera da igualdade, mas, em regra,
encontra-se dotado de ius imperii. É nesta característica específica que encontra apoio a
posição daqueles que entendem que o objeto de estudo das Finanças Públicas se distingue
daquele da Economia Política.
Em suma, o que se pretende saber é se o objeto de estudo das Finanças Públicas
tem características que permitem sustentar a existência ou não de autonomia
epistemológica e didática. Sucintamente, diremos apenas que também nós sufragamos a
posição assumida por Aníbal Almeida: o objeto de estudo da Economia Política e das
Finanças Públicas é o mesmo; não estamos perante um outro naco, um outro hemisfério

8
Conjunto de normas jurídicas relativas à obtenção das receitas públicas coativas.
9
Na sua inegável elegância de escrita e também no seu sentido de humor muito próprio, Aníbal Almeida
fazia, a este propósito, uma comparação entre o Estado e aqueles parentes próximos com comportamentos
indesejados, mas que não podem deixar de ser convidados para as festas de família. Sabe-se que eles
existem e que têm que ser convidados, mas são sentados na mesa de forma a ficarem o mais afastados
possível do centro das atenções. Também o estado foi visto durante muito tempo como indesejado, um
incómodo, mas um incómodo esbanjador.

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de um mesmo mundo e por isso não estaremos perante duas disciplinas que tenham
diferenças a nível setorial, pois não existe por um lado a ‘economia política’ e por outro
as ‘finanças públicas’, que se dedicariam ao estudo de um outro setor10.
Acompanhamos, ainda, a posição de Aníbal Almeida no que à perspetiva de
análise diz respeito: só se utilizarmos uma visão idêntica à dos autores liberais 11 – em que
o Estado é compreendido como um puro esbanjador, um consumidor improdutivo (uma
espécie de parente indesejado) e que por isso não tem capacidade (ontológica) para aceder
à condição de agente económico – é que podemos sustentar que o objeto de estudo das
Finanças Públicas e da Economia Política não são idênticos.
Só numa perspetiva de análise desse tipo, em que a Economia Política se dedica
ao estudo dos mecanismos económicos fundamentais, baseados nos princípios do
interesse e da liberdade pessoal, e em que uma disciplina de Finanças Públicas estuda a
atividade do Estado, é que se pode entender que à Economia caberia estudar as relações
de troca (du ut des), enquanto que às Finanças Públicas caberia analisar o fenómeno da
cobrança de impostos, alicerçado no ius imperii e que corresponde ao (inferno) da
coação12. Todavia, como tal não é o que sucede, não pode existir essa cisão material de
objetos de estudo. Não só o Estado não é, nas economias atuais, um agente que atua à
margem da economia e surge, não raras vezes, numa posição idêntica à dos demais
agentes económicos13, como a sua interação com os demais setores da economia tem
efeitos bem visíveis.
A existir uma diferenciação do objeto de estudo das duas disciplinas esse facto
decorre da existência de uma fundamentação económica diversa das políticas financeiras
do setor público, sempre orientadas por princípios de direito público e de interesse
público, em que o ganho económico, quando surge como fundamento da atuação, é
analisado numa perspetiva de economia, eficiência e eficácia, sendo muitas vezes, e ainda

10
Esta posição opõe-se à de Teixeira Ribeiro e de Almeida Garrett. ANÍBAL ALMEIDA, Relatório com o
programa, os conteúdos e os métodos de ensino teórico e prático da disciplina Economia e Finanças
Públicas, policopiado, Coimbra, 1991, p. 77.
11
Note-se que os autores marginalistas, ao utilizarem uma perspetiva de análise microanalítica, excluem o
Estado do objeto de estudo da Economia Política.
12
Hoje em dia esta divisão faz ainda menos sentido dada a existência de inúmeras situações em que o
Estado atua despido desse ius imperii.
13
Referimo-nos, por exemplo, àquelas situações em que o Estado atua no mercado em condições idênticas
às dos demais participantes.

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assim, relegado para um papel marginal ou de ultima ratio, de uma entidade cuja atuação
se resume à escolha da opção mais adequada, de entre as várias opções possíveis 14.
As Finanças Públicas e a Economia Política são disciplinas inseridas na área das
ciências sociais, afastando-se em larga medida das ciências exatas. Apesar dessa
semelhança, existe uma separação objetual de uma disciplina face à outra e que é
justificada, não pela falta de coincidência de ambos os objetos de estudo, nem pela
existência de obstáculos para a inclusão da análise da atividade económica do Estado no
objeto de estudo da Economia Política ou, sequer, pelas especificidades do (macro)agente
económico Estado15.
Do que acabamos de referir resulta que, apesar de existir uma unidade do objeto
material de estudo da Economia Política e das Finanças Públicas – a realidade social –,
pode ser defendida uma separação – mas não uma segmentação - para efeitos meramente
didáticos. Esta autonomização aparece também justificada, nas palavras de Teixeira
Ribeiro, pelas especificidades de financiamento da atividade do agente económico
Estado, levando a que se sustente que as Finanças Públicas têm como objeto o estudo da
“aquisição e utilização de meios financeiros pelas coletividades públicas”16, ou seja, o
estudo das “normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros
públicos”17.

14
Seguindo nesta matéria A. L. de Sousa Franco e Aníbal Almeida, entendemos que, apenas do ponto de
vista epistemológico e didático, as Finanças Públicas se afastam da Economia Política, inexistindo uma
cisão objetual entre as duas disciplinas, ao contrário do que sustenta Teixeira Ribeiro. Por um lado, porque
o fenómeno social é único e, por outro lado, porque a ideia de que a Economia Política estudaria apenas as
relações de troca e as Finanças Públicas as relações coativas, apenas pode ser considerada verdadeira se
adotarmos uma ótica de análise similar à dos autores da Escola Clássica, em que a atividade estadual,
mesmo quando existente, não era considerada como atividade de um operador económico em sentido
próprio como o é a atividade do “operador E” (empresas) e do “operador F” (famílias), mas apenas em
sentido impróprio, nunca podendo o Estado ser considerado um agente económico.
15
Ultrapassada a conceção liberal que, por se socorrer de uma perspetiva de análise microanalítica, não
conseguia descortinar natureza (macro) do agente económico do Estado, embora alertasse para os funestos
efeitos da sua intervenção no mercado.
O recurso a uma perspetiva de análise macroanalítica permitiu alterar a conceção sobre o papel do Estado
na Economia e verificar que este desempenha um importante papel no circuito económico. Partilha com os
demais agentes económicos alguns dos fluxos financeiros e dos fluxos reais e, embora seja o único ator do
circuito que pode recorrer a receitas coativas – as receitas tributárias - para financiar a sua atividade e com
isso influenciar o comportamento dos demais, também atua no seguimento das regras do mercado em tantas
outras situações. A esta especificidade junta-se a diferenciação ao nível dos princípios que orientam a
atuação dos agentes económicos que fazem parte de cada um dos agregados.
16
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas…, cit., pp. 34 e ss.
17
Semelhante definição é adotada por vários autores como RICHARD W. TRESH, Public Finance: a normative
theory, 3.ª ed., Academic Press, 2015, em especial p. 4.

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Trata-se assim da análise da atividade financeira do “operador G” reconduzido


habitualmente à categorização de setor público da economia ou, mais restritivamente, ao
subsector “Administração Pública”18. Fica assim abrangido o estudo quer da atividade
económica e financeira estadual, qualquer que seja o seu nível de atuação - Estado,
Regiões Autónomas, entes locais e entidades estaduais não territoriais -, quer as
transferências financeiras do setor público para o setor privado da economia (empresas e
famílias). Verdadeiramente, está em causa o estudo de toda a atividade económica e
financeira das entidades que sejam de considerar como compreendidas no Subsetor
Administrações Públicas (S.13), tal como atualmente é definido pelo SEC 201019.
As Finanças Públicas tratam, aparentemente das mesmas questões que a
Economia Política: o que produzir, como produzir e para quem produzir20 – isto é, o
núcleo central de análise é o problema da determinação da utilização de recursos
(escassos) na produção de bens, qual a melhor forma de produzir os bens e quem deverá
financiar essa produção. Não se estranharia por isso que a designação da disciplina
pudesse em alternativa ser, como aliás defendeu Aníbal Almeida, ‘Economia Pública’ –
designação esta com tradição em alguns países e também na Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra21.
Contudo, na análise dessas questões entram em linha de conta considerações que
não são só aquelas que o setor privado (a economia privada) tem em mente. Pelo
contrário, a extensão do seu objeto faz com que seja necessário mobilizar conhecimentos
de vários campos do saber, como sejam a economia, a ciência política e o direito,

18
Sobre a noção de Administração Pública veja-se J. C. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito
Administrativo, 5.ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2018, e FREITAS DO AMARAL,
Lições de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, Coimbra, 2015.
19
O SEC 2010 constante do Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de
21.05.2013 define o Setor Administrações Públicas como sendo as “unidades institucionais que
correspondem a produtores não mercantis cuja produção se destina ao consumo individual e coletivo e que
são financiadas por pagamentos obrigatórios feitos por unidades pertencentes a outros setores, bem como
todas as unidades institucionais cuja função principal é a redistribuição do rendimento e da riqueza
nacional.” Este subsetor subdivide-se em (a) Administração central (exceto os fundos de segurança social)
(S.1311); (b) Administração estadual (exceto os fundos de segurança social) (S.1312); (c) Administração
local (exceto os fundos de segurança social) (S.1313) e (d) Fundos de segurança social. Os produtores não
mercantis públicos serão aqueles que são controlados pela Administração Pública e que fornecem toda ou
a maior parte da sua produção a terceiros gratuitamente ou a preços economicamente não significativos.
Cfr. pontos 2.3 e 20.18 e ss.
20
Neste sentido veja-se, PAULO TRIGO PEREIRA e OUTROS, Economia e Finanças Públicas, 7.ª ed., Escolar
Editora, Lisboa, 2022, p. 4.
21
ANÍBAL ALMEIDA, Relatório (…), 1991, cit., pp. 70 e ss..

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revelando a existência de um quadro complexo e de uma natureza interdisciplinar que é


atualmente reconhecida às Finanças Públicas ou ao Direito Financeiro.
As Finanças Públicas têm um caráter “híbrido ou compósito e de índole
interdisciplinar, agregando contributos de ordem politológica, jurídica, económica e
contabilística” 22
o que torna o seu objeto de estudo naturalmente complexo e
heterogéneo23.
Nesta análise assume uma importância central a questão da provisão pública ou
privada dos bens, isto é, a determinação de quem deve suportar o encargo com a produção
de determinados tipos de bens, se os privados que deles beneficiam individualizadamente
ou a coletividade. No fundo, o que se pretende saber é se o financiamento da provisão de
certos bens (em sentido amplo, abrangendo também os serviços) deve ser exclusivamente
financiada por receitas provenientes da venda ou comercialização dos bens, sendo os
utilizadores os únicos a suportar os encargos; ou se o financiamento deve ser suportado
total ou parcialmente por toda a comunidade através de receitas provenientes de impostos
(ou tributos). Neste último caso podemos até ter situações em que os
beneficiários/utilizadores do bem não suportam qualquer custo financeiro direto da
provisão do bem e podemos também encontrar não utilizadores que suportam
integralmente o custo da provisão do bem. Apesar de as decisões relativas a estas matérias
serem, em regra, tomadas com base num processo político complexo, este fundamenta-se
em motivos decorrentes da ciência política e em justificações de ordem económica.

1.2. Os vários tipos de análise: análise normativa e análise positiva

A atuação do Estado pode, à semelhança do que sucede com a dos demais agentes
económicos, ser feita de acordo com vários modelos. O nível de intervenção do Estado
pode resultar de vários condicionalismos, nomeadamente pelas condições económicas e
perspetivas de evolução como, também, pelas preferências dos cidadãos eleitores.
Afastamos esta visão determinística, uma vez que ela se insere mais no campo da
politologia e referiremos, apenas, os modelos de análise dominantes.

22
ANÍBAL ALMEIDA, Estudos de Direito Tributário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, p. 26, nota 5.
23
MICHEL BOUVIER, MARIE-CHRISTINE ESCLASSAN e JEAN-PIERRE LASSALE, Finances Publiques, 21.ª ed.,
LGDJ, Paris, 2022, em especial secção 2, §1, pp. 28 e ss.

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Um modelo de análise positiva permite medir e avaliar as consequências das


alterações de variáveis objetivas ou da alteração de uma ou de mais variáveis
instrumentais ou estruturais. Já a análise normativa tem por objeto a emissão de juízos
valorativos sobre a situação atual de uma dada sociedade e das consequências da adoção
de uma determinada política pública, quer quanto aos meios utilizados, quer quanto às
consequências previsíveis dessa política ou de uma medida em concreto.
A primeira – análise positiva – pretende explicar o que existe e o que se prevê
que aconteça, a segunda – análise normativa – permite avaliar as consequências das
políticas e fazer recomendações.
Para explicar melhor a diferença entre estes dois tipos de análise, utilizemos um
exemplo: suponhamos que foi anunciada a criação de um novo imposto sobre o
património. Perante uma medida deste tipo é importante saber quem efetivamente vai
suportar o encargo desse imposto: por exemplo, se os proprietários, se os arrendatários
ou se os proprietários que pretendam alienar os imóveis. Interessa ainda saber qual(is)
o(s) efeito(s) sobre a receita fiscal total. Convém igualmente conhecer quais os efeitos
esperados sobre todo o setor imobiliário e sobre os setores que com este estão
relacionados como, por exemplo, o setor da construção civil. Podemos também pensar na
avaliação dos efeitos que este imposto (se incidir apenas sobre o património imobiliário
bruto) pode vir a ter na escolha de instrumentos de investimento, sobretudo em ativos que
não sejam imóveis. Estas questões apenas podem ser respondidas se utilizarmos uma
análise positiva.
Já se pretendermos saber se é ou não desejável a criação deste novo imposto
estaremos perante uma análise normativa. Embora o problema parta dos mesmos
pressupostos, temos de responder se é ou não desejável a implementação dessa medida
em concreto, e para respondermos a essa questão temos que utilizar determinados
critérios. Em regra, são utilizados os critérios da economia e da eficácia, mas poderiam
ser outros. E ainda assim importa saber se devemos dar mais ou menos importância a
qualquer um deles. Para além disso, é ainda necessário mobilizar outros princípios, não
só de matriz económica, como também jurídicos, de que são exemplo o princípio da
igualdade e o princípio da liberdade.
Importa assim saber: (a) quais os efeitos que as alterações nas designadas variáveis
instrumentais – política orçamental – têm na prossecução dos objetivos do estado; (b)
quais os efeitos que as alterações nas designadas variáveis estruturais – regras e
instituições – têm na implementação de políticas públicas; (c) qual deve ser a intervenção

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do estado na economia sobretudo através de políticas financeiras (receita e despesa) e (d)


como deve ser feita a intervenção do setor público por forma a implementar as políticas
públicas desejáveis.

2. As funções financeiras do Estado

A controvérsia em torno da relevância e legitimidade da intervenção estadual na


economia e, sobretudo, o interesse no estudo das finanças públicas enquanto ciência capaz
de estudar as justificações por detrás da escolha das despesas e das receitas estaduais,
bem como os efeitos que as mesmas possam ter na economia, tem dominado as discussões
em vários pontos do globo. Ora, a escolha de determinado tipo de receita e de despesa
está diretamente ligada às funções estaduais e ao entendimento que, em cada período da
história, venha a ser feito da importância e alcance das mesmas 24.
De entre as várias classificações das funções do Estado na economia aquela que
ainda hoje é a mais utilizada foi formulada por Richard Musgrave em 195925. De acordo
com este autor o Estado deverá desempenhar as funções de (a) afetação de recursos; (b)
estabilização económica e (c) redistribuição – as funções musgravianas. A estas funções
acrescentam ainda alguns autores a função de (d) proteção do ambiente.

(a) Função de afetação dos recursos


A atividade estadual deve contribuir para uma afetação eficiente de recursos. Esta
função pode ser levada a cabo de várias formas, seja através da provisão de bens, seja
através de políticas públicas de regulação ou de promoção da concorrência.
A afetação de recursos com recurso à provisão pública de bens ou de serviços ocorrerá
nos casos em que mercado é ineficiente, seja porque não consegue produzir determinado
bem, seja porque, embora exista provisão privada, os preços praticados no mercado não
refletem os custos totais da produção ou do consumo ou, naqueles casos em que, apesar
de os preços refletirem os custos privados da produção, são produzidos em quantidade
inferior à socialmente desejável, por gerarem externalidades positivas. A política
regulatória atualmente é apresentada como uma condição necessária para que os

24
Sobre uma visão atualista das Finanças Públicas veja-se JOSÉ F. F. TAVARES, Alguns aspectos estrutrais
das Finanças Públicas na Actualidade, Almedina, 2008, maxime pontos 1 e 2.
25
RICHARD MUSGRAVE, Theory of Public Finance, McGraw-Hill Book Company, 1959, pp. 5 e ss.

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mercados possam funcionar de modo eficiente, o mesmo sucedendo com a política de


promoção da concorrência.
Em síntese, pode ser dito que se compreendem dentro desta função as atuações das
entidades do setor público que consistam na provisão de bens (em sentido amplo), a
correção dos comportamentos dos agentes económicos (através de impostos ou de
subsídios), a regulação de certas atividades produtivas e a promoção da concorrência entre
os agentes económicos. Há autores que tratam a política regulatória e a política de
concorrência como complementares da política orçamental e que, por essa razão, não
seria objeto de estudo das Finanças Públicas26. Entendemos que estas duas formas de
intervenção são verdadeiramente autónomas da política orçamental, mas que o seu estudo
pode ser feito – e é – no âmbito de outras unidades curriculares.

(b) Função de estabilização económica


Trata-se de uma política através da qual o estado tentará implementar medidas
destinadas a fomentar o crescimento sustentado da economia, garantindo níveis elevados
de emprego, a estabilidade dos preços e o equilíbrio nas balanças externas e de que são
exemplo as várias políticas estaduais, nomeadamente a política anti cíclica, a política
anti-inflacionista ou a política de desenvolvimento.

(c) Função de redistribuição


A distribuição do rendimento que é feita pelo mercado nem sempre é entendida
pela sociedade como justa. Quando tal aconteça parece ser de reconhecer que é desejável
que o Estado intervenha, redistribuindo esse rendimento e reintroduzindo a justiça na
distribuição. São precisamente motivos de justiça distributiva que justificam essa atuação.
Esta função tanto pode ser levada a cabo através de políticas que distribuam o rendimento
e a riqueza de um modo julgado mais adequado, de que são exemplo principal as políticas
de segurança social que consistem na transferência de rendimentos – as designadas
despesa-transferência.
Porém, há outras medidas que podem contribuir para o cumprimento função,
como sejam a garantia do acesso em condições gratuitas ou condições mais favoráveis do
que as condições de mercado a determinados certos bens ou serviços, criando uma maior

26
Para maiores desenvolvimentos veja-se, a título exemplificativo, C. V. BROWN e PETER M. JACKSON,
Public Sector Economics, 4.ª ed., Wiley-Blackwell, 1990, RICHARD MUSGRAVE e PEGGY MUSGRAVE,
Public Finance in Theory and Practice, McGraw Hill Higher Education, 1989.

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igualdade de oportunidades ou igualdade no acesso (level playing field). Esta dupla


possibilidade encontra apoio na noção de bens primários de que nos fala John Rawls27 –
como o ensino básico e os cuidados de saúde primários - ou os bens de mérito referidos
por Richard Musgrave28. Qualquer que seja a forma de intervenção escolhida, estas
medidas têm em vista a diminuição das desigualdades na distribuição dos rendimentos
operada pelo mercado.

(d) Função de proteção do ambiente


Às funções que acabamos de referir acrescentam alguns autores, nomeadamente
Aníbal Almeida29, a função de proteção do meio ambiente. Apesar de pouco estudada
como função estadual parecem não restar dúvidas de que o impacto ambiental das
políticas públicas se tem tornado deveras evidente e que a imprescindibilidade da atuação
estadual no sentido da preservação do meio ambiente é também aceite de modo
generalizado. Esta função é, porém, um pouco diversa das demais por implicar uma
atuação concertada a nível supraestadual ou interestadual.

3. Equidade, eficiência e liberdade

Existe atualmente uma ideia generalizada de que a intervenção estadual é


essencial ao funcionamento das sociedades modernas e das economias de mercado. Tal
não significa que todos os autores defendam da mesma forma e intensidade a intervenção
estadual. Reconhecem-se-lhe uma virtude especial: a capacidade de providenciar bens
que satisfazem necessidades coletivas, quer se trate de bens que o mercado não é capaz
de produzir ou de bens que o mercado consegue produzir, mas em que o faz de modo
ineficiente. Esta possibilidade de intervenção pública para correção das falhas de mercado
apenas é possível porque o Estado tem à sua disposição uma fonte de receitas que os
privados não têm e que são, precisamente, os impostos.
A escolha dos bens de provisão pública tem sido muito debatida e, sem nos
alongarmos muito, podemos dizer que a opção por um e não por outro bem dependerá do

27
JOHN RAWLS, A Theory of Justice, Harvard University Press, 1971 (ou versão em língua portuguesa -
Uma Teoria da Justiça, Editorial Presença, 2013).
28
RICHARD MUSGRAVE, Theory of Public Finance, cit., pp. 5 e ss.
29
ANÍBAL ALMEIDA, Relatório com o “programa, os conteúdos e os métodos de ensino teórico e prático de
uma disciplina” de Economia Pública, policopiado, Coimbra, 1998, pp. 93.

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peso a dar em cada situação concreta aos fatores da equidade, eficiência e liberdade. A
mesma análise terá que ser feita aquando da implementação de medidas ou de políticas
públicas tendentes à redistribuição de rendimentos.
A eficiência pode definir-se como a existência de uma situação ótima de alocação
de recursos em que é impossível efetuar qualquer alteração a essa distribuição sem que
algum dos visados seja prejudicado (eficiência paretiana ou ótimo de Pareto). Já a
equidade é normalmente entendida como correspondendo à justiça e à igualdade (em
sentido material).
Na ausência de falhas de mercado, os mercados perfeitamente concorrenciais
permitem atingir situações ótimas ao nível da distribuição do rendimento, mas, mesmo
na referida situação de mercado, podem existir ineficiências na distribuição dos
rendimentos. Além disso, perante situações em que exista uma falha de mercado ou em
que a distribuição de rendimentos feita pelo mercado é tida como ineficiente, abre-se um
campo de possibilidades à intervenção estadual.
As formas de intervenção para correção das falhas de mercado ou para a alteração
da distribuição do rendimento podem ser diversas, mas assentam, grosso modo, no
mesmo pressuposto: a avaliação relativa ao trade-off entre eficiência e equidade. Tendo
em consideração que o estado financia as suas políticas através de receitas provenientes
do setor privado, maxime de receitas fiscais, há que considerar os efeitos que a recolha
desse tipo de receitas tem. Ainda que as despesas estaduais (na provisão pública de bens)
venham a aumentar o bem-estar de todos ou apenas de alguns, alguns dos
contribuintes/beneficiários têm o seu bem-estar afetado. Esta diminuição de bem-estar é
representada pela impossibilidade de utilização do montante destinado ao pagamento dos
impostos. Ao invés de poderem dispor da totalidade do seu rendimento, os particulares
veem-se privados de uma parcela deste que será transferida para o Estado e destinada ao
financiamento das despesas públicas.
A eficiência e a equidade podem colidir com a liberdade negativa dos cidadãos,
que impõe a não intromissão do Estado ou, em determinados casos, leva à necessidade de
adoção de medidas e de políticas públicas que permitam manter intacto um núcleo
mínimo de liberdade na utilização dos recursos por parte dos cidadãos.
A fundamentação da decisão a tomar nos casos em que não estejamos perante uma
situação em que a atuação permita obter um primeiro ótimo de Pareto – isto é, uma
situação em que, qualquer que seja a opção escolhida, haverá sempre um conjunto de
indivíduos cujo bem-estar fica diminuído – pode ser feita com base em vários modelos,

12
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todos eles relacionados com a forma como se medem a eficiência e a desigualdade30: o


modelo utilitarista e o modelo de John Rawls31, recentemente reapreciado por Amartya
Sen.

(a) Modelo utilitarista


O modelo utilitarista defendido por Jeremy Bentham parte do pressuposto de que
qualquer atuação deve permitir a maximização do bem-estar social. Partindo da ideia de
que a utilidade do rendimento é igual para todos os indivíduos e invariável, determinada
por referência ao binómio pain (dor) e pleasure (prazer), grandezas estas medidas de
forma objetiva, Jeremy Bentham baseou a sua teoria em três princípios de utilidade:
(a) os seres humanos preferem o prazer à dor;
(b) o que causa prazer é bom e o que causa dor é mau;
(c) as ações que causam, em termos agregados, mais prazer do que dor, são ações
morais defensáveis.
O essencial é determinar as alterações de bem-estar em termos agregados, ou seja,
deve optar-se por ações que permitam obter um saldo líquido positivo de bem-estar,
independentemente de quem sejam os que sentem ‘dor’ e os que veem o seu ‘prazer’
aumentado. Esta desconsideração das características específicas dos indivíduos que
compõem o grupo dos que ganham e o grupo dos que perdem decorre, sobretudo, da
imparcialidade e do universalismo, mas também do princípio da agregação. Ainda que
para aumentar o bem-estar geral seja necessário sacrificar uma minoria, essa atuação não
merece qualquer censura.
Quando os governos se veem confrontados com a necessidade de escolha entre
utilizações diferenciadas das receitas públicas devem optar por aquela em que se verifica
uma maximização do bem-estar social, isto é, aquela utilização das receitas públicas que
permita um aumento do pleasure ou que impeça uma diminuição do bem-estar.
Do que acabamos de referir, infere-se que a escolha de quem perde e quem ganha
utilidade com a adoção da medida é, deste ponto de vista, indiferente, desde que, no
conjunto, haja um aumento do bem-estar social.

30
Sobre esta problemática veja-se JOSEPH STIGLITZ, La Economia del Sector Público, 4.ª ed., Antoni Bosch
Editor, S.A., Barcelona, 2016 e AVRYE L. HILLMAN, Public Finance and Public Policy: responsibilities and
limitations of Government, 2.ª ed., Cambridge University Press, 2009.
31
JOHN RAWLS, A Theory of Justice, … cit.

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Num modelo simplificado de uma sociedade constituída apenas por dois membros
– A e B – a utilidade total resulta da soma da utilidade do membro A e da utilidade do
membro B. Do mesmo modo, numa sociedade composta por uma multiplicidade de
membros, a utilidade total resultará do somatório das várias utilidades. A utilidade total
(W) resultará da soma da utilidade do grupo que ganha utilidade (U1) com a utilidade
(negativa) do grupo que perde (U2), ou seja:

W = U1 + U2

Apesar de não existir gradação de bem-estar isto não significa que para esta teoria
seja indiferente a forma como as utilidades se distribuem pelos membros que a compõem,
mas não atribui qualquer ponderação à utilidade em função das características do grupo
em causa. Se o resultado líquido da comparação da utilidade gerada e da utilidade perdida
for nulo ou positivo, fica justificada a adoção da medida ou política pública em análise.
Apenas não existe justificação económica para a adoção da medida nos casos em que
aquele resultado seja negativo. A utilidade é medida apenas de uma forma objetiva. Por
exemplo, o que acabamos de referir é válido quer o grupo dos que são beneficiados seja
o grupo dos que são detentores de rendimentos mais baixos, quer seja o grupo dos que
têm rendimentos mais elevados.
Numa posição mais moderada desta teoria defende-se que, ao menos nas situações
em que exista uma diferença muito elevada dos níveis de rendimento dos que perdem e
dos que ganham com a medida, deve ser atribuída uma ponderação mais elevada aos
ganhos (e às perdas) dos que pertencem ao grupo com menores rendimentos. Assim seria
possível evitar que existissem situações em que há um aumento de eficiência, com
possível prejuízo o princípio da equidade.
Ainda assim, apenas se toma em consideração o nível de rendimento e não as
características do próprio rendimento, numa aplicação prática da teoria da utilidade
decrescente do rendimento.
Recorrendo ao mesmo exemplo, o aumento de €1 do rendimento dos indivíduos
que pertencem ao grupo U1 – grupo dos indivíduos com menores rendimentos numa
determinada sociedade – deve ser valorado como representando um incremento do nível
do bem-estar superior ao da perda de bem-estar que a cobrança do imposto (de idêntico
montante) gera no grupo dos indivíduos integrados em U2 – grupo dos indivíduos que
pertencem à faixa da população com rendimentos mais elevados.

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Ao invés de se considerar a existência de idênticos graus de utilidade do


rendimento para indivíduos diferentes, determina-se que, ao menos perante situações de
extrema desigualdade, deve valorizar-se em maior medida o ganho de utilidade por parte
dos que têm menos do que a perda de utilidade por parte dos que têm rendimentos mais
elevados.
Como comparamos aumentos de bem-estar e não variações objetivas de
rendimento, o resultado da equação W = U1 + U2 vai ser positivo. O mesmo sucederia se
a diminuição do bem-estar dos mais pobres fosse compensada por aumento de igual ou
superior valor dos mais ricos. Este último ponto está na base da maior crítica que é feita
a esta teoria, por se considerar que, quando um grupo de indivíduos beneficia de uma
menor quantidade de bem-estar do que outro grupo, apenas se admite que o bem-estar do
primeiro diminua se for compensado por um aumento mais do que proporcional do bem-
estar do outro grupo. Na prática, perante a necessidade de comparação entre ganhos e
perdas de bem-estar por parte de grupos com rendimentos muito desiguais (grupos que se
situam nos dois extremos), a adoção de uma medida ou a implementação de uma política
públicas apenas é válida deste ponto de vista se permitir um aumento líquido do bem-
estar e, ao mesmo tempo, se o grupo dos que perdem for constituído por aqueles que
possuem rendimentos mais elevados32.

(b) Modelo de John Rawls


De acordo com a teoria defendida por John Rawls, apenas haverá aumento do
bem-estar numa determinada sociedade se houver preocupação com o bem-estar daqueles
que têm rendimentos menores: qualquer incremento no bem-estar dos mais
desfavorecidos tem como efeito o aumento do bem-estar da sociedade, sendo indiferente
determinar qual a perda de bem-estar dos restantes grupos.

W = min U1, …, U2

Uma medida que permita aumentar o bem-estar dos que têm rendimentos mais
elevados, embora pudesse ser justificada por várias razões e permita um aumento do
bem-estar total (numa ótica utilitarista pura), não é considerada como adequada para este

32
Em certo sentido, as políticas redistributivas têm por fundamento a teoria utilitarista, uma vez que
também elas consideram como relevante a opção por formas de intervenção que permitam o aumento
líquido do bem-estar social, em que a escolha do grupo dos que ganham e dos que perdem bem-estar é feita
tendo por base o princípio da utilidade marginal decrescente do rendimento.

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modelo. Para esta teoria o que importa é conseguir promover atuações que melhorem o
bem-estar dos mais desfavorecidos, independentemente das perdas de eficiência que
possam existir. Considera-se que não é admissível um aumento do bem-estar total se este
for conseguido através do aumento do bem-estar dos mais ricos e que, ao contrário,
qualquer medida ou opção que provoque aumento de bem-estar dos mais pobres se vai
reconduzir a um aumento do bem-estar global. Isto sucede mesmo naqueles casos em que
se verificam níveis elevados de ineficiência no processo de transferência de
rendimentos33.

(c) Análise crítica dos modelos propostos


Os modelos referidos foram modelos teóricos desenvolvidos com base no
comportamento das curvas de indiferença social, que permitem determinar as várias
opções de alteração dos níveis de bem-estar global, mas em que, qualquer que seja a opção
escolhida, esse aumento do bem-estar de alguns se fará à custa da diminuição do
bem-estar de outro ou outros. Essas curvas permitem precisamente ilustrar as várias
opções existentes por forma a ajudar na determinação daquelas situações em que os
programas/medidas adotados(as) coloquem a sociedade no ponto mais elevado da curva
de indiferença social, ou seja, permita sustentar teoricamente a escolha da opção que, com
a menor perda de bem-estar por parte de alguns dos membros da comunidade, seja
possível obter o maior ganho de bem-estar para os demais.
Note-se que todos estes modelos se afastam da exigência de eficiência de Pareto,
partindo de um modelo bastante menos exigente (e mais pragmático) de eficiência: o
princípio compensatório ou modelo de Kaldor-Hicks (por vezes seja apelidado de modelo
de Pareto compensatório). Este modelo, de forma simplificada, afirma que uma
determinada situação é mais eficiente do que uma anterior (e, nesse sentido, “melhor”) se
os ganhos que advêm para os que ganham com a alteração forem superiores às perdas dos
que sofrem ou são prejudicados com a mesma, na medida em que tal significa que seria
possível, em teoria (não se exigindo, todavia, que a condição se verifique na prática), que
os beneficiados compensassem os prejudicados e, mesmo assim, ficassem melhor.
Numa apreciação crítica podemos referir ainda que é muito difícil ou até mesmo
impossível realizar comparações interpessoais de bem-estar. Para além disso, estas
análises baseiam-se sobretudo no pressuposto de que o aumento de bem-estar decorre do

33
JOHN RAWLS, A Theory of Justice, cit., e AMARTYA SEN, A Ideia de Justiça, Almedina, Coimbra, 2009.

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aumento do consumo – decorrente do aumento do rendimento – por parte de um grupo


mais ou menos alargado de indivíduos, consideração esta que só muito dificilmente pode
ser validada. A este respeito, note-se que o modelo originalmente proposto por Bentham
refere, ao invés de utilidade, o sofrimento, o sacrifício ou a dor (pain) e o benefício ou
prazer (pleasure), indiciando que a utilidade não só é subjetiva e variável, quer no tempo
quer no espaço, como pode decorrer de fatores diversos do rendimento monetário.
Neste sentido, veja-se a tendência recente de alguns trabalhos que alargam o
conceito de rendimento ao conceito de riqueza34, englobando os rendimentos não
monetários, que, pela sua própria natureza, não servem de indicador para índices de
tributação; como também considerando a possibilidade de serem fruídos gratuitamente
bens e serviços considerados pela generalidade dos cidadãos como tendo utilidade.
A este propósito Amartya Sen começa por contestar a identificação da utilidade
com o bem-estar, assim como a importância absoluta que se reconhece ao bem-estar de
cada indivíduo na determinação da adequação económica de uma determinada medida35.
Entende que a opção pela utilização da eficiência em termos paretianos deixa de fora dois
importantes critérios de valoração: a liberdade e os direitos36, não sendo, também,
passível de representar validamente as questões redistributivas37. A equidade não deve
ser vista como igualdade de utilidades – qualquer que seja o modelo utilizado para as
medir – ou como igualdade de rendimentos, mas antes como uma igualdade de
capacitações básicas, permitindo que cada indivíduo determine livremente a sua forma de
atuação por forma a maximizar as suas capacitações. Na prática, qualquer atuação pública
deverá permitir manter intacta a esfera central da liberdade pessoal38.

34
THOMAS PIKETTY, O capital no século XXI, Círculo de Leitores, Lisboa, 2014.
35
É no respeito pela diversidade individual que reside a diferença entre igualdade e equidade, que se
compreende facilmente se recorrermos ao exemplo avançado por Evans e Hackmann. Para a satisfação da
sua necessidade de andar calçado cada indivíduo necessita de um par de sapatos composto por um sapato
para o pé direito e de um sapato para o pé esquerdo. Suponhamos agora que um grupo de indivíduos
descalça os seus sapatos e os coloca, separadamente em duas pilhas, uma pilha de sapatos para o pé
esquerdo e uma pilha de sapatos para o pé direito. Depois, cada indivíduo retira, aleatoriamente, um sapato
de cada uma das pilhas. Cada indivíduo terá acesso a um sapato para o pé esquerdo e a um sapato para o pé
direito. É, contudo, altamente improvável que algum dos participantes na experiência tenha conseguido
obter o par de sapatos adequado à sua necessidade, seja porque os sapatos são diferentes ou porque o
tamanho não é adequado ao seu pé.
36
AMARTYA SEN, Sobre Ética e Economia, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 69 e ss.
37
“Um Estado pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando
em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos”,
AMARTYA SEN, Sobre Ética…, cit., pp. 47-48.
38
AMARTYA SEN, idem.

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4. Teorias sobre o papel do Estado na economia


4.1. Notas introdutórias

Na generalidade dos países ocidentais encontramos atulamente implementados


sistemas de economia mista em que o Estado e o setor privado repartem entre si a provisão
de bens. Mas a influência do Estado no mercado não se queda pela provisão de bens.
Assim, há que mencionar também a intervenção que é feita, desde logo, por via fiscal e
que decorre precisamente da cobrança de impostos. Esta, por seu turno, não pode ser
analisada apenas tendo por referência a influência que tem no rendimento disponível dos
contribuintes, obrigando a uma análise muito mais aprofundada. A par da política fiscal
existem outras políticas com impacto direto e imediato no comportamento da economia
e que têm de ser consideradas.
Para compreendermos de forma adequada os modelos de intervenção do Estado
na economia temos de referir, ainda que de modo sucinto, a influência das várias teorias
económicas na delimitação do papel do Estado na economia.

4.2. A escola clássica: o estado mínimo

A contribuição mais significativa para o estudo da ciência económica antes da


Escola Clássica é-nos dada pelos Fisiocratas. No Tableau Économique de François
Quesnay39 são considerados atores da economia três classes: a classe dos proprietários, a
classe dos produtores produtivos e a classe dos trabalhadores estéreis. Os primeiros serão
os proprietários das terras, os segundos os trabalhadores agrícolas e a classe dos estéreis
será composta por todos aqueles que desempenhem tarefas diversas das dos trabalhadores
agrícolas, como sejam os comerciantes e os artesãos.
Neste diagrama de análise do circuito económico o Estado é inserido no conjunto
dos proprietários por duas ordens de razão: por se considerar que os seus interesses são

39
François Quesnay entendia que o comércio e a indústria não eram fontes de riqueza porque não eram
capazes de gerar excedente. Apenas a atividade agrícola, precisamente porque é capaz de gerar excedente,
é vista como fonte de riqueza. É o excedente agrícola que, ao fluir ao longo de toda a economia é capaz de
gerar crescimento económico. Mas, para que tal aconteça não podem existir entraves a essa circulação ou
estes devem ser mínimos. Se existirem entraves ao comércio, o excedente fica impedido de circular por
todas as classes sociais e compromete o crescimento económico; se forem cobrados impostos sobre a classe
produtiva para financiar as atividades ociosas e não produtivas das demais classes, há uma distorção na
distribuição do rendimento. FRANÇOIS QUESNAY, Tableau (o)economique du monde, 1781, [tradução para
língua portuguesa de TEODORA CARDOSO, Quadro Económico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
1973.

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idênticos e pela similitude do financiamento da atividade. Ambos – Estado e proprietários


– financiam as suas despesas com recurso a receitas que anualmente lhes são pagas pela
classe produtiva, embora a receita que financia a sua atividade estadual seja obtida de
modo coativo, ou seja, através de impostos. A existência do Estado - estado do ancien
regime caracterizado por Dupont de Nemurs - é justificada pela necessidade de prover à
defesa propriedade privada40.

Fig. 1: O “quadro económico do mundo”, de F. Quesnay (apud Aníbal Almeida41).

Em que “P” representa o Estado ou Soberano (monarca absoluto), “A” a classe


produtiva, “E” a classe estéril, “T” a terra como lugar ou fonte de produção, “ap”
adiantamentos primitivos e “aa” os adiantamentos anuais. Os fluxos reais - matérias
primas e subsistências - encontram-se representados pelas linhas mais densas e os fluxos
financeiros pelas linhas mais finas.
O primeiro Autor da Escola Clássica – Adam Smith – via o Estado como um
elemento exógeno à economia. Este entendimento decorre diretamente do modo como
analisava a atividade estadual: ao tratar o Estado peça por peça, acaba por concluir que
este se comporta como um puro consumidor e que obtém as receitas de que necessita para
financiar os seus agenda – ‘justice, police and arms’ – através da arrecadação de
impostos.
Esta sustentação parte do pressuposto que o mercado, se for deixado a funcionar
de modo livre e sem influências de qualquer tipo - ‘Laissez faire, laissez passer’ –
conseguirá obter a melhor alocação de recursos. O Estado apenas pode reservar para si
“aquelas instituições e obras públicas que, embora possam ser vantajosas ao mais alto

40
Já Mirabeau entende que o Estado não pode ter sido anterior à sociedade, uma vez que o homem é
detentor de “droits naturels antérieurs à toute société, et conséquemment a toute autorité.”, PAUL SAMUEL
DUPONT DE NEMOURS, Richesse de l’Etat, Paris, 1763, e HONORÉ-GABRIEL DE RIQUETI [Conde de
Mirabeau], Essai sur le despotisme, Ant. BAILLEUL, Paris, 1821, p. 99.
41
ANÍBAL ALMEIDA, Sobre o Estado e o Poder, a Economia e a Política, Almedina, Coimbra, 2003, p. 11.

19
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grau para uma grande sociedade são, todavia, de tal natureza que o seu lucro nunca
pagaria a despesa de um indivíduo ou pequeno número de indivíduos”. Dito de outra
forma,

“O esforço natural de cada individuo para melhorar a sua própria condição, quando lhe é
permitido exercê-lo com liberdade e segurança, é um princípio tão poderoso que, só por sí e sem
qualquer outro contributo, é não só capaz de criar a riqueza e prosperidade de uma sociedade,
mas também de ultrapassar centenas de obstáculos inoportunos que a insensatez das leis humanas
demasiadas vezes opõe à sua actividade"42.

Do funcionamento da economia de acordo com as regras de um mercado de


concorrência pura e perfeita resultaria uma afetação ótima de recursos e a autorregulação
do mercado. Neste cenário a intervenção do Estado parece não só ser desnecessária, como
até indesejável. Ainda assim, considera-se que o Estado pode ter algumas funções
residuais como sejam “julgar e combater”43. Integram-se aqui a função de defesa do
território face a ataques externos, a função de justiça e também a realização de obras
públicas que são do interesse de todos, mas que o mercado por si não consegue garantir.
Seriam os privados que na busca incessante pela melhoria do seu bem-estar
acabariam por servir também o interesse público. Por essa razão, os autores da escola
clássica inglesa defendem que a atividade estadual deveria ser reduzida ao mínimo

42
ADAM SMITH, A Riqueza das Nações, 6.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, vol. II, livro II, cap.
V. Encontramos atualmente alguns autores que entendem que deve ser feita uma outra leitura das obras de
Adam Smith, não mais se entendendo que este pode ser considerado (e as suas obras) como referindo-se ao
laissez faire no sentido de excluir toda a intervenção estadual, mas antes no sentido de a limitar de modo
adequado. Neste sentido veja-se JOSEPH STIGLITZ, Economics of the Public Sector, W. W. Norton &
Company, 1988, p. 7, HARVEY S. ROSEN, Public Finance, 9.ª ed., McGraw-Hill, 2009, pp. 5-6. Trata-se antes
de um cliché que se foi generalizando. A leitura atualizada (ou à luz das novas tendências do método
absolutista preconizado por Blaug) das suas obras parece impor que se considere que Adam Smith entende
que o Estado ou Governo deve abster-se de intervir e de limitar a ‘liberdade natural’ através de
regulamentação e outras limitações. Contudo, deixa logo de fora um importante setor: a Banca e o Setor
Financeiro. Fica ainda por explicar, mesmo pelos autores que estudaram o seu trabalho, qual a razão
subjacente à definição das atividades que o estado tem necessariamente que desempenhar: defesa, justiça e
infraestruturas, pois, não obstante podermos encontrar uma referência a características dos bens públicos
(a falha de mercado decorrente da incapacidade para financiamento através de dinheiros privados) a verdade
é que em Smith nunca encontramos a noção de free rider ou de externalidade.
Ademais, na atividade ‘Police’ ficam incluídas não só as políticas estaduais como também a política
regulatória, o que demonstra claramente uma referência a um estado que não se alheia totalmente de intervir
na economia. Para maiores desenvolvimentos, veja-se TURAN YAY, “The role of the state in Adam Smith’s
thought system and modern public finance theory: a comparative evaluation”, International Journal of
Economics and Finance Studies, vol. 2 (2), 2010.
43
A expressão pertence ao financista António Jardim. Apud ANÍBAL ALMEIDA, Relatório …, cit., 1991, p.
6.

20
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possível, limitando por esta via a arrecadação de receitas através de impostos e


justificando a existência de orçamentos estaduais reduzidos, não só quanto ao volume de
despesa, mas também quanto ao tipo de despesas a suportar pelo Estado.
O financiamento das despesas públicas deve ser feito com o recurso a receitas
provenientes dos impostos, já que os empréstimos representam a diminuição do
rendimento privado - que seria destinado essencialmente a investimento privado - mas,
ao ser transferido para a esfera do Estado, apenas tem um destino: o consumo, tal como
sucede com o rendimento transferido através dos impostos.
Esta ideia inicialmente defendida por Adam Smith influenciou as obras de autores
como David Ricardo, Jean Baptiste Say, Stuartt Mill e Nasau Senior. O primeiro, embora
siga as ideias de Smith, introduz na análise alguns fatores diferenciadores, dando especial
importância à ideia da necessidade de fomento do crescimento económico para controlar
e compensar o aumento das despesas públicas, ou seja, o ‘consumo’ estadual deve ser
compensado por igual valor no crescimento económico.
Ao considerar o Estado (ainda) como um puro consumidor 44, Ricardo preocupa-
se com a forma de financiamento desse ‘consumo’:

“Se o consumo do governo, quando aumentado pelo lançamento de impostos adicionais, for
compensado, quer por um aumento da produção, quer por uma diminuição do consumo por parte
do povo, os impostos incidirão sobre o rendimento, e o capital nacional manter-se-á inalterado;
mas se não houver aumento da produção ou diminuição do consumo improdutivo por parte do povo,
os impostos incidirão sobre o capital, isto é, afetarão o fundo destinado ao consumo produtivo.”.

Como pode ler-se, David Ricardo apenas admite que o Estado financie a sua
atividade ‘consumista’ através do recurso a receitas provenientes dos impostos.
Esta ideia continuaria a marcar os autores que se lhe seguiram, com J. B. Say a
aprofundar a análise sobre os efeitos decorrentes do financiamento dos agenda estaduais
através de receitas provenientes dos impostos. Conclui que “o imposto é um valor
fornecido pela sociedade e que lhe não é restituído pelo consumo que dele faz. O imposto

44
O estado é visto pelos autores da Escola Clássica Inglesa como um ‘mal necessário’, um intruso na
economia, um puro consumidor, ou melhor, como um esbanjador, uma vez que não consegue sequer obter
receita a não ser através da arrecadação dos impostos. O estado aparece como pertencendo a uma categoria
de entidades que, ao invés de se preocupar com a obtenção das receitas de que necessita para o
financiamento das suas atividades (e do seu consumo), vai antes buscar essas mesmas receitas a outros
entes. Não sendo o estado um produtor, é assim uma espécie de ‘marginal’ que delapida o património e
rendimento alheios para o destinar a consumo. Não cumpre assim verdadeiramente funções económicas,
mas introduz apenas uma ‘pedra’ na engrenagem perfeita que é o mercado.

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representa para os privados uma perda de valor superior ao seu montante: ele custa à
sociedade os valores que faz entrar no tesouro, mas também os custos de arrecadação e
dos serviços pessoais que exige – tanto por parte dos contribuintes, como por parte do
Estado -, assim como o valor dos bens e serviços de deixam de ser produzidos. O
sacrifício resultante do pagamento do imposto, afeta o contribuinte na sua qualidade de
produtor, na medida em que altera os seus lucros e na qualidade de consumidor, na medida
em que aumenta o valor das suas despesas, ao encarecer os produtos que adquire.
Resumindo: “O Estado é o imposto e o imposto um (triplo!) mal”45 (Aníbal Almeida, p.
11).
John Stuart Mill deixa uma mensagem clara e coerente: O laissez faire deve
continuar a ser a prática geral, excecionando-se apenas aquelas situações em que a
intervenção estadual seja requerida por um grande bem (uma espécie de interesse
público).
Com a transição para o marginalismo, autores como Joseph Schumpeter, Léon
Walras e Vilfredo Pareto – os designados primeiros (verdeiros) marginalistas – mantêm
a mesma linha de entendimento dos autores clássicos: a autossuficiência e autorregulação
dos mercados e, ao utilizarem uma perspetiva de análise microanalítica, acabam por
afastar por completo o Estado do objeto de estudo da Economia Política. Ficariam de fora
questões que, embora respeitando o espaço lógico do Estado ou Governo, pudessem gerar
desequilíbrio ou distorção no funcionamento livre da economia. Questões como o Estado
social ou as novas funções de estabilização e de redistribuição seriam tratadas na
economia social, pois na economia não aparecem senão pequenos fragmentos daquelas
que colocam em causa o bom funcionamento do mercado. Expurgando também dessa
mesma análise, mas agora em termos metodológicos, considerações doutrinais,
institucionais ou históricas, que, por serem marcadas pela contingência, poderiam
contaminar o estudo de uma economia que se quer entendida como uma «economia pura».
De comum aos vários autores há o entendimento de que há uma espécie de
perpétuo e automático equilíbrio do mercado46. Se o mercado, agindo livremente e sem
amarras, consegue uma ótima afetação de recursos e distribuição de rendimentos, não faz

45
ANÍBAL ALMEIDA, Sobre o Estado e o Poder, a Economia e a Política, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 17.
46
Que em Schumpeter é representado pelo intervalo entre o mercado de concorrência perfeita e o mercado
de monopólio; em Walras aparece como um equilíbrio em sentido geral; e em Pareto como um conceito
de primeiro ótimo.

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sentido falar-se em intervenção pública para uma melhor afetação de recursos e ainda
menos para redistribuição. Essa intervenção é, aliás, tida por nefasta.
Não faria assim sentido sustentar que a despesa estadual pudesse representar uma
parcela significativa do Produto Interno Bruto. Assim, a despesa pública total deveria
situar-se por volta dos 10% do PIB, destinando-se quase exclusivamente ao
financiamento dos (parcos) agenda estaduais47.

4.3. As finanças intervencionistas

A ideia de que a intervenção do Estado na economia gera efeitos nefastos viria a


ser abandonada nos finais do século XIX, sobretudo a partir do fim da I Guerra Mundial,
com uma intensificação a partir da Grande Depressão (1929). A ocorrência de uma forte
recessão económica e os elevados índices de desemprego associados a este último evento,
colocaram desafios à sociedade que o mercado por si só demonstrou ser incapaz de
resolver. Aquilo que inicialmente se pensava ser um desequilíbrio momentâneo
demonstrou ser um desequilíbrio duradouro. Assistiu-se a uma quebra de cerca de 25%
do PIB levando a situações de fome e à miséria de uma percentagem considerável da
população. Demonstrada empiricamente a incapacidade dos mercados para resolver todos
os problemas, não tardariam a surgir teorias a sustentar a necessidade de intervenção do
Estado na esfera económica O New Deal de Roosevelt - 1933 a 1936 – baseado em três
Rs “relief for the unemployed and for the poor, recovery of the economy back to normal
levels, and reform of the financial system to prevent a repeat”48 serviu de inspiração a
programas similares um pouco por todo o globo.
Foi precisamente neste contexto que surgiu em 1936 a obra de J. M. Keynes – The
General Theory of Employment, Interest and Money – em que este defende uma maior
intervenção do Estado, sobretudo se esta for voltada para a estabilização da economia.
Conclui o autor que é possível um equilíbrio da economia abaixo da situação de pleno
emprego de fatores - recorde-se que para Adam Smith e para os clássicos o bom

47
Para maiores desenvolvimentos sobre a despesa pública e as razões justificativas veja-se V. TANZI e L.
SCHUKNECHT, Public Spending in the 20th Century: a global perspective, Cambridge University Press,
2000, pp. 3-49 e V. TANZI e L. SCHUKNECHT, Reforming Public Expenditure in industrialised countries are
there trade-offs?, Working Paper Series (BCE), n.º 435, fev. 2005.
48
CAROL BERKIN, CHRISTOPHER MILLER, ROBERT CHERNY e JAMES GORMLY, Making America: a history of
United States, Volume 2: A History of the United States: Since 1865, Cengage Learning, 2011, pp. 629–
632.

23
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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funcionamento automático de mercado apenas seria possível em situações de pleno


emprego – ainda que possa obrigar a um incremento da despesa pública para relançar a
procura efetiva. Ficou célebre uma expressão atribuída a Keynes “pagar a pessoas para
abrir buracos” que mais não será do que a derivação de uma passagem da sua obra:

“To dig holes in the ground', paid for out of savings, will increase, not only employment, but the
real national dividend of useful goods and services. It is not reasonable, however, that a sensible
community should be content to remain dependent on such fortuitous and often wasteful mitigations
when once we understand the influences upon which effective demand depends.”49

da qual se extrai a ideia de que os rendimentos transferidos para esses trabalhadores – os


que iriam abrir buracos de noite – permitiria estimular a procura e, por essa via, o
crescimento económico. Faz-se notar, que a implementação de uma medida deste tipo
deve ser excecional e temporária.
A partir de então o Estado passa a ser visto como um ator essencial no
funcionamento dos mercados, justificando-se a adoção de medidas destinadas não só a
garantir a estabilização dos mercados, mas também a redistribuição do rendimento.
Estava iniciado o período das finanças intervencionistas.
À Grande Depressão segue-se a Segunda Guerra Mundial, que coloca novos
desafios aos Estados e aos privados. Se durante a Guerra se assiste a um aumento da
despesa pública com a defesa, finda esta assiste-se a um período de forte crescimento
económico, potenciado pela necessidade de reconstrução dos edifícios e das
infraestruturas. Mas ficou também patente que nem todos os cidadãos beneficiaram na
mesma medida desse crescimento. Muitas pessoas continuavam a viver em condições
miseráveis e pareciam estar condenadas à partida a não sair dessa condição, porquanto
não conseguiriam aceder a um emprego que lhes permitisse obter rendimentos suficientes
para proverem ao seu sustento.
Estas diferenças de oportunidade impulsionaram o reconhecimento da existência
de uma nova função do Estado: a função de redistribuição de rendimentos e a garantia de
serviços básicos para os mais carenciados. Aceita-se que o mercado não é autorregulado,
nem é capaz de distribuir os rendimentos de forma justa: em suma, o mercado tem falhas

49
J. M. KEYNES, The General Theory of Employment, Interest, and Money, Harcourt Inc. Nova York, 1964
cap. 16.

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que não consegue corrigir. Abre-se assim a possibilidade de intervenção do Estado, por
via legislativa ou através de uma intervenção direta, para as tentar corrigir.
As finanças intervencionistas não implicam necessariamente um aumento da
despesa pública, pois são compatíveis com gastos públicos de montante moderado ou de
montante mais elevado. A preocupação dos economistas cujas teorias devem ser
enquadradas nesta corrente está, antes de mais, relacionada com a designada regra de ouro
das finanças públicas, de acordo com a qual o saldo orçamental corrente deve ser nulo ou
positivo. Como teremos oportunidade de ver quando analisarmos as questões relativas ao
equilíbrio orçamental este tipo de orçamento não considera nefasto o recurso a receitas
provenientes de empréstimos por parte dos Estados – as designadas receitas de capital –
desde estas se destinem exclusivamente ao pagamento de despesas de investimento.
Contudo, o que se verificou na generalidade dos países foi um aumento da despesa pública
estadual, tendo em muitas economias atingido valores muito próximos ou mesmo acima
dos 50% do PIB.

4.4. Constitucionalismo financeiro

O crescimento experimentado pela despesa pública nas décadas de 70, 80 e 90 -


por vezes apelidada de Golden Age da despesa pública - levou a que muitos economistas
se começassem a interrogar sobre a dimensão do Estado.
O problema não era - nem é - representado apenas pela percentagem que a despesa
pública tem em relação ao Produto Interno Bruto, mas está ainda relacionado com a forma
como esta é financiada. A aceitação mais ou menos generalizada de que o financiamento
das despesas públicas não tem que ser exclusivamente feito com receitas provenientes
dos impostos e que o recurso a empréstimos pode ser justificado em muitos caos, levou a
uma alteração na forma como se vislumbra a intervenção do Estado na economia e quais
devem ser os seus limites. Foi ganhando força a ideia de que é necessário limitar a ação
dos governos e das maiorias parlamentares conjunturais através de disposições
constitucionais. Assistiu-se assim à introdução de disposições que limitam os gastos
públicos – de modo direto ou indireto – em algumas constituições.
Os adeptos desta corrente de pensamento advogam que sendo principal função do
Estado na esfera económica a afetação de recursos, a redistribuição deve ser feita de um
modo generalista, ou seja, levada a cabo através de princípios e regras generalistas e não
dirigida a grupos específicos. Consequentemente, a redistribuição pela via fiscal com a

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concessão de benefícios fiscais e outros incentivos fiscais que possam incentivar a elisão
fiscal - rent seeking-, deve ser fortemente limitada, evitando as distorções que a cobrança
de impostos causa no mercado.
Consequentemente a introdução de regras constitucionais que imponham a
apresentação e execução de orçamentos materialmente equilibrados ou que limitem o
défice orçamental e limitem o financiamento da despesa pública através do recurso a
receitas provenientes de empréstimos constituem mecanismos normativos adequados.

4.5. As finanças modernas

Na sequência do que acabamos de referir surgiram correntes de pensamento


económico que reconhecem não só a imprescindibilidade como a adequação da
intervenção estadual na economia por forma a limitar ou a eliminar as falhas de mercado.
O Estado comporta-se como um macrodecisor irredutível, mas não já como um bom
gigante hobbesiano – aproximando-se mais de um decisor (macro) que tem também
interesses próprios como refere Anthony Downs.
O papel interventivo do Estado por forma a combater as falhas de mercado depare-
se com as dificuldades decorrentes das falhas na atuação do Estado: nem sempre (ou
quase nunca) o Estado tem ao seu dispor os mecanismos adequados à determinação das
preferências dos consumidores/destinatários dos bens e serviços. Pese embora essa falha
de revelação de preferências decorra muitas vezes de uma falha de mercado na alocação
de recursos e a necessidade da intervenção pública para provisão do bem seja clara, fica
por determinar a intensidade dessa intervenção. O que era um problema relacionado com
a alocação de recursos pelo mercado converte-se num problema de alocação de recursos
públicos.

5. O Estado e a provisão pública de bens


5.1. Generalidades

Já nos referimos anteriormente que atualmente se considera imprescindível a


intervenção do Estado na economia, quer como regulador quer como produtor e
consumidor de bens e serviços50. Se tomarmos como assente a ideia defendida por

50
Atualmente aceita-se como plenamente válida a ideia de que as decisões tomadas pelo operador G afetam
os mais variados aspetos da economia, sendo a face mais visível deste impacto aquela que decorre do

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Teixeira Ribeiro, segundo a qual “o Estado não é um indivíduo, mas uma coletividade de
indivíduos e como tal não tem conteúdo psíquico, não pensa nem sente e por isso não
pode sentir necessidades”, facilmente compreendemos que o Estado quando realiza
despesas não está a satisfazer necessidades próprias (a não ser aquelas que Anthony
Downs refere), mas sobretudo necessidades dos cidadãos pelas quais se deve sentir
responsável. Ao falarmos em provisão pública pretendemos referir-nos àquelas situações
em que as caraterísticas dos bens e a forma de acesso são definidas pelo Estado, que
assegura também, total ou parcialmente, o financiamento daquela produção.
Convém, contudo, não confundir provisão pública com produção pública. É que a
primeira e que acabamos de referir, tanto é compatível com a existência de produção
pública como com produção total ou parcial por privados, mas os custos de produção são
financiados através de receitas públicas. Convém por isso distinguir claramente as duas
situações. A produção total ou parcial pública implica que o bem em causa seja produzido
por uma entidade pública que detém o controlo de todo o processo produtivo.
Provisão pública e produção pública também não são sinónimo de bens públicos
ou de bens semipúblicos, como veremos mais adiante.

5.2. A definição de bens públicos

A noção de bens púbicos encontra-se habitualmente ligada a duas características:


a não rivalidade (ou irrivalidade no uso) e a não exclusão (ou inexcluibilidade pelo preço).
Nos casos em que estejam presentes simultaneamente as duas características estamos
perante bens públicos puros51.
Alguns autores caracterizam este tipo de bens pela indivisibilidade (da oferta e da
procura) e pela existência de externalidades. Outros52 definem os bens públicos puros

pagamento de impostos e outros tributos. Mas, também consegue perceber-se o impacto da atividade
estadual na economia se olharmos para o estado enquanto produtor ou enquanto financiador da provisão de
bens. Estamos a referir-nos, sobretudo, aos casos em que o Estado aparece como empregador público, mas
não podemos deixar de mencionar os casos em que o Estado transfere recursos para entidades privadas por
forma a financiar a produção privada de bens que serão depois distribuídos de acordo com regras que não
são as de mercado. É ainda importante referir a importância do estado regulador: neste caso a intervenção
é feita por via indireta ou legislativa.
51
Convém dizer, desde já, que os bens públicos não se confundem com os bens primários de que falava
John Rawls. Estes corresponderiam aqueles bens que estão ligados à própria estrutura da sociedade e que
permitem, de uma forma objetiva, averiguar a existência de justiça social ou, se preferirmos utilizar uma
linguagem mais simplista, aqueles bem que permitem que todos os cidadãos estejam no mesmo ponto de
partida. JOHN RAWLS, A Theory of Justice, cit.
52
Veja-se a título de exemplo J. J. Teixeira Ribeiro, Lições…, cit., pp. 20-24.

27
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como sendo os bens em que existe passividade no consumo ou bens que satisfazem
necessidades de forma passiva, por contraposição aos bens privados que satisfazem
necessidades de forma ativa53.
Não obstante as diferenças de definição, também nestes casos se conclui que se
trata de bens que reúnem as características já mencionadas54. A indivisibilidade da oferta,
verifica-se naqueles casos em que não é possível fixar um preço ao bem, porque o custo
marginal é nulo, como sucede com a utilização de infraestruturas – pontes, autoestradas,
iluminação pública ou internet. Já a indivisibilidade da procura corresponderia à
impossibilidade de exclusão dos utilizadores, aproximando-se da não exclusão55.
Já nos casos em que autores optam por definir estes bens como sendo aqueles em
que existe passividade no consumo ou bens que satisfazem necessidades de forma
passiva, aqui temos aqueles casos em que, a partir do momento em que o bem é produzido
e passa a poder ser utilizado, a necessidade se considera satisfeita sem que o consumidor
se veja impelido a praticar qualquer ato de consumo, ou seja, a revelar a sua preferência56.
Estamos assim perante bens de uso não rival e não excluível57.

5.2.1. A não rivalidade no uso (ou irrivalidade)

A não rivalidade (ou irrivalidade) no uso traduz-se na indivisibilidade no


consumo, traduzida no facto de o consumo por um indivíduo não pôr em causa o consumo
por outros. Por esse facto o bem pode ser utilizado por um número indeterminado de

53
Sousa Franco referia a existência de um tipo de necessidades que não podem ser satisfeitas de forma ativa
– isto é, pelo mercado –, mas requerem antes uma intervenção que as permita satisfazer de forma passiva.
A. L. SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Edição da Associação Académica da
Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1980 (com a colaboração de Eduardo Paz Ferreira), p. 21. Esta
ideia é retomada pelo mesmo autor mais tarde em Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª ed.,
Almedina, Coimbra, 1992, pp. 41 e ss.
54
Aliás, Teixeira Ribeiro refere-o expressamente: “Estes bens têm, como mostrámos, a característica de
serem utilizáveis por todos independentemente de qualquer procura. É a passividade no consumo, a qual se
traduz na impossibilidade de exclusão, isto é, na inexcluibilidade. Ora, havendo inexcluibilidade, há
indivisibilidade no consumo e, portanto, irrivalidade”. J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, p. 23.
55
XAVIER GREFFE, Économie des Politiques Publiques, Dalloz, Paris, 1994.
56
Veja-se a título de exemplo J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, pp. 20-24.
57
Aliás, Teixeira Ribeiro refere-o expressamente: “Estes bens têm, como mostrámos, a característica de
serem utilizáveis por todos independentemente de qualquer procura. É a passividade no consumo, a qual se
traduz na impossibilidade de exclusão, isto é, na inexcluibilidade. Ora, havendo inexcluibilidade, há
indivisibilidade no consumo e, portanto, irrivalidade”. J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, p. 23.

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consumidores/utilizadores sem que a utilidade que cada um retira do bem seja afetada
pela utilização, conjunta ou individualizada, que é feita pelos demais consumidores58.
O exemplo clássico de um bem de uso não rival é a defesa nacional. Se um
governo criar uma força militar que proteja o território de ataques exteriores e para
garantia da segurança interna todos os cidadãos que nele se encontram ficam
automaticamente protegidos. Não têm sequer que realizar qualquer atividade para verem
a sua necessidade de proteção face a ataques vindos do exterior ser satisfeita, uma vez
que se trata de uma necessidade de satisfação passiva. Os custos de produção mantêm-se
inalterados ou praticamente inalterados não obstante as flutuações relativas ao número de
cidadãos que se encontrem naquele território. Podemos encontrar, porém, outros
exemplos, como sejam as emissões televisivas ou radiofónicas, as redes wi-fi, os
espetáculos pirotécnicos ou as infraestruturas viárias.
Claro que a não rivalidade pode ser absoluta ou apenas relativa. Haverá
irrivalidade absoluta naqueles casos em que o número de utilizadores não afeta em
absoluto a utilização do bem por outros, não afetando também a utilidade que casa um
deles retira. Já nos casos em que, a partir de um número muito elevado de utilizadores, a
utilização do bem por mais uma pessoa interfere com a utilidade que os demais retiram,
temos uma não rivalidade relativa. Estamos perante situações em que, a partir de um
determinado número de utilizadores, ocorrem os designados custos de congestão que
afetam a utilidade retirada por cada um dos utilizadores. A utilização não se torna rival,
mas há um decréscimo quer da utilidade unitária quer da utilidade total. São de bens deste
tipo a autoestrada, os passeios ou uma sala de cinema.
Perante a falta de rivalidade no uso e, sobretudo, por estarmos perante bens cujo
custo marginal de produção é zero, a limitação do número de utilizadores através da
cobrança de um preço seria ineficiente do ponto de vista económico por poder criar
situações em que a utilidade total é menor do que aquela que seria possível caso esse valor
não fosse cobrado. Para além disso, nestes casos e apesar de o custo marginal de produção
ser nulo (zero) existe um custo de produção do bem que tem de ser suportado por alguém.

58
Nas palavras de Samuelson estamos perante situações em que “each individual’s consumption of such a
good lead to no subtraction from any other individual’s consumption”. P. A. SAMUELSON, “The pure theory
of public expenditure”, Review of Economics and statistics, 36 (4), 1954, pp. 387-389.

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5.2.2. A não exclusão pelo preço (ou inexcluibilidade)

Os bens públicos puros são também bens que possuem a característica da não
exclusão pelo preço (ou inexcluibilidade). Haverá não exclusão naqueles casos em que
os produtores não estão em condições de impedir a utilização do bem àqueles que não
estejam dispostos a pagar um preço por isso.
Falar em não exclusão pelo preço é falar em bens cujo consumo não pode ser
controlado por um sistema de preços. A não exclusão é, assim, uma característica
evolutiva e que está diretamente relacionada com a evolução da técnica59. Estamos
perante situações em que os consumidores do bem ou serviço não têm incentivo a revelar
as suas preferências, pois, mesmo nos casos em que seja possível cobrar um preço pela
utilização destes bens, os utilizadores não estão dispostos a pagar. Fazem-no porque
sabem que podem utilizar o bem e ocultar as suas preferências ou seja, podem beneficiar
das utilidades que o bem proporciona sem terem que pagar qualquer quantia, pois sabem
de antemão que outros interessados na produção do bem estarão dispostos a suportar os
custos de financiamento. Há um incentivo para a não revelação das preferências. Podem
assim licitamente utilizar o bem sem terem que revelar as suas preferências, colocando-
se numa posição de free rider. Neste caso, como refere Musgrave, “with benefits available
to all, consumers will not offer payments to the suppliers of such goods”60.
Há, pois, indivíduos que têm uma enorme vantagem em ocultar as suas reais
preferências para não terem que suportar os custos de produção do bem. E sabem que
podem fazê-lo desde que seja de esperar que exista um número suficiente de interessados
na produção do bem que está disposto a contribuir para o seu financiamento. Contudo, na
maior parte dos casos, a generalidade dos indivíduos é levada a crer que não tem
necessidade de efetuar qualquer pagamento pela utilização do bem pois outros o farão,
ou seja, nestas situações os indivíduos tendem a comportar-se como free riders, não

59
Existe não exclusão pelo preço naquelas situações em que não é tecnicamente possível cobrar um preço
pela utilização do bem ou, sendo-o, a cobrança desse preço não é exequível, por ser excessivamente
dispendiosa. Casos há, como teremos a oportunidade de analisar mais adiante, que a exclusão pode ser
praticada, mas não é desejável do ponto de vista social. Para maiores desenvolvimentos ver JOSPEH STIGLITZ
e JAY K. ROSENGARD, Economics of the Public Sector, 4.ª ed., W. W. Norton & Company, Inc., Nova York,
2015, pp. 105-106 e ANTHONY ATKINSON e JOSEPH STIGLITZ, Lectures on Public Economics, Princeton
University Press, 2015, pp. 404 e ss.
60
RICHARD A. MUSGAVE e PEGGY B. MUSGRAVE, Public Finance in Theory and Practice, 2.ª ed.,
International ed., McGraw-Hill, 1989, p. 7.

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contribuindo voluntariamente para o financiamento da produção do bem. Assim, não será


possível arrecadar receitas suficientes para financiar a produção do bem.
Nos casos em que os bens reúnam ao mesmo tempo as características da não
rivalidade (irrivalidade) e da não exclusão (inexcluibilidade) – como é o caso da defesa
nacional, iluminação pública ou do ar – a exclusão não pode ser praticada. Estamos
perante uma dupla falha de mercado, não sendo importante determinar qual é a causa
principal. Podemos, contudo, voltar a referir que nos casos em que o bem é de uso não
excluível (inexcluível) então também será um bem de uso não rival (irrival) não se
verificando, porém, o inverso.
A caraterística preponderante para que possamos falar da existência de uma falha
de mercado parece ser assim a impossibilidade de exclusão pelo preço (não exclusão ou
inexcluibilidade), o que nos leva a concluir que aqueles bens em que não é possível ou
desejável do ponto de vista social praticar a exclusão pelo preço – porque se diminuiria a
utilidade total sem que houvesse qualquer alteração ao nível do custo de produção – são
bens que o mercado ou não consegue produzir ou, conseguindo-o fá-lo de modo
ineficiente. Esta ineficiência do mercado decorre da existência de um desequilíbrio entre
a utilidade individual e a utilidade social. Ou seja, a utilidade total do bem não
corresponde apenas ao somatório das utilidades individuais retiradas por todos os
utilizadores, mas é antes superior àquela.

5.3. Os bens semipúblicos

A generalidade dos autores reserva a designação de bens públicos para aqueles


bens que possuem cumulativamente as características da não rivalidade e da não exclusão.
Outros há que consideram estar perante um bem público nos casos em que não existe
exclusão, exista ou não rivalidade no uso, colocando a distinção entre bens públicos e
bens semipúblicos no facto de existir ou não uma contrapartida financeira por parte do
utilizador ou destinatário do bem. Sufragamos a opinião amplamente sustentada de que
os bens semipúblicos são bens de uso rival ou excluíveis pelo preço.
Na presença de não rivalidade no uso pode, ainda assim, existir a possibilidade de
exclusão pelo preço e a provisão do bem ser apetecível ao setor privado, mas quando
esteja em causa a não exclusão verifica-se precisamente o inverso.
Dentro dos bens semipúblicos podemos encontrar os bens tecnicamente
semipúblicos e os bens técnica e financeiramente semipúblicos. Os primeiros são aqueles

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cujos utilizadores/destinatários do bem podem usufruir das utilidades do mesmo sem ter
que pagar qualquer quantia por isso. Já nos bens técnica e financeiramente semipúblicos
há lugar ao pagamento de uma quantia por parte do utilizador/destinatário. Esta quantia
não é, porém, verdadeiramente um preço, fixando-se habitualmente abaixo do custo ou,
nos casos em que seja de fixar acima do custo vai quedar-se abaixo do valor que se fixaria
no mercado caso o bem fosse produzido por privados.

5.4. Os bens de mérito: merit and demerit goods61

Dentro dos bens de provisão pública podemos ainda encontrar aqueles “bens cuja
produção pelo Estado a política considera desejável (...) por imposição da elite dominante
ou por adesão a interesses ou valores da comunidade” 62. Estamos perante situações que
refletem a ideia de Estado paternalista ou, até mesmo, um resquício de um Estado
autocrático que sobrepõe a avaliação das preferências feitas pelas entidades estaduais à
avaliação feita pelos próprios consumidores. Fá-lo porque considera que estes não são
capazes de avaliar corretamente os seus interesses e, por isso, consomem em excesso bens
cujo consumo é socialmente indesejável - demerit goods - ou subconsomem bens
relativamente aos quais, do ponto de vista social, seria desejável um consumo mais
elevado - merit goods. Estas situações não se reconduzem a externalidades positivas e
negativas, constituindo – estas e aquelas externalidades – uma verdadeira necessidade
coletiva diversa das necessidades individuais que aquele bem concreto vai satisfazer. Por
isso, é essa coletividade representada nos órgãos do Estado ou governo que “decide sobre
a existência de necessidades coletivas e sobre a conveniência da sua satisfação” 63.
Esta provisão pode materializar-se em bens e serviços, mas pode também ser feita
através de medidas legislativas impositivas ou proibitivas de determinadas condutas,
consoante o tipo de externalidade gerada pelo consumo. Constituem exemplo de bens de
mérito a obrigatoriedade de uso de cinto de segurança, a obrigatoriedade de uso de
capacete ou outros equipamentos de segurança, a escolaridade mínima obrigatória ou o
Programa Nacional de Vacinação, mas também, no caso português, a Companhia

61
Teixeira Ribeiro refere, na p. 28, que não devemos confundir bens semipúblicos e bens meritórios (ou
bens de mérito).
62
RICHARD MUSGRAVE e PEGGY MUSGRAVE, Public Finance in Theory and Practice, McGraw-Hill, 1980,
pp. 84 e ss.
63
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, cit., pp. 28.

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Nacional de Bailado, a RTP 2 ou os passes sociais. Como bem se percebe dos exemplos
que acabamos de enumerar e a que podem seguir-se muitos mais, o que está em causa é
a existência de uma necessidade coletiva diversa da necessidade individual e que apenas
pode ser satisfeita através do consumo ou limitação do consumo de determinado bem ou
serviço pelos privados, o que justifica que a provisão deste tipo de bens deva ser
assegurada qualquer que seja o nível de consumo ou mesmo que não exista procura.

5.5. Os bens de clube (club goods)

Os bens de clube são bens cujo leque de potenciais consumidores pode ser
determinado antecipadamente, isto é, trata-se de bens que são consumidos por um grupo
restrito de pessoas e que, por essa razão, podemos pensar que estes podem facilmente
suportar o custo da sua produção. Conhecendo-se o grupo de consumidores e havendo
interesse na produção do bem – porque há interesse também no seu consumo – parece
existir incentivo à provisão privada do bem.
Como se trata de bens cujo consumo é tendencialmente não rival – apenas
apresentam custos de congestão a partir de um ponto em que o número de consumidores
é muito elevado –, seja ou não a necessidade satisfeita de forma passiva, pode existir um
incentivo a comportamentos do tipo free rider. Contudo, como o benefício que cada um
dos utilizadores retira da utilização do bem ou serviço é superior aos custos da parcela do
financiamento que lhe cabe, há um incentivo à contribuição para o financiamento da sua
produção por parte dos interessados. A maior dificuldade reside na determinação da
dimensão ideal do grupo.
Um exemplo deste tipo de bens são os faróis que existem ao longo da costa não
sendo comum encontrar bens deste tipo que sejam de provisão pública64.

64
JAMES M. BUCHANAN, "An Economic Theory of Clubs", Economica, vol. 32 (125), pp. 1-14, 1965.

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PARTE II
TEORIAS EXPLICATIVAS DA EVOLUÇÃO DA DESPESA PÚBLICA

1. Introdução

Os governos são responsáveis pelo desempenho de determinadas funções na


economia, entre as quais a provisão pública de bens – nalguns casos de forma exclusiva.
Não obstante a existência de alterações sobre a forma e a extensão com que essas
atividades vêm sendo desempenhadas ao longo dos tempos, a verdade é que o seu reflexo
financeiro pode ser encontrado quer do lado da receita pública, quer, sobretudo, do lado
da despesa pública.
Compreende-se, assim, que a problemática da despesa pública tenha sido
abordada logo por Adam Smith e pelos autores da Escola Clássica que se preocupavam,
em especial, com os efeitos económicos gerados pelo financiamento da atividade estadual
– ainda que reduzida. O estudo da evolução da despesa pública e das justificações para a
sua evolução são questões de que se têm ocupado recentemente muitos economistas e
revela-se uma área de estudo muito importante.
Uma análise empírica feita a partir de dados que remontam ao último quartel do
século XIX permite-nos afirmar que existe uma tendência para o aumento do volume da
despesa pública na generalidade dos países quer em termos absolutos, quer em termos
relativos65. É ainda possível observar que embora exista uma tendência da despesa pública
para o crescimento, comportamento esse que não é contínuo nem uniforme, tendo-se
acentuado no período entre guerras e atingido valores próximos ou acima dos 50% do
PIB durante as décadas de 80 e 90 do século XX e em inícios do século XXI. Apesar de
existirem algumas exceções, esta trajetória de crescimento tem vindo a abrandar desde a
segunda metade da década de 90, sendo substituída por taxas de crescimento da despesa
mais baixas ou até mesmo por um decréscimo dos montantes despendidos pelos Estados.
Foi a partir de meados do séc. XIX que os economistas, preocupados com as taxas
de crescimento da despesa pública, começaram a estudar de modo mais aprofundado as
razões por detrás desse comportamento. Destacam-se, a este propósito, os escritos de

65
Em termos relativos o crescimento da despesa pública costuma ser analisado tendo por referência os
dados da despesa pública em percentagem do Produto Interno Bruto a preços de mercado, mas é possível
mobilizar outros índices de comparação como sejam o valor despesa pública per capita.

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Adolph Wagner, a obra de Peacock e por Wiseman e, mais recentemente, os textos de


Vito Tanzi e Ludger Schuknecht.
Sendo o objetivo central desses e de outros estudos o de avançar justificações para
o comportamento da despesa pública, foram ponderados fatores que permitissem
determinar se a fundamentação para esta evolução está relacionada com fatores do lado
da procura (demand side hypotheses) ou se decorre antes de fatores do lado da oferta
pública (supply-side hypotheses) – decorrendo principalmente dos fundamentos da
escolha. Da diversidade de análises decorrem diferentes conclusões, sendo possível
equacionar se é a despesa pública que condiciona o crescimento económico e o
desenvolvimento ou se são estes que condicionam os níveis da despesa pública 66.
No grupo de autores que entendem que o comportamento da despesa é
condicionado por fatores do lado da procura destacam-se Adolph Wagner, Wileinsky e
Castel, bem como Peacock e Wiseman. Já Vito Tanzi e Ludger Schuknecht são
enquadrados no leque de autores que defendem o argumento de que a variação da despesa
pública está ligada a fatores determinantes da escolha pública. Por razões didáticas,
analisaremos, por agora, apenas as explicações avançadas para o comportamento da
despesa pública conforme visualizado na figura que se segue:

Fig. 1: Evolução da despesa pública em percentagem do PIB entre 1880 e 201167.

66
Estas duas perspetivas refletem duas conceções distintas sobre o papel do Estado numa economia: o
Estado como agente neutral ou Estado benevolente (benevolene principal-agent) e o Estado como fonte de
distorção entre governo e governados (economic being). Para maiores desenvolvimentos veja-se JAN-ERIK
LANE, The Public Sector: concepts, models and approaches, 3.ª ed., SAGE, (2000), em especial pp. 72 e
ss.
67
Os gráficos apresentados foram elaborados e adaptados com base nos dados disponíveis em
https://www.imf.org/external/datamapper/exp@FPP/PRT e em https://ourworldindata.org/government-
spending.

35
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2. Adolph Wagner e a ‘Lei’ de Wagner

O financista alemão Adolph Wagner, em finais do séc. XIX, ao analisar os dados


relativos ao comportamento da despesa pública constatou que esta apresentava uma
tendência para o crescimento e que esse aumento era mais do que proporcional ao
aumento da despesa privada, o que implicava que a cada aumento da despesa ocorresse
um aumento equivalente dos impostos68. Perante esta constatação, enunciou – primeiro
em 1863 e depois em 1883 e 1893 69 - a denominada Lei de Wagner, ou lei do aumento
das despesas públicas.

Fig. 2: Evolução da despesa pública na Alemanha, em percentagem do PIB, entre 1880 e 1912.

De acordo com esta “Lei”, nos países “progressivos”70, existe uma tendência para
um aumento crescente da despesa pública, quer em termos intensivos (aumento dos
valores gastos em despesas que o estado já vinha suportando) quer em termos extensivos
(alargando-se a novos tipos de despesa).

68
Wagner entendia que, contrariamente ao que acontecia nas finanças privadas, nas finanças públicas as
receitas tinham que ser suficientes para cobrir as despesas e que, numa situação ideal, ao aumento da
despesa pública corresponderia sempre um igual aumento dos impostos, cabendo ao estado satisfazer
necessidades dos cidadãos e, dentro destas, aquelas necessidades que os indivíduos de forma isolada ou
conjunta não são capazes de satisfazer. Cfr. JÜRGEN BACKHAUS (ed.), Essays on Social Security and
Taxation: Gustav von Schmoller and Adolph Wagner Reconsidered, Metropolis, 1997, pp. 85 e ss.
69
A formulação inicial da “Lei” de Wagner remonta a 1863, tendo sido posteriormente aperfeiçoada em
várias obras e escritos do Autor até finais do séc. XIX e consta da obra ADOLPH WAGNER, Grundlegung der
Politischen Ökonomie, vol I, 1863. Sobre as várias interpretações veja-se GHANDI, “Wagner´s Law of Public
Expenditure”, Public Finance, vol. XXVI (1971), p. 44 e ss. Um excerto da Lei de Wagner pode ser
encontrado em RICHARD MUSGRAVE e ALAN PEACOCK (ed.), Classics in the Theory of Public Finance,
Macmillan, (1959), p. 1-16 em especial p. 7 e 8.
70
O estudo de Wagner parte de uma análise empírica feita com base nos dados dos países industrializados.
Cfr. A. L. DE SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, Almedina, 2004, p. 7.

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Nas palavras de Wagner, traduzidas por Backhaus (1997: 268), assistimos e


assistiremos a um

“continuous increase in the required state revenues, an increase which was


generally even higher relative to the increase of the extent of state activity.”71

A principal justificação para esta tendência é o fenómeno da industrialização que,


ao dar origem a uma sociedade mais complexa exigiu um aumento da atividade de
proteção pública e de regulação das atividades económicas 72. Por outro lado, o
crescimento real da economia permite um aumento de despesas públicas com elevado
grau de elasticidade-rendimento, como sejam as despesas com cultura e com a educação,
áreas em que se reconhece que os Estados são mais eficientes do que os privados. Por
último, há que considerar ainda que o desenvolvimento económico e as mudanças
tecnológicas impeliram os governos a chamarem a si os monopólios naturais por forma a
aumentarem a eficiência dos mercados. Em conclusão e compulsados os vários
argumentos, verifica-se que Wagner entende que o aumento da despesa se ficou a dever
ao fenómeno da industrialização e deve ser visto como um efeito, e não como a causa, do
desenvolvimento económico.
Wagner não logrou, contudo, provar que foi a industrialização que condicionou,
de forma inquestionável, o comportamento da despesa pública. Também não criou
nenhum modelo económico ou lei científica que pudesse ser testada e validada quer fática
quer contrafaticamente. Aliás, nem sequer a validação empírica da “Lei” é exequível em
todos os casos, existindo situações em que os resultados da análise dos dados
apresentados é contraditória73.
Ao adotar uma conceção orgânica de Estado Wagner viu as suas conclusões serem
condicionadas por esse tipo de análise, dificultando a aplicação da “Lei” a sociedades
com uma organização diferente. Ademais, ao preocupar-se quase exclusivamente com

71
JÜRGEN G. BACKHAUS (ed.), Essays on Social Security and Taxation, Metropolis, 1997, p. 86 e 268.
72
Richard Musgrave (re)interpretaria a “Lei de Wagner” e invocou as mesmas razões, para justificar e
validar a tendência observada por Wagner.
73
Nas últimas décadas têm-se avolumado os estudos que pretendem verificar a validade do tema. Sobre os
resultados das avaliações e para uma análise mais atualizada da Lei de Wagner veja-se MANUCHEHR
IRANDOUST, “Wagner on government spending and national income:A new look at an old relationship”,
Journal of Policy Modeling, 41, (2019), p. 636-646.

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uma análise retrospetiva do comportamento da despesa pública deixou de parte outros


fatores importantes como seja a verificação de existência de padrões de crescimento 74.
Os estudos de Wagner, embora não tenham permitido explicar as razões por detrás
do aumento mais do que proporcional das despesas públicas face às despesas privadas,
permitiram afirmar que a causa do aumento das despesas públicas, qualquer que ela seja,
está relacionada com o incremento – tanto intensivo como extensivo - da atividade
estadual. Esta análise anteciparia, em quase cinquenta anos, a tendência para existência
de uma corelação entre o comportamento da despesa pública e os níveis de atividade do
Estado, confirmada por Richard Musgrave75, Wagner já considerava a pressão do
progresso social sobre o poder político para o aumento da despesa pública.
Demais, embora aceitasse a impossibilidade de determinação in abstracto do nível
ideal de despesa pública, Wagner defendia ser necessário equacionar se esses valores
podiam atingir um valor percentual tal que obriguasse a uma tributação excessiva
(oppressive burden ou oppressive taxation)76.

3. Os avanços de Peacock e Wiseman

Volvido mais de meio século os economistas britânicos Alan Peacock e Jack


Wiseman analisam o comportamento da despesa pública no Reino Unido para tentarem
validar a “Lei” de Wagner ou para avançarem com uma nova explicação para o
comportamento da despesa pública77. Nessa análise foi possível observar que o volume
da despesa pública em percentagem do PIB apresenta uma tendência para um aumento
mais do que proporcional e contínuo, mas irregular.

74
ALAN T. PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth of Public Expenditure in the United Kingdom, Princeton
University Press, 1961, p. xxiii.
75
RICHARD MUSGRAVE, Public Finance, Tata MacGraw-Hill, 1959, p. 116 e idem, Fiscal Systems, 1968.
RICHARD MUSGRAVE e PEGGY MUSGRAVE, Public Finance in the Theory and Practice, 3.ª ed., McGraw-
Hill Book Company, 1980, 142.
76
A oppressive taxation é considerada excecional e apenas pode existir em casos de emergência nacional
em que está em causa a sobrevivência do próprio Estado.
77
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth of Public Expenditure in the United Kingdom, 2.ª ed.
(reimpressão da edição de 1967), Gregg Revivals, (1994).

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Fig. 3: Evolução da despesa pública do Reino Unido, em percentagem do PIB, entre 1880 e 1965.

A constatação da existência de períodos de aumento mais acentuado dos níveis de


despesa pública a que se seguem períodos de estagnação ou até mesmo de decréscimo
justifica a negação da “Lei” de Wagner e serve de incentivo à procura por uma nova
explicação: o efeito deslocação (displacement effect)78.
De acordo com estes autores, sempre que ocorre uma perturbação social79 o estado
vê-se forçado a aumentar a despesa pública para suportar os encargos necessários a dar
resposta às exigências da situação. O volume global das despesas públicas desloca-se,
assim, para um patamar superior ao que existia antes da perturbação social – esse é efeito
deslocação da despesa. E, como é necessário obter financiamento para essas mesmas
despesas, também o nível dos impostos sofreria idêntica alteração.
Terminada a perturbação social seria de esperar que o nível global das despesas
públicas regressasse aos valores anteriores à crise, mas não é isso o que acontece. Vencida
que está a resistência dos contribuintes ao aumento dos impostos, os Estados têm à sua
disposição receitas que lhes permitem satisfazer algumas necessidades da coletividade,
dando resposta aos pedidos da população, tornados evidentes pela perturbação social
(efeito apreciação ou inspection effect)80. O volume da despesa poderia descer
moderadamente, fixando-se a um nível inferior ao que se verificou no tempo da
perturbação social, mas não regressaria ao nível existente antes do início daquela

78
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth …, p. xxxi
79
Entendemos que a expressão “perturbação social” (social disturbances) engloba não só fenómenos de
guerras e similares como também outros fenómenos que tenham efeitos sociais idênticos aos das guerras
como sejam as crises económicas, as pandemias ou as catástrofes naturais.
80
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth …, pp. 67 e ss.

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perturbação. Correlativamente, o volume dos impostos também não pode regressar ao


valor inicial.
Para além destes dois efeitos estes autores alertaram ainda para a existência de um
terceiro efeito: o efeito concentração (concentration process)81. Trata-se de um efeito
que também tem por base a mesma justificação e que pretende designar a repartição
desigualitária deste aumento da despesa entre governo central e governo descentralizado,
isto é, o aumento dos níveis de despesa pública originado pelas perturbações sociais leva,
ainda, a uma maior concentração dos níveis de despesa no governo central.
Conclui-se, assim, que existe uma tendência para variação dos níveis de despesa
pública ao longo do tempo, variação esta que é irregular e que se encontra justificada
pelas perturbações sociais cuja escala seja tal que exija uma intervenção do Estado para
a resolver.

4. As explicações de Vito Tanzi e Ludger Schucknecht

Uma outra perspetiva de análise é-nos trazida, mais recentemente, por Vito Tanzi
e Ludger Schuknecht. Iniciando também a sua análise a partir da consulta dos dados
estatísticos disponíveis avançam com uma explicação para o comportamento da despesa
pública desde 1870 até 1996 e, num estudo posterior, até 200582.
Em introdução assertiva referem que o papel do estado na economia sofreu
alterações profundas nos dois últimos séculos e que esse será, provavelmente, o fator
justificativo do aumento da despesa pública. O comportamento da despesa pública surge
como a “resposta à mudança das perceções sobre o que o Estado deve fazer” ficando
dependente da evolução dos novos agenda estaduais.
Por forma a procederem a uma análise concisa, mas ao mesmo tempo precisa,
optaram por dividir o lapso temporal em análise em vários períodos: (I) desde 1870 à 1.ª
Guerra Mundial; (II) o período entre guerras; (III) o período pós-2.ª Guerra Mundial até
1980; (IV) os anos 80 e os anos 90 do século XX; e, por último, (V) de 1996 a 2005. Com
base nos mesmos pressupostos acrescentaremos um novo período (VI) de 2005 até à

81
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth …, p. xxxvii e pp. 24 e ss.
82
VITO TANZI e LUDGER SCHUKNECHT, Public Spending in the 20Th Century: a Global Perspective,
Cambridge University Press, 2000, em especial p. 1-22; idem, “Reforming Public Expenditure in
industrialised countries: are there trade-offs?”, Working Paper Series, n.º 435, fevereiro de 2005, Banco
Central Europeu.

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atualidade e, ainda, uma brevíssima referência ao impacto da atual crise pandémica nos
níveis de despesa pública.

4.1. Desde 1870 até à Primeira Guerra Mundial

No século XIX, época em que ao Estado era negado o estado o papel de agente
económico e ao qual apenas eram reconhecidas funções mínimas - “justice, policy and
arms” - os gastos em despesa pública eram muito baixos. A atividade estadual deveria ser
muito reduzida para evitar ou limitar ao mínimo possível as distorções que a atividade
estadual provoca no mercado.
Nas palavras de Adam Smith caberia ao Estado:

“erecting and maintaining those public institutions and those public works, witch,
though they may be in the highest degree advantageous to a great society… (these
public works are mainly) those for facilitating the commerce of the society, and
those for promoting the instruction of people.”83

Apesar de considerarem que a função principal dos Estados deveria ser a alocação
de recursos, não colocam em causa, bem pelo contrário, a existência de bens de provisão
pública, como é o caso da educação84.
Não se estranha, por isso, que por volta de 1880 a despesa pública rondasse os
10% do PIB, com alguns países como a Austrália, Itália, Brasil, Alemanha e França a
ultrapassarem essa percentagem, com a despesa pública a situar-se entre os 12% e os
18%. Estes eram casos considerados como países em que o peso do Estado na economia
era exorbitante, colocando em causa o crescimento económico.

83
ADAM SMITH, An Inquiry into the Nature and Causes of The Wealth of Nations, vol. I, Princeton
University Press, (1977- reimpressão da ed. de 1776, ed. por Edwin Cannan e outros), p. 963, ou na versão
traduzida para língua portuguesa, Riqueza das Nações, 4.ª ed., vol. II, Fundação Calouste Gulbenkian,
(1999), p. 333. Note-se que Smith, no livro V, analisa detalhadamente aquelas despesas que considera serem
de considerar as “despesas do soberano ou da comunidade” distinguindo entre despesas com defesa, justiça,
serviços públicos e instituições públicas e para sustento da dignidade do soberano não sendo coincidente a
conclusão sobre quem deve recair o encargo com o seu pagamento.
84
"The state [...] derives no inconsiderable advantage from their instruction. The more they are instructed,
the less liable they are to the delusions of enthusiasm and supposition, which among ignorant nations,
frequently occasion the most dreadful disorders." ADAM SMITH, … The Wealth of Nations, cit., p. 1048 ou
in Riqueza das Nações, cit, p. 425.

41
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Fig. 4: Evolução da despesa pública em percentagem do PIB entre 1880 e 1917.

Nos finais do século XIX, sob influência da teoria de Marx e de Wagner e


Schmoller é reconhecida a importância da função de redistribuição do rendimento (1881),
que se junta à função de alocação de recursos. É esta nova função que justifica, em certa
medida, as alterações que foram possíveis observar no comportamento e nos montantes
da despesa pública alguns anos depois. Em termos qualitativos pode, ainda, ser observado
um incremento da despesa pública com educação básica (elementar). Apesar das
alterações referidas continuava a prevalecer a ideia de que a intervenção do Estado na
economia devia ser reduzida, permitindo a prevalência do laissez-faire.
Nos anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial, a despesa pública em países
como a Áustria, Alemanha, França e Reino Unido situa-se entre os 10% e os 20% do PIB
enquanto que no Japão, na Noruega ou nos E.U.A. se continua a situar abaixo dos 10%.
Em alguns países, como por exemplo os Países Baixos, assiste-se até a um ligeiro
decréscimo da despesa pública.
Não podemos deixar de notar que estes níveis de despesa foram alcançados num
período em que, um pouco por toda a Europa, estavam a ser construídas infraestruturas
de comunicação e de transporte, com custos bastante elevados.

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Fig. 5: Evolução da despesa pública em percentagem do PIB entre 1911-1928

A Primeira Guerra Mundial mudaria o rumo da Europa e o rumo das despesas


públicas. Por volta de 1913 a Europa entrou num período de incremento dos gastos
públicos, tendo este movimento sido impulsionado pela necessidade de aumento das
despesas de guerra, nomeadamente com armamentos, e variadas outras com o conflito
relacionadas.
Finda que foi a Guerra, no ano de 1920 a despesa pública tinha subido para os
18,7% na generalidade dos países e só a Espanha, a Suécia e os E.U.A. conseguiram
manter a despesa pública perto dos 10% do PIB. Países como a França, Alemanha, Itália
e o Reino Unido – aqueles mais afetados pela guerra – viram a sua despesa pública subir
até aos 25% do PIB. Mantinha-se também um outro grupo de países que podemos
designar por países com despesa pública moderada: Austrália, Áustria, Canadá, Irlanda,
Japão, Países Baixos, Noruega e Suíça apresentavam níveis de despesa pública na ordem
dos 20% do PIB.

4.2. O período entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra


Mundial

No período entre Guerras assistiu-se alguma acalmia no crescimento da despesa


pública, tendência só interrompida pela crise de 1929.

43
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Fig. 6: Evolução da despesa pública em percentagem do PIB entre 1917 e 1939.

Apesar de encontrarmos disseminados por vários países europeus sistemas de


segurança social antes da década de 20 do século passado, foi com a Grande Depressão,
cuja origem estaria numa gigantesca falha de mercado e na incapacidade de
autorregulação do mesmo, que se verificou um aumento da despesa pública destinada à
cobertura dos riscos sociais. Para esta alteração muito contribuiu a mudança no
entendimento sobre o papel do Estado na economia, influenciada em grande medida pela
obra de J. M. Keynes: The end of laissez-faire que, rompendo com o entendimento liberal
até então dominante, substitui-o pela ideia da existência de vantagens da intervenção
pública na economia, destacando a importância do reconhecimento da existência de falhas
de mercado

“The important thing for government is not to do things that individuals are doing
already, and to do them a little better or a little worse; but to do those things which
at present are not done at all.”85

Às despesas públicas com o emprego e com a proteção dos mais necessitados


juntaram-se as medidas decorrentes da implementação das políticas como o New Deal,
sendo de destacar as políticas ativas de emprego que permitiram a criação de postos de
trabalho públicos como forma de minimização dos efeitos das elevadas taxas de
inatividade então verificadas.

85
J. M. KEYNES, The End of Laissez-Faire, Hogarth Press, Londres (1926), pp. 46-47.

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A partir da década de 30 do século XX na Europa assiste-se ainda a um aumento


das despesas públicas com armamento justificadas, nomeadamente, pela necessidade de
encontrar meios de proteção contra as investidas (que já se adivinhavam) de Hitler.
Em 1937 a despesa pública tinha duplicado em relação a 1913, atingindo o valor de 22,8%
e, apesar de se notar a existência de uma tendência para o crescimento, há países em que
esse crescimento é mais pronunciado: Canadá, Alemanha, Japão, Holanda, Espanha,
Suécia, Suíça e E.U.A. Contudo, há que considerar que este crescimento é medido em
relação ao PIB podendo não se traduzir num crescimento em termos monetários (uma vez
que o PIB tinha sofrido um enorme decréscimo).
Com a exceção da Austrália, da Noruega e da Espanha, a despesa pública situa-se
acima dos 15% do PIB em todos os países. Nessa mesma data, começa a perceber-se uma
alteração de paradigma que levaria ao abandono do Estado mínimo e da política do
laissez-faire, entrando numa época em que o estado social e as políticas de redistribuição
ocupariam um lugar central.

4.3. O pós-Segunda Guerra Mundial até aos anos 80 do século XX

No período pós Segunda Guerra Mundial assiste-se a um decréscimo da despesa


pública face ao período anterior, mas, rapidamente se inicia um período mais longo de
crescimento da despesa pública. Trata-se de um período em que é possível identificar o
entusiasmo com os efeitos da intervenção pública na economia, comportamento
favorecido pelo rápido crescimento do Produto Interno Bruto e alavancado pela
sintetização em 1959 por Richard Musgrave das funções económicas de um Estado
moderno. Se até então ainda era um pouco visível a influência das ideias da Escola
Clássica foi a partir daqui que as teorias expansionistas e intervencionistas garantiram
uma posição predominante na teoria económica, com o estado a assumir, definitivamente,
uma posição de agente económico.

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Fig. 7: Evolução da despesa pública em percentagem do PIB entre 1945 e 1980.

Entre 1960 e 1980 assiste-se a um rápido crescimento das despesas públicas,


tendência justificada por uma crença no contributo da despesa pública para o crescimento
económico. Do Estado ausente, passamos ao estado interventor. A defesa desta alteração
de paradigma faz-se por referência à obra de Keynes, mas também às novas funções do
Estado descritas por Richard Musgrave.
A crença no poder reprodutivo das despesas públicas levaria a um maior
envolvimento dos estados na provisão de bens e serviços. Foram desenvolvidas ainda
novas técnicas de avaliação e implementação das políticas orçamentais por forma a
permitir a maximização dos gastos públicos, contribuindo por esta via para uma maior
eficiência na alocação dos recursos. O orçamento parece assumir a função de regulação
de toda a economia, e não apenas daquela parcela que diz respeito à atividade pública.
Estávamos prestes a entrar na era dourada da despesa pública.
Se do lado da despesa se aposta na análise custo/benefício, do lado da receita há
um crescimento dos adeptos pela teoria da tributação progressiva, sempre aliada a formas
de imposição e cobrança de tributos com baixos custos administrativos. Apesar de nem
todos os países terem normas constitucionais ou legais que fossem compatíveis com este
aumento da intervenção pública na economia através do investimento, o crescimento da
despesa pública potenciou a dinâmica necessária à implementação de sistemas
democráticos em vários países e, uma vez implementados estes sistemas, a potencialidade
de crescimento da despesa pública tinha garantido as condições necessárias para a sua
renovação e crescimento. Para além disso, a rápida urbanização nos países

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industrializados exigiu uma maior intervenção pública, mas também facilitou o aumento
da tributação para financiar esse aumento de despesa. Um outro fator que contribuiu para
o aumento da despesa pública foi o envelhecimento populacional.

4.4. As décadas de 80 e 90 do século XX

A partir dos finais dos anos 80 do século XX assistiu-se ao (re)aparecimento das


teorias que encaram com ceticismo a intervenção estadual na economia, reclamando o
decréscimo do peso da despesa pública no PIB. De entre as razões que justificam esta
alteração de perspetiva encontramos a crítica dos mecanismos keynesianos de
estabilização económica levada a cabo pelos monetaristas, a defesa da ideia de que o
efeito crowding-out é nefasto e a constatação dos efeitos nocivos provocados pela
arrecadação de receitas através de impostos que oneram, maioritariamente, os
rendimentos do trabalho e do património, colocando em causa a iniciativa económica
privada. Também o recurso a empréstimos para o financiamento da despesa pública
passou a ser encarado com desconfiança.
A nível político assiste-se a uma orientação da despesa para grupos especiais e a
dificuldades em reduzir os níveis de despesa já atingidos – devido ao princípio da
proibição do retrocesso social –, acompanhadas de contestações ao nível da teoria da
escolha pública. Estas alterações na tendência de crescimento da despesa pública não
deixam de ter relação com as alterações que vão ocorrendo no terreno político: no Reino
Unido, a Primeira-Ministra Margaret Tatcher assume funções e, nos E.U.A. o cargo de
presidente passa a ser ocupado por Ronald Regan. Ambos políticos oponentes da despesa
pública elevada. Devido aos cargos que ocupavam, a influência no comportamento das
demais economias europeias e mundiais não deixaria de se fazer sentir. Esta campanha
contrária aos Estados-gastadores seria acompanhada por grupos políticos e organizações
de cidadãos, mas, ainda que tenham logrado conseguir um aumento menos acentuado dos
níveis de despesa pública, não lograram atingir o seu objetivo principal: precisamente, o
do decréscimo do peso da despesa pública no PIB. A despesa pública continuou a
aumentar e atingiu, em muitos países, máximos históricos.

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Fig. 8: Evolução da despesa pública em % do PIB entre 1980-1996.

Em 1980 a despesa pública situava-se, com algumas exceções, entre os 45% e os


52% do PIB. Em 1990, o volume médio da despesa pública, ascendia a 44,8% do PIB e
em 1996 o a 45,6%, apresentando uma tendência para crescer.
Alguns países iniciaram, por esta altura, a introdução de políticas reformistas
tendo em vista a redução dos níveis da despesa pública, com a implementação de reduções
em várias áreas, sobretudo ao nível das transferências e dos subsídios.

4.5. O comportamento da despesa pública a partir de 1996

Com a mudança de século, assistimos a uma intensificação das ideias liberais e, a


par destas, da ideia de que seria essencial limitar o crescimento da despesa pública. Os
Estados passaram a ser vistos como operadores económicos na verdadeira aceção da
palavra, mas desempenhariam maioritariamente um papel de correção das falhas de
mercado. Entende-se, neste contexto, que um mercado mais eficiente exige menos
intervenção pública e níveis menores de despesa pública86.

86
Os dados da OCDE parecem sustentar a ideia de que a intervenção pública deve ser reduzida, mesmo
quando estamos a falar em políticas redistributivas. Como notam Tanzi e Schuknecht (2005: 9) os países
com níveis mais baixos de despesa pública apresentam um melhor desempenho na política redistributiva
dirigida aos mais desfavorecidos.

48
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Fig. 9: Evolução da despesa pública em percentagem do PIB entre 1996 e 2016.

Tem sido possível constatar que os níveis máximos de despesa pública, apesar de
terem crescido desde 1980 até à atualidade, apresentam uma tendência para o decréscimo
ou crescimento menos intenso.
A generalidade dos países analisados por estes autores apresentaram os seus níveis
máximos de despesa na primeira década do século XXI87. Embora esta tendência
parecesse ser definitiva em 2005, há que considerar os efeitos que a crise económica
iniciada em finais de 2007 teve a este nível, sobretudo por ter provocado um aumento
considerável dos níveis de despesa.
Após o fim da crise, os níveis de despesa pública apresentaram uma tendência
para diminuir, embora seja possível observar, por exemplo, o pico atingido pela despesa
pública em Portugal em 2014. Este comportamento dos níveis da despesa é uma
consequência das reformas implementadas na generalidade dos países a partir de meados

87
Tanzi e Schuknecht agruparam os países analisados de acordo com o tipo de reformas implementadas e
com o momento em que as mesmas ocorrera: (a) países com reformas ambiciosas e temporãs - ambitious
and early reformers – Irlanda, Nova Zelândia, Países Baixos e Bélgica; (b) países que implementaram
reformas tímidas, mas temporãs - timid and early reformers – Austrália, o Luxemburgo e o Reino Unido;
(c) países que implementaram reformas tardias mas ambiciosas - ambitious and late reformers – Áustria,
Canadá, Finlândia, Noruega, Espanha e Suécia; (d) países que implementaram reformas tardias e tímidas
- timid and late reformers - Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Suíça e EUA e (e) países não reformistas
– non reformers - Grécia, Portugal o Japão. Na base da distinção entre reformas tímidas e reformas
ambiciosas está a atuação (corte) nas despesas-transferência, sobretudo salários, subsídios e subvenções
bem como despesa fiscal. VITO TANZI e LUDGER SCHUKNECHT, “Reforming Public Expenditure in
industrialised countries: are there trade-offs?”, ob. cit.
Convém notar que a introdução mais ou menos tardia de reformas pode estar relacionada com o nível de
despesa que esses países atingiram como é o caso da Suíça que apresenta desde há várias décadas valores
da despesa pública entre os 30 e os 40% do PIB. Veja-se, por exemplo, o valor apontado para a despesa
pública em 2018 pelo Eurostat que se cifra nos 33,7%.

49
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da década de 90, que levaram a uma redução faseada e não uniforme nem constante, dadas
as diferenças entre a estratégia adotada por cada país.
A implementação destas reformas parecia ter levado a uma melhoria nas políticas
orçamentais, contribuindo para a verificação do equilíbrio orçamental ou até mesmo de
excedente orçamental em alguns casos (como em Espanha) mas, volvidos alguns anos
sobre a data de implementação das reformas os efeitos são um pouco diversos, sobretudo
nos casos em que essa redução da despesa pública não foi acompanhada da
implementação de reformas estruturais na globalidade da despesa estadual. Resta saber
se esta tendência para o decréscimo dos gastos públicos se encontra alicerçada em
políticas e medidas sustentáveis ou se, pelo contrário, estamos mais uma vez perante uma
situação passageira.
É que na atualidade, apesar de encontrarmos economistas tributários dos ideais
liberais defendidos pela Escola Clássica Inglesa e que parecem exigir uma intervenção
muito diminuta do Estado na economia, reservando-lhe funções meramente residuais, não
deixam de reconhecer a importância do Estado na correção das falhas de mercado.
Demandam é, muitas vezes, a adoção de medidas que permitam dar cumprimento a essas
funções e, ao mesmo tempo, reduzir os gastos públicos. Mas, neste caso, é também o
papel do estado que está a ser repensado.
Os dados mais recentes divulgados pela OCDE dizem respeito a 2018 e permitem
perceber que a despesa se situa, ainda, a níveis muito próximos de 50% do PIB num
conjunto alargado de países, ultrapassando mesmo esse valor em países como a
Dinamarca, a Bélgica, a França e a Dinamarca.

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Fig. 10: Valores da despesa pública em percentagem do PIB 2018 ou último ano disponível88.

Nos 28 países da União Europeia o valor médio da despesa pública cifrou-se em


45,8% do PIB e da Zona Euro em 47% do PIB. O ranking dos Estados-Membros era
liderado pela França (56%), seguida da Finlândia (53,1%), da Bélgica (52,1%) e da
Dinamarca (50,9%). Portugal ocupava o lugar n.º 14, com a despesa pública a ascender
aos 43,5%. O valor mais baixo eram os 25,4% da Irlanda.

4.6. A despesa pública durante a pandemia SARS-CoV2

Atualmente ainda não é possível prever qual o real impacto provocado pela
pandemia SARS-CoV2 nos níveis da despesa pública. Contudo, dúvidas não há de que
assistiremos a um decréscimo acentuado, mais ou menos breve, do PIB da generalidade
dos países com valor médio na zona euro de -8,3%, sendo de esperar valores próximos
dos 10% em alguns países como é o caso de Portugal, Itália e Espanha89.
A OCDE aponta mesmo para uma crise mundial de larga escala e cujos efeitos
económicos são incomparavelmente superiores aos da crise de 2008-200990. A magnitude
do impacto deriva diretamente da crise pandémica que, afetou severamente a saúde, mas

88
OECD (2020), General government spending (indicator). (consultado em 21 de outubro de 2022).
89
Para maiores desenvolvimentos veja-se, FMI, World Economic Outlook, October 2020: A Long and
Difficult Ascent, outubro de 2020, p. 141, disponível em
https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/09/30/world-economic-outlook-october-2020.
90
OCDE, 2020.

51
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colocou em causa a liberdade de circulação, o emprego, a educação e o comércio interno


e internacional. Os efeitos dos lockdowns da primeira vaga provocaram uma descida
acentuada nos níveis de consumo, investimento, produção industrial e manufatura, bem
como um crescimento nas taxas de desemprego.

Figuras 11 e 12 (fonte: FMI, World Economic Outlook, p. 67, fig. 2.1 e 2.2).

Exigiu-se, e continua a exigir-se, aos Estados a adoção de medidas rápidas e


eficazes, mas para que estas possam produzir os efeitos desejados é necessária a
coordenação multinível à escala nacional e internacional. Esta forma de atuação é
essencial não só para salvar vidas como, também, para poupar recursos e para relançar a
economia.
Os estudos já efetuados apontam no sentido de que os lockdowns tendem a ter um
impacto muito negativo na economia no curto prazo, mas ainda é necessário aprofundar
os estudos, tomando em consideração outras condicionantes.

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A evolução recente tem permitido corroborar algumas das tendências avançadas,


mas contraria outras. Deixamos, a título de exemplo, dados do FMI divulgados em 2020
(figura 13), dados divulgados em 2021 (figura 14) e dados divulgados em 2022 (figuras
15 e 16) relativos às projeções de crescimento (variação percentual) das várias regiões.

Fig. 13 (fonte: FMI - World Economic Outlook – outubro de 2020)91

Fig. 14 (fonte: FMI - World Economic Outlook – outubro de 202192

91
https://www.imf.org/~/media/Images/IMF/Publications/WEO/2020/October/English/weo-map-oct-20-
social-eng.ashx?la=en
92
https://www.imf.org/pt/Publications/WEO/Issues/2021/10/12/world-economic-outlook-october-2021

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Fig. 15 (fonte FMI - World Economic Outlook – abril de 2022)93

Fig. 16 (fonte FMI - World Economic Outlook – outubro de 2022)94

O atual contexto económico levou a uma revisão em baixa das projeções relativas
ao crescimento económico da generalidade dos países, dando especial ênfase à
necessidade da adoção de medidas enquadradas dentro da política monetária por forma a
controlar a inflação e o crescimento do endividamento e, ao mesmo tempo, proteger os
mais vulneráveis.

93
https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2022/04/19/world-economic-outlook-april-2022
94
https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2022/10/11/world-economic-outlook-october-2022

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PARTE III
AS REGRAS E OS PRINCÍPIOS ORÇAMENTAIS PREVISTOS NA LEI DE
ENQUADRAMENTO ORÇAMENTAL

1. Introdução
A preparação da Proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado e,
consequentemente, da Lei do Orçamento obedece a um conjunto de normas que definem
questões relativas ao procedimento, mas, também, de regras o próprio conteúdo da Lei
do Orçamento. Pode, então, dizer-se que há limitações quer quanto ao procedimento, quer
quanto à forma, quer quanto ao conteúdo do orçamento. Este conjunto de regras é
composto por regras técnicas, mas, também, por regras e princípios jurídicos que
orientam a forma como o orçamento vai ser elaborado. Estamos a falar especificamente
nas designadas regras clássicas de elaboração do orçamento – regra da unidade, regra da
universalidade, regra da não compensação e regra da não consignação – a que se juntam
outras regras e princípios orçamentais.
As primeiras são comuns a todos os orçamentos públicos e têm, como teremos
oportunidade de ver, uma importância jurídica bastante significativa. Do ponto de vista
pático, a sua observância serve ainda para facilitar tarefa de análise da proposta de
orçamento e o controlo da execução orçamental, sobretudo do controlo político. Os
segundos surgem como resposta às exigências das Finanças Públicas dos tempos
modernos, e refletem a importância que se reconhece ao Orçamento do Estado na
condução das políticas públicas e da economia em geral.
A atual Lei de Enquadramento Orçamental (LEO)95 dedica um capítulo ao
tratamento dos princípios orçamentais abandonando a designação tradicional de regras
clássicas de elaboração do orçamento e não conservando o tratamento, ao menos
terminológico – princípios e regras orçamentais - introduzido pela Lei n.º 91/2001 de 20
de agosto.
Trata-se de uma opção que não coloca em causa nem a força vinculativa, nem
importância e nem o significado jurídico e económico que devem ser reconhecidos às
regras e princípios de organização, elaboração e execução do orçamento.

95
Aprovada em anexo à Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, alterada pela Lei n.º 2/2018, de 29 de janeiro,
pela Lei n.º 37/2018, de 7 de agosto, pela Lei n.º 41/2020, de 18 de agosto (que a republica em anexo) e
pela Lei n.º 10-B/2022, de 28 de abril.

55
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Sem queremos romper com o tratamento que tradicionalmente a Doutrina tem


vindo a fazer, optamos por dividir a nossa análise em dois pontos: as regras clássicas de
elaboração do orçamento e os princípios e outras regras de elaboração do orçamento
expressamente consagrados na LEO. Trata-se de uma divisão dogmática que não tem por
base qualquer hierarquização, embora reflita, necessariamente, o relevo constitucional e
infraconstitucional que é reconhecido a algumas destas regras e princípios.

2. As regras clássicas de elaboração do orçamento


2.1. A regra da unidade (e da universalidade)

A regra da unidade decorre diretamente do n.º 3 do art.º 105.º da Constituição da


República Portuguesa (CRP) – “3. O orçamento é unitário…” - e está também prevista
no art.º 9.º da LEO sob a designação de princípio da unidade e universalidade, juntando
dois requisitos com algumas semelhanças, mas distintos. Esta regra – a da unidade - tem
como função principal garantir a transparência das contas públicas, sendo essencial para
que o orçamento possa cumprir as suas funções. Para além disso, sem um orçamento
verdadeiramente único, o cumprimento das demais regras e princípios orçamentais é
muito mais difícil, quer estejamos perante regras e princípios que devem ser observados
na elaboração da Proposta de Lei, quer na sua discussão, quer na própria execução e
controlo da execução orçamental. Cumpre, então, saber em que consiste verdadeiramente
esta regra.
A regra da unidade impõe que se encontrem reunidas num único documento todas
as receitas e todas as despesas estaduais. A lei que aprova o Orçamento do Estado deve,
então, reunir todas as receitas e todas as despesas públicas. Para que esta regra se
considere cumprida, não basta que o orçamento do Estado conste de um único documento,
sendo ainda necessário que nesse documento estejam reunidas todas as receitas e todas as
despesas das entidades públicas. Sendo o orçamento o quadro geral básico de toda a
atividade financeira do estado compreende-se esta exigência.
Ora, se uma das funções do orçamento do Estado é a de relacionar receitas com
despesas, é conveniente, portanto, que receitas e despesas se encontrem previstas num
mesmo documento, para que possa verificar-se se as receitas são suficientes para cobrir
as despesas.
Por outro lado, se pretendemos que nesse documento seja exposto e explanado o
plano da atividade financeira do Estado o mesmo deve ser elaborado pela mesma

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entidade, com a observância das mesmas regras e parâmetros de avaliação, por forma a
evitar contradições, duplicações ou omissões, bem como uma análise mais célere dos
dados nele contidos e das opções relativas às políticas públicas que materializam.
Uma outra dimensão da regra da unidade está relacionada com o número de
orçamentos a apresentar em cada período financeiro. Decorre desta regra a imposição de
aprovação, para cada período financeiro, de apenas um orçamento. Esta exigência
pretende evitar que, através da utilização do mecanismo dos múltiplos orçamentos –
sejam estes sucessivos96 ou simultâneos - se atinja uma situação em que vultuosas massas
de fundos escapam à autorização legislativa e política.
Decorre do que referimos supra que a regra da unidade não será cumprida quando
existirem, dentro do setor administrações públicas, vários orçamentos que não estejam
incorporados no Orçamento Geral do Estado.
A pluralidade orçamental foi por vezes justificada com base na necessidade
elaboração de orçamentos distintos, em que a classificação das receitas e das despesas
obedecem a critérios específicos e diferenciados, consoante os objetivos de divulgação
de informação. Não obstante possa existir alguma vantagem prática na elaboração de
orçamentos distintos consoante a classificação das despesas de acordo com o critério de
equilíbrio a adotar, como refere aliás Teixeira Ribeiro, tal não implica, necessariamente,
que seja violada a regra da unidade orçamental97. É o que sucede em Portugal, com a
elaboração de vários mapas orçamentais, que pretendem dar resposta às exigências legais
e aos vários objetivos de cada uma das classificações. Por outro lado, com uma dispersão
do orçamento de Estado em vários documentos torna-se difícil apurar o saldo orçamental.
No entanto a pluralidade orçamental pode ainda ser justificada pela existência de
serviços dotados de autonomia administrativa e financeira98 e que, por terem receitas
próprias que inscrevem num orçamento que é também ele próprio, motivaria e legitimaria

96
Os orçamentos sucessivos que alterem o orçamento inicialmente aprovado são habitualmente designados
por orçamentos retificativos.
97
Como teremos oportunidade de referir mais adiante, as diversas desagregações das receitas e das despesas
de acordo com os critérios de classificação adotados pode constar de um único documento. É o que sucede
no ordenamento jurídico português.
98
De acordo com a regulamentação em vigor a regra é a da autonomia administrativa, sendo a autonomia
administrativa e financeira a exceção. A autonomia administrativa e financeira pode decorrer de disposição
constitucional – como é o caso das Universidades – ou de atribuição por lei, nos termos das disposições da
Lei de Bases da Contabilidade Pública (LBCP) aprovada pela Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro e pelo art.º
2.º do Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de
28 de junho, na sua redação atual. Faz-se notar que ao reconhecimento de autonomia administrativa e
financeira às Universidades é reforçado pelo atual art.º 5.º da LEO.

57
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a violação da regra da unidade. Porém, a existência de entidades que pertencem ao Setor


Administrações Públicas dotadas de autonomia administrativa e financeira é
perfeitamente compatível com o cumprimento desta regra.
A regra da unidade tal qual está prevista no art.º 9.º da LEO tal qual está afasta-
se, em alguns aspetos, das considerações que acabamos de fazer. Apesar de os art. os 1.º e
ss. da LEO definirem como âmbito subjetivo de aplicação das normas nela constantes as
entidades do setor administrações públicas, verifica-se que o art.º 9.º supra referido
restringe – ou parece restringir – esse âmbito às entidades do subsetor administração
central e do subsetor da segurança social. Chega mesmo, no n.º 2 do referido artigo, a
excluir expressamente do Orçamento Geral do Estado os orçamentos das Regiões
Autónomas e das Autarquias Locais. Esta última exceção concretiza a previsão do art.º
6.º da CRP99.
Esta exclusão só muito dificilmente se pode considerar compatível com a regra da
unidade. Nada impediria que os orçamentos das Regiões Autónomas e das Autarquias
Locais constassem do diploma que aprova o Orçamento Geral do Estado. Obrigaria,
talvez, para cumprimento adequado das disposições constitucionais que reconhecem
autonomia financeira a estas entidades cujo âmbito territorial de atuação não corresponde
à totalidade do território nacional e que possuem legitimidade democrática própria, à
introdução de alterações no processo orçamental 100. Esta exceção não se alarga aos
demais aspetos da LEO: permite-se que essas entidades elaborem, aprovem e executem
orçamentos próprios e (quase) autónomos face ao Orçamento Geral do Estado, mas ficam
obrigados, nos seus orçamentos, ao cumprimento de todas as regras e princípios, sejam

99
A tendência para a elaboração e aprovação de orçamentos separados para determinadas entidades
públicas distintas do Estado e dotadas de autonomia administrativa e financeira pode ser vista como uma
forma de desorçamentação, por permitir subtrair ao Parlamento o poder de autorizar a cobrança de todas as
receitas e a realização de todas as despesas públicas. O mesmo sucederá com os orçamentos das Regiões
Autónomas e das Autarquias Locas. Apesar da divergência classificativa e da justificação para tal, estas
situações são bastante semelhantes e representam uma espécie de desmembramento real do Orçamento
Geral do Estado – parafraseando Michel Bouvier e outros – e, como ensinava Aníbal Almeida nas suas
preleções orais, ou tal facto é contrário à Constituição e à Lei e nessa medida inconstitucional ou ilegal ou,
então, não estamos verdadeiramente perante desorçamentação. MICHEL BOUVIER, MARIE-CHRISTINE
ESCLASSAN e JEAN PIERRE LASSALE, Finances Publiques, 22.ª ed., LGDJ, 2022, pp. 343-345.
100
Não cuidaremos de aprofundar esta questão, mas acompanhamos muito de perto os ensinamentos de
Fernando Rocha Andrade, quando justifica esta exclusão ou exceção ao princípio da unidade com base nas
exigências constitucionais de descentralização e da distribuição dos poderes financeiros que daí decorre.
Fernando Rocha Andrade, Textos de Finanças Públicas, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, pp.
60 e ss.

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estes relativos a elaboração, a execução ou fiscalização do orçamento, como decorre do


art.º 1.º al. a) da LEO101.
A par da unidade a LEO exige, ainda, o respeito pela regra de universalidade.
Embora estejam relacionadas e nem sempre seja fácil distinguir estas duas regras – porque
ambas exigem que todas as receitas e todas as despesas públicas constem da Lei do
Orçamento - a verdade é que a sua correspondência não é exata.
Enquanto a primeira pretende evitar a existência de múltiplos orçamentos e da
desorçamentação, a segunda está relacionada com o próprio desenho da Lei do
Orçamento, obrigando ao cumprimento de outras duas regras de que falaremos em
seguida: a regra da não compensação ou do orçamento bruto e a regra da não consignação.
De forma sucinta, adiantamos desde já que a regra da universalidade obriga a uma
previsão integral – em termos qualitativos e quantitativos – de todas as receitas e de todas
as despesas e exige ainda que não exista afetação de uma determinada receita a uma
determinada despesa.

2.2. A regra da especificação

Especificar receitas e despesas no orçamento significa, antes de mais, prever cada


receita e cada despesa de modo individualizado. Ao invés de se prever no orçamento o
montante global das receitas e das despesas, exige-se que estas sejam previstas de forma
devidamente individualizada.
Esta discriminação, que ser quer tão minuciosa quanto possível, deve ser feita de
modo a não eliminar ou condicionar excessivamente a liberdade de gestão dos serviços e
de adaptação da gestão às circunstâncias factuais. Nas palavras de Teixeira Ribeiro as
verbas não devem ser tão “miudamente discriminadas, para que os serviços possam
adaptar os seus gastos às circunstâncias” 102. Pretende-se, também, evitar a existência de
dotações para utilizações confidenciais ou fundos secretos, exceto em situações

101
Note-se que constam da Lei do Orçamento do Estado, nomeadamente dos mapas 11, 12 e 13 o valor das
verbas a transferir para as Regiões Autónomas, para os Municípios e para as Freguesias.
102
Ob. cit., p. 61.

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excecionais justificadas por razões de segurança nacional, devidamente autorizadas pela


Assembleia da República103.
São de excecionar, também as despesas a incluir na designada dotação provisional
do Ministério das Finanças e as despesas a integrar no programa destinado a gerir a
despesa fiscal resultante da concessão de benefícios tributários104.
Esta exigência tem uma importância enorme quer na fase de elaboração e
aprovação – uma vez que permite saber que receitas e que despesas estão verdadeiramente
a ser autorizadas – mas, sobretudo, na fase da execução em que, como veremos em
momento próprio, condiciona quer a possibilidade de cobrança da receita − de uma receita
em concreto − quer da realização de despesa − de uma despesa em concreto.
Atualmente a regra da especificação está consagrada no art.º 17.º da LEO que
determina que as receitas sejam discriminadas de acordo com códigos de classificação
económica105, mas também por fonte de financiamento106 e serve de matriz à elaboração
dos mapas orçamentais referidos no art.º 42.º da LEO.
Quanto às despesas, exige-se que as mesmas estejam desagregadas com base
numa classificação orgânica, económica, e funcional107, devendo ainda ser estruturadas
por programas e por fonte de financiamento.
A classificação económica das receitas e das despesas determina a sua
desagregação em receitas e despesas correntes e receitas e despesas de capital. A
desagregação das receitas é, depois, feita por capítulos, por grupos e por artigos enquanto
as despesas são especificadas por agrupamentos, subagrupamentos e rubricas108.

103
O art.º 17.º, n.º 3 estabelece a sanção da nulidade para os créditos orçamentais que não cumpram estes
requisitos. Tendo em consideração que o n.º 3, do art.º 105.º da CRP estabelece idêntica proibição, pode
sustenta-se que tais previsões são inconstitucionais.
104
Atualmente a dotação provisional do Ministério das Finanças deve reportar-se ao programa a constituir
dentro do Ministério das Finanças e cujas verbas são destinadas a fazer face a despesas imprevisíveis e
inadiáveis – cfr. n.º 11 do art.º 45.º da LEO. No mesmo artigo e número encontramos atualmente a
referência a uma nova exceção ao princípio da especificação relacionada com as despesas fiscais
decorrentes da concessão de benefícios tributários. Neste último caso clarifica-se a necessidade de
especificação, embora com um menor grau de concretização, desta categoria de despesa.
105
Decreto-Lei n. º 26/2002, de 14 de fevereiro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 8-F/2002, de
28 de fevereiro e alterado pelos Decreto-Lei n.º 69-A/2009, de 24 de março, Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de
01 de março, pelo Decreto-Lei n.º 52/2014, de 7 de abril e pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio.
106
N.B.: de acordo com o n.º 4 do art.º 17.º da LEO “A estrutura dos códigos dos classificadores orçamentais
é definida em diploma próprio, no prazo de um ano após a entrada em vigor da lei que aprova a presente
lei.”, mas até à presente data esse regime ainda não foi aprovado.
107
Decreto-Lei n.º 171/94, de 24 de junho.
108
Cfr. art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 26/2002, na sua redação atual, e anexos I e II.

60
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Existem atualmente oito capítulos de receitas correntes: 01 – Impostos diretos; 02


– Impostos indiretos; 03 - Contribuições para a segurança social, a Caixa Geral de
Aposentações e a ADSE; 04 – Taxas, multas e outras penalidades; 05 – Rendimentos da
propriedade; 06 - Transferências correntes; 07 - Venda de bens e serviços correntes; 08 -
Outras receitas correntes.
Nos quatro primeiros capítulos encontramos as receitas coativas, correspondendo
os dois primeiros a receitas dos impostos o capítulo 03 a receitas que podem ter natureza
de imposto ou de taxa, consoante os casos. No capítulo 04 encontramos as receitas
coativas sem caráter sancionatório (taxas) e as multas e outras penalidades que são
receitas com caráter coativo e sancionatório. No capítulo 05 encontramos as receitas
patrimoniais o mesmo sucedendo com as receitas do capítulo 07. No capítulo 06
encontramos as transferências e no capítulo 8 as receitas correntes provenientes de
prémios, taxas por garantias de risco e diferenças de câmbio, o produto da venda de
valores desamoedados, os lucros de amoedação e outras receitas similares.
As receitas de capital dispersam-se por nove capítulos: 09 - Venda de bens de
investimento; 10 - Transferências de capital; 11 - Ativos financeiros; 12 - Passivos
financeiros; 13 - Outras receitas de capital; 14 - Recursos próprios comunitários; 15 -
Reposições não abatidas nos pagamentos; 16 - Saldo da gerência anterior; 17 - Operações
extraorçamentais.
Nos capítulos 09 e 11 encontramos as receitas patrimoniais e o reembolso dos
empréstimos concedidos pelo Estado. No capítulo 10 encontramos as transferências de
capital e no capítulo 12 as receitas provenientes dos empréstimos a contrair pelo Estado
(sejam eles de classificar ou não como dívida pública). No capítulo 14 são registadas as
receitas provenientes de recursos próprios comunitários (cobradas pelo Estado Português
ou distribuídas pela União Europeia como resultado da participação do Estado Português
naquelas receitas): no capítulo 16 aparecem os saldos da gerência anterior e as operações
extraorçamentais.
As despesas correntes estão divididas em seis capítulos (01 a 06) e as despesas de
capital em outros seis (07 a 12): 01 – Despesas com pessoal; 02 – Aquisição de bens e
serviços; 03 – Juros e outros encargos; 04 – Transferências correntes; 05 – Subsídios; 06
– Outras despesas correntes; 07 – Aquisição de bens de capital; 08 – Transferências de
capital; 09 – Ativos financeiros; 10 – Passivos financeiros; 11 – Outras despesas de
capital; 12 – Operações extra-orçamentais.

61
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As despesas obedecem, ainda, a uma classificação orgânica e funcional, devendo


também ser estruturadas por programas e por fonte de financiamento.
Na classificação orgânica é feita uma divisão por ministérios e secretarias de
Estado e, dentro destes, como por capítulos, divisões e subdivisões orçamentais – cfr. art.º
5.º do Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de fevereiro.
A classificação funcional é feita por referência às disposições constantes do
Decreto-Lei n.º 171/94, de 24 de junho. Trata-se de uma classificação que tem em conta
as funções exercidas pelo Estado e que, de acordo com as disposições legais, é a seguinte:
1 - Funções gerais de soberania; 2 – Funções sociais; 3 – Funções económicas; 4 – Outras
funções.
A estruturação por programas consiste na desagregação das despesas em medidas
que se concretizam através de atividades, ou seja, funções. Neste contexto agrupam-se
despesas correspondentes a um conjunto de medidas que concorrem, de forma conjunta
ou complementar, para a concretização de um ou vários objetivos específicos, relativos a
uma ou a mais políticas públicas. No art.º 45.º da LEO encontramos a referência à
necessidade de uma densificação da estruturação por programas. Ao nível mais agregado,
a especificação por programas corresponde à missão de base orgânica, sendo a
desagregação feita por programas orçamentais - conjunto de ações, de duração variável
e cuja execução tem em vista a realização de objetivos finais, associados à implementação
das políticas públicas e permitem a aferição do custo total dos mesmos – e estes em ações
- unidades básicas de realização de um programa orçamental, podendo traduzir-se em
atividades e projetos. De notar, porém, que de acordo com o n.º 3 art.º 5.º da Lei n.º
151/2015, de 11 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2020, de 18 de
agosto, se mantêm transitoriamente em vigor as normas da Lei n,º 91/2001, de 20 de
agosto relativas à orçamentação por programas.

2.3. A regra da não compensação

De acordo com esta regra todas as receitas e todas as despesas devem ser inscritas
no orçamento pela importância integral em que foram avaliadas, sem dedução alguma
para encargos de cobrança ou de qualquer outra natureza. Entende-se que só deste modo

62
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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é possível cumprir a função orçamental de fixação das despesas 109. Esta é, precisamente,
a estatuição do art.º 15.º da LEO.
Nas receitas provenientes dos tributos − impostos, taxas e outros tributos − o valor
a inscrever no Orçamento do Estado corresponde à previsão do montante a arrecadar
efetivamente, isto é, inscreve-se o montante previsto para a receita total de cada tributo,
apenas se subtraindo o montante relativo às receitas cessantes e decorrentes de benefícios
tributários, reembolsos e restituições que digam respeito a esse mesmo tributo.
A implementação prática deste princípio apresenta algumas dificuldades e até
inconvenientes pelo que é usual encontrarmos algumas exceções. A LEO permite o desvio
desta regra nos seguintes casos110:

a) Operações relativas a ativos financeiros;


b) Operações de gestão da dívida pública direta do Estado, que são inscritas nos respetivos
programas orçamentais, nos seguintes termos:
i) as despesas decorrentes de operações de derivados financeiros são deduzidas
das receitas obtidas com as mesmas operações, sendo o respetivo saldo sempre inscrito
como despesa;
ii) as receitas de juros resultantes de operações associadas à emissão de dívida
pública direta do Estado e ou à gestão da Tesouraria do Estado são abatidas às despesas
da mesma natureza;
iii) as receitas de juros resultantes das operações associadas à aplicação dos
excedentes de Tesouraria do Estado, assim como as associadas aos adiantamentos de
tesouraria, são abatidas às despesas com juros da dívida pública direta do Estado;
iv) as receitas de juros resultantes de operações ativas da Direção-Geral do
Tesouro e Finanças.

O conjunto de receitas e despesas excecionados da aplicação do princípio da não


compensação tem vindo a ser alargado nas últimas décadas, dificultando a execução do
orçamento e colocando em evidência a falta de limitação quantitativa de certas despesas
e as dificuldades de controlo que lhes estão associadas. A opção do legislador nacional
permite, ainda que de forma muito débil, dar cumprimento ao princípio da tipicidade
qualitativa, uma vez que são conhecidos os tipos de receita e de despesa que concorrem

109
O cumprimento desta regra de elaboração orçamental é essencial para a correta execução orçamental
quer ao nível da receita, quer ao nível da despesa, como teremos oportunidade de referir. Permite, ainda,
garantir a transparência orçamental.
110
Cfr. n.º 3 do art.º 15.º da LEO.

63
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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para a determinação do saldo líquido. O que já não se permite saber é valor efetivo de
cada despesa, sendo impossível cumprir nessa medida a função de fixação da despesa que
referiremos mais adiante.

2.4. A regra da não consignação

O cumprimento da regra da não consignação impede a afetação do produto de uma


determinada receita ao pagamento de uma determinada despesa.
Esta regra surgiu como reação ao tipo de administração pública tradicional em que
cada ministério ou serviço constituía uma unidade autónoma em termos orçamentais, com
receitas e despesas próprias, para passar a impor que as receitas sejam destinadas
indiscriminadamente à cobertura de quaisquer despesas. Pretende-se evitar a existência
de situações que conduzem a um financiamento privilegiado de determinadas despesas
ou serviços, condicionando – quer em sentido positivo, quer negativo − a execução
orçamental ao volume de receitas que lhe estão adstritas, como veremos já em seguida.
A gestão dos dinheiros públicos sem a observância da regra da não consignação
contraria, em certa medida, quer o princípio da unidade quer o princípio da solidariedade,
uma vez que pode criar situações em que o volume de receitas destinadas a assegurar o
pagamento de determinada despesa seja excessivo ou insuficiente. Se no primeiro caso
não parece existir qualquer limitação no que à realização da despesa prevista diz respeito,
no segundo tal já não sucede. A existência de um regime em que a regra seja a da
consignação de receitas não garante o controlo da regularidade das receitas e das despesas
públicas e não sujeita a sua gestão a uma política global, podendo dar origem a práticas
gestionárias pouco ou nada eficazes.
A afetação específica de uma receita à cobertura de uma determinada despesa
pode encontrar justificação quer na necessidade de alocar a uma despesa receitas que se
crê serem suficientes para garantir o financiamento de um determinado serviço ou a
realização de uma determinada despesa, independentemente da inexistência de receitas
para o pagamento das demais despesas que não possuem receita consignada, quer para
limitar a realização de despesa por parte de um determinado serviço ou de uma
determinada despesa ao valor arrecadado de uma determinada receita.
No primeiro caso a justificação da existência de consignação decorre da
importância da própria despesa ou despesas a financiar com as receitas consignadas e que
leva a que se defenda a não redução dos gastos com a(s) mesma(s), ainda que em situações
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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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de conjuntura económica adversa e, no segundo caso, a limitação indireta do valor da(s)


despesa(s) ao(s) crédito(s) orçamental(is) e à receita efetivamente cobrada. Esta dupla
limitação decorre de uma especificidade do regime de execução do orçamento das
despesas apenas aplicável nos casos em que exista consignação. Para além do
cumprimento dos demais requisitos legais, uma despesa que disponha de receitas
consignadas para poder ser autorizada e paga tem de cumprir um duplo cabimento: o valor
da despesa não pode ultrapassar o valor do crédito ou dotação orçamental − primeiro
cabimento ou cabimento geral111 − nem o valor da receita efetivamente arrecadada que
lhe estava alocada − segundo cabimento112. Esta última exigência pode, em concreto,
colocar os serviços ou as despesas que possuem receitas consignadas numa situação mais
favorável ou mais desfavorável do que aqueloutros(as) que não possuem receitas
consignadas.
Nos casos em que o produto das receitas consignadas iguale ou exceda o montante
previsto para as despesas a cujo financiamento estavam destinadas, o organismo ou a
despesa que delas dispõe pode executar o(s) crédito(s) orçamental(si) na sua plenitude,
uma vez que foram arrecadadas receitas suficientes para a(s) pagar. Esta possibilidade
mantém-se mesmo naqueles casos em que seja necessário realizar cortes nas demais
despesas do Estado por falta de arrecadação das demais receitas. Esta(s) despesa(s)
foi(ram) colocadas numa situação de discriminação positiva encontra-se
(encontrando-se), então, numa situação de favor relativamente às demais113.
Já nos casos em que o produto da receita consignada seja inferior ao montante
previsto para a(s) despesa(s) a cujo financiamento se encontrava adstrita, o valor da(s)
despesa(s) a realizar fica limitado ao valor da receita consignada efetivamente cobrada.
Esta limitação mantém-se ainda que exista excedente orçamental nos demais serviços ou
receitas do Estado.
Antes de avançarmos mais importa clarificar de que falamos quando nos referimos
à existência de situações de consignação de receitas e, por razões didáticas, utilizaremos
um exemplo concreto. Sendo a não consignação a regra, a existência de exceções à mesma
tem de estar expressamente prevista.

111
Como teremos oportunidade de referir no momento próprio o primeiro cabimento ou cabimento geral
tem de ser observado por todas as despesas, tenham elas ou não receitas consignadas.
112
Cfr. art.º 20.º do RAFE.
113
O que acabamos de dizer relativamente a uma despesa em concreto pode ser alargado a um serviço ou
organismo do Estado.

65
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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A regra da não consignação e os casos em que a sua derrogação pode existir


encontram-se previstos no art.º 16.º da LEO. A justificação por detrás de cada exceção
pode ser diversificada, mas, atualmente, permite-se a existência de consignação das
receitas provenientes de reprivatizações, de subsídios, donativos e legados de
particulares, que, por vontade destes, devam ser afetados à cobertura de determinadas
despesas bem como das receitas relativas aos recursos próprios comunitários tradicionais,
das receitas próprias dos sistemas e subsistemas da segurança social, das receitas que
correspondam a transferências provenientes da União Europeia e de organizações
internacionais. Por último, prevê-se ainda a possibilidade de consignação de determinadas
receitas a determinadas despesas por expressa estatuição legal ou contratual.
A possibilidade de, excecionalmente, existir consignação de receitas parece ser
mais fácil de justificar quando diga respeito a serviços com autonomia administrativa e
financeira114. Nesses casos, em que é de esperar que disponham de receita própria que
cubra uma parte significativa da sua despesa, é de esperar que a realização de despesas
fique também ela condicionada pela execução do orçamento da receita115. O mesmo
sucederá nos casos em que a consignação, sendo excecional e temporária, apareça
justificada por uma razão especial, quer esta seja feita quer por estatuição legal, quer por
disposição contratual. Por maioria de razão, constituem também exceção aqueles casos
em que a consignação decorra de disposição constitucional116.

114
Serviços com autonomia administrativa que são aqueles cujos dirigentes podem praticar atos de gestão
entre os quais autorizar a realização de despesas e autorizar o respetivo pagamento, mas que têm os seus
créditos orçamentais inscritos no Orçamento Geral do Estado. Entre nós a regra é a da autonomia
administrativa, como decorre dos arts. 2.º e ss. da LBCP (Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro) e arts. 2.º a 8.º
do RAFE (Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho). Contudo, prevê-se a possibilidade de existência de
serviços com autonomia administrativa e financeira como decorre dos arts. 6.º e ss. da LBCP e que se
encontram sujeitos às regras específicas dos arts. 43.º e ss. do RAFE. Para que que a um serviço possa ser
reconhecida a existência de autonomia administrativa e financeira tem que cumprir alguns requisitos: (a)
quando o regime se justifique para a sua adequada gestão; (b) quando o volume de receitas próprias atinja
pelo menos 2/3 das despesas totais, excluindo-se as despesas cofinanciadas pelo Orçamento da União
Europeia. Nos casos em que a autonomia administrativa e financeira decorra da Constituição ou da lei, pode
prescindir-se das exigências supramencionadas. A atual LEO refere no n.º 4 do art.º 2 a existência de um
regime especial para gestão de receitas próprias, remetendo para o art.º 57.º do mesmo diploma legal a sua
concretização, e determina a prioridade na utilização de receitas próprias não consignadas.
115
Até à aprovação da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto apenas era permitia a consignação por lei ̶ em si
mesma excecional ̶ aos serviços dotados de autonomia administrativa e financeira ou noutros casos em
que exista uma razão especial.
116
É o que sucede com a consignação às Regiões Autónomas das “receitas fiscais nelas cobradas ou
geradas” nos termos da al. j) do n.º 1 do art.º 227.º da Constituição da República Portuguesa.

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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O que se verifica atualmente é a existência de verdadeiros casos consignação de


receitas que resultam da natureza das próprias receitas, como sejam os casos referidos
nas. a) a e) e que, por essa razão, assumem um caráter duradouro.
Para que melhor possamos compreender em que consiste a consignação de
receitas, lancemos mão de um exemplo concreto:

“Proposta de Lei 38/XV/1


Artigo 140.º
Consignação de receita do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos
1 - A receita do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) cobrado sobre
gasóleo colorido e marcado é consignada, até ao montante de € 10 000 000, ao financiamento da
contrapartida nacional dos programas PDR 2020 e Mar 2020, preferencialmente em projetos
dirigidos ao apoio à agricultura familiar e à pesca tradicional e costeira, na proporção dos
montantes dos fundos europeus envolvidos, devendo esta verba ser transferida do orçamento do
subsetor Estado para o orçamento do IFAP, I. P. […]”

De acordo com esta previsão legal, o produto da receita arrecadada com o ISP
cobrado sobre gasóleo colorido e marcado é consignada, até ao montante de € 10 000 000,
ao financiamento da contrapartida nacional dos programas PDR 2020 e Mar 2020. Essas
receitas apenas poderão ser afetadas ao pagamento de outras despesas depois de se
encontrarem efetuados os pagamentos das despesas a que estavam especificamente
destinadas. Trata-se de uma consignação que cessará no final do ano orçamental.
Um pouco diversas são as consequências decorrentes da existência de consignação
de receitas a um determinado organismo ou entidade. Embora exista sempre a vinculação
orçamental, nesses casos existe uma maior liberdade na afetação do produto da receita,
dentro daquilo que são os poderes de administração e de gestão orçamental do organismo
ou entidade.

2.5. Outros princípios orçamentais com consagração expressa na Lei de


Enquadramento Orçamental

A Lei de Enquadramento Orçamental atualmente em vigor prevê, para além das


regras clássicas já referidas, a necessidade de serem observados outros princípios
orçamentais. Estes, embora sejam bastante heterogéneos e possam dizer respeito a uma
das várias fases orçamentais, desempenham um papel importante em todo o processo

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

orçamental. Em alguns casos antecipam preocupações que só eram tornadas visíveis em


fases posteriores e noutros permitem clarificar alguns aspetos do próprio orçamento e os
efeitos dele decorrentes quer no curto, quer no médio, quer no longo prazo117.
Estamos a falar do princípio da sustentabilidade das finanças públicas, do
princípio da solidariedade recíproca, do princípio da equidade intergeracional, do
princípio da economia, eficiência e eficácia, do princípio da transparência orçamental e
do princípio da estabilidade orçamental.

2.5.1. Princípio da sustentabilidade das finanças públicas

Ao elaborarem a proposta de orçamento os serviços do Estado terão de considerar


não só a capacidade para cumprir no ano em curso os compromissos por si assumidos
como também a possibilidade de, num cenário construído e projetado de acordo com
modelos de evolução provável das circunstâncias e das variáveis, continuarem a cumprir
adequadamente esses compromissos e poderem assumir novos compromissos. Ou seja,
exige-se não só que seja tomada em consideração a capacidade para executar o orçamento
que se propõe, mas também para fazer o mesmo em relação aos compromissos já
assumidos e a assumir nos anos vindouros dos compromissos. Nisto consiste o princípio
da sustentabilidade das finanças públicas consagrado no art.º 11.º da LEO.
Este princípio determina, então, que sejam tidos em consideração os compromissos
anteriormente assumidos pelo Estado, mas que têm reflexo no ano para o qual o
orçamento está a ser elaborado, bem como os efeitos que esses compromissos passados e
eventuais novos compromissos venham a ter, quer no ano em curso, quer nos anos
seguintes. A sustentabilidade das finanças pública faz-se sentir com maior acuidade no
que diz respeito à escolha das fontes de financiamento, sobretudo do recurso ao
endividamento, uma vez que impõe que os serviços determinem se existe ou não, quer no
ano em causa quer nos anos seguintes, capacidade para prover ao financiamento dos
compromissos já assumidos e daqueles que será necessário assumir para, numa ótica de
continuidade da atividade estadual, garantir a execução orçamental118.

117
As diferenças das regras clássicas e dos demais princípios orçamentais que encontramos consagrados na
LEO radica na diferenciação da fonte de inspiração: enquanto que as primeiras são de matriz francesa
enquanto que os segundos são anglo-saxónicos.
118
Este princípio impõe às entidades públicas a observância de políticas públicas e práticas de elaboração
e de execução orçamental voltadas para a sustentabilidade financeira. Sendo considerado como um dos
grandes desafios das Finanças Públicas para o século XXI não é de estranhar que o princípio da

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

2.5.2. Princípio da solidariedade recíproca

O cumprimento das metas orçamentais, sobretudo das metas numéricas demanda o


comprometimento de todo o Setor Administrações Públicas (S.13) e não apenas da
Administração Central. Todos os subsetores, respetivos serviços e entidades devem
encetar esforços para que seja possível cumprir as exigências de estabilidade orçamental
e das demais obrigações decorrentes das normas de direito orçamental ̶ de fonte nacional,
de direito da União Europeia ou de direito internacional que vinculem o Estado ̶ em
matéria de política orçamental e das finanças públicas.
O esforço de consolidação orçamental deve ser distribuído por todas as entidades
que compõem o setor Administrações Públicas (S.13) e não apenas pelo Estado central,
de forma equitativa e, sempre que possível, proporcional. É com base neste princípio que
se justifica a limitação dos poderes de endividamento das Regiões Autónomas e das
Autarquias Locais, desde que tal limitação não coloque em causa a autonomia financeira
que lhes é reconhecida pela Constituição119.
Nisto consiste o princípio da solidariedade recíproca consagrado no art.º 12.º da
LEO.

2.5.3. Princípio da equidade intergeracional

O art.º 13 da LEO estabelece o princípio da equidade intergeracional, princípio este


do qual decorre a obrigação de respeito pela equidade na distribuição dos benefícios e
custos entre as várias gerações, não onerando excessivamente as gerações futuras nem as
gerações presentes. Esta distribuição deve, sempre que possível efetuar uma repartição
entre custos e benefícios que decorrem para cada geração da execução orçamental
projetada.
Entende-se que se, nas previsões do orçamento do Estado, for feita uma
distribuição, equilibrada e com base num quadro plurianual, dos custos e dos benefícios

sustentabilidade ou a gestão para a sustentabilidade financeira assuma um caráter primordial de entre os


parâmetros técnicos a avaliar nas auditorias.
119
A limitação da capacidade de endividamento por via indireta enquadra-se no que alguns autores
designam por restrição orçamental de soft law. NAZARÉ DA COSTA CABRAL e GUILHERME WALDEMAR
D’OLIVEIRA MARTINS, Finanças Públicas e Direito Financeiro: noções fundamentais, 4.ª reimpressão,
AAFDL Editora, 2018, p. 328.

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

pelos orçamentos dos vários períodos financeiros ficarão salvaguardadas as legítimas


expectativas das gerações vindouras.
Na atual LEO este princípio foi aprofundado, tendo sido estabelecidas obrigações
específicas para os serviços. Pretende-se que seja possível criar condições para se possam
avaliar quais os impactos futuros das opções ao nível das despesas e das receitas públicas
sobre os compromissos futuros. O que se pretende é saber em que medida cada uma das
atuais opções de receita e despesa condiciona a elaboração de orçamentos futuros e a
liberdade de programação futura.
Resulta clara a ligação deste princípio com o princípio da sustentabilidade das
Finanças Públicas e da responsabilização da geração presente pelo nível de bem-estar das
gerações futuras e vice-versa, colocando problemas de ordem ética de difícil resolução,
sobretudo através de disposições de índole financeira. Não é irrelevante para estes efeitos,
por exemplo, financiar despesa pública com recurso a impostos ou a emissão de dívida
pública pois os impactos na receita e na despesa pública futuras podem ser muito
diversos120.

2.5.4. Princípio da anualidade e plurianualidade

O princípio da anualidade e plurianualidade consagrado no art.º 14.º da LEO


estabelece, como regime regra, a coincidência entre o ano económico, o ano civil e o
período orçamental. Assim sendo, o orçamento vigora entre 1 de janeiro e 31 de dezembro
do ano a que disser respeito.
Não obstante o que acabamos de referir, tal não impede a existência de um período
complementar de execução orçamental a fixar anualmente no decreto-lei de execução
orçamental ̶ cfr. art.º 14.º, n.º 4 da LEO ̶ e obriga à compatibilização com a utilização
de programas orçamentais plurianuais e de despesas plurianuais.
O período complementar do ano económico, corresponde a um período de execução
do orçamento que se estende para além de 31 de dezembro e durante o qual ainda é
possível realizar o pagamento de despesas com base nos créditos inscritos no orçamento

120
Voltaremos a esta questão aquando da análise dos vários tipos de equilíbrio orçamental (em sentido
material).

70
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

do ano anterior, desde que a realização da despesa e a autorização do pagamento ainda


tenham sido feitas durante o período orçamental em causa, i. é, até 31 de dezembro121.

2.5.5. Princípio da economia, eficiência e eficácia

O princípio da economia, eficiência e eficácia era tradicionalmente mobilizado,


apenas, nas considerações relativas à fase da execução orçamental. Uma utilização mais
abrangente do mesmo determinaria que a programação e previsão dos compromissos a
assumir e das receitas a arrecadar pelas entidades pertencentes aos subsetores que
constituem o setor das Administrações Públicas estivessem sujeitas a exigências similares
às da execução do orçamento122.
A economia, a eficiência e a eficácia levam a uma situação em as previsões
orçamentais permitam atingir situações em que, com a utilização do mínimo de recursos
são assegurados adequados padrões de qualidade do serviço público, é promovida o
acréscimo de produtividade pelo alcance de resultados semelhantes com menor despesa
e os recursos utilizados são mais adequados para atingir o resultado que se pretende
alcançar123.
Apesar de a incorporação deste princípio no atual art.º 18.º da LEO do princípio da
economia, eficiência e eficácia não referir expressamente o alargamento do seu âmbito
de aplicação à fase de elaboração do orçamento, a combinação do mesmo com a
programação plurianual e com a orçamentação por programas permite introduzir um fator
de coerência no processo orçamental. Neste sentido conflui ainda o atual n.º 3 do referido
artigo que obriga a que nos investimentos públicos que envolvam montantes totais

121
A duração do período complementar do ano económico encontra-se atualmente definida no Decreto-Lei
de execução orçamental e deve limitar-se ao período de tempo estritamente necessário ao fecho das
operações orçamentais.
122
Embora encontrássemos já em anteriores leis de enquadramento orçamental, nomeadamente na Lei n.º
40/83, de 13 de dezembro, a referência à necessidade de justificar a despesa quando à sua “eficácia,
eficiência e pertinência” o princípio da economia, eficiência e eficácia só aparece referido deste modo na
Lei de Enquadramento Orçamental aprovada pela Lei n.º 6/91, de 20 de fevereiro, com acolhimento
expresso no n.º 3 do art.º 18.º e no art.º 16. Sousa Franco ligava este princípio – o da economicidade – à
necessidade de prévia justificação da despesa, à sua eficácia técnica, eficiência económica e economia e
considerava que este se poderia transformar numa formalidade meramente burocrática, que pouca utilidade
teria para o aperfeiçoamento do controlo da execução orçamental. A. L. DE SOUSA FRANCO, Finanças
Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 1992, p. 434.
123
Para maiores desenvolvimentos sobre o princípio da economia, eficiência e eficácia na despesa pública
veja-se ULRIKE MANDL, ADRIAAN DIERZ e FABIENNE ILZKOVITZ, “The effectuvebess abd effucuecy of public
spending”, Economic Papers, 301, Comissão Europeia, 2008.

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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superiores a cinco milhões de euros, esta avaliação inclua, sempre que possível, a
estimativa das suas incidências orçamental e financeira líquidas ano a ano e em termos
globais. Estamos perante um princípio que limita, funcional e materialmente, a
discricionariedade da atividade administrativa financeira.

2.5.6. Princípio da transparência orçamental

O art.º 19.º da LEO contém uma referência ao princípio da transparência.


Contrariamente ao que sucedia com o art.º 10.º-C da Lei de Enquadramento Orçamental
aprovada pela Lei n.º 91/2001, esta nova redação não se limita a estabelecer um dever
geral de informação em matéria de aprovação e execução orçamental que impende sobre
todos os serviços da administração pública, concretizando este dever com a imposição de
um conjunto de obrigações e deveres que terão de ser cumpridos por todas as entidades
do setor administrações públicas (S.13), reforçando o dever de transparência orçamental.
No cumprimento destas exigências − concretizadas nos arts. 73.º a 76.º da LEO −
terá de ser disponibilizada informação sobre a implementação e a execução dos
programas, objetivos da política orçamental, orçamentos e contas do setor das
administrações públicas, por subsetor.
A informação disponibilizada deve ser fiável, completa, atualizada,
compreensível e comparável internacionalmente, de modo a permitir avaliar com precisão
a posição financeira do setor das administrações públicas e os custos e benefícios das suas
atividades, incluindo as suas consequências económicas e sociais, presentes e futuras.

2.5.7. Princípio da estabilidade orçamental

Por último – last but not the least - o art.º 10.º da LEO impõe que os serviços do
Estado apresentem e executem orçamentos equilibrados ou excedentários.
A existência de equilíbrio ou excedente orçamental deverá, para estes efeitos, ser
verificada por referência às normas que regulamentam o seu cálculo, nomeadamente as
constantes quer do capítulo III do título II - art.º 20.º a 31.º da LEO - e ainda das normas
de Direito da União Europeia que regulamentam esta questão. Determina-se assim pela
primeira vez a necessidade de dar cumprimento a limites numéricos, que se encontram
referidos no capítulo III da LEO, no Direito da União Europeia e no Direito Internacional

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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e que serão por nós abordados aquando do estudo do critério de equilíbrio vigente em
Portugal. Este artigo é, ainda, complementado pelo art.º 11.º da LEO.
Este princípio é uma decorrência quase natural da preocupação com a necessidade
de implementação de normas relativas ao equilíbrio orçamental e ao cumprimento
rigoroso dos limites ao endividamento público e à despesa pública. Na sua atual redação
– que substitui o art.º 10.º-A, combinado com os art.º 9.º, 23.º, 25.º e 28.º da LEO aprovada
pela Lei 91/2001, na sua última redação ̶ este princípio não apresenta a ambiguidade que
aqueloutra redação tinha. Afastou-se a dúvida interpretativa gerada pela diferenciação de
critérios de equilíbrio para cada tipo de serviços, cuja implementação poderia fazer
perigar a estabilidade orçamental.
A estabilidade orçamental está intrinsecamente ligada à sustentabilidade
orçamental e à ideia de equilíbrio orçamental, embora não se confunda nem com uma
nem com o outro e possa ser alcançada com flutuações positivas e negativas deste
último124.

124
A ideia da necessidade de apresentação e execução de orçamentos equilibrados não é, como possa
parecer, uma ideia recente sendo conhecidos os argumentos em favor da apresentação de orçamentos
equilibrados e que abordaremos mais adiante aquando da análise dos critérios de equilíbrio em sentido
material.

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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PARTE IV
O EQUILÍBRIO ORÇAMENTAL NO DIREITO INTERNO, NO DIREITO DA
UNIÃO EUROPEIA E NO DIREITO INTERNACIONAL

1. A atualidade: qual o critério de equilíbrio orçamental vigente em Portugal?

A resposta à questão que serve de título a este ponto só pode ser dada se tivermos
em consideração quer as normas de direito interno, quer normas de Direito da União
Europeia – quer de direito originário quer de direito derivado –, bem como as normas de
Direito Internacional, como sejam as constantes do Tratado sobre Estabilidade,
Coordenação e Governação na União Económica e Monetária125 (TECG).
Optámos por analisar, separadamente, cada um dos conjuntos de normas sem
esquecer a interligação, interseção e relação hierárquica existente entre as normas internas
e as normas de direito supranacional, seja ele convencional ou de direito da União
Europeia126.

1.1. As normas de direito interno

Nas normas de direito interno português encontramos na Lei de Enquadramento


Orçamental (LEO) uma menção ao equilíbrio orçamental logo no art.º 10.º a propósito do
princípio da estabilidade orçamental. Deste princípio decorre a necessidade de serem
apresentados, aprovados e executados orçamentos equilibrados ou excendentários, sendo

125
Tratado Sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária entre o Reino
da Bélgica, a República da Bulgária, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República
da Estónia, a Irlanda, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República
Italiana, a República de Chipre, A República da Letónia, a República da Lituânia, o Grão-Ducado do
Luxemburgo, a Hungria, Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República da Polónia,
a República Portuguesa, a Roménia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca, a República da
Finlândia e o Reino da Suécia, celebrado em Bruxelas a 2 de março de 2012 e aprovado em Portugal no dia
13 de Abril do mesmo ano, pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 84/2012. As suas disposições
foram transpostas para o direito interno passando a constar da Lei de Enquadramento Orçamental.
Sobre a problemática subjacente ao Tratado Orçamental e à transposição das suas disposições para o direito
interno português veja-se, por todos, José Casalta Nabais, Estabilidade financeira e o Tratado Orçamental,
JURISMAT, n.º 6, Portimão, pp. 43-68, disponível em
http://recil.grupolusofona.pt/xmlui/bitstream/handle/10437/6753/Estabilidade_financeira_Tratado_Orcam
ental.pdf?sequence=1.
126
Estamos a referir-nos, nomeadamente, ao impacto no desenho das normas de direito interno decorrente
da necessidade de transposição da transposição do TECG, da Diretiva 2011/85/UE ou do Regulamento
(UE) n.º 473/2013 operada pela Lei n.º 41/2014, de 10 de julho.

74
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Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

a sua concretização feita nos termos do n.º 3 desse mesmo artigo, ou seja, no cumprimento
das regras orçamentais numéricas estabelecidas no capítulo III da LEO, e nas leis de
financiamento regional e local”127.
As regras de cálculo do saldo orçamental encontram-se previstas no art.º 20.º da
LEO que, no seu n.º 3, determina que o critério de saldo orçamental vigente em Portugal
é o do saldo estrutural, calculado de acordo com a metodologia estabelecida pelo Pacto
de Estabilidade e Crescimento. Esta remissão para a metodologia de cálculo do défice
para o Pacto de Estabilidade e Crescimento e os restantes números do art.º 20.º levam-
nos, contudo, a questionar se é efetivamente o critério de saldo estrutural que se encontra
consagrada no art.º 20.º ou se, afinal, estaremos a falar de um outro critério de equilíbrio.
Antes dessa reflexão, temos que referir que se o equilíbrio orçamental para o
orçamento geral do estado, considerado aqui na sua globalidade tem de ser calculado nos
termos do art.º 20.º, o mesmo pode não suceder para alguns subsetores do Setor
Administrações Públicas (S.13). No art.º 27.º encontramos, precisamente, essa
diferenciação.
Enquanto os serviços e entidades integrados nas missões de base orgânica do
subsetor da administração central (S.1311) devem apresentar na elaboração, aprovação
e execução, um: (a) orçamento com saldo global nulo ou positivo e (b) com resultados
positivos antes de despesas com impostos, juros, depreciações, provisões e perdas por
imparidade. Apenas são permitidos desvios a estes dois indicadores, se a conjuntura do
período a que se refere o orçamento, justificadamente, o não permitir. No caso do subsetor
da segurança social (S.1314), exige-se apenas apresentem um orçamento com um saldo
global nulo ou positivo.
Em qualquer um dos casos, são desconsideradas as receitas e as despesas relativas
a ativos e passivos financeiros e o saldo de gerência do ano anterior.
Podemos assim concluir que, apesar de existirem critérios de equilíbrio
diferenciados para os vários subsetores do Setor Administrações Públicas, o orçamento

127
Na revisão da LEO ocorrida em 2015, foi eliminada uma norma genérica, introduzida com a Lei n.º
91/2001, no art.º 9.º, com a referência expressa aos critérios de determinação do equilíbrio orçamental para
cada tipo de serviço e para o orçamento globalmente considerado. Esta norma teve que ser, posteriormente,
compatibilizada com as alterações introduzidas na LEO decorrentes da transposição para o direito nacional
das normas do TECG. O artigo 9.º da velha LEO consagrava, em primeira linha, um equilíbrio em sentido
formal – “as receitas necessárias para a cobertura de todas as despesas” – no seu n.º 1, mas, também critérios
de equilíbrio em sentido material para cada tipo de serviço, numa leitura conjunta deste artigo e dos art. os
23.º, 25.º e 28.º da velha LEO. Em certa medida, podemos dizer que a norma do art.º 20.º da LEO cumpre
funções idênticas.

75
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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globalmente considerado tem que ser apresentado, aprovado e executado tendo por
referência o critério estabelecido no art.º 20.º da LEO.
Para estes efeitos é necessário referir, então, quais são os limites numéricos que
devem ser observados, quer para o défice orçamental quer para a dívida pública. O limite
numérico para o défice orçamental é o que resulta, desde logo, do PEC e deve permitir a
convergência a médio prazo para um défice de 0,5% do PIB a preços de mercado, mas
pode, ainda assim, ser superior a esse valor desde que não ultrapasse o valor definido para
o Objetivo de Médio Prazo (OMP) especificamente determinado para Portugal128.
Consagrou-se a necessidade de observância de um saldo estrutural primário,
deduzindo ainda o valor das despesas relativas a programas da União inteiramente
cobertas por receitas provenientes de fundos da União Europeia e o valor resultante de
alterações não discricionárias nas despesas com subsídios de desemprego, saldo
orçamental este que pode optámos por designar por saldo estrutural primário corrigido.

1.2. O equilíbrio orçamental face ao Direito da União Europeia


1.2.1. Do Tratado de Roma à atualidade: breves notas da evolução
das regras relativas à política orçamental dos Estados-
Membros

A criação das Comunidades Europeias encontra-se muito ligada às questões


económicas. Apesar do Tratado de Roma (na sua versão original) não conter referências
diretas às questões monetárias, é possível encontrar disposições importantes que
permitiram preparar a União Económica e Monetária. A despeito de logo na década de
60 do século XX terem sido criados mecanismos e instituições que se revelaram
importantes na criação da UEM – o Comité Monetário, um esquema de assistência mútua
em caso de dificuldades na balança de pagamentos (cfr. Art.º 105.º do Tratado de Roma)

128
O OMP é definido, por cada Estado-Membro, no Programa de Estabilidade e Crescimento e calculado
de acordo com a metodologia estabelecida no Código de Conduta e no Vade Mecum sobre o Pacto de
Estabilidade e Crescimento. O OMP deve permitir aos Estados garantir uma margem de segurança face ao
limite do défice de 3% do PIB estabelecido quer no art.º 126.º do TFUE quer no art.º 2.º do Regulamento
(CE) n.º 1466/97 e, no médio prazo, atingir um saldo estrutural equilibrado ou excedentário ou, quando tal
não seja possível, um défice estrutural não superior a 1% do PIB – cfr. art.º 2.º-A do Regulamento (CE) n.º
1466/97. Para alcançarem este objetivo os estados-membros devem estabelecer medidas de convergência
que permitam um ajustamento anual adequado. Note-se que, nos termos do art.º 5.º do Regulamento (CE)
n.º 1466/97, a apreciação da trajetória de ajustamento para alcançar o OMP feita pela Comissão e pelo
Conselho, ao analisarem os Programas de Estabilidade e Crescimento, tem por referência precisamente o
mesmo valor, ou seja, um défice estrutural inferior a 0,5% do PIB, mas com algumas especificidades.

76
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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e, em 1960, o Comité de Política Conjuntural129 –, apenas em inícios da década de 90 do


século XX foram adotadas medidas que permitissem avançar para a introdução da moeda
única no espaço da União.
Em 1992 foi aprovado o Tratado de Maastricht e, com a sua entrada em vigor em
1 de novembro de 1993130, foram dados os primeiros passos (consolidados) no sentido da
construção efetiva de uma UEM, que passaria a ser um objetivo central para os Estados-
Membros.
O Tratado, para além de ter criado a União Europeia, transpôs para o Tratado da
Comunidade Europeia (TCE), no fundamental, algumas das propostas que tinham sido
defendidas pelo Relatório Delors, introduzindo alterações profundas no Tratado de Roma
quanto a estes aspetos. Do Tratado passaria a constar expressamente no art.º 2.º e no art.º
3.º-A do TCE a menção, entre os fins da Comunidade Europeia, à criação de uma moeda
única designada por ECU, a par de uma política monetária e de uma política cambial
únicas, mantendo-se como objetivo principal a manutenção da estabilidade dos preços.
Foi ainda constituída uma nova entidade comunitária, o Sistema Europeu de Bancos
Centrais (SEBC), que congrega atualmente quer o Banco Central Europeu quer os Bancos
Centrais dos Estados-Membros – permitindo desde logo uma colaboração e integração
das instituições que detinham responsabilidade na condução da política monetária dos
Estados-Membros e que tem tido, deste então, um papel fundamental não apenas no
domínio das políticas económica e monetária, mas também, em certa medida, da própria
política orçamental.
O objetivo da construção da UEM, tal como previsto no Tratado de Maastricht,
não foi alcançado de imediato, nem de uma só vez, mas antes de forma faseada: (a) 1.ª
fase – até dezembro de 1993; (b) 2.ª fase – o processo de convergência: de 01.01.1994 a
31.12.1998 e (c) 3.ª fase - a partir de 01.01.1999131.

129
A forma como as Comunidades foram criadas e a importância dada às formas de integração negativa –
com a eliminação dos obstáculos existentes (tão típica de uma União Aduaneira) –, em detrimento de uma
integração positiva – em que é necessário adotar medidas estruturadas e adequadas à prossecução dos
objetivos traçados –, permitia dar resposta às dificuldades em atingir acordos alargados em algumas áreas,
sendo que a política monetária era precisamente uma dessas áreas.
130
Estava inicialmente previsto que o novo Tratado entrasse em vigor a 1 de janeiro de 1993, mas os atrasos
na ratificação do Tratado por parte de vários Estados-Membros levaram a que este só entrasse em vigor em
novembro do mesmo ano.
131
Sobre estas fases veja-se Carlos Laranjeiro, Lições de Integração Monetária, Almedina, Coimbra
(2009), pp. 197 e ss.

77
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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A primeira fase teve início precisamente com a aprovação do Relatório Delors,


a que se seguiria a aprovação do Tratado de Maastricht a que já nos referimos. No
essencial, este período caracteriza-se pela adoção de medidas de caráter preparatório das
fases seguintes quer a nível da política económica dos Estados-Membros quer da política
monetária.
Destacam-se, dentro da política económica, a necessidade de privilegiar as
políticas ativas de emprego e as políticas de investimento público e privado, para a
reabilitação ou construção de infraestruturas de redes de transportes, educação e saúde.
Ao mesmo tempo os Estados-Membros mantêm total controlo e domínio sobre as
políticas fiscal e orçamental, embora sejam vistas como importantes instrumentos para a
gestão das economias e, no caso da política orçamental, para a correção dos choques
específicos de cada país.
Note-se que, nesta fase, os países deixaram de poder recorrer ao mecanismo das
taxas de câmbio e à balança de pagamentos para estabilizar a economia. Contudo, nos
termos do então artigo 99.º do Tratado (atual artigo 121.º TFUE), foram adotadas medidas
de coordenação da política económica que consistem maioritariamente na definição de
linhas gerais de orientação da política económica e na fiscalização do seu cumprimento
por parte dos Estados-Membros.
Em matéria de política monetária torna-se então evidente a necessidade de
aprofundar a liberdade de circulação de capitais dentro do território da União, e passa a
exigir-se ainda que os Estados-Membros comecem a adotar medidas para a convergência
monetária e, sobretudo, para a estabilidade dos preços. Ao mesmo tempo, têm também
que adotar medidas no sentido de limitar ou mesmo de eliminar o acesso do estado a
crédito junto do banco central nacional, preparando-se assim para as exigências das fases
seguintes.
A inclusão ou exclusão dos Estados-Membros na UEM foi decidida com base nas
informações constantes dos relatórios apresentados. Estes deviam conter referências
expressas e detalhadas que permitissem avaliar se as disposições da legislação nacional
transpuseram corretamente para o direito interno as proibições constantes dos arts. 130.º
e 131.º do TFUE (anteriormente, arts. 108.º e 109.º), relativas à autonomia do Banco
Central (nacional) e à compatibilidade dos seus estatutos com os estatutos do BCE, bem
como deveriam aludir o cumprimento dos critérios de convergência previstos no art.º
140.º do TFUE e densificados no Protocolo 13 anexo aos Tratados, ou seja:

78
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1) taxa de inflação: a taxa de inflação durante o ano que antecede a avaliação não
pode ultrapassar em 1,5% a média das taxas de inflação verificadas nos países com a
menor subida nos índices de preços;
2) taxa de juro a longo prazo: durante o ano que antecede a avaliação, a taxa de
juro média de longo prazo, aferida pela taxa praticada nas obrigações públicas, não pode
ser superior a 2% da média das taxas praticadas nos três Estados-Membros com menores
taxas de inflação;
3) comportamento da moeda nacional no Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC)
do Sistema Monetário Europeu (SME): a moeda do país em análise deveria fazer parte da
banda normal (flutuações na banda estreita, ou seja, 2.25%) do SME durante pelo menos
dois anos, sem que o Estado analisado tivesse tomado a iniciativa de desvalorizar a sua
moeda, por alteração da taxa central, e sem que a sua moeda tenha conhecido graves
pressões cambiais;
4) situação das finanças públicas: no momento da avaliação, o estado em causa
não pode apresentar um défice excessivo, isto é, o défice deve ser inferior a 3% do PIB132
e a dívida pública não pode ser superior a 60% do PIB133.
Com o início da segunda fase a Comissão passa a acompanhar a evolução da
situação orçamental dos Estados-Membros com base no procedimento estabelecido no
art.º 126.º do TFUE (ex-art.º 104.º do TCE) e nos protocolos anexos ao tratado –
Protocolo n.º 12 e Protocolo n.º 13 –, tendo sido adotadas medidas específicas relativas
ao Protocolo sobre o Procedimento por Défices Excessivos (PDE) com a aprovação do
Regulamento (CE) n.º 3605/93 do Conselho, de 13 de dezembro de 1993134.

132
Este critério apesar de rigidamente estabelecido foi interpretado de forma mais flexível após o início da
terceira fase da UEM. Permitiu-se, dentro daquilo que resultava já do art.º 126.º do TFUE (ex-art.º 104.º do
TCE), que se não considerasse a existência de défice excessivo nos casos em que o défice era superior a
3% do PIB se (a) o défice tivesse baixado de forma contínua e significativa e se aproximasse do valor de
referência ou (b) se o valor de referência for apenas ligeiramente ultrapassado e se considerar tratar-se de
uma situação excecional e temporária. Permitiu-se também, precisamente nos termos do art.º 126.º, n.º 3
do Tratado, que a Comissão, no relatório que elabora, verifique se o défice orçamental excede as despesas
públicas de investimento, que deve ser compreendido por referência ao conceito avançado no art.º 2.º do
Protocolo n.º 12.
133
Também relativamente à dívida há uma exceção, bastando que se verifique uma tendência para a descida
e a aproximação do valor de referência.
134
Posteriormente revogado pelo Regulamento (CE) n.º 479/2009 do Conselho, de 25 de maio de 2009. As
alterações ficam a dever-se, sobretudo, às implicações decorrentes da alteração do SEC operada pelo
Regulamento (UE) n.º 549/2013.

79
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É também nesta fase que se dão importantes passos no sentido da convergência


das economias dos vários países destacando-se, desde logo, a proibição de financiamento
dos Estados-Membros junto dos bancos centrais nacionais – cfr. art.º 123.º do TFUE (ex-
art.º 101.º TCE), Regulamento (CE) n.º 3603/93 do Conselho, de 13 de dezembro de
1993, e Regulamento (CE) n.º 3604/93 do Conselho, de 13 de dezembro de 1993. A partir
de então os Estados-Membros passariam a ter que se financiar nos mercados em
condições semelhantes às dos demais agentes económicos, ficando também proibida a
emissão monetária para financiamento da dívida pública (monetarização da dívida).
Ao nível da política monetária, verificou-se uma total liberalização nos
movimentos de capitais entre os Estados-Membros. Foi também nesta fase que surgiu o
Instituto Monetário Europeu (IME), cuja principal função era garantir que estariam
reunidas as condições para implementação da terceira fase da UEM.
No Conselho Europeu de Dublin de 13-14 de dezembro de 1996 foram aprovadas
novas e importantes medidas de convergência das economias dos Estados-Membros e,
sobretudo, da política orçamental, tendo sido pedida a preparação de um Pacto de
Estabilidade e Crescimento (PEC), processo este que viria a ser concretizado através da
Resolução do Conselho Europeu sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento, adotada a
1 de julho de 1997 em Amesterdão e dos Regulamentos (CE) n.os 1466/97 e 1467/97,
ambos do Conselho, de 7 de julho de 1997.
Este conjunto de diplomas permitiria densificar os critérios de convergência
estabelecidos no Tratado e, sobretudo, os designados critérios de Finanças Públicas.
Criou-se um sistema de alerta rápido para situações em que possa estar em causa um risco
de défice excessivo, reforçando-se a supervisão multilateral (reforço do designado braço
preventivo do PEC).
A 1 de janeiro de 1999 inicia-se a derradeira fase da construção da UEM – 3.ª fase
- e que se caracteriza pelo nascimento de uma nova moeda – o Euro – e pela fixação de
taxas de conversão irreversíveis para cada moeda nacional (dos EM). As moedas físicas
só entrariam em circulação em 2002. As alterações ao nível da política monetária e da
política económica foram imensas e influenciaram de forma marcada as políticas
orçamentais. Estava criado um novo espaço de integração económica no continente
europeu.
Em 2005, com a revisão do PEC operada pelos Regulamento (CE) n.º 1055/2005
do Conselho, de 27 de julho de 2005, que alterou o Regulamento (CE) n.º 1466/97 do
Conselho, de 7 de julho de 1997; e o Regulamento (CE) n.º 1056/2005 do Conselho de

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27, de julho de 2005, que alterou o Regulamento (CE) n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de
julho de 1997, assiste-se ao reforço das regras de supervisão e de coordenação, bem como
à adoção de medidas no sentido de tornar o procedimento relativo aos défices excessivos
mais claro e mais célere.
Em 2011 é feita uma reforma profunda da regulamentação do Pacto de
Estabilidade e Crescimento, tendo sido adotado um conjunto normativo composto por
cinco Regulamentos e uma Diretiva – pacote legislativo este que ficou conhecido por
pacote seis ou six pack – constituído pelos Regulamento (UE) n.º 1173/2011, pelo
Regulamento (UE) n.º 1174/2011, pelo Regulamento (UE) n.º 1175/2011, pelo
Regulamento (UE) n.º 1176/2011, pelo Regulamento (UE) n.º 1177/2011 e pela Diretiva
n.º 2011/85/UE, que introduziram alterações nos Regulamentos originais do PEC135 e
adotaram importantes medidas para reforçar as vertentes preventiva e corretiva do PEC.
A par destas alterações, e tendo falhado uma outra tentativa de alterar o PEC em
2012, foi aprovado um instrumento de direito internacional – o Tratado sobre a
Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (TECG),
habitualmente designado por Tratado Orçamental – que vincula apenas os estados
signatários. Logrou-se por via do direito internacional o que se não tinha conseguido por
via do Direito da União136.
Já em novembro de 2013, foi aprovado um novo pacote legislativo apresentado
pela Comissão e que ficaria conhecido por pacote dois ou two pack. Este novo pacote é
constituído por dois documentos, o Regulamento (UE) n.º 472/2013 e o Regulamento
(UE) n.º 473/2013, que são aplicáveis apenas aos países da zona euro e veio introduzir
medidas de reforço da supervisão orçamental dos países cuja moeda seja o euro, prevendo
ainda um regime especial de acompanhamento para os países que se encontrem a

135
O Regulamento (CE) n.º 1466/97 foi alterado pelo Regulamento (UE) n.º 1175/2011 e o Regulamento
(CE) n.º 1467/97 foi alterado pelo e pelo Regulamento (UE) n.º 1177/2011.
136
Os países signatários obrigaram-se a introduzir nas suas constituições ou leis de valor reforçado uma
disposição que limitasse o valor do défice orçamental a 0,5% do PIB ou a 1% do PIB, se a relação entre a
dívida pública e o PIB (p.m.) for significativamente inferior a 60% do PIB e os riscos para a sustentabilidade
a longo prazo das finanças públicas forem reduzidos – cfr. art.º 3.º, n.º 1 al. d) do TECG. A verificação da
existência de défice é feita por referência ao n.º 1, al. b), do art.º 3.º do TECG, ou seja, tendo em
consideração o critério do saldo estrutural. De realçar ainda a obrigação de coordenação dos planos de
emissão de dívida pública por parte dos estados signatários. Verifica-se assim como que uma renovação da
importância do subcritério da dívida pública, não de um modo direto, mas apenas indireto.

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beneficiar de assistência financeira, ou que tenham saído de um programa de ajustamento


no quadro do auxílio financeiro137.
É precisamente com a adoção deste pacote que surge o designado Semestre
Europeu, destinado à coordenação ex ante das políticas económicas e orçamentais dos
Estados-Membros. Integrado ainda no contexto do Pacto de Estabilidade e Crescimento
e da Estratégia Europa 2020, no âmbito do Semestre Europeu ressalta-se a
obrigatoriedade de apresentação dos projetos de orçamento à Comissão para avaliação
até ao dia 15 de outubro do ano anterior ao que disserem respeito.
São estes normativos que, em conjunto, contêm o quadro a que devem obedecer a
elaboração, aprovação e execução dos orçamentos dos Estados-Membros da União
Europeia. De entre estas obrigações há que considerar aquelas que são genéricas, mas
também as obrigações específicas e relativas ao equilíbrio orçamental que deve ser
observado.

1.2.2. O(s) conceito(s) de défice orçamental presente(s) no(s) Tratado


sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), no
protocolo adicional relativo aos défices excessivos (protocolo
n.º 12), no Pacto de Estabilidade e Crescimento (na sua redação
atual)

Considerando que Portugal faz parte de um conjunto de países que têm como
moeda o euro – aqueles Estados-Membros que a legislação da União Europeia designa
por estados participantes138 –, o Governo fica obrigado a cumprir, em matéria orçamental,
as obrigações decorrentes de um conjunto alargado de normas não só de direito originário
como também de direito derivado. Algumas dessas obrigações constam já da LEO
porquanto resultam da transposição de normas de direito da União Europeia. Assumem
especial importância, como referimos supra, as normas dos arts. 121.º e 126.º do TFUE
e as normas do PEC revisto.

137
As medidas consagradas permitem suportar um aumento dos poderes da Comissão Europeia em todo o
processo orçamental, sobretudo dos países da zona euro.
138
Cfr. art.º 2.º, da Secção I – Objeto de definições, do Regulamento (CE) n.º 1466/97.

82
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1.2.2.1. O conceito de saldo orçamental no artigo 126.º139 do


Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e no
protocolo adicional relativo aos défices excessivos
(protocolo n.º 12)

O n.º 1 do art.º 126.º do TFUE impõe aos Estados-Membros a obrigação de


evitarem “défices orçamentais excessivos” sem, porém, definir qual o significado de cada
um dos vocábulos que compõem esta expressão. Se percorrermos as demais normas do
TFUE não encontramos, em qualquer uma delas, a definição quer de défice quer a
densificação de “excessivo”, de “orçamental” ou sequer de “dívida pública”. Ficamos
apenas a saber que existem limites para a relação entre o valor do défice orçamental e o
valor do Produto Interno Bruto a preços de mercado, bem como para a relação entre o
valor da dívida pública e o valor do Produto Interno Bruto a preços de mercado.
Para compreendermos o sentido e alcance destas expressões temos que nos
socorrer do Protocolo n.º 12 sobre o procedimento relativo aos défices excessivos e das
normas de direito derivado da União Europeia140.
Do Protocolo n.º 12 constam, de uma forma clara, várias noções. Desde logo, a
definição do âmbito de consolidação de contas a considerar, isto é, qual é o perímetro
orçamental a ter em conta, a noção de défice, a noção de dívida pública e a noção de
investimento.
O perímetro de consolidação orçamental é definido como sendo o “que diz
respeito ao governo em geral, ou seja, o governo central, o governo regional ou local e os
fundos de segurança social, com exclusão das operações comerciais tal como definidas
no Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas”, o que equivale a dizer que se
considera aqui todo o Setor Administrações Públicas (S.13) tal como definido no SEC
2010 – cfr. no mesmo sentido o art.º 3.º do Regulamento (CE) n.º 3603/93 do Conselho,
de 13 de dezembro de 1993, e o art.º 1.º, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 479/2009 do
Conselho, de 25 de maio de 2009. Para efeitos do art.º 126.º TFUE são assim considerados
os orçamentos dos organismos que nos termos daquele regulamento (SEC 2010) sejam

139
Corresponde ao art.º 104.º do Tratado de Roma na sua última redação vigente até à entrada em vigor do
Tratado de Lisboa.
140
Note-se ainda que o conceito de ‘défices excessivos’ é, por vezes, usado com alusão à ultrapassagem
dos valores de referência relativos ao défice e à dívida. É o que sucede, nomeadamente, no Procedimento
por Défices Excessivos (PDE).

83
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suscetíveis de integrar o Setor Administrações Públicas (S.13) e qualquer um dos seus


subsetores.
Já no que diz respeito à noção de défice, o Protocolo n.º 12 define-o como
correspondendo aos “empréstimos líquidos contraídos, tal como definidos no Sistema
Europeu de Contas Económicas Integradas”. Mais uma vez temos que considerar aqui as
normas do SEC 2010 que, como veremos, nos levam a concluir que estamos perante a
consagração do critério clássico de equilíbrio orçamental (saldo efetivo ou global).
A dívida é definida como “a dívida global bruta, em valor nominal, existente no
final do exercício, e consolidada pelos diferentes setores do governo em geral, tal como
definido no primeiro travessão”, ou seja, trata-se do valor nominal da dívida consolidada
do Setor Administrações Públicas (S.13).
Já o investimento é definido como “a formação bruta de capital fixo, tal como
definida no Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas”.
Os valores de referência mencionados no art.º 126.º n.º 2 do TFUE são, como já
referimos, de 3 % para a relação entre o défice orçamental programado ou verificado e o
produto interno bruto a preços de mercado e de 60 % para a relação entre a dívida pública
e o produto interno bruto a preços de mercado141.
Apesar de não encontrarmos qualquer referência a um conceito específico de
equilíbrio, a expressão “endividamento líquido” supra transcrita corresponde, nos termos
do art.º 1.º, n.º 3 do Regulamento (CE) n.º 3605/93, à capacidade (+)/necessidade (-)
líquida de financiamento (B.9) – ou seja, se existir um défice, este é representado por uma
necessidade líquida de financiamento, mas se existir um superavit estaremos perante uma
capacidade líquida de financiamento142. Ademais, estes valores terão que ser apurados

141
Verifica-se, assim, que o critério de convergência relativo à situação das finanças públicas se mantém
em vigor mesmo depois de o estado-membro se encontrar já na 3.ª fase da UEM. Os valores mencionados
têm como justificação o facto de se entender que deste modo ainda se permite o funcionamento dos
denominados estabilizadores orçamentais – que são mecanismos que, por atuarem ao nível da receita ou da
despesa públicas, conseguem produzir efeitos com reflexo direto no saldo orçamental, podendo ser
utilizados para contrariar a fase do ciclo económico (descendente ou ascendente) em que a economia de um
determinado país se encontra. Existem ainda outras justificações para que tenham sido escolhidos, a par de
outros critérios, o critério do défice e da dívida pública como critérios de convergência e que têm que ser
cumpridos pelos estados que pretendam aderir à UEM. Os demais critérios de convergências são: a
estabilidade dos preços (a taxa de inflação média que não seja superior em mais de 1,5% da verificada nos
três Estados-membros com taxa de inflação mais baixa), o respeito pelas margens de flutuação normais
previstas no mecanismo de taxas de câmbio do SME e a convergência das taxas de juro. Para maiores
desenvolvimentos sobre as razões explicativas da escolha dos critérios de convergência e, em especial, dos
critérios de finanças públicas veja-se Carlos Laranjeiro, ob. cit.
142
Se preferirmos utilizar as expressões constantes do SEC 2010 então teremos que “A capacidade líquida
de financiamento é um excedente emprestado, enquanto a necessidade líquida de financiamento é o

84
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para o conjunto do sector “administrações públicas” (S.13), tal como definido no SEC
2010. Os juros incluídos no cálculo do défice orçamental são os juros (DPE D.41) tal
como definidos no SEC 2010.
Da leitura destes documentos resulta que o endividamento líquido corresponde à
diferença entre receitas efetivas e despesas efetivas, o que nos permite afirmar que no art.º
126.º do TFUE se encontra consagrado expressamente o critério do défice efetivo do
orçamento.

1.2.2.2. A noção de défice no Pacto de Estabilidade e


Crescimento (na sua redação atual – PEC revisto)

O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) era originalmente composto por um


conjunto normativo constante da Resolução do Conselho Europeu de 17 de julho de 1997
(97/C236/01); do Regulamento (CE) n.º 1466/97 do Conselho, de 7 de julho de 1997; do
Regulamento (CE) n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho de 1997; e das normas dos arts.
121.º, 126.º, 136.º e do Protocolo n.º 12 do TFUE. Neste sentido, continha disposições
destinadas a assegurar finanças públicas sãs, como meio de garantir as condições
adequadas à estabilidade dos preços e ao crescimento sustentável, por forma a assegurar
a criação de emprego.
No PEC podíamos encontrar, desde esta fase inicial, duas vertentes: a vertente
preventiva, constante do Regulamento (CE) n.º 1466/97, e a vertente corretiva, constante
do Regulamento (CE) n.º 1467/97. Atualmente, a redação destes dois regulamentos é a
que resulta das alterações introduzidas pelos Regulamentos (CE) n.º 1055/2005 e n.º
1056/2005 do Conselho, de 27 de junho de 2005, respetivamente, bem como pelos
Regulamentos (UE) n.º 1175/2011 e n.º 1177/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 16 de novembro de 2011.
Apesar de não ter existido uma alteração das vertentes do PEC, verificou-se um
reforço da supervisão e da coordenação das políticas económica e orçamental, bem como
à clarificação, simplificação e aceleração da aplicação do Procedimento por Défices
Excessivos (PDE). Motivadas pela grave crise financeira e económica iniciada em 2007,
às alterações introduzidas no PEC em 2011 pelo six pack, seguir-se-iam as constantes do

financiamento de um défice.” – cfr. § 1.125 do SEC. A ideia de que o critério referido nas normas de direito
da U.E. é o equilíbrio efetivo fica bem clara após a leitura de outras normas do SEC.

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two pack, em 2013, relativas, estas últimas, ao processo orçamental. Não podemos
também ignorar as implicações decorrentes da assinatura do Tratado sobre Estabilidade,
Coordenação e Governação da União Económica e Monetária (TECG) e, especialmente,
as orientações constantes do Relatório do ECOFIN relativas à implementação do PEC.
Conclui-se assim que, se em 1997 quando foi adotado o PEC este apenas era
constituído pela Resolução do Conselho de 17 de junho de 1997, pelo Regulamento (CE)
n.º 1466/97 (vertente preventiva) e pelo Regulamento (CE) n.º 11467/07 (vertente
corretiva), adotados nos termos dos arts. 121.º, 126.º, 136.º e Protocolo n.º 12 do TFUE,
atualmente temos que considerar que o PEC atualmente é constituído por:
(i) Resolução do Conselho de 17 de junho de 1997;
(ii) Regulamento (CE) n.º 1466/97 (vertente preventiva143) na redação que lhe foi dada
pelo Regulamento (CE) n.º 1055/2005, de 27 de junho de 2005, e pelo
Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16
de novembro de 2011144;
(iii) Regulamento (CE) n.º 1467/97 (vertente corretiva145) na redação que lhe foi dada
pelo Regulamento (CE) n.º 1056/2005, de 27 de junho de 2005, e pelo
Regulamento (UE) n.º 1177/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16
de novembro de 2011146. Esta vertente corretiva ficaria conhecida por
Procedimento por Défices Excessivos (PDE);
(iv) Relatório do ECOFIN relativo à implementação do PEC;

143
A vertente preventiva tem por objetivo principal a promoção da sustentabilidade das finanças públicas
dos estados-membros.
144
A vertente preventiva tem por base o art.º 121.º do TFUE e assume atualmente uma importância
crescente. Tem-se entendido que, com a imposição do cumprimento de determinadas regras e limites é
possível detetar precocemente e corrigir situações de desequilíbrio que podem levar ao incumprimento dos
critérios estabelecidos no Tratado.
145
A vertente corretiva é implementada no cumprimento do art.º 126.º do TFUE e do Protocolo n.º 12 e
operacionalizada pelo Regulamento (CE) n.º 1467/97. Esta vertente compreende diversas fases a que nos
referiremos mais adiante.
146
Na vertente corretiva assiste-se a uma obrigatoriedade de definição por parte dos estados-membros das
medidas que se comprometem a adotar no sentido de atingirem o equilíbrio orçamental (OMP) e à
introdução de obrigações de redução da dívida para os estados-membros cujas dívidas soberanas
ultrapassem 60% do PIB.
Nos casos em que a dívida pública ultrapasse os 60% do PIB, o estado-membro fica obrigado a reduzir, em
cada ano, um vigésimo do montante em excesso sobre o teto definido. Estabeleceu-se ainda uma sanção
correspondente ao depósito de 0,2% do PIB para os estados-membros que não cumpram as recomendações
que lhe são dirigidas relativamente à redução do défice. De extrema importância é também a alteração da
forma de tomada de decisão quanto à aplicação da sanção por incumprimento prevista no art.º 126.º do
TFUE: ao invés de se exigir a aprovação por maioria qualificada passa agora a considerar-se aprovada a
decisão da aplicação da sanção se o Conselho não recusar, também por maioria qualificada, a proposta
enviada pela Comissão (inversão de voto).

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(v) Regulamento (UE) n.º 1173/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16


de novembro de 2011, relativo ao exercício eficaz da supervisão orçamental na
área do euro;
(vi) Regulamento (UE) n.º 1174/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16
de novembro de 2011, relativo às medidas de execução destinadas a corrigir os
desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro;
(vii) Regulamento (UE) n.º 1176/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de
novembro de 2011, sobre prevenção e correção dos desequilíbrios
macroeconómicos;
(viii) Diretiva 2011/85/UE do Conselho, de 8 de novembro de 2011, que estabelece
requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados-Membros;
(ix) Regulamento (UE) n.º 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de
maio de 2013, relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos
Estados-Membros da área do euro afetados ou ameaçados por graves dificuldades
no que diz respeito à sua estabilidade financeira;
(x) Regulamento (UE) n.º 473/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de
maio de 2013, que estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a
avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção do défice excessivo
dos Estados-Membros da área do euro147.

Deste reformulado conjunto normativo resulta um Pacto de Estabilidade e


Crescimento reforçado, com um procedimento mais célere e que se espera mais adequado
ao cumprimento dos objetivos inicialmente traçados pela União Europeia.
Podemos então referir que o PEC viu robustecidas as exigências feitas aos Estados-
Membros, sobretudo depois das alterações introduzidas pelo six pack e pelo two pack,
sendo de realçar as medidas de prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos
previstas nos Regulamentos (UE) n.os 1174/2011 e 1176/2011; o reforço da supervisão das
políticas orçamentais previsto no Regulamento (UE) n.º 1173/2011; o estabelecimento de
requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados-Membros constantes da

147
Este Regulamento prevê a aplicação de um regime de supervisão reforçada, a levar a cabo pela Comissão
e pelo Banco Central Europeu, semelhante ao que se aplica aos países que tenham solicitado a ajuda
financeira, bem como um regime especial de supervisão pós-programa de assistência financeira, segundo
o qual os estados-membros ficam sujeitos a um regime apertado de supervisão enquanto não estiver
restituído pelo menos 75% do valor do financiamento recebido. Trata-se, é claro, de um regime mais
exigente e rigoroso do que o previsto no PDE.

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Diretiva 2011/85/UE; o reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-


membros afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua
estabilidade financeira, estabelecidas pelo Regulamento (UE) n.º 472/2013; e as medidas
de acompanhamento e avaliação dos projetos de planos de orçamento e correção de défices
excessivos de Estados-Membros da zona euro estabelecidas pelo Regulamento (UE) n.º
473/2013.

a) A vertente preventiva do PEC


Os Estados-Membros ficam assim obrigados a apresentar orçamentos equilibrados
de acordo com o critério do saldo global (também designado por saldo efetivo) – art.º
126.º e Protocolo n.º 12 anexo do TFUE – ou que, sendo deficitários, permitam assegurar
uma rápida convergência para o valor de referência e para o respeito do limite dos 3%
para a relação entre o défice e o PIB a preços de mercado, não devendo a dívida pública
exceder 60% do PIB a preços de mercado (cfr. o art.º 126.º do TFUE e o parágrafo 1.º, do
art.º 2.º-A da Secção 1-A – Objetivos Orçamentais de Médio Prazo, do Regulamento (CE)
n.º 1466/97 (p. 7 e ss. da versão consolidada).
Dado que o objetivo principal é o de evitar situações de défices excessivos, os
Estados-Membros entenderam que deveriam ser adotadas medidas para evitar que
entrassem em situação de incumprimento. Estas medidas encontram-se na designada
vertente preventiva do PEC. No conjunto destas obrigações destacam-se, para os Estados-
Membros da zona euro148, a elaboração de um Programa de Estabilidade e Crescimento
no qual prevejam medidas orçamentais adequadas a garantir o cumprimento do OMP
traçado149. Este OMP não tem quer ser coincidente com o valor para o saldo orçamental
estabelecido pelo art.º 126.º do TFUE e pelo Protocolo n.º 12, devendo antes permitir ter
uma margem de segurança face a esta exigência. Entende-se que esse requisito se
encontrará cumprido se as medidas previstas forem adequadas, permitindo apresentar e
executar orçamentos cujo OMP (específico para cada país) seja inferior a um défice
estrutural de 1% do PIB a preços de mercado. Este valor é calculado nos termos definidos
pelo PEC e pelo SEC 2010 – cfr. o art.º 121.º do TFUE e o parágrafo 2.º, do art.º 2.º-A da

148
As implicações nas políticas orçamentais dos Estados-Membros que não fazem parte da zona euro são
diversas. Os Estados-Membros nessas condições não estão obrigados a apresentar um Programa de
Estabilidade, mas antes um Programa de Convergência.
149
O OMP para Portugal foi fixado pela Comissão Europeia em 0,25% do PIB potencial e será atingido em
2021, depois de excluído o efeito das medidas temporárias e extraordinárias (habitualmente designadas por
medidas one-off e cláusla unusual events).

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Secção 1-A – Objetivos Orçamentais de Médio Prazo, do Regulamento (CE) n.º 1466/97
(p. 7 e ss. da versão consolidada) 150. E, ao exigir que o cumprimento do OMP traçado seja
incluído nos quadros orçamentais de cada Estado-Membro, exige também que esse
objetivo seja cumprido em cada orçamento.
Aliás, há que referir ainda que, na avaliação feita pela Comissão e pelo Conselho
no quadro da supervisão multilateral, é tido em consideração o valor de referência para o
défice estrutural primário, excluído das despesas relativas a programas da União
totalmente financiadas por receitas provenientes de fundos da União e das alterações não
discricionárias nas despesas com subsídios de desemprego, valor estes que tem que ser
inferior a 0,5% do PIB a preços de mercado – cfr. parágrafo 4.º do n.º 1 do art.º 5.º do
Regulamento (CE) n.º 1466/97.
Há ainda que acrescer, no caso português, as implicações decorrentes de o nosso
país ser um dos signatários do TECG, mas sobre este ponto falaremos mais adiante.

b) A vertente corretiva do PEC ou o procedimento por défices excessivos – PDE:


as consequências do incumprimento das normas de Direito da União Europeia
em matéria de saldo orçamental
A vertente corretiva do PEC consiste numa sequência de etapas que convém
analisar separadamente. É desde logo necessário referir que naqueles casos em que o valor
do défice ultrapassa o valor de referência – 3% do PIB – ou o valor da dívida pública
excede também o valor estabelecido como limite – 60% do PIB – tal não significa que
seja desencadeado automaticamente o PDE, que culmina na aplicação de sanções. Este
procedimento é sempre uma solução de ultima ratio151 que só é utilizado desde que se
verifiquem todos os requisitos previstos no art.º 126.º do TFUE e nos demais
regulamentos da UE. De acordo com o Tratado um défice superior a 3% ou uma dívida
pública superior a 60% do PIB não são considerados excessivos se:
1) Se o valor do défice ou da dívida, apesar de superior ao valor de referência, tiver
baixado “de forma substancial e contínua” e se “aproxime do valor de referência” (nº 2);

150
Compreende-se assim a menção feita pelo art.º 12.º -C da velha LEO à necessidade de ser elaborado um
Programa de Estabilidade e Crescimento onde seja prevista uma fórmula que permita, em cada período
financeiro, apresentar e executar um orçamento cujo saldo estrutural seja inferior ao OMP estabelecido e,
permita a convergência para um saldo estrutural que não ultrapasse os 0,5% do PIB a preços de mercado.
151
Note-se que não só o recurso ao PDE previsto no art.º 126.º é, em si mesmo, um procedimento de ultima
ratio como também o são as várias sanções previstas são gradativas, partindo-se das menos gravosas para
as mais gravosas.

89
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2) Se o excesso em relação ao valor de referência resultar condições “excecionais


e temporárias”152 e se aquela relação continuar próxima do valor de referência (n.º 2);
3) Se o défice público não exceder as despesas públicas de investimento (n.º 3).
Enquanto que a definição de condições excecionais e temporárias é feita no
Regulamento n.º 1467/97, nomeadamente no art.º 2.º, n.os 1 e 2, a concretização da
terceira condição resulta de uma interpretação do normativo do n.º 3 do art.º 126º do
TFUE. A possibilidade de a Comissão poder afastar a aplicação do PDE nos casos em
que um dos valores de referência é ultrapassado, desde que o valor do défice exceda o
valor das despesas públicas de investimento constitui, na verdade, o reconhecimento da
importância que o investimento público pode ter quer no crescimento económico quer na
coesão entre os Estados-Membros. Ainda que de modo indireto encontramos aqui
previsto o critério do equilíbrio do orçamento corrente, ou seja, o PDE pode ser afastado
pela Comissão quando o saldo global ou efetivo seja superior a 3% do PIB, mas, ao
mesmo tempo as despesas de investimento, ou seja, as despesas de capital, sejam
superiores a 3% do PIB153.
Nos casos em que sejam ultrapassados os valores de referência ou em que seja de
prever que há o risco de estes serem ultrapassados, sendo de concluir que existe um défice
excessivo ou que este esteja em risco de ocorrer, inicia-se o PDE, que tem várias fases:

152
A noção de medidas excecionais e temporárias pode ser encontrada no art.º 2.º do Regulamento (CE) n.º
1467/97.
Para maiores desenvolvimentos veja-se Carlos Laranjeiro, “Investimento Público e Défice Orçamental”,
153

Temas de Integração, 4.º vol. 1.º semestre de 1999, n.º 7, Coimbra, pp. 89 a 98, em especial pp. 94-98.
N.B: A leitura deste texto deve ter em consideração que: (a) as referências quer ao PEC quer aos artigos
dos Tratados se encontram desatualizadas; (b) quanto ao primeiro aspeto, este é tratado nas pp. 89-93 e
pode ser compreendido numa ótica atual se forem tidas em consideração as menções feitas a esse respeito
neste sumário; (c) quanto ao segundo, basta que se tenha em consideração que o texto do art.º 104.º do TCE
passou a constar do atual artigo 126.º do TFUE.

90
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Art.º 126.º, n.º 3 TFUE: A Comissão prepara um relatório

Prazo: 3 meses
Art.º 126.º, n.º 4 do TFUE: O Comité Económico e Financeiro
emite um parecer sobre o relatório da Comissão Art.º 3.º do Reg. (UE)
n.º 1466/97

Art.º 126.º, n.º 5 do TFUE: A Comissão analisa o parecer e


conclui se existe ou não um défice excessivo, envia um
parecer ao estado-membro em causa e informa o Conselho

Art.º 126.º, n.º 6 do TFUE: o Conselho, sob proposta da


Comissão e depois de analisar as observações do EM e de
ter avaliado globalmente a situação decide, por maioria
qualificada, se existe ou não um défice excessivo

Art.º 126.º. n.º 7 do TFUE: A Comissão recomenda ao


Conselho a adoção de recomendações a fazer ao EM

Art.º 126.º. n.º 7 do TFUE: O Conselho adota, por maioria


qualificada, as recomendações e notifica o EM para que as
mesmas sejam implementadas dentro de um prazo
também pré-determinado

Art.º 126.º, n.º 8 do TFUE: O EM não implementa as


recomendações e estas são tornadas públicas
Apenas para países da zona euro

Art.º 5.º do Reg. (UE) n.º 1173/2011: A Comissão


recomenda que seja ordenada a realização de um depósito (i) O EM em causa já tinha
não remunerado no valor correspondente a 0,2% do PIB do constituído um depósito
ano anterior, e Conselho adota a recomendação tal como remunerado nos termos do
ela foi feita por maioria qualificada inversa (n.º 2) ou altera art.º 4.º (ii) Violação grave
das obrigações orçamentais
a recomendação e aprova-a como sua (n.º 3)

Art.º 126.º, n.º 8 do TFUE: A Comissão recomenda a adoção Apenas em caso de inação do EM
de medidas eficazes

Não aplicável ao Reino Unido


Art.º 126.º, n.º 8: Adoção, por maioria qualificada, das
medidas propostas (i) Suspensão total ou parcial
do pagamento das
transferências relacionadas
com os fundos estruturais

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Art.º 6.º, n.º 1 do Reg. (UE) n.º 1173/2011: A Comissão


recomenda que seja aplicada uma multa equivalente a 0,2%
do PIB do ano anterior

Art.º 6.º, n.º 2 do Reg. (UE) n.º 1173/2011: Conselho adota


a recomendação tal como ela foi feita por maioria
qualificada inversa (n.º 2) ou altera a recomendação e
aprova-a como sua (n.º 3)

Art.º 126.º, n.º 9 do TFUE: O EM insiste em não colocar em


prática as recomendações ou cumprir as decisões: o
Conselho notifica o EM para cumprir, fixando-lhe um prazo

Art.º 126.º, n.º 11 do TFUE: A Comissão propõe o reforço


das sanções

Art.º 126.º, n.º 11 do TFUE: O Conselho aprova o reforço das


sanções

1.2.3. O conceito de saldo orçamental no Tratado sobre Estabilidade,


Coordenação e Governação na União Económica e Monetária
(TECG)

O objetivo de convergência das políticas orçamentais e a necessidade de


cumprimento dos objetivos traçados pelo TFUE e pelo PEC, levariam a que em 2011 se
iniciasse o processo que culminaria em 2012 com a assinatura do Tratado sobre
Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária. Este Tratado
seria assinado por todos os Estados-Membros exceto a República Checa, a Croácia 154 e o
Reino Unido.
O TECG contém nos arts. 3.º e seguintes disposições que apenas são aplicáveis
aos Estados-Membros que façam parte da zona euro, podendo os Estados-Membros que
não pertençam a este grupo declarar a intenção de querer ser abrangido por estas
disposições155. A importância das disposições constantes do Título III do TECG – arts.

154
A Croácia não era, à data da assinatura do TECG, membro da União Europeia.
155
São disso exemplo a Dinamarca, a Bulgária e a Roménia. A Hungria, a Polónia e a Suécia ratificaram o
TECG com exclusão das normas constantes do Tratado Orçamental.

92
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3.º e ss. – é tanta que por vezes o próprio TECG é designado não pela sigla ou pela sua
designação completa, mas apenas por Pacto Orçamental (Fiscal Compact), designação
esta que corresponde à epígrafe do mencionado título III.
No capítulo dedicado ao Tratado Orçamental podemos encontrar normas relativas
à delimitação dos défices orçamentais e às metas a atingir por cada um dos Estados-
Membros a que estas disposições são aplicáveis e normas relativas ao mecanismo de
correção a instituir a nível nacional, que será supervisionado por um corpo independente
cuja função é a de monitorizar o cumprimento dos objetivos orçamentais estabelecidos
pelos Estados-Membros, mas que devem ser consistentes com os OMP previstos na
vertente preventiva do PEC.
Ademais, os objetivos orçamentais traçados pelo TECG são ainda mais austeros
do que os que constam do PEC, estando estabelecido como limite máximo para o saldo
estrutural negativo (défice) o valor de 0,5% do PIB a preços de mercado. Este valor pode,
no entanto, ser ultrapassado temporariamente quando se verifiquem circunstâncias
excecionais e, nos casos em que a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de
mercado seja significativamente inferior a 60 % e os riscos para a sustentabilidade a longo
prazo das finanças públicas forem reduzidos o valor do limite para o saldo estrutural passa
para 1% do PIB.
O Tratado Orçamental estabelece ainda que, nos casos em que os limites
estabelecidos forem ultrapassados, sejam implementados mecanismos nacionais para a
correção dos desvios e, concomitantemente, quando a dívida tenha ultrapassado os 60%
do PIB a preços de mercado a sua redução ao ritmo de 5% ao ano do valor da dívida
pública. Estabelece ainda a necessidade de ser implementado um programa de reformas
estruturais, económicas e orçamentais, nos casos em que se verifique défice excessivo
nos termos do art.º 126.º do TFUE, bem como a apresentação dos planos de emissão de
dívida pública.
Note-se que, não obstante a complexidade destes mecanismos e a dificuldade de
articulação entre as disposições de um Tratado Intergovernamental que não vincula senão
os estados contratantes e na exata medida da ratificação que do mesmo foi feita e as
normas de Direito da União, este tem como vantagem o facto de estabelecer para os
estados-contratantes e vinculados pelas disposições do título III – Tratado Orçamental –
limites mais apertados quanto ao desempenho orçamental. Contudo, a disposição do art.º
7.º do TECG já nos levanta maiores reservas pois estabelece de modo antecipado uma
espécie de disciplina de voto para as partes contratantes.

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1.3. A flexibilização das metas orçamentais

A aplicação das regras de Direito da União Europeia a que nos referimos supra
não é inflexível. Para além das várias possibilidades de não aplicação decorrentes da
análise de casa caso concreto, admite-se a existência de um desvio face aos limites do
saldo orçamental e da trajetória de ajustamento em situações excecionais 156.
Prevê-se, no § 7 da al. c) do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 a
possibilidade de ser utilizada a cláusula de derrogação de âmbito geral157, nos casos em
que ocorra uma situação excecional não controlável pelo Estado-Membro e que tenha um
impacto significativo na situação das finanças públicas.
A mobilização desta cláusula, embora não permita a suspensão dos procedimentos
no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento, é compatível com a flexibilização das
margens de variação dos saldos orçamentais e da dívida pública estabelecidos e a
adaptação das trajetórias de ajustamento. Esta flexibilização das metas, embora possa
decorrer de um evento que afeta todos os Estados-Membros, contém medidas e metas
individualizadas.
Foi, precisamente, o que aconteceu em 2020 com a Comissão a propor ao
Conselho – COM (2020) 123, final de 20.03.2020 - a ativação da cláusula de derrogação
de âmbito geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Consequentemente foram
adotadas recomendações do Conselho, específicas para cada Estado-Membro, que
contêm as especificações individualizadas. Como poderá ser constatado da análise das
várias Recomendações feitas pelo Conselho aos Estados-Membros é dado especial ênfase
ao impacto nas contas públicas decorrente das medidas de contenção da pandemia,
sobretudo as que se relacionam com a resiliência dos sistemas públicos de saúde e com o
mercado de trabalho. No caso português é ainda feita uma referência expressa à
necessidade de aumentar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais158.

156
Idêntica possibilidade encontra-se estabelecida no art.º 24.º da LEO, cabendo à Assembleia da República
reconhecer a existência de uma situação de excecionalidade. Este reconhecimento é dispensável, por força
do art.º 26.º da LEO e do art.º 8.º da CRP quando idêntico reconhecimento seja efetuado pelos órgãos
competentes da União Europeia, naqueles casos em que a causa seja comum a outros Estados-Membros.
157
A cláusula de derrogação de âmbito geral foi introduzida em 2011 pela reforma operada pelo six-pack
nos artigos 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 3, 9.º, n.º 1, e 10.º, n.º 3, do Regulamento (CE) n.º 1466/97, bem como nos
artigos 3.º, n.º 5, e 5.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1467/97.
158
Recomendação do Conselho relativa ao Programa Nacional de Reformas de Portugal de 2020 e que
emite um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade de Portugal de 2020 - COM (2020) 522,
final.

94
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Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

1.3.1. O direito da União Europeia

Do direito originário – art.º 126.º do TFUE e do Protocolo n.º 12 anexo ao Tratado


– resulta a necessidade de os Estados-Membros apresentarem orçamentos equilibrados ou
excedentários e, quando deficitários, o saldo global não pode ser superior a 3% do PIB a
preços de mercado.
Contudo, para garantir o cumprimento desse objetivo foram desenhadas normas
constantes da designada vertente preventiva do PEC segundo a qual os Estados-Membros
ficam obrigados a tomar medidas para evitar os designados défices excessivos. Essas
medidas constam dos Programas de Estabilidade e Crescimento e devem permitir obter
um saldo estrutural inferior ao OMP específico para cada EM e que não pode ser superior
a 1% do PIB a preços de mercado – cfr. Regulamento (CE) n.º 1466/97.

1.3.2. As normas de Direito Internacional

A aprovação do TECG pela generalidade dos Estados-Membros e, sobretudo,


pelos Estados-Membros cuja moeda é o Euro, trouxe novas limitações às políticas
orçamentais, exigindo agora não só que o OMP seja inferior a 0,5% do PIB – cfr. art.º 3.º
TECG –, ou seja, os Estados signatários passariam a ter que cumprir, em matéria
orçamental, obrigações ainda mais apertadas do que as decorrentes do Direito da União
Europeia. Esta obrigação não substitui, antes acresce, às já demais obrigações quer de
direito interno quer de direito da União. Note-se que, por imposição do n.º 2 do art.º 3.º
do TECG as disposições do Tratado teriam que ser transpostas para o direito interno
através de disposições vinculativas e permanentes, preferencialmente através de normas
constitucionais. Não foi o que sucedeu com o caso de Portugal, que transpôs esta
exigência para a Lei de Enquadramento Orçamental, pela Lei n.º 37/2013, de 14 de junho,
mas fê-lo de modo imperfeito ao abrir, no n.º 8 do art.º 12.º-C da velha LEO uma brecha,
densificando o conceito de saldo estrutural como saldo estrutural primário corrigido, o
que não sucede no TECG, optando antes por dar apenas cumprimento às normas constates
do Direito da União Europeia.

95
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

PARTE V
O PROCESSO ORÇAMENTAL: DA PREPARAÇÃO À EXECUÇÃO

1. Introdução

A feitura do orçamento encontra-se subordinada, para além das regras e princípios


já por nós mencionados, a um outro conjunto normativo, mais ou menos disperso, que
regulamenta o processo de elaboração, discussão, aprovação e execução. Sendo uma Lei,
mas uma lei que se reveste de muitas especificidades, o modelo a seguir e os passos a
observar em todas as fases refletem bem essas características. Para além desses aspetos
pragmáticos há que considerar outros que, verdadeiramente, ocorrem de forma
ininterrupta ao longo do tempo e que condicionam, de modo indefetível o seu conteúdo159.
Quanto aos aspetos formais, assuem especial relevo as disposições relativas à
distribuição de poderes entre instituições e organismos e que podem variar ao longo das
várias fases do processo orçamental, na concretização de um princípio de supra-infra-
ordenação entre o poder executivo e o poder legislativo, mas a dinâmica orçamental é
também condicionada pelas decorrências de normas externas que vinculas o Estado
português. De forma genérica podemos dizer que se divide em três fases: fase
preparatória, fase de execução e fase de fiscalização.

2. O processo orçamental previsto na Lei de Enquadramento Orçamental


2.1. A fase preparatória

A primeira fase do processo orçamental160 inicia-se com o procedimento tendente


a aprovar a atualização anual do Programa de Estabilidade161 e da Proposta de Lei das

159
Estamos a referir-nos sobretudo àquelas situações que condicionam, quer direta quer indiretamente, o
conteúdo orçamental e que referiremos ao longo do texto.
160
Esta é a designação dada pela epígrafe do Título III da Lei de Enquadramento Orçamental aprovada em
anexo à Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro.
161
O Programa de Estabilidade 2022-2026 para Portugal foi aprovado no Conselho de Ministros de 11 de
abril de 2021 e apresentado posteriormente à Assembleia da República e enviado à Comissão Europeia. O
Programa de Estabilidade pode ser consultado em https://www.portugal.gov.pt/download-
ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d%3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDI3MQEAVqL7uwUAAAA%
3d e a recomendação do Conselho de 18 de junho de 2021 sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento
em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32021H0729(22)&from=EN. Os
estados-membros que não façam parte da zona euro ficam obrigados a apresentar o seu Programa de
Convergência.

96
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Grandes Opções do Plano162. A exigência da apresentação dos dois documentos num


período temporal que antecede, em muito, a apresentação da proposta de Lei do
Orçamento do Estado decorre não só do art.º 32.º da Lei de Enquadramento Orçamental
(LEO) mas também do art.º 3.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 do Conselho, de 7 de
abril de 1997.
Ficam assim definidos: (a) o objetivo orçamental a médio prazo e (b) a trajetória
de ajustamento a adotar para que sejam cumpridos os objetivos traçados no Pacto de
Estabilidade e Crescimento (PEC), devendo ainda ser tomadas em consideração as
eventuais recomendações e conclusões resultantes da fase preparatória e a primeira fase
do Semestre Europeu163, nomeadamente as relativas à política económica da zona euro e
ao emprego.
O Programa de Estabilidade é depois enviado pelo Governo até 15 de abril para a
Assembleia da República que o deve apreciar – art.º 33.º da LEO ̶ retornando ao Governo
para revisão final. Segue-se o envio ao Conselho Europeu e à Comissão Europeia até final
de abril – n.º 6 do art.º 33.º da LEO e art.º 4.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 devendo,
também, ser tornado público. Apesar de não existirem datas para o início desta fase, temos
que ter em consideração que a revisão anual do Programa de Estabilidade para o Conselho
Europeu e para a Comissão deve ser feito preferencialmente até meados do mês de abril
e no limite até 30 de abril ̶ cfr. art 4.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 e art.º 4.º do
Regulamento n.º 473/2013 ̶ e que a Assembleia da República dispõe de 10 dias para o
apreciar. Assim, o processo orçamental tem que ser obrigatoriamente iniciado antes do
dia 1 de abril.
Recebido o Programa de Estabilidade pela Comissão e pelo Conselho, inicia-se
uma fase externa integrada no Semestre Europeu164 e que inclui a avaliação, no prazo
máximo de três meses, das medidas propostas no documento por diversas entidades:
Comissão e Comité Económico e Financeiro ̶ cfr. art.º 5.º do Regulamento (CE) n.º
1466/97. Esta apreciação visa determinar se os objetivos traçados no Programa de

A designação “Lei das Grandes Opções do Plano” (GOP) diz respeito ao conjunto formado pela Lei das
162

Grandes Opções em Matéria de Planeamento e pela Programação Orçamental Plurianual. a


163
Sobre as fases do Semestre Europeu veja-se: http://www.consilium.europa.eu/pt/policies/european-
semester/how-european-semester-works/
164
O Semestre Europeu foi introduzido em 2010 e permite aos estados-membros coordenarem as políticas
económicas e tomar medidas para enfrentarem os desafios económicos que se colocam à União Europeia.
Tem como objetivo tomar medidas para: (a) garantir a solidez das finanças públicas; (b) evitar
desequilíbrios macroeconómicos excessivos na UE; (c) apoiar reformas estruturais, a fim de criar mais
emprego e crescimento e (d) estimular o investimento.

97
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Estabilidade e as variáveis de natureza económica em que os mesmos se baseiam são


corretos e adequados, bem como se as medidas propostas permitem cumprir a trajetória
de ajustamento para que seja alcançado o objetivo orçamental de médio prazo (OMP)165.
Concluída esta análise é divulgada a opinião sobre a validade do programa e, nos casos
em que seja tido por necessário, é emitido pela Comissão um parecer com recomendações
para que o estado-membro proceda ao ajustamento do Programa – cfr. n.º 2 do art.º 5.º
do Regulamento (CE) n.º 1466/97, do Conselho, de 7 de julho de 1997.

2.2. A elaboração da proposta de Lei do Orçamento do Estado

Terminada esta etapa preparatória, inicia-se uma outra que culminará com a
elaboração da Proposta de Lei do Orçamento do Estado (PLOE). O Governo, através dos
seus ministérios vai recolher junto das entidades dos serviços abrangidos pelo perímetro
de consolidação orçamental166 as várias propostas de orçamento para, depois de
analisadas, serem adequadamente refletidas na PLOE a elaborar pelo Ministério das
Finanças e aprovar em Conselho de Ministros especificamente reunido para o efeito167.
Este procedimento deve estar concluído a tempo de permitir a estrega da proposta
de Lei do Orçamento na Assembleia da República até ao dia 10 do mês de outubro do ano
anterior àquele a que o orçamento disser respeito, como decorre do n.º 1 do art.º 36.º da
LEO. Prazo diverso é de aplicar quando ocorra uma das situações previstas no art.º 39.º
da LEO e que analisaremos mais adiante.
No cumprimento das obrigações decorrentes do Direito da União Europeia a
referida proposta de Lei deve ser enviada também à Comissão para que esta sobre ela se
possa pronunciar no quadro da denominada supervisão multilateral – art.º 4.º, n.º 2 –

165
Recorde-se que o OMP é apreciado por referência ao saldo estrutural, isto é, ao saldo orçamental tal
como definido no art.º 126.º do TFUE e no Protocolo 12 (saldo efetivo), corrigido das variações cíclicas e
líquido das medidas extraordinárias e temporárias e com os ajustamentos referidos no art.º 5.º, n.º 1 do
Regulamento (CE) n.º 1466/97.
166
Art.º 2.º da LEO.
167
A previsão das receitas e das despesas são tarefas eminentemente técnicas e diferenciadas. Cabe quase
de modo exclusivo ao Ministério das Finanças a tarefa de determinação do seu valor, enquanto que no caso
das despesas há uma maior dispersão da previsão pelos diversos ministérios e, dentro destes, pelos serviços,
embora culmine numa negociação ou articulação gerida pelo Ministério das Finanças a quem cabe agregar
e compatibilizar as várias propostas. A previsão dos montantes a inscrever no orçamento decorre da
aplicação de modelos econométricos complexos, adotados em substituição do penúltimo ano (simples ou
corrigido), do rendimento médio ou do modelo de avaliação direta (ano zero) e que serão escolhidos de
acordo com os objetivos da previsão. Sobre os modelos tradicionais veja-se J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições
de Finanças Públicas, 5.ª ed., refundida e atualizada, Coimbra Editora, 1996, 108-111.

98
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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sendo ainda remetida ao Eurogrupo para que seja tornada pública nos termos do art.º 6.º
do Regulamento n.º 473/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de
2013.

2.3. Da entrega da proposta de Lei do Orçamento do Estado na Assembleia da


República à sua entrada em vigor

Com a entrega da PLOE na Assembleia da República inicia-se, como referimos,


uma nova fase, agora da exclusiva competência deste órgão. Apesar de estarmos perante
uma proposta de Lei o Regimento da Assembleia da República (Reg. A.R.) estabelece
disposições específicas sobre a discussão, votação e aprovação da mesma, no capítulo
VII168, devendo ser aprovado o prazo máximo de 50 dias após a entrega – art.º 38.º, n.º 2
LEO. Nesta fase podem os grupos parlamentares apresentar as propostas de alteração que
julgarem adequadas e submetê-las à aprovação nos termos gerais169.
Com exceção das matérias constantes da proposta de lei do orçamento sujeitas a
um regime especial nos termos no n.º 4 do art.º 168.º da CRP, isto é, as matérias referidas
nas als. a) a f), h), n) e o) do art.º 164.º, bem como da al. o) do art.º 165.º da CRP, as
normas da Lei do Orçamento são aprovadas na especialidade em sede de comissão
parlamentar competente – n.º 4 do art.º 38.º da LEO. A Assembleia da República pode
solicitar a realização de audiências ou a convocação de comissões especializadas ou de
entidades não submetidas ao poder de direção do governo e cujo depoimento seja
considerado importante para a tomada de decisão, sendo ainda ouvido o Tribunal de
Contas.
Aprovada a PLOE, esta segue para ratificação por parte do Presidente da
República e, caso seja promulgada, segue-se a sua publicação em Diário da República170.

168
Regimento da Assembleia da República n.º 1/2020, de 31 de agosto, em especial arts. 220.º a 212.º.
169
Não vigora em Portugal um regime jurídico de limitação dos poderes dos grupos parlamentares para
proporem e fazerem aprovar alterações à proposta de Lei do Orçamento de Estado que vemos noutros
países, como sejam a Espanha, a França ou a Alemanha. Em face do atual quadro constitucional e legal
vigente no que à distribuição da competência de poderes entre legislativo e executivo em matéria
orçamental entendemos que esta é a única posição a sufragar. Ademais, a criação de limitações às propostas
de alteração submetidas a discussão e aprovação colocaria em causa o princípio subjacente à aprovação do
orçamento por esvaziar ou limitar consideravelmente os poderes do órgão representativo a quem cabe
aprovar o Orçamento. Contudo, estes poderes de iniciativa estão indiretamente limitados pelas designadas
despesas obrigatórias, bem como pela Lei das Grandes Opções. Esta possibilidade permite que possam
ocorrer situações em que as propostas de alteração desvirtuem consideravelmente a proposta apresentada.
170
Sendo uma Lei, embora com características muito específicas, é ainda possível a fiscalização abstrata
e/ou concreta das normas orçamentais.

99
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Após aprovação, o orçamento é também enviado para cumprimento dos


mecanismos de supervisão multilateral da União Europeia, que sobre ele se pronunciará,
podendo ser emitidas recomendações.
O regime-regra que acabamos de analisar sinteticamente pode sofrer alguns
desvios decorrentes quer de condicionantes relativas aos órgãos que detêm a competência
exclusiva para apresentação da PLOE ou para a sua aprovação, quer aqueloutros
relacionados com as vicissitudes de um processo democrático de aprovação/rejeição de
uma Proposta de Lei.
Pertencem ao primeiro grupo de situações as elencadas taxativamente no art.º 39.º,
n.º 1 da LEO e que têm como consequência a alteração do prazo para entrega da PLOE
na Assembleia da República estabelecido no n.º 1 do art.º 36.º da LEO e do prazo para
envio às instituições da União Europeia da mesma. Estão em causa situações em que (a)
a tomada de posse do novo Governo ocorra entre 15 de julho e 30 de setembro, (b) o
Governo em funções se encontre demitido a 1 de outubro ou em que (c) o termo da
legislatura ocorra entre 15 de outubro e 31 de dezembro. Em todos esses casos, o novo
Governo dispõe de um prazo de 90 dias a contar da data da tomada de posse para proceder
à entrega da PLOE na Assembleia da República e para a enviar à Comissão Europeia –
art.º 39.º, n.º 2 da LEO.
Situação diversa da acabada de referir é a que se verifica nos casos, também eles
taxativos, mencionados no art.º 58.º da LEO e em que há a prorrogação da vigência da
Lei do Orçamento anterior, com exceção (a) das autorizações legislativas contidas no
articulado que, de acordo com a Constituição ou os termos em que foram concedidas,
devam caducar no final do ano económico a que respeitava a lei, (b) da autorização para
a cobrança das receitas cujos regimes se destinavam a vigorar apenas até ao final do ano
económico a que respeitava a lei e (c) da autorização para a realização das despesas
relativas a programas que devam extinguir -se até ao final do ano económico a que
respeitava aquela lei – cfr. n.º 3 do art.º 58.º da LEO.
Durante este período transitório, o orçamento é executado por duodécimos da
despesa total de base orgânica. Excetuam-se as despesas referentes a prestações sociais
devidas a beneficiários dos sistemas de proteção social, a direitos dos trabalhadores, a
aplicações financeiras e encargos da dívida, a despesas associadas à execução de fundos
europeus, bem como a despesas destinadas ao pagamento de compromissos já assumidos
e autorizados relativos a projetos de investimento não cofinanciados ou a despesas

100
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associadas a outros compromissos assumidos cujo perfil de pagamento não seja


compatível com o regime duodecimal – art.º 58.º, n.º 4 da LEO171.
Logo que entre em vigor o novo orçamento, é necessário imputar às contas do ano
económico, entretanto iniciado a 1 de janeiro, as operações de receita e de despesa que
tenham sido executadas ao abrigo do regime transitório. Nos casos em que as rubricas de
receita e despesa subsistam, basta a imputação e seu impacto o cálculo dos duodécimos
vencidos (no caso das despesas) e, nos demais casos, o Decreto-Lei de Execução do
Orçamento que, entretanto, tenha sido aprovado deve estabelecer os procedimentos a
adotar nos casos em que nestas deixem e constar dotações ou sejam modificadas
designações das rubricas existentes no Orçamento anterior e por conta das quais tenham
sido efetuadas despesas durante o período.
Regime diverso é de aplicar às alterações a introduzir na Lei do Orçamento em
momento posterior ao da sua entrada em vigor. É de realçar desde logo a limitação do
poder de iniciativa legislativa decorrente do n.º 2 do art.º 167.º da Constituição da
República Portuguesa usualmente designada por lei travão. Os deputados, os grupos
parlamentares e os grupos de cidadãos eleitores e as Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas ficam impedidos de apresentar projetos de lei, propostas de lei ou
propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas
ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento. Idêntica proibição é
encontrada no n.º 3 do mesmo artigo, no que diz respeito à apresentação de iniciativas
referendárias.
Esta limitação não impede, verdadeiramente, a iniciativa, mas limita o seu
conteúdo, uma vez que impõe que as referidas propostas, se tiverem como consequência
a diminuição da receita ou o aumento da despesa no ano em curso, apenas possam ser
aceites172 e submetidas a discussão se o seu período início de vigência se iniciar no ano
económico seguinte173. Esta limitação é também visível no regime legal relativo à

171
Não obstante a previsão da possibilidade de aprovação pelo Governo de um Decreto-Lei de execução
orçamental para regulamentar, na medida do estritamente necessário, este período orçamental – designado
(impropriamente) de orçamento transitório – entendemos que a exceção deve ser aplicada às demais
despesas obrigatórias.
172
A apresentação de propostas ou projetos em violação do estabelecido nos números 2 e 3 do art.º 167.º
da CRP implica a não admissão dos mesmos, nos termos dos arts. 120.º, n. os 1 e 2 e do art.º 125.º do
Regimento da Assembleia da República.
173
Nos casos em que tal suceda haverá uma vinculação prévia que condiciona a elaboração da proposta de
Lei de orçamento de estado para o ano seguinte, aproximando este regime do que é aplicável às propostas
de alteração do projeto de orçamento apresentado aquando da discussão e aprovação pelo Parlamento.

101
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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distribuição de poderes de iniciativa e aprovação de alterações orçamentais previstas nos


art.º 59.º e ss. da LEO.

3. As implicações decorrentes das normas de Direito da União Europeia

Como tivemos oportunidade de referir supra a tramitação processual que tem como
objetivo a aprovação da Lei do Orçamento sofre algumas limitações decorrentes do
Direito da União Europeia. Estes condicionalismos não dizem apenas respeito a
obrigações de informação174 uma fez que se podem refletir no conteúdo da própria
proposta de Lei ou mesmo da Lei.
De uma forma sucinta são de salientar as orientações gerais das políticas
económicas dos Estados-Membros efetuadas no âmbito do Semestre Europeu
recomendações feitas no quadro do Semestre Europeu, mas, sobretudo, das orientações
dirigidas especificamente a cada Estado-Membro e que devem ser tidas “na devida
conta”, sob pena de lhes poderem ser aplicadas sanções175.

4. O conteúdo da Lei do Orçamento

Importa ainda fazer uma breve referência à existência, ou não, de limitações


formais e materiais à Lei do Orçamento. Se do ponto de vista formal se exige, na
concretização do art.º 40.º da LEO, que a mesma seja composta por um articulado, pelos
mapas contabilísticos e pelas demonstrações orçamentais e financeiras, do ponto de vista
material a LEO define o conteúdo material mínimo, deixando ainda assim uma margem
de liberdade de conformação do conteúdo do mesmo.

174
São disso exemplo as obrigações de comunicação à Comissão (Eurostat) até 1 de abril e até 1 de outubro
de cada ano dos valores dos défices orçamentais programados e verificados – cfr. art.º 3.º do Regulamento
(CE) n.º 479/2009, do Conselho, de 25 de maio de 2009.
175
A redação da norma contida no n.º 3 do art.º 2.º -A do Regulamento (CE) n.º 1466/97, de 7 de julho de
1997, na sua redação atual não é totalmente clara. Se por um lado no §1 do referido número e artigo se fala
em recomendações, no § 2 do mesmo número fala-se na possibilidade de aplicação de sanções quando
exista um incumprimento por parte do Estado-Membro das ditas recomendações. Compreende-se a solução
e a sua compatibilização com a definição de orientações tida como válida na Doutrina e na Jurisprudência
apenas se torna possível se tivermos em consideração que a obrigação de transparência, o acompanhamento
– ou supervisão – das políticas orçamentais dos Estados-Membros e a necessidade de responsabilização
pelas decisões tomadas delimitam objetivamente a possibilidade de aplicação de sanções. Perante uma
recomendação exige-se aos Estados-Membros uma obrigação de resultados, ainda que temperada por uma
obrigação de meios.

102
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Trata-se, em rigor, de um poder condicionado pela essencialidade das matérias


para a “execução da política orçamental e financeira” e que deve ser executado no estrito
cumprimento das normas constitucionais relativas à distribuição de competências entre a
Assembleia da República e o Governo176. Esta última limitação decorre diretamente dos
arts. introduzida expressamente em 2001 na LEO e que consta do atual art.º 41.º, n.º 2,
pretende reservar a Lei do Orçamento para matérias que têm apenas uma relação direta
com o Orçamento impedindo a introdução das designadas normas cavaleiras ou
cavaleiros orçamentais177. As razões da sua introdução na Lei do Orçamento são variadas
e também diversificada tem sido a posição da Doutrina e da Jurisprudência quanto à sua
admissibilidade e força jurídica178.
Entendemos que embora não exista do ponto de vista constitucional qualquer
limitação ao conteúdo material da Lei do Orçamento, o valor reforçado da Lei do
Orçamento não se estende às normas que digam respeito a matérias não orçamentais179.
As especificidades da Lei do Orçamento estendem-se ainda ao período de vigência
das suas normas que é, em regra, de um ano. Tal como acabamos de referir, esta limitação

176
As competências dos órgãos de soberania são, nos termos do art.º 110., n.º 2 da CRP, estabelecidas pela
Constituição, ficando os referidos órgãos obrigados a observar, no exercício dessas mesmas funções, o
princípio da separação de poderes. Na ausência de norma que atribua especificamente a um órgão
competência para regular determinada matéria deve entender-se, na esteira do que é defendido no Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 461/87, publicado no Diário da República I série de 15 de janeiro de 1988,
que estamos perante competência legislativa concorrente.
177
A expressão utilizada encontra paralelo noutras latitudes sob a designação de cavaliers budgétaires ou
riders e pretende traduzir a ideia da introdução de disposições em matéria não orçamental no orçamento
por forma a gozarem da proteção vinculativa e da força jurídica decorrente da forma a observar pela Lei do
Orçamento. Por essa razão é por vezes utilizada a expressão de boleia orçamental. Apesar de ser uma
temática já antiga a verdade é que a discussão em torno das implicações decorrentes da sua utilização
mantém-se atualmente. Veja-se, por exemplo, ANA RAQUEL MONIZ, “Cavaleiros e Hierarquia: o Artigo 158º
da Lei do Orçamento do Estado para 2009”, Revista de Direito Público e Regulação; CEDIPRE, Coimbra,
2009, pp. 1-8; XAVIER MINY, “Les «cavaliers budgétaires» sont-ils éphémères? Une controverse qui
perdure”, Revue de Jurisprudence de Liège, Mons et Bruxelles (J.L.M.B.), Larcier, 2017, n.º 3, pp. 110-
117.
178
Gomes Canotilho e Vital Moreira entendem que nas matérias não orçamentais a lei do orçamento. deve
ser considerada uma “lei comum”, isto é, não se lhe aplicam as limitações decorrentes da LEO quanto à sua
vigência, não se lhes aplicam as regras relativas às alterações orçamentais nem gozam de força especial.
Posição similar tem sido assumida pelo Tribunal Constitucional português em vários Acórdãos,
nomeadamente no Acórdão n.º 141/2020, de 3 de março de 2020. També, o Conseil Constitucionnel e o
Cour des Competes franceses têm assumido posições similares à referida. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL
MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, artigos 1.º a 107.º, 4.ª edição revista,
Coimbra Editora, 2007, pp. 1112 e 1113. Décision n.º 2021-833 DC, de 28 de dezembro de 2021 do Conseil
Constitucionnel, COUR DES COMPTES, Projets de décrets contenant les budgets pour l’année 2017de la
Région wallonne, Rapport Approuvé en chambre française du 1 er décembre 2016.
179
Para maiores desenvolvimentos veja-se FERNANDO ROCHA ANDRADE, Textos de Finanças Públicas,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, pp. 118 e ss. e TIAGO DUARTE, A Lei por Detrás do
Orçamento, Almedina, Coimbra, 2007.

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é válida apenas para as normas que regulamentem matéria orçamental e para aquelas que,
não sendo normas em matéria orçamental, tenha sido expressamente previsto esse regime.
Regime especial é aplicável às autorizações legislativas em matéria fiscal
constantes da Lei do Orçamento podem ser utilizadas até ao final do ano económico para
o qual tenham sido concedidas180.

5. A execução orçamental

Com a entrada em vigor do orçamento (em regra, no dia 1 de janeiro de cada ano),
inicia-se a sua execução, com a prática de atos relacionados com a liquidação e cobrança
de receitas e com a autorização, autorização de pagamento e pagamento das despesas.
A execução do orçamento pode ser materializada na prática de atos ou de contratos
e nessa pressuposição, a execução orçamental tem que obedecer aos princípios e às
normas que regulamentem os vários aspetos relativos a cada uma das situações. Para além
disso, a perfeição do ato de execução orçamental fica ainda dependente do cumprimento
das exigências legais em matéria financeira ou, como é habitualmente referido, ao
cumprimento dos princípios especificamente relacionados com a execução orçamental.
Estes princípios representam uma densificação do princípio da legalidade e que se
materializa principalmente no princípio da tipicidade orçamental, mas que não se reduz a
este, mas agrega contributos vários, nomeadamente os decorrentes do princípio da
economia, eficiência e eficácia já por nós referido.
O procedimento de execução orçamental é bastante diversificado e complexo e
nunca se materializa num único ato, mas antes numa sequência lógica e ordenada de atos.
O cumprimento dos procedimentos introduz um fator de racionalidade na gestão e é
essencial na fase do controlo. Embora existam alguns aspetos e princípios que se aplicam
quer à execução do orçamento da receita quer à execução do orçamento da despesa outros
há que são muito diversos. Por razões didáticas, analisaremos de forma breve e separada
uns e outros, mas com especial enfoque na execução da despesa.

180
Este desvio face à regra contida no n.º 5 do art.º 165.º da CRP e que consta do n.º 4 do mesmo artigo
revela bem a força vinculativa reconhecida à Lei do Orçamento.

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5.1. A execução do orçamento da receita

A execução do orçamento da receita, embora diferenciada face a cada fonte de


receita no que ao procedimento específico diz respeito, obedece ao princípio da unidade
de tesouraria, ao princípio da segregação de funções de liquidação e cobrança e ao
princípio da tipicidade qualitativa181.
O princípio da unidade de tesouraria, previsto no art.º 54.º da LEO e no art.º 2.º
do Decreto-Lei n.º 191/99, de 5 de julho impõe que os dinheiros públicos recebidos sejam
encaminhados para a Tesouraria Central do Estado182, exceto nos casos em que se trate
de receitas da Segurança Social em que a competência para a centralização das cobranças
cabe ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. ̶ art.º 56.º da LEO.
Excecionam-se, também, aqueles casos em que a entidade ou serviços tenham sido
dispensados do seu cumprimento pelo membro do Governo responsável pela área das
finanças, situação em que caberá à entidade ou serviço determinar, dentro da lei, as
especificidades relativas a assegurar a guarda das receitas e de acesso aos fundos
disponíveis.
O princípio da segregação de funções, já por nós mencionado aquando da análise
dos princípios e regras orçamentais dispensa, nesta fase, uma densificação diversa
daquela que já foi feita.
No que ao princípio da tipicidade diz respeito exigem-se explicações mais
aprofundadas, sobretudo porque consideramos que este é um princípio central da
execução orçamental. A execução do orçamento da receita obedece ao princípio da
tipicidade na sua dimensão de tipicidade qualitativa. Decorre, assim, deste princípio a
limitação de serem arrecadadas, em sede de execução orçamental, apenas as receitas que
foram devidamente previstas no Orçamento Geral do Estado em vigor.
O cumprimento deste princípio não se basta com a enumeração de cada uma das
receitas a arrecadar, obrigando antes a que sejam cumpridas de modo adequado as regas
de inscrição e classificação orçamental, nomeadamente as que dizem respeito à

181
A diferenciação do procedimento que leva à liquidação e cobrança das receitas tributárias, das receitas
não tributárias, nomeadamente das receitas patrimoniais e das creditícias reveste-se de especificidades que
são objeto de estudo noutras unidades curriculares, nomeadamente no Direito Fiscal e nas Finanças Públicas
II, mas também em várias disciplinas de Direito Privado.
182
Esta função é atualmente exercida pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP,
E.P.E., que sucedeu nestas funções ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P.

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classificação económica e funcional183. É também necessário que no processo de criação


da receita em causa tenha sido cumprido o procedimento e os demais requisitos
constitucionais e legais. E se tudo o que acabamos de referir deve ser considerado como
conditio sine qua non para que a receita possa ser liquidada ou cobrada num determinado
ano financeiro, idêntica limitação não é aplicável ao valor da receita. Permite-se que a
liquidação e cobrança de receitas vão para além do que estava previsto no orçamento 184 -
cfr. n.º 2 do art.º 52.º da LEO. Tratamento diverso é dado às receitas creditícias em que o
valor inscrito no orçamento do Estado constitui o limite máximo a arrecadar.

5.2. A execução do orçamento da despesa

Os princípios que servem de base à execução do orçamento da receita são, de certa


forma, mimetizados quando estamos a falar em execução do orçamento da despesa.
Contudo, convém ter em consideração algumas especificidades que, nesta como noutras
situações, levam a que os princípios em causa sejam densificados de modo diverso.
Assim, são de ter em consideração o princípio da segregação de funções, neste
caso de autorização da despesa, de autorização de pagamento e pagamento - art.º 52 º, n.os
6 e 7 da LEO; o princípio da unidade de tesouraria, estabelecido no Regime da Tesouraria
do Estado – Decreto-Lei n.º191/99 e no art.º 54.º da LEO; o princípio da tipicidade
qualitativa e o princípio da tipicidade quantitativa art.º 52 º, n.os 3 a 5 da LEO; o princípio
da boa gestão financeira eficiência e eficácia - art.º 52.º, n º 3, al. c) da LEO e o princípio
da execução do orçamento por duodécimos – art.º 8.º do RAFE185.
O princípio da segregação das funções, aqui lido em consideração à autorização
da despesa, autorização de pagamento e pagamento – art.º 52.º, n.os 6 e 7 da LEO, embora
na sua definição não divirja da já por nós avançada, é de referir a sua importância para o

183
A classificação económica da receita encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de fevereiro
e a classificação funcional no Decreto-Lei n.º 171/94 de 24 de junho.
184
Esta possibilidade leva-nos a questionar se basta que exista uma correta inscrição orçamental, ainda que
de montante zero, para que a receita possa ser arrecadada ou se a previsão do montante a arrecadar tem que
ser minimamente realista. De acordo com os princípios de direito financeiro, parece ser de aceitar a primeira
hipótese. Embora não tenhamos razões para discordar questionamo-nos se uma inscrição de receita em que
se prevê cobrar zero euros não é equivalente a uma não inscrição de receita.
185
Este princípio de execução orçamental deixou de figurar nos princípios de execução orçamental
constantes da LEO, mas, dado que o RAFE ainda não foi revogado, entendemos que a sua aplicação se
mantém. Com as alterações que têm vindo a ser introduzidas no processo de elaboração, sobretudo de
estruturação, e de execução do orçamento é de esperar que deixe de fazer sentido a sua aplicação como
regra, pese embora continue a ser essencial a limitação do volume de gastos nos primeiros meses do ano.

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cumprimento da cabimentação prévia e, também, para a garantia da boa execução


orçamental, como veremos mais adiante. Já o princípio da unidade de tesouraria não
assume aqui quaisquer especificidades.
Diversamente, a caracterização do princípio da tipicidade assume uma
vinculatividade alargada, uma vez que do mesmo decorrem quer limites qualitativos quer
limites quantitativos à despesa estadual. Uma despesa pública para poder ser realizada –
leia-se, autorizada, autorizado o seu pagamento e paga - tem que estar corretamente
prevista no orçamento e o seu valor não pode ultrapassar o valor do crédito ou dotação
orçamental ainda disponível para aquele tipo de despesa em concreto. Ou seja, também
aqui se exige o cumprimento das exigências relativas à correta inscrição orçamental –
princípio da tipicidade qualitativa, art.º 52.º, n.o 3, al. a) e b) primeira parte e parte final
da LEO – mas determina-se que o valor a gastar com cada tipo de despesa não ultrapasse
o limite do crédito ou dotação orçamental – princípio da tipicidade quantitativa, art.º 52.º,
n.os 3, al. b) segmento intermédio, 4 e 5 da LEO.
Por último, exige-se que a execução do orçamento cumpra ainda o princípio da
boa gestão financeira, consubstanciado no princípio da economia, eficiência e eficácia da
despesa, também conhecido pelo princípio dos 3 Es, como decorre do art.º 52.º, n.º 3 al.
c) da LEO. O primeiro E – a economia – diz respeito à necessidade de contenção da
despesa no valor mínimo possível. Contudo, não se trata de um mínimo que impõe em
todas as circunstâncias a opção pela opção com menor preço186. Trata-se de uma ideia
que tem que ser temperada pelas duas outras exigências: eficiência e eficácia. E o conceito
de eficiência, em termos económicos, está intimamente ligada ao ótimo de Pareto
correspondendo, de forma simplificada, a uma situação em que não é possível uma
(re)alocação de recursos para melhorar a situação de um agente económico sem prejudicar
a de outro, isto é, a opção por uma outra forma de realização da despesa não permite
melhorar o nível de concretização da despesa com o mesmo dispêndio de meios nem
atingir o mesmo resultado com menor dispêndio de meios. Por último, a eficácia que

186
A própria noção de preço mais elevado pode ser vista como o custo financeiro a suportar, devendo tomar
em consideração outros encargos não financeiros como o

impacto ambiental – custo ambiental – ou os impactos intergeracionais ou ainda outras externalidades


positivas e negativas. Se em relação a alguns destes custos há já modelos de mensuração e preciarização –
como sucede com os custos ambientais – noutros casos isso não acontece, fazendo com que o preço
apresentado não reflita verdadeiramente o custo do bem ou serviço em que se materializa a despesa pública.
Nesses casos as exigências podem ser levadas em consideração nos outros dois parâmetros: a eficiência e
a eficácia.

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pretende determinar se e em que medida aquela despesa permitiu atingir adequadamente


o fim visado.
Embora atualmente sem expressa referência na Lei de Enquadramento
Orçamental, mas ainda com consagração no art.º 8.º do Regime da Administração
Financeira do Estado (RAFE) é de considerar o princípio da execução do orçamento por
duodécimos. Estão abrangidos por este princípio aqueles serviços ou aquelas despesas
relativamente aos(às) quais, em cada ano, tal venha a ser estabelecido no decreto-lei de
execução orçamental.
De acordo com este princípio os encargos apenas devem ser assumidos e os
pagamentos autorizados por importâncias não superiores aos duodécimos (1/12) vencidos
e ainda não utilizados. O valor da despesa mensal não pode, em regra, ultrapassar a
duodécima parte do crédito ou dotação orçamental. Só assim não será se o valor que se
pretende gastar não ultrapassar o valor dos duodécimos vencidos e ainda não utilizados.
Este princípio baseia-se no princípio da prudência e pretende evitar a acumulação de
pagamentos nos primeiros meses do ano, incentivando a uma distribuição equilibrada da
despesa ao longo do período orçamental187.

187
Na inexistência de uma regra genérica que obriga à execução do orçamento por duodécimos é necessário
perceber, em cada período financeiro, a que serviços ou despesas se aplica este regime de execução. Faz-
se notar que podem ser estabelecidas exceções que permitam a antecipação total ou parcial dos duodécimos
ainda não vencidos.

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PARTE VI
O CONTROLO DA EXECUÇÃO ORÇAMENTAL

1. Notas introdutórias

A fiscalização da execução orçamental é uma das fases da execução orçamental e


destina-se a garantir uma gestão adequada dos dinheiros públicos. Trata-se de uma
atividade que tem por objetivo principal controlar a execução do orçamento da despesa,
ou seja, a forma como o Estado gasta as suas receitas, mas não omite os problemas
relacionados com a cobrança de receitas. É que se é reconhecido aos estados o direito de
recolher receitas coativas e de penalizar o incumprimento das obrigações tributárias
também deve ser reconhecido aos contribuintes o direito de controlarem diretamente ou
através de entidades legitimadas para o efeito, o destino que é dado a essas receitas188,
direito este que resulta diretamente do art.º 15 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão.
Como já tivemos oportunidade de referir, aquando da análise dos princípios
orçamentais e da execução, apesar de o orçamento ser unitário, em muitos aspetos há uma
diversidade de tratamento do orçamento das receitas e do orçamento das despesas 189. Essa
que se vai refletir também ao nível do controlo da execução orçamental.
Em Portugal, as regulamentações base do controlo da execução orçamental
encontra-se previsto nos arts. 103.º, 104.º e 105.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) – arts. 68.º e ss. – e no
Decreto-Lei de execução orçamental. À semelhança do que sucede noutros países,
podemos encontrar vários tipos de controlo, formas essas que podem ser agrupadas tendo

188
Diríamos que o direito de controlar a execução orçamental decorre diretamente do dever fundamental
de pagar impostos e que ambos decorrem do princípio do Estado de Direito Democrático e que, também
por isso, este art.º 15.º da DUDHC deve ser conjugado com o art.º 12.º da DUDHC. Em sentido próximo
daquele que aqui defendemos veja-se Eduardo Paz Ferreira, “Os Tribunais e o Controlo dos Dinheiros
Públicos”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. II, Coimbra. Editora, 2001, p. 153. Apenas
entendemos que esta legitimação decorre da existência de receitas coativas lato sensu e não apenas dos
impostos.
189
Esta diversidade faz com que alguns autores ao analisarem a natureza jurídica do orçamento o dividam
em partes, enquanto que outros consideram que, ainda assim, há uma unidade intrínseca. Sobre esta questão
veja-se o nosso “Natureza jurídica do Orçamento”, Boletim de Ciências Económicas, vol. XLV, 2002,
FDUC, Coimbra, pp. 419-459 tema retomado em “Reflexões em torno da Natureza Jurídica do Orçamento”,
Revista Forense, vol. 432, julho/dezembro, 2020, ABDR, Editora Forense, São Paulo, Brasil, pp. 32-46.

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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em consideração a natureza do órgão que a executa, o momento em que acontecem ou até


mesmo os seus efeitos.
O controlo da despesa pública pode ser organizado tendo em consideração o órgão
ou órgãos com competência para o controlo, conduzindo a uma divisão entre controlo
administrativo, controlo jurisdicional e controlo político. Já se tivermos em conta o
momento em que esse controlo é efetuado, a divisão será feita entre controlo prévio,
controlo concomitante e controlo sucessivo.
O controlo administrativo é levado a cabo por órgãos da administração pública e
pode variar em função da maior ou menor autonomia de cada órgão ou serviço para a
prática de atos de despesa. O controlo político é efetuado pelo órgão representativo e o
controlo jurisdicional caberá a órgãos com funções jurisdicionais.

2. O controlo administrativo

O controlo administrativo é da competência de entidades administrativas às quais


tenham sido conferidos poderes para a fiscalização da execução orçamental e, por se tratar
de um controlo efetuado ainda por órgãos da administração pública, trata-se de um
controlo integrado num sistema interno, mas que se encontra repartido pela esfera de
competência de várias entidades:
(a) da própria entidade, serviço ou organismo que executa o orçamento
(autocontrolo);
(b) da entidade responsável pela coordenação e acompanhamento da execução do
orçamento;
(c) das demais entidades de inspeção e controlo existentes dentro de cada
Ministério190.
Embora nem sempre lhe seja atribuída grande importância a verdade é que se trata
de um tipo de controlo que, por ser feito com base em documentos que fundamentam os
atos que materializam a arrecadação de receita e os atos de realização de despesa, permite

190
Em Portugal, este tipo de controlo existe desde há algum tempo atrás, estando atualmente regulado pelo
Decreto-Lei n.º 166/98, de 25 de junho, que criou o Sistema de Controlo Interno da Administração
Financeira do Estado (SCI) e que foi regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 27/99, de 12 de
dezembro. Dentro de cada Ministério estas funções de controlo são exercidas por entidades especificamente
criadas para o efeito. A título exemplificativo são de referir a Inspeção-Geral Diplomática e Consular
(IGDC), a Secretaria-Geral do Ministério da Economia (SGME) ou a Inspeção-Geral da Defesa Nacional
(IGDN). Trata-se de entidades a quem compete, em regra, a realização de auditorias financeiras aos serviços
tutelados pelos respetivos Ministérios.

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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verificar o cumprimento das regras que subjazem à execução orçamental de forma mais
cuidadosa do que os demais tipos de controlo. Para além disso, trata-se de um tipo de
controlo que permite apreciar quer a regularidade dos atos de receita e despesa, quer as
justificações concretas apresentadas para o efeito.
Os parâmetros de controlo e o procedimento a observar estão regulamentados na
Lei de Enquadramento Orçamental, na Lei de Bases da Contabilidade Pública (LBCP -
Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro) e no Regime da Administração Financeira do Estado
(RAFE – Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho191). Podem ainda ser mobilizadas as
normas constitucionais, que auxiliam quer na interpretação, quer na determinação da
relação hierárquica das normas e as disposições que em cada ano constam do Decreto-
Lei de execução orçamental. Estes normativos estabeleceram regras específicas tendo em
consideração o tipo de autonomia de cada serviço. Assim, distingue-se entre serviços com
autonomia administrativa e financeira e serviços com mera autonomia administrativa192.
De entre as diferenças de regime destacam-se as que dizem respeito aos serviços
dotados de autonomia administrativa e as que regulam o controlo da execução orçamental
dos serviços com autonomia administrativa e financeira.

2.1. Nos serviços com autonomia administrativa

Os serviços com mera autonomia administrativa são, por definição, aqueles em


que os dirigentes apenas têm competência para autorizar a realização de despesas e o seu
pagamento relativas a atos de gestão corrente – cfr. art.º 2.º a 5.º da LBCP e art.º 2.º e ss.
do RAFE - dentro dos limites estabelecidos no art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 197/99 nas
despesas com a aquisição e locação de bens e serviços.

191
Alterado pelos Decreto-Lei n.º 275-A/93, de 29 de agosto, Decreto-Lei n.º 113/95, de 25 de maio, Lei
n.º 10-B/96, de 23 de março, pelo Decreto-Lei n.º 190/96, de 9 de outubro, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30
de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de março, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro,
pela Lei n.º 85/2016, de 21 de dezembro, pela Lei n.º 85/2016, de 21 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º
84/2019, de 28 de junho e pela Lei n.º 53/2022, de 12 de agosto.
192
Esta repartição dos serviços foi estabelecida entre nós com a revisão do Regime de Contabilidade Pública
operada em 1990 pela Lei de Bases da Contabilidade Pública – Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro, que
extinguiu os serviços dependentes. Independentemente da designação que é dada a cada serviço o que
importa, para estes efeitos, é se o mesmo é de enquadrar na classificação de serviço com mera autonomia
administrativa ou se, pelo contrário, se trata de um serviço com autonomia administrativa e financeira. Em
regra, as Entidades Públicas Reclassificadas (EPR) estão sujeitas a um regime simplificado de controlo da
execução orçamental estabelecido, em cada ano, no Decreto-Lei de execução orçamental.

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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Mesmo nesses casos encontram-se também submetidos, por força do princípio da


legalidade, às demais exigências legais, nomeadamente as decorrentes do Código dos
Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e às normas
que contenham disposições relativas à gestão do património – mobiliário e imobiliário –
do estado e da gestão dos dinheiros públicos.
Dada falta de autonomia financeira estes serviços têm que manter todas as suas
disponibilidades financeiras junto do IGCP e que requerer, em cada mês, a libertação de
créditos orçamentais à Direcção-Geral do Orçamento (DGO) – art.º 3.º LBCP e art.º 17.º
RAFE. Este pedido é efetuado mediante requerimento e acompanhado do balanço da
execução do mês anterior e da descrição dos pagamentos que se espera que venham a
ocorrer no mês seguinte.
Os serviços de contabilidade do próprio serviço efetuam, antes da autorização da
despesa, um controlo prévio da despesa, que por ser feito dentro do próprio serviço se
denomina por autocontrolo interno e por ser anterior à realização da despesa é prévio
(a denominada “conferência”) – art.º 26.º do RAFE. Este controlo não deve ser
confundido com a autorização dada pelo dirigente do serviço para a realização da despesa,
como aliás decorre do princípio da segregação de funções, já por nós referido.
Recebido o pedido de libertação de créditos a Direção-Geral do Orçamento
verifica a existência e a correção legal da inscrição orçamental da despesa e o respetivo
cabimento - art.º 3.º, n.º 3 da LBCP, art.º 18.º, n.os 2 a 4 e art.º 19.º do RAFE. Sempre que
esteja em causa a libertação de créditos para a realização de despesa com receita
consignada tem ainda que ser verificado o cumprimento do duplo cabimento – cfr. art.º
20.º do RAFE. Em todos os casos, estamos perante um heterocontrolo interno prévio
da despesa.
O controlo administrativo não se resume à fase anterior à realização da despesa,
mas incide também sobre a concreta realização e pagamento daquela. Após a realização
da despesa e efetuado o seu pagamento, a DGO efetua um heterocontrolo interno
sucessivo que analisa todos os pressupostos da legalidade da prática do ato (e não apenas
de legalidade financeira – cabimento e previsão), assim como a eficiência e eficácia da
despesa – art.º 10.º LBCP e art.º 22.º do RAFE.

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2.2. Nos serviços com autonomia administrativa e financeira

Nos serviços com autonomia administrativa e financeira a existência de receitas


próprias - em regra de valor superior ao das transferências do orçamento do estado e de
património próprio - e de orçamento próprio reduzem a necessidade de transferências de
verbas do orçamento de estado e influenciam a execução orçamental e o controlo que é
feito por parte da administração. O regime jurídico ínsito nos art.º 6.º ss. da LBCP e nos
artigos 43.º e ss. do RAFE reflete estas especificidades, sendo também importante analisar
as regras contidas no art.º 53.º do RAFE.
Em termos de controlo, existe um autocontrolo interno prévio (‘conferência’) a
efetuar pelos órgãos do próprio serviço ou organismo – cfr. al. a) do n.º 1, do art.º 53.º do
RAFE –, bem como a um heterocontrolo interno sucessivo e sistemático, a efetuar
trimestralmente pelo Ministério das Finanças nos termos da al. b) do n.º 1 do mencionado
artigo 53.º.
Nos casos em que seja solicitada a transferência das verbas inscritas no orçamento
de estado, a DGO efetua, à semelhança do que sucede no caso dos serviços com mera
autonomia administrativa, um heterocontrolo interno prévio e, quanto a essas verbas,
também um controlo sucessivo por parte do mesmo órgão – art.º 11.º da LBCP e art.º
53.º do RAFE.

3. O controlo político

O controlo político da execução orçamental é da competência da Assembleia da


República e é feito nos termos do n.º 5 do art.º 68.º da LEO. A atribuição desta
competência à Assembleia da República concretiza, mais uma vez, a ideia da existência
de uma relação de suprainfraordenação entre a o poder Legislativo e o poder Executivo
ao longo do processo orçamental.
Esta atividade de controlo político é habitualmente reconduzida à tarefa de
discussão e votação da Conta Geral do Estado. Embora essa seja a faceta mais visível do
controlo político devemos considerar ainda a atividade exercida pela Assembleia da
República de acompanhamento da execução orçamental, para o exercício da qual se
prevê, no artigo 75º da LEO, um dever de prestação de informação do Governo à
Assembleia da República. Refira-se ainda a possibilidade de requerer ao governo, em

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cada exercício orçamental, a realização de duas auditorias, e de solicitar ao Tribunal de


Contas a realização de auditoria a dois organismos do Sistema de Controlo Interno.
A importância reconhecida à discussão e aprovação da Conta Geral do Estado
resulta desde logo da disciplina estabelecida para o efeito. Trata-se de uma matéria que,
nos termos da al. e) do n.º 3 do art.º 59.º do Regimento da Assembleia da República, goza
de uma prioridade relativa, só superada por situações como a autorização e confirmação
do estado de emergência ou a análise do programa do Governo. Contudo,
dissemelhantemente ao que sucede com a discussão e votação da proposta da Lei do
Orçamento Geral do Estado, a discussão e votação em plenário não tem sido tão demorada
como sucede com a proposta de lei do orçamento193. Ainda dentro desta competência
alargada é de referir a possibilidade de, a todo o tempo, a Assembleia da República poder
solicitar auditorias suplementares ao Tribunal de Contas. Será durante este processo de
discussão e aprovação da conta que serão apuradas as eventuais responsabilidades
políticas pela execução orçamental.
A discussão e votação da conta – que é remetida à Assembleia da República até
30 de junho do ano seguinte ao que diz respeito - é precedida da receção do parecer do
Tribunal de Contas e do parecer Conselho de Finanças Públicas bem como dos pareceres
da comissão permanente e das comissões setoriais.
O processo orçamental apenas fica completo com a aprovação da conta e com a
sua publicação no Diário da República.

4. O controlo jurisdicional
4.1. Notas introdutórias: a repartição de competências entre os vários tribunais

O controlo jurisdicional cabe a órgãos jurisdicionais e é executado, nos ternos do


art.º 107.º da CRP e do art.º 64.º da LEO, pelo Tribunal de Contas e pelos demais
Tribunais no exercício das suas funções.
A opção do legislador foi a da criação de um órgão de controlo jurisdicional que
segue o modelo continental de fiscalização da atividade financeira do Estado por um

193
O prazo para discussão em plenário é definido em conferência de líderes – cfr. art.º 207.º, n.º 1 do
Regimento da Assembleia da República. Já no que diz respeito aos prazos para emissão dos pareceres por
parte da comissão permanente, da comissão parlamentar competente em razão da matéria e por parte dos
serviços da Assembleia da República previstos no art.º 206.º do Regimento da Assembleia da República
sobre a Conta verifica-se que são superiores aos que se encontram previstos para o orçamento.

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Tribunal com características que não se resumem àquelas de um órgão jurisdicional194,


ao qual também está acometida também a função de auditoria e, a partir de 2024, da
certificação das contas do Sector Administrações Públicas 195.
O Tribunal de Contas português, apesar de ser caracterizado pela Constituição –
arts. 214.º e 216.º – e pela Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC
– Lei n.º 98/97, de 26 de agosto196) como um verdadeiro tribunal, tem funções que
exorbitam as tradicionais funções jurisdicionais. As especificidades deste Tribunal
alargam-se também à sua composição: os juízes conselheiros, recrutados por concurso
público documental, não são necessariamente magistrados nem têm que possuir formação
jurídica, podendo ser recrutados de entre profissionais cujas áreas de formação se alargam
antes às áreas da Economia, Finanças ou Organização e Gestão bem como a outras áreas
adequadas ao exercício das funções197.
Do n.º 4 do referido art.º 64.º da LEO decorre que a competência principal de
controlo jurisdicional da execução orçamental cabe ao Tribunal de Contas
reconhecendo-se competência aos demais tribunais, dentro das matérias que lhes cabem
nos termos dos respetivos estatutos. É de notar que a competência para a efetivação do
controlo jurisdicional da execução orçamental se reparte entre os vários órgãos
jurisdicionais, ou seja, os Tribunais, de acordo com as várias esferas de competência.
Diríamos que, à exceção das receitas creditícias, a apreciação da generalidade dos aspetos
da execução do orçamento das receitas fica de fora da competência do Tribunal de Contas,

194
Tem vindo a ser discutida a natureza jurídica do Tribunal de Contas havendo quem entenda que, dadas
as especificidades dos seus poderes de controlo, que não se limitam aos poderes de um comum tribunal e
incidem mesmo sobre o mérito da atuação, revelariam a existência de um órgão de controlo que se
aproximaria das entidades de auditoria pública existentes em países como o Reino Unido. Contudo, no caso
português a Constituição refere a sua existência como um órgão jurisdicional e classifica-o como órgão de
soberania – cfr. art.º 209.º e art.º 214.º da CRP, tratando-se, porém, de um tribunal de competência
especializada. Por ser um Tribunal terá que observar na sua atuação os princípios que se aplicam aos demais
tribunais, nomeadamente o princípio da independência e da exclusiva sujeição à lei – art.º 201.º da CRP –
direito à coadjuvação de outras entidades – art.º 202.º da CRP – princípio da fundamentação, da
obrigatoriedade e da prevalência das decisões – art.º 201.º da CRP – e princípio da publicidade – art.º 206.º
da CRP:
195
Este alargamento de competências decorre da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro.
196
Alterada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 1/2001, de 4 de janeiro, alterada pela
Lei 55-B/2004, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto, pela Lei n.º 35/2007, de 13 de
agosto e pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pela Lei n.º 61/2011, de 7 de dezembro, pela Lei n.º 2/2012,
de 6 de janeiro, pela Lei n.º 20/2015 de 9 de março (que a republica em anexo), pela Lei n.º 42/2016, de 28
de dezembro e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho e pela Lei n.º
12/2022, de 27 de junho.
197
Sobre a forma de recrutamento dos juízes do Tribunal de Contas veja-se o regime estabelecido nos arts.
18.º e ss. da Lei de Organização e Processo no Tribunal de Contas (LOPTC).

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enquanto que a generalidade dos aspetos relativos ao controlo jurisdicional da execução


do orçamento das despesas é da competência exclusiva deste Tribunal. O mesmo sucede
com a competência para o apuramento da responsabilidade financeira pela execução
orçamental que, nos termos do art.º 214.º, n.º 1 al. d) da CRP198.
A verificação da conformidade dos atos de execução orçamental pode estar sujeita
a um controlo prévio, a um controlo concomitante ou a um controlo sucessivo. Ao
Tribunal de Contas estão ainda acometidas outras funções relacionadas com o controlo
da execução orçamental como sejam: (a) emissão de Parecer sobre a Conta Geral do
Estado, cabendo às respetivas secções regionais emitir Parecer sobre as Contas das
Regiões Autónomas e a (b) certificação legal de contas (apenas aplicável a partir da Conta
de 2023) – cfr. art.º 66.º, n.º 6 da LEO e at.º 5.º, da Lei n.º 151/2015, na redação que lhe
foi dada pela Lei n.º 42/2020, de 18 de agosto.

4.2.O controlo jurisdicional feito pelo Tribunal de Contas


4.2.1. A fiscalização prévia

O controlo prévio ou fiscalização prévia tem por finalidade verificar a existência


de conformidade financeira dos atos, contratos ou outros instrumentos de execução
orçamental e é efetuada num momento anterior ao da autorização da despesa. Esta
atividade materializa-se na verificação do cumprimento das normas legais em vigor e da
existência de cabimentação e de fundos disponíveis para o pagamento da mesma - art.º
44.º ss. da LOPTC.
Estão sujeitos a fiscalização prévia por parte do Tribunal de Contas os atos e
contratos (ou minutas de contratos se gerarem despesa imediata) que originem despesa
pública, praticados pelas entidades referidas no art.º 2.º da LOPTC199, e cujo valor exceda

198
Note-se que a atribuição de competências exclusivas nos domínios referidos não contende nem com a
garantia do duplo grau de jurisdição, operacionalizada através dos procedimentos adotados e da composição
dos colégios que efetuam a apreciação dos processos, quer pela possibilidade de existência de recurso para
o Tribunal Constitucional. A discussão em torno da limitação de competências do Tribunal de Contas
ratione materiae é uma questão controversa e pode mesmo levar a uma expansão dos poderes do Tribunal
de Contas e a uma sobreposição de esferas de controlo. Neste sentido veja-se LICÍNIO LOPES MARTINS,
“Jurisdição Financeira: a fiscalização de legalidade das despesas públicas pelo Tribunal de Contas”, Boletim
de Ciências Económicas, vol. LXIII-A, A Despesa Pública na Encruzilhada do Século XXI, FDUC,
Coimbra, pp. 127-150.
199
A delimitação do âmbito de competência do Tribunal de Contas decorre, nomeadamente, do art.º 2.º da
LOPTC mas este artigo deve ser lido em articulação com os art. os 5.º e 6.º do mesmo diploma legal.

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o valor fixado no art.º 48.º da LOPTC200. De acordo com esta estatuição, ficam sujeitos a
fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas todos os atos de realização de despesa, mas
apenas aqueles que se encontrem previstos no art.º 46.º LOPTC e não excetuados pelo
art.º 48.º ou dela não isentos - em razão do valor - pelo art.º 48.º LOPTC.
Submetido que seja o pedido de fiscalização prévia, este é inicialmente analisado
pelos Serviços da Direção-Geral do Tribunal de Contas201. Feita esta primeira apreciação
pode ser solicitada qualquer diligência instrutória. Caso seja possível concluir desde logo
pela existência de conformidade será a própria Direção-Geral a emitir a declaração de
conformidade do ato, declaração esta que será validada pelos juízes de turno, e
posteriormente comunicada ao requerente – cfr. art.º 83.º, n.º 1 da LOPTC.
Nos casos em que não seja possível a emissão de um juízo de conformidade, os
processos são instruídos com os elementos constantes do n.º 1 do art.º 84.º da LOPTC e
remetidos à primeira sessão diária de visto. Havendo fundamento para a concessão do
visto, o mesmo será concedido, mas, se houver fundamento para a recusa do visto, o
processo será remetido para a sessão plenária da 1.ª secção, acompanhado da proposta de
decisão. Assim, a emissão de visto nos casos em que não tenha sido possível a emissão
de declaração de conformidade ou em que tenham existido dúvidas sobre a legalidade dos
atos ou contratos fica sujeita a uma apreciação por, pelo menos, 3 juízes e, nas situações
mais complexas, pelo plenário da secção. Já quando se entenda que há fundamentos para
a recusa do visto a apreciação terá sempre que ser feita pelo plenário da secção 202.
Qualquer que seja a decisão, esta deve ser comunicada à entidade requerente no próprio
dia em que tenha sido proferida.
É de notar que todo este processo tem que estar concluído no prazo de 30 dias
úteis contados a partir da data de registo da entrada, prazo este que se suspende quando
tenha sido solicitado à entidade requerente o envio de elementos ou a prática de atos
instrutórios. Nestes casos a suspensão ocorre entre a data em que é ordenado o envio de

200
Até à alteração introduzida na LOPTC pela Lei n.º 27.º-A/2020, de 24 de julho, o valor a partir do qual
era obrigatória a submissão a visto prévio do Tribunal de Contas era fixada anualmente. A fixação destes
valores mínimos tem por finalidade evitar que o TdC se tenha que pronunciar sobre a execução de atos de
valor muito baixo, permitindo uma melhor utilização dos recursos do Tribunal para a análise de situações
que, do ponto de vista monetário, têm um maior impacto nas contas públicas.
201
A organização e tramitação dos processos de fiscalização prévia junto do Tribunal de Contas está
prevista na Resolução n.º 3/2022-PG, do Tribunal de Contas, publicada no Diário da República, 2.ª série,
de 8 de abril de 2022 e pela Resolução n.º 4/2022-PG, do Tribunal de Contas, publicada no Diário da
República, 2.ª série, de 6 de abril de 2022.
202
Excecionalmente a participação na discussão e na votação pode ser alargada, por decisão do Presidente,
aos restantes juízes do Tribunal.

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documentos ou a prática de diligências até à data em que os elementos solicitados sejam


enviados ou as diligências concluídas. A formação de visto tácito permite à entidade
requerente iniciar a execução do ato ou contrato visado no prazo de 5 dias úteis sobre o
prazo do termo para a formação de visto tácito.
A recusa de visto do Tribunal de Contas não ocorre em todos os casos em que
exista uma ilegalidade, mas apenas nos casos de nulidade, falta de cabimento ou violação
direta de normas financeiras e ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado
financeiro da operação. Pode então concluir-se que a análise do Tribunal de Contas versa
não só sobre a compatibilidade do ato ou contrato com as normas financeiras, mas
também com as demais normas legais. Trata-se de um verdadeiro juízo de legalidade a
que acresce um juízo de legalidade financeira, ou seja, trata-se de um juízo de legalidade
jurídico-financeira.
O visto do TdC assume-se, em regra, como condição de eficácia financeira do ato
apreciado, que não pode produzir efeitos até à data da notificação da concessão do visto.
Contudo, se durante esse período – o que intermedeia entre a prática do ato e a notificação
da recusa do visto – tiverem sido realizados trabalhos ou adquiridos bens pode ser
efetuado o seu pagamento, desde que tal não implique encargos superiores aos previstos
para aquele período203.
Nos casos em que os atos ou contratos que, estando sujeitos a visto, sejam de valor
inferior a € 950 000,00 o ato ou contrato pode produzir apenas efeitos não financeiros –
art.º 45.º, n.º 4 a contrario da LOPTC. Tratando-se de atos, contratos ou demais
instrumentos sujeitos à fiscalização do TdC cujo valor seja superior a € 950 000,00 apenas
se admite a produção de efeitos não financeiros se o ato ou contrato sujeito a fiscalização
prévia tiver sido praticado na sequência de um processo de ajuste direto por motivos de
urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante,
que não lhe sejam imputáveis e em que não tenha sido possível cumprir os prazos relativos
aos demais procedimentos previstos na lei – art.º 45.º, n.º 5 LOPTC.

203
Estes efeitos não sofrem quaisquer limitações nos casos em que o visto seja concedido, embora
acompanhado de recomendações. A natureza jurídica das recomendações coloca-nos perante o desafio de
saber qual a consequência do seu incumprimento. Em termos jurídicos, e dentro do âmbito de questões
relacionadas com a execução orçamental, podemos dizer que o seu cumprimento é tido em consideração,
nomeadamente, para efeitos de responsabilidade financeira, nomeadamente para relevação da mesma, nos
termos do n.º 9 do art.º 65.º da LOPTC. Sobre as recomendações do Tribunal de Contas veja-se, em opinião
que acompanhamos muito de perto, JOSÉ F. F. TAVARES, Recomendações do Tribunal de Contas? Conceito,
natureza e regime, Almedina, Coimbra, 2008.

118
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A recusa de visto tem como efeito direto a cessação de todos os efeitos jurídicos
dos atos ou contratos visados que ocorram após a notificação da decisão do TdC. Estando
em regra suspensos os efeitos financeiros, admite-se, excecionalmente, o pagamento
daquelas despesas cuja contrapartida material já tenha ocorrido, desde que o valor não
ultrapasse o que estava programado para a execução do ato ou do contrato naquele
período.

4.2.2. A fiscalização concomitante

A fiscalização concomitante encontra-se prevista no art.º 49.º da LOPTC e tem


algumas similitudes com a fiscalização prévia. Contudo, o procedimento, seus efeitos e
vinculatividade dos juízos emitidos pelo TdC são diversos.
É semelhante a finalidade da fiscalização: acautelar o cumprimento das normas
jurídico-financeiras aplicáveis aos atos de gestão pública. Trata-se de um tipo de
fiscalização que se materializa na realização de auditorias levadas a cabo pela 1.ª secção
ou pela 2.ª secção.
As auditorias realizadas pela 1.ª secção incidem sobre os procedimentos e atos
administrativos que digam respeito a despesas de pessoal, bem como a contratos que não
estejam sujeitos a fiscalização prévia. Incidem ainda sobre a execução de atos e contratos
sujeitos a fiscalização prévia. Trata-se, em todos os casos, de um controlo que é exercido
durante a execução dos atos ou contratos ou após a finalização da execução e do
pagamento desse tipo de despesas.
As auditorias realizadas pela 2.ª secção são também exercidas durante o processo
de execução dos atos e contratos e versam apenas sobre a atividade financeira. Esta
atividade não deve ser confundida com as auditorias realizadas pelo TdC no âmbito do
art.º 55.º da LOPTC, dada a diferença do âmbito de incidência e da fase em que ocorrem.
Durante estes processos de auditoria podem ser detetadas ilegalidades e, quando
tal suceda, os processos podem ser remetidos para apuramento de eventual
responsabilidade financeira. Sempre que essa ilegalidade diga respeito a procedimentos
pendentes, deve ser notificada a entidade com competência para autorizar a despesa ser
notificada para remeter o processo para emissão de visto prévio, suspendendo-se de
imediato a possibilidade de execução do ato até ao momento da emissão de visto
favorável.

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4.2.3. A fiscalização sucessiva

A fiscalização sucessiva regulada nos arts. 50.º e ss. LOPTC distingue-se das
restantes porque incide sobre atos e contratos já executados. Neste tipo de fiscalização
são apreciadas (todas) as contas das entidades sujeitas à jurisdição do TdC, avaliados os
sistemas de controlo interno de cada serviço e a “economia, eficácia e eficiência” da
gestão financeira. O TdC assegura, ainda, a fiscalização da comparticipação nacional nos
recursos da União Europeia e aplicação dos recursos financeiros oriundos da União
Europeia. Do lado da receita, a fiscalização sucessiva por parte do TdC individualiza a
fiscalização da emissão de dívida pública direta – verificação do cumprimento dos limites
de endividamento e demais requisitos exigidos pela Assembleia da República, o que nos
leva a concluir que quanto à dívida pública, é dada especial atenção não só aos atos que
materializam despesa como sejam atos de gestão de dívida pública e do pagamento dos
respetivos encargos (amortização de capital e juros), como também ao lado da receita.
Esta análise do TdC não se resume, porém, à apreciação da legalidade jurídico-
financeira entendendo-se à verificação do cumprimento de exigência de economia,
eficiência e eficácia e às práticas de boa gestão financeira.
Embora do ponto de vista conceptual a economia, a eficiência e a eficácia devam
ser vistos como princípios de boa gestão e permitam avaliar se e em que medida a
realização de uma determinada despesa pública permitiu assegurar padrões elevados de
qualidade dos serviços públicos, com o menor dispêndio possível de recursos públicos e
a escolha dos recursos a utilizar permita que sejam determinados aqueles cuja utilização
seja mais adequada ao resultado, as práticas de boa gestão podem incluir ainda a
referência ao momento escolhido para a prática do ato ou execução do contrato. Por se
tratar de juízos técnicos que se afastam dos juízos de legalidade esta atividade constitui
uma nuance específica do controlo jurisdicional efetuado pelo Tribunal de Contas e que
não existe nos casos em que a fiscalização jurisdicional da execução orçamental é
efetivada pelos demais Tribunais.

4.2.4. O apuramento de responsabilidades financeiras: breves referências

Dentro da atividade do TdC há que considerar ainda aquela que se reporta ao


apuramento da responsabilidade financeira pela prática de atos de execução orçamental.
Trata-se de uma atividade exercida de modo contínuo e que tem por base a existência de

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indícios da prática de atos que possam gerar responsabilidade financeira. A deteção dessas
atividades deve ser reportada nos relatórios das ações de controlo. Sempre que existam
evidência da prática de atos suscetíveis de serem enquadrados numa das situações
previstas nos arts. 59.º, 60.º, 65.º ou 66.º, os processos são remetidos ao Ministério
Público204.
Dentro da responsabilidade financeira há que distinguir entre a responsabilidade
financeira sancionatória e a responsabilidade financeira reintegratória. Estes dois tipos de
responsabilidade encontram-se regulados, respetivamente, nos arts. 65.º a 68.º e 59.º a
64.º, respetivamente.
De modo muito sucinto diremos que o apuramento de responsabilidades é feito
em processos de julgamento de contas e em processos de julgamento de responsabilidades
financeiras ou ainda em processos autónomos.
De comum a todos estes processos o facto de apenas existir responsabilidade
financeira nos casos especificamente previstos na lei. Enquanto na responsabilidade
financeira reintegratória a responsabilização do agente apenas ocorre nos casos em que
este tenha atuado com culpa, e tem por objetivo a reposição nos cofres do estado do
montante material da lesão dos dinheiros ou dos valores públicos, podendo estes valores
ser diminuídos em caso de negligência, na responsabilidade sancionatória o que está em
causa é o pagamento e uma multa por incumprimento de alguma das obrigações previstas
nos arts. 65.º e 66.º da LOPTC205.

204
Esta remessa pode ainda ser feita pela Assembleia da República ou pelas Assembleias Legislativas
Regionais nos casos referidos no art.º 5.º, n.º 3 ou pelas entidades referidas no art.º 29.º, todos da LOPTC.
205
Sem nos pronunciarmos detalhadamente sobre a natureza jurídica da responsabilidade sancionatória e
da responsabilidade reintegratória diremos apenas que a primeira se assemelha bastante à responsabilidade
contraordenacional e a segunda à responsabilidade extracontratual. Contudo, os fundamentos, os traços de
regime de cada uma delas e o facto de serem cumuláveis com a responsabilidade penal, disciplinar e civil
leva-nos a pensar que estaremos perante institutos cuja natureza jurídica é diversa daqueloutras.

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