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Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
PARTE I
UMA INTRODUÇÃO À NOÇÃO E OBJETO DAS FINANÇAS PÚBLICAS
Este excerto da obra de António Jardim demostra bem a importância que, desde
cedo, se reconheceu ao ensino da disciplina de Finanças Públicas na Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra. Já naquela época, os argumentos dos que se opunham à
criação da nova disciplina assentavam nas dificuldades de delimitação do seu objeto de
estudo e na sua questionável autonomia face ao objeto de estudo da Economia Política.
1
O presente texto destina-se exclusivamente aos alunos da unidade curricular de Finanças Públicas
I, da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no ano letivo de
2023/2024, replicando-se em conjunto as versões dos sumários desenvolvidos correspondentes ao ano
letivo 2022/2023. O uso com outras finalidades e a sua reprodução não autorizados encontram-se
vedados.
Trata-se de um trabalho em execução, cuja consulta é disponibilizada excecionalmente aos referidos
alunos, como material de apoio ao estudo. Por essa razão, antecipa-se a possibilidade de existência de
lapsos formais (tipográficos, siglas e abreviaturas, relacionados com o modo de citar, entre outros)
na edição.
2
ANTÓNIO DOS SANTOS PEREIRA JARDIM, Princípios de Finanças “segundo as preleções feitas no ano
lectivo de 1868-1869”, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1870 p. 50. O mesmo autor, na
Oração de Sapiência recitada na Sala dos Grandes Atos da Universidade de Coimbra, no dia 16 de outubro
de 1886, refere a existência de duas disciplinas designadas uma por “Economia Política e Estadística” e
outra por “Sciência e Legislação Financeira”. ANTÓNIO DOS SANTOS PEREIRA JARDIM, Oração de Sapiência
recitada na Sala dos Grandes Atos da Universidade de Coimbra no dia 16 de outubro de 1885, Imprensa
da Universidade, Coimbra, (1885), ou, em publicação mais recente, RUI DE FIGUEIREDO MARCOS e MARIA
DE JOÃO PADEZ DE CASTRO (org.), Orações de Sapiência da Faculdade de Direito, Imprensa da
Universidade de Coimbra, Coimbra, 2007, pp. 93-94.
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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Sobre a noção e objeto da Economia Política veja-se A. J. AVELÃS NUNES, Noção e Objecto da Economia
Política, Almedina, Coimbra, 2014.
4
A autonomização do objeto de estudo das Finanças Públicas face ao objeto da Ciência da Economia
Política quer em termos setoriais quer apenas em termos objetuais está diretamente relacionada com a
possibilidade de poderem ou não ser reconhecidas às Finanças Públicas as características de ciência e, para
além disso, de se determinar se tem ou não carateres de distinção material face à Economia Política. A
resposta a esta questão está relacionada também com o entendimento que em cada época ou período se
reconheça ao próprio Estado e ao papel que este desempenha no circuito económico, mas,
independentemente desse facto, sempre teremos que concluir que ao menos do ponto de vista didático há
efetivamente razões que justificam a sua autonomização.
5
A esta separação faz-se corresponder, em certa medida, a divisão de matérias que na nossa Faculdade tem
vindo a ser feita nas unidades curriculares de Finanças Públicas I e Finanças Públicas II, pese embora o
facto de não existir uma separação absoluta.
6
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed. refundida e atualizada, Coimbra Editora,
Coimbra, 1996 (ou posterior), p. 46.
7
Podemos encontrar uma esquematização idêntica, entre outros, em ANÍBAL ALMEIDA, Estudos de Direito
Tributário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, p. 23.
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Direito Tributário
Direito Fiscal
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Conjunto de normas jurídicas relativas à obtenção das receitas públicas coativas.
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Na sua inegável elegância de escrita e também no seu sentido de humor muito próprio, Aníbal Almeida
fazia, a este propósito, uma comparação entre o Estado e aqueles parentes próximos com comportamentos
indesejados, mas que não podem deixar de ser convidados para as festas de família. Sabe-se que eles
existem e que têm que ser convidados, mas são sentados na mesa de forma a ficarem o mais afastados
possível do centro das atenções. Também o estado foi visto durante muito tempo como indesejado, um
incómodo, mas um incómodo esbanjador.
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de um mesmo mundo e por isso não estaremos perante duas disciplinas que tenham
diferenças a nível setorial, pois não existe por um lado a ‘economia política’ e por outro
as ‘finanças públicas’, que se dedicariam ao estudo de um outro setor10.
Acompanhamos, ainda, a posição de Aníbal Almeida no que à perspetiva de
análise diz respeito: só se utilizarmos uma visão idêntica à dos autores liberais 11 – em que
o Estado é compreendido como um puro esbanjador, um consumidor improdutivo (uma
espécie de parente indesejado) e que por isso não tem capacidade (ontológica) para aceder
à condição de agente económico – é que podemos sustentar que o objeto de estudo das
Finanças Públicas e da Economia Política não são idênticos.
Só numa perspetiva de análise desse tipo, em que a Economia Política se dedica
ao estudo dos mecanismos económicos fundamentais, baseados nos princípios do
interesse e da liberdade pessoal, e em que uma disciplina de Finanças Públicas estuda a
atividade do Estado, é que se pode entender que à Economia caberia estudar as relações
de troca (du ut des), enquanto que às Finanças Públicas caberia analisar o fenómeno da
cobrança de impostos, alicerçado no ius imperii e que corresponde ao (inferno) da
coação12. Todavia, como tal não é o que sucede, não pode existir essa cisão material de
objetos de estudo. Não só o Estado não é, nas economias atuais, um agente que atua à
margem da economia e surge, não raras vezes, numa posição idêntica à dos demais
agentes económicos13, como a sua interação com os demais setores da economia tem
efeitos bem visíveis.
A existir uma diferenciação do objeto de estudo das duas disciplinas esse facto
decorre da existência de uma fundamentação económica diversa das políticas financeiras
do setor público, sempre orientadas por princípios de direito público e de interesse
público, em que o ganho económico, quando surge como fundamento da atuação, é
analisado numa perspetiva de economia, eficiência e eficácia, sendo muitas vezes, e ainda
10
Esta posição opõe-se à de Teixeira Ribeiro e de Almeida Garrett. ANÍBAL ALMEIDA, Relatório com o
programa, os conteúdos e os métodos de ensino teórico e prático da disciplina Economia e Finanças
Públicas, policopiado, Coimbra, 1991, p. 77.
11
Note-se que os autores marginalistas, ao utilizarem uma perspetiva de análise microanalítica, excluem o
Estado do objeto de estudo da Economia Política.
12
Hoje em dia esta divisão faz ainda menos sentido dada a existência de inúmeras situações em que o
Estado atua despido desse ius imperii.
13
Referimo-nos, por exemplo, àquelas situações em que o Estado atua no mercado em condições idênticas
às dos demais participantes.
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assim, relegado para um papel marginal ou de ultima ratio, de uma entidade cuja atuação
se resume à escolha da opção mais adequada, de entre as várias opções possíveis 14.
As Finanças Públicas e a Economia Política são disciplinas inseridas na área das
ciências sociais, afastando-se em larga medida das ciências exatas. Apesar dessa
semelhança, existe uma separação objetual de uma disciplina face à outra e que é
justificada, não pela falta de coincidência de ambos os objetos de estudo, nem pela
existência de obstáculos para a inclusão da análise da atividade económica do Estado no
objeto de estudo da Economia Política ou, sequer, pelas especificidades do (macro)agente
económico Estado15.
Do que acabamos de referir resulta que, apesar de existir uma unidade do objeto
material de estudo da Economia Política e das Finanças Públicas – a realidade social –,
pode ser defendida uma separação – mas não uma segmentação - para efeitos meramente
didáticos. Esta autonomização aparece também justificada, nas palavras de Teixeira
Ribeiro, pelas especificidades de financiamento da atividade do agente económico
Estado, levando a que se sustente que as Finanças Públicas têm como objeto o estudo da
“aquisição e utilização de meios financeiros pelas coletividades públicas”16, ou seja, o
estudo das “normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros
públicos”17.
14
Seguindo nesta matéria A. L. de Sousa Franco e Aníbal Almeida, entendemos que, apenas do ponto de
vista epistemológico e didático, as Finanças Públicas se afastam da Economia Política, inexistindo uma
cisão objetual entre as duas disciplinas, ao contrário do que sustenta Teixeira Ribeiro. Por um lado, porque
o fenómeno social é único e, por outro lado, porque a ideia de que a Economia Política estudaria apenas as
relações de troca e as Finanças Públicas as relações coativas, apenas pode ser considerada verdadeira se
adotarmos uma ótica de análise similar à dos autores da Escola Clássica, em que a atividade estadual,
mesmo quando existente, não era considerada como atividade de um operador económico em sentido
próprio como o é a atividade do “operador E” (empresas) e do “operador F” (famílias), mas apenas em
sentido impróprio, nunca podendo o Estado ser considerado um agente económico.
15
Ultrapassada a conceção liberal que, por se socorrer de uma perspetiva de análise microanalítica, não
conseguia descortinar natureza (macro) do agente económico do Estado, embora alertasse para os funestos
efeitos da sua intervenção no mercado.
O recurso a uma perspetiva de análise macroanalítica permitiu alterar a conceção sobre o papel do Estado
na Economia e verificar que este desempenha um importante papel no circuito económico. Partilha com os
demais agentes económicos alguns dos fluxos financeiros e dos fluxos reais e, embora seja o único ator do
circuito que pode recorrer a receitas coativas – as receitas tributárias - para financiar a sua atividade e com
isso influenciar o comportamento dos demais, também atua no seguimento das regras do mercado em tantas
outras situações. A esta especificidade junta-se a diferenciação ao nível dos princípios que orientam a
atuação dos agentes económicos que fazem parte de cada um dos agregados.
16
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas…, cit., pp. 34 e ss.
17
Semelhante definição é adotada por vários autores como RICHARD W. TRESH, Public Finance: a normative
theory, 3.ª ed., Academic Press, 2015, em especial p. 4.
5
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18
Sobre a noção de Administração Pública veja-se J. C. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito
Administrativo, 5.ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2018, e FREITAS DO AMARAL,
Lições de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, Coimbra, 2015.
19
O SEC 2010 constante do Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de
21.05.2013 define o Setor Administrações Públicas como sendo as “unidades institucionais que
correspondem a produtores não mercantis cuja produção se destina ao consumo individual e coletivo e que
são financiadas por pagamentos obrigatórios feitos por unidades pertencentes a outros setores, bem como
todas as unidades institucionais cuja função principal é a redistribuição do rendimento e da riqueza
nacional.” Este subsetor subdivide-se em (a) Administração central (exceto os fundos de segurança social)
(S.1311); (b) Administração estadual (exceto os fundos de segurança social) (S.1312); (c) Administração
local (exceto os fundos de segurança social) (S.1313) e (d) Fundos de segurança social. Os produtores não
mercantis públicos serão aqueles que são controlados pela Administração Pública e que fornecem toda ou
a maior parte da sua produção a terceiros gratuitamente ou a preços economicamente não significativos.
Cfr. pontos 2.3 e 20.18 e ss.
20
Neste sentido veja-se, PAULO TRIGO PEREIRA e OUTROS, Economia e Finanças Públicas, 7.ª ed., Escolar
Editora, Lisboa, 2022, p. 4.
21
ANÍBAL ALMEIDA, Relatório (…), 1991, cit., pp. 70 e ss..
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A atuação do Estado pode, à semelhança do que sucede com a dos demais agentes
económicos, ser feita de acordo com vários modelos. O nível de intervenção do Estado
pode resultar de vários condicionalismos, nomeadamente pelas condições económicas e
perspetivas de evolução como, também, pelas preferências dos cidadãos eleitores.
Afastamos esta visão determinística, uma vez que ela se insere mais no campo da
politologia e referiremos, apenas, os modelos de análise dominantes.
22
ANÍBAL ALMEIDA, Estudos de Direito Tributário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, p. 26, nota 5.
23
MICHEL BOUVIER, MARIE-CHRISTINE ESCLASSAN e JEAN-PIERRE LASSALE, Finances Publiques, 21.ª ed.,
LGDJ, Paris, 2022, em especial secção 2, §1, pp. 28 e ss.
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24
Sobre uma visão atualista das Finanças Públicas veja-se JOSÉ F. F. TAVARES, Alguns aspectos estrutrais
das Finanças Públicas na Actualidade, Almedina, 2008, maxime pontos 1 e 2.
25
RICHARD MUSGRAVE, Theory of Public Finance, McGraw-Hill Book Company, 1959, pp. 5 e ss.
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26
Para maiores desenvolvimentos veja-se, a título exemplificativo, C. V. BROWN e PETER M. JACKSON,
Public Sector Economics, 4.ª ed., Wiley-Blackwell, 1990, RICHARD MUSGRAVE e PEGGY MUSGRAVE,
Public Finance in Theory and Practice, McGraw Hill Higher Education, 1989.
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27
JOHN RAWLS, A Theory of Justice, Harvard University Press, 1971 (ou versão em língua portuguesa -
Uma Teoria da Justiça, Editorial Presença, 2013).
28
RICHARD MUSGRAVE, Theory of Public Finance, cit., pp. 5 e ss.
29
ANÍBAL ALMEIDA, Relatório com o “programa, os conteúdos e os métodos de ensino teórico e prático de
uma disciplina” de Economia Pública, policopiado, Coimbra, 1998, pp. 93.
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peso a dar em cada situação concreta aos fatores da equidade, eficiência e liberdade. A
mesma análise terá que ser feita aquando da implementação de medidas ou de políticas
públicas tendentes à redistribuição de rendimentos.
A eficiência pode definir-se como a existência de uma situação ótima de alocação
de recursos em que é impossível efetuar qualquer alteração a essa distribuição sem que
algum dos visados seja prejudicado (eficiência paretiana ou ótimo de Pareto). Já a
equidade é normalmente entendida como correspondendo à justiça e à igualdade (em
sentido material).
Na ausência de falhas de mercado, os mercados perfeitamente concorrenciais
permitem atingir situações ótimas ao nível da distribuição do rendimento, mas, mesmo
na referida situação de mercado, podem existir ineficiências na distribuição dos
rendimentos. Além disso, perante situações em que exista uma falha de mercado ou em
que a distribuição de rendimentos feita pelo mercado é tida como ineficiente, abre-se um
campo de possibilidades à intervenção estadual.
As formas de intervenção para correção das falhas de mercado ou para a alteração
da distribuição do rendimento podem ser diversas, mas assentam, grosso modo, no
mesmo pressuposto: a avaliação relativa ao trade-off entre eficiência e equidade. Tendo
em consideração que o estado financia as suas políticas através de receitas provenientes
do setor privado, maxime de receitas fiscais, há que considerar os efeitos que a recolha
desse tipo de receitas tem. Ainda que as despesas estaduais (na provisão pública de bens)
venham a aumentar o bem-estar de todos ou apenas de alguns, alguns dos
contribuintes/beneficiários têm o seu bem-estar afetado. Esta diminuição de bem-estar é
representada pela impossibilidade de utilização do montante destinado ao pagamento dos
impostos. Ao invés de poderem dispor da totalidade do seu rendimento, os particulares
veem-se privados de uma parcela deste que será transferida para o Estado e destinada ao
financiamento das despesas públicas.
A eficiência e a equidade podem colidir com a liberdade negativa dos cidadãos,
que impõe a não intromissão do Estado ou, em determinados casos, leva à necessidade de
adoção de medidas e de políticas públicas que permitam manter intacto um núcleo
mínimo de liberdade na utilização dos recursos por parte dos cidadãos.
A fundamentação da decisão a tomar nos casos em que não estejamos perante uma
situação em que a atuação permita obter um primeiro ótimo de Pareto – isto é, uma
situação em que, qualquer que seja a opção escolhida, haverá sempre um conjunto de
indivíduos cujo bem-estar fica diminuído – pode ser feita com base em vários modelos,
12
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30
Sobre esta problemática veja-se JOSEPH STIGLITZ, La Economia del Sector Público, 4.ª ed., Antoni Bosch
Editor, S.A., Barcelona, 2016 e AVRYE L. HILLMAN, Public Finance and Public Policy: responsibilities and
limitations of Government, 2.ª ed., Cambridge University Press, 2009.
31
JOHN RAWLS, A Theory of Justice, … cit.
13
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Num modelo simplificado de uma sociedade constituída apenas por dois membros
– A e B – a utilidade total resulta da soma da utilidade do membro A e da utilidade do
membro B. Do mesmo modo, numa sociedade composta por uma multiplicidade de
membros, a utilidade total resultará do somatório das várias utilidades. A utilidade total
(W) resultará da soma da utilidade do grupo que ganha utilidade (U1) com a utilidade
(negativa) do grupo que perde (U2), ou seja:
W = U1 + U2
Apesar de não existir gradação de bem-estar isto não significa que para esta teoria
seja indiferente a forma como as utilidades se distribuem pelos membros que a compõem,
mas não atribui qualquer ponderação à utilidade em função das características do grupo
em causa. Se o resultado líquido da comparação da utilidade gerada e da utilidade perdida
for nulo ou positivo, fica justificada a adoção da medida ou política pública em análise.
Apenas não existe justificação económica para a adoção da medida nos casos em que
aquele resultado seja negativo. A utilidade é medida apenas de uma forma objetiva. Por
exemplo, o que acabamos de referir é válido quer o grupo dos que são beneficiados seja
o grupo dos que são detentores de rendimentos mais baixos, quer seja o grupo dos que
têm rendimentos mais elevados.
Numa posição mais moderada desta teoria defende-se que, ao menos nas situações
em que exista uma diferença muito elevada dos níveis de rendimento dos que perdem e
dos que ganham com a medida, deve ser atribuída uma ponderação mais elevada aos
ganhos (e às perdas) dos que pertencem ao grupo com menores rendimentos. Assim seria
possível evitar que existissem situações em que há um aumento de eficiência, com
possível prejuízo o princípio da equidade.
Ainda assim, apenas se toma em consideração o nível de rendimento e não as
características do próprio rendimento, numa aplicação prática da teoria da utilidade
decrescente do rendimento.
Recorrendo ao mesmo exemplo, o aumento de €1 do rendimento dos indivíduos
que pertencem ao grupo U1 – grupo dos indivíduos com menores rendimentos numa
determinada sociedade – deve ser valorado como representando um incremento do nível
do bem-estar superior ao da perda de bem-estar que a cobrança do imposto (de idêntico
montante) gera no grupo dos indivíduos integrados em U2 – grupo dos indivíduos que
pertencem à faixa da população com rendimentos mais elevados.
14
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Uma medida que permita aumentar o bem-estar dos que têm rendimentos mais
elevados, embora pudesse ser justificada por várias razões e permita um aumento do
bem-estar total (numa ótica utilitarista pura), não é considerada como adequada para este
32
Em certo sentido, as políticas redistributivas têm por fundamento a teoria utilitarista, uma vez que
também elas consideram como relevante a opção por formas de intervenção que permitam o aumento
líquido do bem-estar social, em que a escolha do grupo dos que ganham e dos que perdem bem-estar é feita
tendo por base o princípio da utilidade marginal decrescente do rendimento.
15
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modelo. Para esta teoria o que importa é conseguir promover atuações que melhorem o
bem-estar dos mais desfavorecidos, independentemente das perdas de eficiência que
possam existir. Considera-se que não é admissível um aumento do bem-estar total se este
for conseguido através do aumento do bem-estar dos mais ricos e que, ao contrário,
qualquer medida ou opção que provoque aumento de bem-estar dos mais pobres se vai
reconduzir a um aumento do bem-estar global. Isto sucede mesmo naqueles casos em que
se verificam níveis elevados de ineficiência no processo de transferência de
rendimentos33.
33
JOHN RAWLS, A Theory of Justice, cit., e AMARTYA SEN, A Ideia de Justiça, Almedina, Coimbra, 2009.
16
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34
THOMAS PIKETTY, O capital no século XXI, Círculo de Leitores, Lisboa, 2014.
35
É no respeito pela diversidade individual que reside a diferença entre igualdade e equidade, que se
compreende facilmente se recorrermos ao exemplo avançado por Evans e Hackmann. Para a satisfação da
sua necessidade de andar calçado cada indivíduo necessita de um par de sapatos composto por um sapato
para o pé direito e de um sapato para o pé esquerdo. Suponhamos agora que um grupo de indivíduos
descalça os seus sapatos e os coloca, separadamente em duas pilhas, uma pilha de sapatos para o pé
esquerdo e uma pilha de sapatos para o pé direito. Depois, cada indivíduo retira, aleatoriamente, um sapato
de cada uma das pilhas. Cada indivíduo terá acesso a um sapato para o pé esquerdo e a um sapato para o pé
direito. É, contudo, altamente improvável que algum dos participantes na experiência tenha conseguido
obter o par de sapatos adequado à sua necessidade, seja porque os sapatos são diferentes ou porque o
tamanho não é adequado ao seu pé.
36
AMARTYA SEN, Sobre Ética e Economia, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 69 e ss.
37
“Um Estado pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando
em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos”,
AMARTYA SEN, Sobre Ética…, cit., pp. 47-48.
38
AMARTYA SEN, idem.
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39
François Quesnay entendia que o comércio e a indústria não eram fontes de riqueza porque não eram
capazes de gerar excedente. Apenas a atividade agrícola, precisamente porque é capaz de gerar excedente,
é vista como fonte de riqueza. É o excedente agrícola que, ao fluir ao longo de toda a economia é capaz de
gerar crescimento económico. Mas, para que tal aconteça não podem existir entraves a essa circulação ou
estes devem ser mínimos. Se existirem entraves ao comércio, o excedente fica impedido de circular por
todas as classes sociais e compromete o crescimento económico; se forem cobrados impostos sobre a classe
produtiva para financiar as atividades ociosas e não produtivas das demais classes, há uma distorção na
distribuição do rendimento. FRANÇOIS QUESNAY, Tableau (o)economique du monde, 1781, [tradução para
língua portuguesa de TEODORA CARDOSO, Quadro Económico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
1973.
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40
Já Mirabeau entende que o Estado não pode ter sido anterior à sociedade, uma vez que o homem é
detentor de “droits naturels antérieurs à toute société, et conséquemment a toute autorité.”, PAUL SAMUEL
DUPONT DE NEMOURS, Richesse de l’Etat, Paris, 1763, e HONORÉ-GABRIEL DE RIQUETI [Conde de
Mirabeau], Essai sur le despotisme, Ant. BAILLEUL, Paris, 1821, p. 99.
41
ANÍBAL ALMEIDA, Sobre o Estado e o Poder, a Economia e a Política, Almedina, Coimbra, 2003, p. 11.
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grau para uma grande sociedade são, todavia, de tal natureza que o seu lucro nunca
pagaria a despesa de um indivíduo ou pequeno número de indivíduos”. Dito de outra
forma,
“O esforço natural de cada individuo para melhorar a sua própria condição, quando lhe é
permitido exercê-lo com liberdade e segurança, é um princípio tão poderoso que, só por sí e sem
qualquer outro contributo, é não só capaz de criar a riqueza e prosperidade de uma sociedade,
mas também de ultrapassar centenas de obstáculos inoportunos que a insensatez das leis humanas
demasiadas vezes opõe à sua actividade"42.
42
ADAM SMITH, A Riqueza das Nações, 6.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, vol. II, livro II, cap.
V. Encontramos atualmente alguns autores que entendem que deve ser feita uma outra leitura das obras de
Adam Smith, não mais se entendendo que este pode ser considerado (e as suas obras) como referindo-se ao
laissez faire no sentido de excluir toda a intervenção estadual, mas antes no sentido de a limitar de modo
adequado. Neste sentido veja-se JOSEPH STIGLITZ, Economics of the Public Sector, W. W. Norton &
Company, 1988, p. 7, HARVEY S. ROSEN, Public Finance, 9.ª ed., McGraw-Hill, 2009, pp. 5-6. Trata-se antes
de um cliché que se foi generalizando. A leitura atualizada (ou à luz das novas tendências do método
absolutista preconizado por Blaug) das suas obras parece impor que se considere que Adam Smith entende
que o Estado ou Governo deve abster-se de intervir e de limitar a ‘liberdade natural’ através de
regulamentação e outras limitações. Contudo, deixa logo de fora um importante setor: a Banca e o Setor
Financeiro. Fica ainda por explicar, mesmo pelos autores que estudaram o seu trabalho, qual a razão
subjacente à definição das atividades que o estado tem necessariamente que desempenhar: defesa, justiça e
infraestruturas, pois, não obstante podermos encontrar uma referência a características dos bens públicos
(a falha de mercado decorrente da incapacidade para financiamento através de dinheiros privados) a verdade
é que em Smith nunca encontramos a noção de free rider ou de externalidade.
Ademais, na atividade ‘Police’ ficam incluídas não só as políticas estaduais como também a política
regulatória, o que demonstra claramente uma referência a um estado que não se alheia totalmente de intervir
na economia. Para maiores desenvolvimentos, veja-se TURAN YAY, “The role of the state in Adam Smith’s
thought system and modern public finance theory: a comparative evaluation”, International Journal of
Economics and Finance Studies, vol. 2 (2), 2010.
43
A expressão pertence ao financista António Jardim. Apud ANÍBAL ALMEIDA, Relatório …, cit., 1991, p.
6.
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“Se o consumo do governo, quando aumentado pelo lançamento de impostos adicionais, for
compensado, quer por um aumento da produção, quer por uma diminuição do consumo por parte
do povo, os impostos incidirão sobre o rendimento, e o capital nacional manter-se-á inalterado;
mas se não houver aumento da produção ou diminuição do consumo improdutivo por parte do povo,
os impostos incidirão sobre o capital, isto é, afetarão o fundo destinado ao consumo produtivo.”.
Como pode ler-se, David Ricardo apenas admite que o Estado financie a sua
atividade ‘consumista’ através do recurso a receitas provenientes dos impostos.
Esta ideia continuaria a marcar os autores que se lhe seguiram, com J. B. Say a
aprofundar a análise sobre os efeitos decorrentes do financiamento dos agenda estaduais
através de receitas provenientes dos impostos. Conclui que “o imposto é um valor
fornecido pela sociedade e que lhe não é restituído pelo consumo que dele faz. O imposto
44
O estado é visto pelos autores da Escola Clássica Inglesa como um ‘mal necessário’, um intruso na
economia, um puro consumidor, ou melhor, como um esbanjador, uma vez que não consegue sequer obter
receita a não ser através da arrecadação dos impostos. O estado aparece como pertencendo a uma categoria
de entidades que, ao invés de se preocupar com a obtenção das receitas de que necessita para o
financiamento das suas atividades (e do seu consumo), vai antes buscar essas mesmas receitas a outros
entes. Não sendo o estado um produtor, é assim uma espécie de ‘marginal’ que delapida o património e
rendimento alheios para o destinar a consumo. Não cumpre assim verdadeiramente funções económicas,
mas introduz apenas uma ‘pedra’ na engrenagem perfeita que é o mercado.
21
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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representa para os privados uma perda de valor superior ao seu montante: ele custa à
sociedade os valores que faz entrar no tesouro, mas também os custos de arrecadação e
dos serviços pessoais que exige – tanto por parte dos contribuintes, como por parte do
Estado -, assim como o valor dos bens e serviços de deixam de ser produzidos. O
sacrifício resultante do pagamento do imposto, afeta o contribuinte na sua qualidade de
produtor, na medida em que altera os seus lucros e na qualidade de consumidor, na medida
em que aumenta o valor das suas despesas, ao encarecer os produtos que adquire.
Resumindo: “O Estado é o imposto e o imposto um (triplo!) mal”45 (Aníbal Almeida, p.
11).
John Stuart Mill deixa uma mensagem clara e coerente: O laissez faire deve
continuar a ser a prática geral, excecionando-se apenas aquelas situações em que a
intervenção estadual seja requerida por um grande bem (uma espécie de interesse
público).
Com a transição para o marginalismo, autores como Joseph Schumpeter, Léon
Walras e Vilfredo Pareto – os designados primeiros (verdeiros) marginalistas – mantêm
a mesma linha de entendimento dos autores clássicos: a autossuficiência e autorregulação
dos mercados e, ao utilizarem uma perspetiva de análise microanalítica, acabam por
afastar por completo o Estado do objeto de estudo da Economia Política. Ficariam de fora
questões que, embora respeitando o espaço lógico do Estado ou Governo, pudessem gerar
desequilíbrio ou distorção no funcionamento livre da economia. Questões como o Estado
social ou as novas funções de estabilização e de redistribuição seriam tratadas na
economia social, pois na economia não aparecem senão pequenos fragmentos daquelas
que colocam em causa o bom funcionamento do mercado. Expurgando também dessa
mesma análise, mas agora em termos metodológicos, considerações doutrinais,
institucionais ou históricas, que, por serem marcadas pela contingência, poderiam
contaminar o estudo de uma economia que se quer entendida como uma «economia pura».
De comum aos vários autores há o entendimento de que há uma espécie de
perpétuo e automático equilíbrio do mercado46. Se o mercado, agindo livremente e sem
amarras, consegue uma ótima afetação de recursos e distribuição de rendimentos, não faz
45
ANÍBAL ALMEIDA, Sobre o Estado e o Poder, a Economia e a Política, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 17.
46
Que em Schumpeter é representado pelo intervalo entre o mercado de concorrência perfeita e o mercado
de monopólio; em Walras aparece como um equilíbrio em sentido geral; e em Pareto como um conceito
de primeiro ótimo.
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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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sentido falar-se em intervenção pública para uma melhor afetação de recursos e ainda
menos para redistribuição. Essa intervenção é, aliás, tida por nefasta.
Não faria assim sentido sustentar que a despesa estadual pudesse representar uma
parcela significativa do Produto Interno Bruto. Assim, a despesa pública total deveria
situar-se por volta dos 10% do PIB, destinando-se quase exclusivamente ao
financiamento dos (parcos) agenda estaduais47.
47
Para maiores desenvolvimentos sobre a despesa pública e as razões justificativas veja-se V. TANZI e L.
SCHUKNECHT, Public Spending in the 20th Century: a global perspective, Cambridge University Press,
2000, pp. 3-49 e V. TANZI e L. SCHUKNECHT, Reforming Public Expenditure in industrialised countries are
there trade-offs?, Working Paper Series (BCE), n.º 435, fev. 2005.
48
CAROL BERKIN, CHRISTOPHER MILLER, ROBERT CHERNY e JAMES GORMLY, Making America: a history of
United States, Volume 2: A History of the United States: Since 1865, Cengage Learning, 2011, pp. 629–
632.
23
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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“To dig holes in the ground', paid for out of savings, will increase, not only employment, but the
real national dividend of useful goods and services. It is not reasonable, however, that a sensible
community should be content to remain dependent on such fortuitous and often wasteful mitigations
when once we understand the influences upon which effective demand depends.”49
49
J. M. KEYNES, The General Theory of Employment, Interest, and Money, Harcourt Inc. Nova York, 1964
cap. 16.
24
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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que não consegue corrigir. Abre-se assim a possibilidade de intervenção do Estado, por
via legislativa ou através de uma intervenção direta, para as tentar corrigir.
As finanças intervencionistas não implicam necessariamente um aumento da
despesa pública, pois são compatíveis com gastos públicos de montante moderado ou de
montante mais elevado. A preocupação dos economistas cujas teorias devem ser
enquadradas nesta corrente está, antes de mais, relacionada com a designada regra de ouro
das finanças públicas, de acordo com a qual o saldo orçamental corrente deve ser nulo ou
positivo. Como teremos oportunidade de ver quando analisarmos as questões relativas ao
equilíbrio orçamental este tipo de orçamento não considera nefasto o recurso a receitas
provenientes de empréstimos por parte dos Estados – as designadas receitas de capital –
desde estas se destinem exclusivamente ao pagamento de despesas de investimento.
Contudo, o que se verificou na generalidade dos países foi um aumento da despesa pública
estadual, tendo em muitas economias atingido valores muito próximos ou mesmo acima
dos 50% do PIB.
25
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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concessão de benefícios fiscais e outros incentivos fiscais que possam incentivar a elisão
fiscal - rent seeking-, deve ser fortemente limitada, evitando as distorções que a cobrança
de impostos causa no mercado.
Consequentemente a introdução de regras constitucionais que imponham a
apresentação e execução de orçamentos materialmente equilibrados ou que limitem o
défice orçamental e limitem o financiamento da despesa pública através do recurso a
receitas provenientes de empréstimos constituem mecanismos normativos adequados.
50
Atualmente aceita-se como plenamente válida a ideia de que as decisões tomadas pelo operador G afetam
os mais variados aspetos da economia, sendo a face mais visível deste impacto aquela que decorre do
26
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Teixeira Ribeiro, segundo a qual “o Estado não é um indivíduo, mas uma coletividade de
indivíduos e como tal não tem conteúdo psíquico, não pensa nem sente e por isso não
pode sentir necessidades”, facilmente compreendemos que o Estado quando realiza
despesas não está a satisfazer necessidades próprias (a não ser aquelas que Anthony
Downs refere), mas sobretudo necessidades dos cidadãos pelas quais se deve sentir
responsável. Ao falarmos em provisão pública pretendemos referir-nos àquelas situações
em que as caraterísticas dos bens e a forma de acesso são definidas pelo Estado, que
assegura também, total ou parcialmente, o financiamento daquela produção.
Convém, contudo, não confundir provisão pública com produção pública. É que a
primeira e que acabamos de referir, tanto é compatível com a existência de produção
pública como com produção total ou parcial por privados, mas os custos de produção são
financiados através de receitas públicas. Convém por isso distinguir claramente as duas
situações. A produção total ou parcial pública implica que o bem em causa seja produzido
por uma entidade pública que detém o controlo de todo o processo produtivo.
Provisão pública e produção pública também não são sinónimo de bens públicos
ou de bens semipúblicos, como veremos mais adiante.
pagamento de impostos e outros tributos. Mas, também consegue perceber-se o impacto da atividade
estadual na economia se olharmos para o estado enquanto produtor ou enquanto financiador da provisão de
bens. Estamos a referir-nos, sobretudo, aos casos em que o Estado aparece como empregador público, mas
não podemos deixar de mencionar os casos em que o Estado transfere recursos para entidades privadas por
forma a financiar a produção privada de bens que serão depois distribuídos de acordo com regras que não
são as de mercado. É ainda importante referir a importância do estado regulador: neste caso a intervenção
é feita por via indireta ou legislativa.
51
Convém dizer, desde já, que os bens públicos não se confundem com os bens primários de que falava
John Rawls. Estes corresponderiam aqueles bens que estão ligados à própria estrutura da sociedade e que
permitem, de uma forma objetiva, averiguar a existência de justiça social ou, se preferirmos utilizar uma
linguagem mais simplista, aqueles bem que permitem que todos os cidadãos estejam no mesmo ponto de
partida. JOHN RAWLS, A Theory of Justice, cit.
52
Veja-se a título de exemplo J. J. Teixeira Ribeiro, Lições…, cit., pp. 20-24.
27
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como sendo os bens em que existe passividade no consumo ou bens que satisfazem
necessidades de forma passiva, por contraposição aos bens privados que satisfazem
necessidades de forma ativa53.
Não obstante as diferenças de definição, também nestes casos se conclui que se
trata de bens que reúnem as características já mencionadas54. A indivisibilidade da oferta,
verifica-se naqueles casos em que não é possível fixar um preço ao bem, porque o custo
marginal é nulo, como sucede com a utilização de infraestruturas – pontes, autoestradas,
iluminação pública ou internet. Já a indivisibilidade da procura corresponderia à
impossibilidade de exclusão dos utilizadores, aproximando-se da não exclusão55.
Já nos casos em que autores optam por definir estes bens como sendo aqueles em
que existe passividade no consumo ou bens que satisfazem necessidades de forma
passiva, aqui temos aqueles casos em que, a partir do momento em que o bem é produzido
e passa a poder ser utilizado, a necessidade se considera satisfeita sem que o consumidor
se veja impelido a praticar qualquer ato de consumo, ou seja, a revelar a sua preferência56.
Estamos assim perante bens de uso não rival e não excluível57.
53
Sousa Franco referia a existência de um tipo de necessidades que não podem ser satisfeitas de forma ativa
– isto é, pelo mercado –, mas requerem antes uma intervenção que as permita satisfazer de forma passiva.
A. L. SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Edição da Associação Académica da
Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1980 (com a colaboração de Eduardo Paz Ferreira), p. 21. Esta
ideia é retomada pelo mesmo autor mais tarde em Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª ed.,
Almedina, Coimbra, 1992, pp. 41 e ss.
54
Aliás, Teixeira Ribeiro refere-o expressamente: “Estes bens têm, como mostrámos, a característica de
serem utilizáveis por todos independentemente de qualquer procura. É a passividade no consumo, a qual se
traduz na impossibilidade de exclusão, isto é, na inexcluibilidade. Ora, havendo inexcluibilidade, há
indivisibilidade no consumo e, portanto, irrivalidade”. J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, p. 23.
55
XAVIER GREFFE, Économie des Politiques Publiques, Dalloz, Paris, 1994.
56
Veja-se a título de exemplo J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, pp. 20-24.
57
Aliás, Teixeira Ribeiro refere-o expressamente: “Estes bens têm, como mostrámos, a característica de
serem utilizáveis por todos independentemente de qualquer procura. É a passividade no consumo, a qual se
traduz na impossibilidade de exclusão, isto é, na inexcluibilidade. Ora, havendo inexcluibilidade, há
indivisibilidade no consumo e, portanto, irrivalidade”. J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, p. 23.
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Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
consumidores/utilizadores sem que a utilidade que cada um retira do bem seja afetada
pela utilização, conjunta ou individualizada, que é feita pelos demais consumidores58.
O exemplo clássico de um bem de uso não rival é a defesa nacional. Se um
governo criar uma força militar que proteja o território de ataques exteriores e para
garantia da segurança interna todos os cidadãos que nele se encontram ficam
automaticamente protegidos. Não têm sequer que realizar qualquer atividade para verem
a sua necessidade de proteção face a ataques vindos do exterior ser satisfeita, uma vez
que se trata de uma necessidade de satisfação passiva. Os custos de produção mantêm-se
inalterados ou praticamente inalterados não obstante as flutuações relativas ao número de
cidadãos que se encontrem naquele território. Podemos encontrar, porém, outros
exemplos, como sejam as emissões televisivas ou radiofónicas, as redes wi-fi, os
espetáculos pirotécnicos ou as infraestruturas viárias.
Claro que a não rivalidade pode ser absoluta ou apenas relativa. Haverá
irrivalidade absoluta naqueles casos em que o número de utilizadores não afeta em
absoluto a utilização do bem por outros, não afetando também a utilidade que casa um
deles retira. Já nos casos em que, a partir de um número muito elevado de utilizadores, a
utilização do bem por mais uma pessoa interfere com a utilidade que os demais retiram,
temos uma não rivalidade relativa. Estamos perante situações em que, a partir de um
determinado número de utilizadores, ocorrem os designados custos de congestão que
afetam a utilidade retirada por cada um dos utilizadores. A utilização não se torna rival,
mas há um decréscimo quer da utilidade unitária quer da utilidade total. São de bens deste
tipo a autoestrada, os passeios ou uma sala de cinema.
Perante a falta de rivalidade no uso e, sobretudo, por estarmos perante bens cujo
custo marginal de produção é zero, a limitação do número de utilizadores através da
cobrança de um preço seria ineficiente do ponto de vista económico por poder criar
situações em que a utilidade total é menor do que aquela que seria possível caso esse valor
não fosse cobrado. Para além disso, nestes casos e apesar de o custo marginal de produção
ser nulo (zero) existe um custo de produção do bem que tem de ser suportado por alguém.
58
Nas palavras de Samuelson estamos perante situações em que “each individual’s consumption of such a
good lead to no subtraction from any other individual’s consumption”. P. A. SAMUELSON, “The pure theory
of public expenditure”, Review of Economics and statistics, 36 (4), 1954, pp. 387-389.
29
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Os bens públicos puros são também bens que possuem a característica da não
exclusão pelo preço (ou inexcluibilidade). Haverá não exclusão naqueles casos em que
os produtores não estão em condições de impedir a utilização do bem àqueles que não
estejam dispostos a pagar um preço por isso.
Falar em não exclusão pelo preço é falar em bens cujo consumo não pode ser
controlado por um sistema de preços. A não exclusão é, assim, uma característica
evolutiva e que está diretamente relacionada com a evolução da técnica59. Estamos
perante situações em que os consumidores do bem ou serviço não têm incentivo a revelar
as suas preferências, pois, mesmo nos casos em que seja possível cobrar um preço pela
utilização destes bens, os utilizadores não estão dispostos a pagar. Fazem-no porque
sabem que podem utilizar o bem e ocultar as suas preferências ou seja, podem beneficiar
das utilidades que o bem proporciona sem terem que pagar qualquer quantia, pois sabem
de antemão que outros interessados na produção do bem estarão dispostos a suportar os
custos de financiamento. Há um incentivo para a não revelação das preferências. Podem
assim licitamente utilizar o bem sem terem que revelar as suas preferências, colocando-
se numa posição de free rider. Neste caso, como refere Musgrave, “with benefits available
to all, consumers will not offer payments to the suppliers of such goods”60.
Há, pois, indivíduos que têm uma enorme vantagem em ocultar as suas reais
preferências para não terem que suportar os custos de produção do bem. E sabem que
podem fazê-lo desde que seja de esperar que exista um número suficiente de interessados
na produção do bem que está disposto a contribuir para o seu financiamento. Contudo, na
maior parte dos casos, a generalidade dos indivíduos é levada a crer que não tem
necessidade de efetuar qualquer pagamento pela utilização do bem pois outros o farão,
ou seja, nestas situações os indivíduos tendem a comportar-se como free riders, não
59
Existe não exclusão pelo preço naquelas situações em que não é tecnicamente possível cobrar um preço
pela utilização do bem ou, sendo-o, a cobrança desse preço não é exequível, por ser excessivamente
dispendiosa. Casos há, como teremos a oportunidade de analisar mais adiante, que a exclusão pode ser
praticada, mas não é desejável do ponto de vista social. Para maiores desenvolvimentos ver JOSPEH STIGLITZ
e JAY K. ROSENGARD, Economics of the Public Sector, 4.ª ed., W. W. Norton & Company, Inc., Nova York,
2015, pp. 105-106 e ANTHONY ATKINSON e JOSEPH STIGLITZ, Lectures on Public Economics, Princeton
University Press, 2015, pp. 404 e ss.
60
RICHARD A. MUSGAVE e PEGGY B. MUSGRAVE, Public Finance in Theory and Practice, 2.ª ed.,
International ed., McGraw-Hill, 1989, p. 7.
30
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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cujos utilizadores/destinatários do bem podem usufruir das utilidades do mesmo sem ter
que pagar qualquer quantia por isso. Já nos bens técnica e financeiramente semipúblicos
há lugar ao pagamento de uma quantia por parte do utilizador/destinatário. Esta quantia
não é, porém, verdadeiramente um preço, fixando-se habitualmente abaixo do custo ou,
nos casos em que seja de fixar acima do custo vai quedar-se abaixo do valor que se fixaria
no mercado caso o bem fosse produzido por privados.
Dentro dos bens de provisão pública podemos ainda encontrar aqueles “bens cuja
produção pelo Estado a política considera desejável (...) por imposição da elite dominante
ou por adesão a interesses ou valores da comunidade” 62. Estamos perante situações que
refletem a ideia de Estado paternalista ou, até mesmo, um resquício de um Estado
autocrático que sobrepõe a avaliação das preferências feitas pelas entidades estaduais à
avaliação feita pelos próprios consumidores. Fá-lo porque considera que estes não são
capazes de avaliar corretamente os seus interesses e, por isso, consomem em excesso bens
cujo consumo é socialmente indesejável - demerit goods - ou subconsomem bens
relativamente aos quais, do ponto de vista social, seria desejável um consumo mais
elevado - merit goods. Estas situações não se reconduzem a externalidades positivas e
negativas, constituindo – estas e aquelas externalidades – uma verdadeira necessidade
coletiva diversa das necessidades individuais que aquele bem concreto vai satisfazer. Por
isso, é essa coletividade representada nos órgãos do Estado ou governo que “decide sobre
a existência de necessidades coletivas e sobre a conveniência da sua satisfação” 63.
Esta provisão pode materializar-se em bens e serviços, mas pode também ser feita
através de medidas legislativas impositivas ou proibitivas de determinadas condutas,
consoante o tipo de externalidade gerada pelo consumo. Constituem exemplo de bens de
mérito a obrigatoriedade de uso de cinto de segurança, a obrigatoriedade de uso de
capacete ou outros equipamentos de segurança, a escolaridade mínima obrigatória ou o
Programa Nacional de Vacinação, mas também, no caso português, a Companhia
61
Teixeira Ribeiro refere, na p. 28, que não devemos confundir bens semipúblicos e bens meritórios (ou
bens de mérito).
62
RICHARD MUSGRAVE e PEGGY MUSGRAVE, Public Finance in Theory and Practice, McGraw-Hill, 1980,
pp. 84 e ss.
63
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições …, cit., pp. 28.
32
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Nacional de Bailado, a RTP 2 ou os passes sociais. Como bem se percebe dos exemplos
que acabamos de enumerar e a que podem seguir-se muitos mais, o que está em causa é
a existência de uma necessidade coletiva diversa da necessidade individual e que apenas
pode ser satisfeita através do consumo ou limitação do consumo de determinado bem ou
serviço pelos privados, o que justifica que a provisão deste tipo de bens deva ser
assegurada qualquer que seja o nível de consumo ou mesmo que não exista procura.
Os bens de clube são bens cujo leque de potenciais consumidores pode ser
determinado antecipadamente, isto é, trata-se de bens que são consumidos por um grupo
restrito de pessoas e que, por essa razão, podemos pensar que estes podem facilmente
suportar o custo da sua produção. Conhecendo-se o grupo de consumidores e havendo
interesse na produção do bem – porque há interesse também no seu consumo – parece
existir incentivo à provisão privada do bem.
Como se trata de bens cujo consumo é tendencialmente não rival – apenas
apresentam custos de congestão a partir de um ponto em que o número de consumidores
é muito elevado –, seja ou não a necessidade satisfeita de forma passiva, pode existir um
incentivo a comportamentos do tipo free rider. Contudo, como o benefício que cada um
dos utilizadores retira da utilização do bem ou serviço é superior aos custos da parcela do
financiamento que lhe cabe, há um incentivo à contribuição para o financiamento da sua
produção por parte dos interessados. A maior dificuldade reside na determinação da
dimensão ideal do grupo.
Um exemplo deste tipo de bens são os faróis que existem ao longo da costa não
sendo comum encontrar bens deste tipo que sejam de provisão pública64.
64
JAMES M. BUCHANAN, "An Economic Theory of Clubs", Economica, vol. 32 (125), pp. 1-14, 1965.
33
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PARTE II
TEORIAS EXPLICATIVAS DA EVOLUÇÃO DA DESPESA PÚBLICA
1. Introdução
65
Em termos relativos o crescimento da despesa pública costuma ser analisado tendo por referência os
dados da despesa pública em percentagem do Produto Interno Bruto a preços de mercado, mas é possível
mobilizar outros índices de comparação como sejam o valor despesa pública per capita.
34
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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66
Estas duas perspetivas refletem duas conceções distintas sobre o papel do Estado numa economia: o
Estado como agente neutral ou Estado benevolente (benevolene principal-agent) e o Estado como fonte de
distorção entre governo e governados (economic being). Para maiores desenvolvimentos veja-se JAN-ERIK
LANE, The Public Sector: concepts, models and approaches, 3.ª ed., SAGE, (2000), em especial pp. 72 e
ss.
67
Os gráficos apresentados foram elaborados e adaptados com base nos dados disponíveis em
https://www.imf.org/external/datamapper/exp@FPP/PRT e em https://ourworldindata.org/government-
spending.
35
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Fig. 2: Evolução da despesa pública na Alemanha, em percentagem do PIB, entre 1880 e 1912.
De acordo com esta “Lei”, nos países “progressivos”70, existe uma tendência para
um aumento crescente da despesa pública, quer em termos intensivos (aumento dos
valores gastos em despesas que o estado já vinha suportando) quer em termos extensivos
(alargando-se a novos tipos de despesa).
68
Wagner entendia que, contrariamente ao que acontecia nas finanças privadas, nas finanças públicas as
receitas tinham que ser suficientes para cobrir as despesas e que, numa situação ideal, ao aumento da
despesa pública corresponderia sempre um igual aumento dos impostos, cabendo ao estado satisfazer
necessidades dos cidadãos e, dentro destas, aquelas necessidades que os indivíduos de forma isolada ou
conjunta não são capazes de satisfazer. Cfr. JÜRGEN BACKHAUS (ed.), Essays on Social Security and
Taxation: Gustav von Schmoller and Adolph Wagner Reconsidered, Metropolis, 1997, pp. 85 e ss.
69
A formulação inicial da “Lei” de Wagner remonta a 1863, tendo sido posteriormente aperfeiçoada em
várias obras e escritos do Autor até finais do séc. XIX e consta da obra ADOLPH WAGNER, Grundlegung der
Politischen Ökonomie, vol I, 1863. Sobre as várias interpretações veja-se GHANDI, “Wagner´s Law of Public
Expenditure”, Public Finance, vol. XXVI (1971), p. 44 e ss. Um excerto da Lei de Wagner pode ser
encontrado em RICHARD MUSGRAVE e ALAN PEACOCK (ed.), Classics in the Theory of Public Finance,
Macmillan, (1959), p. 1-16 em especial p. 7 e 8.
70
O estudo de Wagner parte de uma análise empírica feita com base nos dados dos países industrializados.
Cfr. A. L. DE SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, Almedina, 2004, p. 7.
36
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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71
JÜRGEN G. BACKHAUS (ed.), Essays on Social Security and Taxation, Metropolis, 1997, p. 86 e 268.
72
Richard Musgrave (re)interpretaria a “Lei de Wagner” e invocou as mesmas razões, para justificar e
validar a tendência observada por Wagner.
73
Nas últimas décadas têm-se avolumado os estudos que pretendem verificar a validade do tema. Sobre os
resultados das avaliações e para uma análise mais atualizada da Lei de Wagner veja-se MANUCHEHR
IRANDOUST, “Wagner on government spending and national income:A new look at an old relationship”,
Journal of Policy Modeling, 41, (2019), p. 636-646.
37
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
74
ALAN T. PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth of Public Expenditure in the United Kingdom, Princeton
University Press, 1961, p. xxiii.
75
RICHARD MUSGRAVE, Public Finance, Tata MacGraw-Hill, 1959, p. 116 e idem, Fiscal Systems, 1968.
RICHARD MUSGRAVE e PEGGY MUSGRAVE, Public Finance in the Theory and Practice, 3.ª ed., McGraw-
Hill Book Company, 1980, 142.
76
A oppressive taxation é considerada excecional e apenas pode existir em casos de emergência nacional
em que está em causa a sobrevivência do próprio Estado.
77
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth of Public Expenditure in the United Kingdom, 2.ª ed.
(reimpressão da edição de 1967), Gregg Revivals, (1994).
38
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Fig. 3: Evolução da despesa pública do Reino Unido, em percentagem do PIB, entre 1880 e 1965.
78
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth …, p. xxxi
79
Entendemos que a expressão “perturbação social” (social disturbances) engloba não só fenómenos de
guerras e similares como também outros fenómenos que tenham efeitos sociais idênticos aos das guerras
como sejam as crises económicas, as pandemias ou as catástrofes naturais.
80
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth …, pp. 67 e ss.
39
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Uma outra perspetiva de análise é-nos trazida, mais recentemente, por Vito Tanzi
e Ludger Schuknecht. Iniciando também a sua análise a partir da consulta dos dados
estatísticos disponíveis avançam com uma explicação para o comportamento da despesa
pública desde 1870 até 1996 e, num estudo posterior, até 200582.
Em introdução assertiva referem que o papel do estado na economia sofreu
alterações profundas nos dois últimos séculos e que esse será, provavelmente, o fator
justificativo do aumento da despesa pública. O comportamento da despesa pública surge
como a “resposta à mudança das perceções sobre o que o Estado deve fazer” ficando
dependente da evolução dos novos agenda estaduais.
Por forma a procederem a uma análise concisa, mas ao mesmo tempo precisa,
optaram por dividir o lapso temporal em análise em vários períodos: (I) desde 1870 à 1.ª
Guerra Mundial; (II) o período entre guerras; (III) o período pós-2.ª Guerra Mundial até
1980; (IV) os anos 80 e os anos 90 do século XX; e, por último, (V) de 1996 a 2005. Com
base nos mesmos pressupostos acrescentaremos um novo período (VI) de 2005 até à
81
ALAN PEACOCK e JACK WISEMAN, The Growth …, p. xxxvii e pp. 24 e ss.
82
VITO TANZI e LUDGER SCHUKNECHT, Public Spending in the 20Th Century: a Global Perspective,
Cambridge University Press, 2000, em especial p. 1-22; idem, “Reforming Public Expenditure in
industrialised countries: are there trade-offs?”, Working Paper Series, n.º 435, fevereiro de 2005, Banco
Central Europeu.
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atualidade e, ainda, uma brevíssima referência ao impacto da atual crise pandémica nos
níveis de despesa pública.
No século XIX, época em que ao Estado era negado o estado o papel de agente
económico e ao qual apenas eram reconhecidas funções mínimas - “justice, policy and
arms” - os gastos em despesa pública eram muito baixos. A atividade estadual deveria ser
muito reduzida para evitar ou limitar ao mínimo possível as distorções que a atividade
estadual provoca no mercado.
Nas palavras de Adam Smith caberia ao Estado:
“erecting and maintaining those public institutions and those public works, witch,
though they may be in the highest degree advantageous to a great society… (these
public works are mainly) those for facilitating the commerce of the society, and
those for promoting the instruction of people.”83
Apesar de considerarem que a função principal dos Estados deveria ser a alocação
de recursos, não colocam em causa, bem pelo contrário, a existência de bens de provisão
pública, como é o caso da educação84.
Não se estranha, por isso, que por volta de 1880 a despesa pública rondasse os
10% do PIB, com alguns países como a Austrália, Itália, Brasil, Alemanha e França a
ultrapassarem essa percentagem, com a despesa pública a situar-se entre os 12% e os
18%. Estes eram casos considerados como países em que o peso do Estado na economia
era exorbitante, colocando em causa o crescimento económico.
83
ADAM SMITH, An Inquiry into the Nature and Causes of The Wealth of Nations, vol. I, Princeton
University Press, (1977- reimpressão da ed. de 1776, ed. por Edwin Cannan e outros), p. 963, ou na versão
traduzida para língua portuguesa, Riqueza das Nações, 4.ª ed., vol. II, Fundação Calouste Gulbenkian,
(1999), p. 333. Note-se que Smith, no livro V, analisa detalhadamente aquelas despesas que considera serem
de considerar as “despesas do soberano ou da comunidade” distinguindo entre despesas com defesa, justiça,
serviços públicos e instituições públicas e para sustento da dignidade do soberano não sendo coincidente a
conclusão sobre quem deve recair o encargo com o seu pagamento.
84
"The state [...] derives no inconsiderable advantage from their instruction. The more they are instructed,
the less liable they are to the delusions of enthusiasm and supposition, which among ignorant nations,
frequently occasion the most dreadful disorders." ADAM SMITH, … The Wealth of Nations, cit., p. 1048 ou
in Riqueza das Nações, cit, p. 425.
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“The important thing for government is not to do things that individuals are doing
already, and to do them a little better or a little worse; but to do those things which
at present are not done at all.”85
85
J. M. KEYNES, The End of Laissez-Faire, Hogarth Press, Londres (1926), pp. 46-47.
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industrializados exigiu uma maior intervenção pública, mas também facilitou o aumento
da tributação para financiar esse aumento de despesa. Um outro fator que contribuiu para
o aumento da despesa pública foi o envelhecimento populacional.
47
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86
Os dados da OCDE parecem sustentar a ideia de que a intervenção pública deve ser reduzida, mesmo
quando estamos a falar em políticas redistributivas. Como notam Tanzi e Schuknecht (2005: 9) os países
com níveis mais baixos de despesa pública apresentam um melhor desempenho na política redistributiva
dirigida aos mais desfavorecidos.
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Tem sido possível constatar que os níveis máximos de despesa pública, apesar de
terem crescido desde 1980 até à atualidade, apresentam uma tendência para o decréscimo
ou crescimento menos intenso.
A generalidade dos países analisados por estes autores apresentaram os seus níveis
máximos de despesa na primeira década do século XXI87. Embora esta tendência
parecesse ser definitiva em 2005, há que considerar os efeitos que a crise económica
iniciada em finais de 2007 teve a este nível, sobretudo por ter provocado um aumento
considerável dos níveis de despesa.
Após o fim da crise, os níveis de despesa pública apresentaram uma tendência
para diminuir, embora seja possível observar, por exemplo, o pico atingido pela despesa
pública em Portugal em 2014. Este comportamento dos níveis da despesa é uma
consequência das reformas implementadas na generalidade dos países a partir de meados
87
Tanzi e Schuknecht agruparam os países analisados de acordo com o tipo de reformas implementadas e
com o momento em que as mesmas ocorrera: (a) países com reformas ambiciosas e temporãs - ambitious
and early reformers – Irlanda, Nova Zelândia, Países Baixos e Bélgica; (b) países que implementaram
reformas tímidas, mas temporãs - timid and early reformers – Austrália, o Luxemburgo e o Reino Unido;
(c) países que implementaram reformas tardias mas ambiciosas - ambitious and late reformers – Áustria,
Canadá, Finlândia, Noruega, Espanha e Suécia; (d) países que implementaram reformas tardias e tímidas
- timid and late reformers - Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Suíça e EUA e (e) países não reformistas
– non reformers - Grécia, Portugal o Japão. Na base da distinção entre reformas tímidas e reformas
ambiciosas está a atuação (corte) nas despesas-transferência, sobretudo salários, subsídios e subvenções
bem como despesa fiscal. VITO TANZI e LUDGER SCHUKNECHT, “Reforming Public Expenditure in
industrialised countries: are there trade-offs?”, ob. cit.
Convém notar que a introdução mais ou menos tardia de reformas pode estar relacionada com o nível de
despesa que esses países atingiram como é o caso da Suíça que apresenta desde há várias décadas valores
da despesa pública entre os 30 e os 40% do PIB. Veja-se, por exemplo, o valor apontado para a despesa
pública em 2018 pelo Eurostat que se cifra nos 33,7%.
49
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da década de 90, que levaram a uma redução faseada e não uniforme nem constante, dadas
as diferenças entre a estratégia adotada por cada país.
A implementação destas reformas parecia ter levado a uma melhoria nas políticas
orçamentais, contribuindo para a verificação do equilíbrio orçamental ou até mesmo de
excedente orçamental em alguns casos (como em Espanha) mas, volvidos alguns anos
sobre a data de implementação das reformas os efeitos são um pouco diversos, sobretudo
nos casos em que essa redução da despesa pública não foi acompanhada da
implementação de reformas estruturais na globalidade da despesa estadual. Resta saber
se esta tendência para o decréscimo dos gastos públicos se encontra alicerçada em
políticas e medidas sustentáveis ou se, pelo contrário, estamos mais uma vez perante uma
situação passageira.
É que na atualidade, apesar de encontrarmos economistas tributários dos ideais
liberais defendidos pela Escola Clássica Inglesa e que parecem exigir uma intervenção
muito diminuta do Estado na economia, reservando-lhe funções meramente residuais, não
deixam de reconhecer a importância do Estado na correção das falhas de mercado.
Demandam é, muitas vezes, a adoção de medidas que permitam dar cumprimento a essas
funções e, ao mesmo tempo, reduzir os gastos públicos. Mas, neste caso, é também o
papel do estado que está a ser repensado.
Os dados mais recentes divulgados pela OCDE dizem respeito a 2018 e permitem
perceber que a despesa se situa, ainda, a níveis muito próximos de 50% do PIB num
conjunto alargado de países, ultrapassando mesmo esse valor em países como a
Dinamarca, a Bélgica, a França e a Dinamarca.
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Fig. 10: Valores da despesa pública em percentagem do PIB 2018 ou último ano disponível88.
Atualmente ainda não é possível prever qual o real impacto provocado pela
pandemia SARS-CoV2 nos níveis da despesa pública. Contudo, dúvidas não há de que
assistiremos a um decréscimo acentuado, mais ou menos breve, do PIB da generalidade
dos países com valor médio na zona euro de -8,3%, sendo de esperar valores próximos
dos 10% em alguns países como é o caso de Portugal, Itália e Espanha89.
A OCDE aponta mesmo para uma crise mundial de larga escala e cujos efeitos
económicos são incomparavelmente superiores aos da crise de 2008-200990. A magnitude
do impacto deriva diretamente da crise pandémica que, afetou severamente a saúde, mas
88
OECD (2020), General government spending (indicator). (consultado em 21 de outubro de 2022).
89
Para maiores desenvolvimentos veja-se, FMI, World Economic Outlook, October 2020: A Long and
Difficult Ascent, outubro de 2020, p. 141, disponível em
https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/09/30/world-economic-outlook-october-2020.
90
OCDE, 2020.
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Figuras 11 e 12 (fonte: FMI, World Economic Outlook, p. 67, fig. 2.1 e 2.2).
52
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Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
91
https://www.imf.org/~/media/Images/IMF/Publications/WEO/2020/October/English/weo-map-oct-20-
social-eng.ashx?la=en
92
https://www.imf.org/pt/Publications/WEO/Issues/2021/10/12/world-economic-outlook-october-2021
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O atual contexto económico levou a uma revisão em baixa das projeções relativas
ao crescimento económico da generalidade dos países, dando especial ênfase à
necessidade da adoção de medidas enquadradas dentro da política monetária por forma a
controlar a inflação e o crescimento do endividamento e, ao mesmo tempo, proteger os
mais vulneráveis.
93
https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2022/04/19/world-economic-outlook-april-2022
94
https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2022/10/11/world-economic-outlook-october-2022
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PARTE III
AS REGRAS E OS PRINCÍPIOS ORÇAMENTAIS PREVISTOS NA LEI DE
ENQUADRAMENTO ORÇAMENTAL
1. Introdução
A preparação da Proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado e,
consequentemente, da Lei do Orçamento obedece a um conjunto de normas que definem
questões relativas ao procedimento, mas, também, de regras o próprio conteúdo da Lei
do Orçamento. Pode, então, dizer-se que há limitações quer quanto ao procedimento, quer
quanto à forma, quer quanto ao conteúdo do orçamento. Este conjunto de regras é
composto por regras técnicas, mas, também, por regras e princípios jurídicos que
orientam a forma como o orçamento vai ser elaborado. Estamos a falar especificamente
nas designadas regras clássicas de elaboração do orçamento – regra da unidade, regra da
universalidade, regra da não compensação e regra da não consignação – a que se juntam
outras regras e princípios orçamentais.
As primeiras são comuns a todos os orçamentos públicos e têm, como teremos
oportunidade de ver, uma importância jurídica bastante significativa. Do ponto de vista
pático, a sua observância serve ainda para facilitar tarefa de análise da proposta de
orçamento e o controlo da execução orçamental, sobretudo do controlo político. Os
segundos surgem como resposta às exigências das Finanças Públicas dos tempos
modernos, e refletem a importância que se reconhece ao Orçamento do Estado na
condução das políticas públicas e da economia em geral.
A atual Lei de Enquadramento Orçamental (LEO)95 dedica um capítulo ao
tratamento dos princípios orçamentais abandonando a designação tradicional de regras
clássicas de elaboração do orçamento e não conservando o tratamento, ao menos
terminológico – princípios e regras orçamentais - introduzido pela Lei n.º 91/2001 de 20
de agosto.
Trata-se de uma opção que não coloca em causa nem a força vinculativa, nem
importância e nem o significado jurídico e económico que devem ser reconhecidos às
regras e princípios de organização, elaboração e execução do orçamento.
95
Aprovada em anexo à Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, alterada pela Lei n.º 2/2018, de 29 de janeiro,
pela Lei n.º 37/2018, de 7 de agosto, pela Lei n.º 41/2020, de 18 de agosto (que a republica em anexo) e
pela Lei n.º 10-B/2022, de 28 de abril.
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entidade, com a observância das mesmas regras e parâmetros de avaliação, por forma a
evitar contradições, duplicações ou omissões, bem como uma análise mais célere dos
dados nele contidos e das opções relativas às políticas públicas que materializam.
Uma outra dimensão da regra da unidade está relacionada com o número de
orçamentos a apresentar em cada período financeiro. Decorre desta regra a imposição de
aprovação, para cada período financeiro, de apenas um orçamento. Esta exigência
pretende evitar que, através da utilização do mecanismo dos múltiplos orçamentos –
sejam estes sucessivos96 ou simultâneos - se atinja uma situação em que vultuosas massas
de fundos escapam à autorização legislativa e política.
Decorre do que referimos supra que a regra da unidade não será cumprida quando
existirem, dentro do setor administrações públicas, vários orçamentos que não estejam
incorporados no Orçamento Geral do Estado.
A pluralidade orçamental foi por vezes justificada com base na necessidade
elaboração de orçamentos distintos, em que a classificação das receitas e das despesas
obedecem a critérios específicos e diferenciados, consoante os objetivos de divulgação
de informação. Não obstante possa existir alguma vantagem prática na elaboração de
orçamentos distintos consoante a classificação das despesas de acordo com o critério de
equilíbrio a adotar, como refere aliás Teixeira Ribeiro, tal não implica, necessariamente,
que seja violada a regra da unidade orçamental97. É o que sucede em Portugal, com a
elaboração de vários mapas orçamentais, que pretendem dar resposta às exigências legais
e aos vários objetivos de cada uma das classificações. Por outro lado, com uma dispersão
do orçamento de Estado em vários documentos torna-se difícil apurar o saldo orçamental.
No entanto a pluralidade orçamental pode ainda ser justificada pela existência de
serviços dotados de autonomia administrativa e financeira98 e que, por terem receitas
próprias que inscrevem num orçamento que é também ele próprio, motivaria e legitimaria
96
Os orçamentos sucessivos que alterem o orçamento inicialmente aprovado são habitualmente designados
por orçamentos retificativos.
97
Como teremos oportunidade de referir mais adiante, as diversas desagregações das receitas e das despesas
de acordo com os critérios de classificação adotados pode constar de um único documento. É o que sucede
no ordenamento jurídico português.
98
De acordo com a regulamentação em vigor a regra é a da autonomia administrativa, sendo a autonomia
administrativa e financeira a exceção. A autonomia administrativa e financeira pode decorrer de disposição
constitucional – como é o caso das Universidades – ou de atribuição por lei, nos termos das disposições da
Lei de Bases da Contabilidade Pública (LBCP) aprovada pela Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro e pelo art.º
2.º do Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de
28 de junho, na sua redação atual. Faz-se notar que ao reconhecimento de autonomia administrativa e
financeira às Universidades é reforçado pelo atual art.º 5.º da LEO.
57
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99
A tendência para a elaboração e aprovação de orçamentos separados para determinadas entidades
públicas distintas do Estado e dotadas de autonomia administrativa e financeira pode ser vista como uma
forma de desorçamentação, por permitir subtrair ao Parlamento o poder de autorizar a cobrança de todas as
receitas e a realização de todas as despesas públicas. O mesmo sucederá com os orçamentos das Regiões
Autónomas e das Autarquias Locas. Apesar da divergência classificativa e da justificação para tal, estas
situações são bastante semelhantes e representam uma espécie de desmembramento real do Orçamento
Geral do Estado – parafraseando Michel Bouvier e outros – e, como ensinava Aníbal Almeida nas suas
preleções orais, ou tal facto é contrário à Constituição e à Lei e nessa medida inconstitucional ou ilegal ou,
então, não estamos verdadeiramente perante desorçamentação. MICHEL BOUVIER, MARIE-CHRISTINE
ESCLASSAN e JEAN PIERRE LASSALE, Finances Publiques, 22.ª ed., LGDJ, 2022, pp. 343-345.
100
Não cuidaremos de aprofundar esta questão, mas acompanhamos muito de perto os ensinamentos de
Fernando Rocha Andrade, quando justifica esta exclusão ou exceção ao princípio da unidade com base nas
exigências constitucionais de descentralização e da distribuição dos poderes financeiros que daí decorre.
Fernando Rocha Andrade, Textos de Finanças Públicas, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, pp.
60 e ss.
58
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101
Note-se que constam da Lei do Orçamento do Estado, nomeadamente dos mapas 11, 12 e 13 o valor das
verbas a transferir para as Regiões Autónomas, para os Municípios e para as Freguesias.
102
Ob. cit., p. 61.
59
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103
O art.º 17.º, n.º 3 estabelece a sanção da nulidade para os créditos orçamentais que não cumpram estes
requisitos. Tendo em consideração que o n.º 3, do art.º 105.º da CRP estabelece idêntica proibição, pode
sustenta-se que tais previsões são inconstitucionais.
104
Atualmente a dotação provisional do Ministério das Finanças deve reportar-se ao programa a constituir
dentro do Ministério das Finanças e cujas verbas são destinadas a fazer face a despesas imprevisíveis e
inadiáveis – cfr. n.º 11 do art.º 45.º da LEO. No mesmo artigo e número encontramos atualmente a
referência a uma nova exceção ao princípio da especificação relacionada com as despesas fiscais
decorrentes da concessão de benefícios tributários. Neste último caso clarifica-se a necessidade de
especificação, embora com um menor grau de concretização, desta categoria de despesa.
105
Decreto-Lei n. º 26/2002, de 14 de fevereiro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 8-F/2002, de
28 de fevereiro e alterado pelos Decreto-Lei n.º 69-A/2009, de 24 de março, Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de
01 de março, pelo Decreto-Lei n.º 52/2014, de 7 de abril e pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio.
106
N.B.: de acordo com o n.º 4 do art.º 17.º da LEO “A estrutura dos códigos dos classificadores orçamentais
é definida em diploma próprio, no prazo de um ano após a entrada em vigor da lei que aprova a presente
lei.”, mas até à presente data esse regime ainda não foi aprovado.
107
Decreto-Lei n.º 171/94, de 24 de junho.
108
Cfr. art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 26/2002, na sua redação atual, e anexos I e II.
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De acordo com esta regra todas as receitas e todas as despesas devem ser inscritas
no orçamento pela importância integral em que foram avaliadas, sem dedução alguma
para encargos de cobrança ou de qualquer outra natureza. Entende-se que só deste modo
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é possível cumprir a função orçamental de fixação das despesas 109. Esta é, precisamente,
a estatuição do art.º 15.º da LEO.
Nas receitas provenientes dos tributos − impostos, taxas e outros tributos − o valor
a inscrever no Orçamento do Estado corresponde à previsão do montante a arrecadar
efetivamente, isto é, inscreve-se o montante previsto para a receita total de cada tributo,
apenas se subtraindo o montante relativo às receitas cessantes e decorrentes de benefícios
tributários, reembolsos e restituições que digam respeito a esse mesmo tributo.
A implementação prática deste princípio apresenta algumas dificuldades e até
inconvenientes pelo que é usual encontrarmos algumas exceções. A LEO permite o desvio
desta regra nos seguintes casos110:
109
O cumprimento desta regra de elaboração orçamental é essencial para a correta execução orçamental
quer ao nível da receita, quer ao nível da despesa, como teremos oportunidade de referir. Permite, ainda,
garantir a transparência orçamental.
110
Cfr. n.º 3 do art.º 15.º da LEO.
63
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para a determinação do saldo líquido. O que já não se permite saber é valor efetivo de
cada despesa, sendo impossível cumprir nessa medida a função de fixação da despesa que
referiremos mais adiante.
111
Como teremos oportunidade de referir no momento próprio o primeiro cabimento ou cabimento geral
tem de ser observado por todas as despesas, tenham elas ou não receitas consignadas.
112
Cfr. art.º 20.º do RAFE.
113
O que acabamos de dizer relativamente a uma despesa em concreto pode ser alargado a um serviço ou
organismo do Estado.
65
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114
Serviços com autonomia administrativa que são aqueles cujos dirigentes podem praticar atos de gestão
entre os quais autorizar a realização de despesas e autorizar o respetivo pagamento, mas que têm os seus
créditos orçamentais inscritos no Orçamento Geral do Estado. Entre nós a regra é a da autonomia
administrativa, como decorre dos arts. 2.º e ss. da LBCP (Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro) e arts. 2.º a 8.º
do RAFE (Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho). Contudo, prevê-se a possibilidade de existência de
serviços com autonomia administrativa e financeira como decorre dos arts. 6.º e ss. da LBCP e que se
encontram sujeitos às regras específicas dos arts. 43.º e ss. do RAFE. Para que que a um serviço possa ser
reconhecida a existência de autonomia administrativa e financeira tem que cumprir alguns requisitos: (a)
quando o regime se justifique para a sua adequada gestão; (b) quando o volume de receitas próprias atinja
pelo menos 2/3 das despesas totais, excluindo-se as despesas cofinanciadas pelo Orçamento da União
Europeia. Nos casos em que a autonomia administrativa e financeira decorra da Constituição ou da lei, pode
prescindir-se das exigências supramencionadas. A atual LEO refere no n.º 4 do art.º 2 a existência de um
regime especial para gestão de receitas próprias, remetendo para o art.º 57.º do mesmo diploma legal a sua
concretização, e determina a prioridade na utilização de receitas próprias não consignadas.
115
Até à aprovação da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto apenas era permitia a consignação por lei ̶ em si
mesma excecional ̶ aos serviços dotados de autonomia administrativa e financeira ou noutros casos em
que exista uma razão especial.
116
É o que sucede com a consignação às Regiões Autónomas das “receitas fiscais nelas cobradas ou
geradas” nos termos da al. j) do n.º 1 do art.º 227.º da Constituição da República Portuguesa.
66
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De acordo com esta previsão legal, o produto da receita arrecadada com o ISP
cobrado sobre gasóleo colorido e marcado é consignada, até ao montante de € 10 000 000,
ao financiamento da contrapartida nacional dos programas PDR 2020 e Mar 2020. Essas
receitas apenas poderão ser afetadas ao pagamento de outras despesas depois de se
encontrarem efetuados os pagamentos das despesas a que estavam especificamente
destinadas. Trata-se de uma consignação que cessará no final do ano orçamental.
Um pouco diversas são as consequências decorrentes da existência de consignação
de receitas a um determinado organismo ou entidade. Embora exista sempre a vinculação
orçamental, nesses casos existe uma maior liberdade na afetação do produto da receita,
dentro daquilo que são os poderes de administração e de gestão orçamental do organismo
ou entidade.
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117
As diferenças das regras clássicas e dos demais princípios orçamentais que encontramos consagrados na
LEO radica na diferenciação da fonte de inspiração: enquanto que as primeiras são de matriz francesa
enquanto que os segundos são anglo-saxónicos.
118
Este princípio impõe às entidades públicas a observância de políticas públicas e práticas de elaboração
e de execução orçamental voltadas para a sustentabilidade financeira. Sendo considerado como um dos
grandes desafios das Finanças Públicas para o século XXI não é de estranhar que o princípio da
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120
Voltaremos a esta questão aquando da análise dos vários tipos de equilíbrio orçamental (em sentido
material).
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121
A duração do período complementar do ano económico encontra-se atualmente definida no Decreto-Lei
de execução orçamental e deve limitar-se ao período de tempo estritamente necessário ao fecho das
operações orçamentais.
122
Embora encontrássemos já em anteriores leis de enquadramento orçamental, nomeadamente na Lei n.º
40/83, de 13 de dezembro, a referência à necessidade de justificar a despesa quando à sua “eficácia,
eficiência e pertinência” o princípio da economia, eficiência e eficácia só aparece referido deste modo na
Lei de Enquadramento Orçamental aprovada pela Lei n.º 6/91, de 20 de fevereiro, com acolhimento
expresso no n.º 3 do art.º 18.º e no art.º 16. Sousa Franco ligava este princípio – o da economicidade – à
necessidade de prévia justificação da despesa, à sua eficácia técnica, eficiência económica e economia e
considerava que este se poderia transformar numa formalidade meramente burocrática, que pouca utilidade
teria para o aperfeiçoamento do controlo da execução orçamental. A. L. DE SOUSA FRANCO, Finanças
Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 1992, p. 434.
123
Para maiores desenvolvimentos sobre o princípio da economia, eficiência e eficácia na despesa pública
veja-se ULRIKE MANDL, ADRIAAN DIERZ e FABIENNE ILZKOVITZ, “The effectuvebess abd effucuecy of public
spending”, Economic Papers, 301, Comissão Europeia, 2008.
71
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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superiores a cinco milhões de euros, esta avaliação inclua, sempre que possível, a
estimativa das suas incidências orçamental e financeira líquidas ano a ano e em termos
globais. Estamos perante um princípio que limita, funcional e materialmente, a
discricionariedade da atividade administrativa financeira.
Por último – last but not the least - o art.º 10.º da LEO impõe que os serviços do
Estado apresentem e executem orçamentos equilibrados ou excedentários.
A existência de equilíbrio ou excedente orçamental deverá, para estes efeitos, ser
verificada por referência às normas que regulamentam o seu cálculo, nomeadamente as
constantes quer do capítulo III do título II - art.º 20.º a 31.º da LEO - e ainda das normas
de Direito da União Europeia que regulamentam esta questão. Determina-se assim pela
primeira vez a necessidade de dar cumprimento a limites numéricos, que se encontram
referidos no capítulo III da LEO, no Direito da União Europeia e no Direito Internacional
72
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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e que serão por nós abordados aquando do estudo do critério de equilíbrio vigente em
Portugal. Este artigo é, ainda, complementado pelo art.º 11.º da LEO.
Este princípio é uma decorrência quase natural da preocupação com a necessidade
de implementação de normas relativas ao equilíbrio orçamental e ao cumprimento
rigoroso dos limites ao endividamento público e à despesa pública. Na sua atual redação
– que substitui o art.º 10.º-A, combinado com os art.º 9.º, 23.º, 25.º e 28.º da LEO aprovada
pela Lei 91/2001, na sua última redação ̶ este princípio não apresenta a ambiguidade que
aqueloutra redação tinha. Afastou-se a dúvida interpretativa gerada pela diferenciação de
critérios de equilíbrio para cada tipo de serviços, cuja implementação poderia fazer
perigar a estabilidade orçamental.
A estabilidade orçamental está intrinsecamente ligada à sustentabilidade
orçamental e à ideia de equilíbrio orçamental, embora não se confunda nem com uma
nem com o outro e possa ser alcançada com flutuações positivas e negativas deste
último124.
124
A ideia da necessidade de apresentação e execução de orçamentos equilibrados não é, como possa
parecer, uma ideia recente sendo conhecidos os argumentos em favor da apresentação de orçamentos
equilibrados e que abordaremos mais adiante aquando da análise dos critérios de equilíbrio em sentido
material.
73
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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PARTE IV
O EQUILÍBRIO ORÇAMENTAL NO DIREITO INTERNO, NO DIREITO DA
UNIÃO EUROPEIA E NO DIREITO INTERNACIONAL
A resposta à questão que serve de título a este ponto só pode ser dada se tivermos
em consideração quer as normas de direito interno, quer normas de Direito da União
Europeia – quer de direito originário quer de direito derivado –, bem como as normas de
Direito Internacional, como sejam as constantes do Tratado sobre Estabilidade,
Coordenação e Governação na União Económica e Monetária125 (TECG).
Optámos por analisar, separadamente, cada um dos conjuntos de normas sem
esquecer a interligação, interseção e relação hierárquica existente entre as normas internas
e as normas de direito supranacional, seja ele convencional ou de direito da União
Europeia126.
125
Tratado Sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária entre o Reino
da Bélgica, a República da Bulgária, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República
da Estónia, a Irlanda, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República
Italiana, a República de Chipre, A República da Letónia, a República da Lituânia, o Grão-Ducado do
Luxemburgo, a Hungria, Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República da Polónia,
a República Portuguesa, a Roménia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca, a República da
Finlândia e o Reino da Suécia, celebrado em Bruxelas a 2 de março de 2012 e aprovado em Portugal no dia
13 de Abril do mesmo ano, pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 84/2012. As suas disposições
foram transpostas para o direito interno passando a constar da Lei de Enquadramento Orçamental.
Sobre a problemática subjacente ao Tratado Orçamental e à transposição das suas disposições para o direito
interno português veja-se, por todos, José Casalta Nabais, Estabilidade financeira e o Tratado Orçamental,
JURISMAT, n.º 6, Portimão, pp. 43-68, disponível em
http://recil.grupolusofona.pt/xmlui/bitstream/handle/10437/6753/Estabilidade_financeira_Tratado_Orcam
ental.pdf?sequence=1.
126
Estamos a referir-nos, nomeadamente, ao impacto no desenho das normas de direito interno decorrente
da necessidade de transposição da transposição do TECG, da Diretiva 2011/85/UE ou do Regulamento
(UE) n.º 473/2013 operada pela Lei n.º 41/2014, de 10 de julho.
74
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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a sua concretização feita nos termos do n.º 3 desse mesmo artigo, ou seja, no cumprimento
das regras orçamentais numéricas estabelecidas no capítulo III da LEO, e nas leis de
financiamento regional e local”127.
As regras de cálculo do saldo orçamental encontram-se previstas no art.º 20.º da
LEO que, no seu n.º 3, determina que o critério de saldo orçamental vigente em Portugal
é o do saldo estrutural, calculado de acordo com a metodologia estabelecida pelo Pacto
de Estabilidade e Crescimento. Esta remissão para a metodologia de cálculo do défice
para o Pacto de Estabilidade e Crescimento e os restantes números do art.º 20.º levam-
nos, contudo, a questionar se é efetivamente o critério de saldo estrutural que se encontra
consagrada no art.º 20.º ou se, afinal, estaremos a falar de um outro critério de equilíbrio.
Antes dessa reflexão, temos que referir que se o equilíbrio orçamental para o
orçamento geral do estado, considerado aqui na sua globalidade tem de ser calculado nos
termos do art.º 20.º, o mesmo pode não suceder para alguns subsetores do Setor
Administrações Públicas (S.13). No art.º 27.º encontramos, precisamente, essa
diferenciação.
Enquanto os serviços e entidades integrados nas missões de base orgânica do
subsetor da administração central (S.1311) devem apresentar na elaboração, aprovação
e execução, um: (a) orçamento com saldo global nulo ou positivo e (b) com resultados
positivos antes de despesas com impostos, juros, depreciações, provisões e perdas por
imparidade. Apenas são permitidos desvios a estes dois indicadores, se a conjuntura do
período a que se refere o orçamento, justificadamente, o não permitir. No caso do subsetor
da segurança social (S.1314), exige-se apenas apresentem um orçamento com um saldo
global nulo ou positivo.
Em qualquer um dos casos, são desconsideradas as receitas e as despesas relativas
a ativos e passivos financeiros e o saldo de gerência do ano anterior.
Podemos assim concluir que, apesar de existirem critérios de equilíbrio
diferenciados para os vários subsetores do Setor Administrações Públicas, o orçamento
127
Na revisão da LEO ocorrida em 2015, foi eliminada uma norma genérica, introduzida com a Lei n.º
91/2001, no art.º 9.º, com a referência expressa aos critérios de determinação do equilíbrio orçamental para
cada tipo de serviço e para o orçamento globalmente considerado. Esta norma teve que ser, posteriormente,
compatibilizada com as alterações introduzidas na LEO decorrentes da transposição para o direito nacional
das normas do TECG. O artigo 9.º da velha LEO consagrava, em primeira linha, um equilíbrio em sentido
formal – “as receitas necessárias para a cobertura de todas as despesas” – no seu n.º 1, mas, também critérios
de equilíbrio em sentido material para cada tipo de serviço, numa leitura conjunta deste artigo e dos art. os
23.º, 25.º e 28.º da velha LEO. Em certa medida, podemos dizer que a norma do art.º 20.º da LEO cumpre
funções idênticas.
75
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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globalmente considerado tem que ser apresentado, aprovado e executado tendo por
referência o critério estabelecido no art.º 20.º da LEO.
Para estes efeitos é necessário referir, então, quais são os limites numéricos que
devem ser observados, quer para o défice orçamental quer para a dívida pública. O limite
numérico para o défice orçamental é o que resulta, desde logo, do PEC e deve permitir a
convergência a médio prazo para um défice de 0,5% do PIB a preços de mercado, mas
pode, ainda assim, ser superior a esse valor desde que não ultrapasse o valor definido para
o Objetivo de Médio Prazo (OMP) especificamente determinado para Portugal128.
Consagrou-se a necessidade de observância de um saldo estrutural primário,
deduzindo ainda o valor das despesas relativas a programas da União inteiramente
cobertas por receitas provenientes de fundos da União Europeia e o valor resultante de
alterações não discricionárias nas despesas com subsídios de desemprego, saldo
orçamental este que pode optámos por designar por saldo estrutural primário corrigido.
128
O OMP é definido, por cada Estado-Membro, no Programa de Estabilidade e Crescimento e calculado
de acordo com a metodologia estabelecida no Código de Conduta e no Vade Mecum sobre o Pacto de
Estabilidade e Crescimento. O OMP deve permitir aos Estados garantir uma margem de segurança face ao
limite do défice de 3% do PIB estabelecido quer no art.º 126.º do TFUE quer no art.º 2.º do Regulamento
(CE) n.º 1466/97 e, no médio prazo, atingir um saldo estrutural equilibrado ou excedentário ou, quando tal
não seja possível, um défice estrutural não superior a 1% do PIB – cfr. art.º 2.º-A do Regulamento (CE) n.º
1466/97. Para alcançarem este objetivo os estados-membros devem estabelecer medidas de convergência
que permitam um ajustamento anual adequado. Note-se que, nos termos do art.º 5.º do Regulamento (CE)
n.º 1466/97, a apreciação da trajetória de ajustamento para alcançar o OMP feita pela Comissão e pelo
Conselho, ao analisarem os Programas de Estabilidade e Crescimento, tem por referência precisamente o
mesmo valor, ou seja, um défice estrutural inferior a 0,5% do PIB, mas com algumas especificidades.
76
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
129
A forma como as Comunidades foram criadas e a importância dada às formas de integração negativa –
com a eliminação dos obstáculos existentes (tão típica de uma União Aduaneira) –, em detrimento de uma
integração positiva – em que é necessário adotar medidas estruturadas e adequadas à prossecução dos
objetivos traçados –, permitia dar resposta às dificuldades em atingir acordos alargados em algumas áreas,
sendo que a política monetária era precisamente uma dessas áreas.
130
Estava inicialmente previsto que o novo Tratado entrasse em vigor a 1 de janeiro de 1993, mas os atrasos
na ratificação do Tratado por parte de vários Estados-Membros levaram a que este só entrasse em vigor em
novembro do mesmo ano.
131
Sobre estas fases veja-se Carlos Laranjeiro, Lições de Integração Monetária, Almedina, Coimbra
(2009), pp. 197 e ss.
77
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1) taxa de inflação: a taxa de inflação durante o ano que antecede a avaliação não
pode ultrapassar em 1,5% a média das taxas de inflação verificadas nos países com a
menor subida nos índices de preços;
2) taxa de juro a longo prazo: durante o ano que antecede a avaliação, a taxa de
juro média de longo prazo, aferida pela taxa praticada nas obrigações públicas, não pode
ser superior a 2% da média das taxas praticadas nos três Estados-Membros com menores
taxas de inflação;
3) comportamento da moeda nacional no Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC)
do Sistema Monetário Europeu (SME): a moeda do país em análise deveria fazer parte da
banda normal (flutuações na banda estreita, ou seja, 2.25%) do SME durante pelo menos
dois anos, sem que o Estado analisado tivesse tomado a iniciativa de desvalorizar a sua
moeda, por alteração da taxa central, e sem que a sua moeda tenha conhecido graves
pressões cambiais;
4) situação das finanças públicas: no momento da avaliação, o estado em causa
não pode apresentar um défice excessivo, isto é, o défice deve ser inferior a 3% do PIB132
e a dívida pública não pode ser superior a 60% do PIB133.
Com o início da segunda fase a Comissão passa a acompanhar a evolução da
situação orçamental dos Estados-Membros com base no procedimento estabelecido no
art.º 126.º do TFUE (ex-art.º 104.º do TCE) e nos protocolos anexos ao tratado –
Protocolo n.º 12 e Protocolo n.º 13 –, tendo sido adotadas medidas específicas relativas
ao Protocolo sobre o Procedimento por Défices Excessivos (PDE) com a aprovação do
Regulamento (CE) n.º 3605/93 do Conselho, de 13 de dezembro de 1993134.
132
Este critério apesar de rigidamente estabelecido foi interpretado de forma mais flexível após o início da
terceira fase da UEM. Permitiu-se, dentro daquilo que resultava já do art.º 126.º do TFUE (ex-art.º 104.º do
TCE), que se não considerasse a existência de défice excessivo nos casos em que o défice era superior a
3% do PIB se (a) o défice tivesse baixado de forma contínua e significativa e se aproximasse do valor de
referência ou (b) se o valor de referência for apenas ligeiramente ultrapassado e se considerar tratar-se de
uma situação excecional e temporária. Permitiu-se também, precisamente nos termos do art.º 126.º, n.º 3
do Tratado, que a Comissão, no relatório que elabora, verifique se o défice orçamental excede as despesas
públicas de investimento, que deve ser compreendido por referência ao conceito avançado no art.º 2.º do
Protocolo n.º 12.
133
Também relativamente à dívida há uma exceção, bastando que se verifique uma tendência para a descida
e a aproximação do valor de referência.
134
Posteriormente revogado pelo Regulamento (CE) n.º 479/2009 do Conselho, de 25 de maio de 2009. As
alterações ficam a dever-se, sobretudo, às implicações decorrentes da alteração do SEC operada pelo
Regulamento (UE) n.º 549/2013.
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27, de julho de 2005, que alterou o Regulamento (CE) n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de
julho de 1997, assiste-se ao reforço das regras de supervisão e de coordenação, bem como
à adoção de medidas no sentido de tornar o procedimento relativo aos défices excessivos
mais claro e mais célere.
Em 2011 é feita uma reforma profunda da regulamentação do Pacto de
Estabilidade e Crescimento, tendo sido adotado um conjunto normativo composto por
cinco Regulamentos e uma Diretiva – pacote legislativo este que ficou conhecido por
pacote seis ou six pack – constituído pelos Regulamento (UE) n.º 1173/2011, pelo
Regulamento (UE) n.º 1174/2011, pelo Regulamento (UE) n.º 1175/2011, pelo
Regulamento (UE) n.º 1176/2011, pelo Regulamento (UE) n.º 1177/2011 e pela Diretiva
n.º 2011/85/UE, que introduziram alterações nos Regulamentos originais do PEC135 e
adotaram importantes medidas para reforçar as vertentes preventiva e corretiva do PEC.
A par destas alterações, e tendo falhado uma outra tentativa de alterar o PEC em
2012, foi aprovado um instrumento de direito internacional – o Tratado sobre a
Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (TECG),
habitualmente designado por Tratado Orçamental – que vincula apenas os estados
signatários. Logrou-se por via do direito internacional o que se não tinha conseguido por
via do Direito da União136.
Já em novembro de 2013, foi aprovado um novo pacote legislativo apresentado
pela Comissão e que ficaria conhecido por pacote dois ou two pack. Este novo pacote é
constituído por dois documentos, o Regulamento (UE) n.º 472/2013 e o Regulamento
(UE) n.º 473/2013, que são aplicáveis apenas aos países da zona euro e veio introduzir
medidas de reforço da supervisão orçamental dos países cuja moeda seja o euro, prevendo
ainda um regime especial de acompanhamento para os países que se encontrem a
135
O Regulamento (CE) n.º 1466/97 foi alterado pelo Regulamento (UE) n.º 1175/2011 e o Regulamento
(CE) n.º 1467/97 foi alterado pelo e pelo Regulamento (UE) n.º 1177/2011.
136
Os países signatários obrigaram-se a introduzir nas suas constituições ou leis de valor reforçado uma
disposição que limitasse o valor do défice orçamental a 0,5% do PIB ou a 1% do PIB, se a relação entre a
dívida pública e o PIB (p.m.) for significativamente inferior a 60% do PIB e os riscos para a sustentabilidade
a longo prazo das finanças públicas forem reduzidos – cfr. art.º 3.º, n.º 1 al. d) do TECG. A verificação da
existência de défice é feita por referência ao n.º 1, al. b), do art.º 3.º do TECG, ou seja, tendo em
consideração o critério do saldo estrutural. De realçar ainda a obrigação de coordenação dos planos de
emissão de dívida pública por parte dos estados signatários. Verifica-se assim como que uma renovação da
importância do subcritério da dívida pública, não de um modo direto, mas apenas indireto.
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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Considerando que Portugal faz parte de um conjunto de países que têm como
moeda o euro – aqueles Estados-Membros que a legislação da União Europeia designa
por estados participantes138 –, o Governo fica obrigado a cumprir, em matéria orçamental,
as obrigações decorrentes de um conjunto alargado de normas não só de direito originário
como também de direito derivado. Algumas dessas obrigações constam já da LEO
porquanto resultam da transposição de normas de direito da União Europeia. Assumem
especial importância, como referimos supra, as normas dos arts. 121.º e 126.º do TFUE
e as normas do PEC revisto.
137
As medidas consagradas permitem suportar um aumento dos poderes da Comissão Europeia em todo o
processo orçamental, sobretudo dos países da zona euro.
138
Cfr. art.º 2.º, da Secção I – Objeto de definições, do Regulamento (CE) n.º 1466/97.
82
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139
Corresponde ao art.º 104.º do Tratado de Roma na sua última redação vigente até à entrada em vigor do
Tratado de Lisboa.
140
Note-se ainda que o conceito de ‘défices excessivos’ é, por vezes, usado com alusão à ultrapassagem
dos valores de referência relativos ao défice e à dívida. É o que sucede, nomeadamente, no Procedimento
por Défices Excessivos (PDE).
83
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141
Verifica-se, assim, que o critério de convergência relativo à situação das finanças públicas se mantém
em vigor mesmo depois de o estado-membro se encontrar já na 3.ª fase da UEM. Os valores mencionados
têm como justificação o facto de se entender que deste modo ainda se permite o funcionamento dos
denominados estabilizadores orçamentais – que são mecanismos que, por atuarem ao nível da receita ou da
despesa públicas, conseguem produzir efeitos com reflexo direto no saldo orçamental, podendo ser
utilizados para contrariar a fase do ciclo económico (descendente ou ascendente) em que a economia de um
determinado país se encontra. Existem ainda outras justificações para que tenham sido escolhidos, a par de
outros critérios, o critério do défice e da dívida pública como critérios de convergência e que têm que ser
cumpridos pelos estados que pretendam aderir à UEM. Os demais critérios de convergências são: a
estabilidade dos preços (a taxa de inflação média que não seja superior em mais de 1,5% da verificada nos
três Estados-membros com taxa de inflação mais baixa), o respeito pelas margens de flutuação normais
previstas no mecanismo de taxas de câmbio do SME e a convergência das taxas de juro. Para maiores
desenvolvimentos sobre as razões explicativas da escolha dos critérios de convergência e, em especial, dos
critérios de finanças públicas veja-se Carlos Laranjeiro, ob. cit.
142
Se preferirmos utilizar as expressões constantes do SEC 2010 então teremos que “A capacidade líquida
de financiamento é um excedente emprestado, enquanto a necessidade líquida de financiamento é o
84
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para o conjunto do sector “administrações públicas” (S.13), tal como definido no SEC
2010. Os juros incluídos no cálculo do défice orçamental são os juros (DPE D.41) tal
como definidos no SEC 2010.
Da leitura destes documentos resulta que o endividamento líquido corresponde à
diferença entre receitas efetivas e despesas efetivas, o que nos permite afirmar que no art.º
126.º do TFUE se encontra consagrado expressamente o critério do défice efetivo do
orçamento.
financiamento de um défice.” – cfr. § 1.125 do SEC. A ideia de que o critério referido nas normas de direito
da U.E. é o equilíbrio efetivo fica bem clara após a leitura de outras normas do SEC.
85
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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two pack, em 2013, relativas, estas últimas, ao processo orçamental. Não podemos
também ignorar as implicações decorrentes da assinatura do Tratado sobre Estabilidade,
Coordenação e Governação da União Económica e Monetária (TECG) e, especialmente,
as orientações constantes do Relatório do ECOFIN relativas à implementação do PEC.
Conclui-se assim que, se em 1997 quando foi adotado o PEC este apenas era
constituído pela Resolução do Conselho de 17 de junho de 1997, pelo Regulamento (CE)
n.º 1466/97 (vertente preventiva) e pelo Regulamento (CE) n.º 11467/07 (vertente
corretiva), adotados nos termos dos arts. 121.º, 126.º, 136.º e Protocolo n.º 12 do TFUE,
atualmente temos que considerar que o PEC atualmente é constituído por:
(i) Resolução do Conselho de 17 de junho de 1997;
(ii) Regulamento (CE) n.º 1466/97 (vertente preventiva143) na redação que lhe foi dada
pelo Regulamento (CE) n.º 1055/2005, de 27 de junho de 2005, e pelo
Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16
de novembro de 2011144;
(iii) Regulamento (CE) n.º 1467/97 (vertente corretiva145) na redação que lhe foi dada
pelo Regulamento (CE) n.º 1056/2005, de 27 de junho de 2005, e pelo
Regulamento (UE) n.º 1177/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16
de novembro de 2011146. Esta vertente corretiva ficaria conhecida por
Procedimento por Défices Excessivos (PDE);
(iv) Relatório do ECOFIN relativo à implementação do PEC;
143
A vertente preventiva tem por objetivo principal a promoção da sustentabilidade das finanças públicas
dos estados-membros.
144
A vertente preventiva tem por base o art.º 121.º do TFUE e assume atualmente uma importância
crescente. Tem-se entendido que, com a imposição do cumprimento de determinadas regras e limites é
possível detetar precocemente e corrigir situações de desequilíbrio que podem levar ao incumprimento dos
critérios estabelecidos no Tratado.
145
A vertente corretiva é implementada no cumprimento do art.º 126.º do TFUE e do Protocolo n.º 12 e
operacionalizada pelo Regulamento (CE) n.º 1467/97. Esta vertente compreende diversas fases a que nos
referiremos mais adiante.
146
Na vertente corretiva assiste-se a uma obrigatoriedade de definição por parte dos estados-membros das
medidas que se comprometem a adotar no sentido de atingirem o equilíbrio orçamental (OMP) e à
introdução de obrigações de redução da dívida para os estados-membros cujas dívidas soberanas
ultrapassem 60% do PIB.
Nos casos em que a dívida pública ultrapasse os 60% do PIB, o estado-membro fica obrigado a reduzir, em
cada ano, um vigésimo do montante em excesso sobre o teto definido. Estabeleceu-se ainda uma sanção
correspondente ao depósito de 0,2% do PIB para os estados-membros que não cumpram as recomendações
que lhe são dirigidas relativamente à redução do défice. De extrema importância é também a alteração da
forma de tomada de decisão quanto à aplicação da sanção por incumprimento prevista no art.º 126.º do
TFUE: ao invés de se exigir a aprovação por maioria qualificada passa agora a considerar-se aprovada a
decisão da aplicação da sanção se o Conselho não recusar, também por maioria qualificada, a proposta
enviada pela Comissão (inversão de voto).
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147
Este Regulamento prevê a aplicação de um regime de supervisão reforçada, a levar a cabo pela Comissão
e pelo Banco Central Europeu, semelhante ao que se aplica aos países que tenham solicitado a ajuda
financeira, bem como um regime especial de supervisão pós-programa de assistência financeira, segundo
o qual os estados-membros ficam sujeitos a um regime apertado de supervisão enquanto não estiver
restituído pelo menos 75% do valor do financiamento recebido. Trata-se, é claro, de um regime mais
exigente e rigoroso do que o previsto no PDE.
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148
As implicações nas políticas orçamentais dos Estados-Membros que não fazem parte da zona euro são
diversas. Os Estados-Membros nessas condições não estão obrigados a apresentar um Programa de
Estabilidade, mas antes um Programa de Convergência.
149
O OMP para Portugal foi fixado pela Comissão Europeia em 0,25% do PIB potencial e será atingido em
2021, depois de excluído o efeito das medidas temporárias e extraordinárias (habitualmente designadas por
medidas one-off e cláusla unusual events).
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Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Secção 1-A – Objetivos Orçamentais de Médio Prazo, do Regulamento (CE) n.º 1466/97
(p. 7 e ss. da versão consolidada) 150. E, ao exigir que o cumprimento do OMP traçado seja
incluído nos quadros orçamentais de cada Estado-Membro, exige também que esse
objetivo seja cumprido em cada orçamento.
Aliás, há que referir ainda que, na avaliação feita pela Comissão e pelo Conselho
no quadro da supervisão multilateral, é tido em consideração o valor de referência para o
défice estrutural primário, excluído das despesas relativas a programas da União
totalmente financiadas por receitas provenientes de fundos da União e das alterações não
discricionárias nas despesas com subsídios de desemprego, valor estes que tem que ser
inferior a 0,5% do PIB a preços de mercado – cfr. parágrafo 4.º do n.º 1 do art.º 5.º do
Regulamento (CE) n.º 1466/97.
Há ainda que acrescer, no caso português, as implicações decorrentes de o nosso
país ser um dos signatários do TECG, mas sobre este ponto falaremos mais adiante.
150
Compreende-se assim a menção feita pelo art.º 12.º -C da velha LEO à necessidade de ser elaborado um
Programa de Estabilidade e Crescimento onde seja prevista uma fórmula que permita, em cada período
financeiro, apresentar e executar um orçamento cujo saldo estrutural seja inferior ao OMP estabelecido e,
permita a convergência para um saldo estrutural que não ultrapasse os 0,5% do PIB a preços de mercado.
151
Note-se que não só o recurso ao PDE previsto no art.º 126.º é, em si mesmo, um procedimento de ultima
ratio como também o são as várias sanções previstas são gradativas, partindo-se das menos gravosas para
as mais gravosas.
89
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
152
A noção de medidas excecionais e temporárias pode ser encontrada no art.º 2.º do Regulamento (CE) n.º
1467/97.
Para maiores desenvolvimentos veja-se Carlos Laranjeiro, “Investimento Público e Défice Orçamental”,
153
Temas de Integração, 4.º vol. 1.º semestre de 1999, n.º 7, Coimbra, pp. 89 a 98, em especial pp. 94-98.
N.B: A leitura deste texto deve ter em consideração que: (a) as referências quer ao PEC quer aos artigos
dos Tratados se encontram desatualizadas; (b) quanto ao primeiro aspeto, este é tratado nas pp. 89-93 e
pode ser compreendido numa ótica atual se forem tidas em consideração as menções feitas a esse respeito
neste sumário; (c) quanto ao segundo, basta que se tenha em consideração que o texto do art.º 104.º do TCE
passou a constar do atual artigo 126.º do TFUE.
90
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Prazo: 3 meses
Art.º 126.º, n.º 4 do TFUE: O Comité Económico e Financeiro
emite um parecer sobre o relatório da Comissão Art.º 3.º do Reg. (UE)
n.º 1466/97
Art.º 126.º, n.º 8 do TFUE: A Comissão recomenda a adoção Apenas em caso de inação do EM
de medidas eficazes
91
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
154
A Croácia não era, à data da assinatura do TECG, membro da União Europeia.
155
São disso exemplo a Dinamarca, a Bulgária e a Roménia. A Hungria, a Polónia e a Suécia ratificaram o
TECG com exclusão das normas constantes do Tratado Orçamental.
92
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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3.º e ss. – é tanta que por vezes o próprio TECG é designado não pela sigla ou pela sua
designação completa, mas apenas por Pacto Orçamental (Fiscal Compact), designação
esta que corresponde à epígrafe do mencionado título III.
No capítulo dedicado ao Tratado Orçamental podemos encontrar normas relativas
à delimitação dos défices orçamentais e às metas a atingir por cada um dos Estados-
Membros a que estas disposições são aplicáveis e normas relativas ao mecanismo de
correção a instituir a nível nacional, que será supervisionado por um corpo independente
cuja função é a de monitorizar o cumprimento dos objetivos orçamentais estabelecidos
pelos Estados-Membros, mas que devem ser consistentes com os OMP previstos na
vertente preventiva do PEC.
Ademais, os objetivos orçamentais traçados pelo TECG são ainda mais austeros
do que os que constam do PEC, estando estabelecido como limite máximo para o saldo
estrutural negativo (défice) o valor de 0,5% do PIB a preços de mercado. Este valor pode,
no entanto, ser ultrapassado temporariamente quando se verifiquem circunstâncias
excecionais e, nos casos em que a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de
mercado seja significativamente inferior a 60 % e os riscos para a sustentabilidade a longo
prazo das finanças públicas forem reduzidos o valor do limite para o saldo estrutural passa
para 1% do PIB.
O Tratado Orçamental estabelece ainda que, nos casos em que os limites
estabelecidos forem ultrapassados, sejam implementados mecanismos nacionais para a
correção dos desvios e, concomitantemente, quando a dívida tenha ultrapassado os 60%
do PIB a preços de mercado a sua redução ao ritmo de 5% ao ano do valor da dívida
pública. Estabelece ainda a necessidade de ser implementado um programa de reformas
estruturais, económicas e orçamentais, nos casos em que se verifique défice excessivo
nos termos do art.º 126.º do TFUE, bem como a apresentação dos planos de emissão de
dívida pública.
Note-se que, não obstante a complexidade destes mecanismos e a dificuldade de
articulação entre as disposições de um Tratado Intergovernamental que não vincula senão
os estados contratantes e na exata medida da ratificação que do mesmo foi feita e as
normas de Direito da União, este tem como vantagem o facto de estabelecer para os
estados-contratantes e vinculados pelas disposições do título III – Tratado Orçamental –
limites mais apertados quanto ao desempenho orçamental. Contudo, a disposição do art.º
7.º do TECG já nos levanta maiores reservas pois estabelece de modo antecipado uma
espécie de disciplina de voto para as partes contratantes.
93
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
A aplicação das regras de Direito da União Europeia a que nos referimos supra
não é inflexível. Para além das várias possibilidades de não aplicação decorrentes da
análise de casa caso concreto, admite-se a existência de um desvio face aos limites do
saldo orçamental e da trajetória de ajustamento em situações excecionais 156.
Prevê-se, no § 7 da al. c) do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 a
possibilidade de ser utilizada a cláusula de derrogação de âmbito geral157, nos casos em
que ocorra uma situação excecional não controlável pelo Estado-Membro e que tenha um
impacto significativo na situação das finanças públicas.
A mobilização desta cláusula, embora não permita a suspensão dos procedimentos
no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento, é compatível com a flexibilização das
margens de variação dos saldos orçamentais e da dívida pública estabelecidos e a
adaptação das trajetórias de ajustamento. Esta flexibilização das metas, embora possa
decorrer de um evento que afeta todos os Estados-Membros, contém medidas e metas
individualizadas.
Foi, precisamente, o que aconteceu em 2020 com a Comissão a propor ao
Conselho – COM (2020) 123, final de 20.03.2020 - a ativação da cláusula de derrogação
de âmbito geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Consequentemente foram
adotadas recomendações do Conselho, específicas para cada Estado-Membro, que
contêm as especificações individualizadas. Como poderá ser constatado da análise das
várias Recomendações feitas pelo Conselho aos Estados-Membros é dado especial ênfase
ao impacto nas contas públicas decorrente das medidas de contenção da pandemia,
sobretudo as que se relacionam com a resiliência dos sistemas públicos de saúde e com o
mercado de trabalho. No caso português é ainda feita uma referência expressa à
necessidade de aumentar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais158.
156
Idêntica possibilidade encontra-se estabelecida no art.º 24.º da LEO, cabendo à Assembleia da República
reconhecer a existência de uma situação de excecionalidade. Este reconhecimento é dispensável, por força
do art.º 26.º da LEO e do art.º 8.º da CRP quando idêntico reconhecimento seja efetuado pelos órgãos
competentes da União Europeia, naqueles casos em que a causa seja comum a outros Estados-Membros.
157
A cláusula de derrogação de âmbito geral foi introduzida em 2011 pela reforma operada pelo six-pack
nos artigos 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 3, 9.º, n.º 1, e 10.º, n.º 3, do Regulamento (CE) n.º 1466/97, bem como nos
artigos 3.º, n.º 5, e 5.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1467/97.
158
Recomendação do Conselho relativa ao Programa Nacional de Reformas de Portugal de 2020 e que
emite um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade de Portugal de 2020 - COM (2020) 522,
final.
94
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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95
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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PARTE V
O PROCESSO ORÇAMENTAL: DA PREPARAÇÃO À EXECUÇÃO
1. Introdução
159
Estamos a referir-nos sobretudo àquelas situações que condicionam, quer direta quer indiretamente, o
conteúdo orçamental e que referiremos ao longo do texto.
160
Esta é a designação dada pela epígrafe do Título III da Lei de Enquadramento Orçamental aprovada em
anexo à Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro.
161
O Programa de Estabilidade 2022-2026 para Portugal foi aprovado no Conselho de Ministros de 11 de
abril de 2021 e apresentado posteriormente à Assembleia da República e enviado à Comissão Europeia. O
Programa de Estabilidade pode ser consultado em https://www.portugal.gov.pt/download-
ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d%3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDI3MQEAVqL7uwUAAAA%
3d e a recomendação do Conselho de 18 de junho de 2021 sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento
em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32021H0729(22)&from=EN. Os
estados-membros que não façam parte da zona euro ficam obrigados a apresentar o seu Programa de
Convergência.
96
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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A designação “Lei das Grandes Opções do Plano” (GOP) diz respeito ao conjunto formado pela Lei das
162
97
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Terminada esta etapa preparatória, inicia-se uma outra que culminará com a
elaboração da Proposta de Lei do Orçamento do Estado (PLOE). O Governo, através dos
seus ministérios vai recolher junto das entidades dos serviços abrangidos pelo perímetro
de consolidação orçamental166 as várias propostas de orçamento para, depois de
analisadas, serem adequadamente refletidas na PLOE a elaborar pelo Ministério das
Finanças e aprovar em Conselho de Ministros especificamente reunido para o efeito167.
Este procedimento deve estar concluído a tempo de permitir a estrega da proposta
de Lei do Orçamento na Assembleia da República até ao dia 10 do mês de outubro do ano
anterior àquele a que o orçamento disser respeito, como decorre do n.º 1 do art.º 36.º da
LEO. Prazo diverso é de aplicar quando ocorra uma das situações previstas no art.º 39.º
da LEO e que analisaremos mais adiante.
No cumprimento das obrigações decorrentes do Direito da União Europeia a
referida proposta de Lei deve ser enviada também à Comissão para que esta sobre ela se
possa pronunciar no quadro da denominada supervisão multilateral – art.º 4.º, n.º 2 –
165
Recorde-se que o OMP é apreciado por referência ao saldo estrutural, isto é, ao saldo orçamental tal
como definido no art.º 126.º do TFUE e no Protocolo 12 (saldo efetivo), corrigido das variações cíclicas e
líquido das medidas extraordinárias e temporárias e com os ajustamentos referidos no art.º 5.º, n.º 1 do
Regulamento (CE) n.º 1466/97.
166
Art.º 2.º da LEO.
167
A previsão das receitas e das despesas são tarefas eminentemente técnicas e diferenciadas. Cabe quase
de modo exclusivo ao Ministério das Finanças a tarefa de determinação do seu valor, enquanto que no caso
das despesas há uma maior dispersão da previsão pelos diversos ministérios e, dentro destes, pelos serviços,
embora culmine numa negociação ou articulação gerida pelo Ministério das Finanças a quem cabe agregar
e compatibilizar as várias propostas. A previsão dos montantes a inscrever no orçamento decorre da
aplicação de modelos econométricos complexos, adotados em substituição do penúltimo ano (simples ou
corrigido), do rendimento médio ou do modelo de avaliação direta (ano zero) e que serão escolhidos de
acordo com os objetivos da previsão. Sobre os modelos tradicionais veja-se J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições
de Finanças Públicas, 5.ª ed., refundida e atualizada, Coimbra Editora, 1996, 108-111.
98
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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sendo ainda remetida ao Eurogrupo para que seja tornada pública nos termos do art.º 6.º
do Regulamento n.º 473/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de
2013.
168
Regimento da Assembleia da República n.º 1/2020, de 31 de agosto, em especial arts. 220.º a 212.º.
169
Não vigora em Portugal um regime jurídico de limitação dos poderes dos grupos parlamentares para
proporem e fazerem aprovar alterações à proposta de Lei do Orçamento de Estado que vemos noutros
países, como sejam a Espanha, a França ou a Alemanha. Em face do atual quadro constitucional e legal
vigente no que à distribuição da competência de poderes entre legislativo e executivo em matéria
orçamental entendemos que esta é a única posição a sufragar. Ademais, a criação de limitações às propostas
de alteração submetidas a discussão e aprovação colocaria em causa o princípio subjacente à aprovação do
orçamento por esvaziar ou limitar consideravelmente os poderes do órgão representativo a quem cabe
aprovar o Orçamento. Contudo, estes poderes de iniciativa estão indiretamente limitados pelas designadas
despesas obrigatórias, bem como pela Lei das Grandes Opções. Esta possibilidade permite que possam
ocorrer situações em que as propostas de alteração desvirtuem consideravelmente a proposta apresentada.
170
Sendo uma Lei, embora com características muito específicas, é ainda possível a fiscalização abstrata
e/ou concreta das normas orçamentais.
99
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
100
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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171
Não obstante a previsão da possibilidade de aprovação pelo Governo de um Decreto-Lei de execução
orçamental para regulamentar, na medida do estritamente necessário, este período orçamental – designado
(impropriamente) de orçamento transitório – entendemos que a exceção deve ser aplicada às demais
despesas obrigatórias.
172
A apresentação de propostas ou projetos em violação do estabelecido nos números 2 e 3 do art.º 167.º
da CRP implica a não admissão dos mesmos, nos termos dos arts. 120.º, n. os 1 e 2 e do art.º 125.º do
Regimento da Assembleia da República.
173
Nos casos em que tal suceda haverá uma vinculação prévia que condiciona a elaboração da proposta de
Lei de orçamento de estado para o ano seguinte, aproximando este regime do que é aplicável às propostas
de alteração do projeto de orçamento apresentado aquando da discussão e aprovação pelo Parlamento.
101
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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Como tivemos oportunidade de referir supra a tramitação processual que tem como
objetivo a aprovação da Lei do Orçamento sofre algumas limitações decorrentes do
Direito da União Europeia. Estes condicionalismos não dizem apenas respeito a
obrigações de informação174 uma fez que se podem refletir no conteúdo da própria
proposta de Lei ou mesmo da Lei.
De uma forma sucinta são de salientar as orientações gerais das políticas
económicas dos Estados-Membros efetuadas no âmbito do Semestre Europeu
recomendações feitas no quadro do Semestre Europeu, mas, sobretudo, das orientações
dirigidas especificamente a cada Estado-Membro e que devem ser tidas “na devida
conta”, sob pena de lhes poderem ser aplicadas sanções175.
174
São disso exemplo as obrigações de comunicação à Comissão (Eurostat) até 1 de abril e até 1 de outubro
de cada ano dos valores dos défices orçamentais programados e verificados – cfr. art.º 3.º do Regulamento
(CE) n.º 479/2009, do Conselho, de 25 de maio de 2009.
175
A redação da norma contida no n.º 3 do art.º 2.º -A do Regulamento (CE) n.º 1466/97, de 7 de julho de
1997, na sua redação atual não é totalmente clara. Se por um lado no §1 do referido número e artigo se fala
em recomendações, no § 2 do mesmo número fala-se na possibilidade de aplicação de sanções quando
exista um incumprimento por parte do Estado-Membro das ditas recomendações. Compreende-se a solução
e a sua compatibilização com a definição de orientações tida como válida na Doutrina e na Jurisprudência
apenas se torna possível se tivermos em consideração que a obrigação de transparência, o acompanhamento
– ou supervisão – das políticas orçamentais dos Estados-Membros e a necessidade de responsabilização
pelas decisões tomadas delimitam objetivamente a possibilidade de aplicação de sanções. Perante uma
recomendação exige-se aos Estados-Membros uma obrigação de resultados, ainda que temperada por uma
obrigação de meios.
102
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
176
As competências dos órgãos de soberania são, nos termos do art.º 110., n.º 2 da CRP, estabelecidas pela
Constituição, ficando os referidos órgãos obrigados a observar, no exercício dessas mesmas funções, o
princípio da separação de poderes. Na ausência de norma que atribua especificamente a um órgão
competência para regular determinada matéria deve entender-se, na esteira do que é defendido no Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 461/87, publicado no Diário da República I série de 15 de janeiro de 1988,
que estamos perante competência legislativa concorrente.
177
A expressão utilizada encontra paralelo noutras latitudes sob a designação de cavaliers budgétaires ou
riders e pretende traduzir a ideia da introdução de disposições em matéria não orçamental no orçamento
por forma a gozarem da proteção vinculativa e da força jurídica decorrente da forma a observar pela Lei do
Orçamento. Por essa razão é por vezes utilizada a expressão de boleia orçamental. Apesar de ser uma
temática já antiga a verdade é que a discussão em torno das implicações decorrentes da sua utilização
mantém-se atualmente. Veja-se, por exemplo, ANA RAQUEL MONIZ, “Cavaleiros e Hierarquia: o Artigo 158º
da Lei do Orçamento do Estado para 2009”, Revista de Direito Público e Regulação; CEDIPRE, Coimbra,
2009, pp. 1-8; XAVIER MINY, “Les «cavaliers budgétaires» sont-ils éphémères? Une controverse qui
perdure”, Revue de Jurisprudence de Liège, Mons et Bruxelles (J.L.M.B.), Larcier, 2017, n.º 3, pp. 110-
117.
178
Gomes Canotilho e Vital Moreira entendem que nas matérias não orçamentais a lei do orçamento. deve
ser considerada uma “lei comum”, isto é, não se lhe aplicam as limitações decorrentes da LEO quanto à sua
vigência, não se lhes aplicam as regras relativas às alterações orçamentais nem gozam de força especial.
Posição similar tem sido assumida pelo Tribunal Constitucional português em vários Acórdãos,
nomeadamente no Acórdão n.º 141/2020, de 3 de março de 2020. També, o Conseil Constitucionnel e o
Cour des Competes franceses têm assumido posições similares à referida. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL
MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, artigos 1.º a 107.º, 4.ª edição revista,
Coimbra Editora, 2007, pp. 1112 e 1113. Décision n.º 2021-833 DC, de 28 de dezembro de 2021 do Conseil
Constitucionnel, COUR DES COMPTES, Projets de décrets contenant les budgets pour l’année 2017de la
Région wallonne, Rapport Approuvé en chambre française du 1 er décembre 2016.
179
Para maiores desenvolvimentos veja-se FERNANDO ROCHA ANDRADE, Textos de Finanças Públicas,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, pp. 118 e ss. e TIAGO DUARTE, A Lei por Detrás do
Orçamento, Almedina, Coimbra, 2007.
103
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
é válida apenas para as normas que regulamentem matéria orçamental e para aquelas que,
não sendo normas em matéria orçamental, tenha sido expressamente previsto esse regime.
Regime especial é aplicável às autorizações legislativas em matéria fiscal
constantes da Lei do Orçamento podem ser utilizadas até ao final do ano económico para
o qual tenham sido concedidas180.
5. A execução orçamental
Com a entrada em vigor do orçamento (em regra, no dia 1 de janeiro de cada ano),
inicia-se a sua execução, com a prática de atos relacionados com a liquidação e cobrança
de receitas e com a autorização, autorização de pagamento e pagamento das despesas.
A execução do orçamento pode ser materializada na prática de atos ou de contratos
e nessa pressuposição, a execução orçamental tem que obedecer aos princípios e às
normas que regulamentem os vários aspetos relativos a cada uma das situações. Para além
disso, a perfeição do ato de execução orçamental fica ainda dependente do cumprimento
das exigências legais em matéria financeira ou, como é habitualmente referido, ao
cumprimento dos princípios especificamente relacionados com a execução orçamental.
Estes princípios representam uma densificação do princípio da legalidade e que se
materializa principalmente no princípio da tipicidade orçamental, mas que não se reduz a
este, mas agrega contributos vários, nomeadamente os decorrentes do princípio da
economia, eficiência e eficácia já por nós referido.
O procedimento de execução orçamental é bastante diversificado e complexo e
nunca se materializa num único ato, mas antes numa sequência lógica e ordenada de atos.
O cumprimento dos procedimentos introduz um fator de racionalidade na gestão e é
essencial na fase do controlo. Embora existam alguns aspetos e princípios que se aplicam
quer à execução do orçamento da receita quer à execução do orçamento da despesa outros
há que são muito diversos. Por razões didáticas, analisaremos de forma breve e separada
uns e outros, mas com especial enfoque na execução da despesa.
180
Este desvio face à regra contida no n.º 5 do art.º 165.º da CRP e que consta do n.º 4 do mesmo artigo
revela bem a força vinculativa reconhecida à Lei do Orçamento.
104
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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181
A diferenciação do procedimento que leva à liquidação e cobrança das receitas tributárias, das receitas
não tributárias, nomeadamente das receitas patrimoniais e das creditícias reveste-se de especificidades que
são objeto de estudo noutras unidades curriculares, nomeadamente no Direito Fiscal e nas Finanças Públicas
II, mas também em várias disciplinas de Direito Privado.
182
Esta função é atualmente exercida pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP,
E.P.E., que sucedeu nestas funções ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P.
105
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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183
A classificação económica da receita encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de fevereiro
e a classificação funcional no Decreto-Lei n.º 171/94 de 24 de junho.
184
Esta possibilidade leva-nos a questionar se basta que exista uma correta inscrição orçamental, ainda que
de montante zero, para que a receita possa ser arrecadada ou se a previsão do montante a arrecadar tem que
ser minimamente realista. De acordo com os princípios de direito financeiro, parece ser de aceitar a primeira
hipótese. Embora não tenhamos razões para discordar questionamo-nos se uma inscrição de receita em que
se prevê cobrar zero euros não é equivalente a uma não inscrição de receita.
185
Este princípio de execução orçamental deixou de figurar nos princípios de execução orçamental
constantes da LEO, mas, dado que o RAFE ainda não foi revogado, entendemos que a sua aplicação se
mantém. Com as alterações que têm vindo a ser introduzidas no processo de elaboração, sobretudo de
estruturação, e de execução do orçamento é de esperar que deixe de fazer sentido a sua aplicação como
regra, pese embora continue a ser essencial a limitação do volume de gastos nos primeiros meses do ano.
106
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
186
A própria noção de preço mais elevado pode ser vista como o custo financeiro a suportar, devendo tomar
em consideração outros encargos não financeiros como o
107
Sumário desenvolvido (2022/2023)
Uso exclusivamente destinado aos alunos da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
187
Na inexistência de uma regra genérica que obriga à execução do orçamento por duodécimos é necessário
perceber, em cada período financeiro, a que serviços ou despesas se aplica este regime de execução. Faz-
se notar que podem ser estabelecidas exceções que permitam a antecipação total ou parcial dos duodécimos
ainda não vencidos.
108
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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PARTE VI
O CONTROLO DA EXECUÇÃO ORÇAMENTAL
1. Notas introdutórias
188
Diríamos que o direito de controlar a execução orçamental decorre diretamente do dever fundamental
de pagar impostos e que ambos decorrem do princípio do Estado de Direito Democrático e que, também
por isso, este art.º 15.º da DUDHC deve ser conjugado com o art.º 12.º da DUDHC. Em sentido próximo
daquele que aqui defendemos veja-se Eduardo Paz Ferreira, “Os Tribunais e o Controlo dos Dinheiros
Públicos”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. II, Coimbra. Editora, 2001, p. 153. Apenas
entendemos que esta legitimação decorre da existência de receitas coativas lato sensu e não apenas dos
impostos.
189
Esta diversidade faz com que alguns autores ao analisarem a natureza jurídica do orçamento o dividam
em partes, enquanto que outros consideram que, ainda assim, há uma unidade intrínseca. Sobre esta questão
veja-se o nosso “Natureza jurídica do Orçamento”, Boletim de Ciências Económicas, vol. XLV, 2002,
FDUC, Coimbra, pp. 419-459 tema retomado em “Reflexões em torno da Natureza Jurídica do Orçamento”,
Revista Forense, vol. 432, julho/dezembro, 2020, ABDR, Editora Forense, São Paulo, Brasil, pp. 32-46.
109
Sumário desenvolvido (2022/2023)
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2. O controlo administrativo
190
Em Portugal, este tipo de controlo existe desde há algum tempo atrás, estando atualmente regulado pelo
Decreto-Lei n.º 166/98, de 25 de junho, que criou o Sistema de Controlo Interno da Administração
Financeira do Estado (SCI) e que foi regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 27/99, de 12 de
dezembro. Dentro de cada Ministério estas funções de controlo são exercidas por entidades especificamente
criadas para o efeito. A título exemplificativo são de referir a Inspeção-Geral Diplomática e Consular
(IGDC), a Secretaria-Geral do Ministério da Economia (SGME) ou a Inspeção-Geral da Defesa Nacional
(IGDN). Trata-se de entidades a quem compete, em regra, a realização de auditorias financeiras aos serviços
tutelados pelos respetivos Ministérios.
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verificar o cumprimento das regras que subjazem à execução orçamental de forma mais
cuidadosa do que os demais tipos de controlo. Para além disso, trata-se de um tipo de
controlo que permite apreciar quer a regularidade dos atos de receita e despesa, quer as
justificações concretas apresentadas para o efeito.
Os parâmetros de controlo e o procedimento a observar estão regulamentados na
Lei de Enquadramento Orçamental, na Lei de Bases da Contabilidade Pública (LBCP -
Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro) e no Regime da Administração Financeira do Estado
(RAFE – Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho191). Podem ainda ser mobilizadas as
normas constitucionais, que auxiliam quer na interpretação, quer na determinação da
relação hierárquica das normas e as disposições que em cada ano constam do Decreto-
Lei de execução orçamental. Estes normativos estabeleceram regras específicas tendo em
consideração o tipo de autonomia de cada serviço. Assim, distingue-se entre serviços com
autonomia administrativa e financeira e serviços com mera autonomia administrativa192.
De entre as diferenças de regime destacam-se as que dizem respeito aos serviços
dotados de autonomia administrativa e as que regulam o controlo da execução orçamental
dos serviços com autonomia administrativa e financeira.
191
Alterado pelos Decreto-Lei n.º 275-A/93, de 29 de agosto, Decreto-Lei n.º 113/95, de 25 de maio, Lei
n.º 10-B/96, de 23 de março, pelo Decreto-Lei n.º 190/96, de 9 de outubro, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30
de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de março, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro,
pela Lei n.º 85/2016, de 21 de dezembro, pela Lei n.º 85/2016, de 21 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º
84/2019, de 28 de junho e pela Lei n.º 53/2022, de 12 de agosto.
192
Esta repartição dos serviços foi estabelecida entre nós com a revisão do Regime de Contabilidade Pública
operada em 1990 pela Lei de Bases da Contabilidade Pública – Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro, que
extinguiu os serviços dependentes. Independentemente da designação que é dada a cada serviço o que
importa, para estes efeitos, é se o mesmo é de enquadrar na classificação de serviço com mera autonomia
administrativa ou se, pelo contrário, se trata de um serviço com autonomia administrativa e financeira. Em
regra, as Entidades Públicas Reclassificadas (EPR) estão sujeitas a um regime simplificado de controlo da
execução orçamental estabelecido, em cada ano, no Decreto-Lei de execução orçamental.
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3. O controlo político
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4. O controlo jurisdicional
4.1. Notas introdutórias: a repartição de competências entre os vários tribunais
193
O prazo para discussão em plenário é definido em conferência de líderes – cfr. art.º 207.º, n.º 1 do
Regimento da Assembleia da República. Já no que diz respeito aos prazos para emissão dos pareceres por
parte da comissão permanente, da comissão parlamentar competente em razão da matéria e por parte dos
serviços da Assembleia da República previstos no art.º 206.º do Regimento da Assembleia da República
sobre a Conta verifica-se que são superiores aos que se encontram previstos para o orçamento.
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194
Tem vindo a ser discutida a natureza jurídica do Tribunal de Contas havendo quem entenda que, dadas
as especificidades dos seus poderes de controlo, que não se limitam aos poderes de um comum tribunal e
incidem mesmo sobre o mérito da atuação, revelariam a existência de um órgão de controlo que se
aproximaria das entidades de auditoria pública existentes em países como o Reino Unido. Contudo, no caso
português a Constituição refere a sua existência como um órgão jurisdicional e classifica-o como órgão de
soberania – cfr. art.º 209.º e art.º 214.º da CRP, tratando-se, porém, de um tribunal de competência
especializada. Por ser um Tribunal terá que observar na sua atuação os princípios que se aplicam aos demais
tribunais, nomeadamente o princípio da independência e da exclusiva sujeição à lei – art.º 201.º da CRP –
direito à coadjuvação de outras entidades – art.º 202.º da CRP – princípio da fundamentação, da
obrigatoriedade e da prevalência das decisões – art.º 201.º da CRP – e princípio da publicidade – art.º 206.º
da CRP:
195
Este alargamento de competências decorre da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro.
196
Alterada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 1/2001, de 4 de janeiro, alterada pela
Lei 55-B/2004, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto, pela Lei n.º 35/2007, de 13 de
agosto e pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pela Lei n.º 61/2011, de 7 de dezembro, pela Lei n.º 2/2012,
de 6 de janeiro, pela Lei n.º 20/2015 de 9 de março (que a republica em anexo), pela Lei n.º 42/2016, de 28
de dezembro e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho e pela Lei n.º
12/2022, de 27 de junho.
197
Sobre a forma de recrutamento dos juízes do Tribunal de Contas veja-se o regime estabelecido nos arts.
18.º e ss. da Lei de Organização e Processo no Tribunal de Contas (LOPTC).
115
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198
Note-se que a atribuição de competências exclusivas nos domínios referidos não contende nem com a
garantia do duplo grau de jurisdição, operacionalizada através dos procedimentos adotados e da composição
dos colégios que efetuam a apreciação dos processos, quer pela possibilidade de existência de recurso para
o Tribunal Constitucional. A discussão em torno da limitação de competências do Tribunal de Contas
ratione materiae é uma questão controversa e pode mesmo levar a uma expansão dos poderes do Tribunal
de Contas e a uma sobreposição de esferas de controlo. Neste sentido veja-se LICÍNIO LOPES MARTINS,
“Jurisdição Financeira: a fiscalização de legalidade das despesas públicas pelo Tribunal de Contas”, Boletim
de Ciências Económicas, vol. LXIII-A, A Despesa Pública na Encruzilhada do Século XXI, FDUC,
Coimbra, pp. 127-150.
199
A delimitação do âmbito de competência do Tribunal de Contas decorre, nomeadamente, do art.º 2.º da
LOPTC mas este artigo deve ser lido em articulação com os art. os 5.º e 6.º do mesmo diploma legal.
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o valor fixado no art.º 48.º da LOPTC200. De acordo com esta estatuição, ficam sujeitos a
fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas todos os atos de realização de despesa, mas
apenas aqueles que se encontrem previstos no art.º 46.º LOPTC e não excetuados pelo
art.º 48.º ou dela não isentos - em razão do valor - pelo art.º 48.º LOPTC.
Submetido que seja o pedido de fiscalização prévia, este é inicialmente analisado
pelos Serviços da Direção-Geral do Tribunal de Contas201. Feita esta primeira apreciação
pode ser solicitada qualquer diligência instrutória. Caso seja possível concluir desde logo
pela existência de conformidade será a própria Direção-Geral a emitir a declaração de
conformidade do ato, declaração esta que será validada pelos juízes de turno, e
posteriormente comunicada ao requerente – cfr. art.º 83.º, n.º 1 da LOPTC.
Nos casos em que não seja possível a emissão de um juízo de conformidade, os
processos são instruídos com os elementos constantes do n.º 1 do art.º 84.º da LOPTC e
remetidos à primeira sessão diária de visto. Havendo fundamento para a concessão do
visto, o mesmo será concedido, mas, se houver fundamento para a recusa do visto, o
processo será remetido para a sessão plenária da 1.ª secção, acompanhado da proposta de
decisão. Assim, a emissão de visto nos casos em que não tenha sido possível a emissão
de declaração de conformidade ou em que tenham existido dúvidas sobre a legalidade dos
atos ou contratos fica sujeita a uma apreciação por, pelo menos, 3 juízes e, nas situações
mais complexas, pelo plenário da secção. Já quando se entenda que há fundamentos para
a recusa do visto a apreciação terá sempre que ser feita pelo plenário da secção 202.
Qualquer que seja a decisão, esta deve ser comunicada à entidade requerente no próprio
dia em que tenha sido proferida.
É de notar que todo este processo tem que estar concluído no prazo de 30 dias
úteis contados a partir da data de registo da entrada, prazo este que se suspende quando
tenha sido solicitado à entidade requerente o envio de elementos ou a prática de atos
instrutórios. Nestes casos a suspensão ocorre entre a data em que é ordenado o envio de
200
Até à alteração introduzida na LOPTC pela Lei n.º 27.º-A/2020, de 24 de julho, o valor a partir do qual
era obrigatória a submissão a visto prévio do Tribunal de Contas era fixada anualmente. A fixação destes
valores mínimos tem por finalidade evitar que o TdC se tenha que pronunciar sobre a execução de atos de
valor muito baixo, permitindo uma melhor utilização dos recursos do Tribunal para a análise de situações
que, do ponto de vista monetário, têm um maior impacto nas contas públicas.
201
A organização e tramitação dos processos de fiscalização prévia junto do Tribunal de Contas está
prevista na Resolução n.º 3/2022-PG, do Tribunal de Contas, publicada no Diário da República, 2.ª série,
de 8 de abril de 2022 e pela Resolução n.º 4/2022-PG, do Tribunal de Contas, publicada no Diário da
República, 2.ª série, de 6 de abril de 2022.
202
Excecionalmente a participação na discussão e na votação pode ser alargada, por decisão do Presidente,
aos restantes juízes do Tribunal.
117
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203
Estes efeitos não sofrem quaisquer limitações nos casos em que o visto seja concedido, embora
acompanhado de recomendações. A natureza jurídica das recomendações coloca-nos perante o desafio de
saber qual a consequência do seu incumprimento. Em termos jurídicos, e dentro do âmbito de questões
relacionadas com a execução orçamental, podemos dizer que o seu cumprimento é tido em consideração,
nomeadamente, para efeitos de responsabilidade financeira, nomeadamente para relevação da mesma, nos
termos do n.º 9 do art.º 65.º da LOPTC. Sobre as recomendações do Tribunal de Contas veja-se, em opinião
que acompanhamos muito de perto, JOSÉ F. F. TAVARES, Recomendações do Tribunal de Contas? Conceito,
natureza e regime, Almedina, Coimbra, 2008.
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A recusa de visto tem como efeito direto a cessação de todos os efeitos jurídicos
dos atos ou contratos visados que ocorram após a notificação da decisão do TdC. Estando
em regra suspensos os efeitos financeiros, admite-se, excecionalmente, o pagamento
daquelas despesas cuja contrapartida material já tenha ocorrido, desde que o valor não
ultrapasse o que estava programado para a execução do ato ou do contrato naquele
período.
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A fiscalização sucessiva regulada nos arts. 50.º e ss. LOPTC distingue-se das
restantes porque incide sobre atos e contratos já executados. Neste tipo de fiscalização
são apreciadas (todas) as contas das entidades sujeitas à jurisdição do TdC, avaliados os
sistemas de controlo interno de cada serviço e a “economia, eficácia e eficiência” da
gestão financeira. O TdC assegura, ainda, a fiscalização da comparticipação nacional nos
recursos da União Europeia e aplicação dos recursos financeiros oriundos da União
Europeia. Do lado da receita, a fiscalização sucessiva por parte do TdC individualiza a
fiscalização da emissão de dívida pública direta – verificação do cumprimento dos limites
de endividamento e demais requisitos exigidos pela Assembleia da República, o que nos
leva a concluir que quanto à dívida pública, é dada especial atenção não só aos atos que
materializam despesa como sejam atos de gestão de dívida pública e do pagamento dos
respetivos encargos (amortização de capital e juros), como também ao lado da receita.
Esta análise do TdC não se resume, porém, à apreciação da legalidade jurídico-
financeira entendendo-se à verificação do cumprimento de exigência de economia,
eficiência e eficácia e às práticas de boa gestão financeira.
Embora do ponto de vista conceptual a economia, a eficiência e a eficácia devam
ser vistos como princípios de boa gestão e permitam avaliar se e em que medida a
realização de uma determinada despesa pública permitiu assegurar padrões elevados de
qualidade dos serviços públicos, com o menor dispêndio possível de recursos públicos e
a escolha dos recursos a utilizar permita que sejam determinados aqueles cuja utilização
seja mais adequada ao resultado, as práticas de boa gestão podem incluir ainda a
referência ao momento escolhido para a prática do ato ou execução do contrato. Por se
tratar de juízos técnicos que se afastam dos juízos de legalidade esta atividade constitui
uma nuance específica do controlo jurisdicional efetuado pelo Tribunal de Contas e que
não existe nos casos em que a fiscalização jurisdicional da execução orçamental é
efetivada pelos demais Tribunais.
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indícios da prática de atos que possam gerar responsabilidade financeira. A deteção dessas
atividades deve ser reportada nos relatórios das ações de controlo. Sempre que existam
evidência da prática de atos suscetíveis de serem enquadrados numa das situações
previstas nos arts. 59.º, 60.º, 65.º ou 66.º, os processos são remetidos ao Ministério
Público204.
Dentro da responsabilidade financeira há que distinguir entre a responsabilidade
financeira sancionatória e a responsabilidade financeira reintegratória. Estes dois tipos de
responsabilidade encontram-se regulados, respetivamente, nos arts. 65.º a 68.º e 59.º a
64.º, respetivamente.
De modo muito sucinto diremos que o apuramento de responsabilidades é feito
em processos de julgamento de contas e em processos de julgamento de responsabilidades
financeiras ou ainda em processos autónomos.
De comum a todos estes processos o facto de apenas existir responsabilidade
financeira nos casos especificamente previstos na lei. Enquanto na responsabilidade
financeira reintegratória a responsabilização do agente apenas ocorre nos casos em que
este tenha atuado com culpa, e tem por objetivo a reposição nos cofres do estado do
montante material da lesão dos dinheiros ou dos valores públicos, podendo estes valores
ser diminuídos em caso de negligência, na responsabilidade sancionatória o que está em
causa é o pagamento e uma multa por incumprimento de alguma das obrigações previstas
nos arts. 65.º e 66.º da LOPTC205.
204
Esta remessa pode ainda ser feita pela Assembleia da República ou pelas Assembleias Legislativas
Regionais nos casos referidos no art.º 5.º, n.º 3 ou pelas entidades referidas no art.º 29.º, todos da LOPTC.
205
Sem nos pronunciarmos detalhadamente sobre a natureza jurídica da responsabilidade sancionatória e
da responsabilidade reintegratória diremos apenas que a primeira se assemelha bastante à responsabilidade
contraordenacional e a segunda à responsabilidade extracontratual. Contudo, os fundamentos, os traços de
regime de cada uma delas e o facto de serem cumuláveis com a responsabilidade penal, disciplinar e civil
leva-nos a pensar que estaremos perante institutos cuja natureza jurídica é diversa daqueloutras.
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