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ELABORADA POR SOFIA MARQUES E TERESA FERREIRA

SEBENTA PRÁTICA DE
DIREITO ECÓNOMICO

Comissão de Curso 21/22


Juris et de Jure
Direito Económico

AULAS PRÁTICAS DE DIREITO ECONÓMICO


Apontamentos elaborados por Sofia Marques e Teresa Ferreira

Aula de 30/9

Ficha de trabalho n.º 1


«Mas o certo é que se está perante uma matéria controvertida, em que não é apenas o objecto, mas
também o conteúdo concreto do que pode abranger que têm sido apaixonadamente questionados
[…]»
Maria Eduarda Azevedo, Temas de Direito da Economia, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015

1. Comente a afirmação, à luz das várias tentativas de justificação da autonomia científica do Direito
Económico ou Direito da Economia.

O Direito Económico não goza de autonomia científica. Segundo o Professor Pacheco de


Amorim, o Direito Económico pode ser entendido como uma parte do Direito Administrativo, pois
não existe um corpo diferenciado de normas que justifique um método de estudo distinto, visto que
se está a falar da intervenção dos poderes públicos na vida económica. Fala-se, então, num “Direito
Administrativo da Economia”, no qual se usam os métodos e instrumentos do Direito Administrativo.
Na verdade, o Direito Económico é apenas estudado enquanto unidade curricular por mera opção
pedagógica.
No entanto, existem autores que tentam autonomizar e afirmar a autonomia científica do
Direito Económico através de vários critérios. Ora, alguns autores entendem que o Direito Económico
é tão autónomo que se sobrepõe à separação existente entre Direito Privado e Direito Público. Alguns
dos critérios utilizados por estes autores:
1) Critério da interdisciplinaridade – o Direito Económico autonomiza-se com a sua relação com
a realidade social, e em particular com a Economia.

No entanto, este critério não é seguro para classificar o Direito Económico como uma
disciplina/ramo autónomo, pois todas as áreas do Direito são interdisciplinares e relacionam-se com
a vida social e com o saber (isto não significa que os especialistas desta área do Direito não necessitem
de conhecimentos particulares em algumas matérias de domínio económico).
2) Critério da particular finalidade prosseguida pelas normas de Direito Económico – os
diferentes autores avançam diversas possibilidades:
i. Assegurar o equilíbrio entre agentes privados e agentes públicos;
ii. Prossecução do interesse geral
iii. Prossecução de fins salonistas, através de políticas económicas várias

No entanto, este critério também não é seguro, sendo que existem críticas ao mesmo.
Primeiramente, toda a atividade e atuação administrativa está sujeita à prossecução do interesse
geral. Ora, este critério é então extremamente vago e pode levar a que o Direito Económico interfira
em domínios do saber de outras áreas do Direito. Para além disto, este critério não é viável, pois nele
caberiam todas as normas que tocassem, no mínimo, no Direito Económico.
3) Critério do objeto específico do Direito Económico – o Direito Económico é um ramo do
Direito cujo objeto visa o tratamento do sistema económico em geral, podendo visar ainda
os agentes públicos enquanto interventores na vida pública em geral.
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Direito Económico

No entanto, este critério também suscita algumas dúvidas. Tal como o critério anteriormente
mencionado, este é vago, uma vez que o Direito Económico não pode ser todo o conjunto de regras
e normas que regem um determinado sistema económico. Ora, este critério acaba por não delimitar
nada, uma vez que praticamente todas as normas que tanjam o domínio do sistema económico
podem fazer Direito Económico.
Pode-se ainda acrescentar que definir o Direito Económico por apelo à
atividade/comportamento das empresas não resulta, visto que o Estado não intervém só através
das empresas. Assim, esta conceção:
• Peca por defeito – não abrange todas as formas de intervenção pública na economia;
• Peca por excesso – interfere nas áreas que estudam as empresas privadas, tal como o
Direito Comercial.

CONCLUSÃO: nenhum destes critérios se afigura suficiente para autonomizar o Direito Económico
enquanto disciplina científica ou ramo do Direito.
à POSSÍVEL DEFINIÇÃO DE DIREITO ECONÓMICO: o Direito Económico rege a intervenção dos
poderes públicos na economia (definição demasiado lata) – esta definição tem de necessariamente
excecionar os casos em que o Estado atua no que respeita nomeadamente à obtenção de receita e à
afetação de despesa, à coleta de impostos e às questões monetárias.
à DEFINIÇÃO DO PROFESSOR PACHECO DE AMORIM DE DIREITO ECONÓMICO: o Direito
Económico é um conjunto de princípios e regras administrativas que regem a intervenção do Estado
da economia, seja a intervenção direta (Estado intervém enquanto agente produtor de serviços), seja
a intervenção indireta (Estado assume funções de fomento, planeamento, infraestruturação,
regulação das atividades económico-financeiras, etc.)
Segundo o Prof. Pacheco de Amorim, quando falamos em Direito Económico, encontramo-nos,
ainda, no âmbito do Direito Administrativo, isto apesar de o Direito Económico regular matéria que
não se trata, especificamente, de Direito Administrativo, pelo facto de se relacionar com outras
matérias, como, por exemplo, o Direito da Concorrência.

«É um facto a extensão, a heterogeneidade, a mobilidade, a pulverização das regras sobre a


organização económica; e é um facto, talvez, inelutável, sobretudo em conjunturas de transformação
ou de crise. Mas perante essa heterogeneidade e pulverização, contra essa mutabilidade, haverá que
procurar um princípio de unidade, de integração ou de coerência.»
Jorge Miranda, Direito da Economia [Texto policopiado], 1982

2. Partindo do trecho supra, refira-se às particularidades do Direito Administrativo da Economia e,


em especial, às características específicas das suas normas.

1) HETEROGENEIDADE DE FONTES – verifica-se uma pulverização de produção legislativa, que


se relaciona com as fontes.

Primeiramente, vamos deixar de ter uma lei geral e abstrata, optando-se, por outro lado, por:
a) Leis-medida
b) Decretos regulamentares
c) Resoluções do Conselho de Ministros
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Direito Económico

d) Planos
e) Diretivas, etc.

à Verifica-se então, desde logo, uma diversidade muito grande de fontes e de instrumentos
normativos.
2) AUSÊNCIA DE UNIDADE/DISPERSÃO NORMATIVA – não é possível centrar o estudo num só
Código (que obedece a uma sistemática interna), pois no âmbito do Direito Económico
estamos a falar de normas muito dispersas, que visam matérias muito distintas.

3) AUSÊNCIA DE AUTONOMIA CIENTÍFICA

4) INTERPOLAÇÃO ENTRE DIREITO, POLÍTICA E ECONOMIA

5) MUTABILIDADE – o Direito Económico encontra-se fortemente dependente das conjunturas.


Assim posto, é necessário permitir que o poder político determine a concretização efetiva das
diretrizes económicas, consoante a vontade do poder político em causa.
a. Por isso, na maioria das vezes não há tempo para seguir o procedimento legislativo
associado a uma lei, havendo necessidade de recorrer a atos legislativos que sejam
mais flexíveis e sujeitos a menos controlo parlamentar.

A economia, para além de estar sujeita a conjuntaras, é um fenómeno complexo, o que faz
com que nestas matérias a própria lei tenha recurso a uma técnica legislativa específica: os
CONCEITOS INDETERMINADOS e, em associação, para garantir a flexibilidade da administração,
garantimos que esta tem DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA.
Características particulares das normas de Direito Económico:
I. Dispersão e amplitude
II. Heterogeneidade das fontes
III. Mutabilidade – caráter transitório da vigência, que justifica o recurso a instrumentos que são
mais suscetíveis a modificação e substituição
IV. Flexibilidade e omnipresença da discricionariedade técnica
V. Recurso à jurisdição arbitral – exige-se uma resposta rápida, e surge neste domínio como uma
opção muito importante
VI. Heterogeneidade do conteúdo – recorre-se muito a formas de Direito Privado

«O Direito da Concorrência é, de múltiplas maneiras, o guarda-noturno de uma economia de


mercado. Numa economia de mercado, as decisões importantes sobre produção e consumo (i.e.,
sobre oferta e procura) são tomadas através do mercado. Produtores e consumidores decidem, com
base nos preços, se irão ou não produzir (oferta) e/ou se a resposta passa por consumir (procura). O
objetivo do Direito da Concorrência é o de assegurar que o mercado funciona em termos ótimos: i.e.,
deixar a concorrência fazer o seu bom trabalho.»
Piet Jan Slot / Martin Farley, An Introduction to Competition Law, Hart
Publishing, 2017 (tradução livre)

«Hoje em dia, há uma clara consciência entre decisores políticos, advogados de Direito da
Concorrência e juízes, a propósito da importância da economia no seu trabalho diário. Na UE, nos
Estados Unidos e em muitas outras partes do mundo, é comum discutir os casos de Direito da

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Direito Económico

Concorrência através de conceitos económicos, como os de poder de mercado, barreiras à entrada ou


custos irrecuperáveis. A política da concorrência é política económica preocupada com as estruturas
económicas, a conduta económica e os efeitos económicos.»
Jonathan Faull / Ali Nikpay / Deirdre Taylor (eds.), The EU Law of Competition, 3.ª
ed., Oxford, 2014 (tradução livre)

3. Com base nas duas afirmações, explicite o motivo do estudo das matérias do Direito da
Concorrência numa cadeira de Direito Económico.
Na verdade, não se verifica unanimidade quanto à finalidade prosseguida pela concorrência,
colocando-se várias hipóteses, tais como:
a) Garantir a igualdade entre operadores
b) Garantir a possibilidade de outros operadores acederem ao mercado
c) Assegurar a tutela de operadores particulares
d) Assegurar a neutralidade dos processos decisórios
e) Garantir que as empresas estão efetivamente a agir de forma concorrencial, etc.

DEFINIÇÃO DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA – é o conjunto de regras que visam assegurar uma


concorrência efetiva entre empresas, controlando a criação, o reforço ou o exercício do poder de
mercado.
à Se não houvesse Direito da Concorrência, poderiam haver abusos derivados da autonomia e livre
iniciativa privada. Ora, quem perderia seria o consumidor e a concorrência.
Alguns autores defendem que não faz sentido incluir o Direito da Concorrência no Direito da
Administrativo, pois este rege o comportamento de empresas privadas. O Professor Pacheco de
Amorim discorda, na medida em que entende que o Direito da Relação é ainda Direito Administrativo,
uma vez que a Autoridade da Concorrência é uma Autoridade Independente, que se encontra
responsável pela prossecução de um interesse público à apesar de não serem matérias de Direito
Administrativo, faz sentido incluí-las aqui.
No dia 17 de setembro de 2021, foi aprovado, em Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, o
projeto de alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados, contendente, inter alia, com os requisitos
necessários para a inscrição como advogado-estagiário. Em particular, da nova formulação conferida
à alínea a) do artigo 194.º do EOA resulta que «Podem requerer a sua inscrição como advogados
estagiários: a) Os titulares de licenciatura em Direito com o grau de mestre ou de doutor, ou o
respetivo equivalente legal, e bem assim com Pós-Graduações reconhecidas pela Ordem dos
Advogados, nomeadamente LLM, sendo este requisito dispensado na eventualidade da licenciatura
ter sido alcançada ao abrigo de organização de estudos anterior à vigência do Decreto-Lei n.º
74/2006, de 24 de março».
4. Partindo do princípio de que nos encontramos perante uma atividade profissional privada,
pronuncie-se sobre a compatibilidade do referido projeto com a nossa Constituição, começando por
enquadrar a questão no plano de estudos da Unidade Curricular.
O Direito fundamentalmente em causa é a LIBERDADE DE PROFISSÃO (DESC), direito este que
se relaciona com a forma como ganhamos os meios para nos sustentarmos.

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Direito Económico

A Professora sugeriu alguns tópicos de resposta:


1. Enquadrar a questão no âmbito dos direitos fundamentais económicos clássicos: liberdade
de profissão.
2. Explicitar que a advocacia é uma profissão privada, ainda que de interesse público – a única
dimensão pública da advocacia é o apoio público prestado pelos profissionais, de forma
gratuita, como meio de apoio judiciário (trabalhos pro bono).
3. Afastamento da caracterização como profissão administrativa e jurisdicional – afastamento
da equiparação entre os magistrados e os juízes.
a) Magistrados – artigo 47.º, n.º 1 da CRP
b) Juízes – artigo 47.º, n.º 2 da CRP

TEORIA DOS DEGRAUS (artigo 47.º, n.º 1 da CRP)


Esta teoria distingue três graus das limitações ao exercício da liberdade de profissão, sendo eles:
I. Primeiro degrau (escolha) – dever de inscrição, dever de pagar quotas, dever de utilizar a
toga.
II. Segundo patamar (escolha) – escolha contendente com pressupostos subjetivos –
imposição de determinadas habilitações académicas (sendo aqui que nos encontramos, pois
estamos a estabelecer um pressuposto subjetivo).
III. Terceiro patamar (escolha) – o Professor Pacheco de Amorim considera inaplicável às
profissões privadas à estabelecimento de contingentes ou números clausulos – não
dependem da vontade do titular.

4. Restrição à escolha de profissão, unicamente possível mediante Lei da Assembleia da


República.

Aula de 07/10

Ficha de trabalho n.º 2


1. Comente, localizando no tempo, cada uma das afirmações seguintes, referindo-se ao tipo de
relação entre o Estado e a economia vigente em cada um desses momentos.
(todos os excertos retirados de: João Pacheco de Amorim, Direito Administrativo da
Economia, vol. I, Coimbra: Almedina, 2014)

«A obsessão pela ideia de liberdade leva não apenas a uma limitação interna do poder político […]
mas também a uma limitação externa.»
ESTADO DE DIREITO LIBERAL (século XIX) à ideias fundamentais:
1. Separação/autonomia entre Estado e a Sociedade (são esferas autónomas);
2. A atividade administrativa deve limitar-se ao mínimo;
3. Limitação interna e externa do poder político:
a) Limitação interna do poder – separação de poderes à Os poderes encontram-se
divididos entre poder legislativo, executivo e judicial à Neste caso, estamos a falar de
uma separação com interdependência, o que está relacionado com a faculdade de
estatuir, mas também com a faculdade de limitar a atuação dos demais poderes. É a
ideia de que os poderes estão divididos por órgãos distintos, e essa limitação não é
uma mera divisão, mas sim, como dito, uma separação com interdependência.
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Direito Económico

b) Limitação externa do poder – encontra-se relacionada com a ideia de separação entre


o Estado e a Sociedade. Neste caso, estamos a falar da ideia de que o Estado se deve
abster de intervir na sociedade, cingindo as suas função ao mínimo necessário e
imprescindível para assegurar a paz em comunidade.

Estas características, do ponto de vista económico, relacionam-se com a ideia que adota como
mecanismo ideal o MERCADO à Teoria da Mão invisível de Adam Smith. Segundo esta ideia, o
mercado é o espaço onde convivem os vários indivíduos e onde se desenvolve um conjunto de
relações interpessoais, do cujas decisões resulta a solução mais correta e mais eficiente, de modo a
que qualquer intervenção do Estado nos processos económicos se vai revelar menos eficiente.
(Autorregulamentação do mercado/Teoria da Mão Invisível).
Assim posto, o Estado deve abster-se de intervir no mercado, na medida em que as decisões
dos privados são as decisões mais eficientes, logo todas as intervenções do Estado são ineficientes e
desnecessárias, pois o mercado autorregula-se e funciona sozinho, sendo conduzido pela mão
invisível de Adam Smith à Na ordem liberal, não há uma ordem jurídica económica, mas sim uma
ordem económica, pois não há uma regulação jurídica própria da economia.
Modelo económico preponderante: Economia de Mercado.

«Estamos perante uma compreensão do Estado e do Direito essencialmente negativa […] e formal […]
e, por último, reitere-se, jurídica […]».

ESTADO DE DIREITO LIBERAL (século XIX) à Neste caso, estamos a falar de um Estado Negativo, na
medida em que este Estado não tem regras e fins próprios a alcançar/prosseguir. Assim, diz-se que
nas Constituições Liberais, a Constituição Económica e o conjunto de princípios que lhe estão
associados, não visível, porque, na verdade, nas Constituições Liberais, grande parte da Constituição
Económica é formada pelos direitos fundamentais económicos clássicos. A dimensão destes direitos
fundamentais é a de non facere. Ou seja, temos aqui a CONCEÇÃO NEGATIVA DO ESTADO: não se
exigia ao Estado que este interviesse, mas sim que se abstivesse de intervir na esfera dos privados.

Como é que nas Constituições Liberais a intervenção do Estado e a regulação da economia eram
liberais? Através do efeito negativo/denegatório dos direitos fundamentais económicos clássicos:
Consagravam-se então direitos fundamentais e essa consagração, sem mais, significava que a
ordenação económica deveria caraterizar-se como sendo imune à intervenção estadual à Daí que
se diga que a ausência de uma Constituição Económica Expressa não significa que não existia uma
organização económica. Na verdade, o que acontecia é que pela consagração dos direitos
fundamentais o legislador constituinte remetia para a legislação civil e comercial a regulação e
organização da vida em sociedade, e em particular da organização económica (Vertente remissiva
para o Direito Comercial e Civil).
CONCEÇÃO FORMAL DO ESTADO – as normas jurídicas não tinham um conteúdo. Na verdade,
limitavam-se a estabelecer um quadro jurídico geral, no qual as liberdades reconhecidas aos
particulares/privados pudessem conviver de forma minimamente sustentável, não havendo, no
entanto, a preocupação de dar às normas jurídicas um determinado conteúdo axiológico.
à O Estado limitava-se a estabelecer os quadros dentro dos quais os privados atuariam.

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Direito Económico

CONCEÇÃO JURÍDICA DO ESTADO – o Estado devia cingir a sua atuação à definição e quadros
jurídicos gerais, não envolvendo qualquer tipo de função administrativa ou económica à Toda a
atuação do Estado que extravasasse esta atuação do Estado era tida como uma atuação despótica,
tratando-se de uma atuação arbitrária e sem qualquer tipo de fundamento. Para além disso, era
igualmente interpretada como uma limitação das liberdades do individuo, o que não era aceitável no
Estado Liberal.

«[…] em consequência desta nova postura interventora do Estado, aparece uma administração social
ou de prestação […]».

ESTADO SOCIAL DE DIREITO (século XX) – caraterísticas fundamentais:


a) Descentralização.
b) Desconcentração imprópria.

A uma Administração que antes concentrava em si várias funções e interesses, cuja satisfação
deveria assegurar, sucede muitas vezes o surgimento de uma pluralidade de Administrações através
da Administração Indireta (mediante, por exemplo, a criação de Institutos), às quais é atribuída a
prossecução particular de uma certa função, ou seja, estamos perante a ideia de que a
Admisnitração una sucede a uma Admisnitração vária/plural.
Nota: na verdade não há uma pura desconcentração porque dá lugar a uma nova pessoa jurídica,
mas também não falamos de uma descentralização.
Todos estes fenómenos são causa e consequência de um alargamento da intervenção da
Administração na sociedade: alarga-se o leque de matérias que vão ser chamadas à atuação da
Administração, resultando isto de uma transformação radical da posição de um Estado
essencialmente negativo, que se abstém de intervir na sociedade e no qual se verifica uma separação
entre sociedade e Estado e uma posição positiva/interventiva.

O Estado intervém – surge a contratar, a prestar serviços diretamente à população e a


fomentar a própria atuação, quando não é ele a intervir.
É também nesta fase do Estado Social de Direito que se consolida a ideia de Administração
Aberta/próxima dos cidadãos. É, então, uma Administração colaborante e transparente com os
cidadãos à ainda assim, a ideia de Estado Social de Direito não se confunde necessariamente com
a ideia de mercado e com o modelo de economia central (a economia de mercado é uma coisa, as
preocupações sociais são outra coisa). Os modelos económicos estão sim mais associados ao regime
político em atuação.

«[É] o fim da reserva de lei enquanto reserva de Parlamento […] é o desaparecimento também da
reserva de lei enquanto reserva de criação do direito.»

ESTADO SOCIAL DE DIREITO (século XX) – neste caso, não só chamamos o Governo a participar na
função legislativa por via da reserva relativa legislativa como estabelecemos o Governo legislador nas
matérias concorrentes e com reserva absoluta de competência à Dá-se, assim, o fim da reserva de

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Direito Económico

lei como reserva do Parlamento, ou seja, podemos ter uma mesma função alocada a diferentes
órgãos, havendo aqui um entendimento muito mais flexível.

Ora, além do fim da reserva de lei enquanto reserva de parlamento, há também lugar ao fim
da reserva de lei enquanto criação de direito – além dessa pluralidade de fontes tem de se reconhecer
necessariamente à Administração discricionariedade.
§ Discricionariedade – note-se que não se pode balizar estritamente em lei geral e abstrata
qual vai ser a atuação numa determinada matéria, mas ao mesmo tempo temos de
estabelecer limites a essas discricionariedades, limites estes que já não vão constar da lei, mas
que vão sim constar dos princípios gerais da atividade administrativa e dos direitos
fundamentais.

Além da multiplicação de fontes de direito, verifica-se a necessidade de se garantir um maior


controlo da atuação da Administração, já não dentro do parâmetro da lei geral e abstrata, mas sim
dentro do parâmetro dos princípios inultrapassáveis, nomeadamente dentro dos princípios da boa-
fé, da justiça, da colaboração, etc., bem como dos direitos fundamentais.

«[…] não houve lugar a uma desregulamentação propriamente dita das atividades económicas: ao
invés, a retirada do Estado dos setores produtivos onde intervinha […] foi compensada»

ESTADO PÓS-SOCIAL/ESTADO REGULADOR – notem-se duas dimensões:


1. Enfraquecimento do Estado por força de regulamentação internacional e regional (Direito
Internacional e Direito da União Europeia).
2. Nos finais do século XX e inícios do século XXI, verificou-se o crescimento do fenómeno da
privatização, que pode ter várias formas à ideia de recuo do Estado.

Há um recuo do Estado, na medida em que os privados atuam dentro da margem normativa


permitida, no entanto, cabe ao Estado, através de Entidades Reguladores Independentes, a
fiscalização do cumprimento dessas mesmas normas (AEC, REC, Banco de Portugal). Estas Entidades
são dotadas de independência e de autonomia atribuídas pelo Estado.

«A Constituição de 1822 não nos surge, pois, como um documento contendo preceitos avançados em
matéria de regime económico – apesar dos enormes cuidados em questões financeiras e das
preocupações louváveis de descentralização. É, no entanto, espelho da Revolução que a gerou e dos
temores dos seus arautos».
Guilherme D’Oliveira Martins, Constituição Económica, 1.º vol., Lisboa: Associação
Académica da Faculdade de Direito, 1983/4

2. Comente a «justificação» avançada pelo Autor, para a caracterização da Constituição de 1822, em


matéria de regime económico.

Justificação avançada pelo autor: “Espelho da revolução que a gerou e dos temores dos seus atos”.

Em 1822, encontramo-nos no Período do Constitucionalismo Liberal à no


Constitucionalismo Liberal, a Constituição Económica, embora exista, corresponde a uma missão
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Direito Económico

negativa, na medida em que se preveem os direitos fundamentais e estabelece-se, por força dessa
previsão, a missão/propósito da intervenção do Estado.

A Constituição Económica de 1822 tem uma especificidade face as seguintes à esta


Constituição Económica não consagrava a liberdade de profissão, cultura, comércio e indústria, o
que a tornava ainda mais omissa em matéria económica. Na verdade, esta previa uma cláusula geral
de liberdade no artigo 1.º, sendo esta omissão justificada pelo facto de as liberdades de profissão,
cultura, comércio e indústria resultarem:
1. Ou da cláusula do artigo 1.º;
2. Ou do direito de propriedade.

Na Constituição Económica de 1838, a liberdade de profissão surge como um parágrafo do


artigo que previa o direito de propriedade.
No entanto, este autor parece ter um entendimento diferente, sendo este partilhado pelo
Professor Pacheco Amorim à segundo o autor em questão, esta omissão tem como justificação os
receios dos defensores da Revolução – classe dominante: burguesia comerciante e burguesia artesã
(o que justificava o silêncio da constituição em matéria de liberdade de petição e corporativismo).
A consagração da liberdade de profissão e comércio exigia que não houvesse entraves à
participação e à atividade de outros sujeitos, que iriam estar em concorrência com a burguesia.
Certos autores entendem isto no sentido de que, neste caso, estava em questão a manutenção de
um estatuto (pedir a manutenção de um Estado privilegiado, imune à concorrência, por parte de
outros sujeitos que se manifestavam interessados).

3. Defina e distinga os seguintes conceitos:


a) Privatização formal, material, orgânica e funcional
Nota: distinguem-se pelo objeto da privatização.

Privatização Privatização Privatização Orgânica Privatização


Formal/Instrumental/ Material/Substancial/ Funcional/Administração
Fuga para o Direito Liberalização de Particulares
Privado
Conhecida como fuga Fenómeno através do qual Neste caso, estamos a falar da Neste caso, as tarefas
para o Direito Privado. tarefas pertencentes, privatização das próprias continuam a ser públicas,
Neste caso, utilizam-se anteriormente, ao setor entidades. Surge, muitas vezes, mas são objeto de
formas jurídicas ou público se tornam em conjunto com a material. concessão/delegação a
organizatórias de Direito substancialmente privadas. A Neste caso, a Empresa Pública que entidades privadas, ou seja,
Privado. privatização material diz anteriormente prosseguia uma os privados são chamados a
respeito às atividades/tarefas determinada atividade pública, colaborar na prossecução de
Exemplo: que antes associávamos a que passou a ser privada, foi uma tarefa pública. Podem
empresarialização de monopólios públicos, mas que privatizada. Assim, deu-se a ser parcerias público-
empresas públicas. vemos tornar-se privatização da empresa, privadas institucionais ou
essencialmente privadas motivada pela privatização da podem ser out sourcing.
(água). Em conjunto com esta atividade que prosseguia.
pode verificar se uma
privatização orgânica.

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Direito Económico

b) Constituição Económica estatutária e Constituição Económica programática

CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA: rede de princípios fundamentais que dão unidade à atividade


económica em geral, dos quais decorrem todas as regras relativas ao funcionamento e organização
da atividade económica de uma certa sociedade. Esta é uma noção menos ampla do que a da ordem
jurídica económica, pois só abrange princípios fundamentais.

Constituição Económica Estatutária Constituição Económica Programática


Conjunto de princípios, regras ou normas Artigo 81.º, alíneas h) e j) da CRP
estatutárias ou de garantia, que incidem sobre a
vida económica, visando a proteção das
características básicas de um sistema Destinatário principal da norma: o Estado e os órgãos
económico, através de disposições de dois tipos: político-legislativos.
1. Garantísticas – que visam a manutenção
do que está; Neste caso, estamos a falar de um verdadeiro programa
2. Modificativas – que visam a de realizações económico-sociais (algo que se quer
consolidação de um determinado atingir/realizar), que visam a transformação da economia,
sistema. em ordem à prossecução de fins de índole social e político-
económicos previamente concebidos, que tem como
Exemplo: normas consagradoras de Direitos destinatários os órgãos politico-legislativos.
Fundamentais Económicos Clássicos e os
Princípios Fundamentais que contribuem para a Temos metas que se esgotam no momento em que o fim
sua limitação e atingido à não visam nem a garantia, nem a
(Princípio democrático, Princípios políticos modificação, mas sim a prossecução de determinadas
constitucionalmente inovadores e princípios- finalidades.
garantia).

«[…] a Constituição económica portuguesa conserva ainda as características de uma constituição


típica de uma economia de mercado publicamente regulada e socialmente preocupada. Distribui-se
por diferentes partes do texto da Constituição da República, ocupando cerca de 38 artigos. A sua
principal localização é a Parte II dedicada à organização económica.» (realce nosso)
Maria Manuel Leitão Marques, «Constituição Económica e Integração: a desnacionalização da
Constituição», Oficina do CES, n.º 141, junho 1999

4. Por que motivo se refere a Autora à «principal localização» da Constituição Económica portuguesa?
1. A Constituição Económica não tem sequer de estar prevista numa parte especifica da
Constituição. Entre nós, encontra-se dispersa em vários lugares distintos, ou seja, não temos
de encontrar uma parte específica da Constituição ligada à Constituição Económica.

à Esta ideia de Constituição Económica é uma ideia doutrinal para facilidade pedagógica.
2. Nem toda a Constituição Económica está na Parte II da CRP. Apesar desta Parte II da CRP se
dedicar à organização económica, nem todo o conjunto de normas e princípios que se
reconduzem à ideia de Constituição Económica estão na Parte II da CRP, tal como os direitos
económicos fundamentai clássicos (artigos 62.º, 61.º e 47.º, n.º1 da CRP) e o conjunto de
princípios que associamos à organização politica, mas que comportam igualmente a ordem
económica (princípio democrático e o princípio da efetividade dos princípios económicos,
sociais e culturais) à existem normas que integram a Constituição Económica que não
integram a Parte II da CRP.
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Direito Económico

3. Nem toda a Parte II da CRP é Constituição Económica. Desde logo, o conjunto de artigos
respeitantes à intervenção do Estado ao nível da obtenção de receita e a intervenção do
Estado respeitante à realização de despesa, bem como à função tributária do Estado. Todo o
Título IV integra a Constituição Financeira/Fiscal, e não a Constituição Económica (artigos
101.º a 107.º da CRP).

Artigo 84.º da CRP – Este artigo também não integra a Constituição Económica, na medida
em que se trata de um artigo próprio do Direito Administrativo Geral, artigo este que diz
respeito aos bens que integram o domínio público.

4. Existe um conjunto de princípios que não pertence propriamente à Constituição Económica,


mas que é relevante para a sua compreensão. Vemo-los nomeadamente na Constituição
Financeira e Fiscal, na Constituição Ambiental, na Constituição Urbanística, etc.

A pedido de A, jornalista de profissão, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (em decisão


confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul e pelo Supremo Tribunal Administrativo) intimou
as sociedades B - Participações Imobiliárias, S.A. e C - Sociedade Gestora de Participações Sociais
Imobiliárias, a facultar o acesso do requerente aos documentos que possuam ou detenham
respeitantes à alienação, nos anos de 2005, 2006 e 2007, de imóveis do Estado anteriormente sob
tutela do Ministério da Justiça. Deste acórdão interpuseram as requeridas recurso para o Tribunal
Constitucional, visando a apreciação da inconstitucionalidade da norma extraída da alínea d) do n.º
1 do artigo 4.º, em conjugação com a alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de
agosto (‘LADA’), interpretada no sentido de garantir a todos os cidadãos o acesso aos documentos
das empresas públicas constituídas sob forma societária cujo objeto seja a gestão e alienação do
património imobiliário público e que respeitem a essa sua atividade, com os limites que decorrem do
artigo 6.º da mesma lei. Entendem as requeridas que a referida interpretação normativa, ao não
distinguir a particular situação das empresas públicas que se submetem à lógica do mercado e da
concorrência das restantes, sujeitando-as a obrigações totalmente diversas das restantes empresas
privadas fere, não só algumas dimensões dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 62.º e
61.º da CRP, como alguns dos princípios fundamentais da Constituição económica, em particular, os
previstos nos artigos 80.º, alínea c), e 81.º, alínea f) da CRP.
Vd., acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 496/10 e 117/2015

5. Partindo do disposto naquelas normas e princípios, desenvolva e aprecie o mérito da argumentação


das requeridas.
à Uma Empresa Pública atua no mercado em concorrência com outras empresas, ou seja, atua no
âmbito de um mercado concorrencial.
Uma Empresa Pública é titular da livre iniciativa económica privada, prevista no artigo 61.º
da CRP? Não, uma vez que as Empresas Públicas correspondem à manifestação da livre iniciativa
económica pública. Uma Empresa Pública não resulta da existência de um Direito Fundamental
consagrado na Constituição (a iniciativa económica pública não está consagrada na lei a título de DF),
na medida em que esta não protege um âmbito de liberdade de um conjunto de pessoas que se
reuniram, tendo sim por finalidade o desenvolvimento de uma atividade sob a forma económica de
Empresa (atua no domínio das competências de determinado interesse balizado pela lei). Assim

11
Direito Económico

sendo, as Empresas Públicas resultam do domínio do Estado, ou seja, tratam-se de uma atribuição
do Estado.
O domínio de atuação de uma Empresa Pública, ou o que carateriza a atuação de uma
Empresa Pública não é uma liberdade, mas sim uma competência. Daí que a iniciativa económica
publica não esteja consagrada a título de Direito Fundamental, resultando sim de um princípio
conformador da ordem jurídico-económica, que é o Princípio da coexistência dos três setores de
atividade.
Se estamos no domínio de competências, estamos num domínio balizado em que o Estado
assume os poderes de baliza, tornando-se num instrumento de prossecução de um determinado
interesse limitado pela lei. No Direito Privado é permitido tudo o que a lei não proíbe, enquanto que
no Direito Público só é permitido tudo o que a lei consente.

Direito de propriedade – não está em causa nenhuma relação privada de um sujeito com um
determinado bem de natureza patrimonial, na medida em que, neste caso, não há nenhuma questão
de patrimonialidade. Esta é a razão pela qual não faz sentido invocar esta ideia.
Coexistência dos 3 setores de propriedade (artigo 80.º da CRP) e liberdade de concorrência (artigo
81.º da CRP) – a partir do momento em que o Estado garante a existência dos três setores de
propriedade, ou seja, a partir do momento em que admite a existência de Empresas Públicas e em
que protege e concorrência como um bem público, as Empresas Públicas não podem ser tratadas
de forma diferente face às Empresas Privadas na sua atuação no mercado, uma vez que isso seria
colocá-las em desvantagem e aniquilar a eficiência associada à iniciativa pública.
Diferença entre as Empresas Públicas e as Empresas Privadas:
As Empresas Públicas não são um mero operador económico no mercado. Na verdade, têm um duplo
estatuto de:
1. Operador económico no mercado
2. Instrumento para a prossecução de interesses públicos

Isto justifica que elas fiquem sujeitas a ónus/obrigações que não impendem sobre os privados
(por exemplo, obrigação de dar acesso a determinado tipo de informação que o privado não está
obrigado a fornecer), sem que isso gere violação da coexistência dos três setores de propriedade.
Destes dois princípios resulta então que o Estado não pode beneficiar as Empresas Públicas
face às Empresas Privadas. No entanto, não resulta a contrario uma imposição de igualitarização
absoluta entre Empresas Públicas e Empresas Privadas, isto porque as Empresas Públicas têm um
duplo estatuto, tal como foi referido.
Nota: este caso prático saiu no exame do ano passado, sendo que iremos resolver também algumas questões
colocadas pela Professora Inês acerca do mesmo.

1. São, em alguma medida, as Empresas Públicas titulares de direitos fundamentais como o direito de
livre iniciativa económica privada e a sua vertente de liberdade de concorrência?
A norma da Constituição que prevê a titularidade de Direitos Fundamentais por pessoas
coletivas é o artigo 12.º, n.º 2 da CRP. Note-se que se restringem as normas de direitos fundamentais
12
Direito Económico

de que as pessoas coletivas podem ser titulares (exemplo: uma Empresa não pode ser titular do
Direito à Vida, mas pode ser titular do Direito à Liberdade de Empresa).

O artigo 12.º, n.º 2 da CRP distingue Pessoas Coletivas Públicas e Pessoas Coletivas Privadas? Não.

Pessoas Coletivas Públicas vs. Pessoas Coletivas Privadas:

A posição maioritária afirma que as Pessoas Coletivas Públicas não são titulares de Direitos
Fundamentais, isto porque os Direitos Fundamentais começam por ser pensados como direitos de
defesa contra o Estado. Ora, reconhecer Direitos Fundamentais ao Estado (ainda que a pessoas com
personalidade jurídica, mas que, ainda assim, pertencem ao setor público) seria uma contradição e
uma aberração para alguns autores, isto tendo em conta o sentido dos Direitos Fundamentais. Assim,
não faria sentido reconhecer Direitos Fundamentais, a não ser quando estivéssemos perante Pessoas
Coletivas Públicas que visassem a satisfação dos interesses de pessoas humanas (como, por exemplo,
as Universidades).

Isto não é o caso das Empresas Públicas, porque não pode a simples atuação no mercado
significar a titularidade de Direitos Fundamentais. Ou seja, as Empresas Públicas não são titulares
de uma posição subjetiva fundamental à luz do argumento da confusão, argumento este que nos
diz que não se pode ser simultaneamente titular e destinatário de direitos fundamentais.

O facto de se tratar de uma Pessoa Coletiva Pública sob a forma privada não lhe permite ser
titular de Direitos Fundamentais (pois só são teoricamente privadas), sob pena de a forma privada
ser utilizada como forma de poder invocar Direitos Fundamentais contra outros privados, como,
neste caso, contra a jornalista.
§ Em tese maioritária, as Empresas Públicas não são titulares de Direitos fundamentais, mas
isto não significa que não possam ser protegidas (estas são protegidas através das garantias
institucionais).
o Garantias institucionais: são preceitos de que o legislador se serve para proteger
determinadas realidades da sociedade.
§ Exemplo: da garantia da coexistência dos três setores de propriedade, resulta
que o Estado não pode aniquilar a existência de iniciativa pública.

2. Face a esta esta discriminação negativa das Empresas Públicas, estará em causa, numa qualquer
vertente, uma lesão do princípio da coexistência da iniciativa privada e pública dos meios de
produção?
O facto de as Empresas Públicas cederem informação que Empresas Privadas não têm de
ceder, vai colocar as Empresas Públicas numa situação que aniquila por completo o setor público ou
que o torna tão ineficiente que deixa de fazer sentido para ele permanecer no mercado.

Ideia do duplo estatuto das Empresas Públicas: é verdade que temos um princípio de coexistência
dos três setores, mas daí não resulta uma obrigação de igualitarização absoluta. O funcionamento

13
Direito Económico

da Empresa Pública torna-se mais ineficiente, mas existe um direito conflituante, que é o exercício
de um Direito Fundamental do jornalista à há aqui uma necessidade de ponderação.
3. A resposta à pergunta anterior será sempre e necessariamente a mesma se uma Empresa Pública
atuar no mercado em verdadeiro ambiente concorrencial, sem qualquer ajuda pública, desligada da
função administrativa e arcando com as consequências das más decisões que toma?
No caso em questão, o objeto das Empresas Públicas em análise é a sua função imobiliária,
função essa que é considerada uma função tendencialmente administrativa (sendo que este fator
pesou bastante na decisão do Tribunal Constitucional).
Nestes casos em que a empresa atua em ambiente concorrencial, não exerce uma função
próxima da função administrativa, não recebe ajuda pública e arca ainda com as consequências da
sua atuação, é possível admitir uma tutela destas empresas ao abrigo do Princípio Comunitário da
Igualdade de Tratamento entre Empresas Privadas e Empresas Públicas. Não é à luz do princípio da
coexistência dos três setores nem da liberdade de concorrência, mas sim à luz do princípio
comunitário em questão, uma vez que na situação em análise estamos perante situações iguais que
merecem um tratamento igual.
A questão fundamental neste caso é o tipo de informação que a Empresa Pública está
obrigada a ceder. Nos termos da LADA, existem determinadas informações que não têm de ser
cedidas, mesmo estando em causa Empresas Públicas.
§ Portanto, é possível estabelecer aqui uma situação casuística – aquilo que o Tribunal decreta
é uma solução automática de exclusão destas entidades que atuam no mercado do dever de
informação.

Aula de 14/10

Ficha de trabalho n.º 3


«O princípio da subordinação do poder económico ao poder político democrático transporta para a
Constituição económica o princípio estrutural da definição da República Portuguesa como Estado de
direito democrático, baseado na soberania popular, cuja vontade se exprime no sufrágio universal,
pluralista e livre.»
Cf. acórdão do TC n.º 25/85, processo n.º 87/83

1. A que princípio fundamental da Constituição Económica portuguesa se reconduz o segmento


realçado?
Tendo em conta a descrição do Tribunal Constitucional, o princípio a que este se refere é o
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. Em sede económica, vamos constatar que este princípio não é apenas
um princípio relativo ao funcionamento político, mas que também se repercute no âmbito da
organização económica enquanto princípio fundamental que rege a intervenção do Estado, e ao qual
se subordinam também os poderes económicos privados (além de ser um princípio conformador em
matéria política, é também um princípio que releva no âmbito económico enquanto parâmetro de
legitimidade das escolhas e da forma como o Estado decide intervir nas matérias económicas). À
vontade da maioria legitimada democraticamente subordinam-se os poderes económicos públicos
e privados.

14
Direito Económico

Daí que vejamos a intervenção da Lei Parlamentar quer para densificar muito do que vamos
encontrar na Constituição, quer para, em cada momento, densificar de acordo com as metas, limites
e fins que encontramos na Constituição Económica à por excelência, recorre-se à lei parlamentar
para densificar de que forma e meios/instrumentos é que essas finalidades/objetivos poderão
melhor ser prosseguidos.
O princípio democrático rege a atuação de um ente público (o Estado), mas vai também
conformar a atuação dos privados. Por isso, se este princípio tivesse de ser inserido numa das noções
de Constituição Económica, este incluir-se-ia na Constituição Estatutária, que visa garantir e
assegurar um determinado ideal democrático, enquanto princípio político-constitucional
conformador. A nossa Constituição Económica distingue-se da Constituição Estatutária e da
Constituição Programática.
Apesar de a Constituição Económica ter esse conjunto de metas a atingir e de incumbências
prioritárias do Estado, quem, em cada momento, define da oportunidade e meios para atingir esses
fins é o legislador democrático à a atuação do Estado/Executiva ficará submetida ao princípio
democrático, podendo também os privados ser sujeitos de restrições à sua atuação. Este princípio
democrático conhece vários subprincípios.
Por estas razões, diz-se que o primeiro subprincípio do princípio do democrático é o princípio
da subordinação do poder económico lato sensu ao poder político, na medida em que quer os
poderes económicos públicos, quer os poderes económicos privados estão sujeitos a essa vontade
maioritária, concretizada através do sufrágio. Tem-se a ideia de subordinação da riqueza à
democracia. Este princípio faz-se sentir de igual modo face aos poderes privados e ao Estado, na
medida em que a atuação dos poderes privados vai sofrer alterações/limitações em ordem à defesa
dos consumidores, do ambiente, da concorrência, etc. Vamos, por isso, ter uma atividade privada
fortemente restringida pela necessidade de salvaguardar esses interesses.
a) Dê exemplos de normas onde uma tal relação de subordinação resulta espelhada.
1) Artigo 80.º, alínea a) da CRP – remete para a ideia de subordinação do poder económico ao
poder político democrático. Ou seja, reflete a ideia de que a economia e a riqueza se
subordinam à política e à democracia. Não é legítimo concentrar o poder económico em
determinadas organizações.

2) Artigo 80.º, alínea b) da CRP – coexistência do setor público, do setor privado e do setor
cooperativo e social de propriedade.

Uma das estratégias que se encontrou ao longo das fases do Estado para controlar o poder
político foi a proteção da propriedade privada, enquanto esfera imune à intervenção do Estado.
Relacionada com isto está a ideia de coexistência dos três setores de propriedade.

O ortigo 80.º, alínea b) da CRP é o reflexo de uma pluralidade/pluricentrismos de poderes na


esfera económica, ou seja, divide-se para evitar o excesso. Ao garantir a coexistência dos três setores
de propriedade e, em particular, ao consagrar-se a existência do setor privado, garante-se este
controlo preventivo de poder económico, através da diversificação do poder económico. Ou seja, a
ideia de que a separação entre os vários setores de propriedade contribui para evitar esse excesso
de concentração num determinado setor.
3) Artigo 80.º, alínea e) da CRP – ideia de democracia.
15
Direito Económico

4) Artigo 81.º da CRP – encontramos reminiscências desta ideia subordinação do poder


económico ao poder político, porque para falarmos em subordinação, temos de garantir que
o poder político pode controlar o poder económico e não o inverso (o poder económico é
subordinado ao poder político para que possa ser controlado).

Muitas vezes, a concentração do poder económico, não obstante legítima, leva a uma captura
dos poderes políticos por interesses económicos. Assim, o que se procura fazer é evitar esse estádio
das coisas, atuando de forma preventiva. Dado que se verifica a existência de um princípio de
subordinação, será legítimo empreender medidas que visem prevenir a concentração desmesurada
de poder.
Normas do artigo 81.º da CRP que refletem essa atuação preventiva do Estado:
a) Artigo 81.º, alínea f) da CRP à foca-se em assegurar o funcionamento eficiente dos
mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar
as formas de organização monopolistas, a reprimir os abusos de posição dominante e
outras práticas lesivas do interesse geral. Este controlo efetua-se através do controlo de
operações de concentração. Contrariam-se formas monopolistas por normas criadas por
entidades regulação que as sujeitem a regime de notificação prévia, que permita às
autoridades avaliar aquilo de modo a dificultar essas concentrações.

Assim, podem-se exigir medidas que permitam a realização da operação, mas que resultem
num compromisso entre as partes à forma de evitar estruturas que, pela sua dimensão,
se tornem indomáveis.

b) Artigo 81.º, alínea h) da CRP à trata-se de uma norma típica de Constituição


Programática, porque se esgota na sua realização (estabelece um fim e esgota-se quando
realizada), que é a eliminação dos latifúndios.

Esta alínea encontra-se bem explicitada no artigo 94.º da CRP. O objetivo que se encontra
subjacente à eliminação dos latifúndios é redimensionar as unidades de exploração que
tenham uma dimensão excessiva e que possam estar a ser mal aproveitadas.

5) Artigo 87.º da CRP – esta norma encontra-se atualmente desatualizada, sendo o


comprovativo de que a nossa Constituição Económica sofre de algum desencontro com a
realidade.

Aqui, a subordinação do poder económico ao poder político já não está a ser referida numa
dimensão interna, mas sim numa dimensão externa, na medida em que estamos a falar de assegurar
a independência do poder político e evitar a sua menorização, face a interesses económicos de
potências estrangeiras.

Esta norma encontra-se desatualizada devido ao facto de Portugal fazer parte da União
Europeia, que exige, quanto aos cidadãos estrangeiros, livre circulação, bem como liberdade de
estabelecimento.
à Para além disso encontra-se desatualizada pois atualmente o movimento é o da promoção ao
investimento estrangeiro.
16
Direito Económico

A União Europeia apercebeu-se que existem empresas asiáticas e norte-americanas a entrar


no continente europeu, empresas estas que têm um potencial de competitividade muito superior ao
nosso e que, muitas vezes, vêm investir nas empresas europeias, tendo como principal objetivo
capturá-las. Isto, apesar de poder ser benéfico para países como Portugal, pode significar, de igual
modo, uma lesão dos interesses da União Europeia, fragilizando-a economicamente.
Assim, alguns autores vêm defender que as operações de concentração devem ser facilitadas
sempre que estas levem à criação de empresas que atuam nos setores chave das economias
nacional e europeia à estas operações de concentração, em termos normais, seriam vedadas pelo
impacto que teriam ao nível da concorrência do mercado. Nestes casos, seriam autorizadas porque
dessa forma criavam empresas passíveis de competir a nível internacional, contribuindo para a
afirmação da União Europeia.
PROBLEMA: ao nível do Direito Internacional, há um dever de tratamento igual, e abrir uma exceção
para proteção das empresas europeias poderá levar a represálias e retaliações. Ou seja, quando as
empresas europeias queiram eventualmente entrar noutros mercados, não o consigam fazer.
IDEIA FUNDAMENTAL: subordinação do poder económico ao poder político.

Existem também reflexos deste princípio, por exemplo, em algumas regras de


incompatibilidade entre a função política e a assunção de cargos de gestão de determinadas
empresas ou a obrigatoriedade de certos representantes divulgarem publicamente os seus
rendimentos, como meio de evitar situações de conflito de interesses.

b. Que outros subprincípios decorrem desse mesmo princípio e se afiguram, também eles, relevantes,
em sede de Constituição Económica?

SUBPRINCÍPIOS DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO:


A. Artigos 80.º, alínea g), 92.º, 89.º e 98.º da CRP – PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA
PARTICIPATIVA. Em sede económica, introduz a ideia de participação na tomada de decisões
veiculada como, por exemplo, na possibilidade de participação na gestão das empresas nos
setores públicos. Esta previsão encontra-se apenas consagrada relativamente aos
trabalhadores dos setores públicos, na medida em que atribuir a gestão de empresas privadas
aos trabalhadores seria uma restrição à livre iniciativa económica privada, ou seja, seria
cingir um direito do proprietário (direito de gerir, criar e organizar a sua empresa) à garantia
de participação dos administrados na tomada de decisões, desde logo ao nível da
organização económica.

B. Artigo 165.º da CRP – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. A intervenção dos poderes públicos na


economia (seja sob que forma for) está sujeita à intervenção do legislador democrático.
Portanto, em princípio, exige uma intervenção de lei formal da Assembleia da República ou
de Decreto-Lei Autorizado. Artigos 47.º, 61.º e 62.º da CRP à vemos referência a “lei”, ou
seja, a Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei Autorizado.
I. Artigo 165.º, alínea l) da CRP – remete para o artigo 83.º da CRP, que se refere à lei
que determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação dos meios de
produção.

17
Direito Económico

Será que para cada intervenção dos poderes públicos se exige uma lei específica da
Assembleia da República ou basta a existência de um regime legal genérico,
podendo, depois, os atos específicos revestir a forma de Decreto-Lei ou de outros
atos típicos do poder executivo? Aquilo que se exige é que haja a aprovação de um
regime legal genérico que estabeleça os meios, a forma e os critérios, sendo que cada
ato concreto, desde que assente nesse regime legal genérico base, poderá revestir
outra forma. No entanto, verifica-se a existência de uma querela doutrinal.

II. Artigo 165.º, alínea j) da CRP – reflete a importância do PRINCÍPIO DA LEGALIDADE


no âmbito económico, referindo-se à definição dos sectores de propriedade dos meios
de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais seja vedada a atividade às
empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza à esta matéria encontra-
se regulada especificamente nos artigos 83.º e 86.º, n.º 3 da CRP.

III. Artigo 165.º, alínea x) da CRP – remete para o regime dos meios de produção
integrados no setor cooperativo e social de propriedade (artigo 85.º da CRP).

IV. Artigo 165.º, alínea u) da CRP – define as bases gerais do estatuto das empresas
públicas e das fundações públicas (artigo 80.º, alínea c) da CRP) à reconhece a livre
iniciativa económica pública, sendo que o qualificativo “livre” deve ser interpretado
com cuidado.

V. Artigo 165.º, alínea m) da CRP – refere-se ao regime dos planos de desenvolvimento


económico e social, regime este que remete para os artigos 90.º e 91.º da CRP.

VI. Artigo 165.º, alínea n) da CRP – remete para as bases da política agrícola, sendo que
esta se encontra relacionada com os artigos 89.º, 92.º e 93.º da CRP.

«O Estado de Direito é um Estado de leis e, sendo a lei, por definição, norma geral e abstrata, obriga
e protege de igual forma todos os cidadãos. A eficácia deste entendimento de igualdade (formal) foi
inegável e continua a ser hoje uma das traves-mestras da cultura pública democrática, encarnando o
primeiro princípio de justiça de J. Rawls, qual seja, o sistema de iguais direitos-liberdades de todos.»
Manuel Afonso Vaz / Manuel Fontaine, anotação ao artigo 81.º da Constituição in Jorge Miranda / Rui
Medeiros (org.), Constituição Portuguesa Anotada, vol. II, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2018

2. Que princípio fundamental da Constituição Económica permite colmatar as insuficiências de uma


igualdade puramente «formal»? É o mesmo compatível com o modelo de economia de mercado livre
e concorrencial?
PERGUNTA 1:
Pelo princípio democrático, conseguimos garantir uma ideia de igualdade perante a lei. No
entanto, isso não é suficiente, uma vez que a realidade demonstra a existência de desigualdades
práticas. Para corrigir essas desigualdades práticas e assegurar a igualdade de oportunidades,
procura-se atingir uma igualdade material/efetiva, através da consagração dos DESC.

Assim, o segundo grande princípio da Constituição Económica é o PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE


DOS DIREITOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS.

18
Direito Económico

A ideia que tirávamos dos artigos 2.º e 9.º, alínea b) da CRP é, agora, repetida. Está feita
sobre o prisma económico, presente no artigo 81.º, alíneas a) e b) da CRP, que se refere às
incumbências prioritárias do Estado. Neste artigo, encontra-se presente a necessidade de assegurar
a igualdade real entre os portugueses, proteger as pessoas mais desfavorecidas, através da política
fiscal.
No plano económico, isto manifesta-se, por exemplo, na existência de obrigações de serviço
público, impendentes sobre operadores privados que prestem serviços de interesse económico geral.
Ou seja, pode-se exigir a privados a restrição da sua atividade, sempre que eles atuem em setores
chave que visem assegurar serviços básicos, ou através da ideia da prestação universal de serviços
básicos (exemplo: educação, saúde, etc.) à tudo isto garante e contribui para a efetivação de uma
igualdade de oportunidades.
PERGUNTA 2:
O modelo económico adotado entre nós é a economia de mercado, por oposição à economia
de planificada/de direção central.

Existe alguma norma da CRP onde esteja previsto que a CRP adota o modelo de economia
liberal/de mercado/concorrencial? Não, mas conseguimos extrair esta consagração deste modelo
do princípio geral de liberdade e de livre desenvolvimento da personalidade (artigos 26.º e 27.º da
CRP). Mas, sobretudo, da consagração dos direitos fundamentais económicos clássicos (artigo 47.º,
61.º e 62.º da CRP), da coexistência dos três setores de propriedade de meios de produção (artigo
80.º, alínea b) e c) da CRP) e da proteção da concorrência (artigo 81.º, alínea e) da CRP).
Apesar de não estar expressamente previsto este modelo, é este que resulta da nossa CRP.
Por isso, temos um modelo económico assente na autorresponsabilização do empresário, por
oposição à responsabilidade e ao planeamento do Estado. Ao mercado opõe-se o plano.
Grande acontecimento que levou à afirmação do modelo económico de mercado face a modelo
dirigista: a integração nas Comunidades Económicas Europeias (a revisão associada foi a Revisão
Constitucional de 1989). Com esta revisão constitucional:
1. Afastamos o relevo e a imperatividade dos planos
2. Consagramos a livre iniciativa económica privada (antes como princípio e agora como direito
fundamental)

à A integração na União Europeia veio matizar a ideia de planeamento económico e a ideia de


intervenção do Estado.

PERGUNTA 3:
Este modelo económico é compatível com o princípio social que resulta da efetivação dos
direitos económicos socias e culturais. Isto porque, no modelo do Estado Pós-social, o Estado não
recua como na fase do liberalismo. Simplesmente, o Estado vai confiar na atuação dos privados,
impondo-se, se necessário, na atividade regulatória, podendo de igual modo impor restrições quando
se tratem de serviços de interesse económico geral.

19
Direito Económico

O facto de assentarmos o nosso modelo económico na atuação de privados não significa uma
desconsideração pela necessidade de efetivação destes direitos económicos, sociais e culturais – seja
por força das tais obrigações de serviço público, seja pela legitimidade da restrição à livre iniciativa
económica privada (por estarem, por exemplo, em causa direitos dos consumidores, a proteção do
ambiente, os direitos dos trabalhadores, etc.).

a. Poderá a este propósito falar-se numa «identidade de fins» face ao plano do Direito da União
Europeia?

No artigo 3.º do TUE temos elencados os objetivos da União. Para além de no artigo 3.º, n.º
1 do TUE se falar na realização e no assegurar do bem-estar dos povos, no artigo 3.º, n.º 3 do TUE
encontramos coisas como:
a) Correção das desigualdades;
b) Proibição da discriminação;
c) Assegurar a igualdade entre homens e mulheres;
d) Promover o pleno emprego, etc.

Tudo isto são objetivos que tangem a ideia de Estado Social. Daí que se afirme que,
atualmente, temos um Modelo de Economia Social de Mercado à este modelo assenta na
autorresponsabilidade do empresário, que, no entanto, não é puramente formal/negativo, como
aquele que vigorava no Estado Liberal.
É o modelo ao qual imprimimos este conteúdo social e esta vinculação aos direitos
económicos, sociais e culturais.

3. Através da Lei X, o legislador veio revogar um diploma que permitia a aposentação antecipada,
com direito a pensão completa, aos funcionários públicos que tivessem 36 anos de serviço, qualquer
que fosse a sua idade. Por força do novo regime, aposentação antecipada passa a ser permitida
apenas para os que tenham pelo menos 55 anos de idade e que, à data em que perfaçam esta idade,
tenham completado, pelo menos, 30 anos de serviço, sendo o valor da respetiva pensão calculado nos
termos gerais, mas penalizado pela aplicação de um fator de redução, que tem em conta o tempo de
antecipação da reforma e o tempo de serviço prestado. Um grupo de deputados à Assembleia da
República vem, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, al. f) da CRP deduzir pedido de fiscalização
abstrata sucessiva da constitucionalidade, requerendo a declaração de inconstitucionalidade, com
força obrigatória geral, de um conjunto de normas da Lei X, inter alia, por violação do direito à
segurança social e dos princípios da proibição de retrocesso social e da igualdade.

Cf. acórdão do TC n.º 3/2010, processo n.º 176/09

a. Analise os fundamentos avançados pelo grupo de deputados, à luz da problemática dos direitos
económicos, sociais e culturais, enquanto direitos e prestações.

O princípio democrático, enquanto primeiro princípio da Constituição Económica, prima


inclusivamente sobre o princípio da efetividade dos direitos económicos, sociais e culturais, pelo facto

20
Direito Económico

de, apesar de a CRP ter um conjunto de metas e fins a atingir desde logo em matéria de socialidade,
ser o legislador democrático que a cada momento define as formas e os meios de prosseguir essas
finalidades.

Os DESC têm a particularidade de ter uma menor determinabilidade ao nível do seu


conteúdo, o que significa maiores dificuldades ao nível da aplicabilidade direta e, portanto, maior
margem de conformação do legislador à assim, os DESC são um palco por excelência, no qual se
assiste à tensão entre o princípio democrático e aquilo que ele implica (nomeadamente, a
alternância democrática, previsão das opções, margem de conformação dos instrumentos, etc.) e o
princípio da efetividade dos direitos económicos, sociais e culturais (pretendem estabilidade, a
proibição do retrocesso, a proteção das legítimas expectativas das pessoas e instrumentos que lesem,
no menor grau possível, os direitos fundamentais).

Problema das medidas em questão: o Tribunal Constitucional é chamado a pronunciar-se sobre a


legitimidade de medidas do legislador democrático. Isto gera um problema de um Governo de Juízes,
porque se é certo que temos de salvaguardar a CRP e os seus princípios, temos de ser muito
cautelosos na hora de analisar opções do legislador democrático, precisamente pela existência de
uma margem de conformação e por força de estarmos a falar de princípios com uma elevada
indeterminabilidade, que levam alguns autores a falar de obrigações de meios ou em princípios
medida, que não estabelecem um resultado nem definem exatamente qual o grau de realização
exigido, mas que certamente estabelecem o mínimo, permitindo, no entanto, ao legislador
conformar isto com outras necessidades.
Neste Acórdão em particular, aquilo que estava em causa era um conjunto de medidas que
vêm dificultar a chamada aposentação/reforma antecipada, por aumento do número de anos
necessários. Para além disso, vem cortar o direito à pensão:
1. Antigamente, preenchido um determinado número de anos de serviços, as pessoas, para
além de se poderem reformar, tinham direito à pensão total.
2. Posteriormente, o legislador aumentou o número de anos de serviço necessário, conjugando
esse número de anos de serviço com a faixa etária em questão.
3. Com a lei em questão, veio-se estabelecer, pela primeira vez, a figura da
aposentação/reforma antecipada, prevendo um corte na pensão atribuída. Ou seja, trata-se
de uma forma de desincentivo a essa antecipação.

O grupo de deputados em questão pretende que o Tribunal Constitucional declare com força
obrigatória e geral a inconstitucionalidade dessas normas, avançando, para tal, com quatro
fundamentos distintos:
I. Direito à segurança social;
II. Proibição do retrocesso social;
III. Princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança;
IV. Princípio da igualdade.

21
Direito Económico

Aula de 21/10
b. Imagine, agora, que as normas sindicadas previam cortes substanciais nos subsídios de férias e de
Natal e, bem assim, na remuneração salarial dos funcionários públicos, em razão do contexto de
excecional crise económica e financeira atravessada pelo país (vd., inter alia, acórdão do TC n.º
353/2012, processo n.º 40/12). Decorrerá do artigo 59.º, n.º 1, al. a) da CRP um «direito à não
diminuição do montante da retribuição do trabalho que em cada momento se aufira»?
A ideia de FUNDAMENTALIDADE que associamos aos direitos fundamentais está relacionada
com a ideia de sobrevivência/superveniência à passagem do tempo e às várias circunstâncias
fácticas de um determinado momento. Ou seja, a ideia de fundamentalidade encontra-se também
associada à ideia de resistência à mudança e ao tempo, durante o qual se considera um determinado
direito fundamental.
à Esta ideia de fundamentalidade não pode estar associada a um direito como o direito ao salário,
que depende fortemente das possibilidades e das circunstâncias do caso concreto.
Este direito fundamental não está previsto na Constituição à isto seria suficiente para
afastarmos a existência de um direito fundamental à irredutibilidade dos salários? Por força do
artigo 16.º, n.º 1 da CRP temos direitos fundamentais extravagantes e avulsos fora da Constituição
à mas, este argumento não vale por si só.
O argumento determinante é a ausência dessa fundamentalidade/desse critério, que
permite, por via do artigo 16.º da CRP, chegar a um direito fundamental.

O facto de não termos um direito fundamental à não redução do salário não significa que
não existam limites à liberdade do legislador ordinário neste sentido, ou seja, a inexistência de um
direito oponível ao legislador não é sinónimo de inexistência de limites à sua margem de
conformação.
Importa considerar, sobretudo ao nível da redução das prestações/salários/pensões em
contexto de crise, quais são os princípios ou as linhas de orientação que nos permitem concluir no
sentido de se verificar a necessidade de atribuir ao legislador ordinário uma ampla margem de
conformação:
1. Artigo 9.º da CRP – trata das tarefas fundamentais do Estado. Neste artigo, temos a ideia de
que o Estado é uma sociedade com determinados fins (fins gerais), e desde logo um Estado
com tarefas (ideia do Estado para as pessoas e não das pessoas para o Estado).

Esta ideia contrasta com as Constituições do Liberalismo, em que tínhamos uma perspetiva
formal, negativa e jurídica, não existindo a ideia de prossecução de determinados objetivos
(verifica-se uma lógica de não intervenção do Estado).

Apesar de se consagrarem tarefas fundamentais, a Constituição não fixa quais as condições


fácticas que permitem realizar cada uma dessas tarefas fundamentais, o que significa que
cabe ao legislador ordinário, no caso concreto, fazer as opções que permitem assegurar a
satisfação mínima deste conjunto de tarefas.

22
Direito Económico

2. Justiça intergeracional – segundo este princípio, a solidariedade não pode ser apenas entre
os vivos, mas tem também de se preocupar com as gerações futuras, também elas titulares
de dignidade da pessoa humana e que, portanto, não podem ficar oneradas em termos
excessivos por causa da salvaguarda que agora se pretende das posições dos vivos.

Não podemos atrasar algo que terá de ser feito e que poderá, no futuro, acarretar uma
posição muito mais desfavorável para as gerações futuras.

3. Artigo 7.º, n.ºs 5 e 6 da CRP – mandato de integração europeia à Portugal adere à União
Europeia, o que implica muitas vezes solidariedade de uns Estados-membros para com os
outros. Se essa solidariedade acarreta responsabilidade, acarreta também a ideia de um
esforço comum.

Estes três pontos justificam, então, a concessão de uma margem de conformação ao nosso
legislador ordinário à note-se, no entanto, que esta liberdade tem de ser compaginada com uma
posição do indivíduo que, se não é um direito fundamental, pelo menos impõe determinados limites
ao que o legislador pode fazer.
Se aceitássemos o PRINCÍPIO DO RETROCESSO com valor autónomo e esse valor impedisse o
legislador de retroceder o nível de proteção, estaríamos a pôr em causa o PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO.
O que o Tribunal Constitucional diz, então, a propósito do princípio do retrocesso, que isto
passa pela necessidade e distinguir duas coisas:
A. A Constituição consagra uma ordem de legislar precisa e concreta – nesses casos, sempre
que o legislador densifica essa ordem de legislar, por exemplo, através de uma Lei da
Segurança Social ou de uma Lei em matéria de remuneração dos funcionários públicos, essa
matéria adquire uma natureza constitucional, de forma a que qualquer regressão será
necessariamente inconstitucional, pelo facto de estar em causa matéria de natureza
constitucional.

São casos muito raros aqueles casos em que podemos falar de uma ordem de legislar nestes
termos – em todos os demais, não se admite um princípio de proibição do retrocesso em
sentido autónomo, porque se reconhece que isso seria cortar a liberdade do legislador
democrático.

Os direitos fundamentais, sejam eles DLG ou DESC, acarretam custos. Portanto, não havendo
forma de os garantir num determinado momento não faria sentido que o legislador não
pudesse retroceder.

B. Resulta da experiência constitucional que, apesar de não admitirmos um princípio


autónomo, existem limites àquilo que o legislador pode fazer quando está a retroceder no
nível de proteção. Estes limites resultam de outros Princípios do Estado de Direito, que nos
dizem desde logo que, quando retrocede, o legislador:

1) Não pode tratar de forma diferentes situações iguais (princípio da igualdade);


2) Não pode afetar as legitimas expectativas dos cidadãos (princípio da proteção da
confiança e da segurança jurídica);
3) Tem de adotar medidas proporcionais.

23
Direito Económico

Deste modo, podemos dizer que não se verifica a existência de um princípio de proibição do
retrocesso em termos autónomos, no entanto, recorremos a instrumentos da metódica
constitucional para aferir se a regressão do legislador lesa, ou não, a proporcionalidade, a igualdade
e a proteção da confiança.
Neste caso, o Tribunal Constitucional declarou com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade da redução das remunerações dos funcionários públicos, por entender violar
o princípio da igualdade à se o combate ao défice é um interesse da comunidade, não podem ser
apenas os funcionários públicos a arcar com as consequências. Ou seja, os privados têm também de
ser afetados.
Segundo o Tribunal Constitucional, existem medidas alternativas que permitem colmatar o
défice público:

Voto de vencido: Maria Lúcia Amaral – segundo esta juíza, o Tribunal Constitucional não proferiu
uma decisão assente nesta metódica constitucional, ou seja, não analisou se o retrocesso violava a
proteção da confiança, a proporcionalidade, etc. Na verdade, limitou-se a dizer que o legislador
dispunha de meios alternativos.
Neste tipo de decisões, sob pena de violação de separação de poderes, é preciso que o Tribunal
Constitucional tivesse a certeza de que essas tais medidas alternativas eram igualmente eficazes
para prosseguir o objetivo em questão. Nas palavras de Maria Lúcia Amaral, “o Tribunal
Constitucional não estava epistemologicamente apetrechado para tomar uma decisão destas”, ou
seja, defende que o Tribunal Constitucional deveria ter seguido uma análise jurídico-constitucional,
aplicando os princípios mencionados anteriormente como meio de verificar se a medida era ou não
conforme com a Constituição.
Não podia ter incorrido num erro de adotar, neste caso, uma perspetiva política, sem saber
se as alternativas que existem eram verdadeiramente eficazes à isto demonstra a necessidade de
termos alguma preocupação com a auto manutenção da justiça constitucional quando se trata da
aferição de medidas que cabem ao poder legislativo.
«[…] por razões várias como, por exemplo, as da falta de escolaridade, de
capacidades/conhecimentos tecnológicos e/ou de acesso a estes meios, ou que se prendem, ainda,
com a idade ou a falta capacidade económica, […] os estádios de desenvolvimento das suas [Portugal]
regiões não são e não estão em pé de igualdade e [que], por e para isso, no seio da União se promove
e preconiza a coesão económica, social e territorial, definindo e desenvolvendo políticas para a
convergência e aproximação das regiões.»
Cf. acórdão do STA, de 21.05.2020, no processo n.º 02453/09.2BEPRT

4. Partindo do excerto, responda fundamentadamente às seguintes questões:


a. Qual a revisão constitucional responsável pela alteração mais significativa em matéria de «coesão
económica, social e territorial»?
No artigo 81.º, n.º 1, alínea d) da CRP temos como incumbência prioritária do Estado
“Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento
no sentido de um crescimento equilibrado de todos os setores e regiões e eliminando

24
Direito Económico

progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o


interior”.
Na revisão constitucional de 2004, introduziu-se a referência expressa à promoção da coesão
económica, social e territorial, bem como a última referencia ao binómio litoral/interior.
A partir desta introdução, quer da primeira, quer da segunda parte, passou a entender-se que
se consagrou um novo princípio em matéria de Constituição Económica que é o princípio da coesão
económica, social e territorial. Até aqui tínhamos, no artigo 9.º, alínea g) da CRP, uma tarefa
fundamental do Estado, que passava por promover o desenvolvimento harmonioso de todo o
território nacional e que deveria ter em conta, designadamente, o caráter ultraperiférico dos
arquipélagos (Açores e Madeira).
A partir da revisão constitucional de 2004, com esta referência expressa à coesão, passamos a
ter um novo princípio em matéria económica, mais precisamente o princípio da coesão económica,
social e territorial. Este princípio, como os demais, articula-se/decorre:
a) PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE DOS DESC – este princípio pretende promover a igualdade
material, ou seja, a ideia de que não basta sermos todos iguais perante a lei, mas que também
é preciso garantir aos cidadãos uma verdadeira igualdade de oportunidades. Ora, a ideia de
termos regiões com índices de desenvolvimento diferentes e com oportunidades de acesso
diferentes está ainda relacionada com a ideia de assegurarmos que as populações dessas
regiões tenham acesso ao mesmo tipo de oportunidades.
b) PRINCÍPIO DA UNIDADE DO ESTADO – se reduzo as assimetrias regionais, contribuo para um
Estado unitário, enquanto regime material.

Ao passo que, à data da redação da Constituição, a preocupação do legislador era, sobretudo,


para com os arquipélagos. Em 2004, a introdução do artigo 81.º, n.º 1, alínea d) da CRP do binómio
interior/literal mostra uma diferença de tónica de preocupação à hoje, a preocupação do legislador
é, sobretudo, com as regiões do interior do país, que têm menos acesso as infraestruturas do que as
que o litoral tem acesso.

Na União Europeia, a coesão económica, social e territorial é uma das políticas da União e é
objeto de um título autónomo de TFUE. Desde cedo, a União apercebeu-se de que as
disparidades/assimetrias eram um entrave à realização e à prossecução do mercado interno.
Portanto, também pesou muito essa ideia ao nível da nossa Constituição Económica e da necessidade
de prosseguir as duas seguintes coisas com a coesão:
a) Garantir que as regiões que estão abaixo do mínimo conseguem alcançar, pelo menos, o
mínimo.
b) Promover a aproximação entre as regiões mais favorecidas e as menos favorecidas à ideia
de aproximação e de garantias da unidade desta diversidade.

Na União Europeia, as regiões estão divididas de acordo com o PIB face média europeia,
organizando-se os Estados em:
I. Regiões desfavorecidas;
II. Regiões em transição;
III. Regiões mais favorecidas.
25
Direito Económico

b. Quais os instrumentos privilegiados de atuação da política de coesão da União Europeia? Por que
motivo se fala, a esse propósito, numa «Administração multinível»?
A União Europeia preocupa-se muito com a redução das disparidades entre as diferentes
regiões (note-se que falamos em “regiões” e não em “Estados-membros”) dentro do mesmo Estado-
membro. Para prosseguir esses objetivos, a União conta com vários instrumentos, entre os quais se
destacam:
1. Os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento à são uma forma de cofinanciamento
pela União Europeia, uma vez que a União não se substitui aos Estados no financiamento das
políticas económicas e sociais. Na verdade, a União atribui uma taxa de cofinanciamento, que
varia conforme o nível de riqueza da região em causa.

Cada um destes fundos tem objetivos muito distintos, seja em matéria de ambiente, em
matéria de direitos sociais, etc. Dentro destes Fundos Europeus, destaca-se o FEDER, que visa
a aproximação das várias regiões da União.

2. A intervenção do Banco Europeu de Investimento de outros instrumentos financeiros.

Estes Fundos Europeus, apesar de resultarem de uma dotação do Orçamento Europeu, aquilo
que acontece é que a sua gestão é partilhada entre a Comissão Europeia e as Autoridades Nacionais,
Regionais ou Locais de cada Estado-membro. São os Estados-membros que elaboram um acordo de
parceria que contém vários programas. A Comissão vai analisar esse acordo e esses programas, bem
como verificar se este está em linha com os objetivos de cofinanciamento de cada um desses fundos.
Depois dessa análise, aloca os fundos/financiamento, mas quem gere ao nível nacional quais
são os projetos que vão efetivamente beneficiar dos fundos, se os fundos estão a ser bem utilizados
pelos beneficiários, se estes estão a utilizar os fundos para o projeto que apresentaram e não para
outros fins, etc., são as Autoridades Nacionais à ideia de administração multinível/co-
administração.

Ficha de trabalho n.º 4

Apesar de ser possível afirmar que o artigo 61.º, n.º 1 da CRP consagra um genérico direito de livre
iniciativa económica privada (ou não pública), de que as ‘iniciativas’ previstas nos n.os 2 a 5
constituem formas particulares de exercício, é inegável a diversidade dos regimes previstos no artigo
61.º da CRP.

1. Refira-se aos traços comuns e às notas características e distintivas das ‘iniciativas’ referidas nos
n.ºs 1, por um lado, e 2 a 5, por outro, do artigo 61.º da CRP.

No artigo 80.º, alíneas b) e c) da CRP, temos referência à coexistência dos setores público,
privado e cooperativo, bem como referência à liberdade de iniciativa e de organização empresarial,
no âmbito de uma económica mista.

Artigo 61.º da CRP – o Professor Pacheco Amorim entende que não existe um meio termo
entre o Direito Público e o Direito Privado. Ou seja, para o Professor ou temos entidades públicas ou
temos entidades privadas, o que significa que só se verifica a existência de duas iniciativas:
26
Direito Económico

1. Iniciativa pública.
2. Iniciativa privada/não pública.

O que pode acontecer é termos entidades privadas que podem integrar o setor privado ou
setor cooperativo e social. O setor cooperativo e social é autonomizado, não pela propriedade
jurídica, isto é, não pela natureza das entidades que nele atuam, mas pelo modo particular de gestão
à ou seja, esse setor autonomiza-se porque as empresas que nele atuam têm um modo particular
de gestão, sendo ainda empresas privadas resultantes da livre iniciativa económica privada.
Assim, para o Professor Pacheco Amorim, temos duas iniciativas que podem dar origem a
empresas que atuam em três setores, pois da iniciativa privada podem resultar empresas que
integram o setor privado e outras que integram o setor cooperativo e social, pois este setor
autonomiza-se não pela propriedade jurídica, mas sim pelo modo particular de gestão.

Iniciativa Iniciativa
Privada Pública

Empresas que Empresas que


integram o Setor integram o Setor
Privado Público

Empresas que
integram o Setor
Cooperativo e
Social

Assim, é errado, tendo em conta o ponto de vista do Professor, reconduzirmos


necessariamente a iniciativa privada ao setor privado, porque podemos ter iniciativa privada/não
pública reconduzida ao setor cooperativo e social. Assim, o artigo 61.º da CRP contém um direito
genérico de livre iniciativa económica privada, de que as outras (iniciativa cooperativa e
autogestionária) são formas particulares de exercício.

Trações semelhantes entre as entidades do artigo 61.º, n.º 1 e 61.º, n.ºs 2 a 5 da CRP:
a) Os sujeitos ativos são todos eles privados;
b) O sujeito passivo é sempre o Estado;
c) O âmbito relevante do artigo 61.º, n.º 1 diz respeito, em todos os casos, à empresa enquanto
unidade económica e social, ainda que no artigo 61.º, n.º 5 aquilo que nós tenhamos não seja
um direito à criação de uma empresa, mas sim o direito à gestão de uma empresa (direito de
autogestão)

O facto de o legislador ter reunido num direito sobre a livre iniciativa económica privada, a
iniciativa cooperativa e autogestionária, leva o Professor Pacheco Amorim a entender que no artigo
61.º, n.º 1 da CRP temos o genérico direito de que as iniciativas em questão são iniciativas
particulares de exercício. Isto leva novamente a concluir que apesar de termos três setores de
propriedade, temos duas iniciativas.

27
Direito Económico

Diferenças entre as entidades do artigo 61.º, n.º 1 e 61.º, n.º 2 a 5 da CRP:

Entidades do artigo 61.º, n.º 1 da CRP Entidades do artigo 61.º, n.º 2 a 5 da CRP
A iniciativa económica privada exerce- Ideia de liberdade plena, desde que se respeitem os
se livremente nos quadros definidos princípios cooperativos – o legislador não tem aqui
pela Constituição e pela lei, tendo em qualquer papel conformador (n.º 2).
conta o interesse geral.
N.º 5 – a lei conforma o direito à autogestão, ou seja, é
a lei que imprime conteúdo neste direito de
autogestão, dizendo como é que ele se exerce, em que
termos e em que condições.

2. Serão as cooperativas objeto de atenção particular, no plano do fomento económico? Poderá


afirmar-se a existência, na nossa Constituição Económica, de um princípio de fomento económico?
Qual o seu significado e objeto?
Apesar de estarmos perante entidades que revestem a mesma natureza (natureza privada)
as cooperativas e outras entidades que integram o setor cooperativo e social revestem caraterísticas
particulares, que levaram o legislador a autonomizar o setor cooperativo e social à essas
características encontram-se, desde logo, no artigo 80.º, alínea e) da CRP (remete para os artigos
85.º e 97.º da CRP).
IDEIA DE FOMENTO ECONÓMICO: olhando para os artigos 80.º e 81.º da CRP, não encontramos
nenhum princípio de fomento económico à fomento económico é a atuação dos poderes públicos
traduzida na adoção de medidas de encorajamento da atividade económica privada. Essas medidas
podem ser de dois tipos:
A. Medidas que visam aumentar/ampliar os direitos dos destinatários – exemplo: subvenção;
Garantia do Estado.
B. Medidas que visam reduzir ónus a que essas atividades estão sujeitas – exemplo: isenção
tributária.

Esta ideia de fomento económico visa incrementar as condutas de entidades privadas, que
contribuem para o crescimento e o desenvolvimento económico, ou seja, que contribuem para a
prossecução de políticas macroeconómicas, de natureza conjuntural ou estrutural.
Apesar de inexistir expressamente nos artigos 80.º e 81.º da CRP, um princípio de fomento
económico, ele resulta de várias disposições da Constituição Económica e é, portanto, também um
dos princípios fundamentais da Constituição Económica (Princípio do fomento económico).
Exemplos que demonstram que as cooperativas e outras entidades do setor cooperativo e social são
destinatários, por excelência, dessa atividade de fomento económico: artigos 85.º e 65.º, n.º 2, alínea
b) da CRP.
Na Constituição anotada por Gomes Canotilho e Vital Moreira, pode ler-se, em anotação à alínea c)
do artigo 80.º da CRP, o seguinte:

28
Direito Económico

«[…] este preceito assegura a liberdade de iniciativa e de organização empresarial nos três sectores,
incluído, portanto, o sector público, dando às entidades públicas tendencialmente a mesma liberdade
de iniciativa económica que as entidades privadas e cooperativas.» (cf. J. J. Gomes Canotilho / Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. revista, Coimbra: Coimbra
Editora, 2007, com realces nossos)
Por sua vez, Rui Medeiros, em anotação ao artigo 82.º da CRP, e citando Jorge Miranda, afirma a
necessidade de:
«[…] é duvidoso que, no Direito português, se possa radicalizar uma ideia de neutralidade da
Constituição em assuntos económicos […] impedindo, assim uma correlação arbitrária ou aleatória
dos três sectores de propriedade» (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa
Anotada, vol. II, 2.ª ed. revista, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2018, com realces nossos)
3. Partindo das duas posições acabadas de referir, refira-se à problemática da neutralidade ou da
subsidiariedade em sede de (livre) iniciativa económica pública.
Um privado tem liberdade de fins. O Estado não tem. Isto porque o privado atua no exercício
de um direito fundamental (Direito à livre iniciativa económica privada). A base de atuação da livre
iniciativa económica pública é não um direito fundamental, mas sim um poder/incumbência
atribuído por lei.
A ideia de empresa diz respeito a uma organização de bens tangíveis e intangíveis, pessoais,
corpóreos e incorpóreos com valor de extroversão de mercado. A ideia de empresa não se encontra
associada a nenhuma forma jurídica. Esta ideia de empresa tem três perfis:
A. Subjetivo à Empresa enquanto sujeito.
B. Objetivo à Empresa enquanto estabelecimento comercial;
C. Empresa enquanto atividade.

A intervenção dos poderes públicos na economia tem de ter por base um interesse público
que tem de ser satisfeito, bem como o princípio da legalidade. Mas, porque hoje, em razão do
fenómeno de privatização material, muitos dos interesses gerais são assegurados pelos privados. O
facto de o Estado intervir implica retirar espaço aos privados.

Portanto, em termos de dogmática constitucional, podemos estar a levar a cabo uma restrição
de um direito fundamental, que está sujeito à obediência ao princípio da proporcionalidade. Assim,
além da prossecução do interesse público (1), o Estado vai ter de justificar a sua intervenção à luz
de uma ponderação das reais positivas vantagens que decorram da sua intervenção como operador
económico (2).

Além destas duas limitações, verifica-se ainda a existência de uma limitação, uma LIMITAÇÃO
COMPETENCIAL à a quem é que cabe, em particular, esta iniciativa económica pública: ao Estado,
às Autarquias Locais e às Regiões Autónomas.
Esta é a posição intermédia. No entanto, existem outras:
A. A Constituição a não distingue e até concede um tratamento de favor às empresas publicas,
nos termos do artigo 80.º, alíneas b), c) e d) e artigo 81.º, alínea i) da CRP.
B. Leva a ideia de subsidiariedade até às últimas consequências à até pode estar em causa um
interesse público, até pode verificar-se o respeito pelo princípio da proporcionalidade, etc.,
29
Direito Económico

mas o Estado só pode intervir quando os privados expressamente falharem ou não estiverem
interessados naquela área.

No artigo 345.º do TFUE lê-se “Os Tratados em nada prejudicam o regime da propriedade nos
Estados-Membros.” à Ora, alguns autores retiram desta norma uma ideia de neutralidade da
Constituição Económica da União Europeia. Ou seja, a ideia de que a Constituição Económica da
União não se intrometeria nesta sede, permitindo aos Estados-membros livremente conformarem as
diferentes iniciativas e os diferentes setores de propriedade dos meios produção. Para outros
autores, também o artigo 345.º do TFUE, como a livre iniciativa económica pública na Constituição,
não pode ser desligado de um conjunto de outras normas que apontam para o sentido contrário,
sendo elas:
A. Normas de defesa da coocorrência.
B. Proibição de auxílios de Estado – aponta para a proibição de fomento por parte do Estado;
C. Princípio da igualdade de trato entre empresas privadas e empresas públicas – lógica de
sujeição do setor publico às regras da concorrência.
D. Imposição da adaptação dos monopólios públicos de natureza comercial à liberdade de
circulação de mercadorias.

Segundo alguns autores, todo este conjunto de normas aponta para a ideia de Economia
Social de Mercado, na qual predomina a atuação dos privados, assente na autorresponsabilidade do
empresário.
Quer desta ideia de Constituição económica europeia, quer do princípio da prossecução do
interesse publica, retira-se a ideia de uma inexistência de neutralidade nesta sede.
Aula de 28/10
4. Numa perspetiva dinâmica, que formas pode revestir a iniciativa económica pública?
Iremos iniciar por aquilo que não é iniciativa económica pública: a mera empresarialização
de um serviço público que perdura como atividade materialmente pública – isto é, uma atividade
de cuja execução o Estado ou ente público são responsáveis, nos termos da CRP ou da lei.
A iniciativa económica pública pressupõe a prossecução ex novo de uma atividade económica
em regime de mercado. No entanto, pode não haver lugar ao mercado se estivermos perante um
setor vedado à iniciativa privada (monopólios).
TRAÇO COMUM: prossecução ex novo de uma atividade económica empresarial no mercado, por
parte de entidades publicas.
Esta prossecução ex novo pode resultar de três realidades distintas:
1) Criação ex novo de uma empresa pública – o Estado ou uma outra entidade pública criam
uma empresa pública;
2) Aquisição, por via do Direito Privado, de uma empresa privada pré-existe;
3) Expropriação, nacionalização ou apropriação coletiva de uma empresa privada
previamente existente.

Do artigo 5.º do Regime Jurídico do Setor Público Empresarial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
133/2013, de 3 de outubro, sucessivamente alterado) resulta que «São empresas públicas as

30
Direito Económico

organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos


termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou
conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante, nos termos do presente decreto-
lei». A este propósito, afirma António Pinto Duarte (in Estudos Sobre o Novo Regime do Sector
Empresarial do Estado, Coimbra: Almedina, 2000) que o conceito legal «abrange, literalmente,
entidades incluídas no sector privado dos meios de produção, tal como definido na Constituição».
5. Em face dos critérios de definição do setor público, resultantes do n.º 2 do artigo 82.º da CRP,
explique a afirmação do Autor.
O artigo 82.º da CRP diz respeito aos setores de propriedade dos meios de produção,
definindo o Setor Público como o setor que é constituído pelos meios de produção cujas propriedade
e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas, ou seja, para que uma empresa integre
o setor público é necessário que se verifiquem dois critérios:
A. Propriedade ou titularidade públicas;
B. Gestão pública.

PROBLEMA: este critério constitucional de limitação do setor público coloca-nos a questão de saber
qual é a propriedade que esta em causa no artigo 82.º, n.º 2 da CRP. Ou seja, perante uma sociedade
comercial, será que a propriedade que é exigida pelo artigo 82.º, n.º 2 da CRP é uma propriedade
jurídica, que exige que o Estado ou um outro ente público seja detentor da maioria do capital social?
Nos termos da lei, existe a propriedade jurídica? Não é necessária a propriedade jurídica quando
existe propriedade económica. Não é preciso ser titular de 50% de capital social, uma vez que com
“menos” já se poderá verificar uma influência dominante:
A. A titularidade da maioria dos direitos de votos.
B. A possibilidade de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de Administração.
C. A titularidade de participações qualificadas ou direitos sociais.

Isto é a ideia de controlo, proveniente da União Europeia. Isto significa que não é necessária
uma propriedade jurídica quando exista uma propriedade económica. Ou seja, não é necessário ser
titular de 51% do capital social, quando se tem, por exemplo, uma participação de 40% associada à
maioria dos direitos de votos ou à possibilidade de designar a maioria dos membros do órgão de
administração (noção legal).
Perante esta noção legal e perante o carater não expresso do artigo 82.º, n.º 2 da CRP surgem
duas correntes:
A. A primeira entende que a Constituição exige a PROPRIEDADE JURÍDICA, isto é, exige a
detenção de uma participação maioritária na empresa, por parte dos entes públicos.
B. A segunda entende que não é necessária essa participação maioritária, bastando uma
PROPRIEDADE ECONÓMICA – ou seja, bastando uma participação minimamente substantiva
no capital social, conjugada com um dos fatores que confiram à entidade pública a
possibilidade de exercer influência dominante/controlo sobre a empresa em questão à
Coincidência entre o conceito legal e constitucional.

31
Direito Económico

O Professor Pacheco Amorim, no manual, inverteu a sua posição: no início, sustentava a


segunda hipótese. No entanto, veio a entender que ainda que se compreenda esta importância da
propriedade económica e ainda que seja esse o sentido da legislação proveniente da União Europeia,
a verdade é que a propriedade económica causa problemas ao nível da segurança jurídica
à A suscetibilidade de influência dominante não corresponde necessariamente ao exercício efetivo
de influência dominante. O Professor entende que, estando a falar de um critério constitucional, por
motivos de segurança jurídica, é de exigir, nesta sede, uma propriedade/titularidade jurídica.

Esta querela, hoje em dia, não é relevante – desde que os planos deixaram de ser vinculativos,
também, para o setor publico, só há quatro aspetos nos quais a integração de uma empresa no setor
público, tal como definido nos termos constitucionais releva:
I. Para efeitos do artigo 81.º, alínea c) da CRP à Este artigo consagra um poder-dever do
Estado de assegurar a plena utilização das forças produtivas. Ora, este poder-dever cinge-se
às empresas que integram o setor público – este artigo estabelece a ideia de que o Estado
deve assegurar a eficiência das suas empresas.
II. Para efeitos do regime específico a que ficam sujeitas as empresas ativas que correspondam
a meios de comunicação social e que integrem o setor público – artigo 38.º, n.º 6 da CRP à
Os meios de comunicação social que integram o setor público têm um dever de garantir
independência face a poder político, bem como se garantir o respeito pela liberdade de
expressão.
III. Para efeito do ónus constante do artigo 89.º da CRP à Este artigo consagra um direto de
participação dos trabalhadores na gestão da empresa pública.
IV. Para efeito de delimitação de competência da AR e de regime de veto à Artigos 165.º, alínea
j) e 136.º, n.º 3 da CRP.

Dada a não coincidência entre o regime legal europeu e o regime constitucional e dada a
relevância desse aspeto, entende-se que o legislador gozará aqui de uma margem de conformação
para reconduzir ao conceito de empresa pública, empresas que, nos termos constitucionais, integram
o setor privado. Apesar dessa margem de conformação como ainda estamos perante empresas que
integram o setor privado não podemos consagrar soluções que lesem a ideia de integração no setor
privado.
Não poderia o legislador, por força da legislação ordinária, procurar, por exemplo, impor a
uma empresa privada um ónus como o do artigo 89.º da CRP, uma vez que isso seria subverter a
lógica da diferenciação entre setor privado e setor público.

6. Qual o setor de propriedade em que se inserem as seguintes empresas?

a) Empresa privada que explora nascente de água mineromedicinal à artigo 84º, c da CRP – este
artigo consagra a inclusão, ex vi constitutionis, de um conjunto de bens no domínio público, por força
da importância dos mesmos seja para a segurança nacional, seja para a liberdade de circulação das
pessoas. Assim, estamos perante bens cuja titularidade é pública.

A gestão é PRIVADA e a titularidade é PÚBLICA – assim, esta empresa integra-se no setor privado.

32
Direito Económico

b. Empresa intervencionada (cf. n.º 2 do artigo 86.º da CRP) à O Estado pode, em determinadas
circunstâncias, intervir na gestão de empresas privadas.
Neste caso, a titularidade é PRIVADA e a gestão é PÚBLICA, o que significa que a empresa em
questão se integra no setor privado.
c. Empresa concessionária de serviço público à Neste caso, a titularidade é PÚBLICA e a gestão é
PÚBLICA INDIRETA, uma vez que o Estado recorre a um particular para efeitos de
prosseguir/assegurar a prestação de um serviço público (privatização funcional) – assim, a empresa
em questão enquadra-se no setor público.
Há autores que entendem que quando a concessão é atribuída de raiz a uma empresa privada,
e porque a empresa privada é titular da liberdade de empresa (artigo 61.º da CRP), estas empresas
recairiam no setor privado.
O Professor Pacheco de Amorim responde a estes argumentos, dizendo que existe um
princípio de reversão dos bens afetos à concessão que opera ipso facto com a extinção da mesma.
Ou seja, quando se dá a extinção da concessão, esses bens revertem, de imediato, para a esfera
jurídica do ente público. Assim, o Professor diz que:
A. A exploração destes bens pelo privado é temporária e está destinada a reverter, logo que
acabe a concessão, para as entidades públicas concedentes.
B. Dado que estamos perante uma atividade pública, não podemos convocar o artigo 61.º da
CRP, porque este artigo respeita à iniciativa económica privada, logo não podemos falar de
liberdade de empresa neste caso.

«Efetivamente, em Portugal, a economia social tem o seu substrato jurídico em sede constitucional,
uma vez que este setor é objeto de um tratamento jurídico autónomo por parte da Constituição da
República Portuguesa (CRP), ainda que o texto constitucional não utilize esta designação, mas a
expressão «setor cooperativo e social».
Deolinda Aparício Meira, «A Lei de Bases da Economia Social Portuguesa: Algumas
Reflexões Críticas», p. 4

7. Quais os subsetores compreendidos no setor cooperativo e social?


Artigo 82.º, n.º 4 da CRP – o sector cooperativo e social autonomiza-se não pela propriedade dos
meios de produção, que se trata ainda de uma propriedade privada, mas pelo modo particular de
gestão, ou seja, pela forma como estes bens são possuídos/geridos. Isto leva a que este setor inclua
realidades muito diferentes, o que fez com que o legislador, neste âmbito, autonomizasse QUATRO
SUBSETORES:

1) Os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios


cooperativos, sem prejuízo das especificidades estabelecidas na lei para as cooperativas
com participação pública, justificadas pela sua especial natureza.

Remete para as Cooperativas – as Cooperativas são uma pessoa coletiva autónoma, de livre
constituição, de capital e composição variáveis, que através da cooperação e entreajuda dos seus
membros, com obediência aos princípios cooperativos visa, sem fins lucrativos, a satisfação de

33
Direito Económico

necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles (artigo 2.º, n.º 1 do Código
Cooperativo).

As Cooperativas são uma realidade sui generis, que tem de obedecer a um conjunto de
princípios que foram plasmados pela Aliança Cooperativa Internacional, sendo eles:
v Adesão voluntária e livre.
v Gestão democrática pelos membros.
v Participação económica dos membros.
v Autonomia e independência.
v Educação, formação e informação.
v Intercooperação.
v Interesse pela comunidade.

Se a Cooperativa não obedecer a este conjunto de princípios, estamos perante uma falsa
Cooperativa ou Sociedade Irregular – se não for uma Cooperativa, vamos para o setor privado.

2) Os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais.

Remete para o Subsetor Comunitário e para os baldios, que se tratam de uma forma
específica, tradicional e consuetudinária de propriedade ou posso coletiva de terrenos no mundo
rural, que são utilizados e geridos por residentes de um ou mais lugares de uma circunscrição
(normalmente de uma Freguesia). Esses habitantes chamam-se compartes. Por norma, estes
terrenos destinam-se à criação de gado e à produção agrícola.

Os que ingressam nos baldios adquirem, ipso facto, o direito de gerir os terrenos em questão
e assim que abandonam essa comunidade deixam de ter o direito à respetiva fruição, sem direito a
qualquer indemnização à é um direito inerente à qualidade de habitante de um determinado lugar.
3) Os meios de produção objeto de exploração coletiva por trabalhadores.

Remete para o Subsetor Autogestionário ou de Exploração Coletiva por Trabalhadores.


Trata-se de uma forma de exercício coletivo de determinada atividade económica, caraterizada pela
circunstância de, juridicamente, a gestão e a exploração da empresa caber ao coletivo dos
trabalhadores, ou seja, é a categoria dos trabalhadores que gere coletivamente a empresa.

Se são trabalhadores assalariados isto leva-nos, desde logo, a fazer algumas interrogações a
propósito da legitimidade desta solução relativamente a uma empresa privada, porque
relativamente a este tipo de empresas, quer o direito de propriedade, quer a liberdade de empresa
incluem no seu núcleo essencial o direito a gerir a própria empresa. Deste modo, segundo o Professor
Pacheco de Amorim, deve-se fazer uma delimitação desta possibilidade, cingindo-a às empresas
que integram o setor público.

34
Direito Económico

Verifica-se a existência de três realidades distintas:

Controlo de Participação Autogestão


gestão no exercício Nível 3
Nível 1 da gestão
(artigo 61.º,
(artigo 54.º, Nível 2 n.º 5 e 82.º,
n.º 5, alínea (artigo 89.º n.º 4, alínea
b) da CRP) da CRP) c) da CRP)

NÍVEL 1 – Para as empresas do setor privado, é possível o que se encontra previsto no artigo 54.º,
n.º 5, alínea b) da CRP (controlo de Gestão) à Este é um sistema em que não há nem autogestão,
nem cogestão, dado que as decisões são tomadas apenas pelo empresário, não se verificando, deste
modo, problemas ao nível da liberdade de empresa, nem do direito de propriedade. No entanto,
verifica-se a existência de Comissões de Trabalhadores, que têm direito de controlo de gestão que
remete para a ideia de pelo menos serem informadas de assuntos relevantes para a gestão da
empresa. Pode-se incluir também o direito de apresentarem queixas, reclamações, etc.
Este controlo de gestão é admissível para as empresas, em geral, porque não implica retirar ao
empresário o direito de gerir a sua empresa.
NÍVEL 2 – Participação no Exercício da Gestão (artigo 89.º da CRP) à este é um sistema que já não
se basta com o mero controlo e que implica, de certa forma, uma participação dos trabalhadores no
exercício da gestão, por exemplo através da nomeação de representantes seus nos órgãos decisórios
da empresa.
Verifica-se, nesta hipótese, uma ideia de cogestão. O empresário aqui não é totalmente eliminado,
continuando a tomar decisões.
NÍVEL 3 – A autogestão só seria possível para empresas que integram o setor público, uma vez que
se verifica uma substituição do empresário pelos trabalhadores à A gestão, neste caso, é exercida
pelo coletivo dos trabalhadores.
4) Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas, sem carácter lucrativo,
que tenham como principal objetivo a solidariedade social, designadamente entidades de
natureza mutualista.

à Remete para o Subsetor Solidário.

Neste artigo, o legislador entendeu por bem referir-se, expressamente às Entidades


Mutualistas, para evitar dúvidas de integração das Mútuas neste subsetor. As dúvidas existentes
resultam de duas caraterísticas particulares das Mútuas que poderiam levar a excluí-las deste
Subsetor Solidário.
I. A prestação de uma atividade iminentemente ad intra, ou seja, em benefício dos próprios
associados – as Mútuas dedicam-se, em primeira linha, à interajuda e ao auxílio mútuo entre
associados e não visam, como as demais entidades do Setor Solidário, uma atividade em
benefício de terceiros.
35
Direito Económico

II. Tem um leque de escopos muito mais abrangente.

8. Será admissível falar em autogestão em relação a empresas pertencentes ao setor privado?


Para o Professor Pacheco de Amorim não, porque configura uma restrição a dois direitos
fundamentais, sendo eles:
I. Liberdade de empresa;
II. Direito de propriedade.

Alguns autores distinguem a autogestão da ideia de exploração coletiva por trabalhadores.


Estes autores entendem que a exploração coletiva por trabalhadores é algo mais amplo e não
necessariamente sinónimo de autogestão. É possível falarmos em exploração coletiva por
trabalhadores relativamente a empresas que integrem o setor privado, desde logo, quando há
consentimento do titular ou quando se tratam de empresas de propriedade dos próprios
trabalhadores.
O Professor Pacheco de Amorim discorda, dizendo que se temos a autogestão com o
consentimento do titular estamos ainda perante setor privado. Neste caso, o problema não se
coloca, nem há restrição, porque é decisão do próprio empresário admitir a autogestão.
Já no caso da empresa que é propriedade dos trabalhadores, estamos perante uma
Cooperativa.
Estas realidades não levam ao afastamento do problema da autogestão relativamente a
empresas do setor privado.

9. A que entidades se refere a parte final da alínea d) do n.º 4 do artigo 82.º da CRP? Qual o motivo
do seu particular tratamento pelo legislador constituinte?

Este artigo refere-se às Mútuas, que são objeto de particular menção, porque têm duas
características que poderiam levar a uma exclusão do Setor Solidário, sendo elas:
I. A prestação de uma atividade iminentemente ad intra, ou seja, em benefício dos próprios
associados – as Mútuas dedicam-se, em primeira linha, à interajuda e ao auxílio mútuo entre
associados e não visam, como as demais entidades do Setor Solidário, uma atividade em
benefício de terceiros.
II. Tem um leque de escopos muito mais abrangente.

No acórdão do TC n.º 186/88, pode ler-se:


«[…] do que o Tribunal não pode prescindir é de salientar a considerável fluidez e indeterminação das
apontadas fronteiras da liberdade constitutiva reconhecida ao legislador no âmbito do preceito e da
incumbência constitucional em questão, e a larga margem de avaliação e decisão que dentro delas,
e de qualquer modo, aquele sempre fica para - numa opção necessariamente "política" - traçar o
quadro dos sectores económicos vedados à iniciativa privada.» (com realces nossos)

36
Direito Económico

10. À luz de uma leitura conjugada dos artigos 61.º, n.º 1 e 86.º, n.º 3 da CRP, e considerando, ainda,
as revisões constitucionais posteriores ao referido acórdão, poderá continuar a sustentar-se um tal
entendimento?
No artigo 86.º, n.º 3 da CRP, temos uma credencial ao legislador ordinário para vedar setores
básicos à iniciativa privada (criação de monopólios ou de situações de limitação objetiva).

O legislador é livre nesta opção de vedar a participação de privados numa determinada


atividade? É necessário ter em atenção que isto significa vedar a liberdade de empresa, ou seja,
restringir o seu âmbito. O Acórdão em questão entendeu que a margem é ampla, mas esta doutrina
é hoje passível de se considerar caduca, uma vez que, entretanto, já ocorreram várias Revisões
Constitucionais que vieram mudar os termos da redação originária da Constituição e aproximá-la à
ideia de Constituição Económica Comunitária.
Constituição Económica Comunitária: neste âmbito, fizemos referência ao artigo
345.º do TFUE, que não impõe nada a propósito dos setores de propriedade ou da
iniciativa nos Estados, seja ela pública ou privada. Referiu-se, de igual modo, o artigo
37.º do TFUE, que impõe a adaptação dos monopólios públicos à liberdade de
circulação de mercadorias. Deste modo, entendeu-se que a Constituição Económica
Europeia, em termos imediatos, não determinada nada. No entanto, verifica-se a
existência de um conjunto de preceitos/princípios que a Constituição Económica
Europeia acolhe e que nos levam a concluir por uma preferência pela Economia Liberal
de Mercado, que assenta na autorresponsabilidade do empresário e no exercício dos
direitos fundamentais económicos.
O artigo 61.º da CRP consagra a liberdade de empresa e diz-nos que a iniciativa económica
privada se exerce livremente nos quadros definidos pela CRP e pela lei à isto significa que remete
para a lei a definição dos quadros em que se pode exercer a iniciativa económica privada. Deste
modo, esta é uma lei conformadora, porque dela vai depender o âmbito de proteção do direito à
livre iniciativa económica privada.
A propósito desta lei, costuma dizer-se que o legislador dispõe de:
A. Discricionariedade de decisão à discricionariedade de decidir a existência ou não de setores
vedados.
B. Discricionariedade de escolha à de entre os setores qualificados como setores básicos,
escolher quais é que ficam vedados.
C. Uma margem de liberdade na tarefa de interpretação à há aqui uma certa margem de
interpretação, no que respeita à determinação do que seja o setor básico.

Neste âmbito, entende-se que o legislador estará vinculado a uma noção pré-constitucional
de setor básico, noção essa que não ficou presa nos tempos passados, tendo sofrido nomeadamente
um fenómeno de liberalização ou privatização material.

37
Direito Económico

Assim, o legislador estará sempre vinculado a apenas vedar aqueles setores que ou possam
ser reconduzíveis ao conceito de setor básico ou que correspondam a setores que, por inerência,
cabem ao Estado.
1) Atividades relativamente às quais não há dúvidas de que podem ser vedadas à iniciativa
privada:
I. Atividades económicas de exploração de bens dominiais (artigo 84.º da CRP) – é uma
atividade que, por natureza, cabe ao Estado, daí que seja perfeitamente possível que
o legislador a venha vedar a privados ou que venha a condicionar o exercício por parte
de privados.
II. Atividades económicas que envolvem, por natureza, o exercício de prerrogativas de
poder público – se estamos a falar de atividades que envolver poderes de autoridade
e só o Estado tem esses poderes, há possibilidade quer de vedação absoluta, quer de
condicionamento.
III. Atividades industriais sobre as quais recai um manto de proibição quase absoluta
em razão da sua perigosidade para interesses públicos.

2) Atividades que se podem reconduzir ao conceito de setor básico por estarem em causa, por
exemplo, atividades de interesse económico geral:

I. Serviços públicos essenciais – telecomunicações, produção e distribuição de


eletricidade, tratamento e distribuição de águas. Nestes casos, o legislador tem
também uma opção legitimada de, consoante as opções mais ou menos liberais do
exercício do poder, vedar ou não estas atividades.
II. Jogos de fortuna ou de azar.
III. Antigos monopólios fiscais do tabaco e dos fósforos – são atividades que, pelos riscos
sanitários e morais que lhes estão associados, o Estado quer, de certa forma, retirar
do mercado sem, no entanto, as proibir de todo. Assim, veda o acesso a privados,
eliminando-os do mercado.

3) Zona dúbia:

I. Distribuição de combustíveis.
II. Atividades que confinam com funções de soberania – empresas de segurança
privada, agências de detetives, indústrias de armamento.

Aqui, entende-se que o controlo que venha a incidir sobre a opção do legislador tem de ser
um controlo que tenha por base a razoabilidade, uma vez que estamos perante uma zona de
incerteza
CONCLUSÃO: tirando as atividades relativamente às quais é clara a possibilidade de vedação
à iniciativa privada, bem como as atividades em que se admite a recondução ao conceito de setor
básico, a opção do legislador não é livre, o que significa que este não pode vedar o acesso a setores
não reconduzíveis a esses, daí a limitação.
A lei é conformadora, no sentido em que vai ser a lei a definir quais vão ser os setores básicos
vedados e quais são os setores em relação aos quais não se admite qualquer tipo de vedação, no

38
Direito Económico

entanto, tem sempre de respeitar o núcleo essencial da liberdade de empresa, que se trata da
liberdade de fundar empresas destinadas a atuar nos setores não qualificáveis como básicos.
Quanto aos setores qualificáveis como básicos, o âmbito de proteção do direito vai depender
da conformação do legislados, no entanto, essa margem de que ele dispõe não pode afetar o núcleo
essencial do direito, o que significa que não pode vendar setores não básicos.
Assim, esta lei é:
A. Conformadora;
B. Restritiva;
C. Interpretativa.

Nota: os seguintes tópicos de resposta das últimas perguntas da ficha 4 foram disponibilizados pela
Professora Inês Neves no Sigarra.

11. Prevendo a alínea f) do artigo 84.º da CRP que pertencerão ao domínio público «Outros bens como tal
classificados por lei», poderá a este propósito falar-se na concessão de carta-branca ao legislador ordinário?

• O artigo 84.º como a primeira e mais importante concretização do princípio consagrado no artigo 80.º,
alínea d) e respeitante aos recursos naturais – integração ex vi constitucionem no domínio público dos
principais recursos naturais.
• A cláusula geral da alínea f) não significa uma liberdade absoluta do legislador – a definição
constitucional do domínio público resultante das demais alíneas deverá servir como referência
inspiradora à ação qualificadora do legislador ordinário, devendo este considerar como dominiais
apenas os bens cujo destino público tenha uma relevância minimamente análoga à dos enunciados
das alínea do n.º 1 do artigo 84.º da CRP.
• Além da necessidade de uma importância análoga, e porque a integração destes bens no domínio
público os retira do comércio jurídico privado, havendo restrição dos direitos de propriedade privada
(artigo 62.º) e de autonomia privada (26.º CRP), necessidade de:

à Circunscrição aos bens especialmente relevantes para o desempenho da função administrativa; à Reserva
de lei dotada de generalidade e abstração (18.º, n.º 2 CRP);
à Obediência ao princípio da proporcionalidade.

• Referência à existência de Autores que exigem, ainda, o reconhecimento do direito de reversão dos
titulares de bens publicamente apropriados com vista à sua incorporação no domínio público se,
decorrido certo lapso de tempo após a privação, se verificar a sua não destinação aos fins de utilizada
pública justificativos da constituição do regime (ou a mesma cessar).

A propósito da redação inicial do artigo 82.º (correspondente ao atual artigo 83.º da CRP), afirmava-se que o
mesmo impunha «uma obrigação constitucional de definição legal dos meios e formas de intervenção,
nacionalização e socialização, bem como das indemnizações» (cf. acórdão do TC n.º 257/92).

12. Qual o sentido a atribuir hoje ao princípio da propriedade pública dos meios de produção e, em particular,
à norma do artigo 83.º da CRP?

• O princípio da propriedade pública dos meios de produção e a sua íntima ligação com o princípio da
livre iniciativa económica pública (perspetivas dinâmica e estática de um mesmo fenómeno – artigos
80.º, alínea d) e 83.º CRP).
• Até 1989: a imposição da apropriação coletiva dos principais meios de produção.
• Hoje:
o O princípio da economia mista (irreversível – artigo 288.º, alínea g) CRP).

39
Direito Económico

o A garantia do setor privado.


o Os direitos fundamentais económicos clássicos.
o A Constituição Económica comunitária.
• Sentido: não obstante não a impor, a CRP consente, com grande margem de liberdade, a propriedade
pública dos meios de produção.
• Função de reforçada habilitação face à habilitação genérica, para os meios de produção em geral, do
artigo 62.º, n.º 2 da CRP.
• Incumbência constitucional de definição legal i) dos meios e formas de intervenção e apropriação
coletiva e ii) das correspondentes indemnizações.

13. Pronuncie-se, fundamentadamente, sobre a veracidade e/ou completude das seguintes afirmações:
a) O plano é uma figura ausente ou desconhecida nos modelos de economia liberal de mercado.

• A preocupação de racionalização do processo económico em geral e da atividade pública de


intervenção na economia como preocupação transversal aos vários países, com diferentes graus, de
acordo com modelos políticos e jurídicos dominantes.
• Os modelos de economia dirigida e planificada: o plano é imperativo para os poderes públicos e, bem
assim, para um setor económico privado residual.
• Os modelos de economia de mercado: o plano é meramente indicativo, pelo menos para o setor
privado.
• O plano como instrumento de orientação da economia e de correção dos critérios dominantes do
mercado.
• A necessidade de distinguir: economias mais liberais (EUA) e economias com tradição liberal menos
arreigada (França e Portugal).

b) O princípio do planeamento é, em certa medida, corolário do subprincípio da subordinação do poder


económico ao poder político.

• A referência ao planeamento no texto constitucional, como «planeamento democrático» (cf. artigo


80.º, alínea e) e artigos 90.º a 92.º da CRP).
• O plano como instrumento da democracia representativa e corolário do princípio da subordinação do
poder económico ao poder político.
• O primeiro dos poderes que constam do elenco dos atos da competência administrativa do Governo
(cf. artigos 199.º alínea a) e 200.º, n.º 1, alínea e) CRP).
• A competência política e legislativa da AR (cf. artigo 161.º, alínea g)) e 165.º, n.º 1, alínea m) CRP).
• Referência, ainda, à sua relação com a vertente de democracia participativa, por via da intervenção
do Conselho Económico e Social (cf. artigo 92.º, n.º 1 CRP).

c) Quer o princípio do planeamento económico, quer o princípio do fomento económico adquirem um novo
relevo com a integração europeia.

⎯ Quanto ao princípio do planeamento: referência à execução dos programas comunitários de fomento e sua
relação com o princípio da cooperação económica, social e cultual (cf. artigos 3.º, n.º 2 TUE e 174.º a 178.º
TFUE).

§ A aplicação dos fundos através de Quadros Comunitários de Apoio, correspondentes a planos de


médio prazo (entre cinco e sete anos), cuja elaboração e aplicação é da responsabilidade do executivo
português. Hoje, o QCA relevante respeita ao período 2021-2027 e assenta na Estratégia Portugal
2030.
§ Quanto ao princípio do fomento económico:
o Novamente, a centralidade dos fundos europeus estruturais e de investimento, do
financiamento a atribuir pelo BEI, e bem assim, de outros instrumentos financeiros.
o Artigos 174.º a 178.º do TFUE e Direito Derivado.

40
Direito Económico

DIREITO DA CONCORRÊNCIA
Aula de 11/11

Ficha de trabalho n.º 5

Ideias fundamentais do texto lido:


i. Economia verde e digital
ii. Papel da concorrência na economia verde e digital
iii. Relação entre a concorrência e o Mercado Justo Vs. Inovador
iv. Relação da política da concorrência com o projeto de integração
v. Abuso da posição dominante como uma restrição individual
vi. Práticas restritivas da concorrência
vii. Criação de campeões europeus
viii. Auxílios do Estado
a. Promoção Vs. Gestão devida
b. Canalização devida Vs. Distorções

Atualmente, mantém-se a dúvida de saber se o Direito da Concorrência deve atuar numa


lógica de prossecução da eficiência económica ou se deverá, também, promover e visar um conjunto
de outros valores sociais, tais como, a tutela do ambiente, a igualdade de género, a distribuição da
riqueza, etc. O que nos diz a Comissária para a Concorrência é que, efetivamente, esses valores não
deixam de estar presentes na atuação prática do Direito da Concorrência, simplesmente não são o
seu objeto principal. Segundo a Comissária, o Direito da Concorrência tem instrumentos que
permitem considerar todos esses valores e interesses, mas sem que se prejudique a concorrência
enquanto bem jurídico tutelado por estas normas.

Daí que, por exemplo, se veja com maus olhos a ideia dos campeões europeus Segundo esta
ideia, quando uma determinada operação de concentração é notificada à Comissão Europeia, não
obstante a operação poder suscitar problemas ao nível do reforço do poder de mercado daquelas
empresas, ela deve autorizar aquela operação, para assim criar uma empresa grande e capaz de
concorrer lá fora. Segundo a Comissária da Concorrência, não é assim que se consegue concorrer lá
fora – se estamos a imunizar as nossas empresas à pressão competitiva de outras, se estamos a
permitir que elas cresçam a um ponto em que já não sentem a pressão de outros fatores, então
elas também não serão capazes de concorrer lá fora.

Muito autores dizem que as normas da concorrência, porque proíbem determinados acordos
entre empresas concorrentes, podem ser um entrave, por exemplo, a que estas empresas cooperem
entre si para desenvolver um novo produto. Segundo a comissária, nem todos os acordos entre
concorrentes são restritivos da concorrência.

41
Direito Económico

Acordos Horizontais Vs. Acordos Verticais

Produtor Empres de
Empresa Empresa
de de
mobiliário
mobiliário mobiliário
A
B C

Distribuidor
retalhista
Acordo que envolve operadores que atuam
no mesmo mercado, daí serem concorrentes.
Tem duas dimensões:
Acordos entre empresas que não
1. Produto
são concorrentes entre si, porque
2. Dimensão geográfica
atuam em diferentes estádios da
cadeia de produção.

Temos orientações da Comissão que, quer relativamente a uns, quer a outros, demonstram
que existem determinados comportamentos que as empresas podem adotar sem que estes sejam
restritivos da concorrência.

Exemplo: duas empresas concorrentes decidem cooperar entre si para desenvolver um novo produto
para proceder a um processo de investigação ou para se especializarem na produção de um
determinado bem à ora, isto não é necessariamente anti concorrencial.

o Os auxílios do Estado são proibidos, em regra, pelo Direito da Concorrência. As normas dos
auxílios do Estado estão relacionadas com a construção do mercado interno e não visam
tutelar diretamente a liberdade da concorrência em si, mas sim evitar, por força desses
auxílios, que se estivessem a criar barreiras artificiais que já deveriam ter sido eliminadas.
o A proibição dos auxílios significa que eles têm de ser notificados, mas que podem ser
autorizados.

1. Podendo o Direito da Concorrência ser definido como «o conjunto de regras que visam
assegurar uma concorrência efetiva entre empresas, controlando a criação, reforço ou
exercício de poder de mercado» (cf. Miguel Moura e Silva, Direito da Concorrência, Lisboa: AAFDL Editora,
2020), e partindo do texto acabado de analisar, refira-se às vantagens da concorrência
enquanto regime-regra numa economia de mercado.

Caraterizamos o Direito da Concorrência como um ramo jurídico que tutela um bem jurídico suis
generis, bem jurídico esse que é a concorrência. A definição, apesar de ser fácil, suscita algumas
dificuldades terminológicas.

Uma das opções seria procurarmos amparo na ciência que mais de mão dada anda com o
Direito da Concorrência: a economia. Neste caso, uma primeira opção seria considerar o modelo de
concorrência perfeita.
42
Direito Económico

Neste modelo:
1. Há atomicidade da estrutura da oferta e da procura – defende a existência do maior número
possível de operadores de um lado e do outro, de modo que a toma de decisões seja
descentralizada. Se se fala em atomicidade não se podem permitir, desde logo,
concentrações.
2. Há informação perfeita.
3. Há homogeneidade de produtos.
4. Não há economias de escala.
5. É livre a entrada e saída de produtos.

Uma opção seria, então, considerar a concorrência perfeita em oposição ao modelo do monopólio.

Problema: apesar desta íntima ligação entre Direito da Concorrência e Economia, estamos a falar de
um bem jurídico. Enquanto bem jurídico, é protegido por normas e princípios jurídicos, portanto, não
obstante a preponderância da economia para entender algumas noções e, desde logo, proceder a
análises relevantes, importa considerar que estamos a falar de um ramo do Direito que não se
compadece com a simplicidade dos modelos económicos.

§ A economia apresenta-nos modelos que resultam de uma simplificação da realidade, não


podendo esses modelos ser extrapolados para um mundo em que é utópico sustentarmos a
ideia de concorrência perfeita. Nunca vamos conseguir ter a informação total, nunca vamos
conseguir ter inexistência de economias de escola, nunca vamos conseguir ter atomicidade
da estrutura da oferta e da procura, etc.

Além do mais, em Estado de Direito, seria inconcebível procurarmos impor o modelo de


concorrência perfeita no mercado, porque, desde logo, se necessitamos da atomicidade, não
podemos permitir, de todo, as concentrações. Isto é contrário à livre iniciativa económica privada e
à liberdade de empresa.

Assim posto, não se pode impor o modelo da concorrência perfeita, porque isso põe em
questão outros direitos fundamentais. A concorrência que queremos aqui sustentar tem de ser vista
numa dimensão instrumental, por aquilo que ela permite alcançar, pelos fins benéficos que nos
garante.

Vantagens da concorrência que nos permitem legitimá-la como regime regra:


A. Eficiência na afetação de recursos – por via da concorrência, conseguimos garantir um
máximo volume de produção possível ao preço mais baixo, o que permite, por sua vez, quer
a satisfação dos consumidores quer o retorno do investimento dos produtores.

B. A concorrência permite proteger um mecanismo descentralizado de tomada de decisões


económicas – através da concorrência, garantimos um encontro entre vontade anónimas, por
oposição a um modelo de economia planificada/dirigida (contraposição com a economia
dirigida/planificada) em que as decisões são tomadas pelo Estado e, bem assim, pela
oposição a um outro modelo possível, que passa pela concentração de poder num conjunto
muito pequeno de operadores privados (contraposição com a concentração do poder
económico num pequeno número de empresas).

43
Direito Económico

Daí que se diga que, por força destas duas contraposições, podemos caraterizar a
concorrência como garantia institucional de direitos e liberdades fundamentais (liberdade
de empresa, direito de propriedade, direitos dos consumidores, etc.) e ainda como uma
estrutura/parte integrante do Estado de Direito Democrático, relacionando-se isto com o
princípio da subordinação do poder económico ao poder político.

C. Proteção do bem-estar dos consumidores – a concorrência garante que onde (num modelo
de monopólio) temos excedente/lucro da empresa monopolista, num modelo de
concorrência, esse excedente é passado para o consumidor, sob a forma de preços mais
baixos ou produtos mais inovadores.

D. A concorrência garante uma pressão constante sobre as empresas para que inovem – não
só a curto, como a longo prazo. Se as empresas sentem, no dia a dia, a pressão competitiva
de novas empresas que pretendem entrar no mercado, terão então uma certa pressão para
inovar.

2. A propósito da noção de concorrência efetiva, costuma afirmar-se ser a mesma,


simultaneamente, fundamento e limite da intervenção do Direito da Concorrência. Explique a
afirmação.

§ Concorrência efetiva – traduz-se na ausência de poder de mercado, assegurando os


benefícios esperados em termos de eficiência, estímulo ou incremento da produtividade e
aumento do bem-estar.

Poder de mercado – corresponde à capacidade de manter, de forma rentável, preços acima dos
níveis concorrenciais durante um determinado período de tempo, ou a capacidade de manter
também, de forma rentável, a produção, em termos de quantidade, qualidade e diversidade de
produto ou de inovação abaixo dos níveis concorrenciais durante um determinado período de tempo.

Assim, poder de mercado significa possibilidade de uma certa empresa se comportar de forma
independente face a quaisquer questões competitivas, praticado ora preços mais elevados do que
aqueles que resultariam do nível concorrencial, ora produzindo em menos quantidade ou com menor
qualidade do que aquela que lhe seria exigido produzir em ambiente concorrencial, sob pena de ter
de abandonar o mercado.
§ Assim, as empresas que conseguem fazer isto de forma estável, mantendo-se no mercado,
possuem poder de mercado.

O que a concorrência efetiva visa é a ausência deste poder de mercado, daí que se diga que a
efetividade da concorrência é fundamento e limite do Direito da Concorrência.
a) Fundamento – o Direito da Concorrência intervém ciente de que a ideia de concorrência
efetiva permite eliminar as ineficiências que resultam do exercício do poder de mercado,
nomeadamente, o facto de o excedente reverter para as empresas e não para o consumidor.
b) Limite – vai ser em torno desta prossecução da concorrência efetiva e dos valores que ela visa
alcançar que vamos aferir, em cada momento, a razão e a proporcionalidade de medidas
estaduais que procurem assegurar a concorrência efetiva, seja no mercado, seja pelo
mercado.

44
Direito Económico

Existem determinadas regras que vão procurar impor a dimensão concorrencial e competitiva
à tudo o que extravase o estritamente necessário para alcançar a concorrência efetiva será
ilegítimo, uma vez que se ultrapassa o limite da concorrência.

A relação Direito da Concorrência com a liberdade de empresa é uma relação bidirecional:


a) O Direito da Concorrência é necessário para assegurar que as empresas não sofrem as
restrições de outras ou do próprio Estado.
b) O Direito da Concorrência restringe a liberdade de empresa, porque esta implica, também, a
autonomia contratual.

Exemplo de um limite à intervenção do Direito da Concorrência: monopólios naturais.

§ Monopólios naturais – setores em que o custo da produção de um bem ou da prestação de


um serviço é minimizado quando uma só empresa o produz/presta.
o Neste caso, abrir este mercado à concorrência vai ser pior do que manter uma única
empresa a prestar o serviço ou fornecer o bem. Abrir este setor à concorrência pode
resultar num prejuízo maior para o bem-estar.

Estas situações colocam um dilema: temos de evitar os custos e os perigos associados a uma
estrutura monopolista, ao mesmo tempo que garantimos a eficiência na afetação dos recursos. Tudo
isto sem impor a abertura daquele setor à concorrência, ou seja, sem impor que haja várias empresas
a intervir naquele setor.

Neste caso, porque a concorrência efetiva (existência de várias empresas a produzir o bem ou a
prestar o serviço) não é a solução ótima, vamos, então, encontrar um limite à intervenção do Direito
da Concorrência, porque não é a solução mais eficiente. Vamos procurar, então, mitigar os riscos e
problemas da estrutura monopolista, através da regulação setorial.

O que é que nos encontramos na regulação setorial? Encontramos a criação de um enquadramento


regulatório dentro do qual estas empresas monopolistas terão de atuar, ou seja, aquilo que vamos
fazer é impor condições quanto às quantidades vendidas, quanto aos preços praticados, quanto à
forma de início da atividade, etc.

O objetivo do Direito da Concorrência não é proteger as empresas enquanto tal – se assim o fosse,
o interesse das outras empresas era abrir este setor à concorrência. No entanto, percebe-se que,
neste caso, a solução de abertura do mercado não é a solução mais amiga da eficiência económica.

Além desta situação, que revela um limite ao Direito da Concorrência, é necessário ainda referir os
casos em que a concorrência resulta excluída ou limitada, por decisão do próprio legislador, por
uso de poderes soberanos. Neste caso, estamos a falar dos setores vedados à iniciativa privada ou
os setores em que o Estado impõe limitações objetivas ao acesso.

Uma outra situação diz respeito aos casos em que a concorrência tem de recuar para efeitos de
prossecução de outros bens e valores constitucionalmente protegidos. O que se discute é se este
recuo é endógeno ou exógeno, ou seja:
a) Exógeno – se estes valores são alheios ao Direito da Concorrência e este recua nos termos da
colisão/conflito de direitos fundamentais e interesses da comunidade.
45
Direito Económico

b) Endógeno – se além da eficiência económica o Direito da Concorrência também prossegue


estes bens e, por isso, molda-se às necessidades do caso concreto.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 81.º da CRP, «Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito
económico e social: […] f) Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a
garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização
monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do
interesse geral». No plano europeu, discute-se, porém, quais os fundamentos ou valores
protegidos pela defesa da concorrência. Identifique algumas dessas posições.

à A discussão mantém-se e ainda hoje não há consenso.

Grande contraposição:
I. Autores que sustentam que ao Direito da Concorrência cabe prosseguir objetivos
relacionados com a eficiência económica.
II. Autores que atribuem ao Direito da Concorrência um conjunto mais vasto de outros
valores/interesses subjacentes, inclusive, valores de ordem política e social.

Correntes distintas da corrente dominante (corrente da eficiência económica):


1) CORRENTE QUE ENTENDE QUE O OBJETIVO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA É CONTROLAR
O PODER ECONÓMICO – esta corrente tem muito sucesso, sobretudo em período de
instabilidade económica, de crise social e recessão. Esta corrente vê no aumento da
concentração do poder económico uma ameaça às instituições democráticas.

Sustenta que à medida que a dimensão de uma determinada empresa aumenta, há uma
maior dissociação entre a propriedade e a gestão, de modo a que os administradores ou gerentes
tendem a adotar decisões em desvantagem dos consumidores e da economia de mercado. Isto
encontra-se relacionado com o problema atual da dissociação da propriedade e da gestão da
empresa.
Anteriormente, os sócios de uma determinada Sociedade Comercial normalmente assumiam
também a gestão da sociedade, ou seja, queriam controlar os destinos da sua empresa – na mesma
pessoa, conjugavam-se o sócio e o gerente, o que levava a que os gerentes-sócios tivessem alguma
cautela nas opções que tomavam, desde logo por não quererem sofrer os danos reputacionais
associados, por exemplo, à prática de um ilícito.
Atualmente, verifica-se a existência de sócios-investidores – estes não se preocupam
propriamente com a atividade prosseguida, querendo apenas participar nos lucros, e por isso não
querem integrar a administração, a gerência, etc. Verifica-se uma dissociação da propriedade e da
gestão da empresa, o que leva muitas vezes a esta tomada de posições menos amigas da
concorrência.

à Esta tese sustenta que esta dissociação é o resultado da concentração económica, do aumento da
riqueza e da sua concentração, logo temos de os combater.

a) Teses Industrialistas (ainda dentro desta tese) – segundo as teses industrialistas, as


grandes empresas contribuem para o bom funcionamento da economia criando,

46
Direito Económico

desde logo, mais emprego. Assim, qualquer intervenção do Direito da Concorrência


que vise limitar este crescimento será ilegítima.

Para esta corrente, o Direito da Concorrência tem de controlar a concentração do poder económico
por dois motivos essenciais:
I. Essa concentração gera assimetria de poder.
II. Essa concentração é uma ameaça às instituições democráticas.

Problema desta tese:

1. Considera a dimensão das empresas em termos absolutos.


2. O Direito da Concorrência dificilmente pode corrigir assimetrias de poder, porque estas são
corrigidas pelo Sistema Fiscal
3. O Direito da Concorrência não tem os instrumentos necessários para solucionar/mitigar/prevenir
coisas como criminalidade financeira.

à O principal objetivo do Direito da Concorrência é o controlo do exercício e, em determinadas


circunstâncias, da aquisição e do reforço de um poder de mercado.

Esta teoria é insuficiente, uma vez que eu posso ter uma pequena empresa que, em
determinadas circunstâncias, pode ter essa capacidade de praticar preços acima do nível
concorrencial, assim como posso ter uma empresa gigante que, por força da concorrência e da
pressão competitiva que sofre por outras similares, não consegue fazê-lo sem que seja obrigada a
abandonar o mercado.
I. Pequenas empresas podem ter peso no mercado.
II. Grandes empresas podem não ter peso no mercado.

O Direito da Concorrência não se preocupa com o controlo do poder económico (se assim
fosse, isto teria consequência nefastas para a eficiência), mas preocupa-se sim com o poder de
mercado.

2) CORRENTE QUE ENTENDE QUE O DIREITO DA CONCORRÊNCIA VISA SALVAGUARDAR A


LIBERDADE DE EMPRESA – o Direito da Concorrência seria a forma de eliminar quaisquer
condicionantes excessivas à livre iniciativa económica privada, que podiam provir quer do
Estado, quer dos poderes privados.

Esta corrente está relacionada com a Escola de Friburgo, que foi muito influente nas normas
do Tratado de Roma. Carateriza-se pela grande importância dada à liberdade de empresa.
Simplesmente, não podemos ver a liberdade de empresa como fundamento primeiro do Direito da
Concorrência, pois isso significaria proteger a eficiência económica apenas como fim mediato.
§ Esta teoria defende que, em primeira linha, defendemos as empresas e que a proteção da
eficiência económica é resultado da liberdade de empresa à Não é bem assim.

Ora, ao Direito da Concorrência não interessa necessariamente proteger os concorrentes


enquanto tal, mas o processo competitivo com todas as vantagens que associamos a essa dimensão
instrumental da concorrência, apesar de a liberdade de empresa e o que ela implica também acabar
por ser tutelada.

47
Direito Económico

3) CORRENTE QUE ENTENDE QUE A CONCORRÊNCIA TERIA UM EFEITO CORRETIVO E UMA


FINALIDADE DE DISTRIBUIÇÃO DE RIQUEZA – tal como ela evita que o excedente do produtor
monopolista fique com ele e garante que esse excedente vai para o consumidor sob a forma
de preços mais baixos ou produtos mais inovadores, também deveria contribuir para
distribuir a riqueza de grandes estruturas pelas estruturas mais pequenas.

Isto redundaria na concorrência, em determinadas situações, como, por exemplo, nas


operações de concentração, evitar o crescimento de empresas grandes mais eficientes para, com
isso, garantir a tutela de empresas mais pequenas e menos eficientes

Problema: segundo a analise económica do Direito, a forma de garantirmos a redistribuição da


riqueza é através do Sistema Fiscal, e estar a exigir à concorrência que também atuasse neste sentido,
seria introduzir uma dupla distorção.

Pelo contrário, aquilo que sustenta é o seguinte: deve-se permitir a essas empresas eficientes
crescer, porque isso vai permitir aumentar “o bolo”, e depois cabe ao Direito Fiscal cortar esse bolo
em fatias e distribuí-lo, mas se se introduz o Direito da Concorrência aqui para evitar o crescimento,
o bolo, no final, vai ser mais pequeno do que se se deixasse a concentração acontecer.
§ Desde 2008, voltou a ideia de que o Direito da Concorrência não estava a fazer o seu trabalho.
Por isso, voltaram as vozes a sustentar quer a necessidade de controlo do poder económico,
quer os fins corretivos ou redistributivos do Direito da Concorrência.

Problema: os quadros dogmáticos do Direito da Concorrência e as autoridades incumbidas de


assegurar a aplicação do Direito da Concorrência à se se deixar nas mãos de uma Autoridade
Administrativa aferir se, num determinado caso concreto, é para autorizar ou não uma determinada
operação com esta finalidade distributiva em mente, estar-se-ia a atribuir a uma autoridade sem
competências para o efeito os poderes que devem caber ao legislador democrático.
§ Deve ser o legislador democrático a fazer essa ponderação de interesses e não uma
autoridade no caso concreto, sob pena de insegurança jurídica ou, até mesmo, de injustiça e
discriminação.

O grande problema da introdução destes valores distributivos e corretivos na análise


concorrencial são os perigos que corremos pela desadequação do Direito da Concorrência para o
efeito.

4) CORRENTE QUE DEFENDE A PROTEÇÃO DOS CONSUMIDORES – existem autores que erguem
a proteção dos consumidores como fundamento principal do Direito da Concorrência. A
maioria dessas vozes relaciona-se também com a utilização deste argumento num sentido
demagógico, ou seja, é um argumento utilizado muitas vezes em campanhas presidenciais e
eleições para, de certa forma, introduzir nos programas dos partidos o controlo de
determinados preços considerados excessivos, sem distinguir entre os diferentes tipos de
preços excessivos.

48
Direito Económico

Efetivamente, em resultado da tutela da concorrência efetiva, resultam grandes benefícios


para o consumidor (preços mais baixos, melhor qualidade dos produtos, etc.), no entanto, essa não
é a finalidade principal do Direito da Concorrência.
§ Na verdade, o Direito da Concorrência não vai definir se uma determinada empresa, salvo
determinadas circunstâncias, usou publicidade enganosa.
o Esse comportamento é escrutinado pelas normas de defesa do consumidor e não
pelo Direito da Concorrência.

à Portanto, falamos de tutela do interesse dos consumidores como consequência, mas não como
valor principal a prosseguir.

Aula de 18/11

5) CORRENTE DA EFICIÊNCIA ECONÓMICA – quando falamos em eficiência económica, temos


de entendê-la como sinónimo de “bem-estar do consumidor”, que se relaciona com o facto
de o Direito da Concorrência procurar assegurar que o monopolista, ou a empresa cartelista,
não assumem para si um excedente que deve ir para o consumidor, sob forma de produtos
inovadores ou preços mais baixos.

à Esta posição entende que o Direito da Concorrência visa promover a eficiência económica sob a
forma de bem-estar do consumidor.
A que é que nos referimos quando falamos em eficiência?
A. Eficiência estática
I. Produtiva – visa que os processos produtivos consigam garantir a produção ao
mais baixo custo. A ideia de que as empresas devem garantir que os seus processos
sejam otimizados, de forma a garantir o mais baixo custo e de modo que empresas
ineficientes, isto é, empresas que não consigam garantir um custo pelo menos
igual ao preço a que o bem é vendido, venham a sair do mercado – isto é,
empresas cujos custos superem o valor a que o bem vai ser vendido tenderão
naturalmente a sair do mercado, pois terão prejuízo.

II. Na afetação dos recursos – leva-nos mais diretamente para a ideia de bem-estar
do consumir, relacionando-se com a ideia de que os consumidores devem poder
encontrar no mercado bens ou serviços ao mais baixo preço possível.

Esta ideia de concorrência pelo preço é uma ideia ultrapassada, porque hoje em
dia não podemos focar-nos apenas no preço, sendo necessário atender a outros
parâmetros competitivos, uma vez que o consumidor não se preocupa
unicamente com preços baixos, preocupando-se também com produtos
inovadores, com uma determinada qualidade ou produtos que obedeçam a
outros interesses (exemplo: produtos mais verdes, produtos mais ecológicos, etc.).

B. Eficiência dinâmica

Exemplo: uma empresa que desenvolve um medicamento com propriedades curativas de


uma doença como o HIV e à qual é atribuída uma patente. Se é apenas uma empresa a titular

49
Direito Económico

da patente, ela vai conseguir impor um preço superior àquele que resultaria de uma lógica
concorrencial.
§ Em termos de eficiência estática, esta situação gera uma ineficiência estática óbvia,
sobretudo sobre o prisma da afetação de recursos, uma vez que a empresa vai conseguir
impor um preço que se afigurará, em princípio, superior ao preço que resultaria entre o
encontro da oferta e da procura num mercado concorrencial.

O que é que a atribuição da patente permite? Se não se conferisse a esta empresa o exclusivo,
ela não teria incentivos para incorrer nos custos associados ao desenvolvimento deste medicamento,
sabendo que outras empresas, sem incorrer nesses custos, conseguiam aproveitar-se dos resultados.
Não obstante esta ineficiência estática, as empresas têm os incentivos necessários para investir em
novas tecnologias, novos processos e novos produtos.
Assim, podemos concluir que a concorrência não se preocupa apenas com a eficiência
estática (com o preço mais baixo ou com os processos produtivos que acarretem mais custos). Na
verdade, preocupa-se também com esta aposta em processos inovadores.

Esta tende a ser a CORRENTE MAIORITÁRIA, daí que se ouça falar muitas vezes desta ideia de
bem-estar do consumidor, sob a forma de produtos mais inovadores e de preços mais baixos. Isso
não significa que não encontremos, mesmo nesta tese tradicional, outros valores. Simplesmente,
esses valores são “relegados para segundo plano”.

6) CORRENTE DO HIPSTER ANTITRUST – atualmente, esta tese maioritária vem sendo posta em
causa pelo hipster antitrust.
a. Trata-se de um conjunto de correntes que entendem que o Direito da Concorrência
não fez o seu papel e, por isso, está na altura de se repensar a ideia de consumer
welfare e chamarmos para o Direito da Concorrência outros objetivos como, por
exemplo, o controlo do poder económico ou a redistribuição da riqueza.

4. Do texto analisado, resultam referências claras aos grandes conjuntos de comportamentos e


ações abrangidos pelo âmbito de aplicação do Direito da Concorrência. Partindo das normas
dos Tratados, das normas homólogas do regime jurídico da concorrência, e, bem assim, de
outras eventuais fontes de Direito, identifique a base normativa adequada aos seguintes
excertos:

(i) […] temos de garantir que o apoio estatal é direcionado e proporcional, para que não
promova a criação de empresas zombies que apenas se mantêm viáveis à custa do dinheiro
dos contribuintes.

§ Auxílios do Estado – artigo 107.º do TFUE

Regra geral, é uma regra de proibição, porque se entende que estes auxílios, que podem
assumir várias formas (exemplo: subvenção, isenção fiscal, etc.), podem reerguer barreiras que o
mercado interno visou eliminar. Apesar desta proibição geral, logo no artigo 107.º, n.ºs 2 e 3 do
TFUE encontramos abertura para a permissibilidade de auxílios que visem, por exemplo, fazer face

50
Direito Económico

a grandes choques a que a economia possa vir a estar sujeita, em resultado de intempéries ou
fenómenos com os quais não se poderia contar, nomeadamente, pandemias.

Exemplo: no âmbito da Covid-19, ouvimos falar de inúmeros apoios que foram concedidos às
empresas e que foram realizados ao abrigo de um quadro temporário pelo qual a Comissão, de forma
muito mais célere, permitiu e autorizou auxílios vários às empresas dos mais variados setores,
nomeadamente do setor da aviação.
§ Isto já não é novidade: já na crise financeira de 2007 e 2008 se tinha flexibilizado a
possibilidade de os estados-membros concederem auxílios e apoios a empresas.

Além desta possibilidade, temos também auxílios que são permitidos nos termos de
Regulamentos de Isenção por Categoria. Este Regulamento elenca um conjunto de auxílios que não
se consideram incompatíveis com o mercado interno e que, portanto, não são abrangidos pela
proibição geral que encontramos no artigo 107.º, n.º 1 do TFUE.

Além dos Regulamentos de Isenção por Categoria, temos uma norma da Lei da Concorrência
sobre auxílios públicos, norma essa muito criticada por muitos autores, pelo facto de não ter grande
valia, pois:
1) A Autoridade da Concorrência tinha poderes meramente consultivos.
2) Ou os auxílios não revestem dimensão para serem escrutinados, ou revestem dimensão
comunitária.

Além dos Regulamentos de Isenção por Categoria, temos ainda o PRINCÍPIO DE MINIMIS –
este princípio estabelece determinados valores abaixo dos quais se entende que os auxílios não são
suscetíveis de afetar as trocas entre estados-membros.

à Nota: atualmente, está em curso uma revisão das normas sobre auxílios, de forma a incluir e
permitir apoios dos Estados a projetos e empresas que apostem no desenvolvimento de tecnologias
mais verdes.

(ii) Bem sei que há vozes que acreditam […] que a forma de construir campeões europeus passa
por termos menos e maiores empresas europeias. E isso até se pode aceitar, desde que os
clientes europeus ainda tenham outros fornecedores a quem recorrer. O problema surge
quando a escolha dos clientes queda tão limitada que os seus fornecedores não mais se têm
de preocupar para com o que esses clientes querem.

§ Controlo ex ante das operações de concentração – Regulamento 139/2004

O que é que se visa com esta atuação do Direito da Concorrência? Em resultado de operações de
concentração, podem resultar eficiências e vantagens muito significativas para os clientes e para os
consumidores em geral. No entanto, apresenta também desvantagens, daí que se verifique a
existência de normas do Direito da Concorrência que, além do exercício do poder de mercado, visam
controlar a criação e o reforço do poder de mercado.

51
Direito Económico

§ O controlo de operações de concentração contribui para essa atividade à é um controlo ex


ante.

Quando se notifica uma operação de concentração, a autoridade competente pode ter três decisões
diferentes:
I. Aprovar
II. Rejeitar
III. Aprovar com condições – exemplo: imaginemos que estamos perante empresas com
implementação ao nível nacional e que uma das empresas em questão tem muitas lojas na
zona do Porto.
a. A autoridade, neste caso, pode autorizar a operação, mediante a condição de a
empresa em questão vender alguns ativos que tem no Porto porque, caso contrário,
a zona mencionada ficará muito concentrada.

(iii) É por isso que é especialmente importante agir, caso as empresas decidam conluiar-se
para resistir a essa procura por produtos mais ‘verdes’.

§ Acordos e práticas concertadas entre empresas – aplica-se o artigo 101.º do TFUE, quando
suscetíveis de afetar as trocas entre estados-membros ou o artigo 9.º da LdC, quando
relevem apenas em âmbito nacional.

(iv) […] há que reconhecer que a cooperação pode, por vezes, auxiliar a produção de produtos
mais ecológicos e mais sustentáveis.

Tal como no caso dos auxílios de Estado, em que apesar da regra geral da sua proibição se
encontram sujeitos, em muitos dos casos, a uma permissibilidade e a uma lógica de licitude, também
os acordos entre empresas concorrentes ou empresas ativas em diferentes estados da cadeira de
produção não têm necessariamente de ser anti concorrenciais, mesmo quando o pareçam ser.

§ Por isso, não só temos no artigo 101.º, n.º 3 do TFUE uma norma que permite justificar
determinados acordos preenchidas quatro condições, como também, em sede de acordos,
temos vários RICs.
o Exemplo: acordos de investigação e desenvolvimento e acordos de especialização. A
Comissão, preenchidos determinados pressupostos, admite que estes acordos
possam ser celebrados.

Além dos RICs, temos também um REGULAMENTO DE MINIMIS relativamente aos acordos
de pequena importância, que afere se as empresas envolvidas no acordo não excedem determinados
valores de quota de mercado. Por isso é que muitas vezes se diz que o Direito da Concorrência só
releva e diz respeitos para as empresas grandes.

Este Regulamento exclui do sue âmbito de aplicação os acordos restritivos por objeto, isto é,
aquelas restrições que são particularmente graves da concorrência.

52
Direito Económico

(v) Quando um motor de busca, ou um marketplace digital, ou uma app store se convertem
no instrumento pelo qual as empresas se logram ligar aos respetivos clientes, então escolhas
simples, como a forma como os utilizadores podem pagar, ou como o site classifica os
diferentes vendedores nos seus resultados da busca, podem efetivamente determinar quem
sucede e quem falha

§ Abuso de posição dominante – artigo 102.º do TFUE

Não é proibida a existência de posições dominantes, no entanto, verifica-se uma grande


preocupação de impor, em razão dessa sua posição/natureza, especiais obrigações que evitem que
a empresa, pela posição em que está e que lhe permite comportar-se de forma autónoma face a
concorrentes, adote comportamentos que podem revestir duas naturezas:
A. Comportamentos que se subsumem ao conceito de abuso de exclusão
a. Visa excluir operadores concorrentes do mercado

B. Comportamentos que se subsumem ao conceito de abuso de exploração


a. Como, por exemplo, a prática de preços excessivos relativamente a um determinado
produto

Na lógica do hipster antitrust, diz-se que as normas da concorrência não fizeram o seu
trabalho e, por isso, é necessário arranjar instrumentos capazes de controlar os comportamentos
adotados pelas GAFA(M).

Atualmente, está-se a discutir uma proposta de regulamento relativo à contestabilidade dos


mercados digitais, ou seja, a ideia de tornar os mercados digitais contestáveis e, de certa forma,
evitar que estas empresas, às quais se dá o nome de “Gate Keepers”, possam adotar comportamentos
que visem não só os interesses dos consumidores, bem como a lealdade para com empresas
concorrentes.
§ O que é que esta proposta vem fazer?
o Esta proposta assenta na ideia de que, atualmente, estaremos perante uma nova
formulação dos serviços públicos essenciais e que estas empresas, de certa forma,
seriam as “guardiãs” desses serviços públicos essenciais, razão pela qual é necessário
impor a estas empresas um conjunto de obrigações, de forma a evitar que elas possam
lesar os interesses dos consumidores ou de empresas concorrentes mais pequenas.
§ De certa forma, esta proposta introduz uma coisa que não se sabe bem o que
é: primeiro, não se sabe se é ainda Direito da Concorrência, e caso seja Direito
da Concorrência, questiona porque é que não se optou por densificar aquilo
que podem ser considerados comportamentos abusivos ou se isto será algo
diferente.

Qual é o problema deste regulamento?


A. Visa regular uma realidade que muitos entendem que não é passível de regulação, que é o
mercado digital
B. É um regulamento, apesar de pretender ser geral e abstrato, as obrigações que impõe aos
Gate Keepers, é possível identificar a que empresa cada tópico se refere, especificamente. Era

53
Direito Económico

suposto tratar-se de um regulamento para integrar lacunas, no entanto é possível que ele
venha a gerar ainda mais lacunas.

(vi) […] planeamos atualizar a nossa orientação sobre as trocas de informação, de modo a
tornar mais claro como é que as empresas poderão exatamente partilhar dados, sem
prejudicar a concorrência

§ As trocas de informação podem ser benéficas, por vezes. No entanto, para além de ser
benéfica, a troca de informação pode configurar uma prática concertada restritiva da
concorrência.
o Exemplo: um conjunto de empresas concorrentes decide trocar entre si aquilo que
será a sua conduta futura quanto aos preços praticados no mercado. Assim, reduz-se
a pressão competitiva a que as empresas estão sujeitas.

Uma coisa é não saber o que é que os meus concorrentes vão fazer à se eu não sei o que é
que os meus concorrentes vão fazer o meu objetivo é ser competitivo, praticando preços mais baixos
ou produzindo produtos mais inovadores. Se eu sei que o meu concorrente, por exemplo, vai subir
o seu preço para 2.99€, não se verifica qualquer tipo de incentivo para a prática do preço de 1€.

A troca de informações reduz a incerteza estratégica no mercado. A concorrência pressupõe


que as empresas:
A. Sejam autónomas na marcação dos seus preços, na adoção dos seus comportamentos.
B. Incerteza estratégica – ideia de que as empresas devem atuar não cientes daquele que seja
o comportamento das suas empresas concorrentes.

à A troca de informações é uma das matérias que encontramos em orientações soft law da
Comissão.

5. Apesar da sua forte inspiração no direito antitrust dos EUA, a política europeia da
concorrência apresenta especificidades relacionadas, sobretudo, com o desiderato da
realização do mercado interno. Explique.

A política da concorrência, no espaço da União Europeia, está associada ao objetivo da


realização e efetivação do mercado interno à ideia de evitar que os Estados ou as empresas, em
razão dos seus comportamentos, reerguessem as barreiras que o mercado interno quis eliminar.
§ Pode-se dizer que no espaço da União Europeia as normas de defesa da concorrência estão
muito associadas a esta ideia de integração económica.

Contrariamente ao que acontece na Lei da Concorrência, o controlo de operações de


concentração está num Regulamento, e não num Tratado. No início, o objetivo primeiro era a
integração económica, ou seja, era evitar práticas que segmentassem o mercado. Nos EUA, foi a
lógica foi contrária: a lógica era evitar a integração económica e que as empresas colocassem sobre
uma estrutura comum a gestão de empresas diferentes, promovendo a concentração económica, daí
a ideia de antitrust – as primeiras regras de controlo de operações surgiram nos EUA, em 1914,
enquanto que no espaço da União surgiram em 1989.

54
Direito Económico

Esta especificidade do Direito da União tem duas repercussões, sobretudo ao nível de


especificidades/diferenças da aplicação do Direito da União face ao Direito dos EUA:
A. O Direito da União é muito mais suspeito e tende a olhar com mais suspeição as restrições
verticais, ou seja, as restrições que envolvem operadores relativos a diferentes níveis da
cadeia de produção, porque se entende que essas restrições verticais são suscetíveis de
reerguer as barreiras que o mercado interno quis eliminar.
I. No Direito dos EUA, tendem a ser analisadas sob a lógica da rule of reason, ou seja,
no caso concreto vai-se avaliar se existe eficiências capazes de permitir ultrapassar os
perigos desta restrição.
II. No caso do Direito da União Europeia, a tendência tem sido a de considerar, sob muita
suspeição, restrições verticais, por criarem essa tal segmentação entre mercados, por
recriarem, de certa forma, as fronteiras que se pretendeu eliminar.

B. Hoje, já se ultrapassou a ideia de que o Direito da União visava objetivos de integração


exclusivamente de índole económica. Porque isso é que, no Direito da União, esses valores
têm um papal mais alargado do que o que têm nos EUA.
I. Nos EUA, tendem a ser invocados como limites à atuação da autoridade competente
– eles têm uma presença menos significativa.
II. No Direito da União, por força da própria estrutura e modo de funcionamento da
Comissão, eles têm uma presença mais significativa.

Exemplo: Failing firm defence à imaginemos que está em causa a aquisição da empresa A pela
empresa B e que esta operação, analisada pela autoridade competente, vai criar um reforço da
posição dominante. A empresa B está a passar por muitas dificuldades e está em insolvência
iminente, pois já não consegue fazer face às obrigações que tem.
§ A failing firm defence permite à Autoridade da Concorrência aprovar uma autorização que
de outra maneira não seria aprovada.

Ficha de trabalho n.º 6

1. J. C. J. Wouters, advogado no foro de Amesterdão, tornou-se, em 1991, sócio da sociedade


Arthur Andersen & Co. Belastingadviseurs (consultores fiscais), informando, nessa sequência,
o conselho de vigilância da Ordem dos Advogados do distrito de Roterdão da sua intenção de
se inscrever no foro dessa cidade e de aí exercer sob a denominação «Arthur Andersen & Co.,
advocaten en belastingadviseurs». Por decisão de 27 de julho de 1995, esse conselho
considerou que Wouters infringira o regulamento adotado pela Ordem dos Advogados
neerlandesa, nos termos do qual se proíbe os advogados que exerçam nos Países Baixos de
estabelecerem uma colaboração «integrada» com membros da categoria profissional dos
revisores de contas.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, processo C-309/99, Wouters

1.1. Um Regulamento como o referido, adotado por um organismo como a Ordem dos
Advogados neerlandesa, configura uma decisão de associação de empresas, para efeitos do
artigo 101.º, n.º 1 do TFUE?

Neste caso, estamos perante um regulamento da Ordem dos Advogados que proíbe
Sociedades Multidisciplinares, ou seja, proíbe que os advogados constituam sociedades nas quais
profissionais que não advogados sejam sócios. Esta proibição vigora também entre nós.

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Direito Económico

Em sede de reenvio prejudicial, o TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre este regulamento
e sobre a questão de saber se regulamentos como este corresponde a uma decisão de associação de
empresas. Isto passa por saber se a Ordem dos Advogados é uma associação de empresas, o que
nos exige qualificar os advogados como empresas.
§ O Direito da Concorrência aplica-se a empresas.
o A definição de empresa consta da Lei da Concorrência.

O nosso legislador decidiu aqui plasmar, em letra de lei, a definição que resulta da
jurisprudência do TJUE e que define empresa como qualquer entidade que exerce uma atividade
económica no mercado, independentemente da forma jurídica e do financiamento a que se veja
sujeito. Estamos, pois, perante um conceito funcional, em que releva não a entidade em si, que pode
ter múltiplas formas. O que releva não é a entidade a questão, mas sim a atividade (se é ou não
económica), isto é, se é uma atividade que consiste na oferta de bens e serviços no mercado.

Quanto aos advogados: os advogados prestam serviços no mercado (exemplo: elaboram pareceres,
elaboram peças processuais, prestam assistência aos seus clientes quando necessitem de defesa ou
de patrocínio jurídico, prestam aconselhamento em caso de dúvidas, mesmo que não seja no âmbito
de um processo judicial, etc.). Não releva o caráter iminentemente técnico e intelectual da
profissão. Para o Direito da Concorrência, basta apenas que esteja em causa a prestação ou
exercício de uma atividade económica de mercado, sendo, por isso, os advogados empresas.
§ Assim, uma associação que congrega os advogados em princípio é uma associação de
empresas e, em princípio, é uma associação de empresas para efeitos do artigo 101.º do
TFUE.

Especificidade deste acórdão: normalmente pensamos em associações de empresas como


associações representativas de determinadas empresas de um setor (exemplo: associação de
empresas do setor cerâmico, associação de empresas de distribuição, etc.), não pensando, por norma,
sob a ótica de um organismo profissional como é a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Médicos ou
a Ordem dos Técnicos de Contas, por exemplo à quais são as dificuldades ou aquilo que nos poderia
levar a pensar, aqui, duas vezes?
I. O facto de estarmos perante um organismo público.
II. O facto de estarmos perante um organismo que possui poderes regulamentares que, por
norma, associamos a prerrogativas de poder público.
III. O facto de estarmos perante um organismo que possui uma missão de interesse público à
a regulação de uma profissão.

O TJUE analisou esta questão, dizendo que:


A. Apesar de ser um organismo de Direito Público, a natureza jurídica do organismo não releva
para o Direito da Concorrência. Além do mais, os órgãos desta ordem eram compostos
exclusivamente por advogados, ou seja, o Estado não tinha qualquer poder/faculdade de
intromissão na constituição concreta destes órgãos desde logo quanto ao órgão de
fiscalização que, neste caso, se encontrava em questão.
B. Apesar de podermos conhecer aqui uma missão de interesse público, esta missão não se
confunde com aquela que por norma associamos ao Estado e às entidades públicas. É uma
finalidade muito específica, que se cinge à defesa dos interesses da profissão e que não vai
além disso.

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Direito Económico

Por isso, entendeu o TJEU, que a natureza pública desta associação não afastava a sua
qualificação como associação de empresas, tanto mais que ela visa regular uma atividade que tem
um impacto claro no mercado.

Apesar disto, TJUE deixou implícito que se a situação fosse outra e se o Estado pudesse
controlar este organismo, se o utilizasse como um instrumento da prossecução de poderes ou
prerrogativas de poder público e se as missões pudessem ser alargadas, eventualmente poderíamos
estar perante uma exceção à aplicação do Direito da Concorrência, por não exercício de uma
atividade económica.

1.2. Tendo em conta o fundamento da respetiva normação – a necessidade de assegurar o


bom exercício da profissão de advogado – será a mesma violadora do disposto no artigo 101.º,
n.º 1 do TFUE?

A decisão em questão é restritiva da concorrência, nos termos do artigo 101.º do TFUE? O artigo
101.º do TFUE diz-nos que são incompatíveis com o mercado interno todos os acordos entre
empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas que:
A. Sejam suscetíveis de afetar o comércio entre Estados-membros.
B. Tenham por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado
interno.

No caso em questão, restringe-se a concorrência? Em caso de integração, o cliente consegue ver


prestados, num só local, serviços que, na ausência dessa integração, teria de encontrar em locais
diferentes, em seu prejuízo. Para além da concentração num só local, esta concentração permite
prestar um serviço mais completo e que tem em conta outras dimensões.
§ Em termos de concorrência, a combinação de diferentes áreas do saber acaba por permitir
ao cliente um serviço mais completo, mais cuidado e com várias dimensões em análise. Assim,
em princípio, estaríamos perante uma restrição da concorrência ao nível do
desenvolvimento técnico ao impedir e limitar essa situação (artigo 101.º, n.º 1, alínea b) do
TFUE).

Segundo critério para que caia no artigo 101º do TFUE: afetação do comércio nos Estados-membros.
Resulta da jurisprudência do TJUE que quando uma prática tem dimensão nacional é naturalmente
suscetível de afetar o comércio entre estados-membros é porque está, de certa forma, a imunizar
aquele mercado nacional ou a diferenciar aquele mercado nacional, em razão de uma restrição que
se estende a todo o seu território e que cria uma condição que o diferencia face aos demais. Para
além disso, estamos, sobretudo quando falamos em revisores oficiais de contas, etc., a falar de
mercados cujas empresas que integram grupos multinacionais que se encontram presentes em
diversos estados-membros e em relação às quais uma regulamentação/restrição num dos Estados-
membros afeta necessariamente o comércio entre Estados-membros. Em último lugar, atualmente
as transações comerciais revestem dimensão transnacional e não se ficam pelas fronteiras de um
determinado Estado-membro.

a) Em princípio, teríamos, então, uma decisão de associação de empresas que cairia no artigo
101.º, n.º 1 do TFUE e que, portanto, seria considerada nula. No entanto, temos quase

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Direito Económico

sempre, exceto nas restrições por objetivo ou por objeto, de olhar àquele que é o contexto
jurídico-económico da prática.

Tendo nós visto que efetivamente podemos estar perante uma restrição da concorrência que
afeta o comércio entre os Estados-membros e, portanto, perante uma decisão de associação de
empresas em princípio nula, o que é que se consegue tirar do contexto jurídico-económico que nos
pudesse levar a concluir que esta restrição é necessária para a prossecução de outros objetivos?

Os advogados, contrariamente aos revisores oficiais de contas, estão sujeitos a deveres


deontológicos vários, sendo dois deles:
A. Sigilo profissional – se se permite a colaboração entre profissões que não estão sujeitas aos
mesmos deveres deontológicos, em que situação é que se pode redundar? Posso redundar
na situação em que os deveres dos advogados podem ser colocados em questão. Se o
advogado colabora, numa mesma sociedade, com uma entidade que não está sujeita aos
mesmos deveres deontológicos, pode-se colocar em risco, por exemplo, a ideia de sigilo
profissional.
B. Prevenção de conflitos de interesses – o conflito de interesses estende-se a todas as pessoas
com as quais o advogado colabora, o que significa que, numa grande sociedade, isto é um
problema.

O que é que acontece com as sociedades consultoras? É um mercado altamente concentrado


em que temos um pequeno número de operadores com quotas de mercado muito
significativas e em relação aos quais é muito provável que uma sociedade venha a colaborar
com várias sociedades de advogados.

Os advogados estão sujeitos a estes deveres deontológicos, no entanto, as consultoras não


têm necessariamente de o estar. Nesse sentido, o TJUE concluiu que não obstante estarmos perante
associações de empresas e não obstante esta associação de empresas tratar-se de uma associação
de empresas suscetível de restringir a concorrência no mercado e suscetível de afetar o comércio
entre os Estados-membros, o contexto jurídico-económico permite legitimar uma prática que visa
nada mais do que assegurar o cumprimento dos deveres deontológicos a que os advogados estão
sujeitos e a que os revisores oficiais de contas não estão sujeitos ou a que não estão sujeitos em
igual medida.

2. O porto de Génova é administrado por uma entidade pública A, à qual incumbem, por lei,
competências tanto de natureza administrativa como económica respeitantes à
administração do porto. Por decisão de 1991, o Presidente de A criou um serviço obrigatório
de vigilância e intervenção imediata, em casos de poluição na sequência de derrames de
hidrocarbonetos, tendo confiado esse serviço, em regime de concessão exclusiva, à empresa
B, e, bem assim, aprovado uma segunda decisão, na qual determinou as tabelas de preços a
aplicar aos navios que utilizem o porto para carga e descarga de produtos petrolíferos e
petroquímicos. Nos anos de 1992 a 1994, a sociedade Diego Calì utilizou, por várias vezes, o
porto para descarga de acetona, tendo sido notificada, por B, para proceder ao pagamento
de uma quantia em dinheiro. A Diego Calì entende que B abusou de uma posição dominante
numa parte substancial do mercado comum. À luz do conceito de empresa, afira se a referida
atividade de B se insere no âmbito de aplicação do artigo 102.º do TFUE.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, processo C-343/95, Calì & Figli

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Direito Económico

B é uma concessionária que está encarregue por uma entidade pública de exercer uma
atividade de vigilância antipoluição, ou seja, tem como papel verificar quem são os operadores que,
num determinado momento, procedem a operações de carga e descarga de materiais que possam
colocar em causa a sustentabilidade dos mares e aplica-lhes uma taxa em função da utilização que
eles fizeram dos portos à essas taxas são fixadas pela autoridade.
b) A empresa Diego Cali, uma vez notificada para proceder ao pagamento, entendeu que B
(concessionária) estava a abusar da sua posição dominante.

Em primeiro lugar, temos de perceber se estamos perante uma empresa. B é uma empresa
para efeitos do Direito da Concorrência? O conceito de empresa trata-se de um conceito funcional,
que corresponde a qualquer entidade que exerce uma atividade económica consistente na oferta de
bens e serviços no mercado à isto significa que uma mesma entidade pode ser empresa quando
exerce uma determinada atividade, e não o ser quando exerce outra.

O que relava aqui é, portanto, a atividade que está a ser desenvolvida. Da jurisprudência do
TJUE resulta um recorte negativo do conceito de atividade económica:
1) Primeiro recorte – atividades/missões assentes no princípio da solidariedade. Fundos de
pensões cujos benefícios da pensão que é atribuída não depende das contribuições pagas.
Neste caso, estamos perante uma atividade não económica.
2) Segundo recorte – exercício de poderes soberanos/prerrogativas de poder público/ius imperii
– nestes casos, entende-se que o Estado, seja o Estado diretamente, seja o Estado
indiretamente, através da colaboração de privados a quem atribui direitos exclusivos, não
está a exercer uma atividade económica.

Esta concessionária não está a exercer uma atividade económica. Na verdade, está a exercer
um poder soberano que lhe foi acometido por concessão e que lhe permite aplicar taxas, definidas
ex ante pelo organismo público, às empresas que venham a contribuir para essa poluição. Isto não
quer dizer que uma entidade pública com poderes soberanos não possa ser uma empresa quando
exerce determinadas atividades (quando oferece bens ou presta serviços no mercado).

Conclusão: não estamos perante uma empresa, dado que não há lugar ao exercício de uma atividade
económica. Estamos perante uma atividade não económica, consistente com o exercício de
prerrogativas de poder público, não relevando tratar-se de uma concessionária ou do Estado
diretamente a exercer estas funções.

3. O cloreto de colina pertence ao grupo das vitaminas hidrossolúveis complexo-B (vitamina


B4) e é especialmente utilizado na indústria de alimentos para animais, principalmente aves
de capoeira e suínos, como um aditivo alimentar tradicional destinado a estimular o
crescimento, reduzir a taxa de mortalidade, aumentar a eficácia alimentar, aumentar a
produção de ovos e melhorar a qualidade da carne. Entre março de 1994 e outubro de 1998,
várias empresas europeias produtoras da referida substância participaram em reuniões,
durante as quais acordaram a afetação de clientes individuais a cada uma das participantes.

3.1. As referidas empresas, entre as quais quatro filiais detidas a 100% pela Akzo Nobel NV,
viriam a ser sancionadas pela Comissão Europeia. Enquadre, normativamente, o respetivo
comportamento.

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Direito Económico

c) Acordos restritivos da concorrência de repartição de mercados à de certa forma, estou a


repartir o mercado, o que leva a que para cada conjunto de clientes, essas empresas, às quais
foram alocadas esses conjuntos de clientes, não se vejam sujeitas à pressão competitiva que
resultaria da circunstância de estarem a concorrer com outras pela preferência desses
clientes (artigo 101.º, n.º 1, alínea c) do TFUE).

Esta categoria é reconduzida pelo TJUE a um acordo restritivo da concorrência por objeto ou
objetivo – são as restrições que, nos termos da jurisprudência do TJUE, revestem uma potencial
danosidade intrínseca tão elevada que a Autoridade da Concorrência está dispensada de provar a
efetiva verificação de efeitos no mercado.

Aula de 25/11

3.2. Apesar de a sociedade-mãe Akzo Nobel NV não ter participado individualmente no cartel,
foi considerada solidariamente responsável com as sociedades suas filiais, à luz da ausência
de autonomia comercial daquelas. Em resultado, e na determinação do montante da coima,
a Comissão baseou-se na quota de mercado e no volume de negócios da Akzo Nobel como
grupo.

Perante o Tribunal de Primeira Instância, a Akzo e as suas filiais alegaram que a Akzo Nobel
NV fora injustificadamente considerada responsável pelas infrações das suas filiais, tendo a
Comissão procedido a uma errada interpretação e aplicação do conceito de empresa, para
efeitos do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE e do artigo 23.º, n.º 2 do Regulamento n.º 1/2003.

3.2.1. Poderia ter sido imputado à sociedade-mãe o comportamento das respetivas filiais? Em
que circunstâncias?

O conceito de empresa trata-se de um conceito funcional que apela a uma qualquer entidade
que exerça uma atividade económica no mercado. Excluímos anteriormente do conceito de atividade
económica, desde logo, prerrogativas de poder público/soberano, ou seja, o conceito de empresa
depende, sobretudo, do preenchimento do conceito de atividade económica.

Na medida em que este conceito de empresa designa uma unidade económica, isto é, um
conjunto/organização unitária de bens e elementos pessoais, materiais e incorpóreos que prossegue,
de forma duradoura, um objetivo económico determinado. Daqui resulta que posso ter uma mesma
empresa integrando diferentes pessoas coletivas, ou seja, posso ter uma mesma unidade económica
que integre pessoas para o comum do Direito. Da jurisprudência do TJUE, resulta que uma sociedade
mãe pode ser responsabilizada pelo comportamento da sociedade filha quando se verifique a
existência de influência determinante.

Artigo 3º da Lei da Concorrência


1 - Considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma atividade económica que
consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu
modo de financiamento.
2 - Considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem
uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente:
a) De uma participação maioritária no capital;
b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;
c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização;
d) Do poder de gerir os respetivos negócios.

60
Direito Económico

O critério utlizado pelo TJUE para responsabilizar uma sociedade mãe pelo comportamento
da sociedade filha (responsabilidade ascendente) vinha sendo a possibilidade do exercício efetivo
da influência dominante, isto é, a circunstância de as subsidiárias não se comportarem de forma
autónoma no mercado, mas limitarem-se, apenas e tão só, a executarem instruções da sociedade
mãe à quanto ao Direito Nacional.

Resulta da jurisprudência do TJUE a necessidade de distinguir duas situações:


1. SUBSIDIÁRIAS INTEGRAIS – casos em que a sociedade mãe detém 100% ou próximo disso do
capital social da sociedade filha. Nestes casos, o TJUE presume a possibilidade de um exercício
efetivo de influência dominante à isto permite imputar à sociedade mãe, com volume de
negócios superior, o comportamento da sociedade filha.

2. A SOCIEDADE “X” TEM TRÊS “MÃES” – neste caso, já não temos uma participação de 100%
ou similar. Então, neste caso, a Autoridade da Concorrência vai ter de provar que a sociedade
mãe (qualquer uma delas) não só pode como efetivamente exerceu influência determinante
à entre nós, a nossa prova está facilitada porque o legislador, consagrando a jurisprudência
do TJUE, verte no artigo 3.º da LdC um conjunto de critérios que podemos utilizar para
presumir essa influência determinante.

Nota: os fatores do artigo 3.º da LdC são fatores exemplificativos, o que significa que a Autoridade
pode sempre recorrer a outros fatores para provar a influência determinante. Para além disso, a
presunção é relativa, ou seja, a empresa (em qualquer uma das duas situações) pode ilidir a
presunção, procurando demonstrar que, não obstante estes laços com a subsidiaria, na prática não
exerceu influencia determinante.

3.2.2. Será relevante a circunstância de, in casu, a sociedade-mãe deter 100% do capital das
filiais?

à A relevância é a aplicação desta presunção, que facilita a vida à Comissão Europeia.

4. Imagine, agora, a seguinte factualidade: em 19 de julho de 2016, a Comissão Europeia


adotou a sua Decisão final relativa a um processo nos termos do artigo 101.º TFUE, declarando
a existência de uma infração única e continuada, consistente, designadamente, em acordos
colusórios entre os principais produtores de camiões, entre os quais a Daimler, envolvendo a
fixação dos preços e os aumentos dos preços brutos dos camiões no Espaço Económico
Europeu. Entre 1997 e 1999, a Sumal adquiriu, através de contrato de locação financeira, dois
camiões do grupo Daimler. Na sequência da Decisão da Comissão, a Sumal intentou uma ação
de indemnização contra a Mercedes Benz Trucks España SL (a seguir ‘MBTE’), pedindo o
pagamento do montante de €22 204,35 por danos decorrentes da violação das regras de
concorrência declarada na Decisão de 2016, considerando-a responsável na sua qualidade de
filial da Daimler. A MBTE contestou a ação alegando, entre outras, que embora a teoria da
unidade económica permita imputar a responsabilidade civil pelo comportamento
anticoncorrencial de uma filial à respetiva sociedade-mãe, não permite a operação inversa,
atenta a falta de controlo exercida pela primeira sobre a segunda.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, processo 882/19, Sumal

4.1. Identifique a legislação que, no plano nacional, rege as ações de indemnização por
infrações ao Direito da Concorrência.
61
Direito Económico

Neste caso, estamos perante uma situação de private enforcement do Direito da


Concorrência. Desde muito cedo, o TJUE entendeu que os artigo 101.º e 102.º do TFUE revestem
efeito direto, ou seja, são suscetíveis de ser invocadas pelos particulares junto das autoridades e
tribunais para efeitos de satisfação dos seus direitos.
d) Os artigos 101.º e 102.º do TFUE, que proíbem os acordos, práticas concertadas, decisões de
associações de empresas o abuso de posição dominante, ficariam desprovidos de efeito útil
se os particulares lesados por essas práticas não pudessem obter o ressarcimento/reparação
dos prejuízos sofridos em razão dessa mesma prática.

Até 2014, quando a União não uniformiza as condições processuais para o exercício de um
direito, aplica-se o princípio a autonomia processual, ou seja, cabe aos estados-membros definir os
meios, os tribunais competentes e as formas processuais pelas quais se irá exercer e satisfazer os
direitos em questão.

Percebeu-se que isto era incomportável no domínio em que assistíamos à intervenção


simultânea de várias autoridades nacionais da concorrência em que, muitas das vezes, tínhamos
uma decisão da Comissão relativas a empresas lesadas a nível nacional que se iriam dirigir, cada uma,
aos seus tribunais nacionais respetivos. Portanto, começaram a surgir questões como empresas
lesadas pela mesma prática poderiam estar a obter diferentes condições de ressarcimento,
consoante a ordem jurídica em que pedissem a reparação.

Assim, em 2014, criou-se a Diretiva 2014/104 EU (Diretiva do Private Enforcement), que rege
as ações de indemnização por infrações ao Direito da Concorrência. Esta Diretiva foi transposta para
o Direito Nacional através da Lei 23/2018, que veio reger a forma como as empresas lesadas podem
aceder a meios de prova, veio reger qual é a força que se deve atribuir, por exemplo, a uma decisão
da Comissão Europeia que declare a existência de um ilícito, veio definir as condições para a
efetivação da responsabilidade solidária entre co-infratores.

4.2. Aprecie a questão litigiosa, à luz do conceito de empresa adotado no âmbito do Direito
da Concorrência.

Qual é a especificidade deste caso? Neste caso, quem foi chamado a tribunal para pagar a
indemnização foi a empresa filha. No entanto, os casos mais frequentes eram os casos em que era a
sociedade mãe a ser chamada a tribunal para pagar a indemnização.

O TJUE foi chamado, pela primeira vez, a pronunciar-se sobre uma responsabilidade de tipo
descendente – a sociedade filha a responder pelos “pecados” da sociedade mãe. O TJUE foi chamado
a pronunciar-se sobre o fundamento da responsabilidade, ou seja, o fundamento da
responsabilização da sociedade mãe será mesmo o exercício de influência determinante ou será,
antes, a ideia de unidade económica?
a) CRITÉRIO DA INFLUÊNCIA DETERMINANTE – caso se opte por este critério, somos chamados
a concluir que este critério só vale para responsabilizar a sociedade mãe pelo comportamento
da filial, na medida em que a primeira exerce influência determinante, o que significa que
pode usar a sociedade filha como um instrumento de prossecução da sua vontade.
b) CRITÉRIO DA UNIDADE ECONÓMICA – neste caso, estamos a falar de um
conjunto/organização unitária de bens pessoas, materiais, intangíveis, corpóreos e
incorpóreos que, de forma duradoura, prosseguem um objetivo comum. Desta forma,

62
Direito Económico

conseguimos, quando se prove essa unidade económica, responsabilizar quer a sociedade


mãe pelos comportamentos da filha, quer a sociedade filha pelos comportamentos da mãe.

O TJUE, pela primeira vez, veio apelar a esta RESPONSABILIDADE DE TIPO DESCENDENTE,
admitindo, pois, que a sociedade filha possa ser responsabilizada pela sociedade mãe. O conceito
de unidade económica surgiu na jurisprudência do TJUE nos anos 70 e a primeira razão pela qual ele
surgiu nem foi por força da necessidade de imputar comportamentos da sociedade filha à sociedade
mãe à deveu-se a uma outra razão.
a) Acordos sobre preços são olhados com muita suspeição pelo Direito da Concorrência.
Exemplo: a sociedade mãe X celebra um acordo com a sociedade filha Y, nos termos
da qual determinados produtos vão ser vendidos por 3.99€ aos distribuidores. Isto
não é um acordo restritivo da concorrência, porque não há concorrência entre as
empresas X e Y, o que significa, então, qua não há concorrência que possa estar
restringida.

Esta foi a razão e o fundamento do conceito de unidade económica. Foi excecionar do Direito da
Concorrência os acordos intra grupo, que devem antes ser tidos como uma repartição de
competência, no âmbito do próprio grupo.

b) Imputação de responsabilidades pelos comportamentos da sociedade filiada à sociedade


mãe – no início das Comunidade, tínhamos muitas sociedades estrangeiras com filiais no
espaço da União. Portanto, a ideia era evitar que elas se furtassem ao cumprimento das
normas do Direito da União, criando subsidiárias.

Este acórdão representa uma revolução, de certa forma, naquilo que vinha sendo adotado até aqui
como critério predominante e traz uma revolução em três linhas diferentes:
A. O TJUE impôs um requisito adicional para poder responsabilizar as subsidiárias: as subsidiárias
podem ser responsabilizadas quando operem no mesmo mercado que está em causa na
infração?
B. Se eu posso responsabilizar a sociedade filha pelos comportamentos da sociedade mãe e se
o fundamento é a teoria da unidade económica, eu posso responsabilizar uma irmã pelo
comportamento da outra?
C. A exceção dos acordos intra grupo já não se aplica quando eu tenho um grupo de empresas,
mas, dentro desse grupo, elas estão ativas em atividades económicas diferentes?

à Estas questões não são solucionadas pelo acórdão em questão.

Ficha de trabalho n.º 7

No mercado global das bananas, os principais players são um conjunto de grandes empresas
norteamericanas, a saber a United Brands Company (UBC), a Castle and Cook Company e a
Del Monte Company of California. A UBC detém um conjunto muito vasto de subsidiárias em
todos os pontos do globo, incluindo em Roterdão. Em 1976, a Comissão descobriu que a UBC
teria:

63
Direito Económico

i) obrigado os seus distribuidores-amadurecedores estabelecidos na Alemanha, Dinamarca,


Irlanda, Países Baixos e União Económica Belgo-Luxemburguesa a não vender as bananas
verdes da UBC;

ii) aplicado, nas suas vendas de bananas Chiquita, em relação aos seus parceiros comerciais
(os distribuidores-amadurecedores), preços diferentes para prestações equivalentes, sem
razão objetiva;

iii) aplicado, nas suas vendas de bananas Chiquita, aos seus clientes estabelecidos na
Alemanha, na Dinamarca e nos Países Baixos, preços de venda não equitativos;

iv) cessado, entre 10 de outubro de 1973 e 11 de fevereiro de 1975, os seus fornecimentos de


bananas Chiquita à sociedade Th. Olesen A/S, de Valby, Copenhaga, Dinamarca, na sequência
da participação desta, numa campanha publicitária de uma marca de bananas concorrente.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, processo 27/76, United Brands

1. Que comportamento, sancionado pelas normas do Direito da Concorrência, poderá estar


aqui em causa?

Neste caso, estamos perante uma situação de abuso de posição dominante, nos termos do
artigo 102.º do TFUE e do artigo 11.º da LdC. Proíbem-se práticas unilaterais pelas quais uma
empresa usa do seu poder de mercado para adotar práticas anti concorrenciais que prejudicam a
concorrência.

Requisitos:
1. Tem de se tratar de uma empresa/empresas à requisito verificado
2. Tem de se tratar de uma empresa/empresas com posição dominante em, pelo menos, um
dos mercados relevantes à requisito verificado
3. Essa posição dominante tem de respeitar a uma parte substancial do mercado interno à
requisito verificado
4. A empresa tem de adotar um comportamento abusivo à requisito verificado
5. Se estivermos a falar do Direito Nacional: tem de estar em causa um comportamento que
ocorra em território nacional ou que nele possa ter efeitos
Se estivermos a falar do Direito da União: tem de estar em causa um comportamento
suscetível de afetar o comércio entre estados-membros.

Nota: o Direito da Concorrência não pune as empresas grandes que adquiram posição dominante
por mérito. O que pune são os comportamentos que estas empresas dominantes adotem e que
configurem abusos.

O TFUE não define posição dominante, mas resulta da jurisprudência do TJUE que esta deve
ser entendida como a posição de força económica de uma empresa que lhe permite impedir a
manutenção da concorrência efetiva no mercado relevante, por ter poder de se comportar, em larga
medida, de forma independente dos seus clientes, concorrentes e, em alternativa, consumidores
finais. Este conceito veio a ser flexibilizado, no sentido de admitir que a posição dominante poderá
existir quando a empresa possa, se não determinar influenciar de forma decisiva, as condições de
concorrência no mercado.

Esta noção relembra a noção de poder de mercado. Note-se, no entanto, que a dimensão
absoluta da empresa não releva para este efeito, uma vez que é possível verificar-se a existência de
64
Direito Económico

uma empresa pequena que seja uma empresa dominante, caso o mercado, desde logo, se trate de
um mercado total.

No que respeita ao abuso da posição dominante¸ a posição no mercado assume uma


preponderância enorme, porque quanto mais lato for o mercado, maiores serão as pressões
competitivas a que as empresas estão sujeitas e, portanto, menos provável será a conclusão no
sentido de uma posição dominante.
§ Comportamentos que a Comissão Europeia considerou configurarem abuso de posição
dominante: no artigo 102.º do TFUE e no artigo 11.º da LdC, encontramos uma lista
exemplificativa de comportamentos passíveis de configurarem abusos de posição dominante.
Podemos ter:
o Abusos de exploração – a empresa explora a sua posição em prejuízo dos
consumidores, desde logo.
o Abuso de exclusão – a empresa procura excluir concorrentes e, de certa forma,
impedir a concorrência no mercado.

No caso em questão, tínhamos vários comportamentos que foram escrutinados pela


Comissão, nomeadamente:
1. A UBC recusou que os seus amadurecedores vendessem as bananas verdes a outros para que
fossem esses outros a proceder ao amadurecimento à ao impedir isso, impediu o acesso às
suas banas de outras empresas, restringindo a oferta no mercado. Existiria mais oferta se ela
permitisse aos seus amadurecedores vender as suas bananas ainda verdes – a Comissão
entendeu que estaríamos perante um comportamento passível de subsumir-se ao conceito
de abuso de posição dominante.

2. A UBC recusou fornecimento a um cliente habitual seu à o cliente em questão participou


numa campanha publicitária de um concorrente.

Apesar de o Direito da Concorrência não obstar a uma posição dominante, existe da empresa
em posição dominante uma responsabilidade especial para com clientes, consumidores e
concorrentes – dessa responsabilidade especial resulta que a empresa não possa adotar
sanções abusivas para prosseguir os seus interesses legítimos.

Neste caso, ao recusar a prestação/fornecimento a um cliente habitual, estaria esta empresa


a restringir as condições de concorrência no mercado comum, porque um cliente que antes
tinha acesso a este produto vê esse acesso negado.

3. Prática de preços discriminatórios à em termos simples, um mesmo produto, vendido no


mesmo lugar, sobre as mesmas condições estava a ser objeto de preços diferentes, consoante
o distribuidor em causa.

4. Prática de preços excessivos à O TJUE anulou a decisão da Comissão quanto a esta matéria
– é verdade que os preços excessivos podem configurar um abuso de exploração, desde logo.

Como é que são definidos preços excessivos? São preços em relação aos quais há uma desproporção
drástica entre os custos do produto e o preço a que ele é vendido. Esta desproporção tem de ser
entendida como cautela, porque a Autoridade da Concorrência é uma autoridade que não fixa

65
Direito Económico

preços, o que significa que não podemos legitimar que as autoridades imponham preços, porque isso
seria inimigo da concorrência.
Temos de nos cingir aqui a um conceito que apele a essa desproporção – aquilo que o TJUE
entendeu, no caso concreto, foi que a Comissão não apresentou uma fórmula de cálculo que
permitisse provar que existia essa excessividade. Portanto, a dúvida favoreceu a empresa visada.
2. De acordo com a UBC, as bananas integram, com outros frutos (como as maçãs, as laranjas
ou os morangos), um mesmo mercado do produto relevante – o mercado dos frutos frescos -,
motivo por que a delimitação feita pela Comissão (o mercado das bananas de todas as
variedades) se afigura errada.

2.1. Além do mercado do produto, que outra(s) dimensão(ões) deverão ser considerada(s),
para efeitos da delimitação do mercado relevante?

Quais são as dimensões consideradas quando estamos a definir mercado relevante?


1) Dimensão geográfica
2) Dimensão temporal
3) Dimensão de produto

Em toda a aplicação de normas relativas a práticas restritivas da concorrência, quer as


Autoridades, quer os tribunais serão confrontados, em primeira linha, com a posição no mercado
relevante. O objetivo é nós balizarmos e identificarmos as pressões competitivas a que as empresas
em causa estão sujeitas. Para considerarmos essas pressões competitivas/concorrenciais temos de
considerar, desde logo, a possibilidade de os produtos que vende/serviços que presta serem
substituíveis por outros (substituibilidade do lado da procura).
§ Exemplo: em razão do aumento constante e diminuto dos preços da manteiga, os
consumidores optam por adquirir margarina. Isto seria um indício de que estaríamos perante
produtos substituíveis. Por outro lado, se os consumidores não procederem a essa mudança,
então, em princípio, estaremos perante produtos que não são substituíveis.

Além da substituibilidade do lado da procura, temos de perceber se os concorrentes da


empresa estão preparados e têm os incentivos para poderem aumentar a sua produção
(substituibilidade do lado da oferta).

Para além disto, falamos de outro tipo de pressões a que a empresa pode estar sujeita,
nomeadamente a concorrência potencial. Para aferirmos se uma empresa é concorrente potencial
de outra temos de ter em conta determinadas caraterísticas do mercado:
I. Temos de ver se é um mercado com barreiras à entrada
II. Temos de ver se se verifica a existência de um contexto regulatório que dificulta a entrada
e a saída, etc.

Ou seja, como já vamos ter de tomar em atenção caraterísticas do mercado, em si, a aferição
da concorrência potencial releva num segundo momento, ou seja, não é relevante neste primeiro
momento em que nos interessa as pressões que a empresa sofre efetivamente neste momento. Essas
pressões podem dar-se pela:
A. SUBSTITUIBILIDADE DO LADO DA PROCURA
B. SUBSTITUIBILIDADE DO LADO DA OFERTA

66
Direito Económico

Uma vez que a possibilidade de exercício de poderes de mercado depende da existência ou


não de produtos substituíveis, isto é, produtos suficientemente próximos, quer em termos materiais,
quer em termos geográficos, temos de apelar à dimensão do mercado relevante, sob o prisma do
produto e a definição do mercado geográfico.
Esta matéria vem sobretudo da ciência económica, no entanto, isto não significa que isto não
seja uma tarefa relativamente simples e, muitas das vezes, é uma tarefa de consenso. Neste âmbito,
podemos ser auxiliados tendo por base a prática decisória da Comissão Europeia e das Autoridades
Nacionais.
§ Exemplo: numa determinada operação de concentração em que as partes têm que definir o
mercado relevante, aquilo que elas fazem é realizar uma pesquisa pela prática decisória das
Autoridades e conseguir perceber, num caso que envolvia os mesmos mercados, qual foi a
segmentação que a Autoridade fez. Se segmentou, por exemplo, os licores face a outras
bebidas, se segmentou vinhos tranquilos face a outro tipo de vinhos, etc., ou se os considerou
a todos como pertencentes do mesmo mercado.

Os princípios e os métodos de definição de mercado encontram-se numa Comunicação de 1997.

Como entender mercado de produto relevante e mercado geográfico?


1) MERCADO DE PRODUTO RELEVANTE – deve ser determinado atendendo às caraterísticas dos
produtos em causa, em virtude das quais estes produtos são particularmente aptos a
satisfazer necessidades constantes e são substituíveis com outros produtos que integram esse
mercado.
2) MERCADO GEOGRÁFICO – corresponde a uma zona geográfica definida, a qual o produto é
comercializado e onde as condições da concorrência são suficientemente homogéneas para
que se possa aferir do exercício do poder económico pela empresa.

Além dessas duas dimensões, é ainda possível considerar uma DIMENSÃO TEMPORAL, por
referência, por exemplo, a produtos agrícolas sazonais ou a setores de atividade que tenham picos,
nomeadamente o setor do turismo. Além do mais, o fator temporal pode ainda ser relevante para se
aferir a estabilidade das quotas de uma determinada empresa, ou seja, a questão de saber se uma
empresa que tem hoje uma quota de 80%, teve esta quota ao longo de um tempo significativo ou se
isto resulta de uma situação circunstancial, que pode vir a ser alterada.

A empresa em questão queria que o mercado relevante fosse o mercado dos produtos
frescos, ou seja, um mercado que abrangesse não só a banana, mas outros produtos, como por
exemplo, os morangos, as maças, as laranjas, etc. A Comissão discordou.

A questão será: qual será o mercado de produto relevante?


§ Os consumidores encontram as frutas todas num mesmo sítio a preços semelhantes, para
além de que as frutas satisfazem todas o mesmo interesse à argumento da recorrente.

§ Segundo a Comissão e o TJUE, a banana tem caraterísticas particulares que a tornam mais
apetecíveis para determinados segmentos da população nomeadamente para os idosos e
para as crianças. Para além disso, a Comissão considerou que, contrariamente aos outros
produtos, a banana era objeto de amadurecimento e comercialização ao longo de todo o ano,

67
Direito Económico

o que também obstava a que se tivesse de pensar na substituibilidade com outros produtos
que eventualmente teríamos de pensar caso não existisse banana durante todo o ano.
o A única substituibilidade que poderíamos analisar seria com outros frutos, também,
existentes durante todo o ano, tais como a maçã e a laranja.
§ Quanto à laranja – não há substituibilidade;
§ Quanto à maçã – provou-se uma substituibilidade parcial.

Quanto ao mercado geográfico:

O mercado foi delimitado como mercado de comercialização de bananas, com marca e sem
marca. A Comissão delimitou aqui o mercado geográfico, deixando de fora o Reino Unido, a Itália e
a França, por entender que inexistindo à data uma organização comum do mercado das bananas,
persistiam ainda condições de importação e comercialização diferentes.

A Comissão Europeia entendeu que, naqueles seis, as condições eram suficientemente


homogéneas para os considerarmos como integrantes de um mesmo mercado geográfico, mesmo
que eventualmente existissem pequenas diferentes, ao nível dos transportes, etc. Nos três países
excecionados as condições já não eram homogéneas, ou seja, a empresa já não poderia exercer a sua
posição dominante da mesma forma como exerceria nos outros seis Estados.

2.2. Através da Decisão 98/273/CE, foi a sociedade Volkswagen AG (juntamente com as suas
filiais Audi AG e Autogerma SpA), sancionada por ter concluído com os concessionários
italianos da sua rede de distribuição, acordos com o objetivo de proibir ou de limitar todas as
vendas a consumidores finais originários de outros Estados-membros, quer pessoalmente
presentes, quer representados por intermediário mandatado, bem como a outros
concessionários da rede de um outro Estado-membro. Em sede de recurso perante o Tribunal
de Primeira Instância, a Volkswagen argumenta que a Comissão errou, ao não proceder a uma
delimitação do mercado relevante, pedindo ao Tribunal que se digne anular a referida Decisão.
No seu acórdão, no processo T-62/98, o Tribunal julgou o fundamento improcedente,
alegando que «Para determinar o alcance da obrigação da Comissão de definir o mercado
pertinente antes de declarar uma infracção às regras comunitárias da concorrência, importa
recordar que a delimitação do mercado não tem a mesma função consoante se trate de aplicar
o artigo 85.° [101.º] do Tratado ou o artigo 86.° [102.º] do Tratado CE» (cf. §230 com realce
nosso). Explique a afirmação do TJ.

Restrição vertical à no Direito da União Europeia, há uma preocupação muito grande para com
restrições que possibilitem reerguer barreiras que a ideia de mercado interno visou eliminar. Se a
empresa produtora do bem proíbe os seus funcionários do Estado A de venderem aos clientes do
Estado B, isto está a reerguer barreiras geográficas e a repartir mercados.

Apesar de a definição de mercado ser um passo relevante na aplicação das regras da


concorrência, a verdade é que não tem o mesmo alcance relativamente aos vários mercados. Isto
tornou-se bastante explícito quando falamos da distinção entre as restrições por efeito e por objeto.
Quanto aos acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas, apenas será
necessário proceder a uma delimitação precisa do mercado relevante perante restrições por efeito.
Quanto às restrições objeto, como não tem de se provar os efeitos no mercado, a delimitação do
mercado relevante não é um passo obrigatório no entendimento do TJUE, daí que a Comissão e as
Autoridades fiquem dispensadas dessa delimitação prévia.

68
Direito Económico

A definição do mercado relevante é obrigatória, quer no controlo de operações de


concentração, quer nos casos de abuso de posição dominante. Assim sendo, a abordagem será,
necessariamente, diferente:
a) No abuso de posição dominante à estamos a falar de comportamentos que já ocorreram e
que estão a ocorrer
b) No controlo de operações de concentração à a Autoridade, nestes casos, faz um controlo
ex ante, ou seja, relativamente às condições da concorrência que existirão caso a concreta
operação seja autorizada.

Portanto, mesmo nos casos em que a definição e mercado é obrigatória, é necessário


distinguir consoante os casos em questão. Mesmo nas situações de abuso, teremos ainda de
distinguir consoante os comportamentos em causa.

Se a empresa dominante consegue adotar um comportamento de exploração, é porque os


consumidores não têm alternativa, caso contrário optariam por outras empresas. Por isso, a
definição de mercado acaba por ser muito mais estrita. A própria possibilidade de explorar essa
posição dominante, em prejuízo dos consumidores, é indiciadora de ausência de pressões
competitivas.
§ Já no caso de abuso de exclusão vai ter de ser adotada uma abordagem muito mais ampla.

Aula de 02/12

Ficha de trabalho n.º 8

I. Em 2001, cinco operadores - nomeadamente, A (10,6%), a B (42,1%), C (9,7%), D (26,1%) e


E - dispunham, nos Países Baixos, de uma rede própria de telefonia móvel. O acesso ao
mercado das telecomunicações móveis só era possível através da celebração de um acordo
com um ou vários dos cinco operadores. Os serviços de telecomunicações móveis são
oferecidos sob a forma de pacotes pré-pagos (em que o cliente paga antecipadamente o preço
das comunicações) ou assinaturas com pós-pagamento (nas quais os minutos de comunicação
de um determinado período são faturados ao cliente a posteriori). Em 13 de junho de 2001,
teve lugar uma reunião entre os representantes dos operadores que prestam serviços de
telecomunicações móveis no mercado neerlandês, durante a qual se falou, entre outras coisas,
na redução das remunerações standard dos revendedores relativas às assinaturas com
pós-pagamento a partir de 1 de setembro de 2001. Atento o objeto da reunião realizada em
junho de 2001, será o comportamento das empresas abrangido pelo âmbito de aplicação do
Direito da Concorrência?
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, de 04.06.2009, T-Mobile Netherlands BV, KPN Mobile NV,
Orange Nederland NV y Vodafone Libertel NV contra Raad van bestuur van de Nederlandse
Mededingingsautoriteit, ECLI:EU:C:2009:343

O artigo 101.º do TFUE corresponde aos artigos 9.º e 10.º da LdC. A nossa Lei da
Concorrência autonomiza num artigo a justificação dos acordos que encontramos no artigo 101.º,
n.º 3 do TFUE. O artigo 101.º do TFUE, bem como os artigos 9.º e 10.º da LdC proíbem
comportamentos que restringem a concorrência à estes comportamentos podem
envolver empresas ativas no mercado relevante (empresas concorrentes – caso em que estamos
perante uma situação de uma prática horizontal) ou empresas ativas em diferentes níveis da mesma
cadeia de valor (caso em que estamos perante uma situação de uma prática vertical).

69
Direito Económico

Qual é a ideia genérica que subjaz à proibição destes artigos? É a de que cada agente económico
deve determinar, livremente e de forma autónoma, o seu comportamento no mercado. O Direito da
Concorrência visa evitar/impedir que as empresas coordenem a respetiva conduta comercial à isto
à luz da ideia de que cada agente económico deve ser livre e independente ao determinar essa
mesma conduta.

Porque todos os contratos implicam uma restrição da liberdade das partes, temos de distinguir a
restrição da liberdade das empresas daquilo que é uma restrição da concorrência. É por isso que
o artigo 101.º do TFUE e artigo 9.º da LdC elencam um conjunto de condições que têm de se verificar
para que estejamos perante uma restrição da concorrência/ilícito jus concorrencial.

Requisitos:

A. Tem de se tratar de uma empresa.

Empresa – trata-se de um conceito funcional, que pode ser definido por apelo à definição de
atividade económica. No nosso caso, temos empresas ativas no mercado da telefonia móvel.
Estes dois artigos (artigos 101.º do TFUE e 9.º da LdC) distinguem três realidades diferentes:
I. Decisões de Associações de Empresas – podemos excluir logo do nosso caso prático. Estas
decisões são, na verdade, atos formalmente unilaterais – traduzem a vontade institucional da
associação, vontade essa que acaba por ser a expressão do entendimento dos seus membros.
Em termos formais, trata-se de um ato unilateral. Então, não é idóneo a caracterizar o nosso
caso prático.
II. Acordos
III. Práticas concertadas

Estes dois últimos, apesar de corresponderem a categorias distintas, estamos perante formas
de conluio, que do ponto de vista subjetivo revestem a mesma natureza à distinguem-se
pela intensidade e pelas formas como se manifestam.

Sendo ambas formas de conluio, os critérios que se adotam para definir/analisar uma prática
como restritiva da concorrência não vão mudar perante a circunstância de estarmos perante
um acordo ou uma prática.

Então, um acordo traduz sempre uma concordância de vontades entre pelo menos duas
empresas. De forma expressa ou menos expressa, conseguimos encontrar um acordo/conjugação
de vontades. No caso das práticas concertadas, estamos perante uma forma de coordenação entre
empresas que, não tendo a intensidade necessária para configurar um acordo, substitui
conscientemente/cientemente os riscos da concorrência inerentes à determinação autónoma do
comportamento concorrencial por uma cooperação prática com objeto ou efeito anti concorrencial.

Prática concertada – três elementos:

1) Elementos subjetivo – diz respeito à existência de uma concertação entre duas ou mais
empresas.
2) Elemento objetivo – equivalente ou uma conduta ou comportamento no mercado que seja
subsequente a esta concertação.
3) Nexo de causalidade entre a concertação e a conduta – daí a ideia de prática concertada.
70
Direito Económico

No nosso caso, estávamos perante uma troca de informações entre empresas concorrentes
à plano horizontal. Quando falamos disto, a ideia base que devemos reter: no Direito da
Concorrência pressupõe-se que todo o agente deve determinar de forma livre, independente e
autónoma a sua conduta no mercado.
Isto impede que as empresas se adaptem, inteligentemente, ao comportamento esperado do
mercado? Não, mas opõe-se ao estabelecimento de qualquer forma de contacto, direto ou indireto,
que possa quer influenciar a sua atuação no mercado, quer permitir a essa empresa
descobrir/conhecer o comportamento esperado/planeado de um concorrente seu no mercado. Isto
em termos que resultem no impedimento/restrição da concorrência. Em termos que gerem isto, terá
de ser avaliado tendo em conta as informações trocadas, a estrutura do mercado em causa, o
contexto jurídico-económico, etc.

Estamos perante uma restrição por objeto ou por efeito?

i. Estas duas são condições alternativas.


a) Especificidade da diferenciação – nas restrições por objeto temos as formas de
conluio que revestem uma nocividade intrínseca tal que dispensam à Autoridade
provar estes seus efeitos.

Do próprio acordo há um perigo para a concorrência.

b) Torna-se ainda muito mais difícil à empresa sustentar que o seu acordo cai na
justificação do artigo 101.º, n.º 3 do TFUE ou dos artigos 9.º e 10.º da LdC.

c) O artigo 101.º do TFUE exige que a restrição da concorrência, para cair na proibição,
seja uma restrição sensível (escapatória das empresas relativa ao princípio de
minimis à que comportamentos não são considerados restrições sensíveis).
Então, presume-se que uma restrição por objeto representa uma restrição sensível.

O TJUE teve de avaliar se este intercâmbio seria restritivo da concorrência e se o seria por
objeto ou por efeito. Primeiro, se era um intercâmbio de informações entre empresas concorrentes
num mercado oligopolistíco, concentrado. O TJUE disse que, neste tipo de mercados, a troca de
informações entre empresas concorrentes é suscetível de lhes permitir conhecer as posições no
mercado e a estratégia comercial dos seus concorrentes. E, em consequência, é suscetível de alterar
sensivelmente a concorrência que existe entre os respetivos operadores.

Recordando as duas ideias chave: o TJUE disse que este intercâmbio era suscetível de atenuar, ou
até mesmo eliminar, a incerteza estratégica, quanto ao funcionamento do mercado em causa.

Nota: não é só a fixação de preços ao consumidor final, pode estar em causa qualquer parâmetro
que influa nesses preços.
Mas será que a circunstância de no caso não estarmos perante uma restrição não relativa ao preço
final dos consumidores não poderá influenciar uma restrição por objeto? O artigo 101.º, alínea a)
do TFUE e o artigo 9.º da LdC não falam apenas dos preços finais ao consumidor.

Apesar de pensarmos num cartel e nos preços, podem estar em causa outras coisas: limites mínimos
e máximos dentro dos quais as empresas podem praticar os preços, não aplicação de descontos ao
71
Direito Económico

consumidor final, quaisquer fatores que possam influenciar no preço, etc. Então, o TJUE entendeu
que não é pela circunstância de não estarmos estritamente perante um intercambio em relação aos
preços que vão ser praticados que isso permite afasta ruma eventual restrição do objeto. Para além
do mais, quanto menor a remuneração mais alta terá de ser o preço à a fixação de preços.

O TJUE disse que apesar de caber ao Tribunal Nacional averiguar a natureza destas informações
privadas, ele entendeu que uma troca de informações que é suscetível de eliminar as incertezas
quanto:
i. À data
ii. À extensão
iii. Às modalidades de adaptação a realizar pela empresa, terá um objeto anti concorrencial
mesmo quando não está em causa a fixação dos preços, mas sim a redução das comissões a
pagar aos revendedores. Então, estávamos perante uma restrição por objeto.

Nos termos da jurisprudência do TJUE, há uma presunção ilidível (presunção relativa, passível de
prova em contrário) de que as empresas que participaram numa concertação e que continuam ativas
no mercado relevante atenderam às informações trocadas ou obtidas dos seus concorrentes para
determinar o seu comportamento no mercado. Portanto, basta à Autoridade provar a concertação
e que as empresas permanecem ativas no mercado. Permanecendo no mercado, presume-se que
as empresas que tiveram conhecimento das informações tiveram em conta essas informações ao
determinar a sua conduta no mercado.

Mas será que se pode aplicar esta presunção mesmo quando estamos perante um único
contacto? O TJUE disse que sim. Um único contacto pode, dependendo da concertação em causa,
dependendo do mercado em causa e dos produtos em questão, bastar para que as empresas
coordenem a sua ação quanto a uma determinada linha de atuação no mercado. O que importa não
é tanto o número de reuniões ou de contactos – quanto à questão de saber se os contactos que
tiveram lugar deram às empresas a possibilidade de tomar em consideração as informações que
receberam/trocaram com os seus concorrentes. Houve lugar à questão de saber se houve lugar à
remoção da incerteza estratégica do mercado.

Resumindo os conceitos chave:

A. CONCEITO DE PRÁTICA CONCERTADA RESTRITIVA POR OBJETO – prática que devido ao seu
teor e à sua finalidade, bem como ao contexto jurídico económico em que se insere se releva
concretamente apta a restringir, impedir ou falsear a concorrência no mercado. Estando
perante uma restrição por objeto basta esta aptidão para tal.
B. A TROCA DE INFORMAÇÕES POR CONCORRENTES será uma INFRAÇÃO POR OBJETO quando
permita eliminar a incerteza estratégica perante as empresas no mercado.
C. A PRESUNÇÃO ILIDÍVEL de que as empresas que participam numa concertação adotam
também uma conduta subsequente no mercado tendo em conta essa concertação aplica-se
também quando haja lugar a um e apenas um contacto entre as empresas participantes.
D. Normalmente, os INTERCÂMBIOS DE INFORMAÇÃO SÃO CONSIDERADOS PARTE
INTEGRANTE DE UM CARTEL. Este acordo considerou os intercâmbios como infrações per si.
Isto é relevante para conseguirmos concluir e compreender que desta ideia resulta a
proibição de quaisquer contactos diretos ou indiretos das empresas.

72
Direito Económico

II. Entre 30 de abril de 1993 e, pelo menos, 7 de fevereiro de 2000, a Christie’s International
plc e a Sotheby’s Holdings, Inc. - os dois principais concorrentes a nível mundial da venda com
comissão em leilão de obras de arte, antiguidades, mobiliário, peças de coleção e recordações
– acordaram em limitar as suas ações de marketing e publicidade, comprometendo-se a não
reivindicar a liderança no mercado da arte ou num dos segmentos e, bem assim, a evitar, na
sua atividade publicitária, quaisquer referências a quotas de mercado ou outras alusões ao
seu papel de líder no mercado. As empresas consideram que o acordo é legítimo, porquanto
visa evitar a prestação de falsas informações ao mercado e aos clientes. Quid iuris?
Cf. Decisão da Comissão, COMP/E-2/37.784 — Casas de leilões de obras de arte

Estamos perante um comportamento que se subsume ao artigo 101.º, n.º 1, alínea b) do


TFUE. Existem várias realidades diferentes que se subsumem à ideia de limitação da produção, do
investimento, etc. Via de regra, a limitação da produção anda a par com a limitação de preços. Num
mercado concorrencial, o preço é estabelecido função da oferta e da procura à as empresas
acordam a restringir a produção para que isso comporte um aumento dos preços.

O artigo 101.º, n.º 1, alínea b) do TFUE é importante, nomeadamente no que toca às


orientações da comissão sobre acordos de cooperação horizontal e os RICs. Temos vários RICs nesta
matéria – podem gerar eficiências.

1) Na prática, como o regulamento elenca as condições pela quais uma determina prática
isenta de escrutínio jurisprudencial, basta que se verifiquem as condições para que fiquem
dispensados de considerar as quatro condições do artigo 101.º do TFUE, pois estas
dependem de contexto jurídico-económico.
Se estivermos dentro do RIC, não temos de analisar se estamos dentro do artigo 101.º do
TFUE, pois estamos automaticamente fora.

Realidades que podem entrar no artigo 101.º, alínea b) do TFUE:

A. ACORDO PELO QUAL SE FIXEM QUOTAS DE PRODUÇÃO OU VENDA – a empresa A e B


decidem acordar entre si a produção/venda do máximo de x unidades.
I. Acordo pelo qual empresas concordem encerrar instalações/fábricas
II. Acordo em que qualquer abertura de novas instalações estará sujeita à aprovação das
demais
B. EMPRESAS ACORDAM EM REORIENTAR A UTILIZAÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS POR UM
DETERMINADO MERCADO EM DETRIMENTO DE OUTRO.
I. Limitações/restrições do investimento comercial
i. Acordos pelos quais as empresas limitem a sua publicidade ou outras
atividades de marketing – este é precisamente o nosso caso.
ii. Temos duas empresas que eram líderes mundiais no mercado da arte – que se
comprometeram a não fazer declarações sobre a sua condição de líder e a não
fazer alusões à sua quota de mercado.

Então, a Comissão entendeu que estávamos perante um mercado em que a publicidade era
muito relevante, pois era à luz da imagem e da reputação da empresa que o consumidor assentava
as suas escolhas. Portanto, se elas restringissem a sua atividade publicitária, estariam a restringir um
principal parâmetro competitivo pelos quais concorrem – não é só com base no preço que as
empresas concorrem; também é com base noutros fatores que permitem ao cliente uma escolha
73
Direito Económico

melhor e mais informada. Este tipo de comportamentos também se subsume à alínea b) do artigo
101.º do TFUE.

Nota: além destas hipóteses, temos ainda:


a) ACORDOS DE ESPECIALIZAÇÃO – acordos pelos quais uma determinada empresa – está
definido nas orientações – acorda com outra em cessar a produção de um determinado bem,
adquirindo à outra esse mesmo bem, permitindo a essa outra especializar-se – isto pode ser
feito de forma recíproca ou pode ser unilateral.
b) ACORDOS DE COMERCIALIZAÇÃO CONJUNTA
c) ACORDOS DE NORMALIZAÇÃO – acordos pelos quais elas estabelecem determinados
parâmetros ou normas que terão de observar na produção de um determinado bem ou na
prestação de determinado serviço.

Neste caso, isto era apenas parte de um todo à as empresas em causa tinham de fixar preços,
coordenar a sua forma de atuação, etc. A questão da publicidade foi considerada um plus.

III. A 20 de julho de 2007, a Comissão enviou uma comunicação de acusações a várias


empresas com atividade na comercialização de bananas, entre as quais a Del Monte e a
Weichert, considerando que as mesmas haviam violado a disposição do artigo 101.º do TFUE,
ao participarem numa prática concertada que consistiu na coordenação dos preços de
referência das bananas. Em particular, as empresas em causa mantiveram comunicações
bilaterais de pré-fixação nas quais discutiram fatores relevantes para a fixação semanal dos
preços de referência, debateram ou revelaram as tendências seguidas pelos preços ou deram
indicações sobre os preços de referência para as semanas seguintes. Perante a Comissão, as
empresas alegaram que, ainda que se considerasse o seu comportamento abrangido pelo
referido normativo, deveria aplicar-se o disposto no n.º 3 do mesmo, na medida em que a
troca de informações se afiguraria necessária num mercado caracterizado pela rigidez da
oferta de bens altamente perecíveis, de modo a assegurar o respetivo escoamento, não tendo,
além do mais, ido além do estritamente necessário, e tendo, com isso, promovido a eficiência
e o bem-estar do consumidor. Aprecie, fundamentadamente, o mérito do argumento das
recorrentes.
Cf. Decisão da Comissão, COMP/39188, C(2008) 5955 final (em particular, §§341 e).

Estamos, novamente, perante um intercâmbio de informações entre empresas concorrentes.


A principal preocupação em sede de intercâmbio de informações é a eliminação da incerteza
estratégica associada a tais mercados.

As informações trocadas foram suscetíveis de reduzir ou de eliminar a incerteza estratégica?


§ Para sabermos isso, temos de considerar o contexto em que a informação foi trocada e a
própria estrutura do mercado. Sabemos, também, que a troca de informações pode
configurar ou parte integrante de um cartel mais vasto ou um ilícito jus concorrencial em si
mesmo a considerar-se. Em todo o caso, temos de analisar o contexto em que a prática ocorre
e a estrutura do mercado.

A comissão ajuda-nos, no entanto, distinguindo três cenários:


1) Troca de informações lícitas – pode, até, ter efeitos benéficos para a concorrência
2) Troca de informações ilícitas por objeto

74
Direito Económico

3) Troca de informações ilícitas por efeito

Nessas orientações, a Comissão diz-nos que quando há lugar à troca de informações


individualizadas acerca das intenções de uma empresa, quanto ao seu comportamento futuro no
mercado, estaremos perante um comportamento configurável como restrição por objeto.
a) Informações individualizadas
b) Relativas a intenções futuras, quanto ao comportamento adotado no mercado

Isto era o que acontecia no nosso caso à estavam em causa comunicações bilaterais, através das
quais as empresas em questão pré-fixavam os seus preços futuros. Elas comunicavam entre si sobre
um parâmetro competitivo que iriam, a posteriori, pôr em prática no mercado – portanto, neste caso,
a Comissão qualificou o ilícito como uma restrição por objeto.

Qual é a particularidade do caso em questão?


§ As empresas, em resposta à comunicação de objeções da Comissão, avançaram um conjunto
de argumentos pelos quais visavam beneficiar da justificação do artigo 101.º, n.º 3 do TFUE
ou do nosso artigo 10.º da LdC.

Vigora um princípio do contraditório, ou seja, as empresas não são logo condenadas. Aquilo
que acontece é que há uma investigação e a Comissão põe “cá fora” a comunicação de objeções. Em
resposta a este documento, as empresas podem avançar com a defesa e só depois de terem tido a
oportunidade de avançar com a defesa é que há lugar a uma decisão condenatória.

Assim, estas empresas vieram então alegar que estaríamos perante um mercado de produto
altamente perecível e que, portanto, essas trocas de informação eram necessárias para assegurar a
eficiência das transações e, em última linha, para garantir o bem-estar do consumidor. A Comissão
entendeu que nenhum destes argumentos permitia preencher os quatro requisitos do artigo 101.º,
n.º 3 do TFUE.

Artigo 101.º, n.º 3 do TFUE


3. As disposições no n.º 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:
- a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas,
- a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e
- a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas,
que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou
económico (1), contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante (2), e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses
objetivos (3).
b) Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos
produtos em causa (4).

A Comissão entendeu que, estes quatro pressupostos são cumulativos, ou seja, basta a não
verificação de um para que não possa o acordo/prática beneficiar da justificação. Através destes
acordos/práticas, as empresas coordenaram os seus preços. Ora, é muito difícil (nem se consegue)
uma fixação de preços resultar em benefício para o consumidor final ou maximizar o bem-estar do
consumidor. Além do mais, as empresas não demonstraram que deste seu comportamento
resultassem quaisquer benefícios tendentes a compensar, de certa forma, o consumidor, pelas
desvantagens associadas (restrição da concorrência) à ao passo que a prova da infração cabe às

75
Direito Económico

Autoridades competentes, a prova do preenchimento do artigo 101.º, n.º 3 do TFUE cabe às


empresas.

Como as empresas não tinham provado benefícios que revertessem a favor do consumidor,
não poderiam beneficiar da isenção. Além do mais, dizia a Comissão que tinha havido efetivamente
uma eliminação da concorrência no Norte da Europa.

Apesar de não ser impossível justificar uma restrição por objeto, tal como acontecia no caso
em estudo, ao abrigo do artigo 101.º, n.º 3 do TFUE, a verdade é que é extremamente difícil fazê-
lo. Desde logo, porque os benefícios que têm de resultar da prática não são benéficos que resultam
para os cartelistas, mas sim benefícios que têm de ser objetivos para os processos produtivos ou para
o desenvolvimento técnico e que têm, em parte, de se repercutir para o consumidor. Tem de ser
provado sob a forma de preços mais baixos ou de produtos mais inovadores.

IV. A UAB «Eturas» é a titular dos direitos exclusivos e a administradora do sistema de reservas
de viagens em linha E-TURAS. Este sistema, controlado por um administrador único, pode ser
integrado nos sítios web das diferentes agências de viagens que tenham adquirido uma licença
junto da UAB «Eturas». Em inícios de agosto de 2009, o diretor da UAB enviou uma mensagem
de correio eletrónico a várias agências de viagens, pedindo-lhes que votassem uma redução
geral das taxas de desconto entre 4% e 1%-3%. Em 27 de agosto de 2009, às 12h20, foi
introduzida uma restrição técnica no sistema E-TURAS, que limitava a 3% o desconto
disponível para as reservas em linha, sendo que, minutos antes, aparecera uma notificação no
campo «Avisos» do sistema (acessível a todas as agências), com o seguinte teor: «Após
avaliação das declarações, propostas e desejos expressos pelas agências de viagens,
permitiremos descontos em linha dentro do intervalo de 0% a 3%, à escolha de cada uma. No
caso das agências de viagens que tenham oferecido descontos superiores a 3%, estes serão
automaticamente reduzidos para 3% ». Por decisão de 7 de junho de 2012, autoridade
nacional da concorrência da Lituânia declarou que 30 agências de viagens e a UAB «Eturas»
participaram, entre 27 de agosto de 2009 e o final de março de 2010, numa prática
anticoncorrencial relativamente aos descontos aplicáveis às reservas através do sistema
E-TURAS. Considere os seguintes argumentos das partes:

i) As agências de viagens afirmam que a sua intenção de reduzir os descontos não foi
demonstrada e que a restrição técnica foi um ato unilateral da UAB «Eturas». Algumas
sustentam, inclusive, não ter lido a notificação do sistema, explicando que o utilizam pela sua
conveniência para as vendas em linha, devido à ausência de quaisquer sistemas alternativos
no mercado e ao custo do desenvolvimento de sistemas em linha próprios. Além do mais,
atenta a possibilidade de aplicar descontos de fidelidade adicionais a clientes individuais, o
nível de descontos não estaria nunca restringido.

ii) A autoridade da concorrência considera que o sistema E-TURAS servia de ferramenta às


recorrentes para coordenarem as suas ações e eliminava a necessidade de reuniões, dado que
as condições de utilização do sistema permitiam a todas as recorrentes alcançar uma
«convergência de vontades» quanto às restrições de descontos sem que tivessem que haver
contactos diretos entre si, e sem que, na ausência de oposição, se pudesse falar num qualquer
afastamento face à coordenação. Além do mais, as recorrentes estavam obrigadas a ser
prudentes e responsáveis e não podiam ignorar ou abster-se de ter em conta os avisos
relativos às práticas utilizadas nas suas atividades económicas.

76
Direito Económico

Em face do exposto, poderão as empresas ser condenadas pela participação numa prática
concertada da concorrência?
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, de 21.01.2016, "Eturas" UAB e o. contra Lietuvos
Respublikos konkurencijos taryba, ECLI:EU:C:2016:42

Neste caso, temos um operador do sistema (E-TURAS) que, de certa forma, vai orquestrar
uma coordenação, porque vai organizar uma coordenação das agências de viagens ao nível
horizontal relativo aos descontos que aplicarão. Não é só a fixação de preços to court, mas também
a fixação de uma qualquer condição da transação que se possa refletir no preço final, tal como é o
caso dos descontos aplicados.

O E-TURAS, que não está ativo no mercado horizontal, emitiu uma primeira mensagem em
que convidava as empresas a pronunciar-se sobre as taxas de desconto que iriam ser aplicadas e,
mais tarde, introduziu uma limitação técnica.

Será que basta o mero envio de uma mensagem por um operador de um sistema utilizada por
várias empresas concorrentes para fazer prova da participação de todas numa prática concertada?
§ Esta prática é restritiva da concorrência, uma vez que está a fixar um dos parâmetros em que
as empresas concorrem, que é o nível de descontos que concedem ao consumidor final.
o Uma prática concertada pressupõe concertação.

No Direito da Concorrência, pressupõe-se autonomia e independência na atuação no


mercado. Se essa autonomia e independência não se opõe a uma adaptação inteligente ao
comportamento expectável de concorrentes, opõe-se a qualquer estabelecimento de contactos,
diretos ou indiretos, que possa permitir à empresa antecipar os planos dos seus concorrentes ou dar
a entender os seus próprios planos de atuação no mercado.

Formas passivas de participação, como, por exemplo, a simples participação numa reunião
sem que se procure ativamente celebrar o que quer que seja com um concorrente, são também
suscetíveis de fazer incorrer a empresa como responsável numa prática concertada, a não ser que
ela se afaste expressamente ou que expressamente manifeste a sua oposição ou repúdio face àquilo
que está a ser discutido.
§ O TJUE veio considerar que apesar de o Regulamento 1/2003 determinar que a prova da
infração cabe às autoridades da concorrência, ele não densifica o nível de prova exigido. Aqui,
o que nós tínhamos era uma questão relativa ao nível de prova exigida.

Discutia-se que intensidade de prova se exige à o TJUE diz que não sendo esta uma matéria
regulada pelo Direito da União, cabe aos Estados-membros regular esta matéria, tendo por base o
princípio da autonomia processual. Este princípio encontra-se limitado por dois princípios:
a) PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA – as modalidades processuais destinadas a assegurar a
efetivação do Direito da União não podem ser diferentes daquelas que, na ordem interna, se
destinem a assegurar a satisfação de direitos similares no Direito Nacional.
b) PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE – não podem essas modalidades processuais ser construídas de
tal forma que, na prática, impeçam o exercício do direito.

77
Direito Económico

Tendo em conta esses princípios, aqui a questão era a de saber se o simples envio de uma mensagem
permite fazer prova do conhecimento pela empresa da prática em causa?
§ O TJUE diz que a existência de uma prática concertada ou de um acordo anti concorrencial
pode ser inferida de um determinado número de coincidências. Portanto, até mais do que a
prova direta, nestes processos predomina a prova indiciária, em que as Autoridades aludem
e verificam a existência de indícios suficientemente concordantes que, quando conjugados,
permitem efetivamente verificar uma prática restritiva.

Conclusão: apesar de o princípio da presunção da inocência ser um princípio geral do Direito da


União (artigo 48.º da CDF), o mesmo princípio não se opõe a que a autoridade competente possa,
do envio de uma simples mensagem pelo operador deste sistema, e à luz de outros indícios objetivos
e concordantes, presumir que as agências de viagens tomaram conhecimento do conteúdo da
mensagem, desde que, claro está, a presunção seja relativa.

Como é que as empresas, por exemplo, poderiam ilidir a presunção? Demonstrando que não
tomaram conhecimento. O primeiro momento de uma prática concertada (concertação) pode ficar
provado por presunção de conhecimentos decorrentes deste simples envio da mensagem, com base,
também, noutros indícios concordantes.

Sobre os demais elementos da prática concertada:


a) Comportamento
b) Nexo de causalidade

Já sabemos que se aplicam as presunções. Permanecendo ativas no mercado, tomaram em conta


essa informação. Neste caso, as empresas poderiam dizer que praticaram sistematicamente
descontos superiores e que, portanto, não teriam alegadamente tido em conta essa mesma
informação.

V. Por requerimento apresentado, nos termos e para os efeitos do regime de dispensa ou


atenuação especial de coima, previsto no artigo 75.º e ss. da LdC, por A, Diretor Geral da
Eurest, este comunicou à AdC que um conjunto de empresas ativas no mercado das refeições
e serviços de gestão e exploração de espaços de restauração coletiva (cantinas, refeitórios e
restaurantes) e pessoas singulares, haviam acordado entre si a fixação de preços e quotas de
mercado no mercado da prestação de serviços de fornecimento de refeições, nos setores
hospitalar, escolar, prisional, indústria e serviços. Em particular, as empresas em causa
procediam à fixação dos preços que apresentariam em concursos públicos ou em convites à
contratação dos serviços emapreço, visando, por esta via garantir a manutenção dos
respetivos clientes, através de um direito de preferência na contratação das empresas
incumbentes em relação às suas concorrentes. Além do mais, resultava do acordo a atribuição
a cada participante no esquema de uma compensação, no caso de uma prestação de serviços
não lhe ser adjudicada, bem como a possibilidade de as empresas, se insatisfeitas com as
condições de preço propostas pelo cliente, provocarem a abertura de novo concurso, no qual
as suas concorrentes colaborariam com a apresentação de propostas de preços mais altos.
Cf. Decisão da AdC, no PRC/2007/2

1. Enquadre, normativamente, os comportamentos das empresas em questão.

As várias empresas envolvidas na restauração coletiva, em Portugal, acordaram entre si as


propostas que iriam apresentar em concurso. As principais adquirentes destes serviços são

78
Direito Económico

organismos públicos, nomeadamente escolas, hospitais, etc., que, quando querem adquirir um bem
ou pretendem obter o fornecimento de um serviço realizam um concurso público, onde são
apresentadas várias empresas a concurso.

Que restrições da concorrência é que temos associadas aos concursos públicos?


§ A manipulação ou a rotatividade de ofertas – aparentemente temos vários concorrentes a
candidatar-se, no entanto, na verdade, o candidato já está escolhido a priori, porque já se
determinou que o candidato em questão iria apresentar, por exemplo, um preço de 20€ e
que todos os demais vão apresentar preços superiores.

Verifica-se, então, apenas a aparência da existência de um concurso, apesar de esse concurso não
existir, verdadeiramente.

Para além disso, o preço apresentado pelo concorrente escolhido foi, na verdade, um preço
inflacionado, uma vez que já inclui uma compensação que vai ser atribuída aos concorrentes que
ficaram de fora.

à Existe também a hipótese de concursos em que os demais concorrentes não vão.

Aula de 09/12

FICHA DE TRABALHO N.º 9


I. A Metro explora uma empresa de comércio por grosso, contando com cerca de trinta
estabelecimentos, na Alemanha, e em outros Estados-Membros. A sua forma de distribuição
consiste em abastecer-se por grosso junto dos produtores, relativamente a uma larga gama
de produtos, com o objetivo de os revender, quer a retalhistas (para posterior revenda ao
consumidor final), quer a empresários comerciais, artesanais ou industriais (que os pretendam
utilizar nos seus estabelecimentos, para fins profissionais). A Metro distribui estes produtos
através de um sistema «cash and carry», nos termos do qual os compradores se abastecem
nos locais de venda das mercadorias armazenadas.
A Metro solicitou à Saba - empresa ativa na comercialização de aparelhos eletrónicos de
recreio -, a sua admissão como grossista, para efeitos de distribuição dos aparelhos daquela,
através do seu sistema «cash and carry». No entanto, uma vez confrontada com as condições
às quais a SABA sujeita a concessão do estatuto de grossista (entre as quais, a proibição de os
grossistas SABA fornecerem aparelhos SABA a utilizadores finais profissionais), a Metro
recusou-se a aderir, mais considerando que o sistema de distribuição posto em prática pela
SABA constitui uma infração ao disposto no artigo 101.º do TFUE.
A SABA entende, porém, que a recusa da Metro se prende apenas com a sua política de vendas
destinada a confundir na sua pessoa a qualidade de grossista e a de retalhista, situação que
a SABA não poderia aceitar, tendo em conta a estrutura do seu sistema de distribuição, que
separa claramente as duas funções, em conformidade, segundo afirma, com as exigências da
legislação alemã.
1. Classifique o sistema de distribuição adotado pela SABA, distinguindo-o de um sistema de
distribuição exclusiva.

O artigo 101.º do TFUE é também aplicável a acordos verticais que envolvam empresas que
estão ativas em diferentes níveis da cadeira de produção. Simplesmente, entende-se que os acordos
79
Direito Económico

verticais apenas serão, em princípio, suscetíveis de gerar preocupações, quando a concorrência está
enfraquecida num dos níveis da cadeia, ou porque o fornecedor tem poder de mercado, ou porque
os retalhistas detêm poder de mercado ou porque ambos detêm poder de mercado.
§ Foi por força dessa constatação que se decidiu aprovar, nesta sede, um RIC (RIC 330/2010).
o Este RIC diz-nos que desde que os acordos não contenham as chamadas distorções
hardcore (distorções graves da concorrência), os acordos celebrados entre
fornecedores e operadores que se encontrem a um nível diferente da cadeia de
produção, e que não envolvam limiares de quota de mercado superiores a 30%,
ficarão abrangidos por uma presunção de legalidade. Ou seja, em termos gerais e
abstratos, este RIC dá a segurança às empresas de que o seu acordo estará isento da
nulidade e das consequências associadas ao incumprimento do artigo 101.º do
TFUE.

Além disto, temos ainda uma outra forma de afastar os acordos da letra do artigo 101.º do
TFUE, por via dos acordos de menor importância à quando, envolvendo operadores ao nível vertical,
as quotas de mercado não ultrapassem 15%, em princípio não estaremos perante uma restrição
sensível da concorrência, que é também um dos requisitos do artigo 101.º do TFUE. São aqueles
acordos que, por força das quotas de mercado implicadas, e desde que não contenham restrições
graves da concorrência, se entende que não restringem sensivelmente a concorrência.
à O caráter sensível da restrição é um dos pressupostos da proibição.

No RIC, há uma preocupação: ver se o acordo não tem nenhuma restrição hardcore.
§ Se tiver – não fica abrangido pelo RIC.
o Assim, será necessário analisar o acordo quer nos termos do artigo 101.º, n.º 1 do
TFUE, quer à luz dos requisitos para uma justificação, nos termos do artigo 101.º, n.º
3 do TFUE.

Apesar de o RIC dizer respeito aos acordos verticais, em geral podem ser várias as realidades
abrangidas. Podemos ter realidades muito diferentes que são abrangidas e especificadas nas
orientações da Comissão.
Neste caso, aquilo que tínhamos era que a SABA estabelecia uma rede de distribuidores
autorizados, impondo condições aos seus distribuidores, ou seja, a todos aqueles que quisessem
revender os seus produtos. Portanto, qualquer distribuidor que quisesse aderir ao sistema/rede
tinha de cumprir determinadas condições.
• Como é que se qualifica este sistema de distribuição, isto é, o sistema pelo qual o fornecedor
se compromete a vender os seus bens/serviços (neste caso, eram produtos eletrónicos)
apenas a distribuidores selecionados com base em determinados critérios objetivos,
comprometendo-se esses tais distribuidores, em contrapartida, a não vender esses produtos
a distribuidores que não sejam autorizados?
o DISTRIBUIÇÃO SELETIVA, que é cada vez mais comum hoje em dia.

Este sistema de distribuição seletiva é algo diferente do sistema de DISTRIBUIÇÃO


EXCLUSIVA à no segundo caso, o fornecedor concorda em vender os seus produtos apenas a um
distribuidor num determinado território, tendo normalmente esse distribuidor limitações ao nível
das suas vendas ativas em territórios que são reservados a outros (ideia de exclusivo).
80
Direito Económico

Aqui, estamos perante algo diferente. Neste caso, não se atribui a um determinado
distribuidor, num determinado território, um exclusivo (ideia de que só ele poderia, nesse território
comercializar os produtos em questão). Na verdade, aquilo que se faz é selecionar os distribuidores,
tendo em conta determinadas condições, podendo existir várias. Para poderem ser distribuidores
autorizados, têm de respeitar um conjunto de critérios – ou seja, as restrições às vendas desses
distribuidores não se cingem às vendas ativas de um determinado território que esteja reservado a
outro, cingem-se sim a vendas a distribuidores não autorizados.
Os distribuidores autorizados só vão poder vender:
1. A clientes finais
2. A outros distribuidores autorizados – se pudessem vender a distribuidores não
autorizados, estariam a deturpar por completo o sistema. Ora, se se quis circunscrever um
determinado sistema a um conjunto de operadores que cumprem determinados requisitos e
se os operadores autorizados pudessem vender a outros, então o sistema de distribuição
seletiva não funcionaria.

Quais são os riscos para a concorrência deste tipo de sistema?

• A limitação da concorrência intramarca e ainda a possibilidade de, por esta via, se chegar a
fechar o mercado a determinados distribuidores.
o Pode-se estar a dificultar o acesso ao mercado, por parte de outros distribuidores, o
que leva a um abrandamento da concorrência.
§ Quer a distribuição seletiva, quer a distribuição exclusiva, são típicas em
alguns mercados, nomeadamente no mercado automóvel.

Para analisarmos estes riscos para a concorrência, resultantes destes sistemas de distribuição
seletiva, temos de distinguir duas realidades que se podem conjugar:
i. Distribuição Seletiva Qualitativa – o sistema assenta, de certa forma, na imposição do
respeito por determinados critérios objetivos a todos aqueles que queiram aderir ao
sistema. O sistema é, via de regra, aberto, mas quem queira aderir tem de necessariamente
respeitar determinados critérios qualitativos:
a. Exemplo: formação do pessoal, a nível de vendas; determinadas condições nos seus
estabelecimentos físicos de venda; pode o fornecedor querer um determinado
departamento especializado numa assistência ao público que seja necessária a
comercialização dos seus produtos, etc.

à Estes critérios qualitativos não limitam, pelo menos diretamente, o número de distribuidores.

ii. Distribuição Seletiva Quantitativa – faz acrescer outros critérios que podem limitar, de
forma mais direta, o número de distribuidores autorizados. Pode fazê-lo ou impondo um
limite máximo (isto é, o sistema em questão terá um máximo de “x” distribuidores
autorizados) ou pode estabelecer vendas mínimas ou máximas que acabem por resultar nesse
encerramento do número máximo ou do aspeto quantitativo do sistema.

No nosso caso, estaríamos, em princípio, perante um sistema de distribuição qualitativa –


isto é, um sistema através do qual a SABA impunha aos seus distribuidores autorizados, para que
pudessem aceder a esse sistema, um conjunto de pressupostos qualitativos.

81
Direito Económico

Os critérios para avaliar um sistema de distribuição seletiva foram, pela primeira vez,
analisados na Jurisprudência Metro I, que é a jurisprudência que está na base deste caso prático.

Da Jurisprudência Metro I, aquilo que resulta é que, em princípio, um sistema de distribuição


seletiva puramente qualitativa não será abrangido pela proibição do artigo 101.º do TFUE, devido
à ausência de efeitos anti concorrenciais. Isto desde que se verifiquem três condições:
a) A natureza do produto deve exigir esse tal sistema de distribuição seletiva – tendo em conta
a natureza do produto que está a ser comercializado, a fim de manter a qualidade do produto
ou a fim de garantir que o mesmo é objeto de um uso adequado, entende-se que a construção
e a implementação de um sistema de distribuição seletiva pelo fornecedor configuram um
requisito legítimo.

A Comissão tem entendido, quanto a este requisito, que um sistema de distribuição seletiva
vai ser, por exemplo, admissível na distribuição de televisões, alta relojoaria, cosmética, etc.
à Casos em que a natureza dos produtos e a necessidade de garantir o uso adequado, o
prestígio, etc., levaram a Comissão a aceitar um sistema de distribuição seletiva.

b) Os revendedores devem ser escolhidos tendo por base critérios objetivos de natureza
qualitativa, que sejam estabelecidos uniformemente, disponibilizados a todos os
revendedores e não aplicados de forma discriminatória – ideia de que, apesar de tudo, isto
deve ser um sistema aberto. A ideia de que isto é um sistema aberto – não pode permitir ao
fornecedor consagrar critérios que, apesar de na aparência serem objetivos, visam apenas
autorizar a empresa A e a empresa B a aderir enquanto revendedores.

c) Os critérios estabelecidos não devem ir além do necessário para atingir a finalidade


pretendida pelo fornecedor.

Este sistema não será necessário quando se verifique a existência de normas de Direito
Público a regular, precisamente o uso adequado ou as caraterísticas e obrigações que a empresa que
comercializa determinado produto deve oferecer.
Como estes requisitos devem ser aplicados de forma objetiva e não discriminatória, é possível
que um operador tenha sido excluído e que se sinta lesado, porque entende, por exemplo, que
aquele sistema não se justifica ou que os critérios não são objetivos e visam discriminar entre
operadores – ele pode recorrer aos tribunais ou às Autoridades da Concorrência, fazendo uma
queixa para expor os motivos pelos quais considera que aquele sistema não se afigura lícito, sob o
ponto de vista jus concorrencial.

2. Será a condição imposta pela SABA, relativa à proibição de vendas a utilizadores finais
profissionais, uma restrição grave, nos termos do Regulamento n.º 330/2010?

Cf. acórdão do Tribunal, de 25.10.1977, Metro SB-Großmärkte GmbH & Co. KG contra
Comissão das Comunidades Europeias, ECLI:EU:C:1977:167

A Metro era um grossista e a SABA disse que a empresa em questão, para poder aderir à rede
de distribuidores da SAB, teria de manter a sua atividade grossista, não podendo vender a
utilizadores finais, pois isso é a atividade de um retalhista.
Estamos perante um sistema de distribuição seletiva à materializando a Jurisprudência
Metro I, os sistemas de distribuição seletiva são também abrangidos pelo RIC.
82
Direito Económico

Logo no artigo 1.º, n.º 1, alínea e) do RIC (Regulamento 330/2010) temos a definição de
sistema de distribuição seletiva – quando a quota de mercado quer do fornecedor, no mercado em
que vende, quer do comprador, no mercado em que adquire, não ultrapassa os 30%, e quando o
sistema não contém nenhuma restrição hardcore, o sistema de distribuição seletiva estará
abrangido pelo RIC.
Aquilo que o RIC faz é, de certa forma, verter esta jurisprudência. O RIC abrange os sistemas
de distribuição seletiva independentemente do produto em questão e independentemente das
condições que aquele fornecedor impõe aos seus distribuidores autorizados.
1. A Comissão pode retirar o benefício, numa base ad hoc. Aí pode ter interesse o concreto
produto em causa e as concreta condições – isto é, a Comissão pode, relativamente a um
sistema de distribuição seletiva que aparentemente seria abrangido, concluir que, por
força do produto que está em causa e por força das condições que são aplicáveis, esse
benefício deve ser retirado porque o acordo tem efeitos anti concorrenciais.

2. Uma outra situação que pode levar a uma retirada do benefício concedido pelo RIC são
os efeitos acumulados – isto é, um sistema de distribuição seletiva até pode não ser
muito vasto à no entanto, imaginemos que estamos perante um mercado cheio de
sistemas de distribuição seletiva. Isto promove o efeito de encerramento, porque se
tenho vários sistemas de distribuição seletiva similares os operadores que não
preenchem essas condições não vão poder comercializar bens.

Neste caso, não se referiram valores de quotas de mercado. Assim, teríamos logo de ir ver
se estaríamos, ou não, perante uma restrição hardcore. As restrições hardcore que levam ao
afastamento do RIC estão previstas no artigo 4.º do RIC (Regulamento 330/2010). Se estamos a
impor como condição à Metro ela não vender a utilizadores finais, isto em princípio será
uma restrição de clientela, de acordo com o artigo 4.º do RIC, uma vez que se estão a restringir os
clientes aos quais o grossista pode vender.

Em princípio, as restrições de clientela de território são inadmissíveis e tratam-se de


restrições hardcore. Só que, no artigo 4.º, alínea b) do RIC, estabelecem-se quatro exceções, ou seja,
encontram-se previstas quatro situações em que, apesar de estarmos perante uma restrição de
clientela ou perante uma restrição de território, essa restrição vai ser admissível e o acordo em
questão continua a beneficiar da isenção do RIC.
Aquilo que nos diz o artigo 4.º, alínea b) do RIC é que se proíbe uma restrição dos territórios
nos quais um distribuidor pode vender, ou aos clientes aos quais pode vender, exceto uma restrição
que proíba o grossista de vender a utilizadores finais. Essa possibilidade que é conferida ao
fornecedor resulta da Jurisprudência Metro I e desta legitimidade de o fornecedor querer separar
claramente aquilo que é o estádio, as atividades e o que se pretende de um operador grossista,
daquilo que é a atividade de um operador ao nível retalhista.
Apesar de se estar a restringir os clientes aos quais o operador pode vender, na verdade esta
restrição justifica-se pela necessidade de manter separados os operadores e a atividade grossista e
a atividade retalhista à portanto, não era por isto que o acordo em questão deixaria de estar
abrangido pelo RIC.
a. Abrangido pelo RIC – em princípio, se as quotas de mercado se contivessem naqueles limiares
(30%), o acordo em questão estaria abrangido pelo RIC e as empresas não teriam de fazer
mais nenhuma avaliação.
83
Direito Económico

b. Não abrangido pelo RIC – por outro lado, caso não estivessem abrangidos pelo RIC, teríamos
de consultar as orientações da Comissão e avaliar o que é que seria necessário considerar
para perceber se o acordo em questão é, ou não, abrangido pelo artigo 101.º, n.º 1 do TFUE.
Pode-se ficar de fora do RIC pelo simples facto de a quota de mercado de uma determinada
empresa ser de 40%, no entanto, isso não justifica que se caia necessariamente no artigo
101.º, n.º 1 da TFUE – pois podem não estar verificados os requisitos desse mesmo artigo.

Se preencher o artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, é necessário averiguar se os quatro pressupostos


do artigo 101.º, n.º 3 do TFUE estão preenchidos.

II. A Pierre Fabre Dermo-Cosmétique é uma das sociedades do grupo Pierre Fabre, ativo na
comercialização de uma série de gamas de produtos de farmácia, homeopatia e parafarmácia.
Os contratos de distribuição dos referidos produtos relativamente às marcas Klorane, Ducray,
Galénic e Avène especificam que as vendas pelos distribuidores autorizados devem ser
realizadas exclusivamente num espaço físico, com a presença obrigatória de um licenciado em
Farmácia, excluindo, assim, e de facto, qualquer forma de venda pela Internet. Segundo a
empresa, pela sua natureza, os produtos em causa exigem a presença física de um licenciado
em Farmácia no local de venda e durante o período de funcionamento, por forma a que o
cliente possa, em todas as circunstâncias, obter o conselho personalizado de um especialista,
baseado na observação direta da sua pele, cabelos ou couro cabeludo. A Autoridade da
Concorrência francesa entende, porém, que a proibição de vendas pela Internet i) equivale a
uma limitação da liberdade comercial dos distribuidores autorizados da Pierre Fabre, ii)
restringe a escolha dos consumidores que pretendem comprar pela Internet e, por fim, iii)
impede as vendas aos compradores finais que não estão próximos da zona de venda «física»
do distribuidor autorizado.
Cf. acórdãos do Tribunal de Justiça, de 13.10.2011, Pierre Fabre Dermo-Cosmétique
SAS contra Président de l’Autorité de la concurrence e Ministre de l’Économie, de
l’Industrie et de l’Emploi, ECLI:EU:C:2011:649 e de 06.12.2017, Coty Germany GmbH
contra Parfümerie Akzente GmbH, ECLI:EU:C:2017:941

1. Sabendo que o grupo Pierre Fabre detém 20% do mercado francês destes produtos, aprecie
se a referida prática poderá beneficiar de uma isenção por categoria.
• Estamos novamente perante um sistema de distribuição seletiva, uma vez que estamos
perante um conjunto de distribuidores autorizados.

Sendo um sistema adequado ao produto em questão (estamos perante um produto


cosmético que, em princípio, exige particulares cuidados e que pode justificar a restrição dos
operadores que revendem os produtos em causa), em princípio, condições qualitativas como a
necessidade de formação do pessoal de vendas, a exigência de um departamento especializado na
comercialização ou a capacidade de expor os produtos de uma determinada maneira ou de prestar
serviços pós-venda ao consumidor, são condições que o fornecedor poderá, em princípio,
impor/exigir a todos aqueles que queiram aderir ao seu sistema.
Mas será que um fornecedor pode impedir os seus fornecedores autorizados de vender através da
internet? Será que ele pode, por exemplo, impor que os seus distribuidores autorizados tenham de
ter pelo menos um espaço físico, excluindo assim os operadores exclusivamente online? Será que
ele pode impor um limite máximo daquilo que pode ser vendido online?

84
Direito Económico

Para responder a esta questão, vamos ter de apreciar se esta restrição de utilização da
internet, que resulta da necessidade de eles terem um licenciado em farmácia no estabelecimento
aquando da aquisição para prestar serviços ao cliente, se trata, ou não, de uma restrição hardcore
que seja excluída do âmbito de aplicação do RIC, que exclui, em princípio, todos os sistemas de
distribuição seletiva e que, portanto, exija que se analise esta exclusão à luz de uma análise muito
mais complexa.

• A Comissão já declarou que o fornecedor pode impor legitimamente normas de qualidade à


utilização da internet à se ele pode impor normas de qualidade à utilização da internet, e se
ele pode impor determinadas condições para a venda física, também deve poder exportar
essas condições para a venda online, isto é, poder exigir, quando se venda online, que os seus
distribuidores cumpram de igual forma um determinado conjunto de requisitos.

Resulta dessa possibilidade, segundo a Comissão, que também se pode exigir aos seus
distribuidores que tenham, pelo menos, ou uma loja física, ou um expositor de vendas.
Além do mais, o fornecedor também pode impor um nível mínimo de vendas offline, mas
não pode, por exemplo, estabelecer um limite máximo do que pode ser vendido online. Se ele pode
impor o mínimo daquilo que o distribuidor terá de vender fora de linha não pode limitar aquilo que
ele poderá vender pela internet.
• Por seu turno, uma proibição total das vendas na internet é uma restrição por objetivo – foi
isso que resultou deste caso.

Neste caso, o TJUE foi chamado a apreciar a legalidade de uma cláusula, num sistema de
distribuição seletiva de produtos cosméticos e de higiene, que estipulava que as vendas deveriam ser
feitas na presença de um licenciado em farmácia, o que, de facto, excluía as vendas pela internet. O
TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre isto se tratar de uma restrição de objeto.
Segundo o TJUE, apesar de caber ao Tribunal Nacional apreciar, no caso concreto, o objetivo
desta cláusula (é o objetivo que nos permite chegar a uma restrição da concorrência por objeto – é o
contexto jurídico-económico em que se insere a prática que nos permite chegar à conclusão no sentido
de uma restrição da concorrência), o Tribunal antecipou-se e disse que nem a necessidade de prestar
aconselhamento individual aos clientes, nem a necessidade de os proteger de uma utilização
incorreta de produto, e nem sequer a necessidade de manter uma imagem de prestígio, permitirão
justificar uma vedação total das vendas pela internet à restrição por objeto.
Nos sistemas de distribuição seletiva, os distribuidores autorizados estão apenas impedidos
de vender a distribuidores não autorizados. Em contrapartidas, estão totalmente livres de vender a
utilizadores finais e a outros distribuidores autorizados. Ora, a restrição das vendas na internet
restringe não só os clientes aos quais se consegue chegar, bem como eventuais outros distribuidores
autorizados que queiram adquirir os produtos em questão.

Que restrições hardcore estariam aqui em causa e que levariam a retirar este sistema de
distribuição seletiva da isenção conferida pelo RIC?
• Artigo 4.º do RIC.

Aqui, está-se a restringir os clientes aos quais o operador pode chegar, tal como resultava da
alegação feita por parte da Autoridade da Concorrência. Existiam consumidores que não poderiam

85
Direito Económico

ter acesso aos produtos caso não se procedesse a vendas online – desde logo aqueles que se
encontram longe da loja física.
• Artigo 4.º, alínea c) do RIC – aplica-se estritamente.
o Restrição das vendas ativas ou passivas a utilizadores finais efetuadas por membros
de um sistema de distribuição seletiva.

Relativamente à internet, estão em causa vendas passivas, porque a internet é uma forma
pela qual o cliente pode chegar ao distribuidor. Só há alguns casos em que a utilização da internet
pode configurar vendas ativas, nomeadamente quando, por exemplo, há lugar a uma publicidade de
índole digital. No entanto, a simples utilização da internet em si é uma forma de venda passiva, pois
permite ao cliente chegar a um determinado distribuidor.
Portanto, a Comissão considera que este tipo de restrições diretas ou dissimuladas às vendas
online serão proibidas. O distribuidor deve poder utilizar a internet para vender os seus produtos, o
que significa que não pode o fornecedor limitar a percentagem de vendas globais realizadas pela
internet e não pode impor a prática de um preço mais elevado pelas vendas online, que não se
justifique pela diferença dos sistemas.
§ Há um caso em que podem as vendas pela internet ser restringidas, mas são vendas ativas:
restrição das vendas ativas num território atribuído, em exclusivo, a um distribuidor
exclusivo. A utilização da internet pode ser vedada quando isso represente uma venda ativa
(situação de publicidade dirigida a determinados grupos de clientes específicos, num
determinado território que esteja alocado a um outro distribuidor, no âmbito do sistema de
distribuição exclusiva).

Em regra, tirando esta exceção particular dos sistemas de distribuição exclusiva, não será
permitida qualquer restrição às vendas e à utilização da internet. Portanto, qualquer obrigação que
dissuada os retalhistas de venderem pela internet será uma restrição grave da concorrência. No
entanto, isto não significa que poderão ser aplicadas condições diferentes (podem-se aplicar
condições diferentes, desde que essas condições resultem da própria natureza diferente de vender
online e offline).

Na alínea c), quando se fala da restrição das vendas ativas e passivas, a parte final da norma
refere “sem prejuízo da possibilidade de proibir um membro do sistema de exercer as suas atividades
a partir de um local de estabelecimento não autorizado” à estas exceções não se aplicam às vendas
na internet.

Conclusão: esta exceção final não se aplica neste caso, o que significa que estamos perante uma
restrição hardcore to court, não se aplicando a exceção do “sem prejuízo da possibilidade de proibir
um membro do sistema de exercer as suas atividades a partir de um local de estabelecimento não
autorizado”.

2. Imagine, agora, que a Pierre Fabre apenas proibia os seus distribuidores autorizados de
recorrerem de forma visível a plataformas terceiras não autorizadas para as vendas dos seus
produtos, através da Internet.
Aqui estamos perante um caso diferente. Aqui o fornecedor não exclui as vendas pela
internet, mas diz que se o distribuidor recorrer a plataformas terceiras não pode tornar esse recurso

86
Direito Económico

visível para os compradores, ou seja, os compradores/cliente final, quando estão a adquirir o


produto, não devem poder ver o que estão a comprar, por exemplo, através do eBay.
Este acórdão foi proferido na sequência de um inquérito que a Comissão desenvolveu ao
comércio eletrónico. Na sequência desse inquérito, concluiu que as vendas pela internet através de
plataformas terceiras facilitam bastante o acesso dos retalhistas a clientes localizados noutros
territórios e aos quais não conseguiriam chegar na ausência dessa possibilidade.

Por força dessa circunstância, as estratégias de distribuição de um determinado distribuidor


podem ser lesadas. Aquilo que a Comissão concluiu nesse relatório é que é cada vez mais recorrente
o recurso a sistemas de distribuição seletiva, precisamente para que o fornecedor mantenha, de
certa forma, o controlo que quer manter sobre a sua rede também no ambiente online.
§ Se, e em que medida, um determinado fornecedor de um produto de luxo tem o direito de
impedir os seus distribuidores de recorreram de forma visível a plataformas terceiras – foi
uma questão à qual o TFUE respondeu através da jurisprudência.

Quanto a este tema, o TJUE entendeu que tal cláusula seria compatível com o artigo 101.º do TFUE,
desde que se encontrassem reunidas três condições:
i. Tivesse por objetivo preservar a imagem de luxo dos produtos comercializados.
ii. Fosse estabelecida, uniformemente, e não aplicada de forma discriminatória.
iii. Se afigurasse proporcional face ao objetivo prosseguido.

O TJUE focou-se fundamentalmente na PROPORCIONALIDADE à a este propósito, o TJUE


disse que esta cláusula garantia ao fornecedor que, também no âmbito do comércio eletrónico, a
rede de distribuição por si implementada manteria as caraterísticas que ele pretendia associar a essa
mesma rede. Só uma tal proibição permitiria, de certa forma, ao fornecedor fiscalizar o modo como
os seus produtos são comercializados online.

Se um determinado distribuidor, nas suas vendas online, incumpre os critérios que o


fornecedor quer, o fornecedor pode acionar o distribuidor no âmbito da relação contratual entre
eles.
Exemplo: imaginemos que o distribuidor recorre a uma plataforma terceira para vender os produtos
do fornecedor. Se a plataforma terceira não cumpre os requisitos/condições de qualidade que o
fornecedor requer, ele não pode acioná-las, uma vez que não se verifica a existência de uma relação
contratual entre ambos.

Assim sendo, o TJUE diz que não havendo nenhuma possibilidade de o fornecedor acionar o
terceiro, deve ser possível proibir que o distribuidor utilize de forma visível plataformas terceiras
quando procede à venda dos seus produtos ao cliente final, precisamente porque nessas plataformas
terceiras são comercializados todo o tipo de produtos. Assim, deve ser razoável o fornecedor de um
produto de luxo, por exemplo, não querer que os seus produtos estejam associados a plataformas
onde é vendida um qualquer bem.

87
Direito Económico

Há um objetivo legítimo e não se vai além do estritamente necessário, porque:


a) Os distribuidores permanecem livres de vender online – neste caso, os distribuidores não são
proibidos de vender em linha. Na verdade, podem, desde logo, vender utilizando os seus
próprios sites e podem recorrer a plataformas terceiras, com a condição de que quando o
consumidor final está a comprar não saber que o está a fazer através de uma plataforma
terceira.

Aquilo que a forma visível acarreta é precisamente uma deterioração dessa imagem de luxo
e de prestígio.

Neste caso, não estávamos perante nenhuma restrição hardcore, pois eram possíveis as
vendas na internet, ou seja, não se restringia os clientes, nem o território, nem as vendas ativas e
passivas. O distribuidor permaneceria livre de vender, seja através do seu próprio site, seja através
de plataformas terceiras, quando a intervenção destas últimas não seja visível para o consumidor.
Se fossem visíveis, era como se o distribuidor tivesse o dever de introduzir novos operadores
no sistema que cabe ao fornecedor organizar. Se isto fosse feito de forma visível, um cliente
entenderia que um qualquer Marketplace fazia parte do conjunto dos distribuidores autorizados
quando, na verdade, não faz.

III. A Van den Bergh Foods Ltd (a seguir HB), filial a 100% do grupo Unilever, é o principal
fabricante de gelados na Irlanda, em especial de gelados de impulso, vendidos em embalagem
individual. Desde há vários anos que a HB fornece aos retalhistas de gelados, a título gracioso
ou mediante um aluguer de valor insignificante, arcas congeladoras cuja propriedade ela
conserva, na condição de estas serem utilizadas exclusivamente para armazenar os gelados
fornecidos pela HB. Em 1989, a Masterfoods Ltd, uma filial da sociedade americana Mars Inc.,
penetrou no mercado irlandês de gelados. Em consequência, vários retalhistas que dispunham
de arcas congeladoras fornecidas pela HB começaram a nelas conservar e apresentar os
produtos da Mars. Em resultado, a HB notificou-as para exigir o respeito da referida cláusula
de exclusividade. Segundo a HB, tal cláusula nada tem de ilícito, dado que não proíbe os
retalhistas de vender, nos seus estabelecimentos, outros produtos que não os produtos HB.

Exponha, fundamentadamente, as preocupações jusconcorrenciais que poderão estar


associadas a uma tal cláusula.
Cf. acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 23.10.2003, Van den Bergh Foods Ltd contra
Comissão das Comunidades Europeias, ECLI:EU:T:2003:281

Neste caso, estamos perante uma restrição/acordo de marca única. Nos acordos de marca
única, estamos perante acordos que têm como principal elemento o facto de o comprador ser
obrigado ou induzido a concentrar todas as suas vendas de um determinado produto junto de um
único fornecedor.

Podem estar em causa:


a) OBRIGAÇÕES DE NÃO CONCORRÊNCIA – dizem respeito às situações em que temos o
comprador a ser induzido a concentrar 80% ou mais das suas necessidades junto de um
mesmo e único fornecedor.

88
Direito Económico

b) OBRIGAÇÕES DE AQUISIÇÃO DE DETERMINADAS QUANTIDADES – imposição de


determinadas quantidades mínimas que o comprador terá de comprar ao fornecedor.

c) CLÁUSULA INGLESA – o fornecedor não impõe que o comprador adquira determinados


volumes, no entanto, diz que, comprando o comprador ao fornecedor, qualquer oferta
melhor que seja recebida por parte do primeiro deve ser notificada e se a oferta em questão
for coberta, o comprador deve comprar ao fornecedor primeiro.

Isto, na prática, pode configurar uma obrigação de não concorrência, só que não está
estabelecida a priori. Aquilo que está estabelecido a priori é a comunicação caso se verifique
a existência de uma proposta por parte de um terceiro e, se a oferta for coberta, deve o
comprador optar pelo fornecedor primeiro.

Os acordos de marca única são também isentos, ao abrigo do RIC, desde que:
I. Se encontrem preenchidos os limiares de quota de mercado.
II. Não contenham restrições hardcore.
III. Quanto às obrigações de não concorrência, tenham um limite temporal de cinco anos,
em princípio.

Se não estiverem abrangidos pelo RIC, temos de ter em conta os efeitos e o contexto em que
os acordos se inserem para proceder a uma avaliação mais complexa, que é pressuposta quer pelos
requisitos do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, quer pelas condições de justificações do artigo 101.º, n.º
3 do TFUE.
§ No Direito da Concorrência, não interessa apenas a qualificação formal que é dada aos
acordos à aqui não estávamos efetivamente perante uma obrigação de aquisição exclusiva,
formalmente. Portanto, não estaríamos aparentemente perante uma restrição, porque o
fornecedor não exige que lhe comprem unicamente a ele, podendo comprar também a outras
marcas.

Problema: muitas vezes, restrições que aparentemente não o são podem acabar por reconduzir uma
mesma restrição, dependendo do contexto do mercado em que se insere e do contexto jurídico-
económico que circunda a prática.
Os gelados de impulso são vendidos fundamentalmente em estabelecimentos de pequena
dimensão, o que significa que não faz sentido que estes estabelecimentos tenham mais do que uma
arca. Segundo o TJUE, normalmente:
a) Estamos perante estabelecimentos de pequena dimensão.
b) A HB é uma empresa dominante no mercado – é uma empresa líder, cuja venda dos produtos
está associada a lucros significativos.

Todos estes critérios pesam na aferição feita por parte dos operadores. Apesar de, na prática,
não se estar a exigir aos distribuidores que concentrem todas as suas compras na HB, na prática, a
sua posição dominante, a sua posição de líder e a circunstância de 83% dos estabelecimentos estarem
vinculados a acordos similares de exclusividade em que as arcas eram cedidas – conduzia a que eles
só pudessem utilizar determinados gelados. Tendo em conta todas estas circunstâncias, os

89
Direito Económico

operadores mais pequenos não vão conseguir ingressar neste mercado, porque os retalhistas não
podem vender gelados sem arca.
Portanto, como não pode vender gelados sem arca, apesar de não estarmos tecnicamente
perante uma obrigação de marca única, a mesma acaba por ter o mesmo efeito na prática.
Sobretudo a propósito dos acordos verticais, pode, na prática, ser muito difícil distinguir entre aquilo
que é:
a) Política unilateral de uma empresa.
b) Acordo.

Para o Direito da Concorrência, o acordo basta-se com as empresas expressarem a sua


vontade comum de se comportarem de um determinado modo no mercado à se isto basta, a
Comissão terá apenas de provar que a política unilateral de uma determinada empresa teve a
aceitação da outra.
Como é que provamos esta aceitação?
Podemos ter, em sede de acordos verticais, duas possibilidades:
1) A aceitação pode ser deduzida dos poderes conferidos às partes num acordo geral pré-
estabelecido entre elas.
a. Exemplo: acordo de fornecimento no qual se permite/prevê que uma das partes adote
subsequentemente uma política unilateral determinada – se estamos perante um
acordo que foi objeto de consentimento por ambas as partes, podemos aqui retirar o
tal consentimento.

2) Uma parte solicita, explícita ou implicitamente, à outra a implementação de uma


determinada conduta e a outra parte, sem nada dizer, implementa-a.
a. Exemplo: caso dos gelados. Imaginemos o que seria a HB notificar as suas
distribuidoras, dizendo-lhes que estas não podem utilizar as suas arcas para vender
outros gelados que não os da sua marca e as distribuidoras não terem respondido –
mas, na prática, não alojavam gelados das marcas concorrentes nas suas arcas.

Aula de 16/12

Em matéria de abuso de posição dominante – cinco pressupostos:


1. Estar perante empresas.
2. Com uma posição dominante – noção jurisprudencial que diz respeito a uma ideia de
independência da empresa vis a vis concorrentes e consumidores finais, que lhe permite a
noção de poder de mercado.

Para efeito de encontrarmos uma posição dominante, temos de definir mercado relevante –
O mercado por norma define-se do ponto de vista do produto e do ponto de vista geográfico. Como
é que se afere? Através de diversos métodos (diretos e indiretos). Por norma, damos uma importância
muito grande dada às quotas de mercado.

90
Direito Económico

Sabemos que quotas de 50% não permitem falar de posição de dominância e que entre 40%
e 50% vamos ter de ter em conta fatores como qual é a dispersão das quotas dos concorrentes, de
que forma é que a empresa se encontra estruturada.
3. Abuso de posição dominante – numa parte do mercado interno ou numa parte preferencial
deste. Mais uma vez, verifica-se uma enorme importância da delimitação geográfica do
mercado à normalmente, resulta da jurisprudência que o território de cada um dos Estados-
membros pode ser considerado uma parte substancial do mercado interno.
a. Este terceiro pressuposto não é apreciado só em termos geográficos. Exemplo:
Podemos ter uma região que, em termos geográficos, não parece ser relevante, mas
que concentra aí quase a totalidade da produção de um determinado bem.

4. Abuso – o Direito da Concorrência não proíbe posições dominantes, não proíbe a


concorrência pelo mérito, não proíbe nem exige que as empresas menos eficientes
permaneçam no mercado, etc. à a empresa menos eficiente sai. Mas, faz pender sobre a
empresa dominante um dever especial, dever esse que vai tornar proibidas, pelo Direito da
Concorrência, determinadas condutas que não o são face a empresas que não estão em
situação de dominância.

Distingue-se entre abuso de exploração e abuso de exclusão:


i. Abusos de exploração – implicam apreciações que aproximam o Direito da
Concorrência de uma regulação de preços.
ii. Abusos de exclusão – os elencos dos artigos 101.º e 102.º do TFUE são meramente
exemplificativos.

Quais são as grandes questões em matéria de abuso?


1. Distinguir aquilo que é uma concorrência pelo mérito de um abuso. Aqui, socorremo-nos de
testes económicos (comparar os preços com os custos).

Testes mais recorrentes:


1. Teste AEC à em muitas práticas de exclusão, sobretudo no que toca ao esmagamento
de margens e preços predatórios, o que interessa saber é se aquela prática vai resultar
na exclusão de uma empresa hipotética. Não me interessa saber se em razão daquela
prática vai sair do mercado uma empresa menos eficiente, porque isso é a “lei da
vida”. Interessa saber se em razão daquela prática, a empresa consegue excluir de um
mercado uma empresa que é igualmente eficiente ou tão eficiente como a empresa
dominante. As orientações da Comissão reconhecem casos excecionais em que pode
ser necessário considerar a atuação de empresas que não são tão eficientes, mas que
poderiam vir a sê-lo.
2. Teste do Sacrifício à aplica-se relativamente aos preços predatórios. Consiste em
saber se a empresa está a sacrificar os seus próprios lucros tendo em vista a exclusão
de concorrentes.
3. Testes na questão da eficiência do consumidor.
4. Teste da ausência de motivo económico justificativo à aquela conduta, sob o ponto
de vista económico, é irracional.

Critério de intervenção da Comissão – a Comissão intervém perante um abuso de exclusão quando


há um encerramento anti concorrencial do mercado, isto é, um comportamento que acarreta ou

91
Direito Económico

a eliminação ou o impedimento, ou a exclusão de concorrentes (reais ou potenciais) e danos para


o consumidor.
5. Essa exploração abusiva da posição dominante tem repercussões no comércio entre
Estados-membros:
i. No caso dos abusos de exclusão – um abuso de exclusão que se estende a todo o
território nacional é suscetível de afetar o comércio entre Estados-membros,
porque vai tornar mais difícil a penetração neste mercado.
ii. No caso dos abusos de exploração – preços excessivos adotados por uma empresa
em relação aos seus clientes nacionais. Aqui podemos estar perante uma prática
restrita ao território nacional e que não preenche o último requisito em matéria de
tratado.

Abusos de exclusão – objeto de maior atenção por parte da Comissão.


Qualificação objeto e efeito – não encontramos, mas também se faz de uma abordagem muito
formalista. Em 2009, pelas suas orientações, a Comissão tentou incluir uma abordagem mais
económica, para permitir aproximar isto a mais uma qualificação de abuso por efeito. A
jurisprudência ficou bastante reticente.

O abuso de posição dominante, ao contrário dos acordos, é uma matéria muito controversa.
Ao implicar a aplicação de testes económicos, os economistas não se entendem e, portanto, há
avanços e recuos e muita divergência.
Artigo 102.º do TFUE à não tem uma norma igual ao artigo 101.º, n.º 3 do TFUE, mas a empresa
pode apresentar uma justificação objetiva para o seu comportamento alegadamente abusivo.

Ficha de trabalho n.º 10


I. A, sociedade de direito americano, com subsidiárias em vários Estados-Membros, assegura
a conceção, o desenvolvimento, o fabrico e a comercialização de microprocessadores (a
seguir «CPU»), de conjuntos de circuitos integrados (chipsets) e de outros componentes
semicondutores, bem como de soluções para plataformas no âmbito do tratamento de dados
e de dispositivos de comunicação, detendo quotas de mercado estáveis na ordem dos [70-
80]%. Descontente com a concorrência recente da empresa B, relativamente aos CPU x86, A
decidiu beneficiar quatro grandes fabricantes de equipamentos informáticos com um
conjunto de bónus, na condição de estes lhe comprarem todos ou quase todos os respetivos
CPU x86. Além do mais, A procedeu a pagamentos a esses mesmos fabricantes, em
contrapartida de os mesmos travarem, anularem ou limitarem a comercialização de certos
produtos equipados com CPU’s da empresa B.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, de 06.09.2017, C-413/14 P, ECLI:EU:C:2017:632

1. Aprecie o sistema de bónus concedidos por A, à luz do artigo 102.o do TFUE.

2. Tendo em conta que a empresa sustentou, no procedimento administrativo junto da


Comissão que o seu comportamento não fora capaz de produzir quaisquer efeitos de
exclusão, poderão os descontos conferidos por A ser considerados abusivos per se, isto é,
sem a necessidade de uma análise de todas as circunstâncias relevantes?

92
Direito Económico

3. Que designação se poderá atribuir aos pagamentos feitos por A aos fabricantes de
equipamentos informáticos?

Estamos perante uma situação de abuso de posição dominante. Assim, vamos ter a aplicação
paralela dos artigos 101.º e 102.º do TFUE, porque estamos a falar de acordos exclusivos.

Acordos exclusivos: incluem figuras muito distintas, ou seja:


i. Obrigações contratuais expressas.
ii. Exclusividade de facto.
iii. Bónus ou descontos condicionais à aquisição de determinadas quantidades.

A ideia de acordos exclusivos apela sempre à ideia de levar os clientes da empresa dominante
a concentrar na empresa dominante as suas subvenções.
i. Acordos de exclusividade – acordos pelos quais o cliente compra a totalidade ou a quase
totalidade das suas necessidades junto da empresa dominante.
ii. Descontos condicionais – os descontos são uma das práticas mais recorrentes por parte dos
fornecedores, uma vez que é através destes que eles se distinguem entre si.

Quando estamos perante uma empresa com posição dominante, há algumas cautelas que
a empresa tem de adotar e há algumas práticas de descontos ou de bónus que se consideram ilícitas
ou que não poderão ser consideradas aceitáveis quando praticadas por uma empresa numa posição
dominante.
Em matéria de práticas de exclusividade por parte de uma empresa dominante, os tribunais
sempre adotaram uma perspetiva por abuso de objeto. Não pode a empresa dominante pretender
adotar este tipo de comportamentos (práticas de exclusividade) que não são de todo uma
concorrência pelo mérito. É uma intenção clara que excluir e/ou prejudicar outros operadores do
mercado. Nas orientações de 2009, vemos uma ideia de procurar introduzir uma importância dos
efeitos
No Caso INTEL, o tribunal intentou uma terceira via, que é objeto de muitas críticas –
descontos de exclusividade são uma infração por objeto, mas se a empresa, no procedimento
administrativo, avançar provas de que aquilo não teve efeitos de facto para a concorrência, então, a
Comissão terá de analisar também isto com mais cautela e não se poderá refugir na qualificação de
restrição por objeto.
Esta é uma terceira via no sentido em que se a empresa não avançar continuará a ser uma
restrição por objeto.
Nós temos de distinguir três categorias de descontos:
a) Descontos de quantidade – ligados exclusivamente ao volume de vendas adquirido junto da
empresa em posição dominante. Desconto concedido exclusivamente em razão da
quantidade bruta.

Em princípio, estes aqui são legítimos e não ficam abrangidos pelo artigo 102.º do TFUE, pois
a empresa que produz mais pode poupar custos que posteriormente se repercutem sob a

93
Direito Económico

forma de preços mais baixos. Há aqui uma contrapartida económica da necessidade de


adquirir mais, da indução do cliente a adquirir mais.

b) Descontos de exclusividade/fidelidade – são descontos que são concedidos dependentes da


circunstância de um cliente adquirir a totalidade ou grande parte das suas necessidades junto
da empresa dominante. Não tem um acordo de compra exclusiva, mas se alguém quiser
beneficiar desse desconto, tem de comprar algo. Aqui não há racional económico. Há aqui
uma ideia de garantir a exclusividade da vinculação da empresa cliente à empresa dominante,
com objetivo de eventual exclusão do mercado. O problema é o que isto implica para outros
concorrentes do mercado.

c) Descontos da terceira categoria – ninguém os define propriamente. No caso INTEL, são


classificados como descontos de terceira categoria. Estes são definidos pela negativa. São
descontos, pese embora não estejam condicionados à circunstância de um cliente adquirir
praticamente todas as suas necessidades junto da empresa dominante, acaba por revestir um
efeito fidelizador.
a. Exemplo: É atribuído um desconto pela empresa B de “x” se se atingir um volume
de compra equivalente a 20.000€, no espaço de um ano. Este desconto é retroativo.
A empresa A, em novembro atingiu os 19.000€. Há uma empresa C que faz uma oferta
à empresa A muito boa à A empresa A não tem incentivo a comprar a C, porque
comprar a C implica perder os 20.000€ e que perder toda a vantagem que tinha
adquirido ao comprar os 20.000€. Há aqui um efeito indutor de fidelização.
i. A teoria, quanto a estas, é a de que precisamos de analisar todas as
circunstâncias relevantes par ver se há aqui um efeito indutor.

à Então, no caso em questão, tínhamos descontos de fidelidade ou de exclusividade.


Mas havia um outro comportamento: naked restritctions. Não é preciso valer uma análise
cuidada, conseguimos perceber que este comportamento não tem racional económico nenhum que
não excluir operadores do mercado. Estou a pagar para que esses operadores não comercializem ou
atrasem a comercialização. É nua e não dissimulada – não há racional económico para isto.
Parágrafo 22 das orientações da Comissão à na última frase fala-se deste tipo de pagamentos.
II. A empresa Z, empresa de telecomunicações histórica na Alemanha, opera a rede telefónica
alemã. Desde a entrada em vigor da Lei alemã das telecomunicações (‘TKG’), Z – que detinha,
antes, o monopólio legal no domínio da prestação de serviços de telecomunicações a
utilizadores finais – encontra-se em concorrência com outros operadores, quer i) no mercado
do fornecimento de infraestruturas, quer ii) no mercado da prestação de serviços de
telecomunicações, detendo quotas de: i) 100% no mercado alemão dos serviços de acesso
grossista ao lacete local para serviços em banda estreita e em banda larga; ii) 97% no dos
serviços de acesso em banda estreita destinados aos utilizadores finais e iii) 94% no mercado
alemão de serviços de acesso em banda larga destinados a assinantes. As redes locais de Z
compõem-se, cada uma, de vários lacetes locais(1), cujo acesso esta faculta, tanto aos
demais operadores de telecomunicações como aos utilizadores finais. Entre 1 de janeiro de
1998 e 31 de dezembro de 2001, dentro do que era permitido pela Autoridade Reguladora
das Telecomunicações, Z reduziu os preços cobrados aos utilizadores finais, e aumentou os
preços cobrados pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, obrigando os operadores
concorrentes a cobrarem aos seus clientes tarifas mais elevadas do que as faturadas por Z
aos seus próprios clientes finais por serviços idênticos, sem quaisquer lucros.

94
Direito Económico

Cf. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de


10.04.2008, T-271/03, ECLI:EU:T:2008:101, e do Tribunal de Justiça, de
14.10.2010, C-280/08 P, ECLI:EU:C:2010:603

1. Configurará o comportamento de Z um abuso de posição dominante nos termos do artigo


102.o do TFUE?

2. Será relevante a circunstância de a Autoridade Reguladora ter aprovado as tarifas praticadas


por Z?

Temos aqui um esmagamento de margens. Uma empresa verticalmente integrada, que


opere quer no mercado a montante, quer no mercado a jusante. Em função desta sua posição, ela
vai conseguir influenciar os custos dos seus concorrentes no mercado a jusante (subindo os preços a
montante, aumenta os custos a jusante).
Pode fazê-lo aumentando os custos grossitas ou pode chegar ao mercado a jusante e baixar
os custos do consumidor final, pois ela pode compensar a diminuição do preço no mercado a jusante
com um lucro no mercado a montante.
Isto é comum em setores que foram objeto de liberalização à telecomunicações, sobretudo.
Um determinado operador histórico que era monopolista mantém o controlo, mesmo após a
liberalização da infraestrutura do sistema ao qual os operadores no mercado a jusante que
concorrem também com essa empresa precisam de ter acesso.
à Neste caso, a Comissão entendeu que o critério para verificar uma compressão de margens
abusivas é o de completar a circunstância de a diferença entre os preços retalhistas cobrados pela
empresa dominante aos utilizadores finais (1) e os preços grossistas cobrados aos operadores
concorrentes pela prestação de serviços equivalentes (2) ser negativa ou insuficiente para cobrir
os custos específicos dos produtos/serviços prestados.

Exemplo: se pratico um preço de 1€ no mercado a jusante e no mercado a montante estou a adquirir


a 2€, há uma margem negativa. Aqui não se consegue vender a um preço que não seja uma venda
com prejuízo.
A aprovação dos preços por uma Entidade Reguladora não significa que o comportamento da
empresa não possa configurar uma prática abusiva.
O esmagamento de margens é um abuso isolado – para efeitos de preenchimento deste abuso, não
tenho de provar a natureza excessiva dos preços a montante ou predatório dos preços a jusante.
Aqui tem-se de provar a margem negativa independente de saber se é um preço excessivo ou não
(não é preciso provar que os tais 2€ são um preço excessivo).

O terceiro elemento a retirar desta jurisprudência – teste para identificar um esmagamento


de margens abusivo: teste AEC – ver se em razão do esmagamento de margens abandona o mercado
uma empresa tão eficiente. Vê-se se a própria empresa dominante ou uma empresa tão eficiente
como a dominante poderiam ter proposto aos utilizadores finais um preço que não um preço
equivalente com uma venda com prejuízo se tivesse sido obrigada a pagar, a montante, um
determinado preço que é superior.

95
Direito Económico

Esmagamento de margens – em princípio, exige-se que haja efeitos, ainda que estes sejam
meramente potenciais.
III. A empresa X tem por objeto a redação e a edição, bem como o fabrico e a distribuição
do jornal «Boas notícias» (‘BN’). Em 1994, o BN detinha no mercado dos jornais diários
nacionais uma parte de mercado de 3,6% em termos de tiragem e de 6% em termos de
receitas publicitárias. A empresa Y edita os jornais «Novas notícias» (‘NN’) e «Correio»
(‘CR’), cuja distribuição e atividades publicitárias são asseguradas pelas suas duas filiais,
de que detém a totalidade do capital. Em 1994, o NN e o CR detinham, em conjunto, no
mercado nacional dos jornais diários, uma parte de mercado de 46,8% em termos de
tiragem e de 42% em termos de receitas publicitárias. A percentagem da difusão dos
dois jornais diários era de 53,3% para as pessoas maiores de catorze anos que vivem em
economia familiar e de 71% de todos os leitores de jornais diários.
Para a distribuição dos seus jornais diários, Y criou um sistema de distribuição
domiciliária à escala nacional, consistente na distribuição dos jornais diretamente aos
assinantes, às primeiras horas da manhã. Em outubro de 1994, X dirigiu a Y uma carta,
seguida de várias outras propostas solicitando o acesso ao seu sistema de distribuição,
comprometendo- se a atribuir-lhe uma remuneração apropriada para a distribuição do
seu jornal BN. Tendo Y recusado a solicitação de X, esta última apresentou uma queixa
junto das autoridades competentes, alegando que Y estaria a abusar da sua posição
dominante, por lhe recusar acesso ao serviço em questão.
Cf. acórdão do Tribunal, de 26.11.1998, C-7/97, ECLI:EU:C:1998:569

1. Poderá Y, empresa que possui, na Áustria, o único sistema de distribuição domiciliária


de jornais diários, recusar legitimamente a proposta escrita de X, relativa à inclusão
do seu jornal diário no sistema de distribuição daquela?

Temos aqui recusa de fornecimento – doutrina das Essentials Facilites. Esta é para ser entediada em
termos excecionais – põem em causa princípios fundamentais – autonomia privada e liberdade
contratual – e a própria propriedade privada, quando estamos a falar do acesso a uma infraestrutura
detida pela empresa dominante que, nos termos do seu direito de propriedade, deve ter a
possibilidade de decidir como usufruir e fruir das suas instalações.

Por isso é que é interpretado restritivamente e com um conjunto de condições cumulativas para
que possa ser considerada abusiva.
Quatro pressupostos – do caso falado nas teóricas sobre o Caso do Guia da TV:
1. Não havia um substituto.
2. A recusa do fornecimento, naquele caso, impedia o surgimento de um produto novo no
mercado.
3. Não havia justificação para recusar o acesso.
4. A recusa é esta matéria-prima essencial e tinha por resultado eliminar a concorrência a
jusante.

Neste caso da aula prática, tínhamos um jornal ativo no mercado a montante e a jusante – os jornais
distribuídos à primeira hora da manhã tinham uma tiragem grande.

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Direito Económico

O TJUE identificou, neste caso, três fatores chave para afastar um comportamento abusivo. Para
que a recusa possa ser configurada como abusiva:
1) A recusa tem de ter como natureza eliminar toda a qualquer concorrência no mercado dos
jornais diários, por parte de quem procura o acesso ao serviço – eliminação da concorrência.
2) A recusa não é passível de justificação objetiva – ausência de justificação objetiva.
3) O serviço é indispensável para o exercício da atividade do requerente – indispensabilidade:
critério que está sempre nos casos de recusa de acesso – inexistência de qualquer substituto
real ou potencial para o sistema de distribuição domiciliária.
a. Exemplo: a empresa, não tendo acesso àquele sistema de distribuição podia
recorrer a outros meios de distribuição existente. Existiam alternativas.

O tribunal diz que não existem aqui condições regulamentares, administrativas ou outras que
impedissem a empresa de criar o seu próprio sistema de distribuição nacional. Note-se, no entanto,
que é economicamente mais viável recorrer a uma estrutura já existente, tal como se pretendia.
Nos termos do Direito Administrativo, impõe-se a determinadas empresas as obrigações de serviço
público. Impõe-se o ónus de concederem o acesso a determinado serviço a conduções que resultam
da fonte a adotar.
Há uma exceção que se impõe no critério da indispensabilidade – quando o acesso já é imposto nos
termos do direito público, já está provada a indispensabilidade deste acesso.
IV. X, um importante grupo empresarial neerlandês, ativo no mercado mundial dos peróxidos
orgânicos, detém neste uma quota de mercado de aproximadamente 50%. O peróxido de
bezoílo, para além da sua aplicação no fabrico de plásticos, é utilizado, também, como
agente de branqueamento da farinha no Reino Unido e na Irlanda. Antes de 1977, a
empresa Y comprava peróxido de bezoílo à X UK (subsidiária do grupo X) para o revender
aos moageiros. A partir daquela data começou a produzi-lo ela própria, a custos inferiores
aos de X, vindo, depois, a vendê-lo a preços também inferiores, a vários clientes daquela
(X) no setor dos plásticos. Descontente, X ameaçou Y com uma política agressiva de preços,
caso esta se não retirasse do mercado. Tendo Y ignorado tais ameaças, X decidiu abordar
vários clientes daquela, apresentando-lhes preços manifestamente inferiores à média dos
seus custos totais, e os quais havia fixado após um estudo dos preços propostos por Y.
1. Será o comportamento de X subsumível ao artigo 102.o do TFUE?
Cf. acórdão do Tribunal, de 03.07.1991, C-62/86, ECLI:EU:C:1991:286

Aqui temos preços predatórios – saber o que significa um preço predatório é das coisas mais
controversas em matéria de abuso de posição dominante. Necessidade de balizar a relação entre os
preços e custos (Que custos consideramos como sendo superiores ao preço praticado? Custos
variáveis? Custos fixos? Custos evitáveis?).

Neste caso, o TJUE estabeleceu um teste para verificar quando é que os preços podem ser
considerados predatórios. Teste dual:
a) Os preços praticados são inferiores à média dos custos variáveis – se os preços são inferiores,
podemos presumir o caráter predatório dos preços.

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Direito Económico

b) Os preços são superiores à média dos custos variáveis, mas são inferiores à média dos custos
totais (fixos + variáveis) – nesse caso, teremos preços predatórios se se enquadrarem num
quadro/plano que tem como finalidade excluir um determinado concorrente do mercado.
Tem de se provar que há aqui uma intenção (neste caso, a intencionalidade é bastante clara)
§ Este critério foi muito criticado pela incerteza de distinguirmos fixos de variáveis e pelo
próprio apelo à ideia de intenção (que é difícil de provar) à considerando 26 das
Orientações da Comissão.

à Esta é uma matéria contenciosa em que existe muita divergência entre Autoridades e operadores.
V. Em 2004, Z, empresa cervejeira nacional com forte presença junto dos consumidores
nacionais, e cujos distribuidores dependiam desta em mais de 60% das suas vendas,
decidiu romper de forma abrupta, e sem qualquer compensação associada, as suas
relações contratuais com alguns dos seus distribuidores exclusivos, passando a fornecer
diretamente os seus produtos a grandes retalhistas (superfícies comerciais). Apesar de
a rescisão ter ocorrido com a antecedência contratualmente imposta (três meses), os
distribuidores viram-se impossibilitados de prosseguir a sua atividade, não só i) porque
a cervejeira concorrente tinha já uma rede de distribuidores implantada, como, e ainda,
pela ii) notoriedade da empresa Z e pelos investimentos específicos feitos pelos
distribuidores na respetiva marca (a nível de decoração das viaturas, fardamento dos
funcionários, entre outros).

Aprecie os comportamentos da empresa Z, à luz do disposto no artigo 12.o do regime


jurídico da concorrência.

Abuso de dependência económica – há quem chame a este comportamento abuso de posição de


dominância relativa. O que está aqui em causa é uma prática que decorre da utilização ilícita, por
parte de uma determinada empresa, do seu poder ascendente de que dispõe em relação a outra
empresa que se encontra, em relação a ela, num estado de dependência.

Elementos:
A. Estado de dependência económica.
B. Exploração abusiva desse mesmo estado.

Aqui temos de densificar o conceito de dependência económica.


Esta dependência económica pode ser aferida – volume de vendas, notoriedade da marca
(SuperBock – que teria a capacidade de subir os preços sem que os consumidores deixassem de
adquirir o produto), quota de mercado do fornecedor, peso dos produtos do fornecedor nas vendas
(representatividade do fornecedor nas vendas do distribuidor) e ausência de uma solução
equivalente.
Ausência de solução equivalente – entendida em:
1. Perspetiva objetiva – analisamos o mercado e vemos se existem, ou não, possibilidades
alternativas de abastecimento de produtos substitutos. No mercado das cervejas, temos
quase que um monopólio. Os distribuidores cujo contrato tinha sido cessado não tinham
alternativa.

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2. Perspetiva subjetiva – passa por saber se em razão de investimentos específicos feitos numa
determinada marca, os distribuidores efetivamente não têm alternativa viável à viaturas
com logo da marca, fardas bordadas com o logo, etc.

Segundo pressuposto – exploração abusiva desse mesmo estado:


Artigo 12.º da LdC – cessação abrupta de uma relação negocial pode configurar uma exploração
abusiva da sua posição. A cessação pode até cumprir a antecedência imposta nos termos contratuais.
As exigências que se colocam a uma empresa nestas circunstâncias são efetivamente diferentes –
quando ela pondera cessar determinado contrato à Para cessar determinados contratos para
fornecer diretamente a superfícies comerciais.

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