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CAPÍTULO I

01 de Abril de 2018

1. Direito económico ou Direito da economia?

A questão da designação deste ramo do direito tem revestido alguma controvérsia,


se bem que na actualidade, isso seja mais uma preciosidade linguística do que a
expressão de uma verdadeira diferença de conteúdos.

No entanto, de um ponto de vista histórico, pode dizer-se que a expressão Direito


Económico traduziria uma inclusão deste no âmbito do direito público, enquanto a
preferência pela designação alternativa sugeria a valorização da natureza mista (em
grande parte direito público, mas também com matérias jurídico- privado, sobretudo
na área dos contratos de financiamento). Por outro lado, a a doutrina alemã sempre
usou mais a expressão “direito da economia” (direito económico” (e com o
acréscimo da vertente regulatória, há que sublinhar a inegável expansão de um
direito administrativo da economia). No entanto, e sem prejuízo de unidade
sistemática que o caracteriza, o direito económico “merece “ esta designação
preferencial para fazer jus à dupla natureza, pública e privada, das matérias que
trata, dentro do seu escopo do seu final – a ordenação jurídica, de um ponto de vista
da implementação de um determinado modelo, preferido pelo Estado e consagrado
na Constituição, da vida económica.

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1.1. A dimensão económica e a dimensão jurídica da economia – Da
análise económica do direito à regulação do mercado.

Falar de Direito Económico como disciplina jurídica e como ramo do direito,


pressupõe a enunciação de dois problemas: o primeiro, externo ao direito, é o das
relações entre a economia e o direito, enquanto fenómeno da vida social; o
segundo, intrínseco ao direito, e o de saber que razões justificam o surgimento de
um novo ramo e disciplina jurídica, o Direito Económico.

Quanto ao primeiro problema, fala-se de uma interdisciplinaridade no estudo do


direito económico que ultrapassa o campo jurídico, querendo com isto sublinhar-se
o especial peso que os temas económicos assumem no objecto desta disciplina. Por
vezes, chega mesmo a ser visto numa óptica funcionalista, como mero instrumento
da economia, um direito ao serviço dos ditames económicos, que apenas vê
justificada a sua existência na medida em que cumpra esses objectivos.

É bem verdade que do ponto de vista macroeconómico o direito é frequentemente


encarado como um obstáculo ou elemento do contexto ou estatégia de decisão dos
agentes económicos. As consequências da sua eventual violação são objecto de um
complexo cálculo de probabilidade e risco económico.

Todavia, tais perspectivas instrumentais, embora sendo importantes, não são


redutoras nem reformadoras da natureza e função do Direito Económico, senão
mesmo do direito no seu conjunto.

É certo também que a evolução da economia tornou patente a existência de uma


certa tensão entre valores quantitativos qualitativos, entre valores económicos
(eficácia, eficiência, relação custo – benefício, concorrência) e jurídicos (segurança,
justiça, direito dos trabalhadores, consumidores, interesse geral, etc).

O direito é assim um produto cultural por excelência, surge como uma instância
reguladora dotada de uma racionalidade que não se reduz à pura racionalidade
económica. No entanto essa autonomia é relativa. A evolução económica e
tecnológica influencia profundamente o direito, obrigando-o a um processo de
contínua adaptação.

A interpretação e aplicação das normas de Direito Económico e mesmo a sua


criação apelam ao conteúdo das relações económicas, sendo por vezes até
necessária uma importação de conceitos nascidos no campo da economia

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atendendo a acepção que aí lhes é dada (por ex.: sector básico da economia,
pequena grande e média empresa, concorrência, balanço económico, etc).

Mas como se disse isto não implica sair do campo do direito. Os critérios utilizados
na criação, interpretação e aplicação do Direito Económico a ser critérios
exclusivamente jurídicos. Através de técnicas mais adaptadas à consideração da
realidade e objectivos económicos, o direito procura simultaneamente conformar-se
a realidade económica e conformar essa mesma realidade.

Daí que justifique o recurso a conceitos indeterminados e clausulas gerais, o menor


peso do formalismo e conceptualismo jurídico, e a importância da interpretação
sistemática e teológica.

E é por não abdicar de uma valoração não estritamente económica da realidade e


por considerar interesses não especificamente económicos que é possível falar do
Direito Económico como disciplina jurídica e não como disciplina económica. A
económica. A economia nas suas diversas componentes surge aqui como ciência
auxiliar por excelência do direito económico.

A palavra “interdisciplinaride” entrou recentemente no vocabulário da pedagogia


jurídica, mas não de modo unívoco. Há pelo menos dois sentidos recorrentes,
embora muito diferentes.

1. Interdisciplinaride com análise do direito baseada numa disciplina diferente.


Este é o sentido diferente. Este é sentido dominante. O caso mais evidente e
o da análise económica do direito, uma disciplina que procura subordinar o
estudo do direito ao método da economia, em especial da microeconomia.
Para muitos praticantes da disciplina, o estudo do direito não deveria ser
mais do que um capitulo do estudo “aplicado” da economia.
2. Interdisciplinaride como estratégia epistemológica. Neste sentido a
interdisciplinaride é colocada ao serviço de uma concepção crítica do
conhecimento, na linha do pragmatismo, em que as “falsas necessidades”
geradas pelas disciplinas são desmistificadas no espírito filosófico de que o
saber é geral. Em vez de se rejeitar as disciplinas, no entanto, procura-se a
pluralidade de métodos, mostrando a parcialidade das várias “ciências” e
mobilizando os recursos intelectuais de uma e de outra. Esta forma de
interdisciplinaride rejeita a separação entre cadeiras jurídicas e cadeiras
auxiliares, depositando nos programas das cadeiras mais tradicionais uma
pluralidade de métodos.

A interdisciplinaride no estudo do direito é normalmente entendida neste se segundo


sentido. Ou seja, entende-se que não é possível compreender alguns fenómenos
jurídicos como responsabilidade civil, do produtor ou na formação de contratos, sem
antes ter uma compreensão razoável de ideias como eficiência (que não é possível

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compreender alguns fenómenos jurídicos como responsabilidade civil, do produtor
ou na formação de contratos, sem antes ter uma compreensão razoável de ideias
como eficiência (que não mesmo que eficácia…(!!!) ou assimetria de informação, de
fenómenos como a economia do risco e dos seguros, etc.

Ao mesmo tempo, a explicação económica pode ser “influenciada” por elementos de


psicologia social, de filosofia do direito e de política normativa. Finalmente, a
normatividade da regra jurídica pode ser influenciada pelo estudo da genealogia
histórica das formas jurídica pela teoria social crítica, como a semióptica ou o
estruturalismo.

Tudo isto, naturalmente, suplementado por uma compreensão profunda dos


métodos comuns do raciocínio jurídico que paradoxalmente são obscurecidos pelo
método expositivo dominante no ensino de direito.

Muito mais importante do que decorar os “pressupostos” da gestão de negócios é


saber raciocinar por analogia s mobilizar com segurança para o “problema” os
argumentos ou “tópicos” comuns do pensamento jurídico. O direito não é uma
disciplina, mas uma instituição social complexa que pode ser observada de vários
pontos de vista largamente parciais e ocasionalmente “incomensuráveis.

Daí que se perceba que por exemplo “forma societária” não é sobretudo um
instrumento para organizar a produção, ma sim para acumular capital, ou mesmo
que produção, mas sim para acumular capital, ou mesmo que produção, mas sim
para acumular, ou mesmo que produção significa combinar e recombinar factores
de produção com o objectivo de gerar riqueza, que riqueza pode significar utilidade
ou “valor monetário”, etc.

Os fenómenos económicos e jurídicos são assim duas facetas que fenómenos


sociais comportam. Facetas conexas e interdependentes porém dotadas de relativa
autonomia entre si, o que legitima o seu estudo segundo ópticas e metodologias
distintas. Deste modo questões marcadamente económicas, como por exemplo as
ligadas ao circuito económico (produção, circulação, distribuição e consumo), são
providas de importantes dimensões jurídicas (regulamentação das relações de
trabalho, regulação do mercado e das trocas, tributação e direito dos
consumidores).

Por outro lado, a produção de normas de direito, bem como a resolução de litígios
por meio de processos judiciais – aspectos predominantemente jurídicos – contém
também eles dimensões económicas. Daí que hoje. Frequentemente, se fale,
nomeadamente na doutrina anglo-saxónica, de uma análise económica do direito,
que procura, segundo uma óptica neo- clássica, explicar e modificar os sistema

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jurídico actual, em particular a regulação jurídica da economia, com base em
critérios e objectivos económicos.

Mais importante, no entanto, é a questão de saber qual o interesse pratico da


disciplina de direito económico. Esta questão põe-se, sobretudo, porque do ponto de
vista jurídico são vários ramos e disciplinas jurídicas tradicionais com relevo para a
economia, desde logo o direito civil patrimonial e o direito civil dos contratos e
obrigações, o direito comercial, o direito administrativo da economia o direito
financeiro, o direito fiscal etc.

Existindo vários «direitos da economia», pergunta-se então, qual o sentido de um


ramo de Direito Económico autónomo?

Quanto a este aspecto vale aqui recordar que a questão de saber qual o objecto de
uma outra que é a de saber se ela corresponde ou não a um ramo de direito
autónomo, isto é, se estamos ou não perante um conjunto de normas referentes a
uma matéria ou área institucionalizada da vida da vida social susceptível de
constituir um subconjunto normativo organizado em torno de princípios comuns e
técnicas regulamentadora.

A introdução de uma disciplina autónoma de direito, corresponde a uma evolução a


nível intencional, marcada pela verificação de os estudos das formas de
organização e orientação da actividade económica, ficarem confinados ao mero
estudo do direito comercial ou ao estudo do direito constitucional e administrativo, e
pela emergência crescente de normas que ultrapassam a tradicional dicotomia entre
direito público e privado.

Há ainda aspectos ligados à ordem jurídica angolana, que se relacionam com a


ruptura na ordem jurídica constitucional angolana, verificada em 1975 na sequência
da proclamação da independência nacional, e as sucessivas alterações que esta
veio a sofrer com as subsequentes revisões constitucionais. Se como teremos a
ocasião de ver, o intervencionismo ou mesmo dirigismo económico, constituíam a
característica fundamental do texto constitucional de 1975, certo é, que com o
pacote legislativo S.E.F, assumiu-se um projecto de transformação das relações
económicas e sociais, abrindo caminho para uma sociedade socialista com respeito
pelo princípio democrático. Com a constituição de 1992, assistiu-se a criação de um
quadro normativo da actividade económica, destinado a regular a actividade
económica, fixando formas e limites de intervenção do Estado, mas também
definindo as zonas de autonomia dos sujeitos privados e as regras a que actividade
ficaria sujeitos privados e as regras a que a actividade ficaria sujeita, de um lado, e
por outro lado, dando origem a um intenso labor dos órgãos encarregados da
fiscalização da constitucionalidade, que constitui um contributo para a estratificação
do Direito da Economia em Angola.

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Origens e desenvolvimento

 Uma criação do século XX, posterior á primeira guerra mundial (antes: direito
dos mercados e das concessões)
 Welfare State na passagem do capitalismo organizado»: a expansão da
intervenção pública na economia
 Da intervenção à re-regulação: a relativa privatização do direito económico
 A internalização das economias nacionais e os processos regionais de
integração económica: um novo ímpeto à regulação

Alguns autores consideram o Direito Económico como sendo uma criação do século
XX, nomeadamente após a Primeira Guerra, em que as condições das economias
mais significativas eram bastante precárias, tendo sido necessária a criação de
alternativas para contornar a instabilidade financeira e recessão por que se
passava.

Dentre estas medidas destacam-se as socializações, a reforma agrária o controle de


preços e de câmbios, etc. Todas elas tratavam de questões económicas, e não
eram contempladas por nenhum dos ramos do Direito vigentes da época. E o
agrupamento de todas estas regras, apesar de não codificado, teria dado origem
Direito Económico.

Sabe-se todavia que essas alternativas não surgiram sem precedentes.

Situações fácticas já ocorriam em que eram aplicadas, não sendo, no entanto, em


sua grande parte, legisladas. As suas primeiras formalizações, de carácter mais
amplo do que um mero acordo inter partis, foram as Constituições de Weimar
(1919). Esta última teve uma abrangência maior por influenciar o continente mais
desenvolvido da época, que pôde acompanhar a sua evolução em maior ou menor
grau, de acordo com o país.

Com a inserção, portanto, de novos direitos relativos à actividade económica,


originados após o surgimento do neo-liberalismo, percebeu-se ser necessária a
conservação de determinada flexibilidade no tocante à esta matéria, de forma a
permitirem-se eventuais adaptações ligadas às evoluções ligadas às evoluções e
modificações constantes referentes ao tema.

Destarte, com a constituição de uma disciplina jurídica específica, denominada


Direito Económico, seria possível a institucionalização de normas e regras,
superando-se o mero contratualismo. Este ramo do Direito viria, exactamente, a
ajustar os mutantes quadros sociais à economia, na medida julgada oportuna. A
autonomia deste foi imposta pela realidade social.

De qualquer forma, a preocupação com o aparecimento de uma nova divisão


didáctica do Direito, teria apenas surgido após a chegada do constitucionalismo
social.

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O Direito Económico, como ramo autónomo tem como conteúdo específico as
actividades económicas que ocorrem no mercado, sejam elas proveniente do sector
privado ou do sector público.

Naturalmente, por ser o Direito umas ciências unas, os ramos convenções


estabelecidas com fins meramente didácticos, interligam-se. Assim, o Direito
Administrativo, o Direito Constitucional e tantos outros, tratam já de matérias
relativas às actividades económicas existentes.

No entanto, o Direito Económico as adapta com primazia, considerando a


regulamentação destas, de modo a torná-las numa política económica objecto
exclusivo seu. A sua finalidade é, dessa forma, regulamentar a actividade do
mercado, estabelecendo limites e parâmetros para empresas privadas e públicas.
Ele trata de estabelecer uma política económica no sentido de concretização dos
ditames e princípios constitucionais.

Tome-se como exemplo ilustrativo a questão da compra e venda. Tanto é regulada


pelo Direito Civil, quanto pelo Económico. Pelo primeiro no sentido de se
estabelecerem normas regentes da relação contratual privatística entre comprador e
vendedor. Pelo último, na medida em que se dispõem regras determinadoras de
consumo, tendo em vista a protecção dos direitos e interesses dos consumidores.

Por política económica deve entender-se a reunião das prioridades, medidas e


metas económicas traçadas e executadas, de forma a serem atingidos os objectivos
de determinada ideologia vigente. É a superação dos limites dos interesses privados
ou dos conflitos destes, com uma dimensão global. Para tanto, carece de ser
devidamente regulamentada, de maneira a gerar a devida segurança jurídica não
apenas do seu cumprimento, como da sua restrição relativamente aos limites pré-
estabelecidos.

Alem disso, é somente através do Direito Económico que se aplicam normas própria
a essas várias situações situações económicas, muitas vezes abordadas pelos
demais ramos do Direito. Estas normas encontram-se em estrita conformidade com
sua regras exclusivas, a partir de uma regulamentação jurídica da politica
económica. E esta política económica é definida com base na ideologia existente na
Constituição.

Note-se que o Direito Económico tem como característica marcante a efemeridade e


a flexibilidade das suas normas. Efemeridade devido ao facto de que elas estão,
necessariamente, adstritas á ideologia de determinada constituição. Revogada ou
reformada esta, acrescentando-se palpáveis modificações em termos ideológicos,
consequentemente, muda-se aquela, para que, novamente, se adeqúe à nova
ordem.

Os agentes, económicos ou seja, os sujeitos das actividades económicas são os


indivíduos são os indivíduos particulares, o Estado, as empresas, os órgãos

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nacionais, internacionais e comunitários, bem como os titulares de direito difuso e
colectivos. Nota-se que a gama de sujeitos é bastante ampla. Dessa forma, o Direito
Económico actua no sentido de conciliar os interesses económicos de todos eles
por meio da política económica elaborada.

O princípio da economicidade é aquela através do qual se procura a concretização


dos objectivos constitucionalmente traçados por uma linha de maior vantagem, isto
é, de forma mais viável possível para o suprimento de determinada necessidade,
seja esta de ordem patrimonial, social, política, cultural, moral, etc.

Muitas vezes, a solução mais vantajosa para a situação não se trata daquela mais
vantajosa em termos financeiros, capitalistas. Tudo dependerá da finalidade que se
pretende atingir. Se se almeja, por exemplo, o alcance de uma instalação telefónica
em meios rurais de difícil acesso, apesar de ser uma extremamente cara e de pouco
retorno financeiro, concretizando-se tal meta, o objectivo social terá sido realizado,
embora não sejam auferidos lucros em matéria de rendas e sim em matéria de
benefícios para a população.

Desta maneira, o sentido do termo “economicidade” é muito mais amplo do que


simplesmente económico, o qual se liga, intrinsecamente, à ideia material de lucro,
de finanças.

Simultaneamente, por assumir como tema a ideologia constitucional adoptada,


assunto susceptível de contínuas modificações, o emprego deste princípio vem
corresponder à necessidade de flexibilização das normas de Direito Económico face
às diversas circunstâncias com que este se depara ao longo da trajectória
económica de um país.

Esta maior vantagem há de se adequada aos objectivos constitucionalmente


definidos.

1.2.1 Evolução histórica

O direito económico surgiu num momento em que o Estado, na maioria dos países
capitalistas, foi forçado a intervir na vida económica da sociedade. Pode afirmar-se
que embora a ordenação jurídica da economia seja bem mais antiga, o Direito
Económico, como ramo específico de direito, é uma criação do século XX, posterior
à primeira guerra mundial. O papel activo que o Estado veio a assumir na regulação
das economias de mercado, no sentido de disciplinar e orientar, directa ou
indirectamente, o exercício de actividade económica, é correntemente apontado
entre os principais factores explicativos, do desenvolvimento deste novo ramo de
direito. Grande parte da regulação das economias de mercado, operada por forma
mais intervencionista de Estado e com repercussões em outros ramos de direito,
teve a sua origem na transformação do sistema capitalista e, mais propriamente, na
passagem do capitalismo concorrencial ao capitalismo organizado.

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O fenómeno da concentração de empresas, da emergência de verdadeiros poderes
económicos privados, e da inerente limitação da concorrência, é uma das principais
expressões desta evolução. O Estado procurou seguir este processo, proibindo
certas formas de concentração, tolerando ou incentivando outras, contrabalançando
aqui e ali os seus efeitos perversos. Para tal, adaptou técnicas e instrumentos
jurídicos antigos e criou outros novos.

Outros fenómenos, como as grandes crises económicas e a eclosão das duas


grandes guerras mundiais, determinaram também a regulação das actividades
económicas. As pressões dos agentes económicos, das organizações sociais e
politicas, e de todos aqueles que, por uma razão ou por outra, se sentiam
negativamente afectados pelo funcionamento do mercado, contribuíram também
para que o Estado tivesse de intervir, com relativa autonomia, na orientação da
actividade económica.

A partir de certa altura, com maior intensidade na década de oitenta, a intervenção


estadual na economia, e particularmente a participação directa do Estado na
actividade económica, mediante a produção de bens e serviços, veio a ser objecto
de diversas críticas, provindas principalmente das teorias neoliberais, que em geral
discutem as ineficiências a que ela conduz e apontam a possibilidade de os
mesmos objectivos poderem ser atingidos mais eficazmente pelo livre jogo das
forças de mercado. Essas críticas legitimaram, em primeiro lugar, algumas
alterações na intervenção do Estado na economia, marginalizando certas formas de
intervenção e alterando agentes, meios e campos de actuação (nomeadamente, os
movimentos de privatizações e desregulaçao em geral.

Contudo, essas alterações não se têm traduzido numa pura desregulaçao da


economia, mas antes em formas diferentes de regulação (mormente, a substituição
de formas diferentes de regulação proveniente de entidades semi-públicas ou
mesmo privadas encarregadas dessas funções; substituição da produção público
directa de bens e serviços, pela contratação por entidades privadas, mantendo-se o
financiamento público; novas formas de gestão para serviços públicos que passam
a ser orientadas por critérios empresariais; Intervenção casuística em vez de
regulação geral e abstracta, etc).

Por fim, há ainda a examinar o fenómeno da internacionalização das economias


nacionais e os processos regionais de integração económica, como é o caso por
exemplo da Comunidade Europeia que, tendo começado por ser uma organização
exclusivamente económica cujos órgãos de direcção se atribuíam poderes de
regulamentação directamente vinculados para os Estados e para os agentes
económicos que neles actuam, deu origem a uma complexa e diversificada ordem
jurídica da economia. No plano internacional, por exemplo, as regras provenientes
do GATT(General Agreement on Tariffs ande Trade – Acordo Geral de Tarifas e
Comércio), etc., criadas no contexto do pós Segunda guerra mundial.

 Fundamentos do Direito Economíco


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O direito económico é como vimos um ramo de direito em formação, discutindo-se
ainda hoje amplamente a sua natureza. Assim sendo, não admira que prossiga
também a querela sobre o seu objecto, sentido e limites. Daí que seja importante
precisar os fundamentos e quais as condições sociais e teóricas que presidem à
necessidade da sua emergência.

Sumariamente, deixaremos aqui explicitadas as razões que constituem fundamento


para o surgimento do direito económico como disciplina autónoma e ramo de direito:

1. As economias de mercado não são mero produto do funcionamento


automático de leis económicas (o mercado, de regulador passou a instituição
regulada);
2. A regulação pública da economia- com as transformações na ordem liberal
clássico, surgiram formas específicas de regulação pública da economia,
dando origem a um conjunto de normas, princípios e instituições que regem a
organização e direcção da actividade económica nas suas diversas
manifestações (produção, circulação, distribuição e consumo), impondo
limites, condicionando ou incentivando os agentes económicos ou mesmo
alterando, de forma estrutural, algumas tendências que resultam do livre
funcionamento do mercado. Este conjunto de normas, princípios e
instituições de origem pública, visaram colmatar as insuficiências ou
disfunções do direito privado clássico e constituem o núcleo originário e ainda
hoje mais relevante do Direito Económico.
3. A produção de normas por entidades privadas: a auto-regulaçao;
4. A crescente complexidade das relações entre o sistema económico e o
sistema político e jurídico.

1.2.2. Relações Entre o Direito Económico e Outro Ramos de Direito

As fronteiras do Direito Económico face a outros ramos de direito levantam


naturalmente algumas dificuldades. Em primeiro lugar porque se trata de um novo
ramo de direito que, ao surgir, ocupa, ao mesmo em parte, espaços de ramos já
existentes, retomando por vezes matérias já tratadas no âmbito daqueles, embora o
faça normalmente numa perspectiva diferente.

Em segundo lugar porque alguns domínios jurídicos totais ou parcialmente


abrangidos pelo Direito Económico se foram eles próprios especializando e
autonomizando a partir do momento em que se tornou mais densa e complexa a
regulação que lhes diz respeito, como é o caso do Direito agrário, do Direito das
empresas. Do Direito bancário, etc.

Por fim cabe referir que estas dificuldades se levantam em virtude das naturais
proximidades que existem entre os objectos regulados, mesmo quando distintos,

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pelos diversos ramos de Direito que se ocupam das questões económicas, como
acontecem, por exemplo, entre o Direito económico e o Direito comercial, o Direito
das obrigações, etc.

Conhecemos já a afinidade do Direito Económico com o Direito Administrativo e


com o Direito Comercial, uma fez que fixa as grandes balizas da organização
económica. Da mesma forma, não se poderá esquecer o direito penal económico
que estabelece as normas sancionadoras para os delitos económicos.

2. A problemático da Natureza Jurídica do Direito Económico


2.1. Os princípios reitores do direito público e do direito privado

Vamos antes de entrar na problemática da natureza jurídica do Direito económico


discorrer sobre os princípios que fundamentam o direito público e o direito privado.
Assim, para se entender o que é o principio da autonomia da vontade e o principio
da soberania, é imprescindível que primeiro se saiba o que são princípios do direito
e qual a sua função no ordenamento jurídico.

Conceito e Função dos Princípios do Direito: A Visão Pós- Positivista dos Princípios
do Direito.

Se há um campo na ciência do direito que encontrou verdadeiro desenvolvimento


teórico- dogmático nas últimas décadas este é o dos princípios do direito.

Para jusnaturalismo, os princípios ocupavam uma função meramente informática


(para valor como certo ou errado, conforme a norma de direito se conformasse ou
não às directrizes dos princípios), mas sem qualquer eficácia sintáctica normativa.

Já para o juspositivismo esta função era meramente subsidiaria, que funcionaria


como uma norma antilacunas clássica em todos os ordenamentos romanos-
germânicos. Não que se reconhecesse a normatividade dos princípios neste
sistema justifilosófico. Contudo, ante a possibilidade de ruir o dogma da completude
do sistema normativo caso se não colmatasse as lacunas que viesse a ocorrer, o
que era tão caro ao jurispositivismo, optou-se pela adopção de uma aplicação
diferida dos princípios somente como forma de solução das lacunas, a que confere
competência ao julgador para aplicá-los, daí a sua validade mediata (não são os
princípios que gozam de normatividade, mas a norma que os permite serem
aplicados)

Superados que estão hoje estes dois sistema, surgiu em fins da década de
cinquenta do século passado, pós-positivismo que se elevou como escola teórico-
dogmatico, tendo vislumbrado a impossibilidade de se abdicar da normatividade dos
princípios, construído a partir do conceito de sistema jurídico aberto e não
apoteótico, como o defendido pelo juspositivismo, orientado por principios gerais do
direito. Com efeitos segundo Kant, o sistema é uma “(…) unidade sob uma ideia de
conhecimentos variados (…) ou como o definiria Eister, referindo- se ao sistema
lógico: uma multiplicidade de conhecimento, unicada e perseguida atraves de um

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principio, para um conhecimento ou para uma estrutura explicativa agrupada em si a
unificada em termos interiores lógicos, como o correspondente, o mais fiel possível,
de um sistema real de coisas, isto é, de um conjunto de relações das coisas entre si,
que nós procuramos, o processo cientifico, reconstruir de modo aproximativo.

Para esta escola, sendo o direito uma das manifestações da cultura humana (ao
lado de língua, da ciência, da religião, da politica etc). ele é conhecido como um
sistema de normas composto por regras e principio, já que o conceito de sistema
lógico, em si mesmo, exige a presença dos princípios para unir os vários elementos
que o conformam, sendo que estes fluem do próprio modo de produção da
sociedade em que é em que é inserido o direito; isto é, os princípios encontram sua
fonte de origem nos valores agregados no correr das gerações de uma dada cultura,
conformando a sua compreensão sobre aquilo é justo e/ou injusto. Ora , se os
princípios a unidade do sistema jurídico, dando-lhe um vector finalístico (as
conhecidas características unidade e ordem), como se não reconhecer a
normatividade dos mesmos? Ou dito de outro modo, não seria uma incongruência
conferir aos principios o papel de liame lógico entre regras sem que sejam, ao
mesmo tempo, normas?

Resposta a esta questão só poderia ser positiva. Da mesma forma que um vegetal
não pode gerar animal, o que não é norma poder gerar, muito menos fundamentar,
uma outra norma.

“ na interpretação das normas os principios possuem eficácia eminente. São eles


que iluminam a inteligência da simples normas (regras), e esclarecem o conteúdo e
os limites da eficácia das normas que têm de harmonizar-se com eles. Os princípios
são ordenação que irradiam e informam os sistemas de normas, são núcleos de
condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais (CANOTILHO,
1993). Desobedecer a um principio é muito mais grave do que desobedecer uma
simples norma, pois ele é um mandamento nuclear do sistema, seu verdadeiro
alicerce, disposição fundamental que preside a aplicação de diferentes normas.
Sendo, pois, o cerne da Constituição, conferindo-lhe fecundidade e actualização
permanente, os princípios sobrepõem-se a todas as regras, inclusive aquelas de
nível constitucional. Por isso, na interpretação, a natureza suprema dos princípios
deve direccionar o intérprete, seja quanto aos seus termos, seja, principalmente,
quanto e aplicação do Direito.

Para RONALDO DWORKLI, o termo principio diz respeito a um tipo de norma cuja
observação é um requisito de justiça ou equidade, alguma outra dimensão moral. Ao
fundir pretensão juridicas e morais, o texto de norma faz com que a validade de um
direito dependa não de uma determinada regra positiva, mas de complexas
questões de ordem moral e da necessidade de um sensível a estas questões, por
natureza não redutível à regra positiva (DWORKIN).

Ao ser compreendida de forma mais aberta, a regra jurídica desmistifica-se,


abandonando a omnipotência que o positivismo lhe atribui e torna-se uma fonte
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extraordinária de direito morais. O acto judicatório, em que pese a consideração da
regra jurídica nos termos da concepção de direitos, será um acto político. Num caso
difícil, aduzirá o juiz a certos princípios – que podem ser depreendidos da regra
jurídica – para, através dos mesmos, procurar os direitos morais das partes,
pertinentes às suas pretensões. Este mecanismo, que vincula as questões praticas
(relativas à tomada da decisão do juiz ) às questões teóricas da concepção da regra
jurídica, oferece uma resposta (através do direito) à sociedade pela via da
realização da justiça. A cultura jurídica, de maneira geral, sofreria mudanças
significativas a partir desta concepção de direito da regra jurídica, na medida em
que ela se constitui em mais um instrumento de justiça social.

Para VEZIO CRISAFULLI, principio é, toda norma jurídica, considerada como


determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,
desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direcções mais
particulares (menos gerais), das quais determinam e, portanto, resumem,
potencialmente, o seu conteúdo, sejam (…) estas efectivamente postas, sejam, ao
contrario, apenas dedutíveis do respectivo principio geral que as contêm.

A Divisão Público- Direito Privado: Sua Origem Segundo a Dogmática.

É um tópico dominante na doutrina romano- germânica que o direito, apesar de ser


uno e indivisível, posto que conformado em um sistema orientado por princípios
gerais do direito, é subdividido em direito público e direito privado.

Esta divisão encontra a sua razão de ser, para alguns, no interesse preponderante
veiculado pela norma, segundo a doutrina preconizada por RUDOLF VON IHERING
e os sectários da jurisprudência dos interesses, para os quais. “ Os conceitos não
poderiam ser causais em relação às soluções que, pretensamente, lhe são
imputadas: a causalidade das saídas jurídicas deveria ser procurada nos interesses
em presença “.

Para outros, no entanto, a divisão encontra o seu fundamento em função dos


critérios formais e de conteúdo das normas analisadas. Assim, v.g., para MIGUEL
REALE: Há duas maneiras complementares de fazer-se a distinção entre Direito
Público e Privado, uma sem cortes rígidos, de conformidade com o seguinte
esquema, que leva em conta as notas distintivas prevalecentes:

a) Quanto ao Conteúdo a-1)Se a norma visa imediata e


Ou objecto da relação jurídica prevalecentemente o interesse geral, o
Direito é Público;

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a-2) se pelo contrario o interesse
imediato e prevalecente é particular, o
Direito é privado.
b) Quanto à forma da relação b-1) Se a relação é de coordenação,
trata-se geralmente, de Direito Privado.
b-2) Se a relação é de subordinação,
trata-se, geralmente, de Direito Público.

A maior parte da doutrina encontra a origem da dicotomia direito público- direito


privado no próprio direito romano.

Com efeito, a doutrina colhe no digesta 1.1.1.2. de Ulpiano o fundamento histórico


para o tratamento diferenciado. Eis o seu teor. Publicum just est quo ad statum rei
romanae spectat; privatu, quod ad singulorum utilatrm” , que em vernaculo quer
significar: ,o direito público diz respeito ao estado da coisa romana, a polis ou
civitas; o privado à utilidade dos particulares”

Assim, na medida em que o direito público relacionava-se à cidade romana,


vigoraria um princípio a lhe fundamentar a existência, do mesmo modo que, sendo o
direito privado relacionado àquilo que tocava a satisfação de interesses dos
particulares, demandaria um outro principio.

Contudo, somente com o surgimento do direito moderno (mais precisamente com o


jusnaturalismo e o liberalismo) é que a dicotomia ganhou o status de verdadeiro
dogma.

Com efeito, a sociedade burguesa nascente, defendia que o Estado somente se


ocupasse da administração da coisa pública, criando condições para que o
particular, o empreendedor, o industrial, explorasse os meios de produção
económica de forma livre. Ao Estado se impunha a função de organização da nação
e pacificação da sociedade, defesa do território, recolha de tributos, imposição de
penas, administração do espaço público, emissão de moeda, e o mais importante, a
criação de regras jurídicas claras e objectivas que conferissem segurança jurídica
às transacções. Não se pode perder de vista, entretanto, a função garantistica de tal
divisão, na medida em que o Estado Moderno surge como anteposição ao Estado
Antigo, como seja, ao Estado totalitário, em que tudo estava dependente da vontade
do soberano.

Neste sentido, ensina o mestre GUSTAV RADBRUCH: “ Mas o que vem a ser
direito público, o que é direito privado? Contentemo-nos com esta constatação:
quando uma obrigação é fundamentada na ordem de um terceiro, ela é
regularmente direito público, ao passo que obrigações de direito privado surgem
regularmente da auto- sujeição das parte: pagar impostos e prestar serviços como
jurado, é se obrigado a fazer, quer se queira, quer se não queira; pagar objectos
comprados e desempenhar determinadas tarefas só se ter assumido as
consequências decorrentes de um contrato de compra e venda ou de trabalho. As

14
relações jurídicas entre pessoas que se encontram em situação de supremacia e
sujeição, em outras palavras, relações jurídicas entre soberano e súbdito, são
objecto do direito público; o direito privado somente se ocupa de relações jurídicas
entre juridicamente iguais”.

A base teórica fundamentou-se em três dogmas, a saber: a) a sacralidade da


propriedade, b) a liberdade total e irrestrita do direito de contratar, e c) a
exclusividade da produção económica em mãos do particular.

Assim, o vero fundamento da dicotomia que ora se trata não se prende, na verdade,
numa dúplice natureza do direito, mas antes na necessidade de se criar condições
ao pleno desenvolvimento da economia e da indústria que então nascia, o que
demandava, em último grau, uma intervenção mínima do Estado no plano
económico.

A divisão surgiu, então, como um projecto ideológico, como no-lo informa HANS
KELSEN:

“ Uma análise crítica mostra, no entanto, que esta distinção não tem qualquer
fundamento no Direito positivo pelo menos na medida em que não se limita a
afirmar que a actividade dos órgãos legislativos e administrativos é em geral
vinculada pelas leis num grau menor do que actividade dos tribunais, que a estes é
pelo Direito positivo quase sempre conferida uma menor margem de livre
apreciação do que àqueles, mas pretende significar algo mais. Esta doutrina de uma
essencial distinção entre Direito público e privado enreda-se, além disso, na
necessidade de afirmar a liberdade (desvinculação) perante o Direito que reclama
para o domínio do Direito público enquanto domínio da vida do Estado como
principio de Direito, como a característica especifica de Direito público. Eis porque
ela somente poderia falar, quando muito, de dois domínios jurídicos configurados de
maneira tecnicamente diversa, mas não de uma oposição essencial, absoluta, entre
Estado e Direito. Este dualismo de todo logicamente insustentável não tem, porém,
qualquer teórico, mas apenas ideológico.

Contudo, não se pode perder de vista que tal ideologia sedimentou-se na cultura de
índole romano-germanico. Com efeito, desde que o homem se reúne em sociedade,
não pode deixar de reconhecer que é preciso que esta goze de segurança de
ordem, de meios para seu progresso, e que ele deve concorrer para a felicidade da
comunidade social de que faz parte, esse é o interior geral.

Entretanto, quando se associa, o homem não renuncia às suas liberdades, aos seus
direitos individuais, não se destina, resigna, ou sacrificar a ser uma maquina, a viver
ou trabalhar só para o serviço social, nem isso é necessário ao Estado, reserva a
sua inteligência e faculdade, o direito de sua relações privadas o arbítrio supremos
de seus negócios, dos meios naturalmente lícitos de procurar o seu bem estar: esse
é os interesses ou seu direito particular e para garantir o gozo dele é que o homem
se associa.

15
A razão e a ciência de todos os países civilizados procuram distinguir e separar as
relaçoes, em que o interesse individual poderia contrariar direito ou indirectamente o
interesse público, e em que por isso mesmo deveria ceder o passo a este, e aquelas
em que por não afectá-lo, ou somente afectar mediata ou secundariamente, deveria
ser independente livre, entregue à inteligência e vontade do indivíduo.

Não há que duvidar da concepção kelsniana quando afirma que inicialmente a


dicotomia se apresentou mais por uma questão ideológica. Contudo, ao fim e ao
cabo, ela se mostra indispensável para o estado sistemático do direito, ou mesmo
para a melhor compreensão da experiencia jurídica, embora, repita-se, a divisão se
prende mais a uma questão metodológica e propedêutica.

Desta forma, no plano meramente formal, observa-se que as normas de direito


público veiculam ditames da ordem politica, e as de direito privado exclusivamente
de ordem pessoal e ou patrimonial. Assim, enquanto no direito público o fundamento
principiologico é a soberania do Estado, no direito privado o fundamento é a
autonomia da vontade, como seja, a liberdade dada ao homem de se vincular por
meio de relações jurídicas de conteúdo patrimonial e ou pessoal.

Relativamente ao direito económico a problemática que se põe é ainda a da sua


classificação como direito público. De acordo com a distinção tradicional (que vê no
direito privado a emanação de um principio de igualdade dos sujeitos e o direito
público como uma manifestação do ius imperi), o Direito económico será ainda
predominantemente direito público. Todavia, um conjunto considerável de normas e
institutos actualmente em crescimento não assume em certos casos a natureza de
um direito privado colectivo.

Fruto de um movimento de privatização da esfera público e publicizaçao da esfera


privada, no direito económico tal como noutros ramos de direito, confluem regras de
direito público e direito privado.

Dizer que de tal facto resulta uma superação da clássica distinção entre direito
público e privado é, porém, excessivo. Afirmam que se trata de um ramo de direito
híbrido, sem ser inexacto, é porventura pouco profícuo.

Mais correcto seria afirmar que no campo do Direito Económico há um relativo


esbatimento da importância dessa distinção o que, longe de ser um obstáculo à sua
afirmação enquanto disciplina autónoma, constitui uma da problemáticas mais
aliciantes que contribuem para a sua diferenciação.

As fontes de Direito Económico

Complexidade e diversificação

Fontes públicas, mistas e privadas

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 A perda do monopólio dos poderes públicos na produção de normas jurídicas
 A emergência de uma ordem negociada entre poderes públicos e privados (o
direito de concertação económica)
 Auto- regulação por devolução pública.

Tipos de fontes

Fontes internas

 Constituição da República Angolana (CRA)


 Leis da Assembleia da República e os decretos-lei do Governo;
 Regulamentos (decretos regulamentares; resoluções do Conselho de
Ministros; portarias; despachos normativos, avisos de Banco Nacional etc.),
 Portaria e resoluções (Governo Provincial),
 Fontes internacionais ou Externo.
 Convenções de direito internacional a que Angola esteja vinculado.

Fontes de origem mista ou privada

Em consequência da evolução que se tem verificado na formas contratualistas


estabelecidas entre os Estados e os particulares, etc. Em qualquer caso é difícil
fazer uma valoração definitiva da importância dessas novas fontes de direito, que de
algumas formas revelam um grande poder de adaptação do direito económico às
mutações económicas e sociais.

 Acordos ou pareceres emanados dos organismos de concertação


económica e social (como o Conselho Económico e Social)
 Contratos programas e de outras formas de contratação económica entre
entes público e privados;
 Regulamentação das actividades económicas pelas associações
profissionais ou de actividade (códigos de conduta, deontológicos, de boas
praticas ou éticos/exemplos);
 Usos da actividade económica, internos ou internacionais (contratos-tipo ou
contratos ou contratos de adesão )
Principais características do Direito Economico

 A dispersão e heterogeneidade das suas fontes (diferentes


provenientes);

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 A diversidade (de meios, de poderes, de jurisdições) e mobilidade
(souplesse);
 A ampliação do âmbito das fontes tradicionais e relativo declínio da
sua importância;
 Uso de certa privacidade;
 O declínio da coercibilidade.

Posto isto, estamos assim que condições de avançar um conceito de Direito


Económico: Utilizando o conceito avançado pela Dra. MARIA MANUEL LEITÃO
MARQUES, diríamos que o Direito Económico é um direito específico da ordenação
da economia, ou seja, é o estudo da ordenação ou regulação jurídica especifica da
organização e direcção da actividade económica pelos poderes públicos e ou pelos
poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a
edição de regras com carácter geral, vinculativo dos agentes económicos.

CAPÍTULO II

A CONSTITUIÇAO ECONOMICA

Aspectos gerais

A constituição económica é o conjunto de normas e princípios constitucionais


relativos à economia. Formalmente é a parte económica da constituição que contém
o ordenamento essencial da actividade económica desenvolvida pelos entes
públicos e privados.

Esse ordenamento é basicamente constituído por liberdades, direitos, deveres e


responsabilidades. Neste sentido a constituição económica é conformadora das
restantes normas da ordem jurídica económica.

Essa conformação é feita através de normas estatutárias ou de garantias que


garantem as características básicas dos sistemas e de normas directivas ou
programáticas onde se apontam as principais linhas de evolução desse sistema.

São normas que conferem o direito ao exercício da actividade económica, ao


mesmo tempo que lhe colocam restrições, além de colocarem à disposição do

18
Estado um conjunto de instrumentos que lhe permitem regular o processo
económico e definir os objectivos a que essa regulação deve obedecer.

A ideia de Constituição Económica teve origem na constituição alemã de 1919,


confundindo-se praticamente com a origem do direito económico e corresponde à
preocupação demonstrada pela Constituição de Weimer perante questões
económicas e sociais. Com efeito, no primeiro pós- guerra, a constituição aparece
ligada a objectivos de reordenação económica a conseguir através de uma
constituição jurídica da economia.

Neste sentido a constituição traduziria uma decisão global sobre a ordem da vida
económica de uma sociedade, reconduzindo-se a uma opção por uma das formas
globais de organização da vida económica: ou economia de mercado ou economia
planificada centralmente.

Contudo, a ideia de constituição económica não logrou impor-se em todos os


ordenamentos jurídicos, falando-se em alguns casos em ordem pública económica e
em outros em princípios gerais de direito económico.

Para o Prof. MANOEL JORGE E SILVA NETO, ordem económica como “é o


complexo normativo, de natureza constitucional, no qual são fixadas a opção por um
modelo económico e a forma como se deve operar a intervenção do Estado no
domínio económico”.

Para VITAL MOREIA “ a economia não é um conjunto caótico de elementos e


processos; possui uma estrutura, que os articula numa ordem económica. E na
medida em que a economia se efectiva em relações entre os sujeitos económicos –
relações implicadas pela divisão social do trabalho, essas relações podem ser
objecto da ordem jurídica da economia”.

É necessário, entretanto, distinguir a ordem económica de Constituição económica.

A Constituição económica é o segmento da Constituição que trata dos princípios e


regras fundamentais da ordem económica. Segundo VITAL MOREIA (1979), p.67) a
ordem económica constitui-se de “todas as normas ou instituições jurídicas que têm
por objecto as relações económicas”. Desta maneira, é licito concluir que a ordem

19
económica é muito mais extensa do que a Constituição económica, pois só algumas
normas possuem carácter fundamental e se inserem, pois, no corpo da
Constituição.

Para RAUL MACHADO HORTA, “o constitucionalismo clássico, nas suas diversas


manifestações nos séculos XVIII e XXIX, comportou-se dentro do modelo
constitucional em duas dimensões a organização dos poderes e a Declaração dos
Direitos e Garantias Individuais e as regras, fragmentarias de natureza económico-
social que nele afloraram não alcançaram a estruturação sistematizada do
ordenamento económico, matéria ignorada nos textos daquele constitucionalismo. A
Constituição reflectia o liberalismo político económico.

Já o constitucionalismo moderno ampliou as dimensões da Constituição, alargando


o seu conteúdo material, na medida em que introduziu no seu texto a chamada
ordem económica. As constituições do México de 1917 e da Alemanha de 1919
foram as primeiras a incorporarem no texto constitucional matéria relativa à ordem
económica, alargando a matéria e a dimensão da Constituição. Para MACHADO
HORTA, tais Constituições inauguram um novo período constitucional, o do
constitucionalismo moderno, uma vez que “ reflectem a mutação operada na
posição do Estado e da Sociedade em relação à actividade económica,
abandonando a neutralidade característica do Estado Liberal, para incorporar a
versão activa do Estado intervencionista, agente regulador da economia”.

A Constituição económica pode ser classificada em formal e material.

A Constituição económica formal corresponde ao conjunto de normas, regras,


princípios etc, inseridos na Constituição. Segundo alguns é “ o conjunto de
disposição contidas do documento constitucional destinadas a regular a vida
económica”.

A Constituição económica material é, nos dizeres de VITAL MOREIRA, a “estrutura


de relações sociais de produção traduzida em normas jurídicas” . Ela pode estar
formalmente na Constituição, mas também se pode apresentar de forma expandida,
abarcando normas que não estão na Constituição, mas tratam dos quatro temas
acima mencionados.

A ausência de dispositivos constitucionais que regulam relações económicas não


impede, entretanto, a caracterização do modelo económico adoptado por

20
determinado país, pois é possível reconhecê-lo através da integração dos princípios
constitucionais.

Partindo de cada um desses sentidos, há que responder a três questões:

 Qual a relação entre constituição económica e constituição politica;


 Qual o âmbito da C.E.;
 Qual o sentido da C.E.

A relação C.E. e C.P.

A primeira questão está longe de receber uma resposta unânime da doutrina,


podendo agrupar-se as posições mais significantes em três orientações:

 A primeira defendida por SOUSA FRANCO, entende que a C.E. (entendida


como o regime normativo da ordem fundamental da economia) emancipou-
se do pensamento político constitucional integrando-se materialmente no
direito da economia.
 Uma segunda posição defendida por JORGE MIRANDA, entende que a
C.E. integra-se plenamente na constituição politica, não sendo possível uma
contraposição entre elas uma vez que ambos correspondem a mesma
unidade jurídica.
 Por ultimo uma terceira corrente, defendida por VITAL MOREIRA, considera
que o problema teórico da relação entre C.E. e C.E. não se põe em termos
de discrepâncias entre dois conceitos referidos a estruturas diversas da
formação social. Para este autor a C.E. e C.P. são conceitos colocados no
mesmo plano a nível da estrutura política, C.E. e a C.P. não têm natureza
diferente.

Sem prejuízo do valor teórico de cada uma destas posições, parece-nos preferível a
primeira posição, também perfilhada por MENEZES CORDEIRO, desde logo por pôr
em evidencia um aspecto que parece ter sido ignorado pelas demais correntes, que
é o facto de demonstrar claramente que a C.E. se afirmou a partir da realidade
jurídica económica, havendo, contudo, áreas de interferência material entre
constituição politica e constituição económica, que segundo o prof. SOUSA
FRANCO, se situam em três planos:

 A definição dos poderes e fins da actuação económica do Estado;


 A definição dos fins supremos da comunidade;
 A atribuição de garantias de natureza económica aos agentes
económicos.

21
O âmbito C.E.

Também aqui existem 3 posições a serem tomadas em conta:

 A primeira defendida por SOUSA FRANCO, determina que o âmbito da C.E.


deverá ser determinado com recurso a critérios económicos, isto é, em
função do sistema económico, das suas instituições ou de outras realidades
subjacentes, onde os factores económicos teriam um papel preponderante.
 A segunda posição defendida por SIMOES PATRICIO, faz uma pçao inversa
afirmando quem a C.E. emerge de critérios jurídicos. Ao direito compete
qualificar como constitucionais as normas que, à luz dos seus próprios
princípios, surjam como fundamentais.
 Por último, a terceira posição defendida por JORGE MIRANDA, faz uma
tentativa de síntese entre as duas posições anteriores. Segundo este autor a
C.E. surge da relação dialéctica que existe entre a norma constitucional e a
realidade económica.

O âmbito da C.E. deve, quanto a nós, ser precisado com recurso a critérios
jurídicos. Trata-se com efeito de conhecer os princípios fundamentais do Direito
Económico. A C.E. tanto no seu delinear como no seu preenchimento não pode
abdicar do conhecimento e da ponderação das soluções a que conduz. A realidade
económica está presente, mas isso deve-se ao facto de haver direito e não por estar
em causa a matéria económica.

A juridicidade que preside a delimitação da C.E. permite ainda explicar que


determinadas matérias de teor económico sejam excluídas da constituição. Se fosse
determinada com base em critérios económicos, a C.E. abarcaria o essencial do
direito patrimonial: ganharia extensão mas perderia utilidade regulativa.

A C.E. restringe-se assim ao essencial do Direito da Economia, aos seus princípios


fundamentais. Daí que ela não abarque todo o tecido patrimonial, versando apenas,
aqueles aspectos que, sendo susceptíveis de regulamentação em função da
ordenação e direcção económicas, se revelem como fundamentais em termos
jurídico-económicos.

O sentido da C.E.

22
Um ultimo ponto sobre o qual valerá a pena de termo-nos a propósito da C.E.
prende-se com o sentido da C.E., o que implica naturalmente a definição do sistema
económico que a enquadra e determina.

Em teoria é possível descortinar dois sistemas extremos e opostos: o da direcção


planificada da economia e o da economia livre de mercado.

O primeiro funciona na base de um plano geral e obrigatório, que deverá ser


executado por todos os agentes económicos. A entidade que elabora o plano,
determina a necessidade dos sujeitos, a sua prioridade, fixa os níveis de produção e
opera a distribuição dos bens produzidos.

O sistema presidido pelo princípio da economia livre prescinde de qualquer entidade


central; o consumo é determinado por cada sujeito, a produção é fixada pelos
produtores e a distribuição feita pela circulação livre dos bens as decisões dos
agentes ajustam-se através dos mecanismos de mercado.

Os sistemas assim sintetizados são, como se disse, simples modelos abstractos de


referencia teórica. Na pratica eles sofrem adaptações diversas, em função de
coordenadas histórico-culturais, de forma a melhor corresponderem às realidades
materiais que visam regular.

Assim é possível combinar elementos de direcção central e da economia livre, de


modo a obter elementos que conduzam a outros sistemas.

Os elementos concretos que assim se poderiam obter seriam inúmeros,


correspondendo a múltiplas combinações e adaptações possíveis.

Perante estas opções a C.E. poderia:

 Consagrar um modelo de economia de mercado;


 Exprimir um esquema de economia mista;
 Traduzir uma superação da economia livre;
 Sedimentar uma economia centralizada;
 Surgir como totalmente neutra.

23
 O modelo de economia mista, é figurado por vários autores,
sendo portanto bastante divulgado. Trata-se de uma
construção particularmente apta para exprimir seja
compromissos de em sentido próprio, seja convergência de
base. No fundo o que se prende aqui é enquadrar uma
economia de mercado e uma intervenção alargada do
Estado, num cenário, mais ou menos harmónico e
funcional. A integração de elementos, em princípio
antagónicos, não é aqui entendida no quadro de uma
relação regra excepção, mas em termos caleidoscópicos,
no sentido de que a economia livre e a direcção estadual
surgiram lado a lado, nos diversos sectores, em termos
dinâmicos e evolutivos, sem que nenhum deles fosse posto
em crise.

 A superação da economia livre, aponta para metas


socializantes ou socialistas, no sentido de preconizarem a
planificação central em termos mais acentuados. A.C.E. que
a consagrasse distinguir-se-ia da economia mista pelo
seguinte: em vez de apontar uma coexistência definitiva
entre os elementos de mercado e a intervenção estadual
panificadora, como o faz o modelo de economia mista, a
superação da economia livre tende, embora em prazo
variáveis, a eliminar os factores de mercado que ainda
contém.

 A neutralidade da constituição ou constituição aberta


conduziria a não determinação por via constitucional, da
configuração económica da sociedade, i. é, princípios
fundamentais do D.E. não teriam assento constitucional.

O sentido da C.E., nunca poderá ser totalmente neutra, antes apontando, em termos
valorativos, para certos modelos jurídico-económico, mais ou menos puros. A
simples existência de um direito de economia, devidamente estruturado e dotado de
princípios gerais salientes portanto, de uma constituição económica reforça o
sentido global que tende a transcendê-lo. Ou seja, o direito da economia possibilita
uma constituição económica que em vez de apurada, ganha autonomia e exerce
influência sobre todo o conjunto.

A Cnostituiçao Economica Angolana

24
A Evoluçao da Ordem económica no Direito Constitucional

a) As Constituições Portuguesas de 1822 a1933.

A necessidade de síntese neste domínio, leva a começar a evolução

Económico-constitucional angolana a partir da constituição portuguesa de 1822.


Importa dizer que o que está aqui em causa é a constituição económica material
que se pode apurar, independentemente da presença de leis formais.

No presente capítulo procuraremos delinear o desenvolvimento histórico da ordem


económico no Direito Constitucional focando a sua evolução até à Constituição de
1992.

Aprovado em 23 de Setembro de 1822, esta constituição consagrou, na ordem


portuguesa um modelo económico liberal, assentando sobre dois pilares
fundamentais, nomeadamente: (a) propriedade privado e (b) a livre iniciativa
privada. Todavia, a constituição de 1822 só consagrou, de modo expresso, o
primeiro dos pilares em que assentava; pelo menos em termos actualistas, no artigo
2.º da referida constituição, onde se afirmava que a «liberdade dos cidadãos
consistia em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem deixar de
fazer o que a lei não proíbe».

A carta constitucional de 1826 aprofundou domínios relevantes da constituição


económica, mantendo a trilogia «liberdade, segurança e propriedade», consagrou
assim, a liberdade de comercio e industria.

Foi no entanto a nível infra-constitucional que surgiram maiores alterações na


constituição económica portuguesa, graça sobretudo, aos conhecidos decretos de
MOUZINHO DA SILVEIRA.

Posteriormente a constituição de 1838, sintetizou num único artigo, os princípios da


propriedade e iniciativas privadas. Verifica-se então uma certa descentralização,
que levou o legislador constituinte a reportar a administração económica às câmaras
municipais.

25
A constituição de 1911, na continuidade do anterior, manteve a regra da não
interveçao do Estado na economia. Contudo, sob a sua vigência, foram instituídos
regimes restritivos. Nalguns domínios à autonomia privada. Assim sucedeu no
campo do arrendamento urbano e das casas económicas.

A constituição de 1933, representou já uma quebra com as constituições


económicas liberais. Na base de influencias diversas que no campo económico,
foram desde reformismo da constituição de Weiner ao pensamento social cristão,
passando pelas tentativas de corporativismo, procurou-se uma terceira via entre o
liberalismo e o socialismo, acolhendo-se ao autoritarismo apresentando níveis
económicos prescritivos e programáticos de extensão considerável. A pratica jus
económica do Estado novo, levaria ao acentuar de algumas facetas contidas na
constituição: a propriedade privada foi respeitada, retirando-se escassas conclusões
praticas da sua sujeição a uma função social. Em compensação a iniciativa privada
sofreu restrições sucessivas a níveis diversos. No plano intra-empresarial, assistiu-
se a uma intervenção do Estado no campo laboral. O lançamento de novas
unidades industriais estava estritamente controlado, dependendo de autorização
administrativa discricionária: era o regime do condicionamento industrial.

A constituição económica correspondia assim, a um modelo jus económico de


mercado com uma forte intervenção estadual que chegaria mesmo a surgir com um
autêntico dirigismo: a apropriação era privada, mas as iniciativas dependiam do
pode central.

Este modela um tanto quanto contraditório, funcionava pelas boas ligações


existentes entre Estado e os empresários mais significativos e pela natureza
autoritária da governação que resolvia a seu favor qualquer diferendo. O direito da
economia esgotava-se no direito administrativo e a constituição pouco mais seria do
que um conjunto de princípios administrativos fundamentais.

A Constituição Económica de 1975

26
O texto originário da Constituição Angolana.

Aprovada na sequência da proclamação da independência a 11 de Novembro de


1975, o texto originário caracterizava-se, em matéria de organização económica
pelo facto de garantir as transformações revolucionarias que tinham como objectivos
fundamentais:

 O desmantelamento da organização corporativa da economia;


 A eliminação de monopólios privados e dos latifúndios
 O reconhecimento dos direitos económicos sociais dos trabalhadores.

Alem destas transformações a constituição continha também um projecto de


transição para o socialismo, mediante a apropriação colectiva dos princípios meios
de produção.

Esta constituição caracterizou-se basicamente por conjugar os princípios do


mercado, o da planificação da economia (art.3.º e 8.º) e da coexistência de sectores
de produção (artigos 9.º, 10.º, 11.º,12, 14.º, 17.º).

Embora o sector estivesse constitucionalmente protegido, deixava de desempenhar


o papel predominante na ordem económica constitucional, atribuindo-se particular
importância ao sector público e ao sector cooperativo.

A constituição de 1975 na sua versão inicial, garantia assim um sistema económico


complexo, assente na coexistência de três sectores de actividade económica e de
três tipos de iniciativa (pública, privada e cooperativa).

Principais características das revisões de normas constitucionais económicas de


1978, 1988 e 1992.

As alterações operadas em 1978 e 1988

27
A parte económica da Constituição sofreu consideráveis alterações no período que
vai de 1978, 1992 à 2010.

Destacamos aqui a Constituição de 1978, por representar a recepção na Lei da


opção pela via socialista de desenvolvimento decidida pelo 1.º Congresso do
M.P.L.A. partido do Trabalho.

Desta Constituição resultaram normas e princípios quer de dimensão preceptiva,


quer programática de índole socialista, nomeadamente:

 Principio da reserva pública universal;


 Principio do dirigismo económico;
 Principio da Intervenção do Estado que abrange o conjunto de formas
directas e indirectas de intervenção do Estado.
 Principio das nacionalizações e confiscos.

Princípio da coexistência de sectores, consagrado no texto original da Constituição


(1975), passou a ter um carácter residual e excepcional, adaptado ao regime então
adoptado. Este sistema é ainda caracterizado pelo desaparecimento daquilo a que
hoje se chama bancos de segundo nível.

Contudo a situação política pós revolucionária não evoluiu em termos favoráveis às


perspectivas constitucionais nesta área. A adesão de Angola a organizações
económicas internacionais serviu aliás de argumento para as modificações globais e
sectoriais que, posteriormente, ocorreram. Por outro lado, a ineficiência e
improdutividade do sector político da economia, provocou graves distorções no
sistema socialista, que por sua vez provocou o aparecimento de um mercado
paralelo.

Em 1988, na perspectiva de reordenar a economia, publicou-se um conjunto de leis,


com o objectivo de fazer face às tensões económicas geradas pelo sistema então
vigente, que implantou a chamada programa de Saneamento Económico e
Financeiro (SEF) de onde se destacam as seguintes Leis:

 8/88- Lei sobre os títulos de tesouro;


 9/88- Lei cambial;
 10/88- Lei da Privatização;
 11/88-Leis das empresas públicas;

28
 12/88- Lei da Planificação;
 13/- Lei dos investimentos estrangeiros.

Uma nota importante que ressalta neste processo, é facto de todo este conjunto
de leis ter sido aprovado sem que ao menos se tivesse revisto a Constituição
aprovada em 1978, contrariando grosseiramente, o espírito e a letra daquela
Constituição, pondo mesmo em causa o regime económico vigente na altura.

Levanta-se então a questão de saber se aquele conjunto de leis deveria ou não ser
considerado inconstitucional.

O pensamento perfilhado nesta altura era o que se estava perante uma ampla e
profunda abertura material da Constituição a Constituição da 1978 integrava-se (ou
integra-se) no tipo da Constituição flexível que se caracterizam por serem
constituições materialmente abertas dotadas de grande mobilidade, e que a luz do
pensamento sistemático teológico, tais leis seriam, portanto, plenamente valido.

Contudo, uma boa parte da doutrina considera hoje aquelas leis inconstitucionais,
desde logo, porque por um lado, procederam a uma certa neutralização ideologia de
vários preceitos constitucionais, com esbatimento de normas programáticas de
índole socialista e por outra a uma relativa flexibilização do sistema, mediante a
atenuação da intervenção pública na economia e maior consideração conferida à
iniciativa privada. Acresce ainda o facto de não se ter tido em conta, as garantias
das primitivas transformações operadas no sistema económico, nomeadamente em
matéria de nacionalizações permitindo-se a privatização de bens de domínio,
consolidando assim, com carácter definitivo e não apenas transtornos, um sistema
de economia mista.

Para entender esta querela faz-se necessário o recurso à teoria da


constitucionalidade e o controlo da constitucionalidade dos actos normativos como
meio de defesa e garantia da força normativa da constituição

Não vamos aqui entrar no debate doutrinal acerca da teoria da inconstitucional mas
não só convocar algumas posições doutrinais para expressar aquela que é a nossa
própria opinião sobre a problemática que se nos apresenta.

A Inconstitucionalidade

29
Conceito de Inconstitucionalidade

O termo constitucional não é unívoco devendo-se, pois, distinguir lhe os sentidos.


Constitucional pode significar: 1- os valores essenciais que dão unidade à
sociedade, portanto, aqueles encontrados na Constituição, que serão chamados
constitutivos, para evitar a ambiguidade; e 2- a qualidade que outro valor tem de ser
conforme a valores constitutivos.

Para LÚCIO DITTENCOURT, a inconstitucionalidade é um estado de conflito entre


uma lei e a Constituição.

JOSÉ AFONSO DA SILVA, a respeito da inconstitucionalidade, fala-nos sobre


conformidade com os ditames constitucionais, a qual não se satisfaz apenas com a
actuação positiva de acordo com a Constituição, mas ainda com o não omitir a
aplicação de normas constitucionais quando a Constituição assim o determina.

DARCY AZAMBUJA diz que “ toda a lei ordinária que, no todo ou em parte,
contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, diz-se inconstitucional.

GOMES CANOTILHO, sob a óptica do parâmetro constitucional, lembra o conceito


clássico, alias como se viu, repartido por todos:

 Inconstitucionalidade é toda lei que viola os preceitos constitucionais, e a


omissão inconstitucional inconstitucional esse autor vai tratá-la à pare, então
definindo-a principalmente, mas não exclusivamente, como omissão
legislativa inconstitucional, o não cumprimento de imposições constitucionais
permanentes e concretas.

Essas definições são correntes e, por isso, não há necessidade de estendê-las


ainda mais. Todas, entretanto, descrevem apenas um aspecto do fenómeno da
inconstitucionalidade, sem chegar às suas notas essenciais, que devem formar o
conceito. Olhando-as com mais atenção, vê-se que elas fazem sempre uso da
mesma ideia de relação entre termos que se opõem. As palavras conformidade,
adequação, conflito sujeição etc. Deixam clara essa afirmação. Em todas as
definições de inconstitucionalidade, e contrario sensu de constitucionalidade, os
doutrinadores anuem nessa ideia, embora nem sempre a explicitem os lhe dêem a
importância devida.

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A inconstitucionalidade ou a constitucionalidade são aferidas sempre entre dois
termos, a norma ou a ausência dela omissão, valoração actualizada e a
Constituição, isto é, um valor constitutivo. São, portanto, antes de mais nada uma
relação, aquela contraria, esta coincidente, entre valores inseridos no mundo
jurídico.

Tal noção pode ser encontrada dita de modo expresso na obra de JORGE
MIRANDA, a qual constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de
relação:

 Em primeiro lugar, a relação que se estabelece entre uma coisa a


Constituiçao e outra coisa uma norma ou um acto que lhe está ou não
conforme, que com ela é ou não compatível que cabe ou não cabe no seu
sentido.

 Em segundo lugar, o conceito actual de inconstitucionalidade costuma


considerar isoladamente a existência de uma norma ou de uma omissão do
legislador, utilizando-se, portanto, de elementos contingenciais, que podem
ou não estar presentes. Se ela acontece em duas situações diferentes, é
preciso que se busque a nota definitiva de uma e de outra, a fim de ser
construído o conceito de inconstitucionalidade. Algo que faz com que ambas
possam ser consideradas em face da Constituição. Falar em acto positivo e
acto negativo do legislador seria apenas dar nomes diferentes às mesmas
coisas, norma e omissão.

O denominador comum das duas hipóteses é aquilo que as antecede. É o


valor actualizado pelo legislador, o qual corresponde à dinâmica da vida, que
desejamos ordenar. O valor manifestado, capaz de conduzir-nos em
desconformidade com um valor constitutivo, precisa ser reformado,
adequando-se aos valores essenciais. Contudo, ao Direito, mais
especificamente ao Direito Constitucional, esses valores só serão relevantes
quando alcançarem um grau de intensidade tal que seja exigível do legislador
conduta consentânea com eles. Há um momento na historia em que os
valores ingressam no mundo jurídico, onde devem ser imperatividade. Esse
momento é caracterizado pela exigibilidade da conduta conforme a eles.

Juridicamente ao termo Constituição devem ser acrescidos aqueles


predicados a ele atribuídos pelo Direito Constitucional, isto é o conjunto de
normas jurídicas que presidem o ordenamento jurídico de um Estado

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moderno; por valores, deve-se entender aqueles eleitos pela autoridade ou
órgão competente para produzir normas (legislador).

A inconstitucionalidade perante as Constituições flexíveis.

Se o conceito ora proposto tem a pretensão de adequar-se a qualquer ordenamento


jurídico, é preciso que se preste também àqueles cuja Constituição é flexível. Antes
de ser flexível, é Constituição: nisso se iguala às Constituições rígidas. Sempre
haverá valores essenciais à sociedade politicamente organizada e condutas
contrárias a eles. Por esse modo de ver não há como negar a existência de
inconstitucionalidade face a Constitucionalidade flexíveis.

Constuma-se tratar de forma diferente, em relação às Constituições flexíveis, as


inconstitucionalidades material e formal.

As inconstitucionalidades materiais seriam insusceptíveis de ocorrer face às


Constituições flexíveis, pelo facto de segundo alguns autores em vez de haver
inconstitucionalidade não se verificam somente em relação a leis ou a omissão do
Poder Legislativo, senão ainda relativamente a normas ou omissões das
autoridades administrativas. E se se compreende a inconstitucionalidade de modo
amplo, como facto social, há inconstitucionalidade numa conduta qualquer
actualização de um valor contraria à Constituição, o que não significa que poderá
ser sempre objecto de controle, pois aquela não implica este necessariamente. Nos
países de Constituição flexível o controle será muito mais político do que jurídico.

Com relação à inconstitucionalidade formal, o desatendimento às formas de


produção de outras normas é também um desvalor. Como choque axiológico, o
fenómeno aqui se dá igualmente ao verificado na inconstitucionalidade material.

A repulsa à aceitação da possibilidade de inconstitucionalidades ocorrerem


relativamente a Constituições flexíveis dá-se pela fluidez dos valores postos nestas.
Constituições, somada à confusão que se faz entre inconstitucionalidade e o
controle dela. O problema do controle da constitucionalidade não é o mesmo do
conceito de inconstitucionalidade e a aparente volubilidade dos valores das
Constituições flexíveis não significa obviamente que não existam valores
constitucionais.

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A incostitucionalidade perante as normas programáticas supraprogramaticas,
imediatamente preceptivas e de eficácia diferida.

Utilizando aqui a exposição feita pelo Professor Paulo bonavides diríamos que as
normas constitucionais são programáticas, imediatamente preceptivas ou de
eficácia diferida. As normas programáticas, são aquelas que estabelecem para o
legislador um programa de acção, poderiam ainda ser entendidas em sentido amplo,
como norma-principios, subordinantes do ordenamento jurídico. Essas normas
gerais de eficácia imediata, que não são quaisquer princípios, mas os princípios
máximos, designar-se-ão normas, supraprogramaticas que fixam princípios que
fixam princípios menores.

Os valores supremos a Constituição, os quais consistem nas normas


supraprogramticas, são tomados de forma ideal, quer aceites com existência de per
si, quer olhados como fruto do poder de síntese do espírito humano na Historia. São
de extensão máxima.

Enquanto as normas programáticas caracterizam-se, com relação aos destinatários,


por dirigirem-se ao legislador, as normas supraprograticas falam não só ao
legislador, mas todos os cidadãos. Assim, a igualdade perante a lei como dever, não
como direito, está claro é preceito programático, porque se volta para o Estado, mas
a Igualdade é principio dirigido a todos os cidadãos, a qual deve ser observada
mesmo em relações privadas.

As normas imediatamente preceptivas, entretanto, indicam uma conduta próxima,


que pode ser realizada plenamente diversas vezes; as de eficácia diferida apontam
a afirmação de um valor, que também pode ser perfeitamente observado, mas elas
são de aplicação dependente de actos legislativos.

O valor que contem as normas imediatamente preceptivas, como as de eficácia


diferida, pode ser plenamente seguida. Relativamente a tais normas, o legislador
pode agir perfeitamente. Já no concernente às normas programáticas e
supraprogramatica, os valores que guardam em si são de observação bem mais
difícil, em razão de sua enorme abrangência. Está-se, como se vê, em face de
diferentes graus de realização dos valores.

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Ora, por via da aprovação do denominado pacote S.E.F., a Constituição sofreu
modificações tão profundas, que se pode falar numa verdadeira metamorfose ou
numa autentica transfiguração do sentido primitivo do texto constitucional.

Assim, tomando o conceito de inconstitucionalidade como um fenómeno que


consiste numa valoração ordinária oposta a valores essenciais, oposição que
implica um valor polar preterido, diríamos que os problemas suscitados pela
inconstitucionalidade no direito positivo de um país devem ser solucionados a partir
da observação do que é efectivamente oposição à Constituição e do que a realiza, e
em que intensidade.

A opção por cada uma concepção, passa pela análise do quadro jurídico concreto e
das coordenadas histórico-culturais, não podendo abdicar, tanto no seu delinear
como no seu preenchimento, do conhecimento e da ponderação das soluções a que
cada uma delas conduz.

A revisão constitucional de 1992. A Constituição Económica actual. O modelo


de economia subjacente.

A revisão operada em 1992 veio permitir alterações significantes na ordem


económica. Completou a descarga ideológica socializante iniciada pelo pacote
legislativo SEF, eliminou o princípio das nacionalizações como princípio ordenador
da economia, diminuiu o papel do planeamento e suprimiu o objectivo do
desenvolvimento da propriedade social. Foram retirados dos princípios
fundamentais as referências à construção de uma sociedade socialista mantendo-se
tão só a referencia à democracia económica e a aprofundamento da democracia
participativa, como objectivos da organização politica e democrática.

A revista operada em 1992, não só conferiu maior flexibilidade à constituição


económica, ao alargar as possibilidades de combinação de formas de apropriação e
de regulação, como sobretudo, reforçou a iniciativa privada, ao aumentar o seu
espaço de actuação, possibilitando reprivatizações, aumentando o papel do
mercado e reduzindo o papel do plano.

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Muito se tem discutido a respeito do sistema e modelo económico adoptados pela
Constituiçao de 1992. Pode-se falar mesmo de uma disparidade de entendimentos
doutrinais em relação ao sentido assumido pela nossa ordem económica
constitucional.

Alguns autores defendem que a ordem económica na Lei Constitucional de 1992


contempla uma economia de mercado com particularidades de um neo liberalismo e
não de um liberalismo puro. Outros defendem que a Lei Constitucional ao proteger a
propriedade privada, por um lado, ao conferir aos valores como trabalho ao mesmo
tempo que limita a liberdade com fundamento na justiça, abre caminho para
transformações da sociedade com base em instrumentos e mecanismos sociais e
populares. Desta o modelo clássico de consagrado pela Lei Constitucional afastou-
se do modelo clássico de economia de mercado para aproximar-se de um sistema
híbrido com a adopção de princípios de economia de mercado centralmente
planificado à primeira vista contraditórios mas perfeitamente harmonizáveis,
designadamente: inviolabilidade do direito de propriedade privada, livre, livre
concorrência, função social da propriedade, desapropriação por utilidade pública,
planificação central da economia embora indicativa para o sector privado,
manutenção de monopólios estatais como acontece com a exploração de
hidrocarbonetos, de diamantes, etc e exploração directa de actividade pelo Estado.

A Ordem Económica na Constituição de 1992

A Constituição de 1992, pode ser considerada como marco jurídico da transição


democrática ela consolida a ruptura com o regime socialista, caracterizado pela
supressão dos princípios do mercado, pela hipertrofia do poder executivo em
relação aos demais poderes e pelo centralismo da administração.

Além de expandir consideravelmente os direitos sociais, a Constituição de 1992


estabeleceu os princípios fundamentais da Ordem Económica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, por um lado, e por outro faz o
delineamento de um Estado intervencionista, voltada para o bem-estar social, na
medida em que reforça a ideia de que a participação estatal é imprescindível.

Analisando a realizando a realidade constitucional podemos identificar dois


elementos fundadores da ordem económica: a intervenção pública e a livre iniciativa
privada. Ao tratar dos princípios gerais da actividade económica, a Lei

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Constitucional de 1992, aponta para a estruturação de um sistema económico
descentralizado ao declarar que a ordem económica é fundada na valorização do
trabalho e na livre iniciativa, consagrando os princípios da propriedade privada ainda
que compreendida na sua função social, e de livre concorrência art.10.º da L.C.

Ressalte-se que a garantia do direito de propriedade perpassa inúmeros dispositivos


da Lei Constitucional, compreendendo a propriedade dos meios de produção,
inclusive a terra (vide Lei de Terras), a propriedade dita intelectual, etc.

O artigo33.º declara livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,


atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer e no seu número 2
conjuga-se a liberdade de empresa com a liberdade de associação, no sentido de
propiciar a organização empresarial de feições societárias.

No entanto, como bem lembra ELIVAL DA SILVA RAMOS, para que seja possível
alcançar os objectivos fundamentais previstos na Lei Constitucional de 1992
construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicar a pobreza e a marginalização; e reduzir as desigualdades sociais e
regionais, instrumentalizados, em parte pela efectivação dos direitos sociais
previstos a Constituição, há a necessidade de uma ampla e coordenada actuação
do Estado, na ordem económica, a qual efectivamente é consagrada nos artigos
11.º da Lei Constitucional.

Desta forma, a Lei Constitucional de 1992, conferiu ao poder público competência


para planificar actividade económica global, sendo esta planificação meramente
iniciativa para o sector privado, porém vinculante para o sector público. Conferiu,
ainda ao poder público, no que diz respeito à actividade regulatoria, competência
para reprimir o abuso do poder económico que vise o domínio dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Por outro lado, há que destacar a actividade estatal de fomento, genericamente


mencionada no artigo 11.º n.º3 e desenvolvimento pela Lei n.º 14/03, de 08 de Julho
Lei de Fomento ao Empresariado Angolano. Estes dispositivos constitucionais
levaram alguns doutrinadores a apontar a coexistência de valores do liberalismo e
do socialismo económicos na Constituição de 1992.

PAULO HENRIQUE ROCHA SCOTT, ao comentar o artigo 170 da Constituição


Brasileira, observa que existe, nesses dispositivos uma composição de valores
provenientes de diversas ideologia, algumas liberalistas e outras socialistas, o o

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poderia para alguns, representar tão-somente uma tentativa infrutífera de
conciliação de projectos e objectivos opostos, cuja maior consequência seria
apenas a de gerar uma situação de conflito entre os muitos interesses dos grupos e
classes que compõem a estrutura social, mas que contrariamente, expressa
variedade de interesses e posturas ideológicas que estiveram presentes no
processo constituinte para possibilitar uma consolidação normativa útil, formadora
de uma única ordem económica.

JOSE AFONSO DA SILVA, por sua vez, ao tratar da ordem económica, ressalta que
são os elementos sócio-ideologicos que revelam o carácter do compromisso das
constituições modernas entre Estado liberal que consagra uma declaração de direito
do homem com a finalidade de proteger o individuo contra a usurpação e abusos do
poder e o Estado social intervencionista que procura suavizar as injustiças e
opressões económicas e sociais. Do confronto entre estas duas ideologias, surgem,
nos textos constitucionais, princípios de direitos económicos e sociais, formado o
chamado conteúdo social das constituições. No entanto para este autor, “ apesar da
aparente contradição entre princípios constitucional de carácter liberal e princípios
de uma economia centralizada, não significa a adopção de outro sistema económico
que não o posto que no Brasil a ordem económica está apoiada inteiramente na
apropriação privada dos meios de produção e na iniciativa privada artigo 170, o que
caracteriza o modo de produção capitalista, que não deixa de ser tal por eventual
ingerência do Estado na economia nem por circunstancial exploração directa de
actividade económica pelo Estado e possível monopolização de alguma área
económica, porque essa actuação estatal ainda se insere no principio básico do
capitalismo que e a apropriação exclusiva por uma classe dos meios de produção, e
essa mesma classe que domina o aparelho estatal, a participação deste na
economia atende a interesses da classe dominante.

De acordo com esse ponto de vista, a actuação do Estado mais não seria do que
uma tentativa de pôr ordem na vida económica e social de arrumar a desordem que
provinha do liberalismo através da imposição de condicionalismos à actividade
económica, não sendo por isso, correcto afirmar-se que com esta actuação o
Estado tem em vista interesses colectivos, uma vez que a função do Estado
consiste em racionalizar a vida económica criando condições de expansão do
capitalismo se é que tudo já não seja efeito deste.

Em nosso entender, a aparente contradição existente no texto constitucional de


1992, que contém normas disciplinadoras de comportamentos diametralmente
opostos, no que diz respeito ao exercício da actividade económica, uma vez que o
referido texto, consagra os princípios da livre iniciativa e o livre concorrência, ao

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mesmo tempo em que estabelece e mantém um sector monopolizado pelo Estado
art.12.º, decorre do choque entre as tendências ideológicas que contribuíram para
elaboração da Lei Constitucional de 1992 e aponta para a necessidade de
alterações que segundo CELSO RIBEIRO BASTOS, vão ajustando os seus
preceitos aos fins maiores preconizados pelo Texto Constitucional, contribuindo não
sõ para a permanência como um todo sistémico, mas conferindo mais racionalidade
ao próprio entendimento da sua teleologia, fundamento de uma ordem jurídica
homogénea.

Assim, para a compreensão do texto constitucional deve-se conferir primazia aos


princípios gerais, interpretando-se as excepções nos seus estritos limites. Para
elucidação deste ponto, faz-se necessária a identificação dos princípios
constitucionais que constituem fundamento da República e aqueles que são os
fundamentos da ordem económica assim temos:

 A dignidade da pessoa humana, como fundamento da República;


 Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, como fundamento da
República e a valorização do trabalho humano e livre iniciativa, como
fundamento da ordem económica;
 A construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos
objectivos fundamentais da Republica;
 O garante do desenvolvimento nacional, como um dos objectivos
fundamentais da Republica;
 A liberdade de associação profissional ou sindical, como fundamento da
ordem económica;
 A sujeição da ordem económica aos ditames da justiça social, como um dos
objectivos fundamentais da República;
 A soberania nacional, a propriedade e a função social da propriedade, a livre
concorrência, a propriedade e a função social da propriedade a livre
concorrência a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução
das desigualdades sociais a busca do pleno emprego e o fomento ao
empresário Angolano como fundamentos da ordem económico;

Todos esses princípios, e a forma como é feita a sua compatibilização no texto


constitucional, assume grande importância na definição do modelo económico
adoptado pela Lei Constitucional de 1992. Há que se ter em vista que entre direitos
económicos, sociais e culturais e direitos, liberdades e garantias existe uma relação
indissociável, como bem aponta o Professor J.J GOMES CANOTILHO, pois se os
direitos económicos, sociais e culturais pressupõem a liberdade, também os direitos,
liberdade e garantia estão ligados a referencias económicas sociais e culturais. O
Estado como distribuidor de prestações sociais surge diante da incapacidade do
mercado de, por si só, conduzir a uma distribuição redistribuição justa dos bens
sociais. Torna-se necessário, pois, numa sociedade democrática o exercício, pelo

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Estado de uma actividade conformadora e panificadora das estruturas sócio-
economicas.

Abandonando-se a crença no sistema de mercado como regulador de si mesmo,


passa-se hoje, até mesmo a exigir uma intervenção do Estado, como agente
necessário ao bom funcionamento e ao equilíbrio necessário ao sistema económico,
chegando-se a um modelo económico misto, que, segundo Rossetti, passou a ser
adoptado exactamente para superar os problemas gerados pelos extremos do
liberalismo…

L.C: de 1992, adoptou alguns dos institutos básicos de uma economia de mercado,
designadamente, a propriedade privada, a livre iniciativa e a livre concorrência,
como também formas de intervenção directa e indirecta do Estado na economia.
Esse facto não descaracteriza o sistema de economia de mercado, ao contrário,
atende aos seus interesses, na medida em que tem como finalidade corrigir as
falhas do mercado formação de monopólios, concorrência desleal, etc, mantendo o
equilíbrio entre a livre iniciativa e a livre concorrência. A Constituição trata, ainda, e
com grande ênfase da ordem social, fundamentada na subjectivaçao dos direitos
sociais, na valorização do trabalho, no comportamento com o bem-estar e justiça
sociais e no desenvolvimento nacional.

A coexistência de valores, fundamentos e princípios diversos no texto constitucional


repercute-se no modelo económico adoptado. Pode dizer-se na verdade que
estamos perante a adaptação de um modelo económico misto que não só protege
os princípios liberais da livre iniciativa e da concorrência, como também consagra
uma actuação normativa e reguladora do Estado.

Assim, podemos dizer que quanto a nós, genericamente, a Constituiçao de 1992,


consagra um modelo de economia mista, estabelecendo principio básicos de uma
economia de mercado, impondo ou permitindo a regulação pública de alguns
aspectos do seu fundamento e salvaguardando os direitos dos trabalhadores e dos
consumidores, enquanto limites ao poder económico público e privado.

Este modelo de equilíbrio entre economia de mercado e interesse público e social


projecta-se em vários preceitos da Constituição. Para garantir a democracia
económica e social que é uma das componentes do Estado de direito art.2 a
Constituição faz assentar a organização económica e social na subordinação do

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poder económica ao poder politico, na pluralidade de sectores de actividade
económica e forma de iniciativa (privada, pública e cooperativa), na apropriação
colectiva dos meios de produção, solos e recursos naturais de acordo com o
interesse público, na planificação democracia de economia e na protecção dos
trabalhadores e consumidores.

Paralelamente defende-se a propriedade privada, estabelece-se a liberdade de


iniciativa, favorece-se a posição central do sector privado no processo económico e
permitem-se as reprivatizações. Do mesmo modo, atribuem-se ao Estado
incumbências em matéria de orientação, controlo da actividade económica e de
distribuição do rendimento, estipula-se a segurança no emprego e o direito à greve
concede-se o direito de informação ao consumidor, proíbe-se a publicidade
enganosa e protege-se a qualidade ambiental. Acresce que em parte alguma da
Constituição se consagra um princípio de subsidiariedade relativamente à acção do
Estado.

Estamos, pois, perante uma Constituição económica explicita na definição dos


limites objectivos ao livre funcionamento, limites esses que derivam não só da
capacidade de o Estado enquadrar e limitar a actividade económica privada ou a de
concorrer com ela na produção de bens e ou serviço. Como do facto de a
Constituiçao reconhecer e garantir direitos eventualmente conflituantes com o livre
funcionamento do mercado, como podem ser os direitos dos consumidores e os dos
trabalhadores.

A concretização do modelo constitucional depende contudo, do livre jogo da luta


politica, sendo compatível com orientações de politica económica mais ou menos
liberalizantes ou mais ou menos socializantes.

Os direitos e deveres fundamentais com incidência na ordem económica


consagrados pela Constituição de 1992. Direitos, liberdades e garantias e
direitos e deveres económicos

Salientou-se já que os direitos fundamentais delimitam a esfera de liberdade e


protecção de que dispõem os diversos intervenientes ou destinatários do processo
económico.

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Na Constituição eles são reconhecidos ora como direitos, garantias ora como
direitos e deveres económico. Embora não seja sempre nítida a distinção entre uma
categoria e outra, pode dizer-se que na primeira incluem-se a maioria dos direitos
que definem a posição jurídica dos indivíduos face ao Estado, delimitando
negativamente a sua esfera de interferência, enquanto no segundo grupo
encontramos sobretudo os direitos a prestações por parte do Estado.

Entre os direitos de liberdade e garantias incluem-se alguns direitos dos


trabalhadores como a segurança no emprego e entre os direitos e deveres
económicos encotramos o direito de propriedade e iniciativa privada, os direitos dos
consumidores e o direito do ambiente.

Os pressupostos básicos da economia de mercado: configuração


constitucional da propriedade e da iniciativa económica.

Nos sistemas de economia de mercado, a actividade económica depende


essencialmente da capacidade dos indivíduos de organizarem a produção e a
distribuição de bens e serviços com o objectivos de assim, obterem rendimentos de
que esperam ser os principais beneficiários.

Propriedade, iniciativa e livre concorrência, são assim, três princípios básicos para o
funcionamento da economia. A propriedade garante a fruição e a disposição dos
bens e a iniciativa, a possibilidade da sua livre composição e utilização produtiva.

A propriedade privada

Noção e conteúdo

Em sede de direito e deveres económicos, a Constituição reconhece, como direito


análogo aos direitos fundamentais, o direito de propriedade privada art. 1º e 12n.º3 .

Como o direito o direito de propriedade abrange os meios de produção, ainda que a


Constituição estabeleça quanto a estes algumas especificidades. De facto o direito
de propriedade privada não é reconhecido como um direito absoluto, podendo ser
objecto de limitações ou restrições, que têm que ser com princípios gerais de direito

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função social da propriedade abuso de direito , com razoes de utilidade pública ou
com a necessidade de se conferir eficácia a outros princípios ou normas
constitucionais, incluindo outros direitos económicos ou sociais e as disposições da
organização económica, tal qual ela é conformada na Constituição.

O direito de propriedade privada inclui quatro componentes:

 O direito de adquirir ou seja o direito de acesso à propriedade;


 O direito de usar e fruir dos bens de que é proprietário;
 A liberdade de transmissão, isto e, o direito de não ser impedido de transmitir
a propriedade quer por acto entre vivos quer por morte
 O direito de não ser privado dela.

Restrições

As restrições admissíveis ao direito de propriedade privada podem reflectir-se sobre


uma das suas componentes em especial ou sobre todas elas.

Em primeiro lugar, é necessário ter em conta que existem bens insusceptíveis de a


de apropriação privada, como é o caso dos bens de domínio público que o artigo
12.º da Constituição enumera de forma não taxativa permitindo que a lei classifique
outros bens do mesmo modo. Alguns dos bens enumerados e outros que venham a
ser classificados como bens do domínio público, podem ser economicamente
explorados por entidades públicas mas não apenas por estas. A exploração pode
ser entregue em regime de concessão a entidades privadas, cooperativas ou de
outra natureza. Trata-se pois de uma reserva de propriedade pública mas não de
uma reserva de propriedade pública, mas não de uma reserva de actividade
económica pública.

Existem também variadas restrições quer negativas quer positivas que atingem o
direito de fruição e uso, algumas decorrentes da própria Constituição e outras
constantes da lei. Para além de um dever geral de uso relativo aos meios de
produção, podem considerar-se por exemplo, os diversos condicionamentos por
razoes ambientais ou de ordenamento do território.

A liberdade de transmissão, inter vivos ou mortis causa, está igualmente sujeita a


limitações, designadamente por direitos a favor de terceiros como o direito de

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preferência atribuído em certos casos, aos proprietários confinantes ou os direitos
de herdeiros legitimarios, etc.

Finalmente são estabelecidos limites constitucionais ao direito de o titular não ser


privado da sua propriedade como acontece, desde logo, quando se admite no artigo
12.º nç4 a possibilidade de expropriação por utilidade pública. Acresce ainda que
existe sempre a possibilidade de a Administração proceder à requisição de bens por
utilidade pública Vide artigo 90.º al. e). Importa salientar que quer a requisição quer
a expropriação por utilidade pública implicam o pagamento de uma justa
indemnização que deverá ter a sua expressão mais próxima no seu valor de
mercado.

Além da expropriação e da aquisição, o artigo al. e) da Lei Constitucional admite


outras formas de apropriação colectiva dos meios de produção entre as quais se
destaca a nacionalização de empresas, sempre mediante uma indemnização que
deve obedecer à critérios específicos não necessariamente coincidentes com os de
justa indemnização.

Outras formas de Propriedade

No que respeita aos meios de produção, a constituição prevê a possibilidade de


coexistirem ao lado da propriedade privada, a propriedade cooperativa e a
propriedade pública, que a constituição autonomiza. De resto, a protecção
constitucional dada à propriedade privada, vale também para as restantes formas de
propriedade.

A iniciativa privada

Noção e conteúdo

O direito de iniciativa privada, segunda parte do artigo 10.º n.3 artigo 11.º, é
considerado, simultaneamente um direito económico e como e como um principio de
organização económica. Trata-se de um direito independente do direito de
propriedade, pesem embora as naturais conexões entre ambos, mas que goza de
idêntica protecção.

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Ele traduz a possibilidade de exercer uma actividade económica privada,
nomeadamente através da liberdade de criação de empresas e a sua gestão.
Compreende como componentes a liberdade de investimento ou de acesso, que
produz no direito de escolha da actividade económica a desenvolver, a liberdade de
organização, ou seja, a liberdade de determinação do modo como a actividade vai
ser desenvolvida incluindo a forma, qualidade e preço dos produtos ou serviços e a
liberdade de contratação ou liberdade negocial, que compreende a liberdade de
estabelecer relações jurídicas e de fixar por acordo o seu conteúdo.

A liberdade de iniciativa privada ou liberdade de empresa constitui uma condição


básica da existência de concorrência, entendida como modelo de sociedade ou
como critério de qualificação das estruturas e dos tipos de comportamento do
mercado.

A particularidade da Constituição Angolana reside no facto de colocar em situação


de igualdade e garantir a coexistência de três tipos de liberdade de iniciativa: a
pública a privada e cooperativa.

Restrições

A liberdade de iniciativa privada, a semelhança do direito de propriedade privada,


não é reconhecida em termos absolutos. Admitem-se restrições e
condicionamentos, que poderão resultar das suas componentes em especial, mas
nunca tocando no conteúdo essencial do direito, isto é, naquela parte que se mostra
indispensável para a satisfação básica dos interesses do seu titular.

As restrições ou condicionamentos à iniciativa privada são justificadas, ora pela


necessidade de protecção do interesse público em geral, ora pela necessidade de
protecção dos interesses de terceiros, nomeadamente de grupos com uma relação
específica com a actividade da empresa (trabalhadores, credores, etc).

As restrições constitucionais resultam , desde logo, do estabelecimento de reservas


a favor do sector público as quais afectam em geral a liberdade de investimento ou
de acesso. Podem também resultar da discriminação em função da nacionalidade

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quanto ao direito ao investimento. De acordo com o número 4 do artigo 11.º, o
Estado protege o investimento estrangeiro e a propriedade de estrangeiro nos
termos da lei, o que significa dizer que a lei deverá disciplinar o investimento
estrangeiro com o objectivo de o adequar ao desenvolvimento do país e defender os
interesses dos trabalhadores.

Por sua vez a liberdade de organização não impede que a lei configure os tipos que
as empresas podem assumir, quando sob forma de sociedades comerciais. Existem
regras obrigatórias sobre o modo como devem ser internamente organizadas as
empresas, relativas aos órgãos sociais, etc. o mesmo acontece quanto à relação
com o meio exterior, como por exemplo, a integração urbano, protecção do
ambiente, etc. Neste domínio são cada vez mais significativas as restrições que
visam a protecção de valores ambientais ou ecológicos, acolhidos nos sistemas de
licenciamento industrial. Acresce ainda o facto de se proibir legalmente a criação de
monopólios privados, de se permitir, ainda que o título transitório, a intervenção do
Estado na gestão de empresa privadas, mediante previa decisão judicial. A
intervenção na gestão pode também ser feita pelos credores no âmbito do processo
especial de recuperação de empresas.

Por último, a liberdade negocial está sujeita, também, a numerosas restrições de


ordem pública, ou seja relativas às relações contratuais da empresa com terceiros,
como sejam os trabalhadores em matéria de contratos de trabalho e estabilidade no
emprego, consumidores nulidade de certo tipo de cláusula contratuais, ou outras
empresas proibição de comportamento ou acordos restritivos da concorrência.

A livre concorrência

A concorrência surge, no contexto do mercado, como instrumento privilegiado de


direcção do mercado, caracterizando um tipo de relação entre os agentes
económicos entendido como a essência do sistema de economia de mercado.

A concorrência é representada umas vezes de direito penal destinadas a impedir ou


reprimir praticas anti concorrenciais particularmente intoleráveis, e outras, por regras
que visam prevenir os casos em que o comportamento dos sujeitos económicos
ofenda as regras ainda que usuais, a da moralidade e lealdade na actuação dos
agentes económicos no mercado.

45
O direito de defesa da concorrência

Muito embora o direito concorrencial (ou antitrust), assim como a concorrência


desleal, estejam vinculados ao direito penal económico, um não se confunde o
outro. Ao contrário do que se dá na concorrência desleal, nas infracções à ordem
económica verifica-se um grau muito mais acentuado, e juridicamente muito mais
relevante, de interferência no equilíbrio das estruturas da economia de mercado.
Isto, na proporção em que a concorrência desleal traz efeitos mais directamente
entre os empresários, enquanto nas infracções à ordem económica, além de
repercutir entre os empresários, directamente também se atinge a colectividade
como um todo.

Há, assim, a necessidade do Estado harmonizar o interesse geral com o principio da


livre iniciativa sem menosprezar a importância, e a preocupação do direito antitrust,
em relação aos princípios e garantias atinentes à defesa do consumidor à busca do
pleno emprego, meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais,
dentre outros.

Deste modo torna-se fundamental que o Estado exerça o devido controle sobre os
actos, potencialmente prejudiciais ao bom funcionamento do mercado. Como em
todo o campo do conhecimento jurídico, para a correcta aplicação da lei e dos
institutos relativos ao direito da concorrência, é necessário num primeiro momento
que se conheça os alicerces que os sustentam e servem de fundamento à
delimitação do seu alcance, é necessário, portanto ter um conjunto de princípios
com base nos quais se há-de determinar o conteúdo das normas relativas à defesa
da concorrência.

Princípios atinentes ao Direito da Concorrência

O direito concorrencial, é um ramo relativamente novo, estando actualmente em


estágio mais aprimorado e experimentado em países como Estados Unidos,
Canada e Inglaterra, enquanto em outros ordenamentos, enquanto, sequer é
objecto elaboração legislativa e toda uma estrutura administrativa voltada às
questões da concorrência.

46
Este ramo de direito, afim ao próprio Direito Económico, possui as suas raízes na
Lei Constitucional de 1992, que logo no seu primeiro capítulo consagra princípios
gerais que subsidiam a norma ordinária, e os demais princípios aplicáveis. Vale
salientar, a interdisciplinaridade do direito da concorrência por se tratar de um
fenómeno relacionado com as ciências económica.

Deste modo, faz-se necessária a fixação de princípios ordenadores da concorrência,


de modo a solucionar questões hermenêuticas, sempre vivas em situações de
lacunas ou para a melhor aplicação e delimitação do sentido das normas, numa
correcta transposição entre o abstracto e o concreto.

1. Princípio da liberdade de comércio

Este principio tem as suas raízes na garantia da propriedade individual e na


consagração da livre iniciativa, exaltando assim a independência dos agentes
económicos. À legislação sobre a concorrência não cabe, portanto, tolher aquelas
duas garantias que são a essência do almejado funcionamento do mercado. É
pressuposto lógico de um mercado concorrencial, que num primeiro momento haja a
liberdade de comércio, com base na propriedade individual e na iniciativa.

2. Princípio da liberdade contratual

Deve ressaltar-se ainda, pela pertinência relacionada à matéria em estudo, no


campo da autonomia da vontade, a liberdade contratual, consubstanciada na
sistemática da livre concorrência da economia de mercado, sendo um princípio
fundamental do Direito Civil e do Direito Comercial.

A liberdade contratual pode ser dividida na conhecida trilogia adaptada


modernamente, relacionada à autonomia do indivíduo de decidir-se a realizar o
contrato, de escolher a pessoa do outro contraente e de escolher o tipo de contrato
que irá regular a sua relação jurídica.

Pode dizer-se, portanto, que, em consequência das profundas mudanças


observadas até o final do século XIX, no que diz respeito ao direito positivo,
adoptando as concepções liberais, especialmente quanto ao princípio da autonomia

47
da vontade, a liberdade contratual encontra-se fundada na garantia liberdade de
iniciativa económica e no principio da força obrigatória dos contratos.

Nas grandes codificações do século XIX, o contrato era a própria expressão da


autonomia privada, reconhecendo às partes a liberdade de estipularem o que lhes
aprouvesse, servindo portanto como instrumento eficaz da expansão capitalista. O
direito contratual forneceu os meios simples e seguros de dar eficácia jurídica a
todas as combinações de interesses.

San Tiago Dantas apontou duas causas que influenciaram a evolução da teoria dos
contratos: o sentido solidarista, que prepondera na politica contemporânea dos
Estados democráticos, e a crescente intervenção do Estado nas relações
económicas. A diminuição da intensidade da autonomia privada, diante do dirigismo
estatal e da prática cada vez mais frequente dos contratos de adesão, causou um
enfraquecimento da ideologia do contrato como fruto da liberdade individual.
Embora já se tenha afirmado o declínio e até mesmo a morte do contrato, na
realidade o que há é uma transformação para atender as novas realidades e
desafios vividos pela sociedade.

Nos dizeres de RIPERT, o contrato já não é ordem estável, mas um eterno vir a ser.
A noção de liberdade contratual foi construída como projecção da liberdade
individual, ao mesmo tempo em que se atribuía à vontade o papel de criar direitos e
obrigações. A força obrigatória do contrato era imposta como corolário da noção de
direito subjectivo do poder conferido ao credor o mesmo poder, o direito subjectivo
sobre limites ao seu exercício e não compete aos contratantes, com exclusividade, a
autodeterminação da lex inter partes, que sofre a intervenção do legislador e pode
submeter-se à revisão pelo juiz .

Acentua-se o carácter da ordem pública como expressão da lógica intrínseca dos


contratos, sendo esta uma das linhas mestras da ordem económico-social
constitucional. Segundo JOAO BAPTISTA, MACHADO, … a ordem pública não só
pode ser induzida de um conjunto de normas ou quadros normativos que
imperativamente organizam as instituições jurídicas e de certos valores
fundamentais com assento constitucional (…), como pode ser a expressão da lógica
intrínseca de uma instituição, ou ainda da ideia de razoabilidade, no sentido do que
o direito se recusa a dar cobertura ao exercício de uma discricionariedade
manifestamente irrazoável (proibição do excesso).

48
Não é pois sem razão que alguns autores, reflectindo sobre a imperiosa
necessidade de revisão da teoria do contrato, afirmaram a tarefa de fazer deste não
apenas uma expressão da liberdade, mas também um instrumento de liberdade: de
homens e de povos.

A autonomia privada, antes vista como garantia da liberdade dos cidadãos em face
do Estado, é relativizada em prol da justiça substancial, deslocando-se o eixo da
relação contratual da tutela subjectiva da vontade à tutela objectiva da confiança.
Um claro cenário produz-se em torno da confiança: o repensar das relações
jurídicas baseadas em torno da pessoa e a sua revalorização como centro das
preocupações do ordenamento civil. O tema da tutela da confiança não pode ser
confiado a um incidente de retorno devido ao voluntarismo do século passado, nem
é apenas um legado da pandetística e dos postulados clássicos do Direito Privado.
Pode estar além da formulação inicial dessa temática se for posta num plano
diferenciado de recuperação epistemológica.

Contemporaneamente, modificado tal panorama, a autonomia contratual não é mais


vista como um fetiche impeditivo da função de adequação dos casos concretos aos
princípios substanciais contidos na lei e às novas funções que lhe são reconhecidas.
Por esta razão desloca-se o eixo da relação contratual da tutela subjectiva da
vontade à tutela objectiva da confiança, directriz indispensável para a concretização,
entre outros, dos princípios de superioridade do interesse comum sobre o particular,
da igualdade na sua face positiva e da boa fé em sentido objectivo.

A discussão sobre contrato no século XIX, pendia em larga medida sob acordo de
vontades, sob a averiguação da conformidade entre vontade, declaração e os vícios
do consentimento se exprimia, e sobretudo se era livre.

Ao invés, no contrato contemporâneo, embora ainda haja a preocupação com o


consentimento e seus vícios, cumpre impedir que um contratante, valendo-se da
sua posição económica, dite cláusulas que sejam desleais ou vexatórias para o
outro. Insuficiente é, nestes dias, apenas tornar o contrato anulável por vício da
vontade, cabendo, antes, salvaguardar a parte mais fraca na contratação.

A conformidade classica de contrato, individualista e voluntária, cede, deste modo,


lugar a um novo modelo deste instituto jurídico. O contrato deixa de ser apenas
instrumento de realização da autonomia privada, para desempenhar uma função

49
social. O fenómeno da contratação passa por uma crise que causou a modificação
da função do contrato: deixou de ser mero instrumento do poder de
autodeterminação privada, para se tornar um instrumento que deve realizar também
interesses da colectividade.

Esse novo modelo é amparado, dentre outros factores, no campo das relações
contratuais, em que proliferam os contratos de adesão, pela busca de equilíbrio
concreto entre as partes contratantes, pela disciplina das cláusulas contratuais
gerais, pela resolução por onerosidade excessiva e também pela garantia de
direitos mínimos ao contratante vulnerável. Além disso, a boa-fé objectiva, podendo
ser entendido como fundamento unitário das obrigações, fornece não apenas
critérios interpretativos, mas ainda é fonte de deveres e de limitação de direitos para
as partes.

Com base na noção de boa-fé objectiva, cobra-se a transparência do contrato,


proíbe-se a publicidade enganosa ou abusiva, constrói-se o dever de informar ao
qual se ligam o dever de confidencialidade sobre as informações e à sua
rectificação, se necessário, veda-se a conduta abusiva de modo geral e afirma-se o
dever de cooperação entre as partes.

Pode-se notar que os sujeitos do direito privado tradicional o proprietário, o credor, o


devedor, o marido, o testador etc. São geralmente descritos de um modo bastante
abstracto. As suas características são definidas a partir de uma sistematização
uniformizadora dos problemas práticos. Neste âmbito, as pessoas ora são
compradoras, ora vendedoras, locadoras ou locatários, mutuantes ou mutuárias e
assim em diante. Entretanto, as pessoas reais desempenhando tais papeis são
completamente intercambiáveis. Ainda assim, segundo a perspectiva tradicional, as
mesmas regras devem ser aplicadas independentemente da pessoa concreta que
aja num caso particular.

É preciso, contudo, formular um raciocínio que confira maior peso aos argumentos
relativos à hipossuficiência de uma das partes, qualquer que seja a sua posição na
relação jurídica.

GUNTHER TEUBNER, considera que há três níveis diferentes de formação do que


chama de sistema contratual: 1- o nível de relações pessoais entre as parte
contratantes (nível de interacção); 2- o nível do mercado e da organização, que vai

50
além do mero contrato individual (nível institucional); 3- o nível da inter-relação entre
os grandes subsistemas sociais, como politica, economia e direito (nível social).
Acrescenta o autor que estes níveis devem ser entendidos não como patamares
hierárquico, mas antes como modos distintos de desenvolvimento do sistema
tornados gradualmente independentes uns dos outros, que encontram no contrato, a
que todos estão ligados, uma espécie de ponto comum.

No plano da interacção, percebe-se que as normas contratuais formalizadas no


acordo negócial precisam ser complementadas por um feixe de expectativas
informais, cuja origem não pode decerto encontrar-se nas explicitas declarações de
vontade das partes, mas que, ao mesmo tempo, não podem ser simplesmente
derivadas de uma interpretação ex- lege das normas jurídicas modeladoras do
figurino contratual.

No plano institucional, estão em causa conexões designadamente com o mercado.


Constata-se que os contratos estão integrados num contexto institucional mais
vasto, e o direito contratual deve levar isso em conta. Deve-se buscar a
adaptabilidade das obrigações contratuais às estruturas institucionais, ora mediante
a imposição de obrigações contratuais adicionais anexas às estipuladas pelas
partes, ora através da limitação de direitos decorrentes do contrato, com o emprego
da técnica de legislar por cláusulas gerais.

No plano da sociedade, são tratadas as exigências que o sistema social, no seu


conjunto, põe para o contrato: a primazia ilimitada do consenso das partes não pode
ser a única determinante da ordem contratual, quer se trate de questões de
consciência individual, de proibições religiosas, de regulação política ou de controlo
económico. Devido ao seu alto grau de indeterminação, a cláusula geral é
particularmente adequada para a conciliação das envolventes sociais instáveis,
portadoras de exigências permanentemente mutáveis e discrepantes.

Noção de cláusula geral pode ser entendida como a formulação de uma hipótese
legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento
jurídico todo um domínio de casos. Conceptualmente, contrapõe-se a uma
elaboração casuística das hipóteses legais, que circunscreve particulares grupos de
casos na sua especificidade própria. A grande vantagem da cláusula geral sobre o
casuísmo está em graças à sua generalidade e abertura, tornar possível regular um
vasto número de situações, que talvez sequer pudessem ser já previstas ao tempo
da publicação0 da respectiva lei, enquanto a técnica casuística pressupõe o risco de
uma regulação fragmentária e provisória da matéria abrangida.

51
3. Princípio da igualdade

O clássico princípio da igualdade, não menos, ou até mais do que em qualquer


outro ramo jurídico, possui inevitáveis reflexos no âmbito concorrencial, sendo uma
das principais razões que justificam a existência de uma legislação de protecção à
concorrência. Isto porque o grande objectivo da legislação antitrust é o de
preservar, a abstenção de práticas que visem restringir a actuação de outros
integrantes.

Assim, cláusulas proibitivas e restritivas em operações societárias ou em contratos


diversos, podem potencialmente violar o princípio da igualdade. Trata-se de um
conceito cujo alcance só pode ser determinado por aplicação a casos concretos.

Por outro lado, acontece que em nome da selectividade ao proprietário de


determinada marca é facultado o direito de seleccionar distribuidores ou
revendedores de seus produtos, servindo de exemplo o clássico caso envolvendo
Yves Saint-Laurent eo Supermercado Galec, em França.

Tal decisão exalta a interesse do comerciante em preservar a qualidade e bom uso


de seu produto, considerando as características do mercado, o público alvo, etc., de
modo que se preserva ao fabricante a sua estratégia de mercado, e a adequada
distribuição em atenção à esta postura adoptada.

4. Princípio da análise económica

O princípio da análise económica confirma a já citada interdisciplinariedade do


direito da concorrência e seu estudo. É inconcebível vislumbramos a criação, e
aplicação ao caso concreto, de normas antitrust sem que se analise o fenómeno da
concentração, também, pelo prisma económico. Assim sendo, a norma jurídica em
abstracto não conduz por si só à conclusão pela existência de abuso de poder
económico.

Como consequência, dever-se-á determinar-se o ganho em prevenir o dano é maior


que as pedras que seriam causada. Com a análise económica do direito aqui

52
aplicada, é que se pode aferir critérios de maior objectividade ao alcance de norma
concorrência.

5. Princípio da regra da razão

O principio da regra da razão, é um dos mais importantes quando se fala de direito


antitrust, sendo um alicerce que sustenta a flexibilidade na aplicação da norma
nesta ceara jurídica.

O principio em referência, de raiz do norte de da América, teve origem no


tratamento dado ao Shermam, Act, em conjunto com o Federal Comission Act e o
Calyton Act, pela jurisprudência local, amenizando a rigidez destes diplomas legais,
de forma a viabilizar actos que, num primeiro momento seriam anticoncorrenciais,
em nome da competitividade. De tal modo, a análise dos factos particularizada em
cada caso, torna-se preponderante à delimitação do que seria razoável, para os
efeitos pró-competitivos, diferenciando o bom trust do mau trust.

6. Princípio da eficiência

Seguindo a mesma linha de raciocínio que fundamenta o princípio da regra da


razão, o princípio da eficiência decorre de uma análise prática do caso de modo a
verificar se determinado acto de integração, fusão ou incorporação, quebra a
harmonia pretendida para a justiça social e o bem-estar económico do mercado.
Para a eficiência não é encarada tão somente como aquele intuito egoísta de
maximização do desempenho e dos resultados, ainda que em detrimento de outros
factores do mercado, como os consumidores e a concorrência. É, na verdade, a
optimização da actividade económica empresarial juntamente com a preservação do
bem comum, o que, por sinal, está bem expresso nos artigos 9.º E 1.º da Lei
Constitucional: propriedade privada; função social da propriedade; liovre
concorrência; defesa do consumidor; redução das desigualdades sociais e
regionais; busca do pleno emprego, dentre outros.

b. Evolução da protecção da concorrência em Angola e seu panorama actual

53
a Constituição de 1975 adoptou como princípio estruturante do sistema económico o
princípio da direcção centralizada e planificada da economia, que funcionava na
base de um plano geral e obrigatório, que deveria ser executado por todos os
agentes económicos. A entidade que elabora o plano, determina a necessidade dos
sujeitos, a sua prioridade, fixa os níveis de produção e opera a distribuição dos bens
produzidos de tal modo que não se poderia falar de concorrência uma vez que esta
apenas se compreende por referência ao mercado.

Este panorama de ausência de regulamentação, exprimia-se pela consagração por


via constitucional de um projecto de transição para o socialismo que veio a
concretizar-se com a revisão constitucional de 1978.

Com a Constituição de 1992, aprovada pela Lei de revisão constitucional n.º23/92


de 1992, começaram a surgir as primeiras preocupações do Estado angolano em
regulamentar a concorrência, acompanhando uma tendência ideológica mundial
advinda do período após primeira guerra mundial.

Com efeito, a Lei Constitucional estabelece que a ordem económica deve ser
organizada pelo Estado, cabendo a garantia da liberdade de actuação económica
no mercado, atendendo aos princípios da justiça e interesse de desenvolvimento
económico nacional artigo 9.º e 10.º da L.C. Consta também ainda que só de forma
implícita, que cabe ao Estado coordenar os factores de produção de maneira a
evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais
o interesse nacional.

Como sucedâneo neste dispositivo constitucional vigente, foi promulgada a lei das
infracções contra a economia conduta tendentes a, entre outras, prejudicar o
mecanismo da concorrência.

Não obstante tais disposições, a referida lei não teve a repercussão esperada, no
que à concorrência diz respeito, agindo mais na regulamentação de preços e
fraudes no comércio. Certamente a falta de um órgão especifico de controle e
julgamento administrativo de casos, contribuiu de forma acentuada para a reduzida
aplicabilidade da Lei 6/99, em termos de concorrência.

54
Diante deste panorama legislativo, temos que a protecção da concorrência, em
conjunto com a livre iniciativa, atinge dois espectros diversos: a concorrência
desleal; e o abuso de poder económico (infracção à ordem económica).

Na primeira dá-se, no interesse do empresário. Já na segunda hipótese, que além


do âmbito civil e penal envolve a seara administrativa, há o interesse da sociedade
em geral, extrapolando o interesse específico do empresário, já que os bens
jurídicos protegidos são tutelados por toda a colectividade.

Assim, ao contrário do que se dá na concorrência desleal, nas infracções à ordem


económica verifica-se um grau muito mais acentuado e juridicamente muito mais
relevante, de interferência no equilíbrio das estruturas da economia de mercado.
Com efeito de um mercado nocivamente concentrado resultam graves reflexos nas
mais diversas relações, seja a do nível do emprego, da qualidade dos produtos e
serviços postos à disposição do consumidor, ou ainda na própria geração de
receitas para o Estado, e nos números da economia interna.

Os efeitos da concentração na defesa da concorrência e interesse e direito


dos consumidores.

Já há alguns anos tem se verificado o crescimento da realização de actos de


concentração empresarial, especialmente fusões e incorporações. Este fenómeno,
que algumas vezes atinge repercussão nacional pelo porte das sociedades
envolvidas, pode visar vários objectivos, como por exemplo, a recuperação
económica de duas empresas deficitárias, o fortalecimento da cadeia produtiva de
ambas ou de uma delas, o mercado distribuidor, dentre tantas outras motivações.

É certo que a fusão e incorporação trazem efeitos benéficos, tanto na esfera das
pares envolvidas quanto frente à terceiros e à co0lectividade, todavia, ao mesmo
tempo, quanto a estes dois últimos, pode também originar efeitos perversos que por
vezes se sobrepõem ao efeito benéfico. Surge então a necessidade de o Estado
acautelar estas operações, bem como os efeitos decorrentes em relação a terceiros.

Quanto se fala em trust, palavra de origem anglo-saxónica, remete-se a um


conceito económico, de natureza capitalista, que consiste numa concentração de
empresa visando o domínio do mercado através de eliminação de concorrência, e

55
consequente imposição de preços arbitrários. E neste contexto, consequência óbvia
do capitalismo, termos que não é interesse de uma dada colectividade a ocorrência
destes monopólios que geram um grave custo socio-económico, uma vez que se
pratica de um preço justo, a geração0 de novos empregos, etc. Enfim, o mercado
não se situa diante do desejável equilíbrio natural da justa composição entre a oferta
e a procura, e ao livre comportamento dos agentes económicos.

O poder económico privado consubstancia-se na capacidade que têm as empresas


de influir nas condições e nos resultados económicos do mercado, de tal forma a
dele retirar vantagem que as coloque e em posição de domínio sobre os
trabalhadores e consumidores.

O fenómeno da concentração está umbilicalmente relacionado com o fenómeno das


operações societárias, e mais especificamente o da fusão e incorporação, que, no
nosso ordenamento, vem previsto no texto da legislação Comercial.

Esta relação é oriunda da própria essência de tais instituto, que, apesar de


amparados pelo princípio da livre iniciativa, são o caminho natural para a existência
de concentrações no mercado. E, muito embora, seja vigente no nosso
ordenamento o princípio da livre iniciativa, este não é absoluto, há que se atentar ao
princípio da livre concorrência, que visa o equilíbrio do mercado competitivo, de
modo a evitar os efeitos nocivos da concentração indevido das empresas.

Diante desta aparente antinomia entre os princípios da livre iniciativa e da livre


concorrência, é que se torna relevante o conhecimento da legislação sobre a
concorrência, a actuação dos órgãos governamentais, suas competências e o poder
controlador dos de concentração de modo a encontrar o ponto ideal de equilíbrio
propiciando a devida análise de eventual fusão ou incorporação de sociedades.

Portanto, é indispensável a análise das origens dos institutos como a Fusão e


Incorporação de empresas, e sua evolução histórica em paralelo coma evolução dos
órgãos governamentais de defesa da concorrência.

Assim é que se faz necessário estabelecer uma actuação preventiva e em alguns


casos repressiva do Estado no sentido de apreciar a bondade e oportunidade dos
actos de concentração.

56
Neste sentido, é que se busca situar conceptualmente o que é, para o direito da
concorrência, o mercado relevante, o exercício de forma abusiva de posição
dominante, dentre outras previsões legais que são pontos nevrálgicos ao
entendimento e busca do equilíbrio económico e jurídico entre a livre iniciativa e
disciplina da concorrência.

E para que haja devida análise da concentração de mercado, é imprescindível que


se atente à critérios circunstanciais da operação em análise como por exemplo, o
temporal, material e especial, que são de suma relevância para a determinação de
uma possível concentração, na medida em que deve haver uma identidade de
elementos entre os agentes económicos investigados para se supor eventual
infracção à ordem económica. Isto, tendo em conta o facto de existirem excepções
que possibilitam a concentração de mercado, havendo que se considerar o
mercado, dentre outros factores característicos de determinados ramos
naturalmente segmentados e tecnologicamente restritos no mercado, sendo por si
só um factor de limitação natural.

Assim, considerando aprioristicamente que o acto de fusão ou incorporação, que


tem respaldo no próprio princípio da livre iniciativa, que por si só, não é um acto
ilícito ou atentatório à concorrência, mas sim as suas consequências é que podem
ser indesejadas pelo ordenamento, é que surgem dúvidas frequentes acerca da
perfeita adequação e da eficácia destes actos perante as disposições limitadoras da
legislação de defesa da concorrência.

O abuso de poder económico e princípios constitucionais que fundamentam a


sua repressão

A livre concorrência pressupõe uma estrutura de mercado, em que nenhum produtor


ou fornecedor exerça um controle exclusivo dos preços e em que é garantido a todo
o tempo o ingresso de novos fornecedores e consumidores no mercado.

A base filosófica do cambate ao abuso de poder económico, assentava na ideia de


que pugna toda a conquista de poder económico tem como consequência a
assunção de correlativos deveres. Um dos modos bem comuns de abuso de poder
económico na actual conjuntura do mercado, tem sido a formação de monopólios.

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Monopólio indica uma estrutura de mercado, em que ou alguns produtores ou
fornecedores exercem o controle de preços, e em que não é possível, por
obstáculos naturais ou artificiais, a entrada de novas empresas, fazendo oferta dos
mesmos produtos ou de sucedâneos;

O monopólio pode ser de três tipos fundamentais:

a) Monopólio de só empresa que é o modo clássico;

b) A diferenciação do produto é uma das características da industria moderna,


significa dizer que os produtos se distinguem uns dos outros de diversas
formas e isto pode conduzir à monopolização. A monopolização de um
determinado produto que se encontra diferenciado, ocorre quando, tomando
como exemplo a industria de café bruto, enquanto matéria prima é um só,
entretanto, o café que é consumido pela generalidade das pessoas possui
diversas marcas e designs que demonstram a sua diferenciação, influindo no
poder monopolístico que tem o produtor. Um outro factor que se deve ter em
conta é que para além das diferentes marcas e processos de fabricação,
existe ainda a diferenciação no peso e na qualidade do produto.

A diferenciação do produto é mais um instrumento de poder com capacidade


de conferir aos empresários a possibilidade de acumular de forma individual
uma enorme capacidade financeira, permitindo-lhes adoptar determinados
comportamentos que podem dificultar a apreciação dos demais competidores
no mercado.

É bem verdade que a criatividade e a inovação são próprias do empresário


moderno, e é verdade, porque sem a versalidade desse coordenador
económico, ao usar a técnica da diversificação, não há como, dentro do
processo de acumulação de riqueza, haver a concentração e até a
centralização de capital e é isto que tem provocado o sucesso de alguns
empresários em decadência de outros que não procuram o seu
desenvolvimento empresarial, tanto pelo prisma da criatividade, como das
formas desleais de comercialização.

O processo de diferenciação, gera o que PAOLO SYLOS LABINI, denominou


de oligopólio diferenciado, ou grupo de empresas produzindo, ou
comercializando produtos ligeiramente diferentes na sua forma de
apresentação ao público consumidor.

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Segundo LABINI, o oligopólio diferenciado encontra-se em muitas industrias
produtoras de bens de consumo e em numerosas actividade comerciais, a
descontinuidade dos métodos de organização pode determinar situações em
que a diferença entre uma grande empresa e uma pequena é apenas em
termos de quantidade, com maior turn ver no comércio para os grandes
revendedores, enquanto esses mesmos produtos na pequena têm as
mesmas características, portanto, o poder de monopólio nas grandes
empresas é bem maior do que nas pequenas, pois, isto cria dificuldades no
processo de acumulação das pequenas e favorecem aos grandes com o seu
poder de aliciamento.

Oligopólio puro a ênfase na interdependência, mo comércio de indústria


como um número de concorrentes com produção de mercadorias que são
substituídas próximas entre si, configurando homogeneidade ou
diversificação e o questionamento da livre entrada, associado aos
desequilíbrios do mercado, redundaram num processo de centralização e
concentração de capitais que propiciou o crescimento das empresas e a
formação de mercado com pequeno número de rivais entre si o oligopólio.
Nas Economias modernas a estrutura de mercado mais frequente é aquela
em que existem poucos participantes no processo produtivo ou no mercado a
obtenção do maior lucro possível é o grande objectivo dos empresários,
muitas vezes em detrimento dos outros participantes do mercado. A empresa
passa a ser vista como uma organização em crescimento com outros
atributos dinâmicos, além dos representados pelas curvas de custos e
rendimentos, ou por um equilíbrio baseado nas decisões sobre preço e
produção. O oligopólio representa assim uma estrutura de mercado
caracterizada por um número pequeno de empresas, com alto grau de
concentração local, ou de mercado. As políticas adaptadas pelos
oligopólistas, são tomadas em função dos efeitos sobre os seus rivais.

Desta forma a repressão ao abuso do poder económico tem o objectivo de


coibir (a) a dominação de mercado (b) a eliminação da concorrência e (c) o
aumento arbitrário dos lucros.

Pode-se concluir que a repressão ao abuso do poder económico, tem


peculiaridades de carácter instrumental de produção à livre concorrência, e é
causa justificadora da actuação indirecta do Estado na economia, por meio
de repressão à distorções causadas no mercado pela adopção de
determinadas praticas e de garantia à colectividade quanto aos benefícios
que a livre concorrência pode trazer.

59
A repressão ao abuso de poder económico pressupõe ainda:

a) Não dominação de mercados;


b) Que o Estado, neste modo de intervenção, actue como mandatário da
sociedade na tarefa de restaurar a ordem jurídica atingida
perniciosamente pela prática económica abusiva.

O combate ao abuso do poder económico, visa assim garantir os benefícios


económicos trazidos pela livre concorrência, que são os seguintes:

 Baixa de preços, diversificação das opções e controlo da qualidade: Estes


benefícios resultam da liberdade que as empresas têm de se dedicar a
determinado ramo de negócios, e de crescer pelo mérito de seus atributos,
sem entraves criados pelo que já fazem parte do mercado.
 A política económica beneficia directamente do combate ao abuso do poder
económico pois, há interesse nacional em manter moderno o parque
industrial, o que é possibilitando pela livre concorrência, que obriga as
empresas a sempre aperfeiçoarem-se, no sentido de desenvolver produtos e
serviços em qualidade que melhore cada vez mais a vida do cliente.

É através da compreensão destes benéficos que deve ser entendida a actuação do


Estado. Os requisitos para que o Estado actue em questões surgidas entre
empresas privadas são que ela tenha repercussão no mercado no que toca
obviamente à livre concorrência. A função do administrador público neste âmbito é
tornar eficaz o preceito de livre concorrência. O facto da livre concorrência ser
complemento de um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, que é a
livre iniciativa, até porque a livre concorrência é uma manifestação da livre iniciativa,
que juntamente com valorização do trabalho humano, são base do Estado
Democrático de Direito, e têm a função de assegurar vida digna e a efectivação da
justiça social.

É relevante salientar que a aplicação adequada deste preceito depende da


garantia, aos agentes económicos, de um mercado protegido de acções abusivas
da parte de grupos económicos poderosos, no sentido de garantir opções ao
consumidor.

A base para o entendimento de uma conduta como abusiva é a regra da razão,


enquanto base do sistema repressivo, e que consiste:

60
1. Na necessidade de análise, contextual e conjuntural da economia, em que se
celebrou o ajuste ou acordo restritivo da concorrência, e que teve como
resultado danos à economia e ao mercado;
2. Do ponto de vista do agente económico:
a) O seu poder econ´mico só, pode ser analisado adequadamente para fins
de efectivação da regra da razão se o mercado sob análise sw enquadrar
no conceito de mercado relevante no âmbito do caso concreto. A
indisponobilidade desta condição justifica-se pela constatação de que
toda concretização de um fenómeno de poder económico se dá no âmbito
de um mercado de bens ou serviços juridicamente individualizado; e
b) Na sua posição relevante em que actua.

3.Na verificação:

 Da participação proporcional da empresa no mercado relevante e seus


concorrentes o que por si só é capaz de configurar posição de
dominante;
 Dos efeitos negativos que a conduta imputada teria causado esses
concorrentes e consumidores, e seus produtos e serviços;
 Do porte da empresa, aferição esta que se alicerça na maior
acessibilidade e recursos financeiros e sistemas de distribuição. A
critica que se faz a este critério é que este factor por si só não configura
um domínio do mercado, pois, por exemplo, uma empresa pequena
pode estar por exemplo em situação de monopólio se consideramos
que é a única num mercado pequeno distante;
 Do poder de fixação de preços, verificação esta que se radica na
necessidade de se:
a) Reflectir nitidamente sobre a falta de concorrência efectiva das
empresas em posições dominantes;
b) Saber que a aptidão para fixar preços acima dos níveis
prevalecentes num mercado competitivo é o que comprova a
posição dominante ou de titular de poder no mercado.

4.no princípio da razoabilidade a constatação da abusividades de


determinada(s) prática(s), de maneira a perceber-se como requisitos para que seja
considerada abusiva determinada conduta o facto de ela ter por objecto e o poder
de produzir:

61
a) Prejuízos à livre concorrência;
b) Domínio do mercado relevante, de bens de serviço;
c) Aumento arbitrário dos lucros;
d) Desencorajamento à concorrência;
e) Impedimento ao ao desenvolvimento de empresas do sector, com
consquente concentração do mercado;
f) Violação da autonomia de vendedores e distribuidores em função de acordos
firmado entre produtor e consumidor (prática vertical).

Recaindo ao Estado a tutela de um mercado competitivo, cabe a análise específica


das origens e das diversas repercussões do caso, de modo a relevar o interesse
comum em produtos e serviços com custos reduzidos, porém com o
desenvolvimento da tecnologia e da qualidade. E obviamente o agente económico
que licitamente empreende no mercado com objectivos de crescimento em conjunto
com a manuteção deste interesse comum, tende naturalmente a execer um certo
domínio sobre a concorrência, neste caso, tolerável ante aos benefícios socio-
económicos.

Assim, a legislação antitrust, deve visar a protecção das condições de consumo em


níveis mais satisfatórios possíveis de harmonia com a melhoria do desempenho do
em preendimento empresarial.

Neste sentido poderá autorizar-se a prática de actos que, possam limitar ou


prejudicar a livre concorrência, ou resultar numa posição de domínio do mercado,
desde que tenham por objectivo propiciar a eficiência e o desenvolvimento
tecnológico ou económico

Como a actividade económica é, na sua essência, carreada pelo interesse privado,


há que equalizar os ganhos do empreendedor, com as perdas de outro
empreendedor, com a protecção do mercado concorrencial e da livre iniciativa,
repercutindo em benefício social, no que tange à geração de empregos, melhor
qualidade dos produtos, etc.

Portanto, preconiza-se que o direito da concorrência tenha como primado a


concorrência- meio, legitimaqndo-se actos que abrarquem o interesse social e econ
´mico, ainda que potencialmente prejudiciais à própria concorrência.

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O carácter de actuação do Estado, deve caracterizar-se por:

- Poder realizar-se por diferentes procedimentos, co0nforme a natureza da questão


a decidir e os objectivos da decisão;

-Dever obidiência aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade,


impessoalidade eficiência e outros princípios implícitos, como a fundamentação das
decisões, finalidade, razoabilidade, proprcionalidade, boa fé, etc.

Acesso ao mecado- medidas estruturais

Em economia de mercado rege, o princípio da liberdade de acesso ao exercício da


generalidade das actividades económicas. Este princípio, como se viu, encontra-se
consagrado na Constituição, mas isto não significa uma impossibilidade absoluta de
limtações ao modo como os direitos dele resultantes podem ser exercidos. Essas
limitações aparecem por vezes combinados com o uso de incentivos, concretizando-
se quer através de actos unilaterais da Adminstração quer através de contratos:

 O acesso geral a infra-estruturas logísticas, em condições transparentes e


não discriminatórias, constitui um factor eeesncial e indispensável para que a
concorrência possa ser dinamizada no mercado dos diversos bens e
produtos.
 Face às caracteristicas do mercado nacional de produtos como o
combustível, importa criar condições de contestabilidade por via de fontes
alternativas de abastecimentos à empresas preponderante Sonangol.
 A diversificação das fontes de abastecimentos é uma das condições
essenciais no fomento e melhoria da concorrência no mercado.
 A liberdade de formação da oferta e da procura, e de acesso ao mercado são
condições indispensaveis ao funcionamento de uma economia de mercado
assente na concorrência não falseada;
 Limitações este princípio deverão assumir carácter excepcional e
proporcional aos objectivos prosseguidos, isto é, deverão constituir o único
meio de atingir esses objectivos;
 A regulamentação em matéria de salvaguarda da segurança, não deverá
constituir, em termos de direito ou de facto, uma barreira técnica à instalação
de novos operadores;
 Num contesto de mercado livre, não é admissível permitir, por via legal ou
administrativa, a criação de monopolios locais (o mesmo operador de
combatíveis ao longo de uma via rápida ou de uma estrada), susceptíveis de
constituírem entraves sérios à concorrência naqueles mercados; a
preocupação reside no facto de se assegurar que num mercado local, o

63
consumidor tenha opções diferenciadas de escolha, em termos do serviço
prestado e do preço praticado.

Publicitação e transparência

Num mercado concorrencial, é fundamental a informação e transparência dos


preços ao consumidor, para que este passa fazer, de uma forma livre, as suas
opções de escolha. Certos mercados retalhistas locais, o consumidor necessita
de informação sobre os preços praticados ao longo do percurso, sob pena de
não integrar na sua opção de escolha o factor preço.

Igualmente, o facto de a liberalização de preços propiciar a comercialização de


novos produtos (de características e preços distintos dos vulgarmente
comercialização), suscita a necessidade de uma informação eficaz dos preços
desses produtos, que permita ao consumidor comparar preços entre vários
produtos e marcas.

OUTROS DIREITOS EM MATERIA ECONOMICA

a) Os Direitos dos Consumidores

A produção de bens e/ou serviços, quer por empresa privadas, quer por empresas
públicas ou cooperativas destina-se a ser consumida. Uma parte dos consumidores
são outras empresas, tratando-se nesse caso de consumo intermédio, visto que se
integra no valor de outros bens e serviços. O objectivo último de toda a produção é,
contudo a satisfação das necessidades do consumidor final, que por isso é o
principal destinatário das normas constitucionais de protecção do consumidor.

A crescente importância da protecção jurídica do consumidor está ligada a


diferentes factores de ordem económica e social. Por outro lado, constata-se uma
cada vez maior sofisticação dos modos de captação de clientela com recurso a
publicidade ou outra formas de promoção de vendas, que por vezes se mostram
enganosas ou agressivas, justificando-se assim, a sua regulação pública. Por
último, são hoje cada vez mais complexas e frequentemente globalizadas as forma
de organizar a produção, o que contribui para aumentar o risco do consumidor,

64
justificando-se assim, o alargamento dos seus direitos e garantias e o reforço e
simplificação dos meios de as efectivar.

Para além de serem direitos a prestações por parte do Estado são também direitos
a prestações ou acções dos agentes económicos. São além disso no caso do direito
a reparação de danos verdadeiros direitos subjectivos.

Finalmente para a protecção do consumidor a lei define o modo como pode ser
disciplinada a publicidade, proibindo a publicidade enganosa, que resulta do direito
dos consumidores a uma correcta informação sobre os diversos bens e/ou serviços
potenciais objectos de consumo.

b) Os Direitos ao trabalho

A constituição garante o direito ao trabalho (artigo 46.º ), que deve se entendido


aqui como um direito a uma prestação positiva por parte do Estado, consistindo no
desenvolvimento de politicas que assegurem o máximo de emprego possível e a
igualdade de oportunidade e de formação especifica e genérica, e não como um
direito subjectivo a um concreto posto de trabalho. A Constituiçao consagra ainda
um conjunto de direitos aos trabalhadores relativos à retribuição e às formas de
prestação do trabalho, assim como à assistência no desemprego e, finalmente,
impõe ao Estado a regulação do mercado de trabalho (artigo 46.º e 47.º).

c) Direitos ao Ambiente

Por último, entre os direitos e deveres fundamentais a Lei Constitucional


reconhece o direito ao ambiente (artigo 24.º). A protecção do ambiente abrange
tanto o elemento natural, como o elemento construído, ou seja, não apenas a
conservaçao dos ecossistemas mas também a integração dos elementos
economicos e sociais. Este direito além das suas outras múltiplas faceta, constitui
também um dos limites constitucionais ao livre exercício da actividade económica
(pública, privada ou cooperativa) e pode ter reflexos em vários dos seus momentos.
O acesso e a organização de uma actividade económica, a sua instalação,
condições de funcionamento e as suas relações com terceiros, ou mesmo a sua
extinção, podem ser condicionadas ou determinadas por razoes ambientais; os
custos da poluição, assim como os da sua prevenção, podem ser integrados nos

65
custos de produção, existindo mesmo, em alguns ordenamentos jurídicos, o
princípio do poluidor-pagador.

Tal como é concebido pela constituição o direito ao ambiente compreende o direito


a uma acção positiva do Estado no sentido de o defender e controlar as acções
poluidoras. Entre as obrigações do Estado, para além da preservação dos espaços
naturais e da intervenção nos espaços degradados, inclui-se também o
ordenamento da implantação urbana e industrial, da exploração agrícola e florestal.
Inclui ainda uma proibição de acções de acções atentatórias do ambiente quer por
parte do Estado que por parte de outros agentes económicos, conferindo ao cidadão
individual e/ou colectividade o direito de exigir a cessação de tais acções e uma
indemnização pelos prejuízos causados.

Para além disto o direito do ambiente vincula ainda os particulares, consagrando o


dever de o defender, podendo traduzir-se num dever geral de abstenção ou de
acção ( dever de impedir acções que atentem contra o ambiente e exigir do Estado
determinadas prestações).

Em suma pode-se dizer que o direito ao ambiente comporta:

 Um direito subjectivo individual


 Dever geral de abstenção (vertente negativa )
 Direito a exigir do Estado determinadas prestações (vertente positiva)
 Um dever individual e de grupo
 Tarefa do Estado.

Pág.111

66
CAPITULO III

A Organização Económica

O princípio da coexistência de trêssectores de propriedade dos meios de produção


(art. 10.º e 11.º LC)

 Sector público
 Propriedade e gestão públicas

 Sector privado
 Propriedade e/ou gestão privadas
 Sector cooperativo e social
 Posse e gestão cooperativa/posse e gestão por entidades sociais

Sector privado

A Constituição garantiuna sua versão inicial de 1975, a existência de um sector


privado, o qual é hoje constituido pelos bens e unidades de produção cuja
propriedade ou gestão pertencam a pessoas singulares ou colectivas privadas.
Estão assim naturalmente abrangidos, todos os meios de produção que sejam
propriedade de entidades privadas, excepto se forem geridos por cooperativas em
obediência a princípios cooperativos, ou meios de produção que sejam propriedade
pública mas cuja gestão esteja entregue a entidades privadas.

Sector público

O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão


pertençam ao Estado ou outras entidades públicas. A acumulação da propriedade e
gestão é condição necessária, dado que pode haver bens públicos geridos por
entidades privadas ou cooperativas, como também pode haver intervenção pública
na gestão de empresas privadas, sem que por isso, em qualquer dos casos, esses
bens ou empresas devam considerar-se integrados no sector público.

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Assim sendo, fazem parte do sector público os meios de produção públicos geridos
directamente pela Administração Pública, ou por outras entidades públicas, que
poderão assumir a forma de institutos públicos, empresas públicas, sociedades de
capitais púlbicos e sociedades de capitais misto quando controladas pelo Estado.

Através do sector público o Estado produz bens ou presta serviços, ora em


concorrência com a actividade privada ou cooperativa, ora em monopólio natural
legalmente protegido.

As funções do Estado

O recuo do Estado produtor (onde aparece como empresário) nacionalizações e


privatizações.

No exercício desta função o Estado produz e distribui bens e serviços, com o


objectivo de proceder à redistribuição do rendimento, retirando do mercado certas
actividades, reservando para si o seu exercício, ou concorre com agentes
económicos (privados e cooperativos ), na mesma actividade. Intervém assim de
forma directa na economia.

 O reforço do Estado regulador condiciona, fiscaliza, planeia e promove a


actividade de terceiros Aqui o Estado intervém de forma indirecta,
possibilitando e condicionando positiva (quando concede incentivos) ou
negativamente quando proíbe determinados comportamentos a actividade de
terceiros, na qualidade de agente exterior ao mercado. Nesta função o
Estado usa de meios de natureza político-legal ou, em determinadas
circunstâncias, contratuais.

 Regulação de natureza geral


- competéncias genéricas
- defesa da concorrência
- planeamento
 Regulação de natureza sectorial
- política agrícola
- políticas comercial e industrial
- políticas monetárias e financeira (a constituição financeira)

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 Constituição monetária – financeira
 Constituição orçamental
 Constituição tributária
 Constituição creditícia

Tendências

A desnacionalização da Constituição económica

A regulação pública da economia: noção, processo

a) Sentido amplo: toda a forma de intervenção do Estado


b) Sentido menos abrangente:

Conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas através das quais o


Estado, por si ou por delegação, determina, controla, ou infuencia o comportamento de
agentes económicos, públicos, privados ou sociais, tendo em vista evitar que efeitos
desses comportamentos que sejam lesivos de interesses socialmente desejáveis (lei e
instrumentos administrativos)

c) Sentido restrito: condicionamento normativo da actividade económica (lei ou outro


instrumento normativo)

Algumas distinções:

 Regulação estadual (hetero- regulação ), como forma de regulação colectiva,


hetero-reguladora relativamente aos agentes individualmente considerados
 Regulação participada, regulação concreta
 Regulação fraca, média e forte.

Processo de regulação

a) Aprovação das normas


b) Implementação das regras
c) Fiscalização do cumprimento e punição das infracções

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1. Regulação e contexto cultural

Variáveis a ter em conta :

 (group) sentido de grupo, isto é, grau de integração dos indivíduos em


em colectividades
 (grid) relações inter-individuais governadas pela lei ou por contrato,
negociado caso a caso.

2. Âmbito da regulação
a) De um ponto de vista territorial ou geográfico
 Mundial
 Regional
 Nacional
 Local

b) De um ponto de vista material


 Conjunto de uma economia (ou de várias )
 Um sector
 Um tipo de empresas
 Uma actividade

3. Tipos de regulação

Em função dos seus objectivos:

a) Restringir a liberdade de iniciativa económica (política económica): medidas de


carácter preventivo e repressivo
b) Indicações, incentivos, apoios ou auxilios aos agentes económicos (fomento
económico) para que assumam determinados comportamentos

4. Procedimentos da regulação

4.1 Procedimentos negociados

Acordos de incitação ou de colaboração com os destinatários da regulação:


contratos económicos e os acordos de concertação)

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4.2.1 Os contratos económicos

Modalidades de contratos económicos

 Os contratos- programa
 Os contratos de desenvolvimento em geral
 Os contratos fiscais

4.2.2, a concertação económica e social

5. As principais áreas da regulação pública económica


 Concorrência
 Restrições e condicionamento ao acesso à actividade económica;
 Serviços públicos ou serviços de interesse geral (incluíndo a regulação
sectorial dos serviços em rede)
 Planeamento e formas de orientação e auxílio aos agentes
económicos
 Protecção do Ambiente;
 Qualidade e protecção dos consumidores
 Informação
 Actividade monetária e financeira

6. O futuro da regulação: dificuldades e tendências

Dificuldades

 Crescente complexidade técnica dos problemas a regular


 Globalização do risco e maiores dificuldades com a sua gestão,
 Multiplicação dos interesses abrangidos por cada medida regulatória
 Procura de ganhos de eficiência por parte do Estado
 Necessidade de manter a legitimidade, “accountability” e “trust”, perante os
cidadãos;
 Partilha de poderes regulatórios a nível internacional.

Tendências na regulação

 Abordagens interdisciplinares: dos juristas, aos econmistas e destes ao


engenheiros
 Desregulação em velhas áreas e regulação de novas áreas (segurança
alimentar, manipulação genética, comércio electrónico)

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 Participação e pluralidade de meios, formas e instâncias.

SECÃO I

ADMISTRAÇAO ECONOMICA: Revisao de alguns conceitos

1. Administração autónoma e administração indirecta do Estado


1. Adminstraçao directa vs administração indirecta

Administração directa – actividade administração levada a cabo directamente pelos


prorios serviços administrativo do Estado, sob a direcção do Governo, enquanto
orgao superior da Administraçao pública estadual embora repartida por vários
ministérios (administração departamental).

Administração indirecta – actividade administrativa realizada por conta do Estado


por outro entes que não o Estado através da sua própria administração

1.2. Administração indirecta: vocacionada para cuidar dos interesses gerais e


não dos interesses especifivos das colectividades infra-estaduais.

Administração autónoma é a capacidade de certas colectividdespara prosseguirem


os seus interesses próprios, representativos da mesma colectividade, e sob
responsabilidade própria. Inclui: a administração autárquica territorial e a
administração corporativa (as associações públicas).

Tipos de autonomia administrativa

 Jurídica (personalidade ) centro de imputação de relações jurídicas (direitoe


deveres), património pessoal e orgaos próprio.
 Administrativa – possibilidade de praticar actos administrativos definitivos e
executório, só sujeitos a impugnação contenciosa
 Financeira- receitas próprias, orçamento próprio e despesas decididas
autonomamente.

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 Disciplinar interna – possibilidade de aplicação definitiva de sanções
disciplinares ao seu pessoal.
 Normativa – possibilidade de emissão de regulamentos autónomos com
eficácia externa.
 Sancionatória – capacidade de aplicação de sanções administrativas.
 De orientação ou autodeterminação – capacidade de definir a orientação da
sua acção administrativa sem dependência de orientação alheia, dentro dos
limites da lei (principio da legalidade da administração).
 Organizatória ou estatutária- capacidade de definição do seu estatuto, quanto
à organização dos seus orgaos e organização dos serviços
 Autogoverno – Governo mediante orgaos próprios, representativos,
escolhidos mediante eleição e não nomeados por ente alheio à pessoa
colectiva.

Os tipos de autonomia da administração indirecta e da administração autónoma

Administração indirecta – conserva sempre autonomia jurídica, tem normalmente


administrativa e financeira frequentemente disciplinar

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