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ESTADO DA ECONOMIA
Seria possível defender o uso ainda mais intensivo de economia no direito (um even more
economic approach) sem com isso aderir às fileiras daqueles que creem que exista uma
análise econômica que seria a melhor e a mais bem testada metodologia jurídica?
E que o uso ainda mais intensivo da economia significaria usar seus instrumentos de forma
menos eloquente e ideológica do que a mera defesa de pautas políticas e mais técnica, em
reforço (e não superação) à aplicação do direito posto vigente, já que nosso país está
marcado pelo direito legislado (estado democrático de direito e separação dos poderes)?
A economia, assim como o direito, é marcada por abordagens e opiniões distintas. Inocente
daquele que acha que a mera citação de um estudo econômico atribuirá ao seu estudo um
caráter empírico.
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Levando em conta que tanto o direito quanto a economia buscam descrever vários fatos
sociais (relações intersubjetivas e suas consequências) em comum (com maior ou menor
abstração) a partir de vocabulários específicos e próprios e a partir de abordagens distintas,
seria de se esperar que suas perspectivas pudessem ser úteis para uma compreensão mais
ampla no âmbito restrito de cada campo.
Avançando em uma direção que seja mais profunda ou pretensiosa do que a mera pesquisa
de contextos gerais (econômicos) para a compreensão de um determinado tipo de problema
legal, há inúmeros exemplos históricos de análise econômica do direito, ou seja,
professores dedicados a estudar os dois saberes de forma conjunta. Se adotarmos um
sentido bem amplo de análise econômica do direito, podemos citar o primeiro grande
movimento americano de law and economics do final do século XIX[2], algumas das
escolas marxistas de direito e o ordoliberalismo alemão[3].
Mas o fato é que quando se menciona a expressão Análise Econômica do Direito (AED) ou
Law and Economics (L&E) busca-se referir a um determinado método de estudo jurídico
construído após o esforço inicial de alguns economistas e juristas que se valeram de
técnicas econômicas neoclássicas para estudar assuntos jurídicos a partir de construtos
derivados da teoria dos preços. Alguns temas já estavam bem próximos da preocupação
econômica, como o direito concorrencial, regulatório e comercial; outros, contudo,
pareciam mais distantes, como a responsabilidade civil, contratos, direito de família e
direito processual. A origem desse movimento é identificada com o trabalho de Ronald
Coase, a partir do ensaio “The Problem of Social Cost”[4] e pelos estudos de Calabresi, e
ganhou projeção com a pesquisa realizada na Universidade de Chicago[5].
Antes desses esforços, pode-se dizer que os estudos que utilizavam a economia para a
compreensão do direito estavam restritos à obtenção de determinados objetivos econômicos
por meio de regras jurídicas (regulação). Após o advento desses novos construtos, o direito
passa a ser analisado como importante instituição (na guinada da economia para o estudo
das instituições)[6]. Uma forte reação acadêmica não demora a se fazer presente, já que
essa abordagem passa a concorrer com outras ciências sociais aplicadas. Convém ressaltar,
contudo, que o alvo de boa parte das críticas não é redirecionada àqueles primeiros estudos
de Coase ou Calabresi, mas aos textos que se seguiram, notadamente o clássico Economic
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Analysis of Law, de Richard Posner, publicado em 1973, e isso porque a proposta passa a
ser a de usar a economia como forma de aprimorar e influenciar a formação do direito, a
partir da perseguição da eficiência econômica ou maximização de riqueza, o que
corresponde a usar o direito como instrumento de atingimento de certas finalidades
preestabelecidas[7].
Nos Estados Unidos, o advento e posterior domínio dessa metodologia deve ser bem
compreendido em suas especificidades, tais como: (i) a política econômica americana
(advento do neoliberalismo, crise fiscal, inflação e ascensão ameaçadora da indústria
japonesa), (ii) a metodologia americana (e seu certo apreço a abordagens instrumentais do
direito – realismo e social science-oriented approach, p.e.) e (iii) um sistema jurídico típico
de um commom law, em que o construtivismo jurisprudencial possui maior espaço.
A análise econômica do direito em sentido estrito seria, portanto, uma teoria orientada pela
eficiência econômica lastreada no Ótimo de Pareto[10]. Nesse sentido, a interpretação do
direito deveria buscar a eficiência econômica típica dos neoclássicos, ainda que isso,
metodologicamente, esteja em colisão com as características tipicamente valorativas de
algum direito concretamente referido (se pensarmos naqueles que defendem a transposição
direta daquele método a outros países, incluindo os que possuem uma ordem econômica
constitucional positivada, como o Brasil).
Em termos mais simples, a análise econômica do direito – em seu sentido mais tradicional
– prega a utilização de técnicas de estudo das consequências econômicas das decisões
jurídicas, sempre em termos de eficiência alocativa. O próprio fundamento do direito seria
a economia em seu viés neoclássico, tendo como pressuposto a não intervenção estatal
(sempre mais defendida do que adotada, já o sabemos) e a eleição da previsibilidade dos
mercados como algo superior a outros argumentos (como os fundamentos e garantias
constitucionais)[11]. Trata-se, portanto, de uma teoria normativa, ou seja, comprometida
em afirmar como deve ser a aplicação do direito.
Ainda assim, não podemos reduzir a importância de uma análise econômica do direito a
determinados expedientes típicos do pensamento norte-americano republicano do final do
século XX, cujo argumento da eficiência econômica como elemento normativo e
teleológico possuía uma finalidade prática e política nítida, de retomada do neoliberalismo
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do governo Reagan (“government was the problem and not the solution”) após o
predomínio de décadas do pensamento keynesiano.
Naquilo que nos interessa mais diretamente, a saber, o direito econômico, financeiro e
tributário, o uso de instrumental econômico pode ser interessante, sobretudo em abordagens
lege ferenda e na revisão de determinadas políticas econômicas concretas.
No âmbito tributário, salta aos olhos a necessidade de estudos econômicos que determinem
os potenciais efeitos de um projeto de reforma tributária sobre a economia e sobre
específicos setores. Quantas abordagens de matriz insumo-produto poderiam ser evocadas
para, ao menos tentar, simular certos efeitos de uma determinada reforma sobre o mercado,
a partir de análises de interdependência entre os setores (consistente em um sistema de
equações lineares a representar a distribuição da produção de um setor em relação aos
demais, na forma de insumos e demanda final, englobando o consumo das famílias, do
governo, da formação bruta de capital fixo e das exportações). Seriam elas determinantes?
Certamente, não. Basta ver os estudos que foram produzidos antes da transição para a não-
cumulatividade do PIS e COFINS. Mas, os elementos oriundos de tais estudos podem
fornecer subsídios ao legislador e à sociedade antes de uma reforma e podem ser preferíveis
às intuições e armadilhas semânticas de qualquer sorte.
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Essa tem sido, portanto, a nossa defesa normativa: o uso cada vez mais sofisticado da
economia no direito para bem compreender (i) os efeitos da promulgação de certas leis, (ii)
a avaliação dos resultados das leis que estão postas e (iii) as provas de convicção utilizadas
na construção de argumentos de justificação de decisões jurídicas (norma individual e
concreta). Tal uso deve ser acompanhado dos pressupostos e limitações metodológicos de
cada modelo (construção de árvores de decisão, econométrico, matriz insumo-produto,
equilíbrio geral computacional etc), o que, em geral, são bem conhecidos e apresentados
pelos economistas proficientes, e pouco estudados pelo idólatras adventícios do direito, que
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buscam construir um modelo metodológico genérico, que vê, na teoria dos jogos, um
exemplo de livro de autoajuda a ensinar como bem decidir no caso de dúvidas.
[1] Aqueles que quiserem entender um pouco mais a minha abordagem sobre a teoria da
argumentação e o uso mais intensivo do vocabulário econômico estão convidados a visitar
meu livro: Economicização do Direito Concorrencial, que tratou do tema tendo como
objeto a análise de concentrações empresariais no âmbito do direito concorrencial
brasileiro.
[2] Pode-se afirmar que surge, inclusive, como uma reação ao pensamento neoclássico
econômico, ao contrário do atual movimento. Os economistas do primeiro movimento
estavam interessados na relação entre o direito e a distribuição da riqueza na sociedade
americana e com uma certa desconfiança de que bem-estar pudesse ser alcançado
simplesmente a partir dos mercados e até mesmo da common law. Ver Herbert
HOVENKAMP, “The First Great Law & Economics Movement”, Stanford Law Review,
1990, 994–95.
[4] Journal of Law and Economics, III. Chicago: Chicago University, 1960, p. 1-44.
[5] Ver HOVENKAMP, “The First Great Law & Economics Movement”, 994. Robert
Cooter, autor de um importante livro sobre Law and Economics, faz um interessante
balanço sobre o sucesso dessa teoria. Ver COOTER, Robert D. “Thicker Selves in Law and
Economics: towards unified social theory”. In: GROßFELD, Bernhard & SACK, Rolf &
MÖLLERS, Thomas M. J. & DREXL, Josef & HEINEMANN, Andreas (coords.).
Festschrift für Wolfgang Fikentscher zum 70. Geburtstag. Tübingen: Mohr Siebeck, 2008,
p. 43-69.
[6] A distinção entre nova economia institucional e análise econômica do direito no estilo
de Chicago não parece estar sendo feita com o devido cuidado na literatura brasileira.
Assinalando a diferença entre as abordagens, ver Richard POSNER, Para Além do Direito,
p. 434 e, sobretudo, 450-467. Sobre a eficiência econômica na Escola de Chicago, ver
Nicholas MERCURO e Steven G. MEDEMA, Economics and the Law: From Posner to
Post-Modernism, p. 57-69. Para um balanço rico em detalhes do law and economics, ver
Richard POSNER e Francesco PARISI, “Law and Economics: An Introduction”, in Law
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[7] KIRCHNER, Christian. “The Difficult Reception of Law and Economics in Germany.
In: International Review of Law and Economics, vol. 11, 1991, pp. 280-281.
[8] A Escola de Chicago surgiu a partir da obra de teóricos relacionados a essa universidade
e que partiam dos primeiros estudos baseados na teoria dos preços de Aaron Director.
Nesse sentido, Richard POSNER, “The Chicago School of Antitrust Analysis”, p. 194. Ver,
ainda, o depoimento de Bork sobre o papel de A. Director na formação da Escola de
Chicago, na nova introdução de seu famoso livro, Robert H. BORK, The Antitrust Paradox:
A Policy at War with Itself, p. xii. Na Economia, seus principais representantes foram
Milton Friedman e George Stigler; na Análise Econômica do Direito (law and economics),
Richard Posner e Robert Bork. Também teve muita importância o estudo de Ronald Coase
(“The Nature of the Firm”), muito embora haja diferenças entre as abordagens.
[9] Como lembrou Robert Bork, sobre a ignorância generalizada em torno do próprio
conceito que ele defendia, o de eficiência econômica (bem estar do consumidor):
“Productive efficiency is a simple, indispensable, and thoroughly misunderstood concept.
Not one antitrust lawyer in ten has a remotely satisfactory idea of the subject, and the
proportion of economists who do, though surely higher, is perhaps nor dramatically so.”Cf
Robert H. BORK, The Antitrust Paradox: A Policy at War with Itself, p. 104.
[11] Por uma questão de delimitação de escopo, não trataremos das escolas pós-Chicago e
de correntes alternativas à análise lastreada em pressupostos neoclássicos, já que se tornou
um clichê defender, retoricamente, a AED com a pretensa flexibilização obtida a partir do
avanço da matemática e do neoinstitucionalismo.
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