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Princípios de análise
do direito e da economia
Introdução
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Outros exemplos dessas ferramentas são a sociologia do direito e a filosofia do direito.
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Mais adiante, apontaremos alguns debates e controvérsias com relação a esses nomes. Para
este artigo e decorrente aula, o nome AED é mais representativo do que trataremos.
3
Para uma leitura mais aprofundada, ver Porto e Sampaio (2014).
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sado. Isso se dá por não se ter, por vezes, na formação dos juristas brasileiros
atenção com os conceitos econômicos,4 fazendo com que haja sempre uma
maior resistência em compreender os fenômenos jurídicos e sociais à luz das
ferramentas econômicas.
Tendo isso em vista, o presente artigo irá, inicialmente, explorar os
principais pontos de interseção entre direito e economia, demonstrando as
interações mais comumente observadas. Em um segundo momento, serão
introduzidas as bases teóricas da análise econômica do direito, tratando de
questões como eficiência e bem-estar. Posteriormente, serão apresentados al-
guns conceitos mais específicos que se mostram fundamentais para a AED,
como falhas de mercado — externalidades, assimetria de informação, bens
públicos e monopólios. Por fim, será explorado um exemplo de aplicação da
análise econômica ao mundo jurídico, a partir do teorema de Coase e de um
caso prático envolvendo o direito de propriedade.
A palavra “economia” sugere aos indivíduos diversas outras: pensa-se por ime-
diato em mercado, IPCA, juros e diversas outras expressões que parecem um
tanto quanto tecnicamente complexas. Para muito além disso está o objeto cen-
tral de estudo da economia: é ciência que se preocupa com os incentivos e com
o processo de tomada de decisão dos agentes (Ulen e Cooter, 2010). Esse foco
da economia no comportamento humano é o lugar-comum também do direito
que, no entanto, não tem a pretensão de explicá-lo, mas sim de prescrevê-lo de
acordo com os consensos sobrepostos da sociedade (Rawls, 2000).
O direito e a economia podem interagir de duas formas: (i) a interação
dialógica complementar entre as ciências; e (ii) utilizando-se a economia
como método de investigação aplicado ao problema. Apesar das aparências,
ambas as formas guardam grandes similitudes e grandes diferenças.
Na primeira interação, as ciências dialogam sem que haja hierarquização
e busca-se a complementaridade: quando uma não consegue respostas, busca
na outra o que precisa para compreender o fenômeno. Diante de determina-
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Ainda que de forma anedótica, podemos nos questionar quantas, das mais de 1.300 faculda-
des de direito que temos no Brasil, efetivamente se preocupam em ensinar de forma profunda
os conceitos básicos da economia.
princípios De análise Do Direito e Da economia 27
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Em recente obra, Guido Calabresi faz interessante paralelo: diz que John Stuart Mill poderia ser
caracterizado como precursor do direito e economia e Jeremy Bentham como o maior represen-
tante da análise econômica do direito. Calabresi (2016:12).
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Evidentemente que há limitações a este modelo. O modelo do agente racional interpreta ten-
dências importantes do comportamento do ser humano médio, mas não explica e nem quer
explicar desvios cognitivos ou psicológicos daqueles que estão fora da média. Em alguns ca-
sos, esses desvios psicológicos da tendência majoritária podem ser bastante importantes quer
em termos da aplicação do direito, quer na análise normativa. Por exemplo, a incapacidade que
muitos grupos sociais têm em estimar ou mesmo entender a noção de risco pode ter um peso
importante na forma de regular o mercado de seguros ou de impor determinadas regras de res-
ponsabilidade civil. Nos últimos anos, tendo em vista essa preocupação, desenvolveu-se a Escola
Comportamental dentro da AED (behavioral law and economics), que procura avaliar até que
ponto certos desvios cognitivos podem ter importância na análise positiva e normativa.
princípios De análise Do Direito e Da economia 29
como das decisões que poderia ter tomado e não tomou (os custos de oportu-
nidade). O conceito econômico de utilidade é bastante abrangente, refletindo
não só bens materiais ou de consumo, mas também o grau de altruísmo que
um indivíduo tem para com terceiros, incluindo bens não materiais (ou não
mercantis) como a alegria, o amor ou a desilusão. Não há uma medida exata
da utilidade individual, mas sim um conjunto axiomático que estabelece uma
ordem ou hierarquização nas escolhas.
O bem-estar social mede-se pela agregação do bem-estar dos indivíduos.
Também aqui não há uma medida única de agregação, sendo o utilitarismo
(a soma simples e não ponderada da utilidade individual) apenas uma pos-
sibilidade, talvez a mais habitual e não menos isenta de polêmica. Outra me-
dida possível de bem-estar social é aquela desenvolvida por John Rawls, que
consiste na preponderância absoluta dos indivíduos com menor utilidade na
função de bem-estar social.
A escolha da medida de bem-estar social obedece essencialmente a dois
critérios: eficiência e desigualdade de utilidades. Geralmente não é possível
obter mais eficiência sem aumentar a assimetria distributiva. O critério utili-
tarista prefere a eficiência à igualdade distributiva (a rigor, é neutro em relação
à distribuição); a sociedade está melhor se em agregado tem um nível superior
de utilidade. Por sua vez, o critério rawlsiano prefere a igualdade distributiva.
A perspectiva econômica vê o direito como uma instituição que deve
promover a eficiência, contribuindo, dessa forma, para melhorar o bem-estar
social. Contudo, o direito não deve ser usado para corrigir aspectos de distri-
buição ou desigualdade social. A razão é muito simples: existem outros me-
canismos, como a política fiscal ou orçamentária, que podem corrigir esses
aspectos com um menor custo social.
De alguma forma, a justiça expressa em noções de justo castigo ou justa
indenização está normalmente ausente quando falamos de eficiência. Contu-
do, essas noções são bastante relevantes na análise dos problemas jurídico-
-legais, pois muitas vezes se recorre a elas para justificar as normas jurídicas.
O problema mais importante concernente à noção de justiça em termos
de AED é sua imprecisão quando comparada com a noção de eficiência. Esta
difusão de critérios pode significar que não há uma ideia consensual de justi-
ça na sociedade. Uma vez que a perspectiva econômica procura o bem-estar
agregado, a inclusão de uma noção de justiça nem sempre é fácil.
Evidentemente que a noção de justiça é relevante para os dois níveis no
modelo econômico. Primeiramente, ao nível agregado, porque o bem-estar
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Walras (1996) formula sua hipótese de equilíbrio a partir da famosa figura do leiloeiro que
estipula preços relativos arbitrários, até atingir o ponto em que as taxas marginais de substitui-
ção da curva de demanda líquida se igualam à curva da oferta líquida, gerando uma alocação
eficiente de Pareto. Arrow e Debreu (1954) dão formalização matemática à hipótese do equi-
líbrio walrasiano e mostram que, em mercados completos e perfeitamente competitivos, onde
os participantes podem efetuar trocas eficientes de Pareto sem custos de transação, a alocação
final atinge um ponto de equilíbrio eficiente. Ver também: Varian (2006).
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Gráfico 1
Primeiro teorema do bem-estar com demanda perfeitamente elástica
Custo
marginal
Custo
médio
p*
e* Demanda
q*
Fonte: Elaboração própria.
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Neste gráfico representamos uma demanda perfeitamente elástica para a simplificação do
modelo. A hipótese não é necessária para a verificação do primeiro teorema do bem-estar.
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Custo marginal é o custo no qual um produtor deve incorrer para produzir mais uma unida-
de de um determinado bem sob análise.
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A hipótese pode parecer estranha à primeira vista, mas devemos lembrar que a curva de
custo marginal representada pelo modelo leva em consideração os custos de oportunidades
dos produtores. Assim, a remuneração pelo exercício da atividade pelo produtor, pela tomada
de riscos etc. está incluída no valor da melhor alternativa ao exercício da atividade.
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O break-even point é dado pelo ponto em que a curva de custo médio do produtor se en-
contra com sua curva de custo marginal. A função do custo médio é dada pelo valor do custo
total incorrido pelo produtor dividido pela quantidade produzida. Para uma bibliografia sim-
plificada da estrutura de custos do produtor, ver Mankiw (2005). Ver também Varian (2006).
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Falhas de mercado
dos que não são eficientes. Falhas de mercado são frequentemente associadas
com assimetrias de informação, estruturas não competitivas dos mercados,
problemas de monopólio natural, externalidades, ou bens públicos. A exis-
tência de uma falha de mercado é muitas vezes usada como justificativa para
a intervenção governamental em um mercado particular. A microeconomia
ocupa-se do estudo das causas de falhas de mercado, e dos possíveis meios
para corrigi-las, quando ocorrem.
Tal análise desempenha um papel importante em decisões sobre políticas
públicas. No entanto, alguns tipos de intervenções e de políticas governa-
mentais, tais como impostos, subsídios, salvamentos, controles de preços e
salários, e regulamentos, que podem constituir tentativas públicas de corrigir
falhas de mercado, também podem levar a alocações ineficientes de recursos
(às vezes chamadas de falhas de governo). Nesses casos, há uma escolha entre
os resultados imperfeitos, isto é, os resultados do mercado imperfeito, com
ou sem intervenções do governo. Em qualquer caso, por definição, se existe
uma falha de mercado, o resultado não é Pareto eficiente.
Competição imperfeita
Externalidades
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Outros exemplos de externalidades positivas: a) quando um indivíduo se vacina contra
a gripe, todas as demais pessoas com quem ele se relaciona também obtêm benefícios, pois a
probabilidade de incidência da enfermidade se reduz consideravelmente; b) uma propriedade
vizinha bem conservada implica o aumento do valor de mercado das casas.
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Externalidades negativas
Gráfico 2
Externalidades negativas
Custo social
Oferta
Custo privado
Demanda
q* q'
Fonte: Elaboração própria.
Uma solução típica para esse tipo de problema seria a imposição de uma
taxa, pelo Estado, sobre essa atividade, a fim de imputar aos agentes o custo
decorrente da externalidade apontada. No momento em que essa externa-
lidade passa a integrar o custo privado, a curva de custo privado se iguala
à curva do custo social, e o equilíbrio atingido passa a igualar-se ao ponto
ótimo. Ou seja, quando as pessoas passam a arcar com os custos do aumento
do trânsito e da poluição, provenientes da utilização dos carros, o número de
carros tende a diminuir de forma a alcançar a quantidade ótima q*. Dessa
forma, o resultado é a alocação eficiente dos recursos que existiria em um
mercado onde não há falhas.
Externalidades positivas
Gráfico 3
Externalidades positivas
Oferta
Valor social
Demanda
Valor privado
q' q*
Fonte: Elaboração própria.
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Bens públicos
Monopólio natural
mação que a outra. Isso cria um desequilíbrio de poder nas transações que
por vezes pode levar a problemas de alocação. Exemplos desse problema são
a seleção adversa e o risco moral.
O termo “risco moral” designa situações nas quais a conduta de um dos
agentes envolvidos numa relação econômica não pode ser verificada pela
outra parte, e é fundamental para a consecução eficiente do negócio. Se o
comportamento de um dos participantes, que chamaremos de agente, é re-
levante (por sua conduta potencialmente importar em custos para a outra
parte, chamada principal, e em ganhos de desvio para si), existirão incentivos
para que o agente quebre com o estipulado. A relação provavelmente não se
aperfeiçoará da forma contratualmente disposta.
Seleção adversa é o termo que designa a situação em que variações de
qualidade que têm impacto direto sobre o preço estabelecido podem ser fa-
cilmente verificadas por um dos lados do mercado, mas não podem ser veri-
ficadas pelo outro lado. No caso apresentado, os incentivos dados aos parti-
cipantes levam à seleção adversa de bens de qualidade inferior, a despeito de
existirem soluções intermediárias potencialmente eficientes.
Os problemas da seleção adversa e do risco moral decorrem de uma as-
simetria de informações entre as partes: uma das partes possui informações
relevantes para o contrato que a outra parte não é capaz de obter. Tais pro-
blemas são comumente apresentados como razões para a implementação de
regulações de defesa dos interesses dos consumidores. É o caso de regulações
que visam garantir padrões mínimos de qualidade para certos produtos, es-
tipular regras mínimas de garantia, ou critérios de responsabilização civil de
profissionais liberais como advogados ou médicos.
Falhas de governo
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O caso jurídico é conhecido como “sparks from engines”, e podemos encontrar também na
obra de Halsbury e colaboradores (1987).
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Conclusão
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Pode-se pensar no caso de disputas sobre imóveis em que os lindeiros se conhecem bem.
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Referências